22

Click here to load reader

setor humnao

Embed Size (px)

DESCRIPTION

teoria de humano

Citation preview

Educao Especial, Educao de Surdos e a Lngua de Sinais mediada pelo intrprete

1

EDUCAO ESPECIAL, EDUCAO DE SURDOS E A LNGUA DE SINAIS MEDIADA PELO INTRPRETE:

UM ESTUDO DE CASO NO INSTITUTO DE EDUCAO DO CEAR

Special Education, deaf education and the signal language mediated by the interpreter: a study case in Instituto de Educao do Cear.

Marla Vieira Moreira

RESUMO

A poltica de Educao Especial vem tentando definir novos caminhos baseados na proposta de Incluso. Nesta direo, a Educao de Surdos se coloca como parte de um contexto que necessita de estudos para identificar os avanos e dificuldades da aprendizagem desses alunos. Para entender este processo, necessrio conhecer a histria da Educao Especial e os acontecimentos que envolvem a questo da surdez. Dentre os avanos constata-se o reconhecimento da lngua de sinais, suscitando a presena de um novo ator no cenrio educacional, o intrprete de LIBRAS (Lngua Brasileira de Sinais), um profissional em busca do seu papel e de firmar-se como parte integrante da realidade educativa. Diante destas consideraes que relatam aspectos do contexto educacional, o presente estudo investigou a representao do trabalho do intrprete na viso dos alunos surdos e ouvintes. A pesquisa de natureza qualitativa e se caracteriza como estudo de caso, tendo como sujeitos pesquisados intrpretes, alunos surdos e alunos ouvintes. Os instrumentos de coleta de dados utilizados foram a observao participante e a entrevista semi-estruturada. Podem-se apontar como resultados que, de uma maneira geral, essencial na viso de alunos surdos e ouvintes a presena do intrprete na sala de aula. No entanto, mesmo que este profissional minimize as dificuldades lingsticas na comunicao entre surdos e ouvintes preciso repensar como professores e demais alunos lidam com a presena de surdos no cotidiano escolar.

Palavras-chave: Incluso, surdez, intrprete de LIBRAS.ABSTRACT

The Special Education politics keep trying to difine new ways based on the inclusion proposal. This way, Deaf Education put itself as a part of a context which requires research to identify the advancements and difficulties of these students learning process. To understand this process, is necessary to know the Special Education history and the events linked to the deafness question. Between, the advancements we can emphasize the acknowledgement of signal language, suscitating the presence of a new actor in the educational scenery, the LIBRAS (Signal Brazilia Language) interpreter, a professional in search for your role and trying to fix itself as an integral part of the educational reality. In front of these considerations which relate aspects of educational context, the present study investigated the representation of interpreter work by both deaf and hearer students sight. The research is of a qualitative nature and caracterize itself as a study case, having as researched subjects the interpreters and both deaf hearer students. The data collecting tools used were participating observation and semi-structured interview. We can point out as result, in a general way, that the presence of the interpreter in the classroom is essencial by deaf and hearer students sigth. However, even though this professional can minimize the linguistic difficulties in the communication between deaf and hearer is necessary to rethink how teachers and the others students react in the presence of the deaf in the school quotidian.Keywords: Inclusion, defness, LIBRAS Interpreter.

1 INTRODUO

Em sociedades que se proclamam democrticas a educao representa um direito a toda a populao, inclusive as pessoas denominadas portadoras de necessidades educativas especiais. Tal afirmao significa que o sistema escolar deve receber todo e qualquer aluno independente de ser portador de caractersticas fsicas, cognitivas ou comportamentais que o diferencie da populao em geral. Neste contexto a Educao Especial compreendida como uma rea de conhecimento especfica e com um campo de atuao com dimenses conceituais, metodolgicas e polticas suscita um repensar nos modelos at ento utilizados. Um dos campos que requer bastante reflexo a Educao de Surdos devido ao processo de comunicao e expresso. necessrio perceber como vem se construindo todo a histria da educao especial e os movimentos em torno da educao de surdos para definir a origem e relevncia do trabalho do intrprete.

2 A EDUCAO ESPECIAL NO BRASIL

A histria da Educao Especial no Brasil descrita por uma trajetria difcil. Isto ocorreu porque durante muito tempo os deficientes foram considerados margem dos grupos sociais. Segundo Bueno (1993),

A educao especial no Brasil tem como marcos fundamentais criao do Imperial Instituto de Meninos Cegos (hoje, Benjamim Constant) e do Instituto de Surdos-Mudos (hoje, Instituto Nacional de Surdos INES), ambos na cidade do Rio de Janeiro por iniciativa do Governo Imperial (p. 85).A criao desses institutos parece advir de uma influncia de figuras do poder. De acordo Lemos (1981), citado por Bueno (1993), o Imperial Instituto de Meninos Cegos foi criado pela influncia do cego Jos lvares de Azevedo que estudou em um instituto em Paris. Este atravs de uma amizade com um mdico do Pao, Dr. Xavier Sigaud, que possua uma filha cega, conseguiu junto ao imperador a criao do instituto destinado aos cegos atravs de um Decreto Imperial n. 1.428, datado de 12 de setembro de 1854. O Instituto de Surdos Mudos foi criado com o auxlio do Professor Eduard Huet que foi recomendado ao Governo Imperial pelo Ministro da Instruo Pblica da Frana, onde o intermediador foi o Marqus de Abrantes que se tornou por nomeao do imperador o Presidente da Comisso Organizadora do Instituto, o qual foi oficialmente fundado em 26 de setembro de 1857.

Os Institutos pouco tempo depois de terem sido criados passaram por um processo de deteriorao. De acordo com Bueno (1993),

enquanto os institutos parisienses se transformaram em oficinas de trabalho, seus similares brasileiros tenderam basicamente para asilos invlidos (p. 86).

Este fato parece ser decorrente do sistema econmico do pas que na poca era baseado na monocultura para a exportao, onde no havia espao para essa populao no mercado de trabalho. No Perodo Imperial, alm dos Institutos, foi dado incio a um trabalho junto aos deficientes mentais com a criao de hospitais e entidades.

Depois da Proclamao da Repblica, a educao especial foi se expandindo lentamente a exemplo da prpria educao brasileira em geral. O que se pode destacar que a deficincia mental se tornou alvo de ateno no que se refere educao especial, isto percebido devido ao grande volume de instituies criadas (BUENO, 1993).

Nas dcadas posteriores, a educao especial foi se expandindo com o surgimento de entidades privado-assistenciais, todavia, esse crescimento se configurou mais lento que a primeira expanso ocorrida durante o perodo republicano.

Nos anos 30 e 40 a grande incidncia de criao de instituies privadas foi destinada ao atendimento de deficientes mentais e visuais. Muitas dessas instituies estavam ligadas a ordens religiosas, onde predominava o carter filantrpico-assistencial dispondo de um modelo de educao voltado para a caridade pblica. Esta postura suscitou reflexes em pr do reconhecimento da igualdade humana.

Um marco importante que aconteceu aps a Segunda Guerra Mundial foi a ampliao em grande escala de entidades privadas, onde paralelamente houve um aumento no atendimento da rede pblica dando abertura nacional para a criao de federaes estaduais e nacionais de entidades privadas, como tambm o surgimento dos primeiros Servios de Educao Especial nas Secretarias Estaduais de Educao e das campanhas nacionais de educao de deficientes desenvolvidas junto ao Ministrio da Educao e Cultura.

Nas dcadas de 60 e 70, a ampliao da rede privada reforou a importncia dessas entidades dentro da educao especial. Essa ascenso ocorreu devido a sua organizao em nvel nacional, como o caso, por exemplo, das APAEs (Associao de Pais e Amigos do Excepcional) e Federaes Nacionais das Sociedades Pestalozzi que com seus trabalhos e Campanhas influenciaram nas polticas de educao especial (BUENO, 1993).

Outra caracterstica pertencente a essa ampliao foi a diferenciao no atendimento das entidades, as filantrpicos-assistenciais, se dirigiam a uma camada mais pobre da populao e a as empresas prestadoras de servios de reabilitao e educao destinavam seus trabalhos populao de poder aquisitivo mais alto.

Em 1971, foi criado dentro do Ministrio da Educao e Cultura, atravs da Portaria n. 86 de 17/06/71, um Grupo Tarefa com o objetivo de estudar a problemtica da educao especial. Estes estudos culminaram na proposta de criao de um rgo autnomo que se destinasse a dar continuidade s aes desenvolvidas pelas Campanhas e para ampliao do atendimento que passasse a incluir os deficientes fsicos e os superdotados. Concomitante a este fato estava sendo desenvolvido o Plano Setorial de Educao e Cultura 1972/1974 que incluiu atravs do Projeto Prioritrio n. 35, a educao especial como umas das prioridades educacionais do Brasil. Um momento de destaque criao atravs do Decreto n. 72425, de 03/07/73, do Centro Nacional de Educao Especial (CENESP). Este fato um marco importante, pois foi a partir dele que se iniciou uma ao autnoma e sistematizada de um rgo ligado diretamente Secretaria Geral do Ministrio da Educao e Cultura.

Nas ltimas dcadas, registraram-se acontecimentos que marcaram mudanas nas concepes at ento estabelecidas, todavia no se pode deixar de lado o carter assistencialista marcante durante um longo perodo da histria. No mbito legal, so destaques no Brasil:

A Constituio Federal de 1988, Art. 208, inciso III;

A Lei de Diretrizes e Bases da Educao (Lei 9394/96);

Lei 10.436 / 2002 (Lei que aprova a Libras como lngua oficial).

Atualmente a Secretria de Educao Especial o rgo que vem desenvolvendo programas e iniciativas que orientam o atendimento educacional no Brasil. Este trabalho efetuado em consonncia com o Ministrio da Educao, onde as Secretarias Estaduais e Municipais se inspiram no modelo de organizao estabelecido e projetam as metas a serem atingidas.

2.1 Histrico da educao de surdos

No Brasil, a educao de surdos teve incio durante o segundo imprio no ano de 1855, com a chegada do professor surdo francs Edward Hernest Huet.2 O convite feito pelo imperador D. Pedro II consistia em iniciar um trabalho de educao de duas crianas surdas.

Dois anos depois, em 26 de setembro de 1857, foi fundado no Rio de Janeiro o Imperial Instituto de Surdos Mudos com o auxlio de Edwart Huet, onde era utilizada a lngua de sinais.

De acordo com Moura (2000), em 1868 uma inspeo do governo no instituto verificou que ele estava servindo apenas como um asilo de Surdos (p. 82). Este momento histrico da educao de surdos reafirma que neste perodo da educao especial as instituies passaram por um processo de desestruturao reforado pela economia do pas que visava atender a monocultura.

Posteriormente quando aconteceu o Congresso Internacional (1880), em Milo, houve uma grande mudana na educao de surdos, pois muitas discusses e debates que ocorreram tinham o propsito de dar suporte ao movimento oralista. Os argumentos receberam um reforo porque durante o congresso foram apresentados surdos que falavam bem, mostrando assim a eficincia do mtodo.

O Instituto que at ento utilizava sinais, em 1911, seguindo a tendncia determinada pelo Congresso de Milo (1880), estabeleceu o oralismo como mtodo de educao dos surdos.

Na dcada de 30, Segundo Moura (2000), fica clara a postura de normalizao do Surdo e a escalada do ponto de vista mdico na viso da surdez (p. 84). Esta viso advinda do movimento oralista acaba colocando para a educao dos surdos uma busca de igualdade com o sujeito ouvinte e no deixando assim, o surdo afirmar-se como um ser social.

Em 1956 o instituto recebeu o nome de Instituto Nacional de Surdos Mudos e em 1957 chamado de Instituto Nacional de Educao de Surdos (INES), nome que permanece at os dias atuais. Na final da dcada de 70, com a visita de Ivete Vasconcelos, educadora de surdos da Universidade Gallaudet, chegou ao Brasil a filosofia da Comunicao Total. Uma prtica que envolve sinais e outros recursos de comunicao.

Na dcada seguinte, ainda persistiu a prtica baseada na Comunicao Total, no entanto, comearam pesquisas, umas delas feita pela professora de Lingstica Lucinda Ferreira Brito sobre a Lngua Brasileira de Sinais (LIBRAS). O uso de sinais comea a ganhar fora e o pas inicia discusses sobre a filosofia do Bilingismo. Uma prtica que d acentuada importncia lngua de sinais, pois considera ser uma forma de comunicao e expresso prpria das pessoas surdas. Outra caracterstica bsica desta filosofia que os surdos aprendem primeiro a sua lngua nata que a LIBRAS e posteriormente o portugus.

Em 1981, iniciou as primeiras pesquisas sistematizadas sobre a Lngua de Sinais no Brasil, inclusive com a constatao da professora Lucinda Ferreira Brito da existncia de duas lnguas de sinais, uma lngua utilizada nos centros urbanos e a Lngua de Sinais Kaapor Brasileira (LSKB) que utilizada por ndios da tribo Urubus-Kaapor, localizada na floresta amaznica. A pesquisadora, em 1982, comps uma equipe para o desenvolvimento de um projeto intitulado "Levantamento lingstico da Lngua de Sinais dos Centros Urbanos Brasileiros (LSCB) e sua aplicao na educao. A partir desta data, diversos estudos lingsticos sobre LIBRAS so efetuados sobre a orientao da lingista Lucinda Brito, principalmente na UFRJ. A questo da surdez passa a ser alvo de estudos para diversas Dissertaes de Mestrado3 (BRITO, 1993).

O que se percebe que da dcada de 80 at os tempos atuais houve um crescimento de estudos voltados para o uso da Lngua de Sinais, suscitando assim, uma discusso no mbito da educao sobre os recursos gerados para atender as necessidades de aprendizagem dos alunos surdos, onde o surgimento do intrprete da lngua de sinais (ILS) se prope a melhorar estas condies educacionais.

3 O INTRPRETE: DO ONTEM AO HOJE

Traduo, interpretao e verso so denominaes utilizadas para se referir ao trabalho de um intrprete de qualquer lngua (SANDER, 2000). So palavras que tm significados prximos, mas guardam sensveis diferenas de significao. A utilizao destas denominaes ser feito no decorrer do texto de acordo com a abordagem do assunto.

A traduo instrumento que facilita a comunicao e expresso. Existe h muito tempo, todavia, no Brasil, de acordo com Coutinho4 (2000), os intrpretes da Libras surgiram dos laos familiares, da convivncia social (por ser vizinho, amigo da escola, do trabalho, da igreja etc) (p.77)

O exerccio de interpretao, o ILS necessita ter a prtica de uma constante formao, principalmente no mbito lingstico, onde necessrio o contato efetivo para que possa retratar de maneira fiel as nuanas prprias da lngua. Pode-se destacar que (NOBRE e PIRES/1998)5 importante que o intrprete de lngua de sinais conhea previamente o texto da lngua-fonte, com a finalidade de realizar um trabalho mais fiel (p. 4) Outro fator bastante relevante que:

O intrprete precisa conviver e conhecer as especificidades da comunidade surda, sua histria, seus costumes, a fim de relacionar a semelhanas ou dessemelhanas da lngua/cultura de partida (lngua portuguesa) com a lngua/cultura de chegada (LBS). (NOBRE, PIRES, 1998, p. 5)

Na dcada de 80 os intrpretes tinham como preocupaes profissionais estar sempre perto dos surdos convivendo, aprendendo e favorecendo a participao efetiva nas diversas situaes. Esta caracterizao profissional teve como reflexo a existncia de poucos registros da profisso de intrprete no Brasil at a dcada de 1980. Somente a partir de 1988 foi que algumas publicaes mencionaram este trabalho (COUTINHO, 2000).

O intrprete era uma pessoa que atuava at ento, sem legalizao profissional, conseqncia da no-oficializao da Lngua Brasileira de Sinais LBS, entretanto no ano passado foi oficializada. De acordo com o art. 1 da Lei 10.436 de 24 de abril de 2002 reconhecida como meio legal de comunicao e expresso a Lngua Brasileira de Sinais - Libras e outros recursos de expresso a ela associados.

Este fato est provocando um movimento em busca de estabelecer condies para que a atuao profissional seja reconhecida como profisso, j que a lngua a que permite a existncia de um tradutor. O profissionalismo tambm nos remete a considerar importantes situaes e condies que auxiliaram o intrprete da Libras. Segundo Coutinho (2000), os intrpretes necessitam pensar nos seguintes aspectos:

Modalidades de interpretao;

Jornada de trabalho;

Formao acadmica pessoal;

Formao acadmica profissional;

Qualidades e caractersticas necessrias ao intrprete; e,

O processo de interpretao.

Esta formao est comeando a ser pensada como numa perspectiva voltada no somente para o conhecimento de uma lngua, mas de tudo que envolve a questes da surdez.

As reas de atuao do intrprete de lngua de sinais so vrias: em eventos (palestras em congressos, seminrios, fruns, encontros), instituies de ensino, rea mdica (consultas, internaes) e judiciria (depoimentos, audincias). As possibilidades de o intrprete assumir outras reas vm crescendo, principalmente no mbito da educao. O que nos faz refletir que (NOBRE e PIRES/1998) necessitamos de uma legislao que resguarde a verdadeira dimenso que o intrprete possui frente participao da pessoa surda no meio educacional (p. 7).

O intrprete dentro da escola vem sendo uma tentativa para a melhoria da Educao de Surdos. No momento no se pode dizer que o ideal a ser feito, todavia algumas dificuldades parecem estar sendo amenizadas.

De acordo com a Federao Nacional de Educao e Integrao do Surdo (FENEIS) a importncia do intrprete reforada mediante a comprovao cientfica de que a leitura labial apresenta falhas em torno de 30% a 40% esta situao sendo referente a um surdo adulto com habilidade neste tipo de leitura. Outro fator relevante que alguns surdos no se sentem vontade oralizando. Esta necessidade no est somente na escola, mas tambm em hospitais, delegacias, servios pblicos, congressos e outros locais que demandem a necessidade de uma traduo para um pblico surdo.

importante ressaltar que esta necessidade tambm precisa respeitar a deciso do intrprete em aceitar ou no o trabalho. De acordo com Sander6 (2000), ningum obrigado a aceitar interpretar algo que v contra sua filosofia, crena, ideologia etc (p. 80) Caso aceite atividades que sejam contra seus valores, importante o compromisso tico de desempenhar a funo na qual est sendo convocado.

No mbito educacional explicita a importncia do intrprete, porm necessrio construir suas posies, posto que, na prtica parece transcender sua funo de mediador de uma lngua. Explicando um pouco melhor, a questo que o aluno surdo tem muita vontade de aprender e seu elo com a aprendizagem o intrprete. Este fato torna esse profissional mais prximo dos alunos surdos.

um novo espao conquistado numa tentativa de melhorar a Educao de Surdos, todavia, h de se destacar, que uma poltica de valorizao dessa profisso depende da criao e manuteno de cursos para formao de intrprete. Essa organizao do trabalho pedaggico nos faz refletir at que ponto o professor est preparado para a diversidade a que a escola de hoje se prope.

4 TRAJETRIA METODOLGICA

Tendo em vista os objetivos traados, a pesquisa qualitativa e a investigao de campo do tipo de estudo de caso7, na qual os sujeitos pesquisados foram intrpretes, alunos surdos e alunos ouvintes.

A discusso que embasa o problema de pesquisa objetiva perceber as vantagens e desvantagens na dinmica das relaes pedaggicas estabelecidas entre intrprete e alunos.

Os objetivos a serem alcanados na realizao desse estudo, necessitaram respeitar critrios no que se refere escolha da amostra. Os critrios estabelecidos foram os seguintes:

a) Uma escola pblica, rede municipal ou estadual da cidade de Fortaleza-Ce;

b) Escola onde tenha sido implementado o trabalho do intrprete no mbito da sala de aula;

c) Ao todo, o trabalho foi desenvolvido com intrpretes, alunos surdos e ouvintes;

d) Os sujeitos da pesquisa foram acompanhados no perodo letivo de setembro, outubro e novembro de 2002.

A instituio foi escolhida foi o Instituto de Educao do Cear, localizado na rua Graciliano Ramos n0 52 - Ftima, vizinho ao Conselho Estadual de Educao. A escola j desenvolve este trabalho com surdos desde 1999, tornando assim, uma referncia neste tipo de experincias. Atualmente so cinco intrpretes distribudos em salas que tenham alunos surdos.

Selecionada a escola, seguiu-se o momento da escolha das salas de aulas a serem observadas. Um dos critrios foi que os alunos no estivessem no perodo de estgio, pois dificultaria as observaes devido ao fluxo na escola nesta fase ser reduzido. Este estudo foi realizado no turno da noite com trs intrpretes, alunos surdos e alunos ouvintes. A amostra entrevistada foi de nove alunos surdos e cinco alunos ouvintes.

Como estratgia para coleta de dados, utilizou-se a observao participante e a entrevista semi-estruturada. A observao participante um instrumento que permite ao pesquisador:

(...) introduzir-se no mundo das pessoas que pretende estudar, tenta conhec-las, dar-se a conhecer e ganha a sua confiana, elaborando um registro escrito e sistemtico de tudo aquilo que observa (BOGDAN, BIKLEN, 1994, p. 16).

No perodo em que foram realizadas as observaes surgiu a oportunidade de conhecer um pouco do cotidiano da sala de aula. O acompanhamento foi feito procurando perceber as relaes estabelecidas entre alunos surdos e o intrprete. A recepo de professores, alunos e intrpretes a presena de uma pessoa diferente dentro ambiente pareceu no demonstrar insatisfao ou constrangimento.

Foi notvel a interao imediata dos alunos surdos que estabeleceram uma aproximao aps perceber que havia um observador com um certo domnio da lngua de sinais. Tornou-se um pouco difcil observar todos os acontecimentos da sala de aula, pois o nico instrumento utilizado foi o registro escrito que, todavia no comprometeu o rendimento do estudo, apenas, o tornou um pouco mais trabalhoso.

A relao com os demais alunos e com os professores se estabeleceu de maneira satisfatria ao longo da pesquisa, onde no foi encontrado nenhuma resistncia. Acredita-se que um dos fatores que propiciaram esse bom relacionamento com as pessoas que procuram desenvolver algum tipo de estudo na escola se deve ao costume de receber alunos que esto em estgios-supervisionados nas universidades e tambm desenvolvendo trabalhos monogrficos.

Uma caracterstica marcante nas observaes era a proximidade dos alunos surdos com o intrprete. O que no se observava em todos os momentos com os professores. Este aspecto foi percebido devido a alunos, intrpretes e professores terem sido observados em diferentes momentos do cotidiano de sala de aula. A partir das situaes registradas, buscou-se elaborar um roteiro de entrevista onde se pudesse perceber a representao do intrprete para os alunos surdos e alunos ouvintes.

Um outro momento construdo na pesquisa de campo foi a entrevista semi-estruturada. Um instrumento que consiste em estabelecer um dilogo com os sujeitos da pesquisa guiada por tpicos previamente escolhidos. uma estratgia onde se pode ter a certeza da obteno de dados comparveis entre os vrios sujeitos e que de acordo com Bogdan e Biklen (1994),

mesmo quando se utiliza um guio, as entrevistas qualitativas oferecem ao entrevistador uma amplitude de temas considervel, que lhe permite levantar uma srie de tpicos e oferecem ao sujeito a oportunidade de moldar o seu contedo (p. 135).

As entrevistas feitas com os alunos surdos e ouvintes foram realizadas com o auxlio de um gravador e em momentos diferentes. No caso da entrevista com os surdos, tambm houve a colaborao de um intrprete. No houve critrios de escolha. Os alunos eram convidados a relatar suas experincias de uma forma aleatria respeitando a vontade de cada um. Os ouvintes foram entrevistados durante uma semana, onde se mostraram muito solcitos e satisfeitos por estarem dando uma contribuio para o estudo. Na semana subseqente os surdos passaram pelo mesmo processo, onde tambm se mostraram dispostos a colaborar.

Durante as entrevistas, alguns questionamentos emergiram, e no caso dos alunos surdos foi necessrio um outro dilogo para fazer alguns esclarecimentos principalmente no que se refere relao entre professores e intrpretes.

Os Resultados foram construdos com base na anlise de contedo das falas e depoimentos sinalizados dos entrevistados juntamente com os registros feitos nas observaes. Tendo em vista que a maior parte dos dados da pesquisa se constitua das respostas dos entrevistados, foi feita a opo por apresent-las de forma sistemtica no corpo do trabalho.

No decorrer deste processo, procurou-se nomear cada participante por cdigos: os alunos surdos foram identificados pelas letras As seguida do nmero correspondente ordem das entrevistas (As-1, As-2, . . .) e os alunos ouvintes pelas letras Ao (Ao-1, Ao-2, ...). Essa codificao ajudou a identificao da autoria dos depoimentos e a estabelecer as relaes entre as diferentes respostas. Os dados foram colhidos, organizados e analisados para a construo dos resultados. H de se destacar que os depoimentos dos alunos surdos foram traduzidos por um intrprete e por este motivo esto entre barras.

Neste momento, o exerccio procurar no s um olhar de um curioso, mas tambm construir uma reflexo entre o que est posto na teoria e o que se percebe na prtica.

5 ANLISE E RESULTADOS

Na trajetria metodolgica foram relatados os passos da pesquisa e tambm foi descrito que as entrevistas obedeceram a uma disposio sistemtica para que se pudesse compreender os resultados obtidos no decorrer do estudo. A pesquisa comear a partir deste momento a discorrer constataes permeadas de uma reflexo no que diz respeito ao aporte terico conquistado durante o desenvolvimento do trabalho.

O que foi constatado nas observaes e confirmado na entrevistas que os intrpretes tm um bom relacionamento com os ouvintes e at convida-os a aprender a lngua de sinais. Este convite feito na busca de uma aproximao entre alunos ouvintes e surdos. No entanto, o que se percebe que mesmo com esta mobilizao em pr desta proximidade a comunicao ainda o maior empecilho para que isto se confirme o que se pode depreender das falas a seguir:

meio difcil. (. . .) Por causa da comunicao. Eu no entendo totalmente a LIBRAS. Sei pouqussimas coisas (Ao 1).

No. Consigo no porque eu no sei me comunicar com eles. Eu no sei os sinais (Ao 4).

A presena de alunos surdos na escola j tem em torno de quatro anos, mas algumas vezes bem estranho (Ao 2) quando os alunos novatos chegam escola e passam ter que ver essa realidade como natural. revelado de acordo com as falas que o incio da convivncia suscita algumas adaptaes, como, por exemplo:

O professor tem que ir mais devagar na matria (. . .) um pouco diferente (Ao 5).

No tocante a relao professor e intrprete foi possvel perceber que o convvio relativamente favorvel, alguns professores so referncia na relao professor-aluno. Os alunos surdos em sua maioria acreditam que o relacionamento positivo, todavia apresenta restries. Dentre o pblico surdo entrevistado, sete alunos fizeram referncia a restries. Algumas das dificuldades apontadas pelos entrevistados foram a falta do intrprete ao trabalho e a desconfiana acerca do comportamento do intrprete:

/Por que tem professor que no gosta e s vezes o intrprete falta, ento difcil a compreenso/ (As 1).

s vezes o intrprete est falando uma coisa com os surdos, o professor desconfia da nossa conversa. s vezes at relacionado disciplina que eles esto conversando a intrprete com o a gente est conversando e professor desconfia da comunicao/ (As 7).

Esta realidade dispe que alguns professores sentem ainda dificuldade na aceitao do diferente. A literatura explica de acordo com Caetano (1998) citado por Lacerda (2000) que:

(. . .) a atuao do intrprete em sala de aula apoiando os professores que lecionam para os surdos, pode contribuir para o fim do bloqueio da comunicao, que, muitas vezes distancia ou isola o surdo dos ouvintes e dos contedos que precisam ser apreendidos (p. 62).

Dentre os procedimentos que envolvem o processo de aprendizagem e a dinmica de comunicao em sala de aula, o ato de fazer uma pergunta para o professor segue uma seqncia de passos que consiste:

/Passo pro intrprete e ele passa a pergunta para o professor e o professor responde e o intrprete passa pra mim/ (As - 9).

O intrprete de lngua de sinais baseado na resposta deste aluno a pessoa que, parte da lngua de sinais, traduzindo em tempo real (interpretao simultnea) ou com pequeno espao de tempo (interpretao consecutiva) uma lngua sinalizada para uma lngua oral (ou vice-versa)8.

A presena de surdos em sala de aula na viso dos alunos ouvintes foi percebida de forma positiva que observa nas falas a seguir:

Assim, uma nova experincia e tambm muito interessante porque voc estudar com eles, voc tambm aprende a lngua deles (Ao 5).

uma experincia nova para mim e pra minha turma, no incio foi difcil, porm agora j esto mais habituados uns com os outros (Ao 3).

Outras posturas foram percebidas principalmente no que concebe perspectiva de futuro na viso dos alunos surdos. Dentre os entrevistados seis alunos afirmaram com uma certa preciso que pretendiam cursar uma faculdade e ainda revelaram o curso almejado como pode se perceber nos depoimentos a seguir:

/Eu pretendo fazer faculdade de artes/ (As 4).

/Quando terminar o terceiro ano, eu pretendo fazer Educao Fsica. Tentar Educao Fsica para trabalhar com esporte. O esporte de um modo geral, vlei, basquete, natao, futebol e outros/ (As 9).

Mesmo em meio a dificuldades especficas de uma dinmica pedaggica que perpassada pelo uso da lngua de sinais, constatou-se, os alunos surdos acreditam na possibilidade de uma produo intelectual e afetiva.

6 CONSIDERAES FINAIS

A experincia relatada pretende dar subsdios para reflexes sobre a Educao de Surdos. Assim, a realidade apresentada no tem a pretenso de dar conta de grandes generalizaes, apenas um incio de um estudo que visa acompanhar e contribuir na evoluo do trabalho do intrprete. O estudo deste caso preocupou-se em analisar as questes que circundam a Educao Especial, pois se trata de uma pesquisa voltada para a realidade que permeia a Educao de Surdos.

Procurou-se dar uma importncia em um primeiro momento aquisio do conhecimento terico acerca do tema abordado procurando, sempre que possvel, fazer reflexes a respeito das informaes encontradas. Deu-se nfase a lngua de sinais, pois sua existncia valida o desenvolvimento do trabalho do intrprete frente aos surdos.

A investigao de campo confirmou em alguns aspectos o que a reviso de literatura apontava, principalmente, a importncia do uso da LIBRAS, como tambm a relevncia do intrprete no mbito educacional. No entanto, existem observaes quanto ao convvio de surdos e ouvintes, isto porque so usurios de lnguas diferentes (ROSSI, 2002), onde aproximao um percurso ainda em construo.

O campo investigado tambm contempla outras possibilidades de estudo, um aspecto tambm percebido foi que existe uma grande necessidade de verificar at que ponto o contedo traduzido na relao professor-aluno foi apreendido.

Este e outros aspectos que envolvem a dinmica das relaes pedaggicas entre professores, alunos (surdos e ouvintes) e intrpretes podem ser observados em prximos estudos procurando contribuir para formao de todos os envolvidos. Assim como ajudar na criao e desenvolvimento de iniciativas que possam ser implementadas e avaliadas na realidade educacional.

7 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

BOGDAN, R.; BIKLEN, S. 1994. Investigao qualitativa em educao: uma introduo teoria e aos mtodos. Portugal, Ed.Porto.

BRITO, Lucinda Ferreira. 1993. Integrao Social e Educao de Surdos. SP: Ed. Babel.

BUENO, J. G S. 1993. Educao Especial Brasileira: interao/segregao do aluno diferente. SP: EDUC.COUTINHO, D. M. D. et. al. 2000. O Intrprete da LIBRAS Um Olhar sobre a Prtica Profissional. Trabalho apresentado no V Seminrio Nacional no INES, Rio de Janeiro.

LACERDA, C. B. F. 2000. A prtica pedaggica mediada (tambm) pela lngua de sinais: Trabalhando com sujeitos surdos. Caderno Cedes, ano XX, n. 50 pp. 70-83.

____________. 2000. O Intrprete de Lngua de Sinais no Contexto de uma Sala de Aula de Alunos Ouvintes: Problematizando a Questo. In: Surdez: processos educativos e subjetividade/Organizadoras Cristina Broglia Feitosa de Lacerda, Maria Ceclia Rafael Ges, So Paulo: Editora Lovise.

MOURA, M. C. 2000. O Surdo: caminhos para uma nova identidade. Rio de Janeiro: Revinter.

NOBRE, M. A.; PIRES, C. L. dez/98. Intrprete de Lngua de Sinais: consideraes preliminares. In: Revista Espao Aberto, INES.

ROSSI, C. R. 2002. A Lngua Brasileira de Sinais (LBS) e o intrprete mediando o processo da construo de aprendizagem de sujeitos surdos inseridos na sala de aula de alunos ouvintes. Trabalho apresentado no ENDIPE. Graduada em Pedagogia, Universidade Estadual do Cear e cursa Especializao em Gesto Escolar.

Bueno, Jos Geraldo S. Professor Dr. em Educao pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo PUC/SP, Professor Titular do Programa de Ps-Graduao em Educao : Histria, Poltica, Sociedade da PUC/SP, Professor Titular do Programa de Ps-Graduao em Distrbios do Desenvolvimento da Faculdade Presbiteriana, Mackenzie/SP.

2 HUET, Edward Hernest Professor surdo francs que veio para o Brasil a pedido da Corte Imperial por intermdio do Marqus de Abrantes.

3Caldas, Beatriz Fernandes. narrativas em LSCB: um estudo sobre referencia mestrado em lingstica. Faculdade de Letras, UFRJ.

Vieira dos Santos, Deise. Coeso e coerncia na escrita de surdos. Faculdade de Letras - UFRJ.

4COUTINHO, Denise Maria Duarte Intrprete de Libras reconhecida pela FENEIS. Autora dos livros: LIBRAS e Lngua Portuguesa (semelhanas e diferenas) v. I e II.

5 NOBRE, Maria Alzira Prof. Dra. do Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade Federal de Santa Maria RS (UFSM) e PIRES, Cleidi Lovatto - Mestre em Educao pela UFSM;Professora da Universidade de Santa Cruz do Sul/RS.

6 SANDER, Ricardo Diretor da Escola Luterana de So Mateus, Sapiranga/RS; Coordenador dos intrpretes da FENEIS. RS e intrprete da Ulbra (Universidade Luterana do Brasil, Canoas), Rio Grande do Sul.

7 Estudo de Caso Segundo Merriam (1988), consiste na observao detalhada de um contexto, ou indivduo, de uma nica fonte de documentos ou de um acontecimento especfico.

8 Informaes encontradas na home page na Internet com o seguinte endereo eletrnico http://www.sentidos.com.br/jornaldosurdo/noticias-oqueinterprete2.html visitado em 17/11/2002.