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SOCIOLOGIA CONTEMPORÂNEA MARIA CLARA RAMOS NERY Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Sociologia Contemporanea Online

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SociologiaContemporânea

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Fundação Biblioteca NacionalISBN 978-85-387-3049-1

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Maria Clara Ramos Nery

IESDE Brasil S.A.Curitiba

2012

Edição revisada

Sociologia Contemporânea

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© 2007 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.

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CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ __________________________________________________________________________________N369s Nery, Maria Clara Ramos Sociologia contemporânea / Maria Clara Ramos Nery. - 1.ed. rev. - Curitiba, PR : IESDE Brasil, 2012. 104p. : 28 cm Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-3049-1 1. Sociologia. I. Título.

12-6161. CDD: 306 CDU: 316.7

27.08.12 05.09.12 038530__________________________________________________________________________________

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Sumário

O surgimento da Sociologia como ciência | 7Augusto Comte (1798-1857): “pai fundador da Sociologia” | 8Herbert Spencer (1820-1903) | 9

Os teóricos clássicos da Sociologia | 15Karl Marx (1818-1883) | 15Relação entre infra e superestrutura social | 18Alienação em Karl Marx | 19

Os teóricos clássicos da Sociologia II | 25Émile Durkheim (1858-1917) | 25

Os teóricos clássicos da Sociologia III | 33Max Weber (1864-1920) | 33

O funcionalismo de Talcott Parsons | 41Elementos da ação em Parsons | 43Quem é o agente? | 43Como se inicia a ação: a situação | 44A orientação | 45O sistema de ação | 46

O culturalismo | 51Norbert Elias (1897-1990) | 51Pierre Bourdieu (1930-2002) | 55

Estrutura e fatos sociais | 61Pierre Bourdieu | 61Anthony Giddens | 63Michel Foucault | 67

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Estruturalismo | 73Estruturalismo funcional: Niklas Luhmann | 73

Pós-Marx | 79Jürgen Habermas | 79

História e relações de classe | 85Alain Touraine | 85

Concepções acerca da sociedade pós-moderna | 91Zygmunt Bauman | 91

Chaves analíticas fundamentais hoje | 97

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Apresentação

Compreender é uma das principais funções, senão a fundamental exigência

dos seres humanos em todos os tempos. Compreender os aspectos da realidade

que nos circunda é significativo para o nosso crescimento. Todos vocês, com plena

humanidade no sentido da busca do entendimento que nos move, estarão em

contato com a disciplina de Sociologia Contemporânea.

Nesta disciplina, estaremos em contato primeiramente com as concepções dos

principais teóricos clássicos, para que a própria espinha dorsal do pensamento

sociológico, bem como alguns instrumentos que possibilitam a compreensão dos

elementos que permitem, enquanto cientistas sociais, fazer uma análise consistente

dos determinantes e dos problemas sociais que nos circundam, principalmente os

que concernem à nossa realidade. Para tanto, conheceremos as teorias de alguns

pensadores que sedimentaram os elementos da análise sociológica: Augusto Comte

(“pai da Sociologia enquanto ciência”), Émile Durkheim, Karl Marx e Max Weber.

Compreendidos os autores acima referidos, verificaremos os elementos

constitutivos da Sociologia Contemporânea, partindo do que caracteriza uma

concepção sociológica da contemporaneidade, para posteriormente entrar em

contato com as linhas de pensamento dos autores contemporâneos, como Norbert

Elias, Pierre Bourdieu, Anthony Giddens e Zygmunt Bauman, em seus conceitos

fundamentais, suas respostas à principal questão sociológica, que é a relação

entre indivíduo e sociedade. É importante o exercício da reflexão sobre os teóricos

contemporâneos da Sociologia, pois essa ciência tem muito a oferecer, tirando-nos

de um mundo dominado pelas circunstâncias, sem instrumentos para nos abrigar

das tempestades das relações sociais presentes em nossa realidade.

Como universitários, como acadêmicos, não podemos mais estar à deriva nas

relações de poder e força que permeiam nosso universo social, principalmente no

contexto da realidade brasileira.

Maria Clara Ramos Nery

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O surgimento da Sociologia como ciência

Maria Clara Ramos Nery*

O século XVIII é marcante para o surgimento da Sociologia como ciência. Nele, encontramos uma dupla revolução: a Revolução Francesa (1789) e a Revolução Industrial (1760-1860), em sua primeira fase. Essa dupla revolução representará em suas determinações a consolidação do modo de produção capita-lista, que significa a posse privada dos meios de produção, ou seja, de tudo que é preciso para produzir os bens que necessitamos. Nesse período, vamos encontrar várias transformações sociais, como o surgimen-to da classe trabalhadora com suas reivindicações de melhores condições de trabalho, as cidades indus-triais, o crescimento populacional – enfim, uma série de ocorrências que transformaram a sociedade em um problema que necessitava de uma resposta. A Sociologia surge no século XIX como a resposta intelec-tual para os problemas que a sociedade apresentava. Portanto, a Sociologia como ciência é um resultado dos acontecimentos do século XVIII. Seria difícil viver em uma sociedade tão problemática sem criarmos para ela uma resposta adequada. O homem nunca deixa de dar uma resposta às questões que ele mesmo formula em decorrência de sua realidade, em decorrência de seu estar no mundo. Essa é a grande espe-rança. Afirma Domingues (2004, p. 13):

O pensamento moderno típico, que enquanto tal pode ser datado dos séculos XVII-XVIII, colocou em seu centro a no-ção de indivíduo. Para autores como Hobbes e Locke, por exemplo, o indivíduo seria a célula fundamental da socie-dade. Racionais e orientados para a preservação de si próprios e para a maximização de seus interesses, os indivíduos chegariam, em dado momento, a um acordo que fundaria a sociedade. De uma forma ou de outra, mais autoritária ou mais liberal e democrática, o Estado seria a entidade que emergiria desse acordo, com a tarefa de garantir a ordem so-cial, a segurança do indivíduo e de sua propriedade, além de, no caso da solução apresentada pelo liberalismo, assegu-rar seus direitos, notadamente civis, mas também, em certa medida, políticos. A Sociologia surgiu precisamente como alternativa crítica a essa concepção da vida social. Sem dúvida, para muitos autores, o indivíduo permaneceria no cen-tro do palco. Em geral, contudo, explicar esse indivíduo a partir de outros fenômenos sociais inclusive a própria noção moderna de indivíduo, foi desde sempre uma ambição da Sociologia.

* Doutoranda em Ciências Sociais pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos-RS). Mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora do Curso de Ciências Sociais, na Universidade Luterana do Brasil (Ulbra-RS).

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8 O surgimento da Sociologia como ciência

As palavras de Domingues referem-se à concepção de indivíduo. Em relação a este aspecto, a Sociologia é uma “alternativa crítica” às questões que se colocavam nos séculos XVII-XVIII. Temos proble-mas de ordem política, de ordem econômica, e na forma como podemos conceber a relação entre in-divíduo e sociedade. Assim, foi necessário o surgimento de uma ciência que se manifestava como uma resposta intelectual ao universo tumultuado que era a sociedade.

A ciência sociológica surgiu no século XIX, pois ela é uma consequência dos fatos que se coloca-ram a partir do século XVIII. O fato principal é a consolidação do capitalismo, pois na medida em que te-mos transformações na estrutura social, também temos transformações nas concepções filosóficas de homem e de mundo. Naquele período, a relação entre indivíduo e sociedade ainda estava sendo ques-tionada e refletida por vários filósofos.

Vivemos em um universo de redes intrincadas que determina as concepções de homem e de mundo, a percepção a respeito de nossa realidade individual, e determina o nosso fazer. Nesse sentido, não podemos pensar acerca da liberdade plena: temos autonomia dentro de limites estabelecidos so-cialmente, somos criadores e criaturas de nosso universo social. Compreender sociologicamente essa realidade é perceber nossas limitações. A significação da Sociologia é que ela nos põe face a face com os nossos limites, enquanto seres sociais. Segundo Turner (1999), a Sociologia examina nossas limitações e por isso nos encontramos em um universo de amplos estudos, já que ela analisa nossos símbolos cul-turais, aos quais recorremos em nosso processo de interação, em nosso processo de compartilhar sen-tidos e significados: a Sociologia nos põe em contato com as estruturas que determinam nossa vida em sociedade, analisa e estuda os processos sociais – por exemplo, o desvio, o crime, os conflitos e os mo-vimentos sociais que nascem da ordem estabelecida socialmente –, bem como busca compreender as transformações que se agregam à cultura e à estrutura social.

Augusto Comte (1798-1857): “pai fundador da Sociologia”Turner (1999) lembra que Comte, no quinto volume do seu livro Curso de Filosofia Positiva (1830-

-1842), examina a necessidade de haver uma disciplina que se dedique ao estudo científico da socie-dade. Primeiramente, Comte a chama de física social. Com relação a este primeiro nome da posterior Sociologia, podemos fazer uma reflexão sobre como trabalha a física, ou mesmo a estática e a dinâmi-ca. Neste sentido, percebemos que Comte objetivava analisar os problemas sociais com elementos das ciências físicas e naturais, sendo que a estática social seria referente à ordem, e a dinâmica social seria referente ao progresso. Estamos diante de uma concepção positivista da relação entre indivíduo e so-ciedade. Em 1839, Comte nomeará a nova ciência como Sociologia.

A questão significativa da época de Comte diz respeito à ideia de como fazer a sociedade man-ter-se coesa, unida, justamente quanto ela se torna mais complexa. Comte, em seu tempo e por suas circunstâncias, parece não responder a essa questão. Segundo Turner (1999), sua preocupação era insti-tuir a Sociologia como uma ciência, uma “área de estudo”, na qual se encontravam presentes específicos métodos de análise. Cabe salientar que antes as questões acerca da sociedade eram analisadas princi-palmente por filósofos; é com Comte que temos uma ciência cujo específico ponto de saber é o estudo da sociedade.

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Turner afirma que Comte utilizou-se de uma tática ao postular a denominada lei dos três estados, que determina que o processo de conhecimento, em seu desenvolvimento, passa por três diferentes es-tágios, conforme a seguir:

Estado teológico:::: – a concepção de homem e de mundo é determinada pelo sobrenatural, pela religião, pela crença em Deus. A vida é explicada por esses elementos, que seriam a fonte explicativa de nosso estar no mundo.

Estado metafísico:::: – o teológico é substituído por uma concepção filosófica de homem e de mundo.

Estado positivo:::: – a ciência é a fonte explicativa de nosso estar no mundo. Para Comte, é neste ponto que o conhecimento pode gerar mudanças fecundas na vida das pessoas.

Segundo Marilena Chauí (1994), o que muitos de nós conhecemos como Positivismo tem seu iní-cio no século XIX, com Augusto Comte. Não podemos esquecer do pressuposto de Comte de que a hu-manidade experimenta três etapas de caráter progressivo, partindo da concepção religiosa, passando pela metafísica, para chegar finalmente ao progresso, ou seja, à ciência positiva. Comte vai priorizar a concepção de que o homem é um ser social e é justamente por este aspecto que ele cria a Sociologia como estudo científico da sociedade, que objetiva estudar a realidade humana, com base em procedi-mentos, métodos e técnicas utilizadas pelas ciências da natureza.

A contribuição de Comte foi significativa para o surgimento da Sociologia como ciência, porém observando o contexto da atualidade, podemos dizer que soará um tanto estranho realizarmos análises da vida social alicerçados nas técnicas utilizadas pelas ciências da natureza. A Sociologia tem a sua es-pecificidade, tem seus métodos próprios e suas regras de análise que não requerem buscar nas técnicas das ciências da natureza a fonte explicativa.

Herbert Spencer (1820-1903)Spencer, de origem inglesa, seguindo os caminhos de Comte no século XIX, prosseguirá com os

pressupostos de análise da Sociologia científica da mesma forma que Comte, segundo Turner (1999), concebia que os grupos humanos poderiam ser estudados cientificamente. Podemos citar a questão colocada no período de Comte: o que mantém unida a sociedade quando esta se torna mais complexa?

Afirma Turner (1999, p. 7):

A resposta de Spencer em termos gerais foi muito simples: sociedades grandes, complexas, desenvolvem: (1) interdependências entre seus componentes especializados; e (2) concentrações de poder para controlar e coordenar atividades entre unidades interdependentes. Para Spencer, a evolução da sociedade engloba o crescimento e a complexidade que é gerenciada pela interdependência e pelo poder. Se os padrões da interdependência e concentrações de poder falham ao surgirem na sociedade, ou são inadequados à tarefa, ocorre a dissolução e a sociedade se desmorona. Ao desenvolver resposta à questão básica de Comte, Spencer faz uma analogia aos corpos orgânicos, argumentando que as sociedades, como organismos biológicos, devem desempenhar certas funções-chave se elas quiserem sobreviver. As sociedades devem reproduzir-se; devem produzir bens e produtos para sustentar os membros; devem prover a distribuição desses produtos aos membros da sociedade; e elas devem coordenar e regular as atividades dos membros. Quando as sociedades crescem e se tornam mais complexas, revelando muitas divisões e padrões de especialização, essas funções-chave tornam-se distintas ao longo de três linhas: (1) a operacional (reprodução e produção), (2) a distribuidora (fluxo de materiais e informação), e (3) a reguladora (concentração de poder para controlar e coordenar).

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10 O surgimento da Sociologia como ciência

De certa maneira, ao centralizar sua análise na argumentação da semelhança da sociedade com organismos biológicos, Spencer realiza o que podemos denominar uma análise sistêmica, no sentido de que o “corpo social” funcionaria à semelhança do “corpo biológico” como um sistema. Cada “órgão” so-cial tem a sua função, que se encontra interdependente diante dos outros “órgãos” sociais. Esta relação de interdependência determina que, se uma das partes encontra-se atingida, ou seja, não funcionan-do corretamente, atingirá a outra parte. Neste sentido, o todo, que seria o sistema social, é composto de partes interdependentes.

A contribuição de Spencer encontra-se relacionada à construção de uma teoria sociológica ou método de investigação sociológica que se denomina Funcionalismo, corrente que procura compreen-der o funcionamento de tudo que está presente na sociedade. Segundo Turner (1999), é fator de contri-buição para o seu funcionamento em equilíbrio. Estamos diante da Sociologia funcionalista, pois tudo o que existe na sociedade se encontra pleno de sentido, de significado. Novamente surge a questão, ago-ra revigorada pelo funcionalismo: o que um fenômeno cultural ou social faz para a manutenção e integra-ção da sociedade?

Neste momento, conhecemos os primeiros dois autores mais importantes, em suas contribui-ções, para a Sociologia. Contribuições que foram fundamentais para restituir a Sociologia como uma área do conhecimento científico. Comte e Spencer são autores que devem ser lembrados, cada um com suas particularidades, ou seja, nos pontos específicos de suas abordagens, que serão significativas na compreensão dos caminhos dos sociólogos contemporâneos.

Texto complementar

A importância da Sociologia(TURNER, 1999)

Sociologia é o estudo do comportamento social das interações e organizações humanas. Na re-alidade, todos nós somos sociólogos porque você e eu estamos sempre realizando nossos compor-tamentos e nossas experiências interpessoais em situações organizadas. O objetivo da Sociologia é tornar essas compreensões cotidianas da sociedade mais sistemáticas e precisas, à medida que suas percepções vão além de nossas experiências pessoais. Pois somos simplesmente pequenos jogado-res num mundo imenso e complexo com pessoas, símbolos e estruturas sociais, e somente ampliando nossa perspectiva além do “aqui e agora” é que podemos perceber as causas que moldam e limitam nossas vidas.

A ênfase na limitação choca-se com as crenças pessoais de indivíduos que gostam de se ver como inflexíveis, que usam seu livre-arbítrio e iniciativa para moldar seu destino. Até certo pon-to, nós todos podemos fazer isso, mas nem sempre estamos livres de restrições. Agimos num meio social que influencia profundamente nossa maneira de sentir e ser em relação a nós mesmos e ao mundo que nos cerca, como nos vemos e percebemos os acontecimentos, como agimos e pensamos,

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e onde e a que distância podemos ir na vida. Às vezes, a limitação é obvia, até mesmo opressiva e en-fraquecedora, muito frequentemente é sutil e até mesmo despercebida. Entretanto, ela está constan-temente moldando nossos pensamentos, sentimentos e ações.

Examine a situação de um aluno de faculdade. Há grandes valores culturais e crenças que en-fatizam a importância da educação e, desse modo, forçam os alunos a perceber e acreditar que eles devem ir à faculdade. Para alguns, há pressões e expectativas dos pais, tornando as pressões para ir à escola ainda maiores. Há limitações da própria escola – presença, fichas de leituras, provas – defi-nindo o que se pode fazer. Há pressões de classe social – quanto dinheiro se tem para gastar –, que determinam se um aluno deve também trabalhar enquanto vai à escola. E, se o trabalho é neces-sário, há limitações do próprio local de trabalho, bem como os problemas de horário e conciliação entre escola e trabalho. A própria esposa e os filhos da pessoa podem limitá-lo a um horário aperta-do. Existem restrições de economia e mercado de trabalho que afetam as decisões dos alunos sobre seus principais objetivos de carreira acadêmica e de vida. As políticas governamentais que afetam os fundos públicos para os alunos (empréstimos, doações, bolsas de estudo para pesquisas) e para a faculdade ou universidade como um todo. Essas restrições governamentais e econômicas são, por sua vez, amarradas à política econômica mundial com balanças da autoridade geopolítica e comér-cio econômico. Há um ponto que espero que esteja claro: todos nós vivemos numa teia complexa de causas que dita muito do que vemos, sentimos e fazemos. Nenhum de nós é totalmente livre, na verdade, podemos escolher nosso caminho na vida cotidiana, mas nossas opções são sempre limita-das. Isso reforça a ideia sociológica de que o homem é produto e produtor de sua cultura. Ele cons-trói o seu meio e é por ele construído.

A Sociologia examina essas limitações e, como tal, é uma área muito ampla, pois estuda todos os símbolos culturais que os seres humanos criam e usam para interagir e organizar a sociedade, ela explora todas as estruturas sociais que ditam a vida social, examina todos os processos sociais, tais como desvio, crime, divergência, conflitos, migrações e movimentos sociais, que fluem através da ordem estabelecida socialmente, e busca entender as transformações que esses processos provo-cam na cultura e estrutura social.

Em tempos de mudança, em que a cultura e a estrutura estão atravessando transformações dramáticas, a Sociologia torna-se especialmente importante (NISBET, 1969). Como a velha maneira de fazer as coisas se transforma, as vidas pessoais são interrompidas e, como consequência, as pes-soas buscam respostas para o fato de as rotinas e fórmulas do passado não funcionarem mais.

O mundo hoje está passando por uma transformação dramática: o aumento de conflitos étnicos, o desvio de empregos para países com mão de obra mais barata, as fortunas instáveis da atividade econômica e do comércio, a dificuldade de serviços de financiamento do governo, a mudança no mercado de trabalho, a propagação de uma doença mortal (síndrome da imunodeficiência adquirida – Aids), o aumento da fome nas superpopulações, a quebra do equilíbrio ecológico, a redefinição dos papéis sociais dos homens e das mulheres e muitas outras mudanças. Enquanto a vida social e as rotinas diárias se tornam mais ativas, a percepção sociológica não é completamente necessária. Mas, quando a estrutura básica da sociedade e da cultura muda, as pessoas buscam o conhecimento sociológico. Isso não é verdade apenas hoje – foi a razão principal de a Sociologia surgir em primeiro plano como uma disciplina diferente nas primeiras décadas do século XIX.

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12 O surgimento da Sociologia como ciência

Dicas de estudoDOMINGUES, José Maurício. Teorias Sociológicas no Século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.

Livro proveitoso em praticamente toda a disciplina.

TURNER, Jonathan H. Sociologia: conceitos e aplicações. São Paulo: Makron Books, 1999.

Importante livro para quem está fazendo o curso de Ciências Sociais, e considerável para quem está iniciando o contato com a Sociologia, pois é muito bem estruturado e trabalha com análises de nossa realidade cotidiana.

Atividades1. Procure construir, em grupo, um esquema demonstrando a relação do século XVIII com o surgi-

mento da Sociologia como ciência no século XIX, tendo como referência que no século XVIII, com a Revolução Francesa e a Revolução Industrial, vamos ter a consolidação do modo de produção capitalista.

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2. Discuta em grupo as diferenças entre Comte e Spencer. Procure dialogar sobre o que é específico em cada um deles. Ao final da discussão, o grupo deve organizar um resumo dos aspectos funda-mentais dos autores mencionados. Registre aqui esse resumo.

ReferênciasCHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 1994.

DOMINGUES, José Maurício. Teorias Sociológicas no Século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.

TURNER, Jonathan H. Sociologia: conceitos e aplicações. São Paulo: Makron Books. 1999.

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14 O surgimento da Sociologia como ciência

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Os teóricos clássicos da Sociologia

Os teóricos clássicos da Sociologia são Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber, autores funda-mentais para a compreensão dos pressupostos da Sociologia contemporânea. Eles são a base do pensa-mento sociológico contemporâneo. A forma como os teóricos clássicos responderam à principal questão sociológica – a relação entre indivíduo e sociedade – é marcante para o pensamento sociológico.

Esses autores clássicos permitem o uso dos seus recursos teóricos e metodológicos para a análi-se da sociedade – e como cientistas sociais a análise da sociedade sempre nos é fundamental. Portanto, iremos trabalhar com os elementos fundamentais das teorias desses pensadores.

Karl Marx (1818-1883)Para Karl Marx, cuja principal obra é O Capital (1867), a sociedade determina o indivíduo por meio

das condições materiais de existência, ou seja, a relação entre indivíduo e sociedade não pode ser pen-sada separadamente das condições materiais em que estão apoiadas. Portanto, essas condições mate-riais de existência são determinantes, são condicionantes de indivíduos e grupos em sua vivência social, de modo que condicionam as demais relações sociais. Esse é o ponto de partida de Marx. O critério de-terminante aqui é o econômico e, nesse sentido, o autor é um determinista econômico em sua forma de responder à principal questão sociológica, ou seja, a relação indivíduo e sociedade. Vejamos o que nos afirma Turner (1999, p. 8-9):

Para Marx, a organização de uma sociedade num momento histórico específico é determinado pelas relações de produ-ção, ou a natureza da produção e organização do trabalho. Assim a organização econômica é o material-base, ou em seus termos, a infraestrutura, que descreve e dirige a superestrutura, que consiste na cultura, política e outros aspectos da sociedade. O funcionamento da sociedade deve ser entendido por sua base econômica.

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16 Os teóricos clássicos da Sociologia

O pensamento marxista prioriza a compreensão da sociedade capitalista, o seu funcionamento, bem como a sua estrutura. Segundo Aron (1995), enquanto Augusto Comte desenvolveu uma teoria so-bre a sociedade industrial – ou seja, as sociedades modernas complexas e científicas –, Marx da mesma forma considera que as sociedades modernas são industriais e científicas, mas o ponto central de sua concepção encontra-se no fato de focalizar os elementos contraditórios que são inerentes à sociedade moderna, o que ele vai chamar de capitalismo.

Em sua análise crítica da sociedade capitalista, na obra O Capital, Marx procura demonstrar seu de-senvolvimento e suas contradições. Para Marx, as contradições, ou seja, as forças contrárias presentes na so-ciedade capitalista, seriam a fonte de sua superação. Segundo ele, as contradições presentes na sociedade capitalista traduzem a fonte do surgimento de sua força contrária. Esse sistema repleto de contradições seria substituído, em uma mudança de fase, por outro sistema socioeconômico, ou seja, o socialismo. Em suas con-tradições, esse sistema gera força contrária e esse é um aspecto muito importante, pois Marx trabalha com elementos da dialética, que prioriza os elementos da contradição e da negação, ou seja, as forças contrárias que se encontram presentes no universo social.

Afirmam Quintaneiro, Barbosa e Oliveira (2003, p. 30):

A análise da vida social deve, portanto, ser realizada através de uma perspectiva dialética que, além de procurar esta-belecer as leis de mudança que regem os fenômenos, esteja fundada no estudo dos fatos concretos, a fim de expor o movimento do real em seu conjunto. Marx afirma que a compreensão positiva das coisas “inclui, ao mesmo tempo o conhecimento de sua negação fatal, de sua destruição necessária, porque ao captar o próprio movimento, do qual to-das as formas acabadas são apenas uma configuração transitória, nada pode detê-la, porque em essência é crítica e re-volucionária”.

O que se encontra presente é a concepção da superação, da mudança de uma fase para outra, por meio das contradições presentes no sistema socioeconômico, ou seja, na realidade concreta na qual estão inseri-dos indivíduos e grupos. Segundo Aron (1995), podemos conceber a dialética da história enquanto constitu-ída pelo próprio movimento das forças produtivas (condições materiais de toda a produção), que entram em contradição em determinadas épocas históricas, e também pelas relações de produção, que envolvem as re-lações de propriedade e a distribuição de renda entre indivíduos e grupos da sociedade.

Segundo Quintaneiro, Barbosa e Oliveira (2003), essa forma de conceber a relação entre indivíduo e sociedade foi mais tarde denominada de materialismo histórico, método de investigação sociológica que envolve análise da vida econômica, social, política e intelectual. Essa concepção vai nos falar das re-lações materiais que, enquanto homens, realizamos ao produzir nossos meios de vida. Isso não diz res-peito somente à reprodução de nossos meios de vida enquanto existência física, mas também nossas concepções de homem e de mundo, a forma como vemos e experienciamos nossa realidade no mun-do da vida. De certa maneira, Marx deixará claro que a forma como vivemos materialmente, ou seja, no contexto das relações de produção, nos dirá muito do que somos – e o que nós somos pode ser visto enquanto reflexo da produção, das relações de produção presentes na sociedade. Nesse sentido, é im-portante perceber que o que somos encontra-se em estreita relação de dependência com as condições materiais de nossa existência.

Vamos verificar um elemento significativo da sociedade capitalista, o que se apresenta nela e o que reflete a contradição que vivenciamos: a desigualdade social. Ela é parte do denominado modo de produção capitalista, no qual existe a posse privada dos meios de produção, ou seja, tudo que a socie-dade precisa para produzir os bens de que necessita se encontra restrito à posse particular. Podemos afirmar que, no contexto da concepção marxista, a desigualdade social é inerente ao sistema socioeco-nômico capitalista. Seguindo a lógica marxista, o processo de desigualdade social é gerado pelo pró-

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Os teóricos clássicos da Sociologia 17

prio sistema socioeconômico, que é fundamentalmente concentrador e não distribuidor de riqueza. Esta pode ser concebida como uma contradição presente no sistema socioeconômico. Assim, podemos verificar que, se há desigualdade social, encontramo-nos diante de uma sociedade de classes, ou seja, se há desigualdade social há, consequentemente, relações de classe, relações estas sempre antagôni-cas, conflitivas. É por essa razão que Marx, priorizando a análise da sociedade capitalista, afirmará que a história do homem é a história da luta de classes.

Nos primeiros momentos de sua análise da sociedade capitalista e das classes sociais nela existen-tes, Marx conceberá três classes: a classe proprietária de terras, a classe proprietária de capital e a classe proprietária da força de trabalho. A partir de um determinado momento histórico, a classe proprietária de terras e a classe proprietária de capital uniram-se formando o que Marx denomina de burguesia, que é pro-prietária privada dos meios de produção e se confrontará com o proletariado, a classe proprietária da for-ça de trabalho. Desse modo, temos na concepção marxista a existência de duas classes sociais: burguesia e proletariado, sendo que a burguesia é proprietária dos meios de produção e o proletariado é proprietá-rio da força de trabalho.

Essas duas classes sociais encontram-se em conflito, pois os interesses de uma e de outra são dia-metralmente opostos. Enquanto a burguesia quer manter sua condição de classe dominante no con-texto da sociedade, o proletariado objetiva a mudança da realidade social. Aqui estamos em um espaço de pleno conflito de interesses. Então, seguindo a concepção marxista, em sua análise da sociedade capitalista, não podemos pensar na harmonia entre capital (representado pela burguesia) e trabalho (representado pelo proletariado). Segundo Turner (1999), analisar a sociedade com base no materialis-mo histórico envolve concentração nos elementos da estrutura social alicerçada na desigualdade e nas “combinações” entre os indivíduos e grupos que mantêm o poder e o bem-estar material, os proprietá-rios dos meios de produção, e aqueles que são menos abastados economicamente e menos privilegia-dos (os proprietários da força de trabalho). Turner (1999, p. 9) afirma:

Para Marx (1867), há sempre o que ele denominou de “contradições próprias na estrutura da base econômica”. Por exemplo, no capitalismo ele viu que a organização coletiva da produção (em fábricas) se encontrava em contradição quanto à propriedade privada de bens e à obtenção de lucro por poucos a partir do trabalho cooperativo de muitos. Quais sejam os méritos desse argumento, Marx tem como base da contradição nas sociedades humanas as relações entre aqueles que controlam os meios de produção e aqueles que não. Argumentando dessa forma, Marx tornou-se a inspiração para a linha de estudo da Sociologia conhecida como teoria do conflito ou a Sociologia do conflito. Desse ponto de vista todas as estruturas da organização social revelam desigualdades que levam ao conflito, em que aqueles que detêm ou controlam os meios de produção podem consolidar o poder e desenvolver ideologias para manter seus privilégios, enquanto aqueles sem os meios de produção eventualmente entram em conflito com os mais privilegiados (MARX; ENGELS, 1848). No mínimo, há sempre uma contradição ardente entre as relações de produção nos sistemas sociais, e essa luta de classes, ou seja, conforme a percepção de Marx quanto a essa questão, periodicamente explode esse conflito aberto e uma mudança social.

A análise sociológica deve, portanto, concentrar-se nas estruturas de desigualdade e nas combinações entre aqueles com poder, privilégio e bem-estar material, por um lado, e os menos poderosos, privilegiados e materialmente abastados, por outro. Para Marx e as gerações subsequentes de estudiosos do conflito, “a ação está” dentro da organização social humana.

Nesse sentido, podemos perceber que a força motriz da mudança de toda e qualquer socieda-de, no contexto de uma concepção marxista, encontra-se em estreita relação com a contradição, com o conflito presente principalmente entre as classes sociais, principalmente em uma sociedade capitalista. É por esta razão que podemos afirmar que o objeto de investigação sociológica em Marx são as classes sociais. E o critério de determinação das classes sociais é sempre o critério econômico.

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18 Os teóricos clássicos da Sociologia

Relação entre infra e superestrutura socialToda e qualquer formação social (o que podemos denominar de sociedade) é composta de três

esferas: socioeconômica, sociopolítica e sociocultural. A base de toda e qualquer sociedade, isto é, a sua estrutura, constitui-se na denominada esfera socioeconômica, que por sua vez, segundo Quintaneiro, Barbosa e Oliveira (2003), deve ser entendida como o fundamento sobre o qual se constituem as de-mais esferas – as esferas sociocultural e sociopolítica. Portanto, devemos entender que a infraestrutura é determinante da superestrutura, na qual temos as esferas do mundo político, ou seja, das relações de poder presentes na sociedade, e a esfera sociocultural, na qual estão os aspectos determinantes da cul-tura, ou melhor, toda a visão de mundo e de homem, todas as crenças, todos os elementos constituin-tes da moral, da ética e assim por diante. Aqui temos a determinação do econômico sobre o cultural e o político, mas por outro lado podemos verificar que a superestrutura ratifica e legitima as relações pre-sentes na infraestrutura.

Segundo Quintaneiro, Barbosa e Oliveira (2003), o direito, as relações de poder, os aspectos espi-rituais e a própria consciência dos homens encontram-se determinados pela base econômica da socie-dade, na forma como os seres humanos estão organizados para produzir os bens de que necessitam. Podemos dizer que essa é a base do materialismo histórico.

Exemplificaremos a relação entre infraestrutura e superestrutura tomando por base a sociedade brasileira. O Brasil, como todos nós sabemos, é uma sociedade capitalista, uma sociedade de classes. Este é o seu determinante econômico: sua estrutura encontra-se alicerçada ou tem por base a posse privada dos meios de produção. Consequentemente, é uma sociedade desigual. Então, a desigualdade encontra-se presente em sua estrutura ou, se quiserem, em sua infraestrutura. Essa desigualdade será determinante do que se encontra presente na esfera sociocultural e na esfera sociopolítica. É o mesmo que dizermos que, na esfera sociocultural, a educação e os meios de comunicação de massa são deter-minados pelas relações presentes na infraestrutura, ou seja, relações de desigualdade que acabam por reger a sociedade. Da mesma forma, encontramos esse elemento determinante na esfera sociopolítica, no contexto das relações de poder. Podemos verificar contradições presentes no sistema educacional brasileiro e nos meios de comunicação de massa, que são propriedade de menos de 1% da população brasileira. Questionamos, então, porque no sistema educacional brasileiro praticamente não se priori-zam as escolas públicas, oferecendo à população uma educação de melhor qualidade. Por que, com re-lação aos meios de comunicação em massa, não se oferece à maioria da população uma programação de melhor qualidade? O ponto determinante para essas respostas encontra-se justamente na determi-nação da infraestrutura sobre a superestrutura. Seguindo a concepção marxista de análise sociológica, se a sociedade é desigual em sua base, a educação será desigual e a utilização dos meios de comuni-cação de massa também. Por outro lado, no que é relativo à “função” da superestrutura, podemos ve-rificar que a educação e os meios de comunicação de massa ratificam, validam, o que está presente na infraestrutura – isto é, a desigualdade. Muito do que concebemos, a forma como vemos nosso país e a nós, povo brasileiro, é determinado por esta desigualdade, mas ao mesmo tempo legitima essa de-sigualdade. Quando reproduzimos sem pensar as mensagens dos meios de comunicação de massa, concebendo-as como verdades quase absolutas, estamos ratificando o que está presente em nossa in-fraestrutura social.

Afirmam Quintaneiro, Barbosa e Oliveira (2003, p. 37):

Segundo a concepção materialista da história, na produção da vida os homens geram também outra espécie de produ-tos que não têm forma material: as ideologias políticas, concepções religiosas, códigos morais e estéticos, sistemas legais

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Os teóricos clássicos da Sociologia 19

de ensino, de comunicação, o conhecimento filosófico e científico, representações coletivas de sentimentos, ilusões, mo-dos de pensar e concepções de vida diversos e plasmados de um modo particular. A classe inteira os cria e os plasma de-rivando-os de suas bases materiais e das relações sociais correspondentes. Esta é a superestrutura ou supraestrutura.

A base material sobre a qual vivemos é determinante da forma como concebemos e sentimos nosso universo social, mas a forma como concebemos e sentimos nosso universo social, em nosso agir, é fator que por sua vez tende a legitimar o que é presente na base social.

Alienação em Karl MarxA concepção de alienação que Marx apresenta em sua obra A Ideologia Alemã é diferente na for-

ma como usualmente a concebemos. Em geral, tendemos a conceber alienação como falta de razão, como incapacidade para discernir as coisas da realidade, ou melhor, como a loucura. Em Marx, a aliena-ção pode ser concebida como a consciência da realidade pelo que dizem que ela é (ideologia), que, se-gundo Marilena Chauí (1994), é um fenômeno histórico-social decorrente da forma como produzimos os bens de que necessitamos, o modo de produção. Quando dizemos que a desigualdade sempre exis-tiu e sempre foi assim estamos tendo uma ideia que naturaliza as relações sociais desiguais presentes na sociedade, como se fosse um dado de nossa denominada “natureza humana”. Pois bem, quando na-turalizamos o que é historicamente produzido (desigualdade) podemos verificar que essas ideias são fontes produtoras da alienação social. Esse imaginário socialmente construído (ideias) constitui a ideo-logia, segundo Marx.

Por outro lado, em Marx, a alienação encontra-se intimamente relacionada com o que podemos denominar de prática humana – o trabalho. Em sentido amplo, podemos compreender a alienação, ten-do por base a concepção marxista, como ser o homem desprovido de si porque não detém o fruto de seu trabalho. O homem é essencialmente homo faber, homem que produz, que faz, que realiza e cons-trói os bens de que necessita para viver.

No contexto da sociedade capitalista, o que o homem (trabalhador) produz não lhe pertence, pois pertence ao proprietário dos meios de produção – o capitalista. É nesse sentido que a alienação se produz. Estamos diante da alienação pelo trabalho: o trabalhador existiria para alimentar a máquina do capital, ele existe para o capital. Afirmam Quintaneiro, Barbosa e Oliveira (2003, p. 52) com relação a este aspecto:

Marx sublinha três aspectos da alienação:

1) o trabalhador relaciona-se com o produto do seu trabalho como algo alheio a ele, que o domina e lhe é adverso, e rela-ciona-se da mesma forma com os objetos naturais do mundo externo – o trabalhador é alienado em relação às coisas;

2) a atividade do trabalhador tampouco está sob seu domínio, ele a percebe como estranha a si próprio, assim como sua vida pessoal e sua energia física e espiritual, sentidas como atividades que não lhe pertencem – o trabalhador é alienado com relação a si mesmo;

3) a vida genérica ou produtiva do ser humano torna-se apenas meio de vida para o trabalhador, ou seja, seu trabalho – que é sua atividade vital consciente e que o distingue dos animais – deixa de ser livre e passa a ser unicamente meio para que sobreviva. Portanto, “do mesmo modo como o operário se vê rebaixado no espiritual e no corporal à condição de máquina, fica reduzido de homem a uma atividade abstrata e a um estômago”. Por outro lado, o trabalho produtivo acaba por tornar-se uma obrigação para o proletário, o qual, não sendo possuidor dos meios de produção, é compeli-do a vender sua atividade vital.

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20 Os teóricos clássicos da Sociologia

Podemos lembrar de um trecho da música “Guerreiro menino”, de Gonzaguinha: “e, sem o seu tra-balho, um homem não tem honra e sem a sua honra, se morre, se mata”. Sem o seu trabalho, no con-texto da sociedade capitalista, podemos dizer que o homem nada é, pois é negada a sua existência enquanto indivíduo e enquanto ser social. Ele se encontra à margem, é um estranho diante do qual nin-guém deve se aproximar, como nos diz atualmente Bauman.

Para Marx, o trabalho, enquanto expressão humana, é uma forma de desenvolvimento de nossas melhores dimensões, mas, como no contexto da sociedade capitalista tudo se encontra revestido de seu contrário, ele parece uma fera a atormentar o espírito humano. Ele assume a forma de um sacrifício a que, cotidianamente, o homem deve se submeter. Foi transformado em mercadoria, porque, segundo Marx, tudo que o capital toca torna-se objeto, mercadoria, sendo completamente regulada pelas forças coercitivas e opressoras do capital.

Texto complementar(MARX apud QUINTANEIRO; BARBOSA; OLIVEIRA, 2003, p. 30-38)

Hoje em dia, tudo parece levar em seu seio sua própria contradição. Vemos que as máquinas, dotadas da propriedade maravilhosa de encurtar e fazer mais frutífero o trabalho humano, provo-cam a fome e o esgotamento do trabalhador. As fontes de riqueza recém-descobertas convertem-se, por arte de um estranho malefício, em fontes de privações.

Os triunfos da arte parecem adquiridos ao preço de qualidades morais. O domínio do homem sobre a natureza é cada vez maior, mas ao mesmo tempo o homem se converte em escravo de ou-tros homens ou de sua própria infâmia. Até a pura luz da ciência parece só poder brilhar sobre o fun-do tenebroso da ignorância.

Todos os nossos inventos e progressos parecem dotar de vida intelectual as forças produtivas materiais, enquanto reduzem a vida humana ao nível de uma força material bruta. Este antagonis-mo entre a indústria moderna e a ciência, por um lado, e a miséria e a decadência, por outro, este antagonismo entre as forças produtivas e as relações sociais de nossa época é um fato palpável, abrumador e incontrovertido. [...] não nos enganamos a respeito da natureza desse espírito maligno que se manifesta constantemente em todas as contradições que acabamos de assinalar.

Sabemos que, para fazer trabalhar bem as novas forças da sociedade, necessita-se unicamente que estas passem às mãos de homens novos, e que tais homens novos são os operários.

[...]

O meu primeiro trabalho, que empreendi para esclarecer as dúvidas que me assaltavam, foi uma revisão crítica da Filosofia do Direito, de Hegel [...] Nas minhas pesquisas cheguei à conclusão de que as relações jurídicas – assim como as formas de Estado – não podem ser compreendidas por si mesmas, nem pela dita evolução geral do espírito humano, inserindo-se, pelo contrário, nas condi-ções materiais de existência de que Hegel [...] compreende o conjunto pela designação de “socieda-de civil”, por seu lado, a anatomia da sociedade civil deve ser procurada na economia política [...].

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A conclusão geral a que cheguei e que, uma vez adquirida, serviu de fio condutor dos meus es-tudos e pode formular-se resumidamente assim: na produção social de sua existência, os homens es-tabelecem relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forças produtivas materiais.

O conjunto dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política, à qual correspondem determi-nadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o desenvolvi-mento da vida social, política e intelectual em geral. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é o seu ser social que, inversamente, determina a sua consciência.

Em certo estágio de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes, ou, o que é a sua expressão jurídica, com as re-lações de propriedade no seio das quais tinham se movido até então. De formas de desenvolvimen-to das forças produtivas, estas relações transformam-se no seu entrave. Surge, então, uma época de revolução social. A transformação da base econômica altera, mais ou menos rapidamente, toda a imensa superestrutura.

Para refletirUma dica fundamental quando estudamos a Sociologia é tentar verificar em nosso cotidiano a

realidade dos fatos citados pelos autores, principalmente no caso dos autores clássicos dessa ciência. Procure fazer isso lendo atentamente nosso livro-texto e verificando se o que Karl Marx analisou pode ser constatado em nossa vida, em nosso mundo. Essa reflexão é um exercício fundamental que, aos poucos, como cientistas sociais, vamos aprender a realizar, analisando a realidade social que nos cerca e compreendendo os determinantes dessa realidade.

Dicas de estudoMARX, Karl. A Ideologia Alemã. São Paulo: Moraes, 1984.

Para melhor compreender as questões fundamentais que Karl Marx aborda acerca da sua concep-ção de “ideologia”, sugiro a leitura dessa obra.

QUINTANEIRO, Tânia; BARBOSA, Maria Ligia de Oliveira; OLIVEIRA, Márcia Gardênia Monteiro de. Um Toque de Clássicos: Marx, Durkhein e Weber. Belo Horizonte: UFMG, 2003.

Sugiro a leitura do capítulo que se refere a Marx.

TESKE, Ottmar (Coord.). Sociologia: textos e contextos. Porto Alegre: Ulbra, 2005.

É um outro livro que merece nossa consideração.

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22 Os teóricos clássicos da Sociologia

Atividades1. Crie um esquema com os principais elementos da teoria marxista, presentes no conteúdo lido.

Isto feito, produza o seu próprio texto, estando atento aos elementos que você selecionou.

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2. De acordo o texto complementar “O meu primeiro trabalho”, faça um esquema envolvendo a re-lação entre infraestrutura e superestrutura. Considere o fato de que, seguindo a concepção de Marx, a infraestrutura é sempre a base econômica de toda e qualquer sociedade.

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24 Os teóricos clássicos da Sociologia

ReferênciasBAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Ambivalência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.

______. Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 1994.

GONZAGUINHA. Um Homem também Chora (Guerreiro menino). Disponível em: <http://letras.terra.com.br/gonzaguinha/250255/>. Acesso em: 11 maio 2010.

MARX, Karl. A Ideologia Alemã. São Paulo: Moraes, 1984.

QUINTANEIRO, Tânia. BARBOSA, Maria Ligia de Oliveira. OLIVEIRA, Márcia Gardênia Monteiro de. Um Toque de Clássicos: Marx, Durkhein e Weber. Belo Horizonte: UFMG, 2003.

TESKE, Ottmar. Sociologia: textos e contextos. Canoas: Ulbra, 2004.

TURNER, Jonathan H. Sociologia: conceitos e aplicações. São Paulo: Makron Books. 1999.

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Os teóricos clássicos da Sociologia II

Émile Durkheim (1858-1917)Émile Durkheim, cuja principal obra é As Regras do Método Sociológico (1895), é um teórico funda-

mental da tradição sociológica francesa. É um autor determinista em sua forma de conceber a relação entre indivíduo e sociedade, diferenciando-se de Karl Marx, que determina o indivíduo por meio das condições materiais de existência.

Sabemos que Spencer foi o “pai fundador” do funcionalismo, teoria que enfatiza a interdepen-dência dos padrões e instituições de uma sociedade, e também a maneira como esses padrões e insti-tuições interagem na preservação da unidade social e cultural. Em muitos pontos, Durkheim adota as concepções de Spencer.

Antes de conhecermos a forma como Durkheim responde à principal questão sociológica – a re-lação entre indivíduo e sociedade –, devemos entender que ele vai apresentar a Sociologia como uma teoria abrangente e globalizante, capaz de integrar e sistematizar os fatos sociais, definidos como o con-junto de normas e de regras produzidos coletivamente. Durkheim fez da Sociologia uma matéria que pode ser ensinada, revestindo-a de um conteúdo científico. Seu maior objetivo foi fazer com que ela se tornasse uma disciplina científica rigorosa, emancipada das chamadas filosofias sociais. Para tanto, ele procurou fornecer tanto o método de investigação como as aplicações da nova ciência.

Para ele, na relação entre indivíduo e sociedade, prevalece a sociedade sobre o indivíduo, pois a sociedade se constitui de um conjunto de normas e regras de ação construídas exteriormente, que se encontram fora das consciências individuais. Nesta teoria, recebemos a sociedade por “herança”, no seu conjunto de normas e de regras. Segundo Aron (1995), podemos verificar que a sociedade é um conjun-

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to de normas de ação, de pensamentos e de sentimentos que estão presentes não apenas nas consciên-cias individuais, mas também têm construção social. Para Durkheim, enquanto indivíduos, não somos os criadores de nossas regras de conduta, pois elas são aceitas na vida em sociedade, produzidas coleti-vamente. Sem as regras e as normas sociais, produzidas em sociedade, essa mesma sociedade não exis-tiria, e é justamente por esse aspecto que estamos submetidos e obedecemos à elas.

Os fatos sociaisSegundo Durkheim, em sua obra As Regras do Método Sociológico, as regras que nos são impostas

pela sociedade se constituem no limite da ação individual, ou melhor, a vontade individual é determina-da pela vontade coletiva. Estas regras e normas, estabelecidas no contexto do espaço social, são o que Durkheim vai denominar de fatos sociais. Podemos dizer que fatos sociais se constituem no conjunto de normas e regras coletivas que orientam a vida dos indivíduos em sociedade. Afirma Durkheim (1978, p. 11): “É fato social toda maneira de agir fixa ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coer-ção exterior; ou então ainda, que é geral na extensão de uma sociedade dada, apresentando uma exis-tência própria, independente das manifestações individuais que possa ter”.

Os fatos sociais, objeto de investigação sociológica em Durkheim, possuem as seguintes caracte-rísticas:

Coercitivos – são expressos por ameaças de castigo e por punições, demonstrando suas carac-terísticas disciplinadoras. Muitos de nossos comportamentos não são exercidos por livre e es-pontânea vontade, mas, sim, efeito da determinação das normas e regras sobre nós. As forças coercitivas presentes nos fatos sociais representam a força que os fatos exercem sobre a indi-vidualidade, levando à conformidade e orientação às regras e normas presentes na mesma, ou seja, é uma força independente de nossas vontades ou escolhas individuais. Pode-se verificar que o grau de coerção dos fatos sociais se torna evidente pelas punições a que estamos sujeitos quando vamos contra as determinações sociais e tentamos nos rebelar.

No que se refere às punições, Durkheim classifica como legais aquelas que são prescritas pela sociedade sob a forma de leis, onde estão consideradas as infrações e as penas corresponden-tes e espontâneas, aquelas que existem em decorrência de uma conduta que não se encontra adaptada à estrutura do grupo ou da sociedade à qual o indivíduo pertence.

Exteriores – os fatos sociais são exteriores aos indivíduos quando independem de sua vonta-de, neste sentido percebemos que muitos dos comportamentos são determinados por forças exteriores, ou seja, não dependem da consciência individual. Seguimos as normas porque so-mos levados à segui-las pelas determinações do universo. Os fatos sociais são ao mesmo tem-po coercitivos e dotados de existência exterior às consciências individuais, na medida em que os indivíduos recebem por “herança” todo o universo social, constituído de suas regras e nor-mas, crenças, ritos, mitos, símbolos etc.

Genéricos – esta característica diz respeito ao fato de que as normas e regras sociais devem se reproduzir na maioria dos indivíduos. Assim, devemos perceber esta generalidade enquanto coletivo, porque possuem como elemento de referência o conjunto da coletividade.

Vejamos agora as palavras de Durkheim (1978, p. 1-2), acerca do que representam os fatos sociais e que dimensões de nossa vida eles atingem:

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Quando desempenho meus deveres de irmão, de esposo ou de cidadão. Quando me desincumbo de encargos que contraí, pratico deveres que estão definidos fora de mim e de meus atos, no direito e nos costumes. Mesmo estando de acordo com sentimentos que me são próprios, sentindo-lhes interiormente a realidade, esta não deixa de ser objetiva; pois não fui eu quem os criou, mas percebi-os através da educação. Contudo, quantas vezes não ignoramos o detalhe das obrigações que nos incumbe desempenhar, e precisamos, para sabê-lo consultar o Código e seus intérpretes autorizados! Assim também o devoto, ao nascer encontra prontas as crenças e práticas da vida religiosa; existindo antes dele, é porque existem fora ele. O sistema de sinais de que me sirvo para exprimir pensamentos, o sistema de moedas que emprego para pagar as dívidas, os instrumentos de crédito que utilizo nas relações comerciais, as práticas seguidas na profissão etc., funcionam independentemente do uso que delas faço. Tais afirmações podem ser estendidas a cada um dos membros de que é composta uma sociedade, tomados uns após outros. Estamos, pois, diante de maneiras de agir, de pensar e de sentir que apresentam a propriedade marcante de existir fora das consciências individuais. Esses tipos de conduta ou de pensamento não são apenas exteriores aos indivíduos, são também dotados de um poder imperativo e coercitivo, em virtude do qual se lhe impõem, quer queira, quer não. [...] Se experimento violar as leis do direito, estas reagem contra mim de maneira a impedir meu ato se ainda é tempo; com o fim de anulá-lo e restabelecê-lo de forma normal se já se realizou e é reparável.

Verificamos que, nos dizeres de Durkheim somos determinados pelas normas e regras presentes no contexto da sociedade, independendo da maneira de pensar e de sentir do indivíduo. Em sua afir-mação, evidencia que a educação desempenha um papel significativo na sociedade, pois ela funciona como instância de socialização, ou seja, de adequação do indivíduo às normas e regras sociais, às de-terminações da sociedade, na medida em que leva a que o indivíduo internalize, após algum tempo o conjunto de normas e regras presentes na sociedade, transformando-as em hábitos determinantes de seu comportamento social. Durkheim buscou mostrar a objetividade dos fatos sociais enquanto obje-to de investigação sociológica. Na primeira regra, de sua obra As Regras do Método Sociológico, ele de-termina que os fatos sociais são coisas e são concretos, isto é, são elementos constitutivos do objeto de análise sociológica.

Vale salientar que quando o autor menciona a objetividade dos fatos sociais, os cientistas sociais devem estar ausentes de prenoções e de juízos de valor, pois a ausência destes elementos se constitui enquanto elementos fundamentais da conduta do investigador.

A consciência coletivaDissemos anteriormente que a consciência individual se submete à consciência coletiva, este

conceito é muito importante para Durkheim. Ele pode ser, num primeiro momento, visto como a natu-reza dos símbolos culturais (valores, hábitos, ritos, mitos, religiosidades etc.). A consciência coletiva pode ser entendida como o conjunto de normas, regras e punições, que são sobrepostas aos indivíduos e que perduram no decorrer das gerações. Como nos referimos anteriormente, Durkheim trabalha com dois tipos de consciência, a consciência individual e a consciência coletiva. Segundo Quintaneiro, Barbosa e Oliveira (2003), pode-se conceber essa consciência coletiva como a que pertence à sociedade, não re-presentado em nossa individualidade, mas que age e vive em nós. Cabe evidenciar que, na medida em que as sociedades se complexificam e se tornam heterogêneas, consequentemente, a natureza dos sím-bolos sociais (consciência coletiva) mudará, para que seja assegurada a integração da sociedade.

Afirmam Quintaneiro, Barbosa e Oliveira (2003, p. 78):

Essa consciência comum ou coletiva corresponde ao conjunto das crenças e dos sentimentos comuns à média dos membros de uma mesma sociedade que forma um sistema determinado que tem vida própria. Ela produz um mundo de sentimentos, de ideias, de imagens e independe das maneiras pelas quais cada um dos membros dessa sociedade venha a manifestá-la porque tem uma realidade própria e de outra natureza. A consciência comum recobre “áreas” de

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distintas dimensões na consciência total das pessoas, o que depende de que seja ou segmentar ou organizado o tipo de sociedade na qual aquelas se inserem. Quanto mais extensa é a consciência coletiva, mais a coesão entre os participantes da sociedade examinada refere-se a uma “conformidade de todas as consciências particulares a um tipo comum”, o que faz com que todas se assemelhem, e por isso, os membros do grupo sintam-se atraídos pelas similitudes uns com os outros, ao mesmo tempo que a sua individualidade é menor.

Para Durkheim, a sociedade determina o indivíduo por meio das normas e regras sociais. O seu conceito de consciência coletiva nos fala justamente disto, de quanto a realidade social que nos é exter-na acaba por nos determinar, fazendo com que nossa conduta, nosso comportamento sejam adequa-dos ao universo social. Por existir uma consciência coletiva é que podemos pensar na coesão social, ou seja, estamos unidos pela natureza dos símbolos sociais.

As solidariedades sociaisPara Durkheim, em seus estudos sobre a divisão do trabalho social, expressos em sua obra Da

Divisão do Trabalho Social, os vínculos que nos mantêm unidos socialmente, coesos, são denominados de solidariedade. O conceito de solidariedade diz respeito à união dos indivíduos e grupos no contex-to das sociedades. Vejam que o termo solidariedade se diferencia do conceito que utilizamos habitual-mente. Durkheim, em sua teoria sociológica, propõe a natureza da relação entre indivíduo e sociedade, salientando que esta natureza diz respeito à relação entre personalidade individual e solidariedade so-cial. Para ele, as sociedades regem-se por solidariedades e, demonstrará a transformação da solidarie-dade social abrangendo dois tipos de sociedade: sociedades regidas pela solidariedade mecânica e sociedades regidas pela solidariedade orgânica.

Podemos entender como solidariedade mecânica os indivíduos que se encontram unidos dire-tamente à sociedade sem que possamos pensar na presença de intermediários, sendo constituída por um conjunto relativamente organizado de crenças e sentimentos comuns a todos os membros do gru-po. É uma sociedade simples, geralmente com características pré-capitalistas, alicerçada na tradição, na família, nos costumes, na religião. Temos nessa sociedade uma baixa divisão social do trabalho, ou seja, um baixo nível de especialização. Nessas sociedades, a ausência da autonomia individual é presente, na medida em que o indivíduo é fortemente dependente do social, da coletividade. Segundo Durkheim, a solidariedade permanece mecânica enquanto não temos o desenvolvimento da divisão social do traba-lho. Nelas, a ação da consciência comum é mais forte quando se exerce não mais de uma maneira difu-sa, mas por intermédio de um órgão definido. O vínculo social que une indivíduos e grupos se dá pela semelhança. De outro lado, podemos entender a solidariedade orgânica como aquelas sociedades mais complexas, não constituídas por repetição de elementos semelhantes e homogêneos, mas constituí-das por um sistema de órgãos diferentes, dos quais cada um tem um papel social a representar e tem a sua função, sendo que estes mesmos elementos são formados de partes diferenciadas. É uma socieda-de em que temos como características serem complexas, capitalistas e individualistas, onde temos ele-vada divisão social do trabalho, elevada especialização, como afirmação da identidade individual, logo, elevada autonomia individual ao mesmo tempo em que se estabelece a dependência do social. Aqui os vínculos sociais se fazem pela “dessemelhança”. Podemos dizer que no contexto da atualidade, vive-mos numa sociedade regida pela solidariedade orgânica, onde as partes são constitutivas do todo so-

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cial, mas cada parte possui a sua função, sendo dependente de outra parte. Um bom recurso didático para compreendermos este aspecto é visualizarmos o todo social como o organismo humano. Cada ór-gão do corpo humano faz parte do todo, mas cada um tem a sua função e encontra-se dependente de outros órgãos.

Observem a afirmação de Quintaneiro, Barbosa e Oliveira (2003, p. 81):

A função da divisão do trabalho é, enfim, a de integrar o corpo social, assegurar-lhe a unidade. É, portanto, uma condição de existência da sociedade organizada, uma necessidade. Sendo esta sociedade (sociedade regida pela solidariedade orgânica) “um sistema de funções diferentes e especiais”, onde cada órgão tem um papel diferenciado, a função que o indivíduo desempenha é o que marca seu lugar na sociedade, e os grupos formados por pessoas unidas por afinidades especiais tornam-se órgãos, e “chegará o dia em que toda organização social e política terá uma base exclusivamente ou quase exclusivamente profissional”. Daí deriva a ideia de que a individuação é um processo intimamente ligado ao desenvolvimento da divisão do trabalho social e a uma classe de consciência que gradativamente ocupa o lugar da consciência comum e que só ocorre quando os membros das sociedades se diferenciam. E é esse mesmo processo que os torna interdependentes. Segundo Durkheim, somente existem indivíduos no sentido moderno da expressão quando se vive numa sociedade altamente diferenciada, ou seja, onde a divisão do trabalho está presente, e na qual a consciência coletiva ocupa um espaço já muito reduzido em face da consciência individual.

Em sociedades mais complexas, podemos verificar que a consciência coletiva, segundo Turner (1999), deve também se modificar para que a sociedade se mantenha integrada. A sociedade regida pela solidariedade orgânica, não pode se manter se não tiver valores coletivos que ligam as pessoas ao todo social.

AnomiaO conceito de anomia foi estabelecido por Durkheim, em suas obras Da Divisão do Trabalho Social

e em O Suicídio. A anomia pode ser entendida como uma situação social na qual estabelece a falta de co-esão e de ordem, principalmente no que concerne às normas e aos valores sociais. Se em nosso contexto social não temos normas e regras demasiadamente claras, teremos como resultante a anomia ou a “falta de normas e regras sociais”. A falta de normas se encontra inter-relacionada com a incapacidade da estru-tura social de prover a indivíduos e grupos das regras e normas que seriam necessárias para manter a so-ciedade coesa. Esse conceito, no contexto da Sociologia contemporânea, pode ser aplicado aos estudos dos desvios, ou seja, ao estudo das condutas desviadas. Notem aqui que, sociologicamente, a anomia des-creve uma condição em sistemas sociais como um todo (JOHNSON, 1997).

As regras, as normas morais e sociais traduzem para os indivíduos uma diretriz, uma segurança, pois se elas são claras e precisas, trazem tranquilidade no agir individual e principalmente coletivo. Se as regras presentes no contexto das sociedades não são bem demarcadas, os indivíduos se sentem per-didos, inseguros e confusos.

Para melhor compreender a importância das regras e normas impostas pela sociedade, faça um exercício de abstração e imagine uma realidade cotidiana onde ninguém cumpre regras. Imagine, no contexto da sociedade brasileira, uma total ausência de regras e normas sociais. A vida dos brasileiros se torna um verdadeiro caos. Recobre Durkheim – para quem a anomia implica a falta de normas que po-dem orientar o comportamento dos indivíduos – e veja a significação destas normas para nosso existir tanto individualmente quanto coletivamente.

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30 Os teóricos clássicos da Sociologia II

Texto complementar

De repente aparece a gente(ORTEGA y GASSET, 2005)

Se alguém tivesse tido esta tarde o bom humor de sair pelas ruas da cidade vestido com elmo, lança e cota de malha, o mais provável é que dormisse esta noite num manicômio ou numa dele-gacia de polícia. Porque não é uso, não é costume. Em compensação, se esse alguém, faz o mesmo num dia de carnaval, é possível que lhe concedam o primeiro prêmio de mascarado. Por quê? Por-que é uso, porque é costume mascarar-se nessas festas. De modo que uma ação tão humana, como é a de se vestir, não a realizamos por própria inspiração, mas nos vestimos de uma maneira e não de outra, simplesmente porque se usa. Ora, o usual, o costumeiro, fazemo-lo porque se faz. Mas, quem faz o que se faz? Ora!... A gente. Muito bem! E quem é a gente? Ora... Todos, ninguém determina-do. Isso nos leva a reparar que uma enorme porção de nossas vidas se compõe de coisas que faze-mos, não por gosto, nem inspiração, nem conta própria, mas simplesmente porque a gente as faz e, como o Estado, antes, a gente, agora, nos força a ações humanas que provêm dela e não de nós. E mais ainda: comportamo-nos em nossa vida orientando-nos, nos pensamentos que temos, sobre o que as coisas são; mas se dermos um balanço dessas ideias ou opiniões, com as quais e das quais vive-mos, acharemos com surpresa que muitas delas – talvez a maioria – não as pensamos nunca por nossa conta, com plena e responsável evidência de sua verdade; ao contrário, pensamo-las porque as ouvi-mos e dizemo-las porque se dizem. Eis aqui este estranho impessoal, o se, que agora aparece instala-do dentro de nós, formando parte de nós, pensando ele ideias que nós simplesmente pronunciamos. Muito bem. E então: quem diz o que se diz? Sem dúvida, cada um de nós; mas dizemos “o que dize-mos” como o guarda nos impede o passo; dizemo-lo, não por conta própria, mas por conta desse su-jeito impossível de capturar, indeterminado e irresponsável que é a gente, a sociedade, a coletividade. Na medida em que penso e falo – não por própria e individual evidência, mas repetindo isso que se diz e que se opina – minha vida deixa de ser minha, deixo de ser o personagem individualíssimo que sou, e atuo por conta da sociedade: sou um autômato social, estou socializado.

Dicas de estudoPara conhecer mais sobre a teoria de Émile Durkheim e suas concepções, sugiro a leitura dos ca-

pítulos referentes a esse autor, nos livros:

QUINTANEIRO, Tânia: BARBOSA, Maria Ligia de Oliveira; OLIVEIRA, Márcia Gardênia Monteiro de. Um Toque de Clássicos: Marx, Durkhein e Weber. Belo Horizonte: UFMG, 2003.

TESKE, Ottmar (Coord.). Sociologia: textos e contextos. Canoas: Ulbra, 2005.

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Os teóricos clássicos da Sociologia II 31

Atividades1. Faça um esquema dos principais conceitos presentes na teoria de Durkheim. Considerando esse

esquema, componha seu próprio texto1.

2. Elabore um esquema da relação entre indivíduo e sociedade em Durkheim. Explique com suas próprias palavras (assim, ficam mais claras as concepções que você precisa compreender).

1 Para facilitar os estudos, crie o hábito de elaborar seus próprios esquemas e textos sobre os diferentes conceitos – assim, você será agente de seu próprio estudo.

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32 Os teóricos clássicos da Sociologia II

3. Após a leitura de Durkheim, analise os elementos do seu comportamento, da sua conduta social e verifique se a teoria não diz respeito à prática. Procure verificar se somos absolutamente livres em nossas maneiras de pensar, de agir e de sentir. Procure refletir se como seres sociais somos ab-solutamente livres, se não temos sobre nós as determinações sociais que nos são impostas pelos próprios fatos sociais. Anote suas conclusões.

ReferênciasARON, Raymond. As Etapas do Pensamento Sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

DURKHEIM, Émile. As Regras do Método Sociológico. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1978.

JOHNSON, Allan G. Dicionário de Sociologia: guia prático da linguagem sociológica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

ORTEGA Y GASSET, José. Construir o Homem e a Gente. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1985.

QUINTANEIRO, Tânia; BARBOSA, Maria Ligia de Oliveira; OLIVEIRA, Márcia Gardênia Monteiro de. Um Toque de Clássicos: Marx, Durkhein e Weber. Belo Horizonte: UFMG, 2003.

TESKE, Ottmar. Sociologia: textos e contextos. Canoas: Ulbra, 2004.

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Os teóricos clássicos da Sociologia III

Max Weber (1864-1920)Max Weber, autor de A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, é um nome clássico da teoria

sociológica, mas se diferencia de Karl Marx e de Émile Durkheim. Weber não é determinista em sua for-ma de responder à principal questão sociológica – a relação entre indivíduo e sociedade. Ele traz para dentro da Sociologia o indivíduo, que em seu processo de interação é construtor do universo social.

Na interação, com outros indivíduos compartilhamos sentidos, significados. Segundo Weber, po-demos dizer que o homem é o único ser com capacidade de nomear todas as coisas. No ato de nomea-ção, todas as coisas passam efetivamente a existir, pois quando nomeadas passam a ter vida, uma vida que lhes é específica. Por exemplo, quando mencionamos o sol, o céu, a lua, esses elementos – nomeados pelo indivíduo – passam a ter a vida que é determinada pelo sentido que lhes foi dado. É nessa troca de sentido e significados que realizamos o processo de interação com o outro e tudo passa a existir. Se o homem – ser que realiza a interação, a troca de sentidos e significados – não existisse na face da terra, nada mais existiria. Assim, percebemos a significação do indivíduo para Weber.

A forma como Weber responde à principal questão sociológica é significativa para a Sociologia contemporânea. Para ele, o indivíduo (criatura), em interação que se estabelece pela troca de sentidos e de significados, é também criador de seu universo social. Depois de construído com suas normas e re-gras, com todas as relações sociais que nele estão presentes, o universo social (a sociedade) será deter-minante para os indivíduos. Assim, a sociedade de Weber é a sociedade dos indivíduos, como nos diz Norbert Elias. Temos aqui uma relação de interdependência ligando indivíduo e sociedade, não mais uma relação de determinação, como em Marx e Durkheim. Essa determinação, presente nos outros au-tores, ocorre na concepção de Weber apenas em um segundo momento, no qual se estabelece uma re-lação entre criador e criatura.

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34 Os teóricos clássicos da Sociologia III

A análise sociológica weberiana centra-se nos atores sociais – indivíduos que atuam na socie-dade – e em suas ações. Lembramos que Weber realiza uma análise não determinista, embora não negue o determinismo da sociedade sobre os indivíduos, principalmente a determinação econô-mica, como em Marx, com quem faz um diálogo silencioso. Para Weber, a sociedade pode ser com-preendida a partir do conjunto das ações individuais em reciprocidade, ou seja, de duplo caminho: temos de um lado toda a experiência dos atores sociais e, de outro lado, o próprio universo social (a sociedade), ou os sistemas culturais e sociais nos quais indivíduos e grupos encontram-se inse-ridos (TURNER, 1999).

Objeto de investigação sociológica e ação e relação socialO objeto de investigação sociológica em Weber difere do que é esse objeto em Marx e Durkheim:

em Weber, é a ação social, ou seja, a ação que o indivíduo realiza tendo como referência, como orienta-ção a ação dos outros. Como nos diz Weber, em sua obra Economia e Sociedade, o objeto da Sociologia é a conexão do sentido da ação, sendo que aqui o sentido é o “sentido subjetivo” atribuído pelos sujeitos da ação. Na medida em que Weber salienta o sentido das ações, ele dá ênfase não somente aos aspec-tos exteriores dessas ações, mas também salienta a maneira como essas ações são internalizadas pelos indivíduos e grupos, estabelecendo por sua vez motivações que são forças motrizes das ações estabe-lecidas por esses indivíduos.

Em sociedade, no processo de interação – de troca de sentidos e significados com outros indi-víduos e grupos –, o indivíduo internaliza, traz para dentro de si todos os sentidos e significados com-partilhados com os outros. Segundo Weber, é exatamente essa a força motriz que impulsiona o agir em sociedade. A ação social só existe à medida que o indivíduo busca estabelecer algum tipo de comunica-ção a partir de suas ações com os demais atores sociais. No momento em que vocês lêem o livro-texto, estão representando o papel social de alunos universitários. Todos nós, em nossa realidade cotidiana, estamos representando diferentes papéis sociais. Todos nós, em nossa vida em sociedade, representa-mos papéis sociais.

A partir da comunicação com os demais atores sociais, construímos o que Weber denomina de re-lação social. Podemos verificar a diferença entre ação social e relação social.

A ação social é composta de toda conduta humana de caráter intencional, para a qual o indivíduo atribui um sentido subjetivo, orientando-se pela ação dos outros atores sociais – enfim, uma ação rea-lizada pelo indivíduo intencionalmente, atribuindo-lhe um significado particular e levando em conta a ação dos outros (SANTOS, 2005). No que concerne à ação social, esse aspecto envolve nossa capacidade de compreender o sentido da ação dos outros (QUINTANEIRO; BARBOSA; OLIVEIRA, 2003).

Já a relação social se constitui nos elementos significativos, nos conteúdos significativos:

[...] atribuídos por aqueles que agem tomando outro ou outros como referência – conflito, piedade, concorrência, fidelidade, desejo sexual etc. – e as condutas de uns e de outros se orientam por esse sentido, embora não tenham que ter reciprocidade no que diz respeito ao conteúdo. (QUINTANEIRO; BARBOSA; OLIVEIRA, 2003, p. 119)

Portanto, podemos entender a relação social como o conteúdo de sentido mais amplo.

No que diz respeito à ação social, as ações de caráter imitativo não podem ser compreendidas como relação social, pois nelas não há a presença de uma orientação que dê causa à conduta, pois a relação so-cial é sempre uma ação de reciprocidade orientada (QUINTANEIRO; BARBOSA; OLIVEIRA, 2003).

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Os teóricos clássicos da Sociologia III 35

Veja o que nos afirma Quintaneiro (2003, p.120), acerca da relação social:

O que importa para identificar as relações sociais como tais é que estejam inseridas em, e reguladas por expectativas recíprocas quanto ao seu significado. Os agentes podem conduzir-se como colegas, inimigos, parentes, comprador e vendedor, criminoso e vítima, admirador e astro, indiferente e apaixonado, patrão e empregado, ou dentro de uma in-finidade de possibilidades, desde que todas elas incluam uma referência comum ao sentido compartilhado. Uma rela-ção social pode ser também efêmera ou durável, isto é, pode ser interrompida, ser ou não persistente e mesmo mudar radicalmente de sentido durante o seu curso, passando por exemplo, de amistosa a hostil, de desinteressada a solidária etc. Weber chama o Estado, a Igreja ou o casamento de pretensas estruturas sociais que só existem de fato enquanto houver a probabilidade de que se deem as relações sociais dotadas de conteúdos significativos que as constituem. Ou seja, de que pessoas nessa sociedade achem que devam se casar, pagar impostos e votar ou assistir às cerimônias reli-giosas. Assim, do ponto de vista sociológico, um matrimônio, uma corporação ou mesmo um Estado, deixam de existir “desde que desapareça a probabilidade de que aí se envolvam determinadas espécies de atividades sociais orientadas significativamente”.

Quintaneiro, Barbosa e Oliveira procuram demonstrar a presença de um conteúdo de sentido mais amplo, um conteúdo de sentido comum, partilhado entre os atores sociais. Essa situação em que está presente esse sentido ampliado pode ser entendida como relação social.

Tipos de ação socialEm Weber, a concretude das normas e regras sociais se realiza somente quando essas normas e

regras estão presentes e se manifestam em cada indivíduo sob a forma de motivação, que por sua vez é dada pelo sentido, pelo significado que os atores sociais atribuem. Cada indivíduo em sociedade age levando em consideração um motivo, que pode se orientar pela tradição, pelo afeto e pela racionalida-de. A partir desse ponto, Weber demonstra os tipos de ação social realizados na vida em sociedade, pois o objetivo que está presente na ação social nos permite desvendar seu próprio sentido na medida em que cada indivíduo, no seu agir, leva em conta a resposta ou a reação de outros indivíduos.

Weber estabelece alguns tipos de ação social, conforme a seguir.

Ação social tradicional:::: : aquela que é determinada por um costume, por um hábito, na qual o ator social obedece a reflexos enraizados de longa prática. Segundo Aron (1995) é aquela que é ditada pelos hábitos, os costumes e as crenças, e transformada em uma segunda natureza. Neste tipo de ação social, o ator social opera em conformidade com a tradição e não precisa ter um objetivo ou um valor, nem ser movido por uma emoção: ele (ator social) simplesmente obedece a reflexos enraizados de longa prática. Nesse sentido, este tipo de ação social é repro-dutivo, ou seja, simplesmente reproduzimos hábitos e padrões sociais consagrados pela tradi-ção e pelos costumes por nós vivenciados.

Ação social afetiva:::: : segundo Weber, é essencialmente emotiva, aquela determinada por afe-tos ou estados sentimentais. Segundo Aron (1995), é a ação motivada imediatamente pelo es-tado de consciência ou de humor do sujeito. Pode ser uma ação reativa de caráter emocional do ator social em dada circunstância, em dado instante de sua vida, não sendo determinada por um objetivo ou por um sistema de valores. Neste tipo de ação social, os atores sociais po-dem não medir as consequências de seus atos. É uma ação reativa.

Ação social racional com relação a valores:::: : segundo Aron (1995), é a ação determinada pela crença consciente em um dado valor considerado significativo de forma independente do êxi-to deste valor na realidade. Segundo Weber (1987), é a ação social determinada pela crença

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36 Os teóricos clássicos da Sociologia III

consciente nos valores éticos e estéticos, religiosos ou de qualquer outra natureza que se pos-sa interpretar. O ator social age para ser fiel à sua ideia. Quando levamos em conta os valores e os princípios para agir, realizamos no processo de interação com os outros atores sociais uma ação social racional com relação a valores e, nesse caso, estamos medindo as consequências de nossos atos. Resumindo, é a ação determinada pela necessidade, por parte do ator social, de permanecer fiel à sua ideia.

Ação social racional com relação a fins:::: : é a ação determinada pelos objetivos estabelecidos pelo ator social e pelos meios de que ele dispõe para atingi-los. De outra forma, é determina-da, segundo Aron (1995), pelo cálculo racional que estabelece os fins e organiza os meios ne-cessários para atingir determinado objetivo, com o ator social concebendo claramente seu objetivo e combinando os meios disponíveis para atingi-lo. Segundo Weber (1987), é deter-minada pela expectativa no comportamento, tanto em relação a objetos do mundo exterior como em relação a outros indivíduos e grupos, e utilizando essas experiências enquanto con-dições ou meios para atingir fins próprios, racionalmente avaliados e perseguidos. Também neste tipo de ação social o ator social considera as consequências de seus atos.

Qual dos tipos de ação social mais realizamos em nossa vida cotidiana? É uma pergunta pertinen-te, pois em nosso cotidiano, no exercício de nossos papéis sociais, podem estar presentes ora um, ora outro tipo de ação social. Portanto, a resposta a essa pergunta pode ser a de que depende do papel so-cial que estou desempenhando em dado momento de minha realidade vivenciada. É a partir da pró-pria multiplicação das ações sociais que temos constituído o que Weber vai denominar como relações sociais (SANTOS, 2005).

O método sociológico em WeberPara Weber, em face da sociedade o pesquisador possui um papel ativo. As construções teóricas

que ele realiza dependem de escolhas de caráter pessoal, feitas com base nos aspectos que ele quer ex-plicar. Se para Durkheim há a necessidade da absoluta neutralidade do cientista, em Weber essa neu-tralidade não é possível em relação à sociedade. Weber propõe o “método compreensivo”, que significa, segundo Aron (1995), a utilização de um esforço interpretativo do passado e sua repercussão nas ca-racterísticas específicas das sociedades contemporâneas. Podemos exemplificar da seguinte maneira: se quiser compreender algum aspecto da realidade brasileira de hoje, o pesquisador precisa resgatar elementos de nossas realidades anteriores. Segundo Aron (1995), essa “atitude de compreensão” per-mite ao cientista atribuir aos fatos esparsos um sentido social e histórico, ou seja, esta forma de proce-der cientificamente nos permite verificar as conexões presentes na realidade social vivenciada. De certa forma, vamos sempre buscar os nexos causais, a lógica que deu origem a determinada característica de uma dada sociedade que estejamos a investigar. Pois para Weber os fatos sociais não são coisas, mas sim acontecimentos que o cientista percebe e cujas causas objetiva desvendar.

Em Weber, a noção de tipo ideal se relaciona com o fato de que a realidade é infinita e nossa capa-cidade de compreensão humana é finita. Não faz parte da capacidade humana conseguir abranger to-dos os aspectos da realidade que vive, somos seres limitados no que diz respeito à compreensão total da realidade vivenciada, podendo somente abstrair determinados aspectos.

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Afirma Santos (2005, p. 126):

[...] o procedimento a ser adotado consiste em elaborar no nível do intelecto a frequência observável evidente de de-terminados fenômenos sociais. Essa evidência constitui-se a partir de parâmetros culturais, históricos, científicos etc. A seleção de determinados aspectos em detrimento de outros, para a construção do tipo ideal, é, na ótica weberiana, orientada também segundo os valores do próprio investigador. Assim, de um lado, busca-se, no nível da racionalidade, estruturar uma construção lógica que não se verifica com tanta facilidade na realidade. O objetivo desse duplo procedi-mento é dar caráter racional (objetivo) e científico à construção do tipo ideal para que ele possa postular e fundamen-tar-se como um instrumento válido de aferição aproximativa da realidade.

Segundo Aron (1995), a construção de vários tipos ideais – aquele aspecto que “retiro” da realida-de para analisar e verificar suas conexões – podem ser considerados mais do que um instrumento limi-tado e provisório de investigação. A expressão ideal sublinha o fato de que os tipos sociológicos existem unicamente no plano das ideias, a realidade não fala de si mesma. Verificamos uma realidade em que se encontra presente a desigualdade social (por exemplo, uma favela) e durante uma visita ela não vai nos falar da desigualdade social. Desigualdade é o conceito com o qual vamos analisar a realidade da favela visitada. Podemos conceber esse conceito enquanto tipo ideal (criado racionalmente), pois é uma cate-goria para o entendimento da realidade.

A dominaçãoA dominação, ou seja, a produção de legitimidade, segundo Quintaneiro, Barbosa e Oliveira

(2003), é a chave do “verdadeiro problema sociológico”, fator de coesão social. Para Weber, o fator legi-timador da dominação é a crença, isto é, a necessidade de acreditar que determinada pessoa ou insti-tuição tem o poder, o atributo ou qualidade de governar. Por isso, submetemo-nos a determinado líder ou chefe de Estado ou governo acreditando que ele possui capacidades, qualidades, com o que legiti-mamos, tornamos legal o domínio que ele pode exercer sobre nós. Como exemplo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No processo eleitoral, reconhecemos que ele seria a pessoa mais capaz de dirigir o país, reconhecemos nele a qualidade de nos administrar. Sendo assim, o presidente pôde sancionar leis que devemos cumprir. Foi nossa crença em sua capacidade que legitimou seu poder. Ele pôde exercer sua autoridade enquanto chefe de Estado e chefe de governo, porque legitimamos seu poder por meio da crença em sua capacidade.

No contexto das sociedades modernas, Weber estabelece três tipos de dominação legítima, con-forme a seguir.

Dominação racional legal:::: : aquela em que, segundo Quintaneiro, Barbosa e Oliveira (2003), a legitimidade fica estabelecida por meio da própria legalidade das normas instituídas e dos de-nominados direitos de mando dos que exercem a autoridade. Pode ser entendida como domi-nação racional.

Dominação tradicional:::: : tem sua fundamentação na tradição, nos costumes. Com base “em condutas cujos sentidos não são racionais”, mas essencialmente nas tradições presentes nos diversos contextos sociais e históricos.

Dominação carismática:::: : entendemos como carismático o indivíduo dotado de “luz própria”. Carisma é o elemento que faz com que o indivíduo consiga agregar pessoas.

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38 Os teóricos clássicos da Sociologia III

As formas de dominação tradicionais ou racionais podem ser rompidas pelo surgimento do carisma que institui um tipo de dominação que se baseia na “entrega” extracotidiana à santidade, heroísmo ou exemplaridade de uma pessoa às regras por ela criadas ou reveladas. (QUINTANEIRO; BARBOSA; OLIVEIRA, 2003, p. 131)

Na sociedade, existem muitos exemplos de dominação de caráter carismático. Citamos novamen-te o ex-presidente Lula: ele conseguiu realizar dois tipos de dominação – a racional legal e a carismática, pois o carisma é um fascínio pessoal que acaba por influenciar as outras pessoas.

Por meio do conhecimento dessas formas de dominação, podemos compreender o que em mui-tos momentos se passa na realidade social e política.

Dicas de estudoQUINTANEIRO, Tânia; BARBOSA, Maria Ligia de Oliveira; OLIVEIRA, Márcia Gardênia Monteiro de. Um Toque de Clássicos: Marx, Durkheim e Weber. Belo Horizonte: UFMG, 2003.

TESKE, Ottmar (Coord.). Sociologia: textos e contextos. Canoas: Ulbra, 2005.

Atividade1. Faça uma análise dos tipos de ação social que existem em sua realidade cotidiana. Lembre-se que

as ações encontram-se inter-relacionadas ao exercício dos papéis sociais. Distinguir os tipos de ações sociais do dia a dia, aplicando teoria e prática, é um bom exercício.

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Os teóricos clássicos da Sociologia III 39

ReferênciasARON, Raymond. As Etapas do Pensamento Sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

ELIAS, Norbert. A Sociedade dos Indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.

QUINTANEIRO, Tânia; BARBOSA, Maria Ligia de Oliveira; OLIVEIRA, Márcia Gardênia Monteiro de. Um Toque de Clássicos: Marx, Durkhein e Weber. Belo Horizonte: UFMG, 2003.

SANTOS, Everton Rodrigo. Sociologia: textos e contextos. Canoas: Ulbra, 2005.

TESKE, Ottmar. Sociologia: textos e contextos. Canoas: Ulbra, 2004.

TURNER, Jonathan H. Sociologia: conceitos e aplicações. São Paulo: Makron Books. 1999.

WEBER, Max. Economía y Sociedad. México: Fondo de Cultura Económica, 1987.

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40 Os teóricos clássicos da Sociologia III

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O funcionalismo de Talcott Parsons

O norte-americano Talcott Parsons (1902-1979) teve papel marcante para a teoria sociológica, es-pecialmente nas décadas de 1950-1960. A preocupação fundamental que perpassa suas obras é a in-tegração social. Sua concepção sociológica está ligada à investigação da forma pela qual a ordem e a coesão social são mantidas no contexto das sociedades. Em Parsons, verificamos a filiação ao funciona-lismo, tendência que já está presente nos pressupostos teóricos de Spencer: “o que o fenômeno cultural ou social faz para a manutenção e integração da sociedade?” (TURNER, 1999). Ocorre que em Parsons há, efetivamente, a busca da adequada resposta a essa questão, objetivando, no resgate que faz da te-oria da ação, integrá-la com a teoria dos sistemas.

Ação social e sistema social se encontram articulados na teoria parsoniana. Favero, assinala que:

Trata-se de uma elaboração extremamente complexa, através da qual o autor articula dois campos teóricos, o da ação social ao do sistema social, de modo que o sistema social emerge como um todo, universal, integrado, que opera sobre o indivíduo e determina as suas próprias ações, constituindo-se, portanto, como verdadeiro sujeito social. Esse sistema é por um lado uma estrutura integrada e, por outro, um sistema em evolução, de modo que as próprias formas de inte-gração mudam no processo. (FAVERO, 2006, p. 2)

Favero salienta que estamos diante do sociólogo da integração, que essa relação integrada entre ação social e sistema social é uma relação de interpenetração (DEMO, 1985), daí a complexidade de nos-so autor. Parsons trabalha com a teoria da ação, marcadamente de Max Weber, e a teoria dos sistemas, tão cara ao funcionalismo, na qual a sociedade é vista como um sistema, ou seja, como um todo com-posto de partes inter-relacionadas e ao mesmo tempo dependentes – de forma que, se uma das partes encontra-se em processo de disfunção, a totalidade do sistema pode ser atingida.

A riqueza do pensamento parsoniano encontra-se no fato de que temos quatro dimensões tota-lizantes da realidade:

sistema social; ::::

:::: sistema cultural (sistema de valores);

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42 O funcionalismo de Talcott Parsons

:::: organismo humano; e

personalidade individual.::::

Essas dimensões se encontram em interação (DEMO, 1985).

Para Parsons, toda ação humana é interação, ou seja, é a relação entre o ator social e o ambiente que o cerca, constituindo-se na resposta a um determinado estímulo exterior. A ação social é sempre orienta-da e motivada pelos significados, pelos sentidos que o ator social descobre em sua interação com o am-biente, elaborando, inserindo signos e símbolos (LALLEMENT, 2004). Ele elabora um novo caminho entre o individualismo e o estruturalismo, indicando alguma coisa real e concreta que, embora não possa ser ob-servada diretamente, afeta profundamente a vida, a ordem social, no sentido de limitar e até mesmo res-tringir o que as pessoas pensam, sentem e fazem (JOHNSON, 1997). Segundo Demo, Parsons é herdeiro da ideia de equilíbrio de Vilfredo Pareto, da ideia de anomia ou comportamento desviante de Durkheim, da ideia de ação social de Weber, ou melhor, do caráter voluntarista presente na vida social. Da escola so-ciológica inglesa, Parsons herdou a analogia com o organismo e, de Freud os questionamentos acerca do processo de socialização. Quanto a esse aspecto, afirma Pedro Demo (1985, p. 1) que

[...] o conceito de socialização abrange processos individuais psicológicos da aprendizagem e apropriação de orienta-ção valorativa de modos de comportamento e de conhecimentos funcionais específicos, que são de importância fun-cional para um sistema: através da interiorização-internalização são assimiladas e fixadas as orientações valorativas relevantes na estrutura dos sistemas pessoais. Segundo Parsons, estas orientações valorativas precisam ser tais que se-jam, em grau considerável, função da estrutura fundamental dos papéis e dos valores dominantes do sistema social. Por meio do processo de socialização são produzidas e sempre de novo reproduzidas as estruturas de um caráter so-cial adaptado às exigências do sistema social vigente. Assim sendo, talvez seja correto acentuar que nenhum conceito é tão próprio para indicar o funcionalismo como o da socialização. No fundo, indica com precisão a educação que os agentes sociais exercem sobe os novos agentes para que assumam os mesmos padrões sociais de ação – é a própria fonte da funcionalidade. A ação socializada é específica dos papéis inteiramente adaptados aos padrões vigentes, que cunham os mecanismos socializadores.

Segundo as palavras de Pedro Demo, o processo de interdependência que liga ação social e sis-tema social (sendo de fundamental importância o processo de socialização pelo qual os indivíduos e grupos internalizam a sociedade – representada pelo seu conjunto de normas e regras que são também diretrizes ao comportamento social adequado) permite a denominada coesão social. Nesse sentido, o processo de socialização e a estrutura básica comum encontram-se em relação.

Segundo Favero (2006), Parsons concebe a sociedade como uma totalidade, ou o que denomina sistema humano de ação, enquanto integração de indivíduos e coletividades por meio de seus atos, de-terminados por um sistema imperativo de valores ou normas. A ação social é determinada, conforme Weber, pelo sentido que os atores sociais lhe atribuem, sendo este sentido o próprio definidor da ação social. Já Parsons concebe a ação social enquanto “constituída pelas estruturas e processos, através dos quais os seres humanos emitem intenções significativas e com maior ou menor sucesso as encarnam em situações concretas que se traduzem em instituições sociais” (PARSONS, 1968, p. 718). Nesse aspec-to, temos a relação do ator com o ambiente. É a partir dessa relação (interação) que o ator vai elaborar os sentidos e significados, que por sua vez vão fazer parte da estrutura – ou seja, instituições sociais que serão internalizadas pelos atores. Assim, a sociedade se mantém coesa, estabelecendo a relação de in-terdependência que liga o ator (agente) e a sociedade.

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Elementos da ação em ParsonsComo vimos anteriormente, em Parsons a teoria da ação e a teoria dos sistemas se encontram in-

ter-relacionadas, quase que estabelecendo uma interdependência. Segundo Quintaneiro (2002), a ação é o elemento fundamental da teoria da ação, o que implica a presença de um agente – representado por indivíduos ou grupos no sentido de uma coletividade – que possui orientações a partir de sua vivên-cia de determinadas situações. Em sua ação, o agente visa alcançar determinado fim, elaborando meios para atingir seus objetivos. Pode-se, então, verificar que a ação tende a provocar mudanças em dada si-tuação. Na ação, também estão presentes os elementos da situação, os quais o agente pode avaliar, mas muitas vezes ele não possui um controle sobre esses objetivos, que então funcionam como empecilho para os objetivos do agente. O empecilho envolve as condições presentes no contexto social, que estão além das intenções e forças motivacionais.

Outros elementos da ação, segundo Parsons, são as orientações do agente. Essas orientações são de caráter motivacional ou de caráter valorativo, servindo para guiar o agente na realização de seus objetivos, elegendo os meios que lhe são desejáveis, sejam eles de caráter individual ou coletivo. Em Parsons encontra-se presente um espaço de mobilidade do agente na escolha dos meios e fins que di-rigem seu agir, porque esse agente, enquanto indivíduo, acaba por emitir orientações e sentidos signi-ficativos nas situações concretas.

Veja o esquema dos elementos constitutivos da ação em Parsons:

Ação

Situação – conjunto de objetos

As condições

As orientações do agente

Quem é o agente?Segundo Quintaneiro (2002), em sua análise da concepção de Parsons, o agente pode ser um

indivíduo ou uma coletividade. Na teoria parsoniana da ação, a ação é o elemento fundamental da análise. É o agente que vai escolher os fins e os meios para orientar o seu agir. Nesse sentido, a ação reali-zada pelo agente não se constitui apenas no resultado determinado pelas condições concretas da re-alidade por ele vivenciada: ela também comporta opções (seleções). Afirma Quintaneiro (2002, p. 55):

O interesse da teoria não é o indivíduo enquanto organismo, seus processos fisiológicos, sua estrutura interna, nem como ele sobrevive, mas em que ele se baseia por optar por uma determinada conduta em seus interesses e valores. O agente individual é tratado pela teoria da ação como um eu (self) capaz de fazer escolhas.

Em Parsons, encontramos o agente não somente determinado pelas circunstâncias sociais, mas também como o ser que dentro dessas circunstâncias tem a mobilidade de realizar opções. Cabe sa-lientar que a motivação encontra-se em estreita relação com o agente individual. Novamente, afirma Quintaneiro (2002, p. 55):

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44 O funcionalismo de Talcott Parsons

O conceito de motivação aplica-se somente a agentes individuais. Quando estes atuam na qualidade de membros de uma coletividade, esta precisa motivá-los a agir a fim de atingirem objetivos comuns. Se deixasse guiar apenas por suas pró-prias motivações o agente orientar-se-ia no sentido de procurar a satisfação de suas necessidades e evitar as privações. Mas sua ação poderá ser incentivada ou contida pelos estímulos ou sanções (penalidades) que a coletividade coloca (por meio da motivação e do controle social) e regulada por valores culturais das coletividades (orientação normativa).

Quintaneiro salienta então o aspecto de que as motivações do agente individual encontram-se também em relação com o que podemos denominar ambiente social, pois em Parsons há um proces-so interativo envolvendo o agente e seu ambiente. Também devemos considerar como agente uma co-letividade. O agente individual, com suas motivações, é também membro de muitas coletividades nas quais representa vários papéis sociais. Segundo Quintaneiro, em sua leitura de Parsons,

A coletividade incita seus membros à conduta desejável para a obtenção de certos objetivos, isto é, em conformi-dade com os fins por ela prescritos e com os valores constantes de seu sistema cultural. Portanto, ela fornece tan-to os fins quanto meios. Uma coletividade pode ter por objeto de sua ação uma outra coletividade ou um indivíduo. (QUINTANEIRO, 2002, p. 56)

O agente individual, em sua motivação, traça os fins e os meios no que concerne a atingir seus ob-jetivos. Na coletividade, esses fins e meios são traçados por ela, tendo como referência seu sistema cul-tural. Como membros de uma coletividade, seguimos as “determinações-motivações” desta. Em Parsons (1966), as motivações do agente individual encontram-se organizadas no nível da personalidade indi-vidual e, no que se refere à coletividade, encontram-se organizadas no nível da personalidade social, o que envolve os sistemas culturais. Para Parsons (1966, p. 35), “todo ator individual está submetido às exi-gências da interação em um dado sistema social”. Em resumo, o agente individual realiza suas escolhas com relação aos seus fins e meios, mas essas mesmas escolhas “obedecem” às regras e normas interpos-tas pela coletividade.

Como se inicia a ação: a situaçãoToda ação encontra seu alicerce em uma determinada situação que o agente considera e objetiva

modificar. A situação envolve objetos de orientação. Parsons (1966, p. 24) considera que:

[...] a situação, por definição, consiste em objetos de orientação, assim a orientação de um ator dado se diversifica frente aos diferentes objetos ou classe deles de que compõem sua situação. Resulta conveniente, dentro dos termos da ação classificar o mundo de objetos em três classes: sociais, físicos e culturais. Um objeto social é um ator, que por sua vez pode ser qualquer outro ator individual dado (alter), o ator que se toma a si mesmo como ponto de referência (ego) ou uma coletividade, que se considera como uma unidade aos fins da análise da orientação. Os objetos físicos são entidades empíricas que nem interatuam com o ego e nem respondem ao ego; são meios e condições da orientação do ego. Os objetos culturais são elementos simbólicos da tradição cultural: ideias ou crenças, símbolos expressivos ou pautas de valor, na medida em que sejam considerados pelo ego como objetos da situação e não se encontram internalizados como elementos constitutivos da estrutura da personalidade do ego.

Parsons deixa claro que na situação em que nos encontramos estão presentes os objetos sociais e não sociais. Os objetos sociais têm caráter interativo, ou seja, envolvem sistemas de personalidade e sis-

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temas sociais – as coletividades. A base dos sistemas sociais se constitui pela interação. Parsons nos fala em alter e ego, as unidades mínimas da interação. Ego pode ser entendido como o agente individual ou coletivo. Alter, de forma simplificada, pode ser considerado como “o outro”. Essas duas unidades míni-mas encontram-se em interação, o que também significa que a ação do ego ocasionará respostas ou re-ações de alter. Mas estamos diante de objetos sociais e Parsons nos fala também de objetos não sociais, que seriam os objetos físicos e os objetos culturais, ou recursos culturais (QUINTANEIRO, 2002).

A principal característica dos objetos não sociais é o fato de não serem interativos em relação à conduta do agente. São externos, embora possam vir a fazer parte do sistema de personalidade do agente quando internalizados por estes, principalmente no caso de objetos culturais, que fazem parte da estrutura do sistema de interação, ou sistema social. Para Parsons (1966), de forma particular quando há interação, os signos e os símbolos adquirem significados comuns e acabam por servir de meios de comunicação entre os agentes, ou atores. Quando institucionalizados, os valores culturais pertencem à estrutura do sistema social, e pertencem à estrutura da personalidade quando internalizados pelo agente. Em um caso e no outro podem ser compartilhados (QUINTANEIRO, 2002).

Os sistemas físico e cultural, sendo o primeiro interno ao indivíduo e o último externo e anterior a ele, demonstram que para Parsons somente o sistema social e o sistema de personalidade, por serem interativos, podem ser considerados sistemas de ação.

A orientaçãoSegundo Quintaneiro (2002), as orientações devem ser compreendidas como referências para

o agente diante de possíveis escolhas a serem feitas, tendo como força motriz os prováveis cursos da ação. A teoria de Parsons não deixa aberto um caminho em que a vontade do indivíduo seja absoluta: o indivíduo realiza escolhas, mas em suas seleções já se encontram as combinações delimitadas pelos objetos em uma situação e pelos próprios fins. Nesse sentido, suas escolhas ocorrem em conformida-de com sua situação vivenciada.

O agente realiza suas “escolhas” em estreita relação com o que se apresenta no ambiente social por ele vivenciado. Para Parsons (1966, p. 27),

[...] a orientação face à situação se encontra estruturada com referência às pautas de desenvolvimento. O ator está “in-teressado” em certas possibilidades desse desenvolvimento. Lhe importa como estas se realizem, lhe importa que se realizem umas possibilidades em lugar de outras.

Escolas, igrejas, sindicatos etc., enquanto coletividades, dão motivação aos membros para que se-jam alcançados determinados objetivos. Para tanto, meios e fins podem ou não ser desejáveis e, nesse sentido, os agentes são contidos ou impulsionados em sua ação segundo os valores e normas de dada coletividade. Quintaneiro (2002) salienta que as coletividades usam de sanções (punições), que pos-suem caráter positivo e negativo, sendo que as positivas impulsionam o agente para a ação e as negati-vas constituem-se em um freio à ação.

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46 O funcionalismo de Talcott Parsons

O sistema de açãoParsons concebe o sistema de ação constituído por quatro subsistemas, cada um com a sua fun-

ção primária:

:::: o social contém em si a função de integração;

:::: o cultural possui a função de conservação dos denominados modelos culturais;

:::: a personalidade com a função de realizar os fins coletivos; e

:::: o organismo de comportamento, com a função primária de adaptação (FAVERO, 2006).

Afirma Favero que (2006, p. 5)

Entre estes subsistemas, o de integração é o mais importante do ponto de vista da Sociologia, de modo que os demais constituem o ambiente no qual ele se insere. No entanto, o subsistema cultural é o mais vasto (ele faz referência à uni-versalidade), enquanto que o subsistema social refere-se à institucionalização e, particularmente, a institucionalização normativa de parcelas do subsistema cultural ou do sistema de valores. A sociedade é também um sistema de perten-cimento (das personalidades e dos comportamentos) e da busca de uma crescente gama de possibilidades de institu-cionalização e adaptação.

Favero constrói um importante quadro que nos permite compreender os subsistemas e suas fun-ções primárias:

O sistema da ação social

Subsistemas Funções primárias

Social Integração

Cultural Conservação dos modelos culturais

Da personalidade Realização dos fins coletivos

Organismo de comportamento Adaptação

Segundo Favero, o subsistema social, que tem a função primária de integração, alicerça-se so-bre as interações dos indivíduos com base em suas ações. Assim, o sistema social não pode ser defini-do como fechado e autossuficiente, acabando por determinar o indivíduo ao lhe impor os significados, bem como valores e normas que lhe são externos. Esse subsistema é constituído por dois elementos: de um lado, a vontade individual e de outro, o fato de que essa mesma vontade individual encontra-se in-serida em um sistema de valores – o subsistema cultural.

Os indivíduos, como vimos anteriormente, internalizam ou interiorizam os sistemas de normas, com elas se identificando. Podemos dizer que o sistema de valores penetra na orientação dos indivídu-os, assim havendo uma interdependência ligando a ação dos indivíduos ao subsistema cultural.

Os sistemas culturais, como dissemos acima, são formados pela organização dos valores, ideias, hábitos, crenças, normas e símbolos. Esses elementos acabam por guiar a conduta e oferecer opções “segundo as quais os agentes empreendem sua seleção de fins e de meios”. Não podem ser conside-rados sistemas de ação, uma vez que não incorporam fins e ações, embora “funcionem” como fatores

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O funcionalismo de Talcott Parsons 47

motivacionais da ação, influindo tanto no sistema social quanto no de personalidade. E é o ato de com-partilhar sistemas simbólicos, normas e padrões de conduta que permite a constituição da estrutura so-cial (QUINTANEIRO, 2002).

Elementos básicos do sistema social

O sistema social, segundo Parsons

Subsistemas Componentes estruturais

Aspectos do processo de desenvolvimento Funções primárias

Social Normas Inclusão Integração

Cultural ValoresGeneralização

dos valores

Estruturação

dos modelos culturais

Político Coletividade Diferenciação Realização de fins coletivos

Econômico Papéis Melhoramento adaptativo Adaptação

:::: O subsistema social possui como componente estrutural o conjunto de normas presentes na sociedade. O processo de desenvolvimento é regido pela inclusão social na medida em que possui uma função primária – a função de integração.

:::: O subsistema cultural alicerça-se em valores que pertencem aos seus componentes estruturais. Considerando os aspectos do processo de desenvolvimento, encontramos a generalização dos valores, pois no que diz respeito às funções primárias temos a conservação dos modelos culturais (PARSONS apud FAVERO, 2006).

:::: Abordando o subsistema político (ou de personalidade), encontramos como seu componente estrutural a coletividade – o que, nos aspectos do processo de desenvolvimento, ocorre pela diferenciação, e suas funções primárias envolvem a realização de fins coletivos.

:::: No subsistema econômico (organismo de comportamento), enquanto componentes estrutu-rais, encontramos os papéis sociais e nos aspectos do processo de diferenciação – que é re-lativo ao subsistema econômico – encontramos o melhoramento adaptativo, pois a função primária deste subsistema é a adaptação, ou seja, adaptação ao ambiente em sua totalidade.

AGIL – Imperativos funcionais do sistema de ação

A (adaptation) – nadaptação às condições do ambiente

G (goal attainment, “cumprimeto de metas”) – a realização dos fins

I (integration) – a integração interna

L (latency, “latência”) – manutenção de modelos ou padrões que controlam o sistema

(FAV

ERO

, 200

6)

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Os elementos citados acima constituem-se nos quatro imperativos funcionais necessários a todo o sistema.

A – Adaptação às condições do ambiente: deve-se compreender que todo sistema envolve situa-ções de caráter externo, os agentes devem adaptar-se às suas circunstâncias e adaptar essas circunstâncias sociais e naturais às suas necessidades.

G – A realização dos fins sempre envolve a capacidade do agente, seja ele um indivíduo ou uma coletividade para alcançar metas. Um dado sistema deve definir e alcançar suas metas.

I – Integração, o sistema deve regular a inter-relação de seus componentes e da mesma forma deve controlar a relação existente entre A-G-I, ou seja, os outros imperativos funcionais.

L – Latência, que significa o não manifesto, o que está subentendido. Neste imperativo funcional da ação, o sistema deve manter, proporcionar e renovar a motivação dos indivíduos e as or-dens culturais que o integram.

Vimos anteriormente que o sistema social de Parsons se subdivide em quatro subsistemas (vide quadro da página 48):

o sistema social, que envolve a integração;::::

:::: o sistema cultural, que envolve a latência;

:::: o sistema de personalidade, ou seja, a capacidade dos agentes para alcançar metas;

:::: o organismo de comportamento que envolve a adaptação.

Em Parsons, o sistema social é um sistema de interação. Portanto, o sistema social envolve os qua-tro imperativos do sistema de ação e os subsistemas sociais.

Para muitos autores, Parsons já poderia, pela complexidade de sua obra, ser um dos clássicos da Sociologia. Consideramos necessária sua retomada pela importância de sua obra e pelo que deixa para a Sociologia no sentido de compreensão da realidade que permite, à medida que o autor dialoga com outras áreas do conhecimento. Assim, a Sociologia deve dialogar e interagir com as outras ciências para que possa demonstrar sua grandeza e sua significação quando a realidade social por nós vivenciada ne-cessita ser explicada, e mais que isso, necessita ser compreendida. A Sociologia por si só não se mantém enquanto ciência explicativa do mundo social: o diálogo com outras áreas do conhecimento lhe é es-sencial. Parsons realizou essa tarefa e construiu uma forma específica de explicação dos fenômenos so-ciais, notadamente em relação às sociedades modernas. É um autor complexo.

Nesta abordagem, buscamos fazer uma retomada dos principais elementos de sua teoria. Espera-se que ela atinja o objetivo: proporcionar um contato com esse pensador, muito criticado por ser consi-derado conservador, porém ele é fundamental para a compreensão da realidade social contemporânea. Por isso, na contemporaneidade, ele está sendo resgatado nas abordagens sociológicas de vários ou-tros autores.

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O funcionalismo de Talcott Parsons 49

Dica de estudoQUINTANEIRO, Tânia; OLIVEIRA, Márcia Gardênia Monteiro de. Labirintos Simétricos: introdução à teo-ria sociológica de Talcott Parsons. Belo Horizonte: UFMG, 2002.

Boa leitura para se ter uma compreensão mais aprofundada de Parsons. É um livro excelente, com uma linguagem acessível.

Atividade1. Após a leitura do texto sobre as ideias de Parsons, formule algumas questões que deverão ser respon-

didas por você seguindo o mesmo texto. Procure respondê-las da forma mais completa possível.

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50 O funcionalismo de Talcott Parsons

ReferênciasDEMO, Pedro. Elementos do Funcionalismo de Parsons. Disponível em: <http://aprender.unb.br/mod/resource/view.php?id=21502>. Acesso em: 4 abr. 2007.

FAVERO, Celso Antonio. A Integração Social na Teoria Sociológica Parsoniana. Disponível em: <www.unioeste.br/ndp/revista>. Acesso em: 9 mar. 2007.

JOHNSON, Allan G. Dicionário de Sociologia: guia prático da linguagem sociológica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

LALLEMENT, Michel. História das Ideias Sociológicas: de Parsons aos contemporâneos. Petrópolis: Vozes, 2004.

PARSONS, Talcott. El Sistema Social. Madrid: Revista del Occidente, 1966.

QUINTANEIRO, Tânia; OLIVEIRA, Márcia Gardênia Monteiro de. Labirintos Simétricos: introdução à teo-ria sociológica de Talcott Parsons. Belo Horizonte: UFMG, 2002.

TURNER, Jonathan H. Sociologia: conceitos e aplicações. São Paulo: Makron Books. 1999.

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O culturalismo

Norbert Elias (1897-1990)

O autor e sua teoria: conceitos fundamentais e principais pressupostos teóricosNorbert Elias é um dos autores mais resgatados no campo das Ciências Sociais da contempora-

neidade, especialmente na Sociologia. Sua formação acadêmica deu-se em várias áreas: Medicina na Universidade de Breslau, Filosofia na Universidade de Friburg e Psicologia na Universidade de Heidberg. Em Frankfurt, estudou Sociologia. Esses aspectos da formação intelectual do autor já demonstram a ri-queza de sua abordagem sociológica. Em sua produção sociológica, Elias dedicou-se a temas e a proble-mas fundamentais para a compreensão do mundo ocidental. Segundo Silva (2006), o objeto de análise da Sociologia elisiana envolve a sociedade de corte, abordando o Antigo Regime, e o processo civilizador, de-monstrando quais são as forças motrizes que levaram o homem à civilização, de indivíduo incivilizado à civilizado, procurando demonstrar os aspectos dessa mudança. Envolve também as relações de poder e habitus, a vida e a obra de Mozart, fazendo uma análise sociológica e contextual do grande músico, as re-lações de interdependência entre o Eu e o Nós, a morte, o tempo, o lazer e os esportes.

Elias desenvolveu o que podemos denominar como uma Sociologia processual e nela elaborou uma perspectiva de longo prazo que se contrapõe à História. Para ele, a abordagem da História, em sua visão retrospectiva do passado, não permite a compreensão das devidas articulações entre estrutura de personalidade dos indivíduos e estruturas sociais (SILVA, 2006). Esse é um aspecto muito importante em Elias, que, na medida em que recusa polarizações entre estrutura de personalidade e estruturas sociais, concebe estas como que alicerçadas em uma relação de interdependência. Elias destaca por esse aspec-to: a recusa às polarizações entre indivíduo e sociedade, sociedade e natureza, sujeito e objeto, estru-tura social e psique (SILVA, 2006). Para entender a ausência de polarizações e a presença da relação de interdependência, vejamos o que afirma Elias (1994, p. 31):

Por mais certo que seja que toda pessoa é uma entidade completa em si mesma, um indivíduo que se controla e que não poderá ser controlado ou regulado por mais ninguém se ele próprio não o fizer, não menos certo é que toda a estrutura de seu autocontrole, consciente e inconsciente, constitui um produto reticular formado numa interação

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contínua de relacionamentos com outras pessoas, e que a forma individual do adulto é uma forma específica de cada sociedade [...] o indivíduo sempre existe em nível mais fundamental, na relação com os outros e essa relação tem uma estrutura particular que é específica de sua sociedade. Ele adquire sua marca individual a partir da história dessas relações, dessas dependências, e assim, num contexto mais amplo, da história de toda a rede humana em que cresce e vive. Essa história e essa rede humana estão presentes nele e são representadas por ele, quer ele esteja de fato em relação com outras pessoas ou sozinho, quer trabalhe ativamente numa grande cidade ou seja um náufrago numa ilha a mil milhas de sua sociedade.

A partir da relação de interdependência presente na concepção de Elias, posso dizer que meu ser individual também é constituído pelo “meu ser social”. O mundo que me cerca, sendo exterior a mim, é constituinte de minha personalidade e, da mesma forma, minha personalidade, em interação com ou-tras personalidades, constitui a sociedade – e por essa razão a sociedade é a sociedade dos indivíduos.

Elias propõe o conceito de configuração social, oposto ao conceito de sociedade, que para o autor é estático, enquanto o de configuração social é dinâmico, na medida em que o indivíduo não pode ser pensado em oposição à sociedade (SILVA, 2006).

A Sociologia processualSegundo Landini (2005), os princípios da Sociologia elaborada por Elias envolvem quatro pontos

básicos, conforme a seguir:

:::: a Sociologia diz respeito a pessoas, no plural (configuração);

:::: as configurações formadas pelas pessoas estão continuamente em fluxo;

:::: na sua maioria, os desenvolvimentos de longo prazo não são planejados e nem previsíveis;

:::: o desenvolvimento do saber ocorre dentro das configurações.

Landini (2005) faz um esclarecimento importante no que diz respeito ao conceito de configura-ção, que foi estabelecido por Elias e envolve as noções a seguir:

:::: os seres humanos são interdependentes, a relação entre indivíduo e sociedade se faz presen-te, pois interagindo os indivíduos criam as configurações sociais;

:::: as configurações sociais se encontram em contínuo fluxo;

:::: os processos que se encontram nas configurações sociais possuem dinâmicas que lhes são próprias. Nesse sentido, esclarece Landini (2005), nessas dinâmicas as razões individuais pos-suem um papel específico, mas não podemos reduzir as dinâmicas a essas razões, ou seja, a razão individual não pode estar reduzida a si mesma, pois para esta razão devem ser conside-rados os componentes sociais – por exemplo, a cultura, que, internalizada pelo indivíduo, le-va-o a determinada forma de comportamento e até mesmo de escolha. Resumindo as noções que envolvem o conceito de configuração estabelecido por Elias, podemos dizer que ele signi-fica “redes formadas por indivíduos interdependentes, com mudanças assimétricas na balança de poder”, fato este que acaba por salientar o caráter processual e dinâmico das redes de rela-ções criadas pelos indivíduos (LANDINI, 2005).

Já dissemos anteriormente que Elias não trabalha com polarizações: ele trabalha com o “nós”, ou seja, com as pessoas no plural. As estruturas sociais, os valores, os hábitos, as crenças, em Elias, não exis-

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O culturalismo 53

tem fora do indivíduo, são efetivos resultados das ações entre as pessoas. É no processo de interação dos indivíduos (“eu + tu”) que o “nós” se modifica e se altera, entendendo este “nós” como a própria so-ciedade. Pensar que a sociedade não é constituída e nem transformada pela interação dos indivíduos e grupos é, segundo Landini (2005), a redução processual que Elias, em suas concepções, não aceitava, pois a sociedade é a sociedade dos indivíduos. Essa redução processual, foco da crítica elisiana, estabe-lece dualidades entre sujeito e objeto, entre indivíduo e sociedade, e acaba por conceber o indivíduo atomizado, sem inter-relação com o seu contexto social. Para Elias, “cada pessoa só é capaz de dizer ‘eu’ se e porque pode, ao mesmo tempo, dizer ‘nós’. Até mesmo a ideia ‘eu sou’, e mais ainda a ideia ‘eu pen-so’, pressupõe a existência de outras pessoas e um convívio com elas – em suma, um grupo, uma socie-dade” (ELIAS, 1994, p. 57). Assim, nas palavras de Elias, temos claramente o indivíduo como um ser em relação, e esclarece Landini (2005, p. 6):

Tão importante quanto a crítica à separação conceitual entre indivíduo e sociedade é a crítica à redução processual, ou seja, à tendência de reduzir conceitualmente processos a estados. [...] A frase o rio está correndo ilustra a discussão, exemplificando a redução conceitual: estaria implícita a ideia de que o rio existe em estado de descanso e que, em um determinado momento, começa a se mexer. Mas o que seria um rio parado que não um lago ou uma represa?

A concepção sociológica de Elias pode ser considerada dinâmica, pois trabalha com o processo de interação em rede e com a dinâmica desse mesmo processo. A sociedade não é estática e não pode ser tratada dessa forma, pois o seu constituinte – a relação dos indivíduos entre si, trocando significa-dos, trocando sentidos em sua interação – também não é estática.

Norbert Elias trabalha sua Sociologia em uma perspectiva de longo prazo que permite a articulação entre os elementos de personalidade dos indivíduos e as estruturas sociais. A questão da História se en-contra novamente presente. Elias critica o fato de os historiadores trabalharem com a concepção de épo-ca, pois é justamente esse aspecto que, para nosso autor, retira todo o dinamismo da construção humana de seu mundo, na medida em que não é encarada de forma processual. Para Elias, a História é justamente um processo que reflete o fluxo da interação que une indivíduo e sociedade. Nesse sentido, Elias critica a visão retrospectiva que fazem os historiadores, apoiados no conceito de época (SILVA, 2006).

Nesse aspecto, pode-se perceber que a Sociologia de Elias é efetivamente uma Sociologia pro-cessual, ou seja, envolve ações continuadas que os indivíduos praticam em interação. Podemos verificar essa concepção processual nas palavras do próprio Elias (1995, p. 134), quando ele afirma que:

[...] O padrão social a que o indivíduo fora inicialmente obrigado a se conformar por restrição externa é finalmente re-produzido, mais suavemente ou menos, no seu íntimo através de um autocontrole que opera mesmo contra seus de-sejos conscientes. Desta forma, o processo sócio-histórico de séculos, no curso do qual o padrão do que é julgado vergonhoso e ofensivo é lentamente elevado, reencena-se em forma abreviada na vida do ser humano individual.

Assim, podemos dizer que as mudanças presentes nos costumes sociais são internalizadas pelos indivíduos, moldando seu comportamento. Essas mudanças são os elementos históricos aos quais se dedica Elias para verificar os determinantes do processo civilizador (nome de sua importante obra), pois demonstra como nós ocidentais nos tornamos civilizados, ou seja, como as coerções que nos são ex-ternas foram por nós internalizadas historicamente, convertendo-se em nossa segunda natureza, sem-pre fazendo a relação entre a dinâmica social e a estrutura da personalidade individual. Conforme Silva (2006, p. 2):

A civilização em Elias é resultado das interdependências entre estrutura social e estrutura da personalidade, ou a de-corrência do desenvolvimento de novas funções sociais interdependentes que, por sua vez, dão lugar a uma nova eco-nomia psíquica.

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54 O culturalismo

O conceito de habitusEm Norbert Elias, o conceito de habitus é o de uma “segunda natureza”, significando um constan-

te movimento entre o social e o individual. Para Elias, os controles sociais são internalizados pelos in-divíduos desde a infância, possibilitando um processo de autocontrole. O habitus indica os padrões de comportamento que são desenvolvidos, aceitos e exigidos socialmente para o convívio no interior das denominadas configurações sociais. Elias (1994, p. 171) afirma que:

[...] olhando mais de perto, constata-se que os traços da identidade grupal nacional – aquilo que chamamos “caráter nacional” – constituem uma camada do habitus social engastada muito profunda e firmemente na estrutura da personalidade do indivíduo. O habitus social, e portanto, a camada desse habitus que constitui o caráter nacional, certamente não é um enigma. Como formação social, ela é, à semelhança da língua, sólida e firme, mas também é flexível e está longe de ser imutável. A rigor está sempre em fluxo. Uma investigação mais minuciosa dos processos educacionais que desempenham papel decisivo na formação das imagens do eu e do nós dos jovens lançaria mais luz, e rapidamente, sobre a produção e reprodução das identidades eu e nós ao longo das gerações.

O conceito de habitus, enquanto uma segunda natureza, pode fazer a relação, sempre presente em Elias, entre o social e o individual. Desde sua infância, o indivíduo internaliza o sistema de controle social presente em sua sociedade, incorpora-o à sua personalidade e sua ação será reflexo dessa incor-poração. É neste sentido que em Elias a relação entre indivíduo e sociedade é de interdependência ou, de forma mais incisiva, de interpenetração. Podemos verificar a proximidade do pensamento elisiano com o pensamento weberiano na concepção da relação entre indivíduo e sociedade, sendo que Elias trabalha com elementos da Psicologia e traz para a sua Sociologia algumas das concepções de Freud.

Elias é um dos autores contemporâneos mais significativo da Sociologia, refletindo toda a sua for-mação e permitindo fazer uma análise psicossociológica em sua Sociologia processual. Em Elias, o indi-víduo só pode ser entendido em sua vida de relação com os outros: o indivíduo se perceberá enquanto indivíduo em função da sua vivência no social, pois é um ser de relação.

História e sociedadeA abordagem de História e sociedade feita por Elias se encontra principalmente em sua obra

O Processo Civilizador, em que analisa os diferentes momentos nos quais elementos culturais vão se mo-dificando a partir das transformações sociais. É considerada sua principal obra e, em muitos momen-tos, podemos observar seu traço característico: a combinação de História e sociedade. Em O Processo Civilizador vamos encontrar elementos significativos que nos permitem compreender o processo de in-teração e a relação de interdependência que une indivíduo e sociedade. Afirma Elias (1994, p. 110): “Um dinamismo social específico desencadeia outro de natureza psicológica, que manifesta suas próprias lealdades”. Elias vai aos poucos desenvolvendo sua linha de raciocínio, demonstrando que em dados contextos – histórico-sociais, as transformações alteram o próprio conceito de civilidade. Vejamos as pa-lavras do próprio Elias (1994, p. 114):

Ao fim do século XVIII, pouco antes da revolução, a classe alta francesa adotou mais ou menos o padrão à mesa, e certamente não só este que aos poucos seria considerado como natural por toda a sociedade civilizada. O Exemplo M, datado de 1786, é muito instrutivo neste particular: mostra como costume ainda indisputavelmente de corte o mesmo modo de usar o guardanapo que, em breve, se tornaria costumeiro em toda a sociedade burguesa civilizada. Indica que o garfo não era mais usado para se tomar a sopa, a necessidade do qual, para sermos exatos, só é compreendida se lembrarmos que a sopa frequentemente continha, e ainda contém na França, mais conteúdo sólido do que agora, em outros países. E, ainda o requisito de não cortar com faca, mas romper com as mãos o pão à mesa, um costume que

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depois foi democratizado. O mesmo se aplica à maneira como se bebe o café. Estes são apenas alguns exemplos de como se formou nosso ritual diário. Se esta série fosse continuada até o presente, outras mudanças de detalhe seriam notadas: novos imperativos são acrescentados, relaxam-se outros antigos, emerge uma riqueza de variações nacionais e sociais, e se constata a infiltração da classe média, na classe operária e no campesinato do ritual uniforme da civilização. A regulação dos impulsos que sua aquisição requer varia muito em força. Mas a base essencial do que é obrigatório e do que é proibido na sociedade civilizada – o padrão da técnica de comer, a maneira de usar a faca, garfo, colher, prato individual, guardanapo e outros utensílios – estes permanecem imutáveis em seus aspectos essenciais. Até mesmo o surgimento da tecnologia em todas as áreas – inclusive na cozinha – com a introdução de novas formas de energia, deixou virtualmente inalteradas as técnicas à mesa e outras formas de comportamento. Só com uma verificação muito minuciosa é que observamos os traços de uma tendência que continua a se desenvolver.

Na medida em que no século XVIII a burguesia ascende ao poder, seus hábitos mais cotidianos são aos poucos absorvidos pelos denominados segmentos populares. Desse modo, mudaram os pa-drões à mesa e mudou o próprio conceito de civilidade como dissemos acima.

Pierre Bourdieu (1930-2002)

O autor e sua teoria: conceitos fundamentais e pressupostos teóricosPierre Bourdieu é um dos autores contemporâneos mais destacados na Sociologia. Sua formação

envolve as áreas de Sociologia, Filosofia, Antropologia e Estatística. Suas principais contribuições encon-tram-se nas áreas da teoria sociológica geral e da relação existente entre educação e cultura, principal-mente no que diz respeito à distribuição de capital cultural e à manutenção da ordem social. Contribuiu, também, com estudos acerca da teoria do desenvolvimento e da relação entre indivíduo e sistema social. Inicialmente, ele concentrou seus estudos nas relações entre cultura, poder e desigualdades sociais, ob-jetivando unir teoria e prática. Segundo Wacquant (2002), Bourdieu passou da Antropologia à Sociologia para compreender a complexidade que observava na realidade social por ele vivenciada a partir do con-texto francês. Podemos dizer que o foco central da concepção sociológica de Bourdieu encontra-se no desvendamento da dialética das estruturas sociais e mentais presentes no processo de dominação.

Segundo Ortiz (1983), a problemática teórica presente nas concepções de Bourdieu envolve a mediação entre o agente social e a sociedade. Afirma Ortiz (1983, p. 8) que

Antiga polêmica entre subjetivismo e objetivismo emerge, portanto, como ponto central para a reflexão de Bourdieu: para resolvê-la, explicita-se um outro gênero de conhecimento, distinto dos anteriores, que pretende articular dialeti-camente o ator social e a estrutura social.

Em Bourdieu, a questão essencial é a equalização do problema da “interiorização da exteriorida-de” e da “exteriorização da interioridade”, que também é uma questão fundamental na Sociologia con-temporânea: a relação dialética entre exteriorização e interiorização.

E a Sociologia de Bourdieu lança, junto às relações de interação, a questão do poder, a questão da dominação. Afirma Ortiz (1983, p. 13-14):

A Sociologia de Bourdieu introduz, assim, junto às relações de interação, a questão do poder, frequentemente ne-gligenciada por escolas como o interacionismo simbólico. Partem daí suas considerações a respeito do “direito à pa-lavra”, ou seja, a respeito daqueles que possuem a disponibilidade de exercer um poder sobre outros para quem a palavra foi cassada. A assertiva “escutar é crer” pode ser interpretada da seguinte forma: aqueles que escutam com-

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põem os elementos complementares da comunicação, mas na medida em que a interação implica uma relação de poder, eles representam o polo dominado, pois não possuem o direito à palavra. Afirmar, portanto, que a interação se dá de forma socialmente estruturada implica negar a apreensão do mundo como intersubjetividade, como o fa-zem os interacionistas simbólicos. Bourdieu aceita, pois, a consideração de Marx, segundo a qual “os homens fazem sua própria história, mas não sabem que a realizam”, ou seja, que a sociedade nos é dada enquanto fenômeno social total ou como “totalidade sem totalizador”, como diria Sartre. Não é por acaso que o conhecimento praxiológico1 se coloca como teoria sociológica que pretende superar (e conservar) o objetivismo, o que elimina de imediato a ques-tão de sua possível filiação ao pensamento fenomenológico. Todo problema consiste, porém, em encontrar a media-ção entre agente social e sociedade, entre homem e história.

Podemos verificar, pelo que nos afirma Ortiz, que de certa forma Bourdieu vai trabalhar em suas concepções com o que pode ser denominado como lógica da prática, no sentido de que as ações de in-divíduos e grupos presentes na sociedade possuem uma lógica que lhes é intrínseca, determinada pela estrutura da sociedade e pelas relações de poder nela presentes. Assim, pode-se constatar que a obra de Bourdieu afirma-se como inovadora no campo das ciências sociais. Seus objetos de análise são vários – por exemplo, sociedades tribais, os sistemas de ensino, os processos de reprodução, a lógica da distin-ção, reprodução, poder simbólico, capital, campo, habitus etc.

O conceito de habitusEm Bourdieu, habitus é um dos conceitos mais significativos, envolvendo dar forma e orientar

a ação de indivíduos e grupos no contexto das sociedades, uma vez que é produto das relações so-ciais, mas o habitus tende a permitir a reprodução das relações objetivas que o causaram (ORTIZ, 1983). Afirma Bourdieu, citado por Ortiz (1983, p. 15), em sua definição de habitus:

Sistema de disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionarem como estruturas estruturantes, isto é, como princípio que gera e estrutura as práticas e as representações que podem ser objetivamente “regulamen-tadas” e “reguladas” sem que por isso sejam o produto de obediência de regras, objetivamente adaptadas a um fim, sem que se tenha necessidade da projeção consciente deste fim ou do domínio das operações para atingi-lo, mas sendo, ao mesmo tempo, coletivamente orquestradas sem serem o produto da ação organizadora de um maestro.

Pelo conceito de habitus de Bourdieu, os atores sociais interiorizam valores, normas e regras pre-sentes na sociedade como um todo, consequentemente havendo adequação das ações dos sujeitos às determinações, se assim podemos dizer, da sociedade em sua totalidade. Representa a relação de reci-procidade entre o mundo objetivo e o mundo subjetivo das individualidades. É, portanto, um sistema de esquemas individuais constituído por determinações ou disposições estruturadas no contexto so-cial e estruturantes nas mentes dos indivíduos, adquirido pelas experiências práticas, frequentemente orientado para funções e ações do cotidiano (SETTON, 2002). Apresenta-se, então, o habitus como so-cial e individual, referido a um grupo ou a uma classe, mas também é elemento individual. Nesse senti-do, há o processo de interiorização, que implica a internalização da objetividade do social, o que ocorre de forma subjetiva, mas que não pertence ao domínio da individualidade (ORTIZ, 1983).

Os indivíduos incorporarão determinado habitus, em função da estrutura do contexto social, das relações presentes no contexto social. É um conceito que faz a mediação entre internalização e exterio-rização e demarca a relação de interdependência que une indivíduo e sociedade.

1 Relativo à praxiologia. s.f. ciência ou teoria epistemológica que estuda ações humanas, o comportamento e suas leis, induzindo conclusões ocupacionais.

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O conceito de campoO conceito de campo é significativo na obra de Bourdieu. O campo seria especificamente o espa-

ço em que as posições dos agentes se encontram fixadas e pode ser definido enquanto o “espaço” em que se trava uma luta de concorrências entre os atores em torno de interesses específicos. Nesse sen-tido, todo o ator social agirá dentro de um campo determinado socialmente, ficando de certa forma equacionada a relação entre a ação subjetiva e a própria objetividade da sociedade. Para Bourdieu, po-demos perceber que há o objetivamente estruturado, pois o campo não se constitui enquanto resulta-do das ações individuais dos agentes sociais (ORTIZ, 1983).

A reproduçãoSegundo Ortiz (1983), para Bourdieu é significativa a dimensão social em que se constituem as re-

lações entre os homens e estas se constituem em relações de poder, que se reproduzem ou reproduzem o próprio sistema objetivo de dominação, que é interiorizado como subjetividade. Nesse sentido, a so-ciedade deve ser apreendida como estratificação de poder. Afirma Ortiz (1983, p. 27):

A reprodução da ordem não se confina simplesmente aos aparelhos coercitivos do Estado ou às ideologias oficiais, mas se inscreve em níveis mais profundos para atingir inclusive as representações sociais ou as escolhas estéticas. Ela é, neste sentido, dupla e se instaura objetiva e subjetivamente, pois toda ideologia compõe um conjunto de valores, mas também consiste numa forma de conhecimento. Porém, no momento em que a análise nos desvenda os mecanismos da reprodução da ordem, surge uma questão inquietante: como pensar a transformação?

Ortiz levanta uma questão importante quando analisa os principais pressupostos de Bourdieu. Se tivermos a interiorização da exteriorização – que se constitui na realidade objetiva determinada pelo con-texto social envolvente –, como podemos pensar a transformação social? Se reproduzirmos as relações de poder e força, presentes no contexto da sociedade por meio do habitus, como podemos pensar a questão da transformação social? O fundamental da obra de Bourdieu não está no pregar a transformação social, mas em demonstrar que mecanismos lhe criam obstáculos. Tais mecanismos não são os elementos claros da coerção, e sim coerção que se dá pela interiorização das relações de dominação presentes na socieda-de e reproduzidas pelos atores sociais. Nesse sentido, a obra de Bourdieu é significativa, pois desvenda os vários mecanismos de poder presentes no contexto das sociedades contemporâneas.

Texto complementar

Dominação simbólica(BOURDIEU, 1983, p. 107-108)

Esquece-se de que toda a lógica específica da dominação simbólica faz com que um forte reco-nhecimento da legitimidade cultural possa coexistir e coexista, muitas vezes, com uma contestação muito radical da legitimidade política. E também que a tomada da consciência política é frequente-

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mente solidária de um verdadeiro empreendimento de restauração da dignidade cultural que, vivida como libertadora (o que ela sempre é também), implica uma forma de submissão aos valores domi-nantes e aos princípios sobre os quais a classe dominante funda sua dominação, como o reconhe-cimento das hierarquias ligadas aos títulos escolares ou às capacidades que a escola supostamente garante. Sobre este ponto – que exige, somente ele, toda uma pesquisa a colocar em relação à posição da divisão do trabalho, a consciência política e a representação cultural – a pesquisa estabelece que o reconhecimento da cultura dominante, manifestado, por exemplo, através da vergonha da ignorância ou do esforço para conformar-se, é quase universal e que, se deixamos de lado a cultura histórica e po-lítica, não medida aqui, mas cujas variações têm todas as chances de obedecer aos mesmos princípios, as diferenças mais marcadas que se observavam no seio da classe trabalhadora concerne a todos os graus de conhecimento da cultura dominante e estão ligadas às diferenças de escolarização.

Tudo leva a pensar que a fração de classe mais consciente da classe operária permanece muito profundamente submissa, em matéria de cultura e de língua, às normas e aos valores dominantes. Logo, profundamente sensível aos efeitos de imposição de autoridade que pode exercer, inclusive na política, todo detentor de uma autoridade cultural sobre aqueles em que o sistema escolar – sen-do esta uma das funções sociais do Ensino Primário – inculcou um reconhecimento sem conheci-mento.

Dica de estudoBOURDIEU, Pierre. Contrafogos: táticas para enfrentar a invasão neoliberal. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

É um livro importante para compreendermos a realidade neoliberal contemporânea.

Atividade1. Faça um quadro comparativo sobre o conceito de habitus em Elias e em Bourdieu.

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O culturalismo 59

ReferênciasBOURDIEU, Pierre. Gostos de classe e estilos de vida. In: ORTIZ, Renato (Org.). Pierre Bourdieu: sociolo-gia. São Paulo: Ática, 1983, p. 82-121.

______. Contrafogos: táticas para enfrentar a invasão neoliberal. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.

______. A Sociedade dos Indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.

LANDINI, Tatiana Savoia. A Sociologia Processual de Norbert Elias. In: IX Simpósio Internacional Processo Civilizador – Tecnologia e Civilização, 2005, Ponta Grossa (PR).

ORTIZ, Renato (Org.). Pierre Bourdieu: sociologia. São Paulo: Ática, 1983.

SETTON, (M.G.). A teoria do habitus em Pierre Bourdieu: uma leitura contemporânea. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, maio-ago. 2002.

SILVA, Luiz Geraldo. Norbert Elias: configuração social e a sociologia processual do Eu e do Nós. Disponível em: <www.sescpr.com.br/eventos/pensadores/norbert_elias.doc>. Acesso em: 26 abr. 2007.

WACQUANT, Loiq J. O legado sociológico de Pierre Bourdieu: duas dimensões e uma nota pessoal. Revista de Sociologia Política, Curitiba, n. 19, nov. 2002, p. 95-110.

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Estrutura e fatos sociais

Pierre Bourdieu

Principais pressupostos teóricos que abrangem a estrutura e os fatos sociaisVamos conhecer um aspecto significativo no campo da Sociologia, a questão da estrutura e dos

fatos sociais, com base nas ideias de Pierre Bourdieu, um autor relevante. Ele realiza análises que foram denominadas de estruturais e delas herda a percepção da significação dos sistemas de relação, entre in-divíduos, grupos e classes sociais, para que os fenômenos sociais possam ser compreendidos em sua essência (LALLEMENT, 2004).

Embora Bourdieu herde elementos da denominada análise estrutural, ele assinala o fato de ela não levar em conta o sentido, o significado que os atores sociais – ou agentes sociais – atribuem a seus atos, sentido esse que é força motriz da direção de suas práticas. Em sua crítica, Bourdieu recobra ele-mentos da concepção weberiana da relação entre indivíduo e sociedade e a significação do sentido en-quanto definidor da ação de indivíduos e grupos. Segundo Lallement (2004), em relação à noção de regra, Bourdieu acresce a noção de estratégia. Essa adição é significativa se considerarmos os agentes sociais como sendo capazes de enfrentar as situações imprevistas no seu cotidiano. Nos diversos aspec-tos do que podemos denominar mundo da vida social, os agentes sabem e buscam equilibrar os meios e os fins para conseguirem bens escassos, bens que são definidos por Bourdieu como capitais e legiti-midade.

Para Bourdieu, a sociedade pode ser definida como um espaço pluridimensional em que se en-contram posicionados os grupos sociais.

O valor discriminante dessas posições relativas aparece no jogo diferenciado das práticas: nem todos os gostos musi-cais, por exemplo, têm o mesmo valor social, e o fato de ouvir esta ou aquela música contribui para classificar os indiví-duos no espaço social. (LALLEMENT, 2004, p. 182)

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De certa maneira, no processo de interação e na relação de interdependência que une indivíduo e sociedade, reproduzem-se elementos presentes em nossa classe social, pois os gostos musicais tam-bém são determinados socialmente (LALLEMENT, 2004).

Em Bourdieu, a sociedade é um mecanismo produtor de dominação, já para Lallement (nosso au-tor de referência) esse mecanismo pode ser compreendido como violência simbólica, “cujo funcionamen-to é amplamente coberto pelo véu da ignorância coletiva” (LALLEMENT, 2004, p. 182). Essa ignorância coletiva por parte daqueles que sofrem a pressão do processo de dominação estabelecido na estrutura social é determinada pela interiorização dos valores daqueles que são dominantes na estrutura de po-der presente na sociedade. É a interiorização da realidade objetiva, da realidade de dominação presente principalmente no contexto das sociedades de classes desiguais. Dessa maneira, o ofício de sociólogo é justamente o trabalho de evidenciar as estruturas de dominação desconhecidas por aqueles indivíduos e grupos que a sofrem. A Sociologia de Bourdieu é toda a explicação e a busca de compreender os grupos postos à margem da sociedade, ou seja, compreender os grupos que sofrem a dominação que lhes im-põe bens simbólicos. Bourdieu não nega a concepção estruturalista de homem e de mundo, mas, como vimos, ele a aprimora, uma vez que uma mesma visão de homem e de mundo vai de alguma forma estru-turar diferentes esferas sociais, ou seja, diferentes campos de reflexão e de ação (LALLEMENT, 2004).

O conceito de habitus é, em Bourdieu, um dos mais significativos, envolvendo dar forma e orientar a ação de indivíduos e grupos no contexto das sociedades, uma vez que é produto das relações sociais, mas tende a permitir a reprodução das relações objetivas que o causaram (ORTIZ, 1983). Pensando-o sempre com relação à estrutura, ele pode ser compreendido como um princípio que vai “estruturar” a concepção de homem e de mundo e o modo de agir dos agentes sociais. Segundo Lallement (2004), é uma forma incorpórea da ação das estruturas sobre os agentes sociais e, de forma particular, da classe social a que o indivíduo pertence. Assim, quanto mais os indivíduos estão contidos em grupos sociais semelhantes, mais seus hábitos se tornam semelhantes. É nesse sentido que Bourdieu vai analisar as práticas de consumo, que são governadas por gostos socialmente definidos, denominados de hábitos de classe. Esses hábitos de classe podem ser vistos, ou melhor, entendidos como sendo o padrão. Para deixar marcado o espaço social e ser identificada a diversidade das práticas, torna-se necessária a pre-sença do padrão aceito socialmente.

Em sua rica abordagem das estruturas e dos fatos sociais, Bourdieu traz um novo conceito que é determinante: o volume de capital de posse dos agentes sociais (LALLEMENT, 2004). Afirma Lallement (2004, p. 185-186):

O capital não se reduz, neste esquema, a um conjunto de riquezas materiais. Impõe-se acrescentar-lhe o capital cultu-ral (capacidades intelectuais, bens culturais possuídos e títulos acadêmicos) e o capital social (relações sociais). Munido com esses instrumentos, pode então o sociólogo retornar à questão das classes sociais. Para Bourdieu, as classes do-minantes se distinguem hoje por uma rica dotação de capital. Em seu seio, os dominantes-dominantes (burguesia de Estado) são providos de um enorme patrimônio de capital econômico, cultural e social. Os dominantes-dominados (profissionais liberais...) se acham [mais bem] equipados em termos de capital cultural, porém menos ricos de capital econômico. Essas classes dominantes sabem usar habilmente a distinção para afirmar uma identidade própria e impor a todos, legitimando-a, uma certa visão do mundo social. Quanto às classes dominadas, estas possuem um magro ca-pital econômico acumulado através da ascese1 e do sacrifício (pequenos-burgueses), ou, quando desprovidas de tudo, mostram-se capazes de se reproduzir perpetuando os seus valores (operários). Na extremidade da escala social, enfim, os excluídos (os boias-frias, por exemplo) não possuem nenhuma forma de capital exigível no mundo urbano.

1 s.f. conjunto de práticas austeras, comportamentos disciplinados e evitações morais prescritos aos fiéis, tendo em vista a realização de de-sígnios divinos e leis sagradas.

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Considerando o conceito de capital social, podemos verificar que ele se constitui no conjunto de recursos efetivos que se encontram ligados à posse de uma rede durável de relações, as quais podem ser mais ou menos institucionalizadas de conhecimento ou reconhecimento mútuo. Este conceito é muito importante para entendermos certas “posições” de indivíduos no contexto de nossa sociedade contemporânea.

Afirma Lallement (2004, p. 188):

Para Pierre Bourdieu, os agentes sociais são vítimas da “magia social” das instituições que erigem2 em interesse específico os apelos ligados ao funcionamento de cada campo da prática. Este apelo é ao mesmo tempo interesse e ilusão. Pode-se, então, compreender o conceito de investimento definido como “inclinação a agir” que se gera na relação entre um espaço de jogos propondo certos desafios (o campo) e um sistema de disposições ajustadas a este jogo (habitus). Se é que há algum investimento, então os agentes sociais podem ter, conscientemente ou não, estratégias de longo prazo com vista, pelo jogo da metamorfose do capital, à valorização do seu patrimônio global.

Na concepção de Bourdieu, há determinação nas estruturas para indivíduos e grupos, e proces-sos de classificação presentes no campo social. Considerando essa abordagem “estrutural” de Bourdieu, podemos pensar, junto com o autor, que “as estruturas são estruturantes”. Já Anthony Giddens, em suas concepções, trabalha com o intuito de eliminar as oposições que se caracterizam como holismo3/indi-vidualismo (LALLEMENT, 2004).

Anthony Giddens

Autor e sua teoria: conceitos fundamentais e principais pressupostos teóricos O britânico Anthony Giddens (1938) é um dos sociólogos mais ativos da atualidade. Publicou nu-

merosos trabalhos na área da teoria sociológica e seus principais interesses incluem classe social e estra-tificação social no contexto do capitalismo, bem como a mudança social. Para muitos cientistas sociais, suas obras são parâmetros de análise porque trabalham com elementos da realidade contemporânea. Em sua reflexão sobre a questão das relações de poder na atualidade, Giddens propõe que modelos que têm por base uma perspectiva evolucionista da sociedade, com origem no pensamento científico do século XIX, são considerados inúteis para a realização de uma análise das sociedades contemporâneas, e por essa razão devem ser destruídos. Nesse sentido, pode-se compreender que a história nada tem a ver com a história continuada do crescimento ou do desenvolvimento do mundo, pois essa mesma his-tória é marcada por fortes descontinuidades. Nessa linha de pensamento, as culturas não letradas não são menos civilizadas (RIETH, 2005).

Em Giddens, a unidade básica da Sociologia não é a sociedade, mas a relação entre estrutura e ação. Para ele, estabelecer uma abordagem das ciências sociais envolve o afastamento de forma subs-tancial das tradições existentes no próprio pensamento social, realizando uma síntese entre a sociolo-gia estrutural e o funcionalismo, integrando estrutura e ação em uma única teoria, a qual foi intitulada teoria da estruturação.

2 v.t.d. – criar, fundar, instituir.3 s.m. – abordagem, no campo das ciências humanas e naturais, que prioriza o entendimento integral dos fenômenos, em oposição ao procedimento analítico em que seus componentes são tomados isoladamente.

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64 Estrutura e fatos sociais

Na década de 1990, Giddens passou a defender a distinção entre Sociologia e teoria social, por-que na esfera acadêmica – principalmente no mundo britânico – a Sociologia encontra-se associada à pesquisa empírica. Giddens objetiva promover uma teoria social que seja mais abrangente, pois com-preende elementos como o ator social, a sua consciência e a sua ação relacionados com as condições estruturais e as consequências do agir desse mesmo ator social, bem como as formas institucionais e os símbolos sociais que decorrem desse agir humano (RIETH, 2005). Giddens trabalha com perspecti-vas macro e micro da realidade social, bem como integra a questão da subjetividade e da objetividade, combinando-as, e a partir delas construindo uma teoria social. Com isso, encontra-se preparado o terre-no para a confecção da teoria da estruturação.

O conceito de ação em Giddens: pressupostos básicosPara estabelecer e compreender o conceito de ação, é preciso ter presente que o referencial teó-

rico de Giddens é marcado pelo interacionismo simbólico e pela fenomenologia, já que a teoria da ação não pode prescindir da Filosofia. Segundo Rieth (2005), os membros da sociedade se encontram qua-lificados para a realização prática de atividades e podem ser denominados como especialistas “socioló-gicos”. O conhecimento dos atores sociais não se encontra alheio à “progressiva estruturação da vida social”, mas de forma interdependente encontra-se incorporado integralmente a essa mesma vida so-cial. Na medida em que há o processo de socialização, a capacidade de reflexividade e de autorreflexi-vidade encontra-se presente.

O termo reflexividade é muito presente em Giddens, designando o processo de referir-se a si mesmo, e envolve tanto a teoria quanto indivíduos e grupos. Teoria reflexiva é aquela que se refere a si mesma. Segundo Johnson (1997), quando trabalhamos dentro dos aspectos teóricos no campo da Sociologia do conhecimento, constatamos que a Sociologia é socialmente construída e pode ser expli-cada como tal. Estamos diante de uma concepção reflexiva da Sociologia. No que diz respeito às pes-soas, aos indivíduos ou aos grupos, podemos compreender que é a capacidade demasiado humana de pensar e nos referir a nós mesmos como se fôssemos outra pessoa. Um exemplo de reflexividade está na poesia de Fernando Pessoa, que “eu vejo-me e estou sem mim, conheço-me e não sou eu”.

Nas sociedades complexas da contemporaneidade, os indivíduos e grupos não têm como sobre-viver sem que exista a rotinização de sua realidade cotidiana, a maioria das ações possuindo um caráter repetitivo. Afirma Rieth (2005, p. 66) que: “A relevância psicológica dos processos de rotinização pode ser constatada justamente quando se observam as situações usualmente chamadas de críticas, ou seja, situações em que as formas usuais de vida cotidiana são subitamente abaladas e interrompidas.”

Quando indivíduos e/ou grupos encontram-se em situações extremas de existência, a certeza existencial encontra-se interrompida e seu lugar é ocupado pela incerteza existencial. Esse aspecto nos leva ao conceito de Giddens de copresença, a qual é determinada pela presença do outro, pela presença de pessoas que são parte de nosso cotidiano, permitindo a interação e a reciprocidade.

Outra categoria significativa em Giddens, quando este autor trabalha com a concepção de ator social e de ação social, é o conceito de consciência prática. A consciência prática se encontra vinculada à prática cotidiana dos atores sociais, que assim não conseguem avaliar as consequências dos próprios atos no agir cotidiano. Afirma Rieth (2005, p. 66):

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A consciência prática em si mesma não chega a ser uma consciência discursiva. Isto é, normalmente os atores não re-fletem acerca de suas ações e as problematizam. Não é usual que se distanciem do que fazem e sintam a necessidade de investigar as situações argumentativamente. Isso não implica que inexista neles uma consciência discursiva, que os leve a expressar-se acerca dos contextos sociais, inclusive das condições que determinam seu próprio agir.

Estamos diante de determinado “método” de entendimento, integrante dos discursos. Aqui se co-loca o pressuposto do denominado senso comum.

O conceito de estruturaEm Giddens, observamos que o conceito de estrutura encontra-se em relação de interdependência

com o conceito de ação. Para o autor, a estrutura envolve as regras e os recursos que compõem a própria produção e reprodução dos sistemas sociais. Em outras palavras, a estrutura pode ser visualizada como os dados institucionais e mais constantes que acabam por impor aos indivíduos e grupos determinadas for-mas ou padrões comportamentais. Em Giddens, é um erro equiparar a estrutura à coerção, pois a influên-cia da estrutura não estabelece, ou não tem a função de limitar a ação. De certa forma, a estrutura acaba por viabilizar a ação na medida em que os aspectos estruturais do sistema social são abrangentes e esca-pam ao controle individual dos atores sociais. A estrutura social torna possível a ação, sendo a força motriz da ação, ao mesmo tempo em que impõe limites a essa mesma ação (RIETH, 2005).

Sistema social e estrutura em Giddens: aspectos básicosSegundo Rieth (2005), em Giddens encontramos a noção de sistema social subjacente à compreen-

são de estrutura. O que podemos perceber é que a polarização entre indivíduo e sociedade é substituída pela dualidade ação-estrutura. Na concepção de Giddens, ação e estrutura são interdependentes. Ação é toda atividade que os indivíduos realizam tendo como ponto central uma finalidade, ou seja, a ação en-contra-se sempre direcionada a um determinado fim. Já a estrutura não funciona como em Durkheim, não é exterior aos indivíduos e não pode ser equiparada à coerção. Afirma Rieth (2005, p. 69):

Os conceitos estrutura e ação descrevem momentos da realidade de sistemas de ação estruturados que podem ser distinguidos apenas analiticamente. As próprias estruturas não existem como fenômenos de vida própria no espaço e no tempo, mas exclusivamente na forma de ações ou práticas de pessoas. A estrutura não só se torna real na exe-cução concreta da estruturação de sistemas sociais a partir da ação prática. Eis o que Giddens resolveu denominar de teoria da estruturação.

Nesse sentido, entendemos que a estrutura encontra-se de alguma forma internalizada pelos in-divíduos (atores sociais) e é exteriorizada por meio das subjetividades desses indivíduos, por meio da reflexividade.

Teoria da estruturaçãoA teoria da estruturação possui como foco central a produção e a reprodução da sociedade, pois,

para Giddens, o estudo do sistema social envolve o estudo das diversas formas pelas quais esse siste-ma social é produzido e reproduzido, interagindo com a contingência da aplicação de regras e recursos

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generativos em contextos que não são predeterminados (ASENSI, 2005). Nesta teoria, a concepção da dualidade de estrutura aparece como elemento fundamental, sendo que também o agente social (indi-víduo) ou o grupo é elemento fundamental. Giddens vai romper a concepção polarizada entre objeti-vismo e subjetivismo, trabalhando com estes elementos em uma relação de interdependência, embora exista entre eles uma tensão de caráter reflexivo no plano social.

Afirma Asensi (2005, p. 2):

[...] preocupado com os potenciais constitutivos da vida social e com a conduta humana, Giddens observa que não há uma relação necessária entre o dizer e o fazer, pois o que resulta de uma ação não é necessariamente a sua intenção original. Logicamente, a sua concepção de vida social é episódica e descontinuísta, recusando a ideia de leis históricas e de ocorrência necessária de mudanças. Ao trabalhar com a ideia de regularidade da conduta social, Giddens ressalta que esta regularidade não é natural, pois não é mecânica, e também não é habitual, pois é reflexiva. Observa-se que ao enunciar a teoria da estruturação, Anthony Giddens remete frequentemente a exemplos de como ocorre a interação entre indivíduo e estrutura; entretanto, este autor não confere a mesma atenção a como os indivíduos enquanto cole-tividade, agem em seu cotidiano.

Asensi (2005) enfoca os principais elementos da concepção de Giddens acerca da estrutura e da ação, ou seja, concepção descontinuísta da vida social e a concepção reflexiva da denominada regula-ridade social. Nesse sentido, pode-se verificar que a concepção de estrutura encontra-se diretamente vinculada ao conceito de ação, ou seja, em Anthony Giddens estrutura e ação possuem uma relação de interdependência.

Segundo Asensi (2005), é processual a noção de estrutura em Giddens, dizendo respeito às prá-ticas padronizadas e recorrentes no agir de indivíduos e/ou grupos, situadas no tempo e no espaço. Considerando esse aspecto, pode-se observar que os indivíduos vivem e se organizam por meio de pro-cessos dinâmicos no campo da interação social, mas ao mesmo tempo constata-se a presença de limites à autonomia de ação dos indivíduos, os quais acabam por estabelecer o que Asensi denomina regularidade da conduta. A conduta dos indivíduos não seria nem mecânica nem aleatória, pois existe o elemento que conduz à padronização no tempo e no espaço, e também não é rígida, visto que é “permitido” um espaço de autonomia nas ações.

Afirma Asensi (2005, p. 3) que:

[...] são três as características fundamentais da ação social: a racionalidade, a reflexividade e a intenção, que pode não ser diretamente observável. A primeira traz consigo a noção de que agir socialmente é agir com um certo grau de ra-cionalidade (ao menos prática) afastando-se do simples hábito mecânico. A segunda trata do fato [de os] indivíduos serem “escultores” e “esculturas” de sua própria vida. A terceira trata do elemento não premeditado da ação, salientan-do que, embora a ação busque a consecução de um objetivo, há elementos da intencionalidade que acontecem indi-retamente ou não premeditadamente.

Na explicação de Asensi, observamos o universo da complexidade que se encontra presente na teoria da estruturação de Giddens, pois parece que nos encontramos diante da produção e da reprodu-ção dos sistemas sociais. Assim, a concepção de estrutura sempre nos fala de uma duplicidade, levando à viabilidade da ação e ao mesmo tempo limitando esta mesma ação, como dissemos anteriormente.

Em Giddens, pensar a dinâmica da interação social é também pensar que ela possui duas formas: uma que pode ser descrita como face a face e a outra que pode ser descrita como sistêmica. A primei-ra se encontra intimamente relacionada com o processo de interação social em que indivíduos e/ou grupos realizam suas “práticas sociais em contextos de copresença”. A segunda, a forma sistêmica, diz respeito às práticas que se realizam para além da presença, ou seja, independentemente do fato de os atores sociais estarem a todo o tempo interagindo socialmente (ASENSI, 2005).

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Toda a concepção de Giddens, no contexto da teoria da estruturação, permite pensar que não possuímos – no que diz respeito às padronizações sociais – rigidez. Essas mesmas padronizações so-ciais devem ser vistas enquanto dinâmicas no tempo e no espaço, pois não nos encontramos “soltos” no mundo. São significativas as palavras de Asensi (2005, p. 4) quando afirma que:

[...] em contextos de ausência, a estrutura apresenta-se como uma ordem virtual, e os sistemas são a materialização das estruturas sociais. Não obstante, são determinadas características da propriedade estrutural que possibilitam a exis-tência de práticas sociais semelhantes por dimensões variáveis de tempo-espaço, lhe conferindo uma roupagem sis-têmica.

É essa relação entre objetividade e subjetividade que se encontra presente em Giddens, tor-nando-o de certa forma um dos autores contemporâneos mais produtivos e reconhecidos, pois ele trabalha com elementos interdependentes, como aqueles da objetividade do contexto social e a sub-jetividade da ação dos atores sociais. Tais elementos permitem uma compreensão mais adequada do contexto de complexidade em que nos encontramos inseridos, contexto esse que não permite mais polarizações, já que ficar no universo das polarizações é estar restringindo, e muito, o campo de abor-dagem na relação indivíduo e sociedade. Esse aspecto já era salientado por Norbert Elias em sua con-cepção sociológica. Giddens, de certa forma, aprimora as concepções que não são polarizantes, e a Sociologia parece ter dado um salto qualitativo com as novas concepções e discussões surgidas a par-tir da não redução da determinação das estruturas sobre os indivíduos. Segundo Lallement (2004), Giddens, ao articular a teoria da ação e os processos de reprodução social, acaba por desconstruir o próprio conceito de estrutura, fazendo a distinção entre o estrutural – conjunto de regras e de recur-sos organizados de maneira recursiva – e os sistemas sociais (conjuntos estruturais), que são relações entre os atores sociais ou coletividades reproduzidas e organizadas enquanto práticas sociais dota-das de regularidade.

Michel Foucault

O teórico da sociedade: o autor, sua teoria e elementos fundamentaisMichel Foucault (1926-1984) é apresentado por alguns autores como um teórico da sociedade.

Cabe salientar que Foucault escreveu várias obras tratando dos elementos fundamentais de uma socie-dade marcadamente disciplinar. Sua obra mais conhecida quanto a esse aspecto é Vigiar e Punir (1971). Embora em sua época relutasse bastante, Foucault pode ser considerado um autor estruturalista na me-dida em que muitos de seus trabalhos envolvem as determinações das estruturas sobre a própria cons-tituição das personalidades e do conhecimento de indivíduos e grupos.

Foucault se apresenta como um “desvelador-revelador” dos hiatos presentes no que é costumei-ro, no que é cotidiano, no que é frequentemente falado, pois o costumeiro, o cotidiano, o dito e o natu-ralizado carregam consigo todo o silêncio do que não pode ser desvelado-revelado. Foucault desnuda a realidade cotidiana do homem contemporâneo e vai passo a passo demonstrando sua constituição – um homem constituído enquanto ser controlado em sua mente, em seus instintos, em seus afetos, inconsciente de si, dócil, útil, produtivo ao sistema e às estratégias de poder (NERY, 2007).

O objetivo de Foucault na constituição de sua obra foi de clarificar os poderes, os mecanismos, as estratégias, os dispositivos de poder e saber que nos transformaram e nos constituíram na realida-

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de presente enquanto sujeitos da imobilidade, da docilidade, da utilidade, concebendo o mundo social como algo de que estamos separados. Foucault objetivou explicar e explicitar nossa essência, no mo-mento presente de nossa história, e para tanto lhe foi necessário o trabalho de desvelar a relação entre sujeito e poder. Foucault sempre estabelece a presença de uma sociedade disciplinar, marcadamente disciplinar, envolta em regras que determinam as ações dos sujeitos.

Há no pensamento foucaultiano a fundamentação do relacional, no sentido da percepção de que a constituição do sujeito encontra-se diretamente vinculada com a constituição da sociedade, pois as forças que compõem o indivíduo subjetivamente são dadas também pela objetividade da realidade social, o que significa dizer que as sociedades estabelecem formas específicas de configuração dos sujeitos.

A constituição do sujeitoSegundo Nery (2007), a preocupação fundamental de Foucault, no transcurso de sua obra, relacio-

na-se com o sujeito, com a constituição do sujeito. O que lhe parecia essencial desvelar eram justamen-te os processos sob os quais encontramos em nossa realidade social vivenciada uma forma específica de constituição do sujeito ou, melhor dizendo, uma forma específica de objetivação do sujeito. Buscar responder à problemática da constituição do sujeito, que é determinada por realidades sociais especí-ficas, por contextos histórico-sociais específicos, constitui-se na base de toda a linha argumentativa de Michel Foucault, em toda a sua diversidade.

Foucault parte da verificação das diferentes formas de objetivação do sujeito como formas de in-vestigação, interpretação e análise:

objetivação do sujeito vivente – o sujeito produtivo, biológico, econômico, do discurso; ::::

objetivação do sujeito dividido de si mesmo e perante os outros – objetivação que transforma ::::o sujeito em objeto passível de ser dividido;

as formas pelas quais o ser humano é transformado em sujeito – o ser humano torna-se sujeito. ::::

A constituição do sujeito moderno, a constituição do indivíduo, é explicada por Foucault a partir dos modos de objetivação e os modos de subjetivação do indivíduo. Esse é um aspecto que deve estar claro no âmbito da análise de Foucault.

Foucault nos permite perceber que a objetividade da coexistência social origina a constituição de uma subjetividade, de uma concepção do sujeito, a qual é sempre contextualizada. Afirma Nery (2007, p. 5) que:

[...] a objetividade da coexistência social origina a constituição de uma subjetividade, de uma concepção do sujeito, a qual marca dado período histórico e, chegando ao nosso período histórico, encontramos o produtor, o consumidor de bens materiais e simbólicos, que, na objetividade da realidade social, não é mais sujeito, na concepção plena da pala-vra, mas objeto, receptáculo das múltiplas determinações presente em nossas sociedades disciplinares.

No contexto das sociedades disciplinares, pode-se verificar que os sujeitos se encontram subme-tidos às estruturas sociais, políticas, econômicas e culturais existentes. Há na obra de Foucault (NERY, 2007) um caráter relacional que estabelece multiplicidades – a relação entre poder e saber, a relação en-tre poder e resistência, a relação ente sujeito e poder, vida e morte – que nos permitem verificar de for-ma clara a relação entre subjetivação e objetivação sempre presente na obra de Foucault, permeando os contextos histórico-sociais, os quais produzem os sujeitos – ou seja, somos resultado de nossos con-textos histórico-sociais, somos produtos de nossos contextos.

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Poder e resistênciaTodo poder, na concepção de Foucault, gera sua força contrária, formas de resistência. Esta resis-

tência não mais no sentido macro, mas no sentido micro, ou seja, resistências que se fazem no centro da realidade cotidiana de indivíduos e grupos. Para ficar mais compreensível, pensemos em termos de microrrevoluções que fazemos em nosso cotidiano. Em Foucault, o poder deve ser concebido enquan-to uma estratégia, pois é sempre um exercício, é sempre a instauração de uma tensão, de um confronto entre poder e resistência (NERY, 2007). O poder como planejamento de uma ação envolve alguns ele-mentos significativos:

é sempre formador de um contrapoder; ::::

é sempre contido por formas específicas de resistência; ::::

é sempre uma relação de força. ::::

E, sendo assim, é multiplicação permanente de utilização de forças, ou seja, é sempre difuso, es-palha-se por variados espaços da existência cotidiana de indivíduos e grupos. Forma-se, portanto, na produção dos pensamentos, no âmbito dos discursos, nas atitudes, nas ideias, nas palavras e nos atos – o poder constitui um campo de micropoderes (NERY, 2007).

DispositivoO conceito de dispositivo presente em Foucault encontra-se inter-relacionado com o conjunto de

relações que permitem o isolamento de estratégias de poder, o estabelecimento de redes de análise que levam ao isolamento de redes de saber que não foram formuladas. Em resumo, podemos conceber o dispositivo como uma construção intelectual – assim como podemos compreender o tipo ideal em Weber – constituída de formações discursivas e não discursivas, produzindo determinados enunciados e visibilidades, como facilitadores de práticas sociais que determinam uma forma de constituição do su-jeito, ao mesmo tempo em que possibilita a construção de tecnologias de poder (NERY, 2007).

O principal dispositivo presente na concepção de Foucault, é denominado poder-saber, pois en-volve toda uma racionalidade interna de produção, uma lógica de procedimentos. Desse modo, o dis-positivo é uma enunciação e produz o que Foucault denomina como naturalidade. Afirma Nery (2007) que “Foucault quer luz, quer as singularidades visíveis, quer clarões, pois o escondido, o latente, o ocul-to é essencial para ele, na medida em que o não dito é determinante, o que se cala, porque se cala, fala mais alto enquanto determinação”. Foucault quer desvelar o oculto, por à mostra os dispositivos de po-der-saber que agem sobre os indivíduos e grupos, de certa forma constituindo subjetividades. É signifi-cativo o entendimento do dispositivo enquanto uma forma de poder que subjuga e sujeita na medida em que também é uma prática que estabelece rupturas e pode fazer surgir formas de luta contra o pro-cesso de dominação que pode se instaurar (NERY, 2007).

GovernabilidadePara Foucault, há uma ruptura entre o poder que é determinado pela instituição do Estado e o

poder que se realiza por meio ou no campo das relações sociais, não nos contextos das sociedades, nas quais se constituem em processos de objetivação do indivíduo como objeto dócil, útil, e processos de subjetivação enquanto determinantes de uma identidade (NERY, 2007). Já dissemos anteriormente que, na concepção de Foucault, o poder é passível de ser visualizado dentro de uma perspectiva de es-tratégia, ou seja, no campo das relações de força que se encontram estabelecidas na vida cotidiana. O

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Estado, enquanto instituição social, possui mecanismos de operacionalidade do poder, como produtor de súditos, pela organização e ordenação da vida em sociedade. Produz o que podemos chamar de su-jeitamento do sujeito, pela produção de mecanismos disciplinares, estabelecendo formas mais gerais de dominação (NERY, 2007).

A governabilidade se constitui na própria administração do poder por meio da instituição do Estado, que acaba por perpassar o indivíduo, submetendo-o. Seria uma nova forma de poder, enquan-to poder microscópico, manifesto nas redes de poder por meio das resistências, que por sua vez criam novas redes de poder. É determinante da conduta de indivíduos e grupos no contexto das sociedades, acabando por conduzir os indivíduos, levando-os a terem a perfeita noção do que é permitido e do que é proibido socialmente. Nesse sentido, a governabilidade é uma técnica de dominação (NERY, 2007). Pode-se verificar que a noção de governabilidade envolve Estado e indivíduo, por meio da disciplina constituindo o denominado sujeito moderno, estabelecendo-se (NERY, 2007) uma nova forma de domi-nação que envolve o poder público que se exerce pelo Estado e o poder inter-subjetivo.

Pode-se observar que em Foucault temos a concepção de estrutura enquanto determinante, en-quanto constituinte do sujeito, e é nesse sentido que objetividade e subjetividade se encontram inter-relacionadas. O autor, que não se apresentava como um sociólogo, realizou uma análise pormenorizada da sociedade disciplinar de seu tempo, deixando raízes profundas na concepção acerca da relação en-tre indivíduo e sociedade na contemporaneidade.

Dica de estudoFOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes, 2005.

Nesta obra, Foucault trabalha com os principais elementos presentes no que podemos denomi-nar de uma sociedade disciplinar, os mecanismos e tecnologias de poder que nela se desenvolvem.

Atividade1. Em folha à parte, trace um paralelo entre as concepções de estrutura em Bourdieu, Giddens e

Foucault. Esta é uma atividade importante, na medida em que nos põe em contato com elemen-tos similares e diferentes nas concepções dos três autores, que realizaram, cada qual na sua espe-cificidade, uma análise significativa da estrutura social.

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ReferênciasASENSI, Felipe Dutra. O espaço da ação coletiva na teoria da estruturação de Anthony Giddens. Revista Habitus, Rio de Janeiro, UFRJ, v. 3, n. 1, 2005.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes, 2005.

GIDDENS, Anthony. Sociologias. Porto Alegre: ArtMed, 2005.

LALLEMENT, Michel. História das Ideias Sociológicas: de Parsons aos contemporâneos. Petrópolis: Vozes, 2004.

NERY, Maria Clara R. Michel Foucault: a subjetividade determinada pela objetividade da coexistência humana. Disponível em: <http://guaiba.ulbra.tche.br/praxis/>. Acesso em: 9 abr. 2007.

ORTIZ, Renato. Pierre Bourdieu: sociologia. São Paulo: Ática, 1983.

RIETH, Ricardo. Sociologia Contemporânea. Material instrucional do curso de Ciências Sociais, da ULBRA, RS, ano 2005 – EAD.

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Estruturalismo

Estruturalismo funcional: Niklas Luhmann

Autor e sua teoria: conceitos fundamentais e principais pressupostos teóricosNiklas Luhmann (1927-1998) é considerado hoje, ao lado de Habermas, um dos mais significa-

tivos pensadores alemães, notadamente no campo da Sociologia. A teoria dos sistemas de Luhmann pode ser enquadrada – se assim podemos dizer, para sermos mais didáticos – no estruturalismo funcio-nal. Em muitos aspectos, Luhmann é herdeiro de Parsons, ou melhor, a teoria dos sistemas de Luhmann encontra-se em dívida com o estruturalismo funcional de Parsons. Afirma Lallement (2004, p. 146):

Em seus primeiros trabalhos, Luhmann procura conciliar uma lógica genética (como é que aparecem as estruturas de pa-pel?) e uma lógica integrativa (como é que um sistema pode incitar os seus membros a contribuir para o seu bom fun-cionamento?). Pondo de lado o antropocentrismo da Sociologia tradicional, Luhmann se interessa não tanto pelos seres humanos e, sim, mais pelos sistemas. O sociólogo alemão abraça as teorias dos sistemas autorreferentes, análises que emergem no decorrer dos anos 1970, na articulação da biologia, das teorias da informação e da cibernética. Essas teo-rias conservam a ideia clássica, segundo a qual um sistema não pode ser concebido independentemente de seu meio ambiente. Mas elas admitem, sobretudo, um novo postulado, aquele em virtude do qual o processo de organização e de adaptação do sistema depende de efeitos aleatórios não programados do meio circunstancial.

Nas palavras de Lallement (2004), podem-se verificar elementos que distinguem as concepções de Luhmann e de Parsons. Luhmann busca compreender a complexidade do mundo contemporâneo. O conceito de autopoiese é importante nessa concepção, significando que os sistemas vivos autônomos são autogeradores na medida em que as transformações internas dos sistemas possuem maior peso do que podemos considerar o efeito puramente mecânico das chamadas perturbações ambientais, que são de alguma forma forças motrizes para as mudanças. Nesse sentido, o elemento que podemos chamar de previsibilidade encontra-se aqui prejudicado, pois nesse processo de mudanças geradas pelas trans-formações internas dos sistemas – sendo este autopoiético – existem efeitos aleatórios e não progra-mados do meio, da contingência, do sistema social em sua totalidade. Luhmann estabelece três tipos de sistemas:

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:::: sistemas vivos, que se auto-organizam com base nos princípios de vida;

:::: sistemas psíquicos, que geram sua autopoiese graças à consciência;

:::: sistemas sociais, que evoluem graças ao motor da comunicação.

O processo de interação desses três sistemas não pode ser compreendido de forma compartimen-talizada, pois assim estaríamos a reduzir a própria teoria dos sistemas de Luhmann. Os sistemas envolvem máquinas, organismos, sistemas sociais e sistemas psíquicos. Os sistemas sociais, por sua vez, envolvem as interações, as organizações e as sociedades.

Afirmam Neves e Neves (2006):

O sistema que contém em si sua diferença é um sistema autopoiético, autorreferente e operacionalmente fechado e que se constitui como tal, reduzindo a complexidade do entorno. Se de um lado, os sistemas sociais operam para a re-dução da complexidade, por outro, eles também constroem sua própria complexidade. Para que isto aconteça, o sis-tema precisa fechar-se operacionalmente em relação ao entorno, produzindo seus próprios elementos (autopoiesis), operando assim, a construção de sua própria complexidade. E, sem dúvida, é neste processo que ocorre a evolução.

Para Luhmann, a teoria dos sistemas estabelece que a sociedade é um sistema social que se pro-duz e se reproduz a si mesmo. Na atualidade, o que se concebe no campo da denominada teoria dos sistemas é o fato de que há a necessidade de se efetuarem distinções entre o sistema e o seu meio ambiente, e também, por consequência, a verificação da diferença produzida pelos próprios sistemas (LALLEMENT, 2004). De certa forma, a concepção do sistema social – enquanto uma totalidade compos-ta de partes conectadas, sendo cada parte autônoma em sua função, mas dependente de outra parte – em Parsons entrou em xeque, e em Luhmann maiores aprofundamentos foram realizados na medida em que a concepção de sistema é central para a compreensão da complexidade da realidade social vi-venciada por indivíduos e grupos. O que se torna significativo no contexto desta nova teoria dos siste-mas é a redução da complexidade, partindo da própria complexidade, pois a denominada redução da complexidade acaba por se referir também ao ambiente da sociedade. Afirma Lallement (2004, p. 148):

[...] os sistemas sociais (político, econômico, religioso...) são considerados autopoiéticos na medida em que, fechados em si mesmos, são capazes de produzir sua própria estrutura e, sobretudo, moldar a diferença entre eles mesmos e o meio ambiente. Possuem, alguns entre eles, um meio de comunicação próprio (o dinheiro, o poder, a fé), que funciona graças a um código de base binária (pagar/ficar devendo no caso do dinheiro, legal/ilegal para o poder...). Graças a este conjunto comunicacional, cada subsistema pode observar-se, observar o seu meio ambiente e aperfeiçoar seu modo de funcionar. O aperfeiçoamento exige em particular “reduzir a complexidade”. Para Luhmann, considera-se complexo um conjunto de elementos quando o sistema que organiza estes últimos não se mostra mais capaz de organizá-los de maneira ótima. Uma total complexidade é, portanto, sinônimo de caos. A informação veiculada pelos meios de comunicação de massa é um meio de reduzir essa complexidade.

Conforme podemos perceber nessa citação de Lallement, para Luhmann o universo da comple-xidade encontra-se relacionado com o próprio mundo, que envolve a totalidade de todos os aconte-cimentos. Segundo Neves e Neves (2006), para Niklas Luhmann o mundo é a “mais alta unidade de referência”. Outro aspecto importante com relação à citação é justamente o conceito de autopoiesis, se-gundo o qual um sistema dotado de complexidade reproduz seus próprios elementos e suas estrutu-ras, dentro de um processo que é operacionalmente fechado, com a ajuda dos seus próprios elementos (MATHIS, 2007). E é de se notar que essa nova concepção da teoria dos sistemas sociais está ocupando um destacado lugar no universo teórico-metodológico da Sociologia.

Afirma Mathis (2007, p. 4) acerca da ampliação que Luhmann proporciona ao conceito de auto-poiésis:

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Estruturalismo 75

[...] Luhmann o amplia para todos os sistemas em que se pode observar um modo de operação específico e exclusivo, que são, na sua opinião, os sistemas sociais e os sistemas psíquicos. As operações básicas dos sistemas sociais são comunicações e as operações básicas dos sistemas psíquicos são pensamentos. As comunicações dos sistemas sociais se reproduzem através de comunicações, e pensamentos se reproduzem através de pensamentos. Fora dos sistemas sociais, não há comunicação e fora dos sistemas psíquicos não há pensamento. Ambos os sistemas operam fechados, no sentido que as operações que produzem os novos elementos do sistema, dependem das operações anteriores do mesmo sistema e são, ao mesmo tempo, as condições para futuras operações. Esse fechamento é a base da autonomia do sistema. Ou em outras palavras, nenhum sistema pode atuar fora das suas fronteiras. É válido ressaltar que o conceito da autopoiesis em nenhum momento vem negar a importância do meio para o sistema, pois, lembrando, sem meio não há sistema. Autopoiesis refere-se à autonomia, o que não significa autarquia.

É importante fazer a ligação do conceito de autopoiesis com o da autonomia presente no siste-ma enquanto uma condição de possibilidade a ser alcançada e que se produz e reproduz no interior do próprio sistema. Nesse sentido, podemos compreender que a função fundamental de todo sistema ou, melhor dizendo, dos sistemas sociais, é efetuar a redução da complexidade do mundo, de tal forma que ela possa ser compreendida e assimilada pelas pessoas, no que Luhmann denominou sistemas psíqui-cos (MATHIS, 2007).

Podemos pensar acerca da redução da complexidade do mundo a partir da compreensão do fato de que a informação veiculada pelos meios de comunicação de massa é uma forma de reduzir, de se fa-zer a redução da complexidade. Isso vem mostrar que as escolhas que fazem com que indivíduos e/ou grupos se articulem e os modos como se regulam se tornem os mais eficazes para a própria organização do sistema. Dessa maneira, o dinheiro permitiria a coordenação dos diversos esforços produtivos, que tem como objetivo o bem-estar material, pelo qual responde o subsistema econômico (LALLEMENT, 2004). A complexidade reduzida levaria à própria organização do sistema. Um aspecto muito importan-te do qual nos fala Mathis (2007) é o fato de que a redução da complexidade do mundo envolve o en-frentamento da dupla contingência, uma eventualidade. Assim, são significativas as palavras de Mathis (2007, p. 5) quando afirma que:

Um sistema social, ou um indivíduo tende a interpretar o problema da contingência, isto é, da variedade de alterna-tivas de atuação como um grau de liberdade: liberdade de escolher entre várias alternativas de atuação. No papel de observador de um outro indivíduo ou sistema social, o problema da contingência se coloca totalmente diferente, a li-berdade de escolha do sistema se transforma para o observador desse sistema em fonte de inseguranças e surpresas. A existência e o relacionamento das contingências dos diversos sistemas ao seu redor constitui para o sistema focal a complexidade do seu meio. Para poder enfrentar essa complexidade no seu meio, o sistema é obrigado a correspon-der com a elaboração de estruturas complexas, que por sua vez podem aumentar a contingência do sistema e assim iniciar um processo evolutivo.

Observemos a questão da contingência, ou melhor, da dupla contingência que aqui se encontra presente. Em um primeiro momento, a contingência dirá respeito à liberdade de escolha que o indivíduo possui diante das variadas alternativas, sua atuação encontra-se intimamente relacionada com a varieda-de de alternativas que possui em seu momento de escolha. Em um segundo momento, quando aquele que escolhe encontra-se no papel de observador de um outro indivíduo ou sistema social, a sua liberda-de de escolha se converte em insegurança e, como nos diz Mathis, surpresas. Podemos dizer que o indiví-duo é o sistema focal, para o qual a existência e o próprio relacionamento das contingências dos diversos sistemas ao seu redor constituem a complexidade de seu meio. Para enfrentar a complexidade do meio, é necessário elaborar estruturas complexas, porém podendo criar novas contingências, aumentando-as no sistema, dessa forma iniciando um processo evolutivo. Esse processo evolutivo envolve os sistemas auto-poiéticos, pois significa que qualquer mudança ocorrida nas estruturas do sistema devem acontecer em consequência de operações internas do sistema. Altera-se aqui toda uma visão de que os indivíduos se adaptam ao meio: na verdade, não é assim, pois o sistema tem que ser adaptado para que possa evoluir.

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Afirma Mathis (2007, p. 10):

Evolução de sistemas autopoiéticos significa que qualquer mudança nas estruturas do sistema tem que acontecer em consequência de operações internas do sistema. Isso modifica a antiga visão da evolução de que sistemas se adaptam ao seu meio. Pelo contrário, o sistema tem que ser adaptado para poder evoluir. O meio somente tem a capacidade de perturbar o sistema, que conforme suas estruturas percebe essa perturbação e modifica dentro da sua própria auto-poiesis as suas estruturas. Que essa modificação aconteça não é uma necessidade, mas uma possibilidade. A seleção das variações geradas em consequência de uma perturbação externa somente terá como resultado uma nova reesta-bilização do sistema, se as novidades podem ser incorporadas dentro das características estruturais do sistema.

Podemos verificar que estamos diante de uma teoria complexa, mas que nos permite compreen-der os determinantes e as atuações que se fazem necessárias para os indivíduos e grupos, ou seja, os sis-temas que se encontram diante e dentro de outro sistema maior, o sistema social. Pode-se perceber, nas palavras de Mathis, os elementos presentes na concepção teórica de Luhmann acerca da evolução da so-ciedade.

A questão do sentidoA complexidade que é interna ao sistema possibilita o que podemos denominar como critérios

seletivos. De certa forma, os dados que são advindos da própria complexidade são processados interna-mente à medida que geram várias alternativas de atuação. Há, então, a necessidade da adoção de uma alternativa de atuação frente ao meio do sistema (MATHIS, 2007). A força que regula esse procedimento é o sentido. O sentido, então, regula os sistemas sociais e os sistemas psíquicos, sendo a própria condição de possibilidade para a formação de um sistema. Da mesma forma, encontramos o seguinte aspecto: o sistema tem por sua vez a capacidade de definir e de redefinir internamente o que é o próprio sentido, ou seja, os sistemas sociais são constituídos por sentidos e ao mesmo tempo constituem sentidos. É o pro-duzir e reproduzir-se, se assim podemos dizer. Observemos as palavras de Mathis (2007, p. 6):

A noção comum de sentido é o critério que define os limites do sistema, um entendimento comum sobre um sentido divide o mundo em algo com sentido e algo sem sentido. Mas sentido como a razão da seleção não é suficiente, ele precisa do apoio de outros fatores como normas, valores, metas: um conjunto que crie uma ordem de preferência de um sistema social, um complexo de mecanismos regulativos constituído simbolicamente e com sentido. [...] A regulação da seleção de dados do meio, por via de uma ordem de preferência formada por critérios de sentido, é a condição da possibilidade da formação de um sistema. Como já foi dito, sistemas não triviais têm a capacidade de reflexão, o que significa capacidade para elaborar internamente um modelo do seu meio e uma identidade própria. Sendo assim, o sistema também tem a capacidade de definir e redefinir internamente o que é o sentido, que depois se torna a base da seleção para a redução da complexidade do meio e da contingência interna. Sistemas sociais são assim constituídos por sentido e constituem sentido ao mesmo tempo.

Mathis permite verificar o processo de rede que acaba por ser estabelecido na teoria de Luhmann com relação ao sentido. Ele define e é definido, por assim dizer, pela complexidade do mundo social. É de se perceber, em muitos momentos, o quanto a concepção de Parsons acaba sendo modificada e re-estruturada pelo pensamento de Luhmann.

A sociedadeLuhmann trabalha com a ideia de que uma teoria sobre a sociedade é em suma um fenômeno so-

cial e, dessa forma, faz parte da sociedade. Enquanto Elias fala da sociedade dos indivíduos, Luhmann

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Estruturalismo 77

afirma que a sociedade é da sociedade. Nesse aspecto, Luhmann salienta a elevada complexidade que envolve uma análise da sociedade. Segundo Mathis (2007), em sua análise de Luhmann, a sociedade e a descrição da sociedade têm por base quatro hipóteses, conforme a seguir.

:::: A sociedade é composta de seres humanos concretos e das relações entre eles.

:::: Por isso, a sociedade somente pode ser constituída ou integrada como resultado de um con-senso entre os seres humanos, por meio da concordância de suas opiniões e objetivos.

:::: As sociedades existem como unidades regionais e territoriais.

:::: As sociedades podem, como grupos, ser observadas de fora.

Essas hipóteses representam a descrição de Luhmann acerca da sociedade. Para nosso autor de referência sem comunicação não há sociedade. Afirma Mathis (2007, p. 7):

Tudo que não é comunicação, não faz parte do sistema, passando a ser alocado fora do contorno deste. Não sendo co-municação, os seres humanos – enquanto sistemas psíquicos – não fazem parte da sociedade, e sim do seu meio. Na sociedade eles estão presentes apenas como pessoas, pontos de endereçamentos para a comunicação. O que existe é um acoplamento estrutural entre a sociedade como sistema social e os indivíduos como sistemas psíquicos. Um não pode existir sem o outro.

A comunicação sempre leva à produção de comunicação e é sobre essa base que se mantém o sistema social. Mas a comunicação somente existe dentro do sistema social. Assim, a comunicação é uma operação de caráter interno. Paulatinamente, a cada novo elemento encontrado na concepção de Luhmann, o processo de interdependência se encontra presente, ou seja, estamos diante do próprio marco da concepção sociológica contemporânea, que é o fato da recusa às polarizações.

Luhmann é um autor complexo, mas que deixa, no contexto da Sociologia contemporânea, ele-mentos para compreensão da própria complexidade do sistema social e as relações de interdependên-cia que precisamos realizar para perceber a sua abrangência. Nessas páginas, encontram-se elementos considerados básicos e fundamentais para o entendimento da riqueza do pensamento sociológico con-temporâneo, que se realiza por uma releitura dos autores clássicos da Sociologia e avança no sentido da construção de instrumentais teórico-metodológicos mais avançados para a compreensão do mun-do de hoje. Ficam sempre presentes as respostas à principal questão sociológica, que é a relação entre indivíduo e sociedade.

Dicas de estudoMATHIS, Armin. O Conceito de Sociedade na Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann.

É possível encontrar este artigo em vários sites da internet, basta pesquisar o título referido em algum site de busca (Google, Altavista, Aonde, entre outros).

NEVES; Clarissa Eckert Baeta; NEVES; Fabrício Monteiro. O que há de complexo no mundo complexo? Niklas Luhmann e a teoria dos sistemas sociais. Revista Dossiê – Sociologias. Porto Alegre, Programa de Pós-graduação em Sociologia da UFRGS, ano 8, n. 15, jan.-jun./2006. Disponível em: <www.scielo.br/pdf/soc/n15/a07v8n15.pdf>.

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Atividade1. Trace um quadro comparativo abrangendo o sistema em Parsons e em Luhmann. Esta é uma ati-

vidade importante para verificar os avanços que Luhmann realizou com relação à Parsons no que concerne ao conceito de sistema.

ReferênciasLALLEMENT, Michel. História das Ideias Sociológicas: de Parsons aos contemporâneos. Petrópolis: Vozes, 2004.

MATHIS, Armin. O Conceito de Sociedade na Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann. Disponível em: <www.geocities.com/simaocc/ebc_mathis-conceito.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2007.

NEVES, Clarissa Eckert Baeta; NEVES, Fabrício Monteiro. O que há de complexo no mundo complexo? Nilas Luhmann e a teoria dos sistemas sociais. Revista Dossiê – Sociologias, Porto Alegre, ano 8, n. 15, jan.-jun. 2006, p. 182-207.

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Pós-Marx

Jürgen Habermas

O autor e sua teoria: conceitos fundamentais e principais pressupostos teóricosHabermas (1929) é um teórico social dos mais significativos da atualidade. Seu principal interes-

se envolve o papel do conhecimento no contexto da sociedade em geral e, especialmente, no contexto da sociedade capitalista. Para Habermas, o conhecimento científico objetivo não está mais a promover a emancipação, a libertação de indivíduos e/ou grupos, mas estaria se constituindo enquanto instância ideológica de manutenção do status quo (o mesmo estado em que as coisas já se encontravam). Para ele, conhecimento válido é aquele resultante de um diálogo livre e aberto, porém o que tem ocorrido é que esse conhecimento, no contexto da realidade social da atualidade, é aprisionado por restrições po-líticas e também de outras naturezas sob a égide do capitalismo. A obra de Habermas se constitui em uma análise das contradições presentes no modo capitalista de produção, no contexto das sociedades modernas. Essas mesmas contradições produzem, por consequência, um distorcido conhecimento da realidade. Cabe salientar que Habermas pertence à denominada Escola de Frankfurt, que trabalha no campo da Sociologia e tem seu enfoque nas patologias sociais e na colonização do mundo da vida.

Habermas realiza a investigação de uma patologia do mundo social considerando os pressupos-tos teórico-metodológicos de Karl Marx, no que concerne ao valor e o conceito de reificação, que de forma simples podemos compreender enquanto a coisificação da vida humana no mundo, envolven-do a tese da colonização do mundo da vida tanto na esfera pública, quanto na esfera privada. Afirma Lallement (2004, p. 217): “Ao evocar o mundo da vida, Habermas reconhece que o mundo sociocul-tural só se torna inteligível e descritível sob a condição de se adquirir uma familiaridade de membro com as práticas em uso.” Nesse sentido, podemos dizer que o mundo da vida somente se torna conhe-cido no campo sociocultural se conseguirmos compreender as contradições que a ele são inerentes, contradições estas que são entes e evidências compartilhadas, as quais devem ser “desnudadas” no próprio contexto das interações.

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80 Pós-Marx

Lallement (2004) afirma que, embora trabalhe na busca da compreensão das contradições pre-sentes no campo sociocultural, Habermas não cede ao subjetivismo, pois não ignora a forma pela qual o sistema pode exceder os atores sociais. Desse modo, as consequências das ações podem ser ignoradas pelos indivíduos na medida em que podemos pensar na reprodução material que sobremaneira pesa sobre os comportamentos e as interações sociais que se fazem presentes. Podemos dizer que existe um processo de dominação sobre o que Habermas denomina de mundo da vida, um processo de domina-ção que pode ser compreendido enquanto colonização, estabelecendo uma dupla regulação, de cará-ter administrativo e de caráter econômico.

Para Habermas, muitas das ideias de Karl Marx não explicam a realidade social vivenciada pelos indivíduos e grupos, principalmente para os contemporâneos. É em Max Weber que Habermas encon-tra ideias alternativas para estabelecer a sua teoria. Mas de certa forma não podemos decretar a “morte” de Marx, pois enquanto houver o capitalismo as concepções marxistas, em alguns de seus elementos, são significativas. Necessitamos restabelecer o controle sobre os processos econômicos que controlam e dominam, sobre os quais muitas vezes sentimos perder o controle (GIDDENS, 2005).

Habermas sustenta que um dos principais meios para se conseguir ampliar o controle sobre as determinações do modo de produção capitalista é o renascimento da esfera pública, que seria a própria estrutura da democracia. Os denominados procedimentos democráticos vigentes, que envolvem parti-dos políticos e parlamentos, não nos fornecem, segundo Habermas, as bases suficientes para a deno-minada tomada de decisões no âmbito coletivo. Afirma Giddens (2005, p. 538) acerca do pensamento de Habermas:

Podemos renovar a esfera pública por meio da reforma de procedimentos democráticos e do envolvimento mais consistente dos organismos comunitários e dos grupos locais. A mídia moderna das comunicações de fato traz alguns resultados observados por Baudrillard e outros. Todavia, ela também pode contribuir de modo fundamental para a promoção da democracia. Onde a televisão e os jornais, por exemplo, estiverem dominados pelos interesses comerciais, esses veículos não servirão como foco para a discussão democrática. Porém, o sistema público de rádio e televisão ao lado da internet, oferece muitas possibilidades para a abertura de diálogo e de discussões.

O que salienta Giddens acerca da democracia segundo a concepção de Habermas encontra-se completamente inter-relacionado com elementos da mídia moderna das comunicações. O processo de dominação dos meios de comunicação, por parte de interesses econômicos e financeiros, consta como fator impeditivo do fomento da tomada de decisões coletivas, ou seja, da democracia. A eman-cipação passaria pela própria emancipação dos meios de comunicação de massa, rearticulando o que Habermas denomina como esfera pública.

Em sua análise da realidade, Habermas constata a presença do domínio da racionalidade instru-mental sobre as práticas sociais. Afirma Lallement (2004, p. 219):

Habermas não deixa de explorar as potencialidades de uma racionalidade prática: a da razão comunicativa. Trata-se para tanto de romper com o esquema da “autoconsciência, da autorreferência de um sujeito que se conhece e age no isolamento”, a fim de privilegiar “a relação intersubjetiva” entre indivíduos que, socializados através da comunicação, se reconhecem reciprocamente.

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Pós-Marx 81

Com as afirmações anteriores, estamos diante da teoria do agir comunicativo. Nessa teoria, a lin-guagem é fundo e forma da sociabilidade. É por meio da linguagem que o homem vai conviver em so-ciedade, é por meio dela que temos o processo de interação social que constrói significados e sentidos sempre compartilhados, que por sua vez também permite a própria interpretação cultural das necessi-dades (socialização). Em Habermas, temos a conjugação de razão e linguagem, sendo a razão o instru-mento que permite a linguagem. Está proposta uma nova leitura do agir humano: o agir comunicativo. Habermas dá o nome de comunicativas às interações em que os participantes se colocam de acordo para coordenar em consenso os seus planos de ação. O acordo obtido se acha, então, determinado na medida do reconhecimento intersubjetivo das exigências de validade, e dessa maneira temos o que Habermas vai denominar como princípio da universalização (LALLEMENT, 2004).

O princípio da universalização tem como marca a obtenção do consenso no processo de intera-ção das pessoas que tomam parte de uma dada discussão prática. Este princípio da universalização aca-baria por garantir que no denominado mundo da vida uma dada norma não poderá buscar um mínimo de validade, a não ser sob a condição de expressar legitimamente a vontade geral. Observem que, mes-mo se tratando de um autor pós-Marx, que segue alguns pressupostos marxistas, a sua teoria da ação comunicativa não envolve o pressuposto marxista da luta de classes, pois para Habermas a denomi-nada atividade comunicativa é efetivamente força constitutiva do vínculo social e do vínculo político. Podemos verificar, então, o significado da comunicação na sua concepção teórica: ela se faz necessária na medida em que produz normas que permitem aos membros de uma dada sociedade coordenarem as suas ações em bom entendimento ou, melhor dizendo, em consenso.

Esta é uma tese muito importante em Habermas. Para compreender melhor a sua teoria, pode-mos pensar sobre o que temos em nossa realidade presente. Temos a esfera pública e a esfera privada. Na esfera pública, possuímos o denominado sistema social; na esfera privada, o denominado mundo da vida, ou seja, nossa própria realidade cotidiana. Na atualidade, o que experenciamos é cada vez mais a esfera pública, o sistema agindo sobre a esfera privada – sobre o mundo da vida, esfera de nossa vida cotidiana, de nossas relações no cotidiano, ações de caráter individual e de caráter coletivo. Assim, a de-mocracia encontra-se enfrentando “crises”. Por isso, o que temos é a ingerência do público sobre o priva-do no contexto de nossa atualidade. O real processo democrático seria a ingerência do mundo da vida, dos determinantes do mundo da vida na esfera pública. O mundo da vida deveria ter maior ingerência sobre a esfera pública para que a democracia fosse autêntica.

Ao trazer a evocação do mundo da vida, Habermas reconhece que o mundo sociocultural só pode se tornar inteligível e descritível se for levada em consideração a familiaridade do membro com as práticas em uso. Aqui entra a questão da realidade cotidiana, da esfera privada. E um outro aspecto importante é a colonização, que envolve a crescente dominação do sistema (a esfera pública) sobre o mundo da vida, regulando-o econômica e administrativamente. Esse aspecto é importante na medida em que a proposta do autor está no fato de que é necessário “descolonizar” o mundo da vida, que por sua vez deve “colonizar” o sistema (a esfera pública).

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82 Pós-Marx

Texto complementar

Jürgen Habermas(HABERMAS, 2004, p. 221-222)

O conceito de atividade comunicativa pressupõe a linguagem como um meio para processos de intercompreensão de uma certa natureza, processos nos quais as pessoas envolvidas apresentam, cada uma em face da outra com referência ao mundo, pretensões à validade que podem ser aceitas ou contestadas.

Este modelo de ação pressupõe que as partes envolvidas na interação mobilizem expressamen-te em busca de um entendimento para o qual cooperam o potencial de racionalidade que se investe nas três relações com o mundo. Se colocarmos de lado o aspecto da boa formação da expressão sim-bólica utilizada, um ator – que busca a intercompreensão – é obrigado a apresentar implicitamente, exprimindo alguma coisa, três pretensões à validade, ou seja, pretender que:

o enunciado efetuado é verdadeiro (ou ainda que se acham efetivamente cumpridas as pres-::::suposições de existência de um conteúdo evocado em uma proposição);

o ato de linguagem está correto com relação a um contexto normativo em vigor (ou ainda ::::que o contexto normativo a que deve responder é igualmente legítimo);

a intenção manifestada pelo locutor é exatamente pensada por ele do mesmo modo como ::::a exprime.

Desta maneira, o locutor tem a pretensão que sejam verdadeiros os enunciados ou pressupos-tos de existência, que sejam corretas as ações reguladas segundo a legitimidade assim como seu contexto normativo, bem como pretende que haja veracidade na sua comunicação de experiências vividas subjetivas. Encontramos facilmente as três relações ator-mundo, que o sociólogo pressupõe quando fala dos conceitos de ação analisados até aqui.

Quando apresentamos o conceito da atividade comunicativa, essas três relações são imputadas à perspectiva dos próprios locutores e ouvintes. São os próprios atores que procuram o consenso e tomam por medida a verdade, a exatidão e a veracidade – noutros termos adequação e inadequação entre o ato e a linguagem de uma parte e, da outra, os três mundos aos quais se liga por sua expres-são. Essa relação se dá entre a expressão e:

o mundo objetivo (como o conjunto de todos os seres cujo respeito se pode fazer enuncia-::::dos verdadeiros);

o mundo social (como o conjunto de todas as relações interpessoais codificadas por leis);::::

o mundo subjetivo (como conjunto das experiências de vida às quais o locutor tem acesso ::::privilegiado.

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Pós-Marx 83

Dica de estudoLALLEMENT, Michel. Depois de Marx: teorias críticas e sociologias radicais. In: ______. História das Ideias Sociológicas: de Parsons aos contemporâneos. Petrópolis: Vozes, 2004.

Atividades1. Uma atividade interessante no estudo de Habermas é fazer o esquema da sua proposta sobre as-

pectos da esfera pública e da esfera privada no que diz respeito à democracia. Qual a proposta de Habermas?

2. Outra atividade, para trabalharmos com um autor complexo como Jürgen Habermas, é fazer um esquema do texto complementar aqui apresentado.

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84 Pós-Marx

ReferênciasGIDDENS, Anthony. Sociologias. Porto Alegre: ArtMed, 2005.

HABERMAS, Jürgen. Teoria da ação comunicativa. In: LALLEMENT, Michel. História das Ideias Sociológicas: de Parsons aos contemporâneos. Petrópolis: Vozes, 2004.

LALLEMENT, Michel. História das Ideias Sociológicas: de Parsons aos contemporâneos. Petrópolis: Vozes, 2004.

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História e relações de classe

Alain Touraine

O autor e sua teoria: conceitos fundamentais e principais pressupostos teóricosO francês Alain Touraine (1925) é um dos autores contemporâneos fundamentais para a Sociologia,

principalmente no que diz respeito às questões da democracia e da cidadania. Touraine concebe a de-mocracia no contexto da contemporaneidade, não essencialmente com base nas denominadas garan-tias institucionais e nos direitos de cidadania, mas em uma forma diferenciada em que a luta da cidadania alicerçada na liberdade põe-se contra a própria lógica dos sistemas. Nesse sentido, a democracia segue praticamente um duplo caminho: de um lado, a busca da criação de espaços para a participação popu-lar; de outro, o respeito às diferenças individuais. Como característica particular, Touraine é um dos pou-cos teóricos europeus contemporâneos que objetivam pensar a democracia, a modernidade e os sujeitos sociais principalmente no contexto latino-americano.

Na concepção de Touraine, os movimentos sociais expressam comportamentos de classe, que se encontram alicerçados em um projeto. Segundo Lallement, a noção de projeto social é de fundamental im-portância, pois embasa os movimentos sociais. Na concepção de Touraine, esse é o projeto de obtenção do controle e a própria transformação do sistema de ação histórica. Nesse sentido, os movimentos sociais de caráter societal (conforme conceito do próprio Alain Touraine que apresentaremos a seguir) estabele-ceriam o questionamento das orientações mais gerais da sociedade. Touraine vai estabelecer basicamen-te três características fundamentais para os movimentos sociais (LALLEMENT, 2004):

:::: o princípio da identidade: o movimento social deve ter consciência de sua identidade própria;

:::: o princípio de oposição: abrangendo a clareza acerca do “inimigo” no campo de luta, ou seja, o movimento deve saber claramente contra quem irá lutar;

:::: o princípio de totalidade: o movimento social deve ter consciência dos riscos que se encon-tram envolvidos na luta.

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86 História e relações de classe

Nesse sentido, estamos no contexto da historicidade.

Afirma Touraine (2003, p. 113):

A noção de movimento social só é útil se permitir pôr em evidência a existência de um tipo muito particular de ação coletiva, aquele tipo pelo qual uma categoria social, sempre particular, questiona uma forma de dominação social, simultaneamente particular e geral, invocando contra ela valores e orientações gerais da sociedade, que ela partilha com seu adversário, para privar este de legitimidade. Pode-se inverter a fórmula e reconhecer também a existência de movimentos conduzidos por categorias dominantes e dirigidos contra categorias populares consideradas obstáculos à integração social e/ou ao progresso econômico. Em ambos os casos, porém, o movimento social é muito mais do que um grupo de interesses ou um instrumento de pressão política. Ele questiona o modo de utilização social de recursos e de modelos culturais. Para evitar toda confusão entre este tipo de ação coletiva e todas as outras para as quais muitos dão facilmente e demais o nome de movimento social, falarei de movimentos societais, para indicar claramente que questionam orientações gerais da sociedade.

Assim, acerca dos movimentos sociais, Touraine evidencia o questionamento das orientações mais gerais da sociedade. Dessa maneira, de um lado temos a questão da instrumentalidade e de outro a ob-jetividade. Entre esses dois elementos, encontramos o conflito que produzirá alterações no contexto so-cial mais amplo. Por essa razão a ênfase de Touraine é no conflito enquanto característica fundamental dos movimentos sociais. E além dessas características há os princípios estabelecidos por Touraine quan-to aos movimentos sociais, conforme apontado por Lallement: identidade, oposição e totalidade.

Podemos agora estabelecer os elementos-chave no pensamento de Touraine: os movimentos sociais, a questão do projeto e a questão do conflito. Touraine circulará por todos esses aspectos, de-marcando-os com raro brilhantismo e também desenvolvendo considerações sobre a questão do su-jeito social no contexto das sociedades complexas, globalizadas e marcadamente excludentes. Assim, Touraine busca compreender o papel do sujeito dentro dos movimentos sociais.

Afirma Touraine (2003, p. 117):

[...] é preciso que a ação coletiva se coloque diretamente a serviço de uma nova imagem do sujeito. Em sociedades in-teiramente conduzidas e constantemente transformadas por sua historicidade, por sua capacidade de se produzir e de se mudar, o sujeito não pode mais se investir, e por isso se alienar numa ordem, numa comunidade, num poder políti-co. O sujeito deve ser mirado diretamente, na sua luta contra os poderes que dominam o universo da instrumentalida-de e o da identidade, e não mais como princípio fundador de uma ordem nova que aboliria a história ao atingir seu fim ou ao voltar ao seu começo.

Observem que a ação do sujeito já se encontra no interior do movimento social, que enfren-ta as orientações mais gerais presentes no contexto da sociedade. Touraine parece quebrar a concep-ção de um sujeito marcadamente individual (essencial), a concepção liberal de identidade. O sujeito de Touraine se faz e se realiza no interior do movimento, sendo constituído pelo movimento social. São sig-nificativas as palavras de Gadea e Warren (2006, p. 169), quando apontam que em Touraine

[...] o sujeito não é o indivíduo (no sentido liberal do termo), pois “ser sujeito” significa ter a vontade de ser ator, isto é, atuar e modificar seu meio social mais do que ser determinado por ele. Portanto, a liberdade do sujeito será construída em sua relação com o outro, na alteridade, mas não na subjugação, não na integração sistêmica acrítica, mas na busca do reconhecimento, na sua universalidade e na sua particularidade.

Observemos a especificidade da concepção de sujeito estabelecida por Touraine: não mais a con-cepção liberal de sujeito, este ser individualíssimo, mas o ator social que objetiva, no contexto da “luta”, modificar seu próprio contexto social. Afirma Touraine (2003, p. 120):

A ideia de sujeito, como a de movimento social que está associada a ela, busca, ao contrário, restabelecer uma ligação entre o mundo dos meios e dos fins, entre a racionalidade instrumental e as crenças, entre o mercado e a comunidade.

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História e relações de classe 87

Se o mundo dos fins foi separado do mundo dos meios, como os direitos do homem foram separados das práticas políticas, a ideia do sujeito encontra-se protegida, mas também encerrada num mundo de princípios quase sempre esmagados pelo princípio do poder, como a ideia dos direitos do homem foi esmagada pela interpretação jacobina da soberania popular e como o movimento operário foi esmagado pelas ditaduras pré-revolucionárias. Quanto mais concreto se torna o apelo ao sujeito, quer dizer, quanto mais ele é captado em sua situação social, em sua herança cultural e na história de sua personalidade, mais ele desce do domínio dos princípios para o espaço público, para o debate político e para a ação coletiva. Mas certamente não ao identificar o sujeito com um grupo de interesses, com uma classe ou uma nação, o que só pode levar a novas formas de poder comunitário absoluto; ao contrário, ao combinar como faz a ideia moderna de democracia, a proteção das liberdades pessoais com a participação nas decisões coletivas.

A ideia de Touraine da captação do sujeito em sua situação social é de fundamental importância na medida em que permite pensar esse sujeito no contexto das decisões coletivas, pensar esse sujei-to enquanto ator social, indo ao encontro do espaço público, do debate político, da ação coletiva – em suma, indo ao encontro do conflito, que deve ser instaurado no contexto das sociedades enquanto for-ma de questionamento das orientações mais gerais da sociedade. Portanto, é no contexto das socie-dades contemporâneas que o sujeito assume a prioridade na análise sociológica de Touraine (GADEA; WARREN, 2006).

Alain Touraine centraliza sua abordagem em um sujeito-ator que privilegia em cada momento histórico: o momento da industrialização e do movimento operário; quando se encontra a classe so-cial como ator fundamental; o momento dos movimentos sociais, enquanto atores coletivos; o momen-to da compreensão do sujeito e sua efetiva transformação em ator social (GADEA; WARREN, 2006). Para Gadea e Warren, o sujeito é, praticamente, o esforço do indivíduo para tornar-se ator social.

E a democracia é outra questão pertinente, intimamente relacionada com o sujeito. Nesse senti-do, a democracia não pode ser pensada na forma fechada de institucionalidade, pois abrange algo mais, ou melhor, encontra-se para além da sua concepção institucionalizada. Assim, a democracia tem de ser pensada enquanto uma das dimensões constitutivas do próprio sujeito, ou seja, do ator social, conside-rando sempre o contexto social e histórico. Afirmam Gadea e Warren (2006, p. 169):

[...] a democracia tem que ser pensada para além de sua institucionalidade: tem de ser pensada como uma das dimensões da constituição do sujeito em ator social – sempre se levando em conta o cenário histórico, isto é, examinando se vivemos a emergência de um novo tipo de sociedade, com a definição de novos problemas, novos conflitos, e, portanto, novos atores.

Portanto, para Touraine, o poder do povo define a democracia – no sentido de soberania popular.

Touraine (2003, p. 285) afirma que:

[...] não se deveria reduzir a democracia à organização de eleições livres. Ela se mede pela capacidade do sistema político para elaborar e legitimar, submetendo-as ao voto popular, direta ou indiretamente, reivindicações sociais, e isto supõe que o sistema político seja capaz de combinar a diversidade dos interesses materiais e morais com a unidade da sociedade. E essa combinação obriga a traçar fronteiras sempre em mudança entre os deveres legais e as liberdades pessoais ou coletivas. Essa definição de democracia como a capacidade de oferecer respostas institu-cionais às reivindicações sociais obriga a reconhecer que vivemos um período de recuo dessa democracia. Pois os comportamentos econômicos são cada vez mais desinstitucionalizados e submetidos ao mercado ou aos estados-maiores das grandes empresas em vez de subordinar-se às decisões políticas e às leis, enquanto os comportamentos culturais conhecem por seu turno evolução semelhante, e a lei intervém cada vez menos no domínio dos costumes. A opinião pública tomou consciência desse isolamento do sistema político: ela considera os partidos como empre-sas políticas que produzem eleitos como empresas de comunicação produzem campanhas publicitárias, e aconte-ce muitas vezes que uma delas se torna o conselheiro em comunicação, ou seja, de fato o conselheiro político dum candidato ou dum dirigente de partido.

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88 História e relações de classe

Nas palavras de Touraine, podemos compreender que para ele a democracia, em seu sentido real, estaria em declínio, ou seja, parece que no campo democrático as grandes aspirações encontram-se à mercê das múltiplas determinações de uma economia de mercado globalizada e marcadamente exclu-dente, isolando o próprio sistema político. Como o sujeito enquanto ator poderá “aparecer” nesse contex-to? Essa é uma questão relevante e talvez por essa razão Gadea e Warren trabalham com a concepção de declínio da democracia, na medida em que não consegue oferecer respostas, de caráter institucional, às reivindicações sociais. Onde estará o sujeito enquanto ator nesse contexto? Em Touraine, o sujeito encon-tra-se presente em todos os lugares onde pode ser revelada a vontade de ser, ao mesmo tempo, memória e projeto, cultura e atividade (GADEA; WARREN, 2006).

Touraine – em suas concepções de movimentos sociais, de sujeito e de democracia – é ponto de referência para compreensão das determinações de nosso contexto social e histórico e os dilemas a ele pertinentes.

Texto complementarO que é um movimento social?

(TOURAINE, 2004, p. 239)

Um movimento social não é uma afirmação, uma intenção: é uma dupla relação a um adver-sário e a um desafio. Jamais atinge uma integração perfeita desses dois componentes, portanto, na maioria dos casos, tem apenas um nível de projeto baixo, isto é, uma fraca integração de sua virada do desafio cultural, do seu conflito com o adversário e do que liga essas duas relações, sendo, a repre-sentação que tem da dominação exercida por seu adversário sobre o desafio cultural da luta. Não se deve aceitar com muita facilidade o esquema que empreguei muitas vezes e que parece puramente descritivo.

O movimento social é aí representado como a combinação de um princípio de identidade, de oposição e de totalidade. É necessário, para travar um combate, saber em nome de quem, contra quem e em que terreno se vai combater? Reduzido a essas ideias simples, o esquema se aplica a to-das as condutas sociais, dado que todas colocam o ator em uma relação e não há relação sem campo social. O que caracteriza o movimento social é, antes de tudo, que o desafio aqui é a própria historici-dade e não a decisão institucional ou a norma organizacional. Os atores são classes únicas, definidos por suas relações conflituosas com a historicidade. Em segundo lugar, a interdependência dos desa-fios e dos atores, marcada na forma triangular do esquema, enquanto nunca é nos outros tipos de condutas coletivas. Em um sistema político, os atores podem ser definidos independentemente uns dos outros, ao menos em certa medida, como diferentes categorias socioeconômicas que se esfor-çam para obter uma subvenção de um Estado ou um sistema fiscal que lhes seja favorável e o campo de suas lutas de influência é definido independentemente deles, pela lei ou pelo Estado. Em uma or-ganização, as relações de autoridade se exercem no interior de normas gerais, o que explica porque neste nível existe a tentação de separar sistema e atores, estrutura e poder. Ao contrário, jamais repe-tirei o número suficiente de vezes que historicidade e classes sociais não podem ser concebidas em separado. É necessário, portanto, reconhecer, no esquema [identidade–oposição–totalidade], muito mais que uma descrição aceitável para todos sem dificuldade.

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História e relações de classe 89

Dica de estudoTOURAINE, Alain. Poderemos Viver Juntos?: iguais e diferentes. Petrópolis: Vozes, 2003.

Este livro trabalha com muitos elementos importantes da teoria de Touraine, sua concepção de sujeito, de democracia e de movimentos sociais.

Atividade1. Verifique, no contexto da atualidade, se muitos dos movimentos sociais que se encontram pre-

sentes na realidade brasileira podem ser assim denominados ou se manifestam enquanto anti-movimentos sociais na medida em que neles o sujeito (ator) não pode se revelar. Registre suas conclusões.

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90 História e relações de classe

ReferênciasGADEA. Carlos A.; WARREN, Ilse Scherer. A Contribuição de Alain Touraine para o Debate Sobre Sujeito e Democracia Latino-Americanos. Revista de Sociologia e Política, n. 25, jun. 2006, p. 165-175.

LALLEMENT, Michel. História das Ideias Sociológicas: de Parsons aos contemporâneos. Petrópolis: Vozes, 2004.

TOURAINE, Alain. La voix et lê regard. In: LALLEMENT, Michel. História das Ideias Sociológicas: de Parsons aos contemporâneos. Petrópolis: Vozes, 2004.

TOURAINE, Alain. Poderemos Viver Juntos?: iguais e diferentes. Petrópolis: Vozes, 2003.

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Concepções acerca da sociedade pós-moderna

Zygmunt Bauman

Autor e sua teoria: conceitos fundamentais e principais pressupostos teóricosO sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925) é considerado hoje um dos autores que mais tem

trabalhado com os determinantes de nosso tempo e mesmo da pós-modernidade. Em suas obras, Bauman traz à tona elementos variados que falam do homem contemporâneo, abalando nossas mais arraigadas crenças, nossa visão de homem e de mundo. É um questionador de nosso tempo. Podemos dizer que Bauman questiona todo um “espírito de época”, vendo no homem contemporâneo um ser de-senraizado e com grande dificuldade para estabelecer vínculos consistentes. É o homem que perten-ce ao que Bauman vai denominar como modernidade líquida, e assim poderíamos dizer com o próprio Marx: “tudo que é sólido desmancha no ar”.

Bauman tem uma concepção de Sociologia enquanto uma disciplina que interage com outros cam-pos do conhecimento, que dialoga com outras áreas, principalmente a Filosofia, a Psicologia social e ele-mentos da narrativa. Bauman, na atualidade, é um dos principais teóricos das consequências do processo de globalização. Ele a analisa não somente em seu ponto de vista econômico, mas fundamentalmente com relação aos seus efeitos na vida cotidiana de indivíduos e grupos, como uma mudança de caráter ra-dical e irreversível. Bauman vê no processo de globalização elementos que geraram profundas transfor-mações nas estruturas do Estado, nas condições de trabalho, nas relações entre os Estados, na constituição da própria subjetividade coletiva, na produção cultural e na vida cotidiana, bem como nas relações entre o eu e o outro. Assim, a globalização pode ser uma modernidade líquida, ou seja, um fenômeno social que não permite consistências no campo das relações sociais, não permite vínculos sociais consistentes, enrai-

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92 Concepções acerca da sociedade pós-moderna

zamentos e fortes sensações de pertencimento na medida em que a sociedade atual, sob o processo de globalização, acabou por deixar um marco de incertezas no que concerne às identidades sociais, culturais e sexuais (VECCHI, 2005).

A realidade econômica, política e social contemporânea encontra-se drasticamente alterada. Alterações abruptas para as quais os campos de análise em várias áreas do conhecimento, notadamen-te a Sociologia, de certa forma têm que “se apressar” a interpretar, a investigar e a analisar. O modo de produção capitalista tem apresentado novos contornos, novas configurações, para as quais as questões de fundo que surgem são:

Em que sociedade estamos vivendo? ::::

Quais os reais efeitos e consequências humanas que estão sendo gerados pelo processo de ::::globalização?

Qual a efetiva prática discursiva a ser adotada para a busca de uma análise interpretativa da ::::realidade presente?

Bauman é o autor contemporâneo que busca investigar, interpretar e analisar os processos que estão transformando a realidade e a vida do homem nessa mesma realidade.

No contexto das obras de Bauman, encontramos um ponto central, um fio condutor que nos per-mite compreendê-lo: as próprias ameaças implícitas à liberdade individual e a construção de um sujeito desenraizado, em crise porque não sabe adequadamente qual será o seu lugar nesse mundo globaliza-do e marcadamente excludente.

Afirma Bauman (2005, p. 33):

Com os fones de ouvido devidamente ajustados, exibimos nossa indiferença em relação à rua em que caminhamos, não mais precisando de uma etiqueta rebuscada. Ligados no celular, desligamo-nos da vida. A proximidade física não se choca mais com a distância espiritual. Com o mundo se movendo em alta velocidade e em constante aceleração, você não pode mais confiar na pretensa utilidade dessas estruturas de referência com base na sua suposta durabilidade (para não dizer atemporalidade!). Na verdade, você não confia nelas nem precisa delas. Essas estruturas não incluem facilmente novos conteúdos. Logo se mostrariam muito desconfortáveis e incontroláveis para acomodar todas as identidades novas, inexploradas e não experimentadas que se encontram tentadoramente ao nosso alcance, cada qual oferecendo benefícios emocionantes, pois desconhecidos e promissores, pois até agora não depreciados. Rígidas e pegajosas, também é difícil livrar essas estruturas dos velhos conteúdos quando chega a sua “data de validade”. No admirável mundo novo das oportunidades fugazes e das seguranças frágeis, as identidades ao estilo antigo, rígidas e inegociáveis simplesmente não funcionam.

Nas palavras de Bauman, podemos verificar os elementos que compõem a sua análise crítica de nossa realidade social vivenciada. Bauman articula vários campos do conhecimento, sempre permitin-do uma análise acurada da realidade. E a partir de agora vamos nos envolver com alguns conceitos e concepções de Bauman acerca de alguns conceitos fundamentais. Em um primeiro momento, o concei-to de globalização, que se encontra intimamente relacionado com o Estado, no sentido de que o Estado não possui mais o poder ou o desejo de propiciar uma união, um vínculo sólido com a nação. Em um se-gundo momento, veremos o conceito de ambivalência.

Diante da globalização, aos poucos a instituição do Estado deixa de necessitar, como afirma Bauman, de “suprimentos de fervor patriótico”. Para o autor, “[...] até mesmo o patriotismo, o ativo mais zelosamente preservado pelos Estados-nação modernos, foi transferido às forças do mercado e por elas remodelado para aumentar os lucros dos promotores do esporte, do show business, de festividades co-memorativas e da indústria memorabilia.” (BAUMAN, 2005, p. 34)

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Concepções acerca da sociedade pós-moderna 93

Observemos que, em sua concepção da realidade, Bauman vai elaborando elementos que de-monstram os aspectos nos quais estamos a desconstruir a solidez de nossa realidade moderna. Portanto, verificamos que a própria pós-modernidade poderia ser concebida enquanto um processo de descons-trução da racionalidade instaurada pela modernidade, na qual temos o império da racionalidade e o predomínio da razão.

Na modernidade, refletida normativamente sobre a sociedade, podemos compreender as suas tendências totalitárias no sentido de que ela gera-se pelo universalismo, ou melhor, por uma concepção universalista da realidade. Assim, a ordem a ser construída envolve uma “homogeneidade compulsória”, fazendo com que o primeiro dano recaia sobre a liberdade individual. O que podemos verificar é que já no contexto da pós-modernidade a estrutura parece ser inatingível, no sentido de que tudo se encon-tra fluído, não estruturado. Nesse contexto de incertezas que caracteriza a pós-modernidade, a busca se faz pelo encontro da identidade, talvez pelo encontro de identificações que permitam o retorno de uma “sensação de pertencimento”. Afirma Bauman (2005, p. 41-42):

Levando-se tudo em consideração, as paredes e os pátios das fábricas não parecem mais suficientemente seguros como ações nas quais se possam investir as esperanças de uma mudança social radical. As estruturas das empresas capitalistas e as rotinas da mão de obra empregada, cada vez mais fragmentadas e voláteis, não parecem mais ofere-cer uma estrutura comum dentro da qual uma variedade de privações e injustiças sociais possa (muito menos tenda a) fundir-se, consolidar-se e solidificar-se em um projeto de mudança. Também não servem como campos de treinamen-to em que seja possível formar e treinar colunas de combatentes para uma batalha iminente. Não existe um lar óbvio a ser compartilhado pelos descontentes sociais. Com espectro de uma revolução proletária capitulando e dissipando-se, os ressentimentos sociais estão órfãos. Perderam a base comum sobre a qual era possível negociar e desenvolver ob-jetivos e estratégias comuns. Cada categoria em desvantagem está agora por sua própria conta, abandonada aos pró-prios recursos e à própria engenhosidade.

Na citação acima, Bauman está falando da liquidez que adquirem as relações no campo do traba-lho e da liquidez que adquirem esferas específicas de nossa realidade cotidiana. Estamos vendo, paula-tinamente, nas palavras de Bauman, que em suas análises críticas ele vai demonstrando a especificidade de nosso contexto pós-moderno, principalmente no que concerne à construção das identidades.

Afirma Vecchi (2005, p. 11):

A questão da identidade também está ligada ao colapso do Estado de bem-estar social e ao posterior crescimento da sensação de insegurança, com a “corrosão do caráter” que a insegurança e a flexibilidade no local de trabalho têm provocado na sociedade. Estão criadas as condições para o esvaziamento das instituições democráticas e para a pri-vatização da esfera pública, que parece cada vez mais um talk-show em que todo mundo vocifera as suas próprias justi-ficativas sem jamais conseguir produzir efeito sobre a injustiça e a falta de liberdade existentes no mundo moderno.

No contexto da pós-modernidade, o que podemos verificar, seguindo a lógica de Bauman, é que elementos anteriormente solidificados assumem agora novos contornos, novas configurações que dei-xam a marca da insegurança, pois de alguma forma indivíduos e/ou grupos parecem estar dizendo, no contexto de suas realidades, “não sei quem sou e nem qual é o meu lugar”. Novas identidades estão a se formar nesse mesmo contexto, mas identidades que não estariam mais a produzir elementos seguros que estabelecessem elos em práticas discursivas e de ação que possibilitassem uma luta contra a injus-tiça e a falta de liberdades consistentes.

E agora vamos trabalhar com o conceito de ambivalência. Bauman não trabalha este conceito, e sim a Psicologia, que considera que a ambivalência dá-se quando o indivíduo é habitado por dois sentimen-tos opostos. Bauman trabalha a ambivalência enquanto a linguagem que não traduz adequadamente a realidade e nem mesmo a compreensão adequada da realidade social vivenciada de uma modernidade líquida ou de uma pós-modernidade. Quando não podemos traduzir adequadamente a realidade, signi-

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94 Concepções acerca da sociedade pós-moderna

fica que não a compreendemos em essência, ou seja, nossa linguagem encontra-se “estreita” para com-preendê-la adequadamente. Se não conseguimos traduzir a realidade, nossa prática social e discursiva refletirá de igual forma essa inadequação. Dessa maneira, estaríamos reproduzindo em nossas ações as indeterminações da linguagem e não a realidade. Ao mesmo tempo, Bauman nos fala que nesse proces-so de ambivalência encontramos o espaço da liberdade, no sentido do “devir” (tornar-se) que é sempre possível, pois os caminhos não se encontram fechados, sempre havendo novas possibilidades.

No sentido que lhe dá Bauman, certamente vivemos no universo da ambivalência. Não consegui-mos traduzir perfeitamente nossa realidade, fato este que se reflete em nossas ações em sentido macro e em sentido micro. Observemos, ainda, que estamos em um contexto social e histórico que não nos leva à eliminação do aspecto negativo da ambivalência, mas sim a continuidade dessa ambivalência na medida em que os processos e condições de incerteza pertencentes ao contexto são internalizados pe-los indivíduos e/ou grupos, levando à deslocamentos entre ser e realidade, entre o ser e o outro, entre o mundo da vida e o sistema, como diz Habermas.

Em sua acurada percepção da realidade, afirma Bauman (2005, p. 20):

Estar total ou parcialmente “descolado” em toda parte, não estar totalmente em lugar algum (ou seja, sem restrições e embargos, sem que alguns aspectos da pessoa “se sobressaiam” e sejam vistos por outras como estranhos), pode ser uma experiência desconfortável, por vezes perturbadora. Sempre há alguma coisa a explicar, desculpar, esconder ou, pelo contrário, corajosamente ostentar, negociar, oferecer e barganhar. Há diferenças a serem atenuadas ou desculpadas ou, pelo contrário, ressaltadas e tornadas mais claras. As “identidades” flutuam no ar, algumas de nossa própria escolha, mas outras infladas e lançadas pelas pessoas em nossa volta, e é preciso estar em alerta constante para defender as primeiras em relação às últimas. Há uma ampla probabilidade de desentendimento, e o resultado da negociação permanece eternamente pendente. Quanto mais praticamos e dominamos as difíceis habilidades necessárias para enfrentar essa condição reconhecidamente ambivalente, menos agudas e dolorosas as arestas ásperas parecem, menos grandiosos os desafios e menos irritantes os efeitos. Pode-se até começar a sentir-se chez soi, “em casa”, em qualquer lugar, mas o preço a ser pago é a aceitação de quem em lugar algum se vai estar total e plenamente em casa.

Por certo, podemos pensar que se não conseguimos traduzir adequadamente a realidade na qual estamos contidos e que nos contém, a sensação é justamente a de estar ao desabrigo da compreen-são desta mesma realidade. Estamos em casa, sem efetivamente nos sentirmos em casa, reflexo de toda uma realidade marcadamente globalizada, excludente e ambivalente. Vamos conhecer nas palavras do próprio Bauman o seu conceito de ambivalência:

A situação torna-se ambivalente quando instrumentos linguísticos de estruturação se mostram inadequados; ou a situação não pertence a qualquer das classes linguisticamente discriminadas ou recai em várias classes ao mesmo tempo. A função nomeadora/classificadora da linguagem tem, de modo ostensivo, a prevenção da ambivalência com seu propósito. O desempenho é medido pela clareza das divisões entre classes, pela precisão de suas fronteiras definidoras e a exatidão com que os objetos podem ser separados em classes. E, no entanto, a aplicação de tais critérios e a própria atividade cujo progresso devem monitorar são as fontes últimas de ambivalência e as razões pelas quais é improvável que a ambivalência jamais se extinga realmente, sejam quais forem a quantidade e ardor do esforço estruturação/desordenação. (BAUMAN, 1999, p. 10)

Pelo que podemos observar, a ambivalência, essa inadequação da tradução do real, é intrínseca ao contexto histórico-social contemporâneo, notadamente em nosso contexto de uma sociedade glo-balizada e marcadamente excludente, pois Bauman nos fala de uma característica fundamental da glo-balização: ao mesmo tempo em que une, ela desune e exclui.

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Concepções acerca da sociedade pós-moderna 95

Texto complementar(BAUMAN, 2005, p. 90-91)

A ideia de que nada na condição humana é de uma vez por todas dado ou imposto, sem direito de apelo ou reforma – de que primeiro tudo precisa ser “feito” e, uma vez feito, pode ser mudado infinitamen-te – acompanha a era moderna desde o início. De fato, a mudança obsessiva e compulsiva (chamada de várias maneiras: modernização, progresso, aperfeiçoamento, desenvolvimento e atualização) é a essência do modo moderno de ser. Você deixa de ser “moderno” quando para de “modernizar-se”, quando abaixa as mãos e para de remendar o que você é e o que é o mundo a sua volta.

A história moderna também foi, e ainda é, um esforço contínuo para afastar os limites do que pode ser mudado à vontade pelos seres humanos e “aperfeiçoado” para melhor se adequar às ne-cessidades ou desejos destes. Foi também uma busca incessante por ferramentas e know-how que permitissem que os derradeiros limites fossem cancelados e abolidos completamente. Chegamos a ponto da esperança de manipular a composição genética dos seres humanos, que até recentemen-te era o exemplo perfeito da imutabilidade, da “natureza” a que os seres humanos devem obedecer. Seria estranho, sem dúvida, se até mesmo as facetas consideradas mais obstinadas da identidade, como o tamanho e a forma do corpo ou o seu sexo, permanecessem por muito tempo como uma ex-ceção resistente a essa tendência moderna totalmente abrangente.

Levou alguns séculos para elevar os sonhos de Pico della Mirandola, ou seja, de os seres huma-nos se tornarem como o lendário Proteu, que alterava a sua forma de um momento para o outro e ex-traía o que quisesse, no mesmo instante, de um recipiente de infinitas possibilidades – em termos de credo universal. A liberdade de alterar qualquer aspecto e aparência da identidade individual é algo que a maioria das pessoas hoje considera prontamente acessível, ou pelo menos vê como uma pers-pectiva realista para o futuro próximo.

Dicas de estudoBAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

______. Amor Líquido. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

______. Vida Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.

Essas importantes obras de Bauman têm uma linguagem clara e nos fazem pensar em muitos ele-mentos de nossa realidade contemporânea.

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96 Concepções acerca da sociedade pós-moderna

Atividade1. Trabalhando com o texto complementar e as citações de Bauman presentes nesta aula, confron-

te-os com os elementos de nossa realidade cotidiana, ou seja, um autêntico ato de aliar teoria e prática. Veja a realidade que passa nos meios de comunicação de massa e analise-a sob a óptica de Bauman. Registre suas conclusões.

ReferênciasBAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Ambivalência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.

______. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

______. Amor Líquido. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

______. Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

______. Vida Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.

HABERMAS, Jürgen. Teoria da ação comunicativa. In: LALLEMENT, Michel. História das Ideias Sociológicas: de Parsons aos contemporâneos. Petrópolis: Vozes, 2004.

VECCHI, Benedetto. Introdução. In: BAUMAN, Zygmunth. Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,

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Chaves analíticas fundamentais hoje

Nesta aula trabalharemos com elementos que permitem uma mais aprimorada compreensão da sociedade. Domingues (2004) levanta algumas questões de fundo.

Quais os elementos básicos de que se vale o sociólogo para analisar um fenômeno qualquer? ::::

Como ele divide a realidade de modo a conhecê-la melhor? ::::

Para responder a essas questões é necessário o que o próprio Domingues denomina como unida-de de análise, que pode ser perfeitamente compreendida enquanto categoria analítica, como conceito que construímos com o objetivo de – por meio de processos de abstração e do entrelaçamento dos fe-nômenos sociais – observar aspectos que ora se apresentam discretos e ora se apresentam específicos no contexto da realidade social.

Na atualidade, seguindo a lógica de Domingues (2004), encontramos dois eixos fundamentais de análise na Sociologia contemporânea: estrutura e ação. O conceito de estrutura, notadamente o conceito de estrutura social, é vital para a forma de se pensar a vida social. De certo modo, podemos dizer que to-dos os sistemas sociais possuem as suas estruturas sociais e é justamente por esse aspecto que se explica grande parte das diferenças entre sistemas sociais e padrões comportamentais humanos, que acabam por constituir o que se conhece por vida social.

Afirma Johnson (1997, p. 98):

A estrutura de um sistema social pode ser analisada em termos de duas características – relações e distribuição. As re-lações ligam entre si as várias partes do sistema e, daí, ao sistema como um todo. As “partes” podem variar das posições que indivíduos ocupam a sistemas inteiros, como grupos, organizações, comunidades e sociedades. As relações que li-gam as partes têm características estruturais. A segunda característica estrutural de um sistema social inclui vários tipos de distribuição. O poder pode ser distribuído igualmente, como nas democracias, ou desigualmente, como na família pa-triarcal tradicional. De maneiras análogas, podemos descrever a distribuição estrutural de vários outros produtos e re-cursos da vida social, da riqueza, renda e propriedades a prestígio e acesso à educação e aos serviços de saúde. Podemos também examinar a distribuição de indivíduos entre as várias posições do sistema social.

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98 Chaves analíticas fundamentais hoje

Johnson deixa claro que as estruturas envolvem relações e distribuição, de modo que essas rela-ções e sua distribuição se constituem nas partes do todo social, mantendo-o íntegro, unido. Também te-mos a categoria da ação, que sempre recobre um comportamento de caráter intencional cuja base é a ideia de como outras pessoas o interpretarão e a ele reagirão (JOHNSON, 2004). Johnson praticamente retoma aqui a concepção de ação social estabelecida por Max Weber. Para Domingues (2004), o elemen-to fundamental para a teoria sociológica é justamente a relação entre estrutura e ação.

Esses dois conceitos ou categorias analíticas (relações e ações), centrais no estudo da vida social, giram em torno da relação entre indivíduos e os sistemas sociais dos quais os indivíduos fazem parte (JOHNSON, 2004). Um aspecto importante é que o próprio sistema social se constitui enquanto resulta-do da ação. Assim, toda a teoria sociológica é determinada por esses dois elementos: estrutura e ação. Domingues levanta novamente questões importantes: “Seria o indivíduo totalmente autônomo, ou até que grau estaria determinado pela sociedade? Seria esta superior e prévia a ele, ou seria um elemento importante na construção da ordem social?” (DOMINGUES, 2004, p. 17-18). As questões formuladas por Domingues nos fazem pensar exatamente na necessidade de categorias de análise ou um eixo funda-mental de análise para podermos chegar a uma conclusão sociológica dos fenômenos sociais. Estrutura e ação funcionam como esse eixo.

Afirma Domingues (2004, p. 18):

O conceito de estrutura ou, de modo mais amplo, as diversas formulações conceituais que buscam salientar o peso que arranjos sociais prévios exercem sobre os atores destacam o aspecto coercitivo desses arranjos (por exemplo, Durkheim falava da “consciência coletiva” e Parsons, das “normas sociais”). Dando atenção a esse aspecto, faz-se notar o fato de que a “estrutura” é também capacitadora dos atores (no caso de Giddens e Bourdieu).

Podemos constatar, não somente nos autores clássicos do pensamento sociológico, a preocupa-ção com a relação entre indivíduo e estrutura. Porém, os autores contemporâneos também mantêm a mesma preocupação entre a relação do ator social e as determinações da estrutura. Para Bourdieu, a so-ciedade pode ser concebida enquanto um mecanismo produtor de dominação – a qual pode ser enten-dida enquanto violência simbólica, sendo que seu funcionamento é completamente desconhecido por indivíduos e grupos em sua atuação na sociedade. Portanto, para Bourdieu, a função do sociólogo seria por em evidência essas mesmas estruturas de dominação, desconhecidas por aqueles que a sofrem – ou seja, por aqueles que se encontram sob sua pressão, a pressão da dominação (LALLEMENT, 2004).

Em Giddens, temos a teoria da estruturação. Em Foucault, a preocupação de trabalhar as estru-turas de poder enquanto constituintes dos sujeitos. Assim, em maior ou menor grau, nesse eixo teórico (se assim podemos chamá-lo) a estrutura perpassa em grande medida a preocupação dos sociólogos clássicos e contemporâneos. Contudo, não esqueçamos que a estrutura possui duas características que lhe marcam profundamente: a relação e a distribuição. De certa maneira, autores clássicos e contempo-râneos no campo da Sociologia trabalharam em profundidade os aspectos da relação entre indivíduo e estrutura, bem como a distribuição. Em Foucault, o que se investiga é a distribuição dos poderes no contexto da sociedade. Vale ressaltar que Foucault não foi um sociólogo, mas por muitos autores é con-siderado um grande teórico da sociedade.

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Chaves analíticas fundamentais hoje 99

Segundo Domingues, a ideia de ação, que em si mesma envolve a concepção de interação, é o processo que ocorre quando temos indivíduos agindo em relação recíproca em um determinado con-texto social (JOHNSON, 1997). Se vincularmos a ação à interação, trabalharemos com a própria relação entre ação e comportamento, no sentido de que o comportamento envolve tudo o que um indivíduo faz, ou seja, sua prática, sua atuação. Porém, ainda que envolva uma prática individual, a ação implica a intencionalidade, isto é, intencionalidade que abrange ação e reação, de modo que, quando pensamos em interação social, devemos compreender que percebemos outras pessoas e situações sociais e ao mesmo tempo as temos por base. É justamente nesta base que resolveremos agir de forma a construir sentidos, significados que queremos transmitir. O sentido é praticamente o definidor da ação social e, consequentemente, do que podemos denominar como processo de interação.

A ação é sempre analisada dentro do seu método de investigação, ou seja, a própria teoria da ação. Segundo Weber, não se pode compreender o que as pessoas fazem sem que se tenha a ideia de como, de forma subjetiva (atribuindo sentidos e significados às coisas da realidade social), elas interpre-tam seu próprio comportamento, sua própria atuação (JOHNSON, 1997). Essa interpretação de sua atu-ação e da própria realidade social vivenciada pede aos cientistas sociais, notadamente os sociólogos, que envolvam a empatia na compreensão da vida social (JOHNSON, 1997), pois no campo da Sociologia contemporânea o que se encontra presente é justamente a relação sempre existente entre objetivida-de e subjetividade. Segundo Domingues (2004), quando trabalha a questão da ação e seu significado no campo da análise sociológica, a ideia de ação individual encontra-se dependente, interligada com a ideia de memórias compartilhadas por indivíduos e/ou grupos. Nesse sentido, a concepção de memó-rias compartilhadas permite que se possa pensar na estruturação da vida social, para além do indivíduo. É por esta razão que se tem a relação entre interioridade e exterioridade.

A exterioridade é constituída da estrutura social, a objetividade do contexto social, com suas re-gras, normas e determinações ou múltiplas determinações, e pela internalização das determinações presentes no contexto social mais amplo. Domingues é muito feliz quando menciona a questão de me-mórias compartilhadas, pois a ação a elas vinculada estabelece, de forma mais profunda no campo das discussões sociológicas, esta mesma relação de subjetividade e objetividade, tão cara à discussão con-temporânea das ciências sociais hoje.

Afirma Domingues (2004, p. 19):

Assim, com maior ou menor força, remetendo mais ou menos longamente ao passado ou atendo-se, em certa medi-da ao presente, a ideia de que a ação individual depende de memórias compartilhadas pelos indivíduos se faz presen-te. Sem dúvida, há muitas formas de pensar o surgimento dessas memórias, que fornecem então os parâmetros para o comportamento dos indivíduos e a partir das quais se estrutura a vida social. Internalizadas pelo sujeito ou mantendo-se meramente externas a ele, mais ou menos determinísticas, assim como mais ou menos fluidas ou rígidas, as memó-rias sociais permitem-nos sempre pensar, no entanto, a estruturação da vida social, para além do indivíduo.

O conceito de memórias compartilhadas nos permite trabalhar com a estrutura e com a ação, ou seja, com objetividade e subjetividade. Dessa maneira, estamos diante de elementos que nos permi-tem a construção de uma unidade de análise: estrutura, ação e, segundo Domingues, memórias com-partilhadas, que nos permitem trabalhar com a questão da própria memória social. Os autores clássicos e contemporâneos da Sociologia podem ser trabalhados dentro da perspectiva da unidade de análise. Esta contribuição de Domingues, em sua análise das teorias sociológicas no século XX, é fundamental.

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100 Chaves analíticas fundamentais hoje

Texto complementar

Teorias sociológicas contemporâneas(DOMINGUES, 2004, p. 97-98)

Se compararmos as teorias sociológicas contemporâneas com aquelas formuladas no século XIX e início do século XX, veremos que, não obstante a genialidade de autores como Marx, Weber, Durkheim ou Simmel, os avanços foram enormes. Isso é verdade tanto em termos de abrangência quanto de profundidade e detalhamento. Na abrangência, as áreas e os tipos de questões cobertas pelas teorias em muito se ampliaram. Na profundidade, é cabal o aumento da capacidade não apenas descritiva, mas, sobretudo de sua maior sofisticação explicativa. No detalhamento, dificilmente pode-se ignorar a acuidade e o foco, por vezes muito localizado, que ressalta do tratamento desenvolvido por certos autores e correntes. Somando-se tudo, uma comparação com os autores clássicos eviden-cia o progresso alcançado nos últimos anos, o que se reflete no maior nível de generalidade ou abs-tração que as teorias sociológicas hoje demonstram, conquanto isso as torne de mais árdua leitura e assimilação.

Agregue-se a isso que a Sociologia vem se beneficiando grandemente de avanços cruciais em outras áreas da teoria social. Isso é evidente, em particular, nas sínteses contemporâneas [...] [que têm] feito contribuições decisivas no que concerne a aspectos mais circunscritos da realidade social. É certo que os elementos ideológicos e utópicos que informam as teorias emprestam-lhes caracterís-ticas, inflexões e preferências particulares, porém seu diálogo mútuo e o confronto com a vida social possibilitam que esses condicionamentos não signifiquem uma incapacidade de dar conta do real e progredir em seu conhecimento, embora esse progresso esteja longe de ser linear ou total. Os con-flitos sociais e teóricos contribuem para levantar questões e soluções conceituais que podem passar despercebidas para outras correntes, sendo que, uma vez lançada à discussão, em geral teimam em não desaparecer.

Dica de estudoDOMINGUES, José Maurício. Teorias Sociológicas no Século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.

É um livro importante porque o autor trabalha com os autores clássicos e contemporâneos da Sociologia, sempre estabelecendo a relação entre ação e estrutura.

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Chaves analíticas fundamentais hoje 101

Atividade1. Faça um quadro comparativo envolvendo todos os autores aqui mencionados, trabalhando fun-

damentalmente com a concepção de indivíduo e sociedade, e também com a questão da ação e da estrutura.

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ReferênciasDOMINGUES, José Mauricio. Teorias Sociológicas no Século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.

JOHNSON, Allan G. Dicionário de Sociologia: guia prático da linguagem sociológica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

LALLEMENT, Michel. História das Ideias Sociológicas: de Parsons aos contemporâneos. Petrópolis: Vozes, 2004.

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Anotações

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SociologiaContemporânea

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SociologiaContemporânea

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Fundação Biblioteca NacionalISBN 978-85-387-3049-1

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