Tese Mestrado Presença Cénica 2013

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    O actor e o esqueleto

    As palavras inscritas no Osso ( assim que deve ser). O msculo diz a parte interior, isto : a alma. O msculo diz a alma das palavras, enquanto a parte menor so as letras aparecidas como uma surpresa sonora da voz. Quase nada, portanto. Porque o msculo mais importante; e o osso mais importante.

    E o texto para o actor a bengala: a vara de madeira que suporta o corao. Enquanto o corao, esse, a parte alta do actor; a torre onde se pode ver Deus e os homens. (e no deve confundir bengala com perna). Porque a palavra ajuda-nos a no cair E o corao ajuda-nos a subir. diferente. E entre o cair e sujar-se (a terra) E o subir e salvar-se (o cu) existe o esqueleto do actor : a linguagem da morte (os ossos) tapada pelo tecido da vida: a pele.

    Porque o texto da pea foi encontrado no osso; no seu centro. E o corao do actor sangue quase tudo, palavras movimento ( assim que deve ser)

    Gonalo M. Tavares, in A colher de Samuel Beckett

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    I- Introduo

    Alm de atriz, sou professora de teatro h doze anos. Estudei dana contempornea durante seis anos consecutivos. Considero a experincia com a primeira professora de dana de extrema importncia no meu percurso artstico. A metodologia e os exerccios que adotava nas aulas foram fundamentais na aquisio, alm da tcnica, de uma melhor compreenso do meu corpo. A forma como orientava as aulas, desenvolvia em mim, vontade de querer aprender mais, superando os obstculos mais difceis sem pensar em desistir. Percebo hoje, a marca indelvel que deixou no meu corpo-mente e o interesse que possuo pela dana e movimento.

    Comecei a estudar teatro com catorze anos numa escola particular, frequentava uma vez por semana aulas de expresso dramtica, onde a professora influenciou fortemente o meu percurso artstico, prosseguindo estudos superiores na rea.

    Percebi assim, atravs da minha experincia pessoal, a importncia que um professor pode ter no desenvolvimento de talentos nas crianas e adolescentes.

    Presentemente trabalhando na rea do teatro e da dana com jovens da mesma idade com que comecei, confronto-me com a necessidade de promover prticas de servir de estmulo e formao para potenciais futuros atores.

    Propus-me a investigar a importncia do estudo do movimento no processo ensino-aprendizagem e o desenvolvimento das capacidades motoras, cognitivas e emocionais dos alunos do primeiro ano do curso de Interpretao-Teatro.

    Apesar de lecionar outros anos do curso, interessou-me dedicar o estudo a jovens sem preparao anterior e consequentemente com menos ideias pr-concebidas sobre o que poder ser a sua formao.

    A pesquisa foi realizada a partir de uma lgica pragmtica, na qual todos os conceitos estabeleceram uma relao dinmica com a prtica. Considermos como principais objetivos: organizar, fundamentar e sistematizar a metodologia desenvolvida, no mbito das disciplinas de movimento e interpretao na Escola Secundria D. Pedro V. Foi meu interesse perceber de que forma assimilam as

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    experincias e respondem aos estmulos propostos. Quais as experincias que incorporam no primeiro ano e como que as gerem.

    No captulo II, para melhor compreenso do estudo, abordar-se-o autores de referncia para o estudo, sintetizando os seus percursos relativos arte e pedagogia.

    No captulo III, a fim de situar o leitor, ser descrita a definio do problema e objetivos, onde se carateriza a instituio, grupo de trabalho, caraterizao das disciplinas e das turmas.

    No captulo IV, ser exposto o processo criativo decorrido no ano letivo 2011/2012 e primeiro perodo de 2012/2013, com as turmas do primeiro ano do Curso Profissional Artes do Espetculo da Escola Secundria D.PedroV. Os nomes dos discentes citados no estudo, so fictcios.

    No captulo V, ser concretizada a concluso do estudo.

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    II- Contexto Conceptual

    No presente captulo, o teatro, a dana e as tcnicas corporais somticas sero expostos numa perspetiva de enquadramento da temtica a ser desenvolvida neste estudo, com base na vertente da formao do intrprete.

    A contextualizao das trs reas referidas ser aprofundada posteriormente na exposio do processo de investigao-ao.

    1.Corpo na formao teatral

    O actor deve trabalhar a vida inteira, cultivar o seu esprito, treinar sistematicamente os seus dons, desenvolver seu carcter; jamais dever desesperar e nunca renunciar a este

    objectivo primordial: amar a sua arte com todas as foras e am-la sem egosmo.

    Constantin Stanislavski

    A preparao do ator atravessou vrios processos ao longo do tempo, no entanto algo permaneceu coerente, o trabalho de conscincia de si mesmo, que precede conceo artstica. Para Brook (1991) todo o teatro digno desse nome revela uma dupla necessidade: a de investigar rigorosamente processos sensveis do ser humano e os seus modos criativos mais eficazes; e, ao mesmo tempo a de permanecer aberto a todas as ocorrncias do mundo exterior, fenomnico. (Bonfitto, 2009, pg. XVII)

    Constantin Stanislavski1 desenvolve um mtodo - que veio influenciar muitos mtodos posteriores na arte de representar - sobre importncia da ao fsica. O autor procurou compreender e rever os princpios da arte da representao que lhe advieram, sistematizando os conhecimentos dos autores passados. O seu sistema no uma continuao das ideias expostas nos velhos manuais. antes uma quebra

    1 Constantin Stanislavski nasceu na Rssia, em 1863. Ainda muito jovem sentiu-se atrado pelo

    teatro. Trabalhou durante muito tempo como ator amador (). (Stanislavski, 2003, pg.7) Fundou o Teatro de Arte de Moscou, publicou os livros Minha vida na Arte e a Construo da Personagem. O seu sistema alm de ser uma tcnica artstica, tambm uma tcnica para melhor compreenso entre os homens. Deve interessar no somente aos atores e diretores de teatro, mas a qualquer um que trabalhe em coletividade. (Stanislavski, 2003, pg.10)

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    da tradicional maneira de ensinar. O trabalho do ator, segundo o sistema de Stanislavski, no uma simples imitao, ou a repetio do trabalho dos outros atores. Ser sempre o resultado de uma criao original. (Stanislavski, 2003, pg.8) O ator deve exercer controlo sobre a emoo e consequentemente sobre o corpo, independentemente da vontade.

    Contribuiu com um repertrio de exerccios de desenvolvimento das variadas capacidades humanas, intelectuais, fsicas e emocionais, nomeadamente, concentrao, imaginao, memria das emoes e procurou atravs da sua abordagem artstica, a conquista da autenticidade da representao. A procura da verdade cnica essencial no seu mtodo. Escreve um sistema baseado no que designa de leis orgnicas da vida e o seu objetivo auxiliar o aprendiz de teatro ou o ator profissional a chegar a bons resultados na representao, atravs de procedimentos que no dependem somente da inspirao ou intuio. No seu mtodo prope dois momentos distintos, primeiramente enfatiza o estado interior do ator na sua preparao, mais tarde, no seu livro A Construo da Personagem aborda o Mtodo das Aes Fsicas, onde cada ao tem seu propsito e a mesma conduz construo da personagem.

    A atuao deve ser orgnica, inteiramente de acordo com as leis naturais; no somente durante o perodo de criao de um papel, mas sempre que ele for apresentado, pois na nossa arte preciso viver o papel a cada instante que representamos e em todas as vezes. (Stanislavski, 2003 Pg.47)

    O ator deve-se inserir nas propostas e circunstncias de atuao de acordo com o objetivo da personagem, de forma a produzir a vontade criadora, necessria na ativao dos sentimentos e na vida interior, ou seja, deve compreender quais os elementos fundamentais para a sua construo, desviando-se do que no relevante, no sentido de atingir a sensao de verdade cnica. O ator deve saber justificar as aes da sua personagem, sendo esta, uma base da tcnica realista de interpretao, O meu sistema baseia-se na estreita relao das qualidades interiores com as exteriores, criando uma vida fsica para ele. (Stanislavski, 2008, pg.163)

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    Vzvolod Meyerhold (1874/1940), discpulo e colaborador de Constantin Stanislavski, trabalhou na companhia de Teatro de Arte de Moscou, no entanto criou uma linha teatral oposta ao sistema naturalista do seu mestre.

    () a arte do ator naturalista consiste em abandonar-se aos impulsos do seu prprio temperamento. No teatro musical medida que a partitura impe um tempo exato, ela livra o ator das exigncias do seu temperamento. O ator no teatro musical, deve absorver a essncia da partitura e traduzir cada detalhe da imagem musical em termos plsticos. Por essa razo, deve se esforar para controlar completamente o corpo. (Meyerhold, apud, Barba& Savarese, 2012, pg.258)

    O ator para Meyerhold alm de representar, deve saber cantar e danar, possuindo um corpo com um nvel de treino superior, com linguagem gestual muito precisa. Sendo o movimento muito importante para o ator de Meyerhold, desenvolve um sistema de exerccios fsicos, (biomecnica) que resultavam na procura da preciso dos movimentos e consequentemente nas emoes, dessa forma todo o corpo pode tornar-se mais expressivo, o ator deve saber expressar por meio da ao fsica, os sentimentos, ao invs de senti-la. O papel do movimento cnico mais importante do que os outros elementos. Privado da palavra, da indumentria, da ribalta, dos bastidores, do edifcio, o Teatro, com o actor e a sua arte dos movimentos, no fica menos Teatro. (Meyerhold, 1980, pg.127)

    Todo o ator, em maior ou menor grau, sofre alguma resistncia no seu corpo. (Checkhov,2003,pg.2) Para Michael Checkhov2 o ator deve desenvolver essencialmente sensibilidade do corpo na relao com os impulsos criativos psicolgicos, eliminando as resistncias corporais e trabalhar com sensaes bem delineadas sempre em relao ao trabalho corporal. O autor prope exerccios de improvisao com princpio, meio e fim, bem definidos. Pesquisa os movimentos naturais, evitando no seu repertrio de exerccios, a prtica da dana, no entanto, alia fortemente ao trabalho do movimento, a integrao da imaginao, com propostas muito concretas, A arte de interpretao teatral, s pode crescer e desenvolver-se

    2 Michael Checkhov (1891-1955) ator e pedagogo russo. Sobrinho do dramaturgo Anton Tchecov (1860-1904) Ator e diretor do Moscow Art Theatre no incio do sculo XX. Em 1953 publicou o livro Para o Ator.

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    baseada num mtodo objetivo, com princpios fundamentais. (Checkhov, 2003,pg.190)

    Grotowski3 afirma que antes de um ator reagir com a voz, tem que reagir primeiro com o corpo. Se se pensa, tem que se pensar com o corpo. (Grotovski, 1975, pg.161) O autor, na sua metodologia opta por uma via negativa, ou seja, primeiramente devem-se eliminar do processo criador obstculos que impeam a realizao de uma ao na sua totalidade, O actor deve ser capaz de decifrar todos os problemas do seu corpo que lhe sejam acessveis. Se o actor est consciente do seu corpo, no pode penetrar em si prprio, nem revelar-se. O corpo tem de estar liberto de toda a resistncia. Tem de, virtualmente deixar de existir. (Grotowski, 1975, pag.33)

    () o ator no possui jamais uma tcnica fechada pois que, a cada passo da sua busca de si prprio, a cada desafio, a cada excesso, ultrapassa cada barreira, encontrar novos problema tcnicos a nvel superior. Tem de aprender, ento a ultrapass-los, por meio de certos exerccios bsicos. (Grotowski,1975 Pg. 34)

    O ator deve revelar e sacrificar a parte mais ntima de si, numa ao profunda sobre si prprio. Num mtodo ritualstico fsico e vocal, Grotovski evidncia figura do ator como a de maior importncia na arte teatral.

    A temtica da preparao do corpo na formao do ator mencionada constantemente em variadas obras relacionadas com o teatro. Quando se aborda a arte do ator, coloca-se a temtica corpo, num paradigma de virtuosismo, que transcende o quotidiano. Numa situao de representao dever existir uma tcnica do corpo e para o corpo. Segundo Barba4, pode-se ento distinguir a tcnica cotidiana, (Os antroplogos designam inculturao, consiste na adaptao da

    3 Jerzy Grotowski (1933-1999) fundou o Teatro Laboratrio em 1959 () Polnia. () no se trata

    de um teatro no sentido usual do termo, mas antes de um instituto devotado pesquisa nos domnios da arte teatral , particularmente na da arte do actor. Os espetculos do Teatro laboratrio representam uma espcie de modelo de trabalho, na qual posta em prtica a pesquisa prosseguida no campo da arte de representar. Grotovski, 1975, pg.7) 4 Eugenio Barba (1936) autor, pesquisador de teatro. Funda o Odin Teatret em 1964, em Oslo. Em

    quase 50 anos de atividade, o Odin Teatret e Eugenio Barba tornam-se numa lenda do teatro contemporneo: criam uma tradio teatral independente e um modo prprio de transmitir suas experincias artsticas, atravs de uma srie de seminrios e oficinas em redor do mundo. (Barba&Savarese, 2012)

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    normas de uma determinada cultura) de uma tcnica extracotidiana (tcnica de aculturao), que embora se possa basear na realidade do mundo envolvente, consiste em faze-la emergir segundo uma determinada energia. A tcnica de aculturao torna artificial () No caminho da aculturao difcil distinguir o ator do danarino. O ator-danarino aculturado irradia, atravs da sua presena, uma qualidade de energia que est pronta para ser canalizada em dana ou em teatro () (Barba&Savarese, 2012, pg228)

    Atravs da ampliao das capacidades motoras, cognitivas, emocionais, com um conjunto de aes acumuladas, o ator passa a ter um vocabulrio que o seu alfabeto artstico e vivo de comunicao. (Ferracini,2001, pg.40) Os exerccios de treino fsico permitem desenvolver uma forma diferente de se mover, pensar e de se relacionar com o seu prprio corpo e com o corpo do outro. A pr-expressividade, segundo Barba, (1936) o trabalho de grande importncia para o ator e bailarino, apresenta-se invisvel aos olhos do espetador, mas est presente no corpo do ator. A pr-expressividade ocupa-se do trabalho que advm expresso artstica, tornando-a possvel,

    O nvel que se ocupa de como tornar cenicamente viva a energia do ator, ou seja, de fazer com que ele se torne uma presena que atrai imediatamente a ateno do espetador, o nvel pr-expressivo. A antropologia teatral postula que o nvel pr-expressivo esteja na raiz de vrias tcnicas () e que, independentemente da cultura tradicional, exista uma fisiologia transcultural. De facto, a pr-expressividade utiliza alguns princpios para que ator-danarino conquiste a presena e vida. O resultado desses princpios surge com mais evidncia nos gneros codificados, nos quais a tcnica que pe em forma o corpo tambm codificada, independentemente do resultado-significado. (Barba& Savarese,2012 pg.228)

    As tcnicas extracotidianas caraterizam a vida do ator, ainda antes, que essa vida comece a querer representar algo. Antes do ator entrar em cena, todo o seu corpo carrega um repertrio de memrias de experincias artsticas, pessoais, que se manifestam no corpo cnico. Barba expe o facto de que em todas as culturas possvel observar o que se designa por tcnica, ou seja, tcnica carateriza todo o ator-danarino e existe em todas as tradies. (Barba&Savarese, 2012, pg.228) Os atores, atores-bailarinos, bailarinos clssicos e contemporneos, mimos, performers, adotam meios de comportamento cnico, opondo-se a sua forma natural de interagir cotidianamente, procurando renovar continuamente o leque de gestos e movimentos utilizados pelo seu corpo. Eugenio Barba, (1964) tem como mtodo, o treino

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    sistemtico na procura de mecanismos prprios, fazendo com que cada ator encontre uma auto-afirmao e uma autotransformao, acreditando que somente essa auto-revoluo poder tornar-se uma revoluo teatral e /ou social. (Ferracini, 2001, pg.82)

    Para Artaud, o ator um atleta, mas um atleta da interioridade, do corao, que desenvolve uma espcie de musculatura afetiva correspondente s localizaes fsicas dos sentimentos. (Artaud, 1999, pg. 61)

    O corpo, como um mapa, tem determinado lugares que despoletam emoes, o ator dever saber localiz-los, criando assim, uma materialidade de sensaes. Substituir a anamnese pelo esquecimento, a interpretao pela experimentao. (Deleuze, 2008, pg. 200)

    No podemos afirmar categoricamente que Artaud, concebeu um mtodo de representao e/ ou interpretao, legando-nos exerccios precisos e prticos como fizeram Stanislavski e Meyerhold. (Ferracini, 2001, pg.74) No entanto, nos seus escritos prope um teatro baseado numa abordagem fsica entre o ator e o espetador, () descobrimos que a essncia do teatro se no se encontra nem na narrao de um acontecimento, nem na discusso de uma hiptese com o pblico, nem da representao da vida tal como nos surge do exterior, nem mesmo de uma viso - mas sim que o teatro um ato realizado aqui e agora no organismo do ator () (Grotovski, 1975, pg.82)

    Phillip Zarrilli5 (2009) interessa-se pela formao dos atores numa abordagem psicofsica, no sentido de despertar a mente-corpo do ator atravs de exerccios extrados das disciplinas tradicionais asiticas, artes marciais asiticas, (Katarippayattu) meditao chinesa e yoga indiana, The problema of the body is like a virus- it constantly mutates and suprises. (Zarrilli, 2009, pag.5)

    Therefore, the ways I write and think about actor`s bodymind are informed by a pragmatic search for a intelligently informed way of helping actores diagnose and problem-solve their particular form(s) of the problem of the whole body as quickly possible. (Zarrilli, 2009, pag.5) 5 Phillip Zarrilli is internationally known for training actors in psychophysical process through Asian

    martial arts and yoga, an as a director/actor. He is also Professor of Performance Practice at Exeter University. His many publications include Acting Reconsidered(2002) Kathakali Dance-Drama(2002), and co-author of Theatre Histories An Introduction( 2006)

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    2. Dana

    A dana, segundo Jos Gil, um conjunto concebido ou imaginado de certos movimentos deliberados. Contrariamente ao ator de teatro cujos gestos e palavras reconstroem o espao e no mundo, o bailarino esburaca o espao comum abrindo-o at ao infinito. (Gil, 2001, pg. 15)

    Observar o movimento do corpo na dana contempornea, passa por compreend-lo como um canal de comunicao e de uma linguagem expressa entre signos e smbolos no-verbais, onde o hibridismo de linguagens artsticas se funde na procura de manifestao artstica moldada a uma atualizao da realidade. (Lepecki, 2006, Siqueira, 2006). medida que a sociedade evolui, esta procura de expresso depara-se com questes colocadas a partir do social, cultural contemporneo, () a descoberta de um corpo que encerra um modo singular de simbolizao, alheio a qualquer modelo pr-concebido. (Louppe, 2012, pg.62)

    Estabelece diferentes formas de relao com espao, adaptando coreografias a lugares no convencionais, a dana no tem um lugar especfico.(Louppe, 2012, pg.321) Uma pea de dana contempornea, na atualidade, explora mltiplos territrios de aco. A introduo da tecnologias, do movimento virtual, encontra-se num cruzamento de linguagens artsticas, onde existe a constante procura de renovao e inovao do movimento, concede-lhe uma liberdade fracturante em relao dana do passado. Com o auxlio do software Life Forms, desenvolvido pelos laboratrios da Universisdade Simon Fraser, foram utilizados, de modo literal e no seu estado bruto, dados informticos, normalmente como estratgia composicional, para criar pictograma bailarino, uma experincia hibrida entre o movimento humano e animao por computador. ( Loupe, 2012, pg.325) A palavra integrada nos espetculos contemporneos, aliando-se coreografia, rompendo com a expresso do corpo e da msica, como nicos elementos constituintes da arte de danar.

    A presena sonora da liguagem no palco coreogrfico parece infringir dois elementos cannicos da tradio da dana: a dana silenciosa e a dimenso sonora autorizada(e obrigatria) deve ser de ordem musical. Infringir estas duas regras foi um dos primeiros actos de rebeldia da modernidade.

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    Em primeiro lugar, foi necessrio destruir o imperialismo musical e substitu-lo por outras fontes sonoras em particular pelo recurso ao grito, aos sons guturais, textualidades de revolta individual(Read,2010, pag.288)

    O aparecimento de novas tendncias estticas, com diferentes processos de criao atstica e como j foi referido, a aproximao da arte, tecnologia e cincia, coloca a dana do sec XXI num patamar de questionamento na procura de referncias para a categorizar.

    A liberdade de formas pr-estabelecidas, a relao de estados interiores com a organicidade de movimento, inicia-se com Isadora Duncan6. Bailarina que recusa a dana clssica, substituindo a tcnica pela simplicidade do gesto e a aproximao do movimento com a natureza. (Dils & Albright, 2001) Descala, atenta ao que o seu corpo revela espontaneamente, em contato com a sua

    interioridade, os seus movimentos criavam-se e cresciam inspiradas pela beleza e simplicidade que a natureza contm. Para danar era preciso estar presente a alma; atravs dela que o corpo vibra e se move, com maior ou menor intensidade. No seu conceito de processo artstico, era esencial desenvolver e cuidar sistemticamente do corpo; primeiramente a ginstica, depois a dana. Contrariamente a Duncan, Rudolf Laban7 sistematiza o movimento, qualificando-o atravs de anotaes que serviam de base para o entendimento da mobilidade humana. O autor contribuiu para o desenvolvimento e evoluo da arte com as suas pesquisas, tanto para a dana como para o teatro, () pois o corpo o instrumento atravs do qual o homem comunica e se expressa. Em consequncia , qualquer um que cultive esta arte, mas principalmente o artista de palco, tem de adquirir a habilidade de manifestar aes corporais ntidas, isto , usar o corpo e as suas articulaes com clareza tanto na imobilidade quanto em movimento.( Laban, 1978, pg.88)

    6 Isadora Duncan nasceu em San Francisco (EUA) em Maio de 1878. A sua esttica na dana

    influenciada por Delsarte e Dalcroze. Inspira-se na Grcia antiga para as suas coreografias. 7 Rudolf Laban nasceu na Bratislava, ento pertencente Hungria em 1879. Por no aceitar o vazio

    existente nas peas de teatro e dana dessa poca, trouxe para o seu trabalho o resultado das prprias paixes e lutas interiores e sociais, representadas por personagens simblicas ou estados de esprito puros, vividos atravs do movimento, utilizando de maneira mais espontnea e sempre como resultado consciente da unio corpo-esprito. (Laban, 1978, pg.9)

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    Marta Graham8 procura encontrar a essncia do ser humano, na sua relao com a dana onde o torso adquire a funo de iniciar o movimento, enfatizando o papel da respirao como o centro motor do movimento, de onde se irradiam aes. (Armitage, 1969) A inspirao, expirao, contrao, relaxamento, impulsos fortes, contato com o cho, so elementos que criam a linha de trabalho desta bailarina, que pretende criar uma unicidade entre a tcnica e a relao do corpo com o seu meio envolvente, o mundo. Na perspetiva de Merce Cunningham9, o coregrafo entende o movimento como matria prima da dana, ou seja, a dana est no corpo e no movimento do intrprete, que se forma no tempo e no espao. A perspectiva do corpo invulgar, em Cunningham. A sua funo , para ele, a de um objecto, mais que um sujeito. Isto permite-lhe () levar avante o estilo da desconstuo dos gestos e dos movimentos (Celant, 1999, pag. 21) . Cunninghum desvalorizava o de encadeamento entre cenas, evitava qualquer emoo na expressividade, no criava ligaes diretas entre cenrio e figurinos, bem como, entre coreografia e msica. (Jordan, 1999). Desta forma, os seus bailarinos necessitam de extrema disciplina para obter maior conscincia de um processo extremamente exigente a nvel da concentrao. (Kostelanetz, 1992).

    Pina Baush10 a grande divulgadora do movimento dana-teatro. (Alonge, 2005, Bentivoglio, 2005, Banes, 2007). A pesquisa sobre questes existnciais do ser humano influnciam a sua obra. Embora tenha estudado dana clssica, o seu interesse em articular as vrias artes reve-se nas suas coreografias, A dana deve ter outra razo alm de simples tcnica e percia. (Cipryano, 2005, pg.27) A coregrafa desenvolve um mtodo para o seu trabalho criativo, atravs de perguntas que so colocadas aos seus intrpretes, os quais respondem segundo palavras, movimentos ou ambos e em ltima instncia podem no responder. As respostas servem de recurso para as suas coreografias. Baush, expe no palco os bailarinos em sua fragilidade mais aparente, em suas prprias personalidades, e no como performers que representam tcnicamante um papel.(Cypriano, 2005, pg.26)

    8 Marta Graham nasce em 1894. Solista e coregrafa conceituada em todo o mundo.

    9Merce Cunningham (1919-2009) foi um bailarino e coregrafo norte-americano. 10

    Pina Bausch (1940-2009) Bailarina e coregrafa alem.

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    O corpo do bailarino no teatro-dana de Pina baush passa por vrios desafios, onde a explorao dos limites, amplia o repertrio do movimento. O sentimento, o corpo e a dana representam uma unidade cnica. A diversidade posturas do coregrafo contemporneo face s exigncias da interpretao tm levado a repensar a formao em dana, de modo a que presentemente, para alm das tcnicas de dana moderna e contempornea, exige-se hoje em dia uma formao bastante alargada, nomeadamente explorando as capacidades criativas do intrprete. (Marques, 2001, Schrader, 2004, Macara & Batalha, 2005, Macara, 2004, 2006)

    Por outro lado, o interesse pelas emoes e as suas consequncias no corpo aproxima os artistas de uma abordagem somtica corporal. Hoje em dia, o ator, o bailarino, tornaram-se pesquisadores dos seus prprios movimentos, investigando novas possibilidades de comunicao. Surgem desta forma, propostas renovadas de configurao artstica e para acompanhar a contemporaneidade, existe uma necessidade de investir num maior conhecimento do prprio corpo. Diferentes estratgias pedaggicas e mtodos de educao somtica orientam o praticante a um processo apropriao do seu corpo em relao com o espao. Dos vrios mtodos, cada um diferente do outro, no entanto, existem pontos entre todos que convergem, nomeadamente a conscincia corporal, relaxamento, reduo de esforo na aplicao dos movimentos e mobilidade sustentada por uma respirao profunda. Na reeducao do corpo artstico, possibilita-se o emergir de corpos mais conscientes, com um maior sentido de presena, onde os sentimentos, formas, posturas e sensaes cruzam-se, possibilitando proximidade entre o artista e o mundo envolvente.

    A Educao Somtica nasce de uma confluncia terica/prtica que se interessa pela conscincia do corpo e simultaneamente o movimento, onde aspetos motores, sensoriais, percetivos e cognitivos so abordados conjuntamente. (Domenici, 2010). Segundo Erskine (2009),

    Somatic methods using imagery designed to affect alignment and dance performance on a neurological level emphasise neuromuscular re-patterning to alter movement habits () Visual imagery and kinaesthetic imagery are representations of visually comprehended concrete objects or events, or

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    kinaesthetically comprehended movements, which are actively generated and manipulated by the dancer. (pg. 7)11

    A disciplina oriental, Yoga, tem como objetivo ligar o homem natureza atravs de exerccios prticos, que permitam ampliar o equilbrio e harmonia. Todos os exerccios so realizados para ambos os lados do corpo, criando equilbrio e harmonia. Com os olhos fechados e o procedimento da respirao realizado somente pelo nariz, o praticante abstrai-se do mundo exterior e concentra-se na zona do corpo que est em foco. A nossa postura uma expresso de ns prprios, que reflete o que pensamos e sentimos (MacDonald, Ness, 2007, pg.9)

    A Tcnica de Moshe Feldenkrais12 visa a singularidade do indivduo, atravs do auto- educao do corpo.

    A educao dada pela sociedade opera de imediato em duas direes: suprime toda a tendncia no conformista, com penalidades, negando o apoio e, simultaneamente, inibindo o individuo de valores que foram a dominar e afastar desejos espontneos. Estas condies levam a maior parte dos adultos hoje em dia a viver atrs de mscaras, a mscara da personalidade, que o indivduo tenta apresentar aos outros e a si mesmo. Cada aspirao e desejo espontneo so sujeitos a rgida crtica interna, por medo de que se revelem a natureza fundamental do indivduo. a satisfao derivada dessas aes, mesmo quando elas so bem sucedidas, no orgnica e revitalizadora, mas uma satisfao meramente superficial e externa. (Feldenkrais, 1972 pag.23)

    Modificando a dinmica de reao do indivduo, h possibilidade de transformao da auto-imagem. Para o autor, a auto-imagem depende em quatro elementos que esto integrados em todas aes: movimento, sensao, sentimento e pensamento. Se estas componentes no se complementarem nas aes, ocorrer desequilbrios no indivduo. Considera que as potencialidades do ser humano so superiores imagem que cada um tem de si. A tcnica de Feldenkrais consiste em pensar enquanto se

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    Mtodos somticos que utilizam imagens projetadas para influenciar o alinhamento e o desempenho na dana a um nvel neurolgico enfatiza uma remodelagem neuromuscular param hbitos de alterao do movimento. Imagens visuais e imagens cinestsicas so representaes de objetos concretos ou eventos visualmente percecionados, os quais so gerados ativamente e manipulados pelo bailarino/ executante da dana.

    12 Moshe Feldenkrais (1904-1984) autor de vrios livros relativos ao movimento, a aprendizagem, a

    conscincia humana e experincia somtica. Trabalhou com pessoas com dificuldades de aprendizagem, crianas com Paralisia Cerebral a artistas. Transmitiu a sua tcnica durante muitos anos ao dramaturgo Peter Brook. (Informao retirada de: http://feldenkrais-method.org/en/biography)

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    pratica, onde movimentos estejam inteiramente ligados s necessidades interiores, suprimindo o que superficial.

    Mathias Alexander13 desenvolve uma tcnica de reeducao postural, permitindo ao praticante do seu mtodo, identificar determinados hbitos corporais que so nocivos para a sade e bem-estar. Promove o uso consciente das vrias partes do corpo, incitando a reflexo dos comportamentos. Adequar a postura corporal, s diferentes tarefas realizadas. Alexander demonstrou como o uso correto ou errado pode exercer uma influncia constante no desempenho geral e na reao. (MacDonald, Ness, 2007, pg.29) O autor desenvolve uma tcnica em que engloba a postura e conscincia corporal, respirao, voz numa perspetiva de tornar o corpo mais saudvel, atravs de variadas prticas de obteno do equilbrio entre a ao e reao, corpo, mente. Percebe-se que as tcnicas somticas promovem a reeducao corporal, fomentando a alterao de hbitos incorrectos de postura e movimento corporal.

    As diversas tcnicas corporais na dana, teatro ou somticas, procuram compreender o corpo na sua singularidade, onde a procura da autenticidade do movimento serve de premissa para o desenvolvimento da expresso do intrprete.

    13

    Tcnica Alexander um importante acrscimo aos recursos humanos de autoconscincia e educao pessoal. () amplamente reconhecida em crculos mdicos, educacionais, de teatro e musicais como mtodo fivel e eficaz de auto-ajuda e auto-domnio. (MacDonald, Ness, 2007, pg.8)

  • 16

    III- Problema e Metodologia

    1- Problema e Objetivos

    Como que os jovens encaram a importncia do movimento nos seus prprios corpos?

    O movimento, portanto, revela evidentemente muitas coisas diferentes. o resultado, ou da busca de um objeto dotado de valor, ou de uma condio mental. Suas formas e ritmos mostram a atitude da pessoa que se move numa determinada situao. (Laban, 1978, pg.20) A temtica deste trabalho aborda a compreenso do fenmeno do movimento no desenvolvimento do ator, num contexto pedaggico. Considera-se que o pedagogo ter que planificar sesses de trabalho adequadas ao contexto social, emocional e cognitivo dos discentes, tentando encontrar um caminho adequado ao nvel em que eles se encontram quando ingressam no curso. Meu corpo meu pas. O nico lugar no qual eu sou sempre. No interessa onde vou () estou sempre em mim. (Barba, 1991, pg.92) De que forma o movimento cotidiano se transforma em extracotidiano? O que significa um corpo fictcio para estes jovens? O movimento humano em todas as suas implicaes mentais, emocionais e fsicas o denominador comum arte dinmica do teatro. As ideias e sentimentos so expressos pelo fluir do movimento e tornam-se visveis nos gestos, audveis na msica e nas palavras. (Laban, 1978, pg.29) Ao assistirmos a uma pea de teatro convencional, onde os atores se deslocam pelo espao, no vislumbramos primeira vista o requerer de uma preparao intensa a nvel do corpo. O ator expressa-se com uma maior magnitude atravs da voz e de aes corporais relativamente (aparentemente) simples. Porqu a introduo da aplicao da tcnica de dana no estudo do teatro, como se verifica na maioria dos cursos de formao teatral da atualidade? Os alunos no primeiro ano ao assistirem a uma pea de dana ou teatro, questionam muitas vezes sobre a categoria da obra, demonstrando inquietao em querer definir o gnero artstico. Porm na atualidade, os gneros esbatem-se, e o que anteriormente era fcil de distinguir, aparece hoje de forma multifacetada, difcil de sistematizar ou

  • 17

    categorizar. A multiplicidade de linguagens e convergncias artsticas espelha-se na contemporaneidade e consequentemente na formao de futuros intrpretes, que necessitam estar preparados para toda a diversidade de capacidades que lhes podero vir a ser solicitadas. Nesta realidade de grande abertura e diversidade de gneros em permanente desenvolvimento, qual a melhor forma de aplicar uma pedagogia de sucesso que v ao encontro das necessidades dos jovens futuros atores de hoje em dia? Ser que uma conciliao entre mtodos teatrais e mtodos de dana possvel, de modo a criar uma nova metodologia de trabalho mais abrangente? Qual a melhor forma de aplicar uma pedagogia de sucesso reencontrando necessidades dos jovens futuros atores de hoje em dia? E como que os jovens aspirantes a atores encaram a importncia do movimento na sua formao? Em que medida a pedagogia no campo do teatro e da dana pode encontrar saberes facilitadores no encontro do corpo-em-vida do intrprete, facilitadores da sua futura atuao como intrpretes?

    Temos assim questes fundamentais que conduziram definio do problema a estudar nesta tese:

    Qual a importncia do movimento e das prticas corporais no desenvolvimento dos jovens estudantes de teatro?

    Como conciliar mtodos de trabalho corporal provindos do teatro e da dana de modo a maximizar aprendizagens de jovens estudantes de teatro?

    Considerando a abordagem terica dos autores referenciados na pesquisa e a metodologia adotada, apresentamos os objetivos gerais da investigao:

    Objetivos gerais:

    - Refletir sobre a aplicao de metodologias de teatro e dana no contexto pedaggico;

    - Explorar uma metodologia de introduo ao treino do ator com base em autores de referncia e com recurso utilizao do movimento (prticas corporais);

    - Compreender a importncia da prtica de metodologias corporais.

  • 18

    Objetivos Especficos:

    - Estudar as transformaes no corpo e na forma de se mover dos alunos ao longo do ano letivo;

    - Apreender como que alunos, colaboradores do estudo, percecionam a sua evoluo ao longo do ano;

    - Estudar transformaes no comportamento dos alunos dentro e fora das aulas.

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    2. Descrio do Grupo de Trabalho

    2.1- A Instituio

    O Liceu Nacional D. Pedro V. foi inaugurado ano letivo de 1969/70. Foi o primeiro liceu de Lisboa a introduzir o modelo pedaggico do ensino misto. A escola situa-se em sete rios, perto da estao de comboios. Possui 4 pavilhes e um centro de recursos com biblioteca.

    Entre 1989 e 2002, o Curso Profissional de Artes do Espetculo- Interpretao, foi criado no mbito dos Cursos Profissionais. Possui a durao de 3 anos, incluindo o 10, 11 e 12anos. Carateriza-se por estabelecer ligaes diretas com o mundo laboral. O processo ensino aprendizagem valoriza o desenvolvimento de competncias para o exerccio de uma profisso. Ao terminar o curso, os discentes encontram-se aptos para ingressarem no setor profissional, no entanto ao concluir o

    12ano, os discentes podem igualmente prosseguir estudos a nvel superior.

    A instruo especializada no deve ser considerada como rival da educao geral, mas como uma especializao dela, que, quer acontea mais cedo ou mais tarde na vida do aluno, deve tornar-se, tanto quanto possvel, num estimulo mental e cultural e ser usada com os melhores resultados por aqueles cuja capacidade j foi disciplinada pelo melhores mtodos de treino literrio ou cientfico. (Read, 2007, pag.289)

    O curso tem uma estrutura curricular organizada por mdulos, no sentido de permitir maior organizao nas planificaes das matrias lecionadas. O plano de estudos divide-se em trs componentes de formao: Sociocultural, Cientfica e Tcnica, que inclui obrigatoriamente estgio numa entidade relacionada com a rea. No ltimo ano, ser realizada uma Prova de Aptido Profissional (PAP), que consiste na apresentao de uma pea de teatro, escolhida pelos alunos e orientada por um professor, onde os mesmos devero aplicar conhecimentos adquiridos ao longo dos trs anos. No trmino do curso, com aproveitamento, os discentes recebero um certificado de qualificao profissional.

  • 20

    2.2- Disciplina de Movimento

    A caraterizao da disciplina de movimento segundo o programa do Cursos Profissionais de Nvel Secundrio, cedido pelo Ministrio da Educao, aborda o fenmeno do corpo em movimento atravs da experimentao de diferentes metodologias e tcnicas de movimento e da explorao de novas estratgias na construo do corpo comunicante. Com a designao de Movimento para a disciplina e estando esta inserida no Curso de Interpretao, deve-se destacar a importncia da expresso do Corpo para a rea do Teatro. Tendo a Dana, na sua forma plural, um papel importante. O pedagogo deve ter conscincia dos benefcios na utilizao das inovaes introduzidas, de forma a melhorar e estimular a prestao do aluno-ator. Assim os aspetos tericos e de anlise da dana e que se revelem essenciais devem ser abordados, para uma compreenso mais aprofundada das representaes do corpo.

    As aulas desenvolvem-se segundo uma prtica, designada por elenco modelar, ou seja, cada 27horas, composta por um mdulo que contm determinado contedo a ser desenvolvido. Pretende-se que o corpo seja estimulado no seu potencial de movimento atravs da materiais coreogrficos e variadas tcnicas corporais.

    2.3- Caracterizao da disciplina de Interpretao segundo o programa dos Cursos Profissionais de Nvel Secundrio, cedido pelo Ministrio da Educao

    A disciplina de Interpretao, segundo o Programa dos Cursos profissionais de Nvel Secundrio (cedido pelo Ministrio da Educao) nuclear do curso de Artes do Espetculo/Interpretao. Emerge no sentido de desenvolver um conhecimento sistemtico e uma consciencializao artstica do fenmeno teatral, na sua vertente terica e prtica. Pretende estimular o aluno na experimentao dos sentidos, sensibilidade, inteligncia emocional, reconhecimento das emoes, contribuir para o seu processo de autoconhecimento, autoaprendizagem atravs da descoberta ativa e participativa.

  • 21

    Segundo o Programa Curricular, a disciplina deve facilitar a promoo de vivncias nicas e intensas que despertem novas sensaes, emoes e afetos.

    Pretende-se assim que esta disciplina seja um espao enriquecedor e aberto de experincias e imaginrio que devem ser continuamente enriquecidas e estimuladas por todos os intervenientes. O professor de Interpretao no , de forma alguma, um comunicador de saberes, mas sim, um explorador e gestor dos sentidos, um ajudante e estimulador do desenvolvimento das capacidades de imaginao e da criao artstica. Ajuda cada aluna a chegar ao seu prprio ponto de auto conhecimento nico e especfico que lhe permite desenvolver em pleno, e at ao limite, a sua personalidade artstica. (Educao, 2011, pg.3)

    O programa constitudo por dezoito mdulos, sendo cada mdulo composto por 30horas, os contedos programticos deve ser adequado s necessidades formativas e

    ao perfil especfico e nico de cada aluno.

    Na planificao das aulas de Movimento e Interpretao considerei os seguintes aspetos:

    - Perodo de aquecimento;

    -Reviso de aspetos importantes da aula anterior e introduo de novos componentes;

    - Combinao de movimentos;

    - Apresentao de um problema;

    - Estudo e experimentao do problema;

    - Apresentao da soluo do problema;

    - Retorno calma;

    - Reflexo terica

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    2.4- O grupo de estudantes das turmas 10 11/ 1013

    Leciono a disciplina de Movimento turma 1011 e Interpretao turma 1013, no entanto a pesquisa realiza-se no mbito do movimento, tanto numa disciplina como na outra. A investigao recai sobre o trabalho que desenvolvido especificamente na disciplina de Movimento do Curso Profissional de Artes do Espetculo, durante o ano letivo 2011/2012 (com a turma 1011) e primeiro perodo do ano letivo de 2012/2013 (com a turma 1013) na Escola Secundria D.PedroV. Considera-se pertinente referir que existe estreita ligao em ambas disciplinas, onde a primeira serve de apoio segunda. Desta forma, sero tambm abordados aspetos interdisciplinares, onde o estudo do movimento ser observvel nas duas disciplinas tcnicas do curso. As idades compreendidas do pblico-alvo oscilam entre 14 e 18 anos.

    A turma 1011 (2011/2012) constituda por vinte alunos, em que onze pertencem ao gnero feminino e nove ao masculino, com uma mdia de idade de quinze anos, com um grupo socioeconmico pertencente classe mdia.

    A turma 1013 (2012/2013- 1 perodo) constituda por vinte e quatro alunos, dos quais, quinze pertencem ao gnero feminino e nove ao masculino, com uma mdia de idade de quinzes anos, com um grupo socioeconmico pertencente classe mdia.

  • 23

    2.5- Metodologia

    () no teatro no existem leis, mas til acreditar que elas existam para poder agir.() a busca por leis muito mais uma dimenso necessria do fazer do que uma necessidade terica do conhecer. (Barba& Savarese, 2012, pg.35)

    Necessariamente a dimenso artstica aprende-se com a prxis, no entanto o suporte terico de extrema importncia para consolidar os saberes e as experincias partilhadas por vrios autores de teatro que contriburam para a unificao do conhecimento. A teoria e a prtica correlacionam-se sem que uma se sobreponha a outra. Perante as divergncias entre as vrias teorias, Stanislavski (1938) Meyerhold (1940) Grotowski (1999) Brook, Barba, a convergncia na procura de um corpo presente em cena, comum em todos eles.

    Esta pesquisa tem como base uma perspetiva fenomenolgica, na pesquisa que nos indica que () o objeto, em primeira instncia, sempre o universo do outro, sempre uma parcela do mundo vista pelos olhos do sujeito. (Moreira, 2002, pag.1)

    A fenomenologia est intrinsecamente ligada s experincias do homem e tem como objeto de estudo o prprio fenmeno. A investigao fenomenolgica procura respostas numa experincia prpria, do homem no seu corpo.

    Mais do que nunca, o corpo tornou-se enigmtico para o homem que o habita, que o reflete, que o projeta, que o sente, que o exprime. () nos nossos dias, a linguagem plural acerca do corpo ultrapassa em todos os sentidos aquilo que a filosofia tradicional pode pensar do seu sujeito, a manifestao como realidade uniforme e inesgotvel. Do mesmo modo podemos afirmar que um dos feitos mais marcantes da cultura contempornea a transformao do conceito corpo e correlativamente do nosso conceito de esprito. (Barata, 2012, pag.59)

    Procurei neste trabalho, de mtodo interpretativo, conciliar metodologias de estudo distintas, nomeadamente as tcnicas de investigao-ao, a narrativa pessoal, de modo a chegar a compreender o fenmeno de estudo.

  • 24

    Descreverei a seguir no prximo captulo a metodologia de interveno que adotamos e para recolher os dados utilizamos os seguintes instrumentos:

    a) Dirios das aulas: O dirio das aulas um meio de registo dos exerccios realizados na sala de aula e reflexo do desempenho individual sobre os mesmos. Descrio do trabalho desenvolvido em grupo ou individualmente em cada aula. O registo escrito permite criar o hbito de refletir sobre as prticas de trabalho.

    b) Relatrios: Aps uma visita de estudo a uma pea de teatro, dana, museu, exposio, os alunos elaboraram relatrios que incluram no dirio de bordo.

    c) Entrevistas: Foram realizadas quatro entrevistas, duas com perguntas semi-estruturadas e duas com perguntas estruturadas.

    d) Entrevistas de grupo focal: Aps cada aula, os alunos refletiam em conjunto e respondiam a perguntas relativas s experincias vividas nos exerccios.

    e) Apontamentos: Em todas as aulas foram anotados pareceres sobre o desempenho dos discentes (progressos, dificuldades, reflexes tericas).

    f) Registo Multimdia: Na maior parte das aulas foram filmados exerccios, com o objetivo de melhor percecionar os movimentos dos alunos.

  • 25

    Perante a recolha de dados atravs destes instrumentos foi permitido compreender de que forma os discentes assimilaram as experincias.

    Referentes ao dirio das aulas, os alunos descreveram o que sentiram em cada exerccio, bem como os que mais lhes agradaram ou desagradaram. Por vezes, elaboraram por escrito em contexto de sala de aula, mas na maioria das vezes fora do recinto escolar (em casa). Os dirios foram avaliados de dois em dois meses.

    A primeira entrevista foi realizada no incio do ano letivo, a fim de compreender as motivaes da escolha do curso. A segunda, antes da atuao para a primeira pea que representaram. A terceira entrevista (estruturada) realizou-se no mbito do espetculo, Senhores do Bairro, onde cada aluno respondeu sobre a sua experincia e evoluo nas aulas de movimento. A quarta entrevista efetuou-se no final do ano letivo, questionando sobre a evoluo pessoal e expetativas do curso.

    No que diz respeito s entrevistas de grupo focal, estas tiveram como base a abordagem fenomenolgica. (O pesquisador coloca-se na posio do entrevistado, com o propsito de compreender a sua experincia)

    Os apontamentos e registo vdeo constituram para perceber o grau de evoluo dos alunos.

    Verificou-se que a metodologia aplicada foi pertinente na recolha de dados para a elaborao do estudo.

  • 26

    Imagem de exerccios das aulas de movimento Ano letivo 2011/2012 Fotografia: Micaela Ornelas

  • 27

    IV- Processo de Interveno

    Neste captulo procurei apresentar de forma integrada a metodologia de interveno utilizada e os processos de trabalho desenvolvidos, bem como as anlises de dados recolhidos em cada fase.

    No apresentada uma planificao exaustiva de todos os exerccios realizados, mas sim, sero descritos os que so considerados pertinentes para o estudo.

    1- (Re) descoberta do corpo

    Apresenta-se a seguir as tcnicas e contedos bsicos utilizados durante as aulas de movimento:

    Tcnicas utilizadas:

    Alexander Technique

    Noes bsicas de anatomia: Partes do corpo, articulaes, postura, identificao de hbitos, respirao, voz, alongamentos; Aparelho Locomotor e Anlise do Movimento; - Eixo Corporal

    - Transferncia de Peso - Gravidade - Equilbrio - Articulaes

    Contact Improvisation (CI -trabalho no cho)

    - Explorao do movimento em contato com outro e em relao ao ato de improvisar: - O espao e as suas possibilidades - Articulao entre o espao e o tempo

    - Ao/Reao

    - Transferncia de peso/ Peso-contra-peso - Suportes corporais

  • 28

    Mtodo Laban

    Aes bsicas de esforo de movimento: trust, dab, press, salsh, float, wring, flick glide; Qualidades de Movimento: espao, tempo, peso, fluxo - O espao Exterior (kinesfera) Planos espaciais

    Nveis espaciais: alto, mdio, baixo Trajetos espaciais: frente, trs, direita, esquerda, diagonal direita, diagonal esquerda Viso focal/ viso Perifrica - Tempo

    -Peso

    -Fluncia

    Sistema Laban/ Bartenieff

    Respirao celular - movimento de expanso e reteno da respirao;

    Radiao umbilical - relao de todas as partes do corpo com o centro;

    Espinhal movimentos iniciados pela coluna; Espinhal- ligao cabea/cccix; Homlogo-movimento dos membros superiores e inferiores- conexo: alto, baixo; Homolateral movimento da parte esquerda e direita do corpo - conexo: direita-esquerda; Contra lateral conexo lateral cruzada.

    Teatrais14

    Improvisao para teatro:

    Indutores: com princpios pr-estabelecidos; Livre: utilizao livre das tcnicas; Dinmicas de grupo: jogos de desenvolvimentos da cooperao, ateno, concentrao, memria, relaes interpessoais; Exerccios fsicos de preparao corporal: plasticidade do corpo no espao

    14

    Exerccios baseados nas tcnicas de Stanislavski, Mikhail Tchekhov, Grotovski, Augusto Boal, Rio de

    Janeiro (1931) terico e autor de vrios livros de teatro.

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    Vocais: articulao, ressonncia, dico, projeo, respirao Memria Sensorial: audio, paladar, tato, viso, olfato Relaxamento/ massagem: em grupo e individual

    Laboratrio de experimentao e confluncia das

    aprendizagens adquiridas

    Criao de projetos de dana e teatro com base em trabalhos individuais ou em grupo a partir da matria lecionada.

    Estas tcnicas foram escolhidas para contemplar o primeiro ano de curso de formao de atores. Foram propostos momentos de auto e htero conhecimento, para que o grupo fosse criando relaes empticas e interpessoais, de forma a promover apropriao das caractersticas corporais e intelectuais de cada um. Comecei por realizar exerccios de desenvolvimento de confiana, intercalando com trabalho de postura, relao com o espao, memria dos sentidos e dinmica de grupo.

    Assim sendo, gradualmente foi-se instalando um ambiente de confiana, onde a experimentao tornou-se constante nos variados exerccios sugeridos, onde a descoberta de novas possibilidades de experimentao foi ocorrendo. Atravs do conhecimento das leis naturais do funcionamento orgnico e da conscincia corporal, movimentos foram concebidos no sentido de complementar necessidades especficas bsicas que requer o trabalho de um aprendiz de teatro, nomeadamente o trabalho de correo postural, o relaxamento dos msculos, o reconhecimento e uso do centro de gravidade, o desenvolvimento da sensibilidade do corpo, a deteco e eliminao de resistncias corporais, a compreenso do incio e fim dos movimentos, atribuindo-lhes clareza na execuo, a ligao do movimento respirao e sequentemente emoo, descobrindo desta forma conciliaes entre o pr-estabelecido com o espontneo.

    Atravs da rotina, os alunos, foram construindo mapas corporais, onde se identificaram impulsos, vontades, zonas de tenso, afinidades e contrariedades no movimento. () um ator deve dar conta da capacidade expressiva do seu corpo. No entanto, todo o ser humano expressivo, tenha ou no conscincia disso. (Azevedo, 2008, pg.135)

    Na sua generalidade, no incio de cada aula, desenvolveram-se aquecimentos corporais em silncio, impulsionando a escuta do corpo numa correlao entre o

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    interior e exterior. Cada aluno foi desenvolvendo a sua identidade, integrado numa atmosfera onde movimentos idnticos se realizaram em conjunto. A inter-relao entre o movimento da coluna e a respirao preparou o aluno-ator para sequncias posteriores com diferentes nveis de dificuldade.

    Em cada sesso de trabalho pr-expressivo15, os alunos-atores trabalharam os msculos, as articulaes e o seu tempo corporal, o tempo interior de cada um, um tempo dilatado, escolhido deliberadamente pelo indivduo.

    Tempo esse, que os levou a um estado de concentrao e libertao, transferindo e transformando o seu corpo-mente em disponibilidade, ou seja, a criao de um espao interior, no isolando os fluxos de acontecimentos, envolvendo-se com os estmulos vindos do ambiente, quer individualmente, quer em grupo, criando respostas espontneas e criativas nas diversas etapas de preparao.

    Grotowski refere no seu livro, Para um Teatro Pobre (1975) que mesmo durante os exerccios de aquecimento, o actor deve justificar todos os pormenores do treino com uma imagem precisa, real ou imaginria.

    Os alunos-atores ao exercitarem as suas potencialidades por meio de tcnicas diversas, criam um repertrio pessoal de experincias, (que o corpo retm por meio da memria) permitindo aos mesmos descobertas ntimas, que os levam a encontrar formas especficas de manipulao de energia, organicidade e consequentemente viajar ao encontro da tcnica extracotidiana para o corpo cnico. A arte do actor no molde a ser ensinada. Ele precisa de nascer com aptido; mas a tcnica atravs do qual o seu talento pode encontrar expresso esta pode e deve ser ensinada. () a tcnica vem a ser algo que perfeitamente realista e inteiramente passvel de ser apropriada pela pessoa. (Boleslavski, 2006, pg.17)

    O devir-eu-corpo/outro-corpo que se constri atualizando-se numa constante resposta aos diversos estmulos.

    15Quando vemos um organismo vivo em sua totalidade, sabemos atravs da anatomia, da biologia e da fisiologia, que ele possui vrios nveis de organizao. No corpo humano, por exemplo h um nvel de organizao das clulas, um nvel de organizao dos rgos e outros nveis de organizao para os vrios sistemas (nervoso, arterial etc.) a mesma coisa acontece no mbito do espetculo: a totalidade de ao de um ator, por exemplo, tambm constituda por diversos nveis de organizao. Antropologia teatral postula um nvel bsico de organizao que comum a todos os atores, e a chama de pr-expressivo. (Barba& Savarese, 2012, pg. 226)

  • 31

    O devir-outro o vector permanente da vida do corpo. No h repouso no corpo ( o repouso no existe, no corpo s h movimento, diz Cunningham); mas sempre um infinito de micro-movimentos que impedem a determinao de uma forma e de um estado corporal fixos. O devir-outro parte de uma situao j instvel, de disposio para o devir. O corpo deve ser definido como um complexo de possveis, a cada momento dado: vira-se para outra coisa que j no ele prprio. Mas os possveis no so unicamente funo da anatomia e da fisiologia do corpo que os limitaram a potencialidades motoras; so sobretudo funo da imaginao corporal (que cria as condies de exerccio da percepo e aco) (Gil, 2005.Pg.294)

    Excerto de aula (exemplo):

    Deitados de costas, os alunos inspiram e expiram profundamente, consciencializam-se das zonas do corpo que esto em tenso, relaxando-as, sentindo-se em contato com cho. Ficam durante alguns minutos na imobilidade. Com o corpo alinhado, balanam os calcanhares contra o piso, ao longo da linha vertical entre os calcanhares e cabea, com movimentos para cima e para baixo, provocando um balano delicado em todo o corpo ao longo da linha da coluna.

    Continuam na posio decbito dorsal, com o corpo em forma de X, metaforicamente, em forma de estrela-do-mar, inspiram para as zonas da cabea, cccix, pernas e braos, seguidamente, ao expirarem fecham o corpo para o lado direito em posio fetal. Abrem novamente posio inicial e fecham para o lado esquerdo. Na mudana de posio, estrela-do-mar para fetal, o corpo deve mover-se o mais prximo do cho. Tanto a inspirao, como a expirao devem ser profundas e o movimento parte do centro corpo para as extremidades.

    Decbito dorsal, joelhos fletidos a 45 com a planta dos ps apoiada no cho, braos ao longo do corpo, deixam cair para o lado direito a perna esquerda num movimento livre e projetado, deslizando a perna e o p e depois, fazendo o mesmo para o lado contrrio. O tronco permanece imvel enquanto a parte inferior do corpo movimenta-se, balanando. Repetem o exerccio vrias vezes, com o auxlio de uma respirao profunda.

    Decbito ventral, colocam-se completamente em repouso. Pernas afastadas largura dos ombros, braos junto ao tronco com as mos apoiadas na linha do umbigo. Realizam extenso dos braos e simultaneamente e flexo da coxa/perna. Os alunos

  • 32

    visualizam o animal gato. Ao enrolarem a coluna, inspiram, e quando expiram, distendem, (devem realizar este movimento vrias vezes). Vo desconstruindo a posio, procurando novas aes que promovam a mobilizao das articulaes, sempre a visualizar o animal referido. Prope-se como metfora, a movimentao de um gato a espreguiar-se.

    Voltam a posicionar-se decbito ventral. De olhos fechados, permanecem algum tempo no cho, de forma a sentirem o corpo completamente pesado. Imaginam que os ps so razes, o tronco o caule, os braos e cabea so as folhas. Todo o corpo uma planta, a florescer. A planta reage ao vento, chuva, sol e que no final murcha.

    Os alunos levantam-se do cho, tentando faz-lo com o mnimo de esforo possvel, at voltar verticalidade.

    Comeam por caminhar pelo espao, atribuindo foco zona dos quadris, que seguem os movimentos das pernas, estas por sua vez, deslocam-se ligeiramente fletidas, mantendo o tronco como se fosse um nico bloco. A este tipo de deslocamento chama-se Khoshi16,o exerccio busca treinar e ativar diretamente o ponto abdominal (Ferracini, 2001 pg.162) O Khoshi visa ativar o tnus muscular, pois a oposio entre a imobilidade da parte superior do corpo que pressiona a inferior, onde a bacia no oscila no deslocamento, faz com o corpo dispense mais energia. A criao de uma zona de tenso entre opostos, promove um esforo maior e consequentemente, a presena do aluno ator potencia-se.

    Em meia-ponta17, devero tentar desequilibrar o corpo, reencontrando o equilbrio, continuando este jogo de foras. Abrem os braos, movendo-os das omoplatas at aos dedos das mos, como se fossem pssaros.

    16

    A terminologia Khoshi surge das tradies teatrais clssicas (N, Kyoren, Kabuki). Existe uma nica palavra para definio de presena do ator: Khoshi. (Barba&Savarese, 2012) Khoshi o movimento da bacia. () o movimento decorrente da variao do ponto de apoio sobre uma e outra perna. Quando se trabalha o Khoshi esta oscilao no existe, ou deve ser evitada, controlada. (Ferracini, 2001, pg.162) 16

    As points, assim como outros passos e movimentos da dana clssica, so testemunhas de intenso trabalho de tradio que gira em torno de uma especfica parte do corpo, na tentativa de explorar melhor as suas potencialidades, no que se refere ao extracotidiano. (Barba& Savarese, 2012, pg.217)

  • 33

    Este ltimo exerccio consiste em desorganizar o equilbrio, ou seja, ativar uma srie de tenses musculares de forma a impedir a da queda do corpo. O desequilbrio mantido no exerccio cria presena no corpo.

    O elemento que aproxima as imagens dos atores e danarinos das pocas e culturas distintas o abandono das posies tpicas de equilbrio cotidiano a favor de um equilbrio precrio ou extracotidiano. A busca de um equilbrio extracotidiano exige um esforo fsico maior: mas a partir desse esforo que as tenses do corpo se dilatam e o corpo do ator nos parece vivo antes mesmo dele se comear a expressar. (Barba&Savarese, 2012, pg.92)

    A dinmica do corpo expande-se a partir do trabalho pr-expressivo. Os alunos atores nestas sequncias experimentaram a imobilidade, Pina Bausch reafirma frequentemente o quanto importante para o bailarino saber danar sentado, aparentemente imvel numa cadeira, danando no corpo, antes de danar com o corpo. Nos seus espetculos imobilizou muitas vezes a dana dos seus atores (Barba, 1994, pg.82)

    Foram utilizadas metforas para melhor explicar determinados exerccios, nomeadamente na transmisso de determinadas imagens para um maior envolvimento dos alunos, como por exemplo no representem, sintam que so essa planta ou os vossos braos so asas enormes prepara o aluno-ator para uma incorporao do seu trabalho individual, criando novas possibilidades ao ato de realizao, Percebi que ter estado deitado durante algum tempo, fez com que o meu corpo ficasse mais pesado e senti que tinha razes nos meus ps. Senti que era uma planta a nascer. (Joo)

    A criao de uma organicidade no aluno ator, onde se possa desenvolver um corpo com um conhecimento tcito18, um corpo habitado de percepo pessoal, a principal tarefa do ator no ser orgnico, criar a percepo de organicidade nos sentidos e diante dos olhos do espetador. (Barba&Savarese, 2012, pg.206) 18

    Cada treinamento fsico tem a capacidade de inervar determinados esquemas de ao que permitem agir sem precisar de refletir sobre como fazer. como se o prprio corpo, a mo, o p ou a espinha dorsal pensassem, sem que o programa de ao tenha que passar pela cabea. O comportamento cnico se torna, para o ator, treinado to espontneo quanto o comportamento cotidiano. o resultado de uma espontaneidade reelaborada. O objetivo dessa reelaborao da espontaneidade a capacidade de executar, com deciso, aes que resultam orgnicas (vivas) e eficazes (convincentes) para os sentidos do espetador. (Barba& Savarese, 2012 Pg.131)

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    O dever do ator e de uma atriz descobrir as tendncias individuais da prpria energia e proteger a sua unicidade. Os primeiros dias de trabalho deixam uma marca indelvel. No incio da aprendizagem, o ator repleto de potencialidades; comea a escolher, eliminar algumas para reforar outras. Pode enriquecer seu trabalho somente custa de empobrecer o territrio de suas experincias para aprofundar um setor restrito. A possibilidade de salvaguardar e reforar o duplo perfil de sua energia decidida para o ator nesta fase originria da sua profisso. Ou ento prevalece uma tendncia unilateral que o torna mais seguro, prematuramente invulnervel. Ethos no sentido de comportamento cnico, isto , tcnica fsica e mental modelada pelo ambiente humano no qual se desenvolve a aprendizagem. (Barba, 1994, pg.94, 95)

    na descoberta de uma anatomia individual, que se situa o estudo do movimento com adolescentes que experienciam as transformaes do seu corpo atravs de treinos especficos, por vezes variados e intensivos com base nas variadas tcnicas de movimento, dana e de exerccios de teatro. Atravs dos exerccios realizados no aquecimento corporal, aprendo a adquirir conscincia de todas as partes do meu corpo. Sinto que a minha coluna est mais direita e at me sinto maior. O meu corpo escuta e v com mais ateno o mundo. Sinto-me mais concentrado nas aulas e tambm nas atividades do dia a dia. Por vezes aborreo-me de fazer quase sempre a mesma rotina de aquecimento, mas compreendo que atravs dela que comeo a conhecer determinados movimentos. J um ritual. Faz parte do trabalho dirio nas aulas de movimento. (Diogo) Atravs de depoimentos informais, percebe-se que os discentes consideram esta fase da aula indispensvel para os percursos individuais de descoberta do corpo expressivo. Embora os exerccios sejam maioritariamente tcnicos, (que no visam a abordagem criativa) preparam o corpo do aluno-ator no sentido de atingir nveis expressivos.

    Aps a repetio de sries de movimentos durante um tempo delimitado, passa-se fase de introduo de novas sequncias, de modo a que posteriormente o aluno possa unir elementos das vrias aprendizagens de forma a encontrar novos caminhos para a sua movimentao.

    Depois de determinado perodo de trabalho corporal, a presena fsica e mental do aluno-ator modelar-se- segundo princpios diferentes dos da vida quotidiana, confrontar-se- com uma rutura dos automatismos.

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    Certos desportos e mtodos de ginstica esto em relao direta com a prtica teatral porque ajudam a desenvolver uma capacidade de reaes imediatas que agem sobre o sentido cinstsico dos espetadores. Alm disso, ensinam os atores a dominar os fundamentos fsicos da profisso, nas dimenses individual (o uso da energia), dialgica (a relao com os companheiros) e a pblica (a relao com os espetadores). Ainda que a aes do ator se passem dentro de um contexto caracterizado pela fico, elas devem ser reais e sua essncia, aes psicofsicas de verdade, e no uma gestualidade vazia. (Barba& Savarese, 2012, pg.127)

    Barba (1991) refere que a motivao na realizao dos exerccios de extrema importncia para que o ator possa integrar qualquer tcnica, Mas a temperatura a que determina se um exerccio to-s ginstica ou ao muscular mecnica.

    O corpo - atravs da conscincia dos seus recursos pessoais e de como us-los - ter maior possibilidade de se tornar presente de modo a conseguir manter a ateno do espetador, mesmo antes de mesmo antes de esse mover. A imobilidade no um obstculo para sentir o movimento (Kandinsky). (Barba& Savarese, 2012, pg.99)

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    2 - Corpo-Jogo: treino fsico criativo

    Representar colocar-se no lugar de um outro incorporar outra personalidade, adotar novos comportamentos. Representar materializar um outro virtual, que poder existir em potncia quando o ator empresta o seu corpo ideia.

    A incorporao condio da agncia do corpo, seja a incorporao de uma tcnica e de um estilo de movimento seja a de uma personagem. A incorporao envolve a pessoa como um todo, incluindo as dimenses sensoriais ativadas no processo. (Fazenda, 2012,Pg.75)

    O jogo por si s no ensina a interpretar uma personagem. O jogo permite extrapolar o automatismo, de forma a se estabelecer um corpo dilatado, como descreve Barba, que se constri atravs de uma nova tonicidade muscular. Um conjunto de fatores determina o sucesso do jogo, a motivao pessoal.

    Hoje vamos jogar? Ao escutar os alunos no incio das aulas, reflito sobre a importncia e a consequncia do ato de jogar no desenvolvimento das relaes entre o grupo.

    O aluno ator brinca ao colaborar em atividades figuradas no momento, incorporadas como reais, designadas como imaginao dramtica ou faz de conta. Novas experincias so assimiladas atravs do ato de jogar.

    Por meio do envolvimento criado pela relao do jogo, o participante desenvolve liberdade pessoal dentro do limite das regras estabelecidas e cria tcnicas e habilidades pessoais necessrias para o jogo. medida que interioriza essas habilidades e essa liberdade ou espontaneidade, ele transforma-se num jogador criativo. Os jogos so sociais baseados em problemas a serem solucionados. O problema a ser solucionado o objeto do jogo. (Koudela, 1998, pg.43)

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    O jogo proporciona a possibilidade do participante solucionar um problema criativamente, expelindo a sua energia de forma inventiva, produz aperfeioamento de habilidades e progresso. Potencia a transformao de passividade em atividade.

    Para o trabalho do aluno ator, de extrema importncia que o seu aparelho corporal se desenvolva de forma a responder aos estmulos propostos prontamente numa situao de jogo, permitindo que posteriormente numa situao de performance, o corpo adquira solues rpidas em momentos imprevistos na atuao.

    J me deparei com situaes aps a apresentao de um exerccio, em que os alunos tentaram explicar por palavras o que acabavam de demonstrar. Peo que os mesmos que tentem realizar atravs de ao, invs de verbalizar.

    notria a dificuldade que observo, quando um grupo pretende condensar uma histria dentro de um determinado tempo e espao, com um tema especfico. Esta passagem de um plano mental (palavras, ideias) para a prtica (fazer, experimentar) contribui para o desenvolvimento da compreenso da prxis. Somente atravs da experincia, o corpo integra o conhecimento e apropria-se de novas qualidades.

    Numa primeira fase de trabalho, so propostos jogos sem objetos e sem uso de palavras, posteriormente introduzida na contracena a verbalizao. Numa ltima fase introduzido o elemento, objeto.

    Observo que os alunos, numa fase inicial possuem extrema necessidade de se expressarem atravs da palavra, ou, em relao ao objeto. Perante esta constatao, percebi que se inicialmente recorrem a estes elementos, porque vo ao encontro de zonas confortveis (no incio no existem muitos recursos individuais para a explorao do desconhecido). A proposta de trabalho que os mesmos estabeleam relaes de autoconhecimento com o seu maior recurso, o corpo.

    Se concebemos automaticamente a ideia que para fazer teatro preciso comear por uma cena, por uma pea, uma encenao, cenrios, a luz, a msica, sofs se tomamos isso como uma evidncia, optamos por o caminho errado. Pode ser verdadeiro no cinema, so necessria pelo menos uma cmara, pelcula e meios para desenvolver uma pelcula, mas para fazer teatro, s precisamos de uma coisa: a matria humana. (Brook, 1991, pg.21/22)

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    Divido o grupo em dois subgrupos, o grupo 1 e o grupo 2. O grupo 2 dever moldar o corpo dos colegas do grupo 1, de forma a criar uma imagem referente ideia que apreendem dos mesmos, com a temtica, identidade e grupo. Um dos alunos constri a imagem que tem do grupo, se os restantes no concordarem com o resultado, devero alter-lo, at que seja completada uma representao condizente com o grupo todo.

    A cada instante de um movimento, o instante precedente no ignorado, mas est como encaixado no presente, e a perceo presente consiste em suma, em reaprender, apoiando-se na posio atual, a srie das posies anteriores que se envolvem umas s outras. (Marleau-Ponty, 1999, pg.194)

    Neste exerccio, atravs da comunicao no-verbal, o grupo experienciou a cooperao. Todo um processo de disciplina foi colocado em evidncia, quando chegaram a um consenso, a imagem de grupo foi projetada. O grupo propulsor de uma ao que emerge como fora coletiva (Koudela, 1998, pg.49)

    Uma pea de teatro realizada pelo coletivo. Os jogadores fazem parte de um todo orgnico motivado pela ao do jogo, onde deve ser suprimido o pensamento, certo ou errado. A soluo, j por si, a superao do obstculo. Experienciar treinar para o ato de criao. O jogo concebe-se no momento presente, Quando um jogador lana a bola invisvel (objeto no espao) para o outro, a atividade torna visvel a relao com o parceiro que recebe a bola. (Koudela, 1998, pag.148)

    Na minha prtica docente, introduzo determinados jogos, apreendendo que alguns deverei repeti-los durante determinado tempo, (por vezes introduzindo algumas variantes) outras vezes realizo jogos uma nica vez, dependendo da finalidade de cada um. Na repetio existe um processo de assimilao do aprender a fazer e a partir da presena de um objetivo criado significado na atividade. O jogo testa as possibilidades do jogador fazendo-o ir mais alm, assumindo riscos e tornando o seu corpo num desfio no redutvel obedincia a normas sociais e em frequente divergncia com cdigos morais estruturados. (Rodrigues, 2005, pg.36) O processo de jogos trabalhado nas aulas de movimento e interpretao, visam a passagem da subjetividade para a objetividade, na mutao do jogo-treino-experincia, para o jogo-teatro-palco.

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    Imagem das personagens da Pea de Teatro-Dana - Senhores do Bairro Fotografia: Micaela Ornelas Junho de 2012

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    3-Criao de uma Pea de Teatro-Dana - Senhores do Bairro

    A origem da obra de arte a arte. Mas o que a arte? A arte real na obra de arte. Por isso procuramos, antes de mais, a realidade da obra.

    (Martin Heidegger, A origem da obra de Arte)

    A partir da obra O Bairro de Gonalo M. Tavares19 comecei por desenvolver exerccios de improvisao com pequenos excertos de cada livro, com o objetivo de potenciar a criatividade individual e de grupo, propus situaes inesperadas no sentido de desencadear momentos de desenvolvimento da imaginao e de criao de diversas possibilidades de interao entre potenciais personagens. Segundo Vygotsky,20 a criatividade, a realizao humana geradora do novo, que tem origem social, atravs de troca simblica entre indivduos, fazendo parte de um sistema de significados complexos que se modificam ao longo dos estdios de desenvolvimento humano. Qualquer imagem mental, por mais fantstica que seja, encerra sinais da realidade externa. (Vygotsky, 2012, pg.14) No entanto a imaginao e criatividade, dependem de variados fatores, dependem das experincias adquiridas. Para o autor, o ato criativo inicia-se na adolescncia medida que se aproxima a maturidade, tambm comea a amadurecer a imaginao e, na idade de transio a partir do amadurecimento sexual dos adolescentes, a fora da imaginao, em ascenso muito poderosa, une-se aos primeiros estgios da maturidade e fantasia. (Vygotsky, 2012,pg.59)

    19

    Gonalo M. Tavares nasceu em 1970. Em Dezembro de 2011 publicou a primeira obra. Em quatro anos publicou romances, poesia, teatro e pequenas fices, recebendo vrios prmios. Vrios dos seus livros deram origem a intervenes e obras de artistas plsticos, peas de teatro, o estudo para uma pera, vdeos de arte, etc. (Tavares. Gonalo 2005, Sr. Brecht) 20

    O interesse de Vygotsky (1896-1934) pela psicologia da arte, esttica teatral e educao esttica acompanhou o seu breve e intenso percurso cientfico. () O livro Imaginao e Criatividade na Infncia (1930) explicam o pensamento de Vygotsky no domnio da psicologia da imaginao criativa. (Vygotsky, 2012, pg.10/11)

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    Numa das primeiras situaes de jogo21, os alunos atores exploraram espacialmente as dez personagens da obra, procurando em cada uma delas a sua fisicalidade, mediante a perceo que cada um fez sobre as mesmas.

    Escrevi uma pea, que se intitulou Os Senhores do Bairro. Aps a leitura dos dez livros, criei cenas entre as vrias personagens, no desvirtuando a obra do autor, mas sim, encontrando afinidades e momentos de ao entre as personagens de cada livro.

    Elaborei uma sinopse para melhor compreenso do projeto artstico/pedaggico. Um bairro. Dez senhores. Dez moradores. Dez formas diferentes de ver e escutar o mundo com as suas prprias realidades. Realidades distintas, personalidades dspares, confrontos inevitveis de quem convive num espao comum o bairro onde apenas se encontram elos de ligao nas emoes bsicas inerentes condio humana. Os Senhores do Bairro uma pea de teatro/dana a partir da obra O Bairro do escritor Gonalo M. Tavares. Propus como premissa, a interligao direta entre as vrias personagens criadas pelo autor. A sua obra materializada em palco, atravs da criao de dilogos e inter-relaes das vrias personagens (senhores) e suas idiossincrasias. O mundo pessoal de cada personagem transportado para o palco colocando em evidncia os seus conflitos interiores, desejos e ambivalncias. A conceo artstica assenta numa esttica grotesca de construo da personagem em contradio com um minimalismo cenogrfico onde pretendido evidenciar apenas apontamentos cnicos retirados dos dez livros (dez senhores/personagens). A pea ser articulada por momentos coreogrficos de acordo com o processo criativo e a composio dos figurinos ter como base a cor de cada livro desta obra. A adaptao para texto dramtico orientou-se no sentido da criao de afinidades e contradies entre os vrios senhores, respeitando, na ntegra, os textos do autor, no alterando a sua forma e essncia.

    21

    A prpria ideia de jogo compreende a noo de liberdade quando, no domnio mecnico se diz que duas peas fazem jogo...essa mobilidade , no domnio teatral, a parte da inveno, que a do ator, quando inventa elementos de cons-truo do seu jogo, mas servindo-se tambm de cada instante, das hipteses que lhe d o aleatrio. (Ubersfeld, 2010, pg.63)

  • 42

    3.1- Contextualizao da Pea Senhores do Bairro

    O porqu da escolha de Gonalo M.Tavares e a sua obra O Bairro?

    Na leitura dos seus livros, constatei potencial para colocar em prtica, (forma criativa) as tcnicas corporais realizadas nas aulas. As personagens dos livros constituram repertrio vastssimo na aplicao do movimento e consequentemente na construo de personagens.

    Pretendi igualmente que os discentes encontrassem formas contrastantes na aplicao corporal, procurando no corpo grotesco, diversidade de movimento, o que constituiu para o grupo um desempenho dotado de concentrao e intensidade na realizao dos exerccios propostos.

    A palavra grotesca (ial.grottesco) designa cmico grosseiro em msica, em literatura e nas artes plsticas. Designa, sobretudo, o monstruosamente bizarro () Meyerhold, 1980, pg.110)

    Questionando a conceo grotesca na construo da personagem? Segundo Meyerhold (1940), o grotesco permite abordar o quotidiano num plano indito. Aprofunda-o de tal maneira que o cotidiano cessa de parecer natural. (Meyerhold, 1980, pg.113)

    O aluno ao exercitar a oposio de movimentos, os seus contrastes, conduz a que o mesmo v contra a natureza do movimento cotidiano, (do movimento prprio) assim sendo, descobre novas formas de se mover, de utilizar o seu corpo, construindo outro patamar de movimentao, abrindo o seu corpo para novas experincias. Experincias estas, que ampliam o modo de pensar, agir e de descobertas posteriores.

    Foi pretendido que os alunos encontrassem as suas personagens por si prprios (personagens baseadas nos livros) com base em material proposto pela professora, promovendo incentivo ao ato de pesquisa, criando dessa forma autonomia.

    precisamente numa abordagem entre o cotidiano, a observao da vida e a transformao dos elementos retirados da realidade, que se situa o ato de criao para a pea Senhores do Bairro.

  • 43

    O estudo dramatrgico e conceo da pea desenvolveram-se atravs de etapas delicadas, pois os alunos inicialmente demonstraram dificuldade em apreender a sua essncia, a qual dependeu das motivaes dos mesmos. mago a ser descoberto pelo grupo, na leitura e interpretao do texto, na diversidade de respostas, entendimento e opinies. Embora estivesse escrita, materializ-la resultou unicamente do esforo coletivo (incluindo professora). O ator deve ser nico, mas tem que trabalhar em grupo e para um grupo, por isso temos que estar unidos. (Raquel) Os obstculos apresentados no processo (considerei-os normais) advieram do fato dos alunos sarem das suas zonas de conforto, e confrontarem-se com uma exposio que os mesmos desconheciam. Aprendi imenso com todo o percurso, aprendi a ver, a observar, ser autnoma, a criar, dar e receber, ir mais longe, ser forte, determinada e acima de tudo ser trabalhadora. Percebi com esta pea que a personagem no se encontra numa nica forma. (Raquel)

    Na procura do corpo grotesco, o aluno-ator necessitou de desenhar com o corpo, os seus gestos compunham-se numa mistura de dana com a expresso do movimento, () os elementos de dana so inerentes aos processos ditados pelo grotesco. (Meyerhold, 1980, pg.116) e () o movimento para mim, contar uma histria com o corpo, com o movimento e a dana, sem dvida, pode ser uma mais-valia para um ator. O ator que saiba danar vai ter um corpo mais rigoroso e na dana trabalha-se o rigor. (Joo)

    A pea Senhores do Bairro teve como ponto de partida a desconstruo de corpos uniformizados, onde o disforme e o assimtrico conjugaram-se no encontro de um corpo (des) conhecido.

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    3.2- Corpo Camaleo / Estudo do Animal na Construo da Personagem

    O olhar do pintor desposa to completamente a forma imaginada (no percepcionada, mas sonhada), que se vaza nela: torna-se peixe, ou em personagem que passeia no interior da paisagem, ou at mesmo uma cor

    (Kandinsky) (Jos Gil. A imagem nua e outras percepes)

    Para o trabalho de construo da personagem, foram realizados exerccios com indutores, nomeadamente, o animal, o desenho animado, a figura geomtrica, a pintura e os objetos.

    Numa primeira fase, props-se que cada aluno escolhesse um animal que tivesse afinidades com a sua personagem. Aps a leitura de cada livro, retiraram imagens de cada personagem e comearam por preencher a sua fisicalidade numa vertente prtica em sala de aula, tentando conectar com o seu universo, procurar a fisicalidade do seu animal, no encontro de posturas, energias, sensaes, ritmos (silncios e pausas, tecido sobre o qual o ritmo se desenvolve). O aluno ator deve encontrar o seu ritmo - em - vida, esculpindo o seu tempo, dilatando e contraindo as suas aes, Ao esculpir o tempo, o ritmo faz com que ele se torne um tempo-em-vida. (Barba, 2012, pg.252)

    A passagem incessante de impulsos para formas, transforma o corpo do aluno ator em novas possibilidades, potenciando os seus recursos pessoais e psicofsicos, at se chegar forma aproximada de uma idealizao, porm, no que constou dos depoimentos dos alunos, a ideia concebida inicialmente para as suas personagens, foi-se diluindo noutras realidades. Quando comeamos a fazer exerccios de personagem senti-me muito bem e conseguia movimentar-me e relacionar-me com os colegas, mas agora sinto que perdi a personagem, parece que tudo o que fao, no faz sentido. (Rita) A verdade concebida pela prxis, transformadora, que materializa a reflexo em conquista do visvel, agente de comunicao.

  • 45

    Estava muito indeciso com o meu animal, pois existiam muitos outros animais interessantes. Primeiro escolhi o elefante, o que se identificava mais com a personagem que me foi atribuda, o Sr. Calvino, pois era grande e inteligente, mas o seu peso no condizia com a irregularidade da sua personalidade e trajetos de cena. O flamingo consegue dar passos grandes e rpidos, mas tambm o contrrio. H medida que o tempo foi passando e com os exerccios realizados em sala de aula, descobri que o meu animal era o flamingo, pois percebi que a sua fisicalidade estava mais prxima do que apreendi da personagem. S consegui perceber isso depois de muito treino corporal. Tive que destruir a ideia inicial e reconstruir a partir do zero um novo suporte para este trabalho. A partir do flamingo descobri a minha personagem. (Rafael)

    Para experienciar necessrio envolver-se totalmente com o ambiente, a nvel intelectual, fsico, intuitivo, consciente, deixando que o estado presente, do aqui e agora, permita que a fora impulsionadora da imaginao se incorpore e estabelea momentos de respostas criativas e inovadoras no processo artstico. O acto de aprender s verdadeiramente vantajoso quando ele se encontra articulado com a experincia total daquele que aprende; estar atento ao modo como as coisas se passam e se vivem aumenta e optimiza a capacidade de aprender e de compreender o que se faz e o que se diz. (F. Estienne apud Martins, 2002, pg.56)

    Numa primeira abordagem ao objeto de estudo, quase sempre se estabelece uma relao com o caos de informao, onde nada de concreto existe, um todo complexo decompe-se, destri-se e posteriormente filtra-se a partir da premissa do pormenor e do detalhe. O invisvel tornar-se- visvel num processo de desterritorializao, para a construo de algo que ser de certa forma, determinado embora que indeterminado pelo prprio devir inerente existncia. O animal que surge ser transformado em personagem humana. A metamorfose animal/homem conduz o corpo para a incorporao da personagem, ligando o objetivo de a encontrar, superao do obstculo, do problema imposto pelo prprio sentido do jogo, a descoberta de uma nova figura. Figura essa, que vai crescer e surgir na corporeidade, a partir da imaginao, criatividade e fisicalidade.

    Para que haja devir-outro, para que algum consiga entrar na pele do outro, tem que realizar uma metamorfose completa do si-prprio, no basta que imaginemos simplesmente peixe (desencadeando o trabalho de uma faculdade ou uma funo) para nos tornarmos peixe; ao mesmo tempo teremos de deixar de ser homem, de viver o corpo como um corpo humano, e que nos deixarmos atravessar pelas energias e as intensidades do peixe. (Gil, 2005,pg.294)

  • 46

    As fases do trabalho do animal nas aulas de movimento foram sistematizadas da seguinte forma:

    -Escolha do animal;

    -Procura da fisicalidade do animal num processo individual;

    Numa primeira fase trabalham de olhos fechados, posteriormente pesquisaram de olhos abertos e realizaram trabalhos de pormenor;

    - Movimentao dos olhos e a sua relao com o animal (como que se movem os olhos o seu animal?) em situaes distintas;

    - Trabalhar a variao de fisicalidade;

    - Metamorfose entre o animal e a personagem (no animal, mas ainda no humano)

    - Trabalhar a voz do animal;

    -Trabalhar a inter-relao do seu animal com outro animal / situaes de jogo;

    - Criar partituras a partir do trabalho desenvolvido e apresent-las ao grupo;

    - Apresentar composies em grupo, baseadas no trabalho prvio;

    A figura animal criada exprime um aspeto da condio humana, esses foram critrios na escolha do seu animal para trabalhar a personagem, partindo de associaes de caractersticas de ambos. Qual o centro de vitalidade do animal? Esta questo serviu de base na procura da fisicalidade do seu animal.

    Transcreve-se excerto de trabalho terico22 de uma aluna, abordando os pontos em comum que encontrou entre a sua personagem (senhor) e o animal escolhido:

    Pesquisa sobre lees / O que pode ser relacionado para incorporar no Sr. Eliot23:

    Andam devagar e com passos muito marcados;

    22

    Anteriormente ao trabalho terico, os alunos experimentaram vrios animais em exerccio. Aps

    um trabalho prtico sobre o seu animal, teorizaram e procuraram ligaes com uma nova praxis.

    23 Sr. Eliot, Sr. Manganelli, Sr. Swedenborg, so personagens dos livros da obra o Bairro de Gonalo

    M.Tavares.

  • 47

    Sob ameaa correm bastante rpido;

    A interao com os membros do seu grupo (Sr. Manganelli, Sr. Swedenborg, Sr.Breton, os senhores que tambm vo conferncia do Sr. Eliot) fria e indiferente. No caso da minha personagem, o Sr. Eliot comporta-se dessa forma com os intervenientes;

    A interao do leo com outros animais que no do seu grupo fria, mas quando se sente ameaado reage (o que acontece com o Sr. Brecht);

    No gostam de brincar, so srios;

    A sua imagem normalmente associada ao poder, justia e fora, mas tambm ao orgulho e autoconfiana;

    Atravs de um terreno estruturante, o aluno ator desenvolve a sua subjetividade. A partir de uma atitude perseverante, de um esprito curioso, de uma ligao intrnseca com o momento presente, possvel experienciar e criar simultaneamente. A

    qualidade do trabalho depende, no s dos exerccios realizados, mas do empenho, da entrega do grupo. Ainda hoje, o grande problema do treinamento que muita gente acha que so os exerccios que desenvolvem o ator, quando na verdade, eles so apenas a parte visvel e tangvel de um processo maior, unitrio e indivisvel. (Savarese, 2012, pag.293) A criao da personagem, foi um processo individual, embora, por vezes coletivo, influenciado pelos outros elementos da turma onde o aluno-ator construiu parte da sua personagem.

    Os exerccios so pequenos labirintos que o corpo-mente do ator pode percorrer e repercorrer para incorporar um modo de pensar paradoxal, para se distanciar do seu agir cotidiano e deslocar-se no campo do agir extracotidiano da cena. Os exerccios so como amuletos que o ator carrega consigo no para exibi-los, mas deles extrair determinadas qualidades de energia das quais, lentamente, se desenvolve um segundo sistema nervoso. Um exerccio feito de memria, memria do corpo. Um exerccio se torna memria e age atravs de todo o corpo. (Barba& Savarese, 2012, pg.122)

    Na construo coletiva da personagem, todos os alunos-atores imitaram ou seguiram movimentos realizados por cada um, na procura do seu animal e consequentemente desenho animado e por ltimo a personagem (esboada, inacabada). Experincia com o propsito de auxiliar os discentes a incorporar o ritmo e a gestualidade surgidos.

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    O aluno-ator tambm desenvolve a sua tcnica, encontrando mecanismos prprios para a sua formao.

    Citaes de alunos atores sobre o processo de trabalho da pea Senhores do bairro,

    Considero muito, mas muito importante o es