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uma aproximação entre Thomas Hirschhorn e Mônica Nador

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museu precário albinet

trabalho final de graduação de berta de oliveira melo orientadora: profª dra vera pallamin faculdade de arquitetura e urbanismo da universidade de são paulo 2013

jamac e paredes pinturas

arte

cidade

precariedade

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Aos artistas Mônica Nador e Thomas Hirschhorn, que além de transformarem o mundo com seus trabalhos, foram extremamente abertos e generosos comigo.

À orientação cuidadosa e sempre precisa de Vera Pallamin.

Aos companheiros da longa jornada de FAU, que muito me ensinaram nessa trajetória. Em especial às 7, que viraram irmãs, dentre às quais Melissa Kawahara, Luisa Fecchio, Tânia Helou e Júlia Mota foram essenciais no projeto gráfico desse trabalho.

À frondosa família Oliveira, repleta de ramos que sempre me ofereceram abrigo e à caudalosa família Melo, cujos meandros nem sempre estão próximos, mas cuja presença supera as distâncias.

À minha mãe, pela força e incentivos cotidianos.

E a todos aqueles que me acompanharam, apoiaram e alegraram num ano de tantas adversidades.

agradecimentos

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À Titina, pois disse que gostaria de estar presente nessa conclusão. E está.

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sumário prefácio

introdução

museu precário albinet | thomas hirschhorn

apresentação entre o particular e o universal o dentro e o fora 1=1 precário x efêmero uma outra forma de museu

jamac e paredes pinturas | mônica nador

apresentação das telas às ruas a construção do belo autoria compartilhada o reboco, a tinta e a beleza

pontos de articulação

tão longe, tão perto diferenças entre trabalho artístico e assistencialismo como viabilizar a arte? participação na 27ª bienal de são paulo

citações originais traduzidas livremente

bibliografia

iconografia

entrevista thomas hirschhorn

entrevista mônica nador

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prefácio A origem desse trabalho diz respeito à minha escolha pela FAU, quando o fator decisivo para minha inscrição no curso foi a presença na grade horária das disciplinas de História da Arte, Fundamentos Sociais e Planejamento Urbano, que me encorajaram frente aos misteriosos Projetos 1, 2, 3, 4... que se multiplicavam pelas tardes, anos a fio. Para minha surpre-sa, fui pouco a pouco me encantando com o projeto arqui-tetônico e minha trajetória pela FAU foi um tanto sinuosa, tendendo cada vez para um lado das várias possibilidades que essa faculdade oferece.

No fim da graduação, no entanto, percebo que retornei de certa forma aos anseios iniciais, tentando aproximar em um trabalho crítico arte e política, sob a ótica de uma arquiteta. Reunir coisas e assuntos aparentemente díspares é uma incli-nação particular minha, que talvez esteja relacionada com a história de uma paraibana concebida e criada em São Paulo.

Assim, a ideia de escolher dois artistas tão diversos para aproximar, ao invés de me assustar, animou-me. Desde o começo desse trabalho o mais importante para mim era in-vestigar o encantamento provocado por essas obras de arte não convencionais que pretendiam transformar a vida e, consequentemente a meu ver, a cidade.

Os encontros com Mônica Nador e Thomas Hirschhorn foram extremamente impactantes para mim. Foi inclusive a vontade de aproximar o Museu Precário Albinet da realida-de brasileira e de desenvolver um trabalho que começou no meu intercâmbio, que fez com que eu resolvesse me embre-nhar pelo campo da arte contemporânea no tfg. Refletindo sobre o que me aproximou desses dois artistas, percebo que parte de minha admiração e identificação são relacionadas à sensação de exílio que reconheço neles. Essa questão me permeia talvez através de uma visão romantizada de retiran-te que não sou e de exilada política da década de 70, que espero nunca vir a ser. O fato é que o meu desejo de fazer intercâmbio era o desejo do exílio, de espontânea vontade, note-se, como só seria possível na esfera própria dos dese-jos. Foi assim que em Paris eu pude entender melhor o que é a brasilidade e o convívio com outra cultura. O sentimento de expatriação e consequente abertura ao outro, ao desco-

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nhecido, foi o que provavelmente me fez sentir cúmplice de Hirschhorn e criar coragem para escrever-lhe uma carta pedindo para visitar seu ateliê e entrevistá-lo.

Impressionaram-me a disposição de Hirschhorn em me receber, assim como sua insistência pelo discurso claro e preciso, despretensioso e ao mesmo tempo transformador. Confesso também que até hoje fico um pouco intrigada com o fato de um suíço germânico se dedicar ao tema da precariedade e sua estética caótica. Encontro explicação na quebra de estereótipos, mas me pergunto se ele também não se sentia um pouco exilado em sua própria pátria, coisa que percebo no discurso de Mônica.

A primeira vez que vi Mônica Nador eu tinha 16 anos e a palestra da artista me chocou bastante, ao propor deixar de lado a história da arte e o eruditismo da pintura para fazer abacaxis amarelos ao gosto do freguês nas paredes das pe-riferias. Na época, minhas raízes burguesas se revoltaram e se contorceram. Hoje fico extremamente feliz em perceber não só a minha transformação, mas o impacto que a obra da artista pode causar. No entanto, o momento mais marcan-te dos encontros com Mônica foi quando eu compreendi a aflição da artista em não se sentir parte da realidade brasi-leira. Para ela, a lógica convencional revela-se invertida e a artista não enxerga os pobres como excluídos da sociedade, mas sim ela própria, por fazer parte da minoria elitista, de modo que é ela quem parece se sentir excluída e apartada da realidade do país. Esse sentimento não seria justamente o sentir-se exilada em sua própria pátria? Segundo Mônica, é o desejo de pertencimento, de identificação com aquilo que ela quer se engajar que a fez transferir seu ateliê e casa para a periferia e fundar o Jamac, numa atitude radical de tentar romper a segregação sócio-espacial.

Ao se fixar no Jardim Miriam, Mônica coloca em prática cotidianamente a afirmação de que o centro e a periferia são parte da mesma realidade, cujas fronteiras segregadoras afetam a sociedade como um todo. Dessa maneira, a artista traz para si a responsabilidade e a possibilidade de transfor-mação dos tecidos sociais. E assim, Hirschhorn e Nador, Museu Precário e Jamac, arte e cidade coincidem.

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O ponto de partida desse trabalho foi o desejo de estu-dar possíveis relações entre arte e periferia. A escolha dos objetos de estudo possibilitou desde o início refletir sobre a teoria relacionando-a diretamente com a prática. Dessa maneira, o Museu Precário Albinet e o Jamac funcionam como porta de entrada e matéria-prima para uma discussão mais ampla, presente nos discursos de Nador e Hirschhorn.

Arte, cidade e precariedade são os principais temas de in-teresse dessa análise, que perpassam a obra desses artistas e configuram, ao mesmo tempo, o pano de fundo e o alvo da pesquisa. Logo no começo do trabalho me confrontei com a dificuldade de tentar falar sobre esses temas isolada-mente, o que resultava em uma abstração sempre simplista, a meu ver. Entendi que era mais frutífero não abordá-los diretamente e, sim, utilizar como intermédio os estudos de caso, pois assim se revelaria a complexidade das relações imbricadas nos projetos.

Por se tratarem de obras de arte muito diferentes entre si, esse trabalho estruturou-se em três partes distintas na qual as duas primeiras analisam separadamente cada caso para, na terceira, articulá-los. Essa organização mostrou--se necessária, pois a simples apresentação dos projetos não possibilitava criar um campo comum suficiente para desenvolver uma apreensão abrangente, compreensiva. A principal razão disso está na natureza muito diversa entre uma experiência e outra, de modo que as aproximações fa-zem sentido apenas a partir dos discursos e afirmações que essas obras carregam. É como se ambos se encontrassem nas suas profundezas. Portanto, foi preciso primeiro fazer uma análise detalhada de cada uma, capaz de trazer à tona similaridades e coincidências de referências e temáticas que possibilitassem uma análise transversal desses projetos.

É importante salientar que foram priorizadas as questões que aproximam os dois artistas. Assim, certos aspectos relativos às principais distinções foram citados, mas não tanto esmiuçados, pois tenderiam a desviar o foco dessa análise. Esse é o caso, por exemplo, das diferenças de con-textos, tanto do ponto de vista político – nos diferentes papéis que o poder público brasileiro e francês assumem

introdução

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– quanto urbano – nas diferenças estruturais do que sig-nifica periferia em São Paulo e em Paris. Assim então, foi preferido ao invés de se deter nas particularidades de cada caso, utilizar os aspectos mais abrangentes da arte contem-porânea, da cidade e da precariedade a fim de articular o discurso dos dois artistas concomitantemente, lado a lado na medida do possível.

Observa-se ainda a ausência de uma finalização de caráter conclusivo, pois a terceira parte, de articulação, faz o papel de arrematar a análise, construindo uma conversa entre es-sas duas obras. Essa escolha parte do desejo de não tentar encerrar a discussão, mas deixá-la em aberto assim como as reverberações das próprias obras de arte. No entanto, o último ponto de articulação não deixa de funcionar como um encerramento, afinal, apresenta a participação desses dois artistas na 27ª Bienal de Arte de São Paulo e, assim, pode-se perceber que não foi apenas nesse Trabalho Fi-nal de Graduação que a obra de Mônica Nador e Thomas Hirschhorn puderam “viver juntos”.

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museu precário albinet thomas hirschhorn

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“Eu achei que era necessário manifestar a im-portância que pode ter a arte para transformar a vida com um “projeto manifesto”. Eu acho, é um fato, que a arte pode, a arte deve, a arte quer transformar, não tendo medo de dizer, mudar a vida. (...) Eu quero construir com materiais sim-ples e rápidos de edificar um Museu, um lugar que possa acolher obras originais de artistas, os quais eles mesmos através do seu trabalho quise-ram e mudaram a vida. Eu penso em Duchamp, Malevitch, Mondrian, Warhol, Beuys, Le Cor-busier, Léger, Dali. Não é importante que esses artistas sejam hoje célebres e muito conhecidos. É importante que esse artistas mudaram a vida, o mundo ou que eles trouxeram no seu traba-lho esta afirmação. É preciso que durante alguns dias essas obras se ativem. Elas devem cumprir uma missão especial, uma missão não mais de patrimônio, mas uma missão de transformação, talvez sua missão inicial. É por isso que é indis-pensável que essas obras sejam deslocadas, do contexto do museu para o museu precário de-baixo de uma HLM [habitação social] da rua Al-binet. Elas se confrontam assim com a realidade do tempo de hoje de novo. Isso pode ser uma reatualização, a obra deve, e vai, eu estou seguro, afirmar a sua força transformadora em um con-texto não museo-patrimonial.”1

O Museu Precário Albinet é um projeto artístico criado por Thomas Hirschhorn como resposta ao convite do Labora-toires d’Aubrevilliers, uma instituição que acolhe artistas para desenvolver projetos no município de Aubervilliers, periferia de Paris. Thomas Hirschhorn decidiu fazer o Mu-seu Precário como uma obra de arte, uma escultura cons-truída no espaço público com os habitantes do bairro e capaz de expor grandes mestres da arte do século 21.

A audácia da proposta do artista ia além das possibilidades financeiras do Laboratoires, então a primeira etapa do pro-jeto foi a pesquisa de parceiros e a organização da equipe de trabalho, que durou dois anos, tendo as reuniões se ini-

1.Thomas Hirschhorn, trechos da nota de intenções, grifos do artista, Musée Précaire Albinet, Paris, Xavier Barral, 2005, p. février 2003.

[Fotos] Na página anterior, mapa do quarteirão desenhado por Hirschhorn para localizar o Museu Precário Albinet.

Na página de abertura do capítulo, foto de Hirschhorn conversando com crianças do bairro sobre quadro de Mondrian.

apresentação

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ciado em fevereiro de 2002. No dia 29 de março de 2004 a construção do edifício começou e três semanas depois, em 20 de abril o Museu Precário foi aberto ao público por um período de oito semanas. A última etapa foi o desmonte do Museu, com a devolução das obras de arte, a descons-trução do edifício e um evento de distribuição dos restos aproveitáveis entre os habitantes do bairro.

O Museu Precário conseguiu superar as dificuldades que se impuseram durante seu processo de criação e sua re-alização surpreendeu muitas pessoas. Segundo Thomas Hirschhorn, o Museu era uma afirmação que estava a todo momento colocada à prova.2 A realização do projeto de-pendia diretamente do engajamento dos seus participantes, por isso era preciso o artista estar presente durante todo o período do projeto.

As obras de arte do Museu Precário Albinet foram empres-tadas pelo Centro Nacional de Artes Plásticas da França e pelo Centro Pompidou, este último responsável pela gran-de maioria. Os contratos de empréstimo foram assinados após um longo processo de negociação relativo principal-mente às questões de segurança das obras.

O edifício foi construído pelos habitantes do bairro sobre um terreno vazio emprestado pela Prefeitura de Auber-villiers. A equipe do Museu Precário foi formada a partir de reuniões abertas ao público e bastante divulgadas entre os habitantes. O recrutamento da equipe responsável pela montagem e acompanhamento da exposição priorizou os jovens do bairro. Houve um esforço para aceitar todos os candidatos e lhes remunerar com 8 euros a hora (que é o salário base na França). A ideia central desse projeto era construir um museu para um público não-exclusivo.3 Sua afirmação principal sendo o poder da obra de arte em mu-dar a vida, em estabelecer um diálogo direto de um a um.

O museu funcionou todos os dias, das 10h às 21h, duran-te as 8 semanas de exposição, com exceção dos dias de montagem e desmontagem. A entrada era gratuita. A fim de incluir um número maior de pessoas o programa do Museu Precário compreendia uma biblioteca, um pequeno

2. “A cada instante este projeto deve afirmar sua razão de ser. Ele deve a todo tempo defender sua autonomia de obra de arte. Permanentemente o Museu Precário Albinet deve ser reconstruido e ele deve ser concebido de novo na minha mente e nas mentes da Cité [Albinet].” Hirschhorn no Le Journal des Laboratoires, juin 2004, publicado no Musée Précaire Albinet, op. cit.

3. Sobre esse assunto, Hirschhorn explica “O outro na experiência do Museu Precário Albinet significa a vontade absoluta de incluir, de não excluir e de trabalhar pelo o que eu chamo de uma audiência não exclusiva. Eu acho que a Arte – porque é Arte – pode criar condições para uma confrontação ou um diálogo direto, de um a um. A Arte – porque é a Arte – tem nesse sentido um significado político.” Citação extraída do Dossier art espace public, 2 mars 2007, Paris, La Sorbonne.

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bar, ateliês para as crianças, ateliês de escrita, debates, con-ferências e refeições coletivas. Uma série de atividades para os jovens também foram propostas antes da construção do museu, como excursões de estudo para outras cidades. O Centro Pompidou ofereceu uma formação especializada a doze jovens, dos quais dois continuaram como estagiários após o fim do Museu Precário. A empresa de segurança ofereceu também estágios aos jovens, além disso, os mem-bros do Museu Precário, que quiseram, receberam cartas de recomendação de Thomas Hirschhorn.

Houve uma divulgação entusiástica na imprensa sobre a experiência do Museu Precário. As reportagens geralmente enfatizaram as possibilidades que se abriram àqueles que participaram do projeto. Em resposta a isso, Hirscchorn reiterou que o Museu Precário Albinet não era um projeto social, mas uma obra de arte, feita por um artista e os habi-tantes do bairro, cujo único objetivo era o de provar a força de resistência da arte através dos encontros que ela permite criar. A fim de concluir a experiência do Museu, Thomas Hirschhorn e o Laboratoires d’Aubervilliers fizeram um livro com o registro de todo o processo, incluindo o con-junto de correspondências, contratos, cartazes e fotos do projeto.

[Foto] Entrada do Museu Precário Albinett durante vernissage da exposição Joseph Beuys.

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entre o particular e o universal: a escolha do lugar

4. O Monumento à Deleuze construído em Avignon em 2000 sofreu atos de vandalismo. Segundo Hirschhorn isso mostrou uma fragilidade da experiência causado pela impossibilidade de estar presente durante todo o período dessa instalação.

O Museu Precário Albinet trata-se de uma instalação cons-truída no espaço público pelos habitantes do lugar. Dessa maneira, os moradores do bairro tiveram uma dupla im-portância, eles foram ao mesmo tempo construtores e pú-blico do museu. Em um primeiro momento, o lugar onde o museu deveria ser implantado não estava decidido, mas sabia-se que deveria ser próximo a um dos conjuntos habi-tacionais comuns nas periferias parisienses. Para tal, o artis-ta com a equipe do Les Laboratoires fizeram uma pesquisa na cidade de Aubervilliers para escolher o local para reali-zar essa escultura singular. Durante as visitas aos conjuntos habitacionais, Hirschhorn perguntou aos habitantes suas impressões sobre o bairro. A intenção não era fazer um questionário sociológico da cidade, mas deixar em aberto a possibilidade de uma resposta não convencional como por exemplo: “aqui falta arte”. Essa foi uma primeira etapa do projeto, de entrar em contato com a população e seus espaços.

A crença de Hirschhorn na ideia da não-exclusão é a de que qualquer que fosse o bairro o museu seria capaz de ser implantado. É a questão da universalidade da arte, que inclui todas as possibilidades, mas que é construída a partir da particularidade. As dificuldades com outras instalações similares realizadas por Hirschhorn4 demonstraram a ne-cessidade de estar sempre presente no Museu construindo--o como processo cotidiano. Assim, a proximidade com o atelier do artista foi um ponto importante na decisão sobre o local de implantação, mas a questão decisiva desta esco-lha foi a disposição dos assistentes sociais que trabalhavam na Cité Albinet, que foram atrás de Hirschhorn para saber mais a respeito do projeto. Esse contato foi crucial para o desenvolvimento da obra, pois estabeleceu-se uma parceria com os assistentes que já conheciam a história e as pessoas da Cité.

O ponto de partida do museu era o de permitir a um pú-blico que não tem tempo nem meios de se interessar por arte a possibilidade de se envolver num projeto artístico. Essa decisão era ao mesmo tempo um gesto político de afirmação do bairro, normalmente excluído do circuito de patrimônio cultural e por outro lado um desejo de che-

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5. Hirschhorn, em entrevista feita por Guillaume Désanges, agosto de 2004 em Musée Précaire Albinet, Paris, Xavier Barral, 2005.

[Foto] Segunda reunião com os moradores do bairro, 9 de julho de 2003.

gar ao limite das instituições culturais, ao deslocar suas obras. O discurso de não-exclusão de Hirschhorn ganha importância se comparado com os discursos de inclusão social, bastante difundido nas instituições atualmente. O que podemos observar é a mudança de um pressuposto presente na ideia de origem da inclusão, que se baseia so-bre a exclusividade. A própria ação de inclusão pressupõe um grupo definido por algum critério que seleciona seus novos participantes, através de concessões ou ampliando seus limites. Em contraposição, a não-exclusão mostra o desejo de compartilhar com a totalidade dos interessados, sem estabelecer nenhum critério a priori que não seja o desejo de participar. Nesse sentido, Hirschhorn afirma que “só a arte não exclui o outro. (...) Nós não podemos mudar a realidade se nós não estamos de acordo com ela. Estar de acordo não significa aprová-la. (...) O Museu Precário Albinet é uma afirmação de acordo com o seu bairro, seus habitantes, sua implantação, seu programa, seus visitantes, suas atividades. O Museu Precário Albinet não é baseado no respeito, ele é baseado no amor.”5 Para o artista, estar de acordo se opõe à ideia de solidariedade, uma vez que estar de acordo significa um gesto de amor e de diálogo, a solidariedade representa um gesto autoritário que vai na direção do outro e que termina por neutralizá-lo.

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Musée Précaire Albinet

6,5 km

Centre Georges Pompidou

museu precário albinet localização e construção

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museu precário albinet etapas

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museu precário albinet atividades

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o dentro e o fora: o uso dos espaços

O programa de atividades do Museu Precário era bastan-te diversificado, mas os espaços construídos para abrigá--los eram concisos e simples. Tratava-se de uma sala de exposição, uma biblioteca e um pequeno bar. No total, a área construída era de 72m². Thomas Hirschhorn escolheu materiais comuns, fáceis de encontrar e manipular, como fitas adesivas, pranchas de madeira compensada, lona de plástico. Quando as crianças do bairro perguntaram ao ar-tista qual o motivo para ele trabalhar com materiais que são inclusive frágeis, ele respondeu: “eu amo esses mate-riais porque todo mundo os utiliza. Eles são universais e não são caros como o bronze, o ouro, etc. Assim eles não intimidam enquanto materiais. Além disso, eu não gosto do que é muito limpo então eu utilizo materiais que todo mundo pode achar para dizer que nós não precisamos de conhecimentos específicos para o fazer.”6

A escolha desses materiais foi um assunto discutido com as instituições que iriam emprestar as obras de arte, devido às questões de segurança. Para contornar esse problema, foi decidido que a sala de exposição seria construída segun-do as normas contra incêndio e os níveis de higrometria e luminosidade apropriados para as obras. Em consequên-cia, Hirschhorn e o Les Laboratoires decidiram alugar um módulo pré-fabricado de 18m² da empresa Algeco para acolher a exposição. Normalmente usado em canteiro de obras, seu emprego no Museu Precário dava um aspecto de uso temporário ao edifício que ia ao encontro da ideia de fragilidade dos outros materiais. Apesar da diferença entre o espaço de exposição e os outros, a mesma estética era empregada através da presença constante de recortes de revistas e jornais colados nas paredes.

Era importante que as estruturas e o conjunto do Museu Precário pudessem ser construídos rapidamente, em 3 se-manas e pelos moradores do bairro. Este era um motivo para a escolha de uma área construída concisa, com apenas o necessário, mas que deixava também o ambiente aco-lhedor. Os grandes espaços vazios, que muitas vezes nos deixam desconfortáveis não existiam no interior do Museu Precário. Talvez seja esse o recado deixado pelos recortes colados nas paredes, que havia vida, arte e diálogo ali den-

6. Hirschhorn em enrtevista feita pelas crianças do bairro, junho de 2004 em Musée Précaire Albinet, op. cit.

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tro. O vazio no Museu Precário estava presente na sua área externa. O terreno de 1.200m² era grande se comparado ao tamanho do museu. O gramado tornou-se um espaço importante para o transbordar das atividades artísticas. As vernissages, as refeições comunitárias, os grafites sobre os muros são alguns exemplos dessa apropriação do espaço vazio. Assim, é fora do edifício do Museu Precário que a festa acontecia.

As principais etapas do museu foram:

a) preparação: 14 meses. Organização, reuniões com os habitantes, estágios de formação para os jovens, excur-sões de estudo, obtenção do empréstimo das obras de arte, dos financiamentos e das autorizações necessárias.

b) construção: 3 semanas. Construção do edifício pelo artista com os habitantes remunerados para tal.

c) abertura ao público: 8 semanas. Exposições, conferên-cias, ateliês de escrita, oficinas de arte para as crianças, re-feições comunitárias, vernissages.

d) desmontagem: 1 semana. Desmontagem e sorteio en-tre os moradores do bairro dos objetos reaproveitáveis do museu.

No processo do Museu Precário foi notável a maneira como ele superou os conflitos, tendo sido os principais o custo e financiamento do projeto, o empréstimo das obras de arte e a relação com os habitantes. O custo foi muito discutido com o Les Laboratoires pois o projeto dependia de um financiamento muito além do que a instituição dis-punha. Além disso o cálculo dos custos foi refeito muitas vezes para se chegar a uma aproximação condizente com as necessidades reais do Museu Precário. A primeira es-timativa era de 101.019€, que já era cinco vezes superior aos recursos disponíveis do Les Laboratoires e se mostrou ainda três vezes inferior ao total final de 338.498,42€, de-mandando assim um trabalho de arrecadação de fundos durante todo o processo.

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Já o empréstimo das obras apresentaram como conflito as questões de segurança em relação aos materiais precários utilizados por Hirschhorn e à imagem de marginalidade ligada ao bairro. A relação com os habitantes sofreu difi-culdade, especialmente quanto às empresas de segurança e instituições culturais que se opunham à participação de jovens com precedentes criminais. A afirmação de Hirs-chhorn de não-exclusão foi colocada à prova, mas através de longas discussões, o apoio e convencimento dos vários parceiros, o projeto pode ser realizado com a participação de todos. Esses conflitos trouxeram à tona a tensão exis-tente no bairro e a importância de sua afirmação a partir de uma identidade que não fosse a marginalidade.

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1=1 Hirschhorn acredita que a arte seja capaz de estabelecer um diálogo direto de um a um, no qual não existe opinião que valha mais do que a outra, um campo onde a discus-são é como um mosaico que compõe a obra aberta. Desse modo, a igualdade estabelecida entre os homens perante a obra de arte faz com que se rompa o abismo existente en-tre artista e público, entre ação e passividade. Pelo contrá-rio, percebe-se que em ambos os lados existe a passividade da contemplação e a ação de relacionar o que está sendo visto e vivenciado. Em Espectador Emancipado, Jacques Ran-cière fala sobre esse assunto, como no trecho:

“Ser espectador não é a condição passiva que devemos transformar em atividade. É a nossa situação normal. Nós aprendemos e nós ensi-namos, nós agimos e nós conhecemos também como espectadores, que relacionam a todo ins-tante o que vêem àquilo que viram e disseram, fizeram e sonharam. Não há mais forma privile-giada nem ponto de partida privilegiado. Há por todos os lados pontos de partida, cruzamentos e nós que nos permitem aprender algo novo se nós recusamos primeiramente a distância radical, em segundo lugar a distribuição dos papéis e em terceiro as fronteiras entre os territórios. Nós não temos que transformar os espectadores em atores e os ignorantes em mestres. Nós temos que reconhecer o saber do ignorante e a ativida-de própria do espectador. Todo espectador é já ator de sua história e todo ator, todo homem de ação, espectador da mesma História.”7

Quando Hirschhorn se coloca no mesmo patamar que os moradores para construir em conjunto, fazendo face ao desconhecido, ele está abolindo essa primeira categoria da distância e logo em seguida a dos papéis, no momento em que ele não se coloca como alguém que vá julgar o que é certo ou errado, nem ditar regras. Deixar claro essa postura foi importante segundo o artista em diversos momentos de conflito, como por exemplo, em relação ao uso de drogas. Para os assistentes sociais que trabalhavam no bairro isso, assim como a venda de álcool era um problema. No entan-

7. Jacques Rancière, Le spectateur émancipé, Paris, La Fabrique, 2008, p. 23-24

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to, para o artista isso era uma escolha daqueles que utiliza-vam a droga, ele mesmo não fazendo nenhuma apologia e não querendo transformar o projeto artístico em campa-nha contra ou a favor das drogas. Deixando claro essa sua postura, o conflito acabava se resolvendo através do diá-logo. Hirschhorn não estava presente no Museu Precário para ensinar algo específico, ele estava lá para falar sobre arte, ouvir e construir no cotidiano o museu, habitando-o.

O deslocamento das obras de arte do centro de Paris para a periferia é por si só a quebra de uma fronteira espacial, porém, talvez mais importante sejam as fronteiras rompi-das em termos de idade e etnias, a partir da ideia de não--exclusão. A descrição de uma das participantes serve para ilustrar esse sentimento, Gilia de 87 anos, nascida em Roma e moradora de Aubervilliers desde criança disse sobre o Museu Precário: “Era muito alegre. Todas as gerações se encontravam. Não havia mais fronteiras.”8

Hirschhorn leva ao limite essa sua afirmação 1 = 1, onde inclusive é possível intercambiar os lados da equação e pas-samos a nos perguntar quem é artista e quem é especta-dor, numa obra em que a construção é coletiva. Sob esse aspecto Hirschhorn atinge a máxima de Beuys: “todo ser humano é um artista”.

Nesse ponto chegamos a outra discussão proposta por Hirscchorn, a confrontação entre realidade e utopia. Para o artista de nada vale a utopia construída por um grupo seleto de vanguardistas ou especialistas. A utopia é preciosa demais para ser relegada às mãos alheias e ela só ganha sentido quando colocada em relação direta com a realidade construída. É nesse sentido que o artista fala da importância de estar de acordo com a realidade, o que se diferencia da ideia de aprová-la. Nesse caso, estar de acordo com a realidade significa poder compreendê-la, não se distanciar daquilo que está colocado, o papel de juiz de uma moral perde o valor, pois tudo serve como matéria para se discutir os diversos prismas da realidade.

Com essa postura, o artista não se coloca frente aos

8. Citação extraída do Dossier art espace public, op. cit., p. 10

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moradores como alguém que vai ditar as regras do que é ou não permitido se fazer no Museu Precário, mas eles vão construir em conjunto, de acordo com a realidade existente, os limites possíveis do museu, e aqui a utopia tem papel fundamental para congregar os desejos e fazer-se possibilidade concreta através de uma construção coletiva. A confrontação entre reali-dade e utopia passa a ser moldável, elas mesmas ten-dendo a assumir papéis na equação 1 = 19, através da pergunta: por que a realidade não pode ser a própria utopia, uma vez que ambas são construções humanas? Será que um dia elas poderão ser igualadas? Por hora, o que po-demos perceber é que essa confrontação amplia o campo de discussão, abolindo um abismo existente entre mundo real e desejado e preenchendo com novos horizontes nossa realidade atual.

9. “O Museu Precário Albinet foi uma tentativa de confrontar diretamente Utopia e Realidade. Eu quero deixar esses termos inseparáveis. Eu quero os unificar. Eu quero neutralizar a distância e a diferença entre Utopia e Realidade no mesmo movimento, na mesma ação. Não existe a prática de um lado e a teoria de outro: o Museu Precário Albinet foi baseado nessa ideia e eu me esforcei para agir de acordo com essa ideia. O Museu Precário Albinet foi minha tentativa de um manifesto concreto e contemporâneo que diz respeito à Utopia e à Realidade, como combinação do tempo no qual eu vivo.” Citação extraída do Dossier art espace public, op. cit., p. 5.

[Foto] Cartaz convidando os moradores da região para segunda reunião sobre o projeto.

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10. Comentário de Yvane Chapuis, de 27 de maio 2003 em Musée Précaire Albinet, op. cit.

11. Hirschhorn, em entrevista feita pelas crianças do bairro, junho de 2004 em Musée Précaire Albinet, op. cit..

precário x efêmero

O Museu Precário Albinet foi bastante aclamado pela mí-dia, mostrado como um caso de sucesso e diversas vezes o termo precário foi substituído pelo termo efêmero. Essa substituição de adjetivo representa um desvio de uma das afirmações de Hirschhorn. “O artista opõe o termo precá-rio ao efêmero, pois este último está associado à ordem da natureza, comparável à vida de uma borboleta, enquanto seu projeto, está ligado à vida humana e sua precarieda-de”10. Hirschhorn ainda reforça que para ele o termo “sig-nifica “limitado no tempo” como é a vida. Precário signi-fica também que é o homem que decide a sua duração.”11

Assim, Hirschhorn nos oferece uma pista do que o ter-mo efêmero esconde. Essa substituição mascara a ideia de que a iniciativa de fazer este museu é uma decisão humana. Do mesmo modo que a conotação negativa que damos ao termo precário também é uma escolha humana. O termo efêmero revela ainda uma das características da ideologia capitalista, a ideia de uma organização natural do homem como inscrito dentro de um mundo competitivo, da con-corrência, indo exatamente contra a ideia da não-exclusivi-dade proposta pelo artista.

Dois dos primeiros trabalhos de Hirschhorn sobre a te-mática do precário datam de 1992, quando o artista realiza experiências com peças abandonadas nas ruas para serem pegas por outras pessoas (Travaux abandonnés e Jemand kümmert sich um meine Arbeit). Nesse sentido a preca-riedade é colocada em questão no status de insegurança e na duração limitada dessas obras de arte. No caso do Mu-seu Precário Albinet, outra categoria sobre o termo vem à tona, que é o sentido pejorativo que ele possui na língua francesa. O artista assim toca um ponto sensível da cons-trução humana, relacionado ao preconceito e à marginali-dade, colocando esse tema em debate. Hal Foster desdobra de maneira bastante precisa os significados do precário na obra de Hirschhorn e sua inserção política no mundo con-temporâneo.

“O termo precário em francês [assim como em português] indica uma insegurança sócio-econô-mica, que não é evidente no inglês [ou alemão,

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língua materna de Hirschhorn]; inclusive, pré-carité é usado para descrever a condição de um vasto número de trabalhadores no capitalismo neoliberal para quem o emprego (assim como convênio médico, seguro desemprego e previ-dência) é tudo, menos garantido. Esse “preca-riado” é visto como produto da economia pós--fordista, onde, historicamente, precariedade se torna mais a regra enquanto a promessa Fordista de relativa segurança no emprego e a proteção sindical mais a exceção. É uma categoria compli-cada. O que pode ter sido perdido na mudança discursiva de proletariado para precariado? Será que o termo normaliza uma condição específica, uma “sociedade do risco”, que está sujeita a de-safios e mudanças? Poderia o precariado ser reti-rado do status de vítima e se desenvolver como um movimento social? Ao menos uma coisa é certa: não se trata de uma classe unificada. Como observa Gerald Raunig, existem “formas suaves de precarização” para “boêmios da era digital” e “intelectuais precários” de um lado, e “rígidas formas repressivas de trabalho disciplinado” para imigrantes e sans papier de outro lado. Esse ponto é pertinente aqui, pois Hirschhorn situou alguns de seus principais projetos sobre essa in-terface, não apenas o Museu Precário Albinet em Aubervilliers periferia de Paris, mas todos os três [agora quatro] monumentos – Spinoza no distri-to da luz vermelha de Amsterdã (1999), Deleuze em um quarteirão de maioria norte africana em Avignon [sul da França] (2000), Bataille em um bairro de muitos imigrantes turcos em Kassel (2002) [e Gramsci, no Bronx, periferia de Nova Iorque (2013)].“Existe um jeito de cruzar nosso espaço estável, protegido e seguro,” questiona Hirschhorn “para se juntar ao espaço precário? É possível, voluntariamente cruzar o limite desse espaço protegido, para estabelecer novos valores, reais valores, os valores do precário – incerteza, instabilidade e auto-autorização?””12

12. Hal Foster, Establishing a Critical Corpus, Zurich, JRP Ringier, 2011, p. 164.

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Mais adiante, Hal Foster trata de outro ponto importante relativo a essa postura de Hirschhorn querer se juntar ao espaço precário, o que não significa se colocar no lugar do precariado, mas “ter que enfrentar o mundo, a realidade, o tempo e me arriscar eu mesmo. Essa é a beleza da pre-cariedade.” Ainda segundo Hirschhorn “eu quero engajar através do diálogo o outro, sem neutralizá-lo.”13 Ele segue assim a advertência de Deleuze sobre a “indignidade de falar pelos outros.” Na verdade, Hirschhorn nem sempre procura a solidariedade com esse precariado, pois a solida-riedade pode apenas surgir de uma união forçada de partes muito diferentes14. O artista insiste que ele não está ali para ajudar os moradores, pelo contrário até, são os morado-res que o ajudam a construir seu projeto artístico. Hirsch-horn propõe seu museu não com a intenção de melhorar as condições de vida dos habitantes (provavelmente por saber que isso não depende apenas de sua ação), mas por amor à arte e por acreditar que ela pode criar encontros, transformar a vida.

os heróis de hirschhorn

É a partir desse desvio proposto pela mídia que é possível analisar uma negação que surpreendeu a equipe do Les La-boratoires d’Aubervilliers e Thomas Hirschhorn. Tratou--se da oferta de emprego oferecida pelo Centro Pompidou aos dois jovens mais engajados do Museu Precário e que cada um à sua maneira recusou. Nas situações de precarie-dade, comuns no Brasil e nas periferias de todo o mundo, esses exemplos de minorias que conseguem sair de uma condição precária são bastante divulgados na mídia e pela ideologia dominante. É o caso, por exemplo, dos jovens nas favelas que se tornam estrelas do futebol.

Quando esses jovens da Cité Albinet não aceitam essas propostas de sucesso individual, de uma recompensa, é possível dizer que há alguma coisa de extraordinário nessa atitude. Essa negação à la Duchamp propõe uma ruptura com essa estrutura dominante para evitar desfigurar

13. Hirschhorn, Restore Now (2006) in: Thomas Hirschhorn - Establishing a Critical Corpus, p. 163.

14. Hal Foster, Establishing a Critical Corpus, Zurich, JRP Ringier, 2011, p. 165

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Parangolé de Hélio Oiticica, 1968

Foto da lista de 8 artistas, heróis de Hirschhorn, dentre os quais, Hélio Oiticica, no livro Les plaintifs, les bêtes, les politiques, Genève, 1995.

suas próprias imagens perante a sociedade. Se de um lado Hirschhorn proclamava que ele não era um assistente social, de outro lado esses jovens eram capazes de recusar o lugar reservado aos “primeiros” alunos. A negação desses jovens representa provavelmente um dos mais fortes testemunhos de que o Museu Precário é capaz de transformar o mundo. Essa recusa ainda aproxima os jovens de Hélio Oiticica, pois eles preferiram continuar à margem do sistema dominante. É possível dizer que eles se transformaram nos heróis do Museu Precário Albinet, se utilizarmos as palavras de Hélio Oiticica: “seja marginal, seja herói”.

Os heróis são as testemunhas de quem viveu a guerra e que pela sua coragem ou loucura fizeram atos revolucionários, que colocaram em perigo a sua própria vida para proteger os seus. Raramente os heróis se reconhecem como tais, é alguém que está de fora olhando-os com distância e en-cantamento que os distingue. Essa imagem de herói vai ao encontro da obra artística de Hirschhorn de diversas maneiras. Primeiramente, ele utiliza a figura do herói como ídolo, o respeito e amor por suas referências intelectuais e artísticas, das quais Oiticica é uma figura importante. Há também a linguagem em torno da luta, da missão, ligada à religião e à guerra, muito comuns nos seus trabalhos. A ideia de reativar a obra de arte, de implicar os outros, de estar presente cotidianamente, assim como a importância do diálogo um a um, corpo a corpo, são alguns exemplos. Por outro lado, a loucura enquanto figura da besta é tam-bém uma das temáticas principais na trajetória artística de Hirschhorn. Segundo os comentários de Hal Foster15, é possível sintetizar em cinco aspectos principais a categoria da besta na obra de Hirschhorn:

1)A besta como o estúpido, o precário, o ordinário

2)A besta como o sem cabeça, o monstro, o não cínico, o incontrolável

3)A besta em relação a um fã, esse investimento de paixão sem razão, impulsiva, o engajamento sem justificativa a não ser o amor.

15. Hal Foster, Establishing a Critical Corpus, Zurich, JRP Ringier, 2011, pp. 170-176.

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16. Idem, p. 175. Em tradução livre: a simplicidade é a base.

17. Nota de intenção de Thomas Hirschhorn, fevereiro de 2003 em Le Musée Précaire Albinet,op.cit. Em tradução livre: a arte está fora de controle.

4)A besta como uma maneira de ver e compreender o mundo, o olhar besta que permite co-habitar em um mun-do muito violento.

5)A besta como o simples, “simplicity is a founding”16; os recursos críticos e criativos que é possível encontrar no in-telecto geral das pessoas no cotidiano.

Uma ligação profunda entre o Museu Precário e a figura da besta reside nas frases finais da nota de intenção do museu escrita pelo artista: “art is out of control”17 é a característi-ca da besta que escapa do controle, mesmo do seu criador.

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uma outra forma de museu

“Eu achei importante que a princípio fossem [as obras primas] originais, porque durante algumas semanas esse valor patrimonial, da história da arte, do original, foi como colocado entre parên-tesis, porque [no Museu Precário Albinet] se tra-ta de um outro valor, da obra de arte ela mesma e de que elas encarnam essa revolução. Foi isso para mim o essencial e nos museus e nas gale-rias nós julgamos os valores patrimoniais que [as obras] podem ter um dia com a cenografia que nós conhecemos. Assim, eu estava feliz de poder propor outro modelo de museu, não porque eu sou contra os museus, mas somente contra a ce-nografia do museu, os guardas, o preço da entra-da, a iluminação, o espaço disponível e a maneira como tudo é apresentado.”18

Esse outro modelo de museu proposto por Hirschhorn visa uma apropriação do conhecimento que a obra de arte transmite, muito além de apenas a fruição estética dos tra-balhos. O artista parece querer trazer à tona as discussões e as diversas formas de compreender o mundo que a arte pode suscitar. Faz parte dessa proposta expandir os limites da discussão sobre a arte para fora do museu, em visitas or-ganizadas, em ateliês, em debates, em festas. Esse conjunto de atividades cria de fato uma dinâmica própria do Museu Precário Albinet, no qual cada dia da semana recebia além da exposição uma atividade específica. Toda terça-feira era feita a montagem da exposição e às 18h a vernissage do ar-tista apresentado na semana. Nas quartas à tarde (período em que as crianças francesas não têm aula) uma oficina de artes para as crianças, propondo atividades relacionadas ao artista apresentado na semana. A cada tarde de quinta-feira uma mulher escritora (já que todos os artistas expostos eram homens se decidiu que todos os escritores convida-dos seriam mulheres) comandava uma oficina de texto e no dia seguinte, às sextas-feiras às 20h, um debate sobre um tema contemporâneo, mas relacionado ao universo do artista da semana. Nos sábados às 18h especialistas eram chamados para dar uma conferência sobre a vida e obra do artista exposto.

18. Hirschhorn, em entrevista feita pela autora, p. 123, do presente trabalho.

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Além disso, toda semana havia uma excursão acompanha-da e preparada pela artista Delphes Desvoivres, também relacionada a algum aspecto do artista exposto no período, em grupos de cerca de 10 pessoas, para conhecer não ape-nas um museu ou outras obras do artista, mas também um pouco do seu universo, como um escritório de arquitetura, no caso de Le Corbusier, ou o depósito de figurinos da Ópera Bastilha de Paris, no caso de Léger. O dia da semana da visita variava de acordo com o programa da excursão, sendo na maioria das vezes na sexta-feira ou no sábado. Para encerrar a semana de exposição sobre cada artista, nos domingos às 20h, era feito um jantar coletivo. Na segunda--feira o museu fechava para desmontar a exposição e de-volver as obras.

Se por um lado, havia uma grande quantidade de atividades propostas pelo Museu Precário Albinet, cujo objetivo era interessar e se dirigir a um público abrangente e não-exclu-sivo, por outro, Hirschhorn afirma a necessidade de não cair na tentação de transformar o museu em um sucesso a qualquer custo. Para o artista, o caso não era de conseguir o maior público possível, mas sim de possibilitar que o pú-blico pudesse se engajar no projeto do museu, assim como trazer de volta a obra de arte para a vida cotidiana, ao reti-rá-la da sacralização proposta nos museus convencionais.

Nesse aspecto é interessante observar como a exposição das obras originais é composta mesclando-se recortes de jornais, cópias de livros e revistas. Os quadros são coloca-dos lado a lado com cópias de outros, como se estivessem em pé de igualdade no momento de se compreender a obra do artista, mas ao mesmo tempo evidenciando o prazer de contemplar e discutir a partir do original, confrontando-se diretamente com o objeto de trabalho do artista. O resul-tado estético dessa mistura nos remete a um ambiente de trabalho, de produção, mais próximo ao próprio ateliê de Hirschhorn do que de um espaço expositivo convencional.

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[Fotos] De cima para baixo respectivamente, atelier de Thomas Hirschhorn em Aubervilliers; exposição no Museu Precário Albinet e exposição de Salvador Dalí no Centro Georges Pompidou.

As fotos ilustram como no Museu Precário Albinet a mistura entre obras originais, recortes e colagens, nos remete a um ambiente de trabalho, de produção, mais próximo ao próprio ateliê de Hirschhorn do que de um espaço expositivo convencional.

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Marcel Duchamp [1887-1968]1ª semana, 19/04 a 25/04/2004

museu precário albinet obras expostas

• Anemic Cinema, 1926, Centro Georges Pompidou. Filme, 35mm PB, mudo, 7’.

• La double vue / L’inventeur du temps gratuit (Série A), 1964, Fundo Nacional de Arte Contemporânea da França. Livro-objeto de Marcel Duchamp e Alberto Giacometti.

• La pendule de profil, 1964, Fundo Nacional de Arte Contemporânea da França. Livro-objeto.

• Folha de Figueira Feminina, 1950-51, Centro Georges Pompidou. Gesso pintado de verde, 8,5 x 13 x 11,5 cm

Exemplar pintado por Man Ray

• Roda de Bicicleta, 1913/1964 (réplica), Centro Georges Pompidou. Metal, madeira pintada 126,5 x 31,5 x 63,5 cm

O original, perdido, foi realizado em Paris em 1913. A réplica feita em 1964 sob a direção de Marcel Duchamp constitui a 6ª versão desse ready-made.

• Caixa-maleta, 1936-41, Centro Georges Pompidou. Papelão, madeira, papel, plástico, 40 x 37,5 x 8,2 cm

Caixa dobrável em três partes de papelão recoberto de tela bege contendo réplicas em miniaturas de suas obras, 69 itens (fotografias e documentos, fac-símiles).

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museu precário albinet obras expostasKasimir Malevitch [1879-1935]2ª semana, 27/04 a 02/05/2004

• Gota 2-a, por volta de 1923/1927, Centro Georges Pompidou.

Gesso, 57 x 26 x 36 cm

Reconstituição de Architectone de Malevitch datado de 1923-1927 feita por Poul Pedersen em 1978. 80 elementos originais e 35 elementos reconstituídos.

• Alpha, 1923/78, Centro Georges Pompidou.

Gesso e vidro, 33 x 37 x 84,5 cm

Architectone reconstituído por Poul Pedersen em 1978. 1 elemento original e 99 elementos reconstituídos dentre os quais 5 em vidro.

• Bêta, anterior à 1926/78, Centro Georges Pompidou.

Gesso, 27,3 x 59,5 x 99,3 cm

Architectone reconstituído por Poul Pedersen em 1978. 29 elemento original e 40 elementos reconstituídos.

• Serviço de chá, 1923/95, Fundo Nacional de Arte Contemporânea da França

Porcelana branca Taça : Altura 7 cm Diâm. 13 cm.

Bule : Altura 17cm Diam. 22 cm

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Piet Mondrian [1872-1944]3ª semana, 3/05 a 9/05

• Composição em vermelho, azul e branco II, 1937, Centro Georges Pompidou

Óleo sobre tela, 75 x 60,5 cm.

• Composition D, 1932, Fundo Nacional de Arte Contemporânea da França.

Serigrafia, 65,40 x 60cm;

museu precário albinet obras expostas

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Salvador Dali [1904-1989]4ª semana, 10/05 a 17/05

• Alucinação Parcial – 6 Aparições de Lenin Sobre o Piano, 1931, Centro Georges Pompidou.

Óleo e verniz sobre tela, 114 x 146 cm.

• Dali de Draeger 1968, Fundo Nacional de Arte Contemporânea da França.

Livro-objeto.

• Rei, eu te espero na Babilônia, 1973, Fundo Nacional de Arte Contemporânea da França.

Gravura e livro, 61 x 44 cm.

museu precário albinet obras expostas

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Joseph Beuys [1921-1986]5ª semana, 18/05 a 23/05/2004

• O Silêncio, 1973, Centro Georges Pompidou.

Metal Diâmetro : 38 cm, Peso : 2,5kg

5bobinas galvanisados do filme de Bergman “O silêncio”.

• Soziale Plastik, 1967, Centro Georges Pompidou.

Filme, 16 mm, PB, mudo, 11’.

• I Like America like America likes me, 1974 Centro Georges Pompidou.

Vídeo, U-matic (x2), Pal, PB, som, 35’urs.

• [no alto] Cabeça, 1961, Centro Georges Pompidou.

Gravura sobre madeira sobre papel, 12 x 12 cm.

• [acima] Hirschkuh, 1948, Centro Georges Pompidou.

Gravura sobre madeira sobre papel 16,5 x 34,7 cm.

• Perna, 1961, Centro Georges Pompidou.

Gravura sobre madeira, 31,7 x 30,7 cm.

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Le Corbusier [1887-1965]6ª semana, 24/05 a 30/05/2004

• Maquete de estudo da unidade de habitação, Berlim-Tiergarten, 1957 – 1958, Centro Georges Pompidou.

Madeira (maciça e revestimento), 55 x 122 x 90 cm.

• Totem, 1963, Fundo Nacional de Arte Contemporânea da França.

Litografia, 73,0 x 80,5 cm.

• Modulor, 1962, Fundo Nacional de Arte Contemporânea da França.

Litografia, 73,7 x 53,3 cm.

museu precário albinet obras expostas

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Andy Warhol [1928-1987]7ª semana, 31/05 a 6/06/2004

• Cadeira Elétrica, 1967, Centro Georges Pompidou.

Tinta serigráfica e acrílica sobre tela, 137,2 x 185,3 cm.

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Fernand Léger [1881-1955]8ª semana, 7/06 a 13/06/2004

• Discos na Cidade, 1920, Centro Georges Pompidou

Óleo sobre tela, 130 x 162 cm.

• Composition sur fond jaune, Fundo Nacional de Arte Contemporânea da França.

Litografia.

• Les deux tournesols, Fundo Nacional de Arte Contemporânea da França.

Litografia.

• Tête bleue, Fundo Nacional de Arte Contemporânea da França.

Litografia.

• Roda vermelha, 1920, Centro Georges Pompidou.

Óleo sobre tela, 65 x 54 cm.

• O bule de chá, 1918, Centro Georges Pompidou.

Óleo sobre tela, 61 x 50 cm.

museu precário albinet obras expostas

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jamac e paredes pinturas mônica nador

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Na trajetória de Mônica Nador, seu trabalho artístico se mescla com o próprio percurso da artista e vai se moldan-do de acordo com o contexto e as novas exigências que surgem ao longo do processo. É assim que a fundação do Jardim Miriam Arte Clube em 2004 está intrinsecamente relacionada com o projeto Paredes Pinturas, que quando criado representou um marco de mudança na carreira da artista. Até então, Mônica tinha se dedicado à pintura sobre tela e participava exclusivamente do círculo artístico ateliê--museu-galeria. Foi a partir de uma exposição no MAM-SP onde a artista pintou a Parede para Nelson Leirner em 1996 que Mônica vislumbrou a possibilidade de transferir seu trabalho numa escala ampliada e para além do círculo convencional artístico. O Paredes Pinturas segundo a au-tora “é um conjunto aberto de pinturas murais realizadas em bairros pobres das grandes cidades e em cidadezinhas distantes de grandes centros urbanos.”1 O que justifica esse enfoque é aumentar o número de pessoas que poderiam fruir do trabalho artístico e confrontá-lo com a realidade social do país.

O trabalho Paredes Pinturas foi se desenvolvendo con-forme as aplicações nos mais diversos ambientes. As pri-meiras experiências se deram pelo interior do Brasil, em pequenas cidades amparadas pelo programa Universidade Solidária. A proposta inicial era de a artista pintar sozinha ou com algum assistente os murais, mas isso nunca chegou a acontecer. O envolvimento das pessoas do local foi sen-do cada vez mais importante na elaboração das pinturas. O ponto de partida de Mônica era a utilização de padrões geométricos islâmicos sobre uma composição de manchas no qual o fundo e a figura se mesclariam. A ornamenta-ção islâmica servia de célula básica representante do belo e transcendente na arte, o elemento segundo a artista capaz de propiciar o “alumbramento”, ou seja, o prazer da frui-ção estética.

A participação dos habitantes do local onde o mural era pintado fez com que se entrasse em discussão a própria noção do belo e da implementação das diversas referên-cias trazidas pelos moradores a fim de se construir cole-tivamente os padrões a serem aplicados. Segundo Nador

1. Mônica Nador, Paredes Pinturas, Tese de Mestrado ECA-USP, 2000, p.1.

[Fotos] Na página anterior, muro da sede do Jamac.

Na página de abertura do capítulo, detalhe do mesmo muro.

apresentação

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é nesse ponto que ocorre a transformação mais profunda do trabalho: “é quando percebo que, se minha intenção é colocá-los [os habitantes] em contato com o belo e com possibilidades de formulação do real diferentes das que até então se conhecem, se estou me deslocando até eles, esta posição já é, por si só, de estranhamento, de diferenciação. Não posso impor meu padrão estético. Devo ser o agente de uma nova representação da sua realidade simbólica. O autor desaparece e o trabalho se torna coletivo.”2

Em 2003, com a Associação Arte e Despertar, Mônica che-ga ao bairro Jardim Miriam em São Paulo para realizar seu trabalho. Enxerga nesse local a possibilidade de um con-tato mais duradouro para desenvolver seu projeto Paredes Pinturas. Resolve então transferir seu ateliê e moradia para o local. É fundada uma Associação Cultural sem fins lu-crativos e uma parceria de Mônica Nador com os artistas Lúcia Koch, Fernando Limberger entre outros curadores, sociólogos e historiadores de arte. O Jamac abre oficial-mente as portas ao público em 2004 graças a um prêmio concedido a Mônica Nador pelo Banco do Brasil, que se tornou um convênio capaz de custear as atividades do Clu-be em seu primeiro ano de atividade.3

Ali são rediscutidas as questões de vizinhança e a apro-priação do espaço pelos habitantes de maneira cotidiana. Podemos citar alguns dos projetos mais significativos, além do Paredes Pinturas desenvolvidos pelo Jamac e suas parcerias, como as oficinas Um Jardim para o Jardim Mi-riam, onde Limberger ensina técnicas de jardinagem, as intervenções arquitetônicas de Koch, oficina de fotogra-fia proposta por Marcelo Zocchio, de design por Gerson de Oliveira da OVO Design, a parceria com a CDHU na reurbanização de uma favela em Santo André e o Parque para Brincar e Pensar que consistiu em criar um pequeno parque num terreno baldio nas proximidades do Jamac. Ao mesmo tempo em que o Jamac se integra ao bairro, o Jardim Miriam se integra ao circuito artístico, ganhando visibilidade com a participação na 27ª Bienal de Artes de São Paulo4. Em 2010 o Jamac se torna um Ponto de Cul-tura, sendo reconhecido pelo governo Federal como uma instituição de incentivo à arte e cultura e recebe apoio fi-

2. Mônica Nador, Paredes Pinturas, op. cit., p.14.

3. JAMAC, São Paulo, Pinacoteca do Estado e Luciana Brito, 2012, p.42.

4. Sylvia Furegatti, Arte e Meio Urbano: Elementos de formação da estética extramuros no Brasil, Tese de Doutorado FAU-USP, São Paulo, 2007, p.257.

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nanceiro para suas atividades até 2013.

Atualmente o Jamac desenvolve projetos regulares como o Café Jamac com debates e discussões todo 3º sábado do mês, o Cinema Digital com oficinas e exibição de filmes e o Paredes Pinturas que passa a funcionar como oficinas de estêncil, ministradas por monitores locais formados pelo Jamac e por Mônica. No momento, está sendo implemen-tado um projeto de estamparia, que ganhou novo maqui-nário, mas que ainda sofre com a falta de espaço dentro do galpão e verba para contratação de técnicos. Atualmente, o Jamac pleiteia a renovação do contrato para continuar como Ponto de Cultura assim como a compra de uma sede, pois a atual é alugada e se mostra pequena para abri-gar todos os projetos ali desenvolvidos. 5

A importância do Jamac e a compreensão do seu significa-do para a cidade está bem representada no depoimento de Célio Turino:

“Com o Jamac (...) a periferia é posta em evidên-cia, é exposta para além dos estereótipos. Mas arte não é só expor a realidade: arte é ir além. No Jamac há biblioteca, ateliê, saraus e cafés fi-losóficos. No Jamac pratica-se a arte do encon-tro e, atualmente, artistas e intelectuais das mais diversas formações vão para o Jardim Miriam, na extrema periferia sudoeste de São Paulo, para ensinar, aprender, trocar e conviver. (...) Juntos, aprendem entre si. Com o Jamac a separação entre centro e periferia sofre um deslocamento, provocando um reposicionamento em relação à própria obra de arte, que ganha novos sentidos. Arte-Política.”6

5. Apresentação das atividades segundo o site: http://Jamacarteclube.wordpress.com/projetos/ acessado em 28/04/2013

6. JAMAC, op. cit.,p.15.

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O Jardim Miriam é um dos bairros da subprefeitura da Cidade Ademar, na Zona Sul de São Paulo.

Vivem nessa região mais de 400 mil pessoas.

Até 2003, quando foi inaugurado o CEU Alvarenga, a Cidade Ademar não possuia salas de teatro, cinema, casas de cultura, museus ou espaços culturais formalmente estabelecidos.

Segundo dados da Fundação Seade, dos jovens entre 18 e 19 anos que moram na região, quase 44% não concluiram o ensino fundamental.

Bairro do Sumaré

JAMAC

16 km

jardim miriam arte-clube localização e ateliê

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jardim miriam arte-clube atividades

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das telas às ruas

Algumas rupturas foram importantes na trajetória de Mô-nica Nador, que acabaram sendo responsáveis diretas ou indiretas pela criação do Paredes Pinturas e do Jamac. A primeira que podemos citar foi a mudança da Faculdade de Arquitetura de São José dos Campos para o curso de Artes Plásticas da FAAP. Sua escolha inicial pela arquitetura es-tava relacionada a uma grande vontade de transformação urbana, que era incentivada pelo programa pedagógico da faculdade, mas que foi fechada pelo Regime Militar no po-der, interrompendo os estudos de Mônica. Depois de um breve período na Unicamp, ela vai para São Paulo, onde passou a se dedicar à pintura na FAAP, se inserindo no circuito artístico paulistano. Nessa época Mônica imagina-va que seguiria a profissão de artista e que sua inquietação social seria colocada em prática somente depois que ela se aposentasse.

No mestrado, porém, uma segunda ruptura transformou seu trabalho como pintora. Os responsáveis dessa vez fo-ram os textos críticos do grupo da new left 7 (integrado por Hal Foster, Craig Owens, Rosalind Krauss, Thomas Crow, entre outros) e especialmente o texto “O fim da pintura” de Douglas Crimp, que segundo a artista “foi divisor de águas do meu percurso e, a partir de então, não pintei uma tela sequer. Foi quando percebi o circuito artístico estabele-cido (que, do modo como existe, tem só 250 anos, ou seja, existiram e, principalmente, poderão existir outras formas de atuar enquanto artista na sociedade) como cerceador da ação transformadora da arte.”8

Na mesma época o convite para pintar uma parede do MAM-SP revelou a possibilidade técnica de transpor suas inquietações sociais para além do circuito artístico: “Nesta oportunidade pude traduzir a minha construção plástica geralmente minuciosa e, até então, sempre concretizada sobre tela ou papel, para uma área de grandes dimensões, inserida, a priori em um contexto arquitetônico. Constatei que algumas adaptações poderiam agilizar a execução do meu trabalho, normalmente morosa, e possibilitar sua rea-lização em praticamente qualquer parede, fora dos espaços protegidos das artes plásticas, como nos muros das ruas. Esta perspectiva representava a possibilidade de poder

7. A New Left é uma revista inglesa sobre política, economia global, teoria social contemporânea, história, filosofia, cinema, literatura arte e estética. É um espaço importante de debate e, dentre os seus ensaístas, Mônica Nador destaca Douglas Crimp, Hal Foster, Craig Owens e Rosalind Krauss. É nesse contexto que o grupo está citado nessa análise, seguindo a apresentação do grupo feita por Mônica Nador em Paredes Pinturas, op. cit., p.1.

8. Mônica Nador, Revista D’ART, n.11 in: Mônica Nador, São Paulo, Pinacoteca do Estado e Luciana Brito, 2012, p.45.

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ampliar o alcance do trabalho e atingir novas audiências, atendendo a um desejo recorrente em minha produção, de proporcionar fruição estética para o maior número de pes-soas possível.”9

Dessa maneira, o Paredes Pinturas surge como resposta ao isolamento ao qual a obra de arte é submetida dentro dos museus e galerias. O texto de Douglas Crimp começa com duas citações que colocam em cheque o papel da pintura na nossa época. A primeira de Louis Aragon enquadra a pintura dentro de uma perspectiva histórica, na qual ela teve um surgimento e assim, como qualquer atividade hu-mana, por que não poderia vir a ter um fim? A segunda de Daniel Buren fala da distância da arte em relação ao mundo em geral, do seu entrincheiramento nos espaços expositivos da arte, resguardada por vidros blindados, se-guranças, longe da luz natural e da umidade. Ele ainda nos lança a pergunta: “o fato de ela [a obra de arte] ser exibida dessa maneira não é o verdadeiro ponto de partida, o fim e a função essencial da obra de arte?”10

Ao debater “O fim da pintura” em seu mestrado, Mônica Nador trata sobre o surgimento do museu moderno, tal qual conhecemos hoje e que tem sua origem com a criação do Louvre. É Goethe, em 1798 que atenta para as trans-formações às quais a arte será sujeita quando ela deixa de ser apreciada no local aonde foi feita e pensada para ocu-par outro lugar, apartada de seu contexto. Douglas Crimp, enxerga nessa nova entidade artística, que é a criação dos espaços expositivos da arte, uma característica do surgi-mento do que chamamos hoje de modernismo, entendido a partir do ponto de vista de uma epistemologia da arte. Assim, o propósito natural da arte passa a estar no museu, no espaço idealista da arte com A maiúsculo.11

Brian O’Doherty no seu livro No interior do cubo branco, tam-bém uma das referências de Nador, completa a crítica aos museus e galerias, descrevendo a relação entre espectador e obra que se transforma pelas condições impostas por es-ses espaços. Reiterando a ideia de um lugar apartado da vida cotidiana, aonde a categoria do tempo tenta ser esca-moteada, O’Doherty compara os nossos espaços expositi-

9. Mônica Nador em Paredes Pinturas, op. cit., p.1.

10. Douglas Crimp, Sobre as Ruínas do Museu, trad. Fernando Santos, São Paulo, Martins Fontes, 2005, p.77.

11. “A arte como algo autônomo, separada de tudo o mais e destinada a ocupar seu lugar na história da arte é um fato da era moderna. E é uma ideia de arte que tem o apoio da pintura contemporânea, destinada que está, também, a terminar no museu.” Douglas Crimp, Sobre as Ruínas do Museu, op. cit., p.91.

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vos ao rigor das construções religiosas, repleta de dogmas e regras, onde não se deve falar alto, comer, rir, dançar. “O recinto [da galeria e dos templos religiosos] suscita o pensamento de que, enquanto olhos e mentes são bem--vindos, corpos que ocupam o espaço não o são.”12 Esse distanciamento do corpo está intimamente relacionado à ideia de transcendência que também aproxima essas duas categorias, religiosa e artística, mas que possuem um grave problema de se referirem a outro mundo e não a esse em que vivemos. Esse local onde parece se alcançar esferas metafísicas é protegido ao máximo das transformações do tempo, cria-se assim, uma espécie de anti-recinto que tenta anular a matriz circundante tempo-espaço. Para o autor, um dos objetivos dessa aparência atemporal está na preten-são de que a obra de arte já pertenceria à posterioridade, transformando-se assim em garantia de bom investimento. Além disso, “a construção de um recinto supostamente imutável, ou onde efeitos da mudança sejam disfarçados ou ocultos é uma tentativa de provocar no status quo a apa-rência de eternidade dos valores sociais e, também nos tempos modernos, dos valores artísticos.”13

É investida dessas críticas que Mônica se afasta das telas e assim do propósito de criar para um museu e para o sta-tus quo que ele mantém. Aproxima-se por um viés crítico e consciente do que Sylvia Furegatti chama de arte extramu-ros, que pretende ir além dos museus e entrar em confronto direto com a realidade urbana e social na qual está inserida. Se as casas das periferias foram o suporte encontrado por Mônica para a expansão geográfica de sua obra, foram as oficinas e a participação dos moradores os responsáveis pelo caráter político e o novo papel da artista frente à sociedade que ela conseguiu criar. Após estabelecer para si mesma esse novo posicionamento crítico, a artista passou dez anos sem pintar uma tela e só voltou quando o Paredes Pinturas estava amadurecido e completamente inserido em sua atuação ar-tística. Das telas às ruas pode ser visto como uma trajetória de rupturas, de escolhas capazes de ampliar a perspectiva artística de Mônica, para finalmente poderem se reconciliar numa prática artística que agora transborda entre telas, pa-redes, panos e papéis, tanto nas ruas quanto nos museus, parecendo querer acima de tudo, mostrar que está viva.

12. Brian O’Doherty, No Interior do Cubo Branco, trad. Carlos S. Mendes Rosa São Paulo, Martins Fontes, 2007, p.5

13. Thomas McEvilley, in: Brian O’Doherty, No Interior do Cubo Branco, op. cit., p. XVIII.

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a construção do belo

Mônica Nador em sua tese de mestrado diz que sua proposta inicial era estudar “O espiritual na arte, de novo” e fazer um conjunto de obras que “pudesse provocar no espectador uma experiência análoga ao que o abstracionista Robert Ryman classifica como alumbramento (enlightment)”14, que consiste no “calmo prazer obtido aqui e agora”, ou seja, o prazer da fruição estética. Na concepção de Ryman “a poesia da pintura tem a ver com sentimento. Deveria ser uma espécie de revelação, ou mesmo uma situação experimentada como uma reverência. Se você pode se sintonizar na frequência do que está experienciando, se sentirá muito bem, se sentirá confortável.”15 Segundo Mônica, foi essa vontade de explicitar o poder da fruição estética que a levou nos anos 1980 a acrescentar os padrões geométricos islâmicos à sua pintura, como elementos facilmente reconhecíveis do belo. É a partir de 1993, que a artista passa a agregar essa ornamentação à produção abstrata internacional, extraída especialmente dos trabalhos de Ad Reinhardt, Joseph Albers e Robert Ryman. No entanto, um dos problemas enxergados por Mônica nesse campo da pintura é o difícil acesso à fruição por pessoas não iniciadas no círculo artístico.

A ornamentação geométrica islâmica, nesse caso, funcio-naria como elemento do que a artista chamou de “beleza pura”, acessível ao público não necessariamente especia-lizado que viesse a ter contato com a sua obra. Em um primeiro momento, essa relação ornamentação islâmica = beleza pura se deu por razões totalmente subjetivas16, no entanto, pode-se reconhecer que alguns aspectos des-sa linguagem possuem estreita relação com a proposta de alumbramento. Ao confrontar dois pensadores da cultura islâmica e asiática, Mônica percebe que os padrões geo-métricos possuem em seu fundamento o propósito de de-leitar, tornar agradável, embelezar, o que também poderia significar estar mais próximo de Deus. “Portanto, pode-mos inferir que os padrões geométricos são uma forma de oração, uma forma de conectar aqueles espaços mentais atribuídos à beleza divina, e que eu, ocidentalmente, cha-mei de “beleza pura””17.

14. Mônica Nador, Paredes Pinturas, op. cit., p.2.

15. Robert Storr (1993, p.41) in: Mônica Nador, Paredes Pinturas, op. cit., 2000, p.2.

16. Mônica Nador, Paredes Pinturas, op. cit., p.8.

17. Mônica Nador, Paredes Pinturas, op. cit., p.10.

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Ao longo de seu trabalho, no entanto, conforme Môni-ca vai se aprofundando no trabalho com um público não especializado, aumenta a necessidade de ampliar esse con-ceito inicial de beleza pura, para se aproximar de uma cons-trução em conjunto do significado de beleza. No começo de sua carreira como pintora, Mônica se colocava de forma sempre provocativa frente ao círculo tradicional da arte. Segundo ela, usava a expressão “cutucar o urso com vara curta”. No entanto, ao perceber o uso que o sistema de arte fazia dela e a restrição de alcance dessa sua postura crítica (que continuava confinada dentro da mesma lógica de se-paração das esferas do conhecimento), ela resolve “deixar o urso dormir sossegado e retomar a linha evolutiva da outra história”18. Nesse sentido, se envolver com a outra história, é poder enxergar no fazer artístico uma manei-ra de se levar em consideração a forte desigualdade social do país e poder experimentar sua pintura fora dos espaços protegidos da arte.

Assim, é durante suas experiências com as pinturas mu-rais que Mônica percebe que a utilização da ornamenta-ção islâmica é apenas uma das representações do belo, cuja referência está intimamente relacionada à experiência da artista, mas que às vezes se mantém distante do público que irá fruir a obra. A interação entre artista e público vai gradativamente se tornando mais estreita e fundamental para o resultado da obra, tanto estético quanto enquanto processo emancipatório. A sua primeira experiência mural fora dos museus e galerias, foi no Hospital de Clínicas de Uberlândia, em 1996, no qual segundo a artista “configu-rou-se numa rica situação onde pacientes e funcionários se envolveram, perguntaram, deram opiniões e, importante, aprovaram a imagem.”19. Se nessa primeira ocasião a parti-cipação do público aconteceu apenas através do diálogo, na segunda experiência (coreto em Coração de Maria-BA) Mônica convidou os moradores para pintarem junto com ela e, logo na terceira (sede do grupo folclórico Zambia-punga em Nilo Peçanha-BA) incluiu desenhos dos pró-prios participantes na confecção da pintura, seguindo o mesmo processo de máscara que utilizava com o padrão islâmico. É bastante interessante notar aqui o convívio lado a lado do padrão geométrico islâmico com os desenhos

18. Mônica Nador, Paredes Pinturas, op. cit., p.7.

19. Mônica Nador, Paredes Pinturas, op. cit., p.12.

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folclóricos, como reflexos desse processo de abertura da própria artista.

A partir do momento em que os padrões islâmicos deixam de ser impostos a priori, há uma negociação entre o que conforma uma obra que represente tanto a artista quanto os moradores em suas referências. O caso mais polêmico desse assunto é provavelmente um episódio que ocorreu no Amazonas, quando um morador quis pintar sua palafita com o símbolo da Nike. Apesar de viver completamente distanciado dos produtos da Nike e estar em uma paisagem natural privilegiada à beira do rio Purus, esse morador, que entre parcos pertences possuía uma enorme antena para-bólica insistiu no símbolo da empresa. Mônica Nador se negou a pintar o símbolo da Nike e insistiu em procurar com os moradores da casa outros desenhos. Alguns criti-cam o veto da artista, afinal se a proposta é pintar a casa do outro de acordo com o que ele quer, por que não o símbolo da Nike? Essa não seria uma postura autoritária e preconceituosa da parte dela? Durante o debate proposto pela Pinacoteca do Estado sobre o tema “Arte e periferia” a crítica e historiadora da arte Aracy Amaral considerou o veto à Nike uma manobra de “dirigismo cultural”. “Você [Mônica Nador]é de um grande centro e quer resgatar uma cultura local, mas eles não estão a fim disso. Eles estão atrás de novidades. Na medida em que eles escolhem uma Nike, eles estão querendo escolher símbolos de fora do universo deles.”20

No entanto, é justamente ao se negar, que Mônica afirma sua participação na obra: ela não faz o papel de um artesão ou pintor convencional, uma peça mecânica de reprodução dos desejos alheios. Ela está ali como artista, como pesquisadora de imagens, com uma postura política também que não a permite ultrapassar os limites do seu próprio engajamento. Ela sabe da abrangência da cultura televisiva e propagandista, da força de seus ícones e é em parte contra a homogeneização e dominação desses símbolos que ela dirige sua luta. Seu papel de investigar e contestar junto aos mais diversos públicos o que representa a beleza em cada contexto e para cada cidadão, não é justamente o desejo de resgatar o poder criativo, autônomo

20. José Augusto Ribeiro, redator do debate“Trópico na Pinacoteca”: Arte e Periferia, realizado em 24/04/2004 em São Paulo.

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paredes pinturas origens

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paredes pinturas primeiras experiências

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e decisório nas pessoas? O caráter libertário em sua obra não está relacionado a uma aleatoriedade de padrões, a liberdade não está em se escolher qualquer coisa para ser pintada, as possibilidades estéticas são sim infinitas, no entanto, o resultado pictórico é fruto de um processo de diálogo entre artista e participante, no qual os dois se abrem para o desconhecido, colocam à disposição suas referências, mas constroem algo de novo, de inesperado. Assim, a experiência da liberdade está fundamentada em substratos menos superficiais e óbvios, não é o famigerado poder de escolha (tão aclamado pela lógica capitalista), mas sim o poder de se trabalhar em conjunto, através de um verdadeiro processo emancipatório, no qual as fronteiras de classe, cor, idade, gênero, localidade e gosto são abolidas.

O conjunto do trabalho de Mônica nos faz chegar mais perto do que seria a representação do belo nas mais diver-sas localidades. Dessa maneira, levanta questões sociais sobre quais imagens são identificadas como passíveis de afirmação da individualidade frente ao espaço público, se pensarmos nas pinturas externas, e frente ao espaço pri-vado, na intimidade e interior do lar. A pesquisa pictórica de Mônica parece não se afastar muito da sua primeira experiência ao pintar uma parede no hospital psiquiátrico. Que tipo de pintura é capaz de transmitir uma sensação de bem-estar ao público? A cor e a presença de desenhos podem por si só deixar um ambiente mais agradável, bo-nito e acolhedor? Como enveredar por esse viés de pes-quisa, mantendo-se a liberdade de criação e sem cair em lugares comuns ou restritivos?

Mais uma vez a resposta de Mônica parece se dirigir a sua facilidade em se abrir para o outro, como chave para o desbravamento de um universo único. Ao dar lápis e papel para os moradores, Mônica permite não apenas descobrir que uma pessoa deseja pintar uma flor, mas se aproximar de como é a flor imaginada de cada um e trazê-la para a realidade. E se a flor pretendida for igual a do pano de prato? Mônica não se intimida, reconhece a beleza dessa antiga tradição de ornamentar os panos de pratos que é extrapolada para as paredes da cozinha, da casa até do ar-mário, aproveitando a facilidade de reprodução do tema.

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A reprodução dos módulos chega a surpreender a artista, sai do seu controle no momento em que os moradores se apropriam da técnica. Recriam a estética pano-de-prato. Se ela se aproxima do kistch é a partir do álibi do desejo exis-tente, latente. Ao invés de encarar como dispersão do seu trabalho, Mônica vislumbra aí uma nova força de contesta-ção, é a idéia de ferir a estética do “bom gosto”, que tantas vezes dita regras restritivas para a experimentação artística.

[Foto] Imagem da palafita em Beruri-AM (1999), que após conversa com moradores foi pintada com o desenho de casas feita pela dona da casa e não com o símbolo da Nike como queria um de seus filhos.

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autoria compartilhada

Ao envolver cada vez mais a fundo o morador ou usuá-rio do espaço arquitetônico em suas intervenções, Mônica começa a repensar os limites do papel do artista enquanto autor da obra. Esse questionamento se amplia com as ati-vidades no Jamac, no qual a pintura em estêncil passa a fa-zer parte do cotidiano de alguns moradores, especialmente daqueles que se envolvem no trabalho enquanto monitores ou ajudantes da artista.

Na sua tese de mestrado Mônica já levanta a discussão sobre a autoria, colocando em debate as ideias de Roland Barthes e Craig Owens. Para o primeiro, a figura do autor é tipicamente moderna, emergindo depois do Renascimen-to e estando intrinsecamente relacionado com a ideologia capitalista. Esse status de imensa importância atribuído à pessoa do autor impede que o texto fale por si só, sem se mesclar ao “eu” do autor e, também, que o leitor (a audiên-cia) possa significar o trabalho21. “Já Craig Owens aponta para o viés através do qual a pós-modernidade faz a análise da questão: “onde é que se dão as trocas entre leitores e observadores? Quem é livre para definir e, finalmente, se beneficiar dos códigos e convenções da produção cultural? Estas questões deslocam a atenção do trabalho de arte e de seu produtor para o seu contexto (“frame”) – do primeiro, através do foco no lugar onde o trabalho de arte é encon-trado; do segundo, pela insistência na natureza social da produção e da recepção artísticas.””22

Dessa maneira, Mônica enxerga no contexto onde o traba-lho se dá um importante espaço para a sua ação de resis-tência, e é nessa troca entre leitores e observadores, artista e espectador, que ela parece apostar suas fichas numa prá-tica artística capaz de transformar o papel do autor. “Sua pintura, de autoria cada vez mais híbrida, passou a ser não apenas o reflexo de suas inquietações artísticas, mas a re-sultante de um processo no qual ela provoca e se deixa ser provocada pelo saber não dogmático e pela intuição do outro.”23

No mestrado de Mônica, também está presente uma ob-servação da artista para levar em consideração nas próxi-mas empreitadas: a ideia de se delegar mais e atuar menos.

21. Mônica Nador, Paredes Pinturas, op. cit., p.15.

22. Idem.

23. Eder Chiodetto, Folha de São Paulo, 26/02/2008, disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/acontece/ac2602200801.htm, acessado em 27/09/2013.

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Nesse sentido, é interessante a sua experiência ao pintar a Biblioteca Viagem ao Céu, no assentamento do MST em Sarapuí. Nesse caso, os participantes da pintura mural fi-zeram desenhos e elegeram o motivo a ser aplicado. “Essa pintura mural é praticamente toda executada por eles e, ba-sicamente, a cada novo passo, a decisão é feita em conjun-to.”24 Foi também a primeira vez em que os ornamentos is-lâmicos não apareceram no resultado final, mesmo fazendo parte constituinte da obra de Nador. Por outro lado, alerta a artista: “um padrão modular que compõe um plano único, justaposto a outros construídos com módulos diferentes, é um princípio construtivo completamente calcado naquela decoração [islâmica].”25

Podemos observar a relação de troca entre artista e público ainda mais acentuada no que diz respeito aos jovens do Jardim Miriam. Duas exposições e seus registros são inte-ressantes como exemplos. A primeira delas, feita na Galeria Vermelho em 2008 tem como título “Mônica Nador e Bro-dagem”, expondo sua íntima relação com os “brothers” do Jamac que pintam a parede de entrada da galeria além de assinarem alguns dos trabalhos da exposição. Se por um lado, esses co-autores ainda são identificados apenas en-quanto grupo ligado ao Jamac e ao prestígio de Mônica, aos poucos eles vão ganhando autonomia para não apenas representar o trabalho coletivo como para trazer visibilida-de para seus trabalhos artísticos individuais. Essa relação, no entanto pode às vezes vir a ser conflituosa, ao entrar na briga de quem está sendo usado por quem. É fato que o trabalho de Mônica com o Paredes Pinturas depende da participação do outro e no Jamac essa dependência fica ainda mais evidenciada com a importância do trabalho dos monitores. A artista rebate dizendo que o trabalho em con-junto amplia a visibilidade do indivíduo e as oportunidades de ele entrar no circuito artístico, além de possibilitar ex-periências pessoais ricas. É o caso dos convites internacio-nais, como em 2005 quando Mônica viaja com mais quatro membros do Jamac para Toulouse na França e em 2008 quando Paulo O’Meira viaja sozinho à Colômbia para re-presentar o Jamac na mostra URGENTE! Assim, uma vez capacitados e versados na técnica, os monitores passam a fazer trabalhos individuais (podendo vendê-lo) e a repre-

24. Mônica Nador, Paredes Pinturas, op. cit., p.17.

25. Idem.

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sentar o Jamac frente a outras instituições.

O segundo exemplo de exposição que enfatiza o trabalho coletivo foi instalada no Pavilhão das Culturas Brasileiras em 2011, cujo próprio título “Autoria Compartilhada” visa trazer à tona esse aspecto importante da obra de Mônica com o Jamac. Essa exposição acabou sendo uma espécie de ocupação do ateliê de Mônica no local. A partir de uma pesquisa no acervo de arte popular do Pavilhão, o grupo escolheu alguns motivos para redesenhar e transformar em módulos que são replicados nas paredes e em grandes faixas de tecido, compondo a exposição. A questão mais importante de ser apontada aqui é esse caráter de ateliê que domina o espaço, mostrando ao visitante o próprio proces-so de feitura das obras e a participação fundamental que os integrantes do Jamac possuem no trabalho.

[Fotos] Exposição Autoria Compartilhada, no Pavilhão das Culturas Brasileiras, 2001.

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o reboco, a tinta e a beleza

Uma das fortes intenções que norteiam o trabalho de Mô-nica está em sua citação ao filósofo Gramsci: “criar uma nova cultura não significa apenas fazer individualmente descobertas “originais”; significa também, e sobretudo, di-fundir criticamente verdades já descobertas, “socializá-las” por assim dizer; transformá-las portanto, em base de ações vitais, em elemento de coordenação e de ordem intelectual e moral.”26 Ao dirigir sua obra a um público não especiali-zado no circuito artístico, Mônica se empenha na difusão da arte, não apenas da técnica empregada, mas também no diálogo que ela possibilita, no contato com o belo e na apropriação das referências (memórias e vivências) de cada um. Há na obra de Nador um papel moral e ético que ela assume, em primeira instância em razão de sua saúde men-tal, em segundo, como um posicionamento de resistência política, ao pensar sua prática como uma possibilidade de transformação da realidade.

Dessa maneira, a artista vê em seu trabalho a chance de ca-pacitar as pessoas em uma técnica que possa ser facilmente apropriada e replicada. Oferece, assim, a possibilidade de jovens se engajarem no fazer artístico e vislumbrarem nes-sa prática uma nova perspectiva de vida. É o caso de alguns dos moradores do Jardim Miriam que se envolveram por mais tempo com as atividades do Jamac. Um deles, Ivi, fala em entrevista à Gazeta que descobriu na arte um trabalho onde ele não é “apenas um robozinho, tem que criar e se desenvolver”27. Mônica diz que espera poder agregar pes-soas ao fazer artístico. No entanto, talvez mais importan-te do que algumas individualidades que fazem a partir do trabalho de Mônica uma nova carreira, seja a amplitude do contato com a experiência artística para quem participou da pintura do seu próprio bairro.

Há um elemento concreto de melhoria na condição de vida que é literalmente a base do Paredes Pinturas, o reboco. Pouco comum nas favelas e construções mais precárias, o reboco e a pintura possuem a função de acabamento das moradias, protegendo as paredes das intempéries, melho-rando o isolamento e por fim, podendo identificar seus moradores. Quando Mônica sai às ruas para desenvolver seu projeto, a primeira parte consiste em escolher as ca-

26. Gramsci, Concepção Dialética da História, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1981, p. 13. in:Paredes Pinturas, op.cit, p.16.

27. Jornal da Gazeta. SP, Programa de TV, 11/02/2011.

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sas e fazer o reboco, caso ela não possua. O simples gesto de conseguir fazer uso do reboco nas periferias já é uma atitude de distribuição de renda (transferida daqueles que financiam as obras de Mônica para as periferias). Pode ser visto também como uma intervenção arquitetônica nesse sentido concreto do material. Nos vem a pergunta de por que as casas em condições mais precárias não possuem acabamento, para além das questões de custo, seria um re-flexo da instabilidade da própria moradia apenas ou algo mais? A aparência externa das casas ao contrário das dos corpos seria menos valorizada em nossa sociedade?

Um dos objetivos do Paredes Pinturas, segundo a artista é “fazer as pessoas gostarem das casas onde moram, valo-rizar o lugar, valorizar onde se está, se valorizar e valorizar a própria cultura.”28 É interessante como a pintura passa a se relacionar com a auto-estima dos moradores, não ape-nas pela qualidade estética, mas por se sentirem capazes de participarem ativamente numa melhoria simples mas concreta de seu cotidiano. Assim, a responsabilidade pela criação de um ambiente urbano mais agradável e menos agressivo também passa a ser compartilhado.

a beleza e a mídia

Mônica Nador enxerga no conceito de beleza pura a pos-sibilidade de conectar o espectador com espaços mentais prazerosos e saudáveis. Apesar de servir a um propósito claro, a beleza segundo a artista pode ser reconhecida por todos e possuir infinitas versões. Em consequência disso, parte de seu trabalho é descobrir junto ao outro o que pode ser identificado como belo em um processo coleti-vo. No entanto, a maneira como é veiculada essa questão muitas vezes mostra uma deformação do próprio discurso de Mônica.

Durante o debate “Trópico na Pinacoteca” Afonso Luz critica o trabalho da artista ao compará-lo com o projeto “Belezura” (implementado pela prefeita Marta Suplicy, em São Paulo, em 2000) para melhorar a “fisionomia da cida-

28. Mônica Nador em entrevista para o programa Manos e Minas da TV Cultura de 20/08/2011.

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de”. Nesse caso, parece grave a relação entre melhorar a aparência urbana com o objetivo de esconder os proble-mas sociais. Se pode ser preocupante uma atitude desse tipo vindo dos nossos governantes, o que infelizmente já observamos diversas vezes com os processos de higieni-zação e gentrificação, o que isso teria a ver com a obra de Mônica Nador?

Talvez a resposta esteja na própria representação que a mídia faz do Paredes Pinturas. Em maior ou menor grau, seus trabalhos (assim como os de Thomas Hirschhorn) são enaltecidos pela imprensa propondo desvios de linguagem que deturpam algumas questões fundamentais do trabalho artístico. O caso mais gritante encontrado referente ao tra-balho de Mônica foi o da reportagem da Revista Veja SP de 06/09/201329, reconhecida pela artista como uma ma-téria cheia de mentiras, entre elas o número fantasioso de 500 casas pintadas no Jardim Miriam que aparece logo na manchete. Apesar da falta de credibilidade dessa revista (no entanto, uma das mais lidas no país), é interessante obser-var como a realidade é veiculada pela imprensa dominante. Caracterizado como um “trabalho de reciclagem estética em favelas”, a atitude de Mônica ainda é descrita como transformadora por criar oficinas de arte para “embelezar” o Jardim Miriam.

Há aqui vários graus de desvio semântico que cooperam para uma leitura dirigida e superficial da obra de Mônica. Talvez o mais sutil esteja na afirmação de que ela criou oficinas de arte para ajudar os moradores a embelezar o bairro. A construção da frase cria uma série de reduções: o trabalho artístico de Mônica se restringe a ajuda, logo entendido como um gesto de solidariedade; a ideia de ofi-cina de arte se limita a um objetivo específico, no caso, o de “embelezar”. Se dessa maneira a oficina de arte perde seu caráter de vivência artística, talvez mais grave seja o que está por trás do substantivo transformado em verbo. Quan-do Mônica fala sobre a importância do belo ela dá ênfase a compreensão ampliada do termo, evita inclusive restrições como as ditadas pelo “bom gosto”. Já a reportagem, ao tra-tar do “embelezamento” revela seus preconceitos embuti-dos, pois embelezar já significa aceitar como feio o estado

29. Paulo Nogueira, Revista VejaSP de 06/09/2013.

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anterior. Além disso, sugere um senso comum, um padrão estabelecido como belo capaz de ser igualmente replicado nos mais variados contextos, promovendo a “reciclagem estética” das favelas. Assim, o termo “embelezar” parece um rolo compressor que promove a tabula rasa do existen-te, do feio, do outro em prol dos “bons valores”. É nesse contexto que aparece a figura da artista com A maiúsculo, que vai ajudar (levar a boa cultura) aqueles que criam o feio, ou pelo menos ali vivem, como vítimas do destino ou incompetência.

Talvez seja por essa ótica distorcida que Afonso Luz re-conheça o trabalho de Mônica e por semelhante motivo ela seja acusada por Aracy do Amaral de “dirigismo cul-tural”30. No entanto, Mônica Nador recusa para si o papel de salvadora da pátria, de dona da verdade ou da beleza. Ela se dispõe a se aproximar do que lhe é desconhecido, a descobrir novas formas do belo, a conhecer a fundo não a cultura “do outro”, mas a cultura que também é dela, da qual ela faz parte. Em nenhum momento Nador fala em deixar os ambientes mais bonitos, ela fala sim, em deixá-los mais humanos.

30. Ambos depoimentos relatados por José Augusto Ribeiro, redator do debate“Trópico na Pinacoteca”: Arte e Periferia, realizado em 24/04/2004 em São Paulo.

[Foto na página seguite] Experiência do Paredes Pinturas em Barbalha - CE, 2002.

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tão longe, tão perto

O Museu Precário Albinet e o Jamac com o Paredes Pin-turas são projetos muito distintos devido a seu contexto de implantação e à própria natureza das obras. Enquanto Tho-mas Hirschhorn experimenta outra forma possível de mu-seu, com uma duração limitada, Mônica desenvolve o Pare-des Pinturas, acompanhando toda sua trajetória de artista e fundando o Jamac como lugar de encontro e permanência das atividades com o estêncil na periferia paulistana. Um enquadra-se na linhagem da escultura, o outro na pintura, mas ambos se relacionam diretamente com a arquitetura, o espaço construído.

Entre tantas disparidades onde estariam os pontos em co-mum dessas obras, seria possível aproximá-las? Aqui é im-portante destacar que o instrumento escolhido para desen-volver um debate entre esses dois projetos foi justamente o reconhecimento de suas particularidades, então por isso a comparação direta foi descartada e buscou-se pela apro-ximação de temáticas fundamentais para ambas as obras que abordam questões similares por perspectivas diversas. Assim, torna-se interessante observar como dois artistas enfrentam um problema semelhante, cada um à sua ma-neira. É num movimento de encontro e desencontro que podemos perceber a riqueza das questões da arte contem-porânea com as quais esses dois artistas desenvolvem os seus trabalhos. Na maioria das vezes é preciso mergulhar nas entranhas do discurso que esses artistas constroem para encontrar suas principais junções, para em seguida voltar à concretude e ver a diversidade materializada.

Os principais pontos em comum entre as obras analisadas parecem estar em seus desejos quanto ao que a arte pode ser. Há três aspectos que ganham destaque de imediato: a investigação dos limites da arte contemporânea e de seu papel transformador; a vontade de ir além do circuito con-vencional artístico; o envolvimento com a comunidade que mora no local onde as obras são implantadas. Assim, é uti-lizando esses temas como eixos que o trabalho compreensi-vo por aproximação e distanciamentos se inicia.

Thomas Hirschhorn não apenas acredita, mas quer com o Museu Precário Albinet provar a importância que a arte

[Fotos] Na página anterior, desenho esquemático “Obra Ativa” de Hirschhorn.

Na página de abertura do capítulo, detalhe de estêncil de Mônica Nador na parede exterior do Jamac.

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pode ter para transformar a vida. Em qual aspecto e em qual esfera a arte poderia mudar a vida? Thomas responde: “Eu acredito que somente a arte e a filosofia são capazes de mudar a vida. Mudar a vida individualmente porque a experiência da arte é individual e não coletiva. Isso também explica porque a política que se dirige ao coletivo fracas-sa em mudar, em transformar a vida. A arte pode mudar a vida é uma afirmação não-utópica, porque é ativa. Nessa afirmação está contida a esperança. A esperança só é possí-vel dentro da ação. A passividade, nós o sabemos, é apenas cinismo e se acomodar sem nada afirmar.”1 Dessa manei-ra, Hirschhorn defende o potencial transformador da arte a partir da escala individual. A escolha, no Museu Precá-rio, de grandes artistas do século XX, que foram capazes de modificar como pensamos o mundo atualmente também faz parte dessa ideia de trazer à tona essa capacidade de in-terferência da arte. É interessante observar que a metade dos artistas apresentados possui uma forte relação com o modernismo (Malevitch, Mondrian, Léger e Le Corbusier), no qual acreditava-se profundamente que a arte transfor-maria a sociedade. Duchamp, Dalí, Warhol e Beuys trazem contrapontos ao discurso moderno, representando outras importantes rupturas na arte e na maneira de se enxergar a sociedade. Munido desse arsenal de artistas, Hirschhorn parece disposto a discutir o confronto entre a utopia e a realidade, articulando esses artistas como ponto de partida e revelando as influências que temos até hoje das suas obras em nosso cotidiano.

Para Mônica Nador, “tentar aplicar o potencial transforma-dor da atividade artística para a construção de tecidos sociais pela marginalidade não é uma utopia distante. À medida que a pessoa se envolve com o processo, ela se transforma.”2 Porém, quando questionada no debate sobre Arte e Periferia se afinal, isto muda ou não muda alguma coisa no tecido social do país, ela respondeu: “Eu tenho certeza de que não vai mudar nada, de que eu não vou mudar nada. Só quero morrer em paz e falar: ‘Fiz o que pude’. É uma coisa que eu faço para mim. E para eles, é legal? Claro que é legal, acon-tecem coisas. Portanto, eu tenho um poder micro, mas te-nho algum poder.”3 Ao invés de serem contraditórias, essas afirmações de Nador mostram uma questão fundamental de

1.Thomas Hirschhorn, nota de intenções, Musée Précaire Albinet, op. cit., p. février 2003.

2. Mônica Nador, Paredes Pinturas, op. cit., p. 20-21.

3. José Augusto Ribeiro, redator do debate“Trópico na Pinacoteca”: Arte e Periferia, realizado em 24/04/2004 em São Paulo, p. 6.

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escala no seu discurso, na qual transformações acontecem e são observadas pela artista no contato com os participantes, na dimensão do corpo a corpo, um a um. Se no mestrado a artista vislumbra a construção de tecidos sociais a partir da atividade artística isso ocorre por meio da escala individu-al, o que impossibilita seu trabalho de modificar a situação social do país enquanto todo. Em outra passagem do seu mestrado ela diz não acreditar “como pensaram as vanguar-das utópicas no início do século, que a arte pode transfor-mar as estruturas sociais, mas tenho achado cada vez mais difícil o exercício de uma prática profissional que não inclua este fato em seu campo de ação”4. Ao se distinguir das van-guardas do início do século Mônica parece reiterar a dife-rença de escala da atuação do artista, que deve trabalhar em acordo com uma transformação social, sem no entanto ter a pretensão de acreditar numa solução que parta apenas de um grupo seleto ou vanguardista. Dessa maneira, podemos perceber que Mônica se aproxima da ideia de transforma-ção individual defendida por Hirschhorn. Ambos enxergam na prática artística um lugar de diálogo e encontro com o outro, capaz de efetuar transformações que partem da pos-sibilidade de diálogo, das parcerias, da horizontalidade. A esperança de transformação do todo está, para Hirschhorn, na capacidade de reverberação e multiplicação que a arte possui e, para Mônica, nas redes que vão se formando a partir de iniciativas pontuais que pretendem transformar a realidade.

Acreditar no potencial transformador da arte é ter espe-rança, como diz Hirschhorn, é ser ativo, é colocar a mão na massa, como faz também Nador. Nesse sentido, Joseph Beuys é uma referência importante para ambos os artistas. Hirschhorn o escolheu para expor no Museu Precário e Na-dor organizou, por meio do Jamac, uma varrição da prin-cipal praça do bairro, Praça Bel. Fernando Braga Pereira da Rocha5, numa espécie de happening em homenagem a Beuys, na qual assume vassoura e microfone como formas de reunir prática artística e transformação concreta: “a re-volução começa dentro de cada um de nós”6. No texto A revolução somos nós, Beuys incita todos a se engajarem por uma transformação: “Creio que todos aqui presentes esta-mos conscientes da importância e da urgência de dar um

4. Mônica Nador, Paredes Pinturas, op. cit., p. 2.

5. Para mais detalhes ver vídeo e relato da Mesa 3 do Seminário Internacional Joseph Beuys – A Revolução Somos Nós, organizado pelo SESC Pompéia, em São Paulo, 27/11/2010.

6. Mônica Nador em vídeo apresentado na ocasião do Seminário Internacional Joseph Beuys – A Revolução Somos Nós, op. cit., 10min59’

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primeiro passo, de começar a fazer alguma coisa. E visto que, limitando-me ao que posso supor, a maior parte de nós pertence à classe privilegiada, digo que a culpa é nossa também e não somente do sistema capitalista. Todos so-mos chamados, em primeira pessoa para, engajando-nos, dar nossa contribuição.”7Aqui também, ao enfatizar o en-gajamento em primeira pessoa, Beuys parece estar apostan-do suas fichas na transformação individual, como defende Hirschhorn e observa Nador. No entanto, Beuys completa: “A questão principal consiste em acordar o homem do re-flexo individualista, subtraindo-o do “privado”. O presen-te é caracterizado em toda parte por uma forte tendência à despolitização, à privatização, ao conformismo. É tarefa nossa fazer, por todos os meios possíveis, com que as pes-soas voltem a se interessar pelo “social”, a retomar o seu sentido inato de coletivismo.” 8 É justamente esse interesse pela situação social do país que fez Mônica se engajar em uma outra história possível, a partir das propostas do grupo chamado de new left da crítica, na qual Thomas Hirschhorn também está inserido.9

Em um primeiro momento, Mônica Nador rompeu com o circuito artístico, tanto é que passou dez anos sem pintar um quadro. Aos poucos, porém, essa ruptura passou a se configurar não como um afastamento, mas como um dese-jo de transbordamento, de ir além. Nesse ponto, mais uma vez os discursos de Mônica e Thomas convergem. Segundo o artista suíço é preciso buscar a arte fora do círculo da arte, porque ela acontece no encontro com o desconhecido. Para ele, a arte deixaria de fazer sentido se ela se endereçar unicamente às galerias, museus e colecionadores. Observa-mos aqui uma crítica similar à que Douglas Crimp faz da obra que tem por finalidade principal terminar na parede dos espaços protegidos da arte e, consequentemente, fun-cionar para a manutenção do status quo10. No Museu Precá-rio Albinet, a ideia de se retirar as obras originais do museu associava-se à efetuação simbólica de sua “despatrimonializa-ção” como um modo de ativar seu potencial transformador.

Pode-se perceber uma forte relação entre ativar o poten-cial transformador da arte e o desejo de ir além do circuito artístico convencional. Para tal, Hirschhorn vai às perife-

7. Conferência realizada por Joseph Beuys, publicada originalmente em Incontri Internazionali d’Arte, 12/04/1972 in: Glória Ferreira e Cecilia Cotrim (orgs.). Escritos de artistas : anos 60/70. . trad. Pedro Süssekind ... et al. 2. ed. Rio de Janeiro : Jorge Zahar, 2009, p. 324.

8. Idem.

9. Thomas Hirschhorn foi inclusive tema do artigo Towards a Grammar of Emergency, escrito por Hal Foster para a New Left Review 68, March-April 2011.

10. Douglas Crimp, Sobre as Ruínas do Museu, op. cit., p.91.

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rias de grandes cidades, assim como Nador. O motivo pelo qual cada um dos artistas chega às periferias é diverso, mas estão calcados na ideia de ampliar o alcance da arte a um público não-especializado, que se torne uma outra maneira de romper com o circuito artístico tradicional. Hirschhorn descarta os discursos paternalistas que pretenderiam levar a arte aos desfavorecidos, às pessoas carentes de arte, o que difundiria e fortaleceria o próprio patrimônio artístico. O seu argumento se baseia na lógica simples e pura: ele esco-lhe trabalhar na periferia porque quer atingir um público não-exclusivo e envolver o maior número de pessoas possí-vel. É nas periferias das grandes cidades onde está a maior concentração de pessoas. Nador vislumbra nas periferias não só um público não-especializado, como também a pos-sibilidade de sua arte levar em consideração a precariedade social do país, levar a tinta onde a tinta seja necessária.

O trabalho nas periferias, um contexto que não faz par-te da origem dos artistas, faz com que ambos procurem estabelecer um forte diálogo com os moradores do local, que passam a fazer parte fundamental da própria obra de arte realizada. Mônica percebe gradualmente a importân-cia do engajamento dos moradores do local no Paredes Pinturas, até abrir para eles o poder de pintar e escolher os padrões a serem replicados. A artista traz consigo uma técnica a ser compartilhada e transformada em prática artís-tica. Hirschhorn traz consigo o conhecimento de algumas referências que influenciam nosso cotidiano, fazem parte de nossa história e que desejam transformar o mundo. Ele quer compartilhar e colocar em discussão artistas consoli-dados, construindo um lugar de encontro da utopia com a realidade. Hirschhorn quer mostrar que qualquer pessoa pode falar sobre arte. Para isso a periferia é um espaço rico, também por questões políticas, como lugar onde muitas ve-zes os moradores são vistos como excluídos da sociedade, incapazes de pertencer a ela (por restrições de visto, dife-renças culturais, dificuldades de acesso ao emprego, sem falar na xenofobia e outros preconceitos). Assim, a ideia de não-exclusão é colocada em prática no espaço urbano marcado pela marginalidade e exclusão social, firmando a radicalidade desta sua obra.

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Tanto Mônica Nador quanto Thomas Hirschhorn ofere-cem de maneira gratuita as atividades que organizam, aber-tas a todos que queiram participar. Vão ainda além, pois distribuem um pouco daquilo que conseguem arrecadar para seus projetos e que se tornam dos moradores. Mônica distribui certos recursos ao levar reboco e tinta onde antes não havia e gera uma possibilidade de emprego ao ensinar o domínio de uma técnica que pode facilmente ser replicada. No Jamac algumas pessoas que se envolvem mais ampla-mente com o trabalho da artista e com as oficinas de es-têncil podem continuar como monitores. A artista também contrata e mantém por conta própria alguns ajudantes para realizar seus projetos para além do Jamac e, muitas vezes, são jovens do bairro, como no caso de Ivi e Paulo O’Meira. Thomas fez questão de contratar, segundo o salário base da França de 8 euros por hora, os moradores que cons-truíram e foram monitores do Museu Precário Albinet. O artista fez um grande esforço para conseguir incluir todos que quisessem trabalhar, buscando mais recursos e brigan-do para que mesmo quem tivesse ficha na polícia pudesse participar, sem estipular um número máximo de trabalha-dores. O critério não foi a eficiência ou a produtividade, mas a não-exclusão. O principal registro da distribuição de recursos efetuada pelo museu está na tabela de contas rea-lizada, no qual ficou evidente que o maior gasto foi com a contratação dos moradores do bairro (€143.395,08 do total de €338.498,42, ou seja, 42%). Outra forma mais simbólica de distribuição foi o sorteio entre os moradores do local dos materiais usados no museu que ainda poderiam ser uti-lizados após sua finalização.

A partir da relação que os dois artistas pretendem estabele-cer com os habitantes ganha sentido a escolha de materiais de uso cotidiano e baratos: Mônica por prezar a fácil apro-priação e reprodução do seu trabalho; Hirschhorn por pre-ferir materiais de fácil manuseio por todos, que não intimi-dam e por se contraporem à estética limpa que às vezes se torna asfixiante nos museus convencionais. A simplicidade das técnicas empregadas pelos artistas reflete a precisão dos seus discursos e a ideia de compartilhar a arte, preocupados não com a difusão do status quo mas, pelo contrário, com a relação de alteridade aí implicada.

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diferenças entre trabalho artístico e assistencia-lismo

“O que é arte afinal? Como pretender fixar um conceito que de há muito afirma sua aversão a qualquer camisa de força? Em uma de suas colo-cações mais inspiradas, Waltércio Caldas afirmou que nunca se perguntava se o que estava fazendo era arte ou não; a pergunta era, a seu ver, im-produtiva. A arte é contemporânea quando faz notar nossas lacunas, nossa qualidade inacabada, revelando, em contrapartida, nossa possibilidade de ampliação como ser.”11

Tanto Thomas Hirschhorn quanto Mônica Nador enfren-tam comentários e críticas que retiram seus trabalhos do âmbito artístico para enquadrá-los como assistencialistas mas, cada qual à sua maneira, responde reafirmando seu papel como artista. As primeiras perguntas que vêm à tona com esse questionamento são: o que é arte afinal? E o que é assistencialismo? No entanto, ao invés de entrar nas mi-núcias desse debate, que fugiria da alçada dessa análise, constituindo-se em outro trabalho, serão escolhidos alguns aspectos principais capazes de dialogar com as questões que mais tocam os dois artistas aqui discutidos. No que diz respeito aos limites da arte contemporânea, como visto na epígrafe, Agnaldo Farias nos responde de maneira sintética e será tomado como ponto de partida.

A questão do assistencialismo, porém, depende muito mais das particularidades de cada obra e do contexto no qual são apresentadas, pois seus contornos são traçados a partir da história política local. Mesmo assim, antes de tratar dos artistas, convém pontuar um pouco o significado desse ter-mo, a partir do filósofo e educador Pedro Demo:

“quanto à distinção entre assistência e assistencialismo, é decisivo não confundir os dois planos, porquanto o assis-tencialismo significa sempre o cultivo do problema social sob a aparência da ajuda.” Complementa que essa ajuda “[...] humilha a pessoa que recebe benefícios, em todos os sentidos: - porque lhe reserva apenas sobras, esmolas; - porque provoca a dependência diante do doador; - porque desmobiliza o potencial de cidadania no assistido; - porque escamoteia o contexto duro da desigualdade social, inven-

11. Agnaldo Farias, A Arte não tem Mandamentos, Caderno Ilustríssima, Folha de São Paulo, 11/08/2013.

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tando a farsa da ajuda; - porque vende soluções sob a capa de meras compensações.”12

Hoje em dia no Brasil, o assistencialismo é recorrente no debate político, especialmente pela sua importância no sis-tema neoliberal, onde a desigualdade social não é confron-tada senão por meio de medidas paliativas, emergenciais. Possivelmente, é devido a esse contexto que um trabalho engajado com a situação social do país, como é o de Mô-nica Nador, seja rapidamente confundido com assistencia-lismo. Quando questionada sobre o assunto, ela desaba-fa: “isso é um saco mesmo, porque implica em mudar o conceito de arte da sociedade, você olhar de outro jeito o artista. Tem muito erro em volta disso. (...) Eu acho que isso é má informação, [coisa de] quem não sabe. As pesso-as têm sempre um olhar viciado, para entender uma coisa nova demora. A nossa sociedade é muito conservadora.”13

Essa “coisa nova” difícil de ser entendida segundo Mônica talvez seja justamente essa qualidade da arte contemporâ-nea que nega “qualquer tipo de camisa de força”, no caso, a separação entre arte, política e sociedade, fundamentais para a artista que não quis que a principal finalidade de suas obras fosse terminar nos museus.

No seu mestrado Mônica discute um pouco o significa-do de trabalhar com periferias e situações de precariedade: “Suzanne Lacy nos fala do desejo do artista que trabalha com comunidades em conquistar um papel mais conecta-do com a realidade. Este desejo, que também é meu, nos leva a inventar uma outra função social para o artista.”14 Nesse ponto podemos observar um paralelo importante com a insistência de Hirschhorn em estar de acordo com a realidade. No entanto, Mônica traz à tona outro elemento importante para o debate, que deriva do seu contato com o grupo mexicano TAF (Taller de Arte Fronterizo). Apesar de considerar muito interessante o trabalho desse grupo, ela percebe que discorda internamente quando a impor-tância do processo, da relação com a comunidade acontece em detrimento do resultado final. Na pintura de Mônica a investigação do belo e o alumbramento são essenciais.

Dessa maneira, podemos destacar três aspectos princi-

12. Pedro Demo, Política Social, Educação e Cidadania. 10 ed. São Paulo: Papirus, 1994, p. 31 citado em Marcelo Rodrigues Menegite, Procurando Compreender o Assistencialismo no Interior da Escola Brasileira.

13. Mônica Nador, em entrevista feita pela autora, p. 141, do presente trabalho.

14. Mônica Nador, Paredes Pinturas, op. cit., p. 19.

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pais que fazem a distinção entre o trabalho artístico e o assistencialismo na obra de Mônica Nador. O primeiro é a vontade de “desmanchar a autonomia dos diferentes cam-pos do conhecimento trazida pela Modernidade, particu-larmente entre arte e política”15 O trabalho artístico ganha amplitude podendo sim intervir na realidade sem que isso signifique um desvio de proposta ou de categoria. Em se-guida, está o declarado compromisso da artista com a ex-perimentação do belo, com um resultado final que cause o alumbramento, que é uma das potencialidades da obra de arte. Por fim, há a distinção entre o assistencialismo que provoca a dependência diante do doador e o trabalho de Mônica, que visa compartilhar com as pessoas uma técni-ca artística, capacitá-las para poderem replicá-la por si sós. Nesse sentido, Mônica vislumbra inclusive a possibilidade de assim poder gerar novos empregos para aqueles que se apropriem da técnica do estêncil.

Outro ponto importante nessa questão que aproxima os dois artistas é o fato deles colocarem como prioridade ra-zões pessoais para desenvolver o trabalho. Assim, cada um à sua maneira deixa claro que se há alguém que está sendo ajudado no desenvolvimento do trabalho em conjunto é, em primeira instância, o próprio artista. Mônica se refere a essa questão dizendo que ela foi trabalhar na periferia por uma questão de saúde mental, para poder se sentir in-cluída na realidade social do país e que se outras pessoas podem ser ajudadas com o seu trabalho melhor ainda. É semelhante à postura de Thomas Hirschhorn em sua fala: “Eu sempre disse que eu não estava lá para ajudá-los [aos moradores], eu quero ajudá-los se eu puder, mas eu sou um artista com um projeto. É mais o contrário, eu lhes pergun-to se eles podem me ajudar. Eu não tinha a pretensão de ajudá-los e eles compreenderam bem isso.”16

Além de esclarecer que seu papel não era o de ajudar os outros, Hirschhorn precisou reiterar diversas vezes que ele não era um trabalhador social17, tanto para os moradores do bairro quanto para a mídia. Segundo o artista, o que mais o diferencia dessa outra categoria é que o projeto ar-tístico não visa o sucesso, não busca atingir metas, o mais importante é a afirmação que ele coloca em xeque, a expe-

15. Idem.

16. Hirschhorn, em entrevista com a autora, p. 127, do presente trabalho.

17. “Trabalhador social” é uma tradução ao pé da letra do francês travailleur social, profissão similar ao assistente social.

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riência em si enquanto processo. No campo artístico não há certo ou errado, o que funciona ou deixa de funcionar, apenas o limite que a realidade impõe sobre a obra. O Mu-seu Precário Albinet - estando cheio ou vazio – deveria afirmar sua existência igualmente; o número de pessoas não era o principal.

O assistencialismo, é colocado em questão a partir de dife-rentes moldes na obra de Hirschhorn, mas também pode-mos encontrar nos depoimentos do artista o repúdio a um método que diminua a autonomia do outro. Hirschhorn insiste que não quer fazer um projeto para o outro, mas com o outro, porque ele não quer tornar o outro impoten-te, exercendo uma autoridade sobre este. Pelo contrário, deseja criar um diálogo e uma obra na qual a não-exclusão seja representada pela possibilidade de presença e atuação daqueles que desejem se engajar nela. É a ideia de neu-tralização do outro que o artista combate no conceito de solidariedade.

No entanto, ao querer expandir suas obras a um público não-especializado em arte e não-exclusivo, Hirschhorn tem sido acusado algumas vezes de paternalista, principalmente por escolher periferias de grandes cidades para abrigar par-te de seus projetos, nos quais apresenta e discute algumas de suas referências pessoais, seus ídolos. Ali confrontados com uma realidade bastante diversa do circuito artístico convencional, o público especializado pode muitas vezes se sentir desconfortável. No entanto, segundo Claire Bishop, a obra de Hirschhorn opera de tal modo que faz os “tu-ristas da arte” se sentirem intrusos no ambiente, ao invés de expor os moradores locais a um efeito de “zoológico social”. Isso funcionaria em um duplo sentido de desesta-bilizar (e potencialmente liberar) a noção de comunidade e o significado de ser um fã de arte e filosofia atualmente.18

Claire Bishop aproxima o trabalho de Thomas Hirschhorn ao de Santiago Sierra, por terem a qualidade de expor os conflitos da sociedade atual, contrapondo-os assim à esté-tica relacional de Nicolas Bourriaud. Segundo a autora, o conceito de arte que promove a integração social defendido por Bourriaud cria um grande problema que é o de ocultar

18. Claire Bishop, Antagonism and Relational Aesthetics, October Fall 2004, No. 110, p. 76.

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sob a máscara da harmonia os problemas e contradições da atualidade. Assim, Claire Bishop enxerga as obras de Sierra e Hirschhorn dentro de uma categoria que chama de antagonismo relacional, mais adequadas às divisões e in-completudes da atualidade. “Esse antagonismo relacional seria baseado não na harmonia social, mas expondo aquilo que é reprimido ao sustentar a aparência dessa harmonia. Desse modo, fornece bases mais concretas e polêmicas para repensar nossa relação com o mundo e com o ou-tro.”19 Para Bishop o trabalho desses artistas reconhece as limitações do que é possível como arte hoje e cita a defesa de Hirschhorn da sua posição como artista: “Eu não sou um animador cultural, professor ou trabalhador social”20.

As principais questões que distanciam o trabalho de Hirs-chhorn do assistencialismo estariam então incrustadas na própria obra do artista. O desejo de colocar à prova os limi-tes da arte é primordial para o trabalho de Thomas e revela (transpassando-os) justamente os paradigmas e contradi-ções do significado que a sociedade dá à arte. É sutil, mas fundamental para compreender a obra desse artista discer-nir o que é a crença de que a arte tem papel transformador na nossa concepção de mundo, defendida por Hirschhorn, do que o assistencialismo poderia pressupor encarando a arte como possível solução para os conflitos sociais. Ou-tros dois pontos importantes que revelam sob outro ângulo essa mesma distância são a própria ideia de não-exclusão e a capacidade de autonomia que Hisrchhorn toma como pressupostos. Se o assistencialismo e o patriarcal partem da ideia de que o outro necessita da sua intervenção, ou que se tornará melhor através da sua subjugação, o artista des-carta ambos os equívocos que seus projetos podem causar, ao afirmar que não está oferecendo ajuda. Ao se colocar como quem pede ajuda aos outros (não só moradores, mas também todas as outras instituições parceiras), Hirschhorn deixa claro que ele o faz por amor à arte, talvez por acreditar que a arte sim, ficará melhor com a sua intervenção, pois será colocada à prova, e em alguns casos seu conceito será ampliado. No final da experiência não é à toa que Hirsch-horn declarou que: “O Museu Precário Albinet me provou que a arte pertence a todo mundo.”21

19. Idem, p.79.

20. Ibidem.

21. Hirschhorn por Guillaume Désanges, agosto 2004 em Musée Précaire Albinet, op. cit..

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como viabilizar a arte?

Os dois projetos artísticos comentados nascem de um for-te desejo de seus autores, são uma afirmação que eles re-solvem colocar à prova confrontando-a com a realidade. No entanto, o processo necessário para realizá-los enfren-tou dentre várias questões a do financiamento e da própria institucionalização dos projetos. Como financiá-los, como legalizá-los perante a legislação vigente? Como se deu a re-lação dos artistas com os órgãos parceiros e financiadores? Devido às grandes diferenças de natureza e de contexto no qual as obras desses artistas se encontram, cada uma será tratada individualmente em suas particularidades.

O Museu Precário Albinet tinha como seu fundamento a necessidade e o desafio de trabalhar firmando parcerias não só com os moradores, mas também com o Les Labo-ratoires e com as instituições que emprestariam as obras originais expostas. Logo no começo, a participação dos tra-balhadores sociais da Cité Albinet mostrou-se crucial para o desenvolvimento do projeto. Esse sistema de parcerias, que teve início com o convite do Les Laboratoires (que também tem como pressuposto trabalhar acompanhando e se envolvendo com os projetos artísticos que promo-ve) ampliou-se ao longo do processo de desenvolvimen-to, conforme a complexidade do projeto que apresentava novas demandas, como por exemplo, o envolvimento de uma empresa de segurança e de financiamentos privados. O papel de cada um desses novos elementos envolvidos influenciou em distintos graus o Museu Precário Albinet. As instituições culturais responsáveis pelos empréstimos foram um exemplo claro disso: enquanto o Centro Pom-pidou travou um longo processo de negociação para fir-mar a documentação necessária e estabeleceu várias exi-gências quanto à segurança das obras, o Fundo Nacional de Arte Contemporânea da França se limitou a fazer um contrato de empréstimo nos mesmos moldes do Centro Pompidou. Analisando o total do Museu Precário, pode-mos dizer que os principais agentes decisórios no processo foram os moradores, que definiam o cotidiano e as ativi-dades do museu, os trabalhadores sociais que ajudavam a organizar as atividades, o Les Laboratoires d’Aubervilliers que ajudou Hirschhorn em todas as etapas a concretizar o projeto e o Centro Pompidou que estudou todas as minú-

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cias para viabilizar internamente os empréstimos. É inte-ressante observar que dentre esses quatro agentes impor-tantes os órgãos públicos estão fortemente representados em três deles: a prefeitura de Aubervilliers por meio dos trabalhadores sociais e do Les Laboratoires, e o governo federal por intermedio do Centro Pompidou. Assim, o Estado francês mostrou seu apoio ao projeto não direta-mente, mas a partir de suas instituições e órgãos. O total do financiamento do projeto foi equilibrado entre fundos públicos (€185.585,96) e privados (€152.912,46), mas nas interferências e engajamento no projeto o papel dos órgãos públicos teve um peso significativo.

Quanto às mudanças em relação ao projeto original de Hirschhorn, o Centro Pompidou foi o principal agente. Foi ele que colocou em pauta duas questões que Hirschhorn tinha propositadamente deixado de lado: a necessidade de um seguro das obras e a capacitação dos jovens que iriam manuseá-las. Aqui a questão da patrimonialização das obras de arte vem à tona. O artista fez questão de ver seu valor enquanto força revolucionária, o objeto podendo ser manuseado cuidadosamente como qualquer outro. Hirschhorn ainda completou dizendo que qualquer pessoa seria capaz de pregar um quadro numa parede, sem precisar de um curso para isso. Já o Centro Pompidou, responsável por gerenciar o patrimônio artístico francês e ao mesmo tempo por incentivar a produção artística, se viu diante das próprias contradições. Ele as contornou quando colocou elementos que acabavam por enquadrar o Museu Precário Albinet em um trabalho de assistencialismo social, principalmente aos olhos da mídia e da lógica dominante, ao oferecer cursos para os participantes (que ia contra a afirmação de Hirschhorn de que eles eram capazes de manusear os quadros) e depois oferecer as vagas de estágio aos mais aplicados (que seria dar mérito e promover a inclusão social, tema oposto e contrário à ideia de não-exclusão).Hirchhorn afirmou que isso nunca foi um desejo dele, mas que acabou cedendo por insistência do Les Laboratoires, porque não parecia infringir os princípios do museu, poderia beneficiar alguns moradores e era essencial para estabelecer as parcerias entre as instituições (Centro Pompidou e Les Laboratoires) que insistiam sobre esse ponto.

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museu precário albinet despesas

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Nesse aspecto, firmar e trabalhar através das parcerias foi também parte da idei a de não-exclusão, pois significou aceitar as propostas dos envolvidos e entender não apenas os moradores do bairro como participantes, mas toda a co-munidade engajada no projeto. Se, de um lado, a inclusão social vai contra alguns princípios da ideia de não-exclusão, ela é hoje um conceito disseminado na nossa sociedade, que se aproxima de certa maneira do desejo de trabalhar com o outro, ainda que guarde em seu âmago a ideia de solidariedade, contrária aos pensamentos de Hirschhorn. Essa aproximação entre inclusão social e não-exclusão pode também ser vista como mais um conflito que a re-alidade impôs ao Museu Precário e que contrastou com a utopia proposta pela não-exclusão. Nesse caso, foi um ges-to de liberdade que Hirscchorn conferiu à sua criação, dei-xando que a realidade operasse e transformasse seu proje-to. O julgamento do que devia ou não ser feito escapou do seu autor para ser resolvido entre todos os envolvidos por meio do diálogo. Nesse ponto cabe lembrarmos, mais uma vez, da máxima muitas vezes repetida por Hirschhorn, de que ele quis criar um projeto que estava de acordo com a realidade, isso não significava aprová-la, mas seria funda-mental para conseguir trabalhar com ela. Hirscchorn não quis criar uma falsa utopia, nem que o museu fosse uma “bolha” desconectada do seu entorno e história22

Apesar das dificuldades enfrentadas por Mônica para de-senvolver seus projetos, ela tem seu trabalho reconhecido por diversas instâncias artísticas ligadas aos governos. Seus primeiros projetos com o Paredes Pinturas foram feitos dentro de um programa do governo federal, Universida-de Solidária, coordenado pela então primeira-dama Ruth Cardoso, na qual a participação da artista durou dois anos, de 1998 a 2000. Já as primeiras transposições para bairros periféricos de grandes cidades contaram com o apoio de instituições culturais, como o caso de São José dos Cam-pos por meio da Fundação Cultural Cassiano Ricardo e o próprio Jamac que teve início com fundos de um edital do Centro Cultural Banco do Brasil. Em 2010, o Jamac se tornou Ponto de Cultura, passando a integrar o projeto federal de mesmo nome, idealizado pelo então esecretário Célio Turino, um defensor do trabalho de Mônica. A im-

22. Hirschhorn, entrevista feita pela autora, p. 128, do presente trabalho.

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plantação da estamparia também foi possibilitada a partir do reconhecimento do então secretário municipal de cultu-ra Augusto Calil, que visitou o Jamac em 2011.

Podemos verificar no caso brasileiro uma junção de pa-péis e uma personificação das relações. A figura de Mô-nica Nador está colada ao Jamac e é difícil estabelecer os limites entre instituição cultural e ateliê. Se por um lado, o que acontece é a integração entre vida e arte citada por Célio Turino23 por outro, propaga-se um sistema perso-nificado em torno da figura da artista e a autonomia do Jamac fica vinculada ao sistema flutuante dos incentivos institucionais, sem garantias financeiras perenes. O maior problema desse sistema parece ser a dependência das von-tades políticas sazonais, pois não existiu até hoje um tipo de reconhecimento do Jamac como equipamento artístico que fosse capaz de criar uma estabilidade financeira para o projeto. O exemplo do Les Laboratoires d’Aubervilliers é interessante como instituição autônoma que recebe recur-sos públicos para investir em projetos culturais no bairro. Ele é uma associação que convida artistas das mais diversas áreas para propor e desenvolver projetos nos arredores da cidade de Aubervilliers. Fundado a partir da iniciativa do prefeito Jack Ralite, funciona em um antigo galpão me-talúrgico, hoje reformado, de 900m². Os recursos finan-ceiros vêm de diversas instâncias governamentais, desde a prefeitura de Aubervilliers até o Ministério de Cultura e Comunicação Francês passando por conselhos do depar-tamento Seine Saint-Dennis e Île de France (este último seria uma espécie de correlato aos Estados brasileiros). Os dados dos recursos disponíveis por projeto ou total anual não foram encontrados na pesquisa, mas parecem ser no geral de pequeno e médio porte. Nesse sentido, o Museu Precário Albinet foi uma exceção, o que demonstrou a ne-cessidade de incrementá-lo com outros fundos, desde go-vernamentais até privados como de galerias de arte, para viabilizar o projeto.

No Brasil, não há dúvida de que os programas culturais de incentivo tanto municipal, o VAI, quanto o federal, o Ponto de Cultura, são importantes financiadores de inicia-tivas artísticas, principalmente ao reconhecer o trabalho

23. “[...] com o Paredes Pinturas, as casas tornam-se telas, arte e vida se fundem novamente”, Célio Turino, Jamac, op. cit., p.16.

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nas periferias, muitas vezes relegadas nos principais pro-jetos culturais das campanhas políticas. No entanto, pare-ce premente que se criem estruturas, em formas de novos programas ou adaptações dos existentes, para que os bair-ros possam ser contemplados com o acesso a atividades culturais e artísticas permanentes. É justamente essa falta de incentivo público que causou o impasse no qual o Jamac se encontra hoje. A fim de tentar contornar os problemas financeiros o Jamac vai se transformando de acordo com o contexto. Ele começou como uma associação artística em 2003, em 2005 virou uma OSCIP (organização da socie-dade civil de interesse público), foi Ponto de Cultura entre 2010 e 2013. Agora está à espera de abrir um novo edital para tentar continuar por mais três anos como Ponto de Cultura. Mônica, no entanto, já sabe que o estatuto de Pon-to de Cultura não é capaz de sustentar o Jamac durante três anos e por isso tenta investir na estamparia como fonte de renda permanente capaz de custear os projetos artísticos pelo bairro.

O Les Laboratoires d’Aubervilliers parece ser um exem-plo interessante nesse caso24, pois com um aporte relati-vamente pequeno consegue promover projetos artísticos na região e ainda estabelece parcerias e financiamento focado para o trabalho artístico, incentivando assim dire-tamente essa classe de trabalhadores. Outro ponto a ser evidenciado é a diferença entre a associação artística que opera no bairro e o papel do centro cultural ou de ONGs, pois separa-se assim o trabalho sócio-cultural do trabalho artístico, visando uma vivência mais radical que só a arte pode propor. Enquanto esse tipo de associação visa o fazer artístico enquanto processo, levando em consideração seu contexto, nos centros culturais e ONGs a arte parece ficar muito mais restrita, no primeiro, à importância do patri-mônio artístico e no segundo, enquanto apaziguadora dos conflitos.

É importante essa distinção principalmente quando leva-mos em conta a apropriação da lógica dominante capita-lista dos meios culturais que, segundo Otília Arantes, ten-de a neutralizar o poder de ruptura da expressão artística. Quando até mesmo a arte, espaço de crítica da sociedade

24. “O Les Laboratoires d’Aubervilliers, lugar de pesquisa e de criação, de recursos e de experimentação, se constrói relacionado ao seu contexto de implantação (do mais local ao internacional), ao seu público e o contato com os artistas. Ele inventa dispositivos através do qual as práticas artísticas de todos os campos da arte – arte visual, dança, performance, teatro, literatura, etc. – se propõem como um processo de aprendizagem, de partilha e de experiência; como um objeto intermediário capaz de sondar e de trabalhar as problemáticas contemporâneas, de reinventar situações de “estar junto” assumindo o risco de transformar nossas abordagens e concepções artísticas. ” Apresentação por Alexandra Baudelot, Dora Garcia e Mathilde Villeneuve, parte da apresentação do projeto artístico retirada do site oficial da instituição.

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passa a ser fagocitada pelas práticas capitalistas e sofre uma homogeneização, talvez se torne cada vez mais necessário o favorecimento de espaços autônomos de criação artísti-ca nas nossas cidades. É nesse sentido que Mônica Nador cita Habermas: “Uma nova conexão [entre ciência, moral e arte, capaz de dar cabo ao empobrecimento cultural da vida cotidiana] poderá se dar apenas sob condições em que a modernização social também se oriente em outra direção, tendo a chance de criar instituições geradoras da cultura com sistemas econômico e administrativo autônomos. Tal-vez estejamos, bem ou mal, investigando alternativas pró-ximas das propostas por Habermas.”25

Otília Arantes termina seu texto A “virada cultural” do sis-tema das artes perguntando se seria possível, dentro de um panorama onde os interesses capitalistas se mesclam com a indústria cultural e artística, o surgimento de uma arte “à margem de uma tal engrenagem de poder e dinheiro”26. Ela mostra o impasse entre buscar uma saída vinculada à industria cultural e a tentativa de uma solução individual, que ela não considera uma saída, por ser restrita. Caberia aqui aproximar nossos objetos de análise, pois percebemos que eles tendem a se encaixar cada um em uma dessas duas esferas apontadas por Otília: enquanto o Museu Precário Albinet tenta, dentro da indústria cultural, inserir elemen-tos de subversão da lógica capitalista, Mônica Nador pare-ce se ater numa posição de resistência individual, alterando muitas vezes o caráter do próprio Jamac a fim de man-ter sua autonomia. Se é imprudente usar esses dois casos como exemplos de uma possível solução para um impas-se de escala global, como o apresentado por Otília, é ao menos reconfortador e interessante observar que o espaço para a experimentação artística e sua crítica, enquanto pos-sibilidade de transformação da realidade ainda encontram lugar na sociedade atual.

25. Mônica Nador, Paredes Pinturas, op. cit., p. 20.

26. Otília Arantes, A “virada cultural” do sistema das artes, p.16, São Paulo, 18/04/2005.

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participação na 27ª bienal de são Paulo: “como viver junto”

Entre as aproximações dos artistas Thomas Hirschhorn e Mônica Nador destaca-se a participação de ambos na 27ª Bienal de São Paulo em 2006. O encontro de ambos sob o pavilhão da Bienal não foi um ponto de partida na decisão de escolha desses artistas, mas também não seria possível falar em coincidência, pois desmereceria a lógica curatorial que selecionou os 118 artistas que foram reunidos numa das mais importantes exposições de arte que é a Bienal de São Paulo. Compreender a base do discurso da Bienal que escolheu como tema “Como Viver Junto” torna-se um in-teressante elo entre Hirschhorn e Nador, pois tece sobre outros ângulos algumas das principais questões e referên-cias que esses artistas compartilham. É interessante ob-servar que essa edição da Bienal foi marcada por ser uma das mais democráticas em sua organização a partir de co--autorias, que experimentou na própria estrutura o desafio do trabalho coletivo. Dessa maneira, Lisette Lagnado divi-diu a responsabilidade de escolha dos artistas participantes em um processo de aprovação por unanimidade entre os co-curadores Adriano Pedrosa, Cristina Freire, ambos bra-sileiros, o colombiano Jose Roca e a espanhola Rosa Marti-nez. Outro ponto importante na organização da Bienal foi o fim das representações nacionais, as quais recebiam indi-cações de artistas estrangeiros diretamente das embaixadas internacionais. Segundo Lagnado, essa medida visava uma maior pertinência dos artistas com o projeto de curadoria, sendo “o fim da figura do curador intermediário de cada país e das hierarquias”.27 Esses são alguns dos elementos que demonstram a importância da relação entre os artistas expostos.

O tema “Como Viver Junto” fez uma referência direta ao conjunto de conferências de Roland Barthes sobre o assunto, e foi a partir da investigação desse pensador e de Hélio Oiticica que a proposta da 27ª Bienal se desenvolveu. Segundo Lagnado, a ideia não foi operar com Barthes para “dourar nossa posição no mundo”, mas levar em consi-deração suas questões iniciais sobre pensar o que signifi-ca o viver junto, assumindo-se os conflitos existentes. Já a presença de Hélio Oiticica como paradigma conceitual da exposição foi feito a fim de “demonstrar que é possível ativar seu repertório sem passar pelo “artista” e sim pelo

27. Lisette Lagnado, citado em Curadores prometem Bienal “política e crítica”, Caderno 2, O Estado de São Paulo Online, 28/07/2005.

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“propositor””.28 Essas idéias iniciais se relacionam direta-mente com os discursos de Nador e Hirschhorn, seja no repensar o convívio como na proposta de ativar as pro-posições artísticas, houve na apresentação do catálogo da Bienal algumas questões interessantes a serem colocadas em evidência, lado a lado com o discurso dos dois artistas aqui analisados.

Talvez seja a frase de Oiticica que primeiro relaciona Lag-nado, Nador e Hirschhorn, no desejo de transformar e am-pliar a maneira como apresentamos e vivenciamos a arte, pois esse artista desferiu um “golpe fatal ao conceito de museu, galeria de arte, etc., e ao próprio conceito de expo-sição – ou nós o modificamos ou continuamos na mesma. Museu é o mundo.”29 Com essa comparação entre mundo e museu, este necessariamente torna-se dinâmico, ativo, é dessacralizado, perde a característica de cubo branco de O’Doherty, para ser reinventado. “Museu é o mundo” tal-vez seja uma das maneiras de enxergar o Paredes Pinturas de Nador, quando ela transforma paredes de periferia em tela. “Museu é o mundo” parece ser uma das premissas de Hirschhorn que busca fora do circuito artístico a arte, no encontro com o desconhecido, o imprevisível, o precário. Por fim, “Museu é o mundo” parece ser o lema desses três personagens que tentam recriar o conceito de exposição, e especialmente dos artistas que investigam outra forma de experiência com a arte, seja testando outra estrutura de mu-seu, ou as potencialidades de um arte-clube e ateliê aberto.

Parece que Lagnado está olhando diretamente para Nador e Hirschhorn ao lançar a pergunta: “Mas será a arte um campo apto a transformar contextos?”30 No entanto, ao continuar ela revela que essa questão é mais ampla: “Nessa difícil fronteira atuam muitos artistas convidados para a 27ª Bienal, com projetos que pretendem ir além do que vem sendo chamado de “arena de trocas” e “espaços de encon-tros”. Envolvem comunidades socialmente desfavorecidas, que vivem a violência urbana. Os resultados surgem em pe-quena escala, mas são efetivos na saída do estado de meno-ridade graças a uma atuação do imaginário pelo coletivo.”31 A curadora sintetiza dessa forma o trabalho de ativar o potencial transformador da arte, para agir na escala dos in-

28. Lisette Lagnado in: Lisette Lagnado e Adriano Pedrosa (orgs), 27ª Bienal de São Paulo - Como Viver Junto. São Paulo, Fundação Bienal de São Paulo, 2006, p. 55

29. Lisette Lagnado in: Lisette Lagnado e Adriano Pedrosa (orgs), 27ª Bienal de São Paulo - Como Viver Junto, op. cit., p.57.

30. Idem.

31. Idem, pp. 57-58.

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divíduos. Mostra ainda que apesar de resultados pontuais, eles não são solitários e por esse viés ganha importância o projeto de curadoria capaz de unir os pontos ao criar uma trama, buscando nas particularidades um elo universal. Se-ria isso o esboço de uma rede que traria o sentido coletivo a essas ações individuais?

O debate sobre o viver junto no mundo contemporâneo resvala justamente nas possibilidades e impossibilidades do convívio. Barthes investiga a justa medida da distância capaz de nos diferenciar do outro e construir uma sociabi-lidade sem alienação. A premissa do discurso não é a jun-ção em si, mas o espaço vazio que distingue e ao mesmo tempo relaciona os indivíduos entre si. O título que sugere otimismo, na verdade traz à tona a fricção e os conflitos do viver junto. Lagnado recorre ao filósofo Jacques Rancière para elucidar a questão, pois ao tratar sobre a partilha do sensível, ele também “não está disposto a defender a co-munidade pelo viés da concordância. (...) Assim, “conjunto comum” não significa fusão, mas certa separação.”32

Ao tratar sobre a questão da alteridade presente no debate do como viver junto, Cristina Freire compara a figura do artista ao do antropólogo, quando na arte contemporânea o artista “interroga o social e o político ao extrapolar a limitação do “objeto de arte”, se insere nas implicações das identidades culturais, nos paradoxos e nas dinâmicas do contexto social e do cotidiano, nos meandros da dia-lética global/local.”33 Freire cita também Hal Foster que no final dos anos 1990 fala do artista como etnógrafo. “A antropologia, explica o autor, é contextual em sua própria natureza, intrinsecamente interdisciplinar, volta-se para o estudo do Outro. Para Foster os artistas respondem com esse modelo à privatização e à capitalização da cultura e à arte burguesa e suas definições limitantes e excludentes de produção e circulação da arte.”34 É interessante observar como Hal Foster articula novamente os dois artistas ana-lisados. Dessa vez no tocante aos limites da arte enquanto esfera autônoma e excludente, que deixa de fazer sentido para os artistas que vão em busca de uma ruptura com o status quo. Podemos observar na prática de Mônica um viés muito próximo do olhar antropológico, na sua pesquisa

32. Idem, p. 59.

33. Cristina Freire in: 27ª Bienal de São Paulo - Como Viver Junto, op. cit., p. 109.

34. Idem.

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sobre as diversas representações do belo em comunidades periféricas. Em Hirschhorn, talvez a conexão mais forte com a antropologia esteja na sua vontade de ir ao encontro do Outro, na ideia de não-exclusão. Além dessas particu-laridades, os dois artistas compartilham da importância da inserção urbana de seus projetos, do caráter interdisciplinar da arte e da importância de extrapolar os limites da arte.

A justa medida do viver junto vem mais uma vez à tona quando Freire atenta para dois perigos no paradigma do ar-tista como etnógrafo: “um certo paternalismo ideológico, fruto da absoluta identificação com o Outro, ou por outro lado, o risco de uma separação tão radical que não restem pontos de contato entre um e Outro.”35 É a partir desses dois problemas que talvez possamos melhor entender a diferença de posicionamento entre Thomas e Mônica ao justificarem suas escolhas pela periferia.

Hirschhorn se diferencia, coloca-se como um artista e por isso seu desejo de falar sobre arte, vai contra a identificação absoluta e o potencial paternalismo. É importante essa categoria, pois ele não toma como ponto de partida a ideia de levar a Arte aos desfavorecidos, o que seria de fato um gesto até colonizador em certo sentido. Hirschhorn precisa o tempo todo se diferenciar do educador, do assistente social e do empreendedor cultural. Essa distância é importante para reconhecer o Outro como autônomo, para conseguir uma sociabilidade e um entendimento fundamentais para o desenrolar do Museu Precário Albinet. Então, onde estão os pontos em comum entre o artista e os habitantes do bairro? Hirschhorn afirma que a ideia de construir o Museu Precário surgiu da vontade de desenvolver um projeto na sua vizinhança, com os moradores que compartilham o mesmo espaço cotidiano. Ao ser indagado o motivo pelo qual Hirschhorn escolheu fixar seu ateliê em Aubervilliers, o artista não titubeia: a razão principal é o aluguel mais barato, possivelmente o mesmo motivo da maioria dos moradores da Cité Albinet. Há também um terceiro elemento que coloca o artista no mesmo patamar dos habitantes: a questão do imigrante. Se Hirschhorn é protegido da xenofobia pelo seu status de artista, a condição básica de pertencer a outra cultura,

35. Idem, p. 111.

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ter outros valores e sotaques sem dúvida cria um elo entre aqueles que se reconhecem através do não pertencimento, abrindo espaço para a construção de um encontro com menos fronteiras.

Mônica Nador, por sua vez, busca e afirma diversas vezes aquilo que a identifica com o Outro, negando a distância radical que poderia causar sua alienação. Sua justificativa para a transferência de sua casa e ateliê para a periferia é a busca de um maior contato com a realidade do país que ela gostaria de transformar e, para tal ela sente necessário participar dessa mesma condição de precariedade. Assim, o motivo não é um aluguel mais barato, é poder sair do auto--isolamento que a elite brasileira cria para si mesma, fruto do quinto país mais desigual do mundo. É o rompimento com a alienação burguesa que leva Mônica à periferia, ou seja, é a vontade de se ver parte de um todo mais amplo, de não só compreender mas vivenciar o que é o cotidiano da maioria da população. Desse modo, Mônica procura se aproximar e se identificar com os moradores da periferia. Ela afirma que é sim grafiteira, seu papel de artista se mes-cla com o de educadora, de artesã, de pintora de parede, de marginal. Sua preocupação não é se diferenciar dos outros moradores das periferias, mas mostrar os pontos em co-mum. Ao contrário de, com isso, ter uma postura assisten-cialista, Mônica não imobiliza o Outro, mas revela que os problemas sociais não afetam apenas quem é marginaliza-do, mas todos que pertencem a essa sociedade e, principal-mente, ela mesma. Assim, Mônica se coloca de igual para igual em praticamente todas as instâncias do seu projeto, desde a escolha da representação do belo a ser aplicado até a pintura final. Diferente de Hirscchorn não parece se pre-ocupar com os diversos postos que passa a assumir, prova-velmente por enxergar que a multiplicidade de categorias pode aproximá-la do Outro. Segundo a artista, os conflitos e preconceitos “é uma coisa que perpassa, a gente vive com isso aqui [no centro] ou lá [na periferia], mas completa: “Eu acho que eu estou lá para tentar viver junto, pra dizer: ó, tem gente de outro jeito também”36 Esse outro jeito ao qual Mônica se refere é possivelmente aquele de quem nega a distância radical e quer construir junto.

36. Mônica Nador no debate do Seminário Internacional Joseph Beuys – A Revolução Somos Nós, organizado pelo SESC Pompéia, em São Paulo, 27/11/2010.

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Outro ponto levantado por Cristina Freire é o desejo dos artistas de encontrar no trabalho de campo de cunho antro-pológico um lugar em que teoria e prática se reconciliem.37 Esse de fato parece ser o que leva Nador a se alinhar a uma “outra história”, representada pelos críticos da new left capaz de levar em consideração a situação social do país na sua prática artística. O encontro entre teoria e prática tam-bém é o que fundamenta a ideia de Hirschhorn de colocar sua afirmação à prova, de querer confrontar a todo instante realidade e utopia. Freire também atenta para a importân-cia que ganha o registro dessas obras que trabalham com situações complexas e incorporam o transitório da vida. “Como buscar a permanência de algo que definitivamente escapa?”38 Mônica aposta nas fotografias, que revelam o processo do trabalho, o envolvimento dos participantes e a diferença que as pinturas causam no contexto de inserção. Além disso, a própria definição do Paredes Pinturas é um conjunto aberto de obras, cuja permanência se dá pela re-petição da prática, realizada não somente pela artista, mas por aqueles que absorveram a técnica. Hirschhorn cria um livro documento, que reconstituiu todo o processo do Mu-seu Precário Albinet, a partir dos mais variados registros, mostrando toda a complexidade do projeto, a pluralidade dos participantes e os diversos tipos de envolvimento. Ao invés de recontar a história do projeto, ele registra os per-cursos transcorridos, assim, quem reconstrói a história do museu é o leitor que diante de um catatau traça sua leitura entre as correspondências, anotações, fotos, depoimentos, cartazes e artigos da imprensa, etc. que configuraram a ex-periência. A diversidade e complexidade de registros faz do próprio livro uma obra de arte aberta, capaz de conter nele a reverberação do Museu Precário Albinet e, assim, garantir sua permanência enquanto obra.

No entanto, segundo Cristina Freire “é apenas no contexto institucional, na exposição, que tais propostas, confundidas com a vida no mundo exterior, podem ser vistas e legiti-madas como arte.”39. É o mesmo paradoxo colocado por Joseph Kosuth ao comparar o antropólogo e o artista: “(...) o antropólogo procura fluência em outras culturas, mas o artista procura ter fluência em sua própria cultura. Para o artista, obter fluência cultural é um processo dialético que,

37. Cristina Freire in: 27ª Bienal de São Paulo - Como Viver Junto, op. cit., p. 112.

38. Idem, p. 113.

39. Ibidem.

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em suma, consiste em buscar afetar a cultura ao mesmo tempo em que está simultaneamente aprendendo (e procu-rando aceitação) da mesma cultura que o afeta. O sucesso do artista é relativo a essa práxis.”40 Dessa maneira Kosuth e Freire observam a relação entre o artista e as instituições da arte, fundamentais para o reconhecimento das obras en-quanto tais. Hirschhorn fala sobre essa contradição como algo capaz de enriquecer o debate proposto por seu proje-to, pois “se há uma força de resistência no interior do Mu-seu Precário Albinet que questiona o museu e que faz com que a instituição se interesse pelo meu projeto, ainda me-lhor, isso significa que essa afirmação é percebida e discuti-da.”41 Essa parece ser também a postura de Mônica Nador e ambos os artistas se encontram numa proposta artística que deseja transformar de dentro, a partir da resistência, da subversão, da resignificância, do micro ao macro. A arte é/está fora de controle, mas talvez para isso seja necessário soltar algumas amarras. Re-existir.

40. Idem, p. 105.

41. Hirschhorn, em entrevista feita por Guillaume Désanges, agosto de 2004 em Musée Précaire Albinet, op. cit.

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citações originais traduzidas livremente

[ museu precário albinet thomas hirschhorn ]

No original, “J’ai pensé qu’il était nécessaire de manifester l’importance que peut avoir l’art pour transformer la vie avec un “projet manifest”. Je pense, c’est un fait, que l’art peut, l’art doit, l’art veut transformer, n’ayant pas peur de le dire : changer la vie. (...) Je veux construire avec des matériaux simples et rapides à bâtir un Musée, un endroit qui peut accueillir des oeuvres d’art originaux d’artistes, qui eux-mêmes par leur travail ont voulu et ont changé la vie. Je pense à Duchamp, Malevitch, Mondrian, Warhol, Beuys, Le Corbusier, Léger, Dali. Il n’est pas important que ces artistes sont, aujourd’hui célèbres, et très connus, il est important que ces artistes ont changé la vie, le monde ou qu’ils ont porté par leur travail cette affirmation. (...) Il faut que pendant quelques jours ces oeuvres s’activent. Elles doivent remplir une mission spéciale, une mission non pas de patrimoine, mais une mission de transformation, peut-être leur mission initiale. C’est pour cela qu’il est indispensable que ces oeuvres soient déplacées, du contexte du musée dans ce musée précaire en dessous de l’HLM de la rue Albinet. Ils se confrontent ainsi à la réalité du temps qui s’ecoule aujourd’hui de nouveau. Cela peut-être une réactualisation, l’oeuvre doit, et va, j’en suis sûr, affirmer sa force transformatrice dans un contexte non-muséal-patrimonial.”

No original, “À chaque instant ce projet doit affirmer sa raison d’être. Il doit tout le temps défendre son autonomie d’oeuvre d’art. En permanence le Musée Précaire Albinet doit être reconstruit et il doit être conçu de nouveau dans ma tête et dans les têtes de la cité.”

“Musée Précaire Albinet” signifie la volonté absolue d’inclure, de ne pas exclure et de travailler pour ce que j’appelle une audience non-exclusive. Je pense que l’Art – parce que c’est de l’Art – peut créer les conditions pour

3. Citação extraída do Dossier art espace public, 2 mars 2007, Paris, La Sorbonne.

2. Hirschhorn no Le Journal des Laboratoires, juin 2004, publicado no Musée Précaire Albinet, op., cit..

1.Thomas Hirschhorn, trechos da nota de intenções, grifos do artista, Musée Précaire Albinet, Paris, Xavier Barral, 2005, p. février 2003.

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8. Citação extraída do Dossier art espace public, 2 de março de 2007, Paris, La Sorbonne, p. 10.

7. Jacques Rancière, Le spectateur émancipé, Paris, La Fabrique, 2008, p. 23-24.

6. Entrevista com Hirschhorn feita pelas crianças do bairro, junho de 2004 em Musée Précaire Albinet, op. cit.

5. Hirschhorn, em entrevista feita por Guillaume Désanges, agosto de 2004 em Musée Précaire Albinet,op. cit.

une confrontation ou un dialogue direct, de un à un. L’Art – parce que c’est de l’Art – a en ce sens une signification politique.”

No original, “l’art seulement n’exclut pas l’autre.(...) On ne peut pas changer la réalité si on n’est pas d’accord avec elle. Être d’accord ne veut pas dire approuver. (...) Le Musée Précaire Albinet est une affirmation en accord avec son quartier, ses habitants, son emplacement, son programme, ses visiteurs, ses activités. Le Musée Précaire Albinet n’est pas basé sur le respect, il est basé sur l’amour.”

No original, “J’aime ces matériaux car tout le monde les utilise. Ils sont universels et ne sont pas riches en soi comme le bronze, l’or, etc. Donc ils n’intimident pas en tant que matériaux. Et puis, je n’aime pas ce qui est trop net alors j’utilise des matériaux que tout le monde peut trouver pour dire qu’on n’a pas besoin de connaissances spécifiques pour le faire.”

No original, “Être spectateur n’est pas la condition passive qu’il nous foudrait en activité. C’est notre situation normale. Nous apprenons et nous enseignons, nous agissons et nous connaissons aussi en spectateurs, qui lient à tout instant ce qu’ils voient à ce qu’ils ont vu et dit, fait et rêvé. Il n’y a pas plus de forme priviligié que de point de départ priviligié. Il y a partout des points de départ, des croisements et des noeuds qui nous permettent d’apprendre quelque chose de neuf si nous récusons premièrement la distance radicale, deuxièmement la distribution des rôles, troisièmement les frontières entre les territoires. Nous n’avons pas à transformer les spectateurs en acteurs et les ignorants en savants. Nous avons à reconnaître le savoir à l’oeuvre dans l’ignorant et l’activité propre au spectateur. Tout spectateur est déjà acteur de son histoire, tout acteur, tout homme d’action, spectateur de la même histoire.”

No original, “C’était tellement joyeux. Toutes les générations se retrouvaient. Il n’y avait plus de frontières”.

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10. Comentário de Yvane Chapuis, de 27 de maio 2003 em Musée Précaire Albinet, op. cit.

11. Entrevista com Hirschhorn feita pelas crianças do bairro, junho de 2004 em Musée Précaire Albinet, op. cit.

12. Hal Foster em Establishing a Critical Corpus, Zurich, JRP Ringier, 2011, p. 164.

9. Citação extraída do Dossier art espace public, 2 de março de 2007, Paris, La Sorbonne, p. 5.

No original, “Le Musée Précaire Albinet était une tentative de se confronter directement à l’Utopie et à la Réalité. C’était une tentative de sceller ensemble Utopie et Réalité. Je veux rendre ces termes inséparables. Je veux les unifier. Je veux neutraliser la distance et la différence entre Utopie et Réalité dans le même mouvement, dans la même action. Il n’y a pas la pratique d’un côté et la théorie de l’autre : le Musée Précaire Albinet était basé sur cette idée et je me suis efforcé d’agir en accord avec cette idée. Le Musée Précaire Albinet fut ma tentative d’un manifeste concret et contemporain concernant l’Utopie et la Réalité, comme combinaison du temps dans lequel je vis.”

No original, “L’artiste oppose le terme précaire à éphémère, ce dernier est associé à l’ordre de la nature, comparable à la vie d’un papillon, son projet étant lié quant à lui, à la vie humaine et à sa précarité”.

No original, “signifie “limité dans le temps” comme l’est la vie. Précaire signifie aussi que c’est l’homme qui décide de la durée.”

No original, “The French précaire indicates a socioeconomic insecurity that is not as evident in the English “precarious”; indeed, précarité is now used to describe the condition of vast number of laborers in neoliberal capitalism for whom employment (let alone health care, insurance, and pension) is anything but guaranteed. This « precariat » is seen as a product of the post-Fordist economy, though, historically, precarity might be more the rule and the Fordist promise of relative job security and union protection more the exception. It is a tricky category. What might be lost in a discursive shift from proletariat to precariat? Might the term normalize a specific condition, a “society of risk”, that is subject to challenge and change? Can the precariat be pried apart from its victim status and developed as a social movement? At least one thing is certain : it is not a unified class. As Gerald Raunig notes, there are « smooth forms of precarization » for « digital bohemians » and « intellos précaires » on the one hand, and « rigidly repressive forms of labor discipline » for migrants and sans papier on the other. This point is pertinent here, for Hirschhorn

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has sited some of his signal projects along this interface, not only Musée Précaire Albinet in Aubervilliers banlieue of Paris (2004), but all three of his monuments to date – Deleuze in a mostly North African quarter of Avignon (2000), and the Bataille in a largely Turkish neighborhood in Kassel (2002). « Is there a way to cross from our stable, secure and safe space, » Hirschhorn asks, « in ordeer to join the space of the precarious ? Is it possible, by voluntarily crossing the border of this protected space, to establish new values, real values, the values of the precarious – uncertainty, instability, and self-authorization ?»”

No original, “I want to engage [in] dialogue with the other without neutralizing him.”

No original, “Alert to the Deleuzian caveat about “the indignity of speaking for others [...] Hirschhorn does not always seek solidarity with this precariat, for such solidarity might only come of a forced union of very different parties.”

No original, “J’ai trouvé important que d’abord c’était des originaux, parce que pendant quelques semaines cette valeur là il en n’avait pas besoin, le valeur patrimonial, de l’histoire de l’art, de l’original était comme mis en congé ou mis en parenthèse, parce que il s’agit d’un autre valeur, de l’oeuvre elle même et qu’elles incarner cette revolution. C’etait cela pour moi l’essentiel et dans les musees et les galeries on juge déjà les valeur patrimonial que ce peut avoir un jour avec la mise en scène qu’on connait. Donc j’étais heureux de pouvoir proposé un autre modèle de musée, pas parce que je suis contre les musées mais seulement contre la scenographie du musée, le gardien, le prix d’entrée, la lumière, l’espace disponible et la manière comme tout est présenté.”

18. Hirschhorn, em entrevista feita pela autora, p. 123, do presente trabalho.

13. Hirschhorn, Restore Now (2006) in: Thomas Hirschhorn - Establishing a Critical Corpus, p. 163.

14. Hal Foster, Establishing a Critical Corpus, op. cit., p. 165

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[ pontos de articulação ]

1.Thomas Hirschhorn, nota de intenções, Musée Précaire Albinet, op. cit., p. février 2003.

No original, “Je pense l’art et La philosophie seuls sont capables de changer La vie. Changer la vie individuellement, car l’expérience art est une expérience individuelle et pas collective, ceci, aussi explique pourquoi la politique qui s’adresse au collective échoue à changer, à transformer la vie. L’art peut changer la vie est une affirmation non-utopique, car active. Dans cette affirmation est contenu l’espérance. L’éspérance n’est que possible dans l’action. La passivité, nous le savons, n’est que cynisme et s’accomoder sans rien affirmer.”

No original: “In locating the Monument in the middle of a community whose ethnic and economic status did not mark it as a target audience for Documenta, Hirschhorn contrived a curious rapprochement between the influx of art tourists and the area’s residents. Rather than make the local populace subject to what he calls the “zoo effect,” Hirschhorn’s project made visitors feel like hapless intruders.” “Rather than offering, as the Documenta handbook claims, a reflection on “communal commitment,” the Bataille Monument served to destabilize (and therefore potentially liberate) any notion of community identity or what it might mean to be a “fan” of art and philosophy.”

No original: “This relational antagonism would be predicated not on social harmony,but on exposing that which is repressed in sustaining the semblance of this harmony.It would thereby provide a more concrete and polemical grounds for rethinking our relationship to the world and to one other.”

No original, ““I am not an animator, teacher or social-worker,” says Hirschhorn”.

No original: “Le Musée Précaire Albinet m’a prouvé que l’art appartient à tout le monde.”

18. Claire Bishop, Antagonism and Relational Aesthetics, October Fall 2004, No. 110, p. 76.

19. Idem, p. 79.

20. Idem.

21. Hirschhorn por Guillaume Désanges, agosto 2004 em Musée Précaire Albinet, op. cit.

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24. Apresentação por Alexandra Baudelot, Dora Garcia et Mathilde Villeneuve disponível no site: http://www.leslaboratoires.org/ informations/projet-artistique, acessado em 17/04/2013.

41. Hirschhorn, em entrevista feita por Guillaume Désanges, agosto de 2004 em Musée Précaire Albinet, op. cit.

No original: “Les Laboratoires d’Aubervilliers, lieu de recherche et de création, de ressources et d’expérimentations, se construisent en lien avec leur contexte d’implantation (du plus local à l’international), avec leurs publics et la relation avec les artistes. Ils inventent des dispositifs à travers lesquels les pratiques artistiques issues de tous les champs de l’art - art visuel, danse, performance, théâtre, littérature, etc. - s’envisagent comme un processus d’apprentissage, de partage et d’expérience ; comme un objet intermédiaire capable de sonder et d’instruire des problématiques contemporaines, de réinventer des situations d’« être ensemble » tout en prenant le risque de bouleverser nos approches et nos conceptions artistiques.”

No original: “ S’il y a une force de résistance qui interroge Le musée et qui fait que l’institution s’intéresse à mon projet, tant mieux, cela signifie que cette affirmation est perçue et discutée.”

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iconografia

[ museu precário albinet thomas hirschhorn ]

[ jamac e paredes pinturas mônica nador ]

Todas as imagens referentes ao projeto foram retiradas do livro Thomas Hirschhorn Musée Précaire Albinet, Paris: Xavier Barral, 2005.

Às exceções da foto de satélite da p. 24, retirada do Google Earth, da foto do ateliê de Thomas Hirschhorn, primeira foto da p. 41, do acervo próprio e das imagens das obras expostas, retiradas do acervo online do Centre Pompidou: http://mediation.centrepompidou.fr/

As imagens referentes ao projeto foram retiradas de acer-vo próprio, da Tese de Mestrado de Mônica Nador Paredes Pinturas, São Paulo: ECA-USP, 2000, do Flickr da artista e do site oficial do Jamac.

Acervo próprio: pp. 50, 52, 76, primeira da p. 53.

Paredes Pinturas: pp. 65, 132, duas últimas da p. 64.

Flickr: pp. 67, 70, 75, duas primeiras da p. 64.

Site do Jamac: p. 57.

Imagem da primeira e última páginas desse trabalho a par-tir de releitura de imagem do livro Jamac, São Paulo: Pina-coteca do Estado e Luciana Brito, 2012.

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entrevista thomas hirschhorn

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12 junho 2012ateliê do artista,aubervilliers,frança

Berta de Oliveira Melo - Qual é a diferença entre a sua teoria da não-exclusão e os discursos de inclusão bastante na moda das políticas de hoje?

Thomas Hirschhorn – Eu não conheço os discursos na moda na política de hoje. No entanto, eu conheço o meu, minha idéia de não exclusivo. Eu fiz um esquema que se chama esquema do círculo de avaliação. O círculo de avaliação é o crítico de arte, o galerista, o colecionador, o diretor do museu ou de uma instituição, o curador, etc, todo esse mundo. O artista não pode estar dentro desse círculo, ele está alhures, porque esse círcu-lo é perigoso de se dirigir exclusivamente. É por isso que o que você chamou de teoria eu chamo de meu esquema. Esse esquema não quer excluir aqueles que são já do círculo, mas acima de tudo o que é preciso fazer é incluir o outro, o vizinho, aquele que passa ao lado por acaso, que não se interessa por arte... É para fazer isso que eu acho que é muito importante que o artista não esteja dentro do círculo, que ele esteja alhures com o seu trabalho e que ele dirija seu trabalho para isso que eu chamo um público não-exclusivo. E eu fiz um esquema, não é uma teoria, porque eu não sou um teórico, mas eu sou alguém que pode fazer um esquema. O importante para mim é essa dinâmica, o artista propõe seu trabalho em direção ao des-conhecido, em direção àquele que ele não conhece e não para aquele que ele já conhece como o curador ou o colecionador. Esse é o meu esquema e ele me ajuda muito, porque eu não quero fazer meu trabalho para os especialistas ou os amadores de arte somente.

B - Por que você chamou esse esquema de não-exclusão ao invés de esquema de inclusão?

T.H. – Porque eu não penso nunca na audiência, eu não sou um político nem um publicitário. Então eu não penso em uma audiência específica, eu penso no meu trabalho, no movimento do meu trabalho em direção ao exterior, mas não a alguém em específico. Essa é a razão pela qual eu acho mais justo dizer não-exclusivo, porque é uma coisa que vem antes da audiência, mais importante que a própria audiência.

B – No livro Museu Precário Albinet você diz em um mo-mento que a escolha da cité [conjunto habitacional] não é tão

[Fotos da página 118] Carta de Thomas Hirschhorn com convite para conhecer seu ateliê e foto do Museu Precário Albinet enviada junto com a carta.

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importante para o projeto. No entanto, são os habitantes da cité que construíram todo o projeto. Então, essa afirmação é ligada à teoria de um público não exclusivo? Como?

T. H. – Talvez seja preciso que eu o esclareça, é verdade. Quan-do eu digo que a escolha da cité não é tão importante, isso quer dizer que justamente seria possível fazer [o Museu Precário] em outra cité, em outro bairro, em outra cidade, em outro país, em outro continente. Isso eu penso sempre e é por isso que eu digo não-exclusivo. Então, o que não é importante é a cité específica, mas o que é importante é a escolha, ou a decisão por uma específica. Porque é quando se decide um lugar específico é que as pessoas podem se engajar. Assim, o importante a ser esclarecido é a palavra decisão, a decisão por um lugar. Além disso, a cité eu quero que ela guarde um potencial universal e que não seja a cité “x” com a população “y”. Por exemplo, atualmente eu vou fazer meu último monumento, o Monu-mento à Gramsci em Nova Iorque, eu não sei ainda se será no Bronx, no Queens, ou no Brookling, é importante que eu num determinado momento decida ou que as pessoas decidam por mim. Se será no Queens, no Bronx ou no Brookling não é importante, isso será importante a partir do momento em que nós estamos lá, evidentemente, depois, mas não agora. Então é uma estrutura que me ajuda a continuar não-exclusivo e a me dirigir a um público que eu não conheço.

B. – O processo de escolha da cité para acolher o Museu Pre-cário Albinet começou com uma pesquisa sobre as cités [con-juntos habitacionais] de Aubervilliers e visitas onde você fazia perguntas aos moradores. Havia toda essa pesquisa, mas no fim a escolha foi tomada por uma questão da menor distância em relação ao seu atelier. Por quê?

T. H. – Não é verdade. Evidentemente foi esse um dos ar-gumentos importantes, mas eu visitei todas as cités em Au-bervilliers (elas não são tão numerosas, são quatro ou cinco como essa). Quando eu visitei as cités, encontrei pessoas e o que eu achei ao mesmo tempo belo e decisivo foi quando um ou dois dias depois da minha visita os assistentes sociais que eu encontrei na cité Albinet, Malike e Nourdine, vieram à minha porta, eles queriam saber mais. Esse ato, eu achei belo e justo, então imediatamente houve uma ligação em relação às pessoas,

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porque no fundo é sempre isso, não é a cité, são as pessoas da cité que finalmente me convidam, me dizem, isso nos interessa ou nós vamos te ajudar, nós vamos te apoiar ou nós vamos te permitir. Assim, isso foi verdadeiramente decisivo e, depois, o fato de estar justo ao meu lado foi também bom, porque eram os meus vizinhos.

B.- Há um duplo senso político no Museu Precário: a afirma-ção do bairro através do trabalho com os habitantes e a afirma-ção da obra de arte através do seu deslocamento. Será que você poderia me explicar um pouco o que significa quando você fala que é o deslocamento das obras de arte dos museus na-cionais para o Museu Precário o responsável por ativar a força transformadora das obras de arte? Qual seria esse processo de reativação e qual a sua relação com o deslocamento?

T. H. – Bem... [risos]. O importante do Museu Precário é o que eu queria com ele. Eu não estou certo que essa história de deslocamento é o mais importante. O deslocamento é mais importante talvez para outras pessoas do que para mim. O que eu queria era reafirmar a importância de uma obra de arte, ori-ginal, hoje. Porque foi feito por um artista, alguém que queria através da obra de arte transformar uma sociedade ou o mun-do. Eu acho que é dentro da obra de arte, que nós podemos captá-lo, tocá-lo, extraí-lo. E porque dentro é universal, todo mundo pode, isso não é todo mundo deve, não, e isso não é também todo mundo quer. Mas nós podemos através da obra extrair essa revolução, essa ideia que tomou forma em uma obra de arte. É por isso que é importante ser uma obra de arte e de repente é essa obra que é mais importante do que todo o museu, porque é ela que encarna essa força revolucionária que quer tudo mudar. Então é por isso que foi importante ter as obras que se deslocam, ao mesmo tempo em relação às pesso-as que de fato não vão aos museus, mas também em relação a que a obra ainda hoje pode provar essa verdade e que a obra de arte possui essa força. Esse é o meu eixo mais importante. Eu sei que as pessoas do museu adoram essa história que o museu isso e aquilo, eu não me interesso pela instituição, eu me interesso pela obra de arte, talvez porque eu seja um artista.

B. – Em sua opinião quais são os elementos da arte patrimonial que nós devemos lutar contra?

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T. H. – Há um eixo que me é importante e que eu insisti com as obras-primas, porque eu queria provar que de certa maneira elas não têm valor. Elas têm valor, mas não em dinheiro, o valor é outro. Eu achei importante que a princípio fossem os originais, porque durante algumas semanas o valor patrimonial, da história da arte, do original, foi como colocado entre parên-tesis, porque se trata de um outro valor, o da obra de arte ela mesma e o de que elas encarnam essa revolução. Foi isso para mim o essencial, nos museus e nas galerias nós julgamos os va-lores patrimoniais que [as obras] podem ter com a cenografia que nós conhecemos. Assim, eu estava feliz de poder propor outro modelo de museu, não porque eu sou contra os museus, mas somente contra a cenografia do museu, os guardas, o pre-ço da entrada, a iluminação, o espaço disponível e a maneira como tudo é apresentado.

B. – A qual mudança no mundo sua obra artística se propõe? Qual é a direção de sua fé e sua luta?

T. H. – Eu, como muitos artistas, quero criar um corpo crítico. O que isso quer dizer? Para começar, um corpo, uma forma e, depois, nós desejamos crítica não contra qualquer coisa ex-clusivamente, mas nascida dentro de um acordo, com alguma coisa que eu vivo, que eu vejo, mas que ao mesmo tempo é crítica, ela mesma, ela está em um estado crítico, como alguém que teve um acidente. É criar um corpo crítico, que eu quero fazer como artista e trabalhar para um público não-exclusivo, que para mim é uma revolução. Também tenho a ambição de criar uma nova forma, um novo termo de arte, como todos os artistas. É a ideia de transformação, de reviravolta do mundo que nós vivemos, presente em todas as obras-primas. É o caso de Mondrian, ele mudou o mundo, ele mudou o olhar, sem que ninguém o tivesse mandado fazer isso. Como os outros que eu escolhi para expor. Eu tenho a convicção de que eles mudaram o mundo com o seu trabalho, não enquanto políti-cos ou revolucionários políticos, mas enquanto artistas e é isso que evidentemente eu sonho, como vários artistas.

B. – Ao tratar do Centro Pompidou móvel, existe um discurso de ir até o público distanciado da arte e de lhe propor uma exposição com uma cenografia para facilitar o contato com a obra original. Da parte do Museu Precário, você sublinhou a

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importância da manipulação das obras pelos habitantes. Qual é a importância da mão sobre a obra na sua opinião?

T. H. – Eu acredito que isso é muito importante. Eu acredito que seja essa diferença entre o Centro Pompidou, neste há a benevolência logo por trás, e o Museu Precário, uma obra de arte ele mesmo. É utópico, mas também realista, de transgre-dir um certo número de regras, talvez mais do que o Centro Pompidou móvel que propõe uma mobilidade. A mobilidade na minha opinião é boa, porém o mais importante para mim é a implicação direta de alguma maneira das pessoas no local. Justamente a implicação das pessoas que são os primeiros a quem dizem respeito, as pessoas que moram em frente ao mu-seu que nós construímos. Eu estava lá todo o tempo porque eu sou um artista e eu me dei meios para fazer isso, isso não é possível para uma instituição. Eu não sou um curador que faço um a mais para um museu, isso não é um a mais, é radicalmen-te outra coisa que de certa forma um museu. Então é por isso que as diferenças são manifestas e também depois do contato, talvez o que se passe em relação ao público.

B. – Eu acho belo seu manifesto sobre a mão, da implicação através das pessoas que fazem o museu com sua própria mão.

T. H. – Sim. Evidentemente é também a ideia de que nós po-demos apropriar e de que não há exclusão, nenhuma tarefa. Uma capacidade de implicação eu acho que todo o mundo tem, de criar um diálogo com uma obra de arte e depois todo mundo o pode fazer, o agarrar, todo o mundo pode cuidar e festejar e falar, organizar alguma coisa ao redor, ou talvez se encontrar em torno de uma mesa para beber e discutir alguma coisa além da arte e fazer parte de um tipo de energia e de que a arte tenha sido o ponto de partida e alguma coisa que pode reunir as pessoas. Uma obra de arte é preciso ser compreen-dida como uma obra de arte e é por isso que ela não é uma iniciativa cultural, eu não sou um engenheiro cultural*, eu sou um artista.

B. – O Centro Pompidou móvel faz alusão ao espírito do cir-co, à vida nômade e festiva. No entanto, eu não encontrei um ambiente de festa, mas o de uma instituição convencional. Em compensação, o testemunho de Horia sobre o Museu Precário

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foi “era a festa continuamente”. Em sua opinião qual é a im-portância e a relação entre a festa e a arte?

T. H. – Evidentemente é belo quando ela diz isso, mas é exage-rado. Eu estava lá todo o tempo, mesmo quando não havia fes-ta e nessas ocasiões isso não quer dizer que era triste, era nor-mal. Às vezes não havia ninguém, [por exemplo, era] de manhã e chovia, depois a primeira vizinha descia e nós fazíamos o café e conversávamos. O problema e a razão pela qual não é possível comparar os dois é que quando você faz uma obra de arte você não tem a necessidade de pessoas que venham para consumi-la.O fracasso é incluso, mas como ele não é jamais total, porque mesmo quando havia pessoas que faziam a festa, o sucesso não era total, porque você não pode dizer que havia trezentas, mil ou dez mil pessoas, isso não tem nenhum senti-do. Somente o que era importante para mim é que era possí-vel de fazer [o Museu Precário Albinet] e também de assumir que não era preciso que ele “funcionasse”. É preciso viver isso como uma enorme afirmação nesse contexto eu compreen-do a festa, porque eu pensava que nós éramos capazes de o fazer [o Museu Precário], de o manter e de o animar com um espírito às vezes conflituoso, mas sempre respeitoso com as obras de arte. E para mim, essa era a festa, não há relação com pessoas alegres ou tristes, eu não posso julgar o exterior, você compreende? Então eu acho importante essa afirmação, esse lado de se autorizar a fazer alguma coisa. Para mim é um ato festivo, positivo, incomensurável e nós fizemos isso. Eu não posso falar pelos outros, nem pelo Centro Pompidou móvel, mas para mim o Museu Precário Albinet foi uma experiência não trazida pela ideia de festa, mas trazida pela ideia de cumprir qualquer coisa um pouco enaltecida e de repente isso leva à que nós façamos coisas que são mais da ordem dos atos festi-vos, porque eles transgridem eles mesmos, o cotidiano ou os gestos que nós fazemos no cotidiano.

B.- É mais um comentário, mas também uma pergunta, há um momento no livro que fala que dois jovens dos mais engajados no Museu Precário Albinet recusaram cada um à sua manei-ra as ofertas de emprego [oferecidas pelo Centro Pompidou e empresa de segurança]. Isso surpreendeu as pessoas do Les Laboratoires d’Aubervilliers e a você.

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T. H. – De todo modo, eu achei que o Les Laboratoires d’Aubervilliers fez um trabalho formidável para o Museu Precário. Assim, eles trabalharam muito e negociaram com o Centro Pompidou para encontrar soluções concretas para al-guns jovens do bairro. É sempre o caso. Apenas têm pessoas que não funcionam nesse esquema e isso é parte real do Mu-seu Precário. O objetivo era de se confrontar com a realidade e estar de acordo com essa realidade e isso não quer dizer a aprovar. Nós fizemos o Museu Precário e graças a isso nós pudemos oferecer essas vagas, eles recusarem por razões que não nos parecem claras, isso é a realidade. É preciso respeitar. Minha linha de conduta é a de que eu estou de acordo com o bairro, isso é obrigatório.

B. – Para mim essa negação dos jovens foi muito forte, por-que no Brasil esses casos são muito divulgados na mídia, de minorias que conseguem sair de uma situação precária, como os jovens das favelas que se tornam estrelas do futebol. Assim, quando esses jovens recusam um sucesso individual eu vejo al-guma coisa de extraordinário nesse gesto, é uma negação à La Duchamp, que recusa a deformação de sua imagem perante a sociedade. Se você pode proclamar que você é um artista e não um assistente social, do outro lado esses jovens podem recusar o lugar destinado aos alunos mais aplicados. Para mim, é essa negação a mais forte prova de que o Museu Precário foi capaz de mudar o mundo.

T. H. – Sim, é muito justo, muito bom. Eu estou completa-mente de acordo com isso. Porque justamente, essa não era minha idéia principal, foi o Les Laboratoires d’Aubervilliers que de maneira muito inteligente e perspicaz insistiu sobre esse ponto. Eu estava de acordo com isso porque eu precisava deles para fazer meu projeto, mas em nenhum momento do projeto artístico isso foi minha vontade primeira, se não eu trabalharia na prefeitura ou eu faria política ou outra coisa, isso está muito claro. O que eu acho bom nisso que você falou é que você compreendeu que de fato as pessoas do bairro entenderam muito bem isso. Eu sempre disse que eu não estava lá para ajudá-los, eu quero ajudá-los se eu puder, mas eu sou um ar-tista com um projeto. É mais o contrário, eu lhes pergunto se eles podem me ajudar. Eu não tinha a pretensão de ajudá-los e eles compreenderam bem isso. Foi mesmo muito bem en-

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tendido, com um pouco de dificuldade no começo principal-mente da parte dos assistentes sociais, porque [o projeto] não era da área deles (que fazem a meu ver um ótimo trabalho, que ainda vêm às vezes conversar comigo). Eu entendo que as pessoas se recusem a se inscrever em um trabalho, é preciso lhes dar tempo, talvez um dia seja preciso refletir, porque isso também não leva a nada, mas geralmente eles são tão jovens que acabam recusando. Mas eu sempre tentei discutir com a compreensão que eu tenho, mas ao mesmo tempo dizer que talvez seja uma opção para o futuro, para sair de uma situa-ção, talvez nós recusamos pelo motivo que nós somos jovens simplesmente, por que não? Eu tentei discutir, eu aprendi bas-tante, então eu não tenho nenhum julgamento de moral ou de valor em relação a essa questão. Dizer que eu não era um assistente social me ajudou muito desde o começo. Se não você vira prisioneiro se alguma coisa funciona ou não e prisioneiro de alguma coisa que não é do meu domínio da arte. Por exem-plo, a utilização de droga, eu digo “eu não uso, isso não é meu problema”, mas ao mesmo tempo para os assistentes sociais que fazem o seu trabalho todos os dias, que vêem os estra-gos da droga e tudo isso, os estragos são um problema. Eles tentaram me implicar nisso, mas eu recusei isso também, eu disse : “eu não faço apologia à droga, eu só não quero também transformar meu projeto artístico em projeto contra as dro-gas”. Então, por exemplo, no museu nós servíamos álcool e foi um drama, mas foi interessante, porque você está numa si-tuação onde você deve enfrentar questões como essa que você jamais havia pensado. É aí que ser claro ajuda muito, dizer que eu não sou um assistente social. Depois, na negociação, na dis-cussão com os jovens tudo foi bem. E não é o viés ideológico, é mais o lado humano de todos os dias, da presença onde nós explicamos, nós conversamos. É nesse sentido que eu gosto de confrontar a realidade, não de uma maneira onde se deveria criar uma “bolha” separada da realidade. Então é por isso que era interessante sempre [re]insistir sobre o meu papel de artista. Também quando alguma coisa de negativo acontecia, como um roubo de fones de ouvido ou alguma coisa do tipo, eu não estava lá para puni a pessoa que fez isso ou exclui-la, porque eu achava que esse não era um elemento que se reportava di-retamente ao meu trabalho, era um elemento que se reportava à realidade deles. Além do mais, estava bem esclarecido de não

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excluir alguém que por exemplo, (isso me acontece frequen-temente em outros projetos também) tenha roubado alguma coisa. Normalmente teriam dito “você está excluído”, mas eu não, eu digo: “eu sou um artista, evidentemente eu não aprovo o que aconteceu, eu não quero que isso ocorra de novo, mas eu estou de alguma forma de acordo com isso”. Também para não ser prisioneiro do julgamento, há pessoas que dizem: “ah, eles não entenderam o seu projeto, eles roubaram”. Não, não, não. As pessoas não roubam porque eles não entenderam o meu projeto, as pessoas roubam porque elas roubam. Isso eu compreendi depois de muito tempo e é por isso que eu acho importante de dizer para as pessoas, de as fazer compreender e assim existe uma verdadeira co-existência, é uma palavra que eu aprendi com o Museu Precário, a co-existência. Eles me dei-xaram existir e eu os deixei existir e isso em alguns momentos criou encontros muito belos.

B. – Eu comecei a ler O Espectador Emancipado de Jacques Rancière por causa do Museu Precário Albinet e eu encontrei uma frase que se relaciona com um testemunho de uma parti-cipante do museu:

Gilia, nascida em Roma, 87 anos, chegou criança à Auber-villiers: “Foi extremamente alegre. Todas as gerações se encon-travam. Não havia mais fronteiras.”

Enquanto Jacques Rancière diz :

“Ser espectador não é a condição passiva que devemos trans-formar em atividade. É a nossa situação normal. Nós apren-demos e nós ensinamos, nós agimos e nós conhecemos tam-bém como espectadores, que relacionam a todo instante o que vêem àquilo que viram e disseram, fizeram e sonharam. Não há mais forma privilegiada do que ponto de partida privilegia-do. Há por todos os lados pontos de partida, cruzamentos e nós que nos permitem aprender algo novo se nós recusamos primeiramente a distância radical, em segundo lugar a distribui-ção dos papéis e em terceiro as fronteiras entre os territórios. Nós não temos que transformar os espectadores em atores e os ignorantes em mestres. Nós temos que reconhecer o saber do ignorante e a atividade própria do espectador. Todo espec-tador é já ator de sua história e todo ator, todo homem de ação,

1. Jacques Rancière, Le spectateur émancipé, Paris, La Fabrique, 2008, p. 23-24

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espectador da mesma história.”1

T. – Sim, eu conheço, não essa citação direta, mas eu conhe-ço essa idéia de Rancière de não pensar o espectador como alguém passivo, isso é muito importante. Eu estou de acordo com isso. Veja, é também o problema que eu tenho frequen-temente hoje com a arte que se pretende interativa, arte que se pretende community art, arte que se pretende education art, ou várias outras, é essa ideia de querer fazer as pessoas participa-rem, mas de fato as pessoas já participam, quer dizer, mesmo nos museus as pessoas participam, elas vão ver um quadro, elas participam, elas olham, elas são então espectadores de alguma coisa. Eu sempre fui contra esse tipo de frenesi de participação a todo custo que leva a reflexos que eu acho infantis, porque é necessário mostrar que as pessoas participam e este é o peri-go, é preciso resistir quando nós somos artistas contra isso, é por isso que é importante fazer alguma coisa, eu acho, mesmo quando é difícil ou quando não funciona direito, ou quando não tem ninguém lá. Eu estava lá quando não havia ninguém e tive de resistir a essa tentação de fazer funcionar essa coisa, porque o que a gente sabe? Talvez tenha alguém que olhe do alto do quinto andar essa coisa embaixo e se pergunte o que é e por que [está ali] e de alguma forma ele se coloca questões e ele já está ativo. Mas eu acho isso muito justo e verdadeiro.

B. – Você encontra na sua obra de arte esse desejo de ser con-tra as fronteiras?

H. – Sim, com certeza, porque o não-exclusivo é isso, ser con-tra as fronteiras de todas as ordens, racial, econômica, social, de língua, evidentemente, e eu penso realmente que a arte pode fazer isso, que toda arte, de toda civilização, diminua as fron-teiras e transgrida todas as leis que queira. É sempre a arte, eu penso também na arte dos aborígenes ou na arte de todas as civilizações. Evidentemente eu penso na arte de hoje também, eu acho que cabe a nós fazer uma arte que mostre isso e que acredite nisso, é importante para mim. O que eu acho muito justo no que ela [Gilia] disse é a fronteira de idade, eu acho isso muito justo porque havia crianças, pessoas idosas, é também a vida normal de uma habitação social, porque as pessoas moram ali e por isso tem todo tipo de gente. É por isso também que talvez o Museu Pompidou móvel ou outro projeto [de museu

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insitucional] devesse prestar atenção quando eles fazem apelo às escolas, pois se tem um público que mesmo se não é focado em si, fica restrito. Eu penso sempre nos habitantes que estão lá, isso quer dizer necessariamente os velhos, necessariamente os jovens, porque são os habitantes. Então, é isso que é bom, de alguma maneira é isso também o público não-exclusivo, no interior dele já está a não-exclusão, no interior de um edifício, mesmo de um andar, de cada um dos imóveis existe uma não--exclusividade em relação à idade das pessoas que ali vivem. Esses são os potenciais e é a força, é muito justo insistir sobre esse ponto da fronteira.

B. – Nós podemos fazer uma relação desse deslocamento do Centro Pompidou até a periferia, essa vontade de trabalhar com a periferia é também de atravessar uma fronteira?

T. – Sim. Eu não quero muito [trabalhar aqui] porque é a peri-feria, isso é um pouco francês, porque aqui é muito duro, existe esse lado de Paris e da periferia. Agora, eu sempre pensei nos habitantes e os habitantes mais diversos, os mais abertos de algum jeito, justamente os mais não-exclusivos, e menos por uma razão econômica, social, religiosa ou outra existente ali. Eu me interesso a fazer [as obras de arte] nos lugares mais peri-féricos porque é lá onde a maioria dos seres humanos habitam, nas grandes cidades é lá onde eles moram. Em Nova Iorque é igual, a maioria não mora em Manhattan, a maioria mora fora, no Bronx, no Queens, no Brookling então, por que não ir lá? É por isso que é lá, é uma escolha política também, eu acredito que há muitos artistas que fazem projetos todo o tempo nos centros das cidades, eles podem o fazer também, não tem pro-blema, eu escolhi fazer lá [na periferia] porque é mais coerente em relação às minhas ideias.

B. – Bem, obrigada.

T. – De nada. Eu fiz uma pequena entrevista com Rancière, você a leu?

B. – Não.

T. – Eu posso dar para você, é sobre a última experiência que eu fiz, foi o Spinosa Festival em Amsterdã que eu fiz também

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com os habitantes. Eu o fiz depois do Museu Precário, então ele estava lá dentro.

[ Thomas me dá o texto da sua entrevista com Rancière sobre as questões do Spinosa Festival. Em seguida ele mostra o mapa de estudo para encontrar um lugar para fazer o Monumento à Gramsci em Nova Iorque. ]

T. – Eu procuro o universal, mas o universal se exprime nas particularidades, em qualquer um, uma senhora ou um senhor que diz sim ou não. De repente um diálogo existe e é realmente como no Spinosa Festival, [lá] a pessoa mais importante para mim foi Sammy, ele é alguém que fez uma pista de corrida e trabalha para a prefeitura com os jovens. Ele mesmo era um antigo campeão de corrida. Eu o encontrei um dia e imediata-mente ele me escutou, ele tinha a mesma visão [que eu] não de arte, mas ele tinha uma visão do porque ele fazia o seu trabalho e no fim foi ele que me disse “faça aqui comigo.” Foi por isso que o projeto foi feito especificamente ali, porque o bairro é enorme. É por isso que eu irei à Nova Iorque, para que as pessoas me digam “faça aqui ou faça comigo”. É mais eles que decidem, não sou eu em certo sentido.

B. – Uma última pergunta que eu me lembrei. Muitas vezes quando eu lia o livro do Museu Precário eu fazia uma relação entre o artista brasileiro Hélio Oiticica, porque ele trabalha-va nas favelas e ele utilizava materiais precários. Ele tem uma citação que diz: “Seja marginal, seja herói” e aqui quando eu começo a ler a entrevista com Rancière... [vocês falam sobre a marginalidade]

H. – É bom isso, que você faça essa relação, mas bem, eu não pensei nisso quando eu escrevi , mas eu gosto muito de Hélio Oiticica. Eu descobri isso em Paris, magnífico artista. É um dos artistas que contam para mim, desde o início, eu te mos-tro a prova. Eu fiz uma vez um pequeno trabalho onde eu coloquei as pessoas que eu realmente gosto e ele estava lá, foi em 1993. Eu encontrei, minha lista com oito artistas entre eles Hélio Oiticica, eu fiz em 1993, mas foi publicado em 1995. A lista dos meus heróis, 1993.

B. – Muito obrigada.

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entrevista mônica nador

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6 maio 2013ateliê da artista e sede do jamac, são paulo,brasil

Berta de Oliveira Melo – Lendo seu mestrado eu me inte-ressei pelo seu projeto por essa interação da Arte e Peri-feria. A primeira pergunta que me surgiu foi o porquê de colocar o Paredes Pinturas nas cidades do interior e nas periferias, o que você acha que elas têm em comum?

Mônica Nador – Na verdade eu pensava sempre nas pe-riferias, mas as cidades do interior do Brasil foram as pri-meiras situações que surgiram e eu comecei a trabalhar, eu achei legal, que se enquadrava no meu quesito de levar arte para quem não conhece e para quem vive longe dos circuitos e não sabe para que serve arte. Então tem essa função também.

B. – De ir atrás de um público não especializado?

M. – Sim, totalmente. Dos esquecidos.

B. – O que motivou a criação do JAMAC, como foi esse processo?

M. – O desejo de fazer essa estamparia existe há mais de dez anos, desde 1999 e 2000 que eu sei que eu preciso fazer uma estamparia e ser um projeto gerador de renda, a par-tir dos desenhos da comunidade, auto-referente. Eu tentei implantar isso no primeiro bairro que eu pintei que foi em São José dos Campos, a Vila Rhodia, eu tentei fazer lá a Vila Rhodia Arte Clube, mas eu não consegui. A cultura é um negócio alheio àquela população, aquela cidade é de engenheiros, eles não entendem o papel da cultura, não estão interessados. Então eu tive que voltar para São Paulo, porque eu moro aqui desde o começo da FAAP.

B. – Como se deu a criação do JAMAC?

M. – Eu vim parar numa ONG aqui no começo dos anos 2000, que era da Milu Villela, que era uma coisa chamada Arte e Despertar.

B. – Ainda existe essa ONG aqui?

M. – Existe sim, eles são úteis para muita gente, mas é uma abordagem completamente diferente da minha. Tanto que

[Foto da página 132] Casa e pano de prato pintados com mesmo molde, Vila Rhodia, 1999.

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a conversa era para eu ficar lá no mínimo um ano e depois de três meses, eles já me deram a dispensa. Eu fiquei mui-to chateada, porque você cria vínculo e rompe toda hora, eu não estava muito satisfeita com esse jeito de fazer arte que o circuito me dava. Claro que eu estava querendo fazer uma coisa que não era no circuito. Eu fiquei muito chatea-da quando isso aconteceu e eu falei, quer saber, eu vou ser o meu próprio patrão. Resolvi vir morar aqui.

B. – E você já tinha se identificado com o bairro?

M. – Eu pensava na zona sul de São Paulo, não sei bem porque, mas eu vim parar aqui por causa dessa coisa da Milu, antes eu pensava no Capão Redondo, que era o lugar mais violento de São Paulo. Eu ficava muito preocupada com essas estatísticas de meninos de 13 a 25 anos negros da periferia morrendo feito mosca, essa coisa toda e a gen-te não fazendo nada. Então eu pensava em ir para um lugar assim, bem sem alternativa para a molecada, para virar uma alternativazinha.

Em que ano você se mudou para cá?

M. – Foi no começo de 2004.

B. – Primeiro você comprou uma casa aqui, depois virou um ponto de cultura?

M. – Não. Quando eu comecei a manifestar o desejo de vir para cá eu tinha amigos artistas que fazia tempo queriam trabalhar comigo, então eu comecei a apresentar a ideia e eles começaram a colar, gostar. Então viramos uma Asso-ciação para todo mundo fazer o trabalho. Mas o que acon-teceu é que os caras subverteram completamente a ideia e a gente começou a fazer as nossas reuniões lá no Sumaré, nunca participava ninguém daqui, a opinião do pessoal da-qui não interessava. O meu projeto e o meu propósito era construir algo com a comunidade e para a comunidade, não simplesmente para a comunidade e com terceiros. En-tão isso foi ficando cada vez mais evidente até que explo-diu e foi cada um para um lado.

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B. – Como surgiu o JAMAC?

M. – Eu sou uma artista que tem bastante espaço na mídia, e eu fui noticiando, fui criando um clima, as pessoas foram ficando curiosas, elas sabiam do JAMAC. A gente estava junto desde 2003 e em 2004 eu consegui esse dinheiro do Centro Cultural Banco do Brasil, eu tinha feito um edital, mas eu não queria fazer uma exposição, eu fiz o JAMAC. Foi isso o que aconteceu, ao invés de fazer o JAMAC so-zinha eu achei legal juntar um monte de gente, mas as pes-soas pensam muito diferente. Em 2006 rompeu tudo, aca-bou o dinheiro do Banco do Brasil e ninguém quis renovar nada, foi cada um para o seu lado. Assim que isso aconte-ceu eu fui convidada para participar da Bienal de Arte com o JAMAC, foi super legal, foi uma super repercussão. Vi-nha gente da Bienal para cá duas vezes por semana, a gente fez uma exposição aqui super bonitinha com artistas da região e também conosco, o Paredes Pinturas. A gente fez também uma Mostra de Cinema da Bienal, a gente trouxe vários coletivos para cá, fizemos várias oficinas. Aí foi isso o que aconteceu, foi virando o JAMAC. Quando eu vim para cá, como eu fui entrando... Eu fui construindo uma relação com as pessoas daqui. Então eu fiquei muito tempo vindo durante os domingos, tipo, um mês todo domingo e depois uns oito meses a cada quinze dias, até conseguir achar esse lugar.

B. – Isso em 2003?

M. – Isso em 2002 e 2003, exatamente de março ou abril de 2002 até o fim de 2003, que foi quando a gente encontrou a casa e já estava com o estatuto pronto.

B. – Estatuto para virar Ponto de Cultura?

M. – Não, estatuto para virar uma associação cultural e uma ONG, a gente queria que fosse uma ONG, era eu e um pessoal da arte, mas não vingou. Não, vingou, tinha bastante gente, mas era uma coisa... Era justamente isso que eu vim fazer, ficar aqui, não é fácil morar aqui, às ve-zes eu entro em depressão. Às vezes eu quero sair e não consigo encontrar táxi, de noite é muito perigoso, é outra

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vida. Mas eu me propus a isso, não tem jeito, eu sou uma abnegada.

B. – Como foi que se transformou em Ponto de Cultura?

M. – Em 2005, os outros artistas que estavam aqui tenta-ram inscrever o projeto nos pontos de cultura, mas eles fizeram uma coisa que não ficou boa. Era o ano do Brasil na França, a gente foi para lá três vezes, eu levei quatro meninos daqui, fizemos um grande trabalho, ficamos cinco semanas em Toulouse, foi super legal. Mas os artistas que tinham ficado inventaram de inscrever o projeto no MinC e graças a Deus não ganharam, porque eles reduziram esse projeto do Paredes Pinturas a uma oficina de estêncil. A coisa mais interessante era esse link com a comunidade e eles fizeram de novo algo fechado neles mesmos. Eu sou brava e ficava brigando com todo mundo, eu sou assim. Mas foi legal, porque eu passei de 7 a 8 anos só construin-do ele aqui dentro, trabalhamos muito por aqui, fizemos o Paredes Pinturas.

B. – Então como foi que se transformou em Ponto de Cul-tura?

M. – Em 2010 nós viramos Ponto de Cultura, eu já estava sabendo o que era, já tinha conhecido o Célio Turino, tinha visto ele falar aqui em Diadema, achei super legal o que ele estava fazendo. Então eu acho super legal você dar esse reconhecimento pra negada. Então eu fui nessa direção de virar um ponto. Eu fui roubada antes, mas é outra história.

B. – Aqui mesmo?

M. – É, por uma pessoa que me foi apresentada como re-presentante dos Pontos de Cultura na base da sociedade. Não era nada muito formal, era uma pessoa que me en-ganou, pois eu estava louca para fazer algo sem entender muito de lei. É difícil você não entender direito como a coisa funciona, não saber apertar os botões.

B. – Por isso eu queria entender como foi esse processo de ir se institucionalizando?

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M. – Viramos Ponto de Cultura e nos anos de 2006, 2007, 2008, 2009, tivemos o apoio do Centro de Cultura da Es-panha. Foi nesse período que o cinema funcionou muito bem, mas a partir de 2010, 2011 e 2012 acabou o apoio do Centro de Cultura da Espanha, porque ele foi embora do Brasil. Depois ficamos mais três anos como Ponto de Cultura e agora acabou.

B. – Acabou o Ponto de Cultura?

M. – Acabou, mas vamos nos reinscrever, o Ponto de Cul-tura dura três anos e temos que esperar abrir o edital. Ago-ra está numa fase de transição.

B. – E vocês têm apoio do Programa VAI da Secretaria Municipal?

M. – Temos. A pessoa que me roubou fez uma coisa boa, me aproximou do pessoal de cinema da região. Esse pesso-al está trabalhando aqui comigo, a Thais e o Gera. O Gera não é daqui, ele fez Ciências Sociais na PUC e trabalha com vídeo, com cinema. É super legal o trabalho dele, ele faz shows de hip hop no meio da meninada, ele forma umas turmas, faz festivais de hip hop, tem um programa que ele ganhou pelo VAI há uns três anos. A própria Thais tam-bém trabalhou com o VAI.

B. – Mas eles são daqui?

M. – O Gera não é, a Thais é, o Giba é e todas as pessoas, toda a meninada que veio estudar cinema aqui, que hoje está no mercado de cinema. Eles educaram um monte de gente. Perdemos o cinema com o advento dessa mesa de serigrafia. Então eu fui lá no Nabil, pois eu preciso de mais espaço, um projeto acabou expulsando o outro, a gente tem que ter mais espaço, isso aqui não é meu, é alugado, eu não consegui comprar ainda. Eu podia fazer um finan-ciamento mas o dono não quer vender a casa, vamos ver o que vai acontecer. Se decidirem que é área de interesse social eles podem intervir, vamos ver.

B. – Isso para mim ainda é difícil de entender, o JAMAC é

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um coletivo?

M. – O JAMAC na verdade é o meu ateliê aberto e que abriga também o grupo de cinema e os cafés filosóficos, que é uma coisa que o Mauro me pediu. O Mauro é essa pessoa que eu ia na casa dele uma vez por semana, metalúr-gico da minha idade, que levou borrachada nos anos 1970, da periferia, mas estudou Ciências Sociais durante 20 anos na PUC, conhecia o Miguel Chaia, uma figura.

B. – Como vocês se sustentam?

M. – Não é fácil, eu estou toda hora inventando, eu vivo como artista. Em 2011 a gente recebeu um dinheiro da Prefeitura para fazer esse trabalho no Pavilhão das Cul-turas Brasileiras, então a gente recebeu por essa exposi-ção. Fizemos [o Paredes Pinturas] no projeto convidados pela CDHU, entre 2008 e 2010. Em 2012 recebemos esse dinheiro da Prefeitura para implantar a estamparia. Ago-ra estamos no entremeio, porque não tem mais dinheiro para comprar material nem para pagar o Anderson que é o serígrafo que está vindo aqui ensinar. Então nós estamos fazendo no slowmotion.

B. – Eu queria saber qual foi a diferença de ter trabalha-do pontualmente com o Paredes Pinturas nas cidades do interior e a diferença de trabalhar aqui no JAMAC com a comunidade em um trabalho cotidiano.

M. – Na verdade é diferente isso aqui. Essa é uma pergunta difícil porque eu também não sei dizer. Já teve uma época em que eu achei que aqui era a minha trincheira, agora eu gostaria de ter mais liberdade para sair. Mas eu não con-segui isso, eu não guio, por exemplo, e eu detesto sair de casa e eu não posso mais tomar sol, eu estou com câncer de pele.

B. – Para fazer o Paredes Pinturas é complicado?

M. – Para mim é, eu tenho que ficar apenas pilotando. A gente tem prazo de validade.

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B. – Esse é um dos motivos para trazer para o tecido tam-bém ou não?

M. – Não, na verdade eu sempre quis fazer isso, eu acho que eu faria de qualquer jeito, uma coisa não substitui a outra. Eu sempre estou pensando um pouco em arte, eu já fico com vontade de pegar esses tecidos e forrar algo, fazer umas tendas árabes por aí.

B. – Uma coisa que aproxima o trabalho do Hirschhorn e o seu é que ele tinha dificuldades em relação à mídia para apresentar o projeto dele como sendo artístico e não social, ele queria defender que não era para ter sucesso era a pró-pria experiência que valia.

M. – Isso implica em mudar o conceito de arte da socieda-de, você olhar de outro jeito o artista, é difícil pra cacete. Tem muito erro em volta disso.

B. – Como foi a construção das relações com a comuni-dade?

M. – Eu comecei vindo aqui aos domingos, mas eu sou uma pessoa que fica muito em casa. Eu sou amiga de muita gente, mas eu saio muito pouco, eu gostaria de freqüen-tar mais as coisas do bairro, mas é um aprendizado fazer isso. Agora eu estou num outro movimento, de me integrar mais inclusive com as pessoas do bairro. O Mauro e um pessoal construíram a Rádio Poste, que é um microfone li-vre para quem quiser falar na praça domingo de manhã no meio da feira livre, uma vez por mês, é um jeito de a gente socializar, assim como o café filosófico.

B. – Vocês são quantos por enquanto?

M. – Nós não somos muitos, somos eu, o Paulo, o Ivi, a Dani, o Fabinho. O Fabinho e o Ivi vêm todo dia, a Dani e o Paulo de três a quatro vezes por semana. Depois tem o pessoal do cinema, a Thais, o Giba, e mais uns dois ou três rapazes. Mas não somos muitos, mas essas ações ocupam muita gente.

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B. – Do seu ponto de vista porque você acha que as pes-soas tendem a encarar projetos artísticos como se fossem assistencialistas?

M. – Eu acho que isso é má informação, quem não sabe. As pessoas têm sempre um olhar viciado, para entender uma coisa nova demora. A nossa sociedade é muito con-servadora.

B. – Como foi que surgiu para você a ideia de capacitar as pessoas e de envolvê-las na concepção do trabalho?

M. – Essa ideia é a de que eu sei fazer esse trabalho e é uma coisa legal, fácil, bonita, pode dar emprego, sabe? Eu que-ria contribuir e eu não sabia como faz um artista plástico para contribuir. Eu estudei arquitetura de 1974 a 1976, eu sempre tive essa aproximação com a população de interes-se social.

B. – Quando você envolveu a população o trabalho passou a ser coletivo.

M. – Autoria compartilhada é uma coisa que eu fui apren-dendo. O primeiro trabalho foi lá na Bahia e na segunda vez que eu fiz, no meio da conversa alguém me falou que o trabalho era para eles. Enfim, eu entendi que fazendo esse trabalho eu não poderia chegar com uma representação da realidade simbólica deles, já dar a priori era contraditório, então esse foi o caminho de eu abrir. Não é fácil, foi um exercício, cada trabalho eu ia chegando mais perto, e cada um é uma experiência, sempre é.

B. – O que te motiva a fazer esse trabalho coletivo?

M. – Que pergunta difícil, porque eu realmente só estou fazendo isso porque eu sou teimosa. Eu acho importante a ideia de cultura viva do jeito que o Célio Turino pensa, eu acho legal isso de criar redes de sociabilidade para além dos bares daqui.Eu sou uma pessoa séria, eu quero trabalhar de verdade e eu acho que o meu trabalho tem essa contribui-ção. Eu vim para cá porque eu não aguentava mais essas notícias de meninos morrendo e achava que eu podia con-

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tribuir criando alternativas para as pessoas daqui. O Paulo é um exemplo, está fazendo arquitetura, virou grafiteiro, já viajou bastante comigo, foi para a Coréia ano passado, foi para França, já foi para a Colômbia representar o JAMAC. Eu acho que eu tenho que contribuir enquanto estivermos vivos.

B. – Eu achei muito bonito quando você falou no seu mes-trado e de novo aqui, sobre o desvio da proposta inicial ao incorporar novos elementos do belo. Muito bonita essa abertura sua ao novo, ao desconhecido. Eu achei que isso tem a ver com você conseguir reconhecer o belo no outro.

M. – Puxa, obrigada, porque isso já é uma grande coisa. Eu estou aberta mesmo, porque eu acho que a gente tem que repensar o papel do artista. A gente não precisa de mais gê-nios, a gente precisa de quem trabalhe. A gente não precisa de mais celebridade. Eu acho que se trata de colocar a arte em outro lugar.

B. – Bem, eu acho que é isso, você quer falar ainda alguma coisa do papel do artista?

M. – Temos que usar o nosso saber para construir tecido social, tecido de inclusão. Aqui em São Paulo a cultura tem que ter um papel diferente dos outros lugares, aqui a gente tem muitos problemas sociais, não dá para fazer de conta que é Paris.

B. – E a relação entre arte e cultura?

M. – Eu não consigo estabelecer uma distinção, não con-sigo nem pensar que uma não é sinônimo da outra. Então, essa categoria Arte do jeito que a gente conhece é uma invenção do Iluminismo, tanto que eu resolvi ser contra.

B. – Muito obrigada.

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