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352 Sobre o conceito de poder político * Talcott Parsons Poder é um dos conceitos-chave na tradição de pensamento ocidental sobre os fenômenos políticos. Ao mesmo tempo, é um conceito em que há, em níveis analíticos, muito embora sua longa história, um notável desacordo tanto no que se refere a sua definição específica, quanto a respeito de numerosas características do contexto conceitual no qual ele deve ser colocado. Entretanto, existe um núcleo complexo de seu significado que diz respeito à capacidade de pessoas ou coletividades de “fazer com que as coisas sejam feitas” de maneira efetiva, em particular quando seus objetivos são obstruídos por algum tipo de resistência humana ou oposição. O problema de enfrentar a resistência conduz, então, à questão do poder das medidas coercivas, incluindo aí o uso da força física e a relação de coerção com os aspectos voluntários e consensuais dos sistemas de poder. O objetivo deste artigo é tentar esclarecer esse complexo de significados e relações ao colocar o conceito de poder no contexto de um esquema conceitual geral para a análise de sistemas sociais complexos e em larga escala, isto é, sociedades. Ao fazer isso, eu falo mais como um sociólogo do que como um cientista político, porém como alguém que acredita que a interconexão das principais disciplinas sociais, incluindo não somente aquelas duas, mas especificamente as relações delas com a economia, são tão próximas que em matéria de teoria geral desse gênero elas não podem ser tratadas de forma segura isoladamente; suas interrelações devem ser tornadas explícitas e sistemáticas. Assim, como um sociólogo, * Traduzido diretamente do original em inglês “On the Concept of Political Power”, In: Politics and Social Structure, New York, London: The Free Press, Collier-MacMillan Limited, ©1969, por sua vez reimpresso de Proceedings of the American Philosophical Society, CVII (junho de 1963) por Fernando Ferrone ([email protected] ). Colaboração de Lou-Ann Kleppa.

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Sobre o conceito de poder político*

Talcott Parsons Poder é um dos conceitos-chave na tradição de pensamento ocidental sobre os fenômenos políticos. Ao mesmo tempo, é um conceito em que há, em níveis analíticos, muito embora sua longa história, um notável desacordo tanto no que se refere a sua definição específica, quanto a respeito de numerosas características do contexto conceitual no qual ele deve ser colocado. Entretanto, existe um núcleo complexo de seu significado que diz respeito à capacidade de pessoas ou coletividades de “fazer com que as coisas sejam feitas” de maneira efetiva, em particular quando seus objetivos são obstruídos por algum tipo de resistência humana ou oposição. O problema de enfrentar a resistência conduz, então, à questão do poder das medidas coercivas, incluindo aí o uso da força física e a relação de coerção com os aspectos voluntários e consensuais dos sistemas de poder. O objetivo deste artigo é tentar esclarecer esse complexo de significados e relações ao colocar o conceito de poder no contexto de um esquema conceitual geral para a análise de sistemas sociais complexos e em larga escala, isto é, sociedades. Ao fazer isso, eu falo mais como um sociólogo do que como um cientista político, porém como alguém que acredita que a interconexão das principais disciplinas sociais, incluindo não somente aquelas duas, mas especificamente as relações delas com a economia, são tão próximas que em matéria de teoria geral desse gênero elas não podem ser tratadas de forma segura isoladamente; suas interrelações devem ser tornadas explícitas e sistemáticas. Assim, como um sociólogo,

* Traduzido diretamente do original em inglês “On the Concept of Political Power”, In: Politics and Social Structure, New York, London: The Free Press, Collier-MacMillan Limited, ©1969, por sua vez reimpresso de Proceedings of the American Philosophical Society, CVII (junho de 1963) por Fernando Ferrone ([email protected]). Colaboração de Lou-Ann Kleppa.

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devo tratar um conceito geral da teoria política selecionando dentre os elementos que figuravam predominantemente em teoria política em termos de sua pertinência e significado para a análise teórica geral da sociedade como um todo. Existem três contextos principais nos quais me parece que as dificuldades do conceito de poder, da forma como ele é tratado na literatura da última geração, chegam a um ponto culminante. O primeiro deles diz respeito a sua turvaçãoI conceitual, a tendência, na tradição de Hobbes, de encarar o poder como uma simples capacidade generalizada de atingir fins ou objetivos em relações sociais, independentemente dos meios utilizados ou de seu estatuto de “autorização” para tomar decisões ou impor obrigações.1 O efeito dessa turvação, como eu o chamo, é tratar “influência” e algumas vezes dinheiro, bem como coerção em diversos aspectos, como “formas” de poder, portanto fazendo com que seja logicamente impossível tratar poder como um mecanismo específico de realização de mudanças na ação de outras unidades, individuais ou coletivas, no processo de interação social. Esta última é a linha de pensamento que eu gostaria de seguir. Em segundo lugar, há o problema da relação entre os aspectos coercivos e consensuais. Não tenho conhecimento de nenhum tratamento na literatura que apresente uma solução satisfatória para esse problema. A tendência dominante é sustentar que de alguma forma o poder transita, “em última análise”, de uma forma para a outra, isto é, “baseia-se” no comando de sanções coercivas, ou no consenso e na vontade de colaborar voluntariamente. Adotar uma ou outra solução não parece ser uma solução aceitável, portanto uma saída seria – como o faz, por exemplo, Friedrich – falar de cada uma delas como “formas” diferentes de poder. Proporei uma solução que sustenta que ambos os aspectos são essenciais, mas que nenhuma das duas formas de relacioná-los exposta acima é satisfatória, a saber, aquela que subordina um deles ao outro ou a que os trata como “formas” discretas. Finalmente, o terceiro problema é o que, desde a Teoria dos Jogos, foi amplamente clamado de problema da “soma zero”. A tendência dominante em literatura, por exemplo, Lasswell e C. Wright Mills, é sustentar explícita ou implicitamente que o poder é um fenômeno de soma zero, o que quer dizer que há uma “quantidade” fixa de poder em cada sistema de relações e, portanto, qualquer ganho de poder por parte de A deve, por definição, se dar pela diminuição do poder à disposição das outras unidades, B, C, D... Existem, obviamente, contextos restritos nos quais tais condições ocorrem, mas argumentarei que ela não dá conta de sistemas inteirosII a partir de um nível suficiente de complexidade.

I Diffuseness, que dá um sentido de “amplitude” também. Optamos por salientar o caráter “obscuro”, “ambígüo”. As notas indicadas por romanos e por asterisco são do tradutor. 1 Assim, E. C. Banfield, Political Influence (New York: The Free Press, 1962), p. 348, fala de controle como a habilidade de fazer com que um terceiro realize ou deixe de realizar uma ação, e de poder como a habilidade de estabelecer o controle sobre um terceiro. De forma semelhante, Robert Dahl em “The Concept of Power”, Behavioral Scientist 2 (july, 1957), diz que “A tem poder sobre B enquanto ele puder fazer com que B faça algo que B em outra situação não faria”. C. J. Friedrich toma uma posição semelhante em Man and his Goverment; An Empirical Theory of Politics (New Yor: McGraw-Hill, 1963). II Total systems. Aparentemente, Parsons não procura usar o conceito de “sistema total”, mas simplesmente apontar a dificuldade de tal teoria dar conta de sistemas mais complexos.

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ALGUMAS HIPÓTESES GERAIS A hipótese inicial é que, considerando a concepção de sociedade como um sistema, há um paralelismo essencial na estrutura teórica entre os esquemas conceituais apropriados para a análise dos aspectos econômicos e políticos das sociedades. Há quatro aspectos sobre os quais eu gostaria de trabalhar e construir esse paralelo, ao mesmo tempo em que mostrarei as diferenças substantivas cruciais entre os dois campos. Primeiro, “teoria política” tal qual aqui interpretada – isto é, não como simplesmente identificada com o significado dado ao termo por muitos cientistas políticos – é pensada como um esquema analítico abstrato no mesmo sentido em que teoria econômica é abstrata e analítica. Ela não é a interpretação conceitual de alguma categoria concretamente completa de fenômenos sociais, muito menos a de governo, embora o governo seja o campo na qual o elemento político fica mais próximo de ter uma clara primazia sobre os outros. Assim, a teoria política é concebida como um esquema conceitual que lida com um conjunto restrito de variáveis primárias e suas interrelações que podem ser encontradas operando em todas as partes concretas de sistemas sociais. Tais variáveis são, entretanto, sujeitas a condições paramétricas que constituem os valores de outras variáveis operando no sistema mais amplo que constitui a sociedade. Em segundo lugar, assumo que o sistema empírico ao qual a teoria política neste sentido se aplica é um subsistema “funcional” da sociedade, definido analiticamente, e não, por exemplo, um tipo concreto de coletividade. A concepção da economia da sociedade é relativamente bem definida.2 Proponho a concepção de politicidadeIII como o sistema empírico paralelo de relevância direta para a teoria política aqui defendida. A politicidade de uma dada sociedade é composta pelas diversas maneiras pelas quais os componentes relevantes do sistema total são organizados com referência a uma de suas funções fundamentais, a saber a ação coletiva efetiva na consecução de objetivosIV das coletividades. A consecução dos objetivos nesse sentido é o estabelecimento de uma relação satisfatória entre a coletividade e certos objetos em seu meio, que incluem tanto outras coletividades, quanto categorias de personalidades, isto é, “cidadãos”. Uma sociedade total deve, nesses termos, ser concebida, em um de seus aspectos principais, como uma coletividade, mas ela é também composta de uma imensa variedade de subcoletividades, muitas das quais são partes não somente dessa sociedade, mas de outras também.3 Portanto, uma coletividade, vista nesses termos, claramente não é um “grupo” concreto,

2 Cf. Talcott Parsons e Neil J. Smelser, Economy and Society (New York: The Free Press, 1956), capítulo I, para uma discussão desta concepção. III Polity, conceito-chave da teoria de Parsons, em outras traduções encontramos “corpo político”. Optamos pelo neologismo em português, pois se trata de um neologismo também em inglês. IV Goal-attainment. A opção “atingimento de objetivos”, literalmente mais próxima, não dá conta dos termos derivados. 3 Por exemplo, a profissão estadunidense de médico é parte da sociedade estadunidense, mas também é parte da profissão médica mais ampla que transcende esta sociedade particular, até certo grau como coletividade. A interpenetração no pertencimento [ver nota XX, N. do T.] é, portanto, uma característica das relações entre comunidades.

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pois os termos referem-se a grupos, isto é, a pluralidades sistematicamente relacionadas de pessoas, vistas da perspectiva de seus interesses e capacidades para a ação coletiva efetiva. Assim, o processo político é o processo pelo qual a necessária organização é construída e operada, os objetivos da ação são determinados e os recursos necessários são mobilizados. Esses dois paralelos com a teoria econômica podem ser estendidos ainda para um terceiro. O paralelo da ação coletiva no caso político é, na economia, a produção. Essa concepção, por sua vez, deve ser entendida em relação a três principais contextos operativos. O primeiro é o ajuste das condições de “demanda”, que são concebidas como sendo externas à própria economia, para que sejam alocadas nos “consumidores” do processo econômico. Em segundo lugar, recursos devem ser mobilizados, igualmente a partir do meio econômico: os famosos fatores de produção. Em terceiro lugar, o processo econômico interno é concebido como criativamente combinatório; ele é, pela “combinação” de fatores de produção à luz da utilidade dos produtos, um processo de criação de benefícios mais valiosos para satisfazer as necessidades das unidades consumidoras do que aquele outro processo que poderia estar disponível para os que não têm esse processo combinatório. Gostaria de postular que a lógica de “valor agregado” se refere à esfera política no sentido corrente.4 No caso político, entretanto, o valor de referência não é a utilidade, como no sentido econômico, mas a efetividade, e creio que quem melhor trabalhou nesse sentido foi C. I. Barnard.5 Para os propósitos da análise política como tal, a existênciaV das demandas de objetivos de grupos de interesse funciona como uma ordem de fator igual em relação ao sistema político, como funciona a correspondente existência dos desejos dos consumidores para os propósitos da análise econômica – e, obviamente, a mesma ordem de qualificações na adequação empírica de tais postulados. Finalmente, em quarto lugar, a análise política tal qual aqui concebida é paralela à econômica no sentido de que um lugar central nela é ocupado por um meio generalizado envolvido no processo de interação política, que é também uma “medida” de valores relevante. Concebo o poder como um meio generalizado no sentido diretamente paralelo na estrutura lógica, embora substancialmente muito diferente, da mesma forma que o dinheiro é o meio generalizado do processo econômico. É essencialmente essa concepção de poder, como um meio generalizado paralelo ao dinheiro, que proverá, no contexto teórico esboçado acima, o fio condutor para a análise seguinte em meio aos tipos de dificuldade histórica com referência aos quais o artigo começa.

4 Para a discussão sobre o “valor agregado” em esferas de aplicação mais amplas que a economia tomada isoladamente, cf. Neil J. Smelser, Social Change in the Industrial Revolution (New York: The Free Press of Glencoe, 1959), capítulo II, pp. 7-20, e Neil J. Smelser, Theory of Collective Behaviour (New York: The Free Press, 1963), capítulo II, pp. 23-47. 5 C. I. Barnard, The Functions of the Executive (Cambrigde: Harvard University Press, 1938), capítulo V, pp. 46-64. V Givenness, é o substantivo abstrato formado a partir do particípio do verbo dar (given) mais o sufixo –ness.

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OS PRODUTOSVI

DO PROCESSO POLÍTICO E OS FATORES DE EFETIVIDADE

A lógica do processo combinatório que afirmo ser comum à teoria política e o tipo de teoria política desenvolvida aqui envolvem um paradigma de produtos e insumos e suas relações. Mais uma vez, sustentaremos que a lógica é estritamente paralela ao caso econômico, isto é, que ela deve ser um conjunto de categorias políticas estritamente paralelas aos fatores de produção (insumos) de um lado, e os dividendos (produtos), de outro. No caso econômico, com exceção da terra, os três fatores restantes devem ser encarados como insumos dos três outros subsistemas funcionais cognatos da sociedade: trabalho do que é conhecido como sistemas de “manutenção de padrões”VII ; capital de politicidade; e organização, no sentido de Alfred Marshall, do sistema integrativo6. Além disso, depreende-se claramente que a terra não é, enquanto um fator de produção, simplesmente um recurso físico, mas é essencialmente o comprometimentoVIII , em termos de valor, de qualquer recurso para a produção econômica no sistema independente do preço. No caso político, de maneira semelhante, o equivalente da terra é o comprometimento de recursos com a ação coletiva efetiva, independente de qualquer “remuneração” para a unidade que os controla.7 Paralela ao trabalho está a demanda ou “necessidade” por uma ação coletiva tal qual manifestada no “público”, que em algum sentido é o eleitorado da liderança da coletividade em questão – uma concepção que é relativamente clara para a associação governamental ou outra associação eleitoral, mas que requer esclarecimento em outras conexões. Paralelo ao capital, está o controle de alguma parte da produtividade da economia para os objetivos da coletividade, numa economia suficientemente desenvolvida por meio de recursos financeiros à disposição da coletividade, adquiridos por remuneração, doação ou impostos. Finalmente, paralelo à organização, está a legitimação da autoridade sob a qual as decisões coletivas são tomadas. É extremamente importante notar que nenhuma dessas categorias de insumo é concebida como uma forma de poder. Na medida em que tais categorias envolvem meios, estes estão enraizados nos sistemas funcionais contíguos, ao contrário do poder que é o elemento central da politicidade. Isto é, o controle da produtividade pode operar através do dinheiro, mas as demandas constituintes o fazem através daquilo que chamo de “influência”. O poder, portanto, é o meio de adquirir controle dos fatores de forma efetiva; ele próprio não é um desses fatores, não o é da mesma forma que, no caso VI Outputs, optamos por utilizar sua tradução clássica, muito embora o termo “product” apareça. VII Pattern-maintenance. Outras traduções optam pela contração da preposição com o artigo definido masculine, uma opção que consideramos injustificada. 6 Para o fundamento dessas atribuições, ver Economy and Society, op. cit., capítulo II. VIII Commitment, que algumas vezes traduzimos como “comprometimento” e outras como “compromisso”, segundo o contexto. Ambas as palavras em português têm a mesma origem etimológica e seus sentidos praticamente não diferem. 7 A “remuneração” pode ser um fator decisivo na escolha entre contextos particulares de uso, mas o mesmo não pode ser afirmado quando o recurso for utilizado de alguma forma para a efetividade coletiva.

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econômico, o dinheiro não é um fator de produção; supor isto é avalizar a antiga falácia mercantilista. Embora o contexto analítico no qual eles estão localizados seja talvez pouco familiar à luz da análise política tradicional, espero que fique claro que as categorias atuais utilizadas estão bem estabelecidas, embora reste um certo número de problemas de definição precisa. Assim, o controle da produtividade através do financiamento da ação coletiva é muito familiar e o conceito de “demandas” no sentido de que quais constituintes querem e pressionam por ele, é também muito familiar.8 O conceito de legitimação é usado essencialmente no mesmo sentido em que creio que Max Weber utilizou-o num contexto político.9 O problema daquilo que corresponde, no caso político, aos “dividendos” dos economistas não é muito difícil, uma vez que a distinção essencial, muito antiga na tradição econômica, entre renda monetária e “real” é claramente levada em conta. Nossa preocupação é com os produtos “reais” do processo político – o análogo do monetário aqui é o produto do poder. Existe, a nosso ver, uma revisão crucialmente importante do tratamento econômico tradicional dos produtos que deve ser feita, a saber a indistinção entre “bensIX e serviços”, que deveriam, portanto, ser tratados como produtos para uma família como, em termos técnicos, uma parte do sistema de “manutenção de padrão”. A posição atual é a de que mercadorias, isto é, mais precisamente direitos de propriedade em objetos físicos de posse, pertencem a esta categoria, porém “serviços”, ou seja, o comprometimento do desempenho de papéis para com um “empregador” ou agente contratuante, constitui um produto, não para a família, mas para a politicidade: seu caso típico (mas, não o único) é o de uma organização empregatícia na qual o incumbido do papel engaja a si mesmo no desempenho de um papel ocupacional – um emprego10 – como contribuição para o funcionamento efetivo da coletividade. A partir dessa consideração, extrai-se uma conclusão algo surpreendente para os economistas, a saber, que o seviço é, em sentido econômico, uma contrapartida “real” de juros na forma de renda monetária do uso de fundos. O que sugerimos é que o controle político da produtividade torna-o possível, através dos ganhos combinatórios no contexto político, para produzir um excedente maior dos fundos monetários investidos, em virtude do qual, sob condições específicas, um prêmio pode ser pago no nível monetário; o qual, embora seja um resultado do processo combinatório como um todo, está mais diretamente relacionado com o produtor dos serviços disponíveis do que com um fenômeno econômico, isto é, como um “recurso fluido”.Visto de forma um pouco diferente, torna-se necessário fazer uma clara distinção entre trabalho como fator de produção,

8 De fato, adotei o termo “demandas” através do uso de David Easton, “An Approach to the Analysis of Political Systems”, World Politics, 9 (1957), 383-400. 9 Cf. Max Weber, The Theory of Social and Economic Organization (New York: Oxford University Press, 1947); traduzido por A. M. Henderson e Talcott Parsons; editado por Talcott Parsons, p. 124. IX Goods, que na grande maioria dos casos é a palavra cuja tradução é “bens”. As exceções serão anotadas. 10 O caso dos serviços concretamente realizados para uma família deve ser considerado como um caso-limite quando o papel do consumidor e do empregador não puder ser diferenciado um do outro.

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no sentido econômico, e serviço enquanto produto de um processo econômico que é utilizado num contexto político, isto é, uma distinção de efetividade organizacional ou coletiva. Entretanto, serviço não é um fator em efetividade, no sentido em que trabalho é um fator de produção, precisamente porque é uma categoria de poder. É o ponto no qual a utilidade econômica do fator humano é combinada com sua contribuição potencial para a ação coletiva efetiva. A partir do momento em que o consumidor de serviços é, em princípio, a coletividade empregadora, é sua efetividade nos objetivos coletivos – não sua capacidade para satisfazer os “desejos” dos indivíduos – que é o ponto ótimo do qual a utilidade dos serviços é derivada. Interpreto o produto do poder que se combina ao insumo de serviços para a politicidade como sendo a “oportunidade para efetividade” que o ato de empregar confere àqueles empregados ou o contrato oferece a seus parceiros. No sentido econômico, o capital é uma forma dessa oportunidade de efetividade que é derivada do fornecimento, para certos tipos de desempenho, uma estrutura de organização efetiva.11 A segunda é a categoria que, em profundo acordo com a tradição, eu gostaria de chamar de capacidade para assumir a responsabilidade de liderança, que é um contexto particularmente importante de produto “real” do processo político. Esta, enquanto categoria de produto “real”, também não é uma forma de poder, porém, de influência.12 Isto é um produto, não para a economia, mas para aquilo que eu chamaria de sistema integrativo, no qual em sua relevância para o presente contexto está, em primeira instância, o setor do “público”, que pode ser encarado como “eleitorados” do processo coletivo em consideração. Trata-se da estrutura grupal da sociedade encarada em termos de seus interesses estruturados em modos particulares de ação coletiva efetiva por coletividades particulares. É somente através da organização efetiva que a responsabilidade genuína pode ser tomada, portanto, a implementação de tais interesses demanda a responsabilidade para a efetividade coletiva.13 Mais uma vez, é preciso que fique bem claro que a responsabilidade de liderança não é concebida aqui como um produto do poder, embora muitos teóricos políticos (por exemplo, Friedrich) tratem tanto a liderança quanto, de modo mais amplo, a influência, como “formas” de poder. A categoria poder que regulava o produto da influência da liderança toma a forma, de um lado, de decisões políticas compulsórias da coletividade, e, de outro, de apoio político a partir do eleitorado, no caso típico

11 Nos casos tratados como típicos pela análise econômica, o elemento coletivo no capital é delegado através da compulsoriedade [vide nota XIII, N. do T.] de contratos de empréstimo de recursos financeiros. Para nós, trata-se de um caso especial, sendo que o ato de empregar é outro, das obrigações compulsórias assumidas por uma organização, que empregue ou faça empréstimos, graças à qual o receptor possa ser mais efetivo do que seria o caso de outro modo. Não é possível avançar nesses problemas complexos, porém eles serão, talvez, de algum modo iluminados na discussão por vir sobre o lugar do conceito de compulsoriedade na teoria de poder. 12 Ver meu artigo “On the Concept of Influence”, in Public Opinion Quarterly, 27 (primavera de 1963). 13 Aqui, novamente, o uso de Barnard do conceito de responsabilidade me parece ser o mais apropriado. Ver Barnard, op. cit.

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através da concessãoX. Trataremos as decisões políticas como um fator de integração do sistema, e não como um produto “consumível” do processo político.14 Finalmente, algumas palavras devem ser ditas sobre o que eu chamei de processo combinatório tout court. Obviamente, é admitido em teoria econômica que, de um lado, as “estruturas” dos fatores de produção e, de outro, a “demanda do sistema” para produtos são independentes entre si. A “utilidade” dos produtos só pode ser aumentada, para não dizer maximizada, por meio do processo de transformação dos fatores no sentido de prover o que é desejado, diferentemente do que é meramente disponível. O aspecto da tomada de decisões do processo de transformação – ou seja, aquilo que deve ser produzido, em que quantidade e como ele deve ser oferecido para consumo – é o significado da produção econômica, ao passo que os processos físicos não são econômicos, mas “tecnológicos”; eles são controlados por considerações econômicas, mas não são econômicos em si mesmos, no sentido analítico. A conseqüência da adaptação bem sucedida dos recursos disponíveis ao desejo ou a demanda é um incremento no valor do estoque de recursos, concebido, em termos de utilidade, como um tipo de valor. Porém, isto significa recombinar os componentes do estoque de recursos de modo a adapta-los aos diversos usos em questão. A mesma lógica pode ser utilizada para o processo combinatório na esfera política. Aqui, os recursos não são terra, trabalho, capital ou organização, mas a avaliação da efetividade, controle de produtividade, demandas estruturadas e a padronização da legitimação. Os “desejos” não estão para o consumo em sentido econômico, mas para a solução dos problemas de “interesse” nos problemas no sistema, incluíndo tanto problemas competitivos em sentido alocativo e problemas de conflito, bem como os problemas de incremento da efetividade total do sistema de organização coletiva. Neste caso, também não se deve admitir que a “estrutura” dos recursos disponíveis se combine com a estrutura do sistema de demandas-interesse. O incremento da efetividade na demanda-satisfação por meio do processo político é obtido – como no caso econômico – por meio dos processos de decisão combinatórios. A “tecnologia” organizacional envolvida não é, em sentido analítico, política. A demanda-referência não deve distinguir as unidades do sistema concebido em abstração do sistema como um todo – o consumidor “individual” do economista –, porém, deve distinguir o problema do sistema da partilha de benefícios e ônus reais a ser alocado em subsistemas de várias ordens. A referência de “consumo” está mais para o lugar da unidade-interesse no sistema de alocação do que para os méritos independentes das “necessidades” particulares.

X Franchise. 14 Para não complicar muito as coisas, não entrarei aqui em problemas do sistema de intercâmbio envolvendo legitimação. Ver meu artigo “Authority, Legitimation, and Political Process” in Nomos I, reimpresso como o Capítulo V de meu Structure and Process in Modern Societies (New York, The Free Press, 1960), pp. 170-198.

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O CONCEITO DE PODER

O enunciado acima pode parecer um cenário altamente elaborado no qual deve se assentar a introdução formal do objetivo principal do artigo, a saber o conceito de poder. A exposição deve ter sido condensada e críptica, entretanto, a compreensão de sua estrutura principal é uma base essencial para a maneira especial no qual proporemos combinar os elementos que desempenharam um papel crucial nas principais tradições intelectuais que lidaram como o problema do poder. Poder é concebido aqui como um meio de circulante, análogo ao dinheiro, interno ao que é chamado de sistema político, mas ele extrapola suas fronteiras e adentra em três dos subsistemas funcionais de uma sociedade (da forma pela qual eu os concebo): o sistema econômico, o integrativo e o de manutenção dos padrões. A especificação das propriedades do poder podem ser melhor atingidas com a tentativa de delinear muito brevemente as propriedades relevantes do dinheiro enquanto meio na economia. Dinheiro é, como os economistas clássicos dizem, tanto um meio de troca quanto uma “medida de valor”. É simbólico o fato de que, embora possa medir e “significar” valor econômico ou utilidade, ele não possui por si só utilidade no sentido primário de consumo – ele não tem “valor de uso”, mas somente valor “de troca”, isto é, serve para a posse de coisas que têm utilidade. Assim, o uso do dinheiro é um meio de comunicação de ofertas, de um lado para comprar e, de outro, para vender coisas de utilidade, com e por dinheiro. Ele se torna um meio essencial somente quando a troca não é realizada nem por convençãoXI – como na troca de presentes entre categorias definidas de parentesco –, nem toma lugar no escambo, ou seja, uma mercadoria ou serviço diretamente por outro. Em compensação a sua falta de utilidade direta, o dinheiro dá ao recebedor quatro graus importantes de liberdade em sua participação no conjunto do sistema de trocas: (1) desde que disponha da quantidade suficiente, ele é livre para gastar seu dinheiro em qualquer item ou combinação de itens disponíveis no mercado, (2) ele é livre para comprar de qualquer fornecedor os itens desejados, (3) ele pode escolher o momento mais adequado para adquiri-los, (4) devido a sua liberdade de tempo e fonte, ele é livre para considerar os termos e rejeitá-los, aceitá-los ou ainda tentar influenciar o outro em determinados casos. Por outro lado, no caso do escambo, o negociante é limitado àquilo que seu parceiro particular tem ou quer em relação àquilo que ele tem e aquilo de que desistirá em dado momento. O outro lado do ganho em graus de liberdade é, obviamente, o risco envolvido nas probabilidades de aceitação de dinheiro por outras pessoas e a estabilidade de seu valor. O dinheiro primitivo é um meio que é muito próximo de uma mercadoriaXII , sendo que o caso mais comum é ele ser um metal preciso, e muitos ainda tem o sentimento de que o valor do dinheiro está “realmente” fundado no valor de mercadoria da base metálica. Nessa base, entretanto, nos sistemas monetários desenvolvidos, está

XI Ascriptive. XII Commodity.

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consolidada uma complexa estrutura de instrumentos de crédito, sendo que somente uma tênue fração das transações vigentes é conduzida em termos do metal – ele se torna uma “reserva” disponível para certas contingências, e é atualmente usado principalmente no ajuste dos balanços internacionais. Discutirei a natureza do crédito mais adiante num outro contexto. Por ora, basta dizer que, por mais importante que a disponibilidade de reservas metálicas possa ser em certas contingências, nenhum sistema monetário opera primordialmente com metal enquanto meio real, mas utiliza o dinheiro “sem valor”. Além do mais, a aceitação deste dinheiro “sem valor” repousa numa certa confiança institucionalizada no sistema monetário. Se a segurança dos comprometimentos monetários repousasse somente em sua convertibilidade em metal, a maioria esmagadora deles não teria valor pela simples razão de que a quantidade total de metal está longe de poder converter uma pequena parte sua que seja. Para terminar, podemos afirmar que o dinheiro é “bom”, que ele trabalha como um meio somente no interior de uma rede relativamente definida de relações de mercado que, para ser segura, tomou uma amplitude mundial, mas cuja manutenção requer medidas especiais para manter a mútua convertibilidade das moedas nacionais. Tal sistema é, por um lado, um leque de troca potencial dentro do qual o dinheiro deve ser gasto, porém, por outro lado, um sistema dentro do qual certas condições relativas à proteção e ao gerenciamento da unidade são mantidos, tanto por meio da lei quando através de agências responsáveis submetidas à lei. O primeiro aspecto do conceito de um sistema de poder institucionalizado é, analogicamente, um sistema relacional dentro do qual certas categorias de comprometimento e obrigações, convencionais ou voluntariamente aceitas – por exemplo, por contrato – são tratadas como compulsóriasXIII , isto é, sob condições normalmente definidas, seu cumprimento deve ser garantido pelas agências apropriadas que regulam os papéis sociais recíprocos. Ademais, no caso de ameaça de resistência ou resistência real ao “consentimento”XIV , isto é, ao cumprimento de tais obrigações quando invocadas, elas serão “postas em vigor” pela ameaça de imposição ou por imposição real das sanções situacionais negativas, no primeiro caso tendo a função de dissuasãoXV, no segundo caso, de punição. Estes são eventos na situação de fator de referência que intencionalmente alteram sua situação (ou ameaçam alterar no sentido de) em sua desvantagem, independentes do conteúdo específico dessas alterações. Poder, portanto, é a capacidade generalizada de garantir o desempenho de compromissos compulsórios pelas unidades num sistema de organização coletiva quando tais obrigações são legitimadas por seu amparo em objetivos coletivos e, no caso de recalcitrância, há uma pressuposição de coerção por meio de sanções situacionais negativas – independente da agência real que se encarregue de sua execução. Deve ser notado que utilizei as concepções de generalização e de legitimação para definir poder. Garantir a posse de um objeto XIII Binding. Talvez a palavra de mais difícil tradução. Normalmente, em inglês, o verbo to bind significa “ligar”, “atar”. Parsons parece ter esse sentido em mente, mas se preocupa sobretudo com o caráter “compulsório”, “obrigatório”. Contudo, a utilização dessa palavra e de seus derivados é muito ambígüa. Optamos por uma padronização tendo por base a palavra compulsão e seu verbo primitivo, compelir. XIV Compliance. XV Deterrence, que possui também o sentido de “intimidação”. O verbo to deter foi traduzido como dissuader e é a base para as palavras derivadas.

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de utilidade através de escambo por outro objeto não é uma transação monetária. De igual modo, segundo minha definição, garantir o consentimento a um desejo – seja ele definido como uma obrigação do objeto ou não – simplesmente pela ameaça de uma força superior, não é um exercício de poder. Estou bem consciente de que muitos teóricos político possam pensar de maneira diferente e classificar isto como poder (por exemplo, a definição de Dahl), mas quero continuar com minha linha de pensamento e explorar suas implicações. A capacidade de garantir consentimento deve – se ela for chamada de poder no sentido que utilizo – ser generalizada e não somente ser uma função de um ato coercitivo particular que o usuário está em posição de impor15, e o meio utilizado deve ser “simbólico”. O segundo aspecto que mencionei é o poder enquanto algo que envolve legitimação. Isto é, no presente contexto, a conseqüência necessária de conceber poder como “simbólico” – algo que, portanto, se for trocado por algo intrinsecamente valioso para a efetividade coletiva, a saber, o consentimento com a obrigação – deixaria o recipiente, o desempenhador da obrigação, com “nada de valor”. Isto é, que ele não tem “nada” a não ser um conjunto de expectativas, a saber que em outros contextos e em outras ocasiões, ele pode invocar algumas obrigações da parte de outras unidades. Legitimação é, portanto, em sistemas de poder, o fator análogo da confiança na mútua aceitabilidade e estabilidade da unidade monetária nos sistemas monetários. Ambos os critérios estão conectados, ao se questionar a legitimação da posse e o uso do poder conduzir-se-á progressivamente a se lançar mão de meios de obtenção de consentimento cada vez mais “seguros”. Estes devem ser progressivamente “intrinsecamente” mais efetivos, portanto mais adaptados às situações dos objetos e menos geral.7 Além do mais, na medida em que são intrinsecamente efetivos, a legitimidade torna-se um fator progressivamente menos importante da efetividade deles – ao final desta série repousa o recurso, inicialmente, a vários tipos de coerção, eventualmente ao uso da força como o mais intrinsecamente efetivo de todos os meios de coerção.16 Gostaria de tentar situar tanto o dinheiro quanto o poder no contexto de um paradigma mais geral, que é uma classificação analítica dos meios pelos quais, no processo de interação social, as ações de uma unidade num sistema podem ser orientadas intencionalmente para realizar uma mudança na qual as ações de uma ou mais unidades poderiam ser feitas de outra maneira – portanto, cabendo no contexto da concepção de poder de Dahl. É conveniente estabelecer isto em termos da convenção de denominação da unidade de ação de referência – individual ou coletiva – como ego, e o objeto sobre o qual ele tenta “operar”, como alter. Devemos então classificar as alternativas em aberto ao ego em termos de duas dicotomias variáveis. Por um lado, o ego deve tentar obter seu objetivo de alter ou (1) pela utilização

15 Há um certo elemento de generalidade na força física enquanto sanção negativa, o que o coloca num lugar especial dos sistemas de poder. Isto será levado em conta mais tarde na discussão. 16 Há complicações aqui derivando do fato de que o poder é associado com sanções negativas e portanto, em face de uma resistência severa, sua efetividade é confinada a dissuasão.

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de algum meio de controle sobre a situação na qual alter está imerso, de forma real ou contingencial mudando-a de tal forma que aumente a probabilidade de alter atuar da forma como ele deseja ou, de forma alternativa, (2) sem tentar mudar a situação de alter, ego pode tentar mudar as intenções de alter, isto é, ele pode manipular símbolos que têm significado para alter de tal forma que ele tentará fazer alter “enxergar” que o que ego quer é um “coisa boa” para ele (alter) fazer. A segunda variável, então, está relacionada ao tipo de sanções que ego pode empregar ao tentar assegurar a consecução desse fim de alter. A dicotomia aqui é entre as sanções positivas e negativas. Assim, através do canal situacional, uma sanção positiva é uma mudança na situação de alter presumivelmente considerada por ele próprio como vantajosa para si, que é usada como um meio por ego para obter um efeito nas ações de alter. Uma sanção negativa, portanto, é uma alteração na situação de alter que cause desvantagem a este. No caso do canal intencional, a sanção positiva é a expressão de “razões” simbólicas pelas quais o consentimento com os desejos de ego é “uma coisa boa” independentemente de qualquer ação futura da parte de ego, do ponto de vista de alter, isto, poderia ser sentida por ele como “pessoalmente vantajosa”, ao passo que a sanção negativa apresenta razões pelas quais o não-consentimento com os desejos de ego deveria ser sentido por alter como sendo danoso aos interesses pelos quais ele tem um investimento pessoal significativo e deve, portanto, ser evitado. Gostaria de denominar os quatro tipos de “estratégia” disponíveis para ego respectivamente de (1) para o canal situacional, caso da sanção positiva, “indução”XVI ; (2), canal situacional, sanção negativa, “coerção”; (3), canal intencional, sanção positiva, “persuasão”; e (4) canal intencional, sanção negativa, “ativação de compromissos”; tal qual exibido no quadro abaixo: Canal Situacional Intencional

Tipo de sanção Positiva 1 – indução 3 – persuasão

Negativa 2 – coerção 4 – ativação de compromissos

Uma complicação ulterior deve ser introduzida agora. Temos em mente uma sanção enquanto um ato intencional da parte de ego, com a qual ele espera mudar sua relação com alter diferente daquilo que ela deveria ser. Como um meio de conseguir que a ação de alter seja mudada, ele pode operar mais obviamente onde a imposição real da sanção é tornada contingente por uma decisão futura da parte de alter. Assim, um processo de indução será operado em dois estágios, primeiro a contingência oferece a parte de ego que, se o alter “consentir” com seus desejos, ego “recompensa-lo-á” pela promessa contingente de mudança situacional. Se, de fato, alter consentir, ego irá desencadear o

XVI Inducement.

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ato sancionador. No caso da coerção, o primeiro estágio é uma ameaça contingente que, a menos que alter decida consentir, ego imporá sua sanção negativa. Se, entretanto, alter consentir, então, nada decorrerá. Mas, se ele opta pelo não-consentimento, ego deve levar a cabo sua ameaça, ou então ser posto numa posição de “não era bem assim”. Nos casos do canal intencional, o primeiro estágio de atuação de ego é (1) ou prever a ocorrência ou (2) anunciar sua própria intenção de fazer algo que afete os sentimentos ou interesses de alter. O elemento de contingência entra quando ego “argumenta” com alter que se isso ocorrer, por um lado, deve-se esperar que alter “veja” que seria algo bom ele fazer o que ego quer – o caso positivo – ou que se ele falhar em fazer isto, isso implicaria num importante “custo subjetivo” a alter. No caso positivo, para além de “indicar” se alter consentir, ego é obrigado a conceder a sanção atitudinal positiva de aprovação. No caso negativo, a correspondente sanção atitudinal de desaprovação é implementada somente pelo não-cumprimento. Portanto, fica claro que há uma assimetria básica entre os lados positivo e negativo do aspecto sancionador do paradigma. Isso porque, em casos de indução e persuasão, o consentimento de alter obriga ego a “dar” sua sanção positiva prometida: no primeiro caso, as vantagens prometidas; no segundo, sua aprovação ao “bom senso” de alter de reconhecer que a decisão desejada por ego e aceita como “boa” por alter, de fato se torna boa do ponto de vista de alter. Nos casos negativos, por outro lado, o consentimento da parte de alter obriga ego, no caso situacional, a não levar a cabo sua ameaça, e, no caso intencional por desaprovação contida, a confirmar a alter que seu consentimento de fato o polpou-o daquilo que sem a intervenção de ego teria sido a conseqüência subjetiva indesejável de suas intenções passadas, a saber, a culpa sobre violações de seus compromissos. Finalmente, a liberdade de ação de alter em suas decisões de consentimento versus não-consentimento é também uma variável. O limite inferior desse alcance é quando o elemento de contingência desaparece. Isto é, do ponto de vista de ego, ele não pode dizer, se você fizer tal e tal coisa, irei intervir, seja por manipulações situacionais, seja por “argumentos” de tal ou tal forma, porém ele pode simplesmente realizar um ato manifesto e se colocar frente a alter como um fait accompli. No caso da indução, um presente que é um objeto de valor – cuja aceitação ou recusa não cabe a alter – é o caso limite. Com respeito à coerção ou compulsão, isto é, simplesmente impondo uma alteração desvantajosa na situação de alter e então deixando a este a decisão sobre “fazer algo a respeito”, é o caso limite. A assimetria a qual acabamos de nos referir também aparece aqui. Na medida em que possa ser contingente, deve ser dito que o significado primeiro das sanções negativas é um meio de prevenção. Se eles são efetivos, nenhuma ação ulterior é requerida. O caso da compulsão é aquele no qual se tornou possível para alter evitar a ação indesejada por parte de ego. Obviamente, no caso das sanções

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positivas, ego, por exemplo, ao dar um presente a alter, nega a si mesmo os benefícios do desempenho de alter que é presumivelmente vantajoso para ele, na troca particular. Ambos, entretanto, podem ser orientados para seu efeito na ação de alter em futuras seqüências de interações. Deve-se “ensinar uma lição” ao objeto de compulsão e, portanto, ele deve se tornar menos disposto ao não-consentimento com os desejos de ego no futuro, bem como estar prevenido do desempenho de um ato indesejado particular e o receptor do presente deve sentir uma “obrigação” de proceder de forma recíproca no futuro. Até o momento, essa discussão vem lidando com atos sancionadores em termos de seu significado “intrínseco”, tanto para ego quanto para alter. Uma indução oferecida pode assim ser a posse de um objeto particular de utilidade, uma ameaça coerciva, que um amedrontado particular perde, ou outra experiência nociva. Porém, logo que, na fase inicial da seqüência, ego transmite suas intenções contingentes a alter simbolicamente através de comunicação, deduzimos que a sanção envolvida deve também ser simbólica: por exemplo, ao invés da posse de certas mercadorias intrinsecamente valiosas, ele pode oferecer uma soma de dinheiro. O que chamamos de meios generalizados de interação pode, portanto, ser usado como tipos de sanção que devem ser analisados nos termos do paradigma acima. Os fatores de generalização e de legitimação do institucionalismo, entretanto, como discutido acima, introduzem certas complicações que devemos estudar agora com referência ao poder. Este é um sentido no qual poder pode ser visto como um meio generalizado de coerção nos termos acima, mas esta fórmula, no mínimo, requer uma interpretação muito cuidadosa – de fato, ela revelar-se-á por si mesma inadequada. Mencionei acima o “lastreamento”XVII do valor do dinheiro no valor de mercadoria do metal monetário e sugeri que há uma relação correspondente do “valor”, isto é, a efetividade do poder, à efetividade intrínseca da força física enquanto meio de coerção e, no caso limítrofe, compulsão.17 Ao interpretar-se esta fórmula, deve-se levar em conta a assimetria que acabou de ser discutida. O lugar especial do ouro enquanto base monetária repousa em propriedades tais como sua durabilidade, sua alta relação valor-quantidade etc. e sua alta probabilidade de aceitabilidade na troca, isto é, como meio de indução, numa amplíssima variedade de condições que não são dependentes de uma ordem institucionalizada. O objetivo primeiro de ego ao recorrer à compulsão ou coerção, entretanto, é dissuadir uma ação não-desejada da parte de alter.18 Força, entretanto, é em primeira instância importante como o dissuasor “por excelência”. É o meio que, mais uma vez independentemente de qualquer sistema de ordem institucionalizado, pode ser assumido como “intrinsecamente” mais efetivo

XVII Grounding. 17 Devo o insight deste paralelo ao professor Karl Deutscher da Harvard University (discussão pessoal). 18 A inflicção “sádica” de dano sem significado instrumental a ego não pertence a este contexto.

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no contexto da dissuasão, quando os meios de efetividade que são dependentes da ordem institucionalizada não são seguros ou falham. Portanto, a unidade de um sistema de ação que comanda o controle da força física adequada para lidar com qualquer contra-ameaça de força é mais seguro que qualquer outro no estado de natureza hobbesiano.19 Todavia, assim como um sistema monetário que se fundamente inteiramente no ouro como meio real de troca é tão primitivo que é incapaz de mediar um sistema complexo de troca de mercado, um sistema de poder no qual somente a sanção negativa é a ameaça de força é tão primitivo que não pode funcionar como mediador de um sistema complexo de coordenação organizacional – ele é um instrumento “cego”. O dinheiro não pode ser somente uma entidade de valor intrínseco se ele tiver que servir de meio generalizado de indução, mas ele deve, como dissemos, ser institucionalizado enquanto símbolo; ele deve ser legitimado e deve inspirar “confiança” dentro do sistema – e deve também, dentro de limites, ser deliberadamente gerenciado. Similarmente, o poder não pode ser somente um dissuasor; se ele tem que ser o meio generalizado de mobilização de recursos para a ação coletiva efetiva e para o cumprimento dos compromissos feitos pelas coletividades para com aqueles que chamamos de seus constituentes, ele deve ser também simbolicamente generalizado e legitimizado. Há uma conexão direta entre o conceito de compulsoriedade, como introduzido acima, e dissuasão. Tratar um compromisso ou qualquer outra forma de expectativa enquanto algo compulsório é atribuir uma importância especial a sua realização. Quando não se tratar simplesmente de uma questão de manutenção de uma rotina estabelecida, mas o empreendimento de novas ações em circunstâncias novas, onde o compromisso é, portanto, de empreender tipos de ação contingentes em circunstâncias enquanto elas se desenvolvem, então o risco de ser minimizado é que tais comprometimentos contingentes não serão levados a cabo quando as circunstâncias em questão aparecerem. Tratar a expectativa ou a obrigação como algo compulsório é quase o mesmo que dizer que os passos apropriados do outro lado devem ser tomados para prevenir o não-cumprimento, se possível. A inclinação para impor sanções negativas é, deste ponto de vista, ou simplesmente a execução das implicações de tratar compromissos como algo compulsório, e o agente que as invoca “pra valer”, ou é a preparação para insistir. Por outro lado, há regiões nos sistemas de interação onde há um leque de alternativas, sendo que a escolha entre elas é opcional, à luz de vantagens prometidas, situacional ou “intencional”, de uma escolha comparada com outras. Sanções positivas tal qual concebidas aqui constituem um incremento contingente de vantagem relativa, situacional ou intencional, da alternativa que ego deseja que alter escolha.

19 Tentei desenvolver esta linha de análise do significado de força de maneira mais bem acabada em “Some Reflections of the Role of Force in Social Relations”, publicado pela primeira vez em Harru Eckstein, ed., The Problem of Internal War (princeton, N. J.: Princeton University Press, 1963), reimpresso em meu Sociological Theory and Modern Society, capítulo 9.

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Se, nessas últimas áreas, um meio simbólico generalizado é operar no lugar de vantagens intrínsecas, deve haver um elemento de compulsoriedade na própria institucionalização do próprio meio – por exemplo, o fato de que o dinheiro de uma sociedade seja “moeda corrente” que deve ser aceita na solução de dívidas que têm o estatuto de obrigações contratuais perante a lei. No caso do dinheiro, proponho que, para o caso típico da unidade atuante no sistema de mercado, que os empreendimentos específicos nos quais ele entra são predominantemente opcionais no sentido acima, contudo se o dinheiro envolvido nas transações for ou não “bom”, não cabe a ele julgar, porém sua aceitação é algo compulsório. Essencialmente, o mesmo é verdadeiro para as obrigações contratuais, tipicamente ligando utilidades monetárias e intrínsecas, que ele empreende. Gostaria de propor agora que em certo sentido o oposto também se aplica ao poder. Sua importância “intrínseca” reside em sua capacidade de assegurar que suas obrigações sejam “realmente” compulsórias, portanto, se necessário, podem ser “reforçadas” por sanções negativas. Mas, para que o poder funcione como um meio generalizado num sistema complexo, isto é, para que ele mobilize recursos que sejam efetivamente voltados para a ação coletiva, o poder deve ser “legitimado”, o que no presente contexto significa em certos aspectos consentimento, que é o fator comum dentre todos os nossos meios, não tem caráter compulsório, muito menos coercitivo, pois é opcional. O escopo dentro do qual existe um sistema contínuo de obrigações compulsórias entrelaçadas é essencialmente o de uma coletividade organizada da maneira como a pensamos e das obrigações contratuais contraídas em seu nome e dentro de seus limites. Os pontos nos quais os fatores opcionais incidem são – nas relações-limite da coletividade onde os fatores de importância para o funcionamento coletivo que não através de obrigações compulsórias são trocados por tais compromissos compulsórios da parte da coletividade e vice-versa – produtos não-compulsórios da coletividade para compromissos compulsórios para ela. Esses insumos “opcionais”, como sugeri acima, são o controle da produtividade da economia num extremo e a influência por meio de relações entre liderança e demandas públicas noutro.20 Este é um ponto no qual a dissociação do conceito de politicidade da relação exclusiva com o governo se torna particularmente importante. Numa sociedade suficientemente diferenciada, as relações-limite da grande maioria de suas unidades importantes de organização coletiva (incluíndo algumas fronteiras governamentais) são limites onde a esmagadora maioria das decisões de compromisso são opcionais no sentido utilizado acima, embora uma vez tomadas, seu cumprimento seja compulsório. Não obstante, isto somente é efetivamente possível dentro do escopo de uma ordem normativa estabilizada suficientemente estável em que os graus requeridos de liberdade estão protegidos,

20 Portanto, se o controle da produtividade opera por meio de fundos monetários, seu possuidor não pode “forçar”, por exemplo, futuros empregados a aceitar o emprego.

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por exemplo, no que tange ao emprego e à promoção de demandas-interesse e decisões sobre apoio político. Essa característica das relações-limite de uma unidade política particular permanece mesmo para os casos de governos locais, de modo que as decisões sobre moradia, emprego ou aquisição de propriedade dentro de uma jurisdição envolvam o elemento opcional, desde que em todas essas situações haja uma escolha relativamente livre entre as jurisdições locais, ainda que, uma vez escolhida, o cidadão estiver, por exemplo, sujeito a políticas de impostos vigendo dentro dela – e, obviamente, ele não poderá deixar de ser sujeitado a qualquer jurisdição local, mas deve escolher entre as disponíveis. No caso de uma organização política “nacional”, suas fronteiras territoriais comumente coincidem com uma relativa quebra da ordem normativa que regula a interação social.21 Portanto, para além de tais fronteiras ocorre uma ambigüidade no exercício do poder da forma como que o tratamos. De um lado, a invocação de obrigações compulsórias opera normalmente sem o uso da coerção dentro de certos limites onde os dois sistemas de coletividades territoriais institucionalizaram suas relações. Assim, viajantes em países estrangeiros amistosos podem normalmente gozar de segurança pessoal e das amenidades das principais acomodações públicas, da troca de seu dinheiro pelo câmbio “corrente”, etc. Onde, por outro lado, as relações mais gerais entre as coletividades nacionais estiverem em questão, o sistema de poder é especialmente vulnerável ao tipo de insegurança das expectativas que tendem a ser encontradas pela instância explícita para ameçar com sanções coercivas. Tais ameaças, operando em ambos os lados de uma relação recíproca, prontamente entram em um círculo vicioso de instância rumo a medidas drásticas de coerção cada vez mais “intrinsecamente” efetivas, e ao final de cada caminho, reside a força física. Em outras palavras, o perigo de guerra é endêmico em relações não-institucionalizadas entre coletividades territoriais organizadas. Há, portanto, uma relação inerente entre o uso e o controle da força, de um lado, e a base territorial de organização, de outro.22 Uma condição central da integração do sistema de poder é que ele deve ser efetivo dentro de uma área territorial e uma condição crucial de sua efetividade é o monopólio do controle do poder superior dentro da área. O ponto crítico, portanto, no qual a integração institucional dos sistemas de poder é mais vulnerável ao esgarçamento e à degeneração em ameaças recíprocas de uso da força, é entre sistemas políticos territorialmente organizados. Este, notoriamente, é o ponto mais fraco na ordem normativa da sociedade humana hoje, e assim o é quase desde tempos imemoriais.

21 Isto, obviamente, é uma diferença relativa. Alguns riscos aumentam no momento em que alguém coloca o pé fora de casa, a proteção policial deve ser melhor na comunidade local dessa pessoa que na do próximo e cruzar a fronteria do estado pode significar uma diferença considerável em direitos legais ou reais. 22 Cf. meu artigo, “The Principal Structures of Community”, Nomos 2 e Structure and Process, op. cit., capítulo 8. Ver também J. W. Hurst, Law and Social Process in the United States (Ann Arbor: University of Michigan Law School, 1960).

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Nessa linha de raciocínio, deve ser reconhecido que a posse, a ameaça mútua, e o possível uso da força é apenas muito aproximadamente a principal “causa” de guerra. O ponto essencial é que o “gargalo” da repressão mútua a meios cada vez mais primitivos de proteção ou avanços nos interesses coletivos é um “canal” no qual todos os elementos de tensão entre as unidades coletivas em questão podem se tornar fluidos. É uma questão dos níveis principais nos quais tais elementos de tensão podem, de um lado, serem construídos, e de outro, controlados, não de uma simples e unívoca concepção das conseqüências “inerentes” da posse e dos possíveis usos da força organizada. Deve ficar claro que mais uma vez há um paralelo direto com o caso econômico. Um sistema de mercado operante requer a integração do meio monetário. Ele não pode ser um sistema de n unidades monetárias independentes e agências controlando-o. Essa é a base sobre a qual o principal espaço de extensão de um sistema de mercado relativamente integrado tende a coincidir com a “sociedade politicamente organizada”, como Roscoe Pound a chamou, numa área territorial. Transações internacionais requerem provisões especiais não requeridas pelas transações domésticas. O “gerenciamento” básico do sistema monetário deve estar, portanto, integrado com a institucionalização do poder político. Assim como o último depende de um monopólio da força institucionalmente organizada, a estabilidade monetária depende (1) de um efetivo monopólio das reservas básicas que proteja a unidade monetária e, como veremos mais à frente, (2) da centralização do controle sobre o sistema de crédito.

OS ASPECTOS HIERÁRQUICOS DOS SISTEMAS DE PODER

Uma questão muito crítica aparece agora e deve ser exprimida em termos de uma diferença crucial entre dinheiro e poder. Dinheiro é uma “medida de valor”, como os economistas clássicos diziam, em termos de uma varíavel contínua linear. Objetos de utilidade cujo valor é expresso em dinheiro são mais ou menos valiosos quando comparados entre si em termos numericamente expressos. De modo semelhante, enquanto meio de troca, quantidades de dinheiro se diferem numa mesma dimensão. Uma unidade atuante na sociedade possui mais dinheiro – ou bensXVIII que podem ser trocados por dinheiro – que outra, ou ainda possui menos ou o mesmo tanto. Poder envolve uma dimensão totalmente diferente que pode ser formulada nos termos da concepção que A pode ter poder sobre B. Obviamente, numa licitação o detentor de bens financeiros superiores tem a vantagem que, como os economistas dizem, a “utilidade marginal do dinheiro” é menor para ele do que para seu competidor com bens menores. Porém, sua “proposta” não é mais compulsória no parceiro da troca potencial do que o é o concorrente menos rico, desde que no “poder de compra” todos os dólares sejam “criados livres e

XVIII Assets.

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iguais”. Deve haver razões auxiliares para o fato de o fornecedor poder pensar que é recomendável aceitar a proposta do proponente mais rico, tais razões, entretanto, não são estritamente econômicas, mas concernem às interrelações entre dinheiro e outros meios, e outras bases de status no sistema. A conexão entre o valor de efetividade – tal qual distinguida de utilidade – e compulsoriedade implica, por sua vez, numa concepção da maneira como se foca a responsabilidade pelas decisões e, portanto, da autoridade por sua implementação.23 Isto implica numa forma de desigualdade de poder que, por sua vez, implica num sistema prioritário de compromissos. As implicações de se ter assumido compromissos compulsórios – no cumprimento dos quais os oradores da coletividade estão preparados para insistir a ponto de impor sanções negativas sérias por não-cumprimento – são de uma ordem de seriedade tal que combinar o sistema prioritário nos próprios compromissos deve ser prioridade de modo que tais decisões tomam precedência sobre outras e, além disso, nas quais as agências tomadoras de decisão têm o direito de tomar decisões em tais níveis. De uma ponta a outra desta discussão, a questão crucial diz respeito à compulsoriedade. A referência é feita à coletividade, logo a efetividade de sua ação depende do significado estratégico das várias “contribuições” para seu desempenho. Efetividade para a coletividade como um todo depende do ordenamento hierárquico da importância relativa estratégica destas contribuições e, portanto, das condições que governam a imposição das obrigações compulsórias aos contribuintes. Portanto, o poder de A sobre B é, em sua forma legitimada, o “direito” de A, quando este for uma unidade de tomada de decisão envolvida num processo coletivo, com o objetivo de tomar decisões que tem precedência sobre as decisões de B, sempre nos interesses da efetividade da operação coletiva como um todo. O direito de utilizar o poder, ou sanções negativas numa base de escambo ou mesmo a compulsãoXIX para afirmar a prioridade de uma decisão sobre as outras, chamarei, seguindo Barnard, de autoridade. Nesse sentido, precedência pode tomar diversas formas. A mais séria ambigüidade aqui parece derivar da assunção de que a autoridade e seu contíguo poder podem ser compreendidos como uma oposição contrária aos desejos dos escalões “inferiores”; incluindo, portanto, a prerrogativa de utilizar de coação ou de se constranger até obter confiança. Embora isto esteja implícito, pode ser que o fato de a autoridade superior e mais poderosa possa implicar que a prerrogativa seja primariamente significante como “definidora da situação” para o desempenho dos escalões inferiores. A “autoridade” superior pode então tomar uma decisão que defina os termos dentro dos quais se espera que outras unidades na coletividade ajam e esta expectativa é tratada como compulsória. Assim, ao tomar conhecimento, por intermédio das unidades sob sua jurisdição, do desejo dos contribuintes de excluir certas isenções de impostos, o responsável do fisco pode,

23 Como já notado, nesta área, penso que a análise de Chester I. Barnard, em The Functions of the Executive, op. cit., é tão extraordinariamente clara e irrefutável que ela merece o estatuto de uma teoria política clássica em meu sentido específico. Ver especialmente o capítulo X. XIX Compulsion. O Houaiss não regista a palavra “compulsão” como um substantivo abstrato de compulsoriedade

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através de uma portaria, atender tal desejo. Tal decisão não ativa necessariamente um conflito aberto entre o responsável do fisco e os contribuintes, mas pode principalmente “canalizar” as decisões dos agentes de renda e dos contribuintes com referência ao desempenho de obrigações. Parece não haver uma dificuldade teórica essencial envolvendo essa “ambigüidade”. Podemos dizer que a função primária da autoridade superior é claramente de definir a situação para os escalões inferiores da coletividade. Assim, o problema de vencer a oposição na forma de disposições ao não-consentimento advem da institucionalização incompleta do poder do detentor de autoridade superior. Fontes desta poderão bem incluir ultrapassagens das fronteiras da autoridade legítima por parte deste agente. O conceito de consentimento claramente não deve ser limitado à “obediência” por subordinados: ele é aplicável de forma igualmente importante na observação da ordem normativa pelos escalões superiores de autoridade e poder. O conceito crítico neste nível é o de constitucionalismo, a saber mesmo a autoridade suprema é limitada – no sentido estrito do conceito de compulsoriedade usado aqui – pelos termos da ordem normativa sob a qual ele opera. Portanto, as obrigações compulsórias podem claramente ser “invocadas” por agências inferiores contra agências superiores e vice versa. Isso, obviamente, implica numa institucionalização relativamente fime da própria ordem normativa. Dentro da estrutura de uma politicidade altamente diferenciada, isto implica, em acréscimo ao próprio constitucionalismo, num sistema procedual para a concessão de alta autoridade política, mesmo quando privada, para não falar das organizações públicas, e uma estrutura legal dentro da qual tal autoridade é legitimada. Por sua vez, isso inclui outra ordem de instituições proceduais dentro das quais a questão da legalidade dos usos reais do poder pode ser testada.

PODER E AUTORIDADE A institucionalização da ordem normativa a que acabamos de nos referir vem, portanto, à baila com o conceito de autoridade. Autoridade é essencialmente o código institucional dentro do qual o uso do poder como meio é organizado e legitimado. Essencialmente, ela está para o poder assim como a propriedade, enquanto instituição, está para o dinheiro. Propriedade é um feixe de direitos de posse – incluíndo, acima de todos, o direito de alienação –, mas também se aplica a diversos níveis de controle e usufruto. Num sistema institucional altamente diferenciado, direitos de propriedade estão focados na valoração da utilidade, isto é, no significado econômico dos objetos, por exemplo, para o consumo ou enquanto fatores de produção; e este fator vem a ser diferenciado de autoridade. Assim, no feudalismo europeu, o “senhor feudal” tinha tanto os direitos de propriedade da terra quanto a jurisdição política sobre as pessoas que atuavam nessa mesma terra. Nos sistemas legais modernos,

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esses componentes são diferenciados um dos outros, assim o proprietário fundiário não é mais o senhor feudal*: esta função foi assumida principalmente pela autoridade política local. É precisamente com uma diferenciação maior que o escopo da instituição se torna mais generalizado e enquanto alguns objetos de posse obviamente continuam a ser os mais importantes, o mais importante objeto da propriedade passa a ser um bem monetário e objetos específicos são valorados como bens, isto é, em termos de potencial mercantil. Hoje podemos dizer que os direitos aos bens pecuniários, as maneiras pelas quais estes podem ser legitimamente adquiridos e utilizados e as maneiras pelas quais os interesses de outras partes devem ser protegidos, vieram constituir o núcleo da instituição da propriedade.24 Autoridade, então, é o aspecto de um estatuto num sistema de organização social, a saber seu aspecto coletivo graças ao qual o incumbente é posto em posição legítima para tomar decisões que são compulsórias, não somente para consigo mesmo, mas na coletividade como um todo e, portanto, em outros membros-unidades, no sentido de que, na medida em que suas implicações impingem em seus respectivos papéis e estatutos, eles estão limitados a agir de acordo com essas implicações. Isto inclui o direito de insistir em tal ação embora, devido à divisão geral do trabalho, o detentor da autoridade muito freqüentemente não está ele próprio em posição de “forçar” suas decisões, mas deve depender de agências especializadas para tal. Se, então, a autoridade for concebida como o contraponto institucional do poder, a diferença principal reside no fato de que a autoridade não é um meio de circulação. Algumas vezes, falando sem muito rigor, sugerimos que alguém “abre mão de sua propriedade”. Ele pode abrir mão de direitos de propriedade em posses específicas, mas não da instituição da propriedade. De igual modo, o encarregado de um cargo público pode declinar da autoridade por meio de renúncia, mas isto é muito diferente de abolir a autoridade do cargo público. Propriedade enquanto instituição é um código que define direitos em objetos de posse, em primeira instância objetos físicos, depois objetos “simbólicos”, incluíndo objetos culturais tais como “idéias” na medida em que estas sejam estimáveis em termos monetários e, inclusive, o próprio dinhiero, independentemente de quem o possua. Autoridade, de modo semelhante, é um conjunto de direitos em estatuto numa coletividade, precisamente na coletividade enquanto ator, incluindo, mais especificamente, direito de adquirir e usar de poder neste estatuto. Na mesma medida em que a estabilidade institucional é essencial para a concepção de um código, a propriedade inere à estrutura institucional do mercado. Num nível superior, a instituição da propriedade inclui direitos, não somente para usar e dispor de objetos particulares de valor, mas também para participar do sistema de transações de mercado.

* Há um jogo de palavras no original entre “senhor feudal”, landlord, e “proprietário fundiário”, landowner. 24 Duas manifestações particularmente importantes desta monetarização da propriedade são, em primeiro lugar, o entendimento legal geral de que os executores testamentários não são obrigados a manter de forma exatamente intacta o inventário físico durante o estabelecimento pleno, mas podem vender variados itens – sua obrigação fiduciária é focada no valor monetário dos espólios. De igual modo, na lei contratual, uma opção crescente tem sido a de compensar com dinheiro danos ao invés de fazê-lo por meio do “desempenho” específico que se contratuou originalmente.

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É, portanto, essencialmente o código institucionalizado que define direito de participação no sistema de poder que eu gostaria de conceber como autoridade. É esta concepção que nos dá a base para a distinção essencial entre os aspectos internos e externos do poder relativos a uma dada coletividade. A coletividade é, em nossa concepção, a definição de um escopo dentro do qual um sistema de direitos institucionalizados para manter e usar o poder pode ser encerrado. Dizer isto é afirmar que as implicações de uma decisão autoritária feita num determinado ponto pode ser genuinamente compulsória em todos os outros pontos relevantes através dos processos relevantes de feed-back. Por este critério, o sistema de prioridade hierárquica de autoridade e poder – com o qual esta discussão começou – pode somente ser compulsório dentro de um determinado sistema coletivo. Então, neste sentido, a hierarquia de autoridade – tal qual distinguida das puras diferenças de poder ou outras capacidades coletivas – deve ser interna ao sistema coletivamente organizado neste sentido. Isto incluirá autoridade para compelir a coletividade em suas relações com seu meio, com pessoas e outras coletividades. Mas, a compulsoriedade, legitimada e reforçada através da agência desta dada coletividade, não pode ser estendida para além de suas fronteiras. Se ela existe, deve ser graças a uma ordem normativa institucionalizada que transcende essa dada coletividade, através de arranjos contratuais com outros, ou através de outros tipos de obrigações compulsórias mútuas.

PODER, INFLUÊNCIA, IGUALIZAÇÃO E SOLIDARIEDADE

É nessas bases que pode ser afirmado que nas fronteiras da coletividade o sistema fechado de prioridades é rompido pelo exercício “livre”, na fronteira constituinte ou integrativa, de influência. É o status na coletividade que dá autoridade para estabelecer os termos segundo os quais o poder será trocado por influência para além de sua fronteira. O controlador da influência externa sobre a coletividade não está limitado de antemão a nenhuma regra particular e é da essência do uso de poder nas “relações exteriores” da coletividade que nasce a autoridade como um direito, dentro de certos limites de discrição, para gastar poder em troca de influência. Por sua vez, isto pode, por meio do oferecimento de aceitação da responsabilidade de liderança em troca de apoio político, reabastecer o gasto com o poder por meio de um insumo correspondente. Pensando assim, influência deve ser capaz de alterar o sistema prioritário dentro da coletividade. É isto o que eu interpreto como sendo decisão política como uma categoria do uso do poder como um meio de ser: o processo de alteração de prioridades de tal modo que o novo padrão torna-se compulsório na coletividade. Similarmente, uma concessão deve ser encarada como a institucionalização de um estatuto marginal, interpenetrante entre a coletividade principal e o meio de agrupamentos solidários num sistema mais amplo.

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É a institucionalização de uma autoridade marginal, que tem uso confinado à função de seleção dentre candidatos para a responsabilidade de liderança. No caso governamental, esta é a inclusão em um sistema de coletividade comum ao mesmo tempo das agências operadoras do governo e dos “eleitorados” das quais a liderança é dependente, uma concessão não somente é uma dada instância de poder para o último, mas também para um status de autoridade com respeito a uma função crucial de seleção de liderança e concessão a eles de autoridade para exercer cargo público. Ao interpretar esta discussão é essencial ter em mente que uma sociedade consiste, deste ponto de vista, não em uma coletividade, mas num sistema ramificado de coletividades. Entretanto, em razão dos imperativos básicos da ação coletiva efetiva anteriormente discutidos, deve haver – em acréscimo ao entrelaçamento plural que vai de par com a diferenciação funcional – também o aspecto de uma relação de tipo “boneca russa”. Deve haver em algum lugar um foco superior de autoridade coletiva e, com ele, do controle de poder – embora seja crucial que esta necessidade não seja o ápice de um sistema total de controle normativo, que poderia, por exemplo, ser religioso. O complexo de territorialidade e o monopólio da força são centrais aqui, pois o sistema fechado de compulsoriedade forçável pode sempre ser rompido por intervenção de força.25 A compulsoriedade de ordens normativas outras que não as sustentadas pela coletividade territorial soberana devem ser definidas dentro dos limites institucionalizados em relação a ela. Na medida em que tais coletividades não são “agências” do Estado, neste sentido, suas esferas de “jurisdição” devem ser definidas em termos de um sistema normativo, um corpo legal, que é compulsório tanto em relação às unidades coletivas governamentais quanto às não-governamentais, embora em “última análise” ela deverá ser, dentro da ordem institucionalizada, ou forçada pelo governo ou, ao contrário, por uma ação revolucionária contra o governo. Uma vez que o controle independente de forças sérias e socialmente organizadas não pode ser dado a coletividades “privadas”, suas sanções negativas máximas tendem a ser a destituição da qualidade de membroXX, muito embora muitos outros tipos de sanção possam ser altamente importantes. Considerações tais como estas, portanto, de forma alguma eliminam ou enfraquecem a importância das prioridades hierárquicas dentro de um sistema de decisões coletivo. A estrutura “linear” de tal autoridade é, entretanto, altamente modificada pelas interpretações de outros sistemas com o político, notadamente, para nossos propósitos, a importância da competência técnica. As qualificações da importância da hierarquia se aplicam em princípio às fronteiras do sistema coletivo particular –

25 A partir do momento em que este sistema for uma coletividade territorialmente organizada, o Estado com seu governo, estas considerações subjazerão a importância crítica das relações exteriores no sentido das relações com outras territorialidades organizadas e controladoras de força. A partir do momento em que o controle interno de força for efetivamente institucionalizado, o perigo deste tipo de fissura virá do exterior em sentido estrito. Tal tese foi irrefutavelmente defendida por Raymond Aron. XX Expulsion from membership. Membership é a qualidade de quem é membro. Não existe correlato em português. Quando foi possível, optou-se por manter a palavra membro, como no caso da expressão em questão. Contudo, algumas vezes, devido á sintaxe do texto, optou-se por utilizar a palavra “pertencimento”.

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analiticamente considerado – mais do que internamente a ele. Estes, eu interpretaria como definindo os limites de autoridade. Há dois contextos principais nos quais se deve esperar que normas de igualdade modifiquem as expectativas de sistemas de decisões hierárquicos, a saber, de um lado, o contexto de influência sobre o direito de assumir poder ou autoridade de tomada de decisão, e, de outro lado, o contexto de acesso de oportunidade para status enquanto unidade contribuinte do sistema político específico em questão. É essencial aqui relembrar que eu tratei poder como um meio de circulação, transitando de um lado para o outro por sobre as fronteiras da politicidade. Os produtos “reais” do processo político e os fatores em sua efetividade – no sentido correspondente aos fatores reais e fatores da produção econômica – não são no meu entender “formas” de poder, mas vêm a sê-lo, nos casos mais importantes, por exemplo, no do controle financeiro dos recursos econômicos, no do dinheiro e no da influência, no sentido da categoria de influência definida como mecanismo generalizado de persuasão. Estes são elementos essencialíssimos no processo político total, entretanto é importante distingui-los do poder da mesma forma que se distingue produtos financeiramente valiosos e fatores de produção do próprio dinheiro. Eles podem, em certas circunstâncias, serem intercambiáveis por poder, mas esta é uma coisa muito diferente de serem formas de poder. Entendo a circulação do poder entre a politicidade e o sistema integrado como consistindo, por um lado, em decisões políticas compulsórias – que são o fator primário do processo de integração – e, por outro, em apoio político – que é o produto primário do processo de integração. Apoio é trocado, por um “público” ou eleitorado, pela assunção da responsabilidade de liderança, através do processo de persuasão daqueles que estão em posição de dar apoio compulsório como é conveniente fazer numa determinada instância – através do uso da influência ou de outros meios menos generalizados de persuasão. No outro “mercado” político vis-à-vis do sistema de integração, decisões políticas são tomadas à guisa de respostas às demandas-interesse no sentido da discussão acima. Dizer isto é o mesmo que dizer que grupos de interesses (e é da maior importância notar que tal conceito nada diz sobre a qualidade moral do interesse particular) tentam persuadir aqueles que detêm a autoridade na coletividade relevante, isto é, eles estão em posição de fazer com que decisões se tornem compulsórias, quando estas, de fato, deveriam submeter a coletividade às políticas que os controladores de influência desejam. Em outras palavras, isto é, persuadir os tomadores de decisão a usar e, portanto, “gastar” uma parte de seu poder para a proposta em baila. O gasto de poder deve ser pensado, tal qual o gasto de dinheiro, como consistindo essencialmente no sacrifício das decisões alternativas que estão obstruídas pelos compromissos forjados sob uma política. Neste sentido, concebemos um membro da coletividade como aquele que é dotado de autoridade para “gastar” poder através da tomada de decisões compulsórias por meio das quais aqueles que estão de fora teriam suas reivindicações contra a coletividade atendidas. Sua autoridade, entretanto, é inalienável; ela somente pode ser exercida, não “gasta”.

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Foi sugerido que políticas devem ser hierarquicamente ordenadas num sistema de prioridade e que o poder de decidir entre políticas deve ter um ordenamento hierárquico correspondente a partir do momento em que tais decisões constrangem a coletividade e suas unidades constituintes. Neste sentido, o imperativo da hierarquia não se aplica, entretanto, ao outro “mercado” do sistema de poder, ou seja, aquele que envolve as relações entre liderança e apoio político. Aqui, ao contrário, é criticamente importante o fato de que em escala mais ampla e nos sistemas mais altamente diferenciados, a saber os sistemas de liderança das sociedades nacionais mais “avançadas”, o elemento do poder foi sistematicamente igualizado através do mecanismo da concessão, tanto ao ponto de que a concessão universal adulta foi expandida para todas as democracias ocidentais.26 Se as conseqüências de seu exercício forem muito estritamente compulsórias27, classifico como igualdade de concessão uma forma de poder – que há tempos vem sendo parte de um complexo mais amplo de sua institucionalização, que inclui, ademais, o princípio de universalidade – sua extensão a todos os cidadãos adultos responsáveis em condição social favorável e ao segredo do escrutínio, que serve para diferenciar este contexto de ação política de outros contextos de envolvimento e protegê-lo contra pressões, não somente dos hierarquicamente superiores, mas também, como Rokkan mostra, daqueles com igual estatuto. Obviamente, o mesmo princípio básico de um membro, um voto, é institucionalizado num vasto número de associações voluntárias, incluindo muitas que são subassociações de coletividades mais amplas, tal como faculdades numa universidade, ou conselhos ou comitês. Portanto, a diferença entre um presidente ou responsável e um diretor executivo é claramente marcada com respeito à autoridade formal, independente de como ela for com respeito à influência, pelo princípio de que um presidente, assim como outro membro qualquer, tem somente um voto. Muitas coletividades são, neste sentido, associações “truncadas”, por exemplo, em casos em que os conselhos fiduciários são auto-recrutados. Não obstante, a importância deste princípio de igualdade de poder através da concessão é tão grandemente empírica que é crucial a questão de como ele é fundamentado na estrutura dos sistemas sociais. Ela deriva, penso, daquilo que deveria chamar de componente universalístico em padrões de ordem normativa. É um princípio-valor o fato de que a discriminação entre as unidades de um sistema devem ser fundamentadas em diferenças valorizadas intrinsecamente entre eles, que são, tanto para pessoas ou coletividades, capacidades para contribuir para processos valorizados societalmente. Diferenças de poder na tomada de decisões que mobilizam compromissos, tanto no exterior e, em relação ao meio da coletividade, quanto internamente, para a atribuição de tarefas a seus membros, são idealmente fundadas nas condições intrínsecas de efetividade. De igual modo, diferenças com base na competência técnica

26 Ver, a esse respeito, Stein Rokkan, “Mass Suffrage, Secret Voting, and Political Participation”, European Journal of Sociology, 2 (1961), 132-152. 27 Isto é, o agregado de votos, disponível por regras eleitorais, determina a incumbência do cargo público.

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para preencher papéis essenciais são fundadas em condições estratégicas de contribuição efetiva. Tais considerações não se aplicam, entretanto, às funções da escolha de liderança, quando essa escolha foi libertada das bases convencionais do direito, isto é, através do estatuto do parentesco ou outra superioridade “carismática” imputada, tal como a “superioridade branca”. Existe uma pressão persistente das funções ou resultados suficiente e altamente valorizados e sob tal pressão parece ter havido um processo contínuo, embora desigual, de erosão das discriminações neste campo crítico da distribuição de poder. Pode ser sugerido que o princípio da organização normativa universalística que é imediatamente superordenada à democracia política no sentido da concessão igual e universal, é o princípio da igualdade perante a lei; no caso da Constituição estadunidense, o princípio de igual proteção das leis. Enfatizei que a estrutura constitucional é essencial para organizações coletivas avançadas, dados, obviamente, níveis de escala e complexidade que impedem puramente regulações “informais” e normativas tradicionais. O princípio, com efeito, joga o ônus da prova do lado da imposição de discriminações, tanto no acesso aos direitos como na imposição de obrigações, de modo que tais discriminações devem ser justificadas somente por diferenças em exigências suficiente e altamente valorizadas de operação do sistema. O princípio de igualdade, tanto no nível da aplicação da lei quanto na concessão política, é claramente relacionado com a concepção de estatuto de pertencimentoXXI . Nem todos os adultos vivos têm igual direito para influenciar os assuntos de todas as coletividades em todos os lugares do mundo, assim como um estadunidense, fora de seu território, não tem iguais direitos que um cidadão de uma sociedade diferente. Pertencimento é, de fato, a aplicação à unidade individual do conceito de fronteira de um sistema social que tem a propriedade da solidariedade, no sentido de Durkheim. O igual estatuto de concessão é uma prerrogativa dos membros e, obviamente, os critérios de pertencimento podem ser muito diferentemente institucionalizados sob diferentes circunstâncias. É importante notar que o sistema de duplo intercâmbio sob consideração aqui – que chamei de sistema de “apoio” ligando a politicidade com o aspecto integrativo da sociedade – é precisamente o sistema no qual poder é mais diretamente controlado, primeiramente em relação aos elementos-interesse mais particularizados que buscam por políticas relativamente particularizadas (que, obviamente, inclui querer prevenir certas ações potenciais) e, em segundo lugar, em relação ao “tom” mais geral dado a direcionalidade da ação coletiva pelo caráter dos elementos de liderança que assumem responsabilidade e que, em troca, são investidos, no caso típico do processo eleitoral, com a autoridade para levar a cabo suas responsabilidades. Uma característica central deste controle culmina nos elementos hierárquicos inerentes nos sistemas de poder segundo os aspectos que

XXI Ver nota XX.

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acabaram de ser discutidos. Certos sistemas de valor podem, obviamente, reforçar a hierarquia, mas seria o meu ponto de vista o de que um sistema de valor universalisticamente orientado inerentemente tende a atuar no sentido contrário da expansão dos padrões hierárquicos com respeito ao poder para além do alcance que se crê funcionalmente necessário para sua efetividade.28 Há, entretanto, uma ligação crucial entre a igualdade de concessão e a estrutura hierárquica de autoridade dentro das coletividades, notadamente o caráter de “todos ou nenhum” do processo eleitoral. Todo eleitor tem um voto igual na eleição para um determinado cargo público, mas na maioria dos casos somente um candidato é de fato eleito – a autoridade do cargo público não é dividida entre todos os candidatos na proporção do número de votos que eles receberam, mas é concentrada no candidato triunfante, muito embora a margem seja muito estreita, como na eleição presidencial estadunidense de 1960*. Há, obviamente, consideráveis variações possíveis nas regras eleitorais, mas, este princípio básico, é tão central quanto o da igualdade de concessão. Este princípio parece ser o anverso da hierarquia de autoridade. O caráter hierárquico dos sistemas de poder foi nitidamente contrastado acima com o caráter linear quantitativo da riqueza e dos bens monetários. Isto foi, por seu turno, relacionado com a diferença fundamental entre as exigências de efetividade na ação coletiva e as exigências de utilidade para prover os requerimentos de satisfação dos “desejos” das unidades. A fim de colocar a discussão precedente das relações entre poder e influência num contexto teórico comparável, é necessário formular o valor-padrão que é o superior na regulação da função integrativa que corresponde, respectivamente, à utilidade e efetividade nas funções econômicas e políticas. Isto é, quase indubitavelmente, o famoso conceito de solidariedade tal qual formulado por Durkheim.29 Os dois pontos essenciais de referência para as propostas presentes dizem respeito a dois aspectos principais do pertencimento, como delineado acima, o primeiro dos quais concerne às reivindicações pela autoridade executiva para decisões políticas que integram o interesse coletivo total de um lado, e o interesse “parcial” de um subgrupo de outro lado. O segundo ponto concerne à integração de direitos a uma “voz” em assuntos coletivos com as exigências de liderança efetiva e sua responsabilidade correspondente.

28 Obviamente, onde as condições forem suficientemente simples, ou onde houver suficiente ansiedade sobre as implicações hierárquicas de poder, o elemento igualitário poderá penetrar fundo no próprio sistema de tomada de decisões, com, por exemplo, a insistência de que as deciões políticas, tanto externas quanto internas, podem ser tomadas por voto majoritário de todos os membros, ou mesmo sob a regra de unanimidade. Pode-se dizer que os aspectos nos quais tal sistema – que, obviamente, realisticamente freqüentemente envolve uma estratificação nitidamente hierárquica de influência – é incompatível com a efetividade em muitas esferas, é relativamente claro, especialmente no que concerne coletividades mais amplas. * Refere-se à disputa entre o candidato democrata John F. Kennedy e o republicano Richard Nixon. Kennedy sagrou-se vitorioso, porém por uma pequena margem de votos e ainda com acusações de fraude eleitoral nos Estados do Texas e do Illinois. A única alteração após a recontagem dos votos foi a vitória de Kennedy em mais um Estado, o Hawaii. [NdoT] 29 Esse é o conceito central de The Division of Labour in Society. Para meu próprio entendimento relativamente recente de seu significado, ver “Durkheim’s Contribution to the Theory of Integration of Social Systems”, in: Kurt Wolff, ed. Émile Durkheim, 1858-1917 (Columbus, Ohio; State University Press, 1960), pp. 118-153, reimpresso em Talcott Parsons, Sociological Theory and Modern Society (N. Y.: The Free Press, 1968).

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O princípio é o “fundamento” de um sistema coletivo num consenso no sentido da discussão acima. Em outras palavras, ele é uma “aceitação” da parte de seus membros de sua comunhão de pertencimento, que, por sua vez, ocorre quando há uma partilha até certo ponto, de seus interesses comuns – interesses que são definidos tanto por tipo quanto por duração. O tempo se torna relevante devido ao fator de incerteza presente em toda atividade humana e, portanto, ao fato de que nem os benefícios, nem os ônus podem ser precisamente previstos e planejados com antecedência; portanto, uma coletividade efetiva deve ser preparada para assimilar ônus inesperados e para contrabalanceá-los, para levar a cabo algum tipo de distribuição justa de benefícios que são inesperados e/ou não atribuíveis à agência responsável de qualquer subunidade determinada. Solidariedade pode, então, ser pensada como a implementação de valores comuns pela definição dos sistemas coletivos requisitados nos quais ela deve ser realizada. Ação coletiva tal qual a definimos como função política. O famoso problema de ordem, entretanto, não pode ser resolvido sem um sistema normativo comum. Solidariedade é o princípio graças ao qual o compromisso com as normas – que é “baseado” por sua vez em valores – é articulado com a formação de coletividades que são capazes de ação coletiva efetiva. Ao passo que, na direção econômica, o “problema” da ação efetiva lida com a escassez dos recursos disponíveis, inclusive tentando facilitar sua mobilidade, em sentido integrativo, ela é a solução ordenada de reivindicações que competem entre si, de um lado para receber benefícios – ou minimizar perdas – derivando do pertencimento e, por outro lado, para influenciar os processos pelos quais a ação coletiva opera. Isto claramente envolve alguma institucionalização da subordinação da unidade-interesse ao coletivo nos casos em que os dois estão em conflito, real ou potencial, e, portanto, diz respeito a justificação de interesses unitários como compatível com os interesses coletivos mais extensivos. Um sistema social, então, possui solidariedade na proporção em que seus membros estão comprometidos com os interesses comuns através dos quais os interesses das unidades discretas podem ser integrados e a justificação da resolução e subordinação dos conflitos podem ser definidos e implementados. Ele define, não os modos de implementação destes interesses comuns por meio da agência efetiva, mas os modelosXXII pelos quais tal agência deva ser guiada e os direitos dos diversos elementos constuintes possam ter voz na interpretação destes modelos.

PODER E IGUALDADE DE OPORTUNIDADE

Podemos agora nos dedicar ao segundo maior limite da politicidade no qual outra ordem de modificações da hierarquia interna vem à baila. Este é o limite vis-à-vis da economia em que o interesse “político” é o de garantir o controle da produtividade e dos serviços, e o interesse econômico repousa no controle coletivo dos recursos fluidos e

XXII Standards.

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no qual podemos chamar de oportunidade para efetividade. Não tentarei aqui discutir o complexo de intercâmbio inteiro, mas confinar-me-ei ao problema crucial da maneira como aqui também a estrutura hierárquica do poder pode, sob certas circunstâncias, ser modificada num sentido igualitária. A produtividade da economia é, em princípio, alocável em meio aos reivindicadores coletivos (em nosso sentido político) ao seu controle como facilidades, em termos lineares quantitativos. Essa quantificação linear é alcançada através do meio do dinheiro, seja pela alocação de fundos com liberdade de gastá-los à vontade, seja, ao menos, pela avaliação monetária das facilidades mais específicas. Num sistema suficientemente desenvolvido, os serviços devem ser avaliados também em termos monetários, tanto do ponto de vista do orçamento racional quanto do custo monetário de seu emprego. Nos termos de sua utilização, entretanto, os serviços são “pacotes” de desempenho-capacidade, que são qualitativamente distintos e de valor desigual como contribuições à efetividade coletiva. Sua avaliação enquanto facilidade deve, portanto, envolver uma estimativa de significado estratégico que combine a escala de prioridade geral que foi estabelecida para regular o funcionamento interno da coletividade. Os serviços, entretanto, constituem um recurso que deve ser obtido fora da coletividade, por meio de um contrato empregatício “formalmente livre”, da maneira como Weber o descreve. Assim, os contratos realizados são compulsórios para ambos os lados, graças a um sistema normativo que transcende uma determinada coletividade, embora a obrigação deva ser articulada com a ordem normativa interna, inclusive com seu aspecto hierárquico. Todavia, os fornecedores do serviço não são, de antemão, limitados por seu sistema prioritário interno e, portanto, uma troca – que é aqui interpretada para operar em primeira instância tanto entre significado estratégico expresso quanto poder-potencial, e o valor monetário do serviço – deve ser alcançada. Muito claramente, quando o fornecedor de serviço tiver entrado uma vez em tal contrato, ele é compelido pela natureza de seus termos que articulam o serviço neste sistema interno, incluíndo o nível de autoridade que ele exerce e suas implicações para esta posição de poder na coletividade. Se a coletividade está fazendo, em algum sentido, um arranjo racional, este deve ser costurado para uma estimativa do nível do valor de sua contribuição estratégica, portanto, seu desempenho-capacidade. Entretanto, a partir do momento em que o intercâmbio fronteiriço não for integral ao sistema interno de compulsoriedade, os imperativos hierárquicos não se aplicarão ao aspecto de oportunidade deste intercâmbio do lado extra-político. Isto é o mesmo que dizer que a mesma ordem de pressões de um sistema universalístico normativo de ordem superior pode operar aqui aquilo que sugerimos operar para gerar igualdade na concessão. Ainda, o princípio é que nenhuma discriminação particularística deva ser legitimizada se ela não for fundamentada nas exigências funcionais essenciais do sistema de referência.

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No caso da concessão, parece que não há espaço inerente para a carência de igualdade completa, qualificada somente pelo mínimo de consideração de competência ligada ao pertencimento completamente responsável – excetuando-se somente os menores; os “defeituosos”, seja por retardo ou doença mental; e aqueles moralmente desqualificados em razão de crimes. No caso do serviço, por outro lado, comprometimentos dados ao desempenho ótimo que no presente contexto podem ser tomados por certo, o limite para o equacionamento do universalismo e igualdade respousa no conceito de competência. Portanto, o princípio alcançado é o famoso princípio de igualdade de oportunidade, pelo qual há igualização do acesso à oportunidade para contribuição, exceto a seleção com base nos critérios de competência diferencial, tanto quantitativos quanto qualitativos. Ao passo que a igualização da concessão é um controle no poder diferencial “de cima” na hierarquia de controle e opera principalmente por meio da seleção de lideranças, a igualdade de oportunidade (no sentido correspondente) será um controle vindo de baixo e operará checando as tendências particularísticas que tenderiam a excluir fontes de serviços que são qualificadas por competência para contribuir, e/ou para checar tendências para reter serviços que são inferiores àqueles disponíveis em concorrência com eles. É a combinação destes dois fatores de universalização (ou seja, o igualitarismo dos direitos superiores para controlar através da concessão e os direitos para participar através dos serviços com base na competência), que presta contas na medida em que a “vantagem cumulativa”30, que parece poder ser inerente à estrutura hierárquica interna dos sistemas de poder, falha, freqüentemente, em verdade, tanto em materializar-se quanto em ser tão forte quanto esperado. Por mais longa e complexa que possa ser, a discussão acima pode ser sintetizada como uma solução experimentada para o segundo dos três principais problemas com os quais este artigo começa, a saber o da relação entre os aspectos coercivos e consensuais do fenômeno do poder. A resposta inicialmente tem como premissa a concepção de poder como um meio específico, porém generalizado, de funcionamento das relações sociais em sistemas complexos e diferenciados de interação social. Poder é, em segundo lugar, especificamente associado com a compulsoriedade das obrigações para o desempenho dentro de um escopo de circunstâncias que podem se apresentar em situações variadas e cambiantes. As obrigações concernidas são, portanto, em algum grau importante, generalizadas, tal que essas particularidades sob si são contingentes às circunstâncias. A compulsoriedade das obrigações implica que elas permaneçam num nível de seriedade tal que o agente invocante, ego, pode ser colocado em posição de afirmar que, a partir do momento em que “fala pra valer”, alter deve consentir; ele está preparado para insistir no consentimento. Parcialmente, então, como uma

30 Cf. C. Wright Mills, The Power Elite (New York: Oxford University Press, 1956) e meu comentário em Structure and Process in Modern Societies, op. cit., capítulo 6.

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expressão simbólica desta seriedade do “falar pra valer” e parcialmente como um instrumento de dissuasão de não-consentimento31, essa insistência é associada com o comando das sanções situacionais negativas cuja aplicação é freqüentemente contingente no não-consentimento e, em certo casos, a dissuasão é complementada por compulsão. Não falaríamos de poder onde as sanções situacionais negativas ou a compulsão não estiverem em nenhuma circunstância ligadas ao não-consentimento nos casos onde o agente de legitimidade insistir no consentimento. Em terceiro lugar, entretanto, poder é aqui considerado como um meio generalizado de compromissos mobilizantes ou obrigações para a ação coletiva efetiva. Tal qual ele se apresenta comumente, ele não possui por si só efetividade intrínseca, mas simboliza efetividade e, portanto, a compulsoriedade das obrigações relevantes para contribuir consigo. A validade operativa do entendimento pleno da simbolização não é aqui uma função de nenhuma variável tomada isoladamente, mas, como argumentamos, o é de duas primárias. Uma delas é a vontadeXXIII em insistir no consentimento ou, ao menos, em dissuadir o não-consentimento: um raciocínio que conduz ao entendimento de que a vontade de recorrer às sanções negativas – cuja natureza variará – é uma função da seriedade da questão, na dimensão de sua natureza progressivamente mais drástica – força, em última análise. A outra variável diz respeito à referência coletiva e, portanto, à justificação32 de invocar as obrigações em questão na situação. Este aspecto concerne à dependência de poder na institucionalização da autoridade e, portanto, nos direitos dos agentes coletivos para mobilizar desempenhos e defini-los como obrigações compulsórias. Esta justificação repousa inerentemente numa espécie de consenso entre os membros da coletividade em questão, se não mais amplamente, com respeito a um sistema de normas sob o qual a autoridade e o poder são legitimados numa base mais ampla que esta dada coletividade pelos valores do sistema. Mais especificamente, a autoridade é o código institucionalizado dentro do qual a “linguagem do poder” adquire pleno significado e, portanto, seu uso pode ser aceito na comunidade que o requerer, que, em primeira instância, é a comunidade ou organização coletiva em nosso sentido. Vista sob essa luz, a ameaça de medidas coercivas ou de compulsão, sem legitimação ou justificação, não deve ser de forma alguma apropriamente chamada de uso de poder, mas é o caso limítrofe no qual poder, ao perder seu caráter simbólico, se confunde com uma instrumentalidade intrínseca de assegurar confiança com desejos, mais do que com obrigações. O paralelo monetário é o uso do metal monetário como um instrumento de escambo onde, enquanto mercadoria, ele cessa terminantemente de ser um meio institucional de troca.

31 Cf. o famoso ensaio de Durkheim, “Deux lois de l’évolution pénale”, l’Année Sociologique, 4 (1899-1900): 65-95. XXIII Willingness, neologismo criado por Parsons a partir de will , vontade, e da adição de dois sufixos, -ing e –ness provavelmente para reforçar a idéia de vontade. Se for essa sua idéia, ela é impossível de ser traduzida literalmente. 32 Cf. meu artigo “On The Concept of Influence”, op. cit., para uma discussão do conceito de justificação e suas distinções de legitimação.

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Na história do pensamento vem havendo uma ligação muito estreita entre a ênfase no elemento coercivo nos sistemas de poder e no aspecto hierárquico da estrutura de sistemas de autoridade e poder. A discussão acima ajudou, espero, a dissociá-los ao mostrar que este aspecto hierárquico, embora muito importante, é somente parte da estrutura dos sistemas de poder. A visão defendida é a de que ele é um aspecto inerente da estrutura interna das coletividades. Nenhuma coletividade, nem mesmo uma nação, entretanto, mantém-se sozinha enquanto uma sociedade total já que que está integrada com normas e valores; subcoletividades não podem, menos ainda, ser chamadas de sociedades. O aspecto de coletividade da estrutura social total pode num caso particular ser dominante sobre outros, mas sempre em princípio ele implica, no mínimo, em dois tipos de problemas fronteiriços, a saber aquele relacionado com seu sistema de “apoio” e aquele relacionado com a mobilização de serviços enquanto fontes de contribuição para seu funcionamento. Em ambos os casos, como argumentamos, são operativos princípios muito diferentes daqueles da hierarquia de autoridade, a saber, a igualdade de concessão, de um lado, e a igualdade de oportunidade, de outro. Em ambos os casos, eu tive em mente um intercâmbio de poder, embora não um de autoridade, por sobre as fronteiras da politicidade, e em nenhum dos casos pode o princípio governando a alocação de poder através deste intercâmbio ser considerado como hierárquico no sentido da linha de autoridade. Os problemas empíricos aqui são, como alhures, formidáveis, mas afirmo categoricamente que é ilegítimo sustentar que, a partir de considerações sérias do papel do poder como um meio generalizado, possa ser inferido que há uma tendência geral à hierarquização nos sistemas empíricos sociais totais concernidos.33

O PROBLEMA DA SOMA ZERO Estamos agora em posição de considerar o último dos três problemas principais com os quais a discussão começou, a saber se poder é um fenômeno de soma zero no sentido em que, num sistema, um ganho de poder pela unidade A é, na natureza do caso, a causa de uma perda correspondente de poder por outras unidades, B, C, D... O paralelo com dinheiro no qual viemos insistindo ao longo do texto deve nos dar pistas à resposta, que é claramente, sob certas condições, que poder é um fenômeno desse tipo, mas isso não é verdadeiro em todas as circunstâncias. No caso monetário, é óbvio que, ao fazer o orçamento do uso de uma renda fixa, a alocação de um investimento deve necessariamente ser feito às expensas de outro. A questão é se limitações paralelas se aplicam a uma economia concebida

33 A incapacidade de ver isto parece ser uma grande fonte de erros na tendência utópica da teoria marxista, expressa acima de tudo pela expectativa de “supressão do Estado”. Talvez, haja um paralelo com a confusão ligada, por muitos séculos, com a doutrina aristotélica da “esterilidade” do dinheiro.

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como um sistema total. Por muito tempo, esse pareceu ser o caso para muitos economistas; esse era o fardo principal da velha “teoria quantitativa do dinheiro”. O paralelo político mais óbvio é o da hierarquia de autoridade dentro de uma dada coletividade. Parecerá óbvio que, se A, que ocupava uma posição de poder substancial, for rebaixado, e B tomar seu lugar, A perderá poder e B ganhará, e o sistema total permanecerá o mesmo. Muitos teóricos políticos, como Lasswell e C. Wright Mills, generalizaram isso para os sistemas políticos como um todo.34 O ponto mais importante e óbvio no qual a doutrina da soma zero não funciona para o dinheiro é o da criação de crédito através do sistema bancário comercial. Esse caso é tão importante como modelo que é preciso uma breve discussão aqui. Os depositantes, isto é, aqueles que confiam seu dinheiro a um banco, fazem-no não apenas para mantê-los num local seguro, mas também para que ele possa ser emprestado pelo banco. Ao fazerem isso, entretanto, eles não renunciam a nenhum direito de propriedade sobre esses fundos. Os fundos são imediatamente ressarcíveis pelo banco caso isso seja demandado e a única restrição normal é o horário de funcionamento das agências bancárias. O banco, entretanto, usa parte do saldo que tem em depósito para fazer impréstimos a juros, segundo o qual ele não somente disponibiliza dinheiro a quem contrai o empréstimo, mas, na maioria dos casos, assume obrigações compulsórias de não requerer o pagamento exceto nos termos negociados, que, em geral, permitem àquele que contraiu o empréstimo o controle pleno durante um período estipulado – ou o obriga ao pagamento de prestações específicas de amortização. Em outras palavras, os mesmos dólares desempenham um “duplo papel”, ou seja, o de serem tratados como posse dos depositantes, que mantêm seus direitos de propriedade, e também posse do banqueiro, que adquire preempção sobre eles, como se eles lhe “pertencessem”. Em nenhum dos casos há uma adição líquida correspondente ao meio de circulação, medido pela quantidade de novos depósitos bancários criados por empréstimos pendentes.35 Talvez a melhor maneira de descrever o que ocorre é dizer que ocorreu uma diferenciação nas funções do dinheiro e, portanto, que há duas maneiras de usá-lo, ao invés de uma. O depósito comum é uma reserva para saldar despesas correntes, independente de serem “privadas” ou “de negócios”, que é principalmente importante em relação ao elemento temporal dos graus de liberdade mencionados acima. Do ponto de vista do depositante, o banco é uma conveniência, dando-lhe segurança, o privilégio de preencher cheques ao invés de usar dinheiro vivo, etc, a um custo que é baixo, uma vez que o banco obtem lucros por meio de suas operações de empréstimo. Do ponto de vista de quem contrai o empréstimo, por outro lado, o banco é uma fonte de outros fundos indisponíveis, idealmente, no sentido do economista, para investimento, para o financiamento de operações que prometem incrementos futuros de produtividade econômica, que não poderiam, de outro modo, ser factíveis.

34 H. D. Lasswell e A. Kaplan, Power and Society, New Haven: Yale University Press, 1950 e Mills, The Power Elite, op. cit. 35 É indiferente o fato de isso ser interpretado como uma adição líquida ao meio ou como um aumento na velocidade de circulação dos fundos de depósitos “lentos”, pois seus efeitos econômicos são os mesmos.

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A possibilidade desse “milagre de pães e peixes” obviamente repousa numa uniformidade empírica, a saber a de que os depositantes mantenham, de fato, sob certas circunstâncias normais, saldo suficiente em mãos – embora não se lhes peça isso– de modo que seja seguro para o banco ter uma quantidade substancial para empregar a qualquer momento. Subjacente a essa uniformidade básica, está o fato de que o banco individual também terá comumente acesso a “reservas”, isto é, bens que, apesar da obtenção de lucros, são suficientemente líquidos para serem efetivados em curto prazo, e, em última análise, tais recursos são os do Banco Central. O banco individual e, com ele, seus depositantes, está, portanto, relativamente seguro em situações normais. É sabido, entretanto, que isso é verdadeiro somente enquanto o sistema operar tranqüilamente. Um dado banco pode atender demandas inusitadas de saques de depósitos, porém se esta demanda inusitada se alastrar por todo o sistema bancário, o resultado pode ser uma crise, que somente poderá ser resolvida por meio de uma ação coletiva. Muito claramente, a expectativa de que todos os depositantes possam ser pagos é impossível de ser satisfeita caso todos eles requeiram, ao mesmo tempo, seu pagamento em dinheiro “real”, isto é, “espécie”, para não dizer nada sobre metal monetário. Qualquer sistema monetário em que o crédito bancário desempenhe um papel importante está na natureza do caso normalmente “insolvente” por aquele modelo. Por trás dessas considerações – deve ser dito – repousa uma importante relação entre compulsoriedade e “confiança”, que, em certos aspectos, é paralela à relação existente entre coerção e consenso nas relações de poder. Em outras palavras, ela é de fato uma que, por meio do elemento de compulsoriedade, envolve uma articulação direta entre dinheiro e poder. Como esse paralelo pode ser definido e como essa articulação opera? Em primeiro lugar, a operação bancária depende de mútua confiança ou crençaXXIV em que os depositantes confiem seus fundos ao banco, sabendo que, se eles pararem de pensar assim, o banco terá um volume de empréstimos pendentes que fará com que seja impossível o ressarcimento de todos os depósitos no ato. É bem sabido com que hesitação, historicamente, muitas classes foram levadas a confiar nos bancos nesse sentido simples – o caso clássico da insistência do camponês francês em colocar suas economias debaixo do colchão é suficientemente ilustrativo. O outro lado da moeda, entretanto, é a confiança do banco em que os depositantes não entrarão em pânico a ponto de pedirem, de fato, a completa realização de seus direitos legais. O banqueiro, aqui, assume as obrigações compulsórias em dois sentidos, honrando ambos os lados que dependem de sua confiança. De um lado, ele emprestou, por contrato, dinheiro que ele não pode reaver por meio de demanda, por outro lado, ele é legalmente constrangido a ressarcir os depósitos caso isto seja solicitado. Porém, ao fazer empréstimos em termos contratuais compulsórios ele está apto a criar dinheiro, que é o mesmo que comprar poder no sentido literal, algo que é politicamente assegurado, como dito acima, pelo estatuto da unidade monetária – por exemplo, por meio de sua posições como “moeda corrente – e, portanto, os dólares recentemente criados são “tão bons quanto” quaisquer outros dólares. Portanto, sugiro que o que os torna bons nesse sentido

XXIV Confidence or trust, apesar da diferenciação, as duas palavras parecem ser usadas como sinônimos. Optou-se por traduzir trust por crença pois, muito embora em português esta palavra tenha um forte sentido religioso – e em inglês ela é apenas um dos sentidos da palavra trust – é a única maneira de guardar essa hipotética distinção entre os dois termos.

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é o insumo de poder na forma de compulsoriedade da obrigação contratual assumida pelo banqueiro – devo classificar isso como oportunidade para efetividade. Assim, o banco, enquanto coletividade, goza de uma “posição de poder” graças a qual ele pode dar àqueles que contraem empréstimos de si controle efetivo de certos tipos de oportunidade. É, entretanto, sumamente importante que, em geral, esta autorga de poder não seja incondicional. Em primeiro lugar, é o poder em sua forma de convertibilidade direta em dinheiro e, em segundo lugar, dentro desse esquema, a condição é que, por unidade de tempo, deve haver um excedente de dinheiro gerado; aquele que contrai o empréstimo pode e deve retornar mais dinheiro do que a quantia que recebera: a diferença é o “lucro”. Dinheiro, entretanto, é uma medida de produtividade, e, portanto, podemos dizer que o aumento da quantidade de dinheiro em circulação será economicamente “funcional” somente se ele conduzir, posteriormente, a uma seqüência de operações por um período de tempo a um aumento correspondente na produtividade – se não, sua conseqüência é inflacionária. O processo é conhecido como investimento e o modelo de um bom investimento é o aumento esperado de produtividade que, mensurado em termos pecuniários, é lucrativo. A questão organizacional de alocação de responsabilidade para decisões e pagamentos deve, obviamente, não ser diretamente identificada com o nível atual de argumento analítico. Talvez ajudará a finalizar este quadro, se o conceito de investimento for relacionado com o de “fluxo circular” como Schumpeter o definiu.36 A concepção é a de que a rotina de funcionamento dos processos econômicos é organizada em torno da relação entre as unidades produtoras e consumidoras, que podemos chamar, de outro modo, empresas e famílias. Na medida em que uma série de constantes paramétricas tais como a de estado de demanda e coeficientes de custo de produção sustentarem, este será um processo em equilíbrio por meio do qual o dinheiro intermediará as decisões requeridas orientadas para fixar pontos de referência. Esse é precisamente o caso ao qual o conceito de soma zero se aplica. De um lado, uma quantidade fixa e “velocidade de circulação” do meio monetário são duas condições essenciais da estabilidade desse equilíbrio, ao passo que, de outro lado, não há espaço para operações bancárias que, através da expansão creditícia, mudariam as condições paramétricas. Essas decisões são governadas pelo modelo de solvência, no sentido de que se espera que tanto as unidades produtoras quanto as consumidoras reavejam seus gastos monetários: de um lado, para os fatores de produção, de outro, para as mercadorias dos consumidores, advindos dos resultados monetários, do lado da produção, a venda de produtos, do lado do consumo, a venda de fatores de produção, notadamente trabalho. Solvência, então, é o equilíbrio entre custo monetário e receitas. Investimento é também governado pelo modelo de solvência, mas por um longo período de tempo, longo o suficiente para levar a cabo as operações

36 Joseph Schumpeter, The Theory of Economic Development, Cambridge: Harvard University Press, 1955, traduzido por Redvers Opie.

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necessárias para gerar um aumento de produtividade equivalendo-se às obrigações monetárias assumidas. Há, aqui, uma relação crucial entre a extensão temporal do processo de investimento e o uso do poder para tornar os contratos de empréstimo compulsórios. Somente se a extensão do controle dos recursos por meio de empréstimos criar obrigações, os recipientes do empréstimo podem, por sua vez, assumir obrigações ulteriores e esperar que os outros as assumam. O princípio essencial aqui é o de que, no sentido da hierarquia de controle, um meio de ordem superior é usado como uma fonte de alavancagem para romper o “círculo” do fluxo schumpeteriano, dando aos recipientes deste poder controle efetivo da partilha dos recursos fluidos tendo em vista desviá-los dos canais rotineiros estabelecidos aos novos usos. É difícil ver como isto poderia funcionar sistematicamente se o elemento de compulsoriedade estivesse ausente tanto dos contratos de empréstimo como do estatuto de aceitação do meio monetário. Um elemento posterior do complexo monetário necessita ser mencionado aqui. No caso de investimento, há um elemento temporal e, portanto, a incerteza de que as operações projetadas que visem o aumento na produtividade produzirão, de fato, tanto o aumento quanto os lucros financeiros suficientes para ressarcir os empréstimos e os juros de acordo com o contrato. No caso da relação particular entre os indivíduos que emprestam e os que tomam emprestado, isto pode ser tratado na base de contrato de solvência individual com uma base legalmente determinada de partilha de lucros e/ou prejuízos. Para o sistema, entretanto, isso cria as possibilidades de inflação, a saber que o efeito líquido da extensão creditícia não pode ser aumentado em produtividade, mas declina no valor da unidade monetária. Ademais, uma vez que o sistema envolve um importante componente creditício, o distúrbio oposto, a saber a deflação com rearranjo do significado de todo o sistema de expectativas e relações, tanto financeiras, quanto creditícias, é também uma possibilidade. Isso sugere que haja, numa economia creditícia ramificada, um conjunto de mecanismos que, independentemente de um determinado fluxo circular, da extensão creditícia e do ressarcimento de transações, regulam o volume total de crédito, a taxa de juros e as relações de nível de preços na economia.

SOMA ZERO: O CASO DO PODER Tentemos agora trabalhar o paralelo e as articulações da análise dos sistemas de poder. Há, como sugeri, um fluxo circular operando entre a politicidade e a economia no intercâmbio entre fatores em efetividade política – neste caso, uma partilha no controle da produtividade da economia – e um produto para a economia na forma de um tipo de controle de recursos que o empréstimo para investimentos fornece – embora, evidentemente, haja diversas outras formas. Esse fluxo circular é controlado

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por intermédio do poder no sentido que o produto das obrigações compulsórias, em particular através do comprometimento com a realização de serviços, equilibra amplamente a oferta de oportunidade por desempenho efetivo. A sugestão é a de que há uma condição para a estabilidade desse sistema de circulação que os insumos, de um lado, e os produtos de poder, de outro, devam equilibrar-se. Isso é uma outra maneira de dizer que ele é idealmente formulado como um sistema de soma zero; na mesma medida em que poder é concernido, embora porque ele inclua o processo de investimento, o mesmo não é verdadeiro para o envolvimento de fundos monetários em intercâmbios. O sistema político de fluxo circular, então, é concebido como o lugar da mobilização “rotineira” de expectativas de desempenho tanto (1) através da invocação das obrigações sob as antigas relações contratuais – e, em alguns casos, por exemplo, na cidadania, por convenção – ou (2) através de uma taxa estável de assunção de novas obrigações contratuais, que é equilibrada através da liquidação – que se dá de maneira típica pelo cumprimento das antigas obrigações contratuais. O equilíbrio se aplica a todo o sistema e, obviamente, não às unidades particulares. Correspondendo à utilidade como o padrão de valor que governa a função econômica, eu elenco a efetividade como a função política governante. Se é importante, por um lado, distinguir utilidade como a categoria de valor à qual os incrementos são feitos por processos combinatórios da produção econômica, da solvência como o modelo de desempenho satisfatório no tratamento do dinheiro como meio do processo econômico, então precisamos distinguir efetividade como categoria de valor político, de um lado, do modelo correspondente para o tratamento satisfatório de poder. O melhor termo disponível para o modelo parece ser o sucesso da consecuçãoXXV dos objetivos coletivos. Quando a politicidade for suficientemente diferenciada a ponto de o poder se tornar genuinamente um meio generalizado, podemos dizer que se esperará das unidades coletivas sejam exitosas no sentido de que as obrigações compulsórias com as quais elas se comprometem, com o objetivo de manter e criar oportunidades para a efetividade, é equilibrado pelo insumo dos compromissos igualmente compulsórios para realizar serviços, tanto dentro da coletividade sob algum estatuto de emprego, quanto para a coletividade sob uma base contratual. Espera-se também que a unidade da tomada de decisões produtivas, entretanto, num sentido corresponde àquele da aplicação às famílias no caso econômico, também seja bem sucedida no sentido de que seu dispêndio de poder, embora não somente através do produto dos serviços, mas por meio de um comprometimento com a utilização por dadas coletividade é equilibrada por um insumo de oportunidade, que é dependente da organização coletiva, que é, uma unidade numa posição de assumir a provisão de oportunidades que são compulsórias para a unidade. À luz dessa discussão, torna-se claro que a empresa de negócios é nesse aspecto uma coletividade no sentido técnico, quando os dois modelos de sucesso e solvência coincidirem. A empresa usa sua renda de poder primeiramente para manter ou aumentar sua produtividade e, se vale da correspondente renda monetária como medida dessa última. Um excedente de poder será, portanto, em geral, trocado pelo aumento desse controle da produtividade

XXV Vide nota IV.

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econômica. Para uma coletividade especializada em funções políticas, o primeiro critério de sucesso poderia ser dado em sua posição de poder, que é relativa a outras coletividades. Aqui há um problema específico do significado do termo de posição de poder. Interpreto-o aqui como relativo a outras coletividades num sistema competitivo, não como uma posição numa hierarquia interna de poder. Tal distinção é, obviamente, particularmente importante para um sistema de poder pluralístico no qual o governo é um subsistema funcionalmente especializado da estrutura da coletividade, não uma aproximação com a totalidade desta estrutura.37 De maneira algo correspondente, uma coletividade especializada numa função integrativa mensuraria seu sucesso em termos de seu “nível de influência” – por exemplo, da mesma maneira que um grupo político de interesse no sentido usual, mede sua capacidade para influenciar decisões políticas públicas. Uma conseqüência desse raciocínio é que tal grupo de influência poderia estar disposto a “entregar” o poder, no sentido de trocá-lo por um incremento de influência. Isso poderia tomar a forma da garantia de apoio político, em condições semelhantes ao escambo, para os elementos de liderança que pareciam estar de melhor grado aptos ao exercício deste tipo de influência em questão. Haveria, portanto, um equivalente político do fenômeno bancário, uma forma na qual o fluxo circular de poder pudesse ser quebrado de tal forma que trouxesse acréscimos líquidos ao montante de poder do sistema? A tendência do argumento analítico indica que deve haver e que seu foco repousa no sistema de apoio, isto é, na área de intercâmbio entre poder e influência, entre politicidade e sistema integrativo. De início, sugiro que – e isto é particularmente conspícuo no caso dos sistemas eleitorais democráticos –, o apoio político deva ser concebido como uma concessão generalizada de poder que, se ela conduzir ao sucesso eleitoral, colocará a liderança eleita numa posição análoga à do banqueiro. Os “depósitos” de poder feitos pelos eleitores são revogáveis, se não à vontade, pelo menos nas eleições seguintes – uma condição análoga à regularidade do horário de funcionamento das agências bancárias. Em alguns casos, a eleição está vinculada a condições semelhantes ao escambo no que diz respeito à expectativa de cumprimento de certas medidas específicas favorecidas pelos votantes estrategicamente cruciais e somente estes. Não obstante, particularmente num sistema que é pluralístico não somente com referência à composição do apoio político, mas também para outros assuntos, tal elemento de liderança adquire liberdade para tomar certos tipos de decisão compulsória, compulsórias na natureza do caso dos elementos da coletividade outra que não aquelas cujos “interesses” são diretamente servidos. Essa liberdade pode ser concebida como estando confinada num nível de fluxo circular, que, em outras palavras, significa que o insumo de poder por meio do canal do apoio político deveria ser equilibrado de maneira exata pelo produto por meio das decisões políticas, aos grupos de interesse que especificamente reivindicaram tais decisões. Há, entretanto, outro componente da liberdade da liderança eleita que é crucial aqui. Esta é a liberdade para usar de influência –

37 Se cuidadosamente interpretado, talvez o antigo termo “soberania” pudesse ser usado para designar esse modelo mais definitivamente do que “sucesso”.

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por exemplo, por meio de “prestígio” do cargo público como uma forma distinta de seus poderes específicos – para embarcar em novas aventuras na “equação” de poder e influência. Isso significa usar de influência para criar acréscimos ao suplemento total de poder. Como se pode imaginar que isto funcionaria? Um ponto importante é que a relação entre os meios envolvidos relativos às sanções positivas e negativas é a face visível do caso da criação de dinheiro por meio do sistema bancário. Lá, era o uso do poder corporificado no caráter compulsório dos contratos de empréstimo que “fazia a diferença”. Já aqui, trata-se da capacidade opcional de exercer influência por meio de persuasão. Esse processo parece operar por meio da função de liderança que, por meio dos envolvimentos que possui com vários aspectos da estrutura do eleitorado da coletividade, generaliza e estrutura novas “demandas” no sentido específico de demandas por decisão política. Tais demandas, então, podem ser concebidas, no caso daqueles que temam decisões, para justificar um aumento do produto de poder. Isso, por sua vez, é tornado possível pela generalidade do mandato do apoio político: o fato é que isso não se dá na base de escambo em troca de decisões políticas específicas, porém, uma vez que a “equação” do poder e influência esteja estabelecida por meio de eleição, isso se dá por meio de um mandato a ser cumprido, dentro de limites constitucionais, no caso governamental, “no interesse público”. Liderança coletiva pode, então, ser concebida como os banqueiros ou “corretores” que podem mobilizar os compromissos compulsórios de seu eleitorado de tal modo que a totalidade dos compromissos assumidos pela coletividade como um todo possa ser aumentada. Esse aumento deve, entretanto, ser justificado por meio da mobilização de influência; isto é, ele deve tanto ser sentido como estando em acordo com normas válidas como ser aplicado a situações que “clamam por” manejo no nível dos compromissos coletivos compulsórios. O problema principal de justificação é, em certo sentido, o do consenso, o de sua sustentação no valor-princípio de solidariedade como sublinhamos acima. O modelo, entretanto, que corresponde ao valor princípio de solidariedade é baseado no consenso, no sentido no qual o conceito foi usado acima. O problema, então, é o da base para romper a estabilidade circular do sistema de poder de soma zero. O ponto crucial é que isso pode somente acontecer se a coletividade e seus membros estiverem prontos para assumir novas obrigações compulsórias para além e por cima daquelas que estiveram previamente em vigor. A necessidade crucial é justificar essa extensão e transformar o “sentimento” de que algo deve ser feito num compromisso para implementar o sentimento por ação positiva, inclusive por sanções coercivas se preciso for. A agência crucial deste processo parece ser a liderança, precisamente concebida como possuindo um componente analiticamente independente do poder rotineiro da posição do cargo público, que define o líder como o mobilizador de justificações para políticas que não seriam encampadas sob a assunção de fluxo circular.

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Pode ser sugerido que o paralelo com a criação de crédito pode ser sustentado tanto com respeito à extensão temporal quanto com respeito a outros aspectos. Não se pode simplesmente querer que os incrementos de efetividade, que são necessários para implementar novas políticas compulsórias (que, por sua vez, constituem uma adição ao ônus total na coletividade) existam; eles requerem mudanças organizacionais por meio de recombinações nos fatores de efetividade, desenvolvimento de novas agências, recrutamento de pessoal, novas normas e, até mesmo, mudanças na base da legitimação. Portanto, liderança não pode justificadamente ser tida como responsável pela implementação efetiva e imediata e, inversamente, deve-se querer que as fontes de apoio político confiem sua liderança no sentido de não requisitarem de imediato – no intervalo até as próximas eleições – o “pagamento” do valor de poder de seus votos em suas decisões ditadas por seus próprios interesses.38 Talvez seja legítimo chamar a responsabilidade assumida neste contexto especificamente de responsabilidade de liderança e distingui-la nestes termos da responsabilidade administrativa que enfoca principalmente as funções rotineiras. Em todo caso, gostaria de conceber este processo de aumento de poder como estritamente paralelo ao investimento econômico, no sentido posterior de que o pagamento deve ser um incremento no lível do sucesso coletivo no sentido sublinhado acima, isto é, efetividade aumentada da ação coletiva em áreas valorizadas, efetividade que não poderia ser esperada sem que a liderança corresse risco num sentido paralelo ao investimento empreendedorial. A operação de ambas as coletividades – governamental e não-governamental – está cheia de ilustrações do tipo de fenômeno que tenho em mente, embora devido ao fato deste tipo de análise formal ser algo pouco familiar, seja difícil apreendê-los de maneira exata. Por exemplo, freqüentemente foi salientado que a relação entre a responsabilidade executiva para os interesses dos eleitorados é muito diferente quando se trata de assuntos domésticos e de relações exteriores. Sugiro que o elemento de “atuação bancária da política” no campo das relações exteriores é particularmente amplo e que a sanção de aprovação de decisões políticas, quando ela ocorre, não pode infalivelmente ser traduzida em votos, e certamente não em curto prazo. Considerações similares estão freqüentemente envolvidas naquilo que poderíamos chamar especulação “desenvolvimental”, da qual não se deve esperar que seja “secundada” por interesses correntemente bem estruturados no mesmo sentido da manutenção das funções correntes. O caso do apoio à pesquisa e ao treinamento é bom desde que a “comunidade universitária” não seja um “grupo de pressão”

38 Talvez este seja um caso inusitadamente claro da relatividade do sentido formal legal da compulsoriedade dos compromissos. Assim, o componente populístico no governo democrático freqüentemente amarra tanto o executivo quanto os braços legislativos mais rigidamente naquilo que eles formalmente prometeram. Entretanto, há muitas obrigações de facto assumidas pelo governo que são muito proximamente compulsórias. Assim, legalmente o Congresso poderia sacar a totalidade dos fundos recentemente alocados às universidades e dirigi-los ao fomento da pesquisa científica e ao treinamento, mas, normalmente as apropriações formais ocorrem de ano a ano. As universidades, entretanto, fazem muitos planos com base na expectativa da manutenção desses fundos e esta manutenção é claramente algo igual a uma obrigação de facto do Congresso.

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muito forte no sentido de ser capaz de influenciar diretamente amplos blocos de votos. Decorreria destas considerações que há, em politicidades desenvolvidas, um elemento relativamente “livre-flutuante” no sistema de poder que é análogo ao sistema de crédito. Tal elemento deve, então, ser sujeito à flutuação numa dimensão de inflação-deflação e necessitar de controles para o sistema como um todo, num nível acima daquele das atividades de determinadas unidades. O análogo de inflação parece-me dizer respeito à credibilidade da asserção da compulsoriedade das obrigações assumidas. Poder, como um meio simbólico, é como dinheiro no sentido em que ele próprio “não tem valor”, mas é aceito na expectativa de que, mais tarde, ele poderá ser “reembolsado”, agora através da ativação das obrigações compulsórias. Entretanto, se o “poder creditício” for levado muito adiante, sem a necessária base organizacional para o cumprimento das expectativas que nele foram depositadas, então a tentativa de se invocar tais obrigações irá resultar em algo menor que o nível pleno de desempenho, inibido por vários tipos de resistência. Numa coletividade que sofre de processo de desintegração, o mesmo cargo público pode ser “menos valioso” do que ele poderia ter sido em outras circunstâncias, devido ao atrito de sua base de efetividade. As mesmas considerações valem quando se trata da superextensão das novas expectativas de poder sem a adequada provisão para torná-las efetivas. Não é preciso dizer que o sistema de poder no qual esse elemento creditóideXXV é proeminente está num estado análogo à “insolvência” de um sistema monetário que inclui um elemento importante de crédito real, a saber, seus compromissos não podem ser realizados de uma só vez, mesmo que aqueles para os quais eles tenham sido acordados possuam direitos formalmente válidos para tal realização. Somente um rigoroso sistema de poder de tipo soma zero poderia realizar esta condição de “liqüidez”. Talvez, o conservadorismo das ideologias políticas faça com que fique mais difícil de aceitar a legitimidade de tal situação – é tão mais fácil defini-la como “desonesta” – em comparação ao correspondente caso econômico. Todavia, há uma tênue linha entre uma liderança política sólida, responsável e construtiva que, de fato, compromete a coletividade para além de suas capacidades para a realização instantânea de todas as obrigações, e a superutilização estouvada, da mesma forma que há uma tênue linha entre a atuação bancária responsável e uma atuação “selvagem”XXVI dos trabalhadores sindicalizados. Além disso, sob pressões inusitadas, mesmo a mais alta liderança responsável pode ser lançada em situações em que se instala uma espiral “deflacionária”, num padrão análogo ao do pânico financeiro. Interpreto, por exemplo, o macarthismo* como uma espiral deflacionária no campo político. O foco dos compromissos nos quais a extensão XXV Creditlike, em inglês, usa-se comumente o sufixo –like para criar neologismos que indiquem a “aspecto” ou a “semelhança” com a palavra primitiva. Assim, creditlike é algo parecido, similar ao crédito. Em português, podemos utilizar o sufixo –óide (amebóide, andróide, geóide), muito embora seu registro seja mais culto que seu correlato em inglês. XXVI Wild-catting. * Termo derivado do nome do senador estadunidense republicano, Joseph McCarthy, presidente de uma comissão do Senado estadunidense encarregada de lutar contra a “infiltração” comunista nos EUA. Na verdade, o macarthismo foi a perseguição política ocorrida nos EUA entre 1950 e 1954 contra pessoas supostamente ligadas ao comunismo ou simpatizantes dele. Praticamente qualquer “desvio de conduta” poderia ser considerado “atividade comunista”: filiação com partidos operários, leitura de material considerado subversivo, vínculos de parentesco ou amizade com outras pessoas suspeitas, homossexualismo, etc. [N. do T.]

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mais ampla ganhou espaço foi no campo internacional – os EUA adotaram muito rapidamente a posição de assumir a mais ampla partilha de responsabilidade para a manutenção da ordem política contra o expansionismo do movimento comunista. A “perda da China” foi por alguns trimestres uma experiência particularmente traumática e a guerra da Coréia, um símbolo altamente carregado de custos da nova administração. Um sistema político pluralístico como o estadunidense sempre teve um amplo corpo de reivindicações latentes pela lealdade de seus cidadãos a seu governo, não somente para os “sentimentos de direito”, mas para “sacrifícios”, porém, de igual modo, espera-se que estes sejam invocados somente em emergências genuínas. A definição de McCarthy da situação era, contudo, que virtualmente qualquer pessoa que ocupasse uma posição de responsabilidade significativa deveria não somente reconhecer a prioridade “do em-caso-de” – não necessariamente a maior por nossos valores básicos – de lealdade nacional, mas deveria explicitamente renunciar a todas as outras lealdades que concebivelmente pudessem competir com a lealdade à nação, incluindo aquelas relativas à família e aos entes queridos. Com efeito, esta era uma demanda para liquidar todos os outros compromissos em proveito do compromisso nacional, uma demanda que na natureza do caso não poderia ser saciada sem conseqüências desastrosas em muitos sentidos diferentes. Ele tendia a “deflacionar” o sistema de poder pelo solapamento da base essencial de confiança sobre a qual a influência de muitos elementos portadores de responsabilidades de liderança formais e informais – e que, por sua vez, sustentava o “crédito-poder” –, repousam necessariamente. Talvez, o caso mais chocante tenha sido a alegação de infiltração comunista e, portanto, de amplíssima “deslealdade” no exército, que foi usada para tentar forçar a liderança do exército a colocar o compromisso de todo o pessoal associado inclusive, por exemplo, os cientistas pesquisadores, em forma completamente “líquida”. Duas características do movimento macarthista particularmente marcam-no como uma espiral deflacionária: primeiro, o círculo vicioso do envolvimento expansivo com o lançamento de suspeitas sobre círculos cada vez mais amplos de elementos que, em outras circunstâncias, seriam presumivelmente leais na sociedade e, em segundo lugar, o fim supreendentemente abrupto da espiral uma vez que a “bolha estourou” e a “confiança foi restaurada”, eventos particularmente associados com a reação pública do desempenho de McCarthy nas audiências televisivas do exército e do protesto do senador Flanders na tribuna do Senado39. Pode-se dizer que o foco do distúrbio de McCarthy ocorreu no sistema de influência, na relação entre as funções integrativas e de manutenção de padrões na sociedade. O efeito deflacionário primário ocorreu nos elementos “creditícios” das lealdades pluralísticas. Por sua vez, isto poderia fazer com que os elementos de liderança – não somente nos grupos governamentais, mas também nos privados – desejassem muito menos correr riscos bruscos ao reinvindicar lealdades que pudessem competir com as lealdades governamentais. Todavia, a partir do momento em que na hierarquia de controle o sistema de influência for superordenado ao sistema de poder, a deflação ocorrida no primeiro será necessariamente propagada ao segundo. Esta toma, em primeira instância, a

39 Trabalhei com alguns aspectos do episódio McCarthy em “Social Strains in America”, Structure and Process, op. cit. A responsabilidade inerente da demanda por “absoluta segurança” num sistema pluralístico foi muito convincentemente mostrada por Edward Shils em The Torment of Secrecy (New York: The Free Press, 1956), especialmente no capítulo VI.

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forma de uma corrida ao saque de apoio político – que, lembremos, aqui é tratado como uma forma de poder – de elementos de liderança que poderiam, em qualquer caso, ser suspeitos de “deslealdade”. O caso extremo, talvez, tenha sido o slogan – apropagado por McCarthy e utilizado pelos mais responsáveis líderes do Partido Republicano como Thomas E. Dewey – de “vinte anos de traição”, que impugnava a lealdade do Partido Democrata como um todo. O efeito foi, ao privar a liderança da oposição de influência, o de fazer com que mesmo a cessão de poder a elas fosse considerada insegura. Ao se vencer as limitações da teoria de soma zero acerca dos sistemas de poder mais elementares, abrir-se-á caminho para níveis completamente novos de efetividade coletiva, mas também, na natureza do caso, envolverá novos níveis de risco e incerteza. Já tratei brevemente desse problema no nível de uma determinada coletividade e suas extensões de compromissos.O problema, obviamente, é composto de um sistema de coletividades devido ao risco não somente de falhas determinadas, mas de distúrbios generalizados de inflação e deflação. Existem, como notamos, mecanismos de controle que operam para regular investimentos, e, de modo semelhante, a extensão dos compromissos das dadas coletividades, sendo que ambos têm a ver com a garantia de responsabilidade, de um lado, para a solvência em longo prazo e, de outro, para o sucesso de uma “estratégia” de extensão mais ampla. É razoável supor que, para além desses, deve haver mecanismos operando no nível do sistema como um todo em ambos os conceitos. No caso monetário, era o complexo do sistema bancário central, o gerenciamento do crédito e suas relações com a finança governamental que vêm sendo considerados como o foco desses controles de nível supremo. No caso do poder, ele é, obviamente, o primeiro ponto crucial em que deveria haver um ápice relativamente superior de controle do poder e do sistema de autoridade, que pensamos ser em certo sentido o Estado “soberano”.40 Por ora, isto tem a ver, mormente, com as relações entre aquilo que chamamos de justificação e legitimidade, em relação ao governo enquanto a ordem suprema estreitamente ligada à estrutura de coletividade. Este é o ponto central da famosa análise de Weber sobre a autoridade, porém sua análise necessita de considerável extensão naquilo que discutimos. Parece, dentre outras coisas, que ele apresentou uma alternativa indevidamente estreita entre os casos carismáticos e os “rotineiros”, particularmente a versão racional-legal do último. Em particular, poderia ser minha visão a de que existem possibilidades mais substanciais da extensão regulada dos compromissos de poder dentro da estrutura de certos tipos de autoridade “legal”,

40 Ao afirmar isso, estou muito longe de sustentar que a soberania “absoluta” é uma condição essencial daquela integração mínima dos sistemas políticos. Ao contrário, em primeiro lugar, ela está longe de ser internamente absoluta, precisamente em razão do caráter pluralístico da maior parte dos sistemas políticos modernos e devido à abertura de suas fronteiras na economia integrativa e em outros sentidos. Externamente, a relação da unidade territorial com normas e valores que as transcende é crucial, e ela se torna mais ainda de modo cada vez mais firme. Ver meu artigo “Polarization of the World and International Order” in Quincy Wright, William M. Evan, and Morton Deutsch, eds., Preventing World War III (New York: Simon and Schuster, 1962), pp. 310-331, reimpresso em Sociological Theory and Modern Society.

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especialmente onde eles são aspectos de um sistema político que é pluralístico em termos gerais. Tais problemas, entretanto, não poderiam ser explorados no fim de um artigo já demasiado extenso.

CONCLUSÃO Esse artigo foi pensado como uma abordagem teórica geral do antigo problema da natureza do poder político e seu lugar, não somente nos sistemas políticos, estritamente concebidos, mas na estrutura e nos processos das sociedades em geral. O ponto principal de referência da investigação foi a concepção de que a discussão do problema nas principais tradições do pensamento político não foi expressa num nível analítico suficientemente rigoroso, mas tendeu a tratar a nação, o Estado ou “grupo” organizado coletivamente num nível mais baixo, como o objeto empírico de referência e tentar analisar seu funcionamento sem uma decomposição posterior de seus elementos básicos. A manifestação mais conspícua dessa tendência foi o tratamento do poder. O presente artigo toma uma posição radicalmente diferente ao perpassar as linhas tradicionais. Ele tem sua partida da posição da teoria econômica e, por inferência, a assimetria entre ela e a teoria política tradicional,41 que tratou, de um lado, como a teoria de um sistema funcional analiticamente definido da sociedade – a economia – e, de outro, como uma subestrutura concreta, usualmente identificada com governo. Gradualmente, revelou-se a possibilidade tanto da extensão do modelo analítico da teoria econômica para o campo político e da direta articulação da teoria política com a teoria econômica dentro dos marcos da teoria do sistema social como um todo, assim, então, a politicidade poderia ser concebida como um subsistema funcional da sociedade em todos os seus fundamentos teóricos paralelos à economia. Essa perspectiva necessariamente concentrava atenção no lugar do dinheiro na concepção da economia. Mais do que isso, tornou-se crescentemente mais claro que dinheiro era essencialmente um fenômeno “simbólico” e que, portanto, sua análise requer um arcabouço de referência mais próximo ao da lingüística do que ao da tecnologia, isto é, as propriedades intrínsecas do metal ouro são tão irrelevantes para o valor do dinheiro sob o padrão-ouro quanto as propriedades intrínsecas do som simbolizado pela palavra “livro” na avaliação de dissertações fisicamente estabelecidas em forma lingüística. Essa é a perspectiva da qual a concepção de poder como um meio simbólico generalizado operando no processo de interação social foi demonstrada. Esse artigo não incluiu um levantamento da evidência empírica relativa a seu campo ramificado de problemas, porém tenho uma forte convicção de que não somente

41 Eu mesmo uma vez aceitei isso. Cf. The Social System (New York: The Free Press, 1951), capítulo V, pp. 161-163.

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a linha de análise adotada é consistente com as amplas linhas de evidência empírica disponíveis, mas também de que já foi demonstrado que isso pode iluminar um escopo de problemas empíricos que não foram bem entendidos nos termos das posições teóricas mais convencionais – por exemplo, as razões da pressão por igualdade geral na evolução da concessão política ou a natureza do macarthismo como um processo de espiral de deflação política. Não parece ser necessário aqui recapitular as linhas gerais do argumento. Posso concluir com os três pontos principais com os quais comecei. Sustento, de início, que o caminho analítico percorrido aqui torna possível tratar poder em termos conceitualmente específicos e precisos e, portanto, se afasta da turvação de que falamos, nos termos dos quais foi necessário incluir uma amplíssima variedade de fenômenos problemáticos como “formas” de poder. Em segundo lugar, penso que isso pode apontar para uma reivindicação válida para apresentar uma solução para o velho dilema: o poder é (nos termos antigos) “essencialmente” um fenômeno de coerção ou um fenômeno de consenso. Na verdade, é os dois, precisamente porque é um fenômeno que integra uma pluralidade de fatores e produtos de efetividade política e não pode ser identificado com nenhum deles. Finalmente, jogou-se luz sobre o famoso problema de soma zero e uma posição definitiva foi adotada, qual seja a de que – embora as condições da soma zero funcionem sob certas assunções específicas – estas não são constitutivas dos sistemas de poder em geral, porém sob diferentes condições a “extensão” sistemática das esferas de poder, sem sacrifício do poder de outras unidades, é importante como caso específico. Essas alegações são avançadas na completa consciência de que num nível há uma arbitrariedade inerente a eles, a saber aquela que defini como poder e um número de conceitos relativos em meu próprio sentido, que é diferente de muitos outros (se não da maioria), das definições correntes em teoria política. Se a teoria for somente uma questão de escolha arbitrária de definições e assunções e o raciocínio a partir delas, pode ser permitido deixar a questão nesse ponto e dizer simplesmente que isso tudo não passa de mais um “ponto de vista” pessoal. Qualquer alegação de que se trata de algo para além disso repousa na concepção de que o entendimento científico de sociedade é atingido através de um aparato teórico gradualmente desenvolvido de análise teórica, de um lado, e interpretação e verificação empíricas, de outro. Minha argumentação mais importante é a de que a linha de análise apresentada aqui é um desenvolvimento ulterior de uma linha principal de análise teórica do sistema social como um todo e da interpretação testada da evidência empírica apresentada àquele corpo teórico. Este corpo teórico deve finalmente ser julgado por seus resultados tanto em generalidade teórica e consistência, ao longo de todo o escopo da teoria do sistema social, quanto por sua validade empírica, mais uma vez nos níveis que incluem não somente referências convencionalmente “políticas”, mas também suas interrelações empíricas com todos os outros aspectos da complexa sociedade moderna encarada como um todo.

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NOTA TÉCNICA A análise acima foi apresentada em termos absolutamente discursivos. Muitas discussões sobre categorização e passos detalhados de análise, entretanto, foram referidos a um paradigma formalizado dos componentes estruturais principais e categorias processuais e relações de uma sociedade considerada como um sistema social. Para o bem dos leitores com interesses mais técnicos em teoria do sistema social, pareceu aconselhável apresentar um esboço muito breve das partes mais diretamente relevantes do paradigma geral aqui, com uma breve elucidação de seu relevância para a discussão acima.42 Os pontos essencias de referência estrutural são dois, a saber, primeiro, que num nível suficientemente alto de diferenciação de uma sociedade, economia, politicidade e sistema integrativo tornam-se empiricamente distintos em termos da primazia de função das unidades estruturais, por exemplo, há uma diferença estrutural importante entre uma firma de negócios privada, uma agência administrativa do governo e um tribunal. Em segundo lugar, cada uma dessas unidades está envolvida em relações plurais de intercâmbio com outras unidades com respeito a maior parte de seus requerimentos funcionais desta situação – isto é, para insumos de fatorXXVII – e as condições de fazer suas contribuições para outras unidades na “divisão de trabalho” – isto é, disponibilidade de produtos de “resultado”XXVIII . Essa ordem de diferenciação requer intercâmbios duplos entre todos os componentes estruturais que pertencem a cada par categórico, por exemplo, firmas e famílias, firmas e agências políticas (não necessariamente governamentais, deve-se lembrar), etc. A situação de intercâmbio duplo impede a mediação de processos em termos tanto de expectativas convencionais como arranjos de escambo, ou uma combinação dos dois. Isso necessita do desenvolvimento de meios simbólicos generalizados, do qual tratamos como casos: dinheiro, poder e influência. Num nível suficientemente alto de desenvolvimento generalizado, os intercâmbios “governamentais” (no sentido de hierarquia cibernética) tomam lugar entre os meios que estão ancorados em vários subsistemas funcionais – assim como poder está ancorado na politicidade. Esses meios, por sua vez, servem como instrumentalidades para o ganho de controle de recursos de “ordem menor” que são necessários para a realização de expectativas. Assim, o gasto de dinheiro em “bens” não é, no sistema ou no nível “agregado” (como analisado por Keynes), aquisição da posse de determinadas mercadorias, mas

42 O próprio paradigma ainda está incompleto e mesmo nesse estado ainda não foi publicado como um todo. A primeira assertiva lidando com o processo foi feita por Parsons e Smelser em Economy and Society, esp. no capítulo II, e foi ulteriormente desenvolvida em alguns aspectos em dois livros subseqüentes de Smelser (Social Change in the Industrial Revolution e Theory of Collective Behavior). Naquilo que me concerne, certos aspectos que agora precisam de revisões, foram publicados no artigo “Pattern Variables Revisited” (American Sociological Review, agosto, 1960, e em Sociological Theory and Modern Society, capítulo 7). Versões mais antigas e parciais da aplicação ao sujeito-problema políticos são encontradas em minhas contribuições a Roland Young, ed. Approches to the Study of Politics, e Burdick and Brodbeck, eds., American Voting Behavior. XXVII Factor inputs. XXVIII “Product” outputs.

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SISTEMA DE MOBILIZAÇÃO DE RECURSOS

SISTEMA DE COMPROMISSO DE LEALDADE E SOLIDARIEDADE

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SIS

TE

MA

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SISTEMA MODELO ALOCATIVOO

SISTEMA DE LEGITIMAÇÃO

FIGURA 1. Formato do sistema de trocas societal

consiste na expectativa generalizada de bens em termos “satisfatórios” de mercado. Esse é o primeiro produto da economia aos consumidores. Similarmente, quando falamos de controle de produtividade como um fator de efetividade, não é ao controle gerencial de determinadas indústrias que queremos nos referir, mas ao controle da partilha da produtividade geral da economia por meio dos mecanismos de mercado, sem especificação de casos especiais. O paradigma do intercâmbio entre meios gerais de comunicação é apresentado na Figura 1 e na Figura 2. A Figura 1 simplesmente designa o formato pelo qual essa parte do paradigma é concebida. As assunções desse formato são três, nenhuma das quais pode ser fundamentada ou justificada dentro dos limites da presente exposição. Essas são (1) que os padrões de diferenciação de um sistema social podem ser analisados em termos de quatro categorias funcionais primárias, cada uma sendo o foco de um subsistema funcional primário da sociedade. Como notado no corpo do ensaio, economia e politicidade são concebidas ambas como subsistemas; (2) o primeiro processo de intercâmbio por meio do qual esses subsistemas estão integrados entre si opera por meio de um meio simbólico generalizado do mesmo tipo que assumi ser o do dinheiro e do poder,43 e (3) no nível de 43 Essa é uma área de problema crucial que concerne à natureza dos intercâmbios entre uma sociedade como um sistema em nosso sentido e seu meio. Esse conjunto de problemas infelizmente não cabe aqui.

A Subsistema Adaptativo

(a economia)

G Subsistema de consecução

de objetivos (a politicidade)

L Manutenção de padrão

(locus dos compromissos culturais e motivacionais)

I Subsistema Integrativo

(Leis [como normas] e controle social)

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ins. p/ G Controle de Produtividade M2b

FATORES ins. p/ A Oportunidade para Efetividade P1b

A G RESULTADOS prod. p/ G Compromisso de Serviços com a Coletividade P1a

prod. p/ A Alocação de Recursos Fluidos (financeiros) M2a

ins. p/ A Capacidade de Trabalho C2b

FATORES ins. p/ L Renda de Salário M1b L A RESULTADOS prod. p/ A Demanda de Mercadorias M1a

prod. p/ L Compromisso com a produção de bens C2a

ins. p/ I Decisões Políticas P2a

FATORES ins. p/ G Demandas-Interesse I1a

G I RESULTADOS prod. p/ I Responsabilidade de Liderança I1b

prod. p/ G Apoio Político P2b

ins. p/ L Justificações para a Alocação de Lealdades I2a

FATORES ins. p/ I Compromisso com Associação Valorizada C1a L I RESULTADOS prod. p/ L Compromisso com Valor Comum C1b

prod. p/ I Reivindicações para Lealdades

baseadas em Valor I2b ins. p/ I Asserção de Reivindicações para Recursos M3a

FATORES ins. p/ A Modelos para Alocação de Recursos I3a A I RESULTADOS prod. p/ I Fundamentos para a Justificação de Reivindicações I3b

prod. p/ A Ranqueamento de Reivindicações M3b

(confecção de orçamentos) ins. p/ L Responsabilidade Operativa P3a

FATORES ins. p/ G Legitimação de Autoridade C3a

G L RESULTADOS prod. p/ L Responsabilidade Moral por Interesse Coletivo C3b

prod. p/ G Legalidade dos Poderes de Cargo Público P3b

M – Dinheiro P – Poder

I – Influência C – Compromissos

1, 2, 3 – Ordem do controle hierárquico entre os meios. a, b – Ordem do controle hierárquico dentro dos sistemas de intercâmbio.

“ins.” significa o insumo de uma categoria de recursos rumo ao subsistema indicado advindo de outro membro do par. “prod.” significa o produto de uma categoria de “resultados” advinda da fonte indicada rumo à destinação relevante.

Todo duplo intercâmbio consiste num intercâmbio de insumo (fator) e um intercâmbio de produto (resultado).

FIGURA 3. Os Meios como Sanções

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diferenciação de interesse aqui, cada sistema de intercâmbio é um duplo intercâmbio, implicando tanto na “alienação” de recursos e resultadosXXVIII de seu sistema de origem e a transcendência do nível escambo da troca. Sob tais assunções, tudo que a Figura 1 faz é retratar um sitema de seis intercâmbios duplos entre cada par logicamente dado dentre os quatro subsistemas funcionais primários da sociedade. Por conveniência, nomes provisórios são dados para cada um desses seis sistemas de intercâmbios duplos. A Figura 2, então, coloca cada um dos seis sistemas de intercâmbio num eixo horizontal, simplesmente porque é mais fácil de lê-los nesse sentido. Ela acrescenta à Figura 1 os nomes das categorias, direções de fluxo e designações como meio (dinheiro, poder, etc) para cada um dos quatro lugares em cada um dos seis subsistemas de intercâmbio, assim apresentado 24 categorias, sendo que cada um dos quatro meios básicos aparece como “formas”. Entre os seis conjuntos de intercâmbio, poder como um meio está envolvido, por nossa análise, em somente três, a saber os intercâmbios da politicidade (G) com cada um dos outros três. Esses são o sistema de “mobilização de recurso” vis-à-vis a economia, o sistema de apoio que envolve o insumo do apoio político e o produto de decisões vis-à-vis o sistema integrativo e o sistema de legitimação (como o chamei) vis-à-vis o aspecto de valor do sistema de manutenção de padrão. O último desses três é um caso especial que não envolve poder como um meio, mas antes a estrutura do código que governa a autoridade como definidora dos usos institucionalizados de poder, portanto a legitimação da autoridade. Deve-se dar uma atenção primordial aos outros dois. As categorias incluídas no intercâmbio A-G (economia-politicidade, ou mobilização de recurso) podem ser descritas respectivamente como “formas” de poder e de dinheiro (ou riqueza). Elas serão vistas como sendo categorias que foram usadas nas partes apropriadas da exposição discursiva do corpo do artigo. O duplo intercâmbio aqui, como na economia clássica – ou o caso de trabalho-consumo, envolve primeiramente um fator-intercâmbio, a saber, controle de produtividade como fator de efetividade trocado por oportunidade por efetividade (no caso particular do capital, como um fator de produção). Produtividade é um fator nometário porque é um conjunto de recursos controlados por meio de fundos monetários – que, obviamente, por sua vez, podem ser trocados por facilidades particulares requeridas, notadamente mercadorias e serviços. Oportunidade, todavia, é uma forma de poder no sentido discutido. A segunda parte do duplo intercâmbio é um dos produtos de “resultado”. Esse tem seu lugar entre o compromisso de serviços para organização – tipicamente através do emprego – que eu interpretei como sendo uma forma de poder, e a alocação de recursos fluidos aos fornecedores de serviço como facilidades essenciais para o desempenho de suas obrigações – tipicamente o controle de fundos orçamentários, embora freqüentemente não

XXVIII Products, a opção por “resultado”, que será utilizada ao longo de todo o texto referente à Nota Técnica justifica-se para evitar a confusão com o termo output, este sim traduzido por “produto”. Esta opção, por sua vez, deve-se a uma tradição já consolidada nas traduções brasileiras da literatura funcional.

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se estenda até este ponto. Assim, recursos fluidos no caso ideal tomam a forma de fundos monetários.44 O segundo sistema de intercâmbio primário, que, por conveniência, chamarei de sistema de apoio, é aquele entre a politicidade e o sistema integrativo (G-I), que posteriormente envolverá o aspecto associacional da estrutura e solidariedade de grupo em relação ao sistema de normas (legais e informais) – como distintos de valores. A diferença básica repousa no fato de que poder aqui é intercambiado não com dinheiro, mas com influência, e ao passo que, vis-à-vis o dinheiro, ele era o meio “controlador”, vis-à-vis influência, ele é controlado. Essa diferença é simbolizada pela colocação das categorias de poder aqui em posições exteriores, ao passo que, no caso A-G, elas foram colocadas na parte interior (como as categorias monetárias o foram em L-A). O fator relevante de intercâmbio aqui está entre as decisões políticas como um “fator de solidariedade” e as demandas-interesse como um fator de efetividade, no sentido do qual estes conceitos foram usados. Essencialmente, podemos dizer que demandas-interesse “definem a situação” para a tomada de decisões políticas – que, obviamente, não significa de forma alguma dizer que demandas em sua forma inicial são ou deveriam ser simplesmente “cedidas” sem modificações. Assim como outros fatores, eles são tipicamente transformados ao longo do processo político. Correspondentemente, decisões políticas são um fator em solidariedade naquilo que ela constitue compromissos para ação coletiva nos quais “as partes interessadas” podem contar dentro de certos limites. O intercâmbio entre produtos de “resultado”, então, consiste em responsabilidade de liderança como produto da politicidade (como forma de influência, note-se, não de poder), e apoio político como um produto do sistema “associacional” – no caso governamental, por exemplo, o eleitorado, que é uma fonte de “renda” política de poder. Será, obviamente, notado que as unidades envolvidas em qualquer caso dado desses dois intercâmbios tipicamente não são os mesmos – assim, líderes partidários podem oferecer apoio, ao passo que funcionários públicos administrativos tomam certas decisões políticas. Esse tipo de “fissura” (levada a cabo até vários graus) é característica de qualquer sistema altamente diferenciado. A Figura 3 tenta olhar para os meios generalizados do ponto de vista não somente de seu ordenamento hierárquico, mas da relação entre os componentes de código e mensagem, e a posição do último como sanções que controlam fatores essenciais para vários subsistemas funcionais de um lado, e produtos de resultado desses subsistemas por outro. As fileiras estão alinhadas de cima para baixo em termos da hierarquia

44 O processo de investimento, que concebo como sendo um caso especial muito importante da operação deste sistema de intercâmbio, parece trabalhar de tal forma que o componente de poder de um empréstimo é uma cessão de oportunidade, através do qual é ganho um incremento de controle de produtividade – que de outra forma não está disponível. O recipiente desta “cessão” está, então, por meio de serviços de compromisso (individual ou coletivos), em posição de utilizar esses recursos para o aumento, de alguma maneira, da produtividade econômica futura. Esse é um caso especial, pois os recursos podem ser usados de uma outra maneira, por exemplo, por exemplo, para o alívio de incômodos ou para a pesquisa científica.

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familiar de controle – cada fileira designa um dos quatro meios. As colunas, por outro lado, designam componentes dentro dos quais cada meio precisa ser derrubado se algumas das condições básicas de sua operação ao mediar a interação quiserem ser entendidas. No corpo do artigo discuti as razões pelas quais parece necessário distinguir dois componentes no aspecto de código de cada meio, a saber aquilo que viemos chamando de princípio de valor relevante, de um lado, e “modelo coordenativo”de outro. O mais famoso conceito de utilidade parece ser o princípo de valor relevante, ao passo que a solvência é o modelo coordenativo. Utilidade é a “medida” básica de valor em sentido econômico, ao passo que o imperativo para se manter a solvência é uma categoria de norma para a direção de unidades na ação econômica. Para o caso político, adotei o conceito de efetividade no sentido utilizado por Barnard como um paralelo para o conceito de utilidade dos economistas. Sucesso, para a unidade em questão, notadamente para o bem-estar coletivo, parece ser o melhor termo disponível para o modelo coordenativo correspondente. (possivelmente, usado com qualificações apropriadas, o termo soberania pode ainda ser o mais apropriado para esse modelo). Na outra mais importante fronteira direta da politicidade, solidariedade no sentido de Durkheim parece ser o valor-princípio de integração que é paralelo à utilidade e efetividade, ao passo que o muito importante conceito (para a teoria política) de consenso parece de maneira adequada servir para formular o modelo coordenativo integrativo relevante. Já que eles não estão diretamente envolvidos com os sistemas de intercâmbio tratados aqui, chamarei tão-simplesmente atenção para a designação do valor-princípio do sistema de manutenção de padrão como integridade e o modelo coordenativo correspondente como consistência-padrão. As colunas A e G da Figura 3, então, designam contextos de operação de cada um dos quatro meios como sanções, mas são dispostos, não pelo sistema de intercâmbio como na Figura 2, mas pelo controle de insumos de fatores e produtos de resultado, respectivamente. Assim, dinheiro, embora não seja por si só um fator de produção, “controla”, isto é, compra, trabalho e capital como fatores primários, nos sistemas de intercâmbio A-L e A-G respectivamente, ao passo que, para sistemas “que consomem”, o dinheiro compra produtos da economia, a saber bens (em A-L) e serviços (em A-G), respectivamente. O envolvimento do poder é concebido como sendo paralelo. De um lado, ele “comanda” os dois fatores primários móveis de efetividade, a saber, o controle de produtividade (em G-A) e demandas-interesse (em G-I) (como justificado em termos de apelo às normas). De outro lado, os “consumidores” ou beneficiários dos produtos do processo podem usar de poder para comandar esses produtos na forma de recursos fluidos (por exemplo, através da alocação de orçamento em G-A) e de responsabilidade de liderança para objetivos valorados (em G-I). Será notado na Figura 3, tipos de sanção negativa e positiva se alternam

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COMPONENTES DE MEIOS E INTERCAM BIOS RECÍ PROCOS MEIOS EM HIERAR- QUIA DE CONTROLE

CÓDIGOS

MENSAGENS (SANÇÕES)

TIPOS DE SANÇÃO E DE EFEITO

PRINCÍPIO-

VALOR MODELO DE

COORDENAÇÃO

FATORES CONTROLADOS

RESULTADOS CONTROLADOS

L

COMPROMISSO

INTEGRIDADE CONSISTÊNCIA-

PADRÃO

FONTE SALÁRIOS A JUSTIFICAÇÃO I DE LEALDADES

DESTINAÇÃO DEMANDA DOS A CONSUMIDORES REIVINDICAÇÃO I DE LEALDADES

NEGATIVO-INTENCIONAL

(ativação de compromissos)

I

INFLUÊNCIA

SOLIDARIEDADE CONSENSO

COMPROMISSO L COM ASSOCIA- ÇÃO VALORADA DECISÕES G POLÍTICAS

COMPROMISSO L COM VALORES COMUNS APOIO G POLÍTICO

POSITIVO-INTENCIONAL

(persuasão)

G

PODER

EFETIVIDADE SUCESSO

DEMANDAS- I INTERESSE CONTROLE DE A PRODUTIVIDA- DE

RESPONSABI- I LIDADE DE LIDE- RANÇA CONTROLE DE A RECURSOS FLUIDOS

NEGATIVO-SITUACIONAL

(garantia de consentimento)

A

DINHEIRO

UTILIDADE SOLVÊNCIA

CAPITAL G TRABALHO L

COMPROMISSO G DE SERVIÇOS EXPECTATIVA L DE BENS

POSITIVO-SITUACIONAL

(indução)

FIGURA 2. As Categorias da Estrutura Social

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na hierarquia de controle. Poder, como um meio que depende de sanções situacionais negativas, é “prensado” entre dinheiro (abaixo dele) que é uma sanção situacional positiva e influência (acima dele) que são sanções intencionais positivas. Retornando à Figura 2, poder está também envolvido no sistema de legitimação (L-G), mas desta vez como código, como aspecto de autoridade. Este deve ser concebido como um mecanismo para ligar os princípios e o modelo nas fileiras L e G. O que é chamado de assunção de responsabilidade operativa (P3a), que é tratado como um “fator de integridade” é responsabilidade para sucesso na implementação dos princípios-valor, não somente de efetividade coletiva, mas de integridade do modelo-valor societal superior. Deve-se dizer que a legitimação da autoridade (C3a) “impõe” a responsabilidade para intentar tal sucesso. Legalidade do poder de cargo público, por um lado (P3c), como categoria de produto para a politicidade, é uma aplicação do modelo de consistência-padrão. Em diversos níveis relevantes, ação deve ser feita consistente com os compromissos-valor. Em troca por autorização legal para realizar tais ações, o ocupante responsável do cargo público deve aceitar a responsabilidade moral para seu uso de poder e suas decisões de interpretação (C3b).