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Este manual descreve sobre aspectos éticos e deontologia numa sociedade moderna
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INSTITUTO POLITÉCNICO DE SAÚDE DO NORTE - VALE DO SOUSA
2º CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SUPERVISÃO CLÍNICA
SUPERVISÃO CLÍNICO-REFLEXIVA:
ÉTICA E DEONTOLOGIA NA SUPERVISÃO CLÍNICA
Elaborado por: Enf.ª Michele Pinto
Porto, Novembro de 2009
1
Módulo II – Supervisão Clínico-Reflexiva: Ética e Deontologia na Supervisão Clínica
“Aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si,
levam um pouco de nós”.
(O Pequeno Príncipe)
Abreu (2007) sublinha a importância do ensino clínico, dizendo que é em
contexto clínico que o aluno aprende em contexto real, lida com a pressão da
responsabilidade, aprende a gerir emoções, constrói a sua identidade,
aprofunda o pensamento ético e aprende a utilizar as tecnologias sem
menosprezar a vertente humana.
Particularmente numa fase inicial da progressão do aluno, observa-se
uma dependência do formador e uma aprendizagem por imitação (Abreu,
2007). O supervisor/tutor tem, neste enquadramento, um papel de elevada
responsabilidade enquanto promotor do processo de aprendizagem, uma vez
que este se assume como um “modelo” para o formando.
Para Medeiros (1999), o processo supervisivo constitui uma mais-valia
para o desenvolvimento cognitivo, interpessoal, moral e psicossocial de
estudantes e supervisores, uma vez exige uma readaptação constante dos
intervenientes às alterações no contexto formativo.
Uma das mais pertinentes questões éticas que emerge do processo
supervisivo, prende-se com a congruência entre “o que dizemos que
fazemos/que se deve fazer” e o que caracteriza, na verdade, as nossas práticas.
2
No nosso exercício profissional, grande é a tentação de deixarmos
“rotinizar” algumas práticas, esquecendo o questionamento e a reflexão que
justificam o modo e a razão da sua execução. No processo supervisivo, este
questionamento nasce, frequentemente, do aluno que encontra discrepância
entre os seus conhecimentos teóricos e as práticas observadas, exigindo ao tutor
um exercício mental de reflexão.
No papel de tutora/orientadora, vi por diversas vezes requisitada a
necessidade de questionar as minhas práticas, na minha consciência de manter
a verdade do que procuro ensinar aos alunos, sempre com uma justificação
subjacente, pois considero que só o que se compreende é passível de ser
adoptado para sua prática ou assimilado como conhecimento.
Ao perfilhar um pensamento indagante, procurando equacionar e
racionalizar à luz da ética as hipóteses e situações da minha conduta, enquanto
profissional de enfermagem, senti a necessidade de reler o nosso Código
Deontológico, para um melhor enquadramento da minha retórica.
Este código, como se sabe, tem carácter vinculativo e, na sua
complexidade, constitui muito mais que um guia, sendo na realidade um
instrumento que pauta toda a nossa actuação, enquanto profissionais de
enfermagem.
Mediante uma leitura atenta senti que existem diversos aspectos na
minha actuação que merecem ser questionados.
Foi-me pedido que reflectisse sobre uma situação experienciada
enquanto supervisora/orientadora ou aluna, na qual se expusesse algum
“conflito” em termos éticos e deontológicos. Contudo, é muito difícil a eleição de
uma situação específica.
Deste modo, passo a enunciar quais as menções do código que mais
suscitaram uma revisão das minhas práticas e paralelamente farei uma reflexão
sobre as mesmas.
3
"Criticar os outros é algo muito perigoso; nem
tanto pelos erros que você pode cometer ao
criticar, mas pelo fato de você poder estar
revelando algumas verdades a seu respeito. "
(Harold Medina)
"Não existe nada bom nem mau;
é o pensamento humano o que o
faz aparecer assim."
(William Shakespeare)
“Vocês riem de mim por eu ser diferente, e eu
rio de vocês por serem todos iguais.”
(Bob Marley)
Artigo 81.o
Dos valores humanos
O enfermeiro, no seu exercício, observa os valores humanos
pelos quais se regem o indivíduo e os grupos em que este se
integra e assume o dever de:
a) Cuidar da pessoa sem qualquer discriminação económica,
social, política, étnica, ideológica ou religiosa;
e) Abster-se de juízos de valor sobre o comportamento da
pessoa assistida e não lhe impor os seus próprios critérios e
valores no âmbito da consciência e da filosofia de vida;
f) Respeitar e fazer respeitar as opções políticas, culturais,
morais e religiosas da pessoa e criar condições para que ela
possa exercer, nestas áreas, os seus direitos.
4
Há uma tendência natural das civilizações para a criação de padrões de
actuação e de representação.
Na Índia as mulheres geralmente não mostram as pernas, no Brasil as
mulheres usam predominantemente o bikini quando vão á praia e as mulheres
nórdicas são conhecidas por não fazerem depilação às axilas. Estes são apenas
alguns exemplos de comportamentos padronizados em diferentes populações,
que divergem entre si por conceitos religiosos, factores climáticos, estereótipos,
etc.
Paralelamente à criação de “padrões” surge o conceito de “indivíduo
excepcional”, isto é indivíduos portadores de certos traços característicos
significativamente desviantes do padrão comummente aceite como normal por
uma determinada sociedade (Telford & Sawrey, 1984).
Nesta dualidade de comportamento padronizado e excepcionalidade, é
imperativa a tolerância à diferença.
Nos meus humildes 5 anos de experiência, já me deparei com algumas
“excepcionalidades” que me causaram algum desconforto pessoal, mas que
consegui ultrapassar no meu exercício profissional directo, ou seja, sem que o
próprio indivíduo sentisse (creio eu) qualquer forma de discriminação ou
tratamento diferente. Contudo, entre pares não me consegui abster de alguns
comentários impróprios e, por vezes, depreciativos, admito.
Recentemente esteve internada, no serviço em que exerço funções, uma
senhora cujo filho possuía uma aparência, diria, diferente. Passo a descrever,
procurando ausência de juízos de valor: sobrancelhas arranjadas finas, rímel
nas pestanas, face livre de barba e com grande camada de base, sempre com
calças e blusas femininas, chapéu, alto, forte e com traços masculinos. A
assistente social do serviço, que já havia comunicado com a pessoa, alertou-me
para o facto de ele/ela querer ser tratado por Chanel.
Francamente, eu olhei para aquela pessoa e pensei: o que é isto? Nem
homem nem mulher, uma aberração. E lá estava o juízo de valor pulsante em
5
minha mente, criticando aquela pessoa pela simples dificuldade de a enquadrar
mentalmente em uma categoria. Como se a minha cabeça fosse uma organizada
biblioteca, na qual cada interveniente era cuidadosamente guardado na sua
prateleira consoante a categoria com que mais se identificava. Porém, a nossa
mente deve ser um grande espaço aberto onde tudo tem o seu lugar, sem balizas
nem tectos categorativos, apenas respeito pela diversidade de características e
comportamentos.
Enquanto orientadora, procurei transmitir a imparcialidade no trato, a
capacidade de ver naquela pessoa apenas um familiar potencial cuidador com
dúvidas a esta condição subjacentes e que deveria ser tratado como qualquer
outro familiar, mas com respeito pelas suas características pessoais. Todavia os
comentários na passagem de turno, não reforçaram em nada estes
ensinamentos. Todos os colegas faziam, a seu jeito, os seus juízos de valor, e eu
mantinha, perante a aluna, uma tentativa de cortar o assunto, na certeza que só
ela mesma poderá escolher para si o seu padrão de comportamento perante a
diversidade dos demais.
Como evitar estereótipos? Como travar os juízos de valor perante formas
de estar, ser ou pensar diferentes da nossa? Como manter uma mente aberta
livre de preconceitos?
Só com o exercício mental constante de questionamento. O primeiro
pensamento indevido talvez não possa evitar. Contudo, posso indagá-lo dentro
de mim, reflectir e permitir a mim mesma evoluir. Apenas a coerência entre o
que digo que é correcto e a minha prática pode ter repercussão a nível do
processo supervisivo.
6
“Faz tudo ocultando ao doente a maioria das coisas (...) distrai a sua atenção. Anima-o
sem lhe mostrar nada do que se vai passar nem do seu estado actual...”
(Hipócrates)
Partindo da citação de Hipócrates, na qual se aconselhava a manter o
doente na ignorância, talvez, visando minimizar o seu sofrimento, eis que se
realça, nos dias de hoje, o direito à informação.
Muitos enfermeiros adoptam uma atitude peremptória focando outra
classe profissional (médicos) para exemplificar a clara violação deste dever,
quiçá até violando o Artigo 90.o, alínea c) do Código Deontológico, que diz:
“Consciente de que a sua acção se repercute em toda a profissão, o
enfermeiro assume o dever de:
Artigo 84.o
Do dever de informação
No respeito pelo direito à autodeterminação, o enfermeiro assume o dever de:
a) Informar o indivíduo e a família no que respeita aos cuidados de
enfermagem;
b) Respeitar, defender e promover o direito da pessoa ao consentimento
informado;
c) Atender com responsabilidade e cuidado todo o pedido de informação ou
explicação feito pelo indivíduo em matéria de cuidados de enfermagem;
d) Informar sobre os recursos a que a pessoa pode ter acesso, bem como
sobre a maneira de os obter.
7
(…)
c) Proceder com correcção e urbanidade, abstendo-se de qualquer
crítica pessoal ou alusão depreciativa a colegas ou a outros
profissionais.”
Contudo, se analisarmos bem a nossa conduta poderemos concluir que
raras são as vezes que o enfermeiro obtém o consentimento informado para as
suas práticas e regularmente inicia os procedimentos sem informar o doente do
que se vai passar, considerando o consentimento como um dado adquirido.
Emanando o pensamento: “Se o doente está aqui para se tratar, tem que
se sujeitar àquilo que Eu, enquanto profissional de saúde, considero que é para
seu bem”. Esta citação foi diversas vezes repetida por uma colega minha, que via
nos doentes, cada vez mais informados dos seus direitos, um obstáculo à sua
livre prática.
Embora não partilhe este pensamento, confesso que frequentemente não
obtenho o consentimento para todas as intervenções ao doente. Tenho sim, por
hábito, centrar a minha prática no doente e informá-lo de todos os
procedimentos, disponibilizando-me para responder a todas as dúvidas que
estiverem ao meu alcance. E é este o exemplo que procuro sempre transparecer
e sensibilizar aos alunos que oriento.
Na aquisição do consentimento informado, a minha imprudência ia além
da minha prática individual, enquanto enfermeira. Abrangia, sobretudo, o meu
exercício enquanto orientadora.
Através da reflexão sobre a minha prática supervisiva, pude
consciencializar que raramente informava o doente que quem lhe ia colher
sangue (por exemplo) era um Aluno e, também, não questionava se consentia o
procedimento. Simplesmente partia do princípio que era perceptível para ele, e
considerava que comunicar que se tratava de um aluno só iria trazer
insegurança de parte a parte, depreendendo igualmente “Quem cala consente”.
8
Na qualidade de orientadora, eu devo procurar proporcionar as
experiencias e oportunidades para o aluno criar conhecimento/aprendizagem
mas, antes de mais, enquanto Enfermeira, eu devo garantir os direitos do meu
cliente/utente/doente, e transmitir esta conduta aos alunos que por mim
passam.
Por isto, tenho procurado mudar a minha prática e sensibilizar a aluna,
que estou presentemente a orientar, a informar sempre o doente dos
procedimentos, em que consistem e qual a sua finalidade, e a obter o
consentimento do doente, sabendo este que ela não é ainda uma profissional de
Enfermagem.
O consentimento informado reflecte uma manifestação de respeito pelo
doente enquanto ser humano. Constitui a garantia de que qualquer decisão
tomada assenta nos pressupostos de auto-responsabilização e de liberdade de
escolha.
9
“Três pessoas poderiam guardar um segredo
se duas delas estivessem mortas."
(Benjamin Franklin)
Será assim tão difícil garantir a confidencialidade das informações acerca
dos utentes?
Na realidade, o seu direito ao sigilo é largamente violado por uma prática
muito comum nos Hospitais: o registo de doentes, respectivos diagnósticos e
outras informações, em quadros expostos em cada serviço e de fácil acesso.
Artigo 85.o
Do dever de sigilo
O enfermeiro, obrigado a guardar segredo profissional sobre o
que toma conhecimento no exercício da sua profissão, assume o
dever de:
a) Considerar confidencial toda a informação acerca do
destinatário de cuidados e da família, qualquer que seja a fonte;
b) Partilhar a informação pertinente só com aqueles que estão
implicados no plano terapêutico, usando como critérios
orientadores o bem-estar, a segurança física, emocional e social
do indivíduo e família, assim como os seus direitos;
c) Divulgar informação confidencial acerca do indivíduo e família
só nas situações previstas na lei, devendo, para tal efeito,
recorrer a aconselhamento deontológico e jurídico;
d) Manter o anonimato da pessoa sempre que o seu caso for
usado em situações de ensino, investigação ou controlo da
qualidade de cuidados.
10
Recentemente emergiu, depois das aulas de Ética (no âmbito desta pós-
graduação), a ideia de transpor para suporte informático este dito quadro,
instalado em rede, de forma a poder ser consultado pelos diversos profissionais
do serviço, em qualquer computador (sem acesso ao público e pessoal de outros
serviços). Deste modo todas as informações seriam passíveis de controlo, sob o
ponto de vista da sua divulgação.
Infelizmente, mas dentro do que seria de esperar, encontrou-se alguma
resistência por parte dos profissionais, que começaram de imediato a lançar
entraves à sua implementação, só hesitando perante a hipótese: “Se fosses tu,
naquele quadro, gostarias que qualquer pessoa que espreitasse à sala de
trabalho (o que é muito comum) tivesse acesso às tuas informações?”.
Será apenas inércia? Ou falta de real consciência das nossas obrigações
para com o nosso cliente?
Em contexto ético o Enfermeiro tem o difícil papel de advogado do
utente, devendo procurar garantir o exercício dos seus direitos, e um deles é o
direito à confidencialidade.
Há cerca de um mês, em pleno elevador do hospital, um grupo de
estagiários de enfermagem discutia, em estado de êxtase, vários episódios do
turno passado, criticando enfermeiros, rindo de doentes – uma avalanche de
violações éticas. Fiquei perplexa. O que valeu, foi que saíram no andar seguinte,
não me dando oportunidade de intervir. A minha vontade era agarrar cada um
deles pelas orelhas e tirar daquele elevador onde seguiam outros profissionais,
doentes e familiares (visitas), para lhes dar o verdadeiro raspanete!
Senti-me envergonhada. Que profissionais se irão tornar? Será que os
seus supervisores têm noção do quão distante dos conceitos éticos estão estes
alunos?
Todos nós passamos pela excitação de querer partilhar com os demais as
situações marcantes ou caricatas, por que passamos durante os ensinos clínicos.
A forma como lidamos com este impulso constitui, a meu ver, a catapulta para a
conduta que viremos a adoptar enquanto profissionais.
11
Cabe a nós, na qualidade de supervisores, orientadores ou tutores, guiar
os formandos, para a sua consciencialização dos seus deveres éticos, pela
compreensão da pertinência de cada um deles, abrindo espaço para o debate,
para a franca troca de ideias, orientando, e não impondo como verdade sem
discussão.
“Perdi a comodidade da ignorância.”
(Michael Allred)
Artigo 88.o
Da excelência do exercício
O enfermeiro procura, em todo o acto profissional, a excelência do exercício,
assumindo o dever de:
a) Analisar regularmente o trabalho efectuado e reconhecer eventuais falhas
que mereçam mudança de atitude;
b) Procurar adequar as normas de qualidade dos cuidados às necessidades
concretas da pessoa;
c) Manter a actualização contínua dos seus conhecimentos e utilizar de forma
competente as tecnologias, sem esquecer a formação permanente e
aprofundada nas ciências humanas;
d) Assegurar, por todos os meios ao seu alcance, as condições de trabalho
que permitam exercer a profissão com dignidade e autonomia, comunicando,
através das vias competentes, as deficiências que prejudiquem a qualidade
de cuidados;
e) Garantir a qualidade e assegurar a continuidade dos cuidados das
actividades que delegar, assumindo a responsabilidade pelos mesmos;
f) Abster-se de exercer funções sob influência de substâncias susceptíveis de
produzir perturbação das faculdades físicas ou mentais.
12
"A chave de todas as ciências é
inegavelmente o ponto de interrogação"
(Honoré de Balzac)
Conforme traduz a primeira citação escolhida, é muito mais confortável
resignarmo-nos e até rejubilarmo-nos do que já sabemos, darmos a nossa
realidade como indiscutível e deixarmo-nos vencer pela inércia, confiando-nos à
onda do que nos é imposto.
Contudo, não somos objectos para sermos levados por outros. Somos
seres pensantes, dotados de capacidade de indagação e reflexão.
Porque nos custará tanto mudar?
Repensar analiticamente o nosso trabalho, procurar novas respostas às
perguntas que exaltam a nossa sede de conhecimento… significa muitas vezes
abandonar o que nos é dado como seguro, garantido, é admitir a possibilidade
de erro, é arriscar o insucesso (“Em equipa que ganha, não se mexe”).
Todos temem o erro, o fracasso, congelando assim a necessidade de
questionamento constante da nossa prática.
“Quem não busca, não acha.” Se não questionarmos as nossas práticas,
não detectaremos as nossas falhas, erros, ou apenas situações passíveis de
serem melhoradas. Não nos permitimos mudar, arriscar abandonar o conhecido
e seguro mas incorrecto, para evoluir para patamares mais próximos de uma
prática de excelência.
A reflexão da nossa prática é, assim, um dever, aludido pelo Código
Deontológico de Enfermagem no âmbito da busca pela excelência do exercício
profissional.
O problema não reside no erro cometido, mas sim no facto do mesmo ter
sido em vão. Errar é humano. A capacidade de aprender com o erro, reflectindo
13
as nossas lacunas e mobilizando conhecimentos e recursos para as colmatar, é a
supremacia do profissionalismo.
Na passada semana, no contexto do ensino clínico que me encontro a
orientar, a aluna cometeu dois erros. Para cada um encontrei, mesmo antes de
falar com ela, justificação. Para mim, naquele momento, o que possuía
verdadeira relevância era a atitude do formando perante a situação de erro,
nomeadamente a forma como se iria revelar na sua reflexão semanal.
No entanto, a minha expectativa foi desapontada, de todo.
A reacção perante um dos erros foi simplesmente a negligencia (nem
sequer mencionou na reflexão) e mediante o outro foi de imediata resistência,
indignação e remeter culpa para outra pessoa.
Para haver aprendizagem, é necessário que o conteúdo adquira
significado para essa pessoa, é imperativo que haja reflexão, um “sair de si” para
observar de outra perspectiva a acção, mediante um pensamento lógico e
racional.
“Reflexão significa meditação comparativa e examinadora contraposta à percepção simples ou aos juízos primeiros e espontâneos sobre um objecto. (…) Assim, reflexão designa, antes de mais nada, um voltar
atrás, um redobrar-se da atenção.”
(Brugger, 1969)
Neste sentido, criei um cenário no qual a aluna se via como
supervisora/orientadora numa situação similar à que se passou no seu ensino
clínico, e fez-se Luz.
Não é só como espelho que se desenvolve o nosso papel de supervisores, é
também fomentando oportunidades de reflexão, para promover a excelência do
exercício dos futuros profissionais.
14
A maioria da retórica atrás exposta baseia-se na perspectiva do
supervisor como modelo de actuação, tendo total enfoque a ética no cuidar do
utente. Todavia, não é apenas sob este prisma que deve ser encarado o
questionamento ético no processo supervisivo. Emerge a necessidade de
reflectir a relação e acção directa do supervisor face ao formando.
Nesta relação também se pressupõe, à luz da ética, um respeito pelos
valores humanos pelos quais se rege o aluno, pelas suas características pessoais,
com abstenção de juízos de valor sobre o seu comportamento, procurando não
lhe impor os seus próprios critérios e valores no âmbito da consciência e da
filosofia de vida.
Será assim possível orientar um aluno, atendendo às suas
especificidades, pautando-o pelos ideais da profissão?
É relevante salientar que as escolas de Enfermagem não são fábricas que
produzem peças saídas de moldes definidos. Os formandos não perdem a sua
identidade. O que lhes deve ser fomentada é a capacidade reflexiva para que ele
mesmo, através de um exercício de excelência seja capaz de adoptar condutas
adaptadas aos ideias da profissão que ele mesmo escolheu.
A dificuldade reside em promover contextos de aprendizagem que
permitam este questionamento, ao invés de impor, indiscutivelmente, padrões
de actuação. No âmbito do ensino clínico, o principal obstáculo poderá estar no
supervisor, na sua capacidade de separar racionalmente a sua opinião pessoal, o
seu modelo de conduta, do processo supervisivo, no qual o aluno vai construir o
seu próprio ideal de enfermagem.
O supervisor, ao querer moldar o aluno à sua imagem, é como o
indivíduo que deseja colocar um ramo de flores campestres numa pequena caixa
rectangular de dimensões fixas. Ou as flores murcham ou em pouco tempo
extravasam os limites da caixa, quase numa fuga forçada às balizas que lhe
foram impostas.
Existem sim uma matriz do profissional de enfermagem, ditada pela
Ordem dos Enfermeiros através de documentos como o Código Deontológico e o
15
REPE (Regulamento do Exercício Profissional dos Enfermeiros), que deve ser
promovida e respeitada.
Do dever da informação, o enfermeiro supervisor/orientador tem a
obrigação de manter o aluno informado e parte integrante do seu processo de
aprendizagem, numa atitude de co-responsabilização e respeito pelo seu direito
à auto-determinação. Desta forma podemos dizer que está completamente
desajustado, sob o ponto de vista ético, o comportamento do orientador que
reprova o aluno no final de estágio, sem lhe ter dado qualquer feed-back do seu
aproveitamento, durante o período de aprendizagem.
O aluno deve ser envolvido em todo o seu ensino clínico, sendo
promovida uma postura proactiva no seu processo de acomodação de
conhecimentos.
Relativamente ao dever do sigilo, é possível mencionar que este é talvez o
mais difícil de analisar, pela ténue fronteira entre o que é necessário transmitir à
escola, pela sua importância para a avaliação e acompanhamento do aluno, e o
que nos é confidenciado e deve ser respeitado como tal.
Não há receitas nem protocolos que nos dêem total segurança da rectidão
das nossas escolhas de divulgação da informação percepcionada ou comunicada
pelo aluno. É o nosso bom senso e aptidão analítica que nos dão os moldes para
respeitar este direito do aluno à confidencialidade.
Deste modo, adequando o nosso código deontológico, devemos partilhar
a informação pertinente só com aqueles que estão implicados no processo de
aprendizagem, usando como critérios orientadores o bem-estar, a segurança
física, emocional e social do aluno e dos potenciais utentes, e a justiça e
imparcialidade do sistema de avaliação, assim como os seus direitos.
16
Em Reflexão Final, poder-se-á referir que a ética e a deontologia se encontram muito presentes em todas as actividades do nosso quotidiano.
Enquanto profissionais temos o dever de questionarmos as nossas
práticas procurando adequá-las a este código, que tão minuciosamente dita as
regras básicas de conduta de cada enfermeiro.
No papel de supervisores temos a obrigação de contribuir eticamente na
formação dos futuros actores desta profissão, repleta de ciência e arte no
exercício do cuidar.
17
Bibliografia
Abreu, W. C. (Julho/2007). FORMAÇÃO E APRENDIZAGEM EM CONTEXTO
CLÍNICO. Fundamentos, teorias e consideraçõe didácticas. Coimbra:
Formasau - Formação em Saúde, Lda.
Brugger, W. (1969). Dicionário de Filosofia. São Paulo: Herder.
CAPÍTULO VI: SECÇÃO II - Do código deontológico do enfermeiro. (21 de Abril
de 1998). Diário da República - I Série - A, nº 93 , pp. 1754 - 1756.
Medeiros, M. T. (1999). Desenvolvimento, aprendizagem e supervisão: Que
futuro? Cadernos CIDInE. Porto: Afrontamento (no prelo).
Schön, D. (1992). Formar professores como profissionais reflexivos. In A.
Nóvoa (Org.), Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote.
Telford, C., & Sawrey, J. (1984). O indivíduo Excepcional. Rio de Janeiro:
Zahar.