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Experiencias Comunitarias ET 1/1 octubre del 2013 118 ISSN:2007-9729 DOI: www.espaciost.org INTRODUÇÃO O Serviço social em Portugal negligenciou nas últimas décadas o trabalho comunitário em prol duma intervenção centrada no individuo, assim como secundarizou a cidadania e a transformação focalizando-se num exercício profissional de carácter técnico- administrativo de gestão de apoios sociais. O falhanço desta estratégia é particularmente evidente no trabalho realizado com pessoas em situação de sem-abrigo que se tornam as vítimas invisíveis e sem voz de mecanismos de opressão e reprodução social complexos e poderosos. A crise estrutural que Portugal enfrenta, exige uma ação concertada de todos os atores sociais, na defesa do estado social, que vá para além das boas intenções, daí o Serviço Social estar a vivenciar um dilema pelo facto de não querer ser parte do problema, mas ter de se situar no problema. Por conseguinte ou se anula profissionalmente, ou investe numa prática de intervenção social comprometida com os direitos humanos, assumindo de modo evidente um pensamento critico, reflexivo, ético e criativo. Com o aumento do desemprego, com a precarização das relações laborais, com a fragilização das famílias e com a destruição do estado social, o Serviço Social em Portugal tem de encontrar outros caminhos que não os do assistencialis- mo fatalista para poder reafirmar o seu estatuto socioprofissional de defesa do bem-estar individual, social e ambiental. * Eduardo Marques worked as lecturer in Social Work for 20 years at Miguel Torga University College Portugal , during which time he was involved in several social work international projects about e-learning, community work and youth work. He is working as executive director of the Social Enterprise Academy and of the NGO Associação Hemisférios Solidários. Institutional Address: Associação Hemisférios Solidários Mail: Hemisférios.solidá[email protected] Este artigo aborda a intervenção Comunitária através da arte com pessoas em situação de sem abrigo em Coimbra – Portugal. Centra-se num projeto desenvolvido seguindo uma Estratégia de Desenvolvimento Comunitário baseada em Ativos (ABCD), pela ONG (Associação Hemisférios Solidários) que se particulariza por implementar projetos de arte comunitária com o objetivo de capacitar a comunidade de pessoas sem- abrigo para a participação e a cidadania. This article discusses community work intervention through art with people facing homelessness in Coimbra - Portugal. Focuses on a project developed following an Asset Based Community Development (ABCD) strategy, by a local NGO (Associação Hemisférios Solidários) which is particularized for implementation of community art projects with the objective of empowering homeless community into participation and citizenship. Intervenção Comunitária através da Arte com pessoas em situação de sem-abrigo Eduardo Marques * Como citar este artículo/Citation: Marques, E. (2013). Intervenção Comunitária através da Arte com pessoas em situação de sem- abrigo. En Revista Espacios Transnacionales [En línea] No. 2.Octubre - Abril 2013, disponible en: http://www.espaciost.org/experiencias- comunitarias/semabrigo/ Copyright: © 2014. Este es un artículo de acceso abierto distribuido bajo los términos de la licencia Creative Commons Attribution-Non Commercial (by-nc) International 4.0.

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Intervenção comunitária

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    ISSN:2007-9729 DOI: www.espaciost.org

    INTRODUO

    O Servio social em Portugal negligenciou nas ltimas dcadas o trabalho comunitrio em prol duma interveno centrada no individuo, assim como secundarizou a cidadania e a transformao focalizando-se num exerccio profissional de carcter tcnico- administrativo de gesto de apoios sociais. O falhano desta estratgia particularmente evidente no trabalho realizado com pessoas em situao de sem-abrigo que se tornam as vtimas invisveis e sem voz de mecanismos de opresso e reproduo social complexos e poderosos.

    A crise estrutural que Portugal enfrenta, exige uma ao concertada de todos os atores sociais, na defesa do estado social, que v para alm das boas intenes, da o Servio Social estar a vivenciar um dilema pelo facto de no querer ser parte do problema, mas ter de se situar no problema. Por conseguinte ou se anula profissionalmente, ou investe numa

    prtica de interveno social comprometida com os direitos humanos, assumindo de modo evidente um pensamento critico, reflexivo, tico e criativo.

    Com o aumento do desemprego, com a precarizao das relaes laborais, com a fragilizao das famlias e com a destruio do estado social, o Servio Social em Portugal tem de encontrar outros caminhos que no os do assistencialis-mo fatalista para poder reafirmar o seu estatuto socioprofissional de defesa do bem-estar individual, social e ambiental.

    * Eduardo Marques worked as lecturer in Social Work for 20 years at Miguel Torga University College Portugal , during which time he was involved in several social work international projects about e-learning, community work and youth work. He is working as executive director of the Social Enterprise Academy and of the NGO Associao Hemisfrios Solidrios. Institutional Address:Associao Hemisfrios SolidriosMail: [email protected]

    Este artigo aborda a interveno Comunitria atravs da arte com pessoas em situao de sem abrigo em Coimbra Portugal. Centra-se num projeto desenvolvido seguindo uma Estratgia de Desenvolvimento Comunitrio baseada em Ativos (ABCD), pela ONG (Associao Hemisfrios Solidrios) que se particulariza por implementar projetos de arte comunitria com o objetivo de capacitar a comunidade de pessoas sem-abrigo para a participao e a cidadania.

    This article discusses community work intervention through art with people facing homelessness in Coimbra - Portugal. Focuses on a project developed following an Asset Based Community Development (ABCD) strategy, by a local NGO (Associao Hemisfrios Solidrios) which is particularized for implementation of community art projects with the objective of empowering homeless community into participation and citizenship.

    Interveno Comunitria atravs da Arte com pessoas emsituao de sem-abrigo

    Eduardo Marques *

    Como citar este artculo/Citation: Marques, E. (2013). Interveno Comunitria atravs da Arte com pessoas em situao de sem- abrigo. En Revista Espacios Transnacionales [En lnea] No. 2.Octubre - Abril 2013, disponible en: http://www.espaciost.org/experiencias-comunitarias/semabrigo/

    Copyright: 2014. Este es un artculo de acceso abierto distribuido bajo los trminos de la licencia Creative Commons Attribution-Non Commercial (by-nc) International 4.0.

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    Um desses caminhos pode traduzir-se numa a inter-veno social participati-va assente na comunidade e onde a arte, a cultura e a criatividade se trans-formam em ferramentas de grande potencial para o trabalho com grupos e comunidades marginali-zadas.

    No caso da interveno comunitria participativa junto de pessoas em situao de sem- abrigo atravs da arte, as experiencias desenvol-vidas pelo autor revelaram-se socialmente integradoras.

    Um dos obstculos cidadania das pessoas em situao de sem-abrigo o seu limitado capital social, pelo que o aumento de redes, normas e confiana foi entendido desde

    incio como uma necessidade e uma prioridade. O des-envolvimento do capital social implicava desafiar a co-munidade dispersa de pessoas sem-abrigo para projetos em que pudessem trabalhar juntos em aes colaborativas concertadas. Tom Borrup (2009) afirmou um dia que, co-munidade aquilo que fazemos juntos e foi essa definio

    simples e abrangente de comunidade que foi seguida no trabalho desenvolvido com pessoas sem-abrigo. Como

    as relaes sociais so um ativo importante na vida de qualquer pessoa e uma dimenso prtica do conceito de capital social, seguimos uma linha metodolgica assente no Desenvolvimento Comunitrio Baseado em Activos (Asset-based community development - ABCD) que nos permitiu descobrir e usar os pontos fortes dentro da co-munidade como um meio para um processo de desenvol-vimento sustentvel, tanto a nvel do individuo como da sua prpria comunidade.

    O Desenvolvimento Comunitrio Baseado em Ati-vos (ABCD) uma estratgia de construo de comuni-dades sustentveis atravs da identificao e ligao de

    micro-ativos com o ma-cro-ambiente, que pres-ta particular ateno aos ativos nas relaes so-ciais e nas redes formais e informais. O ABCD

    est em consonncia com os princpios e prticas de abordagens participativas com vista ao empowerment e pas-sa pela identificao de

    cinco ativos essenciais: as pessoas, as associaes, as ins-tituies, os recursos fsicos e as relaes. A partir deste

    modelo de interveno, foram construdos vrios projetos, caracterizados pelo profundo respeito pela pessoa, pela escuta ativa, pelo dilogo, pelo afeto, por cumplicidades vrias, com vista a resgatar a auto-estima, o respeito, a esperana e combater o isolamento social vivido pela pes-soa em situao de sem-abrigo. Esta dinmica confrontou

    o pensamento dominante, que se distingue por considerar a pessoa em situao de sem abrigo, como um recetculo passivo da caridade individual, das organizaes sociais ou simplesmente como consumidor de benefcios sociais.

    As instituies que o suportam, esto direcionadas para fazer um determinado trabalho ou prestar um servio par-ticular a um cliente tipo, pelo que no so capazes de se recriar para apoiar e dar o que os cidados querem ou precisam.

    O trabalho da ONG Hemisfrios Solidrios, como pes-soas sem abrigo, permitiu ao autor desenvolver um con-tacto de grande proximidade com pessoas em situao de sem-abrigo seja atravs de projetos artsticos, seja atra-vs do Grupo de interveno em Crise razo pela qual pode constatar que: ser sem-abrigo uma experincia traumtica. A perda de casa, de comunidade, de estabili-dade, de segurana, amigos e rotinas uma experiencia que est muito para alm da vida cotidiana e altamente

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    stressante. Dormir na rua, num prdio abandonado, num carro ou num abrigo, provoca um sentimento de vulnerabilidade, de perda de controlo, e perda de esperana. Volk, K., Guarino, K., & Konnath, K. (2007, p. 3).

    No mbito da Hemisfrios Solidrios, o autor est

    a coordenar uma investigao sobre as caractersti-cas, potencialidades e vulnerabilidades das pessoas sem-abrigo na cidade de Coimbra e as evidencias re-colhidas, mostram ndices muito altos de experincias traumticas por parte desta populao. Perante este

    facto, estamos convencidos do potencial da arte para ajudar a desconstruir os discursos opressivos das or-ganizaes tradicionais e reinterpretar experiencias a partir de pontos de vista alternativos. Tal como afirma

    Levine (2009, p. 17), a experincia de fragmentao que o sofrimento traumtico implica resiste a qual-quer abordagem que assuma que a experincia pode ser dominada e conhecida atravs do discurso racio-nal.

    Neste sentido a arte e a cultura revela-se um bom instrumento de comunicao e relao, que permite ir para alm da fragmentao do mundo exterior e in-terior, deixando as pessoas exprimirem-se de modo diferente do permitido pela voz ou pela escrita e mos-trando ideias e sentimentos de cada um.

    O potencial da arte no trabalho comunitario com pessoas em

    situao de sem-abrigo

    A arte e a cultura so aspetos importantes no desenvolvimento e na qualidade de vida de cada um, seja como meio de lazer de forma passiva, seja como criao artstica de forma ativa, razo pela qual o servio social deve integrar estas dimenses no seu trabalho. De acordo com Cuylenburg

    (2004) e Matarasso (1997) os projetos artsticos podem

    no s encorajar a incluso social como melhoram a auto-confiana e o bem-estar dos participantes e ainda combatem

    os esteretipos e a discriminao. Quando os projetos

    artsticos so feitos em espaos comunitrios tambm permitem trazer ao conhecimento pblico as lutas dos que sofrem mltiplas excluses e servir como meio para mostrar as suas preocupaes, defender seus pontos de vista e experincias.

    Comentando a importncia da Arte em contextos traum-ticos, Levine (2009, p. 18) afirma:

    A expresso artstica foi sempre uma forma funda-mental que os seres humanos tm usado para desco-brir significados nas suas vidas. As artes so formas

    de moldar a experincia, de encontrar caminhos de vida que faam sentido, atravs da transformao imaginativa.

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    121A arte efetivamente um meio de comunicao e de relao que tem de ser abordada de forma no dogmtica ou elitista. Para Pat B. Allen a criao

    artstica um caminho espiritual que est aberto a todos e que no requer mais talento que o vi-ver. Allen (2003, p. 14), refere que Henry Schae-fer-Simmern realizou programas de arte com grupos variados, tais como delinquentes, pessoas com transtornos de desenvolvimento e grupos de pessoas do mundo dos negcios e mostrou clara-mente que a autntica capacidade de expresso artstica se desenvolve gradualmente de forma natural em qualquer pessoa, desde que se lhe d a oportunidade de fazer arte.

    Isto mesmo foi cons-tatado pelo autor, atravs dos projetos de arte co-munitria desenvolvidos pela Associao Hemis-frios Solidrios desde 2010 e que permite afir-mar que os projetos de interveno social atra-vs da arte, permitem ir alm da fragmentao social e reaproximar gru-pos excludos de partici-pao comunitria em aes coletivas de integrao, desenvolvimento pessoal e afirmao de uma democracia participativa. Para alm das

    vantagens em termos da estabilizao e acompanhamento social de pessoas e grupos em risco de excluso, consta-tamos que em termos econmicos mais barato usar o trabalho social preventivo atravs da arte na comunidade, que cobrir os custos relacionados com as consequncias da desfiliao social.

    um trabalho que construdo atravs das metforas e da imaginao, que nos d um conjunto de ideias, re-laes e smbolos que podem catalizar a mudana social.

    Para ns a arte e a cultura foi sempre entendida como

    ferramentas para a transformao social e como servio pblico.

    O potencial da interveno social atravs da arte com pessoas em situao de sem-abrigo, reside numa estrat-gia bottom-up que valoriza as necessidades e os desejos desta comunidade, desenvolvendo atividades que lhes permite pensar e sentir serem parte da sociedade, de faze-rem parte duma rede sem hierarquias, criando relaes hu-manas significativas, de confiana e amizade entre si. Para

    alm disso permite partilhar e assumir responsabilidades em diferentes graus, mas a horizontalidade chave para se manter claro os graus de responsabilidade assumidos entre todos. Esta estratgia o oposto de uma interveno

    clssica, prescritiva e top-down, desvalorizada na prtica face ao seu insuces-so junto de comunidades mais problemticas, que so estigmatizadas pelas organizaes e instituies que lhes atriburem a culpa pelo seu insucesso e no refletem sobre as prticas

    assistencialistas que des-envolvem ou as estratgias fragmentadas que utilizam no controlo e minimizao

    dos danos sociais e morais gerados pela excluso.

    A interveno social atravs da arte, potencia a capaci-dade de as pessoas agirem juntas em matrias de interesse comum e permite construir capital cultural e social atra-vs da sua participao informal em atividades artsticas.

    No contexto da arte comunitria, o servio social tem de aprender a relacionar-se com as pessoas enquanto ci-dados e no como clientes, bem como procurar estimular o debate acerca dos problemas contemporneos atravs da arte, promovendo o empowerment, a criatividade e a participao. O sucesso da construo de comunidades

    robustas, est como diz Borrup (2009, p. 139) na capaci-

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    dade de ver e perceber o que torna uma comunidade es-pecial, bem como na habilidade para motivar as pessoas a agir.

    ARTE COMUNITRIA E DIREITOS HUMANOS

    Reflexo sobre uma experincia conduzida por

    pessoas em situao de sem-abrigo

    Como j afirmamos anteriormente, em Portugal, assiste-

    se, cada vez mais, ao crescimento das desigualdades sociais, do desemprego, da pobreza e da excluso de muitas camadas da populao, que est na origem da grave situao social existente a qual potencia a quebra de solidariedade e de valores humanos.

    A populao em situao de sem-abrigo, para alm da discriminao, tambm privada dos mais elementares direitos humanos, razo pela qual a Associao Hemis-frios Solidrios, desenvolveu vrios projetos inclusivos, com vista a criar na cidade de Coimbra um debate cria-tivo sobre os direitos humanos. O projeto de que vamos

    falar de seguida intitulado Os Direitos Humanos no so

    um Jogo, teve como objetivo construir uma instalao de Arte Participativa interativa, constituda por um Jogo de Domin com peas de grande dimenso e que inte-grasse uma viso ecolgica, sustentvel, artstica e com-prometida com a mudana social.

    O Contexto do projeto Os Direitos Humanos no so

    um jogo

    A populao em situao de sem-abrigo, so um grupo que no seu quotidiano sente diariamente a negao de muitos direitos humanos. Por esta razo, so as que

    pessoas que mais autoridade tm para falar sobre a realidade dos Direitos Humanos em Portugal.

    Perante o deficit de cidadania e participao bem como

    o afastamento e desconfiana dos cidados perante as ins-tituies, o projeto props juntar atores sociais compro-

    metidos com os direitos humanos numa ao que deu voz s vtimas e as converteu em atores e ativistas na conscienciali-zao e na defesa dos direitos humanos enquanto desiderato de toda a comunidade.

    Objetivos do Projeto

    O projeto visou consciencializar e formar pessoas em situao de sem-abrigo para os direitos humanos, capacita-los para disseminarem informao, debater e refletir com cidados

    annimos da comunidade os temas da igualdade, do direito a uma vida digna, do direito ao trabalho e segurana, do direito sade e educao, do respeito pela diversidade e pela dignidade de todas as pessoas. Este debate de ideias foi

    realizado em espaos pblicos (praas e parques) conduzido por pessoas sem-abrigo e mediado pelo Jogo do Domin /

    instalao de arte construda.

    Metodologia utilizada

    1. O projeto baseou-se na interseco e complemen-taridade de 3 modelos que juntos do forma a um

    modelo Polissmico:a) o modelo do Trabalho Social Comunitrio (com-munity work/community building) com vista sen-sibilizao/ mudana comunitria, de modo a pro-mover a participao e a incluso social de grupos socialmente desvalorizados e desfiliados.

    b) O modelo autobiogrfico/dirios de arte, com vis-ta partilha de histrias de vida, resgatando a digni-dade humana a partir da narrao criativa da histria de vida dos participantes, a fim de elaborar diagns-

    A arte e a cultura so aspetos impor-tantes no desenvolvimento e na qualidade de vida de cada um, seja como meio de lazer de forma passiva, seja

    como criao artstica de forma ativa, razo pela qual o servio social deve integrar estas

    dimenses no seu trabalho.

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    123ticos que suportassem intervenes posteriores por parte do servio social;c) O modelo ecolgico, com vista a um diagns-tico de situaes causadores de stress (problema) na adaptao da pessoa ao seu ambiente (contexto fsico e organizaes sociais).

    2. O projeto ao nvel das tcnicas de interveno

    artstica, assentou na Instalao de Arte, co-cons-truida colectiva e comunitriamente.

    3. O projeto foi dividido em 4 Fases / Dimenses:

    a) Dimenso Objetiva, com a distribuio da De-clarao Universal dos Direitos Humanos e da

    Carta dos Direitos Fundamentais da Unio Euro-peia a todos os participantes, seguida de trabalho em grupos de discusso e debate plenrio.

    b) Dimenso Subjetiva e Emocional, com uma re-flexo introspectiva individual, relacionando his-trias de vida com a violao de artigos da Decla-rao Individual que cada um sente que vtima.

    c) Dimenso criativa e Artstica, atravs da cons-truo dos Domins, associando um domin / di-reito humano histria de vida de cada partici-pante.

    d) Dimenso de empowerment e prtica de com-petncias comunicacionais e relacionais atravs contato com a comunidade circulante / visitantes

    da Instalao, atravs do Jogo do Domino.

    Construo do Domin dos Direitos Humanos e

    Matrias-primas utilizadas

    Foi construdo um Jogo de Domin XXL com as cores

    da Bandeira portuguesa. Um Domin tem 28 peas e

    os Direitos Humanos so 30. Para no retirar Direitos

    Humanos foram criados dois novos Domins Joker. Os

    materiais usados tinham a ver com a histria local, eram ativos / recursos disponveis sem custos pois eram resduos

    slidos urbanos condenados a serem transformados em lixo. Assim sendo foi utilizado os seguintes materiais:

    Cortia - Portugal produz mais de metade de toda a cortia mundial, mais exactamente 54%. O

    sector da cortia assume uma importncia funda-mental para a economia nacional. um produto

    polivalente, multiusos, sustentvel e amigo do ambiente. Os sobreiros tem uma longevidade que

    pode atingir os 500 anos. No Projecto a Cortia

    representa a dimenso ecolgica do projecto e importncia da memria histrica (Portugal foi dos primeiros pases a abolir a pena de Morte em 1867).

    O material usado, foi recolhido do Lixo de uma fbrica colapsada e reutilizado em peas de do-min.

    Cermica Coimbra sempre teve uma cermica (Cermica de Coimbra) de grande relevncia em termos econmicos, artsticos e culturais. A inds-tria cermica de Coimbra remonta ao sc. XVI e

    na Fbrica do Rossio de Santa Clara, fundada por

    Domingos Vandelli, em 1784, foram produzidas

    as melhores faianas do Pas, ombreando com as congneres da Real Fbrica de Loua, ao Rato.

    Hoje Coimbra um amontoado de escombros da-

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    quilo que foi a florescente indstria cermica. As f-bricas foram fechando, famlias inteiras foram des-pedidas, provocando fome, dor e desespero.

    O Material usado (tampas de bules amarelos), foi re-colhido no lixo da extinta Sociedade de Porcelanas de Coimbra e reutilizado nas peas do domin.

    Parafina um material que possui propriedades termoplsticas e de repelncia gua e usada am-plamente para a proteco de diversas aplicaes.

    No txica, e possui um grande leque de usos. a

    matria-prima essencial na fabricao de velas.O material usado, foi oferecido ao projeto e usado pelas seguintes razes: dar brilho aos domins, im-permeabiliz-los pois para serem expostos e jog-veis no exterior, mesmo com tempo de chuva e que por no ser txica permite um manuseamento seguro das peas pelos participantes/jogadores.

    Txtil Coimbra j teve uma forte indstria txtil.

    Hoje em dia tudo o que resta os escombros das an-tigas fbricas ou pequenas micro empresas. Muitas

    destas fbricas foram ocupadas para abrigo de mui-tas famlias sem casa e sem trabalho.

    O material usado, foi adquirido nas cores verde e vermelho, para dar um ar personalizado, mais huma-no, mais afectivo ao domin. O Projecto centra-se

    nos Direitos Humanos que devem estar presentes na

    vida de cada cidado, nos lares de todos os Portu-gueses.

    Carto Cada Domin tem o nome de uma pessoa que se encontra na situao de sem abrigo ou que es-teve envolvido no projecto. Cada domin correspon-de a um direito humano, retirado da Declarao Uni-versal dos Direitos Humanos e que significativo

    ou se relaciona de algum modo com a vida do autor.

    O projeto Os Direitos Humanos no so um Jogo ser-viu para exemplificar na prtica a operacionalizao de uma

    Estratgia de Desenvolvimento Comunitria baseada em Ativos (ABCD) assente na arte, que enfatizou os atributos

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    125positivos da comunidade e dos seus membros e no nos aspetos negativos ou em necessidades particulares. Este

    trabalho permitiu conhecer bem os participantes, revelar talentos e com-petncias esquecidas, resolver confli-tos, trabalhar em equipa, quebrar iso-lamentos e revoltas silenciadas, dando voz e contedo cidadania. Serviu

    para acordar a cidade, dar visibilidade aos problemas das pessoas sem-abrigo, obrigou a comunidade e as instituies a confrontar-se com os danos colate-rais do liberalismo econmico, tornou os ditos clientes mais conscientes e reivindicativos.

    CONCLUSES

    No desenvolvimento comunitrio a arte uma ferramenta importante que os assistentes sociais no podem negligenciar, pois permite o desenvolvimento do capital social e cultural, fomentando o empowerment dos cidados e encoraja-os a participar. A incluso de vozes dissonantes, contraditrias,

    excludas iro mudar a nossa cultura, mas iro mud-la para melhor (Matarasso, 2001).

    Os projetos de interveno social atravs da arte, reque-rem muita cooperao entre organizaes sociais, entre pro-fissionais de diferentes reas e sectores de atividade com

    vista a co-criao de solues inovadoras e sustentveis.

    A grande dificuldade e constrangimentos sentidos pelo

    autor na execuo de diferentes projetos no mbito da in-terveno social atravs da arte, no vieram da comunida-de ou dos grupos alvo, vieram muitas vezes da parte das instituies de solidariedade social, cujas prticas conser-vadoras, pouco participativas e burocrticas, fomentam a resistncia mudana. Nesta dialtica do pequeno poder,

    no h espao para a circulao de novas ideias e alguns assistentes sociais manifestam uma pequena dimenso tica e profissional, visivelmente mais comprometidos

    com o policiamento dos costumes do que com a transfor-mao e a justia social.

    Os projectos de arte comunitria esto focalizados em juntar pessoas excludas socialmente e faze-las participar na comunidade enquanto voltam a assumir o controlo de suas vidas. Como afirma Ciornai (2005, p. 86) citando

    Heidegger, As criaes artsticas so expresses dessa

    trama de significados tecida no contacto do homem com

    o mundo. Elas permitem-nos, portanto, o desocultar das

    coisas, a abertura do que elas so e como o so.

    Quando as instituies vm a pessoas como objetos

    da sua ajuda e recetculo de apoios sociais, os clientes fi-cam presos continuidade do momento presente e a uma vulnerabilidade entorpecente. Desconectados primeiro

    de um papel produtivo na economia, ao cliente tambm

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    frequentemente cortada a oportunidades para atuar como cidado e contribuir para a vida e bem-estar da comunidade (Kretzmann and Green, 1998, p. 12).

    O Desenvolvimento Comunitrio baseado em Ativos (ABCD), atravs da arte comunitria exige uma grande cooperao entre todos os actores sociais e stakholders de modo a fazer da co-criao uma forma de coope-rao que exige a co-propriedade do processo e do pro-duto por todos os participantes. Este aspecto crucial

    para o sucesso da interveno e se alcanar a mudana em problemas sociais complexos.

    Como afirma Delgado (2000, p. 13) existe uma ne-cessidade tremenda de desenvolver intervenes comu-nitrias baseadas em activos que tenham em conside-rao o contexto local, as esperanas, as preocupaes, as necessidades, as circunstncias e habilidades com vista ao desenvolvimento de um novo paradigma.

    Utilizando como enfoque metodolgico o ABCD, conseguimos operacionalizar ideias em projetos e pro-jetos em ao comunitria. Constatamos mudanas: a

    primeira e a mais importante foi nas pessoas em si-tuao de sem-abrigo que saram do papel de assistido para se transformarem em atores mostrado a todos que o sem-abrigo tambm gente! Gente que ainda quer ser gente (Nova, 2013). Ao nvel das associaes, criaram-se ligaes, produziu-se conhecimento e coo-perao. As instituies comearam a acordar e a ver

    que o seu poder politico no basta para lhe dar legitimi-dade. Esta s pode vir da comunidade e nesta que de-vem ser capazes de trabalhar verdadeiramente em rede.

    Foram utilizados recursos muito pouco explorados, lana-das bases para atividades empreendedoras futuras, poten-ciando-se a sustentabilidade. A construo de relaes leva

    o seu tempo, feita individuo a individuo, mas no final en-contramos companheirismo, solidariedade, entreajuda e oti-mismo.

    O trabalho do autor na ONG, Associao Hemisfrios So-lidrios, permitiu-lhe construir vrios projetos que tiveram referencial comum, a arte comunitria e que ao libertar ener-gias criativas, fizeram despertar e devolveram alguma espe-rana populao sem-abrigo da cidade. Podemos afirmar

    que projectos como AlertArt contra a Violncia (2010),

    Levantados do Cho Labirinto: faz xeque-mate pobreza (2011), Os direitos humanos no so um jogo (2011), Fami-lia-ri-ARTE (2012), Uma oportunidade para a Paz (2012)

    e Agarr-ARTE (2013) foram bem-sucedidos e ajudaram a

    criar o empowerment de grupos marginalizados atravs da desconstruo do discurso social, cultural e artstico.

    Foram projetos assentes essencialmente no trabalho de

    voluntrios, que deram tempo, dinheiro e conhecimento em prol de uma comunidade, a de pessoas em situao de sem-abrigo. Com a arte floresceu a amizade que perdura e

    perdurar enquanto houver memria.

  • Comu

    nidad

    ET 1/1 octubre del 2013

    Eduardo Marques Interveno Comunitria atravs da Arte

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    Eduardo Marques Interveno Comunitria atravs da Arte

    128

    ISSN:2007-9729 DOI: www.espaciost.org

    ILLUSTRAES

    Foto 1 Projecto Cultura para todos

    Foto 2 Projecto Cultura para todos

    Foto 3 Projecto Cultura para todos

    Foto 4 Projecto Os direitos humanos no so um jogo

    Foto 5 - Projecto Os direitos humanos no so um jogo

    Foto 6 Projecto Os direitos humanos no so um jogo

    Foto 7 Projecto Os direitos humanos no so um jogo

    Foto 8 Projecto Levantados do Cho Labirinto: faz xeque-mate pobreza

    Foto 9 Projecto Levantados do Cho Labirinto: faz xeque-mate pobreza

    Foto10-ProjectoFamilia-ri-ARTE

    Foto 11 - Uma oportunidade para a Paz

    Foto 12 - Uma oportunidade para a Paz Foto13ProjectoReady-madeporAbril

    CrditosFotogrficos

    Associao Hemisfrios Solidrios

    0_20_40_50_60_70_8comunidad_autnoma.de_comunidad.