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INSTITUTO POLITÉCNICO DE SAÚDE DO NORTE - VALE DO SOUSA 2º CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SUPERVISÃO CLÍNICA SUPERVISÃO CLÍNICO-REFLEXIVA: ÉTICA E DEONTOLOGIA NA SUPERVISÃO CLÍNICA Elaborado por: Enf.ª Michele Pinto Porto, Novembro de 2009

Trabalho de ética

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Este manual descreve sobre aspectos éticos e deontologia numa sociedade moderna

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INSTITUTO POLITÉCNICO DE SAÚDE DO NORTE - VALE DO SOUSA

2º CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SUPERVISÃO CLÍNICA

SUPERVISÃO CLÍNICO-REFLEXIVA:

ÉTICA E DEONTOLOGIA NA SUPERVISÃO CLÍNICA

Elaborado por: Enf.ª Michele Pinto

Porto, Novembro de 2009

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Módulo II – Supervisão Clínico-Reflexiva: Ética e Deontologia na Supervisão Clínica

“Aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si,

levam um pouco de nós”.

(O Pequeno Príncipe)

Abreu (2007) sublinha a importância do ensino clínico, dizendo que é em

contexto clínico que o aluno aprende em contexto real, lida com a pressão da

responsabilidade, aprende a gerir emoções, constrói a sua identidade,

aprofunda o pensamento ético e aprende a utilizar as tecnologias sem

menosprezar a vertente humana.

Particularmente numa fase inicial da progressão do aluno, observa-se

uma dependência do formador e uma aprendizagem por imitação (Abreu,

2007). O supervisor/tutor tem, neste enquadramento, um papel de elevada

responsabilidade enquanto promotor do processo de aprendizagem, uma vez

que este se assume como um “modelo” para o formando.

Para Medeiros (1999), o processo supervisivo constitui uma mais-valia

para o desenvolvimento cognitivo, interpessoal, moral e psicossocial de

estudantes e supervisores, uma vez exige uma readaptação constante dos

intervenientes às alterações no contexto formativo.

Uma das mais pertinentes questões éticas que emerge do processo

supervisivo, prende-se com a congruência entre “o que dizemos que

fazemos/que se deve fazer” e o que caracteriza, na verdade, as nossas práticas.

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No nosso exercício profissional, grande é a tentação de deixarmos

“rotinizar” algumas práticas, esquecendo o questionamento e a reflexão que

justificam o modo e a razão da sua execução. No processo supervisivo, este

questionamento nasce, frequentemente, do aluno que encontra discrepância

entre os seus conhecimentos teóricos e as práticas observadas, exigindo ao tutor

um exercício mental de reflexão.

No papel de tutora/orientadora, vi por diversas vezes requisitada a

necessidade de questionar as minhas práticas, na minha consciência de manter

a verdade do que procuro ensinar aos alunos, sempre com uma justificação

subjacente, pois considero que só o que se compreende é passível de ser

adoptado para sua prática ou assimilado como conhecimento.

Ao perfilhar um pensamento indagante, procurando equacionar e

racionalizar à luz da ética as hipóteses e situações da minha conduta, enquanto

profissional de enfermagem, senti a necessidade de reler o nosso Código

Deontológico, para um melhor enquadramento da minha retórica.

Este código, como se sabe, tem carácter vinculativo e, na sua

complexidade, constitui muito mais que um guia, sendo na realidade um

instrumento que pauta toda a nossa actuação, enquanto profissionais de

enfermagem.

Mediante uma leitura atenta senti que existem diversos aspectos na

minha actuação que merecem ser questionados.

Foi-me pedido que reflectisse sobre uma situação experienciada

enquanto supervisora/orientadora ou aluna, na qual se expusesse algum

“conflito” em termos éticos e deontológicos. Contudo, é muito difícil a eleição de

uma situação específica.

Deste modo, passo a enunciar quais as menções do código que mais

suscitaram uma revisão das minhas práticas e paralelamente farei uma reflexão

sobre as mesmas.

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"Criticar os outros é algo muito perigoso; nem

tanto pelos erros que você pode cometer ao

criticar, mas pelo fato de você poder estar

revelando algumas verdades a seu respeito. "

(Harold Medina)

"Não existe nada bom nem mau;

é o pensamento humano o que o

faz aparecer assim."

(William Shakespeare)

“Vocês riem de mim por eu ser diferente, e eu

rio de vocês por serem todos iguais.”

(Bob Marley)

Artigo 81.o

Dos valores humanos

O enfermeiro, no seu exercício, observa os valores humanos

pelos quais se regem o indivíduo e os grupos em que este se

integra e assume o dever de:

a) Cuidar da pessoa sem qualquer discriminação económica,

social, política, étnica, ideológica ou religiosa;

e) Abster-se de juízos de valor sobre o comportamento da

pessoa assistida e não lhe impor os seus próprios critérios e

valores no âmbito da consciência e da filosofia de vida;

f) Respeitar e fazer respeitar as opções políticas, culturais,

morais e religiosas da pessoa e criar condições para que ela

possa exercer, nestas áreas, os seus direitos.

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Há uma tendência natural das civilizações para a criação de padrões de

actuação e de representação.

Na Índia as mulheres geralmente não mostram as pernas, no Brasil as

mulheres usam predominantemente o bikini quando vão á praia e as mulheres

nórdicas são conhecidas por não fazerem depilação às axilas. Estes são apenas

alguns exemplos de comportamentos padronizados em diferentes populações,

que divergem entre si por conceitos religiosos, factores climáticos, estereótipos,

etc.

Paralelamente à criação de “padrões” surge o conceito de “indivíduo

excepcional”, isto é indivíduos portadores de certos traços característicos

significativamente desviantes do padrão comummente aceite como normal por

uma determinada sociedade (Telford & Sawrey, 1984).

Nesta dualidade de comportamento padronizado e excepcionalidade, é

imperativa a tolerância à diferença.

Nos meus humildes 5 anos de experiência, já me deparei com algumas

“excepcionalidades” que me causaram algum desconforto pessoal, mas que

consegui ultrapassar no meu exercício profissional directo, ou seja, sem que o

próprio indivíduo sentisse (creio eu) qualquer forma de discriminação ou

tratamento diferente. Contudo, entre pares não me consegui abster de alguns

comentários impróprios e, por vezes, depreciativos, admito.

Recentemente esteve internada, no serviço em que exerço funções, uma

senhora cujo filho possuía uma aparência, diria, diferente. Passo a descrever,

procurando ausência de juízos de valor: sobrancelhas arranjadas finas, rímel

nas pestanas, face livre de barba e com grande camada de base, sempre com

calças e blusas femininas, chapéu, alto, forte e com traços masculinos. A

assistente social do serviço, que já havia comunicado com a pessoa, alertou-me

para o facto de ele/ela querer ser tratado por Chanel.

Francamente, eu olhei para aquela pessoa e pensei: o que é isto? Nem

homem nem mulher, uma aberração. E lá estava o juízo de valor pulsante em

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minha mente, criticando aquela pessoa pela simples dificuldade de a enquadrar

mentalmente em uma categoria. Como se a minha cabeça fosse uma organizada

biblioteca, na qual cada interveniente era cuidadosamente guardado na sua

prateleira consoante a categoria com que mais se identificava. Porém, a nossa

mente deve ser um grande espaço aberto onde tudo tem o seu lugar, sem balizas

nem tectos categorativos, apenas respeito pela diversidade de características e

comportamentos.

Enquanto orientadora, procurei transmitir a imparcialidade no trato, a

capacidade de ver naquela pessoa apenas um familiar potencial cuidador com

dúvidas a esta condição subjacentes e que deveria ser tratado como qualquer

outro familiar, mas com respeito pelas suas características pessoais. Todavia os

comentários na passagem de turno, não reforçaram em nada estes

ensinamentos. Todos os colegas faziam, a seu jeito, os seus juízos de valor, e eu

mantinha, perante a aluna, uma tentativa de cortar o assunto, na certeza que só

ela mesma poderá escolher para si o seu padrão de comportamento perante a

diversidade dos demais.

Como evitar estereótipos? Como travar os juízos de valor perante formas

de estar, ser ou pensar diferentes da nossa? Como manter uma mente aberta

livre de preconceitos?

Só com o exercício mental constante de questionamento. O primeiro

pensamento indevido talvez não possa evitar. Contudo, posso indagá-lo dentro

de mim, reflectir e permitir a mim mesma evoluir. Apenas a coerência entre o

que digo que é correcto e a minha prática pode ter repercussão a nível do

processo supervisivo.

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“Faz tudo ocultando ao doente a maioria das coisas (...) distrai a sua atenção. Anima-o

sem lhe mostrar nada do que se vai passar nem do seu estado actual...”

(Hipócrates)

Partindo da citação de Hipócrates, na qual se aconselhava a manter o

doente na ignorância, talvez, visando minimizar o seu sofrimento, eis que se

realça, nos dias de hoje, o direito à informação.

Muitos enfermeiros adoptam uma atitude peremptória focando outra

classe profissional (médicos) para exemplificar a clara violação deste dever,

quiçá até violando o Artigo 90.o, alínea c) do Código Deontológico, que diz:

“Consciente de que a sua acção se repercute em toda a profissão, o

enfermeiro assume o dever de:

Artigo 84.o

Do dever de informação

No respeito pelo direito à autodeterminação, o enfermeiro assume o dever de:

a) Informar o indivíduo e a família no que respeita aos cuidados de

enfermagem;

b) Respeitar, defender e promover o direito da pessoa ao consentimento

informado;

c) Atender com responsabilidade e cuidado todo o pedido de informação ou

explicação feito pelo indivíduo em matéria de cuidados de enfermagem;

d) Informar sobre os recursos a que a pessoa pode ter acesso, bem como

sobre a maneira de os obter.

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(…)

c) Proceder com correcção e urbanidade, abstendo-se de qualquer

crítica pessoal ou alusão depreciativa a colegas ou a outros

profissionais.”

Contudo, se analisarmos bem a nossa conduta poderemos concluir que

raras são as vezes que o enfermeiro obtém o consentimento informado para as

suas práticas e regularmente inicia os procedimentos sem informar o doente do

que se vai passar, considerando o consentimento como um dado adquirido.

Emanando o pensamento: “Se o doente está aqui para se tratar, tem que

se sujeitar àquilo que Eu, enquanto profissional de saúde, considero que é para

seu bem”. Esta citação foi diversas vezes repetida por uma colega minha, que via

nos doentes, cada vez mais informados dos seus direitos, um obstáculo à sua

livre prática.

Embora não partilhe este pensamento, confesso que frequentemente não

obtenho o consentimento para todas as intervenções ao doente. Tenho sim, por

hábito, centrar a minha prática no doente e informá-lo de todos os

procedimentos, disponibilizando-me para responder a todas as dúvidas que

estiverem ao meu alcance. E é este o exemplo que procuro sempre transparecer

e sensibilizar aos alunos que oriento.

Na aquisição do consentimento informado, a minha imprudência ia além

da minha prática individual, enquanto enfermeira. Abrangia, sobretudo, o meu

exercício enquanto orientadora.

Através da reflexão sobre a minha prática supervisiva, pude

consciencializar que raramente informava o doente que quem lhe ia colher

sangue (por exemplo) era um Aluno e, também, não questionava se consentia o

procedimento. Simplesmente partia do princípio que era perceptível para ele, e

considerava que comunicar que se tratava de um aluno só iria trazer

insegurança de parte a parte, depreendendo igualmente “Quem cala consente”.

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Na qualidade de orientadora, eu devo procurar proporcionar as

experiencias e oportunidades para o aluno criar conhecimento/aprendizagem

mas, antes de mais, enquanto Enfermeira, eu devo garantir os direitos do meu

cliente/utente/doente, e transmitir esta conduta aos alunos que por mim

passam.

Por isto, tenho procurado mudar a minha prática e sensibilizar a aluna,

que estou presentemente a orientar, a informar sempre o doente dos

procedimentos, em que consistem e qual a sua finalidade, e a obter o

consentimento do doente, sabendo este que ela não é ainda uma profissional de

Enfermagem.

O consentimento informado reflecte uma manifestação de respeito pelo

doente enquanto ser humano. Constitui a garantia de que qualquer decisão

tomada assenta nos pressupostos de auto-responsabilização e de liberdade de

escolha.

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“Três pessoas poderiam guardar um segredo

se duas delas estivessem mortas."

(Benjamin Franklin)

Será assim tão difícil garantir a confidencialidade das informações acerca

dos utentes?

Na realidade, o seu direito ao sigilo é largamente violado por uma prática

muito comum nos Hospitais: o registo de doentes, respectivos diagnósticos e

outras informações, em quadros expostos em cada serviço e de fácil acesso.

Artigo 85.o

Do dever de sigilo

O enfermeiro, obrigado a guardar segredo profissional sobre o

que toma conhecimento no exercício da sua profissão, assume o

dever de:

a) Considerar confidencial toda a informação acerca do

destinatário de cuidados e da família, qualquer que seja a fonte;

b) Partilhar a informação pertinente só com aqueles que estão

implicados no plano terapêutico, usando como critérios

orientadores o bem-estar, a segurança física, emocional e social

do indivíduo e família, assim como os seus direitos;

c) Divulgar informação confidencial acerca do indivíduo e família

só nas situações previstas na lei, devendo, para tal efeito,

recorrer a aconselhamento deontológico e jurídico;

d) Manter o anonimato da pessoa sempre que o seu caso for

usado em situações de ensino, investigação ou controlo da

qualidade de cuidados.

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Recentemente emergiu, depois das aulas de Ética (no âmbito desta pós-

graduação), a ideia de transpor para suporte informático este dito quadro,

instalado em rede, de forma a poder ser consultado pelos diversos profissionais

do serviço, em qualquer computador (sem acesso ao público e pessoal de outros

serviços). Deste modo todas as informações seriam passíveis de controlo, sob o

ponto de vista da sua divulgação.

Infelizmente, mas dentro do que seria de esperar, encontrou-se alguma

resistência por parte dos profissionais, que começaram de imediato a lançar

entraves à sua implementação, só hesitando perante a hipótese: “Se fosses tu,

naquele quadro, gostarias que qualquer pessoa que espreitasse à sala de

trabalho (o que é muito comum) tivesse acesso às tuas informações?”.

Será apenas inércia? Ou falta de real consciência das nossas obrigações

para com o nosso cliente?

Em contexto ético o Enfermeiro tem o difícil papel de advogado do

utente, devendo procurar garantir o exercício dos seus direitos, e um deles é o

direito à confidencialidade.

Há cerca de um mês, em pleno elevador do hospital, um grupo de

estagiários de enfermagem discutia, em estado de êxtase, vários episódios do

turno passado, criticando enfermeiros, rindo de doentes – uma avalanche de

violações éticas. Fiquei perplexa. O que valeu, foi que saíram no andar seguinte,

não me dando oportunidade de intervir. A minha vontade era agarrar cada um

deles pelas orelhas e tirar daquele elevador onde seguiam outros profissionais,

doentes e familiares (visitas), para lhes dar o verdadeiro raspanete!

Senti-me envergonhada. Que profissionais se irão tornar? Será que os

seus supervisores têm noção do quão distante dos conceitos éticos estão estes

alunos?

Todos nós passamos pela excitação de querer partilhar com os demais as

situações marcantes ou caricatas, por que passamos durante os ensinos clínicos.

A forma como lidamos com este impulso constitui, a meu ver, a catapulta para a

conduta que viremos a adoptar enquanto profissionais.

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Cabe a nós, na qualidade de supervisores, orientadores ou tutores, guiar

os formandos, para a sua consciencialização dos seus deveres éticos, pela

compreensão da pertinência de cada um deles, abrindo espaço para o debate,

para a franca troca de ideias, orientando, e não impondo como verdade sem

discussão.

“Perdi a comodidade da ignorância.”

(Michael Allred)

Artigo 88.o

Da excelência do exercício

O enfermeiro procura, em todo o acto profissional, a excelência do exercício,

assumindo o dever de:

a) Analisar regularmente o trabalho efectuado e reconhecer eventuais falhas

que mereçam mudança de atitude;

b) Procurar adequar as normas de qualidade dos cuidados às necessidades

concretas da pessoa;

c) Manter a actualização contínua dos seus conhecimentos e utilizar de forma

competente as tecnologias, sem esquecer a formação permanente e

aprofundada nas ciências humanas;

d) Assegurar, por todos os meios ao seu alcance, as condições de trabalho

que permitam exercer a profissão com dignidade e autonomia, comunicando,

através das vias competentes, as deficiências que prejudiquem a qualidade

de cuidados;

e) Garantir a qualidade e assegurar a continuidade dos cuidados das

actividades que delegar, assumindo a responsabilidade pelos mesmos;

f) Abster-se de exercer funções sob influência de substâncias susceptíveis de

produzir perturbação das faculdades físicas ou mentais.

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"A chave de todas as ciências é

inegavelmente o ponto de interrogação"

(Honoré de Balzac)

Conforme traduz a primeira citação escolhida, é muito mais confortável

resignarmo-nos e até rejubilarmo-nos do que já sabemos, darmos a nossa

realidade como indiscutível e deixarmo-nos vencer pela inércia, confiando-nos à

onda do que nos é imposto.

Contudo, não somos objectos para sermos levados por outros. Somos

seres pensantes, dotados de capacidade de indagação e reflexão.

Porque nos custará tanto mudar?

Repensar analiticamente o nosso trabalho, procurar novas respostas às

perguntas que exaltam a nossa sede de conhecimento… significa muitas vezes

abandonar o que nos é dado como seguro, garantido, é admitir a possibilidade

de erro, é arriscar o insucesso (“Em equipa que ganha, não se mexe”).

Todos temem o erro, o fracasso, congelando assim a necessidade de

questionamento constante da nossa prática.

“Quem não busca, não acha.” Se não questionarmos as nossas práticas,

não detectaremos as nossas falhas, erros, ou apenas situações passíveis de

serem melhoradas. Não nos permitimos mudar, arriscar abandonar o conhecido

e seguro mas incorrecto, para evoluir para patamares mais próximos de uma

prática de excelência.

A reflexão da nossa prática é, assim, um dever, aludido pelo Código

Deontológico de Enfermagem no âmbito da busca pela excelência do exercício

profissional.

O problema não reside no erro cometido, mas sim no facto do mesmo ter

sido em vão. Errar é humano. A capacidade de aprender com o erro, reflectindo

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as nossas lacunas e mobilizando conhecimentos e recursos para as colmatar, é a

supremacia do profissionalismo.

Na passada semana, no contexto do ensino clínico que me encontro a

orientar, a aluna cometeu dois erros. Para cada um encontrei, mesmo antes de

falar com ela, justificação. Para mim, naquele momento, o que possuía

verdadeira relevância era a atitude do formando perante a situação de erro,

nomeadamente a forma como se iria revelar na sua reflexão semanal.

No entanto, a minha expectativa foi desapontada, de todo.

A reacção perante um dos erros foi simplesmente a negligencia (nem

sequer mencionou na reflexão) e mediante o outro foi de imediata resistência,

indignação e remeter culpa para outra pessoa.

Para haver aprendizagem, é necessário que o conteúdo adquira

significado para essa pessoa, é imperativo que haja reflexão, um “sair de si” para

observar de outra perspectiva a acção, mediante um pensamento lógico e

racional.

“Reflexão significa meditação comparativa e examinadora contraposta à percepção simples ou aos juízos primeiros e espontâneos sobre um objecto. (…) Assim, reflexão designa, antes de mais nada, um voltar

atrás, um redobrar-se da atenção.”

(Brugger, 1969)

Neste sentido, criei um cenário no qual a aluna se via como

supervisora/orientadora numa situação similar à que se passou no seu ensino

clínico, e fez-se Luz.

Não é só como espelho que se desenvolve o nosso papel de supervisores, é

também fomentando oportunidades de reflexão, para promover a excelência do

exercício dos futuros profissionais.

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A maioria da retórica atrás exposta baseia-se na perspectiva do

supervisor como modelo de actuação, tendo total enfoque a ética no cuidar do

utente. Todavia, não é apenas sob este prisma que deve ser encarado o

questionamento ético no processo supervisivo. Emerge a necessidade de

reflectir a relação e acção directa do supervisor face ao formando.

Nesta relação também se pressupõe, à luz da ética, um respeito pelos

valores humanos pelos quais se rege o aluno, pelas suas características pessoais,

com abstenção de juízos de valor sobre o seu comportamento, procurando não

lhe impor os seus próprios critérios e valores no âmbito da consciência e da

filosofia de vida.

Será assim possível orientar um aluno, atendendo às suas

especificidades, pautando-o pelos ideais da profissão?

É relevante salientar que as escolas de Enfermagem não são fábricas que

produzem peças saídas de moldes definidos. Os formandos não perdem a sua

identidade. O que lhes deve ser fomentada é a capacidade reflexiva para que ele

mesmo, através de um exercício de excelência seja capaz de adoptar condutas

adaptadas aos ideias da profissão que ele mesmo escolheu.

A dificuldade reside em promover contextos de aprendizagem que

permitam este questionamento, ao invés de impor, indiscutivelmente, padrões

de actuação. No âmbito do ensino clínico, o principal obstáculo poderá estar no

supervisor, na sua capacidade de separar racionalmente a sua opinião pessoal, o

seu modelo de conduta, do processo supervisivo, no qual o aluno vai construir o

seu próprio ideal de enfermagem.

O supervisor, ao querer moldar o aluno à sua imagem, é como o

indivíduo que deseja colocar um ramo de flores campestres numa pequena caixa

rectangular de dimensões fixas. Ou as flores murcham ou em pouco tempo

extravasam os limites da caixa, quase numa fuga forçada às balizas que lhe

foram impostas.

Existem sim uma matriz do profissional de enfermagem, ditada pela

Ordem dos Enfermeiros através de documentos como o Código Deontológico e o

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REPE (Regulamento do Exercício Profissional dos Enfermeiros), que deve ser

promovida e respeitada.

Do dever da informação, o enfermeiro supervisor/orientador tem a

obrigação de manter o aluno informado e parte integrante do seu processo de

aprendizagem, numa atitude de co-responsabilização e respeito pelo seu direito

à auto-determinação. Desta forma podemos dizer que está completamente

desajustado, sob o ponto de vista ético, o comportamento do orientador que

reprova o aluno no final de estágio, sem lhe ter dado qualquer feed-back do seu

aproveitamento, durante o período de aprendizagem.

O aluno deve ser envolvido em todo o seu ensino clínico, sendo

promovida uma postura proactiva no seu processo de acomodação de

conhecimentos.

Relativamente ao dever do sigilo, é possível mencionar que este é talvez o

mais difícil de analisar, pela ténue fronteira entre o que é necessário transmitir à

escola, pela sua importância para a avaliação e acompanhamento do aluno, e o

que nos é confidenciado e deve ser respeitado como tal.

Não há receitas nem protocolos que nos dêem total segurança da rectidão

das nossas escolhas de divulgação da informação percepcionada ou comunicada

pelo aluno. É o nosso bom senso e aptidão analítica que nos dão os moldes para

respeitar este direito do aluno à confidencialidade.

Deste modo, adequando o nosso código deontológico, devemos partilhar

a informação pertinente só com aqueles que estão implicados no processo de

aprendizagem, usando como critérios orientadores o bem-estar, a segurança

física, emocional e social do aluno e dos potenciais utentes, e a justiça e

imparcialidade do sistema de avaliação, assim como os seus direitos.

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Em Reflexão Final, poder-se-á referir que a ética e a deontologia se encontram muito presentes em todas as actividades do nosso quotidiano.

Enquanto profissionais temos o dever de questionarmos as nossas

práticas procurando adequá-las a este código, que tão minuciosamente dita as

regras básicas de conduta de cada enfermeiro.

No papel de supervisores temos a obrigação de contribuir eticamente na

formação dos futuros actores desta profissão, repleta de ciência e arte no

exercício do cuidar.

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Bibliografia

Abreu, W. C. (Julho/2007). FORMAÇÃO E APRENDIZAGEM EM CONTEXTO

CLÍNICO. Fundamentos, teorias e consideraçõe didácticas. Coimbra:

Formasau - Formação em Saúde, Lda.

Brugger, W. (1969). Dicionário de Filosofia. São Paulo: Herder.

CAPÍTULO VI: SECÇÃO II - Do código deontológico do enfermeiro. (21 de Abril

de 1998). Diário da República - I Série - A, nº 93 , pp. 1754 - 1756.

Medeiros, M. T. (1999). Desenvolvimento, aprendizagem e supervisão: Que

futuro? Cadernos CIDInE. Porto: Afrontamento (no prelo).

Schön, D. (1992). Formar professores como profissionais reflexivos. In A.

Nóvoa (Org.), Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote.

Telford, C., & Sawrey, J. (1984). O indivíduo Excepcional. Rio de Janeiro:

Zahar.