120
Sheila Pérsia do Prado Cardoso Melatti A arquitetura escolar e a prática pedagógica Orientador: prof. dr. Luís Gonzaga Mattos Monteiro UDESC/SOCIESC 2004

Sheila Perci A

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Arquitectura na escola

Citation preview

  • Sheila Prsia do Prado Cardoso Melatti

    A arquitetura escolar

    e a prtica pedaggica

    Orientador: prof. dr. Lus Gonzaga Mattos Monteiro

    UDESC/SOCIESC

    2004

  • II

    UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA UDESC

    CENTRO DE CINCIAS TECNOLGICAS CCT

    MESTRADO EM EDUCAO E CULTURA

    A arquitetura escolar e a prtica pedaggica

    SHEILA PRSIA DO PRADO CARDOSO MELATTI

    Dissertao apresentada ao curso de

    Mestrado em Educao e Cultura da

    Universidade do Estado de Santa

    Catarina UDESC, como requisito

    parcial para obteno do ttulo de mestre.

    Joinville 2004

  • III

    AGRADECIMENTOS

    A DEUS, pela fora e pela luz que muitas vezes parecia ser to fraca.

    SOCIESC, por esta parceria com a UDESC, que oportunizou o crescimento dos seus professores.

    Ao meu orientador e amigo, professor Lus Gonzaga Mattos Monteiro, que confiou no meu projeto e acreditou nesse resultado desde o incio do mestrado.

    A minha famlia, que com carinho tolerou minha ausncia em momentos to importantes e, em silncio, me apoiou.

    E a todos que direta ou indiretamente me apoiaram nas pesquisas e abriram as portas para a coleta de dados, muitos deles sigilosos, sem os quais este trabalho

    no ficaria completo.

  • IV

    DEDICATRIA

    Dedico este trabalho aos meus pais, Prsio e Cida, que sempre me

    acompanharam nessa caminhada, torcendo por mim nas horas de dificuldade e

    vibrando a cada conquista, desde o primeiro diploma do primrio, passando pelo

    ensino mdio, faculdade, especializaes e agora com o mestrado. Ao meu

    companheiro e esposo, Slvio, que tanto me incentiva e que com sua pacincia e

    seu amor, junto de mim, revisa letra a letra e me ensina a cada instante ter cuidado

    para escrever. E a minha princesa, Beatriz, que est prestes a chegar e que

    enquanto escrevia, singelamente me cutucava, pois alm do meu silncio, a posio

    no era nem um pouco cmoda para ela, e que foi um dos principais incentivos na

    finalizao deste trabalho.

  • V

    SUMRIO

    1. INTRODUO...........................................................................09

    2. HISTRIA E TEORIA...............................................................19

    2.1 O mundo antigo................................................................19

    2.2 A maquinaria escolar........................................................28

    2.3 O mundo moderno e contemporneo..............................35

    2.4 Escola x arquitetura.........................................................41

    2.4.1 Elementos externos............................................42

    2.4.2 Elementos internos............................ ................43

    3. INDO A CAMPO........................................................................49

    3.1 Instituio 1......................................................................49

    3.2 Instituio 2......................................................................51

    3.3 Instituio 3......................................................................52

    3.4 Instituio 4......................................................................54

    3.5 Instituio 5......................................................................55

    3.6 Instituio 6......................................................................57

    4. CONSIDERAES FINAIS....................................................60

    5. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS.......................................73

  • VI

    6. ANEXOS.........................................................................................76

    Anexo 1- Altura das janelas........................................................77

    Anexo 2 - Janelas nas costas dos alunos...................................79

    Anexo 3 - Portas de sala de aula................................................82

    Anexo 4 - Degraus em sala de aula............................................91

    Anexo 5 - Acstica, iluminao direta.........................................93

    Anexo 6 - rea verde e escolas visitadas...................................98

    Anexo 7 - Distribuio dos prdios de sala de aula e campus..113

    Anexo 8 - Propostas discutidas e aceitas..................................116

  • VII

    RESUMO

    MELATTI, SHEILA PRSIA DO P. CARDOSO. A ARQUITETURA ESCOLAR E A PRTICA

    PEDAGGICA. FLORIANPOLIS, 2004. 112 P. DISSERTAO (MESTRADO EM EDUCAO E

    CULTURA) - UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA UDESC

    Este trabalho se prope a discutir a influncia da arquitetura na educao, tomando

    por base a trajetria dessas duas reas ao longo da histria e estudos tericos

    desenvolvidos especialmente por Foucault, Neufert e Paulo Cas, alm de

    pesquisas de campo realizadas em instituies de ensino de trs estados brasileiros.

    procurou-se focar de modo particular a sala de aula como ambiente arquitetnico

    que interfere no processo de aprendizagem do aluno. Por fim, apresentada uma

    proposta de interveno tendo em vista a construo de uma escola ideal.

    PALAVRAS-CHAVES: ARQUITETURA, EDUCAO, FOUCAULT, NEUFERT, SALA DE

    AULA, PRTICA PEDAGGICA.

  • VIII

    ABSTRACT

    MELATTI, Sheila Prsia do P. Cardoso. School architecture and pedagogic practice.

    Florianpolis, 2004. 112 p. Dissertation (Masters degree in education and culture)

    Santa Catarina State University UDESC

    This work proposes to discuss the influence of architecture on education, from three

    starting points: first, the trajectory of these two areas in history; second, the

    theoretical studies carried out, especially by Foucault, Neufert and Paulo Cas; and,

    third, field research carried out between 2002 and 2004 in teaching institutions in

    three Brazilian states (So Paulo, Santa Catarina and Rio Grande do Sul). The

    survey of data resulted in the formulation of proposals for construction of the ideal

    school space, and that at the end of the work, some of them were put into practice by

    one of the institutions researched. The focus was particularly on how the architectural

    environment affects the learning process of the pupil, considering the requirements

    such as acoustics, lighting, physical and visual comfort (colors) and furnishing.

    Key words: Architecture, education, Foucault, Neufert, Classroom, Pedagogic

    practice.

  • 9

    1. INTRODUO

    Aps dcadas de discusso centrada unicamente nos mtodos de ensino e

    nas teorias da aprendizagem, um tema novo vem ganhando importncia entre os

    educadores quando se analisa o processo educacional como um todo: o bem-estar

    do aluno e sua relao com o ambiente escolar. O papel do meio fsico, da estrutura

    onde se d o ensino e onde o aluno passa grande parte do seu tempo, fez surgir o

    que se chama de Arquitetura Escolar.

    este ramo da arquitetura que o presente estudo se prope pesquisar,

    verificando at que ponto ela pode interferir na prtica pedaggica e desempenho do

    aluno nas escolas e universidades. O foco ser principalmente a sala de aula, que

    hoje, na maioria das escolas, est sendo utilizada por alunos de diversas faixas

    etrias devido ao alto custo de prdios especficos para determinada idade. Os

    casos analisados iro abranger desde a 5 srie do ensino fundamental at a

    universidade, que muitas vezes usam o mesmo tipo de sala de aula. Verificando nas

    seguintes formas de anlise: elementos internos e elementos externos, um trabalho

    de pesquisas de campo e observao em conjunto com a reviso bibliogrfica.

    Para tanto, parte-se de alguns conceitos estabelecidos por profissionais e

    estudiosos da rea, como Richard Neutra, Paulo Mendes da Rocha, Paulo Cas,

    Oscar Niemeyer, Frank Lloyd Wright, Antoine Predock, Ernest Neufert, alm de

    tericos como Michel Foucault, Fustel de Coulanges, Pierre Bourdieu, Jlia Varella e

    Mrio Manacorda.

  • 10

    O arquiteto Paulo Mendes da Rocha1, refletindo sobre os dilemas da

    profisso, dizia: "A arquitetura deve responder nitidamente s situaes

    fundamentais que amparam a vida humana" (ROCHA, 2001:15). Assim, ele coloca os

    arquitetos diante de uma grande responsabilidade, inclusive porque acrescenta o

    argumento de que habitamos uma parte do planeta recentemente inaugurada no

    plano do conhecimento. Tomando essa idia inicial como parmetro para analisar o

    mundo de hoje, pergunta-se: onde est o foco do amparo vida humana? Quais so

    as situaes fundamentais em se que deve atuar? E, afinal, pode-se falar em

    amparo, ou seria mais apropriado, diante da crise atual, tratarmos logo do

    desamparo do homem? Antes disso, porm, surge uma questo que parece anterior

    a todas as outras: onde deve nascer a maior preocupao com o ser humano seno

    na escola? Todos concordam que ali, naquele espao pblico, que se forma a

    base do cidado. Porm, como toda disciplina recente, a Arquitetura Escolar ainda

    est recheada de muitas suposies tericas sem comprovao, embora no haja

    dvidas quanto influncia das estruturas espaciais sobre o comportamento

    humano.

    A qualidade de vida no ensino uma preocupao crescente entre

    administradores e educadores. Porm, necessrio estabelecer novos parmetros,

    estudar melhor a interferncia da estrutura fsica no homem, pensar a espacialidade

    para criar novos horizontes, usando a imaginao quanto forma das coisas que

    haveremos de construir. Por isso, preciso mais e mais pesquisas.

    Um exemplo de preocupao arquitetnica nas escolas o trabalho de 1 Paulo Archias Mendes da Rocha nasceu em Vitria, no Esprito Santo, formou-se na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Mackenzie, em So Paulo, em 1954, e lecionou na USP. Tem como principais projetos o pavilho do Brasil na Expo 70, em Osaka (Japo) e o Museu Brasileiro de Esculturas em So Paulo, obra que lhe valeu a indicao do prmio Mies van der Rohe de Arquitetura Latino-americano de Barcelona (1999).

  • 11

    Richard Neutra2, cujos projetos priorizavam a luminosidade, a ventilao e a

    visibilidade no sentido do bem-estar do aluno. Sobre esse autor, Lamprecht afirma:

    Os edifcios escolares de Neutra apresentavam uma nova concepo de espao educacional. Suas revolucionrias idias estavam atreladas ao seu agudo senso de observao do comportamento humano em relao s caractersticas do ambiente natural e, digamos assim, arquitetnico, e fundamentadas em uma abordagem prpria da arquitetura, chamado por Neutra de biorrealismo. Decorriam, ainda, de sua observao sobre o processo de ensino-aprendizagem e o comportamento dos alunos em sala de aula, apoiados no estudo de documentos cientficos da poca, como aqueles que apontavam a necessidade de crianas de um volume de oxignio duas ou trs vezes maior do que um adulto. Da decorrem os sistemas engenhosos, empregados nas escolas, para a constante troca de ar nas salas de aula. Em muitos casos, sua intuio sobre as caractersticas mais adequadas para o ambiente escolar foi posteriormente comprovada por estudos cientficos (LAMPRECHT, 2000:80). 3

    A arquitetura tem uma contribuio fundamental nesse campo. Com seu

    domnio sobre concepo de espao e sobre a influncia dos materiais, da natureza

    e das cores nas pessoas, o arquiteto poder interagir com os demais profissionais

    envolvidos no processo de aprendizagem para criar um ambiente escolar agradvel

    e estimulante tanto a alunos quanto a professores. Ainda segundo Lamprecht:

    Neutra acreditava que o contato com a natureza era importante para a formao das crianas, porm, o que lhe parece evidente que a soluo espacial encontrada por Neutra possibilitava a realizao de procedimentos pedaggicos menos formais. O acesso ao exterior permitia o desenvolvimento de atividades pedaggicas mais dinmicas, superando a ortodoxa e esttica relao aluno/carteiraprofessor/quadro negro. A mesma dinmica Neutra imprimiu no desenho do mobilirio, nunca fixo, permitindo que muitas atividades fossem desenvolvidas no ptio, extenso natural da sala de aula, e na possibilidade de eliminar o quadro negro, j que, segundo ele, as crianas teriam um melhor aprendizado prximo do cho, como os

    2 Richard Neutra (1892 1970), austraco naturalizado americano, foi um dos mentores da chamada arquitetura social. Sua visita ao Brasil, em 1945, inspirou a publicao, trs anos mais tarde, do livro Arquitetura social em pases de clima quente (So Paulo: G. Todtmann, 1948), em que reuniu projetos realizados para o programa de educao e sade do governo de Porto Rico, alm de trabalhos para reas habitacionais na Califrnia.a conciliava racionalizao e adequao climtica. 3 Citado por AMORIM, Luiz & LOUREIRO, Cludia, em comunicao apresentada no IV Seminrio Docomomo Brasil, realizado em Viosa (MG) de 30 de outubro a 3 de novembro de 2003.

  • 12

    Homo sapiens o fizeram. (LAMPRECHT, 2000:80).

    Na contramo dessas idias, v-se ainda hoje alunos brasileiros estudando

    em salas fechadas, mal ventiladas, algumas com janelas to altas que mal permitem

    enxergar o ambiente externo. Os conceitos daquela arquitetura to inovadora e ao

    mesmo tempo to antiga defendida por Neutra e outros no prosperaram por

    desconhecimento ou por serem inviveis na prtica?

    Portanto, o objetivo deste estudo analisar o grau de influncia da arquitetura

    na escola em geral e na aprendizagem do aluno em particular, focando

    principalmente o espao das salas de aula. Como dizia Certeau:

    assim que o espao cotidiano, e por isso mesmo de cotidianidade, que a escola, vai exigir, por todo lado, que se tirem do esquecimento e do desconhecimento as prticas que nele se do, o uso que nele se faz. (CERTEAU, 1994, apud ALVES,1998:50)

    Partindo de uma experincia profissional concreta e amparando-se na

    escassa bibliografia existente, o trabalho ser desenvolvido, em sua maior parte,

    atravs de pesquisas de campo. Aps consolidar as informaes histricas e a base

    conceitual, sero propostos projetos que se encaixem nas solues apontadas por

    este estudo, de modo a contribuir para que a arquitetura passe a ser vista como um

    importante instrumento do processo educacional.

    O fato de a arquitetura desenvolver-se rapidamente, impulsionada pela

    criao de novos materiais de baixo custo e de tecnologias que proporcionam

    construes melhores e mais seguras, fez com que se buscasse aplicar esse

    conhecimento especificamente aos ambientes escolares, onde as inovaes, de

    modo geral, costumam chegar bastante tarde. A base de inspirao, mais uma vez,

    a Europa, onde predominam grandes reas de lazer nas escolas e universidades,

    com espaos de convvio, salas harmoniosas e uma preocupao constante com o

  • 13

    bem-estar dos alunos. Antes de tudo, preciso deixar clara a dimenso histrica da

    importncia da arquitetura nas escolas, conforme Bourdieu:

    Ao tratar da questo espao escolar, temos que nos haver com dois estados da histria (ou do social): a histria, no seu estado objetivado, quer dizer, a histria que se acumulou ao longo do tempo nas coisas, mquinas, edifcios, monumentos, livros, teorias, costumes, direito, etc. e a histria no seu estado incorporado, que se tornou habitus4. (BOURDIEU, 1989:82)

    A importncia do ambiente escolar pode ser testada numa experincia

    simples e corriqueira: quando se leva uma criana pela primeira vez escola, ela

    normalmente reage de forma imediata, demonstrando o impacto agradvel ou no

    que lhe causou o "espao", a estrutura, as cores, enfim, o conjunto fsico do colgio.

    Cely Arena, orientadora pedaggica de uma instituio de ensino de So Paulo,

    alerta para esse processo:

    Nessa escolha pesam fatores de ordem prtica, como a distncia, a amplitude e as condies do espao fsico, a segurana oferecida, pois o aluno deve dispor de conforto para que nada interfira na sua disposio de aprender. Alm disso, espera-se que o ambiente seja estimulante, pois ele um dos muitos meios que a escola deve recorrer para promover o desenvolvimento da ateno e explorar a curiosidade. (ARENA, 2003:10)

    Mesmo que a impresso inicial da criana seja considerada irrelevante, ser

    que depois de algum tempo ela no ter seu desenvolvimento educacional afetado

    pelo fato de estar num lugar que lhe desagrada? Esse o ponto sobre o qual muitos

    administradores de escolas, educadores, pais de alunos e psiclogos vm se

    debruando nos ltimos tempos.

    No artigo "O poder condicionador do espao", publicado primeiro no Jornal do

    4 Habitus um dos conceitos-chave da teoria de campo em Bourdieu. Segundo ele, habitus esta espcie de sentido do jogo (...) que faz com que se faa o que preciso fazer no momento prprio, sem ter havido necessidade de tematizar o que se havia de fazer e, menos ainda, a regra que permite gerar a conduta adequada. (Bourdieu, 1989, p. 23)

  • 14

    Brasil e depois no livro A cidade desvendada, o arquiteto Paulo Cas5 faz referncia

    a um caso extremo de inadequao construtiva que exigiu uma soluo radical: a

    destruio pura e simples da construo. Trata-se do complexo industrial Pruitt Igoe,

    nos Estados Unidos, projetado segundo os princpios da escola modernista de Le

    Corbusier.

    Este quarteiro resultou em edifcios/caserna de onze andares cada, com interminveis seqncias de janelas absolutamente idnticas, com corredores sem fim, com sua estrutura espacial desmesurada e repetitiva, transformando-se para seus habitantes numa espcie de priso e no smbolo material da condio de seres explorados. (JENKS, apud, Cas, 1998:78)

    O autor diz que a identificao entre a arquitetura e a pouca qualidade de vida

    dos moradores provocou uma "reao conflituosa", gerando uma srie de "atos de

    violncia e vandalismo". Diante disso, Paulo Cas argumenta:

    No de se espantar que, h algum tempo, se tenha classificado, entre as doenas sociais que se desenvolvem rapidamente, aquela que se manifesta em conseqncia do mrbido excesso de controle social, acarretado por um certo tipo de construo que os arquitetos funcionalistas continuam, ainda, a considerar como o melhor.(CAS, 1998:78)

    Nesse mesmo texto, Cas ilustra sua crtica arquitetura modernista6 com

    outro exemplo curioso, que diz respeito mais diretamente linha deste trabalho.

    Lembra que as crianas, nas suas brincadeiras, criam o seu microcosmo

    proporcionalmente ao seu tamanho.

    A criana, muitas vezes conduzida por impulsos genticos, procura

    5 Paulo Cas (Rio de Janeiro, 1931) arquiteto premiado nacional e internacionalmente, alm de professor universitrio. Publicou durante dez anos uma coluna sobre arquitetura e urbanismo no Jornal do Brasil. Representou o pas na Bienal Internacional de Paris em 1967. Tem como principais projetos o hotel Porto do Sino (Jurutuba, SP), o prdio da Fundao Getlio Vargas em So Paulo, o edifcio residencial Ipanema e a Igreja Union Church (Barra da Tijuca). 6 Refere-se a toda inovao nas artes e na arquitetura processada no sculo XX. Concreto, vidro e armaes de ferro so moldados pelos construtores de forma funcional.

  • 15

    recriar um cosmos prprio, adequado ao tamanho de seu corpo, se afastando, mesmo que por instantes, das condies de um espao que lhe imposto. Podemos observar, com freqncia, ela armar, com material disponvel, pequenas cabanas, como um ambiente para o seu refgio. (CAS, 1998:80)

    Mas a realidade da criana, do adolescente ou at mesmo do adulto que volta

    a estudar, no essa. Fora do seu castelo de papel, tudo desproporcional. Nem

    mesmo a escola projetada para receb-los adequadamente. O autor descreve uma

    cena que v todos os dias: um grupo de alunos do primrio se divertindo debaixo do

    grande p direito do ginsio de sua escola. Ele argumenta que lcito indagar quais

    as "reaes psicolgicas que aqueles meninos estaro suportando, expostos a

    esses espaos desproporcionais". E pergunta: "Ser que essas fortes tenses

    espaciais permitiro que eles recriem seu microcosmo, to necessrio ao seu mundo

    de referncias simblicas? Bastar, para o conforto dessas crianas, oferecer-lhes

    bebedouros e lavatrios baixos?"

    Paulo Cas no d respostas, mas prope questes para serem refletidas

    pelos profissionais da rea. Veja-se sua concluso: O arquiteto tem sob sua

    responsabilidade poderosos instrumentos condicionadores e, ao gerar espaos

    coletivos ou individuais, estar sempre interferindo, por geraes, na vida das

    pessoas.

    Para alm da teoria, Cas concretizou suas idias. seu o projeto da

    Fundao Getlio Vargas, em So Paulo. Ali, muitos foram os desafios para a

    construo da escola, como a proximidade do Viaduto do Ch, a irregularidade do

    terreno e a existncia de um bosque consolidado. E, acima de tudo, tendo de

    adequar diversas atividades em um edifcio. O autor partiu do pressuposto de que o

    ambiente de uma escola, lugar onde as pessoas devem estar em permanente

  • 16

    contato, deveria assemelhar-se a uma cidade, com seus espaos imprevistos de

    convvio. Hoje, o projeto uma referncia na rea.

    Outra tentativa nesse sentido foi o projeto Arquitetura Escolar, desenvolvido

    no estado de So Paulo por vrios arquitetos. Eles estudavam as principais

    caractersticas de cada regio e projetavam a escola "com a cara dos alunos".

    Infelizmente, a maior parte do trabalho ficou no papel, e poucas escolas foram

    realmente construdas com esse esprito.

    Todos esses fatos despertam o interesse em buscar novos caminhos para

    intervir dentro das escolas com uma viso de futuro, na tentativa de contribuir para

    melhorar o processo educacional atravs da Arquitetura Escolar. Os principais

    elementos da arquitetura levados em considerao aqui so aqueles que direta ou

    indiretamente afetam o bem-estar do aluno, como por exemplo as salas de aula e as

    reas de convvio buscando-se a melhor forma de utiliz-las a favor do ensino.

    Para chegar a esses elementos, nada melhor do que partir da tradio. Por isso,

    ser feita uma viagem pelo tempo desde a pr-dinastia na Mesopotmia at a sexta

    dinastia no Egito. Nesse percurso histrico, ser enfatizada a descrio dos templos

    e palcios da antigidade para verificar as influncias na arquitetura. A viagem

    passar ainda por Roma, onde a anlise da arquitetura ser incorporada histria

    da educao, com base nas idias de Manacorda.

    Por fim, ao tratar da arquitetura moderna e contempornea, sero abordadas

    hipteses de resgate de certas propostas para a Arquitetura Escolar.

  • 17

    Especificamente nas questes de ergonomia, com base na obra de Neufert7, faz-se

    um comparativo com as escolas visitadas.

    No final deste trabalho tambm ser includa uma proposta de interveno na

    estrutura logstica, como mobilirio escolar e a rea de recepo de alunos, visando

    principalmente a segurana, sem deixar de lado a questo dos alunos especiais

    (deficientes fsicos). Ainda sero pesquisadas escolas especficas, que atendem

    desde a 5 srie at a universidade num mesmo prdio (um dos grandes desafios

    para administradores e professores), j pensando na escola do futuro, irradiadora da

    educao a distncia.

    Depois dessa abordagem panormica sobre algumas solues arquitetnicas

    ao longo da histria, ser feito estudo entre elas para apontar as semelhanas nos

    materiais, no desenho das grandes edificaes e nos valores espirituais que as

    inspiraram. A assume importncia a obra de Foucault, sobretudo quando traa

    comparativos entre as prises, as escolas e o panptico. Este tema tratado no

    segundo captulo, que est dividido em quatro etapas:

    Na primeira, a da histria da antiga Idade Mdia, ser feita uma leitura das

    obras mais famosas, como templos, santurios, pirmides, palcios, pinturas,

    sempre tendo como referncia os detalhes arquitetnicos e estruturais;

    Na segunda parte tratar-se- das escolas (comparando-as com as prises

    estudadas por Foucault), do panptico e da histria da educao segundo as

    concepes de Manacorda e Jlia Varela, incluindo ainda exemplos de projetos de

    7 Ernst Neufert foi professor da Escola Politcnica de Darmstadt, Alemanha, arquiteto e autor de um dos livros mais usado at hoje por arquitetos, engenheiros e designers A arte de projetar em arquitetura, que traz mais de 4.700 figuras e que, quase meio sculo aps a primeira edio, continua sendo reeditado no mundo inteiro.

  • 18

    escolas paulistas de 18901920.

    Na terceira, ser abordada a arquitetura moderna e contempornea atravs

    das obras de grandes mestres como Frank Lloyd Wright8 e Oscar Niemeyer, alm de

    outros menos conhecidos, como Paulo Mendes da Rocha, Paulo Cas e Antoine

    Predock9;

    Na quarta etapa ser realizada uma abordagem descritiva do contexto da

    Arquitetura Escolar, tendo Neufert como parmetro;

    O terceiro captulo apresenta as pesquisas realizadas em algumas escolas e

    universidades, enquanto o quarto traz as propostas para melhorar a estrutura fsica

    das salas de aula. Como concluso, tenta-se chegar prximo de um projeto ideal,

    unindo teoria e prtica, com propostas a serem utilizadas num espao escolar

    concreto e oferecendo elementos para um estudo mais completo dos ambientes

    escolares.

    8 Frank Lloyd Wright, arquiteto norte-americano que projetou mais de mil edifcios nos seus 92 anos de vida e exerceu grande influncia na arquitetura do sculo XX. Suas obras mais famosas so a Casa das Cascatas (Fallingwater) e o Museu Guggenheim de Nova York. 9 Antoine Predock, arquiteto norte-americano, notabilizou-se por edifcios escolares como o da Universidade do Arizona, da Universidade Politcnica da Califrnia e do Nelson Fine Arts Center.

  • 19

    2. HISTRIA E TEORIA

    2.1 O mundo antigo

    De incio, prope-se aqui uma breve viagem histrica para que se possa

    perceber os traos comuns existentes entre o mundo moderno e o antigo,

    especialmente no que diz respeito distribuio dos espaos, ao uso de cores, e

    concepo da arquitetura em geral. Antes de tudo, preciso dizer que o homem s

    adquiriu habilidade construtiva quando deixou de ser nmade.

    H um milho e meio ou um milho de anos, aproximadamente, comea a longa histria do homem tal como hoje o conhecemos. Durante a maior parte desse tempo, vivendo em condies simples e primitivas, dominado pelas foras fsicas do clima e da geografia, lutava o homem pela sobrevivncia mais restrita, na sua busca de alimentos e de abrigo. (GARBINI, 1979:8)

    Intensamente ligado aos deuses e a suas intuies, o homem vivia em

    bandos e, ao se fixar, passou a construir estruturas de abrigo com mais segurana.

    Mas seria bem mais tarde, no Oriente Mdio, nasceria o que se chama hoje de

    civilizao. Como afirma Garbini, ali comearam as primeiras transformaes

    significativas poltico-religiosas e artsticas. Essa regio vai do Egito at o plat

    iraniano, a oeste e a leste, estendendo-se por toda a Pennsula Arbica. Os povos

    que ali viviam foram muito criativos na arquitetura. A existncia de dois grandes

    vales, formados pelos rios Tigre e Eufrates, fez com que se preocupassem mais com

    a segurana, como veremos nos exemplos a seguir. importante ressaltar que o

    Egito sempre foi fiel a sua arte, arquitetura, sem interferncias de outras regies.

  • 20

    Comeando pelo territrio da antiga Mesopotmia palavra que significa

    terra no meio das guas sua principal caracterstica, que beirava monotonia, era

    ser plana. Isso s era quebrado pelo Tigre, pelo Eufrates e pelos remanescentes

    tells, ou morros artificiais, gradualmente levantados ao longo de algumas sucessivas

    elevaes habitacionais. Para melhor compreenso desse processo de evoluo na

    arquitetura importante dizer que a histria da civilizao mesopotmica foi dividida

    em duas pocas: a sumeriana (aproximadamente 3500 a.C.), que compreende um

    perodo de preparao (o pr-dinstico) e um perodo de florescimento clssico, o

    chamado perodo da primeira dinastia, dividido em trs partes. A poca semita

    comea por volta de 2350 a.C. com a dinastia acadiana, sendo que aps um breve

    renascimento sumeriano, ao tempo da terceira dinastia de Ur, a predominncia

    semtica foi restabelecida no perodo babilnico antigo. O domnio nativo na

    Mesopotmia terminou com a conquista de Babilnia pelos persas, em 539 a.C.

    A importncia da arte e arquitetura nessa poca pode ser percebida na

    citao a seguir:

    Il grande sistema di fortificazione e le porte di Babilonia, la cittadella dei palazzi e dei giardini reali (palazzo di Nabucodonosor) e i templi centrali (tempio di Marduk, ziqqurat), furono tali che la grandezza della loro architettura merit di figurare tra le sette meraviglie del mondo. (DAFONSO E SAMSA, 2001:15)10

    A Mesopotmia foi dividida inicialmente em cidades. Como afirma Leick, esse

    foi um dos momentos mais decisivos para a regio.

    A inveno das cidades pode muito bem ser o mais duradouro legado da Mesopotmia. No havia apenas uma cidade, mas dezenas delas, controlando cada um seu prprio territrio rural e

    10 O grande sistema de fortificao e a porta da Babilnia, a pequena cidade do palcio e do jardim real (palcio de Nabucodonosor) e o templo central (templo de Marduk), foram de tal grandeza arquitetnica que merecia figurar entre as sete maravilhas do mundo.

  • 21

    pastoril e sua prpria rede de irrigao. Mas, uma vez que essas comunidades estavam alinhadas ao longo dos principais cursos de gua como uma coleo de prolas num colar, elas tinham necessariamente que chegar a formas de cooperao e tolerncia mtua. Os historiadores foram propensos a salientar o surgimento de estados centralizados que exerceram controle sobre territrios freqentemente muito vastos, mas a unidade sociopoltica mais duradoura e bem-sucedida a surgir na Mesopotmia continuou a ser cidade-estado. (LEICK, 2003:14)

    A primeira cidade a ser criada foi Eridu. Leick dizia que ela era o den

    mesopotmio, o lugar da criao. Tinha uma arquitetura belssima, com esttuas

    esculpidas em granito negro, peas como vasos de barro e as construes na

    maioria em adobe. Em uma das obras desenterradas, a capela primitiva feita em

    adobe, surgiu o mais puro exemplar da arquitetura antiga. Nos templos, sempre

    havia ptios centrais, e cada vez maiores. Leick afirma:

    Esses ltimos templos ubaidianos podem ter prenunciado a arquitetura dos templos mesopotmios dos perodos histricos, uns 1.500 anos mais tarde. Sua planta, uma cmara central flanqueada por salas de ambos os lados com um pdio independente e isolado no centro, tornou-se uma caracterstica corrente, tal como a fachada decorada com pilastras e listas. O costume de enterrar presentes votivos e implementos rituais tambm nunca foi abandonado. (LEICK, 2003:30)

    Merece registro, aqui, essa informao das cmaras centrais flanqueadas por

    salas e com um pdio ao centro, pois se trata de um tipo de construo que ser

    visto mais adiante.

    Na pr-dinastia, a arquitetura sumeriana comea em Uruk, onde uma srie de

    obras testemunha o avanado grau de civilizao da cidade. As construes eram

    feitas de tijolos de barro, recebiam um formato oblongo, eram secos ao sol e

    colocados numa argamassa de barro. Como eram bastante ligados religio, no

    poderia ser diferente que as duas maiores obras desse perodo fossem dois

  • 22

    complexos sacros, o recinto de E-anna11 ("a casa do cu") e o chamado Anu

    Zigurate, encimado pelo Templo Branco.

    O recinto de E-anna era um conjunto de templos, sendo um dos mais

    importantes o Templo de Pedra Calcria, apresentando uma arquitetura diferenciada

    pelo material utilizado. Tinha a forma ampla de um retngulo (11,30x62m), no centro

    um grande aposento em forma de T, guarnecido lateralmente, e na parte posterior

    cmaras menores. Tpico da poca, vrias entradas compridas so feitas nas

    laterais, e, apesar de terem usado a pedra rara para sua construo ao invs do

    tijolo de barro, o edifcio conserva contrafortes caractersticos dos templos de tijolo.

    Essa a descrio feita por Garbini. J Leick o descrevia assim:

    Um estreito e longo espao central (9 por 58 metros), a cu aberto ou com telhado, era cercado nos quatro lados por salas subsidirias, as quais eram acessveis desde o lado de fora. As paredes consistiam em blocos de calcrio e eram profundamente onduladas em nichos e botarus, uma tcnica mais adequada para arquitetura de tijolos. Uma escada dava acesso ao telhado. (LEICK, 2003:59).

    Esses contrafortes so marcantes na arquitetura religiosa sumeriana, pois

    eram usados para sustentar grandes estruturas de madeira e espessas massas de

    barro no cozido, isso em grandes vos e que depois foram copiados na arquitetura

    do Egito. Outro ponto surpreendente: um impressionante grupo de colunas

    cilndricas e quatro meias-colunas sobre uma plataforma que unia o Templo da

    Pedra Calcria e um segundo templo voltado mais para um ngulo de noventa

    graus. Nessas colunas havia elementos decorativos com cores vibrantes como a

    terracota e outras cores variadas se estendendo pelas paredes, prensados na

    argamassa da superfcie da muralha, formando desenhos geomtricos, ziguezagues

    e losangos. Esse tipo de desenho e de cores mais tarde influenciou os objetos 11 E-anna tinha 62 metros de comprimento por 11,30 metros de largura.

  • 23

    decorativos da chamada arte menor, tendo sobrevivido at pocas atrs.

    Totalmente diferente da E-anna, o conjunto religioso de Uruk, o Anu Zigurate,

    consiste de uma imensa plataforma de tijolo, ligeiramente irregular, a que se chega

    por meio de degraus, chegando no chamado Templo Branco. Apesar de tambm ter

    uma planta retangular, nada lembra o anterior. A sala central apenas um retngulo

    e as pequenas cmaras laterais so bem agrupadas e simtricas. Essa soluo de

    colocar os templos em plataformas deu-se pela necessidade de prevenir enchentes

    e reparaes, o que provocou essa graduao do nvel do solo. Outra razo que

    eles diziam que os deuses eram habitantes das montanhas, e estariam em um plano

    mais elevado do que os homens. Isso fez com que a teoria de um plano alto fosse

    adotada pelo povo semtico, seminmade, que entrou em relao com a cultura

    sumeriana, quando se instalou na Palestina.

    Uruk possui as runas mais antigas em escala monumental da Mesopotmia.

    Suas fachadas so recobertas de mosaicos de cones de barro, em cores

    contrastantes como o azul e o amarelo, e figuras geomtricas. Leick afirma que so

    os espaos mais bem planejados daquela poca.

    A impresso geral dos monumentos de Uruk a de espaos pblicos mais bem planejados, indefinidos em termos de finalidades mas projetados a fim de assegurar acessibilidade e fcil circulao interna. Alm desses espaos abertos e edifcios permeveis, havia outras construes muito diferentes e sem precedentes, por vezes de vastas dimenses. (LEICK, 2000:60)

    Na primeira dinastia houve uma renascena econmica e poltica da

    Mesopotmia, com incio por volta de 2700 a.C., fazendo com que passasse a existir

    grande quantidade de edifcios pblicos em algumas cidades da Sumria. Mas os

    templos ainda so as edificaes mais importantes.

  • 24

    Algumas reconstrues fizeram com que mudassem muitas caractersticas da

    pr-dinastia. Exemplo disso o Templo Khafajah, que deixou de ser isolado sobre

    uma plataforma, como em Eridu e Uruk. Foram construdas duas muralhas ovais

    irregulares para proteger a rea sagrada do santurio, que devia ficar separada da

    cidade. Assim como o templo, tem uma planta diferenciada: sua base quase

    quadrada, com grande sala central, uma cela central, duas salas de culto, cmaras e

    capelas laterais (Garbini, 1979:33). Tudo isso leva a supor que havia interesse em

    isolar o centro religioso do templo, o sagrado entre os sagrados, de modo a tornar

    algo intocvel e sem acesso.

    Outra grande obra desse milnio foi um palcio em Kish, formado por grupos

    de estruturas contnuas (Garbini, 1979:33), que retrata uma arquitetura secular da

    Mesopotmia. Um grande ptio central com salas distribudas nas laterais mostrava

    seu diferencial, porm, trazendo tambm uma parede externa macia, que formava

    um retngulo. Ao lado deste havia um outro de utilizao duvidosa, onde o detalhe

    principal seria uma fileira de quatro pilares de tijolos. Acredita-se que essas

    muralhas, as primeiras da poca, seriam um incipiente sistema de defesa da

    Sumria.

    Em aproximadamente 1950 a 1850 a.C. ocorre o perodo de Isen-larsa e

    Babilnico antigo, quando a Babilnia novamente unificou a Mesopotmia. Pouca

    coisa pode ser citada desse perodo na rea da arquitetura. Conforme o estudo

    desenvolvido por Garbini, nota-se uma influncia egpcia que deve ter chegado

    atravs da Assria.

    Algumas runas foram descobertas em Tell Harmal, perto de Bagd, eram runas de uma cidade com ruas regulares e casas grandes talvez tipo semipalaciano. O que se destacava nessas edificaes eram as paredes decorativas, onde foram encontradas em algumas

  • 25

    salas pinturas de que foram recuperada interessantes fragmentos, onde um desses painis mostrava cenas de sacrifcio, enquanto um segundo dividido em duas cenas, descrevia uma investidura real e figuras de deuses, um outro uma deusa ao meio de paisagens e animais. (GARBINI, 1979:41)

    J na terceira dinastia, por volta de 2650 a 2630 a.C., percebe-se um

    crescimento diferenciado na arquitetura. O maior exemplo seria a pirmide em

    degraus de Zoser, em Saqqara. O complexo de Zoser foi construdo sob a direo

    do arquiteto Imhotep12 como um monumento fnebre ao rei. Com suas dimenses

    ambiciosas, a pedra pela primeira vez se destacara em grande escala. Uma torre de

    seis andares, com cerca de 65 metros de altura, tinha finalidade diversa: a capela

    estava em seu cume, a um nvel celestial.

    No Egito, desde o primeiro perodo dinstico, havia claramente a noo de

    uma arquitetura primitiva. As pirmides eram abrigos para os mortos, e os tmulos

    comuns, conhecidos pelos rabes como mastaba, passaram a tomar forma de

    pirmides baixas e truncadas com uma ou mais cmaras em seu interior. O pesado

    efeito do preto e branco foi rejeitado em favor da superfcie quase livre de

    sombreado, prenunciado a pureza geomtrica das pirmides de Giza na quarta

    dinastia (GARBINI, 1979:130). Depois disso, ficou constatada a cpia da arquitetura

    mesopotmica por parte dos egpcios. E Zoser representou essa fase crtica da

    arquitetura.

    Sobre a quarta dinastia, Garbini diz: As grandes obras de arte desse perodo

    alcanariam uma perfeio da forma que lhes proporcionaria um firme ponto de

    referncia para o futuro. (GARBINI, 1979:131). De fato, a construo das pirmides

    um marco at hoje. As trs pirmides colossais de Giz foram construdas pelos 12 Primeiro arquiteto nomeado no mundo, foi ele quem construiu a primeira pirmide no Egito. Doutor, arquiteto, priest elevado, escrevente e vizir do rei Djoser.

  • 26

    faras Queps, Qufren e Miquerinos. O vizir Hemon, primo de Queps, foi

    responsvel pela construo da grande pirmide Queps. Ele utilizou milhes de

    grandes blocos de pedra calcria no s como estrutura, mas no prprio

    revestimento e na parte central. A pirmide de Miquerinos ladeada pelas pequenas

    pirmides de trs das suas rainhas. Essa beleza de estrutura exigiu um longo

    perodo de experimentao, e desde seu trmino simboliza a arquitetura egpcia

    trazendo novamente a forma geomtrica. Ao lado da calada que ligava o templo da

    pirmide de Qufren ao templo do vale h a esfinge de Qufren, com altura de

    20,11m e 4,10m de largura do rosto. Afirma Garbini:

    A esfinge guardi das pirmides foi esculpida numa salincia de rocha deixada na pedreira de onde foram tirados os blocos de pedra para a construo de Qufren. Tem o corpo de um leo e o rosto de um ser humano com paramentos reais. A esfinge ainda conserva o fascnio que exercia sobre os gregos, que tomaram como smbolo de todos os mistrios. (GARBINI, 1979:27)

    Aps esse perodo de afirmao da cultura egpcia, ocorre uma crise no final

    da quarta dinastia que se prolonga na quinta e sexta dinastias. Na quinta dinastia

    erguido o obelisco do fara Neuserre, em Abu Ghurob, que uma variao da

    pirmide, e sua existncia seria impossvel sem o precedente dos monumentos de

    Giza. No fim da sexta dinastia houve novamente uma guerra civil do Egito, e mesmo

    assim o perodo viu surgir obras de mais sensibilidade, harmonia nas estruturas, na

    qual o amor vivacidade e ao colorido associa-se a uma ingnua narrao de

    lendas. Escolas artsticas no norte e no sul foram montadas.

    Depois disso, houve pouco diferencial na arquitetura antiga. Apenas alguns

    monumentos so citados sem muita nfase por parte dos estudiosos. Mas o que foi

    produzido at esse perodo deixou uma marca fundamental na histria da

    arquitetura. Muitas dessas obras continuaram sendo projetadas e algumas foram

  • 27

    incorporadas pela arquitetura moderna e contempornea.

  • 28

    2.2 A maquinaria escolar

    Do Egito que nos chegaram os testemunhos mais antigos e talvez mais

    ricos sobre todos os aspectos da civilizao e, em particular, sobre a educao

    (MANACORDA, 2000:9). Mesmo distante no tempo, aquele tipo de educao mantm

    alguns pontos em comum com a atualidade, muitos deles de suma importncia para

    a evoluo do espao escolar.

    Em todo o mundo antigo a educao era feita em casa: em algumas famlias,

    pelos pais; e em outras, pelos escribas. Nos destroos de cidades babilnias foram

    encontradas vrias plaquetas nos ptios e jardins, como cita Leick, quando fala de

    Nipur:

    Uma das manifestaes de prosperidade era a maior importncia dada instruo. Muitas casas tinham instalaes para o treinamento de escribas, como ptios para ensinar, com bancos e recipientes para barro e gua. Numerosas plaquetas foram encontradas nesses ptios plaquetas de exerccios, listas lexicais e excertos literrios. Parece que a maioria dos residentes educava a seus filhos, visto que as plaquetas escolares foram encontradas em quase todas as casas. Essas escolas, conhecidas como -dub-ba (casas das plaquetas), floresceram at o reinado de Samsu-lina, o sucessor de Hamurbi, quando uma crise econmica, provavelmente causada por problemas ecolgicos, perturbou seriamente a vida da cidade. Os escribas, como elementos economicamente improdutivos, eram os primeiros a deixar a cidade. (LEICK, 2003:183)

    Aqui possvel perceber a importncia que j na poca davam para o espao

    escolar: escolhiam ptios centrais para serem melhor vigiados, mas ali colocavam

    jardins e bancos para tornar o ambiente mais leve. Na Grcia, a educao era

    menos rgida, mas nos templos sempre existiam os famosos ptios e jardins para

    leitura e estudo. J em Roma os conventos comeam a desempenhar um papel

    importante no ensino. A educao moral, cvica e religiosa passa a ser fortemente

    presente, embora se deva ressaltar que tudo isso vinha de uma cultura grega.

  • 29

    Manacorda confirma que a educao em Roma tambm era feita basicamente na

    famlia. Diz que os historiadores da pedagogia afirmam que na Roma antiga o

    primeiro educador o pater familias (MANACORDA, 2000:73).

    J na alta Idade Mdia, quando surge a escola cenobial, ocorreram mudanas

    importantes na rea pedaggica: o aprimoramento de contedos como canto,

    msica, clculo e gramtica. Manacorda descreve a experincia de um monge que

    relembra a primeira impresso de quando chegou na escola de Walfried Strabo,

    abade de Reichenau, no segundo decnio do sculo IX: Eu era totalmente

    ignorante e fiquei muito maravilhado quando vi os grandes edifcios do convento,

    nos quais deveria morar daquele momento em diante... (MANACORDA, 2000:134).

    Foucault tambm se refere a isso:

    [...] a arquitetura no mais simplesmente para ser vista (fausto dos palcios), ou para vigiar o espao exterior (geometria das fortalezas), mas para permitir um controle interior, articulado e detalhado para tornar mais visveis os que nela se encontram; mais geralmente, a de uma arquitetura que seria um operador para a transformao dos indivduos: agir sobre aquele que se abriga, dar domnio sobre seu comportamento, reconduzir at eles os efeitos do poder, oferec-los a um conhecimento, modific-los. As pedras podem tornar dcil e conhecvel. O velho esquema simples do encarceramento e do fechamento do muro espesso, da porta slida que impedem de entrar ou de sair comea a ser substitudo pelo clculo das aberturas, dos cheios e dos vazios, das passagens e das transparncias... (FOUCAULT, 1997:144)

    Na baixa Idade Mdia a escola passa a ter seu espao dentro dos mosteiros,

    entrando ento a viso mais rgida de segurana, vigia e regras. Manacorda cita

    algumas dessas regras:

    Os meninos tenham na escola os livros, as navalhas, os pratos e as bacias para lavar suas cabeas... Na escola, quando tempo de falar, podem falar: fora da escola faam absoluto silncio... De quarta a sbado podem barbear-se na prpria escola... (MANACORDA, 2000:140)

  • 30

    Eis as primeiras regras surgindo, e, com elas, o aparecimento da represso

    aos alunos. Manacorda chega a dizer que nos anos trezentos e quatrocentos as

    escolas deveriam ser chamadas de pesadeiro (sic) ou lugares de trabalho ou

    tortura. Sendo assim, no descabido comparar os espaos escolares com as

    prises analisadas por Foucault, pois se trata de discutir o uso pblico do espao,

    das regras, dos castigos e das formas arquitetnicas. Em Vigiar e punir, Foucault faz

    comparaes entre escolas, hospitais e prises.

    O prprio edifcio da escola devia ser um aparelho de vigiar; os quartos eram repartidos ao longo de um corredor como uma srie de pequenas celas; a intervalos regulares, encontrava-se um alojamento oficial, de maneira que cada dezena de alunos tivesse um oficial direita e esquerda [os alunos a ficavam trancados durante toda a noite; e Pris insistira para que fosse envidraada] a parede de cada quarto do lado do corredor desde a altura de apoio at um ou dois ps do teto. Alm disso a vista dessas vidraas s pode ser agradvel, ousamos dizer que til sob vrios pontos de vista, sem falar das razes de disciplinas que podem determinar essa disposio. (FOUCAULT, 1997:145)

    Mas se o espao efetivamente interfere na educao, caberia perguntar: at

    que ponto influencia na prtica pedaggica? Foucault lana algumas idias ao falar

    da tortura nas prises e nos semi-internatos do sculo XVIII e XIX, aplicada quando

    os alunos erravam ou faziam alguma coisa que estivesse fora das regras da escola,

    ou at das regras do aprender e do saber. Falando do que viria a ser o saber, ou at

    que ponto esse saber deve ser tido como qualificado ou no, Varela e ria formulam

    o conceito de maquinaria escolar.

    A escola no somente um lugar de isolamento em que se vai experimentar, sobre uma grande parte da populao infantil, mtodos e tcnicas avalizados pelo professor, enquanto especialista competente, ou melhor, declarado como tal por autoridades legitimadoras de seus saberes e poderes; mas tambm uma instituio social emerge enfrentando outras formas de socializao e de transmisso de saberes, as quais se vero relegadas e desqualificadas por sua instaurao. (VARELA E RIA, 1992:83)

  • 31

    A interferncia do poder nas instituies educacionais aparece de modo mais

    ntido, segundo os autores, quando surgem as escolas jesutas. Estas operam

    grandes mudanas no processo de educao, principalmente ao separar os colgios

    de formao para mdicos, engenheiros, arquitetos e artes e os dos nobres, que se

    dedicavam desde de cedo ao mundo das armas h registros de capites com 12

    anos de idade nos sculos XV e XVI. Varela e ria comentam a transformao da

    sociedade soberana para a disciplinar, quando novas instituies foram montadas.

    Eles vo mais adiante:

    A fabricao da alma infantil, para qual contribuem de forma especial os colgios, ter como contrapartida o submetimento dos corpos e a educao das vontades em que tanto insistem os educadores religiosos. Com razo afirma Michael Foucault que a cantilena humanista consiste em fazer-nos crer que somos mais livres quando submetidos estamos: submentimento de paixes razo, submetimento do corpo ao esprito, submetimento da liberdade obedincia, submetimento da conscincia ao confessor e diretor espiritual, dos filhos aos pais, da mulher ao marido, e dos sditos ao monarca. (VARELA E RIA, 1992:85)

    E por falar em escola jesuta, a autora desta dissertao viveu a experincia

    de estudar num colgio marista e recorda nitidamente a distribuio do espao

    escolar: um ptio central com um pdio13 para as manhs cvicas, as salas ao redor

    para serem vigiadas, e em uma das pontas havia a sala da diretoria ou chefia, com

    vidros para que pudessem ter total controle dos alunos. Mais tarde, foram colocadas

    persianas para no ficar to ntido vigilncia, mas de forma que a chefia pudesse

    ver. Recorda tambm dos castigos: quando algum desobedecia s regras, ficaria

    sozinho em uma sala fechada, sem contato algum, at a aula acabar, como nas

    prises citadas por Foucault, que tinham as celas solitrias. Recorda ainda dos

    famosos vigias para verificar se as aulas estavam sendo dadas ou se os alunos no

    13 Plataforma onde se posta o maestro

  • 32

    estavam escondidos em algum local. Nas salas, todas as carteiras em filas e

    marcadas. Cada um sabia qual era a sua e, assim, se ocorresse algo com as

    carteiras, saberiam quem eram os culpados.

    Com o passar dos anos, novos tipos de prdios foram construdos e

    transformaes ocorreram. A vigia se tornou mais difcil e admitia-se que talvez a

    escola no devesse funcionar como maquinaria escolar. Foucault faz uma

    interessante abordagem ao mostrar o novo olhar do arquiteto durante as mudanas

    havidas no sculo XVIII por presso no s do poder, mas da sociedade como um

    todo, que seria o panptico:

    O Panptico de Bentham a figura arquitetural dessa composio. O princpio conhecido: na periferia uma construo em anel; no centro, uma torre; esta vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construo perifrica dividida em celas, cada uma atravessando toda a espessura da construo; elas tm duas janelas, uma para o interior, correspondendo s janelas da torre; outra, que d para o exterior, permite que a luz atravesse a cela de lado. Basta ento colocar um vigia na torre central, e em cada sela trancar um louco, um doente, um condenado, um operrio ou um escolar. Pelo efeito da contraluz, pode-se perceber da torre, recortando-se exatamente sobre a claridade, as pequenas silhuetas cativas nas celas da periferia. Tantas jaulas, tantos pequenos teatros, em que cada ator est sozinho, perfeitamente individualizado e constantemente visvel. O dispositivo panptico organiza unidades espaciais que permitem ver sem parar e reconhecer imediatamente. Em suma, o princpio da masmorra invertido; ou antes, de suas trs funes trancar, privar de luz e esconder s se conserva a primeira e suprimem-se as outras duas. A plena luz e o olhar de um vigia captam melhor que a sombra, que finalmente protegia. A visibilidade uma armadilha. (FOUCAULT, 2000:165)

    Este conceito ordem sem represso pode ser constatado nas

    construes escolares atuais, como ser visto mais adiante. Mas o ser vigiado um

    dos questionamentos freqentes dos alunos. Ainda Foucault:

    Da o efeito mais importante do Panptico: induzir no detento um estado consciente e permanente de visibilidade que assegura o funcionamento automtico do poder. Fazer com que a vigilncia seja permanente em seus efeitos, mesmo se descontnua sua ao; [...]

  • 33

    que esse aparelho arquitetural seja uma mquina de criar e sustentar uma relao de poder independente daquele que o exerce; enfim, que os detentos se encontrem presos numa situao de poder que eles mesmos so portadores. Para isso, ao mesmo tempo excessivo e muito pouco que o prisioneiro seja observado sem cessar por um vigia: muito pouco, pois o essencial que ele se saiba vigiado; excessivo, porque ele tem a necessidade de s-lo efetivamente. (FOUCAULT, 2000:166)

    Com isso, segundo Foucault, uma sujeio real nasce mecanicamente de

    uma relao fictcia, pois j no mais necessrio recorrer fora para obrigar o

    condenado ao bom comportamento, o louco calma, o operrio ao trabalho, o

    escolar aplicao. O pensador francs parece ironizar o criador do panptico.

    Bentham se maravilha de que as instituies panpticas pudessem ser to leves: fim das grades, fim das correntes, fim das fechaduras pesadas: basta que as separaes sejam ntidas e as aberturas bem distribudas. O peso das velhas casas de segurana, com sua arquitetura de fortaleza, substitudo pela geometria simples e econmica de uma casa de certeza. (FOUCAULT, 2000:167)

    H muita semelhana nas indagaes dos alunos, educadores e

    administradores das instituies que adotam sistemas baseados no panptico.

    Depois das reflexes de Foucault, todos se perguntam se realmente esto

    construindo bons modelos de escola e de educao. Afinal, como conclui o prprio

    Foucault,

    O panptico, ao contrrio, tem um papel de amplificao; se organiza o poder, no pelo prprio poder, nem pela salvao imediata de uma sociedade avanada: o que importa tornar mais fortes as foras sociais aumentar a produo, desenvolver a economia, espalhar a instruo, elevar o nvel da moral pblica; fazer crescer e multiplicar. (FOUCAULT, 2000:171)

    Conscientemente ou no, muitas instituies escolares aderiram ao

    panoptismo arquitetnico, seja no projeto de um campus, seja na construo de

    pequenos prdios de salas de aula, como ser visto adiante.

  • 34

    Caractersticas semelhantes so observadas no estudo de um caso mais

    prximo de nossa realidade. Em Arquitetura escolar paulista 1890 a 1920, os

    autores analisam o projeto arquitetnico de 125 instituies de ensino (ANEXO 3,

    FOTOS 7, 8 e 9). No incio da urbanizao, as escolas estaduais paulistas eram na

    sua maioria prdios de dois andares, aproveitando o mximo de espao possvel,

    com somente uma sala para administrao (posicionada estrategicamente), e ali

    ficavam os professores. Outra curiosidade era a separao por sexo: de um lado,

    meninos; de outro, meninas. Somente depois de 1900 que surgem espaos para

    as bibliotecas. Uma dessas escolas, construda em 1905, em Caapava, tinha as

    seguintes caractersticas:

    O partido arquitetnico caracterizado pela existncia de um ptio interno, em torno do qual desenvolve-se a circulao coberta que interliga as salas. As plantas so simtricas, sendo assim reservada uma das alas seo masculina e outra feminina. Bem no eixo da simetria est localizado o acesso central ao prdio, que d para um vestbulo ou portaria, antes de se atingir a galeria de circulao. (CORRA et alii, 1991:46)

    Assim, as escolas normais eram desenhadas em formato retangular com

    ptios centrais, fechados, com salas por todos os lados, ou em formato de U, mas

    sempre com a administrao ou diretoria em locais estratgicos, para vigiar. At

    1920, com muita freqncia, todas tinham portes altos, salas de aula com carteiras

    em filas, com pisos de madeira, cores plidas, mas as fachadas eram bastante

    elaboradas e tinham o maior valor, pois eram por elas que as pessoas comeavam a

    escolher suas escolas. Algumas foram restauradas vrias vezes, pois possuam

    arabescos antigos de grande valor. Nota-se pouca mudana nas escolas de 1900 a

    1920, pois a arquitetura estava em processo de transio devido, principalmente, ao

    perodo ps-guerra.

  • 35

    2.3 O mundo moderno e contemporneo

    Analisando a arquitetura moderna e contempornea, observa-se uma

    surpreendente quantidade de detalhes similares tcnica construtiva egpcia. Tanto

    na parte estrutural14 quanto na decorativa, os elementos bsicos ainda permanecem

    sendo aplicados, a despeito de todo o avano tecnolgico experimentado pelo

    homem moderno. Pode-se citar vrios exemplos dessa similaridade, comeando

    pelas obras do pai da arquitetura moderna Frank Lloyd Wright. Ele projetou uma das

    casas mais importantes do sculo, a Fallingwater (19341937), com terraos em

    cascata e interiores de rocha bruta, tudo para fazer com que o homem ficasse mais

    perto de uma compreenso espiritual do mundo. Nada modesto, Wright assim se

    referia sobre sua obra-prima:

    Fallingwater uma grande bno, uma das maiores bnos a serem vivenciadas aqui na Terra, penso que nada at agora igualou a coordenao e expresso compassiva do grande princpio de repouso em que a floresta, riacho a rocha e todos os elementos de estrutura combinam, to tranqilamente que realmente no se pode ouvir qualquer rudo, embora a msica do riacho esteja aqui, mas ouvimos a cascata do modo como ouvimos o silncio do campo. (WRIGHT, 2000:19)

    A casa da cascata nos mostra que a relao homem x esprito volta a ser

    importante para o bem-estar. Um encontro com a natureza a cada dia. Ele dizia que

    era a forma mais perfeita de casar a arquitetura e natureza. Uma ousadia e risco na

    construo civil, somente apoiada nas rochas, numa queda d`gua, onde se pode

    contemplar uma natureza exuberante (WRIGHT, 2000:20). Hoje j corre risco de

    desabar.

    Outra obra sua, tambm marcante e que mostra a semelhana com a antiga

    14 Conjunto de elementos que forma o esqueleto de uma obra e sustenta paredes, telhados ou forros.

  • 36

    Idade Mdia a sinagoga Beth Shalom, na Pensilvnia (19541959). De forma

    geomtrica e revestida de um material translcido, inundada de energia

    ocasionada pela luz natural. A leveza da forma geomtrica volta na nova era. a

    transparncia, novamente a questo da energia. Acredita-se que a transparncia

    faz com que o cu fique mais perto, pensamento que os egpcios j adotavam, mas,

    como no tinham o material translcido, criavam elementos altos para ficarem mais

    perto do cu.

    Tal caracterstica lembra as obras do arquiteto Antoine Predock, que mora no

    Novo Mxico (EUA). Seu trao bem despojado, sem janelas, e remete

    arquitetura do barro, que j existia naquela regio e que Frank Lloyd Wright tambm

    usara em alguns trabalhos. O ocre esbatido nas fachadas parece ser tpico de

    influncia antiga. possvel citar o hotel Santa F, a Euro Disney e Marne-la-Valle,

    um prdio em forma de pirmide, com poucas janelas, escadas laterais, e cores nos

    tons de terra, numa clara referncia s pirmides e aos templos da Mesopotmia,

    cujas entradas eram nas laterais, assim como nesse hotel. Mais uma vez, o passado

    servindo de referncia ao presente, nas cores e caractersticas construtivas.

    Outro exemplo de Antoine Predock seria a casa Zuber (198689), em

    Phoenix, Arizona. Feita no sop de uma montanha, sua fachada, nua e com uma

    planta em forma de L, parece ter sido esculpida no local. Um exterior sinistro, quase

    como uma fortaleza nas suas linhas fortes, d acesso a um interior luminoso que se

    torna mais acolhedor pela presena de gua corrente. Faz lembrar da Esfinge,

    esculpida em restos de pedras da construo de Qufen.

    Mas o grande exemplo desse arquiteto a interferncia egpcia do Nelson

    Fine Arts Center (19861989), universidade do estado de Arizona. Dividido em

  • 37

    sees, o conjunto faz lembrar o contorno de uma cidade do deserto. Apesar de a

    sua planta ser bastante racional, o exterior d a impresso de um crescimento

    urbano por acaso. Sua planta mostra o retngulo como forma principal, e, vendo em

    perspectiva, pode-se observar telhados diferentes, pirmides, tringulos, assim

    como algumas colunas simples e retas, tendo somente o uso das cores terracota e

    cinza esbranquiado. Esse tipo de edificao lembra os complexos templos egpcios,

    em que o altar ficava no centro e ligava-se a todas as cmaras; na parte externa,

    colunas, rampas para ligao dos templos vizinhos. Predock tinha uma sensibilidade

    arquitetnica digna de ser admirada, e era resumido por Jodidio da seguinte forma:

    Come in gran parte dei suoi edifici, anche qui Antoine Predock sfrutta a fondo il gioco di luci e ombre perforando le pareti com numerose piccole aperture. Questa veduta fa pensare a um paesaggio urbano. (JODIDIO, 1994:146)

    Pode-se citar ainda a obra de Ieoh Ming Pei, o Grande Louvre (19831993),

    Paris, uma pirmide de ao e vidro encravada no ptio do centenrio museu francs,

    junto a um espelho dgua. Ali, alm da forma, onde o ponto forte a aproximao

    do cu e da gua, assim como o recinto de E-anna, na Mesopotmia, citado acima.

    E voltando ao Brasil, tem-se hoje mais do que certas "coincidncias" tanto na

    arquitetura como nas esculturas. Comeando por Braslia, que nasceu de um

    simples trao, como disse Lcio Costa15:

    Nasceu do gesto primrio de quem assinala um lugar ou dele toma posse: dois eixos cruzando-se em ngulo reto, ou seja, o prprio sinal da cruz. Procurou-se depois a adaptao topografia local, ao escoamento natural das guas, melhor orientao, arqueando-se um dos eixos a fim de cont-lo no tringulo equiltero que define a rea urbanizada... (COSTA, 1991:20)

    15 Arquiteto e urbanista, um dos criadores de Braslia.

  • 38

    Com sua concepo de poder centralizado, reas amplas, santurios,

    memoriais em homenagem a ex-presidentes (como templos de determinados

    "deuses"), a cidade moderna conserva certas formas antigas. O prprio formato da

    sua construo, com diviso de quadras e ruas regulares, liga-se ao passado. E hoje

    h algumas obras com toques da antiga Idade Mdia, entre elas a igreja Dom Bosco

    (1984), de planta retangular, com estrutura alta, vitrais pontudos lembrando os

    obeliscos antigos, local amplo, grandioso e fechado por grades como fortalezas

    intocveis. E ainda a escola dos irmos Maristas, que tambm possui todas as salas

    de aula de frente para um ptio central, onde jardins e rvores convidam

    meditao.

    Tambm em Braslia est o templo messinico da 315 Norte. Em forma de

    pirmide, traz a seduo, a sensibilidade, a energia de um Deus adorado. Todo

    revestido em mrmore branco, um convite aceitao da divindade. Hoje, grande

    parte dos monumentos em Braslia traz caractersticas estruturais como essas e no

    mais de colunas usadas nos edifcios do incio da sua construo. A cidade cresceu

    para os lados, fazendo com que mais casas fossem construdas com traos livres,

    de concreto armado16. Como j dizia Wright: O concreto um material plstico

    suscetvel imaginao, que (se moldado em partes) permanente, nobre, belo...

    barato. (WRIGHT, 2000:18)

    Os condomnios residenciais fechados tomam conta da paisagem, e isso no

    ocorre somente em Braslia. Assim em grande parte do pas: muros, cercas, de

    pedra, tijolo, ou plantas protegem o patrimnio dos cidados, embora nesses

    condomnios esteja preservado um ponto que at hoje no mudou, que so as reas

    16 Mistura de cimento com areia, pedra e gua, na massa se dispe armadura de metal para aumentar a resistncia e poder ser usado em grandes vos sem apoio.

  • 39

    de lazer, de convvio social. Novamente, uma tendncia semelhante das muralhas

    construdas para protegerem os templos.

    H ainda uma forte tendncia artstica nas paredes de escolas, igrejas e

    teatros da capital, como as obras de Athos Bulco, que traziam para a cidade a

    tradio antiga do mosaico em materiais atuais como o azulejo. Tais obras esto

    expostas na igreja Nossa Senhora de Ftima, na Disbrave, na Escola Classe

    407/408 Norte, no Teatro Nacional, na Escola Francesa e no Mercado das Flores.

    Solues semelhantes foram usadas em outros espaos pblicos no Brasil, como no

    Memorial da Amrica Latina, em So Paulo, e no sambdromo do Rio de Janeiro, e

    tambm podem ser observadas em residncias e mobilirios. Apenas uma mudana

    na tecnologia do material: ao invs de barro colorido e cermica seca ao sol,

    passou-se a utilizar azulejo.

    Um grande arquiteto contemporneo cuja obra tem fortes ligaes com o

    passado Paulo Mendes da Rocha. Sua concepo passadista no o impede de

    ser considerado moderno.

    Paulo Mendes da Rocha acredita que a arquitetura no pode ser encarada como um objeto pronto, esttico na paisagem, e nem na cidade como um conjunto de monumentos auto-referentes. Essa concepo passadista resulta no elogio da representao em lugar da realizao. No seu entender, a arquitetura modificadora do espao e da paisagem. Atende social e esteticamente as necessidades humanas. Paulo Mendes v a histria relacionada ao futuro. (ARTIGAS E SUGAI apud ROCHA, 2000:11)

    Paulo Mendes da Rocha o autor do projeto do Museu de Arte

    Contempornea da Universidade de So Paulo, obra que partiria da idia de que

    sua unidade seria um mdulo articulado a outros museus da USP. Optou-se pela

    centralizao das implantaes comuns de todos os outros. Assim estava prevista

    para essa edificao o espao da aula magna e o centro de documentao, e todas

  • 40

    as funes englobadas pelos chamados laboratrios e servios gerais. Em forma de

    pirmide invertida, transmite a leveza da arquitetura apoiada em poucas colunas,

    deixando o prdio suspenso, abrindo uma ampla rea de lazer e meditao na parte

    inferior. Novamente notvel a presena das formas geomtricas, da ousadia, das

    colunas retas.

    Outro projeto exemplar de Mendes da Rocha a casa Nabor Ruegg, em

    Guaruj (SP), construda em 1973, onde a pedra apenas assentada predominou em

    sua construo. Ela remete a construes milenares como as pirmides, que foram

    erguidas com pedras calcrias apenas assentadas. Hoje at teria o cimento para

    facilitar, mas o arquiteto quis ousar. Da mesma forma, a residncia de

    Milos/Summer, em Ubatuba (SP), marcante. Ali, as principais caractersticas

    contemporneas seriam sua volumetria e a geometria depuradas, que enfatizam o

    contraste entre o objeto construdo e a natureza, como descreve Paulo Cas.

    A alternncia de vedaes macias e aberturas amplas, cruamente recortadas, acentua a tenso entre a transparncia e opacidade ou, em outras palavras, entre a busca de uma integrao exterior-interior e a organizao de um universo de referncias espaciais desnaturalizadas. No piso interno e externo da residncia, mosaico tipo calamento de arenito com detalhes em basalto, j lembrando a antiga Idade Mdia. Como dizia Sartre: Uma cidade, para ns, sobretudo o passado; para eles, principalmente o futuro. Aquilo que eles amam na cidade tudo que ela ainda no , e tudo o que ela pode ser. (CAS, 2000:118)

    Outras teorias sobre espaos adequados elegem a sensibilidade nos

    pensamentos com relao construo, onde a simplicidade muito importante,

    assim como a leveza dos espaos e sua utilizao correta. Entre elas, a

    recomendada por Lao-Ts:

    Sete raios convergem ao centro de um cubo indefinido de uma roda. Mas o centro que permitir o uso do carro. Modelai o barro para materializar o vaso. Mas o vazio deste que permitir a colocao

  • 41

    das flores. Recortai nas paredes, portas e janelas, para que o quarto possa ser ultrapassado. Portanto, o cheio produz o til, mas o vazio que o torna eficaz. (LAO-TS, apud CAS, 2000:109)

    Os espaos amplos, abertos, sem obstculos j se mostravam importantes

    desde a antiga Idade Mdia. No centro dos templos, grandes espaos com colunas,

    espao para reflexo, para o contato mais direto com a natureza e para os escribas

    educarem. Depois viriam as cmaras, pequenas, modestas, simplrias, nada de

    muita riqueza nem de muita comodidade, coisa que no incio da modernidade no

    aconteceu: as edificaes tinham grandes salas, quartos com banheiro e muito luxo,

    as varandas eram necessrias para o contato com o mundo do lado de fora, salas

    separadas conforme sua especialidade, como sala de almoo, jantar, visita. Afinal, j

    afirmava Jorge Luis Borges: "O espao ao mesmo tempo preciso e absolutamente

    indefinido". (BORGES, apud CAS, 2000, p.109)

    Dentro desse fator urbanstico clara a estabilidade na construo das

    cidades. Apesar da evoluo na parte de rede de esgoto, luz e gua, por exemplo, a

    distribuio arquitetnica no apresenta muitas mudanas, como foi demonstrado

    nos exemplos acima.

    2.4 Escola x arquitetura

    Nesta parte, de incio, ser abordado o universo das penitencirias, onde se

    pode notar uma sutil semelhana com os espaos fsicos escolares de hoje. Em

    Vigiar e punir, Michel Foucault descreve toda a vida nas penitencirias. Ele analisa

    primeiro a prtica das torturas e depois o prdio das carceragens.

    O acampamento o diagrama de um poder que age pelo efeito de

  • 42

    uma visibilidade geral. Durante muito tempo encontraremos no urbanismo, na construo das cidades operrias, dos hospitais, dos asilos, das prises, das casas de educao, esse modelo de acampamento ou pelo menos o princpio que o sustenta: o encaixamento espacial das vigilncias hierarquizadas. Princpio do encastramento. (FOUCAULT, 2000: 144)

    Isso mostra a responsabilidade do arquiteto ao projetar seja qual for a

    construo, e o quanto se pode mexer com o aspecto psicolgico das pessoas,

    mesmo que indiretamente.

    2.4.1 Elementos externos

    Lembrando da arquitetura dos palcios, bela para os olhos e difcil para a

    execuo, e agora observando os projetos de penitencirias com os mesmos muros

    de pedra, altos e sem acesso, chega-se ao projeto de algumas escolas.

    De incio, j era cercada por muros, para que os alunos no fugissem. Depois,

    pensada como uma edificao onde o aluno ficasse sempre em observao. Na

    maioria das vezes, era projetado um ptio central para ter o controle de todas as

    salas. Ao redor, o muro espesso e a porta slida que impedem de entrar ou de

    sair, conforme observa Foucault. Tudo isso ainda era visto na construo das

    escolas at os anos 80 do sculo passado. Nos ptios ficavam os bedis, os vigias

    dos alunos, rondando todo o movimento. As bandeiras, para serem hasteadas nas

    manhs cvicas ou para reunir os alunos nos dias festivos, tambm ficavam no ptio.

    A sala de diretoria, toda envidraada para dar uma viso do ptio, representa a

    guarita da vigilncia total. Entretanto, a grande vantagem desses ptios o

    convvio entre os alunos e a possibilidade de serem usados para aulas diferenciadas

    (ao ar livre).

  • 43

    Algumas escolas vm mudando essa teoria de muros altos, para que os

    prprios alunos no se sintam prisioneiros do aprender. Nesse ponto, indiretamente,

    eles podem se sentir ameaados. Muitos chegam a se revoltar por estarem presos e

    acabam enfrentando as barreiras, derrubando muros, se revoltando at chegam a

    ser expulsos por isso. Mas ser que o principal culpado o aluno? Ou so os

    arquitetos e administradores que os induzem a tais atitudes? Afinal, o impacto

    negativo dos muros pode ser suavizado com a colocao de painis, fazendo com

    que o aluno no perceba to diretamente esse elemento de segurana.

    Outro problema a questo da arquitetura circular, que a forma mais

    utilizada para se obter a viso completa de todos os ambientes. As salas ficam ao

    redor de um grande ptio de vigilncia, frio, e os alunos, ao sarem das salas, j se

    deparam com o vigia e a diretoria sempre em alerta. Seria algo semelhante viso

    do panptico, com vigilncia constante. Entretanto, nesse tipo de arquitetura se pode

    criar diversas formas de separao de ambientes e transformar o ptio central de

    vigilncia em espao de convivncia e diverso.

    Entre todas as razes do prestgio que foi dado, na segunda metade do sc. XVIII, s arquiteturas circulares, preciso sem dvida contar esta: elas exprimiam uma certa utopia poltica. (FOUCAULT, 2000:146)

    2.4.2 Elementos internos

    Internamente, ainda hoje existem muitas salas de aula com um degrau para o

    professor ficar mais alto do que os alunos (ANEXO 4, FOTO 1), uma forma ainda de

    demonstrar o controle perante a platia, como nas escolas militares. A, volta-se ao

    panptico:

  • 44

    Fora preparado um estrado um pouco alto para colocar as mesas dos inspetores dos estudos, para que eles possam ver todas as mesas dos alunos de suas divises, durante as refeies. (FOUCAULT, 2000:145)

    Por isso as escolas mais modernas vm construindo salas de aula sem esse

    degrau (ANEXO 4, FOTO 2), para que o professor tenha um contato direto com o aluno,

    cuja importncia no desenvolvimento escolar comprovada por psiclogos e

    pedagogos. O aluno deixa de pensar no professor como algum muito alm do seu

    alcance e passa a ser mais prximo, podendo evoluir melhor no seu aprendizado. O

    argumento de que o degrau facilita a visibilidade entre professor e aluno pode ser

    rebatido com outra facilidade: sem o degrau, o professor pode passear mais entre as

    carteiras ou at distribu-las de modo dinmico, como em formato de crculo ou de U.

    Outro ponto polmico ainda hoje utilizado o sistema de colocao das

    carteiras em fila, uma atrs da outra, para que o professor possa controlar a classe

    pelo alinhamento fsico e, assim, no deixar o aluno sequer olhar para o lado ou

    conversar. Aqui, a referncia ao panptico clara, como se observa nas imagens

    em anexo (ANEXO 3, FOTO 11). Tambm tm sido adotadas as normas estabelecidas

    por Neufert, que ampliou a diversidade de posies para as carteiras em sala de

    aula.

    Quanto disposio das portas, foi possvel perceber uma mudana.

    Educadores acreditam que, no sistema salacorredorsala, as portas no devem

    ficar frente a frente porque afeta a concentrao dos alunos na medida em que

    estudantes de turmas diferentes se observam e, assim, desviam a ateno mais

    facilmente. Por causa dessa crtica interna, as escolas visitadas que adotavam o

    esquema de portas alinhadas (ANEXO 3, FOTO 1) esto passando para o sistema

    cruzado, (ANEXO 3, FOTO 2). Contudo, preciso ressaltar que, do ponto de vista

  • 45

    arquitetnico, a importncia de uma porta ficar de frente para a outra deve-se

    melhor ventilao. Mas o ideal que as salas de aula dessem para grandes ptios

    internos ou externos, o que, alm da ventilao, favorece a absoro da claridade

    (ANEXO 3, FOTOS 3, 4 e 5). Neufert trabalha com diversas disposies de salas,

    inclusive uma de frente para a outra (ANEXO 3, FOTO 5), salas viradas para os ptios

    (ANEXO 3, FOTO 6) e salas conjugadas, com vestbulos as unindo (ANEXO 3, FOTO 10).

    Quesito igualmente fundamental para uma sala de aula a posio das

    janelas. Nas escolas visitadas, pde-se constatar desde a existncia de janelas atrs

    dos alunos (ANEXO 2, FOTO 1), o que favorece uma maior propagao de sombra, at

    o sistema de janelas laterais (ANEXO 2, FOTO 2), que arquitetonicamente melhor,

    devido iluminao, conforme Neufert (ANEXO 2, FOTO 3).

    A prpria altura das janelas fator de opresso. Foram registradas janelas

    excessivamente altas (ANEXO 1, FOTO 1), onde o aluno perde a viso externa,

    fazendo com que se sinta em uma verdadeira priso. J em outras instituies, as

    janelas eram amplas (ANEXO 1, FOTO 2), proporcionando uma viso melhor da rea

    externa o que lembra a concepo do panptico, pois, com aberturas amplas e

    abertas para o ptio, os alunos se autovigiam. Tambm foi observado um sistema

    eficiente, e aprovado por Neufert, que o de janelas cruzadas em ambas as

    paredes, benfico ventilao (ANEXO 5, FOTO 5).

    Outro problema comum observado nas salas de aula a acstica: o acmulo

    de sons, a mistura de falas e ecos, algo que no final da aula se torna um eco

    profundo nos ouvidos. Por qu? Muitos pisos do reverberao, e as salas grandes

    (ou com poucos alunos) ou mal dimensionadas (com menos de 1,5 metros

    quadrados por aluno) causam srios danos na voz nos professores o que

  • 46

    agravado, em alguns casos, pelo uso do ar condicionado convencional. Tudo isso

    sendo usado ao mesmo tempo faz os alunos escutarem menos. A revista Acstica e

    vibraes, de julho de 2002, traz um dado revelador:

    Em muitas salas nos Estados Unidos, a inteligibilidade da fala de 75% ou menos. Isso significa que em testes de inteligibilidade da fala, ouvintes com audio normal podem ouvir apenas 75% das palavras lidas de uma lista... Imagine ler um livro faltando a quarta palavra, sendo esperado que se entenda o material nele obtido. Parece ridculo? (SEEP, 2002:2)

    Essa a situao dos estudantes dos Estados Unidos, mas infelizmente

    tambm o no Brasil. Para os administradores o resultado final que conta, e ainda

    so poucos os que contratam pessoas capacitadas tecnicamente para pensar

    nesses pormenores.

    Pudemos observar uma grande diversidade de tipos de iluminao nas

    instituies visitadas. Entre elas, as de sentido transversal para com as carteiras,

    (ANEXO 5, FOTO 4), deixando mais sombra para os alunos; iluminao mista, nos dois

    sentidos em uma mesma sala de aula, o que aumenta a visibilidade devido

    inexistncia de sombra (ANEXO 5, FOTO 3); iluminao que acompanha o sentido das

    carteiras, fazendo com que o aluno tenha uma viso melhor tanto do quadro quanto

    do seu material de leitura (ANEXO 5, FOTOS 1 e 2).

    Neufert resume essas especificaes da seguinte maneira:

    Quanto ao espao fsico, a superfcie de construo deve ser de 20 a

    25 m por aluno, e a superfcie de aula, conforme as normas gerais,

    1,5 m por aluno, mas de preferncia entre 2 e 6 m.

    Quanto a p-direito (altura do piso ao teto), depende das condies de

    iluminao determinadas pelo ambiente exterior (arborizao,

  • 47

    edificao). Com profundidades de 6 a 8 metros, alturas de teto devem

    ficar entre 3,25 a 3,75 metros.

    A parede principal de iluminao deve ficar sem pilares exteriores e

    com o menor nmero possvel de apoios intermedirios para conseguir

    a iluminao uniforme do local. Anteparos, abaixo de 60 a 80 cm

    (altura das mesas e carteiras). Janelas rasgadas at o teto, isto , sem

    dentis visveis. Recomendam-se prismas refratores de vidro,

    persianas e outros dispositivos difusores de luz que tornam a

    iluminao mais uniforme. A iluminao excessiva e a radiao

    colorfica reduz-se com toldos e persianas exteriores. Porm, as

    construes fixas de proteo so preferveis (beirais, brise-soleil).

    Com profundidade de local de 6,50 metros ou mais, ter-se- tambm

    luz direta para uniformizar a iluminao. A altura de anteparo dessas

    janelas de contraluz: 1,20 m, correntemente de 2 a 2,5 metros. Os

    tetos inclinados oferecem boas condies de reflexo, de distribuio e

    de difuso da luz e deixam a luz chegar at o corredor do fundo (ANEXO

    5, FOTO 5).

    Iluminao eltrica: a luz direta deve ser ligeiramente difundida, ou luz

    fluorescente. Os quadros-negros encerados tero luz prpria. A luz

    indireta no recomendvel devido pobreza das sombras.

    As janelas de ventilao tero dimenses tais que permitam a rpida

    circulao do ar sem arrefecimento importante das paredes. A

    ventilao lateral sem tiragens foradas a mais conveniente. Com a

    cubicao normal das salas, a 6 m por aluno, o ar deve ser renovado

  • 48

    de trs a cinco vezes por hora. (NEUFERT, 1976:214)

    As escolas brasileiras tm um nmero imenso de alunos, fazendo com que as

    edificaes (salas de aula, laboratrios etc.) cresam cada vez mais, restando pouco

    espao para reas de lazer, jogos, fontes, bosques, onde poderia haver aulas ao ar

    livre por ocasio daquelas disciplinas que lidam com elementos da natureza, como

    biologia, fsica e qumica. O Ministrio da Educao exige uma determinada

    metragem quadrada por aluno em termos de sala de aula e biblioteca, mas as reas

    de lazer esto esquecidas. Somente so obrigatrias para as escolas primrias.

    Da forma como o espao escolar tem sido concebido na maioria das

    instituies brasileiras, no de espantar que os alunos digam sentir-se prisioneiros

    das escolas em muitas ocasies. Mas qual seria a escola ideal na viso dos alunos?

    Ainda difcil dizer, mas ao observarmos tanta semelhana com as prises torna-se

    necessria uma maior reflexo sobre o assunto junto prpria administrao

    escolar. So temas como esse que hoje deveriam ser mais discutidos em

    capacitaes das escolas e universidades.

  • 49

    3. INDO A CAMPO

    Este captulo contm, primeiro, a descrio de algumas escolas e

    universidades visitadas para o presente trabalho, e, em seguida, a anlise sobre as

    vantagens e desvantagens de se estudar em escolas planejadas. As instituies

    aqui descritas foram escolhidas conforme o apoio institucional dado pesquisa. Foi

    feito um contato inicial e, depois, visitas planejadas com acompanhamento de um

    integrante da prpria instituio. Mesmo colaborando com a pesquisa, algumas

    instituies solicitaram que a identificao fosse preservada. Sendo assim, no

    sero citados os nomes das escolas e universidades abordadas, as quais passam a

    ser identificadas apenas por um nmero.

    3.1 Instituio 1

    Em Santa Catarina, visitou-se uma instituio que apresenta um estilo

    moderno e est em constante ampliao (ANEXO 6, FOTO 1). Abrange desde o

    primrio at o ensino superior. Possui uma rea total de 45.000m2 , com 17.000 m2

    de rea construda e 5. 313 m2 de rea de lazer. Mas a instituio ainda est em

    fase de crescimento, possuem apenas 62 salas de aula e 6 laboratrios prontos para

    uma demanda de 1500 alunos por turno de ensino fundamental at especializao.

    Foi possvel perceber a diferena no tratamento entre as fases: no setor primrio

    havia muita cor, tudo limpo, bem cuidado, lugar adequado para todas as atividades,

  • 50

    mas conforme vai crescendo a idade e o nmero de alunos parece que os locais vo

    ficando mais frios e at com menos valor. Na biblioteca dos adultos o caso mais

    srio: o descuido se reflete no reduzido nmero de freqentadores (ANEXO 6, FOTO

    3). J na biblioteca infantil ocorre o inverso.

    Nessa escola, predomina a concepo de que um belo ar condicionado

    substitui o vento saudvel. No que o ar condicionado seja totalmente ruim, mas o

    que est em questo a falta de ar puro ou pelo menos de sistemas de renovao

    de ar. Os laboratrios equipados com maquinrios de ltima gerao so os pontos

    principais dessa instituio e que muitos ainda esto sendo construdos. Eles

    acreditam que tendo bons laboratrios, tero um melhor empenho e participao dos

    alunos nas pesquisas. So notveis as diferenas arquitetnicas em relao s

    escolas paulistas: salas extensas, pouca acstica, cadeiras universitrias ao invs

    de carteiras e mesas, pois ocupam menos espao e cabem mais alunos (ANEXO 6,

    FOTO 2). De fato, essa escolha aumenta em cerca de 10% o ndice de ocupao, e

    isso significa muito no final do ms, financeiramente falando.

    Um grande muro com portaria nica e total controle de entrada e sada um

    dos pontos positivos na opinio dos pais. Afinal, eles se preocupam com a

    segurana dos filhos. J os alunos comparam isso a uma priso. importante

    ressaltar ainda que nessa escola h um grande incentivo para a prtica de esportes

    (natao, atletismo etc.) e atividades ligadas cultura, como dana, teatro e msica.

    Isso faz com que o aluno queira ficar na escola durante todo o dia, sem presso dos

    pais. O aluno est sempre disposto a retornar, pois o tipo de ambiente que

    estimula o convvio social. Um problema que a administrao vem enfrentando e que

    devido a rea total, no momento no podem fazer nada a no existncia de

    estacionamento.

  • 51

    3.2 Instituio 2

    Continuando em Santa Catarina, a segunda escola visitada de porte maior,

    com 128.298,77 m2 de rea, sendo 29.098,66 m2 de rea construda, onde foi

    possvel ver prdios de 1972 ao lado de construes recentes (ANEXO 6, FOTO 4).

    So mais de 100 salas de aula e 30 laboratrios de diversas especialidades. Aqui o

    impacto foi maior, pois a pesquisadora se deparou com uma antiga escola primria

    instalada num prdio semelhante ao descrito por Foucault em Vigiar e punir, s que

    ao invs de quadrado, o prdio em U, com as salas nas laterais e um ptio no

    meio. A distribuio das salas muito bem feita, porm mal conservada. Hoje o

    prdio est inutilizado devido a problemas na estrutura do telhado. A instituio

    pretende demoli-lo e construir um novo no local.

    Ainda nesta escola h um outro sistema de blocos, um ao lado do outro no

    sentido transversal ou longitudinal, mas sempre com salas e um corredor dando para

    reas verdes. Muita rea verde para ser usada, mas muito vazia, alunos nas salas

    podendo ter aula ao ar livre, mas mais uma vez foi possvel notar a fora de um ar

    condicionado. Uma biblioteca ampla, climatizada, mas quase vazia (ANEXO 6, FOTO

    5). Livros? Todos possveis e exigidos pelo MEC. Os maiores usurios? Os alunos.

    Mas esses, muitas vezes despachados pelos professores, vo biblioteca apenas

    para cumprir tarefa. Sem o acompanhamento dos professores, eles acabam fazendo

    da biblioteca um local de reunio, de encontro, mesmo voz baixa, e deixam para

    fazer o trabalho em casa. Foi um problema visto em quase todas as escolas e

    instituies visitadas. Problema este de planejamento arquitetnico ou pedaggico?

    Prdios novos esto sendo construdos nessa escola em formatos diferentes,

  • 52

    como salacorredorsala, com pouca ventilao, pois o cdigo de posturas do

    municpio no adota um padro, ento cada um coloca quanto quer de ventilao,

    com um certo consenso mas ainda no o ideal. No primeiro pavimento, as portas

    das salas esto frente a frente, mas nos outros pavimentos, foram colocadas no

    sistema ziguezague, complicando a questo arquitetnica e mais ainda a ventilao.

    Grandes ja