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8/19/2019 Teoria Geral Do Processo_0001
1/11
TEORIA
GERAL DO PROCESSO
que estão comprometidos
,,>5H ^ir*ç,.>^K,>.;.iw.j- .̂ -B.-V»-,.̂ .-.: .
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. ~ - ....
•set̂ ^^wíTEif
noyâflSiaíta: do Processa. Jctdo esse estudo vem
efe-
|í̂ %tem;pféh»e^n§ruêpiòa;com o Novo €PC,
recentemente
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î̂ \̂Te9R ̂á í̂0efS^%'e0n£Eeteménte, y dos marcos teóricos
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estruturar feigras que podem dotar o
iRtqç0 ($ò de
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e respèitabitidadei;das garantias processuais
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Geral
do
Pro-
xesso
î ão ptescindedeium v̂mcursão na Teoria do Direito, o que é
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k«rrla
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•
dência;
pelas relaçõ
dèrtiais Poderes do
Estado (Legislativo
e
Executivo); pelas concepções
,
V QVJW
8/19/2019 Teoria Geral Do Processo_0001
2/11
pítulo
NOÇÕES
I N T RODUT Ó RI S
A
experiência
inglesa recolhida
e sistematizada po r Montesquieu,
e as
revoluções americana (1776)
e francesa
(1789) romperam
o
núcleo
do
poder político implantando
o
princípio
da
separação
do s
Poderes.
Em
ve z
de um
centro
único
rei,
os
três
Poderes: o
Legislativo,
o
Executivo
e
o
Judiciário.
A o
Poder
Legislativo
atr ibuiu-se
a
função
de
elaboração
da s
leis, normas gerais e abstratas; ao Executivo, a administração do Estado;
ao Judiciário,
a jurisdição.
Nessa
linha de pen samento, o art. 2° da Con stituição de 1988: São
Poderes da
União, independentes
e
harmónicos entre
si, o
Legislativo,
o
Executivo
e o
Judiciário .
A Constituição refere-se também
a
três tipos
de
processo:
o
egislativo
(art. 5° e
ss.),
o
adm inistrativo
(arts. 5°, LV, e 41, § 1°) e o
judicia l (arts.
5°, LV, e
184
§ 3°).
É
comum restringir-se a
ideia
de processo ao judicial ou jurisdi-
cional,
c om
exclusão
d os
processos legislativo
e
administrativo.
É
nesse
sentido restrito que o a rt. 22 da Constituição estabelece competir priva-
tivamente à Un ião legislar sobre direito processual.
Objeto
do presen te estudo é o processo judicial, motivo por q ue po-
demos caracterizá-lo como método do Poder
Judiciário
para o exercício
da
jurisdição.
Do número incomensurável das normas e relações jurídicas
referi-
das à
convivência humana, destacam-se, assim,
a s
processuais.
E
porque
processo é,
aqui, método para
o
exercício
d a
jurisdição, podemos, desde
8/19/2019 Teoria Geral Do Processo_0001
3/11
T E O R I A
G E R A L PROCESSO •
Í
CONFORMIDADE C O M O N O V O
C PC
logo,
a f i r m a r a
p res en ça ,
na re lação ju r íd i ca
p r o ces s u a l,
de um
sujeito
necessário: um
juiz
ou t r ibunal, detentor do poder jurisdicional.
Assim, ao di reito processual-jurisdicional correspon de a re lação ju-
rídica processual ,
c a ra c te r i za da
p e l o j u i z co m o p r e s e n ç a e p e la ju r i s d ição
co m o final idade.
'
l. RELAÇÃO JURÍDICA PROCESSUAL
O Direi to não existe senão p ara regular o convívio, isto é, p ara r e-
gular
relações
intersubjetivas ou
interpessoais . Têm-se, pois , duas ideias
correlatas: a de
Direito,
como con jun t o de n orm as ju r íd icas , e a de r e lação
jurídica, com o re lação i n t e rp es s oal
por ele
regulada.
Em geral,
reserva-se a
exp res s ão r e lação ju r íd i ca p ara aquelas
r e-
lações
interpessoais
que o
direi to regula m ediante
a
a t r ibuição,
a o
sujeito
ativo, de um
crédito (direito
a u m a
p res t ação
do
devedor )
ou de um
p o d e r
a que se submete o sujeito passivo (caso dos direitos formativos). Contudo,
não deixa de ser regulada pelo di rei to a s im ples relação interpessoal, em que
dois
sujeitos
s e
d e f r o ntam ,
t en do ap en as o mút uo dever de s e r es p e i ta r em
como seres
h uman os , e m que não há
p rop r i amen t e
n em
crédito
n em
p oder
de u m diante do out ro . Res p e i tan do a
tradição,
fa lare m os , n es s es cas os ,
de relações interpessoais
e não de
relações jurídicas, f icando,
n o
entanto,
subentendido que t ambém
elas
são reguladas pelo di rei to.
O
p roces s o é
um a
relaç ão jurídica.
U m a
re lação ju r íd i ca comp lexa:
um
autor, um juiz, um réu. O autor é credor da
sentença,
ou seja, tem direito
à prestação jur isdicional.
Ne ssa
re lação o ju i z se ap res en t a t an t o em
face
do a utor quanto
do réu
como t i tular
de um
p oder :
o
poder jurisdicional,
a
qu e
a m b o s
se
s ubmet em, haja
ou não colaboração .
1
'
2
Mas o processo é t a m b é m fato. M elh or : u m c on j un to de fatos, isto
é,
de
atos jurídicos prat icados
co m
vistas
a um f i m
determinado. Para
dis tinguir
o processo visualizado com o rela ção jurídica do processo vis-
1 Sobre
a colaboração,
c o n f i r a - s e
MITIDIERO, Daniel. C olaboração no processo
civil: pressupostos sociais, lógicos e éticos. São Paulo: RT, 2009. p. 63 e ss.
2
Com ar de
cooperação
vem o CPC/2015,
p o i s c o n f o r m e
o
art.
6°: Todos os
sujeitos do
p r o c e s s o d e v e m c o o p e r a r e n t r e
si para que se obtenha, em tempo
razoável, decisão de mérito justa e efetiva . Não nos parece que a cooperação
e n t r e p a r t e s
seja
algo
tão
singelo
de concretização, visto que cada um
busca
o
êxito
e m s u a
d e m a n d a ,
m a s a
co o p e r a ç ã o e n t r e
a s
p a r t e s
e o
ju i z , as s im
como
des te pa ra com aqueles se a f igura
possível
processualmente
falando.
ap l • NOÇÕES INTRODUTÓRIAS 3
to como con jun t o d e atos tendentes a um f im usa-se , no últ imo caso, a
expressão procedime nto .
C o m o fato jurídico, o processo pro duz e fei tos jurídicos, i s to é, t rans-
forma ç õe s j u r í d ic a s .
2.
ESTADOS
JURÍDICOS
F U ND AM ENTAIS
Tran s formação é mudan ça,
movimento,
d i n ami s mo. P ara que haja
t r an s formações
é
preciso
qu e
exista algo mutável, porque observar
um a
t r an s formação i mp l i ca comp arar
u m
antes
c o m u m
depois , considerados
estaticamente. Estática e dinâmica são dois contrários que se explicam
m u t ua m e n t e . N ã o s e c o m p r e e n d e um s e m s e c o m p r e e n d e r o o u t r o . P o r
isso,
a
análise
da s
transformações produzidas pelo processo deve part i r
do estudo dos estados jurídicos. Dada à impossibi lidade de estudá-los
todos, por sua
i men s a var i edade , vamos contentar-nos
com o
e x a m e
dos
es t ados ju r íd i cos fun dam en t a i s .
En f ren t amos
essa tarefa part indo
de
noções s ingelas para,
a final,
comp reen der
as
mais complexas.
De cada a to h u m a n o é p os s íve l p en s ar o s eu con t rá r i o :
m a t a r , n ão m a t a r;
~~
co m er , n ã o c o m e r ;
derrubar a árvore x, não derrubar a árvore x;
p a g a r
a
dívida
y, não
p agar
a
dívida
y;
dirigir
com
prudência, di r igi r im prudentem ente.
Assim, cada
a to
h um a n o
te m
variedade igual
a
dois.
Po r
out ro lado ,
um
h o m e m p o d e e s t a r sujeito
à
n orma ( ju r íd i ca ,
religiosa, moral
ou
técnica)
que lhe
prescreva
o que
deve fa ze r
ou não
fazer .
T a l
n o r m a
lhe
dirá
qu e
deve p ra t i car de t e rm i n ado
ato, ou que lhe é
proibido
fazê-lo,
o u
ainda,
silenciando,
permite prat icá-lo
ou
não.
A va-
r ied ad e ,
então, é igual a três:
1)
dever fazer, at o devi do p os i ti vo; 2) dever
não fazer, ato devido negat ivo, proibição; 3) ato perm it ido (não orde nado).
Pode-se observar
um se r e m
dois mom entos distintos,
qu e
p o d e m o s
ch amar de m o m e n t o l e de m o m e n t o 2 ou, m a i s s i m p l e s m e n te , de
antes
e
depois .
Tran s formação é a passagem de um ser do m o m e n to l p a r a o mo-
m e n t o
2,
c o m o
n o
caso
d o
p obre
q ue
enriquece.
Tra n s forma ç ã o é
diferença obs ervada.
S e a
diferença
é
igual
a zero,
diz-se
que a t r an s form ação é i dên t ica .
8/19/2019 Teoria Geral Do Processo_0001
4/11
TEORI GER L DO PROCESSO • EM CONFORMIDADE COM O
NOVO
CPC
A ideia de transformaç ão idêntica não im plica absurdo algum, em
primeiro lugar, porquanto a transformação importa em modificar-se
pelo menos a dimensão temporal; em segu ndo lugar, porque ap enas a
deficiência do ob servador é que o faz ver a identidade absoluta. A árvore
que
ontem estava aqui e continua ho je no m esmo lugar, na verdade, não
está no mesmo lugar, pois que, entrementes, a terra movimentou-se em
torno
do
sol.
Além
disso, transformação
é
símbolo convencional
de uma
ideia, e nada nos impede de convencionar que a ideia simbolizada pelo
sinal transformação seja suficientemente ampla para conter
a
espécie
transformação idêntica.
Um a transformação im portante, capaz
de ser
rejeitada pelo prin-
cipiante como uma nulidade , diz Ashby, é a transformação idêntica na
qual
não
ocorre mudança
e
cada transformado
é
igual
ao seu
operando .3
Essas
mesmas ideias são expostas por Carnelutti, embora em uma
linguagem diversa:
... o
fato
resolve-se numa m ultiplicidade de situações, a primeira
e a
última
d as qualidades pod em cham ar-se (...) situação inicial e situa-
ção
final.
E ntre uma e outra há um grupo mais ou menos num eroso de
situações
intermédias, que constituem o ciclo do fato. À situação inicial
dá-se
o
nome
de
princípio
do
fato. Este
é o
ponto
de
partida
d o
ciclo.
À
situação
final dá-se o nome de even to (...). Evento é p recisamente aquilo
que veio de qualquer coisa, e, por tal
razão,
a última situação, vinda d as
precedentes.
Para
que o grupo das situações, situação entre o princípio e o evento,
constitua um fato, ou melhor, para que duas situações con stituam respecti-
vamente o
princípio
e o
evento
de um
fato,
é
necessária, outrossim,
um a
ligação entre elas. Esta ligação a precisamente um a relação (...).
É assim que a noção de fato se resolve em dois elementos: situação e
relação.
E,
visto
que o
primeiro destes dois elementos
de nós já
conhecido,
convém
que observemos o segu ndo. Tra ta-se (...) de uma relação entre
situação e situação,
isto é,
de uma relação exterior à situação.
Pode suceder que as situações, ainda que mú ltiplas, formal e espa-
cialmente
sejam
idênticas e invariáveis. A coincidência forma l e espacial
entre o princípio e o evento não exclui o
fato.
É esta uma reflexão de
notável im portância para
a
teoria
da
realidade
e
para
a
teoria
do
direito.
ASHBY, W . Ross.
Um a
introdução
à
cibernética. São P aulo: Perspectiva, 1970
p. 17.
ap l • NOÇÕES INTRODUTÓRI S S
Na
verdade, tal coincidência não exclui a pluralidade da s situações e a sua
ligação,
que é uma
ligação puramente temporal.
A o fato que consiste em uma sucessão de situações idênticas, pro-
ponho que se chame
fato
temporal. Este é o primeiro tipo de fato e o
mais
simples. Se se atenta em que , em cada
fato,
do princípio ao evento
há sempre necessariamente qualquer coisa que muda, ou, em outros ter-
mos, qualquer coisa que devem, neste tipo o que m uda de situação para
situação é apenas a dimensão temporal. Este fato é, por tal motivo, um
fato a uma (única)
dimensão.
A expressão do
fato
pura men te temporal é o que se chama duração.
(...)
Entendo
que se
pode atribuir certa importância, para
a
teoria
do
direito,
ao reconhecimento de que a própria d uração é um
fato .
4
É
preciso distinguir, com rigor, o plano do s
fatos
(plano fático) do
plano
das
normas (plano jurídico
o u
normativo .
Um a
coisa
é
dever
fazer;
outra coisa
é fazer
efetivamente.
U ma
coisa
é
dever matar, outra coisa
é
matar.
Temos, portanto, necessidade
de não
apenas distinguir
o
antes
do
depois, como também de distinguir os planos
fático
e normativo.
Observe-se que
todo
fat'0
do
mundo
fático produ z
efeitos fáticos.
Até
mesmo uma declaração de vontade. Se escrita, garatujas em um pedaço
de
papel
são
efeitos
fáticos de
declaração.
Se
oral, seus efeitos fáticos
s ão
ondas
sonoras
percebidas pelos que ouvem e que, de algum modo, ficam
gravadas no
cérebro
dos
ouvintes.
São os
efeitos fáticos
dos
fatos jurídicos
qu e
po ssibilitam
a sua
prova,
o que é de
capital impo rtância para
o
Direito
e,
p articularmente, para
o
processo.
At é
aqui
no s
mantivemos
no
amplo campo
da s
normas
em
geral
(religiosas, morais, técnicas ou juríd icas). Para ingressa rmos no cam po
especificamente jurídico
é
preciso
que
passemos
a
considerar também
um
alter isto
é,
outro homem.
N ão
podemos mais
nos
contentar
em
observar
um homem diante de uma norma, contudo é preciso qu e consideremos
um homem em
face
de uma norma e d e outro homem.
Um homem, ainda que só, pode estar sujeito à norma religiosa,
técnica
o u
moral
que lhe
prescreva
o que
deve
e o que não
deve fazer.
O
direito, porém, regula relações interpessoais.
Portanto,
para
qu e
exista
norma jurídica (assim como para que exista norma de cortesia), é preciso
4 CARNE LUTTI, Francesco. Teoria
geral do
direito. Trad. Rodrigues Queiro. São
Paulo:
Sa raiva, 1942. p. 54-7.
8/19/2019 Teoria Geral Do Processo_0001
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6 TEORI GER L DO PROCESSO • EM CONFORMIDADE COM O
NOVO
CPC
qu e exista outro
e,
entre ambos, uma relação. Por isso, um hom em só não
pode
estar sujeito à norma urídica .
De
qu e
modo regula
o
direito relações interpessoais?
Já o
sabemos:
proibindo, mandando ou permitindo que se pratiquem atos. Trata-se,
agora, de determinar os estados jurídicos fund amentais. Os elementos
com
qu e
devemos jogar são:
o
ato,
a
q ualificação
do ato
como
devido,
proibido
o u
permitido
e ,
finalmente,
o
outro.
Na p rimeira tentativa de caracterizarem-se os
estados
jurídicos
fundamentais, incidimos no mesmo erro de Çarnelutti: considerar, ao
mesmo
tem po, dois atos:
po r
exemplo,
a
faculdade
de
fazer, contraposta
ao correlativo dever
de não
impedi r ;
o
po de r
de
mand ar cont rapos to
a o
correlativo dever
de
obedecer .
5
Verificamos, posteriormente,
que é
mais
acertado considerar um único ato de cada vez. A análise ganha, assim,
maior precisão e unidad e.
Consideremos um ato determinado qualquer: o do carrasco que tem
o
dever
d e
matar outro homem , condenado
a
morrer
na
cadeira e létrica.
Cassiano
Ricardo consola
o
condenad o: "Teu eletrocutor será gentil; mais
que ge ntil. Exato.
E te
fará
mo r re r
tã o
amistosamente como quem
- num
jardim
-
colhe
uma
flor". Entretanto,
por
mais gentil
que
seja
o
ato, nin-
guém pode rá obscurecer o
fato
de que o conde nado é o sujeito passivo
do ato, ainda que (dirá algum ju rista) não exista relação jurídica entre o
condenado
o
eletrocutor.
Uma o utra hipótese: o autor, na execução, pede que o ju iz pratique o
ato
denominado
penhora Se
presentes
os
pressup ostos legais,
o
j u i z
te m
o dever
de
praticar
o
ato. Quem
o
pratica
é o
juiz (por
meio d o
oficial
de justiça). Quem sofre os efeitos do ato é o executado. Ma s existe aind a
um terceiro, que é o exequente , cujo interesse é tutelado pela norm a jurí-
dica que impõe ao juiz o dever de p raticar esse ato determinado que é a
penhora. N o caso antes considerado, de condenação à morte, o interesse
tutelado pela norm a
é o do
Estado
ou da
sociedade.
E
isso
no s
most ra
o caminho a seguir: nã o bas ta cons ide ra rem-se os dois sujeitos ativo e
passivo d o ato; é preciso ainda pon derar sobre a eventual existência de
um sujeito
cujo
interesse é tutelado pela norma qu e ordena, proíbe ou
permite
a
prática
do
ato.
2 Idem, p. 253 e ss.
Cap l
•
NOÇÕES
INTRODUTÓRIAS 7
A análise nos revela que, nos casos citados, nos encontramos diante
de estados urídicos complexos. Decom pondo-os, enco ntramos os estados
jurídicos fundamentais.
Ora, temos três sujeitos a conside rar: a) o sujeito ativo do ato: aquele
qu e deve ou que não deve praticar o ato ou a quem se pe rmi te a prática
do
ato;
b ) o
sujeito p assivo
do
ato: aquele
qu e
sofre
o s
efeitos fáticos
d a
ação ou omissão do sujeito ativo do ato; e, finalmente, c) o beneficiado:
aquele cujo interesse é tutelado pela norm a que ordena, proíbe ou perm ite
a
prática
do
ato.
Em
consequência,
também
temos três relações
a
consi-
derar: 1) a relação entre o sujeito ativo do ato e o sujeito passivo do ato;
2) a relação entre o suje ito ativo do ato e o beneficiad o; e, por último, 3)
a relação entre
o
sujeito passivo
do ato e o
beneficiado.
Prosseguindo
na análise, constatamos que
apenas
as
duas primeiras
dessas relações podem
se r
consideradas como correspond entes
a
estados
jurídicos fundam entais: primeiro
porque,
n a terceira relação, confronta-
mos o sujeito passivo do ato com o beneficiado, ficand o fora o sujeito ativo
do ato e,
portanto,
o
próprio ato;
e
segundo, porquanto
a
relação entre
o
sujeito
passivo do ato e o beneficiado não é senão um
reflexo
das outras
duas: corresponde, portanto,
a u m
estado jurídico derivado
O estado ju rídico do sujeito ativo do ato em
face
do sujeito passivo
do ato ou (o que é o
mesmo)
do
sujeito passivo
do ato em face do
autor
do ato é o estado de poder e sujeição. N ão importa que se trate de ato
permitido ou devido.
Em
suma:
a
referência
ao
estado
d e
po de r
e
sujeição apenas indica
a relação entre o sujeito ativo do ato e o seu sujeito passivo. Exemp los: o
eletrocutor
e m face d o
condenado
a
morte;
o
oficial
de
justiça perante
o
executado, cujos bens são penhorados; o devedor que paga a dívida diante
do credor que
sofre
os
efeitos
do ato, porque seu crédito se extingue com
o pagamento.
O es tado jur íd ico do sujeito ativo do ato em
face
do beneficiado ou
(o que é o
mesmo)
do
beneficiado
em face do
autor
d o ato é o
estado
de
crédito e débito Não se pode, aqui, cogitar de ato meramente permitido.
Necessariamente tem-se d ever. E o elemento que serve para caracterizar
esse estado jurídico
é o
interesse,
ta l
como
o
conceitua Çarnelutti:
Existindo entre os entes relações de complementaridade, é uma
manifestação da vida de que alguns são dotados tenderem a combinar-se
com os
entes complementares.
A
força vital
consiste
precisamente
em os
seres vivos possuírem estímulo para ta l combinação.
8/19/2019 Teoria Geral Do Processo_0001
6/11
TEORIA
G E R A L
DO
PROCESSO
•
Í CONFORMIDADE
CO M O NO V O CP C
O est ímulo age por via de uma sensação penosa por todo o tempo
em que se não
efetue
a combinação, e de uma
sensação agradável logo
que a
combinação
se
produza. Esta tendência pa ra
a
combinação
de um
ente vivo com um ente complementar é uma necessidade. A necessidade
satisfaz-se pela combinação. O ente capaz de
satisfazer
a necessidade é
um bem;
bonum
quod
beat
porque fa z bem. A capacidade de um bem
para
satisfazer
um a
necessidade
é a sua
utilidade.
A
relação entre
o
ente
que experimenta a necessidade e o ente que é capaz de
satisfazer
é o in-
teresse. O interesse é, pois, a ut i l idade especí fica de um ente para o utro
ente. O pão é sempre um bem, e por isso tem sempre ut i l idade, mas não
tem interesse para quem não tem fome, nem pensa vir a tê- la. Um ente
é
objeto de interesse na medida em que uma pessoa pense que lhe possa
servir; do contrário, é indiferente.
Daqui se deduz que pode haver
interesse
não apenas em ordem a uma
necessidade presente, m as também em ordem a uma
necessidade
futura.
E a existência d a necessidade pode resultar não só de uma sensação
como
de um a dedução. D e uma série de sensações de fome o homem tira um a
lei, com base na qual deduz que, se hoje não tem fom e, tê-la-á amanhã. A
existência
do interesse, relativamente às necessidades futuras, determina
aquela
aquisição de bens, além do limite das necessidades
presentes,
q ue
se chama poupa nça. Pode ajun tar-se ainda que a própria disponibilidade
de bens para as necessidades fu tu ras acaba por se tornar objeto de uma
necessidade: nisso reside o fundamento da avareza.
É esta a noção de interesse que deve ser empregue na construção da
teoria
do direito .
6
Credor ou beneficiado é aquele cujo
interesse
é tutelado pela norm a
jurídica que a outro imponha um dever
positivo
ou negativo; sujeito
ativo do ato é aquele q ue pratica ou não
pratica
o ato previsto em norma
jurídica mandamental ou permissiva; sujeito
passivo
do ato é aquele qu e
lhe
sofre
os efeitos.
N o
exemplo do carrasco, temos: o credor do ato (Estado ou socie-
dade), o eletrocutor e o condenado. Eis aí dois estados jurídicos funda-
mentais: do autor do ato em
face
do sujeito passivo do ato e do devedor
do
ato diante do credor, e, ainda, um estado jurídico reflexo ou derivado
existente entre o credor d o ato e o sujeito passivo do ato.
M e m ,
p . 79-80.
ap l
•
NOÇÕES
INTRODUTÓRIAS
Na maior parte dos casos , o interesse tutelado pela norma jurídica é
o
d o autor do ato ou o do sujeito passivo do ato, nã o havendo,
pois,
u m
terceiro a
considerar.
Existe ainda um terceiro estado jurídico fundam ental : a inexistência
de
relação jurídica. Assim como
o
zero
é
f u n d a m e n ta l
na
matemática,
assim a inexistência de relação jurídica deve, no d irei to, ser considerada
estado jurídico fundam ental .
São,
pois
estados
jurídicos
fundamentais:
a)
o
estado
de
poder
e
sujeição;
b) o estado de crédito e
débito;
c) o estado de inexistência de relação jurídica ou estado de liberdade .
Se
o
estado
é de
crédito
e
débito, tem-se
um ato
devido
d o
segundo
sujeito. Exclui-se
portanto,
a possibilidade de ser- lhe permit ido prat icá-
-lo ou não. Exclui-se também a
possibilidade
de ser o credor sujeito ativo
do ato.
Se o
estado
é de poder e sujeição, ao primeiro sujeito tanto pode
corresponder um
dever
como uma faculdade ou permissão.
Excluíra
possibilidade de ser o segundo sujeito
autor
d o ato.
A
ideia de relação jurídica implica algo que permanece através de
sucessivas t ransformações. Em outras palavras, sucedem-se di ferentes
estados jurídicos.
Tomemos,
para exemplificar,
u m
simples caso
de
acidente
de
trânsito.
João atropela e
fere Pedro:
a) o estado inicial, anterior a o atropelamento é o de liberdade ou
de inexistência de relação jurídica entre João e Pedro;
b) ocorrido o
atropelamento,
Pedro torna-se credor de
João,
para
quem surge o dever de indenizar;
c)
como João nã o paga, tem-se inadimplemento. Surge para Pedro
a pretensão isto é o poder de exigir o pagamento a que corres-
ponde a
sujeição
de
João;
d) Pedro exige o pagamento (exercício da pretensão). Voltamos ao
estado de crédito e
débito;
e) João
n ão
paga. Pedro adquire
um
novo poder:
o d e
obter coerci-
t ivamente
o
pagamento (ação
d e
direito material);
8/19/2019 Teoria Geral Do Processo_0001
7/11
1 TEORI GER L DO PRO ESSO • EM
CONFORMID DE
COM O
NOVO
CPC
f) Pedro vai ao Judiciário e obtém a satisfação de seu crédito (exercí-
cio da ação de direito material). Voltamos ao estado de liberdade
ou de
inexistência
de
relação jurídica.
Tenha-se presente
que um estado jurídico supõe sempre referência
a
um só e determinado ato.
Dos três estados jurídicos fundamentais, o de inexistência de relação
jurídica nã o
exige
maiores explicações. O de crédito e débito tem sido
largamente estudado pela doutrina. O de poder e sujeição, porém, não
foi
ainda suficientemente desenvolvido, razão por que lhe convém um
item
especial.
3 Ó US E DIREITO FOR MATIVO
Aulo Gélio (125-175) era jovem quando, pela primeira vez, os preto-
res o colocaram no número dos juizes, encarregando-o dos julgamentos
chamados privados. Consciente da nova responsabilidade, estudou (como
ele mesmo nos conta) os deveres do juiz, quer em livros escritos em
latim,
quer em
livros
escritos
e m
grego.
"Jovem
ainda, deixando
a s
fábulas
da
poesia e os movimentos da eloquência para subir ao tribunal, eu queria
aprender o s deveres de meu cargo na escola dos mestres mudos". No que
concerne às cerimónias legais, a Lei
Júlia
e os Comentários de Sabino
Masúrio e outros jurisconsultos lhe esclareciam devidamente. Entre-
tanto, esses livros
de
nada
lh e
serviram quanto
aos
conflitos
d e
razões
contrários com que se defrontou. Assim, por exemplo, encontrou-se em
inextrincável apuro quando
se
deparou
com o
seguinte caso:
um
homem
honrado, cuja boa-fé era pública e notória, cuja vida era inatacável, e
sobre
cuja
sinceridade não havia dúvida, reclamava ante se u tribunal
determinada quantia em dinheiro, proveniente de empréstimo que fizera
ao
réu, homem comprovadamente falso. Nem é preciso dizer que o réu
negava
a existência do débito... E não só: rodeado de numerosos parti-
dários, não cessava de exclamar que era necessário, conforme a lei, que o
autor provasse a existência d a dívida com documentos ou testemunhas.
E acrescentava que,
não
havendo sido produzida prova alguma, devia
ser
absolvido; que a boa ou má conduta das partes carecia de valor, já que se
tratava
d e dinheiro, e a s partes se encontravam diante de um
juiz
e não
diante de censores de costumes. Não sabendo como julgar a causa, Aulo
Gélio foi buscar conselho, inicialmente com seus amigos forenses. Ora,
tais amigos lhe deram a mesma resposta que lhe dariam os advogados e
juris tas de
hoje:
se o
autor
n ão
prova
a
existência
da
dívida,
o réu
deve
ap l • NOÇÕES INTRODUTÓRI S
11
ser absolvido. Todavia, Aulo Gélio não se conformou com a resposta.
Considerando aqueles dois homens, honrado
um e
pérfido
o
outro,
não
conseguia se decidir a julgar improcedente a ação. Dirigiu-se, então, a um
^ilósofo, Favorino, que lhe disse: "não se podendo esclarecer o litígio nem
por documentos, nem por
testemunhas,
deve o juiz procurar de que
parte
há
maior probidade;
e só se há
igualdade
no bem e no mal é que se
deve
dar fé a quem nega a dívida.
Ora,
no teu caso, não há testemunhas nem
documentos, mas tu afirmas que o demandante é um homem honrado,
ao passo que o réu é pérfido. Vai, pois, e dá razão ao demandante". Aulo
Gélio considerou esse conselho digno
de um
filósofo,
m as não o
seguiu.
Pareceu-lhe demasiadamente atrevida a conduta sugerida e não condizente
nem com sua idade, nem com a debilidade de seus conhecimentos. Não
tinha ânimo para contrariar os costumes estabelecidos. Parecia-lhe grave
condenar sem provas; de outro lado, não podia decidir-se a absolver o réu.
E
assim, diz Aulo Gélio, "jurei que o assunto não estava claro, ficando, em
consequência,
livre daquele julgamento" iuravi
mihi non liquere,
atque
ita
iudicatu
illo
solutus
sum).
7
No n liquet .
N ão
está
claro.
Essa expressão
é
usual
n a
ciência
do
processo para significar o que
hoje
não mais existe: o poder de o juiz não
julgar,
por não
saber como decidir.
Atualmente o juiz não pode deixar de julgar. Ainda que nada tenha
ficado provado; ainda que não saiba quem tem razão; ainda que não saiba
qual das partes é a vítima e qual o algoz; ainda que ignore qual das partes o
está
enganando,
o juiz tem o dever de julgar. Não sabe e, entretanto, deve
julgar como se soubesse. lgiudke decide
non perche sã m a
come
se
sapesse*
Quando
o
juiz
nã o
sabe como julgar,
por
falta
de
provas,
a lei
julga
por ele. Existe
uma
série
de
normas jurídicas
que
dizem
ao
juiz como deve
julgar quando
ele não
consegue apurar quem
tem
razão. Tais normas
são
as regras do
ónus
da prova. Diz a lei, por exemplo:
Juiz
- se o autor se afirma credor do réu e nada fica provado, absolve o réu
- se o réu
afirma
que era
devedor,
mas que já
pagou
a
dívida, nada
ficando provado, condena o réu
GÉLIO, Aulo.
Noches áticas.
Buenos Aires:
Europa-América,
1959, Livro XIV.
CARNELUTTI, Francesco. Direito e processo. Napoli: Morano, 1958.
p.
265.
8/19/2019 Teoria Geral Do Processo_0001
8/11
12
T E O R I A G E R A L
DO
P R O C E S S O E M CONFORMID DE OM O NOVO
CP C
Tais
regras
q ue
v i s am
a impedir o n on
liquet
s ão regras d o
ónus
da
prova em
sentido
objetivo. Se u destinatário é o juiz. Existem, quer s e trate
de processo dispositivo,
quer se trate de processo inquisitório. Nesse
sentido
é r egr a
relativa
a o
ó n us
da prova a norma de processo penal in
dúbio
pró
reo
.•
A s regras técnicas
nã o
impõem deveres: apenas dizem
o que é
neces-
sár io faze r para
se a t ingi r
certo
f i m .
A s s i m ,
po r
exemplo,
se
quero acender
a luz, preci so acionar o comutador.
A s
regras
do ónus da p r ova , embora tenham p or destinatário o j u i z ,
refletem-se sobre a s p a r te s .
R e f l e te m -se ,
contudo, n ão como regras ur ídi-
cas,
m a s
como
regras
técnicas:
o autor sabe qu e precisa provar a existência
da dívida para que o ju i z julgue procedentes os pedidos de sua ação; o
ré u
sabe qu e
deve
provar o pagamento para que o juiz acolha essa
de f e s a .
Tem-se , ass im, o conceito d e
ónu s
da prova em sentido subjetivo:
uma como q ue ca rga n a s costas or a de uma, ora de outra d a s partes; cada
um a d a s quais
sabe
do que necessita provar para vencer.
Se
o
juiz
tem o dever de
procurar
a
verdade processo inquisitório),
constitui
in iquidade
fazer-se re ca i r
sobre quaisquer da s partes a s conse-
quênc ias d o f racas so do
j u i z .
D a í afirmarem alguns que o ónus d a prova
em se ntido subjetivo) somente existe em processo dispositivo.
Se observarmos atentamente, veremos que o ónus da prova em
sentido
subjetivo) constitui para cada u m a d a s partes um poder a que
corresponde
a
sujeição
do juiz e da parte contrária: o poder de provar.
O autor,
em
processo
civil, t em o poder jurídico d e , querendo, provar
a
exis tênc ia d a
dívida.
O Ministério Público tem o poder que em f ace do
Estado é um dever) d e
provar
a
existência
do
crime.
S e fe i ta
essa prova,
surge para
o
juiz
o
dever
d e
j u lga r
procedente o pedido; n ão sendo
fe i ta ,
surge
para
o
juiz
o dever de
praticar
o ato
contrário, isto
é, o
dever
de
ju lgar
improcedente o
pedido.
O t rans formado é d i fe rente , c o n f o r m e seja ou não produzida a prova.
O autor, quando
é seu o
ó n us
d a
prova, encontra-se
na
situação
d e
poder
exercer efeito imediato n ão somente sobre o j u i z , m a s também
sobre o
réu.
Se prova,
torna-se credor
d a
sentença
d e
procedência,
d e-
vida pelo juiz e à qual f i cará suje i to o réu. Se não prova é o réu que se
t o r n a
credor
da
s e n te nça
d e i m p r o c e d ê n c i a , devida pelo juiz e à qual
f icará sujeito o
autor.
Os es tudos a que foi submetido o processo civil levaram à constata-
çã o
de que não
existe
ap e nas o ónus de
provar,
ma s
também
o de
alegar.
ap l
•
NOÇÕ ES
INTRODUTÓRI S 13
A s s i m , verbi gratia
é
preciso que o réu alegue, n o prazo l e ga l , a exceção
de incompetência relativa, se quiser que a causa seja processada n o foro
co m p e t e n t e . S e o r é u alega a exceção, torna-se credor do despacho devido
,
jpelo
j u i z , d e remessa d os autos a o juiz competente, a o qual f i ca
suje i to
o
autor;
s e não
alega
a
exceção,
é o
autor
que se
torna credor
de a to
devido
p e l o
j u i z ,
consistente
n o
dever
de não
remeter
os
autos
a
outro
j u i z ,
m a s
de processar e julgar e le mesmo a ação.
Fala - se
d e
ónus
di z Carnelutti, para
s i gn i f i ca r
q u e a s provas devem
s er produzidas pelas partes,
s em cuja
iniciativa
o juiz n ão
po de buscá-las
de
of ício.
Nesse sentido,
o ónus da
prova constitui
um par com o
ónu s
de
a leg ar n o conhecido aforismo: iudex iudicare debet iuxta
allegata
etproba
ta. Na verdade, existe u m nexo íntimo entre a alegação e a prova: porque
as partes estão em condições de igualdade e, normalmente, no processo
contencioso,
as
afirmações
d e u m a
contradizem
a s
afirmações
da
outra,
nenhuma pode pretender que s e dê fé à sua palavra; po r isso a parte sabe
qu e uma
afirmação
sem
prova
não vale
nada;
daí o seu ónus de
narrar
os f a to s
e produzir a s provas; o
j u i z ,
como n ão pode el e mesmo procurar
os
fatos ,
assim n ão pode procurar a s provas. Isso ser ia possível, m a s n ã o
se r i a conveniente. Para
que se
possa alcançar
o
resultado
do
processo,
é
necessário que a ação da s partes se ja energicamente estimulada; quando
a
parte sabe
que não
pode contar senão consigo mesma para
fo rne ce r a
prova,
f ica
naturalmente interessada em
f a z e r
tudo quanto possa a
fi m
de
qu e suas afirmações sejam sustentadas pelas provas .9
À medida que se foi prestando atenção a os fenómenos p r oc essua i s ,
c re s ce u o número das hipóteses de
ónus:
não apenas ónus de provar, não
apenas
ónus de
alegar,
mas
também ónus
de
impulsionar
o
processo,
ónus
de
preparar o recurso para impedir a deserção); ónus de exibir documento
p a r a
impedir
a
aplicação
da
pena
de
confissão);
ónus de
comparecer
à
audiência sob pena
de
revelia)
etc.
até que
chegou Goldschmidt
sustentando que, no processo, o par da expectativa e do ónus substitui
o do direito subjetivo e da obrigação jurídica, p a r este q ue seria próprio
somente
do
direito
material.
10
Do processo a
ideia
de
ónus saltou para
o
direito material.
9
Idem p .
264-265.
10 C A L A M A N D R E I , Piero.
Estúdios sobre
el
proceso civil
B u e n o s Aires: Ed. Bi-
b l i o g r á f i c a Argentina, 1961. p . 219.
8/19/2019 Teoria Geral Do Processo_0001
9/11
4 TEORIA GERAL DO PROCESSO • EM CONFORMIDADE COM O NOVO CPC
f
ap l • NOÇÕES INTRODUTÓRIAS 5
Toda
i nsc r i ção n o Regis t ro Públ ico cons t i tu i ón u s , d iz P i s a n i ,
apoiando-se em Pugliatti e Natoli.11
Encontrando-se
a ideia de
ónus
em diferentes setores do direito,
12
deve s er cons iderada cidadã d o m undo jur íd ico e não desta o u daquela
disciplina.
É , em suma, conceito a ser estudado na teoria geral do direito,
tal
como
o fez Carn elutti.
13
Entretanto, é ainda pequena a penetração do conceito de
ónus
n a
doutrina
do
direito material.
E por
quê?
A
razão
é
esta:
ao
movimento
d o
ónus
em
direção
ao
direito mater ial con trapõe-se
o
m o v i m e n t o
do
direito
formativo
em
direção
a o
processo.
Os
dois c onceitos estão
em
guerra.
E
um deles deverá perecer.
O s
fen ómen os jurídicos, assim como
a s
batatas,
sã o em núm ero limitado. E não há batatas suficientes para que ambos
possam sobreviver. Ao vencedor, as batatas
O conceito d e direito formativo, tal como o de ónus, é c idadão d a
teoria
geral
d o direito, e não
desta
o u
daquela disciplina.
Daí a
impor -
tância
dos trabalhos que o examinam fora do seu habitat costumeiro. É o
que
acontece com o artigo de Almiro do C outo e Silva, "Atos jurídicos de
direito adm inistrativo praticados
po r
particulares
e
direitos formativos",
publicado na R J T J R S 9:19-37, de 1968. Nele s e contempla o conceito
de
direito
formativo, n ão n o
direito pr ivado,
mas n o
âmbito
do
direito
administrativo.
Existe
estreito nexo entre
a
categoria
d os
direitos formativos
e a das
sentenças constitutivas. Deve-se pr incip almente a Em il Seckel a elabora-
çã o
do conceito de direito formativo, ass im como a Hellwig a cons t rução
da categoria das sentenças constitutivas. "O n o m e d e direitos formativos
foi inspirado, con fessadamente, pela designaçã o sentenças formativas
de
direito, sugerida
p or
Hellwig
e
aceita pela ciência alemã para
as
chama-
das sentenças constitutivas" (Atos jurídicos...,
R J T J R S
9:19-37, 1968).
E
Hellwig liga a sentença c onstitutiva aos direitos de poder jurídic o ou
direitos
formativos.
14
"Define Seckel
o direito formativo, no direito privado, como o direito
subjetivo cujo conteúdo é o poder de formar relações jurídicas concretas,
PISANI, Andrea Proto.
La transcrizione delle do ma n de giudiziali
Napoli: Jovene,
1968.
p.
396.
LUGO ,
A n d r e a .
Manuais d i
diritto
processuak civile. Giu ffre ,
1967. p. 26.
Teoria geral. São Paulo: Saraiva, 1942. p. 2 74-275.
R O C C O , Alfredo. La
sentenza
civile. Milano: Giuffre, 1962.
p.
126.
através
do negócio jurídico unilateral. O
reparo
que a essa definição caberia
fazer-se
é o de que nem só
negócios
jurídicos
cons t i tuem ins t rumento
de
exercício
d e
direitos formativos, embora seja
o que
mais frequentemen te
ocorra; também atos jurídicos stricto
sensu e, em
raros casos,
até
atos-fatos
jurídicos
desempenham essa função".
15
Note- se
que,
uma vez
aceito (como deve
se r
aceito)
o
reparo
de
Almiro
do
Couto
e
Silva, amplia-se
a
categoria
do s
direitos formativos
(ou potestativos), pouco faltando para coincidir inteiramente com o atrás
examinado estado
de
poder
e
sujeição.
"Diversamente
do que
ocorre
com os
outros direitos
subjetivos, ao s
direitos
formativos
n ão
correspondem deveres.
N em
m e s m o
é de
admit i r -
-s e a existência de dever de tolerar o exercício de direito formativo. Com o
adverte
Von Thur
dever
de
tolerância
se tem
quem pode contrapor-se
a
ato de outrem, mas não está,
juridicamente, autorizado
a
isso.
Não há
dever
d e
tolerância
co m
relação
ao que de
n e n h u m m o d o
s e
pode evitar"
(Atos jurídicos..., R J T J R S
9:19-37,1968).
Entenda-se: o sujeito passivo não tem dever algum diante do titular
de direito formativo. Apenas'sofre a ação do sujeito ativo. Nada impede,
entretanto, que o titular do direito tenha o dever de praticar o ato. Nessa
última hipótese existe, concom itantemente,
um a
outra relação,
de
crédito
e débito. Assim, por exemplo, aquele a quem se propõe o contrato tem o
direito formativo de aceitando a proposta constituir a relação jurídica
contratual. Pode ocorrer
porém , que ele
tenha,
e m face de
outrem,
o
dever
de aceitar, porque
a
isso
se
obrigou.
Assim c o m o
as
sentenças constitutivas cr iam, mod ificam
ou
extin-
guem relação jurídica , assim os direitos formativos que, por isso, divid em-
-s e
em
direitos form ativos geradores,
modificativos e
extintivos.
"Exemplos de direitos form ativos geradores, no direito pr ivado, são
os direitos d e apropriação, o direito de opção, o direito de preferência,
o
direito
que tem o
destinatár io
d a
oferta
de ,
aceitando-a, estabelecer
negócio jurídic o bilateral; de direitos formativos m odif icativos, o direito
de escolha
nas
obrigações alternativas,
o
direito
de
constituir
em
mora
o
devedor ou credor, mediante interpelação, notificação ou protesto, o direito
de estabelecer prazo para a prestação); de direitos formativos extintivos, a
den ú n cia
do
contrato,
a
alegação
de
compensação ,
o
pedido
d e
desquite,
o
direito
à
resolução resilição, rescisão, anulação
e
decretação
de
nulidade".
SILVA,
Almiro do Couto e.
Atos jurídicos... R J T J R S 9:19-37 1968.
8/19/2019 Teoria Geral Do Processo_0001
10/11
6
TEO RI GER L DO PRO CESSO • EM CONFORMIDADE C O M O NOVO CP C
O pedido de transcrição, no Registro de Imóveis, é , também, exercício
de direito formativo gerador: de direito a forma r direito real. A penas
com a transcrição, que é ato de direito público, efetiva-se a transmissão
de domínio (Atos jurídicos..., R JTJRS
9:19-37,1968).
Do mesmo modo como
os
direitos formativos,
n o
direito privado,
os direitos formativos,
no
direito
público,
podem
ser geradores,
modifi-
cativos ou extintivos, conforme o resultado que o seu exercício produz,
criando,
modificando ou extinguindo relação jurídica ou consti tuindo
para
o
Estado
o
dever
de
criar, modificar
ou
extinguir relação jurídica
(Atos jurídicos..., RJTJRS 9:19-37,1968).
Con stituem exe mplos de direitos formativos gerad ores, no direito
administrativo, o
direito
a inscrever-se em concurso público, o direito a
apresentar proposta em concorrência pública, o direito a postular reinte-
gração
em cargo público, o direito a ser
reenquadrado quando
lei, ao reor-
ganizar
os
serviços, possibilita alteraçã o
d as
posições funcionais, mediante
requerime nto dos interessados (Atos jurídicos...,
R JTJRS 9:19-37,1968).
O s direitos
formativos
m odificativos sã o mais facilmente verificá-
veis
na
relação
de
emprego público.
A
essa classe pertenc em
os
direitos
a
pedir licença pa ra tratamento de saúde, licença à
gestante,
à funcionária
casada, quando
o
marido
fo r
mandado servir, e x o f f i c i o
em
outro ponto
do terri tório nacional ou no estrangeiro, l icença especial ou l icença-
-prêmio, pois, em todos esses casos, observados os requisitos legais, o
pedido d o funcionário cria, para a
administração,
o dever de
conceder
a
licença, ficando suspensos, d e outra parte, o s deveres de assiduidade e de
comparecimento
ao
trabalho,
qu e
ordinariamente
tem o
funcioná rio. Tais
licenças alteram,
portanto,
a
relação
de
emprego público;
sem que haja,
durante o tempo de sua duração, prestação de trab alho, subsiste o dever do
Estado
à
prestação patrimonial (Atos jurídicos...,
R JTJRS 9:19-37,1968).
Direito formativo
extintivo,
por excelência, é o
direito
a pedir
exoneração de
cargo público (Atos jurídicos...,
R JTJRS
9:19-37,1968).
Em
que se distingue o direito form ativo d o atrás examinado estado
de poder e sujeição? A diferença está em que o estado de
poder
e sujeição
é
género
de que é
espécie
o
direito formativo.
As
me ras faculdades estão
contidas
n o
estado
de
poder
e
sujeição,
mas são
excluídas
do
âmbito
do s
direitos
formativos.
Para que bem se compreenda o conceito de direitos formativos é ne-
cessário
frisar serem eles, efetivamente, direitos
e não
simples faculdades.
As faculdades cabem a todas ou a um número demas iadamente amplo
de
pessoas, enquanto o direito
subjetivo
é u m
plus
um poder especial e
ap l • NOÇÕES INTRODUTÓRI S 7
concreto
que se
insere
n a
esfera jurídica
d e
alguém
e que não é
partilhado
po r
todos os demais. O
poder
de propor
contrato
é faculdade, o poder d e
aceitar a proposta é direito formativo gerador; a o cupação de coisa sem
drjno é faculdade, o poder que tem o a rrendatário de forma r direito real ,
pela caça do s
animais
existentes no campo, é direito formativo gerador
(Almiro do C outo e Silva, Atos
jurídicos...,
R JTJRS
9:19-37,1968).
O
conceito
de
direito subjetivo serve enquanto explica
a
diferencia-
ção de poderes jurídicos que têm as pessoas, em situações determina das.
O s direitos subjetivos
são
círculos menores
trancados dentro do círculo
da s faculdades. O poder concreto qu e nasceu em favor de alguém é sempre
diverso
dos
poderes
que os
outros
possuem. A noção de
direito subjetivo
surpr eend e essa diversidade de poderes
concretos,
atenta ao momento em
que uma vantage m especial se acrescenta, se individualiza, no patrim ónio
jurídico
do
sujeito
de
direito. Afirma-se,
p or
outro lado,
que o
direito
subjetivo é um poder concreto e
determinado, porque
ele é efeito d e fato
jurídico. Não deriva o direito subjetivo exclusivamente da norma, nem
só de fato do mundo natural , mas da união de norma e fato ou, melhor,
da
incidência da norma jurídica sobre o
fato.
Ora, os fatos são sempre
concretos e, ao ingressarem no m undo ju rídico, geram, também, relações
jurídicas concretas (Atos
jurídicos...,
RJTJRS 9:19-37,1968). '
O
signo linguístico
une um
conceito (significado)
com a
impressão
psíquica de um som (significante) . Portanto: signo é a combinação do
significante com o
significado;
o
significante
não é um
som,
mas a im-
pressão psíquica
e um som
(imagem acústica); significado
é o
conceito
(Ferdinand de Saussure, Curso
de
linguística geral,
trad. António Chelini,
4. ed., São Paulo,
Cultrix,
1972, p. 80-1).
Quer se fale e m ónus, quer se
fale
em direito formativo, há referência
a um ato que um sujeito pode (o u deve)
praticar
e a que outro
fica
sujeito.
Quer se trate de
ónus,
quer se trate de direito formativo, o ato pode
sobrevir
ou não no
mundo
fático. S e
sobrevêm, diz-se
que foi
atendido
o
ónus
ou que foi exercido o direito formativo. Tanto no caso de ónus com o
no de
direito
formativo, as consequências jurídicas são diversas, conform e
seja
ou não praticado o ato.
Quer se trate de ónus, quer se trate de direito formativo, o interesse
tutelado
é o do
autor
do
ato,
ou ,
eventualmente,
de um
terceiro; nunca
daquele que sofre os efeitos do ato.
Qual, portanto, a diferença entre os dois conceitos? Apenas esta:
quando
se fala em
ónus, afi rma-se que,
nã o
sendo praticado
o
ato,
u m
interesse do sujeito ativo (ou, eventualmente, de um terceiro) é desaten-
8/19/2019 Teoria Geral Do Processo_0001
11/11
18 TEORIA GERAL DO PROCESSO EM CONFORMIDADE COM O NOVO CPC
dido; quando se fala em direito formativo, afi rma-se que, sendo praticado
o ato, um interesse do sujeito ativo
ou ,
eventualmente, de um terceiro) é
atendido. Em suma: não há diferença senão na form a de expressão. Q uan-
do se fala em ónus, pensa-se, de preferência, nas consequências jurídicas
decorrentes
da
omissão
do
ato.
Quando se fala em
direito formativo,
pensa-se ,
d e
preferência,
na s
consequências jurídicas
da
prática
d o
ato.
Ónus e
direito potestativo
são
redutíveis
um ao
outro.
E é por
isso
qu e
a transcrição no Registro de Imóveis tanto pod e ser exemplo de ónus
como de
direito
formativo.
Quando
se
pensa
no
comprador
qu e
fica
prejudicado, se não transcreve se u título de domín io , fala-se em ónus.
Quando se
pensa
no
adquirente
que
transcreveu regularmente
se u
título
de
domínio, o pensam ento vai, de preferência, para o
efeito
d a aquisição
do
dom ínio, decorrente
da
prática
do ato da
transcrição.
Quem
alega a p rescrição exerce o direito form ativo extintivo. Quem
deixa de alegar a prescrição no
m omen to processual oportuno
fica prejudi-
cado, porquan to
não
atendeu
ao
ónus
de
alegar,
no
processo,
na
hora certa.
É
claro, portanto, que os dois significantes podem se r reduzidos a
um só, já que
exprimem
um
único
e
idêntico significado.
A
duplicidade
explica-se,
pois
se
desenvolveram
em
províncias diferentes
do
direito.
A
palavra ónus
surgiu
no
processo
e
invadiu
o direito
m aterial.
A
expressão
direito formativo desenvolveu-se
no direito
m aterial
e
invadiu
o
processo.
Na
verdade, a ideia expressa por ón us e por direito form ativo é idên-
tica. Apenas a form ulação é diferente.
Esta
é a
fórmula
do ónus:
- não sendo p raticado o ato A não ocorre a consequência X.
A
fórmula
do direito formativo é:
-
somen te sendo praticado
o ato A
ocorre
a
consequência
X.
As
duas proposições são logicamente idênticas.
A
ideia última contida
n os
dois significantes
ónus e direito
formati-
vo ) é
simplesmente esta:
se,
para
que se
produzam certos efeitos jurídicos,
é
necessário que se pratique determinado ato; não se produzem tais efeitos,
se o ato não é praticado.
Quem fala
em direito formativo não precisa do conceito de ónus e
vice-versa. Em uma só hipótese a ideia de
ónus
é irredutível à de direito
formativo: é quando se
fala
e m ónus da prova e m sentido objetivo, isto é,
Cap l • NOÇÕES INTRODUTÓRIAS 19
como
norma
dirigida ao juiz, para evitar o non liquet É desejável eliminar-
-se
d a
ciência jurídica
a
expressão
ónus d a
prova
em
sentido
subjetivo,
substituindo-a po r direito form ativo à produção de provas,
tanto
mais que
a
ciência processual nunca conseguiu explicar
b em
como
é que ao
autor
incumbe
não só
provar
o s fatos
constitutivos como também produzir
a
contraprova
do s
fatos
impeditivos
ou
extintivos alegados pelo réu.
Uma dif iculdade permane ce, para a prevalência da expressão direito
formativo: é que não poucos juristas l he negam a qualidade de direito
subjetivo. Por
isso tudo preferim os
falar em
estado
d e
poder
e sujeição,
qu e
abrange
não só as
ideias
de ónus em
sentido subjetivo
o u
direito
formativo
com o, ainda, a s meras faculdades, sempre que seu exercício se
reflita
sobre outro.
Saliente-se, apenas,
que a
palavra sujeição
não tem
necessariamente
sentido desagradável, como
be m
sabem
os
enamorados. Quem propõe
contrato sujeita
o
destinatário
da
oferta. Modifica-lhe
a
situação jurídica,
outorgando-lhe um poder que antes não
tinha:
o poder de constituir rela-
ção jurídica, m ediante a aceitação. O sujeito passivo do ato sofre a ação do
sujeito
ativo, o que, todavia, po de ser bom
para
ele, se a oferta é vantajosa.