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tertúlia

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uns escritos de querino, esse livreto publicado pelo selo candeeirocafe em agosto de 2012

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tertúlia

querino

e fazemos poesia porque antes fomos fruto mastigado ao ventre dela (em Serendipite, poema de Caio Resende)

(só os encontros são reais)

arre, esses dias de extremo alvoroço!

quando vamos dançar para a nossa liberdade,

quando vamos celebrar ao que somos!?

porque não somos esta máscara de orgulho

que costumamos vestir,

não somos o recato de nosso cotidiano.

não

, somos mais

além:

somos sangue e músculo,

sangue e músculo e

suor

não a forma,

mas a experiência:

nossos corpos cruzando

a linha de nossas vidas

feito a verdade que esquecemos de acreditar.

dos começos muito precisos o corredor é tão estreito quanto as ruas de nossa fuga,

por onde cantaremos até o blues bater

reflexos vermelhos em nossos olhos –

eis o momento mais exato,

compreendo tudo:

o bar fechado e aquela fumaça de cigarro subindo

quarta ou quinta, eu acho

uma cachoeira me visita a memória

aquele bichano uma onça

aquela noite (esta) uma descoberta

sem qualquer reação

apenas as teclas do piano

e eu sei

eu sei que não dormiremos até amanhã

então me beije uma vez mais

sob esta chuva de lá fora

– bem dentro eu me entrego sem reserva.

cenas da criação

todas as coisas nesse instante agora

todos os versos de um poema

todas as manhãs de nossa partida

e os paraísos descobertos

para a nossa mais perfeita compreensão de tudo

– aquela trilha, aquela pedra

onde deitamos nossos corpos em silêncio

na plenitude da nudez familiar

uma queda d’água sobre meus ombros

e você perto

eu encontrava razões e logo as descartava todas

você apenas se estendia ali

agora.depois

nossas pernas e pés encruzilhados em liberdade

atávicos, mas sem rastro de sentença alguma

apenas o acontecimento

– saciedade

todo rastro é uma sedução definitiva, ou Rituais

edgard neto, querino

Esses telhados que nos inundam a vista

fazendo crer em tudo o que é dito

através desses olhos

que a noite esculpiu;

eu não teria muito o que fazer –

haverá para sempre esses belos olhos para a noite

a mão estendida o que se faz

quando ninguém mais vê

o que talvez seja apenas isso

café posto à mesa

uns versos escritos

na expectativa do que sucede

as luzes acesas

canção

uns passos que –

e então o silêncio) é a mão Aqueles olhos sempre imersos, aspirados

na teia que tece branca

a vida do outro

lado

a dizer o que não se diz

a esquecer também

a não saber

a se deixar levar, porque é assim que se faz

é assim que se quer

o desejo a escolha o alcance

a beirada

e então o silêncio) é a mão

ESTENDIDA

na praça da pedra, arespeito do candeeirocafe caio resende, frank morais, querino

pois a inocência só é bela

quando não há nada para além do

momento,

quando os corpos povoados de presença

reinventam a própria pele na orgia;

outra maneira de sentir,

uma outra maneira do sentir:

o conhaque mais forte no peito

cigarros queimando nos cinzeiros da memória

conversas que respiram povoadas de ausência

as paredes retorcidas nesse estranho novelo de espelhos dilacerados

quando os interditos já são claros demais para falarmos

enquanto a Pedra povoa nossas almas de peito inflado

comboio de apontamentos desconhecidos –

sê, candeeiro, feito a Hercílio Lima: alma extraviada

no coração de Conquista

– tudo isso sussurros do que ainda não dizemos

do que iremos dizer quando

(os passos tremendo

ante esses estranhos rios de orelhas profundas e metais

submersos –

paisagem estendida por sob os cacos de nossas unhas

à luz de desenhos opacos ao entardecer

leituras descortinadas

entre um trago e outro

enquanto um tinto galga em nosso sangue

uma revoada de anjos trôpegos em sua eternidade).

que toda a noite te torne humana: obra diego oliveira, platini, querino

Esses traços que nos entregam à vista

essas questões de descoberta e companhia

essa fidelidade de um tinto compartilhado

a mão estendida,

um cigarro aceso

(um maço inteiro numa manhã de abril)

conversas tolas sobre alguma consciência

que talvez nos falte agora

a exatidão de poemas mal escritos e alugueis atrasados

o pó estendido através de prestações desperdiçadas

a cor por entre as frestas de um sonho

sobre como a noite vai desenhando os encontros

e como tudo isso é diferente do resto, vozes

contra o vidro embaçado –

daqui a pouco a chuva irá nos atrasar

mais uma vez –

e o que dizer da estranha disposição de tudo

da necessidade de nos mantermos vivos

dessa absoluta presença do vazio

gestos perdidos fazendo sombra no chão molhado

em contraponto à luz do poste

que denuncia aos míopes se a chuva ainda está ali

ainda com o reflexo do desprendimento

rabiscado em papel manteiga

desde que reviva intensa

I

: esse blues vai se arrastar até a noite não ter fim,

você me diz

mas noite já não é

então respeite as bitucas pelo quarto

e o gosto que fica

na espreita; traços de força

duma fome que ainda é

essa canção que apenas a manhã traz

quando a cada passo

é preciso dizer amém, salvação

o fato de apenas lá

e o que sucede a tudo isso

o corpo ainda

sobre uma tela de rothko (ao som de algum Tomasz Stanko)

assim que o corpo penetra o silêncio

logo atrás da porta

há todo o instante

indesculpável e verdadeiro

absurdamente real

a sequência dos fatos, a saber:

a silhueta que se move no escuro

rastando entre saliva e suor

não diz mais que a presença

interminável

de exatidão e poder:

sabedoria e música ancestral,

geme a aliança –

para apenas ser não é preciso muito:

basta –

(a partir de um retrato da moça)

os caminhos já conhecidos são feitos de calma

e uma leve paixão

por tudo o que ainda permanece:

em teu corpo eu vejo desejo, há essa fala de multidão

permeando tudo –

eu te observo da janela,

de onde a cama está impregnada

de possibilidade,

cheiro e prazer, suor:

meu corpo descansa ao teu

(mas uma canção nos desenha num entorno de samurais

em pleno reconhecimento –

não estaremos a salvo até a manhã)

... O outro, como uma arte inquieta e imprevisível, como o próprio futuro,

é um mistério (num desses ensaios de Z. Bauman)

e assim, talvez

as cortinas finalmente revelem

as estranhas e, por isso, belas formas

de vida

e o desespero

à beira de quase e tudo

entre uma coisa e outra, imerso

Intermezzo

até nos atentarmos a esse sol, o chão

cor de poeira:

a que estranha festa me convida,

minha cara? não sei mais

das respostas que procuro, das vontades

que atravessam (

os detalhes todos, tão irreconhecíveis

que confundo o meu nome

na saída)

mais um pouco essas paredes desabam

tigres soltos na sala

desenhando essas vestes

de torpor e loucura

como se fosse possível

estamos aqui

é isso

planos de sequestro caio resende, ian c.lima, querino

te conhecer envolve perigo:

tua presença mastiga o cristal

e o levantar de templos,

o espelho humano de abraçar porvires

– que cristais são estes, intocáveis,

que tu mastigaste

com presas de suavidade,

que me tentaste contra o peito

num ato de liberdade?

a árvore do bem e do mal te chamou, bossa nova,

e os pêlos de meu corpo louvaram aos céus (

pois mesmo se

os mares da saudade me afogassem o coração,

eu seria ave na língua

a oscilar nesse aberto

estreito:

ahh desce mais

e me seja pés descalços na areia da praia:

em meu peito, mulher,

há uma fome de nação.

(chegando a ser dia) pablo luz, querino

ar de madrugada

nas mais azuladas sensações de seus bocejos

em reverência, o motor para

a máquina do mundo para

estamos ali

estamos todos ali

e nada mais nos convém

estamos sós

e a primeira brisa da manhã

o mar inteiro sob nossos pés messiânicos

eternidade e eternidades

conhecemos

infinitude

saciedade de nossas cargas sedentas

bastante apenas no aprofundado pisar de areia

apenas a brisa

conhecemos

e eu sou

somos

num azul sem horizonte

o mar

(foi ontem)

Eis o lugar onde poemas são escritos

entre corpos espalhados pela casa

as paredes caindo

e a mão estendida

a tocar o outro lado

onde sabemos muito bem quem somos

num território de tamanha presença

essa noite comove

e há tantas canções por aí

quem sabe se

sobreviveremos

Publicado em agosto de 2012 (1ª edição, ebook)

Capa, fotografia: giselli moreira

candeeirocafe.wordpress.com