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GRGAl'nlADOR€S Glaucia Muniz Proen~a Lara Ida Lucia Machado Wander Emediato AUiOR€S Dominique Maingueneau Eliana Amarante Mendes Elisson Morato Glaucia Muniz Proen~a Lara Jacques FontaniJIe jean-Claude Soulages Jose Luiz Fiorin Lucia Teixeira Maria Amonieta Cohen Maria Aparecida Pauliukanis Patrick Charaudeau Rosane Mannerat Ruth Amossy Wander Emediaro AA _ LUCERNA INSTRUMENTOS DE ANALISE DO DISCURSO NOS ESTUDOS TELEVISUAIS 1 o encontro da analise do discurso e dos estudos televisuais nos coloca diante de um certo numero de dificuldades que engajam 0 pesquisa- dor em uma serie de revisoes tanto de ordem te6rica como metodol6- gica. Historicamente nascida e elaborada a partir de trabalhos realiza- do~ sobre materiais linguageiros, majoritariamente nos niveis escritos e orais, a analise do discurso academico sobre 0 objeto televisual corre o risco de sucumbir a dois niveis provenientes de dois pressupostos. Um pressuposto de ordem epistemol6gica: a significayao discursiva se imporia atraves de filtros da lingua ou da fala; e um pressuposto de ordem metodol6gica que comporta implicayoes ideol6gicas: esta mesma significayao linguageira transcenderia a dimensao rnidiatica das produ~oes diseursivas observadas. Sobre 0 primeiro ponto, embora 0 estado atual da ciencia nao perrnita avanyar um desmentido categ6ri- co, nem qualquer confirmavao, s6 podemos lamentar tal forma de "na- turalizavao" de origem exclusivamente lingiiistica do sentido. Sobre 0 segundo ponto, fazendo uso de um reducionismo provocante, pode- riamos afirmar que, na maior parte do tempo, a analise do discurso se confronta - sem sabe-Io ou taIvez esquecendo-o - com produyoes essencialmente industriais-rnidiaticas, cuja mediatividade eIa, com fre- qiiencia, contribui para ocultar.

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Análise do discurso

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GRGAl'nlADOR€SGlaucia Muniz Proen~a LaraIda Lucia MachadoWander Emediato

AUiOR€SDominique MaingueneauEliana Amarante MendesElisson MoratoGlaucia Muniz Proen~a LaraJacques FontaniJIejean-Claude SoulagesJose Luiz FiorinLucia TeixeiraMaria Amonieta CohenMaria Aparecida PauliukanisPatrick CharaudeauRosane ManneratRuth AmossyWander EmediaroAA

_ LUCERNA

INSTRUMENTOS DE ANALISEDO DISCURSO NOS ESTUDOSTELEVISUAIS1

o encontro da analise do discurso e dos estudos televisuais nos colocadiante de um certo numero de dificuldades que engajam 0 pesquisa-dor em uma serie de revisoes tanto de ordem te6rica como metodol6-gica. Historicamente nascida e elaborada a partir de trabalhos realiza-do~ sobre materiais linguageiros, majoritariamente nos niveis escritose orais, a analise do discurso academico sobre 0 objeto televisual correo risco de sucumbir a dois niveis provenientes de dois pressupostos.Um pressuposto de ordem epistemol6gica: a significayao discursivase imporia atraves de filtros da lingua ou da fala; e um pressupostode ordem metodol6gica que comporta implicayoes ideol6gicas: estamesma significayao linguageira transcenderia a dimensao rnidiatica dasprodu~oes diseursivas observadas. Sobre 0 primeiro ponto, embora 0

estado atual da ciencia nao perrnita avanyar um desmentido categ6ri-co, nem qualquer confirmavao, s6 podemos lamentar tal forma de "na-turalizavao" de origem exclusivamente lingiiistica do sentido. Sobre 0

segundo ponto, fazendo uso de um reducionismo provocante, pode-riamos afirmar que, na maior parte do tempo, a analise do discurso seconfronta - sem sabe-Io ou taIvez esquecendo-o - com produyoesessencialmente industriais-rnidiaticas, cuja mediatividade eIa, com fre-qiiencia, contribui para ocultar.

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Tal problema nos impulsiona e nos obriga, quando se trata de estu-dar os "discursos tek"Visuais", a tomar urn certo numero de precau~oese, por conseqiiencia, tentar superar esses limites.Trata-se, em primeirolugar, de construir diferentemente 0 objeto de estudo, mesmo se oscorpora retidos em sua materialidade SaDcompostos, em larga medida,por enunciados lingi.iisticos (a exemplo dos debates televisionados).Nesse ultimo caso, nao se pode nunca perder de vista que tais ocor-rencias linguageiras nao sao mais que resultados de urn fenomeno dedecanta'rao que 0 analista operou, separando a dimensao midiatica <lamensagem. Trata-se, portanto, de reintegrar essa dimensao e, em se-gundo lugar, sc possivel, de propor novos instrumentos de analise es-pedficos para a imagem cinetica que podem nos permitir tomar umacerta distancia ern rela~ao a certos paradigmas semiolingiiisticos ousociologicos que dominam 0 campo sem possuir os meios epistemo-logicos para tal. Isso resulta em uma redu~ao dessas produ~oes culturaisseja a textos fechados, seja a posturas; enunciativas hegemonicas ouainda a efeitos de influencia realizados. Seu principal defeito e 0 deconfundir constantemente a fronteira entre produ~ao e recep'rao <lasmensagens, substituindo uma pela outra em urn meio-tcrmo que sedispersa num "dizer circulante" sobre 0 objeto televisual. Uma posi~aoaltemativa cOllsiste, desde entio, em se apoiar num certo numero deinstru~oes linguageiras e comunieacionais indissociaveis do dispositi-vo midi:itieo proprio :i televisao a fun de buscar urn novo quadro de

descri~ao.

re, ao mesmo tempo e segUQdo modalidades variaveis, para instituir acada vez Urn quadro participativo para seu proprio espeetador. Opera~aoque parece mais opaca e mais univoc. para a lingua que pt:OlpDc •••uma simples tradu~ao analitica (e~) attMs de sua coloca'raoem palavras e nunea urn "como se" espacia1-sel1Sitivo.0 que estabelece,de fato, a imagem televisual e a possibilidade de uma serie de rela,~Oestransitivas para urn mundo possivel, figurado, que passa a tomar formapor meio desses "automatos espirituais"2 audiovisuai~ que irnitam a per- .cep'rao humana. Desses postulados resulta urna serie de implica'roes.

Pode-se sustentar, em primeiro lugar, que a opera~ao de televisuali-za~ao - alem da questao de urna certa referencialidade - propoe umifeito mundo carregado de afetos e de percep~oes, e nao, como muitosestimam, urn efeito de discul'llo ou de texto. Essa r\o~ao dillanuca eperfotmativa de imagem-mundo perrnite evacuar numerosas proje~oesmais ou menos involuncirias, quer dizer, 0 percurso refratado por esseespelho enunciativo ou discursivo que certos analistas do cinema ouda televisao nos apresentam. A essa dimensao figurativa e sensitiva pri-meira vem-se juntar uma dirilensao pragmatica e comunicativa. Ora,se a televisao das origens foi observada num primeiro tempo comoum lucamo magico e inaravilhoso, suporte inedito de atra~oes, elarapidamente deixou esse estatuto de simulacro para assumir 0 de rni-

dia de comunica~ao. Ao fmal do processo, 0 telespectador nao e maisapenas um espectador; ele e antes de tudo 0 membro de urn publico,destinacirio de performances que detem doravante, no centro do mer-cado das indwtrias eulturais, 0 final cut.Tal presen~a se confunde comessa Figura que Eliseo Veron denomilla "prodestinacirio", na maioriados tipos de comunicas:ao ostentadora e regulada - "visado atraves demecanismos de refor~o da cren~a partilhada" (VERON, 1988, p. 13). EsseprotagOlusta e cada vez mais design ado e, contratualmente ou institu-cionalmente, enquadrado por rituais sociodiscursivos que concorrempara gerar uma forma de co-presen'ra no interior mesmo das emi~soes

De inlcio, toda produ~ao midi:itica deve ser considerada como 0 resul-tado de uma performance publica programada. No casu da televisao,convem acrescentar que eia e 0 produto da encarna~ao de urn artiffcioperceptual. Na linha da genealogia da representas:ao figurativa, esse ava-tar perceptual, que a telinha representa, deve ser observado lUltesde tudocomo urn gerador de mundos "hurnanamente percebidos" que concor-

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(olhar dirigido,postura frontal, plano dos movimentos do quadro,etc.).a fluxo das emissoes de televisao leva a marca desses procedimentosde enquadramento genericos e institucionais que nutrern a performa-tividade de dispositivos televisuais, sustentando quadros participativosdos mais variados (0 do telejomal,o dos jogos, 0 dos programas deaudit6rio, de variedades, debates, etc.).

Em razao de uma penurhi evidente de instrumentos de anilise,numerosos estudos sobre produ~oes televisuais buscaram reconduziruma ambigiiidade bastante difundida sobre 0 posicionamento do te-lespectador diante das imagens que consiste em querer a todo pre~o"ficcionalizar" a rela~ao que este mantem com aquelas. Isso s6 fezreconduzir, sob novas formas, certas modalidades de apropria~ao e deconsumo que 0 romance ja tinha contribuido a disserninar nos leito-res. Seguindo procedimentos bem pr6ximos, a ficyao audiovisual bus-cou balizar constantemente esse mesmo percurso linear, e em grandeparte fechado, par tornadas ofertadas a s;eus espectadores, disseminadasna configurayao deliberadamente autarquica da textualidade 61mica.Dayan (1984,p. 137-149) contribuiu para dissipar essa confusao tenazque persiste do lado da recepyao: "as espetaculos de publico repou..:sam sobre uma performance do espectador como membro de urn publi-co, sabre urna performance publica de urn espectador. as espetkulos deespectador veem uma tal performance desaparecer para ser retomada,simulada pelo texto. Tudo se passa como se a participayao desse ultimofosse apenas uma interiorizayao, uma transposiyao sobre 0 registro pri-vado de urna performance social."

Ora, a midia te1evisual ultrapassou e multiplicou 0 contexto de usoexclusivo (ficcional) que tinha contribuido para instituir 0 cinema, elao ampliou consideravelmente propondo novas 16gicas de uso social,informativo, ludico, passional. voyeur, etc. A esses novos modos de per-formance publica corresponde agora urn novo consumidor: urn ddadiioC4t6dico, avatar de uma grade de programas. Nesse sentido, todo progra-ma de te1evisao repousa sobre uma performance do telespectador comomembro de uma comunidade de publico (e, e claro, essa criatura midi-

itica nao sera a mesma no Brasil e na Fran~a). Convem entao falar deperformances midiatico-discursivas concernentes a televisao.

Essa nOyao de performatividade ampliada alia duas dimensoes: porurn lado, a fusao da a~ao e a linguagem, que caracteriza sobre 0 planoda intera~ao 0 performativo austiniano; uma emissao de televisao e, an-tes de tudo, uma cerimonia-acontecimento inserida em Uma grade deprogramas, com suas visadas, seu enquadramento generico, seu formato,seu limite e seu processo de interayao-consumo, sinonimo na maioriados casos de seu puro e simples desaparecimento. Por outro lado, cadaprograma comporta tambem uma dimensao pragmatica mais extensa,que diz respeito a publiciza~ao de uma performance discursiva que tocanao somente 0 telespectador como membro do publico, mas 0 ator so-cial e cultural,membro do espayo publico de uma sociedade com todasas visadas de infiuencia que atravessam esse ultimo e do qual a televisaoconstitui hoje a pet;a maisimportante. Desse ponto de vista, tal no~aose aproxima da que Butler (1999, p. 247) propoe quando afirma que "0

performativo nao e apenas uma pratica ritual: e um dos rituais maiores

pelos quais os sujeitos sao formadas e reformulados".

Sobre as produt;oes da telinha, pode-se, considerando a construyaote6rica apresentada em outro trabalho (SOULAGES, 1998), destacar tresdispositivos constitutivos desse regime de performatividade da represen-tayao televisual: os dispositivos de fic~ao, de mostra~ao e de especiculo.a primeiro desses dispositivos agrupa os "espetaculos a espectador"produtores de urn espedador jn fabula e corresponde ao regime domi-nante dos enunciados ficcionais. as dois outros configuram a maioriados enunciados de realidade remetendo a urn prodestinatario explicito,que e 0 telespeetador enquanto membro de uma comunidade de pu-blico (partilhando urn saber comum e transformado em protagonistadesignado do especiculo de uma performance midiatica). a primeirodeles possui uma visada puramente referencial e perpetua esse "regime

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a) Uma postura escopica com fmalidade narrativa e ficcional, vol-tada para 0 agenciamento e ordenamento de urn mundo pos-sivel, atraves de urn dispositivo ficcional que repousa sobre aeonstrwyao de urn universe magieo homogeneo. Ele e emble":matico do "espetaculo a espectador" evocado por Daniel Dayanem oposi~ao ao "espetaculo de publico". Esse dispositivo se de-fine por um feehamento diegetieo e a suspensao da exigenciade refereneialidade na esfera indicial do destinatario. Adotandoprocedimentos espedficos, em sua maioria herdados do cinema,e que conferem urn privilegio ao quadro-eena, ele visa provoearem seu espeetador um processo de identifiea~ao-proje~ao corno universo reconstituido, segundo uma 16giea de um mundoverossimil, e nao mais verdadeiro.

b) Urna postura esc6pica com finalidade puramente epistemica,voltada para urn suplemento de saber que se enearna em urndispositivo de mostrafiio no qual a enuncia~ao visual se estabe-Ieee sobre um efeito de transparencia, atraves do qual 0 uni-verso rnostrado pareee se dar sem media~ao explicita - 0 que

Metz (1977) chama de "iden~ao primiria com a camer;a'·.Caracteristico, Ift3!S nio exclusivo, dos generos informativos, derege urn conjunto de formas 6lmicas, colocand~ f:OliltO 0lI

tantos lugares de apresenta~ao de urn mundo do acontecimen-to, preservado de toda forma de "agenciamento" e dado comoincontescivel "verdade". Esse dispositivo, recobrindo diversasfiguras especificas entre as quais 0 quadro-percurso, recobre essen-cialmente os enunciados de realidade que oferecem ao telespec-tador, gra~as a rede televisual, a garantia de uma conexao comurn mundo fenomenal restituido em sua "verdade".

c) Urna postura escopica com fmalidade atrativa, sustentada poruma dimensao espetacular. Esse dispositivo de espetaculariza~obastante variavel pressupoe um pre-agenciamento do mundoprofilmico e, em principio, 0 conhecimento, partilhado entre osatores dessas peiformances e seu publico, de uma serie de regrasexplicitas que regem os acontecimentos que se desenvolvem ali.a dispositivo tipico dos "especiculos a publico" esci presentenos fundamentos de urn grande numero de generos televisuais,como os jogos, as retransmissoes esportivas, as emissoes de va-riedades, certos debates, os talk shows, etc. Em oposi~ao a trans-parencia do D.M. precedente, de propoe ao destinacirio, gra~asa uma multiplica~ao de procedimentos de implica~ao (adesao/participa~ao), atividades pelo recurso do quadro-janela, que elese inscreva em urn "nos fusional", abolindo imaginariamente acisao entre 0 universo espectatorial e 0 universo televisivo.

de mostra~ao" que Odin (2000) percebe no cinema das origens. Dian-te dessas imagens~ urn espectador primitivo ressurge; ao espectaJor itJjI.bula construido pela narrativa ficcional se opfie, entio, urn espectador inpresentia que "colocou as lentes de urn publico" (OAYAN, 1998, p. 186).Espectador este que ja se apresentava desde 0 inicio do seculo XXatraves da reportagem fotogcifica e que se instituiu progressivamentepela via das atualidades radioronicas e cinematogclficas. 0 segundoregime, caractenstico de numerosos programas televisuais, tern umadimensao espetacular e reune toda uma gama de programas.

No interior das produ~oes da midia, essas configura~oes forrnaisque representam os tres dispositivos de midiatiza~ao (os D.M.) cons-tituem, entio, uma verdadeira inteiface para seus destinacirios corres-pondendo a tres posturas especificas que recobrem visadas comunica-cionais distintas:

Esses tres dispositivos de midiatizac;ao correspondem, para nos, aconfigurac;oes que subsurnem os regimes de representac;ao das ima-gens-mundo propostas pela midia televisiva. Esses tres nM. que regema produ~ao televisual circunscrevern tres artes de fazer ou tres rotinasprescritivas que se sedimentaram a partir do encontro de tres mundosmimeticos distintos: a-informa~ao-documentac;ao, a fic~ao. 0 especicu-10. Entretanto, essas modalidades de configura~oes das imagens-mundo

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cia televisao conservam sua autonomia e nao estao, de modo algum,restritas a seu lugar de emergencia. Elas podem atravessar todas as ima-gens-mundo. Com efeito, 0 enunciado de realidade pode sempre estarespetacularizado, como e 0 caso de certos discursos propagandistas; asatualidades nazistas ftlmavam sempre :I guerra como um especiculo(SOULAGES, 1998, p. 76-78). A fiq:ao pode to mar a forma de uma re-portagem (a serie NYPB produzicia por Steve Bochco). 0 especiculopode adotar 0 D.M. de mostra~ao (Big Brother) e tal ou tal reporta-gem recorrer aos artefatos com uma visada performativa, caracteristicade uma estrategia de representa~ao, como urn atributo generico audefinitorio de generos televisuais ou de urn hipotetico "estatuto onto-Iogico do ate enunciativo" (JOST, 1997, p. 11-33).

cadas a lingua - por aquelas que san produzidas pelo recurso a tiposde quadros concebidos como suportes comunicacionais e vetores de-terminantes na configura~ao dos universos representados. Para faze-Io,a midia televisua! ampliou consideravelmente 0 espectro expressivo ciaimagem cinetica, superando os padroes da filmagem cinematogcifica,o que resultou em uma verdadeira "formata~ao do olhar" do telespec-tador (SOULAGES, 2007).

Essa dnesintaxe do olhar se apoia sobre as configura~oes iconico-cineticas concernentes a formas de expressao e ativadas pelo enqua-dramento, que funciona como um processo deitico continuo. Elascorrespondem, na televisao, a quatro grandes formas de expressao,tP-diovisua!:

- 0 quadro-cena, que representa 0 procedimento do cinema do-minante e que institui um espectador unico. Ele se desenvolveem uma dimensao essencialmente sintagmitica e durativa querepousa sobre urn mecanisme de auto-engendramento de umespectador in fabula, remanescente assegurado pda dinamicadiegetica cia narrativa. Ele sustenta a maioria dos enunciadosficcionais e diferentes formas de narrativas em imagens.

- 0 quadro-4resco, que se desenvolve, por sua vez, em uma di-mensae estritamente tabular, limitando-se a simples superficiedo quadro. Essa figura~ao privacia do olhar se funda sobre umadissocia~ao efetiva do fundo e das figuras que compoem 0 cam-po cia imagem. E 0 terreno de predile~ao das anima~oes, dosgeneric os, das imagens intersticiais.

- 0 quadro-percurso, que se desenvolve em urna dimensao essen-cialmente objetal, tendo em vista 0 esgotamento de seu modelo,atraves de urna a~ao de capta~ao do visivel e de seus diferentescomponentes. Ele recobre a maioria dos enunciados de realicia-de e das produ~oes de documentario.

- 0 quadro-janela, que se desenvolve como um orificio-recep-taculo aberto as intera~oes comunicacion:u.s e expressivas dos

Como acabamos de observar para a discursividade televisual, a no~aode dispositivo (D.M.) permite ampliar a concep~ao estritamente lin-gilistica de discurso ou de texto e propor, assim, uma combinatoria derela~oes ontol6gico-figurativas para 0 mundo filmado, caracteristicaScia dinamica mimetica e eootica das imagens cineticas. Nessa opera-~ao de reconfigura~ao do quadro de descri~ao cia analise do discursote1evisual, parece totalmente produtivo - para a analise dos materiaisaudiovisuais - substituir a nOyao puramente mecanica e muda de"plano" ou de sintagma filmico3 - c6pia produtiva de categoria., apli-

3 Desqualificada peIa maioria dos teoricos enquanto unidade c6dica. a nOfao de planocinematogrifico - no inicio. pur:unente tecnica - e paradoxahnente superinvestidanas praticas de ani1ise do filme. Esse plano se assemelha, i~vezes explicitamente emcertos teoricos do cinema, a no~ao de monema. Com efeito, ela encarna urn dosprocedimentos de discretiza••ao dos tnateriais significantes herdados do paradigma es-trutural. 0 que se tolna wn problema ja que a imagem cinetica Ilio comporta nemc6digo nem rela••oes sisternicas esdveis.Veleidade metodol6gica destinada ao measso,ja que aplicada ao f1uxo televisual, 0 corte anaJitico metzien (herdeiro do corte cine-matogcifico) se mostra inaplicavel em razao. entre outrol, dos procedimentos inces-santes da separa~ do som e da imagem.

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protagonistas da cena das trocas. Ele representa 0 espas;o de en-quadramento da palavra televisual.

Urn estrato pJ.astico (cores, formas, texturas, luzes, superficies)que constitui a materia viva da estetica do f1uxo televisllal (acarta gclfica da te1evisiiGJa qIUII se pode acrescentar urn estratoplastico-sonoro, remetendo a uma textura musical (tonalidade,ritmo, etc.). Esse campo estetico irriga 0 conjunto dos pro-gramas e concorre para discriminar ao mesmo tempo espa~oscenicos, mas simultaneamente universos de referencia distintos;o palco dos programas de variedad.es ancorado nos artificios dadiversao, 0 estudio dos jornais televisuais associado ao universomais austero dos discursos de informavao.Urn estrato iconico, reagrupando os elementos de cenario, 0ambiente e as modalidades de aparis;ao dos sujeitos filmados(figurino, posturas, etc.), variaveis deci~ivas para 0 agenciamen-to cenogclfico das emissoes, mas tambem sobre 0 plano dacomposis:ao formal e da distribuis:ao desses diferentes elemen-tos no interior do quadro da telinha.

Urn estrato escopico, colocando em jogo variaveis proxemicase escopicas das tomadas de camera, determinando a variedadedas localizas:oes espectatoriais propostas ao destinatario visual.Tudo opunha, desse ponto de vista, ao longo dos anos 1990,o quadro intimista de urn programa de depoimentos de vidacomo Bas les masques (France 2) :is visoes englobantes e plu-riscopica.~ de Agora, cat6dica encampada pelo 'Talk-show Cielmon mardi (TF1) (WCHARD;SOULAGES, 1999),ao passo que comfreqiiencia seus universos tematicos se copiavam. Um estratocinetico repousando sobre os movimentos de aparelhos, masigualmente sobre rodos os efeitos de fragmentas:ao da imagem,a duravao dos pIanos, as transi~oes, os efeitos de camera lentaou cipida, etc. e a tonalidade de urn programa. Numerosos vi-deoclipes, assim como certos spots publicicirios, exploram bas-tante essa dinamica cinetica.Um estrato marcado pda distribui~ao de diferentes tipos dequadros (quadro-afresco, cena, percurso,janela, etc.) sustentan-

Essas interfaces significantes, ou essas forma.~ de expressao audiovi-sual, que constituem a propria textura da televisualidade contempora-nea, vem intervir em cada urn dos dispositivos de midiatizt1fiio a fun deinstituir, cada vez mais, tun tipo de imagem-mundo espedfico.

Em segundo lugar, cada programa vai basear-se em procedimentos eformas de expressao, elaborando 0 ethos expressivo da performance emquesclo, suscetiveis de atualizat "fatores de ativavao" junto a comunida-des de publicos divers os (tal cenario, tal iluminas;ao, tal estilo de filma-gem, etc.). Com efeito, atraves da simples cor atribuida a uma emissao,ou tonalidade particular conferida por U1l1 visual, essa "forma de vida"

que constitui 0 estilo de urn prograrna televisual se ancora deliberada-t " da" d I" dmen e na mo , ans air u temps, e no que se poderia chamar,jun-

tamente com Veron (1988), de "granuticas de reconhecimento" pre- -sentes nos receptores. Estabelecidos a partir de um mesmo genero e dedispositivos muito proximos, pode-se assim opor hoje 0 neopopulismokitsch e popular dos talk-shows do canal France 1 (TFl) a frieza especia-lista dos debates de ARTE. Chateau (1998, p. 203), evocando "0 cenariokitsch em urn jogo popular como l'Or a la pelle, 0 generico de seriescomo X-files, Urgencesou Dream on, Le grain de la voix ou 0 ca.risma doapresentador do telejornal ou de Tbnoin n" 1, etc:' coloca em analiseesses elementos que constituem aos seus olhos "fatores de ativa~ao en-tre outros, sobre os quais observaremos, em termos piercianos que, dolado da imagem, des 1110bilizam indices internos e, do lado receptor,interpretantes convocando uni habitus de telespectador, bem alem dosfarores puramente individuais e subjetivos da recep~ao.

Urn inventario parcial desse reservatorio de "fatores de ativa~ao"pode ser tentado hierarquizando-o em diferentes estratos expressivos:

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do diferentes atitudes ou posturas espectatoriais. Desse pontode vista, a encenayao visual de uma revista como Strip tease,com sua prolifera~ao de quadros-percurso, situa-se em opo-si~ao ao hieratismo dos quadros-janela de urn documenwiocomo Corpus Christi.Urn estrato narrativo-identitario que remete ao estatuto dossujeitos fihnados, identidade de genero, identidade social, iden-tidade midiatica (testemunha, ator, especialista, anonimos, etc.),colocando em jogo regimes de credibilidade divergentes.Urn estrato comunicacional associado a papeis e comporta-mentos endossados pelos diferentes prougonistas de cada per-formance. Nessa "televisao dos animadores" (PASQUIER; CHAL-

VON-DBMARSAI, 1990), que tende cada vez mais a se impor,oestilo comunicacional dos apresentadores-vedetes se mostradoravante determinante (Serge Moati, Ie maitre d'ecole; Coue ouArthur les bateleurs, Ardi, Ie mondain-libertin, etc.).Um estrato verbal (registros de lingua, prosodia, etc.). Esse tra-~o e totalmente evidente no exame diacronico dos programaslitecirios: hoje, a fala convivial e familiar de um Guillaume'

Durand (Campus, France 2) interage com 0 fraseado cerimo-nial e quase literario das origens da televisao, aqueles de urn

Max Paul Fouche ou de um Pierre Dwnayet (Lectures pour tousORTF), registro distintivo do qual se pode ainda encontrar cer-tos ecos nas grandes entrevistas de ARTE.

longo do tempo os publicos da telinha e que permanecem estreita-mente enquadrados pelas "visadas comunicacionais" (LOCHARD; SOULA-

GES, 1998, p. 95) das unidades de programa. A tal ponto que a convo-ca~ao desses pre-requisitos permite aos telespectadores, em algunssegundos, a identificayao e a classificayao de um programa: um jogo,um telejornal, uma publicidade, uma fiq:ao e ate mesmo sua marca de£abrica (francesa ou norte-americana). Mobilizados pela instanciade realizayao, esses elementos assumem um lugar no interior de umdispositivo de midiatiza~ao, conferindo a cada programa uma orienta-~ao pragmatica detenninada, centrada ora sobre 0 efeito de espetaculo,ora sobre 0 efeito de real ou bem 0 efeito de ficvao.

Essa atividade esta longe de ser aleatoria e ainda menos negligen-ciavel. Eo que confirma Caldwell (1995, p. 7), quando define a tele-visao como "uma pratica estetica e industrial, inteligente e fortementereflexiva". Essa performance estilistica que ele chama de "televisuality"repousa sobre uma competencia estiHstica e semiotica amplamentepresente no universo da produ~ao (mesmo se ela e poueo visivel e,com freqiiencia, ignorada pda cultura sabia). Em sua opiniao, "0 estiloconstitui 0 material mesmo do show", fazendo surgir "formas esteticascoreografadas segundo um design visual intensamente pensado para acamera" (CALDWELL, 1995, p. 5).

Essa heterogeneidade estrutural das produ~oes televisuais exem-plifica, no mais alto nivd, esse "cracking analitico" de conteudos demassa, baseado sobre "um dialogo permanente entre uma produ~aoe um consumo" (MORIN, 1962, p. 60). Os generos, os formatos, asformulas, as formas de expressao televisual SaD expostas sem pausa aesse fenomeno de maleabilidade. Os peodutores esgotam, assim, essereservatorio de foemas sem fim para discriminar uma combinatoriaque se cristaliza atraves de uma J6rmula propria a cada programa. Emconseqiiencia, a analise de discurso aplicada a televisao necessita deoperayoes e instrumentos conceituais diferentes em fun~ao dos tiposde programa, de suas visadas comunicativas e tambem de suas sintaxesaudiovisuais.

Esses diferentes fatores de ativa~ao que abrem espa~o a "impressoesde sentido" (SPERBER; WILSON, 1989) - os estratos pIastieos, cineticos,comunicacionais - ou· os efeitos de sentido - os estratos iconicos,escopicos, verbais, etc. - sac determinantes nos processos de ritualiza-~ao e de reconhecimento que ocorrem em receplj:ao. Eles operamefetivamente como fatores de discrirnina~ao e de classificalj:ao dos pro-gramas (0 estetico, 0 estilo comunicacional, linguageiro, etc.). Esseselementos se tornam componentes informais de que SaDdotados ao

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te aos universos de discurso e aoS recursos cogllitivos, cujo espectrose ampliou consideravelmente: centrado, no inicio, unicamente sobreos assuntos publicos otlos fIflo.u ••• t8Ciais para progressivamentetratar frontalmente comportamentos ou preocupa~oes de o~ es-

tritamente privada.As abordagens serniodiscursivas desenvolvidas sobre essa prolifera-

<;:aode programas de audit6rio que povoam nossas telas e aos quais ascomunidades de publico sao convidadas, cada vez mais, a partidpar,permitem apresentar tipologias que tendem a agrupar esses tipos deprodu<;:ao em tres grandes fanuuas de programas animados por visadas

comunicacionais distintas (SOULAGES, 2004).

as programas de audit6rio constituem nesse sentido urn born exem-plo para colocar a prova esse tipo de abordagem metodo16gica. Comefeito, esses programas constituem urn espa~o de performance publicamais ou menos espeucular, mas, ao mesmo tempo, um espa<;:onorma-tivo onde lugares SaD atribuidos aos telespectadores atraves de quadrosparticipativos propostos. A multiplica~ao exponencial e 0 turn over des-ses programas de ./(dafiio, desde a origem da televisao, SaDtotalmentesintomaticos. Ao longo do tempo, eles introduziram, segundo 0 jogode redes musicais, nao apenas dispositivos multiplos, tematicas nume-rosas, mas tambem disputas entre protagonistas de identidades variadas.Pode-se observar ai, desde as origens, 0 papel comunicacional centralassumido por seu mestre de cerimonia e a mudan~a em seu estatuto:jornalista ou similar, no inicio, para abrir espa~o majoritariamente, nosdias atuais, ao oportunismo de animadqres-produtores cujo poder dedecisao foi consideravelmente ampliado. E esse ator, doravante incon-tornavel, que em certa medida tende a impor seu "imaginario comu-nicacional" (LOCHARD; SOULAGES, 1997) e seu proprio quadro de inte.:ra~ao, passando do papel de moderador apagado dos tempos her6icospara endossar aquele de "fahricante catOdico"4 atual, intervencionistae partidario.

Ora, esses programas tem buscado, e cada vez mais usando de seuproprio dispositivo, renovar 0 modo de coleta e de reverherat;:ao da ex-periencia da fala socia1.Aevolu<;:ao dos estatutos, assim como das iden-tidades dos participantes, 0 confirmam; a palavra confiscada na origempdos fiadores da tecnica ou das institui<;:oes foi enriquecida por de-poimentos brutos de testemullhas profanas e individuos comuns. Essefenorneno de "desinstitucionaliza~ao" do quadro do debate publicoatingiu simultaneamente 0 espa~o da te111atiza~iioda fala concernen-

4 Expressiio utilizada por Michel Field para caracternar 0 animador de C~l mfHt Mar-di! Christophe Dechavanne, por ocasiao de uma entrevista com 0 autor (c£ C..ROLL;

LOCHARD,1992.p.93-106).

A palavra do logos

Esse tipo de palavra e tipico de progratnas que tratam de questOes deinteresse publico, convocando atores ou especialistas publicos e partindoda iniciativa freqiiente de jornalista ou equivalente. Investidos no cena-rio televisual austero do debate publico, eles debatem a Res Publica (Ri-postes, no canal France 5, Ti'ansEuropeExpress, no canal France 3).0 lugardessas troca.~ se apresenta explicitamente C01110U111palco de televisaoque oferece um cenario sem relevo: uma longa mesa de madeira ao fmalda qual se coloca um animador (selltado) de £rente para sellSconvidados.A presen<;:afrontal, em pano de £Undo, de urn publico mudD, nao deixade evocar 0 dispositivo de uma sala de aula (hem disciplinada), atenciosaem rela~ao a urn curso (um debate) magistral. A visualiza<;:aovem sealinhar quase sistematicamente sobre as trocas de turno dos locutores.No plano dos conteudos, pode-se ver ali a co-eonstru<;:ao de autenticosuniversos de discurso comuns, edificados sobre a fala argumentativa eexclusivamente centrados sobre os interesses do espal;o publico. 0 me-diador, no papel de animador de ideias e argumentos, demonstta parasellS convidados (especialistas ou respoosaveis publicos) uma colabora-~aoinformativa, atraves de urn jogo construtivo de questoes/respostas.Os convidados sac majoritariamente especialistas ou atores de dominios

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tematicos convocados, que trocam seus pontos de vista sob a luneta domestre-de-cerirnonias, sempre atento a co-construyao de um mesmouniverso de referencia homogeneo e coerente.

Atraves de seus modelos arqueripicos, a midia parece retomar, emurn sentido, uma de SU;lS missOes originais, formali2ada e reivindicada,desde suas origens,pela instituiyao televisual:"informar e educar 0 pu-blico:' Dando visibilidade a um dos componentes do espa~o publicohabermassiano, a palavra deliberativa, esse especicul0 da palavra publi-ca tende a ilustrar e a perpetuar a perenidade do "la ••o social" evocadopor Dominique Wolton atraves da exibiyao do universo de referenciaspartilhadas.A busca de partilha e de racionalidade esci associada a essefenomeno transmidiatico que Paul Beaud destacava ao falar da apari-~ao de uma "sociedade falante", que responde as expectativas de ca-tegorias sociais ascendentes em busca de uma cultura geral atualizada,que substitua e compense um capital social e cultural escasso. Urn talquadro de recepyao, atravessado por uma busca manifesta de seriedadenao pode deixar 0 espayo livre para uma espetacularizar,:ao por dema~simplificadora da palavra. Ele mobiliza, entao, um dispositivo de espe-taculo cuja mca intensidade aproxima, com freqiiencia, esse modo de .prod~ao midiatica do HM. de mostrar,:ao. Esse dispositivo economicopermite manter a distancia seu destinacirio. preservando ao mesmotempo 0 pretexto da Res Publica.

produzir, aqui, urn efeito puramente alegarico de compartilhamentoda palavra.

A produr,:ao de saber se efetua por meio de uma focalizayao sobre apalavra de pro&nos, transformados em verdadeiros personagens atravesda valorizayao de sua palavra privada. Ao espayo privilegiado do deba-te de ideias se substituiu 0 trabalho irrefucivel do depoimento pessoal.Com efeito, 0 dispositivo do programa, fechado pela onipresenya de seumediador, propoe a simples justaposiyao de narrativas de vida experien-ciais ou a ilustrayao de atitudes individuais que nao saD em nenhummomenta avaliadas ou criticadas. Todo 0 programa parece funcionar napassagem desse saber informal, saido da experiencia e da palavra singu-lar, para um saber formalizado e legitimado pela prova qualificante, naomais da dialetica da discussao publica, mas da funyao epif'anica do depoi-mento pessoal em publico e de sua apropriayao pela institui ••ao midiati-ca. 0 conjunto do dispositivo desses programas e construido sobre esseprocedimento performativo de desintermediayao da fala prof ana, opera-da nao no espar,:o da cena teatral, mas a partir de urn espac;:odomestico.A verdade nao surge mais da confrontayao entre pontos de vista, poisas trocas transversais entre participantes sao praticamente inexistentes,assim como uma eventual proposiyao condusiva do animador.

Essa explorayao de urn assunto de sociedade ou do vivido de expe-riencias intimas, transmitido unicarnente por depoinlentos autobiogci-ficos de profanos, parece resultar em urn fenomeno de apropriayao-nor-malizayao axiologica, como se a exibiyao televisual fosse capaz de trazerpor si mesma Dio apenas uma forma de autentificayao, mas tambem aprova performativa da valida~ao. 0 peso dessa forma de ego-depoimentoparece se bastar. Nao ha, portanto, mais nenhuma liyao a clar.Se algumapuder ser tirada dali, cabed unicarnente ao telespectador faze-Io. Teles-pectador doravante tornado por urn receptacula de afetos e de atitudespara 0 qual essa exibi~ao testemunhal da fala do outro constitui urn pro-100lg3tl1entocertificado conforme sua propria experiencia pessoal.

Esses espayos teatrais polimorfos se exibem, antes de tudo, comolugares que se inscrevem explicitamente na ancoragem da Palavra do

Ela esta encarnada em programas produzidos por animadores coletivos,com base nos depoimentos experienciais de individuos majoritaria-mente profanos que se expressanl a titulo pessoal. No espa~o teatraliza-do da agora, tais programas reverberam as evoluyoes comportamentaise experienciais de seu.<;publicos (9a se discute, no canal France 2, SansaJICJln dOUle, no canal France 1). Descartando 0 dispositivo artificial efrio do espa~o televisual do palco, a escolha do espa~ espetacularizantedo teatro ·ou do .f6rum, assim como seu modo de fihnage~, conseguem

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individuo lambda no interior do espayo de uma cOlllunidade social.Esses lugares da fala se impoem, ao mesmo tempo, como um espa~o dereconhecimento, mas tambem de normalizayao e de Iegitima~ao (qua-se-wharoJiana) do vasto continente da palavra e da praxis popular.

Inscritas em lugares cada vez mais espetaculares e centrados sejasobre os ares dessas narrativas de vida, seja sobre os rituais de consumoou da cultura popular, essas modaIidades de explora{:ao da experienciasocial nao passam mais pelo crivo de urn processo explicativo e argu-mentativo, mas antes de tudo pela encarnayao experiencial do depoi-mento individual. Etas mo propoem mais a delegayao da palavra trazidapelo especialista COmo urn veredicto de UI11 logos englobante. Esses pro-gramas se contentam em fazer coexistir atitudes e opinioes, ftltrandode forma totalmente ostentadora os particularismos. jogando, antes detudo, com 0 insolito e como pathos, tendem a ilustrar essa metaforada "televisao-espelho", de finalidade puramente enfatica, sancionandouma forma de tomada do poder do publico pela midia.Atraves de suadistribui<;ao iterativa de quadros-janela,janelas grandes ahertas sobre 0

depoimento de si, 0 D.M. do espeeaculo e aqui mobilizado como umsuporte produtivo para a refra~ao dessa retorica de um pathos societal.

gles, que se apoiam nas rubricas de diferente5 seqiiencias do programa.Esse programa encarna perfeitamente 0 marco da televisualidade talcomo 0 descreveu Caldwell (1995, p. 6), resultando em "uma inversaoestrutural entre a narrativa e 0 discurso, a forma e 0 conteudo, 0 sujeitoeo estiIo; 0 estilo tornou-se 0 proprio material do show".

Nao sac mais os depoimentos de experiencias ou de praticas indivi-duais ou 0 fio de uma argumentayao que sac postos em evidencia, masa simples performance discursiva dos protagonistas, atraves de urn. jogode cena catodico em torno da manutenyao e da valorizayao da facede diferentes convidados. Esse comportamento ilustra perfeitamente anOyao de ethos discursivo propos to por Maingueneau:"a representayaoda pessoa do locutor anterior aO seu turno de fala, as vezes dito ethosprevio ou prediseursivo, esea sempre no fundamento da imagem que eleconstroi em seu discurso: ele tenta com efeito consolida-la, retifica-Ia,trabalha-la ou mascara-la."s Os convidados nao sao mais especialistas,nem profanos submetidos ao olhar midiatico, mas as pr6prias criaturasda midia, as vedetes do especiculo, da televisao, ou personalidades doespayo publico, criadores ou homens politicos tornando parte, assim,em urn vasto movimento reflexivo de produyao e de reciclagem dacultura cat6dica. Conscientes desse "efeito bola de neve", numerosossao os protagonistas que se apressam para viver essa prova catodica cujasan~ao e evidentemente um pouco mais de visibilidade rnidiatica, mastambem UI11 certificado de conformidade com 0 Geistzeit rnidiatico:a entronizar;:ao e 0 pertencimento a esse entre-nos cat6dico que irnita aconversar;:ao ordinaria (conversa de salao ou de bar) e que valida ummodo de ser publico. Esse tipo de programa leva ao limite a 16gicaperformativa inerente :l rnaquinaria televisual: uma autoprodur;:ao decriaturas e de significar;:oes sociais engendradas e sancionadas unica-mente pela instituir;:ao midiatica.

Rejeitando a mediar;:ao do especialista e a representayao e1etiva, esse

tipo de palavra (assirn como a do pathos) coloca em evidencia 0 respon-

Um Ultimo tipo de palavra, puramente ornamental, e fundada no ethos.Suas visadas espetacularizantes e de entreteninlento se ap6iam emence-lla{:oes e series de performances discursivas para as quais agorase tornallluito mais importante fazer falar de si do que debater a coisa pltblica('Tout ie monde en parle, On a tOllt essaye, no canal France 2). Esse tipo seapresenta como uma pura escansao da palavra, diante da qual e 0 pr6-prio dispositivo teIevisual que parece assumir 0 poder.Assiste-se aqui aoapagamento do quadro engiobante, representado pela existencia de urnuniverso de discurso hornogeneo convocado de antem.ao, em proveitode uma conversa informal, privada de grandes interesses e submetida auma fragtnen~ao e a uma rubricagem permanente. A visualizayao econstantemente refor~ada por mUltiplos efeitos visuais, luzes, cores,jitl-

5 Trata-se do verbete assinado por Maingueneau no Dictiollllui,e II'analyse lIu d/scours(CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2002, p. 239). .

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savel pelo enunciado e rUo mais 0 anirnador (0 especialista,o e1eito,o re-presentante, etc.) desse mesmo enunciado, para retomar a terminologiade Gofttnan. Essas produfOes, propondo sua "contra-agenda", se colampragmaticamente as preocupa~oes imediatas dos publicos, fornecendo-lhes urn exempIario vivo de modos de vida e de pensamentos contem-poclneos, prontos para 0 USO, com seus dramas, suas miragens ou seusadere~os e joias. Levados por sua necessidade de realismo ou de re:ilida-de, a televisao ahem, como todo 0 vasto continente da cultura de massa,privilegia, assim, 0 saber formal ou tecnico, a crenfa ou a atitude pessoal,minorando 0 saber universalista.Assim, a midia televisual, hesitando en-tre a autonomia dos usuarios e a dos produtores, experimenta sem pararessa "programa~ao de rece~ao" levantada pelo sociologo Eric Mace.

Mas e preciso ressaltar que 0 pre~o a pagar por esse sucesso e 0

da fragmenta~ao cada vez maior dos publicos. E e preciso constatartambem que esses tipos de palavra (ethos, pathos versus logos) e afortioriesses grupos de locutores nao se eneontram nunea, e que e bem umaverdadeira fratura ,,-uJ.turale social que reproduz hoje a ptograma~aotelevisual da palavra publica.

por fatores estruturais (ver esquema): industriais, em primeiro lugar, que

levam a introdu~o de uma formula espedfica, eventual cruzarnento de

urn genero e de urn formato; socioeomunicacional, em segundo lugar,

interagindo com os quadros de uso social dos publicos, configurados por

intermedio de dispositivos de midiatiza~ao que sao reveladores de visadas

espedficas; estilisticas, em ultima insclncia, re1acionadas com uma combi-

natoria de "fatores de ativa~o" reveladores de urn estilo particular.

A considera~ao desse dispositivo de configurafao rnidiatiea das

mensagens pode estimular as pesquisas em analise do discurso no sen-

tido de fundamentar suas abordagens sobre as categoriza'Yoes mais ade-

quadas, elaborando novas grades de anilise, suscetiveis de avaliar os

efeitos visados por esses tipos de performance rnidiatiea, bem como

os imaginarios socioeulturais que os sustentanl.

o enquadramento da analise do discurso atraves dessas preliminares me-todologicas perrnite. no nosso ponto de vista, dar conta de forma produ-tiva da dimensao midiatiea dos discursos sociais. Certamente, esses ins-trumentos esmo longe de esgotar os materiais submetidos a analise; eleseontribuem, todavia, para a elabora'Yao das grades de descri.yao sincreticascapazes de revelar, de modo mais fmo, os contornos desse "cracking ana-litico de formas e de conteudos" ja evocado acima, que Edgar Morinpercebia desde 0 inicio dos anos 60 nas mensagens midiaticas.

E em grande parte a predominancia de uma visada de capta~o dospublicos, postulado estrutural das midias de massa - sancionada unila-teraImente pelo mercado -, que em na origem dessa maleabilidade doregime dos formatos, dos conteudos, das fOrmulas das produ~oes televi-suais.Esses diferentes componentes 530 determinados em sua constru~ao

PhnudaGtntfll xPorirullD 1

V

I

S D.M. de espetliculo

ADispositivo de

D.M. de mos~o

Dmidiatiza~o

D.M. de fic~io

A

S

Formal de expressioTipos de quadros

cenaljanela/afresco/percurso

Estrato esaJpu:o (pontos de vista)

E EstraliJ cillctiw (dinamica da imagem, movimentos de

S camera, montagem, etc.)

TPatores de ariva~o

Estrato p/J.;Jico (cor,luz, furmas, textura, muska, etc.)

I Estra/;) Iwrutiw·iJ..'ntitJriu (estatutos midiaticos desL pll)tagonist:lS, t~temullh<b, atom, cspecialist:lS,0 monimas)

Estra/;) verbal (registro de lingua, prosOdia, etc.)

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