98
DOM HELDER ESCOLA DE DIREITO GRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães (RE)PENSANDO A RESPONSABILIDADE CIVIL: perspectivas contemporâneas da (des)patrimonialização da reparação

tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

  • Upload
    others

  • View
    0

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

DOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO

Glayder Daywerth Pereira Guimarães

(RE)PENSANDO A RESPONSABILIDADE CIVIL:perspectivas contemporâneas da (des)patrimonialização da reparação

Belo Horizonte2020

Page 2: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

Glayder Daywerth Pereira Guimarães

(Re)pensando a Responsabilidade Civil:perspectivas contemporâneas da (des)patrimonialização da reparação

Monografia apresentada ao programa de Graduação em Direito da Dom Helder Escola de Direito, como requisito parcial para aprovação final e obtenção do título de bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Michael César Silva

Belo Horizonte2020

Page 3: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

DOM HELDER ESCOLA DE DIREITO

Glayder Daywerth Pereira Guimarães

(Re)pensando a Responsabilidade Civil:perspectivas contemporâneas da (des)patrimonialização da reparação

Monografia apresentada ao programa de Graduação em Direito da Dom Helder Escola de Direito, como requisito parcial para aprovação final e obtenção do título de bacharel em Direito.

Aprovado em: ___/___/____

___________________________________________________________________________Michael César Silva (Orientador)

___________________________________________________________________________Bruno Fabrício da Costa (Professor Membro da Banca)

___________________________________________________________________________Renato Campos Andrade (Professor Membro da Banca)

Nota: ____

Belo Horizonte2020

Page 4: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus, por minha vida, saúde e felicidade.

Aos meus pais e heróis, Jove Guimarães Campos e Andrea Pereira Guimarães, por todo amor, carinho, paciência e dedicação, por todas as noites em claro me ensinando e ajudando, pelos castigos que mereci, pelo senso de justiça que me motivou a cursar Direito e por tudo mais em minha vida. Meu maior orgulho é ser seu filho. Amo-lhes eternamente!

A meu irmão e grande amigo, Clayton Douglas Pereira Guimarães, que incentivou e participou ativamente de minha formação, pelo apoio irrestrito em todos os momentos. Pelas divergências jurídicas que nos permitiram nos aprofundar em nossos estudos, e por sua amizade sou eternamente grato.

Ao meu orientador Doutor Michael César Silva, grande mestre e dileto amigo, por todos os ensinamentos, por seu empenho, motivação e incentivo, em sala e na iniciação científica. Devo a você grande parte de minha formação acadêmica meu amigo.

A minha querida, Sarah Batista Santos Pereira, agradeço por todo amor, força, incentivo e apoio incondicional no curso de Direito e na vida.

A meus amigos Caio César do Nascimento Barbosa, Gabriela de Assunção Alves, Marina Ribeiro Fonseca, Stephanny de Carvalho Veloso e Túlio Coelho Alves, que me acompanharam na trajetória do curso de Direito, por todas os momentos de descontração, pela ajuda nos estudos e por tantas coisas que guardaremos na memória.

A todo corpo de funcionários da Dom Helder Escola de Direito, por todo seu esforço em garantir uma faculdade singular em todos os aspectos. A excelência da faculdade é frutos de seus esforços conjuntos.

Por fim, um agradecimento especial aos professores Bruno Fabrício da Costa, Renato Campos Andrade, Paulo Antônio Grahl Monteiro de Castro, Magno Frederici Gomes e Marcelo Kokke Gomes, por sua dedicação inabalável em sala de aula. Seus ensinamentos que não se limitaram as respectivas matérias que ministraram, indo para muito além e me incentivando a ser, no futuro, um professor tão qualificado quanto vocês.

Page 5: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

RESUMO

A presente monografia presta-se a analisar o instituto da reparação da responsabilidade civil no ordenamento jurídico brasileiro, no contexto da sociedade de risco, sob o prisma principiológico e funcional do referido ramo do Direito. Verifica-se, primariamente, o contexto da sociedade de risco, no qual se insere a sociedade contemporânea – complexa, plural e assimétrica – com o intuito de evidenciar a maximização e multiplicação dos riscos e dos danos e suas interconexões com a responsabilidade civil. Sequencialmente, analisa-se, historicamente a referida seara, perpassando, de forma sucinta, algumas de suas fases e características, busca-se, desse modo, trazer a lummen o fenômeno de patrimonialização das reparações. Erigidas as bases do estudo, avança-se sobre a temática das funções e princípios da responsabilidade civil e se apresentam os principais elementos do ramo Direito sob o prisma principiológico constitucional. Propõe-se desenvolver uma análise crítica da doutrina e da legislação pertinente, por meio de uma pesquisa eminentemente teórica, de caráter bibliográfico, utilizando-se da metodologia crítico-prospectiva de vertente jurídico-sociológica. Conclui-se, que a exacerbada patrimonialização das reparações, contemporaneamente, se estabelece como um obstáculo à garantia dos princípios estruturais da responsabilidade civil – reparação integral, dignidade da pessoa humana, prevenção e solidariedade – sendo, portanto, necessário (re)pensar a responsabilidade civil e promover a (des)patrimonialização das reparações mediante a aplicação conjunta de meios de reparação patrimonial e não patrimoniais, consubstanciando, de tal modo a reparação integral.

Palavras-chave: Responsabilidade Civil. Direito dos Danos. Reparação Integral. Sociedade de Risco.

Page 6: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

SUMÁRIO

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ................................................................................ 07

2 DELINEAMENTOS DA SOCIEDADE DE RISCO .............................................. 09

3 BREVE HISTÓRICO DA RESPONSABILIDADE CIVIL .................................. 12

4 AS FUNÇÕES DA RESPONSABILIDADE CIVIL .............................................. 18

4.1 Função reparatória ................................................................................................... 19

4.2 Função punitiva ......................................................................................................... 22

4.3 Função precaucional ................................................................................................ 24

5 OS PRINCÍPIOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL .......................................... 27

5.1 Princípio da reparação integral .............................................................................. 27

5.2 Princípio da dignidade da pessoa humana .............................................................. 30

5.3 Princípio da prevenção ............................................................................................ 32

5.4 Princípio da solidariedade ....................................................................................... 35

6 A REPARAÇÃO....................................................................................................... 37

6.1 Indenizar e compensar: o binômio patrimonialista da responsabilidade civil .... 39

6.2 A reparação integral no contexto da sociedade de risco ....................................... 43

6.3 Formas alternativas de reparação .......................................................................... 46

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 49

REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 53

Page 7: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

7

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O estudo propõe uma análise crítica e construtiva atinente à temática da

responsabilidade civil, especificamente, no que toca à reparação integral, no cenário

contemporâneo da Sociedade de Risco. Destarte, a pesquisa se situa em uma conjuntura social

ímpar de multiplicação e maximização dos riscos intrínsecos à vida. Ressalta-se, ademais, a

constante busca por métodos de pacificação social e reestruturação das relações

intersubjetivas, em oposição a um modelo meramente patrimonialista de reparação de danos.

Pretende-se responder as seguintes perguntas problema: Em sede de

responsabilidade civil verifica-se um fenômeno de liquidação das obrigações não adimplidas e

de direitos violados, isto é, na hipótese de lesão a bem material e até mesmo lesão a um

interesse existencial merecedor de tutela, busca-se, via de regra, a reparação pecuniária, seria

tal instrumento apto a concretizar, isoladamente, a reparação integral? Na hipótese de a

reparação pecuniária não alcançar o objetivo supramencionado, que outras alternativas podem

ser utilizadas pela responsabilidade civil a fim de alcançar a reparação integral?

Nessa linha de intelecção, delimitaram-se enquanto objetivos específicos: i)

examinar a temática da responsabilidade civil no contexto da Sociedade de Risco; ii)

identificar a existência, ou inexistência de um fenômeno histórico de patrimonialização da

responsabilidade civil; iii) discutir a questão das funções da responsabilidade civil; iv)

analisar os princípios da responsabilidade civil contemporânea; v) verificar a possibilidade de

implementação de métodos alternativos de reparação dos danos.

A relevância da pesquisa se evidencia pelo fato de a temática apresentar profunda

relevância social e jurídica. No que concerne ao âmbito social a reparação é instrumento de

restauração de um estado anterior em uma relação intersubjetiva, de modo que, é próprio

mecanismo de pacificação e de justiça. No âmbito jurídico, a reparação é gênero no qual se

situam tanto a indenização quanto a compensação.

A partir das reflexões preliminares acerca da problematização abordada, é

possível afirmar que historicamente o Direito Civil, especialmente, no que concerne à

responsabilidade civil, pendeu a uma patrimonialização das reparações. (SCHREIBER, 2015).

Outrossim, com o decurso do tempo, toda a responsabilidade civil se adequou a

um modelo de reparação de caráter monetário, isto é, mediante indenizações ou

compensações. Nessa perspectiva, o objeto da pesquisa efetivamente se estabelece, dado que,

tal modelo de reparação ainda que objetive uma reparação integral da vítima, não possibilita

Page 8: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

8

uma pacificação da relação intersubjetiva lesada, ou mesmo a reparação integral à vítima do

evento danoso.

Faz-se necessário, portanto, (re)pensar a sistemática da responsabilidade civil em

busca de meios mais efetivos de se alcançar a reparação integral, tendo como norte a

pacificação das relações intersubjetivas à luz dos ditames da Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988.

Nessa conjuntura, primariamente, a pesquisa propõe investigar e analisar a

responsabilidade civil, sob a ótica da sociedade de Risco, perpassando a patrimonialização do

Direito Civil no que se refere à responsabilidade civil, bem como a uma análise acerca da

reparação integral. Nesse segmento, a pesquisa avança sobre a temática das funções e

princípios da responsabilidade civil, objetivando estruturar as bases de uma nova teoria de

reparação pautada nos Princípios da Dignidade da Pessoa Humana, da Solidariedade Social,

da Reparação Integral e da Prevenção (FARIAS; ROSENVALD; BRAGA NETTO, 2018).

Consequentemente, o estudo emprega esforços em apresentar meios de alternativos de

reparação em vista da garantia da reparação integral à luz dos princípios da responsabilidade

civil e dos preceitos e valores constitucionais.

Ressalta-se que o escopo da pesquisa não é o de exaurir o tema pesquisado ou

apresentar soluções definitivas para as problemáticas. Mas, sobretudo, apresentar os passos

iniciais para uma mudança de paradigma de uma responsabilidade civil por intermédio da

(des)patrimonialização das reparações, ampliando a noção de reparação, para fortificar os

Princípios da Reparação Integral, da Dignidade da Pessoa Humana, da Solidariedade Social e

da Prevenção.

No tocante à metodologia aplicada, com fundamento na classificação de Witker

(1985), Gustin (2010) e Rocha (2017), afirma-se que se trata de um estudo eminentemente

teórica que se circunscreve à tipologia crítico-prospectiva e se amolda à vertente jurídico-

sociológica. A mesma se mostra possível mediante a análise de conteúdo da doutrina, bem

como da legislação pertinente, sendo, portanto, de caráter bibliográfico. Ademais, a pesquisa

demonstra-se qualitativa, enquanto busca compreender os fenômenos sociais e a participação

dos indivíduos nesse cenário, de cunho exploratório-explicativo, dado que identifica os fatores

que contribuem ou determinam a ocorrência do objeto da pesquisa e almeja explicitar o tema

e construir uma hipótese ao longo do texto.

Deste modo, o estudo propõe lançar luzes sobre a temática proposta com a

finalidade de apresentar soluções adequadas no que se refere à efetivação da reparação

integral no contexto da sociedade contemporânea.

Page 9: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

9

2 DELINEAMENTOS DA SOCIEDADE DE RISCO

O estudo da responsabilidade civil se estende por uma série de ramos do saber,

avançando, paulatinamente, de modo a repercutir em diversas áreas da vida. A investigação

da matéria pode se iniciar em diversos pontos, sendo que cada um é embasado em diversas

teorias, sendo, cada uma dessas, o prisma pelo qual se interpreta a norma.

Nessa constante, a Teoria do Risco de autoria do autor Ulrich Beck (2010) se

assenta como uma corrente sociológica inovadora, que a partir das reflexões lançadas adquiriu

a capacidade de influir no campo das ciências sociais, jurídicas e, mesmo, da engenharia. Os

traços da “Sociedade de Risco” paulatinamente passaram a ser verificados, sendo que,

hodiernamente, é possível afirmar que a sociedade contemporânea vivencia o modelo exposto.

A teoria de Ulrich Beck (2010), voltada, especialmente, à degradação ambiental,

elucida como o corpo social se relaciona com os riscos, posicionando-os no centro da

sociedade. Se outrora a sociedade era marcada pela previsibilidade dos rumos e dos riscos, a

sociedade contemporânea passa a ser marcada pela incerteza em função da multiplicação e

maximização dos riscos.

José Manuel Mendes (2015, p. 212) leciona que:

O risco é, para Beck, um estádio intermédio entre a segurança e a destruição, e a percepção dos riscos ameaçadores determina o pensamento e a ação. No risco, o passado perde o seu poder de determinar o presente. É o futuro, algo que é construído, não existente, que constrói o presente, e os riscos são sempre locais e globais, assumindo uma dimensão transescalar.

Nota-se que a teoria da Sociedade de Risco possibilitou uma inversão singular do

modo de se pensar e de viver, permitindo que não somente os acontecimentos pretéritos

moldassem o presente, mas, sobretudo, que as eventuais experiências futuras pudessem

moldar o presente. A sociedade de risco, deste modo, avança para além de uma mera crítica à

sociedade, pavimentando soluções adequadas para a problemática apresentada, de modo que,

possibilita a alteração do presente para minimização dos danos futuros.

A teoria proposta pelo autor, ainda que não conjecturada sob um prisma jurídico,

se amolda com perfeição ao Direito, sobretudo, ao tema da responsabilidade civil, posto que,

tal ramo do Direito Civil objetiva determinar a ocorrência de danos, seu modo de reparação e

métodos eficazes para dirimir danos.

Ulrich Beck (2010) propõe uma reflexão quanto a sociedade como um todo,

reconhecendo o risco enquanto elemento intrínseco à vida, potencializado, sobretudo, pelas

inovações tecnológicas e alterações no corpo social vislumbradas progressivamente. Destaca-

Page 10: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

10

se que o risco, a priori mensurável, nesse contexto, passa a ser de difícil, ou impossível,

quantificação, razão ela qual se multiplicam e maximizam.

Na sociedade contemporânea, o dano aumenta substancialmente, tomando novas

proporções, antes nunca vislumbradas. A esse respeito, Cristiano Chaves de Farias, Nelson

Rosenvald e Felipe Peixoto Braga Netto (2017, p. 792) sustentam que:

Dizer que os danos aumentaram em nosso século envolve certo truísmo. Se nós, no início do século passado engatinhávamos nas possibilidades tecnológicas, se sequer conhecíamos a televisão ou o avião, se uma notícia demorava lentos meses para partir da Europa e até chegar até aqui, hoje, desnecessário dizê-lo, a situação modificou-se de modo impensável. É possível até afirmar, sem muito medo de errar: talvez a mais otimista das previsões não previsse que chegaríamos aonde chegamos, em possibilidades tecnológicas.

A sociedade contemporânea – complexa, plural e assimétrica – é fruto de uma

série de desenvolvimentos, antes inimagináveis, que viabilizaram uma facilitação de tarefas

cotidianas, bem como a criação de novas atividades. Se no fim do século passado, a sociedade

ainda desenvolvia os telefones, hoje, estes já são tidos como antiquados, sendo que, a minoria

das pessoas os utiliza, se valendo, via de regra, aos smartphones para a realização de

chamadas por vídeo. A complexidade – decorrente do avanço tecnológico – envolvida nos

smartphones possibilita, a exemplo, a captação de dados pessoais, um fator de risco, outrora

inexistente.

Glayder Daywerth Pereira Guimarães e Michael César Silva (2019, p.106)

analisam o hodierno fenômeno de maximização dos danos sob a perspectiva digital,

verificando que a tecnologia possibilitou o surgimento de novos danos por intermédio da

internet.

A tecnologia, em especial, com o advento da criação da internet, modificou o modo de vida das pessoas em grande medida, desde a forma pela qual se comunicam, pelo qual interagem com as demais pessoas, a maneira que os sujeitos se informam e buscam conhecimento sobre os mais diversificados assuntos. Sob a mesma perspectiva, o dano também altera suas características assumindo novos contornos.

A tecnologia, sobretudo, a internet, possibilitou a criação de um ambiente digital

inovador, pautado por novas características e regras. Mesmo hoje, anos após o surgimento da

rede mundial de computadores, a regulamentação das condutas no ambiente descrito ainda é

incapaz de oferecer a proteção adequada aos usuários, corroborando, nesse sentido, com a

multiplicação de riscos (LIMA MARQUES, 2016).

Nota-se, que os riscos passam a integrar a vida de todas as pessoas. Em maior ou

menor grau, acontecimentos do cotidiano passam a representar potenciais eventos danosos na

sociedade de risco. Nessa linha de intelecção, a vida, em si, passa a representar um risco.

Page 11: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

11

Ainda que técnicas de previsão de risco avançadas existam – como as utilizadas por

seguradoras – o “risco zero” inexistente na sociedade contemporânea.

Sabe-se, contudo, que por mais que se queira prevê-los e evitá-los, o risco zero é impossível e inerente a essa sociedade de risco, que produz incertezas nas mais variadas formas. Desta feita, ao se ampliar as atividades nos mais diferentes segmentos, desenvolveu-se como um aspecto inerente desse processo uma cultura de riscos, descrita como “sociedade de riscos”. (BALBINO; BRASIL, 2017, p. 263)

Observa-se que, a sociedade de risco se concebeu mediante o aumento da

complexidade de elementos no corpo social. Nessa acepção, a tecnologia digital, se sobressai,

em razão de seus espantosos passos, mas alterações políticas ou econômicas e, até mesmo,

cenários de pandemias ou guerras, corroboram intensamente para a maximização e

multiplicação de riscos na sociedade contemporânea.

Nessa perspectiva, Joyceane Bezerra de Menezes, José Martônio Alves Coelho,

Maria Clara Cavalcante Bugarim (2011, p. 30) sustentam que:

A magnitude atual da produção do conhecimento, que é bastante significativa e imprime um desenvolvimento científico célere, conduz o homem a conviver com a insegurança. A indústria de fármacos, a nanotecnologia, a engenharia genética, a indústria alimentar, os aparelhos de telecomunicação – ampliam as possibilidades de riscos à saúde e o resultado de suas atividades gera incerteza e ansiedade.

O surgimento de novas tecnologias aumenta de modo significativo o risco na

sociedade contemporânea em comparação com as situações pretéritas. Hodiernamente, os

indivíduos passam a conviver com risco em seus cotidianos, de uma atividade trivial como a

realização de compras online, a uma atividade infrequente, como saltar de bungee jump,

inúmeros são os riscos.

Daniela Courtes Lutzky (2019, p. 2) afirma que: “À medida que a sociedade fica

mais complexa e só fazem aumentar as violações às pessoas, novas situações passam a exigir

proteção jurídica adequada, pertinente, eficaz e condizente com os direitos tutelados”.

A sociedade contemporânea, marcada, mormente pelas incertezas e pela

imprevisibilidade, dentre os demais contextos, se exterioriza enquanto uma sociedade de

risco. Nesse viés, a responsabilidade civil assume a dificultosa tarefa de minimizar os riscos e

os danos, promovendo um ambiente no qual estes não se maximizem de forma desordenada,

promovendo, na medida do possível, uma previsibilidade jurídica no que se referem aos danos

e sua efetiva reparação.

Page 12: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

12

3 BREVE HISTÓRICO DA RESPONSABILIDADE CIVIL

A investigação histórica evidencia a essência das coisas, seus conceitos, a

evolução de determinada temática, a etimologia e, até mesmo, as interconexões filosóficas,

sociológicas e culturais acerca de dados temas. Nesse ínterim, a análise histórica do instituto

da responsabilidade civil se mostra essencial para a compreensão dos presentes e dos futuros

passos da referida seara do Direito.

A etimologia do termo responsabilidade civil remonta o Direito Romano, a esse

respeito, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2019, p. 45) deslindam que:

A palavra “responsabilidade” tem sua origem no verbo latino respondere, significando a obrigação que alguém tem de assumir com as consequências jurídicas de sua atividade, contendo, ainda, a raiz latina de spondeo, fórmula através da qual se vinculava, no Direito Romano, o devedor nos contratos verbais

Compreende-se, portanto, que a Responsabilidade se refere à obrigação de admitir

os efeitos jurídicos de um ato que gera determinado evento danoso e repercute negativamente

nos interesses de outro sujeito.

Quando falamos em responsabilidade estamos fazendo referência a dois tipos de conceitos: um moral e outro jurídico. Em ambos, entretanto, encontra-se a ideia de que os seres humanos consideram-se uns aos outros como agentes morais, ou seja, seres capazes de aceitarem regras, cumprirem acordos e de agirem obedecendo a essas determinações. Em torno desses compromissos, é que se constitui o tecido de direitos e obrigações regulatório da vida social humana, que tem na pessoa seu epicentro. (BARRETTO, 2014, p. 499)

Percebe-se, que a responsabilidade carrega consigo uma concepção correlata ao

cumprimento obrigacional, uma conotação de moralidade na realização de condutas. Nesse

sentido, a responsabilidade civil demanda das pessoas um agir em conformidade com as

diretrizes sociais e legais. Logo, a responsabilidade pode ser compreendida como o dever de

determinado sujeito em responder pelas ações que eventualmente pratique (KOKKE GOMES,

2001).

O cerne da responsabilidade civil precede as codificações, apresentando-se

atrelado à ideia de justiça, seja a mesma uma forma de vingança, seja uma forma de se

reestabelecer as relações avariadas. Ao longo da história a responsabilidade civil se

estabeleceu como uma tentativa de perfazer uma equivalência entre vítima e ofensor,

voltando, posteriormente, seus olhares para a culpa e, hodiernamente, para o dano.

A noção de responsabilidade – cerne da grande temática que se abre ao nosso entendimento – não é unívoca e nem se liga ao campo jurídico com exclusividade,

Page 13: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

13

pois é objeto também da Moral e considerada nos planos da Religião e das Regras de Trato Social. (NADER, 2016, p. 33)

A noção de responsabilidade não se limita ao universo jurídico, representando, em

verdade, papel significativo no estudo filosófico e sociológico. Se o estudo da

responsabilidade avançou tão intensamente até os dias de hoje, muito se deve aos variados

estudos da temática pelos mais diversos ramos do saber.

Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2019, p. 46) definem o termo

responsabilidade para o Direito como “uma obrigação derivada — um dever jurídico

sucessivo — de assumir as consequências jurídicas de um fato, consequências essas que

podem variar (reparação dos danos e/ou punição pessoal do agente lesante) de acordo com os

interesses lesados”.

Deste modo, em uma relação de causa e efeito, a responsabilidade representa o

efeito que sucede determinado fato jurídico – causa –, isto é, a própria obrigação de assumir

as consequências jurídicas de determinado fato com implicações jurídicas.

Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald e Felipe Peixoto Braga Netto

(2017) lecionam que a origem da responsabilidade civil remonta a pré-história, de modo que,

à época, ainda que inexistisse o Direito Civil, ou mesmo o próprio Direito, o gérmen de

“reação ao injusto” se estabelecia.

Diante a inexistência de um poder central, a vingança foi o primeiro modelo de

reação aos comportamentos lesivos, sendo que, a vítima, ou o grupo a que pertencia, levavam

a efeito a punição, muitas vezes por meio da morte.

Carlos Roberto Gonçalves (2019) ensina que, se outrora nenhum critério além do

dano fora utilizado para reagir ao injusto, a Lei de Talião – olho por olho, dente por dente –,

verificada no Código de Manu, na Lei das XII Tábuas, bem como no Código de Hamurabi,

introduziram a proporcionalidade enquanto elemento a ser observado. Desse modo, ainda que

que rigorosa e atrelada aos costumes antigos, a reparação apresentava a proporcionalidade

enquanto requisito.

As Codificações retromencionadas apresentavam em determinadas passagens a

ideia de uma reparação pecuniária. Todavia, a ideia de reparar o mal sofrido com outro mal

proporcional era prevalente. A atuação estatal era quase nula, apresentando-se somente no

momento em houvesse a necessidade de declarar como e quando a vítima do evento danoso

poderia obter sua retaliação.

Com o decurso do tempo, a ideia de “reparar” um evento danoso com outro foi

aos poucos sendo afastada, posto que, percebeu-se que a vítima restava nas mesmas condições

Page 14: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

14

e a única diferença era de que haveriam dois indivíduos como agentes e vítimas de reciprocas

lesões. Nesta toada, procedeu-se a uma patrimonialização das reparações, substituindo as

penas corporais pelas patrimoniais, nas quais eram impostas sanções, não à incolumidade

física da pessoa, mas a seu patrimônio.

O Direito Romano, segundo assevera Carlos Roberto Gonçalves (2019, p. 25) foi

o primeiro expoente na cisão entre as noções de pena e de reparação:

A diferenciação entre a “pena” e a “reparação”, entretanto, somente começou a ser esboçada ao tempo dos romanos, com a distinção entre os delitos públicos (ofensas mais graves, de caráter perturbador da ordem) e os delitos privados. [...] O Estado assumiu assim, ele só, a função de punir. Quando a ação repressiva passou para o Estado, surgiu a ação de indenização. A responsabilidade civil tomou lugar ao lado da responsabilidade penal.

Complementarmente, Caio Mário da Silva Pereira (2018, p. 21) ensina que a cisão

retromencionada não se operou de forma absoluta:

Não chegaram os jurisconsultos romanos a substituir totalmente a vingança privada por uma norma geral definidora da responsabilidade civil. Jamais distinguiram completamente a pena da reparação, ou da ideia de punição e, conseguintemente, trataram como ideias consímiles a responsabilidade civil e a responsabilidade criminal.

Nesse ínterim, verifica-se que o Direito Romano apresentou os primeiros passos

rumo a uma distinção entre os conceitos de pena e de reparação. Sendo, à época, o primeiro

uma resposta jurídica aos delitos públicos e o segundo aos delitos privados. Destaca-se que, as

figuras ainda se apresentavam conectadas, de modo que, não se cogitava a ideia de uma

reparação para o restabelecimento de uma posição anterior das partes, mas, em verdade, de

uma devolução do mal por meio de uma sanção patrimonial. Logo, verifica-se que o fim não

se apresentava na reparação do dano, mas na punição pela prática do mesmo.

Os avanços no estudo da responsabilidade civil viabilizados pelo Direito Romano

foram muitos. Caio Mário da Silva Pereira (2018, p. 21-22) afirma que:

Onde se realiza a maior revolução nos conceitos jus-romanísticos em termos de responsabilidade civil é com a Lex Aquilia. [...] Tão grande revolução que a ela se prende a denominação de aquiliana para designar-se a responsabilidade extracontratual em oposição à contratual. Foi um marco tão acentuado, que a ela se atribui a origem do elemento “culpa”, como fundamental na reparação do dano.

A Lei Aquiliana inaugurou os contornos de uma responsabilização civil pautada

na culpa, isto é, subjetiva, de modo a iniciar o processo de afastamento das noções de

reparação objetiva em dados casos. Ante a existência de determinados eventos danosos

Page 15: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

15

extracontratuais, somente haveria o dever de reparar caso o agente houvesse agido com culpa,

posto que, o dano, per si, não seria suficiente para fundamentar a reparação.

Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka (2005, p. 55) leciona que:

A causalidade do agente em relação ao dano, ou seja, o que obriga alguém a reparar é ter sido a causa de um dano e não ter desejado causar esse dano que efetivamente causou. Ora, embora a culpa entre no vocabulário que define o percurso dessa causalidade, ela não tem, no direito romano, uma importância tão fatídica quanto terá depois, a partir da leitura cristã, ou inspirará essa leitura.

Após o período do Direito Romano, alterações substanciais em sede da

responsabilidade civil foram observadas somente no Direito Francês. Carlos Roberto

Gonçalves (2019, p. 26) esclarece:

O direito francês, aperfeiçoando pouco a pouco as ideias românicas, estabeleceu nitidamente um princípio geral da responsabilidade civil, abandonando o critério de enumerar os casos de composição obrigatória. Aos poucos, foram sendo estabelecidos certos princípios, que exerceram sensível influência nos outros povos: direito à reparação sempre que houvesse culpa, ainda que leve, separando-se a responsabilidade civil (perante a vítima) da responsabilidade penal (perante o Estado); a existência de uma culpa contratual (a das pessoas que descumprem as obrigações) e que não se liga nem a crime nem a delito, mas se origina da negligência ou da imprudência.

O Estado assimilou todo o poder punitivo, de modo que, o ius puniendi recaia

somente ao próprio Estado dentro do ramo do Direito Penal. Nesse contexto, a reparação civil

avançou sobre bases próprias, completamente apartadas de uma nação de pena, e atrelada à

ideia de reparação e garantia do status quo ante. O Direito Francês promoveu o afastamento

dos olhares da responsabilidade civil da punição e os aproximou da culpa, de modo que, tem-

se o protagonismo da ideia romana de “in lege Aquilia et levíssima culpa venit” (a culpa

ainda que leve, obriga a indenizar)

A Codificação Napoleônica apresentou uma série de avanços para o estudo da

temática. Nesse sentido, Flávio Tartuce (2018, p. 21) preceitua que:

Passando-se para a modernidade, a culpa foi elemento estruturante de muitas codificações que surgiram à época. Dentre todas destaca-se a codificação francesa de 1804, o Código de Napoleão, norma que respaldou muitas outras como marco teórico fundamental. O art. 1.382 do Code é claro ao exigir a culpa como elemento da responsabilidade civil, enunciando que todo ato de homem que cause dano a terceiro obriga o responsável que agiu com culpa a repará-lo. Conforme a sua redação, “tout fait quelconque de l’homme, qui cause à autrui un dommage, oblige celui par la faute duquel il est arrivé, à le réparer”.

A codificação retromencionada repercutiu em diversos Estados influenciando a

matéria da responsabilidade civil sobremaneira, destaca-se que, até mesmo o Código Civil

Brasileiro de 1916 adotava a teoria subjetiva como fonte das reparações, sendo que somente

Page 16: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

16

com o Código Civil de 2002 voltou a assumir, concomitantemente, a responsabilidade civil

objetiva (TARTUCE, 2018).

A concepção de uma reparação pura, apartada da concepção de uma punição se

estabeleceu. Todavia, com a ascensão do capitalismo, um processo de objetificação das

pessoas tomou início, de modo que, compreendeu-se que todos os danos reparáveis poderiam

ser solucionados por uma indenização ou uma compensação.

O estudo da responsabilidade civil, nas décadas subsequentes aprofundou

conceitos estabelecidos e reescreveu as bases da matéria, adequando-as ao novo contexto.

O desenvolvimento tecnológico, econômico e industrial enfrentado pela cultura ocidental mormente, após a Segunda Grande Guerra, denominado por muitos como processo de aceleração histórica, trouxe importantes reflexos não só no universo dos contratos, mas principalmente nos princípios acerca do dever de indenizar. Nesse diapasão, há uma constante luta pelo aperfeiçoamento dos instrumentos jurídicos de molde a não deixar o Direito alheio à realidade social. As soluções indenizatórias, dentro ou fora do processo judicial, devem ser constantemente renovadas para estarem adequadas às necessidades práticas do homem contemporâneo. Por essas razões, é no campo da responsabilidade extranegocial no qual estão sempre a surgir tentativas de novas soluções, nem sempre arraigadas aos velhos conceitos da clássica responsabilidade aquiliana. (VENOSA, 2017, p. 401-402)

A temática da responsabilidade se apresenta como uma vertente fluida dentro do

âmbito do Direito Civil, de modo que, as alterações sociais, filosóficas, éticas e religiosas

alteraram – e ainda hoje alteram – de forma significativa o estudo da matéria.

As transformações vivenciadas pela sociedade, atrelada à questão dos riscos,

propiciou a ascensão da responsabilidade civil, de modo que, de uma matéria secundária se

converteu no principal eixo do Direito Civil (EHRHARDT JÚNIOR, 2017).

Arnaldo Wald e Brunno Pandori Giancoli (2012, p. 20) sustentam que:

Essa evolução acabou ensejando dois campos distintos na área da responsabilidade civil. Na maioria dos casos continuava-se a examinar a conduta do autor do dano e a responsabilidade civil dependia de culpa, provada ou presumida. Em outras relações, como os acidentes de trabalho, de veículos ou os decorrentes da atividade empresarial, passou a garantir a segurança da vítima, com base nas teorias da responsabilidade objetiva, baseada no risco ou nas situações de profunda desigualdade existente entre quem causava o dano e a vítima da lesão.

Nessa conjuntura, verifica-se que a responsabilidade civil assimila preceitos de

diversas fases do Direito, de modo que, hodiernamente, estrutura uma acepção dúplice de

responsabilidade. Tem-se que em determinadas hipóteses a responsabilidade do agente

causador do evento danoso seria subjetiva, pautada no critério da culpa, todavia, em outras,

seria objetiva, de modo que a análise do elemento culpa não seria efetuada, bastando se

comprovar o dano e o nexo causal.

Page 17: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

17

Contemporaneamente uma série de avanços foram verificados no estudo da

matéria, de modo que, diversas teorias emergiram buscando refinar a própria responsabilidade

civil, bem como ampliar o escopo da reparação.

Nessa toada, Silvio de Salvo Venosa (2017, p. 402) afirma que:

A história da responsabilidade civil na cultura ocidental é exemplo marcante dessa situação absolutamente dinâmica, desde a clássica ideia de culpa ao risco, das modalidades clássicas de indenização para as novas formas como a perda de uma chance e criação de fundos especiais para determinadas espécies de dano, como os danos ecológicos. Todas as novas conquistas jurídicas refletem um desejo permanente de adequação social.

A evolução da temática da responsabilidade civil decorre de uma rede de

conexões conceituais traçada ao longo da história. Desde antes do surgimento da matéria com

os povos pré-históricos que realizavam a vingança coletiva, perpassando a fase da punição

privada, avançando para as leis da antiguidade que apresentavam a ideia da proporcionalidade

da punição e a consecutiva cisão entre pena e reparação, com o advento da patrimonialização

da reparação.

Ademais, verificou-se a aplicação de uma responsabilidade pautada na culpa pelo

Direito Francês, seguidamente da introdução de uma leitura principiológica da

responsabilidade civil e, hodiernamente, uma quebra dos dogmas clássicos em vista da

ampliação da reparação.

A responsabilidade civil que originalmente apresentava enfoque no ofensor,

paulatinamente desviou seu olhar para a vítima. Nessa perspectiva, a verificação de novos

danos se apresenta e com eles a necessidade de se (re)pensar o instituto da reparação, de modo

a prestigiar a vítima do evento danoso, a qual se vê lesada em alguma esfera de seus

interesses.

Page 18: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

18

4 AS FUNÇÕES DA RESPONSABILIDADE CIVIL

As reflexões quanto as funções da responsabilidade civil, hoje, se estabelecem

como uma das principais vertentes dentro do estudo da matéria descrita, representando a

sistematização e assimilação de conceitos e conteúdos. Deste modo, propicia-se a verificação

das atribuições da responsabilidade civil dentro de determinado Ordenamento Jurídico.

Brunno Pandori Giancolli (2014, p. 25) assevera que:

A responsabilidade civil sob um prisma funcional deve ser entendida como um mecanismo necessário à realização de certos processos, principalmente para a adaptação, integração e continuidade de um convívio social pacífico. Desse modo, a aplicação do instituto deve garantir, mesmo diante de um complexo normativo, consequências justas e eficazes.

Nota-se que as funções da responsabilidade civil revelam relevante aspecto dentro

do estudo da matéria, expressando, em verdade, não somente seu conteúdo finalístico, mas

também os fundamentos desta seara do Direito Privado.

Sob o panorama evidenciado, pode afirmar-se que as funções da responsabilidade civil se referem aos meios pelos quais se busca propiciar o convívio social pacífico, de modo que, as funções adotadas por determinado sistema jurídico buscarão a resolução de conflitos sociais presentes na sociedade contemporânea, aberta, plural, complexa, pelos meios mais eficazes disponíveis. (BARBOSA; GUIMARÃES; SILVA, 2020a, p. 127)

Diversas podem ser as funções da responsabilidade civil a depender do tempo e do

lugar, contudo, a sistematização da matéria ao longo dos séculos especificou as funções mais

proeminentes, sobre o assunto, Nelson Rosenvald (2017, p. 32) sustenta:

Percebemos que conforme o tempo e o lugar, a responsabilidade civil absorve quatro funções fundamentais (sedo as duas primeiras pacíficas na civil law): (a) a função de reagir ao ilícito danoso, com a finalidade de reparar o sujeito atingido pela lesão; (b) a função de repristinar o lesado ao status quo ante, ou seja, estado ao qual o lesado se encontrava antes de suportar a ofensa; (c) a função de reafirmar o poder sancionatório (ou punitivo) do estado; (d) a função de desestímulo para qualquer pessoa que pretenda desenvolver atividade capaz de causar efeitos prejudiciais a terceiros.

A responsabilidade civil, neste prisma, se traduz enquanto um instrumento do

Direito Privado que objetiva, sobretudo, a reação ao dano. A verificação das funções pode se

dar de forma concorrente ou de forma apartada, sendo imperioso destacar que em cada caso

concreto haverá a predominância de determinada função (BARBOSA; GUIMARÃES;

SILVA, 2020b).

Agora, os riscos não têm como ser concebidos ou identificados a partir de uma leitura superficial, como ameaças simplistas a integridade psicofísica ou

Page 19: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

19

patrimonial. Suas causas são as mais distintas, seus efeitos, mais cruéis que os de outrora. Antevê-los é impossível. A possibilidade de cálculo prévio cede lugar a constante presença de lesões indetectáveis, assolando os pilares erigidos pelo prognóstico da segurança. Criados pela atividade humana – e não mais pela força da natureza -, justificam-se a partir dos proveitos de ordem pessoal, sendo aceitos socialmente, ora por certas necessidades, ora em razão de um meio de vida ao qual a sociedade não pretende renunciar. (CATALAN, 2011, p. 80)

No contexto da sociedade contemporânea, marcada, mormente, pelo risco, a

aplicação da responsabilidade civil demonstra sua ressignificação. Suas funções passam a

expressar os objetivos do corpo social na pacificação das relações lesadas por determinado

evento danoso.

Em uma sociedade marcada pelo risco, os danos se amplificam. Nesse sentido,

Anderson Schreiber (2015, p. 92) destaca que:

Às figuras mais comuns de dano não patrimonial (dano à integridade psicofísica, dano estético, dano à saúde etc.) vêm se somando outras, de surgimento mais recente e de classificação ainda um tanto assistemática. Para designá-las, a doutrina de toda parte tem empregado expressões como novos danos ou novos tipos de danos.

A eclosão de danos diversos é um evento observado, com maior intensidade, na

sociedade contemporânea, sobretudo, em razão dos avanços tecnológicos vivenciados nas

últimas décadas. Sob esta perspectiva, a aplicação da responsabilidade civil, do mesmo modo,

avança significativamente.

A responsabilidade civil exerce uma função demarcatória, no sentido de estabelecer uma delimitação entre as fronteiras dos âmbitos de liberdade de atuação e aqueles outros em que se outorga certa dose de proteção a determinados bens e interesses, que pela mesma razão estipulam limites à liberdade ou autolimitações à mesma, na medida em que determinadas atuações livres podem determinar um grau de responsabilidade. (FARIAS; ROSENVALD; BRAGA NETTO, 2017, p. 62)

Sob a perspectiva proposta, a responsabilidade civil estabelece contornos à ampla

liberdade, fomentando uma autolimitação aos indivíduos, os quais não mais agem de forma

irrestrita, mas, que em verdade, limitam comportamentos e minimizam seus riscos,

objetivando, não se tornarem agentes ocasionadores de eventos danosos e, consequentemente,

responsáveis.

No quadro do Direito Brasileiro, segundo estabelecem Cristiano Chaves de Farias,

Nelson Rosenvald e Felipe Peixoto Braga Netto (2017) a responsabilidade civil admite uma

divisão funcional tripartite entre as funções reparatória, punitiva e preventiva.

4.1 Função reparatória

Page 20: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

20

A função reparatória se apresenta como a mais evidente e basilar das funções da

responsabilidade civil no Direito Brasileiro, sendo a que objetiva resguardar o status quo ante

diante da ocorrência de determinado evento danoso, bem como promover a pacificação da

relação intersubjetiva abalada pelo evento danoso.

Nesse diapasão, a função reparatória da responsabilidade civil se estabelece como

uma resposta a determinada lesão a um interesse merecedor de tutela, sendo aplicável,

portanto, ulteriormente ao dano.

Keila Pacheco Ferreira (2014, p. 55) leciona que:

De todo esse panorama ilustrativo, é possível perceber que a técnica exclusivamente reparatória, que tradicionalmente corresponde à função essencial da responsabilidade civil, cedeu espaço à absorção de funções diversas nos variados ordenamentos jurídicos de civil law, bem como de common law. Isso decorre do deslocamento de prioridades no sistema jurídico, que por sua vez evidenciou a exaustão do sistema reparatório, provocando aquele instituto a assumir diversificadas funções, entre elas, a proposta de também atuar como instrumento capaz de gerenciar riscos e evitar a ocorrência de danos graves.

A função reparatória da responsabilidade civil, paulatinamente, cedeu espaço as

demais funções, de modo que, hoje compreende-se a multifuncionalidade da responsabilidade

civil. Destaca-se, que as funções da responsabilidade civil não são lidas de forma

absolutamente independente quando de sua aplicação, apresentando uma série de

transversalidades.

Verifica-se que, a multifuncionalização da responsabilidade civil desencadeou

uma série de transformações no Direito:

Assim, no momento em que a responsabilidade civil assume, a par da função reparatória, também uma função preventiva prospectiva, a racionalidade da argumentação jurídica nesse campo do Direito também sofre modificações, e induz à reavaliação do instituto à luz de suas consequências para os valores envolvidos, decorrentes da nova ética de proteção, segurança e antecipação emergentes na sociedade (FERREIRA, 2014, p. 49)

Nota-se, que atrelada à função reparatória, encontra-se o elemento preventivo,

posto que, garante-se a reparação a determinada lesão e o amparo à vítima do evento danoso.

Sob outro prisma, observa-se a imposição de uma obrigação ao lesante. Logo, há um

desestímulo à prática de danos por intermédio da uma imposição de uma obrigação de

restituição, seja pela indenização, pela compensação, ou mesmo por meios alternativos de

reparação.

Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald e Felipe Peixoto Braga Netto

(2017, p. 64) explicitam que:

Page 21: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

21

Especificamente quanto ao ressarcimento, este assume a finalidade de neutralizar as consequências do ilícito. Enquanto a responsabilidade permite imputar um fato danoso a um sujeito, o ressarcimento, por sua vez, permite estabelecer o montante e o modo (ressarcimento pelo equivalente ou pela forma específica) em que se compensará o ofendido.

Verifica-se, que o núcleo da função reparatória da responsabilidade civil, se

encontra profundamente atrelado a uma noção de segurança jurídica, posto que, assegura à

vítima, na medida da execução, o status quo ante, isto é, a reparação dos danos sofridos.

No tocante a segurança jurídica, José Afonso da Silva (2005, p. 432) ensina que:

A segurança jurídica consiste no conjunto de condições que tornam possível às pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das consequências diretas de seus atoes e de seus fatos à luz da liberdade reconhecida. Uma importante condição da segurança jurídica está na relativa certeza de que os indivíduos têm de que as relações realizadas sob o império de uma norma devem perdurar ainda quando tal norma seja substituída

Nesse sentido, a certeza impera sobre a incerteza, a responsabilidade sobre a

irresponsabilidade. O indivíduo antes de praticar qualquer conduta que possibilite a

ocorrência de um evento danoso busca a redução de riscos, de modo a minimizar a

possibilidade de suceder um dano e, de tal modo, a necessidade de reparar a outrem.

Luís Roberto Barroso (2014, p. 367-368, grifo nosso) apresenta uma concepção

escalonada da segurança jurídica, dividindo-a em três domínios, o institucional, o objetivo e o

subjetivo:

A ideia de segurança jurídica envolve três planos: o institucional, o objetivo e o subjetivo. Do ponto de vista institucional, a segurança refere-se à existência de instituições estatais dotadas de poder e de garantias, aptas a fazer funcionar o Estado de direito, impondo a supremacia da lei e sujeitando-se a ela. Do ponto de vista objetivo, a segurança refere-se à anterioridade das normas jurídicas em relação às situações às quais se dirigem, à estabilidade do Direito , que deve ter como traço geral a permanência e continuidade das normas e a não retroatividade das leis, que não deverão produzir efeitos retrospectivos para colher direitos subjetivos já constituídos. E, do ponto de vista subjetivo, a segurança jurídica refere-se à proteção da confiança do administrado, impondo à Administração o dever de agir com coerência, lealdade e respeitando as legítimas expectativas do administrado. Essa ideia, sobretudo no campo das relações obrigacionais e contratuais, compreende também a boa-fé objetiva, a lisura do comportamento, a vedação do locupletamento.

Nessa esteira, verificam-se, em sede de responsabilidade civil, em maior

incidência os planos objetivo e subjetivo da segurança jurídica. No plano objetivo, diante da

efetivação de um dano surgirá o dever de reparar o sujeito lesado diante da existência de uma

norma predecessora que impõe tal obrigação. Diversamente, no plano subjetivo, há o estímulo

da confiança, da retidão comportamental e dos ditames da Boa-fé Objetiva, ao passo que, há

Page 22: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

22

uma expectativa na minimização de danos e, quando de sua ocorrência, de sua efetiva

reparação.

Nesse ínterim, a função reparatória da responsabilidade civil pode ser

compreendida como uma ferramenta jurídica que permite o “retorno a um estado anterior” à

lesão a um interesse patrimonial, ou existencial, concretamente merecedor de tutela, por meio

da imposição de responsabilidade ao lesante, o qual fica obrigado a reparar a vítima do evento

danoso, seja por meio da indenização, da compensação, ou de formas alternativas de

reparação.

4.2 Função punitiva

Lateralmente à função reparatória da responsabilidade civil, vislumbra-se a função

punitiva, com o condão de sancionar e desestimular determinadas condutas.

Brunno Pandori Giancoli (2014, p. 64-65) explicita que:

A função punitiva é uma modalidade específica de sanção, ou seja, trata-se de uma resposta que o ordenamento jurídico dá à sua violação de uma norma (ou conjunto normativo). No caso específico da função punitiva da responsabilidade civil a sanção vale-se de técnicas que permitem imputar ao infrator o pagamento de uma soma pecuniária, a perda, a restrição de um direito ou de uma posição jurídica.

Nesse contexto, a referida função se apresenta como uma sanção que se estabelece

para além da reparação. Se a reparação apresenta enfoque na vítima, a punição apresenta

enfoque no ofensor, o qual será responsabilizado para além dos danos perpetrados, com o

intuito de dissuadir a reiteração de danos, bem como, apresentar à sociedade um modelo de

desestímulo a determinadas práticas.

Uma série de debates são suscitados quando ao acolhimento da função punitiva da

responsabilidade civil no ordenamento jurídico brasileiro. A função descrita pode ser

observada, com maior incidência nos países que se valem do sistema da common law, como

os Estados Unidos ou a Inglaterra (BODIN DE MORAES, 2019).

No que diz respeito à aplicação da função punitiva a doutrina se segmenta em

duas correntes. Parcela da doutrina sustenta a compatibilidade da referida função no

ordenamento jurídico brasileiro, lado outro, parcela da doutrina aponta uma série de críticas a

esse modelo, evidenciando, sobretudo, uma possível violação à legalidade, a falta de aptidão

punitiva da responsabilidade civil, os possíveis excessos ao arbitrar os valores punitivos, o

enriquecimento sem causa da vítima e o incremento do risco socioeconômico nas relações

jurídicas.

Page 23: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

23

Segundo Brunno Pandori Giancoli (2014), as críticas a função punitiva e sua

“incompatibilidade” com a sistemática da responsabilidade civil brasileira é uma concepção

errônea, de modo que o autor, busca refutar as objeções acima elencadas.

Destaca-se que, mesmo no Direito Norte-americano eventuais críticas são

suscitadas em relação aos punitive damages diante de sua imprevisibilidade. Neste sentido,

Maria Celina Bodin de Moraes (2017) esclarece que inexiste o claro estabelecimento de

parâmetros que possam ser utilizados na quantificação dos punitive damages, de modo que,

existe um risco elevado na aplicação de uma indenização punitiva de forma desproporcional,

ignorando, muitas vezes, as características subjetivas do ofensor.

Keila Pacheco Ferreira (2014, p. 63) explicita que:

Convém explicitar que, mesmo entre aqueles que não admitem a adequação da função punitiva do dano moral no ordenamento jurídico brasileiro, hipóteses excepcionais de aplicação, taxativamente previstas em lei, devem ser consideradas, como no disposto no art. 13 da Lei nº 7.447/85, aplicável a situações potencialmente causadoras de danos a um universo coletivo ou difuso, como nas relações de consumo de Direito ambiental, pois nesse caso, a ratio será a função preventivo-precautória, que o caráter punitivo inegavelmente detém, em relação às dimensões de universo a ser protegido. Trata-se do pagamento de uma multa a ser recolhida a um fundo público.

Nesta linha de intelecção, compreende-se que o ordenamento jurídico pátrio,

ainda que não de forma ostensiva e objetiva, admitiu, em menor incidência a figura dos danos

punitivos mediante a aplicação de uma sanção para além da reparação do dano.

O artigo 944 do Código Civil (2002)1 designa que a aferição de responsabilidade

de determinado agente se dá com base na extensão do dano sofrido pela vítima do evento

danoso. Todavia, o artigo é omisso quanto ao reconhecimento da função pedagógico-punitiva

da responsabilidade civil no Direito Civil Brasileiro. Nessa conjuntura, o Conselho da Justiça

Federal (2006) editou o enunciado 379 da IV Jornada de Direito Civil, estabelecendo que: “O

art. 944, caput, do Código Civil não afasta a possibilidade de se reconhecer a função punitiva

ou pedagógica da responsabilidade civil.”

É fundamental que se compreenda que, hodiernamente, as funções da

responsabilidade civil se apresentam profundamente atreladas. Logo, torna-se impossível se

pensar em uma mera punição de danos, de modo que, o intuito maior da função punitiva

reside na função pedagógica. Nesse sentido, a aplicação da função punitiva se estabelece

como um desestímulo a condutas que ensejem danos e, concorrentemente, como uma medida

de prevenção de danos.

1 Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano. (BRASIL, 2002)

Page 24: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

24

A função punitiva da responsabilidade civil assume um caráter moralizador, ao

passo que, concorre, indiretamente, para a função preventiva da responsabilidade civil pelo

desestímulo. Evita-se a probabilidade de ocorrência de eventos danosos por meio da

imputação de uma reparação que ultrapassa os danos observados, havendo, portanto, um

caráter de desestímulo na função punitiva.

A despeito das controvérsias quanto a sua aplicação no sistema jurídico brasileiro,

a observação dos elementos que gravitam a referida função demonstra sua efetividade quando

analisados sob o prisma preventivo. Havendo um caráter dissuasivo em relação à prática de

condutas danosas e apresentando um elemento desestimulador e pedagógico.

4.3 Função precaucional

Diferentemente das funções reparatória e punitiva, que se estabelecem, mormente,

após a ocorrência do evento danoso, a função precaucional da responsabilidade civil se

estabelece dantes a ocorrência do evento danoso, suscitando a prevenção mediante a redução

de riscos e incertezas.

Felipe Peixoto Braga Netto (2014a, p. 86) atesta que na sociedade contemporânea,

evidenciada sobretudo pelo risco, a prevenção passa a assumir relevante papel no âmbito da

responsabilidade civil:

O direito do século XXI não se satisfaz apenas com a reparação dos danos. Mais importante do que tentar reparar – sempre imperfeitamente, como se sabe – os danos sofridos, a tutela mais adequada, e mais conforme à Constituição, é a tutela preventiva, que busca evitar que os danos ocorram ou que continuem a ocorrer. A função preventiva assume, portanto, neste século, fundamental importância.

Nessa toada, nota-se que a responsabilidade civil contemporânea não se limita a

reagir a diante de um evento danoso, assumindo também a atribuição de agir previamente ao

dano, reduzindo a necessidade de aplicação das funções reparatória e punitiva.

Anderson Schreiber (2015, p. 229) assevera que:

De qualquer modo, o certo é que precaução, prevenção e todas as técnicas de administração de risco partem do princípio de que a potencial lesão ao interesse tutelado deve ser objeto de controle, tanto quanto a lesão em si. A rigor, a preocupação com os riscos de lesão já, há muito, ocupa o pensamento do direito civil-constitucional, para o qual a tutela dos interesses fundados em valores constitucionais não se limita a uma tutela de tipo negativo clássico, destinada a reprimir sua lesão, mas abrange também uma tutela negativa preventiva ou inibitória, no sentido de evitar situações potencialmente lesiva a tais interesses, bem como uma tutela positiva, comprometida em promover a sua máxima realização.

Page 25: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

25

Por intermédio da função precaucional, a responsabilidade civil amplia seu

escopo, o dano passa a ser não somente o mal a ser remediado, mas, sobretudo, o mal a ser

evitado. Busca-se, portanto, a minimização de incertezas e, consecutivamente, a redução de

danos.

Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald e Felipe Peixoto Braga Netto

(2017, p. 71) estabelecem que:

De fato, a responsabilidade civil tradicional é moldada a solucionar problemas intersubjetivos, reativamente a um post factum. Trata-se de uma noção curativa-retroativa, que lida com um dano já ocorrido. Já no contexto da sociedade pós-moderna, ela passa por adaptações, atuando em complexos aspectos como a proteção do futuro em uma perspectiva de responsabilização proativa (responsabilidade de longa duração) hábil a lidar com potenciais danos marcados pela difusidade, transtemporalidade e efeitos transfronteiriços.

Compreende-se, contemporaneamente, que a minimização de incertezas é uma

questão fulcral do Direito, não cabendo a este somente aguardar pela ocorrência de uma lesão

a determinado interesse concretamente merecedor de tutela para atuar. Nesse contexto, a

responsabilidade civil, hodiernamente, apresenta um olhar retroativo e, sincronicamente,

prospectivo.

Nessa perspectiva, a função precaucional se exterioriza como um meio de redução

e mitigação de incertezas quanto a ocorrência de eventos danosos, logo, o objeto da função

precaucional pode ser compreendido como o risco de risco. A referida função, dentro do

Ordenamento Jurídico Pátrio, introduz, até mesmo, um princípio pelo meio do qual se

demonstra de forma mais clara.

A verificação da função preventiva se dá, em maior grau, quando de sua

reverberação com as demais funções, permeando toda a sistemática da responsabilidade civil

desde antes da ocorrência de determinado evento danoso, e se estendendo para além do

momento da reparação. A referida função, possui como características marcantes sua fluidez e

dinamicidade, as quais possibilitam sua integração as demais funções.

A função em análise encontra-se intensamente atrelada ao princípio da

responsabilidade civil do neminem leadere.

O neminem leadere é, como já exposto, princípio basilar da responsabilidade civil. Este deve atender em plenitude o preceito moral de que ninguém deve lesar a outro, reparando integralmente a vítima, punindo o responsável pelo ato lesivo e prevendo a ocorrência de danos futuros. (CARVALHO, 2013, p. 87)

O princípio de não lesão a outrem – neminem leadere – em uma leitura sistêmica

revela, que a prevenção é o núcleo do referido princípio e não a reparação. De modo que, a

Page 26: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

26

reparação é um reflexo ante a não observância do princípio e a prevenção a determinação do

preceito moral.

A referida função pode ser compreendida em dois sentidos, o secundário e o

primário. A respeito do sentido secundário, Keila Pacheco Ferreira (2014, p. 68) ensina:

No sentido secundário, a função preventiva traz a ideia de que a indenização imposta em decorrência do dano atua como elemento dissuasório, ou seja, poderoso incentivo para que o mesmo não se verifique novamente, presumindo um agir cauteloso do possível causador do dano para escapar à aplicação da sanção reparatória. Essa função é decorrente da imposição da indenização, como um efeito secundário desta, sendo que o objetivo primordial é mantido na reparação. Essa prevenção decorrente de um impulso psicológico, em que o lesante reconhece a norma jurídica e se dispõe a evitar os efeitos desfavoráveis que sobre ele resultaria a sua aplicação, assemelha-se ao que a doutrina penal atribui como funções da pena a prevenção geral, que por força da existência da norma atua sobre os cidadãos como um todo; e a prevenção especial, que age especificamente sobre a pessoa que já foi responsabilizada por uma indenização, influenciando as ações futuras da mesma.

A função preventiva, no sentido estabelecido, conduz os agentes a um agir

cauteloso, objetivando a redução da ocorrência de danos, de modo a minimizar os possíveis

“gastos” com uma reparação de danos.

Em relação ao sentido primário, Keila Pacheco Ferreira (2014, p. 71) atesta:

O segundo sentido da função preventiva - o primário -, por sua vez, sustenta que a responsabilidade civil pode atuar antecipadamente a ocorrência do dano para gestão e controle dos riscos, em um sentido preventivo prospectivo, voltado para o futuro. Essa abordagem se opõe radicalmente ao mecanismo tradicional de responsabilidade civil apoiado em uma conotação curativa e encontra fundamento nos princípios da precaução e da prevenção, que não poderiam restar indiferentes à responsabilidade civil.

Nessa linha de intelecção, além de refletir características dissuasórias, a função

preventiva da responsabilidade civil abrigaria uma concepção mais amplas, de um agir

voltado a minimização de riscos de riscos, isto é, um estímulo ao correto agir.

Page 27: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

27

5 OS PRINCÍPIOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Contemporaneamente o estudo do Direito não mais se limita ao estudo das

normas, de modo que, o estudo dogmático cede espaço para o estudo zetético. Nesse

processo, o ordenamento jurídico passa a assimilar princípios e, até mesmo, a efetuar uma

leitura das normas à luz dos princípios.

No contexto de uma sociedade de risco, um Direito principiológico demonstra-se

imprescindível para o aperfeiçoamento das instituições, para a resolução de demandas

judiciais, bem como, para a pacificação das relações intersubjetivas abaladas.

Nesse diapasão, uma leitura do Direito à luz dos princípios permite a resolução de

demandas e a pacificação social de modo mais efetivo que uma aplicação restritiva das

normas que compõem o ordenamento jurídico.

A responsabilidade civil possui interconexões com uma série de princípios, sendo

os mais relevantes para a efetivação do presente estudo: i) o Princípio da Reparação Integral;

ii) o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana; iii) o Princípio da Prevenção, iv) o Princípio

da Solidariedade.

5.1 Princípio da reparação integral

O Princípio da Reparação Integral é aquele que exprime a essência da

responsabilidade civil, representando o objetivo de não deixar a vítima de um evento danoso

desprovida de uma reparação efetiva do dano sofrido. O princípio se projeta na aferição da

reparação e na quantificação da reparação, exigindo que todo dano seja reparado e que todo o

dano seja reparado (MONTEIRO FILHO, 2018).

Em relação ao referido princípio, Peter Van Wijck e Jan Kess Winters (2001, p.

320 – tradução nossa) ensinam que:

O Princípio da Reparação Integral é frequentemente considerado como um dos fundamentos da responsabilidade civil contemporânea. [...] No âmbito da doutrina do direito e da economia essa regra é, no mínimo, implícita, sendo considerada a situação na qual a vítima, ao final, não sofre nenhum dano. De modo que, se assume que o indivíduo que age culposamente deve reparar qualquer dano que ele inflija na vítima, e um indivíduo sem culpa não é responsável pelo dano que a vítima sofre.2

2 No original: “The principle of full compensation is often regarded as one of the fundamentals of modern tort law. [...] In the law and economics literature on the negligence rule, this position is, at least implicitly, generally considered to be the situation where the victim does not suffer any harm at all. It is, after all, assumed that a negligent injurer must compensate any damage he inflicts on the victim, and a non-negligent injurer is not liable for the damage suffered by a victim”.

Page 28: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

28

A leitura do princípio retromencionado se efetiva mediante a observação da

condição da vítima, de modo que, busca-se uma repristinação ao status quo, o retorno ao

estado anterior à lesão ao interesse patrimonial, ou existencial, concretamente merecedor de

tutela.

Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald e Felipe Peixoto Braga Netto

(2017, p. 53) ministram que:

O princípio se concretiza de duas formas: a priori, a reparação será natural, mediante a restituição ao ofendido do mesmo bem em substituição ao outro – com a cessação dos efeitos danosos anteriores ao evento -, ou então a reparação se dará em pecúnia, mediante o pagamento de uma indenização que razoavelmente possa equivaler ao interesse lesado. O art. 947 do Código Civil indica uma coexistência entre os dois sistemas reparatórios: "Se o devedor não puder cumprir a prestação na espécie ajustada, substituir-se-á pelo seu valor, em moeda corrente". Quer dizer, sempre que a reparação específica se mostrar excessivamente onerosa para o ofensor, prevalecerá a indenização em dinheiro, evidentemente sendo delegada ao ofendido a prova quanto à existência e à extensão do dano.

Nesta toada, a reparação, preferivelmente, se exterioriza por meio de uma

prestação in natura, sendo a modalidade indenizatória, ou compensatória, subjacentes,

perfazendo-se através do pagamento em pecúnia. A prestação pecuniária descomplexifica a

reparação, substituindo o objeto da lesão por uma quantia equivalente. Contudo, é

fundamental que se perceba que à luz da dignidade da pessoa humana, a mera indenização ou

compensação dificilmente alcançam a reparação integral, posto que ignoram o escopo maior

do dano.

O Princípio da Reparação Integral é corporificado no artigo 944 do Código Civil

de 2002. A norma associa a extensão dos danos sofridos pela vítima no evento danoso com a

reparação, sendo, deste modo, grandezas proporcionais (DAUD, 2018).

Nessa linha de intelecção, o Princípio da Reparação Integral revela uma noção

ampliativa da reparação, não havendo limitação quanto a espécie de dano sofrida. Nessa

conjuntura, o Conselho da Justiça Federal (2012) editou o enunciado 456 da V Jornada de

Direito Civil, estabelecendo que: “A expressão ‘dano’ no art. 944 abrange não só os danos

individuais, materiais ou imateriais, mas também os danos sociais, difusos, coletivos e

individuais homogêneos a serem reclamados pelos legitimados para propor ações coletivas.”

Verifica-se, portanto, que o número de vítimas do evento danoso, ou mesmo sua

distinção, não se estabelecem como óbices à concretização da reparação integral. Ademais, a

natureza do dano também não influencia a atuação do princípio, posto que lesões materiais e

imateriais são tuteladas pela norma – sendo, inclusive, possível a cumulação das diversas

espécies de danos em uma ação de reparação –.

Page 29: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

29

Destaca-se que o legislador pátrio implementou determinadas hipóteses nas quais

a vítima de um evento danoso não terá direito à reparação integral por intermédio dos artigos

928, parágrafo único e do artigo 944, parágrafo único, ambos do Código Civil.

No tocante ao parágrafo único do artigo 928 do Código Civil,3 verifica-se que o

Princípio da Dignidade da Pessoa Humana se estabelece como um limite à reparação integral,

na modalidade indenizatória, da vítima, na hipótese em que um incapaz seja o autor da lesão.

Posto que, a reparação, não pode privar um incapaz, ou as pessoas que dele dependam, do

mínimo existencial para a manutenção de sua vida com dignidade (SANSEVERINO, 2014).

Ressalta-se que a referida exceção se estabelece tão somente às reparações de condão

pecuniário, sendo que meios não patrimoniais de reparação não sofrem a mitigação

mencionada.

A observação do parágrafo único do artigo 944 do Código Civil4 revela que a

excessiva desproporção entre a culpa do agente e o dano efetivado em determinada situação,

também, se estabelece como um limite à reparação integral, na modalidade indenizatória.

Verifica-se que mediante o referido dispositivo, o ordenamento jurídico limita as indenizações

caso a culpa do agente seja levíssima.

A jurisprudência, segundo estabelece Ramón Domínguez Águila (2010, p. 12-13

– tradução nossa), elencou mais uma hipótese na qual mitiga-se o Princípio da Reparação

Integral.

E assim, ainda que a doutrina considere, em geral, que a avaliação da reparação se limita a dimensão do dano sofrida, considerações econômicas, na prática, são levadas em consideração a situação econômica de quem deve reparar, para que a indenização não se traduza em um peso econômico muito grande. Em inúmeras sentenças há a indicação de que o patrimônio do autor da lesão é um fator a ser considerado na hora da quantificação da indenização.5

Complementarmente, Luís Fernando de Lima Carvalho (2013, p. 127-128) aponta

que:

3 Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes. [...] Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que deverá ser equitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem. (BRASIL, 2002)4 Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano. [...] Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização. (BRASIL, 2002)5 No original: “Y así, aunque la doctrina estima, en general, que la evaluación de la reparación queda limitada sólo por la dimensión del daño, consideraciones económicas llevan en la práctica a tener en cuenta la situación de quien debe reparar, para que la indemnización no llegue a significar un peso económico ruinoso o a recargar imprevistamente presupuestos acotados. Son numerosas las sentencias que han señalado que el patrimonio del deudor es un factor a considerarse al tiempo de la evaluación del daño”.

Page 30: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

30

Independentemente da total ausência de prescrição legal, e situação financeira do agente ofensor e da vítima como parâmetro é ponderada quando da fixação da indenização por danos extrapatrimoniais, bem como da quantificação da indenização pelos danos patrimoniais, incidindo, inclusive, como elemento de revelo na chamada ‘cláusula geral de redução da indenização’.

Nesse diapasão, a reparação integral, na modalidade indenizatória, deve observar

a situação financeira do ofensor e da vítima quando da fixação do valor indenizatório. Nota-

se, entretanto, que em muitos casos, em nome de um pretenso enriquecimento sem causa,

desconsidera-se a elevada capacidade financeira do lesante e fixam-se indenizações diminutas

para os mesmos.

Conclui-se, portanto, que a reparação integral representa o objetivo de não deixar

a vítima de um evento danoso desprovida de uma reparação efetiva em relação a um dano

sofrido. Ademais, o referido princípio encontra seus limites nos demais princípios da

responsabilidade civil, sobretudo no da dignidade da pessoa humana.

5.2 Princípio da dignidade da pessoa humana

Hodiernamente, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana se estabelece como

um dos valores inerentes do Direito. A atual concepção de Direito é permeada pela carga

valorativa do referido princípio, sendo impossível que se obtenha justiça sem que se leve em

consideração a dignidade da pessoa humana.

O novo Código Civil, ao iniciar sua parte geral, pela personalidade, capacidade e direitos de personalidade, deixou muito clara a relevância da dignidade da pessoa humana para o direito civil. Ao enunciar em seu artigo 1º que toda pessoa é capaz de direito e deveres na ordem civil consagrou a pessoa humana como um sujeito de direito universal, positivando mais uma vez o desdobramento mais difundido de tal princípio nas democracias ocidentais. (LOPES, 2004, p. 207)

Nesse ínterim, o Código Civil (2002) objetiva garantir ao Princípio da Dignidade

da Pessoa Humana papel de destaque no referido ramo jurídico, proporcionando um Direito

principiológico e paralelamente constitucionalizado.

No ramo da responsabilidade civil o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana,

se estabelece historicamente, de forma contrária à concepção das penas corporais, sendo que,

à luz do referido princípio torna-se inadmissível a ideia de uma punição corporal.

Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald e Felipe Peixoto Braga Netto

(2017, p. 43) observam o Princípio da Dignidade Humana sob uma dupla acepção:

A dignidade possui dimensão dúplice: simultaneamente, expressão da autonomia da pessoa humana (decisões essenciais a respeito dos projetos existenciais e de sua

Page 31: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

31

felicidade), bem como, quando essa autonomia lhe faltar, da necessidade de sua proteção (assistência) por parte da comunidade e do Estado, especialmente quando fragilizada (pela miséria ou ignorância) e principalmente quando ausente a capacidade de autodeterminação. Liberdade e segurança são dois valores essenciais para uma vida satisfatória, recompensadora e digna. Segurança sem liberdade é escravidão; liberdade sem segurança é o completo caos. Toda civilização implica troca entre esses valores. A grande dificuldade é encontrar a dose ideal dessa combinação, pois o ganho de uma implica a perda da outra.

Nesse prisma, a dignidade da pessoa humana pode ser compreendida como a

capacidade intrínseca de autodeterminação de cada indivíduo, a possibilidade de cada pessoa

realizar atos que contribuam com seus planos de vida. Lado outro, a dignidade da pessoa

humana também pode ser compreendida enquanto uma estrutura de proteção ao indivíduo,

garantindo-o direitos mínimos para a manutenção de sua vida com dignidade, de modo que, o

referido princípio se estabelece como um limite à responsabilidade civil quando da

extrapolação de suas funções.

Nesta esteira argumentativa, a dignidade da pessoa humana é sincronicamente,

protetiva e promocional. É protetiva enquanto viabiliza a todo e qualquer ser humano o

tratamento digno, não aviltante, com eticidade, não degradante e que não deteriore a

integridade psicofísica da pessoa humana. Outrossim, é promocional enquanto possibilita

elementos mínimos para que a pessoa humana possa reger sua própria vida, escolher seus

caminhos e determinar a própria existência.

Verifica-se que o referido princípio modificou profundamente as concepções do

Direito Civil, sendo, hodiernamente, necessário proceder a uma leitura constitucionalizada

dos institutos e normas do ramo em questão de modo a compatibiliza-las com o parâmetro

constitucional.

Wesley de Oliveira Louzada Bernardo (2006, p. 231) sustenta, que o Princípio da

Dignidade da Pessoa Humana proporcionou ao Direito Civil uma modificação estrutural,

sobretudo, em relação a ao caráter patrimonialista do ramo jurídico.

Tal fato se deve, em muito, a um árduo e incansável trabalho, desenvolvido ao longo de quase duas décadas, por notáveis autores brasileiros, principalmente civilistas, que defenderam - como de resto defendem - uma sensível mudança de paradigma do direito civil, qual seja, privilegiar, com uma tutela qualitativamente diferenciada, as relações existenciais, fugindo do paradigma patrimonialista que sempre dominou esse campo de estudo.

O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana encontra-se esculpido no artigo 1º,

inciso III, da Constituição da República Federativa do Brasil,6 sendo alçado como um de seus

6 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana; (BRASIL, 1988)

Page 32: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

32

fundamentos. Nessa toada, não somente a Constituição, mas toda norma deve ser lida por

meio das lentes do referido princípio.

Luiz Edson Fachin (2010, p. 5) aponta as alterações propiciadas por uma leitura

da responsabilidade à luz da dignidade da pessoa humana.

A pessoa humana foi, com justa causa, elevada ao patamar de epicentro dos epicentros. Como consequência, na responsabilidade civil, o dano à pessoa humana se objetiva em relação ao resultado, emergindo o direito de danos como governo jurídico de proteção à vítima. Consolida-se a ideia de compensação pelo sofrimento. O direito civil, por isso, passa a ‘inquietar-se com a vítima’.

No âmbito da responsabilidade civil, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

possibilitou uma releitura das bases tradicionais da seara do Direito, ocasionando uma

alteração em seu direcionamento. Nessa perspectiva, a responsabilidade civil passa a

apresentar enfoque na vítima, objetivando proporcionar uma reparação que atenda suas

expectativas e que garanta sua dignidade.

Despatrimonializa-se progressivamente a responsabilidade civil, bem como se destaca da base de seu conceito a exigência da ilicitude. Solidariedade social e análise causal presumida são exemplos de novos paradigmas desse avanço no giro conceitual antes referido por ORLANDO GOMES e que, superando o limite do ilícito, se assenta no dano injusto. Acima e para além da tipicidade dos atos ilícitos, a responsabilidade, por meio de cláusulas gerais e da incidência normativa vinculante de uma principiologia axiológica de índole constitucional, apreende um manto elastecido de proteção, como o dano pela perda de uma chance, o dano moral puro e o debate em aberto sobre o dano decorrente da vida em relação. (FACHIN, 2010, p. 5)

Verifica-se, portanto, um crescente fenômeno de despatrimonialização da

reparação. Nessa esteira intelectiva, o Direito Civil contemporâneo não mais reconhece a

premissa de que todo dano reparável é indenizável ou compensável. De modo que, em

verdade, tais modelos patrimoniais de reparação são preteridos em relação aos novos modelos

reparatórios, que apresentam enfoque na vítima, conformidade com dignidade da pessoa

humana e observância aos Princípios da Prevenção e da Precaução.

5.3 Princípio da prevenção

Pode-se dizer que, hodiernamente, o Princípio da Prevenção, é o âmago da

responsabilidade civil, apresentando enfoque, não na resolução de litígios mediante a

reparação de determinado dano, mas, em verdade, na minimização da ocorrência de danos e

de seus efeitos.

Page 33: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

33

Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald e Felipe Peixoto Braga Netto

(2017, p. 50) ensinam que “a prevenção é o cerne da responsabilidade civil contemporânea. O

que se deu à reparação de danos em termos de protagonismo nos últimos dois séculos,

necessariamente se concederá à prevenção daqui por diante”.

A reparação, por óbvio, ainda é o núcleo da responsabilidade civil, sendo sua mais

essencial função na perquirição por meios satisfativos de promoção da pacificação das

reações intersubjetivas. Entretanto, a viabilidade na redução de riscos e danos, também,

assume papel proeminente no contexto de uma sociedade de risco. Posto que, o cenário ideal

reside não na reparação de danos, mas, de fato, em sua não ocorrência mediante a aplicação

do Princípio da Prevenção.

Nelson Rosenvald (2019a, p. 4) ensina que:

[...] Deslocando-se o objeto da responsabilidade para o cuidado com outrem, vulnerável e frágil, será possível responsabilizar alguém como sujeito capaz de se designar por seus próprios atos – portanto, agente moral apto a aceitar regras –, e substituir a ideia de reparação pela de precaução, na qual o sujeito será responsabilizado pelo apelo à virtude da prudência. Em vez da culpa e da coerção, a responsabilidade encontra novo fundamento moral na circunspecção – e por que não no cuidado –, reformulando, portanto, a sua velha acepção, levando a para longe do singelo conceito inicial de obrigação de reparar ou de sofrer a pena. A responsabilidade mantém a sua vocação retrospectiva – em razão da qual somos responsáveis pelo que fizemos –, mas é acrescida de uma orientação prospectiva, imputando-nos a escolha moral pela virtude, sob pena de nos responsabilizarmos para o futuro.

A leitura da responsabilidade civil por intermédio das lentes do Princípio da

Prevenção proporciona à sociedade e ao sujeito, individualmente, a garantia de que não

somente haverá uma reparação na ocorrência de determinado evento danoso, mas que,

esforços serão empregados objetivando a redução de riscos de danos.

Evitar e mitigar um dano se converte em questão central e maior desafio para a responsabilidade civil do século XXI. A prevenção como antonomásia da responsabilidade civil contemporânea. Em vez de agir reativamente ao dano consumado (direito remediador) – pela via da indenização ou da compensação –, devemos conservar e proteger bens existenciais e patrimoniais (direito proativo). Toda a pessoa ostenta um dever ex ante de evitar causar um dano injusto, agindo conforme a boa-fé e adotando comportamentos prudentes para impedir que o dano se produza ou que se reduza a sua magnitude. Ademais, caso o dano já tenha sido produzido, que se evite o seu agravamento (duty to mitigate the own loss). (FARIAS; ROSENVALD; BRAGA NETTO, 2017, p. 50)

Deste modo, o Princípio da Prevenção possibilita à responsabilidade civil a

ampliação de seus limites. A atuação do ramo não é observada somente após a ocorrência de

determinado evento danoso, mas, mesmo antes de sua constatação mediante a redução de

riscos.

Page 34: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

34

Keila Pacheco Ferreira (2014, p. 12) assevera que:

O princípio da prevenção, no âmbito da responsabilidade civil, é observado tanto na inafastabilidade do Poder Judiciário para evitar lesão ou ameaça de direitos (art. 5º, inciso XXV, CF/88) bem como nos direitos da personalidade (art. 12, CC), e ainda, nos microssistemas de tutela aos vulneráveis (CDC e outros), sendo caracterizado pelos riscos certos, de potencial efeito danoso, para evitar lesão ao interesse juridicamente tutelável.

Nesse sentido, é necessário apontar que o Princípio da Prevenção cuida de riscos

certos, de modo que, com base no referido princípio é impossível que se aplique a

responsabilidade civil para riscos incertos, sendo nesta hipótese, verificável a aplicação do

Princípio da Precaução.

Tereza Ancona Lopez (2010, p. 1226-1227) leciona que:

A Responsabilidade Civil assume cada vez mais sua autonomia científica e jurídica, mesmo fazendo parte do Direito das Obrigações. Nela, os princípios da prevenção e precaução se manifestam na atitude ou na conduta de antecipação de riscos graves e irreversíveis. [...] Porém, como já falamos anteriormente, o risco zero não existe. Sempre teremos o chamado risco residual, que tem sido absorvido pelas vítimas.

A responsabilidade civil objetiva, contemporaneamente, a reparação diante de

eventos danos, mas, concomitantemente, o desestímulo de condutas de risco que possam dar

ensejo a determinado evento danoso.

Buscando expressar a relevante função do Princípio da Prevenção para o âmbito

da responsabilidade civil, Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald e Felipe Peixoto

Braga Netto (2017, p. 52) sustentam que:

[...] O princípio da prevenção nos remete a uma concepção de justiça aristotélica, pautada na virtude e na necessidade de o ordenamento introduzir parâmetros de comportamento desejáveis que devam ser observados generalizadamente. As decisões individuais tomadas hoje não mais se encontram nos estágios Caio x Tício, no qual a intersubjetividade se localiza no tempo e no espaço. Na hipermodernidade, as atividades potencialmente lesivas afetam milhares de pessoas, em dimensão global, podendo mesmo os efeitos danosos alcançarem as gerações futuras. Nesse contexto, somente uma concepção de justiça voltada à indução da virtude - leia-se, aqui, prevenção – será capaz de convidar os atores sociais à adoção de uma justificativa moral para que todos tenham uma "vida boa".

O Princípio da Prevenção encontra-se, intimamente, correlacionado à função

precaucional da responsabilidade civil, representando, por meio de um princípio, o agir

pretendido pelo Direito.

Nessa linha de intelecção, compreende-se que o princípio em análise apresenta

duas conotações. Primeiramente, a de desestimular condutas potencialmente danosas, isto é, a

repressão de comportamentos de risco. A segunda conotação do princípio opera em sentido

diametralmente oposto ao primeiro, buscando não o desestímulo de condutas, mas, de fato,

Page 35: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

35

seu incentivo. Nessa perspectiva, objetiva-se o estímulo de condutas compatíveis com o

referido princípio, o próprio fomento de práticas comportamentais desejáveis.

5.4 Princípio da solidariedade

O Princípio da Solidariedade encontra suas bases esculpidas no artigo 3º, inciso I

da Constituição da República Federativa do Brasil,7 sendo considerado um dos objetivos

fundamentais da república brasileira.

A palavra solidariedade pode ser compreendida de diversos modos, todavia, em

todas suas acepções encontra-se atrelada à noção de reciprocidade e comprometimento entre

sujeitos de determinada comunidade. Nessa linha de intelecção, a solidariedade descreve o elo

que une todos os membros da sociedade, seu envolvimento e engajamento não somente

consigo, mas com o outro, alheio a sua individualidade.

Marcos Catalan (2011, p. 42) orienta que:

É importante perceber que a solidariedade, ao mesmo tempo em que garante a existência de todos em nível pessoal e comunitário, atua de modo a inibir a marginalização do homem ao promover a reversão do processo de exclusão social. E isso porque impõe a assunção de responsabilidade no que pertine à existência e à coesão da sociedade, bem como pelo bem-estar de cada ser humano. Nela, o Direito encontra o substrato necessário para reciclar sua força integradora.

O Princípio da Solidariedade, portanto, deve ser compreendido como um valor,

verificável em todas as sociedades em maior ou menor grau, que decorre de uma harmonia

social, uma relação interindividual entre os sujeitos humanos. O referido princípio se

estabelece, sobretudo, por intermédio da necessidade de coexistência entre os sujeitos, da

existência dos valores comuns, dos interesses sociais e da consciência racional que implica a

um sujeito a obrigação de agir com foco no coletivo e não realizar condutas que possam

obstaculizar a pacífica convivência.

Os princípios atuam de modo significativo no Direito Privado contemporâneo

alcançando papel de destaque.

As muitas dimensões atuais do direito civil são revitalizadas pelo farto uso dos princípios e cláusulas gerais. O direito privado, nessa perspectiva, sofre mutação funcional, aceitando que seus conceitos, categorias e institutos sejam redefinidos à luz da solidariedade social (e da função social, dignidade, boa-fé etc). (ROSENVALD; BRAGA NETTO, 2018, p. 401)

7 Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; (BRASIL, 1988)

Page 36: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

36

Constata-se que, o Princípio da Solidariedade, exerce na responsabilidade civil

contemporânea papel fundamental, reescrevendo os fundamentos da matéria sobre novas

bases pautadas na retidão, na boa-fé objetiva e na confiança. Ademais, se estabelece como um

dos eixos centrais das recentes teorias que objetivam a maximização das fronteiras da

responsabilidade civil, seja pela modalidade de responsabilidade civil sem culpa, ou mesmo

pela mitigação do nexo de causalidade.

Júlia Bagatini e Luiz Gonzaga Silva Adolfo (2016, p. 11) articulam que no

contexto da sociedade de risco o Princípio da Solidariedade é merecedor de atenção ímpar.

O dano é um mal social, produzido na sociedade de risco e, portanto, deve ser uma preocupação da sociedade. A solidariedade, entendida como alteridade, é a máxima de ajuda ao outro, de responsabilidade com o outro. A responsabilidade social dos danos vai ao encontro da solidariedade.

A solidariedade se estabelece como um dever de atenção para com a sociedade. A

responsabilidade civil, nesse contexto, passa a empregar especial cuidado com a repercussão

de atos potencialmente danosos para a coletividade e dedica-se a realizar seu desestímulo e,

na medida do possível, evita-los.

Complementarmente, Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald e Felipe

Peixoto Braga Netto (2017, p. 49) apontam que:

O princípio da solidariedade penetra decisivamente no direito de danos para promover um giro copernicano na matéria. Talvez o mais significativo em termos de solidariedade seja a passagem de um estado de responsabilidade para outro de corresponsabilidade, no qual todos atuem conjuntamente para a obtenção de certo resultado, estipulando consensos mínimos para rechaçar aquilo que é intolerável. Assim, o foco da responsabilidade civil é deslocado da sanção ao ofensor para a tutela do ofendido. Em vez de buscar um culpado pela prática de um ilícito danoso – avaliando-se a moral de sua conduta –, quer-se encontrar um responsável pela reparação de danos injustos, mesmo que este não tenha violado um dever de conduta (teoria objetiva), mas simplesmente pela potencialidade de risco inerente à sua atividade ou por outras necessidades de se lhe imputar a obrigação de indenizar (v g., preposição, titularidade de direitos, confiança etc.). A solidariedade determinará ainda a edificação de um conceito de causalidade normativo, no qual, independente da capacidade do ofendido de provar o liame natural entre o fato do agente e a lesão, a responsabilidade surgirá pelo apelo à necessidade de se conceder uma reparação.

A observância ao Princípio da Solidariedade, potencializa a modificação da

responsabilidade civil, promovendo uma mudança de paradigmas dentro do estudo da matéria.

A relevância, outrora, atribuída à culpa, paulatinamente é transferida para o dano. A

responsabilidade civil não mais se limita a estruturas consolidadas através dos séculos,

buscando, em verdade, uma liquidez e plasticidade, para que possa efetivamente cuidar das

questões sociais contemporâneas, sobretudo, em relação à reparação e a prevenção de danos.

Page 37: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

37

6 A REPARAÇÃO

A responsabilidade civil ao longo dos séculos apresentou-se profundamente

correlacionada à ideia de justiça, a qual a concepção progressivamente se alterou,

sincronicamente com as alterações sociais vislumbradas. Se outrora a justiça se verificava por

intermédio de uma sanção corporal, isto é, por meio da devolução do mal ao outro.

Atualmente, não mais se admite tal modelo, sendo esse, em verdade, rechaçado posto que

avilta contra uma série de princípios, sobretudo, o da dignidade da pessoa humana.

Ao realizar que as sanções corporais não alcançavam nenhuma reparação, mas

somente a perpetração do mal, restando ao final duas vítimas, os olhos da responsabilidade

civil voltaram-se para o patrimônio do lesante – ainda com uma conotação de punição –.

Destaca-se, que no arquétipo descrito, a responsabilidade civil sancionatória ao patrimônio do

lesante possibilitava a aplicação de uma punição, concomitantemente a uma reparação à

vítima.

A responsabilidade civil se ateve a esse modelo por um longo período de tempo,

sendo que, em verdade, hodiernamente alguns indivíduos buscam em juízo não somente a

reparação, mas, também, uma forma de punir o sujeito lesante. Destaca-se que, a conduta

descrita não é compatível com o parâmetro principiológico contemporâneo da matéria,

mormente, na hipótese de uma leitura constitucionalizada do instituto da responsabilidade

civil.

Nessa linha de intelecção, a responsabilidade civil, contemporaneamente, traduz-

se como um meio de obtenção de justiça, na forma da justiça corretiva. A esse respeito, John

G. Culhane (2003, p. 1027 – tradução nossa) “A justiça corretiva (aqui compreendida como

responsabilidade civil) preocupa-se em reparar uma desigualdade entre as partes, que se

origina de uma conduta ilícita”.8

Em termos simplificados, a justiça corretiva requer que um réu que injustamente causou danos aos interesses de outrem, que repare os danos que ela ou tenham causado. Em nosso sistema jurídico, este objetivo, comummente é alcançado através de uma indenização ou de uma compensação.9 (CULHANE, 2003, p. 1069 – tradução nossa)

Nesse giro, a justiça corretiva apresenta enfoque, não no sujeito lesante, mas no

sujeito lesado, isto é, na vítima do evento danoso. Essa espécie de justiça objetiva, 8 No original: “Corrective justice (herein, tort law) is concerned with repairing an inequality between parties that wrongful conduct has created”.9 No original: “In simplest terms, corrective justice requires a defendant who has wrongfully harmed the interests of another to repair the harm that he or she has caused. In our judicial system, this goal is generally achieved through compensation”.

Page 38: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

38

sobremaneira, a prestação de uma reparação efetiva à vítima, reputando o dano um mal a ser

remediado.

Considerando a noção de uma justiça corretiva, Pablo Malheiros da Cunha Frota

(2017, p. 219-220) admite a concepção de um direito dos danos10, um novo passo da

responsabilidade civil que pretende privilegiar a vítima e prestar a efetiva reparação a mesma

em vista de um evento danoso.

Por tudo isso, parece que a ideia de responsabilidade por danos pode ser uma importante ruptura com a perspectiva de responsabilidade civil, por se basear em outros pressupostos, quais sejam: (i) foco na vítima; (ii) pressuposto ético na alteridade; (iii) rompimento com a ideia de culpa e dolo; (iv) substituição do nexo de causalidade pela ideia de formação da circunstância danosa; (v) prioridade na precaução e na prevenção, sempre em um viés prospectivo, e a tutela dos hipervulneráveis, dos vulneráveis e dos hipossuficientes: pela resposta proporcional ao agravo e concretizadora de justiça social; (vi) mitigação das excludentes do dever de reparar.

A referida teoria apresenta como principais fundamentos os Princípios da

Reparação Integral, da Prevenção e da Solidariedade, deste modo, privilegiando a vítima e sua

efetiva reparação. Nesse seguimento, o direito dos danos se estabelece de modo a prestar à

vítima do evento danoso o maior grau de proteção possível, seja por intermédio de uma tutela

precaucional – voltada à redução de riscos –, seja por meio de uma tutela reparatória –

ampliando-se as hipóteses de reparação.

No contexto de uma sociedade – complexa, plural e assimétrica – marcada,

sobremaneira, pelo risco, a reparação assume papel de destaque, posto que se estabelece como

instrumento de pacificação das relações intersubjetivas. Nessa perspectiva, a reparação

integral se exterioriza como um vetor da solidariedade e da dignidade da pessoa humana,

porquanto protagoniza a vítima.

Ramón Domínguez Águila (2010, p. 10) ensina que:

O princípio da reparação integral, como tem sido classicamente reconhecido, demanda que a reparação seja limitada ao dano sofrido. Todo o dano é reparado, todavia, mas, nada além do dano sofrido. Este princípio faz parte do sistema da responsabilidade civil e, mais amplamente, do sistema geral de reparação de danos.11

10 A respeito do direito dos danos Pablo Malheiros da Cunha Frota (2013, p. 214) ensina que: “A responsabilidade por danos redescreve a linguagem da precaução, da prevenção e da reparação, com a extensão e a inovação de direitos e de deveres às vítimas, aos lesantes e (ou) responsáveis e à sociedade. O instituto esteia-se nos princípios do neminem laedere, da solidariedade social, da reparação integral e da primazia da vítima”.11 No original: “El principio de reparación integral, tal cual ha sido clásicamente reconocido, manda que el perjuicio sea el límite de la reparación. Se indemniza todo el perjuicio, pero nada más que el perjuicio. Este principio forma parte del sistema de responsabilidad civil y más ampliamente aún, del sistema general de reparación del daño”.

Page 39: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

39

No contexto da sociedade contemporânea, a reparação integral se manifesta como

um dos principais objetivos da responsabilidade civil, haja vista esta ser compreendida dentro

de um contexto principiológico.

Nessa linha de intelecção, a verificação das formas de reparação, no ordenamento

jurídico brasileiro, faz-se necessária, a fim de se compreender se as mesmas são aptas a

alcançar a reparação integral.

6.1 Indenizar e compensar: o binômio patrimonialista da responsabilidade civil

A responsabilidade civil, hodiernamente, se apresenta profundamente atrelada à

questão patrimonial, desconsiderando, muitas vezes, a profundidade dos interesses

extrapatrimoniais, e, por fim, transformando-os em questões de ordem econômica, pela qual a

resposta da responsabilidade civil aos danos se limita a valores monetários. De um acidente

no trânsito à morte de um filho a solução se limita a indenizar e compensar, restringindo, de

tal modo, o âmbito de atuação da referida seara do Direito.

John C. P. Goldberg (2006, p. 435 – tradução nossa) exemplifica a imprecisa

compreensão do instituto da responsabilidade civil.

O objetivo da responsabilidade civil é a reparação, restaurar o status quo ante e prestar a reparação integral ao lesado. Entre estudiosos modernos da responsabilidade civil essas frases são comumente entendidas como formas diversas de se dizer que o objetivo imediato de uma demanda de responsabilidade civil é o de compensar a vítima com uma quantia em dinheiro equivalente as perdas sofridas em razão do dano.12

A premissa de que a reparação é homologa à indenização ou mesmo a

compensação origina-se de uma imprecisão técnica, própria confusão terminológica que

decorre de uma visão historicamente patrimonialista do Direito. Nessa perspectiva os

conceitos de reparação, indenização e compensação devem ser devidamente distinguidos, de

modo que se compreenda cada um dos caminhos da responsabilidade civil.

Paulo Nader (2016, p. 52) assevera que “de um modo geral a doutrina não

distingue as noções de reparação e indenização, aplicando-as como fórmula de satisfação à

vítima por danos decorrentes de inadimplemento negocial ou de ato ilícito”. Logo, a distinção

dos conceitos de reparação, de indenização e de compensação se estabelece como tarefa

fundamental no estudo da responsabilidade civil.12 No original: “The point of tort damages is to compensate, to restore the status quo ante, to make the plaintiff whole. Among modern torts scholars, these stock phrases tend to be understood as different ways of saying that the immediate purpose of a tort suit is to compensate the victim with an amount of money equal to the losses suffered because of the tort”.

Page 40: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

40

O texto da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 ao utilizar o

termo reparar, o faz de forma ampla, referindo-se ao termo de forma genérica. Nesse giro, o

artigo 5º, XLV do texto constitucional13 e o artigo 255, § 3º do mesmo diploma legal14 se

estabelecem, tratando da reparação enquanto gênero. Complementarmente, o artigo 8ª, § 3 do

Ato das Disposições Constitucionais Transitórias15 apresenta a reparação de igual modo,

sendo que, para a situação posta, restringe-a ao modelo de reparação de natureza econômica.

Noutro giro, vislumbra-se uma utilização desalinhada do termo “indenização”

pelo legislador constitucional, referindo-se, por vezes a uma reparação pautada por valores

monetários, como no caso do artigo 5º, XXIV da Constituição16 e, por vezes, de forma ampla,

como se observa no artigo 5ª, V, também do texto constitucional.17

Constata-se, portanto, uma série de imprecisões terminológicas, mesmo na

redação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Nesse sentido, conceitos

técnico-jurídicos estruturados e formulados ao longo da história do Direito Civil,

notadamente, nas últimas décadas, foram inobservados na redação das leis.

O Código Civil (2002) apresenta inequívoco enfoque patrimonialista,

aproximando, em grande proporção, os conceitos de reparação e de indenização, realizando

sua distinção poucas vezes. Observa-se que o Capítulo I do Título IX – “Da Responsabilidade

Civil” – denomina-se “Da Obrigação de Indenizar” quando, em verdade, trata da reparação de

danos. Nessa perspectiva, verifica-se que o Código Civil estimula a utilização do modelo

indenizatório e pretere as formas não patrimoniais de reparação de danos.

Destaca-se que, o modelo patrimonialista da responsabilidade civil se estabelece,

a priori, como um meio de ampliar as reparações, ofertando uma indenização ou uma

compensação a quem outrora nada receberia. Todavia, esse movimento encontra limites na

13 XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido; (BRASIL, 1988, grifo nosso)14 § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. (BRASIL, 1988, grifo nosso)15 Aos cidadãos que foram impedidos de exercer, na vida civil, atividade profissional específica, em decorrência das Portarias Reservadas do Ministério da Aeronáutica nº S-50-GM5, de 19 de junho de 1964, e nº S-285-GM5 será concedida reparação de natureza econômica, na forma que dispuser lei de iniciativa do Congresso Nacional e a entrar em vigor no prazo de doze meses a contar da promulgação da Constituição. (BRASIL, 1988, grifo nosso)16 XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição; (BRASIL, 1988)17 V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; (BRASIL, 1988)

Page 41: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

41

própria acepção da dignidade da pessoa humana, haja vista minimizar as repercussões dos

danos tão somente a valores monetários.

A respeito da indenização e da compensação, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo

Pamplona Filho (2017, p. 640-641) edificam que:

De fato, na responsabilidade civil, o agente que cometeu o ilícito tem a obrigação de reparar o dano patrimonial ou moral causado, buscando restaurar o status quo ante, obrigação esta que, se não for mais possível, é convertida no pagamento de uma indenização (na possibilidade de avaliação pecuniária do dano) ou de uma compensação (na hipótese de não se poder estimar patrimonialmente este dano).

Neste ínterim, nota-se que a indenização é um modelo patrimonial de reparação

dos danos materiais, isto é, de danos economicamente mensuráveis, os quais atingem os bens

que compõe o patrimônio do lesado. Lado outro, a compensação é um modelo patrimonial de

reparação de danos imateriais, isto é, de lesões pessoais, as quais não atingem o patrimônio do

lesado, mas outros interesses, os quais, por sua vez, não são economicamente aferíveis.

Anderson Schreiber (2015, p. 195, grifo nosso) leciona que, até mesmo, o temor

da “indústria dos danos morais” decorre dessa visão patrimonialista empregada na

responsabilidade civil:

O temor que o imenso oceano de novos interesses extrapatrimoniais deságue em ações frívolas voltadas à obtenção de indenização pelos acontecimentos mais banais da vida social deriva, em grande parte, do fato de que a abertura ao ressarcimento do dano moral deu-se por meio de uma extensão da função historicamente patrimonialista da responsabilidade civil, sem que procedesse, ao mesmo tempo, a qualquer modificação substancial na estrutura do instituto. Assim, mesmo às lesões a interesses não patrimoniais o ordenamento jurídico continua oferecendo, como única resposta, o seu remédio tradicional, de conteúdo estritamente patrimonial, qual seja, a deflagração do dever de indenizar.

Verifica-se, portanto, uma limitação das fronteiras da reparação em relação aos

interesses extrapatrimoniais, sendo que, comumente, tais demandas tão somente alcançam o

modelo da compensação, isto é, uma reparação de cunho estritamente pecuniário em vista da

lesão sofrida – que não possui conteúdo econômico –.

Outrossim, a própria questão da “indústria dos danos morais” decorre da

patrimonialização da responsabilidade civil, que retribui todo tipo de lesão com uma

quantificação pecuniária e, em tese, incentiva a busca por demandas frívolas com o único

intuito de obter uma compensação por uma suposta lesão a interesses existenciais

concretamente merecedores de tutela.

O desenvolvimento de meios alternativos à reparação de cunho patrimonial faz-se

necessário nesse contexto, posto que, como previamente estabelecido, a reparação não se

Page 42: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

42

limita a indenizar e compensar os danos, mas, em verdade, trata de repará-los em sua

integralidade.

Aline de Miranda Valverde Terra e Gisela Sampaio da Cruz Guedes (2019, p.

486) sustentam que:

Torna-se, com efeito, necessário o desenvolvimento de meios não pecuniários de reparação que, embora não substituam por completo a compensação em dinheiro em todos os casos, somam-se a ela para efetivamente compensar o dano extrapatrimonial, recompondo, na medida do possível, os interesses existenciais lesionados.

Tem-se que, em sede de danos extrapatrimoniais há patente necessidade de

superação da concepção patrimonialista da reparação, avançando, por conseguinte, em meios

de reparação voltados à pessoa humana, de modo a garantir os princípios da responsabilidade

civil, sobretudo, o da reparação integral e da dignidade da pessoa humana.

Marcos Catalan (2011, p. 69) impulsiona uma corrente constitucionalizada do

Direito Civil, elencando como o objetivo cardinal da responsabilidade civil a tutela da pessoa

humana.

Um Direito personalizado busca reequilibrar a relação jurídica a partir da reparação da lesão causada à vítima – tutelando assim a pessoa humana – em vez de ter por base fundante a necessidade de repreender uma conduta inadequada. A imposição do dever de reparar não pode ser pensada com sanção repressora de um comportamento prenhe de culpa – essa “espécie de pecado jurídico” ou castigo moral. Deve sim, concentrar as energias existentes no dano a ser reparado.

É fundamental que se compreenda que o propósito da reparação não é o de punir o

ofensor, ainda que o caráter sancionatório possa se apresentar por intermédio da função

punitiva da responsabilidade civil, mas, em verdade, de promover o status quo ante, isto é,

retornar a vítima a seus estado anterior à lesão, fomentando, por conseguinte, a dignidade da

pessoa humana.

Nessa conjuntura, deve-se identificar que a responsabilidade civil, paulatinamente,

avança rumo a maximização de sua proteção, não em razão da sanção ao ofensor, mas em

função da proteção ao indivíduo, sendo, portanto, necessário afastar a erronia concepção de

que a reparação se limita aos meios pecuniários.

Keila Pacheco Ferreira (2014, p.11) propõe a compreensão da responsabilidade civil,

sincronicamente, enquanto sistema, processo e instituição, ampliando, de tal modo, o escopo

da responsabilidade civil sob um prisma principiológico.

Daí articular a responsabilidade civil não mais como sinônimo de indenização ou perdas e danos, senão como sistema, processo e instituição. Na perspectiva de sistema, vai além da dicotomia outrora sustentada quanto à natureza (contratual ou

Page 43: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

43

extracontratual), esboçando que o campo de abrangência deve ser adequado à sociedade pós-moderna, o que permite flexibilizar e reformular seus elementos constitutivos a partir do caso concreto. Como processo (ou movimento orgânico), é investigada na temporalidade, importando em situações jurídicas não apenas de execução, mas igualmente de pré-responsabilidade (prevenção) e pós-responsabilidade (repercussão do dano e equidade intergeracional). Por fim, como instituição, esboça reação própria lhe deferida pelo sistema jurídico e, nesse contexto, refere-se à ampla exigência de efetividade: proteção pro damnato.

Nessa linha de intelecção, é fundamental que se compreenda que a

responsabilidade civil, e que a própria reparação, se situam para além dos meios estritamente

pecuniários. De modo que, faz-se necessário (re)pensar a reparação e refletir acerca da

responsabilidade civil como um todo, sendo que tal processo demanda que o Princípio da

Reparação Integral assuma patamar de destaque no debate.

6.2 A reparação integral no contexto da sociedade de risco

O diálogo das fontes coadunado a uma leitura principiológica do Direito

possibilita a abertura de novas portas ao intérprete. Nesse cenário, caminhos inovadores se

apresentam e a sistematização e assimilação de conceitos e conteúdos torna-se tarefa

fundamental na construção de um novo Direito Civil.

Nelson Rosenvald e Felipe Peixoto Braga Netto (2018, p. 398) esclarecem que,

“hoje, os civilistas aludem, crescentemente, à despatrimonialização e à repersonalização das

relações civis. Os juristas são instados a reler a legislação infraconstitucional com novos

olhos, observando os valores constitucionalmente prestigiados”.

Nesse sentido, (re)pensar a responsabilidade civil à luz dos ditames

constitucionais e de um prisma principiológico, se exterioriza como uma tarefa primordial,

haja vista, a seara retromencionada se inserir cotidianamente na vida das pessoas. Em posição

crítica à atual sistemática da responsabilidade civil, Nelson Rosenvald (2019b, p. 1) assevera

que:

O dinheiro é incapaz de desfazer perdas graves e parece mesmo uma piada cruel dizer que uma condenação pecuniária possa restituir a integridade de uma pessoa seriamente lesada. Pior ainda, se o dinheiro fosse capaz de tornar uma pessoa lesada saudável, parece então que prejudicar alguém e depois pagar é tão bom quanto não prejudicar.

No contexto evidenciado, verifica-se que o dinheiro, isto é, uma reparação

meramente pecuniária, demostra-se, incompatível com o Princípio da Reparação Integral, com

o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e, até mesmo, com o Princípio da Solidariedade.

Page 44: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

44

Deste modo, a utilização, tão somente, da indenização e da compensação enquanto meios de

reparação se evidencia como via inadequada na oportunização do status quo ante.

Logo, compreende-se que a reparação comporta dentro de si uma série de

modelos, sendo a reparação pecuniária, isto é, a indenização e a compensação, tão somente

duas espécies dentre as infinitas possibilidades abarcadas pelo gênero reparação.

Nessa conjuntura, se estabelece o enunciado 589 da VII Jornada de Direito Civil

do Conselho da Justiça Federal (2015) asseverando que: “A compensação pecuniária não é o

único modo de reparar o dano extrapatrimonial, sendo admitida a reparação in natura, na

forma de retratação pública ou outro meio.”

O impulsionamento dos meios não patrimoniais de reparação, a priori, pode

aparentar ser uma resposta inovadora, todavia, em verdade, expressa uma resposta lógica a

uma problemática perene de maximização dos danos. Destaca-se que o Direito Civil, há muito

possibilita a via retromencionada.

Felipe Peixoto Braga Netto (2014b) em uma concatenação lógica de causa e

efeito, efetua uma classificação quadripartite em relação as categorias de eficácia dos ilícitos

civis, distinguindo-os em: i) ilícitos indenizantes; ii) ilícitos caducificantes; iii) ilícitos

invalidantes; iv) ilícitos autorizantes. Verificam-se, ao menos, quatro respostas do Direito

Civil diante a verificação de um ilícito, a prestação de uma indenização, a perda de um direito,

a neutralização dos efeitos de um ato e o surgimento de uma autorização para a vítima do

ilícito.

Transpondo a noção estabelecida para o dano, propõe-se a ampliação da reparação

diante de um evento danoso, garantindo que a vítima tenha uma multiplicidade de

instrumentos para alcançar a reparação integral. No modelo proposto, a indenização e a

compensação se estabelecem como meios completivos de reparação de danos e não como as

únicas alternativas.

Nessa linha de intelecção, Fábio Gaspar de Souza (2017, p. 16) estabelece que:

Nessa toada, é de se verificar, como formas não pecuniárias de reparação: a retratação pública, a retratação privada, a prática de determinado ato ou abstenção de sua prática, a emissão de declaração, também pública ou privada, a depender do caso, assim como o desfazimento do evento tido como danoso mediante a realização de ato equivalente àquele suprimido e a busca de meios que reflitam indiretamente no patrimônio do ofensor com o fim de se reparar o dano na vítima.

Em relação aos danos extrapatrimoniais a proposta de utilização de meios

alternativos de reparação – ainda que em uma posição vanguardista e minoritária –

paulatinamente adquire adeptos. Aos poucos, a ideia de que, ofertar uma quantia em dinheiro

Page 45: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

45

após causar uma lesão a interesses existenciais concretamente merecedores de tutela, se

estabeleceria como uma reparação integral, demonstra-se uma concepção deslocada da

realidade, posto que não vislumbra os interesses da vítima sob o prisma principiológico

constitucional.

Segundo Wesley de Oliveira Louzada Bernardo (2006), contemporaneamente, os

direitos da personalidade se expandem para além de um paradigma estritamente

patrimonialista, exercendo uma função promocional e protetiva do livre desenvolvimento da

personalidade. Nesse mesmo giro, Anderson Schreiber (2007), explicita que a quantificação

de uma compensação por danos morais perpassa uma série de inundáveis dificuldades, as

quais evidenciam a contradição em se reconhecer a natureza extrapatrimonial do dano e

prestar uma reparação patrimonial.

O dinheiro demonstra-se insuficiente na pacificação das relações intersubjetivas

abaladas por uma lesão a um interesse existencial concretamente merecedor de tutela. Nesse

contexto, constata-se a significância em se buscar meios não patrimoniais para reparar a

vítima do evento danoso. Logo, a compensação se estabelece como meio supletivo as demais

medidas acatadas na garantia da reparação integral e da dignidade da pessoa humana.

Deste modo, em vista da valorização dos Princípios da Reparação Integral, da

Solidariedade e, sobretudo, da Dignidade da pessoa humana, é premente a necessidade de que

meios alternativos de reparação sejam aplicados concomitantemente a compensação e, em

menor grau, até mesmo com a indenização.

Diego Alejandro Sandoval Garrido (2013, p. 239 – tradução nossa) afirma que:

Não parece se tratar de uma simples mudança de concepção, mas de uma transformação do direito em direção a uma visão ampliada, na qual os interesses da pessoa humana, em toda sua integridade, adquirem relevância, concentrando-se agora, com mais afinco, nas vítimas, que pouco a pouco começam a impor aos juízes um novo pensamento dentro do contexto da responsabilidade civil.18

A tutela prioritária da pessoa humana e do corpo social, no contexto da sociedade

contemporânea, se estabelece como principal objeto do Direito, que não mais objetiva punir o

ofensor, mas garantir à vítima, ao ofensor e à sociedade, uma tutela jurídica adequada a

resguardar os interesses lesados.

18 No original: “No parece tratararse de un simple cambio de concepción, sino de una transformación del derecho hacia una visión ampliada en la cual los intereses del hombre en toda su integridad adquieren relevancia, concentrándose ahora con más ahínco el centro de atención en las víctimas, que poco a poco comienzan a imponer a los jueces un nuevo pensamiento dentro del esquema de la responsabilidad".

Page 46: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

46

Anderson Schreiber (2011, p. 338-339) intenta apartar a figura da reparação e da

figura da indenização ou da compensação, apresentando, para tanto, meios alternativos de

reparação, que não os patrimoniais.

Se, por exemplo, alguém sofre dano moral decorrente de férias frustradas (vacanzerovinate), por falha no serviço da agência de turismo ou da companhia aérea, pode o juiz impor à sociedade ré, além do dever de indenizar, o dever de organizar nova viagem para o autor da demanda, a título de reparação não pecuniária do dano sofrido. Se, por outro lado, o autor da demanda sofreu dano moral pela interrupção do serviço de transmissão por TV a cabo no exato momento em que seu time de futebol disputava importante partida, a sociedade ré pode ser condenada a entregar, além da eventual indenização em dinheiro, um ingresso para que a vítima assista, no melhor lugar do estádio, à próxima partida da equipe.

Nesse giro, verifica-se que a mera maximização das compensações não coaduna

com os ditames principiológicos do Direito Contemporâneo, sobretudo, em relação à

reparação integral e a tutela prioritária da vítima. Lado outro, a utilização de tutelas não

patrimoniais, paralelamente à aplicação da compensação de danos, possibilita, em maior grau,

a garantia da reparação integral em consonância com a dignidade da pessoa humana e a

solidariedade.

6.3 Formas alternativas de reparação

Verifica-se que a via das reparações estritamente pecuniárias não garante a

observância dos princípios da responsabilidade civil. Portanto, faz-se necessário que novos

meios reparatórios sejam pensados e estimulados.

A aplicação de meios não patrimoniais, conjuntamente com os meios

patrimoniais, propicia uma mudança de paradigma na responsabilidade civil. Os Princípios da

Prevenção e da Solidariedade são alçados a novo patamar, paralelamente ao Princípio da

Reparação Integral e da Dignidade da Pessoa Humana, possibilitando assim a ampliação da

reparação.

Por tudo isso, a reparação, no contexto da sociedade de risco, rompe com o

modelo patrimonialista até então observado e promove própria (des)patrimonialização da

reparação, baseando-se em pressupostos diversos, quais sejam: i) enfoque no dano; ii) tutela

prioritária da vítima à luz do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana; iii) pressuposto ético

no Princípio da Solidariedade Social; iii) prioridade na prevenção dos danos; iv)

Protagonismo do Princípio da Reparação Integral.

Ao passo que as tutelas não patrimoniais dos danos extrapatrimoniais se

fundamentam, sobretudo, no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, distintamente, as

Page 47: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

47

tutelas não patrimoniais dos danos patrimoniais esteiam-se, mormente, no Princípio da

Solidariedade Social. Na segunda situação, a reparação integral se consubstancia pela

indenização aplicada conjuntamente com uma tutela não patrimonial, possibilitando, de tal

forma, a pacificação da relação intersubjetiva lesada, concomitantemente a prestação de uma

reparação em favor da sociedade.

A lesão a qualquer bem suscetível de avaliação econômica, à luz do Princípio da

Solidariedade Social não afeta somente o indivíduo, ou indivíduos, diretamente lesados,

impactando, também, a sociedade, exposta a uma conduta que viola o dever geral de proteção.

Constata-se, portanto, que a reparação, ainda que em menor grau, deve também ser

direcionada à sociedade.

A reparação, em tais casos, não se consubstancia por intermédio de uma quantia

pecuniária, mas em verdade, por meio de uma prestação não patrimonial que possibilite o

asseguramento do status quo ante. Não se exige do lesante, frente à sociedade, uma prestação

patrimonial, mas uma prestação não patrimonial que atenue os efeitos do evento danoso.

Inúmeras são as possíveis tutelas não patrimoniais passíveis de utilização diante

de um evento danoso. O juiz pode impor ao réu, a depender do caso concreto, diferentes

formas de reparar o dano efetivado, a partir da verificação do evento danoso e de sua

extensão.

Neste sentido, a Lei 13.188 (2015), a qual disciplina o exercício do direito de

resposta ou retificação do ofendido em matéria divulgada, publicada ou transmitida por

veículo de comunicação social, se exprime como importante tutela reparatória de cunho não

patrimonial. A referida tutela possibilita não somente a proteção da honra de determinada

pessoa, como, também, um estímulo da prevenção, posto que, existe todo um encargo na

publicação de uma retratação ou de uma resposta. Complementarmente, o Princípio da

Solidariedade Social é, em igual maneira, exercitado, garantindo-se, de tal modo, a

reciprocidade e comprometimento entre os membros sociedade.

Nesse sentido, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor (1990) enquanto

microssistema de tutela dos vulneráveis, apresenta importantes características no estímulo de

reparações não patrimonial dos danos. Com fulcro na teoria do risco da atividade, a referida

lei apresenta a responsabilidade objetiva como regra, ofertando, de tal modo, maior proteção

ao consumidor. Ademais, a inobservância do dever geral de cuidado por parte do fornecedor

enseja sua responsabilidade, destaca-se, de forma solidária com os demais entes da cadeia de

consumo, em favor do vulnerável.

Page 48: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

48

A proteção ao consumidor possibilita a aplicação de meios reparatórios diversos, a

depender do caso concreto. E.g. caso em que um indivíduo adquire um aparelho celular e após

alguns dias o aparelho explode em seu bolso, causando, deste modo lesões em sua perna. No

caso descrito o consumidor sofre danos materiais pela perda do aparelho celular, bem como

pelas eventuais despesas médicas, danos estéticos em razão das lesões físicas sofridas e,

potencialmente, danos morais pelo eventual abalo psicológico sofrido.

A técnica jurídica clássica aponta que diante a situação, responsabilidade pelo fato

do produto, os danos materiais (patrimoniais) serão indenizados e os morais e estéticos

(extrapatrimoniais) compensados.

A situação exemplificada revela a reparação dos danos sofridos, todavia, somente

reparar monetariamente os danos experenciados pelo consumidor não incitaria o caráter

preventivo da responsabilidade civil, não proporcionaria uma reparação integral e, nem

mesmo, contribuiria com a sociedade mediante a promoção efetiva da pacificação da relação

lesada com o advento do evento danoso.

O dano suportado pela vítima resulta de uma violação do dever de cuidado do

fornecedor quando da produção do aparelho. Isso posto, em atenção aos Princípios da

Dignidade da Pessoa Humana, da Solidariedade Social, da Reparação Integral e da Prevenção,

seria possível que o fornecedor, a exemplo, fosse condenado a reforçar suas práticas de

fiscalização e segurança em relação a seus produtos, ou mesmo que novos testes fossem

realizados com os produtos já disponibilizados no mercado de consumo, evitando eventuais

danos a demais consumidores.

O Código Civil Brasileiro (2002), enquanto diretriz de um sistema complexo de

direitos, prerrogativas e deveres, elenca uma série de consequências diante da ocorrência de

ilícitos. A transposição de tais meios para o contexto da responsabilidade civil possibilita a

ampliação da reparação por meio de medidas como, imposição de obrigações de fazer ou de

não fazer, a perda de determinado direito, ou mesmo a neutralização dos efeitos do ato

praticado.

Nessa linha de intelecção, pretende-se, apresentar novos rumos à responsabilidade

civil, mediante a análise do referido ramo por um prisma constitucionalizado e

principiológico. Neste ínterim, rompe-se com o caráter patrimonialista assumido

historicamente pela responsabilidade civil e privilegiam-se as funções e princípios do ramo

retromencionado, promovendo, deste modo, a (des)patrimonialização das reparações.

Page 49: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

49

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscou-se examinar, de forma crítica e construtiva a temática da

(des)patrimonialização da responsabilidade civil, especificamente, no que toca à reparação

integral, no cenário contemporâneo de Sociedade de Risco.

Com o objetivo delimitado, foram propostas perguntas problemas a serem

respondidas: i) em sede de responsabilidade civil verifica-se um fenômeno de liquidação das

obrigações não adimplidas e de direitos violados, isto é, na hipótese lesão a bem material e até

mesmo lesão a um interesse existencial merecedor de tutela, busca-se, via de regra, a

reparação pecuniária, seria tal instrumento apto a concretizar, isoladamente, a reparação

integral; ii) na hipótese de a reparação pecuniária não alcançar os objetivos

supramencionados, que outras alternativas podem ser utilizadas pela responsabilidade civil a

fim de alcançar a reparação integral?;

Complementarmente, foram estabelecidos enquanto objetivos específicos, com o

fim de analisar o tema por meio de uma concatenação metodológica: i) examinar a temática

da responsabilidade civil no contexto da Sociedade de Risco; ii) identificar a existência, ou

inexistência de um fenômeno histórico de patrimonialização da responsabilidade civil; iii)

discutir a questão das funções da responsabilidade civil; iv) analisar os princípios da

responsabilidade civil contemporânea; v) verificar a possibilidade de implementação de

métodos alternativos de reparação.

Em relação à hipótese previamente delimitada, verificou-se que a mesma foi

parcialmente comprovada, pois, se constatou um fenômeno histórico de constante

patrimonialização das reparações. Todavia, as causas do fenômeno retromencionado, ainda se

encontram nebulosas, não sendo possível assegurar que decorrem, exclusivamente, de uma

descomplexificação das reparações.

Procedeu-se, no presente estudo, a uma análise da sociedade contemporânea –

complexa, plural e assimétrica – no contexto da sociedade de risco. O referido modelo revelou

que, hodiernamente, vivencia-se um fenômeno de multiplicação e de maximização dos danos

inerentes à vida. Nesse contexto, a possibilidade, bem como a gravidade dos danos aumenta

progressivamente, permitindo que os riscos se evidenciem e que se estabeleçam enquanto uma

constante na sociedade de risco.

Vislumbra-se que a responsabilidade civil paulatinamente amplia suas fronteiras,

assumindo, para além de um caráter retrospectivo – voltado à reparação dos danos –, um

caráter prospectivo – voltado à prevenção de danos – mediante a redução de riscos. Nessa

Page 50: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

50

perspectiva, a pesquisa se prestou a harmonizar a remediação de danos com a sua prevenção,

estimulando, para tanto, um modelo de pacificação social e reestruturação das relações

intersubjetivas, em oposição a um modelo meramente indenizatório de reparação de danos.

A análise histórica da responsabilidade civil evidenciou que o instituto se

apresenta de modo intimamente correlacionado à noção de justiça, seja ela uma vingança pela

retribuição do mal sofrido, seja por meio de uma reparação.

Com o decurso do tempo, a responsabilidade civil se voltou ao patrimônio do

lesado, ainda com uma conotação de punição, sendo que, somente com o Direito Romano

pretendeu-se apartar as noções de punição e de reparação. Diante desse fato, a

responsabilidade civil passou a assimilar elementos – hoje atribuídos aos princípios – como a

Proporcionalidade e a Dignidade da Pessoa Humana, consolidando bases sólidas para

promoção da reparação.

Verificou-se que, o fenômeno da patrimonialização das reparações, sucedeu o

afastamento das penas corporais, introduzindo uma alternativa apta a punir o lesante e, ao

mesmo tempo, recompor, em alguma medida, a vítima em seus interesses lesados. Do período

descrito, até os dias de hoje, diversas alterações foram vislumbradas em sede da

responsabilidade civil, especialmente, em relação a conotação da reparação patrimonial.

Contemporaneamente, compreende-se que a reparação patrimonial é meio de

recomposição diante da ocorrência de um evento danoso, se estabelecendo, não como uma

punição ao lesante, mas como um meio de efetivação da dignidade da pessoa humana à vítima

do evento danoso.

Nota-se que a complexidade das relações hodiernamente vivenciadas, sobretudo

no contexto da sociedade de risco, não permitem que a reparação se perfaça tão somente por

meio de indenizações e de compensações, sendo, portanto, necessário (re)pensar a

responsabilidade civil a fim de se protagonizar suas funções e princípios e promover a

pacificação das relações intersubjetivas lesadas com o evento danoso.

A responsabilidade civil, a depender do tempo e do espaço, pode apresentar

diversificadas funções, assumindo, de tal modo atribuições diversas. Não obstante, em vista

de uma delimitação do objeto de estudo, efetuou-se uma tripartição funcional da

responsabilidade civil, por meio de suas funções reparatória, punitiva e precaucional.

As referidas funções balizam o escopo da responsabilidade civil e apresentam seu

âmbito de atuação, bem como seus objetivos. Nesse sentido, depreende-se que

contemporaneamente a responsabilidade civil, em linhas gerais, objetiva concomitantemente

consubstanciar uma reparação integral diante de um evento danoso, prevenir a ocorrência de

Page 51: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

51

eventuais eventos danosos, implementar o desestimulo de condutas exemplarmente negativas

por meio de sanções pecuniárias, bem como estimular condutas exemplarmente positivas.

Destaca-se, que a verificação das funções se dá de modo distinto diante dos casos

concretos, sendo que em determinadas situações uma função apresentará maios incidência do

que as demais.

Para além das funções, nas últimas décadas, os princípios assumem proeminência

dentro do ordenamento jurídico, sendo que, no âmbito da responsabilidade civil, observa-se,

em maior medida, a atuação dos Princípios da Reparação Integral, da Dignidade da Pessoa

Humana, da Prevenção e da Solidariedade Social.

Os referidos princípios exercem papel fundamental no âmbito da responsabilidade

civil, estabelecendo limites para a atuação do ramo, bem como suas perspectivas de atuação.

Desse modo, a responsabilidade civil se presta a efetivar uma reparação integral à vítima do

evento danoso, garantindo a dignidade da pessoa humana da vítima e do ofensor, se valendo,

também, de métodos de redução de riscos na prevenção de danos e de critérios como o da

solidariedade social para a ampliação do escopo do dever de reparar, com enfoque na vítima.

Nessa linha de intelecção, a análise das funções e princípios da responsabilidade

civil, no contexto da sociedade de risco, com subsídio no percurso histórico da matéria, revela

que a patrimonialização das reparações, contemporaneamente, se estabelece como um

obstáculo à concretização da reparação integral e a promoção da dignidade da pessoa humana

do ofendido. Faz-se, portanto, necessário (re)pensar a responsabilidade civil e promover

meios de (des)patrimonialização das reparações, em atenção as funções e princípios

retromencionados.

Logo, conclui-se, que a reparação integral assume papel de destaque na sociedade

contemporânea, se estabelecendo enquanto um vetor da solidariedade e da dignidade da

pessoa humana, porquanto protagoniza a vítima do evento danoso e, paralelamente, se

apresenta como um instrumento de pacificação das relações intersubjetivas.

Nessa perspectiva, a promoção de meios de reparação não patrimoniais deve ser

estimulada, concomitantemente as reparações patrimoniais – indenização e compensação –,

de modo a fortificar os princípios e funções da responsabilidade civil contemporânea.

À luz do prisma principiológico constitucional, a ideia de que reparar uma lesão a

determinado interesse existencial concretamente merecedor de tutela com dinheiro –

compensação dos danos extrapatrimoniais –, demonstra-se uma concepção deslocada da

realidade. Dizer que compensar ou indenizar uma lesão é tão bom quanto não a ter praticado

vai de encontro aos princípios ético-jurídicos que fundamentam a responsabilidade civil.

Page 52: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

52

Desse modo, em relação aos danos extrapatrimoniais verifica-se a patente

necessidade de superação da concepção estritamente patrimonialista da reparação, avançando,

por conseguinte, em meios de reparação não patrimoniais que possam garantir a observância

dos princípios da responsabilidade civil, especialmente o da Reparação Integral e da

Dignidade da Pessoa Humana.

Noutro giro, em relação aos danos patrimoniais, compreende-se que, à luz do

Princípio da Solidariedade Social não impactam somente o indivíduo, ou indivíduos,

diretamente lesados pelo evento danoso, acometendo, também, a sociedade, exposta a uma

conduta que viola o dever geral de proteção.

Nessa lógica, as tutelas não patrimoniais dos danos materiais esteiam-se,

mormente, no Princípio da Solidariedade Social. A reparação integral, em tais casos, não se

consubstancia tão somente por meio de uma reparação patrimonial – indenização –, mas, em

verdade, por meio de sua aplicação de forma conjunta a uma prestação não patrimonial. Dessa

forma, possibilita-se a pacificação da relação intersubjetiva lesada e o asseguramento do

status quo ante por uma prestação voltada à sociedade.

Nessa ótica, não se exige do lesante, frente à sociedade, uma prestação

patrimonial, mas uma prestação não patrimonial, que atenue os efeitos do evento danoso

ocasionado por sua violação do geral de proteção.

Por tudo isso, compreende-se que a reparação, no contexto da sociedade de risco,

rompe com o modelo patrimonialista até então observado e promove própria

(des)patrimonialização da reparação, baseando-se em pressupostos diversos, quais sejam: i)

enfoque no dano; ii) tutela prioritária da vítima à luz do Princípio da Dignidade da Pessoa

Humana; iii) pressuposto ético no Princípio da Solidariedade Social; iii) prioridade na

prevenção dos danos; iv) protagonismo do Princípio da Reparação Integral.

Page 53: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

53

REFERÊNCIAS

ÁGUILA, Ramón Domínguez. Los límites al principio de reparacion integral. Revista Chilena de Derecho Privado. n. 15, p. 9-28, 2010. Disponível em: <https://scielo.conicyt.cl/scielo.php?pid=S0718-80722010000200001&script=sci_arttext&tlng=n> Acesso em: 10 feb. 2020.

BAGATINI, Júlia; ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. A responsabilidade civil à luz da solidariedade de risco: constituindo um direito de danos. Seminário Internacional Demandas Sociais e Políticas Públicas na Sociedade Contemporânea - Mostra Internacional de Trabalhos Científicos. 2016. Disponível em: <https://online.unisc.br/acadnet/anais/index.php/sidspp/article/view/15761> Acesso em: 22 fev. 2020.

BALBINO, Thamara Estéfane Martins; BRASIL, Deilton Ribeiro. Responsabilidade Civil e Sociedade de Risco: uma releitura no contexto do direito dos desastres. Revista Direito UFMS. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. v. 3, n. 2, p. 261-279, 2017. Disponível em: <https://periodicos.ufms.br/index.php/revdir/article/view/4168> Acesso em: 22 fev. 2020.

BARBOSA, Caio César do Nascimento; GUIMARÃES, Glayder Daywerth Pereira; SILVA, Michael César. A eficácia do disgorgement of profits na contenção de ilícitos. In: BRAGA NETTO, Felipe Peixoto; SILVA, Michael César. (coord.). Direito Privado e Contemporaneidade: desafios e perspectivas do direito privado no século XXI. vol. três. Indaiatuba: Editora Foco, 2020a, p. 125-144.

BARBOSA, Caio César do Nascimento; GUIMARÃES, Glayder Daywerth Pereira; SILVA, Michael César. Contenção de ilícitos lucrativos no Brasil: o disgorgement of profits enquanto via restitutória. Revista Direito da Responsabilidade. Coimbra. ano 2, p. 517-542, 2020b. Disponível em: <https://revistadireitoresponsabilidade.pt/2020/contencao-de-ilicitos-lucrativos-no-brasil-o-disgorgement-of-profits-enquanto-via-restitutoria-caio-cesar-do-nascimento-barbosa-glayder-daywerth-pereira-guimaraes-michael-cesar-silva/> Acesso em: 03 jun. 2020.

BARRETTO, Vicente de Paulo. Fundamentos Filosóficos da responsabilidade jurídica. In: LEAL, Pastora do Socorro Teixeira (coord.). O Direito Civil constitucional e outros estudos em homenagem ao Prof. Zeno Veloso. São Paulo: Método, 2014,

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

BECK, Ulrich. Sociedade de Risco: rumo a uma outra modernidade. São Paulo: Editora 34, 2010.

BERNARDO, Wesley de Oliveira Louzada. O princípio da dignidade da pessoa humana e o novo direito civil: breves reflexões. Revista da Faculdade de Direito de Campos. a. VII, n. 8, 2006. Disponível em: <https://core.ac.uk/download/pdf/16012780.pdf> Acesso em: 01 jun. 2020.

BODIN DE MORAES, Maria Celina. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Processo, 2017.

Page 54: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

54

BODIN DE MORAES, Maria Celina. Revista IBERC. v. 1, n. 1, 2018, p. 1-24. Disponível em: <https://revistaiberc.responsabilidadecivil.org/iberc/article/view/4> Acesso em: 18 dez. 2019.

BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. A dimensão preventiva da responsabilidade civil. In: BRAGA NETTO, Felipe Peixoto; SILVA, Michael César (Org.). Direito privado e contemporaneidade: desafios e perspectivas do direito privado no século XXl. Belo Horizonte: D'Plácido, 2014a, p.75-91.

BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. Teoria dos ilícitos civis. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2014b.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acesso em: 25 jun. 2020.

BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 01 jul. 2020.

BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm> Acesso em: 26 jun. 2020.

BRASIL. Lei nº 13.188, de 11 de novembro de 2015b. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13188.htm> Acesso em: 01 jul. 2020.

CARVALHO, Luís Fernando de Lima. As funções da responsabilidade civil: as indenizações pecuniárias e a adoção de outros meios reparatórios. 2013. 255 f. Tese (Doutorado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, São Paulo. Disponível em: <https://tede2.pucsp.br/handle/handle/6241> Acesso em: 01 jul. 2020.

CATALAN, Marcos. A morte da culpa na responsabilidade contratual. 2011. 347 f. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito. Universidade de São Paulo. São Paulo, São Paulo. Disponível em: <https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2131/tde-03092012-144625/publico/TESE_DE_DOUTORAMENTO_MARCOS_JORGE_CATALAN_VERSAO_COMPLET.pdf> Acesso em: 01 jul. 2020.

CJF, Conselho de Justiça Federal. Enunciado 379 da IV Jornada de Direito Civil. 2006. Disponível em: <http://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/517> Acesso em: 09 maio 2020.

CJF, Conselho da Justiça Federal. Enunciado 456 da V Jornada de Direito Civil. 2012. Disponível em: <https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/403> Acesso em: 14 abr. 2020.

CJF, Conselho da Justiça Federal. Enunciado 589 da VII Jornada de Direito Civil. 2015. Disponível em: <https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/834> Acesso em: 14 abr. 2020.

Page 55: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

55

CULHANE, John G. Tort, compensation, and two kinds of justice. Rutgers Law Review. v. 55, p. 1027-1107, 2003. Disponível em: <https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1367743> Acesso em: 10 abr. 2020.

DAUD, Fuad José. Restitutio in integrum nos danos imateriais: dano moral subjetivo, dano biológico e dano existencial. In: DONINI, Rogério; ZANETTI, Andrea Cristina. (coord.). Risco, dano e responsabilidade civil. Salvador: JusPODVM, 2018, p. 161-184.

EHRHARDT JÚNIOR, Marcos. Responsabilidade civil pelo inadimplemento da boa-fé. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum. 2017.

FACHIN, Luiz Edson. Responsabilidade civil contemporânea no Brasil: notas para uma aproximação. 2010. Disponível em: <http://www.bdr.sintese.com/AnexosPDF/RJ%20397%20-%20Doutrina%20Civil.pdf> Acesso em 4 jun. 2020

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson; BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. Novo Tratado de Responsabilidade Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

FERREIRA, Keila Pacheco. Responsabilidade Civil Preventiva: função, pressupostos e aplicabilidade. 2014. 273 f. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito. Universidade de São Paulo. São Paulo, São Paulo. Disponível em: <https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2131/tde-27102016-092601/publico/Tese_Corrigida_Integral_Keila_Pacheco_Ferreira.pdf> Acesso em: 01 jul. 2020.

FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. Imputação sem nexo causal e a responsabilidade por danos. 2013. 275 f. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito. Universidade Federal do Paraná. Curitiba, Paraná. Disponível em: <https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/31777/R%20-%20T%20-%20PABLO%20MALHEIROS%20DA%20CUNHA%20FROTA.pdf?sequence=1&isAllowed=y> Acesso em: 01 jul. 2020.

FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. Responsabilidade Civil por danos e a superação da ideia da responsabilidade civil: reflexões. In: ROSENVALD, Nelson; MILAGRES, Marcelo (Coords.). Responsabilidade Civil: Novas Tendências. Indaiatuba: Foco Jurídico, 2017, p. 211-227.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil – Responsabilidade Civil, vol. 3, 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.

GARRIDO, Diego Alejandro Sandoval. Reparación integral y responsabilidad civil: el concepto de reparación integral y su vigencia en los daños extrapatrimoniales a la persona como garantía de los derechos de las víctimas. Revista de Derecho Privado. n. 25, p. 235-271, 2013. Disponível em: <https://revistas.uexternado.edu.co/index.php/derpri/article/view/3602> Acesso em: 4 abr. 2020.

GIANCOLI, Brunno Pandori. Função punitiva da responsabilidade civil. 2014. 192 f. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito. Universidade de São Paulo. São Paulo, São Paulo. Disponível em: <https://teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2131/tde-11022015-123351/pt-br.php> Acesso em: 01 jul. 2020.

Page 56: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

56

GOLDBERG, John. C. P. Two Concepts of Tort Damages: Fair v. Full Compensation. DePaul Law Review. v. 55, n. 2, p. 435-468, 2006. Disponível em: <https://via.library.depaul.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1351&context=law-review> Acesso em: 10 jun. 2020.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. v. 4, 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.

GUIMARÃES, Glayder Daywerth Pereira; SILVA, Michael César. Fake News à luz da responsabilidade civil digital: o surgimento de um novo dano social. Revista Jurídica da FA7. Centro Universitário 7 de Setembro, v. 16, n. 2, p. 99-114, 2019. Disponível em: <https://periodicos.uni7.edu.br/index.php/revistajuridica/article/view/940> Acesso em: 01 jul. 2020.

GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa; DIAS, Maria Tereza Fonseca. (Re)pensando a pesquisa jurídica: teoria e prática. 3ª. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.

HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade pressuposta. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.

KOKKE GOMES, Marcelo. Responsabilidade Civil: Dano e defesa do consumidor. Belo Horizonte: DelRey, 2001.

LIMA MARQUES, Cláudia. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

LOPES, Othon de Azevedo. Dignidade da pessoa humana e responsabilidade civil. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, v. 238, p. 207-236, 2004. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/44080> Acesso em: 01 jul. 2020.

LOPEZ, Tereza Ancona. Responsabilidade civil na sociedade de risco. Revista da Faculdade de Direito. Universidade de São Paulo, v. 105, p. 1223-1234, jan. 2010. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/67932> Acesso em: 01 jul. 2020.

LUTZKY, Daniela Courtes. A necessidade de um verdadeiro olhar constitucional sobre a ação de reparação de danos imateriais Revista IBERC. v. 2, n. 1, 2019, p. 1-28. Disponível em: <https://revistaiberc.responsabilidadecivil.org/iberc/article/view/22> Acesso em: 15 jan. 2020.

MENDES, José Manuel. Obituário: Ulrich Beck: a iminência do social e a sociedade de risco. Revista Análise Social. Universidade de Lisboa. v. L, n. 214, p. 211-215, 2015. Disponível em: <http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0003-25732015000100012> Acesso em: 01 jul. 2020.

MENEZES, Joyceane Bezerra de; COELHO, José Martônio Alves; BUGARIM, Maria Clara Cavalcante. A expansão da responsabilidade civil na sociedade de risco. Revista Scientia Iuris. Universidade Estadual de Londrina. v. 15, n. 1, p. 29-50, 2011. Disponível em:

Page 57: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

57

<http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/iuris/article/view/7948/8871> Acesso em: 01 jul. 2020.

MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo. Limites ao princípio da reparação integral no direito brasileiro. Revista Civilistica. a. 7, n. 1, p. 1-25, 2018. Disponível em: <http://civilistica.com/wp-content/uploads1/2018/05/Monteiro-Filho-civilistica.com-a.7.n.1.2018-2.pdf> Acesso em 03 jun. 2020.

NADER, Paulo. Curso de Direito Civil: Responsabilidade Civil. v. 7, 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. Atual. Gustavo Tepedino. 12. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2018.

ROCHA, Anacélia Santos et al. O dom da produção acadêmica: manual de normalização e metodologia da pesquisa. Belo Horizonte: Escola Superior Dom Helder Câmara, 2017. Disponível em: <http://domhelder.edu.br/uploads/pesquisa/domdaproducaoacademica.pdf>. Acesso em: 19 de novembro de 2019.

ROSENVALD, Nelson. As funções da Responsabilidade Civil: a reparação e a pena civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

ROSENVALD, Nelson; BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. Responsabilidade civil e solidariedade social: potencialidades de um diálogo. In: Alexandre Dartanhan de Mello Guerra. (Org.). Estudos em homenagem a Clóvis Beviláqua por ocasião do centenário do Direito Civil Codificado no Brasil. São Paulo: Escola Paulista da Magistratura, 2018, v. 1, p. 393-417.

ROSENVALD, Nelson. Um possível conceito de responsabilidade civil. Revista IBERC. v. 1, n. 1, 2019a, p. 1-4. Disponível em: <http://revistaiberc.responsabilidadecivil.org/iberc/articl e/view/3/2> Acesso em: 15 nov. 2019.

ROSENVALD, Nelson. Responsabilidade Civil: compensar, punir e restituir. Revista IBERC. v. 2, n. 2, 2019b, p. 1-9. Disponível em: <http://revistaiberc.responsabilidadecivil.org/iberc/article/view/48/40> Acesso em: 15 abr. 2020.

SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. O princípio da reparação integral e o arbitramento equitativo da indenização por dano moral no código civil. In: MARTINS-COSTA, Judith. (coord.). Modelos de Direito Privado. São Paulo: Marcial Pons, 2014, p. 423-452.

SCHREIBER, Anderson. Novas tendências da responsabilidade civil brasileira. 2007. Disponível em: <http://www.andersonschreiber.com.br/downloads/novas_tendencias_da_responsabilidade_civil_brasileira.pdf> Acesso em: 10 abr. 2020.

SCHREIBER, Anderson. Reparação não pecuniária dos danos morais. In: TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luiz Edson (coord.). Pensamento Crítico do Direito Civil Brasileiro. Curitiba: Editora Juruá, 2011.

Page 58: tede.domhelder.edu.brtede.domhelder.edu.br/bitstream/tede/53/6/Glayder D. P... · Web viewDOM HELDER ESCOLA DE DIREITOGRADUAÇÃO E PÓS GRADUAÇÃO Glayder Daywerth Pereira Guimarães

58

SCHREIBER, Anderson. Direito Civil e constituição. São Paulo: Atlas, 2013.

SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2015.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

SOUZA, Fábio Gaspar de. A reparação não pecuniária do dano extrapatrimonial – racionalidade, efetividade e coerência. Revista da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. São Bernardo do Campo, v. 23, n. 2, p. 2017. Disponível em: <https://revistas.direitosbc.br/index.php/fdsbc/article/view/912/761> Acesso em: 22 maio 2020.

TARTUCE, Flávio. Manual de Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2018.

TERRA, Aline de Miranda Valverde; GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz. A repersonalização do direito civil e suas repercussões na responsabilidade civil. In: EHRHARDT JÚNIOR, Marcos; CORTIANO JUNIOR, Eroulths (coord.). Transformações no direito privado nos 30 anos de constituição: estudos em homenagem a Luiz Edson Fachin. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 473-p. 494.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Obrigações e Responsabilidade Civil. v. 2, 12. ed. São Paulo: Atlas, 2017.

WALD, Arnaldo; GIANCOLI, Brunno Pandori. Direito Civil: Responsabilidade Civil. v. 7, 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

WIJCK, Peter Van; WINTERS, Jan Kess. The Principle of full compensation in tort law. European Journal of Law and Economics. v. 11, n. 3, p. 319-332, 2001. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/226750003_The_Principle_of_Full_Compensation_in_Tort_Law> Acesso em: 22 jun. 2020.

WITKER, Jorge. Como elaborar una tesis en derecho: pautas metodológicas y técnicas para el estudiante o investigador del derecho. Madrid: Civitas, 1985.