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NATÁLIA JALILE VILAS BOAS
O NÃO NASCIDO E O NÃO MORTO:
A NOÇÃO DE PESSOA DENTRO DO ZEN BUDISMO NA
PERSPECTIVA DE MONJA COEN.
LONDRINA
2017
NATÁLIA JALILE VILAS BOAS
O NÃO NASCIDO E O NÃO MORTO:
A NOÇÃO DE PESSOA DENTRO DO ZEN BUDISMO NA
PERSPECTIVA DE MONJA COEN.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Bacharelado em Ciência Sociais da Universidade Estadual de Londrina para obtenção do título de Bacharel em Ciências Sociais. Orientadora: Prof. Dra. Carla Delgado de Souza.
Londrina
2017
Natália Jalile Vilas Boas
O NÃO NASCIDO E O NÃO MORTO:
A NOÇÃO DE PESSOA DENTRO DO ZEN BUDISMO NA PERSPECTIVA DE
MONJA COEN.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Bacharelado em Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina para obtenção do título de Bacharel em Ciências Sociais.
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dra. Carla Delgado de Souza Universidade Estadual de Londrina
Orientadora
Prof. Dr. Celso Vianna B. de Menezes Universidade Estadual de Londrina
Profa. Dra. Leila Sollberger Jeolás Universidade Estadual de Londrina
Londrina–PR, 22 de agosto de 2017
À minha família e em memória de todos os meus avós, em especial Maria Tereza
Vicente da Silva e Pedro Alves Trevisan.
Agradecimentos.
Com o coração oceânico, quero agradecer em primeiro lugar aos meus pais
que me deram todo amor e apoio durante essa longa jornada e nunca me
permitiram perder a fé. Agradeço à meu irmão e sua força inspiradora. Agradeço a
todos os meus avós que nutrem minhas raízes, hoje no além vida. Ofereço toda a
minha gratidão aos amigos que estiveram ao meu lado ao longo de todo esse
percurso, os que ainda estão neste plano e aqueles que também já partiram.
Agradeço minha orientadora Carla Delgado de Souza por sua paciência, suas
palavras amigas, sua atenção sincera, sua gentileza e à maneira que me inspira,
tanto no plano pessoal quanto no profissional.
Meus mais sinceros agradecimentos a todos os professores que auxiliaram a
minha jornada, em especial à Marivone Machado Mori, a mulher maravilhosa que
me levou a amar as humanidades ainda no Ensino Médio.
Muito me felicita que este seja um trabalho feito por uma mulher, orientado
por uma mulher e sobre uma mulher dentro do meio acadêmico. Gratidão imensa a
todas as mulheres que lutaram e lutam para que isso seja possível.
Agradeço à arte, em especial à música e à poesia, que desenrolam os nós e
impedem o colapso. Agradeço a toda forma de prática espiritual que me ajudou a
crescer e descobrir em mim mesma a força para continuar quando pensei que não
mais podia. Gratidão, enfim, à Monja Coen que, para além de minha nativa, é
também fonte de sabedoria, inspiração e orientação.
Agradeço à Universidade Estadual de Londrina e a todos os profissionais e
trabalhadores que me auxiliaram direta ou indiretamente nesta caminhada.
Agradeço às lições que a morte me ensinou nessa minha trajetória ainda tão
jovem sobre o planeta. Agradeço à vida e a Terra e todas as suas maravilhas que
me inspiram, deliciam e ensinam.
Natália Jalile Vilas Boas.
“Vou falar da palavra pessoa, que persona lembra. Acho que
aprendi o que vou contar com meu pai. Quando elogiavam
demais alguém, ele resumia sóbrio e calmo: é, ele é uma
pessoa. Até hoje digo, como se fosse o máximo que se pode
dizer de alguém que venceu numa luta, e digo com o coração
orgulhoso de pertencer à humanidade: ele, ele é um homem.
Obrigada por ter desde cedo me ensinado a distinguir entre os
que realmente nascem, vivem e morrem, daqueles que, como
gente, não são pessoas.” Persona, de Clarice Lispector.
VILAS BOAS, Natália Jalile, O não nascido e o não morto: a noção de pessoa dentro do zen budismo na perspectiva de Monja Coen. Trabalho de Conclusão de Curso para o Bacharelado em Ciências Sociais. Centro de Letras e Ciências Humanas – Universidade Estadual de Londrina, 2017.
RESUMO:
Desde 1995, o Brasil conta com uma missionária budista de bastante renome em
seu território. Filha de terras brasileiras, a monja Coen, como é conhecida, fez seus
estudos religiosos nos Estados Unidos e no Japão e pertence à tradição Soto Shu.
Inicialmente, as ações da monja não recorriam à mídia, de forma que seu trabalho
missionário ficava mais concentrado no templo que veio dirigir na cidade de São
Paulo. Entretanto, após ter gravado uma série de seis vídeos para o canal MOVA do
Youtube, a monja vem utilizando-se das redes sociais como ferramenta de profusão
de seus ensinamentos. Este trabalho de conclusão de curso tem como objetivo
investigar qual é a noção de pessoa e, consequentemente da formação do “eu”, no
interior do zen budismo praticado pela monja Coen. Para isso, a pesquisa se ateve
ao conteúdo dos vídeos gravados pela monja, especialmente dos seis primeiros, e
também em alguns livros publicados por essa missionária, que tem se tornado um
fenômeno midiático. A partir deste material específico de pesquisa, faço uma
incursão no universo dos ensinamentos zen budistas, para, em um diálogo com uma
proposta religiosa bastante diferente da ocidental – na qual fui criada – entender a o
que denomino ser “um jogo de negação das dualidades”, a partir do qual a formação
da noção de “eu” se dá e se manifesta dentro dessa tradição religiosa. Por fim, tento
estabelecer pontes e aproximações da concepção zen budista acerca da noção de
pessoa com a própria teoria antropológica sobre o tema.
Palavras-Chave: zen budismo, noção de pessoa, eu, dualidade, antropologia.
VILAS BOAS, Natália Jalile. The unborn and the undead: the notion of person inside the zen budism in the perspective of monja Coen. Monograph for the Bachelor Degree in Social Sciences. Center of Letters and Human Sciences – Londrina State University, 2017.
ABSTRACT:
Since 1995, Brazil has received a very renowed buddhist missionary in its territory.
Born in Brazilian fields, the Coen nun, as she is recognized, did her religious studies
at USA and Japan. She belongs to the Soto Shu tradition. At the beggining, the nun
actions did not happened with media help and his missionary work was focused in
the budhist temple, which she came to direct in São Paulo. However, after she
recorded a series of six vídeos to the MOVA channel at Youtube, the nun has been
using social medias as tools in order to spread her teachings. This monography aims
to investigate which is the notion of person and the constitution of the “self” in zen
buddhism practiced by the nun Coen. In order to do that, the research worked with
the contents of videos recorded by the nun, specially the first six sequence, and also
used some books published by this missionary, who happens to turn herself in a
media fenomena. From this specific material, I have been learning zen buddhist
teachings with the purpose of establish a dialogue with a religious cosmology which
is very different from the Ocidental thought – in which I was raised. I seek to
understand which I named being a “game of the dualities denial”, essential to the self
conception in zen buddhist thought. Last, but not least, I try to establish bridges and
approximations of the zen buddhist conception of person notion with the
anthropological theory about this theme.
Keywords: zen budism, notion of person, self, duality, anthropology.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO p. 11
Das práticas orientalistas em Londrina à pesquisa p. 14
O Budismo Nitiren p. 17
O SatSang p. 21
O Minirretiro zen, com monja Coen p. 26
1 CAPÍTULO 1: Os vídeos e a experiência etnográfica p. 28
1.1 O conteúdo áudio visual p. 28
1.2 O minirretiro Zen-Yoga p. 35
2 CAPÍTULO 2: A noção de pessoa no zen budismo: aproximações e distanciamentos entre os ensinamentos da monja Coen e a teoria antropológica. p. 43 2.1 O “eu-ego” e a “Natureza-Buda” p. 43
2.2 A percepção da unidade e a síntese antropológica p. 57
2.3 O não nascido e o não morto p. 65
CONSIDERAÇÕES FINAIS: A interconexão de tudo p. 70
REFERÊNCIAS p. 75
a) Referências bibliográficas p. 75
b) Referências virtuais p. 76
! 11!
Introdução
Este trabalho de conclusão de curso tem como objetivo fazer uma
análise de como a noção de pessoa se constitui dentro do zen budismo,
através de uma incursão etnográfica dentro das práticas e ensinamentos
propostos por uma mestra brasileira chamada monja Coen Roshi, que há 22
anos faz um trabalho missionário para a tradição budista Soto Shu no Brasil.
A monja Coen, como é conhecida enquanto religiosa, nasceu na
cidade de São Paulo em 30/06/1947 e foi batizada com o nome de Cláudia
Dias Baptista de Sousa. De família tradicional paulistana, recebeu educação
católica. O início de seus estudos sobre o budismo ocorreu ainda nos anos
1970, quando já residindo nos Estados Unidos, começou a frequentar as
atividades de meditação (zazen) no Zen Center of Los Angeles. Ainda em
solo estadunidense, fez seus votos monásticos em 14/01/1983. Cerca de
nove meses depois, mudou-se para o Japão, a fim de estudar e dedicar-se à
vida monástica no Convento Zen Budista de Nagoya, Aichi Senmon Nisodo e
Toku Betsu Nisodo, onde residiu por oito anos e consagrou-se como monja
especial (tokuso). Como monja especial, vinculou-se à tradição Soto Shu1,
ensinando o Dharma2 por três anos. Em 19953, voltou ao Brasil, como
missionária.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!1 Sendo a escola de tradição budista mais presente no Ocidente, a Soto Shu é uma escola japonesa de zen budismo, descendente da escola chinesa Caodong. Esta tradição foi levada da China para o Japão através de Dogen Zenji (1200-1253). É a escola de tradição zen com maior número de seguidores, mesmo dentro do Japão. A principal prática desta escola é a meditação Shikantaza que leva o praticante a um esquecimento de si mesmo em busca da experiência com a pura realidade. Os monges habilitados a transmitir o Dharma nesta tradição não apenas podem fazer o trabalho de atendimento religioso, como também possuem o direito de se casar e constituir família.
2 Dharma seria, dentro do budismo, a lei verdadeira. A lei que rege a vida de todas as coisas no universo. Uma verdade absoluta que se encontra com a verdade relativa. Enquanto o Dharma com a letra inicial maiúscula se trata dessa grande verdade universal, o dharma com a letra inicial minúscula se refere à verdade individual.
3 Este foi também o ano em que aconteceu a conferência e simpósio do budismo brasileiro, comemorando o centenário do tratado de amizade de comércio e navegação Brasil – Japão, com a presença de monja Coen. No texto da transcrição do simpósio ela é chamada pelo nome “Reverenda Cláudia” e começa sua fala evidenciando ter passado os últimos 12 anos de sua vida no Japão. O tema do simpósio foi “A contribuição do Budismo para a Ordem e o Progresso do Brasil”, onde diversos líderes budistas buscavam refletir como o Budismo
! 12!
Sabemos que o zen budismo possui vertentes e nuances diferentes e
que seu surgimento se deu na China, embora sua prática sempre evoque o
Japão4, lugar no qual mais se desenvolveu. O zen budismo japonês é fruto
de um sincretismo entre a tradição budista Mahayana e alguns rituais e
práticas simbólicas típicas do Japão, como o xintoísmo (GAARDER,
HELLERN & NOTAKER, 2005)5.
Os ensinamentos da Monja Coen chegaram até mim a partir de uma
série de vídeos de sua autoria, que são periodicamente postados na internet
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!enquanto religiosidade poderia ser capaz de auxiliar na solução acerca dos problemas enfrentados pelo país, levando em consideração o lema empregado na bandeira nacional.
4 Segundo Gonçalves (1975) a posição geográfica do Japão deu, desde a sua pré-história, a possibilidade de o arquipélago funcionar como um local particularmente apto à assimilação de tradições religiosas diversas. A difusão do budismo nestas terras se deu também através do embate e do diálogo entre as classes nobres e dominantes e a população subalterna, que se mantinha cultuando elementos de religiosidades tribais. Estes fatores tornam a cultura japonesa “extremamente complexa, sem que ela deixe porém, de se mostrar tradicionalista e conservadora”. (GONÇALVES, 1975, p. 45) 5 Segundo Gaarder, Hellern & Notaker (2005), o budismo surgiu na Índia e guarda algumas relações íntimas com o hinduísmo, uma vez que Sidarta Gautama, fundador do budismo, era indiano, oriundo de uma família nobre. Sidarta Gautama viveu entre 560 a 480 a.C e foi o primeiro Buda, que significa iluminado. Ele atingiu a iluminação após um longo período de meditação e após adentrar brevemente o nirvana, voltou para ensinar os homens, tornando-se um guia para a humanidade. Por mais que hinduísmo e budismo guardem semelhanças entre si, as tradições diferem em um ponto crucial para a análise que nos propomos a fazer: enquanto os hindus acreditam na existência de uma alma imutável, os budistas acreditam que a alma é uma ilusão. Em 380 a.C, portanto um século após o falecimento de Buda, houve um concílio, no qual monges budistas tentaram entrar em um acordo sobre regras monásticas e que terminou com uma divisão entre Theravadas (“a escola dos antigos”) e Mahayanas (“o grande veículo”). A tradição Theravada acredita representar o budismo em sua forma original, pregando o caminho da auto-redenção – de acordo com essa vertente é o próprio indivíduo que deve assumir responsabilidade por seu desenvolvimento ético e religioso até alcançar a iluminação, que é vista como restrita ao círculo de monges veneráveis (arhat). Esta tradição é predominante no Sul da Ásia, principalmente em países como Birmânia, Tailândia, Sri Lanka, Laos e Cambodja. A outra vertente, Mahayana, acredita que todas as pessoas podem alcançar a salvação, tanto monges quanto leigos. Os adeptos do budismo Mahayana acreditam que o caminho individual para a salvação é egoísta, de forma que o objetivo deve ser a salvação de todos: “em consequência, o ideal religioso do budismo mahayana é o bodhisattva, o qual, depois de alcançar a iluminação (bodhi), abdica do nirvana a fim de ajudar outras pessoas a alcançar a salvação. Aqui muitas vezes se ressalta que o próprio Buda abdicou do nirvana imediato por causa da compaixão por seus semelhantes. Um bodhisattva (“existência iluminada”) pode ser qualquer pessoa que resista a se tornar um Buda. No entanto, esse termo se aplica sobretudo a uma longa lista de etéreas figuras de salvador, às quais os seres humanos podem recorrer em busca de ajuda. A única coisa que as distingue de um Buda é que elas não entram no nirvana até que todas as criaturas vivas tenham sido redimidas do renascimento”(GAARDER, HELLERN &NOTAKER, 2005, p. 75/76). A tradição Mahayana se difundiu e é predominante no norte da Ásia (China, Japão, Mongólia, Tibete, Coreia e Vietnã). O zen budismo é uma variação desta tradição e surgiu na China. Nele, valoriza-se muito as práticas meditativas como meio de se alcançar iluminação. Desenvolveu-se mais no Japão, lugar visto como uma espécie de laboratório religioso, devido às várias práticas que coabitam o mesmo território.
! 13!
através do canal MOVA do Youtube, numa série denominada S.E.R.
(Sabedoria e Renovação), que possuem uma estética minimalista e são
promovidos através das redes sociais como o Facebook, o que facilita com
que pessoas não iniciadas no zen budismo tomem contato com a filosofia
religiosa, um dos aspectos que são caros às ações missionárias.
O conteúdo das palestras muito me chamou atenção. Para além dos
elementos formais constantes no vídeo, o conteúdo filosófico das palestras
foi decisivo ao captar meu olhar e minha curiosidade para a prática do zen
budismo e para a figura emblemática da monja Coen, que aparece, no Brasil,
como a porta voz (ao menos em termos midiáticos) dessa filosofia religiosa
oriental. O não dogmatismo das falas sobre temas tabus, como aborto por
exemplo, me interessaram. Além disso, vários temas de suas palestras iam
ao encontro de diversas problemáticas que entrei em contato ao longo do
curso de ciências sociais. Isso ocorreu porque os vídeos traziam em seu
corpo, muitas vezes, reflexões da monja acerca de questões da realidade
social atual que deixavam-me surpresa devido à forma diferente de
relacionamento entre uma filosofia religiosa e suas proposições para um
mundo menos desigual. Por fim, mas não menos importante, a figura
religiosa investida de respeito é uma mulher6 – o que é bastante incomum em
tradições religiosas diversas – de origem não nipônica, o que ajuda a ter uma
ideia de que o zen budismo não precisa estar vinculado à uma identidade
étnica.
Desenvolvi meu primeiro trabalho acerca da monja Coen numa
disciplina optativa de antropologia visual durante minha graduação, para a
qual escrevi um artigo em que propunha uma análise da fenomenologia do
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!6 Mesmo com esta abertura dogmática relacionada à ocupação de cargos de poder pelo gênero feminino, o budismo ainda possui sérias questões relacionadas à diferenciação de tratamento entre monges homens e mulheres. Existem oito regras diferenciadas para o exercício monástico feminino dentro do budismo, uma delas que prostra a monja em posição de subordinação em relação a qualquer monge, independente do tempo de prática deste. Também é importante salientar que, para além desta estruturação dogmática em relação à prática religiosa feminina, “o budismo não possui qualquer registro de oposição ao patriarcado ou ao domínio masculino.” (GROSS, 2005, p. 417), portanto, o fato de a religiosa aqui estudada ser mulher, e este ser um fator que instigou minha curiosidade, o cerne do budismo não traz, necessariamente, a possibilidade de avanços maiores para que o gênero feminino possa ocupar cargos de poder no sacerdócio, ou mesmo que o domínio masculino possa ser enfraquecido.
! 14!
olhar através da aproximação da forma de olhar proposta pelos vídeos da
monja, do olhar proposto por Alberto Caeiro (heterônomo de Fernando
Pessoa) e do olhar técnico da antropologia proposto por Roberto Cardoso de
Oliveira em seu texto “O trabalho do antropólogo: ver, ouvir e escrever”
(2000).!!
Decidi após esta primeira mediação entre os vídeos da monja e meu
trabalho acadêmico, juntamente à minha orientadora, aprofundar a pesquisa
sobre o conteúdo trabalhado pela missionária em seus vídeos. Para tanto,
proponho o aprofundamento da pesquisa, saindo da questão da
fenomenologia do olhar, e indo para a clássica temática da antropologia
acerca da noção de pessoa.
Das práticas orientalistas em Londrina à pesquisa.
Decidi traçar uma trajetória para aprofundar meus conhecimentos não
apenas em relação ao budismo da monja Coen, mas também busquei
conhecer e entrar em contato com outras práticas e vertentes espiritualistas
pautadas em filosofias orientais diversas, com a finalidade de estabelecer
uma base que fundamentasse meus argumentos sem cair em reducionismos,
generalizações ou abstrações vagas acerca desta nova realidade com a qual
estava entrando em contato.
Com isso, eu iniciava um caminho em busca do “Oriente possível” de
ser encontrado em Londrina/PR, e que é, como argumenta Edward Said
(2007), uma busca ficcional, que revela mais sobre o olhar que o Ocidente
tem do Oriente do que deste último em si. Sob a alcunha de “oriental”
convivem várias práticas distintas e que não tem nenhuma relação entre si na
Ásia. Tenho consciência que minhas primeiras incursões em campo foram de
cunho orientalista.
Todo o esforço para a construção de uma espécie de “aura oriental” no
Brasil se utiliza de diversos artifícios e de técnicas para a tradução das
! 15!
linguagens e filosofias oriundas de terras orientais para a realidade brasileira
que me colocaram diante de experiências culturalmente híbridas, mas com
pontos em comum entre si. Por este motivo, eu mesma acabei adotando ao
longo do trabalho algumas expressões que podem trazer ao leitor um cunho
um tanto quanto orientalista, enquanto me refiro a tais experiências atribuindo
à elas algum nível de generalização. Entretanto, deixo clara minha posição
enquanto conhecedora desta potencialidade de armadilha conceitual que
Said evidencia em seu trabalho, porém, os termos aqui serão usados desta
forma devido à dificuldade de encontrar algo mais específico para tratar de
cada uma de minhas experiências, que se assemelham justamente por
apresentar uma espécie de orientalismo nelas mesmas.
O próprio Edward Said expõe, na introdução de seu livro, três
acepções de Orientalismo e argumenta que sua argumentação se baseia na
interdependência quase inevitável existente entre elas:
Ficará claro para o leitor (e tornar-se-á ainda mais claro nas muitas páginas que se seguem) que por Orientalismo quero dizer várias coisas, na minha opinião, interdependentes. A designação mais prontamente aceita para Orientalismo é acadêmica, e certamente o rótulo ainda tem serventia em muitas instituições acadêmicas. Quem ensina, escreve ou pesquisa sobre o Oriente – seja um antropólogo, um sociólogo, um historiador ou um filólogo – nos seus aspectos específicos ou gerais é um orientalista, e o que ele ou ela faz é Orientalismo. (...) Relacionado a essa tradição acadêmica, cujos caminhos, transmigrações, especializações e transmissões são em parte o tema deste estudo, há um significado mais geral para o Orientalismo. O Orientalismo é um estilo de pensamento baseado numa distinção ontológica e epistemológica feita entre o “Oriente” e (na maior parte do tempo) o “Ocidente”. Assim, um grande número de escritores, entre os quais poetas, romancistas, filósofos, teóricos políticos, economistas e administradores imperiais, tem aceitado a distinção básica entre o Leste e o Oeste como ponto de partida para teorias elaboradas, epopeias, romances, descrições sociais e relatos políticos a respeito do Oriente, seus povos, costumes, mentalidade e assim por diante. (...). O intercâmbio entre o significado acadêmico e o sentido mais ou menos imaginativo de Orientalismo é constante e desde o final do século XVIII há um movimento considerável, totalmente disciplinado – talvez até regulado – entre os dois. Neste ponto chego ao terceiro significado de Orientalismo, cuja definição é mais histórica e material do que a dos outros dois. Tomando o final do século XVIII como ponto de partida aproximado, o Orientalismo pode ser discutido e analisado como a instituição autorizada a lidar com o Oriente – fazendo e corroborando afirmações a seu respeito, descrevendo-o, ensinando-o, colonizando-o, governando-o, em suma, o Orientalismo como um estilo ocidental para dominar, reestruturar e ter autoridade sobre o Oriente (SAID, 2007, p. 28/29)
! 16!
Em diálogo com as acepções de Orientalismo tidas acima, posso
afirmar que as duas primeiras – estar academicamente interessada no
Oriente enquanto tema de pesquisa e participar das construções imaginativas
sobre o “outro” oriental, feitas no Brasil por pessoas que pretendem se
aproximar afetiva e identitariamente do Leste – estão presentes em minha
reflexão e em minha prática enquanto antropóloga em formação. Entretanto,
de maneira alguma pretendo estabelecer um discurso autorizado e ocidental
sobre a alteridade da qual busco me aproximar, e entender. O perigo do
Orientalismo, argumenta Said em seu livro, não reside no interesse pelo
outro, mas num interesse que se mostra colonizador do outro. Nesse sentido,
com a armadilha posta e consciente dela, declaro-me mais uma aprendiz
desse universo, que foi em busca do que denomino de “Oriente possível” em
terras londrinenses, do que uma antropóloga capaz de dizer o que o outro é
ou não é, mistificando-o e objetificando-o em meu discurso.
O aprofundamento da minha experiência etnográfica em busca da
melhor compreensão da filosofia budista se deu através de diversas formas.
Frequentei durante certo período uma vertente religiosa que é bastante
disseminada na cidade de Londrina, o budismo Nitiren, que se difere em
vários pontos ritualísticos do zen budismo, apesar de estarem ambas
fundadas sob a tradição Mahayana. Entrei também em contato com uma
prática chamada SatSang, que em sânscrito significa “encontro com a
verdade”, baseada numa das três escolas Vedantas7 da filosofia hindu, o
Advaita8. Farei, agora, um breve relato sobre um pouco do desenrolar destas
experiências de campo e das descobertas que elas me proporcionaram e que
puderam auxiliar minha compreensão.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!7 A palavra Vedanta significa, em sânscrito, o fim de todo conhecimento, ou núcleo do conhecimento (“Veda” significa conhecimento, e “anta” significa fim ou essência). Trata-se de uma tradição espiritual que tem como base a reflexão sobre o final ou a essência dos Upanishads, escritos que refletem as instruções religiosas acerca da filosofia e da meditação para a maior parte das tradições hinduístas. 8 A filosofia Vedanta foi formalizada em 200 a.C., através da organização de um tratado sobre esta, chamado “Vedanta Sutra”. Ao longo do tempo, diversas interpretações do conteúdo ali disposto foram feitas, dando origem à diferentes escolas do pensamento védico, sendo Advaita Vedanta, Vishshtadvaita e Dvaita as três mais importantes. A palavra advaita significa não dualidade e seria a grande busca proposta por estas filosofias.
! 17!
O Budismo Nitiren.
Já bastante interessada na investigação acerca do budismo, ao início
de 2016 entrei num grupo do Facebook chamado “Budismo Londrina”. Após
me aceitar no grupo, o administrador me fez um convite para participar de
uma reunião para a prática do budismo Nitiren Daishonin, uma vertente do
budismo Mahayana – escola budista mais abrandada que acredita que todos
os seres têm potencial para se tornarem seres iluminados – e que se
diferencia em alguns pontos do zen budismo Soto Shu, mesmo que ambos
façam parte desta mesma escola Mahayana que se opõe à escola
Theravada, mais rígida e menos disseminada. Na imagem a seguir podemos
observar, em forma de gráfico, essa divisão entre as escolas budistas de
maneira um pouco mais clara:
!Figura'1')'Quadro'que'demonstra'diversas'ramificações'do'budismo.'Fonte:'BSGI,'Por'uma'sociedade'
de'paz,'2012.
Segundo o livro “As escrituras de Nitiren Daishonin”, esta vertente que
leva o nome de seu criador pode ser compreendida da seguinte forma:
De acordo com seu ensinamento, as funções de todo o universo estão sujeitas a um único princípio ou lei. Através da compreensão desta lei, a pessoa é capaz de libertar o potencial oculto de sua própria vida e atingir a harmonia perfeita com o seu ambiente. Nitiren Daishonin definiu a lei
! 18!
universal como Nam-myoho-rengue-kyo, uma fórmula que representa o fundamento do Sutra de Lótus9 e é conhecida como Daimoku. Além disso, ele deu concreção à lei, inscrevendo-a num pergaminho - Gohonzon - para que as pessoas pudessem colocar a essência da sabedoria budista em prática e desta forma atingir a iluminação. No tratado intitulado "O Verdadeiro Objeto de Adoração", ele concluiu que crendo e orando Nam-myoho-rengue-kyo ao Gohonzon, que é a cristalização da lei universal, revelar-se-á a natureza de Buda inerente em todos os indivíduos.” (notas e grifos meus)10.
Fui a três reuniões entre fevereiro e maio de 2016. Estas sempre
ocorreram na casa do administrador do grupo do Facebook “Budismo
Londrina”, onde os diversos convidados sentavam-se diante ao Gohonzon, e
o administrador do grupo e seus pais ministravam os pequenos ritos de
abertura, a distribuição do livro com a liturgia para todos os presentes e, em
seguida, dava-se início à prática.
As reuniões estavam sempre compostas de pessoas de diversas
idades, mas sempre um número reduzido de pessoas, entre 10 e 15
participantes, alguns formalmente iniciados na religião e outros presentes ali
apenas como convidados. Havia pessoas de diferentes etnias, assim como
uma distribuição equitativa de gênero. Logo na primeira reunião, o dono da
casa me esclareceu que o budismo Nitiren está aberto a receber, acolher e
integrar pessoas de todas as orientações sexuais e de gênero, e que esta é
uma postura que as vertentes budistas tendem a tomar em relação à prática
da sexualidade, buscando estar sempre abertos para todos os tipos de
pessoas. Esta postura é possível devido ao fato de o budismo Nitiren estar
atrelado à tradição budista Mahayana, também chamada de “o grande
veículo”, que é mais aberta em relação à tradição Theravada onde a
homossexualidade é atrelada ao excesso e à luxúria.
A liturgia destes encontros pôde ser acompanhada através da leitura
em voz alta de um pequeno livro onde se repetia de forma um tanto quanto
melódica os versos escritos em japonês. Ao longo da leitura um pequeno sino
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!9 Buda pregou o Sutra de Lótus ao longo dos últimos oito anos de sua existência. Estas pregações foram organizadas por seus discípulos após a sua morte para a transmissão dos ensinamentos para as gerações futuras. Segundo Nakagawa (2008, p. 34) “Os sutras são as traduções chinesas de textos sânscritos, mas pronunciados à maneira japonesa”. 10 Disponível em: http://www.maisbelashistoriasbudistas.com/filosofiabudista.htm
! 19!
era tocado algumas vezes. Todo o desenrolar litúrgico foi feito em língua
japonesa, mas ao final do encontro apenas o significado do “Nam-myoho-
rengue-kyo”, o chamado Daimoku e parte mais importante da liturgia, foi
explicado.
Compreender o significado deste sutra é uma tarefa bastante
complexa. Talvez pelo caráter místico e transcendente que possui, e também
pela carga que a tradição budista Nitiren atribui a estas palavras. Somente
praticantes de longa data seriam capazes de exprimir um pouco daquilo que
estas palavras significam. Este é, porém, um sutra bastante citado pela
monja Coen em seus vídeos e foi por ela usado também na palestra que
proferiu e que pude acompanhar presencialmente, mesmo sendo ela
representante da escola Soto Shu.
O budismo Nitiren e o Soto Shu se diferenciam na forma de
organização e de liturgia, bem como nas práticas exercidas por cada um.
Enquanto a escola zen Soto Shu se mantém atrelada à prática da meditação,
o budismo Nitiren fica mais focado na entoação do mantra “Nam-myoho-
rengue-kyo” e não possui a pratica do zazen, a meditação. Porém, para além
de ambos integrarem a tradição Mahayana, a utilização do “Sutra de Lótus”
ou “Sutra da Sabedoria Perfeita” está presente também nas duas tradições e
irei discorrer um pouco mais sobre ele mais a frente em meu trabalho.
Após o término da liturgia, acompanhada por todos os participantes no
pequeno livro, abria-se espaço para o debate acerca de qualquer tema que
interessasse aos convidados. Os donos da casa sempre fazem uma pequena
introdução sobre o que a prática do budismo almeja enquanto função
espiritual para os novos participantes. Em seguida, uma tiragem do jornal
budista é entregue aos convidados para que seja feita uma leitura sobre
alguma temática específica que ali está sendo tratada.
As pessoas conversavam um pouco sobre aquilo que o jornal se
propunha a falar, mas eu senti o debate estar sempre num plano não muito
profundo de questionamento, ou, ao menos, menos profundo do que os
níveis de questionamento que encontrei nas outras experiências. O que pude
compreender é que a prática desse budismo visa muito o bom
! 20!
desenvolvimento da pessoa enquanto profissional. O discurso, então, tem
uma tônica bastante motivacional e positiva, que parece se esquivar de
questões mais profundas e de cunho social que afetam realidades para além
da comunidade budista. Incomodada com essa postura, numa das reuniões
me manifestei no sentido de não ser tão fácil permanecer inabalável e
positiva diante a situações extremamente difíceis que temos vivido em termos
políticos e sociais. Os donos da casa concordaram comigo, mas me disseram
para entoar o “Nam-myoho-rengue-kyo” sempre que houvesse dúvidas ou
titubeações instauradas dentro de mim, para que eu pudesse sair dessas
crises e me centrar para agir no mundo de maneira assertiva. Tive vontade
de dizer que nem sempre os sentimentos são tão simples e as inquietações
tão claramente identificáveis para tal solução de fato funcionar, mas me
abstive de comentar.
A dificuldade de justamente tecer alguma crítica ou fazer algum
comentário negativo ao longo da reunião vinha justamente do estado de
positividade plena dos praticantes mais antigos e dos donos da casa. Além
da gentileza que me foi ofertada em todas as reuniões – pois todas as vezes
me ofereceram transporte de ida e volta da minha casa até o local das
reuniões, que eram em pontos relativamente bem afastados da cidade –
depois do debate e da liturgia era oferecida uma ceia farta com doces,
salgados, sucos, bolos, lanches, refrigerantes e chás. Tudo feito com
bastante devoção e gentileza, sem pedir nada em troca.
Passei a não frequentar mais as reuniões, pois os convites começaram
a se tornar muito frequentes e eu tinha que me manter focada na
investigação acerca do zen budismo disseminado pela monja Coen, que já
estava definido como tema da minha pesquisa. Na realidade, fiquei um pouco
tensa com a ideia de que talvez estivessem pensando que eu fosse me tornar
uma praticante assídua da religião, e isso não estava em meus planos, ao
mesmo tempo em que não gostaria de ser indelicada com as pessoas que
me trataram com tamanha gentileza. Passei a recusar os convites que foram
se tornando cada vez mais espaçados, até que enfim cessaram.
! 21!
O SatSang.
A outra experiência que me colocou em contato com uma prática que
se baseava em preceitos baseados em filosofias nascidas no oriente, foi o
SatSang. Meu contato com esta prática se deu através do convite de um
amigo meu, estudante de psicologia, que, após saber o tema da minha
pesquisa para o trabalho de conclusão de curso, disse que talvez fosse muito
interessante para as minhas investigações ir até tal encontro, que ele já havia
presenciado em outra oportunidade. Então ele me convidou para esta reunião
que aconteceria no dia 26 de junho de 2016. Aceitei o convite e fomos juntos
até o SatSang.
Chegando ao local, havia cerca de 50 pessoas de diferentes faixas
etárias, de crianças à idosos, porém, parecia haver um grande número de
jovens na faixa dos vinte aos trinta anos. Havia pequenas almofadas e alguns
tapetes coloridos dispostos no chão e as paredes possuíam ilustrações em
forma de mandalas coloridas por todo o ambiente. Mais acima, ainda nas
paredes, havia escrito em letras grandes dizeres como “você é luz, fé e
amor”.
O público parecia ser majoritariamente de classe média e havia
diversas pessoas do meio universitário presentes para escutar a palestrante.
O encontro teria a duração de cerca de duas horas e meia a três horas, e
seria feito ao longo de duas noites consecutivas. Após estas noites de
discussão haveria também um retiro espiritual numa chácara para os
interessados, porém, este demandava certo investimento financeiro que eu
não tive como arcar. Recomendava-se não levar nada para anotar, pois a
intenção do encontro era colocar a consciência dos ouvintes no momento
presente e desvincular a atenção das oscilações mentais.
Ao iniciar sua fala, após uma breve meditação, a palestrante, chamada
Veetshish Om11, explicou um pouco de onde vem a palavra SatSang, que em
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!11 Através das poucas informações que pude obter sobre esta mulher ao longo de sua própria fala durante a prática do SatSang, e devido à falta de informações sobre ela disponíveis nas plataformas virtuais, pude compreender apenas que este foi um nome dado em seu rebatismo na Índia.
! 22!
sânscrito quer dizer “encontro com a verdade” e logo em seguida perguntou
quem nós éramos. Essa foi a base de toda investigação ao longo dos dois
dias. A busca da “desindentificação”12 com padrões mentais oscilantes e a
busca do reconhecimento de que somos aquilo que ela denomina como
“presença absoluta”, algo que é anterior estas oscilações.
Esta ideia de “desidentificação” com padrões mentais foi algo bastante
recorrente ao longo de minhas experiências. Esta noção está ligada com o
desenvolvimento de uma percepção mental que não se identifique com ela
mesma, algo como uma “desconstrução do eu”, das sensações e
pensamentos que perpassam o indivíduo, olhando-os com distanciamento, e
não se identificando com o fluxo de ideias e de sensações, até que se seja
capaz de entrar em contato apenas com a consciência do momento presente.
!Figura'2')'A'palestrante'fala'no'Satsang,(realizado'em'Londrina,'2016.'Foto'por:'Marcio'Yuji.
Em alguns pontos da sua fala eu sentia coisas realmente pouco
comuns em minha experiência perceptiva, que dificilmente poderiam ser
relatadas aqui por completo, algo como um silêncio interior, uma calmaria
difícil de experimentar. Em determinado momento senti como se minhas
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!12 Termo usado pela palestrante, que nos alertava acerca da ilusão que é o ego. A ideia, até onde pude perceber, é você se afastar ao máximo de suas concepções “ilusórias” sobre si mesmo, para alcançar a “verdade” de que somos apenas uma parte integrante do cosmos.
! 23!
atribulações mentais, as quais eu normalmente atribuo como imanentes à
minha própria “noção de eu”, tivesse realmente se diluído e eu pudesse ouvir
um silêncio muito sutil em minha consciência, e uma tranquilidade muito
plena em todo meu ser, que me deixou a princípio um tanto quanto
assustada, porém, as palavras que Veetshish usava iam ao encontro
justamente com essas possíveis reações mentais e emocionais que teríamos,
caso conseguíssemos entrar no estado de consciência que ela propunha e
isso me acalmava.
Senti como se alguma substância intensa, mas sutil ao mesmo tempo,
estivesse tomando todo meu corpo, e o bem estar assumiu em mim formas
que eu desconhecia. Através de provocações, instigações e uma profunda
meditação sobre quem nós somos, meu estado de consciência alterou-se.
Após um tempo de palestra abriu-se espaço para as questões do público,
onde muitas vezes a palestrante buscava demonstrar os processos de
padrão mental que ela evidenciava em sua fala anteriormente, aos quais ali
propunha-se colocar-se em “desidentificação”.
Em um caso particularmente perturbador, uma menina havia
perguntado como era possível ela não ser todas as coisas que ela havia
aprendido que era durante anos de vida. Veetshish falou para ela tentar se
distanciar e enxergar que aquilo que ela estava pensando que era, na
verdade se constituía apenas em um fluxo de pensamentos. Ainda segundo
Veetshish, esses pensamentos se assemelhariam a bolhas que estouram
dentro de uma panela com doce de goiaba fervendo: nós somos o doce de
goiaba inteiro, não somente as bolhas. Novamente a menina, já irritada, disse
que não poderia admitir assumir pra si mesma que ela não era alguém que
tinha tudo o que tinha, que se indignava com o que se indignava, que era o
que era. Veetshish usou outra metáfora, dessa vez dizendo que os nossos
pensamentos, a nossa mente, são como nuvens passando num céu claro.
Nós, porém, somos o céu claro. A menina continuou contestando, a
palestrante então se levantou de sua poltrona, onde falava calmamente com
os participantes que estavam sentados nas almofadas e tapetes dispostos no
chão, e foi, tomada por um ímpeto agressivo, até a menina que contestava,
deu um pequeno chacoalho nela e falou: quem é você?
! 24!
Nesse momento, aparentemente ela buscou evidenciar como funciona
o processo mental em busca de definir quem nós somos, e a dificuldade que
temos de nos colocar no momento presente e agir com plena consciência,
devido ao apego que temos a todos os conceitos que fomos formulando
através dos nossos condicionamentos sobre nós e o mundo a nossa volta, e
como essas crenças, que nos colocam em pequenas caixinhas
classificatórias, diminuem nosso potencial de nos identificarmos com aquilo
que não esteja dentro dos limites da mente, o que seria, no caso, a presença
absoluta. Através de flutuações entre intensidades emocionais e de reflexão
o que a palestrante buscava era colocar-nos no momento presente em
absoluto, e a agressividade deste episódio demonstra um pouco como se deu
este processo.
O alívio de tensões aconteceu de forma um tanto inexplicável, também
porque a fala do encontro não é nenhum pouco simplista e leva a estados de
reflexão filosófica profunda, até que em algum momento você é capaz de
encontrar um aquietamento interno difícil de definir. “Desidentificando-se” dos
seus pensamentos e emoções, é possível perceber a impermanência de
tudo, a fluidez da vida e de tudo o que existe. De repente, ficou claro para
mim como somos capazes de nos colocar no momento presente, o que soa
como uma dádiva para muitos que vivem a correria desse mundo moderno,
apressado e cheio de atropelamentos. Por alguns instantes foi como se eu
tivesse sido transportada desse lugar mental para uma consciência mais
ampla, que ali é chamada de “Verdade”, “Amor”, “Presença”, “Consciência” e
algumas vezes até de “Deus”. Algo bastante incisivo também foi a retomada
constante da noção de que não existe nenhum outro período de tempo além
do agora, e que todas as palavras e conceitos usados para definir esse
encontro com a presença única do agora são insuficientes, e, portanto, a
palavra usada para essa sensação é quase desimportante.
Ao chegar em casa fui buscar mais informações para compreender
quem era a Veetshish Om, o que foi esse encontro, no que consistiam esses
ensinamentos, como poderia organizar melhor os argumentos acerca dessa
experiência. Me deparei com um site, um blog e uma página dela no
! 25!
Facebook. Nenhuma delas define exatamente o que é esse trabalho que ela
faz, e nem exatamente como foi sua formação.
Segundo algumas informações que consegui captar ao longo do
SatSang e através de algumas informações encontradas na internet, ela é
uma psicóloga que possui formação na filosofia indiana “Advaita”, e pode ser
um pouco compreendida através do seguinte trecho presente em seu site na
internet:
Advaita (Não dois). Comentários de Veetshish Om: Existir natural e espontâneo é o que o reconhecimento que a Verdade revela. A atenção extrovertida é colocada nos objetos – coisas, eventos, comportamentos, pensamentos, imaginação, análises. É o mundo do aparentemente múltiplo. Os muitos aparecem na forma exterior para um sujeito observador. Esta primeira aparente separação, fragmentação, nada mais é que o movimento da atenção. Tudo isso se dá espontaneamente. O um ou o múltiplo são apenas pensares sobre a natural natureza do que é. Sem o pensar, ou antes do pensar, o que é? Estas palavras só surgem para apontar. Uma dica, uma pista para uma revelação, e não palavras para mais informação. A revelação é existencial, a pista é para voltar a atenção para dentro; introversão. Ou pode-se dizer que é uma reversão, que é voltar a atenção para ela mesma.”13
Embora seja no mínimo imprudente aproximar a prática e as palavras
de Veetshish Om das ações missionárias da monja Coen, é fato que O
Vedanta e os Vedas (textos do hinduísmo) são também importantes para a
construção da noção de pessoa dentro do budismo, como veremos mais a
frente, pois a vida do Buda histórico é permeada por esses ensinamentos que
construíam a base espiritual da Índia antiga onde Sidarta Gautama vivia.
Devido a essa aproximação entre o universo da Índia antiga e os
ensinamentos do Advaita Vedanta com os ensinamentos budistas, este
encontro foi bastante importante para auxiliar minha formação em direção ao
melhor entendimento de como é possível compreender o que pensa o
budismo acerca de quem nós somos.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!13 Disponível em https://www.veetshish.com/advaita
! 26!
O minirretiro zen, com monja Coen
Minha última experiência etnográfica, e a mais importante, pois foi
onde entrei em contato diretamente com a monja Coen. Trata-se de um
minirretiro de zen e yoga realizado em Curitiba, Paraná, no Centro Ásia, no
dia 30 de julho de 2016, com cerca de 250 pessoas. Neste retiro, a monja
ofereceu uma palestra de pouco mais de uma hora e, em seguida, todos
foram orientados a uma prática de yoga oferecida pelo instrutor de yoga
Goura Nataraj14, personagem envolvido tanto em práticas e filosofias hindus
e budistas, quanto em questões políticas da cidade de Curitiba, tendo já
concorrido ao cargo de Deputado Federal pelo Partido Verde.
Neste retiro pude comprar o livro “A sabedoria da transformação:
reflexões e experiências”, de autoria da monja Coen, no qual, por meio de
uma série de contos budistas e histórias advindas de muitas fontes, a
missionária promove diversas reflexões acerca dos ensinamentos budistas.
Este é apenas um dos mais de cinco livros publicados pela monja, tais como
“Sempre Zen – aprender, ensinar e ser” e “Viva Zen – reflexões sobre o
instante e o caminho”, os quais também foram importantes para a minha
pesquisa.
Através das experiências etnográficas, da leitura dos livros e do
contato com todos os vídeos promovidos pela série S.E.R. do canal Mova,
realizei a breve imersão neste mundo do zen budismo e seus ensinamentos,
a partir da qual reflito e escrevo este trabalho de conclusão de curso. O
universo apresentado a mim (ou o meu “Oriente possível”) é híbrido por
natureza: trata-se de brasileiros com diferentes níveis de experiência e
conhecimento acerca de também diferentes tradições filosóficas orientais,
que apresentam-se envoltos em uma esfera de encantamento mágico, da
qual é difícil fugir. Entretanto, meu processo de busca de uma série de
informações e propostas de estilo de vida levou-me a pensar que essas
práticas orientalistas não propõem um aceitamento total de injustiças sociais,
como inicialmente cheguei a acreditar nos encontros que participei do
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!14 Nome também dado em rebatismo na Índia.
! 27!
budismo Nitiren, mas algo que preferi denominar de enfrentamento passivo
em relação ao estilo de vida das sociedades contemporâneas capitalistas.
Os vídeos, que alcançam um maior número de pessoas, são uma
interessante estratégia encontrada pela monja e seus colaboradores para
levar sua mensagem e reflexões inspiradas por Sidarta Gautama que viveu
há mais de 2500 anos e fundou o budismo, para auxiliar uma postura diante
da realidade contemporânea, trazendo sempre à tona questões sobre o
mundo atual e fazendo algo que parece bastante estranho ao mundo
científico: o processo de integração da espiritualidade à materialidade,
aliando reflexão religiosa à reflexão política, por meio de uma postura não
dogmática frente à vida.
Tendo construído esta base, considerei bastante pertinente a ideia de
estudar a noção de pessoa presente nos ensinamentos da monja Coen
professados em seus vídeos disponíveis na internet. Assim, é possível
aumentar o conhecimento e a reflexão sobre as trocas culturais do Oriente
com o Ocidente em termos religiosos na contemporaneidade, aprofundar a
investigação acerca do fenômeno da fé no mundo globalizado, e entender
como ele é possível em meio a um cenário tão pouco esperançoso
politicamente e tão cheio de conflitos e problemas materiais a níveis globais,
bem como trazer para a contemporaneidade essa temática clássica da
antropologia, por intermédio de uma pesquisa que percorrerá o trabalho de
diversos autores que a exploraram, tais como Marcel Mauss (2003), Marylin
Strathern (2014) e Louis Dumont (1985, 1992).
! 28!
Capítulo 1
Os vídeos e a experiência etnográfica.
1.1 - O conteúdo áudio visual.
Meu encontro com os vídeos da monja, que deram a base para o
desenvolvimento de minha pesquisa acerca da noção de pessoa no zen
budismo, ocorreu por meio do uso da rede social Facebook. Foi um encontro
não planejado, mas que me tocou de forma bastante significativa, pois fiquei
um tanto quanto intrigada com a imagem desta figura que ainda não
conhecia. O primeiro vídeo que assisti me chamou atenção tanto pelo
conteúdo quanto pela forma. Numa estética visual minimalista, em preto e
branco (e lembrando, de certa forma, um ideal de visualidade japonesa que
temos em mente), o vídeo – dividido em quatro partes – e denominado
“Harmonia na cidade grande” chegava até mim em um outro ambiente
turbulento: o cyberespaço.
!Figura'3'–'Imagem'de'abertura'dos'vídeos'da'série'S.E.R
Este vídeo é também o primeiro vídeo da série Sabedoria e
Renovação, promovida pelo canal MOVA no YouTube. A série, que recebe
abreviação e torna-se apenas série SER, foi, a princípio, um projeto no qual
contaria com seis capítulos: sendo cada um deles uma palestra completa
! 29!
ministrada pela monja Coen acerca dos ensinamentos do zen budismo.
Segundo a descrição presente na playlist onde se encontram todos os vídeos
da série, esta se trata de:
“Palestras na íntegra da grande mestra do Zen Budismo, MONJA COEN, abordando temas como vida e morte, harmonia e caos, saúde física e espiritual, sofrimento e alegria, sexo e amor, karma, compaixão, violência, paz, meditação, política, depressão e meio-ambiente.” Descrição da playlist da série SER, canal MOVA, Youtube, acesso em 10/06/20171
Neste primeiro vídeo fica claro que a proposta inicial da série seria
postar seis palestras completas da monja Coen, sendo os vídeos lançados no
canal a cada lua cheia e a cada lua nova, pois, de acordo com a explicação
da própria monja ao longo da discussão, são momentos onde, na tradição
budista, as pessoas se reúnem para a reflexão sobre suas vidas e o
arrependimento de seus carmas negativos. Para ilustrar melhor como
funciona esse processo de reflexão e arrependimento a monja apresenta o
poema budista do arrependimento e demonstra, a partir de cada uma de suas
partes, um pouco mais sobre a maneira budista de enxergar esse processo
renovação e constante purificação:
“Todo carma prejudicial alguma vez cometido por mim, desde tempos imemoriáveis. Devido à minha ganância, raiva e ignorância sem limites. Nascido de meu corpo, boca e mente. Agora, de tudo, eu me arrependo.”2
A monja explica que, segundo o pensamento budista, carma é uma
ação que deixa resíduos na realidade, e este pode ser neutro, positivo ou
negativo. Assim, no processo de arrependimento o que é feito é uma entrega
de toda ação, pensamento ou palavra que deixou resíduo negativo na
realidade. O carma não se aplica apenas àquelas coisas que a memória é
capaz de alcançar, mas também a ações que nós nem nos lembramos, ou
que pertencem aos nossos antepassados, com quem temos uma grande !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!1 Fala de monja Coen durante o vídeo, disponível em: https://www.youtube.com/playlist?list=PLZ9-9MbIebj4yLXU5cGkLqbAESpMxUmq_ 2 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=FrxKYAHBY70&index=50&list=PLZ9-9MbIebj4yLXU5cGkLqbAESpMxUmq_&t=426s
! 30!
comunhão espiritual. Este arrependimento é feito para se purificar daquilo
que a monja define como sendo os três venenos da mente humana, capazes
de entorpecer a capacidade de visão clara da realidade: a ganância, a raiva e
a ignorância, sendo esta última, segundo a monja, o maior veneno: na
medida em que é mais forte e muitas vezes é até mesmo a fonte dos demais
venenos, lembrando que todos podem afastar o ser humano daquilo que no
budismo seria definido como uma “percepção correta da realidade”.
A noção de carma budista se diferencia daquela trazida pelo
espiritismo kardecista, onde existe uma ideia de alma eterna em constante
processo evolutivo, bem como da noção de carma trazida pelo hinduísmo,
onde a alma (também eterna) é o self, que passa por diversos processos de
reencarnação até que todo carma seja encerrado e a alma possa, finalmente,
evoluir. Esta diferenciação está presente a partir da noção de que para o
budismo “a ideia de um eu é uma crença falsa e imaginária que carece de
uma realidade correspondente, de um fundamento, e tem causado profundos
danos a humanidade” (ROCHA, 2000, p. 47). Sendo assim, não há uma
alma, um eu, ou um self que reencarne em busca de evolução, o carma é,
portanto, somente a ação na realidade e suas consequências, e este pode
ser purificado através das práticas professadas pelo budismo. Em diversos
vídeos, a monja Coen afirma que a crença de que algumas marcas ou
deficiências corpóreas são advindas de um carma que a pessoa traz de outra
encarnação é ignorância, na medida em que só produz preconceito.
“Doenças existem”, diz a monja, “e elas nada tem a ver com carma”.
Neste primeiro vídeo já é possível identificar bastante a tônica
presente na fala e nos ensinamentos da monja Coen. Sempre partindo de
exemplos cotidianos e histórias corriqueiras, a missionária cria uma ponte
entre os ensinamentos budistas por ela recebidos ao longo de toda sua
formação e a realidade cotidiana do mundo onde estamos inseridos. A
problemática social sempre vem à tona, e questões sobre política, cultura e
meio ambiente também são bastante exploradas, o que me despertou um
interesse ainda maior para desenvolver um estudo através do encontro com
estes vídeos.
! 31!
Antes de a série ser oficialmente lançada, o canal disponibilizou um
pequeno trailer que atrelava imagens cotidianas que parecem buscar um
profundo sentido de humanidade a algumas falas da monja, selecionadas ao
longo das palestras. Os primeiros seis vídeos da série S.E.R seriam os
únicos a serem lançados, a princípio, segundo aquilo que é trazido no próprio
trailer.
O primeiro vídeo foi lançado dia 06 de novembro de 2014, num
formato onde a palestra – que possui em média uma hora – é dividida em
quatro vídeos de durações mais ou menos parecidas, com cerca de quinze
minutos cada. Estes primeiros seis vídeos seguiram sendo postados
quinzenalmente, na lua cheia e na lua nova, sendo postado o último vídeo no
dia 17 de fevereiro de 2015.
Porém, apesar dessa proposta inicial de apenas seis vídeos, no dia 21
de dezembro de 2015 o canal voltou a postar palestras completas, dando
continuidade à série. As palestras completas têm sido postadas, a partir de
então, mensalmente, em uma data sempre próxima ao dia 20 de cada mês.
Até o presente momento (maio de 2017) os vídeos continuam sendo
postados.
Algumas mudanças no formato dos vídeos ocorreram ao longo desse
período. Logo no sétimo vídeo, a tonalidade do preto e branco foi modificada.
A partir do décimo vídeo as palestras não foram mais postadas em partes,
mas sim em apenas um único vídeo com cerca de uma hora de duração, em
média. A partir do décimo nono vídeo o ambiente das palestras se modificou,
saindo do templo da monja localizado em São Paulo próximo ao estádio do
Pacaembú e indo para um ambiente maior, onde coubesse a demanda de
pessoas interessadas em assistir as palestras, que aparentemente se
intensificou a partir da popularização dos vídeos. Estas modificações
parecem ter surgido a partir do sucesso da empreitada da “missão budista”
pelos canais de redes sociais, fazendo-nos pensar em como as palestras
tiveram seu público presencial aumentado após suas divulgações online.
! 32!
O canal MOVA, que proporcionou o desenvolvimento desta série de
vídeos, possui também um site, e foi neste que entrei em contato com a
maneira que eles descrevem a si mesmos:
“A MOVA é um grande ecossistema de comunicação e mídia. Com o olhar voltado para a inovação social, a MOVA é um centro de comunicação e mídia, especializada em criar conteúdos relevantes, inspiradores e mobilizadores, a partir da escuta de suas próprias necessidades, das de pessoas, marcas e sociedade. Abraçamos a luz e a sombra das principais questões humanas e sociais, e compartilhamos a beleza da vida e as ferramentas necessárias para que cada indivíduo responda suas próprias questões, encontre suas próprias perguntas e então transforme a si mesmo e o coletivo.” Autodefinição do canal MOVA, no site do mesmo3
Esta iniciativa virtual parece estar de muitas maneiras buscando
cumprir um pouco daquilo que neste trabalho chamo de “enfrentamento
passivo” pois se dispõe, através de suas publicações, a trazer um cenário de
mudança global sem estar exatamente enfrentando o sistema capitalista. No
ponto de vista do budismo, mesmo o de tradição mahyana, nada muda com
revoluções ou grandes contestações, sobretudo se elas se basearem em
comportamentos ou práticas violentas. A violência imprime um carma no
mundo que é difícil de purificar. As soluções são, na maioria das vezes, tidas
como individuais: é preciso mudar a sua vibração e o seu comportamento
frente aos problemas que cada indivíduo enfrenta cotidianamente, a fim de
resolvê-los a partir da aquisição de posturas mais assertivas, menos sofridas
e, ao mesmo tempo, mais iluminadas e eficazes. A meditação é vista como
um caminho para alcançar uma consciência de si que torne possível a vida
contemporânea, uma vez que é por meio dela que é possível alcançar a
iluminação.
Trata-se, portanto, de um enfrentamento que se faz de forma passiva
para quem enxerga de longe. É no interior de cada indivíduo que está a
mudança possível e não em questões estruturais. Aliás, com um discurso que
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!3 Disponível em: http://movafilmes.com.br/
! 33!
enfatiza tanto o poder da ação, era de se esperar que as soluções também
fossem pensadas no campo das agências e não no das estruturas.
O discurso budista que aqui vemos como potencialmente micropolítico,
embora opere apenas no campo das agências, tem sido atualmente
“comprado” como uma excelente ferramenta para adequar trabalhadores de
grupos empresariais ao sistema capitalista de produção. O
empreendedorismo tem se espelhado na lógica das agências, que transfere
ao indivíduo a “culpa” por adequar-se ou não à lógica de trabalho vigente. A
monja Coen, inclusive, deu palestras para grupos empresariais, que as leem
como motivacionais, uma das palavras de ordem do capitalismo
contemporâneo. Para a monja e o budismo, por outro lado, trata-se de uma
oportunidade de disseminar a fé, o que é fundamental em toda prática
missionária.
No canal do YouTube, o MOVA possui 21 playlists, que por sua vez
possuem vídeos diversificados assuntos como atitudes de bem estar e
questões preocupantes no cenário brasileiro atual. Destas playlists, apenas
seis apresentam em seu conteúdo vídeos da monja Coen, porém, nem todos
os vídeos presentes nestas playlists são os mesmos que compõe a série
S.E.R. No que se refere às seis playlists em que a monja configura como
personagem central, uma delas possui um conjunto de vídeos dedicado
exclusivamente à ensinar a prática da meditação, e esta chama-se
“ESPECIAL: ZAZEN/Meditação”. Outras duas playlists, para além da série
S.E.R chamam bastante atenção. Uma delas chama-se “Monja Coen
responde/Série completa”, na qual ela responde questões enviadas por
pessoas que acompanham os vídeos, e a outra se chama “Monja Coen:
Pílulas/Série S.E.R” que consiste em vídeos curtos, retirados de alguns
momentos das palestras mais longas que constituem a série, e que são
direcionados por alguma temática específica evidenciada no título do vídeo.
Trabalharei apenas com os seis primeiros vídeos da playlist intitulada
“Monja Coen: Palestras Completas/Série S.E.R”, como já disse
anteriormente. Isso ocorre porque foi por meio desta primeira série, pensada
de forma orgânica, que eu entrei em contato com o zen budismo e com a
! 34!
monja Coen. Além disso, pensar em trabalhar com toda a série S.E.R
implicaria pelo menos dois grandes problemas: 1- a extensão do material,
que cresce a cada semana e 2- a dificuldade em estabelecer um último vídeo
para analisar, visto que a série continua ser gravada mensalmente, após o
primeiro ciclo de seis palestras completas.
Mesmo sendo uma assídua espectadora das playlists de monja Coen,
a decisão pela escolha é metodológica, uma vez que me permitiu decidi
escolher algumas palestras para fazer uma análise em maior profundidade.
Elenquei também algumas outras palestras que trazem como temática algo
que se aproxima mais da discussão sobre a noção de pessoa, a fim de
esclarecer pontos que ficaram obscuros para mim apenas com essas seis
primeiras explanações da monja.
!Figura'4':'Monja'Coen'ao'final'do'vídeo'"Compaixão,'ganância,'raiva'e'ignorância",'com'mãos'em'
prece
Os vídeos foram, afinal, a porta de entrada e também o alicerce para a
minha análise e meu interesse em relação à cosmovisão zen budista.
Entretanto, não é possível dizer que este trabalho realiza análises fílmicas ou
formais dos vídeos assistidos. Esse tipo de análise pode ser realizado, mas
demanda um instrumental analítico completamente diferente do usado aqui.
Segundo o argumento de Ribeiro (2005), este TCC se encaixa como um
! 35!
trabalho de antropologia visual, uma vez que dialoga com o material visual na
medida em que ele nos informa sobre o nosso universo de pesquisa e os
vídeos são, aqui, apenas ferramentas para a análise.
1.2 - O encontro “de carne e osso”: considerações sobre o minirretiro zen-yoga, com monja Coen.
Já mencionei, na introdução a este trabalho, o fato de ter ido ao
minirretiro “Zen Yoga” em Curitiba/PR, onde sabia que encontraria a monja
Coen, que na época já era minha “nativa”, constituindo-se, inclusive, como
personagem central da pesquisa que desenvolvia. Neste minirretiro, ocorrido
em 30/07/2016, a parte sobre meditação (zazen) foi ministrada pela monja
Coen Roshi (que também deu uma palestra – a qual, na verdade, abordava
os mesmos temas presentes nos vídeos) e a parte de yoga foi assumida pelo
por Goura Nataraj. A seguir, vou fazer, a descrição desse encontro
etnográfico presencial, ou “de carne e osso”, como me referenciei acima.
Após um pequeno atraso, a monja Coen chegou para dar início às
práticas acompanhada de dois monges, alunos seus. O retiro começou com
uma pequena prática de meditação zen, e ao instruir a maneira como devem
ficar os olhos na meditação, a monja evidenciou que esta era a grande
diferença entre a meditação praticada no zen budismo em relação à
meditação praticada nas diferentes tradições de yoga: na busca de cessar os
sentidos, a meditação das tradições de yoga indica a necessidade de fechar
os olhos para que a meditação aconteça, enquanto, para o zen é necessário
manter os olhos abertos, pousados calmamente em um ponto a frente, de
preferência diante a uma parede branca. Em uma prática a visão é entendida
como elemento perturbador da mente, em outro, como elemento a ser
controlado – e que também ajuda a controlar – a concentração exigida pela
meditação.
Após o breve período de meditação, a monja iniciou sua palestra
indicando a proximidade das filosofias do zen e do yoga. Para exemplificar
! 36!
esta proximidade, ela retomou a história do Buda histórico, também
conhecido como Shakyamuni Buda, Buda Gautama ou seu nome anterior à
iluminação: Sidarta Gautama.
Nascido de uma família nobre da Índia antiga, Sidarta Gautama era
um príncipe que possuía tudo que um homem poderia desejar em seu tempo.
Após muitas realizações a nível pessoal e familiar, o príncipe tornou-se
curioso a respeito do que aconteceria para além dos limites dos lugares onde
a nobreza costumava frequentar. Porém, não lhe era permitido presenciar a
vida para além da realidade aristocrática, pois no seu nascimento foi previsto
que, caso ele entrasse em contato com os sofrimentos do mundo, ele jamais
se tornaria rei. O jovem príncipe, entretanto, persistiu em sua ideia e, certa
feita, saiu dos limites de seu castelo, e em seu caminho viu situações na vida
cotidiana dos habitantes comuns da cidade que são descritas como “o seu
encontro com a doença, a velhice e a morte”. Tomado pela empatia, e pela
noção de que todos esses sofrimentos também acometeriam a ele e a todos
aqueles que ele amava, o jovem saiu em busca de respostas e de
iluminação. Tornou-se então um renunciante: abriu mão de seus pertences,
sua posição política, sua casta, seu reino, sua família. Sua primeira
empreitada foi praticar yoga.
A monja continuou a história do jovem Buda, evidenciando que,
mesmo as práticas de yoga não eram o suficiente para tirá-lo da inquietação
existencial que se encontrava. Em seguida, então, Sidarta Gautama
abandonou as práticas de yoga e passou a fazer práticas espirituais mais
severas, que se baseavam em longos períodos de inanição e de privação de
sono. Segundo a monja, a aparência física do Buda histórico tornou-se
semelhante à de um cadáver. Um dia, ao tentar levantar-se, caiu e então foi
socorrido por uma jovem camponesa que lhe deu arroz doce. Com isso, ele
percebeu um dos princípios primordiais do budismo: a necessidade de
caminhar pelo “caminho do meio”: é importante construir uma jornada sem
excesso de prazeres mundanos, mas também sem privações extremas.
É aí que Sidarta Gautama iniciou sua última prática antes de tornar-se
o Buda, o ser iluminado. Ele sentou-se embaixo de uma enorme figueira e
! 37!
entrou em meditação profunda. Ao longo desta prática, enfrentou três
demônios, que seriam, na realidade, os pensamentos que afastam o homem
da iluminação. No primeiro deles, ele foi confrontado por todas as coisas que
abandonou quando saiu em busca de iluminar-se: sua família, seu reino, os
prazeres e também as responsabilidades da vida palaciana. Em seguida, foi
tentado pelos desejos sensuais, que foram encarnados por meio de imagens
de mulheres muito atraentes, que tentavam seduzi-lo. De acordo com a
monja, essas mulheres sedutoras representavam não apenas a sexualidade,
mas todos os desequilíbrios em relação aos prazeres sensoriais. O último
dos demônios a atormentá-lo foi o demônio do orgulho. Este demônio tentou
persuadí-lo de que Sidarta estava acima dos demais humanos: era maior,
melhor e mais iluminado que os demais. Nesse momento, consta que ele
tocou a terra e disse: “A terra é a minha testemunha”, o que representa que
este estado de iluminação não o colocava em nenhum lugar afastado em
relação a todos os seres e coisas que vem da terra. Neste momento da
história, a monja faz referência ao prefixo húmus, de onde surge a palavra
humildade e também humanidade para lembrar e alertar aos participantes
que o intuito da prática não é retirar-se da realidade e nem sentir-se um ser
acima e transcendido, mas sim a busca por um caráter de humildade e uma
prática na vida cotidiana humanizada.
Logo em seguida, sua palestra caminhou em direção a uma espécie
de desmitificação da imagem da iluminação e da vida monástica. Ela elucidou
que a primeira vez que sentiu os efeitos de sua meditação foi em um
momento prévio ao de se tornar monja, quando ela era ainda apenas
praticante de meditação, quando um dia, no trabalho em que desempenhava
como jornalista, percebeu-se com raiva. Comentou, inclusive, que até aquele
momento pensava que estaria, agora que meditava, em um estágio elevado e
que não seria acometida por sentimentos desagradáveis. Essa crença
pareceu um tanto ilusória, pelo o que ela pode constatar naquele momento.
Porém, ela disse que, apesar de ter sentido raiva – uma emoção negativa –
não reagiu automaticamente como alguém enraivecido, ou seja, conseguiu
dominar-se. Foi nessa parte de sua narrativa, que monja Coen lembrou-se de
uma frase de Dalai Lama: “nunca perca a oportunidade de praticar a
! 38!
paciência” e exaltou que a prática da meditação busca também o
desenvolvimento da paciência, não apenas em relação ao outro, mas em
relação àquilo que dentro de nós mesmos é desagradável.
Ela começou, então, a explanar sobre a mendicância de água, dinheiro
e alimento monástica, tradição da maior parte dos monges em todo o Oriente,
e no mesmo instante, entraram no recinto algumas pessoas da organização,
alimento e água para a monja.
Após este breve momento sincrônico, ela retomou sua fala que
caminhava em busca da desmitificação da imagem que se tem da vida
monástica. Revelou, então, que no mosteiro onde viveu existia muita
competitividade entre as monjas que faziam parte de seu convívio. Em
seguida, contou uma breve história acerca de uma pessoa que conheceu e
que entrou em Samadhi (o mais alto nível de consciência buscado pela
meditação), e que alcançou tal feito devido ao fato de que, durante a prática
meditativa, ela estava com disfunção intestinal e a concentração em contrair
o esfíncter foi tamanha que a praticante, finalmente, foi capaz de alcançar
este elevado estado meditativo.
Entre todas estas pequenas explanações, contendo doses
homeopáticas de humor e descontração, aos poucos a monja foi se
aproximando de assuntos mais impactantes. Ela fala sobre a necessidade de
aceitar a dor e de não lutar contra o sofrimento, pois este processo causa
mais tensão, que por sua vez, intensifica a dor. Em seguida, ela discursou
brevemente sobre a temática dos direitos humanos, e afirmou que estes são
feitos para todos os humanos, e não apenas para algumas lógicas culturais.
Falou, então, sobre nosso direito à felicidade e sobre como cada um deve
comprometer-se a não punir a si mesmo a todo momento, para que esteja
aberto, em seu interior, à capacidade de ser feliz.
Ao adentrar a temática do vegetarianismo, deixou claro para os
ouvintes que ela não é vegetariana, por mais que sua professora de yoga
insista que ela incorpore essa prática alimentar. Ainda no que se refere ao
corpo e às práticas corporais, refletiu com tristeza acerca do fato de que
muito possivelmente não verá seus tataranetos, devido aos abusos que já
! 39!
cometeu enquanto jovem e que ainda comete em relação a seu corpo, mas
que deseja que seus descendentes possam meditar e fazer yoga, pois ela crê
que este seja um caminho para a libertação e a transformação pessoal e
social, afirmando que: “Sociedades são transformadas quando cada um de
nós se transforma. (...) Em vez de querer tanto mudar o outro, e querer que o
outro mude, nós mudamos. E quando nós mudamos as relações mudam”4.
Já encaminhando a palestra para a sua finalização, a monja comentou
sobre, justamente, o sutra da sabedoria perfeita “Nam Myo Ho Rengue Kyo”,
que no budismo Nitiren é a parte mais importante da liturgia, como já disse
anteriormente. Também para a monja, este sutra é o mais importante entre
todos os sutras, pois é o sutra da sabedoria perfeita, e a sabedoria, segundo
ela, é a cura para todos os males. Ao terminar a palestra deixou como
reflexão o ensinamento superior de Buda que é, segundo ela “O não nascido
e o não morto”. Foi através desta última fala que as mais profundas reflexões
surgiram em meu campo mental, e os caminhos traçados tendo como guia a
inquietação trazida por este ensinamento, em consonância com aquilo que eu
absorvia sobre o zen budismo através das demais fontes, me levaram à
lugares inusitados, e para poder explorá-los precisarei me aprofundar neste
ensinamento e as sínteses trazidas por ele em um capítulo mais adiante –
meu trabalho completo, porém, é uma tentativa de investigação deste único
ensinamento.
Após um breve intervalo, Goura Nataraj, o instrutor de yoga que
também era responsável pelo minirretiro, iniciou uma meditação diferente
daquela proposta pela monja. Enquanto entramos em estado meditativo, o
instrutor tocou um instrumento musical indiano, baseado em um sistema de
fole chamado Shruti Box e começou a entoar mantras, que algumas vezes
foram repetidos pelo público. Goura Nataraj nos orientou a direcionar nossos
pensamentos, para assim guiar nossa prática de yoga e, então, iniciaram-se
as posturas, seguidamente aos exercícios de respiração e de uma meditação
final.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!4 Fala proferida durante o mirretiro zen-yoga!
! 40!
Monja Coen e seus discípulos acompanharam toda a prática de yoga
junto ao público, assim como permaneceram sentados juntos às demais
pessoas da plateia quando o instrutor de yoga iniciou sua palestra acerca da
prática e do significado do yoga.
Goura Nataraj definiu yoga por meio de duas figuras bastante
conhecidas para aqueles que entram em contato com esse universo das
religiosidades e práticas espirituais vindas do Oriente: Patanjali, o
organizador do “Yoga Sutra”, onde estão previstos todos os ditames do yoga,
e Krishna, personagem principal que responde as perguntas do jovem
guerreiro Arjuna no livro sagrado das tradições hindus, o Bhagavad Gita.
Para Patanjali, a definição do yoga seria algo como “parada das oscilações
da mente” enquanto Krishna o define como “estar equânime”.
O instrutor seguiu sua fala evidenciando que não existem contradições
entre os ensinamentos do yoga e os ensinamentos de Buda, pois ambos
pregam a ideia de executar a disciplina e praticar o desapego. Este seria o
estado Buda interior que a monja falava anteriormente. De acordo com o que
é pregado pelo budismo, as oscilações da mente precisam ser vencidas para
que nós nos encontremos com a essência do que “verdadeiramente somos” –
o estado Buda.
Ao finalizar sua palestra, Goura Nataraj falou sobre a necessidade de,
em busca deste caminho iluminado, desenvolver a capacidade de ter
disciplina, mas ao mesmo tempo “deixar-se ir”. Baseado em um pouco da
filosofia Vedanta – a mesma que orientou o SatSang que presenciei com
Veetshish Om – Nataraj afirmava que “Você é real, eterno, não nasceu e nem
morre, consciente, pura cognição, bem aventurança. Você já é isso”5
Com esta finalização, a monja retornou ao palco para fotos e
autógrafos. Entrei na fila para falar com ela, e pedi que escrevesse algo em
meu caderno de campo. Comentei sobre estar desenvolvendo um trabalho
sobre o zen budismo na faculdade e sobre estar cursando ciências sociais e
o quanto as palavras dela eram capazes de gerar alguma perspectiva em
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!5!Fala proferida durante o mirretiro zen-yoga.!
! 41!
relação aos cenários pouco esperançosos que nos acostumamos a observar
ao longo do curso. Ela disse então que é muito complexa a decisão de
trabalhar com as problemáticas sociais, seja na teoria ou na prática, porque a
sensação que se tem é que a cada passo dado para frente, dois ou mais são
dados para trás.
Adquiri, então, dois livros. Um da própria monja Coen chamado
“Sabedoria da transformação: Reflexões e experiências”, publicado pela
editora Planeta em 2014. O segundo livro comprei pelo nome que me
chamou atenção. Só quando cheguei em casa pude notar que era um livro
escrito, justamente, por Goura Nataraj, que foi o responsável pela segunda
parte do minirretiro. O livro chama-se “O Grande Meio-Dia” e foi lançado em
2013. Nele, o autor se propõe a investigar a liberdade e “para onde seu
questionamento aponta na antiga e na ampla perspectiva das tradições de
yoga” (NATARAJ, 2003, p. 19).
Após todas essas experiências, pude me sentir mais confortável e
familiarizada com o ambiente ocupado por essas maneiras de ver o mundo
trazidas a partir de diversas filosofias nascidas no Oriente e alocadas na
realidade brasileira. Assim, acompanhar os vídeos da monja Coen acerca
dos ensinamentos zen budistas, tornou-se uma experiência facilitada, pois já
tinha em mente algumas noções sobre alguns distanciamentos destas
filosofias em relação a tudo com que fui acostumada em minha própria
vivência cultural.
Outro fator determinante para o bom acompanhamento dos vídeos se
deu pelo fato de que a monja usa uma linguagem simples, pouco codificada,
e tem o intuito de ser bastante didática em relação ao que é o budismo e
quais são suas formas de pensar o mundo. Isso permite que leigos
acompanhem o que está sendo dito e possam se familiarizar com a
mensagem filosófica e religiosa, o que é fundamental para a atividade
missionária que ela desempenha.
Em muitos momentos da pesquisa, fiquei curiosa para investigar mais
a fundo outras questões que envolvem as filosofias advindas dos países
orientais, suas religiosidades e as práticas que tem seus alicerces nestas
! 42!
filosofias como o vedanta, o yoga e o budismo. Entrei em contato com outros
livros sobre yoga, sobre centros energéticos que seriam conhecidos como
chakras que estão dispostos em diversos pontos do corpo humano e foram
comentados na fala de Goura Nataraj e também da monja Coen, entre outras
coisas, mas decidi que, para este trabalho, permaneceria intimamente
vinculada apenas com o zen budismo e sua prática, para conseguir delimitar
melhor o meu objeto e não me perder intelectualmente nessa vastidão de
informações recém-adquiridas.
Entretanto, creio que todas as experiências foram de extrema valia
para que eu pudesse entrar melhor neste ritmo de entendimento. Tanto as
fontes citadas quanto estas outras que surgiram em meu caminho
investigativo puderam situar me situar melhor dentro do campo, e certamente
auxiliaram direta e indiretamente a análise que farei no próximo capítulo.
!
! 43!
Capítulo 2
A noção de pessoa no zen budismo: aproximações e
distanciamentos entre os ensinamentos da monja Coen e a
teoria antropológica.
2.1. O “eu-ego” e a “Natureza Buda”
O zen budismo é uma religiosidade pautada na prática pessoal, no
cuidado para trilhar o caminho do meio, observando as leis (dharma) e
praticando a meditação como forma de iluminação. A base desta prática seria
o "eu olhando o próprio eu"1. Na investigação espiritual proposta por esta
religiosidade, segundo os ensinamentos da monja Coen Roshi, "o sujeito e o
objeto são um só"2. Este é um ponto de partida interessante, que pode nos
colocar diante a um caminho trilhado pela própria disciplina antropológica,
que propõe uma epistemologia semelhante, desde as últimas décadas do
século XX, quando passou a chamar de sujeitos de pesquisa aqueles que
pertenciam ao universo social investigado pelo pesquisador (OLIVEIRA,
1988).
Neste capítulo, mais especificamente, a tentativa é deslindar como que
se configura a noção de pessoa dentro da perspectiva zen budista, a partir
dos ensinamentos midiáticos da monja Coen, em seus vídeos no Youtube.
Desde o famoso texto “As formas elementares da vida religiosa”, de Émile
Durkheim, sabemos que as religiões são sistemas classificatórios de
altíssima relevância, pois chegam a fundamentar as categorias do
entendimento humano (DURKHEIM, 2000). Mesmo o sociólogo francês
classificando o budismo como uma forma de religiosidade “atéia”3, na qual a
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!1 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=3AaevNTNBx4&list=PLZ9-9MbIebj4yLXU5cGkLqbAESpMxUmq_&index=46 1’00” 2 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=3AaevNTNBx4&list=PLZ9-9MbIebj4yLXU5cGkLqbAESpMxUmq_&index=46 1’08” 3 De acordo com Durkheim (2000, p. 34): “existem grandes religiões nas quais a ideia de deuses ou de espíritos se acha ausente ou onde, pelo menos, não desempenha senão um papel secundário e apagado. É o caso do budismo”. Esse argumento é fundamental para o
! 44!
ideia de deuses ou divindades não é presente ou não é central, é fato que
suas reflexões sobre o universo religioso são fundamentais para a
antropologia, sobretudo porque ele fundamenta a religião como um sistema
classificatório, capaz de ordenar as organizações sociais.
Aliás, esse também é o mote do texto “Algumas formas primitivas de
classificação” (2001), escrito em parceria com Marcel Mauss, no qual os
autores argumentam que qualquer sistema classificatório, seja ele simples ou
complexo, de ordem religiosa ou científica, possui uma dimensão cognitiva,
que decorrem de noções hierarquizadas, destinadas a tornar inteligíveis as
relações entre os seres e as coisas. Em “Durkheim: uma análise dos
fundamentos simbólicos da vida social e dos fundamentos sociais do
simbolismo”, Heloisa Pontes (1993) evidencia o quanto esses dois textos do
autor foram fundamentais para a criação da categoria de “representações
sociais” ou coletivas, que possuem uma autonomia relativa em relação ao
social, ao mesmo passo que o ordena. Assim, os sistemas classificatórios de
que falam Durkheim e Mauss são, ao mesmo tempo, produtos do social e
capazes de produzir alterações nesse mesmo social em que se originam.
Como não poderia deixar de ser, algo imanente à toda e qualquer sistema
classificatório é a noção de pessoa que ele produz. A noção de pessoa foi
primeiramente estudada por Marcel Mauss, no clássico ensaio “Uma
categoria do espírito humano, a noção de pessoa, a noção de eu” e tornou-se
ela própria um campo clássico de investigação do pensamento antropológico,
como afirma Márcio Goldman, em seu trabalho “Uma Categoria do
Pensamento Humano: A Noção de Pessoa”:
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!autor descartar a visão de que os sistemas religiosos poderiam ser definidos com base na ideia de deus ou de seres espirituais. Ainda de acordo com Durkheim são fundamentais para a vida religiosa: 1- a separação (ou classificação de tudo) entre sagrado e profano, 2- a existência de ritos (que prescrevem o modo como as pessoas devem se comportar frente ao sagrado e 3- a existência de uma igreja, isto é, de uma comunidade moral formada por todos os crentes de uma mesma fé. Daí advém sua definição, que reúne esses elementos: “Uma religião é um sistema solidário de crenças e de práticas relativas a coisas sagradas, quer dizer, separadas, interditas, crenças e práticas que unem numa mesma comunidade moral, chamada igreja, todos os que a elas aderem” (DURKHEIM, 2000, p. 50).
! 45!
“É praticamente unanimidade entre os antropólogos situar o início do debate sobre a noção de pessoa em um texto um pouco enigmático de Marcel Mauss, escrito em 1938. Uma categoria do espírito humano: a noção de pessoa, aquela de Eu, pretende testar e aplicar a hipótese durkheimiana de uma história social das categorias do espírito humano no nível das concepções acerca da própria individualidade.” (GOLDMAN, 1996, p. 85/86)
É, portanto, desde Mauss que a investigação da noção de pessoa, da
construção da noção de “eu”, vem formando no escopo teórico da
antropologia uma densidade de teorias, concepções e hipóteses que se
levantam e se deitam de acordo com as tantas possíveis flutuações que
abarcam a definição de tal categoria. Este ensaio clássico de Mauss traz, já
em sua introdução, a seguinte definição do que ali será investigado:
"Trata-se de nada menos que de vos explicar como uma das categorias do espírito humano – uma dessas ideias que acreditamos inatas – lentamente surgiu e cresceu ao longo dos séculos e através de numerosas vicissitudes de tal modo que ela é, mesmo hoje, flutuante, delicada, preciosa e possível de maior elaboração. É a ideia de ‘pessoa’, a ideia de ‘eu’." (MAUSS, 2003, p. 369)
Para isso, Mauss (2003, p. 371) afirma que deseja elucidar “a série
das formas que esse conceito assumiu na vida dos homens, das sociedades,
com base em seus direitos, suas religiões, seus costumes, suas estruturas
sociais e suas mentalidades”, abordando o quão recente é a noção de “eu”.
Em sua explanação, o antropólogo francês mostra como a ideia de pessoa
surge atrelada ao social, do qual não se separa plenamente: a pessoa existe
como parte de um social ao qual se referencia, é uma persona, um
personagem dentro de um drama social, no qual desempenha um papel.
A maioria das sociedades humanas possui a noção de pessoa,
advinda da ideia de persona/personagem, todavia a noção de “eu” é mais
restrita, diz Mauss. Isso ocorre primeiramente porque a noção de “eu” é,
antes de mais nada, a noção de uma pessoa que tem atribuída a si direitos e
nome e, em sociedades escravocratas, muitos eram os que não tinham nome
e direito, nem mesmo em relação à sua corporalidade:
! 46!
Paralelamente, a palavra persona, personagem artificial, máscara e papel de comédia e de tragédia, representando o embuste, a hipocrisia – o estranho ao “Eu” – prosseguia seu caminho. Mas o caráter pessoal do direito estava fundado, e persona também havia se tornado sinônimo da verdadeira natureza do indivíduo. Por outro lado, o direito à persona é fundado. Somente o escravo está excluído dele. Servus not habet personam. Ele não tem personalidade, não possui seu corpo, não tem antepassados, nome, cognomen, bens próprios. O velho direito germânico ainda o distingue do homem livre, Leibeigen, proprietário de seu corpo (MAUSS, 2003, p. 389).
A relação da noção de pessoa com uma determinada forma de estar
no mundo não é algo exclusivo dos antigos romanos ou germanos, que não
entendiam os escravos enquanto pessoas. É algo que ainda podemos
observar na atualidade. O controle do próprio corpo e de seus próprios
desejos é algo recorrente na literatura como sendo um fator determinante
acerca do ego. Sem a associação de que o ego possui, necessariamente, um
corpo, um nome e direitos, a noção de “eu” e a ideia de indivíduo dificilmente
poderiam se desenvolver.
O ensaio de Mauss enfatiza o quanto a ideia de indivíduo, enquanto
unidade biológica e psíquica indivisível, é característica da sociedade
“ocidental” e foi fruto da influência cristã e sua ideia de alma imortal.
Enquanto é possível dizer que todas as sociedades humanas desenvolveram
a noção de persona, ideia de indivíduo é, antes, uma particularidade cultural.
Todo o longo trabalho da Igreja, das Igrejas, dos teólogos, dos filósofos escolásticos, dos filósofos do Renascimento – sacudidos pela Reforma –, produziu mesmo um certo atraso e obstáculos para criar a ideia que agora julgamos clara. A mentalidade de nossos antepassados até o século XVII, e mesmo até o final do século XVIII, é atormentada pela questão de saber se a alma individual é uma substância ou se é sustentada por uma substância – se é a natureza do homem ou se é apenas uma das naturezas do homem; se é una e indivisível ou divisível e separável; se é livre, fonte absoluta de ações, ou se é determinada e está encadeada por outros destinos, por uma predestinação. Pergunta-se com ansiedade de onde ela vem, quem a criou e quem a dirige. E, no debate de seitas, grupos e grandes instituições da Igreja e das escolas filosóficas, das universidades em particular, não se vai muito além do resultado estabelecido desde o século IV de nossa era. O concílio de Trento põe fim, felizmente, a polêmicas inúteis sobre a criação pessoal de cada alma (MAUSS, 2003, p. 394)
! 47!
Além da unidade entre corpo e alma, que só seria dividida no
momento da morte, atestada pelo dogma católico a partir de meados do
século XVI, Kant e Fichte atestaram, no campo da filosofia a indivisibilidade
do “eu”, uma vez que consciência e corpo não poderiam ser considerados à
parte. Assim, consolida-se no Ocidente cristão uma concepção de pessoa
particular, que atrela a noção de eu à noção de indivíduo, unidade indivisível
em vida.
Contudo, Mauss (2003) já havia notado que a noção de “eu”, existente
na Índia, não assumia os mesmos contornos. Apesar de ter a noção de um
ego, ou seja, de um “eu”, não parece que esse “eu” abaixo descrito tenha em
seu âmago relações com uma ideia de unidade indivisível:
A Índia parece-me ter sido a mais antiga das civilizações que teve a noção do indivíduo, de sua consciência, digo eu, do “Eu”; a ahamkara, “a fabricação do eu”, é o nome da consciência individual, aham = eu (é a mesma palavra indo-europeia que ego). A palavra ahamkara é evidentemente uma palavra técnica, criada por alguma escola de sábios videntes, superiores a todas as ilusões psicológicas. O samkhya, a escola que justamente deve ter precedido o budismo, afirma o caráter composto das coisas e dos espíritos (samkhya quer dizer precisamente composição), considera que o “Eu” é algo ilusório; quanto ao budismo, numa primeira parte de sua história, ele decretava ser esse apenas um composto, divisível, separável de skandha, e buscava seu aniquilamento no monge (MAUSS, 2003, p. 383).
A ideia de “eu” é concebida como uma categoria ilusória na Índia e no
zen budismo japonês, embora em ambos os contextos o ego (“eu”) seja
entendido como algo existente no plano empírico e superficial da vida social.
Ao trabalhar com a noção de pessoa existente no zen budismo da monja
Coen, teremos que entender como essa questão é posta.
A construção do “eu” dentro do zen budismo é uma temática abordada
de diversas formas ao longo dos vídeos da monja Coen, passando por
reflexões acerca do ego, da consciência e dos problemas colocados na
relação entre eu e o outro inerente às relações humanas. Não se trata de
! 48!
negar o ego, mas de estabelecer o lugar que o ego ocupa dentro do universo
de relações sociais. Assim, ela diz:
O nosso eu, que o Freud vai chamar de ego é muito importante, ele tem um papel e uma função que é muito importante. Sem este ego nós não estaríamos nenhum aqui. Ele nos move, nos conduz, nos faz à procura: quero procurar sabedoria, quero procurar compreensão da vida, quero compreender a mim mesmo. Ele é maravilhoso! Agora se ele começa a tomar conta de tudo, fica uma coisa: eu, eu, eu, eu, eu... e os outros ficam pequenininhos. Em desenhos da Idade Média – que eu gosto muito da pintura da Idade Média – a personagem principal é enorme, né? E os outros são todos pequenininhos. O nosso ego faz isso: eu fico imenso e os outros, as outras pessoas, tudo pequenininho ali em volta. Eles me atormentam, os mini-humanos. São todos miniaturas, pessoas chatas, que me atormentam e me incomodam. E a gente precisa tomar cuidado! Por que não vivemos uns sem os outros, né? Nós somos a vida da Terra, nós não vivemos sem as outras pessoas. E até os atritos, as dificuldades, são coisas boas4.
Os atritos, as dificuldades nos colocam em movimento, tiram-nos da
zona de conforto, transformam o que acreditamos ser as nossas verdades,
enquanto para o zen budismo, a maior verdade é que tudo está,
constantemente, em movimento e transformação. Nada é permanente, muito
menos um ego. O fato de o zen budismo não acreditar em uma alma imortal
e imutável significa que essa ideia de ego atrelada a um corpo e a uma
unidade indivisível não faz sentido para essa tradição religiosa. Em uma de
suas falas, a monja diz:
“Antes desse 'eu' ser formado, eu já era. Mas não tinha um eu coidentificado com um 'eu' separado. Me sentia meio misturada com tudo um pouco. Com o pai, com a mãe, com os meus amiguinhos, com os meus professores, com os jogos, com a televisão, com a internet... De repente foi separando e criando a ideia deste eu que existe, que é bom, que é perfeito. Não é errado. Não tem um 'eu' pra jogar fora. Mas tem que ir um pouquinho além. Pra conhecer até como que foi formado. E será que eu posso mexer um pouco nisso e fazer pequenas e sutis mudanças?"5
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!4 Fala durante o video: https://www.youtube.com/watch?v=LByFyo7S2D4 5 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=18F7S6Yux8M&index=43&list=PLZ9-9MbIebj4yLXU5cGkLqbAESpMxUmq_ 10’07”
! 49!
Com essa fala, a monja mostra como o que acreditamos ser o mais
íntimo do nosso ego é, na verdade, uma construção social. O ego existe, mas
é um constructo, além de tudo, temporário. Tem a ver apenas com essa
existência, com essa forma de ser no mundo. Para a lógica zen budista o ego
mais está do que é – não há essência, alma imortal, consciência imortal. O
zen budismo e toda sua prática se prostram a essa profunda investigação
acerca da (in)existência e da (des)construção deste eu, bem como das
limitações e aberturas que são constituídas em torno dele. As discussões
trazidas nas palestras da monja Coen ao longo dos vídeos trazem a noção de
que são múltiplas as interferências que compõem a ideia que temos de nós
mesmos, bem como a forma que nos colocamos no mundo.
Obviamente, o ego importa. É a partir dessa existência, desse “eu” que
agora está no mundo que eu posso agir e refletir sobre meus pensamentos,
palavras e ações. Posso purificar meu carma. Isso, aliás, só é possível
quando, segundo o zen budismo, meu ego assume a necessidade de
investigar e o conhecer a mim mesmo, algo que só é possível por meio da
meditação, uma prática onde se estabelece a busca de um conhecimento
íntimo de si mesmo, como o demonstrado no seguinte trecho:
Eu entro em grande intimidade com o meu corpo e a minha mente que não são duas coisas separadas. E por isso a gente começa insistindo numa postura. É uma postura física que ao mesmo tempo é uma postura psíquica, espiritual6
A prática da meditação, segundo a monja, está diretamente vinculada
com um sentimento de não separação. Tanto do eu-ego com o seu entorno,
quanto das entidades intelectualmente compreendidas como as formadoras
do eu-ego: o corpo e a mente. Assim, o corpo aparece aqui como um ponto
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!6 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=3AaevNTNBx4&list=PLZ9-9MbIebj4yLXU5cGkLqbAESpMxUmq_&index=46 1’28”
! 50!
de fundamental importância para a construção tanto da prática religiosa,
como para percepção acerca de si mesmo.
“O Budismo japonês trabalha muito com o físico. A postura que você toma, como você anda, como pisa no chão, como você toca os objetos, como fala. O treinamento no mosteiro é isto. E há gente que não gosta ‘eu sou assim, ninguém manda em mim’. Isso é nosso euzinho lá bravinho. Ele é bom, ele é necessário, ele nos diferencia.”7
Este, referenciado como o ‘euzinho’ é aquilo que a monja vai definir
como o ego e aqui definimos como eu-ego. Em diferentes momentos é
trazida para a reflexão a importância desse ego, ao mesmo tempo em que
muitas vezes são evocados os conflitos trazidos pela presença do mesmo,
que seria o nosso agente interno de diferenciação dos demais, mas que se
torna, ao mesmo tempo, a fonte de todos os nossos sofrimentos, da
sensação de isolamento, frustração, rejeição e exclusão.
Queremos mudanças? Vamos fazer com que elas aconteçam sim, sem nenhuma violência. Difícil. Isso é um treino. Por isso sua santidade diz 'temos que treinar a compaixão'. E ela é treinada com a mente lógica. Com isso que nós vamos chamar o ego, o eu. Essa identidade nossa. Ele treina a nós mesmos. Ele não é um obstáculo, ele não é um problema. O problema é estar mal colocado. Nós temos que nos compreender e nos acolher nesses múltiplos aspectos que somos. No aspecto que somos apenas terra, água, vento, ar. A matéria prima de que é feita toda natureza e que as causas e condições fazem que forme, e um ser humano se manifeste. Agora, esse ser humano está sempre em construção8.
É essa existência que nos permite imprimir marcas positivas no
mundo, que permite que alcancemos a iluminação. Contudo, a iluminação
jamais é atingida por quem desconhece que o eu-ego é apenas algo
transitório em relação a uma existência mais profunda, que nos conecta
intimamente à Natureza Buda. Em outras palavras, a monja elucida aquilo !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!7 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=18F7S6Yux8M&index=43&list=PLZ9-9MbIebj4yLXU5cGkLqbAESpMxUmq_ 2’2” 8 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=18F7S6Yux8M&index=43&list=PLZ9-9MbIebj4yLXU5cGkLqbAESpMxUmq_ 7’30”
! 51!
que é a pretensão do zen budismo enquanto filosofia e prática: o intuito de
que o praticante seja capaz de fazer um distanciamento deste “eu pequeno”,
que seria o nosso ego, e, partindo de uma investigação e busca para melhor
conhecê-lo, poder vinculá-lo com a consciência maior, aquilo que é chamado
de Buda, ou Natureza Buda, abrindo a possibilidade de uma auto percepção
que coloque o ser humano diante de uma compreensão de si mesmo
interconectada aos elementos da natureza, à expressão daquilo que é
considerado sagrado.
Com isso, é preciso enfatizar que no zen budismo há duas dimensões
da noção de eu: 1- “eu-ego”: relacionada à existência temporalmente datada
da vida que temos na Terra nesse instante e 2- “Natureza-Buda”, ou o
“grande eu”, um eu que já se interconectou com o cosmos e percebeu a
transitoriedade da existência do “eu-ego”. A “Natureza-Buda” é a busca de
todo zen budista e, para se ter acesso a ela, é necessário entender melhor as
três joias do budismo: o Buda, o Dharma e a Sangha.
Estes três elementos são pontos chave para a compreensão da
cosmovisão budista, pois eles atuam como pontos norteadores tanto para as
práticas, quanto para a filosofia e os dogmas da religião. Apesar de não
haver em nenhum momento a classificação hierárquica entre estes três
pontos, ao longo das palestras a monja Coen sempre acaba discorrendo
mais densamente sobre o conceito de Buda. Entre os vídeos analisados,
existem ao menos dois em que ela dedica grande parte da palestra apenas
para descrever o significado de Buda. Numa destas, discorrendo acerca da
trajetória do Buda histórico, a monja retorna à descrição do processo de
iluminação de Sidarta Gautama, que deve ser vista como um exemplo para
nós, ainda não iluminados.
Que sentido tem a vida? Aí começa uma coisa interessante. Ele começa a questionar 'O que é a existência? Porque estamos aqui? E as divindades todas da Índia... Que são essas divindades? Existem? São criações da mente humana? O que é isso? Então ele começa a entrar num processo de questionamento muito bonito, muito profundo. Mas a vida dele perde a graça. Aquilo que ele estava fazendo e que ele estava vivendo perde um pouco o encanto porque ele tem uma questão que é muito maior. E ele
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resolve que vai ser um sadhu. Ele vê um sadhu, um renunciante (...) E ele resolve que vai renunciar. Ele renuncia o trono, a família. Ele renuncia tudo. E ele vai no meio da mata. Muito aflito. Muito angustiado. Ele corta os cabelos que é o símbolo da casta. Os nobres, o que que eles tem? Um cabelo longo (...) 'Eu não vou ser identificado pela casta. Eu estou fora do sistema social de valores desta sociedade'. É este o significado de ele cortar os cabelos. 'Nem mesmo como os outros sadhus eu sou. Eu estou fora disso. Eu tenho uma questão tão grande que me queima tão forte que eu preciso encontrar a resposta9.
Evidencia-se aqui como o processo de intenso questionamento acerca
de questões existenciais foi o que motivou a busca do Buda histórico pela
iluminação. Ele se desfez dos componentes que constituíam publicamente
sua persona. Afastou-se de suas tradições familiares, das características
estéticas que o diferenciavam dos demais, de todos seus privilégios, das
suas crenças religiosas e parte em busca da resposta para um
questionamento de ordem maior acerca da natureza da existência humana.
Os questionamentos levantados por Sidarta Gautama são os mesmos
que levam a tradição do pensamento ocidental a buscar na ciência, e neste
caso específico, na ciência antropológica, respostas para a nossa existência,
que possam determinar quais os elementos que nos constroem enquanto
indivíduos, o lugar onde se situa o nosso eu, a essência das coisas e da
natureza humana. Buda, porém, vai à busca de respostas através de um
caminho de diversas práticas espirituais, que foram desde a prática de yoga à
privações corpóreas severas, como já dito anteriormente, chegando
posteriormente à conclusão de que a obtenção das respostas para as
questões de cunho existencial deve se ater a uma busca dentro de nós
mesmos, através de um caminho de práticas meditativas que não seja de
excessos e nem de privações, aquilo que é conhecido na filosofia budista
como “O Caminho do Meio”.
Esta resposta, portanto, e a iluminação propriamente dita, não pode
ser descrita em palavras, mas segundo o zen budismo é um potencial latente
dentro do ser humano, que não é dado simplesmente por um fator externo e
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!9 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=BgGVatjaCKU&index=32&list=PLZ9-9MbIebj4yLXU5cGkLqbAESpMxUmq_ 6’44”
! 53!
racionalizável. Esta é uma das principais características presentes nesta
religiosidade, que através de contos, anedotas, e charadas, leva o praticante
a pequenas insights que devem ser capazes de indicar o caminho da
iluminação espiritual através de um jogo em que o questionamento é mais
importante do que a resposta.
Em seu livro “A sabedoria da transformação”, a monja Coen faz a todo
o momento esse jogo de reflexões através da explanação de contos
tradicionais, bem como do relato de experiências pessoais. Para elucidar um
pouco de como se dá este processo, transcreverei um breve trecho do livro,
parte de um conto, seguido de uma reflexão, onde ela está justamente
discutindo o que é a “Natureza Buda”:
“O monge ficou. Meditava todas as manhãs, tardes, noites. Ouvia as preleções do mestre, mas não se iluminava. Finalmente, um dia foi questionar Joshu: ‘Os textos dizem que a Natureza Buda, a natureza iluminada, está presente em toda parte. Mas me pergunto: o cão tem Natureza Buda?’. Mestre Joshu foi monossilábico: ‘Mu!’ O monge fez nove reverências profundas. Compreendera o inconcebível.” (COEN, 2014, p. 28)
Com este pequeno conto, que mais se assemelha a uma charada, fica
evidente o quanto a “Natureza Buda” é, na verdade, potência. Não foi a
prática rigorosa da meditação ou o estudo dos textos budistas que foi capaz
de dar ao jovem monge a resposta para sua busca espiritual, mas sim uma
resposta inesperada de seu mestre, que, se olharmos através de uma
perspectiva lógica de causa e efeito, a qual estamos acostumados no meio
científico, não responde nada em absoluto, e pode até mesmo chegar a
parecer algo um tanto quanto cômico. A todo o momento o zen budismo está
perpassando por essas contingências entre o absolutamente racional, lógico,
disciplinável e aquilo que está completamente fora dos limites da cognição
palpável. E seria através deste processo que deve caminhar a busca pela
iluminação, desse encontro com o “eu-ego”, a senda do auto conhecimento,
através da meditação que é “esforço sem esforço” (COEN, 2014). Ainda no
! 54!
mesmo conto, mais a frente, enquanto explana sobre seu significado, a
monja elucida que:
“Não temos ou deixamos de ter a Natureza Buda. A natureza iluminada está em tudo, em todos. A diferença para nós, seres humanos, é se despertamos para ela ou não. Se nos apercebemos de que somos a vida da Terra, que estamos interligados a todos os seres numa teia de causa, efeito e condições.” (COEN, p. 31, 2014)
Estar desperto e iluminado seria, portanto, ser capaz de se enxergar
enquanto um ser interligado ao todo, percebendo que a mesma natureza do
que está ao seu redor é a natureza que se manifesta dentro de você. E esta é
descrita como a “Natureza Buda”, algo de sagrado que está inerente a todas
as coisas, seres e situações que existem.
Para leigos, pensar em Buda é imaginar aquele ser humano retratado
nas imagens que se veem expostas em diversos lugares. Este homem
retratado é o chamado Buda histórico. Porém, Buda é uma palavra que
também se refere à um título que se dá à pessoa que atingiu a iluminação
completa, e não apenas à este personagem especificamente, como a Monja
nos trás através do seguinte trecho:
"Ele tem essa experiência mística, ele fica tão maravilhado, em êxtase tão grande de Samadhi, do Samadhi profundo, que ele fica andando ali em volta e ele diz 'nossa como é que eu vou explicar isso pras pessoas... é tão simples. Como vai ser difícil pra elas entenderem, porque é tão simples.' E diz que então ele ouve uma voz celestial que diz à ele 'vá e faça como fizeram os Budas do passado'. Olha que bonito. Então ele não é o primeiro, ele não é o único." 10
Buda, portanto, tem diversos significados. Quando a Monja se propõe
a explica-lo, discorre através de todas essas potencialidades de significação.
Não é apenas o Buda histórico que define o que é Buda, mas também essa
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!10 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=FI8GiFrmC80&list=PLZ9-9MbIebj4yLXU5cGkLqbAESpMxUmq_&index=33 1’51”
! 55!
“Natureza Buda”, que está inerente a tudo que existe, como o observável na
seguinte fala:
"E aí isso é Buda. Uma pinceladinha do que é Buda. O príncipe da Índia antiga que é representado naquelas imagens, cada um de nós com a capacidade de acessar um nível de compreensão mais clara da realidade. E tudo que existe se manifestando." 11
Seria, então, essa Natureza Buda a natureza verdadeira não apenas
do eu, mas também de tudo mais que existe? A prática da meditação estaria,
então, voltada à descobrir em si mesmo esta natureza?
Tendo, então, discorrido mais densamente acerca do que é Buda, a
primeira joia do budismo, entramos em contato com a segunda e a terceira
joia, que são o Dharma e a Sangha. O Dharma pode ser compreendido como
"aquilo que ele (Buda) ensina. Através desse despertar dele, ele vai começar
a ensinar"12. Estes ensinamentos compõe a chamada “lei verdadeira”, à qual
se prostram todos os esforços das práticas budistas. A lei universal e
verdadeira que é manifesta pela sabedoria iluminada presente na “Natureza
Buda”. Sangha, por fim, seria a comunidade que se une para praticar junto
sob a luz de Buda e do Dharma.
Estar familiarizado com esses três preceitos primordiais do budismo é
necessário para que possamos compreender melhor de que forma se
constrói a cosmovisão proposta pelo budismo, e o intuito de suas práticas,
que nos levarão à aproximações acerca de como é edificada a noção de
pessoa dentro da religião.
Diante de todo o percurso aqui já discorrido, torna-se sensível uma
noção existente dentro do zen budismo de que, para este, existe uma
unidade entre todas as coisas. Esta seria uma espécie de interligação entre
tudo que existe, já que a “Natureza Buda” se manifesta em toda e cada coisa
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!11 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=FI8GiFrmC80&list=PLZ9-9MbIebj4yLXU5cGkLqbAESpMxUmq_&index=33 8’11” 12 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=FI8GiFrmC80&list=PLZ9-9MbIebj4yLXU5cGkLqbAESpMxUmq_&index=33 9’19”
! 56!
existente e partindo do pressuposto que a lei do Dharma é tida como
universal.
É interessante notar que, em diversos pontos ao longo dos vídeos,
bem como no discorrer dos livros da monja Coen aqui utilizados como apoio
é possível encontrar pontos onde se torna manifesto certo desejo de
ecumenismo, orientando os ouvintes à ideia de que a união com o todo pode
se dar através de qualquer prática religiosa, não apenas através das práticas
e significações do zen budismo, fato que reflete a natureza mais expansiva
das vertentes do budismo, a mahayana, bem como as necessidades de
adaptação de uma religiosidade que pretende assumir um caráter missionário
dentro de outro país, como podemos observar à seguir:
“Mendigamos por conhecimento e sabedoria que são nossos por direito de nascença. Sem saber passamos por sofrimentos e necessidades. Mas nosso ou nossa guia espiritual (para alguns, Jesus; para outros Deus; o profeta Maomé; os Orixás; para outros ainda, Buda; e assim por diante) também procura por nós. Ao nos reencontrar, percebe nosso medo.” (COEN, p. 81, 2014)
A noção de que o todo manifesto é sagrado parece ser o pressuposto
que abre espaço para esta sensação de ecumenismo que é essencial à
possibilidade de uma religiosidade estrangeira e distante se alicerçar em
novas terras, culturalmente distanciadas de onde esta se desenvolveu.
Alcançar, porém, a visão desta sacralidade inerente à tudo, não é um
processo que deve passar exclusivamente pelo exercício de compreensão
intelectual. Mesmo com a importância dada à todas as reflexões trazidas pelo
conteúdo das palestras e dos ensinamentos budistas, segundo a monja Coen
a parte mais importante desse processo de encontro com a verdade, com a
“Natureza Buda”, ou com esse chamado “verdadeiro eu” é a prática da
meditação. Seria este o recurso principal para conseguir acessar todas essas
bem aventuranças que são comentadas como componentes cruciais para o
bom desenvolvimento humano ao longo dos vídeos.
! 57!
O que que a meditação faz? O que que é Zazen? Za é sentar. Sentar em Zen. Zen é um estado de meditação. É um meditar profundo. Que só pode ser experimentado. Eu falo aqui para estimular vocês a virem aqui fazer Zazen. Se vocês vierem todas semanas aqui e nunca vierem fazer Zazen, a minha palestra é um fracasso13.
A prática de Zazen é tida, portanto, como a espinha dorsal de toda a
ritualística e de todos os ensinamentos no zen budismo. Sendo esta uma
prática que visa a auto investigação e o autoconhecimento, pode-se notar
novamente que a compreensão acerca do “eu-ego” dentro das práticas
budistas deve estar voltada para um processo bastante direcionado ao
interior de cada indivíduo, onde compreender-se é também estar apto a
compreender o todo.
É a partir desta ideia da conexão entre tudo que existe que se
discorrerá a problemática do próximo subcapítulo, que irá discorrer mais
profundamente acerca da investigação de como é moldada essa noção de
um “eu” apto a compreender-se como o todo manifesto a partir das
percepções obtidas através da assimilação dos ensinamentos acerca do zen
budismo, transmitidos pelos vídeos e pelos livros da monja Coen.
2.2. A percepção da unidade e a síntese antropológica.
Minha experiência etnográfica partiu de uma aproximação com o
Oriente que me era possível, a partir de uma busca por diversas “filosofias
orientalistas” existentes em solo brasileiro. Como já dito anteriormente, sei
dos perigos deste tipo de aproximação ficcionada de meu problema de
pesquisa. No início, adotei uma postura metodológica um tanto quanto
dificultosa, que teve como único (e grande) sabor a educação dos meus
sentidos em direção ao encontro com estes universos. Em seguida, tendo
passado pela reflexão acerca da noção de pessoa através dos ensinamentos
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!13 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=AdGJMOj3jG0&list=PLZ9-9MbIebj4yLXU5cGkLqbAESpMxUmq_&index=36 12’30”
! 58!
e das práticas do zen budismo apresentado pela monja Coen, compreendi
que a noção do “eu” no zen budismo está atada à prática da meditação, que
revela a possibilidade do vislumbre da interconexão entre tudo que existe, a
“Natureza Buda”.
Mesmo num breve contato foi possível notar que tanto no Vedanta
Advaita, quanto no Yoga, passamos por essa noção de não dualidade
presente na própria etimologia destas palavras, lembrando que o significado
de Advaita é “não dualidade” e de Yoga é “união”. À semelhança destas
práticas e filosofias, o zen também busca em seu cerne o desenvolvimento
de uma percepção de mundo que possa estar atrelada a um sentimento de
unidade, de não divisão, aquilo que a monja Coen classificaria como a
possibilidade de “interser”.
Contudo, a unidade de que falam as filosofias orientalistas e até
mesmo o zen budismo, que analisamos com maior afinco, nada tem em
comum com a ideia de indivíduo, tal como formulada no Ocidente, como ficou
evidente por meio da discussão inicialmente feita nesse capítulo, a partir do
clássico ensaio de Marcel Mauss.
No zen budismo, não é possível compreender o eu (eu-ego) enquanto
entidade separada em relação ao todo (Natureza-Buda), de forma que a
compreensão de si demanda um conhecimento que transborda as questões
inerentes apenas à sua existência atual. Essa temática está presente em
diversos momentos ao longo dos ensinamentos trazidos pela monja em seus
vídeos.
Entretanto, voltando ao meu recurso metodológico orientalista e nada
ortodoxo, a ideia de “desidentificação” que tanto foi pregada por Veemtish
Oom, assim como a consequente busca por uma integração da pessoa com
o todo foi algo que se mostrou presente a todo o momento e agiu ativamente
na construção da imagem acerca desse universo que se formava dentro de
minha percepção. Mesmo nas investigações teóricas, deparei-me com esta
concepção de integração, e ainda citando Mauss, ele nos remete à uma
pequena passagem do Baghavad Gita, aqui também já citado, explanando
que:
! 59!
As grandes escolas do bramanismo dos Upanixades – seguramente anteriores ao samkhya assim como às duas formas ortodoxas do Vedanta que o seguem – partem da lição dos “videntes”, até o diálogo de Vixnu mostrando a verdade a Arjuna, na Bhagavad Gita: “tat tvam asi”, o que equivale quase dizer em inglês "that thou art" - tu és isso (o universo). Aliás, o ritual védico posterior e seus comentários já estavam impregnados dessa metafísica (MAUSS, 2003, p. 384).
Assim, ficamos diante de uma perspectiva que considero a de mais
difícil compreensão e explanação acerca dos ensinamentos do zen budismo,
de forma criteriosa e racional. A ideia de que nós somos o universo e o
universo está em nós, onde todos os constructos de razão e análise tornam-
se pouco eficientes para elaborar de maneira clara qual é, afinal, o significado
desta constatação, sem que esta pareça superficial ou excessivamente
complexa.
Segundo Kodo Matsunami (ex-presidente da Comissão Internacional
da Federação Budista Japonesa) em sua contribuição textual 14 para a
Conferência Brasil – Japão, de 1995, existem dois princípios fundamentais no
budismo: o princípio da impermanência, que traz a prerrogativa de que todos
os fenômenos da existência estão em perpétuo devir e o princípio da
insubstâncialidade, que elucida que nenhum corpo existe de forma
autônoma.
Em seus vídeos, a monja Coen nos revela de diversas formas a
presença destes princípios interconectados a todos os assuntos que ela se
propõe a tratar ao longo de suas palestras, mesmo aqueles que são mais
imediatos, superficiais e corriqueiros do cotidiano atual afirmando que "nós
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!14 Ainda no mesmo texto, intitulado “A Contribuição do Budismo para a Ordem e o Progresso do Brasil”, Matsunami conclui que: “Progresso e Ordem ou Harmonia são conceitos contrários como os dois limites opostos do movimento de um pêndulo. Quando se insiste no Progresso a tendência é menosprezar a Ordem e vice-versa. Perde-se o necessário equilíbrio. Assim é extremamente difícil conseguir a existência equilibrada de ambos. Para resolver tais problemas o Budismo ensina o Caminho do Meio” (SIMPÓSIO BRASIL-JAPÃO, 1995, p.17, grifos originais do texto). Assim o autor traz à tona a ideia de que mesmo para alcançar avanços para o país, a melhor medida a ser tomada é a saída da dualidade entre ordem e progresso, e o alcance dessa interconexão entre conceitos opostos que está presente no conceito do “Caminho do Meio”.
! 60!
somos esse movimento e essa transformação, e o que nós falamos, fazemos
e pensamos mexe na trama da existência"15
Com isto, nos deparamos com a noção de que, como parte integrante
que somos do universo em movimento, afetamos e somos afetados por
diversas coisas que parecem externas a nós, mas na realidade, são também
internas. Esta não divisão entre eu e o universo abre espaço para todo um
questionamento da forma de pensar ocidental que coloca em estruturas de
diferenciação cada uma das partes que compõem o todo em busca de
investigá-las com maior acuidade. A própria noção de “eu” enquanto
categoria a ser estudada, pensada e investigada acaba se expandindo, na
medida em que investigar o “eu”, torna-se uma investigação do próprio
universo.
Ao pregar a impermanência e a insubstâncialidade, o zen budismo
trabalha com a “não-essência”. Nada tem essência, tudo é potência em
processo de transformação. Nesse sentido, o zen budismo coloca em xeque
certas “verdades ocidentais”. Uma delas, que já havia sido denunciada por
Marilyn Strathern (2014a) é a própria concepção de sociedade, termo que a
autora define como ocidental e não transcultural, baseado ainda numa
premissa de que a sociedade seria a somatória de indivíduos e se
constituiria, ao mesmo tempo, como sua antítese. Neste ponto, fica claro um
distanciamento entre a forma que nossa cultura está habituada a pensar a
noção de pessoa e a existência de uma certa essência do eu, em relação à
maneira que o zen budismo coloca-se a pensa-la. Esta não oposição entre
sociedade e indivíduo, mente e corpo, dentro e fora proposta pelo zen
budismo pode, inclusive, abrir espaço para aquilo que Strathern (2014a)
propõe como um novo exercício de pensar a sociedade, enxergando esta
como inerente à noção de pessoa, e não como oposta ao indivíduo.
O processo para ser capaz de conceber e criar essa potencialidade de
visão que é capaz de conceber a unidade para além da polaridade que
aproxima o fazer antropológico proposto por Strathern (2014a, 2014b) do zen
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!15 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=QadGfw0ahEc&index=15&list=PLZ9-9MbIebj4yLXU5cGkLqbAESpMxUmq_ 14’06”
! 61!
budismo não seria um processo rápido e contínuo tanto para a ciência quanto
para esta religiosidade. Segundo a monja Coen, a reflexão sobre a vida
trazida pelo zen budismo “não tem resposta pronta” 16 , por mais que
queiramos extrair dali as respostas que nos levem algum conforto interior, e
que estejamos a todo o momento inclinados à buscar no mundo externo as
respostas para nossas inquietações.
Da mesma forma, Dumont define que a antropologia é “uma ciência
em devenir” e que seu progresso é determinado por uma substituição
paulatina dos conceitos atuais “por outros mais adequados, isto é, mais
libertos de suas origens modernas” (DUMONT, 1983, p. 17). Tendo em vista
que a modernidade nos traz essa forma de pensar o mundo pautada na
dualidade de conceitos como indivíduo e sociedade, um novo fazer
antropológico, proposto por Strathern e uma reelaboração de ideias proposta
por Dumont se aproximam da ideia de pensar fora das dualidades, como é
proposto pelo zen budismo. Este processo, porém, se dá de forma vagarosa,
e é pouco a pouco que a antropologia vai se refazendo, ao mesmo tempo em
que, para o zen budismo as respostas não são dadas de imediato.
Ao longo de seus vídeos a monja Coen está o tempo todo falando em
simplicidade, desapego e liberação de dependências que fazem com que
esse processo de compreensão torne-se turvo e obscurecido.
Aparentemente, estar diante de uma percepção tão grandiosa coloca as
esferas do pensamento diante de uma multiplicidade de sensações e
questões que podem tornar difícil e complexa a tarefa de realocar à vida ao
plano mais objetivo, fazendo com que a simplicidade para com a vida se
torne uma espécie de necessidade para não se perder.
A postura para a prática da meditação exige um posicionamento de
mãos chamado “mudra cósmico”, ao explicar o significado deste a monja nos
direciona a noção de que "Nós estamos no cosmos, e o cosmos está em
minhas mãos"17. É a partir destas noções que o estado meditativo vai sendo
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!16 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=lcATfndnAIo&index=18&list=PLZ9-9MbIebj4yLXU5cGkLqbAESpMxUmq_ 3’53” 17 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=l-Pc7PqX68g&list=PLZ9-9MbIebj4yLXU5cGkLqbAESpMxUmq_&index=12 9’50”
! 62!
estimulado, para que se possa fazer a observação daquilo que somos em
profundidade.
O exercício de meditação, que desloca a noção de “eu-ego” e leva-o
em busca para a percepção de si mesmo como parte do cosmos (“Natureza-
Buda”) no momento presente poderia ser comparada ao exercício de
“apercepção sociológica” proposto por Dumont, e que Leiner descreve como
a capacidade de que “nos coloquemos em uma perspectiva diferenciada em
relação aos nossos próprios valores, que permita vê-los não como ponto de
partida para o entendimento do mundo, mas sim como resultado de uma
manifestação possível de arranjos sociais da própria humanidade” (LEINER,
2003, p. 09).
Este movimento de deslocamento do “eu”, de fundamental importância
metodológica para a prática da ciência antropológica, é no zen budismo a
chave para a prática de seus princípios de impermanência e
insubstâncialidade. Enxergar a si mesmo como apenas um constructo de
noções possíveis para a humanidade é como enxergar-se como apenas uma
diminuta parte de um cosmos maior, dá a dimensão que encontrar uma
substancialidade única para o “eu” é algo improvável ou até mesmo
impossível. Assim, para o budismo observar o movimento do cosmos é
observar a si mesmo, da mesma maneira que observar a si mesmo é
observar o movimento do cosmos, enquanto na antropologia dumontiana
observar o outro é observar a ele e também a si mesmo como este “resultado
de uma manifestação possível de arranjos sociais da própria humanidade”!(LEINER, 2003, p. 09).
Esta observação que a prática da meditação nos conduz busca,
segundo a monja Coen, a quebra das noções dualistas que impregnam
nossa visão de mundo e nos distanciam da possibilidade de contemplar de
fato e em profundidade, como uma verdade, esta percepção de sermos nós o
próprio cosmos, no trecho a seguir ela elabora um pouco daquilo que se
busca com a prática do zen budismo:
! 63!
Quando a gente fala da terceira visão, do terceiro olhar, do olhar de sabedoria, é além da dualidade. A dualidade é dentro e fora. Certo e errado. Preto e branco. O Deus e a Deusa, né? E de repente quando tão unidos, que que é? É lá que nós queremos chegar18
A grande busca, portanto, de toda a autoinvestigação promovida pelo
zen budismo é a capacidade de olhar para o mundo através de uma lente
que seja capaz de compreender a unidade entre conceitos aparentemente
opostos, que se digladiam em nosso processo mental, e transpor esta
percepção para conflitos entre as dualidades do mundo objetivo. Através da
prática meditativa seria possível alcançar esse estado de compreensão da
realidade, que segundo a monja Coen é simples, e ela categoriza como "a
simplicidade de interser"19, ou seja, atingir um estado de ser, uma atitude e
um posicionamento no mundo que seja capaz de aceitar tranquilamente a
ideia de que tudo está interconectado e que o ser individual se manifesta em
conjunto com a totalidade do que podemos conceber.
Esta percepção de que o cosmos, a vida, o mundo, a existência não
estão separados do “eu-ego”, e que esse “eu-ego” não pode ser
compreendido separadamente, pois não tem essência que o defina pode
remeter à ideias trazidas por Strathern que evidenciam o perigo de estudar as
relações sociais como “extrínsecas e não intrínsecas à existência humana”
(STRATHERN, 2014a, p. 239), e que levam à noção de que na antropologia,
estudar pessoas enquanto indivíduos no sentido conceitual suposto pela
modernidade, pode não ser um bom caminho. A não existência do eu
enquanto substância individual presente no zen budismo apresentado pela
monja Coen assume, então uma potencialidade de ligação entre a
religiosidade e o próprio fazer antropológico proposto por Strathern.
Entretanto, mesmo que haja essa noção de que o “eu-ego” está
diretamente ligado com tudo o mais que o cerca, as diferenças não são
deixadas de lado pelo conteúdo das palestras da monja Coen, bem como
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!18 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=-tv3q5JL9fU&index=8&list=PLZ9-9MbIebj4yLXU5cGkLqbAESpMxUmq_ 18’03” 19 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=l-Pc7PqX68g&list=PLZ9-9MbIebj4yLXU5cGkLqbAESpMxUmq_&index=12 35’33”
! 64!
para o zen budismo de maneira geral. A relação entre o relativo e o absoluto
são discutidas a todo momento, como o que pode ser observado num poema
chinês do século VIII citado pela monja Coen em seu livro “Sempre Zen” de
2006:
“Cada coisa tem seu valor e está relacionada ao todo em função e posição./ Vida comum se encaixa no absoluto como uma caixa a sua tampa./ O absoluto trabalha com o relativo como duas flechas se encontrando em pleno ar.”(COEN, 2006, p.18)
É possível então, traçar uma ponte entre esta forma de percepção que
liga o absoluto ao relativo e o que nos traz Dumont quando afirma que:
“Há realmente uma pessoa, um indivíduo e uma experiência única, mas esta é feita em sua grande parte por elementos comuns, e não há nada de destrutivo em reconhecer que: retire de você o seu material social e você será deixado com nada além de um potencial de organização pessoal" (DUMONT, 1992, p. 54)
Esta ponte se dá a partir do exercício de podermos conceber que o
indivíduo está para a antropologia assim como o “eu pequeno” ou o “eu-ego”
está para o zen budismo, bem como aquilo que Dumont nos traz para a
reflexão antropológica como “material social” poderia ser interpretado dentro
do zen budismo como o princípio budista da interdependência ou o que a
monja Coen vai chamar de “interser”.
Enquanto a antropologia, a partir dos teóricos aqui apresentados, nos
demonstra a particularidade do conceito de indivíduo para a compreensão do
que é a pessoa, bem como nos demonstra que o próprio fazer antropológico
exige de nossa profissão uma capacidade de deslocamento da nossa
percepção de nós mesmos enquanto indivíduos separados do resto, o zen
budismo nos traz a ideia de que nós somos parte integrante do cosmos e que
o cosmos está em nós, que não só não estamos separados das formas
! 65!
sociais, mas também não nos distanciamos da vida do próprio universo em
todas as suas formas.
2.3. O não nascido e o não morto.
O que é, afinal, o eu para o zen budismo? Qual é a sua forma? O que
o determina? Como o zen descreve o encontro com este eu?
Monja Coen afirma que “ser zen é morrer para a dualidade” (COEN,
2006, p. 15). Assim, onde fica o eu, que se alicerça em diferenciação ao
outro? Se não existe dualidade, se não existe o eu e o outro, se ser zen é
morrer, como estipular as linhas pelas quais se desenham a noção de pessoa
dentro desta religiosidade?
Enigmas, charadas, contradições que levam a mente lógica ao limite.
Este limite talvez seja inerente à existência humana desde seus primórdios.
Viver é, de fato, um dia ter que morrer. Enfrentar questões profundas sobre a
existência que obscurecemos no dia a dia para tornar a vida mais leve talvez
seja, afinal, a grande função do zen budismo, buscando um equilíbrio entre o
peso de nos defrontarmos com estas questões e as propostas para um
exercício de leveza em relação à vida. Em seus livros, e em suas palestras, o
tema da morte é assunto recorrente na fala da monja Coen. Falar da morte e
do sofrimento sem véus parece ser a tática usada para que os praticantes
estejam aptos a encarar a vida de forma íntegra, e para encarar assuntos
relacionados à vida e à alegria de forma mais realista.
A dualidade em que se coloca nosso processo mental, pensando
sempre em critérios de oposição, discriminações e diferenciações é afinal o
que determina uma das capacidades humanas mais louváveis: a capacidade
de racionalizar, de se diferenciar, de se distinguir, de se deslocar do estado
de natureza para modificar o seu ambiente e adaptar sua vida a situações
hostis. Mas existiria um limite? Qual é o limite da nossa razão? Qual é o limite
da nossa mente? Seria a mente o nosso eu? O eu estaria na mente?
! 66!
Em seu último vídeo 20 de pergunta e resposta, que foi postado
enquanto eu escrevia este trabalho, a monja Coen respondeu justamente a
inquietação de uma expectadora acerca de como seria possível aniquilar o
ego para aplicar os ensinamentos budistas no dia-a-dia. O que a monja disse
evidencia mais uma vez aquilo que já afirmamos neste capítulo: o zen
budismo não se interessa em matar o ego. A monja evidencia que o “eu-ego”
existe como uma ferramenta psicológica que nos coloca em diferenciação em
relação aos outros sujeitos e pode ser usado de forma muito proveitosa
através da prática da autodisciplina, em pequenos treinamentos mentais,
como por exemplo, quando nos colocamos a observar e contar cada uma de
nossas respirações. Este método de contar as respirações é, segundo a
monja, uma das formas de treinar a meditação e de aprender a observar o
movimento da própria mente, que em muitos de seus vídeos ela descreve
como “incessante, luminosa e perfeita”21, como é o movimento da própria
vida.
Segundo Nakagawa (2008) mesmo na língua japonesa o “eu” não
aparece enquanto sujeito, e é definido através de funções circunstanciais e a
identidade não é afirmada independente da circunstância, mas sim adaptável
ao que a situação exige. O mesmo autor ainda afirma que os japoneses são
particularmente sensíveis à ideia de uniformização num nível tão profundo
que “chegam a dar mostras de animosidade contra quem se destaca”
(NAKAGAWA, 2008, p. 16).
Para buscar falar desta ideia “do não nascido e do não morto”, irei
trazer diversos trechos de seus livros onde a monja Coen explana sobre o
que, afinal, seria o “eu”. Antes, porém, vamos retomar a inexistência da alma
para o budismo. Rocha nos demonstra como se dá esta relação do budismo
com temáticas metafísicas:
“Quando se tratava de questões metafísicas, Buda contava a história da pessoa ferida por uma flecha que não está interessada em saber o porquê
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!20 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=sYVNaNpADks 21 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=FI8GiFrmC80&index=33&list=PLZ9-9MbIebj4yLXU5cGkLqbAESpMxUmq_ 8’50”
! 67!
da flecha, de onde veio, quem a disparou, qual o motivo, qual a natureza ou o material de que é feita a flecha, o tipo de madeira usada no arco, quem a fabricou, etc. O ferido, o doente, quer tão-somente ser curado – simples, claro e objetivo. Especulações filosóficas não tinham vez com Buda (ROCHA, 2000, pp. 47-48)
Assim, podemos visualizar o caráter prático da religião budista. A
reflexão sobre estas questões foi, entretanto, o que colocou Buda em seu
caminho de iluminação, e é uma espécie de reflexão poética que traduz a fala
e a escrita da monja Coen. Em uma reflexão chamada “O vazio” em seu livro
Sempre Zen, monja Coen diz:
“Por nada se torna vazio e sem saber de nada se esvazia de si mesma. A mente, a vida, a consciência. Tudo fluindo, sem entidade fixa. O que eu sou? Uma árvore de outono, cujas folhas caíram uma a uma. No chão, os passos me partem em pedaços. A chuva me molha e desfaz aquilo que fui. Húmus da Terra, solo fértil. E me alimento de mim mesma.” (COEN, 2006, p. 20)
Este trecho revela um pouco desta capacidade de reflexão poética,
que nos leva em direção a essa percepção do eu como algo que não pode
estar relacionado apenas à ideia de eu individual. O eu aqui aparece como
parte íntegra da natureza, como folhas de outono caídas. Não talvez no
sentido literal, nem apenas no sentido poético. Existe um recurso de
sensibilização presente em todo o trabalho da monja Coen, que traz ao
mesmo tempo uma certa leveza sobre questões profundas, e uma certa
profundidade diante de questões mais corriqueiras.
A monja afirma existirem muitos níveis de consciência. Existem as
cinco consciências provenientes dos cinco sentidos, a sexta consciência
advinda da síntese mental que faz o processo de discriminação daquilo que é
e daquilo que não é, e o sétimo nível onde, após a percepção daquilo que
sou eu e daquilo que não sou eu, é possível perceber que tudo se integra e
que “somos todos um” (COEN, 2006, p. 29), algo que ela vai chamar de
“Sabedoria da Igualdade”.
! 68!
Partindo desta ideia, de que somos todos um, não apenas com os
demais seres humanos, mas com toda a vida do universo, o eu seria a
própria existência, o próprio ser, além das nossas características individuais,
nossos dramas, nossa personalidade. Além até mesmo das nossas relações.
Este ir além para compreender-se está presente no seguinte trecho:
“Podemos ir além. Ultrapassando a barreira do tempo. Ser humano do século XXI. Além do ser e do não-ser. Além do nascer e do morrer. Quem somos nós? De longe a física quântica aponta possibilidades de onda e partícula. Simultaneamente, somos uma onda, como a onda no mar. E somos cada gotícula de água. Quando vemos a gotícula não percebemos a onda. Quando observamos a onda não notamos a partícula.” (COEN, 2006, p. 33)
Nessas fluências entre o absoluto e o relativo, se faz a reflexão do zen
budismo apresentado pela monja Coen. Para ela, “o ‘eu’ não é importante
quando compreendemos que ele é sustentado por elementos ‘não
eu’”(COEN, 2006, 39), bem como “cada um de nós existe graças a todos os
‘não nós’” (COEN, 2004, p. 23). Assim, observamos que dentro da visão do
zen budismo somos todos os elementos que não acreditamos que somos,
mas que também nos compõe. O que afinal, é o zen? A monja responde:
“Zen é uma loucura. Quebra toda a lógica e penetra direto na experiência da verdade, sem conceitos, sem preceitos, sem regras, sem ditados. Sem o sem. Sendo. Intersendo.” (COEN, 2006, p. 44)
Diante desta loucura que é o zen, ainda devemos estar atentos à
investigação científica que este trabalho se propõe a fazer, que busca
identificar como se dá a noção de pessoa e a construção da noção de “eu”
dentro da religiosidade zen budista a partir da sabedoria que a monja Coen
nos oferece. Podemos então, retornar à questão principal que norteia, não
apenas este trabalho, mas boa parte da investigação das ciências humanas,
da maior parte das religiões e filosofias, e da vida humana de maneira geral:
quem somos nós? Monja Coen responde:
! 69!
“Somos a onda. Somos o átomo. Somos únicos e somos múltiplos, submúltiplos. Quem divide, quem separa, quem observa o observador? (...) Somos compaixão e bondade, ternura e felicidade. Somos ação, somos guerra. Somos fantoches e terras. Somos o bem e o mal. Somos sós e gregários. (...) Somos um – eu e você.” (COEN, 2006, p. 33)
Aqui somos transportados para uma compreensão de que para
conceber o eu é preciso sair da mente dualista, da divisão. É preciso, para o
zen budismo, estar aberto a perceber a unicidade de todas as coisas e de
sentir-se como parte do todo, ver-se refletido em tudo que há. Para além de
uma forma conceitual mais adaptada à linguagem acadêmica, a monja Coen
nos diz que “o ‘eu’ são todos os seres da grande Terra. Budas são tantos
quanto são os grãos da areia – incontáveis, infinitos.”. Só é possível a partir
de uma postura menos lógica acessar esta compreensão.
O infinito, todos os seres, a “Natureza Buda”, o tempo, a loucura, a
lógica, o bem e o mal, a unicidade, as emoções... Aquilo que não nasce, nem
morre. A mudança, a transformação, a vida, a própria existência. Não nasce,
nem morre. A monja nos diz que “Ser zen é Ser Tempo. Ser zen é Ser
existência.” O tempo, a existência. Aquilo que não nasce nem morre. O
absoluto, o relativo. Os opostos, a integração. O não nascido e o não morto.
O eu.
!
! 70!
Considerações finais
A interconexão de tudo
Neste trabalho de conclusão de curso, dediquei-me a investigar uma
discussão clássica do pensamento antropológico: a noção de pessoa. Vários
trabalhos se desenvolvem a partir desta temática, que, como lembra
Goldman (1996) é fundamental para o próprio avanço da disciplina. No
entanto, se partirmos da prerrogativa de Márcio Goldman e que surge como
um ponto pacífico na antropologia, a noção de pessoa muda de sociedade
para sociedade, de forma que cada lógica cultural concebe a pessoa de uma
maneira particular. Assim, minha investigação de deteve ao estudo de como
se dá a construção do “eu” dentro de uma religiosidade tradicional, o zen
budismo, que hoje vem sendo disseminada através dos mais
contemporâneos meios de comunicação – como o caso dos canais do
Youtube – por meio de uma religiosa que leva a figura feminina à posição de
líder espiritual.
Na reflexão aqui desenvolvida, procurei desmistificar a ideia do
indivíduo como sinônimo natural da noção de pessoa e assumi o zen
budismo como a religiosidade que propõe a prática da investigação e do
conhecimento de um determinado “eu”, que tanto queria descobrir. Pude
constatar que a ideia de “eu” se coloca em duas camadas, uma mais
superficial (eu-ego) e outra mais profunda (Natureza Buda), mas que são
interdependentes. A noção de um “eu” que se apresenta de maneira bipartida
pode nos levar à errônea constatação de que, para o zen budismo, o “eu” se
apresenta de forma dual. Na verdade, esta religiosidade não está ligada a
uma visão dualista da realidade, mas propõe a ideia de unidade, de
interconexão de tudo. Assim, da mesma forma que o “eu” é o que
denominamos de “eu-ego”, ele também é a “Natureza Buda”, é “o não
nascido”, assim como “o não morto”.
Eu sou eu, porque não sou esta ou aquela pessoa. Assim determina o
ego que, em vídeo, a monja descreve como “aquilo que é a nossa
! 71!
individualidade, aquilo que é uma personalidade que vai sendo criada a partir
das nossas experiências”1. Mas nós, de alguma forma, estamos habitando o
mesmo espaço, coexistindo. É isso que o zen budismo nos diz através da
monja Coen, quando ela afirma que o que existe é um “co-surgir
interdependente simultâneo”2. A partir desta ideia de co-surgir, podemos
então passar à possibilidade de pensar a pessoa como um agente que atua
em diferentes situações de maneiras diferentes, pois a cada nova situação e
experiência o “eu-ego” está co-surgindo com todos os elementos que compõe
a vida, como um “corpo gigante de matéria viva em eterna
transformação”.(COEN, 2004, p. 98).
Segundo Duarte & Aisengart (2017) as elites e classes médias da
contemporaneidade estão atadas à visão do indivíduo moderno, que é
determinada por um estilo de vida autocentrado, baseado em pilares trazidos
da família nuclear e de um desencantamento religioso, bem como uma
progressiva racionalização da forma de pensar a vida e o mundo. Esta forma
individualizada de pensar-se em relação ao mundo torna a capacidade de
compreender a proposta do zen budismo um tanto quanto dificultada, pois
para ser capaz de conceber a noção de um “cossurgir interdependente” é
preciso estar apto a perceber a si mesmo de maneira distanciada em relação
à estes pilares que formam a noção de pessoa pautada no individualismo
moderno.
O indivíduo enquanto conceito da modernidade aparece, então, como
uma noção que entra em declínio no que diz respeito à universalidade que
um dia lhe foi atribuída. Atualmente, vem sendo postulado dentro da
antropologia que a noção de pessoa é tão ampla como os modos de vida
social existentes. Em alguns contextos, como na Melanésia, a pessoa pode
ser “partível” e “divídua”, por exemplo ( Strathern 1988 e Gell 1998). Uma
identidade única, um self duradouro e impenetrável, um núcleo de essência
de si mesmo não é possível ser pensado quando adotamos a postura de
conceber que a pessoa é um constructo social em constante formação.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!1 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=sYVNaNpADks 0’59” 2 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=tzf7srfk_QM&t=127s&list=PLZ9-9MbIebj4yLXU5cGkLqbAESpMxUmq_&index=35 1’41”
! 72!
Nesse sentido, até mesmo no Ocidente, as teorias freudianas de que a
personalidade dos indivíduos se constitui, invariavelmente, até os sete anos
de idade vêm sendo questionadas pelas proposições foucaultianas e até
mesmo pelos estudos de trajetória – que enxergam a formação do “eu-
indivíduo” por meio de um processo de vida.
A filosofia zen budista permite que essa adaptabilidade seja concedida
ao homem sem que este entre em desgraça, como o que é comum no
pensamento cristão. Assumindo o que pudemos observar sobre o zen
budismo até aqui, assume-se que a natureza verdadeira e profunda do “eu” é
a “Natureza Buda”, presente em todas as coisas, situações e pessoas e é
impermanente – está em constante transformação.
Talvez, seja justamente essa abertura no pensamento zen budista,
transmitido pela monja Coen, que permita que essa cosmologia esteja a par
de muitas discussões tanto científicas, quanto filosóficas, políticas e até
mesmo relacionadas ao mundo das artes e do entretenimento, sem que se
perca o sentido de sacralidade da religião.
Isso não significa dizer que o zen budismo não pertence, como
religião, à dimensão sagrada da vida social. Existe uma prática, um
direcionamento, símbolos sagrados e uma hierarquia. Existe uma tradição,
bem como um discurso sagrado, uma figura sagrada histórica, líderes
religiosos espalhados pelo mundo e uma série de questões que são
perpassadas por dogmatismos inerentes às condições de uma tradição
religiosa. Porém, nada disso impede que se fale de contingências que são
consideradas tabus dentro de outras religiosidades, principalmente em
relação às contradições que religiosidades tradicionalmente cristãs embatem
diante aos progressos científicos, por estar atada a uma visão binária,
dualista e maniqueísta do mundo, enquanto o que busca o zen budismo é
justamente a capacidade de olhar para além da dualidade, inclusive a
dualidade entre ciência e religião.
Assim, o trabalho aqui apresentado nos demonstra que o pensamento
zen budista pode apresentar similaridades e conexões com as propostas
colocadas pelo desenvolvimento da própria antropologia, na medida em que
! 73!
as discussões apresentadas pelo fazer antropológico aqui apresentadas
estão orientando-se a uma possibilidade de conceituação que ultrapasse os
limites do binarismo imposto pelo pensamento moderno.
Monja Coen ao apresentar o zen budismo na contemporaneidade,
utilizando-se de ferramentas tecnológicas que permitem a maior profusão da
informação, nos revela que o objetivo maior desta religiosidade é desenvolver
no ser humano a capacidade de um olhar que também esteja menos atado à
forma dualista e maniqueísta de enxergar a realidade, algo que se faz tão
necessário no presente momento político que vivemos – talvez não apenas
no nosso país, mas em esfera global – onde a polarização das ideias e
posicionamentos tem nos alarmado em relação ao perigo que advém de
momentos como estes já vividos na história, e que na atualidade ganham
potencial maior de catástrofe. A monja define seu trabalho da seguinte
maneira:
O ensinamento que eu tenho e que eu transmito e que eu recebi, ele não é do século XX, XIX, XVIII, XIII, é alguma coisa que vem desde a antiguidade. Que vem desde a época de Shakyamuni Buda, que é o Buda histórico, que viveu na Índia há 2600 anos atrás. Eu não transformo. Eu não mudo esse ensinamento. Eu apenas traduzo para nossa linguagem atual. Na cidade de São Paulo, nas expressões que nós estamos acostumados3.
A antiguidade destes ensinamentos não perdem sua validade diante à
realidade contemporânea. As questões que movem a reflexão e as práticas
budistas são as mesmas que permeiam o imaginário humano nas suas mais
diferenciadas expressões. A noção de pessoa para essa religiosidade e a
própria a configuração do “eu” que ela carrega está muito mais atrelada a
noções que a ciência antropológica tem conseguido alcançar com seu
caminhar do que com as ideias que perpassam o senso comum ainda atado
a uma percepção de si mesmo deslocada das demais realidades, limitada a
visão de um eu individual que se define através da identificação do self com
esta ou aquela preferência ou tendência. A noção de “eu” que o zen budismo !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!3 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=1b_0G5PDpBA&index=4&list=PLZ9-9MbIebj4yLXU5cGkLqbAESpMxUmq_ 7’20”
! 74!
almeja permite vislumbrar uma expansão da consciência e da mentalidade,
onde o “eu-ego”, que não é negado em nenhum momento nos ensinamentos
da monja Coen, não limita-se à esta pequena percepção, e se vê como parte
da sociedade, parte da natureza, parte do cosmos. Essa aguçada percepção
de si mesmo potencializa a ação consciente do homem no mundo nas mais
variadas formas, e também pode habilitar a tomada da consciência política,
na medida em que o eu, ao se perceber como parte de uma coletividade,
compreende que suas ações não afetam exclusivamente a si mesmo.
Finalizando seu trabalho clássico, Mauss que é pioneiro nesta
discussão dentro da antropologia, nos coloca:
"De uma simples mascarada à máscara; de um personagem a uma pessoa, a um nome, a um indivíduo; deste a um ser com valor metafísico e moral; de uma consciência moral a um ser sagrado; deste a uma forma fundamental do pensamento e da ação; foi assim que o percurso se realizou. Quem sabe quais serão ainda os progressos do Entendimento sobre esse ponto?" (MAUSS, 2003, p. 397)
Foi buscando responder um pouco este último questionamento que se
construiu a espinha dorsal do meu trabalho. Para dar continuidade a essa
extensa investigação, da qual talvez nunca teremos total compreensão,
coloquei-me a investigar como a noção de pessoa está sendo pensada na
contemporaneidade dentro de uma religiosidade que cruzou os limites
geográficos, se instalou em nosso solo brasileiro e na figura da monja Coen
estabelece esse olhar de reflexão para o mundo atual, com todas as suas
contradições e demandas. Diante daquilo que a monja nos fez refletir,
percebemos que o “eu” pode ser compreendido em muitos níveis, e que para
o zen budismo a pessoa nunca é definida a priori, devendo ser pensada
como parte de uma grande teia, onde tudo está interconectado. Por meio dos
princípios de interdependência e inssubstancialidade, o zen budismo propõe
a prática da meditação como forma de alcançar uma visão menos polarizada
de si mesmo e do mundo, uma percepção que seja capaz de conceber o “eu”
para além dos limites do individualismo.
Referências
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b) Referências virtuais:
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COEN, Monja. Ancestralidade, política e falta de água - (1 de 4) - Monja Coen - Ep. 4 - Série SER - ZEN Budismo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=tzf7srfk_QM&index=35&list=PLZ9-9MbIebj4yLXU5cGkLqbAESpMxUmq_ COEN, Monja. Ancestralidade, política e falta de água - (2 de 4) - Monja Coen - Ep. 4 - Série SER - ZEN Budismo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=AdGJMOj3jG0&list=PLZ9-9MbIebj4yLXU5cGkLqbAESpMxUmq_&index=36 COEN, Monja. Ancestralidade, política e falta de água - (3 de 4) - Monja Coen - Ep. 4 - Série SER - ZEN Budismo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=YC_t2C8oTZc&index=37&list=PLZ9-9MbIebj4yLXU5cGkLqbAESpMxUmq_ COEN, Monja. Ancestralidade, política e falta de água - (4 de 4) - Monja Coen - Ep. 4 - Série SER - ZEN Budismo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=3J0_6c6FMaY&list=PLZ9-9MbIebj4yLXU5cGkLqbAESpMxUmq_&index=38 COEN, Monja. Autoconhecimento e o eu imaterial | Monja Coen | Palestra completa #12 | Zen Budismo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=l-Pc7PqX68g&index=12&list=PLZ9-9MbIebj4yLXU5cGkLqbAESpMxUmq_ COEN, Monja. A vida de Buda, iluminação e compreensão - (1 de 4) - Monja Coen - Ep. 5 - Série SER - ZEN Budismo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Xsb-q9EWwpY&index=31&list=PLZ9-9MbIebj4yLXU5cGkLqbAESpMxUmq_ COEN, Monja. A vida de Buda, iluminação e compreensão - (2 de 4) - Monja Coen - Ep. 5 - Série SER - ZEN Budismo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=BgGVatjaCKU&index=32&list=PLZ9-9MbIebj4yLXU5cGkLqbAESpMxUmq_ COEN, Monja. A vida de Buda, iluminação e compreensão - (3 de 4) - Monja Coen - Ep. 5 - Série SER - ZEN Budismo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=FI8GiFrmC80&list=PLZ9-9MbIebj4yLXU5cGkLqbAESpMxUmq_&index=33 COEN, Monja. A vida de Buda, iluminação e compreensão - (4 de 4) - Monja Coen - Ep. 5 - Série SER - ZEN Budismo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=5LxuEk_oqi0&list=PLZ9-9MbIebj4yLXU5cGkLqbAESpMxUmq_&index=34 COEN, Monja. Como aplicar o budismo no dia a dia e vencer o ego? | Monja Coen Responde | Zen Budismo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=sYVNaNpADks&t=59s COEN, Monja. Como o budismo vê o aborto? | Monja Coen responde | Zen Budismo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ANiwjwGDxf4 COEN, Monja. Compaixão, ganância, raiva e ignorância (1 de 4) - Monja Coen - Ep. 2 - Série SER - ZEN Budismo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=18F7S6Yux8M&list=PLZ9-9MbIebj4yLXU5cGkLqbAESpMxUmq_&index=43
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COEN, Monja. Compaixão, ganância, raiva e ignorância (2 de 4) - Monja Coen - Ep. 2 - Série SER - ZEN Budismo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=LByFyo7S2D4&index=44&list=PLZ9-9MbIebj4yLXU5cGkLqbAESpMxUmq_ COEN, Monja. Compaixão, ganância, raiva e ignorância (3 de 4) - Monja Coen - Ep. 2 - Série SER - ZEN Budismo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=8HPhm6R5QBI&list=PLZ9-9MbIebj4yLXU5cGkLqbAESpMxUmq_&index=45 COEN, Monja. Compaixão, ganância, raiva e ignorância (4 de 4) - Monja Coen - Ep. 2 - Série SER - ZEN Budismo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=3AaevNTNBx4&index=46&list=PLZ9-9MbIebj4yLXU5cGkLqbAESpMxUmq_ COEN, Monja. Deus, autoconhecimento e o corpo (Parte 1 de 4) - Monja Coen - Zen Budismo - Ep.9. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=QadGfw0ahEc&list=PLZ9-9MbIebj4yLXU5cGkLqbAESpMxUmq_&index=15 COEN, Monja. Deus, autoconhecimento e o corpo (Parte 2 de 4) - Monja Coen - Zen Budismo - Ep.9. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=uMU83tzPiEA&list=PLZ9-9MbIebj4yLXU5cGkLqbAESpMxUmq_&index=16 COEN, Monja. Deus, autoconhecimento e o corpo (Parte 3 de 4) - Monja Coen - Zen Budismo - Ep.9. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=GIaoqYsFsSc&index=17&list=PLZ9-9MbIebj4yLXU5cGkLqbAESpMxUmq_ COEN, Monja. Deus, autoconhecimento e o corpo (Parte 4 de 4) - Monja Coen - Zen Budismo - Ep.9. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=lcATfndnAIo&list=PLZ9-9MbIebj4yLXU5cGkLqbAESpMxUmq_&index=18 COEN, Monja. Essência do ser e renovação - (Parte 1 de 4) - Monja Coen - Ep. 6 - Série SER - ZEN Budismo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ZEzvC8rjo5Q&list=PLZ9-9MbIebj4yLXU5cGkLqbAESpMxUmq_&index=27 COEN, Monja. Essência do ser e renovação - (Parte 2 de 4) - Monja Coen - Ep. 6 - Série SER - ZEN Budismo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=IpdLGIiysUg&index=28&list=PLZ9-9MbIebj4yLXU5cGkLqbAESpMxUmq_ COEN, Monja. Essência do ser e renovação - (Parte 3 de 4) - Monja Coen - Ep. 6 - Série SER - ZEN Budismo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=DseiTH_eFJo&list=PLZ9-9MbIebj4yLXU5cGkLqbAESpMxUmq_&index=29 COEN, Monja. Essência do ser e renovação - (Parte 4 de 4) - Monja Coen - Ep. 6 - Série SER - ZEN Budismo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=eSxKbRybKaY&list=PLZ9-9MbIebj4yLXU5cGkLqbAESpMxUmq_&index=30
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