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Felipe Pacheco Poemas 1

Um pouco de muito

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Poemas

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Page 1: Um pouco de muito

Felipe Pacheco

Poemas

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Page 2: Um pouco de muito

Metade de mim é o gritoMetade de mim é o gritoA outra é o silêncioMetade de mim é buscaA outra não lembroMinha metade mais claraÉ a metade que não agüentoÉ a mais de dentro.

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Page 3: Um pouco de muito

Quero um amorQuero um amorQue não seja breveQue não seja fraco nem tolo

Quero me acabar de amarNum amor leveEm um amor todo

Quero ser todo amorNuma brisa que passarOu na água fria do mar.

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Page 4: Um pouco de muito

Não a amarei com pressaOu com prazoNão seguirei manualNem repetirei práticas

Amarei buscando o desconhecidoEnfrentando o riscoAceitarei minha escuridãoPra caber na luz dos seus olhosReceberei teus braços como casa

Não a amarei por uma noiteOu em uma vidaTransformarei nossos segundos em infinitoNão diremos ontem nem amanhãO instante seguinte será nosso atrasoO instante seguinte será nosso atraso

Não serás minhaNem serei teuSeremos o que quisermos serEnquanto seu sorrisoFor a porta para o meuParaíso

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Page 5: Um pouco de muito

Vamos parar o tempo?Decorar aquele disco do Tom Jobim?Degustar aquele Merlot que ficou no fim?Vamos aprender a cozinhar?

Vamos amar tantoE fazer o mundo parar

Vamos planejar o dia seguinte?Vamos imaginar a vida inteira?Vamos sorrir de bobeiraE chorar sem razão?

Deixa eu encostar minha mão na tuaResolver teus delíriosAcabar com a tua solidãoDeixa eu fazer de cada instante o primeiro

Vamos amar tantoVamos amar tantoE fazer o mundo parar

Vamos fugir sem aviso?Vamos criar histórias?Vamos viver no improvisoVamos reinventar nosso olhar

Vamos amar tantoE virar o mundo de pernas pro ar

Eu e vocêInteirosVamos?

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Page 6: Um pouco de muito

Minha pele em sua pele intactaSua pele em minha pele lisaSua pele pede pele pede calma

Minha boca em sua pele mudaSua pele em minha boca tantaMinha pele em sua pele escura

Minha pele pede peleSua pele pede camaMinha cama pede suaAlma

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Page 7: Um pouco de muito

Tarde da noiteArdo em chamasE te chamo

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Page 8: Um pouco de muito

Vamos juntos nessa rodaChamada vidaImaginaVocê, minha bailarinaE eu, mero expectadorSeguindo teu corpoQue me domina

Silencia a rodaMas a ciranda nunca terminaMesmo paradaTua dança me alucina

Quero te ver valsarQuero te ver valsarE depois em mim repousarPorque desse jeito, combinaSou ao mesmo tempo Arlequim e PierrotE você, minha Colombina

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Page 9: Um pouco de muito

A mulher não diz o que senteE quando dizMenteMente

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No canto escuroObservoO obscuro

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De sorriso em sorrisoMergulho bem fundoSem saber do riscoEsqueço a superfície

Me afogo

De paixão em paixãoMe perco em pedaçosQue eu não mais encontroNo esconderijo que eu mesmo faço

Me caço

De amor em amorMorro um pouquinhoMas é melhor morrer a doisDo que viver sozinho

Me ouça

É fato

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De tardeDe tardeDispensoO que ardeEm meu peitoE pensoComo era puroE perfeitoO amorQue me escapouPor entre osDedos

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Agora eu seiQue te gostoAlém do gestoAlém do gosto

É pelo silêncioQue me acalmaPela ausênciaQue me anseia

É pela criança que brincaEm teus olhosÉ pela mulher que faz mistérioEm teus lábiosÉ pelo não que tenta dizerE pelo sim que deixa escapar

É pelo que éE pelo que souSimplesmente

É por não saberDa própria belezaÉ por sorrir e chorarCom a mesma certeza

É pelo que anoiteçoQuando amanhecePelo que escureçoQuando adormece

É pelo infinitoCabendo em seus braçosEnfim

Agora eu seiQue te gostoMais do que gostariaAté

Agora eu sei.13

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Por mais vida que amanheçaPor mais tarde que floresçaPor mais que a lua ilumineSaiba:Hoje eu morri

Por mais sorrisos que a criança tragaPor mais cantos que o pássaro entoePor mais sois que nasçamSaiba:Hoje eu morri

Morri pelas tuas mãosCaladoSem reaçãoMorri trocadoPela tua solidãoPela tua solidão

Por mais amores que se amemPor mais perdão que existaPor mais paixão que aconteçaSaiba, menina minha:Hoje eu morri

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Há de chegar o diaEm que pra cada dorEm que pra cada dorEu tenha uma alegria

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AdmitoA saudade que sintoÉ pelo queNão vivemos

Não mintoAtravesso as noitesTentando entenderEsse fim esquisito

Se nosso amor foi ventaniaO fim a calmariaSe nosso amor foi cançãoO fim a solidão

Um fim insossoFim que nem parecia fimMas que no fimFoi

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Tenho andadoTodo erradoTodo erradoCom essa dor no bolsoE o olharDesesperado

Tenho estadoEnganadoO que falamNão ouçoE quando ouçoOuço tudo

Trocado

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Page 18: Um pouco de muito

Já tentei trocar os sapatosAmarrar o cadarçoAndar descalçoJá tentei dar a mãoIr rente ao chãoMe apoiar na paredeOu no corrimão

Já tentei usar bengalaMuleta e andadorJá tentei segurar a dorPrender o arJá tentei de tudoMas a cada passo na calçadaMas a cada passo na calçadaÉ um tropeço meuNo meio doNada

Nessa vida estou aprendendo a caminhar(e na queda nunca encontro o chão)

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Page 19: Um pouco de muito

ando cheio desse vazioestou tão paradoe com a cabeça a mil

acordo cansadose penso em levantarpensamento já caiu

essa pressa calmaansiedade preguiçosaonde foi que já se viu?

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Na esquina dobrandoVejo você passandoSem nem olhar aondeOu parar por mimE é tarde vazia, não sei fugirMe incomoda essa quase-noiteEsse quase-tudoE o mundo pára pra te verIndiferenteComo a esquina,ou os outros:São todos tolos.

Lá da esquinaVejo tudo dobrando.

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Page 21: Um pouco de muito

Se quiser amorEntre no Chat

Se quiser saberProcure no Google

Se quiser alguémAdicione no Face

Se quiser falarEscreva no Twitter

Se quiser ouvirSiga

Troque a fotoTroque LikesTroque LikesComenteCutuque

E quando cansarExcluaApagueBloqueie

Ou por fimDê um enter na vidaE saibaNela não tem essa de"CTRL Z"

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Page 22: Um pouco de muito

Leia o que te digoEscute o que te escrevoOuça o que te apontoSe esconda onde te vejoSe esconda onde te vejo

Olhe o que te gritoVolte onde te alcançoVenha quanto te odeioFuja quando te amo

Seja para sempreO que já se passouLembre eternamenteO que está por vir

Enquanto me viro do avessoE dentro de vocêProcuro por mim

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Page 23: Um pouco de muito

O poeta morreuCedo deu-se a notíciaNa folha do jornalCom o primeiro raio de sol

Apesar do sustoO mundo continuou mundoCom seu excesso de carros, de pressaCom sua ganância por dinheiroE pobreza de amor

O poeta morreuE deixou como último suspiroUm poema:

"Faço do meu silêncioA verdadeira poesiaCalando, digo o que pensoDeixando o papel em brancoMe mostro por inteiro

As palavras que não disseSerão lembradasComo meu melhor discursoAs pausas das vírgulasComo minhas melhoresRimas

Por isso seiAgora serei lembradoComo um grande poetaPorque minha ausênciaSerá mais marcante que minhaPresença"

O poeta morreuE ninguém pareceu entender:Não era ponto finalEram reticências...

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2016

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