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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
Departamento de Economia e Contabilidade Departamento de Estudos Agrários
Departamento de Estudos da Administração Departamento de Estudos Jurídicos
CURSO DE MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO
SABRINA DALLEPIANE
A SAÚDE PÚBLICA BRASILEIRA EM MUNICÍPIOS DA 17ª COORDENADORIA REGIONAL DE SAÚDE DO RIO GRANDE DO
SUL (CRS/RS): Reflexões sobre descentralização
Ijuí
2009
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTU SENSU EM
DESENVOLVIMENTO ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: GESTÃO E POLÍTICAS DE
DESENVOLVIMENTO LINHA DE PESQUISA: GESTÃO DE ORGANIZAÇÕES PARA O
DESENVOLVIMENTO
Sabrina Dallepiane
A SAÚDE PÚBLICA BRASILEIRA EM MUNICÍPIOS DA 17ª COORDENADORIA REGIONAL DE SAÚDE DO RIO GRANDE DO
SUL: Reflexões sobre descentralização
Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Desenvolvimento, requisito para a obtenção do título de Mestre em Desenvolvimento, sob a orientação do professor Dr. Dieter Rugard Siedenberg e co-orientação do professor Msc. Sérgio Luis Allebrandt.
Ijuí
2009
Catalogação na Publicação
D146s Dallepiane, Sabrina. A saúde pública brasileira em municípios da 17. Coordenadoria Regional de Saúde do Rio
Grande do Sul: reflexões sobre descentralização/ Sabrina Dallepiane. – Ijuí, 2009. – 197 f; 30 cm.
Dissertação (mestrado) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí). Desenvolvimento.
“Orientação: Dieter Rugard Siedenberg”
1. Saúde. 2. Saúde pública. 3. Gestão pública. 4. Políticas públicas. I Siedenberg, Dieter Rugard. II. Título. III. Título: Reflexões sobre descentralização.
CDU: 614 614 (816.5)
Patrícia da Rosa Corrêa CRB10/1652
UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento – Mestrado
A Banca Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação
A SAÚDE PÚBLICA BRASILEIRA EM MUNICÍPIOS DA 17ª
COORDENADORIA REGIONAL DE SAÚDE DO RIO GRANDE DO
SUL (CRS/RS): REFLEXÕES SOBRE DESCENTRALIZAÇÃO
elaborada por
SABRINA DALLEPIANE
Como requisito parcial para a obtenção do grau de
Mestre em Desenvolvimento
Banca Examinadora:
Prof. Dr. Dieter Rugard Siedenberg (UNIJUÍ):____________________________________
Prof. Gilnei Luiz de Moura (UNICRUZ):_________________________________________
Prof. Dr. Fernando Guilherme Tenório (UNIJUÍ/FGV):_____________________________
Prof. Msc. Sergio Luis Allebrandt (UNIJUÍ):______________________________________
Ijuí (RS), 22 de abril de 2009.
Ofereço Esse Trabalho e Agradeço
Aos meus pais, Julieta e Francisco Osório e aos meus irmãos Rodrigo e Francisco.
Ao meu noivo Júlio Cezar.
Aos meus orientadores, Dieter Rugard Siedenberg e em especial ao professor Sérgio Luis
Allebrandt, que incentivou e enriqueceu esse estudo com seus conhecimentos.
Aos secretários municipais de saúde e profissionais da 17ª CRS-RS que aceitaram
participar dessa pesquisa.
RESUMO
Este estudo aborda a visão de gestores locais e regionais de saúde sobre o processo de
descentralização da saúde pública brasileira, discutindo a participação da sociedade civil na
gestão do sistema e a última grande reformulação do setor, o Pacto pela Saúde, de 2006.
Trabalhando dados empíricos e teóricos, através de uma pesquisa de caráter interpretativo e
qualitativo, propõe-se um repensar sobre os temas em questão, ouvindo profissionais atuantes
junto à 17ª Coordenadoria Regional de Saúde do Rio Grande do Sul (17ª CRS/RS) e
secretários municipais de saúde de 10 municípios de abrangência desta Coordenadoria. São
problematizados os avanços, retrocessos, receios e desejos para com esse sistema complexo e
dinâmico que é a saúde pública brasileira. No referencial teórico são discutidos os diferentes
modelos de gestão pública que marcaram a trajetória brasileira; são analisados o federalismo e
as relações intergovernamentais no processo da gestão descentralizada das políticas públicas;
a trajetória das políticas da saúde pública no Brasil e o processo de construção e implantação
do SUS através das normas operacionais e mais recentemente através do Pacto pela Saúde. A
interpretação e análise dos dados evidenciam que os gestores entrevistados acreditam que o
processo de descentralização proporcionou maior efetividade das ações de saúde em nível
local, e que, além disso, contribuiu para que o secretário municipal de saúde passasse de
executor a gestor das políticas públicas de saúde; entretanto são observados atritos entre as
esferas de governo, especialmente com relação à questão do financiamento do sistema. No
que diz respeito à participação popular junto aos conselhos e conferências de saúde os relatos
assinalam reduzida participação, sendo apontados como motivos questões culturais e
políticas; sobre o funcionamento dos conselhos são observadas discordâncias entre os
gestores sobre sua efetividade. O Pacto pela Saúde é defendido pelos profissionais da 17ª
CRS/RS como um instrumento de cidadania; no entanto, os gestores locais o vêem como uma
ação vertical do governo federal, que pode sobrecarregar a saúde municipal. Os resultados
apontam para a necessidade de se estimular o diálogo entre os diferentes atores envolvidos na
gestão da saúde pública (secretários municipais, gestores regionais, estaduais e federais,
sociedade civil e trabalhadores da saúde) para que se avance política e democraticamente na
contínua implantação do SUS e para que se adote na gestão da saúde um efetivo modelo de
gestão social, plural, transparente e baseado na democracia deliberativa.
ABSTRACT
This study addresses the vision of local and regional health administrators about the process
of decentralization of brazilian public health, discussing civil society participation in the
management of the system and the last major reform of the sector, the pact for Health, 2006.
By working empirical and theoretical data, through a qualitative and interpretative research, it
proposes a rethinking on the concerned issues, hearing professionals with the 17th Regional
Coordination Health of Rio Grande do Sul (17th CRS/RS) and municipal health secretaries of
10 municipalities covered by the Coordinator. Advances, setbacks, fears and desires related to
the complex and dynamic system that is the Brazilian public health are problematized in the
present work. The different models of governance that characterized the Brazilian history are
discussed in the theoretical framework; federalism and intergovernmental relations in the
process of decentralized management of public policies are analyzed; the trajectory of public
health policies in Brazil and the process of construction and deployment of SUS through the
operational standards and more recently through the Pact of Health. Interpretation and
analysis of data showed that the interviewed managers believe that the decentralization
process provided greater effectiveness of health actions at local level and, moreover, it
contributed to the municipal health secretary became, from the executor to manager of public
health policies; but conflicts between the spheres of government are seen, especially with
regard to the financing of the system. With regard to popular participation in the health
councils and conferences, reports indicate low participation, and pointed out as reasons for
that some cultural and political issues; on the functioning of the councils, disagreements
between the managers on their effectiveness are observed. The Pact for Health is supported by
professionals in the 17th CRS/RS as an instrument of citizenship; however, local managers
see it as a vertical action of the federal government, which can overload the municipal health.
The results point to the need of encouraging the dialogue between different actors that are
involved in the management of public health (municipal secretaries, regional, state and federal
managers, civil society and health workers) to make progress in the continued deployment of
SUS political and democratically and to realize the adoption of an effective health
management model in the management that should be social, pluralistic, transparent and
based on deliberative democracy.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento
BIRD – Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento
CEBES – Centro Brasileiro de Estudos em Saúde
CEO – Centro de Especialidades Odontológicas
CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina
CEPEAD – Núcleo de Estudos de Gestão Social
CES – Conselho Estadual de Saúde
CIB – Comissão Intergestores Bipartite
CISA – Consórcio Intermunicipal de Saúde
CIT – Comissão Intergestores Tripartite
CMS – Conferência Municipal de Saúde
CNS – Conferência Nacional de Saúde
CNSS – Conferências Nacionais de Saúde
COGERE – Conselho de Gestores Regional
COMUS – Conselhos Municipais de Saúde
CONASEMS – Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde
CONASS – Conselho Nacional de Secretários de Saúde
CRS – Coordenadoria Regional de Saúde
CRS/RS – Coordenadoria Regional de Saúde do Rio Grande do Sul
DASP – Departamento Administrativo do Serviço Público
EBAPE – Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas
EC 29– Emenda Constitucional 29
FGV – Fundação Getúlio Vargas
FMI – Fundo Monetário Internacional
FSESP – Fundação de Serviços Especiais de Saúde Pública
GM/MS nº 399 – Gabinete do Ministro/Ministério da Saúde nº 399
INAMPS – Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
LOS – Lei Orgânica da Saúde
MARE – Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE)
MESP – Ministério de Educação e Saúde Pública
MS – Ministério da Saúde
MS/SIOPS – Ministério da Saúde/Sistema de Informações sobre Orçamento Público em
Saúde
NOAS – Norma Operacional de Assistência à Saúde
NOAS/SUS – Norma Operacional de Assistência à Saúde do SUS
NOBs – Normas Operacionais Básicas
NOB/SUS – Norma Operacional Básica do SUS
OMS – Organização Mundial da Saúde
ONGS – Organizações Não Governamentais
OPS – Organização Pan-Americana da Saúde
PAB – Piso de Atenção Básica
PAP – Programação das Ações Prioritárias
PDI – Plano Diretor de Investimentos
PDR – Plano Diretor de Regionalização
PEGS – Programa de Estudos em Gestão Social
PPI – Programação Pactuada e Integrada
PSF – Programa Saúde da Família
PT – Partido dos Trabalhadores
SAMU – Serviço de Atendimento Móvel de Urgência
SIA/SUS – Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS
SIH/SUS – Sistema de Informações Hospitalares do SUS
SSMA/RS – Saúde, Segurança e Meio Ambiente do Rio Grande do Sul
SUDS – Sistema Unificado de Saúde
SUS – Sistema Único de Saúde
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................10
CAPÍTULO 1: CONTEXTUALIZANDO O ESTUDO ......................................................12 1.1 Delimitando o tema.............................................................................................................13 1.2 A problemática da pesquisa ................................................................................................15 1.3 Objetivos .............................................................................................................................17
1.3.1 Objetivo geral.......................................................................................................17 1.3.2 Objetivos específicos ...........................................................................................17
1.4 Justificando a importância do estudo..................................................................................17 1.5 O caminho metodológico ...................................................................................................20
1.5.1 A opção metodológica .........................................................................................20 1.5.2 O Universo e a amostra da pesquisa ....................................................................22 1.5.3 Sujeitos da pesquisa .............................................................................................23 1.5.4 Plano de análise e interpretação dos dados ..........................................................24
CAPÍTULO 2: A GESTÃO PÚBLICA BRASILEIRA.......................................................26 2.1 A administração pública patrimonialista ............................................................................26 2.2 A administração pública burocrática ..................................................................................28 2.3 A administração pública gerencial......................................................................................33 2.4 Uma nova forma de gestão: a gestão social ........................................................................43
CAPÍTULO 3: A GESTÃO DESCENTRALIZADA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE NO BRASIL: a trajetória do SUS...........................................................................52 3.1 O federalismo brasileiro e a gestão descentralizada das políticas públicas ........................52 3.2 A trajetória da saúde pública brasileira nas duas últimas décadas......................................56
3.2.1 O Sistema Único de Saúde (SUS)........................................................................58 3.2.2 O processo de implantação do SUS: As Normas Operacionais...........................60
3.2.2.1 Norma Operacional Básica do SUS – NOB/SUS 01/91 .......................61 3.2.2.2 Norma Operacional Básica do SUS – NOB/SUS 01/93 .......................63 3.2.2.3 Norma Operacional Básica do SUS – NOB/SUS 01/96 .......................65 3.2.2.4 Normas Operacionais da Assistência à Saúde – NOAS/SUS 01/2001 e
NOAS/ 01/2002 ........................................................................................................... 66 3.2.3 O Pacto pela Saúde ..............................................................................................68
CAPÍTULO 4: A SAÚDE PÚBLICA BRASILEIRA EM MUNICÍPIOS DA 17ª CRS/RS: Reflexões sobre descentralização, participação da sociedade civil e Pacto pela Saúde ........................................................................................................................................74 4.1 Os dilemas da descentralização ..........................................................................................74 4.2 A participação da sociedade civil na gestão do SUS ..........................................................88 4.3 O Pacto pela Saúde 2006 e a regionalização do SUS .......................................................104
CONCLUSÃO .......................................................................................................................120
REFERÊNCIAS....................................................................................................................128
ANEXO A – ROTEIRO PARA AS ENTREVISTAS........................................................136
ANEXO B – LEI Nº 8.080/90 ...............................................................................................138
ANEXO C – LEI Nº 8.142/90 ...............................................................................................156
ANEXO D – PORTARIA Nº 399/06 ...................................................................................159
INTRODUÇÃO
Este trabalho é fruto de muitas preocupações como profissional da saúde, atuando na
rede privada, mas com um contato direto com a rede pública através da prestação de serviços
ao Sistema Único de Saúde (SUS), e com o desejo de se inserir de forma mais efetiva nesta
área. Preocupações que não são só desta pesquisadora, mas de muitos colegas que enfrentam
diariamente a tarefa de consolidar nosso sistema de saúde pública.
Optou-se pelo estudo sobre o setor público da saúde pela identificação profissional
com a área e por acreditar-se no SUS como um sistema inovador, que está em constante
mutação. Também, por observar entre os colegas, a falta de compromisso na defesa do SUS e
na sua apropriação como cidadãos.
Este estudo procura conhecer a visão dos atores envolvidos no processo de gestão do
SUS, de âmbito local e regional, sobre a descentralização dos serviços de saúde a partir da
criação do SUS, abordando a participação da sociedade civil na gestão do sistema e a última
grande reformulação do setor, o Pacto pela Saúde, de 2006.
Trabalhando dados empíricos e teóricos propõe-se um repensar sobre os temas em
questão, ouvindo secretários de saúde e profissionais atuantes junto à 17ª Coordenadoria
Regional de Saúde do Rio Grande do Sul (17ª CRS-RS), sobre os avanços, retrocessos,
receios e desejos para com esse sistema complexo e dinâmico que é a saúde pública brasileira.
A dissertação está organizada em quatro capítulos. No primeiro contextualiza-se o
estudo, apresentando e delimitando o tema da pesquisa, os motivos que levaram a estudar esta
temática, justificando sua relevância e definindo e detalhando os objetivos. Neste mesmo
capítulo, explicita-se a opção metodológica, o universo e amostra do estudo, os sujeitos
pesquisados e o plano de análise e interpretação dos dados.
O segundo e terceiro capítulos constituem-se na construção do quadro teórico de
referência, no qual se objetiva recuperar na literatura os elementos que se constituem em
variáveis importantes para definir a moldura em que está inserida a presente proposta de
pesquisa. No segundo capítulo, “A gestão pública brasileira”, aborda-se a trajetória da gestão
pública no Brasil, pincelando seus diferentes modelos: patrimonialista, burocrática, gerencial,
com destaque para a gestão pública societal/social, sendo destacadas algumas características
das políticas de saúde pública nos diferentes períodos.
No terceiro capítulo, “A gestão descentralizada das políticas públicas de saúde no
Brasil: a trajetória do SUS”, é analisado o federalismo brasileiro e as relações inter-
governamentais no processo da gestão descentralizada das políticas públicas; é apresentado
um histórico da saúde pública no Brasil e descrito em linhas gerais o processo de construção e
implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) através das normas operacionais e mais
recentemente através do Pacto pela Saúde, que traz à tona novas questões a respeito do papel
dos diferentes entes federados na área da saúde.
No quarto e último capítulo, “A saúde pública brasileira em municípios da 17ª CRS-
RS: Reflexões sobre descentralização, participação da sociedade civil e Pacto pela Saúde”
propõe-se uma análise sobre o processo de descentralização da saúde, discutindo a
participação da sociedade civil na gestão do sistema e o Pacto pela Saúde, através da visão
dos atores pesquisados, que atuam na 17ª CRS-RS ou nos sistemas municipais que integram
esta Coordenadoria. São discutidos os pontos positivos e negativos da descentralização dos
serviços de saúde das instâncias federal e estadual à municipal; as práticas dos conselhos e
conferências de saúde, bem como a participação da sociedade civil junto aos órgãos
deliberativos, e os entendimentos dos gestores sobre o Pacto pela Saúde, aprovado em 2006.
Este trabalho, enfim, procura instigar nos sujeitos participantes, demais gestores,
usuários e profissionais da saúde, o reconhecimento do SUS enquanto sistema democrático e
sua apropriação como instrumento de cidadania. Proporcionar o diálogo entre os gestores, que
estão diretamente envolvidos na gestão da saúde local e regional, sobre pontos estruturantes
da saúde pública, como os temas abordados neste trabalho, essenciais para o amadurecimento
e consolidação da saúde pública brasileira.
CAPÍTULO 1
CONTEXTUALIZANDO O ESTUDO
Definir-se por algo ou fazer uma opção não é um ato isolado, descontextualizado.
Todas as escolhas tem um porquê, um para quê e um como, mesmo que não estejam
explícitos. É um misto de objetividade e subjetividade que permeia o cotidiano, impulsiona
para frente ao mesmo tempo em que obriga a resgatar tudo o que se é: as práticas, as teorias,
as preocupações, as alegrias, as ansiedades, as necessidades, questionar faltas e sonhar,
acreditar e ter utopias.
Pesquisar é construir caminhos e cada caminho tem sua história. História essa
compreendida não somente como a já feita, mas, nas palavras de Castoriadis (1992, p. 111),
“a história que está sendo feita, e a história a ser feita. Essa história é essencialmente
criação, criação e destruição”.
Criação e destruição porque a retomamos, reafirmamos, e disso “decorre que nos
situamos relativamente ao que é, ao que poderá ser, e mesmo ao que foi, como atores
críticos. Não podemos mudar o que foi, contudo podemos mudar o olhar sobre o que foi”
(CASTORIADIS, 1992, p. 112).
A definição pelo tema de discutir a visão dos atores envolvidos no processo de gestão
do SUS sobre descentralização, com enfoque na participação da sociedade civil na gestão do
sistema e no Pacto pela Saúde, de 2006; e a construção dos rumos que o presente tema tomou,
estão intimamente relacionados com a história de vida pessoal e profissional do pesquisador,
porque os homens e mulheres não são coisas compartimentalizadas como as ciências
modernas hoje se encontram.
O grande desafio que se coloca aos pesquisadores é buscar o equilíbrio entre razão e
sensibilidade, entre o empírico e o teórico, pensar e trabalhar com o sujeito em si, não
fragmentado, com seu imaginário e suas percepções, sua condição de ser e se constituir como
um sujeito cidadão.
1.1 Delimitando o tema
A saúde pública brasileira apresenta um leque imenso de temáticas interessantes de
serem estudadas. Considerada uma das áreas mais complexas e dinâmicas do setor público, é
responsável pela oferta de um direito fundamental e indispensável a qualquer cidadão - o
direito à saúde; possui uma estrutura física e humana extraordinária e um histórico de muitas
conquistas; a saúde pública encanta alguns e desencanta muitos outros.
Como todos os setores dinâmicos, a saúde pública está em permanente mutação,
passando ano a ano por redefinições do seu perfil de gestão e de assistência à saúde. Dentre
muitas conquistas, a grande reforma do setor ocorreu com a criação do Sistema Único de
Saúde (SUS), instituído pela Constituição Federal de 1988 e regulamentado pelas Leis nº
8080/90 (Lei Orgânica da Saúde) e nº 8.142/90, com o objetivo de mudar a situação de
calamidade em que se encontrava a saúde no Brasil.
A reforma sanitária que deu origem ao SUS pode ser considerada a maior reforma da
história do setor público brasileiro, transformando um sistema privatista, excludente e
essencialmente curativo, em um modelo universal e gratuito. O SUS conforma o atual modelo
público de prestação de serviços e ações de saúde em âmbito nacional, com princípios e
diretrizes que fazem dele um sistema ímpar no mundo:
Em sua concepção original, o SUS visa integrar os subsistemas de saúde pública e de assistência previdenciária, bem como, os serviços públicos e privados, em regime de contrato ou convênio, num sistema único e nacional, de acesso universal e igualitário, organizado de forma regionalizada e hierarquizada, sob comando único em cada nível de governo, segundo as diretrizes da descentralização administrativa e operacional, do atendimento integral à saúde e da participação da comunidade visando ao controle social (VIANA; LIMA; OLIVEIRA, 2002, p. 498).
Nas décadas seguintes à aprovação da Lei 8.080, através de normas operacionais
instituídas por portarias ministeriais, foram reformulados os papéis e funções das três esferas
de governo - municipal, estadual e federal. Iniciava-se o processo de transferência de
responsabilidades e recursos do âmbito federal e estadual ao município:
Reformularam-se os papéis na oferta de serviços, na gerência de unidades e na gestão do sistema de saúde. Adotaram-se novos critérios de alocação e transferência de recursos e criaram-se novas instâncias colegiadas de negociação, integração e decisão, envolvendo a participação dos gestores, prestadores, profissionais de saúde e usuários, através da formação dos Conselhos de Saúde nos diferentes níveis de
governo e das Comissões Intergestores Tripartite e Bipartite, de caráter mais especializado e restrito, envolvendo a participação dos gestores da política nos planos federal, estadual e municipal (VIANA; LIMA; OLIVEIRA, 2002, p. 499).
A última grande reformulação do setor saúde ocorreu em 2006, com a aprovação do
Pacto pela Saúde, que vêm substituir, complementar e aperfeiçoar o que as normas
operacionais deixaram a desejar. O Pacto é um conjunto de reformas institucionais do SUS
pactuado entre as três esferas de gestão (União, Estados e Municípios) com o objetivo de
promover inovações nos processos e instrumentos de gestão. Dentre as mudanças trazidas
pelo Pacto destaca-se a substituição do atual processo de habilitação pela adesão solidária aos
Termos de Compromisso de Gestão e a regionalização solidária e cooperativa como eixo
estruturante do processo de descentralização.
Pode-se observar que a implantação e a gestão do SUS são processos extremamente
dinâmicos e que possuem muitas repercussões nas diferentes esferas de governo, produzindo
expressivas mudanças no modelo de saúde atual e, conforme Lucchese (2003), profundas
modificações no modo de atuação do Estado brasileiro no campo social.
O município, através da descentralização dos serviços de saúde, vem recebendo ao
longo de quase 20 anos, autonomia e inúmeras responsabilidades. Antes da Lei 8.080, a União
era a grande responsável pelos serviços de saúde, enquanto que aos estados e municípios
cabiam apenas ações de promoção da saúde e prevenção de doenças. Através da
institucionalização do SUS, das normas operacionais e da aprovação em 2006 do Pacto pela
Saúde, o município passou de coadjuvante a grande protagonista das ações de saúde no Brasil.
Diante do panorama exposto, a presente pesquisa se propõe a analisar questões
fundamentais relacionadas à gestão do sistema de saúde, a partir da visão de gestores locais e
estaduais (coordenadores regionais de saúde). Em primeiro lugar, se discute os avanços e
retrocessos causados pelo contínuo processo de descentralização das ações e serviços do
governo federal e estadual ao local. A descentralização tem sido defendida e aclamada por
muitos gestores e profissionais como sendo a melhor maneira de se alcançar uma gestão mais
eficiente, igualitária e democrática. Entretanto, questionamentos começam a surgir sobre o
fato desse processo acabar sobrecarregando o orçamento municipal, como conseqüência dos
insuficientes recursos repassados por parte da União e Estados. Questiona-se também a real
capacidade local na administração do vasto leque de ações e procedimentos do setor.
Pergunta-se, enfim, se as ineficiências geradas no processo de descentralização não dificultam
sobremaneira que os objetivos do SUS sejam alcançados.
Outra questão fundamental relaciona-se a participação da sociedade civil na gestão do
sistema. A gestão social é aquela que envolve diferentes atores em um processo dialógico que
busca o bem comum. No caso da saúde, a participação dos cidadãos e usuários vem ganhando
espaço desde a criação do SUS, em 1990; no entanto, as experiências locais mostram que a
prática participativa não está consolidada, sendo observado nos conselhos, conferências e
outros espaços de discussão, reduzida participação popular. As políticas acabam por serem
criadas, formatadas e conduzidas exclusivamente pelos gestores, sem a interferência e
contribuições da sociedade civil, que irá usufruir dos serviços, e dos trabalhadores da saúde
que moldam o sistema.
Como último item de análise, discute-se a visão do gestor local sobre o Pacto pela
Saúde e seus conseqüentes impactos para a gestão municipal. Apesar de sua instituição em
fevereiro de 2006, os municípios em sua grande maioria ainda não aderiram ao pacto. São
analisados os avanços e desafios em direção a uma gestão mais regionalizada, bem como as
iniciativas locais nesse sentido.
Os itens de análise do presente trabalho são tidos como pilares estruturantes do SUS.
São eles que dão ao nosso sistema de saúde suas características essências: a de um sistema
horizontal, que divide poder entre os entes federados, ou seja, descentralizado; com um
modelo de gestão social, aberto à participação da sociedade civil em diferentes instâncias; e
dinâmico, possuindo instrumentos (normas e agora pactos) que buscam aperfeiçoar
constantemente o sistema, reafirmando suas características democráticas.
Tem-se a gestão da saúde pública brasileira como o item chave para a formulação de
um sistema de saúde que atenda aos princípios da universalidade, igualdade e integralidade,
ainda tão distantes do esperado. Para que isso ocorra, essa gestão precisa evoluir em muitos
sentidos. Discutir junto aos gestores locais e regionais é um primeiro passo para construir
caminhos em direção a uma gestão participativa, dialógica, mais democrática e eficiente.
1.2 A problemática da pesquisa
O setor público da saúde no Brasil evoluiu muito nos últimos vinte anos, se
compararmos ao modelo de saúde existente anteriormente, quando o acesso aos serviços era
restrito a uma pequena parcela da população: os trabalhadores formais contribuintes da
previdência. A grande maioria da sociedade ficava à mercê de atendimentos precários ou
dependentes do setor privado.
Pode-se dizer que a saúde pública passou por uma intensa reforma democratizante ao
passar de um modelo privatista, curativo e discriminatório, que concentrava o poder decisório
no governo central, a um modelo universal, gratuito, com ênfase na atenção primária e que
abriu caminhos para a participação da sociedade civil como co-gestora do novo sistema.
A problemática do presente estudo se concentra na reflexão de que apesar dos
avanços, a saúde pública brasileira ainda é lembrada e caracterizada, tanto pela população,
quanto gestores e profissionais da área, de forma negativa. As características atribuídas ao
SUS são de um sistema precário, não humanizado, de baixa qualidade e para pobres, no qual
as pessoas morrem nas filas à espera por atendimento. Sendo assim, discutir questões centrais
para o amadurecimento e consolidação do SUS se torna essencial na busca de uma saúde
pública de melhor qualidade.
Acreditando na importância da valorização da opinião dos atores envolvidos
diretamente no processo de gestão do SUS, propõe-se conhecer a opinião desses atores sobre
descentralização, participação social e Pacto pela Saúde.
Sendo assim, formula-se o problema da pesquisa: Os gestores locais e estaduais
(coordenadores regionais de saúde) de saúde acreditam que o processo de descentralização,
participação da sociedade civil na gestão do sistema e Pacto pela Saúde, contribuem para o
fortalecimento do sistema de saúde pública brasileiro?
A partir desta questão pretende-se construir um diálogo entra a teoria e as vivências
dos sujeitos pesquisados, e assim, atingir os objetivos propostos.
1.3 Objetivos
Para responder ao problema de pesquisa, apresenta-se um objetivo geral e seu
detalhamento em objetivos específicos.
1.3.1 Objetivo Geral
Como objetivo geral deste trabalho, propõe-se: Analisar a trajetória da gestão do
sistema público de saúde brasileiro a partir da visão dos gestores locais (secretários de saúde)
e estaduais (profissionais da 17ª Coordenadoria Regional de Saúde/RS) sobre
descentralização, participação da sociedade civil na gestão do SUS e Pacto pela Saúde 2006.
1.3.2 Objetivos Específicos
a) Conhecer a trajetória do sistema público de saúde no Brasil;
b) Conhecer e analisar a percepção dos gestores sobre o processo de descentralização e
seu impacto nas práticas locais de saúde;
c) Identificar, através da visão do gestor local, avanços em direção a uma gestão
partilhada entre a sociedade civil, profissionais e demais cidadãos;
d) Analisar a visão do gestor local sobre o Pacto pela Saúde.
1.4 Justificando a importância do estudo
O SUS é uma das reformas sociais mais amplas do Brasil, fruto de uma conquista
popular e democrática. Contudo, muitas vezes, a estrutura do Estado não tem ainda os
elementos a viabilizar todas as propostas, ou seja, são muitos os desafios a serem enfrentados
para que se alcance os ideais de integralidade, equidade e universalidade na assistência à
saúde.
Nas palavras de Martins Júnior (2004, p. 12)
o SUS passou por um processo de normatização muito intenso, partindo de um momento em que os municípios não tinham participação alguma, e os estados, uma participação muito pequena na gestão da saúde, sendo necessário trazer esses atores para o cenário da gestão dessa política.
Para Mendes (2004), há uma falsa idéia de que ao mudar a norma os problemas do
SUS serão resolvidos; na visão do autor, uma nova norma é uma condição necessária, mas
não é suficiente para melhorar o SUS. Como afirma Goulart (2001, p. 293) “passamos por um
processo de esculpir o SUS a golpes de portarias”. No entanto todas essas mudanças
constitucionais não significam mudanças reais nas práticas locais de saúde, isto é, mudanças
efetivas no modelo assistencial até hoje vigente e na melhora da saúde da população.
Diante desse contexto, a gestão do sistema brasileiro de saúde pública se apresenta
como área crítica, exigindo uma atualização permanente através de estudos e pesquisas sobre
a forma como se expressa a tensão entre a busca de redefinição das práticas de saúde em
direção à universalidade, eqüidade e integralidade (princípios do SUS estabelecidos na Lei
Orgânica da Saúde) e os limites financeiros, políticos e organizacionais para se alcançar a
operacionalização desses princípios no cotidiano do sistema.
Desde a criação do SUS e dos seus subseqüentes instrumentos de regulamentação (as
normas operacionais) os municípios têm visto aumentar suas responsabilidades em relação à
organização e operacionalização dos sistemas locais de saúde. Esse movimento de
descentralização, de um conjunto importante de responsabilidades e de recursos das esferas
superiores do sistema para os municípios é reconhecido, hoje, como uma verdadeira reforma
setorial do Estado. A municipalização é um processo em curso e como tal precisa ser mais
bem estudada e compreendida nos seus aspectos positivos e avanços, mas também em suas
limitações, contradições e dificuldades, para que estratégias de apoio e desenvolvimento
institucional possam ser desenvolvidas.
O Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde reforça o incentivo a
pesquisas e estudos:
É necessário estimular estudos sobre as gestões descentralizadas nas suas diferentes variáveis, inclusive as que analisam pacto federativo, governabilidade e governança locais, poder local, democratização, eficiências de políticas descentralizadas etc. Os estudos de caso existentes não estão sendo suficientes para analisar essas diferentes dimensões (BRASIL/CONASEMS, 2005, p.16).
A compreensão das repercussões do processo de descentralização da saúde no Brasil
requer a realização de investigações com enfoques diferenciados. Lucchese (2003) destaca a
importância da valorização da experiência cotidiana dos gestores locais, dos profissionais de
saúde e demais envolvidos no processo, não apenas na avaliação e controle de suas ações e na
definição de prioridades e estratégias para a gestão política da saúde, mas na identificação e
qualificação permanente dos problemas, carências e desafios na operação do sistema de
saúde.
Os estudos de caso são muito valiosos em países como o Brasil, com grande extensão
territorial e heterogeneidade em termos culturais. A produção de conhecimentos teórico-
empíricos que analisem a trajetória da gestão da saúde pública em diferentes regiões, sob o
olhar dos atores locais, que vivenciam na prática a realidade, contribuem para a avaliação da
efetividade das políticas de saúde que vem sendo desenvolvidas e implantadas nas diversas
regiões do país.
Além das contribuições que o trabalho oferece aos estudiosos e pesquisadores da
saúde pública, destaca-se a produção de conhecimento, via pesquisa, que retorna aos gestores
municipais e profissionais envolvidos no processo, que se encontram vivendo uma constante
revisão da sua missão, isto é, de suas funções e competências em relação à gestão e
organização do sistema. A pesquisa também socializa dados importantes para se analisar a
realidade da saúde pública nos municípios da 17ª CRS-RS, contribuindo para outros trabalhos
na área da saúde e para o próprio desenvolvimento da região, que possui municípios, como
Ijuí, de referência para a saúde.
O conhecimento do impacto das reorientações da gestão do sistema de saúde pública
em nível local implica também no conhecimento das repercussões da trajetória do SUS no
desenvolvimento local e regional. Concorda-se com Akerman (2005) que o fortalecimento da
esfera pública é uma condição fundamental para o desenvolvimento. Dessa forma, busca-se a
valorização dos serviços de saúde, através de reflexões sobre a gestão do sistema, para que
estes contribuam com um desenvolvimento includente, sustentável e sustentado, não sendo
excluídas do debate sobre desenvolvimento, mas sim, se constituindo em um verdadeiro pilar
para o mesmo.
As contribuições do estudo para a pesquisadora se relacionam à contemplação de
aspirações que permitam a reflexão e a busca de alternativas para intervir na realidade.
Concorda-se com Minayo (2000, p. 17), que “nada pode ser intelectualmente um problema,
se não tiver sido, em primeiro lugar, um problema da vida prática”; e é na prática que se
percebe, apesar dos inúmeros avanços na assistência à saúde, a insatisfação de gestores,
profissionais e usuários com o sistema de saúde, sendo muitos desses problemas originários
do modelo gestacional.
Propiciar o diálogo entre os atores é o princípio para se estabelecer consensos em prol
de um bem comum. Como na ação comunicativa de Habermas (1989), todos têm a
oportunidade de argumentar, explanar e juntos dialogar.
1.5 O caminho metodológico
A metodologia de um trabalho científico é o percurso escolhido pelo pesquisador para
atingir seus objetivos. Ela inclui as concepções teóricas de abordagem, o conjunto de
ferramentas que possibilitam a apreensão da realidade e também o potencial criativo do
pesquisador.
1.5.1 A opção metodológica
Para desenvolver a pesquisa adota-se uma abordagem qualitativa, “acreditando-se que
o objeto das ciências sociais é essencialmente qualitativo, que a realidade social, que só se
apreende por aproximação é, conforme mais rica do que qualquer teoria, qualquer
pensamento que possamos ter sobre ela” (LÊNIN, 2000, p. 225).
De acordo com Minayo (1994, p. 22), a pesquisa qualitativa “representa uma
tendência filosófica que vem despertando interesse dos pesquisadores, principalmente no
campo das ciências sociais, por aprofundar-se no mundo dos significados das ações e
relações humanas, um lado não perceptível e captável em equações, médias e estatísticas”.
Pesquisa qualitativa, no entender de Minayo (1996, p. 10) “é aquela capaz de incorporar a
questão do significado e da intencionalidade como inerente aos atos, às relações, e às
estruturas sociais, sendo que estas últimas tomadas tanto em seu advento quanto na sua
transformação, como construções humanas significativas”.
O qualitativo na sociologia compreensiva coloca como tarefa das ciências sociais a
compreensão da realidade humana vivida socialmente e diversa do mundo das ciências
naturais, tendo como conceito central o significado. “Em oposição ao positivismo propõe-se a
subjetividade como fundante do sentindo e defende-a como constitutiva do social e inerente
ao entendimento objetivo [sic]” (MINAYO, 1996, p. 11).
A autora nos coloca que a sociologia compreensiva “não se preocupa de quantificar,
mas de explicar os meandros das relações sociais consideradas essência e resultado da
atividade humana criadora, efetiva e racional, que pode ser aprendida através do cotidiano,
da vivência, e da explicação do senso comum” (MINAYO, 1996, p. 11).
A opção metodológica para a pesquisa é o estudo de caso, que “consiste no estudo
profundo e exaustivo de um ou poucos objetos, de maneira que permita seu amplo e detalhado
conhecimento, tarefa praticamente impossível mediante outros delineamentos (...)” (GIL,
2002, p. 54). Segundo Yin (2001, p. 19), “os estudos de caso representam a estratégia
preferida quando se colocam questões do tipo “como” e “por que”, quando o pesquisador tem
pouco controle sobre os eventos e quando o foco se encontra em fenômenos contemporâneos
inseridos em algum contexto da vida real”.
O presente estudo também pode ser classificado como fenomenológico, pois, de
acordo com Vergara (2006, p. 87), “nas pesquisas norteadas pelo método fenomenológico, a
fonte essencial de dados refere-se ao relato dos próprios sujeitos”, sendo a técnica mais
utilizada para a obtenção de dados, nesse tipo de pesquisa, a entrevista aberta ou semi-
estruturada.
Com relação à coleta de dados, optou-se por utilizar entrevistas semi-estruturadas com
os gestores municipais e a realização de uma entrevista coletiva com os profissionais da 17ª
Coordenadoria Regional de Saúde/RS. As entrevistas com os secretários municipais de saúde
foram previamente agendadas em seus respectivos municípios, realizadas em uma única
visita, durante os meses de novembro e dezembro de 2008; a entrevista na 17ª CRS/RS
ocorreu em dezembro de 2008. Todas as entrevistas foram gravadas com o consentimento dos
participantes e transcritas para posterior análise.
O roteiro da entrevista foi usado como um ponto de referência para o diálogo que se
travou entre os sujeitos da pesquisa.
1.5.2 O universo e a amostra da pesquisa
Para a presente pesquisa foram selecionados 10 municípios, de forma intencional, que
fazem parte da 17ª Coordenadoria Regional de Saúde/RS, são eles: Augusto Pestana,
Ajuricaba, Jóia, Ijuí, Coronel Barros, Bozano, Catuípe, Pejuçara, Panambi e Condor. Além
destes, outros 10 municípios compõem a coordenadoria em questão, num total de 20: Campo
Novo, Chiapeta, Crissiumal, Humaitá, Horizontina, Nova Ramada, Santo Augusto, São
Martinho, São Valério do Sul e Sede Nova.
Para compor a amostra, os municípios foram selecionados de forma intencional, mas
contemplando localidades de diferentes complexidades, ou seja, de pequeno, médio e grande
porte: até 5 mil habitantes (Bozano, Pejuçara e Coronel Barros), entre 5 mil e 10 mil
habitantes (Ajuricaba, Catuípe, Condor e Jóia) e com mais de 20 mil habitantes (Ijuí e
Panambi). O Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (IDESE) relacionado à saúde, nos
municípios pesquisados varia de 0,839 (Panambi) à 0,889 (Jóia), sendo assim, todos
enquadrados, segundo o IDESE, como municípios de alto desenvolvimento no setor da saúde.
Também fazem parte da amostra 7 profissionais da 17ª Coordenadoria Regional de
Saúde/RS. Com sede em Ijuí, a 17ª abrange uma população de 225.015 habitantes, que
contam com 17 hospitais e 781 leitos, sendo 573 credenciados pelo SUS. Foi escolhida como
recorte para este estudo devido à proximidade com a pesquisadora e por representar um ponto
em comum entre os municípios pesquisados. Além disso, o número de municípios estudados
está relacionado com a viabilidade temporal e por se acreditar que em pesquisas qualitativas a
quantidade da amostra não é o fundamental.
A descentralização político-administrativa do SUS, no Rio Grande do Sul, tem sido
efetivada através de 19 Coordenadorias Regionais de Saúde (CRS), existentes desde 1999 e
formalizadas através do decreto 39.691 de 30 de agosto de 1999. As Coordenadorias
Regionais são responsáveis pelo planejamento, acompanhamento e gerenciamento das ações e
serviços de saúde, em cooperação técnica, financeira e operacional com os gestores
municipais e prestadores de serviços de saúde.
Deixando de lado o caráter predominantemente administrativo e repassador de
demandas dos órgãos centrais da Secretaria Estadual de Saúde, as Coordenadorias estão se
estruturando no sentido de assumir suas novas funções, cuja dimensão mais importante é a de
articulação do novo sistema de saúde regional. O atual desenho territorial das coordenadorias
foi instituído pelo decreto 40.991 de 17 de agosto de 2001 e está sujeito a ajustes em função
do processo de regionalização mais amplo proposto pelo plano diretor. A Coordenadoria é a
instância responsável pela coordenação dos sistemas de saúde microrregionais e módulos
assistenciais, correspondentes à sua área de atuação, dentro de uma macrorregião.
Concorda-se com Nogueira (2001), que nos estudos essencialmente qualitativos de um
modo geral, a seleção de elementos não é realizada no sentido de representar a população ou
universo como um todo, já que não há uma preocupação em si com a representatividade, o
que se pretende é encontrar unidades de análise e pessoas mais ou menos típicas da categoria
em estudo. O mesmo autor destaca que este tipo de pesquisa não tem uma preocupação com o
tamanho da amostra e com número elevado de elementos.
1.5.3 Sujeitos da Pesquisa
Os sujeitos desta pesquisa são os gestores locais de saúde (secretários municipais de
saúde) dos municípios selecionados e os profissionais da 17ª Coordenadoria Regional de
Saúde/RS, gestores regionais, representantes do estado.
Com relação ao perfil dos gestores locais que foram sujeitos da pesquisa, destacam-se
algumas características. Dos 10 entrevistados 3 são do gênero feminino e 7 do masculino,
possuem idade que varia de 28 a 72 anos, com uma média de 43,5 anos. Dos entrevistados,
somente um possui ensino superior completo, com graduação em Administração, sendo que
nenhum possui nenhum tipo de formação na área da saúde. Outra característica é que todos
possuem longa experiência no serviço público de seu município, atuando em diferentes áreas
antes de assumir a Secretaria Municipal de Saúde.
Além dos secretários de saúde, foram entrevistados 7 profissionais da 17ª
Coordenadoria Regional de Saúde, sendo 5 enfermeiros, um assistente social e um contador,
todos com mais de 10 anos de experiência na gestão regional.
1.5.4 Plano de análise e interpretação dos dados
A análise dos dados é o momento de agrupar, tratar e confrontar as informações
coletadas com a teoria explorada. No entendimento de Goldenberg (2003, p. 94) “deve-se
analisar comparativamente as diferentes respostas, as idéias novas que aparecem, o que
conforma e o que rejeita as hipóteses iniciais, o que estes dados levam a pensar de maneira
mais ampla”.
Para a análise dos dados, primeiramente se realizou a transcrição da gravação dos
relatos e após a interpretação e discussão das mesmas. Concorda-se com Goldenberg (2003, p.
95), que “é importante analisar tanto o dito como o ‘não-dito’ pelos pesquisados”,
procedendo-se dessa forma.
A escolha dos métodos de abordagem usados em uma pesquisa evidencia as opções
teóricas e intencionalidades do pesquisador. Na busca de referências que fundamentem a
opção metodológica da presente pesquisa, encontram-se as contribuições de Penin (1997, p.
41) relacionadas à pesquisa interpretativa:
Nos caminhos metodológicos da pesquisa interpretativa consideram-se como componentes de extrema relevância as explicações dos fatos fornecidos pelo sistema de significação das pessoas, e não só a identificada pela positividade dos fatos. Esta é uma característica básica das ciências humanas: não se está somente analisando ou procurando entender melhor o objeto; mas o entendimento do sujeito sobre o objeto.
Além da pesquisa interpretativa, buscam-se contribuições do estudo das
representações sociais, para análise e interpretação dos dados:
O conceito de representação social auxilia a explicar diversos fenômenos coletivos das sociedades modernas, caracterizadas pela pluralidade de participação dos indivíduos nos mais diferentes grupos sociais e por forte interação entre indivíduos e grupos. Tais características contribuem para fazer do estudo das representações um instrumento privilegiado de compreensão das relações entre mundos individual e social (TENÓRIO e COSTA, 1999, p. 28).
Por fim, através de uma pesquisa qualitativa, baseada em um estudo de caso, propõe-
se a discussão a partir da visão dos gestores locais e estaduais, atuantes na 17ª Coordenadoria
Regional de Saúde/RS sobre descentralização, participação da sociedade civil e Pacto pela
Saúde, a partir de uma análise interpretativa de seus relatos.
CAPÍTULO 2
A GESTÃO PÚBLICA BRASILEIRA
A gestão pública brasileira possui algumas características marcantes, entre elas, o
avanço no processo de descentralização das ações do governo federal à esfera municipal, as
constantes reorientações e reformulações dos sistemas, políticas e programas e a ainda
permanente burocracia dos serviços. Essas características são decorrentes de um longo
processo de evolução política do Estado e conseqüência da história social, econômica e
cultural do país. Com a saúde pública não é diferente, apesar de possuir uma evolução e
características específicas, a gestão do sistema é reflexo da trajetória da gestão pública de uma
forma geral.
Com o objetivo de analisar a gestão da saúde, em um primeiro momento se resgata a
evolução da gestão pública brasileira, que acompanhou as transformações do papel do Estado
e as mudanças de objetivos dos governos. São apresentados os principais modelos de
administração pública que marcaram o país: a administração pública patrimonialista, a
burocrática, a gerencial e mais recentemente a administração pública social/societal, com
destaque para as duas últimas. Essas quatro formas de gestão se sucedem no tempo, sem que,
no entanto, qualquer uma delas seja inteiramente abandonada, repercutindo diretamente nas
ações em saúde.
2.1 A administração pública patrimonialista
O patrimonialismo perdurou no Brasil por cinco séculos, de Dom João I a Getúlio
Vargas, resistindo a profundas transformações do Estado nacional ao longo desse período.
Neste sistema, o poder decisório concentrava-se nas mãos de grandes proprietários de terra ou
grupos políticos, senhores de engenho e coronéis, que governavam os bens públicos como se
fossem bens privados seus.
Bresser Pereira (1998) destaca que o que definia o governo nas sociedades pré-
capitalistas e pré-democráticas era a privatização do Estado ou a interpermeabilidade dos
patrimônios público e privado. Esta incapacidade ou a relutância dos dominantes em
distinguir entre o que era seu e o que era público, foi uma das marcas do modelo
patrimonialista.
Faoro (2001) analisa a formação do Estado nacional, caracterizando o modelo
patrimonialista como aquele que prende os servidores numa rede patriarcal na qual, estes,
representam a extensão da casa do soberano.
O domínio tradicional se configura no patrimonialismo, quando aparece o estado-maior de comando do chefe, junto a casa real, que se estende sobre o largo território, subordinando muitas unidades políticas. Sem o quadro administrativo, a chefia dispersa assume caráter patriarcal, identificável no mando do fazendeiro, do senhor de engenho e nos coronéis. Num estágio inicial, o domínio patrimonial, desta forma constituído pelo estamento, apropria as oportunidades econômicas de desfrute dos bens, das concessões, dos cargos, numa confusão entre o setor público e o privado, que, com o aperfeiçoamento da estrutura, se extrema em competências fixas, com divisão de poderes, separando-se o setor fiscal do setor pessoal (...) (FAORO, 2001, p. 823).
O modelo patrimonialista de administração foi marcado pela corrupção e o nepotismo,
ficando o público reduzido a segundo plano, as decisões eram baseadas em interesses
individuais ou de grupos privilegiados, sendo a sociedade manipulada pelas vontades da
classe dominante, sem voz ativa de decisão. Nas palavras de Faoro (2001, p. 819), “a
comunidade política conduz, comanda, supervisiona os negócios, como negócios privados
seus, na origem, como negócios públicos depois (...). O súdito, a sociedade, se compreende
no âmbito de um aparelhamento a explorar, a manipular, a tosquiar nos casos extremos”.
O chefe, o soberano, o patriarca é o comandante do país, ele concede cargos e
benefícios, estabelece normas e deveres e decide o que é certo e o que é errado. O apoio das
massas é conseguido através de políticas de bem-estar social e a classe popular não exime
nenhuma vontade em participar das decisões, ela quer a proteção do seu senhor e acata suas
decisões.
Durante o período em que predominou o modelo patrimonialista de administração, as
políticas de saúde foram praticamente inexistentes ou muito incipientes. Jorge (2006) cita
como iniciativas da época a criação das duas primeiras escolas de medicina do país, o Colégio
Médico-Cirúrgico no Real Hospital Militar da Cidade de Salvador e a Escola de Cirurgia do
Rio de Janeiro; e as primeiras ações sanitaristas do médico Oswaldo Cruz combatendo
doenças como varíola, malária e febre amarela que se espalhavam pelo país devido a falta de
saneamento básico e outras ações preventivas.
Em 1923 foi instituída a Lei Eloi Chaves, que assegurava a criação das Caixas de
Aposentadoria e Pensão pelas empresas, que passavam a oferecer serviços de saúde aos seus
funcionários e suas famílias. Elas tinham entre suas atribuições, além da assistência médica ao
funcionário e a família, concessão de preços especiais para os medicamentos, aposentadorias
e pensões para os herdeiros. Entretanto, essas Caixas só valiam para os funcionários urbanos,
sendo que a União não participava dessa iniciativa, somente o setor empresarial.
Com o surgimento do capitalismo e da democracia, o sistema patrimonialista acaba
sendo substituído pelo modelo burocrático, que veio trazer profundas mudanças na forma de
administração e organização da sociedade.
2.2 A administração pública burocrática
A burocracia emerge com o capitalismo e o surgimento do Estado moderno. Motta
(1985) destaca que esse modelo de administração possui como elementos constitutivos uma
elite política, que geralmente se concentra com a classe dominante e nela se recruta; um corpo
de funcionários hierarquicamente organizados, que se ocupa da administração; e uma força
pública, que se destina não apenas a defender o país contra o inimigo externo, mas
principalmente a manter a ordem interna.
Granjeiro (2003) sugere o termo burocracia com dois sentidos, um sentido científico,
dentro da administração e da sociologia, e um sentido popular bem diverso do primeiro. No
sentido popular, burocracia significaria papelada, número excessivo de tramitações, apego
excessivo aos regulamentos, ineficiência.
O formalismo da burocracia expressa-se no fato de que a autoridade deriva de um sistema de normas racionais, escritas e exaustivas, que definem com precisão as relações de mando e subordinação, distribuindo as atividades a serem executadas de forma sistemática, tendo em vista os fins visados. Sua administração é formalmente planejada, organizada e sua execução se realiza através de documentos escritos. (...) Quanto mais um sistema social é organizado, mais se aproxima do modelo ideal da organização burocrática. Um sistema social é ou não uma organização na medida em que é burocraticamente organizado” (GRANJEIRO, 2003, p. 54).
Bresser Pereira (1998) explica que para o capitalismo é essencial a clara separação
entre o Estado e o mercado, só podendo existir democracia quando a sociedade civil
distingue-se do Estado, ao mesmo tempo em que o controla. Tornou-se assim necessário
desenvolver um tipo de administração que estabelecesse uma clara distinção entre o público e
o privado, e também a separação entre o político e o administrador público, surgindo então, a
administração pública burocrática moderna, racional-legal.
No Brasil, o modelo de administração burocrática emerge a partir dos anos 30 no
contexto da industrialização, quando o Estado assume papel decisivo de interventor nos
setores produtivo de bens e serviços. A partir da reforma empreendida no governo de Getúlio
Vargas por Maurício Nabuco e Luiz Simões Lopes, a administração pública sofre um
processo de racionalização que se traduziu no surgimento das primeiras carreiras burocráticas
e na adoção do concurso como forma de acesso ao serviço público.
Em 1936 é criado o Conselho Federal do Serviço Público Civil, que se consolida
através de sua transformação, dois anos depois, no Departamento Administrativo do Serviço
Público (DASP), que passou a ser seu órgão executor e, também, formulador da nova forma
de pensar e organizar a administração pública. A criação do DASP ocorreu em pleno Estado
Novo, um momento histórico em que o autoritarismo brasileiro voltava com força, mas agora
para realizar uma revolução modernizadora no país, industrializá-lo e valorizar a competência
técnica. Representou assim, no plano administrativo, a afirmação dos princípios
centralizadores e hierárquicos da burocracia clássica.
Segundo Wahrlich (1983), dentre as realizações do DASP destacam-se o ingresso no
serviço público por concurso, critérios gerais e uniformes de classificação de cargos,
organização dos serviços de pessoal e de seu aperfeiçoamento sistemático, administração
orçamentária, padronização das compras do Estado e a racionalização geral de métodos. Além
disso, o DASP cooperou no estabelecimento de uma série de órgãos reguladores da época
(conselhos, comissões e institutos), nas áreas econômica e social.
No que diz respeito à administração dos recursos humanos, o DASP representou a
tentativa de formação da burocracia nos moldes weberianos, baseada no princípio do mérito
profissional. Por outro lado, embora tenham sido valorizados instrumentos importantes à
época, tais como a instituição do concurso público e do treinamento, não se chegou a adotar
consistentemente uma política de recursos humanos que respondesse às necessidades do
Estado.
Surge a organização burocrática capitalista, baseada na centralização das decisões, na
hierarquia traduzida no princípio da unidade de comando, na estrutura piramidal do poder, nas
rotinas rígidas e no controle passo a passo dos processos administrativos. Implanta-se a
burocracia estatal formada por administradores profissionais especialmente recrutados e
treinados, que respondem, de acordo com o paradigma do tipo ideal de burocracia, de forma
neutra aos políticos.
Paiva (2003) chama a atenção para o fato de que o fenômeno burocrático se mistura
com a centralização política, somado ao surgimento de uma organização administrativa que
implementaria, pouco a pouco, o domínio do governo federal nos assuntos locais. No
contexto, observa-se um gradual conflito nas relações sociais e políticas entre aqueles
diretamente responsáveis pela elaboração e implementação das políticas públicas e a crescente
burocracia estatal.
Na mesma linha de pensamento, Paiva (2004) explica que uma série de problemas na
implementação das políticas públicas, com destaque para as políticas de saúde, tem a ver com
o crescente grau de burocratização no país. O autor acredita que
o avanço da burocratização não implicou forte rejeição a toda perspectiva que ideologizasse a ação do Estado, mas significou um esvaziamento ideológico da ação do governo no campo da saúde, especialmente no sentido da saúde como ferramenta de construção da nacionalidade (PAIVA, 2004, p. 35).
Com a burocratização do Estado e a criação de novos cargos, funções e órgãos
administrativos, a máquina pública se transformou rapidamente em um organismo altamente
complexo. Segundo Paiva (2003), em tese, o que se ganha em eficiência administrativa, se
perde em eficácia política. A estrutura burocrática vai pouco a pouco minar o fermento
ideológico que fazia movimentar os atores sociais mais atuantes da área da saúde, justamente
aqueles estimulados pela idéia de construir um país via ações no campo da saúde pública.
A saúde pública no contexto do surgimento e consolidação do modelo burocrático de
administração foi marcada por ações verticalizadas e centralização decisória no governo
federal. O médico era o grande promotor da saúde, com ações predominantemente curativas,
voltadas para a resolução de epidemias de doenças que assolavam a população. Como marco
desse período, destacam-se a criação do Ministério de Educação e Saúde Pública (MESP), em
1930, dividido em quatro departamentos: educação, saúde pública, assistência social e cultura;
e a instituição das Conferências Nacionais de Saúde (CNSS), em 1937, buscando ampliar as
discussões relacionadas às necessárias mudanças no setor.
Outra característica marcante da saúde pública nessa época foi sua estreita relação com
o setor previdenciário e setor privado. Apesar de algumas melhorias na área da saúde, com a
queda de Vargas, quando os rumos da saúde pública passaram a ser debatidos em um
ambiente mais democrático, a luta dos sanitaristas por uma saúde pública eficaz e universal,
com enfoque preventivo e educativo, bem como com abertura das discussões para a sociedade
civil, ainda perdia espaço para um modelo de atenção à saúde centrado na assistência médica,
exposto às leis do mercado e que passava pelo setor previdenciário.
A ênfase na medicina previdenciária, de cunho individual e assistencialista, foi acompanhada por um franco menosprezo pelas medidas de saúde coletiva tanto as tradicionalmente executadas pelo Ministério da Saúde quanto às inovações propostas pelos sanitaristas identificados com o projeto nacional desenvolvimentista (...) prova mais evidente do descaso com a saúde coletiva é o decréscimo do orçamento do Ministério da Saúde neste período (OLIVEIRA JÚNIOR e TEIXEIRA, 1989, p. 207).
Mendes (1999) destaca algumas características do modelo médico-assistencial
privatista, que marcou o período burocrático da administração pública: (a) extensão da
cobertura previdenciária à quase totalidade da população, incluindo a rural; (b)
privilegiamento da prática médica curativa, individual, tecnificada, especializada e centrada
no atendimento hospitalar, em detrimento da saúde pública; (c) conformação de um complexo
médico-industrial; (d) pagamento dos serviços contratados e conveniados por unidades de
serviços; (e) desenvolvimento de um padrão de organização da prática médica orientada em
termos de lucratividade, proporcionando a capitalização da medicina.
Ainda segundo Mendes (1999), a forma de organização da prática médica durante o
período previdenciário, fortemente influenciada pela ancoragem dos interesses capitalistas no
setor, aprofundou um modelo de atenção centrado nos procedimentos, ancoradas ainda em
elementos ideológicos como o biologismo (crença na predominância biológica das doenças),
no individualismo (escolha do indivíduo como objeto exclusivo da prática, excluindo os
aspectos sociais) e no especialismo (aprofundamento do conhecimento específico em
detrimento da globalidade inerente ao objeto).
O período final da ditadura militar brasileira, que correspondeu aos governos de
Garrastazu Médici (1969 a 1974) e Ernesto Geisel (1974 a 1979), representaram alguns
avanços relacionados à mobilização social em busca dos direitos e necessidades do país.
Houve também uma maior cobrança da população para o provimento de um sistema de saúde
eficaz, que atendesse às necessidades da população como um todo.
Com a Nova República, em 1985, frente à crise do modelo privatista e da previdência,
associadas à maior mobilização de profissionais da saúde e estudiosos da área, o movimento
pela reforma sanitária teve suas propostas aprofundadas. Foram formuladas as bases para a
tão sonhada reforma sanitária brasileira, que culminou na criação do SUS, na Assembléia
Constituinte de 1988.
O Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (CEBES) caracteriza assim as políticas de
saúde no Brasil durante os anos 70 e 80:
Política que substitui a voz da população pela sabedoria dos tecnocratas e pelas pressões dos diversos setores empresariais; política de saúde que acompanha em seu traçado as linhas gerais do posicionamento sócio-econômico do governo – privatizante, empresarial e concentrada em renda, marginalizando cerca de 70% da população dos benefícios materiais e culturais do crescimento econômico (...). Política de saúde, enfim, que esquece as necessidades reais da população e se norteia exclusivamente pelos interesses da minoria constituída e confirmada pelos donos das empresas médicas e gestores da indústria da saúde em geral (CEBES, 1980, p. 47).
No contexto de redemocratização do país se deu uma das mais radicais reformas
político-sociais brasileiras – a reforma sanitária. A reforma sanitária representou um conjunto
de idéias que se tinha em relação às mudanças e transformações necessárias na área da saúde.
Essas mudanças não abarcavam apenas o sistema, mas todo o setor saúde, introduzindo uma
nova idéia na qual o resultado final era entendido como a melhoria das condições de vida da
população.
Nas palavras de Fleury (1997, p. 33),
o projeto da reforma sanitária portava um modelo de democracia cujas bases eram, fundamentalmente: a formulação de uma utopia igualitária; a garantia da saúde
como direito individual e a construção de um poder local fortalecido pela gestão social democrática.
O movimento pela reforma sanitária foi composto por uma diversidade de atores, mas
principalmente por intelectuais e trabalhadores da área da saúde e, posteriormente, por
movimentos populares e secretários de saúde. O movimento estudantil teve um papel
fundamental na propagação das idéias e fez com que diversos jovens estudantes começassem
a se incorporar nessa nova maneira de ver a saúde.
A criação do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES), em 1976, também é
importante na luta pela reforma sanitária. A entidade surge com o propósito de lutar pela
democracia, de ser um espaço de divulgação do movimento sanitário, e reúne pessoas que já
pensavam dessa forma e realizavam projetos inovadores. A idéia era fazer isso pelas
conferências de saúde (que na época eram espaços burocráticos) convidando a sociedade para
discutir e participar.
A 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986, representa um marco na
saúde brasileira, pois culminou, através de ampla participação popular, na elaboração dos
princípios e diretrizes do SUS. A partir das discussões realizadas na conferência e de uma
grande mobilização nacional, o modelo que defendia a universalização da saúde através dos
princípios da igualdade e integralidade, foi incluído na constituição de 1988 e dessa forma o
SUS passa a ter base legal, garantindo o direito a todos os cidadãos, através de ações do
Estado.
2.3 A administração pública gerencial
A administração pública gerencial se constituiu no Brasil durante os anos 1990, no
governo de Fernando Henrique Cardoso, ligada ao intenso debate sobre a crise de
governabilidade e credibilidade do Estado na América Latina. No contexto internacional, está
relacionada ao gerencialismo, ideário que floresceu nos anos 1980 durante os governos de
Margarteh Thatcher, na Inglaterra, e de Ronald Reagan, nos Estados Unidos.
Abrucio (1998) explica que a partir da crise do petróleo em 1973, e posterior crise
econômica mundial, o antigo modelo de intervenção estatal passou a ser questionado. Como
conseqüência, desde o início da década de 80, vê-se desenvolver uma onda global de reforma
do setor público, a busca dos governos por um novo modelo de administração, que
correspondesse aos anseios do novo momento econômico e político pelo qual o mundo
passava. De acordo com Kettl (1998), os objetivos em geral consistiam em agilizar a
administração, melhorar a eficácia e eficiência dos serviços públicos e reduzir os custos,
sendo que o caminho encontrado foi o de reduzir o tamanho do Estado.
No caso da Inglaterra, segundo Paes de Paula (2007), o gerencialismo surge como
resposta ao avanço norte-americano, alemão e japonês no mercado internacional. A ex-
ministra Thatcher e participantes de seu governo estiveram por anos engajados nos think
tanks1 neoconservadores, que realizaram vários estudos no campo da cultura
empreendedorista, sendo resgatados assim valores vitorianos, como o esforço e o trabalho
duro, cultivando-se também a motivação, a ambição criativa, a inovação, a excelência, a
independência, a flexibilidade e a responsabilidade pessoal, características até então do setor
privado.
Nos Estados Unidos se desenvolvia o culto a excelência, sendo a “Era Reagan”
caracterizada por fixar no imaginário social fantasias de oportunidades de progresso e
crescimento baseadas na iniciativa individual. Paes de Paula (2007) destaca a disseminação da
cultura do management (crença numa sociedade de mercado livre, a visão do indivíduo como
auto-empreendedor, a crença em tecnologias gerenciais que permitem racionalizar as
atividades organizadas grupais) e a divulgação de “modismos gerenciais” (ferramentas e
práticas administrativas bem-sucedidas na resolução de problemas gerenciais, como a
administração da qualidade total e a reengenharia). Pode-se dizer que nos Estados Unidos o
ideário gerencialista se consolidou como referência no campo da gestão pública com o livro
Reinventando o Governo, de David Osborne e Ted Gaebler, muito conhecido até hoje.
1 Os think tanks são centros de pensamento em geral dedicados ao estudo do Estado, das políticas governamentais e do desenvolvimento econômico. Têm como objetivo aproximar as elites intelectuais e governamentais britânicas das visões de livre-mercado (PAES DE PAULA, 2007).
Em síntese, a administração pública gerencial surge como alternativa para as
características burocráticas das administrações vigentes, enfatizando a eficiência
administrativa e baseando-se no ajuste estrutural, nas recomendações dos organismos
multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, pautados no
Consenso de Washington2 e no movimento gerencialista em curso na Europa e Estados
Unidos.
Como características da administração pública gerencial, destacam-se a
descentralização do aparelho de Estado, que separou as atividades de planejamento e
execução do governo e transformou as políticas públicas em monopólio dos ministérios; a
privatização das estatais; a terceirização dos serviços públicos; a regulação estatal das
atividades públicas conduzidas pelo setor privado e a adoção de idéias e ferramentas
gerenciais oriundas do setor privado.
No Brasil a reforma do Estado começou em meio a uma grande crise econômica que
teve seu auge em 1990 com um episódio hiperinflacionário. Entretanto, a reforma
administrativa só se tornou um tema central no país em 1995, após a eleição e posse de
Fernando Henrique Cardoso (FHC). Luiz Carlos Bresser Pereira, ministro de FHC, foi o
responsável pela reforma do Estado no país, à frente do Ministério da Administração Federal
e Reforma do Estado (MARE), formulou uma proposta de adaptação do modelo gerencialista
europeu à realidade brasileira.
A Reforma da Gestão Pública ou reforma gerencial do Estado iniciou, em 1995, com a
publicação do Plano Diretor da Reforma do Estado e o envio para o Congresso Nacional da
emenda da administração pública que se transformaria, em 1998, na Emenda 19, efetivando as
mudanças estruturais necessárias para legitimar a reforma gerencial.
2 O Consenso de Washington se compõe de dez regras básicas, formulado em 1989 por economistas de instituições financeiras baseadas em Washington, como o FMI, o Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, fundamentadas num texto do economista John Williamson, e teve por objetivo organizar idéias para auxiliar a América Latina a reencontrar uma trajetória de crescimento e desenvolvimento (KUCZYNSKI; WILLIAMSON, 2004).
Paes de Paula (2007) identifica como elementos que influenciaram o processo de
reforma no Brasil as constantes críticas às características patrimoniais e autoritárias do Estado
e da administração pública; a crise do nacional-desenvolvimentismo e a ascensão do
desenvolvimento dependente e associado, que pretendia fazer com que o país se
desenvolvesse, principalmente pela abertura de mercado e pela atração de investimentos
externos; a visão dos organismos financeiros internacionais e o Consenso de Washington.
No pensamento de Bresser Pereira (1996), a crise do Estado brasileiro, que provocou a
busca por uma nova forma de administrar o país, caracterizou-se pela perda de capacidade do
Estado de coordenar o sistema econômico de forma complementar ao mercado, envolvendo
alocação de recursos, acumulação de capital e distribuição de renda. Para este autor, a crise
também pode ser definida como uma crise fiscal, do modo de intervenção do Estado, da forma
burocrática pela qual o Estado é administrado, e política:
A crise política teve três momentos: primeiro, a crise do regime militar – uma crise de legitimidade; segundo, a tentativa populista de voltar aos anos 50 – uma crise de adaptação ao regime democrático; e finalmente, a crise que levou ao impeachment de Fernando Collor de Mello – uma crise moral. A crise fiscal ou financeira caracterizou-se pela perda do crédito público e por poupança pública negativa. A crise da forma burocrática de administrar o estado emergiu com toda a força depois de 1988, antes mesmo que própria administração pública burocrática pudesse ser plenamente instaurada no país. (BRESSER PEREIRA; SPINK 1998, p. 239).
Bresser Pereira (1996, p. 6), ao defender o modelo gerencial destaca como
características da nova administração pública a ser instaurada:
a) descentralização do ponto de vista político, transferindo-se recursos e atribuições para os níveis políticos regionais e locais; b) descentralização administrativa, através da delegação de autoridade aos administradores públicos, transformados em gerentes cada vez mais autônomos; c) organizações com poucos níveis hierárquicos, ao invés de piramidais; d) pressuposto da confiança limitada e não da desconfiança total; e) controle a posteriori, ao invés do controle rígido, passo a passo, dos processos administrativos; e f) administração voltada para o atendimento do cidadão, ao invés de auto-referida.
Ainda segundo Bresser Pereira (1998), a proposta de reforma do aparelho estatal parte
da existência de quatro setores dentro do Estado: a) o núcleo estratégico do Estado; b) as
atividades exclusivas do Estado; c) os serviços não-exclusivos ou competitivos; e d) a
produção de bens e serviços para o mercado. No núcleo estratégico são definidas as leis e as
políticas públicas, é um setor relativamente pequeno, formado no Brasil, no nível federal, pelo
presidente da república, pelos ministros de Estado e pela cúpula dos ministérios, responsáveis
pela definição das políticas públicas, pelos tribunais federais encabeçados pelo Supremo
Tribunal Federal e pelo Ministério Público. Nos níveis estadual e municipal existem núcleos
estratégicos correspondentes.
As atividades exclusivas de Estado são aquelas em que é exercido o “poder de
Estado”, ou seja, o poder de legislar e tributar. Inclui a polícia, as forças armadas, os órgãos
de fiscalização e de regulamentação, e os órgãos responsáveis pelas transferências de
recursos, como o Sistema Único de Saúde, o sistema de auxílio-desemprego, etc.
Os serviços não-exclusivos ou competitivos do Estado são aqueles que, embora não
envolvendo o poder de Estado, são realizados ou subsidiados por ele por serem considerados
de alta relevância para os direitos humanos, ou por envolverem economias externas, não
podendo ser adequadamente recompensados no mercado através da cobrança de serviços.
No entendimento de Abrucio (1998), o novo modelo de administração pública
proposto, com o objetivo de melhorar a agilidade e eficiência do sistema, separa os
formuladores dos executores das políticas públicas, dificultando a implantação e efetividade
das mesmas. O que acontece é que os formuladores das políticas não têm experiência de
campo, desconhecendo os verdadeiros problemas do dia-a-dia administrativo; por outro lado,
quem executa a política muitas vezes não sabe por que o faz, não tendo abertura para repassar
seus conhecimentos aos criadores e formatadores das ações.
Com relação aos avanços trazidos pela administração pública gerencial quando
comparada à burocrática, Bresser Pereira (1998) acredita que a nova administração pública se
diferencia da burocrática, por seguir os princípios do gerencialismo. Para o autor a
administração pública gerencial está baseada em uma concepção de Estado e de sociedade
democrática e plural, enquanto que a administração pública burocrática tem um vezo
centralizador e autoritário. Segundo o mesmo autor, enquanto a administração pública
burocrática se concentra no processo, em definir procedimentos para a contratação de pessoal,
para a compra de bens e serviços e em satisfazer as demandas dos cidadãos, a administração
pública gerencial orienta-se para os resultados.
A administração pública gerencial constitui um avanço, e até certo ponto um
rompimento com a administração pública burocrática; isso não significa, entretanto, que
negue todos os seus princípios. Pelo contrário, a administração pública gerencial está apoiada
na anterior, da qual conserva, embora flexibilizando, alguns dos seus princípios fundamentais,
como a admissão segundo rígidos critérios de mérito, a existência de um sistema estruturado e
universal de remuneração, as carreiras, a avaliação constante de desempenho, além do
treinamento sistemático.
A diferença fundamental está na forma de controle, que deixa de se basear nos
processos para se concentrar nos resultados, e não na rigorosa profissionalização da
administração pública, que continua um princípio fundamental.
Apesar de esse modelo surgir no intuito de substituir a administração pública
burocrática, caracterizada, segundo Motta e Vasconcelos (2002, p. 140), por concentrar-se no
processo, pela racionalidade, autoridade, controle e hierarquia, a administração pública
gerencial ainda é burocrática. Mesmo que algumas características do tipo ideal weberiano
tenham sido superadas, a dominação burocrática persiste e vem elaborando formas cada vez
mais sofisticadas de controle social.
Analisando a estrutura do aparelho do Estado pós-reforma, Abrucio e Costa (1998),
constatam uma clara concentração do poder no núcleo estratégico. Para os autores, se aposta
na eficiência do controle social e se delega a formulação de políticas públicas para os
burocratas: o monopólio das decisões foi concedido às secretarias formuladoras de políticas
públicas e a execução atribuída às secretarias executivas, aos terceiros ou às organizações
sociais, de acordo com o caráter da atividade. De um modo geral, o governo da aliança social-
liberal separou os grupos técnicos do sistema político, engajando-os em programas
controlados pela própria Presidência.
Neste contexto, o controle social é idealizado, pois na prática não há a transparência
esperada e nem mecanismos para que este mesmo controle ocorra. Outro sinal do caráter da
participação social na estrutura e dinâmica governamental da vertente gerencial é a ênfase no
engajamento da própria burocracia pública ou dos quadros das organizações sociais no
processo de gestão. A estrutura e a dinâmica do aparelho do Estado pós-reforma não aponta
os canais que permitiriam a infiltração das demandas populares.
Para Abrucio (1998), o maior problema da separação entre a formulação e a
implementação das políticas é que não se identifica com clareza o responsável pela prestação
global dos serviços públicos. Dessa manei