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O estudo da gramática de uma língua, pedagogicamente, costuma ser feito pela abrangência de quatro aspectos, conforme as unidades linguís- ticas que estiverem em estudo: fonemas; morfemas e palavras; sintagmas e frases; unidades semânticas em geral. A cada um desses tipos de unida- des linguísticas corresponde uma determinada área de estudo: Fonologia, Morfologia, Sintaxe e Semântica. Nesta aula, vamos refletir sobre a Sintaxe da nossa língua. As leis sintáticas A língua, tomada como um código composto de unidades, realiza-se pela interação perfeita e harmoniosa entre todos esses aspectos. Todos os falantes concretizam seus atos de fala, exercem sua competência comuni- cativa baseados nessas unidades. Contudo, nem todas as construções são possíveis na língua, nem todas podem ser consideradas “bem formadas”. São consideradas “bem formadas” as construções que não desobede- cem à gramática da língua, isto é, que não desobedecem às suas leis que sejam constitutivas dessa gramática. Veja o exemplo a seguir, encontrado em textos produzidos por alunos do Ensino Fundamental: (1) No mundo de hoje a violência parece até que virou parte da rotina que a cada dia há uma. Nessa passagem do texto de aluno percebemos uma “incoerência local” que certamente contribuirá para que o texto também se torne incoerente para o leitor. Percebe-se que esse aluno tem um julgamento da “textuali- dade” bastante insuficiente, ou seja, o seu domínio das estruturas sintá- ticas e semânticas da língua é insuficiente e está se refletindo no uso da língua. No exemplo, há um caso de inversão entre causa e consequência (a causa: a cada dia há violência; a consequência: a violência virou parte da O estudo da Sintaxe

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O estudo da gramática de uma língua, pedagogicamente, costuma ser feito pela abrangência de quatro aspectos, conforme as unidades linguís-ticas que estiverem em estudo: fonemas; morfemas e palavras; sintagmas e frases; unidades semânticas em geral. A cada um desses tipos de unida-des linguísticas corresponde uma determinada área de estudo: Fonologia, Morfologia, Sintaxe e Semântica. Nesta aula, vamos refletir sobre a Sintaxe da nossa língua.

As leis sintáticasA língua, tomada como um código composto de unidades, realiza-se

pela interação perfeita e harmoniosa entre todos esses aspectos. Todos os falantes concretizam seus atos de fala, exercem sua competência comuni-cativa baseados nessas unidades. Contudo, nem todas as construções são possíveis na língua, nem todas podem ser consideradas “bem formadas”.

São consideradas “bem formadas” as construções que não desobede-cem à gramática da língua, isto é, que não desobedecem às suas leis que sejam constitutivas dessa gramática.

Veja o exemplo a seguir, encontrado em textos produzidos por alunos do Ensino Fundamental:

(1) No mundo de hoje a violência parece até que virou parte da rotina que a cada dia há uma.

Nessa passagem do texto de aluno percebemos uma “incoerência local” que certamente contribuirá para que o texto também se torne incoerente para o leitor. Percebe-se que esse aluno tem um julgamento da “textuali-dade” bastante insuficiente, ou seja, o seu domínio das estruturas sintá-ticas e semânticas da língua é insuficiente e está se refletindo no uso da língua. No exemplo, há um caso de inversão entre causa e consequência (a causa: a cada dia há violência; a consequência: a violência virou parte da

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rotina). A consequência aparece, nessa passagem, antes da causa, provocando o efeito de incoerência, aliado ao problema de ambiguidade que o termo “uma” provoca (seria um numeral? um artigo indefinido?).

O usuário da língua precisa observar que todos os elementos da estrutura oracional devem se apresentar de acordo com os processos característicos de associação, de concordância, de ordem na cadeia linear da frase e, consequente-mente, no sentido do enunciado: em consonância às leis fonológicas, morfoló-gicas, sintáticas e semânticas do português.

Percebeu? Estamos falando da força das leis ou regras que constituem a gra-mática da língua. Mas vamos focar a nossa atenção às leis sintáticas.

A língua é formada por morfemas lexicais e gramaticais, mas também pelo conjunto de regras e de leis combinatórias que permitem a construção de uma mensagem. São as leis sintáticas que autorizam ou recusam determinadas cons-truções. São as leis sintáticas que elegem as sequências como gramaticais ou agramaticais(*)1, ou seja, aceitáveis ou não-aceitáveis linguisticamente, segun-do as leis que regem a estrutura da língua portuguesa. Se as sequências forem permitidas na língua, elas serão consideras frases da língua, caso contrário, serão consideradas não-frases.

Para Sautchuk (2004, p. 36), as leis sintáticas “são tão relevantes que a elas se reserva a manutenção da própria identidade da língua”, funcionam como “uma espécie de guardião da inteligibilidade da superfície linguística de um texto, pois são o elemento gerador e disciplinador das unidades linguísticas que compõem as frases de um texto”.

As leis ou regras que administram a combinação de palavras para constituir frases são analisadas e descritas pela Sintaxe, daí a tripartição tradicional da Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB): colocação, regência e concordância. Como fica demonstrado no esquema a seguir, esses aspectos são apresentados como subdivisões do fenômeno da Sintaxe:

colocação concordânciaregência

Sintaxe

1 A simbologia (*), colocada ao lado de uma sequência linguística, significa que ela é agramatical. Exemplo: “menino o”(*).

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O campo de atuação da SintaxeO campo de atuação da Sintaxe é o estudo das leis ou regras que constituem

as relações que podem ocorrer no eixo sintagmático da língua, ou seja, no eixo das combinações possíveis na cadeia horizontal da língua.

As relações que ocorrem no eixo sintagmático da língua podem se formar entre palavras, gerando os sintagmas, e entre as relações que se realizam entre os sintagmas, gerando as frases.

Para Silva e Koch (1995, p. 11), o termo frase tem uma abrangência muito grande, assim, ela prefere ficar com a concepção de frase como unidade comu-nicacional, ou seja, “todo enunciado suficiente por si mesmo para estabelecer comunicação”.

Segundo Carone (1986), a frase pode tomar forma de interjeições. Para a autora, as interjeições não são um tipo de vocábulo (embora a gramática tra-dicional as classifique como uma classe de palavra), pois não se constituem de morfemas. Assim, Ai! Ui! Oba! não são morfemas, mas em um contexto especí-fico, em que são dotados de entonação que os torna capazes de exprimir um conteúdo significativo, podem constituir uma frase que, como afirma Azeredo (2001, p. 30) “representa globalmente a situação a que se refere”.

Como afirma Mattoso Câmara Jr. (1967), a frase deve ter um propósito defini-do em termos comunicativos e uma entonação que lhe assinala nitidamente o começo e o fim. Será frase, portanto, qualquer palavra ou grupo de palavras su-ficiente para atender ao objetivo do falante: estabelecer a comunicação. Como no exemplo:

(2) – A língua falada pelos brasileiros vai mesmo desaparecer?

– Oh! Não!

Se estivesse isolada, a palavra não constituiria uma frase. Entretanto, no texto do exemplo ela passa a ser frase. O gesto que a acompanha, a expressão fisionô-mica do falante, assim como os elementos da situação em que é pronunciada, fazem com que a as palavras Oh! Não! possam ser consideradas frases.

Para Bechara (2004), mesmo assumindo formas tão variadas, as frases reser-vam traços comuns, como:

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são mensagens completas, levando-se em consideração a situação esta- �belecida entre falante e ouvinte;

são sequências linguísticas delimitadas por um silêncio precedente e uma �pausa final (ou suspensão proposital da fala);

são proferidas com um contorno melódico particular. �

A frase pode ter verbo ou não. Quando é desprovida de verbo chama-se frase nominal, e não constitui oração.

Como nos exemplos:

(3) Adeus!

(4) Rua Belo Horizonte

Os elementos de base dessa categoria de frase são de natureza nominal (subs-tantivos, adjetivos ou advérbios). A ausência do núcleo verbal impede que se identifiquem entre seus constituintes as funções que se manifestam na oração. Segundo Bechara (2004, p. 540),

[...] como são enunciados reais, apela-se para a interpretação mais ou menos próxima dos possíveis equivalentes expressos sob forma de oração. Assim, “entende-se” que um enunciado como Bom dia! equivale a Desejo bom dia ou Espero que tenha um bom dia!, ou Casa de ferreiro, espeto de pau valeria aproximadamente a Casa de ferreiro usa espeto de pau ou Quando a casa é de ferreiro, o espeto é de pau ou, ainda, Em casa de ferreiro não se usa espeto de ferro, mas de pau. (grifos do autor)

Ainda que nas frases nominais as forças das leis sintáticas sejam exercidas, é apenas quando a frase contiver linguisticamente em si todos os dados da comuni-cação que chegamos ao nível da oração. A oração é a frase verbal que se presta a uma análise sintática de seus constituintes, e nela podemos encontrar, de maneira clara ou oculta, um núcleo verbal. Dessa forma, a oração reúne, na maioria das vezes, duas unidades significativas, a que chamamos sujeito e predicado.

As frases verbais, que são o tipo dominante em português, podem se apresen-tar em diversas modalidades. Luft (1987, p. 11) considera que, para compreender as diversas modalidades de frase, é preciso ir às fontes da linguagem, ou seja, “às três faculdades da inteligência, vontade, e sensibilidade”. Segundo o autor, delas é que decorrem as funções básicas da linguagem: intelectiva, volitiva e emotiva, e os três tipos essenciais de frase: declarativo, imperativo e exclamativo, além de duas modalidades intermediárias: interrogativa e optativa (esta também conhe-cida como um tipo de frase emotiva pela qual o falante expressa um desejo).

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Segundo Dubois Charlier (1981), as frases declarativas ou enunciativas estão ligadas à função referencial da linguagem, pois são utilizadas para transmitir in-formações relacionadas ao referente, ou seja, pela frase declarativa, o emissor busca transmitir informações objetivas sobre o referente. Quando utilizada na forma oral, caracteriza-se por uma entoação ascendente a que se segue e, na parte final, uma entoação descendente. Na forma escrita, as frases declarativas predominam nos textos de caráter informativo, sendo normalmente sinalizadas por ponto-final.

Observe nos exemplos a seguir a forma como o emissor apresenta elementos declarativos sobre o referente:

(5) Seus pais viajaram ontem à noite. Foram de avião. O carro está na oficina.

Já as frases interrogativas são as que apresentam o elemento interrogativo que, na oralidade, é marcado pela entoação e, do ponto de vista gráfico, pelo ponto de interrogação. A frase interrogativa pode ser direta ou indireta, como nos exemplos:

(6) Seus pais viajaram ontem à noite? (interrogativa direta)

(7) Indaguei se os pais dele tinham viajado ontem à noite. (interrogativa indireta)

(8) O carro de João está na oficina? (interrogativa direta)

(9) Ele perguntou se o carro de João está na oficina. (interrogativa indireta)

As frases exclamativas remetem para uma determinada entoação, ou segun-do Dubois Charlier (1981, p. 54), “para uma determinada gama de entoações que podem exprimir surpresa, descontentamento, medo etc.” Para esse linguis-ta, a frase exclamativa está relacionada com a função expressiva da linguagem, quando o emissor exprime no enunciado as marcas de sua atitude pessoal (emo-ções, avaliações, opiniões). Essas frases são comuns nas cartas pessoais, anúncios publicitários, poemas, canções sentimentais – gêneros de texto que, normalmen-te, explicitam as marcas expressivas de sentimentos, emoções etc.

(10) Seus pais viajaram ontem à noite! Tiveram de ir de avião! Pudera! O velho carro estava na oficina!

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Ainda segundo o linguista Dubois Charlier (1981), temos as frases imperati-vas, as quais podem estar ligadas à função apelativa da linguagem, pois expres-sam ordens, incitação à ação, ou fazem um pedido, utilizando o verbo no modo imperativo ou no infinitivo. Entretanto, em certos casos, podem estar ligadas à função expressiva, quando a intenção emotiva do emissor será interpretada pelo destinatário ao perceber a entoação, os gestos, a expressão facial (na lin-guagem oral), e pelo contexto de produção da língua em funcionamento, como nos exemplos a seguir:

(11) Sai já daí, menino!

(12) Contra as notas baixas, estudar, estudar!

(13) Passe-me o açúcar, por favor!

(14) Não me procure mais!

(15) Vá com Deus!

(16) Misture o açúcar com a manteiga e bata muito bem.

Para estudarmos a Sintaxe da língua, precisamos distinguir bem os três con-ceitos: frase, oração e período.

Frase e oraçãoDentro da terminologia gramatical, convém distinguir frase, período e ora-

ção. O termo mais abrangente é frase – a menor unidade autônoma da comu- nicação.

Mattoso Câmara Jr. (1967), citando outros linguistas, também considera a frase como a unidade do discurso marcada por uma entoação ou tom frasal, que lhe assinala o começo e o fim. A frase não tem estrutura gramatical própria, po-dendo ter uma formulação extensa e elaborada ou ser apenas uma interjeição, vagamente articulada (Hum!); mas tem uma estrutura fônica particular, sendo a entonação que faz a frase.

Em Mattoso Câmara Jr., no conhecido Dicionário de Filologia e Gramática (1981, p. 81), encontramos a seguinte definição de frase:

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[...] unidade de comunicação linguística, caracterizada, como tal, do ponto de vista comunicativo – por ter um propósito bem definido e ser suficiente para defini-lo, e do ponto de vista fonético – por uma entoação, que lhe assinala nitidamente o começo e o fim. É assim a divisão elementar do discurso, mas pertencente à estrutura linguística por obedecer a padrões sintáticos vigentes na língua [...].

Luft (1987) também nos ajuda a elucidar o conceito de frase definindo-a como a menor unidade autônoma da comunicação: autonomia no plano signi-ficativo – uma intenção comunicativa definida – e no plano significante – uma linha completa de entoação.

Então, já podemos sintetizar: se a frase tem pelo menos um verbo, damos-lhe os nomes de oração ou período simples (portanto, oração absoluta).

Em outras palavras: toda frase que se organiza em torno de um verbo constitui uma oração, toda oração constitui um período. O período será simples quando for constituído por uma oração. Será período composto quando for constituído por mais de uma oração.

Para exemplificar, vamos analisar o texto a seguir:

(17) Ana estudou pouco. Não conseguiu um bom resultado na prova. Que estresse!

O texto se constitui por duas frases verbais e uma frase nominal. �

As duas frases verbais constituem duas orações. �

As duas orações constituem dois períodos simples. �

A frase nominal não constitui oração e nem período. �

(18) Domingo à noite, fomos a um restaurante; quando chegamos lá encon-tramos o pessoal.

Observe que em (18) encontramos três verbos: fomos, chegamos, encontra-mos. Portanto, temos um período composto por três orações.

Para Perini (2006), a gramática é justamente o conjunto de instruções para construir e interpretar as unidades da língua: sintagmas, frases, orações e períodos.

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O autor complementa que é possível fazer uma lista de todas as palavras da nossa língua (os grandes dicionários chegam perto disso), porém é impossível fazer uma lista dessas unidades – sintagmas, frases, orações, períodos –, pois elas são em número indefinido. “Todos os dias ouvimos ou lemos frases que nunca vimos, e não obstante as entendemos perfeitamente” (PERINI, 2006, p. 61). Vejamos o exemplo:

(19) O ovo do dinossauro caiu no meu quintal.

Embora estranha, no nível semântico, nós, como bons falantes da língua portuguesa, não temos dificuldades em reconhecê-la como uma frase aceitável da nossa língua. Conseguimos fazer isso porque suas partes não são novidades para nós – elas estão de acordo com as leis gramaticais que regem a estrutura da língua portuguesa. Essas partes podem ser distinguidas em dois níveis: o das palavras (o/ovo/do/dinossauro/etc.) e o das construções.

No nosso exemplo, podemos ter as seguintes construções:

Sintagmas nominais – o ovo do dinossauro/o ovo/do dinossauro/no meu quintal

Sintagma verbal – caiu no meu quintal

Frase verbal – o ovo ovo do dinossauro caiu no meu quintal

Oração – o ovo do dinossauro caiu no meu quintal

Período simples – o ovo do dinossauro caiu no meu quintal

Cada uma dessas construções é, na realidade, um tipo de constituinte lin-guístico que se compõe de certos elementos, desempenhando funções pecu-liares na funcionalidade da língua. Segundo Perini (2006, p. 61), “um dos papéis das regras gramaticais é justamente descrever a maneira de montar palavras de modo a formar constituintes”.

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A frase é uma estruturaComo afirma Azeredo (2001, p. 31), os vocábulos não se unem para formar uma

oração do mesmo modo que os gomos se unem para formar uma laranja. Os vocá-bulos não formam a oração senão indiretamente, eles se associam em grupos, por meio de sintagmas. Esses são os verdadeiros constituintes da oração.

Quando nos referimos à hierarquia gramatical de unidades linguísticas do português, podemos apresentá-las na sequência do exemplo a seguir:

(20) O menino ganhou um livro.

Decompondo a frase/oração ou período em unidades menores teremos:

Morfema: -o

Vocábulo: menino

Sintagma: o menino

Frase: O menino ganhou um livro.

Observe: os constituintes imediatos das orações/frases são os sintagmas e não as palavras. No exemplo, você também pode observar que o sintagma O menino resulta da articulação de duas unidades linguísticas: o + menino (gra-mema + lexema).

O conceito de sintagma é um conceito linguístico de Ferdinand de Saussure, encontrado na obra clássica Curso de Linguística Geral, publicada em Paris, em 1916. Conceituando sintagma de uma perspectiva do uso da língua pelo falante, os sintagmas são os verdadeiros constituintes da oração.

Para Dubois Charlier (1981), a frase é uma construção formada por constituintes, ou seja, blocos significativos que funcionam no eixo horizontal da língua, formados a partir de uma ou mais unidades linguísticas, de nível imediatamente inferior.

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A frase é constituída pelos sintagmas, que também podem ser chamados de constituintes imediatos, porque o sintagma é uma unidade (bloco) que entra na composição de um bloco superior. Assim:

(21) O vizinho da casa amarela sonha com férias na praia.

“o vizinhoa) ” e “da casa amarela“ são constituintes imediatos do bloco supe-rior “o vizinho da cada amarela”;

“com férias” e “na praia” são constituintes imediatos do bloco superior “so-b) nha com férias na praia”.

“o vizinho da casa amarela” e “sonha com férias na praia” são constituintes c) imediatos do bloco maior “O vizinho da casa amarela sonha com férias na praia” (a oração).

A palavra sintagma pode designar tanto uma palavra (constituída por lexema e gramema (s)) quanto uma sequência de palavras organizadas em um bloco de sentido e mantendo relações de dependência. Como no exemplo:

(22) A menininha dormia no berço. O quarto estava lindo!

São exemplos de sintagmas:

Na primeira oração � – menininha (constituído por um lexema (menin-), por dois gramemas (-inh; -a); a menininha; dormia (constituído pelos mor-femas dorm-i-a); dormia no berço.

Na segunda oração � – quarto (quart-o); o quarto; estava (est-a-va); lindo (lind-o); o quarto; estava lindo.

Os sintagmas são, portanto, conjuntos mínimos que podem se mobilizar, ou seja, mudar de posição no eixo sintagmático, propriedade esta que lhes confere determinadas funções sintáticas.

Os falantes de uma língua, ao processar enunciados escritos ou orais, “sabem” dividir esses enunciados em blocos que têm significado e que podem mudar de posição no eixo sintagmático. Esses “blocos”, ou seja, esses sintagmas consti-tuem a estrutura sintagmática da frase/enunciado.

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Veja os exemplos a seguir. Tomando-se o verbo como ponto de apoio pode- -se separar os elementos que constituem sintagmas. A partir deles é que se cons-titui a estrutura sintagmática da frase/enunciado.

1 2 VERBO 3 4

Naquela tarde, os pássaros cantavam sobre os galhos das árvores.

No outono, as folhas caíam do telhado durante a chuva.

O velho prédio da rua foi demolido pelos operários.

Cantaram durante toda a viagem para casa.

Observe, nos exemplos, que os constituintes imediatos constituem sintag-mas no nível superior:

SN (sintagma nominal) SV (sintagma verbal)

Naquela tarde, os pássaros cantavam sobre os galhos das árvores.

No outono, as folhas caíam do telhado durante a chuva.

O velho prédio da rua foi demolido pelos operários.

Cantaram durante toda a viagem para casa.

O primeiro bloco constitui o sintagma nominal (sujeito da oração): o núcleo é um nome. O segundo bloco constitui o sintagma verbal (o predicado da oração): o núcleo é o verbo.

Ainda a respeito da estrutura frasal, Carone (1986, p. 86) apresenta um exem-plo em que salienta a importância da distinção entre ordem estrutural e ordem linear da frase. Por exemplo, quando um falante de uma língua depara-se com uma sequência de palavras, ele é, intuitivamente, levado a estabelecer, em seu conjunto, uma relação sintática. Outro exemplo é a sequência “fala viva”, fora de um contexto específico, pode ser interpretada de diversas maneiras:

Uma � fala (expressão) viva (vivaz, fluente);

Alguém � fala (diz) a palavra viva;

Fala � (imperativo: tu) a palavra viva;

Ela � fala (estando) viva;

Que a � fala (substantivo) viva (subjuntivo optativo).

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Sintaxe: eixo da textualidade(SAUTCHUK, 2008)

[...]

[A] inabilidade operacional dos recursos da língua para construir um es-pelho cristalino de suporte da textualidade tem, a meu ver, um ponto central que se mostra como um eixo que serve tanto para gerar problemas no su-porte linguístico do texto, como para disciplinar a sua elaboração. Acredito ser a Sintaxe esse eixo da textualidade microestruturalmente manifestada.

Se é a coerência que dá origem à textualidade, é a microestrutura que sustenta, ampara essa textualidade. O texto, unidade linguística que é, realiza-se por meio de frases ou é codificado em frases. E sobre a organização rigorosa dessa superfície linguística é que todas as macroestruturas se atualizam: “é condição primeira, inerente à própria linguagem, que a ideia não toma forma senão num arranjo sintagmático” (BENVENISTE, apud JACOB, 1973, p. 130) (grifo nosso).

As frases comportam uma combinação múltipla de constituintes do siste-ma linguístico, visando a uma relevância comunicativa. O sentido delas é atua- lizado na língua “em uso” através da escolha, do arranjo desses constituintes mediante sua organização sintática, mediante a ação que eles exercem uns sobre os outros. Acreditamos então poder considerar os mecanismos sintá-ticos como uma espécie de matriz responsável pela força que desencadeia e que imprime na superfície do enunciado as marcas de sua textualidade. E não

Para um ouvinte da língua, essas duas palavras não estão apenas dispostas em uma ordem linear, elas estão organizadas estruturalmente dentro de um sistema linguístico. Dessa forma, ele acaba atribuindo a elas uma gramática – formas e funções. Em um processo de interação verbal, o enunciador, ao produ-zir uma frase, faz uma dupla escolha: a dos conteúdos que quer veicular (plano do conteúdo), e a do arranjo gramatical que dará forma a eles (plano da expres-são) (CARONE, 1986).

Texto complementar

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nos referimos apenas às leis do sistema sintático da Língua Portuguesa, que se relacionam à concordância, da regência, à colocação pronominal ou ao posicionamento de sintagmas na frase. As frases que se constroem linear-mente num enunciado – futuro texto – vão-se organizando (ou devem-se or-ganizar) em função de processos e de mecanismos que, reportados à coesão, tramam as unidades linguísticas entre si, num movimento sintagmático con-tínuo de referência, de recorrência e de sequencialidade.

[...]

Dubois (1970, p. 12) afirma ser necessário

[...] que o usuário da língua tenha sobre os enunciados produzidos em forma de frases um julgamento de gramaticalidade, isto é, que possa considerar quando um enunciado é gramaticalmente admissível ou até que ponto desvios desse tipo não comprometem a sua inteligibilidade.

A agramaticalidade, tomada aqui como a constatação de estruturas anô-malas ao sistema da língua, comporta graus definidos como uma adequação maior ou menor ou uma não-adequação das frases às regras pertencentes a níveis diferentes de realização. Um enunciado poderá ser mais ou menos gramatical, segundo o nível da regra violada (sintático, semântico ou fo-nológico). Como é o nível sintático que conserva a própria identidade da língua, pode-se deduzir que é neste nível que se deve proceder à melhor adequação.

O conceito de textualidade – qualidade de que se reveste todo conjunto de enunciados com pretensão a texto – se fundamenta sob um complexo de propriedades que caracteriza esses enunciados como uma macroestrutura Semântica organizada mediante uma microestrutura linguística.

Logo, as macroestruturas não podem existir senão a partir das microes-truturas e estas não se atualizam senão por meio de um arranjo sintagmático das unidades linguísticas. Isso torna a Sintaxe “o princípio construtivo univer-sal das estruturas da língua” (BENVENISTE, 1986).

As leis sintáticas são as instauradoras da forma e, consequentemente, do sentido de um enunciado: não pode haver conteúdo sem expressão. E, como não há disponível na língua um arquivo de frases prontas (como há de pala-vras e de regras), deve o falante criar as frases a cada vez que delas precisar para expressar seus planos de comunicação.

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[...]

É nítida a ausência de atuação dos professores de Língua Portuguesa em habilitar o aluno-escritor no domínio das estruturas e das relações sintáticas como eixo disciplinador para o qual convergem os fatores de textualidade, ou em demonstrar como a falta desse domínio age como eixo detonador das falhas e das imperfeições microestruturais do texto. Eis um trecho de reda-ção de aluno universitário:

Coisas que cometemos sem pensar em nosso cotidiano, quando agimos de formas incorretas que nos levam a ser incoerentes com nossas atitudes.

No período-parágrafo, temos as seguintes ocorrências:

1.º) sintaticamente, não há oração principal. O leitor fica aguardando um ”fechamento” de sentido, por meio de um predicado articulado ao nú-cleo do sujeito “coisas”. O período se encerra e ele não ocorre. Há uma ruptura dos enlaces sintáticos, formando-se uma associação de ideias desconexas. A ocorrência de frases fragmentadas (“lascas” de perío-dos não-concluídas) é bastante alta em qualquer corpus de redações e pode indicar uma contaminação da escrita por traços da oralidade, modalidade de discurso essa onde esses pedaços de períodos são muito comuns. De qualquer forma, o fato demonstra uma incapacida-de de se elaborarem sintaticamente relações lógicas entre as orações de um período, mesmo empregando-se, como neste caso, conectores do tipo lógico. O aluno-escritor realizou relações de temporalidade e de delimitação ou restrição mediante os conectivos “quando” e “que”, porém soltas de um suporte frasal representado pela oração principal.

2.º) inversão da ordem dos termos sintáticos na frase ou inserção de ter-mo sem pontuação adequada. O termo “sem pensar” deveria ocupar outra posição no eixo sintagmático ou simplesmente vir separado por vírgulas, pois o emissor provavelmente quis dizer “coisas que come-temos sem pensar” e não “sem pensar em nosso cotidiano”. O termo “em nosso cotidiano” é um circunstancial que poderia articular-se a qualquer verbo do enunciado, dependendo da intenção semântica do aluno, desde que ele soubesse como fazer isso.

[...]

Retomando o conceito de Dubois (1970) a respeito da noção de “agrama-ticalidade” das frases, convém assinalarmos que ela pode originar-se em uma

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O estudo da Sintaxe

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das duas partes estruturais de que elas se compõem.

1. A base, que, por sua vez, se divide em:

1.1 componente de categoria: lista de regras que define as relações grama-ticais entre os elementos que constituem as estruturas profundas e que são representados pelos símbolos de categorias (SN), (SV). Interferências nesse processo levam facilmente às discordâncias entre núcleo nominal e Sintag-ma Verbal.

1.2 o léxico: repertório da língua em que os termos (morfemas) são defini-dos por séries de traços, características categoriais de diversos tipos. Ex.: mãe = nome comum (+ comum); animado (+ animado); humano (+ humano) etc.; nome, verbo, artigo etc.

2. As transformações: cujas regras permitem passar das estruturas profun-das (definidas pela base) às estruturas de frases como elas se apresentam na língua (estruturas de superfície).

A base definiria as regras que permitem gerar, por exemplo, “a mãe enten-de uma coisa”. E a parte transformacional da Sintaxe definiria as regras que permitem que se chegue, também, por exemplo, a “a mãe entendeu por que a criança chorava” ou a outras inúmeras possibilidades de estruturas.

Quer-nos parecer que a grande dificuldade do aluno-escritor, cuja perfor-mance linguística é pouco desenvolvida, é justamente a passagem de uma perfeita associação das partes componentes da base da frase para uma rea-lização final, mediante transformações.

[...]

Dica de estudoHENRIQUE, Claudio Cezar. � Sintaxe Portuguesa para a Linguagem Culta Contemporânea: teoria e prática. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2005.

Nesta obra o autor aproveita cada noção da teoria gramatical para mostrar a sua presença e a sua repercussão no uso das construções da língua, contri-buindo para que o leitor perceba que a gramática da língua é um meio para a aprendizagem consciente e reflexiva.

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Estudos linguísticos1. Explique, com as suas palavras, o que entendeu por sequências linguísticas

“agramaticais”. Dê exemplos.

2. Leia a receita culinária abaixo, identifique os tipos de frase utilizados e, com base no seu conhecimento sobre o gênero de texto e nos estudos da aula, explique o porquê da escolha dessas modalidades frasais na elaboração do texto.

Receita de bolinho de chuva

Ingredientes2 ovos �

2 colheres de açúcar �

1 xícara de chá de leite �

Trigo para dar ponto �

1 colher de sopa de fermento �

Açúcar e canela �

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Modo de preparoMisture todos os ingredientes até ficar uma massa não muito mole, nem

tão dura. Deixe aquecer uma panela com bastante óleo para que os bolinhos possam boiar. Quando estiver bem quente comece a colocar colheradas da massa e abaixe o fogo para que o bolinho não fique cru por dentro.

Coloque os bolinhos sobre papel absorvente e depois, se preferir, passe- -os no açúcar com canela.

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