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Teoria do Escoamento Compressivel J. R. Simões Moreira 53 AULA 4 - REFLEXÃO DE UMA ONDA DE CHOQUE Suponha uma onda de choque oblíqua incidente sobre uma parede plana no ponto B. Para satisfazer a condição de que as linhas de corrente devem ser paralelas à superfície sólida, a onda de choque deve ser refletida em um ângulo tal que o paralelismo seja satisfeito, como esquematizado na figura abaixo. Veja figura A onda de choque criada no ponto A atinge a parede plana no ponto B. As linhas de corrente no campo ”2”são inclinadas do ângulo . Em “B”, a onda de choque deve ser refletida de forma tal que a condição de paralelismo à parede plana das linhas de corrente da região “3” seja satisfeita. Note que: (1) As propriedades do campo “2” estão unicamente determinadas a partir de M 1 e do canto que originou a onda de choque obliqua no ponto A. (2) Porque M 2 < M 1 , a intensidade da onda de choque incidente na parede plana é diferente da intensidade da onda de choque que é refletida. Isto significa que o ângulo de reflexão é diferente do ângulo de incidência 1 (veja esquema da figura acima). Portanto, conclui-se que a reflexão de uma onda de choque não é especular!

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Teoria do Escoamento Compressivel J. R. Simões Moreira 53

AULA 4 - REFLEXÃO DE UMA ONDA DE CHOQUE

Suponha uma onda de choque oblíqua incidente sobre uma parede plana no ponto B. Para

satisfazer a condição de que as linhas de corrente devem ser paralelas à superfície sólida, a

onda de choque deve ser refletida em um ângulo tal que o paralelismo seja satisfeito, como

esquematizado na figura abaixo. Veja figura

A onda de choque criada no ponto A atinge a parede plana no ponto B. As linhas de

corrente no campo ”2”são inclinadas do ângulo . Em “B”, a onda de choque deve ser

refletida de forma tal que a condição de paralelismo à parede plana das linhas de corrente

da região “3” seja satisfeita.

Note que:

(1) As propriedades do campo “2” estão unicamente determinadas a partir de M1 e

do canto que originou a onda de choque obliqua no ponto A.

(2) Porque M2 < M1, a intensidade da onda de choque incidente na parede plana é

diferente da intensidade da onda de choque que é refletida. Isto significa que o

ângulo de reflexão é diferente do ângulo de incidência 1 (veja esquema da

figura acima). Portanto, conclui-se que a reflexão de uma onda de choque não é

especular!

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Teoria do Escoamento Compressivel J. R. Simões Moreira 54

Exemplo resolvido

Considere um escoamento supersônico de M1 = 2,5, pressão de 1 bar e temperatura de 350

K. O escoamento passa por um canto e é defletido de 14º. A onda de choque oblíqua

produzida é refletida numa parede horizontal como indicado na figura da página anterior.

Calcule o ângulo de reflexão , o número de M3, pressão e temperatura atrás da onda

refletida (campo “3”).

Da tabela D.3 (Thompson) ou da relação --M (eq. 3.20) para M1=2,5 e

=14º º87,351

Da (eq. 3.14) 47,1465,187,35sen 5,2sen 1111 NN MMM

Da tabela D.2 para MN1=1,47

300,1

354,2

712,0

1

2

1

2

2

TT

PP

M N

Da eq. (3.19)

90,191,11487,35sen

712,0

)sen( 1

2

2

NMM

Da tabela D.3 para 90,12 M e º55,4614 2

Seja M’N2 a componente normal de M2 em relação à onda refletida.

Então, 55,46sen90,1sen 22

'

2 MM N ou 38,1'

2 NM

Da tabela D.2 38,11

2 NM

242,1

055,2

7483,0

2

3

2

3

3

TT

PP

M N

39,139,1

1455,46sen

7483,0

sen3

2

3

3

MM

M N

barPPP

P

P

PP 84,41354,2055,2 31

1

2

2

3

3

K 1,565311

2

2

33 TT

TT

TT

T 55,321455,462

para facilitar o uso das

tabelas do Thompson

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Teoria do Escoamento Compressivel J. R. Simões Moreira 55

INTERSECÇÃO DE ONDAS DE CHOQUE DE DIFERENTES FAMÍLIAS

Considere a intersecção de duas ondas de choque de intensidades distintas, isto é,

produzidas por diferentes ângulos de deflexão.

As ondas de choque A e B encontram-se no ponto E, ao se cruzarem, sofrem uma pequena

deflexão. Note que as linhas de corrente 1 e 2 passam por ondas de choque de

intensidades diferentes. Isto faz com que elas produzam os campos 4 e 4’ que são também

de características distintas. Para satisfazer esta desigualdade, uma linha de escorregamento

é criada separando os dois campos 4 e 4’.

As seguintes condições devem ser satisfeitas através da linha de escorregamento.

(1) A pressão em ambos os lados devem ser iguais P4=P’4.

(2) As velocidades devem ser na mesma direção (não necessariamente de mesma

magnitude)

Estas duas condições em conjunto com M1 e 2 e 3 determinam completamente os

campos 4 e 4’.

Temperatura, densidade, entropia e velocidade são diferentes através da linha de

escorregamento.

Veja exemplo 7.9 do Thompson (pg. 343)

Outro nome dado à linha de escorregamento é o de superfície de contato.

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Teoria do Escoamento Compressivel J. R. Simões Moreira 56

INTERSECÇÃO DE ONDAS DE CHOQUE DE MESMA FAMÍLIA

Se duas ondas de choque são produzidas sucessivamente na mesma parede, então uma

configuração semelhante a da figura abaixo será obtida.

As duas ondas de choque AO e BO vão se juntar no ponto O e formar uma única onda de

choque OC. Esta geometria é diferente do caso anterior em que as ondas de famílias

distintas se cruzavam. (veja item 4.9 do Anderson para mais detalhes). Por causa que uma

linha de corrente que passa pelas ondas AO e BO (2) experimenta uma variação de

pressão diferente do que a linha de corrente 1 que passa através da onda OC, um reflexão

fraca OE é produzida a fim de que as pressões sejam equalizadas através da linha de

escorregamento. Esta reflexão fraca pode tanto ser uma onda de expansão ou de

compressão dependendo da geometria e do valor de M1.

Novamente, as condições (1) e (2) devem ser satisfeitas através da linha de

escorregamento.

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Teoria do Escoamento Compressivel J. R. Simões Moreira 57

REFLEXÃO DE MACH

Já foi visto que quando uma onda de choque incide sobre um canto ou cunha com ângulo

de deflexão (giro) maior que max para o dado Mach de incidência, uma onda de choque

curva será formada, ao invés da onda de choque oblíqua reta iniciada junto à extremidade

da cunha ou canto. Agora, o que acontece se ângulo de deflexão for menor que max para

M1, porém maior que max para M2? Isto está ilustrado na figura abaixo.

A geometria resultante da onda de choque refletida não será mais uma reta, como estudado

até o presente. Na verdade, observa-se que uma onda de choque quase-normal é formada

próximo a parede. Atrás dessa onda o escoamento se torna subsônico (M<1) e uma linha de

escorregamento é formada para separar a região subsônica da região supersônica do

escoamento. Um ponto triplo é formado junto as três ondas de choque. A posição e as

condições desse ponto triplo não podem ser determinadas de imediato. A solução

(numérica) depende das condições à jusante do escoamento. Técnicas numéricas devem ser

empregadas (vide Anderson).

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Teoria do Escoamento Compressivel J. R. Simões Moreira 58

DESCOLAMENTO DA ONDA DE CHOQUE

Até o presente momento estudou-se onda de choque oblíqua na qual esta permanecia

colada ao canto ou cunha, isto é, casos em que < max para um dado M1. Suponha agora

casos em que > max. Neste caso, a onda de choque vai se descolar e se curvar à frente do

corpo como ilustrado abaixo para uma cunha e um corpo bojudo, ambos com > max.

Note que, nesta situação, a cunha se comporta como um corpo bojudo do ponto de vista do

escoamento.

As seguintes observações são válidas para a geometria da próxima página.

Num corpo bojudo (ou cunha) com > max, uma onda de choque curva é formada a uma

distância em frente desse obstáculo. O ponto “a” corresponde à solução da onda de

choque normal, a qual traz o escoamento para a condição subsônica. Na medida que se

afaste do ponto “a”, inclinação da onda de choque tende ao ângulo de Mach e a onda de

choque se torna cada vez menos “intensa”, o que ocorre num ponto distante ”e”. Todas as

possíveis soluções para um dado M1 no diagrama --M são obtidas. Acompanhando a

figura à direita da próxima página, o ponto “a” (isto é, = 0o e = 90

o) corresponde à

solução normal. Um ponto “b” na parte superior do diagrama corresponde à solução

intensa, onde o escoamento é subsônico. Na medida que se afasta de “a”, uma inclinação

máxima das linhas de corrente é obtida em “c” (max), porém a solução de maior

intensidade ainda é obtida e M2<1.

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Teoria do Escoamento Compressivel J. R. Simões Moreira 59

Fonte: Anderson (1990)

A condição sônica é obtida em c’ e, a partir deste ponto, todas as soluções serão

supersônicas, isto é, d e e .

Assim, o campo de velocidades atrás de uma onda de choque curva sobre um corpo bojudo

é uma mistura de soluções subsônicas e supersônicas, separadas pela linha sônica de M=1.

A forma e a distância de deslocamento da onda de choque curva, além do campo de

velocidades, requer solução numérica. Até o final da década de 50, a distância de

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Teoria do Escoamento Compressivel J. R. Simões Moreira 60

deslocamento era conhecida apenas através de medições experimentais, ocasião em que foi

escrito o livro de Liepmann e Roshko (1957).

Como nos informa Anderson, só mais tarde com o desenvolvimento de métodos

computacionais é que o problema começou a ser resolvido. A próxima figura apresenta

alguns dados experimentais disponíveis na época em que Liepmann e Roshko escreveram

seu livro clássico.

Fonte: Liepmann e Roshko (1957)

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Teoria do Escoamento Compressivel J. R. Simões Moreira 61

ONDAS DE EXPANSÃO DE PRANDTL – MEYER

Quando um escoamento supersônico encontra um canto côncavo, uma onda de choque

oblíqua é formada, como estudado acima. Entretanto, se o canto for convexo, uma região

de expansão do escoamento será obtida.

As seguintes observações foram obtidas de Anderson:

1. M2>M1. Consequentemente, um canto de expansão acelera o fluido.

2. 11

2 P

P ; 1

1

2

; 1

1

2 T

T. Pressão, densidade e temperatura diminuem ao longo

de um canto de expansão.

3. A região de expansão é limitada à esquerda pela onda de Mach frontal

1

11

Marcsen e à direita pela onda traseira

2

21

Marcsen . A região é

formada por uma quantidade infinita de ondas de Mach, as quais são chamadas de

“leque de expansão” (“expansion fan”).

4. Linhas de correntes são contínuas, suaves e curvas.

5. A expansão é isoentrópica.

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Teoria do Escoamento Compressivel J. R. Simões Moreira 62

Através de geometria e relações trigonométricas (vide Anderson), pode-se chegar à

seguinte equação diferencial para a região de expansão.

V

dVMd 12 (4.1)

Note que esta equação é válida para qualquer fluido e condições de escoamento.

Especializando para gás perfeito com constante, tem-se que:

M

dM

MV

dV

2

2

11

1

(4.2)

Substituindo em (4.1), tem-se

C

M

dM

M

Md

2

2

2

11

1

a integral acima é a função de Prandtl – Meyer e recebe o símbolo (M). Note (M) é

função somente do número de Mach (para const.), de forma que o resultado desta

integral é:

111

1

1

1)( 22

MarctgMarctgM

(4.3)

a constante de integração C é escolhida tal que 0)( M quando M=1. Assim,

122 MM (4.4)

A função de Prandtl – Meyer encontra-se tabelada nas referências citadas. O valor máximo

de é obtido quando M , cujo limite vale:

1

1

1

2max

(radianos)

para 4,1 º46,130max

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Teoria do Escoamento Compressivel J. R. Simões Moreira 63

TEORIA DAS ONDAS DE EXPANSÃO (Liepman e Roshko)

Até o presente estudou-se, em separado, ondas de choque oblíquas e ondas de expansão.

Muitos problemas de escoamentos supersônico podem ser resolvidos analisando em

separado cada um dos fenômenos.

Considere um aerofólio no formato de um diamante, como ilustrado abaixo juntamente

com a curva de distribuição de pressão sobre o mesmo.

A onda de choque comprime o fluido de P1 até P2. Em seguida o fluido experimenta uma

expansão até P3 e, finalmente, o fluido é novamente comprimido até P4 (que é aprox. P1)

via uma onda de choque. Devido a diferença distribuição de pressões nos campos 2 e 3,

uma nova forma de arrasto é produzida. Trata-se de um arrasto de onda supersônica, dado

por:

32 PPD (4.5)

Na forma da eq. (4.5), o arrasto está dado por unidade de comprimento do aerofólio. Note,

que este arrasto ocorre em escoamento invíscido e não está associado nem com os

fenômenos de descolamento ou de atrito.

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Teoria do Escoamento Compressivel J. R. Simões Moreira 64

O próximo exemplo refere-se a um aerofólio curvo.

O terceiro exemplo apresenta uma placa plana com ângulo de ataque 0 . Na parte superior

o escoamento sofre uma expansão, enquanto que na parte inferior, ele sofre compressão.

Neste caso, ocorrem tanto a presença de forças de sustentação L e de arrasto, dadas por:

L = (P’2 – P1) C cos 0, e (4.6a)

D = (P’2 – P1) C sen 0 (4.6b)

onde C é o comprimento da placa (corda)

Uma vez que linhas de corrente acima e abaixo experimentam diferentes variações de

propriedades, uma linha de escorregamento é formada na borda de saída.