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L •ARDE — DOMINGO, 12 DE DEZEMBRO DE 1982 CADERNO 2
r M. arginal, independente, alter-
i nativa, maldita — a literatura pode ser ';: rCiiulada? O que significa, efelivamente, •! jma "l i teratura marginal"? Existe um ; consenso, entre aqueles que t ransam ,| eg 5 e tipo de alividade, quanlo à definição !i dos termos que hoje pairam sobre uma .1 (orma de expressão cultural anterior-I menle diferenciada, apenas e ainda assim ; iniprecisamente, com relação às suas ca
ri racteríslicas ditas populares ou erudi t a s ? j para Gi lberto Cosia, integrante dos •[ 'poelas da Praça", grupo " indepen-3 denle" mais atuante em Salvador, "mar-; ginal" não é um termo correto, principal-• mente no que se refere ao Irabalho do seu
grupo, "A nossa, diz ele, é uma l i leralura livre, que não tem vínculo olicial com as ediloras, É um trabalho sollo que não se apega a regras traçadas. As pessoas ro-
; lularam: marginal. Eu acho que isso, pro '• povo, não soa bem", E conlinua: "Eu me 1 considero um poeta solto que não se
apega a regras^traçadas por pessoas, pela , sociedade. Daí nasce a palavra marginal, . Você mesmo escreve, edita, publica, dis-' (ribui seus trabalhos sem depender de i editores",-
Anlônio Shor l , também integrante do movimento, acrescenta: "As origens do termo vêm do underground. De repente, o underground desenvolve uma nova possibilidade de produção subterrânea, in-
' dependente, e a partir daí, quando essa I produção não é veiculada pelos meios de
comunicaçào convencionais, não é dis-; iribuida pelas editoras, pelas gravadoras de discos, f ica sendo uma produção independenle, à margem desses esquemas,
1 Assim o próprio sislema rotulou de marginal. Isso lá pelos anos 60, nos Estados Unidos. Daí essa ídéia foi ganhando corpo e ganhou o mundo" .
MARGINAL E SOCÍEDADE
Originado nas Ciências Sociais, onde era aplicado para especificar um indivíduo que, localizado entre duas culturas em conf l i lo, perde suas raizes numa sem.
, enlretanto, integrar-se compielamente em oulra, o termo "marginal" passou ao linguajar comum designando ludo aquilo , que não se encontra integrado nos padrões sociais, aceitos e consagrados pelo Sistema e pela sociedade.
Assim passou a ser conhecido como •marginal" todo aquele (e tudo aquilo) que se encontre à margem do conjunto de
• hábitos, costumes e praticas desse Sistema e sociedade. Isso inclui dos indigentes e del inquenles comuns aos represenlantes e contracultura, os vagabundos hippies e todos os elementos componentes dessa forma de vida rebelde das novas gerações, abrangendo, por lanto, lambem, as formas de expressão artística com as suas variações ideológicas, cul lurais e fi losóficas, vislo que não se pode considerar esse fenómeno como sendo uno, integrado, dirigido por normas e princípios comuns. E é precisamenle como um "saco de galos" que se 'pode avaliar d conjunto dos escrilores ditos alternativos. Independentes ou margi-
, nais, no Brasil, atualmenie. Um exemplo disso são os enconlros realizados com o
A literatura alternativa, ou marginal, terti adquirido uma Importância considerável, atualmente, no Brasil. O desenvolvimento de novas íormas de produção, edição, distribuição é úm recurso a mais entre os empregados por escritores que não se alustam às vias normais das editoras. Já existe, Inclusive; hoje, uma propalada "mentalidade alternativa" nascida da contracultura, noá anos 60: Na Bahia, o movimento téride a crescer. Poetas marginais já conseguem viver (sobreviver),dos seus trabalhos, ultrapassando mesmo aos autores publicados pelas editoras em número de livros que são vendidos de mão, p!elo correio e lançamentos em tournéss por capitais e interior do pais. Mas em qué consiste esse movimento? Que razões levamos escritores ã esse caminho? O que é o "pensamento margin a l " — se é que existe—• e o que pretende, como surgiu, quais as suas toases?
Uteratura marginal: realidade ou ficção?
Texto ilu Carlos Ribe i ro JC I l us t ração de Menandro Ramos
Cláudio Feldman, jornal da Taturana, Sào Paulo.
Quando o lermo marginal surgiu, na dòcada de 70, íoi unãnimimenle aceito, mas agora começa a ser questionado marginal em relação a q u ê 7 Os poetas da década ou do século anterior lambem nãn eram marginalizados pela sociedade ser i a ? Os lexlos de diversos poelas marginais exprimem ati ludes que parecem ma-caqueadas de Oswaid de Andrade, ja que uma boa parte dos poetas marginais são filhos do tropical ismo. Não generalizo, porém: em diversos autores podemos surpreender uma anárquica conleslacáo ao estado de espirito que o Al-5 deflagiou no país, Nesie sentido a poesia marginal estaria exprimindo um povo que licou a margem do poder"
Riia Gonçalves langa lande Salv;i dor;
"Não, O caráler alternativo prende-se apenas ao fato do não engajamento aos meios oficiais de produção, Ouanlo a estética, essa vem do experimentalismo de outras épocas, como o cubismo, por exemplo, A queslão altemaliva hoje prende-se somenle às formas de veiculação pois até mesmo a impressão e feita na maioria airaves de instrumentos sofisticados que ja quebram o caratet de marginalidade da (orma
inlui lo de forlaiecer o movimento e dos quais asdiferenles concepções de prática literária, envolvendo não apenas o ato criativo como também as formas de divulgação, publicação e até o público ao qua! se deve (!) dirigir os trabalhos, são, não raras vezes, motivo para desentendimentos e rompimentos.
Não se entenda com isso que os escrilores alternativos [para usar uma expressão simpática à maioria) não sejam solidários enlre si. Seria falso afirmar tal coisa, A solidariedade está patente nas inúmeras publicações, nos quatro canlos do país, nas quais, quase sempre enconlram-se referências a grupos ou pessoas, promovendo-se uns aos outros, O íorlale-cimento lem se dado de forma segura e pacífica, não pelos encontros e sim pela politica do "amigo sim. cada um em sua casa". Talvez não seja essa a maneira mais eficiente de se dar força ao movimento, mas, em se tratando de suscetibl-lidades artísticas, torna-se difícil preci-sar-se qual a postura política, estratégica e tática mais correia e eficienle,
SALADA DE FRUTAS
No Brasil, a prática de se publicar livros por conta própria, as chamadas "edições de aulor" , nào é nova. Muitos escritores hoje consagrados usaram esse artifício e muito longe estavam do conhecido estereótipo do escritor • 'maldito",
marginal", "sórd ido" , o poeta barbudo a gritar poemas ferozes nas portas dos teatros, nos bares, nas praças, com a intenção de ferir os valores burgueses, preparando o lerreno para a verdadeira revolução que, acredila-se, vírã, via Marx ou Crislo ou Buda ou Bakunin ou extraterre-nos, a depender das convicções de cada
Entretanto, algo difei práticas, algo mais que o vestuário e a mise-en-scène, que a simples distinção entre o recitar e o bradar, É sobre isso que fala o poeta Glauco MattoSo, no seu Muro O Oue é Poesia Marginal, publicado pela Edilora Brasíliense na Coleção Primeiros
••Historicamente nào se ouve falar de poesia marginal anles do Tropicalismo, no final da década de 60, Claro que sempre se falou da marginalização do aulor novo e anónimo face à crítica e ao mercado editorial e sabe-se que muitos poetas hoje canonizados tiveram que imprimir e distr ibuir por conta própria seus primeiros livros (o que na prática signif icava quase sempre satisfazer um capricho e presentear amigos)",
"Com o Tropicalismo, aconteceu que todas as tendências musi cais entraram na, salada de frutas, caíram as fronteiras que separavam a contracultura da MPB, e esla conquistou ao mesmo tempo o público rockeiro e o intelectualizado, Ampliou-se assim o ínleresaedafaixa mais jovem pela poesia ou por tudo aquilo que pudesse ser poesia — justamente na ocasião em que o endurecimento do regime posterior ao Al-5 desviava para a área artística Ioda a conlestação política, cujos canais de manifestação se fechavam à juventude universitária",
"Foi o bastante para que se caracterizasse lodo um surto de produção poética mais ou menos clandestina, que os teóricos classificam ou nào de marginal em função de falores diversos: culturais (os aulores assumem postura conlestàtória ou temalizam a contracultura); comerciais (sâo desconhecidos do grande público e produzem e veiculam suas obras
por conta própria, com recursos ora precários, ora artesanais, ora lécnicos, mas sempre fora do mercado editorial): estélicos (praticam estilos de l inguagem pouco "l i terários" ou dedicam-se ao experimentalismo de vanguarda); ou puramente políticos (abordam temática francamenle engajada e adolam l inguagem panfletária)".
Dentre esses fatores, pelo menos um, o estético, ressalta como objeto de polémica e raros sâo os poelas ditos marginais que se posicionam coerentemente dianle dessa queslão, Alinal, existe ou náo uma l iteratura marginal , ou seja. uma nova literatura, estruturada com forma/conteúdo, própria, distinla das coordenadas traçadas pelo movimento modernista? Vejamos o que dizem alguns escritores que. de uma maneira ou de oulra, enconlram-se à "margem" do esquema editorial oficial do país.
António Short, Poetas da Praça, Saivador:
"S im. É o novo, o revolucionário, a nivel de um comportamento do ponto de vista, estético, existencial e até mesmo político, A genle quando lenta subverter a palavra, cria uma atitude de choque, O novo está no choque, A gente trabalha com conteúdos marginais, temas vazados no cotidíano. Nós t ivemos a preocupação de recuperar Gregório de Mat los",
Jaécio de Oliveira, Grupo Raiz, Aracaju:
"S im, existe uma literatura alternativa, È fácil a deteclação alravés da sua forma gráfica, visual e de expressão. Dife-rencia-se da literatura dita tradicional pois é completamente ausente de acade-mismos. É escrita como se fala e exposta como se sente, sem nhén-nhén-nhén. Eslas sào, basicamenle, as suas caracteristicas".
SER OU NÁO SER. EIS A QUESTÃO
Ruy Espinheira Filho, baiano 5 livros publicados por ediloras do Sul do pais — um escrilor náo-independente ? Para ele, esse rólulo não tem nenhum signilicado. So existe o escritor independente", diz. e acrescenta' Mas não no sentido em que e aplicado o lermo A independência esla no ato da cnacão, E claro que quando se lança um hvro se tem obrigações contratuais, mas isso. me parece, nào cria dependência nenhuma
Participanle da revista Sena! de Feira de Santana, que e editada às custas dos seus colaboradores, e lendo financiado a edição do seu primeiro livro . Ruy Espinheira considera-se um escritor marginal "Todo escritor é marginal na medida em que se coloca numa posição crllica diante do Sistema' , explica — m a s não aceila a designação literatura margi nal. Eu hão aceilo o termo marginal aplicado à literatura Na imprensa o lermo surgiu porque não havia formas Oe se publicar determinadas informações airaves da grande imprensa, mas esse nào é o caso da l i leralura. Veja o caso de Dalton Trevisan que editou trabalhos no inicio da sua carreira alé quando leve possibilidades de publicar por uma edilora, Hà grupos que começam assim, edilando seus próprios livros (e nâo e sõ aqui mas nos Estados Unidos também) e continuam assim a vida toda, não por condiçóes materiais mas pela qualidade dos seus trabalhos, Hà escrilores alternativos no Rio de Janeiro que eslão assim há cerca de 20 anos porque os editores não estão interessadas devido à péssima qualidade dos seus Irabalhos,
Por outro lado muitos escritores • malditos" já estào sendo puolicados
Ser ou nâo ser publicado, eis a queslào. Uma queslão, como as demais, controvertida. Seria o escritor marginal por opção ou por fal ia de opção? Para os Poelas da Praça a grande jogada não é publicar por edi loras mas formar eles mesmos uma. ou seja. ter o malenal gráfico necessário para imprimir lodos os trabalhos que surgirem, do grupo ou de quaiquer pessoa" (no que seria, no caso, msis correto designar-se como gráfica e não como editora vislo que para esta torna-se necessário um sistema bem mais complexo de seieção, produção dislr ibuiçao marketing e le ) . Ser editado por uma editora, d a Short, é ser roubado, porque a gente só tem 10o
o de preço da capa e, como se sabe, as distribuidoras não lém inleresse em vender poesia, a não ser as dos grandes nomes
Para Rila Gonçalves, isso é muito relativo, pois pode ser uma faca de dois gumes"; para Jaecio "intimamente o autor gosta e é o seu sonho ser edilado. se bem que muitos nâo o admitam, pelo menos publ icamente ; para Cláudio Feldman "isso é um problema editorial,
O importante é ser independente, termo muito mais apropriado a muifás produções de jovens (na idade e no espirito) que estào constantemente renovando a nossa tão sumarenta literatura, e, finalizando, Ruy Espinheira: Eu nao acredilo que um escritor náo queira ser publicado por editoras, O escritor quer ser lido, Ouando um escritof diz não quero' desconfie: ou é doido de pedra ou ealà mentindo. Se a genle não livesse necessidade de ser lido nào escrevia "
De volla ao ponlo de partida. As interrogações continuam, e as opiniões, diversificadas, contraditórias, inflamadas àsvezes, não clareiam o suficiente para que se possa ler uma compreensáo objetiva do fenómeno. Um fenómeno que. envolvendo todas as suas propostas técnicas, estéticas, etíi loriais. na sua complexa relação com as ediloras, com o publ ico e o poder pol i t ico, nâo se sabe se l icará. ocupando um lugar de deslaque no processo literário, se lerá apenas algumas de suas propostas assimiladas, ou se passará, como um modismo a mais.