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Técnicas para Escrever Ficção - Júlio Rocha

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Técnicas para escrita

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  • Julio Rocha

    Tecnicas Para Escrever Fico

    Rio de Janeiro

    2013

  • Copyright(c)2013 Julio Rocha

    Ttulo Original: Tecnicas Para Escrever Fico

    Editorao: Livrateria - www.livrateria.com.br

    Publicao: Livrateria - www.livrateria.com.br

  • Dedico este livro a todos os escritores,

    que tornam nossas vidas mais

    ricas e alegres.

  • Agradecimentos

    Sem o incentivo das milhares de pessoas que assinam minhas newsletters e participam dosworkshops que ministro ao redor do pas, jamais teria escrito este livro. Obrigado. Muito obrigadomesmo, por acreditarem neste trabalho e no sonho de tornar o Brasil um dos principais celeirosliterrios do mundo.

    Agradeo minha esposa, por estar ao meu lado sempre e me apoiar incondicionalmente.Margaret Rocha eu te amo.

    Kyanja, obrigado pela pacincia e carinho na reviso dos meus textos.

    Tambm sou grato aos demais que colaboraram, direta ou indiretamente, para a realizao desteprojeto.

  • NDICE:

    PrefcioComo Ser Um EscritorComo Escrever as Primeiras LinhasComo Escrever um Bom IncioComo Descrever Personagens, Locais e ObjetosComo Estabelecer o Ponto de VistaComo Construir PersonagensComo Escrever DilogosComo Filtrar as Descries Atravs dos PersonagensComo Trabalhar os SentidosComo Fazer seu Leitor ChorarComo Fazer seu Leitor RirComo Manter o Leitor InteressadoComo Escrever FinaisComo Escrever Pensando em CenasComo Escrever Cenas de Lutas e CombatesComo Escrever Cenas de SexoComo Escrever Cenas de SuspenseComo Revisar seus TextosComo Escrever SinopsesComo Escrever a Quarta CapaComo Publicar Seus TrabalhosComo Divulgar Seus TrabalhosO WorkShop Tcnicas Para Escrever Fico

  • Prefcio

    H cerca de 10 anos, escrevi um livro sobre um perodo da minha vida em que me aventurei em umnegcio prprio. O empreendimento tratava-se, na verdade, de uma franquia de marketing de rede, emque eu recrutava novos participantes e divulgava os produtos para consumo e revenda pela minha redede franqueados. Depois de dois anos e algum sucesso alcanado, descobri que algumas pessoas euma das empresas envolvidas no negcio no eram exatamente como se mostravam nas reunies eseminrios que ocorriam com certa frequncia. Decidi investigar, j que estava apostando meu futuronaquele negcio. Encontrei elementos que demonstravam existir uma operao onde o principalobjetivo era enriquecer alguns poucos, arrecadando dinheiro de pessoas que no tinham condiesfinanceiras favorveis, mas que estavam dispostas a sacrificar a vida pessoal pelo sonho de setornarem financeiramente independentes.

    Desisti imediatamente do negcio e comecei a dar forma a uma trama literria, misturandorealidade com alguns elementos ficcionais e, pouco tempo depois, nasceu meu primeiro projeto de umlivro. Algumas pessoas leram e disseram que estava bom, mas no senti muito entusiasmo nasavaliaes. Depois de alguns dias pensando no que faria com o livro, tomei coragem e procurei umaagente literria. Ela me disse que poderia solicitar uma leitura do original a crticos que socontratados exclusivamente para avaliar se uma obra possui qualidade suficiente para despertarinteresse por parte de alguma editora. Este servio, claro, seria cobrado. Mesmo que o livro fosseaprovado pelos crticos, no existia qualquer garantia de que fosse publicado por alguma editora. Aseditoras, por sua vez, levam de seis meses a dois anos para dar uma reposta positiva para apublicao e, detalhe importante, quase sempre a resposta s vem ser for positiva. Na maioria doscasos, se a editora no se interessa pelo livro, simplesmente joga o original fora e fica por issomesmo. Isso, definitivamente, me desanimou e acabei deixando o projeto de lado.

    Alguns anos depois, mexendo em uma caixa com documentos antigos, dei de cara com o originaldo livro e decidi fazer uma leitura. No gostei. Alguma coisa no texto me incomodava muito. Pareciauma daquelas redaes de colgio que ganham uma nota 7 da professora de portugus e voltam comum bilhetinho dizendo: "Continue assim, voc tem talento para ser um grande escritor". Mas o queestava errado? Qual a diferena entre o que eu havia escrito e o que lia em livros como "O DossiPelicano", "O Cdigo Da Vinci", "Pappilon" e outros best- sellers famosos? Fiquei com isso nacabea. Uma semana depois, mais precisamente em 30 de novembro de 2003, aconteceu oassassinato de um dos diretores da Shell e de sua esposa, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. Essecrime ficou conhecido como "O Caso Staheli". Logo no incio, o caseiro foi apresentado como ruconfesso, mas depois de uma srie de contradies e mudanas no depoimento do suspeito, haviadvidas sobre o que ocorrera naquela noite. Teria sido um crime encomendado? Ou apenas vinganado caseiro por ter sido humilhado pelo patro? Agentes do FBI foram enviados para ajudar nasinvestigaes. Diante desse cenrio, pensei: a tem um bom assunto para um livro de suspensepolicial.

    Comecei a escrever. Escrevi dois ou trs captulos e no gostei do resultado. Fui at uma livraria ecomprei alguns livros sobre redao, mas nenhum deles me ajudava no que eu precisava. Os livrosapenas falavam em como empregar o portugus corretamente e sobre as diferentes tcnicasnarrativas. Fui para o Google e procurei por "dicas para escritores", sem sucesso. Quando procurei por

    "tips for writers", tive a grata surpresa de receber uma avalanche de resultados. Comecei a entrar em

  • "tips for writers", tive a grata surpresa de receber uma avalanche de resultados. Comecei a entrar emalguns sites americanos, australianos e ingleses. Existe muito material de estudo disponvel em inglse isso me animou. Estudei por seis meses, dedicando uma ou duas horas por dia, sempre buscandoentender as tcnicas que eram usadas pelos grandes escritores. Reli alguns livros de autores quegosto, mas nesse momento procurando identificar como eram aplicadas as dicas que eu estavaaprendendo. E, para minha surpresa, elas estavam todas l, sem excees. Todos, rigorosamentetodos os autores utilizavam as principais regras a que eu tive acesso atravs dos sites. Eu estavapronto para iniciar, oficialmente, minha carreira como escritor.

    Levei um ano escrevendo "Teia Negra" e, em novembro de 2005, o livro foi lanado. Dessa vez,decidi por uma produo independente, j que no queria esperar longos meses por respostas deeditoras que estavam mais preocupadas em vender autores j consagrados do que lanar novostalentos. Para divulgar o livro, publiquei um site na internet e comecei a enviar mensagens para amigose conhecidos. Vendi alguns exemplares, mas estava longe do que havia almejado, a princpio. Foi a

    que surgiu a ideia de publicar uma newsletter com as dicas que eu havia colhido em vrias fontesinternacionais. Logo de cara, foi um sucesso. Apareceram milhares de pessoas interessadas e asdicas tornaram-se sucesso de pblico e crtica. Isso me ajudou a vender livros e, principalmente,demonstrou a carncia de informaes sobre como escrever e publicar trabalhos de fico aqui noBrasil. Quando atingi, com minhas dicas, um nmero de leitores estimado em mais de 100.000

    pessoas, tive o insight de criar um workshop para escritores. Durante o workshop, tenho aoportunidade de transmitir conhecimento de uma forma muito mais efetiva e personalizada, ajudandoescritores ou candidatos a escritores a agregar as poderosas tcnicas utilizadas pelos grandesautores ao seu talento e estilo - sendo esses ltimos, pessoais e intransferveis.

    Escrever este livro a consequncia natural deste processo. Espero que voc possa aproveitar asprximas pginas para aprimorar sua tcnica e transformar seus textos em futuros best-sellers.

    Ao longo da obra utilizarei apenas a palavra genrica "escritor", mas esclareo desde j queestarei me referindo tanto a escritores quanto a escritoras.

  • IComo Ser Um Escritor

    Este tpico indito, no tendo sido publicado em minhas newsletters, mas considero-o o maisimportante de todos. Quando voc poder dizer ao mundo que um escritor? Qualquer um queescreva um pequeno texto e publique em qualquer formato (eletrnico ou papel) pode ser consideradoum escritor, mas ser um escritor "de verdade"?

    As seis regras a seguir definem o que voc deve fazer para ser considerado um escritor:

    1. preciso que voc escreva! Parece bvio, no mesmo? Mas muita gente sonha em serescritor, estuda para ser escritor, planeja seu primeiro livro, mas jamais escreve a primeira linha. Notem tempo para isso? Ento, conquiste esse tempo! Mesmo que voc escreva apenas uma linha pordia, mas escreva.

    2. Termine seus textos. Voc no saber se seu trabalho bom ou ruim enquanto seu texto notiver incio, meio e fim. Somente ser possvel melhorar um texto quando esse estiver concludo. Mesmoque no incio voc ache que no est bom, continue e complete. Eu s obtive sucesso com Teia Negra,depois de escrever meu primeiro texto sobre a empresa de marketing de rede e constatar queprecisava melhorar. Eu jamais teria chegado a esse ponto se no tivesse escrito meu primeiro livrocom incio, meio e fim. Aproveitando este tpico, no deixe que avaliem parcialmente seu trabalho.Muitas vezes, no possvel enxergar o verdadeiro significado de um captulo sem que a obra inteiraseja lida. Esse mais um motivo para que voc finalize o que comeou.

    3. No fique revisando eternamente. Aprenda a abandonar sua histria. Se voc ficar revisando,revisando e revisando, nunca ir terminar. A cada releitura ir encontrar alguma coisa para mudar eeste processo tende ao infinito. Faa apenas as revises necessrias e pronto! Deixe que seu filhoganhe o mundo. Somente faa uma nova reviso, caso seu editor ou revisor tenha sugestes paramelhorar a histria ou a apresentao do texto para seu pblico-alvo.

    4. Publique! No adianta escrever e no ser publicado. Seu livro precisa sair da gaveta e ir para omercado. No adie isso. Envie seus originais para as editoras assim que o texto estiver pronto. Se noconseguir ser publicado e acreditar em seu talento, publique por conta prpria. Vou falar sobre isso nocaptulo "Como Publicar Seus Trabalhos".

  • 5. Insista at ser publicado. Se seu trabalho for rejeitado pelas primeiras editoras s quaisencaminhou, no desista. Procure outras editoras e formas alternativas de vender seu trabalho.Stephen King em seu livro "On Writing", diz que seu primeiro livro "Carrie, a Estranha" foi rejeitadomais de uma centena de vezes antes de ser aceito para publicao;

    6. Comece o prximo livro. No espere at que seu primeiro texto seja publicado. Quando terminaro primeiro, comece o segundo imediatamente. Um escritor de verdade avaliado pelo conjunto de suaobra e no por um nico livro.

    Teia Negra foi o primeiro trabalho que decidi publicar. Tomei a deciso de public-lo de formaindependente. Alm do fato j mencionado de no estar disposto a aguardar as respostas daseditoras, essa foi uma estratgia que planejei para minha carreira como escritor. O mercado de livrosaqui no Brasil bastante reduzido e poucos autores brasileiros conseguem ser publicados. Eu sabiaque, mesmo meu trabalho sendo considerado de excelente qualidade e bastante comercial, no serianada fcil conseguir uma boa editora. Estava disposto a investir na minha carreira, ciente de que teriade colocar algum dinheiro nisso. Alguns autores acreditam que devem investir apenas depois queforem reconhecidos e comear a vender livros, mas infelizmente essa no a ordem natural dascoisas. Primeiro preciso investir, para depois ser reconhecido. Mas, Julio, voc est falando de

    investir exatamente em qu? Em muitas coisas. Eu investi na construo do meu site, no lanamentodo livro, na divulgao, entre outros. O maior investimento foi na publicao, mas com esse voc noprecisa se preocupar necessariamente, caso consiga uma editora.

    Voc deve mostrar para as pessoas que um escritor. H vrias formas de autopromoo, aindamais com a internet colocando bem sua frente milhes de pessoas a apenas um clique de distncia.No captulo "Como Divulgar Seus Trabalhos" abordarei esse assunto com mais detalhes. claro quevoc se promove com pouco ou praticamente nenhum gasto, mas tome cuidado com a imagem quedeseja passar. Ter seu prprio domnio na Web, por exemplo, um grande diferencial e nem custatanto dinheiro assim. Fazer um site com aparncia profissional ainda mais importante, portanto noeconomize nesse quesito.

    Agora, j com algum reconhecimento do pblico e com mais de vinte mil leitores na bagagem,posso procurar uma editora com maiores chances de ser publicado. Mais do que isso, acredito quepoderei me dar ao luxo de escolher entre duas ou mais editoras, apenas pelos contatos que j fiz nestesentido. Estou falando do meu segundo livro que ir para o mercado e est a caminho - na verdade oterceiro, j que este que voc est lendo o segundo. Esta presente obra sobre as tcnicas paraescrever, por exemplo, foi encomendado pela editora, ou seja, no lugar de enviar originais e aguardaruma resposta, fui presenteado com uma oferta de publicao e cobranas de "quando o livro vai ficarpronto?". Nada mais gratificante para um escritor do que ouvir essa pergunta de seu editor, noconcorda?

    Aproveito este captulo para tocar em um ponto importante. Voc escreve apenas por hobby ouprofissionalmente? Quando digo profissionalmente, refiro-me a publicar um trabalho algum dia, mesmoque ainda no ganhe dinheiro com a profisso. Aos que pretendem ser escritores profissionais necessrio ter disciplina e escrever regularmente, mesmo quando no estiver se sentindo inspirado.Contraditrio? Afinal, voc deve estar pensando: "como posso escrever bem se no estiver

  • inspirado?". O problema que se ficar esperando a inspirao aparecer, pode ser que demore muito evoc morra de fome! Mesmo sem estar inspirado, escreva algumas linhas todos os dias. Dessa forma,estar estimulando sua inspirao e, de uma hora para outra, ela aparece e voc ser capaz de revisaro que tiver escrito "mecanicamente" e, a sim, colocar a sua energia que ir iluminar a vida de muitosleitores.

    Se voc continua disposto a ser um escritor de verdade, vamos ao que interessa nos prximoscaptulos.

  • II

    Como Escrever as Primeiras Linhas

    muito bom quando nos sentamos em frente ao teclado e comeamos a escrever imediatamente.As ideias parecem surgir como mgica em nossa mente e conseguimos progredir bastante em umcurto espao de tempo. Pena que isso no acontea todos os dias, pelo menos para a maioria de ns.E quando a inspirao no aparece, o que fazer?

    Abaixo vou dar algumas sugestes que podem ajudar a remover bloqueios criativos e tornar oprocesso de desenvolvimento do texto mais fluente:

    1. Jogue por alguns minutos. Antes de comear a escrever, precisamos nos desligar do mundoexterior. Jogar pacincia ou algum outro jogo que permita nos distanciar dos problemas da vida farcom que nossa mente "desperte" e esteja mais preparada para criar. Jogos de estratgia so aindamelhores, pois estimulam nossa criatividade e nosso pensamento lgico;

    2. Escreva sobre outras coisas. No lugar de trabalhar logo de cara em seu projeto principal,escreva sobre algum outro assunto. Descreva o cmodo onde voc est ou escreva um conto sobre oque ocorreu com voc na noite anterior. Depois de alguns minutos fazendo isso, voc perceber queao voltar-se para seu projeto principal, as ideias fluiro com mais facilidade;

    3. Escreva um e-mail ou uma carta. Escolha uma pessoa que goste de ler seus textos e escrevauma breve histria para ela. Pode ser um poema, um conto, uma piada ou qualquer outra coisa. Osimples fato de estar escrevendo, ir energizar sua mente e permitir que voc produza como nunca;

    4. Escute msica clssica. Ajuda a relaxar e traz inspirao. claro que se voc achar que Rock

    and Roll mais adequado para seu caso, fique vontade;

    5. Procure por artigos ou notcias relacionadas ao tema que est escrevendo. Por exemplo, sevoc escreve sobre um assalto a banco, procure matrias em jornais sobre esse tipo de assalto. Ao leralgo relacionado sua trama, voc expande os horizontes e percebe novos elementos que podem serutilizados em sua narrativa;

    6. Leia um livro ou assista a um filme na mesma linha da sua trama. Ao se identificar e se envolver

  • com a histria, voc passa a ter novas ideias para usar em seu texto;

    7. Pense em um assunto qualquer e comece a escrever sobre o mesmo. Escreva sem sepreocupar com gramtica, pontuao ou utilizao das palavras adequadas. Faa isso sem parar, porcerto perodo de tempo e depois volte para seu projeto;

    8. V dar uma volta na rua. Observe as pessoas e o que elas esto fazendo. Escute algumasconversas. A vida real ajudar sua mente a encontrar caminhos alternativos e interessantes para suatrama.

    As dicas acima servem para que voc tenha inspirao para escrever naquele exato momento,mas existem outras formas de tornar o processo mais fcil e prazeroso. O mais importante desenvolver os hbitos necessrios para que se sinta vontade ao se sentar na frente de um tecladoou pegar sua caneta para escrever. Entre esses hbitos esto:

    1. Escreva todos os dias, nem que seja apenas algumas linhas ou muitos pargrafos de uma svez. Identifique em que horrio voc est mais confortvel para escrever. Algumas pessoas preferemescrever pela manh, outras noite. Tire apenas um dia na semana para descansar e fazer outrascoisas, nos demais escreva;

    2. Leia muito. Leia diferentes autores e diferentes tipos de literatura. claro que deve ler maissobre o tema sobre o qual escreve, afinal o que voc realmente mais gosta, ou pelo menos deveriaser. Ler muito enriquece seu vocabulrio e melhora sua forma de escrever a partir da identificao comas tcnicas utilizadas pelos seus autores prediletos. Se voc no for um leitor compulsivo, jamais serum bom escritor;

    3. Faa pesquisas sobre o que estiver escrevendo. Procure referncias reais e corretas sobredatas, locais e acontecimentos. Entreviste pessoas que trabalham nas reas em que seus principaispersonagens atuam. Se seu protagonista um mdico pediatra, procure um na vida real e perguntesobre sua rotina, sua formao, histrias de sua carreira, problemas e dificuldades que tenhaenfrentado etc. Ao escrever sobre a cozinha de um restaurante, use seu direito de visitar a cozinha deseu restaurante favorito e faa perguntas ao cozinheiro. Veja como a comida preparada e como ogerente administra o dia a dia do estabelecimento. Isso dar credibilidade ao que voc escreve e seuleitor perceber esta diferena em seus textos;

    4. Escreva de acordo com seu pblico-alvo. Por exemplo, se estiver escrevendo para crianas,no use termos difceis e longos pargrafos. De um modo geral, no use termos tcnicos que nopossam ser explicados com facilidade por algum de seus personagens;

    5. Revise seu texto quanto a erros de grafia, gramtica e acentuao. Eu, por exemplo, no sou

  • muito bom com algumas regras de gramtica, por isso sempre peo a algum que faa a reviso final.Desde que lancei meu livro e comecei a publicar a newsletter com as dicas para escrever, tenhorecebido textos de diversos supostos escritores que escrevem "preguissa" no lugar de "preguia","licensa" ao invs de "licena" e outros erros muito mais graves. O leitor ir parar de ler seu texto assimque encontrar os primeiros erros gritantes de grafia, portanto seja cuidadoso nesse quesito. Tenhasempre uma boa gramtica ao seu lado para tirar as dvidas mais comuns, como o uso dos porqus,acentuao, etc. Existem algumas excees, claro. Se voc est escrevendo um dilogo entre um

    traficante e um viciado em drogas, no ir usar: "Vamos nos encontrar no alto do morro", masprovavelmente: "Vamo l pra cima, cumpadi." Nesse caso, subebtende-se que no voc quemescreve errado, mas sim seu personagem que no fala corretamente a lngua portuguesa. Em algunsoutros casos eu, particularmente, prefiro utilizar uma linguagem mais popular a seguir estritamente asregras gramaticais. Um exemplo seria usar "Me diga se no estou certo" no lugar de "Diga-me se no

    estou certo." De qualquer forma, isso fica por sua conta e risco. Esses desvios que iro formar seuestilo, prprio e nico de escrever. Falarei mais sobre esse assunto no captulo "Como Revisar SeusTextos";

    Dica: se voc escreve em seu computador ou notebook e possui uma conexo direta com aInternet, assim como eu, uma tima gramtica on-line pode ser acessada atravs do endereohttp://www.gramaticaonline.com.br.

    6. Ande sempre com um bloco ou caderno e uma caneta. Os mais acostumados com tecnologia,como no meu caso, podem usar um PDA (pequeno computador porttil que pode ser utilizado inclusivecomo celular). As ideias para uma trama ou a soluo para tirar seu personagem principal daenrascada em que voc o colocou na noite anterior podem surgir a qualquer momento. Estejapreparado para anot-las.

    Pronto para comear? Ento, o prximo captulo ir dar o pontap inicial na sua carreira.

  • III

    Como Escrever um Bom Incio

    Fogo! Fogo!

    Aposto que despertei sua curiosidade apenas com esta curtssima linha. Seus olhos passaramrapidamente para a linha seguinte, procurando por respostas. Estou errado? Voc no pensou no quepoderia estar pegando fogo? Ou ser que o personagem torcedor do Botafogo e est empolgadocom seu time? O incio de um texto deve ser o gancho para que o leitor compre a sua ideia. J reparoucomo um livro analisado por um possvel comprador em uma livraria? Ele olha a capa, l a sinopse noverso e procura por informaes nas orelhas. Alm disso, na maioria das vezes, o leitor l as primeiraspginas e toma sua deciso de ficar ou no com o livro com base no incio da histria! O papel doprimeiro captulo ou prlogo fazer com que o leitor tenha vontade de continuar lendo. Mas como fazerisso? Simples: o incio deve conter elementos que despertem curiosidade. Os primeiros pargrafosadiantam o que o leitor deve esperar do restante do texto. Seja direto e comece com um conflito ououtro ponto de tenso. No perca tempo descrevendo em demasia personagens ou locaes.

    Existem alguns formatos que voc pode usar para iniciar seu texto:

    1. Descrio provocativa. Difcil de empregar, mas bastante eficiente se realizada de formacorreta. Veja um exemplo extrado do livro "O Jogo do Anjo", de Carlos Ruiz Zafn:

    "Naquela poca, a rua Nou de la Rambla exibia um corredor de lampies e cartazes luminososque cruzava a escurido do Raval. Cabars, sales de baile e locais de difcil denominaoacotovelavam-se em ambas as caladas com casas especializadas em males venreos e lavagens,

    que ficavam abertas at o amanhecer, enquanto gente de toda laia, desde filhinhos de papai de certaposio at membros das tripulaes dos navios atracados no porto, misturava-se com todo tipo de

    personagens extravagantes que viviam para a noite. Dos dois lados da rua, abriam-se vielasestreitas, sufocadas pela nvoa, que abrigavam um rosrio de prostbulos com preosdecrescentes."

    Segue-se a esse trecho inicial mais um pargrafo descritivo e outro onde a ao iniciada, pormeste primeiro trecho crucial para manter o leitor interessado. Ao imaginar um lugar como o descritoacima, possvel antecipar uma histria repleta de personagens e locaes interessantes.

    2. Personagem misterioso ou com caractersticas fora do comum. Abaixo um exemplo:

  • "Charlote tinha apenas um dos dedos de sua mo direita completo. Os outros dedospraticamente no existiam, eram apenas unhas afiadas, prontas para rasgar a pele de algum

    desavisado."

    Aqui, algumas das perguntas na cabea do leitor so: como a mo direita de Charlote ficou destaforma? O que ela far com suas unhas afiadas?

    3. Notcia ou fato histrico (real ou imaginrio). Esta tcnica muito utilizada por Dan Brown(Cdigo Da Vinci, Anjos e Demnios) e por Robert Ludlum (Identidade Bourne). Veja um exemploextrado de Anjos e Demnios:

    "FATO

    O maior estabelecimento de pesquisa cientfica do mundo - Conseil Europen pour LaRecherche Nuclaire (CERN) -, na Sua, recentemente conseguiu produzir as primeiras partculasde antimatria. A antimatria idntica matria fsica, exceto por ser composta de partculas cujas

    descargas eltricas so inversas quelas encontradas na matria normal.

    A antimatria a mais poderosa fonte de energia conhecida pelo homem. Libera energia com

    100 por cento de eficincia (a fisso nuclear 1,5 por cento eficiente). A antimatria no poluentenem radioativa, e bastaria uma gota para abastecer a cidade de Nova York de energia por um dia

    inteiro.

    H, porm, uma ressalva... A antimatria extremamente instvel. Incendeia-se ao entrar em

    contato com qualquer coisa, inclusive o ar. Um nico grama de antimatria contm energia igual de uma bomba nuclear de 20 quilotons - o tamanho da bomba que caiu sobre Hiroshima.

    At bem recentemente, a antimatria tinha sido criada apenas em quantidades bem reduzidas(alguns tomos por vez). Agora, porm, o CERN comeou a trabalhar com o novo desacelerador de

    antiprtons - um avanado aparelho que promete criar antimatria em quantidades maiores.

    Resta uma pergunta: ser que essa substncia to voltil vai salvar o mundo ou ser usada para

    gerar a mais mortfera arma de todos os tempos?

    NOTA DO AUTOR

    Todas as referncias a obras de arte, a arquitetura, a tneis e a tumbas em Roma sointeiramente factuais (assim como suas localizaes exatas). Essas obras e monumentos aindapodem ser vistos hoje. A fraternidade dos Illuminati tambm factual."

    Nesse livro, Dan Brown leva o conceito de incio impactante ao extremo. Veja o trecho que vemlogo em seguida:

  • "O fsico Leonardo Vetra sentiu cheiro de carne queimada e sabia que era a sua. Levantou osolhos, aterrorizado, para a figura sombria que o dominava.

    - O que voc quer?

    - La chiave - respondeu a voz rascante. - A senha.

    - Mas eu no...

    O intruso curvou-se de novo para a frente, pressionando com mais fora o objeto em brasa nopeito de Vetra. Ouviu-se um chiado de carne grelhando. Vetra gritou alto, agoniado.

    - No existe senha nenhuma! - E sentiu que mergulhava na inconscincia.

    O rosto do homem encheu-se de uma fria contida.

    - Ne avevo paura. Era o que eu temia.

    Vetra esforou-se para manter os sentidos, mas a escurido envolvia-o pouco a pouco. Seu

    nico consolo era saber que o agressor jamais obteria o que viera buscar. Um momento mais tarde,porm, o homem fez aparecer uma lmina e ergueu-a diante do rosto de Vetra. A lmina adejou noar. Precisa. Cirrgica.

    - Pelo amor de Deus! - gritou Vetra.

    Mas era tarde demais."

    Essa ltima parte serve de exemplo para a prxima tcnica, que a de comear no meio da ao.

    4. Inicie no meio de uma ao ou conflito. Alm do exemplo acima de Anjos e Demnios, podemoscitar alguns outros.

    "No futuro ele vai invadir a cidade. Por enquanto s paisagem: mar, mar, mar. Do outro lado,

    pensou, a frica. Olhou em torno, o quarto era pequeno. Colcho, mesa, duas cadeiras, livros e CDsespalhados, CD-player, mochila, garrafinhas d'gua e uma janela. L fora gente falando, rdioligado, cachorro latindo e o esgoto aberto. Como se a frica estivesse ali mesmo. Uma velha subia

    os degraus acompanhada de um garotinho preto. Luger cromada enfiada dentro da bermudavermelha, o garoto percebeu que era observado."

    O incio do livro "Os Insones" de Tony Bellotto nos leva a questionar quem est observando ogaroto. Por que o garoto est armado? Que lugar aquele?

    Agora observe o incio do meu livro, Teia Negra:

  • "Assim que entraram no apartamento, Robert foi direto ao escritrio pegar alguns papis edeixou seu convidado aguardando na sala. Ao abrir a gaveta do pequeno arquivo de madeira, sentiu

    um calafrio e virou-se repentinamente. Uma pistola com silenciador estava apontada para suacabea. O cano longo, a poucos centmetros de sua testa, exalava o cheiro dos restos de plvora dasvezes anteriores em que a arma fora usada. Sem que qualquer palavra fosse dita, o gatilho foi

    puxado. A bala entrou um pouco acima dos olhos, fazendo Robert cair, quase queinstantaneamente."

    Repare que nesse nico pargrafo coloquei na mente do leitor diversos questionamentos: Quem Robert? Quem o matou? Por que ele foi morto?

    No de admirar que essa seja a tcnica mais utilizada pelos autores, j que verstil e maispoderosa do que as demais. Leia os primeiros captulos de livros dos autores que voc admira eaprenda com eles! Uma dica para um bom incio pegar uma parte do texto do meio ou do final dolivro (seja um captulo ou pargrafo) e traz-lo para o incio. Este prlogo do Teia Negra era umpargrafo que, originalmente, fazia parte do Captulo 4!

    Pode parecer estranho, mas o ideal voc deixar para trabalhar o incio do seu livro depois quetiver terminado de escrever toda a histria. O incio a parte mais importante, pois ele que irdeterminar se sua obra ser lida at o final.

    Mas no s atravs de incios que as histrias so contadas, portanto, vamos em frente.

  • IV

    Como Descrever Personagens, Locais e Objetos

    Este costuma ser um ponto em que o escritor torna-se superficial demais ou acaba exagerandonas descries e deixa o leitor cansado e desanimado com a leitura. Encontrar um meio-termo nemsempre fcil, mas temos algumas coisas para levar em conta antes de descrever um local, objeto oupersonagem.

    Se voc est descrevendo alguma coisa corriqueira e conhecida, deixe os detalhes de lado. Sejaespecfico. Exemplo: vamos supor que o heri de sua histria encontrou a porteira de uma fazendafechada e ter de dar um jeito de abri-la ou pular por cima. Nesse caso, basta mencionar que existe aporteira. No necessrio dizer que a porteira formada por tbuas de cerejeira, pintada de branco,com uma tranca do lado esquerdo etc, etc, etc. Todo mundo sabe como uma porteira! claro queexistem situaes em que se torna importante mencionar um detalhe ou outro, desde que esse interfiradiretamente em uma ao. Se o heri pular a porteira e ficar enganchado em um prego gigante, vocpode dizer que "a porteira possua pregos gigantes apontados para cima...".

    Para descrever algum objeto pouco comum ou um extraterrestre que veio roubar nossos tesouros,a sim, voc pode esmiuar os detalhes para gerar na mente do leitor a imagem que deseja. Dequalquer forma, no abuse. Deixe o leitor imaginar e criar sua prpria verso do personagem. No livro"Anjos e Demnios", Dan Brown faz uma extensa descrio de um objeto: o tubo que guarda a"antimatria". Aposto que voc nunca viu um. Pois , nem eu. Mas agora j tenho uma ideia bastanteexata de como ele ! Nesse caso especfico, torna-se importante descrever em detalhes, mas se vocj leu esse livro ir perceber que o objeto no foi descrito de uma s tacada. Dan Brown tomou ocuidado de espalhar os detalhes em meio a dilogos e narrativas de aes. Mais importante do queisso, ele usou um objeto bastante conhecido de todos ns para definir logo de cara a aparncia dotubo: uma embalagem de bolas de tnis. Dessa forma, conseguiu o que queria e no cansou o pobredo leitor.

    Veja estes trechos de "Teia Negra":

    "Vinte minutos depois, Michael passava pelo porto de ferro da manso Wong, onde viviam BeiWong, sua esposa Lisa e a filha, Samanta."

    "Todas as vezes que ele entrava naquela casa, no deixava de admirar a grandiosidade dolugar. O imenso lustre de cristal, pendurado no centro do hall de entrada, dava um ar aristocrtico ao

    lar dos Wong. Alguns vasos orientais e pequenos enfeites no escondiam as razes da famlia. O

  • aroma de canela, proveniente do discreto altar em um dos cantos da sala, completava a atmosferade paz e serenidade."

    No primeiro trecho, cito o porto de ferro da manso e s. Voc j imaginou como o porto?Preciso descrever? J no segundo trecho, procuro descrever a manso e dar certa personalidade aolugar. Vamos ver se funcionou. Ao ler o texto, voc deve ter imaginado a manso completa e nosomente os poucos detalhes que eu descrevi, correto? Ser que na "sua" manso existe uma imensaescada de mrmore que leva a um segundo andar? Voc colocou um lindo tapete oriental bem nocentro da sala? Voc montou o restante da manso com a sua imaginao, mas as dicas que eu dei olevaram na direo certa. isso que o escritor deve fazer: guiar o leitor e deixar que ele experimente eviva sua prpria aventura.

    Por outro lado, a descrio muito bem-vinda para imprimir ritmo, ao, emoo e suspense emuma cena. Veja abaixo um exemplo de como a falta de descrio pode deixar o texto totalmente semvida:

    "- Afinal, quem matou o porteiro? - Perguntou o delegado.

    - Foi o gari, doutor, foi ele quem matou! - disse o investigador."

    Agora a verso usando a descrio como ferramenta para melhorar a qualidade do texto:

    "O delegado entrou na sala, onde j estavam o investigador, o gari e o jardineiro e bateu porta.

    Antes mesmo de sentar-se em sua poltrona de couro que cheirava a cigarro, disparou.

    - Afinal, quem matou o porteiro?

    O investigador abaixou a cabea. O tic-tac do relgio na parede era o nico som que podia ser

    ouvido na sala. Todos olhavam para o investigador, aguardando uma resposta. Ele suspirou,levantou a mo lentamente e apontou para o gari.

    - Foi o gari, doutor, foi ele quem matou!"

    Sentiu a diferena? Agora existe tenso, nervosismo, cheiro de cigarro e o barulho do relgiodemonstrando que todos ficaram em completo silncio na expectativa por uma resposta doinvestigador. Muito melhor, no acha?

    Resumindo: escreva em detalhes apenas o que importante e use as descries para melhorar aqualidade do seu texto!

  • VComo Estabelecer o Ponto de Vista

    Este um tpico muito importante para quem escreve romances ou textos que exigem a definiode um ponto de referncia atravs do qual a "cena" que est sendo narrada ir ser filtrada. Ponto devista, mais conhecido como POV (Point of View), quando no usado corretamente pode deixar o leitorconfuso e tornar a leitura cansativa.

    A primeira deciso que voc precisa tomar se ir narrar em primeira ou terceira pessoa. Ao

    narrar em primeira pessoa (eu fiz isso ou aquilo), voc perde flexibilidade, embora fique mais fcil aidentificao do leitor com o personagem. O grande problema enfrentado pela narrao em primeirapessoa o fato de se estar restrito ao que o personagem narrador pode ver, sentir ou ouvir. Nesseformato no possvel, por exemplo, dividir seus personagens em ncleos, com aes separadas notempo e no espao. Se voc estiver narrando um roubo a banco em primeira pessoa, ter de escreveralgo do tipo:

    "Passei pela porta giratria, sem que o segurana notasse a arma embaixo do meu casaco decouro. Meu amigo, que trabalha como faxineiro naquela agncia, me disse que o detector de metaishavia sido desativado no dia anterior e levaria uma ou duas semanas at que voltasse a funcionar.

    Fui direto at o caixa e, discretamente, apontei a arma para a moa que me atendeu. Ela arregalouos olhos e comeou a separar o dinheiro para me entregar. Nada precisava ser dito naquelemomento. Parecia fcil demais. Assim que peguei o envelope com dois ou trs maos de notas, deimeia-volta e fui em direo porta. A polcia j estava l."

    J em terceira pessoa, o narrador atua como um ser onipresente, que tudo v, ouve e sente. Veja omesmo texto, agora escrito em terceira pessoa:

    "Denise aguardava a entrada do prximo cliente na agncia, naquele momento completamentevazia. Viu quando o homem com casaco de couro passou pela porta giratria. O guarda apenasolhou distraidamente para o sujeito e voltou a conversar com o gerente. Ela sabia que o detector demetais havia sido desativado no dia anterior e levaria uma ou duas semanas at que voltasse a

    funcionar; at o faxineiro sabia disso, mas mesmo assim a segurana no fora reforada. O homemcaminhou diretamente at seu caixa e, por baixo do casaco, apontou uma arma, sem dizer nada.Denise sentiu as pernas dormentes e por uma frao de segundos achou que iria desmaiar, masrapidamente comeou a pegar o dinheiro. Enquanto separava as notas, porm, sua mo alcanou oalarme silencioso, ligado diretamente delegacia a apenas duzentos metros do banco. O assaltante

    estava nervoso demais para notar aquele movimento.

  • #Na delegacia, uma sirene alta e aguda soou e Reinaldo acordou assustado de seu cochilo apso farto almoo na churrascaria.

    - Que merda - resmungou.

    Ele pegou sua arma na gaveta e gritou para Narciso, que estava encostado no balcorabiscando alguma coisa.

    - Narciso! Desliga esse troo e vamo v o que ta pegando l no banco.

    Os dois entraram na viatura e saram em disparada.

    #

    Assim que a moa do caixa entregou o envelope a Miguel, ele deu meia-volta e caminhou emdireo porta do banco. Foi quando viu os policiais entrando de arma em punho na agncia."

    Repare que em terceira pessoa o escritor possui uma liberdade muito maior. O narrador pode irdo banco at a delegacia e narrar o que se passa nos dois locais, enquanto a ao est emandamento. Este o formato escolhido em mais de 90% das obras literrias. muito mais fcilescrever assim. exatamente por essa facili dade de ser onipresente que autores inexperientes, comoeu ao escrever o texto sobre a empresa de marketing de rede, caem na armadilha do "Ponto de Vista".Essa armadilha consiste basicamente em deixar de determinar um personagem atravs do qual a cenaser filtrada. No final das contas, como uma espcie de terceira pessoa, mas limitada dentro da cenaque estiver sendo narrada. O problema ocorre quando o POV trocado de um personagem para outro,sem que a troca fique bastante clara para o leitor. Escritores experientes conseguem fazer estamudana de POV usando alguns recursos como pular uma linha ou apenas inserindo algumas dicas noprprio texto, fazendo com que o leitor realize a transio sem maiores problemas. J escritores queainda no dominam completamente essa tcnica, devem utilizar recursos mais claros, como oencerramento de um captulo e incio do prximo em outro POV. Eu, particularmente, procuro memanter o mximo possvel dentro do POV que iniciou o captulo. Acho mais fcil de gerenciar e atmesmo de escrever a cena. Repare que no texto que escrevi como exemplo, utilizo o POV atravs deDenise, a moa do caixa, no primeiro bloco. Depois troco de bloco usando o smbolo "#" e passo oponto de vista para Reinaldo, o investigador. No terceiro bloco, de volta ao banco, o ponto de vistaagora de Miguel, o assaltante.

    Eu teria cometido um erro de POV se tivesse escrito o primeiro bloco do ponto de vista de Miguelda seguinte forma:

    "Miguel passou pela porta giratria, sem que o segurana notasse a arma embaixo do seu

    casaco de couro. Seu amigo que trabalha como faxineiro naquela agncia disse a ele que o detectorde metais havia sido desativado no dia anterior e levaria uma ou duas semanas at que voltasse a

  • funcionar. Ele foi direto at o caixa e, discretamente, apontou a arma para a moa que o atendeu. Elaarregalou os olhos e comeou a separar o dinheiro. Nada precisava ser dito naquele momento.Parecia fcil demais. Ele s no percebeu quando a mo da moa deslizou rapidamente para baixo

    do balco e ativou o alarme silencioso, ligado diretamente na delegacia que ficava apenas aduzentos metros dali."

    J reparou onde est o problema? Est no trecho final do pargrafo: "Ele s no percebeuquando a mo da moa deslizou rapidamente para baixo do balco e ativou o alarme silencioso,ligado diretamente na delegacia que ficava apenas a duzentos metros dali." Como Miguel possui oponto de vista da cena e esta narrada atravs dele, no possvel que ele deixe de perceber algumacoisa. Se ele no percebe, simplesmente no tem como narrar. Provavelmente, ele tambm ignora ainformao de que o banco possui um alarme silencioso ligado diretamente na delegacia, ou seja,nesse trecho o ponto de vista deixou de ser de Miguel e passou a ser da atendente. Como ainformao do alarme importante para o desenrolar da ao, a soluo usar a abordagem do textoanterior, ou seja, trocar o ponto de vista da cena para Denise. Note ainda que, ao trocar o ponto devista de um personagem para outro, o nome do outro omitido, sendo referenciado apenas como"homem" no caso de Miguel e nesse ltimo "moa do caixa" para Denise. Isso ocorre pelo fato dosdois personagens no se conhecerem, portanto, um no sabe o nome do outro.

    Neste trecho de Teia Negra, fao a troca do POV utilizando o recurso de pular uma linha a mais doque o normal:

    "Kremer estava no aeroporto Internacional do Rio de Janeiro por quatro horas consecutivas e jhavia consumido quase um mao inteiro de cigarros. O painel mostrava que o vo do americano

    ainda atrasaria meia hora. Ele lera o relatrio sobre o caso Wong trs vezes. Uma coisa o intrigava: aGreenwood estava licenciada para explorar petrleo em uma das reas disponibilizadas pelogoverno brasileiro, porm, o contrato, que deveria ter sido assinado h dois meses, aparentemente,ainda estava em aberto. As outras trs empresas que receberam reas de explorao, j iniciavamos trabalhos de pesquisa. A nica pista que pde ser levantada foi a existncia de algum entraveburocrtico que estava impedindo a assinatura. Ao contrrio do que geralmente ocorre neste tipo de

    negociao, a exigncia era da Greenwood e no do governo. Que tipo de exigncia a Greenwoodpoderia estar fazendo? Segundo o relatrio, a ANP - Agncia Nacional de Petrleo - rgo criadopelo governo para regulamentar e fiscalizar o setor, no tinha nenhuma informao sobre o assuntoou, simplesmente, no queria dar maiores esclarecimentos."

    "Quando finalmente chegou sua vez, depois de quase vinte minutos de espera, Michael foifotografado e deixou suas digitais no formulrio preenchido com seus dados pessoais. Oprocedimento foi adotado pelas autoridades brasileiras, depois que os Estados Unidos comearam a

    fazer o registro de todos os estrangeiros que entravam em seu territrio. Como existe um acordo dereciprocidade, os brasileiros decidiram dar o troco. Agora, todos os americanos eram fichados damesma forma.

    Assim que passou pela porta que separa a rea de desembarque do saguo do aeroporto,Michael deparou-se com dezenas de pessoas segurando cartazes, com os mais variados nomes. No

    meio deles estava o seu."

  • No primeiro bloco, Kremer detm o POV, j no segundo Michael quem filtra a cena. Eu queriamostrar o ponto de vista de Kremer aguardando a chegada de Michael no aeroporto e, depois, o deMichael desembarcando. Nesse caso, decidi trocar o POV dentro do mesmo captulo.

    Algumas regras bsicas devem ser observadas para que o POV seja mantido:

    1. O personagem que detm o POV no pode " ler" os pensamentos dos outros (exceto, claro,se ler pensamentos seja uma caracterstica do personagem);

    2. De onde est posicionado, o personagem no consegue enxergar o que acontece atravs dasparedes ou em um local distante (exceto se o personagem for o Super-Homem);

    3. O personagem com o POV pode apenas supor o que os outros esto sentindo ou pensando,seja com base na sua expresso corporal ou no histrico conhecido pelo personagem.

    Como este assunto muito importante, darei mais alguns exemplos. Veja como fica outra cenacom alternncia de POV:

    "Ren estava exausto aps aquela fuga. Ele parou apenas alguns minutos para descansar e foia que seu perseguidor o encontrou. Seu corao disparou e ele imaginou a morte chegando paralev-lo. O carrasco olhava para ele, furioso, e pensava: "vou mat-lo agora mesmo!" Ele encarou suavtima que estava espremida contra a parede e bradou sua espada. A lmina, afiada como umanavalha, passou rente ao brao de Ren. Ele esquivou-se e conseguiu escapar mais uma vez,

    porm sabia que aquela poderia ser sua ltima chance."

    Repare que o POV muda de Ren para o Carrasco e volta para Ren no meio da cena. Se vocler com calma e prestar ateno, ir conseguir identificar a mudana de POV e entender perfeitamenteo que se passou entre Ren e o Carrasco. Mas veja o texto apenas do ponto de vista de Ren e tiresuas concluses:

    "Ren estava exausto aps aquela fuga. Ele parou apenas alguns minutos para descansar e foia que seu perseguidor o encontrou. Seu corao disparou e ele imaginou a morte chegando paralev-lo. O carrasco olhava para ele e era possvel sentir a respirao pesada e a raiva brotando dofundo de seus olhos. Tudo indicava que ele iria mat-lo ali mesmo. Ren estava espremido contra aparede, uma vtima perfeita. O carrasco bradou sua espada. A lmina, afiada como uma navalha,passou rente ao brao de Ren. Ele esquivou-se e conseguiu escapar mais uma vez, porm sabia

    que aquela poderia ser sua ltima chance."

  • Agora do POV do Carrasco:

    "O carrasco perseguia sua vtima sem compaixo. Ele sabia que Ren estava exausto e que, aqualquer momento, iria parar para descansar. E foi assim que ele o encontrou. O carrasco podia

    sentir a morte chegando para levar Ren de uma vez por todas. Ele estava furioso e disse para simesmo: "vou mat-lo agora!" A vtima estava espremida contra a parede. O carrasco bradou suaespada. A lmina, afiada como uma navalha, passou rente ao brao de Ren. Sua presa esquivou-se e conseguiu escapar mais uma vez, ento o carrasco jurou que aquela teria sido a ltima vez."

    Quando estamos narrando uma histria atravs do ponto de vista de um personagem, muitomais interessante demonstrar os sentimentos desse personagem atravs de aes efetivas. Vejaestes dois exemplos:

    "Ele sentiu um calafrio ao passar pela porta enferrujada e suja."

    e

    "Ao passar pela porta enferrujada e suja, um calafrio sacudiu seu corpo."

    No primeiro trecho, o personagem apenas "sente" um calafrio. J no segundo, o calafrio "sacode"o corpo do personagem. Qual dos dois voc acha que traz uma experincia mais intensa para o leitor?Usar aes efetivas torna a leitura muito mais interessante e isso possvel, principalmente, para opersonagem que detm o POV.

    Em uma cena, atravs de qual personagem o leitor quer enxergar? Ser melhor mostrar a cenaatravs dos olhos do personagem central? Pode ser que sim, mas se voc mostrar uma cena atravsde um personagem secundrio, como fiz ao colocar o POV em Denise no texto sobre o assalto aobanco, poder descrever melhor as reaes do personagem principal. Quem est no centro da aopode estar limitado a mostrar apenas seus prprios sentimentos e se estiver muito ocupado com o queest ocorrendo, no ter tempo de comentar sobre quem mais participa da cena. Por outro lado, umpersonagem que estiver atuando como coadjuvante poder reagir e demonstrar a cena com muitomais riqueza de detalhes.

    Veja como fica uma cena com o POV a partir do personagem central:

    " - Voc est atrasado - disse Carlos, tentando no demonstrar a raiva que estava sentindo.

  • - Desculpe, tive problemas para chegar at aqui - disse Luis, acompanhando os passos rpidosde Carlos.

    Aquilo era um absurdo, pensava Carlos, alm de ser responsvel por manter a seguranadaquele lugar, ainda tinha de aturar os atrasos frequentes de Luis. Agora, precisava correr para quetudo ficasse pronto antes da cerimnia. O risco de alguma coisa dar errado aumentava muito quandoos procedimentos eram executados em cima da hora."

    A mesma cena com o POV a partir do personagem secundrio:

    " - Voc est atrasado, - disse Carlos, com o tom de voz controlado, mas fulminando Luis com oolhar.

    - Desculpe, tive problemas para chegar at aqui, - disse Luis, acompanhando os passos rpidosde Carlos.

    Tudo bem que Luis chegava atrasado a quase todos os eventos, mas sempre conseguiaarrumar tudo antes do prazo. Carlos era perfeccionista e se achava dono da verdade. Ele nuncadisse diretamente a Luis que odiava quando no chegava na hora marcada, mas a cada dia ficavamais claro que sua situao estava no limite.

    Carlos estava suando muito, provavelmente por causa do calor infernal que fazia naquele dia.Luis, por sua vez, j estava acostumado com a correria e a trabalhar em ambientes quentes comoaquele caldeiro. No era cheio de frescuras como Carlos, que s estava ali para dar ordens e ficarolhando os outros darem duro."

    No primeiro trecho, temos a viso da cena pelos olhos de Carlos e ficamos sabendo que ele estnervoso pelo atraso de Luis. S que Carlos est preocupado demais em colocar tudo em ordem antesque a cerimnia comece e no d ateno a detalhes - que poderiam enriquecer a cena e tornar aleitura mais interessante. J no segundo trecho, a viso de Luis mais completa e viva. Transmite oque sente ao ver Carlos olhando furiosamente para ele, e, ao mesmo tempo, tentando controlar aspalavras. E, mais importante, com essa viso o leitor fica a par de muito mais detalhes sobre o queLuis est sentindo e sobre como o personagem principal - nesse caso, Carlos - se comporta sob oponto de vista dos outros personagens.

    Algumas vezes, usar o ponto de vista a partir de um personagem secundrio pode enriquecer otexto e a percepo do leitor em relao ao personagem principal.

    Para finalizar, devo acrescentar que alguns escritores utilizam o ponto de vista neutro, ou seja, acena se passa como se estivesse sendo filmada por uma cmera. Esse recurso raro nos livros dehoje, mas ainda utilizado em livros infanto-juvenis, como Harry Potter. De qualquer forma, o ponto devista neutro difcil de ser usado e somente o deve ser por aqueles que dominam a tcnica, portantono vou me aprofundar.

  • Com o ponto de vista esclarecido, partimos para a construo de personagens.

  • VI

    Como Construir Personagens

    Toda histria tem ao menos um personagem: pode ser uma pessoa, um animal, uma planta ou umobjeto qualquer, mas ele sempre estar l. o personagem que traz vida para um livro. Faz rir, chorar,amar, respirar... Se voc quiser contar uma boa histria, ter de construir bons personagens.

    Se conseguir que seu leitor fique verdadeiramente preocupado com o que acontece aos seuspersonagens, porque voc acertou! Quando gostamos de uma histria, na maioria das vezes no porque a trama interessante ou por causa dos dilogos bem escritos, mas sim porque nosapaixonamos pelos personagens. Faz parte da natureza humana querer se relacionar com outraspessoas e um bom livro nos d a oportunidade de conhecer "gente" nova. Podemos ficar sabendo dedetalhes da vida de um personagem que talvez jamais soubssemos, se fosse algum do nosso crculode relacionamentos. Lendo uma histria bem escrita, voc entende os motivos pelos quais umdeterminado personagem age dessa ou daquela forma. Porque est triste ou feliz. Aps alguns anos,voc provavelmente ir esquecer os detalhes da trama, poder at mesmo esquecer como o livroacaba, mas jamais ir esquecer um personagem com quem tenha se identificado e vivido momentosemocionantes.

    Algum, uma vez, disse que para se escrever uma boa histria preciso se concentrar em trspontos: personagens, personagens e personagens. Se voc conseguir criar pessoas interessantes,tem timas chances de conseguir criar uma histria interessante. Tudo gira em torno de personagens;portanto, antes de pensar em escrever, defina quem ser o personagem que dar vida sua obra e da ele um passado, um presente e um futuro. Olhe em sua volta, voc est cheio de exemplos. Pessoasque passam e interagem com voc a todo instante. Passe a olh-las com mais interesse. Analise seucomportamento. Veja como falam, gesticulam e reagem a determinadas situaes. Lembre-se de quepessoas precisam ser amadas, sentem-se sozinhas, aflitas, alegres, apaixonadas. Voc precisa levaressa vida para o seu texto e fazer com que o leitor reconhea seus personagens quando apareceremna histria, mesmo que sejam os piores dos viles.

    Nas prximas linhas, vou falar sobre como construir personagens memorveis. Discutiremostcnicas usadas pelos maiores escritores de todos os tempos, que nos deixaram amigos fictcios, quefazem parte de nossas vidas desde nossa infncia.

    Podemos comear falando sobre a escolha do perfil do personagem. Ele deve estar alinhado comas caractersticas da trama, mas no deve ser um alinhamento perfeito, caso contrrio, no existeconflito, nem drama. Imagine que voc v escrever sobre uma tragdia em que um prdio desaba e umengenheiro deve estudar o que realmente aconteceu com a estrutura da construo. Nesse caso, operfil do seu personagem bastante claro: deve ser um engenheiro. Se na vida real voc fosse

  • contratar um engenheiro para construir sua casa, iria procurar um com bastante experincia, concorda?Afinal, voc no vai querer que a casa desabe depois de pronta. Ao contratar esse engenheiro combastante experincia, voc praticamente garante que a obra ser realizada dentro do prazo e semqualquer tipo de imprevistos. Na vida real, isso muito bom, mas o para sua trama? O que vocprecisa para ter uma boa histria no so exatamente os imprevistos e problemas que seupersonagem deve solucionar? Ento, o engenheiro de sua histria no pode ser o cara perfeito. Elepode ser, por exemplo, alcolatra, viciado em drogas, possuir dupla personalidade, ser jovem einexperiente e cometer erros bsicos, entre outras caractersticas que permitam a criao de pontos detenso.

    Sua histria pode ser muito bacana, ter viradas incrveis na trama, um final memorvel etc, etc, etc.Porm, se voc no tiver ao menos um personagem forte, em quem o leitor acredite e com o qual seinquiete, todo seu trabalho para desenvolver a trama pode ir por gua abaixo. O leitor precisa gostardos personagens, se preocupar com eles e, principalmente, acreditar neles. Portanto, fundamentalque seus personagens tenham credibilidade. Mas como construir essa credibilidade? Vamos l:

    1. Seus personagens precisam de um passado. Nossa personalidade construda sobre umasrie de acontecimentos em nossas vidas. Quem somos hoje resultado do lugar onde moramos, daconvivncia com as pessoas que passaram por nossas vidas, do colgio em que estudamos e por avai. Seus personagens tm de ter vivido tudo isso. Precisam de uma histria, mesmo que voc no aconte para o leitor. com base nessa histria - que pode ser construda desde a infncia - que voc irobter as reaes, os sentimentos, o jeito de falar, os medos, as angstias, as alegrias, os prazeres etudo mais que seu personagem ir transmitir para o leitor. Uma forma prtica de fazer isso pegandouma folha de papel ou abrindo um novo documento no computador e escrever este passado. Crie umperfil social, psicolgico e fsico para cada personagem que desempenhe algum papel importante emsua histria;

    2. As reaes e decises de um personagem devem estar em linha com seu perfil. Exemplo: Umapessoa forte e determinada no pode ser colocada em uma situao onde esteja amedrontada etotalmente indefesa. Qualquer situao de risco deve ser enfrentada por este personagem com fora edeterminao. Isso no quer dizer que ele no possa estar com um pouco de medo ou preocupado,mas os traos mais marcantes de sua personalidade no devem simplesmente desaparecer de umahora para outra;

    3. Quando estiver escrevendo, procure entrar na pele de seu personagem. Veja com os seus olhos,sinta o que ele estiver sentindo. Isso ir tornar o personagem mais verdadeiro, mais lgico e mais"humano" para o leitor.

    O leitor precisa identificar um padro de comportamento em seus personagens, mesmo que, devez em quando, voc o surpreenda com alguma reao inesperada. Lembre-se que essa "reaoinesperada", tambm deve estar dentro do perfil do personagem, a no ser que esse tenha algumdesvio de personalidade, o que, na prtica, tambm faria parte do perfil.

    Algumas coisas, alm do perfil, so muito importantes na construo de seus personagens. Um

  • ponto fundamental a sua identificao. O perfil ir ajudar nisso, sem dvida, mas outros detalhesimportantes devem ser levados em considerao:

    1. Seu personagem pode ter alguma caracterstica que o identifique claramente. Exemplos: a cordo cabelo, um penteado diferente, uma marca de nascena, um defeito gentico ou causado poralguma doena ou acidente, uma tatuagem etc. Essa marca de identificao pode, inclusive, reagir aoambiente ou a situaes. A marca de nascena pode doer quando a herona estiver em perigo, atatuagem pode mudar de cor quando uma tempestade se aproximar e assim por diante. A marcatambm pode ter uma histria. Quem no se lembra da cicatriz de Harry Potter e como ela fica embrasa quando Voldemort est por perto?

    Quando escrevi "Teia Negra", dei a Michael, o personagem principal, uma tatuagem que foi feitaem cima de uma cicatriz. A tatuagem teve direito a uma histria e desempenhou um papel importantedurante a trama. Veja o trecho onde Michael decide fazer a tatuagem: "...Michael decidiu fazer umatatuagem no ombro ferido. A figura, smbolo da justia, ganhou vida ao ter sua espada realada emalto relevo. A cicatriz tornou-se a lmina da justia e inspirou Michael a tornar-se um dos maisexperientes agentes...";

    2. No confunda seu leitor com nomes de personagens muito parecidos uns com os outros.Imagine se em uma mesma pgina os personagens Reinaldo, Ronaldo e Rinaldo se encontram paraum caloroso bate-papo? Uma dica usar nomes que comecem com letras diferentes, assim fica maisfcil para o leitor identific-los;

    3. Procure usar nomes da mesma poca em que sua histria se passa. De preferncia, pesquiseos nomes das geraes de famlias que viveram nos mesmos anos em que seus personagens vivem.Tirando os casos em que voc queira fazer humor, no coloque nomes que no estejam relacionadosao povo ou cultura que est sendo citada em sua trama. Imagine um japons chamado Manuel daSilva;

    4. Use nomes que combinem com seus personagens. Uma linda moa com um nome horrvel nofaz muito sentido e deixar o leitor incomodado. claro que se o nome foi dado por causa de umavingana ou se exerce algum outro papel importante na trama, essa regra no se aplica.

    Como exerccio, leia um trecho de um livro que voc tenha gostado muito, onde o autor descreve oprincipal personagem. Veja como ele lida com os sentimentos, emoes e reaes deste personagem.Descubra que traos fsicos ou psicolgicos fizeram com que voc fosse capaz de identificar opersonagem em vrios pontos da trama, sem que fosse preciso sequer mencionar o seu nome.

    Como personagens precisam falar, a seguir vamos aos dilogos.

  • VII

    Como Escrever Dilogos

    Aqui que seus personagens ganham vida. So atravs dos dilogos que o leitor se aproxima dopersonagem e interage com ele mais intensamente. Um bom escritor deve saber como escrever umdilogo verdadeiro e compatvel com os personagens e a com a trama.

    Procure prestar ateno em como as pessoas conversam na vida real. Elas falam em sentenascurtas, cortam umas s outras e executam aes enquanto falam. Para que seu dilogo seja autntico,voc precisa usar esses mesmos artifcios. S tome cuidado para que no fique chato, pois muitasvezes, nossas conversas cotidianas so chatas. Os dilogos devem sempre fazer a histria progredir etrazer algum nvel de tenso ou conflito. Evite "jogar conversa fora", com coisas do tipo:

    " - Oi, tudo bem?

    - Tudo bem. E voc?

    - Lindo dia, no?

    - Lindo mesmo.

    ..."

    No abuse dos dialetos e grias. Usar apenas algumas palavras no meio das falas suficientepara indicar ao leitor que aquele personagem fala de uma determinada maneira. Se o personagemutilizar uma linguagem incomum, que possa deixar o leitor confuso quanto ao significado de umapalavra, voc pode fazer uso de outro personagem para esclarecer. Exemplo:

    " - Te abanquetas a homem - disse o Gacho.

    - Te abanquetas? Que diabo isso? - perguntou o Carioca.

    - pra sentar, tch!"

    Controle a velocidade e a entonao dos dilogos com a pontuao. Se, por exemplo, umapessoa fizer uma pausa um tanto longa para "pensar" antes de continuar uma frase, use trs pontospara mostrar essa pausa no texto. Quando algum for interrompido no meio da frase, use um traohorizontal para demonstrar o corte.

  • Cada personagem deve ter sua prpria personalidade, que pode ser refletida na forma de falar.Evite que dois personagens conversando paream ser a mesma pessoa. Use o perfil dospersonagens, seu nvel de educao, a regionalidade, a idade, o humor e outros fatores queinfluenciam na forma como falamos. Veja um dilogo entre Kremer e Guilherme extrado do meu livroTeia Negra:

    " - Bom, senhores, a situao a seguinte, - disse Kremer, enquanto pegava uma folha de papelem branco que estava sobre a mesa e comeava a desenhar. - Aqui fica o prdio da Greenwood enosso homem est no oitavo andar. Precisamos tir-lo de l, o mais rpido possvel.

    - Mas o que esse car t fazendo l, meu camarada? - perguntou Guilherme.

    - Infelizmente, no posso dizer. Faz parte de uma misso que est em andamento - disseKremer, colocando um cigarro na boca, mas sem acend-lo.

    - Porra, Kremer, voc sabe que se descobrem que eu t agindo extra-oficialmente numa parada

    dessa, vai dar a maior merda.

    - No se preocupe, ningum vai ficar sabendo. Vai ser jogo rpido e limpo.

    - T certo. S t aqui porque voc meu amigo. Sabe disso.

    - Bom, vamos ter-.

    - Ah! Antes que eu esquea - gritou Guilherme -, vai ter que pagar uma cerveja pros amigos aqui.

    - T bom, Guilherme, mas ser que d pra voc calar essa boca e prestar ateno na porra do

    plano? O cara ta l no ninho da cobras, cacete.

    - T, t, desculpa. Manda ver."

    Voc deve ter percebido que Kremer mais centrado, mais "elegante" ao falar do que Guilherme,embora no deixe de lado algumas expresses que o colocam no mesmo "ambiente" que o amigo. JGuilherme totalmente "esculhambado". Talvez tenha detectado tambm que o tom da voz deGuilherme mais alto, mesmo antes do marcador "gritou Guilherme" aparecer no texto.

    Uma tima dica para melhorar seus dilogos pedir para que outra pessoa os leia para voc emvoz alta. Se conseguir que duas pessoas faam isso, cada uma sendo a voz de um personagem, serainda melhor. Elas devem usar as entonaes de acordo com as dicas que voc deixou no texto. Se aoouvir o dilogo voc no sentir que est como esperava, refine e pea para que leiam novamente.Repita o processo at chegar ao resultado desejado.

    No coloque muito texto com pensamentos ou aes no meio de um dilogo. Lembre-se de que aconversa deve fluir naturalmente, para que o leitor possa acompanh-la. Imagine se no meio de umabriga de marido e mulher, voc comear a descrever o objeto que est em cima da lareira. Isso irquebrar o ritmo do dilogo e o leitor perder o interesse.

  • Leia o trecho abaixo com ateno:

    " - Ela estava doida para ir para o apartamento logo - disse eu, enquanto estvamos sentados naescada olhando a moa passar no corredor.

    Ricardo apontou diretamente para ela: - aquela?

    - A prpria.

    - Tem certeza? - disse ele. Eu concordei com a cabea. - No pode ser!

    - Gostosa, no?

    ..."

    O que no est claro no dilogo acima? Consegue perceber? Na verdade, existe um problema nalinha "- Tem certeza? - disse ele. Eu concordei com a cabea. - No pode ser!". Fica difcil identificarquem est com a palavra. Posso assumir que quem disse " - No pode ser!" foi o personagem queest narrando em primeira pessoa, mas na verdade quem falou isso foi o "Ricardo". Essa confuso foicriada pela existncia de uma ao de um personagem ("Eu concordei com a cabea.") no meio dafala do outro. Pode at ser que o leitor consiga interpretar a sequncia do dilogo corretamente, mascaso contrrio, todo o dilogo soar confuso. O trabalho do autor evitar que isso ocorra e eliminartodas as possveis armadilhas. Veja agora o texto corrigido e tire suas prprias concluses:

    " - Ela estava doida para ir para o apartamento logo - disse eu, enquanto estvamos sentados naescada olhando a moa passar no corredor.

    Ricardo apontou diretamente para ela: - aquela?

    - A prpria.

    - Tem certeza? - disse ele.

    Eu concordei com a cabea.

    - No pode ser! - disse ele, deixando a boca aberta por mais tempo que o necessrio.

    - Gostosa, no?

    ..."

    Procure usar marcadores no dilogo sempre que houver a possibilidade de alguma dvida arespeito de quem est falando o qu. Usar "ele disse" ou "ela disse", sem muito exagero, no polui otexto e o leitor nem nota a presena desses marcadores "invisveis". Leia alguns dilogos de autoresfamosos e repare que eles no usam muitas variaes nos marcadores, exceto em casos em querealmente necessrio demonstrar uma alterao de tom de voz. No use, por exemplo, "ele falou" em

  • uma linha, "ele exclamou" em outra e na outra "ele disse". Mesmo nos casos onde seja necessriomostrar a variao de volume na voz, voc pode utilizar outros recursos mais elegantes do quesimplesmente marcar com "ele gritou":

    " - V pra dentro, agora! - gritou Carlos.

    - No - disse Glria, com lgrimas nos olhos.

    - Droga de menina teimosa! - esbravejou Carlos."

    Agora veja o mesmo texto sem os marcadores e diga qual verso ficou mais interessante:

    " - V pra dentro, agora! - Carlos estava com os punhos cerrados e chamando a ateno de todaa vizinhana.

    - No - disse Glria, com lgrimas nos olhos.

    - Droga de menina teimosa! - disse ele, com o rosto vermelho como pimenta."

  • VIII

    Como Filtrar as Descries Atravs dos Personagens

    Alguns fatores nos levam a filtrar, de formas diferentes, o que vemos e sentimos quando estamosem uma determinada situao. Essa afirmao tambm vlida para nossos personagens. Os fatoresmais relevantes so:

    1. Experincias anteriores: Se uma pessoa pobre e nunca teve a oportunidade de ir a umrestaurante classe A, por exemplo, ela ir reparar em detalhes que uma pessoa rica e acostumada aesse tipo de lugar no repararia. O assoalho de madeira envernizada, a arrumao das mesas comtoalhas de linho e taas de cristal, a forma como os garons abordam os clientes e por a vai. Em umasituao como essa, a pessoa rica provavelmente reclamaria da demora para ser acomodada em umamesa, pois teria feito uma reserva previamente. A pessoa pobre ficaria envergonhada, sentindo-secompletamente fora do seu meio social. Nesta mesma linha, imagine algum que nunca tenha pescadona vida e decide participar de uma pescaria com os amigos, pescadores veteranos. Quando essapessoa fisgar um peixe, ser uma experincia completamente nova. A tentativa de segurar o peixe queescorrega pelas mos como sabo, o incmodo de ser espetado por uma barbatana, a falta dehabilidade para retirar o anzol etc. Tudo isso para os veteranos j no mais um problema. A forma delidar com as situaes e os sentidos completamente diferente. Pense nisso. Quando inserir seuspersonagens em situaes que so naturais para eles, devem reagir de acordo. Da mesma forma, areao deve ser oposta em ambientes no usuais. Conhea seus personagens e respeite o passado eas experincias deles.

    2. Reagir atravs dos sentidos: Nossas reaes so motivadas pelos nossos sentidos. Nemsempre devemos descrever o que o personagem est vendo. Em algumas situaes, alguns sentidospodem estar mais em evidncia do que outros. Imagine um personagem entrando em uma sala escura.Nesse caso, o tato e a audio sero os sentidos pelos quais devemos mostrar a cena. Se entrar emuma tubulao de esgoto, o cheiro ser a primeira coisa que o impactar. Se estiver molhado depoisde pegar uma chuva e inverno, estar sentindo frio. Determine qual sentido est mais em evidncia euse-o para determinar como o personagem reage.

    E se fosse voc? Coloque-se no lugar do personagem e pense no que voc sentiria emdeterminada situao. O que voc v? Est frio? Quente? Algum som chama a sua ateno? Algumcheiro? S no se esquea de que seu personagem tem um passado diferente do seu e,provavelmente, ir reagir de modo diferente. A no ser que voc esteja escrevendo sobre si mesmo.

    Preste ateno nestas duas regras bsicas:

  • 1. Mostre apenas o que importante. Quando descreve r algum objeto, lugar ou situao, lembre-se de s mencionar o que for relevante para a ao. No caia na tentao de descrever todos osobjetos de uma sala, minuciosamente, se isso no fizer diferena para a trama. Descries detalhadasfazem com que voc fique longe da ao e isso deixar o leitor entediado.

    2. Seja coerente. Se algum estiver fugindo da polcia em uma perseguio pelas ruas de Paris,no d tempo de parar para admirar a beleza e os detalhes arquitetnicos do Arco do Triunfo.

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    e faa uma pesquisa pelottulo do livro.