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CURITIBA
2012
SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ
SUPERITENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO
DIRETORIA DE POLÍTICAS E PROGRAMAS EDUCACIONAIS
PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL – PDE
FACULDADE ESTADUAL DE FILOSOFIA CIÊNCIAS E LETRAS
DE PARANAGUÁ – FAFIPAR
MARINIZA DA SILVA
A POESIA AFRO-BRASILEIRA EM BUSCA DO SEU ESPAÇO
1
¹Mariniza da Silva é graduada em Letras-português-Inglês pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná e pós-graduada pelas Faculdades Claretianas de Batatais-SP, é professora do Quadro Próprio do Magistério do Estado do Paraná,(SEED). ²Profª Dr.ª Beatriz Ávila Vasconcelos é graduada em Letras- Português pela Universidade Federal de Goiás, mestre em Letras Clássicas pela Universidade de São Paulo e Dr.ª em Letras Clássicas pela Universidade Humboldt de Berlim, professora da FAFIPAR em Paranaguá.
A POESIA AFRO-BRASILEIRA EM BUSCA DO SEU ESPAÇO
Mariniza da Silva Drª Beatriz Ávila Vasconcelos
Resumo
Este artigo, parte da implementação do projeto PDE, tem como objetivo apresentar uma intervenção realizada num Colégio da rede pública estadual de ensino, percebendo-se a relevância de trabalhar com o tema A poesia afro-brasileira em busca do seu espaço, foi dada aos alunos a oportunidade de conhecer autores afro-brasileiros, bem como suas obras, através de pesquisa, debates, declamações e varais de poesias, exibições de filmes abordando a discriminação racial dentro e fora da sala de aula. Tais filmes também serviram para mostrar aos alunos o talento artístico e cultural dos artistas afro-brasileiros. A turma do 1º ano do Ensino Médio, leu, pesquisou, produziu poesias, compondo-as, inspirados nas poesias lidas de autores afro-brasileiros. Desta experiência, resultou o conhecimento de obras e autores que até então eram desconhecidas destes alunos.
Palavras-chave: poesia afro-brasileira; autores negros; discriminação racial.
Abstract
This article, part of the implementation of the PDE project, aims to present an intervention in a state public college education, realizing the relevance of working with the theme of poetry African-Brazilian in search of his room, was given for students the opportunity to meet African-Brazilians authors and their works through research, debates, declamations, and staves of poetry, film screenings addressing racial discrimination inside and outside the classroom. Such films have also served to show students the artistic talent of artists and cultural African-Brazilians. The class of 1st year of high school, read, researched, produced poetry, composing them, inspired by the poems read in African-Brazilian authors. This experience resulted in the knowledge of authors and works that were unknown to these students.
2
Key words: African-Brazilian poetry, black authors, racial discrimination.
1 Considerações iniciais
O presente artigo tem por finalidade relatar toda a experiência vivida durante
a implementação do Projeto de Literatura afro-brasileira, intitulado A POESIA AFRO-
BRASILEIRA EM BUSCA DO SEU ESPAÇO no decorrer do PDE.
Esta implementação foi feita no Colégio Estadual José Busnardo, em Curitiba-
PR, na turma do Ensino Médio.
O objetivo principal dessa implementação foi trazer para a sala de aula a
poesia de autores afro-brasileiros e torná-los conhecidos de nossos alunos,
mostrando a eles o quanto esta literatura ainda permanece invisível nos livros
didáticos, a despeito das leis 10.639/03 e 11.645/08 terem sido implantadas com o
intuito de fazer com que as escolas trabalhem em seu currículo, temáticas referentes
à História e Cultura Afro-brasileira e Indígena. Infelizmente, podemos observar que
ainda existe uma certa resistência por parte dos docentes quando se trata de
trabalhar com estas questões, que embora sejam polêmicas, é de total importância
que sejam levadas ao conhecimento de nossos educandos.
2 Apresentação do projeto para os colegas professores
A primeira apresentação do meu Projeto e também do material didático foi
feita na Fafipar durante o Encontro de Áreas que tivemos em Paranaguá. Lá não foi
diferente, um friozinho na barriga foi inevitável no momento da apresentação, mas
no final tudo deu certo. Apresentei para uma sala repleta de professores e claro,
para a minha orientadora, Prof.ª Dr.ª Beatriz Ávila Vasconcelos. O título do meu
projeto trouxe professores de outras disciplinas que pretendiam conhecer um pouco
mais da literatura afro-brasileira e da nossa poesia, bem como, sobre a cultura afro-
brasileira. Mais uma vez constatei a surpresa em alguns professores e participantes
presentes daquele evento ao perceberem a invisibilidade de autores negros nos
compêndios de literatura brasileira e, mais propriamente, nos livros didáticos. A
3
única autora que alguns acabavam lembrando foi a Elisa Lucinda, mas foi lembrada
não por ser escritora e poetisa, e sim por ser atriz e ter contracenado com atores
Globais, como por exemplo, Tony Ramos e Camila Pitanga. No momento em que eu
falava: “Vocês devem lembrar-se daquela atriz negra que fez o papel de mãe da
Camila enquanto o pai era o Tony Ramos...”, nesse momento, todos diziam que
lembravam, porém suas produções literárias todos ignoravam.
3 E assim, continua a invisibilidade ou, por que não dizer, o descaso com nossos autores afro-brasileiros
É impressionante como nossos autores afro-brasileiros não são visíveis no
mercado editorial brasileiro! No final de 2011, precisamente em dezembro, tive a
oportunidade de participar do congresso de educação da APP Sindicato, que
aconteceu no litoral e lá estava a escritora do livro “A África está em nós”, a Dr. ª
Marcilene Garcia de Souza, momento em que ela nos contou sobre sua dificuldade
no momento de publicar seu livro aqui no Paraná. Segundo Marcilene, ela teve que
publicar seu livro através de uma editora da Paraíba, pois os editores paranaenses
não davam credibilidade à sua obra. Esse livro “A África está em nós”, é uma obra
literária riquíssima de informações sobre as africanidades paranaenses, e faço votos
para que a SEED acabe fazendo aquisição desta obra para podermos apresentá-la
aos nossos alunos e que assim, todos que pertencerem a alguma escola, tenham
esta obra literária a seu alcance.
É preciso que lutemos para vermos reduzida essa situação, e quem
sabe, um dia, acabe a agravante invisibilidade da literatura afro-brasileira em nosso
país. É no mínimo curioso que uma autora paranaense, afro-brasileira, necessite
contar com o apoio e a credibilidade de uma editora tão distante (Paraíba) para
editar seu livro, quando temos tantas editoras em nosso Estado. Certamente esse
descaso das editoras revela o quanto a literatura afro-brasileira ainda precisa, para
afirmar seu valor, superar barreiras elevadas pelo preconceito.
Temos que verificar na prática o que realmente acontece no momento em que
algum escritor afro-brasileiro deseja ter seu livro editado. Será que os editores não
acreditam no potencial de nossos escritores? Ou será por motivo de discriminação
4
racial? Ou quem sabe, o assunto abordado por tais escritores não fazem parte do
interesse de editores paranaenses? E neste caso, por que não?
4 GTR: uma grande experiência. O momento em que ensinamos, aprendemos e somamos conhecimentos
Concomitante ao processo de implementação de meu projeto, ocorreu
também o GTR, outra experiência que foi muito valiosa para o meu aprendizado.
Neste artigo, proponho-me a discorrer sobre as situações com as quais me deparei
tanto na implementação quanto na tutoria do GTR.
Enquanto tutora do GTR, tive a oportunidade de trabalhar on-line com colegas
e também conhecer novos professores, aos quais, foi ofertado o curso GTR. Posso
dizer que foi uma experiência ímpar, pois foi um momento de crescimento
profissional e intelectual para todos.
Foi uma experiência gratificante, rica em troca de conhecimentos vivenciados
na prática por professores e alunos que no decorrer da implementação do Projeto,
estiveram ao meu lado participando, questionando, colaborando, opinando e até
mesmo criticando.
Durante o GTR, tive o prazer de trocar experiências com professoras de todo
o Paraná. Estas professoras, que estiveram sob minha tutoria, puderam expor suas
ideias, primeiramente comigo, e depois, com suas colegas de curso, onde deixaram
suas contribuições acerca do meu projeto.
Naquele momento, pudemos interagir e dar nossa opinião e compartilhar
conhecimentos. Foram momentos gratificantes durante a tutoria do GTR, onde tive a
oportunidade de me relacionar ensinando e aprendendo com professoras
maravilhosas, atuantes e, acima de tudo, compromissadas e confiantes que, através
da literatura afro-brasileira, poderemos abrir dentro das escolas, o espaço que por
algum motivo foi negado aos autores negros, e assim, amenizar esta invisibilidade
da literatura afro-brasileira dentro das escolas.
Nessa temporada, discutimos sobre a literatura negra, seus autores e a
maneira de fazer com que nossos alunos apropriem-se dessa literatura e conheçam
seus autores, que nem sempre estão presentes nos livros didáticos.
5
Tais trocas de experiências serviram para fortalecer ainda mais o
compromisso que travamos de manter viva e sempre atuante a leitura de obras afro-
brasileiras nas escolas, fazendo com que, autores negros, sejam de fato conhecidos
por nossos alunos e sirvam como instrumento capaz não só de enriquecer a cultura,
mas também, de resgatar a igualdade social, cultural e econômica do povo negro,
que historicamente sofreu e ainda sofre as injustiças e desigualdades impostas pela
sociedade (branca) detentora do poder. Nesse sentido, acredito ser a literatura uma
ferramenta que serve como forma de mudança cultural e social de toda a sociedade
e, principalmente das comunidades afrodescendentes, que, tendo acesso ao
conhecimento, poderão se situar identificando-se com a cultura dos nossos
antepassados.
Desta forma, a literatura é peça fundamental para a educação, no sentido de
mudança, transformando-se em indicador de desenvolvimento social e democrático,
visando a redução da desigualdade social. É de suma importância que a literatura
cumpra o seu verdadeiro papel, que é de diminuir, ou quiçá de acabar com as
injustiças históricas que foram mantidas por uma minoria europeizadora da cultura
em detrimento da comunidade negra, que sofre e precisa provar todos os dias que o
talento independe da cor da pele.
Este é, sem dúvida, um problema vivenciado por pessoas negras
pertencentes a todos os níveis da sociedade brasileira. Tais pessoas, em especial
as afrodescendentes, são postas em um patamar inferior. Este tipo de
comportamento necessita ser eliminado da nossa sociedade que prima por
igualdade de direitos e deveres. Este é um problema com o qual nos deparamos
mesmo depois de cem anos da abolição da escravatura no Brasil.
E agora, com a Lei 10.639/2003, temos que fazer valer a inclusão do ensino
da História e da Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas brasileiras,
independente se a escola é estadual, municipal, federal ou particular. Isso
representa um enorme avanço para a literatura afro-brasileira e está contribuindo
para que autores afrodescendentes tenham mais visibilidade no mercado editorial
brasileiro.
Nós professores temos que abraçar esta causa e impedir que a imagem do
negro seja estereotipada nos livros didáticos, bem como, seja colocado em
desvantagem em relação aos não negros que sempre tiveram suas obras
respeitadas e colocadas em um patamar de bastante visibilidade. Sendo assim, o
6
professor é peça-chave para romper com o desaparecimento de autores
afrodescendentes no meio editorial brasileiro. É o professor que irá incentivar a
pesquisa, os debates e seminários e entrevistas com tais autores, bem como a
observação da existência de tais obras na biblioteca de sua escola.
Em nossas interações no GTR, após várias trocas de experiências, decidimos
que toda escola deveria ter uma biblioteca com um acervo suficiente para o porte da
escola e que também deveria ter um bibliotecário que estivesse sempre pronto para
ajudar os alunos, visto que essa é uma das maiores dificuldades encontradas nas
escolas ultimamente. Existem casos em que a escola possui os livros, mas não
dispõe de um bibliotecário para atender aos alunos. Caso existam essas obras na
biblioteca da escola, caberá a nós, professores, primeiramente, fiscalizar se tais
livros contemplam o que pedem as Leis 10.639 e 11.645, para somente depois
apresentá-los aos alunos e incentivar a leitura não só de poesias, mas também de
contos e lendas africanas. Há que se buscar o incentivo da pesquisa desses livros e
também da biografia de seus autores.
Pensamos também em temas para trabalharmos a literatura afro-brasileira em
nossas escolas no decorrer do ano letivo e desta forma, torná-la atividade presente
diariamente em nossas aulas. O que ocorre hoje é o contrário, a literatura afro-
brasileira só é lembrada na semana da comemoração da Consciência Negra, ou
seja, no dia 20 de novembro.
Objetivamos que principalmente as escolas que já possuem a equipe
multidisciplinar planejem eventos diversos, e que, desta forma, possam articular a
participação da escola juntamente com a comunidade, para que durante o ano letivo,
possamos criar momentos diversos em que a cultura afro-brasileira, dentro de um
universo que represente toda a sua africanidade, seja representada e lembrada nas
escolas.
Uma proposta é que sejam realizadas oficinas, debates, feiras culturais e
artesanais, exibições de filmes, entrevistas com autores, shows com artistas locais,
etc.
5 A volta à sala de aula
7
Quando retornei da licença, tive que apresentar o meu projeto para os
professores e funcionários da escola e explicar quais seriam os propósitos e
objetivos a serem alcançados. Mostrei a todos o quanto era relevante para a escola
e para a comunidade a implementação de tal projeto. Estávamos na Semana
Pedagógica, um momento em que todos os presentes se reúnem para tratar de
assuntos pertinentes à escola, ao colegiado, bem como à comunidade.
Era então, a hora certa para apresentar a todos o meu Projeto. Lembro-me do
nervosismo, das mãos trêmulas, de contemplar aquela sala repleta de colegas de
trabalho e ter que “vender o meu peixe”!
Falar de um tema como poesia afro-brasileira foi no mínimo interessante para
todos que estavam presentes. Uma professora, pedindo a palavra enquanto eu
discorria sobre o Projeto, disse que era uma pena eu não ter aplicado o projeto no
semestre anterior, pois, havia lá uma aluna muito racista, que já não fazia mais parte
do alunado e que teria sido de grande valia para mudar a visão racista e
discriminatória da tal aluna.
Expliquei a todos os presentes a minha intenção de fazer valer a lei
10.639/2003 e também da importância de trazer a poesia afro para a sala de aula e
apresentá-la aos alunos em qualquer dia do ano e não somente no dia 20 de
novembro, que é o Dia da Consciência Negra no Brasil.
Todos ficaram maravilhados e entusiasmados com o Projeto e demonstraram
interesse em conhecer mais a respeito dos nossos autores afro-brasileiros. Não
foram poucos que disseram não terem conhecimento de autores como Solano
Trindade, Cuti, Conceição Evaristo, Oswaldo de Camargo, Ele Semog e Elisa
Lucinda, entre tantos que, embora tenham obras excelentes já publicadas,
continuavam invisíveis no mercado editorial brasileiro.
6 Uma turma rebelde… Pensei
Na semana seguinte, eu já tive contato com os alunos, os quais, eu havia
proposto implementar o projeto. Como eu não os conhecia fui falando aos poucos
sobre o meu projeto e sobre o que eu pretendia desenvolver juntamente com eles.
Percebi o interesse por parte de alguns e de outros, nem tanto. Essa turma era
8
muito agitada e demonstrava pouco interesse no início. Com o passar dos dias,
fomos fazer uma pesquisa na biblioteca e a turma já foi mais receptiva e
participativa. Pedi, então, que pesquisassem os autores afro-brasileiros e eles se
cansaram de procurar sem quase nada encontrar no acervo da biblioteca. Naquele
momento, aproveitei para dizer sobre a dificuldade que nossos escritores negros
encontram para publicar suas obras, citei exemplo dos Cadernos Negros e um
pouco da história dos autores que fizeram parte dos Cadernos Negros e
Quilombhoje.
Na próxima aula, convidei-os para ir ao laboratório de informática para ver se
a turma conseguia encontrar alguma poesia de autores afro-brasileiros. Esta aula foi
maravilhosa! A turma achou o máximo pesquisar na internet os autores que antes,
na biblioteca, não apareciam. Pesquisaram, leram e propus que imprimissem
algumas poesias e biografias de autores afro-brasileiros e que, posteriormente,
fizessem um trabalho com as poesias que eles juntaram nesse material, as quais
seriam declamadas por eles. E assim, terminaram a pesquisa tendo a oportunidade
de escolher uma ou duas poesias. A declamação foi no mínimo inusitada. Pensei
que por se tratar de poesias, alguns poderiam se negar a cumprir a tarefa da
declamação. Neste instante, percebi o quanto os alunos produzem quando existe
motivação. Os alunos apresentaram os trabalhos das biografias, declamaram as
poesias e até sentiram-se motivados para produzir suas próprias composições e
declamá-las também.
Na próxima aula que tivemos propus que eles tentassem compor suas
próprias poesias. Expliquei a eles que o tema seria a poesia afro-brasileira, tratando
da situação das pessoas negras em todos os aspectos. A partir daí, o que não faltou
foi assunto. Os temas que trataram da liberdade, igualdade e coragem foram os
mais explorados. Fiquei impressionada com a capacidade que eles tiveram de me
surpreender com suas próprias composições! Terminadas as poesias, propus que
fossem revisadas e reescritas em cartolinas.
No dia seguinte, todos trouxeram as cartolinas e começaram a escrever as
poesias enfeitando-as com glíter de várias cores e também papel crepom para fazer
a moldura das cartolinas. Ficaram nesta tarefa por mais uma aula e foram avisados
que faríamos um varal de poesias na escola. Todo o material da pesquisa foi
novamente aproveitado na confecção do varal. Confeccionaram em folhas de sulfite
e depois colaram-nas num barbante. Como a nossa sala é bem ampla, amarramos
9
os varais de forma que se cruzavam por toda a sala. Foi uma tarefa descontraída e
que todos participaram e deram o melhor de si. Alguns nem acreditavam que haviam
produzido um trabalho tão lindo!
No final daquela aula, levei algumas músicas com ritmo afro para ouvirmos e
confraternizarmos aquele momento de grande alegria. Percebi que estavam
emocionados pelo fim da tarefa e a sensação do dever cumprido. Pedi que ouvissem
as músicas e caso desejassem, poderiam dançar um samba de roda. Neste quesito,
fiquei decepcionada. Ninguém quis dançar dizendo que se dançassem, estariam
“pagando mico”. Entendo que, tal atitude é típica de adolescentes dessa faixa etária,
que na maioria das vezes, não dançam devido à timidez.
Tenho a certeza de que a literatura, seja ela afro-brasileira ou não, é capaz de
transformar pessoas, tornando-as melhores e conscientes de seu lugar na
sociedade, convivendo de maneira pacífica em prol de um mundo menos
discriminatório e racista.
Outro momento em que todos participaram foi nas aulas em que os alunos
assistiram aos filmes que abordam o racismo, a perseguição aos escravos, a luta de
classes sociais e a discriminação racial. Foram exibidos os filmes “O xadrez das
cores” (Diretor Marco Schiavon,2004), e “Quanto vale ou é por quilo” (Diretor Sérgio
Bianchi, 2007). Neste último, foi possível perceber nos alunos a indignação nas
cenas que retrataram o sofrimento dos escravos que eram vendidos e tratados como
objetos pelos seus donos. No filme “O xadrez das cores", apesar da história ser bem
atual e haver nela um pouco de humor, o preconceito e a discriminação racial foram
abordados com muita propriedade.
De acordo com a Lei 10.639/03, citada nas Diretrizes Curriculares (2008), o
ensino da História e Cultura Afro-Brasileira tem caráter obrigatório nos
estabelecimentos estaduais ou privados em todo o Currículo nacional, em especial,
nas áreas de Educação Artística, e de Literatura e História Brasileiras.
A lei n.10.639, de 9 de janeiro de 2003, altera a lei n.9394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, para incluir no currículo oficial, da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira, e dá outras providências”. “Art.1ª A lei n.9.394/1996 passa a vigorar acrescida dos seguintes artigos 26-A, 79-A e 79-B:
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Art. 26-A nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira. § 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinente à História do Brasil. § 2o “Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial, nas Áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras”.
De acordo com Lopes (2006, p.26),
A lei deixa nítida a obrigatoriedade do ensino de conteúdos sobre a matriz negra africana na constituição da nossa sociedade no âmbito de todo o currículo escolar e sugere as áreas de História, Literatura e Educação Artística como áreas especiais para o tratamento desse conteúdo, tanto no Ensino fundamental como no Ensino Médio.
Apesar da rica contribuição que os autores afrodescendentes tem dado à
historiografia literária brasileira, existem poucos registros da literatura negra
produzida por autores afrodescendentes. Esse fato resulta da maneira como a
literatura negra tem sido tratada no Brasil desde a escravidão. Percebe-se que a
literatura negra, mesmo quando aceita, era silenciada. Assim, a invisibilidade das
artes no cenário artístico popular passava a ser considerada pela elite cultural
brasileira como arte de pouco valor ou de valor algum.
Segundo Souza e Silva, coordenadora do NEPA (Núcleo de Estudos e
Pesquisas Afro da Universidade Estadual do Piauí).
Há poucos registros da contribuição do /a autor/a negro/a na historiografia literária brasileira canônica, por isso é comum ser encarada com normalidade a inexistência de uma literatura afro-brasileira. Tal situação resulta da forma como a pessoa negra vem sendo tratada na sociedade brasileira desde a escravidão – como coisa ou ser inferior, além da maneira como se realizam as relações étnico-raciais marcadas pelo embranquecimento, no século XIX, agravada pela concepção do mito da democracia racial, a partir de meados do século XX, cujo propósito mascara os conflitos e tensões, acentua a discriminação e racismo perpetuados nas várias esferas sociais do século XXI (Revista África e Africanidades, 2009, Fev. nº4, Ano I)
11
Neste mesmo sentido, Sansone afirma:
A cultura negra pode ser definida “como específica subcultura de pessoas de origem africana dentro de um sistema social que enfatiza a cor ou a descendência a partir da cor, como um importante critério de diferenciação ou de segregação das pessoas” (apud Souza e Silva, 2009)
Como observa Eduarda Rodrigues Costa, no portal da UFMG
(www.literafro.UFMG), Domício Proença Filho, um dos mais renomados teóricos da
literatura brasileira, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e autor do
livro Dionísio Esfacelado, (1984), livro este considerado a epopeia de Palmares,
“aponta para a responsabilidade dos escravos no processo de desenvolvimento
econômico do Brasil, bem como reconhece sua contribuição para a formação do
povo e da cultura brasileira”.
Na obra de Domício Proença Filho, o negro é posto no centro da obra, a qual
retrata os quilombolas e seu processo de miscigenação.
De acordo com Costa,
Dionísio Esfacelado (Quilombo dos Palmares) é o texto com o qual Domício Proença Filho marca presença na poesia afro-brasileira. O livro pode ser lido como a epopeia de Palmares, de modo que o herói negro é apresentado no centro da obra, contando os feitos quilombolas e, deste modo, reescrevendo e preenchendo os vazios da história, agora escrita sob a ótica do dominado. A obra empenha-se em relativizar os valores socioculturais europeus considerados como universais e aponta para a responsabilidade dos escravos no processo de desenvolvimento econômico do Brasil, bem como reconhece sua contribuição para a formação do povo e da cultura brasileira por meio da miscigenação e do processo de trocas culturais. (Literafro. UFMG, em www.letras.ufmg.br/literafro)
Domício Proença nos mostra, em seu poema “Plantar a casa“, o quanto a
poesia serviu de instrumento para os movimentos abolicionistas que lutavam pela
liberdade do negro, mantendo o sonho de reconstruir sua vida, sua cultura e
costumes longe de sua pátria. Como podemos observar, os negros não vieram para
o Brasil de livre e espontânea vontade, mas sim, foram trazidos à força, foram
12
literalmente arrancados de sua pátria (África). Domício demonstra em seus poemas
a preocupação em repassar para as gerações futuras as tradições vindas da África.
Plantar a casa
Plantar a casa:
Afagar o sonho
Agudizar a chama
Na Noite
Da senzala.
Plantar a casa
Na manhã
Do Quilombo.
Dunda-Lá
Ganga-Zumba!
(Dionísio Esfacelado, p. 18)
De acordo com Carrança (2003), um dos principais obstáculos que causam a
invisibilidade da literatura afro-brasileira nos editoriais brasileiros é a dificuldade que
os autores afro-descendentes encontram no momento de colocar seus livros no
mercado editorial.
A dificuldade de ingressar no mercado editorial e colocar seus livros à
disposição de um grande público talvez seja a principal causa da reduzida
visibilidade de escritores afrodescendentes que, em suas obras, retratam a
vida e os valores da comunidade negra brasileira. O conceito de literatura
negra é polêmico. O professor Domício Proença Filho, da Universidade
Federal Fluminense (UFF), conhecido teórico de literatura e autor de
Dionísio Esfacelado, considerado um clássico da poesia negra, diz que o
uso dessa expressão pode ajudar a manter a discriminação. No âmbito
acadêmico, o debate sobre esse tema foi aberto no Brasil por Roger Bastide
com a obra Estudos Afro-Brasileiros, publicada na década de 1940. Mais
tarde, surgiram trabalhos de outros pesquisadores estrangeiros, como
13
Raymond Sayers (O Negro na Literatura Brasileira, 1958) e Gregory
Rabassa (O Negro na Ficção Brasileira, 1965).
Assim sendo, é necessário investigar a existência de possíveis barreiras que
impossibilitam a presença da literatura afro-brasileira e especialmente a poesia nos
livros didáticos.
De acordo com Carrança (2003), uma saída encontrada por escritores negros
para furar o bloqueio a eles imposto no meio editorial e fazer suas obras chegarem
ao leitor foi a publicação em regime cooperativo.
A poesia acaba tornando-se o espaço ideal para a mudança de atitude do
negro brasileiro que se posiciona de forma contundente em busca de valorizar sua
condição e sua cultura e, de certa maneira, cobrar posicionamento da sociedade, a
qual no decorrer da história fez com que a cultura negra fosse preterida em relação
à cultura branca existente no Brasil.
Em Cadernos Negros, revista publicada a partir de 1978, poesias produzidas
por autores afrodescendentes, autores como Cuti, Éle Semog, Conceição Evaristo,
Paulo Colina, Carlos de Assumpção, entre outros, retrataram através da poesia
negra, realidades não reveladas pela ideologia dominante. Tais poetas fizeram um
marco na história da literatura afro-brasileira com suas poesias em forma de protesto
pela não visibilidade do negro na cultura brasileira. Estes autores ressaltaram a
importância da poesia negra como instrumento de identidade e posicionamento do
povo negro brasileiro dentro da sociedade (Cadernos Negros, 1998, p.57).
E quando se trata de fazer alusão ao próprio corpo na poesia negra, o negro é
visto como um objeto sensual e isso também deve ser questionado, uma vez que,
antes de ser negro, ele é um ser humano que merece ser respeitado.
Podemos observar claramente essa questão no poema “Dançando Negro”, do
autor Ele Semog:
DANÇANDO NEGRO
Quando eu danço
Atabaques excitados,
O meu corpo se esvaindo
14
Em desejos de espaço
A minha pele negra
Dominando o cosmo
Envolvendo o infinito, o som
Criando outros êxtases...
Não sou festa para os teus olhos
De branco diante de um show!
Quando eu danço há infusão dos elementos
Sou razão.
O meu corpo não é objeto
Sou revolução
(Cadernos Negros, 1998: p. 57)
Não podemos deixar de dizer ainda que, Cuti, um dos autores mais
respeitados de nossa geração, nos alerta para o fato que a literatura depende muito
do ângulo em que é vista e colocada pelos analistas em sua ideologia.
E Cuti, citado por Schmidt (2005), afirma que: “Para mim a literatura negra se
identifica pela predominância da experiência subjetiva do ser negro transfigurada em
texto”.
Vale lembrar os poemas do livro O Negro em Versos, (2005), onde a poesia
negra é mostrada de forma orgulhosa, brilhante e é através dela que a afirmação da
identidade do povo negro é ressaltada. Autores como Solano Trindade, Geni
Guimarães e Cuti entre outros participam da maravilhosa coletânea de poesias
selecionadas neste livro. Exemplo disso é encontrado nos poemas:
SOU NEGRO
Sou negro
Meus avós foram queimados
Pelo sol da África
Minh’alma recebeu o batismo dos tambores
Atabaques, gongues e agogôs
15
(....)
Na minh’alma ficou
O samba
O batuque
O bamboleio
E o desejo de libertação
Solano Trindade
INTEGRIDADE
Ser negra
Na integridade
Calma e morna dos dias
Ser negra
De carapinhas
De dorso brilhante
De pés soltos nos caminhos
(....)
Negra
Puro afro sangue negro
Saindo aos jorros,
Por todos os poros...
Geni Guimarães
FERRO
Primeiro o ferro marca
A violência nas costas
Depois o ferro alisa
A vergonha nos cabelos
Na verdade o que se precisa
É jogar o ferro fora
E quebrar todos os elos
Dessa corrente
De desesperos
16
Cuti
Observa-se nestes três exemplos a busca constante destes poetas de fazer
da poesia instrumento capaz de convencer a população afrodescendente no sentido
de reconhecer-se e identificar-se como negro, orgulhar-se de ser negro, na luta por
uma sociedade igualitária e livre de preconceitos.
De acordo com o poeta Oswaldo de Camargo, esta obra, O Negro em Versos,
é mais uma das soluções encontradas pelo escritor negro de mostrar a sua cara
negra junto à Literatura “que convence”, ou seja, a Literatura escrita por brancos.
Por tudo isso, O Negro em Versos tem que ser visto como uma reunião de poemas uma das soluções que o negro escritor, sobretudo no século XX, tem dado à sua necessidade de mostrar a cara negra junto à Literatura “que convence”, isto é, a escrita por brancos e que já está aí desde o início, desde Portugal, desde o Descobrimento, desde a luta e a traição que sofreu Zumbi dos Palmares, desde a Abolição... “Convencer” quem? Os que sabem ler, ora! , em meio dos quais se acha uma razoável faixa da população negra brasileira. (O Negro em Versos, 2005, p. 15)
Diante deste depoimento, Oswaldo de Camargo, nos instiga ainda mais a
investigar essa busca de convencimento da Literatura Negra que passava pelo crivo
dos brancos, que julgavam e sancionavam a cultura no sentido do que era Belo,
literariamente louvável, de acordo com as normas de linguagem. Esta obra está
repleta de poesias dos autores negros que mais lutaram e ainda lutam para que a
poesia negra tenha seu espaço garantido no mercado editorial brasileiro.
Quando nos dispomos a debater sobre o tema do afrodescendente, seja no
âmbito literário, das artes ou da música, observamos tratar-se de um assunto
delicado. É como se estivéssemos pisando em ovos ou mexendo num vespeiro. Ao
tomar conhecimento da poesia de Carlos de Assumpção, também poeta de
Cadernos Negros, em seu livro Tambores da Noite, (2009), percebemos o quão
delicado é esse tema.
Carlos de Assumpção tem nas suas poesias o marco da “resistência e do
protesto” em busca de reconhecer e perpetuar tradições formadas por um povo
guerreiro com o objetivo de reconhecimento de nossas raízes e identidades, um
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povo que lute para que o mesmo preconceito que reinou num passado não muito
distante alcançou nosso presente, mas não encontre espaço em nosso futuro. Em
seu poema “Resistência” podemos observar isto:
RESISTÊNCIA
Tocai tambores tocai
Não tenho mais medo da morte
Sei que não vou desaparecer
Tocai tambores tocai
Em toda parte
Muitas mãos de ébano
Estão tecendo o destino da Raça
(....)
Carlos de Assumpção
Outro poema que trata dessa busca incessante pelo reconhecimento da
liberdade e da igualdade é o poema “Lei Áurea”:
LEI ÁUREA
Viva a princesa Isabel
Viva a senhora redentora
Agradecimento profundo
À bondosa princesa que em maio
Nos deu de bandeja a Lei Áurea
Lei Áurea verdadeiro cheque sem fundo
Carlos de Assumpção
Temos então, mais um poeta que contribuiu para que a literatura afro-
brasileira perpetuasse e brigasse pelo seu lugar no meio literário brasileiro.
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Literatura essa que, desde o tempo da abolição, repercute com olhar diferenciado na
produção artística brasileira.
No campo literário os poetas afrodescendentes buscaram uma ressignificação
da participação da pessoa negra na história e na cultura brasileiras. No tocante à
linguagem, apropriaram-se das expressões populares originadas na oralidade
africana, utilizando vocábulos que demonstram sentimentos, atitudes, hábitos e
costumes da própria identidade étnico-racial. Os poetas também enriqueceram
nossa literatura fazendo uso de substantivos dos mais variados campos semânticos,
que nos remetem às nossas culturas, às nossas raízes, levando o povo
afrodescendente a se reconhecer e se valorizar orgulhando-se de suas
características étnico-raciais.
7 Considerações finais
E assim, finalizo, na esperança de que este panorama da invisibilidade da
literatura afro-brasileira mude, e que nossos escritores negros, tornem-se mais
aparentes nas bibliotecas das escolas, nos livros didáticos e que, principalmente, a
poesia e toda a literatura afro-brasileira tenham seu espaço garantido e reconhecido
no mercado editorial brasileiro.
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Referências
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Cadernos Negros: os melhores poemas. São Paulo, Quilombhoje, 1998.
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Nov/Dez., 2003, nº 360.
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Literafro. Em: [www.letras.ufmg.br/literafro], acessado em 04/02/2011.
DOS SANTOS, Luiz Carlos; GALAS, Maria; TAVARES, Ulisses. O Negro em
Versos. São Paulo. Editora Moderna, 2005.
LOPES, Ana Lúcia. Educação e Africanidades Brasil, Currículo, Escola e
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SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ. Diretrizes Curriculares
da Educação Básica. Curitiba, 2008.
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