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Sigilo Bancário versus Sigilo Fiscal
S C M - S i s t e m a s C o n s u l t o r i a e M é t o d o s
L t d a . F o n e : ( 3 1 ) 9 9 6 4 5 - 0 8 0 1
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o m 0 8 / 0 3 / 2 0 1 6
Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho Consultor da União. Procurador da Fazenda Nacional de Categoria Especial
TRANSFERÊNCIA DO SIGILO BANCÁRIO
PARA O SIGILO FISCAL
O brilhantismo da exposição e confronto do Sigilo Bancário versus o Sigilo Fiscal, bem como outros direitos e restrições impostas às reservas de outras formas de sigilo, leva-nos a disponibilizar este trabalho a todos aqueles que queiram aprofundar neste assunto. Fonte pode ser acessado pelo site << http://www.agu.gov.br/page/download/index/id/889834 >>
A QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO E O FISCO OSWALDO OTHON DE PONTES SARAIVA FILHO
Consultor da União
Procurador da Fazenda Nacional de Categoria Especial Professor de Direito Tributário da
Universidade Católica de Brasília/UCB Coordenador do Curso de Especialização em Direito Tributário da
UCB/IBEP Diretor-Executivo do Centro de Estudos Victor Nunes Leal da AGU
Texto básico da palestra proferida, pelo Autor, no dia 02/08/2001, em São Paulo, no Ciclo de Palestras Jurídicas, uma promoção do UNIBANCO e da
FEBRABAN.
https://www.google.com.br/search?q=TRANSFER%C3%8ANCIA+DO+SIGILO+BANC%C3%81RIO+PARA+O+SIGILO+FISCAL&oq=TRANSFER%C3%8ANCIA+DO+SIGILO+BANC%C3%81RIO+PARA+O+SIGILO+FISCAL&aqs=c
hrome..69i57.1627j0j7&sourceid=chrome&ie=UTF-8
1) Introdução
Todos nós temos o direito de viver em um Estado fiscal democrático.
Estado este que garanta os direitos, imponha os deveres, tendo em vista o
interesse público, e faça a intermediação entre os membros da sociedade,
evitando todo e qualquer abuso de poder e o domínio dos mais poderosos em
relação aos mais fracos.
E para que o Estado moderno possa desincumbir essa sua missão, além do
combate ao desperdício de dinheiro público, o que se dá em duas frentes - com
a guerra contra a corrupção e a luta contra o emprego inadequado ou
ineficiente dos recursos públicos, ele tem que arrecadar o que necessita,
devendo exercer, para tanto, com eficácia e eficiência, a sua atividade
fiscalizadora, inclusive possuindo meios de confrontar se o que os contribuintes
estão declarando, para fins do imposto de renda, corresponde aos valores que
se encontram depositados em contas bancárias.
Afinal de contas, a sistemática de auto liquidação de créditos tributários, por
parte dos contribuintes, implica na possibilidade de a Administração tributária
possuir instrumentos mais eficazes e eficientes de fiscalização, sob pena de se
manter uma hipocrisia fiscal.
Nos dias de hoje, a maioria dos impostos são liquidados, pelos próprios
contribuintes, com base em elementos que eles dispõem e que a
Administração tributária teria muito dificuldade em obter e confrontar, sem que
disponha de adequados mecanismos de fiscalização, como o acesso direto
dela às informações bancárias.
De fato, hodiernamente, o Poder Executivo deixou, para segundo plano, a
condição de aplicador ex officio das normas tributárias, para assumir, com mais
proeminência, a condição de fiscalizador, de controlador das atividades de
liquidação de tributos efetuadas pelos sujeitos passivos das obrigações
tributárias.
Aliás, a importância de se conferir maior eficiência aos meios de fiscalização
tributária ganha relevo em face da economia globalizada em que vivemos, bem
como diante da informatização, onde pode se dá o comércio virtual, com
dificuldade adicional para o Fisco verificar a ocorrência de fatos geradores,
caso não declarados pelos particulares contratantes, como, por exemplo, a
baixa de um arquivo de um programa de computador, onde a transferência do
software ocorre diretamente de um computador para outro.
O ganho de eficiência dos meios da fiscalização tributária e a consequente
maior arrecadação do que é legalmente devido, o que pode ser obtido com a
transferência direta do sigilo bancário para a Administração tributária, traz,
entre nós, a clara percepção de que os verdadeiros inimigos e concorrentes
desleais dos contribuintes são aqueles que, apostando nas amarras e na
ineficiência do Fisco, conseguem se evadir de suas obrigações tributárias,
forçando o Estado, que não pode prescindir da arrecadação que lhe é
necessária, a tributar, cada vez mais, os que pagam os tributos honestamente,
o que vai de encontro à razoabilidade da tributação, proporcionadora da
liberdade, justamente, aquilo que o Estado fiscal visa a assegurar.
Como bem desabafou o Professor da Faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra Doutor José Cassalta Nabais, em recentes palestras proferidas em
Brasília, Rio de Janeiro e em São Paulo, respectivamente nos dias 18, 19 e 20
do mês de fevereiro de 2.001 em Simpósios Internacionais sobre Sigilo
Bancário, promovidos pelo Centro de Estudos Victor Nunes Leal da Advocacia-
Geral da União:
“Com efeito, é de todo insustentável a situação a que uma parte
significativa e crescente de contribuintes se conseguiu alcandorar,
fugindo descaradamente e com assinalável êxito aos impostos.
É insustentável pela receita perdida que origina e,
consequentemente, pelo apartheid fiscal que a mesma provoca,
desonerando os fugitivos fiscais e sobrecarregando os demais
contribuintes que, não podendo fugir aos impostos, se tornam
verdadeiros reféns ou cativos do Fisco
por impostos alheios.”1
2) Fundamentos Constitucionais para transferência direta do sigilo
bancário para a Administração Pública
A Constituição Brasileira confere aos entes da Federação o mais e os fins – o
poder de tributar, para que estes obtenham receitas para atender aos seus
encargos (arts. 145 caput incisos I a III, 148, 149 e 195, 153 caput incisos I a
VII, 154 I e II, 155 caput incisos I a III, e 156 caput incisos I a III) – obviamente,
ofereceu, também, aos respectivos Poderes Executivos os meios – a
competência ampla de fiscalização.
Além disso, a Constituição da República Federativa do Brasil, no § 1o do artigo
145, dispõe que, sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e
serão graduados segundo a capacidade econômica dos contribuintes, e,
principalmente para conferir efetividade aos princípios da pessoalidade e da
capacidade contributiva, faculta à Administração tributária identificar,
respeitados os direitos individuais, isto é, com a mantença, por parte da
Administração fiscal, do segredo bancário que lhe foi transferido e de
conformidade com o devido processo legal, e nos termos da lei, o patrimônio,
os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
Ademais, a Constituição Federal, de 1988, no seu artigo 5° caput proclama que
todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-
se a inviolabilidade do direito à igualdade. O mesmo Estatuto Constitucional, no
seu artigo 150 inciso II, veda a instituição de tratamento desigual entre
contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer
distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida,
independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou
direitos.
É inerente à atividade da Administração ter acesso às informações bancárias a
fim de poder desempenhar o seu poder-dever de fiscalização. E isso para a
perseguição de objetivos que a própria Constituição lhe impõe na
concretização da justiça fiscal e, em última instância, do princípio da igualdade
que consagra.
De fato, a capacidade contributiva consiste, segundo o magistério de Ricardo
Lobo Torres, "em legitimar a tributação e graduá-la de acordo com a riqueza de
cada qual, de modo que os ricos paguem mais e os pobres, menos".2
E, como realçou o Professor da Faculdade de Direito da Universidade de
Lisboa Doutor José Luís Saldanha, a igualdade fiscal, exigida pela
Constituição, não é apenas a igualdade na legislação, mas também a
igualdade na aplicação da lei.”3.
Com o aparecimento da L.C. 105, de 10/1/01, que permite a transferência do
sigilo bancário para a Administração tributária e a consequente melhora na
fiscalização e na arrecadação dos impostos, surge o incremento das
possibilidades de há médio prazo ocorrer a redução da carga tributária de
quem paga os tributos corretamente, e, até mesmo de se viabilizar a tão
esperada reforma tributária.
Os contribuintes cumpridores de seus deveres ganharam motivos para crer que
as leis tributárias venham a ser, de fato, igualmente aplicadas e que a
capacidade contributiva das pessoas venha a ser mais observada.
E mais: um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é
construir uma sociedade livre, justa e solidária (C.F./88, art. 3°).
A ordem econômica na Constituição do Brasil, fundada na valorização do
trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência
digna, conforme os ditames da justiça social, observado, entre outros
princípios, o da livre concorrência (C.F., arts. 1º caput incisos II, III e IV, e 170
caput inciso IV).
Pode ser acrescentado, ainda, que a evasão e a sonegação fiscal também é
combatida, pela Carta Política Brasileira, quando ela reza que a lei reprimirá o
abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação
da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros (C.F., § 4o do art. 173).
Insta observar que a Constituição Brasileira, no caput do artigo 37, estatui que
a Administração pública obedecerá, entre outros princípios, o da
impessoalidade, o da moralidade e o da eficiência.
Todos esses princípios constitucionais, entre outros, apoiam a transferência
direta do sigilo bancário para a Administração tributária e demonstram a
constitucionalidade dos preceptivos da Lei Complementar 105/01.
Insta ressaltar que a Constituição Brasileira, além de garantir que a
Administração Pública atue dentro da legalidade e da eficiência, observando os
princípios da razoabilidade e da proporcionalidade (C.F., art. 37, caput e art. 5º
LIV), exige também que a Administração respeite os princípios da
impessoalidade (ou finalidade) e da moralidade administrativa, o que implica na
imparcialidade da administração pública.
Por força desses princípios, os atos da Administração Pública e de
seus agentes em geral, especialmente os agentes fiscais, devem
conter a maior eficiência possível, pela obrigação de prestarem uma
boa administração, observando-se a honestidade, a boa-fé, a
lealdade, a moderação, a discrição, a economicidade, a sinceridade,
sem que possa existir qualquer inconfessável desejo de prejudicar
ou beneficiar este ou aquele administrado.4.
As autoridades administrativas fiscais competentes para examinar as
informações bancárias dos contribuintes, além de não terem mesmo qualquer
interesse em se imiscuir na vida privada dos contribuintes, estando a isto
proibidos por força do princípio da moralidade administrativa, também não têm
o interesse de proporcionar a arrecadação a qualquer custo, mas sim,
pretendem apenas propiciar, com o seu legítimo e eficiente trabalho de
fiscalização, a arrecadação do que legalmente for devido.
Ademais, diferentemente do Ministério Público, a Administração tributária
não se enquadra mesmo na parcialidade, tendo em vista que ela não é parte
no sentido de que ela não acusa, ela apenas fiscaliza.
Na fase de fiscalização, nem sequer a Administração é credora, pois ainda
não existe o crédito tributário parcial ou definitivamente constituído.
Parcela significativa da doutrina pátria encontra óbices constitucionais à
transferência direta do segredo bancário para a Administram tributária, diante
dos preceptivos constitucionais do artigo 5º incisos X (a inviolabilidade da
intimidade e da vida privada) e XII (ao que se advoga trataria acerca da
inviolabilidade do sigilo de dados informáticos).
Adeptos dessa corrente de pensamento reconhecem que o sigilo bancário não
é absoluto, podendo ser relativizado, mas apenas por meio de ordem judicial,
quando demonstrados indícios fortes ou provas irrefutáveis de evasão e
sonegação fiscal. Haveria uma dita, mas não explicada convincentemente,
espécie de reserva constitucional de jurisdição.
O fato é que a Constituição Federal do Brasil, de 1988, não assegura
expressamente o sigilo bancário como um dos direitos individuais, muito menos
coletivos, de modo que, no máximo, só se pode chegar a indução de que o
sigilo bancário estaria incluso nos direitos à intimidade e à privacidade por
mera construção interpretativa. Mas a Constituição não garante isto com todas
as letras.
De fato, a Constituição Federal, de 1988, além de não assegurar
expressamente entre os direitos individuais, no artigo 5º, tampouco no artigo
145, § 1º, o dever de as instituições financeiras manterem sigilo sobre as
operações realizadas através delas, ao cuidar do sistema financeiro nacional,
no artigo 192, também nada dispôs sobre o sigilo bancário.
Não vislumbramos o sigilo bancário entre o direito à intimidade, ou o
denominado direto de se estar sozinho. Tenho para mim que intimidade é
aquilo que não se compartilha com ninguém, são os pensamentos mais íntimos
e secretos, os sentimentos, os desejos e as tendências, às vezes,
inconfessáveis.
Vida privada é aquilo que é compartilhado a um grupo restrito de pessoas
mais íntimas, cônjuge, familiares, alguns poucos amigos, ou pessoas da inteira
confiança do indivíduo que faz a discrição.
Estou que o sigilo bancário está, normalmente, encaixado entre um dos
instrumentos de defesa da propriedade, como proteção contra a curiosidade
sem justo motivo de terceiros ou concorrentes, sujeito, portanto, a relativização
em face do interesse público predominante, sendo que só excepcionalmente,
as informações e documentos bancários, relativos a meros números, a
contabilidade fria, poderiam revelar alguma relação com a vida privada do
contribuinte.
Observe-se que em relação às pessoas jurídicas, ainda é mais difícil a defesa
do sigilo bancário com amparo no direito à privacidade, mesmo porque como,
de passagem, bem lembrou o Professor Hugo de Brito Machado:
“é antiga a ideia de que a Fazenda Pública penetra no sigilo
comercial para ter meios de exercitar o seu poder de tributar” (Cf.
art. 195 do C.T.N.).” 5
Assim, não há como se justificar não possa a lei permitir a transferência direta
dos segredos bancários para a Administração tributária. Aliás, as sociedades
anônimas são, por lei, obrigadas a publicar os seus balanços.
O entendimento no sentido de que o sigilo bancário não se encontra protegido
pelo artigo 5º inciso X da Constituição Federal, embora se reconheça não seja
essa o posicionamento dominante do Supremo Tribunal Federal, foi
manifestado, pelos Excelentíssimos senhores Ministros Francisco Rezek e
Sepúlveda Pertence por ocasião do julgamento do Mandado de Segurança
21.729-4/DF,6.
No que respeita à interpretação do inciso XII, do art. 5º, da Constituição da
República do Brasil, Tercio Sampaio Ferraz Junior7 chama a atenção para o
fato de que o sigilo está relacionado com a comunicação. Isto é feito, no texto,
em dois blocos: a Constituição fala em sigilo da correspondência e das
comunicações telegráficas; de dados e das comunicações telefônicas. Note-
se, para a caracterização dos blocos, que a conjunção e une correspondência
com telegrafia, segue-se uma vírgula e depois, a conjunção de dados com
comunicações telefônicas. Há uma simetria nos dois blocos.
Obviamente o que se regula é comunicação por correspondência e telegrafia,
comunicação de dados e telefônica. Portanto, o que é inviolável é o direito da
pessoa de não ter a ação de sua comunicação de dados interceptada, não
sendo invioláveis os dados em si mesmos.
Em verdade, o Excelso Supremo Tribunal Federal tem afirmado, em várias
ocasiões, que a inviolabilidade referida do inciso XII do artigo 5° da Carta
Magna refere-se à intromissão ou interceptação da comunicação de dados e
não ao registro de dados.
Nesse sentido, a palavra abalizada do Ministro Sepúlveda Pertence no voto
proferido no MS 21.729-4/DF:
“Da minha leitura, no inciso XII do art. 5o da Lei Fundamental, o que
se protege é a comunicação de dados e não os dados, o que
tornaria impossível qualquer investigação administrativa, fosse qual
fosse”.
Também nessa linha, merece destaque o magistério do Ministro Nelson Jobim,
em voto proferido no julgamento do RE 219.780/PE:
“Passa-se, aqui, que o inciso XII não está tornando inviolável o
dado da correspondência, da comunicação, do telegrama. Ele está
proibindo a interceptação da comunicação dos dados, não dos
resultados.
Essa é a razão pela qual a única interceptação que se permite é a telefônica,
pois é a única a não deixar vestígios, ao passo que nas comunicações por
correspondência telegráfica e de dados é proibida a interceptação porque os
dados remanescem; eles não são rigorosamente sigilosos, dependem da
interpretação infraconstitucional para poderem ser abertos. O que é vedado de
forma absoluta é a interceptação da comunicação da correspondência, do
telegrama.
Por que a Constituição permitiu a interceptação da Comunicação telefônica?
Para manter os dados, já que é a única em que, esgotando-se a comunicação,
desaparecem os dados. Nas demais, não se permite porque os dados
remanescem, ficam no computador, nas correspondências etc” (RE nº
219.780/PE, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 10.09.99, p. 23).
Em outra oportunidade, o Augusto Pretório, na ADIn 1.790/DF (DJ 08.09.2000),
não só procedeu à distinção entre as comunicações e os registros de dados
como também afirmou, de modo inequívoco, a legitimidade da transferência de
registros de dados de amplo acesso público destinados à proteção de créditos
privados – cujos serviços prestados eventualmente são remunerados.
Tratava-se, portanto, de bancos de dados, inclusive privados, que
preservavam interesses eminentemente privados e comerciais e exploravam
economicamente a divulgação ilimitada a terceiros de informações relativas a
operações financeiras de crédito.
Ora, se o próprio Supremo Tribunal Federal admitiu que tais registros são
“um dado inextirpável da economia fundada nas relações massificadas de
crédito”, o que denota que o acesso a tais sistemas de dados decorre das
exigências de eficiência da economia financeira, como forma de proteção do
lucro, ou seja, se a economia privada capitalista necessita do acesso a dados
eventualmente gravosos à imagem das pessoas para o fim de proceder à
eficiente proteção do lucro, maior dependência de um igualmente eficiente
sistema ostentará a administração tributária.
Ora se as entidades capitalistas e privadas encontram-se autorizadas a
acessar e fazer circular informações acerca de transações financeiras
realizadas por indivíduos (e inclusive vender serviços de obtenção e difusão de
tais informações) por imperativo factual de eficiência econômica na sociedade
de massas, razão alguma haverá para não se admitir a mesma legitimidade
aos órgãos públicos de fiscalização tributária para acessar diretamente tais
informações no sentido de assegurar efetividade ao dever fundamental de
pagar impostos e aos princípios constitucionais do caráter pessoal, da
igualdade do tratamento fiscal e da capacidade contributiva, tendo em vista
que, por imperativo constitucional, por melhor razão, deve a Administração
tributária atuar com eficiência e com moralidade, isto é, com imparcialidade,
além de estar impedida de revelar a terceiros tais informações, sujeitando-se
ao devido processo legal administrativo.
Destarte, embora, na minha opinião, o sigilo bancário esteja mais diretamente
relacionado com a proteção ao direito de propriedade, tendo só
excepcionalmente algum reflexo com o direito à privacidade, cumpre
reconhecer que a tese prevalecente em nossa Corte Constitucional é no
sentido de que o sigilo bancário seria, por interpretação, uma nuance do direito
à privacidade, com base, portanto, não no inciso XII do artigo 5o, mas sim no
inciso X do mesmo artigo.
Mesmo assim, a jurisprudência mansa e pacífica do Supremo
Tribunal Federal é no sentido de que o direito ao sigilo bancário não
é absoluto, devendo ceder diante do interesse público, do interesse
social e do interesse da justiça, com observância de procedimento
estabelecido em lei e com respeito ao princípio da razoabilidade,
sendo certo, portanto, que as exceções podem ser disciplinadas por
normas infraconstitucionais (Cf. RE 219.780, Rel. Min. Carlos
Velloso, in DJU de 10/9/99, p. 23).
Insta ser ressaltado que o Supremo Tribunal Federal tem entendido que o
direito ao sigilo bancário não está protegido pela cláusula constitucional de
reserva de jurisdição, contrariamente do que sucede com a busca domiciliar
(C.F., art. 5o XI), a interceptação telefônica (C.F., art. 5o XII) e a decretação de
prisão de qualquer pessoa, ressalvada a hipótese de flagrância e os casos de
transgressão militar ou crime propriamente militar (C.F., art. 5o LXI), como
demonstra o seguinte decisum:
“Quebra ou transferência de sigilos bancário, fiscal e de registros telefônicos
que, ainda quando se admita, em tese, susceptível de ser objeto de decreto de
CPI - porque não coberta pela reserva absoluta de jurisdição que resguarda
outras garantias constitucionais -, há de ser adequadamente fundamentada:
aplicação no exercício pela CPI dos poderes instrutórios das autoridades
judiciárias da exigência de motivação do art. 93, IX, da Constituição da
República.” (MS 23.480, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 15/9/00, p. 119)”.
Ademais, por ocasião do julgamento do Agravo Regimental em Inquérito n°
897-5/DF, o Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, além de ter
assentado que “a quebra do sigilo bancário não afronta o artigo 5º X e XII da
Constituição Federal (Precedente: PET 577)”, decidiu que o sigilo bancário
pode ser transferido sem a necessidade de prévia audiência do investigado,
tendo em vista que, como bem explicaram os senhores Ministros Carlos
Velloso e Celso de Mello, tornando-se necessária a obtenção da prova por
esse meio, deve ser posta no ventre dos autos, não havendo de se cogitar da
instauração incidental do contraditório em procedimento nitidamente qualificado
pela nota da unilateralidade e da inquisitividade, aí então, ou a partir daí
ocorrerá o contraditório, ou seja, “o princípio do contraditório não prevalece na
fase inquisitorial”. (DJU de 24/3/95, p. 6806).
No mesmo caso, assim se pronunciou o senhor Ministro Sepúlveda Pertence:
“Admitindo-se que não se trata de garantia absoluta de sigilo, mas
que, ao contrário, pode ele ser quebrado em favor de investigação
criminal, parece-me patente que é impossível estabelecer, como
regra geral, um contraditório prévio para saber da procedência do
pedido de autorização judicial para a diligência. Do contrário, na
hipótese extrema, teríamos, antes da autorização de uma escuta
telefônica, que estabelecer um contraditório com quem seria o objeto
dessa escuta, de modo a frustrar, antecipadamente, a investigação".
Também nesse mesmo agravo regimental, o Senhor Ministro Moreira Alves
corroborou: “também nego provimento ao agravo até porque há outros tipos de
providências que são absolutamente incompossíveis com o contraditório,
como, por exemplo, o pedido de bloqueio de bens e a busca e apreensão”.
2) SITUAÇÕES PARA A QUABRA DO SIGILO BANCÁRIO
Com o surgimento da Lei Complementar n° 105/01 e do Decreto nº 3.724/01,
dúvida não há acerca da existência de complexo normativo rigoroso, específico
e suficiente para prestar as garantias de organização e procedimento
necessárias à tutela de quaisquer direitos e posições jurídicas dos sujeitos
passivos de obrigações tributárias.
Neste ponto, cabe realçar que o sigilo bancário tem por finalidade a proteção
contra a divulgação ao público em geral (ou a pessoas que não tenham um
justo título que justifique) de informações acerca dos negócios das instituições
financeiras e dos saldos bancários e das operações financeiras de seus
clientes.
Por força da legislação tributária, inclusive a do imposto sobre a renda, as
pessoas não têm o direito de esconder do Fisco ou dele omitir as suas rendas
ou as de terceiros, estando, por lei, obrigadas a prestar informações a esse
respeito à Administração tributária.
Por isto, não há, em verdade, um direito absoluto do contribuinte ao sigilo
bancário oponível ao Fisco. A lei pode disciplinar a transferência do segredo
bancário para a Administração tributária por legítimos motivos de ordem
pública, como os relacionados aos combates a evasão e sonegação fiscais,
passando, nesse caso, a existir uma troca de sigilo bancário para o sigilo fiscal.
O agora revogado artigo 38 do Decreto-lei n° 4.507/64 e o caput do art. 197 do
Código Tributário Nacional, ao meu ver, já autorizavam a transferência direta
do segredo bancário para a Administração tributária, embora o Egrégio
Superior Tribunal de Justiça, a partir do decidido no REsp n° 37.566-5/RS,
Relator o senhor Ministro Demócrito Reinaldo, tenha pacificado entendimento
em sentido contrário.
Por outro lado, o dispositivo do parágrafo único do art. 197, do CTN, não se
dirige às instituições financeiras, mas atinge, tão somente, as entidades ou
pessoas que a lei designe, em razão de seu encargo, ofício, função, ministério,
atividade ou profissão (inciso VII do mesmo art. 197), quanto a fatos sobre os
quais o informante esteja legalmente obrigado a observar segredo, em razão
de cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão. E a lei não impõe
que as instituições financeiras neguem a transferência do sigilo bancário para o
Fisco.
Ademais, outro é o recente julgado do STF conforme em decisão proferida na
quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016.
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=310670
STF garante ao Fisco acesso a dados bancários dos contribuintes sem
necessidade de autorização judicial
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu na sessão
desta quarta-feira (24) o julgamento conjunto de cinco processos
que questionavam dispositivos da Lei Complementar (LC) 105/2001,
que permitem à Receita Federal receber dados bancários de
contribuintes fornecidos diretamente pelos bancos, sem prévia
autorização judicial. Por maioria de votos – 9 a 2 – , prevaleceu o
entendimento de que a norma não resulta em quebra de sigilo
bancário, mas sim em transferência de sigilo da órbita bancária para
a fiscal, ambas protegidas contra o acesso de terceiros. A
transferência de informações é feita dos bancos ao Fisco, que tem o
dever de preservar o sigilo dos dados, portanto não há ofensa à
Constituição Federal. (observação acrescenta pelo eng. Sebastião
Martins, autor de vários trabalhos na área do ISS
http://www.consultoriaiss.com ).
Portanto, a não ser que protegido por decisão judicial, quem omitir, retardar
injustificadamente ou prestar falsamente à Secretaria da Receita Federal as
informações bancárias legalmente requeridas, ficará sujeito às sanções
criminais de que trata o art. 10, caput, da Lei Complementar nº 105, de 2.001,
sem prejuízo das penalidades cabíveis nos termos da legislação tributária
Esse, aliás, é o entendimento de Aliomar Baleeiro:8
“Não se conceberia que o advogado e o padre, por ex., fossem
compelidos a devassar confidências recebidas em função de sua
atividade, quando outras leis os garantem em função dessa atividade,
contra delações a que se obrigarem, e até os punem se as fizerem
(Cód. Penal, art. 154).
Não é, porém, o caso dos banqueiros, p.ex., que não são adstritos às
mesmas regras éticas e jurídicas de sigilo. Em princípio só devem
aceitar e ser procurados para negócios lícitos e confessáveis. Diversa
é a situação do advogado, do médico e do padre, cujo dever
profissional não tranca os ouvidos a todos os desvios de
procedimento ético ou jurídico, às vezes conhecidos somente da
consciência dos conflitantes.”
E, de fato, o art. 198 do Código Tributário Nacional, com a redação
determinada pela Lei Complementar n° 104, de 10/1/01, assegura o sigilo
fiscal.
Contudo, é inaceitável que os contribuintes tenham qualquer direito de impedir
o Fisco de cumprir, respeitados os direitos individuais pertinentes, com a
mantença do sigilo bancário e com a observância do devido processo legal, e
nos termos da lei, o seu poder-dever de fiscalizar e tributar corretamente, o que
pressupõe a possibilidade de identificação do patrimônio, dos rendimentos e
das atividades que indiquem substância contributiva (C.F., art. 145, § 1º).
A Administração tributária, a quem compete, por lei, as atribuições de
fiscalização e lançamento, no interesse na maior eficácia dos princípios da
igualdade e da capacidade contributiva (C.F., art. 150, II e art. 145 § 1o), deve
ter os meios de conferência fiscalizatória.
A partir da entrega para as autoridades tributárias dos documentos, livros ou
registros de instituições financeiras, inclusive dos informes referentes a contas
de depósitos e aplicações financeiras, como agora autorizam os artigos 5º e 6º
da L.C. 105, o sigilo bancário não é quebrado, mas, apenas, se transfere à
responsabilidade da autoridade administrativa solicitante e dos agentes fiscais
que a eles tenham acesso no estrito exercício de suas funções, que não
poderão violar, salvo as ressalvas do § 1o, incisos I e II, e § 3 o, incisos I, II e
III, do art. 198, e do art. 199, caput e parágrafo único, do C.T.N., com as
redações dadas pelo artigo 1o da L.C. n° 104, de 10/1/01, como, aliás, prevê o
inciso XXXIII, do art. 5º, da C.F., que ressalva do direito de todos a receber dos
órgãos públicos informações os casos de sigilo que sejam imprescindível à
segurança da sociedade e do Estado, nos termos da lei, sob pena de
incorrerem em responsabilidade penal, civil e administrativa (art. 198 do CTN;
com a redação dada pela LC 104/01; art. 325 do CP, art. 10 e 11 da LC 105).
É verdade que, após a Constituição de 5 de outubro de 1988, a nossa Corte
Constitucional ainda não examinou o mérito da possibilidade ou não da
transferência direta do sigilo bancário para a Administração tributária.
Entretanto, antes da Carta Política de 1988, o Supremo Tribunal Federal
sempre admitiu essa relativização do segredo bancário frente à Administração
fiscal. Essa afirmação encontra-se respaldada, por exemplo, em decisões do
Pretório Excelso, por ensejo dos julgamentos do RMS n° 15.925-GB (in R.T.J.
37/373) e do RE 71.640- BA (in R.T.J. 59/571).
Destarte, como o sigilo bancário só tem sentido enquanto protege o
contribuinte contra o perigo da divulgação ao público em geral, nunca quando a
divulgação de informações bancárias é para as autoridades administrativas
competentes, que, sob pena de responsabilidade penal, civil e administrativa,
estão, em regra, proibidos de transmitir o que lhes foi dado conhecer, não há
perigo de devassa ou quebra de sigilo bancário que venham a perturbar as
relações jurídicas através do sistema financeiro.
Mesmo porque o Direito não existe para proteger a própria torpeza, a
propaganda enganosa da situação econômica, os atos contra a família, a
concorrência desleal com a tendência de dominação do mercado de quem
escapa da tributação correta, ou seja, não se pode permitir, no mundo de
economia globalizada em que os negócios se fazem até por meio virtual pela
internet, e que, na prática, o mais das vezes, os tributos são liquidados e pagos
pelo próprio contribuinte, sem a prévia conferência por parte da Administração,
que sonegadores, traficantes, corruptos tenham o direito de esconder do Fisco
os seus reais rendimentos, impedindo-se a transferência imediata do sigilo
bancário para a Administração tributária, transferência essa necessária para a
sua eficiência.
Aliás, como bem pondera Sérgio Carlos Covello: “Banco não é esconderijo”.9
Cabe mencionar que, por ocasião do julgamento do Mandado de Segurança
21.729 impetrado pelo Banco do Brasil contra o Procurador-Geral da República
(Rel. p/ ac. o Min . Francisco Rezek, acórdão pendente de publicação, e
noticiado no Informativo STF n° 8), o Excelentíssimo Senhor Ministro Ilmar
Galvão reconheceu muito maior plausibilidade na transferência do sigilo
bancário para a Fiscalização do Imposto de Renda, que há de estar em
permanente vigilância, na busca de sinais de riqueza dos contribuintes, do que
em relação ao Ministério Público, cuja iniciativa tem em mira casos específicos,
em face dos quais o requerimento ao Juiz não acarreta maiores transtornos.
Evidentemente, é incontestável que a Administração tributária deve ter o
acesso direto de informes gerais ou cadastrais sobre os contribuintes, como a
existência de contas e valores globais nelas depositados ou aplicados, sem a
identificação da origem, e, também, sem referência ao destino desses valores,
o número do CPF ou CGC e o endereço do cliente da entidade, mesmo porque
esses dados não são capazes de revelar qualquer aspecto da privacidade das
pessoas.
O acesso direto a outros elementos mais detalhados, de fato comporta
controvérsia, mas estou que a norma infraconstitucional pode autorizar.
Como estava, a eficiência ficava, em verdade, comprometida, pois a
comprovação de provas ou veementes indícios de sonegação ou evasão fiscal
para só então se obter a autorização judicial da transferência do sigilo bancário
torna essa providência desnecessária, pois se o Fisco já possui esses
elementos não precisa pedir a transferência do sigilo, quando o que possibilita
a eficiência e o temor da pessoa que pretenda omitir rendimentos é a
possibilidade de busca, de investigação de cruzamento de informações,
mesmo que ainda não tenha ocorrido a prévia constatação da existência de
indícios de omissão, irregularidade ou crime.
3) Conteúdo e período das informações repassadas às autoridades
administrativas
Determina o artigo 5° da Lei Complementar n° 105/2.001, segundo os critérios
a serem disciplinados pelo Poder Executivo, inclusive quanto à periodicidade e
aos limites de valor, que as instituições financeiras informarão à Administração
Tributária da União, as operações financeiras efetuadas pelos usuários de seus
serviços.
3.1) Operações financeiras
O § 1o do artigo 5º da L.C. 105 considera operações financeiras:
a) Depósitos à vista e a prazo, inclusive em conta de poupança;
b) Pagamentos efetuados em moeda corrente ou em cheques;
c) Emissão de ordens de crédito ou documentos assemelhados;
d) Resgates em contas de depósitos à vista ou a prazo, inclusive de
poupança;
e) Contratos de mútuo;
f) Descontos de duplicatas, notas promissórias e outros títulos de crédito;
g) Aquisições e vendas de títulos de renda fixa ou variável;
h) Aplicações em fundos de investimentos; aquisições de moeda
estrangeira;
i) Conversões de moeda estrangeira em moeda nacional;
j) Transferências de moeda e outros valores para o exterior; operações
com ouro, ativo financeiro; operações com cartão de crédito; operações
de arrendamento mercantil;
e quaisquer outras operações de natureza semelhante que venham a ser
autorizadas, pelo Banco Central do Brasil, Comissão de Valores Mobiliários ou,
outro órgão competente.
É grande relevância a norma do § 2º do artigo 5º da Lei
Complementar 105, que reza que as informações transferidas na
forma do caput deste artigo restringir-se-ão a dados cadastrais
gerais, ou seja, a informes relacionados com a identificação dos
titulares das operações e os montantes globais mensalmente
movimentados, vedada a inserção de qualquer elemento que
permita identificar a sua origem ou a natureza dos gastos a partir
deles efetuados.
3.2) Carater contábil da informações transferida
Com isso, explicitou-se o caráter estritamente contábil da informação acessível
à fiscalização tributária e vedou-se expressamente já na própria Lei
Complementar nº 105, de 2001, a possibilidade de conferir-se qualquer caráter
revelador da origem ou da natureza dos gastos quando da concessão das
informações relativas às operações financeiras.
Aqui cuida-se apenas de transferência para a Administração tributário do
segredo protetor da propriedade, sem qualquer possibilidade de reflexo na
privacidade, e, como é cediço, a18 propriedade deve ter função social, e o
direito a ela pode ser relativizado por lei.
3.3) Privacidade
A privacidade, na espécie, está, portanto, protegida, quando a supracitada
norma da lei complementar restringe a transmissão das informações, por parte
das instituições financeiras, a simples informações cadastrais dos contribuintes
usuários de serviços bancários, é dizer meros dados que identificam a pessoa
em suas relações sociais, comerciais e com o Poder Público, aliás a
identificação dos nomes das pessoas faz parte da comunicação humana:
ninguém tem identificação só para si mesmo ou para pessoas mais chegadas,
o nome das pessoas é mesmo para os outros, para o mundo.
O direito à privacidade também está preservada quando o preceptivo do § 2º
do artigo 5º da L.C. 105, a exemplo do estatuído no art. 12 da Lei
Complementar nº 70, de 30 de dezembro de 1991, limita a transmissão apenas
de valores globais movimentados, proibida, nessa fase, a inserção de qualquer
elemento que permita identificar a sua origem ou a natureza dos gastos
efetuados.
O § 4º, por sua vez, permite que a autoridade administrativa competente
poderá requisitar informações e documentos complementares necessários
àqueles mencionadas no § 2º, bem como realizar fiscalização ou auditoria para
a adequada apuração dos fatos, tão-somente na hipótese de detecção de
“indícios de falhas, incorreções ou omissões” ou de “cometimento de ilícito
fiscal”, o que constitui exigência igualmente adicional de consistência e
finalidade específica no acesso a informações.
Tal como nos relata a Secretaria da Receita Federal:
“essa regra, conjugada com a do § 2º, objetiva racionalizar os
trabalhos de prestação de informações bancárias ao fisco federal, na
medida em que o detalhamento de dados sobre operações e
serviços de instituições financeiras pode ser requisitado somente
caso a caso e, assim mesmo, apenas na hipótese de haver indícios
de falhas, incorreções ou omissões, ou de cometimento de ilícito
fiscal, nas informações recebidas pelo órgão da administração
tributária da União”.
A seu turno, o § 5º do artigo 15 da L.C. 105, satisfazendo o devido processo
legal e determinando a observância das exigências da legislação em vigor, traz
normas de organização e procedimento, assegurando que tais informações
serão conservadas sob sigilo fiscal.
Portanto, não se trata, em verdade, de quebra de sigilo bancário, mas apenas
de sua transferência imediata para a Administração tributária federal,
comutando-se sigilo bancário para sigilo fiscal.
A seu turno, o caput do artigo 6º da L.C. 105/01 estabelece a obrigação de as
autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios de submeter-se à organização e ao procedimento
previsto, de modo que somente poderão examinar documentos, livros e
registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de
depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo
instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados
indispensáveis pela autoridade administrativa competente.
Já o parágrafo único do artigo 6º da mesma lei complementar repisa que "os
resultados dos exames, as informações e os documentos a que se refere este
artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária".
Destarte, o artigo 6º da Lei Complementar nº 105 autoriza a transferência direta
do segredo bancário para a Administração tributária dos entes da Federação e
estabelece regras procedimentais e requisitos básicos de como deve ocorrer tal
transferência.
A seu turno, através do Decreto nº 3.724, de 10 de janeiro de 2.001, o
Excelentíssimo Senhor Presidente da República, no uso da competência
conferida pelo artigo 84, incisos IV e VI, da Constituição Federal, de expedir
decretos para a fiel execução das leis e de dispor sobre a organização,
funcionamento e procedimento interno da própria da Administração federal,
regulamenta o artigo 6º da L.C. 105, relativamente à requisição, acesso e uso,
pela Secretaria da Receita Federal, de informações referentes a operações e
serviços das instituições financeiras e das entidades a elas equiparadas.
Aqui, deve ser ressaltado que embora, no Direito Tributário, devam ser
obedecidos os princípios da legalidade e da tipicidade, não há exigência para
que essa legalidade seja estrita e que essa tipicidade seja fechada,
especialmente quando esteja em causa mera matéria formal relativa à
organização, ao funcionamento e ao procedimento da fiscalização tributária.
Trata o referido Decreto de regulamento autorizado de execução da lei, que,
inclusive, dá ainda mais proteção aos contribuintes.
Vale avivar que o caput do artigo 144 do Código Tributário Nacional estabelece
que, quanto aos aspectos materiais do tributo (contribuinte, hipótese de
incidência, base de cálculo, etc.), aplica-se ao lançamento a lei vigente no
momento da ocorrência do fato gerador da obrigação, ainda que
posteriormente modificada ou revogada.
O § 2o do artigo 144 do C.T.N. dispõe que, em relação aos impostos
lançados por períodos certos de tempo, a lei poderá fixar expressamente a
data em que o fato gerador se considera ocorrido.
No entanto, quanto aos aspectos meramente formais ou procedimentais,
segundo o § 1° do mesmo artigo 144 do C.T.N., aplica-se ao lançamento a
legislação que, posteriormente à ocorrência do fato gerador da obrigação,
tenha instituído novos critérios de apuração ou processos de fiscalização,
ampliado os poderes de investigação das autoridades administrativas.
Destarte, não há direito adquirido de só ser fiscalizado com base na
legislação vigente no momento da ocorrência do fato gerador, mas com base
da legislação vigente do momento da ocorrência do lançamento, que, aliás,
pode ser revisado de ofício pela autoridade administrativa, enquanto não
ocorrer a decadência.
Tendo em vista que o lançamento é declaratório da obrigação tributária e
constitutivo do crédito tributário, o direto adquirido, emergido com o fato
gerador, refere-se ao aspecto substancial do tributo, mas não em relação à
aplicação de meios mais eficientes de fiscalização. Nesta hipótese, a lei que
deverá ser aplicada é a vigente do momento do lançamento ou de sua revisão
até antes da ocorrência da decadência, mesmo que posterior ao fato gerador,
embora que, no que respeita a parte material, seja observada a legislação do
momento da ocorrência do fato gerador ou do momento em que este é
considerado ocorrido.
A Constituição Federal, de 1988, não assegura que o sigilo bancário só poderia
ser transferido para a Administração tributária com a intermediação do Poder
Judiciário, deixando o estabelecimento dessa política para o legislador
infraconstitucional.
E, certamente, o contribuinte, de há muito tempo, já foi orientado no sentido de
que a lei, que disciplina os aspectos formais ou simplesmente procedimentais,
é a vigente na data do lançamento.
A fiscalização através da transferência direta do sigilo bancário para a
Administração tributária não representa uma inovação dos aspectos
substanciais do tributo: a Lei Complementar 105/01 e a Lei 10.174/01
Neste aspecto, cabe repetir que, quanto ao estabelecimento da hipótese de
incidência, à identificação do sujeito passivo, à definição da base de cálculo, à
fixação da alíquota, e etc., a lei, a ser utilizada, continua sendo a vigente antes
do fato gerador do tributo, inexistindo descuramento ao princípio da
irretroatividade da lei em relação ao fato gerador (C.F., art. 150, III, a).
4) Responsabilidade pelo não repasse das informações
As normas jurídicas dos artigos 5° e 6° da Lei Complementar n° 105, de
10/1/2.001, que autorizam a transferência direta do sigilo bancário para a
Administração Tributária, independentemente da intermediação do Poder
Judiciário, gozam de presunção de constitucionalidade, da mesma forma em
que os preceitos regulamentares do Decreto n° 3.724, de 10/1/2.001, têm
presunção de legitimidade.
Desta forma é o recente julgado do STF conforme em decisão proferida na
quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016.
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=310670
STF garante ao Fisco acesso a dados bancários dos contribuintes sem
necessidade de autorização judicial
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu na sessão
desta quarta-feira (24) o julgamento conjunto de cinco processos
que questionavam dispositivos da Lei Complementar (LC) 105/2001,
que permitem à Receita Federal receber dados bancários de
contribuintes fornecidos diretamente pelos bancos, sem prévia
autorização judicial. Por maioria de votos – 9 a 2 – , prevaleceu o
entendimento de que a norma não resulta em quebra de sigilo
bancário, mas sim em transferência de sigilo da órbita bancária para
a fiscal, ambas protegidas contra o acesso de terceiros. A
transferência de informações é feita dos bancos ao Fisco, que tem o
dever de preservar o sigilo dos dados, portanto não há ofensa à
Constituição Federal. (observação acrescenta pelo eng. Sebastião
Martins, autor de vários trabalhos na área do ISS
http://www.consultoriaiss.com ).
Portanto, a não ser que protegido por decisão judicial, quem omitir, retardar
injustificadamente ou prestar falsamente à Secretaria da Receita Federal as
informações bancárias legalmente requeridas, ficará sujeito às sanções
criminais de que trata o art. 10, caput, da Lei Complementar nº 105, de 2.001,
sem prejuízo das penalidades cabíveis nos termos da legislação tributária.
Reza o artigo 10 da Lei Complementar 105 que tais fatos constituem-se em
crime e sujeitam os responsáveis à pena de reclusão, de um a quatro anos, e
multa, aplicando-se, no que couber, o Código Penal, sem prejuízo de outras
sanções cabíveis.
5) Conclusões
Concluo, portanto, que é constitucionalmente admissível a transferência direta
do sigilo bancário para a Administração tributária nos casos previstos nos
artigos 5º e 6º da Lei Complementar n° 105, de 10/1/2.001.
As novas normas tributárias que relativizaram o sigilo bancário frente ao Fisco
é pedagógica, pois, ao dar maior responsabilidade a Administração tributária e
aos seus servidores, contribuem para incentiva-los a uma maior vivência do
princípio da moralidade (leia-se imparcialidade).
Não se pode olvidar que as atividades de fiscalização e lançamento tributário
são típicas da competência da autoridade administrativa fiscal.
E como já foi mencionado, com apoio da jurisprudência do Excelso Pretório, a
Constituição não coloca o sigilo bancário entre as matérias resguardada pela
reserva constitucional de jurisdição.
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=310670
.http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=310097
O Poder Judiciário continua como controlador dos atos da Administração, se
até mesmo a solicitação da transferência do sigilo ou mesmo a transferência do
sigilo não corresponderem as exigências legais, informação acima que perder
poder face à decisão do STF dada a conhecer no link
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=310670
.
Ademais, a autoridade fiscal poderá ser responsabilizada se quebrar o sigilo
fiscal a respeito dos informes bancários recebidos, ou se requisitar e obter
informações bancários a respeito do contribuinte com o descuramento das
exigências legais
_______________________________________________________________
1 José Cassalta NABAIS – texto da palestra “Algumas reflexões sobre o actual
estado fiscal”, publicada, devidamente revisada pelo autor, no site da Revista
virtual da AGU n° 9, de abril de 2.001: www.agu.gov.br.
2 Ricardo Lobo TORRES - Tratado de direito constitucional financeiro e
tributário. v. III. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 334.
3José Luís Saldanha SANCHES – A situação actual do sigilo bancário: a
singularidade do regime português, in “Estudos de Direito Bancário”, Coimbra,
1999. Esse artigo encontra-se também veiculado no site da Revista virtual da
AGU, numa edição especial sobre o Sigilo Bancário: www.agu.gov.br.
4 Oswaldo Othon de Pontes SARAIVA FILHO – O princípio da moralidade no
direito tributário, in Pesquisas tributárias: Nova série – 2, coord. Ives Gandra da
Silva Martins, 2a. ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais e Centro de
Extensão Universitária, 1998, p. 188.
5 Hugo de Brito MACHADO – trecho da palestra sobre o tema A não
cumulatividade do IPI, proferida no I Simpósio da Advocacia-Geral da União da
5a. Região, em Fortaleza no dia 20 de dezembro de 2.000, uma promoção do
Centro de Estudos Victor Nunes Leal da AGU, com o apoio do Instituto
Cearense de Estudos Tributários – ICET.
6 No Mandado de Segurança 21.729/DF, impetrado pelo Banco do Brasil
contra o senhor Procurador-Geral da República em relação à requisição de
informações sobre empréstimos vultosos concedidos a usineiros, a Corte
Suprema, mesmo admitindo a inexistência de autorização legal para a
transferência de segredo bancário para o Ministério Público sem a interferência
do Poder Judiciário, denegando a ordem, decidiu ser inoponível, no caso, a
exceção do sigilo bancário pela instituição financeira, tendo em vista que, do
montante do crédito concedido, parcela tinha origem pública, o que fez
prevalecer o princípio da publicidade da Administração pública, previsto no
caput do artigo 37 da Constituição brasileira (Acórdão pendente de publicação).
7 Tercio Sampaio FERRAZ JUNIOR – Sigilo de dados: o direito à privacidade e
os limites à função fiscalizadora do Estado, in Cadernos de direito tributário e
finanças públicas n° 1, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1992, páginas
145 e 146.
8 Aliomar BALEEIRO – Direito tributário brasileiro, 11a. ed., atualizada por
Misabel
Abreu Machado Derzi, Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 993.
9 Sérgio Carlos COVELLO – “Sigilo bancário”, São Paulo: Leud, 1991, p. 94.
ANEXO A - Notícias STF - 24/02/2016 - STF garante ao Fisco acesso a dados
bancários dos contribuintes sem necessidade de autorização judicial
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu na sessão desta
quarta-feira (24) o julgamento conjunto de cinco processos que questionavam
dispositivos da Lei Complementar (LC) 105/2001, que permitem à Receita
Federal receber dados bancários de contribuintes fornecidos diretamente pelos
bancos, sem prévia autorização judicial. Por maioria de votos – 9 a 2 – ,
prevaleceu o entendimento de que a norma não resulta em quebra de sigilo
bancário, mas sim em transferência de sigilo da órbita bancária para a fiscal,
ambas protegidas contra o acesso de terceiros. A transferência de informações
é feita dos bancos ao Fisco, que tem o dever de preservar o sigilo dos dados,
portanto não há ofensa à Constituição Federal.
Na semana passada, foram proferidos seis votos pela constitucionalidade da
lei, e um em sentido contrário, prolatado pelo ministro Marco Aurélio. Na
decisão, foi enfatizado que estados e municípios devem estabelecer em
regulamento, assim como fez a União no Decreto 3.724/2001, a necessidade
de haver processo administrativo instaurado para a obtenção das informações
bancárias dos contribuintes, devendo-se adotar sistemas certificados de
segurança e registro de acesso do agente público para evitar a manipulação
indevida dos dados e desvio de finalidade, garantindo-se ao contribuinte a
prévia notificação de abertura do processo e amplo acesso aos autos, inclusive
com possibilidade de obter cópia das peças.
Na sessão desta tarde, o ministro Luiz Fux proferiu o sétimo voto pela
constitucionalidade da norma. O ministro somou-se às preocupações
apresentadas pelo ministro Luís Roberto Barroso quanto às providências a
serem adotadas por estados e municípios para a salvaguarda dos direitos dos
contribuintes. O ministro Gilmar Mendes também acompanhou a maioria, mas
proferiu voto apenas no Recurso Extraordinário (RE) 601314, de relatoria do
ministro Edson Fachin, e na Ação Direta de Inconstitucionalidade 2859, uma
vez que estava impedido de participar do julgamento das ADIs 2390, 2386
e 2397, em decorrência de sua atuação como advogado-geral da União.
O ministro afirmou que os instrumentos previstos na lei impugnada conferem
efetividade ao dever geral de pagar impostos, não sendo medidas isoladas no
contexto da autuação fazendária, que tem poderes e prerrogativas específicas
para fazer valer esse dever. Gilmar Mendes lembrou que a inspeção de
bagagens em aeroportos não é contestada, embora seja um procedimento
bastante invasivo, mas é medida necessária e indispensável para que as
autoridades alfandegárias possam fiscalizar e cobrar tributos.
O decano do STF, ministro Celso de Mello, acompanhou a divergência aberta
na semana passada pelo ministro Marco Aurélio, votando pela
indispensabilidade de ordem judicial para que a Receita Federal tenha acesso
aos dados bancários dos contribuintes. Para ele, embora o direito fundamental
à intimidade e à privacidade não tenha caráter absoluto, isso não significa que
possa ser desrespeitado por qualquer órgão do Estado. Nesse contexto, em
sua opinião, o sigilo bancário não está sujeito a intervenções estatais e a
intrusões do poder público destituídas de base jurídica idônea.
“A administração tributária, embora podendo muito, não pode tudo”,
asseverou. O decano afirmou que a quebra de sigilo deve se submeter ao
postulado da reserva de jurisdição, só podendo ser decretada pelo Poder
Judiciário, que é terceiro desinteressado, devendo sempre ser concedida em
caráter de absoluta excepcionalidade. “Não faz sentido que uma das partes
diretamente envolvida na relação litigiosa seja o órgão competente para
solucionar essa litigiosidade”, afirmou.
O presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, último a votar na sessão
desta quarta, modificou o entendimento que havia adotado em 2010, no
julgamento do RE 389808, quando a Corte entendeu que o acesso ao sigilo
bancário dependia de prévia autorização judicial. “Tendo em conta os intensos,
sólidos e profundos debates que ocorreram nas três sessões em que a matéria
foi debatida, me convenci de que estava na senda errada, não apenas pelos
argumentos veiculados por aqueles que adotaram a posição vencedora, mas
sobretudo porque, de lá pra cá, o mundo evoluiu e ficou evidenciada a efetiva
necessidade de repressão aos crimes como narcotráfico, lavagem de dinheiro
e terrorismo, delitos que exigem uma ação mais eficaz do Estado, que precisa
ter instrumentos para acessar o sigilo para evitar ações ilícitas”, afirmou.
O relator das ADIs, ministro Dias Toffoli, adotou observações dos demais
ministros para explicitar o entendimento da Corte sobre a aplicação da lei: “Os
estados e municípios somente poderão obter as informações previstas no
artigo 6º da LC 105/2001, uma vez regulamentada a matéria, de forma análoga
ao Decreto Federal 3.724/2001, tal regulamentação deve conter as seguintes
garantias: pertinência temática entre a obtenção das informações bancárias e o
tributo objeto de cobrança no procedimento administrativo instaurado; a prévia
notificação do contribuinte quanto a instauração do processo e a todos os
demais atos; sujeição do pedido de acesso a um superior
hierárquico; existência de sistemas eletrônicos de segurança que sejam
certificados e com registro de acesso; estabelecimento de instrumentos
efetivos de apuração e correção de desvios.” Leia mais: 18/02/2016 -
Julgamento sobre acesso do Fisco a dados bancários será retomado na
próxima quarta (24)17/02/2016 –
STF inicia julgamento sobre acesso do Fisco a dados bancários sem ordem
judicial