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Escola Superior Tecnologia de Tomar António Manuel Fonseca Peleja “Na rota do minério” Entre a Mina e o Pomarão Projecto Autoral Orientado por: Professor António Ventura - Instituto Politécnico de Tomar Projecto apresentado ao Instituto Politécnico de Tomar para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Fotografia I

Tese Mestrado

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Projecto Autoral “Na Rota do Minério” António Peleja

Escola Superior Tecnologia de Tomar

António Manuel Fonseca Peleja

“Na rota do minério”

Entre a Mina e o Pomarão

Projecto Autoral

Orientado por:

Professor António Ventura - Instituto Politécnico de Tomar

Projecto apresentado ao Instituto Politécnico de Tomar

para cumprimento dos requisitos necessários

à obtenção do grau de Mestre em Fotografia

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Dedico este trabalho ao meu pai,

nascido na Achada do Gamo, local hoje em ruínas.

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Resumo

Projecto autoral de fotografia, tendo como cenário o percurso que separa a Mina de São

Domingos do Pomarão, ao longo do trilho do minério.

A paisagem fortemente humanizada, um território agreste e abandonado.

Um percurso sobre esta terra árida, um olhar sobre o património construído, a

arqueologia industrial um pensar a memória pois sem memória não há aprendizagem, são

as aprendizagens mantidas na memória que suportam novas aprendizagens.

A estampagem da fotografia em livro, como um pouco da memória de um povo, a

construção de uma identidade do lugar, o papel documental da fotografia.

Um livro de campo, que permita a discussão, o modo de interpretar do leitor, um livro

aberto, que possa, também ele, ser reescrito. Um livro onde a fotografia entra no campo

das artes e se associa à gravura e à serigrafia, como parte integrante.

Um desafio à dúvida, que pretende estimular o pensamento crítico. A proposta de uma

análise entre a linguagem e a representação, sublinhando a distância entre a imagem, a

palavra e a objecto.

Palavras chave: Fotografia, Paisagem, Território, Arqueologia Industrial, Memória,

Identidade, Caminhos

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Abstract

Authorial photography project against the backdrop of the route that separates the Mina

de São Domingos do Pomarão along the ore rail.

The highly humanized landscape a wild and abandoned territory.

A journey on this barren land, a look at the built heritage, industrial archeology think

one memory because without memory there is no learning, apprenticeships are held in

memory supporting new learning.

The printing of the book in photography, as a little memory of a people, to build an

identity of the place, the role of documentary photography.

A book field that allows the discussion, how to interpret the reader, an open book,

which can also be he be rewritten. A book where the photo comes in the arts and is

associated with engraving and screen printing, as an integral part.

A challenge to doubt intended to stimulate critical thinking. The proposal of an analysis

between language and representation, emphasizing the distance between the image, the

word and the thing.

Keywords: Photography, Landscape, Territory, Industrial Archaeology, Memory,

Identity, Paths

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Agradecimentos

Esta tese que aqui apresento, não teria sido possível realizar-se sem a ajuda, orientação

e apoio de várias pessoas, que directa ou indirectamente contribuíram para o meu

crescimento, enquanto pessoa, estudante e profissional.

Ao professor do Mestrado António Ventura, que para além dos conhecimentos

transmitidos através do Mestrado, se prontificou em aceitar o meu pedido de orientação do

estágio. Esteve sempre à distância de um click, no entanto com um sentido crítico muito

apurado que me fez repensar algumas ideias e reformular outras tantas.

À família todo o apoio incondicional que desde o primeiro ano de Mestrado têm

demonstrado e a compreensão pelo tempo que não lhes dediquei por estar absorvido entre a

fotografia e os estudos.

Aos meus colegas de curso, pela disponibilidade sempre demonstrada no apoio ao

esclarecimento de dúvidas e ao debate salutar que sempre soubemos manter sobre a área de

estudo.

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Índice Geral

Dedicatória …………………………………………………………………………… III

Resumo ………………………………………………………………………………... V

Abstract ……………………………………………………………………………… VII

Agradecimentos ……………………………………………………………………..... IX

Indice Geral …………………………………………………………………………... XI

Indice Imagens ……………………………………………………………………… XIII

Introdução ……………………………………………………………………………... 2

1. Objectivos …………………………………………………………………….. 12

2. Conceito ………………………………………………………………………14

2.1 Metodologia ……………………………………………………………… 16

2.2 Capítulos

2.2.1 Primeiro Capítulo ………………………………………………… 20

2.2.2 Segundo Capítulo ………………………………………………… 22

2.2.3 Terceiro Capítulo ………………………………………………… 24

2.2.4 Quarto Capítulo ………………………………………………….. 26

2.3 Design

2.3.1 Tamanho …………………………………………………………. 28

2.3.2 Materiais ………………………………………………………….. 28

2.3.3 Tipografia ………………………………………………………… 29

2.3.4 Layout …………………………………………………………….. 29

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3. Influências Teóricas …………………………………………………………... 34

4. Imagem e Documento ………………………………………………………… 39

5. Projectos de referência ……………………………………………………… 44

4.1 Toshio Shibata …………………………………………………………… 45

4.2 Kerényi Zoltán ………………………………………………...………… 47

4.3 Jonah Lerher …………………………………………………………….. 48

4.4 Sean Hemmerl …………………………………………………………… 49

4.5 Duarte Belo ……………………………………………………………… 50

4.6 João Henriques …………………………………………………………… 51

6. Conclusão …………………………………………………………………….. 53

7. Bibliografia …………………………………………………………………... 56

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Indicie de Imagens

Fig.1, Fotografia da exposição “Na Rota do Minério”, Achada do Gamo.

Fig.2, Fotografia da exposição “Na Rota do Minério”, vista da Achada do Gamo para a

Moreanes.

Fig.3, Print Screen de uma das páginas do CEMSD Centro de Estudos da Mina de São

Domingos..

Fig.4, Pontilhismo

Fig.5, Serigrafia em 3 camadas, a qual serviu de Cartaz às exposições de “Espelhos da

Memória”.

Fig.6, Gravura em chapa com mordida a ácido.

Fig.7, Foto de locomotiva na Mina de São Domingos e que saiu numa das edições do

Jornal “O Gasómetro”.

Fig.8, Primeira página do Jornal “O Gasómetro”.

Fig.9, Antigo troço do caminho de ferro.

Fig.10, Caminhos. Fig.11, Rios e suas Pontes. Fig.12, Água forte, poluição em forma de côr.

Fig.13, Camadas. Fig.14, Território. Fig.15, Humanização Fig.16, O Cais, no grande rio do sul, o Guadiana. Pomarão.

Fig.17, Obra de João Hogam vs registo de António Peleja

Fig.18, Cristais de enxofre e metais pesados

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Introdução

No sentido de clarificar o projecto que se apresenta é importante recuar um pouco no

tempo e revisitar o meu passado enquanto autor, puxando à memória um conjunto de

trabalhos que venho a desenvolver em simultâneo em redor deste território.

A Mina de São Domingos, situa-se no Baixo-Alentejo, concelho de Mértola, distrito de

Beja. Desde o império romano que o seu sub-solo é explorado, sendo que em 1854 com a

sua redescoberta por Nicolas Biava a mando de Ernest Deligny se tornou no maior polo

industrial do distrito.

Com a extracção de cobre e pirite no seu auge era necessário o seu escoamento, e todas

as atenções se viraram para o grande rio do sul o Guadiana, mais precisamente o Pomarão.

Dado a sua distância, 17Km, da Mina de São Domingos, procedeu-se à construção de um

wagonway ou tramway (segundo denominação da época). A inauguração do “wagoway -

tramway” que ligou a Mina de São Domingos ao Pomarão foi em 1860, primeiramente

movido por moares, só mais tarde deu lugar às locomotivas a vapor em (1863) com a

chegada da primeira máquina à Mina de São Domingos.

Por ordem cronológica o primeiro trabalho “Na Rota do Minério” é um trabalho de

fotografia que é o somatório de alguns anos de registos que lançam um olhar sobre a

desolação do lugar, a perda constante de identidade, um trabalho que desenvolvi

especificamente para os habitantes do lugar, pessoas privadas de mobilidade que assim

podiam exercitar a memória e trazer até nós pedaços de história oral, um conjunto de mais

de cem imagens impressas, que esteve em exposição na Mina de São Domingos e em

Castro Verde, esta segunda localidade só entrou por ser uma terra com tradições mineiras e

o lugar que escolhi para viver e no qual fui convidado a expor o meu trabalho.

A fotografia aqui era mais descomprometida, neste momento existia uma procura total

da imagem como despoletar de sensações a preocupação constante de alcançar o

sentimento do espectador de o trazer para dentro da imagem de o integrar, não existindo

grande preocupação nos enquadramentos e outras questões mais técnicas. (Fig. 1 – Fig. 2).

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Fig. 1 – Achada do Gamo

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Entretanto e depois deste primeiro contacto directo com a comunidade, ficou a ideia de

que por detrás de todo este povo, agora envelhecido existiam um sem número de

descendentes que por força das circunstâncias da vida, tinham sido obrigados a abandonar

este lugar, mas que em Portugal ou no estrangeiro, sentiam uma saudade enorme de voltar

a rever a sua terra, o seu lugar.

Através de pesquisas que efectuei na internet cheguei à conclusão que existia um grande

interesse por parte de mestrandos e doutorandos sobre a Mina de São Domingos, em várias

áreas de investigação, mas a informação estava dispersa e era difícil.

É nessa altura que, com mais um grupo de pessoas me envolvo num projecto da criação

de um CEMSD (Centro de Estudos da Mina de São Domingos),

http://cemsd.minadesdomingos.com/ (Fig.3) um “local” onde está reunida toda a

informação que vamos conseguindo sobre a Mina de São Domingos, o CEMSD já foi

referenciado em várias obras, entre elas o destaque dado pelo Professor Doutor Jorge

Custódio no seu último livro MINA DE S. DOMINGOS TERRITÓRIO, HISTÓRIA E

PATRIMÓNIO MINEIRO.

Fig. 3 – Página do CEMSD

Este projecto é ainda apoiado por uma página no Facebook que tem como interesse

captar informação para o CEMSD e ao mesmo tempo manter um contacto directo com

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Fig. 2 – Vista da Achada do Gamo para a Moreanes, no trilho do minério

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todos os que estão longe, e é mais uma vez aqui que a fotografia desempenha o seu papel

de prova documental, e nos aproxima o olhar do pensamento criando um ponto de fusão

mágico. https://www.facebook.com/groups/Amigos.da.Mina.S.Domingos/

Um terceiro projecto ainda em torno deste lugar nasce mais tarde e inserido na

licenciatura de Artes Plásticas e Multimédia (APM), é um trabalho onde são aplicadas

várias técnicas como sejam, Fotografia, Gravura, Monotípia, Pontilhismo e Serigrafia.

Quase todas estas técnicas têm como base a transferência de imagens através de negativos,

tendo assim uma ligação muito directa com a fotografia. Este conjunto de trabalhos

integrou uma exposição sob o tema “Espelhos da Memória” e esteve patente ao público na

Mina de São Domingos, Castro Verde, Beja, Vila Verde Ficalho, Coimbra, Sacavém,

Aljustrel e Viana do Alentejo. (Fig.4, 5 e 6)

Fig. 4 – Pontilhismo

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Fig. 5 – Serigrafia 3 camadas

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Fig.6 – Gravura em chapa com mordida a ácido

Com este novo projecto pretendi criar no espectador a ideia de que a fotografia e o seu

processo analógico é a base de muita arte contemporânea.

As imagens despoletam os sentimentos, trazem à memória recordações longínquas e

inspiram a palavra escrita feita poesia, a fotografia assumidamente documental tem um

papel importantíssimo na cultura e preservação da identidade de um povo.

De um simples registo fotográfico podem-se desenvolver páginas de informação, só

precisamos de pormenor de análise e ao mesmo tempo de algum trabalho de investigação.

Nesta procura e desta necessidade de aprofundar a imagem, nasceu o meu interesse há

cerca de um ano por começar a espicaçar mentalidades, a provocar recordações e assim

lancei o repto a todos os participantes no GAMSD para que me entregassem as suas fotos,

os seus registos, as suas histórias. Tem sido um trabalho lento mas que tem dado

resultados, neste momento estão publicadas doze edições de um jornal mensal “O

Gasómetro” que pretende dar voz às imagens do passado, a par das suas histórias e da sua

contemporaneidade. (Fig. 7 e 8).

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Fig.7 – O Gasómetro

Todos estes projectos foram criando em mim um apetite insaciável de descoberta, e ao

mesmo tempo uma grande necessidade de registar os momentos e gravá-los para gerações

futuras. Sinto no entanto que está na altura de “abandonar” o território, fechar este capítulo

e dar lugar a novos projectos, novos territórios.

Quando abracei esta nova fase de estudos, o mestrado em fotografia, reconheço que

desde muito cedo o meu ponto de convergência em todos os planos de estudo se viraram

para o encerrar deste capítulo e a publicação de um livro sobre o trajecto percorrido pelo

minério entre a Mina de São Domingos e o Pomarão.

Não existe ao momento nenhuma publicação do género que pretendo editar, nem com

este trajecto, logo penso para além do acrescentar de documentos que poderão ficar para a

história como registos documentais este livro poder ser uma mais valia para os

caminhantes e pessoas que nutrem interesse pela história e abandono destas Minas.

Para além da fotografia de território, as questões ligadas à memória e à identidade,

outros dos motivos que me movem, prendem-se com laços afectivos a este lugar.

O meu pai nasceu na Achada do Gamo um local a caminho do Pomarão onde existiam

as fábricas de enxofre, nas quais o meu avô trabalhou, eram tempos difíceis são histórias

difíceis de esquecer. A Achada do Gamo está abandonada há muitos anos, sendo que

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Fig.8 – O Gasómetro Nº1

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os meus avós foram o último casal a abandonar o local, neste momento pouca pedra resta

sobre pedra.

Este novo projecto fixa-se entre a fotografia de Paisagem e Território e a fotografia de

Património Industrial, o lugar é sobejamente meu conhecido, por isso mesmo, cheio de

vícios e planos pré-produzidos, depois de uma primeira ronda de registos não senti ter

acrescentado nada ao anterior, houve um processo difícil de afastamento do lugar, um

tentar esquecer, trilhar outros caminhos abrir outros planos, não fugindo ao objectivo

principal. Procurar no arquivo, ordenar, excluir, revisitar.

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“Não fazemos uma foto apenas com uma câmera; ao acto de fotografar

trazemos todos os livros que lemos, os filmes que vimos, a música que

ouvimos, as pessoas que amamos.” – Ansel Adams

SÃO OBJECTIVOS…

A edição de um livro de fotografia, no entanto um livro que ainda não está finalizado e

que desafia o espectador/leitor a interagir. Será composto na sua maioria por fotografia de

paisagem, sendo no entanto dividido em 4 grandes temas que formam os capítulos e são:

Água / Pontes; Caminhos / Tuneis; Paisagem / Terra / Poluição; Humanização / Património

Industrial.

Construir através da imagem uma relação do espaço com o leitor, um despertar de

memórias e sentimentos, um modo de descobrir o território um apelo à descoberta, um

incentivo a mergulhar na paisagem e percorrer estes trilhos, na procura de novos olhares.

Este projecto autoral pretende apresentar vários tipos de imagem, uma construção visual

do espaço, que varia entre a forma mais narrativa e outra mais artística.

Um livro aberto à escrita ao rascunho, ao desenho, um companheiro de viagem.

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CONCEITO Alguns pressupostos

A elaboração do livro foi o meio encontrado para materializar este trabalho, como Ansel

Adams refere, socorri-me de todo o meu percurso de vida e de todas as minhas memórias

para colocar nesta obra. Será totalmente editado por mim recorrendo a todos os

ensinamentos que fui acumulando ao longo da minha carreira académica, tanto nas Artes

Plásticas como na Fotografia ou em termos profissionais no design editorial. O seu

conteúdo será composto por fotografias como já referi anteriormente, contendo apenas uma

breve descrição introdutória e alguns pensamentos sobre o local, que estarão no início de

cada capítulo.

O trabalho final será a finalização da maquete, de um livro de fotografia, todo da autoria

do mestrando, editado, desenhado, montado e encadernado pelo próprio, recorrendo aos

conhecimentos que adquiriu ao longo do tempo tanto na licenciatura quanto no mestrado.

O livro terá um formato próprio e permitirá o uso de fotografia tipo retrato, panorâmica

ou de paisagem já que as suas dimensões serão ajustadas de modo a não se perder

informação da imagem original.

Através deste livro pretende-se colmatar uma lacuna que existe neste local, (Mina de

São Domingos), onde já muito foi dito e escrito, sem no entanto existir um livro que nos

acompanhe no percurso entre a Mina de São Domingos e o Pomarão, porto de onde saiam

os navios carregados com o minério vindo daquela pequena aldeia alentejana.

Este percurso tem muito da história deste território gravado nas suas encostas e nos seus

trilhos, trilhos onde passavam as locomotivas ou trilhos pedestres que seguiam ao longo do

caminho de ferro.

Uma paisagem humanizada, cortada abruptamente para a passagem dos comboios, ou

simplesmente manchada de casario de apoio à linha ferroviária e ao seu bom

funcionamento.

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Pretende-se que este livro seja um companheiro de viagem, para quem se aventurar

nestes 17 km que separam os dois pontos, um livro onde seja possível tirarem-se notas,

juntar a palavra onde a imagem não for suficiente, ou precise de companhia.

A proposta autoral pretende criar uma relação entre as imagens e o lugar, através da

imagem despida de informação textual. Uma construção visual que consiga levar-nos numa

viagem, fragmentos que possam despertar sentimentos, paixões, recordações.

Utilizo o poder descritivo da imagem para despoletar o poder crítico do leitor, para o

fazer reflectir acerca do território, abrir o lugar à crítica à discussão sobre o belo, do

estético, do pictórico, através de uma estratégia de alinhamento das imagens que despertam

o pensamento para o modo como vê a paisagem e a fotografia de paisagem.

Por fim a abordagem mais plástica que se vai construindo ao longo do trajecto e que

estabelece a ligação entre a natureza e a arte e a fotografia como parte da arte

contemporânea.

Com o avançar do tempo dentro do projecto, são várias as ideias que me assaltaram, a

ligação estreita com o conceito de Atlas, Arquivo, Montagem, Intervalo, induzido por

Warburg, fazem-me repensar o objecto do livro e logo neste capítulo a ideia de utilizar o

meu arquivo de imagens do local, há mais de dez anos que tenho vindo a acumular registos

do local, aqui a questão principal seria de um arquivo com mais de 5000 registos, fazer

uma selecção, uma selecção com tudo o que ela implica, sendo que o mais difícil é a

quebra dos laços emocionais com o registo, uma quebra que tem de ser efectuada para

poder existir um rigor técnico que se sobreponha ao sentimento e nos leve a uma escolha

despedida de sentimentalismo.

Em segundo lugar e não menos importante o alinhamento das imagens, encontrando

entre elas um fio condutor uma linguagem próxima.

Neste registos, são vários os equipamentos utilizados e também aqui não quis ser rígido

na escolha, dado que é um livro de viagem, não seria lógico obrigar-me a um tipo de

equipamento topo de gama, momentos são isso mesmo momentos, e representam o frame e

não a qualidade do equipamento, neste sentido optei por aceitar todos os registos que tenho

sejam de câmeras semi-profissionais ou de um simples telemóvel.

A ideia de valorizar a imagem pelo seu sentido estético, enquadramento, luz, etc… em

detrimento das capacidades e ou qualidades do equipamento. Que defendo sempre ser o

menos importante num registo.

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Metodologia

O processo de construção do livro, passou por várias fases, que passo a descriminar, no

entanto sem uma ordem cronológica porque existiram momentos de pura anarquia. Esta

anarquia como a apelidei teve a ver com o simples facto de por vezes ter de me distanciar

do local, para poder voltar com uma nova abordagem ou tão simplesmente parar de

escrever por simplesmente não ser o momento.

A criatividade não tem hora e data marcada, é muito difícil levantarmo-nos e pensar vou

trabalhar oito horas das x a z com y de almoço, a criatividade aparece quando menos

esperamos, prefiro estar 3 dias sem tocar num projecto do que três dias à volta de uma

página em branco, que acaba por me condicionar a minha liberdade de escrita.

Foi assim entre altos e baixos, que fui superando as várias fases que compõem este

livro, a leitura de textos de referência, a consulta de trabalhos de outros autores, a visita a

exposições, a captação de imagens, a sua selecção, divisão em categorias, montagem,

interacção entre elas, visitas ao local, impressão de provas, escolha do papel, do design, da

tipografia, impressão de maquetes, contactos com gráficas, um processo de escolhas

constantes.

A primeira ideia de alinhamento do livro passava por uma ordem cronológica e simples,

no entanto com o avançar do tempo e com a impressão dos registos comecei a constatar

que não fazia sentido, isto é as imagens não tinham uma leitura simples e uma linha que as

unisse.

Com os conhecimentos adquiridos através do trabalho de Warburg e a construção do

Atlas de Mnemosyne, decidi criar uma “cadeia de transporte da imagem”, criar conjuntos

de imagens e entre eles criar ligações, como na escrita, formar conjuntos de letras que

formam palavras, conjuntos de palavras que formam frases e assim levar o leitor a ler a

imagem e conseguir efectuar um trajecto imaginado, não imaginário que o conduzirá no

seu percurso ao longo deste trilho centenário.

A partir desta ideia surge então a necessidade de separar em capítulos as imagens,

formando uma associação entre elas ainda que atemporal, uma ligação mais sublime, dado

o livro estar ausente de escrita existe a necessidade da construção de uma linguagem

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através da imagem que seja de fácil leitura e fluída, os capítulos são como arquivos,

gavetas onde armazenamos memórias.

A primeira selecção de eliminação acontecia logo que chegava do campo, entre os

registos que interessavam e aqueles que não entravam dentro dos padrões de exigência que

tinha estabelecido a mim próprio, ou que dessem continuidade à linguagem visual. Em

seguida avançava para a divisão em gavetas por temas (água, terra, paisagem, pontes,

caminhos, humanização, etc…), agrupando dessa forma as imagens num processo

arquivista simples.

Trabalhar a memória enquanto capacidade de activar no presente factos do passado, um

atlas de imagens, fragmentos, inacabado, precário em relação à realidade.

É do senso comum que sem memória não existia aprendizagem. A memória divide-se

em vários tipos, sendo 3 os seus principais, Memória Sensorial (origem nos órgãos dos

sentidos, auditiva (ecóica,) visual (icónica), olfactiva, etc.. esta informação senão for

processada perde-se, se for processada passa a Memória Curto Prazo, é um tipo de

memória que armazena a informação recebida da memória sensorial por um curto espaço

de tempo (0,2 – 0,3 seg.) e funciona como uma mão cheia de ovos, só consegue agarrar ao

mesmo tempo um número limitado (7 elementos +ou- 2), a Memória a Longo Prazo, é

alimentada pela memória a curto prazo e retém os materiais durante horas, meses ou

mesmo durante toda a vida. Dentro da memória a longo prazo existem sub temas, memória

declarativa (armazena factos, informações gerais e episódios ou acontecimentos pessoais),

memória não declarativa, (constituída por capacidades motoras, habilidades e respostas

simples), memória episódica, (sud-divisão da memória declarativa, que contém a memória

de eventos, episódios que vivemos pessoalmente) e a memória semântica (espécie de diário

mental autobiográfico, é a nossa enciclopédia e dicionário mental).

“Temo o dia em que a tecnologia se sobreponha à humanidade, neste

momento o mundo só terá uma geração de idiotas.” Albert Einstein

Neste projecto desenvolve-se o tema Memória Induzida, ou seja o conceito por detrás

da obra é, induzir no espectador memórias que o transportem no tempo a anos atrás. Esta

memória será induzida, através de uma série de fotografias que por sua vez vão despoletar

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a Memória a Longo Prazo onde está armazenada a memória semântica. Esta memória que

é o nosso diário mental, a nossa enciclopédia, e que nos fará recuar no tempo ao percorrer

o espaço actual, quanto mais avançarmos mais longe ficamos deste século.

Este percurso, encerrado em gavetas que vamos abrindo aos poucos e das quais

desdobramos memórias, vai-se adensando e envolvendo o espectador numa ordem que nos

leva ao escuro dos tuneis que se espalham ao longo deste percurso.

O livro, objecto, permite uma série de intervenções visuais e conceptuais, como a não

utilização da palavra escrita, substituindo-a por caracteres gráficos que nos ajudem a

separar os capítulos. Aplica-se ainda o negro como elemento que serve de intervalo entre

imagens que ajuda o olhar a esquecer e limpar do último registo.

Após a primeira selecção de registos, depois de impressos eram dispostos no chão e

mais uma vez se seleccionavam e agrupavam dentro dos capítulos, estabeleciam-se

ligações entre eles, ligações de variadas formas, ruído, perspectiva, cor, etc…

Novamente distanciava-me da obra e deixava a minha mente esquecer os vícios visuais,

voltando mais tarde a uma nova abordagem, uma nova selecção, um novo olhar, o mesmo

conceito.

“A Fotografia deve ser silenciosa, há fotos barulhentas, não me agradam,

não se trata de uma forma de descrição mas sim de música”. Só através da

emoção do silêncio podem ouvir-se histórias que tapam muros e paredes.”

Roland Barthes

A divisão em capítulos/gavetas foi surgindo, dia após dia, ao fazer a selecção de

registos sentir que para além de serem do mesmo espaço por vezes visualmente não se

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ligavam, nesse momento comecei a formar conjuntos e desses conjuntos ideias (Atlas,

Warburg, Peter Piller, etc…).

Os capítulos acabaram por se resumir a oito com quatro aspectos principais, fotografia

de território, esta é o melhor caminho para observar e ter uma leitura do que é o espaço

geográfico, direcções, caminhos, proximidades.

A fotografia tem o poder de congelar momentos, paisagens, ela materializa o instante, e

permite o estudo da geografia e o enquadramento da imagem no espaço físico do livro.

Este território que ainda tem marcas assentes, e vultos de pessoas, podemos através do seu

estudo, compreender os passos dados, as tarefas realizadas, podemos ver neles a vida de

um povo. Os seus espaços industriais ao abandono a sua disposição no território e o porquê

da mesma. Os cursos de água e a sua interligação com a industria e a população.

Um segundo ponto abordado é a natureza um olhar mais próximo e detalhado do

território, uma representação mais estética, mais aproximada que absorva o espectador.

Em terceiro lugar a paisagem uma abordagem mais artística, mais plástica, com base no

conceito alargando à forma e conteúdo. O domínio do visível, volumes, cores,

movimentos, sons, odores, um conjunto de percepções que nos levam a um relacionamento

directo e uma fusão entre a fotografia e a arte, como modo de levarmos ao observador o

momento visual e conceptual.

Por último a fotografia industrial ou de arquitectura, este é um tipo de fotografia, muito

mais técnica, menos conceptual, nestes registos não se pede uma interpretação do

fotógrafo, mas sim uma representação o mais fiel possível do espaço, edifício, etc…

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Projecto Autoral “Na Rota do Minério” António Peleja

Primeiro Capítulo – “Caminhos e Tuneis”

Fig.9 – Antigo troço do caminho de ferro.

Este primeiro capítulo “Caminhos - Tuneis” é um convite ao espectador para encetar

uma caminhada, que nos vai levar neste trajecto entre a Mina de São Domingos e o

Pomarão, 17 km, ao longo dos quais vamos cruzando com outros capítulos.

O corte abrupto o rasgo na paisagem, a transformação da geografia do território é um

somatório de intervenções do homem sobre a natureza.

Um caminho que nos mostra ao logo do seu percurso e apesar da sua consistência

material, uma evolução no território, uma paisagem que se vai alterando, uma geografia

que se transforma, quanto mais nos aproximamos do seu local de destino o Cais do

Pomarão.

Este primeiro capítulo é dedicado aos caminhos e é o ponto central da nossa viagem, os

registos pretendem dar a conhecer as alterações que vão sofrendo ao longo dos kilómetros

que o separam do seu destino, um caminho que hoje perdeu a sua inicial função, transporte

ferroviário, um caminho que perdeu a sua identidade, emergindo muito raramente em

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pequenos troços onde as sulipas resistiram, à mão alheia, caminhos distantes da

civilização.

Ao longo do percurso encontramos tuneis e pontes, tuneis que rasgaram abruptamente a

terra e encurtaram distâncias, tuneis que hoje ainda encerram uma luz mágica, com o rasgo

da fuligem tatuado no tecto das galerias, são tuneis que diferem entre si na sua construção,

no seu acabamento, consoante a estrutura dos terrenos.

Aqui para criar movimento recorri aos planos abertos e fechados, um contraste entre a

luz e a sombra, onde a sombra prevalece, crio a humidade do local e crio espaços,

intervalos, frescos onde podemos descansar o olhar.

As pontes vergaram aos anos e caíram por terra, pontes secas de rio, pontes que

perderam o seu significado de passagem entre duas margens, outras reconstruídas ainda

desempenham a sua função e vão ser elas que vão criar a nossa passagem para o seguinte

capítulo, sobre a água e o rio.

Fig.10 – Caminhos

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Segundo Capítulo – “Água e Pontes”

Fig.11 – Rio e suas Pontes

Este segundo capítulo “Água e Pontes”, acaba por ser uma transição da terra para a

água, um abandono do caminho e um mergulho no caudal do rio que o acompanha, às suas

pontes reconstruídas, caídas, degradadas, pontes que têm o significado de ligação.

Este conjunto de imagem em sequência dão-nos a percepção do ritmo do caminho, do

som que o acompanha, do contraste forte entre a secura da terra, o cheiro a enxofre e a

água límpida. O distanciamento do rio vai sendo gradual, a imagem vai fechando e

desaparecendo, a água que aos poucos dá lugar à terra, movimentos bruscos da objectiva

abrem e fecham os planos, criando imagens densas que permitem ao espectador mergulhar

no espaço, em simultâneo com imagens abertas, geográficas que dão a visibilidade do

território.

Pretende-se que a transição entre capítulos seja fluída, discreta, fixamo-nos no leito do

rio que acompanha o caminho ou nos canais construídos pelo homem, que numa obra

máxima de engenharia acompanham o trajecto, aproveitando o declive e as curvas de nível

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do terreno para assim deste modo fazerem chegar a águas às albufeiras que aqui e ali se

vão vislumbrando ao logo do percurso.

Uma aproximação, planos mais fechados, um acompanhamento que não retira o

protagonismo ao primeiro capítulo e o principal, os caminhos, todo o restante aspecto

envolvente, entenda-se como secundário, e os planos vão-se fechando. Leitos de rio,

escorrências, tuneis, açudes, barragens são alguns dos elementos que nos acompanham ao

longo deste capítulo.

Esta abordagem de proximidade remete para uma linguagem fotográfica de pormenor,

artística existindo entre ela um encadeamento de planos que justificam esta mesma

abordagem, agora, e no decorrer de alguns outros capítulos deste livro.

Fig.12 – Água forte, poluição em forma de côr.

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Terceiro Capítulo – “Paisagem Terra Poluição”

Fig.13 – Camadas

O terceiro capítulo, “Paisagem – Terra – Poluição”, volta à superfície e aborda o tema

terra, mais uma vez as cores, os cheiros as camadas têm destaque, também aqui vamos

trabalhar em sequência de imagem que nos criam a sensação de ritmo e movimento,

através dos planos abertos e fechados.

Pretende-se que o espectador interiorize o lugar que o sinta o cheire, que consiga

consoante avança no livro sentir o ar a bater-lhe na face.

Aqui contudo alerta-se para a poluição que ficou no local, abandonada aos destinos da

erosão do tempo. Ainda que de forma quase imperceptível a poluição é forma de registo e

serve para criar ligações entre as imagens e ao mesmo tempo o ritmo que é necessário para

avançarmos, uma poluição visual e química muito forte.

Confrontamos o espectador através da escala, criamos paralelos entre a natureza e a

poluição, espaços onde a natureza já vai cobrindo o manto de desolação.

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Fig.14 – Território

A construção de imagens remete para a humanização do local a pegada deixada pelo

homem à sua passagem, uma pegada poluída e uma retirada cheia de ruído, arrancaram da

terra vestígios de um povo e deixaram a desolação do lugar. Abandonado, crivado de

imagens que marcam e ferem a paisagem. Convoca-se à reflexão através de imagens

abstractas, que nos mostram a poluição, que passados meio século ainda perduram na

paisagem.

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Quarto Capítulo – “Humanização – Património Industrial”

Fig.15 – Humanização

“Humanização – Património Industrial”, aqui o tema principal além do caminho que nos

baliza o nosso olhar, é a humanização do território, uma simbiose entre património

industrial e espaços de apoio à laboração e há muito abandonados e deixados às agruras do

tempo. Este capítulo está estruturado entre o dia e a noite, o trabalho e o lazer, os dípticos

representam e confrontam o local de trabalho e a casa, tentam estabelecer ligações entre

eles, notar a presença que os encheu.

Um amontoado de formas de sombra e luz que acabam por criar novos espaços. As

imagens transportam o espectador ao interior dos espaços, interiores degradados em ruína e

perigo de derrocada.

Pretendem provocar um misto de sensações de repouso e perigo eminente, a opcção a

exemplo de outros capítulos de planos abertos e fechados de certo causará este impacto e

reforçará o ritmo e movimento da imagem.

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No final do capítulo, regressamos ao caminho, voltamos à sensação de caminhada e

mergulhamos nas águas calmas do Guadiana, porto de embarque do Minério recolhido na

Mina de São Domingos.

Fig.16 – O Cais, no grande rio do sul, o Guadiana. Pomarão.

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Design Editorial

Um trabalho deste tipo requer, para além da selecção dos registos do seu

enquadramento dentro do objecto, da sua ligação, ritmo e movimento, uma consistência e

coerência para que o objecto final seja de uma leitura fluída a acompanhar todo este

processo e paralelamente, tem de existir uma grande preocupação com aspectos técnicos

do Design Editorial (formato da edição, tipos de fontes, configuração do layout da página,

etc….

No campo da impressão, a escolha do tipo de papel a utilizar, gramagens, teste de cor, e

mais tarde, capa, cozedura, montagem da capa e processo final de encadernação.

Todos estes processos são importantes no processo final, para além da relevância da

qualidade das fotografias.

Tamanho e Formato

O formato escolhido foi de 160mm de comprimento por 250mm de altura o que lhe

confere um formato aberto de 320mm por 250mm. Este formato pode parecer fora do

normal quando comparado com o facto de anteriormente ter referido ser um livro de

viagem, mas ainda assim é inferior ao formato standart europeu o A4, este formato tem

razão de ser para não existir um corte na saída final da câmara e ao mesmo tempo permitir

jogar com os espaços brancos e de reflexão. A sua capa dura permitirá, um bom apoio para

tomada de apontamentos ou até alguns esboços ao longo do trajecto.

Este tamanho e esta disposição da página, permite fazer algumas associações e jogos de

imagem, possibilitando uma panóplia de formatos e conjugações que vão ajudar a criar

ritmo e movimento no folhear do livro.

Materiais utilizados

A maquette que vou apresentar por uma questão de custos será impressa em impressora

laser, em papel couché mate de 170grs.

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Futuramente e pensando na edição do livro obviamente que será impresso em papel de

qualidade fotográfica e em impressão offset.

Tipografia

Ainda que a tipografia / fontes só apareça na capa e contracapa do livro, não deixa por

isso de ser menos importante, aliás a capa é a montra do trabalho que o livro encerra, logo

tem de ser bastante cuidada limpa e de leitura fluída.

Layout

O livro como já referi alterna a sua composição gráfica entre páginas com imagens ao

corte, páginas totalmente ou parcialmente em branco o que permitirá mais uma vez e a

exemplo ou em contraste com a fotografia, criar ritmos e movimento, todo este jogo entre a

imagem e o branco do backspace cria uma narrativa que nos impele a percorrer o livro,

logo o território sobre o qual incide.

Os capítulos são assinalados por representações gráficas inspiradas na numeração

romana, associando assim A primeira descoberta destas minas pelos romanos, com

vestígios comprovados no local.

Neste tipo de impressão é muito difícil, diria mesmo impossível ter um resultado

excelente, dado o processo de impressão e os pigmentos utilizados. Em offset a qualidade

de imagem é muito superior, no entanto e como referi nesta fase era um custo insuportável,

daí optar por este sistema.

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Especificidades Técnicas Equipamentos

No desenvolvimento deste projecto e como referi anteriormente foi utlizado um sem

número de equipamentos de captura de imagem, assim como diferentes horas do dia,

meses do ano etc..

Foi um trabalho em torno do arquivo, mas também existiram novos registos, que

respeitaram e fizeram-se valer de conhecimentos adquiridos ao longo do Mestrado.

Alguns dessas técnicas aparecem em determinados momentos em que existiu a

necessidade ter um grande alcance dinâmico (HDR) ou uma Panorâmica do território.

O HDR como o próprio nome exemplifica é um High Dynamic Range a utilização desta

técnica é representar nas imagens desde as áreas mais claras, possivelmente com incidência

de luz, até às áreas mais escuras, áreas de sombra.

Para um HDR ser considerado puro, temos de utilizar pelo menos três registos, com

diferentes exposições, ou seja: a câmara convém estar apoiada numa base estável ou sobre

um tripé, com todas as configurações que referimos inicialmente e devemos colocar a

focagem em manual e fixar a abertura do diafragma para mantermos durante todos os

registos a mesma profundidade de campo. O que vai alterar é simplesmente a velocidade de

disparo do obturador, de modo a podermos atingir toda a gama dinâmica nas altas luzes e nas

sombras e deverão ser feitos tantos registos quantos os que julguem necessários em relação

ao cenário que se vos apresenta, devemos garantir que todos os registos contêm informação

tanto nas sombras como nas altas luzes.

O mais complicado não é obter os registo mas sim fazer um bom uso dos mesmos na hora

de passar ao programa de edição é que os exageros acontecem e podemos deitar a perder

horas de trabalho, há que ser muito comedido na utilização dos controles que estes

programas de edição colocam à nossa disposição.

Depois da captura efectuada passamos para a fase da pós produção, o primeiro passa a dar

após o download das imagens é revelar, isto é basicamente no Bridge abrir uma das imagens

e aplicar o tipo de lente utilizado para evitar as distorções da lente e ainda seleccionar

remoção de aberrações cromáticas.

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Este procedimento vai criar uma uniformização das imagens o que permite uma melhor

sobreposição e controle de luz.

Em seguida seleccionamos todas as imagens e vamos na barra de ferramentas do Bridge a

“Tools” em seguida seleccionamos “Photoshop” e finalmente “Merge to HDR Pro.

Ao proceder deste modo, automaticamente vai-se abrir o Photoshop, e as fotos vão ser

descarregadas em Layers, automaticamente o programa vai alinhar as Layers o que facilita

em muito a montagem das mesmas. Após este processo que pode demorar alguns minutos

tudo dependendo do número de registos utilizados, do seu formato e do processador e placa

gráfica do sistema aparecerá um quadro, é aí que começam os problemas ou a necessidade de

um grande rigor para que o resultado final seja o pretendido o mais próximo da realidade

captada pelo olho humano.

Para quem não pretende utilizar este sistema por lhe poder parecer confuso, na maioria

das câmaras Reflex e mesmo em algumas compactas existe no Menu a opcção AEB Auto

Exposure Bracketing o que faz este sistema, basicamente você tira uma foto e a câmara

consoante a sua informação tira mais duas uma subexposta e uma superexposta, para que isto

se torne automático active o Timer e ela faz os três disparos, depois basta optar por uma das

duas opções descritas na parte superior deste texto. Também pode fotografar em JPG que a

qualidade final vai ser boa. No entanto na procura de maior qualidade as fotos que forem

transformadas em HDR no formato RAW. ficam com um Alcance Dinâmico muito melhor.

Alguns dos registos do livro só foram possíveis dada a utilização deste sistema, que

confere À imagem uma maior realidade.

Já o panorama a exemplo do HDR tem uma interpretação por parte do público em geral,

muito diferente da realidade.

O Panorama muitas vezes entende-se por aquela fotografia muito esticada no entanto é

muito mais do que isso, aliás não tem nada a ver. A fotografia de panorama é uma

fotografia composta por várias fotografias que no final se assemelham a uma fotografia

normal em termos de formato no entanto com uma definição muito acima do normal onde

podemos ir buscar informação dentro da imagem pois ela é um conjunto enorme de pixeis.

Uma fotografia panorâmica deve ser mais do que o mostrar de uma zona com o seu

espaço delimitado a uma tira, uma foto panorâmica deve ter um conjunto de imagens de

qualidade suficiente para fazermos uma ampliação e entrarmos dentro da imagem devido à

sua resolução o que se pretende é uma foto com a proporção de uma fotografia normal no

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entanto com uma resolução de centenas de pixeis até mesmo milhares de pixeis que nos

permitam ter uma visualização tão boa como se estivéssemos presentes no local.

Na obtenção deste tipo de registos é importante antes demais que tenhamos um bom

tripé, um tripé próprio de panorâmicas, este tripé permite-nos achar o ponto Nodal e definir

os incrementos tanto na vertical como na horizontal, o que é isto de ponto Nodal?

Estão localizadas em duas áreas de um sistema de lentes composto. O ponto nodal da

frente é onde os raios de luz que entram na lente parecem apontar. O ponto nodal traseira é

o lugar onde os raios de luz parecem ter vindo, depois de passar através da lente. Os pontos

nodais são utilizadas para calcular as medições ópticas.

Pode parecer complicado mas é fácil de detectar como exemplo pode ter duas árvores

ou dois paus ou até mesmo as barras de uma baliza de futebol deve colocar a câmara no

alinhamento das duas e acha o ponto Nodal quando ao rodar a câmara sobre o tripé

continuar a ver um único poste, vã avançando ou recuando a câmara até que esse ponto

esteja perfeito, pois depende muito deste ponto o resultado final do Panorama.

Depois de achado o ponto Nodal podemos avançar para o particionamento da paisagem

a registar, temos de ter sempre em atenção que durante o processo existirão sobreposições

e nas pontas por vezes essas sobreposições precisam de ser recortadas pelo que devemos

dar sempre uma margem superior aquela de que precisamos que seja o tamanho final do

registo.

A panorâmica para ter um bom resultado além do ponto Nodal devemos ter em atenção

a sobreposição que deve ser sempre em 1/3 tanto na horizontal como na vertical, encontrar-

se em focagem manual, sempre com a mesma abertura de diafragma para a profundidade

de capo não se alterar, é importante antes de começar fazer uma média da abertura do

diafragma, dado que os sítios a abranger podem ter muita discrepância em termos de luz.

Os tripés de panorâmica têm a possibilidade de definirmos esses incrementos consoante a

nossa necessidade depois basta simplesmente rodar e vamos sentir um pequeno travamento

quando chegamos ao ponto onde devemos efectuar o próximo registo.

Nestes registos não devemos exagerar no número de fotos tanto na horizontal como na

diagonal, se precisarmos de um espaço maior será muito melhor juntar várias panorâmicas

do que querer fazer tudo com uma só, pois se for na horizontal o efeito pode ser de barril e

se for na vertical o céu pode ter dificuldade na colagem caso não existam ponto de

referência.

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O ponto essencial neste tipo de registo é o ponto Nodal correcto e uma boa interpretação

da paisagem e da sua divisão nas zonas pretendidas.

Neste projecto optei por colocar quatro panorâmicas, uma por cada capítulo e no final

destes, como uma saída do território e a passagem para um novo espaço de actuação.

Estas panorâmicas serão compostas por dezoito registos em dois conjuntos de nove

registos juntos num só, abrangendo as duas páginas do livro.

Os restantes registos têm todos como base o elemento nuclear da fotografia a luz e

diferem entre eles pela aproximação ou afastamento do objecto, existindo inclusive em

alguns deles técnicas menos comuns como seja a inversão de lentes na procura de novas

texturas que se definam depois como um todo de um grande espaço, seja terra ou água.

Como já fiz referência os equipamentos que utilizei são banais desde câmeras compactas

de 2.1 a 4 megapixeis, telemóveis de 5 megapixeis e DSLR de 6.3 a 18.7 megapixeis com

lentes de baixa gama Canon 18-55mm, Sigma 70-300mm e Tamrom 28-75mm.

Realçar o maior compromisso com o enquadramento e luz, ainda que dado o espaço de

tempo compreendido no arquivo mais de 15 anos possam existir diferenças evidentes, pois a

partir de determinada altura comecei a ter mais conhecimentos e os registos melhoraram no

seu todo final. Tanto pelo enquadramento como ainda pela gestão de cor das fotos em

questão.

Há muito que defendo que a fotografia não são só megapixéis a fotografia tem mais a ver

com a nossa maneira de ver o mundo e a nossa interpretação do mesmo, neste projecto

autoral existem muitas quebras de protocolo (técnicas) no entanto assumidas dado a

plasticidade que por vezes tive necessidade de aplicar para conseguir transmitir o que eu

pretendia.

No entanto e a exemplo do que Pablo Picasso referia para adulterarmos uma forma, temos

de a conhecer até à exaustão, só assim fará sentido.

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Influências Teóricas Atlas, Arquivo, Intervalo, Montagem

Para este percurso contribuíram muitos autores, escritores, fotógrafos, professores,

etc…

“Você não fotografa com sua máquina. Você fotografa

com toda sua cultura.”

Sebastião Salgado

Quando se trata deste tema “influências” fico desde há muito tempo um pouco

desorientado sobre o que referir, ao longo deste mais de meio século de vida, têm sido

bastantes as influências que consciente ou inconsciente mente fui adquirindo. Sinto sempre

alguma dificuldade em definir qual aquela que influenciou esta ou outra obra qualquer que

produzi, como a frase de Sebastião Salgado diz, fotografamos com toda a nossa cultura.

Ao enunciar aqui influências, de certo, me irei esquecer de muitas, desde logo algumas

ligadas à escrita, à história da arte, ao documentário, à música, etc… Foi com todo o

trajecto da minha vida que construi os meus trabalhos, não queria portanto aqui deixar de

salientar esse pormenor.

A primeira influência sobre este vasto território e a necessidade de o documentar vem

de muito longe, e foi uma influência que foi o fio condutor de todos os trabalhos em volta

do local. O meu pai nasceu e viveu até perto dos 20 anos na Achada do Gamo, no caminho

entre a Mina de São Domingos e o Pomarão e foi através das suas histórias, que me

contava quando eu era criança que traço certos caminhos, o seu encanto pela Mina e pela

Geologia, esta última que fez parte do seu percurso profissional, transbordavam na sua

conversa e os seus olhos cobriam-se d’água sempre que falava deste território.

Foi na busca dessa paixão que eu próprio encontrei este vasto território, e o interiorizei.

Este é o fio condutor que ainda nos mantém unidos para além de um enorme respeito e

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amor por tudo o que me transmitiu de valores e conhecimentos, que fizeram de mim tudo

aquilo que sou.

Outra influência não menos densa foi a de João Hogan, ao estudar a sua obra no

seguimento de um trabalho da licenciatura de Artes Plásticas, vi nas suas obras

principalmente a partir da década de 70 onde altera o seu processo de trabalho, incluindo a

partir daí a fotografia e o diapositivo como auxiliar de imagem um certo paralelo com o

meu trabalho fotográfico, é também nesta fase que os seus cenários se tornam mais áridos,

como desertos, os volumes como rochas, fracturadas e comprimidas.

Ao olhar a primeira vez para a sua obra, senti que já tinha percorrido aqueles locais,

eram-me familiares. A sua relação durante muitos anos com a gravura e a sua vontade de

representar lugares inabitados, que imanam silêncio cheio de significações, enfatizados

pela ausência de figura humana, como bem se descreve a sua ficha de identidade do IMC

(Instituto dos Museus e de Conservação), eram-me familiares. Certa altura já na década de

50 opta por uma paleta de cores de terras e ocres e inúmeros verdes, estas cores que eu

vivo na Mina e este lugar inabitado que é a Achada do Gamo.

Na sequência do conhecimento da obra do artista já no Mestrado em Fotografia

desenvolvi um trabalho para a UC Produção Artística e Curadoria com o professor Nuno

Faria, e que pode ser observado na íntegra em:

http://www.issuu.com/pelejaapm/docs/projecto_web

O paralelo entre dois mundos, o da pintura e da fotografia, aparecem neste livro, como

um acumular de olhares que sem nunca se terem cruzado, caminharam lado a lado ao longo

dos tempos.

João Hogan na sua obra, na qual me identifico bastante, pela sua relação durante muitos

anos com a gravura e a sua vontade de representar lugares inabitados, que imanam silêncio,

cheio de significações, enfatizados pela ausência de figura humana, como bem se descreve

na sua ficha de identidade do IMC (Instituto dos Museus e de Conservação).

É nesta procura do inabitado, na representação do espaço vazio entre o estar e o não ser

que o meu trabalho em redor dos escombros da Mina de São Domingos tem girado.

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Fig.17 – Obra de João Hogam vs registo de António Peleja

O paralelismo existente na obra de João Hogan com as fotos é por demais evidente, por

vezes até estranhamente real, nunca tinha visto a obra de Hogan, até há uns anos atrás, e

quando olhei com atenção, vi que já por ali tinha passado, já tinha percorrido aqueles

trilhos sem nunca lá ter estado a paleta de cores de terras e ocres e inúmeros verdes, estas

cores que eu vivo na Mina e este lugar inabitado que é a Achada do Gamo que João Hogan

nunca visitou mas que pintou na sua memória, as suas telas.

Foi necessário ganhar uma certa dimensão, afastar-me do óbvio para poder transmitir a

grandeza do lugar. João Hogan a certa altura perto de 1985 refere "A minha paisagem

nasce dentro e debaixo da terra. O céu nunca me interessou, e às vezes até o corto."

Também as minhas imagens brotam da terra como a flor do enxofre.

Este acumular de experiências e de influências conduziu-me até Aby Warburg, também

ele um perfeito desconhecido para mim.

No primeiro ano de mestrado ouvi pela primeira vez falar de Aby Warburg, e confesso

que de início fiquei um pouco apreensivo em relação ao seu trabalho, no entanto com o

tempo comecei a perceber o significado das suas escolhas e a interiorizar o conceito de

Atlas, Arquivo, Intervalo e Montagem.

O exercício que desenvolvemos fez-me ainda mais aproximar da obra e a curiosidade

por conhecer a sua obra, o trabalho que também aqui desenvolvemos para a UC História e

Teoria da Imagem, também ela leccionada pelo professor Nuno Faria, fez-me perceber a

obra e o sentido de Atlas, Arquivo, Intervalo, Montagem, o trabalho final pode ser visto em

http://www.issuu.com/pelejaapm/docs/atlas.

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Warburg na construção do Atlas recusou estabelecer hierarquias ou definir uma ordem

de leitura, levando-nos a estabelecer uma relação entre as imagens, criando ritmos visuais,

e rompendo com o ícones da altura no que respeita à analise de obras.

Muito interessante é o conceito de intervalo, através da construção de imagens em

painéis, estabelece-se uma tónica sobre o intervalo, como se de um ecrã negro se tratasse,

permitindo o estabelecimento de ligações e possibilitando a emergência.

Na montagem do livro toda este conhecimento, painéis, iconologia do intervalo, Atlas,

Arquivo, Imagem, estiveram bem presentes e foram explorados até à exaustão.

A montagem divisão dos capítulos, a ordenação das imagens os espaços em branco, a

névoa criada pelo vegetal, o espaço à reflexão / escrita, foram cuidadosamente distribuídos.

São criadas associações, ritmos nas imagens, e movimento, muitas vezes relembram

storyboard de documentários, aqui emerge a influência do cinema a imagem em

movimento.

Seria um erro grave ao falar de influências não falar de autores, como Sebastião

Salgado, Ansel Adams, Robert Doisneau, Khánh Hmoong, Zoltan Kerenyi ou Toshio

Shibata entre tantos outros, todos eles influenciaram o meu percurso, os meus professores,

Márcio Vilela e António Ventura, todas estas influências criaram aquilo que vos transmito

hoje através da imagem.

Um conhecimento técnico aliado ao conceito que transformam a imagem em

documento. A relação entre o humano e a natureza, as suas feridas, rasgos, as emergências

que nos assaltam, o caminho enquanto lugar de caminhada, transporte, ligação, vida, é

deste caminho que saltam as minhas memórias é no meu arquivo que encontro as imagens

que vou interligar entre si neste jogo de memórias e intervalos.

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Fig.18 Cristais de enxofre e metais pesados

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Imagem e Documento

A fotografia não é uma reprodução do real, antes uma maneira de o ver, no entanto pode

conter “marcas” dessa realidade. A fotografia deve traduzir o modo como o fotógrafo vê o

mundo. No acto de fotografar deve existir a intenção expressa e conscientemente

formulada ou, pelo menos, claramente sentida pelo fotógrafo.

Tem-se especulado e discutido muito em torno da transformação do real, operada pela

fotografia. Entre o documento e o instantâneo.

A fotografia surgiu no contexto das transformações económicas, sociais e culturais da

Revolução Industrial. Desde sempre assumiu um papel importante na inovação da

informação e do conhecimento, e também como forma de expressão de arte. No entanto, se

analisarmos a fotografia podemos chegar à conclusão que não é neutra, a reprodução do

real pode não ser completamente fiel. A câmara fotográfica altera e reinterpreta a aparência

das coisas, fazendo com que a olhemos com uns novos olhos.

A eterna questão fotografia “arte ou documento”, desde a sua invenção a fotografia

segue o seu caminho da representação da realidade, do natural (pessoas, objectos,

paisagens, etc…) e a criação (composição / montagem). Sendo que, só em finais do séc.

XX, a imprensa ilustrada acentuou esta divisão e traçou uma linha divisória entre artistas e

documentalistas.

«Não é só o documento que constitui o valor da fotografia: ela tornou-se o símbolo da

democracia. Será verdadeiramente um bom fotógrafo aquele que com a sua máquina, tal

como o pintor com o seu pincel for capaz de dar a ver a grandeza do burguês, enfiado no

seu traje negro.» (cf. Freund, 2010, p.77).

A fotografia não é só o seu resultado final mais conhecido, uma imagem num suporte, a

fotografia é todo um processo que começa no apontar da objectiva, no enquadramento e no

clik final, e finalmente na sua apresentação, seja em suporte digital ou analógico.

Iniciando o estudo neste sentido diria que, antes de mais, o processo é criativo. A ideia

surge na mente do fotógrafo ou por encomenda de um cliente, e a partir desse momento na

mente do fotógrafo várias gavetas se abrem e lhe mostram as alternativas, a luz, o tempo de

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exposição, abertura do diafragma e o enquadramento, este processo é simplesmente

criativo, é um processo alheio à câmara, esta só entra no processo final aquele em que o

dedo do fotógrafo prime o botão, até esse preciso momento faz ainda parte desta criação.

Depois do registo, ainda aqui, o processo continua a ser de tom criativo, pois seja a

saída digital ou analógica, as possibilidades de manipulação são as mais diversas,

saturação, cortes, limpezas, montagens etc…

O processo criativo só pára aquando da impressão num suporte, ou a sua

disponibilização digital ao público. Neste momento todo o processo criativo parou e a

fotografia assume a sua forma plena de documento. Seja ele um documento artístico, ou

documental.

Afirmo neste caso que toda a fotografia no seu final é um documento. Portanto

fotografia será sempre documento, podendo ser um documento artístico ou então de cariz

documental.

Sebastião Salgado, é considerado por muitos um artista, e as suas obras, arte. Ele

próprio contesta este rótulo afirmando, e passo a citar, «As minhas fotografias estão

ligadas à economia, são documentos, não as vejo como obras de arte».

Juan Miguel Sánchez Vigil questiona se a opinião de Sebastião Salgado tem o mesmo

valor, dado que ele difundiu a sua obra, e evidencia que as fotografias de Sebastião

Salgado são documentais, pela sua evidente denúncia, pela solidariedade com os

marginalizados e por outros aspectos de cariz social têm uma carga emocional que desperta

interesses no espectador. Vigil lembra que antes do registo sempre se faz um exercício de

composição mental, simples ou complexo, breve ou intenso, que considera criativo e

associado ao conceito de arte, mais ainda, que as obras não são muitas vezes directas e

pontuais, e como o espectador é plural várias formas de interpretação podem surgir dos

diferentes tipos de leitura. Muitas vezes um registo que foi efectuado com uma intenção

mais documental acaba por sugerir enquadramentos e técnicas, luzes que o transportam

para o lado da arte.

Neste ponto de vista tenho que concordar com Vigil, as fotografias de Sebastião

Salgado, numa primeiríssima fase, foram de carácter criativo / artístico, até ao momento

em que se tornaram imagem fixa num suporte e aí passaram a documento,

independentemente de estarem ou não sujeitas ao olhar ou contemplação de um espectador.

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Projecto Autoral “Na Rota do Minério” António Peleja

A definição de documento – Mensagem sobre suporte. Continuo a não ter dúvidas que a

fotografia é um Documento. O que se pode é pôr em questão o que é fotografia

documental, fotografia artística ou de autor.

O que é arte? Arte é a actividade humana ligada a manifestações de ordem estética, feita

por artistas a partir de percepção, emoções e ideias, com o objectivo de estimular esse

interesse de consciência em um ou mais espectadores, e cada obra de arte possui um

significado único e diferente.

A arte está ligada à estética, porque é considerada uma faculdade ou acto pelo qual,

trabalhando uma matéria, a imagem ou o som, o homem cria beleza ao esforçar-se por dar

expressão ao mundo material ou imaterial que o inspira. A definição não deixa margem

para dúvidas desde que existam estes pressupostos ainda que, para ser considerada arte,

deve ser assumida pelos seus pares e ter representação em espaço de arte, Galerias, Museus

…..

Logo a Fotografia de Sebastião Salgado, apesar da sua relutância em aceitá-la por arte,

pode e deve ser considerada como tal. Dado que todo o processo anterior ao clik está

dentro dos parâmetros da designação de arte, estética, enquadramento, etc… No entanto

este adjectivo não lhe tira toda a sua carga de documento e até de documental, não entendo

porque não podem coexistir as duas, é tudo uma questão de adjectivos.

Documento está provado que é, documental aceito a opinião do autor porque mostram

desequilíbrios sociais, ataques ambientais estruturas de poder degradantes, no entanto não

me choca que seja anexo o adjectivo Arte, pois em toda a sua produção existe da parte do

fotógrafo esse sentido de ordem estética a partir de emoções e ideias, e com o objectivo de

estimular a consciência de quem as contemple. Ora se virmos estas últimas linhas entram

perfeitamente na definição do que é arte.

Superada esta fase inicial de procura do verdadeiro sentido a dar à fotografia, se

documento ou arte, avançamos para a recolha dos documentos e o seu trajecto ao longo do

tempo.

Marie LoupSougez indica que a primeira manifestação editorial de envergadura com

documentos fotográficos foram os Álbuns de Lerebours intitulados Excursiones

daguerriennes (Paris, 1841-42). Apesar de A.Keim assinalar 1850 como o ano em que se

publicaram pela primeira vez fotografias com o objectivo de as difundir – a difusão é um

dos aspectos fundamentais na cadeia documental.

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Projecto Autoral “Na Rota do Minério” António Peleja

A utilização da fotografia documental foi imediata e a prova disso mesmo foi a

expedição que o governo Francês colocou em marcha MissionHelliographique, 1851.

Quando se aperceberam que a fotografia podia ser reproduzida surge então, através de

André-Adolphe Disdéri, inventor da carta de visita, a clara ideia de que esses objectos se

podiam vender. Começa então a recolha de imagens de obras de arte que poderia vender

aos seus clientes que de outro modo nunca poderiam ter oportunidade de conhecer tais

obras. Fizeram-se milhares de registos nesta altura, a fotografia como documento foi

aplicada a expedições científicas do séc XIX altura em que o fotógrafo foi considerado tão

importante quanto o resto da equipa.

Nestes anos foram inúmeros os projectos de registo documental que existiram. Esses

documentos não eram vistos, ainda, como algo que necessitasse de um tipo específico de

armazenamento. Ninguém se interessava por esses assuntos, milhares de registos

perderam-se no tempo, deitados ao lixo ou esquecidos nas caves de muitos arquivos,

armazenados sem condições e sempre relegados para último plano.

Foram poucos os autores que se aperceberam que estes registos com o passar do tempo

iriam aumentar o seu valor e se tornariam muito importantes para o crescimento histórico

das sociedades vindouras. Aqui entra o esforço das Associações Fotográficas por manter

nas suas bibliotecas e nos seus arquivos os registos dos seus sócios.

No entanto alguns tinham bem presente o poder destes registos. Jean Laurent desde

meados dos anos quarenta do séc. XIX que viajou por Espanha sensibilizando negativos

que comercializava através de catálogos temáticos. Mais tarde contava com mais de 6.000

registos que imprimia a pedido, e pelo qual recebia o justo valor.

Ao longo dos anos a fotografia foi tomando um relevo enorme no campo documental,

desde ilustrativa em jornais e revistas, passou também a grande destaque nos cartazes e

propagandas políticas e outros.

Num debate sobre a fotografia como documento em que participaram a maior parte dos

artistas do princípio do séc.XX. A revista CameraWork recolheu algumas entrevistas, e a

maior parte reconheceu a fotografia como obra de arte, e poucos foram os que teceram

considerações. Matisse deu prioridade ao valor documental: «A fotografia, nas mãos de um

homem de gosto, terá aspecto de arte [mas], o fotógrafo deve […] intervir o menos

possível, de modo que a fotografia não […] perca o encanto objectivo que apareça de

maneira natural… A fotografia deverá registar e dar-nos documentos»

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Projecto Autoral “Na Rota do Minério” António Peleja

Muitas foram as utilizações da fotografia enquanto documento e muitos têm sido os

trabalhos em torno do tema a fotografia como documento. Em 1923 Vicente Vera escreveu

sobre a fotografia documental e a sua condição de preservar a memória, ao serviço da

justiça, da meteorologia, da natureza e de outros temas.

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Projecto Autoral “Na Rota do Minério” António Peleja

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Projecto Autoral “Na Rota do Minério” António Peleja

Projectos de Referência

No percurso do Mestrado e durante as pesquisas efectuadas para a realização deste

trabalho, fui criando uma lista de referências bibliográficas, p.45 a 52, as quais cataloguei

segundo as normas, sem no entanto numa ou outra que achei mais relevante fazer menção a

alguns trechos de textos ou à introdução de imagens.

Li e pesquisei entre outros sobre Gerhard Richter, Jorge Luís Borges, Peter Piller,

Warburg dado o projecto ter uma grande componente ligada ao Atlas, Arquivo, Intervalo e

Montagem.

Num projecto com esta tipologia, são muitas as referências visuais retiradas de livros ou

através de meios digitais, cd’s e internet, nestes casos fiz questão de inserir links para que

se possa desse modo perceber melhor as ligações existentes.

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Projecto Autoral “Na Rota do Minério” António Peleja

Toshio Shibata

Toshio Shibata tem viajado há mais de 30 anos por todo o Japão e os Estados Unidos,

produzindo registos de uma arqueologia industrial que o homem tem espalhado um pouco

por todo o lado. As imagens misturam pintura de paisagem com o realismo documental,

movendo-se, assim, para além da mera descrição física.

Lembrando aqui a ligação que pretendo seja feita neste meu projecto, entre a pintura de

João Hogan e o meu trabalho, não quero no entanto queria essa névoa que possa entender

os meus registos como pinturas, como Shibata quero que eles sejam entendidos como

documentos que espelham a realidade.

O trabalho de Shibata não é apenas sobre o meio ambiente; ele não pretende

simplesmente chamar-nos a atenção para o modo como o homem destrói a natureza e a

altera. Ele pretende mostrar a capacidade destrutiva do ser humano, chamando o

espectador a ter um papel opinativo sobre a questão, o impacto causado por estas

construções e o atropela ao meio ambiente.

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Projecto Autoral “Na Rota do Minério” António Peleja

Marc Feustel escreve na sua introdução ao livro de Shibata, “Contacts”:

"[Shibata] descreve o processo de fazer suas fotografias como "empréstimo de uma

paisagem ": eles não são imagens da paisagem mas as imagens feitas a partir da paisagem.

Enquanto eles documentam o mundo que retratam, que não é a sua função primária, em

vez disso,.. a natureza requintada destas composições parece estar a convidar-nos a olhar

para um mundo um pouco diferente do que antes, a reconsiderar o que a paisagem pode

ser".

"As Paisagens emprestadas [de Shibata] são transformadas através do achatamento de

perspectiva e a omissão do céu para derrubar o nosso senso de escala, ou enfatizando

linhas e painéis de cor geométricas para empurrar uma composição para a abstracção.

Na verdade, depois de duas décadas de registos em preto e branco, Shibata deixou

entrar a cor nos seus registos trazendo até si o seu herói da juventude, Paul Cézanne, cujas

pinturas o levaram para perto das artes. Mas Shibata nunca tentou fazer pinturas usando

como meio a fotografia . Ele está perfeitamente consciente das diferenças fundamentais

entre estes dois meios artísticos. Para Shibata, é essencial que as suas imagens sejam

instantaneamente reconhecíveis como pertencendo à realidade, ao criar um mundo

próprio".

Alexander Strecker

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Projecto Autoral “Na Rota do Minério” António Peleja

Kerényi Zoltán

Kerényi Zoltán é arquitecto de formação e fotógrafo. Zoltán evoca a janela para o

passado para assim através de fotos antigas de Budapest as confrontar com o presente. De

forma cuidada estuda os ângulos e pontos de vista perfeitos para um registo que

sobreponha o antigo ao actual.

Todos já demos por nós a olhar para o passado a espreitar o álbum de família ou fotos

de épocas passadas e a sobrepor com as nossas imagens do dia a dia.

Window to the Past captura instantâneos de tempos passados, de tal forma que, ao

serem enraizadas na realidade, as imagens criadas formam algo de novo, fundindo o poder

do passado com o do presente. Oferecem-nos a oportunidade de lembrar com os olhos bem

abertos o passado".

As fotos originais são mais de há mais de 50 anos. A descoberta deste autor, despertou

em mim a vontade de fazer esta confrontação, rasgar estas janelas na Mina de São

Domingos, no entanto, ao mesmo tempo não quis misturar abordagens tão distintas e assim

optei por ligar esta referência à capa do livro.

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Projecto Autoral “Na Rota do Minério” António Peleja

Jonah Lerher.

“As cidades têm sido comparadas com organismos vivos - Platão falou sobre a cidade

como um organismo corporal, mas estar nas suas ruas faz com que a metáfora seja literal.

Estas são as entranhas da cidade, os intestinos de metal que permitem a expansão dos

subúrbios e o crescimento dos arranha-céus. Assim sendo e tomando este ponto de partida,

também os caminhos, rios e veredas são artérias, com mais ou menos sangue (vida). É

também deste modo que encaro o território sobre o qual me debruço, um grande corpo com

as suas artérias.

Foi ao longo destas artérias que fomos caminhando à procura de vestígios de um tempo

de ouro onde o sangue ainda corria nestas veias, hoje calcinadas.

Criei aqui alguns paralelismos com a obra de Jonah Lerher, não se tratando de uma

cidade, este local em tempos idos conseguiu ser um grande corpo vivo, aqui chegaram a

habitar cerca de 10.000 pessoas, espalhadas pelo complexo mineiro, as suas artérias,

fervilhavam de vida. Hoje não poderá existir melhor exemplo para esta morte, que é ver as

suas veias quase vazias, extintas de vida.

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Projecto Autoral “Na Rota do Minério” António Peleja

Sean Hemmerl

Sean Hemmerle, realizou um ensaio para a revista Time intitulado de “Rust Belt”, em

que realiza uma análise aprofundada do poder industrial enfraquecido, na América.

The Remains of Detroit. Detroit’s Beautiful, Horrible Decline. Time. Mostrando

Detroit a tornar-se num deserto, as suas imagens, por vezes poéticas, outras

desconcertantes, mostram a antiga glória urbana da cidade, tanto industrial como

residencial.

Usando como exemplo e inspiração o ensaio realizado por Sean Hemmerle. (2009). The

Remains of Detroit. Detroit’s Beautiful, Horrible Decline. Time. Sobre o abandono da

cidade industrial de Detroit após a crise automóvel. O meu trabalho mostra também ele o

abandono a que foi dotado este complexo mineiro com uma extensão de mais de 17km, ao

longos dos quais, hoje os sinais que nos ligam à humanização são muito ténues.

Após o fecho da Mina e uma tentativa falhada de uma nova indústria que pudesse

manter alguns postos de trabalho no activo, a La Sabina empresa proprietária dos terrenos,

começou a desmantelar tudo o que podia, transformar em dinheiro e a vender. Aos poucos

a Mina foi perdendo a sua identidade, histórica mineira, desmantelaram-se máquinas a

vapor, fábricas, linhas férreas, etc

.

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Projecto Autoral “Na Rota do Minério” António Peleja

Duarte Belo

Duarte Belo (Lisboa 1968). Licenciado em Arquitectura (1991). Paralelamente à

actividade inicial em Arquitectura, desenvolve projectos em Fotografia. Expõe

individualmente desde 1989, tendo já participado em numerosas exposições individuais.

Está representado em diversas exposições públicas e privadas, em Portugal e no

estrangeiro. Já desenvolveu a actividade de docência e participa regularmente em

seminários, congressos e mesas redondas.

Com uma obra documental extensa, centrada no levantamento fotográfico da paisagem

e das formas de ocupação do território, são de destacar as obras Portugal – O Sabor da

Terra (1997) e Portugal Património (2007-2008).

Este trabalho sobre Portugal deu origem a um arquivo fotográfico pessoal de mais de

novecentas mil fotografias.

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Projecto Autoral “Na Rota do Minério” António Peleja

João Henriques, Portugal [1967]

Licenciado em Gestão pela Universidade de Évora. Completou em 2013 o Mestrado em

Fotografia pelo Instituto Politécnico de Tomar. Desenvolveu o projecto autoral de

fotografia, em torno do território em que se encontra o Rio Nabão. Um inquérito à

paisagem e às suas diferentes noções constituído em fenómeno conceptual e artístico que

desafia a medição objectiva, que é de natureza qualitativa e ideográfica; de sentido

específico, subjectivo e contingente. Através da concretização de um livro de fotografia

denota-se o potencial que a fotografia apresenta não só para a reivindicação da memória,

mas também para erigir a identidade dum lugar, em simultâneo possibilitando a construção

de um discurso crítico que convoca o espectador para uma interrogação sobre o território, o

modo de o ver, e a própria fotografia.

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Projecto Autoral “Na Rota do Minério” António Peleja

Conclusão

Como já referi anteriormente existiram um conjunto de factores que influenciaram a

minha escolha por este território e consequentemente a escolha deste projecto, quero com

ele gravar a imagem deste vasto território explorado e abandonado.

O trajecto ao longo da antiga linha férrea que ligava a Mina de São Domingos ao

Pomarão, vem em consequência da minha vivência pessoal, associada mais tarde à parte

autoral, no entanto não devemos deixar-nos guiar pelo sentimento e pela emoção, nesse

sentido foi um trabalho mais doloroso. Foi difícil por vezes, cortar esse cordão que me

prendia e não me deixava ter um olhar mais técnico sobre o lugar.

Existiu a necessidade de criar canais que nos transportassem ao longo deste percurso de

forma fluída, criar caminhos que fossem fáceis de percorrer, abandonei a forma clássica de

caminhada e criei espaços que podem ser percorridos individualmente, com diferentes

abordagens [capítulos].

Um documento gráfico, onde a imagem domina o formato, onde a palavra está

escondida na história do lugar.

A edição do livro no seu formato final, ficará para uma fase posterior do projecto, já

existiram alguns contactos com possíveis parceiros e já existe o interesse explícito de um

deles em patrocinar a obra, no entanto esta obra está longe de ser fechada.

Considero todo este trabalho e pesquisa, que desenvolvi até ao momento, como uma

forma de rascunho, esboço do trabalho final. A preocupação de uma linguagem gráfica

fluída, que foi estudada e seleccionada de forma a ter uma leitura uma mensagem, por

vezes pode carecer de informação histórica escrita. Faz parte da continuidade deste

projecto um estudo que tenho estado a desenvolver sobre este mesmo percurso, mas de

forma textual e que pondero seriamente lançar em simultâneo com este livro, formando

assim um conjunto que pode ser adquirido separadamente, tendo no entanto a possibilidade

de se tornarem um só.

Ao longo deste vasto percurso, perdi por vezes a noção de território e deixei-me

envolver pela plasticidade dos elementos componentes do lugar, as águas ácidas a textura e

cor dos minerais, as plantas envolventes, as construções, etc…

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Projecto Autoral “Na Rota do Minério” António Peleja

A partir das reproduções inscritas no livro o espectador é convidado a descobrir o

caminho que percorri nesta procura de um trajecto há muito apagado pela intempérie e com

a ajuda da mão do homem, são pistas que são lançadas, para que o espectador as procure e

detecte no livro, ao mesmo tempo seduz o espectador a criar o itinerário através das

imagens e dos capítulos associando-as numa sequência lógica.

É sem dúvida um desafio ao espectador, a criar a sua própria sequência de imagens que

o vão assaltando consoante avança no trilho, as páginas em branco que propositadamente

estão espalhadas pelo livro são um convite à escrita, ao desenho, apelam à interactividade

ou tão simplesmente são um intervalo, uma transição sem ruído.

No campo estritamente da fotografia, existiram algumas dificuldades, principalmente

ao nível de equipamento para poder responder a alguns exercícios que pretendia deixar

implícitos neste documento, como seja por exemplo a fotografia panorâmica, a qual está

representada neste livro.

Não dispondo de um tripé de panorâmicas, faz parte do trabalho deste projecto a

construção de um tripé com estas características, ou antes a adaptação de um tripé antigo,

de modo a poder achar o ponto nodal e ao mesmo tempo poder colocar incrementos na

imagem tanto na horizontal como na vertical.

Outra dificuldade foi o número enorme de registos que efectuei sobre o território a

somar aos restantes que já tinha em arquivo, é um trabalho moroso mas que acabou por ser

interessante. Coloquei primeiramente os registos em gavetas (pastas) que posteriormente

imprimi, e dividi em temas, de seguida coloquei-os sobre mesas e fui escolhendo durante

dias e dias os que menos me interessavam a nível de imagem e de equilíbrio com os

demais.

Um trabalho que deixou um sentir de inacabado, que requer muitos mais anos de

trabalho, de pesquisa documental e de imagem, que não irá parar por aqui, antes pelo

contrário, este foi o princípio.

Um trabalho onde a mistura entre fotografia e a perspectiva do desenho se encontram

lado a lado a procura do belo, a linha que une os pontos como a luz que nos liga o olhar,

uma ligação nem sempre conseguida mas que se tentou ter resultados neste projecto final o

livro.

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Projecto Autoral “Na Rota do Minério” António Peleja

Na sua bidimensionalidade, a fotografia tem uma singular capacidade para a

representação do espaço. É extremamente difícil definir a natureza da imagem fotográfica.

Imagens retinianas fixadas por tempo indeterminado. Os processos digitais de captura,

edição e arquivo da imagem, afastam a imagem da sua relação próxima com a pintura.

Mas ainda estamos muito próximos da origem desta imagem nova, digital. Há o

sentimento de que tudo está em transformação. Um arquivo fotográfico pode tornar-se

num "lugar" múltiplo, desconstruido, aberto a um futuro breve desconhecido. Há que

habitar esse lugar durante um período longo para percebermos como ele nos pode fazer

alterar a relação que temos com o espaço-tempo. A fotografia existe entre o espaço real e

o imaginário.

Duarte Belo

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Projecto Autoral “Na Rota do Minério” António Peleja

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