29

TECNOLOGIAS NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: … · Os homens e mulheres também retornam como sujeitos dentro desse ... no “habitus” de viver; e aprendidas em ... através

  • Upload
    vothuy

  • View
    217

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

1

TECNOLOGIAS NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: buscando um diálogo com as experiências de sujeitos reais

Hilda Aparecida Boranelli1

Roberto Carlos Massei (orientador)2

Resumo:

O presente artigo resulta do projeto de intervenção pedagógica do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE, desenvolvido com alunos da Educação de Jovens e Adultos, de modo a articular as experiências e saberes dos diferentes sujeitos do processo-ensino aprendizagem ao uso de ferramentas tecnológicas disponíveis na escola. Para tanto, fez-se necessário investigar o cotidiano desses alunos, o relacionamento que têm com o meio em que vivem e saber o significado de suas experiências para o processo de ensino–aprendizagem. Procurou-seestabelecer uma relação dialógica entre sujeito-experiência-sujeito. Sendo assim, professor e alunos são entendidos como sujeitos reais capazes de alterar suas relações no contexto histórico-social em que estão inseridos e de ressignificar as experiências vividas. Dessa maneira, foram utilizadas as ferramentas tecnológicas, TV multimídia e computadores, como meios facilitadores na busca do diálogo e na problematização da realidade.

Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos; Experiência; Diálogo; Tecnologias.

Introdução

O presente artigo resulta do projeto de intervenção pedagógica, do Programa

de Desenvolvimento Educacional (PDE), implementado com alunos da Educação de

Jovens e Adultos, Fase II e Ensino Médio, no município de Cornélio Procópio.

O projeto desenvolvido foi uma proposta de buscar a construção do

conhecimento nas aulas de História da Educação de Jovens e Adultos, de forma a

articular as experiências e saberes dos diferentes sujeitos do processo ensino-

aprendizagem ao uso de “ferramentas tecnológicas” disponíveis na escola.

A Educação de Jovens e Adultos é uma modalidade de ensino com

características próprias, atende educandos que apresentam diversidades sociais,

1 Professora de História da rede pública do Estado do Paraná. Participante do Programa de Desenvolvimento Educacional-PDE.2 Doutor em História Social/PUC-SP. Professor Adjunto B – Colegiado do Curso de História/Centro de Ciências Humanas e da Educação/Universidade Estadual do Norte do Paraná/Campus Jacarezinho.

2

culturais, de faixa etária e nível de escolarização. Esses educandos trazem consigo

uma bagagem cultural e aprendizagens baseadas em suas experiências de vida.

Muitas vezes, trazem também uma arraigada concepção de ensino de

História pautado na memorização, na “transmissão” de conteúdos, na

“verticalização”, onde há pouco espaço para o diálogo e a “História ensinada” se

distancia de suas realidades, de suas experiências e práticas do cotidiano.

Diante de tais especificidades, despertou-me o interesse em buscar uma

abordagem de ensino que considerasse os conhecimentos trazidos pelos educandos

da EJA constituídos no cotidiano, em suas vivências; e também o contexto da

escola, os recursos disponíveis.

Desse modo, fizeram-se necessário investigar o cotidiano desses alunos, o

relacionamento que têm com o meio em que vivem e saber o significado de suas

experiências para o processo de ensino–aprendizagem; procurando estabelecer

uma relação dialógica entre sujeito-experiência-sujeito.

Ao trabalhar os diferentes conteúdos/temas na sala de aula, procurou-se

construir novas possibilidades de diálogos com as experiências dos alunos; visando

que estes se percebessem sujeitos protagonistas do processo ensino-

aprendizagem, parte integrante e transformadora da realidade. Optou-se por utilizar,

em alguns momentos, a TV Multimídia e computadores como meios facilitadores da

mediação professor-aluno na construção e re-construção de saberes.

Durante as etapas do trabalho, buscou-se instigar os educandos ao

questionamento, ao confronto de idéias, à reflexão, à problematização de suas

realidades.

Dessa forma, o trabalho foi desenvolvido a partir da pesquisa bibliográfica e

estudos já existentes, na pesquisa-ação, utilizando-se como referência as

experiências de vida dos educandos.

1 Reflexões anteriores à implementação: a relação dialógica sujeito-

experiência-sujeito

De acordo com as Diretrizes Curriculares Estaduais do Paraná da Educação

de Jovens e Adultos (2006, p. 29), “a EJA deve contemplar ações pedagógicas

específicas que levem em consideração o perfil do educando”. Para compreender o

3

perfil desse educando será preciso conhecer sua história, cultura, costumes,

entendê-lo como sujeito com diferentes experiências de vida. (PARANÁ-EJA, 2006,

p. 30).

Os educandos da EJA trazem para a escola diferentes saberes adquiridos

através de experiências vivenciadas no dia-dia, em suas trajetórias de vida, nas

relações sociais e de trabalho.

Segundo Thompson (2002, p.13) “o que é diferente acerca do estudante

adulto é a experiência que ele traz para a relação”.

A experiência “surge espontaneamente no ser social, mas não surge sem

pensamento. Surge porque homens e mulheres (e não apenas os filósofos) são

racionais, e refletem sobre o que acontece a eles e ao seu mundo”. Ela é “gerada na

vida material”, do diálogo entre ser social e consciência social; tornando homens e

mulheres sujeitos em suas relações sociais, culturais e de trabalho. É através da

experiência que “a estrutura é transmutada em processo, e o sujeito é reinserido na

história” (THOMPSON, 1981, p. 16- 188-189).

A idéia de experiência permite perceber homens e mulheres como sujeitos

que vivem em condições determinadas; porém, atuam de maneira consciente, sobre

essas condições:

Os homens e mulheres também retornam como sujeitos dentro desse termo [experiência] - não como sujeitos autônomos, ‘indivíduos livres’, mas como pessoas que experimentam suas situações e relações produtivas determinadas como necessidades e interesses e como antagonismos, e em seguida ‘tratam’ essa experiência em sua consciência e sua cultura […] e em seguida […] agem, por sua vez, sobre sua situação determinada. (THOMPSON, 1981, p. 182).

Através das experiências vividas no cotidiano, mulheres e homens

reproduzem práticas, valores e sentimentos. No entanto, podem ressignificá-los e

reelaborá-los. E, dentro das determinações que lhes são impostas, fazer suas

escolhas:

[...] Isso equivale a dizer que as pessoas são tão determinadas (e não mais) em seus valores quanto o são em suas idéias e ações, são tão “sujeitos” (e não mais) de sua própria consciência afetiva e moral quanto de sua história geral. [...] Quando uma pessoa se junta ou atravessa um piquete grevista, está fazendo uma escolha de valores, mesmo que os termos da escolha e parte daquilo que a pessoa escolhe sejam social e culturalmente determinados. (THOMPSON, 1981, p.194).

4

Os sujeitos experimentam suas experiências tanto no âmbito do pensamento

como do sentimento, articulando experiência e cultura:

[...] as pessoas não experimentam sua própria experiência apenas como idéias, no âmbito do pensamento e de seus procedimentos, ou (como supõem certos praticantes teóricos) como instinto proletário etc. Elas também experimentam sua experiência como sentimento e lidam com esses sentimentos na cultura, como normas, obrigações familiares e de parentesco, e reciprocidade, como valores ou (através de formas mais elaboradas) na arte ou nas convicções religiosas. Essa metade da cultura (e é uma metade completa) pode ser descrita como consciência afetiva e moral. (THOMPSON, 1981, p.189).

A “experiência” é elemento essencial para a compreensão do conceito de

“cultura”. De acordo com Williams:

[...] Esse conceito funde e confunde as experiências e tendências radicalmente diferentes de sua formulação. [...] Quando ocorriam as verdadeiras modificações, o que estava dando conteúdo às novas idéias, e até certo ponto estava sendo fixado nelas, era uma experiência sempre complexa. [...] [o conceito de cultura] interagiu com uma história e experiência em transformação. (WILLIAMS, 1979, p.17-18)

Assim, torna-se fundamental conhecer a cultura dos alunos, seu modo de

vida, apreender como “tratam” as experiências vivenciadas em sua cultura; como

elaboram seus sentimentos, suas maneiras de ver, pensar e agir. Sendo que

[...] as normas, as regras, expectativas, etc. necessárias e aprendidas ( e “aprendidas” no sentimento) no “habitus” de viver; e aprendidas em primeiro lugar, na família, no trabalho e na comunidade imediata. [...] Se dizemos que os valores são aprendidos na experiência vivida e estão sujeitos às suas determinações, não precisamos por isso, render-nos a um relativismo moral ou cultural. [...] Homens e mulheres discutem sobre valores, escolhem entre valores, e em suas escolhas alegam evidências racionais e interrogam seus próprios valores por meios racionais. (THOMPSON, 1981, p.194)

Nessa perspectiva, os envolvidos no processo de ensino-aprendizagem,

professor e educando, são entendidos como sujeitos reais que vivem, pensam,

sentem suas experiências, e são capazes de alterar suas relações no contexto

histórico-social em que estão inseridos, pois,

[...] ocorrem mudanças no ser social que dão origem à experiência modificada; e essa experiência é determinante, no sentido de que exerce pressões sobre a consciência social existente, propõe novas questões e proporciona grande parte do material sobre o qual se desenvolvem os exercícios intelectuais mais elaborados. (THOMPSON, 1981, p. 16)

5

Vale ressaltar que para se considerar as experiências vividas no cotidiano

pelos sujeitos professor e alunos, no processo de construção do conhecimento

histórico, faz-se necessário uma concepção de ensino de História em que se

valorize

[...] os diferentes sujeitos e suas relações, abrindo inúmeras possibilidades de reflexão e desenvolvendo múltiplas visões de mundo em relação aos processos históricos. [...] [desenvolvendo a consciência histórica ontogenética, a qual propõe] a transformação dos modos de vida dos próprios sujeitos a partir dos modos de vida da alteridade. Esses sujeitos acabam percebendo a sua história a partir das experiências de vida do Outro ao longo do processo histórico, sejam em outras temporalidades, seja em outros espaços. (PARANÁ - História, 2008, p. 60)

Superando a concepção de História linear, factual, dos heróis, sob a ótica dos

vencedores. É importante “acentuar que a trama da História não é o resultado

apenas da ação de figuras de destaque, consagradas pelos interesses explicativos

de grupos, mas sim a construção consciente/ inconsciente, paulatina e imperceptível

de todos os agentes sociais individuais ou coletivos.” (KARNAL, 2005, p. 45).

Freire (1987) defende a idéia de um processo de ensino-aprendizagem, na

EJA, em que a relação professor e educando seja de autêntico diálogo, de modo a

aprenderem com suas próprias experiências de vida, fazendo-se sujeitos do

processo; que se rompa com as práticas da “educação bancária”, na qual o

educador é um depositador de conhecimento, refletindo a “cultura do silêncio”:

[...] O pensar do educador somente ganha autenticidade na autenticidade do pensar dos educandos, mediatizados ambos pela realidade, portanto, na intercomunicação. [...] a educação libertadora, problematizadora, já não pode ser o ato de depositar, ou de narrar, ou de transferir, ou de transmitir “conhecimentos” e valores aos educandos, meros pacientes, à maneira da educação “bancária”, mas um ato cognoscente. (FREIRE, 1987, p. 37-39)

Ainda segundo Freire (1983, p. 43), ser dialógico não é simplesmente dizer-se

dialógico, é vivenciar o diálogo, é empenhar-se na transformação constante da

realidade. Sendo que

[...] o que se pretende com o diálogo, em qualquer hipótese (seja em torno de um conhecimento científico e técnico, seja de um conhecimento “experiencial”), é a problematização do próprio conhecimento em sua indiscutível relação com a realidade concreta na qual se gera e sobre a qual incide, para melhor compreendê-la, explicá-la, transformá-la. (FREIRE, 1983, p. 52)

6

Nesse aspecto, Thompson converge para Freire: “toda educação que faz juz

a esse nome envolve uma relação de mutualidade, de dialética...” (THOMPSON,

2002, p.13).

Schmidt e Cainelli (2009, p. 54-55) também defendem a construção de um

ambiente dialógico, de compartilhamento de saberes, em sala de aula; em que os

conteúdos sejam trabalhados a partir da experiência do aluno; de modo que ele se

identifique como sujeito da história e da produção do conhecimento. A História é

feita por todos os homens; e uma das funções do ensino de História é fazer com que

professores e alunos, através de um diálogo entre presente e passado, possam

identificar as possibilidades de participação e intervenção em suas realidades.

Sob esse olhar, o aluno pode se perceber como ser social, que vive em

determinada época, sendo um homem de seu tempo; porém, dentro das limitações

que lhe são determinadas, possui liberdade de optar. É importante que ele “sinta”,

sem idealização, que “homens comuns” fazem História. “Quanto mais o aluno sentir

a História como algo próximo dele, mais terá vontade de interagir com ela [...]. O

verdadeiro potencial transformador da História é a oportunidade que ela oferece de

praticar a ‘inclusão histórica’...” (KARNAL, 2005, p. 28).

Nesse sentido, as idéias prévias ou tácitas que os alunos trazem, oriundas de

sua cultura experiencial, de sua memória individual ou social, de representações que

já construíram sobre fatos do passado, podem ser considerados marcos

assimiladores a partir dos quais os alunos conferem significados aos conteúdos e

realizam os princípios da aprendizagem histórica: a experiência, a interpretação e a

orientação. (SCHMIDT e CAINELLI, 2009, p. 66-57-186).

Portanto, a “experiência” do aluno é o ponto de partida para a

problematização do conhecimento histórico, levando-o a estabelecer relações cada

vez mais complexas com as idéias históricas, no sentido da construção de uma

literacia histórica. Entende-se literacia

[...] não como um conceito restrito apenas às competências de leituras e compreensão lingüísticas […] a idéia de literacia surge-lhe associada [ao desenvolvimento da consciência histórica], enquanto vertente indispensável para que tal desenvolvimento ocorra. A orientação temporal de cada um de nós exige identificações múltiplas a várias escalas (do local ao global): competências avançadas para saber “ler” o mundo que nos rodeia e também perspectivar de alguma forma o futuro, a luz de experiências do passado. (BARCA, 2006, apud SCHMIDT e CAINELLI, 2009, p.38).

7

Essa maneira de pensar a aprendizagem histórica pressupõe “olhar para o

outro em tempos e espaços diversos. A experiência de cada um alarga-se com a

compreensão das experiências dos outros”. (BARCA, 2009, apud SCHMIDT e

CAINELLI, 2009, p. 20).

2. Ferramentas tecnológicas: computador e TV Multimídia na mediação

professor – aluno

Ao buscar uma abordagem de ensino na EJA que objetiva a comunicação

dialógica entre sujeito – experiência - sujeito, faz-se necessário considerar, além das

especificidades de seus educandos, o contexto da escola e os recursos disponíveis,

como por exemplos, a TV Multimídia e computadores.

Esses equipamentos estão cada vez mais sendo disponibilizados nas

escolas, através de políticas educacionais, no intuito de mudanças metodológicas e

no processo de ensino-aprendizagem.

No entanto, não se trata simplesmente de incorporá-los na prática

pedagógica. Mas de utilizá-los, na mediação professor-aluno, para construir e re-

construir saberes; a partir das experiências vividas no cotidiano, interpretando e

ressignificando essas experiências.

Convém lembrar que, é comum ferramentas como a TV e o computador

serem chamadas de “tecnologias”, quando na verdade são produtos que resultaram

do acúmulo de conhecimentos desenvolvidos pelos homens ao longo do tempo.

Diariamente, diversas tecnologias são utilizadas na educação como a fala, a

escrita, o texto impresso; porém, já se passam despercebidas e praticamente só se

pensa em tecnologias na educação quando se refere a computadores, TV, vídeo

entre outras ferramentas.

De acordo com Kenski (2003) a “Tecnologia” está em todo lugar em nosso dia

a dia. Ela sempre existiu; todas as épocas, cada uma à sua maneira, foram “eras

tecnológicas”. Em todas as atividades que as pessoas realizam no cotidiano,

utilizam-se de produtos, equipamentos, resultantes de tecnologia. Nesse sentido:

[...] ao conjunto de conhecimentos e princípios científicos que se aplicam ao planejamento, à construção e à utilização de um equipamento num determinado tipo de atividade, nós chamamos de “tecnologia”. Para construir qualquer equipamento [...] os homens precisam pesquisar planejar e criar tecnologias [...]. Tudo o que utilizamos em nossa vida diária

8

[...] são formas diferenciadas de ferramentas tecnológicas. Quando falamos da maneira como utilizamos cada ferramenta para realizar determinada ação, referimo-nos à técnica. A tecnologia é um conjunto de tudo isso: as ferramentas e as técnicas que correspondem aos usos que lhes destinamos em cada época. (KENSKI, 2003, p. 18-19)

Segundo Massei (2001, p. 164), técnica e tecnologia são construções

históricas e sociais, têm o homem como “elemento-chave”, são produtos de sua

“cultura material”. Nessa percepção, todo equipamento, objeto

[...] tem inteligência, técnica e trabalho eminentemente humanos. [...] Uma máquina/objeto/artefato obedece, na verdade, a um ciclo: invenção/descoberta, desenvolvimento/aperfeiçoamento e uso por pessoas e indústrias. As inovações são incorporadas ao longo do desenvolvimento de uma máquina ou objeto em função de pesquisa científica e tecnológica, mas também a partir de gestos, idéias e procedimentos [...]. (MASSEI, 2001, p. 89 -90)

É importante compreender que para construir qualquer objeto “os homens

precisam pesquisar, planejar e criar o produto, o serviço, o processo” (KENSKI,

2009, p.24). Sendo assim, não é possível desvincular técnica e tecnologia do

homem, pois, são produtos do homem, pensados e construídos por ele (MASSEI,

2001, p.93).

Por outro lado, as tecnologias também transformam a maneira de pensar,

sentir e agir do homem. A evolução tecnológica altera comportamentos, na medida

em que a ampliação ou banalização do uso de determinada tecnologia impõem-se à

cultura existente, transformando não apenas o comportamento individual, mas de

todo um grupo social (Kenski, 2009, p.21).

Sempre houve tecnologias presentes no cotidiano, na vida social das pessoas

e também na educação. Desse modo, o uso de ferramentas tecnológicas, como o

computador e a TV multimídia, poderá alterar o processo de ensino-aprendizagem

se provocar novas mediações entre os sujeitos desse processo.

Conforme Freire (1995, p. 98), “o uso de computadores no processo de

ensino aprendizagem, em lugar de reduzir, pode expandir a capacidade crítica e

criativa [...]. Depende de quem usa, a favor de quê e de quem e para quê”.

Sabe-se que um recurso tecnológico, por si só, não transforma o processo de

ensino – aprendizagem. Uma aula pode contar com os mais modernos meios áudio-

visuais e ser ultrapassada e conservadora; no entanto, pode ser dinâmica e

9

inovadora apenas com giz, alunos e professor. É a concepção de História que

precisa ser pensada, o recorte que o professor faz (KARNAL, org. 2005, p. 9).

Moran (2009, p. 28) também afirma, quanto ao uso de ferramentas

tecnológicas, que se não se mudam os paradigmas convencionais do ensino, só se

consegue “dar um verniz de modernidade sem se mexer no essencial”.

Da mesma forma, Kenski (2009, p. 87) salienta que o simples uso de

tecnologias não altera significativamente as dinâmicas usadas para ensinar e

aprender. É necessário “que se organizem novas experiências pedagógicas [...] em

que se valorizem o diálogo e a participação permanente de todos os envolvidos no

processo”. (KENSKI, 2009, p. 88)

De acordo com Orofino (2005), as ferramentas tecnológicas não são um fim

em si mesmas, mas podem ser um importante meio para a ressignificação do

mundo; instrumentos a serem utilizados por professor e alunos para a construção de

seus pensamentos, reflexões, “ampliação de vozes” e “construção de visibilidade”.

Se for para usar novas ferramentas tecnológicas, que estas sejam usadas a favor

das vozes dos alunos (OROFINO, 2005, p. 125).

Por fim, é oportuno observar que o emprego de novas tecnologias não

substitui o professor, mas pode redefinir suas ocupações e criar outras funções, na

medida em que a ferramenta se apropria de um trabalho que era seu, aliviando seu

labor.

No entanto, o professor não perde o seu papel de, também, sujeito no

processo ensino-aprendizagem com a utilização de ferramentas como TV Multimídia

e computadores. Essas tecnologias apenas substituem outras usadas pelo professor

como, por exemplo, a fala, ou o escrever na lousa, ajudando-o na “dureza de seu

ofício”; pois, a condição de sujeito se estabelece na relação com o aluno e essa

condição pode ser partilhada com o aluno, ou não, independente da tecnologia que

se utilize.

3.1 Relato de atividades desenvolvidas com os alunos: as tecnologias para um

recorte das relações de trabalho

Ao retornar para escola, após o período de afastamento para as atividades do

PDE, foi feita a socialização da proposta entre os colegas professores, pedagogos e

10

gestores, através da produção-didático pedagógica, articulada em seu conteúdo com

o projeto de intervenção.

A equipe pedagógica e gestora se mostraram interessadas e dispostas a

colaborar, já que o laboratório de informática não era ainda utilizado na escola para

aulas com alunos da EJA.

Em seguida, conversado com os alunos sobre a possibilidade de se organizar

momentos coletivos para o estudo de alguns conteúdos/temas nas aulas de História.

Não havia formado turmas de EJA coletiva, tratando-se da EJA no ensino individual,

em que os alunos se encontram em fases diferentes e não há obrigatoriedade da

frequência regular, cada aluno tem uma carga horária a cumprir e frequenta de

acordo com suas possibilidades.

Dessa forma, de agosto a novembro, cada momento coletivo realizado teve a

duração de quatro horas/aulas.

Para a primeira atividade foi proposto aos alunos que trouxessem fotos,

objetos, documentos, com o objetivo de (re) construção de suas próprias histórias de

vida; de modo que se reconhecessem sujeito de suas histórias e da História.

A partir da discussão do poema: “Perguntas de um Trabalhador que lê” de

Bertolt Brecht e do diálogo acerca dos objetos que trouxeram, produziram narrativas

de suas próprias histórias de vida.

Bastante participativos, os alunos comentaram sobre suas expectativas, as

experiências vividas. Fotografaram os objetos que trouxeram - as fotos foram

utilizadas posteriormente.

Puderam perceber que suas experiências se entrelaçavam com as dos outros

e com contextos da História. Em suas narrativas contaram um pouco de seus

“mundos”, anseios, interesses, necessidades, indignações...

Assim, a experiência contribuiu também para conhecer os modos de pensar

dos alunos, como interpretam o meio em que vivem.

Segundo Schmidt e Cainelli (2010, p.57), “partir do cotidiano dos alunos e do

professor significa trabalhar conteúdos que dizem respeito à sua vida pública e

privada, individual e coletiva”.

A atividade seguinte foi no laboratório de informática com o objetivo de

digitarem suas narrativas e obterem noções básicas de como usar o computador.

Embora essa ferramenta atualmente faça parte do cotidiano de muitas pessoas;

11

havia alunos que não sabia utilizá-la, sendo necessárias mais algumas aulas. Uma

aluna disse que “gostaria de ter um e-mail” e pediu orientações de como configurar

seu endereço eletrônico e assim outros alunos também criaram suas contas de e-

mail. Em uma das aulas um aluno pediu para ajudá-lo a elaborar um currículo;

comentou ter perdido uma oportunidade de emprego, que considerava melhor, por

não saber “lidar com o computador”.

Considerando o contexto da EJA, essas aulas no laboratório de informática

foram significativas; não pela utilização da ferramenta em si, mas por provocar novas

oportunidades de diálogos. Os alunos relataram suas angústias, as exclusões que

vivenciam no meio social; falaram de sentimentos, inquietudes que estão

“acostumados” a silenciar. Possibilitou conhecer um pouco mais sobre as

aprendizagens e as dificuldades que possuem.

Isso não quer dizer que se pretende construir cursos sobre a vida cotidiana

(CATELLI, 2010, p.09). No entanto, conforme afirma Jorn Rusen:

Ensinar História como algo pronto e acabado, com conteúdos predefinidos, sem levar em conta o contexto e os sujeitos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem, pode levar a um ensino que não desenvolve o que é mais importante como função de ensinar História, que é orientar osproblemas da vida prática. (RUSEN, 1993 apud SCHMIDT e CAINELLI, 2009, p.20).

Nessa perspectiva, “os conteúdos são todos aqueles pertinentes aos objetivos

do professor e aquele grupo de alunos, naquela faixa etária” (CATELLI, 2010, p. 16).

De acordo com as Diretrizes Curriculares Estaduais para a Educação de

Jovens e Adultos do Paraná os conteúdos específicos de cada disciplina, deverão

estar articulados à realidade, ao mundo do trabalho, às novas tecnologias, dentre

outros; a partir dos eixos cultura, trabalho e tempo como articuladores de toda ação

pedagógico-curricular (2006, p. 29-32).

Para refletir a relação entre tecnologia, sociedade e trabalho, e problematizar

o conceito de tecnologia, realizou-se outro momento coletivo com os alunos.

Iniciando-se com o levantamento de suas idéias prévias sobre o que entendiam por

tecnologia e a partir da “chuva de idéias”, surgiram entre outras questões: quais as

implicações das tecnologias em nosso cotidiano? É possível viver sem a mediação

12

tecnológica? Em seguida foram apresentados, na TV Multimídia, slides produzidos

com as fotos citadas anteriormente.

Os alunos atentaram para o fato de que os exemplos apresentados eram de

artefatos, resultantes de tecnologias, mais “naturalizados” no cotidiano se

contrapondo às idéias iniciais da maioria deles que, associava o termo “tecnologia” à

informática e ao produto, por exemplo, o computador.

Após a discussão de um texto sobre tecnologias, debateram diferentes pontos

de vista sobre a relação entre tecnologia - sociedade - trabalho atual e a mediação

tecnológica em suas rotinas diárias. Procurou-se evitar maniqueísmos.

Convém lembrar que as tecnologias estão tão próximas e presentes que nem

se percebe mais que não são coisas naturais, por exemplo, tecnologias que

resultaram em lápis, cadernos, giz. Quanto às “novas tecnologias” seu conceito é

variável e contextual; o critério para identificá-las pode ser visto pela sua natureza

técnica e pelas estratégias de apropriação e uso. Na atualidade, novas tecnologias

se referem aos processos e produtos relacionados com os conhecimentos

provenientes da eletrônica, microeletrônica e telecomunicações; se caracterizam por

não serem materializadas em máquinas e equipamentos (KENSKI, 2009, p.24-25).

Os slides levaram também a refletir se fotos reproduzem a realidade ou são

representações do real que carregam consigo as interpretações de seu autor. Os

alunos lembraram de fotos publicadas em jornais e revistas em época de eleições e

questionaram sobre as intencionalidades presentes em uma imagem ou mesmo num

texto. Refletiram sobre a influência das imagens midiáticas em seus cotidianos e dos

“discursos” imagéticos implícitos.

É importante salientar que “toda imagem gera nos observadores outras

imagens mentais, fazendo-os produzir textos intermediários orais”. Apesar da

aparente neutralidade, “uma foto é sempre produzida com determinada intenção,

existem objetivos e há arbitrariedade na captação das imagens” (BITTENCURT,

2005, p. 367).

Utilizou-se a audição e a análise da música “Queremos saber”, composição

de Gilberto Gil, para refletir sobre as relações de poder que envolvem o

conhecimento e as “novas tecnologias” e, em que medida estas colaboram para a

melhoria nas condições de vida e emancipação do homem.

13

As canções podem ser usadas como fonte do conhecimento histórico ou para

debater suas várias interpretações, escolhendo as que forem mais coerentes com o

contexto histórico discutido (CATELLI, 2009, p. 141-142).

Ao desenvolver o tema “Revolução Industrial”, partiu-se da investigação das

idéias históricas que os alunos já possuíam de “Revolução Industrial”. Após a

categorização dessas idéias, fez-se a apresentação na TV Multimídia de imagens de

produtos artesanais e industrializados para despertar o interesse dos alunos e

levantar questionamentos, com os quais se construiu a problematização: que

situações de nosso cotidiano são decorrentes direta ou indiretamente da Revolução

Industrial?

Buscando responder a essa problemática, foi apresentado um vídeo de oito

minutos sobre o tema, que provocou outras indagações e comentários; em seguida

discutiram-se alguns textos sobre esse processo de transformação que se

convencionou chamar de Revolução Industrial e os movimentos reivindicatórios.

Instigados, os alunos foram estabelecendo comparações entre as primeiras

rebeliões de trabalhadores e as greves atuais. Responderam algumas atividades

propostas e elaboraram seus textos.

Nesses textos, cada um à sua maneira, falaram de divisão do trabalho,

conseqüências sociais e transpuseram para a atualidade; notando-se uma nova

perspectiva daquela que tinham inicialmente de “Revolução Industrial”, mais voltada

para o aspecto tecnológico.

Vale dizer que relacionaram o contexto do passado e do presente ao falar da

situação de trabalhadores e suas próprias condições de vida e trabalho;

percebendo-se, portanto, que significaram os conteúdos históricos a partir de suas

experiências vivenciadas como trabalhadores, levando-os a pensar suas realidades

à luz de experiências de sujeitos do passado.

É preciso considerar que a idéia de dar um sentido ao presente tendo como

referência o passado significa um esforço de diálogo entre as realidades do presente

e do passado e de eliminar qualquer pretensão de um discurso historiográfico

definitivo à medida que constantemente surgem novas questões ao passado.

Entretanto, não significa que tudo deve ser remetido ao presente, como a

originalidade de civilizações em que suas representações e mentalidades não

14

podem ser comparadas à nossa. Neste caso, tratar-se-ia de desenvolver a

compreensão da alteridade, pois, o interesse pelo Outro também é uma forma de

conhecer a si próprio (SCHIMIDT e CAINELLI, 2010, p.98-99).

Continuou-se na aula seguinte dialogando com os alunos a partir da leitura de

um fragmento do texto “A ditadura do relógio” de George Woodcock. Discutiu-se

sobre as transformações históricas na forma de medir o tempo. Comentaram em

quais situações se submetem ou não ao controle do tempo do relógio; foram

relacionando o texto com suas vivências diárias. Escreveram sobre as implicações

da disciplina do tempo em sua vida cotidiana, argumentando se concordavam ou

não com as idéias de Woodcock. Alguns alunos citaram trechos do texto para fazer

analogias acerca do que é vivido por eles, revelando suas capacidades de

interpretação e argumentação.

Ainda nesta aula, professora e alunos ouviram e analisaram a letra da música

“Fábrica” do Legião Urbana, composição de Renato Russo, em uma abordagem

sobre as relações entre patrões e empregados. Os alunos falaram de outras

canções que conheciam e poderiam ser interpretadas de modo semelhante. Através

de um “exercício” de interpretação, fizeram inferências pertinentes a partir do que

estava sendo discutido. Houve também uma reflexão a respeito da música como

instrumento de crítica social.

Sejam populares, “caipiras” ou outras, as canções “nos revelam opiniões,

sentimentos e fazem referência à vida social e cultural de um determinado período e

grupo social”. A música na sala de aula possibilita ao aluno apreciá-la de uma forma

menos descartável, uma vez que ele passa a se interessar pelas circunstâncias em

que foi composta, quem é o autor, o significado da letra e a sonoridade. (CATELLI,

2009, p.142-122).

Numa aula posterior, foi feita a apresentação do filme “Tempos Modernos”, na

TV Multimídia, com o intuito de observar que as transformações não se restringiram

ao interior das fábricas; mas, provocaram alterações no modo de viver e trabalhar,

de perceber e controlar o tempo, no cotidiano das pessoas, nas mentalidades.

Antes da apresentação fez-se uma breve contextualização do filme: época da

filmagem, contexto social, condições técnicas.

Após a apresentação refletiu-se com os alunos questões abordadas no filme,

por exemplos, produção baseada no sistema de linha de montagem, desumanização

15

do trabalho, alienação dos trabalhadores, perda da identidade e individualidade, a

disciplina e o controle do tempo, movimentos sociais, desigualdades sociais. De

acordo com as discussões foram revistas algumas cenas.

Ao final, produziram narrativas em que procuraram estabelecer relações entre

o contexto histórico-social representado no filme com seu dia-dia.

Conforme Marc Ferro (1992, p.86) “o filme pode tornar-se um documento para

a pesquisa histórica na medida em que articula ao contexto histórico e social que o

produziu um conjunto de elementos intrínsecos à própria expressão

cinematográfica”.

Contudo, é importante destacar que um “filme histórico” é uma representação

do passado e ao utilizá-lo na sala de aula faz-se necessário renunciar a busca da

objetividade e de uma pretensa “verdade histórica”. É preciso considerar a História a

partir dele e não procurar a confirmação ou negação de um outro saber, o da

tradição escrita (CATELLI, p. 57-53).

Devido às suas experiências pessoais, os alunos demonstraram especial

interesse nas reflexões que associavam melhorias nas condições de trabalho às

mobilizações. Sendo assim, foi proposta uma atividade no laboratório de informática,

usando a internet. Pesquisaram em jornais e revistas on-line notícias sobre

mobilizações e greves atuais de trabalhadores, suas reivindicações e conquistas.

Cada aluno elaborou um texto apontando os resultados da pesquisa.

A socialização desses textos com a turma provocou diversos

questionamentos e levou à investigação sobre as primeiras greves e leis

trabalhistas, consolidação das leis trabalhistas - CLT, no contexto nacional; se

estendendo por mais um momento coletivo.

Essa investigação de experiências vividas por sujeitos no passado colaborou

para questionar e entender?- situações vivenciadas pelos sujeitos do presente.

Pensando desse modo, pode se dizer que contribuiu também para a percepção da

idéia de processo da História e compreensão de que “conceber a História como

resultado de sujeitos históricos

implica não atribuir o desenrolar do processo como sendo a ação da vontade de instituições, como o estado, os países, a escola etc., ou resultante do jogo de categorias de análise (ou conceitos), como sistemas, capitalismo, socialismo etc. Perceber que a trama histórica não se localiza nas ações individuais, mas no embate das relações sociais no tempo”(BEZERRA, 2005, p. 46).

16

A História concebida como processo busca perceber diferenças,

semelhanças, conflitos, solidariedades, igualdades, desigualdades; comparar

problemáticas atuais e de outros momentos; posicionar-se de forma crítica no seu

presente e buscar as relações possíveis com o passado. O sentido dos

acontecimentos em sua dimensão micro, se resolve quando remetido aos processos

que lhe emprestam as possibilidades explicativas. Os registros ou as evidências da

luta dos agentes históricos são o ponto de partida para se entender os processos

históricos; mesmo que esses “não existiram exatamente com estão sendo descritos,

eles têm uma sedimentação na realidade social”. (BEZERRA, 2005, p.44- 43).

A aula seguinte partiu da análise de dois documentos jurídicos, os artigos 7º e

9º da constituição brasileira de 1988, relacionando-os com a realidade vivida pelos

sujeitos professora e alunos; com a finalidade de perceber que trabalhadores são

sujeitos de direitos.

De acordo com Schmidt e Cainelli (2009, p.129-117) “a ampliação e

diversificação de fontes documentais não invalida o documento escrito como

importante referência no trabalho em sala de aula”, podendo responder às

indagações e às problematizações de professores e alunos; mas não deve ser

tratado como um fim em si mesmo.

Após levantar as idéias prévias dos alunos sobre o que entendiam por

“constituição”, fez-se a identificação e contextualização dos documentos. Durante a

leitura foram se esclarecendo alguns termos desconhecidos. Procurou-se instigar os

alunos a confrontarem o conteúdo dos documentos com o que haviam pesquisado

anteriormente, buscando responder se observavam contradições. Em seguida, os

alunos exploraram o site do Ministério do Trabalho.

Por último, relataram suas “descobertas” sobre os direitos dos trabalhadores

perante a lei. Iniciaram uma discussão acerca de jornada de trabalho.

A partir das discussões surgidas na aula anterior, propôs-se uma atividade

com o uso da internet, objetivando conhecer e debater as propostas de redução de

jornada de trabalho dos movimentos sindicais e desenvolver opiniões sobre elas.

Dessa maneira, concordando com Catelli ao dizer que “é preciso que a

História exerça o espírito crítico, sendo uma linguagem capaz de falar de nosso

tempo, sentimentos e questões que extrapolam os próprios limites do conhecimento

histórico” (2009, p.16). E, conforme o autor lembra, “produzir espírito crítico não é o

17

mesmo que criticar a tudo e a todos. Ao contrário, trata-se de criar um percurso que

possibilite fazer escolhas conscientes”. (2009, p.11).

Os alunos pesquisaram o assunto em alguns sites sugeridos e matérias em

jornais on-line. Anotaram as informações que consideravam relevantes. Expuseram

suas anotações e opinaram. Discutiu-se, entre outras indagações surgidas,

flexibilização ou precarização do trabalho?

Observaram-se opiniões diversas, tendo em vista suas “leituras de vidas”

diferentes. A Atividade contribuiu para a percepção do envolvimento dos sujeitos

históricos, indivíduo ou grupos sociais, na sociedade. Incentivou a expressão de

idéias e mesmo os mais tímidos, acabaram participando. Comentaram de situações

que vivenciam no contexto histórico-social em que estão inseridos: trabalhos

informais, tercerizados, contratos temporários, perdas de benefícios...

Analisar as contradições, os impasses sociais da atualidade a partir de suas

causas, “permite entender como as relações de trabalho foram construídas no

processo histórico e como determinam a condição de vida do conjunto da

população”. Além disso, contribui para o entendimento de que a consciência de

classes dos sujeitos não se constrói somente entre as lutas de classes da burguesia

e proletariado, mas também em conflitos no interior das próprias classes por meio da

experiência vivida pelos trabalhadores. (PARANÁ, 2008, p.65).

Tendo em vista que, a “ênfase no trabalho como princípio educativo não deve

ser reduzida à preocupação em preparar o trabalhador para atender às demandas

do industrialismo e do mercado de trabalho.” (ARROYO, 2001 apud PARANÁ, 2006,

p.32).

O trabalho entendido não apenas como práxis produtiva, mas como diferentes

formas de ação humana para construir a existência:

O trabalho compreende, assim, uma forma de produção da vida material a partir da qual se produzem distintos sistemas de significação. É a ação pela qual o homem transforma a natureza e transforma-se a si mesmo. (PARANÁ, 2006, P.32)

3.2 Relato de atividades desenvolvidas com os alunos: uma reflexão sobre

cultura a partir do cinema

Continuaram-se as atividades com os alunos, articulando-as ao Conteúdo

Estruturante relações culturais, proposto pelas Diretrizes Curriculares da Educação

18

Básica do Paraná (2008, p.67), que entende “cultura como aquela que permite

conhecer o conjunto de significados que os homens conferem à sua realidade para

explicar o mundo”.

Para Bezerra (2005, p. 46), cultura “envolve as formas de organização do

trabalho, da casa, da família, do cotidiano das pessoas, dos ritos, das religiões, das

festas, etc”.

Baseando-se nessa idéia foi realizada a exibição do filme “Tapete Vermelho”,

com a finalidade de problematizar o conceito de cultura, provocar reflexões sobre

questões culturais e o “resgate” da cultura popular.

Cabe mencionar que

trabalhar com o cinema em sala de aula é ajudar a escola a reencontrar a cultura ao mesmo tempo cotidiana e elevada, pois o cinema é o campo no qual a estética, o lazer, a ideologia e os valores sociais mais amplos são sintetizados numa mesma obra de arte (NAPOLITANO, 2003, p.11).

E, com relação à escolha do filme, Napolitano sugere “discutir o cinema

ficcional, cujo conteúdo e cuja utilização em sala de aula tem sido menos discutido

do ponto de vista didático-pedagógico” (2003, p.30).

Segundo Bittencourt (2005, p.353), os filmes “são representações que

merecem ser entendidas e percebidas não como diversão apenas, mas como um

produto cultural capaz de comunicar emoções e sentimentos e transmitir

informações”.

Antes da apresentação levantaram-se as concepções prévias que os alunos

tinham de “cultura”, seguida da contextualização do filme. Durante a apresentação

foi necessário “pausar” as cenas algumas vezes; pois, comentavam que conheciam

aqueles ditos populares, benzimentos, canções, e queriam contar outras que

sabiam. Notou-se, portanto, grande envolvimento dos alunos com o filme. Um aluno

disse: “minha vó contava isso pra gente” se referindo a cena da “cobra que mama”.

Outros alunos contaram “causos” que conheciam, demonstrando que a cultura

popular de seus pais, avós estão presentes em seus cotidianos, em suas

representações.

As representações são para cada sujeito o seu real, ou seja, sua maneira de

pensar. Entretanto, são dependentes de seu contexto de origem. São construções,

19

ao mesmo tempo produto e processo de uma atividade de apropriação da realidade.

(SCHMIDT e CAINELLI, 2010, p.84).

Após a apresentação, professora e alunos dialogaram sobre as

manifestações folclóricas e de religiosidade, a linguagem, as músicas e danças, o

“caipira”, os mitos “materializados” na trama.

Esse diálogo continuou na aula seguinte em que se discutiu também a

historicidade do conceito de “cultura” e algumas narrativas históricas, procurando

resposta para a indagação: as culturas são iguais?

Conforme Willians (1979) o conceito de cultura agrega três dimensões: as

“artes”, “um sistema de significados e valores” e como “todo um modo de vida”.

Abrange as formas de produção da vida material e imaterial, sendo construído

historicamente.

Ainda de acordo com Willians cultura é comum a todas as pessoas “pelo fato

de haver uma estrutura comum de modos de pensar, agir e perceber o mundo, que

leva à constituição de organizações sociais diferentes. Isso ocorre devido às

diversas interpretações construídas por esses grupos históricos”. (PARANÁ, 2008,

P.67). Não é algo natural, é produto coletivo da vida humana.

Nesse sentido, cultura compreende “desde a mais sublime música ou obra

literária, até as formas de destruir-se a si mesmo e as técnicas de tortura, a arte, a

ciência, a linguagem, os costumes, os hábitos de vida, os sistemas morais, as

instituições sociais, as crenças, as formas de trabalhar” (SACRISTÀN, 2001, apud

PARANÁ, 2006, P.32).

Foi observado que os alunos, em suas idéias prévias, associavam o termo

cultura ao que “se aprende na escola” ou somente às manifestações artísticas, como

algo distante deles. A ressignificação na maneira de pensar “cultura” desses alunos

pode ser entendida num comentário de uma aluna: “meu jeito de pensar as coisas,

de cozinhar, faz parte da cultura”.

O processo de construção de conceitos é parte do fenômeno denominado

captura lógica do mundo social, se articula com o campo de conhecimentos e

representações do aluno. Nesse sentido, os conceitos devem ser elaborados e

sistematizados pelo aluno, e para serem trabalhados em sala de aula, é fundamental

a utilização de uma linguagem acessível à sua maneira de pensar, ao seu

vocabulário, a sua cultura experiencial (SCHMIDT e CAINELLI, 2010, p.85).

20

A questão do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, abordada no

filme, despertou interesse e questionamentos entre os alunos. Desse modo, foi

realizada uma atividade no laboratório de informática objetivando conhecer o

contexto de seu surgimento, suas reivindicações. Primeiramente os alunos falaram

das idéias que traziam sobre o MST, em sua maioria, atreladas às informações

transmitidas pela mídia, principalmente a televisão. A seguir, buscaram informações

sobre a origem do movimento, o contexto, sua história; exploraram o site do MST e

notícias em jornais e revistas. Foram anotando as informações coletadas.

Compartilharam suas anotações e, a partir de intervenções da professora,

compararam as diferentes maneiras como os jornais, revistas e o próprio site do

MST “viam” o movimento.

Ressalte-se a importância dessa experiência para perceber a participação

ativa de mulheres e homens, como sujeitos de direitos, da luta de classe. Num

processo de “fazer-se” sujeito da História; vivenciando a experiência de “se

pertencer”, de “ser” o movimento que se contrapõe aos processos de exclusões

sociais. E, mesmo com as determinações impostas pelo contexto sociocultural em

que estão inseridos, questionam – e faz questionar – valores, idéias, costumes;

interferem na maneira de pensar da sociedade, afirmando um modo de vida,

constituindo uma cultura...

Dessa forma, “cultura” é entendida também como “lugar de conflitos”:

[...] uma cultura é também um conjunto de diferentes recursos, em que há sempre uma troca entre o escrito e o oral, o dominante e o subordinado, a aldeia e a metrópole; é uma arena de elementos conflitivos [...]. E na verdade o próprio termo "cultura", com sua invocação confortável de um consenso, pode distrair nossa atenção das contradições sociais e culturais, das fraturas e oposições existentes dentro do conjunto (THOMPSON, 1998, P. 17).

E ainda, pensando cultura como um campo de mudanças em que se

estabelecem conexões com as experiências de pessoas comuns, num processo de

“fazer-se” e “refazer-se”- embora haja permanências – que só faz sentido se inserida

em um contexto correspondente:

[...] espero que a cultura plebéia tenha se tornado um conceito mais concreto e utilizável, não mais situado no ambiente dos “significados, atitudes, valores”, mas localizado dentro de um equilíbrio particular de relações sociais, um ambiente de trabalho de exploração e resistência à exploração, de relações de poder mascaradas pelos ritos de paternalismo e da

21

deferência. Desse modo, assim espero, a “cultura popular” é situada no lugar material que lhe corresponde (THOMPSON, 1998, p.17).

É importante salientar que muitas outras questões poderiam ser discutidas a

partir do filme Tapete Vermelho, mas, como já se encontrava no mês de novembro -

e havia a necessidade de se organizar os momentos coletivos - optou-se por seguir

com a sugestão apresentada na escola para que as disciplinas trabalhassem temas

relacionados à “Consciência Negra”.

O primeiro momento sobre o tema, objetivando a desconstrução de

esteriótipos e buscar um “olhar diferente” sobre a África e a Cultura africana, partiu

de um diálogo com os alunos sobre as idéias que tinham com relação à África e

como ela geralmente é representada pela mídia. Revelaram-se visões

estereotipadas: fome, AIDS, elefantes... Foi apresentado, na TV Multimídia, o vídeo

“A África que você nunca viu”. Após a apresentação, professora e alunos refletiram e

buscaram respostas para a indagação: porque imagens apresentadas no vídeo

geralmente não são mostradas pela mídia? Em seguida, os alunos exploraram os

artigos, entrevistas, notícias do site “A cor da Cultura” e as reportagens da coletânea

“O Brasil Negro”, já num segundo momento. Fizeram anotações, comentaram,

discutiram e compartilharam as informações encontradas, com a intervenção da

professora.

O terceiro momento realizou-se com a finalidade de reconhecer a existência

do preconceito e discriminação em relação aos negros na sociedade brasileira e

conhecer o que a Constituição diz sobre o racismo. Iniciou-se com uma reflexão a

partir do vídeo “Preconceito Racial”. Os alunos expressaram suas opiniões e

conclusões sobre o vídeo, de acordo com as situações que vivenciam no cotidiano.

Comentaram sobre preconceitos e discriminações que observam no dia-dia.

Refletiu-se que expressões aparentemente inofensivas podem denunciar formas de

preconceitos. A seguir, foi feita a identificação, contextualização, leitura e

interpretação de fragmentos do artigo 5º da Constituição brasileira de 1988, que trata

dos direitos e deveres individuais e coletivos. Também se discutiu sobre medidas

governamentais de inclusão social como cotas para negros nas universidades. Por

último, os alunos elaboraram seus textos sobre as discussões realizadas.

O estudo de temas relacionados à história africana não se limita ao mês de

novembro; perpassa outros conteúdos tratados durante o ano. Conforme Catelli

(2009, p.13), é imprescindível “resgatar a riqueza das culturas africanas que

22

integram hoje nossa língua, hábitos culturais, formas de pensamento, enfim, são

parte constitutiva de nossa identidade”.

Vale lembrar que durante o desenvolvimento das atividades buscou-se uma

avaliação diagnóstica, processual e contínua, além da auto-avaliação da professora

e alunos.

Os momentos em sala de aula são ímpares, impossíveis de serem

reconstituídos em todas as suas perspectivas. Os relatos feitos aqui são recortes

das experiências vivenciadas e compartilhadas. É claro que se encontraram

dificuldades, entre outras, no que se refere às possibilidades de desdobramentos e

exploração das diferentes linguagens utilizadas. Também certa resistência por parte

de alguns alunos, no início, nas idas ao laboratório de informática. Há alunos da EJA

que trazem uma visão internalizada de ensino de outras épocas que estudaram ou

mesmo de que seus pais estudaram.

De modo geral, pode-se avaliar que se alcançaram os objetivos pretendidos

no projeto de intervenção. Os alunos se fizeram co-participantes do processo de

ensino-aprendizagem e as tecnologias disponíveis na escola foram incorporadas ao

processo.

Os alunos investigaram, interpretaram, questionaram, refletiram, compararam,

relacionaram, produziram - de um modo ou de outro produzem cultura e

conhecimento, pois, estes são produzidos nas e pelas relações sociais - falaram de

si e de seus mundos, “historicizaram-se”... Apontaram o caminho para aquilo que

era de seus interesses. Determinaram o que queriam saber, através dos seus

questionamentos de suas realidades.

Dessa forma, pode-se dizer também que se estabeleceu uma relação

dialética e dialógica entre a “História ensinada”, a “História estudada” e as

experiências vividas pelos sujeitos professora e alunos, em suas relações sociais e

de trabalho.

4. A experiência com o Grupo de Trabalho em Rede – GTR

O Grupo de Trabalho em Rede de 2011 iniciou-se com 15 vagas para cada

disciplina e deveria ocorrer em seis semanas; mas, devido aos vários travamentos

da plataforma Moodle, houve prorrogações. Encontrava-se dividido em três unidades

temáticas que apresentavam recursos como os fóruns, espaços de discussões entre

23

os participantes, e os diários, espaços para postagens de atividades e contato entre

o cursista e o professor- tutor.

As atividades do GTR comentadas aqui objetivavam refletir sobre a utilização

de ferramentas tecnológicas, no caso a TV Multimídia e o computador, como um

meio para a co-participação do aluno no processo de ensino-aprendizagem e na

busca do diálogo com as experiências vividas pelos sujeitos.

Dos quinze cursistas inscritos, dois nunca acessaram a plataforma, mesmo

após várias mensagens enviadas em seus e-mails, e dois não foram considerados

concluintes por não realizarem todas as participações necessárias.

Na Primeira Unidade Temática, através das discussões do fórum, observou-

se um consenso por parte dos professores de que as ferramentas tecnológicas,

sejam velhas ou novas, não devem ser utilizadas somente como instrumentos de

“transmissão” de conteúdos; ou seja, para reproduzir um conhecimento que já foi

reproduzido no próprio professor.

De acordo com o relato postado por um professor: “A simples utilização de

‘novos recursos tecnológicos’ não implica em significativas mudanças no processo

ensino-aprendizagem. Posso fazer de uma projeção uma simples reprodução do

livro didático, o que não alteraria em nada em relação ao velho e tradicional ‘recurso

tecnológico’ livro. É necessário saber abordar, criar perspectivas e análises que

pressupõem inclusive a crítica e/ou complemento ao conteúdo do livro”.

Os professores, no fórum, contaram sobre suas experiências na sala de aula.

Uma professora disse: “com o processo de inclusão nas escolas, trabalho com

alunos surdos e para eles é importante as imagens, valorizando o conteúdo

histórico”. Um professor comentou: “Pessoalmente, utilizo os mais diferentes

recursos ‘tecnológicos’, tais como o livro, o quadro, o giz, violão, TV pendrive,

multimídia, computador, revistas e jornais, e o que mais for necessário dentro de

minhas possibilidades”. Uma professora falou de suas aulas: “Procuro utilizar

sempre muitos recursos tecnológicos como vídeos, músicas, filmes, laboratórios de

informática, Tv pendrive. Utilizando esses recursos o aluno aprende muito mais e

com certeza ele terá um melhor aprendizado.Todos os conteúdos que trabalho com

os alunos eu utilizo a TV pendrive, os alunos prestam mais atenção e a produção é

muito melhor.”

Outro professor comentou: “Trabalho com todas as tecnologias pois tem

estudantes que são mais auditivos e outros mais visuais. Utilizar na aula a TV para

24

enriquecer a aula com cortes de filmes e documentários é ótimo pois cativa mais os

alunos a se interessarem pelo conteúdo. Realizo uma atividade por semestre com as

turmas que é eles montarem pequenos vídeos sobre um assunto que esta sendo

trabalhado em sala.” Uma professora propõe no diário: ”Antes de iniciar a aula, falo

sobre o tema e a importância, após a explicação faço uso da TV pendrive, com o

tema da aula. Acho que os alunos prestam mais atenção e o rendimento é muito

melhor.”

Alguns professores também expuseram as dificuldades vivenciadas em suas

rotinas escolares: “até o giz colorido acaba lá pelo mês de outubro e o professor, se

não providenciar ele mesmo a compra daquele giz, passará a ter que ministrar aulas

utilizando somente o giz branco, assim mesmo, quando este também não tem que

ser racionado”.

As discussões no fórum demonstraram que os professores utilizam diversos

recursos tecnológicos para o ensino de História. Notaram-se nas postagens do diário

– tratava-se de um plano de aula – que, na maioria das vezes, os objetivos da

utilização das ferramentas tecnológicas disponíveis eram para exemplificar, mostrar,

explicar, ilustrar, demonstrar, explanar.

Na Segunda Temática a discussão proposta era acerca da importância de se

valorizar as experiências vividas pelos alunos, de modo a relacionar a “História

ensinada” com as práticas do cotidiano.

Uma professora comenta no fórum: “Acredito que, quando os conteúdos de

história são transmitidos de forma prazerosa, ou seja, os alunos fazendo parte do

cenário, atuando nas suas relações pessoais, aumenta a capacidade de

assimilação”. Um outro comentário: “Quando o aluno se percebe como sujeito e que

é um agente de transformação ele estuda com muito mais vontade, e daí sim a

educação consegue formar cidadãos críticos e conscientes de seu papel na

sociedade, conseguimos assim propiciar ao nosso aluno uma educação libertadora”.

É interessante observar o relato de uma professora: “Para iniciar o aluno no

processo ensino aprendizagem o professor deve desenvolver o conteúdo de sua

aula contemplando o conhecimento prévio do aluno. O aluno, percebendo-se como

parte de um amplo meio social, partindo de relações mais imediatas como a família,

ou seja, o meio social em que vive, compreenderá através do estudo da história

determinações sociais, temporais e espaciais presentes na sociedade. Acredito que

partindo dessas considerações pode-se iniciar um debate construtivo.” Outra

25

professora destacou: “realmente quanto mais perto o aluno estiver da história, mais

rendimento ele terá. Ele tem que perceber o quanto ele é importante na história e

que também faz parte dela.”

No diário os docentes apresentaram reflexões sobre o tema. Uma professora

ressaltou: “acho que a escola deve trabalhar a partir dos quatro pilares: aprender a

ser, a conviver, a conhecer e fazer. A educação contextualizada deve ser

trabalhada. É preciso valorizar o conhecimento que o aluno traz fora da escola para

entender suas necessidades e saber direcionar melhor o planejamento”.

Complementando, um professor afirma que “Quando você começa a relacionar o

conteúdo histórico de um determinado contexto do passado e o traz para o cotidiano

do aluno no dia-dia, ele percebe que a história não é aquela coisa chata (como ele

diz) do estudo do passado pelo passado, mas que isso está presente muito na sua

vida e nas relações que ele desenvolve no dia a dia na família, no trabalho, e com os

amigos”.

A proposta da Terceira Temática, sugerida pela SEED, era para que os

professores realizassem alguma atividade, baseada nas discussões das unidades

anteriores, em suas realidades escolares.

Dessa maneira, os fóruns objetivaram socializar essas ações. Alguns

professores trabalharam com a história de vida dos alunos; uma professora utilizou o

filme Tempos Modernos. Houve o caso de um professor que implementou um

projeto com os alunos para conhecerem a história da cidade onde moram, os

pioneiros, sobre os estabelecimentos comerciais, os nomes das ruas etc. Outros

professores disseram que não conseguiram desenvolver atividades, pois já se

aproximava do final do semestre e estavam sobrecarregados de provas para corrigir,

notas por fechar etc. Mesmo assim, elaboraram propostas para outros momentos.

Durante o GTR os professores participaram, falaram de suas realidades,

trocaram experiências, refletiram, expressaram suas opiniões; embora estivessem

atarefados com suas rotinas escolares. Talvez esse problema pudesse ser

amenizado com a ampliação da hora-atividade dos professores, em que poderiam

ter mais tempo para ler, participar de cursos e capacitações.

Além de mudanças na sala de aula fazem-se necessárias sérias

transformações no sistema educacional como um todo, baseadas na realidade, com

a participação de todos os sujeitos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem

26

e não pautadas somente em modismos de novos “modelos” pedagógicos, a cada

nova política educacional.

As mudanças nas ações docentes precisam ser acompanhadas da

reformulação do processo educacional. Mudar o professor para atuar no “mesmo

esquema profissional, na mesma escola deficitária em muitos sentidos”, com turmas

numerosas, é querer ver naufragar toda a proposta de mudança da qualidade da

educação. As mudanças pessoais do professor para melhoria profissional serão

“inócuas se não vierem acompanhadas de uma significativa mudança nas condições

de vida e trabalho”; de uma política que valorize sua importância, que ofereça uma

formação inicial de qualidade e um projeto de carreira consistente. (KENSKI, 2009,

p. 106-107).

Por fim, é pertinente citar Catelli:

[...] está mais do que na hora de o ensino de História abandonar seus velhos fantasmas: a cronologia pela cronologia, a história total, o questionário, a prisão ao texto escrito e a livros didáticos transformados numa camisa de força. [...] O conhecimento histórico é por natureza subjetivo. Existem diferentes interpretações sobre o mesmo período ou evento histórico.[...] Não há certo ou errado, mas também não há isenção. Por razões diversas, que se relacionam com certa concepção de mundo e política , concordamos mais com um autor ou com outro.[...] se deve ir além do senso comum e criar argumentos favoráveis ou desfavoráveis a uma linha de pensamento ou outra. (2009, p.16-11)

Considerações finais

Para o desenvolvimento das atividades referenciou-se numa concepção de

História que valorizasse mulheres e homens comuns e buscasse compreender os

processos históricos através da análise das experiências humanas. Tendo como

ponto de partida os conhecimentos trazidos pelos alunos, baseados nas

experiências vivenciadas em suas trajetórias de vida, em seus cotidianos.

Procurou-se articular momentos não lineares, superar os limites “geográficos”

da História e instigar à reflexão, a partir da realidade social, percebendo-se inserido

nela e não meras reflexões “contemplativas”. Através da construção de respostas às

suas indagações, os alunos puderam se ver participante do processo histórico.

Houve dificuldades, principalmente com relação ao uso das diferentes

linguagens no ensino de História; essas têm sua própria historicidade e requerem

um conhecimento específico de sua natureza, além do trato didático-pedagógico.

Embora existam diversos estudos sobre o assunto, na realidade em que o trabalho

27

foi desenvolvido tratava-se de algo pouco utilizado. Nesse sentido, percebe-se a

necessidade de capacitações sobre essa temática que possibilitem ampliar a

exploração e problematização na “leitura” dessas linguagens.

Sabe-se que mudanças reais não são fáceis e nem acontecem num “passe

de mágica”; levam tempo, há um longo caminho a ser percorrido, em que serão

inevitáveis acertos e erros.

É preciso, porém, querer “sair do lugar”, enfrentar o desafio do primeiro

passo. Lembrando Freire: “a resposta que um homem dá a um desafio não muda só

a realidade com a qual se confronta, a resposta muda o próprio homem, cada vez

um pouco mais, e sempre de modo diferente” (1980, p. 37). Mesmo sabendo, como

já foi apontado, que as mudanças nas ações do professor precisam vir

acompanhadas de outras...

Finalmente, fica a sugestão para que se desenvolvam trabalhos sobre o uso

das tecnologias e diferentes linguagens – cinema, música, entre outras – no ensino

de História, voltados à Educação de Jovens e Adultos, às suas especificidades;

visando estabelecer uma relação dialética/dialógica entre a “História ensinada” e as

experiências vividas por esses jovens e adultos, pessoas comuns, sujeitos reais.

Referências

BEZERRA, Holien Gonçalves. Ensino de História: conteúdo e conceitos básicos. In:

KARNAL. Leandro (Org.). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas.

4. edição. São Paulo: Contexto, 2005. p 37-48.

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2005.

CATELLI, Roberto Junior. Temas e Linguagens da História: Ferramentas Para aSala de Aula no Ensino Médio. São Paulo: Scipione, 2009. (Coleção Pensamento e ação na sala de aula)

FERRO, Marc. Cinema e História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, 17ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. _______. Conscientização: Teoria e Prática da libertação: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. 3ª Ed. São Paulo: Moraes, 1980.

_______. Educação na Cidade. São Paulo: Editora Vozes, 1995.

28

_______. Extensão ou comunicação? 7ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.

KARNAL, Leandro (org.). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. 4ª ed. São Paulo: Contexto, 2005.

KENSKI, Vani Moreira. Educação e tecnologias: o novo ritmo da informação, 5ª ed.Campinas, SP: Papirus, 2009.

_______. Tecnologias e ensino presencial e à distância. Campinas, SP: Papirus, 2003.

MASSEI, Roberto. As inovações tecnológicas e o ocaso do oleiro: a mecanização das olarias em Ourinhos (1950-1990), dissertação de mestrado (São Paulo, PUC, 2001).

MORAN, José Manuel, MASETTO, Marcos e BEHRENS, Marilda. Novas Tecnologias e Mediação Pedagógica. 16ª ed. Campinas: Papirus, 2009.

NAPOLITANO, Marcos. Como usar o cinema na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2003.

OROFINO, Maria Isabel. Mídias e mediação escolar: pedagogia dos meios, participação e visibilidade, São Paulo: Cortez, 2005.

PARANÁ. Diretrizes Curriculares da Educação Básica - História. Curitiba: SEED, 2008

PARANÁ. Diretrizes Curriculares da Educação de Jovens e Adultos. Curitiba: SEED, 2006.

SCHIMIT, Maria Auxiliadora; CAINELLI Marlene. Ensinar História. São Paulo: Scipione, 2009. (Coleção Pensamento e ação na sala de aula)

THOMPSON, Edward Palmer. A miséria da Teoria. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.

______. Educação e experiência. In: Thompson, E. P. Os Românticos: a Inglaterra na era revolucionária. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

______. Introdução: costume e cultura. In: Thompson, E. P. Costumes em Comum.

São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

WILLIAMS, Raymond. Cultura. In: ______. Marxismo e Literatura. Rio de Janeiro: Zahar, 1979, p. 17-26.