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Publicação do CAES
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TERRA LIVRETERRA LIVRETERRA LIVRETERRA LIVRE PARA A CRIAÇÃO DE UM COLECTIVO AÇORIANO DE ECOLOGIA SOCIAL
BOLETIM Nº 29 FEVEREIRO DE 2011
REFLEXÃO SOBRE A CAÇA �OS AÇORES
CHARCOS COM VIDA
O IMPÉRIO DO CO�SUMO
CAMPA�HA EUROPEIA EM DEFESA DAS SEME�TES LIVRES
2
A caça nos Açores começou com o
povoamento das ilhas. Com efeito, tal
foi possível, no que diz respeito aos
mamíferos, após a introdução do coelho
bravo que foi intencionalmente
introduzido em todas as ilhas, com
excepção do Corvo. É precisamente o
coelho a espécie cinegética mais caçada
nos Açores e a que mobiliza mais
caçadores.
A caça se para os mais urbanos e com
mais posses foi (é) uma actividade
“desportiva”, para os homens do campo,
sobretudo os das classes sociais mais
baixas, mais do que uma actividade de
ocupação dos seus tempos livres era um
complemento aos seus fracos
rendimentos. Com efeito, lembro-me
muito bem que no meio rural de São
Miguel, na década de sessenta e início
da de setenta do século passado, a
carne, sobretudo a de vaca, só chegava
ao prato de muitas famílias nas épocas
festivas e a de porco um pouco mais de
vezes para as famílias que tinham a
possibilidade de os criar. Assim, caçar
coelhos era também uma forma de
enriquecer a dieta alimentar e conseguir
algum dinheiro para complementar os
magros salários com a venda de
algumas peças de caça.
Era precisamente a situação de penúria
em que viviam muitos agregados
familiares, sobretudo de pequenos
camponeses e camponeses sem terra
que fazia com que eram poucas as
licenças de caça existentes nos meios
rurais e eram muitos os caçadores
furtivos, alguns deles utilizando
“técnicas” de caça ao coelho proibidas
por lei e criticadas pelos restantes
habitantes das diversas localidades,
como era o uso do laço.
Ainda nos primeiros anos da década de
oitenta, devido à situação social
REFLEXÃO SOBRE A CAÇA �OS AÇORES
3
descrita, na localidade onde vivia eram
poucas as licenças de caça e havia
apenas uma ou duas espingardas,
caçando a maioria dos caçadores apenas
com recurso a cães e a furão. A
deslocação para as zonas de caça,
Sanguinal, Monte Escuro, Lagoa da São
Brás, etc., era feita a pé ou, com alguma
sorte, apanhando boleia nas carrinhas de
alguns lavradores. Era revoltante ter de
percorrer vários quilómetros a pé, e o
regresso era mais duro porque para além
da distância a percorrer havia o peso
dos coelhos a vencer, enquanto os
caçadores da “cidade” ou os “senhores”
caçadores passavam nas suas viaturas.
Mais tarde, o Estado, sempre ao serviço
dos que mais têm e dos apetites de uns
poucos, decidiu investir em
repovoamentos de espécies com o único
objectivo de serem caçadas. Em 2008, o
Secretário Regional da Agricultura e
Florestas estimava em 4500 o número
de exemplares criados em cativeiro,
esquecendo-se de mencionar os custos
envolvidos.
A situação referida no parágrafo
anterior demonstra que estamos perante
uma política de desvios de dinheiros
públicos e comunitários que poderiam
ser usados em benefício de toda a
população dos Açores e que acabam por
beneficiar uma minoria dentro da
minoria que são os caçadores de
algumas aves, pois como já vimos a
esmagadora maioria caça apenas
coelhos. Com efeito, podemos dizer,
mesmo, minoria absoluta pois, segundo
informações que consideramos
fidedignas e tendo em conta o ano de
2009, nos Açores existiam 3 714
caçadores com carta válida o que
correspondia a cerca de 1,5 % da
população.
É importante referir que a situação
actual, de beneficiar os que mais podem
e têm, é muito pior do que a existente
em plena ditadura fascista como se pode
comprovar através da leitura do jornal
“A caça” que se publicou em Ponta
Delgada em 1936 e 1937. Com efeito,
segundo o referido jornal eram os
próprios caçadores, ao contrário do que
actualmente ocorre, quem tomava a
iniciativa e suportava os repovoamentos
4
com perdizes através de subscrições
públicas.
Hoje, são pouco válidos os argumentos
dos defensores da caça pretensamente
desportiva sobretudo quando aplicados
a uma região “pobre” do ponto de vista
faunístico como são os Açores quando
comparados com outras paragens. Com
efeito, caído por terra o argumento da
tradição face aos avanços sofridos pela
sociedade, hoje o principal argumento,
que é também o de alguns
“passarinheiros” e de alguns
ambientalistas acéfalos suportes do
status quo, é o de que com a caça
valoriza-se os espaços e recursos
florestais e mantém-se as populações de
várias espécies controladas.
Se este último argumento poderá ser
aplicado às populações de coelhos,
gostaríamos que nos explicassem o seu
uso quando estão em causa algumas
aves residentes cuja população é
reduzida e espécies migratórias, cuja
ocorrência em alguns casos é diminuta.
Tendo conhecimento de um apelo
lançado com vista a evitar que espécies
migratórias e outras de ocorrência
diminuta sejam excluídas da lista de
espécies cinegéticas, não estranhamos
que o mesmo tenha sido deturpado por
parte de alguns devotos de Santo
Huberto, para arrebanhar adeptos à sua
causa junto de outros caçadores
sensíveis e que concordam com o
mesmo, bem como as pressões que têm
sido exercidas sobre alguns dos
primeiros subscritores.
Para terminar, apresentamos uma
citação de um texto publicado, em 1926,
no Suplemento Literário Ilustrado de “A
Batalha”:
“Conhecemos alguns desses
furiosos “desportistas” que aliam
à sua qualidade de caçadores a
qualidade de membros da
Sociedade Protectora de
Animais. Não compreendemos
como se possam conjugar essas
duas funções: a de matar e a de
proteger seres vivos”.
Ribeira Grande, 21 de Janeiro de 2011
J.S.
5
Com já escrevi em textos anteriores, a
educação ambiental deixou de ser
prioridade nos Açores, pelo menos a
nível oficial, primeiro com as
dificuldades criadas à participação dos
professores nos encontros anuais de
educação ambiental, depois com o
desaparecimento destes e mais
recentemente com o desmantelamento
da Rede Regional de Ecotecas.
Por parte das associações de ambiente a
situação não é melhor, com efeito, tendo
apenas em conta as informações que nos
chegam através da comunicação social
ou as constantes nas suas páginas
internet ou blogues, a maioria das
associações tem uma actividade muito
reduzida, concentrando a sua actividade
na campanha SOS Cagarro, ou está
mesmo inactiva. Para as mais
interventivas, o grosso das actividades
está relacionado com o lazer, como são
os percursos pedestres organizados pelo
que penso serem as maiores associações
dos Açores, os Amigos dos Açores e os
Montanheiros ou com a prestação e
serviços.
Vem esta introdução a propósito do
desaparecimento (?), pelo menos em
São Miguel, da campanha “Coastwatch
Europe”, que durante algum tempo
envolveu algumas escolas, alguns
professores, muitos alunos e um número
razoável de voluntários e cujo objectivo
era “alertar para os principais problemas
do litoral, através da sua observação
directa, nomeadamente aqueles que
resultam da ocupação humana ao longo
de várias gerações”, e do surgimento da
campanha “Charcos com Vida”.
A Campanha “Charcos com Vida”,
iniciativa do Centro de Investigação em
Biodiversidade e Recursos Genéticos da
Universidade do Porto, unidade de
Investigação e Desenvolvimento “que
desenvolve investigação básica e
CHARCOS COM VIDA
6
aplicada em todas as componentes da
biodiversidade: genes, espécies e
ecossistemas”, pretende, através da
realização de um conjunto variado de
actividades, descobrir, valorizar e
investigar os charcos e a sua
biodiversidade.
Dadas as potencialidades da Campanha
“Charcos com Vida”, tanto em termos
da promoção da curiosidade científica,
como pelo facto de ser um meio de
implementar a educação ambiental,
seria uma pena que a mesma não se
estendesse a todo o território nacional,
designadamente ao arquipélago dos
Açores.
Assim, em virtude da campanha referida
ser direccionada para todas as escolas
do ensino básico e secundário e estar
aberta à participação de outros
interessados, como autarquias, centros
de educação ambiental e associações,
deixamos aqui o desafio,
nomeadamente às associações escutistas
e às associações de defesa do ambiente,
para que adiram à mesma.
De igual modo, o desafio é extensivo a
todas as Eco-escolas dos Açores. A sua
participação na Campanha “Charcos
com Vida”, para além de não
sobrecarregar muito mais o trabalho
voluntário que já é realizado pelos
docentes, poderá constituir um valioso
complemento às actividades já
realizadas quando o tema em estudo é o
da água.
Pico da Pedra, 9 de Janeiro de 2011
Teófilo Braga
(Publicado no jornal Terra Nostra, 21 de
Janeiro de 2011)
7
A produção em série, em escala
gigantesca, impõe em todo lado as suas
pautas obrigatórias de consumo. Esta
ditadura da uniformização obrigatória é
mais devastadora que qualquer ditadura
do partido único: impõe, no mundo
inteiro, um modo de vida que reproduz
os seres humanos como fotocópias do
consumidor exemplar.
O sistema fala em nome de todos, dirige
a todos as suas ordens imperiosas de
consumo, difunde entre todos a febre
compradora; mas sem remédio: para
quase todos esta aventura começa e
termina no écran do televisor. A
maioria, que se endivida para ter coisas,
termina por ter nada mais que dívidas
para pagar dívidas as quais geram novas
dívidas, e acaba a consumir fantasias
que por vezes materializa delinquindo.
Os donos do mundo usam o mundo
como se fosse descartável: uma
mercadoria de vida efémera, que se
esgota como se esgotam, pouco depois
de nascer, as imagens disparadas pela
metralhadora da televisão e as modas e
os ídolos que a publicidade lança, sem
tréguas, no mercado. Mas para que
outro mundo vamos mudar-nos?
A explosão do consumo no mundo atual
faz mais ruído do que todas as guerras e
provoca mais alvoroço do que todos os
carnavais. Como diz um velho
provérbio turco: quem bebe por conta,
emborracha-se o dobro. O carrossel
aturde e confunde o olhar; esta grande
bebedeira universal parece não ter
limites no tempo nem no espaço. Mas a
cultura de consumo soa muito, tal como
o tambor, porque está vazia. E na hora
da verdade, quando o estrépito cessa e
acaba a festa, o borracho acorda, só,
acompanhado pela sua sombra e pelos
pratos partidos que deve pagar.
A expansão da procura choca com as
fronteiras que lhe impõe o mesmo
sistema que a gera. O sistema necessita
de mercados cada vez mais abertos e
mais amplos, como os pulmões
necessitam o ar, e ao mesmo tempo
necessitam que andem pelo chão, como
acontece, os preços das matérias-primas
e da força humana de trabalho.
O direito ao desperdício, privilégio de
poucos, diz ser a liberdade de todos.
O IMPÉRIO DO CO�SUMO
8
Diz-me quanto consomes e te direi
quanto vales. Esta civilização não deixa
dormir as flores, nem as galinhas, nem
as pessoas. Nas estufas, as flores são
submetidas a luz contínua, para que
cresçam mais depressa. Nas fábricas de
ovos, as galinhas também estão
proibidas de ter a noite. E as pessoas
estão condenadas à insônia, pela
ansiedade de comprar e pela angústia de
pagar. Este modo de vida não é muito
bom para as pessoas, mas é muito bom
para a indústria farmacêutica. Os EUA
consomem a metade dos sedativos,
ansiolíticos e demais drogas químicas
que se vendem legalmente no mundo, e
mais da metade das drogas proibidas
que se vendem ilegalmente, o que não é
pouca coisa se se considerar que os
EUA têm apenas cinco por cento da
população mundial.
"Gente infeliz os que vivem a comparar-
se", lamenta uma mulher no bairro do
Buceo, em Montevideo. A dor de já não
ser, que outrora cantou o tango, abriu
passagem à vergonha de não ter. Um
homem pobre é um pobre homem.
"Quando não tens nada, pensas que não
vales nada", diz um rapaz no bairro
Villa Fiorito, de Buenos Aires. E outro
comprova, na cidade dominicana de San
Francisco de Macorís: "Meus irmãos
trabalham para as marcas. Vivem
comprando etiquetas e vivem suando
em bicas para pagar as prestações".
Invisível violência do mercado: a
diversidade é inimiga da rentabilidade e
a uniformidade manda. A produção em
série, em escala gigantesca, impõe em
todo lado as suas pautas obrigatórias de
consumo. Esta ditadura da
uniformização obrigatória é mais
devastadora que qualquer ditadura do
partido único: impõe, no mundo inteiro,
um modo de vida que reproduz os seres
humanos como fotocópias do
consumidor exemplar.
O consumidor exemplar é o homem
quieto. Esta civilização, que confunde a
quantidade com a qualidade, confunde a
gordura com a boa alimentação.
Segundo a revista científica The Lancet,
na última década a "obesidade severa"
aumentou quase 30% entre a população
jovem dos países mais desenvolvidos.
Entre as crianças norte-americanas, a
obesidade aumentou uns 40% nos
últimos 16 anos, segundo a investigação
recente do Centro de Ciências da Saúde
da Universidade do Colorado.
9
O país que inventou as comidas e
bebidas light, os diet food e os
alimentos fat free tem a maior
quantidade de gordos do mundo. O
consumidor exemplar só sai do
automóvel par trabalhar e para ver
televisão. Sentado perante o pequeno
écran, passa quatro horas diárias a
devorar comida de plástico.
Triunfa o lixo disfarçado de comida:
esta indústria está a conquistar os
paladares do mundo e a deixar em
farrapos as tradições da cozinha local.
Os costumes do bom comer, que veem
de longe, têm, em alguns países,
milhares de anos de refinamento e
diversidade, são um patrimônio coletivo
que de algum modo está nos fogões de
todos e não só na mesa dos ricos.
Essas tradições, esses sinais de
identidade cultural, essas festas da vida,
estão a ser espezinhadas, de modo
fulminante, pela imposição do saber
químico e único: a globalização do
hambúrguer, a ditadura do fast food. A
plastificação da comida à escala
mundial, obra da McDonald's, Burger
King e outras fábricas, viola com êxito
o direito à autodeterminação da
cozinha: direito sagrado, porque na boca
a alma tem uma das suas portas.
O campeonato mundial de futebol de 98
confirmou-nos, entre outras coisas, que
o cartão MasterCard tonifica os
músculos, que a Coca-Cola brinda
eterna juventude e o menu do
MacDonald's não pode faltar na barriga
de um bom atleta. O imenso exército de
McDonald's dispara hambúrgueres às
bocas das crianças e dos adultos no
planeta inteiro. O arco duplo desse M
serviu de estandarte durante a recente
conquista dos países do Leste da
Europa. As filas diante do McDonald's
de Moscou, inaugurado em 1990 com
fanfarras, simbolizaram a vitória do
ocidente com tanta eloquência quanto o
desmoronamento do Muro de Berlim.
Um sinal dos tempos: esta empresa, que
encarna as virtudes do mundo livre,
nega aos seus empregados a liberdade
de filiar-se a qualquer sindicato. A
McDonald's viola, assim, um direito
legalmente consagrado nos muitos
países onde opera. Em 1997, alguns
trabalhadores, membros disso que a
empresa chama a Macfamília, tentaram
sindicalizar-se num restaurante de
Montreal, no Canadá: o restaurante
fechou. Mas em 1998, outros
empregados da McDonald's, numa
10
pequena cidade próxima a Vancouver,
alcançaram essa conquista, digna do
Livro Guinness.
As massas consumidoras recebem
ordens num idioma universal: a
publicidade conseguiu o que o
esperanto quis e não pôde. Qualquer um
entende, em qualquer lugar, as
mensagens que o televisor transmite. No
último quarto de século, os gastos em
publicidade duplicaram no mundo.
Graças a ela, as crianças pobres tomam
cada vez mais Coca-Cola e cada vez
menos leite, e o tempo de lazer vai-se
tornando tempo de consumo
obrigatório.
Tempo livre, tempo prisioneiro: as casas
muito pobres não têm cama, mas têm
televisor e o televisor tem a palavra.
Comprados a prazo, esse animalejo
prova a vocação democrática do
progresso: não escuta ninguém, mas fala
para todos. Pobres e ricos conhecem,
assim, as virtudes dos automóveis do
último modelo, e pobres e ricos
inteiram-se das vantajosas taxas de
juros que este ou aquele banco oferece.
Os peritos sabem converter as
mercadorias em conjuntos mágicos
contra a solidão. As coisas têm atributos
humanos: acariciam, acompanham,
compreendem, ajudam, o perfume te
beija e o automóvel é o amigo que
nunca falha. A cultura do consumo fez
da solidão o mais lucrativo dos
mercados.
As angústias enchem-se atulhando-se de
coisas, ou sonhando fazê-lo. E as coisas
não só podem abraçar: elas também
podem ser símbolos de ascensão social,
salvo-condutos para atravessar as
alfândegas da sociedade de classes,
chaves que abrem as portas proibidas.
Quanto mais exclusivas, melhor: as
coisas te escolhem e te salvam do
anonimato multitudinário.
A publicidade não informa acerca do
produto que vende, ou raras vezes o faz.
Isso é o que menos importa. A sua
função primordial consiste em
compensar frustrações e alimentar
fantasias: Em quem o senhor quer
converter-se comprando esta loção de
fazer a barba? O criminólogo Anthony
Platt observou que os delitos da rua não
são apenas fruto da pobreza extrema.
Também são fruto da ética
individualista. A obsessão social do
êxito, diz Platt, incide decisivamente
11
sobre a apropriação ilegal das coisas.
Sempre ouvi dizer que o dinheiro não
produz a felicidade, mas qualquer
espectador pobre de TV tem motivos de
sobra para acreditar que o dinheiro
produz algo tão parecido que a
diferença é assunto para especialistas.
Segundo o historiador Eric Hobsbawm,
o século XX pôs fim a sete mil anos de
vida humana centrada na agricultura
desde que apareceram as primeiras
culturas, em fins do paleolítico. A
população mundial urbaniza-se, os
camponeses fazem-se cidadãos. Na
América Latina temos campos sem
ninguém e enormes formigueiros
urbanos: as maiores cidades do mundo e
as mais injustas. Expulsos pela
agricultura moderna de exportação, e
pela erosão das suas terras, os
camponeses invadem os subúrbios. Eles
acreditam que Deus está em toda parte,
mas por experiência sabem que atende
nas grandes urbes.
As cidades prometem trabalho,
prosperidade, um futuro para os filhos.
Nos campos, os que esperam veem
passar a vida e morrem a bocejar; nas
cidades, a vida ocorre, e chama.
Apinhados em tugúrios [casebres], a
primeira coisa que descobrem os recém
chegados é que o trabalho falta e os
braços sobram.
Enquanto nascia o século XIV, frei
Giordano da Rivalto pronunciou em
Florença um elogio das cidades. Disse
que as cidades cresciam "porque as
pessoas têm o gosto de juntar-se".
Juntar-se, encontrar-se. Agora, quem se
encontra com quem? Encontra-se a
esperança com a realidade? O desejo
encontra-se com o mundo? E as pessoas
encontram-se com as pessoas? Se as
relações humanas foram reduzidas a
relações entre coisas, quanta gente se
encontra com as coisas?
O mundo inteiro tende a converter-se
num grande écran de televisão, onde as
coisas se olham mas não se tocam. As
mercadorias em oferta invadem e
privatizam os espaços públicos. As
estações de ônibus e de comboios, que
até há pouco eram espaços de encontro
entre pessoas, estão agora a converter-se
em espaços de exibição comercial.
O shopping center, ou shopping mall,
vitrine de todas as vitrines, impõe a sua
presença avassaladora. As multidões
12
acorrem, em peregrinação, a este templo
maior das missas do consumo. A
maioria dos devotos contempla, em
êxtase, as coisas que os seus bolsos não
podem pagar, enquanto a minoria
compradora submete-se ao bombardeio
da oferta incessante e extenuante.
A multidão, que sobe e baixa pelas
escadas mecânicas, viaja pelo mundo:
os manequins vestem como em Milão
ou Paris e as máquinas soam como em
Chicago, e para ver e ouvir não é
preciso pagar bilhete. Os turistas vindos
das povoações do interior, ou das
cidades que ainda não mereceram estas
bênçãos da felicidade moderna, posam
para a foto, junto às marcas
internacionais mais famosas, como
antes posavam junto à estátua do grande
homem na praça.
Beatriz Solano observou que os
habitantes dos bairros suburbanos vão
ao center, ao shopping center, como
antes iam ao centro. O tradicional
passeio do fim de semana no centro da
cidade tende a ser substituído pela
excursão a estes centros urbanos.
Lavados, passados e penteados, vestidos
com as suas melhores roupas, os
visitantes vêm a uma festa onde não são
convidados, mas podem ser
observadores. Famílias inteiras
empreendem a viagem na cápsula
espacial que percorre o universo do
consumo, onde a estética do mercado
desenhou uma paisagem alucinante de
modelos, marcas e etiquetas.
A cultura do consumo, cultura do
efêmero, condena tudo ao desuso
mediático. Tudo muda ao ritmo
vertiginoso da moda, posta ao serviço
da necessidade de vender. As coisas
envelhecem num piscar de olhos, para
serem substituídas por outras coisas de
vida fugaz. Hoje a única coisa que
permanece é a insegurança, as
mercadorias, fabricadas para não durar,
resultam ser voláteis como o capital que
as financia e o trabalho que as gera.
O dinheiro voa à velocidade da luz:
ontem estava ali, hoje está aqui,
amanhã, quem sabe, e todo trabalhador
é um desempregado em potencial.
Paradoxalmente, os shopping centers,
reinos do fugaz, oferecem com o
máximo êxito a ilusão da segurança.
Eles resistem fora do tempo, sem idade
e sem raiz, sem noite e sem dia e sem
memória, e existem fora do espaço, para
13
além das turbulências da perigosa
realidade do mundo.
Os donos do mundo usam o mundo
como se fosse descartável: uma
mercadoria de vida efêmera, que se
esgota como esgotam, pouco depois de
nascer, as imagens que dispara a
metralhadora da televisão e as modas e
os ídolos que a publicidade lança, sem
tréguas, no mercado. Mas a que outro
mundo vamos nos mudar? Estamos
todos obrigados a acreditar no conto de
que Deus vendeu o planeta a umas
quantas empresas, porque estando de
mau humor decidiu privatizar o
universo?
A sociedade de consumo é uma
armadilha caça-bobos. Os que têm a
alavanca simulam ignorá-lo, mas
qualquer um que tenha olhos na cara
pode ver que a grande maioria das
pessoas consome pouco, pouquinho e
nada, necessariamente, para garantir a
existência da pouca natureza que nos
resta.
A injustiça social não é um erro a
corrigir, nem um defeito a superar: é
uma necessidade essencial. Não há
natureza capaz de alimentar um
shopping center do tamanho do planeta.
Quinta, 30 Dezembro 2010 00:37 Eduardo Galeano
Fonte;
http://diarioliberdade.org/index.php?opt
ion=com_content&view=article&id=10
356:o-imperio-do-
consumo&catid=100:outras-
vozes&Itemid=21
14
Talvez ainda não saibas, mas desde
2008 que a Comissão Europeia está a
trabalhar numa reformulação da
legislação sobre a protecção das
variedades vegetais. Esta legislação
determina os direitos dos agricultores na
reprodução, troca e comercialização das
sementes, sob a égide de proteger os
agricultores de sementes com baixa
qualidade.
Contudo, esta lei trabalha a favor das
grandes empresas de sementes e a
reformulação proposta pela Comissão
Europeia tende a acentuar as
desigualdades no acesso ao mercado por
parte dos pequenos produtores. Isto
significa que, na prática, estão a ser
condenadas um grande número de
variedades tradicionais, locais e/ou
biológicas que deixam de ter viabilidade
para serem comercializadas, ao mesmo
tempo que favorece a aquisição anual de
sementes patenteadas por um punhado
de multinacionais (que já detêm,
actualmente, mais de 40% do mercado
global de sementes e 100% das
sementes transgénicas). Há uma perda
de biodiversidade, bem como do
trabalho de adaptação das variedades a
várias regiões. Em resumo, esta lei pode
condenar o espólio milenar das
variedades agrícolas tradicionais e os
seus melhoramentos, tornando-o
inacessível ao agricultor ou cidadão
hortelão.
“Sementes Livres de Transgénicos” é
uma campanha do GAIA contra o uso
de transgénicos na alimentação e nos
campos agrícolas.
Para mais informações deverão
consultar a página do GAIA
(http://gaia.org.pt/ogm).
CAMPA�HA EUROPEIA EM DEFESA DAS SEME�TES LIVRES