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UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ CAMPUS CURITIBA LICENCIATURA EM LETRAS PORTUGUÊS - INGLÊS Literatura Colonial Gregório de Matos e Caetano Veloso: Leituras e Comparações de “Triste Bahia”

Trab. Lit. Port. XIX - Gregório e Caetano

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UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁCAMPUS CURITIBA

LICENCIATURA EM LETRAS PORTUGUÊS - INGLÊSLiteratura Colonial

Gregório de Matos e Caetano Veloso:Leituras e Comparações de “Triste Bahia”

CURITIBA2011

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Introdução

Em seus versos, Gregório de Matos dissecou a sociedade brasileira da época em que viveu, composta por portugueses que vieram ao Brasil por degredo, por nobres que receberam terras para administrar sob a égide da Coroa, pelo clero que chegou ao Brasil com a missão de catequizar os índios que aqui habitavam e pelos filhos de portugueses nascidos aqui, na época chamados de luso-brasileiros, que constituíam a elite da cidade de Salvador, onde nasceu. Sua língua rápida e ácida lhe rendeu o apelido de “Boca do Inferno”, pelas críticas e sátiras que fez dos habitantes da Bahia do século XVII, não prendendo o foco somente nas classes mais ricas, mas criticando também o povo comum, se referindo a todos como sendo uma “canalha infernal”.

Caetano Veloso é um cantor, compositor e escritor baiano, nascido em 1942 na Bahia. Em suas músicas, Caetano retratou várias facetas do povo e da cultura brasileiros, inclusive uma delas, “Triste Bahia”, é baseada no poema homônimo de Gregório de Matos. Os dois refletem sobre a situação da cidade de Salvador e sobre o povo baiano, mas com facetas de exploração diferentes, que serão abordadas nesse trabalho.

Comparações entre o poema e a canção

Triste Bahia

Triste Bahia! Ó quão dessemelhante Estás e estou do nosso antigo estado! Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado, 

Rica te vi eu já, tu a mi abundante.

A ti trocou-te a máquina mercante, Que em tua larga barra tem entrado, 

A mim foi-me trocando, e tem trocado, Tanto negócio e tanto negociante.

Deste em dar tanto açúcar excelente Pelas drogas inúteis, que abelhuda Simples aceitas do sagaz Brichote.

Oh se quisera Deus que de repente Um dia amanheceras tão sisuda 

Que fora de algodão o teu capote!

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O poema de Gregório de Matos foi escrito como uma crítica “à cidade da Bahia”, que se encontrava em um estado deplorável, graças a seus maus administradores, ao comércio desenfreado e a ganância por dinheiro, que tomou conta da cidade de Salvador.

Já na canção de mesmo nome, Caetano Veloso incorporou as duas primeiras estrofes do poema a uma letra de autoria própria, para falar dos problemas enfrentados pelos negros africanos que ali estavam e também dos pobres retirantes das áreas de sertão da Bahia, como podemos ver nos versos:

Triste, oh, quão dessemelhante, tristePastinha já foi à África

Pra mostrar capoeira do BrasilEu já vivo tão cansadoDe viver aqui na Terra

Minha mãe, eu vou pra luaEu mais a minha mulher

Vamos fazer um ranchinhoTudo feito de sapê, minha mãe eu vou pra lua

E seja o que Deus quiserTriste, oh, quão dessemelhante

ê, ô, galo cantaO galo cantou, camará

ê, cocorocô, camaráê, vamo-nos embora, ê vamo-nos embora camará

ê, pelo mundo afora, ê pelo mundo afora camaráê, triste Bahia, camará

Bandeira branca enfiada em pau forte…Afoxé leî, leî, leô…

Bandeira branca, enfiada em pau forte…O vapor da cachoeira não navega mais no mar…

Triste Recôncavo, oh, quão dessemelhanteMaria, pegue o mato, é hora…

Arriba a saia e vamo-nos embora…Pé dentro, pé fora, quem tiver pé pequeno vai embora…

Oh, virgem mãe puríssima…Bandeira branca enfiada em pau forte…

Trago no peito a estrela do norteBandeira branca enfiada em pau forte…

Ao compararmos as duas obras, podemos ver que, embora Caetano Veloso tenha se utilizado do poema de Gregório de Matos na introdução da canção, e também tenha se apropriado desse conceito de tristeza baiana, existe uma preocupação de passar um contexto social, e por não dizer racial, diferente daquele que Gregório de Matos aborda. Enquanto no poema original vemos o eu-lírico do poeta se lamentando pelo estado lastimável em que se encontra a moral do povo soteropolitano, condenando “a cidade” (nesse caso, uma metáfora para o povo) por ter se vendido ao comércio indiscriminado e aponta uma perda dos valores humanos da cidade, atribuídos a essa corrupção que se instalou. O poeta também mostra, no sétimo e no oitavo verso que não pode se

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calar perante a situação, por isso manifesta-se condenando a cidade em que nasceu, sabendo da verdade e não tendo medo de expô-la.

Já Caetano Veloso expõe as dificuldades da época da Ditadura que era imposta ao Brasil, citando-a como sendo a “máquina mercante”. Na época da Ditadura Militar, a arte da capoeira foi perseguida e tratada como subversão, por isso cita o Mestre Pastinha, que foi um dos mais importantes capoeiristas que já existiram no Brasil, e que realmente visitou o continente africano para mostrar a capoeira do Brasil. Ao dizer que “Pastinha já foi à África”, Caetano metaforiza o exílio que foi imposto a muitos que não concordavam com o regime, assim como nos versos “Maria, pegue o mato, é hora… Arriba a saia e vamo-nos embora” e “Minha mãe, eu vou pra lua”. Ao término da canção, com o verso “Bandeira branca enfiada em pau forte”, Caetano faz um pedido de paz, para que termine a perseguição e o exílio.

As semelhanças entre as duas obras são as características do Barroco que Caetano sagazmente incluiu em sua canção: a antítese, expondo idéias opostas nos versos, e o hipérbato, com as inversões diretas dos termos nas orações que constituem os versos, tanto do poema original quanto da canção inspirada nele.

Referências

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1995.

DIAS, Ângela Maria. Gregório de Matos. Sátira. Rio de Janeiro: Agir, 1990.

VELOSO, Caetano. Triste Bahia. Disponível em http://letras.terra.com.br/caetano-veloso/423798/