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Amor
O 983144983151983149983141983149 983145983149983151983154983156983137983148983145983162983137983140983151 983139983151983149983151 satildeo Valentim ficaria chocado ao descobrir
que se tornou o santo padroeiro do amor romacircntico Sua histoacuteria eacute obs-cura mas parece que foi um padre que viveu perto de Roma no seacuteculo
III e foi executado por suas crenccedilas cristatildes Realizou-se pela primeira
vez uma festa em seu nome em 104862810486331048630 e durante a maior parte do milecircnio
seguinte ele foi venerado pelo poder de curar doentes e aleijados No fim
da Idade Meacutedia sua fama era de ser o santo padroeiro dos epileacutepticos
especialmente na Alemanha e na Europa Central onde obras de arte do
periacuteodo mostram-no curando crianccedilas de seus ataques convulsivos Elenada teve a ver com o amor ateacute 104862710486321048626 quando Chaucer criou um poema
descrevendo o dia de satildeo Valentim celebrado todo mecircs de fevereiro
como uma ocasiatildeo em que as aves ndash e as pessoas ndash deveriam escolher
seus companheiros Desse momento em diante sua reputaccedilatildeo como
curandeiro comeccedilou a desaparecer e o dia que lhe eacute dedicado todos os
anos transformou-se numa ocasiatildeo para os amantes enviarem versos
de amor uns aos outros e para os jovens das aldeias se divertirem com jogos de amor engraccedilados O Dia de Satildeo Valentim foi de novo transfor-
mado no seacuteculo XIX quando se tornou uma extravagacircncia comercial
alimentada pelo surgimento da induacutestria dos cartotildees comemorativos e o
aparecimento do mercado de massa Um furor em torno desse dia irrom-
peu nos Estados Unidos nos anos 10486321048628852016 menos de duas deacutecadas depois
as lojas vendiam a cada ano perto de 1048627 milhotildees de cartotildees livrinhos
de poemas e outras bugigangas associadas ao amor Hoje 1048628 milhotildeesde cartotildees satildeo trocados no Dia de Satildeo Valentim no mundo todo e
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dos pares de namorados dos Estados Unidos escolhem ficar noivos no
dia 1048628 de fevereiro983089
A maneira como satildeo Valentim foi convertido de arauto do caridosoamor cristatildeo em siacutembolo da paixatildeo romacircntica suscita a questatildeo mais
ampla de como as atitudes em relaccedilatildeo ao amor mudaram ao longo dos
seacuteculos Que significava amor no mundo antigo ou durante a idade
cavalheiresca de Chaucer Como o ideal do amor romacircntico se desen-
volveu e moldou o que agora esperamos de um relacionamento Satildeo
questotildees desse tipo que teriam intrigado o nobre francecircs Franccedilois de
La Rochefoucauld que proclamou no seacuteculo XVII ldquoPoucas pessoas se
enamorariam se nunca tivessem ouvido falar dissordquo983090 Ele compreendia
que nossas ideias sobre o amor pelo menos em parte satildeo invenccedilotildees da
cultura e da histoacuteria
A maioria de noacutes experimentou tanto os prazeres quanto as dores do
amor Vale lembrar o desejo ardente e o ecircxtase compartilhado de uma
primeira aventura amorosa ou de nos ter consolado na seguranccedila de um
relacionamento duradouro No entanto tambeacutem sofremos com os senti-
mentos de ciuacuteme e a solidatildeo da rejeiccedilatildeo ou nos esforccedilamos para fazer um
casamento florescer e perdurar
Podemos lidar com essas dificuldades do amor ndash e acentuar suas ale-
grias ndash compreendendo a significaccedilatildeo de duas grandes trageacutedias na histoacuteria
das emoccedilotildees A primeira eacute que perdemos o conhecimento das diferentes
variedades de amor que existiam no passado especialmente aquelas fa-
miliares aos gregos antigos que sabiam que o amor podia ser descoberto
natildeo soacute com um parceiro sexual mas tambeacutem em amizades em meio a
estranhos e com eles mesmos A segunda trageacutedia eacute que no curso dos
uacuteltimos mil anos essas variedades foram de tal modo incorporadas numa
noccedilatildeo miacutetica de amor romacircntico que passamos a acreditar que todas se
reuacutenem em uma soacute pessoa uma alma gecircmea Podemos escapar dos limites
dessa heranccedila procurando amor fora do domiacutenio dos afetos romacircnticos
e cultivando suas muitas formas Assim como deveriacuteamos iniciar essa
jornada pela histoacuteria do amor Com uma xiacutecara de cafeacute claro
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Amor 10486251048631
As seis variedades de amor
A cultura contemporacircnea do cafeacute desenvolveu um vocabulaacuterio sofisticadopara descrever as muitas opccedilotildees que temos para obter uma dose diaacuteria de
cafeiacutena ndash cappuccino espresso latte americano machiato mocha Os gregos
antigos eram igualmente refinados na maneira como pensavam sobre o
amor distinguindo seis diferentes tipos983091 Isso eacute o oposto da abordagem
atual em que sob um termo uacutenico e vago englobamos uma enorme seacuterie
de emoccedilotildees relacionamentos e ideias Um menino adolescente declara
ldquoEstou amandordquo mas eacute improvaacutevel que isso signifique a mesma coisa que
um homem de sessenta anos ao dizer que ainda ama sua mulher depois de
tantos anos juntos Pronunciamos ldquoEu te amordquo nos momentos romacircnticos
intensos e somos capazes de encerrar um e-mail sem pensar muito com
as palavras ldquoCom muito amorrdquo
Os habitantes da Atenas claacutessica teriam ficado surpresos com a rudeza
de nossa expressatildeo A linguagem que adotavam para falar do amor natildeo soacute
insuflava mexericos no mercado como tambeacutem lhes permitia pensar sobre
o lugar do amor em suas vidas de uma maneira que mal podemos com-
preender com nossa linguagem amorosa empobrecida que em termos de
cafeacute eacute o equivalente emocional de uma caneca de instantacircneo Precisamos
descobrir os seis tipos de amor conhecidos pelos gregos e considerar a
possibilidade de tornaacute-los parte de nossas conversas cotidianas Ao fazecirc-lo
talvez sejamos capazes de encontrar relacionamentos que correspondam
melhor a nossos gostos pessoais
Todos noacutes jaacute vimos cartotildees de Dia dos Namorados com pequenos
cupidos rechonchudos esvoaccedilando aqui e ali a disparar suas flechas em
pessoas desavisadas que se veem instantaneamente apaixonadas uma pela
outra Cupido eacute a versatildeo romana de Eros o deus grego do amor e da ferti-
lidade Para os gregos antigos eros era a ideia da paixatildeo e do desejo sexual
e representava uma de suas mais importantes variedades de amor Mas
O uso indiscriminado da palavra amor eacute muito maior claro no mundo angloacutefono ea expressatildeo citada no original mais banal que esta eacute ldquoLots of loverdquo (NT)
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eros estava longe de ser o malandrinho brincalhatildeo que hoje imaginamos
Ele era visto como uma forma perigosa impetuosa e irracional de amor
que podia se apossar de uma pessoa e dominaacute-la ldquoDesejo duplicado eacuteamor amor duplicado eacute loucurardquo disse Proacutedico filoacutesofo do seacuteculo V aC983092
Eros envolvia uma perda de controle que atemorizava os gregos embora
perder o controle seja precisamente o que muitos de noacutes procuramos hoje
em nossos relacionamentos acreditando que ldquose apaixonar loucamenterdquo
eacute a marca de uma uniatildeo ideal
Em textos antigos eros estaacute com frequecircncia associado agrave homossexuali-
dade em especial o amor de homens mais velhos por adolescentes praacutetica
corrente na Atenas dos seacuteculos V e VI aC em meio agrave aristocracia Isso era
conhecido como paiderastia o que por sua vez gerou um dos mais exoacute-
ticos verbos gregos katapepaiderastekenai ndash ldquoesbanjar a heranccedila por causa
de uma incorrigiacutevel devoccedilatildeo a meninosrdquo983093 Mas eros natildeo existia apenas em
relacionamentos que envolviam homens O estadista ateniense Peacutericles foi
compelido por eros a abandonar sua mulher em favor da bela e brilhante
Aspaacutesia que se tornou sua concubina ao passo que a poeta Safo era reno-
mada por suas odes eroacuteticas a mulheres inclusive aquelas de sua ilha natal
de Lesbos (daiacute a palavra ldquoleacutesbicardquo)983094 O poder de eros tambeacutem aparecia em
mitos gregos nos quais as faccedilanhas dos deuses promiacutescuos ndash em especial
os de sexo masculino ndash satildeo reveladoras das normas culturais da sociedade
claacutessica Zeus fazia enorme esforccedilo para satisfazer suas paixotildees sexuais
transformando-se num cisne para seduzir Leda num touro branco como
a neve para estuprar Europa e numa nuvem para se insinuar junto a Io983095
Ateacute Polifemo o ciclope bestial da Odisseia sofreu em razatildeo de seu eros natildeo
correspondido pela ninfa do mar Galateia embora as palavras que tenha
escolhido para lhe passar uma cantada natildeo devam ter contribuiacutedo muito
para melhorar a situaccedilatildeo ldquoBranca Galateia por que repeles meu amor
Oacute eacutes mais branca aos meus olhos que leite coalhadohellip Mais lustrosa que
uma uva verderdquo983096 A evidecircncia visualmente mais notaacutevel de eros na vida
cotidiana aparecia nas obscenas ldquopeccedilas de saacutetirosrdquo que se seguiam agrave ence-
naccedilatildeo de trageacutedias durante os festivais teatrais da primavera em AtenasMetade homem metade bode os saacutetiros faziam travessuras em cena com
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Amor 10486251048633
enormes falos eretos presos agrave cintura apimentando suas falas com piadas
lascivas983097 As dores associadas a eros podiam claramente ser mitigadas com
leve aliacutevio cocircmicoTodo mundo tem histoacuterias para contar sobre um coraccedilatildeo transpassado
por eros Certa vez fui induzido por eros a deslocar toda a minha vida da
Gratilde-Bretanha para os Estados Unidos na busca temeraacuteria ndash e finalmente
fracassada ndash de uma mulher Eacute possiacutevel que vocecirc tenha ficado tatildeo apai-
xonada por seu primeiro namorado que mandou tatuar seu nome em
letras goacuteticas no traseiro ndash e ateacute hoje carregue as evidecircncias Talvez vocecirc
se lembre com malicioso deleite de ter feito amor ao ar livre num parque
de Paris na lua de mel Ou que tenha se apaixonado agrave primeira vista por
um professor de inglecircs alcooacutelatra e embarcado num caso turbulento que
terminou em laacutegrimas ou talvez em filhos Quer nossas lembranccedilas de
eros sejam cheias de beleza sensual ou tocadas pela trageacutedia dificilmente
podemos imaginar o amor sem uma forte dose de paixatildeo e desejo eroacutetico
A segunda variedade de amor philia ndash em geral traduzida como ldquoami-
zaderdquo ndash era considerada muito mais virtuosa que a despreziacutevel sexuali-
dade de eros Filoacutesofos como Aristoacuteteles dedicaram consideraacutevel energia
mental a dissecar as diferentes formas de philia Havia a philia dentro da
unidade familiar por exemplo a proximidade e afeiccedilatildeo entre pai e filho
ou a intimidade profunda mas natildeo sexual ser sentida entre irmatildeos ou
primos ligados por laccedilo de sangue Uma versatildeo utilitaacuteria de philia existia
entre pessoas envolvidas em relaccedilotildees de dependecircncia muacutetua como soacutecios
em negoacutecios ou aliados poliacuteticos Se uma pessoa deixava de ser uacutetil para
a outra a philia podia facilmente sucumbir Reconhecemos essas amiza-
des instrumentais na vida contemporacircnea por exemplo quando pessoas
fazem amizade com colegas de trabalho influentes porque isso as ajudaraacute
a subir na hierarquia da empresa
A philia mais valorizada pelos gregos poreacutem era a profunda amizade
que se desenvolvia entre camaradas que haviam lutado lado a lado no
campo de batalha Esses irmatildeos de armas haviam testemunhado o sofri-
mento um do outro e muitas vezes arriscado a vida para salvar os compa-nheiros de ser empalados por uma lanccedila persa Eles se consideravam iguais
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e natildeo soacute compartilhavam seus medos pessoais como manifestavam ex-
trema lealdade ajudando-se mutuamente em tempos de necessidade sem
nada esperar em troca983089983088 O modelo para essa forma de philia foi a amizadeentre Aquiles e Paacutetroclo ndash supostamente tambeacutem amantes ndash central no
enredo da Iliacuteada de Homero Quando Paacutetroclo morre em combate Aqui-
les aflige-se sobre seu corpo esfregando cinzas em si mesmo e jejuando
depois retorna agrave frente de batalha para vingar a morte do camarada
Lembro de ficar sentado num enfumaccedilado bar de Madri quando tinha
vinte e poucos anos ouvindo um ex-colega de faculdade falar de maneira
comovedora sobre a grande importacircncia que dava a suas amizades Na-
quele momento tive uma revelaccedilatildeo compreendi que desfrutava pouco
aquela philia entusiaacutestica e agradaacutevel que era uma parte tatildeo importante
de sua vida Eu raras vezes revelava minhas emoccedilotildees para meus amigos
aparentemente chegados ndash homens ou mulheres ndash e nunca tinha sacri-
ficado muita coisa por eles Minha vida era cheia de conhecidos mas eu
natildeo tinha muitos amigos verdadeiros Desde entatildeo fiz um esforccedilo para
introduzir mais philia em meus relacionamentos Quanto amor ldquo philialrdquo
vocecirc tem em sua vida Essa eacute uma importante questatildeo hoje quando tantos
se orgulham de ter centenas de ldquoamigosrdquo no Facebook ou ldquoseguidoresrdquo
no Twitter faccedilanhas que desconfio natildeo teriam impressionado os gregos
Embora a philia pudesse ser um assunto de grande seriedade havia um
terceiro tipo de amor valorizado pelos gregos antigos o amor brincalhatildeo
Seguindo o poeta romano Oviacutedio os estudiosos costumam usar a palavra
latina ludus para descrever essa forma de amor que diz respeito agrave afeiccedilatildeo
brincalhona entre crianccedilas ou amantes fortuitos983089983089 Tendemos a associar
a disposiccedilatildeo brincalhona aos primeiros estaacutegios de um relacionamento
em que o flerte as provocaccedilotildees e os gracejos despreocupados satildeo aspec-
tos ritualiacutesticos da corte Essa abordagem luacutedica do amor transformou-se
numa forma de arte em meio agrave aristocracia na Franccedila no seacuteculo XVIII O
amor era um jogo cheio de cartas secretas humor malicioso e excitante
encontros arriscados agrave meia-noite983089983090 Vemos ludus hoje quando jovens brin-
cam de ldquoPera uva ou maccedilatilderdquo o que fornece a perspectiva de um primeiro beijo Nossos momentos luacutedicos mais exuberantes costumam ter lugar na
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Amor 10486261048625
pista de danccedila onde a proximidade fiacutesica com os outros ndash muitas vezes
desconhecidos ndash possibilita um embate sexualizado brincalhatildeo que fun-
ciona como substituto do sexo A grande popularidade que danccedilas latino-americanas como a salsa e o tango adquiriram no Ocidente se explica em
parte por serem impregnadas dessa qualidade luacutedica de que muitos sentem
falta em suas vidas
Em seu livro dos anos 10486331048627852016 Homo Ludens o historiador holandecircs Johan
Huizinga sugeriu que o instinto de brincar era um traccedilo humano natural
evidente em todas as culturas983089983091 A implicaccedilatildeo de sua tese reforccedilada pela
crescente literatura psicoloacutegica sobre a importacircncia da brincadeira para o
bem-estar eacute que deveriacuteamos procurar alimentar ludus em vaacuterios de nossos
relacionamentos natildeo apenas com nossos amados ou na pista de danccedila
mas tambeacutem com amigos famiacutelia e colegas983089983092 Simplesmente sentar-se agrave
volta de uma mesa num bar caccediloando e rindo com os amigos eacute uma ma-
neira de cultivar ludus As normas sociais que desaprovam a frivolidade
adulta permitiram a poucos de noacutes conservar a disposiccedilatildeo brincalhona que
tiacutenhamos quando crianccedilas mas talvez seja exatamente disso que precisa-
mos em nossos relacionamentos para escapar das inquietaccedilotildees cotidianas
alimentar nossos eus criativos e viver com mais leveza Deixemos ludus
tornar-se parte de nossa linguagem de amor
Os casamentos na Greacutecia Antiga raramente eram luacutedicos Em geral
eram arranjados pelos pais a mulher estava subordinada aos desejos do
marido e esperava-se que permanecesse confinada dentro de casa983089983093 Apesar
disso os gregos conseguiram inventar uma quarta variedade de amor
chamada pragma ou amor maduro que designava a profunda compreen-
satildeo que se desenvolvia entre casais com muitos anos de casados983089983094 Pragma
tem a ver com a construccedilatildeo de um relacionamento ao longo do tempo
cedendo quando necessaacuterio mostrando paciecircncia e toleracircncia e sendo
realiacutestico em relaccedilatildeo ao que se deveria esperar do parceiro Ele envolve
apoio agraves diferentes necessidades um do outro e manutenccedilatildeo da estabili-
dade domeacutestica de modo que os filhos cresccedilam numa atmosfera propiacutecia a
seu desenvolvimento e os negoacutecios financeiros da famiacutelia estejam seguros Acima de tudo pragma eacute uma questatildeo de estar comprometido com a outra
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pessoa e de fazer um esforccedilo em seu favor no relacionamento de modo
a transformar o amor num ato de muacutetua reciprocidade Nos anos 10486331048629852016 o
psicoacutelogo Erich Fromm estabeleceu uma distinccedilatildeo entre ldquoenamorar-serdquo eldquopermanecer enamoradordquo segundo ele despendemos energia demais no
ato de nos enamorar e deveriacuteamos nos concentrar mais na manutenccedilatildeo
do enamoramento que eacute sobretudo uma questatildeo de dar amor natildeo de
recebecirc-lo983089983095 Pragma estaacute no cerne dessa ideia de permanecer enamorado
Hoje com cerca da metade dos casamentos nos Estados Unidos e na Gratilde-
Bretanha terminando em divoacutercio a antiga noccedilatildeo grega de amor maduro
nos eacute urgentemente necessaacuteria para que possamos reviver a perspectiva
de relacionamentos para a vida toda983089983096
Enquanto pragma exigia a doaccedilatildeo ao parceiro agape ou o amor al-
truiacutesta era uma ideia muito mais radical Tratava-se de um antigo amor
grego definido pela falta de exclusividade ele devia ser estendido desinte-
ressadamente a todos os seres humanos quer fossem membros de nossa
famiacutelia quer fosse um estrangeiro de uma cidade-Estado distante983089983097 Era
um amor oferecido sem obrigaccedilatildeo ou expectativa de reciprocidade ndash um
amor transcendente baseado na solidariedade humana Agape tornou-se
um dos conceitos centrais do pensamento cristatildeo e era a palavra usada
pelos cristatildeos primitivos para descrever o amor divino de Deus pelo ho-
mem amor que se esperava que os crentes retribuiacutessem tanto a Deus
quanto aos outros seres humanos Ele pode ser encontrado por toda parte
nos Evangelhos por exemplo no mandamento de Jesus ldquoAma [agape] teu
proacuteximo como a ti mesmordquo Mais tarde agape foi traduzido pela palavra
latina caritas base de nossa palavra ldquocaridadersquordquo em seus escritos o pen-
sador e escritor para crianccedilas do seacuteculo XX CS Lewis sustenta que agape
ou caridade ndash que alguns chamam de ldquoamor doaccedilatildeordquo ndash eacute a mais elevada
forma de amor cristatildeo983090983088
A ideia de um amor ilimitado e altruiacutesta natildeo surgiu apenas na Greacutecia
Antiga mas possui ressonacircncia global O budismo teravada defende o
cultivo de metta ou ldquobondade amorosa universalrdquo que vai aleacutem da huma-
nidade para abraccedilar o amor e a compaixatildeo por todos os seres sensiacuteveis eateacute por vezes a vida vegetal No pensamento confuciano o conceito de ren
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Amor 10486261048627
ou ldquobenevolecircnciardquo tambeacutem se refere a uma forma altruiacutesta e abrangente
de amor Contudo enquanto agape e metta estendem-se a todas as pessoas
indiscriminadamente ren eacute um amor graduado que se estende a partirde noacutes mesmos em ciacuterculos concecircntricos o amor mais forte reservado ao
ciacuterculo mais proacuteximo de nossa famiacutelia imediata e depois se expandindo
progressivamente para amigos a comunidade local e a humanidade como
um todo983090983089 O poder e a beleza de amores inclusivos como agape eacute que eles
ajudam a contrabalanccedilar nosso esmagador desejo de ser amados pedindo-
nos em vez disso para nos lanccedilarmos a uma generosidade de espiacuterito
afirmadora da vida Infelizmente ateacute agora ningueacutem inventou o speed
dating de agape para ajudar a criar um movimento aleatoacuterio de bondade
nem encontramos anuacutencios pessoais oferecendo agape nos jornais Ainda
assim eacute possiacutevel desempenhar com facilidade atos de agape como pagar
o pedaacutegio do desconhecido que dirige o carro que vem atraacutes do nosso
Um uacuteltimo amor conhecido pelos gregos era philautia ou amor-proacute-
prio que agrave primeira vista parece o oposto de agape ndash um rival que o des-
truiria Os saacutebios gregos no entanto percebiam que ele se manifestava
sob duas formas Havia um tipo negativo de amor-proacuteprio um desejo
ardente e egoiacutesta de obter prazeres pessoais dinheiro e honrarias puacutebli-
cas muito aleacutem da cota justa Seus perigos foram revelados no mito de
Narciso o irresistiacutevel jovem que se apaixonou pelo proacuteprio reflexo num
lago e incapaz de se afastar pereceu ali de inaniccedilatildeo A maacute reputaccedilatildeo do
amor-proacuteprio persistiu no pensamento ocidental no seacuteculo XVI o teoacutelogo
francecircs Joatildeo Calvino descreveu-o como uma ldquopesterdquo ao passo que Freud
o via como um redirecionamento patoloacutegico da nossa libido para noacutes
mesmos tornando-nos incapazes de amar os outros983090983090
Por sorte Aristoacuteteles havia reconhecido uma versatildeo mais positiva
do amor-proacuteprio que intensificava nossa capacidade de amor ldquoTodos os
sentimentos amistosos pelos outrosrdquo escreveu ele ldquosatildeo extensotildees dos
sentimentos de um homem por si mesmordquo A mensagem era que quando
gostamos de noacutes e nos sentimos seguros de noacutes mesmos temos amor em
abundacircncia para dar De maneira semelhante se sabemos o que nos fazfelizes estaremos em melhores condiccedilotildees para estender essa felicidade aos
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que nos cercam Se por outro lado estamos em desconforto com o que
somos ou alimentamos alguma aversatildeo por noacutes mesmos teremos pouco
amor a oferecer aos outros Ao que parece deveriacuteamos aprender a amara noacutes mesmos de uma maneira que natildeo se transforme num sentimento
arrebatador de obsessatildeo por noacutes Isso significa no miacutenimo aceitar nossas
imperfeiccedilotildees e reconhecer humildemente nossos talentos individuais em
vez de sempre olhar para nossos defeitos e inadequaccedilotildees983090983091
A983154983149983137983140983151983155 983140983141983155983155983141 983139983151983150983144983141983139983145983149983141983150983156983151 das variedades do amor vocecirc teria sem
duacutevida muito a dizer se fosse convidado a participar de um debate filosoacute-
fico sobre a natureza do amor na Atenas claacutessica A principal razatildeo para
compreender os seis amores natildeo eacute contudo enriquecer a qualidade de sua
conversa mas repensar o significado do amor em sua proacutepria vida O traccedilo
mais notaacutevel da abordagem dos gregos antigos eacute que eles reconheciam
ter amor em seus relacionamentos com uma ampla variedade de pessoas
ndash amigos famiacutelia cocircnjuges estranhos e ateacute consigo mesmos Como ve-
remos adiante isso eacute muito diferente do modo como abordamos o amor
hoje o qual em geral envolve o foco romacircntico numa uacutenica pessoa que
supostamente deve satisfazer todas as nossas necessidades amorosas Os
gregos estatildeo nos dizendo para fomentar as muitas formas de amor em
vez de persegui-lo em termos estreitos demais
Uma vantagem de pensar dessa maneira eacute que se vocecirc estaacute muito
infeliz com a dimensatildeo de sua ldquovida amorosardquo ndash digamos que natildeo consiga
satisfazer seu eros e foi rejeitado por algueacutem ndash pode concentrar a atenccedilatildeo
alternativamente em algum outro tipo de amor Por exemplo vocecirc culti-
varia a philia dedicando tempo a seus amigos mais antigos ou expandiria
seu ludus danccedilando noite adentro Aleacutem disso talvez vocecirc sinta que estaacute
sofrendo por falta de amor mas se mapeasse a extensatildeo em que todas as
seis formas estatildeo presentes em sua vida provavelmente descobriria que
o amor eacute muito mais abundante do que havia imaginado
Uma das questotildees universais da vida emocional sempre foi ldquoO que eacuteo amorrdquo Creio que essa eacute uma pergunta enganosa que nos enredou em
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Amor 10486261048629
confusotildees inuacuteteis na tentativa de identificar alguma essecircncia definitiva
do ldquoverdadeiro amorrdquo A liccedilatildeo da Greacutecia Antiga eacute que a pergunta que
devemos fazer a noacutes mesmos eacute outra ldquoComo posso cultivar as diferentesvariedades de amor em minha vidardquo Esta eacute a questatildeo suprema do amor
que hoje enfrentamos Mas se desejamos cultivar essas variedades deve-
mos primeiro nos desvencilhar do poderoso mito do amor romacircntico
que se interpotildee no caminho
O mito do amor romacircntico
A ideia do amor apaixonado romacircntico que emergiu no Ocidente durante
o uacuteltimo milecircnio eacute uma de nossas heranccedilas culturais mais destrutivas
Isso porque sua principal aspiraccedilatildeo ndash a descoberta de uma alma gecircmea ndash eacute
praticamente inatingiacutevel Podemos passar anos agrave procura dessa pessoa elu-
siva que satisfaraacute todas as nossas necessidades emocionais e nossos desejos
sexuais que nos proporcionaraacute amizade e autoconfianccedila conforto e risos
estimularaacute nossas mentes e compartilharaacute nossos sonhos Imaginamos que
existe algueacutem no eacuteter amoroso que eacute nossa outra metade perdida e que nos
faraacute sentir completos bastando apenas que possamos fundir nosso ser com
o dele na sublime uniatildeo do amor romacircntico Nossas esperanccedilas satildeo alimen-
tadas por uma induacutestria de filmes romacircnticos de Hollywood e um excesso
de ficccedilatildeo barata difundindo essa mitologia A mensagem eacute reproduzida
pelo exeacutercito mundial de conselheiros que anunciam sua habilidade para
ajudaacute-lo a ldquoencontrar o par perfeitordquo Um dos sites de encontros amorosos
on-line mais populares da Gratilde-Bretanha chama-se como natildeo eacute de surpreen-
der Soulmates e num levantamento feito junto a americanos solteiros na
casa dos vinte anos 10486331048628 concordaram que ldquoquando algueacutem se casa quer
que o cocircnjuge seja sua alma gecircmea acima de qualquer outra coisardquo983090983092
Damos por certa a possibilidade do amor romacircntico Mas para com-
preender por que nos tornamos tatildeo obcecados por ele e com a ideia de
uma alma gecircmea ndash expressatildeo que soacute emergiu no seacuteculo XIX ndash precisa-mos descobrir como o conceito de amor desenvolveu-se no Ocidente no
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curso dos uacuteltimos mil anos A lamentaacutevel verdade eacute que o mito do amor
romacircntico apossou-se pouco a pouco das variedades de amor que exis-
tiam no passado absorvendo-as numa visatildeo monoliacutetica Essa calamidadecultural desenvolveu-se em cinco estaacutegios comeccedilando nos desertos da
Araacutebia onde eros tornou-se a base do amor romacircntico Agape foi acrescen-
tado ao ideal romacircntico na Europa medieval tardia ao passo que philia e
pragma foram incorporados durante um terceiro estaacutegio no seacuteculo XVII
O movimento do Romantismo aprofundou a importacircncia de eros e por
fim philautia e ludus tornaram-se parte de nossas esperanccedilas romacircnticas
no seacuteculo XX A consequecircncia eacute que estamos agora oprimidos pela crenccedila
infundada e muitas vezes perigosa de que todas as variedades de amor
podem e devem ser encontradas numa uacutenica pessoa
O amor romacircntico nasceu por volta do fim do primeiro milecircnio em
contos poesias e muacutesica da Peacutersia no iniacutecio da Idade Meacutedia Seus traccedilos
centrais podem ser encontrados em As mil e uma noites coletacircnea de narra-
tivas populares do Oriente Meacutedio datadas do seacuteculo X aproximadamente
contadas noite apoacutes noite pela princesa Sherazade a seu novo marido
o exaltado sultatildeo Shariar que tinha o execraacutevel haacutebito de executar suas
noivas virgens Nos anos 10486321048632852016 as histoacuterias foram traduzidas de maneira
abominaacutevel para o inglecircs pelo explorador sir Richard Burton que fez
questatildeo de enfatizar seu conteuacutedo eroacutetico com copiosas notas de rodapeacute
sobre os costumes sexuais persas Talvez vocecirc se lembre de ldquoAli Babaacute
e os quarenta ladrotildeesrdquo mas provavelmente estaacute menos familiarizado
com histoacuterias mais sensuais como ldquoO priacutencipe Behram e a princesa al-
Datmardquo Quando o jovem priacutencipe bateu os olhos pela primeira vez na
bela e graciosa princesa cujo rosto era ldquomais radiante que a luardquo o amor
ldquoapoderou-se de seu coraccedilatildeordquo de imediato e ele astutamente se vestiu como
um velho e decreacutepito jardineiro para conquistaacute-la Outros contos entre
eles ldquoO primeiro eunuco Bukhaytrdquo eram tatildeo sexualmente expliacutecitos que
escandalizaram a Inglaterra vitoriana983090983093 O que emergia nessas narrativas
era uma nova visatildeo do amor que combinava a paixatildeo de eros com a fusatildeo
das almas dos amantes983090983094 Esses dois elementos estatildeo no acircmago de nossanoccedilatildeo contemporacircnea de amor romacircntico
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dos pares de namorados dos Estados Unidos escolhem ficar noivos no
dia 1048628 de fevereiro983089
A maneira como satildeo Valentim foi convertido de arauto do caridosoamor cristatildeo em siacutembolo da paixatildeo romacircntica suscita a questatildeo mais
ampla de como as atitudes em relaccedilatildeo ao amor mudaram ao longo dos
seacuteculos Que significava amor no mundo antigo ou durante a idade
cavalheiresca de Chaucer Como o ideal do amor romacircntico se desen-
volveu e moldou o que agora esperamos de um relacionamento Satildeo
questotildees desse tipo que teriam intrigado o nobre francecircs Franccedilois de
La Rochefoucauld que proclamou no seacuteculo XVII ldquoPoucas pessoas se
enamorariam se nunca tivessem ouvido falar dissordquo983090 Ele compreendia
que nossas ideias sobre o amor pelo menos em parte satildeo invenccedilotildees da
cultura e da histoacuteria
A maioria de noacutes experimentou tanto os prazeres quanto as dores do
amor Vale lembrar o desejo ardente e o ecircxtase compartilhado de uma
primeira aventura amorosa ou de nos ter consolado na seguranccedila de um
relacionamento duradouro No entanto tambeacutem sofremos com os senti-
mentos de ciuacuteme e a solidatildeo da rejeiccedilatildeo ou nos esforccedilamos para fazer um
casamento florescer e perdurar
Podemos lidar com essas dificuldades do amor ndash e acentuar suas ale-
grias ndash compreendendo a significaccedilatildeo de duas grandes trageacutedias na histoacuteria
das emoccedilotildees A primeira eacute que perdemos o conhecimento das diferentes
variedades de amor que existiam no passado especialmente aquelas fa-
miliares aos gregos antigos que sabiam que o amor podia ser descoberto
natildeo soacute com um parceiro sexual mas tambeacutem em amizades em meio a
estranhos e com eles mesmos A segunda trageacutedia eacute que no curso dos
uacuteltimos mil anos essas variedades foram de tal modo incorporadas numa
noccedilatildeo miacutetica de amor romacircntico que passamos a acreditar que todas se
reuacutenem em uma soacute pessoa uma alma gecircmea Podemos escapar dos limites
dessa heranccedila procurando amor fora do domiacutenio dos afetos romacircnticos
e cultivando suas muitas formas Assim como deveriacuteamos iniciar essa
jornada pela histoacuteria do amor Com uma xiacutecara de cafeacute claro
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Amor 10486251048631
As seis variedades de amor
A cultura contemporacircnea do cafeacute desenvolveu um vocabulaacuterio sofisticadopara descrever as muitas opccedilotildees que temos para obter uma dose diaacuteria de
cafeiacutena ndash cappuccino espresso latte americano machiato mocha Os gregos
antigos eram igualmente refinados na maneira como pensavam sobre o
amor distinguindo seis diferentes tipos983091 Isso eacute o oposto da abordagem
atual em que sob um termo uacutenico e vago englobamos uma enorme seacuterie
de emoccedilotildees relacionamentos e ideias Um menino adolescente declara
ldquoEstou amandordquo mas eacute improvaacutevel que isso signifique a mesma coisa que
um homem de sessenta anos ao dizer que ainda ama sua mulher depois de
tantos anos juntos Pronunciamos ldquoEu te amordquo nos momentos romacircnticos
intensos e somos capazes de encerrar um e-mail sem pensar muito com
as palavras ldquoCom muito amorrdquo
Os habitantes da Atenas claacutessica teriam ficado surpresos com a rudeza
de nossa expressatildeo A linguagem que adotavam para falar do amor natildeo soacute
insuflava mexericos no mercado como tambeacutem lhes permitia pensar sobre
o lugar do amor em suas vidas de uma maneira que mal podemos com-
preender com nossa linguagem amorosa empobrecida que em termos de
cafeacute eacute o equivalente emocional de uma caneca de instantacircneo Precisamos
descobrir os seis tipos de amor conhecidos pelos gregos e considerar a
possibilidade de tornaacute-los parte de nossas conversas cotidianas Ao fazecirc-lo
talvez sejamos capazes de encontrar relacionamentos que correspondam
melhor a nossos gostos pessoais
Todos noacutes jaacute vimos cartotildees de Dia dos Namorados com pequenos
cupidos rechonchudos esvoaccedilando aqui e ali a disparar suas flechas em
pessoas desavisadas que se veem instantaneamente apaixonadas uma pela
outra Cupido eacute a versatildeo romana de Eros o deus grego do amor e da ferti-
lidade Para os gregos antigos eros era a ideia da paixatildeo e do desejo sexual
e representava uma de suas mais importantes variedades de amor Mas
O uso indiscriminado da palavra amor eacute muito maior claro no mundo angloacutefono ea expressatildeo citada no original mais banal que esta eacute ldquoLots of loverdquo (NT)
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eros estava longe de ser o malandrinho brincalhatildeo que hoje imaginamos
Ele era visto como uma forma perigosa impetuosa e irracional de amor
que podia se apossar de uma pessoa e dominaacute-la ldquoDesejo duplicado eacuteamor amor duplicado eacute loucurardquo disse Proacutedico filoacutesofo do seacuteculo V aC983092
Eros envolvia uma perda de controle que atemorizava os gregos embora
perder o controle seja precisamente o que muitos de noacutes procuramos hoje
em nossos relacionamentos acreditando que ldquose apaixonar loucamenterdquo
eacute a marca de uma uniatildeo ideal
Em textos antigos eros estaacute com frequecircncia associado agrave homossexuali-
dade em especial o amor de homens mais velhos por adolescentes praacutetica
corrente na Atenas dos seacuteculos V e VI aC em meio agrave aristocracia Isso era
conhecido como paiderastia o que por sua vez gerou um dos mais exoacute-
ticos verbos gregos katapepaiderastekenai ndash ldquoesbanjar a heranccedila por causa
de uma incorrigiacutevel devoccedilatildeo a meninosrdquo983093 Mas eros natildeo existia apenas em
relacionamentos que envolviam homens O estadista ateniense Peacutericles foi
compelido por eros a abandonar sua mulher em favor da bela e brilhante
Aspaacutesia que se tornou sua concubina ao passo que a poeta Safo era reno-
mada por suas odes eroacuteticas a mulheres inclusive aquelas de sua ilha natal
de Lesbos (daiacute a palavra ldquoleacutesbicardquo)983094 O poder de eros tambeacutem aparecia em
mitos gregos nos quais as faccedilanhas dos deuses promiacutescuos ndash em especial
os de sexo masculino ndash satildeo reveladoras das normas culturais da sociedade
claacutessica Zeus fazia enorme esforccedilo para satisfazer suas paixotildees sexuais
transformando-se num cisne para seduzir Leda num touro branco como
a neve para estuprar Europa e numa nuvem para se insinuar junto a Io983095
Ateacute Polifemo o ciclope bestial da Odisseia sofreu em razatildeo de seu eros natildeo
correspondido pela ninfa do mar Galateia embora as palavras que tenha
escolhido para lhe passar uma cantada natildeo devam ter contribuiacutedo muito
para melhorar a situaccedilatildeo ldquoBranca Galateia por que repeles meu amor
Oacute eacutes mais branca aos meus olhos que leite coalhadohellip Mais lustrosa que
uma uva verderdquo983096 A evidecircncia visualmente mais notaacutevel de eros na vida
cotidiana aparecia nas obscenas ldquopeccedilas de saacutetirosrdquo que se seguiam agrave ence-
naccedilatildeo de trageacutedias durante os festivais teatrais da primavera em AtenasMetade homem metade bode os saacutetiros faziam travessuras em cena com
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Amor 10486251048633
enormes falos eretos presos agrave cintura apimentando suas falas com piadas
lascivas983097 As dores associadas a eros podiam claramente ser mitigadas com
leve aliacutevio cocircmicoTodo mundo tem histoacuterias para contar sobre um coraccedilatildeo transpassado
por eros Certa vez fui induzido por eros a deslocar toda a minha vida da
Gratilde-Bretanha para os Estados Unidos na busca temeraacuteria ndash e finalmente
fracassada ndash de uma mulher Eacute possiacutevel que vocecirc tenha ficado tatildeo apai-
xonada por seu primeiro namorado que mandou tatuar seu nome em
letras goacuteticas no traseiro ndash e ateacute hoje carregue as evidecircncias Talvez vocecirc
se lembre com malicioso deleite de ter feito amor ao ar livre num parque
de Paris na lua de mel Ou que tenha se apaixonado agrave primeira vista por
um professor de inglecircs alcooacutelatra e embarcado num caso turbulento que
terminou em laacutegrimas ou talvez em filhos Quer nossas lembranccedilas de
eros sejam cheias de beleza sensual ou tocadas pela trageacutedia dificilmente
podemos imaginar o amor sem uma forte dose de paixatildeo e desejo eroacutetico
A segunda variedade de amor philia ndash em geral traduzida como ldquoami-
zaderdquo ndash era considerada muito mais virtuosa que a despreziacutevel sexuali-
dade de eros Filoacutesofos como Aristoacuteteles dedicaram consideraacutevel energia
mental a dissecar as diferentes formas de philia Havia a philia dentro da
unidade familiar por exemplo a proximidade e afeiccedilatildeo entre pai e filho
ou a intimidade profunda mas natildeo sexual ser sentida entre irmatildeos ou
primos ligados por laccedilo de sangue Uma versatildeo utilitaacuteria de philia existia
entre pessoas envolvidas em relaccedilotildees de dependecircncia muacutetua como soacutecios
em negoacutecios ou aliados poliacuteticos Se uma pessoa deixava de ser uacutetil para
a outra a philia podia facilmente sucumbir Reconhecemos essas amiza-
des instrumentais na vida contemporacircnea por exemplo quando pessoas
fazem amizade com colegas de trabalho influentes porque isso as ajudaraacute
a subir na hierarquia da empresa
A philia mais valorizada pelos gregos poreacutem era a profunda amizade
que se desenvolvia entre camaradas que haviam lutado lado a lado no
campo de batalha Esses irmatildeos de armas haviam testemunhado o sofri-
mento um do outro e muitas vezes arriscado a vida para salvar os compa-nheiros de ser empalados por uma lanccedila persa Eles se consideravam iguais
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1048626852016 Relacionamentos enriquecedores
e natildeo soacute compartilhavam seus medos pessoais como manifestavam ex-
trema lealdade ajudando-se mutuamente em tempos de necessidade sem
nada esperar em troca983089983088 O modelo para essa forma de philia foi a amizadeentre Aquiles e Paacutetroclo ndash supostamente tambeacutem amantes ndash central no
enredo da Iliacuteada de Homero Quando Paacutetroclo morre em combate Aqui-
les aflige-se sobre seu corpo esfregando cinzas em si mesmo e jejuando
depois retorna agrave frente de batalha para vingar a morte do camarada
Lembro de ficar sentado num enfumaccedilado bar de Madri quando tinha
vinte e poucos anos ouvindo um ex-colega de faculdade falar de maneira
comovedora sobre a grande importacircncia que dava a suas amizades Na-
quele momento tive uma revelaccedilatildeo compreendi que desfrutava pouco
aquela philia entusiaacutestica e agradaacutevel que era uma parte tatildeo importante
de sua vida Eu raras vezes revelava minhas emoccedilotildees para meus amigos
aparentemente chegados ndash homens ou mulheres ndash e nunca tinha sacri-
ficado muita coisa por eles Minha vida era cheia de conhecidos mas eu
natildeo tinha muitos amigos verdadeiros Desde entatildeo fiz um esforccedilo para
introduzir mais philia em meus relacionamentos Quanto amor ldquo philialrdquo
vocecirc tem em sua vida Essa eacute uma importante questatildeo hoje quando tantos
se orgulham de ter centenas de ldquoamigosrdquo no Facebook ou ldquoseguidoresrdquo
no Twitter faccedilanhas que desconfio natildeo teriam impressionado os gregos
Embora a philia pudesse ser um assunto de grande seriedade havia um
terceiro tipo de amor valorizado pelos gregos antigos o amor brincalhatildeo
Seguindo o poeta romano Oviacutedio os estudiosos costumam usar a palavra
latina ludus para descrever essa forma de amor que diz respeito agrave afeiccedilatildeo
brincalhona entre crianccedilas ou amantes fortuitos983089983089 Tendemos a associar
a disposiccedilatildeo brincalhona aos primeiros estaacutegios de um relacionamento
em que o flerte as provocaccedilotildees e os gracejos despreocupados satildeo aspec-
tos ritualiacutesticos da corte Essa abordagem luacutedica do amor transformou-se
numa forma de arte em meio agrave aristocracia na Franccedila no seacuteculo XVIII O
amor era um jogo cheio de cartas secretas humor malicioso e excitante
encontros arriscados agrave meia-noite983089983090 Vemos ludus hoje quando jovens brin-
cam de ldquoPera uva ou maccedilatilderdquo o que fornece a perspectiva de um primeiro beijo Nossos momentos luacutedicos mais exuberantes costumam ter lugar na
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Amor 10486261048625
pista de danccedila onde a proximidade fiacutesica com os outros ndash muitas vezes
desconhecidos ndash possibilita um embate sexualizado brincalhatildeo que fun-
ciona como substituto do sexo A grande popularidade que danccedilas latino-americanas como a salsa e o tango adquiriram no Ocidente se explica em
parte por serem impregnadas dessa qualidade luacutedica de que muitos sentem
falta em suas vidas
Em seu livro dos anos 10486331048627852016 Homo Ludens o historiador holandecircs Johan
Huizinga sugeriu que o instinto de brincar era um traccedilo humano natural
evidente em todas as culturas983089983091 A implicaccedilatildeo de sua tese reforccedilada pela
crescente literatura psicoloacutegica sobre a importacircncia da brincadeira para o
bem-estar eacute que deveriacuteamos procurar alimentar ludus em vaacuterios de nossos
relacionamentos natildeo apenas com nossos amados ou na pista de danccedila
mas tambeacutem com amigos famiacutelia e colegas983089983092 Simplesmente sentar-se agrave
volta de uma mesa num bar caccediloando e rindo com os amigos eacute uma ma-
neira de cultivar ludus As normas sociais que desaprovam a frivolidade
adulta permitiram a poucos de noacutes conservar a disposiccedilatildeo brincalhona que
tiacutenhamos quando crianccedilas mas talvez seja exatamente disso que precisa-
mos em nossos relacionamentos para escapar das inquietaccedilotildees cotidianas
alimentar nossos eus criativos e viver com mais leveza Deixemos ludus
tornar-se parte de nossa linguagem de amor
Os casamentos na Greacutecia Antiga raramente eram luacutedicos Em geral
eram arranjados pelos pais a mulher estava subordinada aos desejos do
marido e esperava-se que permanecesse confinada dentro de casa983089983093 Apesar
disso os gregos conseguiram inventar uma quarta variedade de amor
chamada pragma ou amor maduro que designava a profunda compreen-
satildeo que se desenvolvia entre casais com muitos anos de casados983089983094 Pragma
tem a ver com a construccedilatildeo de um relacionamento ao longo do tempo
cedendo quando necessaacuterio mostrando paciecircncia e toleracircncia e sendo
realiacutestico em relaccedilatildeo ao que se deveria esperar do parceiro Ele envolve
apoio agraves diferentes necessidades um do outro e manutenccedilatildeo da estabili-
dade domeacutestica de modo que os filhos cresccedilam numa atmosfera propiacutecia a
seu desenvolvimento e os negoacutecios financeiros da famiacutelia estejam seguros Acima de tudo pragma eacute uma questatildeo de estar comprometido com a outra
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pessoa e de fazer um esforccedilo em seu favor no relacionamento de modo
a transformar o amor num ato de muacutetua reciprocidade Nos anos 10486331048629852016 o
psicoacutelogo Erich Fromm estabeleceu uma distinccedilatildeo entre ldquoenamorar-serdquo eldquopermanecer enamoradordquo segundo ele despendemos energia demais no
ato de nos enamorar e deveriacuteamos nos concentrar mais na manutenccedilatildeo
do enamoramento que eacute sobretudo uma questatildeo de dar amor natildeo de
recebecirc-lo983089983095 Pragma estaacute no cerne dessa ideia de permanecer enamorado
Hoje com cerca da metade dos casamentos nos Estados Unidos e na Gratilde-
Bretanha terminando em divoacutercio a antiga noccedilatildeo grega de amor maduro
nos eacute urgentemente necessaacuteria para que possamos reviver a perspectiva
de relacionamentos para a vida toda983089983096
Enquanto pragma exigia a doaccedilatildeo ao parceiro agape ou o amor al-
truiacutesta era uma ideia muito mais radical Tratava-se de um antigo amor
grego definido pela falta de exclusividade ele devia ser estendido desinte-
ressadamente a todos os seres humanos quer fossem membros de nossa
famiacutelia quer fosse um estrangeiro de uma cidade-Estado distante983089983097 Era
um amor oferecido sem obrigaccedilatildeo ou expectativa de reciprocidade ndash um
amor transcendente baseado na solidariedade humana Agape tornou-se
um dos conceitos centrais do pensamento cristatildeo e era a palavra usada
pelos cristatildeos primitivos para descrever o amor divino de Deus pelo ho-
mem amor que se esperava que os crentes retribuiacutessem tanto a Deus
quanto aos outros seres humanos Ele pode ser encontrado por toda parte
nos Evangelhos por exemplo no mandamento de Jesus ldquoAma [agape] teu
proacuteximo como a ti mesmordquo Mais tarde agape foi traduzido pela palavra
latina caritas base de nossa palavra ldquocaridadersquordquo em seus escritos o pen-
sador e escritor para crianccedilas do seacuteculo XX CS Lewis sustenta que agape
ou caridade ndash que alguns chamam de ldquoamor doaccedilatildeordquo ndash eacute a mais elevada
forma de amor cristatildeo983090983088
A ideia de um amor ilimitado e altruiacutesta natildeo surgiu apenas na Greacutecia
Antiga mas possui ressonacircncia global O budismo teravada defende o
cultivo de metta ou ldquobondade amorosa universalrdquo que vai aleacutem da huma-
nidade para abraccedilar o amor e a compaixatildeo por todos os seres sensiacuteveis eateacute por vezes a vida vegetal No pensamento confuciano o conceito de ren
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Amor 10486261048627
ou ldquobenevolecircnciardquo tambeacutem se refere a uma forma altruiacutesta e abrangente
de amor Contudo enquanto agape e metta estendem-se a todas as pessoas
indiscriminadamente ren eacute um amor graduado que se estende a partirde noacutes mesmos em ciacuterculos concecircntricos o amor mais forte reservado ao
ciacuterculo mais proacuteximo de nossa famiacutelia imediata e depois se expandindo
progressivamente para amigos a comunidade local e a humanidade como
um todo983090983089 O poder e a beleza de amores inclusivos como agape eacute que eles
ajudam a contrabalanccedilar nosso esmagador desejo de ser amados pedindo-
nos em vez disso para nos lanccedilarmos a uma generosidade de espiacuterito
afirmadora da vida Infelizmente ateacute agora ningueacutem inventou o speed
dating de agape para ajudar a criar um movimento aleatoacuterio de bondade
nem encontramos anuacutencios pessoais oferecendo agape nos jornais Ainda
assim eacute possiacutevel desempenhar com facilidade atos de agape como pagar
o pedaacutegio do desconhecido que dirige o carro que vem atraacutes do nosso
Um uacuteltimo amor conhecido pelos gregos era philautia ou amor-proacute-
prio que agrave primeira vista parece o oposto de agape ndash um rival que o des-
truiria Os saacutebios gregos no entanto percebiam que ele se manifestava
sob duas formas Havia um tipo negativo de amor-proacuteprio um desejo
ardente e egoiacutesta de obter prazeres pessoais dinheiro e honrarias puacutebli-
cas muito aleacutem da cota justa Seus perigos foram revelados no mito de
Narciso o irresistiacutevel jovem que se apaixonou pelo proacuteprio reflexo num
lago e incapaz de se afastar pereceu ali de inaniccedilatildeo A maacute reputaccedilatildeo do
amor-proacuteprio persistiu no pensamento ocidental no seacuteculo XVI o teoacutelogo
francecircs Joatildeo Calvino descreveu-o como uma ldquopesterdquo ao passo que Freud
o via como um redirecionamento patoloacutegico da nossa libido para noacutes
mesmos tornando-nos incapazes de amar os outros983090983090
Por sorte Aristoacuteteles havia reconhecido uma versatildeo mais positiva
do amor-proacuteprio que intensificava nossa capacidade de amor ldquoTodos os
sentimentos amistosos pelos outrosrdquo escreveu ele ldquosatildeo extensotildees dos
sentimentos de um homem por si mesmordquo A mensagem era que quando
gostamos de noacutes e nos sentimos seguros de noacutes mesmos temos amor em
abundacircncia para dar De maneira semelhante se sabemos o que nos fazfelizes estaremos em melhores condiccedilotildees para estender essa felicidade aos
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que nos cercam Se por outro lado estamos em desconforto com o que
somos ou alimentamos alguma aversatildeo por noacutes mesmos teremos pouco
amor a oferecer aos outros Ao que parece deveriacuteamos aprender a amara noacutes mesmos de uma maneira que natildeo se transforme num sentimento
arrebatador de obsessatildeo por noacutes Isso significa no miacutenimo aceitar nossas
imperfeiccedilotildees e reconhecer humildemente nossos talentos individuais em
vez de sempre olhar para nossos defeitos e inadequaccedilotildees983090983091
A983154983149983137983140983151983155 983140983141983155983155983141 983139983151983150983144983141983139983145983149983141983150983156983151 das variedades do amor vocecirc teria sem
duacutevida muito a dizer se fosse convidado a participar de um debate filosoacute-
fico sobre a natureza do amor na Atenas claacutessica A principal razatildeo para
compreender os seis amores natildeo eacute contudo enriquecer a qualidade de sua
conversa mas repensar o significado do amor em sua proacutepria vida O traccedilo
mais notaacutevel da abordagem dos gregos antigos eacute que eles reconheciam
ter amor em seus relacionamentos com uma ampla variedade de pessoas
ndash amigos famiacutelia cocircnjuges estranhos e ateacute consigo mesmos Como ve-
remos adiante isso eacute muito diferente do modo como abordamos o amor
hoje o qual em geral envolve o foco romacircntico numa uacutenica pessoa que
supostamente deve satisfazer todas as nossas necessidades amorosas Os
gregos estatildeo nos dizendo para fomentar as muitas formas de amor em
vez de persegui-lo em termos estreitos demais
Uma vantagem de pensar dessa maneira eacute que se vocecirc estaacute muito
infeliz com a dimensatildeo de sua ldquovida amorosardquo ndash digamos que natildeo consiga
satisfazer seu eros e foi rejeitado por algueacutem ndash pode concentrar a atenccedilatildeo
alternativamente em algum outro tipo de amor Por exemplo vocecirc culti-
varia a philia dedicando tempo a seus amigos mais antigos ou expandiria
seu ludus danccedilando noite adentro Aleacutem disso talvez vocecirc sinta que estaacute
sofrendo por falta de amor mas se mapeasse a extensatildeo em que todas as
seis formas estatildeo presentes em sua vida provavelmente descobriria que
o amor eacute muito mais abundante do que havia imaginado
Uma das questotildees universais da vida emocional sempre foi ldquoO que eacuteo amorrdquo Creio que essa eacute uma pergunta enganosa que nos enredou em
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Amor 10486261048629
confusotildees inuacuteteis na tentativa de identificar alguma essecircncia definitiva
do ldquoverdadeiro amorrdquo A liccedilatildeo da Greacutecia Antiga eacute que a pergunta que
devemos fazer a noacutes mesmos eacute outra ldquoComo posso cultivar as diferentesvariedades de amor em minha vidardquo Esta eacute a questatildeo suprema do amor
que hoje enfrentamos Mas se desejamos cultivar essas variedades deve-
mos primeiro nos desvencilhar do poderoso mito do amor romacircntico
que se interpotildee no caminho
O mito do amor romacircntico
A ideia do amor apaixonado romacircntico que emergiu no Ocidente durante
o uacuteltimo milecircnio eacute uma de nossas heranccedilas culturais mais destrutivas
Isso porque sua principal aspiraccedilatildeo ndash a descoberta de uma alma gecircmea ndash eacute
praticamente inatingiacutevel Podemos passar anos agrave procura dessa pessoa elu-
siva que satisfaraacute todas as nossas necessidades emocionais e nossos desejos
sexuais que nos proporcionaraacute amizade e autoconfianccedila conforto e risos
estimularaacute nossas mentes e compartilharaacute nossos sonhos Imaginamos que
existe algueacutem no eacuteter amoroso que eacute nossa outra metade perdida e que nos
faraacute sentir completos bastando apenas que possamos fundir nosso ser com
o dele na sublime uniatildeo do amor romacircntico Nossas esperanccedilas satildeo alimen-
tadas por uma induacutestria de filmes romacircnticos de Hollywood e um excesso
de ficccedilatildeo barata difundindo essa mitologia A mensagem eacute reproduzida
pelo exeacutercito mundial de conselheiros que anunciam sua habilidade para
ajudaacute-lo a ldquoencontrar o par perfeitordquo Um dos sites de encontros amorosos
on-line mais populares da Gratilde-Bretanha chama-se como natildeo eacute de surpreen-
der Soulmates e num levantamento feito junto a americanos solteiros na
casa dos vinte anos 10486331048628 concordaram que ldquoquando algueacutem se casa quer
que o cocircnjuge seja sua alma gecircmea acima de qualquer outra coisardquo983090983092
Damos por certa a possibilidade do amor romacircntico Mas para com-
preender por que nos tornamos tatildeo obcecados por ele e com a ideia de
uma alma gecircmea ndash expressatildeo que soacute emergiu no seacuteculo XIX ndash precisa-mos descobrir como o conceito de amor desenvolveu-se no Ocidente no
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curso dos uacuteltimos mil anos A lamentaacutevel verdade eacute que o mito do amor
romacircntico apossou-se pouco a pouco das variedades de amor que exis-
tiam no passado absorvendo-as numa visatildeo monoliacutetica Essa calamidadecultural desenvolveu-se em cinco estaacutegios comeccedilando nos desertos da
Araacutebia onde eros tornou-se a base do amor romacircntico Agape foi acrescen-
tado ao ideal romacircntico na Europa medieval tardia ao passo que philia e
pragma foram incorporados durante um terceiro estaacutegio no seacuteculo XVII
O movimento do Romantismo aprofundou a importacircncia de eros e por
fim philautia e ludus tornaram-se parte de nossas esperanccedilas romacircnticas
no seacuteculo XX A consequecircncia eacute que estamos agora oprimidos pela crenccedila
infundada e muitas vezes perigosa de que todas as variedades de amor
podem e devem ser encontradas numa uacutenica pessoa
O amor romacircntico nasceu por volta do fim do primeiro milecircnio em
contos poesias e muacutesica da Peacutersia no iniacutecio da Idade Meacutedia Seus traccedilos
centrais podem ser encontrados em As mil e uma noites coletacircnea de narra-
tivas populares do Oriente Meacutedio datadas do seacuteculo X aproximadamente
contadas noite apoacutes noite pela princesa Sherazade a seu novo marido
o exaltado sultatildeo Shariar que tinha o execraacutevel haacutebito de executar suas
noivas virgens Nos anos 10486321048632852016 as histoacuterias foram traduzidas de maneira
abominaacutevel para o inglecircs pelo explorador sir Richard Burton que fez
questatildeo de enfatizar seu conteuacutedo eroacutetico com copiosas notas de rodapeacute
sobre os costumes sexuais persas Talvez vocecirc se lembre de ldquoAli Babaacute
e os quarenta ladrotildeesrdquo mas provavelmente estaacute menos familiarizado
com histoacuterias mais sensuais como ldquoO priacutencipe Behram e a princesa al-
Datmardquo Quando o jovem priacutencipe bateu os olhos pela primeira vez na
bela e graciosa princesa cujo rosto era ldquomais radiante que a luardquo o amor
ldquoapoderou-se de seu coraccedilatildeordquo de imediato e ele astutamente se vestiu como
um velho e decreacutepito jardineiro para conquistaacute-la Outros contos entre
eles ldquoO primeiro eunuco Bukhaytrdquo eram tatildeo sexualmente expliacutecitos que
escandalizaram a Inglaterra vitoriana983090983093 O que emergia nessas narrativas
era uma nova visatildeo do amor que combinava a paixatildeo de eros com a fusatildeo
das almas dos amantes983090983094 Esses dois elementos estatildeo no acircmago de nossanoccedilatildeo contemporacircnea de amor romacircntico
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Amor 10486251048631
As seis variedades de amor
A cultura contemporacircnea do cafeacute desenvolveu um vocabulaacuterio sofisticadopara descrever as muitas opccedilotildees que temos para obter uma dose diaacuteria de
cafeiacutena ndash cappuccino espresso latte americano machiato mocha Os gregos
antigos eram igualmente refinados na maneira como pensavam sobre o
amor distinguindo seis diferentes tipos983091 Isso eacute o oposto da abordagem
atual em que sob um termo uacutenico e vago englobamos uma enorme seacuterie
de emoccedilotildees relacionamentos e ideias Um menino adolescente declara
ldquoEstou amandordquo mas eacute improvaacutevel que isso signifique a mesma coisa que
um homem de sessenta anos ao dizer que ainda ama sua mulher depois de
tantos anos juntos Pronunciamos ldquoEu te amordquo nos momentos romacircnticos
intensos e somos capazes de encerrar um e-mail sem pensar muito com
as palavras ldquoCom muito amorrdquo
Os habitantes da Atenas claacutessica teriam ficado surpresos com a rudeza
de nossa expressatildeo A linguagem que adotavam para falar do amor natildeo soacute
insuflava mexericos no mercado como tambeacutem lhes permitia pensar sobre
o lugar do amor em suas vidas de uma maneira que mal podemos com-
preender com nossa linguagem amorosa empobrecida que em termos de
cafeacute eacute o equivalente emocional de uma caneca de instantacircneo Precisamos
descobrir os seis tipos de amor conhecidos pelos gregos e considerar a
possibilidade de tornaacute-los parte de nossas conversas cotidianas Ao fazecirc-lo
talvez sejamos capazes de encontrar relacionamentos que correspondam
melhor a nossos gostos pessoais
Todos noacutes jaacute vimos cartotildees de Dia dos Namorados com pequenos
cupidos rechonchudos esvoaccedilando aqui e ali a disparar suas flechas em
pessoas desavisadas que se veem instantaneamente apaixonadas uma pela
outra Cupido eacute a versatildeo romana de Eros o deus grego do amor e da ferti-
lidade Para os gregos antigos eros era a ideia da paixatildeo e do desejo sexual
e representava uma de suas mais importantes variedades de amor Mas
O uso indiscriminado da palavra amor eacute muito maior claro no mundo angloacutefono ea expressatildeo citada no original mais banal que esta eacute ldquoLots of loverdquo (NT)
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eros estava longe de ser o malandrinho brincalhatildeo que hoje imaginamos
Ele era visto como uma forma perigosa impetuosa e irracional de amor
que podia se apossar de uma pessoa e dominaacute-la ldquoDesejo duplicado eacuteamor amor duplicado eacute loucurardquo disse Proacutedico filoacutesofo do seacuteculo V aC983092
Eros envolvia uma perda de controle que atemorizava os gregos embora
perder o controle seja precisamente o que muitos de noacutes procuramos hoje
em nossos relacionamentos acreditando que ldquose apaixonar loucamenterdquo
eacute a marca de uma uniatildeo ideal
Em textos antigos eros estaacute com frequecircncia associado agrave homossexuali-
dade em especial o amor de homens mais velhos por adolescentes praacutetica
corrente na Atenas dos seacuteculos V e VI aC em meio agrave aristocracia Isso era
conhecido como paiderastia o que por sua vez gerou um dos mais exoacute-
ticos verbos gregos katapepaiderastekenai ndash ldquoesbanjar a heranccedila por causa
de uma incorrigiacutevel devoccedilatildeo a meninosrdquo983093 Mas eros natildeo existia apenas em
relacionamentos que envolviam homens O estadista ateniense Peacutericles foi
compelido por eros a abandonar sua mulher em favor da bela e brilhante
Aspaacutesia que se tornou sua concubina ao passo que a poeta Safo era reno-
mada por suas odes eroacuteticas a mulheres inclusive aquelas de sua ilha natal
de Lesbos (daiacute a palavra ldquoleacutesbicardquo)983094 O poder de eros tambeacutem aparecia em
mitos gregos nos quais as faccedilanhas dos deuses promiacutescuos ndash em especial
os de sexo masculino ndash satildeo reveladoras das normas culturais da sociedade
claacutessica Zeus fazia enorme esforccedilo para satisfazer suas paixotildees sexuais
transformando-se num cisne para seduzir Leda num touro branco como
a neve para estuprar Europa e numa nuvem para se insinuar junto a Io983095
Ateacute Polifemo o ciclope bestial da Odisseia sofreu em razatildeo de seu eros natildeo
correspondido pela ninfa do mar Galateia embora as palavras que tenha
escolhido para lhe passar uma cantada natildeo devam ter contribuiacutedo muito
para melhorar a situaccedilatildeo ldquoBranca Galateia por que repeles meu amor
Oacute eacutes mais branca aos meus olhos que leite coalhadohellip Mais lustrosa que
uma uva verderdquo983096 A evidecircncia visualmente mais notaacutevel de eros na vida
cotidiana aparecia nas obscenas ldquopeccedilas de saacutetirosrdquo que se seguiam agrave ence-
naccedilatildeo de trageacutedias durante os festivais teatrais da primavera em AtenasMetade homem metade bode os saacutetiros faziam travessuras em cena com
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Amor 10486251048633
enormes falos eretos presos agrave cintura apimentando suas falas com piadas
lascivas983097 As dores associadas a eros podiam claramente ser mitigadas com
leve aliacutevio cocircmicoTodo mundo tem histoacuterias para contar sobre um coraccedilatildeo transpassado
por eros Certa vez fui induzido por eros a deslocar toda a minha vida da
Gratilde-Bretanha para os Estados Unidos na busca temeraacuteria ndash e finalmente
fracassada ndash de uma mulher Eacute possiacutevel que vocecirc tenha ficado tatildeo apai-
xonada por seu primeiro namorado que mandou tatuar seu nome em
letras goacuteticas no traseiro ndash e ateacute hoje carregue as evidecircncias Talvez vocecirc
se lembre com malicioso deleite de ter feito amor ao ar livre num parque
de Paris na lua de mel Ou que tenha se apaixonado agrave primeira vista por
um professor de inglecircs alcooacutelatra e embarcado num caso turbulento que
terminou em laacutegrimas ou talvez em filhos Quer nossas lembranccedilas de
eros sejam cheias de beleza sensual ou tocadas pela trageacutedia dificilmente
podemos imaginar o amor sem uma forte dose de paixatildeo e desejo eroacutetico
A segunda variedade de amor philia ndash em geral traduzida como ldquoami-
zaderdquo ndash era considerada muito mais virtuosa que a despreziacutevel sexuali-
dade de eros Filoacutesofos como Aristoacuteteles dedicaram consideraacutevel energia
mental a dissecar as diferentes formas de philia Havia a philia dentro da
unidade familiar por exemplo a proximidade e afeiccedilatildeo entre pai e filho
ou a intimidade profunda mas natildeo sexual ser sentida entre irmatildeos ou
primos ligados por laccedilo de sangue Uma versatildeo utilitaacuteria de philia existia
entre pessoas envolvidas em relaccedilotildees de dependecircncia muacutetua como soacutecios
em negoacutecios ou aliados poliacuteticos Se uma pessoa deixava de ser uacutetil para
a outra a philia podia facilmente sucumbir Reconhecemos essas amiza-
des instrumentais na vida contemporacircnea por exemplo quando pessoas
fazem amizade com colegas de trabalho influentes porque isso as ajudaraacute
a subir na hierarquia da empresa
A philia mais valorizada pelos gregos poreacutem era a profunda amizade
que se desenvolvia entre camaradas que haviam lutado lado a lado no
campo de batalha Esses irmatildeos de armas haviam testemunhado o sofri-
mento um do outro e muitas vezes arriscado a vida para salvar os compa-nheiros de ser empalados por uma lanccedila persa Eles se consideravam iguais
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1048626852016 Relacionamentos enriquecedores
e natildeo soacute compartilhavam seus medos pessoais como manifestavam ex-
trema lealdade ajudando-se mutuamente em tempos de necessidade sem
nada esperar em troca983089983088 O modelo para essa forma de philia foi a amizadeentre Aquiles e Paacutetroclo ndash supostamente tambeacutem amantes ndash central no
enredo da Iliacuteada de Homero Quando Paacutetroclo morre em combate Aqui-
les aflige-se sobre seu corpo esfregando cinzas em si mesmo e jejuando
depois retorna agrave frente de batalha para vingar a morte do camarada
Lembro de ficar sentado num enfumaccedilado bar de Madri quando tinha
vinte e poucos anos ouvindo um ex-colega de faculdade falar de maneira
comovedora sobre a grande importacircncia que dava a suas amizades Na-
quele momento tive uma revelaccedilatildeo compreendi que desfrutava pouco
aquela philia entusiaacutestica e agradaacutevel que era uma parte tatildeo importante
de sua vida Eu raras vezes revelava minhas emoccedilotildees para meus amigos
aparentemente chegados ndash homens ou mulheres ndash e nunca tinha sacri-
ficado muita coisa por eles Minha vida era cheia de conhecidos mas eu
natildeo tinha muitos amigos verdadeiros Desde entatildeo fiz um esforccedilo para
introduzir mais philia em meus relacionamentos Quanto amor ldquo philialrdquo
vocecirc tem em sua vida Essa eacute uma importante questatildeo hoje quando tantos
se orgulham de ter centenas de ldquoamigosrdquo no Facebook ou ldquoseguidoresrdquo
no Twitter faccedilanhas que desconfio natildeo teriam impressionado os gregos
Embora a philia pudesse ser um assunto de grande seriedade havia um
terceiro tipo de amor valorizado pelos gregos antigos o amor brincalhatildeo
Seguindo o poeta romano Oviacutedio os estudiosos costumam usar a palavra
latina ludus para descrever essa forma de amor que diz respeito agrave afeiccedilatildeo
brincalhona entre crianccedilas ou amantes fortuitos983089983089 Tendemos a associar
a disposiccedilatildeo brincalhona aos primeiros estaacutegios de um relacionamento
em que o flerte as provocaccedilotildees e os gracejos despreocupados satildeo aspec-
tos ritualiacutesticos da corte Essa abordagem luacutedica do amor transformou-se
numa forma de arte em meio agrave aristocracia na Franccedila no seacuteculo XVIII O
amor era um jogo cheio de cartas secretas humor malicioso e excitante
encontros arriscados agrave meia-noite983089983090 Vemos ludus hoje quando jovens brin-
cam de ldquoPera uva ou maccedilatilderdquo o que fornece a perspectiva de um primeiro beijo Nossos momentos luacutedicos mais exuberantes costumam ter lugar na
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Amor 10486261048625
pista de danccedila onde a proximidade fiacutesica com os outros ndash muitas vezes
desconhecidos ndash possibilita um embate sexualizado brincalhatildeo que fun-
ciona como substituto do sexo A grande popularidade que danccedilas latino-americanas como a salsa e o tango adquiriram no Ocidente se explica em
parte por serem impregnadas dessa qualidade luacutedica de que muitos sentem
falta em suas vidas
Em seu livro dos anos 10486331048627852016 Homo Ludens o historiador holandecircs Johan
Huizinga sugeriu que o instinto de brincar era um traccedilo humano natural
evidente em todas as culturas983089983091 A implicaccedilatildeo de sua tese reforccedilada pela
crescente literatura psicoloacutegica sobre a importacircncia da brincadeira para o
bem-estar eacute que deveriacuteamos procurar alimentar ludus em vaacuterios de nossos
relacionamentos natildeo apenas com nossos amados ou na pista de danccedila
mas tambeacutem com amigos famiacutelia e colegas983089983092 Simplesmente sentar-se agrave
volta de uma mesa num bar caccediloando e rindo com os amigos eacute uma ma-
neira de cultivar ludus As normas sociais que desaprovam a frivolidade
adulta permitiram a poucos de noacutes conservar a disposiccedilatildeo brincalhona que
tiacutenhamos quando crianccedilas mas talvez seja exatamente disso que precisa-
mos em nossos relacionamentos para escapar das inquietaccedilotildees cotidianas
alimentar nossos eus criativos e viver com mais leveza Deixemos ludus
tornar-se parte de nossa linguagem de amor
Os casamentos na Greacutecia Antiga raramente eram luacutedicos Em geral
eram arranjados pelos pais a mulher estava subordinada aos desejos do
marido e esperava-se que permanecesse confinada dentro de casa983089983093 Apesar
disso os gregos conseguiram inventar uma quarta variedade de amor
chamada pragma ou amor maduro que designava a profunda compreen-
satildeo que se desenvolvia entre casais com muitos anos de casados983089983094 Pragma
tem a ver com a construccedilatildeo de um relacionamento ao longo do tempo
cedendo quando necessaacuterio mostrando paciecircncia e toleracircncia e sendo
realiacutestico em relaccedilatildeo ao que se deveria esperar do parceiro Ele envolve
apoio agraves diferentes necessidades um do outro e manutenccedilatildeo da estabili-
dade domeacutestica de modo que os filhos cresccedilam numa atmosfera propiacutecia a
seu desenvolvimento e os negoacutecios financeiros da famiacutelia estejam seguros Acima de tudo pragma eacute uma questatildeo de estar comprometido com a outra
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pessoa e de fazer um esforccedilo em seu favor no relacionamento de modo
a transformar o amor num ato de muacutetua reciprocidade Nos anos 10486331048629852016 o
psicoacutelogo Erich Fromm estabeleceu uma distinccedilatildeo entre ldquoenamorar-serdquo eldquopermanecer enamoradordquo segundo ele despendemos energia demais no
ato de nos enamorar e deveriacuteamos nos concentrar mais na manutenccedilatildeo
do enamoramento que eacute sobretudo uma questatildeo de dar amor natildeo de
recebecirc-lo983089983095 Pragma estaacute no cerne dessa ideia de permanecer enamorado
Hoje com cerca da metade dos casamentos nos Estados Unidos e na Gratilde-
Bretanha terminando em divoacutercio a antiga noccedilatildeo grega de amor maduro
nos eacute urgentemente necessaacuteria para que possamos reviver a perspectiva
de relacionamentos para a vida toda983089983096
Enquanto pragma exigia a doaccedilatildeo ao parceiro agape ou o amor al-
truiacutesta era uma ideia muito mais radical Tratava-se de um antigo amor
grego definido pela falta de exclusividade ele devia ser estendido desinte-
ressadamente a todos os seres humanos quer fossem membros de nossa
famiacutelia quer fosse um estrangeiro de uma cidade-Estado distante983089983097 Era
um amor oferecido sem obrigaccedilatildeo ou expectativa de reciprocidade ndash um
amor transcendente baseado na solidariedade humana Agape tornou-se
um dos conceitos centrais do pensamento cristatildeo e era a palavra usada
pelos cristatildeos primitivos para descrever o amor divino de Deus pelo ho-
mem amor que se esperava que os crentes retribuiacutessem tanto a Deus
quanto aos outros seres humanos Ele pode ser encontrado por toda parte
nos Evangelhos por exemplo no mandamento de Jesus ldquoAma [agape] teu
proacuteximo como a ti mesmordquo Mais tarde agape foi traduzido pela palavra
latina caritas base de nossa palavra ldquocaridadersquordquo em seus escritos o pen-
sador e escritor para crianccedilas do seacuteculo XX CS Lewis sustenta que agape
ou caridade ndash que alguns chamam de ldquoamor doaccedilatildeordquo ndash eacute a mais elevada
forma de amor cristatildeo983090983088
A ideia de um amor ilimitado e altruiacutesta natildeo surgiu apenas na Greacutecia
Antiga mas possui ressonacircncia global O budismo teravada defende o
cultivo de metta ou ldquobondade amorosa universalrdquo que vai aleacutem da huma-
nidade para abraccedilar o amor e a compaixatildeo por todos os seres sensiacuteveis eateacute por vezes a vida vegetal No pensamento confuciano o conceito de ren
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Amor 10486261048627
ou ldquobenevolecircnciardquo tambeacutem se refere a uma forma altruiacutesta e abrangente
de amor Contudo enquanto agape e metta estendem-se a todas as pessoas
indiscriminadamente ren eacute um amor graduado que se estende a partirde noacutes mesmos em ciacuterculos concecircntricos o amor mais forte reservado ao
ciacuterculo mais proacuteximo de nossa famiacutelia imediata e depois se expandindo
progressivamente para amigos a comunidade local e a humanidade como
um todo983090983089 O poder e a beleza de amores inclusivos como agape eacute que eles
ajudam a contrabalanccedilar nosso esmagador desejo de ser amados pedindo-
nos em vez disso para nos lanccedilarmos a uma generosidade de espiacuterito
afirmadora da vida Infelizmente ateacute agora ningueacutem inventou o speed
dating de agape para ajudar a criar um movimento aleatoacuterio de bondade
nem encontramos anuacutencios pessoais oferecendo agape nos jornais Ainda
assim eacute possiacutevel desempenhar com facilidade atos de agape como pagar
o pedaacutegio do desconhecido que dirige o carro que vem atraacutes do nosso
Um uacuteltimo amor conhecido pelos gregos era philautia ou amor-proacute-
prio que agrave primeira vista parece o oposto de agape ndash um rival que o des-
truiria Os saacutebios gregos no entanto percebiam que ele se manifestava
sob duas formas Havia um tipo negativo de amor-proacuteprio um desejo
ardente e egoiacutesta de obter prazeres pessoais dinheiro e honrarias puacutebli-
cas muito aleacutem da cota justa Seus perigos foram revelados no mito de
Narciso o irresistiacutevel jovem que se apaixonou pelo proacuteprio reflexo num
lago e incapaz de se afastar pereceu ali de inaniccedilatildeo A maacute reputaccedilatildeo do
amor-proacuteprio persistiu no pensamento ocidental no seacuteculo XVI o teoacutelogo
francecircs Joatildeo Calvino descreveu-o como uma ldquopesterdquo ao passo que Freud
o via como um redirecionamento patoloacutegico da nossa libido para noacutes
mesmos tornando-nos incapazes de amar os outros983090983090
Por sorte Aristoacuteteles havia reconhecido uma versatildeo mais positiva
do amor-proacuteprio que intensificava nossa capacidade de amor ldquoTodos os
sentimentos amistosos pelos outrosrdquo escreveu ele ldquosatildeo extensotildees dos
sentimentos de um homem por si mesmordquo A mensagem era que quando
gostamos de noacutes e nos sentimos seguros de noacutes mesmos temos amor em
abundacircncia para dar De maneira semelhante se sabemos o que nos fazfelizes estaremos em melhores condiccedilotildees para estender essa felicidade aos
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10486261048628 Relacionamentos enriquecedores
que nos cercam Se por outro lado estamos em desconforto com o que
somos ou alimentamos alguma aversatildeo por noacutes mesmos teremos pouco
amor a oferecer aos outros Ao que parece deveriacuteamos aprender a amara noacutes mesmos de uma maneira que natildeo se transforme num sentimento
arrebatador de obsessatildeo por noacutes Isso significa no miacutenimo aceitar nossas
imperfeiccedilotildees e reconhecer humildemente nossos talentos individuais em
vez de sempre olhar para nossos defeitos e inadequaccedilotildees983090983091
A983154983149983137983140983151983155 983140983141983155983155983141 983139983151983150983144983141983139983145983149983141983150983156983151 das variedades do amor vocecirc teria sem
duacutevida muito a dizer se fosse convidado a participar de um debate filosoacute-
fico sobre a natureza do amor na Atenas claacutessica A principal razatildeo para
compreender os seis amores natildeo eacute contudo enriquecer a qualidade de sua
conversa mas repensar o significado do amor em sua proacutepria vida O traccedilo
mais notaacutevel da abordagem dos gregos antigos eacute que eles reconheciam
ter amor em seus relacionamentos com uma ampla variedade de pessoas
ndash amigos famiacutelia cocircnjuges estranhos e ateacute consigo mesmos Como ve-
remos adiante isso eacute muito diferente do modo como abordamos o amor
hoje o qual em geral envolve o foco romacircntico numa uacutenica pessoa que
supostamente deve satisfazer todas as nossas necessidades amorosas Os
gregos estatildeo nos dizendo para fomentar as muitas formas de amor em
vez de persegui-lo em termos estreitos demais
Uma vantagem de pensar dessa maneira eacute que se vocecirc estaacute muito
infeliz com a dimensatildeo de sua ldquovida amorosardquo ndash digamos que natildeo consiga
satisfazer seu eros e foi rejeitado por algueacutem ndash pode concentrar a atenccedilatildeo
alternativamente em algum outro tipo de amor Por exemplo vocecirc culti-
varia a philia dedicando tempo a seus amigos mais antigos ou expandiria
seu ludus danccedilando noite adentro Aleacutem disso talvez vocecirc sinta que estaacute
sofrendo por falta de amor mas se mapeasse a extensatildeo em que todas as
seis formas estatildeo presentes em sua vida provavelmente descobriria que
o amor eacute muito mais abundante do que havia imaginado
Uma das questotildees universais da vida emocional sempre foi ldquoO que eacuteo amorrdquo Creio que essa eacute uma pergunta enganosa que nos enredou em
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Amor 10486261048629
confusotildees inuacuteteis na tentativa de identificar alguma essecircncia definitiva
do ldquoverdadeiro amorrdquo A liccedilatildeo da Greacutecia Antiga eacute que a pergunta que
devemos fazer a noacutes mesmos eacute outra ldquoComo posso cultivar as diferentesvariedades de amor em minha vidardquo Esta eacute a questatildeo suprema do amor
que hoje enfrentamos Mas se desejamos cultivar essas variedades deve-
mos primeiro nos desvencilhar do poderoso mito do amor romacircntico
que se interpotildee no caminho
O mito do amor romacircntico
A ideia do amor apaixonado romacircntico que emergiu no Ocidente durante
o uacuteltimo milecircnio eacute uma de nossas heranccedilas culturais mais destrutivas
Isso porque sua principal aspiraccedilatildeo ndash a descoberta de uma alma gecircmea ndash eacute
praticamente inatingiacutevel Podemos passar anos agrave procura dessa pessoa elu-
siva que satisfaraacute todas as nossas necessidades emocionais e nossos desejos
sexuais que nos proporcionaraacute amizade e autoconfianccedila conforto e risos
estimularaacute nossas mentes e compartilharaacute nossos sonhos Imaginamos que
existe algueacutem no eacuteter amoroso que eacute nossa outra metade perdida e que nos
faraacute sentir completos bastando apenas que possamos fundir nosso ser com
o dele na sublime uniatildeo do amor romacircntico Nossas esperanccedilas satildeo alimen-
tadas por uma induacutestria de filmes romacircnticos de Hollywood e um excesso
de ficccedilatildeo barata difundindo essa mitologia A mensagem eacute reproduzida
pelo exeacutercito mundial de conselheiros que anunciam sua habilidade para
ajudaacute-lo a ldquoencontrar o par perfeitordquo Um dos sites de encontros amorosos
on-line mais populares da Gratilde-Bretanha chama-se como natildeo eacute de surpreen-
der Soulmates e num levantamento feito junto a americanos solteiros na
casa dos vinte anos 10486331048628 concordaram que ldquoquando algueacutem se casa quer
que o cocircnjuge seja sua alma gecircmea acima de qualquer outra coisardquo983090983092
Damos por certa a possibilidade do amor romacircntico Mas para com-
preender por que nos tornamos tatildeo obcecados por ele e com a ideia de
uma alma gecircmea ndash expressatildeo que soacute emergiu no seacuteculo XIX ndash precisa-mos descobrir como o conceito de amor desenvolveu-se no Ocidente no
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10486261048630 Relacionamentos enriquecedores
curso dos uacuteltimos mil anos A lamentaacutevel verdade eacute que o mito do amor
romacircntico apossou-se pouco a pouco das variedades de amor que exis-
tiam no passado absorvendo-as numa visatildeo monoliacutetica Essa calamidadecultural desenvolveu-se em cinco estaacutegios comeccedilando nos desertos da
Araacutebia onde eros tornou-se a base do amor romacircntico Agape foi acrescen-
tado ao ideal romacircntico na Europa medieval tardia ao passo que philia e
pragma foram incorporados durante um terceiro estaacutegio no seacuteculo XVII
O movimento do Romantismo aprofundou a importacircncia de eros e por
fim philautia e ludus tornaram-se parte de nossas esperanccedilas romacircnticas
no seacuteculo XX A consequecircncia eacute que estamos agora oprimidos pela crenccedila
infundada e muitas vezes perigosa de que todas as variedades de amor
podem e devem ser encontradas numa uacutenica pessoa
O amor romacircntico nasceu por volta do fim do primeiro milecircnio em
contos poesias e muacutesica da Peacutersia no iniacutecio da Idade Meacutedia Seus traccedilos
centrais podem ser encontrados em As mil e uma noites coletacircnea de narra-
tivas populares do Oriente Meacutedio datadas do seacuteculo X aproximadamente
contadas noite apoacutes noite pela princesa Sherazade a seu novo marido
o exaltado sultatildeo Shariar que tinha o execraacutevel haacutebito de executar suas
noivas virgens Nos anos 10486321048632852016 as histoacuterias foram traduzidas de maneira
abominaacutevel para o inglecircs pelo explorador sir Richard Burton que fez
questatildeo de enfatizar seu conteuacutedo eroacutetico com copiosas notas de rodapeacute
sobre os costumes sexuais persas Talvez vocecirc se lembre de ldquoAli Babaacute
e os quarenta ladrotildeesrdquo mas provavelmente estaacute menos familiarizado
com histoacuterias mais sensuais como ldquoO priacutencipe Behram e a princesa al-
Datmardquo Quando o jovem priacutencipe bateu os olhos pela primeira vez na
bela e graciosa princesa cujo rosto era ldquomais radiante que a luardquo o amor
ldquoapoderou-se de seu coraccedilatildeordquo de imediato e ele astutamente se vestiu como
um velho e decreacutepito jardineiro para conquistaacute-la Outros contos entre
eles ldquoO primeiro eunuco Bukhaytrdquo eram tatildeo sexualmente expliacutecitos que
escandalizaram a Inglaterra vitoriana983090983093 O que emergia nessas narrativas
era uma nova visatildeo do amor que combinava a paixatildeo de eros com a fusatildeo
das almas dos amantes983090983094 Esses dois elementos estatildeo no acircmago de nossanoccedilatildeo contemporacircnea de amor romacircntico
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eros estava longe de ser o malandrinho brincalhatildeo que hoje imaginamos
Ele era visto como uma forma perigosa impetuosa e irracional de amor
que podia se apossar de uma pessoa e dominaacute-la ldquoDesejo duplicado eacuteamor amor duplicado eacute loucurardquo disse Proacutedico filoacutesofo do seacuteculo V aC983092
Eros envolvia uma perda de controle que atemorizava os gregos embora
perder o controle seja precisamente o que muitos de noacutes procuramos hoje
em nossos relacionamentos acreditando que ldquose apaixonar loucamenterdquo
eacute a marca de uma uniatildeo ideal
Em textos antigos eros estaacute com frequecircncia associado agrave homossexuali-
dade em especial o amor de homens mais velhos por adolescentes praacutetica
corrente na Atenas dos seacuteculos V e VI aC em meio agrave aristocracia Isso era
conhecido como paiderastia o que por sua vez gerou um dos mais exoacute-
ticos verbos gregos katapepaiderastekenai ndash ldquoesbanjar a heranccedila por causa
de uma incorrigiacutevel devoccedilatildeo a meninosrdquo983093 Mas eros natildeo existia apenas em
relacionamentos que envolviam homens O estadista ateniense Peacutericles foi
compelido por eros a abandonar sua mulher em favor da bela e brilhante
Aspaacutesia que se tornou sua concubina ao passo que a poeta Safo era reno-
mada por suas odes eroacuteticas a mulheres inclusive aquelas de sua ilha natal
de Lesbos (daiacute a palavra ldquoleacutesbicardquo)983094 O poder de eros tambeacutem aparecia em
mitos gregos nos quais as faccedilanhas dos deuses promiacutescuos ndash em especial
os de sexo masculino ndash satildeo reveladoras das normas culturais da sociedade
claacutessica Zeus fazia enorme esforccedilo para satisfazer suas paixotildees sexuais
transformando-se num cisne para seduzir Leda num touro branco como
a neve para estuprar Europa e numa nuvem para se insinuar junto a Io983095
Ateacute Polifemo o ciclope bestial da Odisseia sofreu em razatildeo de seu eros natildeo
correspondido pela ninfa do mar Galateia embora as palavras que tenha
escolhido para lhe passar uma cantada natildeo devam ter contribuiacutedo muito
para melhorar a situaccedilatildeo ldquoBranca Galateia por que repeles meu amor
Oacute eacutes mais branca aos meus olhos que leite coalhadohellip Mais lustrosa que
uma uva verderdquo983096 A evidecircncia visualmente mais notaacutevel de eros na vida
cotidiana aparecia nas obscenas ldquopeccedilas de saacutetirosrdquo que se seguiam agrave ence-
naccedilatildeo de trageacutedias durante os festivais teatrais da primavera em AtenasMetade homem metade bode os saacutetiros faziam travessuras em cena com
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Amor 10486251048633
enormes falos eretos presos agrave cintura apimentando suas falas com piadas
lascivas983097 As dores associadas a eros podiam claramente ser mitigadas com
leve aliacutevio cocircmicoTodo mundo tem histoacuterias para contar sobre um coraccedilatildeo transpassado
por eros Certa vez fui induzido por eros a deslocar toda a minha vida da
Gratilde-Bretanha para os Estados Unidos na busca temeraacuteria ndash e finalmente
fracassada ndash de uma mulher Eacute possiacutevel que vocecirc tenha ficado tatildeo apai-
xonada por seu primeiro namorado que mandou tatuar seu nome em
letras goacuteticas no traseiro ndash e ateacute hoje carregue as evidecircncias Talvez vocecirc
se lembre com malicioso deleite de ter feito amor ao ar livre num parque
de Paris na lua de mel Ou que tenha se apaixonado agrave primeira vista por
um professor de inglecircs alcooacutelatra e embarcado num caso turbulento que
terminou em laacutegrimas ou talvez em filhos Quer nossas lembranccedilas de
eros sejam cheias de beleza sensual ou tocadas pela trageacutedia dificilmente
podemos imaginar o amor sem uma forte dose de paixatildeo e desejo eroacutetico
A segunda variedade de amor philia ndash em geral traduzida como ldquoami-
zaderdquo ndash era considerada muito mais virtuosa que a despreziacutevel sexuali-
dade de eros Filoacutesofos como Aristoacuteteles dedicaram consideraacutevel energia
mental a dissecar as diferentes formas de philia Havia a philia dentro da
unidade familiar por exemplo a proximidade e afeiccedilatildeo entre pai e filho
ou a intimidade profunda mas natildeo sexual ser sentida entre irmatildeos ou
primos ligados por laccedilo de sangue Uma versatildeo utilitaacuteria de philia existia
entre pessoas envolvidas em relaccedilotildees de dependecircncia muacutetua como soacutecios
em negoacutecios ou aliados poliacuteticos Se uma pessoa deixava de ser uacutetil para
a outra a philia podia facilmente sucumbir Reconhecemos essas amiza-
des instrumentais na vida contemporacircnea por exemplo quando pessoas
fazem amizade com colegas de trabalho influentes porque isso as ajudaraacute
a subir na hierarquia da empresa
A philia mais valorizada pelos gregos poreacutem era a profunda amizade
que se desenvolvia entre camaradas que haviam lutado lado a lado no
campo de batalha Esses irmatildeos de armas haviam testemunhado o sofri-
mento um do outro e muitas vezes arriscado a vida para salvar os compa-nheiros de ser empalados por uma lanccedila persa Eles se consideravam iguais
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1048626852016 Relacionamentos enriquecedores
e natildeo soacute compartilhavam seus medos pessoais como manifestavam ex-
trema lealdade ajudando-se mutuamente em tempos de necessidade sem
nada esperar em troca983089983088 O modelo para essa forma de philia foi a amizadeentre Aquiles e Paacutetroclo ndash supostamente tambeacutem amantes ndash central no
enredo da Iliacuteada de Homero Quando Paacutetroclo morre em combate Aqui-
les aflige-se sobre seu corpo esfregando cinzas em si mesmo e jejuando
depois retorna agrave frente de batalha para vingar a morte do camarada
Lembro de ficar sentado num enfumaccedilado bar de Madri quando tinha
vinte e poucos anos ouvindo um ex-colega de faculdade falar de maneira
comovedora sobre a grande importacircncia que dava a suas amizades Na-
quele momento tive uma revelaccedilatildeo compreendi que desfrutava pouco
aquela philia entusiaacutestica e agradaacutevel que era uma parte tatildeo importante
de sua vida Eu raras vezes revelava minhas emoccedilotildees para meus amigos
aparentemente chegados ndash homens ou mulheres ndash e nunca tinha sacri-
ficado muita coisa por eles Minha vida era cheia de conhecidos mas eu
natildeo tinha muitos amigos verdadeiros Desde entatildeo fiz um esforccedilo para
introduzir mais philia em meus relacionamentos Quanto amor ldquo philialrdquo
vocecirc tem em sua vida Essa eacute uma importante questatildeo hoje quando tantos
se orgulham de ter centenas de ldquoamigosrdquo no Facebook ou ldquoseguidoresrdquo
no Twitter faccedilanhas que desconfio natildeo teriam impressionado os gregos
Embora a philia pudesse ser um assunto de grande seriedade havia um
terceiro tipo de amor valorizado pelos gregos antigos o amor brincalhatildeo
Seguindo o poeta romano Oviacutedio os estudiosos costumam usar a palavra
latina ludus para descrever essa forma de amor que diz respeito agrave afeiccedilatildeo
brincalhona entre crianccedilas ou amantes fortuitos983089983089 Tendemos a associar
a disposiccedilatildeo brincalhona aos primeiros estaacutegios de um relacionamento
em que o flerte as provocaccedilotildees e os gracejos despreocupados satildeo aspec-
tos ritualiacutesticos da corte Essa abordagem luacutedica do amor transformou-se
numa forma de arte em meio agrave aristocracia na Franccedila no seacuteculo XVIII O
amor era um jogo cheio de cartas secretas humor malicioso e excitante
encontros arriscados agrave meia-noite983089983090 Vemos ludus hoje quando jovens brin-
cam de ldquoPera uva ou maccedilatilderdquo o que fornece a perspectiva de um primeiro beijo Nossos momentos luacutedicos mais exuberantes costumam ter lugar na
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Amor 10486261048625
pista de danccedila onde a proximidade fiacutesica com os outros ndash muitas vezes
desconhecidos ndash possibilita um embate sexualizado brincalhatildeo que fun-
ciona como substituto do sexo A grande popularidade que danccedilas latino-americanas como a salsa e o tango adquiriram no Ocidente se explica em
parte por serem impregnadas dessa qualidade luacutedica de que muitos sentem
falta em suas vidas
Em seu livro dos anos 10486331048627852016 Homo Ludens o historiador holandecircs Johan
Huizinga sugeriu que o instinto de brincar era um traccedilo humano natural
evidente em todas as culturas983089983091 A implicaccedilatildeo de sua tese reforccedilada pela
crescente literatura psicoloacutegica sobre a importacircncia da brincadeira para o
bem-estar eacute que deveriacuteamos procurar alimentar ludus em vaacuterios de nossos
relacionamentos natildeo apenas com nossos amados ou na pista de danccedila
mas tambeacutem com amigos famiacutelia e colegas983089983092 Simplesmente sentar-se agrave
volta de uma mesa num bar caccediloando e rindo com os amigos eacute uma ma-
neira de cultivar ludus As normas sociais que desaprovam a frivolidade
adulta permitiram a poucos de noacutes conservar a disposiccedilatildeo brincalhona que
tiacutenhamos quando crianccedilas mas talvez seja exatamente disso que precisa-
mos em nossos relacionamentos para escapar das inquietaccedilotildees cotidianas
alimentar nossos eus criativos e viver com mais leveza Deixemos ludus
tornar-se parte de nossa linguagem de amor
Os casamentos na Greacutecia Antiga raramente eram luacutedicos Em geral
eram arranjados pelos pais a mulher estava subordinada aos desejos do
marido e esperava-se que permanecesse confinada dentro de casa983089983093 Apesar
disso os gregos conseguiram inventar uma quarta variedade de amor
chamada pragma ou amor maduro que designava a profunda compreen-
satildeo que se desenvolvia entre casais com muitos anos de casados983089983094 Pragma
tem a ver com a construccedilatildeo de um relacionamento ao longo do tempo
cedendo quando necessaacuterio mostrando paciecircncia e toleracircncia e sendo
realiacutestico em relaccedilatildeo ao que se deveria esperar do parceiro Ele envolve
apoio agraves diferentes necessidades um do outro e manutenccedilatildeo da estabili-
dade domeacutestica de modo que os filhos cresccedilam numa atmosfera propiacutecia a
seu desenvolvimento e os negoacutecios financeiros da famiacutelia estejam seguros Acima de tudo pragma eacute uma questatildeo de estar comprometido com a outra
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10486261048626 Relacionamentos enriquecedores
pessoa e de fazer um esforccedilo em seu favor no relacionamento de modo
a transformar o amor num ato de muacutetua reciprocidade Nos anos 10486331048629852016 o
psicoacutelogo Erich Fromm estabeleceu uma distinccedilatildeo entre ldquoenamorar-serdquo eldquopermanecer enamoradordquo segundo ele despendemos energia demais no
ato de nos enamorar e deveriacuteamos nos concentrar mais na manutenccedilatildeo
do enamoramento que eacute sobretudo uma questatildeo de dar amor natildeo de
recebecirc-lo983089983095 Pragma estaacute no cerne dessa ideia de permanecer enamorado
Hoje com cerca da metade dos casamentos nos Estados Unidos e na Gratilde-
Bretanha terminando em divoacutercio a antiga noccedilatildeo grega de amor maduro
nos eacute urgentemente necessaacuteria para que possamos reviver a perspectiva
de relacionamentos para a vida toda983089983096
Enquanto pragma exigia a doaccedilatildeo ao parceiro agape ou o amor al-
truiacutesta era uma ideia muito mais radical Tratava-se de um antigo amor
grego definido pela falta de exclusividade ele devia ser estendido desinte-
ressadamente a todos os seres humanos quer fossem membros de nossa
famiacutelia quer fosse um estrangeiro de uma cidade-Estado distante983089983097 Era
um amor oferecido sem obrigaccedilatildeo ou expectativa de reciprocidade ndash um
amor transcendente baseado na solidariedade humana Agape tornou-se
um dos conceitos centrais do pensamento cristatildeo e era a palavra usada
pelos cristatildeos primitivos para descrever o amor divino de Deus pelo ho-
mem amor que se esperava que os crentes retribuiacutessem tanto a Deus
quanto aos outros seres humanos Ele pode ser encontrado por toda parte
nos Evangelhos por exemplo no mandamento de Jesus ldquoAma [agape] teu
proacuteximo como a ti mesmordquo Mais tarde agape foi traduzido pela palavra
latina caritas base de nossa palavra ldquocaridadersquordquo em seus escritos o pen-
sador e escritor para crianccedilas do seacuteculo XX CS Lewis sustenta que agape
ou caridade ndash que alguns chamam de ldquoamor doaccedilatildeordquo ndash eacute a mais elevada
forma de amor cristatildeo983090983088
A ideia de um amor ilimitado e altruiacutesta natildeo surgiu apenas na Greacutecia
Antiga mas possui ressonacircncia global O budismo teravada defende o
cultivo de metta ou ldquobondade amorosa universalrdquo que vai aleacutem da huma-
nidade para abraccedilar o amor e a compaixatildeo por todos os seres sensiacuteveis eateacute por vezes a vida vegetal No pensamento confuciano o conceito de ren
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Amor 10486261048627
ou ldquobenevolecircnciardquo tambeacutem se refere a uma forma altruiacutesta e abrangente
de amor Contudo enquanto agape e metta estendem-se a todas as pessoas
indiscriminadamente ren eacute um amor graduado que se estende a partirde noacutes mesmos em ciacuterculos concecircntricos o amor mais forte reservado ao
ciacuterculo mais proacuteximo de nossa famiacutelia imediata e depois se expandindo
progressivamente para amigos a comunidade local e a humanidade como
um todo983090983089 O poder e a beleza de amores inclusivos como agape eacute que eles
ajudam a contrabalanccedilar nosso esmagador desejo de ser amados pedindo-
nos em vez disso para nos lanccedilarmos a uma generosidade de espiacuterito
afirmadora da vida Infelizmente ateacute agora ningueacutem inventou o speed
dating de agape para ajudar a criar um movimento aleatoacuterio de bondade
nem encontramos anuacutencios pessoais oferecendo agape nos jornais Ainda
assim eacute possiacutevel desempenhar com facilidade atos de agape como pagar
o pedaacutegio do desconhecido que dirige o carro que vem atraacutes do nosso
Um uacuteltimo amor conhecido pelos gregos era philautia ou amor-proacute-
prio que agrave primeira vista parece o oposto de agape ndash um rival que o des-
truiria Os saacutebios gregos no entanto percebiam que ele se manifestava
sob duas formas Havia um tipo negativo de amor-proacuteprio um desejo
ardente e egoiacutesta de obter prazeres pessoais dinheiro e honrarias puacutebli-
cas muito aleacutem da cota justa Seus perigos foram revelados no mito de
Narciso o irresistiacutevel jovem que se apaixonou pelo proacuteprio reflexo num
lago e incapaz de se afastar pereceu ali de inaniccedilatildeo A maacute reputaccedilatildeo do
amor-proacuteprio persistiu no pensamento ocidental no seacuteculo XVI o teoacutelogo
francecircs Joatildeo Calvino descreveu-o como uma ldquopesterdquo ao passo que Freud
o via como um redirecionamento patoloacutegico da nossa libido para noacutes
mesmos tornando-nos incapazes de amar os outros983090983090
Por sorte Aristoacuteteles havia reconhecido uma versatildeo mais positiva
do amor-proacuteprio que intensificava nossa capacidade de amor ldquoTodos os
sentimentos amistosos pelos outrosrdquo escreveu ele ldquosatildeo extensotildees dos
sentimentos de um homem por si mesmordquo A mensagem era que quando
gostamos de noacutes e nos sentimos seguros de noacutes mesmos temos amor em
abundacircncia para dar De maneira semelhante se sabemos o que nos fazfelizes estaremos em melhores condiccedilotildees para estender essa felicidade aos
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10486261048628 Relacionamentos enriquecedores
que nos cercam Se por outro lado estamos em desconforto com o que
somos ou alimentamos alguma aversatildeo por noacutes mesmos teremos pouco
amor a oferecer aos outros Ao que parece deveriacuteamos aprender a amara noacutes mesmos de uma maneira que natildeo se transforme num sentimento
arrebatador de obsessatildeo por noacutes Isso significa no miacutenimo aceitar nossas
imperfeiccedilotildees e reconhecer humildemente nossos talentos individuais em
vez de sempre olhar para nossos defeitos e inadequaccedilotildees983090983091
A983154983149983137983140983151983155 983140983141983155983155983141 983139983151983150983144983141983139983145983149983141983150983156983151 das variedades do amor vocecirc teria sem
duacutevida muito a dizer se fosse convidado a participar de um debate filosoacute-
fico sobre a natureza do amor na Atenas claacutessica A principal razatildeo para
compreender os seis amores natildeo eacute contudo enriquecer a qualidade de sua
conversa mas repensar o significado do amor em sua proacutepria vida O traccedilo
mais notaacutevel da abordagem dos gregos antigos eacute que eles reconheciam
ter amor em seus relacionamentos com uma ampla variedade de pessoas
ndash amigos famiacutelia cocircnjuges estranhos e ateacute consigo mesmos Como ve-
remos adiante isso eacute muito diferente do modo como abordamos o amor
hoje o qual em geral envolve o foco romacircntico numa uacutenica pessoa que
supostamente deve satisfazer todas as nossas necessidades amorosas Os
gregos estatildeo nos dizendo para fomentar as muitas formas de amor em
vez de persegui-lo em termos estreitos demais
Uma vantagem de pensar dessa maneira eacute que se vocecirc estaacute muito
infeliz com a dimensatildeo de sua ldquovida amorosardquo ndash digamos que natildeo consiga
satisfazer seu eros e foi rejeitado por algueacutem ndash pode concentrar a atenccedilatildeo
alternativamente em algum outro tipo de amor Por exemplo vocecirc culti-
varia a philia dedicando tempo a seus amigos mais antigos ou expandiria
seu ludus danccedilando noite adentro Aleacutem disso talvez vocecirc sinta que estaacute
sofrendo por falta de amor mas se mapeasse a extensatildeo em que todas as
seis formas estatildeo presentes em sua vida provavelmente descobriria que
o amor eacute muito mais abundante do que havia imaginado
Uma das questotildees universais da vida emocional sempre foi ldquoO que eacuteo amorrdquo Creio que essa eacute uma pergunta enganosa que nos enredou em
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Amor 10486261048629
confusotildees inuacuteteis na tentativa de identificar alguma essecircncia definitiva
do ldquoverdadeiro amorrdquo A liccedilatildeo da Greacutecia Antiga eacute que a pergunta que
devemos fazer a noacutes mesmos eacute outra ldquoComo posso cultivar as diferentesvariedades de amor em minha vidardquo Esta eacute a questatildeo suprema do amor
que hoje enfrentamos Mas se desejamos cultivar essas variedades deve-
mos primeiro nos desvencilhar do poderoso mito do amor romacircntico
que se interpotildee no caminho
O mito do amor romacircntico
A ideia do amor apaixonado romacircntico que emergiu no Ocidente durante
o uacuteltimo milecircnio eacute uma de nossas heranccedilas culturais mais destrutivas
Isso porque sua principal aspiraccedilatildeo ndash a descoberta de uma alma gecircmea ndash eacute
praticamente inatingiacutevel Podemos passar anos agrave procura dessa pessoa elu-
siva que satisfaraacute todas as nossas necessidades emocionais e nossos desejos
sexuais que nos proporcionaraacute amizade e autoconfianccedila conforto e risos
estimularaacute nossas mentes e compartilharaacute nossos sonhos Imaginamos que
existe algueacutem no eacuteter amoroso que eacute nossa outra metade perdida e que nos
faraacute sentir completos bastando apenas que possamos fundir nosso ser com
o dele na sublime uniatildeo do amor romacircntico Nossas esperanccedilas satildeo alimen-
tadas por uma induacutestria de filmes romacircnticos de Hollywood e um excesso
de ficccedilatildeo barata difundindo essa mitologia A mensagem eacute reproduzida
pelo exeacutercito mundial de conselheiros que anunciam sua habilidade para
ajudaacute-lo a ldquoencontrar o par perfeitordquo Um dos sites de encontros amorosos
on-line mais populares da Gratilde-Bretanha chama-se como natildeo eacute de surpreen-
der Soulmates e num levantamento feito junto a americanos solteiros na
casa dos vinte anos 10486331048628 concordaram que ldquoquando algueacutem se casa quer
que o cocircnjuge seja sua alma gecircmea acima de qualquer outra coisardquo983090983092
Damos por certa a possibilidade do amor romacircntico Mas para com-
preender por que nos tornamos tatildeo obcecados por ele e com a ideia de
uma alma gecircmea ndash expressatildeo que soacute emergiu no seacuteculo XIX ndash precisa-mos descobrir como o conceito de amor desenvolveu-se no Ocidente no
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curso dos uacuteltimos mil anos A lamentaacutevel verdade eacute que o mito do amor
romacircntico apossou-se pouco a pouco das variedades de amor que exis-
tiam no passado absorvendo-as numa visatildeo monoliacutetica Essa calamidadecultural desenvolveu-se em cinco estaacutegios comeccedilando nos desertos da
Araacutebia onde eros tornou-se a base do amor romacircntico Agape foi acrescen-
tado ao ideal romacircntico na Europa medieval tardia ao passo que philia e
pragma foram incorporados durante um terceiro estaacutegio no seacuteculo XVII
O movimento do Romantismo aprofundou a importacircncia de eros e por
fim philautia e ludus tornaram-se parte de nossas esperanccedilas romacircnticas
no seacuteculo XX A consequecircncia eacute que estamos agora oprimidos pela crenccedila
infundada e muitas vezes perigosa de que todas as variedades de amor
podem e devem ser encontradas numa uacutenica pessoa
O amor romacircntico nasceu por volta do fim do primeiro milecircnio em
contos poesias e muacutesica da Peacutersia no iniacutecio da Idade Meacutedia Seus traccedilos
centrais podem ser encontrados em As mil e uma noites coletacircnea de narra-
tivas populares do Oriente Meacutedio datadas do seacuteculo X aproximadamente
contadas noite apoacutes noite pela princesa Sherazade a seu novo marido
o exaltado sultatildeo Shariar que tinha o execraacutevel haacutebito de executar suas
noivas virgens Nos anos 10486321048632852016 as histoacuterias foram traduzidas de maneira
abominaacutevel para o inglecircs pelo explorador sir Richard Burton que fez
questatildeo de enfatizar seu conteuacutedo eroacutetico com copiosas notas de rodapeacute
sobre os costumes sexuais persas Talvez vocecirc se lembre de ldquoAli Babaacute
e os quarenta ladrotildeesrdquo mas provavelmente estaacute menos familiarizado
com histoacuterias mais sensuais como ldquoO priacutencipe Behram e a princesa al-
Datmardquo Quando o jovem priacutencipe bateu os olhos pela primeira vez na
bela e graciosa princesa cujo rosto era ldquomais radiante que a luardquo o amor
ldquoapoderou-se de seu coraccedilatildeordquo de imediato e ele astutamente se vestiu como
um velho e decreacutepito jardineiro para conquistaacute-la Outros contos entre
eles ldquoO primeiro eunuco Bukhaytrdquo eram tatildeo sexualmente expliacutecitos que
escandalizaram a Inglaterra vitoriana983090983093 O que emergia nessas narrativas
era uma nova visatildeo do amor que combinava a paixatildeo de eros com a fusatildeo
das almas dos amantes983090983094 Esses dois elementos estatildeo no acircmago de nossanoccedilatildeo contemporacircnea de amor romacircntico
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Amor 10486251048633
enormes falos eretos presos agrave cintura apimentando suas falas com piadas
lascivas983097 As dores associadas a eros podiam claramente ser mitigadas com
leve aliacutevio cocircmicoTodo mundo tem histoacuterias para contar sobre um coraccedilatildeo transpassado
por eros Certa vez fui induzido por eros a deslocar toda a minha vida da
Gratilde-Bretanha para os Estados Unidos na busca temeraacuteria ndash e finalmente
fracassada ndash de uma mulher Eacute possiacutevel que vocecirc tenha ficado tatildeo apai-
xonada por seu primeiro namorado que mandou tatuar seu nome em
letras goacuteticas no traseiro ndash e ateacute hoje carregue as evidecircncias Talvez vocecirc
se lembre com malicioso deleite de ter feito amor ao ar livre num parque
de Paris na lua de mel Ou que tenha se apaixonado agrave primeira vista por
um professor de inglecircs alcooacutelatra e embarcado num caso turbulento que
terminou em laacutegrimas ou talvez em filhos Quer nossas lembranccedilas de
eros sejam cheias de beleza sensual ou tocadas pela trageacutedia dificilmente
podemos imaginar o amor sem uma forte dose de paixatildeo e desejo eroacutetico
A segunda variedade de amor philia ndash em geral traduzida como ldquoami-
zaderdquo ndash era considerada muito mais virtuosa que a despreziacutevel sexuali-
dade de eros Filoacutesofos como Aristoacuteteles dedicaram consideraacutevel energia
mental a dissecar as diferentes formas de philia Havia a philia dentro da
unidade familiar por exemplo a proximidade e afeiccedilatildeo entre pai e filho
ou a intimidade profunda mas natildeo sexual ser sentida entre irmatildeos ou
primos ligados por laccedilo de sangue Uma versatildeo utilitaacuteria de philia existia
entre pessoas envolvidas em relaccedilotildees de dependecircncia muacutetua como soacutecios
em negoacutecios ou aliados poliacuteticos Se uma pessoa deixava de ser uacutetil para
a outra a philia podia facilmente sucumbir Reconhecemos essas amiza-
des instrumentais na vida contemporacircnea por exemplo quando pessoas
fazem amizade com colegas de trabalho influentes porque isso as ajudaraacute
a subir na hierarquia da empresa
A philia mais valorizada pelos gregos poreacutem era a profunda amizade
que se desenvolvia entre camaradas que haviam lutado lado a lado no
campo de batalha Esses irmatildeos de armas haviam testemunhado o sofri-
mento um do outro e muitas vezes arriscado a vida para salvar os compa-nheiros de ser empalados por uma lanccedila persa Eles se consideravam iguais
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e natildeo soacute compartilhavam seus medos pessoais como manifestavam ex-
trema lealdade ajudando-se mutuamente em tempos de necessidade sem
nada esperar em troca983089983088 O modelo para essa forma de philia foi a amizadeentre Aquiles e Paacutetroclo ndash supostamente tambeacutem amantes ndash central no
enredo da Iliacuteada de Homero Quando Paacutetroclo morre em combate Aqui-
les aflige-se sobre seu corpo esfregando cinzas em si mesmo e jejuando
depois retorna agrave frente de batalha para vingar a morte do camarada
Lembro de ficar sentado num enfumaccedilado bar de Madri quando tinha
vinte e poucos anos ouvindo um ex-colega de faculdade falar de maneira
comovedora sobre a grande importacircncia que dava a suas amizades Na-
quele momento tive uma revelaccedilatildeo compreendi que desfrutava pouco
aquela philia entusiaacutestica e agradaacutevel que era uma parte tatildeo importante
de sua vida Eu raras vezes revelava minhas emoccedilotildees para meus amigos
aparentemente chegados ndash homens ou mulheres ndash e nunca tinha sacri-
ficado muita coisa por eles Minha vida era cheia de conhecidos mas eu
natildeo tinha muitos amigos verdadeiros Desde entatildeo fiz um esforccedilo para
introduzir mais philia em meus relacionamentos Quanto amor ldquo philialrdquo
vocecirc tem em sua vida Essa eacute uma importante questatildeo hoje quando tantos
se orgulham de ter centenas de ldquoamigosrdquo no Facebook ou ldquoseguidoresrdquo
no Twitter faccedilanhas que desconfio natildeo teriam impressionado os gregos
Embora a philia pudesse ser um assunto de grande seriedade havia um
terceiro tipo de amor valorizado pelos gregos antigos o amor brincalhatildeo
Seguindo o poeta romano Oviacutedio os estudiosos costumam usar a palavra
latina ludus para descrever essa forma de amor que diz respeito agrave afeiccedilatildeo
brincalhona entre crianccedilas ou amantes fortuitos983089983089 Tendemos a associar
a disposiccedilatildeo brincalhona aos primeiros estaacutegios de um relacionamento
em que o flerte as provocaccedilotildees e os gracejos despreocupados satildeo aspec-
tos ritualiacutesticos da corte Essa abordagem luacutedica do amor transformou-se
numa forma de arte em meio agrave aristocracia na Franccedila no seacuteculo XVIII O
amor era um jogo cheio de cartas secretas humor malicioso e excitante
encontros arriscados agrave meia-noite983089983090 Vemos ludus hoje quando jovens brin-
cam de ldquoPera uva ou maccedilatilderdquo o que fornece a perspectiva de um primeiro beijo Nossos momentos luacutedicos mais exuberantes costumam ter lugar na
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Amor 10486261048625
pista de danccedila onde a proximidade fiacutesica com os outros ndash muitas vezes
desconhecidos ndash possibilita um embate sexualizado brincalhatildeo que fun-
ciona como substituto do sexo A grande popularidade que danccedilas latino-americanas como a salsa e o tango adquiriram no Ocidente se explica em
parte por serem impregnadas dessa qualidade luacutedica de que muitos sentem
falta em suas vidas
Em seu livro dos anos 10486331048627852016 Homo Ludens o historiador holandecircs Johan
Huizinga sugeriu que o instinto de brincar era um traccedilo humano natural
evidente em todas as culturas983089983091 A implicaccedilatildeo de sua tese reforccedilada pela
crescente literatura psicoloacutegica sobre a importacircncia da brincadeira para o
bem-estar eacute que deveriacuteamos procurar alimentar ludus em vaacuterios de nossos
relacionamentos natildeo apenas com nossos amados ou na pista de danccedila
mas tambeacutem com amigos famiacutelia e colegas983089983092 Simplesmente sentar-se agrave
volta de uma mesa num bar caccediloando e rindo com os amigos eacute uma ma-
neira de cultivar ludus As normas sociais que desaprovam a frivolidade
adulta permitiram a poucos de noacutes conservar a disposiccedilatildeo brincalhona que
tiacutenhamos quando crianccedilas mas talvez seja exatamente disso que precisa-
mos em nossos relacionamentos para escapar das inquietaccedilotildees cotidianas
alimentar nossos eus criativos e viver com mais leveza Deixemos ludus
tornar-se parte de nossa linguagem de amor
Os casamentos na Greacutecia Antiga raramente eram luacutedicos Em geral
eram arranjados pelos pais a mulher estava subordinada aos desejos do
marido e esperava-se que permanecesse confinada dentro de casa983089983093 Apesar
disso os gregos conseguiram inventar uma quarta variedade de amor
chamada pragma ou amor maduro que designava a profunda compreen-
satildeo que se desenvolvia entre casais com muitos anos de casados983089983094 Pragma
tem a ver com a construccedilatildeo de um relacionamento ao longo do tempo
cedendo quando necessaacuterio mostrando paciecircncia e toleracircncia e sendo
realiacutestico em relaccedilatildeo ao que se deveria esperar do parceiro Ele envolve
apoio agraves diferentes necessidades um do outro e manutenccedilatildeo da estabili-
dade domeacutestica de modo que os filhos cresccedilam numa atmosfera propiacutecia a
seu desenvolvimento e os negoacutecios financeiros da famiacutelia estejam seguros Acima de tudo pragma eacute uma questatildeo de estar comprometido com a outra
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pessoa e de fazer um esforccedilo em seu favor no relacionamento de modo
a transformar o amor num ato de muacutetua reciprocidade Nos anos 10486331048629852016 o
psicoacutelogo Erich Fromm estabeleceu uma distinccedilatildeo entre ldquoenamorar-serdquo eldquopermanecer enamoradordquo segundo ele despendemos energia demais no
ato de nos enamorar e deveriacuteamos nos concentrar mais na manutenccedilatildeo
do enamoramento que eacute sobretudo uma questatildeo de dar amor natildeo de
recebecirc-lo983089983095 Pragma estaacute no cerne dessa ideia de permanecer enamorado
Hoje com cerca da metade dos casamentos nos Estados Unidos e na Gratilde-
Bretanha terminando em divoacutercio a antiga noccedilatildeo grega de amor maduro
nos eacute urgentemente necessaacuteria para que possamos reviver a perspectiva
de relacionamentos para a vida toda983089983096
Enquanto pragma exigia a doaccedilatildeo ao parceiro agape ou o amor al-
truiacutesta era uma ideia muito mais radical Tratava-se de um antigo amor
grego definido pela falta de exclusividade ele devia ser estendido desinte-
ressadamente a todos os seres humanos quer fossem membros de nossa
famiacutelia quer fosse um estrangeiro de uma cidade-Estado distante983089983097 Era
um amor oferecido sem obrigaccedilatildeo ou expectativa de reciprocidade ndash um
amor transcendente baseado na solidariedade humana Agape tornou-se
um dos conceitos centrais do pensamento cristatildeo e era a palavra usada
pelos cristatildeos primitivos para descrever o amor divino de Deus pelo ho-
mem amor que se esperava que os crentes retribuiacutessem tanto a Deus
quanto aos outros seres humanos Ele pode ser encontrado por toda parte
nos Evangelhos por exemplo no mandamento de Jesus ldquoAma [agape] teu
proacuteximo como a ti mesmordquo Mais tarde agape foi traduzido pela palavra
latina caritas base de nossa palavra ldquocaridadersquordquo em seus escritos o pen-
sador e escritor para crianccedilas do seacuteculo XX CS Lewis sustenta que agape
ou caridade ndash que alguns chamam de ldquoamor doaccedilatildeordquo ndash eacute a mais elevada
forma de amor cristatildeo983090983088
A ideia de um amor ilimitado e altruiacutesta natildeo surgiu apenas na Greacutecia
Antiga mas possui ressonacircncia global O budismo teravada defende o
cultivo de metta ou ldquobondade amorosa universalrdquo que vai aleacutem da huma-
nidade para abraccedilar o amor e a compaixatildeo por todos os seres sensiacuteveis eateacute por vezes a vida vegetal No pensamento confuciano o conceito de ren
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Amor 10486261048627
ou ldquobenevolecircnciardquo tambeacutem se refere a uma forma altruiacutesta e abrangente
de amor Contudo enquanto agape e metta estendem-se a todas as pessoas
indiscriminadamente ren eacute um amor graduado que se estende a partirde noacutes mesmos em ciacuterculos concecircntricos o amor mais forte reservado ao
ciacuterculo mais proacuteximo de nossa famiacutelia imediata e depois se expandindo
progressivamente para amigos a comunidade local e a humanidade como
um todo983090983089 O poder e a beleza de amores inclusivos como agape eacute que eles
ajudam a contrabalanccedilar nosso esmagador desejo de ser amados pedindo-
nos em vez disso para nos lanccedilarmos a uma generosidade de espiacuterito
afirmadora da vida Infelizmente ateacute agora ningueacutem inventou o speed
dating de agape para ajudar a criar um movimento aleatoacuterio de bondade
nem encontramos anuacutencios pessoais oferecendo agape nos jornais Ainda
assim eacute possiacutevel desempenhar com facilidade atos de agape como pagar
o pedaacutegio do desconhecido que dirige o carro que vem atraacutes do nosso
Um uacuteltimo amor conhecido pelos gregos era philautia ou amor-proacute-
prio que agrave primeira vista parece o oposto de agape ndash um rival que o des-
truiria Os saacutebios gregos no entanto percebiam que ele se manifestava
sob duas formas Havia um tipo negativo de amor-proacuteprio um desejo
ardente e egoiacutesta de obter prazeres pessoais dinheiro e honrarias puacutebli-
cas muito aleacutem da cota justa Seus perigos foram revelados no mito de
Narciso o irresistiacutevel jovem que se apaixonou pelo proacuteprio reflexo num
lago e incapaz de se afastar pereceu ali de inaniccedilatildeo A maacute reputaccedilatildeo do
amor-proacuteprio persistiu no pensamento ocidental no seacuteculo XVI o teoacutelogo
francecircs Joatildeo Calvino descreveu-o como uma ldquopesterdquo ao passo que Freud
o via como um redirecionamento patoloacutegico da nossa libido para noacutes
mesmos tornando-nos incapazes de amar os outros983090983090
Por sorte Aristoacuteteles havia reconhecido uma versatildeo mais positiva
do amor-proacuteprio que intensificava nossa capacidade de amor ldquoTodos os
sentimentos amistosos pelos outrosrdquo escreveu ele ldquosatildeo extensotildees dos
sentimentos de um homem por si mesmordquo A mensagem era que quando
gostamos de noacutes e nos sentimos seguros de noacutes mesmos temos amor em
abundacircncia para dar De maneira semelhante se sabemos o que nos fazfelizes estaremos em melhores condiccedilotildees para estender essa felicidade aos
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10486261048628 Relacionamentos enriquecedores
que nos cercam Se por outro lado estamos em desconforto com o que
somos ou alimentamos alguma aversatildeo por noacutes mesmos teremos pouco
amor a oferecer aos outros Ao que parece deveriacuteamos aprender a amara noacutes mesmos de uma maneira que natildeo se transforme num sentimento
arrebatador de obsessatildeo por noacutes Isso significa no miacutenimo aceitar nossas
imperfeiccedilotildees e reconhecer humildemente nossos talentos individuais em
vez de sempre olhar para nossos defeitos e inadequaccedilotildees983090983091
A983154983149983137983140983151983155 983140983141983155983155983141 983139983151983150983144983141983139983145983149983141983150983156983151 das variedades do amor vocecirc teria sem
duacutevida muito a dizer se fosse convidado a participar de um debate filosoacute-
fico sobre a natureza do amor na Atenas claacutessica A principal razatildeo para
compreender os seis amores natildeo eacute contudo enriquecer a qualidade de sua
conversa mas repensar o significado do amor em sua proacutepria vida O traccedilo
mais notaacutevel da abordagem dos gregos antigos eacute que eles reconheciam
ter amor em seus relacionamentos com uma ampla variedade de pessoas
ndash amigos famiacutelia cocircnjuges estranhos e ateacute consigo mesmos Como ve-
remos adiante isso eacute muito diferente do modo como abordamos o amor
hoje o qual em geral envolve o foco romacircntico numa uacutenica pessoa que
supostamente deve satisfazer todas as nossas necessidades amorosas Os
gregos estatildeo nos dizendo para fomentar as muitas formas de amor em
vez de persegui-lo em termos estreitos demais
Uma vantagem de pensar dessa maneira eacute que se vocecirc estaacute muito
infeliz com a dimensatildeo de sua ldquovida amorosardquo ndash digamos que natildeo consiga
satisfazer seu eros e foi rejeitado por algueacutem ndash pode concentrar a atenccedilatildeo
alternativamente em algum outro tipo de amor Por exemplo vocecirc culti-
varia a philia dedicando tempo a seus amigos mais antigos ou expandiria
seu ludus danccedilando noite adentro Aleacutem disso talvez vocecirc sinta que estaacute
sofrendo por falta de amor mas se mapeasse a extensatildeo em que todas as
seis formas estatildeo presentes em sua vida provavelmente descobriria que
o amor eacute muito mais abundante do que havia imaginado
Uma das questotildees universais da vida emocional sempre foi ldquoO que eacuteo amorrdquo Creio que essa eacute uma pergunta enganosa que nos enredou em
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Amor 10486261048629
confusotildees inuacuteteis na tentativa de identificar alguma essecircncia definitiva
do ldquoverdadeiro amorrdquo A liccedilatildeo da Greacutecia Antiga eacute que a pergunta que
devemos fazer a noacutes mesmos eacute outra ldquoComo posso cultivar as diferentesvariedades de amor em minha vidardquo Esta eacute a questatildeo suprema do amor
que hoje enfrentamos Mas se desejamos cultivar essas variedades deve-
mos primeiro nos desvencilhar do poderoso mito do amor romacircntico
que se interpotildee no caminho
O mito do amor romacircntico
A ideia do amor apaixonado romacircntico que emergiu no Ocidente durante
o uacuteltimo milecircnio eacute uma de nossas heranccedilas culturais mais destrutivas
Isso porque sua principal aspiraccedilatildeo ndash a descoberta de uma alma gecircmea ndash eacute
praticamente inatingiacutevel Podemos passar anos agrave procura dessa pessoa elu-
siva que satisfaraacute todas as nossas necessidades emocionais e nossos desejos
sexuais que nos proporcionaraacute amizade e autoconfianccedila conforto e risos
estimularaacute nossas mentes e compartilharaacute nossos sonhos Imaginamos que
existe algueacutem no eacuteter amoroso que eacute nossa outra metade perdida e que nos
faraacute sentir completos bastando apenas que possamos fundir nosso ser com
o dele na sublime uniatildeo do amor romacircntico Nossas esperanccedilas satildeo alimen-
tadas por uma induacutestria de filmes romacircnticos de Hollywood e um excesso
de ficccedilatildeo barata difundindo essa mitologia A mensagem eacute reproduzida
pelo exeacutercito mundial de conselheiros que anunciam sua habilidade para
ajudaacute-lo a ldquoencontrar o par perfeitordquo Um dos sites de encontros amorosos
on-line mais populares da Gratilde-Bretanha chama-se como natildeo eacute de surpreen-
der Soulmates e num levantamento feito junto a americanos solteiros na
casa dos vinte anos 10486331048628 concordaram que ldquoquando algueacutem se casa quer
que o cocircnjuge seja sua alma gecircmea acima de qualquer outra coisardquo983090983092
Damos por certa a possibilidade do amor romacircntico Mas para com-
preender por que nos tornamos tatildeo obcecados por ele e com a ideia de
uma alma gecircmea ndash expressatildeo que soacute emergiu no seacuteculo XIX ndash precisa-mos descobrir como o conceito de amor desenvolveu-se no Ocidente no
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10486261048630 Relacionamentos enriquecedores
curso dos uacuteltimos mil anos A lamentaacutevel verdade eacute que o mito do amor
romacircntico apossou-se pouco a pouco das variedades de amor que exis-
tiam no passado absorvendo-as numa visatildeo monoliacutetica Essa calamidadecultural desenvolveu-se em cinco estaacutegios comeccedilando nos desertos da
Araacutebia onde eros tornou-se a base do amor romacircntico Agape foi acrescen-
tado ao ideal romacircntico na Europa medieval tardia ao passo que philia e
pragma foram incorporados durante um terceiro estaacutegio no seacuteculo XVII
O movimento do Romantismo aprofundou a importacircncia de eros e por
fim philautia e ludus tornaram-se parte de nossas esperanccedilas romacircnticas
no seacuteculo XX A consequecircncia eacute que estamos agora oprimidos pela crenccedila
infundada e muitas vezes perigosa de que todas as variedades de amor
podem e devem ser encontradas numa uacutenica pessoa
O amor romacircntico nasceu por volta do fim do primeiro milecircnio em
contos poesias e muacutesica da Peacutersia no iniacutecio da Idade Meacutedia Seus traccedilos
centrais podem ser encontrados em As mil e uma noites coletacircnea de narra-
tivas populares do Oriente Meacutedio datadas do seacuteculo X aproximadamente
contadas noite apoacutes noite pela princesa Sherazade a seu novo marido
o exaltado sultatildeo Shariar que tinha o execraacutevel haacutebito de executar suas
noivas virgens Nos anos 10486321048632852016 as histoacuterias foram traduzidas de maneira
abominaacutevel para o inglecircs pelo explorador sir Richard Burton que fez
questatildeo de enfatizar seu conteuacutedo eroacutetico com copiosas notas de rodapeacute
sobre os costumes sexuais persas Talvez vocecirc se lembre de ldquoAli Babaacute
e os quarenta ladrotildeesrdquo mas provavelmente estaacute menos familiarizado
com histoacuterias mais sensuais como ldquoO priacutencipe Behram e a princesa al-
Datmardquo Quando o jovem priacutencipe bateu os olhos pela primeira vez na
bela e graciosa princesa cujo rosto era ldquomais radiante que a luardquo o amor
ldquoapoderou-se de seu coraccedilatildeordquo de imediato e ele astutamente se vestiu como
um velho e decreacutepito jardineiro para conquistaacute-la Outros contos entre
eles ldquoO primeiro eunuco Bukhaytrdquo eram tatildeo sexualmente expliacutecitos que
escandalizaram a Inglaterra vitoriana983090983093 O que emergia nessas narrativas
era uma nova visatildeo do amor que combinava a paixatildeo de eros com a fusatildeo
das almas dos amantes983090983094 Esses dois elementos estatildeo no acircmago de nossanoccedilatildeo contemporacircnea de amor romacircntico
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e natildeo soacute compartilhavam seus medos pessoais como manifestavam ex-
trema lealdade ajudando-se mutuamente em tempos de necessidade sem
nada esperar em troca983089983088 O modelo para essa forma de philia foi a amizadeentre Aquiles e Paacutetroclo ndash supostamente tambeacutem amantes ndash central no
enredo da Iliacuteada de Homero Quando Paacutetroclo morre em combate Aqui-
les aflige-se sobre seu corpo esfregando cinzas em si mesmo e jejuando
depois retorna agrave frente de batalha para vingar a morte do camarada
Lembro de ficar sentado num enfumaccedilado bar de Madri quando tinha
vinte e poucos anos ouvindo um ex-colega de faculdade falar de maneira
comovedora sobre a grande importacircncia que dava a suas amizades Na-
quele momento tive uma revelaccedilatildeo compreendi que desfrutava pouco
aquela philia entusiaacutestica e agradaacutevel que era uma parte tatildeo importante
de sua vida Eu raras vezes revelava minhas emoccedilotildees para meus amigos
aparentemente chegados ndash homens ou mulheres ndash e nunca tinha sacri-
ficado muita coisa por eles Minha vida era cheia de conhecidos mas eu
natildeo tinha muitos amigos verdadeiros Desde entatildeo fiz um esforccedilo para
introduzir mais philia em meus relacionamentos Quanto amor ldquo philialrdquo
vocecirc tem em sua vida Essa eacute uma importante questatildeo hoje quando tantos
se orgulham de ter centenas de ldquoamigosrdquo no Facebook ou ldquoseguidoresrdquo
no Twitter faccedilanhas que desconfio natildeo teriam impressionado os gregos
Embora a philia pudesse ser um assunto de grande seriedade havia um
terceiro tipo de amor valorizado pelos gregos antigos o amor brincalhatildeo
Seguindo o poeta romano Oviacutedio os estudiosos costumam usar a palavra
latina ludus para descrever essa forma de amor que diz respeito agrave afeiccedilatildeo
brincalhona entre crianccedilas ou amantes fortuitos983089983089 Tendemos a associar
a disposiccedilatildeo brincalhona aos primeiros estaacutegios de um relacionamento
em que o flerte as provocaccedilotildees e os gracejos despreocupados satildeo aspec-
tos ritualiacutesticos da corte Essa abordagem luacutedica do amor transformou-se
numa forma de arte em meio agrave aristocracia na Franccedila no seacuteculo XVIII O
amor era um jogo cheio de cartas secretas humor malicioso e excitante
encontros arriscados agrave meia-noite983089983090 Vemos ludus hoje quando jovens brin-
cam de ldquoPera uva ou maccedilatilderdquo o que fornece a perspectiva de um primeiro beijo Nossos momentos luacutedicos mais exuberantes costumam ter lugar na
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Amor 10486261048625
pista de danccedila onde a proximidade fiacutesica com os outros ndash muitas vezes
desconhecidos ndash possibilita um embate sexualizado brincalhatildeo que fun-
ciona como substituto do sexo A grande popularidade que danccedilas latino-americanas como a salsa e o tango adquiriram no Ocidente se explica em
parte por serem impregnadas dessa qualidade luacutedica de que muitos sentem
falta em suas vidas
Em seu livro dos anos 10486331048627852016 Homo Ludens o historiador holandecircs Johan
Huizinga sugeriu que o instinto de brincar era um traccedilo humano natural
evidente em todas as culturas983089983091 A implicaccedilatildeo de sua tese reforccedilada pela
crescente literatura psicoloacutegica sobre a importacircncia da brincadeira para o
bem-estar eacute que deveriacuteamos procurar alimentar ludus em vaacuterios de nossos
relacionamentos natildeo apenas com nossos amados ou na pista de danccedila
mas tambeacutem com amigos famiacutelia e colegas983089983092 Simplesmente sentar-se agrave
volta de uma mesa num bar caccediloando e rindo com os amigos eacute uma ma-
neira de cultivar ludus As normas sociais que desaprovam a frivolidade
adulta permitiram a poucos de noacutes conservar a disposiccedilatildeo brincalhona que
tiacutenhamos quando crianccedilas mas talvez seja exatamente disso que precisa-
mos em nossos relacionamentos para escapar das inquietaccedilotildees cotidianas
alimentar nossos eus criativos e viver com mais leveza Deixemos ludus
tornar-se parte de nossa linguagem de amor
Os casamentos na Greacutecia Antiga raramente eram luacutedicos Em geral
eram arranjados pelos pais a mulher estava subordinada aos desejos do
marido e esperava-se que permanecesse confinada dentro de casa983089983093 Apesar
disso os gregos conseguiram inventar uma quarta variedade de amor
chamada pragma ou amor maduro que designava a profunda compreen-
satildeo que se desenvolvia entre casais com muitos anos de casados983089983094 Pragma
tem a ver com a construccedilatildeo de um relacionamento ao longo do tempo
cedendo quando necessaacuterio mostrando paciecircncia e toleracircncia e sendo
realiacutestico em relaccedilatildeo ao que se deveria esperar do parceiro Ele envolve
apoio agraves diferentes necessidades um do outro e manutenccedilatildeo da estabili-
dade domeacutestica de modo que os filhos cresccedilam numa atmosfera propiacutecia a
seu desenvolvimento e os negoacutecios financeiros da famiacutelia estejam seguros Acima de tudo pragma eacute uma questatildeo de estar comprometido com a outra
7262019 Trecho KRZNARIC SobreAArteDeViver
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pessoa e de fazer um esforccedilo em seu favor no relacionamento de modo
a transformar o amor num ato de muacutetua reciprocidade Nos anos 10486331048629852016 o
psicoacutelogo Erich Fromm estabeleceu uma distinccedilatildeo entre ldquoenamorar-serdquo eldquopermanecer enamoradordquo segundo ele despendemos energia demais no
ato de nos enamorar e deveriacuteamos nos concentrar mais na manutenccedilatildeo
do enamoramento que eacute sobretudo uma questatildeo de dar amor natildeo de
recebecirc-lo983089983095 Pragma estaacute no cerne dessa ideia de permanecer enamorado
Hoje com cerca da metade dos casamentos nos Estados Unidos e na Gratilde-
Bretanha terminando em divoacutercio a antiga noccedilatildeo grega de amor maduro
nos eacute urgentemente necessaacuteria para que possamos reviver a perspectiva
de relacionamentos para a vida toda983089983096
Enquanto pragma exigia a doaccedilatildeo ao parceiro agape ou o amor al-
truiacutesta era uma ideia muito mais radical Tratava-se de um antigo amor
grego definido pela falta de exclusividade ele devia ser estendido desinte-
ressadamente a todos os seres humanos quer fossem membros de nossa
famiacutelia quer fosse um estrangeiro de uma cidade-Estado distante983089983097 Era
um amor oferecido sem obrigaccedilatildeo ou expectativa de reciprocidade ndash um
amor transcendente baseado na solidariedade humana Agape tornou-se
um dos conceitos centrais do pensamento cristatildeo e era a palavra usada
pelos cristatildeos primitivos para descrever o amor divino de Deus pelo ho-
mem amor que se esperava que os crentes retribuiacutessem tanto a Deus
quanto aos outros seres humanos Ele pode ser encontrado por toda parte
nos Evangelhos por exemplo no mandamento de Jesus ldquoAma [agape] teu
proacuteximo como a ti mesmordquo Mais tarde agape foi traduzido pela palavra
latina caritas base de nossa palavra ldquocaridadersquordquo em seus escritos o pen-
sador e escritor para crianccedilas do seacuteculo XX CS Lewis sustenta que agape
ou caridade ndash que alguns chamam de ldquoamor doaccedilatildeordquo ndash eacute a mais elevada
forma de amor cristatildeo983090983088
A ideia de um amor ilimitado e altruiacutesta natildeo surgiu apenas na Greacutecia
Antiga mas possui ressonacircncia global O budismo teravada defende o
cultivo de metta ou ldquobondade amorosa universalrdquo que vai aleacutem da huma-
nidade para abraccedilar o amor e a compaixatildeo por todos os seres sensiacuteveis eateacute por vezes a vida vegetal No pensamento confuciano o conceito de ren
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Amor 10486261048627
ou ldquobenevolecircnciardquo tambeacutem se refere a uma forma altruiacutesta e abrangente
de amor Contudo enquanto agape e metta estendem-se a todas as pessoas
indiscriminadamente ren eacute um amor graduado que se estende a partirde noacutes mesmos em ciacuterculos concecircntricos o amor mais forte reservado ao
ciacuterculo mais proacuteximo de nossa famiacutelia imediata e depois se expandindo
progressivamente para amigos a comunidade local e a humanidade como
um todo983090983089 O poder e a beleza de amores inclusivos como agape eacute que eles
ajudam a contrabalanccedilar nosso esmagador desejo de ser amados pedindo-
nos em vez disso para nos lanccedilarmos a uma generosidade de espiacuterito
afirmadora da vida Infelizmente ateacute agora ningueacutem inventou o speed
dating de agape para ajudar a criar um movimento aleatoacuterio de bondade
nem encontramos anuacutencios pessoais oferecendo agape nos jornais Ainda
assim eacute possiacutevel desempenhar com facilidade atos de agape como pagar
o pedaacutegio do desconhecido que dirige o carro que vem atraacutes do nosso
Um uacuteltimo amor conhecido pelos gregos era philautia ou amor-proacute-
prio que agrave primeira vista parece o oposto de agape ndash um rival que o des-
truiria Os saacutebios gregos no entanto percebiam que ele se manifestava
sob duas formas Havia um tipo negativo de amor-proacuteprio um desejo
ardente e egoiacutesta de obter prazeres pessoais dinheiro e honrarias puacutebli-
cas muito aleacutem da cota justa Seus perigos foram revelados no mito de
Narciso o irresistiacutevel jovem que se apaixonou pelo proacuteprio reflexo num
lago e incapaz de se afastar pereceu ali de inaniccedilatildeo A maacute reputaccedilatildeo do
amor-proacuteprio persistiu no pensamento ocidental no seacuteculo XVI o teoacutelogo
francecircs Joatildeo Calvino descreveu-o como uma ldquopesterdquo ao passo que Freud
o via como um redirecionamento patoloacutegico da nossa libido para noacutes
mesmos tornando-nos incapazes de amar os outros983090983090
Por sorte Aristoacuteteles havia reconhecido uma versatildeo mais positiva
do amor-proacuteprio que intensificava nossa capacidade de amor ldquoTodos os
sentimentos amistosos pelos outrosrdquo escreveu ele ldquosatildeo extensotildees dos
sentimentos de um homem por si mesmordquo A mensagem era que quando
gostamos de noacutes e nos sentimos seguros de noacutes mesmos temos amor em
abundacircncia para dar De maneira semelhante se sabemos o que nos fazfelizes estaremos em melhores condiccedilotildees para estender essa felicidade aos
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10486261048628 Relacionamentos enriquecedores
que nos cercam Se por outro lado estamos em desconforto com o que
somos ou alimentamos alguma aversatildeo por noacutes mesmos teremos pouco
amor a oferecer aos outros Ao que parece deveriacuteamos aprender a amara noacutes mesmos de uma maneira que natildeo se transforme num sentimento
arrebatador de obsessatildeo por noacutes Isso significa no miacutenimo aceitar nossas
imperfeiccedilotildees e reconhecer humildemente nossos talentos individuais em
vez de sempre olhar para nossos defeitos e inadequaccedilotildees983090983091
A983154983149983137983140983151983155 983140983141983155983155983141 983139983151983150983144983141983139983145983149983141983150983156983151 das variedades do amor vocecirc teria sem
duacutevida muito a dizer se fosse convidado a participar de um debate filosoacute-
fico sobre a natureza do amor na Atenas claacutessica A principal razatildeo para
compreender os seis amores natildeo eacute contudo enriquecer a qualidade de sua
conversa mas repensar o significado do amor em sua proacutepria vida O traccedilo
mais notaacutevel da abordagem dos gregos antigos eacute que eles reconheciam
ter amor em seus relacionamentos com uma ampla variedade de pessoas
ndash amigos famiacutelia cocircnjuges estranhos e ateacute consigo mesmos Como ve-
remos adiante isso eacute muito diferente do modo como abordamos o amor
hoje o qual em geral envolve o foco romacircntico numa uacutenica pessoa que
supostamente deve satisfazer todas as nossas necessidades amorosas Os
gregos estatildeo nos dizendo para fomentar as muitas formas de amor em
vez de persegui-lo em termos estreitos demais
Uma vantagem de pensar dessa maneira eacute que se vocecirc estaacute muito
infeliz com a dimensatildeo de sua ldquovida amorosardquo ndash digamos que natildeo consiga
satisfazer seu eros e foi rejeitado por algueacutem ndash pode concentrar a atenccedilatildeo
alternativamente em algum outro tipo de amor Por exemplo vocecirc culti-
varia a philia dedicando tempo a seus amigos mais antigos ou expandiria
seu ludus danccedilando noite adentro Aleacutem disso talvez vocecirc sinta que estaacute
sofrendo por falta de amor mas se mapeasse a extensatildeo em que todas as
seis formas estatildeo presentes em sua vida provavelmente descobriria que
o amor eacute muito mais abundante do que havia imaginado
Uma das questotildees universais da vida emocional sempre foi ldquoO que eacuteo amorrdquo Creio que essa eacute uma pergunta enganosa que nos enredou em
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Amor 10486261048629
confusotildees inuacuteteis na tentativa de identificar alguma essecircncia definitiva
do ldquoverdadeiro amorrdquo A liccedilatildeo da Greacutecia Antiga eacute que a pergunta que
devemos fazer a noacutes mesmos eacute outra ldquoComo posso cultivar as diferentesvariedades de amor em minha vidardquo Esta eacute a questatildeo suprema do amor
que hoje enfrentamos Mas se desejamos cultivar essas variedades deve-
mos primeiro nos desvencilhar do poderoso mito do amor romacircntico
que se interpotildee no caminho
O mito do amor romacircntico
A ideia do amor apaixonado romacircntico que emergiu no Ocidente durante
o uacuteltimo milecircnio eacute uma de nossas heranccedilas culturais mais destrutivas
Isso porque sua principal aspiraccedilatildeo ndash a descoberta de uma alma gecircmea ndash eacute
praticamente inatingiacutevel Podemos passar anos agrave procura dessa pessoa elu-
siva que satisfaraacute todas as nossas necessidades emocionais e nossos desejos
sexuais que nos proporcionaraacute amizade e autoconfianccedila conforto e risos
estimularaacute nossas mentes e compartilharaacute nossos sonhos Imaginamos que
existe algueacutem no eacuteter amoroso que eacute nossa outra metade perdida e que nos
faraacute sentir completos bastando apenas que possamos fundir nosso ser com
o dele na sublime uniatildeo do amor romacircntico Nossas esperanccedilas satildeo alimen-
tadas por uma induacutestria de filmes romacircnticos de Hollywood e um excesso
de ficccedilatildeo barata difundindo essa mitologia A mensagem eacute reproduzida
pelo exeacutercito mundial de conselheiros que anunciam sua habilidade para
ajudaacute-lo a ldquoencontrar o par perfeitordquo Um dos sites de encontros amorosos
on-line mais populares da Gratilde-Bretanha chama-se como natildeo eacute de surpreen-
der Soulmates e num levantamento feito junto a americanos solteiros na
casa dos vinte anos 10486331048628 concordaram que ldquoquando algueacutem se casa quer
que o cocircnjuge seja sua alma gecircmea acima de qualquer outra coisardquo983090983092
Damos por certa a possibilidade do amor romacircntico Mas para com-
preender por que nos tornamos tatildeo obcecados por ele e com a ideia de
uma alma gecircmea ndash expressatildeo que soacute emergiu no seacuteculo XIX ndash precisa-mos descobrir como o conceito de amor desenvolveu-se no Ocidente no
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curso dos uacuteltimos mil anos A lamentaacutevel verdade eacute que o mito do amor
romacircntico apossou-se pouco a pouco das variedades de amor que exis-
tiam no passado absorvendo-as numa visatildeo monoliacutetica Essa calamidadecultural desenvolveu-se em cinco estaacutegios comeccedilando nos desertos da
Araacutebia onde eros tornou-se a base do amor romacircntico Agape foi acrescen-
tado ao ideal romacircntico na Europa medieval tardia ao passo que philia e
pragma foram incorporados durante um terceiro estaacutegio no seacuteculo XVII
O movimento do Romantismo aprofundou a importacircncia de eros e por
fim philautia e ludus tornaram-se parte de nossas esperanccedilas romacircnticas
no seacuteculo XX A consequecircncia eacute que estamos agora oprimidos pela crenccedila
infundada e muitas vezes perigosa de que todas as variedades de amor
podem e devem ser encontradas numa uacutenica pessoa
O amor romacircntico nasceu por volta do fim do primeiro milecircnio em
contos poesias e muacutesica da Peacutersia no iniacutecio da Idade Meacutedia Seus traccedilos
centrais podem ser encontrados em As mil e uma noites coletacircnea de narra-
tivas populares do Oriente Meacutedio datadas do seacuteculo X aproximadamente
contadas noite apoacutes noite pela princesa Sherazade a seu novo marido
o exaltado sultatildeo Shariar que tinha o execraacutevel haacutebito de executar suas
noivas virgens Nos anos 10486321048632852016 as histoacuterias foram traduzidas de maneira
abominaacutevel para o inglecircs pelo explorador sir Richard Burton que fez
questatildeo de enfatizar seu conteuacutedo eroacutetico com copiosas notas de rodapeacute
sobre os costumes sexuais persas Talvez vocecirc se lembre de ldquoAli Babaacute
e os quarenta ladrotildeesrdquo mas provavelmente estaacute menos familiarizado
com histoacuterias mais sensuais como ldquoO priacutencipe Behram e a princesa al-
Datmardquo Quando o jovem priacutencipe bateu os olhos pela primeira vez na
bela e graciosa princesa cujo rosto era ldquomais radiante que a luardquo o amor
ldquoapoderou-se de seu coraccedilatildeordquo de imediato e ele astutamente se vestiu como
um velho e decreacutepito jardineiro para conquistaacute-la Outros contos entre
eles ldquoO primeiro eunuco Bukhaytrdquo eram tatildeo sexualmente expliacutecitos que
escandalizaram a Inglaterra vitoriana983090983093 O que emergia nessas narrativas
era uma nova visatildeo do amor que combinava a paixatildeo de eros com a fusatildeo
das almas dos amantes983090983094 Esses dois elementos estatildeo no acircmago de nossanoccedilatildeo contemporacircnea de amor romacircntico
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Amor 10486261048625
pista de danccedila onde a proximidade fiacutesica com os outros ndash muitas vezes
desconhecidos ndash possibilita um embate sexualizado brincalhatildeo que fun-
ciona como substituto do sexo A grande popularidade que danccedilas latino-americanas como a salsa e o tango adquiriram no Ocidente se explica em
parte por serem impregnadas dessa qualidade luacutedica de que muitos sentem
falta em suas vidas
Em seu livro dos anos 10486331048627852016 Homo Ludens o historiador holandecircs Johan
Huizinga sugeriu que o instinto de brincar era um traccedilo humano natural
evidente em todas as culturas983089983091 A implicaccedilatildeo de sua tese reforccedilada pela
crescente literatura psicoloacutegica sobre a importacircncia da brincadeira para o
bem-estar eacute que deveriacuteamos procurar alimentar ludus em vaacuterios de nossos
relacionamentos natildeo apenas com nossos amados ou na pista de danccedila
mas tambeacutem com amigos famiacutelia e colegas983089983092 Simplesmente sentar-se agrave
volta de uma mesa num bar caccediloando e rindo com os amigos eacute uma ma-
neira de cultivar ludus As normas sociais que desaprovam a frivolidade
adulta permitiram a poucos de noacutes conservar a disposiccedilatildeo brincalhona que
tiacutenhamos quando crianccedilas mas talvez seja exatamente disso que precisa-
mos em nossos relacionamentos para escapar das inquietaccedilotildees cotidianas
alimentar nossos eus criativos e viver com mais leveza Deixemos ludus
tornar-se parte de nossa linguagem de amor
Os casamentos na Greacutecia Antiga raramente eram luacutedicos Em geral
eram arranjados pelos pais a mulher estava subordinada aos desejos do
marido e esperava-se que permanecesse confinada dentro de casa983089983093 Apesar
disso os gregos conseguiram inventar uma quarta variedade de amor
chamada pragma ou amor maduro que designava a profunda compreen-
satildeo que se desenvolvia entre casais com muitos anos de casados983089983094 Pragma
tem a ver com a construccedilatildeo de um relacionamento ao longo do tempo
cedendo quando necessaacuterio mostrando paciecircncia e toleracircncia e sendo
realiacutestico em relaccedilatildeo ao que se deveria esperar do parceiro Ele envolve
apoio agraves diferentes necessidades um do outro e manutenccedilatildeo da estabili-
dade domeacutestica de modo que os filhos cresccedilam numa atmosfera propiacutecia a
seu desenvolvimento e os negoacutecios financeiros da famiacutelia estejam seguros Acima de tudo pragma eacute uma questatildeo de estar comprometido com a outra
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pessoa e de fazer um esforccedilo em seu favor no relacionamento de modo
a transformar o amor num ato de muacutetua reciprocidade Nos anos 10486331048629852016 o
psicoacutelogo Erich Fromm estabeleceu uma distinccedilatildeo entre ldquoenamorar-serdquo eldquopermanecer enamoradordquo segundo ele despendemos energia demais no
ato de nos enamorar e deveriacuteamos nos concentrar mais na manutenccedilatildeo
do enamoramento que eacute sobretudo uma questatildeo de dar amor natildeo de
recebecirc-lo983089983095 Pragma estaacute no cerne dessa ideia de permanecer enamorado
Hoje com cerca da metade dos casamentos nos Estados Unidos e na Gratilde-
Bretanha terminando em divoacutercio a antiga noccedilatildeo grega de amor maduro
nos eacute urgentemente necessaacuteria para que possamos reviver a perspectiva
de relacionamentos para a vida toda983089983096
Enquanto pragma exigia a doaccedilatildeo ao parceiro agape ou o amor al-
truiacutesta era uma ideia muito mais radical Tratava-se de um antigo amor
grego definido pela falta de exclusividade ele devia ser estendido desinte-
ressadamente a todos os seres humanos quer fossem membros de nossa
famiacutelia quer fosse um estrangeiro de uma cidade-Estado distante983089983097 Era
um amor oferecido sem obrigaccedilatildeo ou expectativa de reciprocidade ndash um
amor transcendente baseado na solidariedade humana Agape tornou-se
um dos conceitos centrais do pensamento cristatildeo e era a palavra usada
pelos cristatildeos primitivos para descrever o amor divino de Deus pelo ho-
mem amor que se esperava que os crentes retribuiacutessem tanto a Deus
quanto aos outros seres humanos Ele pode ser encontrado por toda parte
nos Evangelhos por exemplo no mandamento de Jesus ldquoAma [agape] teu
proacuteximo como a ti mesmordquo Mais tarde agape foi traduzido pela palavra
latina caritas base de nossa palavra ldquocaridadersquordquo em seus escritos o pen-
sador e escritor para crianccedilas do seacuteculo XX CS Lewis sustenta que agape
ou caridade ndash que alguns chamam de ldquoamor doaccedilatildeordquo ndash eacute a mais elevada
forma de amor cristatildeo983090983088
A ideia de um amor ilimitado e altruiacutesta natildeo surgiu apenas na Greacutecia
Antiga mas possui ressonacircncia global O budismo teravada defende o
cultivo de metta ou ldquobondade amorosa universalrdquo que vai aleacutem da huma-
nidade para abraccedilar o amor e a compaixatildeo por todos os seres sensiacuteveis eateacute por vezes a vida vegetal No pensamento confuciano o conceito de ren
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Amor 10486261048627
ou ldquobenevolecircnciardquo tambeacutem se refere a uma forma altruiacutesta e abrangente
de amor Contudo enquanto agape e metta estendem-se a todas as pessoas
indiscriminadamente ren eacute um amor graduado que se estende a partirde noacutes mesmos em ciacuterculos concecircntricos o amor mais forte reservado ao
ciacuterculo mais proacuteximo de nossa famiacutelia imediata e depois se expandindo
progressivamente para amigos a comunidade local e a humanidade como
um todo983090983089 O poder e a beleza de amores inclusivos como agape eacute que eles
ajudam a contrabalanccedilar nosso esmagador desejo de ser amados pedindo-
nos em vez disso para nos lanccedilarmos a uma generosidade de espiacuterito
afirmadora da vida Infelizmente ateacute agora ningueacutem inventou o speed
dating de agape para ajudar a criar um movimento aleatoacuterio de bondade
nem encontramos anuacutencios pessoais oferecendo agape nos jornais Ainda
assim eacute possiacutevel desempenhar com facilidade atos de agape como pagar
o pedaacutegio do desconhecido que dirige o carro que vem atraacutes do nosso
Um uacuteltimo amor conhecido pelos gregos era philautia ou amor-proacute-
prio que agrave primeira vista parece o oposto de agape ndash um rival que o des-
truiria Os saacutebios gregos no entanto percebiam que ele se manifestava
sob duas formas Havia um tipo negativo de amor-proacuteprio um desejo
ardente e egoiacutesta de obter prazeres pessoais dinheiro e honrarias puacutebli-
cas muito aleacutem da cota justa Seus perigos foram revelados no mito de
Narciso o irresistiacutevel jovem que se apaixonou pelo proacuteprio reflexo num
lago e incapaz de se afastar pereceu ali de inaniccedilatildeo A maacute reputaccedilatildeo do
amor-proacuteprio persistiu no pensamento ocidental no seacuteculo XVI o teoacutelogo
francecircs Joatildeo Calvino descreveu-o como uma ldquopesterdquo ao passo que Freud
o via como um redirecionamento patoloacutegico da nossa libido para noacutes
mesmos tornando-nos incapazes de amar os outros983090983090
Por sorte Aristoacuteteles havia reconhecido uma versatildeo mais positiva
do amor-proacuteprio que intensificava nossa capacidade de amor ldquoTodos os
sentimentos amistosos pelos outrosrdquo escreveu ele ldquosatildeo extensotildees dos
sentimentos de um homem por si mesmordquo A mensagem era que quando
gostamos de noacutes e nos sentimos seguros de noacutes mesmos temos amor em
abundacircncia para dar De maneira semelhante se sabemos o que nos fazfelizes estaremos em melhores condiccedilotildees para estender essa felicidade aos
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que nos cercam Se por outro lado estamos em desconforto com o que
somos ou alimentamos alguma aversatildeo por noacutes mesmos teremos pouco
amor a oferecer aos outros Ao que parece deveriacuteamos aprender a amara noacutes mesmos de uma maneira que natildeo se transforme num sentimento
arrebatador de obsessatildeo por noacutes Isso significa no miacutenimo aceitar nossas
imperfeiccedilotildees e reconhecer humildemente nossos talentos individuais em
vez de sempre olhar para nossos defeitos e inadequaccedilotildees983090983091
A983154983149983137983140983151983155 983140983141983155983155983141 983139983151983150983144983141983139983145983149983141983150983156983151 das variedades do amor vocecirc teria sem
duacutevida muito a dizer se fosse convidado a participar de um debate filosoacute-
fico sobre a natureza do amor na Atenas claacutessica A principal razatildeo para
compreender os seis amores natildeo eacute contudo enriquecer a qualidade de sua
conversa mas repensar o significado do amor em sua proacutepria vida O traccedilo
mais notaacutevel da abordagem dos gregos antigos eacute que eles reconheciam
ter amor em seus relacionamentos com uma ampla variedade de pessoas
ndash amigos famiacutelia cocircnjuges estranhos e ateacute consigo mesmos Como ve-
remos adiante isso eacute muito diferente do modo como abordamos o amor
hoje o qual em geral envolve o foco romacircntico numa uacutenica pessoa que
supostamente deve satisfazer todas as nossas necessidades amorosas Os
gregos estatildeo nos dizendo para fomentar as muitas formas de amor em
vez de persegui-lo em termos estreitos demais
Uma vantagem de pensar dessa maneira eacute que se vocecirc estaacute muito
infeliz com a dimensatildeo de sua ldquovida amorosardquo ndash digamos que natildeo consiga
satisfazer seu eros e foi rejeitado por algueacutem ndash pode concentrar a atenccedilatildeo
alternativamente em algum outro tipo de amor Por exemplo vocecirc culti-
varia a philia dedicando tempo a seus amigos mais antigos ou expandiria
seu ludus danccedilando noite adentro Aleacutem disso talvez vocecirc sinta que estaacute
sofrendo por falta de amor mas se mapeasse a extensatildeo em que todas as
seis formas estatildeo presentes em sua vida provavelmente descobriria que
o amor eacute muito mais abundante do que havia imaginado
Uma das questotildees universais da vida emocional sempre foi ldquoO que eacuteo amorrdquo Creio que essa eacute uma pergunta enganosa que nos enredou em
7262019 Trecho KRZNARIC SobreAArteDeViver
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Amor 10486261048629
confusotildees inuacuteteis na tentativa de identificar alguma essecircncia definitiva
do ldquoverdadeiro amorrdquo A liccedilatildeo da Greacutecia Antiga eacute que a pergunta que
devemos fazer a noacutes mesmos eacute outra ldquoComo posso cultivar as diferentesvariedades de amor em minha vidardquo Esta eacute a questatildeo suprema do amor
que hoje enfrentamos Mas se desejamos cultivar essas variedades deve-
mos primeiro nos desvencilhar do poderoso mito do amor romacircntico
que se interpotildee no caminho
O mito do amor romacircntico
A ideia do amor apaixonado romacircntico que emergiu no Ocidente durante
o uacuteltimo milecircnio eacute uma de nossas heranccedilas culturais mais destrutivas
Isso porque sua principal aspiraccedilatildeo ndash a descoberta de uma alma gecircmea ndash eacute
praticamente inatingiacutevel Podemos passar anos agrave procura dessa pessoa elu-
siva que satisfaraacute todas as nossas necessidades emocionais e nossos desejos
sexuais que nos proporcionaraacute amizade e autoconfianccedila conforto e risos
estimularaacute nossas mentes e compartilharaacute nossos sonhos Imaginamos que
existe algueacutem no eacuteter amoroso que eacute nossa outra metade perdida e que nos
faraacute sentir completos bastando apenas que possamos fundir nosso ser com
o dele na sublime uniatildeo do amor romacircntico Nossas esperanccedilas satildeo alimen-
tadas por uma induacutestria de filmes romacircnticos de Hollywood e um excesso
de ficccedilatildeo barata difundindo essa mitologia A mensagem eacute reproduzida
pelo exeacutercito mundial de conselheiros que anunciam sua habilidade para
ajudaacute-lo a ldquoencontrar o par perfeitordquo Um dos sites de encontros amorosos
on-line mais populares da Gratilde-Bretanha chama-se como natildeo eacute de surpreen-
der Soulmates e num levantamento feito junto a americanos solteiros na
casa dos vinte anos 10486331048628 concordaram que ldquoquando algueacutem se casa quer
que o cocircnjuge seja sua alma gecircmea acima de qualquer outra coisardquo983090983092
Damos por certa a possibilidade do amor romacircntico Mas para com-
preender por que nos tornamos tatildeo obcecados por ele e com a ideia de
uma alma gecircmea ndash expressatildeo que soacute emergiu no seacuteculo XIX ndash precisa-mos descobrir como o conceito de amor desenvolveu-se no Ocidente no
7262019 Trecho KRZNARIC SobreAArteDeViver
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10486261048630 Relacionamentos enriquecedores
curso dos uacuteltimos mil anos A lamentaacutevel verdade eacute que o mito do amor
romacircntico apossou-se pouco a pouco das variedades de amor que exis-
tiam no passado absorvendo-as numa visatildeo monoliacutetica Essa calamidadecultural desenvolveu-se em cinco estaacutegios comeccedilando nos desertos da
Araacutebia onde eros tornou-se a base do amor romacircntico Agape foi acrescen-
tado ao ideal romacircntico na Europa medieval tardia ao passo que philia e
pragma foram incorporados durante um terceiro estaacutegio no seacuteculo XVII
O movimento do Romantismo aprofundou a importacircncia de eros e por
fim philautia e ludus tornaram-se parte de nossas esperanccedilas romacircnticas
no seacuteculo XX A consequecircncia eacute que estamos agora oprimidos pela crenccedila
infundada e muitas vezes perigosa de que todas as variedades de amor
podem e devem ser encontradas numa uacutenica pessoa
O amor romacircntico nasceu por volta do fim do primeiro milecircnio em
contos poesias e muacutesica da Peacutersia no iniacutecio da Idade Meacutedia Seus traccedilos
centrais podem ser encontrados em As mil e uma noites coletacircnea de narra-
tivas populares do Oriente Meacutedio datadas do seacuteculo X aproximadamente
contadas noite apoacutes noite pela princesa Sherazade a seu novo marido
o exaltado sultatildeo Shariar que tinha o execraacutevel haacutebito de executar suas
noivas virgens Nos anos 10486321048632852016 as histoacuterias foram traduzidas de maneira
abominaacutevel para o inglecircs pelo explorador sir Richard Burton que fez
questatildeo de enfatizar seu conteuacutedo eroacutetico com copiosas notas de rodapeacute
sobre os costumes sexuais persas Talvez vocecirc se lembre de ldquoAli Babaacute
e os quarenta ladrotildeesrdquo mas provavelmente estaacute menos familiarizado
com histoacuterias mais sensuais como ldquoO priacutencipe Behram e a princesa al-
Datmardquo Quando o jovem priacutencipe bateu os olhos pela primeira vez na
bela e graciosa princesa cujo rosto era ldquomais radiante que a luardquo o amor
ldquoapoderou-se de seu coraccedilatildeordquo de imediato e ele astutamente se vestiu como
um velho e decreacutepito jardineiro para conquistaacute-la Outros contos entre
eles ldquoO primeiro eunuco Bukhaytrdquo eram tatildeo sexualmente expliacutecitos que
escandalizaram a Inglaterra vitoriana983090983093 O que emergia nessas narrativas
era uma nova visatildeo do amor que combinava a paixatildeo de eros com a fusatildeo
das almas dos amantes983090983094 Esses dois elementos estatildeo no acircmago de nossanoccedilatildeo contemporacircnea de amor romacircntico
7262019 Trecho KRZNARIC SobreAArteDeViver
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10486261048626 Relacionamentos enriquecedores
pessoa e de fazer um esforccedilo em seu favor no relacionamento de modo
a transformar o amor num ato de muacutetua reciprocidade Nos anos 10486331048629852016 o
psicoacutelogo Erich Fromm estabeleceu uma distinccedilatildeo entre ldquoenamorar-serdquo eldquopermanecer enamoradordquo segundo ele despendemos energia demais no
ato de nos enamorar e deveriacuteamos nos concentrar mais na manutenccedilatildeo
do enamoramento que eacute sobretudo uma questatildeo de dar amor natildeo de
recebecirc-lo983089983095 Pragma estaacute no cerne dessa ideia de permanecer enamorado
Hoje com cerca da metade dos casamentos nos Estados Unidos e na Gratilde-
Bretanha terminando em divoacutercio a antiga noccedilatildeo grega de amor maduro
nos eacute urgentemente necessaacuteria para que possamos reviver a perspectiva
de relacionamentos para a vida toda983089983096
Enquanto pragma exigia a doaccedilatildeo ao parceiro agape ou o amor al-
truiacutesta era uma ideia muito mais radical Tratava-se de um antigo amor
grego definido pela falta de exclusividade ele devia ser estendido desinte-
ressadamente a todos os seres humanos quer fossem membros de nossa
famiacutelia quer fosse um estrangeiro de uma cidade-Estado distante983089983097 Era
um amor oferecido sem obrigaccedilatildeo ou expectativa de reciprocidade ndash um
amor transcendente baseado na solidariedade humana Agape tornou-se
um dos conceitos centrais do pensamento cristatildeo e era a palavra usada
pelos cristatildeos primitivos para descrever o amor divino de Deus pelo ho-
mem amor que se esperava que os crentes retribuiacutessem tanto a Deus
quanto aos outros seres humanos Ele pode ser encontrado por toda parte
nos Evangelhos por exemplo no mandamento de Jesus ldquoAma [agape] teu
proacuteximo como a ti mesmordquo Mais tarde agape foi traduzido pela palavra
latina caritas base de nossa palavra ldquocaridadersquordquo em seus escritos o pen-
sador e escritor para crianccedilas do seacuteculo XX CS Lewis sustenta que agape
ou caridade ndash que alguns chamam de ldquoamor doaccedilatildeordquo ndash eacute a mais elevada
forma de amor cristatildeo983090983088
A ideia de um amor ilimitado e altruiacutesta natildeo surgiu apenas na Greacutecia
Antiga mas possui ressonacircncia global O budismo teravada defende o
cultivo de metta ou ldquobondade amorosa universalrdquo que vai aleacutem da huma-
nidade para abraccedilar o amor e a compaixatildeo por todos os seres sensiacuteveis eateacute por vezes a vida vegetal No pensamento confuciano o conceito de ren
7262019 Trecho KRZNARIC SobreAArteDeViver
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Amor 10486261048627
ou ldquobenevolecircnciardquo tambeacutem se refere a uma forma altruiacutesta e abrangente
de amor Contudo enquanto agape e metta estendem-se a todas as pessoas
indiscriminadamente ren eacute um amor graduado que se estende a partirde noacutes mesmos em ciacuterculos concecircntricos o amor mais forte reservado ao
ciacuterculo mais proacuteximo de nossa famiacutelia imediata e depois se expandindo
progressivamente para amigos a comunidade local e a humanidade como
um todo983090983089 O poder e a beleza de amores inclusivos como agape eacute que eles
ajudam a contrabalanccedilar nosso esmagador desejo de ser amados pedindo-
nos em vez disso para nos lanccedilarmos a uma generosidade de espiacuterito
afirmadora da vida Infelizmente ateacute agora ningueacutem inventou o speed
dating de agape para ajudar a criar um movimento aleatoacuterio de bondade
nem encontramos anuacutencios pessoais oferecendo agape nos jornais Ainda
assim eacute possiacutevel desempenhar com facilidade atos de agape como pagar
o pedaacutegio do desconhecido que dirige o carro que vem atraacutes do nosso
Um uacuteltimo amor conhecido pelos gregos era philautia ou amor-proacute-
prio que agrave primeira vista parece o oposto de agape ndash um rival que o des-
truiria Os saacutebios gregos no entanto percebiam que ele se manifestava
sob duas formas Havia um tipo negativo de amor-proacuteprio um desejo
ardente e egoiacutesta de obter prazeres pessoais dinheiro e honrarias puacutebli-
cas muito aleacutem da cota justa Seus perigos foram revelados no mito de
Narciso o irresistiacutevel jovem que se apaixonou pelo proacuteprio reflexo num
lago e incapaz de se afastar pereceu ali de inaniccedilatildeo A maacute reputaccedilatildeo do
amor-proacuteprio persistiu no pensamento ocidental no seacuteculo XVI o teoacutelogo
francecircs Joatildeo Calvino descreveu-o como uma ldquopesterdquo ao passo que Freud
o via como um redirecionamento patoloacutegico da nossa libido para noacutes
mesmos tornando-nos incapazes de amar os outros983090983090
Por sorte Aristoacuteteles havia reconhecido uma versatildeo mais positiva
do amor-proacuteprio que intensificava nossa capacidade de amor ldquoTodos os
sentimentos amistosos pelos outrosrdquo escreveu ele ldquosatildeo extensotildees dos
sentimentos de um homem por si mesmordquo A mensagem era que quando
gostamos de noacutes e nos sentimos seguros de noacutes mesmos temos amor em
abundacircncia para dar De maneira semelhante se sabemos o que nos fazfelizes estaremos em melhores condiccedilotildees para estender essa felicidade aos
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10486261048628 Relacionamentos enriquecedores
que nos cercam Se por outro lado estamos em desconforto com o que
somos ou alimentamos alguma aversatildeo por noacutes mesmos teremos pouco
amor a oferecer aos outros Ao que parece deveriacuteamos aprender a amara noacutes mesmos de uma maneira que natildeo se transforme num sentimento
arrebatador de obsessatildeo por noacutes Isso significa no miacutenimo aceitar nossas
imperfeiccedilotildees e reconhecer humildemente nossos talentos individuais em
vez de sempre olhar para nossos defeitos e inadequaccedilotildees983090983091
A983154983149983137983140983151983155 983140983141983155983155983141 983139983151983150983144983141983139983145983149983141983150983156983151 das variedades do amor vocecirc teria sem
duacutevida muito a dizer se fosse convidado a participar de um debate filosoacute-
fico sobre a natureza do amor na Atenas claacutessica A principal razatildeo para
compreender os seis amores natildeo eacute contudo enriquecer a qualidade de sua
conversa mas repensar o significado do amor em sua proacutepria vida O traccedilo
mais notaacutevel da abordagem dos gregos antigos eacute que eles reconheciam
ter amor em seus relacionamentos com uma ampla variedade de pessoas
ndash amigos famiacutelia cocircnjuges estranhos e ateacute consigo mesmos Como ve-
remos adiante isso eacute muito diferente do modo como abordamos o amor
hoje o qual em geral envolve o foco romacircntico numa uacutenica pessoa que
supostamente deve satisfazer todas as nossas necessidades amorosas Os
gregos estatildeo nos dizendo para fomentar as muitas formas de amor em
vez de persegui-lo em termos estreitos demais
Uma vantagem de pensar dessa maneira eacute que se vocecirc estaacute muito
infeliz com a dimensatildeo de sua ldquovida amorosardquo ndash digamos que natildeo consiga
satisfazer seu eros e foi rejeitado por algueacutem ndash pode concentrar a atenccedilatildeo
alternativamente em algum outro tipo de amor Por exemplo vocecirc culti-
varia a philia dedicando tempo a seus amigos mais antigos ou expandiria
seu ludus danccedilando noite adentro Aleacutem disso talvez vocecirc sinta que estaacute
sofrendo por falta de amor mas se mapeasse a extensatildeo em que todas as
seis formas estatildeo presentes em sua vida provavelmente descobriria que
o amor eacute muito mais abundante do que havia imaginado
Uma das questotildees universais da vida emocional sempre foi ldquoO que eacuteo amorrdquo Creio que essa eacute uma pergunta enganosa que nos enredou em
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Amor 10486261048629
confusotildees inuacuteteis na tentativa de identificar alguma essecircncia definitiva
do ldquoverdadeiro amorrdquo A liccedilatildeo da Greacutecia Antiga eacute que a pergunta que
devemos fazer a noacutes mesmos eacute outra ldquoComo posso cultivar as diferentesvariedades de amor em minha vidardquo Esta eacute a questatildeo suprema do amor
que hoje enfrentamos Mas se desejamos cultivar essas variedades deve-
mos primeiro nos desvencilhar do poderoso mito do amor romacircntico
que se interpotildee no caminho
O mito do amor romacircntico
A ideia do amor apaixonado romacircntico que emergiu no Ocidente durante
o uacuteltimo milecircnio eacute uma de nossas heranccedilas culturais mais destrutivas
Isso porque sua principal aspiraccedilatildeo ndash a descoberta de uma alma gecircmea ndash eacute
praticamente inatingiacutevel Podemos passar anos agrave procura dessa pessoa elu-
siva que satisfaraacute todas as nossas necessidades emocionais e nossos desejos
sexuais que nos proporcionaraacute amizade e autoconfianccedila conforto e risos
estimularaacute nossas mentes e compartilharaacute nossos sonhos Imaginamos que
existe algueacutem no eacuteter amoroso que eacute nossa outra metade perdida e que nos
faraacute sentir completos bastando apenas que possamos fundir nosso ser com
o dele na sublime uniatildeo do amor romacircntico Nossas esperanccedilas satildeo alimen-
tadas por uma induacutestria de filmes romacircnticos de Hollywood e um excesso
de ficccedilatildeo barata difundindo essa mitologia A mensagem eacute reproduzida
pelo exeacutercito mundial de conselheiros que anunciam sua habilidade para
ajudaacute-lo a ldquoencontrar o par perfeitordquo Um dos sites de encontros amorosos
on-line mais populares da Gratilde-Bretanha chama-se como natildeo eacute de surpreen-
der Soulmates e num levantamento feito junto a americanos solteiros na
casa dos vinte anos 10486331048628 concordaram que ldquoquando algueacutem se casa quer
que o cocircnjuge seja sua alma gecircmea acima de qualquer outra coisardquo983090983092
Damos por certa a possibilidade do amor romacircntico Mas para com-
preender por que nos tornamos tatildeo obcecados por ele e com a ideia de
uma alma gecircmea ndash expressatildeo que soacute emergiu no seacuteculo XIX ndash precisa-mos descobrir como o conceito de amor desenvolveu-se no Ocidente no
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10486261048630 Relacionamentos enriquecedores
curso dos uacuteltimos mil anos A lamentaacutevel verdade eacute que o mito do amor
romacircntico apossou-se pouco a pouco das variedades de amor que exis-
tiam no passado absorvendo-as numa visatildeo monoliacutetica Essa calamidadecultural desenvolveu-se em cinco estaacutegios comeccedilando nos desertos da
Araacutebia onde eros tornou-se a base do amor romacircntico Agape foi acrescen-
tado ao ideal romacircntico na Europa medieval tardia ao passo que philia e
pragma foram incorporados durante um terceiro estaacutegio no seacuteculo XVII
O movimento do Romantismo aprofundou a importacircncia de eros e por
fim philautia e ludus tornaram-se parte de nossas esperanccedilas romacircnticas
no seacuteculo XX A consequecircncia eacute que estamos agora oprimidos pela crenccedila
infundada e muitas vezes perigosa de que todas as variedades de amor
podem e devem ser encontradas numa uacutenica pessoa
O amor romacircntico nasceu por volta do fim do primeiro milecircnio em
contos poesias e muacutesica da Peacutersia no iniacutecio da Idade Meacutedia Seus traccedilos
centrais podem ser encontrados em As mil e uma noites coletacircnea de narra-
tivas populares do Oriente Meacutedio datadas do seacuteculo X aproximadamente
contadas noite apoacutes noite pela princesa Sherazade a seu novo marido
o exaltado sultatildeo Shariar que tinha o execraacutevel haacutebito de executar suas
noivas virgens Nos anos 10486321048632852016 as histoacuterias foram traduzidas de maneira
abominaacutevel para o inglecircs pelo explorador sir Richard Burton que fez
questatildeo de enfatizar seu conteuacutedo eroacutetico com copiosas notas de rodapeacute
sobre os costumes sexuais persas Talvez vocecirc se lembre de ldquoAli Babaacute
e os quarenta ladrotildeesrdquo mas provavelmente estaacute menos familiarizado
com histoacuterias mais sensuais como ldquoO priacutencipe Behram e a princesa al-
Datmardquo Quando o jovem priacutencipe bateu os olhos pela primeira vez na
bela e graciosa princesa cujo rosto era ldquomais radiante que a luardquo o amor
ldquoapoderou-se de seu coraccedilatildeordquo de imediato e ele astutamente se vestiu como
um velho e decreacutepito jardineiro para conquistaacute-la Outros contos entre
eles ldquoO primeiro eunuco Bukhaytrdquo eram tatildeo sexualmente expliacutecitos que
escandalizaram a Inglaterra vitoriana983090983093 O que emergia nessas narrativas
era uma nova visatildeo do amor que combinava a paixatildeo de eros com a fusatildeo
das almas dos amantes983090983094 Esses dois elementos estatildeo no acircmago de nossanoccedilatildeo contemporacircnea de amor romacircntico
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Amor 10486261048627
ou ldquobenevolecircnciardquo tambeacutem se refere a uma forma altruiacutesta e abrangente
de amor Contudo enquanto agape e metta estendem-se a todas as pessoas
indiscriminadamente ren eacute um amor graduado que se estende a partirde noacutes mesmos em ciacuterculos concecircntricos o amor mais forte reservado ao
ciacuterculo mais proacuteximo de nossa famiacutelia imediata e depois se expandindo
progressivamente para amigos a comunidade local e a humanidade como
um todo983090983089 O poder e a beleza de amores inclusivos como agape eacute que eles
ajudam a contrabalanccedilar nosso esmagador desejo de ser amados pedindo-
nos em vez disso para nos lanccedilarmos a uma generosidade de espiacuterito
afirmadora da vida Infelizmente ateacute agora ningueacutem inventou o speed
dating de agape para ajudar a criar um movimento aleatoacuterio de bondade
nem encontramos anuacutencios pessoais oferecendo agape nos jornais Ainda
assim eacute possiacutevel desempenhar com facilidade atos de agape como pagar
o pedaacutegio do desconhecido que dirige o carro que vem atraacutes do nosso
Um uacuteltimo amor conhecido pelos gregos era philautia ou amor-proacute-
prio que agrave primeira vista parece o oposto de agape ndash um rival que o des-
truiria Os saacutebios gregos no entanto percebiam que ele se manifestava
sob duas formas Havia um tipo negativo de amor-proacuteprio um desejo
ardente e egoiacutesta de obter prazeres pessoais dinheiro e honrarias puacutebli-
cas muito aleacutem da cota justa Seus perigos foram revelados no mito de
Narciso o irresistiacutevel jovem que se apaixonou pelo proacuteprio reflexo num
lago e incapaz de se afastar pereceu ali de inaniccedilatildeo A maacute reputaccedilatildeo do
amor-proacuteprio persistiu no pensamento ocidental no seacuteculo XVI o teoacutelogo
francecircs Joatildeo Calvino descreveu-o como uma ldquopesterdquo ao passo que Freud
o via como um redirecionamento patoloacutegico da nossa libido para noacutes
mesmos tornando-nos incapazes de amar os outros983090983090
Por sorte Aristoacuteteles havia reconhecido uma versatildeo mais positiva
do amor-proacuteprio que intensificava nossa capacidade de amor ldquoTodos os
sentimentos amistosos pelos outrosrdquo escreveu ele ldquosatildeo extensotildees dos
sentimentos de um homem por si mesmordquo A mensagem era que quando
gostamos de noacutes e nos sentimos seguros de noacutes mesmos temos amor em
abundacircncia para dar De maneira semelhante se sabemos o que nos fazfelizes estaremos em melhores condiccedilotildees para estender essa felicidade aos
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que nos cercam Se por outro lado estamos em desconforto com o que
somos ou alimentamos alguma aversatildeo por noacutes mesmos teremos pouco
amor a oferecer aos outros Ao que parece deveriacuteamos aprender a amara noacutes mesmos de uma maneira que natildeo se transforme num sentimento
arrebatador de obsessatildeo por noacutes Isso significa no miacutenimo aceitar nossas
imperfeiccedilotildees e reconhecer humildemente nossos talentos individuais em
vez de sempre olhar para nossos defeitos e inadequaccedilotildees983090983091
A983154983149983137983140983151983155 983140983141983155983155983141 983139983151983150983144983141983139983145983149983141983150983156983151 das variedades do amor vocecirc teria sem
duacutevida muito a dizer se fosse convidado a participar de um debate filosoacute-
fico sobre a natureza do amor na Atenas claacutessica A principal razatildeo para
compreender os seis amores natildeo eacute contudo enriquecer a qualidade de sua
conversa mas repensar o significado do amor em sua proacutepria vida O traccedilo
mais notaacutevel da abordagem dos gregos antigos eacute que eles reconheciam
ter amor em seus relacionamentos com uma ampla variedade de pessoas
ndash amigos famiacutelia cocircnjuges estranhos e ateacute consigo mesmos Como ve-
remos adiante isso eacute muito diferente do modo como abordamos o amor
hoje o qual em geral envolve o foco romacircntico numa uacutenica pessoa que
supostamente deve satisfazer todas as nossas necessidades amorosas Os
gregos estatildeo nos dizendo para fomentar as muitas formas de amor em
vez de persegui-lo em termos estreitos demais
Uma vantagem de pensar dessa maneira eacute que se vocecirc estaacute muito
infeliz com a dimensatildeo de sua ldquovida amorosardquo ndash digamos que natildeo consiga
satisfazer seu eros e foi rejeitado por algueacutem ndash pode concentrar a atenccedilatildeo
alternativamente em algum outro tipo de amor Por exemplo vocecirc culti-
varia a philia dedicando tempo a seus amigos mais antigos ou expandiria
seu ludus danccedilando noite adentro Aleacutem disso talvez vocecirc sinta que estaacute
sofrendo por falta de amor mas se mapeasse a extensatildeo em que todas as
seis formas estatildeo presentes em sua vida provavelmente descobriria que
o amor eacute muito mais abundante do que havia imaginado
Uma das questotildees universais da vida emocional sempre foi ldquoO que eacuteo amorrdquo Creio que essa eacute uma pergunta enganosa que nos enredou em
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Amor 10486261048629
confusotildees inuacuteteis na tentativa de identificar alguma essecircncia definitiva
do ldquoverdadeiro amorrdquo A liccedilatildeo da Greacutecia Antiga eacute que a pergunta que
devemos fazer a noacutes mesmos eacute outra ldquoComo posso cultivar as diferentesvariedades de amor em minha vidardquo Esta eacute a questatildeo suprema do amor
que hoje enfrentamos Mas se desejamos cultivar essas variedades deve-
mos primeiro nos desvencilhar do poderoso mito do amor romacircntico
que se interpotildee no caminho
O mito do amor romacircntico
A ideia do amor apaixonado romacircntico que emergiu no Ocidente durante
o uacuteltimo milecircnio eacute uma de nossas heranccedilas culturais mais destrutivas
Isso porque sua principal aspiraccedilatildeo ndash a descoberta de uma alma gecircmea ndash eacute
praticamente inatingiacutevel Podemos passar anos agrave procura dessa pessoa elu-
siva que satisfaraacute todas as nossas necessidades emocionais e nossos desejos
sexuais que nos proporcionaraacute amizade e autoconfianccedila conforto e risos
estimularaacute nossas mentes e compartilharaacute nossos sonhos Imaginamos que
existe algueacutem no eacuteter amoroso que eacute nossa outra metade perdida e que nos
faraacute sentir completos bastando apenas que possamos fundir nosso ser com
o dele na sublime uniatildeo do amor romacircntico Nossas esperanccedilas satildeo alimen-
tadas por uma induacutestria de filmes romacircnticos de Hollywood e um excesso
de ficccedilatildeo barata difundindo essa mitologia A mensagem eacute reproduzida
pelo exeacutercito mundial de conselheiros que anunciam sua habilidade para
ajudaacute-lo a ldquoencontrar o par perfeitordquo Um dos sites de encontros amorosos
on-line mais populares da Gratilde-Bretanha chama-se como natildeo eacute de surpreen-
der Soulmates e num levantamento feito junto a americanos solteiros na
casa dos vinte anos 10486331048628 concordaram que ldquoquando algueacutem se casa quer
que o cocircnjuge seja sua alma gecircmea acima de qualquer outra coisardquo983090983092
Damos por certa a possibilidade do amor romacircntico Mas para com-
preender por que nos tornamos tatildeo obcecados por ele e com a ideia de
uma alma gecircmea ndash expressatildeo que soacute emergiu no seacuteculo XIX ndash precisa-mos descobrir como o conceito de amor desenvolveu-se no Ocidente no
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curso dos uacuteltimos mil anos A lamentaacutevel verdade eacute que o mito do amor
romacircntico apossou-se pouco a pouco das variedades de amor que exis-
tiam no passado absorvendo-as numa visatildeo monoliacutetica Essa calamidadecultural desenvolveu-se em cinco estaacutegios comeccedilando nos desertos da
Araacutebia onde eros tornou-se a base do amor romacircntico Agape foi acrescen-
tado ao ideal romacircntico na Europa medieval tardia ao passo que philia e
pragma foram incorporados durante um terceiro estaacutegio no seacuteculo XVII
O movimento do Romantismo aprofundou a importacircncia de eros e por
fim philautia e ludus tornaram-se parte de nossas esperanccedilas romacircnticas
no seacuteculo XX A consequecircncia eacute que estamos agora oprimidos pela crenccedila
infundada e muitas vezes perigosa de que todas as variedades de amor
podem e devem ser encontradas numa uacutenica pessoa
O amor romacircntico nasceu por volta do fim do primeiro milecircnio em
contos poesias e muacutesica da Peacutersia no iniacutecio da Idade Meacutedia Seus traccedilos
centrais podem ser encontrados em As mil e uma noites coletacircnea de narra-
tivas populares do Oriente Meacutedio datadas do seacuteculo X aproximadamente
contadas noite apoacutes noite pela princesa Sherazade a seu novo marido
o exaltado sultatildeo Shariar que tinha o execraacutevel haacutebito de executar suas
noivas virgens Nos anos 10486321048632852016 as histoacuterias foram traduzidas de maneira
abominaacutevel para o inglecircs pelo explorador sir Richard Burton que fez
questatildeo de enfatizar seu conteuacutedo eroacutetico com copiosas notas de rodapeacute
sobre os costumes sexuais persas Talvez vocecirc se lembre de ldquoAli Babaacute
e os quarenta ladrotildeesrdquo mas provavelmente estaacute menos familiarizado
com histoacuterias mais sensuais como ldquoO priacutencipe Behram e a princesa al-
Datmardquo Quando o jovem priacutencipe bateu os olhos pela primeira vez na
bela e graciosa princesa cujo rosto era ldquomais radiante que a luardquo o amor
ldquoapoderou-se de seu coraccedilatildeordquo de imediato e ele astutamente se vestiu como
um velho e decreacutepito jardineiro para conquistaacute-la Outros contos entre
eles ldquoO primeiro eunuco Bukhaytrdquo eram tatildeo sexualmente expliacutecitos que
escandalizaram a Inglaterra vitoriana983090983093 O que emergia nessas narrativas
era uma nova visatildeo do amor que combinava a paixatildeo de eros com a fusatildeo
das almas dos amantes983090983094 Esses dois elementos estatildeo no acircmago de nossanoccedilatildeo contemporacircnea de amor romacircntico
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que nos cercam Se por outro lado estamos em desconforto com o que
somos ou alimentamos alguma aversatildeo por noacutes mesmos teremos pouco
amor a oferecer aos outros Ao que parece deveriacuteamos aprender a amara noacutes mesmos de uma maneira que natildeo se transforme num sentimento
arrebatador de obsessatildeo por noacutes Isso significa no miacutenimo aceitar nossas
imperfeiccedilotildees e reconhecer humildemente nossos talentos individuais em
vez de sempre olhar para nossos defeitos e inadequaccedilotildees983090983091
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duacutevida muito a dizer se fosse convidado a participar de um debate filosoacute-
fico sobre a natureza do amor na Atenas claacutessica A principal razatildeo para
compreender os seis amores natildeo eacute contudo enriquecer a qualidade de sua
conversa mas repensar o significado do amor em sua proacutepria vida O traccedilo
mais notaacutevel da abordagem dos gregos antigos eacute que eles reconheciam
ter amor em seus relacionamentos com uma ampla variedade de pessoas
ndash amigos famiacutelia cocircnjuges estranhos e ateacute consigo mesmos Como ve-
remos adiante isso eacute muito diferente do modo como abordamos o amor
hoje o qual em geral envolve o foco romacircntico numa uacutenica pessoa que
supostamente deve satisfazer todas as nossas necessidades amorosas Os
gregos estatildeo nos dizendo para fomentar as muitas formas de amor em
vez de persegui-lo em termos estreitos demais
Uma vantagem de pensar dessa maneira eacute que se vocecirc estaacute muito
infeliz com a dimensatildeo de sua ldquovida amorosardquo ndash digamos que natildeo consiga
satisfazer seu eros e foi rejeitado por algueacutem ndash pode concentrar a atenccedilatildeo
alternativamente em algum outro tipo de amor Por exemplo vocecirc culti-
varia a philia dedicando tempo a seus amigos mais antigos ou expandiria
seu ludus danccedilando noite adentro Aleacutem disso talvez vocecirc sinta que estaacute
sofrendo por falta de amor mas se mapeasse a extensatildeo em que todas as
seis formas estatildeo presentes em sua vida provavelmente descobriria que
o amor eacute muito mais abundante do que havia imaginado
Uma das questotildees universais da vida emocional sempre foi ldquoO que eacuteo amorrdquo Creio que essa eacute uma pergunta enganosa que nos enredou em
7262019 Trecho KRZNARIC SobreAArteDeViver
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Amor 10486261048629
confusotildees inuacuteteis na tentativa de identificar alguma essecircncia definitiva
do ldquoverdadeiro amorrdquo A liccedilatildeo da Greacutecia Antiga eacute que a pergunta que
devemos fazer a noacutes mesmos eacute outra ldquoComo posso cultivar as diferentesvariedades de amor em minha vidardquo Esta eacute a questatildeo suprema do amor
que hoje enfrentamos Mas se desejamos cultivar essas variedades deve-
mos primeiro nos desvencilhar do poderoso mito do amor romacircntico
que se interpotildee no caminho
O mito do amor romacircntico
A ideia do amor apaixonado romacircntico que emergiu no Ocidente durante
o uacuteltimo milecircnio eacute uma de nossas heranccedilas culturais mais destrutivas
Isso porque sua principal aspiraccedilatildeo ndash a descoberta de uma alma gecircmea ndash eacute
praticamente inatingiacutevel Podemos passar anos agrave procura dessa pessoa elu-
siva que satisfaraacute todas as nossas necessidades emocionais e nossos desejos
sexuais que nos proporcionaraacute amizade e autoconfianccedila conforto e risos
estimularaacute nossas mentes e compartilharaacute nossos sonhos Imaginamos que
existe algueacutem no eacuteter amoroso que eacute nossa outra metade perdida e que nos
faraacute sentir completos bastando apenas que possamos fundir nosso ser com
o dele na sublime uniatildeo do amor romacircntico Nossas esperanccedilas satildeo alimen-
tadas por uma induacutestria de filmes romacircnticos de Hollywood e um excesso
de ficccedilatildeo barata difundindo essa mitologia A mensagem eacute reproduzida
pelo exeacutercito mundial de conselheiros que anunciam sua habilidade para
ajudaacute-lo a ldquoencontrar o par perfeitordquo Um dos sites de encontros amorosos
on-line mais populares da Gratilde-Bretanha chama-se como natildeo eacute de surpreen-
der Soulmates e num levantamento feito junto a americanos solteiros na
casa dos vinte anos 10486331048628 concordaram que ldquoquando algueacutem se casa quer
que o cocircnjuge seja sua alma gecircmea acima de qualquer outra coisardquo983090983092
Damos por certa a possibilidade do amor romacircntico Mas para com-
preender por que nos tornamos tatildeo obcecados por ele e com a ideia de
uma alma gecircmea ndash expressatildeo que soacute emergiu no seacuteculo XIX ndash precisa-mos descobrir como o conceito de amor desenvolveu-se no Ocidente no
7262019 Trecho KRZNARIC SobreAArteDeViver
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10486261048630 Relacionamentos enriquecedores
curso dos uacuteltimos mil anos A lamentaacutevel verdade eacute que o mito do amor
romacircntico apossou-se pouco a pouco das variedades de amor que exis-
tiam no passado absorvendo-as numa visatildeo monoliacutetica Essa calamidadecultural desenvolveu-se em cinco estaacutegios comeccedilando nos desertos da
Araacutebia onde eros tornou-se a base do amor romacircntico Agape foi acrescen-
tado ao ideal romacircntico na Europa medieval tardia ao passo que philia e
pragma foram incorporados durante um terceiro estaacutegio no seacuteculo XVII
O movimento do Romantismo aprofundou a importacircncia de eros e por
fim philautia e ludus tornaram-se parte de nossas esperanccedilas romacircnticas
no seacuteculo XX A consequecircncia eacute que estamos agora oprimidos pela crenccedila
infundada e muitas vezes perigosa de que todas as variedades de amor
podem e devem ser encontradas numa uacutenica pessoa
O amor romacircntico nasceu por volta do fim do primeiro milecircnio em
contos poesias e muacutesica da Peacutersia no iniacutecio da Idade Meacutedia Seus traccedilos
centrais podem ser encontrados em As mil e uma noites coletacircnea de narra-
tivas populares do Oriente Meacutedio datadas do seacuteculo X aproximadamente
contadas noite apoacutes noite pela princesa Sherazade a seu novo marido
o exaltado sultatildeo Shariar que tinha o execraacutevel haacutebito de executar suas
noivas virgens Nos anos 10486321048632852016 as histoacuterias foram traduzidas de maneira
abominaacutevel para o inglecircs pelo explorador sir Richard Burton que fez
questatildeo de enfatizar seu conteuacutedo eroacutetico com copiosas notas de rodapeacute
sobre os costumes sexuais persas Talvez vocecirc se lembre de ldquoAli Babaacute
e os quarenta ladrotildeesrdquo mas provavelmente estaacute menos familiarizado
com histoacuterias mais sensuais como ldquoO priacutencipe Behram e a princesa al-
Datmardquo Quando o jovem priacutencipe bateu os olhos pela primeira vez na
bela e graciosa princesa cujo rosto era ldquomais radiante que a luardquo o amor
ldquoapoderou-se de seu coraccedilatildeordquo de imediato e ele astutamente se vestiu como
um velho e decreacutepito jardineiro para conquistaacute-la Outros contos entre
eles ldquoO primeiro eunuco Bukhaytrdquo eram tatildeo sexualmente expliacutecitos que
escandalizaram a Inglaterra vitoriana983090983093 O que emergia nessas narrativas
era uma nova visatildeo do amor que combinava a paixatildeo de eros com a fusatildeo
das almas dos amantes983090983094 Esses dois elementos estatildeo no acircmago de nossanoccedilatildeo contemporacircnea de amor romacircntico
7262019 Trecho KRZNARIC SobreAArteDeViver
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Amor 10486261048629
confusotildees inuacuteteis na tentativa de identificar alguma essecircncia definitiva
do ldquoverdadeiro amorrdquo A liccedilatildeo da Greacutecia Antiga eacute que a pergunta que
devemos fazer a noacutes mesmos eacute outra ldquoComo posso cultivar as diferentesvariedades de amor em minha vidardquo Esta eacute a questatildeo suprema do amor
que hoje enfrentamos Mas se desejamos cultivar essas variedades deve-
mos primeiro nos desvencilhar do poderoso mito do amor romacircntico
que se interpotildee no caminho
O mito do amor romacircntico
A ideia do amor apaixonado romacircntico que emergiu no Ocidente durante
o uacuteltimo milecircnio eacute uma de nossas heranccedilas culturais mais destrutivas
Isso porque sua principal aspiraccedilatildeo ndash a descoberta de uma alma gecircmea ndash eacute
praticamente inatingiacutevel Podemos passar anos agrave procura dessa pessoa elu-
siva que satisfaraacute todas as nossas necessidades emocionais e nossos desejos
sexuais que nos proporcionaraacute amizade e autoconfianccedila conforto e risos
estimularaacute nossas mentes e compartilharaacute nossos sonhos Imaginamos que
existe algueacutem no eacuteter amoroso que eacute nossa outra metade perdida e que nos
faraacute sentir completos bastando apenas que possamos fundir nosso ser com
o dele na sublime uniatildeo do amor romacircntico Nossas esperanccedilas satildeo alimen-
tadas por uma induacutestria de filmes romacircnticos de Hollywood e um excesso
de ficccedilatildeo barata difundindo essa mitologia A mensagem eacute reproduzida
pelo exeacutercito mundial de conselheiros que anunciam sua habilidade para
ajudaacute-lo a ldquoencontrar o par perfeitordquo Um dos sites de encontros amorosos
on-line mais populares da Gratilde-Bretanha chama-se como natildeo eacute de surpreen-
der Soulmates e num levantamento feito junto a americanos solteiros na
casa dos vinte anos 10486331048628 concordaram que ldquoquando algueacutem se casa quer
que o cocircnjuge seja sua alma gecircmea acima de qualquer outra coisardquo983090983092
Damos por certa a possibilidade do amor romacircntico Mas para com-
preender por que nos tornamos tatildeo obcecados por ele e com a ideia de
uma alma gecircmea ndash expressatildeo que soacute emergiu no seacuteculo XIX ndash precisa-mos descobrir como o conceito de amor desenvolveu-se no Ocidente no
7262019 Trecho KRZNARIC SobreAArteDeViver
httpslidepdfcomreaderfulltrecho-krznaric-sobreaartedeviver 1212
10486261048630 Relacionamentos enriquecedores
curso dos uacuteltimos mil anos A lamentaacutevel verdade eacute que o mito do amor
romacircntico apossou-se pouco a pouco das variedades de amor que exis-
tiam no passado absorvendo-as numa visatildeo monoliacutetica Essa calamidadecultural desenvolveu-se em cinco estaacutegios comeccedilando nos desertos da
Araacutebia onde eros tornou-se a base do amor romacircntico Agape foi acrescen-
tado ao ideal romacircntico na Europa medieval tardia ao passo que philia e
pragma foram incorporados durante um terceiro estaacutegio no seacuteculo XVII
O movimento do Romantismo aprofundou a importacircncia de eros e por
fim philautia e ludus tornaram-se parte de nossas esperanccedilas romacircnticas
no seacuteculo XX A consequecircncia eacute que estamos agora oprimidos pela crenccedila
infundada e muitas vezes perigosa de que todas as variedades de amor
podem e devem ser encontradas numa uacutenica pessoa
O amor romacircntico nasceu por volta do fim do primeiro milecircnio em
contos poesias e muacutesica da Peacutersia no iniacutecio da Idade Meacutedia Seus traccedilos
centrais podem ser encontrados em As mil e uma noites coletacircnea de narra-
tivas populares do Oriente Meacutedio datadas do seacuteculo X aproximadamente
contadas noite apoacutes noite pela princesa Sherazade a seu novo marido
o exaltado sultatildeo Shariar que tinha o execraacutevel haacutebito de executar suas
noivas virgens Nos anos 10486321048632852016 as histoacuterias foram traduzidas de maneira
abominaacutevel para o inglecircs pelo explorador sir Richard Burton que fez
questatildeo de enfatizar seu conteuacutedo eroacutetico com copiosas notas de rodapeacute
sobre os costumes sexuais persas Talvez vocecirc se lembre de ldquoAli Babaacute
e os quarenta ladrotildeesrdquo mas provavelmente estaacute menos familiarizado
com histoacuterias mais sensuais como ldquoO priacutencipe Behram e a princesa al-
Datmardquo Quando o jovem priacutencipe bateu os olhos pela primeira vez na
bela e graciosa princesa cujo rosto era ldquomais radiante que a luardquo o amor
ldquoapoderou-se de seu coraccedilatildeordquo de imediato e ele astutamente se vestiu como
um velho e decreacutepito jardineiro para conquistaacute-la Outros contos entre
eles ldquoO primeiro eunuco Bukhaytrdquo eram tatildeo sexualmente expliacutecitos que
escandalizaram a Inglaterra vitoriana983090983093 O que emergia nessas narrativas
era uma nova visatildeo do amor que combinava a paixatildeo de eros com a fusatildeo
das almas dos amantes983090983094 Esses dois elementos estatildeo no acircmago de nossanoccedilatildeo contemporacircnea de amor romacircntico
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curso dos uacuteltimos mil anos A lamentaacutevel verdade eacute que o mito do amor
romacircntico apossou-se pouco a pouco das variedades de amor que exis-
tiam no passado absorvendo-as numa visatildeo monoliacutetica Essa calamidadecultural desenvolveu-se em cinco estaacutegios comeccedilando nos desertos da
Araacutebia onde eros tornou-se a base do amor romacircntico Agape foi acrescen-
tado ao ideal romacircntico na Europa medieval tardia ao passo que philia e
pragma foram incorporados durante um terceiro estaacutegio no seacuteculo XVII
O movimento do Romantismo aprofundou a importacircncia de eros e por
fim philautia e ludus tornaram-se parte de nossas esperanccedilas romacircnticas
no seacuteculo XX A consequecircncia eacute que estamos agora oprimidos pela crenccedila
infundada e muitas vezes perigosa de que todas as variedades de amor
podem e devem ser encontradas numa uacutenica pessoa
O amor romacircntico nasceu por volta do fim do primeiro milecircnio em
contos poesias e muacutesica da Peacutersia no iniacutecio da Idade Meacutedia Seus traccedilos
centrais podem ser encontrados em As mil e uma noites coletacircnea de narra-
tivas populares do Oriente Meacutedio datadas do seacuteculo X aproximadamente
contadas noite apoacutes noite pela princesa Sherazade a seu novo marido
o exaltado sultatildeo Shariar que tinha o execraacutevel haacutebito de executar suas
noivas virgens Nos anos 10486321048632852016 as histoacuterias foram traduzidas de maneira
abominaacutevel para o inglecircs pelo explorador sir Richard Burton que fez
questatildeo de enfatizar seu conteuacutedo eroacutetico com copiosas notas de rodapeacute
sobre os costumes sexuais persas Talvez vocecirc se lembre de ldquoAli Babaacute
e os quarenta ladrotildeesrdquo mas provavelmente estaacute menos familiarizado
com histoacuterias mais sensuais como ldquoO priacutencipe Behram e a princesa al-
Datmardquo Quando o jovem priacutencipe bateu os olhos pela primeira vez na
bela e graciosa princesa cujo rosto era ldquomais radiante que a luardquo o amor
ldquoapoderou-se de seu coraccedilatildeordquo de imediato e ele astutamente se vestiu como
um velho e decreacutepito jardineiro para conquistaacute-la Outros contos entre
eles ldquoO primeiro eunuco Bukhaytrdquo eram tatildeo sexualmente expliacutecitos que
escandalizaram a Inglaterra vitoriana983090983093 O que emergia nessas narrativas
era uma nova visatildeo do amor que combinava a paixatildeo de eros com a fusatildeo
das almas dos amantes983090983094 Esses dois elementos estatildeo no acircmago de nossanoccedilatildeo contemporacircnea de amor romacircntico