13
TERRA LIVRE PARA A CRIAÇÃO DE UM COLECTIVO AÇORIANO DE ECOLOGIA SOCIAL BOLETIM Nº 43 MARÇO DE 2012 A SANHA DO CAPITALISMO VERDE DURBAN: UM PASSO CERTO NO CAMINHO ERRADO O início da causa animal Para a história das touradas e da sua abolição Danados para a tortura Memória ecológica: ecologia e ecologismo

Terra Livre 43

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Boletim do CAES

Citation preview

Page 1: Terra Livre 43

TERRA LIVRE PARA A CRIAÇÃO DE UM COLECTIVO AÇORIANO DE ECOLOGIA SOCIAL

BOLETIM Nº 43 MARÇO DE 2012

A SANHA DO CAPITALISMO VERDE

DURBAN: UM PASSO CERTO NO CAMINHO ERRADO

O início da causa animal

Para a história das touradas e da sua abolição

Danados para a tortura

Memória ecológica: ecologia e ecologismo

Lagoa (eutrofizada) das Furnas, Agosto de 2011

Page 2: Terra Livre 43

2

Em nota, Conselho Indigenista Missionário

(Cimi) se posiciona contra o mecanismo de

Redução de Emissão de Desmatamento e

Degradação (REDD) e Pagamentos por

Serviços Ambientais.

Agora não chegam as caravelas com portugueses, espanhóis,

ingleses, franceses e outros do norte desenvolvido. Chegam

empresas transnacionais do norte, trazendo a tiracolo os

governos de seus países, com propostas ―ecologicamente

corretas‖ e carregando em seu bojo a subordinação ainda

maior dos povos do sul. A terra, lastro do capital natural,

está sendo comercializada em bolsas de valores. Tal sanha

também se estende aos outros elementos da natureza, como

o ar, a biodiversidade, a cultura, o carbono – patrimônios da

humanidade.

Essa estratégia, por um lado, está sendo utilizado pelos

donos do grande capital, receosos que fique mais evidente

para a humanidade que as catástrofes ambientais não são tão

naturais e sim resultado da exploração sem limites da

natureza, com o objetivo de engordar seus já polpudos

lucros através da cultura do consumo exagerado, imposta

com sutileza às sociedades. Por outro lado, como saída para

a crise mundial por qual passa o capitalismo – agora

travestido de verde -, demonstrando a capacidade de

reciclar-se. É nesse contexto que o capital vem

apresentando, desde a Eco 92, suas propostas nas

convenções do clima até agora realizadas.

O mecanismo de Redução de Emissão por Desmatamento e

Degradação (REDD) não diminuirá a poluição. É uma farsa.

Na verdade, na melhor das hipóteses, significa trocar ‗seis

por meia dúzia‘. As empresas poluidoras dos países ricos do

norte pagarão para os países do sul e continuarão a poluir.

Nesse contexto, povos indígenas estão sendo assediados por

ONGs a serviço das empresas do norte para que firmem

contrato cedendo suas terras e florestas para a captura de

CO2.

Com o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), a relação

com a natureza passa a ser mercantilista, ou seja, os

princípios de respeito do ser humano para com a natureza

passam a ter valor de mercado e medidos nas bolsas de

valores. O dinheiro resolve tudo, paga tudo.

Os mecanismos do ―capitalismo verde‖ reduzem a

capacidade de intervenção do Estado e dos povos na gestão

de suas florestas, bem como de seus territórios, que passam

a ter o ônus de viabilizar compensações ambientais massivas

em favor da manutenção do insustentável padrão de

desenvolvimento dos países ricos – e em franco

desenvolvimento, caso do próprio Brasil.

Mecanismos de compensação para captura de carbono

colocam em risco a soberania nacional, através da expansão

das transnacionais na consolidação do poder e controle sobre

povos e governos, águas, territórios e sementes nos países

do sul, além de modificar os modos de vida das

comunidades locais, agora tratadas como fornecedoras de

―serviços ambientais‖.

Os chamados Mecanismos de Desenvolvimento Limpos

(MDL) justificam a construção de hidrelétricas por serem

estas classificadas nesta categoria. Não é por acaso que

tantas estão sendo construídas, muitas atingindo povos

indígenas como é o caso de Belo Monte, Santo Antônio e

Jirau.

A SANHA DO CAPITALISMO VERDE

Page 3: Terra Livre 43

2

Ao aceitarem fazer contratos de REDD, as comunidades

indígenas obrigam-se a ceder suas florestas por 30 anos, não

podendo mais utilizá-las, sob pena de serem criminalizadas.

É o ―pagador‖ quem vai definir o que o ―recebedor‖ pode ou

não fazer; ficam subordinadas às grandes empresas

transnacionais e governos internacionais.

Esses ―contratos de carbono‖ ferem a Constituição Federal,

que garante aos povos indígenas o usufruto exclusivo do seu

território. O povo perde a autonomia na gestão de seu

território, em troca de ter os recursos naturais integrados ao

mercado internacional.

Trata-se de um novo momento histórico, absolutamente

novo, mas com características vistas em outros momentos: a

reterritorialização do capital internacional e

desterritorialização dos povos indígenas.

Os povos atrelados a tais contratos são transformados em

empregados dos ricos, passando da condição de filhos,

cuidadores e protetores da Mãe Natureza (Pacha Mama)

para a condição de promotores do capital natural, criando-se

assim uma nova categoria: operários da indústria do

carbono.

Para os povos indígenas a terra é mãe. As árvores são os

cabelos, os rios são o sangue que corre em suas veias. Para o

―capitalismo verde‖, os rios são considerados infraestrutura

natural e a natureza uma força que precisa ser domada em

benefício de um dito progresso, profundamente autofágico,

perverso e totalitário.

Exemplos de como se dá a relação dos indígenas com a

natureza não faltam. Para os Guarani entrarem na floresta,

logo de manhã, rezam e pedem ao Nhanderú orientação na

direção em que devem caminhar. REDD, PSA transformam

a natureza em mercadoria, a gratuidade em obrigação, a

mística em cláusula contratual, o bem estar em supostos

―benefícios do capital‖. É a mercantilização do sagrado e a

coisificação das relações humanas em interface com o meio

ambiente.

É preciso recuperar a memória da humanidade sobre nossos

vínculos com a natureza, expresso no Suma Kawsay (Bem

Viver). O meio ambiente e as culturas que vivem em

harmonia com ele devem ser as bases para o

desenvolvimento humano e das sociedades; não um item da

economia de mercado.

Na convivência com os povos indígenas, percebemos que

são eles, com seus conhecimentos e sabedoria, as fontes

inspiradoras para um outro tipo de modelo de sociedade

onde o SER prevaleça sobre o TER, respeitando e vivendo

em harmonia com a natureza.

O ―capitalismo verde‖ é sinônimo de neocolonialismo. Em

pleno século 21, surgem novos ―espelhinhos‖ – os PSA, o

REDD – lembrando a estratégia usada pelos colonizadores

no século 16 para conquistar e destruir os povos indígenas,

apoderando-se de seus territórios.

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), após analisar a

lógica do ―capitalismo verde‖ – dito sustentável – e suas

consequências para as populações mais sofridas e

exploradas do planeta, em especial os povos indígenas, quer

juntar-se aos demais setores organizados que dizem NÃO a

financeirização da natureza, NÃO a ―economia verde‖ e

NÃO ao mercado de carbono.

Luziânia, 3 de fevereiro de 2012

Conselho Indigenista Missionário (Cimi)

Foto: Vista aérea de aldeia Kayapó

Fonte do texto e da foto:

http://uniaocampocidadeefloresta.wordpress.com/2012/02/0

9/a-sanha-do-capitalismo-verde/

Page 4: Terra Livre 43

3

Estamos a 1,2ºC de ultrapassar a temperatura que os

cientistas apontam como o limite para que a

humanidade tenha 50% de probabilidades de evitar

uma catástrofe climática mundial sem retorno. Nesta

situação, os responsáveis pelo aumento da

temperatura tentam evitar o pior: diminuir sua a taxa

de lucro.

Este Domingo chegou-se a um acordo para responder

à urgência desta crise climática em Durban.

Resumindo, este acordo acorda que os países

continuem a dormir até 2020. Enquanto isso,

aumentam as catástrofes naturais agravadas pelo

aquecimento global, como as cheias no Paquistão,

Tailândia, Filipinas ou Bangladesh. Quando um

eventual novo acordo, ainda por definir, entrar em

vigor metade do planeta já poderá estar inabitável.

Adivinhem em que metade os 1% mais ricos vão viver.

Como todos os países concordaram em negociar um

novo acordo a ser assinado em 2015 para ter início

em 2020, Assunção Cristas, a ministra do Ambiente, já

à vontade com o seu novo estilo de populismo verde,

ficou muito satisfeita e avalia como "um passo em

frente" esta promessa, mesmo que na prática tudo

esteja na mesma, ou seja, pior porque o tempo para

terminar com a ameaça à vida de milhões de pessoas

está a terminar.

Durban é a demonstração de falhanço deste sistema

económico capitalista na resposta não só da actual

crise económica e social mas também da ambiental.

A notícia menos má é que deverá haver um provável

compromisso para continuação do Protocolo de

Quioto após 2012, a confirmar ainda no COP 18 no

Qatar. Tendo este protocolo alguns pontos positivos,

por ser um compromisso vinculativo de redução de

emissões assinado entre vários países, este acordo

mantêm uma lógica assente no mercado que serve,

em primeiro lugar, para garantir lucro fácil aos cartéis

do carbono. Se queremos mesmo responder a esta

crise ambiental, não é assim que lá chegamos.

Não nos esqueçamos que de fora de Quioto estão

países com um dívida ecológica enorme, pondo em

causa todos os outros: EUA, Rússia, Japão e Canadá,

que desistiu recentemente, por ter aumentado as

emissões em 24%. Este é um problema global. Por

isso deve ter solução global. Qualquer acordo que

exclua os países mais desenvolvidos na redução da

emissão dos gases de efeito de estufa não tem o

impacto que precisa de ter.

DURBAN: UM PASSO CERTO NO CAMINHO ERRADO

Page 5: Terra Livre 43

4

E não nos esqueçamos que Quioto admite a

implementação de projetos REDD+ que ameaçam

comunidades indígenas e outras comunidades

dependentes da floresta, em troca de plantações

florestais em monoculturas que não tornam a nossa

economia mais “verde”. A lista de projetos

fraudulentos para obtenção de dinheiro dos créditos

de carbono é muito mais extensa.

Voltemos ao que saiu de Durban.

Foram estabelecidas algumas regras para a atribuição

de 100 mil milhões de dólares para o Green Climate

Fund, para ajudar os países sub-desenvolvidos. Ainda

nenhum dólar saiu da mão dos países desenvolvidos,

mas já se sabe quem o vai gerir. O dinheiro ficará sob

controlo do imparcial Banco Mundial, o mesmo que

asfixia os países de terceiro mundo com dívidas

impagáveis.

Estas negociações foram mais uma oportunidade

perdida para uma solução justa e comprometida com

a nossa existência neste planeta. A contagem

decrescente para impedir o aquecimento do planeta

continua, para evitar o limite de aumento de 2ºC (em

relação a 1990), mas a cada momento que passa

teremos de fazer um esforço mais drástico no corte de

emissões. É que se tivesse havido um acordo este

ano, bastaria reduzirmos as nossas emissões de

carbono em 3,7% por ano, mas no ano de 2020 a

redução terá de ser de 9% por ano. Os custos

económicos e sociais de uma redução tão apressada

e drástica são muito diferentes de uma redução

atempada e planeada das emissões. Por isso este

adiamento vai criar um "apartheid climático" disse

Nnimmo Bassey, da Friend of the Earth.

A nossa resposta passa, em primeiro lugar, por estar

do lado dos países e dos povos mais vulneráveis, que

mais têm sofrido com o aumento do eventos de

catástrofes climáticas, que menos responsabilidades

históricas têm sobre a emissão de gases com efeito

de estufa e que têm direitos a desenvolver a sua

economia, de produzir aquilo que lhes é essencial

para erradicar a pobreza e permitir uma melhor

qualidade de vida.

Por parte dos países desenvolvidos precisamos de um

novo paradigma económico, um que não se faça à

custa de modelos extrativistas e produtivistas, mas um

de conversão para uma economia que não esteja

viciada em combustíveis fósseis e planeada de acordo

com os interesses e necessidades da população.

Isto deverá incluir a produção descentralizada de

energias renováveis, reabilitação das habitações,

legislação que proíba a obsolescência programada

nos produtos que compramos, o crescimento nas

redes de transportes públicos e tornando-os

acessíveis a toda a população ...

Para ganhar este modelo económico diferente, não

podemos fazê-lo sozinhos. Precisamos de unir os

agricultores, os sindicatos, ambientalistas e cientistas.

A ideia nem é nova. A campanha “One Million Climate

Jobs”, na Inglaterra, tem feito um bom trabalho em

unir activistas do movimento ecossocialista e

sindicatos de sectores mais poluidores, mostrando

que é possível preservar os empregos com direitos e o

nosso planeta.

A responsabilidade de agir é nossa. Vamos?

Ver mais:

http://www.combate.info/index.php?option=com_content&v

iew=article&id=361&Itemid=42

Page 6: Terra Livre 43

5

A emergência do Direito Natural e consequentemente a

consciência dos Direitos do Homem no panorama filosófico

e político na segunda metade do século XVIII fizeram

surgir nas elites políticas e intelectuais europeias uma

sensibilidade, lenta mas progressiva, relativamente a

questões consideradas como dogmas ao longo dos séculos,

como por exemplo, a questão da limitação e separação de

poderes, as liberdades fundamentais, a abolição da

escravatura, a abolição da pena de morte, a emancipação das

mulheres, a repartição justa da riqueza, a legitimidade da

propriedade, etc... No mesmo contexto filosófico-político

alguns filantropos problematizaram e questionaram a relação

de domínio do Homem em relação aos animais. No espírito

de muitas individualidades o recurso à violência para com os

animais, fundamentado na suposta superioridade do

Homem perante a Natureza era tida como imoral, quer à luz

do Cristianismo, quer à luz da Razão. Os maus tratos

aplicados aos animais eram considerados cada vez mais

como resquícios da barbárie e da incivilização dos

antigos tempos do obscurantismo. O Homem entrara numa

nova nova idade da História, a idade da Razão e do

progresso moral e essa evolução tinha necessariamente de

se refletir na relação homem - homem e homem - animal.

Não tardaram a surgir propostas para que o poder político

adotasse medidas de proteção aos animais.

Os primeiros esforços legislativos contemporâneos para

proteção animal contra os maus tratos dos humanos surgem

no Reino Unido no início do século XIX. Em 1800,

Sir William Pulteney tenta introduzir no código jurídico

inglês uma lei que proíbe o bull-baiting, projeto-lei recusado

pelo Secretário da Guerra William Windham (1750 - 1810)

com o argumento de que tal lei era contra o entretenimento

das classes populares da sociedade inglesa. No ano seguinte,

William Windham rejeita uma outra proposta legislativa de

proteção animal, da autoria de William Wilberforce (1759 -

1833) fundamentando que tal lei tinha sido idealizada pelos

metodistas e jacobinos com a intenção de destruir o ―antigo

caráter inglês pela abolição dos desportos rurais‖. Mais uma

tentativa surge em 1809 pelo Lord Chancellor Thomas

Erskine (1750 - 1823), ao propor uma lei de prevenção da

crueldade sobre os animais, aprovada na Câmara dos Lordes

mas rejeitada na Câmara dos Comuns. Uma vez mais

William Windham insurge-se contra tais propostas

legislativas, alegando desta vez que eram incompatíveis com

os tão populares divertimentos da caça à raposa e a corrida

de cavalos.

Após estas tentativas frustradas finalmente surge a primeira

lei de proteção animal. É a lei Act to prevent the cruel and

improper treatment of cattle (Lei de prevenção ao tratamento

cruel e imprópio do gado) mais conhecida pelo nome do seu

autor, "Martin's Act". Esta lei, da autoria do deputado

Richard Martin (1754 - 1834) foi aprovada pelo parlamento

britânico em 1822. A designação ―gado‖ no título da lei

apenas incluía boi, vaca, ovelha, mula, e burro, deixando de

fora outras espécies como o touro e o cão que foram

englobadas na lei em atualizações posteriores (leis de 1835,

1849 e 1876).

O primeiro julgamento ao abrigo do Martin‘s Act foi o de

Bill Burns, vendedor de fruta ambulante, que agrediu o seu

O INÍCIO DA CAUSA ANIMAL

Page 7: Terra Livre 43

6

burro de carga. O caso na altura ficou famoso em Inglaterra

devido ao facto de o próprio Richard Martin ter acusado

Bill Burns e durante julgamento ter levado o burro à sala do

tribunal como prova das agressões para espanto dos juízes e

público assistente.

Richard Martin, Willian Wilberforce e outros estiveram

envolvidos na fundação da Society for the Prevention of

Cruelty to Animals em 1824, a primeira instituição do

mundo dedicada à proteção animal. Esta instituição

conseguiu fazer com que o Martin's Act de 1822 fosse

alargado no seu âmbito pela Cruelty to Animals Act (lei da

crueldade sobre os animais) de 1835, que abrangia cães e

outros animais domésticos, abolia o bear-baiting e a luta de

galos, assim como imponha melhores condições para os

animais nos matadouros. A legislação de proteção animal

inglesa foi sendo sucessivamente consolidada e ampliada ao

longo do século XIX pelas leis de 1849 (Cruelty to Animals

Act 1849 ), e de 1876 ( Cruelty to Animals Act 1876 ) de

modo a abranger gradualmente mais espécies animais e

modalidades de tratamento cruel ( consultar o site Animal

Rights History para ter uma noção da produção legislativa

inglesa sobre a proteção animal). O Reino Unido surge

assim como o "berço" do movimento da causa animal e da

legislação de proteção animal na contemporaneidade, sendo

em breve trecho imitado por outros países europeus e

americanos.

E em Portugal?

Em Portugal pouco se conhece sobre o estado de

consciencialização para o bem estar animal na primeira

metade de oitocentos. Percebe-se no entanto que a

problemática da proteção animal está intimamente

relacionada com as corridas de touros ou touradas.

Existem referências para este período indicadoras de que as

corridas de touros seriam mal vistas por certas pessoas.

Sabe-se que um dos governadores do reino na ausência da

corte no Brasil, o Principal Sousa (17-- 1817) se esforçou

por proibir as touradas entre 1810 e 1817. Nas cortes

constituintes (1821-1822) o deputado Borges Carneiro (1774

- 1833) apresentou à câmara constituinte um moção para a

abolição das corridas de touros. No debate parlamentar

perguntava ele aos seus colegas deputados: « Ora qual foi o

fim da natureza criando estes animaes [os touros]? foi para

que o homem se podesse servir delles, e quando muito que

sei servissem para seu sustento; mas não foi de certo para

que os martyrizasse, os enchesse de flexas, e se divertisse

com elles, destruindo-os pouco a pouco por meio do fogo e

do ferro. Taes não forão os fins para que a Divindade pôz

os outros animaes debaixo do poder do homem.» Apesar da

sua retórica e eloquência a moção foi rejeitada.

Com o advento do Setembrismo, o ministro do Reino Passos

Manuel (1801 -1862) governando em ditadura, aboliu a 19

de setembro de 1836 as corridas de touros. Porém esta lei foi

revogada no ano seguinte com Carta de Lei de 30 de junho

de 1837. Com a Carta de Lei de 21 de agosto de 1837 as

receitas das corridas de touros realizadas em Lisboa

revertiam para a Casa Pia e as receitas das touradas

realizadas nos restantes municípios do território português

ficavam afetas às Misericórdias ou a outras instituições pias,

associando assim as touradas à caridade, o que deu mais um

argumento a favor dos defensores da tauromaquia.

Fonte: http://blog-de-

historia.blogspot.com/search/label/Prote%C3%A7%C3%A3

o%20animal

Page 8: Terra Livre 43

7

Neste número do boletim ―Terra Livre‖ apresentamos

um conjunto de textos extraídos do livro

―Tauromaquia Terceirense‖, da autoria de Pedro de

Merelim, pseudónimo de Joaquim Gomes da Cunha,

que, nascido no concelho de Baga, chegou aos Açores

integrando o Corpo Expedicionário Português, durante

a Segunda Guerra Mundial.

Através da investigação histórica de Merelim podemos

conhecer melhor o que foi a tauromaquia na ilha

Terceira, as barbaridades cometidas sobre os animais,

as mortes e feridos causados pelas touradas, o

envolvimento dos políticos nomeadamente em

períodos eleitorais, os danos causados à economia da

ilha, a condenação das touradas por parte de alguns

visitantes e as divergências entre os defensores das

touradas de praça e as de corda.

Embora a luta pela defesa dos animais e no caso

específico pela abolição das touradas seja transversal a

todas as ideologias e crenças, nós como anti-

capitalistas e anti-autoritários, consideramos que é

imoral, nomeadamente numa altura em que se exigem

sacrifícios a todos os que vivem do esforço do seu

trabalho, que uma actividade que se só existe aliada à

tortura animal seja apoiada por dinheiros públicos.

M. S.

1

Zangam-se as comadres, sabem-se as verdades

―Já começaram nesta ilha as touradas de corda,

divertimento bárbaro e estúpido, de que o Sr.

governador civil substituto é fiel apaixonado‖ . E

depois de enumerar os lugares que promoviam tais

divertimentos, o autor remata:

―Excelente serviço o que nos está prestando o Sr.

Visconde das Mercês, com as corridas de toiros!

O nome de sua Ex.ª há-de passar à história da

tauromaquia na ilha Terceira…

Mas que fazem os empresários das praças, cujos

interesses são lesados conjuntamente com os da

Fazenda Nacional?

Calam-se, o Sr. governador civil – que parece dar o

cavaco para ver gente estropiada, e os pobres animais

espicaçados – vai concedendo licenças por dá dá

aquela palha!

PARA A HISTÓRIA DAS TOURADAS E DA SUA ABOLIÇÃO

Page 9: Terra Livre 43

8

Tristíssimo‖

2

Touradas e Pão

Pela nossa autoridade

Dizem que não são permitidas

De cordas desta cidade;

Por Deus, senhor, piedade,

Tende nós compaixão;

Hajam touros, haja vinho,

P‘ra alegrar o Zé Povinho

Embora lhe falte o pão.

3

O ópio

―As touradas de rua continuam a esmo por todos os

cantos da ilha, talvez por estarmos no ano de eleições,

não obstante a campanha já um tanto disfarçada de A

União.‖

Consta em São Mateus vai haver também uma tourada

como que, para pagar uma promessa! Uma criança foi

ferida ali numa das últimas touradas e a família

comprometeu-se a que, se o pequeno se curasse, que

daria à sua custa uma outra corrida. O pequeno curou-

se e a tourada vai-se fazer‖ (em 1910)

4

Bárbaro divertimento

Na freguesia das Doze Ribeiras, em 6 de Agosto

[1910] um dos toiros ―pegou num pobre homem,

atirando-o contra o tanque próximo da igreja‖. Faleceu

cinco horas depois, numa casa em que noivos

festejavam o seu enlace nesse dia frente ao altar.

Embora casado pela terceira vez, o finado era ainda

homem novo. – A propósito, lemos: ―Que grandiosa

seria a lista que se tivesse feito com o nome de todas as

vítimas que tem causado esse bárbaro divertimento.

Mas o povo quer é toiros para fazer esquecer o peso

das suas desgraças!‖

5

Insensibilidade face ao sofrimento alheio

Das muitas e usuais touradas à corda nesta ilha

realizadas em 1893 a da vila da Praia, em 15 de

Outubro, assinalada ficou. Numerosas pessoas, de

ambos os sexos, para a seu talante gozar o espectáculo

empoleiraram-se sobre o mercado do peixe, sítio

próximo do toiril. Mas quando a saída do segundo

bicho se aguardava, cedendo ao peso excessivo, o

telhado do barracão aluiu, envolvendo na derrocada –

numa amálgama de corpos, homens e mulheres, rostos

convulsionados e trajes descompostos pela aflição,

quantos a sangrar, quadro de dor e promiscuidade –

toda aquela gente. Trinta feridos se contaram, dois com

gravidade.

A diversão, no entanto, prosseguiu até ao fim, como se

nada tivesse acontecido.

Nota - Títulos e sublinhados da nossa

responsabilidade

Entra em acção

Assine a petição aqui:

http://www.peticaopublica.com/PeticaoVer.aspx?pi=A

NIMAL

Page 10: Terra Livre 43

9

Os primeiros dias do mês de Fevereiro foram

agitados para os lados dos defensores das sessões

de tortura animal mais conhecidas por touradas.

Com efeito, a realização do II Fórum dito Mundial

da Cultura (?) Taurina não terá ocorrido com

serenidade, pois foram vários os protestos contra o

uso de dinheiros públicos sem os quais a iniciativa

não se teria realizado.

A falta de serenidade notou-se pelo nervosismo

dos ―porta-vozes‖ do evento referido que

fartaram-se de criticar os jornalistas pela sua

pretensa parcialidade, de mentir acerca do não

recebimento de apoios públicos, de falar sobre o

seu sonho – a sorte de varas – quando anunciaram

que o Fórum nada tinha a ver com esta pratica

ainda mais sanguinária e a criticar as touradas à

corda, dizendo que quem gosta delas são os anti-

touradas, porque o que querem ver é ―porrada‖.

Com a denúncia, por parte de algumas associações

e grupos informais, de alguns milhões de euros de

impostos que são desviados ao investimento em

actividades produtivas para financiar o lobby das

touradas, a nobreza terceirense, que ao longo de

toda a história espezinhou o povo e para o

anestesiar deu-lhe touradas à corda,

nomeadamente em períodos eleitorais, voltou a

apelar à união pois os perigosos anti-taurinos

querem acabar com toda a tauromaquia terceirense

e dos arredores.

Mas, o bairrismo doentio também arrasta alguns

nobres dissidentes ou falidos e alguns intelectuais

de pacotilha, associados a fascistas de esquerda e

de direita, que, achando cruéis as touradas de

praça, consideram que as de corda são dignas de

figurar entre o património imaterial da

humanidade. Bastava que estes pobres de espírito

lessem a obra, de Pedro de Merelim,

―Tauromaquia Terceirense‖, para perceberem que

se hoje estas são mais ―suaves‖ para os animais, já

o foram mais bárbaras e muitas mortes e feridos já

causaram.

Além do referido, as touradas têm sido um

entrave a um desenvolvimento económico

saudável dos Açores, por serem um sorvedouro de

dinheiros públicos que são transferidos para os

bolsos de meia dúzia de industriais da indústria da

tortura animal, por roubarem horas de trabalho

(volto a recomendar a leitura de Merelim), pelo

facto das despesas de saúde advindas dos

ferimentos causados aos ―foliões‖ e não só

ficarem a cargo de todos nós, etc. ...

DANADOS PARA A TORTURA

Page 11: Terra Livre 43

10

Não me querendo alongar, pois os argumentos dos

que gostam de touros, mas torturados, não fazem

sentido, por isso nem merecem ser rebatidos, farei

apenas uma ligeira referência ao de um ganadeiro

que filosofou sobre a grande diferença que existe

entre sofrimento e dor.

Para mim, mesmo que os animais se ficassem pela

dor, eu continuaria a sofrer ao ver um touro ser

maltratado e a sangrar apenas para satisfazer o

sadismo de alguns ou a insensibilidade que foi

incutida a muitos outros.

Também, queria dizer que não é verdade que vai

quem quer às touradas. Com efeito, se não vou

fisicamente, uma parte do meu vencimento,

resultado do meu trabalho, que me é retirado pelos

impostos, está lá presente.

Para terminar, dedico a citação, abaixo, a todos os

humanos sensíveis aos problemas dos sem-abrigo,

à fome que atinge algumas pessoas, ao abandono a

que são votados os animais domésticos, mas que

pela lavagem ao cérebro a que foram sujeitos não

conseguem entender que é possível a todos, seres

humanos ou não (cães, gatos, touros, patos, etc.)

vivermos melhor, em harmonia:

“Era uma vez um czar naturalista que

caçava homens. Quando lhe disseram

que também caçam borboletas e

andorinhas, ficou muito espantado e

achou uma barbaridade.” (Carlos

Drummond de Andrade (1902-1987),

poeta e cronista brasileiro)

Mariano Soares

Page 12: Terra Livre 43

11

O termo «ecologia» foi usado pela primeira vez,

em 1866, pelo biólogo alemão Ernst Haeckel,

na sua obra Generelle Morphologie der

Organismen. Segundo ele, a ecologia é ―a

investigação das relações totais do animal tanto

com o seu ambieente orgânico como inorgânico.

A Ecologia, que só a partir de 1919 deixou de

ser um ramo da Biologia, pode ser definida

como a ciência que estuda a dependência e a

integração entre os sistemas biótico e abiótico

da Terra.

Ao considerar que o homem vive,

simultaneamente, num ambiente natural, social

e psicológico Julian Huxley advoga a

necessidade de se ampliar o conceito de

Ecologia. Assim, segundo ele, a Ecologia Social

―lida com as relações sociais do homem, tanto

dentro como entre as sociedades humanas‖ e a

Ecologia Psicológica ―preocupa-se com as

relações individuais e colectivas do homem,

com as forças e recursos da sua natureza íntima

e o mundo das ideias, crenças e valores que ele

criou e com os quais se cercou‖. É, no entanto,

importante separar a Ecologia como ramo do

conhecimento científico, da Ecologia como

fenómeno sociopolítico.

―Ecologismo‖ é o termo usado para designar a

globalidade dos movimentos de feição sócio-

política centrados em torno da Ecologia.

O movimento ecologista fundamenta a sua

actuação em dados fornecidos pela Ecologia

cientifica, mas enquanto que a Ecologia

científica pode servir de instrumento à

construção de uma nociedade industrial

preservada, os principais mentores do

ecologismo lutam por uma ruptura imediata,

propondo um outro modelo de sociedade.

O termo ―Ecologismo‖ possui, segundo o seu

criador, também a vantagem de unificar as

acções práticas do movimento ecologista, sem

esquecer a sua profund.a diversidade.

No mundo inteiro, o Ecologismo é contestação

do sistema energético que modela as sociedadcs

industriais do Leste e do Oeste. Porém não

apresenta plano da sociedade ideal — nem

sequer projecto preciso de sociedade. Nem

revolucionário, no sentido histórico do termo,

MEMÓRIA ECOLÓGICA: ECOLOGIA E ECOLOGISMO

Page 13: Terra Livre 43

12

nem reformador, sonha em opôr aos Estados-

nações um «planeta de federações» que

corresponda aos princípios ecológicos do

respeito pela diversidade.

Embora, o movimento ecologista não possua

uma linha única, nem tão pouco um corpo

doutrinário homogéneo, possui, segundo

Dominique Simonet, três características:

1º — Para os ecologistas as actividades

humanas não são reduzidas a meras relações de

produção; a ecologia política tira o homo

economicus do seu quadro intrincado de

trabalhador-consumidor para o considerar como

um ser único dotado de desejos e de uma

cultura. A noção do melhor ser opôe-se à do

mais ter, o processo social a crescimento

económico. Os ecologistas não se interrogam

somente acerca da propriedade dos meios de

produção, mas também sobre a sua natureza e o

seu desenvolvimento.

2º — Embora o movimento ecologista não seja

uma entidade estruturada, desenvolve todavia

aspirações difusas em que se pode distinguir o

esboço de um desejo político em alguns

elementos centrais; unidades de pequena

envergadura, descentralização regional. ...Estas

propostas condicionam a vida e a organização

do movimento ecologista; inscrevem-se

sobretudo num contexto cultural à margem da

ideologia dominante e suscitam iniciativas

―paralelas‖, indiferentes ao código social em

vigor, que se esforçam por criar «aqui e agora‖,

sem esperar por um hipotético entardecer ou um

«amanhã que canta» como sonhava o

esquerdismo.

3º — Uma ideologia ecologista põe

profundamente em causa o determinismo

científico e técnico que condiciona o

desenvolvimento das sociedades modernas,

interrogando-se sobre a influência do

pensamento científico e sobre o da tecnologia

dentro das escolhas de sociedade e modo de

vida, O movimento ecologista põe antes de tudo

a relação entre a natureza e a sociedade num

século em que o homem «desnaturado»,

encerrado no seu papel social, é a principal

vítima deste antagonismo. Medita sobre as

noções de felicidade e de liberdade, dissociando

uma da abundância, associando a outra à

autonomia e formula ao mesmo tempo uma

moral do comportamento quotidiano, olhando a

sociedade do ponto de vista da natureza e do

indivíduo.

T.B.

(Publicado no jornal ―Diário Insular‖, no

dia 13 de Agosto de 1982)