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Transportadores Inicos: Importncia da Ala Citoplasmtica Maior na
Associao entre Subunidades Catalticas de P-ATPases e Identificao de Transportadores em
Gluconacetobacter diazotrophicus PAL5
Welington Incio de Almeida
Tese submetida ao Instituto de Bioqumica Mdica da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessrios para obteno do grau
de Doutor em Cincias Biolgicas (Qumica Biolgica).
Dezembro 2007
Livros Grtis
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Milhares de livros grtis para download.
II
Transportadores Inicos: Importncia da Ala Citoplasmtica Maior na Associao entre Subunidades Catalticas de P-ATPases e Identificao
de Transportadores em Gluconacetobacter diazotrophicus PAL5 Welington Incio de Almeida
Tese submetida ao Instituto de Bioqumica Mdica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessrios para obteno do grau de Doutor em Cincias Biolgicas (Qumica Biolgica).
Banca examinadora:
...................................................................
Prof. Julio Alberto Mignaco Professor Adjunto do Instituto de Bioqumica Mdica/UFRJ
................................................................... Prof. Selma Gomes Ferreira Leite
Professor Titular da Escola de Qumica/UFRJ
................................................................... Prof. Antnio Ferreira Pereira
Professor Associado do Instituto de Microbiologia Prof. Paulo de Ges/UFRJ
................................................................... Prof. Gabriela de Oliveira Paiva e Silva
Professor Adjunto do Instituto de Bioqumica Mdica/UFRJ (Revisora Suplente Interno)
................................................................... Prof. Orlando Bonifcio Martins
Professor Adjunto do Instituto de Bioqumica Mdica/UFRJ (Orientador)
...................................................................
Prof. Paulo Cesar de Carvalho-Alves Professor Adjunto do Instituto de Bioqumica Mdica/UFRJ
(Co-orientador)
................................................................... Prof. Vnia Lcia Muniz de Pdua
Professor do Centro Universitrio Estadual da Zona Oeste/UEZO (Suplente Externo)
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III
FICHA CATALOGRFICA
Almeida, Welington Incio de. .- Welington Incio de Almeida. Rio de Janeiro: UFRJ/ IBqM, 2007. x, f.: il.; 31 cm. Transportadores Inicos: Importncia da Ala Citoplasmtica na Associao entre Subunidades Catalticas de P-ATPases, e Identificao de Transportadores em Gluconacetobacter diazotrophicus PAL5 Tese (doutorado) UFRJ/ Instituto de Bioqumica Mdica/ Programa de Ps-Graduao em Qumica Biolgica, 2007. Referncias Bibliogrficas: f. . 1. Bioinformtica. 2. Expresso Heterloga. 3. Estrutura de Protenas. 4. Dimerizao. 5. Modelagem Molecular. I. Carvalho-Alves, Paulo Cesar; Martins, Orlando Bonifcio. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Bioqumica Mdica, Programa de Ps-Graduao em Qumica Biolgica. III. Ttulo.
IV
Esta tese foi realizada no Laboratrio de Biologia Molecular, do Instituto
de Bioqumica Mdica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob a
orientao do Professor Orlando Bonifcio Martins e co-orientao do
Professor Paulo Cesar de Carvalho Alves, com auxlios financeiros da
Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal do Ensino Superior (CAPES), do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq), da
Fundao de Amparo Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), e do
Laboratrio Nacional de Luz Sncrotron (LNLS).
V
QUE ? O QUE ? Gonzaguinha
Viver e no ter a vergonha de ser feliz Cantar, e cantar, e cantar A beleza de ser um eterno aprendiz Ai meu Deus, eu sei (eu sei) Que a vida devia ser bem melhor E ser, mas isso no impede que eu repita bonita, bonita, bonita E a vida, e a vida o que diga l meu irmo Ela a batida de um corao Ela uma doce iluso, E a vida, ela maravilha ou sofrimento Ela alegria ou lamento O que , o que meu irmo A quem fale que a vida da gente um nada no mundo uma gota, um tempo que nem d um segundo H quem fale que um divino mistrio profundo o sopro do criador numa atitude repleta de amor Voc diz que luta e prazer Ele diz que a vida viver Ela diz que melhor morrer Pois amada no , e o verbo sofrer Eu s sei que confio na moa E na moa eu ponho a fora da f Somos ns que fazemos a vida Como der ou puder ou quiser Sempre desejada Por mais que esteja errada Ningum quer a morte S sade e sorte A pergunta roda E a cabea agita Eu fico com a pureza da resposta das crianas a vida, bonita, bonita Viver...
VI
AGRADECIMENTOS
Primeiramente gostaria de agradecer minha famlia, principalmente
aos meus pais, por servirem de exemplo, demonstrando compreenso,
pacincia, e por sempre me incentivar.
Ao Professor Orlando Bonifcio Martins por criar um ambiente de
trabalho e estudo diversificado, congregando diferentes projetos e reflexo nos
vrios momentos na luta contra as molculas, e ao Professor Paulo Cesar de
Carvalho Alves, por ter demonstrado confiana em mim, pelo incentivo.
Obrigado, pela oportunidade de aprendizagem e pela amizade...
Professora Vernica Salerno Pinto, por sua amizade e por me indicar
como estudante de IC ao Professor Paulinho depois do seu regresso da USP
em 1999, e Professora Martha M. Sorenson por sua pacincia na reviso dos
artigos.
s estudantes de Iniciao Cientfica que me ajudaram durante o
perodo de doutorado: Rebeca G. Costa e Caroline B. S. Oliveira, pelo convvio
e por compartilharem frustraes e alegrias.
Aos amigos: Alexander MC, Sylvia Alqueres, Rodrigo Gacho e Ariane
Larentis, pelas discusses e colaboraes nos trabalhos que desenvolvemos e
na realizao desta tese.
Aos demais colegas de LBM e colaboradores: Dr. Ricardo Pilz Vieira,
Dra. Maysa Mandetta, Professora Carla Polycarpo, Cynthia Silveira, Aline
Turque, Marcio Loureiro, Marcelo Betarlan, e do Laboratrio de Contrao
Muscular: Marcelo SantAnna e Joyce, pelas discusses e sugestes.
Aos professores do Laboratrio de Artrpodes Hematfagos: Pedro
Oliveira, Marcos H. Sorgine, Marcus e Aurlio, e aos demais colegas desse
Laboratrio: Ana Caroline, Christine, Kathy, Renata, Jos Henrique, Maria
Clara, Fabiana, Milane e Carlo Donato pelo convvio estimulante de discusso
nos journals e pelo aprendizado.
Aos professores do Laboratrio de Biofsica Qumica de Protenas, hoje
Laboratrio de Doenas Neurodegenerativas: Srgio Ferreira, Fernanda de
Felice e Margareth Magdesian, pelas sugestes e pelo aprendizado.
Ao pessoal do Laboratrio de Doenas Neurodegenerativas,
principalmente, Samantha pela ajuda, incentivo e pelos bate-papos da antiga
salinha ao novo laboratrio; tambm ao Adriano Sebolella e Matthias Gralle
pelo auxlio no HPLC e na anlise dos espectros de CD.
Ao Leonardo Mega e Dra. Vnia Lcia (Ncleo de Estudos de
Genomas Johanna Dbenheiner/UFRJ), Flavia Alvin e ao Professor
Rodolpho Albano (Laboratrio de Genmica, UERJ) pelos seqenciamentos;
aos demais integrantes do RioGene Virtual Institute, e demais colaboradores:
Alessandra Gonzalez e Dr. Rodolfo Paranhos (IB/UFRJ), Prof. Joo Alfredo
Medeiros (IQ/UFRJ), Karen Silva e ao Professor Ulysses Lins (IMPPG/UFRJ),
ao Prof. Paulo M. Bisch e Shaila Rossle (IBCCF). Ao Ranlig Medeiros, Arlan e
ao Professor Pedro Pascutti, pela ateno e discusso em torno das
simulaes de dinmica molecular do complexo dimrico de P-ATPases.
O apoio do Laboratrio Nacional de Luz Sncrotron: Drs. ris Torriani e
Cristiano Oliveira, da linha de SAXS.
Aos novos colegas da Diviso de Biotecnologia (DIBIOTEC/DIQUIM II)
do INPI, especialmente ao grupo de novssimos: Juliana Manasfi, Giany Mello
de Oliveira, Alessandra Costa, Paula Salles e Debora Gomes; e, tambm aos
supervisores: Rodrigo Ferraro, a minha ex-professa de Biologia Molecular
Claudia Magiolli, Vnia Lcia Linhares, e a Margareth Maia, pelo convvio
tranqilo no mbito de servio de Exame de Patentes.
Professora Gabriela Paiva e Silva, por sua ateno e pela reviso
criteriosa dessa tese. Aos membros da banca, por aceitarem participar desse
momento.
A ajuda de muitos pesquisadores e estudantes de todos os laboratrios
do nosso Departamento, agora Instituto de Bioqumica Mdica que foram
fundamentais para esta tese, como tambm foi a ajuda de outros laboratrios,
principalmente aos Professores Adalberto Vyeira (IBCCF) e Luiz Maurcio
Trambaiolli.
SUMRIO
Abreviaturas 9Indice de Figuras 10Indice de Tabelas 11Resumo 12Abstract 14I. Introduo 16 1. Mudana de Paradigmas em Cincias Biolgicas 17 1.1 Clulas, Genes e Protenas 17 1.2 (Bio)Diversidade, Conhecimento e Tecnologia 19 2. Funcionalidade Biolgica - as protenas 22 3. As Membranas Biolgicas e o fluxo inico 23 3.1 Transporte Ativo, ATPases tipo F e ATPases tipo V 28 3.2 ATPases tipo P 30 4. Gluconacetobacter diazotrophicus e o seqenciamento do seu genoma 45 4.1 Anotao do genoma de G. diazotrophicus: Sistema de Transporte 48II. Objetivos 54III. Materiais e Mtodos 56IV. Resultados, Discusso e Concluso 72 P-ATPases 74 Manuscrito 1 74 Proposio e Anlise de Interface de Dimerizao 85 Arranjo Tridimensional do Complexo dimrico do LCD/SERCA 96 Genoma 102V. Referncias Bibliogrficas 118Apndices: Outros Projetos e Publicaes 130 Parte 1: Prospeco Microbiana 132 Manuscrito 1 138 Parte 2: Modelagem Molecular 167 Manuscrito 2 167 Manuscrito 3 178 Manuscrito 4 188 Parte 3: Archaea e Biotecnologia 198 Manuscrito 5 200 Manuscrito 6 208
IX
ABREVIATURAS
3D tridimensional ADP Adenosina 5-difosfato ATP Adenosina 5-trifostato BLAST Basic Local Alignment Sequence Tool BSA albumina de soro bovina CD dicrosmo circular CDB Conveno da Diversidade Biolgica cDNA DNA complementar Da Dltons DNA cido Desoxiribonuclico DTT ditiotreitol EDTA cido etileno diamino tetractico EP fosfoenzima FITC isotiocianato de fluorescena FBN Fixao biolgica de nitrognio HPLC cromatografia de alta eficincia IPTG isopropil--D-galactosdeo LCD ala citoplasmtica maior MD dinmica molecular MW peso molecular NCBI National Center of Biotechnology Information Ni-NTA nquel-cido nitriloactico O.D. densidade tica ORF seqncias abertas de leitura pb pares de bases PCR reao em cadeia da polimerase Pi fosfato inorgnico PIC coquetel de inibidores de proteases PMA1 ou PMA H+-ATPase de membrana plasmtica de Saccharomyces cerevisiae PMSF fluoreto de fenil-metil sulfonila SAXS espalhamento de raios-X a baixo ngulo SERCA Ca2+-ATPase de retculo sarco(endo)plasmtico
9
INDICE DE TABELAS
TABELA I Anlise de interao entre resduos 91 TABELA II Parmetros Estruturais. 100 Tabela III Descrio das ORFs identificadas com pertencentes ou relacionadas com o sistema de transportes no genoma da G. diazotrophicus 103
Tabela IV Comparao entre o sistema de transportes no genoma da G. diazotrophicus com outros genomas publicados 113 Tabela V Principais classes de transportadores anotadas no genoma de G. diazotrophicus 114
10
INDICE DE FIGURAS
FIGURA 1. Gradientes inicos. 25 FIGURA 2. Representao esquemtica das ATPases tipo F e V 29 FIGURA 3. Representao esquemtica das ATPases tipo P 31 FIGURA 4 Esquema simplificado do ciclo cataltico da SERCA 35 FIGURA 5. Representao das ATPases tipo P 38 FIGURA 6. Estrutura da Ca2+-ATPase de retculo sarco(endo) Plasmtico (SERCA) com alta resoluo (2,6 ) 41 FIGURA 7. Diferenas estruturais na Ca2+-ATPase de retculo sarco(endo)plasmtico (SERCA) 42 Figura 8. Microscopia de varredura de Gluconacetobacter diazotrophicus 47 Figura 9. Modelo hipottico para o dmero da SERCA 86 Figura 10. Sistema para simulao de Dinmica Molecular 86 Figura 11. Anlise do sistema dimrico 87 Figura 12. Novo modelo para o dmero da SERCA 88 Figura 13. Grfico do RMSD 89 Figura 14. Grfico de Pontes de Hidrognio 90 Figura 15. Eventos de Dimerizao 96 Figura 16. Modelos Tericos de LCD Dimerizao 97 Figura 17. Funo de distribuio (Pr) para o LCD/SERCA 98 Figura 18. Comparao dos dados de SAXS 99
11
VII
RESUMO
Apesar dos recentes avanos no conhecimento da estrutura
tridimensional das P-ATPases, a exata unidade funcional residente nas
membranas biolgicas ainda controversa.
Este trabalho apresenta novas evidncias estruturais para a relevncia
da ala citoplasmtica maior (LCD) na auto-associao de P-ATPases e, em
particular, o papel fundamental do domnio P para a oligomerizao. Arranjos
oligomricos de P-ATPases foram propostos por um longo tempo, a partir das
observaes da dependncia bifsica concentrao de ATP na atividade
enzimtica. No entanto, o resultado mais importante aqui a constatao de
que LCDh reenovelado mostrou dois picos fluorescentes principais, quando
analisados por HPLC, calculados com pesos moleculares de 95 e 39 kDa,
compatveis com as formas dimrica e monomrica, respectivamente. Estes
dados sugerem que, como anteriormente observado para o LCD/SERCA
isolado, LCDh reenovelado existe em um equilbrio monmero-dmero. Por
outro lado, a cromatografia de excluso por tamanho da LCDh mostrou um
nico pico, correspondente a um valor estimado de peso molecular de 29 kDa,
e nenhum outro pico em pesos moleculares mais elevados, o que indica que
esse fragmento essencialmente monomrico, e que a presena do domnio P
essencial para a dimerizao. Alm disso, os parmetros estruturais (raio de
giro e dimetro mximo) do LCD/SERCA obtidos por SAXS corroboram o
modelo em que a poro carboxi-terminal do domnio P pode estar envolvida
na auto-associao e funcional relevncia para P-ATPases em membranas
nativas.
De acordo com estes dados, propomos um modelo dimrico geral para a
maioria dos P - ATPases (pelo menos para as subclasses II e III), tendo em
conta que a hiptese de movimentos dos domnios N e A durante o mecanismo
de translocao inica no esto restringidos pela associao dos domnios P.
Finalmente, o nosso modelo proposto no se ope associao de outras
protenas reguladoras, como o phospholamban, a qual propostamente
12
associaria com dois monmeros de Ca2 +-ATPase, ligandoo s Lys 393 ou Lys
400 do domnio N.
Paralelamente, contribuimos no projeto de seqenciamento de G.
diazotrophicus com a identificao de ORFs relacionados ao sistemas de
transporte. Ns identificamos 130 genes pertencentes ao transportadores ABC
e 48 superfamlia da MFS, alm de uma grande quantidade de genes de
exportao de metais pesados e outros compostos txicos. Alm disso,
podemos encontrar 40 genes da famlia RND e 41 genes de secreo tipo IV
que esto relacionados com a exportao de lipooligosacardeos e com
sistemas de conjugao (transporte de protenas, DNA e outras
macromolculas), o que talvez tenha sido permitido pela aquisio de uma
grande quantidade de genes por transferncia laterais, respectivamente; como
tambm a presena de 38 genes responsveis pela produo de
glicosiltransferases, que so genes requeridos para a biossntese de
polissacardeos de superfcie celular (principalmente succinoglicanos).
Acredita-se que estes apresentem importante papel de reconhecimento celular,
no decurso de mecanismos de interao planta-bactria, os quais
correspondem a requisitos necessrios ao reconhecimento planta-bactria, e a
conseqente ocorrncia do processo de fixao biolgica de nitrognio.
Ressalta-se ainda a ocorrncia de 23 genes relacionados com o
transporte de ferro (TonB) que foram encontrados no genoma de G.
diazotrophicus. A presena destas protenas, associada a genes responsveis
pela sntese de bacteriocinas e antibiticos, pode conferir G. diazotrophicus
uma vantagem competitiva em relao a outros endosimbiontes vegetais.
13
VIII
ABSTRACT
In spite of the recent advances in the knowledge of the three-dimensional
structure of P-ATPases, its exact functional unit resident in the biological
membranes is still controversial.
This work provides new structural evidence for the relevance of Large
Cytoplasmatic Domain (LCD) in self-association of P-ATPases, and in
particular, the fundamental role of the P site for oligomerization. Oligomeric
arrangements of P-ATPases have been proposed for a long time, starting by
early observations of biphasic dependence on ATP concentration for enzyme
activity. However, the most important result here is the finding that refolded
LCDh showed two main fluorescent elution peaks, when analyzed by size-
exclusion HPLC, with calculated molecular weights of 95 and 39 kDa,
compatible with dimeric and monomeric forms, respectively. These data
suggest that, as previously observed for isolated LCD/SERCA, refolded LCDh
exists in a monomerdimer equilibrium. On the other hand, size-exclusion
chromatography of LCDh showed a major peak corresponding to an estimated
molecular weight of 29 kDa, and no other peak at higher molecular weights,
indicating that this fragment is essentially monomeric and that the presence of
the P site is essential for dimerization. In addition, the structural parameters
(radius of gyration and maximum diameter) of LCD/SERCA obtained by SAXS
corroborate to the model that the carboxyl-terminus of P domain may be
involved in the self-association and the functional relevance of P-ATPases in
the native membrane.
In agreement with these data, we propose this general dimeric model for
most of P-ATPases (at least for the II and III subclasses), taking into account
that the proposed movements of N and A domains during the ion translocation
mechanism are not constrained by such P-P site association. Finally, our
proposed model does not preclude association of other regulatory proteins such
as phospholamban, which has also been proposed to associate with two Ca2+-
ATPase monomers, and to bind to Lys 393 or Lys 400 in the N domain.
14
In parallel, we contribute in the sequencing project of G. diazotrophicus
with the identification of ORFs related to the transport systems. Genes encoding
transport systems constitute the largest (14.1%) class of genes in the G.
diazotrophicus genome. They are related to transport of amino acids, sugars,
ammonia, nitrate, sulphate and other ions. We identified 130 genes belonging to
the ATP-Binding Cassette (ABC) and 48 Major Facilitator superfamilies (MFS).
A great amount of genes for heavy metals and other toxic compounds export
(multidrug-resistance homologs) are present in G. diazotrophicus transport
systems. RND family proteins (40 genes) are also related to export
lipooligosaccharides concerned with plant nodulation for the purpose of
symbiotic nitrogen fixation. Moreover, we can find 41 genes for type IV secretion
systems. They are generally involved in conjugation systems (transport of
proteins, DNA and other macromolecules) and perhaps have allowed the
acquisition of a great amount of genes by lateral transfer. The presence of
these proteins, associated with genes responsible for the synthesis of
bacteriocins and antibiotics can give to G. diazotrophicus a competitive
advantage in relation to others plant endosymbionts. Recently, it has been
shown that association with G. diazotrophicus makes sugarcane more resistant
to pathogen infections.
15
INTRODUO
16
I. INTRODUO Ns somente podemos aspirar por aquilo que j encontramos.
Erwin Chargaff
1. Mudana de Paradigmas em Cincias Biolgicas
1.1. Clulas, Genes e Protenas
De modo geral, a Cincia busca reconhecer na natureza, e explicitar, em
linguagem adequada, padres de comportamento que independam do
observador e que possam ser generalizados sem limitaes de tempo e de
espao. Segundo essa perspectiva da compreenso humana sobre os
fenmenos naturais, as Cincias Biolgicas vm contribuindo
significativamente no estabelecimento de padres, sobretudo a partir da
segunda metade do sculo XIX (Rose, 2002; Kafatos, 2002, Woese, 2004).
De forma ilustrativa, destacamos a seguir trs marcos cientficos:
Primeiramente, o desmoronar da idia da gerao espontnea, com os
experimentos do francs Louis Pasteur (1822-1895). O segundo exemplo, que
na realidade compreende um perodo longo de tempo (no especificamente um
pesquisador ou experimento), inicia-se em 1865 com os experimentos do
monge Gregor Mendel (1822-1884) e estende-se at 1953, e estabelece a
unificao das diferentes reas das Cincias Biolgicas (Zoologia, Botnica,
Microbiologia, Histologia, Anatomia, Gentica, etc.) em torno de uma entidade
fsica e universal a todos os seres vivos: a molcula de cido
desoxirribonuclico (DNA)1 (Avery, MacLeod e MCCartly, 1944; Chargaff et al.,
1949, Hershey e Chase, 1952, Watson e Crick, 1953a,b).
1O DNA est presente nos diferentes organismos vivos na superfcie do planeta Terra como a molcula portadora das informaes genticas (hereditrias), e em certos grupos de vrus. Outros grupos de vrus apresentam o RNA (cido ribonuclico) como a molcula de informao.
17
E por fim, notadamente, uma vez estabelecida a base experimental da vida e a
teoria cromossmica aceita, o caminho estava aberto para um rpido avano
na compreenso dos fenmenos biolgicos, no processo de suscitar a
utilizao da informao gnica do DNA e, desse modo, permitir a existncia,
manuteno e evoluo de sistemas biolgicos mais complexos (Jacob and
Monod, 1961; Nirenberg e Mattaei, 1961; Crick, 1970; Sanger e Coulson,
1975).
Desse modo no difcil justificar os mais de 3.000 projetos de
seqenciamento de genomas completos, desde 1995, representando uma nova
perspectiva na compreenso das diferentes formas de vida, desde arqueas ao
homem (Kyrpides et al., 1999; http://www.genomesonline.org).
Apesar da pesquisa genmica ser considerada uma pesquisa de ponta,
ela , sem dvida, a pesquisa mais bsica de todas, isso porque o projeto de
seqenciamento tem como objetivo primrio decifrar todas as bases
nitrogenadas de um genoma2 (Santos, 2005). Por outro lado, o potencial
mximo da genmica ser alcanado quando as funes biolgicas das
protenas forem determinadas e compreendidas, visto que sua funo
determinada tanto por sua conformao tridimensional como pela sua interao
com outras molculas (Sanchez & Sali, 1999), o que no possvel deduzir
somente a partir da seqncia primria dos aminocidos.
No obstante, um recorrente problema a disparidade/discrepncia
entre os bancos de dados de seqncias, tal como o GenBank, e de estruturas
de macromolculas, como PDB (Protein Data Bank), devido, principalmente, s
dificuldades tcnicas na elucidao de estruturas tridimensionais (3D) por
difrao de raios-X ou ressonncia magntica nuclear (NMR), o que concorre
para a pouca informao estrutural da grande maioria das seqncias de
protenas conhecidas.
Assim, na era ps-genmica, diversas abordagens computacionais
(ferramentas de Bioinformtica) tm sido aplicadas para responder questes
biolgicas relacionadas coleta, organizao e anlise de dados, como
2 Genoma de um organismo seja ele unicelular ou pluricelular, representa toda a sua carga de DNA. Nos eucariotos o genoma encontra-se no ncleo e em organelas como mitocndria e cloroplastos. Nos procariotos o genoma encontra-se disperso no citoplasma.
18
tambm para decifrar informaes funcionais contidas nas seqncias
proticas (Sanchez & Sali, 1999). Tais ferramentas computacionais variam
desde programas e/ou algoritmos matemticos para a identificao de
seqncias abertas de leitura open reading frames (ORFs), identificao de
similaridade e conservao de bases nitrogenadas nas seqncias de cidos
nuclicos e/ou de aminocidos nas protenas, predio de domnios funcionais
e do enovelamento protico, estabelecimento de relaes de filognese, e at
a anlise comparativa entre dados de diferentes genomas. Alm disso,
atendem crescente necessidade de estabelecer padres de interaes
moleculares que governam os mais diversos sistemas biolgicos, e sua relao
em eventos patolgicos (Prosdocimi et al., 2002).
Alm disso, o desenvolvimento de mtodos computacionais mais
sofisticados (como a Modelagem Molecular e simulaes de Dinmica
Molecular) tem permitido um avano sem precedentes na compreenso de
processos biolgicos em nvel atmico-molecular, aliando uma enorme
economia de tempo em ensaios experimentais com a possibilidade de uma
anlise detalhada das propriedades fsico-qumicas do reconhecimento
molecular.
1.2. (Bio)Diversidade, Conhecimento e Tecnologia
Desde seus primrdios, a humanidade depende para sua sobrevivncia
dos recursos naturais, sejam os biolgicos (animais, plantas e
microorganismos), sejam abiticos (gua, ar solo e recursos minerais). E ao
longo dos sculos, o uso desses recursos tem sofrido modificaes,
ocasionando o incio do desenvolvimento econmico e do progresso social
(Garcia, 1995), e recentemente, extines e modificaes climticas (REF)>
No decorrer da histria, os recursos biolgicos passaram a ser
considerados mercadorias, objeto de troca e comrcio. Para exemplificar,
estima-se ainda que a utilizao dos compostos da biodiversidade seja
responsvel por cerca de 45% do PIB mundial, e respondem por cerca de 30%
das exportaes brasileiras (Carneiro, 2007).
19
Por outro lado, aps o desenvolvimento cientfico e tecnolgico
experimentado a partir da Revoluo Industrial (sculo XX), nas ltimas
dcadas, o conceito ecolgico vem se ampliando, dentro de um modelo de
desenvolvimento que busca uma relao de equilbrio dinmico. Tal modelo,
resgata uma nova tica na relao do homem com a natureza pela interrelao
evidente dos recursos naturais biolgicos e no biolgicos, concorrendo s
primeiras discusses acerca das estratgias para a conservao dos recursos
naturais que tem resultado em diversos tratados internacionais e na
conservao do meio ambiente (Garcia, 1995).
Portanto, a questo ecolgica tende a ocupar posio prioritria nos
esforos mundiais para a conservao da biodiversidade3, a partir da adoo
de um projeto de desenvolvimento sustentvel, integrando o conhecimento
cientfico s necessidades sociais (Garcia, 1995).
Com a realizao da Conveno da Diversidade Biolgica (CDB) em
1992 (ECO 92), verificou-se um verdadeiro divisor de guas quanto s
questes ligadas a biodiversidade, uma vez que essa, antes considerada
patrimnio da humanidade, passou a ser considerada como parte integrante da
soberania do pas no qual as espcies se encontram. No entanto, tambm
suscitou conflitos de interesses polarizados entre os pases desenvolvidos,
possuidores de tecnologia, e os pases em desenvolvimento, detentores da
biodiversidade, e constantes discusses sobre o acesso aos recursos
genticos, aos conhecimentos tradicionais associados, e repartio de
benefcios.
Nesse cenrio, alinha-se o conhecimento cientfico e desenvolvimento
scio-econmico necessidade da conservao da diversidade biolgica.
Primeiramente, o Brasil abriga entre 10 a 20% do nmero de espcies
conhecidas pela cincia (MMA, 1998). Cerca de 200.000 espcies j foram
descritas no Brasil e estima-se que a biodiversidade do pas seja composta por
um nmero 6 a 10 vezes maior, ou seja, aproximadamente dois milhes de
formas de vida, mas para muitos grupos de invertebrados e, mais ainda, para
3 Biodiversidade ou Diversidade Biolgica significa a variabilidade de organsimos vivos de todas as origens, compreendendo, dentre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquticos e os complexos ecolgicos de que fazemparte, compreendendo ainda a diversidade dentro de espcies, entre espcies e ecossistemas, segundo a Conveno sobre Diversidade Biolgica (CDB) promulgada durante a Conferncia das Naes Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92.
20
os microrganismos, a informao demasiadamente incompleta (Lewinsohn &
Prado, 2005). Alm disso, o Brasil destaca-se pela participao de grupos de
pesquisa brasileiros em projetos de seqenciamento de genomas completos,
como o que levou ao primeiro seqenciamento de um fitopatgeno (Simpson et
al., 2000), pela definio de mecanismos econmicos para os pases em
desenvolvimento de uma parcela justa e eqitativa do lucro econmico
proveniente do uso comercial dos recursos biolgicos e dos genes neles
contidos, e pela manipulao do material gentico.
Assim, em resumo, as Cincias Biolgicas, diante desses paradigmas,
avanam com novas interfaces (numa viso de interdisciplinaridade) com as
Cincias da Computao, a Qumica, a Matemtica, a Medicina, a Economia e
a Fsica, a fim de permitir uma melhor compreenso dos sistemas biolgicos
em suas complexidades organizacionais, uma estabilidade dos ecossistemas, e
reconhecida utilidade dos recursos naturais para a humanidade.
Sendo assim, tendo em vista agregar os fatos acima destacados, o
presente trabalho, que abrange uma viso de interdisciplinaridade a
experimentao bioqumica (em bancada) e a instrumentalizao da
bioinformtica (in silico) aplicadas a questes biolgicas clssicas, ser
apresentado em dois grupos de dados/resultados separadamente, a saber:
1) As interaes moleculares em protenas, em especial para a subfamlia
das P-ATPases;
2) A identificao de transportadores, utilizando a anotao do genoma da
bactria Gluconacetobacter diazotrophicus.
Embora os dois temas no se relacionem diretamente, representam
vertentes que segui durante a ps-graduao, as quais se transformaram na
base da minha formao de Doutorado.
21
2. Funcionalidade Biolgica as protenas
Ao contrrio de muitos outros polmeros artificiais e naturais, que surgem
da repetio de um nico bloco ou da mistura randmica de diferentes blocos,
as seqncias de aminocidos das protenas so perfeitamente definidas pelo
cdigo gentico. No entanto, as protenas tm propriedades emergentes que as
tornam muito diferentes de molculas pequenas (como os aminocidos) e
tambm de outras macromolculas, e podem ter um grupo de conformaes
especialmente favorveis, que costumamos chamar de estado nativo, o que
torna difcil experiment-las em escala de tempo de observao e de relevncia
biolgica (Karplus et al., 1987; Frauenfelder et al., 1991; Shortle et al., 1998).
Portanto, para entender as funes biolgicas de uma protena, os
parmetros globais derivados da anlise conformacional estatstica de cada
resduo ao longo da cadeia polipeptdica no bastam, e precisamos descrever
a estrutura local. Contudo, mesmo para aquelas protenas que foram
cristalizadas, as estruturas cristalogrficas aparentemente fixas escondem
variaes substanciais e importantes (DePristo et al., 2004), uma vez que as
protenas, mesmo sem estmulo externo, no so estticas, mas se
apresentam constantemente em movimento.
Alm disso, muitas vezes a funcionalidade biolgica das protenas
depende da energia de interao destas molculas com ligantes ou substratos,
e a aquisio da estrutura biologicamente ativa por um domnio pode depender
da presena de outro domnio, mesmo se os dois domnios estiverem bastante
afastados na seqncia de aminocidos (Fedorov e Baldwin, 1999; Jansens et
al., 2002). Ela pode depender, ainda, da participao de outra(s) protena(s)
(Szepanski et al., 1994). Desta forma, os diferentes domnios e monmeros
colaboram para criar protenas com funes novas.
Desse modo, o conhecimento da seqncia primria e/ou da estrutura
tridimensional (3D) das protenas no nos permite uma determinaoo de
todas as propriedades emergentes das protenas e, portanto, diferentes
metodologias tericas e experimentais devem ser aplicadas e somadas para o
avano do nosso conhecimento a respeito de sua relevncia e de
funcionalidade biolgica. Especialmente, mtodos de determinao estrutural
22
em soluo, por ressonncia magntica ou espalhamento de raios-X,
oferecem a possibilidade de modelar explicitamente a dinmica funcional da
protena, no revelada em estados cristalogrficos (Arai et al., 2004; Lindorff-
Larsen et al., 2005).
3. As Membranas Biolgicas e o Fluxo Inico
difcil pensar em uma definio para a vida que no implique
uma separao dos fludos intracelular e extracelular.
Simkiss, 1998
O surgimento de um sistema de compartimentao durante o
desenvolvimento da vida no planeta colaborou efetivamente para a existncia,
manuteno e evoluo de sistemas biolgicos mais complexos (Deamer, 1997).
Assim, a vida explorou, essencialmente, a estratgia de compartimentalizao
de ambientes aquosos por meio de uma camada hidrofbica (bicamada
lipdica), por esta respeitar as seguintes leis termodinmicas: i) a estrutura da
bicamada lipdica vivel, ocorre naturalmente; ii) sua flexibilidade permite o
crescimento e movimento, como tambm a insero e operao da maquinaria
protica; e, iii) sua estrutura tem uma constante dieltrica baixa, propriedade
esta utilizada em mecanismos de sinalizao, transporte e transduo de
energia (Njus, 2000a).
Assim sendo, o conceito, de uma barreira fsica explcito no modelo de
Davson e Danielli (1943) evoluiu progressivamente, nos ltimos trinta anos, at
um sistema dinmico regulatrio, como proposto por Singer e Nicholson (1972)
(Simkiss, 1998; Lee, 2002).
O estudo das membranas biolgicas, assim como das protenas de
membranas, que representam cerca de 30% de todos genes (Saraste e
23
Walker, 1998; Werten et al., 2002), extremamente importante, uma vez que
essas cumprem funes vitais como interface com o meio exterior, interface
entre clulas e compartimentalizao intracelular (Werten et al., 2002). As
membranas biolgicas esto direta ou indiretamente relacionadas a numerosas
doenas, como hiperinsulinemia, diabetes insipidus nefrognica, falncia
congestiva cardaca, cirrose heptica, hiper- e hipotenso, edema pulmonar,
epilepsia e catarata (Blaustein e Lederer, 1999; Fraille e Doucet, 2001; Werten
et al., 2002). Porm, somente 30 estruturas unitrias de protenas de
membranas foram resolvidas em nvel atmico, comparadas s mais de 3.000
estruturas unitrias de protenas solveis, dada a dificuldade de produzir
anlises tridimensionais (3D) satisfatrias por difrao de raios X de protenas
de membranas solubilizadas em detergentes (Werten et al., 2002).
A composio qumica das clulas varia notoriamente quando
comparada ao ambiente. Para manter estes desequilbrios, as membranas
biolgicas usam mecanismos de transporte ativo e passivo de nutrientes,
inclusive ons, e com isso garantem a manuteno da constncia da
composio qumica do meio intracelular (Stryer, 1998). Funcionam, portanto,
como uma barreira perfeita, de modo a manter gradientes qumicos e/ou
eltricos entre os compartimentos, alm de possuir inmeros mecanismos,
operados especialmente por protenas nelas incorporadas, como: i) gerar
gradientes qumicos e eltricos, e a converso deles em trabalho til; ii) permitir
o transporte especfico de uma variedade de molculas que conduzem a uma
troca controlada entre o interior celular e o ambiente; e, iii) perceber sinais
qumicos ou comprimentos apropriados de luz e transduzir por redes
24
sofisticadas numa variedade de respostas celulares (Dimroth, 1997; Maier, Jr.
2000).
Dentre as mais diversas molculas que circulam atravs das membranas,
os ons desempenham papel fundamental na energtica celular (Harold, 1986,
apud Sze et al., 1999). Realmente, o fluxo de ons de fundamental importncia
na captao de energia durante a respirao e fotossntese, e tambm media a
interconverso das formas de energias qumica, osmtica e eltrica em biolgica
(Sze et al., 1999; Rees e Howard, 1999). Este fluxo apoia uma gama de funes
fisiolgicas, como a regulao do volume celular, comportamento natatrio de
organismos unicelulares, abertura dos estmatos nas plantas, contrao
muscular, secreo endcrina, e a gerao da excitabilidade neuronal nos
animais (Ranganathan, 1994) (Figura 1).
FIGURA 1. Gradientes inicos. Os diferentes papis que os gradientes inicos desempenham nos sistemas biolgicos.
25
A via de permeabilizao responsvel pela passagem de ons atravs do
ambiente hidrofbico das membranas provido por trs classes distintas de
protenas integrais de membranas: i. canais; ii. protenas trocadoras; e, iii.
protenas transportadoras (Wolfersberger, 1994).
Os canais so, tipicamente, poros on-especficos, que abrem e fecham
transitoriamente, de maneira regulada. Quando um canal est aberto, os ons
rapidamente atravessam a membrana pelo canal, dirigidos por gradiente
eltrico e de concentrao. Este movimento de ons pelos canais controla o
potencial eltrico de membranas, e sinais eltricos em membranas excitveis
de clulas nervosas e musculares (Ranganathan, 1994; Wolfersberger, 1994).
As protenas trocadoras, so enzyme-like proteins, pois promovem o
transporte ativo secundrio de solutos atravs das membranas contra
gradientes de concentraes, utilizando-se de gradientes inicos como uma
fonte de energia para executar trabalho (Wolfersberger, 1994).
As protenas transportadoras tambm so chamadas de bombas
primriass que so catalisadores vetoriais, pois podem transduzir diretamente a
energia qumica ou luminosa para o transporte de ons ou outros solutos
atravs das membranas contra gradiente de concentraes (Nelson, 1994).
A maioria das protenas on-transportadoras conhecidas biologicamente
bombeiam ctions. Embora elas pudessem da mesma maneira translocar
nions, h 3 bilhes de anos os ctions foram selecionados durante a evoluo
pelas clulas primitivas. Acredita-se que estas protenas evoluram
independentemente desde o seu surgimento. Atualmente, suas estruturas,
mecanismos de translocao do on, e a fonte de energia variam
consideravelmente (Nelson, 1988; Palmgren, 1998). Consequentemente, vrias
26
protenas on-transportadoras no relacionadas, podem ser energizadas pela
energia luminosa, energia de oxirreduo, hidrlise de pirofosfato ou ATP
(Nelson, 1994; Axelsen e Palmgren, 1998).
Este sistema de bombas primrias pode ser agrupado em duas
categorias distintas, segundo Dimroth (1997). As bombas da primeira categoria
servem diretamente s clulas e no tem nenhuma funo na transduo de
energia. Exemplos so os exportadores de substncias txicas s clulas, que
incluem os transportadores de arsnio nas bactrias (Carlin et al., 1995; Rosen
et al., 1995; Rensing et al., 1999) ou os transportadores de resistncia mltipla
a drogas, que so responsveis pela resistncia das clulas tumorais ao
tratamento quimio-teraputico. Algumas ATPases tipo P tambm podem ser
agrupadas nesta categoria, pois servem a necessidade nutricional, acumulando
ou expulsando ons (K+, Cu+, Mg2+, Cd2+, Ag+), acidificando o lmen do
estmago, estabilizando gradientes inicos para sinalizao (Ca2+) ou
promovendo a excitao eltrica (Na+, K+) em clulas nervosas (Axelsen e
Palmgren, 1997; Scarborough, 1999).
A funo fisiolgica da segunda categoria de bombas primrias criar
um estado energizado nas membranas, na forma de um gradiente
eletroqumico, que pode ser usado atravs de outros sistemas de trabalho
acoplados a membrana. Este trabalho pode ser mecnico, como o movimento
do flagelo bacteriano; qumico, como a sntese de ATP; ou osmtico, como a
captao de nutrientes pelos numerosos sistemas de transporte secundrio
(Dimroth, 1997).
3.1 Transporte Ativo, ATPases tipo F e ATPases tipo V
27
O transporte ativo usualmente definido como transporte de molculas
ou ons de uma regio de baixa para uma regio de alta concentrao (isto ,
transporte contra um gradiente de concentrao)(Stryer, 1998; Njus, 2000b).
Porm, definiremos em um senso restrito como transporte ativo aquele que
requer energia qumica ou fotoqumica. Por esta definio, somente um
pequeno nmero de enzimas capaz de catalisar o transporte ativo e, com
poucas excees, elas podem transportar ctions (Saier, Jr., 1998; Njus,
2000b).
Uma das classes majoritrias de protenas transportadoras, so as
ATPases on-transportadoras. As primeiras concepes a respeito das
ATPases on-transportadoras foram feitas por Dean (1941) (apud Skou, 1957,
1989), sendo identificadas posteriormente por Skou (1957). Dada a importncia
esta descoberta foi novamente publicada (Skou, 1989), e contemplada com o
Prmio Nobel em 1997.
Desde ento, as ATPases que transportam ativamente ctions, foram
extensivamente estudas por diversos grupos de pesquisadores, e
categorizadas por Pedersen e Carafoli (1987) em trs classes: ATPases tipo F
(F-ATPases), ATPases tipo V (V-ATPases) e ATPases tipo P (P-ATPases).
As F-ATPases esto localizadas na membrana plasmtica bacteriana,
na membrana interna mitocondrial e membrana dos cloroplastos, e operam in
vivo como ATPases reversas, ou ATP-sintases. Estas sintetizam ATP a partir
de ADP e fosfato inorgnico (Pi) acoplada ao fluxo de prtons movido por um
gradiente eletroqumico favorvel atravs da membrana (Amzel e Pedersen,
1983; Yoshida e Noji, 2000).
28
As V-ATPases utilizam a hidrlise de ATP para bombear prtons,
gerando um gradiente eletroqumico. Elas so amplamente distribudas em
compartimentos intracelulares de clulas eucariticas, incluindo endossomos,
lisossomos, vesculas secretrias (incluindo vesculas sinpticas), vcuolos de
fungos e plantas, como tambm nas membranas plasmticas de vrios tipos
celulares animais, tais como osteoclastos e macrfagos (Harvey, 1992; Forgac,
2000).
As classes F- e V-ATPases so constitudas por unidades estruturais
complexas; morfologicamente, tais enzimas tm trs componentes: i. um setor
ancorado a membrana, (F0/V0) (Figura 2), que consiste em um canal inico; ii.
uma parte conectora central; e, iii. uma parte globulosa, (F1/V1) (Figura 2)
que contm os stios catalticos (Muller et al., 2001).
FIGURA 2. Representao esquemtica das ATPases tipo F e V. Em A, uma ATPase tipo F (Reproduzido de Yoshida e Noji, 2000); Em B , uma ATPase tipo V (Reproduzido de Forgac, 2000).
3.2 ATPases tipo P
3.2.1 Consideraes Gerais e Classificao
B A
29
ATPases tipo P compreendem uma classe de protenas integrais de
membranas que esto envolvidas no transporte ativo de solutos carregados
atravs das membranas biolgicas (Moller et al., 1996). So encontradas em
todas formas de vida, desde arqueabactrias aos animais, com poucas
excees como a bactria Borrelia burgdorferi (Serrano, 1989; Lutsenko e
Kaplan, 1995; Palmgren e Axelsen, 1998; Scarborough, 1999).
As ATPases tipo P so responsveis por vrios processos celulares. Em
animais, por exemplo, esto envolvidas na manuteno de potenciais de ao
nos tecidos nervosos, secreo e reabsoro de solutos nos rins, acidificao
do estmago, absoro de nutrientes nos intestinos, contrao/relaxamento
muscular, transduo de sinal (clcio dependente), crescimento e diferenciao
celular, entre outros (Axelsen e Palmgren, 1997; Scarborough, 1999).
Uma das caractersticas marcantes dessas ATPases a presena de
algumas regies altamente conservadas (seqncias padro/motivos)
facilmente identificadas nas estruturas primrias e que persistiram, de forma
ligeiramente varivel, ao longo da evoluo (Moller et al., 1996). O mais
eminente desses motivos DKTG(I,L)T (Figura 3), seqncia caracterstica do
stio de fosforilao; e uma longa seqncia hinge XMX GDGXNDXPX (Figura
3), que conectaria o domnio de ligao de ATP ao segmento transmembrana
envolvido na ligao do on e sua translocao (Moller et al., 1996). Na Figura
3 podem ser vistos tambm outras seqncias menores, de 3-5 resduos de
aminocidos de comprimento, altamente conservadas, como o motivo PEGL,
que considerado de crucial importncia na transduo de energia; o padro
KGAXE, caracterstico encontrado na ala citoplasmtica maior de ATPases
30
em eucariontes, que contm o resduo de lisina responsvel pela ligao com o
fluorforo isotiocianato de fluorescena (FITC); e, o motivo TGES/A, localizado
no loop flexvel (ala citoplasmtica menor) (Lutsenko e Kaplan, 1995; Moller
et al., 1996; Lee e East, 2001).
FIGURA 3. Representao esquemtica das ATPases tipo P, identificando os vrios padres caractersticos (setas), baseada no modelo estrutural de Toyoshima et al., 2000. Observam-se trs domnios citoplasmticos denominados de A (atuador), com o motivo TGES (TGES/A) localizado na ala citoplasmtica menor; P (fosforilao), com os motivos DKTGTLT (DKTG(I,L)T), MITGD, PSHK, e AMTGDGVNDAPALKKAEIGIA (XM X GDGXNDXPX); e, N (ligao de nucleotdeo), com os motivos KGAPE (KGAXE) e DPPR todos localizados na ala citoplasmtica maior; o motivo PEGL, no segmento transmembrana 4; bem como os 10 segmentos transmembranares, e as pores amino e carboxi-terminais. Os domnios A, P e N sero melhor discutidos posteriormente no corpo do texto. (Extrado de Lee e East, 2001).
Alm da estrutura, outras duas caractersticas importantes distinguem as
P-ATPases das ATPases tipo F e V. Estas caractersticas foram identificadas
por estudos cinticos anteriores ao conhecimento das estruturas primrias e
31
tridimensionais, e so: i) a inibio por vanadato; e, ii) a formao de um
intermedirio fosforilado (um aspartil-fosfato) durante o ciclo cataltico (apud
Pedersen e Carafoli, 1987; Stokes e Wagenknecht, 2000).
Vrios grupos de pesquisadores especularam a relao entre as vrias
P-ATPases, quanto a organizao estrutural, diversidade, on transportado e
sua relao evolutiva (Serrano, 1988; Fagan e Saier, 1994; Lutsenko e Kaplan,
1995; Moller et al., 1996). Contudo, o nmero de protenas includo nestas
anlises foi relativamente baixo, o que dificultou a elaborao de um sistema
de classificao confivel. Aps 1994, pelo menos uma nova classe de P-
ATPases, a classe IV, foi descoberta (Tang et al., 1996), e com isso a
classificao ficou incompleta. Isto sem mencionar o sequenciamento completo
de vrios genomas (Fleischmann et al., 1995; Fraser et al., 1995; Bult et al.,
1996; Goffeau et al., 1997), e a substancial quantidade de informaes de
seqncias de vrios outros organismos, o que favoreceu finalmente a
proposio de uma classificao mais confivel.
Tradicionalmente, as P-ATPases eram divididas em famlias de acordo
com alguns critrios, tais como especificidade por ons, origem bacteriana ou
eucaritica (Carafoli et al., 1991), ou pelo nmero de segmentos
transmembranares e on transportado (Lutsenko e Kaplan, 1995). Atualmente,
as ATPases tipo P esto classificadas em pelo menos 5 famlias, baseadas em
suas seqncias, substratos especficos, e presena de vrios domnios
regulatrios, cada uma podendo ser subdividida em duas ou mais subfamlias
(Axelsen e Palmgrem, 1998; Palmgren e Axelsen, 1998).
As ATPases tipo IA compreendem um complexo de quatro protenas de
membranas: KdpF, KdpA, KdpB, KdpC, a Kdp-ATPase. O complexo tem uma
32
quantidade equimolar das trs subunidades maiores: KdpA, KdpB e KdpC, e
parece trabalhar como um oligmero. Ento, sua estequiometria mnima
A2B2C2, mas pouco se conhece sobre o arranjo das subunidades no complexo
KdpFABC. A KdpB homloga subunidade cataltica de outras ATPases tipo
P, contendo as estruturas (seqncias) fundamentais comuns desta classe de
ATPases, como o stio de ligao de ATP e a seqncia altamente conservada
DKTGT (Gabel et al., 1998).
As ATPases tipo IB transportam metais como zinco, prata, cobre, cobalto
e chumbo. Funcionam na manuteno de homeostase desses metais
essenciais; conferem resistncia para concentraes txicas de chumbo,
cdmio, cobre, zinco e prata. Em humanos, esto relacionadas s doenas de
Menke e de Wilson, que so causadas por mutaes em duas Cu+-ATPases,
ATP7A e ATP7B, respectivamente (Vulpe et al., 1993; Tanzi et al., 1993; Bull et
al., 1994). Uma caracterstica eminente dessas ATPases a presena de 1-6
repeties de um motivo conservado, ligador de metal, GTMCXXCXXC ou
M/HXXMDHS/GXM, na poro amino terminal da cadeia polipeptdica (Silver et
al., 1993; Bull e Cox, 1994; Solioz e Vulpe, 1996; Gatti et al., 2000).
No grupo II, esto agrupadas as enzimas ATPases tipo P melhor
caracterizadas com respeito a cintica de reao, modificao qumica e
mutagnese stio-dirigida (Vasilets, e Schwarz, 1993; Moller et al., 1996;
MacLecnnan et al., 1997): as Ca2+-ATPases de retculo sarco(endo)plasmtico
(SERCA) e de membrana plasmtica (PMCA) tipos IIA e IIB, respectivamente;
Na+, K+-ATPase, a bomba sdio-potssio, e a H+, K+-ATPase de membrana
plasmtica da mucosa gstrica tipo IIC.
33
No grupo III encontra-se as H+-ATPases de membrana plasmtica de
fungos e plantas, que desempenham papel crucial na fisiologia desses
organismos (Bowman e Bowman, 1986; Gaber, 1992; Portillo, 2000; Persomme
e Boutry, 2000).
Os dois outros grupos IV e V foram recentemente identificados,
como resultado dos projetos de sequenciamento de genomas e expressed
sequence tags EST (Tang et al., 1996; Goffeau et al., 1997; Halleck et al.,
1998). As P-ATPases tipo V parecem ser abundantes em clulas eucariticas,
mas a sua funo ainda desconhecida (Axelsen e Palmgren, 1998).
Anlises filogenticas demonstraram que uma simples ATPase em um
organismo , freqentemente, mais homloga a uma ATPase da mesma classe
de outro organismo distante evolutivamente que a outra ATPase no mesmo
organismo. Ento, parece que, pelo menos, a especificidade de ons evoluiu
muito cedo, e antes da diviso de Eubacteria, Archaea e Eucarya (Palmgren e
Axelsen, 1998). P-ATPases tipo IA so encontradas somente em bactrias e,
com base em sua estrutura primitiva, podem estar relacionadas a origem
ancestral das protenas ATPases tipo P. P-ATPases tipo IB e IIA so
encontradas em todos os domnios, apareceram cedo durante a evoluo. P-
ATPases tipo III so encontradas em arqueas, plantas e fungos, mas no em
bactrias, e provavelmente evoluram depois. P-ATPases tipos IV, IIB, e IID so
encontrados somente em eucariontes e provavelmente evoluram depois da
diviso entre Archaea e Eucarya (Palmgren e Axelsen, 1998).
3.2.2 Aspectos Cinticos e Estruturais
34
As Na+, K+-ATPase, H+, K+-ATPase e Ca2+ATPase de retculo
sarco(endo)plasmtico (SERCA) foram intensamente estudadas do ponto de
vista cintico e mecanstico (veja como revises: Moller et al., 1996;
MacLennan et al., 1997). A descrio do mecanismo de transporte das P-
ATPases baseado na hiptese proposta, no final da dcada de 60, por Albers
(1967) e Post e colaboradores (1969) para a Na+, K+-ATPase (apud Vasilets, e
Schwarz, 1993), e por Makinose (1973) para a Ca2+-ATPase (apud Minitz e
Guillain, 1997), no qual a enzima pode adotar duas conformaes durante o
ciclo de transporte, denominadas de E1 e E2. O modelo proposto por de Meis
e Vianna (1979) representado de forma simplificada na Figura 4.
FIGURA 4 Esquema simplificado do ciclo cataltico da SERCA. Ilustra os principais intermedirios e a seqncia de ligao de ons e principais substratos. Baseado no modelo
proposto por de Meis e Vianna (1979).
De acordo com a Figura 4, assumindo como exemplo a Ca2+-ATPase de
retculo sarco(endo)plasmtico (SERCA), o estado E1 tem dois stios de alta
afinidade para Ca2+ do lado citoslico. Ento, E1 capaz de ligar Ca2+ do
citosol em baixas concentraes e, depois dos dois stios serem ocupados por
35
Ca2+ em presena de Mg2+, Ca2+E fosforilada por ATP originando Ca2+E~P
(uma fosfoenzima) (Shigekawa et al., 1978; Dupont, 1980; Kubo et al., 1990;
Lewis e Thomas, 1992; Lacapere e Guillain, 1993). Esta sofre uma mudana
conformacional (E2Ca2+~P) que exibem stios de baixa afinidade para Ca2+ no
sentido do lmen, liberando Ca2+ (Froehlich e Heller, 1985; Hanel e Jecks,
1991; Orlowski e Champeil, 1991) e passando a E2~P. Finalmente, esta
fosfoenzima hidrolisada liberando o fosfato inorgnico (Pi), gerando E2,
sendo capaz de reiniciar novamente o ciclo, no estado E1 (Kanazawa e Boyer,
1973; Froehlich e Taylor, 1975; 1976).
O ciclo totalmente reversvel, o que pode ser demonstrado de duas
formas diferentes: i) em presena de clcio, vesculas de retculo
sarco(endo)plasmtico (SR) previamente carregadas com clcio, podem
sintetizar ATP a partir de ADP e Pi, com efluxo de dois Ca2+ por ATP
sintetizado; ii) em ausncia de clcio, vesculas SR mal vedadas com
ionforos, por exemplo podem sintetizar ATP pela reverso direta da
ATPase, etapa por etapa, iniciando-se pela fosforilao espontnea da protena
por Pi em presena de magnsio e ausncia de clcio (Masuda e de Meis,
1973) com a formao de E~P. Numa nova etapa, com concentraes
milimolares de Ca2+ e ADP adicionados juntos, o Ca2+ liga-se nos stios
internos induzindo a formao de espcies Ca2+E~P, que consequentemente
ligam ADP, e transferem o fosfato ao ADP, para sintetizar uma molcula de
ATP.
Modelos similares foram propostos para outras ATPases tipo P, que
formam um intermedirio fosforilado (fosfoenzima) e sofrem mudanas
36
conformacionais durante o ciclo cataltico (transporte do substrato e hidrlise de
ATP).
A natureza molecular das ATPases varivel. Podem compreender
formas complexas com hetero-subunidades, como: i) no complexo da Kdp de
bactrias (Figura 5A; Gabel et al., 1998); ii) na Na+, K+-ATPase (Figura 5B), e a
H+, K+-ATPase constitudas das subunidades (cataltica) e (glicosilada),
ou, iii) somente com uma subunidade, como nas Ca2+-ATPases de retculo
sarco(endo)plasmtico (SERCA) (Figura 5C), de membrana plasmtica
(PMCA), e nas H+-ATPases de membrana plasmtica de fungos e plantas.
Podem tambm ser observadas subunidades adicionais (com propriedades
regulatrias), como a subunidade na Na+, K+-ATPase nos rins (Blanco e
Mercer, 1998; Jorgersen et al., 1998), o phospholemman (Chen et al., 1998),
e o phospholamban (Simmerman e Jones, 1998).
37
FIGURA 5. Representao das ATPases tipo P, natureza molecular diversificada. Em A, o complexo Kdp, uma ATPase transportadora de potssio, com as subunidades: A, canal de
ons; B, subunidade cataltica para hidrlise de ATP; C e F, responsveis pela estabilizao do
complexo (Modificada de Gabel et al., 1998). Em B, bomba de sdio-potssio (Na+, K+-
ATPase), com as subunidades catalticas e glicosilada , evidenciadas. Em C, Ca2+-ATPase
de retculo sarco(endo)plasmtico (SERCA), constituda de uma cadeia polipeptdica [B e C -
Modificadas de Bioqumica (Lubert Stryer, 4 edio 1998, Editora Guanabara Koogan S.A.,
Rio de Janeiro; pginas 291 e 295, respectivamente)].
Contudo, evidncias experimentais sugeriram que grandes mudanas
conformacionais ocorriam desde a formao da fosfoenzima translocao
do(s) on(s) pela membrana, e seriam igualmente compartilhados pelos
membros dessa famlia. Tais evidncias incluem clivagem proteoltica
(Jorgensen, 1975), medidas espectroscpicas (Karlish e Yates, 1978; Karlish,
1980; Pick e Karlish, 1980; Yamamoto et al., 1989) e cross-linking (McIntosh,
1992) (ver como reviso Bigelow e Inesi, 1992; Martonosi, 1995). Mas, muito
pouco se sabia sobre os mecanismos moleculares durante o transporte inico e
a interconverso de energia (Andersen e Vilsen, 1995; Moller et al., 1996;
MacLennan et al., 1997), principalmente devido falta de informao estrutural
de alta resoluo destas bombas (Jahn et al., 2001).
A B C
38
Os estudos estruturais, por muito tempo, foram limitados a anlises de
eletromicroscopia. Cristais bidimensionais da Ca2+-ATPase foram descritos na
dcada de 80, em duas formas diferentes. Em ausncia de clcio, em meio
contendo Mg2+ e decavanadato, ocorreu a cristalizao de dmeros da Ca2+-
ATPase. Em presena de clcio, os cristais apresentam monmeros (Dux e
Martinosi, 1983; Dux et al., 1987; Stokes e Green, 1990; Martonosi, 1995).
Estes trabalhos conduziram aos primeiros mapas de isodensidade, mas como
foram conduzidos depois de revelao negativa, a parte principal ou o domnio
de membrana no foram revelados (Mintz e Guillain, 1997). Posteriormente,
novos experimentos de crio-eletromicroscopia permitiram: i) avaliar mais
precisamente as dimenses e distribuio de massa da Ca2+-ATPase, 120
(altura total), 70% da massa em domnio de citoplasma, 25% na membrana e
5% no lmen (Toyoshima et al., 1993); ii) determinar os domnios
transmembranares; e iii) revelar rearranjos dos domnios citoplasmticos pelas
pequenas mudanas entre as 10 -hlices transmembranares, comparando as
estruturas das Ca2+-ATPase (Zhang et al., 1998) e H+-ATPase de Neurospora
crassa (Auer et al., 1998), em diferentes estados conformacionais (Stokes et
al., 1999). Restava ainda, portanto, compreender a intimidade da comunicao
entre os domnios citoplasmticos e os segmentos de membrana.
Assim sendo, vrios grupos realizaram estudos de caracterizao dos
domnios citoplasmticos de vrias ATPases (Capieaux et al., 1994; Moutin et
al., 1994, 1998; Falson et al., 1997; Gatto et al., 1998; Champeil et al., 1998;
Tran e Farley, 1999; McIntosh et al., 1999; Carvalho-Alves et al., 2000), bem
como inferiram a estrutura terciria do domnio cataltico (Smirnova et al.,
1998), identificavam do stio de ligao de Mg2+ (Rider e Dijkstra, 1999) e
39
modelaram o enovelamento da dehalogenase (Stokes e Green, 2000), baseado
na homologia da superfamlia halocido dehalogenases (HADs) (Aravind et al.,
1998).
Em 2000, Toyoshima e colaboradores reportaram a estrutura 3D da
Ca2+-ATPase ligado a clcio com alta resoluo (2,6 ) (Figura 6; Toyoshima et
al., 2000). Neste trabalho, eles confirmaram o arranjo das 10 hlices
transmembranas e a similaridade do domnio cataltico da halocido
dehalogenase (Aravind et al., 1998) no domnio P, e dividiram a poro
citoplasmtica em trs domnios funcionais: domnio A (atuador/ativao),
formado pela poro amino-terminal e ala citoplasmtica menor, localizada
entre as hlices M2-M3, responsvel pelas principais mudanas
conformacionais; domnio N (ligao de nucleotdeo), cuja estrutura
caracterstica Rossman fold (Lee e East, 2001) responsvel pela ligao de
ATP; e o domnio P (fosforilao) por 7 (sete) fitas -paralelas que formam uma
nica folha e oito pequenas hlices. Alm disso, confirmaram os stios de
ligao dos ons Ca2+, entre as hlices M4-M6 e M8 (Clarke et al, 1989).
40
FIGURA 6 Estrutura da Ca2+-ATPase de retculo sarco(endo)plasmtio (SERCA). Colorao muda gradualmente da regio amino terminal (azul) ao carboxi terminal (vermelho). Viso frontal, identificao dos 10 segmentos transmembranas (numerados de 1-10); os domnios funcionais: A (em azul); P (em amarelo); e, N (em verde); os ons clcio (em roxo). Em destaque os resduos D351, que fosoforilado no domnio P; K492, que liga o nucleotdeo (na figura um anlogo de ATP, TNP-AMP) (Extrado de Toyoshima et al., 2000).
Os trs domnios funcionais (domnios A, N e P) que esto separados na
estrutura da Ca2+-ATPase (Figura 6; Toyoshima et al., 2000), teriam que sofrer
grandes mudanas conformacionais, em ausncia de Ca2+, conforme proposto
por Green e MacLennan (2000) em concordncia com a estrutura tubular
com decavanadato e ausncia de Ca2+. De fato, mudanas conformacionais
ocorrem e foram elucidadas por estudos estruturais de eletromicroscopia (Xu et
al., 2002), ou por cristalografia (Figura 7; Toyoshima e Nomura, 2002) e,
41
interessantemente, podem ser monitoradas ao longo do ciclo cataltico (Danko
et al., 2001).
FIGURA 7. Diferenas estruturais na Ca2+-ATPase de retculo sarco(endo)plasmtico (SERCA). Colorao muda gradualmente da regio amino-terminal (azul) ao carboxi-terminal (vermelho). Na direita (E1Ca2+), SERCA no estado conformacional E1, com ons clcio
ligados (esferas roxas, circuladas). Na esquerda (E2(TG)), SERCA no estado conformacional
E2, com tapsigargina (TG), crculos pontilhados vermelhos indicam pontes de hidrognio extras
na E2TG. Setas largas em E1Ca2+ indicam a direo dos movimentos dos domnios
citoplasmticos durante o ciclo E1Ca2+ a E2(TG). Em destaque, um esquema simplificado do
ciclo cataltico (Extrado de Toyoshima e Nomura, 2002).
42
3.2.3 P-ATPases: monmeros ou oligmeros?
A manuteno das concentraes inicas dentro da normalidade nos
diversos compartimentos dos seres vivos fundamental para a realizao das
diferentes caractersticas de cada clula (Moller et al., 1996). Desta forma, as
ATPases do tipo P (P-ATPases) desempenham importantes papis na fisiologia
celular, como o transporte de ons e estabelecimento de gradientes
eletroqumicos atravs das membranas biolgicas, e por isso, tm sido alvo de
vrios estudos fsico-qumicos.
Desde sua descoberta h aproximadamente 50 anos (Skou, 1957),
vrios progressos tm sido feitos nas anlises estrutural e funcional dessas
ATPases, promovendo com isso um modelo cintico geral para o transporte
inico e seu relacionamento estrutural, dada pela seqncia de aminocidos,
predio da estrutura secundria, mutagneses, eletromicroscopia, difrao de
raios-X e/ou dados de espectroscopia (Bigelow e Inesi, 1992; Vasilets, e
Schwarz, 1993; Martonosi, 1995; MacLennan et al., 1997).
Muito embora a elucidao da estrutura tridimensional (3D) da Ca+2-
ATPase de retculo sarco(endo)plasmtico SERCA (Toyoshima et al., 2000)
seja til na interpretao de muitos dados cinticos e de mutagnese, alguns
fatos permanecem sem resposta (Lee, 2002); dentre eles se destaca a questo
da oligomerizao. Ainda controverso se as unidades funcionais das P-
ATPases nas membranas existiriam como estruturas monomricas ou
oligomricas.
Apesar de ter sido demonstrado que unidades monomricas de
ATPases sejam capazes de realizar o ciclo completo de hidrlise de ATP e
transporte (Goormaghtigh et al., 1986; Andersen, 1989) h inmeras evidncias
de estados oligomricos em vrias P-ATPases. Estas evidncias incluem
diferentes abordagens experimentais, como: a ativao da atividade ATPsica
pelo excesso de ATP (Moller et al., 1980), dados estruturais de
eletromicroscopia ou difrao de raios-X (Dux e Martonosi, 1983; Jahn et al.,
2001), medidas espectroscpicas (Coelho-Sampaio et al., 1991; Levi et al.,
2000; 2002), inativao por radiao (Cavieries, 1984; Briskin e Reinolds-
43
Niesman, 1989), imunoqumica (Blanco et al., 1994; Koster et al., 1995;
Maguiere e Ohlendieck, 1996), tanto para ATPases na membrana nativa
quanto para protenas reconstitudas em lipossomos.
Estudos cinticos tambm sugerem que estados oligomricos sejam
importantes no mecanismo de transporte (Froehlich & Taylor, 1976; Wang,
1986; Mahaney et al., 1995) e que mudanas dinmicas nas interaes
protena-protena so cruciais durante o ciclo cataltico (Karon & Thomas, 1993;
Merino et al., 1999). Isso sem mencionar o papel que o estado oligomrico tem
na cooperatividade cintica e na estabilizao enzimtica (Blanco et al., 1994;
Maguire & Ohlendieck, 1996; Levi et al., 2002).
Porm, em muitos casos a existncia destes complexos oligomricos
poderia ser devido ao modo de preparao das membranas, e no refletir
interaes especficas entre subunidades catalticas. Alm disso, a anlise da
contribuio de domnios hidroflicos ou hidrofbicos na auto-associao no
havia sido investigada, provavelmente, por causa da dificuldade de gerar
protenas recombinantes com alto grau de pureza e em quantidade suficiente
para estudos fsico-qumicos (Carvalho-Alves et al., 2000).
Em 1994, foi demonstrada a primeira evidncia de haver uma interao
especfica entre subunidades de Na+,K+-ATPase (Blanco et al., 1994). Em
seguida, foi demonstrado que uma regio de 150 resduos de aminocidos,
localizada dentro da ala citoplasmtica maior, seria responsvel por este
processo de associao das subunidades (Koster et al., 1995).
Posteriormente, em 2000, foi observado que a ala (ou domnio)
citoplasmtica(o) maior da Ca+2-ATPase de retculo sarco(endo)plasmtico
(LCD/SERCA), quando expressa heterologamente, formava uma estrutura
dimrica, baseado na medida do raio de Stokes e no raio de giro (Carvalho-
Alves et al., 2000). Mais interessante ainda foi a verificao de que o
tratamento da LCD/SERCA com a proteinase K gerava um fragmento de 30
kDa (p30) resistente digesto, similar ao da protena nativa (Champeil et al.,
1998), e que este fragmento (p30) comportava-se como um monmero
(Carvalho-Alves et al., 2000). Esta observao nos levou a propor que a
extensa regio conservada, chamada de hinge domain (Clarke et al., 1989)
44
contida no carboxi-terminal liberada pelo tratamento com proteinase K,
contribuiria para a dimerizao da enzima (Carvalho-Alves et al., 2000).
Mais recentemente, tambm foi demonstrado que a LCD/Na+,K+-ATPase
tende a se auto-associar e, interessantemente, interage com a enzima nativa,
com dependncia do substrato Mg+-ATP (Costa et al., 2003).
O atual projeto visa esclarecer o papel da ala citoplasmtica maior
(LCD) de P-ATPases, em particular o stio de fosforilao (P domain), na
interao entre cadeias para a formao de dmeros, e se esse seria um
mecanismo geral, e assim propor um modelo estrutural para este dmero.
4. Gluconacetobacter diazotrophicus e o
seqenciamento de seu genoma O Brasil vem se destacando com uma crescente participao mundial de
genomas, desde a publicao do genoma da Xylella fastidiosa (Simpson et al.,
2000), uma vez que o seqenciamento de genomas completos fornece
informaes detalhadas sobre uma espcie que no podem facilmente ser
gerada por meios alternativos. Estas informaes incluem genes nicos,
protenas hipotticas conservadas, composio de GC, o ndice de variaes
totais e elementos repetitivos e/ou de insero, alm de permitir uma
reconstruo detalhada do perfil fisiolgico e metablico dos organismos, e
uma anlise funcional subseqente dos genes, dos quais nenhuma informao
precedente estava disponvel.
Segundo Santos (2005) cerca de 50% dos projetos de seqenciamento
de genomas bacterianos tem algum interesse biotecnolgico e, devido ao fato
de grande parte da nossa economia ser baseada na atividade agropecuria,
quase a totalidade dos diferentes projetos de seqenciamentos de genomas
desenvolvidos em territrio nacional so voltados para esse setor da economia
(Carraro & Kitajima, 2002). Ento, seguindo essa tendncia nacional, em 2000,
a Fundao Carlos Chagas Filho de Amparo a Pesquisa do Estado do Rio de
45
Janeiro (FAPERJ) lanou o projeto de seqenciamento do genoma completo
da bactria Gluconacetobacter diazotrophicus (http://www.lncc.br/~riogene).
A G. diazotrophicus (syn., Acetobacter diazotrophicus), que um bacilo
Gram negativo, reto e com extremidades arredondadas, que possui flagelos
laterais ou peritrquios, de metabolismo microaerbico, pertencente ao
subgrupo das -proteobactrias, apresenta a capacidade de fixar nitrognio
atmosfrico e produzir cido actico a partir de etanol, alm da capacidade de
reduo de acetileno (Cavalcante e Dbereiner, 1988). Este microrganismo
encontrado no espao intercelular (Figura 8), realizando associao endoftica4
em todas as estruturas da cana de acar, e com os mais variados gentipos
deste vegetal, especialmente em reas agrcolas onde a adio de fertilizantes
nitrogenados nos cultivares baixa (Gillis et al., 1989; Reis, Olivares e
Dbereiner, 1994; Fuentes-Ramrez et al., 1999; Steenhouldt e Vanderleyden,
2000; Fischer e Newton, 2005). Desta forma, contribui com uma parcela do
nitrognio necessrio para o desenvolvimento da planta hospedeira, alm de
produzir diversas auxinas (como o cido 3-indol actico, IAA) e citocinas que
podem exercer efeitos diretos sobre a fisiologia da planta, influindo no
crescimento vegetal.
De fato, tem sido largamente documentado que G. diazotrophicus pode
aumentar a taxa de crescimento da cana de acar, e este benefcio tem sido
associado, em parte, com a transferncia do nitrognio bacteriologicamente
fixado ao vegetal, e ainda com a produo de fatores estimulantes do
crescimento vegetal, destacando-se a produo dos fitormnios auxina e
giberilina, que tm sido amplamente detectados em culturas deste endfito
(Lee et al., 2000; Muthukumarasamy et al., 2002; Munz-Rojas e Caballero-
Mellado, 2003; Lee et al., 2004; Muthukumarasamy et al., 2006).
Desse modo, essa bactria torna-se um modelo de estudo de
organismos fixadores de nitrognio, tanto pela compreenso da fixao
biolgica de nitrognio (FBN) propriamente dita quanto pelo seu potencial
biotecnolgico como, por exemplo, pela possibilidade de substituio de
fertilizantes nitrogenados em diferentes culturas de importncia econmica,
4 Endofticos - so aqueles microrganismos que habitam o interior das plantas, sendo encontrados em rgos e tecidos vegetais como as folhas, ramos e razes.
46
http://www.lncc.br/~riogene
principalmente na cana-de-acar. Nos ltimos anos, a cultura da cana vem
sendo considerada estratgica no desenvolvimento brasileiro, graas ao Pr-
lcool (Programa Nacional do lcool), que uma importante iniciativa ao uso
alternativo a combustveis fsseis, e o Brasil o nico pas a implementar um
programa de larga escala do uso de um combustvel alternativo ao petrleo
(Zanin et al., 2000).
Outro exemplo de importncia biotecnolgica est relacionado a
processos de controle biolgico, devido a uma atividade antagonista contra
Xanthomonas albilineans, como resultado da produo de uma bacteriocina
similar lisozima, a qual capaz de inibir o crescimento deste fitopatgeno
responsvel pela doena da folha escaldada na cana de acar, possivelmente
atravs da destruio da parede celular da cepa patognica (Pion et al., 2002;
Blanco et al., 2005).
Outro aspecto que deve ser destacado tambm que, diferentemente
da interao rizbio/leguminosa, na associao G. diazotrophicus-planta no
h formao de ndulos ou qualquer outra estrutura formada ou induzida pela
bactria, o que sugere uma interao muito bem sucedida no interior da planta
(Figura 8) promovendo o crescimento vegetal sem causar nenhum sintoma de
doena, cujo mecanismo molecular precisa ser melhor entendido (Baldani &
Baldani, 2005).
Figura 8. Microscopia de varredura de Gluconacetobacter diazotrophicus.
47
Estudos de expresso gnica de cana de acar durante a
associao com G. diazotrophicus, utilizando diferentes abordagens tais
como cDNA-AFLP fingerprinting, perfis transcricionais gerados pelo
SUCEST (Sugarcane EST Sequencing Project) e microarranjos, sugerem
uma participao efetiva da cana de acar, pela decodificao de sinais
bacterianos e por respond-los adequadamente, com a mudana nos perfis
de expresso gnica, favorecendo o seu sucesso na associao com o
vegetal (Nogueira et al., 2001; Vargas et al., 2003).
Recentemente foi evidenciada, atravs de preparaes de glicoprotenas
purificadas de cana de acar e marcadas com isotiocianato de fluorescena
(FITC), uma interao especfica dessas glicoprotenas com receptores
presentes na parede celular bacteriana (Blanco et al., 2005), que por sua vez
sugerem a primeira etapa da discriminao biolgica de um endfito simbionte
compatvel pelo vegetal no processo de colonizao, e a participao de
estruturas e mecanismos moleculares da superfcie dessa bactria nesse
fenmeno.
4.1 Anotao do Genoma de G. diazotrophicus: Sistema de Transporte
Em projetos de genomas de procariotos, normalmente realiza-se a
quebra do DNA inteiro do organismo desejado em fragmentos pequenos
(atravs da tcnica de shotgun) que so clonados em vetores plasmidiais que
sero seqenciados em suas extremidades.
Aps uma primeira etapa de montagem desse genoma, fragmentos
maiores so clonados em cosmdeos e seqenciados. Essa segunda etapa
importante para a montagem do genoma completo do organismo, j que a
primeira normalmente produz uma seqncia incompleta, apresentando alguns
buracos de seqncia (gaps).
Uma vez obtidos os dados do seqenciamento das molculas de DNA
preciso saber o que representa cada uma das seqncias nucleotdicas
produzidas. A anotao consiste simplesmente no processo de identificao
48
dessas seqncias.
A partir da anotao de seqncias nucleotdicas procura-se,
primeiramente, identificar a natureza de uma determinada seqncia. Ento,
pretendemos descobrir se tal seqncia est inserida em uma regio gnica,
se representa uma molcula de RNA transportador ou RNA ribossmico, se
pertence a algum tipo de regio repetitiva j descrita, ou se apresenta algum
marcador gentico conhecido em seu interior.
O principal objetivo dessa etapa construir um mapa do genoma do
organismo, posicionando cada um dos possveis genes e caracterizando as
regies no-gnicas. Nesta fase, alguns programas de predio gnica so
usados para a localizao de possveis genes nas seqncias de DNA. A
procura por elementos como o cdon de iniciao de protenas (a trinca de
nucleotdeos ATG, por exemplo) e cdons de terminao na mesma fase de
leitura so utilizados por alguns desses programas, como o Glimmer. O
tamanho delimitado por esta janela de leitura freqentemente utilizado para
definir uma determinada regio como sendo gnica ou no.
Mapeados os genes, a etapa seguinte consiste em identificar quais
protenas so codificadas, e nisso consiste o processo de anotao das
seqncias proticas. Nessa etapa, procura-se montar um catlogo dos genes
presentes no organismo estudado, dando-lhes nomes e associando-os a
provveis funes. No caso do trabalho descrito nesta tese, buscamos por
protenas de membranas associadas aos sistemas de transporte.
A anlise das seqncias biolgicas de um projeto de seqenciamento
genmico, atravs da utilizao das mais variadas ferramentas de
bioinformtica e a comparao com os mais variados bancos de dados,
compreende uma etapa final conhecida como anotao, que consiste na
converso dos dados de uma seqncia biolgica, em informaes
biologicamente relevantes. A anotao consiste em uma meta-informao, ou
seja, uma descrio de caractersticas em mais alto nvel da seqncia
biolgica (Lemos, 2004).
Dentre as principais ferramentas de bioinformtica, utilizadas para
execuo do processo de anotao, destacam-se: o BLAST (Basic Local
Alignment Sequence Tool), que consiste numa ferramenta utilizada para
49
verificao de homologia de uma determinada seqncia, com seqncias
estudadas previamente por outros pesquisadores (Altschul, 1990; Altschul,
1998; WU-BLAST, 2006); o RBSFinder, que localiza stios de ligao
ribossomal (TIGR, 2006); programas de predio de genes como o GLIMMER
(Delcher et al., 1999) e o ORFFinder (NCBI, 2006a); algoritmos para predio
de estruturas de protenas como o Modeller (Sali, 2006) e o Threader (Jones,
2006); pacotes de anlise filogentica como o PHYLIP (PHYLogeny Inference
Package) (Felsenstein, 2006); e programas projetados para comparao de
vrios genomas como o Alfresco (Sanger, 2006).
Com relao aos bancos de dados, podemos destacar os que
armazenam seqncias de nucleotdeos, tais como o Genbank-NT (NCBI,
2006b), GSDB (Harger et al., 1998), GDB (Letovsky et al., 1998) e o EMBL
(Cochrane et al., 2006); os que armazenam seqncias de aminocidos como
o SWISS-PROT (Boeckmann, 2003), PIR (Wu et al., 2002) e o Genbank-NR
(NCBI, 2006b); bancos de dados de estruturas tercirias de protenas como o
PDB - Protein Data Bank (Westbrook et al. 2002); padres de seqncias
proteicas conservadas associadas com funes especficas num organismo,
tais como o PROSITE (Falquet et al., 2002); e bibliotecas que oferecem
padres de seqncias de estruturas de domnios proticos mais longos, como
o PFAM (Bateman et al., 2004).
O processo de anotao apresenta 4 etapas distintas, onde a primeira
consiste na anotao em nvel de nucleotdeos, cujo principal objetivo a
localizao fsica de ORFs (fases de leitura aberta) nas seqncias de DNA,
assim como elementos repetitivos, promotores e stios de ligao ribossomais.
A segunda etapa da anotao ocorre em nvel de protenas, cujos objetivos
residem na determinao de identidades e provveis funes dos genes,
visando identificar genes presentes (e eventualmente ausentes) num
determinado genoma. A terceira etapa ocorre em nvel de processo, onde os
grupos de pesquisa buscam realizar a identificao de diversas vias
metablicas. A quarta etapa consiste na anlise das seqncias reguladoras
presentes no genoma, visando implementar uma anotao funcional eficiente,
e aprimorar a compreenso das diversas vias metablicas presentes no
organismo, em especial aquelas que apresentam importncia econmica,
50
cientfica, tecnolgica e acadmica (Koonin, Mushegian et al., 1996; Downs e
Escalante-Semerena, 2000; Schwartz, 2000; Sistema Bionotes 2006b).
Em linhas gerais, podemos afirmar que a anotao de um genoma
consiste num processo interativo, que requer a utilizao de diversas
ferramentas de bioinformtica, com finalidade de refinar os dados brutos
gerados a partir de um projeto de seqenciamento genmico (Sistema
Bionotes, 2006b), atravs da utilizao de ferramentas que possibilitem a
localizao de regies codificantes numa seqncia de DNA (Delcher et al.,
1999; NCBI, 2006a), a predio de funo e estrutura da protena codificada
por um determinado gene (Jones, 2006; Sali, 2006), assim como a
determinao de relaes filogenticas entre diferentes organismos
(Felsenstein, 2006; Sanger, 2006). Desta forma, so elucidadas questes
relacionadas com organizao genmica, aspectos bioqumicos, fisiolgicos e
evolutivos do organismo em estudo, e de espcies relacionadas e/ou espcies
que ocorrem em associao (Koonin, Mushegian et al., 1996; Moszer, 1998).
Assim, os diferentes grupos que integram o RioGene ficaram
responsveis pela anotao e identificao de genes de sua proficincia e
interesse. Desse modo, devido a minha experincia com transportadores
inicos, contribu no projeto de seqenciamento da G. diazotrophicus com a
identificao de ORFs relacionadas com os sistemas de transporte em
membranas.
Todos os estudantes das Cincias Biolgicas ho de concordar em um
ponto essencial: a Vida envolve tanto interconverses qumicas quanto fluxos
atravs das membranas biolgicas, que referimos como metabolismo e
transporte, respectivamente, e nenhuma descrio de vida completa sem
uma compreenso inclusa de ambos fenmenos (Saier, 2000). Assim, os
sistemas de transporte em membranas tm papis fundamentais no
metabolismo e atividade celular, por catalisarem a translocao de solutos por
distintos mecanismos moleculares, e funcionam na fisiologia celular em
processos distintos, tais como a aquisio de nutrientes orgnicos, e a
manuteno da homeostase inica, a extruso de compostos txicos, a
sinalizao e comunicao celular e ambiental, por exemplo (Saier, 2000).
51
Os vrios sistemas de transporte existentes diferem em relao a sua
topologia na estrutura das membranas biolgicas, mecanismos de acoplamento
energtico e transporte, e especificidade por substrato (Paulsen et al., 1998).
Contudo, anlises filogenticas entre os diferentes grupos de transporte
demonstram que uma classe , freqentemente, mais homloga a uma
protena da mesma classe, em outro organismo distante evolutivamente, que a
outra classe de transportador no mesmo organismo. Ento, parece que pelo
menos a especificidade de acoplamento de energia e por substrato evoluiu
muito cedo, e antes da diviso dos trs domnios da vida: Bacteria, Archaea e
Eucarya (Palmgren & Axelsen, 1998).
Assim cada transportador classificado pelo TCDB (Transporter
Classification System; http://www.tcdb.org) em famlias e subfamlias, de
acordo com sua funo, filogenia e/ou especifidade de substrato, sendo que
mecanismos de acoplamento energtico e transporte servem como base
preliminar para a classificao, por causa de suas caractersticas relativamente
estveis (Saier, 1999).
H, portanto, cinco classes principais de transportadores no sistema
TCDB: canais, transportadores (ativos) primrios, transportadores secundrios,
translocadores, e uma classe distinta, onde so includos transportadores cujo
mecanismo energtico ou de funo so desconhecidos (Saier, 1999).
Desse modo, o estudo das membranas biolgicas, bem como das
protenas de membranas, que representam cerca de 30% de todos os genes,
extremamente importante, uma vez que estas cumprem as funes vitais, como
interface com o meio exterior, interface entre clulas, e como limites de
compartimentos intracelulares (Werten et al., 2002). Alm disso, entre 2% a
16% das ORFs, tanto de genomas procariticos quanto eucariticos, foram
preditos a codificar protenas de transporte da membrana, fato esse que
enfatiza a importncia dos transportadores no estilo de vida de todas as
espcies (Ren & Paulsen, 2005).
Apesar das protenas de transportes serem vitais compreenso da
potencialidade metablica de organismos, poucos grupos tm se dedicado
anlise sistemtica dos sistemas de transportes dos microorganismos, em
especial daqueles em que os genomas completos foram publicados , e/ou
52
http://www.tcdb.org/
ainda uma anlise comparativa dos sistemas de transportes entre os mais
diferentes microorganismos (Ren & Paulsen, 2005).
Por esta razo, e tendo em vista uma anlise mais detalhada do genoma
da G. diazotrophicus, a conduo de um inventrio de todas as protenas de
transporte uma etapa chave para entender as estratgias desenvolvidas por
este microorganismo para adaptar-se s circunstncias ambientais, e um
interesse adicional para o estudo da identificao das protenas de transporte
das diferentes classes que estejam envolvidas no processo de associao com
o vegetal.
53
OBJETIVOS
54
II. OBJETIVOS Tendo em vista agregar os fatos acima destacados, o presente trabalho, que abrange em uma viso de interdisciplinaridade a experimentao
bioqumica (em bancada) e a instrumentalizao da bioinformtica (in silico)
aplicadas a questes biolgicas clssicas, ser apresentado em dois grupos
separadamente, a saber:
1) As interaes moleculares em protenas, em especial para a subfamlia
das P-ATPases;
2) A identificao de ORFs relacionadas com os sistemas de transporte em
membranas, no projeto de seqenciamento da G. diazotrophicus;
Objetivos especficos:
a. Expresso heterolga da ala citoplasmtica maior (LCD) da
H+-ATPase de membrana plasmtica de Saccharomyces
cerevisiae;
b. Caracterizao da participao do enovelamento nativo e, da
participao de resduos pertencentes poro C-terminal do
stio de fosforilao no fenmeno de auto-associao entre P-
ATPases;
c. Proposio de um modelo geral dimrico para P-ATPases;
E, como um objetivo secundrio, devido a minha experincia com
transportadores inicos:
d. Identificao de ORFs relacionadas com o sistema de
transportadores em membrana, durante o processo de
anotao, no projeto genoma G. diazotrophicus.
55
MATERIAIS E MTODOS
56
III. MATERIAIS E MTODOS
3.1 Cepas Utilizadas e Condies de Cultivo
Dentre os vrios sistemas de expresso disponveis para produo de
protenas heterlogas, a bactria gram-negativa Escherich