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Tribunal de Contas do Estado de Rondônia Gabinete do Conselheiro Edílson de Sousa Silva
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E-II
PROCESSO Nº 1424/2010-TCER
ASSUNTO Denúncia sobre supostas irregularidades narenúncia de receitas decorrentes da estipulação de taxas em favor de Fundo de natureza privada
INTERESSADO IDARON – Agência de Defesa Sanitária Agrosilvopastoril do Estado de Rondônia
Responsável Agostinho Pastore - Presidente
Relator Conselheiro José Gomes de Melo
Revisor Conselheiro Edílson de Sousa Silva
EMENTA: Constitucional. Tributário.
Administrativo. Atribuição do produto da
arrecadação de taxa a fundo de natureza
privada: Inconstitucionalidade por
ruptura da vinculação com a atividade
estatal. Ofensa ao art. 145, II, da CF
c/c art. 77 do CTN. Controle de
constitucionalidade que se promove por
negativa de executoridade por se tratar
de dispositivo impugnado na esfera
judicial: Procedimento célere que
prescinde do contraditório. Recursos
transferidos do Tesouro Estadual a
entidade privada a qualquer título:
Instauração de Tomada de Contas Especial
pelo Órgão de Controle Interno para
apurar a efetiva aplicação. Dependência
administrativa e operacional de Órgão
Público em relação a entidade privada:
Ilegalidade. Burla às normas de regência
da Administração Pública.
Tribunal de Contas do Estado de Rondônia Gabinete do Conselheiro Edílson de Sousa Silva
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VOTO-VISTA
Os presentes autos tratam de denúncia
oferecida por Tomás Guilherme Correia, devidamente
qualificado às fls. 01, sobre supostas irregularidades na
estipulação de taxas do Fundo Estadual de Defesa Sanitária
Animal – FESA-RO, em favor do Fundo Emergencial de Febre
Aftosa do Estado de Rondônia – FEFA-RO, que possui natureza
privada e, portanto, de acordo com o denunciante, o
proceder caracterizaria renúncia de receitas, o que é
vedado pela Lei de Responsabilidade Fiscal, a que alude a
Complementar nº 101/2000.
A matéria foi apreciada na Sessão
Plenária do dia 22 de novembro último, quando o Relator,
Conselheiro José Gomes de Melo, proferiu o seguinte voto
(parte dispositiva), verbis:
(...) Assim, diante de tudo o que foi
exposto, em atenção aos termos da
denúncia, às razões de justificativas
manejadas pela IDARON e pelo Fundo
Emergencial de Combate a Febre Aftosa,
com amparo parcial no que foi apontado
pelos relatórios do Controle Externo, e
supedâneo no Parecer nº 319/2012 exarado
pela Procuradora Geral do Ministério
Público de Contas, apresento a este
Plenário o seguinte VOTO:
I – Preliminarmente, CONHECER a Denúncia
por se tratar de matéria de competência
Tribunal de Contas do Estado de Rondônia Gabinete do Conselheiro Edílson de Sousa Silva
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da Corte de Contas e estarem preenchidos
os pressupostos de admissibilidade do
artigo 74, § 2º, c/c o art. 75 da
Constituição Federal e pelo artigo 79 e
80 da Resolução nº 05/1996;
II – DETERMINAR a realização de Inspeção
Especial no FESA-IDARON e no FEFA-RO, a
partir de promulgação da Lei Complementar
Estadual nº 536/09, com vistas a levantar
a receita pública decorrente da
arrecadação da taxa de defesa sanitária
animal, bem assim as despesas decorrentes
da aplicação do artigo 2º da Lei
Complementar nº 536/2009;
III - DETERMINAR ao Governo de Rondônia,
na pessoa do Exmo. Governador do Estado,
Sr. Confúcio Aires Moura, que no uso de
suas atribuições institua, num prazo de
30 (trinta) dias da ciência desta
decisão, Comissão Especial formada por
Agentes Públicos cujas atribuições sejam
afetas às Contas do Estado e ao Setor
Agropecuário, tais quais Controladoria
Geral do Estado – CGE/RO, Secretaria de
Finanças do Estado de Rondônia – SEFIN,
Secretaria de Estado de Planejamento e
Coordenação Geral – SEPLAN, Secretaria de
Estado de Agricultura, Pecuária e
Regularização Fundiária – SEAGRI,
Procuradoria Geral do Estado – PGE,
Agência de Defesa Sanitária
Agrosilvopastoril do Estado de Rondônia –
IDARON e tantos outros Órgãos Federais,
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Estaduais e Municipais que entender
necessários, bem como convidando os
representantes das entidades privadas
ligadas ao agronegócio, com vistas a, num
prazo de 120 (cento e vinte) dias de sua
criação, promovam estudos que:
a) Viabilizem a manutenção permanente da
classificação do Estado de Rondônia como
“Área Livre de Febre Aftosa” pela
Organização Mundial de Saúde Animal - OIE
, com a total erradicação da doença em
nossas fronteiras;
b) Promovam a adequação do sistema de
gestão atual da pecuária do Estado à
Legislação Vigente em confronto às
improbidades encontradas na Lei
Complementar nº 536/2009, de forma a não
COMPROMETER A ECONOMIA DO ESTADO;
c) Investiguem a necessidade do Estado
por profissionais técnicos que possam
compor o quadro da IDARON e realizar a
totalidade dos serviços referentes a
defesa sanitária animal estadual, com
vistas a eventual realização de concurso
público naquela autarquia estadual,
inclusive quanto a dotação orçamentária
para tal desiderato;
d) Na esteira do subitem acima,
identifiquem os bens imóveis e insumos
que o Estado precisa aparelhar-se para
continuar promovendo a defesa sanitária
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do rebanho estadual, independente dos
postos à disposição do Estado pela
entidade privada FEFA/RO, sugerindo
inclusive a origem dos recursos para sua
aquisição;
e) Adotem meio de formalização de
parceria com a República da Bolívia de
forma que o Estado de Rondônia possa
continuar promovendo a Defesa Sanitária
da fronteira comum, eliminando os riscos
de infecção do nosso rebanho pela Febre
Aftosa imigrada daquela Nação;
f) Elaborem plano de proteção e defesa do
rebanho estadual da possível migração da
febre aftosa do rebanho amazonense, dada
classificação daquele Estado da Federação
como área de risco de febre aftosa pela
Organização Mundial de Saúde Animal;
g) Fomentem o saneamento das
irregularidades existentes no setor
pecuário que impedem a exportação dos
insumos pecuários produzidos no Estado
para a União Européia.
IV – DETERMINAR ao Exmo. Governador do Estado, que dê ciência a
esta Corte de Contas de todo o procedimento a ser efetivado,
encaminhando, num prazo de 15 (quinze dias) do término dos
trabalhos da comissão especial, os estudos e suas conclusões.
V – DETERMINAR à Secretaria das Sessões que efetue a publicação
desta Decisão, e dê conhecimento do inteiro teor deste julgado
ao denunciante, aos denunciados, ao Exmo. Governador do Estado,
Sr. Confúcio Aires Moura e aos representantes legais da
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Controladoria Geral do Estado – CGE/RO, Secretaria de Finanças
do Estado de Rondônia – SEFIN, Secretaria de Estado de
Planejamento e Coordenação Geral – SEPLAN, Secretaria de Estado
de Agricultura, Pecuária e Regularização Fundiária – SEAGRI,
Procuradoria Geral do Estado – PGE, enviando após o cumprimento
desta determinação, os autos à Secretaria Geral de Controle
Externo.
VII – SOBRESTAR os autos na Secretaria Geral de Controle
Externo, até retorno das conclusões da inspeção especial, bem
como resultado dos estudos da Comissão Especial à ser instituída
pelo Governo Estadual.
Não obstante o bem lançado voto do digno
Relator, na forma regimental entendi por bem pedir vista
dos autos para melhor reflexão sobre a temática.
Preliminarmente, cumpre assinalar que
acompanho os entendimentos do Ministério Público de Contas
e do eminente Relator, no tocante ao conhecimento da
denúncia, por se encontrar ajustada aos requisitos
regimentais de admissibilidade.
No mérito, o Ministério Público de Contas
se pronunciou em duas oportunidades, mediante o Parecer
nº 048/11, fls. 213/243, e o Parecer nº 319/12, fls.
1287/1300, sendo que na primeira opinou pela negativa de
executoriedade ao Parágrafo Único do art. 6º, da Lei
Complementar nº 526/2009, bem como indicou agendamento de
Inspeção Especial para levantar e acompanhar as receitas e
despesas decorrentes, enquanto que na segunda reiterou o
entendimento expendido na primeira, além de propor
imposição ao Presidente da IDARON para que se abstenha de
praticar ato que resulte na aplicação de isenção da taxa
questionada pela denúncia.
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A seu turno, igualmente no mérito o
Relator promoveu substanciosa análise da matéria, com
ênfase na vertente operacional do IDARON, o que ensejou
propor em seu voto a realização de Inspeção Especial para
levantar a receita decorrente da taxa impugnada pela
denúncia, além do encaminhamento de medidas a serem
adotadas pelo Executivo na defesa sanitária animal do
Estado.
Contudo, com as vênias devidas, considero
imperioso perscrutar a arguição da denúncia sob a
perspectiva puramente jurídica, precisamente quanto ao
exame da legalidade do objeto da denúncia, manifestado no
dispositivo que permite transmudar as taxas do fundo
público (FESA-RO) para o fundo privado (FEFA-RO).
A controvérsia tem como pano de fundo a
Lei Complementar nº 536, de 9 de dezembro de 2009, pela
qual o Executivo Estadual criou no âmbito do IDARON o Fundo
de Defesa Sanitária Animal – FESA-RO -, com a finalidade de
permitir o implemento das ações previstas no art. 1º, § 1º,
I e II, a saber:
Art. - Fica criado, na Agência de Defesa Sanitária
Agrosilvopastoril do Estado de Rondônia – IDARON, o Fundo
Estadual de Sanidade Animal – FESA-RO.
§ 1º - Os recursos oriundos do FESA-RO, serão destinados nas
ações referentes a:
I – indenização pelo abate sanitário, sacrifício de animais
atingidos por doenças erradicadas e outras infecto-contagiosas
contempladas em Programas Sanitários do Estado ou em convênios
com a União, bem como destruição de produtos e subprodutos de
origem animal, para suplementar ações relativas à vigilância em
saúde animal e situações de risco alimentar por vazio sanitário,
Tribunal de Contas do Estado de Rondônia Gabinete do Conselheiro Edílson de Sousa Silva
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equivalentes em até 50% (cinquenta por cento) do saldo das
dotações orçamentárias do fundo; e
II – apoio a certificação e rastreabilidade bovina e bubalina em
propriedades com até 1 (um) módulo fiscal – 60 (sessenta)
hectares, equivalente em até 50% (cinquenta por cento) do saldo
das dotações orçamentárias do fundo.
Posteriormente foi editada a Lei
Complementar nº 564, de 3 de março de 2010, que via
alteração da Lei Complementar nº 536/2009, passou o FESA-RO
para a esfera da SEAGRI, porém manteve a gestão sob a
tutela da IDARON, nos termos seguintes, verbis:
Art. 1º - Os dispositivos abaixo relacionados da Lei
Complementar nº 536, de 6 de dezembro de 2009, que “Cria o Fundo
Estadual de Defesa Sanitária Animal – FESA-RO e institui a Taxa
de Defesa Sanitária Animal do Estado de Rondônia”, passam a
vigorar com a seguinte redação:
“Art. 1º - Fica criado na Secretaria de Estado da Agricultura,
Pecuária e Regularização Fundiária – SEAGRI, o Fundo Estadual de
Sanidade Animal – FESA-RO.
...
Art. 4º - O Fundo instituído por esta Lei Complementar será
gerido pela Agência de Defesa Sanitária Agrosilvopastoril Animal
– IDARON, que também fará parte do Conselho Deliberativo, o qual
será composto pelos órgãos abaixo, ou aqueles que venham a
sucedê-los: (...)
Dentre as fontes de recursos previstas
para financiar as ações do FESA-RO, foi instituída a Taxa
de Defesa Sanitária Animal, denominada Taxa do FESA-RO, nos
termos do art. 2º do mesmo diploma, verbis:
Tribunal de Contas do Estado de Rondônia Gabinete do Conselheiro Edílson de Sousa Silva
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Art. 2º - Fica instituída a Taxa de Defesa Sanitária Animal,
para custeio das ações de defesa sanitária animal e indenizações
pelo sacrifício de animai e destruição de produtos e subprodutos
de origem animal.
O art. 6º do diploma em alusão condiciona
a emissão da GTA – Guia de Trânsito Animal - ao
recolhimento da Taxa ao FESA-RO, nos seguintes termos,
verbis:
Art. 6º - A emissão de GTA para bovinos, bubalinos ovinos,
caprinos, suínos e aves destinados ao abate fica condicionada a
comprovação do pagamento da Taxa do FESA-RO, conforme valores
estipulados no inciso VII do § 2º do artigo 1º desta Lei
Complementar.
Mas é no Parágrafo Único do art. 6º que
se situa o nó górdio da controvérsia, ao permitir a isenção
da Taxa do FESA-SE aos contribuintes que “voluntariamente”
a recolherem em favor do FEFA-RO, que, repise-se, possui
natureza privada, verbis:
Art. 6º - ...
Parágrafo Único – É isento da Taxa do FESA-RO, o contribuinte
que, voluntariamente, contribua para o FEFA-RO, entidade
parceira do Estado na Defesa Sanitária Animal, na forma e pelos
valores por ele fixados e faça a comprovação do correspondente
pagamento às autoridades competentes da IDARON, desde que não
inferior ao valor fixado no art. 1º desta Lei Complementar.
A despeito de o dispositivo enunciar o
recolhimento a título “voluntário” da Taxa do FESA-RO em
favor do FEFA-RO, no entanto, em sede de Mandado de
Segurança impetrado pelos contribuintes, o Judiciário
considerou que se trata de voluntariedade aparente, pois,
Tribunal de Contas do Estado de Rondônia Gabinete do Conselheiro Edílson de Sousa Silva
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efetivamente o IDARON constringia o recolhimento da taxa em
prol do FEFA-RO como condição para emitir a GTA – Guia de
Trânsito Animal. Nesse sentido foi concedida a segurança em
favor dos contribuintes para fim de determinar ao titular
do IDARON que se abstivesse da prática. Veja-se:
(...) Do exposto, concedo a segurança pleiteada, para determinar
ao impetrado que se abstenha de cobrar dos produtores rurais
integrantes do Sindicato dos Produtores Rurais de Porto, a
contribuição financeira em favor do Fundo Emergencial de Febre
Aftosa do Estado de Rondônia – FEFA/RO, como condição para
emitir as Guias de Trânsito Animal (GTA), devendo desconsiderar
o disposto no Código 1600.14.1104 em relação aos sindicalizados.
De consequência, confirmo a liminar anteriormente concedida. (v.
processo 0249790-65.2009.8.22.0001).
Como visto, segundo os contornos
normativos de instituição e implemento, a Taxa do FESA-RO é
dotada das características do tributo (art. 3º do CTN),
mormente quanto à reserva legal garantida pela LC 536/2009,
e à compulsoriedade, sendo que esta se manifesta na
prestação de atividade estatal (emissão de GTA), desde que
condicionada ao recolhimento em favor de entidade privada
(FEFA-RO).
Outra característica tributária da Taxa
do FESA-RO diz respeito ao poder de polícia para efeito de
exigibilidade, expressamente demonstrado no art. 8º da Lei
Estadual nº 887/2000, verbis:
Art. 8º - Na execução, inspeção e fiscalização das medidas de
Defesa Sanitária Vegetal, é conferido à Agência de Defesa
Sanitária Agrosilvopastoril do Estado de Rondônia - IDARON, o
poder de polícia administrativa, ficando consequentemente
assegurado ao funcionário designado para as atividades previstas
Tribunal de Contas do Estado de Rondônia Gabinete do Conselheiro Edílson de Sousa Silva
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nesta Lei, o livre acesso nos locais de medidas fitossanitárias.
(grifei).
Assim, é incontroverso compreender que a
Taxa do FESA-RO preenche os requisitos do tributo,
decorrentes de uma atividade estatal no exercício do poder
de polícia (defesa sanitária animal), cujo produto da
arrecadação é atribuído a um Fundo de natureza privada, no
caso o FEFA-RO.
Por outros termos, se trata de uma
situação em que o poder de império, mediante o qual o
Estado exercita a função arrecadadora, está sendo utilizado
em favor de particulares e, o mais grave, em detrimento de
seus efetivos interesses.
É bem verdade que o particular
favorecido, o FEFA-RO, utiliza o produto da arrecadação da
taxa para cobrir despesas relacionadas à defesa sanitária
animal, objeto da instituição do tributo. Todavia, é cediço
que em matéria tributária vigora o princípio da estrita
legalidade a não permitir agregar no contexto da análise
vetores outros que não a literalidade fechada da norma
jurídica, ex vi do art. 111 do CTN.
Na hipótese ventilada, em tese nada
obstaria que a IDARON executasse suas atividades em
parceria com entidades correlatas, como o FEFA-RO, p. ex.,
desde que houvesse interesse comum, sendo o convênio o
instrumento mais apropriado para a transferência de
recursos e o compartilhamento de encargos. O que não se
deve, e não pode, é firmar parceria financiada com o
produto da arrecadação de um tributo (taxa) que tem como
caraterística fundamental a vinculação a uma atividade
Tribunal de Contas do Estado de Rondônia Gabinete do Conselheiro Edílson de Sousa Silva
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E-II
estatal exigida pelo ente público no exercício do poder de
polícia, conforme os seguintes excertos, verbis:
EMENTA: Apelação Cível. Execução fiscal. Taxa de licença para
localização e permanência em local. Ausência de embasamento
legal. Violação ao princípio constitucional da legalidade
tributária. Exigência indevida. Precedentes da Corte. Sentença
mantida. Recurso desprovido. A taxa representa tributo
sinalagmático vinculado à atividade estatal, pois correspondente
a uma contraprestação do contribuinte em razão da atuação
estatal, sendo sua instituição de competência comum da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, (...).
(AMARO, Luciano. Direito Tributário brasileiro. 11 ed. São
Paulo: Saraiva, 2005, p. 112/113) (TJSC, Ap. Cív. N. , de
Joinville, rel. Des. Wilson Augusto do Nascimento, j.14.9.2010).
(grifei).
E M E N T A: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - CUSTAS
JUDICIAIS E EMOLUMENTOS EXTRAJUDICIAIS - NATUREZA TRIBUTÁRIA
(TAXA) - DESTINAÇÃO PARCIAL DOS RECURSOS ORIUNDOS DA ARRECADAÇÃO
DESSES VALORES A INSTITUIÇÕES PRIVADAS - INADMISSIBILIDADE -
VINCULAÇÃO DESSES MESMOS RECURSOS AO CUSTEIO DE ATIVIDADES
DIVERSAS DAQUELAS CUJO EXERCÍCIO JUSTIFICOU A INSTITUIÇÃO DAS
ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS EM REFERÊNCIA - DESCARACTERIZAÇÃO DA FUNÇÃO
CONSTITUCIONAL DA TAXA - RELEVÂNCIA JURÍDICA DO PEDIDO - MEDIDA
LIMINAR DEFERIDA. NATUREZA JURÍDICA DAS CUSTAS JUDICIAIS E DOS
EMOLUMENTOS EXTRAJUDICIAIS. (ADI 1378 MC / ES - ESPÍRITO SANTO.
Relator: Min. CELSO DE MELLO. Julgamento: 30/11/1995). (grifei)
No tocante à renúncia de receita, na
forma alegada pela denúncia, o art. 14, § 1º da Lei de
Responsabilidade Fiscal, prescreve que, verbis:
Art. 14 - A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de
natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá
estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-
Tribunal de Contas do Estado de Rondônia Gabinete do Conselheiro Edílson de Sousa Silva
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E-II
financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos
dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes
orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:
§ 1o - A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio,
crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral,
alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que
implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e
outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.
De acordo com a acepção literal do
dispositivo impugnado pela denúncia (princípio da
legalidade estrita), o instituto que mais se aproxima da
renúncia de receita seria a isenção, na forma enunciada
pelo Parágrafo Único art. 6º da Lei Complementar nº
526/2009: “É isento da Taxa do FESA-RO...”. No entanto, a
rigor da hermenêutica tributária, in casu é evidente que
não se trata de isenção, assim entendida como a dispensa
legal do tributo, por carência das condições e requisitos
exigidos para tanto, que devem constar expressamente na
norma.
Desse modo, em razão da situação fática
não se encaixar no tipo previsto na LRF (art. 14, § 1º) e
tampouco no CTN (art. 176), a tecnicidade tributária indica
não se tratar de isenção o dispositivo arguido o que, por
consequência, afasta a tese de renúncia de receita aludida
na Lei de Responsabilidade Fiscal.
De verdade, pelas razões discorridas sob
a perspectiva essencialmente jurídica, impende concluir que
o Parágrafo Único, do art. 6º, da Lei Complementar nº
526/2009, evidencia conflito com as disposições do art.
145, I, da Constituição Federal c/c 77 do Código Tributário
Nacional (Lei nº 5.172/1966), por amesquinhar o caráter
Tribunal de Contas do Estado de Rondônia Gabinete do Conselheiro Edílson de Sousa Silva
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E-II
vinculante da Taxa do FESA-RO em relação ao produto de sua
arrecadação.
Ademais, a ação de atribuir ao particular
o produto da arrecadação da Taxa do FESA-RO é
caracterizadora de prática ato de improbidade
administrativa que causa prejuízo ao erário, nos termos do
art. 10, II, da Lei Federal nº 8.429/1992, verbis:
Art. 10 - Constitui ato de improbidade administrativa que causa
lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que
enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou
dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art.
1º desta lei, e notadamente:
...
II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica
privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do
acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta
lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares
aplicáveis à espécie.
Diante do quadro, para efeito de
encaminhamento, negar a executoriedade ao dispositivo
inquinado (par. único, do art. 6º, da LC 526/09) é medida
que efetivamente se impõe, com vista a escoimar os efeitos
lesivos que ocasiona ao erário estadual.
No mesmo diapasão, a prática de atribuir
a terceiros recursos provenientes da taxa, há de ser tida
como ilegal e lesiva ao erário por resultar de desvio de
finalidade do produto de arrecadação de tributo de natureza
vinculada, em ofensa ao art. 145, I, da Constituição
Federal c/c 77 do Código Tributário Nacional (Lei nº
5.172/1966).
Tribunal de Contas do Estado de Rondônia Gabinete do Conselheiro Edílson de Sousa Silva
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E-II
A propósito do pronunciamento que se
pugna, considero ser o caso de usar as prerrogativas
conferidas pela Súmula 347, do Supremo Tribunal Federal,
não para declarar a inconstitucionalidade do dispositivo
inquinado, mas tão-somente para negar-lhe executoriedade e,
por conseguinte, determinar aos gestores dos Órgãos
responsáveis, SEAGRI e IDARON, que se abstenham de atribuir
ao FEFA-RO o produto da arrecadação da Taxa do FESA-RO a
qualquer título.
Abro parênteses aqui para explicitar a
opção pela negativa de executoriedade ao invés de
declaração de inconstitucionalidade, apesar de ambos os
institutos aparentarem identidade no modo de proceder e na
eficácia. A diferença é sutil, porém existe concretamente.
A prerrogativa de declarar
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, por outorga
da Súmula 347, do STF, mesmo na via difusa, enseja um rito
procedimental litúrgico em que processo principal é
sobrestado enquanto se resolve a questão incidental no
âmbito do colegiado pleno, em prestígio ao princípio da
cláusula de reserva de plenário (art. 97 da CF). O rito
também reclama a necessidade do contraditório para que o
Poder/Órgão possa defender a constitucionalidade do ato/lei
que produziu.
A seu turno, a mera negativa de
executoriedade é manejada em procedimento mais singelo e
sem a necessidade do contraditório, pois, nesse caso, a
Administração, por sua iniciativa ou por provocação,
promove a autotutela do ato/norma tido por inconstitucional
diante de uma circunstância pontual e concreta.
Tribunal de Contas do Estado de Rondônia Gabinete do Conselheiro Edílson de Sousa Silva
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E-II
A negativa de executoriedade de ato/lei
com tisna de inconstitucionalidade, seja por iniciativa
própria ou mediante provocação, ainda não foi objeto de
exame de mérito específico no âmbito do Excelso Pretório.
De fato, a Corte Constitucional apenas fez alusão obiter
dictum (coisa dita de passagem), nos termos da ementa da
ADI-MC-221, tendo como Relator o Min. Moreira Alves,
verbis:
(...)
Em nosso sistema jurídico, não se admite declaração de
inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo com força de
lei por lei ou por ato normativo com força de lei posteriores. O
controle de constitucionalidade da lei ou dos atos normativos é
da competência exclusiva do Poder Judiciário. Os Poderes
Executivo e Legislativo, por sua Chefia – e isso mesmo tem sido
questionado com o alargamento da legitimidade ativa na ação
direta de inconstitucionalidade – podem tão-só determinar aos
seus órgãos subordinados que deixem de aplicar
administrativamente as leis ou atos com força de lei que
considerem inconstitucionais. (grifei).
Por sua vez, na seara do Superior
Tribunal de Justiça a questão se encontra decidida, nos
termos do acórdão do REsp 23.121-GO a seguir ementado,
veja-se:
Lei inconstitucional - Poder Executivo - negativa de eficácia. O
poder executivo deve negar execução a ato normativo que lhe
pareça inconstitucional. (REsp 23.121-GO. Rel. Min. Humberto
Gomes Barros. Julgamento 6/10/1996).
Aos precedentes dos Tribunais Superiores
a fundamentarem a opção pela negativa de executoriedade,
soma-se o fato de o preceptivo em comento (par. único, do
Tribunal de Contas do Estado de Rondônia Gabinete do Conselheiro Edílson de Sousa Silva
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E-II
art. 6º da LC 526/09) ter sido fulminado pelo Judiciário no
que toca aos efeitos concreto, nos termos da sentença
promanada em mandado de segurança (proc. 0249790-
65.2009.8.22.0001), pela qual foi determinado à IDARON que
se abstivesse de cobrar contribuição financeira em favor do
FEFA-RO como condição para emitir GTA (Guia de Trânsito
Animal). Vale dizer que essa sentença foi confirmada no
reexame necessário, porquanto atualmente coberta com o
manto do trânsito em julgado, veja-se:
(...)
Com efeito, acertada a sentença que determinou ao impetrado
expedir as GTA'S sem que haja o pagamento de contribuição
financeira em favor do Fundo Emergencial de Febre Aftosa – FEFA.
Pelo exposto, confirmo a sentença examinada que assegurou o
direito líquido e certo ao impetrante, o que faço
monocraticamente nos termos do art. 557 do CPC combinado com a
Súmula n. 253 do STJ.
Por tais razões, considerando tratar-se
de coisa judicialmente julgada a prescindir do
contraditório, pautado na Súmula 347, do STF, me inclino
pela adoção do rito mais célere e efetivo consistente na
negativa de executoriedade, pois, nesse caso, a decisão do
Tribunal de Contas concretamente resulta em adesão ao
julgado judicial que retirou do mundo fenomênico a eficácia
do dispositivo impugnado pela denúncia.
Por derradeiro, atento à relação de
nítida dependência operacional da IDARON com o FEFA-RO,
decorrente das atividades que este desenvolve com
financiamento da Taxa do FESA-RO, e de recursos repassados
por outros instrumento, considero de boa medida fixar um
prazo razoável de 90 (noventa) dias para que a Autarquia de
Tribunal de Contas do Estado de Rondônia Gabinete do Conselheiro Edílson de Sousa Silva
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E-II
Defesa Sanitária se estruture de maneira suficiente de
molde a assumir, sem solução de continuidade, a plenitude
dos relevantes serviços na defesa da saúde animal do
Estado.
Ressalte-se que ao longo do tempo
criou-se uma relação simbiótica entre a IDARON e o FEFA-RO,
cuja finalidade consiste em realizar a defesa sanitária de,
entre outros animais, um rebanho aproximado de 12 milhões
de cabeças de gado, o sétimo maior plantel bovino nacional,
de acordo com indicadores constantes do portal do Governo
de Rondônia (http://www.rondonia.ro.gov.br).
Compulsando os autos, constatei que a
relação de dependência IDARON/FEFA-RO consolidou-se de
forma tão intensa que extrapolou a fronteira gizada pela
Taxa do FESA-RO, passando pela celebração sistemática de
convênios para transferência de recursos, ao cúmulo,
inclusive, daquele fundo privado (FEFA-RO) ter colocado
servidores à disposição da IDARON, em flagrante burla ao
primado constitucional do concurso público (art. 37, II, da
CF), além ceder bens móveis e imóveis, conforme consta das
fls. 448/459.
Sem incorrer em demasia, diria que o
imbricamento IDARON/FEFA-RO em muito se assemelha ao que
ocorre entre a SEAGRI e a EMATER-RO, que desenvolve suas
atividades às custas de vultosos recursos públicos
repassados pela primeira. Ambos os casos (IDARON/FEFA-RO e
SEAGRI/EMATER-RO), têm como característica comum a execução
de ações cobertas com recursos públicos sem que se tenha
notícia da efetividade da aplicação.
Tribunal de Contas do Estado de Rondônia Gabinete do Conselheiro Edílson de Sousa Silva
19
E-II
Portanto, para fim de mitigar os
transtornos operacionais provocados pela abrupta ruptura da
relação IDARON/FEFA-RO, principalmente no combate à febre
aftosa, impende seja fixado um prazo de 90 (noventa) dias,
findo o qual a Autarquia de Defesa Sanitária deverá
comprovar ao Tribunal de Contas a plena autonomia
operacional e administrativa, bem assim a devida adequação
dos procedimentos ao ordenamento legal consentâneo.
Em relação aos recursos repassados pelo
Tesouro do Estado, mediante convênios ou outros
instrumentos, dentre os quais o produto da arrecadação da
Taxa FESA-RO, deve a Controladoria Geral instaurar
imediatamente Tomada de Contas Especial, com o propósito de
apurar os fatos relativos aos valores repassados, avaliar a
efetividade da correspondente aplicação, quantificar o
dano, se houver, e indicar os responsáveis que
eventualmente tenham concorrido. Para tanto, deve ser
fixado o prazo de 60 (sessenta) dias para apresentação dos
trabalhos ao Tribunal de Contas.
Assim exposto, submeto à deliberação
deste colegiado o seguinte voto:
I – Preliminarmente, presentes os
requisitos regimentais de admissibilidade da denúncia, dela
conheço;
II – No mérito, considerar a denúncia
procedente em razão do manifesto conflito das disposições
do Parágrafo Único, do art. 6º, da Lei Complementar
nº 526/2009, em relação ao art. 141, I, da Constituição
Tribunal de Contas do Estado de Rondônia Gabinete do Conselheiro Edílson de Sousa Silva
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E-II
Federal c/c 77 do Código Tributário Nacional (Lei
nº 5.172/1966), por desnaturar o princípio fundamental da
vinculação a atribuir ao Fundo Emergencial de Febre Aftosa
do Estado de Rondônia - FEFA-RO, o produto da arrecadação
da Taxa de Defesa Sanitária Animal, que é própria do Fundo
Estadual de Defesa Sanitária Animal - FESA-RO;
III – Negar executoriedade ao Parágrafo
Único, do art. 6º da Lei Complementar nº 526/2009, nos
termos da Súmula 347, do STF, para, em consequência,
determinar aos titulares dos Órgãos responsáveis, SEAGRI e
IDARON, que se abstenham de praticar quaisquer atos
administrativos com fundamento no dispositivo ora
impugnado, bem como não promovam cobrança da Taxa de Defesa
Sanitária Animal em favor do Fundo Emergencial de Febre
Aftosa do Estado de Rondônia - FEFA-RO;
IV – Determinar ao Presidente da IDARON
para que se abstenha de cobrar a Taxa de Defesa Sanitária
Animal em favor do Fundo Emergencial de Febre Aftosa –
FEFA-RO, como condição para emitir Guia de Trânsito Animal
(GTA), ou a qualquer título, em razão da natureza
estritamente vinculante ao Fundo Estadual de Defesa
Sanitária Animal - FESA-RO;
V – Determinar ao Presidente da IDARON
para que, no mesmo prazo fixado no item anterior, comprove
ao Tribunal de Contas a adoção de medidas efetivas
direcionadas a alcançar a plena autonomia operacional e
administrativa da Autarquia, bem assim a devida adequação
dos procedimentos ao ordenamento de regência da
Administração Pública, de modo a prescindir definitivamente
do suporte do FEFA-RO. Fica, desde logo, a autoridade
Tribunal de Contas do Estado de Rondônia Gabinete do Conselheiro Edílson de Sousa Silva
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E-II
alertada que o desatendimento a tornará passível de
cominação de multa, sem prejuízo de eventuais sanções que
as circunstâncias ensejarem;
VI – Determinar ao Controlador Geral do
Estado para que, em apoio à ação fiscalizatória do Tribunal
de Contas (art. 74, II, da CF), instaure imediatamente
Tomada de Contas Especial com a finalidade de apurar os
fatos relativos aos valores repassados pela IDARON ao FEFA-
RO, por conta da Taxa do FESA-RO, de convênios ou de outros
instrumentos, bem como avaliar a efetividade da
correspondente aplicação, quantificar o dano, se houver, e
indicar os responsáveis que eventualmente tenham
concorrido. Para tanto, fica fixado o prazo de 180 (cento e
oitenta) dias para apresentação dos trabalhos ao Tribunal
de Contas.
VII – Alertar aos titulares dos Órgãos
responsáveis, SEAGRI e IDARON, que eventual conduta que
atribua a Taxa de Defesa Sanitária Animal em favor do Fundo
Emergencial de Febre Aftosa do Estado de Rondônia - FEFA-RO
poderá constituir prática de ato de improbidade
administrativa que causa prejuízo ao erário, tipificada no
art. 10, II, da Lei Federal nº 8.429/1992, o que os torna
passíveis das sanções previstas na legislação pertinente;
VIII – Dar conhecimento do teor do voto e
decisão ao denunciante Tomás Guilherme Correia, ao
Governador do Estado, à Procuradora-Geral do Estado e aos
titulares da SEAGRI e do IDARON, Órgãos responsáveis pelo
recolhimento e gestão da Taxa do FESA-RO;
IX – Dar conhecimento do teor do voto e
decisão ao Governador do Estado, ao Presidente da
Tribunal de Contas do Estado de Rondônia Gabinete do Conselheiro Edílson de Sousa Silva
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E-II
Assembléia Legislativa e ao Procurador-Geral de Justiça
(ADIN), para que adote as providências que entender
cabíveis para efeito de adequação das normas pertinentes de
modo a garantir o recolhimento da Taxa de Defesa Sanitária
Animal exclusivamente em favor do Fundo Estadual de Defesa
Sanitária Animal - FESA-RO, vinculado à IDARON;
X – Retirar o caráter sigiloso da
denúncia, em razão da procedência comprovada, nos termos do
art. 50, § 1º, da Lei Complementar nº 154/96 c/c 79, § 1º,
do Regimento Interno do Tribunal de Contas;
XI – Remeter os autos à Secretaria de
Processamento e Julgamento para fim de acompanhamento das
medidas determinadas em relação aos prazos fixados na
decisão.
Sala das Sessões, 13 de dezembro de 2012.
Conselheiro Edílson de Sousa Silva
Relator