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Trabalho e sociabilidade: memória dos salões de baile da região da colônia de Pelotas (1950-1970) Luísa Lacerda Maciel 1 “Entre uma situação e outra, o trabalho e a festa, a produção e a celebração, uma diferença simples e quase romântica estaria dizer que, pelo menos para o caso de trabalho rural, o trabalho gera os frutos da terra, e a festa camponesa celebra os seres – humanos, naturais ou sobre naturais – por meio das quais acredita-se ou sabe-se que os frutos são gerados” (Brandão, 2009, p. 39) Este artigo tem por objeto apresentar os espaços de sociabilidade comunitários, mais especificamente os salões de baile, relacionados com o trabalho fabril na região de colonização imigrante na cidade de Pelotas (RS). A partir de entrevistas, busca-se recompor o cenário em que se deram essas festividades, bem como a identificação de elementos constitutivos da memória social dos agentes sociais. Trabalhos recentes que abordam o tema patrimônio cultural e memória social irão voltar sua atenção para zona rural, caracterizando sua paisagem, arquitetura, costumes e tradições, por exemplo, como “patrimônio cultural rural” (Panis, 2008; Silva, 2009). Nesse contexto, a colônia de imigração da região de Pelotas (RS) vem sendo analisada em virtude de suas diversas manifestações culturais, como por exemplo o trabalho de Panis (2008), que ressalta a cultura italiana considerando “(...) a arquitetura e a paisagem rural, os costumes e tradições italianas que representam o 1 Graduada em História pela Universidade Federal de Pelotas, Especialista em Educação pela mesma instituição. Mestranda do Programa de Pós Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Bolsista CAPES. E-mail: [email protected]

Trabalho e sociabilidade: memória dos salões de baile da ... · irão voltar sua atenção para zona rural ... afirma que grande parte das indústrias de conservas de frutas na

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Trabalho e sociabilidade: memória dos salões de baile da região da colônia de Pelotas (1950-1970)

Luísa Lacerda Maciel1

“Entre uma situação e outra, o trabalho e a festa, a produção e

a celebração, uma diferença simples e quase romântica estaria

dizer que, pelo menos para o caso de trabalho rural, o trabalho

gera os frutos da terra, e a festa camponesa celebra os seres –

humanos, naturais ou sobre naturais – por meio das quais

acredita-se ou sabe-se que os frutos são gerados”

(Brandão, 2009, p. 39)

Este artigo tem por objeto apresentar os espaços de sociabilidade comunitários,

mais especificamente os salões de baile, relacionados com o trabalho fabril na região de

colonização imigrante na cidade de Pelotas (RS). A partir de entrevistas, busca-se

recompor o cenário em que se deram essas festividades, bem como a identificação de

elementos constitutivos da memória social dos agentes sociais.

Trabalhos recentes que abordam o tema patrimônio cultural e memória social

irão voltar sua atenção para zona rural, caracterizando sua paisagem, arquitetura,

costumes e tradições, por exemplo, como “patrimônio cultural rural” (Panis, 2008;

Silva, 2009). Nesse contexto, a colônia de imigração da região de Pelotas (RS) vem

sendo analisada em virtude de suas diversas manifestações culturais, como por exemplo

o trabalho de Panis (2008), que ressalta a cultura italiana considerando “(...) a

arquitetura e a paisagem rural, os costumes e tradições italianas que representam o 1Graduada em História pela Universidade Federal de Pelotas, Especialista em Educação pela mesma instituição. Mestranda do Programa de Pós Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Bolsista CAPES. E-mail: [email protected]

conjunto do arranjo espacial, como casas de pedra, moinhos, cantinas de vinho,

ferramentas de trabalho, dentre outros; e da reprodução social cotidiana como a

religiosidade, técnicas de trabalho, a produção do vinho, práticas de lazer a festas

religiosas, (...)” (s.p.)

A vinda dos imigrantes para a região de Pelotas está inserida no processo de

substituição da mão-de-obra escrava no Brasil – a partir de 1850 – e a consequente

queda na produção das charqueadas. O Governo Imperial, nesta época, realiza a busca

de terras devolutas, que deveriam ser demarcadas e colonizadas. Segundo Peixoto

(2003), na região da Serra dos Tapes, a colonização se deu através de dois processos

diferentes: a imigração espontânea, que ocorreu ao longo de algumas décadas e a

imigração organizada (pelo governo ou particulares). Charqueadores e estancieiros

vislumbraram na imigração uma fonte de enriquecimento, sustentando um movimento

de especulação fundiária, conforme afirma Grando (1990). Segundo o autor, esses

charqueadores, “(...) apossavam-se das terras de mato contíguas as suas propriedades e

transformavam-nas em colônias a serem vendidas aos imigrantes, retendo para si,

todavia, as terras planas. O sistema de colonização privada juntou-se, assim, à

colonização oficial.” (p. 18). A partir desse processo de intensificação da colonização da

zona sul do Rio Grande do Sul começa a surgir os estabelecimentos agrícolas de caráter

familiar.

Na colônia Maciel, por exemplo, a base econômica era a agricultura.

Cultivavam o milho, a uva e árvores frutíferas, das quais iniciaram a produção de

compotas caseiras. (Peixoto, 2003). A dificuldade de comunicação entre a cidade e a

colônia (Peixoto, 2003) e entre as próprias colônias (Caruso, 2008), resultaram num

esforço para viabilizar a sobrevivência das famílias, levando aoaparecimento de fábricas

de caráter artesanal. Com o passar dos anos, desenvolvem-se “(...) moinhos, vinícolas,

pequenas fábricas de compotas, doces em pasta e embutidos atrelados às propriedades

rurais e que conferiam um caráter diversificado às colônias.” (Caruso, 2008, p. 15).

Com base nas entrevistas de descendentes de imigrantes italianos, Peixoto

(2003) ressalta a existência, desde o inicio da colonização, de uma inter-relação entre os

espaços – as lavouras, os currais e as casas... A importância dessa relação residia no fato

de que era indispensável agilidade no trabalho, e a participação de todos os membros da

família. Segundo ela, o primeiro modelo de assentamento desses colonos serviu de base

para o modelo atual que caracteriza a propriedade rural. As alterações neste espaço,

provocadas com o tempo, devido a melhores condições financeiras, ou de novos

padrões culturais, não afetaram por completo as condições de trabalho e as relações

pessoais (Peixoto, 2003).

Santos (1986) afirma que o espaço é um testemunho. Segundo ele, o espaço,

(...) testemunha um momento de um modo de produção pela memória do espaço construído, das coisas fixadas na paisagem criada. Assim o espaço é uma forma, forma durável, que não se desfaz paralelamente à mudança de processos; ao contrario, alguns processos se adaptam às formas preexistentes enquanto que outros criam novas formas para se inserir dentro delas [...] Os modos de produção cedem lugar a outros, os momentos de cada modo se sucedem enquanto os objetos sociais por eles criados continuam firmes, e muitas vezes ainda com uma função na produção. (p. 138)

Bach (2009), afirma que grande parte das indústrias de conservas de frutas na

zona rural de Pelotas era composto por pequenas fábricas tipicamente artesanais,

geralmente localizadas junto à residência do proprietário, guardando, muitas delas, as

características da casa da família. As instâncias do doméstico e do trabalho confundiam-

se. Além disso, o autor afirma que a fábrica cumpria um papel social muito importante

dentro da comunidade, pois, de acordo com relatos orais obtidos para sua pesquisa,

pôde constatar que várias serviam de local para comemorar festas de casamento de

familiares, bodas de prata, festas religiosas ou celebração de cultos dominicais.

Portanto, segundo Bach, “o lazer do trabalhador colonial tinha na sociabilidade o ponto

alto. Nos bailes, festas do colono, do pêssego, no futebol, enfim, em todos os eventos, a

figura da rainha estava presente.” (p. 24).

O mesmo autor ainda aponta as formas de sociabilidade que se verificavam na

colônia, destacando os bailes e os chás dançantes. Em relação aos bailes, afirma que os

principais faziam parte de um calendário “oficial” – Baile de Natal, Baile de Ano Novo,

Baile de Páscoa, Baile da escolha da rainha da colônia – um dos mais expressivos. Esses

bailes tinham grande repercussão nas redondezas, já que vinham várias pessoas até de

outros municípios. Nesse caso, o autor identifica que o mesmo meio de transporte

utilizado para o trabalho (carroça, ao menos na década de 1950) também servia para o

lazer. Esses eventos tinham grande notoriedade na mídia também: há registros em

jornais como o “Diário Popular”, e também na Rádio Cultura de Pelotas, em entrevista

concedida ao autor.

Percebe-se, portanto, a significativa importância que atribuídos à esses espaços

de sociabilidade, principalmente no que se refere ao período abarcado por esse trabalho.

Deste modo, tem-se como foco central desta investigação identificar e analisar quais

seriam esses espaços de sociabilidade, e qual a relação que pode ser estabelecida entre

estes e o espaço fabril, na Colônia de Pelotas, no período caracterizado como o início, o

apogeu e o declínio dessas fábricas, ou seja, de 1950 a 1970 (Bach, 2009; Caruso,2008)

De acordo com Mota (2003),

A sociabilidade é uma categoria que possibilita compreender a relação entre esferas da vida cotidiana e do trabalho, simultaneamente, tanto no que se refere às suas formas (redes de indicação, equipes de convivência no trabalho e na rua, por exemplo) quanto ao conteúdo (interesses, finalidades, desejos dos indivíduos). (p.56)

Os salões de baile da colônia serão analisados, no período em que estas

fábricas apresentaram, conforme mencionado, seu início, apogeu e declínio (entre as

décadas de 1950 e 1970), sob a perspectiva da sociabilidade, buscando nos discursos a

dinâmica das festas, suas exclusões, negociações, as relações de intriga ou amorosas,

enfim, compreendendo os salões como espaços que agregam diferentes sentidos. De

acordo com Müller (2010), o estudo da sociabilidade pode trazer informações sobre

comportamentos culturais e sensibilidades de um grupo determinado de indivíduos em

um tempo e espaço definidos. Conforme a autora,

O estudo da sociabilidade detém-se na análise das formas a partir das quais um grupo de indivíduos entra efetivamente em relação, considerando a dimensão afetiva – positiva ou negativa – como competente da interação social. (MÜLLER, 2010, p. 20)

Para esse trabalho de investigação, inicialmente realizou-se uma pesquisa

exploratória, buscando bibliografias relacionadas ao tema proposto. Nesse sentido,

alguns textos foram procurados em sites acadêmicos de busca2. Nestes foram

encontrados excelentes trabalhos que servirão de referência futura para o presente 2http://www.scielo.br, http://cj.uenp.edu.br, http://www.eeh2010.anpuh-rs.org.br, http://www.cfh.ufsc.br/, http://bdtd.ibict.br/, entre outros.

estudo. Além disso, na pesquisa na Biblioteca das Ciências Sociais (ICH | UFPel),

também foram encontradas bibliografias de referência.

À esta altura do trabalho foi realizada, ainda, uma análise prévia do acervo de

entrevistas do Museu Etnográfico da Colônia Maciel. Neste acervo, encontram-se

entrevistas com antigos moradores da região denominada “Colônia Maciel” que foram

realizadas para a constituição do Museu, e que indicam possíveis entrevistados para este

trabalho, bem como lugares de sociabilidade que também podem ser relacionados à esse

estudo. Dentre as entrevistas do acervo do Museu da Colônia Maciel, destaca-se a de

Delcira Maria Mayer Tessmer, filha de Joaquim Mayer, proprietário do Salão dos

Mayer. A mesma relata, numa das entrevistas, algumas características dos bailes na sua

época de juventude:

“[...]Antigamente a gente também fazia café... Fazia quando vinha gente aí, antigamente, café diverso. Com o forno ali fora, forno que se faz na rua o pão, essas coisas. Aí nós fazíamos uma fornada de cuca e de pão e aquilo nós comia tudo de noite no café. [...]” (Entrevista realizada em junho de 2005, acervo Museu Colônia Maciel)

Como mencionado anteriormente, o recurso da entrevista (História Oral) está

sendo utilizado nessa pesquisa, no intuito de compreender melhor os espaços de

sociabilidade do cotidiano dessas pessoas, com vínculo aos espaços fabris da colônia de

Pelotas. Durante as entrevistas é usado o recurso da fotografia como elemento evocador

de memórias, bem como documentação desses espaços de sociabilidade.

Além disso, foi realizado um primeiro contato com autores locais, que

trabalharam com temas relacionados à essa pesquisa, com o intuito de alcançar

informações que possam auxiliar nesse trabalho.

Os salões da Colônia

Como já foi dito anteriormente, das formas de sociabilidade que se verificavam

na colônia, destacavam-se os bailes e os chás dançantes. Em relação aos bailes, Bach

(2009) afirma que os principais faziam parte de um calendário “oficial” – Baile de

Natal, Baile de Ano Novo, Baile de Páscoa, Baile da escolha da rainha da colônia – um

dos mais expressivos. Esses bailes tinham grande repercussão nas redondezas, já que

vinham várias pessoas até de outros municípios. Nesse caso, o autor identifica que o

mesmo meio de transporte utilizado para o trabalho (carroça, ao menos na década de

1950) também servia para o lazer. Esses eventos tinham grande notoriedade na mídia

também: há registros em jornais como o “Diário Popular”, e também na Rádio Cultura

de Pelotas, em entrevista concedida ao autor.

Percebe-se, portanto, a significativa importância que atribuídos à esses espaços

de sociabilidade, principalmente no que se refere ao período abarcado por esse trabalho.

Deste modo, tem-se como foco central desta investigação identificar e analisar quais

seriam esses espaços de sociabilidade, e qual a relação que pode ser estabelecida entre

estes e o espaço fabril, na Colônia de Pelotas, no período caracterizado como o início, o

apogeu e o declínio dessas fábricas, ou seja, de 1950 a 1970 (Bach, 2009; Caruso,

2008).

Até o momento, realizou-se uma pesquisa exploratória com o objetivo de

identificar os salões de baile. Muitos dos salões foram localizados através de indicações

de moradores da região que, entre os quais, também frequentavam os salões de baile no

referido período.

Nesse primeiro momento de pesquisa, optou-se por localizar os salões que se

encontram na região distrital do município de Pelotas, embora se saiba que o período

aqui estudado compreende o município de Pelotas antes das emancipações dos Distritos

de Capão do Leão, Morro Redondo, Turuçu e Arroio do Padre.

Figura 1 - Mapa divisão distrital Pelotas (RS) | Fonte: Marcelo Panis, 2008

Das indicações que obtivemos de diferentes moradores, bem como de

pesquisadores da região, elaboramos a seguinte tabela, de caráter preliminar, no intuito

de situar os salões em suas respectivas localidades:

RelaçãoSalões/Comunidades:

4º distrito: Triunfo

5º distrito: Cascata - Ponte Cordeiro de Farias - Cascata

- Natale - Brasil - Centenário - Salão AntérioKrause

7º distrito: Quilombo Colônia Municipal Bachini

- Gruppelli - A. Khols - Bachini (Red Hotel) - LuizAldrighi

8º distrito: Rincão da Cruz Maciel Santa Eulália

- João Casarin - Vidal - Mayer - João Schaun

9º distrito: Monte Bonito - Monte Bonito

- Aldrighi

A opção de iniciar a pesquisa pela região da atual divisão distrital de pelotas se

deu pelo fato de que já existe uma maior proximidade com a região distrital de Pelotas,

não apenas física, como também pessoal, devido ao trabalho, já mencionado, realizado

junto ao MECOM. O ponto de partida para esta pesquisa, portanto, é região conhecida

coma Colônia Maciel (8º distrito – Rincão da Cruz).

Figura 2 - João Casarin em frente ao prédio da antiga fábrica (década de 60) – Colônia Maciel (8º

distrito – Rincão da Cruz) | Fonte: BACH (2009)

A fábrica do senhor João Casarin teve início de suas atividades em 1961,

comprando pêssegos de produtores da região, e chegou a ter cerca de 60 funcionários.

No período em que a fábrica permanecia fechada, adaptava as instalações para a

realização de bailes durante o ano (BACH, 2009).

De acordo com Bach (2009, p. 90),

O Ministério do Trabalho fazia visitas freqüentes, exigindo o cumprimento da lei, o que o obrigou a fazer o registro dos trabalhadores. Outro problema era a fiscalização da saúde que exigia altura, forro e azulejo nas paredes. Disse que naquela época trabalhava-se mais ou menos um mês com a safra, o que dificultava um empreendimento daqueles, para ficar parado o resto do

ano. Isso foi desgostando-o até que, quando as grandes fábricas se instalaram, muita gente desistiu da colônia.

Atualmente, o prédio tem como sua principal funcionalidade ser salão de

festas. Ainda assim, é necessário ressaltar as diferenças entre os diferentes momentos de

realização de festas nesse mesmo espaço. Conforme mencionado, durante o período

entre safras eram realizados alguns festejos no espaço da fábrica. Após o fechamento da

mesma, no mesmo espaço passou-se a realizar bailes, onde era cobrada a entrada e

vendida a bebida e comida, ou seja, bailes foram uma alternativa de comércio para a

família. Atualmente, o salão é ocasionalmente emprestado para a realização de festejos,

como casamentos ou festas de aniversário.

Figura 3 – Vista prédio antiga fábrica e a casa (ao lado, na cor azul) de João Casarin – Colônia Maciel (8º distrito – Rincão da Cruz) | Fonte: http://www.panoramio.com/photo/15657561

No caminho que leva da Colônia Maciel à Colônia São Manoel, ainda no 8º

distrito (Rincão da Cruz), encontramos o antigo Salão dos Mayer, que encontra-se

inativo nos dias de hoje. Referências sobre esse salão são encontradas na bibliografia

recente sobra a colônia Maciel. Peixoto (2003), ao analisar as entrevistas realizadas para

a constituição do MECOM, ressalta para a importância dada aos salões de baile nos

relatos. Num desses o entrevistado menciona:

Para dançar, havia salão de baile. A primeira vez que fui a um baile, eu tinha vinte anos. [...] Depois apareceu um ali na Maciel. Tinha todo tipo de música, italiana, alemã. Vinha tocar um conjunto de alemães do Morro Redondo. Havia o salão do Joaquim Mayer e o do João, todos de origem alemã. [...] O Gruppelli também tinha um salão. Com o tempo, foram aparecendo outros, como um aqui no Rincão da Caneleira. (Entrevista com Cesário Zanetti, realizada em 20/05/2000, fonte: PEIXOTO, 2003)

Ainda sobre o mesmo salão, temos o relato da senhora DelciraTessmer, filha

do proprietário do mesmo, em entrevistas concedida também para a constituição do

MECOM, em junho de 2005. Em sua narrativa, senhora Delciralembra de como era a

casa quando seus pais se casaram, e que aos poucos foram aumentando, para construir o

salão. Além disso, ela afirma que realizavam um baile por mês, além das festas maiores

como Natal, Páscoa, Ano-Novo, além de outras festividades em feriados durante o ano,

e baile de carnaval. Em seu discurso evidenciam-se também alguns conflitos, quando

questionada acerca das etnias que frequentavam o salão.

(...)antigamente não era assim. Não se misturava tanto os morenos como agora, né.... A gente não se misturava com os morenos. Quase não tinha morenos nos bailes. Agora sim depois foi misturando. Depois sim, quando esse Darci Bonow alugou aí vinha de lá não sei dá onde vinha. Começaram a vir mais morenos. Lembro que meu pai queria colocar para fora. Não estavam acostumados, antigamente não vinha os morenos aqui, enós dizíamos [para o pai] que agora não, que era assim. Já estava com idade

avançada, já estava ficando meio esquecido das coisas, de tudo [...] (DelciraTessmer, entrevistaconcedidadia 11/06/2005)

Figura 4 - Salão dos Mayer (atual propriedade de DelciraTessmer) – Colônia Maciel (8º distrito –

Rincão da Cruz) | Fonte: Foto da autora, 2011

Seguindo em direção à Colônia Municipal (4º distrito - Triunfo), podemos

encontrar o Salão Gruppelli, que encontra-se em atividade até os dias atuais. No mesmo

local estão em atividade, hoje, o armazém, o restaurante e a casa da família Gruppelli.

Figura 5 - Fachada Restaurante e Armazém Gruppelli – Colônia Municipal (4º distrito - Triunfo) |

Fonte: VIEIRA, 2009

Ao analisar uma imagem da década de 1960, de vista da parte interna do salão

Gruppelli, Vieira (2009) aponta que pouco ou nada deste espaço lembra o restaurante

atual, revelando a transformação no espaço.

(...) além das paredes e aberturas contidas nesse ângulo fotográfico, nada mais permaneceu no ambiente. O piso de madeira claro foi trocado por ladrilho cerâmico, certamente, influenciado pela Cerâmica BellaGres; os retratos, que ninguém mais se lembra de quem eram, desapareceram; e o banco virou peça do acervo do Museu Gruppelli. (VIEIRA, 2009, p. 221)

Figura 6 - Convite para baile no salão Gruppelli | Fonte: acervo pessoal Norma Gruppelli

No caminho da estada principal, seguimos em direção à “colônia francesa”,

próximo à localidade “Alto do caixão”, encontramos o antigo salão de Alfredo Kohls,

pai de senhora Norma Gruppelli, atual proprietária do Restaurante Gruppelli. O salão

ficava ao lado do armazém da família, o qual, segundo a senhora Norma, “(...) tinha de

tudo”. O salão, atualmente, encontra-se fechado. Em 1957 o salão já estava em

atividade, relembra senhora Norma: “(...) já trabalhávamos, tinha baile, porque meus 15

anos foi ali, eu me lembro muito bem...”3. Nos bailes, eles tinham copa, serviam

bebidas, e bolo em pedaços, cachorro-quente, no entanto, não tinha espaço para fazer

café, como em outros bailes da região. Os bailes começavam cedo, lembra senhora

Norma, cerca de nove horas da noite. O salão era frequentado pela vizinhança, na sua

época. A depoente lembra também do quanto era trabalhoso a realização desses bailes.

A maioria dos que trabalhavam no salão eram da família, segundo ela, e tinham também

uma empregada.

3 Entrevista concedida por Dona Norma Gruppelli, em julho de 2011.

Figura 7 - Prédio antigo salão Alfredo Kohls - Colônia Municipal (7º distrito - Quilombo) |

Fonte: Foto da autora, 2011

Pelo mesmo caminho, mais adiante chega-se a localidade chamada Bachini (na

região conhecida como “colônia francesa”, conforme mencionado anteriormente). Ali se

encontra o antigo salão e hospedaria Bachini, que hoje também se encontra desativado.

O salão também foi sede da Sociedade Bailante União Camponesa, fundada em

1902. Referências aos bailes da época a qual abrange esse trabalho são encontradas

através da divulgação no jornal “Diário Popular”:

“Comemora-se hoje o 55º aniversário da Sociedade união Camponesa – 7º

dist.

Conforme antecipamos, a Sociedade B. União Camponesa, fundada em

1902, comemora, hoje, seu 55º aniversário. Essa tradicional e conceituada

entidade, que reúne em seu seio a sociedade do 7º distrito – Colônia Santo

Antônio, bem assim de outros pontos do interior do Município, tem sua sede

na propriedade do sr.ClaudemiroBachini.

Por motivo do transcurso desta expressiva data, fará realizar a S.B.U.C., á

noite de hoje, um grande baile, para o qual estão convidados seus sócios e

exmas. familiares.

A festa, com certeza, constituirá mais um sucesso da União Camponesa,

reafirmando, assim, o êxito sempre alcançado pelas realizações da veterana

entidade.

A atual diretoria da SBUC está assim constituída: srs. Lino E. Ribes,

Armindo Laufer, Nestor E. Crochemore, Valdemar Ribes, Artur Jouglard e

João R. Schiller.” (Diário Popular, Suplemento Colonial, 27/abril/1957, s/p)

Considerações finais

Nesse primeiro levantamento observou-se que a maioria dos salões se

encontram inativos, podendo-se inferir que muitos deles se caracterizavam como

espaços de sociabilidade relacionados ao trabalho fabril da época na região colonial de

Pelotas. Outro indício importante é a proximidade das sedes dos salões com sedes de

antigas fábricas, entre as quais, muitas se encontram inativas também.

Com este trabalho pretende-se ampliar o debate referente à memoria cultural

dessas comunidades, não perdendo de vista a diversidade que se apresenta nas

manifestações culturais das mesmas.

As memórias recuperadas por ex-trabalhadores, patrões, enfim, pessoas que

viveram o cotidiano dessa “paisagem industrial” (Bach, 2009) na colônia, também

podem revelar o outro lado do trabalho, que eram as relações pessoais fortemente

marcadas, bem como o lazer desse trabalhador colonial, que entre outras atividades,

acontecia nos bailes nos salões coloniais.

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