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Ana João Salgado Costa UNIÃO DE FACTO - O PROBLEMA DA PROVA DE COABITAÇÃO E A SUA EVENTUAL INSCRIÇÃO NO REGISTO CIVL Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra no âmbito do 2.º Ciclo de Estudos em Direito (conducente ao grau de Mestre), na Área de Especialização em Ciências Jurídico-Forenses, sob orientação da Doutora Sandra Passinhas Abril de 2021

UNIÃO DE FACTO O PROBLEMA DA PROVA DE COABITAÇÃO E A …

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Ana Joatildeo Salgado Costa

UNIAtildeO DE FACTO - O PROBLEMA DA PROVA DE

COABITACcedilAtildeO E A SUA EVENTUAL INSCRICcedilAtildeO

NO REGISTO CIVL

Dissertaccedilatildeo apresentada agrave Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra no acircmbito do 2ordm Ciclo de Estudos em Direito (conducente ao grau de Mestre) na Aacuterea

de Especializaccedilatildeo em Ciecircncias Juriacutedico-Forenses sob orientaccedilatildeo da Doutora Sandra Passinhas

Abril de 2021

2

Ana Joatildeo Salgado Costa

UNIAtildeO DE FACTO - O PROBLEMA DA PROVA DE COABITACcedilAtildeO E A SUA

EVENTUAL INSCRICcedilAtildeO NO REGISTO CIVIL

CONSENSUAL UNION - THE PROBLEM OF THE PROOF OF COHABITATION

AND ITS POSSIBLE ENTRY IN THE CIVIL REGISTER

Dissertaccedilatildeo apresentada agrave Faculdade de

Direito da Universidade de Coimbra no

acircmbito do 2ordm Ciclo de Estudos em Direito

(conducente ao grau de Mestre) na Aacuterea

de Especializaccedilatildeo em Ciecircncias Juriacutedico-

Forenses sob orientaccedilatildeo da Doutora

Sandra Passinhas

Coimbra

Abril 2021

3

4

Agrave minha famiacutelia

Ao meu Di

Sempre

5

Teria passado a vida

atormentado e sozinho

se os sonhos me natildeo viessem

mostrar qual eacute o caminho

umas vezes satildeo de noite

outras em pleno de sol

com relacircmpagos saltados

ou vagar de caracol

quem os manda natildeo sei eu

se o nada que eacute tudo agrave vida

ou se eu os finjo a mim mesmo

para ser sem que decida

AGOSTINHO DA SILVA Sonho in Poemas

6

IacuteNDICE

RESUMO 7

ABSTRACT 8

SIGLAS E ABREVIATURAS 9

1 Introduccedilatildeo 11

2 A evoluccedilatildeo da Uniatildeo de Facto no ordenamento juriacutedico portuguecircs 12

3 A uniatildeo de facto e a Constituiccedilatildeo da Reacutepublica Portuguesa 16

31 A uniatildeo de facto e o casamento ndash liberdade mas e proteccedilatildeo 20

4 Constituiccedilatildeo da relaccedilatildeo de Uniatildeo de Facto e os seus efeitos 27

5 O problema da prova da coabitaccedilatildeo 30

51 Consideraccedilotildees gerais 30

52 Comparaccedilatildeo com o regime de outros ordenamentos juriacutedicos na Uniatildeo Europeia 37

521 Espanha 37

522 Franccedila 41

53 O Acoacuterdatildeo do STJ de 22 de Marccedilo de 2018 processo nordm6380169T8CBRC1S1 46

54 Soluccedilatildeo proposta 52

6 Conclusatildeo 57

BIBLIOGRAFIA 59

JURISPRUDEcircNCIA 65

7

RESUMO

A figura da uniatildeo facto eacute uma realidade crescente com cada vez mais importacircncia

na nossa sociedade atual tendo em conta o consideraacutevel nuacutemero de pessoas que opta por

viver desta forma Sendo que pode esse nuacutemero derivar natildeo soacute da liberdade associada a este

regime como tambeacutem do facto de poder ser uma circunstacircncia provisoacuteria e transitoacuteria Pode

ateacute tratar-se de uma circunstacircncia definitiva em virtude de por inuacutemeras razotildees os membros

da uniatildeo de facto natildeo quererem casar ora por natildeo terem condiccedilotildees financeiras para celebrar

um casamento ora por natildeo fazer parte da sua cultura formalizarem a sua relaccedilatildeo

Apesar da importacircncia da uniatildeo de facto e da sua relevacircncia na sociedade o seu

regime juriacutedico eacute parco apresentando lacunas relativamente agraves normas sobre o seu registo

regime de bens entre os membros a sua extinccedilatildeo e efeitos sucessoacuterios Estas e outras

mateacuterias deveriam ter uma regulamentaccedilatildeo mais completa para que se pudesse oferecer uma

maior proteccedilatildeo aos unidos de facto

Pretendemos essencialmente analisar por estar estritamente ligado ao facto de a

uniatildeo de facto natildeo ser objeto de registo civil ou administrativo o problema da prova da

existecircncia e do iniacutecio da situaccedilatildeo de uniatildeo de facto e desta forma refletir sobre as vantagens

que provecircm do registo deste tipo de relaccedilotildees

PALAVRAS-CHAVE uniatildeo de facto prova da coabitaccedilatildeo registo civil

8

ABSTRACT

The figure of consensual union is an increasingly important reality in our society

today given the considerable amount of people who choose to live this way This number

can derive not only from the freedom associated with this regime but also from the fact that

it can be a temporary and transitory circumstance It may even be a definitive circumstance

because for a number of reasons the unmarried partners do not want to get married either

because they do not have the financial means to enter into a marriage or because it is not part

of their culture to formalise their relationship

Despite the importance of the non-marital partnership and its relevance in society

its legal system is scarce with gaps regarding the rules on its registration the system of

property between members its extinction and inheritance effects These and other matters

should be regulated more fully in order to offer greater protection to consensual union

The main aim is to analyse as it is strictly linked to the fact that consensual union

is not subject to civil or administrative registration the problem of proving the existence and

the beginning of this situation and thus reflect on the advantages that come from the

registration of this type of relationship

KEYWORDS non-marital partnership proof of cohabitation civil registry

9

SIGLAS E ABREVIATURAS

A- Autor

AA- Autores

Ac- Acoacuterdatildeo

Art ndash Artigo

Arts ndash Artigos

Ed - Ediccedilatildeo

In - Em

ob cit - Obra Citada

p ndash paacutegina

pp paacuteginas

ss - Seguintes

vg - verbi gratia

Vol ndash Volume

CCiv ndash Coacutedigo Civil

CEDH ndash Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem

CNP- Centro Nacional de Pensotildees

CPC ndash Coacutedigo de Processo Civil

CReg Civ ndash Coacutedigo de Registo Civil

CRP ndash Constituiccedilatildeo da Reacutepublica Portuguesa

DUDH ndash Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos

ISS ndash Instituto da Seguranccedila Social

10

LUF ndash Lei da Uniatildeo de Facto (Lei nordm 72001 de 11 de Maio alterada pela Lei nordm 232010

de 30 de Agosto)

PACS ndash Pacto civil de Solidariedade

STJ ndash Supremo Tribunal de Justiccedila

TCE - Tribunal Constitucional Espanhol

TEDH ndash Tribunal Europeu dos Direitos Humanos

11

1 Introduccedilatildeo

O presente estudo visa abordar a questatildeo do problema da prova da coabitaccedilatildeo numa

situaccedilatildeo em que se pretende provar a existecircncia de uma relaccedilatildeo de uniatildeo de facto para que

esta produza os efeitos que os membros pretendam Assim cumpriraacute analisar o regime

juriacutedico da Uniatildeo de Facto comeccedilando pela sua evoluccedilatildeo no nosso ordenamento e sobre a

importacircncia da LUF (Lei nordm 72001 de 11 de Maio alterada pela Lei nordm 232010 de 30 de

Agosto)

Uma vez analisada a proteccedilatildeo oferecida agraves situaccedilotildees de Uniatildeo de Facto

nomeadamente a sua (natildeo) alusatildeo na CRP caberaacute comparaacute-la agrave concedida ao casamento e

observar de que forma a liberdade caracteriacutestica do regime da uniatildeo de facto poderaacute deixar

desprotegidas algumas situaccedilotildees carentes de proteccedilatildeo

De seguida feita uma reflexatildeo geral importaraacute compreender como se constitui a

uniatildeo de facto Passando os membros a viver em comunhatildeo de leito mesa e habitaccedilatildeo e natildeo

sendo essa situaccedilatildeo objeto de registo civil ou administrativo ao contraacuterio do que acontece

em alguns ordenamentos vizinhos que tambeacutem mereceratildeo a nossa anaacutelise torna-se mais

difiacutecil saber de forma exata quando se iniciou para que seja possiacutevel a partir daiacute contar os

dois anos necessaacuterios para que a situaccedilatildeo de facto produza os efeitos previstos no artigo 3ordm

da LUF

A questatildeo primordial eacute assim a prova da situaccedilatildeo de uniatildeo de facto nomeadamente

a prova da coabitaccedilatildeo que se pode revelar sinuosa Perante este cenaacuterio torna-se relevante

analisar jurisprudecircncia nomeadamente o Acoacuterdatildeo do STJ de 22 de Marccedilo de 2018 proferido

no acircmbito do processo nordm 6380169T8CBRC1 S1 relativamente agrave prova da uniatildeo de facto

no campo juriacutedico-civil isto eacute atraveacutes do regime geral do oacutenus da prova previsto no artigo

342ordm do CCiv que atribui a quem pretende invocar um direito provar os factos que o

constituem

A final com a nossa anaacutelise e apreciaccedilatildeo dos entendimentos da jurisprudecircncia e da

doutrina nacional e europeia pretendemos demonstrar a dificuldade da prova da uniatildeo de

facto no nosso ordenamento juriacutedico e procurar propostas de soluccedilotildees que possam facilitar

de alguma forma a comprovaccedilatildeo da existecircncia destas relaccedilotildees cessando as dificuldades que

essa comprovaccedilatildeo origina

12

2 A evoluccedilatildeo da Uniatildeo de Facto no ordenamento juriacutedico portuguecircs

Quando se fala de uniatildeo de facto tem forccedilosamente de se aludir agrave discussatildeo

doutrinal acerca da sua classificaccedilatildeo como relaccedilatildeo (para)familiar que surge em grande

parte pelo disposto no artigo 36ordm n ordm1 CRP1 Pela sua ambiguidade haacute quem pense que a

referecircncia agrave constituiccedilatildeo de famiacutelia engloba a uniatildeo de facto2 sendo o seu reconhecimento

juriacutedico feito pela Constituiccedilatildeo Contudo este preceito natildeo eacute assim interpretado por todos

que entendem que este apenas postula o direito de constituir famiacutelia e estabelece as relaccedilotildees

de filiaccedilatildeo e que apesar da uniatildeo de facto natildeo ser uma relaccedilatildeo de famiacutelia no que respeita agrave

generalidade dos efeitos pode ser assim qualificada para efeitos fiscais de locaccedilatildeo de

seguranccedila social entre outros3 Neste seguimento muitos satildeo os AA que tecircm vindo a

expressar a sua opiniatildeo quanto a esta questatildeo havendo quem considere que a situaccedilatildeo de

facto anaacuteloga agrave dos cocircnjuges se deve considerar uma relaccedilatildeo familiar tanto quanto as

previstas no artigo 1576ordm do Coacutedigo Civil ou seja o casamento o parentesco a afinidade

e a adoccedilatildeo4 E ainda quem defenda que natildeo deve ser qualificada como relaccedilatildeo juriacutedica de

famiacutelia5 ou que o seja apenas em relaccedilatildeo a certos efeitos considerando-a desta forma uma

relaccedilatildeo juriacutedica parafamiliar6

1 1 Todos tecircm o direito de constituir famiacutelia e de contrair casamento em condiccedilotildees de plena igualdade

Disposiccedilatildeo inspirada no art 16ordm DUDH e 12ordm CEDH Cfr JJ GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA

Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa Anotada 4ordf ed revista vol I Coimbra Coimbra Editora 2007 p 559 2 Cfr JJ GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA ob cit p 561 3 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoCasamento e Famiacutelia no direito portuguecircsrdquo In AAVV Temas de Direito

da Famiacutelia Ciclo de Conferecircncias no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados Coimbra

Almedina 1996 p 8 FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoAnotaccedilatildeo ao Ac do STJ de 2 de abril de 1987rdquo in Revista

de Legislaccedilatildeo e Jurisprudecircncia nordm 3782 ano 122 Coimbra 1990 pp 82-83 4 Cfr CARLOS PAMPLONA CORTE-REAL ldquoRelance Criacutetico sobre o Direito de Famiacutelia portuguecircsrdquo in Textos de

Direito da Famiacutelia para FRANCISCO PEREIRA COELHO Coord GUILHERME DE OLIVEIRA Coimbra Imprensa

da Universidade de Coimbra 2016 pp109-110 CARLOS PAMPLONA CORTE-REAL JOSEacute SILVA PEREIRA

ldquoDireito da Famiacutelia Toacutepicos para uma reflexatildeo criacuteticardquo Lisboa AAFDL 2008 p 46 no mesmo sentido

GERALDO DA CRUZ ALMEIDA ldquoDa uniatildeo de facto convivecircncia more uxorio em direito internacional privadordquo

Lisboa Pedro Ferreira Editor 1999 p 184 TELMA CARVALHO ldquoA uniatildeo de facto a sua eficaacutecia juriacutedicardquo in

Comemoraccedilotildees dos 35 anos do Coacutedigo Civil e dos 25 anos da reforma de 1977 vol I Coimbra Coimbra

Editora 2004 pp 223-226 CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova

Relaccedilatildeo Familiarrdquo in Estudos em Homenagem ao Prof Doutor Jorge Miranda Vol VI Faculdade de Direito

da Universidade de Lisboa Coimbra Editora 2012 p 460 e MARIA MARGARIDA PEREIRArdquo Direito da

Famiacuteliardquo Lisboa AAFDL Editora 3ordf ed 2019 pp 641-644 com quem tendemos a concordar embora como

veremos infra tal natildeo significa uma igualdade de tratamento entre a uniatildeo de facto e o casamento 5 Cfr JOAtildeO CASTRO MENDES MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA ldquoDireito da Famiacuteliardquo AAFDL Lisboa 1995 p

14-15 NUNO DE SALTER CID ldquoA Comunhatildeo de Vida agrave Margem do Casamento entre o facto e o Direitordquo

Almedina Coimbra 2005 p 505 FRANCcedilA PITAtildeO ldquoUniotildees de Facto e Economia Comum de acordo com a

Lei nordm 232010 de 30 de agostordquo 3ordf ed Almedina Coimbra 2011 p35 6 Em todas estas relaccedilotildees (as dispostas no art1576ordm CCiv) encontramos um viacutenculo constituiacutedo por direitos

e deveres juriacutedicos reciacuteprocos () As relaccedilotildees juriacutedicas familiares satildeo tendencialmente duradouras e eacute por

13

A designaccedilatildeo uniatildeo de facto foi utilizada pela primeira vez no nosso ordenamento

juriacutedico com a Reforma de 1977 do Coacutedigo Civil7 passando o artigo 2020ordm a prever o direito

de exigir alimentos da heranccedila do falecido por aquele que com ele vivesse haacute mais de dois

anos em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges No entanto jaacute no Coacutedigo Civil de 1966 no

seu artigo 1860ordm se falava em comunhatildeo duradoura de vida em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos

cocircnjuges o que quer dizer que o fenoacutemeno da uniatildeo de facto enquanto facto social jaacute existia

antes dessa primeira referecircncia no Coacutedigo de 19778 A expressatildeo que remete para a vivecircncia

em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges no artigo 2020ordm foi utilizada por vaacuterias leis avulsas

que foram conferindo agraves pessoas que vivessem nessa situaccedilatildeo outros direitos como o direito

agraves pensotildees de sobrevivecircncia o de beneficiar do regime de feacuterias feriados e faltas semelhante

aos dos cocircnjuges e ainda no que respeita ao regime juriacutedico do arrendamento para habitaccedilatildeo

foi reconhecido o direito agrave transmissatildeo do arrendamento agrave pessoa que tenha vivido em uniatildeo

de facto com o arrendataacuterio falecido desde que essa relaccedilatildeo se tenha mantido por mais de

cinco anos9

Todavia soacute com a Lei nordm 13599 de 28 de Agosto eacute que passou a existir um

diploma legal que reunisse as medidas de proteccedilatildeo da uniatildeo de facto que ateacute agrave data se

encontravam dispersas pelas vaacuterias leis avulsas10 o que resultou de certa forma numa

institucionalizaccedilatildeo11 da uniatildeo de facto Em 2001 foi revogada e substituiacuteda pela Lei nordm

isso que satildeo sujeitas a registo gerando um estado civil () tecircm tambeacutem como caracteriacutestica a tipicidade estatildeo

previstas na lei bem como os factos juriacutedicos que lhes datildeo origem o seu conteuacutedo tipico as causas da sua

extinccedilatildeo () natildeo se pode considerar como familiar uma relaccedilatildeo que natildeo esteja prevista como tal na lei Cfr

RITA LOBO XAVIER ldquolaquoEstatuto Privadoraquo dos membros da Uniatildeo De Factordquo in RJLB Ano 2 2016 pp1511-

1513 No mesmo sentido Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ldquoCurso de Direito da

Famiacuteliardquo 5ordf ed vol I Coimbra Coimbra Editora 2015 p 34 65-67 JORGE DUARTE PINHEIRO ldquoO Direito

da Famiacutelia Contemporacircneordquo 6ordf ed Lisboa AAFDL 2018 p 43 ANTUNES VARELA ldquoDireito da Famiacuteliardquo 5ordf

ed vol I Lisboa Livraria Petrony1999 p 31 DIOGO LEITE DE CAMPOS ldquo Liccedilotildees de Direito da Famiacuteliardquo 2ordf

Ed Almedina Coimbra 1997 p21 MARTA COSTA ldquoConvivecircncia more uxorio na perspetiva de

harmonizaccedilatildeo do Direito da Famiacutelia Europeu uniotildees homossexuaisrdquo 1ordf ed Coimbra Coimbra Editora 2011

p 108 e SANDRA PASSINHAS ldquoUniatildeo de Facto em Portugalrdquo in Actualidad Juriacutedica Iberoamericana Nordm 11

pp 110-147 Agosto de 2019 p115 7 Mais concretamente com a alteraccedilatildeo feita pelo Decreto-Lei nordm 49677 de 25 de novembro 8 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p57 9 Para mais desenvolvimentos cfr HELENA MOTA ldquoO problema normativo da famiacutelia ndash Breve reflexatildeo a

propoacutesito das medidas de proteccedilatildeo agrave uniatildeo de facto adotadas pela lei n ordm13599 de 28 de Agostordquo in Estudos

em Comemoraccedilatildeo dos 5 anos da FDUP 2001 p548-553 10 Cfr FRANCcedilA PITAtildeO ldquoUniatildeo de Facto no Direito Portuguecircs A propoacutesito da Lei nordm 13599 de 2808rdquo

Coimbra Almedina 2000 p36 No mesmo sentido RITA LOBO XAVIER ldquoEstatuto Privadordquo dos membros da

Uniatildeo De Factordquo in RJLB ano 2 2016 p 1499 11 Expressatildeo utilizada por FRANCISCO PEREIRA COELHO para definir a existecircncia de regulaccedilatildeo proacutepria da uniatildeo

de facto Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p68

14

72001 de 110512 atual LUF que aleacutem de regular situaccedilotildees de uniatildeo de facto entre pessoas

de sexo diferente daacute relevacircncia juriacutedica agrave uniatildeo de facto entre pessoas do mesmo sexo

Apesar de natildeo ter representado uma transformaccedilatildeo significativa do conjunto de direitos e

deveres juridicamente conferidos agrave uniatildeo de facto limitando-se em boa parte a reconhecer

direitos conferidos por leis que jaacute existiam acresce algumas disposiccedilotildees inovadoras13 Sendo

claramente as mais relevantes o facto de permitir agraves pessoas de sexo diferente que vivessem

em uniatildeo de facto a adoccedilatildeo conjunta de menores nos mesmos termos que os cocircnjuges

previstos no artigo 1979ordm n ordm1 do CCiv14 e o alargamento das medidas de proteccedilatildeo por ela

concedidas agraves pessoas do mesmo sexo que viviam em uniatildeo de facto15

Posteriormente com a alteraccedilatildeo feita pela Lei nordm 232010 de 30 de agosto visou-

se essencialmente aumentar os efeitos que se produzem apoacutes a morte de um dos membros

da uniatildeo de facto ou apoacutes a sua rutura16 Tendo em vista dessa forma a proteccedilatildeo social do

membro sobrevivo que fique em situaccedilatildeo difiacutecil no que concerne agrave conservaccedilatildeo da sua

12 Alterada pela Lei 232010 de 3008 13 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p68 14 Art7ordm da LUF Nos termos do atual regime de adoccedilatildeo constante do livro IV tiacutetulo IV do Coacutedigo Civil eacute

reconhecido a todas as pessoas que vivam em uniatildeo de facto nos termos da presente lei o direito de adoccedilatildeo

em condiccedilotildees anaacutelogas agraves previstas no artigo 1979ordm do Coacutedigo Civil sem prejuiacutezo das disposiccedilotildees legais

respeitantes agrave adoccedilatildeo por pessoas natildeo casadas 15 A lei 72001 de 1105 resulta da discussatildeo de alguns projetos de lei elaborados por partidos poliacuteticos A

propoacutesito da vigecircncia da lei nordm 13599 que continuava a natildeo proteger juridicamente as relaccedilotildees dos unidos de

facto do mesmo sexo o partido ldquoOs Verdesrdquo apresentou o projeto de lei nordm 6VIII (consultaacutevel em

httpswwwparlamentoptActividadeParlamentarPaginasDetalheIniciativaaspxBID=6374) que pretendia

alterar o nordm1 do art 1ordm da lei em vigor eliminando a referecircncia a pessoas de sexo diferente passando os casais

de orientaccedilatildeo homossexual a ter acesso aos benefiacutecios previstos na LUF com exceccedilatildeo da possibilidade de

adoccedilatildeo que ficaria reservada aos casais heterossexuais Apresentando o projeto de lei nordm 45VIII (consultaacutevel

em

httpswwwparlamentoptActividadeParlamentarPaginasDetalheIniciativaaspxBID=6308) surge o Bloco

de Esquerda tencionando a modificaccedilatildeo do mesmo preceito para que se reconhecessem as uniotildees

homossexuais e ainda que se afastasse da lei o prazo miacutenimo de duraccedilatildeo de convivecircncia se estas situaccedilotildees

fossem registadas passando o art 1ordm n ordm1 a ter a seguinte redaccedilatildeo a presente lei regula a situaccedilatildeo juriacutedica

das pessoas que vivem em uniatildeo de facto O PCP por sua vez apresentou o nordm 145VIII tendo como objetivo

a revogaccedilatildeo da lei que vigorava substituindo-a por uma legislaccedilatildeo que fosse aplicaacutevel a quem vivesse em

uniatildeo de facto haacute mais de dois anos independentemente do sexo corroborava a proteccedilatildeo da casa de morada

comum garantindo a preferecircncia do outro para efeitos de venda ou arrendamento em caso de morte de um dos

membros e pretendia que o acesso a prestaccedilotildees por morte fosse mais flexiacutevel contudo o regime da adoccedilatildeo

continuava reservado aos casais heterossexuais O PS apresentou o projeto de lei nordm 105VIII (consultaacutevel

em httpswwwparlamentoptActividadeParlamentarPaginasDetalheIniciativaaspxBID=6195) que

apesar de natildeo se referir especificamente a uniotildees de facto visava que a proteccedilatildeo concedida pela lei nordm13599

se estendesse a um novo regime denominado de economia comum distinguindo-o do regime aplicaacutevel agraves

uniotildees de facto pela absoluta irrelevacircncia da orientaccedilatildeo sexual das pessoas a quem se confere proteccedilatildeo legal

pretendendo assim a tutela de duas pessoas que vivessem em economia comum haacute mais de dois anos Para

mais desenvolvimentos cfr MARTA COSTA ob cit pp 346-348 16 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p70

15

habitaccedilatildeo e aos meios de subsistecircncia miacutenimos17 Haacute quem considere que apesar das

alteraccedilotildees o regime da uniatildeo de facto portuguecircs em comparaccedilatildeo com muitos sistemas

juriacutedicos eacute modesto e continua a ser o que menos efeitos atribui agrave uniatildeo de facto18 Uma vez

que continua a acolher-se neste domiacutenio uma proteccedilatildeo fragmentaacuteria e especialmente

dirigida a cenaacuterios de crise em que as debilidades dos membros se concretizem com mais

intensidade19 Contudo essa moderaccedilatildeo eacute uma escolha sendo intenccedilatildeo do legislador natildeo

atribuir efeitos imperativos por entender que pode haver quem natildeo queira uma regulaccedilatildeo tatildeo

abrangente de determinadas situaccedilotildees deixando que os proacuteprios membros se possam

organizar privadamente20 O que leva a que no regime da uniatildeo de facto natildeo haja regulaccedilatildeo

juriacutedica relativamente ao seu registo agraves invalidades que podem existir na sua constituiccedilatildeo e

ainda no que respeita ao regime de bens agrave administraccedilatildeo do patrimoacutenio agraves ilegitimidades

de disposiccedilatildeo agrave proibiccedilatildeo de contratos ou regulaccedilatildeo de participaccedilatildeo em sociedades nem no

que toca aos efeitos sucessoacuterios e agrave extinccedilatildeo da situaccedilatildeo de uniatildeo de facto21

Ainda que natildeo defina o conceito de uniatildeo de facto a LUF no seu artigo 1ordm nordm 2

identifica o seu objeto como a situaccedilatildeo juriacutedica de duas pessoas que independentemente do

sexo vivam em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges haacute mais de dois anos Dito isto pode

depreender-se que eacute necessaacuterio que duas pessoas vivam em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos

cocircnjuges haacute mais de dois anos e ainda que segundo o previsto no artigo 2ordm da LUF entre

os membros da uniatildeo natildeo se verifique nenhum dos impedimentos aiacute mencionados No que

concerne agrave constituiccedilatildeo da uniatildeo de facto e ao desenvolvimento dos impedimentos agrave mesma

abordaremos a questatildeo mais adiante

17Art 5ordm e 6ordm da LUF Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ldquoNotas sobre a lei nordm 232010 de 30 de agosto (Alteraccedilatildeo

agrave lei das uniotildees de facto)rdquo in Lex Familiae Coimbra Editora 2012 p 146 A lei nova encara mais nitidamente

a necessidade de proteccedilatildeo do membro sobrevivo da uniatildeo de facto e daacute-lhe prioridade relativamente aos filhos

() considera que a proteccedilatildeo da casa de morada eacute o nuacutecleo irredutiacutevel da proteccedilatildeo conferida ao membro

sobrevivo da uniatildeo de facto e portanto garante a proteccedilatildeo mesmo contra a vontade do falecido 18 Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 153 FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob

cit p 69 19 Cfr RUTE TEIXEIRA PEDRO ldquoBreves reflexotildees sobre a proteccedilatildeo do unido de facto quanto agrave casa de morada

de famiacutelia propriedade do companheiro falecidordquo in AAVV Textos de Direito da Famiacutelia para FRANCISCO

PEREIRA COELHO coord GUILHERME DE OLIVEIRA Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016

p310 20 De realccedilar que em 2001 o nuacutemero registado de pessoas a viver em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges foi

de 381 mil indiviacuteduos e em 2011 quase que duplicou perfazendo o total de 730 mil indiviacuteduos Dados

consultaacuteveis em

httppordataptPortugalPopulaC3A7C3A3o+residente+segundo+os+Censos+em+uniC3B5es+

de+facto-2649-222898 21 Para aleacutem do disposto no art 8ordm da LUF Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 153 FRANCISCO PEREIRA

COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 70

16

3 A uniatildeo de facto e a Constituiccedilatildeo da Reacutepublica Portuguesa

Ainda na linha de pensamento do ponto anterior no que respeita ao artigo 36ordm n ordm1

da CRP importa dizer que esta norma determina que todos tecircm o direito de constituir famiacutelia

e de contrair casamento em condiccedilotildees de igualdade22 ou seja pode considerar-se que este

artigo consagra essencialmente dois direitos o de constituir famiacutelia e o de casar23 Nesta

senda importa tambeacutem debruccedilarmo-nos sobre a proteccedilatildeo que a Constituiccedilatildeo oferece agrave uniatildeo

de facto

Jaacute referimos que certos AA como GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA24

defendem que o que parece decorrer do nordm1 do artigo 36ordm CRP eacute que a Constituiccedilatildeo natildeo

admite a reduccedilatildeo do conceito de famiacutelia agrave uniatildeo conjugal baseada no casamento havendo

outras formas de constituiccedilatildeo de famiacutelia aleacutem do casamento como a uniatildeo de facto isto eacute

ao distinguir a famiacutelia do casamento o legislador pretendeu demonstrar que se tratam de

realidades diversas e que o direito a constituir famiacutelia natildeo estaacute vedado a quem natildeo pretenda

contrair casamento25 Segundo esta corrente doutrinaacuteria haacute uma abertura constitucional - se

natildeo mesmo uma obrigaccedilatildeo - para conferir relevo agraves uniotildees familiares de facto tendo em

consideraccedilatildeo que o conceito constitucional natildeo abrange apenas a famiacutelia

matrimonializada26 Apesar de afirmarem o reconhecimento da uniatildeo de facto como relaccedilatildeo

juriacutedica familiar postulam que tal natildeo implica que haja um tratamento legal totalmente

22 A sua interpretaccedilatildeo deve ser feita como se o n ordm1 do art36ordm prescrevesse que laquotodos tecircm o direito de

constituir famiacutelia em condiccedilotildees que natildeo violem o princiacutepio da igualdade definido no artigo 13ordmraquo Tendo em

conta que ao espiacuterito desta norma constitucional natildeo repugna efetivamente aceitar as limitaccedilotildees resultantes

da legislaccedilatildeo vigente quer em mateacuteria de impedimentos matrimoniais() Cfr ANTUNES VARELA ldquoDireito da

Famiacuteliardquo 5ordf ed vol I Lisboa Livraria Petrony 1999 p 158 23 Em sentido diverso Cfr JOAtildeO DE CASTRO MENDES ldquoFamiacutelia e casamentordquo in Estudos sobre a Constituiccedilatildeo

JORGE MIRANDA (coord) vol I Lisboa Livraria Petrony 1977 p 372 que entende que os dois direitos

reduzem-se a um soacute E ainda Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoCasamento e Famiacutelia no direito portuguecircsrdquo

obcit p 8 que entende que ao contraacuterio do que acontece no artigo 16ordm DUDH o legislador portuguecircs optou

por colocar o direito a constituir famiacutelia agrave frente do direito de contrair casamento na disposiccedilatildeo do n ordm1 do art

36ordm natildeo se sabe bem porquecirc 24Cfr J GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA ob cit p561 CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo

Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova Relaccedilatildeo Familiarrdquo in Estudos em Homenagem ao Prof Doutor Jorge

Miranda Vol VI Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Coimbra Editora 2012 p 453 HENRICH

EWALD HOumlRSTER ldquoInconstitucionalidade da Tributaccedilatildeo Conjunta dos Cocircnjugesrdquo in Revista de Direito e

Economia da Universidade de Coimbra Ano III nordm 2 Julho ndash Dezembro 1977 p 506 25 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova Relaccedilatildeo Familiarrdquo

obcit p 453 CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoA jurisprudecircncia do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e as

Novas Formas de Famiacutelia ndash The European Court of Human Rights and The New Concept of Familyrdquo in Revista

Juriacutedica da Universidade Portucalense nordm15 Universidade Portucalense Porto 2012 p 36 Neste sentido

vide Acoacuterdatildeo Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 15-02-2007 proferido no acircmbito do processo nordm 62842006-

8 26 Cfr JJ GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA ob cit p 561

17

idecircntico entre as famiacutelias natildeo matrimonializadas e as famiacutelias baseadas no casamento desde

que as distinccedilotildees feitas natildeo sejam arbitraacuterias irrazoaacuteveis ou desproporcionadas e tenham

em conta todos os direitos e interesses em jogo27

De outra parte FRANCISCO PEREIRA COELHO e GUILHERME DE OLIVEIRA defendem

que a 1ordf parte do n ordm1 do artigo 36ordm CRP ao estabelecer que todos tecircm direito de constituir

famiacutelia esse diz respeito essencialmente agraves relaccedilotildees de filiaccedilatildeo pois o direito de constituir

famiacutelia eacute antes de mais o direito a procriar e ainda o direito a estabelecer as

correspondentes relaccedilotildees de paternidade e maternidade28 Relativamente agrave 2ordf parte do

mesmo artigo alertam para o facto de natildeo se poder reconduzir a uniatildeo de facto a uma

dimensatildeo ou vertente negativa do direito de contrair casamento uma vez que a dimensatildeo

negativa desse direito eacute o de natildeo casar2930

Embora entendam que este artigo natildeo oferece proteccedilatildeo constitucional agrave uniatildeo de

facto isso natildeo quer dizer que esta fique desprotegida constitucionalmente Para estes AA o

princiacutepio de proteccedilatildeo da uniatildeo de facto decorre do direito ao desenvolvimento da

personalidade previsto no nordm1 do artigo 26ordm CRP considerando-o como o direito do

indiviacuteduo a afirmar livremente a sua identidade31 como sujeito autoacutenomo dotado de

autodeterminaccedilatildeo decisoacuteria32 sem estar vinculado a modelos externamente impostos e

conferindo-lhe o direito a viver a sua vida do modo que escolher podendo dizer-se que

estabelecer uma uniatildeo de facto eacute uma manifestaccedilatildeo desse direito33

A proteccedilatildeo conferida pelo direito ao desenvolvimento da personalidade natildeo exige

que o legislador conceda agrave uniatildeo de facto efeitos semelhantes aos que oferece ao casamento

equiparando o que natildeo eacute igual visto que os membros da uniatildeo de facto natildeo assumem um

27 Como por exemplo os direitos dos filhos Idem 28 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 60 29 Idem 30 Mais amplo do que viver em uniatildeo de facto pois pode ainda significar ficar em solidatildeo relacionar-se

esporadicamente ou pontualmente ou ateacute viver em promiscuidade Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e

Personalidaderdquo Almedina Coimbra 2017 p 237 No mesmo sentido Cfr NUNO SALTER CID ldquoSobre o

Direito de natildeo Contrair Casamentordquo in Famiacutelia Consciecircncia Secularismo e Religiatildeo 1ordf Ediccedilatildeo Coimbra

Editora 2010 p 28 O direito de natildeo contrair casamento o tal direito fundamental que a Constituiccedilatildeo

implicitamente confere e protege como dimensatildeo ou vertente negativa do direito de contrair casamento eacute na

verdade e apenas o direito de se negar a contrair casamento o direito natildeo ser forccedilado a casar-se um direito

que natildeo exerce apenas quem opta por viver em uniatildeo de facto mas tambeacutem quem opta por manter-se solteiro

divorciado ou viuacutevo (de Direito ou de facto) 31 Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e Personalidaderdquo ob cit p 237 32 Cfr JJ GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA ob cit p 463 33 Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e Personalidaderdquo ob cit p 237

18

compromisso de vida por natildeo quererem ou natildeo o poderem fazer Equiparar o que eacute diferente

nesta medida poderia ser julgado inconstitucional pois iria impor agraves pessoas que vivem em

uniatildeo de facto os mesmos deveres e conceder os mesmos direitos que impotildee e concede agraves

que satildeo casadas violando o direito a natildeo casar sendo-lhes forccedilado um estatuto que em

princiacutepio rejeitaram por vontade proacutepria

Conveacutem ainda referir que no que toca ao princiacutepio da proteccedilatildeo da famiacutelia previsto

no artigo 67ordm CRP este natildeo impotildee ao legislador ordinaacuterio a atribuiccedilatildeo de efeitos favoraacuteveis

agrave uniatildeo de facto mas tambeacutem natildeo proiacutebe que sejam concedidos agrave mesma os efeitos que

considere adequados e justificados34 FRANCISCO PEREIRA COELHO considera ainda que este

princiacutepio constitucional natildeo visa apenas a famiacutelia conjugal35 ao contraacuterio de CASTRO

MENDES que explica que soacute faz sentido valer neste contexto a famiacutelia fundada no

casamento natildeo devendo a lei passar um laquocheque em brancoraquo a quaisquer formas de

sociedade familiar36 Por sua vez SANDRA PASSINHAS defende que apesar da uniatildeo de facto

natildeo ser uma forma de contrair casamento e natildeo caber no acircmbito de proteccedilatildeo do artigo 36ordm

da CRP isso natildeo inibe que o casal nascido da uniatildeo de facto juridicamente protegida

tambeacutem seja considerado famiacutelia para efeitos da proteccedilatildeo institucional conferida pelo

artigo 67ordm CRP37 pois entende que seria inaceitaacutevel que no acircmbito normativo do artigo 67ordm

CRP natildeo coubessem as relaccedilotildees parafamiliares como a uniatildeo de facto38 Nesta ordem de

ideias eacute possiacutevel aferir que a constituiccedilatildeo natildeo permite penalizar a uniatildeo de facto ou equiparaacute-

la ao casamento39

34 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoAnotaccedilatildeo ao Ac do STJ de 2 de abril de 1987rdquo in Revista de Legislaccedilatildeo

e Jurisprudecircncia nordm 3782 ano 122 Coimbra 1990 p84 35 Idem Entendendo que o princiacutepio constitucional visa abranger a famiacutelia natural e ainda a adotiva 36 Cfr JOAtildeO DE CASTRO MENDES ldquoFamiacutelia e casamentordquo in Estudos sobre a Constituiccedilatildeo JORGE MIRANDA

(coord) vol I Lisboa Livraria Petrony 1977 p 373 37 Referindo em abono da posiccedilatildeo que defende o modo como o legislador na LUF em cumprimento do

disposto no art 67ordm nordm2 da CRP conformou a posiccedilatildeo dos unidos de facto no sentido de lhes conceder

proteccedilatildeo da casa de morada de famiacutelia de os beneficiar com o regime juriacutedico aplicaacutevel a pessoas casadas

em mateacuteria de feacuterias feriados faltas licenccedilas e de preferecircncia na colocaccedilatildeo dos trabalhadores da

Administraccedilatildeo Puacuteblica com a aplicaccedilatildeo do regime do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares

concedendo-lhes proteccedilatildeo socia na eventualidade de morte do beneficiaacuterio por aplicaccedilatildeo do regime geral ou

de regimes especais de seguranccedila social bem como prestaccedilotildees por morte resultante de acidente de trabalho

ou doenccedila profissional a pensatildeo do preccedilo de sangue e por serviccedilos excecionais e relevantes prestados ao paiacutes

ou a inclusatildeo do unido de facto no elenco dos titulares do direito agrave indemnizaccedilatildeo por danos natildeo patrimoniais

por morte da viacutetima no nordm3 do art 496ordm SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e Personalidaderdquo obcit p240 38 Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e Personalidaderdquo obcit p 231 39 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p64

19

A propoacutesito dos diplomas internacionais cabe referir que a Declaraccedilatildeo Universal

dos Direitos do Homem40 inclui dois princiacutepios relativos agrave famiacutelia Primeiramente no seu

artigo 12ordm onde estabelece o direito ao respeito pela vida familiar seguido do artigo 16ordm que

abrange no seu nordm 1 o direito de casar e de constituir famiacutelia e no seu nordm 3 reconhece a

famiacutelia como elemento natural e fundamental da sociedade tendo direito agrave proteccedilatildeo desta e

do Estado Tambeacutem a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem41 conteacutem dois

princiacutepios dedicados agrave famiacutelia o direito ao respeito pela vida privada e familiar previsto no

seu artigo 8ordm e por sua vez o direito a casar e a constituir famiacutelia estando este disposto no

artigo seu 12ordm Nestes diplomas o legislador internacional tal como o legislador nacional

natildeo assegura uma definiccedilatildeo de famiacutelia ou casamento levando a que se concretizem e sejam

interpretados de forma diversa consoante o substrato social de quem o faz42 Pois como

defende CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS43 eacute inegaacutevel as transformaccedilotildees que o conceito de famiacutelia

tradicional tem sofrido dando origem a novas formas de famiacutelia como as de facto as

monoparentais as recombinadas e as homossexuais Nesta senda note-se que o Tribunal

Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) apesar de ter em conta a tutela do casamento e

encorajar a famiacutelia tradicional44 tem vindo a considerar que o artigo 8ordm CEDH natildeo se refere

apenas agrave famiacutelia constituiacuteda com base no casamento como acontece no artigo 12ordm CEDH

podendo conceder tutela a outros laccedilos familiares como as uniotildees de facto45

40 Proclamada pela Assembleia Geral das Naccedilotildees Unidas em Paris a 10 de dezembro de 1948 41 Assinada a 4 de novembro de 1950 em Roma tendo entrado em vigor em 1953 A adesatildeo de Portugal deu-

se apenas em 1978 42 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova Relaccedilatildeo Familiarrdquo

obcit p 458 43 Idem 44 Neste sentido e para mais desenvolvimentos Cfr SUSANA ALMEIDA ldquoO Respeito pela Vida (Privada e)

Familiar na Jurisprudecircncia do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem A tutela das Novas Formasrdquo

Coimbra Editora 2008 p 165 45 Article 8 (art 8) applies to the family life of the illegitimate family as well as to that of the legitimate

family Ac JOHNSTON C IRLANDA 18 de dezembro de 1986 p19 consultaacutevel em

httpshudocechrcoeinteng22itemid22[22001-5750822

The Court recalls that the notion of the family in this provision is not confined solely to marriage-based

relationships and may encompass other de facto family ties where the parties are living together outside of

marriage Ac KEEGAN C IRLANDA de 26 de maio de 1994 p13 consultaacutevel em

httpshudocechrcoeinteng22itemid22[22001-5788122]

20

31 A uniatildeo de facto e o casamento ndash liberdade mas e proteccedilatildeo

Como jaacute haviacuteamos referido tanto a proteccedilatildeo conferida pelo direito ao

desenvolvimento da personalidade quanto a que se entenda que eacute dada pelo artigo 36ordm CRP

natildeo exige que o legislador atribua agrave uniatildeo de facto efeitos semelhantes aos do casamento

equiparando os dois institutos Esta diferenccedila de tratamento de situaccedilotildees distintas natildeo viola

o princiacutepio da igualdade previsto no artigo 13ordm CRP visto que esta norma apenas proiacutebe as

discriminaccedilotildees arbitraacuterias ou sem fundamento46 Tratam-se de situaccedilotildees materialmente

diferentes enquanto no casamento se assume um compromisso de vida em comum

sujeitando-se a um viacutenculo juriacutedico47 um contrato entre duas pessoas que pretendem

constituir famiacutelia mediante uma plena comunhatildeo de vida na uniatildeo de facto os membros natildeo

querem ou natildeo podem assumir esse compromisso48

Antes de nos dedicarmos ao estudo do contraste que o regime da uniatildeo de facto e o

casamento apresentam em concreto conveacutem relembrar a noccedilatildeo de casamento no nosso

ordenamento juriacutedico Assim segundo o artigo 1577ordm CCiv o casamento constitui um

contrato4950 um compromisso juriacutedico assumido por duas pessoas que se vinculam entre si

mediante uma plena comunhatildeo de vida Ainda que o Coacutedigo Civil natildeo defina explicitamente

o que significa plena comunhatildeo de vida eacute possiacutevel aferir-se pelos preceitos subsequentes

que esta deve ser guiada pelos deveres de respeito fidelidade coabitaccedilatildeo cooperaccedilatildeo e

46 Acoacuterdatildeo Tribunal Constitucional nordm 33686 p 3807 Neste artigo reconhece-se o direito agrave diferenccedila desde

que esta natildeo ultrapasse os limites da tolerabilidade ou da discricionariedade Acoacuterdatildeo Tribunal Constitucional

nordm 11881996 O princiacutepio da igualdade (artigo 13ordm da Constituiccedilatildeo) impotildee se decirc tratamento igual ao que for

essencialmente igual e se trate diferentemente o que diferente for Natildeo proiacutebe as distinccedilotildees de tratamento se

materialmente fundadas proiacutebe isso sim a discriminaccedilatildeo as diferenciaccedilotildees arbitraacuterias ou irrazoaacuteveis

carecidas de fundamento racional No mesmo sentido vide Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de

08-03-2006 proferido no acircmbito do processo nordm 419705JTRC 47 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova Relaccedilatildeo Familiarrdquo

obcit p 460 48 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p63 49Apesar da sua contratualidade ser afirmada na sua definiccedilatildeo legal esta eacute contestada Haacute quem qualifique o

casamento como um mero acordo outros como instituiccedilatildeo ou ainda como um puro ato administrativo vendo

a declaraccedilatildeo do funcionaacuterio do registo civil como o elemento constitutivo do casamento e o consentimento

das partes como um simples pressuposto dessa declaraccedilatildeo Cfr mais desenvolvidamente FRANCISCO PEREIRA

COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit pp 232- 235 e ainda TELMA CARVALHO ob cit p 230 50 Cfr FRANCcedilA PITAtildeO ldquoOs novos casamentos ou a crise do casamento tradicional no direito portuguecircs in

AAVV Comemoraccedilotildees dos 35 anos do Coacutedigo Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977 vol I Coimbra

Editora Coimbra 2004 pp 178-179

21

assistecircncia (artigo 1672ordm CCiv) aleacutem disso deve ser exclusiva (artigo 1601ordm CCiv) e tendo

em vista a perpetuidade (artigo 1773ordm CCiv)

A solenidade de formalizaccedilatildeo de vontades necessaacuteria no casamento (artigo 1615ordm

CCiv) em contraposiccedilatildeo agrave falta de forma de celebraccedilatildeo uniatildeo de facto tem sido a principal

diferenccedila apontada pela doutrina entre estas duas formas de vida Dado que no casamento

haacute a expressatildeo de duas vontades atraveacutes de uma declaraccedilatildeo expressa perante uma entidade

puacuteblica que abrange todo o conteuacutedo do casamento Os nubentes ao declararem que aceitam

casar estatildeo simultaneamente a aceitar os efeitos legais do casamento tal como prevecirc o

regime obrigatoacuterio do artigo 1618ordm nordm 1 CCiv Aceitam todos os deveres reciacuteprocos e

tambeacutem os efeitos patrimoniais onde vatildeo tendo uma autonomia privada ainda que limitada

atraveacutes das convenccedilotildees antenupciais51 Isto eacute na uniatildeo de facto haacute uma intencionalidade52

de viver em comunhatildeo plena de vida com outra pessoa no casamento aleacutem da

intencionalidade da plena comunhatildeo de vida haacute a intenccedilatildeo de celebrar o casamento com

tudo o que o seu regime legal acarreta

No caso da uniatildeo de facto essa intencionalidade natildeo eacute declarada de forma solene ou

formal eacute um acordo iacutentimo realizado entre os membros da situaccedilatildeo de facto que natildeo eacute

reconhecido por nenhum ente estadual53 Por outro lado a realizaccedilatildeo do casamento aleacutem de

implicar todo um processo preliminar que tem por fim um despacho final que no caso de ser

favoraacutevel pressupotildee a celebraccedilatildeo do casamento no prazo de seis meses subsequentes a essa

autorizaccedilatildeo tem forma puacuteblica e a sua celebraccedilatildeo acarreta o seu registo (artigo 1ordm al d)

CRegCiv) Este registo eacute obrigatoacuterio e comporta uma elevada importacircncia visto que soacute com

o reconhecimento do casamento pelo Conservador do Registo Civil (artigo 1615ordm CCiv) eacute

possiacutevel fazer a prova do estado civil das pessoas Eacute a uacutenica prova legalmente admitida do

casamento sendo que enquanto este natildeo for registado natildeo pode ser invocado54 Devido agrave

uniatildeo de facto natildeo implicar uma alteraccedilatildeo no estado civil dos membros por natildeo estar sujeita

a registo torna a falta de publicidade no que concerne agrave elaboraccedilatildeo deste estudo a grande

diferenccedila entre este regime juriacutedico e o do casamento e o que tem maior repercussatildeo no

51 Cfr TELMA CARVALHO ob cit p 229 52 Cfr TELMA CARVALHO ob cit p 230 53 Cfr TELMA CARVALHO ob cit p 237 54 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 337

22

regime protecional dos unidos de facto jaacute que o que natildeo pode ser provado em princiacutepio

natildeo pode ser protegido

Aleacutem da dificuldade da prova da uniatildeo de facto quer diante o Estado quer em face

a terceiros a falta do seu registo impede o controlo da sua existecircncia e do cumprimento dos

seus requisitos por parte do Estado Abordaremos a questatildeo da dificuldade da prova

resultante da falta de publicidade da uniatildeo de facto mais aprofundadamente na parte a ela

dedicada

Ateacute aqui apresentamos diferenccedilas de caraacuteter puramente formal nomeadamente no

que respeita agrave natureza contratual do casamento agrave solenidade da celebraccedilatildeo do mesmo e

ainda quanto agrave sua publicidade em contrapartida com o que acontece com a uniatildeo de facto

tendo umas mais importacircncia objetiva que outras Cabe agora analisar as diferenccedilas que tecircm

sido apontadas aos efeitos juriacutedicos praacuteticos Nomeadamente a necessidade de decurso de

prazo de dois anos para que a lei atribua agrave uniatildeo de facto efeitos juriacutedicos uma vez que no

nordm 2 do artigo 1ordm da LUF estaacute previsto que a uniatildeo de facto eacute a situaccedilatildeo juriacutedica de duas

pessoas que independentemente do sexo vivam em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges haacute

mais de dois anos Haacute entatildeo uma exigecircncia do decurso de dois anos55 dessa convivecircncia para

que a situaccedilatildeo anaacuteloga agrave dos cocircnjuges seja considerada uniatildeo de facto Ao passo que o

casamento se considera constituiacutedo com a declaraccedilatildeo de vontade de cada nubente e celebrado

perante uma entidade competente natildeo necessitando da decorrecircncia de nenhum prazo para

que se considere constituiacutedo

Eacute de notar alguma diferenccedila ainda no que se refere agrave cessaccedilatildeo do casamento e agrave

dissoluccedilatildeo da uniatildeo de facto O artigo 1773ordm CCiv determina que o divoacutercio pode ser por

muacutetuo consentimento ou sem consentimento de um dos cocircnjuges - desde que se verifiquem

algum dos fundamentos de rutura previstos no artigo 1781ordm CCiv - ou seja natildeo basta o

simples afastamento dos cocircnjuges para que o casamento cesse haacute um viacutenculo formal que

tem de ser dissolvido A uniatildeo de facto dissolve-se quando cessar o facto da uniatildeo56 isto eacute

55 Noutras regulamentaccedilotildees especiacuteficas esse prazo pode variar () por exemplo no caso da transmissatildeo de

arrendamento por morte do unido o prazo de um ano basta na Lei da Nacionalidade jaacute eacute exigida a duraccedilatildeo de

trecircs anos para que um estrangeiro possa declarar querer adquirir a nacionalidade portuguesa com fundamento

na uniatildeo de facto SANDRA PASSINHAS ldquoUniatildeo de Facto em Portugalrdquo ob cit p113 56 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo in AAVV Textos de Direito da Famiacutelia para Pereira Coelho GUILHERME OLIVEIRA (coord)

Imprensa da Universidade de Coimbra 2016 p 91

23

com a rutura da efetiva comunhatildeo de vida que acontece com a verificaccedilatildeo de alguma das

situaccedilotildees mencionadas no nordm 1 do artigo 8ordm da LUF

Veja-se entre noacutes a uniatildeo de facto eacute objeto de atribuiccedilatildeo de alguns efeitos juriacutedicos

poreacutem no que respeita ao domiacutenio das relaccedilotildees patrimoniais e agrave regulamentaccedilatildeo das

consequecircncias da sua dissoluccedilatildeo natildeo haacute nenhuma norma reguladora Isto eacute natildeo existe

regulamentaccedilatildeo quanto ao regime de bens e natildeo sendo em princiacutepio de aplicar

analogicamente o regime juriacutedico do casamento57 os membros da uniatildeo de facto sentem a

necessidade de criarem eles proacuteprios um estatuto juriacutedico que regule determinados

problemas que possam surgir da sua comunhatildeo de vida com base no princiacutepio da autonomia

da vontade58 Em alguns ordenamentos juriacutedicos59 a soluccedilatildeo para esta questatildeo eacute o contrato

de coabitaccedilatildeo60 visto como a hipoacutetese de conferir aos membros da uniatildeo de facto a

possibilidade de regularem as suas relaccedilotildees patrimoniais com base no princiacutepio da

autonomia patrimonial61 Apesar de no nosso ordenamento juriacutedico natildeo haver tipificaccedilatildeo

legal do contrato de coabitaccedilatildeo - como a uniatildeo de contratos em que os membros da uniatildeo

de facto reuacutenem vaacuterias espeacutecies contratuais em vista da organizaccedilatildeo convencional das suas

relaccedilotildees patrimoniais durante a vida da relaccedilatildeo e apoacutes a extinccedilatildeo desta62- natildeo haacute

legalmente nada a opor a esses contratos desde que estes se limitem a regular os efeitos

patrimoniais sem abrangerem os efeitos pessoais63 Houve por parte do PCP com o artigo

57 Cfr FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo ob cit p83 58 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDissoluccedilatildeo da uniatildeo de facto ndash Anotaccedilatildeo ao Acoacuterdatildeo do TRG de 2992004

Proc 128904rdquo in Cadernos de Direito Privado nordm 11 julhoSetembro 2005 p72 59 Como nos Estados Unidos na Holanda e no Canadaacute e ainda na Espanha e Franccedila onde satildeo normalmente

celebrados apesar de levantarem algumas duacutevidas Neste sentido vide Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de

Lisboa de 29-11-2012 proferido no acircmbito do processo nordm 444092TCFUNL1-A-8 JEAN CARBONNIER

ldquoDroit Civil (T2 ndash La famille lrsquoenfant le couple)rsquorsquo 21ordm ed PUF Paris 2002 p681 EDUARDO ESTRADA

ALONSO ldquoLas uniones extramatrimoniales en el Derecho Civil Espantildeolrdquo 2ordm ed Civitas Madrid 1991 pp

139-152 o A prevecirc a possibilidade de utilizar a autonomia da vontade dos membros como fonte de regulaccedilatildeo

das uniotildees de facto apesar de este tipo de convenios natildeo serem frequentes em Espanha devido a possibilidade

dos tribunais os poderem declarar nulos por ilicitude de causa o A admite a sua validade desde que tratem

apenas de aspetos patrimoniais 60 Pode ser designado de diversas formas tais como contrato de convivecircncia contratos de uniatildeo de facto

convenccedilotildees entre conviventes pactos concubinaacuterios Cfr MARTA COSTA ob cit p156 GERALDO ALMEIDA

ob cit p202 RENATO NETO ldquoContrato de Coabitaccedilatildeo na Uniatildeo de Facto Confronto entre o Direito Brasileiro

e Portuguecircsrdquo Livraria Almedina Coimbra 2006 pp 69-70 61 Cfr MARTA COSTA ob cit p157 62 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 84 63 Cfr JOSEacute JOAtildeO GONCcedilALVES DE PROENCcedilA ldquoDireito da Famiacuteliardquo Lisboa Universidade Lusiacuteada Editora 2003

p 34

24

5ordm do projeto de lei nordm 384VII a proposta de uma convenccedilatildeo de uniatildeo de facto64 que

pretendia afastar nesta mateacuteria a incerteza e inseguranccedila juriacutedicas resultantes da LUF natildeo

tendo todavia prosseguido

Por uacuteltimo eacute de ressalvar a diferenccedila notoacuteria que haacute entre os efeitos sucessoacuterios do

casamento e da uniatildeo de facto O estatuto sucessoacuterio do cocircnjuge sobrevivo tem um elevado

grau de proteccedilatildeo comparativamente com a proteccedilatildeo oferecida ao unido sobrevivo uma vez

que o cocircnjuge aleacutem de ser herdeiro legiacutetimo eacute tambeacutem herdeiro legitimaacuterio65 enquanto o

unido sobrevivo natildeo eacute considerado sequer herdeiro do falecido limitando-se a lei a conceder

o direito de exigir alimentos da heranccedila do mesmo (artigo 2020ordm CCiv) Constata-se uma

enorme discrepacircncia de tratamento entre o cocircnjuge sobrevivo e o unido de facto sobrevivo

devendo a posiccedilatildeo deste uacuteltimo ser objeto de atenccedilatildeo pelo legislador nem que seja para

integrar a sucessatildeo legitima numa posiccedilatildeo inferior agrave do cocircnjuge descendentes e

ascendentes66 Tendo isto em conta eacute possiacutevel afirmar-se que atualmente muitos casais

optam pelo instituto do casamento ao inveacutes do instituto da uniatildeo de facto pela proteccedilatildeo que

este concede ao sobrevivo em caso de morte podendo o casamento ser visto de certa forma

como um (quase) contrato sucessoacuterio67 Na praacutetica muitos casais com esta informaccedilatildeo

apesar de natildeo acharem necessaacuterio celebrar casamento no acircmbito social ou cultural optam

por fazecirc-lo devido agrave elevada discrepacircncia existente entre ambos os institutos

FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO68 defende que diante do presente quadro

regulativo natildeo pode por um lado ser recusada liminarmente a possibilidade de aplicaccedilatildeo agrave

uniatildeo de facto das normas pertencentes ao regime do casamento desde que se tratem de

efeitos indiretos ou legais do casamento e de efeitos fundados na simples existecircncia de uma

comunhatildeo de vida Por outro lado levando em conta o atual quadro legislativo natildeo pode ser

64 Prevendo a possibilidade dos membros da uniatildeo de facto celebrarem uma convenccedilatildeo que visava estabelecer

o seu regime de bens a responsabilidade por diacutevidas e o seu regime de administraccedilatildeo de bens Consultaacutevel em

httpswwwpcpptarlegis-7projleipjl384html 65 Isto eacute nos termos do 2132ordm CCiv eacute chamado agrave sucessatildeo mesmo que o falecido natildeo tenha deixado testamento

vaacutelido consta tambeacutem do art 2157ordm CCiv tendo direito a uma porccedilatildeo de bens (a legiacutetima) que o falecido natildeo

pode dispor no seu testamento Cfr OLIVEIRA ASCENSAtildeO ldquoDireito civil Sucessotildeesrdquo Coimbra Editora 5ordf Ed

2000 pp 333 e 353 66 Para mais desenvolvimentos FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da

uniatildeo de facto breves observaccedilotildeesrdquo ob cit pp104-105 67 Cfr FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo ob cit p103 68 Cfr FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo ob cit pp 83-101

25

feita uma geneacuterica aplicaccedilatildeo analoacutegica do regime do casamento O A aleacutem de salvaguardar

que essa aplicaccedilatildeo soacute poderia abranger os referidos efeitos indiretos ou legais do casamento

alega que antes dessa aplicaccedilatildeo teriam de se apurar caso a caso os interesses em causa e a

ratio da norma eventualmente aplicaacutevel e soacute assim se poderia fundar uma aplicaccedilatildeo

analoacutegica Aleacutem do mais alerta para o quadro limitado de efeitos que a nossa lei fixou para

a uniatildeo de facto previsto na LUF o que pode refletir o intuito de impedir uma aplicaccedilatildeo

analoacutegica das normas do casamento de forma irrestrita O A declara que tendo em

consideraccedilatildeo os uacuteltimos desenvolvimentos legislativos na regulaccedilatildeo da uniatildeo de facto e no

casamento69 a diferenccedila que assenta no facto de natildeo haver uma vontade de vinculaccedilatildeo no

plano juriacutedico e da comunhatildeo de vida dos membros da uniatildeo de facto natildeo implicar o

cumprimento de deveres conjugais ficou bastante atenuada Natildeo soacute porque se tem vindo a

assistir a uma desregulaccedilatildeo do casamento em termos imperativos mas tambeacutem pelo Coacutedigo

Civil se limitar a fixar os deveres pessoais dos cocircnjuges e os modos de execuccedilatildeo dos mesmos

natildeo obedecerem a um padratildeo uacutenico Crecirc que se tem vindo a assistir a um progressivo

afrouxamento dos deveres conjugais por estarem esvaziados das normais caracteriacutesticas de

um dever juriacutedico tanto no plano das consequecircncias indemnizatoacuterias como nas resolutoacuterias

Levando-o a concluir que esbatida a base da diferenccedila principal entre os dois institutos

deixou de haver fundamento para a recusa de uma aplicaccedilatildeo analoacutegica agrave uniatildeo de facto de

muitas normas do casamento que estabelecem efeitos indiretos ou laterais de diversa ordem

deixando o casamento de ser necessaacuterio no plano social afetivo cultural ou econoacutemico e

que este soacute subsiste em maior nuacutemero do que a uniatildeo de facto por se tratar de um haacutebito

adquirido pela sociedade e por haver em certos meios uma pressatildeo social e religiosa nesse

sentido70

Por seu turno CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS no acircmbito dos efeitos patrimoniais da

uniatildeo de facto defende que a aplicaccedilatildeo analoacutegica de uma norma pressupotildee a existecircncia de

uma lacuna No entanto entende que natildeo se pode falar em lacuna quando natildeo existe uma

regulamentaccedilatildeo juriacutedica numa dada mateacuteria visto que essa inexistecircncia de regulamentaccedilatildeo

pode ter sido intencional por parte do legislador Podendo tambeacutem ser pretensatildeo do proacuteprio

69 Com as alteraccedilotildees agrave Lei nordm 72001 introduzidas pela Lei nordm 232010 de 30 de agosto no que respeita agrave uniatildeo

de facto e relativamente ao casamento em consequecircncia da profunda reforma operada pela Lei nordm 612008 de

31 de Outubro 70 Cfr FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo ob cit p 102

26

legislador que o seu preenchimento fique a cargo da doutrina e da jurisprudecircncia71 No

entanto julga que a sua integraccedilatildeo deveraacute ser feita por recurso agraves regras gerais e natildeo por

aplicaccedilatildeo do regime do casamento para o qual o legislador natildeo remeteu intencionalmente

A soluccedilatildeo a nosso ver passaria por natildeo se estender agrave uniatildeo de facto os efeitos do

casamento evitando uma intromissatildeo injustificada na escolha que as partes fizeram de natildeo

contraiacuterem casamento No entanto seria importante reforccedilar o regime legal atual natildeo

olvidando os que apesar de optarem por natildeo seguir a via do casamento pretendem uma

proteccedilatildeo mais firme e os que pretendem apenas a coabitaccedilatildeo sem consequecircncias juriacutedicas

Enveredando-se por um caminho que consolide os efeitos juriacutedicos da uniatildeo de facto com

um regime proacuteprio que natildeo se confunda com o do casamento possibilitando aos que

pretendam uma uniatildeo sem consequecircncias juriacutedicas a liberdade de escolha de sujeiccedilatildeo a um

regime legal ou natildeo

71 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDissoluccedilatildeo da uniatildeo de facto ndash Anotaccedilatildeo ao Acoacuterdatildeo do TRG de 2992004

Proc 128904rdquo ob cit pp 74-75

27

4 Constituiccedilatildeo da relaccedilatildeo de Uniatildeo de Facto e os seus efeitos

A uniatildeo de facto constitui-se quando dois sujeitos do mesmo sexo ou de sexo

diferente que tecircm uma relaccedilatildeo passam a viver em comunhatildeo de leito mesa e habitaccedilatildeo

Passando os membros a viver nessas condiccedilotildees e natildeo sendo essa situaccedilatildeo objeto de registo

civil72 ou administrativo ao contraacuterio do que acontece em alguns ordenamentos vizinhos

que mereceratildeo a nossa anaacutelise mais adiante torna-se mais difiacutecil saber de forma exata

quando se iniciou para que seja possiacutevel a partir daiacute contar os dois anos necessaacuterios para

que a situaccedilatildeo de facto produza os efeitos previstos no artigo 3ordm da LUF

Efeitos estes que soacute se produziratildeo se cumulativamente com requisito temporal de

decurso de dois anos natildeo existir nenhum impedimento dirimente ao casamento dos membros

da uniatildeo de facto Eacute a soluccedilatildeo prevista no artigo 2ordm da LUF que reproduz nas suas aliacuteneas

o disposto no artigo 1601ordm e 1602ordm CCiv obstando agrave constituiccedilatildeo de uma uniatildeo de facto

juridicamente protegida impedimentos relacionados com a idade dos companheiros a

existecircncia de uma demecircncia notoacuteria mesmo com intervalos luacutecidos e situaccedilatildeo de

acompanhamento de maior se assim estabelecer a sentenccedila que a haja decretado salvo se

posteriores ao iniacutecio da uniatildeo a ocorrecircncia de casamento anterior natildeo dissolvido exceto se

tiver sido decretada a separaccedilatildeo de pessoas e bens o parentesco na linha reta ou no 2ordm grau

da linha colateral ou afinidade na linha reta e a condenaccedilatildeo anterior de uma das pessoas

como autor ou cuacutemplice por homiciacutedio doloso ainda que natildeo consumado contra o cocircnjuge

do outro Os factos expostos estorvam apenas a produccedilatildeo de efeitos favoraacuteveis da uniatildeo de

facto ou seja a atribuiccedilatildeo de direitos ou benefiacutecios natildeo deveraacute ser intenccedilatildeo do legislador

que a uniatildeo de facto mesmo que afetada por algum dos impedimentos seja considerada

irrelevante juridicamente quando estatildeo em causa interesses legiacutetimos de terceiros ou quando

surjam consequecircncias como a presunccedilatildeo de paternidade relativamente ao homem7374

Em relaccedilatildeo aos efeitos pessoais por natildeo assumirem nenhum compromisso natildeo

estatildeo os membros da uniatildeo de facto vinculados aos deveres conjugais que os artigos 1671ordm

72 Uma vez que natildeo estaacute mencionada no acircmbito do art 1ordm do Coacutedigo do Registo Civil norma que consagra as

situaccedilotildees em que o registo civil eacute obrigatoacuterio no nosso ordenamento juriacutedico 73 Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 141 74 O elenco dos impedimentos agrave produccedilatildeo dos efeitos favoraacuteveis agrave uniatildeo de facto que constam no artigo 2ordm da

LUF foi corrigido e adaptado para evitar uma excessiva ligaccedilatildeo agraves soluccedilotildees postuladas no artigo 1601ordm CCiv

Sobre as correccedilotildees mais detalhadamente cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit pp 141-142

28

e 1672ordm CCiv impotildeem aos cocircnjuges75 Contudo a relaccedilatildeo pessoal que assumem permite-

lhes adotar um filho nos mesmos termos que os cocircnjuges por forccedila do artigo 7ordm da LUF

desde que a relaccedilatildeo dure haacute mais de quatro anos e ambos tiverem mais de 25 anos

independentemente do seu sexo Releva tambeacutem para efeitos de aquisiccedilatildeo de nacionalidade

desde que o estrangeiro que viva em uniatildeo de facto com nacional portuguecircs haacute mais de trecircs

anos e tenha reconhecimento judicial da situaccedilatildeo de facto declare que quer adquirir

nacionalidade portuguesa (artigo 3ordm nordm 3 Lei da Nacionalidade - Lei nordm 3781 de 03 de

Outubro) No que respeita aos filhos nascidos das uniotildees de facto nas accedilotildees de investigaccedilatildeo

de paternidade presume-se a paternidade quando tenha havido comunhatildeo duradoura de vida

entre a matildee e o pretenso pai no periacuteodo legal de concepccedilatildeo por forccedila do artigo 1871ordm CCiv

Quanto ao exerciacutecio das responsabilidades parentais no caso de comunhatildeo duradoura de

vida em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges ou concubinato duradouro o artigo 1911ordm nordm

1 CCiv determina a aplicaccedilatildeo do previsto nos artigos 1901ordm e 1904ordm CCiv que corresponde

ao regime que vigora quando os progenitores satildeo casados Jaacute no caso de dissociaccedilatildeo familiar

o mesmo artigo remete para aplicaccedilatildeo do disposto nos artigos 1905ordm a 1908ordm CCiv normas

atinentes ao divoacutercio separaccedilatildeo de pessoas e bens ou declaraccedilatildeo de nulidade ou anulaccedilatildeo do

casamento Como se pode ver os filhos nascidos de uniatildeo de facto tal como quaisquer outros

nascidos fora do casamento estatildeo equiparados aos nascidos dentro do mesmo por forccedila do

disposto no nordm 4 do artigo 36ordm da CRP76

Como jaacute haviacuteamos referido a uniatildeo de facto natildeo permite a aplicaccedilatildeo de um regime

de bens nem das regras que disciplinam as relaccedilotildees patrimoniais dos cocircnjuges como a

administraccedilatildeo de bens e regime de responsabilidade por diacutevidas sendo de aplicar entre os

unidos o regime geral das relaccedilotildees obrigacionais e reais77 De acordo com as regras do direito

comum cada um dos membros da uniatildeo de facto pode vender bens moacuteveis ou imoacuteveis dar

ou tomar de arrendamento um imoacutevel ou contrair diacutevidas podem entre eles celebrar

contratos de compra e venda de locaccedilatildeo de depoacutesito de comodato de muacutetuo entre outros

pois o artigo 1714ordm CCiv que impede a celebraccedilatildeo de certos contratos entre os cocircnjuges natildeo

eacute aplicaacutevel agraves relaccedilotildees de uniatildeo de facto Acrescem a estes os que expusemos anteriormente

relativamente a esta mateacuteria aquando da distinccedilatildeo entre o regime do casamento e o regime

75 Natildeo estabelecem relaccedilotildees de afinidade com os parentes do outro natildeo podem adotar o apelido um do outro

possibilidade que eacute concedida aos cocircnjuges por virtude do artigo 1677ordm CCiv 76 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 81 77 Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoUniatildeo de Facto em Portugalrdquo obcit p 120

29

da uniatildeo de facto no ponto 31 e ainda sucintamente importa referir como efeito

patrimonial da uniatildeo de facto a extensatildeo a esta do artigo 1691ordm al b) CCiv que prevecirc a

responsabilidade dos cocircnjuges pelas diacutevidas contraiacutedas por qualquer dos cocircnjuges antes ou

depois da celebraccedilatildeo do casamento para ocorrer aos encargos normais da vida familiar

equiparando nesta mateacuteria o conceito de uniatildeo de facto como a comunhatildeo de leito mesa e

habitaccedilatildeo aos casamentos e protegendo a confianccedila de terceiros que com eles contratem e

confiem nessa aparecircncia de vida matrimonial78 A niacutevel patrimonial a uniatildeo de facto atribui

ao unido sobrevivo por forccedila do artigo 2020ordm nordm 1 o direito de exigir alimentos da heranccedila

do falecido poreacutem esse direito caduca se natildeo for exercido nos dois anos posteriores agrave data

da morte do autor da sucessatildeo (nordm 2) e se o alimentado casar iniciar uma relaccedilatildeo de uniatildeo

de facto ou se tornar indigno do benefiacutecio pelo seu comportamento moral por forccedila do nordm 3

do artigo 2020ordm e do artigo 2019ordm CCiv Resta em uacuteltimo lugar dizer que em mateacuteria fiscal

nomeadamente no que respeita ao imposto sobre o rendimento o artigo 3ordm al d) da LUF

torna aplicaacutevel aos membros da uniatildeo de facto o regime atribuiacutedo aos sujeitos passivos natildeo

separados de pessoas e bens nessa mateacuteria

78 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 34

30

5 O problema da prova da coabitaccedilatildeo

51 Consideraccedilotildees gerais

Expostos os efeitos a que a constituiccedilatildeo da uniatildeo de facto daacute origem urge abordar

a problemaacutetica que a este estudo interessa o problema da prova da relaccedilatildeo de uniatildeo de facto

nomeadamente a prova da coabitaccedilatildeo Apesar de natildeo existir como vimos uma exigecircncia de

forma para a constituiccedilatildeo da uniatildeo de facto e prevalecer entre noacutes um modelo faacutectico79-

bastando que se verifiquem os requisitos factuais para que a convivecircncia seja protegida - eacute

exigido aos seus membros que provem a sua convivecircncia se pretenderem beneficiar de

determinados direitos

Ora a opccedilatildeo do legislador tem sido contraacuteria agrave formalizaccedilatildeo da uniatildeo de facto o

que natildeo facilita a demonstraccedilatildeo dos factos exigidos pela lei para aferir a sua relevacircncia

juriacutedica Portanto a dificuldade dessa prova adveacutem natildeo soacute desta relaccedilatildeo natildeo estar sujeita a

nenhum tipo de solenidade ou publicidade na sua constituiccedilatildeo por natildeo implicar a sujeiccedilatildeo

ao registo civil ou administrativo80 mas tambeacutem por natildeo haver em regra uma prova preacute-

constituiacuteda81 diferentemente do que sucede com o casamento estando nas matildeos dos

cocircnjuges a possibilidade de requerer a qualquer momento uma certidatildeo de casamento

A respeito da prova da uniatildeo de facto no acircmbito juriacutedico-civil recorde-se o regime

geral do oacutenus da prova previsto no artigo 342ordm CCiv que atribui a quem pretende invocar

um direito provar os factos que o constituem Isto eacute se um dos membros da uniatildeo de facto

pretender beneficiar da proteccedilatildeo juriacutedica conferida agrave uniatildeo de facto precisaraacute de demonstrar

a realidade dos factos que invoca para preenchimento dos pressupostos estabelecidos Nesta

mateacuteria tambeacutem satildeo aplicaacuteveis as normas gerais do oacutenus da prova a terceiro que pretenda

fundar um direito na uniatildeo de facto recaindo sobre ele o oacutenus de provar os factos que

consubstanciam o direito que alega Porquanto se vecirc que a prova de que se vive numa

79 Cfr ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoA convivecircncia laquomore uxorioraquo um olhar sobre o regime portuguecircs francecircs

e alematildeordquo in Direito Constitucional e o seu papel na construccedilatildeo do cenaacuterio juriacutedico global dir IRENE

PORTELA IPCA 1ordf Ed 2016 p 121 A uniatildeo de facto eacute uma realidade de convivecircncia continuada sem

qualquer forma exigida Natildeo existe a sujeiccedilatildeo a registo da uniatildeo de facto Ou seja a uniatildeo de facto no nosso

sistema natildeo se constitui consolida-se com o tempo ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoUNIAtildeO de facto versus

Casamento ndash Questotildees pessoais e patrimoniaisrdquo Gestlegal 1ordm ed 2019 p 158 80 O que natildeo permite saber com certeza a data a partir da qual se comeccedilam a contar os dois anos necessaacuterios agrave

produccedilatildeo de efeitos 81 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 72

31

situaccedilatildeo anaacuteloga agrave dos cocircnjuges pode revelar-se sinuosa e por isso eacute relevante desenvolver

essa mateacuteria no presente estudo

Nesta senda o artigo 2ordm-A nordm 1 da LUF prevecirc que a prova da uniatildeo de facto se faz

por qualquer meio legalmente admissiacutevel salvo se disposiccedilatildeo legal ou regulamentar exija

prova documental especiacutefica A prova seraacute maioritariamente testemunhal contudo natildeo se

deve excluir a possibilidade de prova documental ao realizar uma interpretaccedilatildeo extensiva

do termo vida previsto no artigo 34ordm nordm 1 do Decreto-Lei nordm 13599 de 22 de Abril que

regula a forma como atestados de residecircncia vida e situaccedilatildeo econoacutemica dos cidadatildeos

devem ser passados pelas Juntas de Freguesia82 Ou ainda como sugerem FRANCcedilA PITAtildeO e

MARTA COSTA mobilizar accedilatildeo judicial de simples apreciaccedilatildeo (ou de mera declaraccedilatildeo)

positiva83 com a qual os membros pretenderiam apenas obter a declaraccedilatildeo da existecircncia de

um facto que assentava na comunhatildeo de cama mesa e habitaccedilatildeo por mais de dois anos84

Contudo esta soluccedilatildeo poderia comportar o risco de ser usada por um dos membros agrave revelia

do outro com vista ao aproveitamento dos efeitos favoraacuteveis da uniatildeo mesmo que esta jaacute

esteja extinta Eacute precisamente por esta razatildeo que NUNO COSTA MAURIacuteCIO85

rejeita o recurso

a esta accedilatildeo pelos unidos Crecirc que natildeo eacute a soluccedilatildeo para a dificuldade da prova da uniatildeo de

facto devido aos problema que podiam advir da falta de controlo judicial da extinccedilatildeo da

uniatildeo de facto que consistiriam na possibilidade de um ou ambos os unidos continuarem a

usufruir de efeitos favoraacuteveis de uma situaccedilatildeo que jaacute se extinguiu

Poderaacute entatildeo fazer-se a prova documental atraveacutes de uma declaraccedilatildeo emitida pela

Junta de Freguesia competente sendo que esse documento deve ser acompanhado da

declaraccedilatildeo de ambos os membros conviventes que sob compromisso de honra afirmam que

vivem em uniatildeo de facto haacute mais de dois anos e da coacutepia das suas certidotildees de nascimento

Poreacutem a veracidade deste documento pode por vezes ser posta em causa e natildeo fazer prova

plena por natildeo se tratar normalmente de facto atestado com base nas perceccedilotildees da entidade

82 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p74 83 Cfr MARTA COSTA ob cit p387 FRANCcedilA PITAtildeO ldquoUniotildees de Facto e Economia Comum de acordo com

a Lei nordm 232010 de 30 de agostordquo obcit p78 84 Tendo os requerentes de tal accedilatildeo de provar natildeo soacute a sua natildeo coabitaccedilatildeo nos termos e condiccedilotildees previstos na

lei bem como a inexistecircncia de qualquer um dos impedimentos previstos no art 2ordm da LUF sob pena de a

decisatildeo judicial natildeo poder produzir nenhum efeito uacutetil Cfr FRANCcedilA PITAtildeO ldquoUniotildees de Facto e Economia

Comum de acordo com a Lei nordm 232010 de 30 de agostordquo obcit pp 78-79 85 Cfr NUNO COSTA MAURIacuteCIO ldquoO pecado mora ao ladordquo Um repensar da problemaacutetica juriacutedica das uniotildees

de facto e das relaccedilotildees patrimoniais entre unidos de facto Tese de Mestrado em Ciecircncias Juriacutedico-Civiliacutesticas

Faculdade De Direito Da Universidade De Coimbra Outubro 2000 p 76

32

documentadora86 Efetivamente o documento soacute prova que os interessados fizeram perante

o funcionaacuterio a afirmaccedilatildeo de que conviviam em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges desde

determinada data todavia natildeo quer dizer que natildeo se possa pocircr em causa a veracidade dessa

afirmaccedilatildeo87 Qualquer interessado pode demonstrar que o facto natildeo eacute verdadeiro por alegar

que a uniatildeo de facto natildeo existiu ou natildeo teve lugar durante o periacuteodo mencionado pelos

declarantes88 Ou seja o disposto no artigo 2ordm-A n ordm1 da LUF traduz-se apenas na

possibilidade que os unidos tecircm de apresentar documentos para demonstrarem os

pressupostos que permitem atribuir relevacircncia juriacutedica agrave uniatildeo de facto pois essa norma natildeo

confere qualquer valor probatoacuterio a tais documentos Posto isto o documento emitido pela

Junta de Freguesia natildeo eacute suficiente para demonstrar a existecircncia da uniatildeo de facto porquanto

a LUF natildeo exige apenas a alegaccedilatildeo de que duas pessoas vivem juntas haacute mais de dois anos

ou que natildeo se verifique nenhum dos impedimentos agrave constituiccedilatildeo da relaccedilatildeo eacute essencial

ainda que provem a sua coabitaccedilatildeo89

O nordm 5 do artigo 2ordm-A adverte tambeacutem para as sanccedilotildees penais que as falsas

declaraccedilotildees poderatildeo causar Como prova documental eacute um meio de prova fraacutegil e suscetiacutevel

de fraude esta norma funciona como advertecircncia que visa promover a conformidade entre

as declaraccedilotildees que os sujeitos fazem e a realidade que por eles eacute vivida esperando que a

ameaccedila da aplicaccedilatildeo de uma sanccedilatildeo penal iniba a alegaccedilatildeo de falsas declaraccedilotildees Tendo em

conta que o interesse da demonstraccedilatildeo dos requisitos que permitem atribuir relevacircncia

juriacutedica agrave situaccedilatildeo de facto eacute com o objetivo de se produzirem factos favoraacuteveis aos

86 Art 371ordm nordm 1 CCiv Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 72 87 Vide neste sentido o Acoacuterdatildeo do TCA Norte de 13-11-2020 proferido no acircmbito do processo nordm

00090151BECBR Natildeo oferece qualquer controveacutersia quer em sede doutrinal quer jurisprudencial que natildeo

sendo arguida a falsidade do documento autecircntico este faz prova plena dos factos praticados pela entidade

documentadora de sorte que tudo o que o documento referir como tendo sido praticado por essa entidade

tudo o que segundo o documento seja obra do seu Autor e bem assim tudo o que tenha sido percecionado

pelo mesmo tem de ser aceite como exato Assim as declaraccedilotildees que constam no documento como tendo sido

feitas perante a entidade documentadora ou seja o declarado perante a uacuteltima e que essa entidade ouviu

atraveacutes dos seus sentidos em consonacircncia com a parte final do nordm 1 do art 371ordm do CC beneficiam da prova

plena inerente agrave forccedila probatoacuteria conferida pelo oficial puacuteblico Deste modo se o presidente de junta consigna

no texto do atestado que a requerente e as referidas testemunhas declararam que ldquo(a) mesmo(a) residia haacute

mais de dois anos com o falecido A seu companheiro(a) ateacute agrave data de oacutebito (hellip)rdquo tem-se como plenamente

provado que essa declaraccedilatildeo foi efetivamente feita perante o presidente de junta de freguesia Mas tatildeo soacute Eacute

que daiacute natildeo decorre que a forccedila probatoacuteria desse atestado respeite a tudo o que nele se conteacutem A verdade

dos factos a que se reportam as declaraccedilotildees emitidas e que constam desse documento autecircntico- no caso o

atestado emitido pelo presidente de junta de freguesia- ficam sujeitas agrave livre apreciaccedilatildeo do julgador 88 Cfr JORGE DUARTE PINHEIRO ob cit p 529 89 Isto eacute que vivem em ldquouniatildeo de factordquo Cfr RITA LOBO XAVIER ldquoEstatuto Privadordquo dos membros da Uniatildeo

De Factordquo obcit p1518 E ainda sobre a importacircncia da coabitaccedilatildeo cfr FRANCcedilA PITAtildeO ldquoOs novos

casamentos ou a crise do casamento tradicional no direito portuguecircs ob cit p66

33

declarantes estaraacute sempre em causa a credibilidade de tais declaraccedilotildees que estaratildeo sujeitas

ao confronto com as demais provas e ao princiacutepio da livre apreciaccedilatildeo da prova90 acabando

por serem mais crediacuteveis as declaraccedilotildees feitas em detrimento dos declarantes91 A norma em

causa pretende apenas facilitar a demonstraccedilatildeo dos factos que satildeo considerados como

pressupostos da atribuiccedilatildeo de relevacircncia juriacutedica agrave uniatildeo de facto uma vez que a lei natildeo

adotou ainda um registo oficial desta relaccedilatildeo Cremos que a intenccedilatildeo do legislador foi libertar

os membros da uniatildeo de facto de terem de obter declaraccedilatildeo judicial para certificar a sua

convivecircncia respeitando a liberdade inerente a quem opta por este tipo de relaccedilatildeo Todavia

este eacute um tema controvertido e vem sido debatido na doutrina a possibilidade de registo da

uniatildeo de facto como forma de conferir publicidade a estas relaccedilotildees findar os problemas

relativos agrave sua prova e de colmatar esta que pode ser considerada uma das lacunas presentes

no regime juriacutedico portuguecircs da uniatildeo de facto Haacute quem entenda que uma vez que a uniatildeo

de facto se trata na maioria das vezes de uma opccedilatildeo de vida de acordo com a autonomia da

vontade de quem por ela optou o legislador deve respeitar essa escolha e intervir apenas se

necessaacuterio legislando somente em alguns aspetos pontuais92 Devendo quanto ao resto

abster-se e confiar na capacidade de autorregulamentaccedilatildeo dos membros da uniatildeo de facto

Neste seguimento o Bloco de Esquerda apresentou o Projeto de Lei n ordm45VIII93

que visava alterar a Lei nordm 13599 de 28 de Agosto Atraveacutes deste projeto apresentou

soluccedilotildees no que diz respeito agrave prova e ao registo da uniatildeo de facto94 sugerindo que o artigo

2ordm-A passasse a tratar da forma como a uniatildeo de facto eacute constituiacuteda que seria atraveacutes de

registo na junta de freguesia da aacuterea de residecircncia das pessoas em uniatildeo de facto ou apoacutes

90 Cfr RITA LOBO XAVIER ldquoA Uniatildeo de Facto e a Lei Civil no Ensino de Francisco Manuel Pereira Coelho e

Legislaccedilatildeo Atualrdquo em Textos de Direito da Famiacutelia para Francisco Pereira Coelho Coimbra Imprensa da

Universidade de Coimbra 2016 p 684 91 Cfr RITA LOBO XAVIER ldquoEstatuto Privadordquo dos membros da Uniatildeo De Factordquo obcit p1519 92 Cfr HEINRICH HOumlRSTER ldquoDireito da Famiacutelia e Poliacutetica Socialrdquo Publicaccedilotildees Universidade Catoacutelica Porto

2001 pp71-72 Segundo este A o legislador adotando uma postura prudente deve apenas legislar quando

estejam em causa interesses de terceiros ou seja da comunidade ou quando haja a necessidade de proteger os

filhos Nestas situaccedilotildees defende que o legislador pode e deve intervir e que quando se trate de legislar em

mateacuteria de uniatildeo de facto espera que seja feito com cuidado e ponderaccedilatildeo 93 Consultaacutevel em

httpswwwparlamentoptActividadeParlamentarPaginasDetalheIniciativaaspxBID=6308 94 No seu art 2ordm previam o aditamento do artigo 2ordmA e 2ordm B art 2ordm-A1 A uniatildeo de facto eacute constituiacuteda a)

Por registo na junta de freguesia da aacuterea de residecircncia das pessoas em uniatildeo de facto ou b) Apoacutes dois anos

em plena comunhatildeo de vida sem necessidade de registo 2 As uniotildees de facto constituiacutedas por registo

conforme a aliacutenea a) do nordm 1 do presente artigo estatildeo imediatamente reguladas pela presente lei Art 2ordm-B

A uniatildeo de facto constituiacuteda por registo eacute dissolvida por vontade de pelo menos um dos seus constituintes

expressa junto aos serviccedilos de registo da junta de freguesia da aacuterea da residecircncia

34

dois anos em plena comunhatildeo de vida sem necessidade de registo passando as uniotildees de

facto constituiacutedas por registo a estar imediatamente reguladas pela LUF sem necessidade

do decurso do prazo de dois anos Este projeto previa tambeacutem no artigo 2ordm-B o registo da

dissoluccedilatildeo junto dos serviccedilos da junta de freguesia atraveacutes da declaraccedilatildeo de pelo menos um

dos unidos O Projeto de Lei n ordm45VIII do BE95 cumpriu os requisitos constitucionais e

regimentais necessaacuterios para ser apreciado pelo plenaacuterio da Assembleia da Reacutepublica

Contudo apoacutes a adoccedilatildeo por parte da Comissatildeo de Assuntos Constitucionais Direitos

Liberdades e Garantias de um texto de substituiccedilatildeo relativo aos projetos nordm 6VII de

iniciativa do partido Os Verdes ao nordm 45VIII do BE e ao nordm 115VII do PCP e apoacutes a

aprovaccedilatildeo com votos favoraacuteveis do PS do PCP e do BE e votos contra do PSD do CDS-

PP e da Deputada Maria do Rosaacuterio Carneiro (PS) relativamente a cada artigo do texto de

substituiccedilatildeo os representantes na Comissatildeo dos Grupos Parlamentares do PCP e do BE bem

como a Srordf Deputada Isabel Castro (Os Verdes) declararam retirar as respetivas iniciativas

legislativas em benefiacutecio do texto de substituiccedilatildeo adotado entrando em vigor a Lei nordm

72001 de 11 de Maio que adotou medidas de proteccedilatildeo das uniotildees de facto Vigorando com

as subsequentes alteraccedilotildees ateacute aos dias de hoje

Conveacutem frisar que a questatildeo do registo da uniatildeo de facto pode ser encarada como

incompatiacutevel com a proacutepria natureza informal da uniatildeo de facto Desde logo NUNO COSTA

MAURIacuteCIO defende que subjacente agrave necessidade do registo reside sempre uma ideia de

certeza juriacutedica a qual transportada para o acircmbito da uniatildeo de facto vai implicar que a sua

prova nunca possa ser feita atraveacutes de uma declaraccedilatildeo unilateral da parte interessada tendo

de passar por uma acreditaccedilatildeo um crivo de publicidade que traraacute consigo e proporcionaraacute a

terceiros a certeza juriacutedica de que aquelas duas pessoas vivem em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos

cocircnjuges96 Poreacutem acredita que apesar das vantagens da certeza e seguranccedila juriacutedicas

inerentes ao instituto do registo as desvantagens se afloram maiores Em virtude de no que

respeita aos elementos constitutivos da uniatildeo de facto onde o essencial eacute estar-se perante

uma convivecircncia estaacutevel e duradoura semelhante agrave dos cocircnjuges natildeo deve bastar o facto de

duas pessoas se dirigirem a uma conservatoacuteria de registo ou a outra entidade puacuteblica e

declararem viver em uniatildeo de facto sem se apurar a autenticidade dessas declaraccedilotildees

95 Bem como os projetos de lei nordm 6VIII da iniciativa do Partido Ecologista Os Verdes o nordm 105VIII da

iniciativa do Partido Socialista e o nordm 115VIII da iniciativa do Partido Comunista Portuguecircs 96 Cfr NUNO COSTA MAURIacuteCIO ldquoO pecado mora ao ladordquo ob cit p 81

35

Acrescenta ainda que ao fazerem depender a eficaacutecia juriacutedica da uniatildeo de facto da sua

inscriccedilatildeo no registo tornando ineficazes as uniotildees que natildeo estivessem inscritas estariam a

forccedilar os unidos que optaram por esta forma de convivecircncia exatamente para dispensar

qualquer formalidade a inscrever a sua relaccedilatildeo O que se traduziria numa adulteraccedilatildeo da

intencionalidade e natureza da uniatildeo de facto Ou mesmo que se configurasse um registo

livre e voluntaacuterio quem preferisse a natildeo inscriccedilatildeo natildeo teria acesso a um regime legal de

proteccedilatildeo da uniatildeo de facto ficando agrave margem da lei o que geraria uma nova discriminaccedilatildeo

Nota por uacuteltimo que a inscriccedilatildeo das uniotildees de facto se iria traduzir na prestaccedilatildeo de

consentimento a uma relaccedilatildeo de facto por parte dos dois sujeitos e assim sendo poderia

estar-se perante um novo tipo de casamento ainda que se trate de um casamento de segundo

grau97 Tal consideraccedilatildeo iria contra o espiacuterito de liberdade e natildeo formalismo que preside agrave

uniatildeo de facto98 Depreendendo que devido agraves desvantagens inerentes ao registo a

dificuldade da prova da uniatildeo de facto seria mais facilmente superada se se permitisse aos

unidos de facto ao abrigo do princiacutepio da livre disponibilidade convencionar as

regulamentaccedilatildeo das suas relaccedilotildees99

De outra banda MARTA COSTA considera que se fosse instituiacutedo o registo

obrigatoacuterio para que os conviventes pudessem beneficiar da tutela legislativa prevista as

dificuldades que advecircm da prova da uniatildeo de facto ficariam diminuiacutedas e sairiam

privilegiadas a seguranccedila juriacutedica e a liberdade dos conviventes que poderiam decidir se

pretendiam ser legislativamente tutelados ou se optariam por uma relaccedilatildeo meramente

factual Realccedila ainda que a instituiccedilatildeo do registo transformaria a uniatildeo de facto em relaccedilatildeo

de direito num instituto juriacutedico formal ainda que a sua tutela fosse diminuta100 Durante a

sua anaacutelise aproveita para refutar algumas das desvantagens que NUNO COSTA MAURIacuteCIO

aponta agrave inscriccedilatildeo da uniatildeo de facto no registo Primeiramente em relaccedilatildeo agrave dificuldade de

apurar a veracidade das declaraccedilotildees dos unidos a A crecirc que depende da opccedilatildeo legislativa

97 Atentando-se agrave diferenccedila de grau no que diz respeito ao nuacutemero de efeitos juriacutedicos que cada um produz

Cfr NUNO COSTA MAURIacuteCIO ldquoO pecado mora ao ladordquo ob cit p82 98 Eacute na procura do momento da conciliaccedilatildeo entre a autoridade e liberdade e entre o puacuteblico e o privado que

residem os fundamentos das intervenccedilotildees legislativas no acircmbito das relaccedilotildees juriacutedico-familiares que devem

repousar ou fundamentos de poliacutetica legislativa relativos agrave atribuiccedilatildeo de efeitos de direito agrave uniatildeo de facto

(hellip) e estaacute na base das intervenccedilotildees legislativas feitas em alguns paiacuteses e nas exigecircncias feitas pela doutrina

noutros com vista agrave definiccedilatildeo de um estatuto juriacutedico da uniatildeo de facto Cfr GERALDO DA CRUZ ALMEIDA

ob cit pp 185-193 99 Cfr NUNO COSTA MAURIacuteCIO ldquoO pecado mora ao ladordquo ob cit p83 100 Cfr MARTA COSTA ob cit p 394

36

Isto eacute se com a obrigatoriedade do registo o legislador decidir que a tutela da relaccedilatildeo fique

dependente da duraccedilatildeo da mesma esta duraccedilatildeo pode contar-se apoacutes o registo ou exigir-se o

decurso da mesma para que os conviventes possam inscrever a relaccedilatildeo no registo mantendo-

se a dificuldade de determinar o seu iniacutecio Se por outro lado a tutela da convivecircncia natildeo

ficar dependente da sua duraccedilatildeo natildeo teraacute de haver uma convivecircncia preacutevia podendo duas

pessoas que queiram conviver dirigirem-se a uma entidade competente e registar a

convivecircncia que podia jaacute existir ou iniciar-se nesse momento101 Relativamente ao facto de

os unidos que optaram pela uniatildeo de facto para se eximirem de qualquer formalidade se

verem obrigados a proceder ao registo da sua relaccedilatildeo para evitar que a sua uniatildeo seja

inexistente a A discorda afirmando que os unidos natildeo se veriam forccedilados a proceder ao

registo podendo preferir manter uma verdadeira uniatildeo de facto agrave qual continuariam a ser

atribuiacutedos ainda que poucos alguns direitos e deveres102 face agrave nossa ordem juriacutedica

defendendo que a obrigatoriedade do registo ao lado do instituto do casamento e da relaccedilatildeo

puramente de facto serviria melhor os interesses de uma sociedade pluralista103 A A

diverge ainda da ideia imputada pelo A de representar uma discriminaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos

conviventes que optem pela natildeo inscriccedilatildeo por natildeo beneficiarem do regime de proteccedilatildeo da

uniatildeo de facto No seu entendimento eacute antes o reflexo do respeito pela escolha dos unidos

de manterem a sua uniatildeo verdadeiramente factual Remata a sua apreciaccedilatildeo afirmando que

o que vai contra o espiacuterito de liberdade que preside agrave uniatildeo de facto natildeo eacute a prestaccedilatildeo de

consentimento a uma relaccedilatildeo de facto por parte dos unidos mas antes a aplicaccedilatildeo automaacutetica

de um regime juriacutedico aos conviventes ainda que pouco densificado aditando que a

instituiccedilatildeo do registo obrigatoacuterio proporcionaria vaacuterias possibilidades que dependeriam da

real vontade dos interessados

101 Cfr MARTA COSTA ob cit p 396 102 Cfr MARTA COSTA ob cit p 397 103 Cfr MARTA COSTA ob cit p 398

37

52 Comparaccedilatildeo com o regime de outros ordenamentos juriacutedicos na Uniatildeo

Europeia

De forma a completar o raciociacutenio ateacute aqui apresentado cumpre agora uma sucinta

anaacutelise do regime juriacutedico da uniatildeo de facto em vigor em alguns ordenamentos juriacutedicos

europeus bem como outras figuras que advieram da jurisdicionalizaccedilatildeo da convivecircncia more

uxorio104 Assim importa primeiramente discorrer umas breves notas sobre o regime geral

previsto em cada um dos ordenamentos particularmente no que respeita agrave constituiccedilatildeo da

uniatildeo de facto aos seus efeitos e o seu regime de prova para que possamos posteriormente

expor as nossas conclusotildees e possiacutevel proposta de soluccedilatildeo

521 Espanha

Jaacute em 1986 EDUARDO ESTRADA ALONSO refletia sobre o conceito juriacutedico da uniatildeo

de facto em Espanha definindo o conceito de unioacuten extramatrimonial como uma

convivecircncia diaacuteria que eacute desenvolvida habitualmente pelos casamentos de forma estaacutevel e

duradoura sugerindo que o prazo miacutenimo deveria ser de cinco anos para que pudessem ser

consideradas pelo Direito Admite que essa convivecircncia natildeo seja necessariamente no sentido

da coabitaccedilatildeo mas no sentido de que haja pelo menos uma vontade de estar juntos a fim de

evitar que as separaccedilotildees temporaacuterias e involuntaacuterias ndash por motivos profissionais ndash impeccedilam

a produccedilatildeo dos efeitos juriacutedicos pretendidos por essas uniotildees Entende que eacute uma uniatildeo que

dispensa qualquer formalidade para ser constituiacuteda e que implica o cumprimento espontacircneo

sem obrigaccedilatildeo juriacutedica dos deveres conjugais por parte dos membros devendo ser uma

relaccedilatildeo monogacircmica onde haacute a manutenccedilatildeo de relaccedilotildees sexuais sem exigecircncia que

procriem105

Apesar de em Espanha natildeo se encontrar definido o conceito juriacutedico de famiacutelia nem

se as uniotildees de facto se enquadram nesse conceito o Tribunal Constitucional Espanhol tem

vindo a pronunciar-se sobre essa sua inclusatildeo ou natildeo no artigo 391 da Constituiccedilatildeo

Espanhola106 Em 1990 na sentenccedila nordm 1841990 de 15 de Novembro107 o TCE defendeu

104 Expressatildeo usada para caracterizar uma convivecircncia semelhante agrave do marido e mulher ou seja segundo os

costumes matrimoniais 105 Cfr EDUARDO ESTRADA ALONSO ob cit pp 52-73 106 1 Los poderes puacuteblicos aseguran la proteccioacuten social econoacutemica y juriacutedica de la familia Constituiccedilatildeo

Espanhola consultaacutevel em

httpswwwtribunalconstitucionalesestribunalnormativaNormativaCEportuguC3A9spdf 107 Sobre a importacircncia desta sentenccedila cfr JUAN FORNEacuteS ldquoMatrimonio y uniones de hechordquo Ius Canonicum

XL n ordm80 2000 p 404

38

que este tipo de convivecircncia natildeo encontrava previsatildeo no artigo 391 da Constituiccedilatildeo

Espanhola sugerindo que este artigo estava reservado agrave proteccedilatildeo da famiacutelia num ambiente

marital e pela existecircncia de filhos natildeo obstante as parejas de hecho poderem ser protegidas

constitucionalmente atraveacutes da mobilizaccedilatildeo do artigo 101 que postula o direito ao

desenvolvimento da personalidade108 Contrariamente o magistrado GIMENO SENDRA do

TCE sustentou num voto particular nessa sentenccedila a diferenciaccedilatildeo entre a famiacutelia e o

casamento afirmando que a constituiccedilatildeo espanhola previa duas situaccedilotildees distintas o artigo

391 consagrava a proteccedilatildeo da famiacutelia e o artigo 321109 previa a defesa do matrimoacutenio assim

protegendo o artigo 391 no solo a la famiacutelia como institucioacuten juriacutedica sino tambieacuten la

familia como realidad natural por lo que junto a la familia matrimonial tambieacuten han de

merecer proteccioacuten constitucional las denominadas uniones conyugales de hecho110 Em

1992 nesta mesma linha de pensamento na sentenccedila nordm 22292 de 11 de Dezembro o TCE

salientou que o artigo 39 da Constituiccedilatildeo Espanhola protege natildeo soacute a famiacutelia matrimonial

mas tambeacutem a natildeo matrimonial e assim as relaccedilotildees de convivecircncia constituiriam relaccedilotildees

familiares independentemente de terem filhos ou natildeo cabendo no acircmbito de incidecircncia

desse artigo Posteriormente em 28 de Fevereiro de 1994 na sentenccedila nordm 6694 o mesmo

tribunal voltou ao entendimento sufragado em 1990 defendendo a natildeo equivalecircncia entre

casamento e uniatildeo de facto para efeitos do artigo 39 Por fim este entendimento foi reiterado

na sentenccedila nordm 3998 de 17 de Fevereiro de 1998 e a 17 de Junho de 1999 com a sentenccedila

nordm 11699111 foi aceite a posiccedilatildeo defendida pela magistrado GIMENO SENDRA Assim

determinou o Tribunal Constitucional Espanhol que o artigo 391 natildeo identifica que a famiacutelia

que visa proteger eacute a que tem origem no casamento existindo outras modalidades de vida

familiar a par do casamento que refletem una sociedad plural Aleacutem da jurisprudecircncia

tambeacutem a doutrina tem divergido sobre a amplitude de aplicaccedilatildeo deste preceito

constitucional Atualmente o entendimento maioritaacuterio parece estar mais favoraacutevel agrave

inclusatildeo da convivecircncia more uxorio no artigo 391112

108 Tal como recorde-se eacute defendido em Portugal por alguns autores 109 1 El hombre y la mujer tienen derecho a contraer matrimonio con plena igualdad juriacutedica 110 Cfr MARTA COSTA ob cit p 111 111 Cfr JUAN FORNES ob cit p403 112 Cfr JOSEacute RAMOacuteN DE VERDA Y BEAMONTE ldquoLa Ley 52012 de 15 de octubre de uniones de hecho

formalizadas de la Comunidad Valencianardquo Rev boliv de derecho nordm 19 enero 2015 p 772 El precepto

habla de ldquofamiliardquo y no de ldquofamilia legiacutetimardquo (o ldquomatrimonialrdquo) por lo que la proteccioacuten que el precepto

otorga a la familia no debe identificarse necesariamente con la que tiene origen en el matrimonio el cual se

39

Ora diferentemente do que sucede em Portugal o legislador espanhol natildeo se

ocupou de regular de forma uniforme o regime da uniatildeo de facto113 Ao inveacutes as

comunidades autoacutenomas espanholas no acircmbito das suas competecircncia legislativas114

adotaram ainda que de forma distinta regras proacuteprias que regulam este tipo de convivecircncia

natildeo matrimonial Desde logo a maioria qualifica a convivecircncia more uxorio como relaccedilatildeo

familiar Pode ler-se na Ley Foral 62000 de 3 de julio da Comunidade Foral de Navarra

ora revogada115 no seu artigo 2 que ningueacutem pode ser discriminado em razatildeo do grupo

familiar de que faz parte quer seja proveniente de filiaccedilatildeo casamento ou uniatildeo de duas

pessoas que convivam em relaccedilatildeo afetiva semelhante independentemente da sua orientaccedilatildeo

sexual Esta disposiccedilatildeo foi reproduzida por leis de outras Comunidades como as Astuacuterias

Extremadura e Andaluzia116 Contrariamente outras comunidades como as Ilhas Baleares

natildeo as qualificam dessa forma No artigo 3 da Ley 182001 de 19 de diciembre prevecirc-se

que a formaccedilatildeo de uniatildeo de facto natildeo gere relaccedilatildeo de parentesco entre cada um de seus

membros e os familiares do outro Contudo na exposiccedilatildeo de motivos da dita lei eacute chamado

agrave colaccedilatildeo o artigo 391 da constituiccedilatildeo espanhola em nome da proteccedilatildeo social econoacutemica e

juriacutedica da famiacutelia indicando que essa norma natildeo visa proteger apenas um modelo de

famiacutelia sendo necessaacuterio fazer uma interpretaccedilatildeo ampliada desse conceito de acordo com a

realidade social A exposiccedilatildeo de motivos estabelece ainda que o artigo 32 ao prever o direito

de contrair matrimoacutenio tambeacutem prevecirc o direito a natildeo o fazer o que natildeo prejudica o direito

de todos os homens e mulheres de constituir por meio de uma uniatildeo efetiva e estaacutevel uma

comunhatildeo de vida que com ou sem filhos implique a constituiccedilatildeo de uma famiacutelia

regula en un precepto especiacutefico (art 32 CE) y en capiacutetulo diverso No mesmo sentido LUIS PEacuteREZ

FERNAacuteNDEZ ldquoLas Uniones Extramatrimoniales En Espantildea iquestEs Necesaria Su Regulacioacutenrdquo in Revista Juriacutedica

de Astuacuterias nordm 40 2017 p162 En nuestros diacuteas tanto matrimonio como la unioacuten extramatrimonial pueden

constituir una familia y estaacuten amparados por la misma proteccioacuten social econoacutemica y juriacutedica del artiacuteculo

391 de la Constitucioacuten espantildeola cuyo tenor literal establece laquoLos poderes puacuteblicos aseguran la proteccioacuten

social econoacutemica y juriacutedica de la familiaraquo 113 Ou concubinato parejas de hecho parejas cohabitantes uniones de hecho uniones libres convivencias

no matrimoniales matrimonios laquosin papelesraquo convivencias prenupciales () CfrGERARDO MEIL

LANDWERLIN ldquoLas uniones de hecho en Espantildeardquo Madrid Centro de Investigaciones Socioloacutegicas 2003 p

26 114 Cfr MARTA COSTA ob cit p 349 115 Lei original consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2000-16373 modificada e

atualizada pela Ley Foral 212019 de 4 de abril consultaacutevel em httpswwwboeeselies-

nclf2019040421 116 Respetivamente Ley 42002 de 23 de mayo de Parejas Estables Ley 52003 de 20 de marzo de parejas

de hecho de la Comunidad Autoacutenoma de Extremadura Ley 52002 de 16 de diciembre de Parejas de Hecho

40

Ademais assiste-se a uma coexistecircncia entre uniones extramatrimoniales

formalizadas e as puramente faacutecticas117 o que se reflete nos meios probatoacuterios No

ordenamento juriacutedico espanhol satildeo aceitaacuteveis todos os meios de prova que sejam admitidos

nos termos gerais do direito A exigecircncia da aparecircncia externa da convivecircncia entre unidos

de facto tem estreita relaccedilatildeo com a prova da mesma mostrando-se a jurisprudecircncia flexiacutevel

ao considerar suficientes para esse efeito as declaraccedilotildees dos conviventes ou seja a prova

testemunhal sem que documentos de caraacuteter administrativo a possam pocircr em causa As

disposiccedilotildees do acircmbito estatal natildeo precisam os requisitos pessoais nem as formas de

constituiccedilatildeo da uniatildeo de facto118 Jaacute no que toca ao direito regional prevalece a diversidade

havendo leis que admitem todos os meios de prova e outras que sendo mais restritivas

requerem o registo obrigatoacuterio Um exemplo de lei que admite qualquer meio de prova

admissiacutevel no direito eacute a Ley 42002 de 23 de mayo do principado das Astuacuterias119 A

Comunidade de Andaluzia prevecirc a possibilidade da declaraccedilatildeo de vontade de constituir uma

pareja de hecho mediante el otorgamiento de escritura puacuteblica o por cualquier otro medio

de prueba admisible en Derecho120 Jaacute comunidades como Extremadura121 Ilhas Baleares122

Cantaacutebria123 e Paiacutes Vasco124 exigem a inscriccedilatildeo das uniotildees de facto no registo para a sua

constituiccedilatildeo e por conseguinte como forma de provar a relaccedilatildeo Na comunidade de

Aragatildeo125 prevecirc-se a inscriccedilatildeo da relaccedilatildeo no registo administrativo podendo provar-se a

existecircncia da relaccedilatildeo se natildeo houver escritura puacuteblica por qualquer meio de prova admitido

no direito

117 Cfr NATALIA ALVAREZ LATA ldquoLas Parejas De Hecho Perspectiva Jurisprudencialrdquo Derecho Privado y

Constitucioacuten nordm 12 enero- diciembre 1998 p 15 118 Para mais desenvolvimentos no acircmbito de normas estatais cfr MARTA COSTA ob cit p 388 119 Art 3 n ordm3 La existencia de pareja estable o el transcurso del antildeo de convivencia podraacuten acreditarse

atraveacutes de cualquier medio de prueba admitido en Derecho

Consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2002-13017 120 Art 5 nordm 3 Consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2003-771 121 Art 4 da Ley 52003 de 20 de marzo consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-

2003-9450 122 Art1 nordm2 da Ley 182001 de 19 de diciembre consultaacutevel em

httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2002-917ampa=aamporden=conterefpost 123 Art 5 da Ley 12005 de 16 de mayo consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2005-

9402 124 Art 3 e 4 da Ley 22003 de 7 de mayo consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-

2011-18545 125 Ley 61999 de 26 de marzo derrogada pelo Decreto Legislativo 12011 de 22 de marzo consultaacutevel em

httpswwwboeesbuscardocphpid=BOA-d-2011-90007

41

Apoacutes a anaacutelise das soluccedilotildees que as comunidades autoacutenomas apresentam eacute de notar

a diversidade de caminhos que sugerem e que satildeo desconhecidos ao direito portuguecircs pelo

menos para jaacute

522 Franccedila

Tal como sucede em Espanha o ordenamento juriacutedico francecircs natildeo contempla uma

definiccedilatildeo de famiacutelia nem em termos constitucionais nem no Code Civil ou Code de la

Familie Tradicionalmente a doutrina tem vindo a definir famiacutelia como o grupo de pessoas

que estatildeo ligados por laccedilos fundados essencialmente pelo casamento e parentesco126 As

relaccedilotildees de concubinage natildeo cabem em princiacutepio neste conceito127 Poreacutem atualmente a

natureza familiar dos laccedilos criados pelo PACS tem sido questionada e ao receber resposta

afirmativa por parte da jurisprudecircncia eacute possiacutevel perceber-se que estaacute em curso uma

modificaccedilatildeo no que respeita agrave noccedilatildeo de famiacutelia apresentando-se cada vez menos riacutegida128

No Tiacutetulo XII no Code Civil encontramos as duas figuras que ocuparatildeo agora a

nossa anaacutelise o pacte civil de solidariteacute e le concubinage129 Em primeiro lugar o artigo

515-2 define o PACS como o contrato celebrado por duas pessoas singulares maiores de

idade do mesmo sexo ou de sexo diferente para organizarem a sua vida em comum Le

concubinage eacute definido pelo artigo 515-8 como uma uniatildeo de facto caracterizada por uma

vida comum de estabilidade e continuidade entre duas pessoas de sexo diferente ou igual

que vivem como um casal130 Importa frisar que esta relaccedilatildeo deve dispor alguns elementos

constitutivos que a possam qualificar como tal131 Entre os elementos suscetiacuteveis de

126 Por sua vez o Institut National De La Stastistique et des Etudes Economiques define que une famille est la

partie dun meacutenage comprenant au moins deux personnes et constitueacutee soit dun couple vivant au sein du

meacutenage avec le cas eacutecheacuteant son ou ses enfant(s) appartenant au mecircme meacutenage soit dun adulte avec son ou

ses enfant(s) appartenant au mecircme meacutenage (famille monoparentale)

Pour quune personne soit enfant dune famille elle doit ecirctre ceacutelibataire et ne pas avoir de conjoint ou denfant

faisant partie du mecircme meacutenage Consultaacutevel em httpswwwinseefrfrmetadonneesdefinitionc1465 127 Cfr ALAIN BENABENT lsquorsquoDroit de la famillersquorsquo LGDJ 4ordm ed 2018 p15 128 Idem 129Consultaacutevel

emhttpswwwlegifrancegouvfrcodessection_lcLEGITEXT000006070721LEGISCTA000006118360

LEGISCTA000006118360 130 O que implica certas consequecircncias legais para os indiviacuteduos que escolheram esta forma de conjugalidade

em oposiccedilatildeo ao casamento Enquanto o casal surgido do casamento estaacute sujeito a um conjunto de regras que

formam um estatuto natildeo existe um estatuto de coabitaccedilatildeo mesmo que a coabitaccedilatildeo seja marcada pela adesatildeo

contiacutenua agraves regras aplicaacuteveis aos cocircnjuges JACQUELINE RUBELLIN-DEVICHI ldquoDroit de la famillerdquo Paris

Dalloz 2001 XXXVII p 373 131 Cfr GERARD GOLDSTEIN lsquorsquoLa cohabitation hors mariage en droit international priveacutersquorsquo in Recueil des Cours

ndash Collected Courses Of The Hague Academy Of Internation Law Tomo 320 Martinus Nijhoff Publishers

2006 p 95

42

caracterizar como concubinage haacute alguns que consoante o caso satildeo particularmente

necessaacuterios em detrimento de outros Le concubinage natildeo se baseia apenas em relaccedilotildees

estaacuteveis e contiacutenuas que envolvem uma comunhatildeo de vida com coabitaccedilatildeo Aleacutem de haver

uma comunhatildeo de casa eacute ainda necessaacuterio que haja uma comunhatildeo de leito ou seja que

exista a manutenccedilatildeo de relaccedilotildees sexuais tal como no nosso ordenamento juriacutedico Aleacutem do

mais eacute importante que seja puacuteblica isto eacute conhecida por terceiros132

Quanto ao regime legal do concubinage este eacute inexistente Os efeitos do casamento

natildeo satildeo aplicaacuteveis agrave relaccedilatildeo de uniatildeo de facto no ordenamento juriacutedico francecircs A situaccedilatildeo

vivenciada pelos conviventes difere da dos cocircnjuges tanto do ponto de vista patrimonial

como do ponto de vista extrapatrimonial nomeadamente no que respeita aos direitos e

deveres conjugais previstos nos artigos 212ordm a 226ordm Code Civil133 Estes natildeo satildeo extensiacuteveis

aos membros da uniatildeo de facto pois a sua comunhatildeo de vida assenta num facto e nunca num

dever Independentemente da duraccedilatildeo da relaccedilatildeo os membros da uniatildeo de facto permanecem

juridicamente estranhos um ao outro natildeo gerando qualquer estado civil nem a possibilidade

de adotarem o nome do outro A situaccedilatildeo de facto estaacute no acircmbito pessoal isenta de qualquer

tipo de regulamento especiacutefico sendo regulada essencialmente pelo direito comum

Possibilitando que a sua rutura seja mais simples podendo qualquer dos membros pocircr fim agrave

relaccedilatildeo a todo o momento134 No tocante a efeitos patrimoniais natildeo existem efeitos diretos

ligados agrave uniatildeo de facto e natildeo haacute norma semelhante ao artigo 220ordm Code Civil135

relativamente ao regime do concubinage responsabilizando solidariamente os membros

pelas diacutevidas do outro No acircmbito fiscal os unidos declaram os seus rendimentos

separadamente sendo considerados individualmente Ao contraacuterio do casamento natildeo haacute o

dever de assistecircncia entre os conviventes e a existir eacute inteiramente voluntaacuterio Como foi

dito sem ser o regime primaacuterio natildeo existe um regime entre os conviventes como existe no

132 Atualmente natildeo eacute necessaacuteria a diferenccedila de sexos para que se possa qualificar a relaccedilatildeo como concubinage

sendo considerado da mesma forma quer se trate de pessoas do mesmo sexo ou de sexo diferente art 515-8

do Code Civil Para mais desenvolvimentos quanto aos elementos caracterizadores cfr JACQUELINE

RUBELLIN-DEVICHI ob cit p 375 133 Cfr BRIGITTE HESS-FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HELENE HESS ldquoDroit de la famillerdquo

ParisSirey DL 2009 XII p89 134 Cfr JACQUELINE RUBELLIN-DEVICHI ob cit p 391 135 1ordf parte Chacun des eacutepoux a pouvoir pour passer seul les contrats qui ont pour objet lentretien du meacutenage

ou leacuteducation des enfants toute dette ainsi contracteacutee par lun oblige lautre solidairement Cfr JEAN

CARBONNIER ob cit p 671

43

casamento Surgindo assim a tentativa de desenvolver na Franccedila inspirada por outros

ordenamentos os contratos de coabitaccedilatildeo que devem reger apenas aspetos patrimoniais

Contudo surgiram duacutevidas sobre a validade deste tipo de contratos no acircmbito do

direito francecircs Consideradas individualmente as claacuteusulas relativamente a aspetos

patrimoniais poderiam ser consideradas vaacutelidas todavia analisando a sua dinacircmica em

conjunto poderia tornar o contrato iliacutecito por dar forccedila obrigatoacuteria a uma espeacutecie de

casamento privado violando o monopoacutelio do Estado em mateacuteria de casamento136 A

permissatildeo de existecircncia destes contratos eacute excecional visto que a partir de 1999 os membros

da uniatildeo de facto puderam convencionar a sua relaccedilatildeo como entendiam atraveacutes do Pacto

Civil de Solidariedade

A prova do concubinage pode ser feita pelos membros ou por terceiros

Contrariamente ao que acontece no casamento em que os cocircnjuges podem facilmente provar

o seu estado civil atraveacutes da sua certidatildeo de casamento lavrada oficialmente pelo funcionaacuterio

do registo civil os conviventes natildeo dispotildeem de nenhuma prova preacute-constituiacuteda No entanto

por se tratar de um facto juriacutedico pode ser provado por qualquer meio de prova admissiacutevel

pelo direito nos termos gerais designadamente atraveacutes de certificados documentos

declaraccedilotildees de honra e ainda com o recurso agrave prova testemunhal137 A sua prova natildeo gera

em princiacutepio grande dificuldade para os membros dado que os organismos que exigem a

prova dessa convivecircncia impotildeem requisitos razoaacuteveis Caso diferente eacute a prova da

convivecircncia por terceiros que podem ver essa possibilidade limitada pelo direito agrave vida

privada do convivente por forccedila dos artigos 9 do Code Civil138 e 8ordm da CEDH139

O pacte civil de solidariteacute conhecido como PACS foi criado a 15 de novembro de

1999 pela lei nordm 99-944 contudo o atual conteuacutedo e estrutura do PACS natildeo eacute o que foi

inicialmente previsto pela referida lei devido agrave grande reforma que sofreu em 2006140 A

criaccedilatildeo deste instituto deveu-se essencialmente agrave necessidade dos casais do mesmo sexo

obterem reconhecimento puacuteblico da sua relaccedilatildeo visto que em 1999 soacute os casais

136 Cfr JEAN CARBONNIER ob cit p681 137 Cfr JACQUELINE RUBELLIN-DEVICHI ob cit p 389 MARTA COSTA ob cit p 390 BRIGITTE HESS-

FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HELENE HESS ob cit p 91 JEAN CARBONNIER ob cit

p775 138 Art 9 do Code Civil 1ordf parte Chacun a droit au respect de sa vie priveacutee 139 Cfr JACQUELINE RUBELLIN-DEVICHI ob cit p 387 MARTA COSTA ob cit p 390 140 Cfr ALBANA METAJ - STOJANOVA ldquoFrench Civil Partnership Contract (Pacs)rdquo South East European

University Vol 14 n ordm1 2019 p 136

44

heterossexuais poderiam optar pelo casamento ou pelo concubinage restando aos casais

homossexuais a uacuteltima alternativa141 Aleacutem disto o PACS veio igualmente satisfazer as

necessidades dos casais heterossexuais que pretendiam regular contratualmente a sua

relaccedilatildeo mas sem formalismo na sua constituiccedilatildeo permitindo-lhes organizar a sua vida

conjunta ndash podendo tratar-se por vezes de um ldquoensaiordquo para um futuro casamento ndash e em

caso de dissoluccedilatildeo evitar os procedimentos inerentes ao divoacutercio que podem ser longos e

dispendiosos142

Este instituto natildeo deve ser confundido nem com o casamento nem com o

concubinage143 O PACS tem bastante adesatildeo144 precisamente por se diferenciar do

casamento em alguns aspetos embora apresentem vaacuterias semelhanccedilas contratualmente o

primeiro natildeo se coaduna com a regulaccedilatildeo da vida familiar e dos filhos apenas a vida do

casal

141 Apenas a 17 de maio de 2013 com a lei 2013-404 foi garantida a possibilidade do casamento entre pessoas

do mesmo sexo 142 Cfr BRIGITTE HESS-FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HELENE HESS ob cit p78 143 Neste sentido sobre as diferenccedilas entre cada um destes trecircs regimes em concreto sobre a diferenccedila de

tratamento para atribuiccedilatildeo de pensatildeo de sobrevivecircncia vide Decisatildeo nordm 2011-155 QPC do Conseil

Constitutionnel de 29-07-2011 5 Consideacuterant en premier lieu que le concubinage est deacutefini par le seul

article 515-8 du code civil comme laquo une union de fait caracteacuteriseacutee par une vie commune preacutesentant un

caractegravere de stabiliteacute et de continuiteacute entre deux personnes de sexe diffeacuterent ou de mecircme sexe qui vivent en

couple raquo quagrave la diffeacuterence des eacutepoux les concubins ne sont leacutegalement tenus agrave aucune solidariteacute financiegravere

agrave leacutegard des tiers ni agrave aucune obligation reacuteciproque 6 Consideacuterant en deuxiegraveme lieu quen vertu de larticle

515-4 du code civil les partenaires lieacutes par un pacte civil de solidariteacute laquo sengagent agrave une vie commune ainsi

quagrave une aide mateacuterielle et une assistance reacuteciproques raquo que laquo si les partenaires nen disposent autrement

laide mateacuterielle est proportionnelle agrave leurs faculteacutes respectives raquo quen outre ils sont laquo tenus solidairement

agrave leacutegard des tiers des dettes contracteacutees par lun deux pour les besoins de la vie courante raquo quainsi

contrairement aux personnes vivant en concubinage les partenaires sont assujettis agrave des obligations

financiegraveres reacuteciproques et agrave leacutegard des tiers que toutefois les dispositions du code civil ne confegraverent aucune

compensation pour perte de revenus en cas de cessation du pacte civil de solidariteacute au profit de lun des

partenaires ni aucune vocation successorale au survivant en cas de deacutecegraves dun partenaire 7Consideacuterant en

troisiegraveme lieu que le reacutegime du mariage a pour objet non seulement dorganiser les obligations personnelles

mateacuterielles et patrimoniales des eacutepoux pendant la dureacutee de leur union mais eacutegalement dassurer la protection

de la famille que ce reacutegime assure aussi une protection en cas de dissolution du mariage 8 Consideacuterant

par suite que le leacutegislateur a dans lexercice de la compeacutetence que lui reconnaicirct larticle 34 de la Constitution

deacutefini trois reacutegimes de vie de couple qui soumettent les personnes agrave des droits et obligations diffeacuterents que la

diffeacuterence de traitement quant au beacuteneacutefice de la pension de reacuteversion entre les couples marieacutes et ceux qui

vivent en concubinage ou sont unis par un pacte civil de solidariteacute ne meacuteconnaicirct pas le principe deacutegaliteacute

Consultaacutevel em httpswwwconseil-constitutionnelfrdecision20112011155QPChtm 144 Para anaacutelise de alguns dados estatiacutesticos relativamente agrave evoluccedilatildeo do nuacutemero de PACS registados entre

2000 e 2007 Cfr BRIGITTE HESS-FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HEacuteLEgraveNE HESS ob cit

p78 Consultar httpswwwinseefrfrstatistiques2381498 para anaacutelise do nuacutemero de casamentos e PACS

em relaccedilotildees heterossexuais entre 1990 e 2019 sendo de realccedilar que em 2018 o nuacutemero de casamentos e de

PACS foi muito semelhante verificando-se uma diferenccedila de 28 mil casamentos em relaccedilatildeo aos PACS

Relativamente agraves relaccedilotildees homossexuais a diferenccedila eacute ainda menor sendo os dados quase equivalentes

45

Deve ainda obedecer a vaacuterias regras para a sua formaccedilatildeo Soacute pode ser celebrado

entre pessoas maiores de idade que natildeo sejam parentes em linha reta ou colateral ateacute ao

terceiro grau e que natildeo estejam casadas ou tenham celebrado PACS com outra pessoa145 A

sua celebraccedilatildeo deve cumprir as regras do direito comum contratual e natildeo deve ser contraacuterio

agrave ordem puacuteblica A forma sob a qual o acordo deve ser redigido eacute livre porque o artigo 515-

3 do Code Civil natildeo especifica a sua forma e os parceiros podem redigir eles proacuteprios ou

optar que a redaccedilatildeo seja feita por um notaacuterio Por conseguinte os parceiros satildeo livres de

escolher a forma do PACS podendo o acordo ser um ato autecircntico ou um ato privado

Terminada a redaccedilatildeo do acordo os parceiros devem fazer uma declaraccedilatildeo conjunta do

acordo devendo o notaacuterio do registo civil registar o pacto depois de verificar as condiccedilotildees

necessaacuterias para a conclusatildeo do acordo e mandar executar as formalidades de publicaccedilatildeo

previstas no artigo 515-3 Code Civil permitindo que seja oponiacutevel a terceiros Apoacutes a sua

vaacutelida formaccedilatildeo o PACS estaacute em condiccedilotildees de produzir efeitos na vida dos parceiros no

acircmbito pessoal146 e patrimonial regidos pelas disposiccedilotildees dos artigos 515-4 a 515-5-3 do

Code Civil147 Por uacuteltimo a dissoluccedilatildeo do PACS eacute muito mais simples do que a dissoluccedilatildeo

de casamento uma vez que existem apenas quatro situaccedilotildees cada uma das quais com um

procedimento para a dissoluccedilatildeo do mesmo tais como a rutura unilateral a rutura de comum

acordo por casamento dos membros ou de um deles e a morte de um dos membros Os

procedimentos que devem seguir cada uma destas circunstacircncias estatildeo previstos no artigo

515-7 do Code Civil

Sem embargo de todas as condiccedilotildees de forma que o PACS estaacute sujeito haacute algumas

incoerecircncias quanto ao seu regime de prova por terceiros148 Depois do registo do acordo eacute

entregue aos pactuantes um atestado de inscriccedilatildeo em que constam os seus nomes data e

lugar de nascimento e a data do registo do pacto natildeo sendo conservadas pelo notaacuterio as

convenccedilotildees que satildeo exibidas para serem assinadas e para ser verificadas as condiccedilotildees de

validade do acordo Porquanto se um terceiro quiser ter acesso ao conteuacutedo de um PACS

apenas poderaacute fazecirc-lo se pedir aos proacuteprios pactuantes salvaguardando assim o direito agrave

reserva da vida privada dos parceiros

145 Sob pena de nulidade art 515-2 Code Civil 146 Assentam essencialmente no compromisso de viverem em comunhatildeo de vida e de fornecerem ajuda e

assistecircncia muacutetua 147 Cfr BRIGITTE HESS-FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HEacuteLEgraveNE HESS ob cit p 85 148 Cfr MARTA COSTA ob cit p 390

46

53 O Acoacuterdatildeo do STJ de 22 de Marccedilo de 2018 processo

nordm6380169T8CBRC1 S1

Decidimos analisar este Acoacuterdatildeo por entendermos que representa de forma clara os

problemas que a prova da coabitaccedilatildeo causa Demonstrando que natildeo eacute uma questatildeo unacircnime

na jurisprudecircncia pois eacute objeto de decisotildees diacutespares natildeo deixando de ser bem

fundamentadas Em causa estaacute uma accedilatildeo em processo comum que tem como Autor o

Instituto da Seguranccedila Social nomeadamente o Centro Nacional de Pensotildees e como Reacute

quem alega ter mantido uma relaccedilatildeo de uniatildeo de facto com o beneficiaacuterio dessa pensatildeo ateacute

agrave data da morte deste Antes de mais urge atentar brevemente aos factos dados como

provados relevantes para a presente anaacutelise

A Reacute encetou um relacionamento amoroso com o falecido em 1991 passando a ter

relaccedilotildees sexuais e a fazer as refeiccedilotildees com o de cujos na casa onde este vivia Em 1996 a

Reacute passou a pernoitar na casa do de cujos de onde se ausentava nos fins de semana em que

a filha do beneficiaacuterio o visitava duas vezes por mecircs ou quando existia uma discussatildeo entre

o casal Manteve o arrendamento da sua casa para onde ia quando uma destas circunstacircncias

ocorriam suportando os encargos inerentes a esta manutenccedilatildeo Os sujeitos dividiam entre si

as despesas do supermercado e a Reacute acompanhava o beneficiaacuterio agraves consultas e agraves urgecircncias

do hospital sempre que necessaacuterio Na sequecircncia da morte do beneficiaacuterio a 14 de julho de

2015 a Reacute requereu a atribuiccedilatildeo das pensotildees devidas pela morte do mesmo invocando a sua

qualidade de unida de facto por ter vivido com o de cujos em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos

cocircnjuges desde 17 de Agosto de 1991 ateacute agrave sua morte Como prova da qualidade de unida

de facto apresentou atestado emitido pela Junta de Freguesia que certificava que esta residia

em comunhatildeo de mesa e habitaccedilatildeo com o beneficiaacuterio desde 1991 ateacute agrave data da sua morte

documentos exigidos pelo artigo 2ordm-A nordm 4 da LUF Contudo a filha do de cujos informou

o CNP de que a alegaccedilatildeo da Reacute natildeo era verdadeira pois esta sempre residiu em habitaccedilatildeo

distinta do beneficiaacuterio

Note-se que a demonstraccedilatildeo dos factos pressupostos para a relevacircncia juriacutedica da

uniatildeo de facto foi facilitada relativamente ao acesso agraves prestaccedilotildees do Estado no caso de

morte devido agrave possibilidade que eacute dada aos pretensos beneficiaacuterios de determinados

direitos (nomeadamente interessados que pretendam beneficiar dos efeitos previstos na lei

em face dos herdeiros do falecido artigo 2020ordm CCiv do senhorio artigo 1105ordm e 1106ordm

47

CCiv das entidades responsaacuteveis pelo pagamento das prestaccedilotildees por morte artigo 6ordm nordm 2

da LUF) No que respeita ao acesso agraves prestaccedilotildees sociais em caso de morte o artigo 6ordm nordm2

da LUF prevecirc a possibilidade da entidade responsaacutevel pelo pagamento das prestaccedilotildees

previstas nas aliacuteneas e) f) g) do artigo 3ordm caso entenda que existem fundadas duacutevidas sobre

a existecircncia da uniatildeo de facto poder solicitar meios de prova complementares149 e se na

sequecircncia dessas diligecircncias subsistirem duacutevidas a entidade deve promover a competente

accedilatildeo judicial com vista agrave sua comprovaccedilatildeo Foi o que sucedeu no caso em apreccedilo tendo a

entidade responsaacutevel pelo pagamento das prestaccedilotildees sociais por morte - tratando-se do

Instituto da Seguranccedila Social nomeadamente o Centro Nacional de Pensotildees no caso que

estamos a analisar- proposto a competente accedilatildeo judicial150

No seguimento da interposiccedilatildeo desta accedilatildeo pelo ISS a Reacute respondeu afirmando que

durante 24 anos viveu em comunhatildeo de mesa cama e casa com o de cujos e alegou que natildeo

se desfez da sua casa por uma questatildeo de precauccedilatildeo O Tribunal da 1ordf instacircncia julgou a accedilatildeo

parcialmente procedente e julgou natildeo reconhecida a vivecircncia em situaccedilatildeo de uniatildeo de facto

entre a Reacute e o beneficiaacuterio A Reacute recorreu para o Tribunal da Relaccedilatildeo que a 2 de novembro

149 Designadamente declaraccedilatildeo emitida pela Autoridade Tributaacuteria e Aduaneira ou pelo Instituto dos Registos

e do Notariado I P onde se ateste que agrave data da morte os membros da uniatildeo de facto tinham domiciacutelio fiscal

comum haacute mais de dois anos ndash art 6ordm nordm 2 da LUF 150 No entender de RITA XAVIER ldquoA Uniatildeo de Facto e a Lei Civil no Ensino de Francisco Manuel Pereira

Coelho e Legislaccedilatildeo Atualrdquo ob cit p 685 deveraacute tratar-se de uma accedilatildeo de simples apreciaccedilatildeo negativa

(prevista no art 10ordm nordm 3 al a) CPC) que visa declarar que determinada pessoa natildeo beneficia ou natildeo tem um

certo direito E embora o oacutenus de propositura da accedilatildeo recaia sobre a entidade responsaacutevel pelo pagamento das

prestaccedilotildees sociais compete ao membro sobrevivo da uniatildeo de facto a prova dos factos constitutivos do seu

direito Vide Art 343ordm n ordm1 CCiv 1 Nas accedilotildees de simples apreciaccedilatildeo ou declaraccedilatildeo negativa compete ao

reacuteu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga E ainda a este propoacutesito vide Acoacuterdatildeo Tribunal

da Relaccedilatildeo de Coimbra de 16102012 proferido no acircmbito do processo nordm 50091TBALDC1 A accedilatildeo

declarativa de simples apreciaccedilatildeo negativa - ou seja uma accedilatildeo pela qual se procura ldquohellip obter unicamente a

declaraccedilatildeo da hellip inexistecircncia de um direito ou de um factordquo (artigo 4ordm nordm 2 al a) do CPC) - destina-se desde

logo a definir uma situaccedilatildeo juriacutedica tornada incerta - o demandante pretende reagir contra uma situaccedilatildeo de

incerteza que o impede de auferir todas as vantagens normalmente proporcionadas pela relaccedilatildeo juriacutedica

material que lhe causa um dano patrimonial ou moral apreciaacutevel (hellip) A causa de pedir nas accedilotildees de simples

apreciaccedilatildeo negativa consubstancia-se na inexistecircncia do direito e nos factos materiais pretensamente

cometidos pelo demandado que determinaram o estado de incerteza Em sentido inverso mais recentemente

vide o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 24-04-2019 proferido no acircmbito do processo

12025160T8LRSL1-2 (hellip) trata-se de uma acccedilatildeo proposta pelo ISS a pedir que o requerente comprove no

processo a existecircncia da situaccedilatildeo juriacutedica que se arroga O ISS natildeo nega que a uniatildeo de facto tenha existido

diz que tem duacutevidas sobre a sua existecircncia e por isso pede que o requerente seja chamado a comprovar a

existecircncia da situaccedilatildeo juriacutedica em causa Assim trata-se de uma acccedilatildeo de simples apreciaccedilatildeo positiva sui

generis em que a lei atribui ao reacuteu que se arrogou o direito em causa o oacutenus da prova dos factos constitutivos

dele embora natildeo negado pelo Autor O ISS natildeo deve no desenho da lei intentar a acccedilatildeo declarativa para se

declarar a inexistecircncia de uma situaccedilatildeo juriacutedica (o que o ISS natildeo alega nem nega pois que apenas tem

duacutevidas) mas sim para que o reacuteu comprove a existecircncia da situaccedilatildeo juriacutedica a que se arroga Se o reacuteu

conseguir provar os factos necessaacuterios a situaccedilatildeo juriacutedica eacute declarada existente caso contraacuterio natildeo o eacute

48

de 2017 revogou a sentenccedila recorrida e declarou improcedente a accedilatildeo do CNP reconhecendo

a convivecircncia de 24 anos como uma situaccedilatildeo uniatildeo de facto

Por sua vez o ISS interpocircs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiccedila

Nas suas alegaccedilotildees demonstrou a discordacircncia com a decisatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo por

entender que a tese do Tribunal de1ordf Instacircncia que defendia que o relacionamento da Reacute e

do de cujos natildeo revestia as caracteriacutesticas que o tornavam anaacutelogo ao dos cocircnjuges seria a

correta Defendem que apesar da Reacute e o de cujos terem mantido relaccedilotildees sexuais e esta

pernoitasse quase sempre na casa do mesmo ela mantinha a sua casa onde dormia

pontualmente e onde guardava os seus pertences o que indicava que natildeo sentia a morada

comum como sua Ademais embora fizessem refeiccedilotildees em comum natildeo havia comunhatildeo

patrimonial jaacute que as compras eram custeadas de forma alternada por um ou por outro e era

feita uma separaccedilatildeo bem definida das despesas inerentes a cada uma das casas

Na 2ordf Instacircncia o Tribunal da Relaccedilatildeo entendeu que natildeo era imprescindiacutevel que a

relaccedilatildeo de uniatildeo de facto natildeo fosse interrompida pela saiacuteda de um dos membros da morada

em comum quando ocorram desentendimentos ou discussotildees dado que esta circunstacircncia

tambeacutem se verifica no casamento podendo levar agrave interrupccedilatildeo esporaacutedica da comunhatildeo que

eacute proacutepria desse instituto e natildeo eacute por isso que se pode dizer que a comunhatildeo de habitaccedilatildeo fica

descaracterizada151 Na sua tese o tribunal referido defende tambeacutem que o facto de a Reacute ter

mantido a sua casa por querer manter a propriedade daquele imoacutevel por motivos que soacute a ela

dizem respeito - o que leva a que seja da sua responsabilidade suportar os encargos que dela

advenham - natildeo seria suficiente para colocar em causa a residecircncia em comum com o

falecido Para enfatizar a tese de que a morada comum dos sujeitos seria o imoacutevel em que

os dois viviam o tribunal realccedila o facto do Autor ter citado a Reacute nessa morada para a accedilatildeo

em causa O tribunal considera que a comunhatildeo de mesa leito e habitaccedilatildeo eacute o que define a

151 Veja-se a tiacutetulo de exemplo mutatis mutandis o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 24042019

no acircmbito do processo 12025160T8LRSL1-2 que jaacute se teve a oportunidade de mencionar Para que se possa

dizer que cessou a uniatildeo de facto natildeo basta constatar a existecircncia de uma separaccedilatildeo de facto Tem que se

provar tambeacutem que existe da parte de pelo menos um dos unidos de facto o propoacutesito de natildeo a restabelecer

E por isso embora o facto de os unidos de facto deixarem de dormir na mesma casa comerem agrave mesma mesa

e viver debaixo do mesmo tecto aponte para a falta de comunhatildeo de vida tal natildeo basta para se poder concluir

pela cessaccedilatildeo da uniatildeo de facto devendo fazer-se ainda a prova do elemento subjectivo da vontade de pelo

menos um deles romper com a uniatildeo de facto (de forma directa ou atraveacutes de um conjunto suficientemente

significativo de circunstacircncias objectivas que apontem nesse sentido isto eacute que o permitam afirmar com base

numa presunccedilatildeo natural ou judicial) Indo ainda mais longe na decisatildeo ao referir que se considera que a

sentenccedila teve razatildeo em considerar irrelevante o periacuteodo de separaccedilatildeo de 3 meses entre a reacute e o beneficiaacuterio

(hellip)

49

convivecircncia anaacuteloga agrave dos cocircnjuges exigida pelo artigo 1ordm nordm 2 da LUF E que encontrando-

se demonstrado que a Reacute encetou desde 1991 ateacute ao falecimento do beneficiaacuterio um

relacionamento onde mantinham relaccedilotildees sexuais faziam refeiccedilotildees conjuntas com amigos e

familiares na morada comum pagavam alternadamente as despesas com alimentaccedilatildeo e

ainda havia o acompanhamento do falecido pela Reacute a consultas meacutedicas e atendimento nas

urgecircncias mostram-se suficientemente comprovados os requisitos da declaraccedilatildeo de uniatildeo

de facto que se tem por estabelecida durante o todo esse lapso temporal

Estamos aqui perante duas decisotildees distintas e cada uma delas fundamenta a sua

decisatildeo com argumentos vaacutelidos e plausiacuteveis o que reflete uma vez mais a dificuldade

imanente a esta questatildeo Estaacute em causa uma relaccedilatildeo de convivecircncia e auxiacutelio de 24 anos que

devido aos requisitos que se exige que sejam comprovados ou por questotildees que natildeo se

colocariam se do instituto do casamento se tratasse se vecirc posta em causa a atribuiccedilatildeo de uma

pensatildeo de sobrevivecircncia por natildeo se conseguir provar a qualidade de unida de facto pela Reacute

A situaccedilatildeo sub judice eacute cada vez mais frequente nos tempos que correm Vaacuterios sujeitos que

pelo facto de serem divorciados ou viuacutevos refazem a sua vida ao lado de outra pessoa sem

assumir o compromisso do casamento Por natildeo quererem ou por natildeo lhes convir como eacute o

exemplo dos viuacutevos que recebam pensatildeo de sobrevivecircncia e se voltarem a casar perdem o

direito a esse benefiacutecio Ou ateacute por questotildees de praticidade por natildeo quererem estar sujeitos

a um regime que impotildee diversas consequecircncias como eacute o instituto do casamento Eacute neste

tipo de situaccedilotildees que se deve pensar quando se pretende equiparar a uniatildeo de facto ao

instituto do casamento Haacute efetivamente quem natildeo queira ser abrangido por uma

regulamentaccedilatildeo tatildeo ampla e o que para uns podem ser consideradas desvantagens no que

respeita ao regime mais liberal da uniatildeo de facto para outros podem ser as vantagens que

pesam na escolha deste regime como modo de vida em conjunto

Resta finalmente aludir agrave efetiva decisatildeo do STJ Tendo por base o Acoacuterdatildeo do

STJ de 9-07-2014152 que refere que se deve pensar na vivecircncia de dois cocircnjuges em situaccedilatildeo

de normalidade ou vulgaridade inseridos na cultura a que pertencemos e eacute aiacute que se haacute-de

encontrar o preenchimento do conceito de laquocondiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjugesraquo decide

que o quadro factual que estaacute em causa na situaccedilatildeo em anaacutelise natildeo eacute suficiente para dar como

152 Processo nordm 3076111TBLLEE1 S1 Consultaacutevel em

httpwwwdgsiptjstjnsf954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa8140b2f2587cb42fbd180257d16005402d4Op

enDocument

50

provada a existecircncia entre a Reacute e o de cujos de uma convivecircncia em economia comum

Considerando que essa convivecircncia se caracteriza pela situaccedilatildeo de pessoas que vivam em

comunhatildeo de mesa e habitaccedilatildeo com base num lar em sentido familiar moral e social e com

base numa economia domeacutestica em comum e pelo facto de a Reacute pernoitar na casa do falecido

mas manter sempre a sua casa onde conservou os seus pertences e objetos demonstrava que

esta natildeo sentia a casa do beneficiaacuterio como sua E ainda que a Reacute natildeo provou como lhe

competia por forccedila do artigo 342ordm nordm 1 do CCiv que faziam toda a vida de casal na casa do

de cujos e que manteve a sua casa arrendada para acautelar a possibilidade da filha do

beneficiaacuterio quisesse voltar a viver na casa do mesmo Aleacutem disso a Reacute natildeo conseguiu

provar que o beneficiaacuterio pernoitava na sua casa e que a esta tambeacutem servia para os amigos

ficarem a dormir O STJ conclui que natildeo obstante partilhassem refeiccedilotildees na casa do de

cujos natildeo se via que existisse uma economia domeacutestica em comum Caracteriacutestica que estaacute

intrinsecamente ligada ao modo de vida dos cocircnjuges existindo nesta situaccedilatildeo economias

separadas por serem custeadas alternadamente as despesas de supermercado e por cada um

se responsabilizar pelos gastos de cada casa Desta feita concluiu que natildeo se verificava a

vivecircncia em economia comum necessaacuteria para que se considerasse a situaccedilatildeo como uma

uniatildeo de facto como invocou a Reacute revogando o acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo e mantendo

a sentenccedila proferida pelo Tribunal de 1ordf Instacircncia que julgou natildeo reconhecida a vivecircncia em

situaccedilatildeo de uniatildeo de facto entre a Reacute e o beneficiaacuterio falecido agrave data da sua morte

Para terminar importa dizer que tendemos a concordar com a decisatildeo do Tribunal

da Relaccedilatildeo Note-se que estatildeo em causa 24 anos de convivecircncia em comum e auxiacutelio muacutetuo

que implicava a manutenccedilatildeo de relaccedilotildees sexuais de refeiccedilotildees conjuntas de suporte a niacutevel

de acompanhamento meacutedico e natildeo menos importante a companhia inerente agrave convivecircncia

que em idades mais avanccediladas pode ser um fator relevante para manterem entre si um

relacionamento Natildeo se devendo esquecer conforme mencionam os factos comprovados

que a filha do de cujos em 1996 foi trabalhar e viver para outra cidade ficando longe do pai

e visitando-o apenas duas vezes por mecircs ao fim-de-semana Tal significava que o auxiacutelio

que o de cujos necessitava nomeadamente nos acompanhamentos a consultas meacutedicas e

mesmo agraves urgecircncias se assim fosse necessaacuterio era dado pela Reacute Gerando menos

preocupaccedilotildees e encargos agrave filha do beneficiaacuterio falecido conseguindo manter a sua

normalidade e rotina se uma destas circunstacircncias ocorressem pois sabia que o seu pai estava

51

a ser apoiado pela Reacute que despendia do seu tempo para lhe fornecer cuidados e auxiacutelio

sempre que necessaacuterio

Ora eacute necessaacuterio refletir que a convivecircncia e coabitaccedilatildeo de duas pessoas em

situaccedilotildees destas pode ir para aleacutem da vivecircncia em economia comum Pode verificar-se no

caso em apreccedilo o cumprimento dos deveres de coabitaccedilatildeo cooperaccedilatildeo e assistecircncia inerentes

aos deveres conjugais previstos no artigo 1672ordm CCiv Poreacutem apesar de natildeo se verificar

uma verdadeira vivecircncia em economia comum que o STJ considera como caracteriacutestica do

modo de vida proacuteprio dos cocircnjuges por haver uma separaccedilatildeo bem definida das despesas

alimentares bem como dos encargos resultantes das casas de cada um verificam-se outras

caracteriacutesticas presentes no modo de vida proacuteprio dos cocircnjuges que tambeacutem relevam e natildeo

devem ser desconsideradas Devemos ter em conta que pode ter sido opccedilatildeo dos sujeitos viver

com economias separadas o que natildeo invalida que a sua situaccedilatildeo seja qualificada como uniatildeo

de facto em virtude de natildeo haver nenhuma norma na LUF que imponha qualquer tipo de

obrigaccedilatildeo aos unidos no que respeita a fazerem economias conjuntas

No que concerne agrave manutenccedilatildeo por parte da Reacute de outra casa e de laacute pernoitar

pontualmente cremos que natildeo eacute suficiente para pocircr em causa a verificaccedilatildeo da qualificaccedilatildeo

da relaccedilatildeo como uniatildeo de facto A ocorrecircncia da interrupccedilatildeo momentacircnea da coabitaccedilatildeo natildeo

eacute razatildeo para que natildeo se possa considerar a relaccedilatildeo convivencial entre duas pessoas como tal

Entre os cocircnjuges tambeacutem podem ocorrer situaccedilotildees que interrompam a sua coabitaccedilatildeo e

indo mais longe devemos recordar as situaccedilotildees em que cocircnjuges por motivos profissionais

veem a sua convivecircncia interrompida eg durante a semana e soacute estatildeo juntos ao fim-de-

semana devido agrave deslocaccedilatildeo de um deles para outra cidade153 Natildeo sendo mesmo assim

posta a sua convivecircncia em causa por forccedila do artigo 1673ordm CCiv que prevecirc esta

possibilidade Acontecendo o mesmo com membros da uniatildeo de facto deveraacute colocar-se a

sua convivecircncia em crise Seraacute a uniatildeo de facto uma simples comunhatildeo de casa Ou por

outro lado uma comunhatildeo de vida Com tudo o que isso implique para os sujeitos que

formam a relaccedilatildeo que se devem reger por criteacuterios subjetivos nessa mateacuteria

De forma a enfatizar o facto de existirem cada vez mais formas de organizaccedilatildeo

familiar e de se notar uma modernizaccedilatildeo constante nesta mateacuteria vale a pena referirmos que

existe tambeacutem uma forma de organizaccedilatildeo da vida em comum a par da uniatildeo de facto e a

153 Cfr neste sentido MARIA MARGARIDA PEREIRA ob cit p 650

52

uniatildeo conjugal que se designa de uniatildeo sem comunhatildeo154 Esta uniatildeo acontece quando as

partes decidem residir em locais distintos sem abdicarem de outros elementos que formam

um casal como a manutenccedilatildeo de relaccedilotildees sexuais a fidelidade e a entreajuda Pretendem

levar uma vida a dois no entanto natildeo querem residir no mesmo local Eacute uma forma de

organizaccedilatildeo da vida em comum que natildeo eacute mencionada pelo legislador que natildeo conjeturou

um caminho que estivesse entre o tudo e o nada155 uma vez que regula o casamento a uniatildeo

de facto o divoacutercio e a separaccedilatildeo O facto de natildeo haver comunhatildeo de habitaccedilatildeo neste tipo

de relaccedilotildees natildeo permite que se fale na hipoacutetese de ser considerada uniatildeo de facto Todavia

o que estaacute aqui em causa natildeo eacute a interrupccedilatildeo esporaacutedica ou pontual da coabitaccedilatildeo como

acontece no caso que temos vindo a analisar Mas antes a existecircncia de duas residecircncias

distintas natildeo havendo uma coabitaccedilatildeo entre o casal por escolha dos proacuteprios preferindo

uma organizaccedilatildeo da sua vida em comum de forma separada no que respeita agrave coabitaccedilatildeo

mantendo todos os outros elementos que relevam para a sua consideraccedilatildeo como um casal

Tudo isto para dizer que estamos perante uma eacutepoca onde o pluralismo jusfamiliar eacute uma

realidade e que talvez seja necessaacuteria uma atualizaccedilatildeo legislativa que acompanhe os tempos

que vivemos no tocante a estas mateacuterias156157

54 Soluccedilatildeo proposta

Aqui chegados e depois de analisar as soluccedilotildees que vigoram noutros ordenamentos

juriacutedicos eacute importante aventar a soluccedilatildeo que cremos que melhor resolveraacute os problemas que

o atual regime juriacutedico da uniatildeo facto levanta

Jaacute haviacuteamos proposto supra a densificaccedilatildeo do atual regime legal da uniatildeo de facto

com objetivo de assegurar uma maior proteccedilatildeo dos membros natildeo obstante o respeito da

vontade das partes de se submeter ou natildeo a tais consequecircncias juriacutedicas visto que natildeo se

trataria portanto de um regime imperativo automaticamente aplicaacutevel a quem opte por

conviver em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges

154 LAT (Living Apart Together) Cfr JORGE DUARTE PINHEIRO ob cit p 558 155 Cfr JORGE DUARTE PINHEIRO ob cit p 558 156 Idem 157 JORGE DUARTE PINHEIRO termina o ponto dedicado a esta mateacuteria questionando o que impede a receccedilatildeo

legal no nosso ordenamento de uma uniatildeo sem comunhatildeo de habitaccedilatildeo que beneficie de um estatuto proacuteprio

e que pudesse incluir a possibilidade da figura ser constituiacuteda por cocircnjuges suspendendo de forma consensual

o dever de coabitaccedilatildeo que agrave luz dos arts 1618ordm 1672ordm 1699ordm n ordm1 al b) CCiv eacute proibido atualmente

53

Cabe agora desenvolver esta proposta Apesar de haver quem encare a uniatildeo de

facto com uma visatildeo mais liberal e consequentemente entenda que esta natildeo deve gerar

muitos efeitos juriacutedicos por forma a respeitar-se a liberdade de escolha de cada um

acreditamos que o Direito natildeo deve ignorar as situaccedilotildees que merecem tutela juriacutedica E

apesar de haver uma regulamentaccedilatildeo juriacutedica da uniatildeo de facto no nosso ordenamento a

proteccedilatildeo por ela oferecida eacute meramente assistencial158 funcionando essencialmente em

situaccedilotildees de crise159

Natildeo se deve olvidar que a uniatildeo de facto na nossa ordem juriacutedica eacute um verdadeiro

ato juriacutedico e os seus efeitos natildeo dependem da vontade dos membros pois produzem-se ex

logo160 A soluccedilatildeo vigente concede certos efeitos aos membros da uniatildeo de facto apoacutes a

convivecircncia por dois anos sem que estes declarem expressamente a sua pretensatildeo A sua

uacutenica declaraccedilatildeo eacute a vontade de viver em plena comunhatildeo de vida Deveraacute daiacute aferir-se a

vontade de assumir efeitos juriacutedicos Acreditamos que a soluccedilatildeo atual apesar de ter como

objetivo o respeito pela autonomia privada e a vontade das partes natildeo o faz Estabelece

efeitos juriacutedicos a situaccedilotildees de facto que natildeo tem como controlar por natildeo haver nenhum tipo

de registo

Enquanto esta for a natureza da uniatildeo de facto e natildeo houver um ato constitutivo por

parte de uma autoridade puacuteblica ou outra formalidade a situaccedilatildeo de facto natildeo pode suscitar

um regime juriacutedico muito denso mas somente algumas medidas de proteccedilatildeo Dificilmente

se poderaacute ir mais longe no que concerne agrave atribuiccedilatildeo de efeitos juriacutedicos sem uma autecircntica

formalizaccedilatildeo das vontades das partes de intencionar um regime mais firme

Deste modo concomitantemente com a consolidaccedilatildeo do seu regime proacuteprio

julgamos ainda ser importante sujeitar estas relaccedilotildees a registo161

158 () o direito portuguecircs continua a ser daqueles que atribui menos efeitos juriacutedicos agrave uniatildeo de facto Apenas

se consagram soluccedilotildees do tipo ldquoassistencialrdquo que um Estado moderno tem de adotar qualquer que seja a

opccedilatildeo de vida escolhida pelos cidadatildeos Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 153 159 () continua a acolher-se neste domiacutenio uma proteccedilatildeo fragmentaacuteria e especialmente dirigida a cenaacuterios

de crise em que as debilidades dos seus membros se concretizam ou manifestam com mais intensidade Cfr

RUTE TEIXEIRA PEDRO ob cit p 310 160 Cfr MARTA COSTA ob cit p 151 161 Cfr JOAtildeO PARRACHO COELHO considera que sendo a uniatildeo de facto um ato livre a opccedilatildeo pelo registo

determinaria que aqueles que unidos numa relaccedilatildeo para-matrimonial desejem beneficiar de direitos e deveres

juriacutedico - sociais paralelos aos atribuiacutedos agrave famiacutelia claacutessicaformallegal podem alcanccedilar um estatuto especiacutefico

mediante a inscriccedilatildeo da sua uniatildeo de facto em algum registo puacuteblico a criar para o efeito ldquoA Famiacutelia

perspectiva evolutiva do conceito tradicionalrdquo in Revista do Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico

nordm 54 3ordm trimestre1993 p 116

54

Inspiramos esta soluccedilatildeo no ordenamento juriacutedico francecircs por julgarmos oferecer

uma regulaccedilatildeo juriacutedica ampla dos tipos de convivecircncia fora do casamento distinguindo o

concubinage do pacte civil de solidariteacute Podendo optar-se pelo concubinato natildeo se

submetendo a quaisquer consequecircncias juriacutedicas ou pelo PACS a que subjaz um regime

proacuteprio e efeitos juriacutedicos que garantem a sua proteccedilatildeo Desta forma e socorrendo-nos em

parte da sugestatildeo ora mencionada do partido Bloco de Esquerda aquando da apresentaccedilatildeo

do Projeto de Lei nordm45VIII prevendo um registo das uniotildees nas juntas de freguesia da aacuterea

de residecircncia das pessoas que vivem em uniatildeo de facto ou a sua constituiccedilatildeo apoacutes dois anos

de convivecircncia sem necessidade de registo acreditamos que o Registo Civil das uniotildees de

facto seraacute a soluccedilatildeo mais acertada para proporcionar a certeza e seguranccedila juriacutedicas que se

pretende alcanccedilar com a inscriccedilatildeo no mesmo162

Antecipando desde jaacute as criacuteticas que poderatildeo surgir a esta soluccedilatildeo tais como a

possibilidade de recurso ao casamento para precaver todas as situaccedilotildees supramencionadas e

ainda o excessivo formalismo que daqui poderaacute advir natildeo devendo o direito proteger uma

situaccedilatildeo que as partes natildeo quiseram que fosse protegida desrespeitando-se a sua vontade

cumpre tecer algumas consideraccedilotildees Primeiramente o casamento trata de uma realidade

como jaacute tivemos a oportunidade de analisar com natureza muito distinta da uniatildeo de facto

Os casais tecircm o direito de escolher o tratamento juriacutedico que datildeo agrave sua convivecircncia pessoal

podendo simplesmente querer viver em uniatildeo de facto e natildeo se submeterem ao regime do

casamento Denote-se para este efeito que viver agrave margem do casamento natildeo significa

querer viver agrave margem do Direito Nesta senda e em segundo lugar parece-nos que a ideia

Napoleoacutenica de que se os concubinos natildeo se interessam pela lei a lei tambeacutem natildeo se

interessa por eles jaacute estaacute ultrapassada A formalidade do registo apenas garantiraacute a liberdade

de escolha das partes assegurando que aqueles que optam por ele satildeo os que pretendem

submeter-se aos efeitos juriacutedicos previstos legalmente Natildeo se tratando de um regime

automaacutetico aplicaacutevel pelo simples decurso do tempo que os sujeita a um regime que natildeo

162 Concordamos portanto com a posiccedilatildeo propugnada por ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoUniatildeo de facto a

pertinecircncia de registo a problemaacutetica da separaccedilatildeo de pessoas e bens e a contagem do prazo de convivecircnciardquo

in Casamento e Uniatildeo de facto questotildees de jurisdiccedilatildeo civil Coleccedilatildeo Formaccedilatildeo Contiacutenua CEJ Novembro

2020 p71 segundo a qual as uniotildees devem ser dignas de Registo Civil pois os registos municipais natildeo

serviratildeo o propoacutesito por natildeo contribuiacuterem para a certeza e seguranccedila juriacutedicas uma vez que natildeo existe uma

base de dados nacional podendo-se potenciar muacuteltiplos registos

55

mostraram pretender163 A soluccedilatildeo que propomos funda-se no respeito pela vontade das

partes e no princiacutepio da liberdade contratual aleacutem de ser a mais compatiacutevel com a certeza e

seguranccedila juriacutedicas Bastando-lhes a verificaccedilatildeo dos requisitos necessaacuterios agrave constituiccedilatildeo no

momento da sua inscriccedilatildeo no registo Relativamente agrave exigecircncia do decurso de um

determinado periacuteodo para que a convivecircncia seja registada defendemos que a resposta deve

passar por natildeo ser exigida uma convivecircncia preacutevia Permitindo que duas pessoas que

queiram conviver nestes moldes se dirigiram a uma entidade competente e registem a sua

convivecircncia que pode jaacute existir ou iniciar-se nesse momento164

No fundo com a soluccedilatildeo que propugnamos pretendemos a coexistecircncia de trecircs vias

de conjugalidade O casamento que continuaria a ser regulado de igual forma as uniotildees

registadas em que as partes inscrevem a sua relaccedilatildeo no registo para que desta decorram

efeitos juriacutedicos mas que natildeo se confundem com os do casamento e por uacuteltimo as uniotildees

meramente de facto desprovidas de efeitos juriacutedicos Contudo em relaccedilatildeo a estas

acreditamos que algumas situaccedilotildees devem ser protegidas como a de um dos membros querer

viver livre de efeitos juriacutedicos e o outro apenas tolerar a situaccedilatildeo apesar da sua vontade natildeo

ser exatamente essa Eacute entatildeo necessaacuterio acautelar situaccedilotildees como esta em que no caso de

morte de algum deles o membro sobrevivo fosse aquele que pretendia uma maior

intervenccedilatildeo juriacutedica na sua convivecircncia Aqui deveraacute atribuir-se a este uacuteltimo uma proteccedilatildeo

miacutenima desde que a requeira Salvaguardando desta forma a liberdade e autonomia privada

de cada um sem que nada se lhes imponha a natildeo ser que o solicitem Isto quer dizer que soacute

seratildeo uniotildees meramente de facto aquelas em que a falta de reconhecimento de efeitos

juriacutedicos decorre de uma exteriorizaccedilatildeo das partes Por outras palavras essa categorizaccedilatildeo

resulta de uma falta de manifestaccedilatildeo das partes nesse sentido evitando as situaccedilotildees em que

a sua ineacutercia ndash justificada por natildeo pretenderem a ingerecircncia do Direito ndash resulte no confronto

com um regime legal que natildeo manifestaram querer

163 Neste sentido cabe referir a jaacute mencionada Ley 22003 7 de mayo reguladora de las parejas de hecho do

Paiacutes Vasco que na sua exposiccedilatildeo de motivos adverte para o facto do registo ser uma forma de evitar que os

membros que natildeo desejam que as suas uniotildees sejam acolhidas legalmente sejam reguladas contra a sua vontade

() el Registro de Parejas de Hecho que crea la propia ley registro que tiene una especial importancia al

tener la inscripcioacuten el caraacutecter de constitutiva lo que se hace precisamente para evitar que aquellas parejas

que no deseen en modo alguno acogerse a la ley se vean sometidas contra su voluntad a un reacutegimen de

derechos y obligaciones como el aquiacute recogido 164 Cfr MARTA COSTA ob cit p 396 No mesmo sentido ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoUniatildeo de facto versus

Casamento ndash Questotildees pessoais e patrimoniaisrdquo ob cit p 178

56

Realccedilamos ainda que o registo das uniotildees de facto aleacutem de salvaguardar a certeza

e seguranccedila juriacutedicas permitiria agraves partes invocar a qualquer altura atraveacutes de um meio

idoacuteneo e fidedigno a sua convivecircncia facilitando a prova destas relaccedilotildees e dirimindo as

dificuldades que dessa prova advecircm165 Cremos ser esta a principal e grande vantagem da

soluccedilatildeo que propomos e a que realmente interessa no presente estudo O atual regime de

prova eacute falho pois as declaraccedilotildees referidas no nordm 2 do artigo 2ordmA da LUF emitidas pela

junta de freguesia nunca seratildeo suficientes para garantir a proteccedilatildeo de uma relaccedilatildeo de facto

por natildeo servirem como prova plena aleacutem de natildeo ser possiacutevel atestar a inexistecircncia de

impedimentos por esta via

Em suma como benefiacutecios advindos do registo consideramos natildeo soacute o que toca agrave

sociedade em geral a quem seria transmitida maior certeza e seguranccedila relativamente agrave

existecircncia daquelas relaccedilotildees mas tambeacutem a publicidade que eacute conferida agraves mesmas

desonerando os conviventes de um regime de prova tatildeo sinuosa da sua relaccedilatildeo para

beneficiarem de certos direitos

165 Atraveacutes do registo os membros da uniatildeo registada estariam cientes da repercussatildeo legal da sua uniatildeo

(entre eles e face a terceiros) ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoUniatildeo de facto versus Casamento ndash Questotildees

pessoais e patrimoniaisrdquo ob cit p 180

57

6 Conclusatildeo

A convivecircncia anaacuteloga agrave dos cocircnjuges sem o viacutenculo formal inerente ao casamento

natildeo eacute uma realidade recente A forma como o Direito encara esta figura eacute que foi mudando

ao longo do tempo de acordo com a evoluccedilatildeo das circunstacircncias sociais e histoacutericas Parece-

nos que hoje talvez se imponha uma atualizaccedilatildeo do tratamento legal oferecido agrave uniatildeo de

facto

Desde logo a sua natureza juriacutedica motiva algumas divergecircncias Como vimos

alguns AA entendem que a situaccedilatildeo de facto se deve considerar uma relaccedilatildeo juriacutedica familiar

como as previstas no artigo 1576ordm CCiv por forccedila da sua inclusatildeo no artigo 36ordm n ordm1 CRP

referente agrave constituiccedilatildeo de famiacutelia Por outro lado os AA que defendem que a proteccedilatildeo

constitucional da uniatildeo de facto adveacutem do direito ao desenvolvimento da personalidade

previsto no artigo 26ordm CRP advogam tambeacutem que a convivecircncia more uxorio natildeo deve ser

qualificada como relaccedilatildeo juriacutedica familiar mas sim uma relaccedilatildeo juriacutedica parafamiliar Neste

contexto tendemos a acompanhar a linha de pensamento dos primeiros AA isto por

entendermos que as relaccedilotildees de uniatildeo de facto merecem uma proteccedilatildeo mais abrangente da

que eacute dada pelo artigo 26ordm CRP visto tratar-se de uma proteccedilatildeo geneacuterica que natildeo se coaduna

com a importacircncia social que a uniatildeo de facto vem tendo Jaacute a proteccedilatildeo conferida pelo artigo

36ordm nordm 1 CRP eacute de facto mais consentacircnea com a proteccedilatildeo que este tipo de relaccedilotildees merece

e cremos que essa teraacute sido a intenccedilatildeo do proacuteprio legislador constitucional Eacute de realccedilar por

uacuteltimo que considerar a uniatildeo de facto protegida constitucionalmente pelo artigo 36ordm nordm 1

CRP natildeo quer dizer que o seu regime legal deva ser igual ao regime do casamento

Como tambeacutem jaacute referimos o proacuteprio regime legal da uniatildeo de facto previsto na

Lei nordm 72001 de 1105 alterada pela lei 232010 de 3008 eacute considerado parco e omisso

em relaccedilatildeo a algumas questotildees relevantes para a proteccedilatildeo dos membros dessa relaccedilatildeo Natildeo

obstante a natildeo equiparaccedilatildeo dos regimes legais do casamento e da uniatildeo de facto tal natildeo

significa que natildeo seja necessaacuterio um reforccedilo do atual regime legal da uniatildeo de facto

Devendo optar-se por um caminho que consolide os efeitos juriacutedicos da uniatildeo de facto

possibilitando um regime proacuteprio enrobustecido aos que apesar de natildeo escolherem a via do

casamento pretendam uma proteccedilatildeo mais firme e por outro lado dar aos que pretendam uma

uniatildeo sem consequecircncias juriacutedicas a liberdade de escolha de sujeiccedilatildeo ou natildeo a um regime

legal

58

Paralelamente de forma a diferenciar estas duas situaccedilotildees julgamos ainda ser

importante a sujeiccedilatildeo destas relaccedilotildees a um eventual registo civil que traraacute consigo a certeza

e seguranccedila juriacutedicas relativamente agrave existecircncia destas relaccedilotildees perante a sociedade e ainda

a consequente publicidade advinda dessa inscriccedilatildeo que desoneraraacute os membros de um

regime de prova tatildeo sinuoso Salvaguardando desta forma aqueles que pretendem uma

coabitaccedilatildeo com a miacutenima ingerecircncia juriacutedica Em suma ambicionamos a coexistecircncia de

trecircs vias de conjugalidade sendo elas o casamento as uniotildees registadas e por fim as uniotildees

meramente de facto

Damos como certo que esta eacute uma mudanccedila que natildeo deveraacute ser imediata Aquilo que

propomos eacute na verdade uma soluccedilatildeo que deveraacute isso sim dar azo a uma discussatildeo contiacutenua

que possa contribuir para um aperfeiccediloamento e atualizaccedilatildeo deste regime

59

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Factordquo in RJLB Ano 2 2016 pp 1511-1513

XAVIER M Rita Aranha da Gama Lobo ldquoA Uniatildeo de Facto e a Lei Civil no Ensino de

Francisco Manuel Pereira Coelho e Legislaccedilatildeo Atualrdquo em Textos de Direito da Famiacutelia para

Francisco Pereira Coelho Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016

65

JURISPRUDEcircNCIA

Tribunal Constitucional

bull Acoacuterdatildeo nordm 3361986

bull Acoacuterdatildeo nordm 18881996

Supremo Tribunal de Justiccedila

bull Acoacuterdatildeo 9-07-2014 processo nordm 3076111TBLLEE1 S1

bull Acoacuterdatildeo 22-03-2018 processo nordm 6380169T8CBRC1 S1

Tribunal Central Administrativo Norte

bull Acoacuterdatildeo de 13-11-2020 processo nordm 00090151BECBR

Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra

bull Acoacuterdatildeo de 16-10-2012 processo nordm 50091TBALDC1

bull Acoacuterdatildeo de 08-03-2006 processo nordm 419705JTRC

Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa

bull Acoacuterdatildeo de 15-02-2007 processo nordm 62842006-8

bull Acoacuterdatildeo de 29-11-2012 processo nordm 444092TCFUNL1-A-8

bull Acoacuterdatildeo de 24-04-2019 processo nordm 12025160T8LRSL1-2

Tribunal Europeu dos Direitos Humanos

bull Acoacuterdatildeo JOHNSTON C IRLANDA de 18 de dezembro de 1986

bull Acoacuterdatildeo KEEGAN C IRLANDA de 26 de maio de 1994

Tribunal Constitucional Espanhol

bull Sentenccedila nordm 1841990 de 15 de novembro Consultaacutevel em

httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-T-1990-29360

bull Sentenccedila nordm 2221992 de 11 de dezembro Consultaacutevel em

httphjtribunalconstitucionaleses-ESResolucionShow2109

bull Sentenccedila nordm 661994 de 28 de fevereiro Consultaacutevel em

httphjtribunalconstitucionalespt-BRResolucionShow2583

66

bull Sentenccedila nordm 391998 de 17 de fevereiro Consultaacutevel em

httphjtribunalconstitucionalesesResolucionShow3541

bull Sentenccedila nordm 1161999 de 17 de junho Consultaacutevel em

httphjtribunalconstitucionaleses-ESResolucionShow3858

Tribunal Constitucional Francecircs

bull Decisatildeo nordm 2011-155 QPC do Conseil Constitutionnel de 29 de julho Consultaacutevel

em httpswwwconseil-constitutionnelfrdecision20112011155QPChtm

2

Ana Joatildeo Salgado Costa

UNIAtildeO DE FACTO - O PROBLEMA DA PROVA DE COABITACcedilAtildeO E A SUA

EVENTUAL INSCRICcedilAtildeO NO REGISTO CIVIL

CONSENSUAL UNION - THE PROBLEM OF THE PROOF OF COHABITATION

AND ITS POSSIBLE ENTRY IN THE CIVIL REGISTER

Dissertaccedilatildeo apresentada agrave Faculdade de

Direito da Universidade de Coimbra no

acircmbito do 2ordm Ciclo de Estudos em Direito

(conducente ao grau de Mestre) na Aacuterea

de Especializaccedilatildeo em Ciecircncias Juriacutedico-

Forenses sob orientaccedilatildeo da Doutora

Sandra Passinhas

Coimbra

Abril 2021

3

4

Agrave minha famiacutelia

Ao meu Di

Sempre

5

Teria passado a vida

atormentado e sozinho

se os sonhos me natildeo viessem

mostrar qual eacute o caminho

umas vezes satildeo de noite

outras em pleno de sol

com relacircmpagos saltados

ou vagar de caracol

quem os manda natildeo sei eu

se o nada que eacute tudo agrave vida

ou se eu os finjo a mim mesmo

para ser sem que decida

AGOSTINHO DA SILVA Sonho in Poemas

6

IacuteNDICE

RESUMO 7

ABSTRACT 8

SIGLAS E ABREVIATURAS 9

1 Introduccedilatildeo 11

2 A evoluccedilatildeo da Uniatildeo de Facto no ordenamento juriacutedico portuguecircs 12

3 A uniatildeo de facto e a Constituiccedilatildeo da Reacutepublica Portuguesa 16

31 A uniatildeo de facto e o casamento ndash liberdade mas e proteccedilatildeo 20

4 Constituiccedilatildeo da relaccedilatildeo de Uniatildeo de Facto e os seus efeitos 27

5 O problema da prova da coabitaccedilatildeo 30

51 Consideraccedilotildees gerais 30

52 Comparaccedilatildeo com o regime de outros ordenamentos juriacutedicos na Uniatildeo Europeia 37

521 Espanha 37

522 Franccedila 41

53 O Acoacuterdatildeo do STJ de 22 de Marccedilo de 2018 processo nordm6380169T8CBRC1S1 46

54 Soluccedilatildeo proposta 52

6 Conclusatildeo 57

BIBLIOGRAFIA 59

JURISPRUDEcircNCIA 65

7

RESUMO

A figura da uniatildeo facto eacute uma realidade crescente com cada vez mais importacircncia

na nossa sociedade atual tendo em conta o consideraacutevel nuacutemero de pessoas que opta por

viver desta forma Sendo que pode esse nuacutemero derivar natildeo soacute da liberdade associada a este

regime como tambeacutem do facto de poder ser uma circunstacircncia provisoacuteria e transitoacuteria Pode

ateacute tratar-se de uma circunstacircncia definitiva em virtude de por inuacutemeras razotildees os membros

da uniatildeo de facto natildeo quererem casar ora por natildeo terem condiccedilotildees financeiras para celebrar

um casamento ora por natildeo fazer parte da sua cultura formalizarem a sua relaccedilatildeo

Apesar da importacircncia da uniatildeo de facto e da sua relevacircncia na sociedade o seu

regime juriacutedico eacute parco apresentando lacunas relativamente agraves normas sobre o seu registo

regime de bens entre os membros a sua extinccedilatildeo e efeitos sucessoacuterios Estas e outras

mateacuterias deveriam ter uma regulamentaccedilatildeo mais completa para que se pudesse oferecer uma

maior proteccedilatildeo aos unidos de facto

Pretendemos essencialmente analisar por estar estritamente ligado ao facto de a

uniatildeo de facto natildeo ser objeto de registo civil ou administrativo o problema da prova da

existecircncia e do iniacutecio da situaccedilatildeo de uniatildeo de facto e desta forma refletir sobre as vantagens

que provecircm do registo deste tipo de relaccedilotildees

PALAVRAS-CHAVE uniatildeo de facto prova da coabitaccedilatildeo registo civil

8

ABSTRACT

The figure of consensual union is an increasingly important reality in our society

today given the considerable amount of people who choose to live this way This number

can derive not only from the freedom associated with this regime but also from the fact that

it can be a temporary and transitory circumstance It may even be a definitive circumstance

because for a number of reasons the unmarried partners do not want to get married either

because they do not have the financial means to enter into a marriage or because it is not part

of their culture to formalise their relationship

Despite the importance of the non-marital partnership and its relevance in society

its legal system is scarce with gaps regarding the rules on its registration the system of

property between members its extinction and inheritance effects These and other matters

should be regulated more fully in order to offer greater protection to consensual union

The main aim is to analyse as it is strictly linked to the fact that consensual union

is not subject to civil or administrative registration the problem of proving the existence and

the beginning of this situation and thus reflect on the advantages that come from the

registration of this type of relationship

KEYWORDS non-marital partnership proof of cohabitation civil registry

9

SIGLAS E ABREVIATURAS

A- Autor

AA- Autores

Ac- Acoacuterdatildeo

Art ndash Artigo

Arts ndash Artigos

Ed - Ediccedilatildeo

In - Em

ob cit - Obra Citada

p ndash paacutegina

pp paacuteginas

ss - Seguintes

vg - verbi gratia

Vol ndash Volume

CCiv ndash Coacutedigo Civil

CEDH ndash Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem

CNP- Centro Nacional de Pensotildees

CPC ndash Coacutedigo de Processo Civil

CReg Civ ndash Coacutedigo de Registo Civil

CRP ndash Constituiccedilatildeo da Reacutepublica Portuguesa

DUDH ndash Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos

ISS ndash Instituto da Seguranccedila Social

10

LUF ndash Lei da Uniatildeo de Facto (Lei nordm 72001 de 11 de Maio alterada pela Lei nordm 232010

de 30 de Agosto)

PACS ndash Pacto civil de Solidariedade

STJ ndash Supremo Tribunal de Justiccedila

TCE - Tribunal Constitucional Espanhol

TEDH ndash Tribunal Europeu dos Direitos Humanos

11

1 Introduccedilatildeo

O presente estudo visa abordar a questatildeo do problema da prova da coabitaccedilatildeo numa

situaccedilatildeo em que se pretende provar a existecircncia de uma relaccedilatildeo de uniatildeo de facto para que

esta produza os efeitos que os membros pretendam Assim cumpriraacute analisar o regime

juriacutedico da Uniatildeo de Facto comeccedilando pela sua evoluccedilatildeo no nosso ordenamento e sobre a

importacircncia da LUF (Lei nordm 72001 de 11 de Maio alterada pela Lei nordm 232010 de 30 de

Agosto)

Uma vez analisada a proteccedilatildeo oferecida agraves situaccedilotildees de Uniatildeo de Facto

nomeadamente a sua (natildeo) alusatildeo na CRP caberaacute comparaacute-la agrave concedida ao casamento e

observar de que forma a liberdade caracteriacutestica do regime da uniatildeo de facto poderaacute deixar

desprotegidas algumas situaccedilotildees carentes de proteccedilatildeo

De seguida feita uma reflexatildeo geral importaraacute compreender como se constitui a

uniatildeo de facto Passando os membros a viver em comunhatildeo de leito mesa e habitaccedilatildeo e natildeo

sendo essa situaccedilatildeo objeto de registo civil ou administrativo ao contraacuterio do que acontece

em alguns ordenamentos vizinhos que tambeacutem mereceratildeo a nossa anaacutelise torna-se mais

difiacutecil saber de forma exata quando se iniciou para que seja possiacutevel a partir daiacute contar os

dois anos necessaacuterios para que a situaccedilatildeo de facto produza os efeitos previstos no artigo 3ordm

da LUF

A questatildeo primordial eacute assim a prova da situaccedilatildeo de uniatildeo de facto nomeadamente

a prova da coabitaccedilatildeo que se pode revelar sinuosa Perante este cenaacuterio torna-se relevante

analisar jurisprudecircncia nomeadamente o Acoacuterdatildeo do STJ de 22 de Marccedilo de 2018 proferido

no acircmbito do processo nordm 6380169T8CBRC1 S1 relativamente agrave prova da uniatildeo de facto

no campo juriacutedico-civil isto eacute atraveacutes do regime geral do oacutenus da prova previsto no artigo

342ordm do CCiv que atribui a quem pretende invocar um direito provar os factos que o

constituem

A final com a nossa anaacutelise e apreciaccedilatildeo dos entendimentos da jurisprudecircncia e da

doutrina nacional e europeia pretendemos demonstrar a dificuldade da prova da uniatildeo de

facto no nosso ordenamento juriacutedico e procurar propostas de soluccedilotildees que possam facilitar

de alguma forma a comprovaccedilatildeo da existecircncia destas relaccedilotildees cessando as dificuldades que

essa comprovaccedilatildeo origina

12

2 A evoluccedilatildeo da Uniatildeo de Facto no ordenamento juriacutedico portuguecircs

Quando se fala de uniatildeo de facto tem forccedilosamente de se aludir agrave discussatildeo

doutrinal acerca da sua classificaccedilatildeo como relaccedilatildeo (para)familiar que surge em grande

parte pelo disposto no artigo 36ordm n ordm1 CRP1 Pela sua ambiguidade haacute quem pense que a

referecircncia agrave constituiccedilatildeo de famiacutelia engloba a uniatildeo de facto2 sendo o seu reconhecimento

juriacutedico feito pela Constituiccedilatildeo Contudo este preceito natildeo eacute assim interpretado por todos

que entendem que este apenas postula o direito de constituir famiacutelia e estabelece as relaccedilotildees

de filiaccedilatildeo e que apesar da uniatildeo de facto natildeo ser uma relaccedilatildeo de famiacutelia no que respeita agrave

generalidade dos efeitos pode ser assim qualificada para efeitos fiscais de locaccedilatildeo de

seguranccedila social entre outros3 Neste seguimento muitos satildeo os AA que tecircm vindo a

expressar a sua opiniatildeo quanto a esta questatildeo havendo quem considere que a situaccedilatildeo de

facto anaacuteloga agrave dos cocircnjuges se deve considerar uma relaccedilatildeo familiar tanto quanto as

previstas no artigo 1576ordm do Coacutedigo Civil ou seja o casamento o parentesco a afinidade

e a adoccedilatildeo4 E ainda quem defenda que natildeo deve ser qualificada como relaccedilatildeo juriacutedica de

famiacutelia5 ou que o seja apenas em relaccedilatildeo a certos efeitos considerando-a desta forma uma

relaccedilatildeo juriacutedica parafamiliar6

1 1 Todos tecircm o direito de constituir famiacutelia e de contrair casamento em condiccedilotildees de plena igualdade

Disposiccedilatildeo inspirada no art 16ordm DUDH e 12ordm CEDH Cfr JJ GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA

Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa Anotada 4ordf ed revista vol I Coimbra Coimbra Editora 2007 p 559 2 Cfr JJ GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA ob cit p 561 3 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoCasamento e Famiacutelia no direito portuguecircsrdquo In AAVV Temas de Direito

da Famiacutelia Ciclo de Conferecircncias no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados Coimbra

Almedina 1996 p 8 FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoAnotaccedilatildeo ao Ac do STJ de 2 de abril de 1987rdquo in Revista

de Legislaccedilatildeo e Jurisprudecircncia nordm 3782 ano 122 Coimbra 1990 pp 82-83 4 Cfr CARLOS PAMPLONA CORTE-REAL ldquoRelance Criacutetico sobre o Direito de Famiacutelia portuguecircsrdquo in Textos de

Direito da Famiacutelia para FRANCISCO PEREIRA COELHO Coord GUILHERME DE OLIVEIRA Coimbra Imprensa

da Universidade de Coimbra 2016 pp109-110 CARLOS PAMPLONA CORTE-REAL JOSEacute SILVA PEREIRA

ldquoDireito da Famiacutelia Toacutepicos para uma reflexatildeo criacuteticardquo Lisboa AAFDL 2008 p 46 no mesmo sentido

GERALDO DA CRUZ ALMEIDA ldquoDa uniatildeo de facto convivecircncia more uxorio em direito internacional privadordquo

Lisboa Pedro Ferreira Editor 1999 p 184 TELMA CARVALHO ldquoA uniatildeo de facto a sua eficaacutecia juriacutedicardquo in

Comemoraccedilotildees dos 35 anos do Coacutedigo Civil e dos 25 anos da reforma de 1977 vol I Coimbra Coimbra

Editora 2004 pp 223-226 CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova

Relaccedilatildeo Familiarrdquo in Estudos em Homenagem ao Prof Doutor Jorge Miranda Vol VI Faculdade de Direito

da Universidade de Lisboa Coimbra Editora 2012 p 460 e MARIA MARGARIDA PEREIRArdquo Direito da

Famiacuteliardquo Lisboa AAFDL Editora 3ordf ed 2019 pp 641-644 com quem tendemos a concordar embora como

veremos infra tal natildeo significa uma igualdade de tratamento entre a uniatildeo de facto e o casamento 5 Cfr JOAtildeO CASTRO MENDES MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA ldquoDireito da Famiacuteliardquo AAFDL Lisboa 1995 p

14-15 NUNO DE SALTER CID ldquoA Comunhatildeo de Vida agrave Margem do Casamento entre o facto e o Direitordquo

Almedina Coimbra 2005 p 505 FRANCcedilA PITAtildeO ldquoUniotildees de Facto e Economia Comum de acordo com a

Lei nordm 232010 de 30 de agostordquo 3ordf ed Almedina Coimbra 2011 p35 6 Em todas estas relaccedilotildees (as dispostas no art1576ordm CCiv) encontramos um viacutenculo constituiacutedo por direitos

e deveres juriacutedicos reciacuteprocos () As relaccedilotildees juriacutedicas familiares satildeo tendencialmente duradouras e eacute por

13

A designaccedilatildeo uniatildeo de facto foi utilizada pela primeira vez no nosso ordenamento

juriacutedico com a Reforma de 1977 do Coacutedigo Civil7 passando o artigo 2020ordm a prever o direito

de exigir alimentos da heranccedila do falecido por aquele que com ele vivesse haacute mais de dois

anos em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges No entanto jaacute no Coacutedigo Civil de 1966 no

seu artigo 1860ordm se falava em comunhatildeo duradoura de vida em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos

cocircnjuges o que quer dizer que o fenoacutemeno da uniatildeo de facto enquanto facto social jaacute existia

antes dessa primeira referecircncia no Coacutedigo de 19778 A expressatildeo que remete para a vivecircncia

em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges no artigo 2020ordm foi utilizada por vaacuterias leis avulsas

que foram conferindo agraves pessoas que vivessem nessa situaccedilatildeo outros direitos como o direito

agraves pensotildees de sobrevivecircncia o de beneficiar do regime de feacuterias feriados e faltas semelhante

aos dos cocircnjuges e ainda no que respeita ao regime juriacutedico do arrendamento para habitaccedilatildeo

foi reconhecido o direito agrave transmissatildeo do arrendamento agrave pessoa que tenha vivido em uniatildeo

de facto com o arrendataacuterio falecido desde que essa relaccedilatildeo se tenha mantido por mais de

cinco anos9

Todavia soacute com a Lei nordm 13599 de 28 de Agosto eacute que passou a existir um

diploma legal que reunisse as medidas de proteccedilatildeo da uniatildeo de facto que ateacute agrave data se

encontravam dispersas pelas vaacuterias leis avulsas10 o que resultou de certa forma numa

institucionalizaccedilatildeo11 da uniatildeo de facto Em 2001 foi revogada e substituiacuteda pela Lei nordm

isso que satildeo sujeitas a registo gerando um estado civil () tecircm tambeacutem como caracteriacutestica a tipicidade estatildeo

previstas na lei bem como os factos juriacutedicos que lhes datildeo origem o seu conteuacutedo tipico as causas da sua

extinccedilatildeo () natildeo se pode considerar como familiar uma relaccedilatildeo que natildeo esteja prevista como tal na lei Cfr

RITA LOBO XAVIER ldquolaquoEstatuto Privadoraquo dos membros da Uniatildeo De Factordquo in RJLB Ano 2 2016 pp1511-

1513 No mesmo sentido Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ldquoCurso de Direito da

Famiacuteliardquo 5ordf ed vol I Coimbra Coimbra Editora 2015 p 34 65-67 JORGE DUARTE PINHEIRO ldquoO Direito

da Famiacutelia Contemporacircneordquo 6ordf ed Lisboa AAFDL 2018 p 43 ANTUNES VARELA ldquoDireito da Famiacuteliardquo 5ordf

ed vol I Lisboa Livraria Petrony1999 p 31 DIOGO LEITE DE CAMPOS ldquo Liccedilotildees de Direito da Famiacuteliardquo 2ordf

Ed Almedina Coimbra 1997 p21 MARTA COSTA ldquoConvivecircncia more uxorio na perspetiva de

harmonizaccedilatildeo do Direito da Famiacutelia Europeu uniotildees homossexuaisrdquo 1ordf ed Coimbra Coimbra Editora 2011

p 108 e SANDRA PASSINHAS ldquoUniatildeo de Facto em Portugalrdquo in Actualidad Juriacutedica Iberoamericana Nordm 11

pp 110-147 Agosto de 2019 p115 7 Mais concretamente com a alteraccedilatildeo feita pelo Decreto-Lei nordm 49677 de 25 de novembro 8 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p57 9 Para mais desenvolvimentos cfr HELENA MOTA ldquoO problema normativo da famiacutelia ndash Breve reflexatildeo a

propoacutesito das medidas de proteccedilatildeo agrave uniatildeo de facto adotadas pela lei n ordm13599 de 28 de Agostordquo in Estudos

em Comemoraccedilatildeo dos 5 anos da FDUP 2001 p548-553 10 Cfr FRANCcedilA PITAtildeO ldquoUniatildeo de Facto no Direito Portuguecircs A propoacutesito da Lei nordm 13599 de 2808rdquo

Coimbra Almedina 2000 p36 No mesmo sentido RITA LOBO XAVIER ldquoEstatuto Privadordquo dos membros da

Uniatildeo De Factordquo in RJLB ano 2 2016 p 1499 11 Expressatildeo utilizada por FRANCISCO PEREIRA COELHO para definir a existecircncia de regulaccedilatildeo proacutepria da uniatildeo

de facto Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p68

14

72001 de 110512 atual LUF que aleacutem de regular situaccedilotildees de uniatildeo de facto entre pessoas

de sexo diferente daacute relevacircncia juriacutedica agrave uniatildeo de facto entre pessoas do mesmo sexo

Apesar de natildeo ter representado uma transformaccedilatildeo significativa do conjunto de direitos e

deveres juridicamente conferidos agrave uniatildeo de facto limitando-se em boa parte a reconhecer

direitos conferidos por leis que jaacute existiam acresce algumas disposiccedilotildees inovadoras13 Sendo

claramente as mais relevantes o facto de permitir agraves pessoas de sexo diferente que vivessem

em uniatildeo de facto a adoccedilatildeo conjunta de menores nos mesmos termos que os cocircnjuges

previstos no artigo 1979ordm n ordm1 do CCiv14 e o alargamento das medidas de proteccedilatildeo por ela

concedidas agraves pessoas do mesmo sexo que viviam em uniatildeo de facto15

Posteriormente com a alteraccedilatildeo feita pela Lei nordm 232010 de 30 de agosto visou-

se essencialmente aumentar os efeitos que se produzem apoacutes a morte de um dos membros

da uniatildeo de facto ou apoacutes a sua rutura16 Tendo em vista dessa forma a proteccedilatildeo social do

membro sobrevivo que fique em situaccedilatildeo difiacutecil no que concerne agrave conservaccedilatildeo da sua

12 Alterada pela Lei 232010 de 3008 13 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p68 14 Art7ordm da LUF Nos termos do atual regime de adoccedilatildeo constante do livro IV tiacutetulo IV do Coacutedigo Civil eacute

reconhecido a todas as pessoas que vivam em uniatildeo de facto nos termos da presente lei o direito de adoccedilatildeo

em condiccedilotildees anaacutelogas agraves previstas no artigo 1979ordm do Coacutedigo Civil sem prejuiacutezo das disposiccedilotildees legais

respeitantes agrave adoccedilatildeo por pessoas natildeo casadas 15 A lei 72001 de 1105 resulta da discussatildeo de alguns projetos de lei elaborados por partidos poliacuteticos A

propoacutesito da vigecircncia da lei nordm 13599 que continuava a natildeo proteger juridicamente as relaccedilotildees dos unidos de

facto do mesmo sexo o partido ldquoOs Verdesrdquo apresentou o projeto de lei nordm 6VIII (consultaacutevel em

httpswwwparlamentoptActividadeParlamentarPaginasDetalheIniciativaaspxBID=6374) que pretendia

alterar o nordm1 do art 1ordm da lei em vigor eliminando a referecircncia a pessoas de sexo diferente passando os casais

de orientaccedilatildeo homossexual a ter acesso aos benefiacutecios previstos na LUF com exceccedilatildeo da possibilidade de

adoccedilatildeo que ficaria reservada aos casais heterossexuais Apresentando o projeto de lei nordm 45VIII (consultaacutevel

em

httpswwwparlamentoptActividadeParlamentarPaginasDetalheIniciativaaspxBID=6308) surge o Bloco

de Esquerda tencionando a modificaccedilatildeo do mesmo preceito para que se reconhecessem as uniotildees

homossexuais e ainda que se afastasse da lei o prazo miacutenimo de duraccedilatildeo de convivecircncia se estas situaccedilotildees

fossem registadas passando o art 1ordm n ordm1 a ter a seguinte redaccedilatildeo a presente lei regula a situaccedilatildeo juriacutedica

das pessoas que vivem em uniatildeo de facto O PCP por sua vez apresentou o nordm 145VIII tendo como objetivo

a revogaccedilatildeo da lei que vigorava substituindo-a por uma legislaccedilatildeo que fosse aplicaacutevel a quem vivesse em

uniatildeo de facto haacute mais de dois anos independentemente do sexo corroborava a proteccedilatildeo da casa de morada

comum garantindo a preferecircncia do outro para efeitos de venda ou arrendamento em caso de morte de um dos

membros e pretendia que o acesso a prestaccedilotildees por morte fosse mais flexiacutevel contudo o regime da adoccedilatildeo

continuava reservado aos casais heterossexuais O PS apresentou o projeto de lei nordm 105VIII (consultaacutevel

em httpswwwparlamentoptActividadeParlamentarPaginasDetalheIniciativaaspxBID=6195) que

apesar de natildeo se referir especificamente a uniotildees de facto visava que a proteccedilatildeo concedida pela lei nordm13599

se estendesse a um novo regime denominado de economia comum distinguindo-o do regime aplicaacutevel agraves

uniotildees de facto pela absoluta irrelevacircncia da orientaccedilatildeo sexual das pessoas a quem se confere proteccedilatildeo legal

pretendendo assim a tutela de duas pessoas que vivessem em economia comum haacute mais de dois anos Para

mais desenvolvimentos cfr MARTA COSTA ob cit pp 346-348 16 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p70

15

habitaccedilatildeo e aos meios de subsistecircncia miacutenimos17 Haacute quem considere que apesar das

alteraccedilotildees o regime da uniatildeo de facto portuguecircs em comparaccedilatildeo com muitos sistemas

juriacutedicos eacute modesto e continua a ser o que menos efeitos atribui agrave uniatildeo de facto18 Uma vez

que continua a acolher-se neste domiacutenio uma proteccedilatildeo fragmentaacuteria e especialmente

dirigida a cenaacuterios de crise em que as debilidades dos membros se concretizem com mais

intensidade19 Contudo essa moderaccedilatildeo eacute uma escolha sendo intenccedilatildeo do legislador natildeo

atribuir efeitos imperativos por entender que pode haver quem natildeo queira uma regulaccedilatildeo tatildeo

abrangente de determinadas situaccedilotildees deixando que os proacuteprios membros se possam

organizar privadamente20 O que leva a que no regime da uniatildeo de facto natildeo haja regulaccedilatildeo

juriacutedica relativamente ao seu registo agraves invalidades que podem existir na sua constituiccedilatildeo e

ainda no que respeita ao regime de bens agrave administraccedilatildeo do patrimoacutenio agraves ilegitimidades

de disposiccedilatildeo agrave proibiccedilatildeo de contratos ou regulaccedilatildeo de participaccedilatildeo em sociedades nem no

que toca aos efeitos sucessoacuterios e agrave extinccedilatildeo da situaccedilatildeo de uniatildeo de facto21

Ainda que natildeo defina o conceito de uniatildeo de facto a LUF no seu artigo 1ordm nordm 2

identifica o seu objeto como a situaccedilatildeo juriacutedica de duas pessoas que independentemente do

sexo vivam em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges haacute mais de dois anos Dito isto pode

depreender-se que eacute necessaacuterio que duas pessoas vivam em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos

cocircnjuges haacute mais de dois anos e ainda que segundo o previsto no artigo 2ordm da LUF entre

os membros da uniatildeo natildeo se verifique nenhum dos impedimentos aiacute mencionados No que

concerne agrave constituiccedilatildeo da uniatildeo de facto e ao desenvolvimento dos impedimentos agrave mesma

abordaremos a questatildeo mais adiante

17Art 5ordm e 6ordm da LUF Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ldquoNotas sobre a lei nordm 232010 de 30 de agosto (Alteraccedilatildeo

agrave lei das uniotildees de facto)rdquo in Lex Familiae Coimbra Editora 2012 p 146 A lei nova encara mais nitidamente

a necessidade de proteccedilatildeo do membro sobrevivo da uniatildeo de facto e daacute-lhe prioridade relativamente aos filhos

() considera que a proteccedilatildeo da casa de morada eacute o nuacutecleo irredutiacutevel da proteccedilatildeo conferida ao membro

sobrevivo da uniatildeo de facto e portanto garante a proteccedilatildeo mesmo contra a vontade do falecido 18 Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 153 FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob

cit p 69 19 Cfr RUTE TEIXEIRA PEDRO ldquoBreves reflexotildees sobre a proteccedilatildeo do unido de facto quanto agrave casa de morada

de famiacutelia propriedade do companheiro falecidordquo in AAVV Textos de Direito da Famiacutelia para FRANCISCO

PEREIRA COELHO coord GUILHERME DE OLIVEIRA Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016

p310 20 De realccedilar que em 2001 o nuacutemero registado de pessoas a viver em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges foi

de 381 mil indiviacuteduos e em 2011 quase que duplicou perfazendo o total de 730 mil indiviacuteduos Dados

consultaacuteveis em

httppordataptPortugalPopulaC3A7C3A3o+residente+segundo+os+Censos+em+uniC3B5es+

de+facto-2649-222898 21 Para aleacutem do disposto no art 8ordm da LUF Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 153 FRANCISCO PEREIRA

COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 70

16

3 A uniatildeo de facto e a Constituiccedilatildeo da Reacutepublica Portuguesa

Ainda na linha de pensamento do ponto anterior no que respeita ao artigo 36ordm n ordm1

da CRP importa dizer que esta norma determina que todos tecircm o direito de constituir famiacutelia

e de contrair casamento em condiccedilotildees de igualdade22 ou seja pode considerar-se que este

artigo consagra essencialmente dois direitos o de constituir famiacutelia e o de casar23 Nesta

senda importa tambeacutem debruccedilarmo-nos sobre a proteccedilatildeo que a Constituiccedilatildeo oferece agrave uniatildeo

de facto

Jaacute referimos que certos AA como GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA24

defendem que o que parece decorrer do nordm1 do artigo 36ordm CRP eacute que a Constituiccedilatildeo natildeo

admite a reduccedilatildeo do conceito de famiacutelia agrave uniatildeo conjugal baseada no casamento havendo

outras formas de constituiccedilatildeo de famiacutelia aleacutem do casamento como a uniatildeo de facto isto eacute

ao distinguir a famiacutelia do casamento o legislador pretendeu demonstrar que se tratam de

realidades diversas e que o direito a constituir famiacutelia natildeo estaacute vedado a quem natildeo pretenda

contrair casamento25 Segundo esta corrente doutrinaacuteria haacute uma abertura constitucional - se

natildeo mesmo uma obrigaccedilatildeo - para conferir relevo agraves uniotildees familiares de facto tendo em

consideraccedilatildeo que o conceito constitucional natildeo abrange apenas a famiacutelia

matrimonializada26 Apesar de afirmarem o reconhecimento da uniatildeo de facto como relaccedilatildeo

juriacutedica familiar postulam que tal natildeo implica que haja um tratamento legal totalmente

22 A sua interpretaccedilatildeo deve ser feita como se o n ordm1 do art36ordm prescrevesse que laquotodos tecircm o direito de

constituir famiacutelia em condiccedilotildees que natildeo violem o princiacutepio da igualdade definido no artigo 13ordmraquo Tendo em

conta que ao espiacuterito desta norma constitucional natildeo repugna efetivamente aceitar as limitaccedilotildees resultantes

da legislaccedilatildeo vigente quer em mateacuteria de impedimentos matrimoniais() Cfr ANTUNES VARELA ldquoDireito da

Famiacuteliardquo 5ordf ed vol I Lisboa Livraria Petrony 1999 p 158 23 Em sentido diverso Cfr JOAtildeO DE CASTRO MENDES ldquoFamiacutelia e casamentordquo in Estudos sobre a Constituiccedilatildeo

JORGE MIRANDA (coord) vol I Lisboa Livraria Petrony 1977 p 372 que entende que os dois direitos

reduzem-se a um soacute E ainda Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoCasamento e Famiacutelia no direito portuguecircsrdquo

obcit p 8 que entende que ao contraacuterio do que acontece no artigo 16ordm DUDH o legislador portuguecircs optou

por colocar o direito a constituir famiacutelia agrave frente do direito de contrair casamento na disposiccedilatildeo do n ordm1 do art

36ordm natildeo se sabe bem porquecirc 24Cfr J GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA ob cit p561 CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo

Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova Relaccedilatildeo Familiarrdquo in Estudos em Homenagem ao Prof Doutor Jorge

Miranda Vol VI Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Coimbra Editora 2012 p 453 HENRICH

EWALD HOumlRSTER ldquoInconstitucionalidade da Tributaccedilatildeo Conjunta dos Cocircnjugesrdquo in Revista de Direito e

Economia da Universidade de Coimbra Ano III nordm 2 Julho ndash Dezembro 1977 p 506 25 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova Relaccedilatildeo Familiarrdquo

obcit p 453 CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoA jurisprudecircncia do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e as

Novas Formas de Famiacutelia ndash The European Court of Human Rights and The New Concept of Familyrdquo in Revista

Juriacutedica da Universidade Portucalense nordm15 Universidade Portucalense Porto 2012 p 36 Neste sentido

vide Acoacuterdatildeo Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 15-02-2007 proferido no acircmbito do processo nordm 62842006-

8 26 Cfr JJ GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA ob cit p 561

17

idecircntico entre as famiacutelias natildeo matrimonializadas e as famiacutelias baseadas no casamento desde

que as distinccedilotildees feitas natildeo sejam arbitraacuterias irrazoaacuteveis ou desproporcionadas e tenham

em conta todos os direitos e interesses em jogo27

De outra parte FRANCISCO PEREIRA COELHO e GUILHERME DE OLIVEIRA defendem

que a 1ordf parte do n ordm1 do artigo 36ordm CRP ao estabelecer que todos tecircm direito de constituir

famiacutelia esse diz respeito essencialmente agraves relaccedilotildees de filiaccedilatildeo pois o direito de constituir

famiacutelia eacute antes de mais o direito a procriar e ainda o direito a estabelecer as

correspondentes relaccedilotildees de paternidade e maternidade28 Relativamente agrave 2ordf parte do

mesmo artigo alertam para o facto de natildeo se poder reconduzir a uniatildeo de facto a uma

dimensatildeo ou vertente negativa do direito de contrair casamento uma vez que a dimensatildeo

negativa desse direito eacute o de natildeo casar2930

Embora entendam que este artigo natildeo oferece proteccedilatildeo constitucional agrave uniatildeo de

facto isso natildeo quer dizer que esta fique desprotegida constitucionalmente Para estes AA o

princiacutepio de proteccedilatildeo da uniatildeo de facto decorre do direito ao desenvolvimento da

personalidade previsto no nordm1 do artigo 26ordm CRP considerando-o como o direito do

indiviacuteduo a afirmar livremente a sua identidade31 como sujeito autoacutenomo dotado de

autodeterminaccedilatildeo decisoacuteria32 sem estar vinculado a modelos externamente impostos e

conferindo-lhe o direito a viver a sua vida do modo que escolher podendo dizer-se que

estabelecer uma uniatildeo de facto eacute uma manifestaccedilatildeo desse direito33

A proteccedilatildeo conferida pelo direito ao desenvolvimento da personalidade natildeo exige

que o legislador conceda agrave uniatildeo de facto efeitos semelhantes aos que oferece ao casamento

equiparando o que natildeo eacute igual visto que os membros da uniatildeo de facto natildeo assumem um

27 Como por exemplo os direitos dos filhos Idem 28 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 60 29 Idem 30 Mais amplo do que viver em uniatildeo de facto pois pode ainda significar ficar em solidatildeo relacionar-se

esporadicamente ou pontualmente ou ateacute viver em promiscuidade Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e

Personalidaderdquo Almedina Coimbra 2017 p 237 No mesmo sentido Cfr NUNO SALTER CID ldquoSobre o

Direito de natildeo Contrair Casamentordquo in Famiacutelia Consciecircncia Secularismo e Religiatildeo 1ordf Ediccedilatildeo Coimbra

Editora 2010 p 28 O direito de natildeo contrair casamento o tal direito fundamental que a Constituiccedilatildeo

implicitamente confere e protege como dimensatildeo ou vertente negativa do direito de contrair casamento eacute na

verdade e apenas o direito de se negar a contrair casamento o direito natildeo ser forccedilado a casar-se um direito

que natildeo exerce apenas quem opta por viver em uniatildeo de facto mas tambeacutem quem opta por manter-se solteiro

divorciado ou viuacutevo (de Direito ou de facto) 31 Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e Personalidaderdquo ob cit p 237 32 Cfr JJ GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA ob cit p 463 33 Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e Personalidaderdquo ob cit p 237

18

compromisso de vida por natildeo quererem ou natildeo o poderem fazer Equiparar o que eacute diferente

nesta medida poderia ser julgado inconstitucional pois iria impor agraves pessoas que vivem em

uniatildeo de facto os mesmos deveres e conceder os mesmos direitos que impotildee e concede agraves

que satildeo casadas violando o direito a natildeo casar sendo-lhes forccedilado um estatuto que em

princiacutepio rejeitaram por vontade proacutepria

Conveacutem ainda referir que no que toca ao princiacutepio da proteccedilatildeo da famiacutelia previsto

no artigo 67ordm CRP este natildeo impotildee ao legislador ordinaacuterio a atribuiccedilatildeo de efeitos favoraacuteveis

agrave uniatildeo de facto mas tambeacutem natildeo proiacutebe que sejam concedidos agrave mesma os efeitos que

considere adequados e justificados34 FRANCISCO PEREIRA COELHO considera ainda que este

princiacutepio constitucional natildeo visa apenas a famiacutelia conjugal35 ao contraacuterio de CASTRO

MENDES que explica que soacute faz sentido valer neste contexto a famiacutelia fundada no

casamento natildeo devendo a lei passar um laquocheque em brancoraquo a quaisquer formas de

sociedade familiar36 Por sua vez SANDRA PASSINHAS defende que apesar da uniatildeo de facto

natildeo ser uma forma de contrair casamento e natildeo caber no acircmbito de proteccedilatildeo do artigo 36ordm

da CRP isso natildeo inibe que o casal nascido da uniatildeo de facto juridicamente protegida

tambeacutem seja considerado famiacutelia para efeitos da proteccedilatildeo institucional conferida pelo

artigo 67ordm CRP37 pois entende que seria inaceitaacutevel que no acircmbito normativo do artigo 67ordm

CRP natildeo coubessem as relaccedilotildees parafamiliares como a uniatildeo de facto38 Nesta ordem de

ideias eacute possiacutevel aferir que a constituiccedilatildeo natildeo permite penalizar a uniatildeo de facto ou equiparaacute-

la ao casamento39

34 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoAnotaccedilatildeo ao Ac do STJ de 2 de abril de 1987rdquo in Revista de Legislaccedilatildeo

e Jurisprudecircncia nordm 3782 ano 122 Coimbra 1990 p84 35 Idem Entendendo que o princiacutepio constitucional visa abranger a famiacutelia natural e ainda a adotiva 36 Cfr JOAtildeO DE CASTRO MENDES ldquoFamiacutelia e casamentordquo in Estudos sobre a Constituiccedilatildeo JORGE MIRANDA

(coord) vol I Lisboa Livraria Petrony 1977 p 373 37 Referindo em abono da posiccedilatildeo que defende o modo como o legislador na LUF em cumprimento do

disposto no art 67ordm nordm2 da CRP conformou a posiccedilatildeo dos unidos de facto no sentido de lhes conceder

proteccedilatildeo da casa de morada de famiacutelia de os beneficiar com o regime juriacutedico aplicaacutevel a pessoas casadas

em mateacuteria de feacuterias feriados faltas licenccedilas e de preferecircncia na colocaccedilatildeo dos trabalhadores da

Administraccedilatildeo Puacuteblica com a aplicaccedilatildeo do regime do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares

concedendo-lhes proteccedilatildeo socia na eventualidade de morte do beneficiaacuterio por aplicaccedilatildeo do regime geral ou

de regimes especais de seguranccedila social bem como prestaccedilotildees por morte resultante de acidente de trabalho

ou doenccedila profissional a pensatildeo do preccedilo de sangue e por serviccedilos excecionais e relevantes prestados ao paiacutes

ou a inclusatildeo do unido de facto no elenco dos titulares do direito agrave indemnizaccedilatildeo por danos natildeo patrimoniais

por morte da viacutetima no nordm3 do art 496ordm SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e Personalidaderdquo obcit p240 38 Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e Personalidaderdquo obcit p 231 39 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p64

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A propoacutesito dos diplomas internacionais cabe referir que a Declaraccedilatildeo Universal

dos Direitos do Homem40 inclui dois princiacutepios relativos agrave famiacutelia Primeiramente no seu

artigo 12ordm onde estabelece o direito ao respeito pela vida familiar seguido do artigo 16ordm que

abrange no seu nordm 1 o direito de casar e de constituir famiacutelia e no seu nordm 3 reconhece a

famiacutelia como elemento natural e fundamental da sociedade tendo direito agrave proteccedilatildeo desta e

do Estado Tambeacutem a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem41 conteacutem dois

princiacutepios dedicados agrave famiacutelia o direito ao respeito pela vida privada e familiar previsto no

seu artigo 8ordm e por sua vez o direito a casar e a constituir famiacutelia estando este disposto no

artigo seu 12ordm Nestes diplomas o legislador internacional tal como o legislador nacional

natildeo assegura uma definiccedilatildeo de famiacutelia ou casamento levando a que se concretizem e sejam

interpretados de forma diversa consoante o substrato social de quem o faz42 Pois como

defende CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS43 eacute inegaacutevel as transformaccedilotildees que o conceito de famiacutelia

tradicional tem sofrido dando origem a novas formas de famiacutelia como as de facto as

monoparentais as recombinadas e as homossexuais Nesta senda note-se que o Tribunal

Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) apesar de ter em conta a tutela do casamento e

encorajar a famiacutelia tradicional44 tem vindo a considerar que o artigo 8ordm CEDH natildeo se refere

apenas agrave famiacutelia constituiacuteda com base no casamento como acontece no artigo 12ordm CEDH

podendo conceder tutela a outros laccedilos familiares como as uniotildees de facto45

40 Proclamada pela Assembleia Geral das Naccedilotildees Unidas em Paris a 10 de dezembro de 1948 41 Assinada a 4 de novembro de 1950 em Roma tendo entrado em vigor em 1953 A adesatildeo de Portugal deu-

se apenas em 1978 42 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova Relaccedilatildeo Familiarrdquo

obcit p 458 43 Idem 44 Neste sentido e para mais desenvolvimentos Cfr SUSANA ALMEIDA ldquoO Respeito pela Vida (Privada e)

Familiar na Jurisprudecircncia do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem A tutela das Novas Formasrdquo

Coimbra Editora 2008 p 165 45 Article 8 (art 8) applies to the family life of the illegitimate family as well as to that of the legitimate

family Ac JOHNSTON C IRLANDA 18 de dezembro de 1986 p19 consultaacutevel em

httpshudocechrcoeinteng22itemid22[22001-5750822

The Court recalls that the notion of the family in this provision is not confined solely to marriage-based

relationships and may encompass other de facto family ties where the parties are living together outside of

marriage Ac KEEGAN C IRLANDA de 26 de maio de 1994 p13 consultaacutevel em

httpshudocechrcoeinteng22itemid22[22001-5788122]

20

31 A uniatildeo de facto e o casamento ndash liberdade mas e proteccedilatildeo

Como jaacute haviacuteamos referido tanto a proteccedilatildeo conferida pelo direito ao

desenvolvimento da personalidade quanto a que se entenda que eacute dada pelo artigo 36ordm CRP

natildeo exige que o legislador atribua agrave uniatildeo de facto efeitos semelhantes aos do casamento

equiparando os dois institutos Esta diferenccedila de tratamento de situaccedilotildees distintas natildeo viola

o princiacutepio da igualdade previsto no artigo 13ordm CRP visto que esta norma apenas proiacutebe as

discriminaccedilotildees arbitraacuterias ou sem fundamento46 Tratam-se de situaccedilotildees materialmente

diferentes enquanto no casamento se assume um compromisso de vida em comum

sujeitando-se a um viacutenculo juriacutedico47 um contrato entre duas pessoas que pretendem

constituir famiacutelia mediante uma plena comunhatildeo de vida na uniatildeo de facto os membros natildeo

querem ou natildeo podem assumir esse compromisso48

Antes de nos dedicarmos ao estudo do contraste que o regime da uniatildeo de facto e o

casamento apresentam em concreto conveacutem relembrar a noccedilatildeo de casamento no nosso

ordenamento juriacutedico Assim segundo o artigo 1577ordm CCiv o casamento constitui um

contrato4950 um compromisso juriacutedico assumido por duas pessoas que se vinculam entre si

mediante uma plena comunhatildeo de vida Ainda que o Coacutedigo Civil natildeo defina explicitamente

o que significa plena comunhatildeo de vida eacute possiacutevel aferir-se pelos preceitos subsequentes

que esta deve ser guiada pelos deveres de respeito fidelidade coabitaccedilatildeo cooperaccedilatildeo e

46 Acoacuterdatildeo Tribunal Constitucional nordm 33686 p 3807 Neste artigo reconhece-se o direito agrave diferenccedila desde

que esta natildeo ultrapasse os limites da tolerabilidade ou da discricionariedade Acoacuterdatildeo Tribunal Constitucional

nordm 11881996 O princiacutepio da igualdade (artigo 13ordm da Constituiccedilatildeo) impotildee se decirc tratamento igual ao que for

essencialmente igual e se trate diferentemente o que diferente for Natildeo proiacutebe as distinccedilotildees de tratamento se

materialmente fundadas proiacutebe isso sim a discriminaccedilatildeo as diferenciaccedilotildees arbitraacuterias ou irrazoaacuteveis

carecidas de fundamento racional No mesmo sentido vide Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de

08-03-2006 proferido no acircmbito do processo nordm 419705JTRC 47 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova Relaccedilatildeo Familiarrdquo

obcit p 460 48 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p63 49Apesar da sua contratualidade ser afirmada na sua definiccedilatildeo legal esta eacute contestada Haacute quem qualifique o

casamento como um mero acordo outros como instituiccedilatildeo ou ainda como um puro ato administrativo vendo

a declaraccedilatildeo do funcionaacuterio do registo civil como o elemento constitutivo do casamento e o consentimento

das partes como um simples pressuposto dessa declaraccedilatildeo Cfr mais desenvolvidamente FRANCISCO PEREIRA

COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit pp 232- 235 e ainda TELMA CARVALHO ob cit p 230 50 Cfr FRANCcedilA PITAtildeO ldquoOs novos casamentos ou a crise do casamento tradicional no direito portuguecircs in

AAVV Comemoraccedilotildees dos 35 anos do Coacutedigo Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977 vol I Coimbra

Editora Coimbra 2004 pp 178-179

21

assistecircncia (artigo 1672ordm CCiv) aleacutem disso deve ser exclusiva (artigo 1601ordm CCiv) e tendo

em vista a perpetuidade (artigo 1773ordm CCiv)

A solenidade de formalizaccedilatildeo de vontades necessaacuteria no casamento (artigo 1615ordm

CCiv) em contraposiccedilatildeo agrave falta de forma de celebraccedilatildeo uniatildeo de facto tem sido a principal

diferenccedila apontada pela doutrina entre estas duas formas de vida Dado que no casamento

haacute a expressatildeo de duas vontades atraveacutes de uma declaraccedilatildeo expressa perante uma entidade

puacuteblica que abrange todo o conteuacutedo do casamento Os nubentes ao declararem que aceitam

casar estatildeo simultaneamente a aceitar os efeitos legais do casamento tal como prevecirc o

regime obrigatoacuterio do artigo 1618ordm nordm 1 CCiv Aceitam todos os deveres reciacuteprocos e

tambeacutem os efeitos patrimoniais onde vatildeo tendo uma autonomia privada ainda que limitada

atraveacutes das convenccedilotildees antenupciais51 Isto eacute na uniatildeo de facto haacute uma intencionalidade52

de viver em comunhatildeo plena de vida com outra pessoa no casamento aleacutem da

intencionalidade da plena comunhatildeo de vida haacute a intenccedilatildeo de celebrar o casamento com

tudo o que o seu regime legal acarreta

No caso da uniatildeo de facto essa intencionalidade natildeo eacute declarada de forma solene ou

formal eacute um acordo iacutentimo realizado entre os membros da situaccedilatildeo de facto que natildeo eacute

reconhecido por nenhum ente estadual53 Por outro lado a realizaccedilatildeo do casamento aleacutem de

implicar todo um processo preliminar que tem por fim um despacho final que no caso de ser

favoraacutevel pressupotildee a celebraccedilatildeo do casamento no prazo de seis meses subsequentes a essa

autorizaccedilatildeo tem forma puacuteblica e a sua celebraccedilatildeo acarreta o seu registo (artigo 1ordm al d)

CRegCiv) Este registo eacute obrigatoacuterio e comporta uma elevada importacircncia visto que soacute com

o reconhecimento do casamento pelo Conservador do Registo Civil (artigo 1615ordm CCiv) eacute

possiacutevel fazer a prova do estado civil das pessoas Eacute a uacutenica prova legalmente admitida do

casamento sendo que enquanto este natildeo for registado natildeo pode ser invocado54 Devido agrave

uniatildeo de facto natildeo implicar uma alteraccedilatildeo no estado civil dos membros por natildeo estar sujeita

a registo torna a falta de publicidade no que concerne agrave elaboraccedilatildeo deste estudo a grande

diferenccedila entre este regime juriacutedico e o do casamento e o que tem maior repercussatildeo no

51 Cfr TELMA CARVALHO ob cit p 229 52 Cfr TELMA CARVALHO ob cit p 230 53 Cfr TELMA CARVALHO ob cit p 237 54 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 337

22

regime protecional dos unidos de facto jaacute que o que natildeo pode ser provado em princiacutepio

natildeo pode ser protegido

Aleacutem da dificuldade da prova da uniatildeo de facto quer diante o Estado quer em face

a terceiros a falta do seu registo impede o controlo da sua existecircncia e do cumprimento dos

seus requisitos por parte do Estado Abordaremos a questatildeo da dificuldade da prova

resultante da falta de publicidade da uniatildeo de facto mais aprofundadamente na parte a ela

dedicada

Ateacute aqui apresentamos diferenccedilas de caraacuteter puramente formal nomeadamente no

que respeita agrave natureza contratual do casamento agrave solenidade da celebraccedilatildeo do mesmo e

ainda quanto agrave sua publicidade em contrapartida com o que acontece com a uniatildeo de facto

tendo umas mais importacircncia objetiva que outras Cabe agora analisar as diferenccedilas que tecircm

sido apontadas aos efeitos juriacutedicos praacuteticos Nomeadamente a necessidade de decurso de

prazo de dois anos para que a lei atribua agrave uniatildeo de facto efeitos juriacutedicos uma vez que no

nordm 2 do artigo 1ordm da LUF estaacute previsto que a uniatildeo de facto eacute a situaccedilatildeo juriacutedica de duas

pessoas que independentemente do sexo vivam em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges haacute

mais de dois anos Haacute entatildeo uma exigecircncia do decurso de dois anos55 dessa convivecircncia para

que a situaccedilatildeo anaacuteloga agrave dos cocircnjuges seja considerada uniatildeo de facto Ao passo que o

casamento se considera constituiacutedo com a declaraccedilatildeo de vontade de cada nubente e celebrado

perante uma entidade competente natildeo necessitando da decorrecircncia de nenhum prazo para

que se considere constituiacutedo

Eacute de notar alguma diferenccedila ainda no que se refere agrave cessaccedilatildeo do casamento e agrave

dissoluccedilatildeo da uniatildeo de facto O artigo 1773ordm CCiv determina que o divoacutercio pode ser por

muacutetuo consentimento ou sem consentimento de um dos cocircnjuges - desde que se verifiquem

algum dos fundamentos de rutura previstos no artigo 1781ordm CCiv - ou seja natildeo basta o

simples afastamento dos cocircnjuges para que o casamento cesse haacute um viacutenculo formal que

tem de ser dissolvido A uniatildeo de facto dissolve-se quando cessar o facto da uniatildeo56 isto eacute

55 Noutras regulamentaccedilotildees especiacuteficas esse prazo pode variar () por exemplo no caso da transmissatildeo de

arrendamento por morte do unido o prazo de um ano basta na Lei da Nacionalidade jaacute eacute exigida a duraccedilatildeo de

trecircs anos para que um estrangeiro possa declarar querer adquirir a nacionalidade portuguesa com fundamento

na uniatildeo de facto SANDRA PASSINHAS ldquoUniatildeo de Facto em Portugalrdquo ob cit p113 56 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo in AAVV Textos de Direito da Famiacutelia para Pereira Coelho GUILHERME OLIVEIRA (coord)

Imprensa da Universidade de Coimbra 2016 p 91

23

com a rutura da efetiva comunhatildeo de vida que acontece com a verificaccedilatildeo de alguma das

situaccedilotildees mencionadas no nordm 1 do artigo 8ordm da LUF

Veja-se entre noacutes a uniatildeo de facto eacute objeto de atribuiccedilatildeo de alguns efeitos juriacutedicos

poreacutem no que respeita ao domiacutenio das relaccedilotildees patrimoniais e agrave regulamentaccedilatildeo das

consequecircncias da sua dissoluccedilatildeo natildeo haacute nenhuma norma reguladora Isto eacute natildeo existe

regulamentaccedilatildeo quanto ao regime de bens e natildeo sendo em princiacutepio de aplicar

analogicamente o regime juriacutedico do casamento57 os membros da uniatildeo de facto sentem a

necessidade de criarem eles proacuteprios um estatuto juriacutedico que regule determinados

problemas que possam surgir da sua comunhatildeo de vida com base no princiacutepio da autonomia

da vontade58 Em alguns ordenamentos juriacutedicos59 a soluccedilatildeo para esta questatildeo eacute o contrato

de coabitaccedilatildeo60 visto como a hipoacutetese de conferir aos membros da uniatildeo de facto a

possibilidade de regularem as suas relaccedilotildees patrimoniais com base no princiacutepio da

autonomia patrimonial61 Apesar de no nosso ordenamento juriacutedico natildeo haver tipificaccedilatildeo

legal do contrato de coabitaccedilatildeo - como a uniatildeo de contratos em que os membros da uniatildeo

de facto reuacutenem vaacuterias espeacutecies contratuais em vista da organizaccedilatildeo convencional das suas

relaccedilotildees patrimoniais durante a vida da relaccedilatildeo e apoacutes a extinccedilatildeo desta62- natildeo haacute

legalmente nada a opor a esses contratos desde que estes se limitem a regular os efeitos

patrimoniais sem abrangerem os efeitos pessoais63 Houve por parte do PCP com o artigo

57 Cfr FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo ob cit p83 58 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDissoluccedilatildeo da uniatildeo de facto ndash Anotaccedilatildeo ao Acoacuterdatildeo do TRG de 2992004

Proc 128904rdquo in Cadernos de Direito Privado nordm 11 julhoSetembro 2005 p72 59 Como nos Estados Unidos na Holanda e no Canadaacute e ainda na Espanha e Franccedila onde satildeo normalmente

celebrados apesar de levantarem algumas duacutevidas Neste sentido vide Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de

Lisboa de 29-11-2012 proferido no acircmbito do processo nordm 444092TCFUNL1-A-8 JEAN CARBONNIER

ldquoDroit Civil (T2 ndash La famille lrsquoenfant le couple)rsquorsquo 21ordm ed PUF Paris 2002 p681 EDUARDO ESTRADA

ALONSO ldquoLas uniones extramatrimoniales en el Derecho Civil Espantildeolrdquo 2ordm ed Civitas Madrid 1991 pp

139-152 o A prevecirc a possibilidade de utilizar a autonomia da vontade dos membros como fonte de regulaccedilatildeo

das uniotildees de facto apesar de este tipo de convenios natildeo serem frequentes em Espanha devido a possibilidade

dos tribunais os poderem declarar nulos por ilicitude de causa o A admite a sua validade desde que tratem

apenas de aspetos patrimoniais 60 Pode ser designado de diversas formas tais como contrato de convivecircncia contratos de uniatildeo de facto

convenccedilotildees entre conviventes pactos concubinaacuterios Cfr MARTA COSTA ob cit p156 GERALDO ALMEIDA

ob cit p202 RENATO NETO ldquoContrato de Coabitaccedilatildeo na Uniatildeo de Facto Confronto entre o Direito Brasileiro

e Portuguecircsrdquo Livraria Almedina Coimbra 2006 pp 69-70 61 Cfr MARTA COSTA ob cit p157 62 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 84 63 Cfr JOSEacute JOAtildeO GONCcedilALVES DE PROENCcedilA ldquoDireito da Famiacuteliardquo Lisboa Universidade Lusiacuteada Editora 2003

p 34

24

5ordm do projeto de lei nordm 384VII a proposta de uma convenccedilatildeo de uniatildeo de facto64 que

pretendia afastar nesta mateacuteria a incerteza e inseguranccedila juriacutedicas resultantes da LUF natildeo

tendo todavia prosseguido

Por uacuteltimo eacute de ressalvar a diferenccedila notoacuteria que haacute entre os efeitos sucessoacuterios do

casamento e da uniatildeo de facto O estatuto sucessoacuterio do cocircnjuge sobrevivo tem um elevado

grau de proteccedilatildeo comparativamente com a proteccedilatildeo oferecida ao unido sobrevivo uma vez

que o cocircnjuge aleacutem de ser herdeiro legiacutetimo eacute tambeacutem herdeiro legitimaacuterio65 enquanto o

unido sobrevivo natildeo eacute considerado sequer herdeiro do falecido limitando-se a lei a conceder

o direito de exigir alimentos da heranccedila do mesmo (artigo 2020ordm CCiv) Constata-se uma

enorme discrepacircncia de tratamento entre o cocircnjuge sobrevivo e o unido de facto sobrevivo

devendo a posiccedilatildeo deste uacuteltimo ser objeto de atenccedilatildeo pelo legislador nem que seja para

integrar a sucessatildeo legitima numa posiccedilatildeo inferior agrave do cocircnjuge descendentes e

ascendentes66 Tendo isto em conta eacute possiacutevel afirmar-se que atualmente muitos casais

optam pelo instituto do casamento ao inveacutes do instituto da uniatildeo de facto pela proteccedilatildeo que

este concede ao sobrevivo em caso de morte podendo o casamento ser visto de certa forma

como um (quase) contrato sucessoacuterio67 Na praacutetica muitos casais com esta informaccedilatildeo

apesar de natildeo acharem necessaacuterio celebrar casamento no acircmbito social ou cultural optam

por fazecirc-lo devido agrave elevada discrepacircncia existente entre ambos os institutos

FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO68 defende que diante do presente quadro

regulativo natildeo pode por um lado ser recusada liminarmente a possibilidade de aplicaccedilatildeo agrave

uniatildeo de facto das normas pertencentes ao regime do casamento desde que se tratem de

efeitos indiretos ou legais do casamento e de efeitos fundados na simples existecircncia de uma

comunhatildeo de vida Por outro lado levando em conta o atual quadro legislativo natildeo pode ser

64 Prevendo a possibilidade dos membros da uniatildeo de facto celebrarem uma convenccedilatildeo que visava estabelecer

o seu regime de bens a responsabilidade por diacutevidas e o seu regime de administraccedilatildeo de bens Consultaacutevel em

httpswwwpcpptarlegis-7projleipjl384html 65 Isto eacute nos termos do 2132ordm CCiv eacute chamado agrave sucessatildeo mesmo que o falecido natildeo tenha deixado testamento

vaacutelido consta tambeacutem do art 2157ordm CCiv tendo direito a uma porccedilatildeo de bens (a legiacutetima) que o falecido natildeo

pode dispor no seu testamento Cfr OLIVEIRA ASCENSAtildeO ldquoDireito civil Sucessotildeesrdquo Coimbra Editora 5ordf Ed

2000 pp 333 e 353 66 Para mais desenvolvimentos FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da

uniatildeo de facto breves observaccedilotildeesrdquo ob cit pp104-105 67 Cfr FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo ob cit p103 68 Cfr FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo ob cit pp 83-101

25

feita uma geneacuterica aplicaccedilatildeo analoacutegica do regime do casamento O A aleacutem de salvaguardar

que essa aplicaccedilatildeo soacute poderia abranger os referidos efeitos indiretos ou legais do casamento

alega que antes dessa aplicaccedilatildeo teriam de se apurar caso a caso os interesses em causa e a

ratio da norma eventualmente aplicaacutevel e soacute assim se poderia fundar uma aplicaccedilatildeo

analoacutegica Aleacutem do mais alerta para o quadro limitado de efeitos que a nossa lei fixou para

a uniatildeo de facto previsto na LUF o que pode refletir o intuito de impedir uma aplicaccedilatildeo

analoacutegica das normas do casamento de forma irrestrita O A declara que tendo em

consideraccedilatildeo os uacuteltimos desenvolvimentos legislativos na regulaccedilatildeo da uniatildeo de facto e no

casamento69 a diferenccedila que assenta no facto de natildeo haver uma vontade de vinculaccedilatildeo no

plano juriacutedico e da comunhatildeo de vida dos membros da uniatildeo de facto natildeo implicar o

cumprimento de deveres conjugais ficou bastante atenuada Natildeo soacute porque se tem vindo a

assistir a uma desregulaccedilatildeo do casamento em termos imperativos mas tambeacutem pelo Coacutedigo

Civil se limitar a fixar os deveres pessoais dos cocircnjuges e os modos de execuccedilatildeo dos mesmos

natildeo obedecerem a um padratildeo uacutenico Crecirc que se tem vindo a assistir a um progressivo

afrouxamento dos deveres conjugais por estarem esvaziados das normais caracteriacutesticas de

um dever juriacutedico tanto no plano das consequecircncias indemnizatoacuterias como nas resolutoacuterias

Levando-o a concluir que esbatida a base da diferenccedila principal entre os dois institutos

deixou de haver fundamento para a recusa de uma aplicaccedilatildeo analoacutegica agrave uniatildeo de facto de

muitas normas do casamento que estabelecem efeitos indiretos ou laterais de diversa ordem

deixando o casamento de ser necessaacuterio no plano social afetivo cultural ou econoacutemico e

que este soacute subsiste em maior nuacutemero do que a uniatildeo de facto por se tratar de um haacutebito

adquirido pela sociedade e por haver em certos meios uma pressatildeo social e religiosa nesse

sentido70

Por seu turno CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS no acircmbito dos efeitos patrimoniais da

uniatildeo de facto defende que a aplicaccedilatildeo analoacutegica de uma norma pressupotildee a existecircncia de

uma lacuna No entanto entende que natildeo se pode falar em lacuna quando natildeo existe uma

regulamentaccedilatildeo juriacutedica numa dada mateacuteria visto que essa inexistecircncia de regulamentaccedilatildeo

pode ter sido intencional por parte do legislador Podendo tambeacutem ser pretensatildeo do proacuteprio

69 Com as alteraccedilotildees agrave Lei nordm 72001 introduzidas pela Lei nordm 232010 de 30 de agosto no que respeita agrave uniatildeo

de facto e relativamente ao casamento em consequecircncia da profunda reforma operada pela Lei nordm 612008 de

31 de Outubro 70 Cfr FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo ob cit p 102

26

legislador que o seu preenchimento fique a cargo da doutrina e da jurisprudecircncia71 No

entanto julga que a sua integraccedilatildeo deveraacute ser feita por recurso agraves regras gerais e natildeo por

aplicaccedilatildeo do regime do casamento para o qual o legislador natildeo remeteu intencionalmente

A soluccedilatildeo a nosso ver passaria por natildeo se estender agrave uniatildeo de facto os efeitos do

casamento evitando uma intromissatildeo injustificada na escolha que as partes fizeram de natildeo

contraiacuterem casamento No entanto seria importante reforccedilar o regime legal atual natildeo

olvidando os que apesar de optarem por natildeo seguir a via do casamento pretendem uma

proteccedilatildeo mais firme e os que pretendem apenas a coabitaccedilatildeo sem consequecircncias juriacutedicas

Enveredando-se por um caminho que consolide os efeitos juriacutedicos da uniatildeo de facto com

um regime proacuteprio que natildeo se confunda com o do casamento possibilitando aos que

pretendam uma uniatildeo sem consequecircncias juriacutedicas a liberdade de escolha de sujeiccedilatildeo a um

regime legal ou natildeo

71 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDissoluccedilatildeo da uniatildeo de facto ndash Anotaccedilatildeo ao Acoacuterdatildeo do TRG de 2992004

Proc 128904rdquo ob cit pp 74-75

27

4 Constituiccedilatildeo da relaccedilatildeo de Uniatildeo de Facto e os seus efeitos

A uniatildeo de facto constitui-se quando dois sujeitos do mesmo sexo ou de sexo

diferente que tecircm uma relaccedilatildeo passam a viver em comunhatildeo de leito mesa e habitaccedilatildeo

Passando os membros a viver nessas condiccedilotildees e natildeo sendo essa situaccedilatildeo objeto de registo

civil72 ou administrativo ao contraacuterio do que acontece em alguns ordenamentos vizinhos

que mereceratildeo a nossa anaacutelise mais adiante torna-se mais difiacutecil saber de forma exata

quando se iniciou para que seja possiacutevel a partir daiacute contar os dois anos necessaacuterios para

que a situaccedilatildeo de facto produza os efeitos previstos no artigo 3ordm da LUF

Efeitos estes que soacute se produziratildeo se cumulativamente com requisito temporal de

decurso de dois anos natildeo existir nenhum impedimento dirimente ao casamento dos membros

da uniatildeo de facto Eacute a soluccedilatildeo prevista no artigo 2ordm da LUF que reproduz nas suas aliacuteneas

o disposto no artigo 1601ordm e 1602ordm CCiv obstando agrave constituiccedilatildeo de uma uniatildeo de facto

juridicamente protegida impedimentos relacionados com a idade dos companheiros a

existecircncia de uma demecircncia notoacuteria mesmo com intervalos luacutecidos e situaccedilatildeo de

acompanhamento de maior se assim estabelecer a sentenccedila que a haja decretado salvo se

posteriores ao iniacutecio da uniatildeo a ocorrecircncia de casamento anterior natildeo dissolvido exceto se

tiver sido decretada a separaccedilatildeo de pessoas e bens o parentesco na linha reta ou no 2ordm grau

da linha colateral ou afinidade na linha reta e a condenaccedilatildeo anterior de uma das pessoas

como autor ou cuacutemplice por homiciacutedio doloso ainda que natildeo consumado contra o cocircnjuge

do outro Os factos expostos estorvam apenas a produccedilatildeo de efeitos favoraacuteveis da uniatildeo de

facto ou seja a atribuiccedilatildeo de direitos ou benefiacutecios natildeo deveraacute ser intenccedilatildeo do legislador

que a uniatildeo de facto mesmo que afetada por algum dos impedimentos seja considerada

irrelevante juridicamente quando estatildeo em causa interesses legiacutetimos de terceiros ou quando

surjam consequecircncias como a presunccedilatildeo de paternidade relativamente ao homem7374

Em relaccedilatildeo aos efeitos pessoais por natildeo assumirem nenhum compromisso natildeo

estatildeo os membros da uniatildeo de facto vinculados aos deveres conjugais que os artigos 1671ordm

72 Uma vez que natildeo estaacute mencionada no acircmbito do art 1ordm do Coacutedigo do Registo Civil norma que consagra as

situaccedilotildees em que o registo civil eacute obrigatoacuterio no nosso ordenamento juriacutedico 73 Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 141 74 O elenco dos impedimentos agrave produccedilatildeo dos efeitos favoraacuteveis agrave uniatildeo de facto que constam no artigo 2ordm da

LUF foi corrigido e adaptado para evitar uma excessiva ligaccedilatildeo agraves soluccedilotildees postuladas no artigo 1601ordm CCiv

Sobre as correccedilotildees mais detalhadamente cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit pp 141-142

28

e 1672ordm CCiv impotildeem aos cocircnjuges75 Contudo a relaccedilatildeo pessoal que assumem permite-

lhes adotar um filho nos mesmos termos que os cocircnjuges por forccedila do artigo 7ordm da LUF

desde que a relaccedilatildeo dure haacute mais de quatro anos e ambos tiverem mais de 25 anos

independentemente do seu sexo Releva tambeacutem para efeitos de aquisiccedilatildeo de nacionalidade

desde que o estrangeiro que viva em uniatildeo de facto com nacional portuguecircs haacute mais de trecircs

anos e tenha reconhecimento judicial da situaccedilatildeo de facto declare que quer adquirir

nacionalidade portuguesa (artigo 3ordm nordm 3 Lei da Nacionalidade - Lei nordm 3781 de 03 de

Outubro) No que respeita aos filhos nascidos das uniotildees de facto nas accedilotildees de investigaccedilatildeo

de paternidade presume-se a paternidade quando tenha havido comunhatildeo duradoura de vida

entre a matildee e o pretenso pai no periacuteodo legal de concepccedilatildeo por forccedila do artigo 1871ordm CCiv

Quanto ao exerciacutecio das responsabilidades parentais no caso de comunhatildeo duradoura de

vida em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges ou concubinato duradouro o artigo 1911ordm nordm

1 CCiv determina a aplicaccedilatildeo do previsto nos artigos 1901ordm e 1904ordm CCiv que corresponde

ao regime que vigora quando os progenitores satildeo casados Jaacute no caso de dissociaccedilatildeo familiar

o mesmo artigo remete para aplicaccedilatildeo do disposto nos artigos 1905ordm a 1908ordm CCiv normas

atinentes ao divoacutercio separaccedilatildeo de pessoas e bens ou declaraccedilatildeo de nulidade ou anulaccedilatildeo do

casamento Como se pode ver os filhos nascidos de uniatildeo de facto tal como quaisquer outros

nascidos fora do casamento estatildeo equiparados aos nascidos dentro do mesmo por forccedila do

disposto no nordm 4 do artigo 36ordm da CRP76

Como jaacute haviacuteamos referido a uniatildeo de facto natildeo permite a aplicaccedilatildeo de um regime

de bens nem das regras que disciplinam as relaccedilotildees patrimoniais dos cocircnjuges como a

administraccedilatildeo de bens e regime de responsabilidade por diacutevidas sendo de aplicar entre os

unidos o regime geral das relaccedilotildees obrigacionais e reais77 De acordo com as regras do direito

comum cada um dos membros da uniatildeo de facto pode vender bens moacuteveis ou imoacuteveis dar

ou tomar de arrendamento um imoacutevel ou contrair diacutevidas podem entre eles celebrar

contratos de compra e venda de locaccedilatildeo de depoacutesito de comodato de muacutetuo entre outros

pois o artigo 1714ordm CCiv que impede a celebraccedilatildeo de certos contratos entre os cocircnjuges natildeo

eacute aplicaacutevel agraves relaccedilotildees de uniatildeo de facto Acrescem a estes os que expusemos anteriormente

relativamente a esta mateacuteria aquando da distinccedilatildeo entre o regime do casamento e o regime

75 Natildeo estabelecem relaccedilotildees de afinidade com os parentes do outro natildeo podem adotar o apelido um do outro

possibilidade que eacute concedida aos cocircnjuges por virtude do artigo 1677ordm CCiv 76 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 81 77 Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoUniatildeo de Facto em Portugalrdquo obcit p 120

29

da uniatildeo de facto no ponto 31 e ainda sucintamente importa referir como efeito

patrimonial da uniatildeo de facto a extensatildeo a esta do artigo 1691ordm al b) CCiv que prevecirc a

responsabilidade dos cocircnjuges pelas diacutevidas contraiacutedas por qualquer dos cocircnjuges antes ou

depois da celebraccedilatildeo do casamento para ocorrer aos encargos normais da vida familiar

equiparando nesta mateacuteria o conceito de uniatildeo de facto como a comunhatildeo de leito mesa e

habitaccedilatildeo aos casamentos e protegendo a confianccedila de terceiros que com eles contratem e

confiem nessa aparecircncia de vida matrimonial78 A niacutevel patrimonial a uniatildeo de facto atribui

ao unido sobrevivo por forccedila do artigo 2020ordm nordm 1 o direito de exigir alimentos da heranccedila

do falecido poreacutem esse direito caduca se natildeo for exercido nos dois anos posteriores agrave data

da morte do autor da sucessatildeo (nordm 2) e se o alimentado casar iniciar uma relaccedilatildeo de uniatildeo

de facto ou se tornar indigno do benefiacutecio pelo seu comportamento moral por forccedila do nordm 3

do artigo 2020ordm e do artigo 2019ordm CCiv Resta em uacuteltimo lugar dizer que em mateacuteria fiscal

nomeadamente no que respeita ao imposto sobre o rendimento o artigo 3ordm al d) da LUF

torna aplicaacutevel aos membros da uniatildeo de facto o regime atribuiacutedo aos sujeitos passivos natildeo

separados de pessoas e bens nessa mateacuteria

78 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 34

30

5 O problema da prova da coabitaccedilatildeo

51 Consideraccedilotildees gerais

Expostos os efeitos a que a constituiccedilatildeo da uniatildeo de facto daacute origem urge abordar

a problemaacutetica que a este estudo interessa o problema da prova da relaccedilatildeo de uniatildeo de facto

nomeadamente a prova da coabitaccedilatildeo Apesar de natildeo existir como vimos uma exigecircncia de

forma para a constituiccedilatildeo da uniatildeo de facto e prevalecer entre noacutes um modelo faacutectico79-

bastando que se verifiquem os requisitos factuais para que a convivecircncia seja protegida - eacute

exigido aos seus membros que provem a sua convivecircncia se pretenderem beneficiar de

determinados direitos

Ora a opccedilatildeo do legislador tem sido contraacuteria agrave formalizaccedilatildeo da uniatildeo de facto o

que natildeo facilita a demonstraccedilatildeo dos factos exigidos pela lei para aferir a sua relevacircncia

juriacutedica Portanto a dificuldade dessa prova adveacutem natildeo soacute desta relaccedilatildeo natildeo estar sujeita a

nenhum tipo de solenidade ou publicidade na sua constituiccedilatildeo por natildeo implicar a sujeiccedilatildeo

ao registo civil ou administrativo80 mas tambeacutem por natildeo haver em regra uma prova preacute-

constituiacuteda81 diferentemente do que sucede com o casamento estando nas matildeos dos

cocircnjuges a possibilidade de requerer a qualquer momento uma certidatildeo de casamento

A respeito da prova da uniatildeo de facto no acircmbito juriacutedico-civil recorde-se o regime

geral do oacutenus da prova previsto no artigo 342ordm CCiv que atribui a quem pretende invocar

um direito provar os factos que o constituem Isto eacute se um dos membros da uniatildeo de facto

pretender beneficiar da proteccedilatildeo juriacutedica conferida agrave uniatildeo de facto precisaraacute de demonstrar

a realidade dos factos que invoca para preenchimento dos pressupostos estabelecidos Nesta

mateacuteria tambeacutem satildeo aplicaacuteveis as normas gerais do oacutenus da prova a terceiro que pretenda

fundar um direito na uniatildeo de facto recaindo sobre ele o oacutenus de provar os factos que

consubstanciam o direito que alega Porquanto se vecirc que a prova de que se vive numa

79 Cfr ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoA convivecircncia laquomore uxorioraquo um olhar sobre o regime portuguecircs francecircs

e alematildeordquo in Direito Constitucional e o seu papel na construccedilatildeo do cenaacuterio juriacutedico global dir IRENE

PORTELA IPCA 1ordf Ed 2016 p 121 A uniatildeo de facto eacute uma realidade de convivecircncia continuada sem

qualquer forma exigida Natildeo existe a sujeiccedilatildeo a registo da uniatildeo de facto Ou seja a uniatildeo de facto no nosso

sistema natildeo se constitui consolida-se com o tempo ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoUNIAtildeO de facto versus

Casamento ndash Questotildees pessoais e patrimoniaisrdquo Gestlegal 1ordm ed 2019 p 158 80 O que natildeo permite saber com certeza a data a partir da qual se comeccedilam a contar os dois anos necessaacuterios agrave

produccedilatildeo de efeitos 81 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 72

31

situaccedilatildeo anaacuteloga agrave dos cocircnjuges pode revelar-se sinuosa e por isso eacute relevante desenvolver

essa mateacuteria no presente estudo

Nesta senda o artigo 2ordm-A nordm 1 da LUF prevecirc que a prova da uniatildeo de facto se faz

por qualquer meio legalmente admissiacutevel salvo se disposiccedilatildeo legal ou regulamentar exija

prova documental especiacutefica A prova seraacute maioritariamente testemunhal contudo natildeo se

deve excluir a possibilidade de prova documental ao realizar uma interpretaccedilatildeo extensiva

do termo vida previsto no artigo 34ordm nordm 1 do Decreto-Lei nordm 13599 de 22 de Abril que

regula a forma como atestados de residecircncia vida e situaccedilatildeo econoacutemica dos cidadatildeos

devem ser passados pelas Juntas de Freguesia82 Ou ainda como sugerem FRANCcedilA PITAtildeO e

MARTA COSTA mobilizar accedilatildeo judicial de simples apreciaccedilatildeo (ou de mera declaraccedilatildeo)

positiva83 com a qual os membros pretenderiam apenas obter a declaraccedilatildeo da existecircncia de

um facto que assentava na comunhatildeo de cama mesa e habitaccedilatildeo por mais de dois anos84

Contudo esta soluccedilatildeo poderia comportar o risco de ser usada por um dos membros agrave revelia

do outro com vista ao aproveitamento dos efeitos favoraacuteveis da uniatildeo mesmo que esta jaacute

esteja extinta Eacute precisamente por esta razatildeo que NUNO COSTA MAURIacuteCIO85

rejeita o recurso

a esta accedilatildeo pelos unidos Crecirc que natildeo eacute a soluccedilatildeo para a dificuldade da prova da uniatildeo de

facto devido aos problema que podiam advir da falta de controlo judicial da extinccedilatildeo da

uniatildeo de facto que consistiriam na possibilidade de um ou ambos os unidos continuarem a

usufruir de efeitos favoraacuteveis de uma situaccedilatildeo que jaacute se extinguiu

Poderaacute entatildeo fazer-se a prova documental atraveacutes de uma declaraccedilatildeo emitida pela

Junta de Freguesia competente sendo que esse documento deve ser acompanhado da

declaraccedilatildeo de ambos os membros conviventes que sob compromisso de honra afirmam que

vivem em uniatildeo de facto haacute mais de dois anos e da coacutepia das suas certidotildees de nascimento

Poreacutem a veracidade deste documento pode por vezes ser posta em causa e natildeo fazer prova

plena por natildeo se tratar normalmente de facto atestado com base nas perceccedilotildees da entidade

82 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p74 83 Cfr MARTA COSTA ob cit p387 FRANCcedilA PITAtildeO ldquoUniotildees de Facto e Economia Comum de acordo com

a Lei nordm 232010 de 30 de agostordquo obcit p78 84 Tendo os requerentes de tal accedilatildeo de provar natildeo soacute a sua natildeo coabitaccedilatildeo nos termos e condiccedilotildees previstos na

lei bem como a inexistecircncia de qualquer um dos impedimentos previstos no art 2ordm da LUF sob pena de a

decisatildeo judicial natildeo poder produzir nenhum efeito uacutetil Cfr FRANCcedilA PITAtildeO ldquoUniotildees de Facto e Economia

Comum de acordo com a Lei nordm 232010 de 30 de agostordquo obcit pp 78-79 85 Cfr NUNO COSTA MAURIacuteCIO ldquoO pecado mora ao ladordquo Um repensar da problemaacutetica juriacutedica das uniotildees

de facto e das relaccedilotildees patrimoniais entre unidos de facto Tese de Mestrado em Ciecircncias Juriacutedico-Civiliacutesticas

Faculdade De Direito Da Universidade De Coimbra Outubro 2000 p 76

32

documentadora86 Efetivamente o documento soacute prova que os interessados fizeram perante

o funcionaacuterio a afirmaccedilatildeo de que conviviam em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges desde

determinada data todavia natildeo quer dizer que natildeo se possa pocircr em causa a veracidade dessa

afirmaccedilatildeo87 Qualquer interessado pode demonstrar que o facto natildeo eacute verdadeiro por alegar

que a uniatildeo de facto natildeo existiu ou natildeo teve lugar durante o periacuteodo mencionado pelos

declarantes88 Ou seja o disposto no artigo 2ordm-A n ordm1 da LUF traduz-se apenas na

possibilidade que os unidos tecircm de apresentar documentos para demonstrarem os

pressupostos que permitem atribuir relevacircncia juriacutedica agrave uniatildeo de facto pois essa norma natildeo

confere qualquer valor probatoacuterio a tais documentos Posto isto o documento emitido pela

Junta de Freguesia natildeo eacute suficiente para demonstrar a existecircncia da uniatildeo de facto porquanto

a LUF natildeo exige apenas a alegaccedilatildeo de que duas pessoas vivem juntas haacute mais de dois anos

ou que natildeo se verifique nenhum dos impedimentos agrave constituiccedilatildeo da relaccedilatildeo eacute essencial

ainda que provem a sua coabitaccedilatildeo89

O nordm 5 do artigo 2ordm-A adverte tambeacutem para as sanccedilotildees penais que as falsas

declaraccedilotildees poderatildeo causar Como prova documental eacute um meio de prova fraacutegil e suscetiacutevel

de fraude esta norma funciona como advertecircncia que visa promover a conformidade entre

as declaraccedilotildees que os sujeitos fazem e a realidade que por eles eacute vivida esperando que a

ameaccedila da aplicaccedilatildeo de uma sanccedilatildeo penal iniba a alegaccedilatildeo de falsas declaraccedilotildees Tendo em

conta que o interesse da demonstraccedilatildeo dos requisitos que permitem atribuir relevacircncia

juriacutedica agrave situaccedilatildeo de facto eacute com o objetivo de se produzirem factos favoraacuteveis aos

86 Art 371ordm nordm 1 CCiv Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 72 87 Vide neste sentido o Acoacuterdatildeo do TCA Norte de 13-11-2020 proferido no acircmbito do processo nordm

00090151BECBR Natildeo oferece qualquer controveacutersia quer em sede doutrinal quer jurisprudencial que natildeo

sendo arguida a falsidade do documento autecircntico este faz prova plena dos factos praticados pela entidade

documentadora de sorte que tudo o que o documento referir como tendo sido praticado por essa entidade

tudo o que segundo o documento seja obra do seu Autor e bem assim tudo o que tenha sido percecionado

pelo mesmo tem de ser aceite como exato Assim as declaraccedilotildees que constam no documento como tendo sido

feitas perante a entidade documentadora ou seja o declarado perante a uacuteltima e que essa entidade ouviu

atraveacutes dos seus sentidos em consonacircncia com a parte final do nordm 1 do art 371ordm do CC beneficiam da prova

plena inerente agrave forccedila probatoacuteria conferida pelo oficial puacuteblico Deste modo se o presidente de junta consigna

no texto do atestado que a requerente e as referidas testemunhas declararam que ldquo(a) mesmo(a) residia haacute

mais de dois anos com o falecido A seu companheiro(a) ateacute agrave data de oacutebito (hellip)rdquo tem-se como plenamente

provado que essa declaraccedilatildeo foi efetivamente feita perante o presidente de junta de freguesia Mas tatildeo soacute Eacute

que daiacute natildeo decorre que a forccedila probatoacuteria desse atestado respeite a tudo o que nele se conteacutem A verdade

dos factos a que se reportam as declaraccedilotildees emitidas e que constam desse documento autecircntico- no caso o

atestado emitido pelo presidente de junta de freguesia- ficam sujeitas agrave livre apreciaccedilatildeo do julgador 88 Cfr JORGE DUARTE PINHEIRO ob cit p 529 89 Isto eacute que vivem em ldquouniatildeo de factordquo Cfr RITA LOBO XAVIER ldquoEstatuto Privadordquo dos membros da Uniatildeo

De Factordquo obcit p1518 E ainda sobre a importacircncia da coabitaccedilatildeo cfr FRANCcedilA PITAtildeO ldquoOs novos

casamentos ou a crise do casamento tradicional no direito portuguecircs ob cit p66

33

declarantes estaraacute sempre em causa a credibilidade de tais declaraccedilotildees que estaratildeo sujeitas

ao confronto com as demais provas e ao princiacutepio da livre apreciaccedilatildeo da prova90 acabando

por serem mais crediacuteveis as declaraccedilotildees feitas em detrimento dos declarantes91 A norma em

causa pretende apenas facilitar a demonstraccedilatildeo dos factos que satildeo considerados como

pressupostos da atribuiccedilatildeo de relevacircncia juriacutedica agrave uniatildeo de facto uma vez que a lei natildeo

adotou ainda um registo oficial desta relaccedilatildeo Cremos que a intenccedilatildeo do legislador foi libertar

os membros da uniatildeo de facto de terem de obter declaraccedilatildeo judicial para certificar a sua

convivecircncia respeitando a liberdade inerente a quem opta por este tipo de relaccedilatildeo Todavia

este eacute um tema controvertido e vem sido debatido na doutrina a possibilidade de registo da

uniatildeo de facto como forma de conferir publicidade a estas relaccedilotildees findar os problemas

relativos agrave sua prova e de colmatar esta que pode ser considerada uma das lacunas presentes

no regime juriacutedico portuguecircs da uniatildeo de facto Haacute quem entenda que uma vez que a uniatildeo

de facto se trata na maioria das vezes de uma opccedilatildeo de vida de acordo com a autonomia da

vontade de quem por ela optou o legislador deve respeitar essa escolha e intervir apenas se

necessaacuterio legislando somente em alguns aspetos pontuais92 Devendo quanto ao resto

abster-se e confiar na capacidade de autorregulamentaccedilatildeo dos membros da uniatildeo de facto

Neste seguimento o Bloco de Esquerda apresentou o Projeto de Lei n ordm45VIII93

que visava alterar a Lei nordm 13599 de 28 de Agosto Atraveacutes deste projeto apresentou

soluccedilotildees no que diz respeito agrave prova e ao registo da uniatildeo de facto94 sugerindo que o artigo

2ordm-A passasse a tratar da forma como a uniatildeo de facto eacute constituiacuteda que seria atraveacutes de

registo na junta de freguesia da aacuterea de residecircncia das pessoas em uniatildeo de facto ou apoacutes

90 Cfr RITA LOBO XAVIER ldquoA Uniatildeo de Facto e a Lei Civil no Ensino de Francisco Manuel Pereira Coelho e

Legislaccedilatildeo Atualrdquo em Textos de Direito da Famiacutelia para Francisco Pereira Coelho Coimbra Imprensa da

Universidade de Coimbra 2016 p 684 91 Cfr RITA LOBO XAVIER ldquoEstatuto Privadordquo dos membros da Uniatildeo De Factordquo obcit p1519 92 Cfr HEINRICH HOumlRSTER ldquoDireito da Famiacutelia e Poliacutetica Socialrdquo Publicaccedilotildees Universidade Catoacutelica Porto

2001 pp71-72 Segundo este A o legislador adotando uma postura prudente deve apenas legislar quando

estejam em causa interesses de terceiros ou seja da comunidade ou quando haja a necessidade de proteger os

filhos Nestas situaccedilotildees defende que o legislador pode e deve intervir e que quando se trate de legislar em

mateacuteria de uniatildeo de facto espera que seja feito com cuidado e ponderaccedilatildeo 93 Consultaacutevel em

httpswwwparlamentoptActividadeParlamentarPaginasDetalheIniciativaaspxBID=6308 94 No seu art 2ordm previam o aditamento do artigo 2ordmA e 2ordm B art 2ordm-A1 A uniatildeo de facto eacute constituiacuteda a)

Por registo na junta de freguesia da aacuterea de residecircncia das pessoas em uniatildeo de facto ou b) Apoacutes dois anos

em plena comunhatildeo de vida sem necessidade de registo 2 As uniotildees de facto constituiacutedas por registo

conforme a aliacutenea a) do nordm 1 do presente artigo estatildeo imediatamente reguladas pela presente lei Art 2ordm-B

A uniatildeo de facto constituiacuteda por registo eacute dissolvida por vontade de pelo menos um dos seus constituintes

expressa junto aos serviccedilos de registo da junta de freguesia da aacuterea da residecircncia

34

dois anos em plena comunhatildeo de vida sem necessidade de registo passando as uniotildees de

facto constituiacutedas por registo a estar imediatamente reguladas pela LUF sem necessidade

do decurso do prazo de dois anos Este projeto previa tambeacutem no artigo 2ordm-B o registo da

dissoluccedilatildeo junto dos serviccedilos da junta de freguesia atraveacutes da declaraccedilatildeo de pelo menos um

dos unidos O Projeto de Lei n ordm45VIII do BE95 cumpriu os requisitos constitucionais e

regimentais necessaacuterios para ser apreciado pelo plenaacuterio da Assembleia da Reacutepublica

Contudo apoacutes a adoccedilatildeo por parte da Comissatildeo de Assuntos Constitucionais Direitos

Liberdades e Garantias de um texto de substituiccedilatildeo relativo aos projetos nordm 6VII de

iniciativa do partido Os Verdes ao nordm 45VIII do BE e ao nordm 115VII do PCP e apoacutes a

aprovaccedilatildeo com votos favoraacuteveis do PS do PCP e do BE e votos contra do PSD do CDS-

PP e da Deputada Maria do Rosaacuterio Carneiro (PS) relativamente a cada artigo do texto de

substituiccedilatildeo os representantes na Comissatildeo dos Grupos Parlamentares do PCP e do BE bem

como a Srordf Deputada Isabel Castro (Os Verdes) declararam retirar as respetivas iniciativas

legislativas em benefiacutecio do texto de substituiccedilatildeo adotado entrando em vigor a Lei nordm

72001 de 11 de Maio que adotou medidas de proteccedilatildeo das uniotildees de facto Vigorando com

as subsequentes alteraccedilotildees ateacute aos dias de hoje

Conveacutem frisar que a questatildeo do registo da uniatildeo de facto pode ser encarada como

incompatiacutevel com a proacutepria natureza informal da uniatildeo de facto Desde logo NUNO COSTA

MAURIacuteCIO defende que subjacente agrave necessidade do registo reside sempre uma ideia de

certeza juriacutedica a qual transportada para o acircmbito da uniatildeo de facto vai implicar que a sua

prova nunca possa ser feita atraveacutes de uma declaraccedilatildeo unilateral da parte interessada tendo

de passar por uma acreditaccedilatildeo um crivo de publicidade que traraacute consigo e proporcionaraacute a

terceiros a certeza juriacutedica de que aquelas duas pessoas vivem em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos

cocircnjuges96 Poreacutem acredita que apesar das vantagens da certeza e seguranccedila juriacutedicas

inerentes ao instituto do registo as desvantagens se afloram maiores Em virtude de no que

respeita aos elementos constitutivos da uniatildeo de facto onde o essencial eacute estar-se perante

uma convivecircncia estaacutevel e duradoura semelhante agrave dos cocircnjuges natildeo deve bastar o facto de

duas pessoas se dirigirem a uma conservatoacuteria de registo ou a outra entidade puacuteblica e

declararem viver em uniatildeo de facto sem se apurar a autenticidade dessas declaraccedilotildees

95 Bem como os projetos de lei nordm 6VIII da iniciativa do Partido Ecologista Os Verdes o nordm 105VIII da

iniciativa do Partido Socialista e o nordm 115VIII da iniciativa do Partido Comunista Portuguecircs 96 Cfr NUNO COSTA MAURIacuteCIO ldquoO pecado mora ao ladordquo ob cit p 81

35

Acrescenta ainda que ao fazerem depender a eficaacutecia juriacutedica da uniatildeo de facto da sua

inscriccedilatildeo no registo tornando ineficazes as uniotildees que natildeo estivessem inscritas estariam a

forccedilar os unidos que optaram por esta forma de convivecircncia exatamente para dispensar

qualquer formalidade a inscrever a sua relaccedilatildeo O que se traduziria numa adulteraccedilatildeo da

intencionalidade e natureza da uniatildeo de facto Ou mesmo que se configurasse um registo

livre e voluntaacuterio quem preferisse a natildeo inscriccedilatildeo natildeo teria acesso a um regime legal de

proteccedilatildeo da uniatildeo de facto ficando agrave margem da lei o que geraria uma nova discriminaccedilatildeo

Nota por uacuteltimo que a inscriccedilatildeo das uniotildees de facto se iria traduzir na prestaccedilatildeo de

consentimento a uma relaccedilatildeo de facto por parte dos dois sujeitos e assim sendo poderia

estar-se perante um novo tipo de casamento ainda que se trate de um casamento de segundo

grau97 Tal consideraccedilatildeo iria contra o espiacuterito de liberdade e natildeo formalismo que preside agrave

uniatildeo de facto98 Depreendendo que devido agraves desvantagens inerentes ao registo a

dificuldade da prova da uniatildeo de facto seria mais facilmente superada se se permitisse aos

unidos de facto ao abrigo do princiacutepio da livre disponibilidade convencionar as

regulamentaccedilatildeo das suas relaccedilotildees99

De outra banda MARTA COSTA considera que se fosse instituiacutedo o registo

obrigatoacuterio para que os conviventes pudessem beneficiar da tutela legislativa prevista as

dificuldades que advecircm da prova da uniatildeo de facto ficariam diminuiacutedas e sairiam

privilegiadas a seguranccedila juriacutedica e a liberdade dos conviventes que poderiam decidir se

pretendiam ser legislativamente tutelados ou se optariam por uma relaccedilatildeo meramente

factual Realccedila ainda que a instituiccedilatildeo do registo transformaria a uniatildeo de facto em relaccedilatildeo

de direito num instituto juriacutedico formal ainda que a sua tutela fosse diminuta100 Durante a

sua anaacutelise aproveita para refutar algumas das desvantagens que NUNO COSTA MAURIacuteCIO

aponta agrave inscriccedilatildeo da uniatildeo de facto no registo Primeiramente em relaccedilatildeo agrave dificuldade de

apurar a veracidade das declaraccedilotildees dos unidos a A crecirc que depende da opccedilatildeo legislativa

97 Atentando-se agrave diferenccedila de grau no que diz respeito ao nuacutemero de efeitos juriacutedicos que cada um produz

Cfr NUNO COSTA MAURIacuteCIO ldquoO pecado mora ao ladordquo ob cit p82 98 Eacute na procura do momento da conciliaccedilatildeo entre a autoridade e liberdade e entre o puacuteblico e o privado que

residem os fundamentos das intervenccedilotildees legislativas no acircmbito das relaccedilotildees juriacutedico-familiares que devem

repousar ou fundamentos de poliacutetica legislativa relativos agrave atribuiccedilatildeo de efeitos de direito agrave uniatildeo de facto

(hellip) e estaacute na base das intervenccedilotildees legislativas feitas em alguns paiacuteses e nas exigecircncias feitas pela doutrina

noutros com vista agrave definiccedilatildeo de um estatuto juriacutedico da uniatildeo de facto Cfr GERALDO DA CRUZ ALMEIDA

ob cit pp 185-193 99 Cfr NUNO COSTA MAURIacuteCIO ldquoO pecado mora ao ladordquo ob cit p83 100 Cfr MARTA COSTA ob cit p 394

36

Isto eacute se com a obrigatoriedade do registo o legislador decidir que a tutela da relaccedilatildeo fique

dependente da duraccedilatildeo da mesma esta duraccedilatildeo pode contar-se apoacutes o registo ou exigir-se o

decurso da mesma para que os conviventes possam inscrever a relaccedilatildeo no registo mantendo-

se a dificuldade de determinar o seu iniacutecio Se por outro lado a tutela da convivecircncia natildeo

ficar dependente da sua duraccedilatildeo natildeo teraacute de haver uma convivecircncia preacutevia podendo duas

pessoas que queiram conviver dirigirem-se a uma entidade competente e registar a

convivecircncia que podia jaacute existir ou iniciar-se nesse momento101 Relativamente ao facto de

os unidos que optaram pela uniatildeo de facto para se eximirem de qualquer formalidade se

verem obrigados a proceder ao registo da sua relaccedilatildeo para evitar que a sua uniatildeo seja

inexistente a A discorda afirmando que os unidos natildeo se veriam forccedilados a proceder ao

registo podendo preferir manter uma verdadeira uniatildeo de facto agrave qual continuariam a ser

atribuiacutedos ainda que poucos alguns direitos e deveres102 face agrave nossa ordem juriacutedica

defendendo que a obrigatoriedade do registo ao lado do instituto do casamento e da relaccedilatildeo

puramente de facto serviria melhor os interesses de uma sociedade pluralista103 A A

diverge ainda da ideia imputada pelo A de representar uma discriminaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos

conviventes que optem pela natildeo inscriccedilatildeo por natildeo beneficiarem do regime de proteccedilatildeo da

uniatildeo de facto No seu entendimento eacute antes o reflexo do respeito pela escolha dos unidos

de manterem a sua uniatildeo verdadeiramente factual Remata a sua apreciaccedilatildeo afirmando que

o que vai contra o espiacuterito de liberdade que preside agrave uniatildeo de facto natildeo eacute a prestaccedilatildeo de

consentimento a uma relaccedilatildeo de facto por parte dos unidos mas antes a aplicaccedilatildeo automaacutetica

de um regime juriacutedico aos conviventes ainda que pouco densificado aditando que a

instituiccedilatildeo do registo obrigatoacuterio proporcionaria vaacuterias possibilidades que dependeriam da

real vontade dos interessados

101 Cfr MARTA COSTA ob cit p 396 102 Cfr MARTA COSTA ob cit p 397 103 Cfr MARTA COSTA ob cit p 398

37

52 Comparaccedilatildeo com o regime de outros ordenamentos juriacutedicos na Uniatildeo

Europeia

De forma a completar o raciociacutenio ateacute aqui apresentado cumpre agora uma sucinta

anaacutelise do regime juriacutedico da uniatildeo de facto em vigor em alguns ordenamentos juriacutedicos

europeus bem como outras figuras que advieram da jurisdicionalizaccedilatildeo da convivecircncia more

uxorio104 Assim importa primeiramente discorrer umas breves notas sobre o regime geral

previsto em cada um dos ordenamentos particularmente no que respeita agrave constituiccedilatildeo da

uniatildeo de facto aos seus efeitos e o seu regime de prova para que possamos posteriormente

expor as nossas conclusotildees e possiacutevel proposta de soluccedilatildeo

521 Espanha

Jaacute em 1986 EDUARDO ESTRADA ALONSO refletia sobre o conceito juriacutedico da uniatildeo

de facto em Espanha definindo o conceito de unioacuten extramatrimonial como uma

convivecircncia diaacuteria que eacute desenvolvida habitualmente pelos casamentos de forma estaacutevel e

duradoura sugerindo que o prazo miacutenimo deveria ser de cinco anos para que pudessem ser

consideradas pelo Direito Admite que essa convivecircncia natildeo seja necessariamente no sentido

da coabitaccedilatildeo mas no sentido de que haja pelo menos uma vontade de estar juntos a fim de

evitar que as separaccedilotildees temporaacuterias e involuntaacuterias ndash por motivos profissionais ndash impeccedilam

a produccedilatildeo dos efeitos juriacutedicos pretendidos por essas uniotildees Entende que eacute uma uniatildeo que

dispensa qualquer formalidade para ser constituiacuteda e que implica o cumprimento espontacircneo

sem obrigaccedilatildeo juriacutedica dos deveres conjugais por parte dos membros devendo ser uma

relaccedilatildeo monogacircmica onde haacute a manutenccedilatildeo de relaccedilotildees sexuais sem exigecircncia que

procriem105

Apesar de em Espanha natildeo se encontrar definido o conceito juriacutedico de famiacutelia nem

se as uniotildees de facto se enquadram nesse conceito o Tribunal Constitucional Espanhol tem

vindo a pronunciar-se sobre essa sua inclusatildeo ou natildeo no artigo 391 da Constituiccedilatildeo

Espanhola106 Em 1990 na sentenccedila nordm 1841990 de 15 de Novembro107 o TCE defendeu

104 Expressatildeo usada para caracterizar uma convivecircncia semelhante agrave do marido e mulher ou seja segundo os

costumes matrimoniais 105 Cfr EDUARDO ESTRADA ALONSO ob cit pp 52-73 106 1 Los poderes puacuteblicos aseguran la proteccioacuten social econoacutemica y juriacutedica de la familia Constituiccedilatildeo

Espanhola consultaacutevel em

httpswwwtribunalconstitucionalesestribunalnormativaNormativaCEportuguC3A9spdf 107 Sobre a importacircncia desta sentenccedila cfr JUAN FORNEacuteS ldquoMatrimonio y uniones de hechordquo Ius Canonicum

XL n ordm80 2000 p 404

38

que este tipo de convivecircncia natildeo encontrava previsatildeo no artigo 391 da Constituiccedilatildeo

Espanhola sugerindo que este artigo estava reservado agrave proteccedilatildeo da famiacutelia num ambiente

marital e pela existecircncia de filhos natildeo obstante as parejas de hecho poderem ser protegidas

constitucionalmente atraveacutes da mobilizaccedilatildeo do artigo 101 que postula o direito ao

desenvolvimento da personalidade108 Contrariamente o magistrado GIMENO SENDRA do

TCE sustentou num voto particular nessa sentenccedila a diferenciaccedilatildeo entre a famiacutelia e o

casamento afirmando que a constituiccedilatildeo espanhola previa duas situaccedilotildees distintas o artigo

391 consagrava a proteccedilatildeo da famiacutelia e o artigo 321109 previa a defesa do matrimoacutenio assim

protegendo o artigo 391 no solo a la famiacutelia como institucioacuten juriacutedica sino tambieacuten la

familia como realidad natural por lo que junto a la familia matrimonial tambieacuten han de

merecer proteccioacuten constitucional las denominadas uniones conyugales de hecho110 Em

1992 nesta mesma linha de pensamento na sentenccedila nordm 22292 de 11 de Dezembro o TCE

salientou que o artigo 39 da Constituiccedilatildeo Espanhola protege natildeo soacute a famiacutelia matrimonial

mas tambeacutem a natildeo matrimonial e assim as relaccedilotildees de convivecircncia constituiriam relaccedilotildees

familiares independentemente de terem filhos ou natildeo cabendo no acircmbito de incidecircncia

desse artigo Posteriormente em 28 de Fevereiro de 1994 na sentenccedila nordm 6694 o mesmo

tribunal voltou ao entendimento sufragado em 1990 defendendo a natildeo equivalecircncia entre

casamento e uniatildeo de facto para efeitos do artigo 39 Por fim este entendimento foi reiterado

na sentenccedila nordm 3998 de 17 de Fevereiro de 1998 e a 17 de Junho de 1999 com a sentenccedila

nordm 11699111 foi aceite a posiccedilatildeo defendida pela magistrado GIMENO SENDRA Assim

determinou o Tribunal Constitucional Espanhol que o artigo 391 natildeo identifica que a famiacutelia

que visa proteger eacute a que tem origem no casamento existindo outras modalidades de vida

familiar a par do casamento que refletem una sociedad plural Aleacutem da jurisprudecircncia

tambeacutem a doutrina tem divergido sobre a amplitude de aplicaccedilatildeo deste preceito

constitucional Atualmente o entendimento maioritaacuterio parece estar mais favoraacutevel agrave

inclusatildeo da convivecircncia more uxorio no artigo 391112

108 Tal como recorde-se eacute defendido em Portugal por alguns autores 109 1 El hombre y la mujer tienen derecho a contraer matrimonio con plena igualdad juriacutedica 110 Cfr MARTA COSTA ob cit p 111 111 Cfr JUAN FORNES ob cit p403 112 Cfr JOSEacute RAMOacuteN DE VERDA Y BEAMONTE ldquoLa Ley 52012 de 15 de octubre de uniones de hecho

formalizadas de la Comunidad Valencianardquo Rev boliv de derecho nordm 19 enero 2015 p 772 El precepto

habla de ldquofamiliardquo y no de ldquofamilia legiacutetimardquo (o ldquomatrimonialrdquo) por lo que la proteccioacuten que el precepto

otorga a la familia no debe identificarse necesariamente con la que tiene origen en el matrimonio el cual se

39

Ora diferentemente do que sucede em Portugal o legislador espanhol natildeo se

ocupou de regular de forma uniforme o regime da uniatildeo de facto113 Ao inveacutes as

comunidades autoacutenomas espanholas no acircmbito das suas competecircncia legislativas114

adotaram ainda que de forma distinta regras proacuteprias que regulam este tipo de convivecircncia

natildeo matrimonial Desde logo a maioria qualifica a convivecircncia more uxorio como relaccedilatildeo

familiar Pode ler-se na Ley Foral 62000 de 3 de julio da Comunidade Foral de Navarra

ora revogada115 no seu artigo 2 que ningueacutem pode ser discriminado em razatildeo do grupo

familiar de que faz parte quer seja proveniente de filiaccedilatildeo casamento ou uniatildeo de duas

pessoas que convivam em relaccedilatildeo afetiva semelhante independentemente da sua orientaccedilatildeo

sexual Esta disposiccedilatildeo foi reproduzida por leis de outras Comunidades como as Astuacuterias

Extremadura e Andaluzia116 Contrariamente outras comunidades como as Ilhas Baleares

natildeo as qualificam dessa forma No artigo 3 da Ley 182001 de 19 de diciembre prevecirc-se

que a formaccedilatildeo de uniatildeo de facto natildeo gere relaccedilatildeo de parentesco entre cada um de seus

membros e os familiares do outro Contudo na exposiccedilatildeo de motivos da dita lei eacute chamado

agrave colaccedilatildeo o artigo 391 da constituiccedilatildeo espanhola em nome da proteccedilatildeo social econoacutemica e

juriacutedica da famiacutelia indicando que essa norma natildeo visa proteger apenas um modelo de

famiacutelia sendo necessaacuterio fazer uma interpretaccedilatildeo ampliada desse conceito de acordo com a

realidade social A exposiccedilatildeo de motivos estabelece ainda que o artigo 32 ao prever o direito

de contrair matrimoacutenio tambeacutem prevecirc o direito a natildeo o fazer o que natildeo prejudica o direito

de todos os homens e mulheres de constituir por meio de uma uniatildeo efetiva e estaacutevel uma

comunhatildeo de vida que com ou sem filhos implique a constituiccedilatildeo de uma famiacutelia

regula en un precepto especiacutefico (art 32 CE) y en capiacutetulo diverso No mesmo sentido LUIS PEacuteREZ

FERNAacuteNDEZ ldquoLas Uniones Extramatrimoniales En Espantildea iquestEs Necesaria Su Regulacioacutenrdquo in Revista Juriacutedica

de Astuacuterias nordm 40 2017 p162 En nuestros diacuteas tanto matrimonio como la unioacuten extramatrimonial pueden

constituir una familia y estaacuten amparados por la misma proteccioacuten social econoacutemica y juriacutedica del artiacuteculo

391 de la Constitucioacuten espantildeola cuyo tenor literal establece laquoLos poderes puacuteblicos aseguran la proteccioacuten

social econoacutemica y juriacutedica de la familiaraquo 113 Ou concubinato parejas de hecho parejas cohabitantes uniones de hecho uniones libres convivencias

no matrimoniales matrimonios laquosin papelesraquo convivencias prenupciales () CfrGERARDO MEIL

LANDWERLIN ldquoLas uniones de hecho en Espantildeardquo Madrid Centro de Investigaciones Socioloacutegicas 2003 p

26 114 Cfr MARTA COSTA ob cit p 349 115 Lei original consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2000-16373 modificada e

atualizada pela Ley Foral 212019 de 4 de abril consultaacutevel em httpswwwboeeselies-

nclf2019040421 116 Respetivamente Ley 42002 de 23 de mayo de Parejas Estables Ley 52003 de 20 de marzo de parejas

de hecho de la Comunidad Autoacutenoma de Extremadura Ley 52002 de 16 de diciembre de Parejas de Hecho

40

Ademais assiste-se a uma coexistecircncia entre uniones extramatrimoniales

formalizadas e as puramente faacutecticas117 o que se reflete nos meios probatoacuterios No

ordenamento juriacutedico espanhol satildeo aceitaacuteveis todos os meios de prova que sejam admitidos

nos termos gerais do direito A exigecircncia da aparecircncia externa da convivecircncia entre unidos

de facto tem estreita relaccedilatildeo com a prova da mesma mostrando-se a jurisprudecircncia flexiacutevel

ao considerar suficientes para esse efeito as declaraccedilotildees dos conviventes ou seja a prova

testemunhal sem que documentos de caraacuteter administrativo a possam pocircr em causa As

disposiccedilotildees do acircmbito estatal natildeo precisam os requisitos pessoais nem as formas de

constituiccedilatildeo da uniatildeo de facto118 Jaacute no que toca ao direito regional prevalece a diversidade

havendo leis que admitem todos os meios de prova e outras que sendo mais restritivas

requerem o registo obrigatoacuterio Um exemplo de lei que admite qualquer meio de prova

admissiacutevel no direito eacute a Ley 42002 de 23 de mayo do principado das Astuacuterias119 A

Comunidade de Andaluzia prevecirc a possibilidade da declaraccedilatildeo de vontade de constituir uma

pareja de hecho mediante el otorgamiento de escritura puacuteblica o por cualquier otro medio

de prueba admisible en Derecho120 Jaacute comunidades como Extremadura121 Ilhas Baleares122

Cantaacutebria123 e Paiacutes Vasco124 exigem a inscriccedilatildeo das uniotildees de facto no registo para a sua

constituiccedilatildeo e por conseguinte como forma de provar a relaccedilatildeo Na comunidade de

Aragatildeo125 prevecirc-se a inscriccedilatildeo da relaccedilatildeo no registo administrativo podendo provar-se a

existecircncia da relaccedilatildeo se natildeo houver escritura puacuteblica por qualquer meio de prova admitido

no direito

117 Cfr NATALIA ALVAREZ LATA ldquoLas Parejas De Hecho Perspectiva Jurisprudencialrdquo Derecho Privado y

Constitucioacuten nordm 12 enero- diciembre 1998 p 15 118 Para mais desenvolvimentos no acircmbito de normas estatais cfr MARTA COSTA ob cit p 388 119 Art 3 n ordm3 La existencia de pareja estable o el transcurso del antildeo de convivencia podraacuten acreditarse

atraveacutes de cualquier medio de prueba admitido en Derecho

Consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2002-13017 120 Art 5 nordm 3 Consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2003-771 121 Art 4 da Ley 52003 de 20 de marzo consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-

2003-9450 122 Art1 nordm2 da Ley 182001 de 19 de diciembre consultaacutevel em

httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2002-917ampa=aamporden=conterefpost 123 Art 5 da Ley 12005 de 16 de mayo consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2005-

9402 124 Art 3 e 4 da Ley 22003 de 7 de mayo consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-

2011-18545 125 Ley 61999 de 26 de marzo derrogada pelo Decreto Legislativo 12011 de 22 de marzo consultaacutevel em

httpswwwboeesbuscardocphpid=BOA-d-2011-90007

41

Apoacutes a anaacutelise das soluccedilotildees que as comunidades autoacutenomas apresentam eacute de notar

a diversidade de caminhos que sugerem e que satildeo desconhecidos ao direito portuguecircs pelo

menos para jaacute

522 Franccedila

Tal como sucede em Espanha o ordenamento juriacutedico francecircs natildeo contempla uma

definiccedilatildeo de famiacutelia nem em termos constitucionais nem no Code Civil ou Code de la

Familie Tradicionalmente a doutrina tem vindo a definir famiacutelia como o grupo de pessoas

que estatildeo ligados por laccedilos fundados essencialmente pelo casamento e parentesco126 As

relaccedilotildees de concubinage natildeo cabem em princiacutepio neste conceito127 Poreacutem atualmente a

natureza familiar dos laccedilos criados pelo PACS tem sido questionada e ao receber resposta

afirmativa por parte da jurisprudecircncia eacute possiacutevel perceber-se que estaacute em curso uma

modificaccedilatildeo no que respeita agrave noccedilatildeo de famiacutelia apresentando-se cada vez menos riacutegida128

No Tiacutetulo XII no Code Civil encontramos as duas figuras que ocuparatildeo agora a

nossa anaacutelise o pacte civil de solidariteacute e le concubinage129 Em primeiro lugar o artigo

515-2 define o PACS como o contrato celebrado por duas pessoas singulares maiores de

idade do mesmo sexo ou de sexo diferente para organizarem a sua vida em comum Le

concubinage eacute definido pelo artigo 515-8 como uma uniatildeo de facto caracterizada por uma

vida comum de estabilidade e continuidade entre duas pessoas de sexo diferente ou igual

que vivem como um casal130 Importa frisar que esta relaccedilatildeo deve dispor alguns elementos

constitutivos que a possam qualificar como tal131 Entre os elementos suscetiacuteveis de

126 Por sua vez o Institut National De La Stastistique et des Etudes Economiques define que une famille est la

partie dun meacutenage comprenant au moins deux personnes et constitueacutee soit dun couple vivant au sein du

meacutenage avec le cas eacutecheacuteant son ou ses enfant(s) appartenant au mecircme meacutenage soit dun adulte avec son ou

ses enfant(s) appartenant au mecircme meacutenage (famille monoparentale)

Pour quune personne soit enfant dune famille elle doit ecirctre ceacutelibataire et ne pas avoir de conjoint ou denfant

faisant partie du mecircme meacutenage Consultaacutevel em httpswwwinseefrfrmetadonneesdefinitionc1465 127 Cfr ALAIN BENABENT lsquorsquoDroit de la famillersquorsquo LGDJ 4ordm ed 2018 p15 128 Idem 129Consultaacutevel

emhttpswwwlegifrancegouvfrcodessection_lcLEGITEXT000006070721LEGISCTA000006118360

LEGISCTA000006118360 130 O que implica certas consequecircncias legais para os indiviacuteduos que escolheram esta forma de conjugalidade

em oposiccedilatildeo ao casamento Enquanto o casal surgido do casamento estaacute sujeito a um conjunto de regras que

formam um estatuto natildeo existe um estatuto de coabitaccedilatildeo mesmo que a coabitaccedilatildeo seja marcada pela adesatildeo

contiacutenua agraves regras aplicaacuteveis aos cocircnjuges JACQUELINE RUBELLIN-DEVICHI ldquoDroit de la famillerdquo Paris

Dalloz 2001 XXXVII p 373 131 Cfr GERARD GOLDSTEIN lsquorsquoLa cohabitation hors mariage en droit international priveacutersquorsquo in Recueil des Cours

ndash Collected Courses Of The Hague Academy Of Internation Law Tomo 320 Martinus Nijhoff Publishers

2006 p 95

42

caracterizar como concubinage haacute alguns que consoante o caso satildeo particularmente

necessaacuterios em detrimento de outros Le concubinage natildeo se baseia apenas em relaccedilotildees

estaacuteveis e contiacutenuas que envolvem uma comunhatildeo de vida com coabitaccedilatildeo Aleacutem de haver

uma comunhatildeo de casa eacute ainda necessaacuterio que haja uma comunhatildeo de leito ou seja que

exista a manutenccedilatildeo de relaccedilotildees sexuais tal como no nosso ordenamento juriacutedico Aleacutem do

mais eacute importante que seja puacuteblica isto eacute conhecida por terceiros132

Quanto ao regime legal do concubinage este eacute inexistente Os efeitos do casamento

natildeo satildeo aplicaacuteveis agrave relaccedilatildeo de uniatildeo de facto no ordenamento juriacutedico francecircs A situaccedilatildeo

vivenciada pelos conviventes difere da dos cocircnjuges tanto do ponto de vista patrimonial

como do ponto de vista extrapatrimonial nomeadamente no que respeita aos direitos e

deveres conjugais previstos nos artigos 212ordm a 226ordm Code Civil133 Estes natildeo satildeo extensiacuteveis

aos membros da uniatildeo de facto pois a sua comunhatildeo de vida assenta num facto e nunca num

dever Independentemente da duraccedilatildeo da relaccedilatildeo os membros da uniatildeo de facto permanecem

juridicamente estranhos um ao outro natildeo gerando qualquer estado civil nem a possibilidade

de adotarem o nome do outro A situaccedilatildeo de facto estaacute no acircmbito pessoal isenta de qualquer

tipo de regulamento especiacutefico sendo regulada essencialmente pelo direito comum

Possibilitando que a sua rutura seja mais simples podendo qualquer dos membros pocircr fim agrave

relaccedilatildeo a todo o momento134 No tocante a efeitos patrimoniais natildeo existem efeitos diretos

ligados agrave uniatildeo de facto e natildeo haacute norma semelhante ao artigo 220ordm Code Civil135

relativamente ao regime do concubinage responsabilizando solidariamente os membros

pelas diacutevidas do outro No acircmbito fiscal os unidos declaram os seus rendimentos

separadamente sendo considerados individualmente Ao contraacuterio do casamento natildeo haacute o

dever de assistecircncia entre os conviventes e a existir eacute inteiramente voluntaacuterio Como foi

dito sem ser o regime primaacuterio natildeo existe um regime entre os conviventes como existe no

132 Atualmente natildeo eacute necessaacuteria a diferenccedila de sexos para que se possa qualificar a relaccedilatildeo como concubinage

sendo considerado da mesma forma quer se trate de pessoas do mesmo sexo ou de sexo diferente art 515-8

do Code Civil Para mais desenvolvimentos quanto aos elementos caracterizadores cfr JACQUELINE

RUBELLIN-DEVICHI ob cit p 375 133 Cfr BRIGITTE HESS-FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HELENE HESS ldquoDroit de la famillerdquo

ParisSirey DL 2009 XII p89 134 Cfr JACQUELINE RUBELLIN-DEVICHI ob cit p 391 135 1ordf parte Chacun des eacutepoux a pouvoir pour passer seul les contrats qui ont pour objet lentretien du meacutenage

ou leacuteducation des enfants toute dette ainsi contracteacutee par lun oblige lautre solidairement Cfr JEAN

CARBONNIER ob cit p 671

43

casamento Surgindo assim a tentativa de desenvolver na Franccedila inspirada por outros

ordenamentos os contratos de coabitaccedilatildeo que devem reger apenas aspetos patrimoniais

Contudo surgiram duacutevidas sobre a validade deste tipo de contratos no acircmbito do

direito francecircs Consideradas individualmente as claacuteusulas relativamente a aspetos

patrimoniais poderiam ser consideradas vaacutelidas todavia analisando a sua dinacircmica em

conjunto poderia tornar o contrato iliacutecito por dar forccedila obrigatoacuteria a uma espeacutecie de

casamento privado violando o monopoacutelio do Estado em mateacuteria de casamento136 A

permissatildeo de existecircncia destes contratos eacute excecional visto que a partir de 1999 os membros

da uniatildeo de facto puderam convencionar a sua relaccedilatildeo como entendiam atraveacutes do Pacto

Civil de Solidariedade

A prova do concubinage pode ser feita pelos membros ou por terceiros

Contrariamente ao que acontece no casamento em que os cocircnjuges podem facilmente provar

o seu estado civil atraveacutes da sua certidatildeo de casamento lavrada oficialmente pelo funcionaacuterio

do registo civil os conviventes natildeo dispotildeem de nenhuma prova preacute-constituiacuteda No entanto

por se tratar de um facto juriacutedico pode ser provado por qualquer meio de prova admissiacutevel

pelo direito nos termos gerais designadamente atraveacutes de certificados documentos

declaraccedilotildees de honra e ainda com o recurso agrave prova testemunhal137 A sua prova natildeo gera

em princiacutepio grande dificuldade para os membros dado que os organismos que exigem a

prova dessa convivecircncia impotildeem requisitos razoaacuteveis Caso diferente eacute a prova da

convivecircncia por terceiros que podem ver essa possibilidade limitada pelo direito agrave vida

privada do convivente por forccedila dos artigos 9 do Code Civil138 e 8ordm da CEDH139

O pacte civil de solidariteacute conhecido como PACS foi criado a 15 de novembro de

1999 pela lei nordm 99-944 contudo o atual conteuacutedo e estrutura do PACS natildeo eacute o que foi

inicialmente previsto pela referida lei devido agrave grande reforma que sofreu em 2006140 A

criaccedilatildeo deste instituto deveu-se essencialmente agrave necessidade dos casais do mesmo sexo

obterem reconhecimento puacuteblico da sua relaccedilatildeo visto que em 1999 soacute os casais

136 Cfr JEAN CARBONNIER ob cit p681 137 Cfr JACQUELINE RUBELLIN-DEVICHI ob cit p 389 MARTA COSTA ob cit p 390 BRIGITTE HESS-

FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HELENE HESS ob cit p 91 JEAN CARBONNIER ob cit

p775 138 Art 9 do Code Civil 1ordf parte Chacun a droit au respect de sa vie priveacutee 139 Cfr JACQUELINE RUBELLIN-DEVICHI ob cit p 387 MARTA COSTA ob cit p 390 140 Cfr ALBANA METAJ - STOJANOVA ldquoFrench Civil Partnership Contract (Pacs)rdquo South East European

University Vol 14 n ordm1 2019 p 136

44

heterossexuais poderiam optar pelo casamento ou pelo concubinage restando aos casais

homossexuais a uacuteltima alternativa141 Aleacutem disto o PACS veio igualmente satisfazer as

necessidades dos casais heterossexuais que pretendiam regular contratualmente a sua

relaccedilatildeo mas sem formalismo na sua constituiccedilatildeo permitindo-lhes organizar a sua vida

conjunta ndash podendo tratar-se por vezes de um ldquoensaiordquo para um futuro casamento ndash e em

caso de dissoluccedilatildeo evitar os procedimentos inerentes ao divoacutercio que podem ser longos e

dispendiosos142

Este instituto natildeo deve ser confundido nem com o casamento nem com o

concubinage143 O PACS tem bastante adesatildeo144 precisamente por se diferenciar do

casamento em alguns aspetos embora apresentem vaacuterias semelhanccedilas contratualmente o

primeiro natildeo se coaduna com a regulaccedilatildeo da vida familiar e dos filhos apenas a vida do

casal

141 Apenas a 17 de maio de 2013 com a lei 2013-404 foi garantida a possibilidade do casamento entre pessoas

do mesmo sexo 142 Cfr BRIGITTE HESS-FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HELENE HESS ob cit p78 143 Neste sentido sobre as diferenccedilas entre cada um destes trecircs regimes em concreto sobre a diferenccedila de

tratamento para atribuiccedilatildeo de pensatildeo de sobrevivecircncia vide Decisatildeo nordm 2011-155 QPC do Conseil

Constitutionnel de 29-07-2011 5 Consideacuterant en premier lieu que le concubinage est deacutefini par le seul

article 515-8 du code civil comme laquo une union de fait caracteacuteriseacutee par une vie commune preacutesentant un

caractegravere de stabiliteacute et de continuiteacute entre deux personnes de sexe diffeacuterent ou de mecircme sexe qui vivent en

couple raquo quagrave la diffeacuterence des eacutepoux les concubins ne sont leacutegalement tenus agrave aucune solidariteacute financiegravere

agrave leacutegard des tiers ni agrave aucune obligation reacuteciproque 6 Consideacuterant en deuxiegraveme lieu quen vertu de larticle

515-4 du code civil les partenaires lieacutes par un pacte civil de solidariteacute laquo sengagent agrave une vie commune ainsi

quagrave une aide mateacuterielle et une assistance reacuteciproques raquo que laquo si les partenaires nen disposent autrement

laide mateacuterielle est proportionnelle agrave leurs faculteacutes respectives raquo quen outre ils sont laquo tenus solidairement

agrave leacutegard des tiers des dettes contracteacutees par lun deux pour les besoins de la vie courante raquo quainsi

contrairement aux personnes vivant en concubinage les partenaires sont assujettis agrave des obligations

financiegraveres reacuteciproques et agrave leacutegard des tiers que toutefois les dispositions du code civil ne confegraverent aucune

compensation pour perte de revenus en cas de cessation du pacte civil de solidariteacute au profit de lun des

partenaires ni aucune vocation successorale au survivant en cas de deacutecegraves dun partenaire 7Consideacuterant en

troisiegraveme lieu que le reacutegime du mariage a pour objet non seulement dorganiser les obligations personnelles

mateacuterielles et patrimoniales des eacutepoux pendant la dureacutee de leur union mais eacutegalement dassurer la protection

de la famille que ce reacutegime assure aussi une protection en cas de dissolution du mariage 8 Consideacuterant

par suite que le leacutegislateur a dans lexercice de la compeacutetence que lui reconnaicirct larticle 34 de la Constitution

deacutefini trois reacutegimes de vie de couple qui soumettent les personnes agrave des droits et obligations diffeacuterents que la

diffeacuterence de traitement quant au beacuteneacutefice de la pension de reacuteversion entre les couples marieacutes et ceux qui

vivent en concubinage ou sont unis par un pacte civil de solidariteacute ne meacuteconnaicirct pas le principe deacutegaliteacute

Consultaacutevel em httpswwwconseil-constitutionnelfrdecision20112011155QPChtm 144 Para anaacutelise de alguns dados estatiacutesticos relativamente agrave evoluccedilatildeo do nuacutemero de PACS registados entre

2000 e 2007 Cfr BRIGITTE HESS-FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HEacuteLEgraveNE HESS ob cit

p78 Consultar httpswwwinseefrfrstatistiques2381498 para anaacutelise do nuacutemero de casamentos e PACS

em relaccedilotildees heterossexuais entre 1990 e 2019 sendo de realccedilar que em 2018 o nuacutemero de casamentos e de

PACS foi muito semelhante verificando-se uma diferenccedila de 28 mil casamentos em relaccedilatildeo aos PACS

Relativamente agraves relaccedilotildees homossexuais a diferenccedila eacute ainda menor sendo os dados quase equivalentes

45

Deve ainda obedecer a vaacuterias regras para a sua formaccedilatildeo Soacute pode ser celebrado

entre pessoas maiores de idade que natildeo sejam parentes em linha reta ou colateral ateacute ao

terceiro grau e que natildeo estejam casadas ou tenham celebrado PACS com outra pessoa145 A

sua celebraccedilatildeo deve cumprir as regras do direito comum contratual e natildeo deve ser contraacuterio

agrave ordem puacuteblica A forma sob a qual o acordo deve ser redigido eacute livre porque o artigo 515-

3 do Code Civil natildeo especifica a sua forma e os parceiros podem redigir eles proacuteprios ou

optar que a redaccedilatildeo seja feita por um notaacuterio Por conseguinte os parceiros satildeo livres de

escolher a forma do PACS podendo o acordo ser um ato autecircntico ou um ato privado

Terminada a redaccedilatildeo do acordo os parceiros devem fazer uma declaraccedilatildeo conjunta do

acordo devendo o notaacuterio do registo civil registar o pacto depois de verificar as condiccedilotildees

necessaacuterias para a conclusatildeo do acordo e mandar executar as formalidades de publicaccedilatildeo

previstas no artigo 515-3 Code Civil permitindo que seja oponiacutevel a terceiros Apoacutes a sua

vaacutelida formaccedilatildeo o PACS estaacute em condiccedilotildees de produzir efeitos na vida dos parceiros no

acircmbito pessoal146 e patrimonial regidos pelas disposiccedilotildees dos artigos 515-4 a 515-5-3 do

Code Civil147 Por uacuteltimo a dissoluccedilatildeo do PACS eacute muito mais simples do que a dissoluccedilatildeo

de casamento uma vez que existem apenas quatro situaccedilotildees cada uma das quais com um

procedimento para a dissoluccedilatildeo do mesmo tais como a rutura unilateral a rutura de comum

acordo por casamento dos membros ou de um deles e a morte de um dos membros Os

procedimentos que devem seguir cada uma destas circunstacircncias estatildeo previstos no artigo

515-7 do Code Civil

Sem embargo de todas as condiccedilotildees de forma que o PACS estaacute sujeito haacute algumas

incoerecircncias quanto ao seu regime de prova por terceiros148 Depois do registo do acordo eacute

entregue aos pactuantes um atestado de inscriccedilatildeo em que constam os seus nomes data e

lugar de nascimento e a data do registo do pacto natildeo sendo conservadas pelo notaacuterio as

convenccedilotildees que satildeo exibidas para serem assinadas e para ser verificadas as condiccedilotildees de

validade do acordo Porquanto se um terceiro quiser ter acesso ao conteuacutedo de um PACS

apenas poderaacute fazecirc-lo se pedir aos proacuteprios pactuantes salvaguardando assim o direito agrave

reserva da vida privada dos parceiros

145 Sob pena de nulidade art 515-2 Code Civil 146 Assentam essencialmente no compromisso de viverem em comunhatildeo de vida e de fornecerem ajuda e

assistecircncia muacutetua 147 Cfr BRIGITTE HESS-FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HEacuteLEgraveNE HESS ob cit p 85 148 Cfr MARTA COSTA ob cit p 390

46

53 O Acoacuterdatildeo do STJ de 22 de Marccedilo de 2018 processo

nordm6380169T8CBRC1 S1

Decidimos analisar este Acoacuterdatildeo por entendermos que representa de forma clara os

problemas que a prova da coabitaccedilatildeo causa Demonstrando que natildeo eacute uma questatildeo unacircnime

na jurisprudecircncia pois eacute objeto de decisotildees diacutespares natildeo deixando de ser bem

fundamentadas Em causa estaacute uma accedilatildeo em processo comum que tem como Autor o

Instituto da Seguranccedila Social nomeadamente o Centro Nacional de Pensotildees e como Reacute

quem alega ter mantido uma relaccedilatildeo de uniatildeo de facto com o beneficiaacuterio dessa pensatildeo ateacute

agrave data da morte deste Antes de mais urge atentar brevemente aos factos dados como

provados relevantes para a presente anaacutelise

A Reacute encetou um relacionamento amoroso com o falecido em 1991 passando a ter

relaccedilotildees sexuais e a fazer as refeiccedilotildees com o de cujos na casa onde este vivia Em 1996 a

Reacute passou a pernoitar na casa do de cujos de onde se ausentava nos fins de semana em que

a filha do beneficiaacuterio o visitava duas vezes por mecircs ou quando existia uma discussatildeo entre

o casal Manteve o arrendamento da sua casa para onde ia quando uma destas circunstacircncias

ocorriam suportando os encargos inerentes a esta manutenccedilatildeo Os sujeitos dividiam entre si

as despesas do supermercado e a Reacute acompanhava o beneficiaacuterio agraves consultas e agraves urgecircncias

do hospital sempre que necessaacuterio Na sequecircncia da morte do beneficiaacuterio a 14 de julho de

2015 a Reacute requereu a atribuiccedilatildeo das pensotildees devidas pela morte do mesmo invocando a sua

qualidade de unida de facto por ter vivido com o de cujos em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos

cocircnjuges desde 17 de Agosto de 1991 ateacute agrave sua morte Como prova da qualidade de unida

de facto apresentou atestado emitido pela Junta de Freguesia que certificava que esta residia

em comunhatildeo de mesa e habitaccedilatildeo com o beneficiaacuterio desde 1991 ateacute agrave data da sua morte

documentos exigidos pelo artigo 2ordm-A nordm 4 da LUF Contudo a filha do de cujos informou

o CNP de que a alegaccedilatildeo da Reacute natildeo era verdadeira pois esta sempre residiu em habitaccedilatildeo

distinta do beneficiaacuterio

Note-se que a demonstraccedilatildeo dos factos pressupostos para a relevacircncia juriacutedica da

uniatildeo de facto foi facilitada relativamente ao acesso agraves prestaccedilotildees do Estado no caso de

morte devido agrave possibilidade que eacute dada aos pretensos beneficiaacuterios de determinados

direitos (nomeadamente interessados que pretendam beneficiar dos efeitos previstos na lei

em face dos herdeiros do falecido artigo 2020ordm CCiv do senhorio artigo 1105ordm e 1106ordm

47

CCiv das entidades responsaacuteveis pelo pagamento das prestaccedilotildees por morte artigo 6ordm nordm 2

da LUF) No que respeita ao acesso agraves prestaccedilotildees sociais em caso de morte o artigo 6ordm nordm2

da LUF prevecirc a possibilidade da entidade responsaacutevel pelo pagamento das prestaccedilotildees

previstas nas aliacuteneas e) f) g) do artigo 3ordm caso entenda que existem fundadas duacutevidas sobre

a existecircncia da uniatildeo de facto poder solicitar meios de prova complementares149 e se na

sequecircncia dessas diligecircncias subsistirem duacutevidas a entidade deve promover a competente

accedilatildeo judicial com vista agrave sua comprovaccedilatildeo Foi o que sucedeu no caso em apreccedilo tendo a

entidade responsaacutevel pelo pagamento das prestaccedilotildees sociais por morte - tratando-se do

Instituto da Seguranccedila Social nomeadamente o Centro Nacional de Pensotildees no caso que

estamos a analisar- proposto a competente accedilatildeo judicial150

No seguimento da interposiccedilatildeo desta accedilatildeo pelo ISS a Reacute respondeu afirmando que

durante 24 anos viveu em comunhatildeo de mesa cama e casa com o de cujos e alegou que natildeo

se desfez da sua casa por uma questatildeo de precauccedilatildeo O Tribunal da 1ordf instacircncia julgou a accedilatildeo

parcialmente procedente e julgou natildeo reconhecida a vivecircncia em situaccedilatildeo de uniatildeo de facto

entre a Reacute e o beneficiaacuterio A Reacute recorreu para o Tribunal da Relaccedilatildeo que a 2 de novembro

149 Designadamente declaraccedilatildeo emitida pela Autoridade Tributaacuteria e Aduaneira ou pelo Instituto dos Registos

e do Notariado I P onde se ateste que agrave data da morte os membros da uniatildeo de facto tinham domiciacutelio fiscal

comum haacute mais de dois anos ndash art 6ordm nordm 2 da LUF 150 No entender de RITA XAVIER ldquoA Uniatildeo de Facto e a Lei Civil no Ensino de Francisco Manuel Pereira

Coelho e Legislaccedilatildeo Atualrdquo ob cit p 685 deveraacute tratar-se de uma accedilatildeo de simples apreciaccedilatildeo negativa

(prevista no art 10ordm nordm 3 al a) CPC) que visa declarar que determinada pessoa natildeo beneficia ou natildeo tem um

certo direito E embora o oacutenus de propositura da accedilatildeo recaia sobre a entidade responsaacutevel pelo pagamento das

prestaccedilotildees sociais compete ao membro sobrevivo da uniatildeo de facto a prova dos factos constitutivos do seu

direito Vide Art 343ordm n ordm1 CCiv 1 Nas accedilotildees de simples apreciaccedilatildeo ou declaraccedilatildeo negativa compete ao

reacuteu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga E ainda a este propoacutesito vide Acoacuterdatildeo Tribunal

da Relaccedilatildeo de Coimbra de 16102012 proferido no acircmbito do processo nordm 50091TBALDC1 A accedilatildeo

declarativa de simples apreciaccedilatildeo negativa - ou seja uma accedilatildeo pela qual se procura ldquohellip obter unicamente a

declaraccedilatildeo da hellip inexistecircncia de um direito ou de um factordquo (artigo 4ordm nordm 2 al a) do CPC) - destina-se desde

logo a definir uma situaccedilatildeo juriacutedica tornada incerta - o demandante pretende reagir contra uma situaccedilatildeo de

incerteza que o impede de auferir todas as vantagens normalmente proporcionadas pela relaccedilatildeo juriacutedica

material que lhe causa um dano patrimonial ou moral apreciaacutevel (hellip) A causa de pedir nas accedilotildees de simples

apreciaccedilatildeo negativa consubstancia-se na inexistecircncia do direito e nos factos materiais pretensamente

cometidos pelo demandado que determinaram o estado de incerteza Em sentido inverso mais recentemente

vide o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 24-04-2019 proferido no acircmbito do processo

12025160T8LRSL1-2 (hellip) trata-se de uma acccedilatildeo proposta pelo ISS a pedir que o requerente comprove no

processo a existecircncia da situaccedilatildeo juriacutedica que se arroga O ISS natildeo nega que a uniatildeo de facto tenha existido

diz que tem duacutevidas sobre a sua existecircncia e por isso pede que o requerente seja chamado a comprovar a

existecircncia da situaccedilatildeo juriacutedica em causa Assim trata-se de uma acccedilatildeo de simples apreciaccedilatildeo positiva sui

generis em que a lei atribui ao reacuteu que se arrogou o direito em causa o oacutenus da prova dos factos constitutivos

dele embora natildeo negado pelo Autor O ISS natildeo deve no desenho da lei intentar a acccedilatildeo declarativa para se

declarar a inexistecircncia de uma situaccedilatildeo juriacutedica (o que o ISS natildeo alega nem nega pois que apenas tem

duacutevidas) mas sim para que o reacuteu comprove a existecircncia da situaccedilatildeo juriacutedica a que se arroga Se o reacuteu

conseguir provar os factos necessaacuterios a situaccedilatildeo juriacutedica eacute declarada existente caso contraacuterio natildeo o eacute

48

de 2017 revogou a sentenccedila recorrida e declarou improcedente a accedilatildeo do CNP reconhecendo

a convivecircncia de 24 anos como uma situaccedilatildeo uniatildeo de facto

Por sua vez o ISS interpocircs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiccedila

Nas suas alegaccedilotildees demonstrou a discordacircncia com a decisatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo por

entender que a tese do Tribunal de1ordf Instacircncia que defendia que o relacionamento da Reacute e

do de cujos natildeo revestia as caracteriacutesticas que o tornavam anaacutelogo ao dos cocircnjuges seria a

correta Defendem que apesar da Reacute e o de cujos terem mantido relaccedilotildees sexuais e esta

pernoitasse quase sempre na casa do mesmo ela mantinha a sua casa onde dormia

pontualmente e onde guardava os seus pertences o que indicava que natildeo sentia a morada

comum como sua Ademais embora fizessem refeiccedilotildees em comum natildeo havia comunhatildeo

patrimonial jaacute que as compras eram custeadas de forma alternada por um ou por outro e era

feita uma separaccedilatildeo bem definida das despesas inerentes a cada uma das casas

Na 2ordf Instacircncia o Tribunal da Relaccedilatildeo entendeu que natildeo era imprescindiacutevel que a

relaccedilatildeo de uniatildeo de facto natildeo fosse interrompida pela saiacuteda de um dos membros da morada

em comum quando ocorram desentendimentos ou discussotildees dado que esta circunstacircncia

tambeacutem se verifica no casamento podendo levar agrave interrupccedilatildeo esporaacutedica da comunhatildeo que

eacute proacutepria desse instituto e natildeo eacute por isso que se pode dizer que a comunhatildeo de habitaccedilatildeo fica

descaracterizada151 Na sua tese o tribunal referido defende tambeacutem que o facto de a Reacute ter

mantido a sua casa por querer manter a propriedade daquele imoacutevel por motivos que soacute a ela

dizem respeito - o que leva a que seja da sua responsabilidade suportar os encargos que dela

advenham - natildeo seria suficiente para colocar em causa a residecircncia em comum com o

falecido Para enfatizar a tese de que a morada comum dos sujeitos seria o imoacutevel em que

os dois viviam o tribunal realccedila o facto do Autor ter citado a Reacute nessa morada para a accedilatildeo

em causa O tribunal considera que a comunhatildeo de mesa leito e habitaccedilatildeo eacute o que define a

151 Veja-se a tiacutetulo de exemplo mutatis mutandis o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 24042019

no acircmbito do processo 12025160T8LRSL1-2 que jaacute se teve a oportunidade de mencionar Para que se possa

dizer que cessou a uniatildeo de facto natildeo basta constatar a existecircncia de uma separaccedilatildeo de facto Tem que se

provar tambeacutem que existe da parte de pelo menos um dos unidos de facto o propoacutesito de natildeo a restabelecer

E por isso embora o facto de os unidos de facto deixarem de dormir na mesma casa comerem agrave mesma mesa

e viver debaixo do mesmo tecto aponte para a falta de comunhatildeo de vida tal natildeo basta para se poder concluir

pela cessaccedilatildeo da uniatildeo de facto devendo fazer-se ainda a prova do elemento subjectivo da vontade de pelo

menos um deles romper com a uniatildeo de facto (de forma directa ou atraveacutes de um conjunto suficientemente

significativo de circunstacircncias objectivas que apontem nesse sentido isto eacute que o permitam afirmar com base

numa presunccedilatildeo natural ou judicial) Indo ainda mais longe na decisatildeo ao referir que se considera que a

sentenccedila teve razatildeo em considerar irrelevante o periacuteodo de separaccedilatildeo de 3 meses entre a reacute e o beneficiaacuterio

(hellip)

49

convivecircncia anaacuteloga agrave dos cocircnjuges exigida pelo artigo 1ordm nordm 2 da LUF E que encontrando-

se demonstrado que a Reacute encetou desde 1991 ateacute ao falecimento do beneficiaacuterio um

relacionamento onde mantinham relaccedilotildees sexuais faziam refeiccedilotildees conjuntas com amigos e

familiares na morada comum pagavam alternadamente as despesas com alimentaccedilatildeo e

ainda havia o acompanhamento do falecido pela Reacute a consultas meacutedicas e atendimento nas

urgecircncias mostram-se suficientemente comprovados os requisitos da declaraccedilatildeo de uniatildeo

de facto que se tem por estabelecida durante o todo esse lapso temporal

Estamos aqui perante duas decisotildees distintas e cada uma delas fundamenta a sua

decisatildeo com argumentos vaacutelidos e plausiacuteveis o que reflete uma vez mais a dificuldade

imanente a esta questatildeo Estaacute em causa uma relaccedilatildeo de convivecircncia e auxiacutelio de 24 anos que

devido aos requisitos que se exige que sejam comprovados ou por questotildees que natildeo se

colocariam se do instituto do casamento se tratasse se vecirc posta em causa a atribuiccedilatildeo de uma

pensatildeo de sobrevivecircncia por natildeo se conseguir provar a qualidade de unida de facto pela Reacute

A situaccedilatildeo sub judice eacute cada vez mais frequente nos tempos que correm Vaacuterios sujeitos que

pelo facto de serem divorciados ou viuacutevos refazem a sua vida ao lado de outra pessoa sem

assumir o compromisso do casamento Por natildeo quererem ou por natildeo lhes convir como eacute o

exemplo dos viuacutevos que recebam pensatildeo de sobrevivecircncia e se voltarem a casar perdem o

direito a esse benefiacutecio Ou ateacute por questotildees de praticidade por natildeo quererem estar sujeitos

a um regime que impotildee diversas consequecircncias como eacute o instituto do casamento Eacute neste

tipo de situaccedilotildees que se deve pensar quando se pretende equiparar a uniatildeo de facto ao

instituto do casamento Haacute efetivamente quem natildeo queira ser abrangido por uma

regulamentaccedilatildeo tatildeo ampla e o que para uns podem ser consideradas desvantagens no que

respeita ao regime mais liberal da uniatildeo de facto para outros podem ser as vantagens que

pesam na escolha deste regime como modo de vida em conjunto

Resta finalmente aludir agrave efetiva decisatildeo do STJ Tendo por base o Acoacuterdatildeo do

STJ de 9-07-2014152 que refere que se deve pensar na vivecircncia de dois cocircnjuges em situaccedilatildeo

de normalidade ou vulgaridade inseridos na cultura a que pertencemos e eacute aiacute que se haacute-de

encontrar o preenchimento do conceito de laquocondiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjugesraquo decide

que o quadro factual que estaacute em causa na situaccedilatildeo em anaacutelise natildeo eacute suficiente para dar como

152 Processo nordm 3076111TBLLEE1 S1 Consultaacutevel em

httpwwwdgsiptjstjnsf954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa8140b2f2587cb42fbd180257d16005402d4Op

enDocument

50

provada a existecircncia entre a Reacute e o de cujos de uma convivecircncia em economia comum

Considerando que essa convivecircncia se caracteriza pela situaccedilatildeo de pessoas que vivam em

comunhatildeo de mesa e habitaccedilatildeo com base num lar em sentido familiar moral e social e com

base numa economia domeacutestica em comum e pelo facto de a Reacute pernoitar na casa do falecido

mas manter sempre a sua casa onde conservou os seus pertences e objetos demonstrava que

esta natildeo sentia a casa do beneficiaacuterio como sua E ainda que a Reacute natildeo provou como lhe

competia por forccedila do artigo 342ordm nordm 1 do CCiv que faziam toda a vida de casal na casa do

de cujos e que manteve a sua casa arrendada para acautelar a possibilidade da filha do

beneficiaacuterio quisesse voltar a viver na casa do mesmo Aleacutem disso a Reacute natildeo conseguiu

provar que o beneficiaacuterio pernoitava na sua casa e que a esta tambeacutem servia para os amigos

ficarem a dormir O STJ conclui que natildeo obstante partilhassem refeiccedilotildees na casa do de

cujos natildeo se via que existisse uma economia domeacutestica em comum Caracteriacutestica que estaacute

intrinsecamente ligada ao modo de vida dos cocircnjuges existindo nesta situaccedilatildeo economias

separadas por serem custeadas alternadamente as despesas de supermercado e por cada um

se responsabilizar pelos gastos de cada casa Desta feita concluiu que natildeo se verificava a

vivecircncia em economia comum necessaacuteria para que se considerasse a situaccedilatildeo como uma

uniatildeo de facto como invocou a Reacute revogando o acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo e mantendo

a sentenccedila proferida pelo Tribunal de 1ordf Instacircncia que julgou natildeo reconhecida a vivecircncia em

situaccedilatildeo de uniatildeo de facto entre a Reacute e o beneficiaacuterio falecido agrave data da sua morte

Para terminar importa dizer que tendemos a concordar com a decisatildeo do Tribunal

da Relaccedilatildeo Note-se que estatildeo em causa 24 anos de convivecircncia em comum e auxiacutelio muacutetuo

que implicava a manutenccedilatildeo de relaccedilotildees sexuais de refeiccedilotildees conjuntas de suporte a niacutevel

de acompanhamento meacutedico e natildeo menos importante a companhia inerente agrave convivecircncia

que em idades mais avanccediladas pode ser um fator relevante para manterem entre si um

relacionamento Natildeo se devendo esquecer conforme mencionam os factos comprovados

que a filha do de cujos em 1996 foi trabalhar e viver para outra cidade ficando longe do pai

e visitando-o apenas duas vezes por mecircs ao fim-de-semana Tal significava que o auxiacutelio

que o de cujos necessitava nomeadamente nos acompanhamentos a consultas meacutedicas e

mesmo agraves urgecircncias se assim fosse necessaacuterio era dado pela Reacute Gerando menos

preocupaccedilotildees e encargos agrave filha do beneficiaacuterio falecido conseguindo manter a sua

normalidade e rotina se uma destas circunstacircncias ocorressem pois sabia que o seu pai estava

51

a ser apoiado pela Reacute que despendia do seu tempo para lhe fornecer cuidados e auxiacutelio

sempre que necessaacuterio

Ora eacute necessaacuterio refletir que a convivecircncia e coabitaccedilatildeo de duas pessoas em

situaccedilotildees destas pode ir para aleacutem da vivecircncia em economia comum Pode verificar-se no

caso em apreccedilo o cumprimento dos deveres de coabitaccedilatildeo cooperaccedilatildeo e assistecircncia inerentes

aos deveres conjugais previstos no artigo 1672ordm CCiv Poreacutem apesar de natildeo se verificar

uma verdadeira vivecircncia em economia comum que o STJ considera como caracteriacutestica do

modo de vida proacuteprio dos cocircnjuges por haver uma separaccedilatildeo bem definida das despesas

alimentares bem como dos encargos resultantes das casas de cada um verificam-se outras

caracteriacutesticas presentes no modo de vida proacuteprio dos cocircnjuges que tambeacutem relevam e natildeo

devem ser desconsideradas Devemos ter em conta que pode ter sido opccedilatildeo dos sujeitos viver

com economias separadas o que natildeo invalida que a sua situaccedilatildeo seja qualificada como uniatildeo

de facto em virtude de natildeo haver nenhuma norma na LUF que imponha qualquer tipo de

obrigaccedilatildeo aos unidos no que respeita a fazerem economias conjuntas

No que concerne agrave manutenccedilatildeo por parte da Reacute de outra casa e de laacute pernoitar

pontualmente cremos que natildeo eacute suficiente para pocircr em causa a verificaccedilatildeo da qualificaccedilatildeo

da relaccedilatildeo como uniatildeo de facto A ocorrecircncia da interrupccedilatildeo momentacircnea da coabitaccedilatildeo natildeo

eacute razatildeo para que natildeo se possa considerar a relaccedilatildeo convivencial entre duas pessoas como tal

Entre os cocircnjuges tambeacutem podem ocorrer situaccedilotildees que interrompam a sua coabitaccedilatildeo e

indo mais longe devemos recordar as situaccedilotildees em que cocircnjuges por motivos profissionais

veem a sua convivecircncia interrompida eg durante a semana e soacute estatildeo juntos ao fim-de-

semana devido agrave deslocaccedilatildeo de um deles para outra cidade153 Natildeo sendo mesmo assim

posta a sua convivecircncia em causa por forccedila do artigo 1673ordm CCiv que prevecirc esta

possibilidade Acontecendo o mesmo com membros da uniatildeo de facto deveraacute colocar-se a

sua convivecircncia em crise Seraacute a uniatildeo de facto uma simples comunhatildeo de casa Ou por

outro lado uma comunhatildeo de vida Com tudo o que isso implique para os sujeitos que

formam a relaccedilatildeo que se devem reger por criteacuterios subjetivos nessa mateacuteria

De forma a enfatizar o facto de existirem cada vez mais formas de organizaccedilatildeo

familiar e de se notar uma modernizaccedilatildeo constante nesta mateacuteria vale a pena referirmos que

existe tambeacutem uma forma de organizaccedilatildeo da vida em comum a par da uniatildeo de facto e a

153 Cfr neste sentido MARIA MARGARIDA PEREIRA ob cit p 650

52

uniatildeo conjugal que se designa de uniatildeo sem comunhatildeo154 Esta uniatildeo acontece quando as

partes decidem residir em locais distintos sem abdicarem de outros elementos que formam

um casal como a manutenccedilatildeo de relaccedilotildees sexuais a fidelidade e a entreajuda Pretendem

levar uma vida a dois no entanto natildeo querem residir no mesmo local Eacute uma forma de

organizaccedilatildeo da vida em comum que natildeo eacute mencionada pelo legislador que natildeo conjeturou

um caminho que estivesse entre o tudo e o nada155 uma vez que regula o casamento a uniatildeo

de facto o divoacutercio e a separaccedilatildeo O facto de natildeo haver comunhatildeo de habitaccedilatildeo neste tipo

de relaccedilotildees natildeo permite que se fale na hipoacutetese de ser considerada uniatildeo de facto Todavia

o que estaacute aqui em causa natildeo eacute a interrupccedilatildeo esporaacutedica ou pontual da coabitaccedilatildeo como

acontece no caso que temos vindo a analisar Mas antes a existecircncia de duas residecircncias

distintas natildeo havendo uma coabitaccedilatildeo entre o casal por escolha dos proacuteprios preferindo

uma organizaccedilatildeo da sua vida em comum de forma separada no que respeita agrave coabitaccedilatildeo

mantendo todos os outros elementos que relevam para a sua consideraccedilatildeo como um casal

Tudo isto para dizer que estamos perante uma eacutepoca onde o pluralismo jusfamiliar eacute uma

realidade e que talvez seja necessaacuteria uma atualizaccedilatildeo legislativa que acompanhe os tempos

que vivemos no tocante a estas mateacuterias156157

54 Soluccedilatildeo proposta

Aqui chegados e depois de analisar as soluccedilotildees que vigoram noutros ordenamentos

juriacutedicos eacute importante aventar a soluccedilatildeo que cremos que melhor resolveraacute os problemas que

o atual regime juriacutedico da uniatildeo facto levanta

Jaacute haviacuteamos proposto supra a densificaccedilatildeo do atual regime legal da uniatildeo de facto

com objetivo de assegurar uma maior proteccedilatildeo dos membros natildeo obstante o respeito da

vontade das partes de se submeter ou natildeo a tais consequecircncias juriacutedicas visto que natildeo se

trataria portanto de um regime imperativo automaticamente aplicaacutevel a quem opte por

conviver em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges

154 LAT (Living Apart Together) Cfr JORGE DUARTE PINHEIRO ob cit p 558 155 Cfr JORGE DUARTE PINHEIRO ob cit p 558 156 Idem 157 JORGE DUARTE PINHEIRO termina o ponto dedicado a esta mateacuteria questionando o que impede a receccedilatildeo

legal no nosso ordenamento de uma uniatildeo sem comunhatildeo de habitaccedilatildeo que beneficie de um estatuto proacuteprio

e que pudesse incluir a possibilidade da figura ser constituiacuteda por cocircnjuges suspendendo de forma consensual

o dever de coabitaccedilatildeo que agrave luz dos arts 1618ordm 1672ordm 1699ordm n ordm1 al b) CCiv eacute proibido atualmente

53

Cabe agora desenvolver esta proposta Apesar de haver quem encare a uniatildeo de

facto com uma visatildeo mais liberal e consequentemente entenda que esta natildeo deve gerar

muitos efeitos juriacutedicos por forma a respeitar-se a liberdade de escolha de cada um

acreditamos que o Direito natildeo deve ignorar as situaccedilotildees que merecem tutela juriacutedica E

apesar de haver uma regulamentaccedilatildeo juriacutedica da uniatildeo de facto no nosso ordenamento a

proteccedilatildeo por ela oferecida eacute meramente assistencial158 funcionando essencialmente em

situaccedilotildees de crise159

Natildeo se deve olvidar que a uniatildeo de facto na nossa ordem juriacutedica eacute um verdadeiro

ato juriacutedico e os seus efeitos natildeo dependem da vontade dos membros pois produzem-se ex

logo160 A soluccedilatildeo vigente concede certos efeitos aos membros da uniatildeo de facto apoacutes a

convivecircncia por dois anos sem que estes declarem expressamente a sua pretensatildeo A sua

uacutenica declaraccedilatildeo eacute a vontade de viver em plena comunhatildeo de vida Deveraacute daiacute aferir-se a

vontade de assumir efeitos juriacutedicos Acreditamos que a soluccedilatildeo atual apesar de ter como

objetivo o respeito pela autonomia privada e a vontade das partes natildeo o faz Estabelece

efeitos juriacutedicos a situaccedilotildees de facto que natildeo tem como controlar por natildeo haver nenhum tipo

de registo

Enquanto esta for a natureza da uniatildeo de facto e natildeo houver um ato constitutivo por

parte de uma autoridade puacuteblica ou outra formalidade a situaccedilatildeo de facto natildeo pode suscitar

um regime juriacutedico muito denso mas somente algumas medidas de proteccedilatildeo Dificilmente

se poderaacute ir mais longe no que concerne agrave atribuiccedilatildeo de efeitos juriacutedicos sem uma autecircntica

formalizaccedilatildeo das vontades das partes de intencionar um regime mais firme

Deste modo concomitantemente com a consolidaccedilatildeo do seu regime proacuteprio

julgamos ainda ser importante sujeitar estas relaccedilotildees a registo161

158 () o direito portuguecircs continua a ser daqueles que atribui menos efeitos juriacutedicos agrave uniatildeo de facto Apenas

se consagram soluccedilotildees do tipo ldquoassistencialrdquo que um Estado moderno tem de adotar qualquer que seja a

opccedilatildeo de vida escolhida pelos cidadatildeos Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 153 159 () continua a acolher-se neste domiacutenio uma proteccedilatildeo fragmentaacuteria e especialmente dirigida a cenaacuterios

de crise em que as debilidades dos seus membros se concretizam ou manifestam com mais intensidade Cfr

RUTE TEIXEIRA PEDRO ob cit p 310 160 Cfr MARTA COSTA ob cit p 151 161 Cfr JOAtildeO PARRACHO COELHO considera que sendo a uniatildeo de facto um ato livre a opccedilatildeo pelo registo

determinaria que aqueles que unidos numa relaccedilatildeo para-matrimonial desejem beneficiar de direitos e deveres

juriacutedico - sociais paralelos aos atribuiacutedos agrave famiacutelia claacutessicaformallegal podem alcanccedilar um estatuto especiacutefico

mediante a inscriccedilatildeo da sua uniatildeo de facto em algum registo puacuteblico a criar para o efeito ldquoA Famiacutelia

perspectiva evolutiva do conceito tradicionalrdquo in Revista do Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico

nordm 54 3ordm trimestre1993 p 116

54

Inspiramos esta soluccedilatildeo no ordenamento juriacutedico francecircs por julgarmos oferecer

uma regulaccedilatildeo juriacutedica ampla dos tipos de convivecircncia fora do casamento distinguindo o

concubinage do pacte civil de solidariteacute Podendo optar-se pelo concubinato natildeo se

submetendo a quaisquer consequecircncias juriacutedicas ou pelo PACS a que subjaz um regime

proacuteprio e efeitos juriacutedicos que garantem a sua proteccedilatildeo Desta forma e socorrendo-nos em

parte da sugestatildeo ora mencionada do partido Bloco de Esquerda aquando da apresentaccedilatildeo

do Projeto de Lei nordm45VIII prevendo um registo das uniotildees nas juntas de freguesia da aacuterea

de residecircncia das pessoas que vivem em uniatildeo de facto ou a sua constituiccedilatildeo apoacutes dois anos

de convivecircncia sem necessidade de registo acreditamos que o Registo Civil das uniotildees de

facto seraacute a soluccedilatildeo mais acertada para proporcionar a certeza e seguranccedila juriacutedicas que se

pretende alcanccedilar com a inscriccedilatildeo no mesmo162

Antecipando desde jaacute as criacuteticas que poderatildeo surgir a esta soluccedilatildeo tais como a

possibilidade de recurso ao casamento para precaver todas as situaccedilotildees supramencionadas e

ainda o excessivo formalismo que daqui poderaacute advir natildeo devendo o direito proteger uma

situaccedilatildeo que as partes natildeo quiseram que fosse protegida desrespeitando-se a sua vontade

cumpre tecer algumas consideraccedilotildees Primeiramente o casamento trata de uma realidade

como jaacute tivemos a oportunidade de analisar com natureza muito distinta da uniatildeo de facto

Os casais tecircm o direito de escolher o tratamento juriacutedico que datildeo agrave sua convivecircncia pessoal

podendo simplesmente querer viver em uniatildeo de facto e natildeo se submeterem ao regime do

casamento Denote-se para este efeito que viver agrave margem do casamento natildeo significa

querer viver agrave margem do Direito Nesta senda e em segundo lugar parece-nos que a ideia

Napoleoacutenica de que se os concubinos natildeo se interessam pela lei a lei tambeacutem natildeo se

interessa por eles jaacute estaacute ultrapassada A formalidade do registo apenas garantiraacute a liberdade

de escolha das partes assegurando que aqueles que optam por ele satildeo os que pretendem

submeter-se aos efeitos juriacutedicos previstos legalmente Natildeo se tratando de um regime

automaacutetico aplicaacutevel pelo simples decurso do tempo que os sujeita a um regime que natildeo

162 Concordamos portanto com a posiccedilatildeo propugnada por ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoUniatildeo de facto a

pertinecircncia de registo a problemaacutetica da separaccedilatildeo de pessoas e bens e a contagem do prazo de convivecircnciardquo

in Casamento e Uniatildeo de facto questotildees de jurisdiccedilatildeo civil Coleccedilatildeo Formaccedilatildeo Contiacutenua CEJ Novembro

2020 p71 segundo a qual as uniotildees devem ser dignas de Registo Civil pois os registos municipais natildeo

serviratildeo o propoacutesito por natildeo contribuiacuterem para a certeza e seguranccedila juriacutedicas uma vez que natildeo existe uma

base de dados nacional podendo-se potenciar muacuteltiplos registos

55

mostraram pretender163 A soluccedilatildeo que propomos funda-se no respeito pela vontade das

partes e no princiacutepio da liberdade contratual aleacutem de ser a mais compatiacutevel com a certeza e

seguranccedila juriacutedicas Bastando-lhes a verificaccedilatildeo dos requisitos necessaacuterios agrave constituiccedilatildeo no

momento da sua inscriccedilatildeo no registo Relativamente agrave exigecircncia do decurso de um

determinado periacuteodo para que a convivecircncia seja registada defendemos que a resposta deve

passar por natildeo ser exigida uma convivecircncia preacutevia Permitindo que duas pessoas que

queiram conviver nestes moldes se dirigiram a uma entidade competente e registem a sua

convivecircncia que pode jaacute existir ou iniciar-se nesse momento164

No fundo com a soluccedilatildeo que propugnamos pretendemos a coexistecircncia de trecircs vias

de conjugalidade O casamento que continuaria a ser regulado de igual forma as uniotildees

registadas em que as partes inscrevem a sua relaccedilatildeo no registo para que desta decorram

efeitos juriacutedicos mas que natildeo se confundem com os do casamento e por uacuteltimo as uniotildees

meramente de facto desprovidas de efeitos juriacutedicos Contudo em relaccedilatildeo a estas

acreditamos que algumas situaccedilotildees devem ser protegidas como a de um dos membros querer

viver livre de efeitos juriacutedicos e o outro apenas tolerar a situaccedilatildeo apesar da sua vontade natildeo

ser exatamente essa Eacute entatildeo necessaacuterio acautelar situaccedilotildees como esta em que no caso de

morte de algum deles o membro sobrevivo fosse aquele que pretendia uma maior

intervenccedilatildeo juriacutedica na sua convivecircncia Aqui deveraacute atribuir-se a este uacuteltimo uma proteccedilatildeo

miacutenima desde que a requeira Salvaguardando desta forma a liberdade e autonomia privada

de cada um sem que nada se lhes imponha a natildeo ser que o solicitem Isto quer dizer que soacute

seratildeo uniotildees meramente de facto aquelas em que a falta de reconhecimento de efeitos

juriacutedicos decorre de uma exteriorizaccedilatildeo das partes Por outras palavras essa categorizaccedilatildeo

resulta de uma falta de manifestaccedilatildeo das partes nesse sentido evitando as situaccedilotildees em que

a sua ineacutercia ndash justificada por natildeo pretenderem a ingerecircncia do Direito ndash resulte no confronto

com um regime legal que natildeo manifestaram querer

163 Neste sentido cabe referir a jaacute mencionada Ley 22003 7 de mayo reguladora de las parejas de hecho do

Paiacutes Vasco que na sua exposiccedilatildeo de motivos adverte para o facto do registo ser uma forma de evitar que os

membros que natildeo desejam que as suas uniotildees sejam acolhidas legalmente sejam reguladas contra a sua vontade

() el Registro de Parejas de Hecho que crea la propia ley registro que tiene una especial importancia al

tener la inscripcioacuten el caraacutecter de constitutiva lo que se hace precisamente para evitar que aquellas parejas

que no deseen en modo alguno acogerse a la ley se vean sometidas contra su voluntad a un reacutegimen de

derechos y obligaciones como el aquiacute recogido 164 Cfr MARTA COSTA ob cit p 396 No mesmo sentido ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoUniatildeo de facto versus

Casamento ndash Questotildees pessoais e patrimoniaisrdquo ob cit p 178

56

Realccedilamos ainda que o registo das uniotildees de facto aleacutem de salvaguardar a certeza

e seguranccedila juriacutedicas permitiria agraves partes invocar a qualquer altura atraveacutes de um meio

idoacuteneo e fidedigno a sua convivecircncia facilitando a prova destas relaccedilotildees e dirimindo as

dificuldades que dessa prova advecircm165 Cremos ser esta a principal e grande vantagem da

soluccedilatildeo que propomos e a que realmente interessa no presente estudo O atual regime de

prova eacute falho pois as declaraccedilotildees referidas no nordm 2 do artigo 2ordmA da LUF emitidas pela

junta de freguesia nunca seratildeo suficientes para garantir a proteccedilatildeo de uma relaccedilatildeo de facto

por natildeo servirem como prova plena aleacutem de natildeo ser possiacutevel atestar a inexistecircncia de

impedimentos por esta via

Em suma como benefiacutecios advindos do registo consideramos natildeo soacute o que toca agrave

sociedade em geral a quem seria transmitida maior certeza e seguranccedila relativamente agrave

existecircncia daquelas relaccedilotildees mas tambeacutem a publicidade que eacute conferida agraves mesmas

desonerando os conviventes de um regime de prova tatildeo sinuosa da sua relaccedilatildeo para

beneficiarem de certos direitos

165 Atraveacutes do registo os membros da uniatildeo registada estariam cientes da repercussatildeo legal da sua uniatildeo

(entre eles e face a terceiros) ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoUniatildeo de facto versus Casamento ndash Questotildees

pessoais e patrimoniaisrdquo ob cit p 180

57

6 Conclusatildeo

A convivecircncia anaacuteloga agrave dos cocircnjuges sem o viacutenculo formal inerente ao casamento

natildeo eacute uma realidade recente A forma como o Direito encara esta figura eacute que foi mudando

ao longo do tempo de acordo com a evoluccedilatildeo das circunstacircncias sociais e histoacutericas Parece-

nos que hoje talvez se imponha uma atualizaccedilatildeo do tratamento legal oferecido agrave uniatildeo de

facto

Desde logo a sua natureza juriacutedica motiva algumas divergecircncias Como vimos

alguns AA entendem que a situaccedilatildeo de facto se deve considerar uma relaccedilatildeo juriacutedica familiar

como as previstas no artigo 1576ordm CCiv por forccedila da sua inclusatildeo no artigo 36ordm n ordm1 CRP

referente agrave constituiccedilatildeo de famiacutelia Por outro lado os AA que defendem que a proteccedilatildeo

constitucional da uniatildeo de facto adveacutem do direito ao desenvolvimento da personalidade

previsto no artigo 26ordm CRP advogam tambeacutem que a convivecircncia more uxorio natildeo deve ser

qualificada como relaccedilatildeo juriacutedica familiar mas sim uma relaccedilatildeo juriacutedica parafamiliar Neste

contexto tendemos a acompanhar a linha de pensamento dos primeiros AA isto por

entendermos que as relaccedilotildees de uniatildeo de facto merecem uma proteccedilatildeo mais abrangente da

que eacute dada pelo artigo 26ordm CRP visto tratar-se de uma proteccedilatildeo geneacuterica que natildeo se coaduna

com a importacircncia social que a uniatildeo de facto vem tendo Jaacute a proteccedilatildeo conferida pelo artigo

36ordm nordm 1 CRP eacute de facto mais consentacircnea com a proteccedilatildeo que este tipo de relaccedilotildees merece

e cremos que essa teraacute sido a intenccedilatildeo do proacuteprio legislador constitucional Eacute de realccedilar por

uacuteltimo que considerar a uniatildeo de facto protegida constitucionalmente pelo artigo 36ordm nordm 1

CRP natildeo quer dizer que o seu regime legal deva ser igual ao regime do casamento

Como tambeacutem jaacute referimos o proacuteprio regime legal da uniatildeo de facto previsto na

Lei nordm 72001 de 1105 alterada pela lei 232010 de 3008 eacute considerado parco e omisso

em relaccedilatildeo a algumas questotildees relevantes para a proteccedilatildeo dos membros dessa relaccedilatildeo Natildeo

obstante a natildeo equiparaccedilatildeo dos regimes legais do casamento e da uniatildeo de facto tal natildeo

significa que natildeo seja necessaacuterio um reforccedilo do atual regime legal da uniatildeo de facto

Devendo optar-se por um caminho que consolide os efeitos juriacutedicos da uniatildeo de facto

possibilitando um regime proacuteprio enrobustecido aos que apesar de natildeo escolherem a via do

casamento pretendam uma proteccedilatildeo mais firme e por outro lado dar aos que pretendam uma

uniatildeo sem consequecircncias juriacutedicas a liberdade de escolha de sujeiccedilatildeo ou natildeo a um regime

legal

58

Paralelamente de forma a diferenciar estas duas situaccedilotildees julgamos ainda ser

importante a sujeiccedilatildeo destas relaccedilotildees a um eventual registo civil que traraacute consigo a certeza

e seguranccedila juriacutedicas relativamente agrave existecircncia destas relaccedilotildees perante a sociedade e ainda

a consequente publicidade advinda dessa inscriccedilatildeo que desoneraraacute os membros de um

regime de prova tatildeo sinuoso Salvaguardando desta forma aqueles que pretendem uma

coabitaccedilatildeo com a miacutenima ingerecircncia juriacutedica Em suma ambicionamos a coexistecircncia de

trecircs vias de conjugalidade sendo elas o casamento as uniotildees registadas e por fim as uniotildees

meramente de facto

Damos como certo que esta eacute uma mudanccedila que natildeo deveraacute ser imediata Aquilo que

propomos eacute na verdade uma soluccedilatildeo que deveraacute isso sim dar azo a uma discussatildeo contiacutenua

que possa contribuir para um aperfeiccediloamento e atualizaccedilatildeo deste regime

59

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64

PEREZ FERNANDEZ Luis ldquoLas Uniones Extramatrimoniales En Espantildea iquestEs Necesaria Su

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PINHEIRO Jorge Duarte ldquoO Direito da Famiacutelia Contemporacircneordquo 6ordf ed reimpressatildeo

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PITAtildeO Joseacute Antoacutenio de Franccedila ldquoOs novos casamentos ou a crise do casamento tradicional

no direito portuguecircs in AAVV Comemoraccedilotildees dos 35 anos do Coacutedigo Civil e dos 25 anos

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PITAtildeO Joseacute Antoacutenio de Franccedila ldquoUniatildeo de Facto no Direito Portuguecircs A propoacutesito da Lei

nordm 13599 de 2808rdquo Coimbra Almedina 2000

PITAtildeO Joseacute Antoacutenio de Franccedila ldquoUniotildees de Facto e Economia Comum de acordo com a

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RUBELLIN-DEVICHI Jacqueline ldquoDroit de la famillerdquo Paris Dalloz 2001 XXXVII

VARELA Joatildeo de Matos Antunes ldquoDireito da Famiacuteliardquo 5ordf ed vol I Lisboa Livraria

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XAVIER M Rita Aranha da Gama Lobo ldquolaquoEstatuto Privadoraquo dos membros da Uniatildeo De

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Francisco Manuel Pereira Coelho e Legislaccedilatildeo Atualrdquo em Textos de Direito da Famiacutelia para

Francisco Pereira Coelho Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016

65

JURISPRUDEcircNCIA

Tribunal Constitucional

bull Acoacuterdatildeo nordm 3361986

bull Acoacuterdatildeo nordm 18881996

Supremo Tribunal de Justiccedila

bull Acoacuterdatildeo 9-07-2014 processo nordm 3076111TBLLEE1 S1

bull Acoacuterdatildeo 22-03-2018 processo nordm 6380169T8CBRC1 S1

Tribunal Central Administrativo Norte

bull Acoacuterdatildeo de 13-11-2020 processo nordm 00090151BECBR

Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra

bull Acoacuterdatildeo de 16-10-2012 processo nordm 50091TBALDC1

bull Acoacuterdatildeo de 08-03-2006 processo nordm 419705JTRC

Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa

bull Acoacuterdatildeo de 15-02-2007 processo nordm 62842006-8

bull Acoacuterdatildeo de 29-11-2012 processo nordm 444092TCFUNL1-A-8

bull Acoacuterdatildeo de 24-04-2019 processo nordm 12025160T8LRSL1-2

Tribunal Europeu dos Direitos Humanos

bull Acoacuterdatildeo JOHNSTON C IRLANDA de 18 de dezembro de 1986

bull Acoacuterdatildeo KEEGAN C IRLANDA de 26 de maio de 1994

Tribunal Constitucional Espanhol

bull Sentenccedila nordm 1841990 de 15 de novembro Consultaacutevel em

httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-T-1990-29360

bull Sentenccedila nordm 2221992 de 11 de dezembro Consultaacutevel em

httphjtribunalconstitucionaleses-ESResolucionShow2109

bull Sentenccedila nordm 661994 de 28 de fevereiro Consultaacutevel em

httphjtribunalconstitucionalespt-BRResolucionShow2583

66

bull Sentenccedila nordm 391998 de 17 de fevereiro Consultaacutevel em

httphjtribunalconstitucionalesesResolucionShow3541

bull Sentenccedila nordm 1161999 de 17 de junho Consultaacutevel em

httphjtribunalconstitucionaleses-ESResolucionShow3858

Tribunal Constitucional Francecircs

bull Decisatildeo nordm 2011-155 QPC do Conseil Constitutionnel de 29 de julho Consultaacutevel

em httpswwwconseil-constitutionnelfrdecision20112011155QPChtm

3

4

Agrave minha famiacutelia

Ao meu Di

Sempre

5

Teria passado a vida

atormentado e sozinho

se os sonhos me natildeo viessem

mostrar qual eacute o caminho

umas vezes satildeo de noite

outras em pleno de sol

com relacircmpagos saltados

ou vagar de caracol

quem os manda natildeo sei eu

se o nada que eacute tudo agrave vida

ou se eu os finjo a mim mesmo

para ser sem que decida

AGOSTINHO DA SILVA Sonho in Poemas

6

IacuteNDICE

RESUMO 7

ABSTRACT 8

SIGLAS E ABREVIATURAS 9

1 Introduccedilatildeo 11

2 A evoluccedilatildeo da Uniatildeo de Facto no ordenamento juriacutedico portuguecircs 12

3 A uniatildeo de facto e a Constituiccedilatildeo da Reacutepublica Portuguesa 16

31 A uniatildeo de facto e o casamento ndash liberdade mas e proteccedilatildeo 20

4 Constituiccedilatildeo da relaccedilatildeo de Uniatildeo de Facto e os seus efeitos 27

5 O problema da prova da coabitaccedilatildeo 30

51 Consideraccedilotildees gerais 30

52 Comparaccedilatildeo com o regime de outros ordenamentos juriacutedicos na Uniatildeo Europeia 37

521 Espanha 37

522 Franccedila 41

53 O Acoacuterdatildeo do STJ de 22 de Marccedilo de 2018 processo nordm6380169T8CBRC1S1 46

54 Soluccedilatildeo proposta 52

6 Conclusatildeo 57

BIBLIOGRAFIA 59

JURISPRUDEcircNCIA 65

7

RESUMO

A figura da uniatildeo facto eacute uma realidade crescente com cada vez mais importacircncia

na nossa sociedade atual tendo em conta o consideraacutevel nuacutemero de pessoas que opta por

viver desta forma Sendo que pode esse nuacutemero derivar natildeo soacute da liberdade associada a este

regime como tambeacutem do facto de poder ser uma circunstacircncia provisoacuteria e transitoacuteria Pode

ateacute tratar-se de uma circunstacircncia definitiva em virtude de por inuacutemeras razotildees os membros

da uniatildeo de facto natildeo quererem casar ora por natildeo terem condiccedilotildees financeiras para celebrar

um casamento ora por natildeo fazer parte da sua cultura formalizarem a sua relaccedilatildeo

Apesar da importacircncia da uniatildeo de facto e da sua relevacircncia na sociedade o seu

regime juriacutedico eacute parco apresentando lacunas relativamente agraves normas sobre o seu registo

regime de bens entre os membros a sua extinccedilatildeo e efeitos sucessoacuterios Estas e outras

mateacuterias deveriam ter uma regulamentaccedilatildeo mais completa para que se pudesse oferecer uma

maior proteccedilatildeo aos unidos de facto

Pretendemos essencialmente analisar por estar estritamente ligado ao facto de a

uniatildeo de facto natildeo ser objeto de registo civil ou administrativo o problema da prova da

existecircncia e do iniacutecio da situaccedilatildeo de uniatildeo de facto e desta forma refletir sobre as vantagens

que provecircm do registo deste tipo de relaccedilotildees

PALAVRAS-CHAVE uniatildeo de facto prova da coabitaccedilatildeo registo civil

8

ABSTRACT

The figure of consensual union is an increasingly important reality in our society

today given the considerable amount of people who choose to live this way This number

can derive not only from the freedom associated with this regime but also from the fact that

it can be a temporary and transitory circumstance It may even be a definitive circumstance

because for a number of reasons the unmarried partners do not want to get married either

because they do not have the financial means to enter into a marriage or because it is not part

of their culture to formalise their relationship

Despite the importance of the non-marital partnership and its relevance in society

its legal system is scarce with gaps regarding the rules on its registration the system of

property between members its extinction and inheritance effects These and other matters

should be regulated more fully in order to offer greater protection to consensual union

The main aim is to analyse as it is strictly linked to the fact that consensual union

is not subject to civil or administrative registration the problem of proving the existence and

the beginning of this situation and thus reflect on the advantages that come from the

registration of this type of relationship

KEYWORDS non-marital partnership proof of cohabitation civil registry

9

SIGLAS E ABREVIATURAS

A- Autor

AA- Autores

Ac- Acoacuterdatildeo

Art ndash Artigo

Arts ndash Artigos

Ed - Ediccedilatildeo

In - Em

ob cit - Obra Citada

p ndash paacutegina

pp paacuteginas

ss - Seguintes

vg - verbi gratia

Vol ndash Volume

CCiv ndash Coacutedigo Civil

CEDH ndash Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem

CNP- Centro Nacional de Pensotildees

CPC ndash Coacutedigo de Processo Civil

CReg Civ ndash Coacutedigo de Registo Civil

CRP ndash Constituiccedilatildeo da Reacutepublica Portuguesa

DUDH ndash Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos

ISS ndash Instituto da Seguranccedila Social

10

LUF ndash Lei da Uniatildeo de Facto (Lei nordm 72001 de 11 de Maio alterada pela Lei nordm 232010

de 30 de Agosto)

PACS ndash Pacto civil de Solidariedade

STJ ndash Supremo Tribunal de Justiccedila

TCE - Tribunal Constitucional Espanhol

TEDH ndash Tribunal Europeu dos Direitos Humanos

11

1 Introduccedilatildeo

O presente estudo visa abordar a questatildeo do problema da prova da coabitaccedilatildeo numa

situaccedilatildeo em que se pretende provar a existecircncia de uma relaccedilatildeo de uniatildeo de facto para que

esta produza os efeitos que os membros pretendam Assim cumpriraacute analisar o regime

juriacutedico da Uniatildeo de Facto comeccedilando pela sua evoluccedilatildeo no nosso ordenamento e sobre a

importacircncia da LUF (Lei nordm 72001 de 11 de Maio alterada pela Lei nordm 232010 de 30 de

Agosto)

Uma vez analisada a proteccedilatildeo oferecida agraves situaccedilotildees de Uniatildeo de Facto

nomeadamente a sua (natildeo) alusatildeo na CRP caberaacute comparaacute-la agrave concedida ao casamento e

observar de que forma a liberdade caracteriacutestica do regime da uniatildeo de facto poderaacute deixar

desprotegidas algumas situaccedilotildees carentes de proteccedilatildeo

De seguida feita uma reflexatildeo geral importaraacute compreender como se constitui a

uniatildeo de facto Passando os membros a viver em comunhatildeo de leito mesa e habitaccedilatildeo e natildeo

sendo essa situaccedilatildeo objeto de registo civil ou administrativo ao contraacuterio do que acontece

em alguns ordenamentos vizinhos que tambeacutem mereceratildeo a nossa anaacutelise torna-se mais

difiacutecil saber de forma exata quando se iniciou para que seja possiacutevel a partir daiacute contar os

dois anos necessaacuterios para que a situaccedilatildeo de facto produza os efeitos previstos no artigo 3ordm

da LUF

A questatildeo primordial eacute assim a prova da situaccedilatildeo de uniatildeo de facto nomeadamente

a prova da coabitaccedilatildeo que se pode revelar sinuosa Perante este cenaacuterio torna-se relevante

analisar jurisprudecircncia nomeadamente o Acoacuterdatildeo do STJ de 22 de Marccedilo de 2018 proferido

no acircmbito do processo nordm 6380169T8CBRC1 S1 relativamente agrave prova da uniatildeo de facto

no campo juriacutedico-civil isto eacute atraveacutes do regime geral do oacutenus da prova previsto no artigo

342ordm do CCiv que atribui a quem pretende invocar um direito provar os factos que o

constituem

A final com a nossa anaacutelise e apreciaccedilatildeo dos entendimentos da jurisprudecircncia e da

doutrina nacional e europeia pretendemos demonstrar a dificuldade da prova da uniatildeo de

facto no nosso ordenamento juriacutedico e procurar propostas de soluccedilotildees que possam facilitar

de alguma forma a comprovaccedilatildeo da existecircncia destas relaccedilotildees cessando as dificuldades que

essa comprovaccedilatildeo origina

12

2 A evoluccedilatildeo da Uniatildeo de Facto no ordenamento juriacutedico portuguecircs

Quando se fala de uniatildeo de facto tem forccedilosamente de se aludir agrave discussatildeo

doutrinal acerca da sua classificaccedilatildeo como relaccedilatildeo (para)familiar que surge em grande

parte pelo disposto no artigo 36ordm n ordm1 CRP1 Pela sua ambiguidade haacute quem pense que a

referecircncia agrave constituiccedilatildeo de famiacutelia engloba a uniatildeo de facto2 sendo o seu reconhecimento

juriacutedico feito pela Constituiccedilatildeo Contudo este preceito natildeo eacute assim interpretado por todos

que entendem que este apenas postula o direito de constituir famiacutelia e estabelece as relaccedilotildees

de filiaccedilatildeo e que apesar da uniatildeo de facto natildeo ser uma relaccedilatildeo de famiacutelia no que respeita agrave

generalidade dos efeitos pode ser assim qualificada para efeitos fiscais de locaccedilatildeo de

seguranccedila social entre outros3 Neste seguimento muitos satildeo os AA que tecircm vindo a

expressar a sua opiniatildeo quanto a esta questatildeo havendo quem considere que a situaccedilatildeo de

facto anaacuteloga agrave dos cocircnjuges se deve considerar uma relaccedilatildeo familiar tanto quanto as

previstas no artigo 1576ordm do Coacutedigo Civil ou seja o casamento o parentesco a afinidade

e a adoccedilatildeo4 E ainda quem defenda que natildeo deve ser qualificada como relaccedilatildeo juriacutedica de

famiacutelia5 ou que o seja apenas em relaccedilatildeo a certos efeitos considerando-a desta forma uma

relaccedilatildeo juriacutedica parafamiliar6

1 1 Todos tecircm o direito de constituir famiacutelia e de contrair casamento em condiccedilotildees de plena igualdade

Disposiccedilatildeo inspirada no art 16ordm DUDH e 12ordm CEDH Cfr JJ GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA

Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa Anotada 4ordf ed revista vol I Coimbra Coimbra Editora 2007 p 559 2 Cfr JJ GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA ob cit p 561 3 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoCasamento e Famiacutelia no direito portuguecircsrdquo In AAVV Temas de Direito

da Famiacutelia Ciclo de Conferecircncias no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados Coimbra

Almedina 1996 p 8 FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoAnotaccedilatildeo ao Ac do STJ de 2 de abril de 1987rdquo in Revista

de Legislaccedilatildeo e Jurisprudecircncia nordm 3782 ano 122 Coimbra 1990 pp 82-83 4 Cfr CARLOS PAMPLONA CORTE-REAL ldquoRelance Criacutetico sobre o Direito de Famiacutelia portuguecircsrdquo in Textos de

Direito da Famiacutelia para FRANCISCO PEREIRA COELHO Coord GUILHERME DE OLIVEIRA Coimbra Imprensa

da Universidade de Coimbra 2016 pp109-110 CARLOS PAMPLONA CORTE-REAL JOSEacute SILVA PEREIRA

ldquoDireito da Famiacutelia Toacutepicos para uma reflexatildeo criacuteticardquo Lisboa AAFDL 2008 p 46 no mesmo sentido

GERALDO DA CRUZ ALMEIDA ldquoDa uniatildeo de facto convivecircncia more uxorio em direito internacional privadordquo

Lisboa Pedro Ferreira Editor 1999 p 184 TELMA CARVALHO ldquoA uniatildeo de facto a sua eficaacutecia juriacutedicardquo in

Comemoraccedilotildees dos 35 anos do Coacutedigo Civil e dos 25 anos da reforma de 1977 vol I Coimbra Coimbra

Editora 2004 pp 223-226 CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova

Relaccedilatildeo Familiarrdquo in Estudos em Homenagem ao Prof Doutor Jorge Miranda Vol VI Faculdade de Direito

da Universidade de Lisboa Coimbra Editora 2012 p 460 e MARIA MARGARIDA PEREIRArdquo Direito da

Famiacuteliardquo Lisboa AAFDL Editora 3ordf ed 2019 pp 641-644 com quem tendemos a concordar embora como

veremos infra tal natildeo significa uma igualdade de tratamento entre a uniatildeo de facto e o casamento 5 Cfr JOAtildeO CASTRO MENDES MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA ldquoDireito da Famiacuteliardquo AAFDL Lisboa 1995 p

14-15 NUNO DE SALTER CID ldquoA Comunhatildeo de Vida agrave Margem do Casamento entre o facto e o Direitordquo

Almedina Coimbra 2005 p 505 FRANCcedilA PITAtildeO ldquoUniotildees de Facto e Economia Comum de acordo com a

Lei nordm 232010 de 30 de agostordquo 3ordf ed Almedina Coimbra 2011 p35 6 Em todas estas relaccedilotildees (as dispostas no art1576ordm CCiv) encontramos um viacutenculo constituiacutedo por direitos

e deveres juriacutedicos reciacuteprocos () As relaccedilotildees juriacutedicas familiares satildeo tendencialmente duradouras e eacute por

13

A designaccedilatildeo uniatildeo de facto foi utilizada pela primeira vez no nosso ordenamento

juriacutedico com a Reforma de 1977 do Coacutedigo Civil7 passando o artigo 2020ordm a prever o direito

de exigir alimentos da heranccedila do falecido por aquele que com ele vivesse haacute mais de dois

anos em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges No entanto jaacute no Coacutedigo Civil de 1966 no

seu artigo 1860ordm se falava em comunhatildeo duradoura de vida em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos

cocircnjuges o que quer dizer que o fenoacutemeno da uniatildeo de facto enquanto facto social jaacute existia

antes dessa primeira referecircncia no Coacutedigo de 19778 A expressatildeo que remete para a vivecircncia

em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges no artigo 2020ordm foi utilizada por vaacuterias leis avulsas

que foram conferindo agraves pessoas que vivessem nessa situaccedilatildeo outros direitos como o direito

agraves pensotildees de sobrevivecircncia o de beneficiar do regime de feacuterias feriados e faltas semelhante

aos dos cocircnjuges e ainda no que respeita ao regime juriacutedico do arrendamento para habitaccedilatildeo

foi reconhecido o direito agrave transmissatildeo do arrendamento agrave pessoa que tenha vivido em uniatildeo

de facto com o arrendataacuterio falecido desde que essa relaccedilatildeo se tenha mantido por mais de

cinco anos9

Todavia soacute com a Lei nordm 13599 de 28 de Agosto eacute que passou a existir um

diploma legal que reunisse as medidas de proteccedilatildeo da uniatildeo de facto que ateacute agrave data se

encontravam dispersas pelas vaacuterias leis avulsas10 o que resultou de certa forma numa

institucionalizaccedilatildeo11 da uniatildeo de facto Em 2001 foi revogada e substituiacuteda pela Lei nordm

isso que satildeo sujeitas a registo gerando um estado civil () tecircm tambeacutem como caracteriacutestica a tipicidade estatildeo

previstas na lei bem como os factos juriacutedicos que lhes datildeo origem o seu conteuacutedo tipico as causas da sua

extinccedilatildeo () natildeo se pode considerar como familiar uma relaccedilatildeo que natildeo esteja prevista como tal na lei Cfr

RITA LOBO XAVIER ldquolaquoEstatuto Privadoraquo dos membros da Uniatildeo De Factordquo in RJLB Ano 2 2016 pp1511-

1513 No mesmo sentido Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ldquoCurso de Direito da

Famiacuteliardquo 5ordf ed vol I Coimbra Coimbra Editora 2015 p 34 65-67 JORGE DUARTE PINHEIRO ldquoO Direito

da Famiacutelia Contemporacircneordquo 6ordf ed Lisboa AAFDL 2018 p 43 ANTUNES VARELA ldquoDireito da Famiacuteliardquo 5ordf

ed vol I Lisboa Livraria Petrony1999 p 31 DIOGO LEITE DE CAMPOS ldquo Liccedilotildees de Direito da Famiacuteliardquo 2ordf

Ed Almedina Coimbra 1997 p21 MARTA COSTA ldquoConvivecircncia more uxorio na perspetiva de

harmonizaccedilatildeo do Direito da Famiacutelia Europeu uniotildees homossexuaisrdquo 1ordf ed Coimbra Coimbra Editora 2011

p 108 e SANDRA PASSINHAS ldquoUniatildeo de Facto em Portugalrdquo in Actualidad Juriacutedica Iberoamericana Nordm 11

pp 110-147 Agosto de 2019 p115 7 Mais concretamente com a alteraccedilatildeo feita pelo Decreto-Lei nordm 49677 de 25 de novembro 8 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p57 9 Para mais desenvolvimentos cfr HELENA MOTA ldquoO problema normativo da famiacutelia ndash Breve reflexatildeo a

propoacutesito das medidas de proteccedilatildeo agrave uniatildeo de facto adotadas pela lei n ordm13599 de 28 de Agostordquo in Estudos

em Comemoraccedilatildeo dos 5 anos da FDUP 2001 p548-553 10 Cfr FRANCcedilA PITAtildeO ldquoUniatildeo de Facto no Direito Portuguecircs A propoacutesito da Lei nordm 13599 de 2808rdquo

Coimbra Almedina 2000 p36 No mesmo sentido RITA LOBO XAVIER ldquoEstatuto Privadordquo dos membros da

Uniatildeo De Factordquo in RJLB ano 2 2016 p 1499 11 Expressatildeo utilizada por FRANCISCO PEREIRA COELHO para definir a existecircncia de regulaccedilatildeo proacutepria da uniatildeo

de facto Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p68

14

72001 de 110512 atual LUF que aleacutem de regular situaccedilotildees de uniatildeo de facto entre pessoas

de sexo diferente daacute relevacircncia juriacutedica agrave uniatildeo de facto entre pessoas do mesmo sexo

Apesar de natildeo ter representado uma transformaccedilatildeo significativa do conjunto de direitos e

deveres juridicamente conferidos agrave uniatildeo de facto limitando-se em boa parte a reconhecer

direitos conferidos por leis que jaacute existiam acresce algumas disposiccedilotildees inovadoras13 Sendo

claramente as mais relevantes o facto de permitir agraves pessoas de sexo diferente que vivessem

em uniatildeo de facto a adoccedilatildeo conjunta de menores nos mesmos termos que os cocircnjuges

previstos no artigo 1979ordm n ordm1 do CCiv14 e o alargamento das medidas de proteccedilatildeo por ela

concedidas agraves pessoas do mesmo sexo que viviam em uniatildeo de facto15

Posteriormente com a alteraccedilatildeo feita pela Lei nordm 232010 de 30 de agosto visou-

se essencialmente aumentar os efeitos que se produzem apoacutes a morte de um dos membros

da uniatildeo de facto ou apoacutes a sua rutura16 Tendo em vista dessa forma a proteccedilatildeo social do

membro sobrevivo que fique em situaccedilatildeo difiacutecil no que concerne agrave conservaccedilatildeo da sua

12 Alterada pela Lei 232010 de 3008 13 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p68 14 Art7ordm da LUF Nos termos do atual regime de adoccedilatildeo constante do livro IV tiacutetulo IV do Coacutedigo Civil eacute

reconhecido a todas as pessoas que vivam em uniatildeo de facto nos termos da presente lei o direito de adoccedilatildeo

em condiccedilotildees anaacutelogas agraves previstas no artigo 1979ordm do Coacutedigo Civil sem prejuiacutezo das disposiccedilotildees legais

respeitantes agrave adoccedilatildeo por pessoas natildeo casadas 15 A lei 72001 de 1105 resulta da discussatildeo de alguns projetos de lei elaborados por partidos poliacuteticos A

propoacutesito da vigecircncia da lei nordm 13599 que continuava a natildeo proteger juridicamente as relaccedilotildees dos unidos de

facto do mesmo sexo o partido ldquoOs Verdesrdquo apresentou o projeto de lei nordm 6VIII (consultaacutevel em

httpswwwparlamentoptActividadeParlamentarPaginasDetalheIniciativaaspxBID=6374) que pretendia

alterar o nordm1 do art 1ordm da lei em vigor eliminando a referecircncia a pessoas de sexo diferente passando os casais

de orientaccedilatildeo homossexual a ter acesso aos benefiacutecios previstos na LUF com exceccedilatildeo da possibilidade de

adoccedilatildeo que ficaria reservada aos casais heterossexuais Apresentando o projeto de lei nordm 45VIII (consultaacutevel

em

httpswwwparlamentoptActividadeParlamentarPaginasDetalheIniciativaaspxBID=6308) surge o Bloco

de Esquerda tencionando a modificaccedilatildeo do mesmo preceito para que se reconhecessem as uniotildees

homossexuais e ainda que se afastasse da lei o prazo miacutenimo de duraccedilatildeo de convivecircncia se estas situaccedilotildees

fossem registadas passando o art 1ordm n ordm1 a ter a seguinte redaccedilatildeo a presente lei regula a situaccedilatildeo juriacutedica

das pessoas que vivem em uniatildeo de facto O PCP por sua vez apresentou o nordm 145VIII tendo como objetivo

a revogaccedilatildeo da lei que vigorava substituindo-a por uma legislaccedilatildeo que fosse aplicaacutevel a quem vivesse em

uniatildeo de facto haacute mais de dois anos independentemente do sexo corroborava a proteccedilatildeo da casa de morada

comum garantindo a preferecircncia do outro para efeitos de venda ou arrendamento em caso de morte de um dos

membros e pretendia que o acesso a prestaccedilotildees por morte fosse mais flexiacutevel contudo o regime da adoccedilatildeo

continuava reservado aos casais heterossexuais O PS apresentou o projeto de lei nordm 105VIII (consultaacutevel

em httpswwwparlamentoptActividadeParlamentarPaginasDetalheIniciativaaspxBID=6195) que

apesar de natildeo se referir especificamente a uniotildees de facto visava que a proteccedilatildeo concedida pela lei nordm13599

se estendesse a um novo regime denominado de economia comum distinguindo-o do regime aplicaacutevel agraves

uniotildees de facto pela absoluta irrelevacircncia da orientaccedilatildeo sexual das pessoas a quem se confere proteccedilatildeo legal

pretendendo assim a tutela de duas pessoas que vivessem em economia comum haacute mais de dois anos Para

mais desenvolvimentos cfr MARTA COSTA ob cit pp 346-348 16 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p70

15

habitaccedilatildeo e aos meios de subsistecircncia miacutenimos17 Haacute quem considere que apesar das

alteraccedilotildees o regime da uniatildeo de facto portuguecircs em comparaccedilatildeo com muitos sistemas

juriacutedicos eacute modesto e continua a ser o que menos efeitos atribui agrave uniatildeo de facto18 Uma vez

que continua a acolher-se neste domiacutenio uma proteccedilatildeo fragmentaacuteria e especialmente

dirigida a cenaacuterios de crise em que as debilidades dos membros se concretizem com mais

intensidade19 Contudo essa moderaccedilatildeo eacute uma escolha sendo intenccedilatildeo do legislador natildeo

atribuir efeitos imperativos por entender que pode haver quem natildeo queira uma regulaccedilatildeo tatildeo

abrangente de determinadas situaccedilotildees deixando que os proacuteprios membros se possam

organizar privadamente20 O que leva a que no regime da uniatildeo de facto natildeo haja regulaccedilatildeo

juriacutedica relativamente ao seu registo agraves invalidades que podem existir na sua constituiccedilatildeo e

ainda no que respeita ao regime de bens agrave administraccedilatildeo do patrimoacutenio agraves ilegitimidades

de disposiccedilatildeo agrave proibiccedilatildeo de contratos ou regulaccedilatildeo de participaccedilatildeo em sociedades nem no

que toca aos efeitos sucessoacuterios e agrave extinccedilatildeo da situaccedilatildeo de uniatildeo de facto21

Ainda que natildeo defina o conceito de uniatildeo de facto a LUF no seu artigo 1ordm nordm 2

identifica o seu objeto como a situaccedilatildeo juriacutedica de duas pessoas que independentemente do

sexo vivam em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges haacute mais de dois anos Dito isto pode

depreender-se que eacute necessaacuterio que duas pessoas vivam em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos

cocircnjuges haacute mais de dois anos e ainda que segundo o previsto no artigo 2ordm da LUF entre

os membros da uniatildeo natildeo se verifique nenhum dos impedimentos aiacute mencionados No que

concerne agrave constituiccedilatildeo da uniatildeo de facto e ao desenvolvimento dos impedimentos agrave mesma

abordaremos a questatildeo mais adiante

17Art 5ordm e 6ordm da LUF Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ldquoNotas sobre a lei nordm 232010 de 30 de agosto (Alteraccedilatildeo

agrave lei das uniotildees de facto)rdquo in Lex Familiae Coimbra Editora 2012 p 146 A lei nova encara mais nitidamente

a necessidade de proteccedilatildeo do membro sobrevivo da uniatildeo de facto e daacute-lhe prioridade relativamente aos filhos

() considera que a proteccedilatildeo da casa de morada eacute o nuacutecleo irredutiacutevel da proteccedilatildeo conferida ao membro

sobrevivo da uniatildeo de facto e portanto garante a proteccedilatildeo mesmo contra a vontade do falecido 18 Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 153 FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob

cit p 69 19 Cfr RUTE TEIXEIRA PEDRO ldquoBreves reflexotildees sobre a proteccedilatildeo do unido de facto quanto agrave casa de morada

de famiacutelia propriedade do companheiro falecidordquo in AAVV Textos de Direito da Famiacutelia para FRANCISCO

PEREIRA COELHO coord GUILHERME DE OLIVEIRA Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016

p310 20 De realccedilar que em 2001 o nuacutemero registado de pessoas a viver em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges foi

de 381 mil indiviacuteduos e em 2011 quase que duplicou perfazendo o total de 730 mil indiviacuteduos Dados

consultaacuteveis em

httppordataptPortugalPopulaC3A7C3A3o+residente+segundo+os+Censos+em+uniC3B5es+

de+facto-2649-222898 21 Para aleacutem do disposto no art 8ordm da LUF Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 153 FRANCISCO PEREIRA

COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 70

16

3 A uniatildeo de facto e a Constituiccedilatildeo da Reacutepublica Portuguesa

Ainda na linha de pensamento do ponto anterior no que respeita ao artigo 36ordm n ordm1

da CRP importa dizer que esta norma determina que todos tecircm o direito de constituir famiacutelia

e de contrair casamento em condiccedilotildees de igualdade22 ou seja pode considerar-se que este

artigo consagra essencialmente dois direitos o de constituir famiacutelia e o de casar23 Nesta

senda importa tambeacutem debruccedilarmo-nos sobre a proteccedilatildeo que a Constituiccedilatildeo oferece agrave uniatildeo

de facto

Jaacute referimos que certos AA como GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA24

defendem que o que parece decorrer do nordm1 do artigo 36ordm CRP eacute que a Constituiccedilatildeo natildeo

admite a reduccedilatildeo do conceito de famiacutelia agrave uniatildeo conjugal baseada no casamento havendo

outras formas de constituiccedilatildeo de famiacutelia aleacutem do casamento como a uniatildeo de facto isto eacute

ao distinguir a famiacutelia do casamento o legislador pretendeu demonstrar que se tratam de

realidades diversas e que o direito a constituir famiacutelia natildeo estaacute vedado a quem natildeo pretenda

contrair casamento25 Segundo esta corrente doutrinaacuteria haacute uma abertura constitucional - se

natildeo mesmo uma obrigaccedilatildeo - para conferir relevo agraves uniotildees familiares de facto tendo em

consideraccedilatildeo que o conceito constitucional natildeo abrange apenas a famiacutelia

matrimonializada26 Apesar de afirmarem o reconhecimento da uniatildeo de facto como relaccedilatildeo

juriacutedica familiar postulam que tal natildeo implica que haja um tratamento legal totalmente

22 A sua interpretaccedilatildeo deve ser feita como se o n ordm1 do art36ordm prescrevesse que laquotodos tecircm o direito de

constituir famiacutelia em condiccedilotildees que natildeo violem o princiacutepio da igualdade definido no artigo 13ordmraquo Tendo em

conta que ao espiacuterito desta norma constitucional natildeo repugna efetivamente aceitar as limitaccedilotildees resultantes

da legislaccedilatildeo vigente quer em mateacuteria de impedimentos matrimoniais() Cfr ANTUNES VARELA ldquoDireito da

Famiacuteliardquo 5ordf ed vol I Lisboa Livraria Petrony 1999 p 158 23 Em sentido diverso Cfr JOAtildeO DE CASTRO MENDES ldquoFamiacutelia e casamentordquo in Estudos sobre a Constituiccedilatildeo

JORGE MIRANDA (coord) vol I Lisboa Livraria Petrony 1977 p 372 que entende que os dois direitos

reduzem-se a um soacute E ainda Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoCasamento e Famiacutelia no direito portuguecircsrdquo

obcit p 8 que entende que ao contraacuterio do que acontece no artigo 16ordm DUDH o legislador portuguecircs optou

por colocar o direito a constituir famiacutelia agrave frente do direito de contrair casamento na disposiccedilatildeo do n ordm1 do art

36ordm natildeo se sabe bem porquecirc 24Cfr J GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA ob cit p561 CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo

Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova Relaccedilatildeo Familiarrdquo in Estudos em Homenagem ao Prof Doutor Jorge

Miranda Vol VI Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Coimbra Editora 2012 p 453 HENRICH

EWALD HOumlRSTER ldquoInconstitucionalidade da Tributaccedilatildeo Conjunta dos Cocircnjugesrdquo in Revista de Direito e

Economia da Universidade de Coimbra Ano III nordm 2 Julho ndash Dezembro 1977 p 506 25 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova Relaccedilatildeo Familiarrdquo

obcit p 453 CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoA jurisprudecircncia do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e as

Novas Formas de Famiacutelia ndash The European Court of Human Rights and The New Concept of Familyrdquo in Revista

Juriacutedica da Universidade Portucalense nordm15 Universidade Portucalense Porto 2012 p 36 Neste sentido

vide Acoacuterdatildeo Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 15-02-2007 proferido no acircmbito do processo nordm 62842006-

8 26 Cfr JJ GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA ob cit p 561

17

idecircntico entre as famiacutelias natildeo matrimonializadas e as famiacutelias baseadas no casamento desde

que as distinccedilotildees feitas natildeo sejam arbitraacuterias irrazoaacuteveis ou desproporcionadas e tenham

em conta todos os direitos e interesses em jogo27

De outra parte FRANCISCO PEREIRA COELHO e GUILHERME DE OLIVEIRA defendem

que a 1ordf parte do n ordm1 do artigo 36ordm CRP ao estabelecer que todos tecircm direito de constituir

famiacutelia esse diz respeito essencialmente agraves relaccedilotildees de filiaccedilatildeo pois o direito de constituir

famiacutelia eacute antes de mais o direito a procriar e ainda o direito a estabelecer as

correspondentes relaccedilotildees de paternidade e maternidade28 Relativamente agrave 2ordf parte do

mesmo artigo alertam para o facto de natildeo se poder reconduzir a uniatildeo de facto a uma

dimensatildeo ou vertente negativa do direito de contrair casamento uma vez que a dimensatildeo

negativa desse direito eacute o de natildeo casar2930

Embora entendam que este artigo natildeo oferece proteccedilatildeo constitucional agrave uniatildeo de

facto isso natildeo quer dizer que esta fique desprotegida constitucionalmente Para estes AA o

princiacutepio de proteccedilatildeo da uniatildeo de facto decorre do direito ao desenvolvimento da

personalidade previsto no nordm1 do artigo 26ordm CRP considerando-o como o direito do

indiviacuteduo a afirmar livremente a sua identidade31 como sujeito autoacutenomo dotado de

autodeterminaccedilatildeo decisoacuteria32 sem estar vinculado a modelos externamente impostos e

conferindo-lhe o direito a viver a sua vida do modo que escolher podendo dizer-se que

estabelecer uma uniatildeo de facto eacute uma manifestaccedilatildeo desse direito33

A proteccedilatildeo conferida pelo direito ao desenvolvimento da personalidade natildeo exige

que o legislador conceda agrave uniatildeo de facto efeitos semelhantes aos que oferece ao casamento

equiparando o que natildeo eacute igual visto que os membros da uniatildeo de facto natildeo assumem um

27 Como por exemplo os direitos dos filhos Idem 28 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 60 29 Idem 30 Mais amplo do que viver em uniatildeo de facto pois pode ainda significar ficar em solidatildeo relacionar-se

esporadicamente ou pontualmente ou ateacute viver em promiscuidade Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e

Personalidaderdquo Almedina Coimbra 2017 p 237 No mesmo sentido Cfr NUNO SALTER CID ldquoSobre o

Direito de natildeo Contrair Casamentordquo in Famiacutelia Consciecircncia Secularismo e Religiatildeo 1ordf Ediccedilatildeo Coimbra

Editora 2010 p 28 O direito de natildeo contrair casamento o tal direito fundamental que a Constituiccedilatildeo

implicitamente confere e protege como dimensatildeo ou vertente negativa do direito de contrair casamento eacute na

verdade e apenas o direito de se negar a contrair casamento o direito natildeo ser forccedilado a casar-se um direito

que natildeo exerce apenas quem opta por viver em uniatildeo de facto mas tambeacutem quem opta por manter-se solteiro

divorciado ou viuacutevo (de Direito ou de facto) 31 Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e Personalidaderdquo ob cit p 237 32 Cfr JJ GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA ob cit p 463 33 Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e Personalidaderdquo ob cit p 237

18

compromisso de vida por natildeo quererem ou natildeo o poderem fazer Equiparar o que eacute diferente

nesta medida poderia ser julgado inconstitucional pois iria impor agraves pessoas que vivem em

uniatildeo de facto os mesmos deveres e conceder os mesmos direitos que impotildee e concede agraves

que satildeo casadas violando o direito a natildeo casar sendo-lhes forccedilado um estatuto que em

princiacutepio rejeitaram por vontade proacutepria

Conveacutem ainda referir que no que toca ao princiacutepio da proteccedilatildeo da famiacutelia previsto

no artigo 67ordm CRP este natildeo impotildee ao legislador ordinaacuterio a atribuiccedilatildeo de efeitos favoraacuteveis

agrave uniatildeo de facto mas tambeacutem natildeo proiacutebe que sejam concedidos agrave mesma os efeitos que

considere adequados e justificados34 FRANCISCO PEREIRA COELHO considera ainda que este

princiacutepio constitucional natildeo visa apenas a famiacutelia conjugal35 ao contraacuterio de CASTRO

MENDES que explica que soacute faz sentido valer neste contexto a famiacutelia fundada no

casamento natildeo devendo a lei passar um laquocheque em brancoraquo a quaisquer formas de

sociedade familiar36 Por sua vez SANDRA PASSINHAS defende que apesar da uniatildeo de facto

natildeo ser uma forma de contrair casamento e natildeo caber no acircmbito de proteccedilatildeo do artigo 36ordm

da CRP isso natildeo inibe que o casal nascido da uniatildeo de facto juridicamente protegida

tambeacutem seja considerado famiacutelia para efeitos da proteccedilatildeo institucional conferida pelo

artigo 67ordm CRP37 pois entende que seria inaceitaacutevel que no acircmbito normativo do artigo 67ordm

CRP natildeo coubessem as relaccedilotildees parafamiliares como a uniatildeo de facto38 Nesta ordem de

ideias eacute possiacutevel aferir que a constituiccedilatildeo natildeo permite penalizar a uniatildeo de facto ou equiparaacute-

la ao casamento39

34 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoAnotaccedilatildeo ao Ac do STJ de 2 de abril de 1987rdquo in Revista de Legislaccedilatildeo

e Jurisprudecircncia nordm 3782 ano 122 Coimbra 1990 p84 35 Idem Entendendo que o princiacutepio constitucional visa abranger a famiacutelia natural e ainda a adotiva 36 Cfr JOAtildeO DE CASTRO MENDES ldquoFamiacutelia e casamentordquo in Estudos sobre a Constituiccedilatildeo JORGE MIRANDA

(coord) vol I Lisboa Livraria Petrony 1977 p 373 37 Referindo em abono da posiccedilatildeo que defende o modo como o legislador na LUF em cumprimento do

disposto no art 67ordm nordm2 da CRP conformou a posiccedilatildeo dos unidos de facto no sentido de lhes conceder

proteccedilatildeo da casa de morada de famiacutelia de os beneficiar com o regime juriacutedico aplicaacutevel a pessoas casadas

em mateacuteria de feacuterias feriados faltas licenccedilas e de preferecircncia na colocaccedilatildeo dos trabalhadores da

Administraccedilatildeo Puacuteblica com a aplicaccedilatildeo do regime do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares

concedendo-lhes proteccedilatildeo socia na eventualidade de morte do beneficiaacuterio por aplicaccedilatildeo do regime geral ou

de regimes especais de seguranccedila social bem como prestaccedilotildees por morte resultante de acidente de trabalho

ou doenccedila profissional a pensatildeo do preccedilo de sangue e por serviccedilos excecionais e relevantes prestados ao paiacutes

ou a inclusatildeo do unido de facto no elenco dos titulares do direito agrave indemnizaccedilatildeo por danos natildeo patrimoniais

por morte da viacutetima no nordm3 do art 496ordm SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e Personalidaderdquo obcit p240 38 Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e Personalidaderdquo obcit p 231 39 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p64

19

A propoacutesito dos diplomas internacionais cabe referir que a Declaraccedilatildeo Universal

dos Direitos do Homem40 inclui dois princiacutepios relativos agrave famiacutelia Primeiramente no seu

artigo 12ordm onde estabelece o direito ao respeito pela vida familiar seguido do artigo 16ordm que

abrange no seu nordm 1 o direito de casar e de constituir famiacutelia e no seu nordm 3 reconhece a

famiacutelia como elemento natural e fundamental da sociedade tendo direito agrave proteccedilatildeo desta e

do Estado Tambeacutem a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem41 conteacutem dois

princiacutepios dedicados agrave famiacutelia o direito ao respeito pela vida privada e familiar previsto no

seu artigo 8ordm e por sua vez o direito a casar e a constituir famiacutelia estando este disposto no

artigo seu 12ordm Nestes diplomas o legislador internacional tal como o legislador nacional

natildeo assegura uma definiccedilatildeo de famiacutelia ou casamento levando a que se concretizem e sejam

interpretados de forma diversa consoante o substrato social de quem o faz42 Pois como

defende CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS43 eacute inegaacutevel as transformaccedilotildees que o conceito de famiacutelia

tradicional tem sofrido dando origem a novas formas de famiacutelia como as de facto as

monoparentais as recombinadas e as homossexuais Nesta senda note-se que o Tribunal

Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) apesar de ter em conta a tutela do casamento e

encorajar a famiacutelia tradicional44 tem vindo a considerar que o artigo 8ordm CEDH natildeo se refere

apenas agrave famiacutelia constituiacuteda com base no casamento como acontece no artigo 12ordm CEDH

podendo conceder tutela a outros laccedilos familiares como as uniotildees de facto45

40 Proclamada pela Assembleia Geral das Naccedilotildees Unidas em Paris a 10 de dezembro de 1948 41 Assinada a 4 de novembro de 1950 em Roma tendo entrado em vigor em 1953 A adesatildeo de Portugal deu-

se apenas em 1978 42 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova Relaccedilatildeo Familiarrdquo

obcit p 458 43 Idem 44 Neste sentido e para mais desenvolvimentos Cfr SUSANA ALMEIDA ldquoO Respeito pela Vida (Privada e)

Familiar na Jurisprudecircncia do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem A tutela das Novas Formasrdquo

Coimbra Editora 2008 p 165 45 Article 8 (art 8) applies to the family life of the illegitimate family as well as to that of the legitimate

family Ac JOHNSTON C IRLANDA 18 de dezembro de 1986 p19 consultaacutevel em

httpshudocechrcoeinteng22itemid22[22001-5750822

The Court recalls that the notion of the family in this provision is not confined solely to marriage-based

relationships and may encompass other de facto family ties where the parties are living together outside of

marriage Ac KEEGAN C IRLANDA de 26 de maio de 1994 p13 consultaacutevel em

httpshudocechrcoeinteng22itemid22[22001-5788122]

20

31 A uniatildeo de facto e o casamento ndash liberdade mas e proteccedilatildeo

Como jaacute haviacuteamos referido tanto a proteccedilatildeo conferida pelo direito ao

desenvolvimento da personalidade quanto a que se entenda que eacute dada pelo artigo 36ordm CRP

natildeo exige que o legislador atribua agrave uniatildeo de facto efeitos semelhantes aos do casamento

equiparando os dois institutos Esta diferenccedila de tratamento de situaccedilotildees distintas natildeo viola

o princiacutepio da igualdade previsto no artigo 13ordm CRP visto que esta norma apenas proiacutebe as

discriminaccedilotildees arbitraacuterias ou sem fundamento46 Tratam-se de situaccedilotildees materialmente

diferentes enquanto no casamento se assume um compromisso de vida em comum

sujeitando-se a um viacutenculo juriacutedico47 um contrato entre duas pessoas que pretendem

constituir famiacutelia mediante uma plena comunhatildeo de vida na uniatildeo de facto os membros natildeo

querem ou natildeo podem assumir esse compromisso48

Antes de nos dedicarmos ao estudo do contraste que o regime da uniatildeo de facto e o

casamento apresentam em concreto conveacutem relembrar a noccedilatildeo de casamento no nosso

ordenamento juriacutedico Assim segundo o artigo 1577ordm CCiv o casamento constitui um

contrato4950 um compromisso juriacutedico assumido por duas pessoas que se vinculam entre si

mediante uma plena comunhatildeo de vida Ainda que o Coacutedigo Civil natildeo defina explicitamente

o que significa plena comunhatildeo de vida eacute possiacutevel aferir-se pelos preceitos subsequentes

que esta deve ser guiada pelos deveres de respeito fidelidade coabitaccedilatildeo cooperaccedilatildeo e

46 Acoacuterdatildeo Tribunal Constitucional nordm 33686 p 3807 Neste artigo reconhece-se o direito agrave diferenccedila desde

que esta natildeo ultrapasse os limites da tolerabilidade ou da discricionariedade Acoacuterdatildeo Tribunal Constitucional

nordm 11881996 O princiacutepio da igualdade (artigo 13ordm da Constituiccedilatildeo) impotildee se decirc tratamento igual ao que for

essencialmente igual e se trate diferentemente o que diferente for Natildeo proiacutebe as distinccedilotildees de tratamento se

materialmente fundadas proiacutebe isso sim a discriminaccedilatildeo as diferenciaccedilotildees arbitraacuterias ou irrazoaacuteveis

carecidas de fundamento racional No mesmo sentido vide Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de

08-03-2006 proferido no acircmbito do processo nordm 419705JTRC 47 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova Relaccedilatildeo Familiarrdquo

obcit p 460 48 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p63 49Apesar da sua contratualidade ser afirmada na sua definiccedilatildeo legal esta eacute contestada Haacute quem qualifique o

casamento como um mero acordo outros como instituiccedilatildeo ou ainda como um puro ato administrativo vendo

a declaraccedilatildeo do funcionaacuterio do registo civil como o elemento constitutivo do casamento e o consentimento

das partes como um simples pressuposto dessa declaraccedilatildeo Cfr mais desenvolvidamente FRANCISCO PEREIRA

COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit pp 232- 235 e ainda TELMA CARVALHO ob cit p 230 50 Cfr FRANCcedilA PITAtildeO ldquoOs novos casamentos ou a crise do casamento tradicional no direito portuguecircs in

AAVV Comemoraccedilotildees dos 35 anos do Coacutedigo Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977 vol I Coimbra

Editora Coimbra 2004 pp 178-179

21

assistecircncia (artigo 1672ordm CCiv) aleacutem disso deve ser exclusiva (artigo 1601ordm CCiv) e tendo

em vista a perpetuidade (artigo 1773ordm CCiv)

A solenidade de formalizaccedilatildeo de vontades necessaacuteria no casamento (artigo 1615ordm

CCiv) em contraposiccedilatildeo agrave falta de forma de celebraccedilatildeo uniatildeo de facto tem sido a principal

diferenccedila apontada pela doutrina entre estas duas formas de vida Dado que no casamento

haacute a expressatildeo de duas vontades atraveacutes de uma declaraccedilatildeo expressa perante uma entidade

puacuteblica que abrange todo o conteuacutedo do casamento Os nubentes ao declararem que aceitam

casar estatildeo simultaneamente a aceitar os efeitos legais do casamento tal como prevecirc o

regime obrigatoacuterio do artigo 1618ordm nordm 1 CCiv Aceitam todos os deveres reciacuteprocos e

tambeacutem os efeitos patrimoniais onde vatildeo tendo uma autonomia privada ainda que limitada

atraveacutes das convenccedilotildees antenupciais51 Isto eacute na uniatildeo de facto haacute uma intencionalidade52

de viver em comunhatildeo plena de vida com outra pessoa no casamento aleacutem da

intencionalidade da plena comunhatildeo de vida haacute a intenccedilatildeo de celebrar o casamento com

tudo o que o seu regime legal acarreta

No caso da uniatildeo de facto essa intencionalidade natildeo eacute declarada de forma solene ou

formal eacute um acordo iacutentimo realizado entre os membros da situaccedilatildeo de facto que natildeo eacute

reconhecido por nenhum ente estadual53 Por outro lado a realizaccedilatildeo do casamento aleacutem de

implicar todo um processo preliminar que tem por fim um despacho final que no caso de ser

favoraacutevel pressupotildee a celebraccedilatildeo do casamento no prazo de seis meses subsequentes a essa

autorizaccedilatildeo tem forma puacuteblica e a sua celebraccedilatildeo acarreta o seu registo (artigo 1ordm al d)

CRegCiv) Este registo eacute obrigatoacuterio e comporta uma elevada importacircncia visto que soacute com

o reconhecimento do casamento pelo Conservador do Registo Civil (artigo 1615ordm CCiv) eacute

possiacutevel fazer a prova do estado civil das pessoas Eacute a uacutenica prova legalmente admitida do

casamento sendo que enquanto este natildeo for registado natildeo pode ser invocado54 Devido agrave

uniatildeo de facto natildeo implicar uma alteraccedilatildeo no estado civil dos membros por natildeo estar sujeita

a registo torna a falta de publicidade no que concerne agrave elaboraccedilatildeo deste estudo a grande

diferenccedila entre este regime juriacutedico e o do casamento e o que tem maior repercussatildeo no

51 Cfr TELMA CARVALHO ob cit p 229 52 Cfr TELMA CARVALHO ob cit p 230 53 Cfr TELMA CARVALHO ob cit p 237 54 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 337

22

regime protecional dos unidos de facto jaacute que o que natildeo pode ser provado em princiacutepio

natildeo pode ser protegido

Aleacutem da dificuldade da prova da uniatildeo de facto quer diante o Estado quer em face

a terceiros a falta do seu registo impede o controlo da sua existecircncia e do cumprimento dos

seus requisitos por parte do Estado Abordaremos a questatildeo da dificuldade da prova

resultante da falta de publicidade da uniatildeo de facto mais aprofundadamente na parte a ela

dedicada

Ateacute aqui apresentamos diferenccedilas de caraacuteter puramente formal nomeadamente no

que respeita agrave natureza contratual do casamento agrave solenidade da celebraccedilatildeo do mesmo e

ainda quanto agrave sua publicidade em contrapartida com o que acontece com a uniatildeo de facto

tendo umas mais importacircncia objetiva que outras Cabe agora analisar as diferenccedilas que tecircm

sido apontadas aos efeitos juriacutedicos praacuteticos Nomeadamente a necessidade de decurso de

prazo de dois anos para que a lei atribua agrave uniatildeo de facto efeitos juriacutedicos uma vez que no

nordm 2 do artigo 1ordm da LUF estaacute previsto que a uniatildeo de facto eacute a situaccedilatildeo juriacutedica de duas

pessoas que independentemente do sexo vivam em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges haacute

mais de dois anos Haacute entatildeo uma exigecircncia do decurso de dois anos55 dessa convivecircncia para

que a situaccedilatildeo anaacuteloga agrave dos cocircnjuges seja considerada uniatildeo de facto Ao passo que o

casamento se considera constituiacutedo com a declaraccedilatildeo de vontade de cada nubente e celebrado

perante uma entidade competente natildeo necessitando da decorrecircncia de nenhum prazo para

que se considere constituiacutedo

Eacute de notar alguma diferenccedila ainda no que se refere agrave cessaccedilatildeo do casamento e agrave

dissoluccedilatildeo da uniatildeo de facto O artigo 1773ordm CCiv determina que o divoacutercio pode ser por

muacutetuo consentimento ou sem consentimento de um dos cocircnjuges - desde que se verifiquem

algum dos fundamentos de rutura previstos no artigo 1781ordm CCiv - ou seja natildeo basta o

simples afastamento dos cocircnjuges para que o casamento cesse haacute um viacutenculo formal que

tem de ser dissolvido A uniatildeo de facto dissolve-se quando cessar o facto da uniatildeo56 isto eacute

55 Noutras regulamentaccedilotildees especiacuteficas esse prazo pode variar () por exemplo no caso da transmissatildeo de

arrendamento por morte do unido o prazo de um ano basta na Lei da Nacionalidade jaacute eacute exigida a duraccedilatildeo de

trecircs anos para que um estrangeiro possa declarar querer adquirir a nacionalidade portuguesa com fundamento

na uniatildeo de facto SANDRA PASSINHAS ldquoUniatildeo de Facto em Portugalrdquo ob cit p113 56 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo in AAVV Textos de Direito da Famiacutelia para Pereira Coelho GUILHERME OLIVEIRA (coord)

Imprensa da Universidade de Coimbra 2016 p 91

23

com a rutura da efetiva comunhatildeo de vida que acontece com a verificaccedilatildeo de alguma das

situaccedilotildees mencionadas no nordm 1 do artigo 8ordm da LUF

Veja-se entre noacutes a uniatildeo de facto eacute objeto de atribuiccedilatildeo de alguns efeitos juriacutedicos

poreacutem no que respeita ao domiacutenio das relaccedilotildees patrimoniais e agrave regulamentaccedilatildeo das

consequecircncias da sua dissoluccedilatildeo natildeo haacute nenhuma norma reguladora Isto eacute natildeo existe

regulamentaccedilatildeo quanto ao regime de bens e natildeo sendo em princiacutepio de aplicar

analogicamente o regime juriacutedico do casamento57 os membros da uniatildeo de facto sentem a

necessidade de criarem eles proacuteprios um estatuto juriacutedico que regule determinados

problemas que possam surgir da sua comunhatildeo de vida com base no princiacutepio da autonomia

da vontade58 Em alguns ordenamentos juriacutedicos59 a soluccedilatildeo para esta questatildeo eacute o contrato

de coabitaccedilatildeo60 visto como a hipoacutetese de conferir aos membros da uniatildeo de facto a

possibilidade de regularem as suas relaccedilotildees patrimoniais com base no princiacutepio da

autonomia patrimonial61 Apesar de no nosso ordenamento juriacutedico natildeo haver tipificaccedilatildeo

legal do contrato de coabitaccedilatildeo - como a uniatildeo de contratos em que os membros da uniatildeo

de facto reuacutenem vaacuterias espeacutecies contratuais em vista da organizaccedilatildeo convencional das suas

relaccedilotildees patrimoniais durante a vida da relaccedilatildeo e apoacutes a extinccedilatildeo desta62- natildeo haacute

legalmente nada a opor a esses contratos desde que estes se limitem a regular os efeitos

patrimoniais sem abrangerem os efeitos pessoais63 Houve por parte do PCP com o artigo

57 Cfr FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo ob cit p83 58 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDissoluccedilatildeo da uniatildeo de facto ndash Anotaccedilatildeo ao Acoacuterdatildeo do TRG de 2992004

Proc 128904rdquo in Cadernos de Direito Privado nordm 11 julhoSetembro 2005 p72 59 Como nos Estados Unidos na Holanda e no Canadaacute e ainda na Espanha e Franccedila onde satildeo normalmente

celebrados apesar de levantarem algumas duacutevidas Neste sentido vide Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de

Lisboa de 29-11-2012 proferido no acircmbito do processo nordm 444092TCFUNL1-A-8 JEAN CARBONNIER

ldquoDroit Civil (T2 ndash La famille lrsquoenfant le couple)rsquorsquo 21ordm ed PUF Paris 2002 p681 EDUARDO ESTRADA

ALONSO ldquoLas uniones extramatrimoniales en el Derecho Civil Espantildeolrdquo 2ordm ed Civitas Madrid 1991 pp

139-152 o A prevecirc a possibilidade de utilizar a autonomia da vontade dos membros como fonte de regulaccedilatildeo

das uniotildees de facto apesar de este tipo de convenios natildeo serem frequentes em Espanha devido a possibilidade

dos tribunais os poderem declarar nulos por ilicitude de causa o A admite a sua validade desde que tratem

apenas de aspetos patrimoniais 60 Pode ser designado de diversas formas tais como contrato de convivecircncia contratos de uniatildeo de facto

convenccedilotildees entre conviventes pactos concubinaacuterios Cfr MARTA COSTA ob cit p156 GERALDO ALMEIDA

ob cit p202 RENATO NETO ldquoContrato de Coabitaccedilatildeo na Uniatildeo de Facto Confronto entre o Direito Brasileiro

e Portuguecircsrdquo Livraria Almedina Coimbra 2006 pp 69-70 61 Cfr MARTA COSTA ob cit p157 62 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 84 63 Cfr JOSEacute JOAtildeO GONCcedilALVES DE PROENCcedilA ldquoDireito da Famiacuteliardquo Lisboa Universidade Lusiacuteada Editora 2003

p 34

24

5ordm do projeto de lei nordm 384VII a proposta de uma convenccedilatildeo de uniatildeo de facto64 que

pretendia afastar nesta mateacuteria a incerteza e inseguranccedila juriacutedicas resultantes da LUF natildeo

tendo todavia prosseguido

Por uacuteltimo eacute de ressalvar a diferenccedila notoacuteria que haacute entre os efeitos sucessoacuterios do

casamento e da uniatildeo de facto O estatuto sucessoacuterio do cocircnjuge sobrevivo tem um elevado

grau de proteccedilatildeo comparativamente com a proteccedilatildeo oferecida ao unido sobrevivo uma vez

que o cocircnjuge aleacutem de ser herdeiro legiacutetimo eacute tambeacutem herdeiro legitimaacuterio65 enquanto o

unido sobrevivo natildeo eacute considerado sequer herdeiro do falecido limitando-se a lei a conceder

o direito de exigir alimentos da heranccedila do mesmo (artigo 2020ordm CCiv) Constata-se uma

enorme discrepacircncia de tratamento entre o cocircnjuge sobrevivo e o unido de facto sobrevivo

devendo a posiccedilatildeo deste uacuteltimo ser objeto de atenccedilatildeo pelo legislador nem que seja para

integrar a sucessatildeo legitima numa posiccedilatildeo inferior agrave do cocircnjuge descendentes e

ascendentes66 Tendo isto em conta eacute possiacutevel afirmar-se que atualmente muitos casais

optam pelo instituto do casamento ao inveacutes do instituto da uniatildeo de facto pela proteccedilatildeo que

este concede ao sobrevivo em caso de morte podendo o casamento ser visto de certa forma

como um (quase) contrato sucessoacuterio67 Na praacutetica muitos casais com esta informaccedilatildeo

apesar de natildeo acharem necessaacuterio celebrar casamento no acircmbito social ou cultural optam

por fazecirc-lo devido agrave elevada discrepacircncia existente entre ambos os institutos

FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO68 defende que diante do presente quadro

regulativo natildeo pode por um lado ser recusada liminarmente a possibilidade de aplicaccedilatildeo agrave

uniatildeo de facto das normas pertencentes ao regime do casamento desde que se tratem de

efeitos indiretos ou legais do casamento e de efeitos fundados na simples existecircncia de uma

comunhatildeo de vida Por outro lado levando em conta o atual quadro legislativo natildeo pode ser

64 Prevendo a possibilidade dos membros da uniatildeo de facto celebrarem uma convenccedilatildeo que visava estabelecer

o seu regime de bens a responsabilidade por diacutevidas e o seu regime de administraccedilatildeo de bens Consultaacutevel em

httpswwwpcpptarlegis-7projleipjl384html 65 Isto eacute nos termos do 2132ordm CCiv eacute chamado agrave sucessatildeo mesmo que o falecido natildeo tenha deixado testamento

vaacutelido consta tambeacutem do art 2157ordm CCiv tendo direito a uma porccedilatildeo de bens (a legiacutetima) que o falecido natildeo

pode dispor no seu testamento Cfr OLIVEIRA ASCENSAtildeO ldquoDireito civil Sucessotildeesrdquo Coimbra Editora 5ordf Ed

2000 pp 333 e 353 66 Para mais desenvolvimentos FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da

uniatildeo de facto breves observaccedilotildeesrdquo ob cit pp104-105 67 Cfr FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo ob cit p103 68 Cfr FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo ob cit pp 83-101

25

feita uma geneacuterica aplicaccedilatildeo analoacutegica do regime do casamento O A aleacutem de salvaguardar

que essa aplicaccedilatildeo soacute poderia abranger os referidos efeitos indiretos ou legais do casamento

alega que antes dessa aplicaccedilatildeo teriam de se apurar caso a caso os interesses em causa e a

ratio da norma eventualmente aplicaacutevel e soacute assim se poderia fundar uma aplicaccedilatildeo

analoacutegica Aleacutem do mais alerta para o quadro limitado de efeitos que a nossa lei fixou para

a uniatildeo de facto previsto na LUF o que pode refletir o intuito de impedir uma aplicaccedilatildeo

analoacutegica das normas do casamento de forma irrestrita O A declara que tendo em

consideraccedilatildeo os uacuteltimos desenvolvimentos legislativos na regulaccedilatildeo da uniatildeo de facto e no

casamento69 a diferenccedila que assenta no facto de natildeo haver uma vontade de vinculaccedilatildeo no

plano juriacutedico e da comunhatildeo de vida dos membros da uniatildeo de facto natildeo implicar o

cumprimento de deveres conjugais ficou bastante atenuada Natildeo soacute porque se tem vindo a

assistir a uma desregulaccedilatildeo do casamento em termos imperativos mas tambeacutem pelo Coacutedigo

Civil se limitar a fixar os deveres pessoais dos cocircnjuges e os modos de execuccedilatildeo dos mesmos

natildeo obedecerem a um padratildeo uacutenico Crecirc que se tem vindo a assistir a um progressivo

afrouxamento dos deveres conjugais por estarem esvaziados das normais caracteriacutesticas de

um dever juriacutedico tanto no plano das consequecircncias indemnizatoacuterias como nas resolutoacuterias

Levando-o a concluir que esbatida a base da diferenccedila principal entre os dois institutos

deixou de haver fundamento para a recusa de uma aplicaccedilatildeo analoacutegica agrave uniatildeo de facto de

muitas normas do casamento que estabelecem efeitos indiretos ou laterais de diversa ordem

deixando o casamento de ser necessaacuterio no plano social afetivo cultural ou econoacutemico e

que este soacute subsiste em maior nuacutemero do que a uniatildeo de facto por se tratar de um haacutebito

adquirido pela sociedade e por haver em certos meios uma pressatildeo social e religiosa nesse

sentido70

Por seu turno CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS no acircmbito dos efeitos patrimoniais da

uniatildeo de facto defende que a aplicaccedilatildeo analoacutegica de uma norma pressupotildee a existecircncia de

uma lacuna No entanto entende que natildeo se pode falar em lacuna quando natildeo existe uma

regulamentaccedilatildeo juriacutedica numa dada mateacuteria visto que essa inexistecircncia de regulamentaccedilatildeo

pode ter sido intencional por parte do legislador Podendo tambeacutem ser pretensatildeo do proacuteprio

69 Com as alteraccedilotildees agrave Lei nordm 72001 introduzidas pela Lei nordm 232010 de 30 de agosto no que respeita agrave uniatildeo

de facto e relativamente ao casamento em consequecircncia da profunda reforma operada pela Lei nordm 612008 de

31 de Outubro 70 Cfr FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo ob cit p 102

26

legislador que o seu preenchimento fique a cargo da doutrina e da jurisprudecircncia71 No

entanto julga que a sua integraccedilatildeo deveraacute ser feita por recurso agraves regras gerais e natildeo por

aplicaccedilatildeo do regime do casamento para o qual o legislador natildeo remeteu intencionalmente

A soluccedilatildeo a nosso ver passaria por natildeo se estender agrave uniatildeo de facto os efeitos do

casamento evitando uma intromissatildeo injustificada na escolha que as partes fizeram de natildeo

contraiacuterem casamento No entanto seria importante reforccedilar o regime legal atual natildeo

olvidando os que apesar de optarem por natildeo seguir a via do casamento pretendem uma

proteccedilatildeo mais firme e os que pretendem apenas a coabitaccedilatildeo sem consequecircncias juriacutedicas

Enveredando-se por um caminho que consolide os efeitos juriacutedicos da uniatildeo de facto com

um regime proacuteprio que natildeo se confunda com o do casamento possibilitando aos que

pretendam uma uniatildeo sem consequecircncias juriacutedicas a liberdade de escolha de sujeiccedilatildeo a um

regime legal ou natildeo

71 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDissoluccedilatildeo da uniatildeo de facto ndash Anotaccedilatildeo ao Acoacuterdatildeo do TRG de 2992004

Proc 128904rdquo ob cit pp 74-75

27

4 Constituiccedilatildeo da relaccedilatildeo de Uniatildeo de Facto e os seus efeitos

A uniatildeo de facto constitui-se quando dois sujeitos do mesmo sexo ou de sexo

diferente que tecircm uma relaccedilatildeo passam a viver em comunhatildeo de leito mesa e habitaccedilatildeo

Passando os membros a viver nessas condiccedilotildees e natildeo sendo essa situaccedilatildeo objeto de registo

civil72 ou administrativo ao contraacuterio do que acontece em alguns ordenamentos vizinhos

que mereceratildeo a nossa anaacutelise mais adiante torna-se mais difiacutecil saber de forma exata

quando se iniciou para que seja possiacutevel a partir daiacute contar os dois anos necessaacuterios para

que a situaccedilatildeo de facto produza os efeitos previstos no artigo 3ordm da LUF

Efeitos estes que soacute se produziratildeo se cumulativamente com requisito temporal de

decurso de dois anos natildeo existir nenhum impedimento dirimente ao casamento dos membros

da uniatildeo de facto Eacute a soluccedilatildeo prevista no artigo 2ordm da LUF que reproduz nas suas aliacuteneas

o disposto no artigo 1601ordm e 1602ordm CCiv obstando agrave constituiccedilatildeo de uma uniatildeo de facto

juridicamente protegida impedimentos relacionados com a idade dos companheiros a

existecircncia de uma demecircncia notoacuteria mesmo com intervalos luacutecidos e situaccedilatildeo de

acompanhamento de maior se assim estabelecer a sentenccedila que a haja decretado salvo se

posteriores ao iniacutecio da uniatildeo a ocorrecircncia de casamento anterior natildeo dissolvido exceto se

tiver sido decretada a separaccedilatildeo de pessoas e bens o parentesco na linha reta ou no 2ordm grau

da linha colateral ou afinidade na linha reta e a condenaccedilatildeo anterior de uma das pessoas

como autor ou cuacutemplice por homiciacutedio doloso ainda que natildeo consumado contra o cocircnjuge

do outro Os factos expostos estorvam apenas a produccedilatildeo de efeitos favoraacuteveis da uniatildeo de

facto ou seja a atribuiccedilatildeo de direitos ou benefiacutecios natildeo deveraacute ser intenccedilatildeo do legislador

que a uniatildeo de facto mesmo que afetada por algum dos impedimentos seja considerada

irrelevante juridicamente quando estatildeo em causa interesses legiacutetimos de terceiros ou quando

surjam consequecircncias como a presunccedilatildeo de paternidade relativamente ao homem7374

Em relaccedilatildeo aos efeitos pessoais por natildeo assumirem nenhum compromisso natildeo

estatildeo os membros da uniatildeo de facto vinculados aos deveres conjugais que os artigos 1671ordm

72 Uma vez que natildeo estaacute mencionada no acircmbito do art 1ordm do Coacutedigo do Registo Civil norma que consagra as

situaccedilotildees em que o registo civil eacute obrigatoacuterio no nosso ordenamento juriacutedico 73 Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 141 74 O elenco dos impedimentos agrave produccedilatildeo dos efeitos favoraacuteveis agrave uniatildeo de facto que constam no artigo 2ordm da

LUF foi corrigido e adaptado para evitar uma excessiva ligaccedilatildeo agraves soluccedilotildees postuladas no artigo 1601ordm CCiv

Sobre as correccedilotildees mais detalhadamente cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit pp 141-142

28

e 1672ordm CCiv impotildeem aos cocircnjuges75 Contudo a relaccedilatildeo pessoal que assumem permite-

lhes adotar um filho nos mesmos termos que os cocircnjuges por forccedila do artigo 7ordm da LUF

desde que a relaccedilatildeo dure haacute mais de quatro anos e ambos tiverem mais de 25 anos

independentemente do seu sexo Releva tambeacutem para efeitos de aquisiccedilatildeo de nacionalidade

desde que o estrangeiro que viva em uniatildeo de facto com nacional portuguecircs haacute mais de trecircs

anos e tenha reconhecimento judicial da situaccedilatildeo de facto declare que quer adquirir

nacionalidade portuguesa (artigo 3ordm nordm 3 Lei da Nacionalidade - Lei nordm 3781 de 03 de

Outubro) No que respeita aos filhos nascidos das uniotildees de facto nas accedilotildees de investigaccedilatildeo

de paternidade presume-se a paternidade quando tenha havido comunhatildeo duradoura de vida

entre a matildee e o pretenso pai no periacuteodo legal de concepccedilatildeo por forccedila do artigo 1871ordm CCiv

Quanto ao exerciacutecio das responsabilidades parentais no caso de comunhatildeo duradoura de

vida em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges ou concubinato duradouro o artigo 1911ordm nordm

1 CCiv determina a aplicaccedilatildeo do previsto nos artigos 1901ordm e 1904ordm CCiv que corresponde

ao regime que vigora quando os progenitores satildeo casados Jaacute no caso de dissociaccedilatildeo familiar

o mesmo artigo remete para aplicaccedilatildeo do disposto nos artigos 1905ordm a 1908ordm CCiv normas

atinentes ao divoacutercio separaccedilatildeo de pessoas e bens ou declaraccedilatildeo de nulidade ou anulaccedilatildeo do

casamento Como se pode ver os filhos nascidos de uniatildeo de facto tal como quaisquer outros

nascidos fora do casamento estatildeo equiparados aos nascidos dentro do mesmo por forccedila do

disposto no nordm 4 do artigo 36ordm da CRP76

Como jaacute haviacuteamos referido a uniatildeo de facto natildeo permite a aplicaccedilatildeo de um regime

de bens nem das regras que disciplinam as relaccedilotildees patrimoniais dos cocircnjuges como a

administraccedilatildeo de bens e regime de responsabilidade por diacutevidas sendo de aplicar entre os

unidos o regime geral das relaccedilotildees obrigacionais e reais77 De acordo com as regras do direito

comum cada um dos membros da uniatildeo de facto pode vender bens moacuteveis ou imoacuteveis dar

ou tomar de arrendamento um imoacutevel ou contrair diacutevidas podem entre eles celebrar

contratos de compra e venda de locaccedilatildeo de depoacutesito de comodato de muacutetuo entre outros

pois o artigo 1714ordm CCiv que impede a celebraccedilatildeo de certos contratos entre os cocircnjuges natildeo

eacute aplicaacutevel agraves relaccedilotildees de uniatildeo de facto Acrescem a estes os que expusemos anteriormente

relativamente a esta mateacuteria aquando da distinccedilatildeo entre o regime do casamento e o regime

75 Natildeo estabelecem relaccedilotildees de afinidade com os parentes do outro natildeo podem adotar o apelido um do outro

possibilidade que eacute concedida aos cocircnjuges por virtude do artigo 1677ordm CCiv 76 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 81 77 Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoUniatildeo de Facto em Portugalrdquo obcit p 120

29

da uniatildeo de facto no ponto 31 e ainda sucintamente importa referir como efeito

patrimonial da uniatildeo de facto a extensatildeo a esta do artigo 1691ordm al b) CCiv que prevecirc a

responsabilidade dos cocircnjuges pelas diacutevidas contraiacutedas por qualquer dos cocircnjuges antes ou

depois da celebraccedilatildeo do casamento para ocorrer aos encargos normais da vida familiar

equiparando nesta mateacuteria o conceito de uniatildeo de facto como a comunhatildeo de leito mesa e

habitaccedilatildeo aos casamentos e protegendo a confianccedila de terceiros que com eles contratem e

confiem nessa aparecircncia de vida matrimonial78 A niacutevel patrimonial a uniatildeo de facto atribui

ao unido sobrevivo por forccedila do artigo 2020ordm nordm 1 o direito de exigir alimentos da heranccedila

do falecido poreacutem esse direito caduca se natildeo for exercido nos dois anos posteriores agrave data

da morte do autor da sucessatildeo (nordm 2) e se o alimentado casar iniciar uma relaccedilatildeo de uniatildeo

de facto ou se tornar indigno do benefiacutecio pelo seu comportamento moral por forccedila do nordm 3

do artigo 2020ordm e do artigo 2019ordm CCiv Resta em uacuteltimo lugar dizer que em mateacuteria fiscal

nomeadamente no que respeita ao imposto sobre o rendimento o artigo 3ordm al d) da LUF

torna aplicaacutevel aos membros da uniatildeo de facto o regime atribuiacutedo aos sujeitos passivos natildeo

separados de pessoas e bens nessa mateacuteria

78 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 34

30

5 O problema da prova da coabitaccedilatildeo

51 Consideraccedilotildees gerais

Expostos os efeitos a que a constituiccedilatildeo da uniatildeo de facto daacute origem urge abordar

a problemaacutetica que a este estudo interessa o problema da prova da relaccedilatildeo de uniatildeo de facto

nomeadamente a prova da coabitaccedilatildeo Apesar de natildeo existir como vimos uma exigecircncia de

forma para a constituiccedilatildeo da uniatildeo de facto e prevalecer entre noacutes um modelo faacutectico79-

bastando que se verifiquem os requisitos factuais para que a convivecircncia seja protegida - eacute

exigido aos seus membros que provem a sua convivecircncia se pretenderem beneficiar de

determinados direitos

Ora a opccedilatildeo do legislador tem sido contraacuteria agrave formalizaccedilatildeo da uniatildeo de facto o

que natildeo facilita a demonstraccedilatildeo dos factos exigidos pela lei para aferir a sua relevacircncia

juriacutedica Portanto a dificuldade dessa prova adveacutem natildeo soacute desta relaccedilatildeo natildeo estar sujeita a

nenhum tipo de solenidade ou publicidade na sua constituiccedilatildeo por natildeo implicar a sujeiccedilatildeo

ao registo civil ou administrativo80 mas tambeacutem por natildeo haver em regra uma prova preacute-

constituiacuteda81 diferentemente do que sucede com o casamento estando nas matildeos dos

cocircnjuges a possibilidade de requerer a qualquer momento uma certidatildeo de casamento

A respeito da prova da uniatildeo de facto no acircmbito juriacutedico-civil recorde-se o regime

geral do oacutenus da prova previsto no artigo 342ordm CCiv que atribui a quem pretende invocar

um direito provar os factos que o constituem Isto eacute se um dos membros da uniatildeo de facto

pretender beneficiar da proteccedilatildeo juriacutedica conferida agrave uniatildeo de facto precisaraacute de demonstrar

a realidade dos factos que invoca para preenchimento dos pressupostos estabelecidos Nesta

mateacuteria tambeacutem satildeo aplicaacuteveis as normas gerais do oacutenus da prova a terceiro que pretenda

fundar um direito na uniatildeo de facto recaindo sobre ele o oacutenus de provar os factos que

consubstanciam o direito que alega Porquanto se vecirc que a prova de que se vive numa

79 Cfr ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoA convivecircncia laquomore uxorioraquo um olhar sobre o regime portuguecircs francecircs

e alematildeordquo in Direito Constitucional e o seu papel na construccedilatildeo do cenaacuterio juriacutedico global dir IRENE

PORTELA IPCA 1ordf Ed 2016 p 121 A uniatildeo de facto eacute uma realidade de convivecircncia continuada sem

qualquer forma exigida Natildeo existe a sujeiccedilatildeo a registo da uniatildeo de facto Ou seja a uniatildeo de facto no nosso

sistema natildeo se constitui consolida-se com o tempo ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoUNIAtildeO de facto versus

Casamento ndash Questotildees pessoais e patrimoniaisrdquo Gestlegal 1ordm ed 2019 p 158 80 O que natildeo permite saber com certeza a data a partir da qual se comeccedilam a contar os dois anos necessaacuterios agrave

produccedilatildeo de efeitos 81 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 72

31

situaccedilatildeo anaacuteloga agrave dos cocircnjuges pode revelar-se sinuosa e por isso eacute relevante desenvolver

essa mateacuteria no presente estudo

Nesta senda o artigo 2ordm-A nordm 1 da LUF prevecirc que a prova da uniatildeo de facto se faz

por qualquer meio legalmente admissiacutevel salvo se disposiccedilatildeo legal ou regulamentar exija

prova documental especiacutefica A prova seraacute maioritariamente testemunhal contudo natildeo se

deve excluir a possibilidade de prova documental ao realizar uma interpretaccedilatildeo extensiva

do termo vida previsto no artigo 34ordm nordm 1 do Decreto-Lei nordm 13599 de 22 de Abril que

regula a forma como atestados de residecircncia vida e situaccedilatildeo econoacutemica dos cidadatildeos

devem ser passados pelas Juntas de Freguesia82 Ou ainda como sugerem FRANCcedilA PITAtildeO e

MARTA COSTA mobilizar accedilatildeo judicial de simples apreciaccedilatildeo (ou de mera declaraccedilatildeo)

positiva83 com a qual os membros pretenderiam apenas obter a declaraccedilatildeo da existecircncia de

um facto que assentava na comunhatildeo de cama mesa e habitaccedilatildeo por mais de dois anos84

Contudo esta soluccedilatildeo poderia comportar o risco de ser usada por um dos membros agrave revelia

do outro com vista ao aproveitamento dos efeitos favoraacuteveis da uniatildeo mesmo que esta jaacute

esteja extinta Eacute precisamente por esta razatildeo que NUNO COSTA MAURIacuteCIO85

rejeita o recurso

a esta accedilatildeo pelos unidos Crecirc que natildeo eacute a soluccedilatildeo para a dificuldade da prova da uniatildeo de

facto devido aos problema que podiam advir da falta de controlo judicial da extinccedilatildeo da

uniatildeo de facto que consistiriam na possibilidade de um ou ambos os unidos continuarem a

usufruir de efeitos favoraacuteveis de uma situaccedilatildeo que jaacute se extinguiu

Poderaacute entatildeo fazer-se a prova documental atraveacutes de uma declaraccedilatildeo emitida pela

Junta de Freguesia competente sendo que esse documento deve ser acompanhado da

declaraccedilatildeo de ambos os membros conviventes que sob compromisso de honra afirmam que

vivem em uniatildeo de facto haacute mais de dois anos e da coacutepia das suas certidotildees de nascimento

Poreacutem a veracidade deste documento pode por vezes ser posta em causa e natildeo fazer prova

plena por natildeo se tratar normalmente de facto atestado com base nas perceccedilotildees da entidade

82 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p74 83 Cfr MARTA COSTA ob cit p387 FRANCcedilA PITAtildeO ldquoUniotildees de Facto e Economia Comum de acordo com

a Lei nordm 232010 de 30 de agostordquo obcit p78 84 Tendo os requerentes de tal accedilatildeo de provar natildeo soacute a sua natildeo coabitaccedilatildeo nos termos e condiccedilotildees previstos na

lei bem como a inexistecircncia de qualquer um dos impedimentos previstos no art 2ordm da LUF sob pena de a

decisatildeo judicial natildeo poder produzir nenhum efeito uacutetil Cfr FRANCcedilA PITAtildeO ldquoUniotildees de Facto e Economia

Comum de acordo com a Lei nordm 232010 de 30 de agostordquo obcit pp 78-79 85 Cfr NUNO COSTA MAURIacuteCIO ldquoO pecado mora ao ladordquo Um repensar da problemaacutetica juriacutedica das uniotildees

de facto e das relaccedilotildees patrimoniais entre unidos de facto Tese de Mestrado em Ciecircncias Juriacutedico-Civiliacutesticas

Faculdade De Direito Da Universidade De Coimbra Outubro 2000 p 76

32

documentadora86 Efetivamente o documento soacute prova que os interessados fizeram perante

o funcionaacuterio a afirmaccedilatildeo de que conviviam em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges desde

determinada data todavia natildeo quer dizer que natildeo se possa pocircr em causa a veracidade dessa

afirmaccedilatildeo87 Qualquer interessado pode demonstrar que o facto natildeo eacute verdadeiro por alegar

que a uniatildeo de facto natildeo existiu ou natildeo teve lugar durante o periacuteodo mencionado pelos

declarantes88 Ou seja o disposto no artigo 2ordm-A n ordm1 da LUF traduz-se apenas na

possibilidade que os unidos tecircm de apresentar documentos para demonstrarem os

pressupostos que permitem atribuir relevacircncia juriacutedica agrave uniatildeo de facto pois essa norma natildeo

confere qualquer valor probatoacuterio a tais documentos Posto isto o documento emitido pela

Junta de Freguesia natildeo eacute suficiente para demonstrar a existecircncia da uniatildeo de facto porquanto

a LUF natildeo exige apenas a alegaccedilatildeo de que duas pessoas vivem juntas haacute mais de dois anos

ou que natildeo se verifique nenhum dos impedimentos agrave constituiccedilatildeo da relaccedilatildeo eacute essencial

ainda que provem a sua coabitaccedilatildeo89

O nordm 5 do artigo 2ordm-A adverte tambeacutem para as sanccedilotildees penais que as falsas

declaraccedilotildees poderatildeo causar Como prova documental eacute um meio de prova fraacutegil e suscetiacutevel

de fraude esta norma funciona como advertecircncia que visa promover a conformidade entre

as declaraccedilotildees que os sujeitos fazem e a realidade que por eles eacute vivida esperando que a

ameaccedila da aplicaccedilatildeo de uma sanccedilatildeo penal iniba a alegaccedilatildeo de falsas declaraccedilotildees Tendo em

conta que o interesse da demonstraccedilatildeo dos requisitos que permitem atribuir relevacircncia

juriacutedica agrave situaccedilatildeo de facto eacute com o objetivo de se produzirem factos favoraacuteveis aos

86 Art 371ordm nordm 1 CCiv Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 72 87 Vide neste sentido o Acoacuterdatildeo do TCA Norte de 13-11-2020 proferido no acircmbito do processo nordm

00090151BECBR Natildeo oferece qualquer controveacutersia quer em sede doutrinal quer jurisprudencial que natildeo

sendo arguida a falsidade do documento autecircntico este faz prova plena dos factos praticados pela entidade

documentadora de sorte que tudo o que o documento referir como tendo sido praticado por essa entidade

tudo o que segundo o documento seja obra do seu Autor e bem assim tudo o que tenha sido percecionado

pelo mesmo tem de ser aceite como exato Assim as declaraccedilotildees que constam no documento como tendo sido

feitas perante a entidade documentadora ou seja o declarado perante a uacuteltima e que essa entidade ouviu

atraveacutes dos seus sentidos em consonacircncia com a parte final do nordm 1 do art 371ordm do CC beneficiam da prova

plena inerente agrave forccedila probatoacuteria conferida pelo oficial puacuteblico Deste modo se o presidente de junta consigna

no texto do atestado que a requerente e as referidas testemunhas declararam que ldquo(a) mesmo(a) residia haacute

mais de dois anos com o falecido A seu companheiro(a) ateacute agrave data de oacutebito (hellip)rdquo tem-se como plenamente

provado que essa declaraccedilatildeo foi efetivamente feita perante o presidente de junta de freguesia Mas tatildeo soacute Eacute

que daiacute natildeo decorre que a forccedila probatoacuteria desse atestado respeite a tudo o que nele se conteacutem A verdade

dos factos a que se reportam as declaraccedilotildees emitidas e que constam desse documento autecircntico- no caso o

atestado emitido pelo presidente de junta de freguesia- ficam sujeitas agrave livre apreciaccedilatildeo do julgador 88 Cfr JORGE DUARTE PINHEIRO ob cit p 529 89 Isto eacute que vivem em ldquouniatildeo de factordquo Cfr RITA LOBO XAVIER ldquoEstatuto Privadordquo dos membros da Uniatildeo

De Factordquo obcit p1518 E ainda sobre a importacircncia da coabitaccedilatildeo cfr FRANCcedilA PITAtildeO ldquoOs novos

casamentos ou a crise do casamento tradicional no direito portuguecircs ob cit p66

33

declarantes estaraacute sempre em causa a credibilidade de tais declaraccedilotildees que estaratildeo sujeitas

ao confronto com as demais provas e ao princiacutepio da livre apreciaccedilatildeo da prova90 acabando

por serem mais crediacuteveis as declaraccedilotildees feitas em detrimento dos declarantes91 A norma em

causa pretende apenas facilitar a demonstraccedilatildeo dos factos que satildeo considerados como

pressupostos da atribuiccedilatildeo de relevacircncia juriacutedica agrave uniatildeo de facto uma vez que a lei natildeo

adotou ainda um registo oficial desta relaccedilatildeo Cremos que a intenccedilatildeo do legislador foi libertar

os membros da uniatildeo de facto de terem de obter declaraccedilatildeo judicial para certificar a sua

convivecircncia respeitando a liberdade inerente a quem opta por este tipo de relaccedilatildeo Todavia

este eacute um tema controvertido e vem sido debatido na doutrina a possibilidade de registo da

uniatildeo de facto como forma de conferir publicidade a estas relaccedilotildees findar os problemas

relativos agrave sua prova e de colmatar esta que pode ser considerada uma das lacunas presentes

no regime juriacutedico portuguecircs da uniatildeo de facto Haacute quem entenda que uma vez que a uniatildeo

de facto se trata na maioria das vezes de uma opccedilatildeo de vida de acordo com a autonomia da

vontade de quem por ela optou o legislador deve respeitar essa escolha e intervir apenas se

necessaacuterio legislando somente em alguns aspetos pontuais92 Devendo quanto ao resto

abster-se e confiar na capacidade de autorregulamentaccedilatildeo dos membros da uniatildeo de facto

Neste seguimento o Bloco de Esquerda apresentou o Projeto de Lei n ordm45VIII93

que visava alterar a Lei nordm 13599 de 28 de Agosto Atraveacutes deste projeto apresentou

soluccedilotildees no que diz respeito agrave prova e ao registo da uniatildeo de facto94 sugerindo que o artigo

2ordm-A passasse a tratar da forma como a uniatildeo de facto eacute constituiacuteda que seria atraveacutes de

registo na junta de freguesia da aacuterea de residecircncia das pessoas em uniatildeo de facto ou apoacutes

90 Cfr RITA LOBO XAVIER ldquoA Uniatildeo de Facto e a Lei Civil no Ensino de Francisco Manuel Pereira Coelho e

Legislaccedilatildeo Atualrdquo em Textos de Direito da Famiacutelia para Francisco Pereira Coelho Coimbra Imprensa da

Universidade de Coimbra 2016 p 684 91 Cfr RITA LOBO XAVIER ldquoEstatuto Privadordquo dos membros da Uniatildeo De Factordquo obcit p1519 92 Cfr HEINRICH HOumlRSTER ldquoDireito da Famiacutelia e Poliacutetica Socialrdquo Publicaccedilotildees Universidade Catoacutelica Porto

2001 pp71-72 Segundo este A o legislador adotando uma postura prudente deve apenas legislar quando

estejam em causa interesses de terceiros ou seja da comunidade ou quando haja a necessidade de proteger os

filhos Nestas situaccedilotildees defende que o legislador pode e deve intervir e que quando se trate de legislar em

mateacuteria de uniatildeo de facto espera que seja feito com cuidado e ponderaccedilatildeo 93 Consultaacutevel em

httpswwwparlamentoptActividadeParlamentarPaginasDetalheIniciativaaspxBID=6308 94 No seu art 2ordm previam o aditamento do artigo 2ordmA e 2ordm B art 2ordm-A1 A uniatildeo de facto eacute constituiacuteda a)

Por registo na junta de freguesia da aacuterea de residecircncia das pessoas em uniatildeo de facto ou b) Apoacutes dois anos

em plena comunhatildeo de vida sem necessidade de registo 2 As uniotildees de facto constituiacutedas por registo

conforme a aliacutenea a) do nordm 1 do presente artigo estatildeo imediatamente reguladas pela presente lei Art 2ordm-B

A uniatildeo de facto constituiacuteda por registo eacute dissolvida por vontade de pelo menos um dos seus constituintes

expressa junto aos serviccedilos de registo da junta de freguesia da aacuterea da residecircncia

34

dois anos em plena comunhatildeo de vida sem necessidade de registo passando as uniotildees de

facto constituiacutedas por registo a estar imediatamente reguladas pela LUF sem necessidade

do decurso do prazo de dois anos Este projeto previa tambeacutem no artigo 2ordm-B o registo da

dissoluccedilatildeo junto dos serviccedilos da junta de freguesia atraveacutes da declaraccedilatildeo de pelo menos um

dos unidos O Projeto de Lei n ordm45VIII do BE95 cumpriu os requisitos constitucionais e

regimentais necessaacuterios para ser apreciado pelo plenaacuterio da Assembleia da Reacutepublica

Contudo apoacutes a adoccedilatildeo por parte da Comissatildeo de Assuntos Constitucionais Direitos

Liberdades e Garantias de um texto de substituiccedilatildeo relativo aos projetos nordm 6VII de

iniciativa do partido Os Verdes ao nordm 45VIII do BE e ao nordm 115VII do PCP e apoacutes a

aprovaccedilatildeo com votos favoraacuteveis do PS do PCP e do BE e votos contra do PSD do CDS-

PP e da Deputada Maria do Rosaacuterio Carneiro (PS) relativamente a cada artigo do texto de

substituiccedilatildeo os representantes na Comissatildeo dos Grupos Parlamentares do PCP e do BE bem

como a Srordf Deputada Isabel Castro (Os Verdes) declararam retirar as respetivas iniciativas

legislativas em benefiacutecio do texto de substituiccedilatildeo adotado entrando em vigor a Lei nordm

72001 de 11 de Maio que adotou medidas de proteccedilatildeo das uniotildees de facto Vigorando com

as subsequentes alteraccedilotildees ateacute aos dias de hoje

Conveacutem frisar que a questatildeo do registo da uniatildeo de facto pode ser encarada como

incompatiacutevel com a proacutepria natureza informal da uniatildeo de facto Desde logo NUNO COSTA

MAURIacuteCIO defende que subjacente agrave necessidade do registo reside sempre uma ideia de

certeza juriacutedica a qual transportada para o acircmbito da uniatildeo de facto vai implicar que a sua

prova nunca possa ser feita atraveacutes de uma declaraccedilatildeo unilateral da parte interessada tendo

de passar por uma acreditaccedilatildeo um crivo de publicidade que traraacute consigo e proporcionaraacute a

terceiros a certeza juriacutedica de que aquelas duas pessoas vivem em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos

cocircnjuges96 Poreacutem acredita que apesar das vantagens da certeza e seguranccedila juriacutedicas

inerentes ao instituto do registo as desvantagens se afloram maiores Em virtude de no que

respeita aos elementos constitutivos da uniatildeo de facto onde o essencial eacute estar-se perante

uma convivecircncia estaacutevel e duradoura semelhante agrave dos cocircnjuges natildeo deve bastar o facto de

duas pessoas se dirigirem a uma conservatoacuteria de registo ou a outra entidade puacuteblica e

declararem viver em uniatildeo de facto sem se apurar a autenticidade dessas declaraccedilotildees

95 Bem como os projetos de lei nordm 6VIII da iniciativa do Partido Ecologista Os Verdes o nordm 105VIII da

iniciativa do Partido Socialista e o nordm 115VIII da iniciativa do Partido Comunista Portuguecircs 96 Cfr NUNO COSTA MAURIacuteCIO ldquoO pecado mora ao ladordquo ob cit p 81

35

Acrescenta ainda que ao fazerem depender a eficaacutecia juriacutedica da uniatildeo de facto da sua

inscriccedilatildeo no registo tornando ineficazes as uniotildees que natildeo estivessem inscritas estariam a

forccedilar os unidos que optaram por esta forma de convivecircncia exatamente para dispensar

qualquer formalidade a inscrever a sua relaccedilatildeo O que se traduziria numa adulteraccedilatildeo da

intencionalidade e natureza da uniatildeo de facto Ou mesmo que se configurasse um registo

livre e voluntaacuterio quem preferisse a natildeo inscriccedilatildeo natildeo teria acesso a um regime legal de

proteccedilatildeo da uniatildeo de facto ficando agrave margem da lei o que geraria uma nova discriminaccedilatildeo

Nota por uacuteltimo que a inscriccedilatildeo das uniotildees de facto se iria traduzir na prestaccedilatildeo de

consentimento a uma relaccedilatildeo de facto por parte dos dois sujeitos e assim sendo poderia

estar-se perante um novo tipo de casamento ainda que se trate de um casamento de segundo

grau97 Tal consideraccedilatildeo iria contra o espiacuterito de liberdade e natildeo formalismo que preside agrave

uniatildeo de facto98 Depreendendo que devido agraves desvantagens inerentes ao registo a

dificuldade da prova da uniatildeo de facto seria mais facilmente superada se se permitisse aos

unidos de facto ao abrigo do princiacutepio da livre disponibilidade convencionar as

regulamentaccedilatildeo das suas relaccedilotildees99

De outra banda MARTA COSTA considera que se fosse instituiacutedo o registo

obrigatoacuterio para que os conviventes pudessem beneficiar da tutela legislativa prevista as

dificuldades que advecircm da prova da uniatildeo de facto ficariam diminuiacutedas e sairiam

privilegiadas a seguranccedila juriacutedica e a liberdade dos conviventes que poderiam decidir se

pretendiam ser legislativamente tutelados ou se optariam por uma relaccedilatildeo meramente

factual Realccedila ainda que a instituiccedilatildeo do registo transformaria a uniatildeo de facto em relaccedilatildeo

de direito num instituto juriacutedico formal ainda que a sua tutela fosse diminuta100 Durante a

sua anaacutelise aproveita para refutar algumas das desvantagens que NUNO COSTA MAURIacuteCIO

aponta agrave inscriccedilatildeo da uniatildeo de facto no registo Primeiramente em relaccedilatildeo agrave dificuldade de

apurar a veracidade das declaraccedilotildees dos unidos a A crecirc que depende da opccedilatildeo legislativa

97 Atentando-se agrave diferenccedila de grau no que diz respeito ao nuacutemero de efeitos juriacutedicos que cada um produz

Cfr NUNO COSTA MAURIacuteCIO ldquoO pecado mora ao ladordquo ob cit p82 98 Eacute na procura do momento da conciliaccedilatildeo entre a autoridade e liberdade e entre o puacuteblico e o privado que

residem os fundamentos das intervenccedilotildees legislativas no acircmbito das relaccedilotildees juriacutedico-familiares que devem

repousar ou fundamentos de poliacutetica legislativa relativos agrave atribuiccedilatildeo de efeitos de direito agrave uniatildeo de facto

(hellip) e estaacute na base das intervenccedilotildees legislativas feitas em alguns paiacuteses e nas exigecircncias feitas pela doutrina

noutros com vista agrave definiccedilatildeo de um estatuto juriacutedico da uniatildeo de facto Cfr GERALDO DA CRUZ ALMEIDA

ob cit pp 185-193 99 Cfr NUNO COSTA MAURIacuteCIO ldquoO pecado mora ao ladordquo ob cit p83 100 Cfr MARTA COSTA ob cit p 394

36

Isto eacute se com a obrigatoriedade do registo o legislador decidir que a tutela da relaccedilatildeo fique

dependente da duraccedilatildeo da mesma esta duraccedilatildeo pode contar-se apoacutes o registo ou exigir-se o

decurso da mesma para que os conviventes possam inscrever a relaccedilatildeo no registo mantendo-

se a dificuldade de determinar o seu iniacutecio Se por outro lado a tutela da convivecircncia natildeo

ficar dependente da sua duraccedilatildeo natildeo teraacute de haver uma convivecircncia preacutevia podendo duas

pessoas que queiram conviver dirigirem-se a uma entidade competente e registar a

convivecircncia que podia jaacute existir ou iniciar-se nesse momento101 Relativamente ao facto de

os unidos que optaram pela uniatildeo de facto para se eximirem de qualquer formalidade se

verem obrigados a proceder ao registo da sua relaccedilatildeo para evitar que a sua uniatildeo seja

inexistente a A discorda afirmando que os unidos natildeo se veriam forccedilados a proceder ao

registo podendo preferir manter uma verdadeira uniatildeo de facto agrave qual continuariam a ser

atribuiacutedos ainda que poucos alguns direitos e deveres102 face agrave nossa ordem juriacutedica

defendendo que a obrigatoriedade do registo ao lado do instituto do casamento e da relaccedilatildeo

puramente de facto serviria melhor os interesses de uma sociedade pluralista103 A A

diverge ainda da ideia imputada pelo A de representar uma discriminaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos

conviventes que optem pela natildeo inscriccedilatildeo por natildeo beneficiarem do regime de proteccedilatildeo da

uniatildeo de facto No seu entendimento eacute antes o reflexo do respeito pela escolha dos unidos

de manterem a sua uniatildeo verdadeiramente factual Remata a sua apreciaccedilatildeo afirmando que

o que vai contra o espiacuterito de liberdade que preside agrave uniatildeo de facto natildeo eacute a prestaccedilatildeo de

consentimento a uma relaccedilatildeo de facto por parte dos unidos mas antes a aplicaccedilatildeo automaacutetica

de um regime juriacutedico aos conviventes ainda que pouco densificado aditando que a

instituiccedilatildeo do registo obrigatoacuterio proporcionaria vaacuterias possibilidades que dependeriam da

real vontade dos interessados

101 Cfr MARTA COSTA ob cit p 396 102 Cfr MARTA COSTA ob cit p 397 103 Cfr MARTA COSTA ob cit p 398

37

52 Comparaccedilatildeo com o regime de outros ordenamentos juriacutedicos na Uniatildeo

Europeia

De forma a completar o raciociacutenio ateacute aqui apresentado cumpre agora uma sucinta

anaacutelise do regime juriacutedico da uniatildeo de facto em vigor em alguns ordenamentos juriacutedicos

europeus bem como outras figuras que advieram da jurisdicionalizaccedilatildeo da convivecircncia more

uxorio104 Assim importa primeiramente discorrer umas breves notas sobre o regime geral

previsto em cada um dos ordenamentos particularmente no que respeita agrave constituiccedilatildeo da

uniatildeo de facto aos seus efeitos e o seu regime de prova para que possamos posteriormente

expor as nossas conclusotildees e possiacutevel proposta de soluccedilatildeo

521 Espanha

Jaacute em 1986 EDUARDO ESTRADA ALONSO refletia sobre o conceito juriacutedico da uniatildeo

de facto em Espanha definindo o conceito de unioacuten extramatrimonial como uma

convivecircncia diaacuteria que eacute desenvolvida habitualmente pelos casamentos de forma estaacutevel e

duradoura sugerindo que o prazo miacutenimo deveria ser de cinco anos para que pudessem ser

consideradas pelo Direito Admite que essa convivecircncia natildeo seja necessariamente no sentido

da coabitaccedilatildeo mas no sentido de que haja pelo menos uma vontade de estar juntos a fim de

evitar que as separaccedilotildees temporaacuterias e involuntaacuterias ndash por motivos profissionais ndash impeccedilam

a produccedilatildeo dos efeitos juriacutedicos pretendidos por essas uniotildees Entende que eacute uma uniatildeo que

dispensa qualquer formalidade para ser constituiacuteda e que implica o cumprimento espontacircneo

sem obrigaccedilatildeo juriacutedica dos deveres conjugais por parte dos membros devendo ser uma

relaccedilatildeo monogacircmica onde haacute a manutenccedilatildeo de relaccedilotildees sexuais sem exigecircncia que

procriem105

Apesar de em Espanha natildeo se encontrar definido o conceito juriacutedico de famiacutelia nem

se as uniotildees de facto se enquadram nesse conceito o Tribunal Constitucional Espanhol tem

vindo a pronunciar-se sobre essa sua inclusatildeo ou natildeo no artigo 391 da Constituiccedilatildeo

Espanhola106 Em 1990 na sentenccedila nordm 1841990 de 15 de Novembro107 o TCE defendeu

104 Expressatildeo usada para caracterizar uma convivecircncia semelhante agrave do marido e mulher ou seja segundo os

costumes matrimoniais 105 Cfr EDUARDO ESTRADA ALONSO ob cit pp 52-73 106 1 Los poderes puacuteblicos aseguran la proteccioacuten social econoacutemica y juriacutedica de la familia Constituiccedilatildeo

Espanhola consultaacutevel em

httpswwwtribunalconstitucionalesestribunalnormativaNormativaCEportuguC3A9spdf 107 Sobre a importacircncia desta sentenccedila cfr JUAN FORNEacuteS ldquoMatrimonio y uniones de hechordquo Ius Canonicum

XL n ordm80 2000 p 404

38

que este tipo de convivecircncia natildeo encontrava previsatildeo no artigo 391 da Constituiccedilatildeo

Espanhola sugerindo que este artigo estava reservado agrave proteccedilatildeo da famiacutelia num ambiente

marital e pela existecircncia de filhos natildeo obstante as parejas de hecho poderem ser protegidas

constitucionalmente atraveacutes da mobilizaccedilatildeo do artigo 101 que postula o direito ao

desenvolvimento da personalidade108 Contrariamente o magistrado GIMENO SENDRA do

TCE sustentou num voto particular nessa sentenccedila a diferenciaccedilatildeo entre a famiacutelia e o

casamento afirmando que a constituiccedilatildeo espanhola previa duas situaccedilotildees distintas o artigo

391 consagrava a proteccedilatildeo da famiacutelia e o artigo 321109 previa a defesa do matrimoacutenio assim

protegendo o artigo 391 no solo a la famiacutelia como institucioacuten juriacutedica sino tambieacuten la

familia como realidad natural por lo que junto a la familia matrimonial tambieacuten han de

merecer proteccioacuten constitucional las denominadas uniones conyugales de hecho110 Em

1992 nesta mesma linha de pensamento na sentenccedila nordm 22292 de 11 de Dezembro o TCE

salientou que o artigo 39 da Constituiccedilatildeo Espanhola protege natildeo soacute a famiacutelia matrimonial

mas tambeacutem a natildeo matrimonial e assim as relaccedilotildees de convivecircncia constituiriam relaccedilotildees

familiares independentemente de terem filhos ou natildeo cabendo no acircmbito de incidecircncia

desse artigo Posteriormente em 28 de Fevereiro de 1994 na sentenccedila nordm 6694 o mesmo

tribunal voltou ao entendimento sufragado em 1990 defendendo a natildeo equivalecircncia entre

casamento e uniatildeo de facto para efeitos do artigo 39 Por fim este entendimento foi reiterado

na sentenccedila nordm 3998 de 17 de Fevereiro de 1998 e a 17 de Junho de 1999 com a sentenccedila

nordm 11699111 foi aceite a posiccedilatildeo defendida pela magistrado GIMENO SENDRA Assim

determinou o Tribunal Constitucional Espanhol que o artigo 391 natildeo identifica que a famiacutelia

que visa proteger eacute a que tem origem no casamento existindo outras modalidades de vida

familiar a par do casamento que refletem una sociedad plural Aleacutem da jurisprudecircncia

tambeacutem a doutrina tem divergido sobre a amplitude de aplicaccedilatildeo deste preceito

constitucional Atualmente o entendimento maioritaacuterio parece estar mais favoraacutevel agrave

inclusatildeo da convivecircncia more uxorio no artigo 391112

108 Tal como recorde-se eacute defendido em Portugal por alguns autores 109 1 El hombre y la mujer tienen derecho a contraer matrimonio con plena igualdad juriacutedica 110 Cfr MARTA COSTA ob cit p 111 111 Cfr JUAN FORNES ob cit p403 112 Cfr JOSEacute RAMOacuteN DE VERDA Y BEAMONTE ldquoLa Ley 52012 de 15 de octubre de uniones de hecho

formalizadas de la Comunidad Valencianardquo Rev boliv de derecho nordm 19 enero 2015 p 772 El precepto

habla de ldquofamiliardquo y no de ldquofamilia legiacutetimardquo (o ldquomatrimonialrdquo) por lo que la proteccioacuten que el precepto

otorga a la familia no debe identificarse necesariamente con la que tiene origen en el matrimonio el cual se

39

Ora diferentemente do que sucede em Portugal o legislador espanhol natildeo se

ocupou de regular de forma uniforme o regime da uniatildeo de facto113 Ao inveacutes as

comunidades autoacutenomas espanholas no acircmbito das suas competecircncia legislativas114

adotaram ainda que de forma distinta regras proacuteprias que regulam este tipo de convivecircncia

natildeo matrimonial Desde logo a maioria qualifica a convivecircncia more uxorio como relaccedilatildeo

familiar Pode ler-se na Ley Foral 62000 de 3 de julio da Comunidade Foral de Navarra

ora revogada115 no seu artigo 2 que ningueacutem pode ser discriminado em razatildeo do grupo

familiar de que faz parte quer seja proveniente de filiaccedilatildeo casamento ou uniatildeo de duas

pessoas que convivam em relaccedilatildeo afetiva semelhante independentemente da sua orientaccedilatildeo

sexual Esta disposiccedilatildeo foi reproduzida por leis de outras Comunidades como as Astuacuterias

Extremadura e Andaluzia116 Contrariamente outras comunidades como as Ilhas Baleares

natildeo as qualificam dessa forma No artigo 3 da Ley 182001 de 19 de diciembre prevecirc-se

que a formaccedilatildeo de uniatildeo de facto natildeo gere relaccedilatildeo de parentesco entre cada um de seus

membros e os familiares do outro Contudo na exposiccedilatildeo de motivos da dita lei eacute chamado

agrave colaccedilatildeo o artigo 391 da constituiccedilatildeo espanhola em nome da proteccedilatildeo social econoacutemica e

juriacutedica da famiacutelia indicando que essa norma natildeo visa proteger apenas um modelo de

famiacutelia sendo necessaacuterio fazer uma interpretaccedilatildeo ampliada desse conceito de acordo com a

realidade social A exposiccedilatildeo de motivos estabelece ainda que o artigo 32 ao prever o direito

de contrair matrimoacutenio tambeacutem prevecirc o direito a natildeo o fazer o que natildeo prejudica o direito

de todos os homens e mulheres de constituir por meio de uma uniatildeo efetiva e estaacutevel uma

comunhatildeo de vida que com ou sem filhos implique a constituiccedilatildeo de uma famiacutelia

regula en un precepto especiacutefico (art 32 CE) y en capiacutetulo diverso No mesmo sentido LUIS PEacuteREZ

FERNAacuteNDEZ ldquoLas Uniones Extramatrimoniales En Espantildea iquestEs Necesaria Su Regulacioacutenrdquo in Revista Juriacutedica

de Astuacuterias nordm 40 2017 p162 En nuestros diacuteas tanto matrimonio como la unioacuten extramatrimonial pueden

constituir una familia y estaacuten amparados por la misma proteccioacuten social econoacutemica y juriacutedica del artiacuteculo

391 de la Constitucioacuten espantildeola cuyo tenor literal establece laquoLos poderes puacuteblicos aseguran la proteccioacuten

social econoacutemica y juriacutedica de la familiaraquo 113 Ou concubinato parejas de hecho parejas cohabitantes uniones de hecho uniones libres convivencias

no matrimoniales matrimonios laquosin papelesraquo convivencias prenupciales () CfrGERARDO MEIL

LANDWERLIN ldquoLas uniones de hecho en Espantildeardquo Madrid Centro de Investigaciones Socioloacutegicas 2003 p

26 114 Cfr MARTA COSTA ob cit p 349 115 Lei original consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2000-16373 modificada e

atualizada pela Ley Foral 212019 de 4 de abril consultaacutevel em httpswwwboeeselies-

nclf2019040421 116 Respetivamente Ley 42002 de 23 de mayo de Parejas Estables Ley 52003 de 20 de marzo de parejas

de hecho de la Comunidad Autoacutenoma de Extremadura Ley 52002 de 16 de diciembre de Parejas de Hecho

40

Ademais assiste-se a uma coexistecircncia entre uniones extramatrimoniales

formalizadas e as puramente faacutecticas117 o que se reflete nos meios probatoacuterios No

ordenamento juriacutedico espanhol satildeo aceitaacuteveis todos os meios de prova que sejam admitidos

nos termos gerais do direito A exigecircncia da aparecircncia externa da convivecircncia entre unidos

de facto tem estreita relaccedilatildeo com a prova da mesma mostrando-se a jurisprudecircncia flexiacutevel

ao considerar suficientes para esse efeito as declaraccedilotildees dos conviventes ou seja a prova

testemunhal sem que documentos de caraacuteter administrativo a possam pocircr em causa As

disposiccedilotildees do acircmbito estatal natildeo precisam os requisitos pessoais nem as formas de

constituiccedilatildeo da uniatildeo de facto118 Jaacute no que toca ao direito regional prevalece a diversidade

havendo leis que admitem todos os meios de prova e outras que sendo mais restritivas

requerem o registo obrigatoacuterio Um exemplo de lei que admite qualquer meio de prova

admissiacutevel no direito eacute a Ley 42002 de 23 de mayo do principado das Astuacuterias119 A

Comunidade de Andaluzia prevecirc a possibilidade da declaraccedilatildeo de vontade de constituir uma

pareja de hecho mediante el otorgamiento de escritura puacuteblica o por cualquier otro medio

de prueba admisible en Derecho120 Jaacute comunidades como Extremadura121 Ilhas Baleares122

Cantaacutebria123 e Paiacutes Vasco124 exigem a inscriccedilatildeo das uniotildees de facto no registo para a sua

constituiccedilatildeo e por conseguinte como forma de provar a relaccedilatildeo Na comunidade de

Aragatildeo125 prevecirc-se a inscriccedilatildeo da relaccedilatildeo no registo administrativo podendo provar-se a

existecircncia da relaccedilatildeo se natildeo houver escritura puacuteblica por qualquer meio de prova admitido

no direito

117 Cfr NATALIA ALVAREZ LATA ldquoLas Parejas De Hecho Perspectiva Jurisprudencialrdquo Derecho Privado y

Constitucioacuten nordm 12 enero- diciembre 1998 p 15 118 Para mais desenvolvimentos no acircmbito de normas estatais cfr MARTA COSTA ob cit p 388 119 Art 3 n ordm3 La existencia de pareja estable o el transcurso del antildeo de convivencia podraacuten acreditarse

atraveacutes de cualquier medio de prueba admitido en Derecho

Consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2002-13017 120 Art 5 nordm 3 Consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2003-771 121 Art 4 da Ley 52003 de 20 de marzo consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-

2003-9450 122 Art1 nordm2 da Ley 182001 de 19 de diciembre consultaacutevel em

httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2002-917ampa=aamporden=conterefpost 123 Art 5 da Ley 12005 de 16 de mayo consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2005-

9402 124 Art 3 e 4 da Ley 22003 de 7 de mayo consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-

2011-18545 125 Ley 61999 de 26 de marzo derrogada pelo Decreto Legislativo 12011 de 22 de marzo consultaacutevel em

httpswwwboeesbuscardocphpid=BOA-d-2011-90007

41

Apoacutes a anaacutelise das soluccedilotildees que as comunidades autoacutenomas apresentam eacute de notar

a diversidade de caminhos que sugerem e que satildeo desconhecidos ao direito portuguecircs pelo

menos para jaacute

522 Franccedila

Tal como sucede em Espanha o ordenamento juriacutedico francecircs natildeo contempla uma

definiccedilatildeo de famiacutelia nem em termos constitucionais nem no Code Civil ou Code de la

Familie Tradicionalmente a doutrina tem vindo a definir famiacutelia como o grupo de pessoas

que estatildeo ligados por laccedilos fundados essencialmente pelo casamento e parentesco126 As

relaccedilotildees de concubinage natildeo cabem em princiacutepio neste conceito127 Poreacutem atualmente a

natureza familiar dos laccedilos criados pelo PACS tem sido questionada e ao receber resposta

afirmativa por parte da jurisprudecircncia eacute possiacutevel perceber-se que estaacute em curso uma

modificaccedilatildeo no que respeita agrave noccedilatildeo de famiacutelia apresentando-se cada vez menos riacutegida128

No Tiacutetulo XII no Code Civil encontramos as duas figuras que ocuparatildeo agora a

nossa anaacutelise o pacte civil de solidariteacute e le concubinage129 Em primeiro lugar o artigo

515-2 define o PACS como o contrato celebrado por duas pessoas singulares maiores de

idade do mesmo sexo ou de sexo diferente para organizarem a sua vida em comum Le

concubinage eacute definido pelo artigo 515-8 como uma uniatildeo de facto caracterizada por uma

vida comum de estabilidade e continuidade entre duas pessoas de sexo diferente ou igual

que vivem como um casal130 Importa frisar que esta relaccedilatildeo deve dispor alguns elementos

constitutivos que a possam qualificar como tal131 Entre os elementos suscetiacuteveis de

126 Por sua vez o Institut National De La Stastistique et des Etudes Economiques define que une famille est la

partie dun meacutenage comprenant au moins deux personnes et constitueacutee soit dun couple vivant au sein du

meacutenage avec le cas eacutecheacuteant son ou ses enfant(s) appartenant au mecircme meacutenage soit dun adulte avec son ou

ses enfant(s) appartenant au mecircme meacutenage (famille monoparentale)

Pour quune personne soit enfant dune famille elle doit ecirctre ceacutelibataire et ne pas avoir de conjoint ou denfant

faisant partie du mecircme meacutenage Consultaacutevel em httpswwwinseefrfrmetadonneesdefinitionc1465 127 Cfr ALAIN BENABENT lsquorsquoDroit de la famillersquorsquo LGDJ 4ordm ed 2018 p15 128 Idem 129Consultaacutevel

emhttpswwwlegifrancegouvfrcodessection_lcLEGITEXT000006070721LEGISCTA000006118360

LEGISCTA000006118360 130 O que implica certas consequecircncias legais para os indiviacuteduos que escolheram esta forma de conjugalidade

em oposiccedilatildeo ao casamento Enquanto o casal surgido do casamento estaacute sujeito a um conjunto de regras que

formam um estatuto natildeo existe um estatuto de coabitaccedilatildeo mesmo que a coabitaccedilatildeo seja marcada pela adesatildeo

contiacutenua agraves regras aplicaacuteveis aos cocircnjuges JACQUELINE RUBELLIN-DEVICHI ldquoDroit de la famillerdquo Paris

Dalloz 2001 XXXVII p 373 131 Cfr GERARD GOLDSTEIN lsquorsquoLa cohabitation hors mariage en droit international priveacutersquorsquo in Recueil des Cours

ndash Collected Courses Of The Hague Academy Of Internation Law Tomo 320 Martinus Nijhoff Publishers

2006 p 95

42

caracterizar como concubinage haacute alguns que consoante o caso satildeo particularmente

necessaacuterios em detrimento de outros Le concubinage natildeo se baseia apenas em relaccedilotildees

estaacuteveis e contiacutenuas que envolvem uma comunhatildeo de vida com coabitaccedilatildeo Aleacutem de haver

uma comunhatildeo de casa eacute ainda necessaacuterio que haja uma comunhatildeo de leito ou seja que

exista a manutenccedilatildeo de relaccedilotildees sexuais tal como no nosso ordenamento juriacutedico Aleacutem do

mais eacute importante que seja puacuteblica isto eacute conhecida por terceiros132

Quanto ao regime legal do concubinage este eacute inexistente Os efeitos do casamento

natildeo satildeo aplicaacuteveis agrave relaccedilatildeo de uniatildeo de facto no ordenamento juriacutedico francecircs A situaccedilatildeo

vivenciada pelos conviventes difere da dos cocircnjuges tanto do ponto de vista patrimonial

como do ponto de vista extrapatrimonial nomeadamente no que respeita aos direitos e

deveres conjugais previstos nos artigos 212ordm a 226ordm Code Civil133 Estes natildeo satildeo extensiacuteveis

aos membros da uniatildeo de facto pois a sua comunhatildeo de vida assenta num facto e nunca num

dever Independentemente da duraccedilatildeo da relaccedilatildeo os membros da uniatildeo de facto permanecem

juridicamente estranhos um ao outro natildeo gerando qualquer estado civil nem a possibilidade

de adotarem o nome do outro A situaccedilatildeo de facto estaacute no acircmbito pessoal isenta de qualquer

tipo de regulamento especiacutefico sendo regulada essencialmente pelo direito comum

Possibilitando que a sua rutura seja mais simples podendo qualquer dos membros pocircr fim agrave

relaccedilatildeo a todo o momento134 No tocante a efeitos patrimoniais natildeo existem efeitos diretos

ligados agrave uniatildeo de facto e natildeo haacute norma semelhante ao artigo 220ordm Code Civil135

relativamente ao regime do concubinage responsabilizando solidariamente os membros

pelas diacutevidas do outro No acircmbito fiscal os unidos declaram os seus rendimentos

separadamente sendo considerados individualmente Ao contraacuterio do casamento natildeo haacute o

dever de assistecircncia entre os conviventes e a existir eacute inteiramente voluntaacuterio Como foi

dito sem ser o regime primaacuterio natildeo existe um regime entre os conviventes como existe no

132 Atualmente natildeo eacute necessaacuteria a diferenccedila de sexos para que se possa qualificar a relaccedilatildeo como concubinage

sendo considerado da mesma forma quer se trate de pessoas do mesmo sexo ou de sexo diferente art 515-8

do Code Civil Para mais desenvolvimentos quanto aos elementos caracterizadores cfr JACQUELINE

RUBELLIN-DEVICHI ob cit p 375 133 Cfr BRIGITTE HESS-FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HELENE HESS ldquoDroit de la famillerdquo

ParisSirey DL 2009 XII p89 134 Cfr JACQUELINE RUBELLIN-DEVICHI ob cit p 391 135 1ordf parte Chacun des eacutepoux a pouvoir pour passer seul les contrats qui ont pour objet lentretien du meacutenage

ou leacuteducation des enfants toute dette ainsi contracteacutee par lun oblige lautre solidairement Cfr JEAN

CARBONNIER ob cit p 671

43

casamento Surgindo assim a tentativa de desenvolver na Franccedila inspirada por outros

ordenamentos os contratos de coabitaccedilatildeo que devem reger apenas aspetos patrimoniais

Contudo surgiram duacutevidas sobre a validade deste tipo de contratos no acircmbito do

direito francecircs Consideradas individualmente as claacuteusulas relativamente a aspetos

patrimoniais poderiam ser consideradas vaacutelidas todavia analisando a sua dinacircmica em

conjunto poderia tornar o contrato iliacutecito por dar forccedila obrigatoacuteria a uma espeacutecie de

casamento privado violando o monopoacutelio do Estado em mateacuteria de casamento136 A

permissatildeo de existecircncia destes contratos eacute excecional visto que a partir de 1999 os membros

da uniatildeo de facto puderam convencionar a sua relaccedilatildeo como entendiam atraveacutes do Pacto

Civil de Solidariedade

A prova do concubinage pode ser feita pelos membros ou por terceiros

Contrariamente ao que acontece no casamento em que os cocircnjuges podem facilmente provar

o seu estado civil atraveacutes da sua certidatildeo de casamento lavrada oficialmente pelo funcionaacuterio

do registo civil os conviventes natildeo dispotildeem de nenhuma prova preacute-constituiacuteda No entanto

por se tratar de um facto juriacutedico pode ser provado por qualquer meio de prova admissiacutevel

pelo direito nos termos gerais designadamente atraveacutes de certificados documentos

declaraccedilotildees de honra e ainda com o recurso agrave prova testemunhal137 A sua prova natildeo gera

em princiacutepio grande dificuldade para os membros dado que os organismos que exigem a

prova dessa convivecircncia impotildeem requisitos razoaacuteveis Caso diferente eacute a prova da

convivecircncia por terceiros que podem ver essa possibilidade limitada pelo direito agrave vida

privada do convivente por forccedila dos artigos 9 do Code Civil138 e 8ordm da CEDH139

O pacte civil de solidariteacute conhecido como PACS foi criado a 15 de novembro de

1999 pela lei nordm 99-944 contudo o atual conteuacutedo e estrutura do PACS natildeo eacute o que foi

inicialmente previsto pela referida lei devido agrave grande reforma que sofreu em 2006140 A

criaccedilatildeo deste instituto deveu-se essencialmente agrave necessidade dos casais do mesmo sexo

obterem reconhecimento puacuteblico da sua relaccedilatildeo visto que em 1999 soacute os casais

136 Cfr JEAN CARBONNIER ob cit p681 137 Cfr JACQUELINE RUBELLIN-DEVICHI ob cit p 389 MARTA COSTA ob cit p 390 BRIGITTE HESS-

FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HELENE HESS ob cit p 91 JEAN CARBONNIER ob cit

p775 138 Art 9 do Code Civil 1ordf parte Chacun a droit au respect de sa vie priveacutee 139 Cfr JACQUELINE RUBELLIN-DEVICHI ob cit p 387 MARTA COSTA ob cit p 390 140 Cfr ALBANA METAJ - STOJANOVA ldquoFrench Civil Partnership Contract (Pacs)rdquo South East European

University Vol 14 n ordm1 2019 p 136

44

heterossexuais poderiam optar pelo casamento ou pelo concubinage restando aos casais

homossexuais a uacuteltima alternativa141 Aleacutem disto o PACS veio igualmente satisfazer as

necessidades dos casais heterossexuais que pretendiam regular contratualmente a sua

relaccedilatildeo mas sem formalismo na sua constituiccedilatildeo permitindo-lhes organizar a sua vida

conjunta ndash podendo tratar-se por vezes de um ldquoensaiordquo para um futuro casamento ndash e em

caso de dissoluccedilatildeo evitar os procedimentos inerentes ao divoacutercio que podem ser longos e

dispendiosos142

Este instituto natildeo deve ser confundido nem com o casamento nem com o

concubinage143 O PACS tem bastante adesatildeo144 precisamente por se diferenciar do

casamento em alguns aspetos embora apresentem vaacuterias semelhanccedilas contratualmente o

primeiro natildeo se coaduna com a regulaccedilatildeo da vida familiar e dos filhos apenas a vida do

casal

141 Apenas a 17 de maio de 2013 com a lei 2013-404 foi garantida a possibilidade do casamento entre pessoas

do mesmo sexo 142 Cfr BRIGITTE HESS-FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HELENE HESS ob cit p78 143 Neste sentido sobre as diferenccedilas entre cada um destes trecircs regimes em concreto sobre a diferenccedila de

tratamento para atribuiccedilatildeo de pensatildeo de sobrevivecircncia vide Decisatildeo nordm 2011-155 QPC do Conseil

Constitutionnel de 29-07-2011 5 Consideacuterant en premier lieu que le concubinage est deacutefini par le seul

article 515-8 du code civil comme laquo une union de fait caracteacuteriseacutee par une vie commune preacutesentant un

caractegravere de stabiliteacute et de continuiteacute entre deux personnes de sexe diffeacuterent ou de mecircme sexe qui vivent en

couple raquo quagrave la diffeacuterence des eacutepoux les concubins ne sont leacutegalement tenus agrave aucune solidariteacute financiegravere

agrave leacutegard des tiers ni agrave aucune obligation reacuteciproque 6 Consideacuterant en deuxiegraveme lieu quen vertu de larticle

515-4 du code civil les partenaires lieacutes par un pacte civil de solidariteacute laquo sengagent agrave une vie commune ainsi

quagrave une aide mateacuterielle et une assistance reacuteciproques raquo que laquo si les partenaires nen disposent autrement

laide mateacuterielle est proportionnelle agrave leurs faculteacutes respectives raquo quen outre ils sont laquo tenus solidairement

agrave leacutegard des tiers des dettes contracteacutees par lun deux pour les besoins de la vie courante raquo quainsi

contrairement aux personnes vivant en concubinage les partenaires sont assujettis agrave des obligations

financiegraveres reacuteciproques et agrave leacutegard des tiers que toutefois les dispositions du code civil ne confegraverent aucune

compensation pour perte de revenus en cas de cessation du pacte civil de solidariteacute au profit de lun des

partenaires ni aucune vocation successorale au survivant en cas de deacutecegraves dun partenaire 7Consideacuterant en

troisiegraveme lieu que le reacutegime du mariage a pour objet non seulement dorganiser les obligations personnelles

mateacuterielles et patrimoniales des eacutepoux pendant la dureacutee de leur union mais eacutegalement dassurer la protection

de la famille que ce reacutegime assure aussi une protection en cas de dissolution du mariage 8 Consideacuterant

par suite que le leacutegislateur a dans lexercice de la compeacutetence que lui reconnaicirct larticle 34 de la Constitution

deacutefini trois reacutegimes de vie de couple qui soumettent les personnes agrave des droits et obligations diffeacuterents que la

diffeacuterence de traitement quant au beacuteneacutefice de la pension de reacuteversion entre les couples marieacutes et ceux qui

vivent en concubinage ou sont unis par un pacte civil de solidariteacute ne meacuteconnaicirct pas le principe deacutegaliteacute

Consultaacutevel em httpswwwconseil-constitutionnelfrdecision20112011155QPChtm 144 Para anaacutelise de alguns dados estatiacutesticos relativamente agrave evoluccedilatildeo do nuacutemero de PACS registados entre

2000 e 2007 Cfr BRIGITTE HESS-FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HEacuteLEgraveNE HESS ob cit

p78 Consultar httpswwwinseefrfrstatistiques2381498 para anaacutelise do nuacutemero de casamentos e PACS

em relaccedilotildees heterossexuais entre 1990 e 2019 sendo de realccedilar que em 2018 o nuacutemero de casamentos e de

PACS foi muito semelhante verificando-se uma diferenccedila de 28 mil casamentos em relaccedilatildeo aos PACS

Relativamente agraves relaccedilotildees homossexuais a diferenccedila eacute ainda menor sendo os dados quase equivalentes

45

Deve ainda obedecer a vaacuterias regras para a sua formaccedilatildeo Soacute pode ser celebrado

entre pessoas maiores de idade que natildeo sejam parentes em linha reta ou colateral ateacute ao

terceiro grau e que natildeo estejam casadas ou tenham celebrado PACS com outra pessoa145 A

sua celebraccedilatildeo deve cumprir as regras do direito comum contratual e natildeo deve ser contraacuterio

agrave ordem puacuteblica A forma sob a qual o acordo deve ser redigido eacute livre porque o artigo 515-

3 do Code Civil natildeo especifica a sua forma e os parceiros podem redigir eles proacuteprios ou

optar que a redaccedilatildeo seja feita por um notaacuterio Por conseguinte os parceiros satildeo livres de

escolher a forma do PACS podendo o acordo ser um ato autecircntico ou um ato privado

Terminada a redaccedilatildeo do acordo os parceiros devem fazer uma declaraccedilatildeo conjunta do

acordo devendo o notaacuterio do registo civil registar o pacto depois de verificar as condiccedilotildees

necessaacuterias para a conclusatildeo do acordo e mandar executar as formalidades de publicaccedilatildeo

previstas no artigo 515-3 Code Civil permitindo que seja oponiacutevel a terceiros Apoacutes a sua

vaacutelida formaccedilatildeo o PACS estaacute em condiccedilotildees de produzir efeitos na vida dos parceiros no

acircmbito pessoal146 e patrimonial regidos pelas disposiccedilotildees dos artigos 515-4 a 515-5-3 do

Code Civil147 Por uacuteltimo a dissoluccedilatildeo do PACS eacute muito mais simples do que a dissoluccedilatildeo

de casamento uma vez que existem apenas quatro situaccedilotildees cada uma das quais com um

procedimento para a dissoluccedilatildeo do mesmo tais como a rutura unilateral a rutura de comum

acordo por casamento dos membros ou de um deles e a morte de um dos membros Os

procedimentos que devem seguir cada uma destas circunstacircncias estatildeo previstos no artigo

515-7 do Code Civil

Sem embargo de todas as condiccedilotildees de forma que o PACS estaacute sujeito haacute algumas

incoerecircncias quanto ao seu regime de prova por terceiros148 Depois do registo do acordo eacute

entregue aos pactuantes um atestado de inscriccedilatildeo em que constam os seus nomes data e

lugar de nascimento e a data do registo do pacto natildeo sendo conservadas pelo notaacuterio as

convenccedilotildees que satildeo exibidas para serem assinadas e para ser verificadas as condiccedilotildees de

validade do acordo Porquanto se um terceiro quiser ter acesso ao conteuacutedo de um PACS

apenas poderaacute fazecirc-lo se pedir aos proacuteprios pactuantes salvaguardando assim o direito agrave

reserva da vida privada dos parceiros

145 Sob pena de nulidade art 515-2 Code Civil 146 Assentam essencialmente no compromisso de viverem em comunhatildeo de vida e de fornecerem ajuda e

assistecircncia muacutetua 147 Cfr BRIGITTE HESS-FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HEacuteLEgraveNE HESS ob cit p 85 148 Cfr MARTA COSTA ob cit p 390

46

53 O Acoacuterdatildeo do STJ de 22 de Marccedilo de 2018 processo

nordm6380169T8CBRC1 S1

Decidimos analisar este Acoacuterdatildeo por entendermos que representa de forma clara os

problemas que a prova da coabitaccedilatildeo causa Demonstrando que natildeo eacute uma questatildeo unacircnime

na jurisprudecircncia pois eacute objeto de decisotildees diacutespares natildeo deixando de ser bem

fundamentadas Em causa estaacute uma accedilatildeo em processo comum que tem como Autor o

Instituto da Seguranccedila Social nomeadamente o Centro Nacional de Pensotildees e como Reacute

quem alega ter mantido uma relaccedilatildeo de uniatildeo de facto com o beneficiaacuterio dessa pensatildeo ateacute

agrave data da morte deste Antes de mais urge atentar brevemente aos factos dados como

provados relevantes para a presente anaacutelise

A Reacute encetou um relacionamento amoroso com o falecido em 1991 passando a ter

relaccedilotildees sexuais e a fazer as refeiccedilotildees com o de cujos na casa onde este vivia Em 1996 a

Reacute passou a pernoitar na casa do de cujos de onde se ausentava nos fins de semana em que

a filha do beneficiaacuterio o visitava duas vezes por mecircs ou quando existia uma discussatildeo entre

o casal Manteve o arrendamento da sua casa para onde ia quando uma destas circunstacircncias

ocorriam suportando os encargos inerentes a esta manutenccedilatildeo Os sujeitos dividiam entre si

as despesas do supermercado e a Reacute acompanhava o beneficiaacuterio agraves consultas e agraves urgecircncias

do hospital sempre que necessaacuterio Na sequecircncia da morte do beneficiaacuterio a 14 de julho de

2015 a Reacute requereu a atribuiccedilatildeo das pensotildees devidas pela morte do mesmo invocando a sua

qualidade de unida de facto por ter vivido com o de cujos em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos

cocircnjuges desde 17 de Agosto de 1991 ateacute agrave sua morte Como prova da qualidade de unida

de facto apresentou atestado emitido pela Junta de Freguesia que certificava que esta residia

em comunhatildeo de mesa e habitaccedilatildeo com o beneficiaacuterio desde 1991 ateacute agrave data da sua morte

documentos exigidos pelo artigo 2ordm-A nordm 4 da LUF Contudo a filha do de cujos informou

o CNP de que a alegaccedilatildeo da Reacute natildeo era verdadeira pois esta sempre residiu em habitaccedilatildeo

distinta do beneficiaacuterio

Note-se que a demonstraccedilatildeo dos factos pressupostos para a relevacircncia juriacutedica da

uniatildeo de facto foi facilitada relativamente ao acesso agraves prestaccedilotildees do Estado no caso de

morte devido agrave possibilidade que eacute dada aos pretensos beneficiaacuterios de determinados

direitos (nomeadamente interessados que pretendam beneficiar dos efeitos previstos na lei

em face dos herdeiros do falecido artigo 2020ordm CCiv do senhorio artigo 1105ordm e 1106ordm

47

CCiv das entidades responsaacuteveis pelo pagamento das prestaccedilotildees por morte artigo 6ordm nordm 2

da LUF) No que respeita ao acesso agraves prestaccedilotildees sociais em caso de morte o artigo 6ordm nordm2

da LUF prevecirc a possibilidade da entidade responsaacutevel pelo pagamento das prestaccedilotildees

previstas nas aliacuteneas e) f) g) do artigo 3ordm caso entenda que existem fundadas duacutevidas sobre

a existecircncia da uniatildeo de facto poder solicitar meios de prova complementares149 e se na

sequecircncia dessas diligecircncias subsistirem duacutevidas a entidade deve promover a competente

accedilatildeo judicial com vista agrave sua comprovaccedilatildeo Foi o que sucedeu no caso em apreccedilo tendo a

entidade responsaacutevel pelo pagamento das prestaccedilotildees sociais por morte - tratando-se do

Instituto da Seguranccedila Social nomeadamente o Centro Nacional de Pensotildees no caso que

estamos a analisar- proposto a competente accedilatildeo judicial150

No seguimento da interposiccedilatildeo desta accedilatildeo pelo ISS a Reacute respondeu afirmando que

durante 24 anos viveu em comunhatildeo de mesa cama e casa com o de cujos e alegou que natildeo

se desfez da sua casa por uma questatildeo de precauccedilatildeo O Tribunal da 1ordf instacircncia julgou a accedilatildeo

parcialmente procedente e julgou natildeo reconhecida a vivecircncia em situaccedilatildeo de uniatildeo de facto

entre a Reacute e o beneficiaacuterio A Reacute recorreu para o Tribunal da Relaccedilatildeo que a 2 de novembro

149 Designadamente declaraccedilatildeo emitida pela Autoridade Tributaacuteria e Aduaneira ou pelo Instituto dos Registos

e do Notariado I P onde se ateste que agrave data da morte os membros da uniatildeo de facto tinham domiciacutelio fiscal

comum haacute mais de dois anos ndash art 6ordm nordm 2 da LUF 150 No entender de RITA XAVIER ldquoA Uniatildeo de Facto e a Lei Civil no Ensino de Francisco Manuel Pereira

Coelho e Legislaccedilatildeo Atualrdquo ob cit p 685 deveraacute tratar-se de uma accedilatildeo de simples apreciaccedilatildeo negativa

(prevista no art 10ordm nordm 3 al a) CPC) que visa declarar que determinada pessoa natildeo beneficia ou natildeo tem um

certo direito E embora o oacutenus de propositura da accedilatildeo recaia sobre a entidade responsaacutevel pelo pagamento das

prestaccedilotildees sociais compete ao membro sobrevivo da uniatildeo de facto a prova dos factos constitutivos do seu

direito Vide Art 343ordm n ordm1 CCiv 1 Nas accedilotildees de simples apreciaccedilatildeo ou declaraccedilatildeo negativa compete ao

reacuteu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga E ainda a este propoacutesito vide Acoacuterdatildeo Tribunal

da Relaccedilatildeo de Coimbra de 16102012 proferido no acircmbito do processo nordm 50091TBALDC1 A accedilatildeo

declarativa de simples apreciaccedilatildeo negativa - ou seja uma accedilatildeo pela qual se procura ldquohellip obter unicamente a

declaraccedilatildeo da hellip inexistecircncia de um direito ou de um factordquo (artigo 4ordm nordm 2 al a) do CPC) - destina-se desde

logo a definir uma situaccedilatildeo juriacutedica tornada incerta - o demandante pretende reagir contra uma situaccedilatildeo de

incerteza que o impede de auferir todas as vantagens normalmente proporcionadas pela relaccedilatildeo juriacutedica

material que lhe causa um dano patrimonial ou moral apreciaacutevel (hellip) A causa de pedir nas accedilotildees de simples

apreciaccedilatildeo negativa consubstancia-se na inexistecircncia do direito e nos factos materiais pretensamente

cometidos pelo demandado que determinaram o estado de incerteza Em sentido inverso mais recentemente

vide o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 24-04-2019 proferido no acircmbito do processo

12025160T8LRSL1-2 (hellip) trata-se de uma acccedilatildeo proposta pelo ISS a pedir que o requerente comprove no

processo a existecircncia da situaccedilatildeo juriacutedica que se arroga O ISS natildeo nega que a uniatildeo de facto tenha existido

diz que tem duacutevidas sobre a sua existecircncia e por isso pede que o requerente seja chamado a comprovar a

existecircncia da situaccedilatildeo juriacutedica em causa Assim trata-se de uma acccedilatildeo de simples apreciaccedilatildeo positiva sui

generis em que a lei atribui ao reacuteu que se arrogou o direito em causa o oacutenus da prova dos factos constitutivos

dele embora natildeo negado pelo Autor O ISS natildeo deve no desenho da lei intentar a acccedilatildeo declarativa para se

declarar a inexistecircncia de uma situaccedilatildeo juriacutedica (o que o ISS natildeo alega nem nega pois que apenas tem

duacutevidas) mas sim para que o reacuteu comprove a existecircncia da situaccedilatildeo juriacutedica a que se arroga Se o reacuteu

conseguir provar os factos necessaacuterios a situaccedilatildeo juriacutedica eacute declarada existente caso contraacuterio natildeo o eacute

48

de 2017 revogou a sentenccedila recorrida e declarou improcedente a accedilatildeo do CNP reconhecendo

a convivecircncia de 24 anos como uma situaccedilatildeo uniatildeo de facto

Por sua vez o ISS interpocircs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiccedila

Nas suas alegaccedilotildees demonstrou a discordacircncia com a decisatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo por

entender que a tese do Tribunal de1ordf Instacircncia que defendia que o relacionamento da Reacute e

do de cujos natildeo revestia as caracteriacutesticas que o tornavam anaacutelogo ao dos cocircnjuges seria a

correta Defendem que apesar da Reacute e o de cujos terem mantido relaccedilotildees sexuais e esta

pernoitasse quase sempre na casa do mesmo ela mantinha a sua casa onde dormia

pontualmente e onde guardava os seus pertences o que indicava que natildeo sentia a morada

comum como sua Ademais embora fizessem refeiccedilotildees em comum natildeo havia comunhatildeo

patrimonial jaacute que as compras eram custeadas de forma alternada por um ou por outro e era

feita uma separaccedilatildeo bem definida das despesas inerentes a cada uma das casas

Na 2ordf Instacircncia o Tribunal da Relaccedilatildeo entendeu que natildeo era imprescindiacutevel que a

relaccedilatildeo de uniatildeo de facto natildeo fosse interrompida pela saiacuteda de um dos membros da morada

em comum quando ocorram desentendimentos ou discussotildees dado que esta circunstacircncia

tambeacutem se verifica no casamento podendo levar agrave interrupccedilatildeo esporaacutedica da comunhatildeo que

eacute proacutepria desse instituto e natildeo eacute por isso que se pode dizer que a comunhatildeo de habitaccedilatildeo fica

descaracterizada151 Na sua tese o tribunal referido defende tambeacutem que o facto de a Reacute ter

mantido a sua casa por querer manter a propriedade daquele imoacutevel por motivos que soacute a ela

dizem respeito - o que leva a que seja da sua responsabilidade suportar os encargos que dela

advenham - natildeo seria suficiente para colocar em causa a residecircncia em comum com o

falecido Para enfatizar a tese de que a morada comum dos sujeitos seria o imoacutevel em que

os dois viviam o tribunal realccedila o facto do Autor ter citado a Reacute nessa morada para a accedilatildeo

em causa O tribunal considera que a comunhatildeo de mesa leito e habitaccedilatildeo eacute o que define a

151 Veja-se a tiacutetulo de exemplo mutatis mutandis o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 24042019

no acircmbito do processo 12025160T8LRSL1-2 que jaacute se teve a oportunidade de mencionar Para que se possa

dizer que cessou a uniatildeo de facto natildeo basta constatar a existecircncia de uma separaccedilatildeo de facto Tem que se

provar tambeacutem que existe da parte de pelo menos um dos unidos de facto o propoacutesito de natildeo a restabelecer

E por isso embora o facto de os unidos de facto deixarem de dormir na mesma casa comerem agrave mesma mesa

e viver debaixo do mesmo tecto aponte para a falta de comunhatildeo de vida tal natildeo basta para se poder concluir

pela cessaccedilatildeo da uniatildeo de facto devendo fazer-se ainda a prova do elemento subjectivo da vontade de pelo

menos um deles romper com a uniatildeo de facto (de forma directa ou atraveacutes de um conjunto suficientemente

significativo de circunstacircncias objectivas que apontem nesse sentido isto eacute que o permitam afirmar com base

numa presunccedilatildeo natural ou judicial) Indo ainda mais longe na decisatildeo ao referir que se considera que a

sentenccedila teve razatildeo em considerar irrelevante o periacuteodo de separaccedilatildeo de 3 meses entre a reacute e o beneficiaacuterio

(hellip)

49

convivecircncia anaacuteloga agrave dos cocircnjuges exigida pelo artigo 1ordm nordm 2 da LUF E que encontrando-

se demonstrado que a Reacute encetou desde 1991 ateacute ao falecimento do beneficiaacuterio um

relacionamento onde mantinham relaccedilotildees sexuais faziam refeiccedilotildees conjuntas com amigos e

familiares na morada comum pagavam alternadamente as despesas com alimentaccedilatildeo e

ainda havia o acompanhamento do falecido pela Reacute a consultas meacutedicas e atendimento nas

urgecircncias mostram-se suficientemente comprovados os requisitos da declaraccedilatildeo de uniatildeo

de facto que se tem por estabelecida durante o todo esse lapso temporal

Estamos aqui perante duas decisotildees distintas e cada uma delas fundamenta a sua

decisatildeo com argumentos vaacutelidos e plausiacuteveis o que reflete uma vez mais a dificuldade

imanente a esta questatildeo Estaacute em causa uma relaccedilatildeo de convivecircncia e auxiacutelio de 24 anos que

devido aos requisitos que se exige que sejam comprovados ou por questotildees que natildeo se

colocariam se do instituto do casamento se tratasse se vecirc posta em causa a atribuiccedilatildeo de uma

pensatildeo de sobrevivecircncia por natildeo se conseguir provar a qualidade de unida de facto pela Reacute

A situaccedilatildeo sub judice eacute cada vez mais frequente nos tempos que correm Vaacuterios sujeitos que

pelo facto de serem divorciados ou viuacutevos refazem a sua vida ao lado de outra pessoa sem

assumir o compromisso do casamento Por natildeo quererem ou por natildeo lhes convir como eacute o

exemplo dos viuacutevos que recebam pensatildeo de sobrevivecircncia e se voltarem a casar perdem o

direito a esse benefiacutecio Ou ateacute por questotildees de praticidade por natildeo quererem estar sujeitos

a um regime que impotildee diversas consequecircncias como eacute o instituto do casamento Eacute neste

tipo de situaccedilotildees que se deve pensar quando se pretende equiparar a uniatildeo de facto ao

instituto do casamento Haacute efetivamente quem natildeo queira ser abrangido por uma

regulamentaccedilatildeo tatildeo ampla e o que para uns podem ser consideradas desvantagens no que

respeita ao regime mais liberal da uniatildeo de facto para outros podem ser as vantagens que

pesam na escolha deste regime como modo de vida em conjunto

Resta finalmente aludir agrave efetiva decisatildeo do STJ Tendo por base o Acoacuterdatildeo do

STJ de 9-07-2014152 que refere que se deve pensar na vivecircncia de dois cocircnjuges em situaccedilatildeo

de normalidade ou vulgaridade inseridos na cultura a que pertencemos e eacute aiacute que se haacute-de

encontrar o preenchimento do conceito de laquocondiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjugesraquo decide

que o quadro factual que estaacute em causa na situaccedilatildeo em anaacutelise natildeo eacute suficiente para dar como

152 Processo nordm 3076111TBLLEE1 S1 Consultaacutevel em

httpwwwdgsiptjstjnsf954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa8140b2f2587cb42fbd180257d16005402d4Op

enDocument

50

provada a existecircncia entre a Reacute e o de cujos de uma convivecircncia em economia comum

Considerando que essa convivecircncia se caracteriza pela situaccedilatildeo de pessoas que vivam em

comunhatildeo de mesa e habitaccedilatildeo com base num lar em sentido familiar moral e social e com

base numa economia domeacutestica em comum e pelo facto de a Reacute pernoitar na casa do falecido

mas manter sempre a sua casa onde conservou os seus pertences e objetos demonstrava que

esta natildeo sentia a casa do beneficiaacuterio como sua E ainda que a Reacute natildeo provou como lhe

competia por forccedila do artigo 342ordm nordm 1 do CCiv que faziam toda a vida de casal na casa do

de cujos e que manteve a sua casa arrendada para acautelar a possibilidade da filha do

beneficiaacuterio quisesse voltar a viver na casa do mesmo Aleacutem disso a Reacute natildeo conseguiu

provar que o beneficiaacuterio pernoitava na sua casa e que a esta tambeacutem servia para os amigos

ficarem a dormir O STJ conclui que natildeo obstante partilhassem refeiccedilotildees na casa do de

cujos natildeo se via que existisse uma economia domeacutestica em comum Caracteriacutestica que estaacute

intrinsecamente ligada ao modo de vida dos cocircnjuges existindo nesta situaccedilatildeo economias

separadas por serem custeadas alternadamente as despesas de supermercado e por cada um

se responsabilizar pelos gastos de cada casa Desta feita concluiu que natildeo se verificava a

vivecircncia em economia comum necessaacuteria para que se considerasse a situaccedilatildeo como uma

uniatildeo de facto como invocou a Reacute revogando o acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo e mantendo

a sentenccedila proferida pelo Tribunal de 1ordf Instacircncia que julgou natildeo reconhecida a vivecircncia em

situaccedilatildeo de uniatildeo de facto entre a Reacute e o beneficiaacuterio falecido agrave data da sua morte

Para terminar importa dizer que tendemos a concordar com a decisatildeo do Tribunal

da Relaccedilatildeo Note-se que estatildeo em causa 24 anos de convivecircncia em comum e auxiacutelio muacutetuo

que implicava a manutenccedilatildeo de relaccedilotildees sexuais de refeiccedilotildees conjuntas de suporte a niacutevel

de acompanhamento meacutedico e natildeo menos importante a companhia inerente agrave convivecircncia

que em idades mais avanccediladas pode ser um fator relevante para manterem entre si um

relacionamento Natildeo se devendo esquecer conforme mencionam os factos comprovados

que a filha do de cujos em 1996 foi trabalhar e viver para outra cidade ficando longe do pai

e visitando-o apenas duas vezes por mecircs ao fim-de-semana Tal significava que o auxiacutelio

que o de cujos necessitava nomeadamente nos acompanhamentos a consultas meacutedicas e

mesmo agraves urgecircncias se assim fosse necessaacuterio era dado pela Reacute Gerando menos

preocupaccedilotildees e encargos agrave filha do beneficiaacuterio falecido conseguindo manter a sua

normalidade e rotina se uma destas circunstacircncias ocorressem pois sabia que o seu pai estava

51

a ser apoiado pela Reacute que despendia do seu tempo para lhe fornecer cuidados e auxiacutelio

sempre que necessaacuterio

Ora eacute necessaacuterio refletir que a convivecircncia e coabitaccedilatildeo de duas pessoas em

situaccedilotildees destas pode ir para aleacutem da vivecircncia em economia comum Pode verificar-se no

caso em apreccedilo o cumprimento dos deveres de coabitaccedilatildeo cooperaccedilatildeo e assistecircncia inerentes

aos deveres conjugais previstos no artigo 1672ordm CCiv Poreacutem apesar de natildeo se verificar

uma verdadeira vivecircncia em economia comum que o STJ considera como caracteriacutestica do

modo de vida proacuteprio dos cocircnjuges por haver uma separaccedilatildeo bem definida das despesas

alimentares bem como dos encargos resultantes das casas de cada um verificam-se outras

caracteriacutesticas presentes no modo de vida proacuteprio dos cocircnjuges que tambeacutem relevam e natildeo

devem ser desconsideradas Devemos ter em conta que pode ter sido opccedilatildeo dos sujeitos viver

com economias separadas o que natildeo invalida que a sua situaccedilatildeo seja qualificada como uniatildeo

de facto em virtude de natildeo haver nenhuma norma na LUF que imponha qualquer tipo de

obrigaccedilatildeo aos unidos no que respeita a fazerem economias conjuntas

No que concerne agrave manutenccedilatildeo por parte da Reacute de outra casa e de laacute pernoitar

pontualmente cremos que natildeo eacute suficiente para pocircr em causa a verificaccedilatildeo da qualificaccedilatildeo

da relaccedilatildeo como uniatildeo de facto A ocorrecircncia da interrupccedilatildeo momentacircnea da coabitaccedilatildeo natildeo

eacute razatildeo para que natildeo se possa considerar a relaccedilatildeo convivencial entre duas pessoas como tal

Entre os cocircnjuges tambeacutem podem ocorrer situaccedilotildees que interrompam a sua coabitaccedilatildeo e

indo mais longe devemos recordar as situaccedilotildees em que cocircnjuges por motivos profissionais

veem a sua convivecircncia interrompida eg durante a semana e soacute estatildeo juntos ao fim-de-

semana devido agrave deslocaccedilatildeo de um deles para outra cidade153 Natildeo sendo mesmo assim

posta a sua convivecircncia em causa por forccedila do artigo 1673ordm CCiv que prevecirc esta

possibilidade Acontecendo o mesmo com membros da uniatildeo de facto deveraacute colocar-se a

sua convivecircncia em crise Seraacute a uniatildeo de facto uma simples comunhatildeo de casa Ou por

outro lado uma comunhatildeo de vida Com tudo o que isso implique para os sujeitos que

formam a relaccedilatildeo que se devem reger por criteacuterios subjetivos nessa mateacuteria

De forma a enfatizar o facto de existirem cada vez mais formas de organizaccedilatildeo

familiar e de se notar uma modernizaccedilatildeo constante nesta mateacuteria vale a pena referirmos que

existe tambeacutem uma forma de organizaccedilatildeo da vida em comum a par da uniatildeo de facto e a

153 Cfr neste sentido MARIA MARGARIDA PEREIRA ob cit p 650

52

uniatildeo conjugal que se designa de uniatildeo sem comunhatildeo154 Esta uniatildeo acontece quando as

partes decidem residir em locais distintos sem abdicarem de outros elementos que formam

um casal como a manutenccedilatildeo de relaccedilotildees sexuais a fidelidade e a entreajuda Pretendem

levar uma vida a dois no entanto natildeo querem residir no mesmo local Eacute uma forma de

organizaccedilatildeo da vida em comum que natildeo eacute mencionada pelo legislador que natildeo conjeturou

um caminho que estivesse entre o tudo e o nada155 uma vez que regula o casamento a uniatildeo

de facto o divoacutercio e a separaccedilatildeo O facto de natildeo haver comunhatildeo de habitaccedilatildeo neste tipo

de relaccedilotildees natildeo permite que se fale na hipoacutetese de ser considerada uniatildeo de facto Todavia

o que estaacute aqui em causa natildeo eacute a interrupccedilatildeo esporaacutedica ou pontual da coabitaccedilatildeo como

acontece no caso que temos vindo a analisar Mas antes a existecircncia de duas residecircncias

distintas natildeo havendo uma coabitaccedilatildeo entre o casal por escolha dos proacuteprios preferindo

uma organizaccedilatildeo da sua vida em comum de forma separada no que respeita agrave coabitaccedilatildeo

mantendo todos os outros elementos que relevam para a sua consideraccedilatildeo como um casal

Tudo isto para dizer que estamos perante uma eacutepoca onde o pluralismo jusfamiliar eacute uma

realidade e que talvez seja necessaacuteria uma atualizaccedilatildeo legislativa que acompanhe os tempos

que vivemos no tocante a estas mateacuterias156157

54 Soluccedilatildeo proposta

Aqui chegados e depois de analisar as soluccedilotildees que vigoram noutros ordenamentos

juriacutedicos eacute importante aventar a soluccedilatildeo que cremos que melhor resolveraacute os problemas que

o atual regime juriacutedico da uniatildeo facto levanta

Jaacute haviacuteamos proposto supra a densificaccedilatildeo do atual regime legal da uniatildeo de facto

com objetivo de assegurar uma maior proteccedilatildeo dos membros natildeo obstante o respeito da

vontade das partes de se submeter ou natildeo a tais consequecircncias juriacutedicas visto que natildeo se

trataria portanto de um regime imperativo automaticamente aplicaacutevel a quem opte por

conviver em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges

154 LAT (Living Apart Together) Cfr JORGE DUARTE PINHEIRO ob cit p 558 155 Cfr JORGE DUARTE PINHEIRO ob cit p 558 156 Idem 157 JORGE DUARTE PINHEIRO termina o ponto dedicado a esta mateacuteria questionando o que impede a receccedilatildeo

legal no nosso ordenamento de uma uniatildeo sem comunhatildeo de habitaccedilatildeo que beneficie de um estatuto proacuteprio

e que pudesse incluir a possibilidade da figura ser constituiacuteda por cocircnjuges suspendendo de forma consensual

o dever de coabitaccedilatildeo que agrave luz dos arts 1618ordm 1672ordm 1699ordm n ordm1 al b) CCiv eacute proibido atualmente

53

Cabe agora desenvolver esta proposta Apesar de haver quem encare a uniatildeo de

facto com uma visatildeo mais liberal e consequentemente entenda que esta natildeo deve gerar

muitos efeitos juriacutedicos por forma a respeitar-se a liberdade de escolha de cada um

acreditamos que o Direito natildeo deve ignorar as situaccedilotildees que merecem tutela juriacutedica E

apesar de haver uma regulamentaccedilatildeo juriacutedica da uniatildeo de facto no nosso ordenamento a

proteccedilatildeo por ela oferecida eacute meramente assistencial158 funcionando essencialmente em

situaccedilotildees de crise159

Natildeo se deve olvidar que a uniatildeo de facto na nossa ordem juriacutedica eacute um verdadeiro

ato juriacutedico e os seus efeitos natildeo dependem da vontade dos membros pois produzem-se ex

logo160 A soluccedilatildeo vigente concede certos efeitos aos membros da uniatildeo de facto apoacutes a

convivecircncia por dois anos sem que estes declarem expressamente a sua pretensatildeo A sua

uacutenica declaraccedilatildeo eacute a vontade de viver em plena comunhatildeo de vida Deveraacute daiacute aferir-se a

vontade de assumir efeitos juriacutedicos Acreditamos que a soluccedilatildeo atual apesar de ter como

objetivo o respeito pela autonomia privada e a vontade das partes natildeo o faz Estabelece

efeitos juriacutedicos a situaccedilotildees de facto que natildeo tem como controlar por natildeo haver nenhum tipo

de registo

Enquanto esta for a natureza da uniatildeo de facto e natildeo houver um ato constitutivo por

parte de uma autoridade puacuteblica ou outra formalidade a situaccedilatildeo de facto natildeo pode suscitar

um regime juriacutedico muito denso mas somente algumas medidas de proteccedilatildeo Dificilmente

se poderaacute ir mais longe no que concerne agrave atribuiccedilatildeo de efeitos juriacutedicos sem uma autecircntica

formalizaccedilatildeo das vontades das partes de intencionar um regime mais firme

Deste modo concomitantemente com a consolidaccedilatildeo do seu regime proacuteprio

julgamos ainda ser importante sujeitar estas relaccedilotildees a registo161

158 () o direito portuguecircs continua a ser daqueles que atribui menos efeitos juriacutedicos agrave uniatildeo de facto Apenas

se consagram soluccedilotildees do tipo ldquoassistencialrdquo que um Estado moderno tem de adotar qualquer que seja a

opccedilatildeo de vida escolhida pelos cidadatildeos Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 153 159 () continua a acolher-se neste domiacutenio uma proteccedilatildeo fragmentaacuteria e especialmente dirigida a cenaacuterios

de crise em que as debilidades dos seus membros se concretizam ou manifestam com mais intensidade Cfr

RUTE TEIXEIRA PEDRO ob cit p 310 160 Cfr MARTA COSTA ob cit p 151 161 Cfr JOAtildeO PARRACHO COELHO considera que sendo a uniatildeo de facto um ato livre a opccedilatildeo pelo registo

determinaria que aqueles que unidos numa relaccedilatildeo para-matrimonial desejem beneficiar de direitos e deveres

juriacutedico - sociais paralelos aos atribuiacutedos agrave famiacutelia claacutessicaformallegal podem alcanccedilar um estatuto especiacutefico

mediante a inscriccedilatildeo da sua uniatildeo de facto em algum registo puacuteblico a criar para o efeito ldquoA Famiacutelia

perspectiva evolutiva do conceito tradicionalrdquo in Revista do Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico

nordm 54 3ordm trimestre1993 p 116

54

Inspiramos esta soluccedilatildeo no ordenamento juriacutedico francecircs por julgarmos oferecer

uma regulaccedilatildeo juriacutedica ampla dos tipos de convivecircncia fora do casamento distinguindo o

concubinage do pacte civil de solidariteacute Podendo optar-se pelo concubinato natildeo se

submetendo a quaisquer consequecircncias juriacutedicas ou pelo PACS a que subjaz um regime

proacuteprio e efeitos juriacutedicos que garantem a sua proteccedilatildeo Desta forma e socorrendo-nos em

parte da sugestatildeo ora mencionada do partido Bloco de Esquerda aquando da apresentaccedilatildeo

do Projeto de Lei nordm45VIII prevendo um registo das uniotildees nas juntas de freguesia da aacuterea

de residecircncia das pessoas que vivem em uniatildeo de facto ou a sua constituiccedilatildeo apoacutes dois anos

de convivecircncia sem necessidade de registo acreditamos que o Registo Civil das uniotildees de

facto seraacute a soluccedilatildeo mais acertada para proporcionar a certeza e seguranccedila juriacutedicas que se

pretende alcanccedilar com a inscriccedilatildeo no mesmo162

Antecipando desde jaacute as criacuteticas que poderatildeo surgir a esta soluccedilatildeo tais como a

possibilidade de recurso ao casamento para precaver todas as situaccedilotildees supramencionadas e

ainda o excessivo formalismo que daqui poderaacute advir natildeo devendo o direito proteger uma

situaccedilatildeo que as partes natildeo quiseram que fosse protegida desrespeitando-se a sua vontade

cumpre tecer algumas consideraccedilotildees Primeiramente o casamento trata de uma realidade

como jaacute tivemos a oportunidade de analisar com natureza muito distinta da uniatildeo de facto

Os casais tecircm o direito de escolher o tratamento juriacutedico que datildeo agrave sua convivecircncia pessoal

podendo simplesmente querer viver em uniatildeo de facto e natildeo se submeterem ao regime do

casamento Denote-se para este efeito que viver agrave margem do casamento natildeo significa

querer viver agrave margem do Direito Nesta senda e em segundo lugar parece-nos que a ideia

Napoleoacutenica de que se os concubinos natildeo se interessam pela lei a lei tambeacutem natildeo se

interessa por eles jaacute estaacute ultrapassada A formalidade do registo apenas garantiraacute a liberdade

de escolha das partes assegurando que aqueles que optam por ele satildeo os que pretendem

submeter-se aos efeitos juriacutedicos previstos legalmente Natildeo se tratando de um regime

automaacutetico aplicaacutevel pelo simples decurso do tempo que os sujeita a um regime que natildeo

162 Concordamos portanto com a posiccedilatildeo propugnada por ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoUniatildeo de facto a

pertinecircncia de registo a problemaacutetica da separaccedilatildeo de pessoas e bens e a contagem do prazo de convivecircnciardquo

in Casamento e Uniatildeo de facto questotildees de jurisdiccedilatildeo civil Coleccedilatildeo Formaccedilatildeo Contiacutenua CEJ Novembro

2020 p71 segundo a qual as uniotildees devem ser dignas de Registo Civil pois os registos municipais natildeo

serviratildeo o propoacutesito por natildeo contribuiacuterem para a certeza e seguranccedila juriacutedicas uma vez que natildeo existe uma

base de dados nacional podendo-se potenciar muacuteltiplos registos

55

mostraram pretender163 A soluccedilatildeo que propomos funda-se no respeito pela vontade das

partes e no princiacutepio da liberdade contratual aleacutem de ser a mais compatiacutevel com a certeza e

seguranccedila juriacutedicas Bastando-lhes a verificaccedilatildeo dos requisitos necessaacuterios agrave constituiccedilatildeo no

momento da sua inscriccedilatildeo no registo Relativamente agrave exigecircncia do decurso de um

determinado periacuteodo para que a convivecircncia seja registada defendemos que a resposta deve

passar por natildeo ser exigida uma convivecircncia preacutevia Permitindo que duas pessoas que

queiram conviver nestes moldes se dirigiram a uma entidade competente e registem a sua

convivecircncia que pode jaacute existir ou iniciar-se nesse momento164

No fundo com a soluccedilatildeo que propugnamos pretendemos a coexistecircncia de trecircs vias

de conjugalidade O casamento que continuaria a ser regulado de igual forma as uniotildees

registadas em que as partes inscrevem a sua relaccedilatildeo no registo para que desta decorram

efeitos juriacutedicos mas que natildeo se confundem com os do casamento e por uacuteltimo as uniotildees

meramente de facto desprovidas de efeitos juriacutedicos Contudo em relaccedilatildeo a estas

acreditamos que algumas situaccedilotildees devem ser protegidas como a de um dos membros querer

viver livre de efeitos juriacutedicos e o outro apenas tolerar a situaccedilatildeo apesar da sua vontade natildeo

ser exatamente essa Eacute entatildeo necessaacuterio acautelar situaccedilotildees como esta em que no caso de

morte de algum deles o membro sobrevivo fosse aquele que pretendia uma maior

intervenccedilatildeo juriacutedica na sua convivecircncia Aqui deveraacute atribuir-se a este uacuteltimo uma proteccedilatildeo

miacutenima desde que a requeira Salvaguardando desta forma a liberdade e autonomia privada

de cada um sem que nada se lhes imponha a natildeo ser que o solicitem Isto quer dizer que soacute

seratildeo uniotildees meramente de facto aquelas em que a falta de reconhecimento de efeitos

juriacutedicos decorre de uma exteriorizaccedilatildeo das partes Por outras palavras essa categorizaccedilatildeo

resulta de uma falta de manifestaccedilatildeo das partes nesse sentido evitando as situaccedilotildees em que

a sua ineacutercia ndash justificada por natildeo pretenderem a ingerecircncia do Direito ndash resulte no confronto

com um regime legal que natildeo manifestaram querer

163 Neste sentido cabe referir a jaacute mencionada Ley 22003 7 de mayo reguladora de las parejas de hecho do

Paiacutes Vasco que na sua exposiccedilatildeo de motivos adverte para o facto do registo ser uma forma de evitar que os

membros que natildeo desejam que as suas uniotildees sejam acolhidas legalmente sejam reguladas contra a sua vontade

() el Registro de Parejas de Hecho que crea la propia ley registro que tiene una especial importancia al

tener la inscripcioacuten el caraacutecter de constitutiva lo que se hace precisamente para evitar que aquellas parejas

que no deseen en modo alguno acogerse a la ley se vean sometidas contra su voluntad a un reacutegimen de

derechos y obligaciones como el aquiacute recogido 164 Cfr MARTA COSTA ob cit p 396 No mesmo sentido ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoUniatildeo de facto versus

Casamento ndash Questotildees pessoais e patrimoniaisrdquo ob cit p 178

56

Realccedilamos ainda que o registo das uniotildees de facto aleacutem de salvaguardar a certeza

e seguranccedila juriacutedicas permitiria agraves partes invocar a qualquer altura atraveacutes de um meio

idoacuteneo e fidedigno a sua convivecircncia facilitando a prova destas relaccedilotildees e dirimindo as

dificuldades que dessa prova advecircm165 Cremos ser esta a principal e grande vantagem da

soluccedilatildeo que propomos e a que realmente interessa no presente estudo O atual regime de

prova eacute falho pois as declaraccedilotildees referidas no nordm 2 do artigo 2ordmA da LUF emitidas pela

junta de freguesia nunca seratildeo suficientes para garantir a proteccedilatildeo de uma relaccedilatildeo de facto

por natildeo servirem como prova plena aleacutem de natildeo ser possiacutevel atestar a inexistecircncia de

impedimentos por esta via

Em suma como benefiacutecios advindos do registo consideramos natildeo soacute o que toca agrave

sociedade em geral a quem seria transmitida maior certeza e seguranccedila relativamente agrave

existecircncia daquelas relaccedilotildees mas tambeacutem a publicidade que eacute conferida agraves mesmas

desonerando os conviventes de um regime de prova tatildeo sinuosa da sua relaccedilatildeo para

beneficiarem de certos direitos

165 Atraveacutes do registo os membros da uniatildeo registada estariam cientes da repercussatildeo legal da sua uniatildeo

(entre eles e face a terceiros) ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoUniatildeo de facto versus Casamento ndash Questotildees

pessoais e patrimoniaisrdquo ob cit p 180

57

6 Conclusatildeo

A convivecircncia anaacuteloga agrave dos cocircnjuges sem o viacutenculo formal inerente ao casamento

natildeo eacute uma realidade recente A forma como o Direito encara esta figura eacute que foi mudando

ao longo do tempo de acordo com a evoluccedilatildeo das circunstacircncias sociais e histoacutericas Parece-

nos que hoje talvez se imponha uma atualizaccedilatildeo do tratamento legal oferecido agrave uniatildeo de

facto

Desde logo a sua natureza juriacutedica motiva algumas divergecircncias Como vimos

alguns AA entendem que a situaccedilatildeo de facto se deve considerar uma relaccedilatildeo juriacutedica familiar

como as previstas no artigo 1576ordm CCiv por forccedila da sua inclusatildeo no artigo 36ordm n ordm1 CRP

referente agrave constituiccedilatildeo de famiacutelia Por outro lado os AA que defendem que a proteccedilatildeo

constitucional da uniatildeo de facto adveacutem do direito ao desenvolvimento da personalidade

previsto no artigo 26ordm CRP advogam tambeacutem que a convivecircncia more uxorio natildeo deve ser

qualificada como relaccedilatildeo juriacutedica familiar mas sim uma relaccedilatildeo juriacutedica parafamiliar Neste

contexto tendemos a acompanhar a linha de pensamento dos primeiros AA isto por

entendermos que as relaccedilotildees de uniatildeo de facto merecem uma proteccedilatildeo mais abrangente da

que eacute dada pelo artigo 26ordm CRP visto tratar-se de uma proteccedilatildeo geneacuterica que natildeo se coaduna

com a importacircncia social que a uniatildeo de facto vem tendo Jaacute a proteccedilatildeo conferida pelo artigo

36ordm nordm 1 CRP eacute de facto mais consentacircnea com a proteccedilatildeo que este tipo de relaccedilotildees merece

e cremos que essa teraacute sido a intenccedilatildeo do proacuteprio legislador constitucional Eacute de realccedilar por

uacuteltimo que considerar a uniatildeo de facto protegida constitucionalmente pelo artigo 36ordm nordm 1

CRP natildeo quer dizer que o seu regime legal deva ser igual ao regime do casamento

Como tambeacutem jaacute referimos o proacuteprio regime legal da uniatildeo de facto previsto na

Lei nordm 72001 de 1105 alterada pela lei 232010 de 3008 eacute considerado parco e omisso

em relaccedilatildeo a algumas questotildees relevantes para a proteccedilatildeo dos membros dessa relaccedilatildeo Natildeo

obstante a natildeo equiparaccedilatildeo dos regimes legais do casamento e da uniatildeo de facto tal natildeo

significa que natildeo seja necessaacuterio um reforccedilo do atual regime legal da uniatildeo de facto

Devendo optar-se por um caminho que consolide os efeitos juriacutedicos da uniatildeo de facto

possibilitando um regime proacuteprio enrobustecido aos que apesar de natildeo escolherem a via do

casamento pretendam uma proteccedilatildeo mais firme e por outro lado dar aos que pretendam uma

uniatildeo sem consequecircncias juriacutedicas a liberdade de escolha de sujeiccedilatildeo ou natildeo a um regime

legal

58

Paralelamente de forma a diferenciar estas duas situaccedilotildees julgamos ainda ser

importante a sujeiccedilatildeo destas relaccedilotildees a um eventual registo civil que traraacute consigo a certeza

e seguranccedila juriacutedicas relativamente agrave existecircncia destas relaccedilotildees perante a sociedade e ainda

a consequente publicidade advinda dessa inscriccedilatildeo que desoneraraacute os membros de um

regime de prova tatildeo sinuoso Salvaguardando desta forma aqueles que pretendem uma

coabitaccedilatildeo com a miacutenima ingerecircncia juriacutedica Em suma ambicionamos a coexistecircncia de

trecircs vias de conjugalidade sendo elas o casamento as uniotildees registadas e por fim as uniotildees

meramente de facto

Damos como certo que esta eacute uma mudanccedila que natildeo deveraacute ser imediata Aquilo que

propomos eacute na verdade uma soluccedilatildeo que deveraacute isso sim dar azo a uma discussatildeo contiacutenua

que possa contribuir para um aperfeiccediloamento e atualizaccedilatildeo deste regime

59

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65

JURISPRUDEcircNCIA

Tribunal Constitucional

bull Acoacuterdatildeo nordm 3361986

bull Acoacuterdatildeo nordm 18881996

Supremo Tribunal de Justiccedila

bull Acoacuterdatildeo 9-07-2014 processo nordm 3076111TBLLEE1 S1

bull Acoacuterdatildeo 22-03-2018 processo nordm 6380169T8CBRC1 S1

Tribunal Central Administrativo Norte

bull Acoacuterdatildeo de 13-11-2020 processo nordm 00090151BECBR

Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra

bull Acoacuterdatildeo de 16-10-2012 processo nordm 50091TBALDC1

bull Acoacuterdatildeo de 08-03-2006 processo nordm 419705JTRC

Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa

bull Acoacuterdatildeo de 15-02-2007 processo nordm 62842006-8

bull Acoacuterdatildeo de 29-11-2012 processo nordm 444092TCFUNL1-A-8

bull Acoacuterdatildeo de 24-04-2019 processo nordm 12025160T8LRSL1-2

Tribunal Europeu dos Direitos Humanos

bull Acoacuterdatildeo JOHNSTON C IRLANDA de 18 de dezembro de 1986

bull Acoacuterdatildeo KEEGAN C IRLANDA de 26 de maio de 1994

Tribunal Constitucional Espanhol

bull Sentenccedila nordm 1841990 de 15 de novembro Consultaacutevel em

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bull Sentenccedila nordm 2221992 de 11 de dezembro Consultaacutevel em

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bull Sentenccedila nordm 661994 de 28 de fevereiro Consultaacutevel em

httphjtribunalconstitucionalespt-BRResolucionShow2583

66

bull Sentenccedila nordm 391998 de 17 de fevereiro Consultaacutevel em

httphjtribunalconstitucionalesesResolucionShow3541

bull Sentenccedila nordm 1161999 de 17 de junho Consultaacutevel em

httphjtribunalconstitucionaleses-ESResolucionShow3858

Tribunal Constitucional Francecircs

bull Decisatildeo nordm 2011-155 QPC do Conseil Constitutionnel de 29 de julho Consultaacutevel

em httpswwwconseil-constitutionnelfrdecision20112011155QPChtm

4

Agrave minha famiacutelia

Ao meu Di

Sempre

5

Teria passado a vida

atormentado e sozinho

se os sonhos me natildeo viessem

mostrar qual eacute o caminho

umas vezes satildeo de noite

outras em pleno de sol

com relacircmpagos saltados

ou vagar de caracol

quem os manda natildeo sei eu

se o nada que eacute tudo agrave vida

ou se eu os finjo a mim mesmo

para ser sem que decida

AGOSTINHO DA SILVA Sonho in Poemas

6

IacuteNDICE

RESUMO 7

ABSTRACT 8

SIGLAS E ABREVIATURAS 9

1 Introduccedilatildeo 11

2 A evoluccedilatildeo da Uniatildeo de Facto no ordenamento juriacutedico portuguecircs 12

3 A uniatildeo de facto e a Constituiccedilatildeo da Reacutepublica Portuguesa 16

31 A uniatildeo de facto e o casamento ndash liberdade mas e proteccedilatildeo 20

4 Constituiccedilatildeo da relaccedilatildeo de Uniatildeo de Facto e os seus efeitos 27

5 O problema da prova da coabitaccedilatildeo 30

51 Consideraccedilotildees gerais 30

52 Comparaccedilatildeo com o regime de outros ordenamentos juriacutedicos na Uniatildeo Europeia 37

521 Espanha 37

522 Franccedila 41

53 O Acoacuterdatildeo do STJ de 22 de Marccedilo de 2018 processo nordm6380169T8CBRC1S1 46

54 Soluccedilatildeo proposta 52

6 Conclusatildeo 57

BIBLIOGRAFIA 59

JURISPRUDEcircNCIA 65

7

RESUMO

A figura da uniatildeo facto eacute uma realidade crescente com cada vez mais importacircncia

na nossa sociedade atual tendo em conta o consideraacutevel nuacutemero de pessoas que opta por

viver desta forma Sendo que pode esse nuacutemero derivar natildeo soacute da liberdade associada a este

regime como tambeacutem do facto de poder ser uma circunstacircncia provisoacuteria e transitoacuteria Pode

ateacute tratar-se de uma circunstacircncia definitiva em virtude de por inuacutemeras razotildees os membros

da uniatildeo de facto natildeo quererem casar ora por natildeo terem condiccedilotildees financeiras para celebrar

um casamento ora por natildeo fazer parte da sua cultura formalizarem a sua relaccedilatildeo

Apesar da importacircncia da uniatildeo de facto e da sua relevacircncia na sociedade o seu

regime juriacutedico eacute parco apresentando lacunas relativamente agraves normas sobre o seu registo

regime de bens entre os membros a sua extinccedilatildeo e efeitos sucessoacuterios Estas e outras

mateacuterias deveriam ter uma regulamentaccedilatildeo mais completa para que se pudesse oferecer uma

maior proteccedilatildeo aos unidos de facto

Pretendemos essencialmente analisar por estar estritamente ligado ao facto de a

uniatildeo de facto natildeo ser objeto de registo civil ou administrativo o problema da prova da

existecircncia e do iniacutecio da situaccedilatildeo de uniatildeo de facto e desta forma refletir sobre as vantagens

que provecircm do registo deste tipo de relaccedilotildees

PALAVRAS-CHAVE uniatildeo de facto prova da coabitaccedilatildeo registo civil

8

ABSTRACT

The figure of consensual union is an increasingly important reality in our society

today given the considerable amount of people who choose to live this way This number

can derive not only from the freedom associated with this regime but also from the fact that

it can be a temporary and transitory circumstance It may even be a definitive circumstance

because for a number of reasons the unmarried partners do not want to get married either

because they do not have the financial means to enter into a marriage or because it is not part

of their culture to formalise their relationship

Despite the importance of the non-marital partnership and its relevance in society

its legal system is scarce with gaps regarding the rules on its registration the system of

property between members its extinction and inheritance effects These and other matters

should be regulated more fully in order to offer greater protection to consensual union

The main aim is to analyse as it is strictly linked to the fact that consensual union

is not subject to civil or administrative registration the problem of proving the existence and

the beginning of this situation and thus reflect on the advantages that come from the

registration of this type of relationship

KEYWORDS non-marital partnership proof of cohabitation civil registry

9

SIGLAS E ABREVIATURAS

A- Autor

AA- Autores

Ac- Acoacuterdatildeo

Art ndash Artigo

Arts ndash Artigos

Ed - Ediccedilatildeo

In - Em

ob cit - Obra Citada

p ndash paacutegina

pp paacuteginas

ss - Seguintes

vg - verbi gratia

Vol ndash Volume

CCiv ndash Coacutedigo Civil

CEDH ndash Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem

CNP- Centro Nacional de Pensotildees

CPC ndash Coacutedigo de Processo Civil

CReg Civ ndash Coacutedigo de Registo Civil

CRP ndash Constituiccedilatildeo da Reacutepublica Portuguesa

DUDH ndash Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos

ISS ndash Instituto da Seguranccedila Social

10

LUF ndash Lei da Uniatildeo de Facto (Lei nordm 72001 de 11 de Maio alterada pela Lei nordm 232010

de 30 de Agosto)

PACS ndash Pacto civil de Solidariedade

STJ ndash Supremo Tribunal de Justiccedila

TCE - Tribunal Constitucional Espanhol

TEDH ndash Tribunal Europeu dos Direitos Humanos

11

1 Introduccedilatildeo

O presente estudo visa abordar a questatildeo do problema da prova da coabitaccedilatildeo numa

situaccedilatildeo em que se pretende provar a existecircncia de uma relaccedilatildeo de uniatildeo de facto para que

esta produza os efeitos que os membros pretendam Assim cumpriraacute analisar o regime

juriacutedico da Uniatildeo de Facto comeccedilando pela sua evoluccedilatildeo no nosso ordenamento e sobre a

importacircncia da LUF (Lei nordm 72001 de 11 de Maio alterada pela Lei nordm 232010 de 30 de

Agosto)

Uma vez analisada a proteccedilatildeo oferecida agraves situaccedilotildees de Uniatildeo de Facto

nomeadamente a sua (natildeo) alusatildeo na CRP caberaacute comparaacute-la agrave concedida ao casamento e

observar de que forma a liberdade caracteriacutestica do regime da uniatildeo de facto poderaacute deixar

desprotegidas algumas situaccedilotildees carentes de proteccedilatildeo

De seguida feita uma reflexatildeo geral importaraacute compreender como se constitui a

uniatildeo de facto Passando os membros a viver em comunhatildeo de leito mesa e habitaccedilatildeo e natildeo

sendo essa situaccedilatildeo objeto de registo civil ou administrativo ao contraacuterio do que acontece

em alguns ordenamentos vizinhos que tambeacutem mereceratildeo a nossa anaacutelise torna-se mais

difiacutecil saber de forma exata quando se iniciou para que seja possiacutevel a partir daiacute contar os

dois anos necessaacuterios para que a situaccedilatildeo de facto produza os efeitos previstos no artigo 3ordm

da LUF

A questatildeo primordial eacute assim a prova da situaccedilatildeo de uniatildeo de facto nomeadamente

a prova da coabitaccedilatildeo que se pode revelar sinuosa Perante este cenaacuterio torna-se relevante

analisar jurisprudecircncia nomeadamente o Acoacuterdatildeo do STJ de 22 de Marccedilo de 2018 proferido

no acircmbito do processo nordm 6380169T8CBRC1 S1 relativamente agrave prova da uniatildeo de facto

no campo juriacutedico-civil isto eacute atraveacutes do regime geral do oacutenus da prova previsto no artigo

342ordm do CCiv que atribui a quem pretende invocar um direito provar os factos que o

constituem

A final com a nossa anaacutelise e apreciaccedilatildeo dos entendimentos da jurisprudecircncia e da

doutrina nacional e europeia pretendemos demonstrar a dificuldade da prova da uniatildeo de

facto no nosso ordenamento juriacutedico e procurar propostas de soluccedilotildees que possam facilitar

de alguma forma a comprovaccedilatildeo da existecircncia destas relaccedilotildees cessando as dificuldades que

essa comprovaccedilatildeo origina

12

2 A evoluccedilatildeo da Uniatildeo de Facto no ordenamento juriacutedico portuguecircs

Quando se fala de uniatildeo de facto tem forccedilosamente de se aludir agrave discussatildeo

doutrinal acerca da sua classificaccedilatildeo como relaccedilatildeo (para)familiar que surge em grande

parte pelo disposto no artigo 36ordm n ordm1 CRP1 Pela sua ambiguidade haacute quem pense que a

referecircncia agrave constituiccedilatildeo de famiacutelia engloba a uniatildeo de facto2 sendo o seu reconhecimento

juriacutedico feito pela Constituiccedilatildeo Contudo este preceito natildeo eacute assim interpretado por todos

que entendem que este apenas postula o direito de constituir famiacutelia e estabelece as relaccedilotildees

de filiaccedilatildeo e que apesar da uniatildeo de facto natildeo ser uma relaccedilatildeo de famiacutelia no que respeita agrave

generalidade dos efeitos pode ser assim qualificada para efeitos fiscais de locaccedilatildeo de

seguranccedila social entre outros3 Neste seguimento muitos satildeo os AA que tecircm vindo a

expressar a sua opiniatildeo quanto a esta questatildeo havendo quem considere que a situaccedilatildeo de

facto anaacuteloga agrave dos cocircnjuges se deve considerar uma relaccedilatildeo familiar tanto quanto as

previstas no artigo 1576ordm do Coacutedigo Civil ou seja o casamento o parentesco a afinidade

e a adoccedilatildeo4 E ainda quem defenda que natildeo deve ser qualificada como relaccedilatildeo juriacutedica de

famiacutelia5 ou que o seja apenas em relaccedilatildeo a certos efeitos considerando-a desta forma uma

relaccedilatildeo juriacutedica parafamiliar6

1 1 Todos tecircm o direito de constituir famiacutelia e de contrair casamento em condiccedilotildees de plena igualdade

Disposiccedilatildeo inspirada no art 16ordm DUDH e 12ordm CEDH Cfr JJ GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA

Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa Anotada 4ordf ed revista vol I Coimbra Coimbra Editora 2007 p 559 2 Cfr JJ GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA ob cit p 561 3 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoCasamento e Famiacutelia no direito portuguecircsrdquo In AAVV Temas de Direito

da Famiacutelia Ciclo de Conferecircncias no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados Coimbra

Almedina 1996 p 8 FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoAnotaccedilatildeo ao Ac do STJ de 2 de abril de 1987rdquo in Revista

de Legislaccedilatildeo e Jurisprudecircncia nordm 3782 ano 122 Coimbra 1990 pp 82-83 4 Cfr CARLOS PAMPLONA CORTE-REAL ldquoRelance Criacutetico sobre o Direito de Famiacutelia portuguecircsrdquo in Textos de

Direito da Famiacutelia para FRANCISCO PEREIRA COELHO Coord GUILHERME DE OLIVEIRA Coimbra Imprensa

da Universidade de Coimbra 2016 pp109-110 CARLOS PAMPLONA CORTE-REAL JOSEacute SILVA PEREIRA

ldquoDireito da Famiacutelia Toacutepicos para uma reflexatildeo criacuteticardquo Lisboa AAFDL 2008 p 46 no mesmo sentido

GERALDO DA CRUZ ALMEIDA ldquoDa uniatildeo de facto convivecircncia more uxorio em direito internacional privadordquo

Lisboa Pedro Ferreira Editor 1999 p 184 TELMA CARVALHO ldquoA uniatildeo de facto a sua eficaacutecia juriacutedicardquo in

Comemoraccedilotildees dos 35 anos do Coacutedigo Civil e dos 25 anos da reforma de 1977 vol I Coimbra Coimbra

Editora 2004 pp 223-226 CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova

Relaccedilatildeo Familiarrdquo in Estudos em Homenagem ao Prof Doutor Jorge Miranda Vol VI Faculdade de Direito

da Universidade de Lisboa Coimbra Editora 2012 p 460 e MARIA MARGARIDA PEREIRArdquo Direito da

Famiacuteliardquo Lisboa AAFDL Editora 3ordf ed 2019 pp 641-644 com quem tendemos a concordar embora como

veremos infra tal natildeo significa uma igualdade de tratamento entre a uniatildeo de facto e o casamento 5 Cfr JOAtildeO CASTRO MENDES MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA ldquoDireito da Famiacuteliardquo AAFDL Lisboa 1995 p

14-15 NUNO DE SALTER CID ldquoA Comunhatildeo de Vida agrave Margem do Casamento entre o facto e o Direitordquo

Almedina Coimbra 2005 p 505 FRANCcedilA PITAtildeO ldquoUniotildees de Facto e Economia Comum de acordo com a

Lei nordm 232010 de 30 de agostordquo 3ordf ed Almedina Coimbra 2011 p35 6 Em todas estas relaccedilotildees (as dispostas no art1576ordm CCiv) encontramos um viacutenculo constituiacutedo por direitos

e deveres juriacutedicos reciacuteprocos () As relaccedilotildees juriacutedicas familiares satildeo tendencialmente duradouras e eacute por

13

A designaccedilatildeo uniatildeo de facto foi utilizada pela primeira vez no nosso ordenamento

juriacutedico com a Reforma de 1977 do Coacutedigo Civil7 passando o artigo 2020ordm a prever o direito

de exigir alimentos da heranccedila do falecido por aquele que com ele vivesse haacute mais de dois

anos em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges No entanto jaacute no Coacutedigo Civil de 1966 no

seu artigo 1860ordm se falava em comunhatildeo duradoura de vida em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos

cocircnjuges o que quer dizer que o fenoacutemeno da uniatildeo de facto enquanto facto social jaacute existia

antes dessa primeira referecircncia no Coacutedigo de 19778 A expressatildeo que remete para a vivecircncia

em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges no artigo 2020ordm foi utilizada por vaacuterias leis avulsas

que foram conferindo agraves pessoas que vivessem nessa situaccedilatildeo outros direitos como o direito

agraves pensotildees de sobrevivecircncia o de beneficiar do regime de feacuterias feriados e faltas semelhante

aos dos cocircnjuges e ainda no que respeita ao regime juriacutedico do arrendamento para habitaccedilatildeo

foi reconhecido o direito agrave transmissatildeo do arrendamento agrave pessoa que tenha vivido em uniatildeo

de facto com o arrendataacuterio falecido desde que essa relaccedilatildeo se tenha mantido por mais de

cinco anos9

Todavia soacute com a Lei nordm 13599 de 28 de Agosto eacute que passou a existir um

diploma legal que reunisse as medidas de proteccedilatildeo da uniatildeo de facto que ateacute agrave data se

encontravam dispersas pelas vaacuterias leis avulsas10 o que resultou de certa forma numa

institucionalizaccedilatildeo11 da uniatildeo de facto Em 2001 foi revogada e substituiacuteda pela Lei nordm

isso que satildeo sujeitas a registo gerando um estado civil () tecircm tambeacutem como caracteriacutestica a tipicidade estatildeo

previstas na lei bem como os factos juriacutedicos que lhes datildeo origem o seu conteuacutedo tipico as causas da sua

extinccedilatildeo () natildeo se pode considerar como familiar uma relaccedilatildeo que natildeo esteja prevista como tal na lei Cfr

RITA LOBO XAVIER ldquolaquoEstatuto Privadoraquo dos membros da Uniatildeo De Factordquo in RJLB Ano 2 2016 pp1511-

1513 No mesmo sentido Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ldquoCurso de Direito da

Famiacuteliardquo 5ordf ed vol I Coimbra Coimbra Editora 2015 p 34 65-67 JORGE DUARTE PINHEIRO ldquoO Direito

da Famiacutelia Contemporacircneordquo 6ordf ed Lisboa AAFDL 2018 p 43 ANTUNES VARELA ldquoDireito da Famiacuteliardquo 5ordf

ed vol I Lisboa Livraria Petrony1999 p 31 DIOGO LEITE DE CAMPOS ldquo Liccedilotildees de Direito da Famiacuteliardquo 2ordf

Ed Almedina Coimbra 1997 p21 MARTA COSTA ldquoConvivecircncia more uxorio na perspetiva de

harmonizaccedilatildeo do Direito da Famiacutelia Europeu uniotildees homossexuaisrdquo 1ordf ed Coimbra Coimbra Editora 2011

p 108 e SANDRA PASSINHAS ldquoUniatildeo de Facto em Portugalrdquo in Actualidad Juriacutedica Iberoamericana Nordm 11

pp 110-147 Agosto de 2019 p115 7 Mais concretamente com a alteraccedilatildeo feita pelo Decreto-Lei nordm 49677 de 25 de novembro 8 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p57 9 Para mais desenvolvimentos cfr HELENA MOTA ldquoO problema normativo da famiacutelia ndash Breve reflexatildeo a

propoacutesito das medidas de proteccedilatildeo agrave uniatildeo de facto adotadas pela lei n ordm13599 de 28 de Agostordquo in Estudos

em Comemoraccedilatildeo dos 5 anos da FDUP 2001 p548-553 10 Cfr FRANCcedilA PITAtildeO ldquoUniatildeo de Facto no Direito Portuguecircs A propoacutesito da Lei nordm 13599 de 2808rdquo

Coimbra Almedina 2000 p36 No mesmo sentido RITA LOBO XAVIER ldquoEstatuto Privadordquo dos membros da

Uniatildeo De Factordquo in RJLB ano 2 2016 p 1499 11 Expressatildeo utilizada por FRANCISCO PEREIRA COELHO para definir a existecircncia de regulaccedilatildeo proacutepria da uniatildeo

de facto Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p68

14

72001 de 110512 atual LUF que aleacutem de regular situaccedilotildees de uniatildeo de facto entre pessoas

de sexo diferente daacute relevacircncia juriacutedica agrave uniatildeo de facto entre pessoas do mesmo sexo

Apesar de natildeo ter representado uma transformaccedilatildeo significativa do conjunto de direitos e

deveres juridicamente conferidos agrave uniatildeo de facto limitando-se em boa parte a reconhecer

direitos conferidos por leis que jaacute existiam acresce algumas disposiccedilotildees inovadoras13 Sendo

claramente as mais relevantes o facto de permitir agraves pessoas de sexo diferente que vivessem

em uniatildeo de facto a adoccedilatildeo conjunta de menores nos mesmos termos que os cocircnjuges

previstos no artigo 1979ordm n ordm1 do CCiv14 e o alargamento das medidas de proteccedilatildeo por ela

concedidas agraves pessoas do mesmo sexo que viviam em uniatildeo de facto15

Posteriormente com a alteraccedilatildeo feita pela Lei nordm 232010 de 30 de agosto visou-

se essencialmente aumentar os efeitos que se produzem apoacutes a morte de um dos membros

da uniatildeo de facto ou apoacutes a sua rutura16 Tendo em vista dessa forma a proteccedilatildeo social do

membro sobrevivo que fique em situaccedilatildeo difiacutecil no que concerne agrave conservaccedilatildeo da sua

12 Alterada pela Lei 232010 de 3008 13 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p68 14 Art7ordm da LUF Nos termos do atual regime de adoccedilatildeo constante do livro IV tiacutetulo IV do Coacutedigo Civil eacute

reconhecido a todas as pessoas que vivam em uniatildeo de facto nos termos da presente lei o direito de adoccedilatildeo

em condiccedilotildees anaacutelogas agraves previstas no artigo 1979ordm do Coacutedigo Civil sem prejuiacutezo das disposiccedilotildees legais

respeitantes agrave adoccedilatildeo por pessoas natildeo casadas 15 A lei 72001 de 1105 resulta da discussatildeo de alguns projetos de lei elaborados por partidos poliacuteticos A

propoacutesito da vigecircncia da lei nordm 13599 que continuava a natildeo proteger juridicamente as relaccedilotildees dos unidos de

facto do mesmo sexo o partido ldquoOs Verdesrdquo apresentou o projeto de lei nordm 6VIII (consultaacutevel em

httpswwwparlamentoptActividadeParlamentarPaginasDetalheIniciativaaspxBID=6374) que pretendia

alterar o nordm1 do art 1ordm da lei em vigor eliminando a referecircncia a pessoas de sexo diferente passando os casais

de orientaccedilatildeo homossexual a ter acesso aos benefiacutecios previstos na LUF com exceccedilatildeo da possibilidade de

adoccedilatildeo que ficaria reservada aos casais heterossexuais Apresentando o projeto de lei nordm 45VIII (consultaacutevel

em

httpswwwparlamentoptActividadeParlamentarPaginasDetalheIniciativaaspxBID=6308) surge o Bloco

de Esquerda tencionando a modificaccedilatildeo do mesmo preceito para que se reconhecessem as uniotildees

homossexuais e ainda que se afastasse da lei o prazo miacutenimo de duraccedilatildeo de convivecircncia se estas situaccedilotildees

fossem registadas passando o art 1ordm n ordm1 a ter a seguinte redaccedilatildeo a presente lei regula a situaccedilatildeo juriacutedica

das pessoas que vivem em uniatildeo de facto O PCP por sua vez apresentou o nordm 145VIII tendo como objetivo

a revogaccedilatildeo da lei que vigorava substituindo-a por uma legislaccedilatildeo que fosse aplicaacutevel a quem vivesse em

uniatildeo de facto haacute mais de dois anos independentemente do sexo corroborava a proteccedilatildeo da casa de morada

comum garantindo a preferecircncia do outro para efeitos de venda ou arrendamento em caso de morte de um dos

membros e pretendia que o acesso a prestaccedilotildees por morte fosse mais flexiacutevel contudo o regime da adoccedilatildeo

continuava reservado aos casais heterossexuais O PS apresentou o projeto de lei nordm 105VIII (consultaacutevel

em httpswwwparlamentoptActividadeParlamentarPaginasDetalheIniciativaaspxBID=6195) que

apesar de natildeo se referir especificamente a uniotildees de facto visava que a proteccedilatildeo concedida pela lei nordm13599

se estendesse a um novo regime denominado de economia comum distinguindo-o do regime aplicaacutevel agraves

uniotildees de facto pela absoluta irrelevacircncia da orientaccedilatildeo sexual das pessoas a quem se confere proteccedilatildeo legal

pretendendo assim a tutela de duas pessoas que vivessem em economia comum haacute mais de dois anos Para

mais desenvolvimentos cfr MARTA COSTA ob cit pp 346-348 16 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p70

15

habitaccedilatildeo e aos meios de subsistecircncia miacutenimos17 Haacute quem considere que apesar das

alteraccedilotildees o regime da uniatildeo de facto portuguecircs em comparaccedilatildeo com muitos sistemas

juriacutedicos eacute modesto e continua a ser o que menos efeitos atribui agrave uniatildeo de facto18 Uma vez

que continua a acolher-se neste domiacutenio uma proteccedilatildeo fragmentaacuteria e especialmente

dirigida a cenaacuterios de crise em que as debilidades dos membros se concretizem com mais

intensidade19 Contudo essa moderaccedilatildeo eacute uma escolha sendo intenccedilatildeo do legislador natildeo

atribuir efeitos imperativos por entender que pode haver quem natildeo queira uma regulaccedilatildeo tatildeo

abrangente de determinadas situaccedilotildees deixando que os proacuteprios membros se possam

organizar privadamente20 O que leva a que no regime da uniatildeo de facto natildeo haja regulaccedilatildeo

juriacutedica relativamente ao seu registo agraves invalidades que podem existir na sua constituiccedilatildeo e

ainda no que respeita ao regime de bens agrave administraccedilatildeo do patrimoacutenio agraves ilegitimidades

de disposiccedilatildeo agrave proibiccedilatildeo de contratos ou regulaccedilatildeo de participaccedilatildeo em sociedades nem no

que toca aos efeitos sucessoacuterios e agrave extinccedilatildeo da situaccedilatildeo de uniatildeo de facto21

Ainda que natildeo defina o conceito de uniatildeo de facto a LUF no seu artigo 1ordm nordm 2

identifica o seu objeto como a situaccedilatildeo juriacutedica de duas pessoas que independentemente do

sexo vivam em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges haacute mais de dois anos Dito isto pode

depreender-se que eacute necessaacuterio que duas pessoas vivam em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos

cocircnjuges haacute mais de dois anos e ainda que segundo o previsto no artigo 2ordm da LUF entre

os membros da uniatildeo natildeo se verifique nenhum dos impedimentos aiacute mencionados No que

concerne agrave constituiccedilatildeo da uniatildeo de facto e ao desenvolvimento dos impedimentos agrave mesma

abordaremos a questatildeo mais adiante

17Art 5ordm e 6ordm da LUF Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ldquoNotas sobre a lei nordm 232010 de 30 de agosto (Alteraccedilatildeo

agrave lei das uniotildees de facto)rdquo in Lex Familiae Coimbra Editora 2012 p 146 A lei nova encara mais nitidamente

a necessidade de proteccedilatildeo do membro sobrevivo da uniatildeo de facto e daacute-lhe prioridade relativamente aos filhos

() considera que a proteccedilatildeo da casa de morada eacute o nuacutecleo irredutiacutevel da proteccedilatildeo conferida ao membro

sobrevivo da uniatildeo de facto e portanto garante a proteccedilatildeo mesmo contra a vontade do falecido 18 Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 153 FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob

cit p 69 19 Cfr RUTE TEIXEIRA PEDRO ldquoBreves reflexotildees sobre a proteccedilatildeo do unido de facto quanto agrave casa de morada

de famiacutelia propriedade do companheiro falecidordquo in AAVV Textos de Direito da Famiacutelia para FRANCISCO

PEREIRA COELHO coord GUILHERME DE OLIVEIRA Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016

p310 20 De realccedilar que em 2001 o nuacutemero registado de pessoas a viver em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges foi

de 381 mil indiviacuteduos e em 2011 quase que duplicou perfazendo o total de 730 mil indiviacuteduos Dados

consultaacuteveis em

httppordataptPortugalPopulaC3A7C3A3o+residente+segundo+os+Censos+em+uniC3B5es+

de+facto-2649-222898 21 Para aleacutem do disposto no art 8ordm da LUF Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 153 FRANCISCO PEREIRA

COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 70

16

3 A uniatildeo de facto e a Constituiccedilatildeo da Reacutepublica Portuguesa

Ainda na linha de pensamento do ponto anterior no que respeita ao artigo 36ordm n ordm1

da CRP importa dizer que esta norma determina que todos tecircm o direito de constituir famiacutelia

e de contrair casamento em condiccedilotildees de igualdade22 ou seja pode considerar-se que este

artigo consagra essencialmente dois direitos o de constituir famiacutelia e o de casar23 Nesta

senda importa tambeacutem debruccedilarmo-nos sobre a proteccedilatildeo que a Constituiccedilatildeo oferece agrave uniatildeo

de facto

Jaacute referimos que certos AA como GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA24

defendem que o que parece decorrer do nordm1 do artigo 36ordm CRP eacute que a Constituiccedilatildeo natildeo

admite a reduccedilatildeo do conceito de famiacutelia agrave uniatildeo conjugal baseada no casamento havendo

outras formas de constituiccedilatildeo de famiacutelia aleacutem do casamento como a uniatildeo de facto isto eacute

ao distinguir a famiacutelia do casamento o legislador pretendeu demonstrar que se tratam de

realidades diversas e que o direito a constituir famiacutelia natildeo estaacute vedado a quem natildeo pretenda

contrair casamento25 Segundo esta corrente doutrinaacuteria haacute uma abertura constitucional - se

natildeo mesmo uma obrigaccedilatildeo - para conferir relevo agraves uniotildees familiares de facto tendo em

consideraccedilatildeo que o conceito constitucional natildeo abrange apenas a famiacutelia

matrimonializada26 Apesar de afirmarem o reconhecimento da uniatildeo de facto como relaccedilatildeo

juriacutedica familiar postulam que tal natildeo implica que haja um tratamento legal totalmente

22 A sua interpretaccedilatildeo deve ser feita como se o n ordm1 do art36ordm prescrevesse que laquotodos tecircm o direito de

constituir famiacutelia em condiccedilotildees que natildeo violem o princiacutepio da igualdade definido no artigo 13ordmraquo Tendo em

conta que ao espiacuterito desta norma constitucional natildeo repugna efetivamente aceitar as limitaccedilotildees resultantes

da legislaccedilatildeo vigente quer em mateacuteria de impedimentos matrimoniais() Cfr ANTUNES VARELA ldquoDireito da

Famiacuteliardquo 5ordf ed vol I Lisboa Livraria Petrony 1999 p 158 23 Em sentido diverso Cfr JOAtildeO DE CASTRO MENDES ldquoFamiacutelia e casamentordquo in Estudos sobre a Constituiccedilatildeo

JORGE MIRANDA (coord) vol I Lisboa Livraria Petrony 1977 p 372 que entende que os dois direitos

reduzem-se a um soacute E ainda Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoCasamento e Famiacutelia no direito portuguecircsrdquo

obcit p 8 que entende que ao contraacuterio do que acontece no artigo 16ordm DUDH o legislador portuguecircs optou

por colocar o direito a constituir famiacutelia agrave frente do direito de contrair casamento na disposiccedilatildeo do n ordm1 do art

36ordm natildeo se sabe bem porquecirc 24Cfr J GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA ob cit p561 CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo

Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova Relaccedilatildeo Familiarrdquo in Estudos em Homenagem ao Prof Doutor Jorge

Miranda Vol VI Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Coimbra Editora 2012 p 453 HENRICH

EWALD HOumlRSTER ldquoInconstitucionalidade da Tributaccedilatildeo Conjunta dos Cocircnjugesrdquo in Revista de Direito e

Economia da Universidade de Coimbra Ano III nordm 2 Julho ndash Dezembro 1977 p 506 25 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova Relaccedilatildeo Familiarrdquo

obcit p 453 CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoA jurisprudecircncia do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e as

Novas Formas de Famiacutelia ndash The European Court of Human Rights and The New Concept of Familyrdquo in Revista

Juriacutedica da Universidade Portucalense nordm15 Universidade Portucalense Porto 2012 p 36 Neste sentido

vide Acoacuterdatildeo Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 15-02-2007 proferido no acircmbito do processo nordm 62842006-

8 26 Cfr JJ GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA ob cit p 561

17

idecircntico entre as famiacutelias natildeo matrimonializadas e as famiacutelias baseadas no casamento desde

que as distinccedilotildees feitas natildeo sejam arbitraacuterias irrazoaacuteveis ou desproporcionadas e tenham

em conta todos os direitos e interesses em jogo27

De outra parte FRANCISCO PEREIRA COELHO e GUILHERME DE OLIVEIRA defendem

que a 1ordf parte do n ordm1 do artigo 36ordm CRP ao estabelecer que todos tecircm direito de constituir

famiacutelia esse diz respeito essencialmente agraves relaccedilotildees de filiaccedilatildeo pois o direito de constituir

famiacutelia eacute antes de mais o direito a procriar e ainda o direito a estabelecer as

correspondentes relaccedilotildees de paternidade e maternidade28 Relativamente agrave 2ordf parte do

mesmo artigo alertam para o facto de natildeo se poder reconduzir a uniatildeo de facto a uma

dimensatildeo ou vertente negativa do direito de contrair casamento uma vez que a dimensatildeo

negativa desse direito eacute o de natildeo casar2930

Embora entendam que este artigo natildeo oferece proteccedilatildeo constitucional agrave uniatildeo de

facto isso natildeo quer dizer que esta fique desprotegida constitucionalmente Para estes AA o

princiacutepio de proteccedilatildeo da uniatildeo de facto decorre do direito ao desenvolvimento da

personalidade previsto no nordm1 do artigo 26ordm CRP considerando-o como o direito do

indiviacuteduo a afirmar livremente a sua identidade31 como sujeito autoacutenomo dotado de

autodeterminaccedilatildeo decisoacuteria32 sem estar vinculado a modelos externamente impostos e

conferindo-lhe o direito a viver a sua vida do modo que escolher podendo dizer-se que

estabelecer uma uniatildeo de facto eacute uma manifestaccedilatildeo desse direito33

A proteccedilatildeo conferida pelo direito ao desenvolvimento da personalidade natildeo exige

que o legislador conceda agrave uniatildeo de facto efeitos semelhantes aos que oferece ao casamento

equiparando o que natildeo eacute igual visto que os membros da uniatildeo de facto natildeo assumem um

27 Como por exemplo os direitos dos filhos Idem 28 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 60 29 Idem 30 Mais amplo do que viver em uniatildeo de facto pois pode ainda significar ficar em solidatildeo relacionar-se

esporadicamente ou pontualmente ou ateacute viver em promiscuidade Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e

Personalidaderdquo Almedina Coimbra 2017 p 237 No mesmo sentido Cfr NUNO SALTER CID ldquoSobre o

Direito de natildeo Contrair Casamentordquo in Famiacutelia Consciecircncia Secularismo e Religiatildeo 1ordf Ediccedilatildeo Coimbra

Editora 2010 p 28 O direito de natildeo contrair casamento o tal direito fundamental que a Constituiccedilatildeo

implicitamente confere e protege como dimensatildeo ou vertente negativa do direito de contrair casamento eacute na

verdade e apenas o direito de se negar a contrair casamento o direito natildeo ser forccedilado a casar-se um direito

que natildeo exerce apenas quem opta por viver em uniatildeo de facto mas tambeacutem quem opta por manter-se solteiro

divorciado ou viuacutevo (de Direito ou de facto) 31 Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e Personalidaderdquo ob cit p 237 32 Cfr JJ GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA ob cit p 463 33 Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e Personalidaderdquo ob cit p 237

18

compromisso de vida por natildeo quererem ou natildeo o poderem fazer Equiparar o que eacute diferente

nesta medida poderia ser julgado inconstitucional pois iria impor agraves pessoas que vivem em

uniatildeo de facto os mesmos deveres e conceder os mesmos direitos que impotildee e concede agraves

que satildeo casadas violando o direito a natildeo casar sendo-lhes forccedilado um estatuto que em

princiacutepio rejeitaram por vontade proacutepria

Conveacutem ainda referir que no que toca ao princiacutepio da proteccedilatildeo da famiacutelia previsto

no artigo 67ordm CRP este natildeo impotildee ao legislador ordinaacuterio a atribuiccedilatildeo de efeitos favoraacuteveis

agrave uniatildeo de facto mas tambeacutem natildeo proiacutebe que sejam concedidos agrave mesma os efeitos que

considere adequados e justificados34 FRANCISCO PEREIRA COELHO considera ainda que este

princiacutepio constitucional natildeo visa apenas a famiacutelia conjugal35 ao contraacuterio de CASTRO

MENDES que explica que soacute faz sentido valer neste contexto a famiacutelia fundada no

casamento natildeo devendo a lei passar um laquocheque em brancoraquo a quaisquer formas de

sociedade familiar36 Por sua vez SANDRA PASSINHAS defende que apesar da uniatildeo de facto

natildeo ser uma forma de contrair casamento e natildeo caber no acircmbito de proteccedilatildeo do artigo 36ordm

da CRP isso natildeo inibe que o casal nascido da uniatildeo de facto juridicamente protegida

tambeacutem seja considerado famiacutelia para efeitos da proteccedilatildeo institucional conferida pelo

artigo 67ordm CRP37 pois entende que seria inaceitaacutevel que no acircmbito normativo do artigo 67ordm

CRP natildeo coubessem as relaccedilotildees parafamiliares como a uniatildeo de facto38 Nesta ordem de

ideias eacute possiacutevel aferir que a constituiccedilatildeo natildeo permite penalizar a uniatildeo de facto ou equiparaacute-

la ao casamento39

34 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoAnotaccedilatildeo ao Ac do STJ de 2 de abril de 1987rdquo in Revista de Legislaccedilatildeo

e Jurisprudecircncia nordm 3782 ano 122 Coimbra 1990 p84 35 Idem Entendendo que o princiacutepio constitucional visa abranger a famiacutelia natural e ainda a adotiva 36 Cfr JOAtildeO DE CASTRO MENDES ldquoFamiacutelia e casamentordquo in Estudos sobre a Constituiccedilatildeo JORGE MIRANDA

(coord) vol I Lisboa Livraria Petrony 1977 p 373 37 Referindo em abono da posiccedilatildeo que defende o modo como o legislador na LUF em cumprimento do

disposto no art 67ordm nordm2 da CRP conformou a posiccedilatildeo dos unidos de facto no sentido de lhes conceder

proteccedilatildeo da casa de morada de famiacutelia de os beneficiar com o regime juriacutedico aplicaacutevel a pessoas casadas

em mateacuteria de feacuterias feriados faltas licenccedilas e de preferecircncia na colocaccedilatildeo dos trabalhadores da

Administraccedilatildeo Puacuteblica com a aplicaccedilatildeo do regime do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares

concedendo-lhes proteccedilatildeo socia na eventualidade de morte do beneficiaacuterio por aplicaccedilatildeo do regime geral ou

de regimes especais de seguranccedila social bem como prestaccedilotildees por morte resultante de acidente de trabalho

ou doenccedila profissional a pensatildeo do preccedilo de sangue e por serviccedilos excecionais e relevantes prestados ao paiacutes

ou a inclusatildeo do unido de facto no elenco dos titulares do direito agrave indemnizaccedilatildeo por danos natildeo patrimoniais

por morte da viacutetima no nordm3 do art 496ordm SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e Personalidaderdquo obcit p240 38 Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e Personalidaderdquo obcit p 231 39 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p64

19

A propoacutesito dos diplomas internacionais cabe referir que a Declaraccedilatildeo Universal

dos Direitos do Homem40 inclui dois princiacutepios relativos agrave famiacutelia Primeiramente no seu

artigo 12ordm onde estabelece o direito ao respeito pela vida familiar seguido do artigo 16ordm que

abrange no seu nordm 1 o direito de casar e de constituir famiacutelia e no seu nordm 3 reconhece a

famiacutelia como elemento natural e fundamental da sociedade tendo direito agrave proteccedilatildeo desta e

do Estado Tambeacutem a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem41 conteacutem dois

princiacutepios dedicados agrave famiacutelia o direito ao respeito pela vida privada e familiar previsto no

seu artigo 8ordm e por sua vez o direito a casar e a constituir famiacutelia estando este disposto no

artigo seu 12ordm Nestes diplomas o legislador internacional tal como o legislador nacional

natildeo assegura uma definiccedilatildeo de famiacutelia ou casamento levando a que se concretizem e sejam

interpretados de forma diversa consoante o substrato social de quem o faz42 Pois como

defende CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS43 eacute inegaacutevel as transformaccedilotildees que o conceito de famiacutelia

tradicional tem sofrido dando origem a novas formas de famiacutelia como as de facto as

monoparentais as recombinadas e as homossexuais Nesta senda note-se que o Tribunal

Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) apesar de ter em conta a tutela do casamento e

encorajar a famiacutelia tradicional44 tem vindo a considerar que o artigo 8ordm CEDH natildeo se refere

apenas agrave famiacutelia constituiacuteda com base no casamento como acontece no artigo 12ordm CEDH

podendo conceder tutela a outros laccedilos familiares como as uniotildees de facto45

40 Proclamada pela Assembleia Geral das Naccedilotildees Unidas em Paris a 10 de dezembro de 1948 41 Assinada a 4 de novembro de 1950 em Roma tendo entrado em vigor em 1953 A adesatildeo de Portugal deu-

se apenas em 1978 42 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova Relaccedilatildeo Familiarrdquo

obcit p 458 43 Idem 44 Neste sentido e para mais desenvolvimentos Cfr SUSANA ALMEIDA ldquoO Respeito pela Vida (Privada e)

Familiar na Jurisprudecircncia do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem A tutela das Novas Formasrdquo

Coimbra Editora 2008 p 165 45 Article 8 (art 8) applies to the family life of the illegitimate family as well as to that of the legitimate

family Ac JOHNSTON C IRLANDA 18 de dezembro de 1986 p19 consultaacutevel em

httpshudocechrcoeinteng22itemid22[22001-5750822

The Court recalls that the notion of the family in this provision is not confined solely to marriage-based

relationships and may encompass other de facto family ties where the parties are living together outside of

marriage Ac KEEGAN C IRLANDA de 26 de maio de 1994 p13 consultaacutevel em

httpshudocechrcoeinteng22itemid22[22001-5788122]

20

31 A uniatildeo de facto e o casamento ndash liberdade mas e proteccedilatildeo

Como jaacute haviacuteamos referido tanto a proteccedilatildeo conferida pelo direito ao

desenvolvimento da personalidade quanto a que se entenda que eacute dada pelo artigo 36ordm CRP

natildeo exige que o legislador atribua agrave uniatildeo de facto efeitos semelhantes aos do casamento

equiparando os dois institutos Esta diferenccedila de tratamento de situaccedilotildees distintas natildeo viola

o princiacutepio da igualdade previsto no artigo 13ordm CRP visto que esta norma apenas proiacutebe as

discriminaccedilotildees arbitraacuterias ou sem fundamento46 Tratam-se de situaccedilotildees materialmente

diferentes enquanto no casamento se assume um compromisso de vida em comum

sujeitando-se a um viacutenculo juriacutedico47 um contrato entre duas pessoas que pretendem

constituir famiacutelia mediante uma plena comunhatildeo de vida na uniatildeo de facto os membros natildeo

querem ou natildeo podem assumir esse compromisso48

Antes de nos dedicarmos ao estudo do contraste que o regime da uniatildeo de facto e o

casamento apresentam em concreto conveacutem relembrar a noccedilatildeo de casamento no nosso

ordenamento juriacutedico Assim segundo o artigo 1577ordm CCiv o casamento constitui um

contrato4950 um compromisso juriacutedico assumido por duas pessoas que se vinculam entre si

mediante uma plena comunhatildeo de vida Ainda que o Coacutedigo Civil natildeo defina explicitamente

o que significa plena comunhatildeo de vida eacute possiacutevel aferir-se pelos preceitos subsequentes

que esta deve ser guiada pelos deveres de respeito fidelidade coabitaccedilatildeo cooperaccedilatildeo e

46 Acoacuterdatildeo Tribunal Constitucional nordm 33686 p 3807 Neste artigo reconhece-se o direito agrave diferenccedila desde

que esta natildeo ultrapasse os limites da tolerabilidade ou da discricionariedade Acoacuterdatildeo Tribunal Constitucional

nordm 11881996 O princiacutepio da igualdade (artigo 13ordm da Constituiccedilatildeo) impotildee se decirc tratamento igual ao que for

essencialmente igual e se trate diferentemente o que diferente for Natildeo proiacutebe as distinccedilotildees de tratamento se

materialmente fundadas proiacutebe isso sim a discriminaccedilatildeo as diferenciaccedilotildees arbitraacuterias ou irrazoaacuteveis

carecidas de fundamento racional No mesmo sentido vide Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de

08-03-2006 proferido no acircmbito do processo nordm 419705JTRC 47 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova Relaccedilatildeo Familiarrdquo

obcit p 460 48 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p63 49Apesar da sua contratualidade ser afirmada na sua definiccedilatildeo legal esta eacute contestada Haacute quem qualifique o

casamento como um mero acordo outros como instituiccedilatildeo ou ainda como um puro ato administrativo vendo

a declaraccedilatildeo do funcionaacuterio do registo civil como o elemento constitutivo do casamento e o consentimento

das partes como um simples pressuposto dessa declaraccedilatildeo Cfr mais desenvolvidamente FRANCISCO PEREIRA

COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit pp 232- 235 e ainda TELMA CARVALHO ob cit p 230 50 Cfr FRANCcedilA PITAtildeO ldquoOs novos casamentos ou a crise do casamento tradicional no direito portuguecircs in

AAVV Comemoraccedilotildees dos 35 anos do Coacutedigo Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977 vol I Coimbra

Editora Coimbra 2004 pp 178-179

21

assistecircncia (artigo 1672ordm CCiv) aleacutem disso deve ser exclusiva (artigo 1601ordm CCiv) e tendo

em vista a perpetuidade (artigo 1773ordm CCiv)

A solenidade de formalizaccedilatildeo de vontades necessaacuteria no casamento (artigo 1615ordm

CCiv) em contraposiccedilatildeo agrave falta de forma de celebraccedilatildeo uniatildeo de facto tem sido a principal

diferenccedila apontada pela doutrina entre estas duas formas de vida Dado que no casamento

haacute a expressatildeo de duas vontades atraveacutes de uma declaraccedilatildeo expressa perante uma entidade

puacuteblica que abrange todo o conteuacutedo do casamento Os nubentes ao declararem que aceitam

casar estatildeo simultaneamente a aceitar os efeitos legais do casamento tal como prevecirc o

regime obrigatoacuterio do artigo 1618ordm nordm 1 CCiv Aceitam todos os deveres reciacuteprocos e

tambeacutem os efeitos patrimoniais onde vatildeo tendo uma autonomia privada ainda que limitada

atraveacutes das convenccedilotildees antenupciais51 Isto eacute na uniatildeo de facto haacute uma intencionalidade52

de viver em comunhatildeo plena de vida com outra pessoa no casamento aleacutem da

intencionalidade da plena comunhatildeo de vida haacute a intenccedilatildeo de celebrar o casamento com

tudo o que o seu regime legal acarreta

No caso da uniatildeo de facto essa intencionalidade natildeo eacute declarada de forma solene ou

formal eacute um acordo iacutentimo realizado entre os membros da situaccedilatildeo de facto que natildeo eacute

reconhecido por nenhum ente estadual53 Por outro lado a realizaccedilatildeo do casamento aleacutem de

implicar todo um processo preliminar que tem por fim um despacho final que no caso de ser

favoraacutevel pressupotildee a celebraccedilatildeo do casamento no prazo de seis meses subsequentes a essa

autorizaccedilatildeo tem forma puacuteblica e a sua celebraccedilatildeo acarreta o seu registo (artigo 1ordm al d)

CRegCiv) Este registo eacute obrigatoacuterio e comporta uma elevada importacircncia visto que soacute com

o reconhecimento do casamento pelo Conservador do Registo Civil (artigo 1615ordm CCiv) eacute

possiacutevel fazer a prova do estado civil das pessoas Eacute a uacutenica prova legalmente admitida do

casamento sendo que enquanto este natildeo for registado natildeo pode ser invocado54 Devido agrave

uniatildeo de facto natildeo implicar uma alteraccedilatildeo no estado civil dos membros por natildeo estar sujeita

a registo torna a falta de publicidade no que concerne agrave elaboraccedilatildeo deste estudo a grande

diferenccedila entre este regime juriacutedico e o do casamento e o que tem maior repercussatildeo no

51 Cfr TELMA CARVALHO ob cit p 229 52 Cfr TELMA CARVALHO ob cit p 230 53 Cfr TELMA CARVALHO ob cit p 237 54 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 337

22

regime protecional dos unidos de facto jaacute que o que natildeo pode ser provado em princiacutepio

natildeo pode ser protegido

Aleacutem da dificuldade da prova da uniatildeo de facto quer diante o Estado quer em face

a terceiros a falta do seu registo impede o controlo da sua existecircncia e do cumprimento dos

seus requisitos por parte do Estado Abordaremos a questatildeo da dificuldade da prova

resultante da falta de publicidade da uniatildeo de facto mais aprofundadamente na parte a ela

dedicada

Ateacute aqui apresentamos diferenccedilas de caraacuteter puramente formal nomeadamente no

que respeita agrave natureza contratual do casamento agrave solenidade da celebraccedilatildeo do mesmo e

ainda quanto agrave sua publicidade em contrapartida com o que acontece com a uniatildeo de facto

tendo umas mais importacircncia objetiva que outras Cabe agora analisar as diferenccedilas que tecircm

sido apontadas aos efeitos juriacutedicos praacuteticos Nomeadamente a necessidade de decurso de

prazo de dois anos para que a lei atribua agrave uniatildeo de facto efeitos juriacutedicos uma vez que no

nordm 2 do artigo 1ordm da LUF estaacute previsto que a uniatildeo de facto eacute a situaccedilatildeo juriacutedica de duas

pessoas que independentemente do sexo vivam em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges haacute

mais de dois anos Haacute entatildeo uma exigecircncia do decurso de dois anos55 dessa convivecircncia para

que a situaccedilatildeo anaacuteloga agrave dos cocircnjuges seja considerada uniatildeo de facto Ao passo que o

casamento se considera constituiacutedo com a declaraccedilatildeo de vontade de cada nubente e celebrado

perante uma entidade competente natildeo necessitando da decorrecircncia de nenhum prazo para

que se considere constituiacutedo

Eacute de notar alguma diferenccedila ainda no que se refere agrave cessaccedilatildeo do casamento e agrave

dissoluccedilatildeo da uniatildeo de facto O artigo 1773ordm CCiv determina que o divoacutercio pode ser por

muacutetuo consentimento ou sem consentimento de um dos cocircnjuges - desde que se verifiquem

algum dos fundamentos de rutura previstos no artigo 1781ordm CCiv - ou seja natildeo basta o

simples afastamento dos cocircnjuges para que o casamento cesse haacute um viacutenculo formal que

tem de ser dissolvido A uniatildeo de facto dissolve-se quando cessar o facto da uniatildeo56 isto eacute

55 Noutras regulamentaccedilotildees especiacuteficas esse prazo pode variar () por exemplo no caso da transmissatildeo de

arrendamento por morte do unido o prazo de um ano basta na Lei da Nacionalidade jaacute eacute exigida a duraccedilatildeo de

trecircs anos para que um estrangeiro possa declarar querer adquirir a nacionalidade portuguesa com fundamento

na uniatildeo de facto SANDRA PASSINHAS ldquoUniatildeo de Facto em Portugalrdquo ob cit p113 56 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo in AAVV Textos de Direito da Famiacutelia para Pereira Coelho GUILHERME OLIVEIRA (coord)

Imprensa da Universidade de Coimbra 2016 p 91

23

com a rutura da efetiva comunhatildeo de vida que acontece com a verificaccedilatildeo de alguma das

situaccedilotildees mencionadas no nordm 1 do artigo 8ordm da LUF

Veja-se entre noacutes a uniatildeo de facto eacute objeto de atribuiccedilatildeo de alguns efeitos juriacutedicos

poreacutem no que respeita ao domiacutenio das relaccedilotildees patrimoniais e agrave regulamentaccedilatildeo das

consequecircncias da sua dissoluccedilatildeo natildeo haacute nenhuma norma reguladora Isto eacute natildeo existe

regulamentaccedilatildeo quanto ao regime de bens e natildeo sendo em princiacutepio de aplicar

analogicamente o regime juriacutedico do casamento57 os membros da uniatildeo de facto sentem a

necessidade de criarem eles proacuteprios um estatuto juriacutedico que regule determinados

problemas que possam surgir da sua comunhatildeo de vida com base no princiacutepio da autonomia

da vontade58 Em alguns ordenamentos juriacutedicos59 a soluccedilatildeo para esta questatildeo eacute o contrato

de coabitaccedilatildeo60 visto como a hipoacutetese de conferir aos membros da uniatildeo de facto a

possibilidade de regularem as suas relaccedilotildees patrimoniais com base no princiacutepio da

autonomia patrimonial61 Apesar de no nosso ordenamento juriacutedico natildeo haver tipificaccedilatildeo

legal do contrato de coabitaccedilatildeo - como a uniatildeo de contratos em que os membros da uniatildeo

de facto reuacutenem vaacuterias espeacutecies contratuais em vista da organizaccedilatildeo convencional das suas

relaccedilotildees patrimoniais durante a vida da relaccedilatildeo e apoacutes a extinccedilatildeo desta62- natildeo haacute

legalmente nada a opor a esses contratos desde que estes se limitem a regular os efeitos

patrimoniais sem abrangerem os efeitos pessoais63 Houve por parte do PCP com o artigo

57 Cfr FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo ob cit p83 58 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDissoluccedilatildeo da uniatildeo de facto ndash Anotaccedilatildeo ao Acoacuterdatildeo do TRG de 2992004

Proc 128904rdquo in Cadernos de Direito Privado nordm 11 julhoSetembro 2005 p72 59 Como nos Estados Unidos na Holanda e no Canadaacute e ainda na Espanha e Franccedila onde satildeo normalmente

celebrados apesar de levantarem algumas duacutevidas Neste sentido vide Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de

Lisboa de 29-11-2012 proferido no acircmbito do processo nordm 444092TCFUNL1-A-8 JEAN CARBONNIER

ldquoDroit Civil (T2 ndash La famille lrsquoenfant le couple)rsquorsquo 21ordm ed PUF Paris 2002 p681 EDUARDO ESTRADA

ALONSO ldquoLas uniones extramatrimoniales en el Derecho Civil Espantildeolrdquo 2ordm ed Civitas Madrid 1991 pp

139-152 o A prevecirc a possibilidade de utilizar a autonomia da vontade dos membros como fonte de regulaccedilatildeo

das uniotildees de facto apesar de este tipo de convenios natildeo serem frequentes em Espanha devido a possibilidade

dos tribunais os poderem declarar nulos por ilicitude de causa o A admite a sua validade desde que tratem

apenas de aspetos patrimoniais 60 Pode ser designado de diversas formas tais como contrato de convivecircncia contratos de uniatildeo de facto

convenccedilotildees entre conviventes pactos concubinaacuterios Cfr MARTA COSTA ob cit p156 GERALDO ALMEIDA

ob cit p202 RENATO NETO ldquoContrato de Coabitaccedilatildeo na Uniatildeo de Facto Confronto entre o Direito Brasileiro

e Portuguecircsrdquo Livraria Almedina Coimbra 2006 pp 69-70 61 Cfr MARTA COSTA ob cit p157 62 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 84 63 Cfr JOSEacute JOAtildeO GONCcedilALVES DE PROENCcedilA ldquoDireito da Famiacuteliardquo Lisboa Universidade Lusiacuteada Editora 2003

p 34

24

5ordm do projeto de lei nordm 384VII a proposta de uma convenccedilatildeo de uniatildeo de facto64 que

pretendia afastar nesta mateacuteria a incerteza e inseguranccedila juriacutedicas resultantes da LUF natildeo

tendo todavia prosseguido

Por uacuteltimo eacute de ressalvar a diferenccedila notoacuteria que haacute entre os efeitos sucessoacuterios do

casamento e da uniatildeo de facto O estatuto sucessoacuterio do cocircnjuge sobrevivo tem um elevado

grau de proteccedilatildeo comparativamente com a proteccedilatildeo oferecida ao unido sobrevivo uma vez

que o cocircnjuge aleacutem de ser herdeiro legiacutetimo eacute tambeacutem herdeiro legitimaacuterio65 enquanto o

unido sobrevivo natildeo eacute considerado sequer herdeiro do falecido limitando-se a lei a conceder

o direito de exigir alimentos da heranccedila do mesmo (artigo 2020ordm CCiv) Constata-se uma

enorme discrepacircncia de tratamento entre o cocircnjuge sobrevivo e o unido de facto sobrevivo

devendo a posiccedilatildeo deste uacuteltimo ser objeto de atenccedilatildeo pelo legislador nem que seja para

integrar a sucessatildeo legitima numa posiccedilatildeo inferior agrave do cocircnjuge descendentes e

ascendentes66 Tendo isto em conta eacute possiacutevel afirmar-se que atualmente muitos casais

optam pelo instituto do casamento ao inveacutes do instituto da uniatildeo de facto pela proteccedilatildeo que

este concede ao sobrevivo em caso de morte podendo o casamento ser visto de certa forma

como um (quase) contrato sucessoacuterio67 Na praacutetica muitos casais com esta informaccedilatildeo

apesar de natildeo acharem necessaacuterio celebrar casamento no acircmbito social ou cultural optam

por fazecirc-lo devido agrave elevada discrepacircncia existente entre ambos os institutos

FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO68 defende que diante do presente quadro

regulativo natildeo pode por um lado ser recusada liminarmente a possibilidade de aplicaccedilatildeo agrave

uniatildeo de facto das normas pertencentes ao regime do casamento desde que se tratem de

efeitos indiretos ou legais do casamento e de efeitos fundados na simples existecircncia de uma

comunhatildeo de vida Por outro lado levando em conta o atual quadro legislativo natildeo pode ser

64 Prevendo a possibilidade dos membros da uniatildeo de facto celebrarem uma convenccedilatildeo que visava estabelecer

o seu regime de bens a responsabilidade por diacutevidas e o seu regime de administraccedilatildeo de bens Consultaacutevel em

httpswwwpcpptarlegis-7projleipjl384html 65 Isto eacute nos termos do 2132ordm CCiv eacute chamado agrave sucessatildeo mesmo que o falecido natildeo tenha deixado testamento

vaacutelido consta tambeacutem do art 2157ordm CCiv tendo direito a uma porccedilatildeo de bens (a legiacutetima) que o falecido natildeo

pode dispor no seu testamento Cfr OLIVEIRA ASCENSAtildeO ldquoDireito civil Sucessotildeesrdquo Coimbra Editora 5ordf Ed

2000 pp 333 e 353 66 Para mais desenvolvimentos FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da

uniatildeo de facto breves observaccedilotildeesrdquo ob cit pp104-105 67 Cfr FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo ob cit p103 68 Cfr FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo ob cit pp 83-101

25

feita uma geneacuterica aplicaccedilatildeo analoacutegica do regime do casamento O A aleacutem de salvaguardar

que essa aplicaccedilatildeo soacute poderia abranger os referidos efeitos indiretos ou legais do casamento

alega que antes dessa aplicaccedilatildeo teriam de se apurar caso a caso os interesses em causa e a

ratio da norma eventualmente aplicaacutevel e soacute assim se poderia fundar uma aplicaccedilatildeo

analoacutegica Aleacutem do mais alerta para o quadro limitado de efeitos que a nossa lei fixou para

a uniatildeo de facto previsto na LUF o que pode refletir o intuito de impedir uma aplicaccedilatildeo

analoacutegica das normas do casamento de forma irrestrita O A declara que tendo em

consideraccedilatildeo os uacuteltimos desenvolvimentos legislativos na regulaccedilatildeo da uniatildeo de facto e no

casamento69 a diferenccedila que assenta no facto de natildeo haver uma vontade de vinculaccedilatildeo no

plano juriacutedico e da comunhatildeo de vida dos membros da uniatildeo de facto natildeo implicar o

cumprimento de deveres conjugais ficou bastante atenuada Natildeo soacute porque se tem vindo a

assistir a uma desregulaccedilatildeo do casamento em termos imperativos mas tambeacutem pelo Coacutedigo

Civil se limitar a fixar os deveres pessoais dos cocircnjuges e os modos de execuccedilatildeo dos mesmos

natildeo obedecerem a um padratildeo uacutenico Crecirc que se tem vindo a assistir a um progressivo

afrouxamento dos deveres conjugais por estarem esvaziados das normais caracteriacutesticas de

um dever juriacutedico tanto no plano das consequecircncias indemnizatoacuterias como nas resolutoacuterias

Levando-o a concluir que esbatida a base da diferenccedila principal entre os dois institutos

deixou de haver fundamento para a recusa de uma aplicaccedilatildeo analoacutegica agrave uniatildeo de facto de

muitas normas do casamento que estabelecem efeitos indiretos ou laterais de diversa ordem

deixando o casamento de ser necessaacuterio no plano social afetivo cultural ou econoacutemico e

que este soacute subsiste em maior nuacutemero do que a uniatildeo de facto por se tratar de um haacutebito

adquirido pela sociedade e por haver em certos meios uma pressatildeo social e religiosa nesse

sentido70

Por seu turno CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS no acircmbito dos efeitos patrimoniais da

uniatildeo de facto defende que a aplicaccedilatildeo analoacutegica de uma norma pressupotildee a existecircncia de

uma lacuna No entanto entende que natildeo se pode falar em lacuna quando natildeo existe uma

regulamentaccedilatildeo juriacutedica numa dada mateacuteria visto que essa inexistecircncia de regulamentaccedilatildeo

pode ter sido intencional por parte do legislador Podendo tambeacutem ser pretensatildeo do proacuteprio

69 Com as alteraccedilotildees agrave Lei nordm 72001 introduzidas pela Lei nordm 232010 de 30 de agosto no que respeita agrave uniatildeo

de facto e relativamente ao casamento em consequecircncia da profunda reforma operada pela Lei nordm 612008 de

31 de Outubro 70 Cfr FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo ob cit p 102

26

legislador que o seu preenchimento fique a cargo da doutrina e da jurisprudecircncia71 No

entanto julga que a sua integraccedilatildeo deveraacute ser feita por recurso agraves regras gerais e natildeo por

aplicaccedilatildeo do regime do casamento para o qual o legislador natildeo remeteu intencionalmente

A soluccedilatildeo a nosso ver passaria por natildeo se estender agrave uniatildeo de facto os efeitos do

casamento evitando uma intromissatildeo injustificada na escolha que as partes fizeram de natildeo

contraiacuterem casamento No entanto seria importante reforccedilar o regime legal atual natildeo

olvidando os que apesar de optarem por natildeo seguir a via do casamento pretendem uma

proteccedilatildeo mais firme e os que pretendem apenas a coabitaccedilatildeo sem consequecircncias juriacutedicas

Enveredando-se por um caminho que consolide os efeitos juriacutedicos da uniatildeo de facto com

um regime proacuteprio que natildeo se confunda com o do casamento possibilitando aos que

pretendam uma uniatildeo sem consequecircncias juriacutedicas a liberdade de escolha de sujeiccedilatildeo a um

regime legal ou natildeo

71 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDissoluccedilatildeo da uniatildeo de facto ndash Anotaccedilatildeo ao Acoacuterdatildeo do TRG de 2992004

Proc 128904rdquo ob cit pp 74-75

27

4 Constituiccedilatildeo da relaccedilatildeo de Uniatildeo de Facto e os seus efeitos

A uniatildeo de facto constitui-se quando dois sujeitos do mesmo sexo ou de sexo

diferente que tecircm uma relaccedilatildeo passam a viver em comunhatildeo de leito mesa e habitaccedilatildeo

Passando os membros a viver nessas condiccedilotildees e natildeo sendo essa situaccedilatildeo objeto de registo

civil72 ou administrativo ao contraacuterio do que acontece em alguns ordenamentos vizinhos

que mereceratildeo a nossa anaacutelise mais adiante torna-se mais difiacutecil saber de forma exata

quando se iniciou para que seja possiacutevel a partir daiacute contar os dois anos necessaacuterios para

que a situaccedilatildeo de facto produza os efeitos previstos no artigo 3ordm da LUF

Efeitos estes que soacute se produziratildeo se cumulativamente com requisito temporal de

decurso de dois anos natildeo existir nenhum impedimento dirimente ao casamento dos membros

da uniatildeo de facto Eacute a soluccedilatildeo prevista no artigo 2ordm da LUF que reproduz nas suas aliacuteneas

o disposto no artigo 1601ordm e 1602ordm CCiv obstando agrave constituiccedilatildeo de uma uniatildeo de facto

juridicamente protegida impedimentos relacionados com a idade dos companheiros a

existecircncia de uma demecircncia notoacuteria mesmo com intervalos luacutecidos e situaccedilatildeo de

acompanhamento de maior se assim estabelecer a sentenccedila que a haja decretado salvo se

posteriores ao iniacutecio da uniatildeo a ocorrecircncia de casamento anterior natildeo dissolvido exceto se

tiver sido decretada a separaccedilatildeo de pessoas e bens o parentesco na linha reta ou no 2ordm grau

da linha colateral ou afinidade na linha reta e a condenaccedilatildeo anterior de uma das pessoas

como autor ou cuacutemplice por homiciacutedio doloso ainda que natildeo consumado contra o cocircnjuge

do outro Os factos expostos estorvam apenas a produccedilatildeo de efeitos favoraacuteveis da uniatildeo de

facto ou seja a atribuiccedilatildeo de direitos ou benefiacutecios natildeo deveraacute ser intenccedilatildeo do legislador

que a uniatildeo de facto mesmo que afetada por algum dos impedimentos seja considerada

irrelevante juridicamente quando estatildeo em causa interesses legiacutetimos de terceiros ou quando

surjam consequecircncias como a presunccedilatildeo de paternidade relativamente ao homem7374

Em relaccedilatildeo aos efeitos pessoais por natildeo assumirem nenhum compromisso natildeo

estatildeo os membros da uniatildeo de facto vinculados aos deveres conjugais que os artigos 1671ordm

72 Uma vez que natildeo estaacute mencionada no acircmbito do art 1ordm do Coacutedigo do Registo Civil norma que consagra as

situaccedilotildees em que o registo civil eacute obrigatoacuterio no nosso ordenamento juriacutedico 73 Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 141 74 O elenco dos impedimentos agrave produccedilatildeo dos efeitos favoraacuteveis agrave uniatildeo de facto que constam no artigo 2ordm da

LUF foi corrigido e adaptado para evitar uma excessiva ligaccedilatildeo agraves soluccedilotildees postuladas no artigo 1601ordm CCiv

Sobre as correccedilotildees mais detalhadamente cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit pp 141-142

28

e 1672ordm CCiv impotildeem aos cocircnjuges75 Contudo a relaccedilatildeo pessoal que assumem permite-

lhes adotar um filho nos mesmos termos que os cocircnjuges por forccedila do artigo 7ordm da LUF

desde que a relaccedilatildeo dure haacute mais de quatro anos e ambos tiverem mais de 25 anos

independentemente do seu sexo Releva tambeacutem para efeitos de aquisiccedilatildeo de nacionalidade

desde que o estrangeiro que viva em uniatildeo de facto com nacional portuguecircs haacute mais de trecircs

anos e tenha reconhecimento judicial da situaccedilatildeo de facto declare que quer adquirir

nacionalidade portuguesa (artigo 3ordm nordm 3 Lei da Nacionalidade - Lei nordm 3781 de 03 de

Outubro) No que respeita aos filhos nascidos das uniotildees de facto nas accedilotildees de investigaccedilatildeo

de paternidade presume-se a paternidade quando tenha havido comunhatildeo duradoura de vida

entre a matildee e o pretenso pai no periacuteodo legal de concepccedilatildeo por forccedila do artigo 1871ordm CCiv

Quanto ao exerciacutecio das responsabilidades parentais no caso de comunhatildeo duradoura de

vida em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges ou concubinato duradouro o artigo 1911ordm nordm

1 CCiv determina a aplicaccedilatildeo do previsto nos artigos 1901ordm e 1904ordm CCiv que corresponde

ao regime que vigora quando os progenitores satildeo casados Jaacute no caso de dissociaccedilatildeo familiar

o mesmo artigo remete para aplicaccedilatildeo do disposto nos artigos 1905ordm a 1908ordm CCiv normas

atinentes ao divoacutercio separaccedilatildeo de pessoas e bens ou declaraccedilatildeo de nulidade ou anulaccedilatildeo do

casamento Como se pode ver os filhos nascidos de uniatildeo de facto tal como quaisquer outros

nascidos fora do casamento estatildeo equiparados aos nascidos dentro do mesmo por forccedila do

disposto no nordm 4 do artigo 36ordm da CRP76

Como jaacute haviacuteamos referido a uniatildeo de facto natildeo permite a aplicaccedilatildeo de um regime

de bens nem das regras que disciplinam as relaccedilotildees patrimoniais dos cocircnjuges como a

administraccedilatildeo de bens e regime de responsabilidade por diacutevidas sendo de aplicar entre os

unidos o regime geral das relaccedilotildees obrigacionais e reais77 De acordo com as regras do direito

comum cada um dos membros da uniatildeo de facto pode vender bens moacuteveis ou imoacuteveis dar

ou tomar de arrendamento um imoacutevel ou contrair diacutevidas podem entre eles celebrar

contratos de compra e venda de locaccedilatildeo de depoacutesito de comodato de muacutetuo entre outros

pois o artigo 1714ordm CCiv que impede a celebraccedilatildeo de certos contratos entre os cocircnjuges natildeo

eacute aplicaacutevel agraves relaccedilotildees de uniatildeo de facto Acrescem a estes os que expusemos anteriormente

relativamente a esta mateacuteria aquando da distinccedilatildeo entre o regime do casamento e o regime

75 Natildeo estabelecem relaccedilotildees de afinidade com os parentes do outro natildeo podem adotar o apelido um do outro

possibilidade que eacute concedida aos cocircnjuges por virtude do artigo 1677ordm CCiv 76 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 81 77 Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoUniatildeo de Facto em Portugalrdquo obcit p 120

29

da uniatildeo de facto no ponto 31 e ainda sucintamente importa referir como efeito

patrimonial da uniatildeo de facto a extensatildeo a esta do artigo 1691ordm al b) CCiv que prevecirc a

responsabilidade dos cocircnjuges pelas diacutevidas contraiacutedas por qualquer dos cocircnjuges antes ou

depois da celebraccedilatildeo do casamento para ocorrer aos encargos normais da vida familiar

equiparando nesta mateacuteria o conceito de uniatildeo de facto como a comunhatildeo de leito mesa e

habitaccedilatildeo aos casamentos e protegendo a confianccedila de terceiros que com eles contratem e

confiem nessa aparecircncia de vida matrimonial78 A niacutevel patrimonial a uniatildeo de facto atribui

ao unido sobrevivo por forccedila do artigo 2020ordm nordm 1 o direito de exigir alimentos da heranccedila

do falecido poreacutem esse direito caduca se natildeo for exercido nos dois anos posteriores agrave data

da morte do autor da sucessatildeo (nordm 2) e se o alimentado casar iniciar uma relaccedilatildeo de uniatildeo

de facto ou se tornar indigno do benefiacutecio pelo seu comportamento moral por forccedila do nordm 3

do artigo 2020ordm e do artigo 2019ordm CCiv Resta em uacuteltimo lugar dizer que em mateacuteria fiscal

nomeadamente no que respeita ao imposto sobre o rendimento o artigo 3ordm al d) da LUF

torna aplicaacutevel aos membros da uniatildeo de facto o regime atribuiacutedo aos sujeitos passivos natildeo

separados de pessoas e bens nessa mateacuteria

78 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 34

30

5 O problema da prova da coabitaccedilatildeo

51 Consideraccedilotildees gerais

Expostos os efeitos a que a constituiccedilatildeo da uniatildeo de facto daacute origem urge abordar

a problemaacutetica que a este estudo interessa o problema da prova da relaccedilatildeo de uniatildeo de facto

nomeadamente a prova da coabitaccedilatildeo Apesar de natildeo existir como vimos uma exigecircncia de

forma para a constituiccedilatildeo da uniatildeo de facto e prevalecer entre noacutes um modelo faacutectico79-

bastando que se verifiquem os requisitos factuais para que a convivecircncia seja protegida - eacute

exigido aos seus membros que provem a sua convivecircncia se pretenderem beneficiar de

determinados direitos

Ora a opccedilatildeo do legislador tem sido contraacuteria agrave formalizaccedilatildeo da uniatildeo de facto o

que natildeo facilita a demonstraccedilatildeo dos factos exigidos pela lei para aferir a sua relevacircncia

juriacutedica Portanto a dificuldade dessa prova adveacutem natildeo soacute desta relaccedilatildeo natildeo estar sujeita a

nenhum tipo de solenidade ou publicidade na sua constituiccedilatildeo por natildeo implicar a sujeiccedilatildeo

ao registo civil ou administrativo80 mas tambeacutem por natildeo haver em regra uma prova preacute-

constituiacuteda81 diferentemente do que sucede com o casamento estando nas matildeos dos

cocircnjuges a possibilidade de requerer a qualquer momento uma certidatildeo de casamento

A respeito da prova da uniatildeo de facto no acircmbito juriacutedico-civil recorde-se o regime

geral do oacutenus da prova previsto no artigo 342ordm CCiv que atribui a quem pretende invocar

um direito provar os factos que o constituem Isto eacute se um dos membros da uniatildeo de facto

pretender beneficiar da proteccedilatildeo juriacutedica conferida agrave uniatildeo de facto precisaraacute de demonstrar

a realidade dos factos que invoca para preenchimento dos pressupostos estabelecidos Nesta

mateacuteria tambeacutem satildeo aplicaacuteveis as normas gerais do oacutenus da prova a terceiro que pretenda

fundar um direito na uniatildeo de facto recaindo sobre ele o oacutenus de provar os factos que

consubstanciam o direito que alega Porquanto se vecirc que a prova de que se vive numa

79 Cfr ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoA convivecircncia laquomore uxorioraquo um olhar sobre o regime portuguecircs francecircs

e alematildeordquo in Direito Constitucional e o seu papel na construccedilatildeo do cenaacuterio juriacutedico global dir IRENE

PORTELA IPCA 1ordf Ed 2016 p 121 A uniatildeo de facto eacute uma realidade de convivecircncia continuada sem

qualquer forma exigida Natildeo existe a sujeiccedilatildeo a registo da uniatildeo de facto Ou seja a uniatildeo de facto no nosso

sistema natildeo se constitui consolida-se com o tempo ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoUNIAtildeO de facto versus

Casamento ndash Questotildees pessoais e patrimoniaisrdquo Gestlegal 1ordm ed 2019 p 158 80 O que natildeo permite saber com certeza a data a partir da qual se comeccedilam a contar os dois anos necessaacuterios agrave

produccedilatildeo de efeitos 81 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 72

31

situaccedilatildeo anaacuteloga agrave dos cocircnjuges pode revelar-se sinuosa e por isso eacute relevante desenvolver

essa mateacuteria no presente estudo

Nesta senda o artigo 2ordm-A nordm 1 da LUF prevecirc que a prova da uniatildeo de facto se faz

por qualquer meio legalmente admissiacutevel salvo se disposiccedilatildeo legal ou regulamentar exija

prova documental especiacutefica A prova seraacute maioritariamente testemunhal contudo natildeo se

deve excluir a possibilidade de prova documental ao realizar uma interpretaccedilatildeo extensiva

do termo vida previsto no artigo 34ordm nordm 1 do Decreto-Lei nordm 13599 de 22 de Abril que

regula a forma como atestados de residecircncia vida e situaccedilatildeo econoacutemica dos cidadatildeos

devem ser passados pelas Juntas de Freguesia82 Ou ainda como sugerem FRANCcedilA PITAtildeO e

MARTA COSTA mobilizar accedilatildeo judicial de simples apreciaccedilatildeo (ou de mera declaraccedilatildeo)

positiva83 com a qual os membros pretenderiam apenas obter a declaraccedilatildeo da existecircncia de

um facto que assentava na comunhatildeo de cama mesa e habitaccedilatildeo por mais de dois anos84

Contudo esta soluccedilatildeo poderia comportar o risco de ser usada por um dos membros agrave revelia

do outro com vista ao aproveitamento dos efeitos favoraacuteveis da uniatildeo mesmo que esta jaacute

esteja extinta Eacute precisamente por esta razatildeo que NUNO COSTA MAURIacuteCIO85

rejeita o recurso

a esta accedilatildeo pelos unidos Crecirc que natildeo eacute a soluccedilatildeo para a dificuldade da prova da uniatildeo de

facto devido aos problema que podiam advir da falta de controlo judicial da extinccedilatildeo da

uniatildeo de facto que consistiriam na possibilidade de um ou ambos os unidos continuarem a

usufruir de efeitos favoraacuteveis de uma situaccedilatildeo que jaacute se extinguiu

Poderaacute entatildeo fazer-se a prova documental atraveacutes de uma declaraccedilatildeo emitida pela

Junta de Freguesia competente sendo que esse documento deve ser acompanhado da

declaraccedilatildeo de ambos os membros conviventes que sob compromisso de honra afirmam que

vivem em uniatildeo de facto haacute mais de dois anos e da coacutepia das suas certidotildees de nascimento

Poreacutem a veracidade deste documento pode por vezes ser posta em causa e natildeo fazer prova

plena por natildeo se tratar normalmente de facto atestado com base nas perceccedilotildees da entidade

82 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p74 83 Cfr MARTA COSTA ob cit p387 FRANCcedilA PITAtildeO ldquoUniotildees de Facto e Economia Comum de acordo com

a Lei nordm 232010 de 30 de agostordquo obcit p78 84 Tendo os requerentes de tal accedilatildeo de provar natildeo soacute a sua natildeo coabitaccedilatildeo nos termos e condiccedilotildees previstos na

lei bem como a inexistecircncia de qualquer um dos impedimentos previstos no art 2ordm da LUF sob pena de a

decisatildeo judicial natildeo poder produzir nenhum efeito uacutetil Cfr FRANCcedilA PITAtildeO ldquoUniotildees de Facto e Economia

Comum de acordo com a Lei nordm 232010 de 30 de agostordquo obcit pp 78-79 85 Cfr NUNO COSTA MAURIacuteCIO ldquoO pecado mora ao ladordquo Um repensar da problemaacutetica juriacutedica das uniotildees

de facto e das relaccedilotildees patrimoniais entre unidos de facto Tese de Mestrado em Ciecircncias Juriacutedico-Civiliacutesticas

Faculdade De Direito Da Universidade De Coimbra Outubro 2000 p 76

32

documentadora86 Efetivamente o documento soacute prova que os interessados fizeram perante

o funcionaacuterio a afirmaccedilatildeo de que conviviam em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges desde

determinada data todavia natildeo quer dizer que natildeo se possa pocircr em causa a veracidade dessa

afirmaccedilatildeo87 Qualquer interessado pode demonstrar que o facto natildeo eacute verdadeiro por alegar

que a uniatildeo de facto natildeo existiu ou natildeo teve lugar durante o periacuteodo mencionado pelos

declarantes88 Ou seja o disposto no artigo 2ordm-A n ordm1 da LUF traduz-se apenas na

possibilidade que os unidos tecircm de apresentar documentos para demonstrarem os

pressupostos que permitem atribuir relevacircncia juriacutedica agrave uniatildeo de facto pois essa norma natildeo

confere qualquer valor probatoacuterio a tais documentos Posto isto o documento emitido pela

Junta de Freguesia natildeo eacute suficiente para demonstrar a existecircncia da uniatildeo de facto porquanto

a LUF natildeo exige apenas a alegaccedilatildeo de que duas pessoas vivem juntas haacute mais de dois anos

ou que natildeo se verifique nenhum dos impedimentos agrave constituiccedilatildeo da relaccedilatildeo eacute essencial

ainda que provem a sua coabitaccedilatildeo89

O nordm 5 do artigo 2ordm-A adverte tambeacutem para as sanccedilotildees penais que as falsas

declaraccedilotildees poderatildeo causar Como prova documental eacute um meio de prova fraacutegil e suscetiacutevel

de fraude esta norma funciona como advertecircncia que visa promover a conformidade entre

as declaraccedilotildees que os sujeitos fazem e a realidade que por eles eacute vivida esperando que a

ameaccedila da aplicaccedilatildeo de uma sanccedilatildeo penal iniba a alegaccedilatildeo de falsas declaraccedilotildees Tendo em

conta que o interesse da demonstraccedilatildeo dos requisitos que permitem atribuir relevacircncia

juriacutedica agrave situaccedilatildeo de facto eacute com o objetivo de se produzirem factos favoraacuteveis aos

86 Art 371ordm nordm 1 CCiv Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 72 87 Vide neste sentido o Acoacuterdatildeo do TCA Norte de 13-11-2020 proferido no acircmbito do processo nordm

00090151BECBR Natildeo oferece qualquer controveacutersia quer em sede doutrinal quer jurisprudencial que natildeo

sendo arguida a falsidade do documento autecircntico este faz prova plena dos factos praticados pela entidade

documentadora de sorte que tudo o que o documento referir como tendo sido praticado por essa entidade

tudo o que segundo o documento seja obra do seu Autor e bem assim tudo o que tenha sido percecionado

pelo mesmo tem de ser aceite como exato Assim as declaraccedilotildees que constam no documento como tendo sido

feitas perante a entidade documentadora ou seja o declarado perante a uacuteltima e que essa entidade ouviu

atraveacutes dos seus sentidos em consonacircncia com a parte final do nordm 1 do art 371ordm do CC beneficiam da prova

plena inerente agrave forccedila probatoacuteria conferida pelo oficial puacuteblico Deste modo se o presidente de junta consigna

no texto do atestado que a requerente e as referidas testemunhas declararam que ldquo(a) mesmo(a) residia haacute

mais de dois anos com o falecido A seu companheiro(a) ateacute agrave data de oacutebito (hellip)rdquo tem-se como plenamente

provado que essa declaraccedilatildeo foi efetivamente feita perante o presidente de junta de freguesia Mas tatildeo soacute Eacute

que daiacute natildeo decorre que a forccedila probatoacuteria desse atestado respeite a tudo o que nele se conteacutem A verdade

dos factos a que se reportam as declaraccedilotildees emitidas e que constam desse documento autecircntico- no caso o

atestado emitido pelo presidente de junta de freguesia- ficam sujeitas agrave livre apreciaccedilatildeo do julgador 88 Cfr JORGE DUARTE PINHEIRO ob cit p 529 89 Isto eacute que vivem em ldquouniatildeo de factordquo Cfr RITA LOBO XAVIER ldquoEstatuto Privadordquo dos membros da Uniatildeo

De Factordquo obcit p1518 E ainda sobre a importacircncia da coabitaccedilatildeo cfr FRANCcedilA PITAtildeO ldquoOs novos

casamentos ou a crise do casamento tradicional no direito portuguecircs ob cit p66

33

declarantes estaraacute sempre em causa a credibilidade de tais declaraccedilotildees que estaratildeo sujeitas

ao confronto com as demais provas e ao princiacutepio da livre apreciaccedilatildeo da prova90 acabando

por serem mais crediacuteveis as declaraccedilotildees feitas em detrimento dos declarantes91 A norma em

causa pretende apenas facilitar a demonstraccedilatildeo dos factos que satildeo considerados como

pressupostos da atribuiccedilatildeo de relevacircncia juriacutedica agrave uniatildeo de facto uma vez que a lei natildeo

adotou ainda um registo oficial desta relaccedilatildeo Cremos que a intenccedilatildeo do legislador foi libertar

os membros da uniatildeo de facto de terem de obter declaraccedilatildeo judicial para certificar a sua

convivecircncia respeitando a liberdade inerente a quem opta por este tipo de relaccedilatildeo Todavia

este eacute um tema controvertido e vem sido debatido na doutrina a possibilidade de registo da

uniatildeo de facto como forma de conferir publicidade a estas relaccedilotildees findar os problemas

relativos agrave sua prova e de colmatar esta que pode ser considerada uma das lacunas presentes

no regime juriacutedico portuguecircs da uniatildeo de facto Haacute quem entenda que uma vez que a uniatildeo

de facto se trata na maioria das vezes de uma opccedilatildeo de vida de acordo com a autonomia da

vontade de quem por ela optou o legislador deve respeitar essa escolha e intervir apenas se

necessaacuterio legislando somente em alguns aspetos pontuais92 Devendo quanto ao resto

abster-se e confiar na capacidade de autorregulamentaccedilatildeo dos membros da uniatildeo de facto

Neste seguimento o Bloco de Esquerda apresentou o Projeto de Lei n ordm45VIII93

que visava alterar a Lei nordm 13599 de 28 de Agosto Atraveacutes deste projeto apresentou

soluccedilotildees no que diz respeito agrave prova e ao registo da uniatildeo de facto94 sugerindo que o artigo

2ordm-A passasse a tratar da forma como a uniatildeo de facto eacute constituiacuteda que seria atraveacutes de

registo na junta de freguesia da aacuterea de residecircncia das pessoas em uniatildeo de facto ou apoacutes

90 Cfr RITA LOBO XAVIER ldquoA Uniatildeo de Facto e a Lei Civil no Ensino de Francisco Manuel Pereira Coelho e

Legislaccedilatildeo Atualrdquo em Textos de Direito da Famiacutelia para Francisco Pereira Coelho Coimbra Imprensa da

Universidade de Coimbra 2016 p 684 91 Cfr RITA LOBO XAVIER ldquoEstatuto Privadordquo dos membros da Uniatildeo De Factordquo obcit p1519 92 Cfr HEINRICH HOumlRSTER ldquoDireito da Famiacutelia e Poliacutetica Socialrdquo Publicaccedilotildees Universidade Catoacutelica Porto

2001 pp71-72 Segundo este A o legislador adotando uma postura prudente deve apenas legislar quando

estejam em causa interesses de terceiros ou seja da comunidade ou quando haja a necessidade de proteger os

filhos Nestas situaccedilotildees defende que o legislador pode e deve intervir e que quando se trate de legislar em

mateacuteria de uniatildeo de facto espera que seja feito com cuidado e ponderaccedilatildeo 93 Consultaacutevel em

httpswwwparlamentoptActividadeParlamentarPaginasDetalheIniciativaaspxBID=6308 94 No seu art 2ordm previam o aditamento do artigo 2ordmA e 2ordm B art 2ordm-A1 A uniatildeo de facto eacute constituiacuteda a)

Por registo na junta de freguesia da aacuterea de residecircncia das pessoas em uniatildeo de facto ou b) Apoacutes dois anos

em plena comunhatildeo de vida sem necessidade de registo 2 As uniotildees de facto constituiacutedas por registo

conforme a aliacutenea a) do nordm 1 do presente artigo estatildeo imediatamente reguladas pela presente lei Art 2ordm-B

A uniatildeo de facto constituiacuteda por registo eacute dissolvida por vontade de pelo menos um dos seus constituintes

expressa junto aos serviccedilos de registo da junta de freguesia da aacuterea da residecircncia

34

dois anos em plena comunhatildeo de vida sem necessidade de registo passando as uniotildees de

facto constituiacutedas por registo a estar imediatamente reguladas pela LUF sem necessidade

do decurso do prazo de dois anos Este projeto previa tambeacutem no artigo 2ordm-B o registo da

dissoluccedilatildeo junto dos serviccedilos da junta de freguesia atraveacutes da declaraccedilatildeo de pelo menos um

dos unidos O Projeto de Lei n ordm45VIII do BE95 cumpriu os requisitos constitucionais e

regimentais necessaacuterios para ser apreciado pelo plenaacuterio da Assembleia da Reacutepublica

Contudo apoacutes a adoccedilatildeo por parte da Comissatildeo de Assuntos Constitucionais Direitos

Liberdades e Garantias de um texto de substituiccedilatildeo relativo aos projetos nordm 6VII de

iniciativa do partido Os Verdes ao nordm 45VIII do BE e ao nordm 115VII do PCP e apoacutes a

aprovaccedilatildeo com votos favoraacuteveis do PS do PCP e do BE e votos contra do PSD do CDS-

PP e da Deputada Maria do Rosaacuterio Carneiro (PS) relativamente a cada artigo do texto de

substituiccedilatildeo os representantes na Comissatildeo dos Grupos Parlamentares do PCP e do BE bem

como a Srordf Deputada Isabel Castro (Os Verdes) declararam retirar as respetivas iniciativas

legislativas em benefiacutecio do texto de substituiccedilatildeo adotado entrando em vigor a Lei nordm

72001 de 11 de Maio que adotou medidas de proteccedilatildeo das uniotildees de facto Vigorando com

as subsequentes alteraccedilotildees ateacute aos dias de hoje

Conveacutem frisar que a questatildeo do registo da uniatildeo de facto pode ser encarada como

incompatiacutevel com a proacutepria natureza informal da uniatildeo de facto Desde logo NUNO COSTA

MAURIacuteCIO defende que subjacente agrave necessidade do registo reside sempre uma ideia de

certeza juriacutedica a qual transportada para o acircmbito da uniatildeo de facto vai implicar que a sua

prova nunca possa ser feita atraveacutes de uma declaraccedilatildeo unilateral da parte interessada tendo

de passar por uma acreditaccedilatildeo um crivo de publicidade que traraacute consigo e proporcionaraacute a

terceiros a certeza juriacutedica de que aquelas duas pessoas vivem em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos

cocircnjuges96 Poreacutem acredita que apesar das vantagens da certeza e seguranccedila juriacutedicas

inerentes ao instituto do registo as desvantagens se afloram maiores Em virtude de no que

respeita aos elementos constitutivos da uniatildeo de facto onde o essencial eacute estar-se perante

uma convivecircncia estaacutevel e duradoura semelhante agrave dos cocircnjuges natildeo deve bastar o facto de

duas pessoas se dirigirem a uma conservatoacuteria de registo ou a outra entidade puacuteblica e

declararem viver em uniatildeo de facto sem se apurar a autenticidade dessas declaraccedilotildees

95 Bem como os projetos de lei nordm 6VIII da iniciativa do Partido Ecologista Os Verdes o nordm 105VIII da

iniciativa do Partido Socialista e o nordm 115VIII da iniciativa do Partido Comunista Portuguecircs 96 Cfr NUNO COSTA MAURIacuteCIO ldquoO pecado mora ao ladordquo ob cit p 81

35

Acrescenta ainda que ao fazerem depender a eficaacutecia juriacutedica da uniatildeo de facto da sua

inscriccedilatildeo no registo tornando ineficazes as uniotildees que natildeo estivessem inscritas estariam a

forccedilar os unidos que optaram por esta forma de convivecircncia exatamente para dispensar

qualquer formalidade a inscrever a sua relaccedilatildeo O que se traduziria numa adulteraccedilatildeo da

intencionalidade e natureza da uniatildeo de facto Ou mesmo que se configurasse um registo

livre e voluntaacuterio quem preferisse a natildeo inscriccedilatildeo natildeo teria acesso a um regime legal de

proteccedilatildeo da uniatildeo de facto ficando agrave margem da lei o que geraria uma nova discriminaccedilatildeo

Nota por uacuteltimo que a inscriccedilatildeo das uniotildees de facto se iria traduzir na prestaccedilatildeo de

consentimento a uma relaccedilatildeo de facto por parte dos dois sujeitos e assim sendo poderia

estar-se perante um novo tipo de casamento ainda que se trate de um casamento de segundo

grau97 Tal consideraccedilatildeo iria contra o espiacuterito de liberdade e natildeo formalismo que preside agrave

uniatildeo de facto98 Depreendendo que devido agraves desvantagens inerentes ao registo a

dificuldade da prova da uniatildeo de facto seria mais facilmente superada se se permitisse aos

unidos de facto ao abrigo do princiacutepio da livre disponibilidade convencionar as

regulamentaccedilatildeo das suas relaccedilotildees99

De outra banda MARTA COSTA considera que se fosse instituiacutedo o registo

obrigatoacuterio para que os conviventes pudessem beneficiar da tutela legislativa prevista as

dificuldades que advecircm da prova da uniatildeo de facto ficariam diminuiacutedas e sairiam

privilegiadas a seguranccedila juriacutedica e a liberdade dos conviventes que poderiam decidir se

pretendiam ser legislativamente tutelados ou se optariam por uma relaccedilatildeo meramente

factual Realccedila ainda que a instituiccedilatildeo do registo transformaria a uniatildeo de facto em relaccedilatildeo

de direito num instituto juriacutedico formal ainda que a sua tutela fosse diminuta100 Durante a

sua anaacutelise aproveita para refutar algumas das desvantagens que NUNO COSTA MAURIacuteCIO

aponta agrave inscriccedilatildeo da uniatildeo de facto no registo Primeiramente em relaccedilatildeo agrave dificuldade de

apurar a veracidade das declaraccedilotildees dos unidos a A crecirc que depende da opccedilatildeo legislativa

97 Atentando-se agrave diferenccedila de grau no que diz respeito ao nuacutemero de efeitos juriacutedicos que cada um produz

Cfr NUNO COSTA MAURIacuteCIO ldquoO pecado mora ao ladordquo ob cit p82 98 Eacute na procura do momento da conciliaccedilatildeo entre a autoridade e liberdade e entre o puacuteblico e o privado que

residem os fundamentos das intervenccedilotildees legislativas no acircmbito das relaccedilotildees juriacutedico-familiares que devem

repousar ou fundamentos de poliacutetica legislativa relativos agrave atribuiccedilatildeo de efeitos de direito agrave uniatildeo de facto

(hellip) e estaacute na base das intervenccedilotildees legislativas feitas em alguns paiacuteses e nas exigecircncias feitas pela doutrina

noutros com vista agrave definiccedilatildeo de um estatuto juriacutedico da uniatildeo de facto Cfr GERALDO DA CRUZ ALMEIDA

ob cit pp 185-193 99 Cfr NUNO COSTA MAURIacuteCIO ldquoO pecado mora ao ladordquo ob cit p83 100 Cfr MARTA COSTA ob cit p 394

36

Isto eacute se com a obrigatoriedade do registo o legislador decidir que a tutela da relaccedilatildeo fique

dependente da duraccedilatildeo da mesma esta duraccedilatildeo pode contar-se apoacutes o registo ou exigir-se o

decurso da mesma para que os conviventes possam inscrever a relaccedilatildeo no registo mantendo-

se a dificuldade de determinar o seu iniacutecio Se por outro lado a tutela da convivecircncia natildeo

ficar dependente da sua duraccedilatildeo natildeo teraacute de haver uma convivecircncia preacutevia podendo duas

pessoas que queiram conviver dirigirem-se a uma entidade competente e registar a

convivecircncia que podia jaacute existir ou iniciar-se nesse momento101 Relativamente ao facto de

os unidos que optaram pela uniatildeo de facto para se eximirem de qualquer formalidade se

verem obrigados a proceder ao registo da sua relaccedilatildeo para evitar que a sua uniatildeo seja

inexistente a A discorda afirmando que os unidos natildeo se veriam forccedilados a proceder ao

registo podendo preferir manter uma verdadeira uniatildeo de facto agrave qual continuariam a ser

atribuiacutedos ainda que poucos alguns direitos e deveres102 face agrave nossa ordem juriacutedica

defendendo que a obrigatoriedade do registo ao lado do instituto do casamento e da relaccedilatildeo

puramente de facto serviria melhor os interesses de uma sociedade pluralista103 A A

diverge ainda da ideia imputada pelo A de representar uma discriminaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos

conviventes que optem pela natildeo inscriccedilatildeo por natildeo beneficiarem do regime de proteccedilatildeo da

uniatildeo de facto No seu entendimento eacute antes o reflexo do respeito pela escolha dos unidos

de manterem a sua uniatildeo verdadeiramente factual Remata a sua apreciaccedilatildeo afirmando que

o que vai contra o espiacuterito de liberdade que preside agrave uniatildeo de facto natildeo eacute a prestaccedilatildeo de

consentimento a uma relaccedilatildeo de facto por parte dos unidos mas antes a aplicaccedilatildeo automaacutetica

de um regime juriacutedico aos conviventes ainda que pouco densificado aditando que a

instituiccedilatildeo do registo obrigatoacuterio proporcionaria vaacuterias possibilidades que dependeriam da

real vontade dos interessados

101 Cfr MARTA COSTA ob cit p 396 102 Cfr MARTA COSTA ob cit p 397 103 Cfr MARTA COSTA ob cit p 398

37

52 Comparaccedilatildeo com o regime de outros ordenamentos juriacutedicos na Uniatildeo

Europeia

De forma a completar o raciociacutenio ateacute aqui apresentado cumpre agora uma sucinta

anaacutelise do regime juriacutedico da uniatildeo de facto em vigor em alguns ordenamentos juriacutedicos

europeus bem como outras figuras que advieram da jurisdicionalizaccedilatildeo da convivecircncia more

uxorio104 Assim importa primeiramente discorrer umas breves notas sobre o regime geral

previsto em cada um dos ordenamentos particularmente no que respeita agrave constituiccedilatildeo da

uniatildeo de facto aos seus efeitos e o seu regime de prova para que possamos posteriormente

expor as nossas conclusotildees e possiacutevel proposta de soluccedilatildeo

521 Espanha

Jaacute em 1986 EDUARDO ESTRADA ALONSO refletia sobre o conceito juriacutedico da uniatildeo

de facto em Espanha definindo o conceito de unioacuten extramatrimonial como uma

convivecircncia diaacuteria que eacute desenvolvida habitualmente pelos casamentos de forma estaacutevel e

duradoura sugerindo que o prazo miacutenimo deveria ser de cinco anos para que pudessem ser

consideradas pelo Direito Admite que essa convivecircncia natildeo seja necessariamente no sentido

da coabitaccedilatildeo mas no sentido de que haja pelo menos uma vontade de estar juntos a fim de

evitar que as separaccedilotildees temporaacuterias e involuntaacuterias ndash por motivos profissionais ndash impeccedilam

a produccedilatildeo dos efeitos juriacutedicos pretendidos por essas uniotildees Entende que eacute uma uniatildeo que

dispensa qualquer formalidade para ser constituiacuteda e que implica o cumprimento espontacircneo

sem obrigaccedilatildeo juriacutedica dos deveres conjugais por parte dos membros devendo ser uma

relaccedilatildeo monogacircmica onde haacute a manutenccedilatildeo de relaccedilotildees sexuais sem exigecircncia que

procriem105

Apesar de em Espanha natildeo se encontrar definido o conceito juriacutedico de famiacutelia nem

se as uniotildees de facto se enquadram nesse conceito o Tribunal Constitucional Espanhol tem

vindo a pronunciar-se sobre essa sua inclusatildeo ou natildeo no artigo 391 da Constituiccedilatildeo

Espanhola106 Em 1990 na sentenccedila nordm 1841990 de 15 de Novembro107 o TCE defendeu

104 Expressatildeo usada para caracterizar uma convivecircncia semelhante agrave do marido e mulher ou seja segundo os

costumes matrimoniais 105 Cfr EDUARDO ESTRADA ALONSO ob cit pp 52-73 106 1 Los poderes puacuteblicos aseguran la proteccioacuten social econoacutemica y juriacutedica de la familia Constituiccedilatildeo

Espanhola consultaacutevel em

httpswwwtribunalconstitucionalesestribunalnormativaNormativaCEportuguC3A9spdf 107 Sobre a importacircncia desta sentenccedila cfr JUAN FORNEacuteS ldquoMatrimonio y uniones de hechordquo Ius Canonicum

XL n ordm80 2000 p 404

38

que este tipo de convivecircncia natildeo encontrava previsatildeo no artigo 391 da Constituiccedilatildeo

Espanhola sugerindo que este artigo estava reservado agrave proteccedilatildeo da famiacutelia num ambiente

marital e pela existecircncia de filhos natildeo obstante as parejas de hecho poderem ser protegidas

constitucionalmente atraveacutes da mobilizaccedilatildeo do artigo 101 que postula o direito ao

desenvolvimento da personalidade108 Contrariamente o magistrado GIMENO SENDRA do

TCE sustentou num voto particular nessa sentenccedila a diferenciaccedilatildeo entre a famiacutelia e o

casamento afirmando que a constituiccedilatildeo espanhola previa duas situaccedilotildees distintas o artigo

391 consagrava a proteccedilatildeo da famiacutelia e o artigo 321109 previa a defesa do matrimoacutenio assim

protegendo o artigo 391 no solo a la famiacutelia como institucioacuten juriacutedica sino tambieacuten la

familia como realidad natural por lo que junto a la familia matrimonial tambieacuten han de

merecer proteccioacuten constitucional las denominadas uniones conyugales de hecho110 Em

1992 nesta mesma linha de pensamento na sentenccedila nordm 22292 de 11 de Dezembro o TCE

salientou que o artigo 39 da Constituiccedilatildeo Espanhola protege natildeo soacute a famiacutelia matrimonial

mas tambeacutem a natildeo matrimonial e assim as relaccedilotildees de convivecircncia constituiriam relaccedilotildees

familiares independentemente de terem filhos ou natildeo cabendo no acircmbito de incidecircncia

desse artigo Posteriormente em 28 de Fevereiro de 1994 na sentenccedila nordm 6694 o mesmo

tribunal voltou ao entendimento sufragado em 1990 defendendo a natildeo equivalecircncia entre

casamento e uniatildeo de facto para efeitos do artigo 39 Por fim este entendimento foi reiterado

na sentenccedila nordm 3998 de 17 de Fevereiro de 1998 e a 17 de Junho de 1999 com a sentenccedila

nordm 11699111 foi aceite a posiccedilatildeo defendida pela magistrado GIMENO SENDRA Assim

determinou o Tribunal Constitucional Espanhol que o artigo 391 natildeo identifica que a famiacutelia

que visa proteger eacute a que tem origem no casamento existindo outras modalidades de vida

familiar a par do casamento que refletem una sociedad plural Aleacutem da jurisprudecircncia

tambeacutem a doutrina tem divergido sobre a amplitude de aplicaccedilatildeo deste preceito

constitucional Atualmente o entendimento maioritaacuterio parece estar mais favoraacutevel agrave

inclusatildeo da convivecircncia more uxorio no artigo 391112

108 Tal como recorde-se eacute defendido em Portugal por alguns autores 109 1 El hombre y la mujer tienen derecho a contraer matrimonio con plena igualdad juriacutedica 110 Cfr MARTA COSTA ob cit p 111 111 Cfr JUAN FORNES ob cit p403 112 Cfr JOSEacute RAMOacuteN DE VERDA Y BEAMONTE ldquoLa Ley 52012 de 15 de octubre de uniones de hecho

formalizadas de la Comunidad Valencianardquo Rev boliv de derecho nordm 19 enero 2015 p 772 El precepto

habla de ldquofamiliardquo y no de ldquofamilia legiacutetimardquo (o ldquomatrimonialrdquo) por lo que la proteccioacuten que el precepto

otorga a la familia no debe identificarse necesariamente con la que tiene origen en el matrimonio el cual se

39

Ora diferentemente do que sucede em Portugal o legislador espanhol natildeo se

ocupou de regular de forma uniforme o regime da uniatildeo de facto113 Ao inveacutes as

comunidades autoacutenomas espanholas no acircmbito das suas competecircncia legislativas114

adotaram ainda que de forma distinta regras proacuteprias que regulam este tipo de convivecircncia

natildeo matrimonial Desde logo a maioria qualifica a convivecircncia more uxorio como relaccedilatildeo

familiar Pode ler-se na Ley Foral 62000 de 3 de julio da Comunidade Foral de Navarra

ora revogada115 no seu artigo 2 que ningueacutem pode ser discriminado em razatildeo do grupo

familiar de que faz parte quer seja proveniente de filiaccedilatildeo casamento ou uniatildeo de duas

pessoas que convivam em relaccedilatildeo afetiva semelhante independentemente da sua orientaccedilatildeo

sexual Esta disposiccedilatildeo foi reproduzida por leis de outras Comunidades como as Astuacuterias

Extremadura e Andaluzia116 Contrariamente outras comunidades como as Ilhas Baleares

natildeo as qualificam dessa forma No artigo 3 da Ley 182001 de 19 de diciembre prevecirc-se

que a formaccedilatildeo de uniatildeo de facto natildeo gere relaccedilatildeo de parentesco entre cada um de seus

membros e os familiares do outro Contudo na exposiccedilatildeo de motivos da dita lei eacute chamado

agrave colaccedilatildeo o artigo 391 da constituiccedilatildeo espanhola em nome da proteccedilatildeo social econoacutemica e

juriacutedica da famiacutelia indicando que essa norma natildeo visa proteger apenas um modelo de

famiacutelia sendo necessaacuterio fazer uma interpretaccedilatildeo ampliada desse conceito de acordo com a

realidade social A exposiccedilatildeo de motivos estabelece ainda que o artigo 32 ao prever o direito

de contrair matrimoacutenio tambeacutem prevecirc o direito a natildeo o fazer o que natildeo prejudica o direito

de todos os homens e mulheres de constituir por meio de uma uniatildeo efetiva e estaacutevel uma

comunhatildeo de vida que com ou sem filhos implique a constituiccedilatildeo de uma famiacutelia

regula en un precepto especiacutefico (art 32 CE) y en capiacutetulo diverso No mesmo sentido LUIS PEacuteREZ

FERNAacuteNDEZ ldquoLas Uniones Extramatrimoniales En Espantildea iquestEs Necesaria Su Regulacioacutenrdquo in Revista Juriacutedica

de Astuacuterias nordm 40 2017 p162 En nuestros diacuteas tanto matrimonio como la unioacuten extramatrimonial pueden

constituir una familia y estaacuten amparados por la misma proteccioacuten social econoacutemica y juriacutedica del artiacuteculo

391 de la Constitucioacuten espantildeola cuyo tenor literal establece laquoLos poderes puacuteblicos aseguran la proteccioacuten

social econoacutemica y juriacutedica de la familiaraquo 113 Ou concubinato parejas de hecho parejas cohabitantes uniones de hecho uniones libres convivencias

no matrimoniales matrimonios laquosin papelesraquo convivencias prenupciales () CfrGERARDO MEIL

LANDWERLIN ldquoLas uniones de hecho en Espantildeardquo Madrid Centro de Investigaciones Socioloacutegicas 2003 p

26 114 Cfr MARTA COSTA ob cit p 349 115 Lei original consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2000-16373 modificada e

atualizada pela Ley Foral 212019 de 4 de abril consultaacutevel em httpswwwboeeselies-

nclf2019040421 116 Respetivamente Ley 42002 de 23 de mayo de Parejas Estables Ley 52003 de 20 de marzo de parejas

de hecho de la Comunidad Autoacutenoma de Extremadura Ley 52002 de 16 de diciembre de Parejas de Hecho

40

Ademais assiste-se a uma coexistecircncia entre uniones extramatrimoniales

formalizadas e as puramente faacutecticas117 o que se reflete nos meios probatoacuterios No

ordenamento juriacutedico espanhol satildeo aceitaacuteveis todos os meios de prova que sejam admitidos

nos termos gerais do direito A exigecircncia da aparecircncia externa da convivecircncia entre unidos

de facto tem estreita relaccedilatildeo com a prova da mesma mostrando-se a jurisprudecircncia flexiacutevel

ao considerar suficientes para esse efeito as declaraccedilotildees dos conviventes ou seja a prova

testemunhal sem que documentos de caraacuteter administrativo a possam pocircr em causa As

disposiccedilotildees do acircmbito estatal natildeo precisam os requisitos pessoais nem as formas de

constituiccedilatildeo da uniatildeo de facto118 Jaacute no que toca ao direito regional prevalece a diversidade

havendo leis que admitem todos os meios de prova e outras que sendo mais restritivas

requerem o registo obrigatoacuterio Um exemplo de lei que admite qualquer meio de prova

admissiacutevel no direito eacute a Ley 42002 de 23 de mayo do principado das Astuacuterias119 A

Comunidade de Andaluzia prevecirc a possibilidade da declaraccedilatildeo de vontade de constituir uma

pareja de hecho mediante el otorgamiento de escritura puacuteblica o por cualquier otro medio

de prueba admisible en Derecho120 Jaacute comunidades como Extremadura121 Ilhas Baleares122

Cantaacutebria123 e Paiacutes Vasco124 exigem a inscriccedilatildeo das uniotildees de facto no registo para a sua

constituiccedilatildeo e por conseguinte como forma de provar a relaccedilatildeo Na comunidade de

Aragatildeo125 prevecirc-se a inscriccedilatildeo da relaccedilatildeo no registo administrativo podendo provar-se a

existecircncia da relaccedilatildeo se natildeo houver escritura puacuteblica por qualquer meio de prova admitido

no direito

117 Cfr NATALIA ALVAREZ LATA ldquoLas Parejas De Hecho Perspectiva Jurisprudencialrdquo Derecho Privado y

Constitucioacuten nordm 12 enero- diciembre 1998 p 15 118 Para mais desenvolvimentos no acircmbito de normas estatais cfr MARTA COSTA ob cit p 388 119 Art 3 n ordm3 La existencia de pareja estable o el transcurso del antildeo de convivencia podraacuten acreditarse

atraveacutes de cualquier medio de prueba admitido en Derecho

Consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2002-13017 120 Art 5 nordm 3 Consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2003-771 121 Art 4 da Ley 52003 de 20 de marzo consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-

2003-9450 122 Art1 nordm2 da Ley 182001 de 19 de diciembre consultaacutevel em

httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2002-917ampa=aamporden=conterefpost 123 Art 5 da Ley 12005 de 16 de mayo consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2005-

9402 124 Art 3 e 4 da Ley 22003 de 7 de mayo consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-

2011-18545 125 Ley 61999 de 26 de marzo derrogada pelo Decreto Legislativo 12011 de 22 de marzo consultaacutevel em

httpswwwboeesbuscardocphpid=BOA-d-2011-90007

41

Apoacutes a anaacutelise das soluccedilotildees que as comunidades autoacutenomas apresentam eacute de notar

a diversidade de caminhos que sugerem e que satildeo desconhecidos ao direito portuguecircs pelo

menos para jaacute

522 Franccedila

Tal como sucede em Espanha o ordenamento juriacutedico francecircs natildeo contempla uma

definiccedilatildeo de famiacutelia nem em termos constitucionais nem no Code Civil ou Code de la

Familie Tradicionalmente a doutrina tem vindo a definir famiacutelia como o grupo de pessoas

que estatildeo ligados por laccedilos fundados essencialmente pelo casamento e parentesco126 As

relaccedilotildees de concubinage natildeo cabem em princiacutepio neste conceito127 Poreacutem atualmente a

natureza familiar dos laccedilos criados pelo PACS tem sido questionada e ao receber resposta

afirmativa por parte da jurisprudecircncia eacute possiacutevel perceber-se que estaacute em curso uma

modificaccedilatildeo no que respeita agrave noccedilatildeo de famiacutelia apresentando-se cada vez menos riacutegida128

No Tiacutetulo XII no Code Civil encontramos as duas figuras que ocuparatildeo agora a

nossa anaacutelise o pacte civil de solidariteacute e le concubinage129 Em primeiro lugar o artigo

515-2 define o PACS como o contrato celebrado por duas pessoas singulares maiores de

idade do mesmo sexo ou de sexo diferente para organizarem a sua vida em comum Le

concubinage eacute definido pelo artigo 515-8 como uma uniatildeo de facto caracterizada por uma

vida comum de estabilidade e continuidade entre duas pessoas de sexo diferente ou igual

que vivem como um casal130 Importa frisar que esta relaccedilatildeo deve dispor alguns elementos

constitutivos que a possam qualificar como tal131 Entre os elementos suscetiacuteveis de

126 Por sua vez o Institut National De La Stastistique et des Etudes Economiques define que une famille est la

partie dun meacutenage comprenant au moins deux personnes et constitueacutee soit dun couple vivant au sein du

meacutenage avec le cas eacutecheacuteant son ou ses enfant(s) appartenant au mecircme meacutenage soit dun adulte avec son ou

ses enfant(s) appartenant au mecircme meacutenage (famille monoparentale)

Pour quune personne soit enfant dune famille elle doit ecirctre ceacutelibataire et ne pas avoir de conjoint ou denfant

faisant partie du mecircme meacutenage Consultaacutevel em httpswwwinseefrfrmetadonneesdefinitionc1465 127 Cfr ALAIN BENABENT lsquorsquoDroit de la famillersquorsquo LGDJ 4ordm ed 2018 p15 128 Idem 129Consultaacutevel

emhttpswwwlegifrancegouvfrcodessection_lcLEGITEXT000006070721LEGISCTA000006118360

LEGISCTA000006118360 130 O que implica certas consequecircncias legais para os indiviacuteduos que escolheram esta forma de conjugalidade

em oposiccedilatildeo ao casamento Enquanto o casal surgido do casamento estaacute sujeito a um conjunto de regras que

formam um estatuto natildeo existe um estatuto de coabitaccedilatildeo mesmo que a coabitaccedilatildeo seja marcada pela adesatildeo

contiacutenua agraves regras aplicaacuteveis aos cocircnjuges JACQUELINE RUBELLIN-DEVICHI ldquoDroit de la famillerdquo Paris

Dalloz 2001 XXXVII p 373 131 Cfr GERARD GOLDSTEIN lsquorsquoLa cohabitation hors mariage en droit international priveacutersquorsquo in Recueil des Cours

ndash Collected Courses Of The Hague Academy Of Internation Law Tomo 320 Martinus Nijhoff Publishers

2006 p 95

42

caracterizar como concubinage haacute alguns que consoante o caso satildeo particularmente

necessaacuterios em detrimento de outros Le concubinage natildeo se baseia apenas em relaccedilotildees

estaacuteveis e contiacutenuas que envolvem uma comunhatildeo de vida com coabitaccedilatildeo Aleacutem de haver

uma comunhatildeo de casa eacute ainda necessaacuterio que haja uma comunhatildeo de leito ou seja que

exista a manutenccedilatildeo de relaccedilotildees sexuais tal como no nosso ordenamento juriacutedico Aleacutem do

mais eacute importante que seja puacuteblica isto eacute conhecida por terceiros132

Quanto ao regime legal do concubinage este eacute inexistente Os efeitos do casamento

natildeo satildeo aplicaacuteveis agrave relaccedilatildeo de uniatildeo de facto no ordenamento juriacutedico francecircs A situaccedilatildeo

vivenciada pelos conviventes difere da dos cocircnjuges tanto do ponto de vista patrimonial

como do ponto de vista extrapatrimonial nomeadamente no que respeita aos direitos e

deveres conjugais previstos nos artigos 212ordm a 226ordm Code Civil133 Estes natildeo satildeo extensiacuteveis

aos membros da uniatildeo de facto pois a sua comunhatildeo de vida assenta num facto e nunca num

dever Independentemente da duraccedilatildeo da relaccedilatildeo os membros da uniatildeo de facto permanecem

juridicamente estranhos um ao outro natildeo gerando qualquer estado civil nem a possibilidade

de adotarem o nome do outro A situaccedilatildeo de facto estaacute no acircmbito pessoal isenta de qualquer

tipo de regulamento especiacutefico sendo regulada essencialmente pelo direito comum

Possibilitando que a sua rutura seja mais simples podendo qualquer dos membros pocircr fim agrave

relaccedilatildeo a todo o momento134 No tocante a efeitos patrimoniais natildeo existem efeitos diretos

ligados agrave uniatildeo de facto e natildeo haacute norma semelhante ao artigo 220ordm Code Civil135

relativamente ao regime do concubinage responsabilizando solidariamente os membros

pelas diacutevidas do outro No acircmbito fiscal os unidos declaram os seus rendimentos

separadamente sendo considerados individualmente Ao contraacuterio do casamento natildeo haacute o

dever de assistecircncia entre os conviventes e a existir eacute inteiramente voluntaacuterio Como foi

dito sem ser o regime primaacuterio natildeo existe um regime entre os conviventes como existe no

132 Atualmente natildeo eacute necessaacuteria a diferenccedila de sexos para que se possa qualificar a relaccedilatildeo como concubinage

sendo considerado da mesma forma quer se trate de pessoas do mesmo sexo ou de sexo diferente art 515-8

do Code Civil Para mais desenvolvimentos quanto aos elementos caracterizadores cfr JACQUELINE

RUBELLIN-DEVICHI ob cit p 375 133 Cfr BRIGITTE HESS-FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HELENE HESS ldquoDroit de la famillerdquo

ParisSirey DL 2009 XII p89 134 Cfr JACQUELINE RUBELLIN-DEVICHI ob cit p 391 135 1ordf parte Chacun des eacutepoux a pouvoir pour passer seul les contrats qui ont pour objet lentretien du meacutenage

ou leacuteducation des enfants toute dette ainsi contracteacutee par lun oblige lautre solidairement Cfr JEAN

CARBONNIER ob cit p 671

43

casamento Surgindo assim a tentativa de desenvolver na Franccedila inspirada por outros

ordenamentos os contratos de coabitaccedilatildeo que devem reger apenas aspetos patrimoniais

Contudo surgiram duacutevidas sobre a validade deste tipo de contratos no acircmbito do

direito francecircs Consideradas individualmente as claacuteusulas relativamente a aspetos

patrimoniais poderiam ser consideradas vaacutelidas todavia analisando a sua dinacircmica em

conjunto poderia tornar o contrato iliacutecito por dar forccedila obrigatoacuteria a uma espeacutecie de

casamento privado violando o monopoacutelio do Estado em mateacuteria de casamento136 A

permissatildeo de existecircncia destes contratos eacute excecional visto que a partir de 1999 os membros

da uniatildeo de facto puderam convencionar a sua relaccedilatildeo como entendiam atraveacutes do Pacto

Civil de Solidariedade

A prova do concubinage pode ser feita pelos membros ou por terceiros

Contrariamente ao que acontece no casamento em que os cocircnjuges podem facilmente provar

o seu estado civil atraveacutes da sua certidatildeo de casamento lavrada oficialmente pelo funcionaacuterio

do registo civil os conviventes natildeo dispotildeem de nenhuma prova preacute-constituiacuteda No entanto

por se tratar de um facto juriacutedico pode ser provado por qualquer meio de prova admissiacutevel

pelo direito nos termos gerais designadamente atraveacutes de certificados documentos

declaraccedilotildees de honra e ainda com o recurso agrave prova testemunhal137 A sua prova natildeo gera

em princiacutepio grande dificuldade para os membros dado que os organismos que exigem a

prova dessa convivecircncia impotildeem requisitos razoaacuteveis Caso diferente eacute a prova da

convivecircncia por terceiros que podem ver essa possibilidade limitada pelo direito agrave vida

privada do convivente por forccedila dos artigos 9 do Code Civil138 e 8ordm da CEDH139

O pacte civil de solidariteacute conhecido como PACS foi criado a 15 de novembro de

1999 pela lei nordm 99-944 contudo o atual conteuacutedo e estrutura do PACS natildeo eacute o que foi

inicialmente previsto pela referida lei devido agrave grande reforma que sofreu em 2006140 A

criaccedilatildeo deste instituto deveu-se essencialmente agrave necessidade dos casais do mesmo sexo

obterem reconhecimento puacuteblico da sua relaccedilatildeo visto que em 1999 soacute os casais

136 Cfr JEAN CARBONNIER ob cit p681 137 Cfr JACQUELINE RUBELLIN-DEVICHI ob cit p 389 MARTA COSTA ob cit p 390 BRIGITTE HESS-

FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HELENE HESS ob cit p 91 JEAN CARBONNIER ob cit

p775 138 Art 9 do Code Civil 1ordf parte Chacun a droit au respect de sa vie priveacutee 139 Cfr JACQUELINE RUBELLIN-DEVICHI ob cit p 387 MARTA COSTA ob cit p 390 140 Cfr ALBANA METAJ - STOJANOVA ldquoFrench Civil Partnership Contract (Pacs)rdquo South East European

University Vol 14 n ordm1 2019 p 136

44

heterossexuais poderiam optar pelo casamento ou pelo concubinage restando aos casais

homossexuais a uacuteltima alternativa141 Aleacutem disto o PACS veio igualmente satisfazer as

necessidades dos casais heterossexuais que pretendiam regular contratualmente a sua

relaccedilatildeo mas sem formalismo na sua constituiccedilatildeo permitindo-lhes organizar a sua vida

conjunta ndash podendo tratar-se por vezes de um ldquoensaiordquo para um futuro casamento ndash e em

caso de dissoluccedilatildeo evitar os procedimentos inerentes ao divoacutercio que podem ser longos e

dispendiosos142

Este instituto natildeo deve ser confundido nem com o casamento nem com o

concubinage143 O PACS tem bastante adesatildeo144 precisamente por se diferenciar do

casamento em alguns aspetos embora apresentem vaacuterias semelhanccedilas contratualmente o

primeiro natildeo se coaduna com a regulaccedilatildeo da vida familiar e dos filhos apenas a vida do

casal

141 Apenas a 17 de maio de 2013 com a lei 2013-404 foi garantida a possibilidade do casamento entre pessoas

do mesmo sexo 142 Cfr BRIGITTE HESS-FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HELENE HESS ob cit p78 143 Neste sentido sobre as diferenccedilas entre cada um destes trecircs regimes em concreto sobre a diferenccedila de

tratamento para atribuiccedilatildeo de pensatildeo de sobrevivecircncia vide Decisatildeo nordm 2011-155 QPC do Conseil

Constitutionnel de 29-07-2011 5 Consideacuterant en premier lieu que le concubinage est deacutefini par le seul

article 515-8 du code civil comme laquo une union de fait caracteacuteriseacutee par une vie commune preacutesentant un

caractegravere de stabiliteacute et de continuiteacute entre deux personnes de sexe diffeacuterent ou de mecircme sexe qui vivent en

couple raquo quagrave la diffeacuterence des eacutepoux les concubins ne sont leacutegalement tenus agrave aucune solidariteacute financiegravere

agrave leacutegard des tiers ni agrave aucune obligation reacuteciproque 6 Consideacuterant en deuxiegraveme lieu quen vertu de larticle

515-4 du code civil les partenaires lieacutes par un pacte civil de solidariteacute laquo sengagent agrave une vie commune ainsi

quagrave une aide mateacuterielle et une assistance reacuteciproques raquo que laquo si les partenaires nen disposent autrement

laide mateacuterielle est proportionnelle agrave leurs faculteacutes respectives raquo quen outre ils sont laquo tenus solidairement

agrave leacutegard des tiers des dettes contracteacutees par lun deux pour les besoins de la vie courante raquo quainsi

contrairement aux personnes vivant en concubinage les partenaires sont assujettis agrave des obligations

financiegraveres reacuteciproques et agrave leacutegard des tiers que toutefois les dispositions du code civil ne confegraverent aucune

compensation pour perte de revenus en cas de cessation du pacte civil de solidariteacute au profit de lun des

partenaires ni aucune vocation successorale au survivant en cas de deacutecegraves dun partenaire 7Consideacuterant en

troisiegraveme lieu que le reacutegime du mariage a pour objet non seulement dorganiser les obligations personnelles

mateacuterielles et patrimoniales des eacutepoux pendant la dureacutee de leur union mais eacutegalement dassurer la protection

de la famille que ce reacutegime assure aussi une protection en cas de dissolution du mariage 8 Consideacuterant

par suite que le leacutegislateur a dans lexercice de la compeacutetence que lui reconnaicirct larticle 34 de la Constitution

deacutefini trois reacutegimes de vie de couple qui soumettent les personnes agrave des droits et obligations diffeacuterents que la

diffeacuterence de traitement quant au beacuteneacutefice de la pension de reacuteversion entre les couples marieacutes et ceux qui

vivent en concubinage ou sont unis par un pacte civil de solidariteacute ne meacuteconnaicirct pas le principe deacutegaliteacute

Consultaacutevel em httpswwwconseil-constitutionnelfrdecision20112011155QPChtm 144 Para anaacutelise de alguns dados estatiacutesticos relativamente agrave evoluccedilatildeo do nuacutemero de PACS registados entre

2000 e 2007 Cfr BRIGITTE HESS-FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HEacuteLEgraveNE HESS ob cit

p78 Consultar httpswwwinseefrfrstatistiques2381498 para anaacutelise do nuacutemero de casamentos e PACS

em relaccedilotildees heterossexuais entre 1990 e 2019 sendo de realccedilar que em 2018 o nuacutemero de casamentos e de

PACS foi muito semelhante verificando-se uma diferenccedila de 28 mil casamentos em relaccedilatildeo aos PACS

Relativamente agraves relaccedilotildees homossexuais a diferenccedila eacute ainda menor sendo os dados quase equivalentes

45

Deve ainda obedecer a vaacuterias regras para a sua formaccedilatildeo Soacute pode ser celebrado

entre pessoas maiores de idade que natildeo sejam parentes em linha reta ou colateral ateacute ao

terceiro grau e que natildeo estejam casadas ou tenham celebrado PACS com outra pessoa145 A

sua celebraccedilatildeo deve cumprir as regras do direito comum contratual e natildeo deve ser contraacuterio

agrave ordem puacuteblica A forma sob a qual o acordo deve ser redigido eacute livre porque o artigo 515-

3 do Code Civil natildeo especifica a sua forma e os parceiros podem redigir eles proacuteprios ou

optar que a redaccedilatildeo seja feita por um notaacuterio Por conseguinte os parceiros satildeo livres de

escolher a forma do PACS podendo o acordo ser um ato autecircntico ou um ato privado

Terminada a redaccedilatildeo do acordo os parceiros devem fazer uma declaraccedilatildeo conjunta do

acordo devendo o notaacuterio do registo civil registar o pacto depois de verificar as condiccedilotildees

necessaacuterias para a conclusatildeo do acordo e mandar executar as formalidades de publicaccedilatildeo

previstas no artigo 515-3 Code Civil permitindo que seja oponiacutevel a terceiros Apoacutes a sua

vaacutelida formaccedilatildeo o PACS estaacute em condiccedilotildees de produzir efeitos na vida dos parceiros no

acircmbito pessoal146 e patrimonial regidos pelas disposiccedilotildees dos artigos 515-4 a 515-5-3 do

Code Civil147 Por uacuteltimo a dissoluccedilatildeo do PACS eacute muito mais simples do que a dissoluccedilatildeo

de casamento uma vez que existem apenas quatro situaccedilotildees cada uma das quais com um

procedimento para a dissoluccedilatildeo do mesmo tais como a rutura unilateral a rutura de comum

acordo por casamento dos membros ou de um deles e a morte de um dos membros Os

procedimentos que devem seguir cada uma destas circunstacircncias estatildeo previstos no artigo

515-7 do Code Civil

Sem embargo de todas as condiccedilotildees de forma que o PACS estaacute sujeito haacute algumas

incoerecircncias quanto ao seu regime de prova por terceiros148 Depois do registo do acordo eacute

entregue aos pactuantes um atestado de inscriccedilatildeo em que constam os seus nomes data e

lugar de nascimento e a data do registo do pacto natildeo sendo conservadas pelo notaacuterio as

convenccedilotildees que satildeo exibidas para serem assinadas e para ser verificadas as condiccedilotildees de

validade do acordo Porquanto se um terceiro quiser ter acesso ao conteuacutedo de um PACS

apenas poderaacute fazecirc-lo se pedir aos proacuteprios pactuantes salvaguardando assim o direito agrave

reserva da vida privada dos parceiros

145 Sob pena de nulidade art 515-2 Code Civil 146 Assentam essencialmente no compromisso de viverem em comunhatildeo de vida e de fornecerem ajuda e

assistecircncia muacutetua 147 Cfr BRIGITTE HESS-FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HEacuteLEgraveNE HESS ob cit p 85 148 Cfr MARTA COSTA ob cit p 390

46

53 O Acoacuterdatildeo do STJ de 22 de Marccedilo de 2018 processo

nordm6380169T8CBRC1 S1

Decidimos analisar este Acoacuterdatildeo por entendermos que representa de forma clara os

problemas que a prova da coabitaccedilatildeo causa Demonstrando que natildeo eacute uma questatildeo unacircnime

na jurisprudecircncia pois eacute objeto de decisotildees diacutespares natildeo deixando de ser bem

fundamentadas Em causa estaacute uma accedilatildeo em processo comum que tem como Autor o

Instituto da Seguranccedila Social nomeadamente o Centro Nacional de Pensotildees e como Reacute

quem alega ter mantido uma relaccedilatildeo de uniatildeo de facto com o beneficiaacuterio dessa pensatildeo ateacute

agrave data da morte deste Antes de mais urge atentar brevemente aos factos dados como

provados relevantes para a presente anaacutelise

A Reacute encetou um relacionamento amoroso com o falecido em 1991 passando a ter

relaccedilotildees sexuais e a fazer as refeiccedilotildees com o de cujos na casa onde este vivia Em 1996 a

Reacute passou a pernoitar na casa do de cujos de onde se ausentava nos fins de semana em que

a filha do beneficiaacuterio o visitava duas vezes por mecircs ou quando existia uma discussatildeo entre

o casal Manteve o arrendamento da sua casa para onde ia quando uma destas circunstacircncias

ocorriam suportando os encargos inerentes a esta manutenccedilatildeo Os sujeitos dividiam entre si

as despesas do supermercado e a Reacute acompanhava o beneficiaacuterio agraves consultas e agraves urgecircncias

do hospital sempre que necessaacuterio Na sequecircncia da morte do beneficiaacuterio a 14 de julho de

2015 a Reacute requereu a atribuiccedilatildeo das pensotildees devidas pela morte do mesmo invocando a sua

qualidade de unida de facto por ter vivido com o de cujos em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos

cocircnjuges desde 17 de Agosto de 1991 ateacute agrave sua morte Como prova da qualidade de unida

de facto apresentou atestado emitido pela Junta de Freguesia que certificava que esta residia

em comunhatildeo de mesa e habitaccedilatildeo com o beneficiaacuterio desde 1991 ateacute agrave data da sua morte

documentos exigidos pelo artigo 2ordm-A nordm 4 da LUF Contudo a filha do de cujos informou

o CNP de que a alegaccedilatildeo da Reacute natildeo era verdadeira pois esta sempre residiu em habitaccedilatildeo

distinta do beneficiaacuterio

Note-se que a demonstraccedilatildeo dos factos pressupostos para a relevacircncia juriacutedica da

uniatildeo de facto foi facilitada relativamente ao acesso agraves prestaccedilotildees do Estado no caso de

morte devido agrave possibilidade que eacute dada aos pretensos beneficiaacuterios de determinados

direitos (nomeadamente interessados que pretendam beneficiar dos efeitos previstos na lei

em face dos herdeiros do falecido artigo 2020ordm CCiv do senhorio artigo 1105ordm e 1106ordm

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CCiv das entidades responsaacuteveis pelo pagamento das prestaccedilotildees por morte artigo 6ordm nordm 2

da LUF) No que respeita ao acesso agraves prestaccedilotildees sociais em caso de morte o artigo 6ordm nordm2

da LUF prevecirc a possibilidade da entidade responsaacutevel pelo pagamento das prestaccedilotildees

previstas nas aliacuteneas e) f) g) do artigo 3ordm caso entenda que existem fundadas duacutevidas sobre

a existecircncia da uniatildeo de facto poder solicitar meios de prova complementares149 e se na

sequecircncia dessas diligecircncias subsistirem duacutevidas a entidade deve promover a competente

accedilatildeo judicial com vista agrave sua comprovaccedilatildeo Foi o que sucedeu no caso em apreccedilo tendo a

entidade responsaacutevel pelo pagamento das prestaccedilotildees sociais por morte - tratando-se do

Instituto da Seguranccedila Social nomeadamente o Centro Nacional de Pensotildees no caso que

estamos a analisar- proposto a competente accedilatildeo judicial150

No seguimento da interposiccedilatildeo desta accedilatildeo pelo ISS a Reacute respondeu afirmando que

durante 24 anos viveu em comunhatildeo de mesa cama e casa com o de cujos e alegou que natildeo

se desfez da sua casa por uma questatildeo de precauccedilatildeo O Tribunal da 1ordf instacircncia julgou a accedilatildeo

parcialmente procedente e julgou natildeo reconhecida a vivecircncia em situaccedilatildeo de uniatildeo de facto

entre a Reacute e o beneficiaacuterio A Reacute recorreu para o Tribunal da Relaccedilatildeo que a 2 de novembro

149 Designadamente declaraccedilatildeo emitida pela Autoridade Tributaacuteria e Aduaneira ou pelo Instituto dos Registos

e do Notariado I P onde se ateste que agrave data da morte os membros da uniatildeo de facto tinham domiciacutelio fiscal

comum haacute mais de dois anos ndash art 6ordm nordm 2 da LUF 150 No entender de RITA XAVIER ldquoA Uniatildeo de Facto e a Lei Civil no Ensino de Francisco Manuel Pereira

Coelho e Legislaccedilatildeo Atualrdquo ob cit p 685 deveraacute tratar-se de uma accedilatildeo de simples apreciaccedilatildeo negativa

(prevista no art 10ordm nordm 3 al a) CPC) que visa declarar que determinada pessoa natildeo beneficia ou natildeo tem um

certo direito E embora o oacutenus de propositura da accedilatildeo recaia sobre a entidade responsaacutevel pelo pagamento das

prestaccedilotildees sociais compete ao membro sobrevivo da uniatildeo de facto a prova dos factos constitutivos do seu

direito Vide Art 343ordm n ordm1 CCiv 1 Nas accedilotildees de simples apreciaccedilatildeo ou declaraccedilatildeo negativa compete ao

reacuteu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga E ainda a este propoacutesito vide Acoacuterdatildeo Tribunal

da Relaccedilatildeo de Coimbra de 16102012 proferido no acircmbito do processo nordm 50091TBALDC1 A accedilatildeo

declarativa de simples apreciaccedilatildeo negativa - ou seja uma accedilatildeo pela qual se procura ldquohellip obter unicamente a

declaraccedilatildeo da hellip inexistecircncia de um direito ou de um factordquo (artigo 4ordm nordm 2 al a) do CPC) - destina-se desde

logo a definir uma situaccedilatildeo juriacutedica tornada incerta - o demandante pretende reagir contra uma situaccedilatildeo de

incerteza que o impede de auferir todas as vantagens normalmente proporcionadas pela relaccedilatildeo juriacutedica

material que lhe causa um dano patrimonial ou moral apreciaacutevel (hellip) A causa de pedir nas accedilotildees de simples

apreciaccedilatildeo negativa consubstancia-se na inexistecircncia do direito e nos factos materiais pretensamente

cometidos pelo demandado que determinaram o estado de incerteza Em sentido inverso mais recentemente

vide o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 24-04-2019 proferido no acircmbito do processo

12025160T8LRSL1-2 (hellip) trata-se de uma acccedilatildeo proposta pelo ISS a pedir que o requerente comprove no

processo a existecircncia da situaccedilatildeo juriacutedica que se arroga O ISS natildeo nega que a uniatildeo de facto tenha existido

diz que tem duacutevidas sobre a sua existecircncia e por isso pede que o requerente seja chamado a comprovar a

existecircncia da situaccedilatildeo juriacutedica em causa Assim trata-se de uma acccedilatildeo de simples apreciaccedilatildeo positiva sui

generis em que a lei atribui ao reacuteu que se arrogou o direito em causa o oacutenus da prova dos factos constitutivos

dele embora natildeo negado pelo Autor O ISS natildeo deve no desenho da lei intentar a acccedilatildeo declarativa para se

declarar a inexistecircncia de uma situaccedilatildeo juriacutedica (o que o ISS natildeo alega nem nega pois que apenas tem

duacutevidas) mas sim para que o reacuteu comprove a existecircncia da situaccedilatildeo juriacutedica a que se arroga Se o reacuteu

conseguir provar os factos necessaacuterios a situaccedilatildeo juriacutedica eacute declarada existente caso contraacuterio natildeo o eacute

48

de 2017 revogou a sentenccedila recorrida e declarou improcedente a accedilatildeo do CNP reconhecendo

a convivecircncia de 24 anos como uma situaccedilatildeo uniatildeo de facto

Por sua vez o ISS interpocircs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiccedila

Nas suas alegaccedilotildees demonstrou a discordacircncia com a decisatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo por

entender que a tese do Tribunal de1ordf Instacircncia que defendia que o relacionamento da Reacute e

do de cujos natildeo revestia as caracteriacutesticas que o tornavam anaacutelogo ao dos cocircnjuges seria a

correta Defendem que apesar da Reacute e o de cujos terem mantido relaccedilotildees sexuais e esta

pernoitasse quase sempre na casa do mesmo ela mantinha a sua casa onde dormia

pontualmente e onde guardava os seus pertences o que indicava que natildeo sentia a morada

comum como sua Ademais embora fizessem refeiccedilotildees em comum natildeo havia comunhatildeo

patrimonial jaacute que as compras eram custeadas de forma alternada por um ou por outro e era

feita uma separaccedilatildeo bem definida das despesas inerentes a cada uma das casas

Na 2ordf Instacircncia o Tribunal da Relaccedilatildeo entendeu que natildeo era imprescindiacutevel que a

relaccedilatildeo de uniatildeo de facto natildeo fosse interrompida pela saiacuteda de um dos membros da morada

em comum quando ocorram desentendimentos ou discussotildees dado que esta circunstacircncia

tambeacutem se verifica no casamento podendo levar agrave interrupccedilatildeo esporaacutedica da comunhatildeo que

eacute proacutepria desse instituto e natildeo eacute por isso que se pode dizer que a comunhatildeo de habitaccedilatildeo fica

descaracterizada151 Na sua tese o tribunal referido defende tambeacutem que o facto de a Reacute ter

mantido a sua casa por querer manter a propriedade daquele imoacutevel por motivos que soacute a ela

dizem respeito - o que leva a que seja da sua responsabilidade suportar os encargos que dela

advenham - natildeo seria suficiente para colocar em causa a residecircncia em comum com o

falecido Para enfatizar a tese de que a morada comum dos sujeitos seria o imoacutevel em que

os dois viviam o tribunal realccedila o facto do Autor ter citado a Reacute nessa morada para a accedilatildeo

em causa O tribunal considera que a comunhatildeo de mesa leito e habitaccedilatildeo eacute o que define a

151 Veja-se a tiacutetulo de exemplo mutatis mutandis o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 24042019

no acircmbito do processo 12025160T8LRSL1-2 que jaacute se teve a oportunidade de mencionar Para que se possa

dizer que cessou a uniatildeo de facto natildeo basta constatar a existecircncia de uma separaccedilatildeo de facto Tem que se

provar tambeacutem que existe da parte de pelo menos um dos unidos de facto o propoacutesito de natildeo a restabelecer

E por isso embora o facto de os unidos de facto deixarem de dormir na mesma casa comerem agrave mesma mesa

e viver debaixo do mesmo tecto aponte para a falta de comunhatildeo de vida tal natildeo basta para se poder concluir

pela cessaccedilatildeo da uniatildeo de facto devendo fazer-se ainda a prova do elemento subjectivo da vontade de pelo

menos um deles romper com a uniatildeo de facto (de forma directa ou atraveacutes de um conjunto suficientemente

significativo de circunstacircncias objectivas que apontem nesse sentido isto eacute que o permitam afirmar com base

numa presunccedilatildeo natural ou judicial) Indo ainda mais longe na decisatildeo ao referir que se considera que a

sentenccedila teve razatildeo em considerar irrelevante o periacuteodo de separaccedilatildeo de 3 meses entre a reacute e o beneficiaacuterio

(hellip)

49

convivecircncia anaacuteloga agrave dos cocircnjuges exigida pelo artigo 1ordm nordm 2 da LUF E que encontrando-

se demonstrado que a Reacute encetou desde 1991 ateacute ao falecimento do beneficiaacuterio um

relacionamento onde mantinham relaccedilotildees sexuais faziam refeiccedilotildees conjuntas com amigos e

familiares na morada comum pagavam alternadamente as despesas com alimentaccedilatildeo e

ainda havia o acompanhamento do falecido pela Reacute a consultas meacutedicas e atendimento nas

urgecircncias mostram-se suficientemente comprovados os requisitos da declaraccedilatildeo de uniatildeo

de facto que se tem por estabelecida durante o todo esse lapso temporal

Estamos aqui perante duas decisotildees distintas e cada uma delas fundamenta a sua

decisatildeo com argumentos vaacutelidos e plausiacuteveis o que reflete uma vez mais a dificuldade

imanente a esta questatildeo Estaacute em causa uma relaccedilatildeo de convivecircncia e auxiacutelio de 24 anos que

devido aos requisitos que se exige que sejam comprovados ou por questotildees que natildeo se

colocariam se do instituto do casamento se tratasse se vecirc posta em causa a atribuiccedilatildeo de uma

pensatildeo de sobrevivecircncia por natildeo se conseguir provar a qualidade de unida de facto pela Reacute

A situaccedilatildeo sub judice eacute cada vez mais frequente nos tempos que correm Vaacuterios sujeitos que

pelo facto de serem divorciados ou viuacutevos refazem a sua vida ao lado de outra pessoa sem

assumir o compromisso do casamento Por natildeo quererem ou por natildeo lhes convir como eacute o

exemplo dos viuacutevos que recebam pensatildeo de sobrevivecircncia e se voltarem a casar perdem o

direito a esse benefiacutecio Ou ateacute por questotildees de praticidade por natildeo quererem estar sujeitos

a um regime que impotildee diversas consequecircncias como eacute o instituto do casamento Eacute neste

tipo de situaccedilotildees que se deve pensar quando se pretende equiparar a uniatildeo de facto ao

instituto do casamento Haacute efetivamente quem natildeo queira ser abrangido por uma

regulamentaccedilatildeo tatildeo ampla e o que para uns podem ser consideradas desvantagens no que

respeita ao regime mais liberal da uniatildeo de facto para outros podem ser as vantagens que

pesam na escolha deste regime como modo de vida em conjunto

Resta finalmente aludir agrave efetiva decisatildeo do STJ Tendo por base o Acoacuterdatildeo do

STJ de 9-07-2014152 que refere que se deve pensar na vivecircncia de dois cocircnjuges em situaccedilatildeo

de normalidade ou vulgaridade inseridos na cultura a que pertencemos e eacute aiacute que se haacute-de

encontrar o preenchimento do conceito de laquocondiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjugesraquo decide

que o quadro factual que estaacute em causa na situaccedilatildeo em anaacutelise natildeo eacute suficiente para dar como

152 Processo nordm 3076111TBLLEE1 S1 Consultaacutevel em

httpwwwdgsiptjstjnsf954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa8140b2f2587cb42fbd180257d16005402d4Op

enDocument

50

provada a existecircncia entre a Reacute e o de cujos de uma convivecircncia em economia comum

Considerando que essa convivecircncia se caracteriza pela situaccedilatildeo de pessoas que vivam em

comunhatildeo de mesa e habitaccedilatildeo com base num lar em sentido familiar moral e social e com

base numa economia domeacutestica em comum e pelo facto de a Reacute pernoitar na casa do falecido

mas manter sempre a sua casa onde conservou os seus pertences e objetos demonstrava que

esta natildeo sentia a casa do beneficiaacuterio como sua E ainda que a Reacute natildeo provou como lhe

competia por forccedila do artigo 342ordm nordm 1 do CCiv que faziam toda a vida de casal na casa do

de cujos e que manteve a sua casa arrendada para acautelar a possibilidade da filha do

beneficiaacuterio quisesse voltar a viver na casa do mesmo Aleacutem disso a Reacute natildeo conseguiu

provar que o beneficiaacuterio pernoitava na sua casa e que a esta tambeacutem servia para os amigos

ficarem a dormir O STJ conclui que natildeo obstante partilhassem refeiccedilotildees na casa do de

cujos natildeo se via que existisse uma economia domeacutestica em comum Caracteriacutestica que estaacute

intrinsecamente ligada ao modo de vida dos cocircnjuges existindo nesta situaccedilatildeo economias

separadas por serem custeadas alternadamente as despesas de supermercado e por cada um

se responsabilizar pelos gastos de cada casa Desta feita concluiu que natildeo se verificava a

vivecircncia em economia comum necessaacuteria para que se considerasse a situaccedilatildeo como uma

uniatildeo de facto como invocou a Reacute revogando o acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo e mantendo

a sentenccedila proferida pelo Tribunal de 1ordf Instacircncia que julgou natildeo reconhecida a vivecircncia em

situaccedilatildeo de uniatildeo de facto entre a Reacute e o beneficiaacuterio falecido agrave data da sua morte

Para terminar importa dizer que tendemos a concordar com a decisatildeo do Tribunal

da Relaccedilatildeo Note-se que estatildeo em causa 24 anos de convivecircncia em comum e auxiacutelio muacutetuo

que implicava a manutenccedilatildeo de relaccedilotildees sexuais de refeiccedilotildees conjuntas de suporte a niacutevel

de acompanhamento meacutedico e natildeo menos importante a companhia inerente agrave convivecircncia

que em idades mais avanccediladas pode ser um fator relevante para manterem entre si um

relacionamento Natildeo se devendo esquecer conforme mencionam os factos comprovados

que a filha do de cujos em 1996 foi trabalhar e viver para outra cidade ficando longe do pai

e visitando-o apenas duas vezes por mecircs ao fim-de-semana Tal significava que o auxiacutelio

que o de cujos necessitava nomeadamente nos acompanhamentos a consultas meacutedicas e

mesmo agraves urgecircncias se assim fosse necessaacuterio era dado pela Reacute Gerando menos

preocupaccedilotildees e encargos agrave filha do beneficiaacuterio falecido conseguindo manter a sua

normalidade e rotina se uma destas circunstacircncias ocorressem pois sabia que o seu pai estava

51

a ser apoiado pela Reacute que despendia do seu tempo para lhe fornecer cuidados e auxiacutelio

sempre que necessaacuterio

Ora eacute necessaacuterio refletir que a convivecircncia e coabitaccedilatildeo de duas pessoas em

situaccedilotildees destas pode ir para aleacutem da vivecircncia em economia comum Pode verificar-se no

caso em apreccedilo o cumprimento dos deveres de coabitaccedilatildeo cooperaccedilatildeo e assistecircncia inerentes

aos deveres conjugais previstos no artigo 1672ordm CCiv Poreacutem apesar de natildeo se verificar

uma verdadeira vivecircncia em economia comum que o STJ considera como caracteriacutestica do

modo de vida proacuteprio dos cocircnjuges por haver uma separaccedilatildeo bem definida das despesas

alimentares bem como dos encargos resultantes das casas de cada um verificam-se outras

caracteriacutesticas presentes no modo de vida proacuteprio dos cocircnjuges que tambeacutem relevam e natildeo

devem ser desconsideradas Devemos ter em conta que pode ter sido opccedilatildeo dos sujeitos viver

com economias separadas o que natildeo invalida que a sua situaccedilatildeo seja qualificada como uniatildeo

de facto em virtude de natildeo haver nenhuma norma na LUF que imponha qualquer tipo de

obrigaccedilatildeo aos unidos no que respeita a fazerem economias conjuntas

No que concerne agrave manutenccedilatildeo por parte da Reacute de outra casa e de laacute pernoitar

pontualmente cremos que natildeo eacute suficiente para pocircr em causa a verificaccedilatildeo da qualificaccedilatildeo

da relaccedilatildeo como uniatildeo de facto A ocorrecircncia da interrupccedilatildeo momentacircnea da coabitaccedilatildeo natildeo

eacute razatildeo para que natildeo se possa considerar a relaccedilatildeo convivencial entre duas pessoas como tal

Entre os cocircnjuges tambeacutem podem ocorrer situaccedilotildees que interrompam a sua coabitaccedilatildeo e

indo mais longe devemos recordar as situaccedilotildees em que cocircnjuges por motivos profissionais

veem a sua convivecircncia interrompida eg durante a semana e soacute estatildeo juntos ao fim-de-

semana devido agrave deslocaccedilatildeo de um deles para outra cidade153 Natildeo sendo mesmo assim

posta a sua convivecircncia em causa por forccedila do artigo 1673ordm CCiv que prevecirc esta

possibilidade Acontecendo o mesmo com membros da uniatildeo de facto deveraacute colocar-se a

sua convivecircncia em crise Seraacute a uniatildeo de facto uma simples comunhatildeo de casa Ou por

outro lado uma comunhatildeo de vida Com tudo o que isso implique para os sujeitos que

formam a relaccedilatildeo que se devem reger por criteacuterios subjetivos nessa mateacuteria

De forma a enfatizar o facto de existirem cada vez mais formas de organizaccedilatildeo

familiar e de se notar uma modernizaccedilatildeo constante nesta mateacuteria vale a pena referirmos que

existe tambeacutem uma forma de organizaccedilatildeo da vida em comum a par da uniatildeo de facto e a

153 Cfr neste sentido MARIA MARGARIDA PEREIRA ob cit p 650

52

uniatildeo conjugal que se designa de uniatildeo sem comunhatildeo154 Esta uniatildeo acontece quando as

partes decidem residir em locais distintos sem abdicarem de outros elementos que formam

um casal como a manutenccedilatildeo de relaccedilotildees sexuais a fidelidade e a entreajuda Pretendem

levar uma vida a dois no entanto natildeo querem residir no mesmo local Eacute uma forma de

organizaccedilatildeo da vida em comum que natildeo eacute mencionada pelo legislador que natildeo conjeturou

um caminho que estivesse entre o tudo e o nada155 uma vez que regula o casamento a uniatildeo

de facto o divoacutercio e a separaccedilatildeo O facto de natildeo haver comunhatildeo de habitaccedilatildeo neste tipo

de relaccedilotildees natildeo permite que se fale na hipoacutetese de ser considerada uniatildeo de facto Todavia

o que estaacute aqui em causa natildeo eacute a interrupccedilatildeo esporaacutedica ou pontual da coabitaccedilatildeo como

acontece no caso que temos vindo a analisar Mas antes a existecircncia de duas residecircncias

distintas natildeo havendo uma coabitaccedilatildeo entre o casal por escolha dos proacuteprios preferindo

uma organizaccedilatildeo da sua vida em comum de forma separada no que respeita agrave coabitaccedilatildeo

mantendo todos os outros elementos que relevam para a sua consideraccedilatildeo como um casal

Tudo isto para dizer que estamos perante uma eacutepoca onde o pluralismo jusfamiliar eacute uma

realidade e que talvez seja necessaacuteria uma atualizaccedilatildeo legislativa que acompanhe os tempos

que vivemos no tocante a estas mateacuterias156157

54 Soluccedilatildeo proposta

Aqui chegados e depois de analisar as soluccedilotildees que vigoram noutros ordenamentos

juriacutedicos eacute importante aventar a soluccedilatildeo que cremos que melhor resolveraacute os problemas que

o atual regime juriacutedico da uniatildeo facto levanta

Jaacute haviacuteamos proposto supra a densificaccedilatildeo do atual regime legal da uniatildeo de facto

com objetivo de assegurar uma maior proteccedilatildeo dos membros natildeo obstante o respeito da

vontade das partes de se submeter ou natildeo a tais consequecircncias juriacutedicas visto que natildeo se

trataria portanto de um regime imperativo automaticamente aplicaacutevel a quem opte por

conviver em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges

154 LAT (Living Apart Together) Cfr JORGE DUARTE PINHEIRO ob cit p 558 155 Cfr JORGE DUARTE PINHEIRO ob cit p 558 156 Idem 157 JORGE DUARTE PINHEIRO termina o ponto dedicado a esta mateacuteria questionando o que impede a receccedilatildeo

legal no nosso ordenamento de uma uniatildeo sem comunhatildeo de habitaccedilatildeo que beneficie de um estatuto proacuteprio

e que pudesse incluir a possibilidade da figura ser constituiacuteda por cocircnjuges suspendendo de forma consensual

o dever de coabitaccedilatildeo que agrave luz dos arts 1618ordm 1672ordm 1699ordm n ordm1 al b) CCiv eacute proibido atualmente

53

Cabe agora desenvolver esta proposta Apesar de haver quem encare a uniatildeo de

facto com uma visatildeo mais liberal e consequentemente entenda que esta natildeo deve gerar

muitos efeitos juriacutedicos por forma a respeitar-se a liberdade de escolha de cada um

acreditamos que o Direito natildeo deve ignorar as situaccedilotildees que merecem tutela juriacutedica E

apesar de haver uma regulamentaccedilatildeo juriacutedica da uniatildeo de facto no nosso ordenamento a

proteccedilatildeo por ela oferecida eacute meramente assistencial158 funcionando essencialmente em

situaccedilotildees de crise159

Natildeo se deve olvidar que a uniatildeo de facto na nossa ordem juriacutedica eacute um verdadeiro

ato juriacutedico e os seus efeitos natildeo dependem da vontade dos membros pois produzem-se ex

logo160 A soluccedilatildeo vigente concede certos efeitos aos membros da uniatildeo de facto apoacutes a

convivecircncia por dois anos sem que estes declarem expressamente a sua pretensatildeo A sua

uacutenica declaraccedilatildeo eacute a vontade de viver em plena comunhatildeo de vida Deveraacute daiacute aferir-se a

vontade de assumir efeitos juriacutedicos Acreditamos que a soluccedilatildeo atual apesar de ter como

objetivo o respeito pela autonomia privada e a vontade das partes natildeo o faz Estabelece

efeitos juriacutedicos a situaccedilotildees de facto que natildeo tem como controlar por natildeo haver nenhum tipo

de registo

Enquanto esta for a natureza da uniatildeo de facto e natildeo houver um ato constitutivo por

parte de uma autoridade puacuteblica ou outra formalidade a situaccedilatildeo de facto natildeo pode suscitar

um regime juriacutedico muito denso mas somente algumas medidas de proteccedilatildeo Dificilmente

se poderaacute ir mais longe no que concerne agrave atribuiccedilatildeo de efeitos juriacutedicos sem uma autecircntica

formalizaccedilatildeo das vontades das partes de intencionar um regime mais firme

Deste modo concomitantemente com a consolidaccedilatildeo do seu regime proacuteprio

julgamos ainda ser importante sujeitar estas relaccedilotildees a registo161

158 () o direito portuguecircs continua a ser daqueles que atribui menos efeitos juriacutedicos agrave uniatildeo de facto Apenas

se consagram soluccedilotildees do tipo ldquoassistencialrdquo que um Estado moderno tem de adotar qualquer que seja a

opccedilatildeo de vida escolhida pelos cidadatildeos Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 153 159 () continua a acolher-se neste domiacutenio uma proteccedilatildeo fragmentaacuteria e especialmente dirigida a cenaacuterios

de crise em que as debilidades dos seus membros se concretizam ou manifestam com mais intensidade Cfr

RUTE TEIXEIRA PEDRO ob cit p 310 160 Cfr MARTA COSTA ob cit p 151 161 Cfr JOAtildeO PARRACHO COELHO considera que sendo a uniatildeo de facto um ato livre a opccedilatildeo pelo registo

determinaria que aqueles que unidos numa relaccedilatildeo para-matrimonial desejem beneficiar de direitos e deveres

juriacutedico - sociais paralelos aos atribuiacutedos agrave famiacutelia claacutessicaformallegal podem alcanccedilar um estatuto especiacutefico

mediante a inscriccedilatildeo da sua uniatildeo de facto em algum registo puacuteblico a criar para o efeito ldquoA Famiacutelia

perspectiva evolutiva do conceito tradicionalrdquo in Revista do Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico

nordm 54 3ordm trimestre1993 p 116

54

Inspiramos esta soluccedilatildeo no ordenamento juriacutedico francecircs por julgarmos oferecer

uma regulaccedilatildeo juriacutedica ampla dos tipos de convivecircncia fora do casamento distinguindo o

concubinage do pacte civil de solidariteacute Podendo optar-se pelo concubinato natildeo se

submetendo a quaisquer consequecircncias juriacutedicas ou pelo PACS a que subjaz um regime

proacuteprio e efeitos juriacutedicos que garantem a sua proteccedilatildeo Desta forma e socorrendo-nos em

parte da sugestatildeo ora mencionada do partido Bloco de Esquerda aquando da apresentaccedilatildeo

do Projeto de Lei nordm45VIII prevendo um registo das uniotildees nas juntas de freguesia da aacuterea

de residecircncia das pessoas que vivem em uniatildeo de facto ou a sua constituiccedilatildeo apoacutes dois anos

de convivecircncia sem necessidade de registo acreditamos que o Registo Civil das uniotildees de

facto seraacute a soluccedilatildeo mais acertada para proporcionar a certeza e seguranccedila juriacutedicas que se

pretende alcanccedilar com a inscriccedilatildeo no mesmo162

Antecipando desde jaacute as criacuteticas que poderatildeo surgir a esta soluccedilatildeo tais como a

possibilidade de recurso ao casamento para precaver todas as situaccedilotildees supramencionadas e

ainda o excessivo formalismo que daqui poderaacute advir natildeo devendo o direito proteger uma

situaccedilatildeo que as partes natildeo quiseram que fosse protegida desrespeitando-se a sua vontade

cumpre tecer algumas consideraccedilotildees Primeiramente o casamento trata de uma realidade

como jaacute tivemos a oportunidade de analisar com natureza muito distinta da uniatildeo de facto

Os casais tecircm o direito de escolher o tratamento juriacutedico que datildeo agrave sua convivecircncia pessoal

podendo simplesmente querer viver em uniatildeo de facto e natildeo se submeterem ao regime do

casamento Denote-se para este efeito que viver agrave margem do casamento natildeo significa

querer viver agrave margem do Direito Nesta senda e em segundo lugar parece-nos que a ideia

Napoleoacutenica de que se os concubinos natildeo se interessam pela lei a lei tambeacutem natildeo se

interessa por eles jaacute estaacute ultrapassada A formalidade do registo apenas garantiraacute a liberdade

de escolha das partes assegurando que aqueles que optam por ele satildeo os que pretendem

submeter-se aos efeitos juriacutedicos previstos legalmente Natildeo se tratando de um regime

automaacutetico aplicaacutevel pelo simples decurso do tempo que os sujeita a um regime que natildeo

162 Concordamos portanto com a posiccedilatildeo propugnada por ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoUniatildeo de facto a

pertinecircncia de registo a problemaacutetica da separaccedilatildeo de pessoas e bens e a contagem do prazo de convivecircnciardquo

in Casamento e Uniatildeo de facto questotildees de jurisdiccedilatildeo civil Coleccedilatildeo Formaccedilatildeo Contiacutenua CEJ Novembro

2020 p71 segundo a qual as uniotildees devem ser dignas de Registo Civil pois os registos municipais natildeo

serviratildeo o propoacutesito por natildeo contribuiacuterem para a certeza e seguranccedila juriacutedicas uma vez que natildeo existe uma

base de dados nacional podendo-se potenciar muacuteltiplos registos

55

mostraram pretender163 A soluccedilatildeo que propomos funda-se no respeito pela vontade das

partes e no princiacutepio da liberdade contratual aleacutem de ser a mais compatiacutevel com a certeza e

seguranccedila juriacutedicas Bastando-lhes a verificaccedilatildeo dos requisitos necessaacuterios agrave constituiccedilatildeo no

momento da sua inscriccedilatildeo no registo Relativamente agrave exigecircncia do decurso de um

determinado periacuteodo para que a convivecircncia seja registada defendemos que a resposta deve

passar por natildeo ser exigida uma convivecircncia preacutevia Permitindo que duas pessoas que

queiram conviver nestes moldes se dirigiram a uma entidade competente e registem a sua

convivecircncia que pode jaacute existir ou iniciar-se nesse momento164

No fundo com a soluccedilatildeo que propugnamos pretendemos a coexistecircncia de trecircs vias

de conjugalidade O casamento que continuaria a ser regulado de igual forma as uniotildees

registadas em que as partes inscrevem a sua relaccedilatildeo no registo para que desta decorram

efeitos juriacutedicos mas que natildeo se confundem com os do casamento e por uacuteltimo as uniotildees

meramente de facto desprovidas de efeitos juriacutedicos Contudo em relaccedilatildeo a estas

acreditamos que algumas situaccedilotildees devem ser protegidas como a de um dos membros querer

viver livre de efeitos juriacutedicos e o outro apenas tolerar a situaccedilatildeo apesar da sua vontade natildeo

ser exatamente essa Eacute entatildeo necessaacuterio acautelar situaccedilotildees como esta em que no caso de

morte de algum deles o membro sobrevivo fosse aquele que pretendia uma maior

intervenccedilatildeo juriacutedica na sua convivecircncia Aqui deveraacute atribuir-se a este uacuteltimo uma proteccedilatildeo

miacutenima desde que a requeira Salvaguardando desta forma a liberdade e autonomia privada

de cada um sem que nada se lhes imponha a natildeo ser que o solicitem Isto quer dizer que soacute

seratildeo uniotildees meramente de facto aquelas em que a falta de reconhecimento de efeitos

juriacutedicos decorre de uma exteriorizaccedilatildeo das partes Por outras palavras essa categorizaccedilatildeo

resulta de uma falta de manifestaccedilatildeo das partes nesse sentido evitando as situaccedilotildees em que

a sua ineacutercia ndash justificada por natildeo pretenderem a ingerecircncia do Direito ndash resulte no confronto

com um regime legal que natildeo manifestaram querer

163 Neste sentido cabe referir a jaacute mencionada Ley 22003 7 de mayo reguladora de las parejas de hecho do

Paiacutes Vasco que na sua exposiccedilatildeo de motivos adverte para o facto do registo ser uma forma de evitar que os

membros que natildeo desejam que as suas uniotildees sejam acolhidas legalmente sejam reguladas contra a sua vontade

() el Registro de Parejas de Hecho que crea la propia ley registro que tiene una especial importancia al

tener la inscripcioacuten el caraacutecter de constitutiva lo que se hace precisamente para evitar que aquellas parejas

que no deseen en modo alguno acogerse a la ley se vean sometidas contra su voluntad a un reacutegimen de

derechos y obligaciones como el aquiacute recogido 164 Cfr MARTA COSTA ob cit p 396 No mesmo sentido ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoUniatildeo de facto versus

Casamento ndash Questotildees pessoais e patrimoniaisrdquo ob cit p 178

56

Realccedilamos ainda que o registo das uniotildees de facto aleacutem de salvaguardar a certeza

e seguranccedila juriacutedicas permitiria agraves partes invocar a qualquer altura atraveacutes de um meio

idoacuteneo e fidedigno a sua convivecircncia facilitando a prova destas relaccedilotildees e dirimindo as

dificuldades que dessa prova advecircm165 Cremos ser esta a principal e grande vantagem da

soluccedilatildeo que propomos e a que realmente interessa no presente estudo O atual regime de

prova eacute falho pois as declaraccedilotildees referidas no nordm 2 do artigo 2ordmA da LUF emitidas pela

junta de freguesia nunca seratildeo suficientes para garantir a proteccedilatildeo de uma relaccedilatildeo de facto

por natildeo servirem como prova plena aleacutem de natildeo ser possiacutevel atestar a inexistecircncia de

impedimentos por esta via

Em suma como benefiacutecios advindos do registo consideramos natildeo soacute o que toca agrave

sociedade em geral a quem seria transmitida maior certeza e seguranccedila relativamente agrave

existecircncia daquelas relaccedilotildees mas tambeacutem a publicidade que eacute conferida agraves mesmas

desonerando os conviventes de um regime de prova tatildeo sinuosa da sua relaccedilatildeo para

beneficiarem de certos direitos

165 Atraveacutes do registo os membros da uniatildeo registada estariam cientes da repercussatildeo legal da sua uniatildeo

(entre eles e face a terceiros) ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoUniatildeo de facto versus Casamento ndash Questotildees

pessoais e patrimoniaisrdquo ob cit p 180

57

6 Conclusatildeo

A convivecircncia anaacuteloga agrave dos cocircnjuges sem o viacutenculo formal inerente ao casamento

natildeo eacute uma realidade recente A forma como o Direito encara esta figura eacute que foi mudando

ao longo do tempo de acordo com a evoluccedilatildeo das circunstacircncias sociais e histoacutericas Parece-

nos que hoje talvez se imponha uma atualizaccedilatildeo do tratamento legal oferecido agrave uniatildeo de

facto

Desde logo a sua natureza juriacutedica motiva algumas divergecircncias Como vimos

alguns AA entendem que a situaccedilatildeo de facto se deve considerar uma relaccedilatildeo juriacutedica familiar

como as previstas no artigo 1576ordm CCiv por forccedila da sua inclusatildeo no artigo 36ordm n ordm1 CRP

referente agrave constituiccedilatildeo de famiacutelia Por outro lado os AA que defendem que a proteccedilatildeo

constitucional da uniatildeo de facto adveacutem do direito ao desenvolvimento da personalidade

previsto no artigo 26ordm CRP advogam tambeacutem que a convivecircncia more uxorio natildeo deve ser

qualificada como relaccedilatildeo juriacutedica familiar mas sim uma relaccedilatildeo juriacutedica parafamiliar Neste

contexto tendemos a acompanhar a linha de pensamento dos primeiros AA isto por

entendermos que as relaccedilotildees de uniatildeo de facto merecem uma proteccedilatildeo mais abrangente da

que eacute dada pelo artigo 26ordm CRP visto tratar-se de uma proteccedilatildeo geneacuterica que natildeo se coaduna

com a importacircncia social que a uniatildeo de facto vem tendo Jaacute a proteccedilatildeo conferida pelo artigo

36ordm nordm 1 CRP eacute de facto mais consentacircnea com a proteccedilatildeo que este tipo de relaccedilotildees merece

e cremos que essa teraacute sido a intenccedilatildeo do proacuteprio legislador constitucional Eacute de realccedilar por

uacuteltimo que considerar a uniatildeo de facto protegida constitucionalmente pelo artigo 36ordm nordm 1

CRP natildeo quer dizer que o seu regime legal deva ser igual ao regime do casamento

Como tambeacutem jaacute referimos o proacuteprio regime legal da uniatildeo de facto previsto na

Lei nordm 72001 de 1105 alterada pela lei 232010 de 3008 eacute considerado parco e omisso

em relaccedilatildeo a algumas questotildees relevantes para a proteccedilatildeo dos membros dessa relaccedilatildeo Natildeo

obstante a natildeo equiparaccedilatildeo dos regimes legais do casamento e da uniatildeo de facto tal natildeo

significa que natildeo seja necessaacuterio um reforccedilo do atual regime legal da uniatildeo de facto

Devendo optar-se por um caminho que consolide os efeitos juriacutedicos da uniatildeo de facto

possibilitando um regime proacuteprio enrobustecido aos que apesar de natildeo escolherem a via do

casamento pretendam uma proteccedilatildeo mais firme e por outro lado dar aos que pretendam uma

uniatildeo sem consequecircncias juriacutedicas a liberdade de escolha de sujeiccedilatildeo ou natildeo a um regime

legal

58

Paralelamente de forma a diferenciar estas duas situaccedilotildees julgamos ainda ser

importante a sujeiccedilatildeo destas relaccedilotildees a um eventual registo civil que traraacute consigo a certeza

e seguranccedila juriacutedicas relativamente agrave existecircncia destas relaccedilotildees perante a sociedade e ainda

a consequente publicidade advinda dessa inscriccedilatildeo que desoneraraacute os membros de um

regime de prova tatildeo sinuoso Salvaguardando desta forma aqueles que pretendem uma

coabitaccedilatildeo com a miacutenima ingerecircncia juriacutedica Em suma ambicionamos a coexistecircncia de

trecircs vias de conjugalidade sendo elas o casamento as uniotildees registadas e por fim as uniotildees

meramente de facto

Damos como certo que esta eacute uma mudanccedila que natildeo deveraacute ser imediata Aquilo que

propomos eacute na verdade uma soluccedilatildeo que deveraacute isso sim dar azo a uma discussatildeo contiacutenua

que possa contribuir para um aperfeiccediloamento e atualizaccedilatildeo deste regime

59

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65

JURISPRUDEcircNCIA

Tribunal Constitucional

bull Acoacuterdatildeo nordm 3361986

bull Acoacuterdatildeo nordm 18881996

Supremo Tribunal de Justiccedila

bull Acoacuterdatildeo 9-07-2014 processo nordm 3076111TBLLEE1 S1

bull Acoacuterdatildeo 22-03-2018 processo nordm 6380169T8CBRC1 S1

Tribunal Central Administrativo Norte

bull Acoacuterdatildeo de 13-11-2020 processo nordm 00090151BECBR

Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra

bull Acoacuterdatildeo de 16-10-2012 processo nordm 50091TBALDC1

bull Acoacuterdatildeo de 08-03-2006 processo nordm 419705JTRC

Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa

bull Acoacuterdatildeo de 15-02-2007 processo nordm 62842006-8

bull Acoacuterdatildeo de 29-11-2012 processo nordm 444092TCFUNL1-A-8

bull Acoacuterdatildeo de 24-04-2019 processo nordm 12025160T8LRSL1-2

Tribunal Europeu dos Direitos Humanos

bull Acoacuterdatildeo JOHNSTON C IRLANDA de 18 de dezembro de 1986

bull Acoacuterdatildeo KEEGAN C IRLANDA de 26 de maio de 1994

Tribunal Constitucional Espanhol

bull Sentenccedila nordm 1841990 de 15 de novembro Consultaacutevel em

httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-T-1990-29360

bull Sentenccedila nordm 2221992 de 11 de dezembro Consultaacutevel em

httphjtribunalconstitucionaleses-ESResolucionShow2109

bull Sentenccedila nordm 661994 de 28 de fevereiro Consultaacutevel em

httphjtribunalconstitucionalespt-BRResolucionShow2583

66

bull Sentenccedila nordm 391998 de 17 de fevereiro Consultaacutevel em

httphjtribunalconstitucionalesesResolucionShow3541

bull Sentenccedila nordm 1161999 de 17 de junho Consultaacutevel em

httphjtribunalconstitucionaleses-ESResolucionShow3858

Tribunal Constitucional Francecircs

bull Decisatildeo nordm 2011-155 QPC do Conseil Constitutionnel de 29 de julho Consultaacutevel

em httpswwwconseil-constitutionnelfrdecision20112011155QPChtm

5

Teria passado a vida

atormentado e sozinho

se os sonhos me natildeo viessem

mostrar qual eacute o caminho

umas vezes satildeo de noite

outras em pleno de sol

com relacircmpagos saltados

ou vagar de caracol

quem os manda natildeo sei eu

se o nada que eacute tudo agrave vida

ou se eu os finjo a mim mesmo

para ser sem que decida

AGOSTINHO DA SILVA Sonho in Poemas

6

IacuteNDICE

RESUMO 7

ABSTRACT 8

SIGLAS E ABREVIATURAS 9

1 Introduccedilatildeo 11

2 A evoluccedilatildeo da Uniatildeo de Facto no ordenamento juriacutedico portuguecircs 12

3 A uniatildeo de facto e a Constituiccedilatildeo da Reacutepublica Portuguesa 16

31 A uniatildeo de facto e o casamento ndash liberdade mas e proteccedilatildeo 20

4 Constituiccedilatildeo da relaccedilatildeo de Uniatildeo de Facto e os seus efeitos 27

5 O problema da prova da coabitaccedilatildeo 30

51 Consideraccedilotildees gerais 30

52 Comparaccedilatildeo com o regime de outros ordenamentos juriacutedicos na Uniatildeo Europeia 37

521 Espanha 37

522 Franccedila 41

53 O Acoacuterdatildeo do STJ de 22 de Marccedilo de 2018 processo nordm6380169T8CBRC1S1 46

54 Soluccedilatildeo proposta 52

6 Conclusatildeo 57

BIBLIOGRAFIA 59

JURISPRUDEcircNCIA 65

7

RESUMO

A figura da uniatildeo facto eacute uma realidade crescente com cada vez mais importacircncia

na nossa sociedade atual tendo em conta o consideraacutevel nuacutemero de pessoas que opta por

viver desta forma Sendo que pode esse nuacutemero derivar natildeo soacute da liberdade associada a este

regime como tambeacutem do facto de poder ser uma circunstacircncia provisoacuteria e transitoacuteria Pode

ateacute tratar-se de uma circunstacircncia definitiva em virtude de por inuacutemeras razotildees os membros

da uniatildeo de facto natildeo quererem casar ora por natildeo terem condiccedilotildees financeiras para celebrar

um casamento ora por natildeo fazer parte da sua cultura formalizarem a sua relaccedilatildeo

Apesar da importacircncia da uniatildeo de facto e da sua relevacircncia na sociedade o seu

regime juriacutedico eacute parco apresentando lacunas relativamente agraves normas sobre o seu registo

regime de bens entre os membros a sua extinccedilatildeo e efeitos sucessoacuterios Estas e outras

mateacuterias deveriam ter uma regulamentaccedilatildeo mais completa para que se pudesse oferecer uma

maior proteccedilatildeo aos unidos de facto

Pretendemos essencialmente analisar por estar estritamente ligado ao facto de a

uniatildeo de facto natildeo ser objeto de registo civil ou administrativo o problema da prova da

existecircncia e do iniacutecio da situaccedilatildeo de uniatildeo de facto e desta forma refletir sobre as vantagens

que provecircm do registo deste tipo de relaccedilotildees

PALAVRAS-CHAVE uniatildeo de facto prova da coabitaccedilatildeo registo civil

8

ABSTRACT

The figure of consensual union is an increasingly important reality in our society

today given the considerable amount of people who choose to live this way This number

can derive not only from the freedom associated with this regime but also from the fact that

it can be a temporary and transitory circumstance It may even be a definitive circumstance

because for a number of reasons the unmarried partners do not want to get married either

because they do not have the financial means to enter into a marriage or because it is not part

of their culture to formalise their relationship

Despite the importance of the non-marital partnership and its relevance in society

its legal system is scarce with gaps regarding the rules on its registration the system of

property between members its extinction and inheritance effects These and other matters

should be regulated more fully in order to offer greater protection to consensual union

The main aim is to analyse as it is strictly linked to the fact that consensual union

is not subject to civil or administrative registration the problem of proving the existence and

the beginning of this situation and thus reflect on the advantages that come from the

registration of this type of relationship

KEYWORDS non-marital partnership proof of cohabitation civil registry

9

SIGLAS E ABREVIATURAS

A- Autor

AA- Autores

Ac- Acoacuterdatildeo

Art ndash Artigo

Arts ndash Artigos

Ed - Ediccedilatildeo

In - Em

ob cit - Obra Citada

p ndash paacutegina

pp paacuteginas

ss - Seguintes

vg - verbi gratia

Vol ndash Volume

CCiv ndash Coacutedigo Civil

CEDH ndash Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem

CNP- Centro Nacional de Pensotildees

CPC ndash Coacutedigo de Processo Civil

CReg Civ ndash Coacutedigo de Registo Civil

CRP ndash Constituiccedilatildeo da Reacutepublica Portuguesa

DUDH ndash Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos

ISS ndash Instituto da Seguranccedila Social

10

LUF ndash Lei da Uniatildeo de Facto (Lei nordm 72001 de 11 de Maio alterada pela Lei nordm 232010

de 30 de Agosto)

PACS ndash Pacto civil de Solidariedade

STJ ndash Supremo Tribunal de Justiccedila

TCE - Tribunal Constitucional Espanhol

TEDH ndash Tribunal Europeu dos Direitos Humanos

11

1 Introduccedilatildeo

O presente estudo visa abordar a questatildeo do problema da prova da coabitaccedilatildeo numa

situaccedilatildeo em que se pretende provar a existecircncia de uma relaccedilatildeo de uniatildeo de facto para que

esta produza os efeitos que os membros pretendam Assim cumpriraacute analisar o regime

juriacutedico da Uniatildeo de Facto comeccedilando pela sua evoluccedilatildeo no nosso ordenamento e sobre a

importacircncia da LUF (Lei nordm 72001 de 11 de Maio alterada pela Lei nordm 232010 de 30 de

Agosto)

Uma vez analisada a proteccedilatildeo oferecida agraves situaccedilotildees de Uniatildeo de Facto

nomeadamente a sua (natildeo) alusatildeo na CRP caberaacute comparaacute-la agrave concedida ao casamento e

observar de que forma a liberdade caracteriacutestica do regime da uniatildeo de facto poderaacute deixar

desprotegidas algumas situaccedilotildees carentes de proteccedilatildeo

De seguida feita uma reflexatildeo geral importaraacute compreender como se constitui a

uniatildeo de facto Passando os membros a viver em comunhatildeo de leito mesa e habitaccedilatildeo e natildeo

sendo essa situaccedilatildeo objeto de registo civil ou administrativo ao contraacuterio do que acontece

em alguns ordenamentos vizinhos que tambeacutem mereceratildeo a nossa anaacutelise torna-se mais

difiacutecil saber de forma exata quando se iniciou para que seja possiacutevel a partir daiacute contar os

dois anos necessaacuterios para que a situaccedilatildeo de facto produza os efeitos previstos no artigo 3ordm

da LUF

A questatildeo primordial eacute assim a prova da situaccedilatildeo de uniatildeo de facto nomeadamente

a prova da coabitaccedilatildeo que se pode revelar sinuosa Perante este cenaacuterio torna-se relevante

analisar jurisprudecircncia nomeadamente o Acoacuterdatildeo do STJ de 22 de Marccedilo de 2018 proferido

no acircmbito do processo nordm 6380169T8CBRC1 S1 relativamente agrave prova da uniatildeo de facto

no campo juriacutedico-civil isto eacute atraveacutes do regime geral do oacutenus da prova previsto no artigo

342ordm do CCiv que atribui a quem pretende invocar um direito provar os factos que o

constituem

A final com a nossa anaacutelise e apreciaccedilatildeo dos entendimentos da jurisprudecircncia e da

doutrina nacional e europeia pretendemos demonstrar a dificuldade da prova da uniatildeo de

facto no nosso ordenamento juriacutedico e procurar propostas de soluccedilotildees que possam facilitar

de alguma forma a comprovaccedilatildeo da existecircncia destas relaccedilotildees cessando as dificuldades que

essa comprovaccedilatildeo origina

12

2 A evoluccedilatildeo da Uniatildeo de Facto no ordenamento juriacutedico portuguecircs

Quando se fala de uniatildeo de facto tem forccedilosamente de se aludir agrave discussatildeo

doutrinal acerca da sua classificaccedilatildeo como relaccedilatildeo (para)familiar que surge em grande

parte pelo disposto no artigo 36ordm n ordm1 CRP1 Pela sua ambiguidade haacute quem pense que a

referecircncia agrave constituiccedilatildeo de famiacutelia engloba a uniatildeo de facto2 sendo o seu reconhecimento

juriacutedico feito pela Constituiccedilatildeo Contudo este preceito natildeo eacute assim interpretado por todos

que entendem que este apenas postula o direito de constituir famiacutelia e estabelece as relaccedilotildees

de filiaccedilatildeo e que apesar da uniatildeo de facto natildeo ser uma relaccedilatildeo de famiacutelia no que respeita agrave

generalidade dos efeitos pode ser assim qualificada para efeitos fiscais de locaccedilatildeo de

seguranccedila social entre outros3 Neste seguimento muitos satildeo os AA que tecircm vindo a

expressar a sua opiniatildeo quanto a esta questatildeo havendo quem considere que a situaccedilatildeo de

facto anaacuteloga agrave dos cocircnjuges se deve considerar uma relaccedilatildeo familiar tanto quanto as

previstas no artigo 1576ordm do Coacutedigo Civil ou seja o casamento o parentesco a afinidade

e a adoccedilatildeo4 E ainda quem defenda que natildeo deve ser qualificada como relaccedilatildeo juriacutedica de

famiacutelia5 ou que o seja apenas em relaccedilatildeo a certos efeitos considerando-a desta forma uma

relaccedilatildeo juriacutedica parafamiliar6

1 1 Todos tecircm o direito de constituir famiacutelia e de contrair casamento em condiccedilotildees de plena igualdade

Disposiccedilatildeo inspirada no art 16ordm DUDH e 12ordm CEDH Cfr JJ GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA

Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa Anotada 4ordf ed revista vol I Coimbra Coimbra Editora 2007 p 559 2 Cfr JJ GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA ob cit p 561 3 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoCasamento e Famiacutelia no direito portuguecircsrdquo In AAVV Temas de Direito

da Famiacutelia Ciclo de Conferecircncias no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados Coimbra

Almedina 1996 p 8 FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoAnotaccedilatildeo ao Ac do STJ de 2 de abril de 1987rdquo in Revista

de Legislaccedilatildeo e Jurisprudecircncia nordm 3782 ano 122 Coimbra 1990 pp 82-83 4 Cfr CARLOS PAMPLONA CORTE-REAL ldquoRelance Criacutetico sobre o Direito de Famiacutelia portuguecircsrdquo in Textos de

Direito da Famiacutelia para FRANCISCO PEREIRA COELHO Coord GUILHERME DE OLIVEIRA Coimbra Imprensa

da Universidade de Coimbra 2016 pp109-110 CARLOS PAMPLONA CORTE-REAL JOSEacute SILVA PEREIRA

ldquoDireito da Famiacutelia Toacutepicos para uma reflexatildeo criacuteticardquo Lisboa AAFDL 2008 p 46 no mesmo sentido

GERALDO DA CRUZ ALMEIDA ldquoDa uniatildeo de facto convivecircncia more uxorio em direito internacional privadordquo

Lisboa Pedro Ferreira Editor 1999 p 184 TELMA CARVALHO ldquoA uniatildeo de facto a sua eficaacutecia juriacutedicardquo in

Comemoraccedilotildees dos 35 anos do Coacutedigo Civil e dos 25 anos da reforma de 1977 vol I Coimbra Coimbra

Editora 2004 pp 223-226 CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova

Relaccedilatildeo Familiarrdquo in Estudos em Homenagem ao Prof Doutor Jorge Miranda Vol VI Faculdade de Direito

da Universidade de Lisboa Coimbra Editora 2012 p 460 e MARIA MARGARIDA PEREIRArdquo Direito da

Famiacuteliardquo Lisboa AAFDL Editora 3ordf ed 2019 pp 641-644 com quem tendemos a concordar embora como

veremos infra tal natildeo significa uma igualdade de tratamento entre a uniatildeo de facto e o casamento 5 Cfr JOAtildeO CASTRO MENDES MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA ldquoDireito da Famiacuteliardquo AAFDL Lisboa 1995 p

14-15 NUNO DE SALTER CID ldquoA Comunhatildeo de Vida agrave Margem do Casamento entre o facto e o Direitordquo

Almedina Coimbra 2005 p 505 FRANCcedilA PITAtildeO ldquoUniotildees de Facto e Economia Comum de acordo com a

Lei nordm 232010 de 30 de agostordquo 3ordf ed Almedina Coimbra 2011 p35 6 Em todas estas relaccedilotildees (as dispostas no art1576ordm CCiv) encontramos um viacutenculo constituiacutedo por direitos

e deveres juriacutedicos reciacuteprocos () As relaccedilotildees juriacutedicas familiares satildeo tendencialmente duradouras e eacute por

13

A designaccedilatildeo uniatildeo de facto foi utilizada pela primeira vez no nosso ordenamento

juriacutedico com a Reforma de 1977 do Coacutedigo Civil7 passando o artigo 2020ordm a prever o direito

de exigir alimentos da heranccedila do falecido por aquele que com ele vivesse haacute mais de dois

anos em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges No entanto jaacute no Coacutedigo Civil de 1966 no

seu artigo 1860ordm se falava em comunhatildeo duradoura de vida em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos

cocircnjuges o que quer dizer que o fenoacutemeno da uniatildeo de facto enquanto facto social jaacute existia

antes dessa primeira referecircncia no Coacutedigo de 19778 A expressatildeo que remete para a vivecircncia

em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges no artigo 2020ordm foi utilizada por vaacuterias leis avulsas

que foram conferindo agraves pessoas que vivessem nessa situaccedilatildeo outros direitos como o direito

agraves pensotildees de sobrevivecircncia o de beneficiar do regime de feacuterias feriados e faltas semelhante

aos dos cocircnjuges e ainda no que respeita ao regime juriacutedico do arrendamento para habitaccedilatildeo

foi reconhecido o direito agrave transmissatildeo do arrendamento agrave pessoa que tenha vivido em uniatildeo

de facto com o arrendataacuterio falecido desde que essa relaccedilatildeo se tenha mantido por mais de

cinco anos9

Todavia soacute com a Lei nordm 13599 de 28 de Agosto eacute que passou a existir um

diploma legal que reunisse as medidas de proteccedilatildeo da uniatildeo de facto que ateacute agrave data se

encontravam dispersas pelas vaacuterias leis avulsas10 o que resultou de certa forma numa

institucionalizaccedilatildeo11 da uniatildeo de facto Em 2001 foi revogada e substituiacuteda pela Lei nordm

isso que satildeo sujeitas a registo gerando um estado civil () tecircm tambeacutem como caracteriacutestica a tipicidade estatildeo

previstas na lei bem como os factos juriacutedicos que lhes datildeo origem o seu conteuacutedo tipico as causas da sua

extinccedilatildeo () natildeo se pode considerar como familiar uma relaccedilatildeo que natildeo esteja prevista como tal na lei Cfr

RITA LOBO XAVIER ldquolaquoEstatuto Privadoraquo dos membros da Uniatildeo De Factordquo in RJLB Ano 2 2016 pp1511-

1513 No mesmo sentido Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ldquoCurso de Direito da

Famiacuteliardquo 5ordf ed vol I Coimbra Coimbra Editora 2015 p 34 65-67 JORGE DUARTE PINHEIRO ldquoO Direito

da Famiacutelia Contemporacircneordquo 6ordf ed Lisboa AAFDL 2018 p 43 ANTUNES VARELA ldquoDireito da Famiacuteliardquo 5ordf

ed vol I Lisboa Livraria Petrony1999 p 31 DIOGO LEITE DE CAMPOS ldquo Liccedilotildees de Direito da Famiacuteliardquo 2ordf

Ed Almedina Coimbra 1997 p21 MARTA COSTA ldquoConvivecircncia more uxorio na perspetiva de

harmonizaccedilatildeo do Direito da Famiacutelia Europeu uniotildees homossexuaisrdquo 1ordf ed Coimbra Coimbra Editora 2011

p 108 e SANDRA PASSINHAS ldquoUniatildeo de Facto em Portugalrdquo in Actualidad Juriacutedica Iberoamericana Nordm 11

pp 110-147 Agosto de 2019 p115 7 Mais concretamente com a alteraccedilatildeo feita pelo Decreto-Lei nordm 49677 de 25 de novembro 8 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p57 9 Para mais desenvolvimentos cfr HELENA MOTA ldquoO problema normativo da famiacutelia ndash Breve reflexatildeo a

propoacutesito das medidas de proteccedilatildeo agrave uniatildeo de facto adotadas pela lei n ordm13599 de 28 de Agostordquo in Estudos

em Comemoraccedilatildeo dos 5 anos da FDUP 2001 p548-553 10 Cfr FRANCcedilA PITAtildeO ldquoUniatildeo de Facto no Direito Portuguecircs A propoacutesito da Lei nordm 13599 de 2808rdquo

Coimbra Almedina 2000 p36 No mesmo sentido RITA LOBO XAVIER ldquoEstatuto Privadordquo dos membros da

Uniatildeo De Factordquo in RJLB ano 2 2016 p 1499 11 Expressatildeo utilizada por FRANCISCO PEREIRA COELHO para definir a existecircncia de regulaccedilatildeo proacutepria da uniatildeo

de facto Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p68

14

72001 de 110512 atual LUF que aleacutem de regular situaccedilotildees de uniatildeo de facto entre pessoas

de sexo diferente daacute relevacircncia juriacutedica agrave uniatildeo de facto entre pessoas do mesmo sexo

Apesar de natildeo ter representado uma transformaccedilatildeo significativa do conjunto de direitos e

deveres juridicamente conferidos agrave uniatildeo de facto limitando-se em boa parte a reconhecer

direitos conferidos por leis que jaacute existiam acresce algumas disposiccedilotildees inovadoras13 Sendo

claramente as mais relevantes o facto de permitir agraves pessoas de sexo diferente que vivessem

em uniatildeo de facto a adoccedilatildeo conjunta de menores nos mesmos termos que os cocircnjuges

previstos no artigo 1979ordm n ordm1 do CCiv14 e o alargamento das medidas de proteccedilatildeo por ela

concedidas agraves pessoas do mesmo sexo que viviam em uniatildeo de facto15

Posteriormente com a alteraccedilatildeo feita pela Lei nordm 232010 de 30 de agosto visou-

se essencialmente aumentar os efeitos que se produzem apoacutes a morte de um dos membros

da uniatildeo de facto ou apoacutes a sua rutura16 Tendo em vista dessa forma a proteccedilatildeo social do

membro sobrevivo que fique em situaccedilatildeo difiacutecil no que concerne agrave conservaccedilatildeo da sua

12 Alterada pela Lei 232010 de 3008 13 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p68 14 Art7ordm da LUF Nos termos do atual regime de adoccedilatildeo constante do livro IV tiacutetulo IV do Coacutedigo Civil eacute

reconhecido a todas as pessoas que vivam em uniatildeo de facto nos termos da presente lei o direito de adoccedilatildeo

em condiccedilotildees anaacutelogas agraves previstas no artigo 1979ordm do Coacutedigo Civil sem prejuiacutezo das disposiccedilotildees legais

respeitantes agrave adoccedilatildeo por pessoas natildeo casadas 15 A lei 72001 de 1105 resulta da discussatildeo de alguns projetos de lei elaborados por partidos poliacuteticos A

propoacutesito da vigecircncia da lei nordm 13599 que continuava a natildeo proteger juridicamente as relaccedilotildees dos unidos de

facto do mesmo sexo o partido ldquoOs Verdesrdquo apresentou o projeto de lei nordm 6VIII (consultaacutevel em

httpswwwparlamentoptActividadeParlamentarPaginasDetalheIniciativaaspxBID=6374) que pretendia

alterar o nordm1 do art 1ordm da lei em vigor eliminando a referecircncia a pessoas de sexo diferente passando os casais

de orientaccedilatildeo homossexual a ter acesso aos benefiacutecios previstos na LUF com exceccedilatildeo da possibilidade de

adoccedilatildeo que ficaria reservada aos casais heterossexuais Apresentando o projeto de lei nordm 45VIII (consultaacutevel

em

httpswwwparlamentoptActividadeParlamentarPaginasDetalheIniciativaaspxBID=6308) surge o Bloco

de Esquerda tencionando a modificaccedilatildeo do mesmo preceito para que se reconhecessem as uniotildees

homossexuais e ainda que se afastasse da lei o prazo miacutenimo de duraccedilatildeo de convivecircncia se estas situaccedilotildees

fossem registadas passando o art 1ordm n ordm1 a ter a seguinte redaccedilatildeo a presente lei regula a situaccedilatildeo juriacutedica

das pessoas que vivem em uniatildeo de facto O PCP por sua vez apresentou o nordm 145VIII tendo como objetivo

a revogaccedilatildeo da lei que vigorava substituindo-a por uma legislaccedilatildeo que fosse aplicaacutevel a quem vivesse em

uniatildeo de facto haacute mais de dois anos independentemente do sexo corroborava a proteccedilatildeo da casa de morada

comum garantindo a preferecircncia do outro para efeitos de venda ou arrendamento em caso de morte de um dos

membros e pretendia que o acesso a prestaccedilotildees por morte fosse mais flexiacutevel contudo o regime da adoccedilatildeo

continuava reservado aos casais heterossexuais O PS apresentou o projeto de lei nordm 105VIII (consultaacutevel

em httpswwwparlamentoptActividadeParlamentarPaginasDetalheIniciativaaspxBID=6195) que

apesar de natildeo se referir especificamente a uniotildees de facto visava que a proteccedilatildeo concedida pela lei nordm13599

se estendesse a um novo regime denominado de economia comum distinguindo-o do regime aplicaacutevel agraves

uniotildees de facto pela absoluta irrelevacircncia da orientaccedilatildeo sexual das pessoas a quem se confere proteccedilatildeo legal

pretendendo assim a tutela de duas pessoas que vivessem em economia comum haacute mais de dois anos Para

mais desenvolvimentos cfr MARTA COSTA ob cit pp 346-348 16 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p70

15

habitaccedilatildeo e aos meios de subsistecircncia miacutenimos17 Haacute quem considere que apesar das

alteraccedilotildees o regime da uniatildeo de facto portuguecircs em comparaccedilatildeo com muitos sistemas

juriacutedicos eacute modesto e continua a ser o que menos efeitos atribui agrave uniatildeo de facto18 Uma vez

que continua a acolher-se neste domiacutenio uma proteccedilatildeo fragmentaacuteria e especialmente

dirigida a cenaacuterios de crise em que as debilidades dos membros se concretizem com mais

intensidade19 Contudo essa moderaccedilatildeo eacute uma escolha sendo intenccedilatildeo do legislador natildeo

atribuir efeitos imperativos por entender que pode haver quem natildeo queira uma regulaccedilatildeo tatildeo

abrangente de determinadas situaccedilotildees deixando que os proacuteprios membros se possam

organizar privadamente20 O que leva a que no regime da uniatildeo de facto natildeo haja regulaccedilatildeo

juriacutedica relativamente ao seu registo agraves invalidades que podem existir na sua constituiccedilatildeo e

ainda no que respeita ao regime de bens agrave administraccedilatildeo do patrimoacutenio agraves ilegitimidades

de disposiccedilatildeo agrave proibiccedilatildeo de contratos ou regulaccedilatildeo de participaccedilatildeo em sociedades nem no

que toca aos efeitos sucessoacuterios e agrave extinccedilatildeo da situaccedilatildeo de uniatildeo de facto21

Ainda que natildeo defina o conceito de uniatildeo de facto a LUF no seu artigo 1ordm nordm 2

identifica o seu objeto como a situaccedilatildeo juriacutedica de duas pessoas que independentemente do

sexo vivam em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges haacute mais de dois anos Dito isto pode

depreender-se que eacute necessaacuterio que duas pessoas vivam em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos

cocircnjuges haacute mais de dois anos e ainda que segundo o previsto no artigo 2ordm da LUF entre

os membros da uniatildeo natildeo se verifique nenhum dos impedimentos aiacute mencionados No que

concerne agrave constituiccedilatildeo da uniatildeo de facto e ao desenvolvimento dos impedimentos agrave mesma

abordaremos a questatildeo mais adiante

17Art 5ordm e 6ordm da LUF Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ldquoNotas sobre a lei nordm 232010 de 30 de agosto (Alteraccedilatildeo

agrave lei das uniotildees de facto)rdquo in Lex Familiae Coimbra Editora 2012 p 146 A lei nova encara mais nitidamente

a necessidade de proteccedilatildeo do membro sobrevivo da uniatildeo de facto e daacute-lhe prioridade relativamente aos filhos

() considera que a proteccedilatildeo da casa de morada eacute o nuacutecleo irredutiacutevel da proteccedilatildeo conferida ao membro

sobrevivo da uniatildeo de facto e portanto garante a proteccedilatildeo mesmo contra a vontade do falecido 18 Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 153 FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob

cit p 69 19 Cfr RUTE TEIXEIRA PEDRO ldquoBreves reflexotildees sobre a proteccedilatildeo do unido de facto quanto agrave casa de morada

de famiacutelia propriedade do companheiro falecidordquo in AAVV Textos de Direito da Famiacutelia para FRANCISCO

PEREIRA COELHO coord GUILHERME DE OLIVEIRA Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016

p310 20 De realccedilar que em 2001 o nuacutemero registado de pessoas a viver em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges foi

de 381 mil indiviacuteduos e em 2011 quase que duplicou perfazendo o total de 730 mil indiviacuteduos Dados

consultaacuteveis em

httppordataptPortugalPopulaC3A7C3A3o+residente+segundo+os+Censos+em+uniC3B5es+

de+facto-2649-222898 21 Para aleacutem do disposto no art 8ordm da LUF Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 153 FRANCISCO PEREIRA

COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 70

16

3 A uniatildeo de facto e a Constituiccedilatildeo da Reacutepublica Portuguesa

Ainda na linha de pensamento do ponto anterior no que respeita ao artigo 36ordm n ordm1

da CRP importa dizer que esta norma determina que todos tecircm o direito de constituir famiacutelia

e de contrair casamento em condiccedilotildees de igualdade22 ou seja pode considerar-se que este

artigo consagra essencialmente dois direitos o de constituir famiacutelia e o de casar23 Nesta

senda importa tambeacutem debruccedilarmo-nos sobre a proteccedilatildeo que a Constituiccedilatildeo oferece agrave uniatildeo

de facto

Jaacute referimos que certos AA como GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA24

defendem que o que parece decorrer do nordm1 do artigo 36ordm CRP eacute que a Constituiccedilatildeo natildeo

admite a reduccedilatildeo do conceito de famiacutelia agrave uniatildeo conjugal baseada no casamento havendo

outras formas de constituiccedilatildeo de famiacutelia aleacutem do casamento como a uniatildeo de facto isto eacute

ao distinguir a famiacutelia do casamento o legislador pretendeu demonstrar que se tratam de

realidades diversas e que o direito a constituir famiacutelia natildeo estaacute vedado a quem natildeo pretenda

contrair casamento25 Segundo esta corrente doutrinaacuteria haacute uma abertura constitucional - se

natildeo mesmo uma obrigaccedilatildeo - para conferir relevo agraves uniotildees familiares de facto tendo em

consideraccedilatildeo que o conceito constitucional natildeo abrange apenas a famiacutelia

matrimonializada26 Apesar de afirmarem o reconhecimento da uniatildeo de facto como relaccedilatildeo

juriacutedica familiar postulam que tal natildeo implica que haja um tratamento legal totalmente

22 A sua interpretaccedilatildeo deve ser feita como se o n ordm1 do art36ordm prescrevesse que laquotodos tecircm o direito de

constituir famiacutelia em condiccedilotildees que natildeo violem o princiacutepio da igualdade definido no artigo 13ordmraquo Tendo em

conta que ao espiacuterito desta norma constitucional natildeo repugna efetivamente aceitar as limitaccedilotildees resultantes

da legislaccedilatildeo vigente quer em mateacuteria de impedimentos matrimoniais() Cfr ANTUNES VARELA ldquoDireito da

Famiacuteliardquo 5ordf ed vol I Lisboa Livraria Petrony 1999 p 158 23 Em sentido diverso Cfr JOAtildeO DE CASTRO MENDES ldquoFamiacutelia e casamentordquo in Estudos sobre a Constituiccedilatildeo

JORGE MIRANDA (coord) vol I Lisboa Livraria Petrony 1977 p 372 que entende que os dois direitos

reduzem-se a um soacute E ainda Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoCasamento e Famiacutelia no direito portuguecircsrdquo

obcit p 8 que entende que ao contraacuterio do que acontece no artigo 16ordm DUDH o legislador portuguecircs optou

por colocar o direito a constituir famiacutelia agrave frente do direito de contrair casamento na disposiccedilatildeo do n ordm1 do art

36ordm natildeo se sabe bem porquecirc 24Cfr J GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA ob cit p561 CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo

Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova Relaccedilatildeo Familiarrdquo in Estudos em Homenagem ao Prof Doutor Jorge

Miranda Vol VI Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Coimbra Editora 2012 p 453 HENRICH

EWALD HOumlRSTER ldquoInconstitucionalidade da Tributaccedilatildeo Conjunta dos Cocircnjugesrdquo in Revista de Direito e

Economia da Universidade de Coimbra Ano III nordm 2 Julho ndash Dezembro 1977 p 506 25 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova Relaccedilatildeo Familiarrdquo

obcit p 453 CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoA jurisprudecircncia do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e as

Novas Formas de Famiacutelia ndash The European Court of Human Rights and The New Concept of Familyrdquo in Revista

Juriacutedica da Universidade Portucalense nordm15 Universidade Portucalense Porto 2012 p 36 Neste sentido

vide Acoacuterdatildeo Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 15-02-2007 proferido no acircmbito do processo nordm 62842006-

8 26 Cfr JJ GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA ob cit p 561

17

idecircntico entre as famiacutelias natildeo matrimonializadas e as famiacutelias baseadas no casamento desde

que as distinccedilotildees feitas natildeo sejam arbitraacuterias irrazoaacuteveis ou desproporcionadas e tenham

em conta todos os direitos e interesses em jogo27

De outra parte FRANCISCO PEREIRA COELHO e GUILHERME DE OLIVEIRA defendem

que a 1ordf parte do n ordm1 do artigo 36ordm CRP ao estabelecer que todos tecircm direito de constituir

famiacutelia esse diz respeito essencialmente agraves relaccedilotildees de filiaccedilatildeo pois o direito de constituir

famiacutelia eacute antes de mais o direito a procriar e ainda o direito a estabelecer as

correspondentes relaccedilotildees de paternidade e maternidade28 Relativamente agrave 2ordf parte do

mesmo artigo alertam para o facto de natildeo se poder reconduzir a uniatildeo de facto a uma

dimensatildeo ou vertente negativa do direito de contrair casamento uma vez que a dimensatildeo

negativa desse direito eacute o de natildeo casar2930

Embora entendam que este artigo natildeo oferece proteccedilatildeo constitucional agrave uniatildeo de

facto isso natildeo quer dizer que esta fique desprotegida constitucionalmente Para estes AA o

princiacutepio de proteccedilatildeo da uniatildeo de facto decorre do direito ao desenvolvimento da

personalidade previsto no nordm1 do artigo 26ordm CRP considerando-o como o direito do

indiviacuteduo a afirmar livremente a sua identidade31 como sujeito autoacutenomo dotado de

autodeterminaccedilatildeo decisoacuteria32 sem estar vinculado a modelos externamente impostos e

conferindo-lhe o direito a viver a sua vida do modo que escolher podendo dizer-se que

estabelecer uma uniatildeo de facto eacute uma manifestaccedilatildeo desse direito33

A proteccedilatildeo conferida pelo direito ao desenvolvimento da personalidade natildeo exige

que o legislador conceda agrave uniatildeo de facto efeitos semelhantes aos que oferece ao casamento

equiparando o que natildeo eacute igual visto que os membros da uniatildeo de facto natildeo assumem um

27 Como por exemplo os direitos dos filhos Idem 28 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 60 29 Idem 30 Mais amplo do que viver em uniatildeo de facto pois pode ainda significar ficar em solidatildeo relacionar-se

esporadicamente ou pontualmente ou ateacute viver em promiscuidade Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e

Personalidaderdquo Almedina Coimbra 2017 p 237 No mesmo sentido Cfr NUNO SALTER CID ldquoSobre o

Direito de natildeo Contrair Casamentordquo in Famiacutelia Consciecircncia Secularismo e Religiatildeo 1ordf Ediccedilatildeo Coimbra

Editora 2010 p 28 O direito de natildeo contrair casamento o tal direito fundamental que a Constituiccedilatildeo

implicitamente confere e protege como dimensatildeo ou vertente negativa do direito de contrair casamento eacute na

verdade e apenas o direito de se negar a contrair casamento o direito natildeo ser forccedilado a casar-se um direito

que natildeo exerce apenas quem opta por viver em uniatildeo de facto mas tambeacutem quem opta por manter-se solteiro

divorciado ou viuacutevo (de Direito ou de facto) 31 Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e Personalidaderdquo ob cit p 237 32 Cfr JJ GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA ob cit p 463 33 Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e Personalidaderdquo ob cit p 237

18

compromisso de vida por natildeo quererem ou natildeo o poderem fazer Equiparar o que eacute diferente

nesta medida poderia ser julgado inconstitucional pois iria impor agraves pessoas que vivem em

uniatildeo de facto os mesmos deveres e conceder os mesmos direitos que impotildee e concede agraves

que satildeo casadas violando o direito a natildeo casar sendo-lhes forccedilado um estatuto que em

princiacutepio rejeitaram por vontade proacutepria

Conveacutem ainda referir que no que toca ao princiacutepio da proteccedilatildeo da famiacutelia previsto

no artigo 67ordm CRP este natildeo impotildee ao legislador ordinaacuterio a atribuiccedilatildeo de efeitos favoraacuteveis

agrave uniatildeo de facto mas tambeacutem natildeo proiacutebe que sejam concedidos agrave mesma os efeitos que

considere adequados e justificados34 FRANCISCO PEREIRA COELHO considera ainda que este

princiacutepio constitucional natildeo visa apenas a famiacutelia conjugal35 ao contraacuterio de CASTRO

MENDES que explica que soacute faz sentido valer neste contexto a famiacutelia fundada no

casamento natildeo devendo a lei passar um laquocheque em brancoraquo a quaisquer formas de

sociedade familiar36 Por sua vez SANDRA PASSINHAS defende que apesar da uniatildeo de facto

natildeo ser uma forma de contrair casamento e natildeo caber no acircmbito de proteccedilatildeo do artigo 36ordm

da CRP isso natildeo inibe que o casal nascido da uniatildeo de facto juridicamente protegida

tambeacutem seja considerado famiacutelia para efeitos da proteccedilatildeo institucional conferida pelo

artigo 67ordm CRP37 pois entende que seria inaceitaacutevel que no acircmbito normativo do artigo 67ordm

CRP natildeo coubessem as relaccedilotildees parafamiliares como a uniatildeo de facto38 Nesta ordem de

ideias eacute possiacutevel aferir que a constituiccedilatildeo natildeo permite penalizar a uniatildeo de facto ou equiparaacute-

la ao casamento39

34 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoAnotaccedilatildeo ao Ac do STJ de 2 de abril de 1987rdquo in Revista de Legislaccedilatildeo

e Jurisprudecircncia nordm 3782 ano 122 Coimbra 1990 p84 35 Idem Entendendo que o princiacutepio constitucional visa abranger a famiacutelia natural e ainda a adotiva 36 Cfr JOAtildeO DE CASTRO MENDES ldquoFamiacutelia e casamentordquo in Estudos sobre a Constituiccedilatildeo JORGE MIRANDA

(coord) vol I Lisboa Livraria Petrony 1977 p 373 37 Referindo em abono da posiccedilatildeo que defende o modo como o legislador na LUF em cumprimento do

disposto no art 67ordm nordm2 da CRP conformou a posiccedilatildeo dos unidos de facto no sentido de lhes conceder

proteccedilatildeo da casa de morada de famiacutelia de os beneficiar com o regime juriacutedico aplicaacutevel a pessoas casadas

em mateacuteria de feacuterias feriados faltas licenccedilas e de preferecircncia na colocaccedilatildeo dos trabalhadores da

Administraccedilatildeo Puacuteblica com a aplicaccedilatildeo do regime do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares

concedendo-lhes proteccedilatildeo socia na eventualidade de morte do beneficiaacuterio por aplicaccedilatildeo do regime geral ou

de regimes especais de seguranccedila social bem como prestaccedilotildees por morte resultante de acidente de trabalho

ou doenccedila profissional a pensatildeo do preccedilo de sangue e por serviccedilos excecionais e relevantes prestados ao paiacutes

ou a inclusatildeo do unido de facto no elenco dos titulares do direito agrave indemnizaccedilatildeo por danos natildeo patrimoniais

por morte da viacutetima no nordm3 do art 496ordm SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e Personalidaderdquo obcit p240 38 Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e Personalidaderdquo obcit p 231 39 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p64

19

A propoacutesito dos diplomas internacionais cabe referir que a Declaraccedilatildeo Universal

dos Direitos do Homem40 inclui dois princiacutepios relativos agrave famiacutelia Primeiramente no seu

artigo 12ordm onde estabelece o direito ao respeito pela vida familiar seguido do artigo 16ordm que

abrange no seu nordm 1 o direito de casar e de constituir famiacutelia e no seu nordm 3 reconhece a

famiacutelia como elemento natural e fundamental da sociedade tendo direito agrave proteccedilatildeo desta e

do Estado Tambeacutem a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem41 conteacutem dois

princiacutepios dedicados agrave famiacutelia o direito ao respeito pela vida privada e familiar previsto no

seu artigo 8ordm e por sua vez o direito a casar e a constituir famiacutelia estando este disposto no

artigo seu 12ordm Nestes diplomas o legislador internacional tal como o legislador nacional

natildeo assegura uma definiccedilatildeo de famiacutelia ou casamento levando a que se concretizem e sejam

interpretados de forma diversa consoante o substrato social de quem o faz42 Pois como

defende CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS43 eacute inegaacutevel as transformaccedilotildees que o conceito de famiacutelia

tradicional tem sofrido dando origem a novas formas de famiacutelia como as de facto as

monoparentais as recombinadas e as homossexuais Nesta senda note-se que o Tribunal

Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) apesar de ter em conta a tutela do casamento e

encorajar a famiacutelia tradicional44 tem vindo a considerar que o artigo 8ordm CEDH natildeo se refere

apenas agrave famiacutelia constituiacuteda com base no casamento como acontece no artigo 12ordm CEDH

podendo conceder tutela a outros laccedilos familiares como as uniotildees de facto45

40 Proclamada pela Assembleia Geral das Naccedilotildees Unidas em Paris a 10 de dezembro de 1948 41 Assinada a 4 de novembro de 1950 em Roma tendo entrado em vigor em 1953 A adesatildeo de Portugal deu-

se apenas em 1978 42 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova Relaccedilatildeo Familiarrdquo

obcit p 458 43 Idem 44 Neste sentido e para mais desenvolvimentos Cfr SUSANA ALMEIDA ldquoO Respeito pela Vida (Privada e)

Familiar na Jurisprudecircncia do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem A tutela das Novas Formasrdquo

Coimbra Editora 2008 p 165 45 Article 8 (art 8) applies to the family life of the illegitimate family as well as to that of the legitimate

family Ac JOHNSTON C IRLANDA 18 de dezembro de 1986 p19 consultaacutevel em

httpshudocechrcoeinteng22itemid22[22001-5750822

The Court recalls that the notion of the family in this provision is not confined solely to marriage-based

relationships and may encompass other de facto family ties where the parties are living together outside of

marriage Ac KEEGAN C IRLANDA de 26 de maio de 1994 p13 consultaacutevel em

httpshudocechrcoeinteng22itemid22[22001-5788122]

20

31 A uniatildeo de facto e o casamento ndash liberdade mas e proteccedilatildeo

Como jaacute haviacuteamos referido tanto a proteccedilatildeo conferida pelo direito ao

desenvolvimento da personalidade quanto a que se entenda que eacute dada pelo artigo 36ordm CRP

natildeo exige que o legislador atribua agrave uniatildeo de facto efeitos semelhantes aos do casamento

equiparando os dois institutos Esta diferenccedila de tratamento de situaccedilotildees distintas natildeo viola

o princiacutepio da igualdade previsto no artigo 13ordm CRP visto que esta norma apenas proiacutebe as

discriminaccedilotildees arbitraacuterias ou sem fundamento46 Tratam-se de situaccedilotildees materialmente

diferentes enquanto no casamento se assume um compromisso de vida em comum

sujeitando-se a um viacutenculo juriacutedico47 um contrato entre duas pessoas que pretendem

constituir famiacutelia mediante uma plena comunhatildeo de vida na uniatildeo de facto os membros natildeo

querem ou natildeo podem assumir esse compromisso48

Antes de nos dedicarmos ao estudo do contraste que o regime da uniatildeo de facto e o

casamento apresentam em concreto conveacutem relembrar a noccedilatildeo de casamento no nosso

ordenamento juriacutedico Assim segundo o artigo 1577ordm CCiv o casamento constitui um

contrato4950 um compromisso juriacutedico assumido por duas pessoas que se vinculam entre si

mediante uma plena comunhatildeo de vida Ainda que o Coacutedigo Civil natildeo defina explicitamente

o que significa plena comunhatildeo de vida eacute possiacutevel aferir-se pelos preceitos subsequentes

que esta deve ser guiada pelos deveres de respeito fidelidade coabitaccedilatildeo cooperaccedilatildeo e

46 Acoacuterdatildeo Tribunal Constitucional nordm 33686 p 3807 Neste artigo reconhece-se o direito agrave diferenccedila desde

que esta natildeo ultrapasse os limites da tolerabilidade ou da discricionariedade Acoacuterdatildeo Tribunal Constitucional

nordm 11881996 O princiacutepio da igualdade (artigo 13ordm da Constituiccedilatildeo) impotildee se decirc tratamento igual ao que for

essencialmente igual e se trate diferentemente o que diferente for Natildeo proiacutebe as distinccedilotildees de tratamento se

materialmente fundadas proiacutebe isso sim a discriminaccedilatildeo as diferenciaccedilotildees arbitraacuterias ou irrazoaacuteveis

carecidas de fundamento racional No mesmo sentido vide Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de

08-03-2006 proferido no acircmbito do processo nordm 419705JTRC 47 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova Relaccedilatildeo Familiarrdquo

obcit p 460 48 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p63 49Apesar da sua contratualidade ser afirmada na sua definiccedilatildeo legal esta eacute contestada Haacute quem qualifique o

casamento como um mero acordo outros como instituiccedilatildeo ou ainda como um puro ato administrativo vendo

a declaraccedilatildeo do funcionaacuterio do registo civil como o elemento constitutivo do casamento e o consentimento

das partes como um simples pressuposto dessa declaraccedilatildeo Cfr mais desenvolvidamente FRANCISCO PEREIRA

COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit pp 232- 235 e ainda TELMA CARVALHO ob cit p 230 50 Cfr FRANCcedilA PITAtildeO ldquoOs novos casamentos ou a crise do casamento tradicional no direito portuguecircs in

AAVV Comemoraccedilotildees dos 35 anos do Coacutedigo Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977 vol I Coimbra

Editora Coimbra 2004 pp 178-179

21

assistecircncia (artigo 1672ordm CCiv) aleacutem disso deve ser exclusiva (artigo 1601ordm CCiv) e tendo

em vista a perpetuidade (artigo 1773ordm CCiv)

A solenidade de formalizaccedilatildeo de vontades necessaacuteria no casamento (artigo 1615ordm

CCiv) em contraposiccedilatildeo agrave falta de forma de celebraccedilatildeo uniatildeo de facto tem sido a principal

diferenccedila apontada pela doutrina entre estas duas formas de vida Dado que no casamento

haacute a expressatildeo de duas vontades atraveacutes de uma declaraccedilatildeo expressa perante uma entidade

puacuteblica que abrange todo o conteuacutedo do casamento Os nubentes ao declararem que aceitam

casar estatildeo simultaneamente a aceitar os efeitos legais do casamento tal como prevecirc o

regime obrigatoacuterio do artigo 1618ordm nordm 1 CCiv Aceitam todos os deveres reciacuteprocos e

tambeacutem os efeitos patrimoniais onde vatildeo tendo uma autonomia privada ainda que limitada

atraveacutes das convenccedilotildees antenupciais51 Isto eacute na uniatildeo de facto haacute uma intencionalidade52

de viver em comunhatildeo plena de vida com outra pessoa no casamento aleacutem da

intencionalidade da plena comunhatildeo de vida haacute a intenccedilatildeo de celebrar o casamento com

tudo o que o seu regime legal acarreta

No caso da uniatildeo de facto essa intencionalidade natildeo eacute declarada de forma solene ou

formal eacute um acordo iacutentimo realizado entre os membros da situaccedilatildeo de facto que natildeo eacute

reconhecido por nenhum ente estadual53 Por outro lado a realizaccedilatildeo do casamento aleacutem de

implicar todo um processo preliminar que tem por fim um despacho final que no caso de ser

favoraacutevel pressupotildee a celebraccedilatildeo do casamento no prazo de seis meses subsequentes a essa

autorizaccedilatildeo tem forma puacuteblica e a sua celebraccedilatildeo acarreta o seu registo (artigo 1ordm al d)

CRegCiv) Este registo eacute obrigatoacuterio e comporta uma elevada importacircncia visto que soacute com

o reconhecimento do casamento pelo Conservador do Registo Civil (artigo 1615ordm CCiv) eacute

possiacutevel fazer a prova do estado civil das pessoas Eacute a uacutenica prova legalmente admitida do

casamento sendo que enquanto este natildeo for registado natildeo pode ser invocado54 Devido agrave

uniatildeo de facto natildeo implicar uma alteraccedilatildeo no estado civil dos membros por natildeo estar sujeita

a registo torna a falta de publicidade no que concerne agrave elaboraccedilatildeo deste estudo a grande

diferenccedila entre este regime juriacutedico e o do casamento e o que tem maior repercussatildeo no

51 Cfr TELMA CARVALHO ob cit p 229 52 Cfr TELMA CARVALHO ob cit p 230 53 Cfr TELMA CARVALHO ob cit p 237 54 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 337

22

regime protecional dos unidos de facto jaacute que o que natildeo pode ser provado em princiacutepio

natildeo pode ser protegido

Aleacutem da dificuldade da prova da uniatildeo de facto quer diante o Estado quer em face

a terceiros a falta do seu registo impede o controlo da sua existecircncia e do cumprimento dos

seus requisitos por parte do Estado Abordaremos a questatildeo da dificuldade da prova

resultante da falta de publicidade da uniatildeo de facto mais aprofundadamente na parte a ela

dedicada

Ateacute aqui apresentamos diferenccedilas de caraacuteter puramente formal nomeadamente no

que respeita agrave natureza contratual do casamento agrave solenidade da celebraccedilatildeo do mesmo e

ainda quanto agrave sua publicidade em contrapartida com o que acontece com a uniatildeo de facto

tendo umas mais importacircncia objetiva que outras Cabe agora analisar as diferenccedilas que tecircm

sido apontadas aos efeitos juriacutedicos praacuteticos Nomeadamente a necessidade de decurso de

prazo de dois anos para que a lei atribua agrave uniatildeo de facto efeitos juriacutedicos uma vez que no

nordm 2 do artigo 1ordm da LUF estaacute previsto que a uniatildeo de facto eacute a situaccedilatildeo juriacutedica de duas

pessoas que independentemente do sexo vivam em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges haacute

mais de dois anos Haacute entatildeo uma exigecircncia do decurso de dois anos55 dessa convivecircncia para

que a situaccedilatildeo anaacuteloga agrave dos cocircnjuges seja considerada uniatildeo de facto Ao passo que o

casamento se considera constituiacutedo com a declaraccedilatildeo de vontade de cada nubente e celebrado

perante uma entidade competente natildeo necessitando da decorrecircncia de nenhum prazo para

que se considere constituiacutedo

Eacute de notar alguma diferenccedila ainda no que se refere agrave cessaccedilatildeo do casamento e agrave

dissoluccedilatildeo da uniatildeo de facto O artigo 1773ordm CCiv determina que o divoacutercio pode ser por

muacutetuo consentimento ou sem consentimento de um dos cocircnjuges - desde que se verifiquem

algum dos fundamentos de rutura previstos no artigo 1781ordm CCiv - ou seja natildeo basta o

simples afastamento dos cocircnjuges para que o casamento cesse haacute um viacutenculo formal que

tem de ser dissolvido A uniatildeo de facto dissolve-se quando cessar o facto da uniatildeo56 isto eacute

55 Noutras regulamentaccedilotildees especiacuteficas esse prazo pode variar () por exemplo no caso da transmissatildeo de

arrendamento por morte do unido o prazo de um ano basta na Lei da Nacionalidade jaacute eacute exigida a duraccedilatildeo de

trecircs anos para que um estrangeiro possa declarar querer adquirir a nacionalidade portuguesa com fundamento

na uniatildeo de facto SANDRA PASSINHAS ldquoUniatildeo de Facto em Portugalrdquo ob cit p113 56 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo in AAVV Textos de Direito da Famiacutelia para Pereira Coelho GUILHERME OLIVEIRA (coord)

Imprensa da Universidade de Coimbra 2016 p 91

23

com a rutura da efetiva comunhatildeo de vida que acontece com a verificaccedilatildeo de alguma das

situaccedilotildees mencionadas no nordm 1 do artigo 8ordm da LUF

Veja-se entre noacutes a uniatildeo de facto eacute objeto de atribuiccedilatildeo de alguns efeitos juriacutedicos

poreacutem no que respeita ao domiacutenio das relaccedilotildees patrimoniais e agrave regulamentaccedilatildeo das

consequecircncias da sua dissoluccedilatildeo natildeo haacute nenhuma norma reguladora Isto eacute natildeo existe

regulamentaccedilatildeo quanto ao regime de bens e natildeo sendo em princiacutepio de aplicar

analogicamente o regime juriacutedico do casamento57 os membros da uniatildeo de facto sentem a

necessidade de criarem eles proacuteprios um estatuto juriacutedico que regule determinados

problemas que possam surgir da sua comunhatildeo de vida com base no princiacutepio da autonomia

da vontade58 Em alguns ordenamentos juriacutedicos59 a soluccedilatildeo para esta questatildeo eacute o contrato

de coabitaccedilatildeo60 visto como a hipoacutetese de conferir aos membros da uniatildeo de facto a

possibilidade de regularem as suas relaccedilotildees patrimoniais com base no princiacutepio da

autonomia patrimonial61 Apesar de no nosso ordenamento juriacutedico natildeo haver tipificaccedilatildeo

legal do contrato de coabitaccedilatildeo - como a uniatildeo de contratos em que os membros da uniatildeo

de facto reuacutenem vaacuterias espeacutecies contratuais em vista da organizaccedilatildeo convencional das suas

relaccedilotildees patrimoniais durante a vida da relaccedilatildeo e apoacutes a extinccedilatildeo desta62- natildeo haacute

legalmente nada a opor a esses contratos desde que estes se limitem a regular os efeitos

patrimoniais sem abrangerem os efeitos pessoais63 Houve por parte do PCP com o artigo

57 Cfr FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo ob cit p83 58 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDissoluccedilatildeo da uniatildeo de facto ndash Anotaccedilatildeo ao Acoacuterdatildeo do TRG de 2992004

Proc 128904rdquo in Cadernos de Direito Privado nordm 11 julhoSetembro 2005 p72 59 Como nos Estados Unidos na Holanda e no Canadaacute e ainda na Espanha e Franccedila onde satildeo normalmente

celebrados apesar de levantarem algumas duacutevidas Neste sentido vide Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de

Lisboa de 29-11-2012 proferido no acircmbito do processo nordm 444092TCFUNL1-A-8 JEAN CARBONNIER

ldquoDroit Civil (T2 ndash La famille lrsquoenfant le couple)rsquorsquo 21ordm ed PUF Paris 2002 p681 EDUARDO ESTRADA

ALONSO ldquoLas uniones extramatrimoniales en el Derecho Civil Espantildeolrdquo 2ordm ed Civitas Madrid 1991 pp

139-152 o A prevecirc a possibilidade de utilizar a autonomia da vontade dos membros como fonte de regulaccedilatildeo

das uniotildees de facto apesar de este tipo de convenios natildeo serem frequentes em Espanha devido a possibilidade

dos tribunais os poderem declarar nulos por ilicitude de causa o A admite a sua validade desde que tratem

apenas de aspetos patrimoniais 60 Pode ser designado de diversas formas tais como contrato de convivecircncia contratos de uniatildeo de facto

convenccedilotildees entre conviventes pactos concubinaacuterios Cfr MARTA COSTA ob cit p156 GERALDO ALMEIDA

ob cit p202 RENATO NETO ldquoContrato de Coabitaccedilatildeo na Uniatildeo de Facto Confronto entre o Direito Brasileiro

e Portuguecircsrdquo Livraria Almedina Coimbra 2006 pp 69-70 61 Cfr MARTA COSTA ob cit p157 62 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 84 63 Cfr JOSEacute JOAtildeO GONCcedilALVES DE PROENCcedilA ldquoDireito da Famiacuteliardquo Lisboa Universidade Lusiacuteada Editora 2003

p 34

24

5ordm do projeto de lei nordm 384VII a proposta de uma convenccedilatildeo de uniatildeo de facto64 que

pretendia afastar nesta mateacuteria a incerteza e inseguranccedila juriacutedicas resultantes da LUF natildeo

tendo todavia prosseguido

Por uacuteltimo eacute de ressalvar a diferenccedila notoacuteria que haacute entre os efeitos sucessoacuterios do

casamento e da uniatildeo de facto O estatuto sucessoacuterio do cocircnjuge sobrevivo tem um elevado

grau de proteccedilatildeo comparativamente com a proteccedilatildeo oferecida ao unido sobrevivo uma vez

que o cocircnjuge aleacutem de ser herdeiro legiacutetimo eacute tambeacutem herdeiro legitimaacuterio65 enquanto o

unido sobrevivo natildeo eacute considerado sequer herdeiro do falecido limitando-se a lei a conceder

o direito de exigir alimentos da heranccedila do mesmo (artigo 2020ordm CCiv) Constata-se uma

enorme discrepacircncia de tratamento entre o cocircnjuge sobrevivo e o unido de facto sobrevivo

devendo a posiccedilatildeo deste uacuteltimo ser objeto de atenccedilatildeo pelo legislador nem que seja para

integrar a sucessatildeo legitima numa posiccedilatildeo inferior agrave do cocircnjuge descendentes e

ascendentes66 Tendo isto em conta eacute possiacutevel afirmar-se que atualmente muitos casais

optam pelo instituto do casamento ao inveacutes do instituto da uniatildeo de facto pela proteccedilatildeo que

este concede ao sobrevivo em caso de morte podendo o casamento ser visto de certa forma

como um (quase) contrato sucessoacuterio67 Na praacutetica muitos casais com esta informaccedilatildeo

apesar de natildeo acharem necessaacuterio celebrar casamento no acircmbito social ou cultural optam

por fazecirc-lo devido agrave elevada discrepacircncia existente entre ambos os institutos

FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO68 defende que diante do presente quadro

regulativo natildeo pode por um lado ser recusada liminarmente a possibilidade de aplicaccedilatildeo agrave

uniatildeo de facto das normas pertencentes ao regime do casamento desde que se tratem de

efeitos indiretos ou legais do casamento e de efeitos fundados na simples existecircncia de uma

comunhatildeo de vida Por outro lado levando em conta o atual quadro legislativo natildeo pode ser

64 Prevendo a possibilidade dos membros da uniatildeo de facto celebrarem uma convenccedilatildeo que visava estabelecer

o seu regime de bens a responsabilidade por diacutevidas e o seu regime de administraccedilatildeo de bens Consultaacutevel em

httpswwwpcpptarlegis-7projleipjl384html 65 Isto eacute nos termos do 2132ordm CCiv eacute chamado agrave sucessatildeo mesmo que o falecido natildeo tenha deixado testamento

vaacutelido consta tambeacutem do art 2157ordm CCiv tendo direito a uma porccedilatildeo de bens (a legiacutetima) que o falecido natildeo

pode dispor no seu testamento Cfr OLIVEIRA ASCENSAtildeO ldquoDireito civil Sucessotildeesrdquo Coimbra Editora 5ordf Ed

2000 pp 333 e 353 66 Para mais desenvolvimentos FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da

uniatildeo de facto breves observaccedilotildeesrdquo ob cit pp104-105 67 Cfr FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo ob cit p103 68 Cfr FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo ob cit pp 83-101

25

feita uma geneacuterica aplicaccedilatildeo analoacutegica do regime do casamento O A aleacutem de salvaguardar

que essa aplicaccedilatildeo soacute poderia abranger os referidos efeitos indiretos ou legais do casamento

alega que antes dessa aplicaccedilatildeo teriam de se apurar caso a caso os interesses em causa e a

ratio da norma eventualmente aplicaacutevel e soacute assim se poderia fundar uma aplicaccedilatildeo

analoacutegica Aleacutem do mais alerta para o quadro limitado de efeitos que a nossa lei fixou para

a uniatildeo de facto previsto na LUF o que pode refletir o intuito de impedir uma aplicaccedilatildeo

analoacutegica das normas do casamento de forma irrestrita O A declara que tendo em

consideraccedilatildeo os uacuteltimos desenvolvimentos legislativos na regulaccedilatildeo da uniatildeo de facto e no

casamento69 a diferenccedila que assenta no facto de natildeo haver uma vontade de vinculaccedilatildeo no

plano juriacutedico e da comunhatildeo de vida dos membros da uniatildeo de facto natildeo implicar o

cumprimento de deveres conjugais ficou bastante atenuada Natildeo soacute porque se tem vindo a

assistir a uma desregulaccedilatildeo do casamento em termos imperativos mas tambeacutem pelo Coacutedigo

Civil se limitar a fixar os deveres pessoais dos cocircnjuges e os modos de execuccedilatildeo dos mesmos

natildeo obedecerem a um padratildeo uacutenico Crecirc que se tem vindo a assistir a um progressivo

afrouxamento dos deveres conjugais por estarem esvaziados das normais caracteriacutesticas de

um dever juriacutedico tanto no plano das consequecircncias indemnizatoacuterias como nas resolutoacuterias

Levando-o a concluir que esbatida a base da diferenccedila principal entre os dois institutos

deixou de haver fundamento para a recusa de uma aplicaccedilatildeo analoacutegica agrave uniatildeo de facto de

muitas normas do casamento que estabelecem efeitos indiretos ou laterais de diversa ordem

deixando o casamento de ser necessaacuterio no plano social afetivo cultural ou econoacutemico e

que este soacute subsiste em maior nuacutemero do que a uniatildeo de facto por se tratar de um haacutebito

adquirido pela sociedade e por haver em certos meios uma pressatildeo social e religiosa nesse

sentido70

Por seu turno CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS no acircmbito dos efeitos patrimoniais da

uniatildeo de facto defende que a aplicaccedilatildeo analoacutegica de uma norma pressupotildee a existecircncia de

uma lacuna No entanto entende que natildeo se pode falar em lacuna quando natildeo existe uma

regulamentaccedilatildeo juriacutedica numa dada mateacuteria visto que essa inexistecircncia de regulamentaccedilatildeo

pode ter sido intencional por parte do legislador Podendo tambeacutem ser pretensatildeo do proacuteprio

69 Com as alteraccedilotildees agrave Lei nordm 72001 introduzidas pela Lei nordm 232010 de 30 de agosto no que respeita agrave uniatildeo

de facto e relativamente ao casamento em consequecircncia da profunda reforma operada pela Lei nordm 612008 de

31 de Outubro 70 Cfr FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo ob cit p 102

26

legislador que o seu preenchimento fique a cargo da doutrina e da jurisprudecircncia71 No

entanto julga que a sua integraccedilatildeo deveraacute ser feita por recurso agraves regras gerais e natildeo por

aplicaccedilatildeo do regime do casamento para o qual o legislador natildeo remeteu intencionalmente

A soluccedilatildeo a nosso ver passaria por natildeo se estender agrave uniatildeo de facto os efeitos do

casamento evitando uma intromissatildeo injustificada na escolha que as partes fizeram de natildeo

contraiacuterem casamento No entanto seria importante reforccedilar o regime legal atual natildeo

olvidando os que apesar de optarem por natildeo seguir a via do casamento pretendem uma

proteccedilatildeo mais firme e os que pretendem apenas a coabitaccedilatildeo sem consequecircncias juriacutedicas

Enveredando-se por um caminho que consolide os efeitos juriacutedicos da uniatildeo de facto com

um regime proacuteprio que natildeo se confunda com o do casamento possibilitando aos que

pretendam uma uniatildeo sem consequecircncias juriacutedicas a liberdade de escolha de sujeiccedilatildeo a um

regime legal ou natildeo

71 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDissoluccedilatildeo da uniatildeo de facto ndash Anotaccedilatildeo ao Acoacuterdatildeo do TRG de 2992004

Proc 128904rdquo ob cit pp 74-75

27

4 Constituiccedilatildeo da relaccedilatildeo de Uniatildeo de Facto e os seus efeitos

A uniatildeo de facto constitui-se quando dois sujeitos do mesmo sexo ou de sexo

diferente que tecircm uma relaccedilatildeo passam a viver em comunhatildeo de leito mesa e habitaccedilatildeo

Passando os membros a viver nessas condiccedilotildees e natildeo sendo essa situaccedilatildeo objeto de registo

civil72 ou administrativo ao contraacuterio do que acontece em alguns ordenamentos vizinhos

que mereceratildeo a nossa anaacutelise mais adiante torna-se mais difiacutecil saber de forma exata

quando se iniciou para que seja possiacutevel a partir daiacute contar os dois anos necessaacuterios para

que a situaccedilatildeo de facto produza os efeitos previstos no artigo 3ordm da LUF

Efeitos estes que soacute se produziratildeo se cumulativamente com requisito temporal de

decurso de dois anos natildeo existir nenhum impedimento dirimente ao casamento dos membros

da uniatildeo de facto Eacute a soluccedilatildeo prevista no artigo 2ordm da LUF que reproduz nas suas aliacuteneas

o disposto no artigo 1601ordm e 1602ordm CCiv obstando agrave constituiccedilatildeo de uma uniatildeo de facto

juridicamente protegida impedimentos relacionados com a idade dos companheiros a

existecircncia de uma demecircncia notoacuteria mesmo com intervalos luacutecidos e situaccedilatildeo de

acompanhamento de maior se assim estabelecer a sentenccedila que a haja decretado salvo se

posteriores ao iniacutecio da uniatildeo a ocorrecircncia de casamento anterior natildeo dissolvido exceto se

tiver sido decretada a separaccedilatildeo de pessoas e bens o parentesco na linha reta ou no 2ordm grau

da linha colateral ou afinidade na linha reta e a condenaccedilatildeo anterior de uma das pessoas

como autor ou cuacutemplice por homiciacutedio doloso ainda que natildeo consumado contra o cocircnjuge

do outro Os factos expostos estorvam apenas a produccedilatildeo de efeitos favoraacuteveis da uniatildeo de

facto ou seja a atribuiccedilatildeo de direitos ou benefiacutecios natildeo deveraacute ser intenccedilatildeo do legislador

que a uniatildeo de facto mesmo que afetada por algum dos impedimentos seja considerada

irrelevante juridicamente quando estatildeo em causa interesses legiacutetimos de terceiros ou quando

surjam consequecircncias como a presunccedilatildeo de paternidade relativamente ao homem7374

Em relaccedilatildeo aos efeitos pessoais por natildeo assumirem nenhum compromisso natildeo

estatildeo os membros da uniatildeo de facto vinculados aos deveres conjugais que os artigos 1671ordm

72 Uma vez que natildeo estaacute mencionada no acircmbito do art 1ordm do Coacutedigo do Registo Civil norma que consagra as

situaccedilotildees em que o registo civil eacute obrigatoacuterio no nosso ordenamento juriacutedico 73 Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 141 74 O elenco dos impedimentos agrave produccedilatildeo dos efeitos favoraacuteveis agrave uniatildeo de facto que constam no artigo 2ordm da

LUF foi corrigido e adaptado para evitar uma excessiva ligaccedilatildeo agraves soluccedilotildees postuladas no artigo 1601ordm CCiv

Sobre as correccedilotildees mais detalhadamente cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit pp 141-142

28

e 1672ordm CCiv impotildeem aos cocircnjuges75 Contudo a relaccedilatildeo pessoal que assumem permite-

lhes adotar um filho nos mesmos termos que os cocircnjuges por forccedila do artigo 7ordm da LUF

desde que a relaccedilatildeo dure haacute mais de quatro anos e ambos tiverem mais de 25 anos

independentemente do seu sexo Releva tambeacutem para efeitos de aquisiccedilatildeo de nacionalidade

desde que o estrangeiro que viva em uniatildeo de facto com nacional portuguecircs haacute mais de trecircs

anos e tenha reconhecimento judicial da situaccedilatildeo de facto declare que quer adquirir

nacionalidade portuguesa (artigo 3ordm nordm 3 Lei da Nacionalidade - Lei nordm 3781 de 03 de

Outubro) No que respeita aos filhos nascidos das uniotildees de facto nas accedilotildees de investigaccedilatildeo

de paternidade presume-se a paternidade quando tenha havido comunhatildeo duradoura de vida

entre a matildee e o pretenso pai no periacuteodo legal de concepccedilatildeo por forccedila do artigo 1871ordm CCiv

Quanto ao exerciacutecio das responsabilidades parentais no caso de comunhatildeo duradoura de

vida em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges ou concubinato duradouro o artigo 1911ordm nordm

1 CCiv determina a aplicaccedilatildeo do previsto nos artigos 1901ordm e 1904ordm CCiv que corresponde

ao regime que vigora quando os progenitores satildeo casados Jaacute no caso de dissociaccedilatildeo familiar

o mesmo artigo remete para aplicaccedilatildeo do disposto nos artigos 1905ordm a 1908ordm CCiv normas

atinentes ao divoacutercio separaccedilatildeo de pessoas e bens ou declaraccedilatildeo de nulidade ou anulaccedilatildeo do

casamento Como se pode ver os filhos nascidos de uniatildeo de facto tal como quaisquer outros

nascidos fora do casamento estatildeo equiparados aos nascidos dentro do mesmo por forccedila do

disposto no nordm 4 do artigo 36ordm da CRP76

Como jaacute haviacuteamos referido a uniatildeo de facto natildeo permite a aplicaccedilatildeo de um regime

de bens nem das regras que disciplinam as relaccedilotildees patrimoniais dos cocircnjuges como a

administraccedilatildeo de bens e regime de responsabilidade por diacutevidas sendo de aplicar entre os

unidos o regime geral das relaccedilotildees obrigacionais e reais77 De acordo com as regras do direito

comum cada um dos membros da uniatildeo de facto pode vender bens moacuteveis ou imoacuteveis dar

ou tomar de arrendamento um imoacutevel ou contrair diacutevidas podem entre eles celebrar

contratos de compra e venda de locaccedilatildeo de depoacutesito de comodato de muacutetuo entre outros

pois o artigo 1714ordm CCiv que impede a celebraccedilatildeo de certos contratos entre os cocircnjuges natildeo

eacute aplicaacutevel agraves relaccedilotildees de uniatildeo de facto Acrescem a estes os que expusemos anteriormente

relativamente a esta mateacuteria aquando da distinccedilatildeo entre o regime do casamento e o regime

75 Natildeo estabelecem relaccedilotildees de afinidade com os parentes do outro natildeo podem adotar o apelido um do outro

possibilidade que eacute concedida aos cocircnjuges por virtude do artigo 1677ordm CCiv 76 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 81 77 Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoUniatildeo de Facto em Portugalrdquo obcit p 120

29

da uniatildeo de facto no ponto 31 e ainda sucintamente importa referir como efeito

patrimonial da uniatildeo de facto a extensatildeo a esta do artigo 1691ordm al b) CCiv que prevecirc a

responsabilidade dos cocircnjuges pelas diacutevidas contraiacutedas por qualquer dos cocircnjuges antes ou

depois da celebraccedilatildeo do casamento para ocorrer aos encargos normais da vida familiar

equiparando nesta mateacuteria o conceito de uniatildeo de facto como a comunhatildeo de leito mesa e

habitaccedilatildeo aos casamentos e protegendo a confianccedila de terceiros que com eles contratem e

confiem nessa aparecircncia de vida matrimonial78 A niacutevel patrimonial a uniatildeo de facto atribui

ao unido sobrevivo por forccedila do artigo 2020ordm nordm 1 o direito de exigir alimentos da heranccedila

do falecido poreacutem esse direito caduca se natildeo for exercido nos dois anos posteriores agrave data

da morte do autor da sucessatildeo (nordm 2) e se o alimentado casar iniciar uma relaccedilatildeo de uniatildeo

de facto ou se tornar indigno do benefiacutecio pelo seu comportamento moral por forccedila do nordm 3

do artigo 2020ordm e do artigo 2019ordm CCiv Resta em uacuteltimo lugar dizer que em mateacuteria fiscal

nomeadamente no que respeita ao imposto sobre o rendimento o artigo 3ordm al d) da LUF

torna aplicaacutevel aos membros da uniatildeo de facto o regime atribuiacutedo aos sujeitos passivos natildeo

separados de pessoas e bens nessa mateacuteria

78 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 34

30

5 O problema da prova da coabitaccedilatildeo

51 Consideraccedilotildees gerais

Expostos os efeitos a que a constituiccedilatildeo da uniatildeo de facto daacute origem urge abordar

a problemaacutetica que a este estudo interessa o problema da prova da relaccedilatildeo de uniatildeo de facto

nomeadamente a prova da coabitaccedilatildeo Apesar de natildeo existir como vimos uma exigecircncia de

forma para a constituiccedilatildeo da uniatildeo de facto e prevalecer entre noacutes um modelo faacutectico79-

bastando que se verifiquem os requisitos factuais para que a convivecircncia seja protegida - eacute

exigido aos seus membros que provem a sua convivecircncia se pretenderem beneficiar de

determinados direitos

Ora a opccedilatildeo do legislador tem sido contraacuteria agrave formalizaccedilatildeo da uniatildeo de facto o

que natildeo facilita a demonstraccedilatildeo dos factos exigidos pela lei para aferir a sua relevacircncia

juriacutedica Portanto a dificuldade dessa prova adveacutem natildeo soacute desta relaccedilatildeo natildeo estar sujeita a

nenhum tipo de solenidade ou publicidade na sua constituiccedilatildeo por natildeo implicar a sujeiccedilatildeo

ao registo civil ou administrativo80 mas tambeacutem por natildeo haver em regra uma prova preacute-

constituiacuteda81 diferentemente do que sucede com o casamento estando nas matildeos dos

cocircnjuges a possibilidade de requerer a qualquer momento uma certidatildeo de casamento

A respeito da prova da uniatildeo de facto no acircmbito juriacutedico-civil recorde-se o regime

geral do oacutenus da prova previsto no artigo 342ordm CCiv que atribui a quem pretende invocar

um direito provar os factos que o constituem Isto eacute se um dos membros da uniatildeo de facto

pretender beneficiar da proteccedilatildeo juriacutedica conferida agrave uniatildeo de facto precisaraacute de demonstrar

a realidade dos factos que invoca para preenchimento dos pressupostos estabelecidos Nesta

mateacuteria tambeacutem satildeo aplicaacuteveis as normas gerais do oacutenus da prova a terceiro que pretenda

fundar um direito na uniatildeo de facto recaindo sobre ele o oacutenus de provar os factos que

consubstanciam o direito que alega Porquanto se vecirc que a prova de que se vive numa

79 Cfr ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoA convivecircncia laquomore uxorioraquo um olhar sobre o regime portuguecircs francecircs

e alematildeordquo in Direito Constitucional e o seu papel na construccedilatildeo do cenaacuterio juriacutedico global dir IRENE

PORTELA IPCA 1ordf Ed 2016 p 121 A uniatildeo de facto eacute uma realidade de convivecircncia continuada sem

qualquer forma exigida Natildeo existe a sujeiccedilatildeo a registo da uniatildeo de facto Ou seja a uniatildeo de facto no nosso

sistema natildeo se constitui consolida-se com o tempo ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoUNIAtildeO de facto versus

Casamento ndash Questotildees pessoais e patrimoniaisrdquo Gestlegal 1ordm ed 2019 p 158 80 O que natildeo permite saber com certeza a data a partir da qual se comeccedilam a contar os dois anos necessaacuterios agrave

produccedilatildeo de efeitos 81 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 72

31

situaccedilatildeo anaacuteloga agrave dos cocircnjuges pode revelar-se sinuosa e por isso eacute relevante desenvolver

essa mateacuteria no presente estudo

Nesta senda o artigo 2ordm-A nordm 1 da LUF prevecirc que a prova da uniatildeo de facto se faz

por qualquer meio legalmente admissiacutevel salvo se disposiccedilatildeo legal ou regulamentar exija

prova documental especiacutefica A prova seraacute maioritariamente testemunhal contudo natildeo se

deve excluir a possibilidade de prova documental ao realizar uma interpretaccedilatildeo extensiva

do termo vida previsto no artigo 34ordm nordm 1 do Decreto-Lei nordm 13599 de 22 de Abril que

regula a forma como atestados de residecircncia vida e situaccedilatildeo econoacutemica dos cidadatildeos

devem ser passados pelas Juntas de Freguesia82 Ou ainda como sugerem FRANCcedilA PITAtildeO e

MARTA COSTA mobilizar accedilatildeo judicial de simples apreciaccedilatildeo (ou de mera declaraccedilatildeo)

positiva83 com a qual os membros pretenderiam apenas obter a declaraccedilatildeo da existecircncia de

um facto que assentava na comunhatildeo de cama mesa e habitaccedilatildeo por mais de dois anos84

Contudo esta soluccedilatildeo poderia comportar o risco de ser usada por um dos membros agrave revelia

do outro com vista ao aproveitamento dos efeitos favoraacuteveis da uniatildeo mesmo que esta jaacute

esteja extinta Eacute precisamente por esta razatildeo que NUNO COSTA MAURIacuteCIO85

rejeita o recurso

a esta accedilatildeo pelos unidos Crecirc que natildeo eacute a soluccedilatildeo para a dificuldade da prova da uniatildeo de

facto devido aos problema que podiam advir da falta de controlo judicial da extinccedilatildeo da

uniatildeo de facto que consistiriam na possibilidade de um ou ambos os unidos continuarem a

usufruir de efeitos favoraacuteveis de uma situaccedilatildeo que jaacute se extinguiu

Poderaacute entatildeo fazer-se a prova documental atraveacutes de uma declaraccedilatildeo emitida pela

Junta de Freguesia competente sendo que esse documento deve ser acompanhado da

declaraccedilatildeo de ambos os membros conviventes que sob compromisso de honra afirmam que

vivem em uniatildeo de facto haacute mais de dois anos e da coacutepia das suas certidotildees de nascimento

Poreacutem a veracidade deste documento pode por vezes ser posta em causa e natildeo fazer prova

plena por natildeo se tratar normalmente de facto atestado com base nas perceccedilotildees da entidade

82 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p74 83 Cfr MARTA COSTA ob cit p387 FRANCcedilA PITAtildeO ldquoUniotildees de Facto e Economia Comum de acordo com

a Lei nordm 232010 de 30 de agostordquo obcit p78 84 Tendo os requerentes de tal accedilatildeo de provar natildeo soacute a sua natildeo coabitaccedilatildeo nos termos e condiccedilotildees previstos na

lei bem como a inexistecircncia de qualquer um dos impedimentos previstos no art 2ordm da LUF sob pena de a

decisatildeo judicial natildeo poder produzir nenhum efeito uacutetil Cfr FRANCcedilA PITAtildeO ldquoUniotildees de Facto e Economia

Comum de acordo com a Lei nordm 232010 de 30 de agostordquo obcit pp 78-79 85 Cfr NUNO COSTA MAURIacuteCIO ldquoO pecado mora ao ladordquo Um repensar da problemaacutetica juriacutedica das uniotildees

de facto e das relaccedilotildees patrimoniais entre unidos de facto Tese de Mestrado em Ciecircncias Juriacutedico-Civiliacutesticas

Faculdade De Direito Da Universidade De Coimbra Outubro 2000 p 76

32

documentadora86 Efetivamente o documento soacute prova que os interessados fizeram perante

o funcionaacuterio a afirmaccedilatildeo de que conviviam em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges desde

determinada data todavia natildeo quer dizer que natildeo se possa pocircr em causa a veracidade dessa

afirmaccedilatildeo87 Qualquer interessado pode demonstrar que o facto natildeo eacute verdadeiro por alegar

que a uniatildeo de facto natildeo existiu ou natildeo teve lugar durante o periacuteodo mencionado pelos

declarantes88 Ou seja o disposto no artigo 2ordm-A n ordm1 da LUF traduz-se apenas na

possibilidade que os unidos tecircm de apresentar documentos para demonstrarem os

pressupostos que permitem atribuir relevacircncia juriacutedica agrave uniatildeo de facto pois essa norma natildeo

confere qualquer valor probatoacuterio a tais documentos Posto isto o documento emitido pela

Junta de Freguesia natildeo eacute suficiente para demonstrar a existecircncia da uniatildeo de facto porquanto

a LUF natildeo exige apenas a alegaccedilatildeo de que duas pessoas vivem juntas haacute mais de dois anos

ou que natildeo se verifique nenhum dos impedimentos agrave constituiccedilatildeo da relaccedilatildeo eacute essencial

ainda que provem a sua coabitaccedilatildeo89

O nordm 5 do artigo 2ordm-A adverte tambeacutem para as sanccedilotildees penais que as falsas

declaraccedilotildees poderatildeo causar Como prova documental eacute um meio de prova fraacutegil e suscetiacutevel

de fraude esta norma funciona como advertecircncia que visa promover a conformidade entre

as declaraccedilotildees que os sujeitos fazem e a realidade que por eles eacute vivida esperando que a

ameaccedila da aplicaccedilatildeo de uma sanccedilatildeo penal iniba a alegaccedilatildeo de falsas declaraccedilotildees Tendo em

conta que o interesse da demonstraccedilatildeo dos requisitos que permitem atribuir relevacircncia

juriacutedica agrave situaccedilatildeo de facto eacute com o objetivo de se produzirem factos favoraacuteveis aos

86 Art 371ordm nordm 1 CCiv Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 72 87 Vide neste sentido o Acoacuterdatildeo do TCA Norte de 13-11-2020 proferido no acircmbito do processo nordm

00090151BECBR Natildeo oferece qualquer controveacutersia quer em sede doutrinal quer jurisprudencial que natildeo

sendo arguida a falsidade do documento autecircntico este faz prova plena dos factos praticados pela entidade

documentadora de sorte que tudo o que o documento referir como tendo sido praticado por essa entidade

tudo o que segundo o documento seja obra do seu Autor e bem assim tudo o que tenha sido percecionado

pelo mesmo tem de ser aceite como exato Assim as declaraccedilotildees que constam no documento como tendo sido

feitas perante a entidade documentadora ou seja o declarado perante a uacuteltima e que essa entidade ouviu

atraveacutes dos seus sentidos em consonacircncia com a parte final do nordm 1 do art 371ordm do CC beneficiam da prova

plena inerente agrave forccedila probatoacuteria conferida pelo oficial puacuteblico Deste modo se o presidente de junta consigna

no texto do atestado que a requerente e as referidas testemunhas declararam que ldquo(a) mesmo(a) residia haacute

mais de dois anos com o falecido A seu companheiro(a) ateacute agrave data de oacutebito (hellip)rdquo tem-se como plenamente

provado que essa declaraccedilatildeo foi efetivamente feita perante o presidente de junta de freguesia Mas tatildeo soacute Eacute

que daiacute natildeo decorre que a forccedila probatoacuteria desse atestado respeite a tudo o que nele se conteacutem A verdade

dos factos a que se reportam as declaraccedilotildees emitidas e que constam desse documento autecircntico- no caso o

atestado emitido pelo presidente de junta de freguesia- ficam sujeitas agrave livre apreciaccedilatildeo do julgador 88 Cfr JORGE DUARTE PINHEIRO ob cit p 529 89 Isto eacute que vivem em ldquouniatildeo de factordquo Cfr RITA LOBO XAVIER ldquoEstatuto Privadordquo dos membros da Uniatildeo

De Factordquo obcit p1518 E ainda sobre a importacircncia da coabitaccedilatildeo cfr FRANCcedilA PITAtildeO ldquoOs novos

casamentos ou a crise do casamento tradicional no direito portuguecircs ob cit p66

33

declarantes estaraacute sempre em causa a credibilidade de tais declaraccedilotildees que estaratildeo sujeitas

ao confronto com as demais provas e ao princiacutepio da livre apreciaccedilatildeo da prova90 acabando

por serem mais crediacuteveis as declaraccedilotildees feitas em detrimento dos declarantes91 A norma em

causa pretende apenas facilitar a demonstraccedilatildeo dos factos que satildeo considerados como

pressupostos da atribuiccedilatildeo de relevacircncia juriacutedica agrave uniatildeo de facto uma vez que a lei natildeo

adotou ainda um registo oficial desta relaccedilatildeo Cremos que a intenccedilatildeo do legislador foi libertar

os membros da uniatildeo de facto de terem de obter declaraccedilatildeo judicial para certificar a sua

convivecircncia respeitando a liberdade inerente a quem opta por este tipo de relaccedilatildeo Todavia

este eacute um tema controvertido e vem sido debatido na doutrina a possibilidade de registo da

uniatildeo de facto como forma de conferir publicidade a estas relaccedilotildees findar os problemas

relativos agrave sua prova e de colmatar esta que pode ser considerada uma das lacunas presentes

no regime juriacutedico portuguecircs da uniatildeo de facto Haacute quem entenda que uma vez que a uniatildeo

de facto se trata na maioria das vezes de uma opccedilatildeo de vida de acordo com a autonomia da

vontade de quem por ela optou o legislador deve respeitar essa escolha e intervir apenas se

necessaacuterio legislando somente em alguns aspetos pontuais92 Devendo quanto ao resto

abster-se e confiar na capacidade de autorregulamentaccedilatildeo dos membros da uniatildeo de facto

Neste seguimento o Bloco de Esquerda apresentou o Projeto de Lei n ordm45VIII93

que visava alterar a Lei nordm 13599 de 28 de Agosto Atraveacutes deste projeto apresentou

soluccedilotildees no que diz respeito agrave prova e ao registo da uniatildeo de facto94 sugerindo que o artigo

2ordm-A passasse a tratar da forma como a uniatildeo de facto eacute constituiacuteda que seria atraveacutes de

registo na junta de freguesia da aacuterea de residecircncia das pessoas em uniatildeo de facto ou apoacutes

90 Cfr RITA LOBO XAVIER ldquoA Uniatildeo de Facto e a Lei Civil no Ensino de Francisco Manuel Pereira Coelho e

Legislaccedilatildeo Atualrdquo em Textos de Direito da Famiacutelia para Francisco Pereira Coelho Coimbra Imprensa da

Universidade de Coimbra 2016 p 684 91 Cfr RITA LOBO XAVIER ldquoEstatuto Privadordquo dos membros da Uniatildeo De Factordquo obcit p1519 92 Cfr HEINRICH HOumlRSTER ldquoDireito da Famiacutelia e Poliacutetica Socialrdquo Publicaccedilotildees Universidade Catoacutelica Porto

2001 pp71-72 Segundo este A o legislador adotando uma postura prudente deve apenas legislar quando

estejam em causa interesses de terceiros ou seja da comunidade ou quando haja a necessidade de proteger os

filhos Nestas situaccedilotildees defende que o legislador pode e deve intervir e que quando se trate de legislar em

mateacuteria de uniatildeo de facto espera que seja feito com cuidado e ponderaccedilatildeo 93 Consultaacutevel em

httpswwwparlamentoptActividadeParlamentarPaginasDetalheIniciativaaspxBID=6308 94 No seu art 2ordm previam o aditamento do artigo 2ordmA e 2ordm B art 2ordm-A1 A uniatildeo de facto eacute constituiacuteda a)

Por registo na junta de freguesia da aacuterea de residecircncia das pessoas em uniatildeo de facto ou b) Apoacutes dois anos

em plena comunhatildeo de vida sem necessidade de registo 2 As uniotildees de facto constituiacutedas por registo

conforme a aliacutenea a) do nordm 1 do presente artigo estatildeo imediatamente reguladas pela presente lei Art 2ordm-B

A uniatildeo de facto constituiacuteda por registo eacute dissolvida por vontade de pelo menos um dos seus constituintes

expressa junto aos serviccedilos de registo da junta de freguesia da aacuterea da residecircncia

34

dois anos em plena comunhatildeo de vida sem necessidade de registo passando as uniotildees de

facto constituiacutedas por registo a estar imediatamente reguladas pela LUF sem necessidade

do decurso do prazo de dois anos Este projeto previa tambeacutem no artigo 2ordm-B o registo da

dissoluccedilatildeo junto dos serviccedilos da junta de freguesia atraveacutes da declaraccedilatildeo de pelo menos um

dos unidos O Projeto de Lei n ordm45VIII do BE95 cumpriu os requisitos constitucionais e

regimentais necessaacuterios para ser apreciado pelo plenaacuterio da Assembleia da Reacutepublica

Contudo apoacutes a adoccedilatildeo por parte da Comissatildeo de Assuntos Constitucionais Direitos

Liberdades e Garantias de um texto de substituiccedilatildeo relativo aos projetos nordm 6VII de

iniciativa do partido Os Verdes ao nordm 45VIII do BE e ao nordm 115VII do PCP e apoacutes a

aprovaccedilatildeo com votos favoraacuteveis do PS do PCP e do BE e votos contra do PSD do CDS-

PP e da Deputada Maria do Rosaacuterio Carneiro (PS) relativamente a cada artigo do texto de

substituiccedilatildeo os representantes na Comissatildeo dos Grupos Parlamentares do PCP e do BE bem

como a Srordf Deputada Isabel Castro (Os Verdes) declararam retirar as respetivas iniciativas

legislativas em benefiacutecio do texto de substituiccedilatildeo adotado entrando em vigor a Lei nordm

72001 de 11 de Maio que adotou medidas de proteccedilatildeo das uniotildees de facto Vigorando com

as subsequentes alteraccedilotildees ateacute aos dias de hoje

Conveacutem frisar que a questatildeo do registo da uniatildeo de facto pode ser encarada como

incompatiacutevel com a proacutepria natureza informal da uniatildeo de facto Desde logo NUNO COSTA

MAURIacuteCIO defende que subjacente agrave necessidade do registo reside sempre uma ideia de

certeza juriacutedica a qual transportada para o acircmbito da uniatildeo de facto vai implicar que a sua

prova nunca possa ser feita atraveacutes de uma declaraccedilatildeo unilateral da parte interessada tendo

de passar por uma acreditaccedilatildeo um crivo de publicidade que traraacute consigo e proporcionaraacute a

terceiros a certeza juriacutedica de que aquelas duas pessoas vivem em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos

cocircnjuges96 Poreacutem acredita que apesar das vantagens da certeza e seguranccedila juriacutedicas

inerentes ao instituto do registo as desvantagens se afloram maiores Em virtude de no que

respeita aos elementos constitutivos da uniatildeo de facto onde o essencial eacute estar-se perante

uma convivecircncia estaacutevel e duradoura semelhante agrave dos cocircnjuges natildeo deve bastar o facto de

duas pessoas se dirigirem a uma conservatoacuteria de registo ou a outra entidade puacuteblica e

declararem viver em uniatildeo de facto sem se apurar a autenticidade dessas declaraccedilotildees

95 Bem como os projetos de lei nordm 6VIII da iniciativa do Partido Ecologista Os Verdes o nordm 105VIII da

iniciativa do Partido Socialista e o nordm 115VIII da iniciativa do Partido Comunista Portuguecircs 96 Cfr NUNO COSTA MAURIacuteCIO ldquoO pecado mora ao ladordquo ob cit p 81

35

Acrescenta ainda que ao fazerem depender a eficaacutecia juriacutedica da uniatildeo de facto da sua

inscriccedilatildeo no registo tornando ineficazes as uniotildees que natildeo estivessem inscritas estariam a

forccedilar os unidos que optaram por esta forma de convivecircncia exatamente para dispensar

qualquer formalidade a inscrever a sua relaccedilatildeo O que se traduziria numa adulteraccedilatildeo da

intencionalidade e natureza da uniatildeo de facto Ou mesmo que se configurasse um registo

livre e voluntaacuterio quem preferisse a natildeo inscriccedilatildeo natildeo teria acesso a um regime legal de

proteccedilatildeo da uniatildeo de facto ficando agrave margem da lei o que geraria uma nova discriminaccedilatildeo

Nota por uacuteltimo que a inscriccedilatildeo das uniotildees de facto se iria traduzir na prestaccedilatildeo de

consentimento a uma relaccedilatildeo de facto por parte dos dois sujeitos e assim sendo poderia

estar-se perante um novo tipo de casamento ainda que se trate de um casamento de segundo

grau97 Tal consideraccedilatildeo iria contra o espiacuterito de liberdade e natildeo formalismo que preside agrave

uniatildeo de facto98 Depreendendo que devido agraves desvantagens inerentes ao registo a

dificuldade da prova da uniatildeo de facto seria mais facilmente superada se se permitisse aos

unidos de facto ao abrigo do princiacutepio da livre disponibilidade convencionar as

regulamentaccedilatildeo das suas relaccedilotildees99

De outra banda MARTA COSTA considera que se fosse instituiacutedo o registo

obrigatoacuterio para que os conviventes pudessem beneficiar da tutela legislativa prevista as

dificuldades que advecircm da prova da uniatildeo de facto ficariam diminuiacutedas e sairiam

privilegiadas a seguranccedila juriacutedica e a liberdade dos conviventes que poderiam decidir se

pretendiam ser legislativamente tutelados ou se optariam por uma relaccedilatildeo meramente

factual Realccedila ainda que a instituiccedilatildeo do registo transformaria a uniatildeo de facto em relaccedilatildeo

de direito num instituto juriacutedico formal ainda que a sua tutela fosse diminuta100 Durante a

sua anaacutelise aproveita para refutar algumas das desvantagens que NUNO COSTA MAURIacuteCIO

aponta agrave inscriccedilatildeo da uniatildeo de facto no registo Primeiramente em relaccedilatildeo agrave dificuldade de

apurar a veracidade das declaraccedilotildees dos unidos a A crecirc que depende da opccedilatildeo legislativa

97 Atentando-se agrave diferenccedila de grau no que diz respeito ao nuacutemero de efeitos juriacutedicos que cada um produz

Cfr NUNO COSTA MAURIacuteCIO ldquoO pecado mora ao ladordquo ob cit p82 98 Eacute na procura do momento da conciliaccedilatildeo entre a autoridade e liberdade e entre o puacuteblico e o privado que

residem os fundamentos das intervenccedilotildees legislativas no acircmbito das relaccedilotildees juriacutedico-familiares que devem

repousar ou fundamentos de poliacutetica legislativa relativos agrave atribuiccedilatildeo de efeitos de direito agrave uniatildeo de facto

(hellip) e estaacute na base das intervenccedilotildees legislativas feitas em alguns paiacuteses e nas exigecircncias feitas pela doutrina

noutros com vista agrave definiccedilatildeo de um estatuto juriacutedico da uniatildeo de facto Cfr GERALDO DA CRUZ ALMEIDA

ob cit pp 185-193 99 Cfr NUNO COSTA MAURIacuteCIO ldquoO pecado mora ao ladordquo ob cit p83 100 Cfr MARTA COSTA ob cit p 394

36

Isto eacute se com a obrigatoriedade do registo o legislador decidir que a tutela da relaccedilatildeo fique

dependente da duraccedilatildeo da mesma esta duraccedilatildeo pode contar-se apoacutes o registo ou exigir-se o

decurso da mesma para que os conviventes possam inscrever a relaccedilatildeo no registo mantendo-

se a dificuldade de determinar o seu iniacutecio Se por outro lado a tutela da convivecircncia natildeo

ficar dependente da sua duraccedilatildeo natildeo teraacute de haver uma convivecircncia preacutevia podendo duas

pessoas que queiram conviver dirigirem-se a uma entidade competente e registar a

convivecircncia que podia jaacute existir ou iniciar-se nesse momento101 Relativamente ao facto de

os unidos que optaram pela uniatildeo de facto para se eximirem de qualquer formalidade se

verem obrigados a proceder ao registo da sua relaccedilatildeo para evitar que a sua uniatildeo seja

inexistente a A discorda afirmando que os unidos natildeo se veriam forccedilados a proceder ao

registo podendo preferir manter uma verdadeira uniatildeo de facto agrave qual continuariam a ser

atribuiacutedos ainda que poucos alguns direitos e deveres102 face agrave nossa ordem juriacutedica

defendendo que a obrigatoriedade do registo ao lado do instituto do casamento e da relaccedilatildeo

puramente de facto serviria melhor os interesses de uma sociedade pluralista103 A A

diverge ainda da ideia imputada pelo A de representar uma discriminaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos

conviventes que optem pela natildeo inscriccedilatildeo por natildeo beneficiarem do regime de proteccedilatildeo da

uniatildeo de facto No seu entendimento eacute antes o reflexo do respeito pela escolha dos unidos

de manterem a sua uniatildeo verdadeiramente factual Remata a sua apreciaccedilatildeo afirmando que

o que vai contra o espiacuterito de liberdade que preside agrave uniatildeo de facto natildeo eacute a prestaccedilatildeo de

consentimento a uma relaccedilatildeo de facto por parte dos unidos mas antes a aplicaccedilatildeo automaacutetica

de um regime juriacutedico aos conviventes ainda que pouco densificado aditando que a

instituiccedilatildeo do registo obrigatoacuterio proporcionaria vaacuterias possibilidades que dependeriam da

real vontade dos interessados

101 Cfr MARTA COSTA ob cit p 396 102 Cfr MARTA COSTA ob cit p 397 103 Cfr MARTA COSTA ob cit p 398

37

52 Comparaccedilatildeo com o regime de outros ordenamentos juriacutedicos na Uniatildeo

Europeia

De forma a completar o raciociacutenio ateacute aqui apresentado cumpre agora uma sucinta

anaacutelise do regime juriacutedico da uniatildeo de facto em vigor em alguns ordenamentos juriacutedicos

europeus bem como outras figuras que advieram da jurisdicionalizaccedilatildeo da convivecircncia more

uxorio104 Assim importa primeiramente discorrer umas breves notas sobre o regime geral

previsto em cada um dos ordenamentos particularmente no que respeita agrave constituiccedilatildeo da

uniatildeo de facto aos seus efeitos e o seu regime de prova para que possamos posteriormente

expor as nossas conclusotildees e possiacutevel proposta de soluccedilatildeo

521 Espanha

Jaacute em 1986 EDUARDO ESTRADA ALONSO refletia sobre o conceito juriacutedico da uniatildeo

de facto em Espanha definindo o conceito de unioacuten extramatrimonial como uma

convivecircncia diaacuteria que eacute desenvolvida habitualmente pelos casamentos de forma estaacutevel e

duradoura sugerindo que o prazo miacutenimo deveria ser de cinco anos para que pudessem ser

consideradas pelo Direito Admite que essa convivecircncia natildeo seja necessariamente no sentido

da coabitaccedilatildeo mas no sentido de que haja pelo menos uma vontade de estar juntos a fim de

evitar que as separaccedilotildees temporaacuterias e involuntaacuterias ndash por motivos profissionais ndash impeccedilam

a produccedilatildeo dos efeitos juriacutedicos pretendidos por essas uniotildees Entende que eacute uma uniatildeo que

dispensa qualquer formalidade para ser constituiacuteda e que implica o cumprimento espontacircneo

sem obrigaccedilatildeo juriacutedica dos deveres conjugais por parte dos membros devendo ser uma

relaccedilatildeo monogacircmica onde haacute a manutenccedilatildeo de relaccedilotildees sexuais sem exigecircncia que

procriem105

Apesar de em Espanha natildeo se encontrar definido o conceito juriacutedico de famiacutelia nem

se as uniotildees de facto se enquadram nesse conceito o Tribunal Constitucional Espanhol tem

vindo a pronunciar-se sobre essa sua inclusatildeo ou natildeo no artigo 391 da Constituiccedilatildeo

Espanhola106 Em 1990 na sentenccedila nordm 1841990 de 15 de Novembro107 o TCE defendeu

104 Expressatildeo usada para caracterizar uma convivecircncia semelhante agrave do marido e mulher ou seja segundo os

costumes matrimoniais 105 Cfr EDUARDO ESTRADA ALONSO ob cit pp 52-73 106 1 Los poderes puacuteblicos aseguran la proteccioacuten social econoacutemica y juriacutedica de la familia Constituiccedilatildeo

Espanhola consultaacutevel em

httpswwwtribunalconstitucionalesestribunalnormativaNormativaCEportuguC3A9spdf 107 Sobre a importacircncia desta sentenccedila cfr JUAN FORNEacuteS ldquoMatrimonio y uniones de hechordquo Ius Canonicum

XL n ordm80 2000 p 404

38

que este tipo de convivecircncia natildeo encontrava previsatildeo no artigo 391 da Constituiccedilatildeo

Espanhola sugerindo que este artigo estava reservado agrave proteccedilatildeo da famiacutelia num ambiente

marital e pela existecircncia de filhos natildeo obstante as parejas de hecho poderem ser protegidas

constitucionalmente atraveacutes da mobilizaccedilatildeo do artigo 101 que postula o direito ao

desenvolvimento da personalidade108 Contrariamente o magistrado GIMENO SENDRA do

TCE sustentou num voto particular nessa sentenccedila a diferenciaccedilatildeo entre a famiacutelia e o

casamento afirmando que a constituiccedilatildeo espanhola previa duas situaccedilotildees distintas o artigo

391 consagrava a proteccedilatildeo da famiacutelia e o artigo 321109 previa a defesa do matrimoacutenio assim

protegendo o artigo 391 no solo a la famiacutelia como institucioacuten juriacutedica sino tambieacuten la

familia como realidad natural por lo que junto a la familia matrimonial tambieacuten han de

merecer proteccioacuten constitucional las denominadas uniones conyugales de hecho110 Em

1992 nesta mesma linha de pensamento na sentenccedila nordm 22292 de 11 de Dezembro o TCE

salientou que o artigo 39 da Constituiccedilatildeo Espanhola protege natildeo soacute a famiacutelia matrimonial

mas tambeacutem a natildeo matrimonial e assim as relaccedilotildees de convivecircncia constituiriam relaccedilotildees

familiares independentemente de terem filhos ou natildeo cabendo no acircmbito de incidecircncia

desse artigo Posteriormente em 28 de Fevereiro de 1994 na sentenccedila nordm 6694 o mesmo

tribunal voltou ao entendimento sufragado em 1990 defendendo a natildeo equivalecircncia entre

casamento e uniatildeo de facto para efeitos do artigo 39 Por fim este entendimento foi reiterado

na sentenccedila nordm 3998 de 17 de Fevereiro de 1998 e a 17 de Junho de 1999 com a sentenccedila

nordm 11699111 foi aceite a posiccedilatildeo defendida pela magistrado GIMENO SENDRA Assim

determinou o Tribunal Constitucional Espanhol que o artigo 391 natildeo identifica que a famiacutelia

que visa proteger eacute a que tem origem no casamento existindo outras modalidades de vida

familiar a par do casamento que refletem una sociedad plural Aleacutem da jurisprudecircncia

tambeacutem a doutrina tem divergido sobre a amplitude de aplicaccedilatildeo deste preceito

constitucional Atualmente o entendimento maioritaacuterio parece estar mais favoraacutevel agrave

inclusatildeo da convivecircncia more uxorio no artigo 391112

108 Tal como recorde-se eacute defendido em Portugal por alguns autores 109 1 El hombre y la mujer tienen derecho a contraer matrimonio con plena igualdad juriacutedica 110 Cfr MARTA COSTA ob cit p 111 111 Cfr JUAN FORNES ob cit p403 112 Cfr JOSEacute RAMOacuteN DE VERDA Y BEAMONTE ldquoLa Ley 52012 de 15 de octubre de uniones de hecho

formalizadas de la Comunidad Valencianardquo Rev boliv de derecho nordm 19 enero 2015 p 772 El precepto

habla de ldquofamiliardquo y no de ldquofamilia legiacutetimardquo (o ldquomatrimonialrdquo) por lo que la proteccioacuten que el precepto

otorga a la familia no debe identificarse necesariamente con la que tiene origen en el matrimonio el cual se

39

Ora diferentemente do que sucede em Portugal o legislador espanhol natildeo se

ocupou de regular de forma uniforme o regime da uniatildeo de facto113 Ao inveacutes as

comunidades autoacutenomas espanholas no acircmbito das suas competecircncia legislativas114

adotaram ainda que de forma distinta regras proacuteprias que regulam este tipo de convivecircncia

natildeo matrimonial Desde logo a maioria qualifica a convivecircncia more uxorio como relaccedilatildeo

familiar Pode ler-se na Ley Foral 62000 de 3 de julio da Comunidade Foral de Navarra

ora revogada115 no seu artigo 2 que ningueacutem pode ser discriminado em razatildeo do grupo

familiar de que faz parte quer seja proveniente de filiaccedilatildeo casamento ou uniatildeo de duas

pessoas que convivam em relaccedilatildeo afetiva semelhante independentemente da sua orientaccedilatildeo

sexual Esta disposiccedilatildeo foi reproduzida por leis de outras Comunidades como as Astuacuterias

Extremadura e Andaluzia116 Contrariamente outras comunidades como as Ilhas Baleares

natildeo as qualificam dessa forma No artigo 3 da Ley 182001 de 19 de diciembre prevecirc-se

que a formaccedilatildeo de uniatildeo de facto natildeo gere relaccedilatildeo de parentesco entre cada um de seus

membros e os familiares do outro Contudo na exposiccedilatildeo de motivos da dita lei eacute chamado

agrave colaccedilatildeo o artigo 391 da constituiccedilatildeo espanhola em nome da proteccedilatildeo social econoacutemica e

juriacutedica da famiacutelia indicando que essa norma natildeo visa proteger apenas um modelo de

famiacutelia sendo necessaacuterio fazer uma interpretaccedilatildeo ampliada desse conceito de acordo com a

realidade social A exposiccedilatildeo de motivos estabelece ainda que o artigo 32 ao prever o direito

de contrair matrimoacutenio tambeacutem prevecirc o direito a natildeo o fazer o que natildeo prejudica o direito

de todos os homens e mulheres de constituir por meio de uma uniatildeo efetiva e estaacutevel uma

comunhatildeo de vida que com ou sem filhos implique a constituiccedilatildeo de uma famiacutelia

regula en un precepto especiacutefico (art 32 CE) y en capiacutetulo diverso No mesmo sentido LUIS PEacuteREZ

FERNAacuteNDEZ ldquoLas Uniones Extramatrimoniales En Espantildea iquestEs Necesaria Su Regulacioacutenrdquo in Revista Juriacutedica

de Astuacuterias nordm 40 2017 p162 En nuestros diacuteas tanto matrimonio como la unioacuten extramatrimonial pueden

constituir una familia y estaacuten amparados por la misma proteccioacuten social econoacutemica y juriacutedica del artiacuteculo

391 de la Constitucioacuten espantildeola cuyo tenor literal establece laquoLos poderes puacuteblicos aseguran la proteccioacuten

social econoacutemica y juriacutedica de la familiaraquo 113 Ou concubinato parejas de hecho parejas cohabitantes uniones de hecho uniones libres convivencias

no matrimoniales matrimonios laquosin papelesraquo convivencias prenupciales () CfrGERARDO MEIL

LANDWERLIN ldquoLas uniones de hecho en Espantildeardquo Madrid Centro de Investigaciones Socioloacutegicas 2003 p

26 114 Cfr MARTA COSTA ob cit p 349 115 Lei original consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2000-16373 modificada e

atualizada pela Ley Foral 212019 de 4 de abril consultaacutevel em httpswwwboeeselies-

nclf2019040421 116 Respetivamente Ley 42002 de 23 de mayo de Parejas Estables Ley 52003 de 20 de marzo de parejas

de hecho de la Comunidad Autoacutenoma de Extremadura Ley 52002 de 16 de diciembre de Parejas de Hecho

40

Ademais assiste-se a uma coexistecircncia entre uniones extramatrimoniales

formalizadas e as puramente faacutecticas117 o que se reflete nos meios probatoacuterios No

ordenamento juriacutedico espanhol satildeo aceitaacuteveis todos os meios de prova que sejam admitidos

nos termos gerais do direito A exigecircncia da aparecircncia externa da convivecircncia entre unidos

de facto tem estreita relaccedilatildeo com a prova da mesma mostrando-se a jurisprudecircncia flexiacutevel

ao considerar suficientes para esse efeito as declaraccedilotildees dos conviventes ou seja a prova

testemunhal sem que documentos de caraacuteter administrativo a possam pocircr em causa As

disposiccedilotildees do acircmbito estatal natildeo precisam os requisitos pessoais nem as formas de

constituiccedilatildeo da uniatildeo de facto118 Jaacute no que toca ao direito regional prevalece a diversidade

havendo leis que admitem todos os meios de prova e outras que sendo mais restritivas

requerem o registo obrigatoacuterio Um exemplo de lei que admite qualquer meio de prova

admissiacutevel no direito eacute a Ley 42002 de 23 de mayo do principado das Astuacuterias119 A

Comunidade de Andaluzia prevecirc a possibilidade da declaraccedilatildeo de vontade de constituir uma

pareja de hecho mediante el otorgamiento de escritura puacuteblica o por cualquier otro medio

de prueba admisible en Derecho120 Jaacute comunidades como Extremadura121 Ilhas Baleares122

Cantaacutebria123 e Paiacutes Vasco124 exigem a inscriccedilatildeo das uniotildees de facto no registo para a sua

constituiccedilatildeo e por conseguinte como forma de provar a relaccedilatildeo Na comunidade de

Aragatildeo125 prevecirc-se a inscriccedilatildeo da relaccedilatildeo no registo administrativo podendo provar-se a

existecircncia da relaccedilatildeo se natildeo houver escritura puacuteblica por qualquer meio de prova admitido

no direito

117 Cfr NATALIA ALVAREZ LATA ldquoLas Parejas De Hecho Perspectiva Jurisprudencialrdquo Derecho Privado y

Constitucioacuten nordm 12 enero- diciembre 1998 p 15 118 Para mais desenvolvimentos no acircmbito de normas estatais cfr MARTA COSTA ob cit p 388 119 Art 3 n ordm3 La existencia de pareja estable o el transcurso del antildeo de convivencia podraacuten acreditarse

atraveacutes de cualquier medio de prueba admitido en Derecho

Consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2002-13017 120 Art 5 nordm 3 Consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2003-771 121 Art 4 da Ley 52003 de 20 de marzo consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-

2003-9450 122 Art1 nordm2 da Ley 182001 de 19 de diciembre consultaacutevel em

httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2002-917ampa=aamporden=conterefpost 123 Art 5 da Ley 12005 de 16 de mayo consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2005-

9402 124 Art 3 e 4 da Ley 22003 de 7 de mayo consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-

2011-18545 125 Ley 61999 de 26 de marzo derrogada pelo Decreto Legislativo 12011 de 22 de marzo consultaacutevel em

httpswwwboeesbuscardocphpid=BOA-d-2011-90007

41

Apoacutes a anaacutelise das soluccedilotildees que as comunidades autoacutenomas apresentam eacute de notar

a diversidade de caminhos que sugerem e que satildeo desconhecidos ao direito portuguecircs pelo

menos para jaacute

522 Franccedila

Tal como sucede em Espanha o ordenamento juriacutedico francecircs natildeo contempla uma

definiccedilatildeo de famiacutelia nem em termos constitucionais nem no Code Civil ou Code de la

Familie Tradicionalmente a doutrina tem vindo a definir famiacutelia como o grupo de pessoas

que estatildeo ligados por laccedilos fundados essencialmente pelo casamento e parentesco126 As

relaccedilotildees de concubinage natildeo cabem em princiacutepio neste conceito127 Poreacutem atualmente a

natureza familiar dos laccedilos criados pelo PACS tem sido questionada e ao receber resposta

afirmativa por parte da jurisprudecircncia eacute possiacutevel perceber-se que estaacute em curso uma

modificaccedilatildeo no que respeita agrave noccedilatildeo de famiacutelia apresentando-se cada vez menos riacutegida128

No Tiacutetulo XII no Code Civil encontramos as duas figuras que ocuparatildeo agora a

nossa anaacutelise o pacte civil de solidariteacute e le concubinage129 Em primeiro lugar o artigo

515-2 define o PACS como o contrato celebrado por duas pessoas singulares maiores de

idade do mesmo sexo ou de sexo diferente para organizarem a sua vida em comum Le

concubinage eacute definido pelo artigo 515-8 como uma uniatildeo de facto caracterizada por uma

vida comum de estabilidade e continuidade entre duas pessoas de sexo diferente ou igual

que vivem como um casal130 Importa frisar que esta relaccedilatildeo deve dispor alguns elementos

constitutivos que a possam qualificar como tal131 Entre os elementos suscetiacuteveis de

126 Por sua vez o Institut National De La Stastistique et des Etudes Economiques define que une famille est la

partie dun meacutenage comprenant au moins deux personnes et constitueacutee soit dun couple vivant au sein du

meacutenage avec le cas eacutecheacuteant son ou ses enfant(s) appartenant au mecircme meacutenage soit dun adulte avec son ou

ses enfant(s) appartenant au mecircme meacutenage (famille monoparentale)

Pour quune personne soit enfant dune famille elle doit ecirctre ceacutelibataire et ne pas avoir de conjoint ou denfant

faisant partie du mecircme meacutenage Consultaacutevel em httpswwwinseefrfrmetadonneesdefinitionc1465 127 Cfr ALAIN BENABENT lsquorsquoDroit de la famillersquorsquo LGDJ 4ordm ed 2018 p15 128 Idem 129Consultaacutevel

emhttpswwwlegifrancegouvfrcodessection_lcLEGITEXT000006070721LEGISCTA000006118360

LEGISCTA000006118360 130 O que implica certas consequecircncias legais para os indiviacuteduos que escolheram esta forma de conjugalidade

em oposiccedilatildeo ao casamento Enquanto o casal surgido do casamento estaacute sujeito a um conjunto de regras que

formam um estatuto natildeo existe um estatuto de coabitaccedilatildeo mesmo que a coabitaccedilatildeo seja marcada pela adesatildeo

contiacutenua agraves regras aplicaacuteveis aos cocircnjuges JACQUELINE RUBELLIN-DEVICHI ldquoDroit de la famillerdquo Paris

Dalloz 2001 XXXVII p 373 131 Cfr GERARD GOLDSTEIN lsquorsquoLa cohabitation hors mariage en droit international priveacutersquorsquo in Recueil des Cours

ndash Collected Courses Of The Hague Academy Of Internation Law Tomo 320 Martinus Nijhoff Publishers

2006 p 95

42

caracterizar como concubinage haacute alguns que consoante o caso satildeo particularmente

necessaacuterios em detrimento de outros Le concubinage natildeo se baseia apenas em relaccedilotildees

estaacuteveis e contiacutenuas que envolvem uma comunhatildeo de vida com coabitaccedilatildeo Aleacutem de haver

uma comunhatildeo de casa eacute ainda necessaacuterio que haja uma comunhatildeo de leito ou seja que

exista a manutenccedilatildeo de relaccedilotildees sexuais tal como no nosso ordenamento juriacutedico Aleacutem do

mais eacute importante que seja puacuteblica isto eacute conhecida por terceiros132

Quanto ao regime legal do concubinage este eacute inexistente Os efeitos do casamento

natildeo satildeo aplicaacuteveis agrave relaccedilatildeo de uniatildeo de facto no ordenamento juriacutedico francecircs A situaccedilatildeo

vivenciada pelos conviventes difere da dos cocircnjuges tanto do ponto de vista patrimonial

como do ponto de vista extrapatrimonial nomeadamente no que respeita aos direitos e

deveres conjugais previstos nos artigos 212ordm a 226ordm Code Civil133 Estes natildeo satildeo extensiacuteveis

aos membros da uniatildeo de facto pois a sua comunhatildeo de vida assenta num facto e nunca num

dever Independentemente da duraccedilatildeo da relaccedilatildeo os membros da uniatildeo de facto permanecem

juridicamente estranhos um ao outro natildeo gerando qualquer estado civil nem a possibilidade

de adotarem o nome do outro A situaccedilatildeo de facto estaacute no acircmbito pessoal isenta de qualquer

tipo de regulamento especiacutefico sendo regulada essencialmente pelo direito comum

Possibilitando que a sua rutura seja mais simples podendo qualquer dos membros pocircr fim agrave

relaccedilatildeo a todo o momento134 No tocante a efeitos patrimoniais natildeo existem efeitos diretos

ligados agrave uniatildeo de facto e natildeo haacute norma semelhante ao artigo 220ordm Code Civil135

relativamente ao regime do concubinage responsabilizando solidariamente os membros

pelas diacutevidas do outro No acircmbito fiscal os unidos declaram os seus rendimentos

separadamente sendo considerados individualmente Ao contraacuterio do casamento natildeo haacute o

dever de assistecircncia entre os conviventes e a existir eacute inteiramente voluntaacuterio Como foi

dito sem ser o regime primaacuterio natildeo existe um regime entre os conviventes como existe no

132 Atualmente natildeo eacute necessaacuteria a diferenccedila de sexos para que se possa qualificar a relaccedilatildeo como concubinage

sendo considerado da mesma forma quer se trate de pessoas do mesmo sexo ou de sexo diferente art 515-8

do Code Civil Para mais desenvolvimentos quanto aos elementos caracterizadores cfr JACQUELINE

RUBELLIN-DEVICHI ob cit p 375 133 Cfr BRIGITTE HESS-FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HELENE HESS ldquoDroit de la famillerdquo

ParisSirey DL 2009 XII p89 134 Cfr JACQUELINE RUBELLIN-DEVICHI ob cit p 391 135 1ordf parte Chacun des eacutepoux a pouvoir pour passer seul les contrats qui ont pour objet lentretien du meacutenage

ou leacuteducation des enfants toute dette ainsi contracteacutee par lun oblige lautre solidairement Cfr JEAN

CARBONNIER ob cit p 671

43

casamento Surgindo assim a tentativa de desenvolver na Franccedila inspirada por outros

ordenamentos os contratos de coabitaccedilatildeo que devem reger apenas aspetos patrimoniais

Contudo surgiram duacutevidas sobre a validade deste tipo de contratos no acircmbito do

direito francecircs Consideradas individualmente as claacuteusulas relativamente a aspetos

patrimoniais poderiam ser consideradas vaacutelidas todavia analisando a sua dinacircmica em

conjunto poderia tornar o contrato iliacutecito por dar forccedila obrigatoacuteria a uma espeacutecie de

casamento privado violando o monopoacutelio do Estado em mateacuteria de casamento136 A

permissatildeo de existecircncia destes contratos eacute excecional visto que a partir de 1999 os membros

da uniatildeo de facto puderam convencionar a sua relaccedilatildeo como entendiam atraveacutes do Pacto

Civil de Solidariedade

A prova do concubinage pode ser feita pelos membros ou por terceiros

Contrariamente ao que acontece no casamento em que os cocircnjuges podem facilmente provar

o seu estado civil atraveacutes da sua certidatildeo de casamento lavrada oficialmente pelo funcionaacuterio

do registo civil os conviventes natildeo dispotildeem de nenhuma prova preacute-constituiacuteda No entanto

por se tratar de um facto juriacutedico pode ser provado por qualquer meio de prova admissiacutevel

pelo direito nos termos gerais designadamente atraveacutes de certificados documentos

declaraccedilotildees de honra e ainda com o recurso agrave prova testemunhal137 A sua prova natildeo gera

em princiacutepio grande dificuldade para os membros dado que os organismos que exigem a

prova dessa convivecircncia impotildeem requisitos razoaacuteveis Caso diferente eacute a prova da

convivecircncia por terceiros que podem ver essa possibilidade limitada pelo direito agrave vida

privada do convivente por forccedila dos artigos 9 do Code Civil138 e 8ordm da CEDH139

O pacte civil de solidariteacute conhecido como PACS foi criado a 15 de novembro de

1999 pela lei nordm 99-944 contudo o atual conteuacutedo e estrutura do PACS natildeo eacute o que foi

inicialmente previsto pela referida lei devido agrave grande reforma que sofreu em 2006140 A

criaccedilatildeo deste instituto deveu-se essencialmente agrave necessidade dos casais do mesmo sexo

obterem reconhecimento puacuteblico da sua relaccedilatildeo visto que em 1999 soacute os casais

136 Cfr JEAN CARBONNIER ob cit p681 137 Cfr JACQUELINE RUBELLIN-DEVICHI ob cit p 389 MARTA COSTA ob cit p 390 BRIGITTE HESS-

FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HELENE HESS ob cit p 91 JEAN CARBONNIER ob cit

p775 138 Art 9 do Code Civil 1ordf parte Chacun a droit au respect de sa vie priveacutee 139 Cfr JACQUELINE RUBELLIN-DEVICHI ob cit p 387 MARTA COSTA ob cit p 390 140 Cfr ALBANA METAJ - STOJANOVA ldquoFrench Civil Partnership Contract (Pacs)rdquo South East European

University Vol 14 n ordm1 2019 p 136

44

heterossexuais poderiam optar pelo casamento ou pelo concubinage restando aos casais

homossexuais a uacuteltima alternativa141 Aleacutem disto o PACS veio igualmente satisfazer as

necessidades dos casais heterossexuais que pretendiam regular contratualmente a sua

relaccedilatildeo mas sem formalismo na sua constituiccedilatildeo permitindo-lhes organizar a sua vida

conjunta ndash podendo tratar-se por vezes de um ldquoensaiordquo para um futuro casamento ndash e em

caso de dissoluccedilatildeo evitar os procedimentos inerentes ao divoacutercio que podem ser longos e

dispendiosos142

Este instituto natildeo deve ser confundido nem com o casamento nem com o

concubinage143 O PACS tem bastante adesatildeo144 precisamente por se diferenciar do

casamento em alguns aspetos embora apresentem vaacuterias semelhanccedilas contratualmente o

primeiro natildeo se coaduna com a regulaccedilatildeo da vida familiar e dos filhos apenas a vida do

casal

141 Apenas a 17 de maio de 2013 com a lei 2013-404 foi garantida a possibilidade do casamento entre pessoas

do mesmo sexo 142 Cfr BRIGITTE HESS-FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HELENE HESS ob cit p78 143 Neste sentido sobre as diferenccedilas entre cada um destes trecircs regimes em concreto sobre a diferenccedila de

tratamento para atribuiccedilatildeo de pensatildeo de sobrevivecircncia vide Decisatildeo nordm 2011-155 QPC do Conseil

Constitutionnel de 29-07-2011 5 Consideacuterant en premier lieu que le concubinage est deacutefini par le seul

article 515-8 du code civil comme laquo une union de fait caracteacuteriseacutee par une vie commune preacutesentant un

caractegravere de stabiliteacute et de continuiteacute entre deux personnes de sexe diffeacuterent ou de mecircme sexe qui vivent en

couple raquo quagrave la diffeacuterence des eacutepoux les concubins ne sont leacutegalement tenus agrave aucune solidariteacute financiegravere

agrave leacutegard des tiers ni agrave aucune obligation reacuteciproque 6 Consideacuterant en deuxiegraveme lieu quen vertu de larticle

515-4 du code civil les partenaires lieacutes par un pacte civil de solidariteacute laquo sengagent agrave une vie commune ainsi

quagrave une aide mateacuterielle et une assistance reacuteciproques raquo que laquo si les partenaires nen disposent autrement

laide mateacuterielle est proportionnelle agrave leurs faculteacutes respectives raquo quen outre ils sont laquo tenus solidairement

agrave leacutegard des tiers des dettes contracteacutees par lun deux pour les besoins de la vie courante raquo quainsi

contrairement aux personnes vivant en concubinage les partenaires sont assujettis agrave des obligations

financiegraveres reacuteciproques et agrave leacutegard des tiers que toutefois les dispositions du code civil ne confegraverent aucune

compensation pour perte de revenus en cas de cessation du pacte civil de solidariteacute au profit de lun des

partenaires ni aucune vocation successorale au survivant en cas de deacutecegraves dun partenaire 7Consideacuterant en

troisiegraveme lieu que le reacutegime du mariage a pour objet non seulement dorganiser les obligations personnelles

mateacuterielles et patrimoniales des eacutepoux pendant la dureacutee de leur union mais eacutegalement dassurer la protection

de la famille que ce reacutegime assure aussi une protection en cas de dissolution du mariage 8 Consideacuterant

par suite que le leacutegislateur a dans lexercice de la compeacutetence que lui reconnaicirct larticle 34 de la Constitution

deacutefini trois reacutegimes de vie de couple qui soumettent les personnes agrave des droits et obligations diffeacuterents que la

diffeacuterence de traitement quant au beacuteneacutefice de la pension de reacuteversion entre les couples marieacutes et ceux qui

vivent en concubinage ou sont unis par un pacte civil de solidariteacute ne meacuteconnaicirct pas le principe deacutegaliteacute

Consultaacutevel em httpswwwconseil-constitutionnelfrdecision20112011155QPChtm 144 Para anaacutelise de alguns dados estatiacutesticos relativamente agrave evoluccedilatildeo do nuacutemero de PACS registados entre

2000 e 2007 Cfr BRIGITTE HESS-FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HEacuteLEgraveNE HESS ob cit

p78 Consultar httpswwwinseefrfrstatistiques2381498 para anaacutelise do nuacutemero de casamentos e PACS

em relaccedilotildees heterossexuais entre 1990 e 2019 sendo de realccedilar que em 2018 o nuacutemero de casamentos e de

PACS foi muito semelhante verificando-se uma diferenccedila de 28 mil casamentos em relaccedilatildeo aos PACS

Relativamente agraves relaccedilotildees homossexuais a diferenccedila eacute ainda menor sendo os dados quase equivalentes

45

Deve ainda obedecer a vaacuterias regras para a sua formaccedilatildeo Soacute pode ser celebrado

entre pessoas maiores de idade que natildeo sejam parentes em linha reta ou colateral ateacute ao

terceiro grau e que natildeo estejam casadas ou tenham celebrado PACS com outra pessoa145 A

sua celebraccedilatildeo deve cumprir as regras do direito comum contratual e natildeo deve ser contraacuterio

agrave ordem puacuteblica A forma sob a qual o acordo deve ser redigido eacute livre porque o artigo 515-

3 do Code Civil natildeo especifica a sua forma e os parceiros podem redigir eles proacuteprios ou

optar que a redaccedilatildeo seja feita por um notaacuterio Por conseguinte os parceiros satildeo livres de

escolher a forma do PACS podendo o acordo ser um ato autecircntico ou um ato privado

Terminada a redaccedilatildeo do acordo os parceiros devem fazer uma declaraccedilatildeo conjunta do

acordo devendo o notaacuterio do registo civil registar o pacto depois de verificar as condiccedilotildees

necessaacuterias para a conclusatildeo do acordo e mandar executar as formalidades de publicaccedilatildeo

previstas no artigo 515-3 Code Civil permitindo que seja oponiacutevel a terceiros Apoacutes a sua

vaacutelida formaccedilatildeo o PACS estaacute em condiccedilotildees de produzir efeitos na vida dos parceiros no

acircmbito pessoal146 e patrimonial regidos pelas disposiccedilotildees dos artigos 515-4 a 515-5-3 do

Code Civil147 Por uacuteltimo a dissoluccedilatildeo do PACS eacute muito mais simples do que a dissoluccedilatildeo

de casamento uma vez que existem apenas quatro situaccedilotildees cada uma das quais com um

procedimento para a dissoluccedilatildeo do mesmo tais como a rutura unilateral a rutura de comum

acordo por casamento dos membros ou de um deles e a morte de um dos membros Os

procedimentos que devem seguir cada uma destas circunstacircncias estatildeo previstos no artigo

515-7 do Code Civil

Sem embargo de todas as condiccedilotildees de forma que o PACS estaacute sujeito haacute algumas

incoerecircncias quanto ao seu regime de prova por terceiros148 Depois do registo do acordo eacute

entregue aos pactuantes um atestado de inscriccedilatildeo em que constam os seus nomes data e

lugar de nascimento e a data do registo do pacto natildeo sendo conservadas pelo notaacuterio as

convenccedilotildees que satildeo exibidas para serem assinadas e para ser verificadas as condiccedilotildees de

validade do acordo Porquanto se um terceiro quiser ter acesso ao conteuacutedo de um PACS

apenas poderaacute fazecirc-lo se pedir aos proacuteprios pactuantes salvaguardando assim o direito agrave

reserva da vida privada dos parceiros

145 Sob pena de nulidade art 515-2 Code Civil 146 Assentam essencialmente no compromisso de viverem em comunhatildeo de vida e de fornecerem ajuda e

assistecircncia muacutetua 147 Cfr BRIGITTE HESS-FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HEacuteLEgraveNE HESS ob cit p 85 148 Cfr MARTA COSTA ob cit p 390

46

53 O Acoacuterdatildeo do STJ de 22 de Marccedilo de 2018 processo

nordm6380169T8CBRC1 S1

Decidimos analisar este Acoacuterdatildeo por entendermos que representa de forma clara os

problemas que a prova da coabitaccedilatildeo causa Demonstrando que natildeo eacute uma questatildeo unacircnime

na jurisprudecircncia pois eacute objeto de decisotildees diacutespares natildeo deixando de ser bem

fundamentadas Em causa estaacute uma accedilatildeo em processo comum que tem como Autor o

Instituto da Seguranccedila Social nomeadamente o Centro Nacional de Pensotildees e como Reacute

quem alega ter mantido uma relaccedilatildeo de uniatildeo de facto com o beneficiaacuterio dessa pensatildeo ateacute

agrave data da morte deste Antes de mais urge atentar brevemente aos factos dados como

provados relevantes para a presente anaacutelise

A Reacute encetou um relacionamento amoroso com o falecido em 1991 passando a ter

relaccedilotildees sexuais e a fazer as refeiccedilotildees com o de cujos na casa onde este vivia Em 1996 a

Reacute passou a pernoitar na casa do de cujos de onde se ausentava nos fins de semana em que

a filha do beneficiaacuterio o visitava duas vezes por mecircs ou quando existia uma discussatildeo entre

o casal Manteve o arrendamento da sua casa para onde ia quando uma destas circunstacircncias

ocorriam suportando os encargos inerentes a esta manutenccedilatildeo Os sujeitos dividiam entre si

as despesas do supermercado e a Reacute acompanhava o beneficiaacuterio agraves consultas e agraves urgecircncias

do hospital sempre que necessaacuterio Na sequecircncia da morte do beneficiaacuterio a 14 de julho de

2015 a Reacute requereu a atribuiccedilatildeo das pensotildees devidas pela morte do mesmo invocando a sua

qualidade de unida de facto por ter vivido com o de cujos em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos

cocircnjuges desde 17 de Agosto de 1991 ateacute agrave sua morte Como prova da qualidade de unida

de facto apresentou atestado emitido pela Junta de Freguesia que certificava que esta residia

em comunhatildeo de mesa e habitaccedilatildeo com o beneficiaacuterio desde 1991 ateacute agrave data da sua morte

documentos exigidos pelo artigo 2ordm-A nordm 4 da LUF Contudo a filha do de cujos informou

o CNP de que a alegaccedilatildeo da Reacute natildeo era verdadeira pois esta sempre residiu em habitaccedilatildeo

distinta do beneficiaacuterio

Note-se que a demonstraccedilatildeo dos factos pressupostos para a relevacircncia juriacutedica da

uniatildeo de facto foi facilitada relativamente ao acesso agraves prestaccedilotildees do Estado no caso de

morte devido agrave possibilidade que eacute dada aos pretensos beneficiaacuterios de determinados

direitos (nomeadamente interessados que pretendam beneficiar dos efeitos previstos na lei

em face dos herdeiros do falecido artigo 2020ordm CCiv do senhorio artigo 1105ordm e 1106ordm

47

CCiv das entidades responsaacuteveis pelo pagamento das prestaccedilotildees por morte artigo 6ordm nordm 2

da LUF) No que respeita ao acesso agraves prestaccedilotildees sociais em caso de morte o artigo 6ordm nordm2

da LUF prevecirc a possibilidade da entidade responsaacutevel pelo pagamento das prestaccedilotildees

previstas nas aliacuteneas e) f) g) do artigo 3ordm caso entenda que existem fundadas duacutevidas sobre

a existecircncia da uniatildeo de facto poder solicitar meios de prova complementares149 e se na

sequecircncia dessas diligecircncias subsistirem duacutevidas a entidade deve promover a competente

accedilatildeo judicial com vista agrave sua comprovaccedilatildeo Foi o que sucedeu no caso em apreccedilo tendo a

entidade responsaacutevel pelo pagamento das prestaccedilotildees sociais por morte - tratando-se do

Instituto da Seguranccedila Social nomeadamente o Centro Nacional de Pensotildees no caso que

estamos a analisar- proposto a competente accedilatildeo judicial150

No seguimento da interposiccedilatildeo desta accedilatildeo pelo ISS a Reacute respondeu afirmando que

durante 24 anos viveu em comunhatildeo de mesa cama e casa com o de cujos e alegou que natildeo

se desfez da sua casa por uma questatildeo de precauccedilatildeo O Tribunal da 1ordf instacircncia julgou a accedilatildeo

parcialmente procedente e julgou natildeo reconhecida a vivecircncia em situaccedilatildeo de uniatildeo de facto

entre a Reacute e o beneficiaacuterio A Reacute recorreu para o Tribunal da Relaccedilatildeo que a 2 de novembro

149 Designadamente declaraccedilatildeo emitida pela Autoridade Tributaacuteria e Aduaneira ou pelo Instituto dos Registos

e do Notariado I P onde se ateste que agrave data da morte os membros da uniatildeo de facto tinham domiciacutelio fiscal

comum haacute mais de dois anos ndash art 6ordm nordm 2 da LUF 150 No entender de RITA XAVIER ldquoA Uniatildeo de Facto e a Lei Civil no Ensino de Francisco Manuel Pereira

Coelho e Legislaccedilatildeo Atualrdquo ob cit p 685 deveraacute tratar-se de uma accedilatildeo de simples apreciaccedilatildeo negativa

(prevista no art 10ordm nordm 3 al a) CPC) que visa declarar que determinada pessoa natildeo beneficia ou natildeo tem um

certo direito E embora o oacutenus de propositura da accedilatildeo recaia sobre a entidade responsaacutevel pelo pagamento das

prestaccedilotildees sociais compete ao membro sobrevivo da uniatildeo de facto a prova dos factos constitutivos do seu

direito Vide Art 343ordm n ordm1 CCiv 1 Nas accedilotildees de simples apreciaccedilatildeo ou declaraccedilatildeo negativa compete ao

reacuteu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga E ainda a este propoacutesito vide Acoacuterdatildeo Tribunal

da Relaccedilatildeo de Coimbra de 16102012 proferido no acircmbito do processo nordm 50091TBALDC1 A accedilatildeo

declarativa de simples apreciaccedilatildeo negativa - ou seja uma accedilatildeo pela qual se procura ldquohellip obter unicamente a

declaraccedilatildeo da hellip inexistecircncia de um direito ou de um factordquo (artigo 4ordm nordm 2 al a) do CPC) - destina-se desde

logo a definir uma situaccedilatildeo juriacutedica tornada incerta - o demandante pretende reagir contra uma situaccedilatildeo de

incerteza que o impede de auferir todas as vantagens normalmente proporcionadas pela relaccedilatildeo juriacutedica

material que lhe causa um dano patrimonial ou moral apreciaacutevel (hellip) A causa de pedir nas accedilotildees de simples

apreciaccedilatildeo negativa consubstancia-se na inexistecircncia do direito e nos factos materiais pretensamente

cometidos pelo demandado que determinaram o estado de incerteza Em sentido inverso mais recentemente

vide o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 24-04-2019 proferido no acircmbito do processo

12025160T8LRSL1-2 (hellip) trata-se de uma acccedilatildeo proposta pelo ISS a pedir que o requerente comprove no

processo a existecircncia da situaccedilatildeo juriacutedica que se arroga O ISS natildeo nega que a uniatildeo de facto tenha existido

diz que tem duacutevidas sobre a sua existecircncia e por isso pede que o requerente seja chamado a comprovar a

existecircncia da situaccedilatildeo juriacutedica em causa Assim trata-se de uma acccedilatildeo de simples apreciaccedilatildeo positiva sui

generis em que a lei atribui ao reacuteu que se arrogou o direito em causa o oacutenus da prova dos factos constitutivos

dele embora natildeo negado pelo Autor O ISS natildeo deve no desenho da lei intentar a acccedilatildeo declarativa para se

declarar a inexistecircncia de uma situaccedilatildeo juriacutedica (o que o ISS natildeo alega nem nega pois que apenas tem

duacutevidas) mas sim para que o reacuteu comprove a existecircncia da situaccedilatildeo juriacutedica a que se arroga Se o reacuteu

conseguir provar os factos necessaacuterios a situaccedilatildeo juriacutedica eacute declarada existente caso contraacuterio natildeo o eacute

48

de 2017 revogou a sentenccedila recorrida e declarou improcedente a accedilatildeo do CNP reconhecendo

a convivecircncia de 24 anos como uma situaccedilatildeo uniatildeo de facto

Por sua vez o ISS interpocircs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiccedila

Nas suas alegaccedilotildees demonstrou a discordacircncia com a decisatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo por

entender que a tese do Tribunal de1ordf Instacircncia que defendia que o relacionamento da Reacute e

do de cujos natildeo revestia as caracteriacutesticas que o tornavam anaacutelogo ao dos cocircnjuges seria a

correta Defendem que apesar da Reacute e o de cujos terem mantido relaccedilotildees sexuais e esta

pernoitasse quase sempre na casa do mesmo ela mantinha a sua casa onde dormia

pontualmente e onde guardava os seus pertences o que indicava que natildeo sentia a morada

comum como sua Ademais embora fizessem refeiccedilotildees em comum natildeo havia comunhatildeo

patrimonial jaacute que as compras eram custeadas de forma alternada por um ou por outro e era

feita uma separaccedilatildeo bem definida das despesas inerentes a cada uma das casas

Na 2ordf Instacircncia o Tribunal da Relaccedilatildeo entendeu que natildeo era imprescindiacutevel que a

relaccedilatildeo de uniatildeo de facto natildeo fosse interrompida pela saiacuteda de um dos membros da morada

em comum quando ocorram desentendimentos ou discussotildees dado que esta circunstacircncia

tambeacutem se verifica no casamento podendo levar agrave interrupccedilatildeo esporaacutedica da comunhatildeo que

eacute proacutepria desse instituto e natildeo eacute por isso que se pode dizer que a comunhatildeo de habitaccedilatildeo fica

descaracterizada151 Na sua tese o tribunal referido defende tambeacutem que o facto de a Reacute ter

mantido a sua casa por querer manter a propriedade daquele imoacutevel por motivos que soacute a ela

dizem respeito - o que leva a que seja da sua responsabilidade suportar os encargos que dela

advenham - natildeo seria suficiente para colocar em causa a residecircncia em comum com o

falecido Para enfatizar a tese de que a morada comum dos sujeitos seria o imoacutevel em que

os dois viviam o tribunal realccedila o facto do Autor ter citado a Reacute nessa morada para a accedilatildeo

em causa O tribunal considera que a comunhatildeo de mesa leito e habitaccedilatildeo eacute o que define a

151 Veja-se a tiacutetulo de exemplo mutatis mutandis o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 24042019

no acircmbito do processo 12025160T8LRSL1-2 que jaacute se teve a oportunidade de mencionar Para que se possa

dizer que cessou a uniatildeo de facto natildeo basta constatar a existecircncia de uma separaccedilatildeo de facto Tem que se

provar tambeacutem que existe da parte de pelo menos um dos unidos de facto o propoacutesito de natildeo a restabelecer

E por isso embora o facto de os unidos de facto deixarem de dormir na mesma casa comerem agrave mesma mesa

e viver debaixo do mesmo tecto aponte para a falta de comunhatildeo de vida tal natildeo basta para se poder concluir

pela cessaccedilatildeo da uniatildeo de facto devendo fazer-se ainda a prova do elemento subjectivo da vontade de pelo

menos um deles romper com a uniatildeo de facto (de forma directa ou atraveacutes de um conjunto suficientemente

significativo de circunstacircncias objectivas que apontem nesse sentido isto eacute que o permitam afirmar com base

numa presunccedilatildeo natural ou judicial) Indo ainda mais longe na decisatildeo ao referir que se considera que a

sentenccedila teve razatildeo em considerar irrelevante o periacuteodo de separaccedilatildeo de 3 meses entre a reacute e o beneficiaacuterio

(hellip)

49

convivecircncia anaacuteloga agrave dos cocircnjuges exigida pelo artigo 1ordm nordm 2 da LUF E que encontrando-

se demonstrado que a Reacute encetou desde 1991 ateacute ao falecimento do beneficiaacuterio um

relacionamento onde mantinham relaccedilotildees sexuais faziam refeiccedilotildees conjuntas com amigos e

familiares na morada comum pagavam alternadamente as despesas com alimentaccedilatildeo e

ainda havia o acompanhamento do falecido pela Reacute a consultas meacutedicas e atendimento nas

urgecircncias mostram-se suficientemente comprovados os requisitos da declaraccedilatildeo de uniatildeo

de facto que se tem por estabelecida durante o todo esse lapso temporal

Estamos aqui perante duas decisotildees distintas e cada uma delas fundamenta a sua

decisatildeo com argumentos vaacutelidos e plausiacuteveis o que reflete uma vez mais a dificuldade

imanente a esta questatildeo Estaacute em causa uma relaccedilatildeo de convivecircncia e auxiacutelio de 24 anos que

devido aos requisitos que se exige que sejam comprovados ou por questotildees que natildeo se

colocariam se do instituto do casamento se tratasse se vecirc posta em causa a atribuiccedilatildeo de uma

pensatildeo de sobrevivecircncia por natildeo se conseguir provar a qualidade de unida de facto pela Reacute

A situaccedilatildeo sub judice eacute cada vez mais frequente nos tempos que correm Vaacuterios sujeitos que

pelo facto de serem divorciados ou viuacutevos refazem a sua vida ao lado de outra pessoa sem

assumir o compromisso do casamento Por natildeo quererem ou por natildeo lhes convir como eacute o

exemplo dos viuacutevos que recebam pensatildeo de sobrevivecircncia e se voltarem a casar perdem o

direito a esse benefiacutecio Ou ateacute por questotildees de praticidade por natildeo quererem estar sujeitos

a um regime que impotildee diversas consequecircncias como eacute o instituto do casamento Eacute neste

tipo de situaccedilotildees que se deve pensar quando se pretende equiparar a uniatildeo de facto ao

instituto do casamento Haacute efetivamente quem natildeo queira ser abrangido por uma

regulamentaccedilatildeo tatildeo ampla e o que para uns podem ser consideradas desvantagens no que

respeita ao regime mais liberal da uniatildeo de facto para outros podem ser as vantagens que

pesam na escolha deste regime como modo de vida em conjunto

Resta finalmente aludir agrave efetiva decisatildeo do STJ Tendo por base o Acoacuterdatildeo do

STJ de 9-07-2014152 que refere que se deve pensar na vivecircncia de dois cocircnjuges em situaccedilatildeo

de normalidade ou vulgaridade inseridos na cultura a que pertencemos e eacute aiacute que se haacute-de

encontrar o preenchimento do conceito de laquocondiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjugesraquo decide

que o quadro factual que estaacute em causa na situaccedilatildeo em anaacutelise natildeo eacute suficiente para dar como

152 Processo nordm 3076111TBLLEE1 S1 Consultaacutevel em

httpwwwdgsiptjstjnsf954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa8140b2f2587cb42fbd180257d16005402d4Op

enDocument

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provada a existecircncia entre a Reacute e o de cujos de uma convivecircncia em economia comum

Considerando que essa convivecircncia se caracteriza pela situaccedilatildeo de pessoas que vivam em

comunhatildeo de mesa e habitaccedilatildeo com base num lar em sentido familiar moral e social e com

base numa economia domeacutestica em comum e pelo facto de a Reacute pernoitar na casa do falecido

mas manter sempre a sua casa onde conservou os seus pertences e objetos demonstrava que

esta natildeo sentia a casa do beneficiaacuterio como sua E ainda que a Reacute natildeo provou como lhe

competia por forccedila do artigo 342ordm nordm 1 do CCiv que faziam toda a vida de casal na casa do

de cujos e que manteve a sua casa arrendada para acautelar a possibilidade da filha do

beneficiaacuterio quisesse voltar a viver na casa do mesmo Aleacutem disso a Reacute natildeo conseguiu

provar que o beneficiaacuterio pernoitava na sua casa e que a esta tambeacutem servia para os amigos

ficarem a dormir O STJ conclui que natildeo obstante partilhassem refeiccedilotildees na casa do de

cujos natildeo se via que existisse uma economia domeacutestica em comum Caracteriacutestica que estaacute

intrinsecamente ligada ao modo de vida dos cocircnjuges existindo nesta situaccedilatildeo economias

separadas por serem custeadas alternadamente as despesas de supermercado e por cada um

se responsabilizar pelos gastos de cada casa Desta feita concluiu que natildeo se verificava a

vivecircncia em economia comum necessaacuteria para que se considerasse a situaccedilatildeo como uma

uniatildeo de facto como invocou a Reacute revogando o acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo e mantendo

a sentenccedila proferida pelo Tribunal de 1ordf Instacircncia que julgou natildeo reconhecida a vivecircncia em

situaccedilatildeo de uniatildeo de facto entre a Reacute e o beneficiaacuterio falecido agrave data da sua morte

Para terminar importa dizer que tendemos a concordar com a decisatildeo do Tribunal

da Relaccedilatildeo Note-se que estatildeo em causa 24 anos de convivecircncia em comum e auxiacutelio muacutetuo

que implicava a manutenccedilatildeo de relaccedilotildees sexuais de refeiccedilotildees conjuntas de suporte a niacutevel

de acompanhamento meacutedico e natildeo menos importante a companhia inerente agrave convivecircncia

que em idades mais avanccediladas pode ser um fator relevante para manterem entre si um

relacionamento Natildeo se devendo esquecer conforme mencionam os factos comprovados

que a filha do de cujos em 1996 foi trabalhar e viver para outra cidade ficando longe do pai

e visitando-o apenas duas vezes por mecircs ao fim-de-semana Tal significava que o auxiacutelio

que o de cujos necessitava nomeadamente nos acompanhamentos a consultas meacutedicas e

mesmo agraves urgecircncias se assim fosse necessaacuterio era dado pela Reacute Gerando menos

preocupaccedilotildees e encargos agrave filha do beneficiaacuterio falecido conseguindo manter a sua

normalidade e rotina se uma destas circunstacircncias ocorressem pois sabia que o seu pai estava

51

a ser apoiado pela Reacute que despendia do seu tempo para lhe fornecer cuidados e auxiacutelio

sempre que necessaacuterio

Ora eacute necessaacuterio refletir que a convivecircncia e coabitaccedilatildeo de duas pessoas em

situaccedilotildees destas pode ir para aleacutem da vivecircncia em economia comum Pode verificar-se no

caso em apreccedilo o cumprimento dos deveres de coabitaccedilatildeo cooperaccedilatildeo e assistecircncia inerentes

aos deveres conjugais previstos no artigo 1672ordm CCiv Poreacutem apesar de natildeo se verificar

uma verdadeira vivecircncia em economia comum que o STJ considera como caracteriacutestica do

modo de vida proacuteprio dos cocircnjuges por haver uma separaccedilatildeo bem definida das despesas

alimentares bem como dos encargos resultantes das casas de cada um verificam-se outras

caracteriacutesticas presentes no modo de vida proacuteprio dos cocircnjuges que tambeacutem relevam e natildeo

devem ser desconsideradas Devemos ter em conta que pode ter sido opccedilatildeo dos sujeitos viver

com economias separadas o que natildeo invalida que a sua situaccedilatildeo seja qualificada como uniatildeo

de facto em virtude de natildeo haver nenhuma norma na LUF que imponha qualquer tipo de

obrigaccedilatildeo aos unidos no que respeita a fazerem economias conjuntas

No que concerne agrave manutenccedilatildeo por parte da Reacute de outra casa e de laacute pernoitar

pontualmente cremos que natildeo eacute suficiente para pocircr em causa a verificaccedilatildeo da qualificaccedilatildeo

da relaccedilatildeo como uniatildeo de facto A ocorrecircncia da interrupccedilatildeo momentacircnea da coabitaccedilatildeo natildeo

eacute razatildeo para que natildeo se possa considerar a relaccedilatildeo convivencial entre duas pessoas como tal

Entre os cocircnjuges tambeacutem podem ocorrer situaccedilotildees que interrompam a sua coabitaccedilatildeo e

indo mais longe devemos recordar as situaccedilotildees em que cocircnjuges por motivos profissionais

veem a sua convivecircncia interrompida eg durante a semana e soacute estatildeo juntos ao fim-de-

semana devido agrave deslocaccedilatildeo de um deles para outra cidade153 Natildeo sendo mesmo assim

posta a sua convivecircncia em causa por forccedila do artigo 1673ordm CCiv que prevecirc esta

possibilidade Acontecendo o mesmo com membros da uniatildeo de facto deveraacute colocar-se a

sua convivecircncia em crise Seraacute a uniatildeo de facto uma simples comunhatildeo de casa Ou por

outro lado uma comunhatildeo de vida Com tudo o que isso implique para os sujeitos que

formam a relaccedilatildeo que se devem reger por criteacuterios subjetivos nessa mateacuteria

De forma a enfatizar o facto de existirem cada vez mais formas de organizaccedilatildeo

familiar e de se notar uma modernizaccedilatildeo constante nesta mateacuteria vale a pena referirmos que

existe tambeacutem uma forma de organizaccedilatildeo da vida em comum a par da uniatildeo de facto e a

153 Cfr neste sentido MARIA MARGARIDA PEREIRA ob cit p 650

52

uniatildeo conjugal que se designa de uniatildeo sem comunhatildeo154 Esta uniatildeo acontece quando as

partes decidem residir em locais distintos sem abdicarem de outros elementos que formam

um casal como a manutenccedilatildeo de relaccedilotildees sexuais a fidelidade e a entreajuda Pretendem

levar uma vida a dois no entanto natildeo querem residir no mesmo local Eacute uma forma de

organizaccedilatildeo da vida em comum que natildeo eacute mencionada pelo legislador que natildeo conjeturou

um caminho que estivesse entre o tudo e o nada155 uma vez que regula o casamento a uniatildeo

de facto o divoacutercio e a separaccedilatildeo O facto de natildeo haver comunhatildeo de habitaccedilatildeo neste tipo

de relaccedilotildees natildeo permite que se fale na hipoacutetese de ser considerada uniatildeo de facto Todavia

o que estaacute aqui em causa natildeo eacute a interrupccedilatildeo esporaacutedica ou pontual da coabitaccedilatildeo como

acontece no caso que temos vindo a analisar Mas antes a existecircncia de duas residecircncias

distintas natildeo havendo uma coabitaccedilatildeo entre o casal por escolha dos proacuteprios preferindo

uma organizaccedilatildeo da sua vida em comum de forma separada no que respeita agrave coabitaccedilatildeo

mantendo todos os outros elementos que relevam para a sua consideraccedilatildeo como um casal

Tudo isto para dizer que estamos perante uma eacutepoca onde o pluralismo jusfamiliar eacute uma

realidade e que talvez seja necessaacuteria uma atualizaccedilatildeo legislativa que acompanhe os tempos

que vivemos no tocante a estas mateacuterias156157

54 Soluccedilatildeo proposta

Aqui chegados e depois de analisar as soluccedilotildees que vigoram noutros ordenamentos

juriacutedicos eacute importante aventar a soluccedilatildeo que cremos que melhor resolveraacute os problemas que

o atual regime juriacutedico da uniatildeo facto levanta

Jaacute haviacuteamos proposto supra a densificaccedilatildeo do atual regime legal da uniatildeo de facto

com objetivo de assegurar uma maior proteccedilatildeo dos membros natildeo obstante o respeito da

vontade das partes de se submeter ou natildeo a tais consequecircncias juriacutedicas visto que natildeo se

trataria portanto de um regime imperativo automaticamente aplicaacutevel a quem opte por

conviver em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges

154 LAT (Living Apart Together) Cfr JORGE DUARTE PINHEIRO ob cit p 558 155 Cfr JORGE DUARTE PINHEIRO ob cit p 558 156 Idem 157 JORGE DUARTE PINHEIRO termina o ponto dedicado a esta mateacuteria questionando o que impede a receccedilatildeo

legal no nosso ordenamento de uma uniatildeo sem comunhatildeo de habitaccedilatildeo que beneficie de um estatuto proacuteprio

e que pudesse incluir a possibilidade da figura ser constituiacuteda por cocircnjuges suspendendo de forma consensual

o dever de coabitaccedilatildeo que agrave luz dos arts 1618ordm 1672ordm 1699ordm n ordm1 al b) CCiv eacute proibido atualmente

53

Cabe agora desenvolver esta proposta Apesar de haver quem encare a uniatildeo de

facto com uma visatildeo mais liberal e consequentemente entenda que esta natildeo deve gerar

muitos efeitos juriacutedicos por forma a respeitar-se a liberdade de escolha de cada um

acreditamos que o Direito natildeo deve ignorar as situaccedilotildees que merecem tutela juriacutedica E

apesar de haver uma regulamentaccedilatildeo juriacutedica da uniatildeo de facto no nosso ordenamento a

proteccedilatildeo por ela oferecida eacute meramente assistencial158 funcionando essencialmente em

situaccedilotildees de crise159

Natildeo se deve olvidar que a uniatildeo de facto na nossa ordem juriacutedica eacute um verdadeiro

ato juriacutedico e os seus efeitos natildeo dependem da vontade dos membros pois produzem-se ex

logo160 A soluccedilatildeo vigente concede certos efeitos aos membros da uniatildeo de facto apoacutes a

convivecircncia por dois anos sem que estes declarem expressamente a sua pretensatildeo A sua

uacutenica declaraccedilatildeo eacute a vontade de viver em plena comunhatildeo de vida Deveraacute daiacute aferir-se a

vontade de assumir efeitos juriacutedicos Acreditamos que a soluccedilatildeo atual apesar de ter como

objetivo o respeito pela autonomia privada e a vontade das partes natildeo o faz Estabelece

efeitos juriacutedicos a situaccedilotildees de facto que natildeo tem como controlar por natildeo haver nenhum tipo

de registo

Enquanto esta for a natureza da uniatildeo de facto e natildeo houver um ato constitutivo por

parte de uma autoridade puacuteblica ou outra formalidade a situaccedilatildeo de facto natildeo pode suscitar

um regime juriacutedico muito denso mas somente algumas medidas de proteccedilatildeo Dificilmente

se poderaacute ir mais longe no que concerne agrave atribuiccedilatildeo de efeitos juriacutedicos sem uma autecircntica

formalizaccedilatildeo das vontades das partes de intencionar um regime mais firme

Deste modo concomitantemente com a consolidaccedilatildeo do seu regime proacuteprio

julgamos ainda ser importante sujeitar estas relaccedilotildees a registo161

158 () o direito portuguecircs continua a ser daqueles que atribui menos efeitos juriacutedicos agrave uniatildeo de facto Apenas

se consagram soluccedilotildees do tipo ldquoassistencialrdquo que um Estado moderno tem de adotar qualquer que seja a

opccedilatildeo de vida escolhida pelos cidadatildeos Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 153 159 () continua a acolher-se neste domiacutenio uma proteccedilatildeo fragmentaacuteria e especialmente dirigida a cenaacuterios

de crise em que as debilidades dos seus membros se concretizam ou manifestam com mais intensidade Cfr

RUTE TEIXEIRA PEDRO ob cit p 310 160 Cfr MARTA COSTA ob cit p 151 161 Cfr JOAtildeO PARRACHO COELHO considera que sendo a uniatildeo de facto um ato livre a opccedilatildeo pelo registo

determinaria que aqueles que unidos numa relaccedilatildeo para-matrimonial desejem beneficiar de direitos e deveres

juriacutedico - sociais paralelos aos atribuiacutedos agrave famiacutelia claacutessicaformallegal podem alcanccedilar um estatuto especiacutefico

mediante a inscriccedilatildeo da sua uniatildeo de facto em algum registo puacuteblico a criar para o efeito ldquoA Famiacutelia

perspectiva evolutiva do conceito tradicionalrdquo in Revista do Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico

nordm 54 3ordm trimestre1993 p 116

54

Inspiramos esta soluccedilatildeo no ordenamento juriacutedico francecircs por julgarmos oferecer

uma regulaccedilatildeo juriacutedica ampla dos tipos de convivecircncia fora do casamento distinguindo o

concubinage do pacte civil de solidariteacute Podendo optar-se pelo concubinato natildeo se

submetendo a quaisquer consequecircncias juriacutedicas ou pelo PACS a que subjaz um regime

proacuteprio e efeitos juriacutedicos que garantem a sua proteccedilatildeo Desta forma e socorrendo-nos em

parte da sugestatildeo ora mencionada do partido Bloco de Esquerda aquando da apresentaccedilatildeo

do Projeto de Lei nordm45VIII prevendo um registo das uniotildees nas juntas de freguesia da aacuterea

de residecircncia das pessoas que vivem em uniatildeo de facto ou a sua constituiccedilatildeo apoacutes dois anos

de convivecircncia sem necessidade de registo acreditamos que o Registo Civil das uniotildees de

facto seraacute a soluccedilatildeo mais acertada para proporcionar a certeza e seguranccedila juriacutedicas que se

pretende alcanccedilar com a inscriccedilatildeo no mesmo162

Antecipando desde jaacute as criacuteticas que poderatildeo surgir a esta soluccedilatildeo tais como a

possibilidade de recurso ao casamento para precaver todas as situaccedilotildees supramencionadas e

ainda o excessivo formalismo que daqui poderaacute advir natildeo devendo o direito proteger uma

situaccedilatildeo que as partes natildeo quiseram que fosse protegida desrespeitando-se a sua vontade

cumpre tecer algumas consideraccedilotildees Primeiramente o casamento trata de uma realidade

como jaacute tivemos a oportunidade de analisar com natureza muito distinta da uniatildeo de facto

Os casais tecircm o direito de escolher o tratamento juriacutedico que datildeo agrave sua convivecircncia pessoal

podendo simplesmente querer viver em uniatildeo de facto e natildeo se submeterem ao regime do

casamento Denote-se para este efeito que viver agrave margem do casamento natildeo significa

querer viver agrave margem do Direito Nesta senda e em segundo lugar parece-nos que a ideia

Napoleoacutenica de que se os concubinos natildeo se interessam pela lei a lei tambeacutem natildeo se

interessa por eles jaacute estaacute ultrapassada A formalidade do registo apenas garantiraacute a liberdade

de escolha das partes assegurando que aqueles que optam por ele satildeo os que pretendem

submeter-se aos efeitos juriacutedicos previstos legalmente Natildeo se tratando de um regime

automaacutetico aplicaacutevel pelo simples decurso do tempo que os sujeita a um regime que natildeo

162 Concordamos portanto com a posiccedilatildeo propugnada por ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoUniatildeo de facto a

pertinecircncia de registo a problemaacutetica da separaccedilatildeo de pessoas e bens e a contagem do prazo de convivecircnciardquo

in Casamento e Uniatildeo de facto questotildees de jurisdiccedilatildeo civil Coleccedilatildeo Formaccedilatildeo Contiacutenua CEJ Novembro

2020 p71 segundo a qual as uniotildees devem ser dignas de Registo Civil pois os registos municipais natildeo

serviratildeo o propoacutesito por natildeo contribuiacuterem para a certeza e seguranccedila juriacutedicas uma vez que natildeo existe uma

base de dados nacional podendo-se potenciar muacuteltiplos registos

55

mostraram pretender163 A soluccedilatildeo que propomos funda-se no respeito pela vontade das

partes e no princiacutepio da liberdade contratual aleacutem de ser a mais compatiacutevel com a certeza e

seguranccedila juriacutedicas Bastando-lhes a verificaccedilatildeo dos requisitos necessaacuterios agrave constituiccedilatildeo no

momento da sua inscriccedilatildeo no registo Relativamente agrave exigecircncia do decurso de um

determinado periacuteodo para que a convivecircncia seja registada defendemos que a resposta deve

passar por natildeo ser exigida uma convivecircncia preacutevia Permitindo que duas pessoas que

queiram conviver nestes moldes se dirigiram a uma entidade competente e registem a sua

convivecircncia que pode jaacute existir ou iniciar-se nesse momento164

No fundo com a soluccedilatildeo que propugnamos pretendemos a coexistecircncia de trecircs vias

de conjugalidade O casamento que continuaria a ser regulado de igual forma as uniotildees

registadas em que as partes inscrevem a sua relaccedilatildeo no registo para que desta decorram

efeitos juriacutedicos mas que natildeo se confundem com os do casamento e por uacuteltimo as uniotildees

meramente de facto desprovidas de efeitos juriacutedicos Contudo em relaccedilatildeo a estas

acreditamos que algumas situaccedilotildees devem ser protegidas como a de um dos membros querer

viver livre de efeitos juriacutedicos e o outro apenas tolerar a situaccedilatildeo apesar da sua vontade natildeo

ser exatamente essa Eacute entatildeo necessaacuterio acautelar situaccedilotildees como esta em que no caso de

morte de algum deles o membro sobrevivo fosse aquele que pretendia uma maior

intervenccedilatildeo juriacutedica na sua convivecircncia Aqui deveraacute atribuir-se a este uacuteltimo uma proteccedilatildeo

miacutenima desde que a requeira Salvaguardando desta forma a liberdade e autonomia privada

de cada um sem que nada se lhes imponha a natildeo ser que o solicitem Isto quer dizer que soacute

seratildeo uniotildees meramente de facto aquelas em que a falta de reconhecimento de efeitos

juriacutedicos decorre de uma exteriorizaccedilatildeo das partes Por outras palavras essa categorizaccedilatildeo

resulta de uma falta de manifestaccedilatildeo das partes nesse sentido evitando as situaccedilotildees em que

a sua ineacutercia ndash justificada por natildeo pretenderem a ingerecircncia do Direito ndash resulte no confronto

com um regime legal que natildeo manifestaram querer

163 Neste sentido cabe referir a jaacute mencionada Ley 22003 7 de mayo reguladora de las parejas de hecho do

Paiacutes Vasco que na sua exposiccedilatildeo de motivos adverte para o facto do registo ser uma forma de evitar que os

membros que natildeo desejam que as suas uniotildees sejam acolhidas legalmente sejam reguladas contra a sua vontade

() el Registro de Parejas de Hecho que crea la propia ley registro que tiene una especial importancia al

tener la inscripcioacuten el caraacutecter de constitutiva lo que se hace precisamente para evitar que aquellas parejas

que no deseen en modo alguno acogerse a la ley se vean sometidas contra su voluntad a un reacutegimen de

derechos y obligaciones como el aquiacute recogido 164 Cfr MARTA COSTA ob cit p 396 No mesmo sentido ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoUniatildeo de facto versus

Casamento ndash Questotildees pessoais e patrimoniaisrdquo ob cit p 178

56

Realccedilamos ainda que o registo das uniotildees de facto aleacutem de salvaguardar a certeza

e seguranccedila juriacutedicas permitiria agraves partes invocar a qualquer altura atraveacutes de um meio

idoacuteneo e fidedigno a sua convivecircncia facilitando a prova destas relaccedilotildees e dirimindo as

dificuldades que dessa prova advecircm165 Cremos ser esta a principal e grande vantagem da

soluccedilatildeo que propomos e a que realmente interessa no presente estudo O atual regime de

prova eacute falho pois as declaraccedilotildees referidas no nordm 2 do artigo 2ordmA da LUF emitidas pela

junta de freguesia nunca seratildeo suficientes para garantir a proteccedilatildeo de uma relaccedilatildeo de facto

por natildeo servirem como prova plena aleacutem de natildeo ser possiacutevel atestar a inexistecircncia de

impedimentos por esta via

Em suma como benefiacutecios advindos do registo consideramos natildeo soacute o que toca agrave

sociedade em geral a quem seria transmitida maior certeza e seguranccedila relativamente agrave

existecircncia daquelas relaccedilotildees mas tambeacutem a publicidade que eacute conferida agraves mesmas

desonerando os conviventes de um regime de prova tatildeo sinuosa da sua relaccedilatildeo para

beneficiarem de certos direitos

165 Atraveacutes do registo os membros da uniatildeo registada estariam cientes da repercussatildeo legal da sua uniatildeo

(entre eles e face a terceiros) ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoUniatildeo de facto versus Casamento ndash Questotildees

pessoais e patrimoniaisrdquo ob cit p 180

57

6 Conclusatildeo

A convivecircncia anaacuteloga agrave dos cocircnjuges sem o viacutenculo formal inerente ao casamento

natildeo eacute uma realidade recente A forma como o Direito encara esta figura eacute que foi mudando

ao longo do tempo de acordo com a evoluccedilatildeo das circunstacircncias sociais e histoacutericas Parece-

nos que hoje talvez se imponha uma atualizaccedilatildeo do tratamento legal oferecido agrave uniatildeo de

facto

Desde logo a sua natureza juriacutedica motiva algumas divergecircncias Como vimos

alguns AA entendem que a situaccedilatildeo de facto se deve considerar uma relaccedilatildeo juriacutedica familiar

como as previstas no artigo 1576ordm CCiv por forccedila da sua inclusatildeo no artigo 36ordm n ordm1 CRP

referente agrave constituiccedilatildeo de famiacutelia Por outro lado os AA que defendem que a proteccedilatildeo

constitucional da uniatildeo de facto adveacutem do direito ao desenvolvimento da personalidade

previsto no artigo 26ordm CRP advogam tambeacutem que a convivecircncia more uxorio natildeo deve ser

qualificada como relaccedilatildeo juriacutedica familiar mas sim uma relaccedilatildeo juriacutedica parafamiliar Neste

contexto tendemos a acompanhar a linha de pensamento dos primeiros AA isto por

entendermos que as relaccedilotildees de uniatildeo de facto merecem uma proteccedilatildeo mais abrangente da

que eacute dada pelo artigo 26ordm CRP visto tratar-se de uma proteccedilatildeo geneacuterica que natildeo se coaduna

com a importacircncia social que a uniatildeo de facto vem tendo Jaacute a proteccedilatildeo conferida pelo artigo

36ordm nordm 1 CRP eacute de facto mais consentacircnea com a proteccedilatildeo que este tipo de relaccedilotildees merece

e cremos que essa teraacute sido a intenccedilatildeo do proacuteprio legislador constitucional Eacute de realccedilar por

uacuteltimo que considerar a uniatildeo de facto protegida constitucionalmente pelo artigo 36ordm nordm 1

CRP natildeo quer dizer que o seu regime legal deva ser igual ao regime do casamento

Como tambeacutem jaacute referimos o proacuteprio regime legal da uniatildeo de facto previsto na

Lei nordm 72001 de 1105 alterada pela lei 232010 de 3008 eacute considerado parco e omisso

em relaccedilatildeo a algumas questotildees relevantes para a proteccedilatildeo dos membros dessa relaccedilatildeo Natildeo

obstante a natildeo equiparaccedilatildeo dos regimes legais do casamento e da uniatildeo de facto tal natildeo

significa que natildeo seja necessaacuterio um reforccedilo do atual regime legal da uniatildeo de facto

Devendo optar-se por um caminho que consolide os efeitos juriacutedicos da uniatildeo de facto

possibilitando um regime proacuteprio enrobustecido aos que apesar de natildeo escolherem a via do

casamento pretendam uma proteccedilatildeo mais firme e por outro lado dar aos que pretendam uma

uniatildeo sem consequecircncias juriacutedicas a liberdade de escolha de sujeiccedilatildeo ou natildeo a um regime

legal

58

Paralelamente de forma a diferenciar estas duas situaccedilotildees julgamos ainda ser

importante a sujeiccedilatildeo destas relaccedilotildees a um eventual registo civil que traraacute consigo a certeza

e seguranccedila juriacutedicas relativamente agrave existecircncia destas relaccedilotildees perante a sociedade e ainda

a consequente publicidade advinda dessa inscriccedilatildeo que desoneraraacute os membros de um

regime de prova tatildeo sinuoso Salvaguardando desta forma aqueles que pretendem uma

coabitaccedilatildeo com a miacutenima ingerecircncia juriacutedica Em suma ambicionamos a coexistecircncia de

trecircs vias de conjugalidade sendo elas o casamento as uniotildees registadas e por fim as uniotildees

meramente de facto

Damos como certo que esta eacute uma mudanccedila que natildeo deveraacute ser imediata Aquilo que

propomos eacute na verdade uma soluccedilatildeo que deveraacute isso sim dar azo a uma discussatildeo contiacutenua

que possa contribuir para um aperfeiccediloamento e atualizaccedilatildeo deste regime

59

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65

JURISPRUDEcircNCIA

Tribunal Constitucional

bull Acoacuterdatildeo nordm 3361986

bull Acoacuterdatildeo nordm 18881996

Supremo Tribunal de Justiccedila

bull Acoacuterdatildeo 9-07-2014 processo nordm 3076111TBLLEE1 S1

bull Acoacuterdatildeo 22-03-2018 processo nordm 6380169T8CBRC1 S1

Tribunal Central Administrativo Norte

bull Acoacuterdatildeo de 13-11-2020 processo nordm 00090151BECBR

Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra

bull Acoacuterdatildeo de 16-10-2012 processo nordm 50091TBALDC1

bull Acoacuterdatildeo de 08-03-2006 processo nordm 419705JTRC

Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa

bull Acoacuterdatildeo de 15-02-2007 processo nordm 62842006-8

bull Acoacuterdatildeo de 29-11-2012 processo nordm 444092TCFUNL1-A-8

bull Acoacuterdatildeo de 24-04-2019 processo nordm 12025160T8LRSL1-2

Tribunal Europeu dos Direitos Humanos

bull Acoacuterdatildeo JOHNSTON C IRLANDA de 18 de dezembro de 1986

bull Acoacuterdatildeo KEEGAN C IRLANDA de 26 de maio de 1994

Tribunal Constitucional Espanhol

bull Sentenccedila nordm 1841990 de 15 de novembro Consultaacutevel em

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bull Sentenccedila nordm 2221992 de 11 de dezembro Consultaacutevel em

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bull Sentenccedila nordm 661994 de 28 de fevereiro Consultaacutevel em

httphjtribunalconstitucionalespt-BRResolucionShow2583

66

bull Sentenccedila nordm 391998 de 17 de fevereiro Consultaacutevel em

httphjtribunalconstitucionalesesResolucionShow3541

bull Sentenccedila nordm 1161999 de 17 de junho Consultaacutevel em

httphjtribunalconstitucionaleses-ESResolucionShow3858

Tribunal Constitucional Francecircs

bull Decisatildeo nordm 2011-155 QPC do Conseil Constitutionnel de 29 de julho Consultaacutevel

em httpswwwconseil-constitutionnelfrdecision20112011155QPChtm

6

IacuteNDICE

RESUMO 7

ABSTRACT 8

SIGLAS E ABREVIATURAS 9

1 Introduccedilatildeo 11

2 A evoluccedilatildeo da Uniatildeo de Facto no ordenamento juriacutedico portuguecircs 12

3 A uniatildeo de facto e a Constituiccedilatildeo da Reacutepublica Portuguesa 16

31 A uniatildeo de facto e o casamento ndash liberdade mas e proteccedilatildeo 20

4 Constituiccedilatildeo da relaccedilatildeo de Uniatildeo de Facto e os seus efeitos 27

5 O problema da prova da coabitaccedilatildeo 30

51 Consideraccedilotildees gerais 30

52 Comparaccedilatildeo com o regime de outros ordenamentos juriacutedicos na Uniatildeo Europeia 37

521 Espanha 37

522 Franccedila 41

53 O Acoacuterdatildeo do STJ de 22 de Marccedilo de 2018 processo nordm6380169T8CBRC1S1 46

54 Soluccedilatildeo proposta 52

6 Conclusatildeo 57

BIBLIOGRAFIA 59

JURISPRUDEcircNCIA 65

7

RESUMO

A figura da uniatildeo facto eacute uma realidade crescente com cada vez mais importacircncia

na nossa sociedade atual tendo em conta o consideraacutevel nuacutemero de pessoas que opta por

viver desta forma Sendo que pode esse nuacutemero derivar natildeo soacute da liberdade associada a este

regime como tambeacutem do facto de poder ser uma circunstacircncia provisoacuteria e transitoacuteria Pode

ateacute tratar-se de uma circunstacircncia definitiva em virtude de por inuacutemeras razotildees os membros

da uniatildeo de facto natildeo quererem casar ora por natildeo terem condiccedilotildees financeiras para celebrar

um casamento ora por natildeo fazer parte da sua cultura formalizarem a sua relaccedilatildeo

Apesar da importacircncia da uniatildeo de facto e da sua relevacircncia na sociedade o seu

regime juriacutedico eacute parco apresentando lacunas relativamente agraves normas sobre o seu registo

regime de bens entre os membros a sua extinccedilatildeo e efeitos sucessoacuterios Estas e outras

mateacuterias deveriam ter uma regulamentaccedilatildeo mais completa para que se pudesse oferecer uma

maior proteccedilatildeo aos unidos de facto

Pretendemos essencialmente analisar por estar estritamente ligado ao facto de a

uniatildeo de facto natildeo ser objeto de registo civil ou administrativo o problema da prova da

existecircncia e do iniacutecio da situaccedilatildeo de uniatildeo de facto e desta forma refletir sobre as vantagens

que provecircm do registo deste tipo de relaccedilotildees

PALAVRAS-CHAVE uniatildeo de facto prova da coabitaccedilatildeo registo civil

8

ABSTRACT

The figure of consensual union is an increasingly important reality in our society

today given the considerable amount of people who choose to live this way This number

can derive not only from the freedom associated with this regime but also from the fact that

it can be a temporary and transitory circumstance It may even be a definitive circumstance

because for a number of reasons the unmarried partners do not want to get married either

because they do not have the financial means to enter into a marriage or because it is not part

of their culture to formalise their relationship

Despite the importance of the non-marital partnership and its relevance in society

its legal system is scarce with gaps regarding the rules on its registration the system of

property between members its extinction and inheritance effects These and other matters

should be regulated more fully in order to offer greater protection to consensual union

The main aim is to analyse as it is strictly linked to the fact that consensual union

is not subject to civil or administrative registration the problem of proving the existence and

the beginning of this situation and thus reflect on the advantages that come from the

registration of this type of relationship

KEYWORDS non-marital partnership proof of cohabitation civil registry

9

SIGLAS E ABREVIATURAS

A- Autor

AA- Autores

Ac- Acoacuterdatildeo

Art ndash Artigo

Arts ndash Artigos

Ed - Ediccedilatildeo

In - Em

ob cit - Obra Citada

p ndash paacutegina

pp paacuteginas

ss - Seguintes

vg - verbi gratia

Vol ndash Volume

CCiv ndash Coacutedigo Civil

CEDH ndash Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem

CNP- Centro Nacional de Pensotildees

CPC ndash Coacutedigo de Processo Civil

CReg Civ ndash Coacutedigo de Registo Civil

CRP ndash Constituiccedilatildeo da Reacutepublica Portuguesa

DUDH ndash Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos

ISS ndash Instituto da Seguranccedila Social

10

LUF ndash Lei da Uniatildeo de Facto (Lei nordm 72001 de 11 de Maio alterada pela Lei nordm 232010

de 30 de Agosto)

PACS ndash Pacto civil de Solidariedade

STJ ndash Supremo Tribunal de Justiccedila

TCE - Tribunal Constitucional Espanhol

TEDH ndash Tribunal Europeu dos Direitos Humanos

11

1 Introduccedilatildeo

O presente estudo visa abordar a questatildeo do problema da prova da coabitaccedilatildeo numa

situaccedilatildeo em que se pretende provar a existecircncia de uma relaccedilatildeo de uniatildeo de facto para que

esta produza os efeitos que os membros pretendam Assim cumpriraacute analisar o regime

juriacutedico da Uniatildeo de Facto comeccedilando pela sua evoluccedilatildeo no nosso ordenamento e sobre a

importacircncia da LUF (Lei nordm 72001 de 11 de Maio alterada pela Lei nordm 232010 de 30 de

Agosto)

Uma vez analisada a proteccedilatildeo oferecida agraves situaccedilotildees de Uniatildeo de Facto

nomeadamente a sua (natildeo) alusatildeo na CRP caberaacute comparaacute-la agrave concedida ao casamento e

observar de que forma a liberdade caracteriacutestica do regime da uniatildeo de facto poderaacute deixar

desprotegidas algumas situaccedilotildees carentes de proteccedilatildeo

De seguida feita uma reflexatildeo geral importaraacute compreender como se constitui a

uniatildeo de facto Passando os membros a viver em comunhatildeo de leito mesa e habitaccedilatildeo e natildeo

sendo essa situaccedilatildeo objeto de registo civil ou administrativo ao contraacuterio do que acontece

em alguns ordenamentos vizinhos que tambeacutem mereceratildeo a nossa anaacutelise torna-se mais

difiacutecil saber de forma exata quando se iniciou para que seja possiacutevel a partir daiacute contar os

dois anos necessaacuterios para que a situaccedilatildeo de facto produza os efeitos previstos no artigo 3ordm

da LUF

A questatildeo primordial eacute assim a prova da situaccedilatildeo de uniatildeo de facto nomeadamente

a prova da coabitaccedilatildeo que se pode revelar sinuosa Perante este cenaacuterio torna-se relevante

analisar jurisprudecircncia nomeadamente o Acoacuterdatildeo do STJ de 22 de Marccedilo de 2018 proferido

no acircmbito do processo nordm 6380169T8CBRC1 S1 relativamente agrave prova da uniatildeo de facto

no campo juriacutedico-civil isto eacute atraveacutes do regime geral do oacutenus da prova previsto no artigo

342ordm do CCiv que atribui a quem pretende invocar um direito provar os factos que o

constituem

A final com a nossa anaacutelise e apreciaccedilatildeo dos entendimentos da jurisprudecircncia e da

doutrina nacional e europeia pretendemos demonstrar a dificuldade da prova da uniatildeo de

facto no nosso ordenamento juriacutedico e procurar propostas de soluccedilotildees que possam facilitar

de alguma forma a comprovaccedilatildeo da existecircncia destas relaccedilotildees cessando as dificuldades que

essa comprovaccedilatildeo origina

12

2 A evoluccedilatildeo da Uniatildeo de Facto no ordenamento juriacutedico portuguecircs

Quando se fala de uniatildeo de facto tem forccedilosamente de se aludir agrave discussatildeo

doutrinal acerca da sua classificaccedilatildeo como relaccedilatildeo (para)familiar que surge em grande

parte pelo disposto no artigo 36ordm n ordm1 CRP1 Pela sua ambiguidade haacute quem pense que a

referecircncia agrave constituiccedilatildeo de famiacutelia engloba a uniatildeo de facto2 sendo o seu reconhecimento

juriacutedico feito pela Constituiccedilatildeo Contudo este preceito natildeo eacute assim interpretado por todos

que entendem que este apenas postula o direito de constituir famiacutelia e estabelece as relaccedilotildees

de filiaccedilatildeo e que apesar da uniatildeo de facto natildeo ser uma relaccedilatildeo de famiacutelia no que respeita agrave

generalidade dos efeitos pode ser assim qualificada para efeitos fiscais de locaccedilatildeo de

seguranccedila social entre outros3 Neste seguimento muitos satildeo os AA que tecircm vindo a

expressar a sua opiniatildeo quanto a esta questatildeo havendo quem considere que a situaccedilatildeo de

facto anaacuteloga agrave dos cocircnjuges se deve considerar uma relaccedilatildeo familiar tanto quanto as

previstas no artigo 1576ordm do Coacutedigo Civil ou seja o casamento o parentesco a afinidade

e a adoccedilatildeo4 E ainda quem defenda que natildeo deve ser qualificada como relaccedilatildeo juriacutedica de

famiacutelia5 ou que o seja apenas em relaccedilatildeo a certos efeitos considerando-a desta forma uma

relaccedilatildeo juriacutedica parafamiliar6

1 1 Todos tecircm o direito de constituir famiacutelia e de contrair casamento em condiccedilotildees de plena igualdade

Disposiccedilatildeo inspirada no art 16ordm DUDH e 12ordm CEDH Cfr JJ GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA

Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa Anotada 4ordf ed revista vol I Coimbra Coimbra Editora 2007 p 559 2 Cfr JJ GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA ob cit p 561 3 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoCasamento e Famiacutelia no direito portuguecircsrdquo In AAVV Temas de Direito

da Famiacutelia Ciclo de Conferecircncias no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados Coimbra

Almedina 1996 p 8 FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoAnotaccedilatildeo ao Ac do STJ de 2 de abril de 1987rdquo in Revista

de Legislaccedilatildeo e Jurisprudecircncia nordm 3782 ano 122 Coimbra 1990 pp 82-83 4 Cfr CARLOS PAMPLONA CORTE-REAL ldquoRelance Criacutetico sobre o Direito de Famiacutelia portuguecircsrdquo in Textos de

Direito da Famiacutelia para FRANCISCO PEREIRA COELHO Coord GUILHERME DE OLIVEIRA Coimbra Imprensa

da Universidade de Coimbra 2016 pp109-110 CARLOS PAMPLONA CORTE-REAL JOSEacute SILVA PEREIRA

ldquoDireito da Famiacutelia Toacutepicos para uma reflexatildeo criacuteticardquo Lisboa AAFDL 2008 p 46 no mesmo sentido

GERALDO DA CRUZ ALMEIDA ldquoDa uniatildeo de facto convivecircncia more uxorio em direito internacional privadordquo

Lisboa Pedro Ferreira Editor 1999 p 184 TELMA CARVALHO ldquoA uniatildeo de facto a sua eficaacutecia juriacutedicardquo in

Comemoraccedilotildees dos 35 anos do Coacutedigo Civil e dos 25 anos da reforma de 1977 vol I Coimbra Coimbra

Editora 2004 pp 223-226 CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova

Relaccedilatildeo Familiarrdquo in Estudos em Homenagem ao Prof Doutor Jorge Miranda Vol VI Faculdade de Direito

da Universidade de Lisboa Coimbra Editora 2012 p 460 e MARIA MARGARIDA PEREIRArdquo Direito da

Famiacuteliardquo Lisboa AAFDL Editora 3ordf ed 2019 pp 641-644 com quem tendemos a concordar embora como

veremos infra tal natildeo significa uma igualdade de tratamento entre a uniatildeo de facto e o casamento 5 Cfr JOAtildeO CASTRO MENDES MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA ldquoDireito da Famiacuteliardquo AAFDL Lisboa 1995 p

14-15 NUNO DE SALTER CID ldquoA Comunhatildeo de Vida agrave Margem do Casamento entre o facto e o Direitordquo

Almedina Coimbra 2005 p 505 FRANCcedilA PITAtildeO ldquoUniotildees de Facto e Economia Comum de acordo com a

Lei nordm 232010 de 30 de agostordquo 3ordf ed Almedina Coimbra 2011 p35 6 Em todas estas relaccedilotildees (as dispostas no art1576ordm CCiv) encontramos um viacutenculo constituiacutedo por direitos

e deveres juriacutedicos reciacuteprocos () As relaccedilotildees juriacutedicas familiares satildeo tendencialmente duradouras e eacute por

13

A designaccedilatildeo uniatildeo de facto foi utilizada pela primeira vez no nosso ordenamento

juriacutedico com a Reforma de 1977 do Coacutedigo Civil7 passando o artigo 2020ordm a prever o direito

de exigir alimentos da heranccedila do falecido por aquele que com ele vivesse haacute mais de dois

anos em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges No entanto jaacute no Coacutedigo Civil de 1966 no

seu artigo 1860ordm se falava em comunhatildeo duradoura de vida em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos

cocircnjuges o que quer dizer que o fenoacutemeno da uniatildeo de facto enquanto facto social jaacute existia

antes dessa primeira referecircncia no Coacutedigo de 19778 A expressatildeo que remete para a vivecircncia

em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges no artigo 2020ordm foi utilizada por vaacuterias leis avulsas

que foram conferindo agraves pessoas que vivessem nessa situaccedilatildeo outros direitos como o direito

agraves pensotildees de sobrevivecircncia o de beneficiar do regime de feacuterias feriados e faltas semelhante

aos dos cocircnjuges e ainda no que respeita ao regime juriacutedico do arrendamento para habitaccedilatildeo

foi reconhecido o direito agrave transmissatildeo do arrendamento agrave pessoa que tenha vivido em uniatildeo

de facto com o arrendataacuterio falecido desde que essa relaccedilatildeo se tenha mantido por mais de

cinco anos9

Todavia soacute com a Lei nordm 13599 de 28 de Agosto eacute que passou a existir um

diploma legal que reunisse as medidas de proteccedilatildeo da uniatildeo de facto que ateacute agrave data se

encontravam dispersas pelas vaacuterias leis avulsas10 o que resultou de certa forma numa

institucionalizaccedilatildeo11 da uniatildeo de facto Em 2001 foi revogada e substituiacuteda pela Lei nordm

isso que satildeo sujeitas a registo gerando um estado civil () tecircm tambeacutem como caracteriacutestica a tipicidade estatildeo

previstas na lei bem como os factos juriacutedicos que lhes datildeo origem o seu conteuacutedo tipico as causas da sua

extinccedilatildeo () natildeo se pode considerar como familiar uma relaccedilatildeo que natildeo esteja prevista como tal na lei Cfr

RITA LOBO XAVIER ldquolaquoEstatuto Privadoraquo dos membros da Uniatildeo De Factordquo in RJLB Ano 2 2016 pp1511-

1513 No mesmo sentido Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ldquoCurso de Direito da

Famiacuteliardquo 5ordf ed vol I Coimbra Coimbra Editora 2015 p 34 65-67 JORGE DUARTE PINHEIRO ldquoO Direito

da Famiacutelia Contemporacircneordquo 6ordf ed Lisboa AAFDL 2018 p 43 ANTUNES VARELA ldquoDireito da Famiacuteliardquo 5ordf

ed vol I Lisboa Livraria Petrony1999 p 31 DIOGO LEITE DE CAMPOS ldquo Liccedilotildees de Direito da Famiacuteliardquo 2ordf

Ed Almedina Coimbra 1997 p21 MARTA COSTA ldquoConvivecircncia more uxorio na perspetiva de

harmonizaccedilatildeo do Direito da Famiacutelia Europeu uniotildees homossexuaisrdquo 1ordf ed Coimbra Coimbra Editora 2011

p 108 e SANDRA PASSINHAS ldquoUniatildeo de Facto em Portugalrdquo in Actualidad Juriacutedica Iberoamericana Nordm 11

pp 110-147 Agosto de 2019 p115 7 Mais concretamente com a alteraccedilatildeo feita pelo Decreto-Lei nordm 49677 de 25 de novembro 8 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p57 9 Para mais desenvolvimentos cfr HELENA MOTA ldquoO problema normativo da famiacutelia ndash Breve reflexatildeo a

propoacutesito das medidas de proteccedilatildeo agrave uniatildeo de facto adotadas pela lei n ordm13599 de 28 de Agostordquo in Estudos

em Comemoraccedilatildeo dos 5 anos da FDUP 2001 p548-553 10 Cfr FRANCcedilA PITAtildeO ldquoUniatildeo de Facto no Direito Portuguecircs A propoacutesito da Lei nordm 13599 de 2808rdquo

Coimbra Almedina 2000 p36 No mesmo sentido RITA LOBO XAVIER ldquoEstatuto Privadordquo dos membros da

Uniatildeo De Factordquo in RJLB ano 2 2016 p 1499 11 Expressatildeo utilizada por FRANCISCO PEREIRA COELHO para definir a existecircncia de regulaccedilatildeo proacutepria da uniatildeo

de facto Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p68

14

72001 de 110512 atual LUF que aleacutem de regular situaccedilotildees de uniatildeo de facto entre pessoas

de sexo diferente daacute relevacircncia juriacutedica agrave uniatildeo de facto entre pessoas do mesmo sexo

Apesar de natildeo ter representado uma transformaccedilatildeo significativa do conjunto de direitos e

deveres juridicamente conferidos agrave uniatildeo de facto limitando-se em boa parte a reconhecer

direitos conferidos por leis que jaacute existiam acresce algumas disposiccedilotildees inovadoras13 Sendo

claramente as mais relevantes o facto de permitir agraves pessoas de sexo diferente que vivessem

em uniatildeo de facto a adoccedilatildeo conjunta de menores nos mesmos termos que os cocircnjuges

previstos no artigo 1979ordm n ordm1 do CCiv14 e o alargamento das medidas de proteccedilatildeo por ela

concedidas agraves pessoas do mesmo sexo que viviam em uniatildeo de facto15

Posteriormente com a alteraccedilatildeo feita pela Lei nordm 232010 de 30 de agosto visou-

se essencialmente aumentar os efeitos que se produzem apoacutes a morte de um dos membros

da uniatildeo de facto ou apoacutes a sua rutura16 Tendo em vista dessa forma a proteccedilatildeo social do

membro sobrevivo que fique em situaccedilatildeo difiacutecil no que concerne agrave conservaccedilatildeo da sua

12 Alterada pela Lei 232010 de 3008 13 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p68 14 Art7ordm da LUF Nos termos do atual regime de adoccedilatildeo constante do livro IV tiacutetulo IV do Coacutedigo Civil eacute

reconhecido a todas as pessoas que vivam em uniatildeo de facto nos termos da presente lei o direito de adoccedilatildeo

em condiccedilotildees anaacutelogas agraves previstas no artigo 1979ordm do Coacutedigo Civil sem prejuiacutezo das disposiccedilotildees legais

respeitantes agrave adoccedilatildeo por pessoas natildeo casadas 15 A lei 72001 de 1105 resulta da discussatildeo de alguns projetos de lei elaborados por partidos poliacuteticos A

propoacutesito da vigecircncia da lei nordm 13599 que continuava a natildeo proteger juridicamente as relaccedilotildees dos unidos de

facto do mesmo sexo o partido ldquoOs Verdesrdquo apresentou o projeto de lei nordm 6VIII (consultaacutevel em

httpswwwparlamentoptActividadeParlamentarPaginasDetalheIniciativaaspxBID=6374) que pretendia

alterar o nordm1 do art 1ordm da lei em vigor eliminando a referecircncia a pessoas de sexo diferente passando os casais

de orientaccedilatildeo homossexual a ter acesso aos benefiacutecios previstos na LUF com exceccedilatildeo da possibilidade de

adoccedilatildeo que ficaria reservada aos casais heterossexuais Apresentando o projeto de lei nordm 45VIII (consultaacutevel

em

httpswwwparlamentoptActividadeParlamentarPaginasDetalheIniciativaaspxBID=6308) surge o Bloco

de Esquerda tencionando a modificaccedilatildeo do mesmo preceito para que se reconhecessem as uniotildees

homossexuais e ainda que se afastasse da lei o prazo miacutenimo de duraccedilatildeo de convivecircncia se estas situaccedilotildees

fossem registadas passando o art 1ordm n ordm1 a ter a seguinte redaccedilatildeo a presente lei regula a situaccedilatildeo juriacutedica

das pessoas que vivem em uniatildeo de facto O PCP por sua vez apresentou o nordm 145VIII tendo como objetivo

a revogaccedilatildeo da lei que vigorava substituindo-a por uma legislaccedilatildeo que fosse aplicaacutevel a quem vivesse em

uniatildeo de facto haacute mais de dois anos independentemente do sexo corroborava a proteccedilatildeo da casa de morada

comum garantindo a preferecircncia do outro para efeitos de venda ou arrendamento em caso de morte de um dos

membros e pretendia que o acesso a prestaccedilotildees por morte fosse mais flexiacutevel contudo o regime da adoccedilatildeo

continuava reservado aos casais heterossexuais O PS apresentou o projeto de lei nordm 105VIII (consultaacutevel

em httpswwwparlamentoptActividadeParlamentarPaginasDetalheIniciativaaspxBID=6195) que

apesar de natildeo se referir especificamente a uniotildees de facto visava que a proteccedilatildeo concedida pela lei nordm13599

se estendesse a um novo regime denominado de economia comum distinguindo-o do regime aplicaacutevel agraves

uniotildees de facto pela absoluta irrelevacircncia da orientaccedilatildeo sexual das pessoas a quem se confere proteccedilatildeo legal

pretendendo assim a tutela de duas pessoas que vivessem em economia comum haacute mais de dois anos Para

mais desenvolvimentos cfr MARTA COSTA ob cit pp 346-348 16 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p70

15

habitaccedilatildeo e aos meios de subsistecircncia miacutenimos17 Haacute quem considere que apesar das

alteraccedilotildees o regime da uniatildeo de facto portuguecircs em comparaccedilatildeo com muitos sistemas

juriacutedicos eacute modesto e continua a ser o que menos efeitos atribui agrave uniatildeo de facto18 Uma vez

que continua a acolher-se neste domiacutenio uma proteccedilatildeo fragmentaacuteria e especialmente

dirigida a cenaacuterios de crise em que as debilidades dos membros se concretizem com mais

intensidade19 Contudo essa moderaccedilatildeo eacute uma escolha sendo intenccedilatildeo do legislador natildeo

atribuir efeitos imperativos por entender que pode haver quem natildeo queira uma regulaccedilatildeo tatildeo

abrangente de determinadas situaccedilotildees deixando que os proacuteprios membros se possam

organizar privadamente20 O que leva a que no regime da uniatildeo de facto natildeo haja regulaccedilatildeo

juriacutedica relativamente ao seu registo agraves invalidades que podem existir na sua constituiccedilatildeo e

ainda no que respeita ao regime de bens agrave administraccedilatildeo do patrimoacutenio agraves ilegitimidades

de disposiccedilatildeo agrave proibiccedilatildeo de contratos ou regulaccedilatildeo de participaccedilatildeo em sociedades nem no

que toca aos efeitos sucessoacuterios e agrave extinccedilatildeo da situaccedilatildeo de uniatildeo de facto21

Ainda que natildeo defina o conceito de uniatildeo de facto a LUF no seu artigo 1ordm nordm 2

identifica o seu objeto como a situaccedilatildeo juriacutedica de duas pessoas que independentemente do

sexo vivam em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges haacute mais de dois anos Dito isto pode

depreender-se que eacute necessaacuterio que duas pessoas vivam em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos

cocircnjuges haacute mais de dois anos e ainda que segundo o previsto no artigo 2ordm da LUF entre

os membros da uniatildeo natildeo se verifique nenhum dos impedimentos aiacute mencionados No que

concerne agrave constituiccedilatildeo da uniatildeo de facto e ao desenvolvimento dos impedimentos agrave mesma

abordaremos a questatildeo mais adiante

17Art 5ordm e 6ordm da LUF Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ldquoNotas sobre a lei nordm 232010 de 30 de agosto (Alteraccedilatildeo

agrave lei das uniotildees de facto)rdquo in Lex Familiae Coimbra Editora 2012 p 146 A lei nova encara mais nitidamente

a necessidade de proteccedilatildeo do membro sobrevivo da uniatildeo de facto e daacute-lhe prioridade relativamente aos filhos

() considera que a proteccedilatildeo da casa de morada eacute o nuacutecleo irredutiacutevel da proteccedilatildeo conferida ao membro

sobrevivo da uniatildeo de facto e portanto garante a proteccedilatildeo mesmo contra a vontade do falecido 18 Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 153 FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob

cit p 69 19 Cfr RUTE TEIXEIRA PEDRO ldquoBreves reflexotildees sobre a proteccedilatildeo do unido de facto quanto agrave casa de morada

de famiacutelia propriedade do companheiro falecidordquo in AAVV Textos de Direito da Famiacutelia para FRANCISCO

PEREIRA COELHO coord GUILHERME DE OLIVEIRA Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016

p310 20 De realccedilar que em 2001 o nuacutemero registado de pessoas a viver em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges foi

de 381 mil indiviacuteduos e em 2011 quase que duplicou perfazendo o total de 730 mil indiviacuteduos Dados

consultaacuteveis em

httppordataptPortugalPopulaC3A7C3A3o+residente+segundo+os+Censos+em+uniC3B5es+

de+facto-2649-222898 21 Para aleacutem do disposto no art 8ordm da LUF Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 153 FRANCISCO PEREIRA

COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 70

16

3 A uniatildeo de facto e a Constituiccedilatildeo da Reacutepublica Portuguesa

Ainda na linha de pensamento do ponto anterior no que respeita ao artigo 36ordm n ordm1

da CRP importa dizer que esta norma determina que todos tecircm o direito de constituir famiacutelia

e de contrair casamento em condiccedilotildees de igualdade22 ou seja pode considerar-se que este

artigo consagra essencialmente dois direitos o de constituir famiacutelia e o de casar23 Nesta

senda importa tambeacutem debruccedilarmo-nos sobre a proteccedilatildeo que a Constituiccedilatildeo oferece agrave uniatildeo

de facto

Jaacute referimos que certos AA como GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA24

defendem que o que parece decorrer do nordm1 do artigo 36ordm CRP eacute que a Constituiccedilatildeo natildeo

admite a reduccedilatildeo do conceito de famiacutelia agrave uniatildeo conjugal baseada no casamento havendo

outras formas de constituiccedilatildeo de famiacutelia aleacutem do casamento como a uniatildeo de facto isto eacute

ao distinguir a famiacutelia do casamento o legislador pretendeu demonstrar que se tratam de

realidades diversas e que o direito a constituir famiacutelia natildeo estaacute vedado a quem natildeo pretenda

contrair casamento25 Segundo esta corrente doutrinaacuteria haacute uma abertura constitucional - se

natildeo mesmo uma obrigaccedilatildeo - para conferir relevo agraves uniotildees familiares de facto tendo em

consideraccedilatildeo que o conceito constitucional natildeo abrange apenas a famiacutelia

matrimonializada26 Apesar de afirmarem o reconhecimento da uniatildeo de facto como relaccedilatildeo

juriacutedica familiar postulam que tal natildeo implica que haja um tratamento legal totalmente

22 A sua interpretaccedilatildeo deve ser feita como se o n ordm1 do art36ordm prescrevesse que laquotodos tecircm o direito de

constituir famiacutelia em condiccedilotildees que natildeo violem o princiacutepio da igualdade definido no artigo 13ordmraquo Tendo em

conta que ao espiacuterito desta norma constitucional natildeo repugna efetivamente aceitar as limitaccedilotildees resultantes

da legislaccedilatildeo vigente quer em mateacuteria de impedimentos matrimoniais() Cfr ANTUNES VARELA ldquoDireito da

Famiacuteliardquo 5ordf ed vol I Lisboa Livraria Petrony 1999 p 158 23 Em sentido diverso Cfr JOAtildeO DE CASTRO MENDES ldquoFamiacutelia e casamentordquo in Estudos sobre a Constituiccedilatildeo

JORGE MIRANDA (coord) vol I Lisboa Livraria Petrony 1977 p 372 que entende que os dois direitos

reduzem-se a um soacute E ainda Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoCasamento e Famiacutelia no direito portuguecircsrdquo

obcit p 8 que entende que ao contraacuterio do que acontece no artigo 16ordm DUDH o legislador portuguecircs optou

por colocar o direito a constituir famiacutelia agrave frente do direito de contrair casamento na disposiccedilatildeo do n ordm1 do art

36ordm natildeo se sabe bem porquecirc 24Cfr J GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA ob cit p561 CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo

Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova Relaccedilatildeo Familiarrdquo in Estudos em Homenagem ao Prof Doutor Jorge

Miranda Vol VI Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Coimbra Editora 2012 p 453 HENRICH

EWALD HOumlRSTER ldquoInconstitucionalidade da Tributaccedilatildeo Conjunta dos Cocircnjugesrdquo in Revista de Direito e

Economia da Universidade de Coimbra Ano III nordm 2 Julho ndash Dezembro 1977 p 506 25 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova Relaccedilatildeo Familiarrdquo

obcit p 453 CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoA jurisprudecircncia do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e as

Novas Formas de Famiacutelia ndash The European Court of Human Rights and The New Concept of Familyrdquo in Revista

Juriacutedica da Universidade Portucalense nordm15 Universidade Portucalense Porto 2012 p 36 Neste sentido

vide Acoacuterdatildeo Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 15-02-2007 proferido no acircmbito do processo nordm 62842006-

8 26 Cfr JJ GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA ob cit p 561

17

idecircntico entre as famiacutelias natildeo matrimonializadas e as famiacutelias baseadas no casamento desde

que as distinccedilotildees feitas natildeo sejam arbitraacuterias irrazoaacuteveis ou desproporcionadas e tenham

em conta todos os direitos e interesses em jogo27

De outra parte FRANCISCO PEREIRA COELHO e GUILHERME DE OLIVEIRA defendem

que a 1ordf parte do n ordm1 do artigo 36ordm CRP ao estabelecer que todos tecircm direito de constituir

famiacutelia esse diz respeito essencialmente agraves relaccedilotildees de filiaccedilatildeo pois o direito de constituir

famiacutelia eacute antes de mais o direito a procriar e ainda o direito a estabelecer as

correspondentes relaccedilotildees de paternidade e maternidade28 Relativamente agrave 2ordf parte do

mesmo artigo alertam para o facto de natildeo se poder reconduzir a uniatildeo de facto a uma

dimensatildeo ou vertente negativa do direito de contrair casamento uma vez que a dimensatildeo

negativa desse direito eacute o de natildeo casar2930

Embora entendam que este artigo natildeo oferece proteccedilatildeo constitucional agrave uniatildeo de

facto isso natildeo quer dizer que esta fique desprotegida constitucionalmente Para estes AA o

princiacutepio de proteccedilatildeo da uniatildeo de facto decorre do direito ao desenvolvimento da

personalidade previsto no nordm1 do artigo 26ordm CRP considerando-o como o direito do

indiviacuteduo a afirmar livremente a sua identidade31 como sujeito autoacutenomo dotado de

autodeterminaccedilatildeo decisoacuteria32 sem estar vinculado a modelos externamente impostos e

conferindo-lhe o direito a viver a sua vida do modo que escolher podendo dizer-se que

estabelecer uma uniatildeo de facto eacute uma manifestaccedilatildeo desse direito33

A proteccedilatildeo conferida pelo direito ao desenvolvimento da personalidade natildeo exige

que o legislador conceda agrave uniatildeo de facto efeitos semelhantes aos que oferece ao casamento

equiparando o que natildeo eacute igual visto que os membros da uniatildeo de facto natildeo assumem um

27 Como por exemplo os direitos dos filhos Idem 28 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 60 29 Idem 30 Mais amplo do que viver em uniatildeo de facto pois pode ainda significar ficar em solidatildeo relacionar-se

esporadicamente ou pontualmente ou ateacute viver em promiscuidade Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e

Personalidaderdquo Almedina Coimbra 2017 p 237 No mesmo sentido Cfr NUNO SALTER CID ldquoSobre o

Direito de natildeo Contrair Casamentordquo in Famiacutelia Consciecircncia Secularismo e Religiatildeo 1ordf Ediccedilatildeo Coimbra

Editora 2010 p 28 O direito de natildeo contrair casamento o tal direito fundamental que a Constituiccedilatildeo

implicitamente confere e protege como dimensatildeo ou vertente negativa do direito de contrair casamento eacute na

verdade e apenas o direito de se negar a contrair casamento o direito natildeo ser forccedilado a casar-se um direito

que natildeo exerce apenas quem opta por viver em uniatildeo de facto mas tambeacutem quem opta por manter-se solteiro

divorciado ou viuacutevo (de Direito ou de facto) 31 Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e Personalidaderdquo ob cit p 237 32 Cfr JJ GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA ob cit p 463 33 Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e Personalidaderdquo ob cit p 237

18

compromisso de vida por natildeo quererem ou natildeo o poderem fazer Equiparar o que eacute diferente

nesta medida poderia ser julgado inconstitucional pois iria impor agraves pessoas que vivem em

uniatildeo de facto os mesmos deveres e conceder os mesmos direitos que impotildee e concede agraves

que satildeo casadas violando o direito a natildeo casar sendo-lhes forccedilado um estatuto que em

princiacutepio rejeitaram por vontade proacutepria

Conveacutem ainda referir que no que toca ao princiacutepio da proteccedilatildeo da famiacutelia previsto

no artigo 67ordm CRP este natildeo impotildee ao legislador ordinaacuterio a atribuiccedilatildeo de efeitos favoraacuteveis

agrave uniatildeo de facto mas tambeacutem natildeo proiacutebe que sejam concedidos agrave mesma os efeitos que

considere adequados e justificados34 FRANCISCO PEREIRA COELHO considera ainda que este

princiacutepio constitucional natildeo visa apenas a famiacutelia conjugal35 ao contraacuterio de CASTRO

MENDES que explica que soacute faz sentido valer neste contexto a famiacutelia fundada no

casamento natildeo devendo a lei passar um laquocheque em brancoraquo a quaisquer formas de

sociedade familiar36 Por sua vez SANDRA PASSINHAS defende que apesar da uniatildeo de facto

natildeo ser uma forma de contrair casamento e natildeo caber no acircmbito de proteccedilatildeo do artigo 36ordm

da CRP isso natildeo inibe que o casal nascido da uniatildeo de facto juridicamente protegida

tambeacutem seja considerado famiacutelia para efeitos da proteccedilatildeo institucional conferida pelo

artigo 67ordm CRP37 pois entende que seria inaceitaacutevel que no acircmbito normativo do artigo 67ordm

CRP natildeo coubessem as relaccedilotildees parafamiliares como a uniatildeo de facto38 Nesta ordem de

ideias eacute possiacutevel aferir que a constituiccedilatildeo natildeo permite penalizar a uniatildeo de facto ou equiparaacute-

la ao casamento39

34 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoAnotaccedilatildeo ao Ac do STJ de 2 de abril de 1987rdquo in Revista de Legislaccedilatildeo

e Jurisprudecircncia nordm 3782 ano 122 Coimbra 1990 p84 35 Idem Entendendo que o princiacutepio constitucional visa abranger a famiacutelia natural e ainda a adotiva 36 Cfr JOAtildeO DE CASTRO MENDES ldquoFamiacutelia e casamentordquo in Estudos sobre a Constituiccedilatildeo JORGE MIRANDA

(coord) vol I Lisboa Livraria Petrony 1977 p 373 37 Referindo em abono da posiccedilatildeo que defende o modo como o legislador na LUF em cumprimento do

disposto no art 67ordm nordm2 da CRP conformou a posiccedilatildeo dos unidos de facto no sentido de lhes conceder

proteccedilatildeo da casa de morada de famiacutelia de os beneficiar com o regime juriacutedico aplicaacutevel a pessoas casadas

em mateacuteria de feacuterias feriados faltas licenccedilas e de preferecircncia na colocaccedilatildeo dos trabalhadores da

Administraccedilatildeo Puacuteblica com a aplicaccedilatildeo do regime do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares

concedendo-lhes proteccedilatildeo socia na eventualidade de morte do beneficiaacuterio por aplicaccedilatildeo do regime geral ou

de regimes especais de seguranccedila social bem como prestaccedilotildees por morte resultante de acidente de trabalho

ou doenccedila profissional a pensatildeo do preccedilo de sangue e por serviccedilos excecionais e relevantes prestados ao paiacutes

ou a inclusatildeo do unido de facto no elenco dos titulares do direito agrave indemnizaccedilatildeo por danos natildeo patrimoniais

por morte da viacutetima no nordm3 do art 496ordm SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e Personalidaderdquo obcit p240 38 Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e Personalidaderdquo obcit p 231 39 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p64

19

A propoacutesito dos diplomas internacionais cabe referir que a Declaraccedilatildeo Universal

dos Direitos do Homem40 inclui dois princiacutepios relativos agrave famiacutelia Primeiramente no seu

artigo 12ordm onde estabelece o direito ao respeito pela vida familiar seguido do artigo 16ordm que

abrange no seu nordm 1 o direito de casar e de constituir famiacutelia e no seu nordm 3 reconhece a

famiacutelia como elemento natural e fundamental da sociedade tendo direito agrave proteccedilatildeo desta e

do Estado Tambeacutem a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem41 conteacutem dois

princiacutepios dedicados agrave famiacutelia o direito ao respeito pela vida privada e familiar previsto no

seu artigo 8ordm e por sua vez o direito a casar e a constituir famiacutelia estando este disposto no

artigo seu 12ordm Nestes diplomas o legislador internacional tal como o legislador nacional

natildeo assegura uma definiccedilatildeo de famiacutelia ou casamento levando a que se concretizem e sejam

interpretados de forma diversa consoante o substrato social de quem o faz42 Pois como

defende CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS43 eacute inegaacutevel as transformaccedilotildees que o conceito de famiacutelia

tradicional tem sofrido dando origem a novas formas de famiacutelia como as de facto as

monoparentais as recombinadas e as homossexuais Nesta senda note-se que o Tribunal

Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) apesar de ter em conta a tutela do casamento e

encorajar a famiacutelia tradicional44 tem vindo a considerar que o artigo 8ordm CEDH natildeo se refere

apenas agrave famiacutelia constituiacuteda com base no casamento como acontece no artigo 12ordm CEDH

podendo conceder tutela a outros laccedilos familiares como as uniotildees de facto45

40 Proclamada pela Assembleia Geral das Naccedilotildees Unidas em Paris a 10 de dezembro de 1948 41 Assinada a 4 de novembro de 1950 em Roma tendo entrado em vigor em 1953 A adesatildeo de Portugal deu-

se apenas em 1978 42 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova Relaccedilatildeo Familiarrdquo

obcit p 458 43 Idem 44 Neste sentido e para mais desenvolvimentos Cfr SUSANA ALMEIDA ldquoO Respeito pela Vida (Privada e)

Familiar na Jurisprudecircncia do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem A tutela das Novas Formasrdquo

Coimbra Editora 2008 p 165 45 Article 8 (art 8) applies to the family life of the illegitimate family as well as to that of the legitimate

family Ac JOHNSTON C IRLANDA 18 de dezembro de 1986 p19 consultaacutevel em

httpshudocechrcoeinteng22itemid22[22001-5750822

The Court recalls that the notion of the family in this provision is not confined solely to marriage-based

relationships and may encompass other de facto family ties where the parties are living together outside of

marriage Ac KEEGAN C IRLANDA de 26 de maio de 1994 p13 consultaacutevel em

httpshudocechrcoeinteng22itemid22[22001-5788122]

20

31 A uniatildeo de facto e o casamento ndash liberdade mas e proteccedilatildeo

Como jaacute haviacuteamos referido tanto a proteccedilatildeo conferida pelo direito ao

desenvolvimento da personalidade quanto a que se entenda que eacute dada pelo artigo 36ordm CRP

natildeo exige que o legislador atribua agrave uniatildeo de facto efeitos semelhantes aos do casamento

equiparando os dois institutos Esta diferenccedila de tratamento de situaccedilotildees distintas natildeo viola

o princiacutepio da igualdade previsto no artigo 13ordm CRP visto que esta norma apenas proiacutebe as

discriminaccedilotildees arbitraacuterias ou sem fundamento46 Tratam-se de situaccedilotildees materialmente

diferentes enquanto no casamento se assume um compromisso de vida em comum

sujeitando-se a um viacutenculo juriacutedico47 um contrato entre duas pessoas que pretendem

constituir famiacutelia mediante uma plena comunhatildeo de vida na uniatildeo de facto os membros natildeo

querem ou natildeo podem assumir esse compromisso48

Antes de nos dedicarmos ao estudo do contraste que o regime da uniatildeo de facto e o

casamento apresentam em concreto conveacutem relembrar a noccedilatildeo de casamento no nosso

ordenamento juriacutedico Assim segundo o artigo 1577ordm CCiv o casamento constitui um

contrato4950 um compromisso juriacutedico assumido por duas pessoas que se vinculam entre si

mediante uma plena comunhatildeo de vida Ainda que o Coacutedigo Civil natildeo defina explicitamente

o que significa plena comunhatildeo de vida eacute possiacutevel aferir-se pelos preceitos subsequentes

que esta deve ser guiada pelos deveres de respeito fidelidade coabitaccedilatildeo cooperaccedilatildeo e

46 Acoacuterdatildeo Tribunal Constitucional nordm 33686 p 3807 Neste artigo reconhece-se o direito agrave diferenccedila desde

que esta natildeo ultrapasse os limites da tolerabilidade ou da discricionariedade Acoacuterdatildeo Tribunal Constitucional

nordm 11881996 O princiacutepio da igualdade (artigo 13ordm da Constituiccedilatildeo) impotildee se decirc tratamento igual ao que for

essencialmente igual e se trate diferentemente o que diferente for Natildeo proiacutebe as distinccedilotildees de tratamento se

materialmente fundadas proiacutebe isso sim a discriminaccedilatildeo as diferenciaccedilotildees arbitraacuterias ou irrazoaacuteveis

carecidas de fundamento racional No mesmo sentido vide Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de

08-03-2006 proferido no acircmbito do processo nordm 419705JTRC 47 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova Relaccedilatildeo Familiarrdquo

obcit p 460 48 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p63 49Apesar da sua contratualidade ser afirmada na sua definiccedilatildeo legal esta eacute contestada Haacute quem qualifique o

casamento como um mero acordo outros como instituiccedilatildeo ou ainda como um puro ato administrativo vendo

a declaraccedilatildeo do funcionaacuterio do registo civil como o elemento constitutivo do casamento e o consentimento

das partes como um simples pressuposto dessa declaraccedilatildeo Cfr mais desenvolvidamente FRANCISCO PEREIRA

COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit pp 232- 235 e ainda TELMA CARVALHO ob cit p 230 50 Cfr FRANCcedilA PITAtildeO ldquoOs novos casamentos ou a crise do casamento tradicional no direito portuguecircs in

AAVV Comemoraccedilotildees dos 35 anos do Coacutedigo Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977 vol I Coimbra

Editora Coimbra 2004 pp 178-179

21

assistecircncia (artigo 1672ordm CCiv) aleacutem disso deve ser exclusiva (artigo 1601ordm CCiv) e tendo

em vista a perpetuidade (artigo 1773ordm CCiv)

A solenidade de formalizaccedilatildeo de vontades necessaacuteria no casamento (artigo 1615ordm

CCiv) em contraposiccedilatildeo agrave falta de forma de celebraccedilatildeo uniatildeo de facto tem sido a principal

diferenccedila apontada pela doutrina entre estas duas formas de vida Dado que no casamento

haacute a expressatildeo de duas vontades atraveacutes de uma declaraccedilatildeo expressa perante uma entidade

puacuteblica que abrange todo o conteuacutedo do casamento Os nubentes ao declararem que aceitam

casar estatildeo simultaneamente a aceitar os efeitos legais do casamento tal como prevecirc o

regime obrigatoacuterio do artigo 1618ordm nordm 1 CCiv Aceitam todos os deveres reciacuteprocos e

tambeacutem os efeitos patrimoniais onde vatildeo tendo uma autonomia privada ainda que limitada

atraveacutes das convenccedilotildees antenupciais51 Isto eacute na uniatildeo de facto haacute uma intencionalidade52

de viver em comunhatildeo plena de vida com outra pessoa no casamento aleacutem da

intencionalidade da plena comunhatildeo de vida haacute a intenccedilatildeo de celebrar o casamento com

tudo o que o seu regime legal acarreta

No caso da uniatildeo de facto essa intencionalidade natildeo eacute declarada de forma solene ou

formal eacute um acordo iacutentimo realizado entre os membros da situaccedilatildeo de facto que natildeo eacute

reconhecido por nenhum ente estadual53 Por outro lado a realizaccedilatildeo do casamento aleacutem de

implicar todo um processo preliminar que tem por fim um despacho final que no caso de ser

favoraacutevel pressupotildee a celebraccedilatildeo do casamento no prazo de seis meses subsequentes a essa

autorizaccedilatildeo tem forma puacuteblica e a sua celebraccedilatildeo acarreta o seu registo (artigo 1ordm al d)

CRegCiv) Este registo eacute obrigatoacuterio e comporta uma elevada importacircncia visto que soacute com

o reconhecimento do casamento pelo Conservador do Registo Civil (artigo 1615ordm CCiv) eacute

possiacutevel fazer a prova do estado civil das pessoas Eacute a uacutenica prova legalmente admitida do

casamento sendo que enquanto este natildeo for registado natildeo pode ser invocado54 Devido agrave

uniatildeo de facto natildeo implicar uma alteraccedilatildeo no estado civil dos membros por natildeo estar sujeita

a registo torna a falta de publicidade no que concerne agrave elaboraccedilatildeo deste estudo a grande

diferenccedila entre este regime juriacutedico e o do casamento e o que tem maior repercussatildeo no

51 Cfr TELMA CARVALHO ob cit p 229 52 Cfr TELMA CARVALHO ob cit p 230 53 Cfr TELMA CARVALHO ob cit p 237 54 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 337

22

regime protecional dos unidos de facto jaacute que o que natildeo pode ser provado em princiacutepio

natildeo pode ser protegido

Aleacutem da dificuldade da prova da uniatildeo de facto quer diante o Estado quer em face

a terceiros a falta do seu registo impede o controlo da sua existecircncia e do cumprimento dos

seus requisitos por parte do Estado Abordaremos a questatildeo da dificuldade da prova

resultante da falta de publicidade da uniatildeo de facto mais aprofundadamente na parte a ela

dedicada

Ateacute aqui apresentamos diferenccedilas de caraacuteter puramente formal nomeadamente no

que respeita agrave natureza contratual do casamento agrave solenidade da celebraccedilatildeo do mesmo e

ainda quanto agrave sua publicidade em contrapartida com o que acontece com a uniatildeo de facto

tendo umas mais importacircncia objetiva que outras Cabe agora analisar as diferenccedilas que tecircm

sido apontadas aos efeitos juriacutedicos praacuteticos Nomeadamente a necessidade de decurso de

prazo de dois anos para que a lei atribua agrave uniatildeo de facto efeitos juriacutedicos uma vez que no

nordm 2 do artigo 1ordm da LUF estaacute previsto que a uniatildeo de facto eacute a situaccedilatildeo juriacutedica de duas

pessoas que independentemente do sexo vivam em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges haacute

mais de dois anos Haacute entatildeo uma exigecircncia do decurso de dois anos55 dessa convivecircncia para

que a situaccedilatildeo anaacuteloga agrave dos cocircnjuges seja considerada uniatildeo de facto Ao passo que o

casamento se considera constituiacutedo com a declaraccedilatildeo de vontade de cada nubente e celebrado

perante uma entidade competente natildeo necessitando da decorrecircncia de nenhum prazo para

que se considere constituiacutedo

Eacute de notar alguma diferenccedila ainda no que se refere agrave cessaccedilatildeo do casamento e agrave

dissoluccedilatildeo da uniatildeo de facto O artigo 1773ordm CCiv determina que o divoacutercio pode ser por

muacutetuo consentimento ou sem consentimento de um dos cocircnjuges - desde que se verifiquem

algum dos fundamentos de rutura previstos no artigo 1781ordm CCiv - ou seja natildeo basta o

simples afastamento dos cocircnjuges para que o casamento cesse haacute um viacutenculo formal que

tem de ser dissolvido A uniatildeo de facto dissolve-se quando cessar o facto da uniatildeo56 isto eacute

55 Noutras regulamentaccedilotildees especiacuteficas esse prazo pode variar () por exemplo no caso da transmissatildeo de

arrendamento por morte do unido o prazo de um ano basta na Lei da Nacionalidade jaacute eacute exigida a duraccedilatildeo de

trecircs anos para que um estrangeiro possa declarar querer adquirir a nacionalidade portuguesa com fundamento

na uniatildeo de facto SANDRA PASSINHAS ldquoUniatildeo de Facto em Portugalrdquo ob cit p113 56 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo in AAVV Textos de Direito da Famiacutelia para Pereira Coelho GUILHERME OLIVEIRA (coord)

Imprensa da Universidade de Coimbra 2016 p 91

23

com a rutura da efetiva comunhatildeo de vida que acontece com a verificaccedilatildeo de alguma das

situaccedilotildees mencionadas no nordm 1 do artigo 8ordm da LUF

Veja-se entre noacutes a uniatildeo de facto eacute objeto de atribuiccedilatildeo de alguns efeitos juriacutedicos

poreacutem no que respeita ao domiacutenio das relaccedilotildees patrimoniais e agrave regulamentaccedilatildeo das

consequecircncias da sua dissoluccedilatildeo natildeo haacute nenhuma norma reguladora Isto eacute natildeo existe

regulamentaccedilatildeo quanto ao regime de bens e natildeo sendo em princiacutepio de aplicar

analogicamente o regime juriacutedico do casamento57 os membros da uniatildeo de facto sentem a

necessidade de criarem eles proacuteprios um estatuto juriacutedico que regule determinados

problemas que possam surgir da sua comunhatildeo de vida com base no princiacutepio da autonomia

da vontade58 Em alguns ordenamentos juriacutedicos59 a soluccedilatildeo para esta questatildeo eacute o contrato

de coabitaccedilatildeo60 visto como a hipoacutetese de conferir aos membros da uniatildeo de facto a

possibilidade de regularem as suas relaccedilotildees patrimoniais com base no princiacutepio da

autonomia patrimonial61 Apesar de no nosso ordenamento juriacutedico natildeo haver tipificaccedilatildeo

legal do contrato de coabitaccedilatildeo - como a uniatildeo de contratos em que os membros da uniatildeo

de facto reuacutenem vaacuterias espeacutecies contratuais em vista da organizaccedilatildeo convencional das suas

relaccedilotildees patrimoniais durante a vida da relaccedilatildeo e apoacutes a extinccedilatildeo desta62- natildeo haacute

legalmente nada a opor a esses contratos desde que estes se limitem a regular os efeitos

patrimoniais sem abrangerem os efeitos pessoais63 Houve por parte do PCP com o artigo

57 Cfr FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo ob cit p83 58 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDissoluccedilatildeo da uniatildeo de facto ndash Anotaccedilatildeo ao Acoacuterdatildeo do TRG de 2992004

Proc 128904rdquo in Cadernos de Direito Privado nordm 11 julhoSetembro 2005 p72 59 Como nos Estados Unidos na Holanda e no Canadaacute e ainda na Espanha e Franccedila onde satildeo normalmente

celebrados apesar de levantarem algumas duacutevidas Neste sentido vide Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de

Lisboa de 29-11-2012 proferido no acircmbito do processo nordm 444092TCFUNL1-A-8 JEAN CARBONNIER

ldquoDroit Civil (T2 ndash La famille lrsquoenfant le couple)rsquorsquo 21ordm ed PUF Paris 2002 p681 EDUARDO ESTRADA

ALONSO ldquoLas uniones extramatrimoniales en el Derecho Civil Espantildeolrdquo 2ordm ed Civitas Madrid 1991 pp

139-152 o A prevecirc a possibilidade de utilizar a autonomia da vontade dos membros como fonte de regulaccedilatildeo

das uniotildees de facto apesar de este tipo de convenios natildeo serem frequentes em Espanha devido a possibilidade

dos tribunais os poderem declarar nulos por ilicitude de causa o A admite a sua validade desde que tratem

apenas de aspetos patrimoniais 60 Pode ser designado de diversas formas tais como contrato de convivecircncia contratos de uniatildeo de facto

convenccedilotildees entre conviventes pactos concubinaacuterios Cfr MARTA COSTA ob cit p156 GERALDO ALMEIDA

ob cit p202 RENATO NETO ldquoContrato de Coabitaccedilatildeo na Uniatildeo de Facto Confronto entre o Direito Brasileiro

e Portuguecircsrdquo Livraria Almedina Coimbra 2006 pp 69-70 61 Cfr MARTA COSTA ob cit p157 62 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 84 63 Cfr JOSEacute JOAtildeO GONCcedilALVES DE PROENCcedilA ldquoDireito da Famiacuteliardquo Lisboa Universidade Lusiacuteada Editora 2003

p 34

24

5ordm do projeto de lei nordm 384VII a proposta de uma convenccedilatildeo de uniatildeo de facto64 que

pretendia afastar nesta mateacuteria a incerteza e inseguranccedila juriacutedicas resultantes da LUF natildeo

tendo todavia prosseguido

Por uacuteltimo eacute de ressalvar a diferenccedila notoacuteria que haacute entre os efeitos sucessoacuterios do

casamento e da uniatildeo de facto O estatuto sucessoacuterio do cocircnjuge sobrevivo tem um elevado

grau de proteccedilatildeo comparativamente com a proteccedilatildeo oferecida ao unido sobrevivo uma vez

que o cocircnjuge aleacutem de ser herdeiro legiacutetimo eacute tambeacutem herdeiro legitimaacuterio65 enquanto o

unido sobrevivo natildeo eacute considerado sequer herdeiro do falecido limitando-se a lei a conceder

o direito de exigir alimentos da heranccedila do mesmo (artigo 2020ordm CCiv) Constata-se uma

enorme discrepacircncia de tratamento entre o cocircnjuge sobrevivo e o unido de facto sobrevivo

devendo a posiccedilatildeo deste uacuteltimo ser objeto de atenccedilatildeo pelo legislador nem que seja para

integrar a sucessatildeo legitima numa posiccedilatildeo inferior agrave do cocircnjuge descendentes e

ascendentes66 Tendo isto em conta eacute possiacutevel afirmar-se que atualmente muitos casais

optam pelo instituto do casamento ao inveacutes do instituto da uniatildeo de facto pela proteccedilatildeo que

este concede ao sobrevivo em caso de morte podendo o casamento ser visto de certa forma

como um (quase) contrato sucessoacuterio67 Na praacutetica muitos casais com esta informaccedilatildeo

apesar de natildeo acharem necessaacuterio celebrar casamento no acircmbito social ou cultural optam

por fazecirc-lo devido agrave elevada discrepacircncia existente entre ambos os institutos

FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO68 defende que diante do presente quadro

regulativo natildeo pode por um lado ser recusada liminarmente a possibilidade de aplicaccedilatildeo agrave

uniatildeo de facto das normas pertencentes ao regime do casamento desde que se tratem de

efeitos indiretos ou legais do casamento e de efeitos fundados na simples existecircncia de uma

comunhatildeo de vida Por outro lado levando em conta o atual quadro legislativo natildeo pode ser

64 Prevendo a possibilidade dos membros da uniatildeo de facto celebrarem uma convenccedilatildeo que visava estabelecer

o seu regime de bens a responsabilidade por diacutevidas e o seu regime de administraccedilatildeo de bens Consultaacutevel em

httpswwwpcpptarlegis-7projleipjl384html 65 Isto eacute nos termos do 2132ordm CCiv eacute chamado agrave sucessatildeo mesmo que o falecido natildeo tenha deixado testamento

vaacutelido consta tambeacutem do art 2157ordm CCiv tendo direito a uma porccedilatildeo de bens (a legiacutetima) que o falecido natildeo

pode dispor no seu testamento Cfr OLIVEIRA ASCENSAtildeO ldquoDireito civil Sucessotildeesrdquo Coimbra Editora 5ordf Ed

2000 pp 333 e 353 66 Para mais desenvolvimentos FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da

uniatildeo de facto breves observaccedilotildeesrdquo ob cit pp104-105 67 Cfr FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo ob cit p103 68 Cfr FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo ob cit pp 83-101

25

feita uma geneacuterica aplicaccedilatildeo analoacutegica do regime do casamento O A aleacutem de salvaguardar

que essa aplicaccedilatildeo soacute poderia abranger os referidos efeitos indiretos ou legais do casamento

alega que antes dessa aplicaccedilatildeo teriam de se apurar caso a caso os interesses em causa e a

ratio da norma eventualmente aplicaacutevel e soacute assim se poderia fundar uma aplicaccedilatildeo

analoacutegica Aleacutem do mais alerta para o quadro limitado de efeitos que a nossa lei fixou para

a uniatildeo de facto previsto na LUF o que pode refletir o intuito de impedir uma aplicaccedilatildeo

analoacutegica das normas do casamento de forma irrestrita O A declara que tendo em

consideraccedilatildeo os uacuteltimos desenvolvimentos legislativos na regulaccedilatildeo da uniatildeo de facto e no

casamento69 a diferenccedila que assenta no facto de natildeo haver uma vontade de vinculaccedilatildeo no

plano juriacutedico e da comunhatildeo de vida dos membros da uniatildeo de facto natildeo implicar o

cumprimento de deveres conjugais ficou bastante atenuada Natildeo soacute porque se tem vindo a

assistir a uma desregulaccedilatildeo do casamento em termos imperativos mas tambeacutem pelo Coacutedigo

Civil se limitar a fixar os deveres pessoais dos cocircnjuges e os modos de execuccedilatildeo dos mesmos

natildeo obedecerem a um padratildeo uacutenico Crecirc que se tem vindo a assistir a um progressivo

afrouxamento dos deveres conjugais por estarem esvaziados das normais caracteriacutesticas de

um dever juriacutedico tanto no plano das consequecircncias indemnizatoacuterias como nas resolutoacuterias

Levando-o a concluir que esbatida a base da diferenccedila principal entre os dois institutos

deixou de haver fundamento para a recusa de uma aplicaccedilatildeo analoacutegica agrave uniatildeo de facto de

muitas normas do casamento que estabelecem efeitos indiretos ou laterais de diversa ordem

deixando o casamento de ser necessaacuterio no plano social afetivo cultural ou econoacutemico e

que este soacute subsiste em maior nuacutemero do que a uniatildeo de facto por se tratar de um haacutebito

adquirido pela sociedade e por haver em certos meios uma pressatildeo social e religiosa nesse

sentido70

Por seu turno CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS no acircmbito dos efeitos patrimoniais da

uniatildeo de facto defende que a aplicaccedilatildeo analoacutegica de uma norma pressupotildee a existecircncia de

uma lacuna No entanto entende que natildeo se pode falar em lacuna quando natildeo existe uma

regulamentaccedilatildeo juriacutedica numa dada mateacuteria visto que essa inexistecircncia de regulamentaccedilatildeo

pode ter sido intencional por parte do legislador Podendo tambeacutem ser pretensatildeo do proacuteprio

69 Com as alteraccedilotildees agrave Lei nordm 72001 introduzidas pela Lei nordm 232010 de 30 de agosto no que respeita agrave uniatildeo

de facto e relativamente ao casamento em consequecircncia da profunda reforma operada pela Lei nordm 612008 de

31 de Outubro 70 Cfr FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo ob cit p 102

26

legislador que o seu preenchimento fique a cargo da doutrina e da jurisprudecircncia71 No

entanto julga que a sua integraccedilatildeo deveraacute ser feita por recurso agraves regras gerais e natildeo por

aplicaccedilatildeo do regime do casamento para o qual o legislador natildeo remeteu intencionalmente

A soluccedilatildeo a nosso ver passaria por natildeo se estender agrave uniatildeo de facto os efeitos do

casamento evitando uma intromissatildeo injustificada na escolha que as partes fizeram de natildeo

contraiacuterem casamento No entanto seria importante reforccedilar o regime legal atual natildeo

olvidando os que apesar de optarem por natildeo seguir a via do casamento pretendem uma

proteccedilatildeo mais firme e os que pretendem apenas a coabitaccedilatildeo sem consequecircncias juriacutedicas

Enveredando-se por um caminho que consolide os efeitos juriacutedicos da uniatildeo de facto com

um regime proacuteprio que natildeo se confunda com o do casamento possibilitando aos que

pretendam uma uniatildeo sem consequecircncias juriacutedicas a liberdade de escolha de sujeiccedilatildeo a um

regime legal ou natildeo

71 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDissoluccedilatildeo da uniatildeo de facto ndash Anotaccedilatildeo ao Acoacuterdatildeo do TRG de 2992004

Proc 128904rdquo ob cit pp 74-75

27

4 Constituiccedilatildeo da relaccedilatildeo de Uniatildeo de Facto e os seus efeitos

A uniatildeo de facto constitui-se quando dois sujeitos do mesmo sexo ou de sexo

diferente que tecircm uma relaccedilatildeo passam a viver em comunhatildeo de leito mesa e habitaccedilatildeo

Passando os membros a viver nessas condiccedilotildees e natildeo sendo essa situaccedilatildeo objeto de registo

civil72 ou administrativo ao contraacuterio do que acontece em alguns ordenamentos vizinhos

que mereceratildeo a nossa anaacutelise mais adiante torna-se mais difiacutecil saber de forma exata

quando se iniciou para que seja possiacutevel a partir daiacute contar os dois anos necessaacuterios para

que a situaccedilatildeo de facto produza os efeitos previstos no artigo 3ordm da LUF

Efeitos estes que soacute se produziratildeo se cumulativamente com requisito temporal de

decurso de dois anos natildeo existir nenhum impedimento dirimente ao casamento dos membros

da uniatildeo de facto Eacute a soluccedilatildeo prevista no artigo 2ordm da LUF que reproduz nas suas aliacuteneas

o disposto no artigo 1601ordm e 1602ordm CCiv obstando agrave constituiccedilatildeo de uma uniatildeo de facto

juridicamente protegida impedimentos relacionados com a idade dos companheiros a

existecircncia de uma demecircncia notoacuteria mesmo com intervalos luacutecidos e situaccedilatildeo de

acompanhamento de maior se assim estabelecer a sentenccedila que a haja decretado salvo se

posteriores ao iniacutecio da uniatildeo a ocorrecircncia de casamento anterior natildeo dissolvido exceto se

tiver sido decretada a separaccedilatildeo de pessoas e bens o parentesco na linha reta ou no 2ordm grau

da linha colateral ou afinidade na linha reta e a condenaccedilatildeo anterior de uma das pessoas

como autor ou cuacutemplice por homiciacutedio doloso ainda que natildeo consumado contra o cocircnjuge

do outro Os factos expostos estorvam apenas a produccedilatildeo de efeitos favoraacuteveis da uniatildeo de

facto ou seja a atribuiccedilatildeo de direitos ou benefiacutecios natildeo deveraacute ser intenccedilatildeo do legislador

que a uniatildeo de facto mesmo que afetada por algum dos impedimentos seja considerada

irrelevante juridicamente quando estatildeo em causa interesses legiacutetimos de terceiros ou quando

surjam consequecircncias como a presunccedilatildeo de paternidade relativamente ao homem7374

Em relaccedilatildeo aos efeitos pessoais por natildeo assumirem nenhum compromisso natildeo

estatildeo os membros da uniatildeo de facto vinculados aos deveres conjugais que os artigos 1671ordm

72 Uma vez que natildeo estaacute mencionada no acircmbito do art 1ordm do Coacutedigo do Registo Civil norma que consagra as

situaccedilotildees em que o registo civil eacute obrigatoacuterio no nosso ordenamento juriacutedico 73 Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 141 74 O elenco dos impedimentos agrave produccedilatildeo dos efeitos favoraacuteveis agrave uniatildeo de facto que constam no artigo 2ordm da

LUF foi corrigido e adaptado para evitar uma excessiva ligaccedilatildeo agraves soluccedilotildees postuladas no artigo 1601ordm CCiv

Sobre as correccedilotildees mais detalhadamente cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit pp 141-142

28

e 1672ordm CCiv impotildeem aos cocircnjuges75 Contudo a relaccedilatildeo pessoal que assumem permite-

lhes adotar um filho nos mesmos termos que os cocircnjuges por forccedila do artigo 7ordm da LUF

desde que a relaccedilatildeo dure haacute mais de quatro anos e ambos tiverem mais de 25 anos

independentemente do seu sexo Releva tambeacutem para efeitos de aquisiccedilatildeo de nacionalidade

desde que o estrangeiro que viva em uniatildeo de facto com nacional portuguecircs haacute mais de trecircs

anos e tenha reconhecimento judicial da situaccedilatildeo de facto declare que quer adquirir

nacionalidade portuguesa (artigo 3ordm nordm 3 Lei da Nacionalidade - Lei nordm 3781 de 03 de

Outubro) No que respeita aos filhos nascidos das uniotildees de facto nas accedilotildees de investigaccedilatildeo

de paternidade presume-se a paternidade quando tenha havido comunhatildeo duradoura de vida

entre a matildee e o pretenso pai no periacuteodo legal de concepccedilatildeo por forccedila do artigo 1871ordm CCiv

Quanto ao exerciacutecio das responsabilidades parentais no caso de comunhatildeo duradoura de

vida em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges ou concubinato duradouro o artigo 1911ordm nordm

1 CCiv determina a aplicaccedilatildeo do previsto nos artigos 1901ordm e 1904ordm CCiv que corresponde

ao regime que vigora quando os progenitores satildeo casados Jaacute no caso de dissociaccedilatildeo familiar

o mesmo artigo remete para aplicaccedilatildeo do disposto nos artigos 1905ordm a 1908ordm CCiv normas

atinentes ao divoacutercio separaccedilatildeo de pessoas e bens ou declaraccedilatildeo de nulidade ou anulaccedilatildeo do

casamento Como se pode ver os filhos nascidos de uniatildeo de facto tal como quaisquer outros

nascidos fora do casamento estatildeo equiparados aos nascidos dentro do mesmo por forccedila do

disposto no nordm 4 do artigo 36ordm da CRP76

Como jaacute haviacuteamos referido a uniatildeo de facto natildeo permite a aplicaccedilatildeo de um regime

de bens nem das regras que disciplinam as relaccedilotildees patrimoniais dos cocircnjuges como a

administraccedilatildeo de bens e regime de responsabilidade por diacutevidas sendo de aplicar entre os

unidos o regime geral das relaccedilotildees obrigacionais e reais77 De acordo com as regras do direito

comum cada um dos membros da uniatildeo de facto pode vender bens moacuteveis ou imoacuteveis dar

ou tomar de arrendamento um imoacutevel ou contrair diacutevidas podem entre eles celebrar

contratos de compra e venda de locaccedilatildeo de depoacutesito de comodato de muacutetuo entre outros

pois o artigo 1714ordm CCiv que impede a celebraccedilatildeo de certos contratos entre os cocircnjuges natildeo

eacute aplicaacutevel agraves relaccedilotildees de uniatildeo de facto Acrescem a estes os que expusemos anteriormente

relativamente a esta mateacuteria aquando da distinccedilatildeo entre o regime do casamento e o regime

75 Natildeo estabelecem relaccedilotildees de afinidade com os parentes do outro natildeo podem adotar o apelido um do outro

possibilidade que eacute concedida aos cocircnjuges por virtude do artigo 1677ordm CCiv 76 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 81 77 Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoUniatildeo de Facto em Portugalrdquo obcit p 120

29

da uniatildeo de facto no ponto 31 e ainda sucintamente importa referir como efeito

patrimonial da uniatildeo de facto a extensatildeo a esta do artigo 1691ordm al b) CCiv que prevecirc a

responsabilidade dos cocircnjuges pelas diacutevidas contraiacutedas por qualquer dos cocircnjuges antes ou

depois da celebraccedilatildeo do casamento para ocorrer aos encargos normais da vida familiar

equiparando nesta mateacuteria o conceito de uniatildeo de facto como a comunhatildeo de leito mesa e

habitaccedilatildeo aos casamentos e protegendo a confianccedila de terceiros que com eles contratem e

confiem nessa aparecircncia de vida matrimonial78 A niacutevel patrimonial a uniatildeo de facto atribui

ao unido sobrevivo por forccedila do artigo 2020ordm nordm 1 o direito de exigir alimentos da heranccedila

do falecido poreacutem esse direito caduca se natildeo for exercido nos dois anos posteriores agrave data

da morte do autor da sucessatildeo (nordm 2) e se o alimentado casar iniciar uma relaccedilatildeo de uniatildeo

de facto ou se tornar indigno do benefiacutecio pelo seu comportamento moral por forccedila do nordm 3

do artigo 2020ordm e do artigo 2019ordm CCiv Resta em uacuteltimo lugar dizer que em mateacuteria fiscal

nomeadamente no que respeita ao imposto sobre o rendimento o artigo 3ordm al d) da LUF

torna aplicaacutevel aos membros da uniatildeo de facto o regime atribuiacutedo aos sujeitos passivos natildeo

separados de pessoas e bens nessa mateacuteria

78 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 34

30

5 O problema da prova da coabitaccedilatildeo

51 Consideraccedilotildees gerais

Expostos os efeitos a que a constituiccedilatildeo da uniatildeo de facto daacute origem urge abordar

a problemaacutetica que a este estudo interessa o problema da prova da relaccedilatildeo de uniatildeo de facto

nomeadamente a prova da coabitaccedilatildeo Apesar de natildeo existir como vimos uma exigecircncia de

forma para a constituiccedilatildeo da uniatildeo de facto e prevalecer entre noacutes um modelo faacutectico79-

bastando que se verifiquem os requisitos factuais para que a convivecircncia seja protegida - eacute

exigido aos seus membros que provem a sua convivecircncia se pretenderem beneficiar de

determinados direitos

Ora a opccedilatildeo do legislador tem sido contraacuteria agrave formalizaccedilatildeo da uniatildeo de facto o

que natildeo facilita a demonstraccedilatildeo dos factos exigidos pela lei para aferir a sua relevacircncia

juriacutedica Portanto a dificuldade dessa prova adveacutem natildeo soacute desta relaccedilatildeo natildeo estar sujeita a

nenhum tipo de solenidade ou publicidade na sua constituiccedilatildeo por natildeo implicar a sujeiccedilatildeo

ao registo civil ou administrativo80 mas tambeacutem por natildeo haver em regra uma prova preacute-

constituiacuteda81 diferentemente do que sucede com o casamento estando nas matildeos dos

cocircnjuges a possibilidade de requerer a qualquer momento uma certidatildeo de casamento

A respeito da prova da uniatildeo de facto no acircmbito juriacutedico-civil recorde-se o regime

geral do oacutenus da prova previsto no artigo 342ordm CCiv que atribui a quem pretende invocar

um direito provar os factos que o constituem Isto eacute se um dos membros da uniatildeo de facto

pretender beneficiar da proteccedilatildeo juriacutedica conferida agrave uniatildeo de facto precisaraacute de demonstrar

a realidade dos factos que invoca para preenchimento dos pressupostos estabelecidos Nesta

mateacuteria tambeacutem satildeo aplicaacuteveis as normas gerais do oacutenus da prova a terceiro que pretenda

fundar um direito na uniatildeo de facto recaindo sobre ele o oacutenus de provar os factos que

consubstanciam o direito que alega Porquanto se vecirc que a prova de que se vive numa

79 Cfr ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoA convivecircncia laquomore uxorioraquo um olhar sobre o regime portuguecircs francecircs

e alematildeordquo in Direito Constitucional e o seu papel na construccedilatildeo do cenaacuterio juriacutedico global dir IRENE

PORTELA IPCA 1ordf Ed 2016 p 121 A uniatildeo de facto eacute uma realidade de convivecircncia continuada sem

qualquer forma exigida Natildeo existe a sujeiccedilatildeo a registo da uniatildeo de facto Ou seja a uniatildeo de facto no nosso

sistema natildeo se constitui consolida-se com o tempo ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoUNIAtildeO de facto versus

Casamento ndash Questotildees pessoais e patrimoniaisrdquo Gestlegal 1ordm ed 2019 p 158 80 O que natildeo permite saber com certeza a data a partir da qual se comeccedilam a contar os dois anos necessaacuterios agrave

produccedilatildeo de efeitos 81 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 72

31

situaccedilatildeo anaacuteloga agrave dos cocircnjuges pode revelar-se sinuosa e por isso eacute relevante desenvolver

essa mateacuteria no presente estudo

Nesta senda o artigo 2ordm-A nordm 1 da LUF prevecirc que a prova da uniatildeo de facto se faz

por qualquer meio legalmente admissiacutevel salvo se disposiccedilatildeo legal ou regulamentar exija

prova documental especiacutefica A prova seraacute maioritariamente testemunhal contudo natildeo se

deve excluir a possibilidade de prova documental ao realizar uma interpretaccedilatildeo extensiva

do termo vida previsto no artigo 34ordm nordm 1 do Decreto-Lei nordm 13599 de 22 de Abril que

regula a forma como atestados de residecircncia vida e situaccedilatildeo econoacutemica dos cidadatildeos

devem ser passados pelas Juntas de Freguesia82 Ou ainda como sugerem FRANCcedilA PITAtildeO e

MARTA COSTA mobilizar accedilatildeo judicial de simples apreciaccedilatildeo (ou de mera declaraccedilatildeo)

positiva83 com a qual os membros pretenderiam apenas obter a declaraccedilatildeo da existecircncia de

um facto que assentava na comunhatildeo de cama mesa e habitaccedilatildeo por mais de dois anos84

Contudo esta soluccedilatildeo poderia comportar o risco de ser usada por um dos membros agrave revelia

do outro com vista ao aproveitamento dos efeitos favoraacuteveis da uniatildeo mesmo que esta jaacute

esteja extinta Eacute precisamente por esta razatildeo que NUNO COSTA MAURIacuteCIO85

rejeita o recurso

a esta accedilatildeo pelos unidos Crecirc que natildeo eacute a soluccedilatildeo para a dificuldade da prova da uniatildeo de

facto devido aos problema que podiam advir da falta de controlo judicial da extinccedilatildeo da

uniatildeo de facto que consistiriam na possibilidade de um ou ambos os unidos continuarem a

usufruir de efeitos favoraacuteveis de uma situaccedilatildeo que jaacute se extinguiu

Poderaacute entatildeo fazer-se a prova documental atraveacutes de uma declaraccedilatildeo emitida pela

Junta de Freguesia competente sendo que esse documento deve ser acompanhado da

declaraccedilatildeo de ambos os membros conviventes que sob compromisso de honra afirmam que

vivem em uniatildeo de facto haacute mais de dois anos e da coacutepia das suas certidotildees de nascimento

Poreacutem a veracidade deste documento pode por vezes ser posta em causa e natildeo fazer prova

plena por natildeo se tratar normalmente de facto atestado com base nas perceccedilotildees da entidade

82 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p74 83 Cfr MARTA COSTA ob cit p387 FRANCcedilA PITAtildeO ldquoUniotildees de Facto e Economia Comum de acordo com

a Lei nordm 232010 de 30 de agostordquo obcit p78 84 Tendo os requerentes de tal accedilatildeo de provar natildeo soacute a sua natildeo coabitaccedilatildeo nos termos e condiccedilotildees previstos na

lei bem como a inexistecircncia de qualquer um dos impedimentos previstos no art 2ordm da LUF sob pena de a

decisatildeo judicial natildeo poder produzir nenhum efeito uacutetil Cfr FRANCcedilA PITAtildeO ldquoUniotildees de Facto e Economia

Comum de acordo com a Lei nordm 232010 de 30 de agostordquo obcit pp 78-79 85 Cfr NUNO COSTA MAURIacuteCIO ldquoO pecado mora ao ladordquo Um repensar da problemaacutetica juriacutedica das uniotildees

de facto e das relaccedilotildees patrimoniais entre unidos de facto Tese de Mestrado em Ciecircncias Juriacutedico-Civiliacutesticas

Faculdade De Direito Da Universidade De Coimbra Outubro 2000 p 76

32

documentadora86 Efetivamente o documento soacute prova que os interessados fizeram perante

o funcionaacuterio a afirmaccedilatildeo de que conviviam em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges desde

determinada data todavia natildeo quer dizer que natildeo se possa pocircr em causa a veracidade dessa

afirmaccedilatildeo87 Qualquer interessado pode demonstrar que o facto natildeo eacute verdadeiro por alegar

que a uniatildeo de facto natildeo existiu ou natildeo teve lugar durante o periacuteodo mencionado pelos

declarantes88 Ou seja o disposto no artigo 2ordm-A n ordm1 da LUF traduz-se apenas na

possibilidade que os unidos tecircm de apresentar documentos para demonstrarem os

pressupostos que permitem atribuir relevacircncia juriacutedica agrave uniatildeo de facto pois essa norma natildeo

confere qualquer valor probatoacuterio a tais documentos Posto isto o documento emitido pela

Junta de Freguesia natildeo eacute suficiente para demonstrar a existecircncia da uniatildeo de facto porquanto

a LUF natildeo exige apenas a alegaccedilatildeo de que duas pessoas vivem juntas haacute mais de dois anos

ou que natildeo se verifique nenhum dos impedimentos agrave constituiccedilatildeo da relaccedilatildeo eacute essencial

ainda que provem a sua coabitaccedilatildeo89

O nordm 5 do artigo 2ordm-A adverte tambeacutem para as sanccedilotildees penais que as falsas

declaraccedilotildees poderatildeo causar Como prova documental eacute um meio de prova fraacutegil e suscetiacutevel

de fraude esta norma funciona como advertecircncia que visa promover a conformidade entre

as declaraccedilotildees que os sujeitos fazem e a realidade que por eles eacute vivida esperando que a

ameaccedila da aplicaccedilatildeo de uma sanccedilatildeo penal iniba a alegaccedilatildeo de falsas declaraccedilotildees Tendo em

conta que o interesse da demonstraccedilatildeo dos requisitos que permitem atribuir relevacircncia

juriacutedica agrave situaccedilatildeo de facto eacute com o objetivo de se produzirem factos favoraacuteveis aos

86 Art 371ordm nordm 1 CCiv Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 72 87 Vide neste sentido o Acoacuterdatildeo do TCA Norte de 13-11-2020 proferido no acircmbito do processo nordm

00090151BECBR Natildeo oferece qualquer controveacutersia quer em sede doutrinal quer jurisprudencial que natildeo

sendo arguida a falsidade do documento autecircntico este faz prova plena dos factos praticados pela entidade

documentadora de sorte que tudo o que o documento referir como tendo sido praticado por essa entidade

tudo o que segundo o documento seja obra do seu Autor e bem assim tudo o que tenha sido percecionado

pelo mesmo tem de ser aceite como exato Assim as declaraccedilotildees que constam no documento como tendo sido

feitas perante a entidade documentadora ou seja o declarado perante a uacuteltima e que essa entidade ouviu

atraveacutes dos seus sentidos em consonacircncia com a parte final do nordm 1 do art 371ordm do CC beneficiam da prova

plena inerente agrave forccedila probatoacuteria conferida pelo oficial puacuteblico Deste modo se o presidente de junta consigna

no texto do atestado que a requerente e as referidas testemunhas declararam que ldquo(a) mesmo(a) residia haacute

mais de dois anos com o falecido A seu companheiro(a) ateacute agrave data de oacutebito (hellip)rdquo tem-se como plenamente

provado que essa declaraccedilatildeo foi efetivamente feita perante o presidente de junta de freguesia Mas tatildeo soacute Eacute

que daiacute natildeo decorre que a forccedila probatoacuteria desse atestado respeite a tudo o que nele se conteacutem A verdade

dos factos a que se reportam as declaraccedilotildees emitidas e que constam desse documento autecircntico- no caso o

atestado emitido pelo presidente de junta de freguesia- ficam sujeitas agrave livre apreciaccedilatildeo do julgador 88 Cfr JORGE DUARTE PINHEIRO ob cit p 529 89 Isto eacute que vivem em ldquouniatildeo de factordquo Cfr RITA LOBO XAVIER ldquoEstatuto Privadordquo dos membros da Uniatildeo

De Factordquo obcit p1518 E ainda sobre a importacircncia da coabitaccedilatildeo cfr FRANCcedilA PITAtildeO ldquoOs novos

casamentos ou a crise do casamento tradicional no direito portuguecircs ob cit p66

33

declarantes estaraacute sempre em causa a credibilidade de tais declaraccedilotildees que estaratildeo sujeitas

ao confronto com as demais provas e ao princiacutepio da livre apreciaccedilatildeo da prova90 acabando

por serem mais crediacuteveis as declaraccedilotildees feitas em detrimento dos declarantes91 A norma em

causa pretende apenas facilitar a demonstraccedilatildeo dos factos que satildeo considerados como

pressupostos da atribuiccedilatildeo de relevacircncia juriacutedica agrave uniatildeo de facto uma vez que a lei natildeo

adotou ainda um registo oficial desta relaccedilatildeo Cremos que a intenccedilatildeo do legislador foi libertar

os membros da uniatildeo de facto de terem de obter declaraccedilatildeo judicial para certificar a sua

convivecircncia respeitando a liberdade inerente a quem opta por este tipo de relaccedilatildeo Todavia

este eacute um tema controvertido e vem sido debatido na doutrina a possibilidade de registo da

uniatildeo de facto como forma de conferir publicidade a estas relaccedilotildees findar os problemas

relativos agrave sua prova e de colmatar esta que pode ser considerada uma das lacunas presentes

no regime juriacutedico portuguecircs da uniatildeo de facto Haacute quem entenda que uma vez que a uniatildeo

de facto se trata na maioria das vezes de uma opccedilatildeo de vida de acordo com a autonomia da

vontade de quem por ela optou o legislador deve respeitar essa escolha e intervir apenas se

necessaacuterio legislando somente em alguns aspetos pontuais92 Devendo quanto ao resto

abster-se e confiar na capacidade de autorregulamentaccedilatildeo dos membros da uniatildeo de facto

Neste seguimento o Bloco de Esquerda apresentou o Projeto de Lei n ordm45VIII93

que visava alterar a Lei nordm 13599 de 28 de Agosto Atraveacutes deste projeto apresentou

soluccedilotildees no que diz respeito agrave prova e ao registo da uniatildeo de facto94 sugerindo que o artigo

2ordm-A passasse a tratar da forma como a uniatildeo de facto eacute constituiacuteda que seria atraveacutes de

registo na junta de freguesia da aacuterea de residecircncia das pessoas em uniatildeo de facto ou apoacutes

90 Cfr RITA LOBO XAVIER ldquoA Uniatildeo de Facto e a Lei Civil no Ensino de Francisco Manuel Pereira Coelho e

Legislaccedilatildeo Atualrdquo em Textos de Direito da Famiacutelia para Francisco Pereira Coelho Coimbra Imprensa da

Universidade de Coimbra 2016 p 684 91 Cfr RITA LOBO XAVIER ldquoEstatuto Privadordquo dos membros da Uniatildeo De Factordquo obcit p1519 92 Cfr HEINRICH HOumlRSTER ldquoDireito da Famiacutelia e Poliacutetica Socialrdquo Publicaccedilotildees Universidade Catoacutelica Porto

2001 pp71-72 Segundo este A o legislador adotando uma postura prudente deve apenas legislar quando

estejam em causa interesses de terceiros ou seja da comunidade ou quando haja a necessidade de proteger os

filhos Nestas situaccedilotildees defende que o legislador pode e deve intervir e que quando se trate de legislar em

mateacuteria de uniatildeo de facto espera que seja feito com cuidado e ponderaccedilatildeo 93 Consultaacutevel em

httpswwwparlamentoptActividadeParlamentarPaginasDetalheIniciativaaspxBID=6308 94 No seu art 2ordm previam o aditamento do artigo 2ordmA e 2ordm B art 2ordm-A1 A uniatildeo de facto eacute constituiacuteda a)

Por registo na junta de freguesia da aacuterea de residecircncia das pessoas em uniatildeo de facto ou b) Apoacutes dois anos

em plena comunhatildeo de vida sem necessidade de registo 2 As uniotildees de facto constituiacutedas por registo

conforme a aliacutenea a) do nordm 1 do presente artigo estatildeo imediatamente reguladas pela presente lei Art 2ordm-B

A uniatildeo de facto constituiacuteda por registo eacute dissolvida por vontade de pelo menos um dos seus constituintes

expressa junto aos serviccedilos de registo da junta de freguesia da aacuterea da residecircncia

34

dois anos em plena comunhatildeo de vida sem necessidade de registo passando as uniotildees de

facto constituiacutedas por registo a estar imediatamente reguladas pela LUF sem necessidade

do decurso do prazo de dois anos Este projeto previa tambeacutem no artigo 2ordm-B o registo da

dissoluccedilatildeo junto dos serviccedilos da junta de freguesia atraveacutes da declaraccedilatildeo de pelo menos um

dos unidos O Projeto de Lei n ordm45VIII do BE95 cumpriu os requisitos constitucionais e

regimentais necessaacuterios para ser apreciado pelo plenaacuterio da Assembleia da Reacutepublica

Contudo apoacutes a adoccedilatildeo por parte da Comissatildeo de Assuntos Constitucionais Direitos

Liberdades e Garantias de um texto de substituiccedilatildeo relativo aos projetos nordm 6VII de

iniciativa do partido Os Verdes ao nordm 45VIII do BE e ao nordm 115VII do PCP e apoacutes a

aprovaccedilatildeo com votos favoraacuteveis do PS do PCP e do BE e votos contra do PSD do CDS-

PP e da Deputada Maria do Rosaacuterio Carneiro (PS) relativamente a cada artigo do texto de

substituiccedilatildeo os representantes na Comissatildeo dos Grupos Parlamentares do PCP e do BE bem

como a Srordf Deputada Isabel Castro (Os Verdes) declararam retirar as respetivas iniciativas

legislativas em benefiacutecio do texto de substituiccedilatildeo adotado entrando em vigor a Lei nordm

72001 de 11 de Maio que adotou medidas de proteccedilatildeo das uniotildees de facto Vigorando com

as subsequentes alteraccedilotildees ateacute aos dias de hoje

Conveacutem frisar que a questatildeo do registo da uniatildeo de facto pode ser encarada como

incompatiacutevel com a proacutepria natureza informal da uniatildeo de facto Desde logo NUNO COSTA

MAURIacuteCIO defende que subjacente agrave necessidade do registo reside sempre uma ideia de

certeza juriacutedica a qual transportada para o acircmbito da uniatildeo de facto vai implicar que a sua

prova nunca possa ser feita atraveacutes de uma declaraccedilatildeo unilateral da parte interessada tendo

de passar por uma acreditaccedilatildeo um crivo de publicidade que traraacute consigo e proporcionaraacute a

terceiros a certeza juriacutedica de que aquelas duas pessoas vivem em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos

cocircnjuges96 Poreacutem acredita que apesar das vantagens da certeza e seguranccedila juriacutedicas

inerentes ao instituto do registo as desvantagens se afloram maiores Em virtude de no que

respeita aos elementos constitutivos da uniatildeo de facto onde o essencial eacute estar-se perante

uma convivecircncia estaacutevel e duradoura semelhante agrave dos cocircnjuges natildeo deve bastar o facto de

duas pessoas se dirigirem a uma conservatoacuteria de registo ou a outra entidade puacuteblica e

declararem viver em uniatildeo de facto sem se apurar a autenticidade dessas declaraccedilotildees

95 Bem como os projetos de lei nordm 6VIII da iniciativa do Partido Ecologista Os Verdes o nordm 105VIII da

iniciativa do Partido Socialista e o nordm 115VIII da iniciativa do Partido Comunista Portuguecircs 96 Cfr NUNO COSTA MAURIacuteCIO ldquoO pecado mora ao ladordquo ob cit p 81

35

Acrescenta ainda que ao fazerem depender a eficaacutecia juriacutedica da uniatildeo de facto da sua

inscriccedilatildeo no registo tornando ineficazes as uniotildees que natildeo estivessem inscritas estariam a

forccedilar os unidos que optaram por esta forma de convivecircncia exatamente para dispensar

qualquer formalidade a inscrever a sua relaccedilatildeo O que se traduziria numa adulteraccedilatildeo da

intencionalidade e natureza da uniatildeo de facto Ou mesmo que se configurasse um registo

livre e voluntaacuterio quem preferisse a natildeo inscriccedilatildeo natildeo teria acesso a um regime legal de

proteccedilatildeo da uniatildeo de facto ficando agrave margem da lei o que geraria uma nova discriminaccedilatildeo

Nota por uacuteltimo que a inscriccedilatildeo das uniotildees de facto se iria traduzir na prestaccedilatildeo de

consentimento a uma relaccedilatildeo de facto por parte dos dois sujeitos e assim sendo poderia

estar-se perante um novo tipo de casamento ainda que se trate de um casamento de segundo

grau97 Tal consideraccedilatildeo iria contra o espiacuterito de liberdade e natildeo formalismo que preside agrave

uniatildeo de facto98 Depreendendo que devido agraves desvantagens inerentes ao registo a

dificuldade da prova da uniatildeo de facto seria mais facilmente superada se se permitisse aos

unidos de facto ao abrigo do princiacutepio da livre disponibilidade convencionar as

regulamentaccedilatildeo das suas relaccedilotildees99

De outra banda MARTA COSTA considera que se fosse instituiacutedo o registo

obrigatoacuterio para que os conviventes pudessem beneficiar da tutela legislativa prevista as

dificuldades que advecircm da prova da uniatildeo de facto ficariam diminuiacutedas e sairiam

privilegiadas a seguranccedila juriacutedica e a liberdade dos conviventes que poderiam decidir se

pretendiam ser legislativamente tutelados ou se optariam por uma relaccedilatildeo meramente

factual Realccedila ainda que a instituiccedilatildeo do registo transformaria a uniatildeo de facto em relaccedilatildeo

de direito num instituto juriacutedico formal ainda que a sua tutela fosse diminuta100 Durante a

sua anaacutelise aproveita para refutar algumas das desvantagens que NUNO COSTA MAURIacuteCIO

aponta agrave inscriccedilatildeo da uniatildeo de facto no registo Primeiramente em relaccedilatildeo agrave dificuldade de

apurar a veracidade das declaraccedilotildees dos unidos a A crecirc que depende da opccedilatildeo legislativa

97 Atentando-se agrave diferenccedila de grau no que diz respeito ao nuacutemero de efeitos juriacutedicos que cada um produz

Cfr NUNO COSTA MAURIacuteCIO ldquoO pecado mora ao ladordquo ob cit p82 98 Eacute na procura do momento da conciliaccedilatildeo entre a autoridade e liberdade e entre o puacuteblico e o privado que

residem os fundamentos das intervenccedilotildees legislativas no acircmbito das relaccedilotildees juriacutedico-familiares que devem

repousar ou fundamentos de poliacutetica legislativa relativos agrave atribuiccedilatildeo de efeitos de direito agrave uniatildeo de facto

(hellip) e estaacute na base das intervenccedilotildees legislativas feitas em alguns paiacuteses e nas exigecircncias feitas pela doutrina

noutros com vista agrave definiccedilatildeo de um estatuto juriacutedico da uniatildeo de facto Cfr GERALDO DA CRUZ ALMEIDA

ob cit pp 185-193 99 Cfr NUNO COSTA MAURIacuteCIO ldquoO pecado mora ao ladordquo ob cit p83 100 Cfr MARTA COSTA ob cit p 394

36

Isto eacute se com a obrigatoriedade do registo o legislador decidir que a tutela da relaccedilatildeo fique

dependente da duraccedilatildeo da mesma esta duraccedilatildeo pode contar-se apoacutes o registo ou exigir-se o

decurso da mesma para que os conviventes possam inscrever a relaccedilatildeo no registo mantendo-

se a dificuldade de determinar o seu iniacutecio Se por outro lado a tutela da convivecircncia natildeo

ficar dependente da sua duraccedilatildeo natildeo teraacute de haver uma convivecircncia preacutevia podendo duas

pessoas que queiram conviver dirigirem-se a uma entidade competente e registar a

convivecircncia que podia jaacute existir ou iniciar-se nesse momento101 Relativamente ao facto de

os unidos que optaram pela uniatildeo de facto para se eximirem de qualquer formalidade se

verem obrigados a proceder ao registo da sua relaccedilatildeo para evitar que a sua uniatildeo seja

inexistente a A discorda afirmando que os unidos natildeo se veriam forccedilados a proceder ao

registo podendo preferir manter uma verdadeira uniatildeo de facto agrave qual continuariam a ser

atribuiacutedos ainda que poucos alguns direitos e deveres102 face agrave nossa ordem juriacutedica

defendendo que a obrigatoriedade do registo ao lado do instituto do casamento e da relaccedilatildeo

puramente de facto serviria melhor os interesses de uma sociedade pluralista103 A A

diverge ainda da ideia imputada pelo A de representar uma discriminaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos

conviventes que optem pela natildeo inscriccedilatildeo por natildeo beneficiarem do regime de proteccedilatildeo da

uniatildeo de facto No seu entendimento eacute antes o reflexo do respeito pela escolha dos unidos

de manterem a sua uniatildeo verdadeiramente factual Remata a sua apreciaccedilatildeo afirmando que

o que vai contra o espiacuterito de liberdade que preside agrave uniatildeo de facto natildeo eacute a prestaccedilatildeo de

consentimento a uma relaccedilatildeo de facto por parte dos unidos mas antes a aplicaccedilatildeo automaacutetica

de um regime juriacutedico aos conviventes ainda que pouco densificado aditando que a

instituiccedilatildeo do registo obrigatoacuterio proporcionaria vaacuterias possibilidades que dependeriam da

real vontade dos interessados

101 Cfr MARTA COSTA ob cit p 396 102 Cfr MARTA COSTA ob cit p 397 103 Cfr MARTA COSTA ob cit p 398

37

52 Comparaccedilatildeo com o regime de outros ordenamentos juriacutedicos na Uniatildeo

Europeia

De forma a completar o raciociacutenio ateacute aqui apresentado cumpre agora uma sucinta

anaacutelise do regime juriacutedico da uniatildeo de facto em vigor em alguns ordenamentos juriacutedicos

europeus bem como outras figuras que advieram da jurisdicionalizaccedilatildeo da convivecircncia more

uxorio104 Assim importa primeiramente discorrer umas breves notas sobre o regime geral

previsto em cada um dos ordenamentos particularmente no que respeita agrave constituiccedilatildeo da

uniatildeo de facto aos seus efeitos e o seu regime de prova para que possamos posteriormente

expor as nossas conclusotildees e possiacutevel proposta de soluccedilatildeo

521 Espanha

Jaacute em 1986 EDUARDO ESTRADA ALONSO refletia sobre o conceito juriacutedico da uniatildeo

de facto em Espanha definindo o conceito de unioacuten extramatrimonial como uma

convivecircncia diaacuteria que eacute desenvolvida habitualmente pelos casamentos de forma estaacutevel e

duradoura sugerindo que o prazo miacutenimo deveria ser de cinco anos para que pudessem ser

consideradas pelo Direito Admite que essa convivecircncia natildeo seja necessariamente no sentido

da coabitaccedilatildeo mas no sentido de que haja pelo menos uma vontade de estar juntos a fim de

evitar que as separaccedilotildees temporaacuterias e involuntaacuterias ndash por motivos profissionais ndash impeccedilam

a produccedilatildeo dos efeitos juriacutedicos pretendidos por essas uniotildees Entende que eacute uma uniatildeo que

dispensa qualquer formalidade para ser constituiacuteda e que implica o cumprimento espontacircneo

sem obrigaccedilatildeo juriacutedica dos deveres conjugais por parte dos membros devendo ser uma

relaccedilatildeo monogacircmica onde haacute a manutenccedilatildeo de relaccedilotildees sexuais sem exigecircncia que

procriem105

Apesar de em Espanha natildeo se encontrar definido o conceito juriacutedico de famiacutelia nem

se as uniotildees de facto se enquadram nesse conceito o Tribunal Constitucional Espanhol tem

vindo a pronunciar-se sobre essa sua inclusatildeo ou natildeo no artigo 391 da Constituiccedilatildeo

Espanhola106 Em 1990 na sentenccedila nordm 1841990 de 15 de Novembro107 o TCE defendeu

104 Expressatildeo usada para caracterizar uma convivecircncia semelhante agrave do marido e mulher ou seja segundo os

costumes matrimoniais 105 Cfr EDUARDO ESTRADA ALONSO ob cit pp 52-73 106 1 Los poderes puacuteblicos aseguran la proteccioacuten social econoacutemica y juriacutedica de la familia Constituiccedilatildeo

Espanhola consultaacutevel em

httpswwwtribunalconstitucionalesestribunalnormativaNormativaCEportuguC3A9spdf 107 Sobre a importacircncia desta sentenccedila cfr JUAN FORNEacuteS ldquoMatrimonio y uniones de hechordquo Ius Canonicum

XL n ordm80 2000 p 404

38

que este tipo de convivecircncia natildeo encontrava previsatildeo no artigo 391 da Constituiccedilatildeo

Espanhola sugerindo que este artigo estava reservado agrave proteccedilatildeo da famiacutelia num ambiente

marital e pela existecircncia de filhos natildeo obstante as parejas de hecho poderem ser protegidas

constitucionalmente atraveacutes da mobilizaccedilatildeo do artigo 101 que postula o direito ao

desenvolvimento da personalidade108 Contrariamente o magistrado GIMENO SENDRA do

TCE sustentou num voto particular nessa sentenccedila a diferenciaccedilatildeo entre a famiacutelia e o

casamento afirmando que a constituiccedilatildeo espanhola previa duas situaccedilotildees distintas o artigo

391 consagrava a proteccedilatildeo da famiacutelia e o artigo 321109 previa a defesa do matrimoacutenio assim

protegendo o artigo 391 no solo a la famiacutelia como institucioacuten juriacutedica sino tambieacuten la

familia como realidad natural por lo que junto a la familia matrimonial tambieacuten han de

merecer proteccioacuten constitucional las denominadas uniones conyugales de hecho110 Em

1992 nesta mesma linha de pensamento na sentenccedila nordm 22292 de 11 de Dezembro o TCE

salientou que o artigo 39 da Constituiccedilatildeo Espanhola protege natildeo soacute a famiacutelia matrimonial

mas tambeacutem a natildeo matrimonial e assim as relaccedilotildees de convivecircncia constituiriam relaccedilotildees

familiares independentemente de terem filhos ou natildeo cabendo no acircmbito de incidecircncia

desse artigo Posteriormente em 28 de Fevereiro de 1994 na sentenccedila nordm 6694 o mesmo

tribunal voltou ao entendimento sufragado em 1990 defendendo a natildeo equivalecircncia entre

casamento e uniatildeo de facto para efeitos do artigo 39 Por fim este entendimento foi reiterado

na sentenccedila nordm 3998 de 17 de Fevereiro de 1998 e a 17 de Junho de 1999 com a sentenccedila

nordm 11699111 foi aceite a posiccedilatildeo defendida pela magistrado GIMENO SENDRA Assim

determinou o Tribunal Constitucional Espanhol que o artigo 391 natildeo identifica que a famiacutelia

que visa proteger eacute a que tem origem no casamento existindo outras modalidades de vida

familiar a par do casamento que refletem una sociedad plural Aleacutem da jurisprudecircncia

tambeacutem a doutrina tem divergido sobre a amplitude de aplicaccedilatildeo deste preceito

constitucional Atualmente o entendimento maioritaacuterio parece estar mais favoraacutevel agrave

inclusatildeo da convivecircncia more uxorio no artigo 391112

108 Tal como recorde-se eacute defendido em Portugal por alguns autores 109 1 El hombre y la mujer tienen derecho a contraer matrimonio con plena igualdad juriacutedica 110 Cfr MARTA COSTA ob cit p 111 111 Cfr JUAN FORNES ob cit p403 112 Cfr JOSEacute RAMOacuteN DE VERDA Y BEAMONTE ldquoLa Ley 52012 de 15 de octubre de uniones de hecho

formalizadas de la Comunidad Valencianardquo Rev boliv de derecho nordm 19 enero 2015 p 772 El precepto

habla de ldquofamiliardquo y no de ldquofamilia legiacutetimardquo (o ldquomatrimonialrdquo) por lo que la proteccioacuten que el precepto

otorga a la familia no debe identificarse necesariamente con la que tiene origen en el matrimonio el cual se

39

Ora diferentemente do que sucede em Portugal o legislador espanhol natildeo se

ocupou de regular de forma uniforme o regime da uniatildeo de facto113 Ao inveacutes as

comunidades autoacutenomas espanholas no acircmbito das suas competecircncia legislativas114

adotaram ainda que de forma distinta regras proacuteprias que regulam este tipo de convivecircncia

natildeo matrimonial Desde logo a maioria qualifica a convivecircncia more uxorio como relaccedilatildeo

familiar Pode ler-se na Ley Foral 62000 de 3 de julio da Comunidade Foral de Navarra

ora revogada115 no seu artigo 2 que ningueacutem pode ser discriminado em razatildeo do grupo

familiar de que faz parte quer seja proveniente de filiaccedilatildeo casamento ou uniatildeo de duas

pessoas que convivam em relaccedilatildeo afetiva semelhante independentemente da sua orientaccedilatildeo

sexual Esta disposiccedilatildeo foi reproduzida por leis de outras Comunidades como as Astuacuterias

Extremadura e Andaluzia116 Contrariamente outras comunidades como as Ilhas Baleares

natildeo as qualificam dessa forma No artigo 3 da Ley 182001 de 19 de diciembre prevecirc-se

que a formaccedilatildeo de uniatildeo de facto natildeo gere relaccedilatildeo de parentesco entre cada um de seus

membros e os familiares do outro Contudo na exposiccedilatildeo de motivos da dita lei eacute chamado

agrave colaccedilatildeo o artigo 391 da constituiccedilatildeo espanhola em nome da proteccedilatildeo social econoacutemica e

juriacutedica da famiacutelia indicando que essa norma natildeo visa proteger apenas um modelo de

famiacutelia sendo necessaacuterio fazer uma interpretaccedilatildeo ampliada desse conceito de acordo com a

realidade social A exposiccedilatildeo de motivos estabelece ainda que o artigo 32 ao prever o direito

de contrair matrimoacutenio tambeacutem prevecirc o direito a natildeo o fazer o que natildeo prejudica o direito

de todos os homens e mulheres de constituir por meio de uma uniatildeo efetiva e estaacutevel uma

comunhatildeo de vida que com ou sem filhos implique a constituiccedilatildeo de uma famiacutelia

regula en un precepto especiacutefico (art 32 CE) y en capiacutetulo diverso No mesmo sentido LUIS PEacuteREZ

FERNAacuteNDEZ ldquoLas Uniones Extramatrimoniales En Espantildea iquestEs Necesaria Su Regulacioacutenrdquo in Revista Juriacutedica

de Astuacuterias nordm 40 2017 p162 En nuestros diacuteas tanto matrimonio como la unioacuten extramatrimonial pueden

constituir una familia y estaacuten amparados por la misma proteccioacuten social econoacutemica y juriacutedica del artiacuteculo

391 de la Constitucioacuten espantildeola cuyo tenor literal establece laquoLos poderes puacuteblicos aseguran la proteccioacuten

social econoacutemica y juriacutedica de la familiaraquo 113 Ou concubinato parejas de hecho parejas cohabitantes uniones de hecho uniones libres convivencias

no matrimoniales matrimonios laquosin papelesraquo convivencias prenupciales () CfrGERARDO MEIL

LANDWERLIN ldquoLas uniones de hecho en Espantildeardquo Madrid Centro de Investigaciones Socioloacutegicas 2003 p

26 114 Cfr MARTA COSTA ob cit p 349 115 Lei original consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2000-16373 modificada e

atualizada pela Ley Foral 212019 de 4 de abril consultaacutevel em httpswwwboeeselies-

nclf2019040421 116 Respetivamente Ley 42002 de 23 de mayo de Parejas Estables Ley 52003 de 20 de marzo de parejas

de hecho de la Comunidad Autoacutenoma de Extremadura Ley 52002 de 16 de diciembre de Parejas de Hecho

40

Ademais assiste-se a uma coexistecircncia entre uniones extramatrimoniales

formalizadas e as puramente faacutecticas117 o que se reflete nos meios probatoacuterios No

ordenamento juriacutedico espanhol satildeo aceitaacuteveis todos os meios de prova que sejam admitidos

nos termos gerais do direito A exigecircncia da aparecircncia externa da convivecircncia entre unidos

de facto tem estreita relaccedilatildeo com a prova da mesma mostrando-se a jurisprudecircncia flexiacutevel

ao considerar suficientes para esse efeito as declaraccedilotildees dos conviventes ou seja a prova

testemunhal sem que documentos de caraacuteter administrativo a possam pocircr em causa As

disposiccedilotildees do acircmbito estatal natildeo precisam os requisitos pessoais nem as formas de

constituiccedilatildeo da uniatildeo de facto118 Jaacute no que toca ao direito regional prevalece a diversidade

havendo leis que admitem todos os meios de prova e outras que sendo mais restritivas

requerem o registo obrigatoacuterio Um exemplo de lei que admite qualquer meio de prova

admissiacutevel no direito eacute a Ley 42002 de 23 de mayo do principado das Astuacuterias119 A

Comunidade de Andaluzia prevecirc a possibilidade da declaraccedilatildeo de vontade de constituir uma

pareja de hecho mediante el otorgamiento de escritura puacuteblica o por cualquier otro medio

de prueba admisible en Derecho120 Jaacute comunidades como Extremadura121 Ilhas Baleares122

Cantaacutebria123 e Paiacutes Vasco124 exigem a inscriccedilatildeo das uniotildees de facto no registo para a sua

constituiccedilatildeo e por conseguinte como forma de provar a relaccedilatildeo Na comunidade de

Aragatildeo125 prevecirc-se a inscriccedilatildeo da relaccedilatildeo no registo administrativo podendo provar-se a

existecircncia da relaccedilatildeo se natildeo houver escritura puacuteblica por qualquer meio de prova admitido

no direito

117 Cfr NATALIA ALVAREZ LATA ldquoLas Parejas De Hecho Perspectiva Jurisprudencialrdquo Derecho Privado y

Constitucioacuten nordm 12 enero- diciembre 1998 p 15 118 Para mais desenvolvimentos no acircmbito de normas estatais cfr MARTA COSTA ob cit p 388 119 Art 3 n ordm3 La existencia de pareja estable o el transcurso del antildeo de convivencia podraacuten acreditarse

atraveacutes de cualquier medio de prueba admitido en Derecho

Consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2002-13017 120 Art 5 nordm 3 Consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2003-771 121 Art 4 da Ley 52003 de 20 de marzo consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-

2003-9450 122 Art1 nordm2 da Ley 182001 de 19 de diciembre consultaacutevel em

httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2002-917ampa=aamporden=conterefpost 123 Art 5 da Ley 12005 de 16 de mayo consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2005-

9402 124 Art 3 e 4 da Ley 22003 de 7 de mayo consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-

2011-18545 125 Ley 61999 de 26 de marzo derrogada pelo Decreto Legislativo 12011 de 22 de marzo consultaacutevel em

httpswwwboeesbuscardocphpid=BOA-d-2011-90007

41

Apoacutes a anaacutelise das soluccedilotildees que as comunidades autoacutenomas apresentam eacute de notar

a diversidade de caminhos que sugerem e que satildeo desconhecidos ao direito portuguecircs pelo

menos para jaacute

522 Franccedila

Tal como sucede em Espanha o ordenamento juriacutedico francecircs natildeo contempla uma

definiccedilatildeo de famiacutelia nem em termos constitucionais nem no Code Civil ou Code de la

Familie Tradicionalmente a doutrina tem vindo a definir famiacutelia como o grupo de pessoas

que estatildeo ligados por laccedilos fundados essencialmente pelo casamento e parentesco126 As

relaccedilotildees de concubinage natildeo cabem em princiacutepio neste conceito127 Poreacutem atualmente a

natureza familiar dos laccedilos criados pelo PACS tem sido questionada e ao receber resposta

afirmativa por parte da jurisprudecircncia eacute possiacutevel perceber-se que estaacute em curso uma

modificaccedilatildeo no que respeita agrave noccedilatildeo de famiacutelia apresentando-se cada vez menos riacutegida128

No Tiacutetulo XII no Code Civil encontramos as duas figuras que ocuparatildeo agora a

nossa anaacutelise o pacte civil de solidariteacute e le concubinage129 Em primeiro lugar o artigo

515-2 define o PACS como o contrato celebrado por duas pessoas singulares maiores de

idade do mesmo sexo ou de sexo diferente para organizarem a sua vida em comum Le

concubinage eacute definido pelo artigo 515-8 como uma uniatildeo de facto caracterizada por uma

vida comum de estabilidade e continuidade entre duas pessoas de sexo diferente ou igual

que vivem como um casal130 Importa frisar que esta relaccedilatildeo deve dispor alguns elementos

constitutivos que a possam qualificar como tal131 Entre os elementos suscetiacuteveis de

126 Por sua vez o Institut National De La Stastistique et des Etudes Economiques define que une famille est la

partie dun meacutenage comprenant au moins deux personnes et constitueacutee soit dun couple vivant au sein du

meacutenage avec le cas eacutecheacuteant son ou ses enfant(s) appartenant au mecircme meacutenage soit dun adulte avec son ou

ses enfant(s) appartenant au mecircme meacutenage (famille monoparentale)

Pour quune personne soit enfant dune famille elle doit ecirctre ceacutelibataire et ne pas avoir de conjoint ou denfant

faisant partie du mecircme meacutenage Consultaacutevel em httpswwwinseefrfrmetadonneesdefinitionc1465 127 Cfr ALAIN BENABENT lsquorsquoDroit de la famillersquorsquo LGDJ 4ordm ed 2018 p15 128 Idem 129Consultaacutevel

emhttpswwwlegifrancegouvfrcodessection_lcLEGITEXT000006070721LEGISCTA000006118360

LEGISCTA000006118360 130 O que implica certas consequecircncias legais para os indiviacuteduos que escolheram esta forma de conjugalidade

em oposiccedilatildeo ao casamento Enquanto o casal surgido do casamento estaacute sujeito a um conjunto de regras que

formam um estatuto natildeo existe um estatuto de coabitaccedilatildeo mesmo que a coabitaccedilatildeo seja marcada pela adesatildeo

contiacutenua agraves regras aplicaacuteveis aos cocircnjuges JACQUELINE RUBELLIN-DEVICHI ldquoDroit de la famillerdquo Paris

Dalloz 2001 XXXVII p 373 131 Cfr GERARD GOLDSTEIN lsquorsquoLa cohabitation hors mariage en droit international priveacutersquorsquo in Recueil des Cours

ndash Collected Courses Of The Hague Academy Of Internation Law Tomo 320 Martinus Nijhoff Publishers

2006 p 95

42

caracterizar como concubinage haacute alguns que consoante o caso satildeo particularmente

necessaacuterios em detrimento de outros Le concubinage natildeo se baseia apenas em relaccedilotildees

estaacuteveis e contiacutenuas que envolvem uma comunhatildeo de vida com coabitaccedilatildeo Aleacutem de haver

uma comunhatildeo de casa eacute ainda necessaacuterio que haja uma comunhatildeo de leito ou seja que

exista a manutenccedilatildeo de relaccedilotildees sexuais tal como no nosso ordenamento juriacutedico Aleacutem do

mais eacute importante que seja puacuteblica isto eacute conhecida por terceiros132

Quanto ao regime legal do concubinage este eacute inexistente Os efeitos do casamento

natildeo satildeo aplicaacuteveis agrave relaccedilatildeo de uniatildeo de facto no ordenamento juriacutedico francecircs A situaccedilatildeo

vivenciada pelos conviventes difere da dos cocircnjuges tanto do ponto de vista patrimonial

como do ponto de vista extrapatrimonial nomeadamente no que respeita aos direitos e

deveres conjugais previstos nos artigos 212ordm a 226ordm Code Civil133 Estes natildeo satildeo extensiacuteveis

aos membros da uniatildeo de facto pois a sua comunhatildeo de vida assenta num facto e nunca num

dever Independentemente da duraccedilatildeo da relaccedilatildeo os membros da uniatildeo de facto permanecem

juridicamente estranhos um ao outro natildeo gerando qualquer estado civil nem a possibilidade

de adotarem o nome do outro A situaccedilatildeo de facto estaacute no acircmbito pessoal isenta de qualquer

tipo de regulamento especiacutefico sendo regulada essencialmente pelo direito comum

Possibilitando que a sua rutura seja mais simples podendo qualquer dos membros pocircr fim agrave

relaccedilatildeo a todo o momento134 No tocante a efeitos patrimoniais natildeo existem efeitos diretos

ligados agrave uniatildeo de facto e natildeo haacute norma semelhante ao artigo 220ordm Code Civil135

relativamente ao regime do concubinage responsabilizando solidariamente os membros

pelas diacutevidas do outro No acircmbito fiscal os unidos declaram os seus rendimentos

separadamente sendo considerados individualmente Ao contraacuterio do casamento natildeo haacute o

dever de assistecircncia entre os conviventes e a existir eacute inteiramente voluntaacuterio Como foi

dito sem ser o regime primaacuterio natildeo existe um regime entre os conviventes como existe no

132 Atualmente natildeo eacute necessaacuteria a diferenccedila de sexos para que se possa qualificar a relaccedilatildeo como concubinage

sendo considerado da mesma forma quer se trate de pessoas do mesmo sexo ou de sexo diferente art 515-8

do Code Civil Para mais desenvolvimentos quanto aos elementos caracterizadores cfr JACQUELINE

RUBELLIN-DEVICHI ob cit p 375 133 Cfr BRIGITTE HESS-FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HELENE HESS ldquoDroit de la famillerdquo

ParisSirey DL 2009 XII p89 134 Cfr JACQUELINE RUBELLIN-DEVICHI ob cit p 391 135 1ordf parte Chacun des eacutepoux a pouvoir pour passer seul les contrats qui ont pour objet lentretien du meacutenage

ou leacuteducation des enfants toute dette ainsi contracteacutee par lun oblige lautre solidairement Cfr JEAN

CARBONNIER ob cit p 671

43

casamento Surgindo assim a tentativa de desenvolver na Franccedila inspirada por outros

ordenamentos os contratos de coabitaccedilatildeo que devem reger apenas aspetos patrimoniais

Contudo surgiram duacutevidas sobre a validade deste tipo de contratos no acircmbito do

direito francecircs Consideradas individualmente as claacuteusulas relativamente a aspetos

patrimoniais poderiam ser consideradas vaacutelidas todavia analisando a sua dinacircmica em

conjunto poderia tornar o contrato iliacutecito por dar forccedila obrigatoacuteria a uma espeacutecie de

casamento privado violando o monopoacutelio do Estado em mateacuteria de casamento136 A

permissatildeo de existecircncia destes contratos eacute excecional visto que a partir de 1999 os membros

da uniatildeo de facto puderam convencionar a sua relaccedilatildeo como entendiam atraveacutes do Pacto

Civil de Solidariedade

A prova do concubinage pode ser feita pelos membros ou por terceiros

Contrariamente ao que acontece no casamento em que os cocircnjuges podem facilmente provar

o seu estado civil atraveacutes da sua certidatildeo de casamento lavrada oficialmente pelo funcionaacuterio

do registo civil os conviventes natildeo dispotildeem de nenhuma prova preacute-constituiacuteda No entanto

por se tratar de um facto juriacutedico pode ser provado por qualquer meio de prova admissiacutevel

pelo direito nos termos gerais designadamente atraveacutes de certificados documentos

declaraccedilotildees de honra e ainda com o recurso agrave prova testemunhal137 A sua prova natildeo gera

em princiacutepio grande dificuldade para os membros dado que os organismos que exigem a

prova dessa convivecircncia impotildeem requisitos razoaacuteveis Caso diferente eacute a prova da

convivecircncia por terceiros que podem ver essa possibilidade limitada pelo direito agrave vida

privada do convivente por forccedila dos artigos 9 do Code Civil138 e 8ordm da CEDH139

O pacte civil de solidariteacute conhecido como PACS foi criado a 15 de novembro de

1999 pela lei nordm 99-944 contudo o atual conteuacutedo e estrutura do PACS natildeo eacute o que foi

inicialmente previsto pela referida lei devido agrave grande reforma que sofreu em 2006140 A

criaccedilatildeo deste instituto deveu-se essencialmente agrave necessidade dos casais do mesmo sexo

obterem reconhecimento puacuteblico da sua relaccedilatildeo visto que em 1999 soacute os casais

136 Cfr JEAN CARBONNIER ob cit p681 137 Cfr JACQUELINE RUBELLIN-DEVICHI ob cit p 389 MARTA COSTA ob cit p 390 BRIGITTE HESS-

FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HELENE HESS ob cit p 91 JEAN CARBONNIER ob cit

p775 138 Art 9 do Code Civil 1ordf parte Chacun a droit au respect de sa vie priveacutee 139 Cfr JACQUELINE RUBELLIN-DEVICHI ob cit p 387 MARTA COSTA ob cit p 390 140 Cfr ALBANA METAJ - STOJANOVA ldquoFrench Civil Partnership Contract (Pacs)rdquo South East European

University Vol 14 n ordm1 2019 p 136

44

heterossexuais poderiam optar pelo casamento ou pelo concubinage restando aos casais

homossexuais a uacuteltima alternativa141 Aleacutem disto o PACS veio igualmente satisfazer as

necessidades dos casais heterossexuais que pretendiam regular contratualmente a sua

relaccedilatildeo mas sem formalismo na sua constituiccedilatildeo permitindo-lhes organizar a sua vida

conjunta ndash podendo tratar-se por vezes de um ldquoensaiordquo para um futuro casamento ndash e em

caso de dissoluccedilatildeo evitar os procedimentos inerentes ao divoacutercio que podem ser longos e

dispendiosos142

Este instituto natildeo deve ser confundido nem com o casamento nem com o

concubinage143 O PACS tem bastante adesatildeo144 precisamente por se diferenciar do

casamento em alguns aspetos embora apresentem vaacuterias semelhanccedilas contratualmente o

primeiro natildeo se coaduna com a regulaccedilatildeo da vida familiar e dos filhos apenas a vida do

casal

141 Apenas a 17 de maio de 2013 com a lei 2013-404 foi garantida a possibilidade do casamento entre pessoas

do mesmo sexo 142 Cfr BRIGITTE HESS-FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HELENE HESS ob cit p78 143 Neste sentido sobre as diferenccedilas entre cada um destes trecircs regimes em concreto sobre a diferenccedila de

tratamento para atribuiccedilatildeo de pensatildeo de sobrevivecircncia vide Decisatildeo nordm 2011-155 QPC do Conseil

Constitutionnel de 29-07-2011 5 Consideacuterant en premier lieu que le concubinage est deacutefini par le seul

article 515-8 du code civil comme laquo une union de fait caracteacuteriseacutee par une vie commune preacutesentant un

caractegravere de stabiliteacute et de continuiteacute entre deux personnes de sexe diffeacuterent ou de mecircme sexe qui vivent en

couple raquo quagrave la diffeacuterence des eacutepoux les concubins ne sont leacutegalement tenus agrave aucune solidariteacute financiegravere

agrave leacutegard des tiers ni agrave aucune obligation reacuteciproque 6 Consideacuterant en deuxiegraveme lieu quen vertu de larticle

515-4 du code civil les partenaires lieacutes par un pacte civil de solidariteacute laquo sengagent agrave une vie commune ainsi

quagrave une aide mateacuterielle et une assistance reacuteciproques raquo que laquo si les partenaires nen disposent autrement

laide mateacuterielle est proportionnelle agrave leurs faculteacutes respectives raquo quen outre ils sont laquo tenus solidairement

agrave leacutegard des tiers des dettes contracteacutees par lun deux pour les besoins de la vie courante raquo quainsi

contrairement aux personnes vivant en concubinage les partenaires sont assujettis agrave des obligations

financiegraveres reacuteciproques et agrave leacutegard des tiers que toutefois les dispositions du code civil ne confegraverent aucune

compensation pour perte de revenus en cas de cessation du pacte civil de solidariteacute au profit de lun des

partenaires ni aucune vocation successorale au survivant en cas de deacutecegraves dun partenaire 7Consideacuterant en

troisiegraveme lieu que le reacutegime du mariage a pour objet non seulement dorganiser les obligations personnelles

mateacuterielles et patrimoniales des eacutepoux pendant la dureacutee de leur union mais eacutegalement dassurer la protection

de la famille que ce reacutegime assure aussi une protection en cas de dissolution du mariage 8 Consideacuterant

par suite que le leacutegislateur a dans lexercice de la compeacutetence que lui reconnaicirct larticle 34 de la Constitution

deacutefini trois reacutegimes de vie de couple qui soumettent les personnes agrave des droits et obligations diffeacuterents que la

diffeacuterence de traitement quant au beacuteneacutefice de la pension de reacuteversion entre les couples marieacutes et ceux qui

vivent en concubinage ou sont unis par un pacte civil de solidariteacute ne meacuteconnaicirct pas le principe deacutegaliteacute

Consultaacutevel em httpswwwconseil-constitutionnelfrdecision20112011155QPChtm 144 Para anaacutelise de alguns dados estatiacutesticos relativamente agrave evoluccedilatildeo do nuacutemero de PACS registados entre

2000 e 2007 Cfr BRIGITTE HESS-FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HEacuteLEgraveNE HESS ob cit

p78 Consultar httpswwwinseefrfrstatistiques2381498 para anaacutelise do nuacutemero de casamentos e PACS

em relaccedilotildees heterossexuais entre 1990 e 2019 sendo de realccedilar que em 2018 o nuacutemero de casamentos e de

PACS foi muito semelhante verificando-se uma diferenccedila de 28 mil casamentos em relaccedilatildeo aos PACS

Relativamente agraves relaccedilotildees homossexuais a diferenccedila eacute ainda menor sendo os dados quase equivalentes

45

Deve ainda obedecer a vaacuterias regras para a sua formaccedilatildeo Soacute pode ser celebrado

entre pessoas maiores de idade que natildeo sejam parentes em linha reta ou colateral ateacute ao

terceiro grau e que natildeo estejam casadas ou tenham celebrado PACS com outra pessoa145 A

sua celebraccedilatildeo deve cumprir as regras do direito comum contratual e natildeo deve ser contraacuterio

agrave ordem puacuteblica A forma sob a qual o acordo deve ser redigido eacute livre porque o artigo 515-

3 do Code Civil natildeo especifica a sua forma e os parceiros podem redigir eles proacuteprios ou

optar que a redaccedilatildeo seja feita por um notaacuterio Por conseguinte os parceiros satildeo livres de

escolher a forma do PACS podendo o acordo ser um ato autecircntico ou um ato privado

Terminada a redaccedilatildeo do acordo os parceiros devem fazer uma declaraccedilatildeo conjunta do

acordo devendo o notaacuterio do registo civil registar o pacto depois de verificar as condiccedilotildees

necessaacuterias para a conclusatildeo do acordo e mandar executar as formalidades de publicaccedilatildeo

previstas no artigo 515-3 Code Civil permitindo que seja oponiacutevel a terceiros Apoacutes a sua

vaacutelida formaccedilatildeo o PACS estaacute em condiccedilotildees de produzir efeitos na vida dos parceiros no

acircmbito pessoal146 e patrimonial regidos pelas disposiccedilotildees dos artigos 515-4 a 515-5-3 do

Code Civil147 Por uacuteltimo a dissoluccedilatildeo do PACS eacute muito mais simples do que a dissoluccedilatildeo

de casamento uma vez que existem apenas quatro situaccedilotildees cada uma das quais com um

procedimento para a dissoluccedilatildeo do mesmo tais como a rutura unilateral a rutura de comum

acordo por casamento dos membros ou de um deles e a morte de um dos membros Os

procedimentos que devem seguir cada uma destas circunstacircncias estatildeo previstos no artigo

515-7 do Code Civil

Sem embargo de todas as condiccedilotildees de forma que o PACS estaacute sujeito haacute algumas

incoerecircncias quanto ao seu regime de prova por terceiros148 Depois do registo do acordo eacute

entregue aos pactuantes um atestado de inscriccedilatildeo em que constam os seus nomes data e

lugar de nascimento e a data do registo do pacto natildeo sendo conservadas pelo notaacuterio as

convenccedilotildees que satildeo exibidas para serem assinadas e para ser verificadas as condiccedilotildees de

validade do acordo Porquanto se um terceiro quiser ter acesso ao conteuacutedo de um PACS

apenas poderaacute fazecirc-lo se pedir aos proacuteprios pactuantes salvaguardando assim o direito agrave

reserva da vida privada dos parceiros

145 Sob pena de nulidade art 515-2 Code Civil 146 Assentam essencialmente no compromisso de viverem em comunhatildeo de vida e de fornecerem ajuda e

assistecircncia muacutetua 147 Cfr BRIGITTE HESS-FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HEacuteLEgraveNE HESS ob cit p 85 148 Cfr MARTA COSTA ob cit p 390

46

53 O Acoacuterdatildeo do STJ de 22 de Marccedilo de 2018 processo

nordm6380169T8CBRC1 S1

Decidimos analisar este Acoacuterdatildeo por entendermos que representa de forma clara os

problemas que a prova da coabitaccedilatildeo causa Demonstrando que natildeo eacute uma questatildeo unacircnime

na jurisprudecircncia pois eacute objeto de decisotildees diacutespares natildeo deixando de ser bem

fundamentadas Em causa estaacute uma accedilatildeo em processo comum que tem como Autor o

Instituto da Seguranccedila Social nomeadamente o Centro Nacional de Pensotildees e como Reacute

quem alega ter mantido uma relaccedilatildeo de uniatildeo de facto com o beneficiaacuterio dessa pensatildeo ateacute

agrave data da morte deste Antes de mais urge atentar brevemente aos factos dados como

provados relevantes para a presente anaacutelise

A Reacute encetou um relacionamento amoroso com o falecido em 1991 passando a ter

relaccedilotildees sexuais e a fazer as refeiccedilotildees com o de cujos na casa onde este vivia Em 1996 a

Reacute passou a pernoitar na casa do de cujos de onde se ausentava nos fins de semana em que

a filha do beneficiaacuterio o visitava duas vezes por mecircs ou quando existia uma discussatildeo entre

o casal Manteve o arrendamento da sua casa para onde ia quando uma destas circunstacircncias

ocorriam suportando os encargos inerentes a esta manutenccedilatildeo Os sujeitos dividiam entre si

as despesas do supermercado e a Reacute acompanhava o beneficiaacuterio agraves consultas e agraves urgecircncias

do hospital sempre que necessaacuterio Na sequecircncia da morte do beneficiaacuterio a 14 de julho de

2015 a Reacute requereu a atribuiccedilatildeo das pensotildees devidas pela morte do mesmo invocando a sua

qualidade de unida de facto por ter vivido com o de cujos em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos

cocircnjuges desde 17 de Agosto de 1991 ateacute agrave sua morte Como prova da qualidade de unida

de facto apresentou atestado emitido pela Junta de Freguesia que certificava que esta residia

em comunhatildeo de mesa e habitaccedilatildeo com o beneficiaacuterio desde 1991 ateacute agrave data da sua morte

documentos exigidos pelo artigo 2ordm-A nordm 4 da LUF Contudo a filha do de cujos informou

o CNP de que a alegaccedilatildeo da Reacute natildeo era verdadeira pois esta sempre residiu em habitaccedilatildeo

distinta do beneficiaacuterio

Note-se que a demonstraccedilatildeo dos factos pressupostos para a relevacircncia juriacutedica da

uniatildeo de facto foi facilitada relativamente ao acesso agraves prestaccedilotildees do Estado no caso de

morte devido agrave possibilidade que eacute dada aos pretensos beneficiaacuterios de determinados

direitos (nomeadamente interessados que pretendam beneficiar dos efeitos previstos na lei

em face dos herdeiros do falecido artigo 2020ordm CCiv do senhorio artigo 1105ordm e 1106ordm

47

CCiv das entidades responsaacuteveis pelo pagamento das prestaccedilotildees por morte artigo 6ordm nordm 2

da LUF) No que respeita ao acesso agraves prestaccedilotildees sociais em caso de morte o artigo 6ordm nordm2

da LUF prevecirc a possibilidade da entidade responsaacutevel pelo pagamento das prestaccedilotildees

previstas nas aliacuteneas e) f) g) do artigo 3ordm caso entenda que existem fundadas duacutevidas sobre

a existecircncia da uniatildeo de facto poder solicitar meios de prova complementares149 e se na

sequecircncia dessas diligecircncias subsistirem duacutevidas a entidade deve promover a competente

accedilatildeo judicial com vista agrave sua comprovaccedilatildeo Foi o que sucedeu no caso em apreccedilo tendo a

entidade responsaacutevel pelo pagamento das prestaccedilotildees sociais por morte - tratando-se do

Instituto da Seguranccedila Social nomeadamente o Centro Nacional de Pensotildees no caso que

estamos a analisar- proposto a competente accedilatildeo judicial150

No seguimento da interposiccedilatildeo desta accedilatildeo pelo ISS a Reacute respondeu afirmando que

durante 24 anos viveu em comunhatildeo de mesa cama e casa com o de cujos e alegou que natildeo

se desfez da sua casa por uma questatildeo de precauccedilatildeo O Tribunal da 1ordf instacircncia julgou a accedilatildeo

parcialmente procedente e julgou natildeo reconhecida a vivecircncia em situaccedilatildeo de uniatildeo de facto

entre a Reacute e o beneficiaacuterio A Reacute recorreu para o Tribunal da Relaccedilatildeo que a 2 de novembro

149 Designadamente declaraccedilatildeo emitida pela Autoridade Tributaacuteria e Aduaneira ou pelo Instituto dos Registos

e do Notariado I P onde se ateste que agrave data da morte os membros da uniatildeo de facto tinham domiciacutelio fiscal

comum haacute mais de dois anos ndash art 6ordm nordm 2 da LUF 150 No entender de RITA XAVIER ldquoA Uniatildeo de Facto e a Lei Civil no Ensino de Francisco Manuel Pereira

Coelho e Legislaccedilatildeo Atualrdquo ob cit p 685 deveraacute tratar-se de uma accedilatildeo de simples apreciaccedilatildeo negativa

(prevista no art 10ordm nordm 3 al a) CPC) que visa declarar que determinada pessoa natildeo beneficia ou natildeo tem um

certo direito E embora o oacutenus de propositura da accedilatildeo recaia sobre a entidade responsaacutevel pelo pagamento das

prestaccedilotildees sociais compete ao membro sobrevivo da uniatildeo de facto a prova dos factos constitutivos do seu

direito Vide Art 343ordm n ordm1 CCiv 1 Nas accedilotildees de simples apreciaccedilatildeo ou declaraccedilatildeo negativa compete ao

reacuteu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga E ainda a este propoacutesito vide Acoacuterdatildeo Tribunal

da Relaccedilatildeo de Coimbra de 16102012 proferido no acircmbito do processo nordm 50091TBALDC1 A accedilatildeo

declarativa de simples apreciaccedilatildeo negativa - ou seja uma accedilatildeo pela qual se procura ldquohellip obter unicamente a

declaraccedilatildeo da hellip inexistecircncia de um direito ou de um factordquo (artigo 4ordm nordm 2 al a) do CPC) - destina-se desde

logo a definir uma situaccedilatildeo juriacutedica tornada incerta - o demandante pretende reagir contra uma situaccedilatildeo de

incerteza que o impede de auferir todas as vantagens normalmente proporcionadas pela relaccedilatildeo juriacutedica

material que lhe causa um dano patrimonial ou moral apreciaacutevel (hellip) A causa de pedir nas accedilotildees de simples

apreciaccedilatildeo negativa consubstancia-se na inexistecircncia do direito e nos factos materiais pretensamente

cometidos pelo demandado que determinaram o estado de incerteza Em sentido inverso mais recentemente

vide o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 24-04-2019 proferido no acircmbito do processo

12025160T8LRSL1-2 (hellip) trata-se de uma acccedilatildeo proposta pelo ISS a pedir que o requerente comprove no

processo a existecircncia da situaccedilatildeo juriacutedica que se arroga O ISS natildeo nega que a uniatildeo de facto tenha existido

diz que tem duacutevidas sobre a sua existecircncia e por isso pede que o requerente seja chamado a comprovar a

existecircncia da situaccedilatildeo juriacutedica em causa Assim trata-se de uma acccedilatildeo de simples apreciaccedilatildeo positiva sui

generis em que a lei atribui ao reacuteu que se arrogou o direito em causa o oacutenus da prova dos factos constitutivos

dele embora natildeo negado pelo Autor O ISS natildeo deve no desenho da lei intentar a acccedilatildeo declarativa para se

declarar a inexistecircncia de uma situaccedilatildeo juriacutedica (o que o ISS natildeo alega nem nega pois que apenas tem

duacutevidas) mas sim para que o reacuteu comprove a existecircncia da situaccedilatildeo juriacutedica a que se arroga Se o reacuteu

conseguir provar os factos necessaacuterios a situaccedilatildeo juriacutedica eacute declarada existente caso contraacuterio natildeo o eacute

48

de 2017 revogou a sentenccedila recorrida e declarou improcedente a accedilatildeo do CNP reconhecendo

a convivecircncia de 24 anos como uma situaccedilatildeo uniatildeo de facto

Por sua vez o ISS interpocircs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiccedila

Nas suas alegaccedilotildees demonstrou a discordacircncia com a decisatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo por

entender que a tese do Tribunal de1ordf Instacircncia que defendia que o relacionamento da Reacute e

do de cujos natildeo revestia as caracteriacutesticas que o tornavam anaacutelogo ao dos cocircnjuges seria a

correta Defendem que apesar da Reacute e o de cujos terem mantido relaccedilotildees sexuais e esta

pernoitasse quase sempre na casa do mesmo ela mantinha a sua casa onde dormia

pontualmente e onde guardava os seus pertences o que indicava que natildeo sentia a morada

comum como sua Ademais embora fizessem refeiccedilotildees em comum natildeo havia comunhatildeo

patrimonial jaacute que as compras eram custeadas de forma alternada por um ou por outro e era

feita uma separaccedilatildeo bem definida das despesas inerentes a cada uma das casas

Na 2ordf Instacircncia o Tribunal da Relaccedilatildeo entendeu que natildeo era imprescindiacutevel que a

relaccedilatildeo de uniatildeo de facto natildeo fosse interrompida pela saiacuteda de um dos membros da morada

em comum quando ocorram desentendimentos ou discussotildees dado que esta circunstacircncia

tambeacutem se verifica no casamento podendo levar agrave interrupccedilatildeo esporaacutedica da comunhatildeo que

eacute proacutepria desse instituto e natildeo eacute por isso que se pode dizer que a comunhatildeo de habitaccedilatildeo fica

descaracterizada151 Na sua tese o tribunal referido defende tambeacutem que o facto de a Reacute ter

mantido a sua casa por querer manter a propriedade daquele imoacutevel por motivos que soacute a ela

dizem respeito - o que leva a que seja da sua responsabilidade suportar os encargos que dela

advenham - natildeo seria suficiente para colocar em causa a residecircncia em comum com o

falecido Para enfatizar a tese de que a morada comum dos sujeitos seria o imoacutevel em que

os dois viviam o tribunal realccedila o facto do Autor ter citado a Reacute nessa morada para a accedilatildeo

em causa O tribunal considera que a comunhatildeo de mesa leito e habitaccedilatildeo eacute o que define a

151 Veja-se a tiacutetulo de exemplo mutatis mutandis o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 24042019

no acircmbito do processo 12025160T8LRSL1-2 que jaacute se teve a oportunidade de mencionar Para que se possa

dizer que cessou a uniatildeo de facto natildeo basta constatar a existecircncia de uma separaccedilatildeo de facto Tem que se

provar tambeacutem que existe da parte de pelo menos um dos unidos de facto o propoacutesito de natildeo a restabelecer

E por isso embora o facto de os unidos de facto deixarem de dormir na mesma casa comerem agrave mesma mesa

e viver debaixo do mesmo tecto aponte para a falta de comunhatildeo de vida tal natildeo basta para se poder concluir

pela cessaccedilatildeo da uniatildeo de facto devendo fazer-se ainda a prova do elemento subjectivo da vontade de pelo

menos um deles romper com a uniatildeo de facto (de forma directa ou atraveacutes de um conjunto suficientemente

significativo de circunstacircncias objectivas que apontem nesse sentido isto eacute que o permitam afirmar com base

numa presunccedilatildeo natural ou judicial) Indo ainda mais longe na decisatildeo ao referir que se considera que a

sentenccedila teve razatildeo em considerar irrelevante o periacuteodo de separaccedilatildeo de 3 meses entre a reacute e o beneficiaacuterio

(hellip)

49

convivecircncia anaacuteloga agrave dos cocircnjuges exigida pelo artigo 1ordm nordm 2 da LUF E que encontrando-

se demonstrado que a Reacute encetou desde 1991 ateacute ao falecimento do beneficiaacuterio um

relacionamento onde mantinham relaccedilotildees sexuais faziam refeiccedilotildees conjuntas com amigos e

familiares na morada comum pagavam alternadamente as despesas com alimentaccedilatildeo e

ainda havia o acompanhamento do falecido pela Reacute a consultas meacutedicas e atendimento nas

urgecircncias mostram-se suficientemente comprovados os requisitos da declaraccedilatildeo de uniatildeo

de facto que se tem por estabelecida durante o todo esse lapso temporal

Estamos aqui perante duas decisotildees distintas e cada uma delas fundamenta a sua

decisatildeo com argumentos vaacutelidos e plausiacuteveis o que reflete uma vez mais a dificuldade

imanente a esta questatildeo Estaacute em causa uma relaccedilatildeo de convivecircncia e auxiacutelio de 24 anos que

devido aos requisitos que se exige que sejam comprovados ou por questotildees que natildeo se

colocariam se do instituto do casamento se tratasse se vecirc posta em causa a atribuiccedilatildeo de uma

pensatildeo de sobrevivecircncia por natildeo se conseguir provar a qualidade de unida de facto pela Reacute

A situaccedilatildeo sub judice eacute cada vez mais frequente nos tempos que correm Vaacuterios sujeitos que

pelo facto de serem divorciados ou viuacutevos refazem a sua vida ao lado de outra pessoa sem

assumir o compromisso do casamento Por natildeo quererem ou por natildeo lhes convir como eacute o

exemplo dos viuacutevos que recebam pensatildeo de sobrevivecircncia e se voltarem a casar perdem o

direito a esse benefiacutecio Ou ateacute por questotildees de praticidade por natildeo quererem estar sujeitos

a um regime que impotildee diversas consequecircncias como eacute o instituto do casamento Eacute neste

tipo de situaccedilotildees que se deve pensar quando se pretende equiparar a uniatildeo de facto ao

instituto do casamento Haacute efetivamente quem natildeo queira ser abrangido por uma

regulamentaccedilatildeo tatildeo ampla e o que para uns podem ser consideradas desvantagens no que

respeita ao regime mais liberal da uniatildeo de facto para outros podem ser as vantagens que

pesam na escolha deste regime como modo de vida em conjunto

Resta finalmente aludir agrave efetiva decisatildeo do STJ Tendo por base o Acoacuterdatildeo do

STJ de 9-07-2014152 que refere que se deve pensar na vivecircncia de dois cocircnjuges em situaccedilatildeo

de normalidade ou vulgaridade inseridos na cultura a que pertencemos e eacute aiacute que se haacute-de

encontrar o preenchimento do conceito de laquocondiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjugesraquo decide

que o quadro factual que estaacute em causa na situaccedilatildeo em anaacutelise natildeo eacute suficiente para dar como

152 Processo nordm 3076111TBLLEE1 S1 Consultaacutevel em

httpwwwdgsiptjstjnsf954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa8140b2f2587cb42fbd180257d16005402d4Op

enDocument

50

provada a existecircncia entre a Reacute e o de cujos de uma convivecircncia em economia comum

Considerando que essa convivecircncia se caracteriza pela situaccedilatildeo de pessoas que vivam em

comunhatildeo de mesa e habitaccedilatildeo com base num lar em sentido familiar moral e social e com

base numa economia domeacutestica em comum e pelo facto de a Reacute pernoitar na casa do falecido

mas manter sempre a sua casa onde conservou os seus pertences e objetos demonstrava que

esta natildeo sentia a casa do beneficiaacuterio como sua E ainda que a Reacute natildeo provou como lhe

competia por forccedila do artigo 342ordm nordm 1 do CCiv que faziam toda a vida de casal na casa do

de cujos e que manteve a sua casa arrendada para acautelar a possibilidade da filha do

beneficiaacuterio quisesse voltar a viver na casa do mesmo Aleacutem disso a Reacute natildeo conseguiu

provar que o beneficiaacuterio pernoitava na sua casa e que a esta tambeacutem servia para os amigos

ficarem a dormir O STJ conclui que natildeo obstante partilhassem refeiccedilotildees na casa do de

cujos natildeo se via que existisse uma economia domeacutestica em comum Caracteriacutestica que estaacute

intrinsecamente ligada ao modo de vida dos cocircnjuges existindo nesta situaccedilatildeo economias

separadas por serem custeadas alternadamente as despesas de supermercado e por cada um

se responsabilizar pelos gastos de cada casa Desta feita concluiu que natildeo se verificava a

vivecircncia em economia comum necessaacuteria para que se considerasse a situaccedilatildeo como uma

uniatildeo de facto como invocou a Reacute revogando o acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo e mantendo

a sentenccedila proferida pelo Tribunal de 1ordf Instacircncia que julgou natildeo reconhecida a vivecircncia em

situaccedilatildeo de uniatildeo de facto entre a Reacute e o beneficiaacuterio falecido agrave data da sua morte

Para terminar importa dizer que tendemos a concordar com a decisatildeo do Tribunal

da Relaccedilatildeo Note-se que estatildeo em causa 24 anos de convivecircncia em comum e auxiacutelio muacutetuo

que implicava a manutenccedilatildeo de relaccedilotildees sexuais de refeiccedilotildees conjuntas de suporte a niacutevel

de acompanhamento meacutedico e natildeo menos importante a companhia inerente agrave convivecircncia

que em idades mais avanccediladas pode ser um fator relevante para manterem entre si um

relacionamento Natildeo se devendo esquecer conforme mencionam os factos comprovados

que a filha do de cujos em 1996 foi trabalhar e viver para outra cidade ficando longe do pai

e visitando-o apenas duas vezes por mecircs ao fim-de-semana Tal significava que o auxiacutelio

que o de cujos necessitava nomeadamente nos acompanhamentos a consultas meacutedicas e

mesmo agraves urgecircncias se assim fosse necessaacuterio era dado pela Reacute Gerando menos

preocupaccedilotildees e encargos agrave filha do beneficiaacuterio falecido conseguindo manter a sua

normalidade e rotina se uma destas circunstacircncias ocorressem pois sabia que o seu pai estava

51

a ser apoiado pela Reacute que despendia do seu tempo para lhe fornecer cuidados e auxiacutelio

sempre que necessaacuterio

Ora eacute necessaacuterio refletir que a convivecircncia e coabitaccedilatildeo de duas pessoas em

situaccedilotildees destas pode ir para aleacutem da vivecircncia em economia comum Pode verificar-se no

caso em apreccedilo o cumprimento dos deveres de coabitaccedilatildeo cooperaccedilatildeo e assistecircncia inerentes

aos deveres conjugais previstos no artigo 1672ordm CCiv Poreacutem apesar de natildeo se verificar

uma verdadeira vivecircncia em economia comum que o STJ considera como caracteriacutestica do

modo de vida proacuteprio dos cocircnjuges por haver uma separaccedilatildeo bem definida das despesas

alimentares bem como dos encargos resultantes das casas de cada um verificam-se outras

caracteriacutesticas presentes no modo de vida proacuteprio dos cocircnjuges que tambeacutem relevam e natildeo

devem ser desconsideradas Devemos ter em conta que pode ter sido opccedilatildeo dos sujeitos viver

com economias separadas o que natildeo invalida que a sua situaccedilatildeo seja qualificada como uniatildeo

de facto em virtude de natildeo haver nenhuma norma na LUF que imponha qualquer tipo de

obrigaccedilatildeo aos unidos no que respeita a fazerem economias conjuntas

No que concerne agrave manutenccedilatildeo por parte da Reacute de outra casa e de laacute pernoitar

pontualmente cremos que natildeo eacute suficiente para pocircr em causa a verificaccedilatildeo da qualificaccedilatildeo

da relaccedilatildeo como uniatildeo de facto A ocorrecircncia da interrupccedilatildeo momentacircnea da coabitaccedilatildeo natildeo

eacute razatildeo para que natildeo se possa considerar a relaccedilatildeo convivencial entre duas pessoas como tal

Entre os cocircnjuges tambeacutem podem ocorrer situaccedilotildees que interrompam a sua coabitaccedilatildeo e

indo mais longe devemos recordar as situaccedilotildees em que cocircnjuges por motivos profissionais

veem a sua convivecircncia interrompida eg durante a semana e soacute estatildeo juntos ao fim-de-

semana devido agrave deslocaccedilatildeo de um deles para outra cidade153 Natildeo sendo mesmo assim

posta a sua convivecircncia em causa por forccedila do artigo 1673ordm CCiv que prevecirc esta

possibilidade Acontecendo o mesmo com membros da uniatildeo de facto deveraacute colocar-se a

sua convivecircncia em crise Seraacute a uniatildeo de facto uma simples comunhatildeo de casa Ou por

outro lado uma comunhatildeo de vida Com tudo o que isso implique para os sujeitos que

formam a relaccedilatildeo que se devem reger por criteacuterios subjetivos nessa mateacuteria

De forma a enfatizar o facto de existirem cada vez mais formas de organizaccedilatildeo

familiar e de se notar uma modernizaccedilatildeo constante nesta mateacuteria vale a pena referirmos que

existe tambeacutem uma forma de organizaccedilatildeo da vida em comum a par da uniatildeo de facto e a

153 Cfr neste sentido MARIA MARGARIDA PEREIRA ob cit p 650

52

uniatildeo conjugal que se designa de uniatildeo sem comunhatildeo154 Esta uniatildeo acontece quando as

partes decidem residir em locais distintos sem abdicarem de outros elementos que formam

um casal como a manutenccedilatildeo de relaccedilotildees sexuais a fidelidade e a entreajuda Pretendem

levar uma vida a dois no entanto natildeo querem residir no mesmo local Eacute uma forma de

organizaccedilatildeo da vida em comum que natildeo eacute mencionada pelo legislador que natildeo conjeturou

um caminho que estivesse entre o tudo e o nada155 uma vez que regula o casamento a uniatildeo

de facto o divoacutercio e a separaccedilatildeo O facto de natildeo haver comunhatildeo de habitaccedilatildeo neste tipo

de relaccedilotildees natildeo permite que se fale na hipoacutetese de ser considerada uniatildeo de facto Todavia

o que estaacute aqui em causa natildeo eacute a interrupccedilatildeo esporaacutedica ou pontual da coabitaccedilatildeo como

acontece no caso que temos vindo a analisar Mas antes a existecircncia de duas residecircncias

distintas natildeo havendo uma coabitaccedilatildeo entre o casal por escolha dos proacuteprios preferindo

uma organizaccedilatildeo da sua vida em comum de forma separada no que respeita agrave coabitaccedilatildeo

mantendo todos os outros elementos que relevam para a sua consideraccedilatildeo como um casal

Tudo isto para dizer que estamos perante uma eacutepoca onde o pluralismo jusfamiliar eacute uma

realidade e que talvez seja necessaacuteria uma atualizaccedilatildeo legislativa que acompanhe os tempos

que vivemos no tocante a estas mateacuterias156157

54 Soluccedilatildeo proposta

Aqui chegados e depois de analisar as soluccedilotildees que vigoram noutros ordenamentos

juriacutedicos eacute importante aventar a soluccedilatildeo que cremos que melhor resolveraacute os problemas que

o atual regime juriacutedico da uniatildeo facto levanta

Jaacute haviacuteamos proposto supra a densificaccedilatildeo do atual regime legal da uniatildeo de facto

com objetivo de assegurar uma maior proteccedilatildeo dos membros natildeo obstante o respeito da

vontade das partes de se submeter ou natildeo a tais consequecircncias juriacutedicas visto que natildeo se

trataria portanto de um regime imperativo automaticamente aplicaacutevel a quem opte por

conviver em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges

154 LAT (Living Apart Together) Cfr JORGE DUARTE PINHEIRO ob cit p 558 155 Cfr JORGE DUARTE PINHEIRO ob cit p 558 156 Idem 157 JORGE DUARTE PINHEIRO termina o ponto dedicado a esta mateacuteria questionando o que impede a receccedilatildeo

legal no nosso ordenamento de uma uniatildeo sem comunhatildeo de habitaccedilatildeo que beneficie de um estatuto proacuteprio

e que pudesse incluir a possibilidade da figura ser constituiacuteda por cocircnjuges suspendendo de forma consensual

o dever de coabitaccedilatildeo que agrave luz dos arts 1618ordm 1672ordm 1699ordm n ordm1 al b) CCiv eacute proibido atualmente

53

Cabe agora desenvolver esta proposta Apesar de haver quem encare a uniatildeo de

facto com uma visatildeo mais liberal e consequentemente entenda que esta natildeo deve gerar

muitos efeitos juriacutedicos por forma a respeitar-se a liberdade de escolha de cada um

acreditamos que o Direito natildeo deve ignorar as situaccedilotildees que merecem tutela juriacutedica E

apesar de haver uma regulamentaccedilatildeo juriacutedica da uniatildeo de facto no nosso ordenamento a

proteccedilatildeo por ela oferecida eacute meramente assistencial158 funcionando essencialmente em

situaccedilotildees de crise159

Natildeo se deve olvidar que a uniatildeo de facto na nossa ordem juriacutedica eacute um verdadeiro

ato juriacutedico e os seus efeitos natildeo dependem da vontade dos membros pois produzem-se ex

logo160 A soluccedilatildeo vigente concede certos efeitos aos membros da uniatildeo de facto apoacutes a

convivecircncia por dois anos sem que estes declarem expressamente a sua pretensatildeo A sua

uacutenica declaraccedilatildeo eacute a vontade de viver em plena comunhatildeo de vida Deveraacute daiacute aferir-se a

vontade de assumir efeitos juriacutedicos Acreditamos que a soluccedilatildeo atual apesar de ter como

objetivo o respeito pela autonomia privada e a vontade das partes natildeo o faz Estabelece

efeitos juriacutedicos a situaccedilotildees de facto que natildeo tem como controlar por natildeo haver nenhum tipo

de registo

Enquanto esta for a natureza da uniatildeo de facto e natildeo houver um ato constitutivo por

parte de uma autoridade puacuteblica ou outra formalidade a situaccedilatildeo de facto natildeo pode suscitar

um regime juriacutedico muito denso mas somente algumas medidas de proteccedilatildeo Dificilmente

se poderaacute ir mais longe no que concerne agrave atribuiccedilatildeo de efeitos juriacutedicos sem uma autecircntica

formalizaccedilatildeo das vontades das partes de intencionar um regime mais firme

Deste modo concomitantemente com a consolidaccedilatildeo do seu regime proacuteprio

julgamos ainda ser importante sujeitar estas relaccedilotildees a registo161

158 () o direito portuguecircs continua a ser daqueles que atribui menos efeitos juriacutedicos agrave uniatildeo de facto Apenas

se consagram soluccedilotildees do tipo ldquoassistencialrdquo que um Estado moderno tem de adotar qualquer que seja a

opccedilatildeo de vida escolhida pelos cidadatildeos Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 153 159 () continua a acolher-se neste domiacutenio uma proteccedilatildeo fragmentaacuteria e especialmente dirigida a cenaacuterios

de crise em que as debilidades dos seus membros se concretizam ou manifestam com mais intensidade Cfr

RUTE TEIXEIRA PEDRO ob cit p 310 160 Cfr MARTA COSTA ob cit p 151 161 Cfr JOAtildeO PARRACHO COELHO considera que sendo a uniatildeo de facto um ato livre a opccedilatildeo pelo registo

determinaria que aqueles que unidos numa relaccedilatildeo para-matrimonial desejem beneficiar de direitos e deveres

juriacutedico - sociais paralelos aos atribuiacutedos agrave famiacutelia claacutessicaformallegal podem alcanccedilar um estatuto especiacutefico

mediante a inscriccedilatildeo da sua uniatildeo de facto em algum registo puacuteblico a criar para o efeito ldquoA Famiacutelia

perspectiva evolutiva do conceito tradicionalrdquo in Revista do Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico

nordm 54 3ordm trimestre1993 p 116

54

Inspiramos esta soluccedilatildeo no ordenamento juriacutedico francecircs por julgarmos oferecer

uma regulaccedilatildeo juriacutedica ampla dos tipos de convivecircncia fora do casamento distinguindo o

concubinage do pacte civil de solidariteacute Podendo optar-se pelo concubinato natildeo se

submetendo a quaisquer consequecircncias juriacutedicas ou pelo PACS a que subjaz um regime

proacuteprio e efeitos juriacutedicos que garantem a sua proteccedilatildeo Desta forma e socorrendo-nos em

parte da sugestatildeo ora mencionada do partido Bloco de Esquerda aquando da apresentaccedilatildeo

do Projeto de Lei nordm45VIII prevendo um registo das uniotildees nas juntas de freguesia da aacuterea

de residecircncia das pessoas que vivem em uniatildeo de facto ou a sua constituiccedilatildeo apoacutes dois anos

de convivecircncia sem necessidade de registo acreditamos que o Registo Civil das uniotildees de

facto seraacute a soluccedilatildeo mais acertada para proporcionar a certeza e seguranccedila juriacutedicas que se

pretende alcanccedilar com a inscriccedilatildeo no mesmo162

Antecipando desde jaacute as criacuteticas que poderatildeo surgir a esta soluccedilatildeo tais como a

possibilidade de recurso ao casamento para precaver todas as situaccedilotildees supramencionadas e

ainda o excessivo formalismo que daqui poderaacute advir natildeo devendo o direito proteger uma

situaccedilatildeo que as partes natildeo quiseram que fosse protegida desrespeitando-se a sua vontade

cumpre tecer algumas consideraccedilotildees Primeiramente o casamento trata de uma realidade

como jaacute tivemos a oportunidade de analisar com natureza muito distinta da uniatildeo de facto

Os casais tecircm o direito de escolher o tratamento juriacutedico que datildeo agrave sua convivecircncia pessoal

podendo simplesmente querer viver em uniatildeo de facto e natildeo se submeterem ao regime do

casamento Denote-se para este efeito que viver agrave margem do casamento natildeo significa

querer viver agrave margem do Direito Nesta senda e em segundo lugar parece-nos que a ideia

Napoleoacutenica de que se os concubinos natildeo se interessam pela lei a lei tambeacutem natildeo se

interessa por eles jaacute estaacute ultrapassada A formalidade do registo apenas garantiraacute a liberdade

de escolha das partes assegurando que aqueles que optam por ele satildeo os que pretendem

submeter-se aos efeitos juriacutedicos previstos legalmente Natildeo se tratando de um regime

automaacutetico aplicaacutevel pelo simples decurso do tempo que os sujeita a um regime que natildeo

162 Concordamos portanto com a posiccedilatildeo propugnada por ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoUniatildeo de facto a

pertinecircncia de registo a problemaacutetica da separaccedilatildeo de pessoas e bens e a contagem do prazo de convivecircnciardquo

in Casamento e Uniatildeo de facto questotildees de jurisdiccedilatildeo civil Coleccedilatildeo Formaccedilatildeo Contiacutenua CEJ Novembro

2020 p71 segundo a qual as uniotildees devem ser dignas de Registo Civil pois os registos municipais natildeo

serviratildeo o propoacutesito por natildeo contribuiacuterem para a certeza e seguranccedila juriacutedicas uma vez que natildeo existe uma

base de dados nacional podendo-se potenciar muacuteltiplos registos

55

mostraram pretender163 A soluccedilatildeo que propomos funda-se no respeito pela vontade das

partes e no princiacutepio da liberdade contratual aleacutem de ser a mais compatiacutevel com a certeza e

seguranccedila juriacutedicas Bastando-lhes a verificaccedilatildeo dos requisitos necessaacuterios agrave constituiccedilatildeo no

momento da sua inscriccedilatildeo no registo Relativamente agrave exigecircncia do decurso de um

determinado periacuteodo para que a convivecircncia seja registada defendemos que a resposta deve

passar por natildeo ser exigida uma convivecircncia preacutevia Permitindo que duas pessoas que

queiram conviver nestes moldes se dirigiram a uma entidade competente e registem a sua

convivecircncia que pode jaacute existir ou iniciar-se nesse momento164

No fundo com a soluccedilatildeo que propugnamos pretendemos a coexistecircncia de trecircs vias

de conjugalidade O casamento que continuaria a ser regulado de igual forma as uniotildees

registadas em que as partes inscrevem a sua relaccedilatildeo no registo para que desta decorram

efeitos juriacutedicos mas que natildeo se confundem com os do casamento e por uacuteltimo as uniotildees

meramente de facto desprovidas de efeitos juriacutedicos Contudo em relaccedilatildeo a estas

acreditamos que algumas situaccedilotildees devem ser protegidas como a de um dos membros querer

viver livre de efeitos juriacutedicos e o outro apenas tolerar a situaccedilatildeo apesar da sua vontade natildeo

ser exatamente essa Eacute entatildeo necessaacuterio acautelar situaccedilotildees como esta em que no caso de

morte de algum deles o membro sobrevivo fosse aquele que pretendia uma maior

intervenccedilatildeo juriacutedica na sua convivecircncia Aqui deveraacute atribuir-se a este uacuteltimo uma proteccedilatildeo

miacutenima desde que a requeira Salvaguardando desta forma a liberdade e autonomia privada

de cada um sem que nada se lhes imponha a natildeo ser que o solicitem Isto quer dizer que soacute

seratildeo uniotildees meramente de facto aquelas em que a falta de reconhecimento de efeitos

juriacutedicos decorre de uma exteriorizaccedilatildeo das partes Por outras palavras essa categorizaccedilatildeo

resulta de uma falta de manifestaccedilatildeo das partes nesse sentido evitando as situaccedilotildees em que

a sua ineacutercia ndash justificada por natildeo pretenderem a ingerecircncia do Direito ndash resulte no confronto

com um regime legal que natildeo manifestaram querer

163 Neste sentido cabe referir a jaacute mencionada Ley 22003 7 de mayo reguladora de las parejas de hecho do

Paiacutes Vasco que na sua exposiccedilatildeo de motivos adverte para o facto do registo ser uma forma de evitar que os

membros que natildeo desejam que as suas uniotildees sejam acolhidas legalmente sejam reguladas contra a sua vontade

() el Registro de Parejas de Hecho que crea la propia ley registro que tiene una especial importancia al

tener la inscripcioacuten el caraacutecter de constitutiva lo que se hace precisamente para evitar que aquellas parejas

que no deseen en modo alguno acogerse a la ley se vean sometidas contra su voluntad a un reacutegimen de

derechos y obligaciones como el aquiacute recogido 164 Cfr MARTA COSTA ob cit p 396 No mesmo sentido ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoUniatildeo de facto versus

Casamento ndash Questotildees pessoais e patrimoniaisrdquo ob cit p 178

56

Realccedilamos ainda que o registo das uniotildees de facto aleacutem de salvaguardar a certeza

e seguranccedila juriacutedicas permitiria agraves partes invocar a qualquer altura atraveacutes de um meio

idoacuteneo e fidedigno a sua convivecircncia facilitando a prova destas relaccedilotildees e dirimindo as

dificuldades que dessa prova advecircm165 Cremos ser esta a principal e grande vantagem da

soluccedilatildeo que propomos e a que realmente interessa no presente estudo O atual regime de

prova eacute falho pois as declaraccedilotildees referidas no nordm 2 do artigo 2ordmA da LUF emitidas pela

junta de freguesia nunca seratildeo suficientes para garantir a proteccedilatildeo de uma relaccedilatildeo de facto

por natildeo servirem como prova plena aleacutem de natildeo ser possiacutevel atestar a inexistecircncia de

impedimentos por esta via

Em suma como benefiacutecios advindos do registo consideramos natildeo soacute o que toca agrave

sociedade em geral a quem seria transmitida maior certeza e seguranccedila relativamente agrave

existecircncia daquelas relaccedilotildees mas tambeacutem a publicidade que eacute conferida agraves mesmas

desonerando os conviventes de um regime de prova tatildeo sinuosa da sua relaccedilatildeo para

beneficiarem de certos direitos

165 Atraveacutes do registo os membros da uniatildeo registada estariam cientes da repercussatildeo legal da sua uniatildeo

(entre eles e face a terceiros) ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoUniatildeo de facto versus Casamento ndash Questotildees

pessoais e patrimoniaisrdquo ob cit p 180

57

6 Conclusatildeo

A convivecircncia anaacuteloga agrave dos cocircnjuges sem o viacutenculo formal inerente ao casamento

natildeo eacute uma realidade recente A forma como o Direito encara esta figura eacute que foi mudando

ao longo do tempo de acordo com a evoluccedilatildeo das circunstacircncias sociais e histoacutericas Parece-

nos que hoje talvez se imponha uma atualizaccedilatildeo do tratamento legal oferecido agrave uniatildeo de

facto

Desde logo a sua natureza juriacutedica motiva algumas divergecircncias Como vimos

alguns AA entendem que a situaccedilatildeo de facto se deve considerar uma relaccedilatildeo juriacutedica familiar

como as previstas no artigo 1576ordm CCiv por forccedila da sua inclusatildeo no artigo 36ordm n ordm1 CRP

referente agrave constituiccedilatildeo de famiacutelia Por outro lado os AA que defendem que a proteccedilatildeo

constitucional da uniatildeo de facto adveacutem do direito ao desenvolvimento da personalidade

previsto no artigo 26ordm CRP advogam tambeacutem que a convivecircncia more uxorio natildeo deve ser

qualificada como relaccedilatildeo juriacutedica familiar mas sim uma relaccedilatildeo juriacutedica parafamiliar Neste

contexto tendemos a acompanhar a linha de pensamento dos primeiros AA isto por

entendermos que as relaccedilotildees de uniatildeo de facto merecem uma proteccedilatildeo mais abrangente da

que eacute dada pelo artigo 26ordm CRP visto tratar-se de uma proteccedilatildeo geneacuterica que natildeo se coaduna

com a importacircncia social que a uniatildeo de facto vem tendo Jaacute a proteccedilatildeo conferida pelo artigo

36ordm nordm 1 CRP eacute de facto mais consentacircnea com a proteccedilatildeo que este tipo de relaccedilotildees merece

e cremos que essa teraacute sido a intenccedilatildeo do proacuteprio legislador constitucional Eacute de realccedilar por

uacuteltimo que considerar a uniatildeo de facto protegida constitucionalmente pelo artigo 36ordm nordm 1

CRP natildeo quer dizer que o seu regime legal deva ser igual ao regime do casamento

Como tambeacutem jaacute referimos o proacuteprio regime legal da uniatildeo de facto previsto na

Lei nordm 72001 de 1105 alterada pela lei 232010 de 3008 eacute considerado parco e omisso

em relaccedilatildeo a algumas questotildees relevantes para a proteccedilatildeo dos membros dessa relaccedilatildeo Natildeo

obstante a natildeo equiparaccedilatildeo dos regimes legais do casamento e da uniatildeo de facto tal natildeo

significa que natildeo seja necessaacuterio um reforccedilo do atual regime legal da uniatildeo de facto

Devendo optar-se por um caminho que consolide os efeitos juriacutedicos da uniatildeo de facto

possibilitando um regime proacuteprio enrobustecido aos que apesar de natildeo escolherem a via do

casamento pretendam uma proteccedilatildeo mais firme e por outro lado dar aos que pretendam uma

uniatildeo sem consequecircncias juriacutedicas a liberdade de escolha de sujeiccedilatildeo ou natildeo a um regime

legal

58

Paralelamente de forma a diferenciar estas duas situaccedilotildees julgamos ainda ser

importante a sujeiccedilatildeo destas relaccedilotildees a um eventual registo civil que traraacute consigo a certeza

e seguranccedila juriacutedicas relativamente agrave existecircncia destas relaccedilotildees perante a sociedade e ainda

a consequente publicidade advinda dessa inscriccedilatildeo que desoneraraacute os membros de um

regime de prova tatildeo sinuoso Salvaguardando desta forma aqueles que pretendem uma

coabitaccedilatildeo com a miacutenima ingerecircncia juriacutedica Em suma ambicionamos a coexistecircncia de

trecircs vias de conjugalidade sendo elas o casamento as uniotildees registadas e por fim as uniotildees

meramente de facto

Damos como certo que esta eacute uma mudanccedila que natildeo deveraacute ser imediata Aquilo que

propomos eacute na verdade uma soluccedilatildeo que deveraacute isso sim dar azo a uma discussatildeo contiacutenua

que possa contribuir para um aperfeiccediloamento e atualizaccedilatildeo deste regime

59

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65

JURISPRUDEcircNCIA

Tribunal Constitucional

bull Acoacuterdatildeo nordm 3361986

bull Acoacuterdatildeo nordm 18881996

Supremo Tribunal de Justiccedila

bull Acoacuterdatildeo 9-07-2014 processo nordm 3076111TBLLEE1 S1

bull Acoacuterdatildeo 22-03-2018 processo nordm 6380169T8CBRC1 S1

Tribunal Central Administrativo Norte

bull Acoacuterdatildeo de 13-11-2020 processo nordm 00090151BECBR

Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra

bull Acoacuterdatildeo de 16-10-2012 processo nordm 50091TBALDC1

bull Acoacuterdatildeo de 08-03-2006 processo nordm 419705JTRC

Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa

bull Acoacuterdatildeo de 15-02-2007 processo nordm 62842006-8

bull Acoacuterdatildeo de 29-11-2012 processo nordm 444092TCFUNL1-A-8

bull Acoacuterdatildeo de 24-04-2019 processo nordm 12025160T8LRSL1-2

Tribunal Europeu dos Direitos Humanos

bull Acoacuterdatildeo JOHNSTON C IRLANDA de 18 de dezembro de 1986

bull Acoacuterdatildeo KEEGAN C IRLANDA de 26 de maio de 1994

Tribunal Constitucional Espanhol

bull Sentenccedila nordm 1841990 de 15 de novembro Consultaacutevel em

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bull Sentenccedila nordm 2221992 de 11 de dezembro Consultaacutevel em

httphjtribunalconstitucionaleses-ESResolucionShow2109

bull Sentenccedila nordm 661994 de 28 de fevereiro Consultaacutevel em

httphjtribunalconstitucionalespt-BRResolucionShow2583

66

bull Sentenccedila nordm 391998 de 17 de fevereiro Consultaacutevel em

httphjtribunalconstitucionalesesResolucionShow3541

bull Sentenccedila nordm 1161999 de 17 de junho Consultaacutevel em

httphjtribunalconstitucionaleses-ESResolucionShow3858

Tribunal Constitucional Francecircs

bull Decisatildeo nordm 2011-155 QPC do Conseil Constitutionnel de 29 de julho Consultaacutevel

em httpswwwconseil-constitutionnelfrdecision20112011155QPChtm

7

RESUMO

A figura da uniatildeo facto eacute uma realidade crescente com cada vez mais importacircncia

na nossa sociedade atual tendo em conta o consideraacutevel nuacutemero de pessoas que opta por

viver desta forma Sendo que pode esse nuacutemero derivar natildeo soacute da liberdade associada a este

regime como tambeacutem do facto de poder ser uma circunstacircncia provisoacuteria e transitoacuteria Pode

ateacute tratar-se de uma circunstacircncia definitiva em virtude de por inuacutemeras razotildees os membros

da uniatildeo de facto natildeo quererem casar ora por natildeo terem condiccedilotildees financeiras para celebrar

um casamento ora por natildeo fazer parte da sua cultura formalizarem a sua relaccedilatildeo

Apesar da importacircncia da uniatildeo de facto e da sua relevacircncia na sociedade o seu

regime juriacutedico eacute parco apresentando lacunas relativamente agraves normas sobre o seu registo

regime de bens entre os membros a sua extinccedilatildeo e efeitos sucessoacuterios Estas e outras

mateacuterias deveriam ter uma regulamentaccedilatildeo mais completa para que se pudesse oferecer uma

maior proteccedilatildeo aos unidos de facto

Pretendemos essencialmente analisar por estar estritamente ligado ao facto de a

uniatildeo de facto natildeo ser objeto de registo civil ou administrativo o problema da prova da

existecircncia e do iniacutecio da situaccedilatildeo de uniatildeo de facto e desta forma refletir sobre as vantagens

que provecircm do registo deste tipo de relaccedilotildees

PALAVRAS-CHAVE uniatildeo de facto prova da coabitaccedilatildeo registo civil

8

ABSTRACT

The figure of consensual union is an increasingly important reality in our society

today given the considerable amount of people who choose to live this way This number

can derive not only from the freedom associated with this regime but also from the fact that

it can be a temporary and transitory circumstance It may even be a definitive circumstance

because for a number of reasons the unmarried partners do not want to get married either

because they do not have the financial means to enter into a marriage or because it is not part

of their culture to formalise their relationship

Despite the importance of the non-marital partnership and its relevance in society

its legal system is scarce with gaps regarding the rules on its registration the system of

property between members its extinction and inheritance effects These and other matters

should be regulated more fully in order to offer greater protection to consensual union

The main aim is to analyse as it is strictly linked to the fact that consensual union

is not subject to civil or administrative registration the problem of proving the existence and

the beginning of this situation and thus reflect on the advantages that come from the

registration of this type of relationship

KEYWORDS non-marital partnership proof of cohabitation civil registry

9

SIGLAS E ABREVIATURAS

A- Autor

AA- Autores

Ac- Acoacuterdatildeo

Art ndash Artigo

Arts ndash Artigos

Ed - Ediccedilatildeo

In - Em

ob cit - Obra Citada

p ndash paacutegina

pp paacuteginas

ss - Seguintes

vg - verbi gratia

Vol ndash Volume

CCiv ndash Coacutedigo Civil

CEDH ndash Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem

CNP- Centro Nacional de Pensotildees

CPC ndash Coacutedigo de Processo Civil

CReg Civ ndash Coacutedigo de Registo Civil

CRP ndash Constituiccedilatildeo da Reacutepublica Portuguesa

DUDH ndash Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos

ISS ndash Instituto da Seguranccedila Social

10

LUF ndash Lei da Uniatildeo de Facto (Lei nordm 72001 de 11 de Maio alterada pela Lei nordm 232010

de 30 de Agosto)

PACS ndash Pacto civil de Solidariedade

STJ ndash Supremo Tribunal de Justiccedila

TCE - Tribunal Constitucional Espanhol

TEDH ndash Tribunal Europeu dos Direitos Humanos

11

1 Introduccedilatildeo

O presente estudo visa abordar a questatildeo do problema da prova da coabitaccedilatildeo numa

situaccedilatildeo em que se pretende provar a existecircncia de uma relaccedilatildeo de uniatildeo de facto para que

esta produza os efeitos que os membros pretendam Assim cumpriraacute analisar o regime

juriacutedico da Uniatildeo de Facto comeccedilando pela sua evoluccedilatildeo no nosso ordenamento e sobre a

importacircncia da LUF (Lei nordm 72001 de 11 de Maio alterada pela Lei nordm 232010 de 30 de

Agosto)

Uma vez analisada a proteccedilatildeo oferecida agraves situaccedilotildees de Uniatildeo de Facto

nomeadamente a sua (natildeo) alusatildeo na CRP caberaacute comparaacute-la agrave concedida ao casamento e

observar de que forma a liberdade caracteriacutestica do regime da uniatildeo de facto poderaacute deixar

desprotegidas algumas situaccedilotildees carentes de proteccedilatildeo

De seguida feita uma reflexatildeo geral importaraacute compreender como se constitui a

uniatildeo de facto Passando os membros a viver em comunhatildeo de leito mesa e habitaccedilatildeo e natildeo

sendo essa situaccedilatildeo objeto de registo civil ou administrativo ao contraacuterio do que acontece

em alguns ordenamentos vizinhos que tambeacutem mereceratildeo a nossa anaacutelise torna-se mais

difiacutecil saber de forma exata quando se iniciou para que seja possiacutevel a partir daiacute contar os

dois anos necessaacuterios para que a situaccedilatildeo de facto produza os efeitos previstos no artigo 3ordm

da LUF

A questatildeo primordial eacute assim a prova da situaccedilatildeo de uniatildeo de facto nomeadamente

a prova da coabitaccedilatildeo que se pode revelar sinuosa Perante este cenaacuterio torna-se relevante

analisar jurisprudecircncia nomeadamente o Acoacuterdatildeo do STJ de 22 de Marccedilo de 2018 proferido

no acircmbito do processo nordm 6380169T8CBRC1 S1 relativamente agrave prova da uniatildeo de facto

no campo juriacutedico-civil isto eacute atraveacutes do regime geral do oacutenus da prova previsto no artigo

342ordm do CCiv que atribui a quem pretende invocar um direito provar os factos que o

constituem

A final com a nossa anaacutelise e apreciaccedilatildeo dos entendimentos da jurisprudecircncia e da

doutrina nacional e europeia pretendemos demonstrar a dificuldade da prova da uniatildeo de

facto no nosso ordenamento juriacutedico e procurar propostas de soluccedilotildees que possam facilitar

de alguma forma a comprovaccedilatildeo da existecircncia destas relaccedilotildees cessando as dificuldades que

essa comprovaccedilatildeo origina

12

2 A evoluccedilatildeo da Uniatildeo de Facto no ordenamento juriacutedico portuguecircs

Quando se fala de uniatildeo de facto tem forccedilosamente de se aludir agrave discussatildeo

doutrinal acerca da sua classificaccedilatildeo como relaccedilatildeo (para)familiar que surge em grande

parte pelo disposto no artigo 36ordm n ordm1 CRP1 Pela sua ambiguidade haacute quem pense que a

referecircncia agrave constituiccedilatildeo de famiacutelia engloba a uniatildeo de facto2 sendo o seu reconhecimento

juriacutedico feito pela Constituiccedilatildeo Contudo este preceito natildeo eacute assim interpretado por todos

que entendem que este apenas postula o direito de constituir famiacutelia e estabelece as relaccedilotildees

de filiaccedilatildeo e que apesar da uniatildeo de facto natildeo ser uma relaccedilatildeo de famiacutelia no que respeita agrave

generalidade dos efeitos pode ser assim qualificada para efeitos fiscais de locaccedilatildeo de

seguranccedila social entre outros3 Neste seguimento muitos satildeo os AA que tecircm vindo a

expressar a sua opiniatildeo quanto a esta questatildeo havendo quem considere que a situaccedilatildeo de

facto anaacuteloga agrave dos cocircnjuges se deve considerar uma relaccedilatildeo familiar tanto quanto as

previstas no artigo 1576ordm do Coacutedigo Civil ou seja o casamento o parentesco a afinidade

e a adoccedilatildeo4 E ainda quem defenda que natildeo deve ser qualificada como relaccedilatildeo juriacutedica de

famiacutelia5 ou que o seja apenas em relaccedilatildeo a certos efeitos considerando-a desta forma uma

relaccedilatildeo juriacutedica parafamiliar6

1 1 Todos tecircm o direito de constituir famiacutelia e de contrair casamento em condiccedilotildees de plena igualdade

Disposiccedilatildeo inspirada no art 16ordm DUDH e 12ordm CEDH Cfr JJ GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA

Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa Anotada 4ordf ed revista vol I Coimbra Coimbra Editora 2007 p 559 2 Cfr JJ GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA ob cit p 561 3 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoCasamento e Famiacutelia no direito portuguecircsrdquo In AAVV Temas de Direito

da Famiacutelia Ciclo de Conferecircncias no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados Coimbra

Almedina 1996 p 8 FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoAnotaccedilatildeo ao Ac do STJ de 2 de abril de 1987rdquo in Revista

de Legislaccedilatildeo e Jurisprudecircncia nordm 3782 ano 122 Coimbra 1990 pp 82-83 4 Cfr CARLOS PAMPLONA CORTE-REAL ldquoRelance Criacutetico sobre o Direito de Famiacutelia portuguecircsrdquo in Textos de

Direito da Famiacutelia para FRANCISCO PEREIRA COELHO Coord GUILHERME DE OLIVEIRA Coimbra Imprensa

da Universidade de Coimbra 2016 pp109-110 CARLOS PAMPLONA CORTE-REAL JOSEacute SILVA PEREIRA

ldquoDireito da Famiacutelia Toacutepicos para uma reflexatildeo criacuteticardquo Lisboa AAFDL 2008 p 46 no mesmo sentido

GERALDO DA CRUZ ALMEIDA ldquoDa uniatildeo de facto convivecircncia more uxorio em direito internacional privadordquo

Lisboa Pedro Ferreira Editor 1999 p 184 TELMA CARVALHO ldquoA uniatildeo de facto a sua eficaacutecia juriacutedicardquo in

Comemoraccedilotildees dos 35 anos do Coacutedigo Civil e dos 25 anos da reforma de 1977 vol I Coimbra Coimbra

Editora 2004 pp 223-226 CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova

Relaccedilatildeo Familiarrdquo in Estudos em Homenagem ao Prof Doutor Jorge Miranda Vol VI Faculdade de Direito

da Universidade de Lisboa Coimbra Editora 2012 p 460 e MARIA MARGARIDA PEREIRArdquo Direito da

Famiacuteliardquo Lisboa AAFDL Editora 3ordf ed 2019 pp 641-644 com quem tendemos a concordar embora como

veremos infra tal natildeo significa uma igualdade de tratamento entre a uniatildeo de facto e o casamento 5 Cfr JOAtildeO CASTRO MENDES MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA ldquoDireito da Famiacuteliardquo AAFDL Lisboa 1995 p

14-15 NUNO DE SALTER CID ldquoA Comunhatildeo de Vida agrave Margem do Casamento entre o facto e o Direitordquo

Almedina Coimbra 2005 p 505 FRANCcedilA PITAtildeO ldquoUniotildees de Facto e Economia Comum de acordo com a

Lei nordm 232010 de 30 de agostordquo 3ordf ed Almedina Coimbra 2011 p35 6 Em todas estas relaccedilotildees (as dispostas no art1576ordm CCiv) encontramos um viacutenculo constituiacutedo por direitos

e deveres juriacutedicos reciacuteprocos () As relaccedilotildees juriacutedicas familiares satildeo tendencialmente duradouras e eacute por

13

A designaccedilatildeo uniatildeo de facto foi utilizada pela primeira vez no nosso ordenamento

juriacutedico com a Reforma de 1977 do Coacutedigo Civil7 passando o artigo 2020ordm a prever o direito

de exigir alimentos da heranccedila do falecido por aquele que com ele vivesse haacute mais de dois

anos em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges No entanto jaacute no Coacutedigo Civil de 1966 no

seu artigo 1860ordm se falava em comunhatildeo duradoura de vida em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos

cocircnjuges o que quer dizer que o fenoacutemeno da uniatildeo de facto enquanto facto social jaacute existia

antes dessa primeira referecircncia no Coacutedigo de 19778 A expressatildeo que remete para a vivecircncia

em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges no artigo 2020ordm foi utilizada por vaacuterias leis avulsas

que foram conferindo agraves pessoas que vivessem nessa situaccedilatildeo outros direitos como o direito

agraves pensotildees de sobrevivecircncia o de beneficiar do regime de feacuterias feriados e faltas semelhante

aos dos cocircnjuges e ainda no que respeita ao regime juriacutedico do arrendamento para habitaccedilatildeo

foi reconhecido o direito agrave transmissatildeo do arrendamento agrave pessoa que tenha vivido em uniatildeo

de facto com o arrendataacuterio falecido desde que essa relaccedilatildeo se tenha mantido por mais de

cinco anos9

Todavia soacute com a Lei nordm 13599 de 28 de Agosto eacute que passou a existir um

diploma legal que reunisse as medidas de proteccedilatildeo da uniatildeo de facto que ateacute agrave data se

encontravam dispersas pelas vaacuterias leis avulsas10 o que resultou de certa forma numa

institucionalizaccedilatildeo11 da uniatildeo de facto Em 2001 foi revogada e substituiacuteda pela Lei nordm

isso que satildeo sujeitas a registo gerando um estado civil () tecircm tambeacutem como caracteriacutestica a tipicidade estatildeo

previstas na lei bem como os factos juriacutedicos que lhes datildeo origem o seu conteuacutedo tipico as causas da sua

extinccedilatildeo () natildeo se pode considerar como familiar uma relaccedilatildeo que natildeo esteja prevista como tal na lei Cfr

RITA LOBO XAVIER ldquolaquoEstatuto Privadoraquo dos membros da Uniatildeo De Factordquo in RJLB Ano 2 2016 pp1511-

1513 No mesmo sentido Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ldquoCurso de Direito da

Famiacuteliardquo 5ordf ed vol I Coimbra Coimbra Editora 2015 p 34 65-67 JORGE DUARTE PINHEIRO ldquoO Direito

da Famiacutelia Contemporacircneordquo 6ordf ed Lisboa AAFDL 2018 p 43 ANTUNES VARELA ldquoDireito da Famiacuteliardquo 5ordf

ed vol I Lisboa Livraria Petrony1999 p 31 DIOGO LEITE DE CAMPOS ldquo Liccedilotildees de Direito da Famiacuteliardquo 2ordf

Ed Almedina Coimbra 1997 p21 MARTA COSTA ldquoConvivecircncia more uxorio na perspetiva de

harmonizaccedilatildeo do Direito da Famiacutelia Europeu uniotildees homossexuaisrdquo 1ordf ed Coimbra Coimbra Editora 2011

p 108 e SANDRA PASSINHAS ldquoUniatildeo de Facto em Portugalrdquo in Actualidad Juriacutedica Iberoamericana Nordm 11

pp 110-147 Agosto de 2019 p115 7 Mais concretamente com a alteraccedilatildeo feita pelo Decreto-Lei nordm 49677 de 25 de novembro 8 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p57 9 Para mais desenvolvimentos cfr HELENA MOTA ldquoO problema normativo da famiacutelia ndash Breve reflexatildeo a

propoacutesito das medidas de proteccedilatildeo agrave uniatildeo de facto adotadas pela lei n ordm13599 de 28 de Agostordquo in Estudos

em Comemoraccedilatildeo dos 5 anos da FDUP 2001 p548-553 10 Cfr FRANCcedilA PITAtildeO ldquoUniatildeo de Facto no Direito Portuguecircs A propoacutesito da Lei nordm 13599 de 2808rdquo

Coimbra Almedina 2000 p36 No mesmo sentido RITA LOBO XAVIER ldquoEstatuto Privadordquo dos membros da

Uniatildeo De Factordquo in RJLB ano 2 2016 p 1499 11 Expressatildeo utilizada por FRANCISCO PEREIRA COELHO para definir a existecircncia de regulaccedilatildeo proacutepria da uniatildeo

de facto Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p68

14

72001 de 110512 atual LUF que aleacutem de regular situaccedilotildees de uniatildeo de facto entre pessoas

de sexo diferente daacute relevacircncia juriacutedica agrave uniatildeo de facto entre pessoas do mesmo sexo

Apesar de natildeo ter representado uma transformaccedilatildeo significativa do conjunto de direitos e

deveres juridicamente conferidos agrave uniatildeo de facto limitando-se em boa parte a reconhecer

direitos conferidos por leis que jaacute existiam acresce algumas disposiccedilotildees inovadoras13 Sendo

claramente as mais relevantes o facto de permitir agraves pessoas de sexo diferente que vivessem

em uniatildeo de facto a adoccedilatildeo conjunta de menores nos mesmos termos que os cocircnjuges

previstos no artigo 1979ordm n ordm1 do CCiv14 e o alargamento das medidas de proteccedilatildeo por ela

concedidas agraves pessoas do mesmo sexo que viviam em uniatildeo de facto15

Posteriormente com a alteraccedilatildeo feita pela Lei nordm 232010 de 30 de agosto visou-

se essencialmente aumentar os efeitos que se produzem apoacutes a morte de um dos membros

da uniatildeo de facto ou apoacutes a sua rutura16 Tendo em vista dessa forma a proteccedilatildeo social do

membro sobrevivo que fique em situaccedilatildeo difiacutecil no que concerne agrave conservaccedilatildeo da sua

12 Alterada pela Lei 232010 de 3008 13 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p68 14 Art7ordm da LUF Nos termos do atual regime de adoccedilatildeo constante do livro IV tiacutetulo IV do Coacutedigo Civil eacute

reconhecido a todas as pessoas que vivam em uniatildeo de facto nos termos da presente lei o direito de adoccedilatildeo

em condiccedilotildees anaacutelogas agraves previstas no artigo 1979ordm do Coacutedigo Civil sem prejuiacutezo das disposiccedilotildees legais

respeitantes agrave adoccedilatildeo por pessoas natildeo casadas 15 A lei 72001 de 1105 resulta da discussatildeo de alguns projetos de lei elaborados por partidos poliacuteticos A

propoacutesito da vigecircncia da lei nordm 13599 que continuava a natildeo proteger juridicamente as relaccedilotildees dos unidos de

facto do mesmo sexo o partido ldquoOs Verdesrdquo apresentou o projeto de lei nordm 6VIII (consultaacutevel em

httpswwwparlamentoptActividadeParlamentarPaginasDetalheIniciativaaspxBID=6374) que pretendia

alterar o nordm1 do art 1ordm da lei em vigor eliminando a referecircncia a pessoas de sexo diferente passando os casais

de orientaccedilatildeo homossexual a ter acesso aos benefiacutecios previstos na LUF com exceccedilatildeo da possibilidade de

adoccedilatildeo que ficaria reservada aos casais heterossexuais Apresentando o projeto de lei nordm 45VIII (consultaacutevel

em

httpswwwparlamentoptActividadeParlamentarPaginasDetalheIniciativaaspxBID=6308) surge o Bloco

de Esquerda tencionando a modificaccedilatildeo do mesmo preceito para que se reconhecessem as uniotildees

homossexuais e ainda que se afastasse da lei o prazo miacutenimo de duraccedilatildeo de convivecircncia se estas situaccedilotildees

fossem registadas passando o art 1ordm n ordm1 a ter a seguinte redaccedilatildeo a presente lei regula a situaccedilatildeo juriacutedica

das pessoas que vivem em uniatildeo de facto O PCP por sua vez apresentou o nordm 145VIII tendo como objetivo

a revogaccedilatildeo da lei que vigorava substituindo-a por uma legislaccedilatildeo que fosse aplicaacutevel a quem vivesse em

uniatildeo de facto haacute mais de dois anos independentemente do sexo corroborava a proteccedilatildeo da casa de morada

comum garantindo a preferecircncia do outro para efeitos de venda ou arrendamento em caso de morte de um dos

membros e pretendia que o acesso a prestaccedilotildees por morte fosse mais flexiacutevel contudo o regime da adoccedilatildeo

continuava reservado aos casais heterossexuais O PS apresentou o projeto de lei nordm 105VIII (consultaacutevel

em httpswwwparlamentoptActividadeParlamentarPaginasDetalheIniciativaaspxBID=6195) que

apesar de natildeo se referir especificamente a uniotildees de facto visava que a proteccedilatildeo concedida pela lei nordm13599

se estendesse a um novo regime denominado de economia comum distinguindo-o do regime aplicaacutevel agraves

uniotildees de facto pela absoluta irrelevacircncia da orientaccedilatildeo sexual das pessoas a quem se confere proteccedilatildeo legal

pretendendo assim a tutela de duas pessoas que vivessem em economia comum haacute mais de dois anos Para

mais desenvolvimentos cfr MARTA COSTA ob cit pp 346-348 16 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p70

15

habitaccedilatildeo e aos meios de subsistecircncia miacutenimos17 Haacute quem considere que apesar das

alteraccedilotildees o regime da uniatildeo de facto portuguecircs em comparaccedilatildeo com muitos sistemas

juriacutedicos eacute modesto e continua a ser o que menos efeitos atribui agrave uniatildeo de facto18 Uma vez

que continua a acolher-se neste domiacutenio uma proteccedilatildeo fragmentaacuteria e especialmente

dirigida a cenaacuterios de crise em que as debilidades dos membros se concretizem com mais

intensidade19 Contudo essa moderaccedilatildeo eacute uma escolha sendo intenccedilatildeo do legislador natildeo

atribuir efeitos imperativos por entender que pode haver quem natildeo queira uma regulaccedilatildeo tatildeo

abrangente de determinadas situaccedilotildees deixando que os proacuteprios membros se possam

organizar privadamente20 O que leva a que no regime da uniatildeo de facto natildeo haja regulaccedilatildeo

juriacutedica relativamente ao seu registo agraves invalidades que podem existir na sua constituiccedilatildeo e

ainda no que respeita ao regime de bens agrave administraccedilatildeo do patrimoacutenio agraves ilegitimidades

de disposiccedilatildeo agrave proibiccedilatildeo de contratos ou regulaccedilatildeo de participaccedilatildeo em sociedades nem no

que toca aos efeitos sucessoacuterios e agrave extinccedilatildeo da situaccedilatildeo de uniatildeo de facto21

Ainda que natildeo defina o conceito de uniatildeo de facto a LUF no seu artigo 1ordm nordm 2

identifica o seu objeto como a situaccedilatildeo juriacutedica de duas pessoas que independentemente do

sexo vivam em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges haacute mais de dois anos Dito isto pode

depreender-se que eacute necessaacuterio que duas pessoas vivam em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos

cocircnjuges haacute mais de dois anos e ainda que segundo o previsto no artigo 2ordm da LUF entre

os membros da uniatildeo natildeo se verifique nenhum dos impedimentos aiacute mencionados No que

concerne agrave constituiccedilatildeo da uniatildeo de facto e ao desenvolvimento dos impedimentos agrave mesma

abordaremos a questatildeo mais adiante

17Art 5ordm e 6ordm da LUF Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ldquoNotas sobre a lei nordm 232010 de 30 de agosto (Alteraccedilatildeo

agrave lei das uniotildees de facto)rdquo in Lex Familiae Coimbra Editora 2012 p 146 A lei nova encara mais nitidamente

a necessidade de proteccedilatildeo do membro sobrevivo da uniatildeo de facto e daacute-lhe prioridade relativamente aos filhos

() considera que a proteccedilatildeo da casa de morada eacute o nuacutecleo irredutiacutevel da proteccedilatildeo conferida ao membro

sobrevivo da uniatildeo de facto e portanto garante a proteccedilatildeo mesmo contra a vontade do falecido 18 Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 153 FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob

cit p 69 19 Cfr RUTE TEIXEIRA PEDRO ldquoBreves reflexotildees sobre a proteccedilatildeo do unido de facto quanto agrave casa de morada

de famiacutelia propriedade do companheiro falecidordquo in AAVV Textos de Direito da Famiacutelia para FRANCISCO

PEREIRA COELHO coord GUILHERME DE OLIVEIRA Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016

p310 20 De realccedilar que em 2001 o nuacutemero registado de pessoas a viver em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges foi

de 381 mil indiviacuteduos e em 2011 quase que duplicou perfazendo o total de 730 mil indiviacuteduos Dados

consultaacuteveis em

httppordataptPortugalPopulaC3A7C3A3o+residente+segundo+os+Censos+em+uniC3B5es+

de+facto-2649-222898 21 Para aleacutem do disposto no art 8ordm da LUF Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 153 FRANCISCO PEREIRA

COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 70

16

3 A uniatildeo de facto e a Constituiccedilatildeo da Reacutepublica Portuguesa

Ainda na linha de pensamento do ponto anterior no que respeita ao artigo 36ordm n ordm1

da CRP importa dizer que esta norma determina que todos tecircm o direito de constituir famiacutelia

e de contrair casamento em condiccedilotildees de igualdade22 ou seja pode considerar-se que este

artigo consagra essencialmente dois direitos o de constituir famiacutelia e o de casar23 Nesta

senda importa tambeacutem debruccedilarmo-nos sobre a proteccedilatildeo que a Constituiccedilatildeo oferece agrave uniatildeo

de facto

Jaacute referimos que certos AA como GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA24

defendem que o que parece decorrer do nordm1 do artigo 36ordm CRP eacute que a Constituiccedilatildeo natildeo

admite a reduccedilatildeo do conceito de famiacutelia agrave uniatildeo conjugal baseada no casamento havendo

outras formas de constituiccedilatildeo de famiacutelia aleacutem do casamento como a uniatildeo de facto isto eacute

ao distinguir a famiacutelia do casamento o legislador pretendeu demonstrar que se tratam de

realidades diversas e que o direito a constituir famiacutelia natildeo estaacute vedado a quem natildeo pretenda

contrair casamento25 Segundo esta corrente doutrinaacuteria haacute uma abertura constitucional - se

natildeo mesmo uma obrigaccedilatildeo - para conferir relevo agraves uniotildees familiares de facto tendo em

consideraccedilatildeo que o conceito constitucional natildeo abrange apenas a famiacutelia

matrimonializada26 Apesar de afirmarem o reconhecimento da uniatildeo de facto como relaccedilatildeo

juriacutedica familiar postulam que tal natildeo implica que haja um tratamento legal totalmente

22 A sua interpretaccedilatildeo deve ser feita como se o n ordm1 do art36ordm prescrevesse que laquotodos tecircm o direito de

constituir famiacutelia em condiccedilotildees que natildeo violem o princiacutepio da igualdade definido no artigo 13ordmraquo Tendo em

conta que ao espiacuterito desta norma constitucional natildeo repugna efetivamente aceitar as limitaccedilotildees resultantes

da legislaccedilatildeo vigente quer em mateacuteria de impedimentos matrimoniais() Cfr ANTUNES VARELA ldquoDireito da

Famiacuteliardquo 5ordf ed vol I Lisboa Livraria Petrony 1999 p 158 23 Em sentido diverso Cfr JOAtildeO DE CASTRO MENDES ldquoFamiacutelia e casamentordquo in Estudos sobre a Constituiccedilatildeo

JORGE MIRANDA (coord) vol I Lisboa Livraria Petrony 1977 p 372 que entende que os dois direitos

reduzem-se a um soacute E ainda Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoCasamento e Famiacutelia no direito portuguecircsrdquo

obcit p 8 que entende que ao contraacuterio do que acontece no artigo 16ordm DUDH o legislador portuguecircs optou

por colocar o direito a constituir famiacutelia agrave frente do direito de contrair casamento na disposiccedilatildeo do n ordm1 do art

36ordm natildeo se sabe bem porquecirc 24Cfr J GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA ob cit p561 CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo

Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova Relaccedilatildeo Familiarrdquo in Estudos em Homenagem ao Prof Doutor Jorge

Miranda Vol VI Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Coimbra Editora 2012 p 453 HENRICH

EWALD HOumlRSTER ldquoInconstitucionalidade da Tributaccedilatildeo Conjunta dos Cocircnjugesrdquo in Revista de Direito e

Economia da Universidade de Coimbra Ano III nordm 2 Julho ndash Dezembro 1977 p 506 25 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova Relaccedilatildeo Familiarrdquo

obcit p 453 CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoA jurisprudecircncia do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e as

Novas Formas de Famiacutelia ndash The European Court of Human Rights and The New Concept of Familyrdquo in Revista

Juriacutedica da Universidade Portucalense nordm15 Universidade Portucalense Porto 2012 p 36 Neste sentido

vide Acoacuterdatildeo Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 15-02-2007 proferido no acircmbito do processo nordm 62842006-

8 26 Cfr JJ GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA ob cit p 561

17

idecircntico entre as famiacutelias natildeo matrimonializadas e as famiacutelias baseadas no casamento desde

que as distinccedilotildees feitas natildeo sejam arbitraacuterias irrazoaacuteveis ou desproporcionadas e tenham

em conta todos os direitos e interesses em jogo27

De outra parte FRANCISCO PEREIRA COELHO e GUILHERME DE OLIVEIRA defendem

que a 1ordf parte do n ordm1 do artigo 36ordm CRP ao estabelecer que todos tecircm direito de constituir

famiacutelia esse diz respeito essencialmente agraves relaccedilotildees de filiaccedilatildeo pois o direito de constituir

famiacutelia eacute antes de mais o direito a procriar e ainda o direito a estabelecer as

correspondentes relaccedilotildees de paternidade e maternidade28 Relativamente agrave 2ordf parte do

mesmo artigo alertam para o facto de natildeo se poder reconduzir a uniatildeo de facto a uma

dimensatildeo ou vertente negativa do direito de contrair casamento uma vez que a dimensatildeo

negativa desse direito eacute o de natildeo casar2930

Embora entendam que este artigo natildeo oferece proteccedilatildeo constitucional agrave uniatildeo de

facto isso natildeo quer dizer que esta fique desprotegida constitucionalmente Para estes AA o

princiacutepio de proteccedilatildeo da uniatildeo de facto decorre do direito ao desenvolvimento da

personalidade previsto no nordm1 do artigo 26ordm CRP considerando-o como o direito do

indiviacuteduo a afirmar livremente a sua identidade31 como sujeito autoacutenomo dotado de

autodeterminaccedilatildeo decisoacuteria32 sem estar vinculado a modelos externamente impostos e

conferindo-lhe o direito a viver a sua vida do modo que escolher podendo dizer-se que

estabelecer uma uniatildeo de facto eacute uma manifestaccedilatildeo desse direito33

A proteccedilatildeo conferida pelo direito ao desenvolvimento da personalidade natildeo exige

que o legislador conceda agrave uniatildeo de facto efeitos semelhantes aos que oferece ao casamento

equiparando o que natildeo eacute igual visto que os membros da uniatildeo de facto natildeo assumem um

27 Como por exemplo os direitos dos filhos Idem 28 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 60 29 Idem 30 Mais amplo do que viver em uniatildeo de facto pois pode ainda significar ficar em solidatildeo relacionar-se

esporadicamente ou pontualmente ou ateacute viver em promiscuidade Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e

Personalidaderdquo Almedina Coimbra 2017 p 237 No mesmo sentido Cfr NUNO SALTER CID ldquoSobre o

Direito de natildeo Contrair Casamentordquo in Famiacutelia Consciecircncia Secularismo e Religiatildeo 1ordf Ediccedilatildeo Coimbra

Editora 2010 p 28 O direito de natildeo contrair casamento o tal direito fundamental que a Constituiccedilatildeo

implicitamente confere e protege como dimensatildeo ou vertente negativa do direito de contrair casamento eacute na

verdade e apenas o direito de se negar a contrair casamento o direito natildeo ser forccedilado a casar-se um direito

que natildeo exerce apenas quem opta por viver em uniatildeo de facto mas tambeacutem quem opta por manter-se solteiro

divorciado ou viuacutevo (de Direito ou de facto) 31 Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e Personalidaderdquo ob cit p 237 32 Cfr JJ GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA ob cit p 463 33 Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e Personalidaderdquo ob cit p 237

18

compromisso de vida por natildeo quererem ou natildeo o poderem fazer Equiparar o que eacute diferente

nesta medida poderia ser julgado inconstitucional pois iria impor agraves pessoas que vivem em

uniatildeo de facto os mesmos deveres e conceder os mesmos direitos que impotildee e concede agraves

que satildeo casadas violando o direito a natildeo casar sendo-lhes forccedilado um estatuto que em

princiacutepio rejeitaram por vontade proacutepria

Conveacutem ainda referir que no que toca ao princiacutepio da proteccedilatildeo da famiacutelia previsto

no artigo 67ordm CRP este natildeo impotildee ao legislador ordinaacuterio a atribuiccedilatildeo de efeitos favoraacuteveis

agrave uniatildeo de facto mas tambeacutem natildeo proiacutebe que sejam concedidos agrave mesma os efeitos que

considere adequados e justificados34 FRANCISCO PEREIRA COELHO considera ainda que este

princiacutepio constitucional natildeo visa apenas a famiacutelia conjugal35 ao contraacuterio de CASTRO

MENDES que explica que soacute faz sentido valer neste contexto a famiacutelia fundada no

casamento natildeo devendo a lei passar um laquocheque em brancoraquo a quaisquer formas de

sociedade familiar36 Por sua vez SANDRA PASSINHAS defende que apesar da uniatildeo de facto

natildeo ser uma forma de contrair casamento e natildeo caber no acircmbito de proteccedilatildeo do artigo 36ordm

da CRP isso natildeo inibe que o casal nascido da uniatildeo de facto juridicamente protegida

tambeacutem seja considerado famiacutelia para efeitos da proteccedilatildeo institucional conferida pelo

artigo 67ordm CRP37 pois entende que seria inaceitaacutevel que no acircmbito normativo do artigo 67ordm

CRP natildeo coubessem as relaccedilotildees parafamiliares como a uniatildeo de facto38 Nesta ordem de

ideias eacute possiacutevel aferir que a constituiccedilatildeo natildeo permite penalizar a uniatildeo de facto ou equiparaacute-

la ao casamento39

34 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoAnotaccedilatildeo ao Ac do STJ de 2 de abril de 1987rdquo in Revista de Legislaccedilatildeo

e Jurisprudecircncia nordm 3782 ano 122 Coimbra 1990 p84 35 Idem Entendendo que o princiacutepio constitucional visa abranger a famiacutelia natural e ainda a adotiva 36 Cfr JOAtildeO DE CASTRO MENDES ldquoFamiacutelia e casamentordquo in Estudos sobre a Constituiccedilatildeo JORGE MIRANDA

(coord) vol I Lisboa Livraria Petrony 1977 p 373 37 Referindo em abono da posiccedilatildeo que defende o modo como o legislador na LUF em cumprimento do

disposto no art 67ordm nordm2 da CRP conformou a posiccedilatildeo dos unidos de facto no sentido de lhes conceder

proteccedilatildeo da casa de morada de famiacutelia de os beneficiar com o regime juriacutedico aplicaacutevel a pessoas casadas

em mateacuteria de feacuterias feriados faltas licenccedilas e de preferecircncia na colocaccedilatildeo dos trabalhadores da

Administraccedilatildeo Puacuteblica com a aplicaccedilatildeo do regime do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares

concedendo-lhes proteccedilatildeo socia na eventualidade de morte do beneficiaacuterio por aplicaccedilatildeo do regime geral ou

de regimes especais de seguranccedila social bem como prestaccedilotildees por morte resultante de acidente de trabalho

ou doenccedila profissional a pensatildeo do preccedilo de sangue e por serviccedilos excecionais e relevantes prestados ao paiacutes

ou a inclusatildeo do unido de facto no elenco dos titulares do direito agrave indemnizaccedilatildeo por danos natildeo patrimoniais

por morte da viacutetima no nordm3 do art 496ordm SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e Personalidaderdquo obcit p240 38 Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e Personalidaderdquo obcit p 231 39 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p64

19

A propoacutesito dos diplomas internacionais cabe referir que a Declaraccedilatildeo Universal

dos Direitos do Homem40 inclui dois princiacutepios relativos agrave famiacutelia Primeiramente no seu

artigo 12ordm onde estabelece o direito ao respeito pela vida familiar seguido do artigo 16ordm que

abrange no seu nordm 1 o direito de casar e de constituir famiacutelia e no seu nordm 3 reconhece a

famiacutelia como elemento natural e fundamental da sociedade tendo direito agrave proteccedilatildeo desta e

do Estado Tambeacutem a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem41 conteacutem dois

princiacutepios dedicados agrave famiacutelia o direito ao respeito pela vida privada e familiar previsto no

seu artigo 8ordm e por sua vez o direito a casar e a constituir famiacutelia estando este disposto no

artigo seu 12ordm Nestes diplomas o legislador internacional tal como o legislador nacional

natildeo assegura uma definiccedilatildeo de famiacutelia ou casamento levando a que se concretizem e sejam

interpretados de forma diversa consoante o substrato social de quem o faz42 Pois como

defende CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS43 eacute inegaacutevel as transformaccedilotildees que o conceito de famiacutelia

tradicional tem sofrido dando origem a novas formas de famiacutelia como as de facto as

monoparentais as recombinadas e as homossexuais Nesta senda note-se que o Tribunal

Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) apesar de ter em conta a tutela do casamento e

encorajar a famiacutelia tradicional44 tem vindo a considerar que o artigo 8ordm CEDH natildeo se refere

apenas agrave famiacutelia constituiacuteda com base no casamento como acontece no artigo 12ordm CEDH

podendo conceder tutela a outros laccedilos familiares como as uniotildees de facto45

40 Proclamada pela Assembleia Geral das Naccedilotildees Unidas em Paris a 10 de dezembro de 1948 41 Assinada a 4 de novembro de 1950 em Roma tendo entrado em vigor em 1953 A adesatildeo de Portugal deu-

se apenas em 1978 42 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova Relaccedilatildeo Familiarrdquo

obcit p 458 43 Idem 44 Neste sentido e para mais desenvolvimentos Cfr SUSANA ALMEIDA ldquoO Respeito pela Vida (Privada e)

Familiar na Jurisprudecircncia do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem A tutela das Novas Formasrdquo

Coimbra Editora 2008 p 165 45 Article 8 (art 8) applies to the family life of the illegitimate family as well as to that of the legitimate

family Ac JOHNSTON C IRLANDA 18 de dezembro de 1986 p19 consultaacutevel em

httpshudocechrcoeinteng22itemid22[22001-5750822

The Court recalls that the notion of the family in this provision is not confined solely to marriage-based

relationships and may encompass other de facto family ties where the parties are living together outside of

marriage Ac KEEGAN C IRLANDA de 26 de maio de 1994 p13 consultaacutevel em

httpshudocechrcoeinteng22itemid22[22001-5788122]

20

31 A uniatildeo de facto e o casamento ndash liberdade mas e proteccedilatildeo

Como jaacute haviacuteamos referido tanto a proteccedilatildeo conferida pelo direito ao

desenvolvimento da personalidade quanto a que se entenda que eacute dada pelo artigo 36ordm CRP

natildeo exige que o legislador atribua agrave uniatildeo de facto efeitos semelhantes aos do casamento

equiparando os dois institutos Esta diferenccedila de tratamento de situaccedilotildees distintas natildeo viola

o princiacutepio da igualdade previsto no artigo 13ordm CRP visto que esta norma apenas proiacutebe as

discriminaccedilotildees arbitraacuterias ou sem fundamento46 Tratam-se de situaccedilotildees materialmente

diferentes enquanto no casamento se assume um compromisso de vida em comum

sujeitando-se a um viacutenculo juriacutedico47 um contrato entre duas pessoas que pretendem

constituir famiacutelia mediante uma plena comunhatildeo de vida na uniatildeo de facto os membros natildeo

querem ou natildeo podem assumir esse compromisso48

Antes de nos dedicarmos ao estudo do contraste que o regime da uniatildeo de facto e o

casamento apresentam em concreto conveacutem relembrar a noccedilatildeo de casamento no nosso

ordenamento juriacutedico Assim segundo o artigo 1577ordm CCiv o casamento constitui um

contrato4950 um compromisso juriacutedico assumido por duas pessoas que se vinculam entre si

mediante uma plena comunhatildeo de vida Ainda que o Coacutedigo Civil natildeo defina explicitamente

o que significa plena comunhatildeo de vida eacute possiacutevel aferir-se pelos preceitos subsequentes

que esta deve ser guiada pelos deveres de respeito fidelidade coabitaccedilatildeo cooperaccedilatildeo e

46 Acoacuterdatildeo Tribunal Constitucional nordm 33686 p 3807 Neste artigo reconhece-se o direito agrave diferenccedila desde

que esta natildeo ultrapasse os limites da tolerabilidade ou da discricionariedade Acoacuterdatildeo Tribunal Constitucional

nordm 11881996 O princiacutepio da igualdade (artigo 13ordm da Constituiccedilatildeo) impotildee se decirc tratamento igual ao que for

essencialmente igual e se trate diferentemente o que diferente for Natildeo proiacutebe as distinccedilotildees de tratamento se

materialmente fundadas proiacutebe isso sim a discriminaccedilatildeo as diferenciaccedilotildees arbitraacuterias ou irrazoaacuteveis

carecidas de fundamento racional No mesmo sentido vide Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de

08-03-2006 proferido no acircmbito do processo nordm 419705JTRC 47 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova Relaccedilatildeo Familiarrdquo

obcit p 460 48 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p63 49Apesar da sua contratualidade ser afirmada na sua definiccedilatildeo legal esta eacute contestada Haacute quem qualifique o

casamento como um mero acordo outros como instituiccedilatildeo ou ainda como um puro ato administrativo vendo

a declaraccedilatildeo do funcionaacuterio do registo civil como o elemento constitutivo do casamento e o consentimento

das partes como um simples pressuposto dessa declaraccedilatildeo Cfr mais desenvolvidamente FRANCISCO PEREIRA

COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit pp 232- 235 e ainda TELMA CARVALHO ob cit p 230 50 Cfr FRANCcedilA PITAtildeO ldquoOs novos casamentos ou a crise do casamento tradicional no direito portuguecircs in

AAVV Comemoraccedilotildees dos 35 anos do Coacutedigo Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977 vol I Coimbra

Editora Coimbra 2004 pp 178-179

21

assistecircncia (artigo 1672ordm CCiv) aleacutem disso deve ser exclusiva (artigo 1601ordm CCiv) e tendo

em vista a perpetuidade (artigo 1773ordm CCiv)

A solenidade de formalizaccedilatildeo de vontades necessaacuteria no casamento (artigo 1615ordm

CCiv) em contraposiccedilatildeo agrave falta de forma de celebraccedilatildeo uniatildeo de facto tem sido a principal

diferenccedila apontada pela doutrina entre estas duas formas de vida Dado que no casamento

haacute a expressatildeo de duas vontades atraveacutes de uma declaraccedilatildeo expressa perante uma entidade

puacuteblica que abrange todo o conteuacutedo do casamento Os nubentes ao declararem que aceitam

casar estatildeo simultaneamente a aceitar os efeitos legais do casamento tal como prevecirc o

regime obrigatoacuterio do artigo 1618ordm nordm 1 CCiv Aceitam todos os deveres reciacuteprocos e

tambeacutem os efeitos patrimoniais onde vatildeo tendo uma autonomia privada ainda que limitada

atraveacutes das convenccedilotildees antenupciais51 Isto eacute na uniatildeo de facto haacute uma intencionalidade52

de viver em comunhatildeo plena de vida com outra pessoa no casamento aleacutem da

intencionalidade da plena comunhatildeo de vida haacute a intenccedilatildeo de celebrar o casamento com

tudo o que o seu regime legal acarreta

No caso da uniatildeo de facto essa intencionalidade natildeo eacute declarada de forma solene ou

formal eacute um acordo iacutentimo realizado entre os membros da situaccedilatildeo de facto que natildeo eacute

reconhecido por nenhum ente estadual53 Por outro lado a realizaccedilatildeo do casamento aleacutem de

implicar todo um processo preliminar que tem por fim um despacho final que no caso de ser

favoraacutevel pressupotildee a celebraccedilatildeo do casamento no prazo de seis meses subsequentes a essa

autorizaccedilatildeo tem forma puacuteblica e a sua celebraccedilatildeo acarreta o seu registo (artigo 1ordm al d)

CRegCiv) Este registo eacute obrigatoacuterio e comporta uma elevada importacircncia visto que soacute com

o reconhecimento do casamento pelo Conservador do Registo Civil (artigo 1615ordm CCiv) eacute

possiacutevel fazer a prova do estado civil das pessoas Eacute a uacutenica prova legalmente admitida do

casamento sendo que enquanto este natildeo for registado natildeo pode ser invocado54 Devido agrave

uniatildeo de facto natildeo implicar uma alteraccedilatildeo no estado civil dos membros por natildeo estar sujeita

a registo torna a falta de publicidade no que concerne agrave elaboraccedilatildeo deste estudo a grande

diferenccedila entre este regime juriacutedico e o do casamento e o que tem maior repercussatildeo no

51 Cfr TELMA CARVALHO ob cit p 229 52 Cfr TELMA CARVALHO ob cit p 230 53 Cfr TELMA CARVALHO ob cit p 237 54 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 337

22

regime protecional dos unidos de facto jaacute que o que natildeo pode ser provado em princiacutepio

natildeo pode ser protegido

Aleacutem da dificuldade da prova da uniatildeo de facto quer diante o Estado quer em face

a terceiros a falta do seu registo impede o controlo da sua existecircncia e do cumprimento dos

seus requisitos por parte do Estado Abordaremos a questatildeo da dificuldade da prova

resultante da falta de publicidade da uniatildeo de facto mais aprofundadamente na parte a ela

dedicada

Ateacute aqui apresentamos diferenccedilas de caraacuteter puramente formal nomeadamente no

que respeita agrave natureza contratual do casamento agrave solenidade da celebraccedilatildeo do mesmo e

ainda quanto agrave sua publicidade em contrapartida com o que acontece com a uniatildeo de facto

tendo umas mais importacircncia objetiva que outras Cabe agora analisar as diferenccedilas que tecircm

sido apontadas aos efeitos juriacutedicos praacuteticos Nomeadamente a necessidade de decurso de

prazo de dois anos para que a lei atribua agrave uniatildeo de facto efeitos juriacutedicos uma vez que no

nordm 2 do artigo 1ordm da LUF estaacute previsto que a uniatildeo de facto eacute a situaccedilatildeo juriacutedica de duas

pessoas que independentemente do sexo vivam em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges haacute

mais de dois anos Haacute entatildeo uma exigecircncia do decurso de dois anos55 dessa convivecircncia para

que a situaccedilatildeo anaacuteloga agrave dos cocircnjuges seja considerada uniatildeo de facto Ao passo que o

casamento se considera constituiacutedo com a declaraccedilatildeo de vontade de cada nubente e celebrado

perante uma entidade competente natildeo necessitando da decorrecircncia de nenhum prazo para

que se considere constituiacutedo

Eacute de notar alguma diferenccedila ainda no que se refere agrave cessaccedilatildeo do casamento e agrave

dissoluccedilatildeo da uniatildeo de facto O artigo 1773ordm CCiv determina que o divoacutercio pode ser por

muacutetuo consentimento ou sem consentimento de um dos cocircnjuges - desde que se verifiquem

algum dos fundamentos de rutura previstos no artigo 1781ordm CCiv - ou seja natildeo basta o

simples afastamento dos cocircnjuges para que o casamento cesse haacute um viacutenculo formal que

tem de ser dissolvido A uniatildeo de facto dissolve-se quando cessar o facto da uniatildeo56 isto eacute

55 Noutras regulamentaccedilotildees especiacuteficas esse prazo pode variar () por exemplo no caso da transmissatildeo de

arrendamento por morte do unido o prazo de um ano basta na Lei da Nacionalidade jaacute eacute exigida a duraccedilatildeo de

trecircs anos para que um estrangeiro possa declarar querer adquirir a nacionalidade portuguesa com fundamento

na uniatildeo de facto SANDRA PASSINHAS ldquoUniatildeo de Facto em Portugalrdquo ob cit p113 56 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo in AAVV Textos de Direito da Famiacutelia para Pereira Coelho GUILHERME OLIVEIRA (coord)

Imprensa da Universidade de Coimbra 2016 p 91

23

com a rutura da efetiva comunhatildeo de vida que acontece com a verificaccedilatildeo de alguma das

situaccedilotildees mencionadas no nordm 1 do artigo 8ordm da LUF

Veja-se entre noacutes a uniatildeo de facto eacute objeto de atribuiccedilatildeo de alguns efeitos juriacutedicos

poreacutem no que respeita ao domiacutenio das relaccedilotildees patrimoniais e agrave regulamentaccedilatildeo das

consequecircncias da sua dissoluccedilatildeo natildeo haacute nenhuma norma reguladora Isto eacute natildeo existe

regulamentaccedilatildeo quanto ao regime de bens e natildeo sendo em princiacutepio de aplicar

analogicamente o regime juriacutedico do casamento57 os membros da uniatildeo de facto sentem a

necessidade de criarem eles proacuteprios um estatuto juriacutedico que regule determinados

problemas que possam surgir da sua comunhatildeo de vida com base no princiacutepio da autonomia

da vontade58 Em alguns ordenamentos juriacutedicos59 a soluccedilatildeo para esta questatildeo eacute o contrato

de coabitaccedilatildeo60 visto como a hipoacutetese de conferir aos membros da uniatildeo de facto a

possibilidade de regularem as suas relaccedilotildees patrimoniais com base no princiacutepio da

autonomia patrimonial61 Apesar de no nosso ordenamento juriacutedico natildeo haver tipificaccedilatildeo

legal do contrato de coabitaccedilatildeo - como a uniatildeo de contratos em que os membros da uniatildeo

de facto reuacutenem vaacuterias espeacutecies contratuais em vista da organizaccedilatildeo convencional das suas

relaccedilotildees patrimoniais durante a vida da relaccedilatildeo e apoacutes a extinccedilatildeo desta62- natildeo haacute

legalmente nada a opor a esses contratos desde que estes se limitem a regular os efeitos

patrimoniais sem abrangerem os efeitos pessoais63 Houve por parte do PCP com o artigo

57 Cfr FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo ob cit p83 58 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDissoluccedilatildeo da uniatildeo de facto ndash Anotaccedilatildeo ao Acoacuterdatildeo do TRG de 2992004

Proc 128904rdquo in Cadernos de Direito Privado nordm 11 julhoSetembro 2005 p72 59 Como nos Estados Unidos na Holanda e no Canadaacute e ainda na Espanha e Franccedila onde satildeo normalmente

celebrados apesar de levantarem algumas duacutevidas Neste sentido vide Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de

Lisboa de 29-11-2012 proferido no acircmbito do processo nordm 444092TCFUNL1-A-8 JEAN CARBONNIER

ldquoDroit Civil (T2 ndash La famille lrsquoenfant le couple)rsquorsquo 21ordm ed PUF Paris 2002 p681 EDUARDO ESTRADA

ALONSO ldquoLas uniones extramatrimoniales en el Derecho Civil Espantildeolrdquo 2ordm ed Civitas Madrid 1991 pp

139-152 o A prevecirc a possibilidade de utilizar a autonomia da vontade dos membros como fonte de regulaccedilatildeo

das uniotildees de facto apesar de este tipo de convenios natildeo serem frequentes em Espanha devido a possibilidade

dos tribunais os poderem declarar nulos por ilicitude de causa o A admite a sua validade desde que tratem

apenas de aspetos patrimoniais 60 Pode ser designado de diversas formas tais como contrato de convivecircncia contratos de uniatildeo de facto

convenccedilotildees entre conviventes pactos concubinaacuterios Cfr MARTA COSTA ob cit p156 GERALDO ALMEIDA

ob cit p202 RENATO NETO ldquoContrato de Coabitaccedilatildeo na Uniatildeo de Facto Confronto entre o Direito Brasileiro

e Portuguecircsrdquo Livraria Almedina Coimbra 2006 pp 69-70 61 Cfr MARTA COSTA ob cit p157 62 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 84 63 Cfr JOSEacute JOAtildeO GONCcedilALVES DE PROENCcedilA ldquoDireito da Famiacuteliardquo Lisboa Universidade Lusiacuteada Editora 2003

p 34

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5ordm do projeto de lei nordm 384VII a proposta de uma convenccedilatildeo de uniatildeo de facto64 que

pretendia afastar nesta mateacuteria a incerteza e inseguranccedila juriacutedicas resultantes da LUF natildeo

tendo todavia prosseguido

Por uacuteltimo eacute de ressalvar a diferenccedila notoacuteria que haacute entre os efeitos sucessoacuterios do

casamento e da uniatildeo de facto O estatuto sucessoacuterio do cocircnjuge sobrevivo tem um elevado

grau de proteccedilatildeo comparativamente com a proteccedilatildeo oferecida ao unido sobrevivo uma vez

que o cocircnjuge aleacutem de ser herdeiro legiacutetimo eacute tambeacutem herdeiro legitimaacuterio65 enquanto o

unido sobrevivo natildeo eacute considerado sequer herdeiro do falecido limitando-se a lei a conceder

o direito de exigir alimentos da heranccedila do mesmo (artigo 2020ordm CCiv) Constata-se uma

enorme discrepacircncia de tratamento entre o cocircnjuge sobrevivo e o unido de facto sobrevivo

devendo a posiccedilatildeo deste uacuteltimo ser objeto de atenccedilatildeo pelo legislador nem que seja para

integrar a sucessatildeo legitima numa posiccedilatildeo inferior agrave do cocircnjuge descendentes e

ascendentes66 Tendo isto em conta eacute possiacutevel afirmar-se que atualmente muitos casais

optam pelo instituto do casamento ao inveacutes do instituto da uniatildeo de facto pela proteccedilatildeo que

este concede ao sobrevivo em caso de morte podendo o casamento ser visto de certa forma

como um (quase) contrato sucessoacuterio67 Na praacutetica muitos casais com esta informaccedilatildeo

apesar de natildeo acharem necessaacuterio celebrar casamento no acircmbito social ou cultural optam

por fazecirc-lo devido agrave elevada discrepacircncia existente entre ambos os institutos

FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO68 defende que diante do presente quadro

regulativo natildeo pode por um lado ser recusada liminarmente a possibilidade de aplicaccedilatildeo agrave

uniatildeo de facto das normas pertencentes ao regime do casamento desde que se tratem de

efeitos indiretos ou legais do casamento e de efeitos fundados na simples existecircncia de uma

comunhatildeo de vida Por outro lado levando em conta o atual quadro legislativo natildeo pode ser

64 Prevendo a possibilidade dos membros da uniatildeo de facto celebrarem uma convenccedilatildeo que visava estabelecer

o seu regime de bens a responsabilidade por diacutevidas e o seu regime de administraccedilatildeo de bens Consultaacutevel em

httpswwwpcpptarlegis-7projleipjl384html 65 Isto eacute nos termos do 2132ordm CCiv eacute chamado agrave sucessatildeo mesmo que o falecido natildeo tenha deixado testamento

vaacutelido consta tambeacutem do art 2157ordm CCiv tendo direito a uma porccedilatildeo de bens (a legiacutetima) que o falecido natildeo

pode dispor no seu testamento Cfr OLIVEIRA ASCENSAtildeO ldquoDireito civil Sucessotildeesrdquo Coimbra Editora 5ordf Ed

2000 pp 333 e 353 66 Para mais desenvolvimentos FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da

uniatildeo de facto breves observaccedilotildeesrdquo ob cit pp104-105 67 Cfr FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo ob cit p103 68 Cfr FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo ob cit pp 83-101

25

feita uma geneacuterica aplicaccedilatildeo analoacutegica do regime do casamento O A aleacutem de salvaguardar

que essa aplicaccedilatildeo soacute poderia abranger os referidos efeitos indiretos ou legais do casamento

alega que antes dessa aplicaccedilatildeo teriam de se apurar caso a caso os interesses em causa e a

ratio da norma eventualmente aplicaacutevel e soacute assim se poderia fundar uma aplicaccedilatildeo

analoacutegica Aleacutem do mais alerta para o quadro limitado de efeitos que a nossa lei fixou para

a uniatildeo de facto previsto na LUF o que pode refletir o intuito de impedir uma aplicaccedilatildeo

analoacutegica das normas do casamento de forma irrestrita O A declara que tendo em

consideraccedilatildeo os uacuteltimos desenvolvimentos legislativos na regulaccedilatildeo da uniatildeo de facto e no

casamento69 a diferenccedila que assenta no facto de natildeo haver uma vontade de vinculaccedilatildeo no

plano juriacutedico e da comunhatildeo de vida dos membros da uniatildeo de facto natildeo implicar o

cumprimento de deveres conjugais ficou bastante atenuada Natildeo soacute porque se tem vindo a

assistir a uma desregulaccedilatildeo do casamento em termos imperativos mas tambeacutem pelo Coacutedigo

Civil se limitar a fixar os deveres pessoais dos cocircnjuges e os modos de execuccedilatildeo dos mesmos

natildeo obedecerem a um padratildeo uacutenico Crecirc que se tem vindo a assistir a um progressivo

afrouxamento dos deveres conjugais por estarem esvaziados das normais caracteriacutesticas de

um dever juriacutedico tanto no plano das consequecircncias indemnizatoacuterias como nas resolutoacuterias

Levando-o a concluir que esbatida a base da diferenccedila principal entre os dois institutos

deixou de haver fundamento para a recusa de uma aplicaccedilatildeo analoacutegica agrave uniatildeo de facto de

muitas normas do casamento que estabelecem efeitos indiretos ou laterais de diversa ordem

deixando o casamento de ser necessaacuterio no plano social afetivo cultural ou econoacutemico e

que este soacute subsiste em maior nuacutemero do que a uniatildeo de facto por se tratar de um haacutebito

adquirido pela sociedade e por haver em certos meios uma pressatildeo social e religiosa nesse

sentido70

Por seu turno CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS no acircmbito dos efeitos patrimoniais da

uniatildeo de facto defende que a aplicaccedilatildeo analoacutegica de uma norma pressupotildee a existecircncia de

uma lacuna No entanto entende que natildeo se pode falar em lacuna quando natildeo existe uma

regulamentaccedilatildeo juriacutedica numa dada mateacuteria visto que essa inexistecircncia de regulamentaccedilatildeo

pode ter sido intencional por parte do legislador Podendo tambeacutem ser pretensatildeo do proacuteprio

69 Com as alteraccedilotildees agrave Lei nordm 72001 introduzidas pela Lei nordm 232010 de 30 de agosto no que respeita agrave uniatildeo

de facto e relativamente ao casamento em consequecircncia da profunda reforma operada pela Lei nordm 612008 de

31 de Outubro 70 Cfr FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo ob cit p 102

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legislador que o seu preenchimento fique a cargo da doutrina e da jurisprudecircncia71 No

entanto julga que a sua integraccedilatildeo deveraacute ser feita por recurso agraves regras gerais e natildeo por

aplicaccedilatildeo do regime do casamento para o qual o legislador natildeo remeteu intencionalmente

A soluccedilatildeo a nosso ver passaria por natildeo se estender agrave uniatildeo de facto os efeitos do

casamento evitando uma intromissatildeo injustificada na escolha que as partes fizeram de natildeo

contraiacuterem casamento No entanto seria importante reforccedilar o regime legal atual natildeo

olvidando os que apesar de optarem por natildeo seguir a via do casamento pretendem uma

proteccedilatildeo mais firme e os que pretendem apenas a coabitaccedilatildeo sem consequecircncias juriacutedicas

Enveredando-se por um caminho que consolide os efeitos juriacutedicos da uniatildeo de facto com

um regime proacuteprio que natildeo se confunda com o do casamento possibilitando aos que

pretendam uma uniatildeo sem consequecircncias juriacutedicas a liberdade de escolha de sujeiccedilatildeo a um

regime legal ou natildeo

71 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDissoluccedilatildeo da uniatildeo de facto ndash Anotaccedilatildeo ao Acoacuterdatildeo do TRG de 2992004

Proc 128904rdquo ob cit pp 74-75

27

4 Constituiccedilatildeo da relaccedilatildeo de Uniatildeo de Facto e os seus efeitos

A uniatildeo de facto constitui-se quando dois sujeitos do mesmo sexo ou de sexo

diferente que tecircm uma relaccedilatildeo passam a viver em comunhatildeo de leito mesa e habitaccedilatildeo

Passando os membros a viver nessas condiccedilotildees e natildeo sendo essa situaccedilatildeo objeto de registo

civil72 ou administrativo ao contraacuterio do que acontece em alguns ordenamentos vizinhos

que mereceratildeo a nossa anaacutelise mais adiante torna-se mais difiacutecil saber de forma exata

quando se iniciou para que seja possiacutevel a partir daiacute contar os dois anos necessaacuterios para

que a situaccedilatildeo de facto produza os efeitos previstos no artigo 3ordm da LUF

Efeitos estes que soacute se produziratildeo se cumulativamente com requisito temporal de

decurso de dois anos natildeo existir nenhum impedimento dirimente ao casamento dos membros

da uniatildeo de facto Eacute a soluccedilatildeo prevista no artigo 2ordm da LUF que reproduz nas suas aliacuteneas

o disposto no artigo 1601ordm e 1602ordm CCiv obstando agrave constituiccedilatildeo de uma uniatildeo de facto

juridicamente protegida impedimentos relacionados com a idade dos companheiros a

existecircncia de uma demecircncia notoacuteria mesmo com intervalos luacutecidos e situaccedilatildeo de

acompanhamento de maior se assim estabelecer a sentenccedila que a haja decretado salvo se

posteriores ao iniacutecio da uniatildeo a ocorrecircncia de casamento anterior natildeo dissolvido exceto se

tiver sido decretada a separaccedilatildeo de pessoas e bens o parentesco na linha reta ou no 2ordm grau

da linha colateral ou afinidade na linha reta e a condenaccedilatildeo anterior de uma das pessoas

como autor ou cuacutemplice por homiciacutedio doloso ainda que natildeo consumado contra o cocircnjuge

do outro Os factos expostos estorvam apenas a produccedilatildeo de efeitos favoraacuteveis da uniatildeo de

facto ou seja a atribuiccedilatildeo de direitos ou benefiacutecios natildeo deveraacute ser intenccedilatildeo do legislador

que a uniatildeo de facto mesmo que afetada por algum dos impedimentos seja considerada

irrelevante juridicamente quando estatildeo em causa interesses legiacutetimos de terceiros ou quando

surjam consequecircncias como a presunccedilatildeo de paternidade relativamente ao homem7374

Em relaccedilatildeo aos efeitos pessoais por natildeo assumirem nenhum compromisso natildeo

estatildeo os membros da uniatildeo de facto vinculados aos deveres conjugais que os artigos 1671ordm

72 Uma vez que natildeo estaacute mencionada no acircmbito do art 1ordm do Coacutedigo do Registo Civil norma que consagra as

situaccedilotildees em que o registo civil eacute obrigatoacuterio no nosso ordenamento juriacutedico 73 Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 141 74 O elenco dos impedimentos agrave produccedilatildeo dos efeitos favoraacuteveis agrave uniatildeo de facto que constam no artigo 2ordm da

LUF foi corrigido e adaptado para evitar uma excessiva ligaccedilatildeo agraves soluccedilotildees postuladas no artigo 1601ordm CCiv

Sobre as correccedilotildees mais detalhadamente cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit pp 141-142

28

e 1672ordm CCiv impotildeem aos cocircnjuges75 Contudo a relaccedilatildeo pessoal que assumem permite-

lhes adotar um filho nos mesmos termos que os cocircnjuges por forccedila do artigo 7ordm da LUF

desde que a relaccedilatildeo dure haacute mais de quatro anos e ambos tiverem mais de 25 anos

independentemente do seu sexo Releva tambeacutem para efeitos de aquisiccedilatildeo de nacionalidade

desde que o estrangeiro que viva em uniatildeo de facto com nacional portuguecircs haacute mais de trecircs

anos e tenha reconhecimento judicial da situaccedilatildeo de facto declare que quer adquirir

nacionalidade portuguesa (artigo 3ordm nordm 3 Lei da Nacionalidade - Lei nordm 3781 de 03 de

Outubro) No que respeita aos filhos nascidos das uniotildees de facto nas accedilotildees de investigaccedilatildeo

de paternidade presume-se a paternidade quando tenha havido comunhatildeo duradoura de vida

entre a matildee e o pretenso pai no periacuteodo legal de concepccedilatildeo por forccedila do artigo 1871ordm CCiv

Quanto ao exerciacutecio das responsabilidades parentais no caso de comunhatildeo duradoura de

vida em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges ou concubinato duradouro o artigo 1911ordm nordm

1 CCiv determina a aplicaccedilatildeo do previsto nos artigos 1901ordm e 1904ordm CCiv que corresponde

ao regime que vigora quando os progenitores satildeo casados Jaacute no caso de dissociaccedilatildeo familiar

o mesmo artigo remete para aplicaccedilatildeo do disposto nos artigos 1905ordm a 1908ordm CCiv normas

atinentes ao divoacutercio separaccedilatildeo de pessoas e bens ou declaraccedilatildeo de nulidade ou anulaccedilatildeo do

casamento Como se pode ver os filhos nascidos de uniatildeo de facto tal como quaisquer outros

nascidos fora do casamento estatildeo equiparados aos nascidos dentro do mesmo por forccedila do

disposto no nordm 4 do artigo 36ordm da CRP76

Como jaacute haviacuteamos referido a uniatildeo de facto natildeo permite a aplicaccedilatildeo de um regime

de bens nem das regras que disciplinam as relaccedilotildees patrimoniais dos cocircnjuges como a

administraccedilatildeo de bens e regime de responsabilidade por diacutevidas sendo de aplicar entre os

unidos o regime geral das relaccedilotildees obrigacionais e reais77 De acordo com as regras do direito

comum cada um dos membros da uniatildeo de facto pode vender bens moacuteveis ou imoacuteveis dar

ou tomar de arrendamento um imoacutevel ou contrair diacutevidas podem entre eles celebrar

contratos de compra e venda de locaccedilatildeo de depoacutesito de comodato de muacutetuo entre outros

pois o artigo 1714ordm CCiv que impede a celebraccedilatildeo de certos contratos entre os cocircnjuges natildeo

eacute aplicaacutevel agraves relaccedilotildees de uniatildeo de facto Acrescem a estes os que expusemos anteriormente

relativamente a esta mateacuteria aquando da distinccedilatildeo entre o regime do casamento e o regime

75 Natildeo estabelecem relaccedilotildees de afinidade com os parentes do outro natildeo podem adotar o apelido um do outro

possibilidade que eacute concedida aos cocircnjuges por virtude do artigo 1677ordm CCiv 76 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 81 77 Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoUniatildeo de Facto em Portugalrdquo obcit p 120

29

da uniatildeo de facto no ponto 31 e ainda sucintamente importa referir como efeito

patrimonial da uniatildeo de facto a extensatildeo a esta do artigo 1691ordm al b) CCiv que prevecirc a

responsabilidade dos cocircnjuges pelas diacutevidas contraiacutedas por qualquer dos cocircnjuges antes ou

depois da celebraccedilatildeo do casamento para ocorrer aos encargos normais da vida familiar

equiparando nesta mateacuteria o conceito de uniatildeo de facto como a comunhatildeo de leito mesa e

habitaccedilatildeo aos casamentos e protegendo a confianccedila de terceiros que com eles contratem e

confiem nessa aparecircncia de vida matrimonial78 A niacutevel patrimonial a uniatildeo de facto atribui

ao unido sobrevivo por forccedila do artigo 2020ordm nordm 1 o direito de exigir alimentos da heranccedila

do falecido poreacutem esse direito caduca se natildeo for exercido nos dois anos posteriores agrave data

da morte do autor da sucessatildeo (nordm 2) e se o alimentado casar iniciar uma relaccedilatildeo de uniatildeo

de facto ou se tornar indigno do benefiacutecio pelo seu comportamento moral por forccedila do nordm 3

do artigo 2020ordm e do artigo 2019ordm CCiv Resta em uacuteltimo lugar dizer que em mateacuteria fiscal

nomeadamente no que respeita ao imposto sobre o rendimento o artigo 3ordm al d) da LUF

torna aplicaacutevel aos membros da uniatildeo de facto o regime atribuiacutedo aos sujeitos passivos natildeo

separados de pessoas e bens nessa mateacuteria

78 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 34

30

5 O problema da prova da coabitaccedilatildeo

51 Consideraccedilotildees gerais

Expostos os efeitos a que a constituiccedilatildeo da uniatildeo de facto daacute origem urge abordar

a problemaacutetica que a este estudo interessa o problema da prova da relaccedilatildeo de uniatildeo de facto

nomeadamente a prova da coabitaccedilatildeo Apesar de natildeo existir como vimos uma exigecircncia de

forma para a constituiccedilatildeo da uniatildeo de facto e prevalecer entre noacutes um modelo faacutectico79-

bastando que se verifiquem os requisitos factuais para que a convivecircncia seja protegida - eacute

exigido aos seus membros que provem a sua convivecircncia se pretenderem beneficiar de

determinados direitos

Ora a opccedilatildeo do legislador tem sido contraacuteria agrave formalizaccedilatildeo da uniatildeo de facto o

que natildeo facilita a demonstraccedilatildeo dos factos exigidos pela lei para aferir a sua relevacircncia

juriacutedica Portanto a dificuldade dessa prova adveacutem natildeo soacute desta relaccedilatildeo natildeo estar sujeita a

nenhum tipo de solenidade ou publicidade na sua constituiccedilatildeo por natildeo implicar a sujeiccedilatildeo

ao registo civil ou administrativo80 mas tambeacutem por natildeo haver em regra uma prova preacute-

constituiacuteda81 diferentemente do que sucede com o casamento estando nas matildeos dos

cocircnjuges a possibilidade de requerer a qualquer momento uma certidatildeo de casamento

A respeito da prova da uniatildeo de facto no acircmbito juriacutedico-civil recorde-se o regime

geral do oacutenus da prova previsto no artigo 342ordm CCiv que atribui a quem pretende invocar

um direito provar os factos que o constituem Isto eacute se um dos membros da uniatildeo de facto

pretender beneficiar da proteccedilatildeo juriacutedica conferida agrave uniatildeo de facto precisaraacute de demonstrar

a realidade dos factos que invoca para preenchimento dos pressupostos estabelecidos Nesta

mateacuteria tambeacutem satildeo aplicaacuteveis as normas gerais do oacutenus da prova a terceiro que pretenda

fundar um direito na uniatildeo de facto recaindo sobre ele o oacutenus de provar os factos que

consubstanciam o direito que alega Porquanto se vecirc que a prova de que se vive numa

79 Cfr ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoA convivecircncia laquomore uxorioraquo um olhar sobre o regime portuguecircs francecircs

e alematildeordquo in Direito Constitucional e o seu papel na construccedilatildeo do cenaacuterio juriacutedico global dir IRENE

PORTELA IPCA 1ordf Ed 2016 p 121 A uniatildeo de facto eacute uma realidade de convivecircncia continuada sem

qualquer forma exigida Natildeo existe a sujeiccedilatildeo a registo da uniatildeo de facto Ou seja a uniatildeo de facto no nosso

sistema natildeo se constitui consolida-se com o tempo ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoUNIAtildeO de facto versus

Casamento ndash Questotildees pessoais e patrimoniaisrdquo Gestlegal 1ordm ed 2019 p 158 80 O que natildeo permite saber com certeza a data a partir da qual se comeccedilam a contar os dois anos necessaacuterios agrave

produccedilatildeo de efeitos 81 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 72

31

situaccedilatildeo anaacuteloga agrave dos cocircnjuges pode revelar-se sinuosa e por isso eacute relevante desenvolver

essa mateacuteria no presente estudo

Nesta senda o artigo 2ordm-A nordm 1 da LUF prevecirc que a prova da uniatildeo de facto se faz

por qualquer meio legalmente admissiacutevel salvo se disposiccedilatildeo legal ou regulamentar exija

prova documental especiacutefica A prova seraacute maioritariamente testemunhal contudo natildeo se

deve excluir a possibilidade de prova documental ao realizar uma interpretaccedilatildeo extensiva

do termo vida previsto no artigo 34ordm nordm 1 do Decreto-Lei nordm 13599 de 22 de Abril que

regula a forma como atestados de residecircncia vida e situaccedilatildeo econoacutemica dos cidadatildeos

devem ser passados pelas Juntas de Freguesia82 Ou ainda como sugerem FRANCcedilA PITAtildeO e

MARTA COSTA mobilizar accedilatildeo judicial de simples apreciaccedilatildeo (ou de mera declaraccedilatildeo)

positiva83 com a qual os membros pretenderiam apenas obter a declaraccedilatildeo da existecircncia de

um facto que assentava na comunhatildeo de cama mesa e habitaccedilatildeo por mais de dois anos84

Contudo esta soluccedilatildeo poderia comportar o risco de ser usada por um dos membros agrave revelia

do outro com vista ao aproveitamento dos efeitos favoraacuteveis da uniatildeo mesmo que esta jaacute

esteja extinta Eacute precisamente por esta razatildeo que NUNO COSTA MAURIacuteCIO85

rejeita o recurso

a esta accedilatildeo pelos unidos Crecirc que natildeo eacute a soluccedilatildeo para a dificuldade da prova da uniatildeo de

facto devido aos problema que podiam advir da falta de controlo judicial da extinccedilatildeo da

uniatildeo de facto que consistiriam na possibilidade de um ou ambos os unidos continuarem a

usufruir de efeitos favoraacuteveis de uma situaccedilatildeo que jaacute se extinguiu

Poderaacute entatildeo fazer-se a prova documental atraveacutes de uma declaraccedilatildeo emitida pela

Junta de Freguesia competente sendo que esse documento deve ser acompanhado da

declaraccedilatildeo de ambos os membros conviventes que sob compromisso de honra afirmam que

vivem em uniatildeo de facto haacute mais de dois anos e da coacutepia das suas certidotildees de nascimento

Poreacutem a veracidade deste documento pode por vezes ser posta em causa e natildeo fazer prova

plena por natildeo se tratar normalmente de facto atestado com base nas perceccedilotildees da entidade

82 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p74 83 Cfr MARTA COSTA ob cit p387 FRANCcedilA PITAtildeO ldquoUniotildees de Facto e Economia Comum de acordo com

a Lei nordm 232010 de 30 de agostordquo obcit p78 84 Tendo os requerentes de tal accedilatildeo de provar natildeo soacute a sua natildeo coabitaccedilatildeo nos termos e condiccedilotildees previstos na

lei bem como a inexistecircncia de qualquer um dos impedimentos previstos no art 2ordm da LUF sob pena de a

decisatildeo judicial natildeo poder produzir nenhum efeito uacutetil Cfr FRANCcedilA PITAtildeO ldquoUniotildees de Facto e Economia

Comum de acordo com a Lei nordm 232010 de 30 de agostordquo obcit pp 78-79 85 Cfr NUNO COSTA MAURIacuteCIO ldquoO pecado mora ao ladordquo Um repensar da problemaacutetica juriacutedica das uniotildees

de facto e das relaccedilotildees patrimoniais entre unidos de facto Tese de Mestrado em Ciecircncias Juriacutedico-Civiliacutesticas

Faculdade De Direito Da Universidade De Coimbra Outubro 2000 p 76

32

documentadora86 Efetivamente o documento soacute prova que os interessados fizeram perante

o funcionaacuterio a afirmaccedilatildeo de que conviviam em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges desde

determinada data todavia natildeo quer dizer que natildeo se possa pocircr em causa a veracidade dessa

afirmaccedilatildeo87 Qualquer interessado pode demonstrar que o facto natildeo eacute verdadeiro por alegar

que a uniatildeo de facto natildeo existiu ou natildeo teve lugar durante o periacuteodo mencionado pelos

declarantes88 Ou seja o disposto no artigo 2ordm-A n ordm1 da LUF traduz-se apenas na

possibilidade que os unidos tecircm de apresentar documentos para demonstrarem os

pressupostos que permitem atribuir relevacircncia juriacutedica agrave uniatildeo de facto pois essa norma natildeo

confere qualquer valor probatoacuterio a tais documentos Posto isto o documento emitido pela

Junta de Freguesia natildeo eacute suficiente para demonstrar a existecircncia da uniatildeo de facto porquanto

a LUF natildeo exige apenas a alegaccedilatildeo de que duas pessoas vivem juntas haacute mais de dois anos

ou que natildeo se verifique nenhum dos impedimentos agrave constituiccedilatildeo da relaccedilatildeo eacute essencial

ainda que provem a sua coabitaccedilatildeo89

O nordm 5 do artigo 2ordm-A adverte tambeacutem para as sanccedilotildees penais que as falsas

declaraccedilotildees poderatildeo causar Como prova documental eacute um meio de prova fraacutegil e suscetiacutevel

de fraude esta norma funciona como advertecircncia que visa promover a conformidade entre

as declaraccedilotildees que os sujeitos fazem e a realidade que por eles eacute vivida esperando que a

ameaccedila da aplicaccedilatildeo de uma sanccedilatildeo penal iniba a alegaccedilatildeo de falsas declaraccedilotildees Tendo em

conta que o interesse da demonstraccedilatildeo dos requisitos que permitem atribuir relevacircncia

juriacutedica agrave situaccedilatildeo de facto eacute com o objetivo de se produzirem factos favoraacuteveis aos

86 Art 371ordm nordm 1 CCiv Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 72 87 Vide neste sentido o Acoacuterdatildeo do TCA Norte de 13-11-2020 proferido no acircmbito do processo nordm

00090151BECBR Natildeo oferece qualquer controveacutersia quer em sede doutrinal quer jurisprudencial que natildeo

sendo arguida a falsidade do documento autecircntico este faz prova plena dos factos praticados pela entidade

documentadora de sorte que tudo o que o documento referir como tendo sido praticado por essa entidade

tudo o que segundo o documento seja obra do seu Autor e bem assim tudo o que tenha sido percecionado

pelo mesmo tem de ser aceite como exato Assim as declaraccedilotildees que constam no documento como tendo sido

feitas perante a entidade documentadora ou seja o declarado perante a uacuteltima e que essa entidade ouviu

atraveacutes dos seus sentidos em consonacircncia com a parte final do nordm 1 do art 371ordm do CC beneficiam da prova

plena inerente agrave forccedila probatoacuteria conferida pelo oficial puacuteblico Deste modo se o presidente de junta consigna

no texto do atestado que a requerente e as referidas testemunhas declararam que ldquo(a) mesmo(a) residia haacute

mais de dois anos com o falecido A seu companheiro(a) ateacute agrave data de oacutebito (hellip)rdquo tem-se como plenamente

provado que essa declaraccedilatildeo foi efetivamente feita perante o presidente de junta de freguesia Mas tatildeo soacute Eacute

que daiacute natildeo decorre que a forccedila probatoacuteria desse atestado respeite a tudo o que nele se conteacutem A verdade

dos factos a que se reportam as declaraccedilotildees emitidas e que constam desse documento autecircntico- no caso o

atestado emitido pelo presidente de junta de freguesia- ficam sujeitas agrave livre apreciaccedilatildeo do julgador 88 Cfr JORGE DUARTE PINHEIRO ob cit p 529 89 Isto eacute que vivem em ldquouniatildeo de factordquo Cfr RITA LOBO XAVIER ldquoEstatuto Privadordquo dos membros da Uniatildeo

De Factordquo obcit p1518 E ainda sobre a importacircncia da coabitaccedilatildeo cfr FRANCcedilA PITAtildeO ldquoOs novos

casamentos ou a crise do casamento tradicional no direito portuguecircs ob cit p66

33

declarantes estaraacute sempre em causa a credibilidade de tais declaraccedilotildees que estaratildeo sujeitas

ao confronto com as demais provas e ao princiacutepio da livre apreciaccedilatildeo da prova90 acabando

por serem mais crediacuteveis as declaraccedilotildees feitas em detrimento dos declarantes91 A norma em

causa pretende apenas facilitar a demonstraccedilatildeo dos factos que satildeo considerados como

pressupostos da atribuiccedilatildeo de relevacircncia juriacutedica agrave uniatildeo de facto uma vez que a lei natildeo

adotou ainda um registo oficial desta relaccedilatildeo Cremos que a intenccedilatildeo do legislador foi libertar

os membros da uniatildeo de facto de terem de obter declaraccedilatildeo judicial para certificar a sua

convivecircncia respeitando a liberdade inerente a quem opta por este tipo de relaccedilatildeo Todavia

este eacute um tema controvertido e vem sido debatido na doutrina a possibilidade de registo da

uniatildeo de facto como forma de conferir publicidade a estas relaccedilotildees findar os problemas

relativos agrave sua prova e de colmatar esta que pode ser considerada uma das lacunas presentes

no regime juriacutedico portuguecircs da uniatildeo de facto Haacute quem entenda que uma vez que a uniatildeo

de facto se trata na maioria das vezes de uma opccedilatildeo de vida de acordo com a autonomia da

vontade de quem por ela optou o legislador deve respeitar essa escolha e intervir apenas se

necessaacuterio legislando somente em alguns aspetos pontuais92 Devendo quanto ao resto

abster-se e confiar na capacidade de autorregulamentaccedilatildeo dos membros da uniatildeo de facto

Neste seguimento o Bloco de Esquerda apresentou o Projeto de Lei n ordm45VIII93

que visava alterar a Lei nordm 13599 de 28 de Agosto Atraveacutes deste projeto apresentou

soluccedilotildees no que diz respeito agrave prova e ao registo da uniatildeo de facto94 sugerindo que o artigo

2ordm-A passasse a tratar da forma como a uniatildeo de facto eacute constituiacuteda que seria atraveacutes de

registo na junta de freguesia da aacuterea de residecircncia das pessoas em uniatildeo de facto ou apoacutes

90 Cfr RITA LOBO XAVIER ldquoA Uniatildeo de Facto e a Lei Civil no Ensino de Francisco Manuel Pereira Coelho e

Legislaccedilatildeo Atualrdquo em Textos de Direito da Famiacutelia para Francisco Pereira Coelho Coimbra Imprensa da

Universidade de Coimbra 2016 p 684 91 Cfr RITA LOBO XAVIER ldquoEstatuto Privadordquo dos membros da Uniatildeo De Factordquo obcit p1519 92 Cfr HEINRICH HOumlRSTER ldquoDireito da Famiacutelia e Poliacutetica Socialrdquo Publicaccedilotildees Universidade Catoacutelica Porto

2001 pp71-72 Segundo este A o legislador adotando uma postura prudente deve apenas legislar quando

estejam em causa interesses de terceiros ou seja da comunidade ou quando haja a necessidade de proteger os

filhos Nestas situaccedilotildees defende que o legislador pode e deve intervir e que quando se trate de legislar em

mateacuteria de uniatildeo de facto espera que seja feito com cuidado e ponderaccedilatildeo 93 Consultaacutevel em

httpswwwparlamentoptActividadeParlamentarPaginasDetalheIniciativaaspxBID=6308 94 No seu art 2ordm previam o aditamento do artigo 2ordmA e 2ordm B art 2ordm-A1 A uniatildeo de facto eacute constituiacuteda a)

Por registo na junta de freguesia da aacuterea de residecircncia das pessoas em uniatildeo de facto ou b) Apoacutes dois anos

em plena comunhatildeo de vida sem necessidade de registo 2 As uniotildees de facto constituiacutedas por registo

conforme a aliacutenea a) do nordm 1 do presente artigo estatildeo imediatamente reguladas pela presente lei Art 2ordm-B

A uniatildeo de facto constituiacuteda por registo eacute dissolvida por vontade de pelo menos um dos seus constituintes

expressa junto aos serviccedilos de registo da junta de freguesia da aacuterea da residecircncia

34

dois anos em plena comunhatildeo de vida sem necessidade de registo passando as uniotildees de

facto constituiacutedas por registo a estar imediatamente reguladas pela LUF sem necessidade

do decurso do prazo de dois anos Este projeto previa tambeacutem no artigo 2ordm-B o registo da

dissoluccedilatildeo junto dos serviccedilos da junta de freguesia atraveacutes da declaraccedilatildeo de pelo menos um

dos unidos O Projeto de Lei n ordm45VIII do BE95 cumpriu os requisitos constitucionais e

regimentais necessaacuterios para ser apreciado pelo plenaacuterio da Assembleia da Reacutepublica

Contudo apoacutes a adoccedilatildeo por parte da Comissatildeo de Assuntos Constitucionais Direitos

Liberdades e Garantias de um texto de substituiccedilatildeo relativo aos projetos nordm 6VII de

iniciativa do partido Os Verdes ao nordm 45VIII do BE e ao nordm 115VII do PCP e apoacutes a

aprovaccedilatildeo com votos favoraacuteveis do PS do PCP e do BE e votos contra do PSD do CDS-

PP e da Deputada Maria do Rosaacuterio Carneiro (PS) relativamente a cada artigo do texto de

substituiccedilatildeo os representantes na Comissatildeo dos Grupos Parlamentares do PCP e do BE bem

como a Srordf Deputada Isabel Castro (Os Verdes) declararam retirar as respetivas iniciativas

legislativas em benefiacutecio do texto de substituiccedilatildeo adotado entrando em vigor a Lei nordm

72001 de 11 de Maio que adotou medidas de proteccedilatildeo das uniotildees de facto Vigorando com

as subsequentes alteraccedilotildees ateacute aos dias de hoje

Conveacutem frisar que a questatildeo do registo da uniatildeo de facto pode ser encarada como

incompatiacutevel com a proacutepria natureza informal da uniatildeo de facto Desde logo NUNO COSTA

MAURIacuteCIO defende que subjacente agrave necessidade do registo reside sempre uma ideia de

certeza juriacutedica a qual transportada para o acircmbito da uniatildeo de facto vai implicar que a sua

prova nunca possa ser feita atraveacutes de uma declaraccedilatildeo unilateral da parte interessada tendo

de passar por uma acreditaccedilatildeo um crivo de publicidade que traraacute consigo e proporcionaraacute a

terceiros a certeza juriacutedica de que aquelas duas pessoas vivem em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos

cocircnjuges96 Poreacutem acredita que apesar das vantagens da certeza e seguranccedila juriacutedicas

inerentes ao instituto do registo as desvantagens se afloram maiores Em virtude de no que

respeita aos elementos constitutivos da uniatildeo de facto onde o essencial eacute estar-se perante

uma convivecircncia estaacutevel e duradoura semelhante agrave dos cocircnjuges natildeo deve bastar o facto de

duas pessoas se dirigirem a uma conservatoacuteria de registo ou a outra entidade puacuteblica e

declararem viver em uniatildeo de facto sem se apurar a autenticidade dessas declaraccedilotildees

95 Bem como os projetos de lei nordm 6VIII da iniciativa do Partido Ecologista Os Verdes o nordm 105VIII da

iniciativa do Partido Socialista e o nordm 115VIII da iniciativa do Partido Comunista Portuguecircs 96 Cfr NUNO COSTA MAURIacuteCIO ldquoO pecado mora ao ladordquo ob cit p 81

35

Acrescenta ainda que ao fazerem depender a eficaacutecia juriacutedica da uniatildeo de facto da sua

inscriccedilatildeo no registo tornando ineficazes as uniotildees que natildeo estivessem inscritas estariam a

forccedilar os unidos que optaram por esta forma de convivecircncia exatamente para dispensar

qualquer formalidade a inscrever a sua relaccedilatildeo O que se traduziria numa adulteraccedilatildeo da

intencionalidade e natureza da uniatildeo de facto Ou mesmo que se configurasse um registo

livre e voluntaacuterio quem preferisse a natildeo inscriccedilatildeo natildeo teria acesso a um regime legal de

proteccedilatildeo da uniatildeo de facto ficando agrave margem da lei o que geraria uma nova discriminaccedilatildeo

Nota por uacuteltimo que a inscriccedilatildeo das uniotildees de facto se iria traduzir na prestaccedilatildeo de

consentimento a uma relaccedilatildeo de facto por parte dos dois sujeitos e assim sendo poderia

estar-se perante um novo tipo de casamento ainda que se trate de um casamento de segundo

grau97 Tal consideraccedilatildeo iria contra o espiacuterito de liberdade e natildeo formalismo que preside agrave

uniatildeo de facto98 Depreendendo que devido agraves desvantagens inerentes ao registo a

dificuldade da prova da uniatildeo de facto seria mais facilmente superada se se permitisse aos

unidos de facto ao abrigo do princiacutepio da livre disponibilidade convencionar as

regulamentaccedilatildeo das suas relaccedilotildees99

De outra banda MARTA COSTA considera que se fosse instituiacutedo o registo

obrigatoacuterio para que os conviventes pudessem beneficiar da tutela legislativa prevista as

dificuldades que advecircm da prova da uniatildeo de facto ficariam diminuiacutedas e sairiam

privilegiadas a seguranccedila juriacutedica e a liberdade dos conviventes que poderiam decidir se

pretendiam ser legislativamente tutelados ou se optariam por uma relaccedilatildeo meramente

factual Realccedila ainda que a instituiccedilatildeo do registo transformaria a uniatildeo de facto em relaccedilatildeo

de direito num instituto juriacutedico formal ainda que a sua tutela fosse diminuta100 Durante a

sua anaacutelise aproveita para refutar algumas das desvantagens que NUNO COSTA MAURIacuteCIO

aponta agrave inscriccedilatildeo da uniatildeo de facto no registo Primeiramente em relaccedilatildeo agrave dificuldade de

apurar a veracidade das declaraccedilotildees dos unidos a A crecirc que depende da opccedilatildeo legislativa

97 Atentando-se agrave diferenccedila de grau no que diz respeito ao nuacutemero de efeitos juriacutedicos que cada um produz

Cfr NUNO COSTA MAURIacuteCIO ldquoO pecado mora ao ladordquo ob cit p82 98 Eacute na procura do momento da conciliaccedilatildeo entre a autoridade e liberdade e entre o puacuteblico e o privado que

residem os fundamentos das intervenccedilotildees legislativas no acircmbito das relaccedilotildees juriacutedico-familiares que devem

repousar ou fundamentos de poliacutetica legislativa relativos agrave atribuiccedilatildeo de efeitos de direito agrave uniatildeo de facto

(hellip) e estaacute na base das intervenccedilotildees legislativas feitas em alguns paiacuteses e nas exigecircncias feitas pela doutrina

noutros com vista agrave definiccedilatildeo de um estatuto juriacutedico da uniatildeo de facto Cfr GERALDO DA CRUZ ALMEIDA

ob cit pp 185-193 99 Cfr NUNO COSTA MAURIacuteCIO ldquoO pecado mora ao ladordquo ob cit p83 100 Cfr MARTA COSTA ob cit p 394

36

Isto eacute se com a obrigatoriedade do registo o legislador decidir que a tutela da relaccedilatildeo fique

dependente da duraccedilatildeo da mesma esta duraccedilatildeo pode contar-se apoacutes o registo ou exigir-se o

decurso da mesma para que os conviventes possam inscrever a relaccedilatildeo no registo mantendo-

se a dificuldade de determinar o seu iniacutecio Se por outro lado a tutela da convivecircncia natildeo

ficar dependente da sua duraccedilatildeo natildeo teraacute de haver uma convivecircncia preacutevia podendo duas

pessoas que queiram conviver dirigirem-se a uma entidade competente e registar a

convivecircncia que podia jaacute existir ou iniciar-se nesse momento101 Relativamente ao facto de

os unidos que optaram pela uniatildeo de facto para se eximirem de qualquer formalidade se

verem obrigados a proceder ao registo da sua relaccedilatildeo para evitar que a sua uniatildeo seja

inexistente a A discorda afirmando que os unidos natildeo se veriam forccedilados a proceder ao

registo podendo preferir manter uma verdadeira uniatildeo de facto agrave qual continuariam a ser

atribuiacutedos ainda que poucos alguns direitos e deveres102 face agrave nossa ordem juriacutedica

defendendo que a obrigatoriedade do registo ao lado do instituto do casamento e da relaccedilatildeo

puramente de facto serviria melhor os interesses de uma sociedade pluralista103 A A

diverge ainda da ideia imputada pelo A de representar uma discriminaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos

conviventes que optem pela natildeo inscriccedilatildeo por natildeo beneficiarem do regime de proteccedilatildeo da

uniatildeo de facto No seu entendimento eacute antes o reflexo do respeito pela escolha dos unidos

de manterem a sua uniatildeo verdadeiramente factual Remata a sua apreciaccedilatildeo afirmando que

o que vai contra o espiacuterito de liberdade que preside agrave uniatildeo de facto natildeo eacute a prestaccedilatildeo de

consentimento a uma relaccedilatildeo de facto por parte dos unidos mas antes a aplicaccedilatildeo automaacutetica

de um regime juriacutedico aos conviventes ainda que pouco densificado aditando que a

instituiccedilatildeo do registo obrigatoacuterio proporcionaria vaacuterias possibilidades que dependeriam da

real vontade dos interessados

101 Cfr MARTA COSTA ob cit p 396 102 Cfr MARTA COSTA ob cit p 397 103 Cfr MARTA COSTA ob cit p 398

37

52 Comparaccedilatildeo com o regime de outros ordenamentos juriacutedicos na Uniatildeo

Europeia

De forma a completar o raciociacutenio ateacute aqui apresentado cumpre agora uma sucinta

anaacutelise do regime juriacutedico da uniatildeo de facto em vigor em alguns ordenamentos juriacutedicos

europeus bem como outras figuras que advieram da jurisdicionalizaccedilatildeo da convivecircncia more

uxorio104 Assim importa primeiramente discorrer umas breves notas sobre o regime geral

previsto em cada um dos ordenamentos particularmente no que respeita agrave constituiccedilatildeo da

uniatildeo de facto aos seus efeitos e o seu regime de prova para que possamos posteriormente

expor as nossas conclusotildees e possiacutevel proposta de soluccedilatildeo

521 Espanha

Jaacute em 1986 EDUARDO ESTRADA ALONSO refletia sobre o conceito juriacutedico da uniatildeo

de facto em Espanha definindo o conceito de unioacuten extramatrimonial como uma

convivecircncia diaacuteria que eacute desenvolvida habitualmente pelos casamentos de forma estaacutevel e

duradoura sugerindo que o prazo miacutenimo deveria ser de cinco anos para que pudessem ser

consideradas pelo Direito Admite que essa convivecircncia natildeo seja necessariamente no sentido

da coabitaccedilatildeo mas no sentido de que haja pelo menos uma vontade de estar juntos a fim de

evitar que as separaccedilotildees temporaacuterias e involuntaacuterias ndash por motivos profissionais ndash impeccedilam

a produccedilatildeo dos efeitos juriacutedicos pretendidos por essas uniotildees Entende que eacute uma uniatildeo que

dispensa qualquer formalidade para ser constituiacuteda e que implica o cumprimento espontacircneo

sem obrigaccedilatildeo juriacutedica dos deveres conjugais por parte dos membros devendo ser uma

relaccedilatildeo monogacircmica onde haacute a manutenccedilatildeo de relaccedilotildees sexuais sem exigecircncia que

procriem105

Apesar de em Espanha natildeo se encontrar definido o conceito juriacutedico de famiacutelia nem

se as uniotildees de facto se enquadram nesse conceito o Tribunal Constitucional Espanhol tem

vindo a pronunciar-se sobre essa sua inclusatildeo ou natildeo no artigo 391 da Constituiccedilatildeo

Espanhola106 Em 1990 na sentenccedila nordm 1841990 de 15 de Novembro107 o TCE defendeu

104 Expressatildeo usada para caracterizar uma convivecircncia semelhante agrave do marido e mulher ou seja segundo os

costumes matrimoniais 105 Cfr EDUARDO ESTRADA ALONSO ob cit pp 52-73 106 1 Los poderes puacuteblicos aseguran la proteccioacuten social econoacutemica y juriacutedica de la familia Constituiccedilatildeo

Espanhola consultaacutevel em

httpswwwtribunalconstitucionalesestribunalnormativaNormativaCEportuguC3A9spdf 107 Sobre a importacircncia desta sentenccedila cfr JUAN FORNEacuteS ldquoMatrimonio y uniones de hechordquo Ius Canonicum

XL n ordm80 2000 p 404

38

que este tipo de convivecircncia natildeo encontrava previsatildeo no artigo 391 da Constituiccedilatildeo

Espanhola sugerindo que este artigo estava reservado agrave proteccedilatildeo da famiacutelia num ambiente

marital e pela existecircncia de filhos natildeo obstante as parejas de hecho poderem ser protegidas

constitucionalmente atraveacutes da mobilizaccedilatildeo do artigo 101 que postula o direito ao

desenvolvimento da personalidade108 Contrariamente o magistrado GIMENO SENDRA do

TCE sustentou num voto particular nessa sentenccedila a diferenciaccedilatildeo entre a famiacutelia e o

casamento afirmando que a constituiccedilatildeo espanhola previa duas situaccedilotildees distintas o artigo

391 consagrava a proteccedilatildeo da famiacutelia e o artigo 321109 previa a defesa do matrimoacutenio assim

protegendo o artigo 391 no solo a la famiacutelia como institucioacuten juriacutedica sino tambieacuten la

familia como realidad natural por lo que junto a la familia matrimonial tambieacuten han de

merecer proteccioacuten constitucional las denominadas uniones conyugales de hecho110 Em

1992 nesta mesma linha de pensamento na sentenccedila nordm 22292 de 11 de Dezembro o TCE

salientou que o artigo 39 da Constituiccedilatildeo Espanhola protege natildeo soacute a famiacutelia matrimonial

mas tambeacutem a natildeo matrimonial e assim as relaccedilotildees de convivecircncia constituiriam relaccedilotildees

familiares independentemente de terem filhos ou natildeo cabendo no acircmbito de incidecircncia

desse artigo Posteriormente em 28 de Fevereiro de 1994 na sentenccedila nordm 6694 o mesmo

tribunal voltou ao entendimento sufragado em 1990 defendendo a natildeo equivalecircncia entre

casamento e uniatildeo de facto para efeitos do artigo 39 Por fim este entendimento foi reiterado

na sentenccedila nordm 3998 de 17 de Fevereiro de 1998 e a 17 de Junho de 1999 com a sentenccedila

nordm 11699111 foi aceite a posiccedilatildeo defendida pela magistrado GIMENO SENDRA Assim

determinou o Tribunal Constitucional Espanhol que o artigo 391 natildeo identifica que a famiacutelia

que visa proteger eacute a que tem origem no casamento existindo outras modalidades de vida

familiar a par do casamento que refletem una sociedad plural Aleacutem da jurisprudecircncia

tambeacutem a doutrina tem divergido sobre a amplitude de aplicaccedilatildeo deste preceito

constitucional Atualmente o entendimento maioritaacuterio parece estar mais favoraacutevel agrave

inclusatildeo da convivecircncia more uxorio no artigo 391112

108 Tal como recorde-se eacute defendido em Portugal por alguns autores 109 1 El hombre y la mujer tienen derecho a contraer matrimonio con plena igualdad juriacutedica 110 Cfr MARTA COSTA ob cit p 111 111 Cfr JUAN FORNES ob cit p403 112 Cfr JOSEacute RAMOacuteN DE VERDA Y BEAMONTE ldquoLa Ley 52012 de 15 de octubre de uniones de hecho

formalizadas de la Comunidad Valencianardquo Rev boliv de derecho nordm 19 enero 2015 p 772 El precepto

habla de ldquofamiliardquo y no de ldquofamilia legiacutetimardquo (o ldquomatrimonialrdquo) por lo que la proteccioacuten que el precepto

otorga a la familia no debe identificarse necesariamente con la que tiene origen en el matrimonio el cual se

39

Ora diferentemente do que sucede em Portugal o legislador espanhol natildeo se

ocupou de regular de forma uniforme o regime da uniatildeo de facto113 Ao inveacutes as

comunidades autoacutenomas espanholas no acircmbito das suas competecircncia legislativas114

adotaram ainda que de forma distinta regras proacuteprias que regulam este tipo de convivecircncia

natildeo matrimonial Desde logo a maioria qualifica a convivecircncia more uxorio como relaccedilatildeo

familiar Pode ler-se na Ley Foral 62000 de 3 de julio da Comunidade Foral de Navarra

ora revogada115 no seu artigo 2 que ningueacutem pode ser discriminado em razatildeo do grupo

familiar de que faz parte quer seja proveniente de filiaccedilatildeo casamento ou uniatildeo de duas

pessoas que convivam em relaccedilatildeo afetiva semelhante independentemente da sua orientaccedilatildeo

sexual Esta disposiccedilatildeo foi reproduzida por leis de outras Comunidades como as Astuacuterias

Extremadura e Andaluzia116 Contrariamente outras comunidades como as Ilhas Baleares

natildeo as qualificam dessa forma No artigo 3 da Ley 182001 de 19 de diciembre prevecirc-se

que a formaccedilatildeo de uniatildeo de facto natildeo gere relaccedilatildeo de parentesco entre cada um de seus

membros e os familiares do outro Contudo na exposiccedilatildeo de motivos da dita lei eacute chamado

agrave colaccedilatildeo o artigo 391 da constituiccedilatildeo espanhola em nome da proteccedilatildeo social econoacutemica e

juriacutedica da famiacutelia indicando que essa norma natildeo visa proteger apenas um modelo de

famiacutelia sendo necessaacuterio fazer uma interpretaccedilatildeo ampliada desse conceito de acordo com a

realidade social A exposiccedilatildeo de motivos estabelece ainda que o artigo 32 ao prever o direito

de contrair matrimoacutenio tambeacutem prevecirc o direito a natildeo o fazer o que natildeo prejudica o direito

de todos os homens e mulheres de constituir por meio de uma uniatildeo efetiva e estaacutevel uma

comunhatildeo de vida que com ou sem filhos implique a constituiccedilatildeo de uma famiacutelia

regula en un precepto especiacutefico (art 32 CE) y en capiacutetulo diverso No mesmo sentido LUIS PEacuteREZ

FERNAacuteNDEZ ldquoLas Uniones Extramatrimoniales En Espantildea iquestEs Necesaria Su Regulacioacutenrdquo in Revista Juriacutedica

de Astuacuterias nordm 40 2017 p162 En nuestros diacuteas tanto matrimonio como la unioacuten extramatrimonial pueden

constituir una familia y estaacuten amparados por la misma proteccioacuten social econoacutemica y juriacutedica del artiacuteculo

391 de la Constitucioacuten espantildeola cuyo tenor literal establece laquoLos poderes puacuteblicos aseguran la proteccioacuten

social econoacutemica y juriacutedica de la familiaraquo 113 Ou concubinato parejas de hecho parejas cohabitantes uniones de hecho uniones libres convivencias

no matrimoniales matrimonios laquosin papelesraquo convivencias prenupciales () CfrGERARDO MEIL

LANDWERLIN ldquoLas uniones de hecho en Espantildeardquo Madrid Centro de Investigaciones Socioloacutegicas 2003 p

26 114 Cfr MARTA COSTA ob cit p 349 115 Lei original consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2000-16373 modificada e

atualizada pela Ley Foral 212019 de 4 de abril consultaacutevel em httpswwwboeeselies-

nclf2019040421 116 Respetivamente Ley 42002 de 23 de mayo de Parejas Estables Ley 52003 de 20 de marzo de parejas

de hecho de la Comunidad Autoacutenoma de Extremadura Ley 52002 de 16 de diciembre de Parejas de Hecho

40

Ademais assiste-se a uma coexistecircncia entre uniones extramatrimoniales

formalizadas e as puramente faacutecticas117 o que se reflete nos meios probatoacuterios No

ordenamento juriacutedico espanhol satildeo aceitaacuteveis todos os meios de prova que sejam admitidos

nos termos gerais do direito A exigecircncia da aparecircncia externa da convivecircncia entre unidos

de facto tem estreita relaccedilatildeo com a prova da mesma mostrando-se a jurisprudecircncia flexiacutevel

ao considerar suficientes para esse efeito as declaraccedilotildees dos conviventes ou seja a prova

testemunhal sem que documentos de caraacuteter administrativo a possam pocircr em causa As

disposiccedilotildees do acircmbito estatal natildeo precisam os requisitos pessoais nem as formas de

constituiccedilatildeo da uniatildeo de facto118 Jaacute no que toca ao direito regional prevalece a diversidade

havendo leis que admitem todos os meios de prova e outras que sendo mais restritivas

requerem o registo obrigatoacuterio Um exemplo de lei que admite qualquer meio de prova

admissiacutevel no direito eacute a Ley 42002 de 23 de mayo do principado das Astuacuterias119 A

Comunidade de Andaluzia prevecirc a possibilidade da declaraccedilatildeo de vontade de constituir uma

pareja de hecho mediante el otorgamiento de escritura puacuteblica o por cualquier otro medio

de prueba admisible en Derecho120 Jaacute comunidades como Extremadura121 Ilhas Baleares122

Cantaacutebria123 e Paiacutes Vasco124 exigem a inscriccedilatildeo das uniotildees de facto no registo para a sua

constituiccedilatildeo e por conseguinte como forma de provar a relaccedilatildeo Na comunidade de

Aragatildeo125 prevecirc-se a inscriccedilatildeo da relaccedilatildeo no registo administrativo podendo provar-se a

existecircncia da relaccedilatildeo se natildeo houver escritura puacuteblica por qualquer meio de prova admitido

no direito

117 Cfr NATALIA ALVAREZ LATA ldquoLas Parejas De Hecho Perspectiva Jurisprudencialrdquo Derecho Privado y

Constitucioacuten nordm 12 enero- diciembre 1998 p 15 118 Para mais desenvolvimentos no acircmbito de normas estatais cfr MARTA COSTA ob cit p 388 119 Art 3 n ordm3 La existencia de pareja estable o el transcurso del antildeo de convivencia podraacuten acreditarse

atraveacutes de cualquier medio de prueba admitido en Derecho

Consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2002-13017 120 Art 5 nordm 3 Consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2003-771 121 Art 4 da Ley 52003 de 20 de marzo consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-

2003-9450 122 Art1 nordm2 da Ley 182001 de 19 de diciembre consultaacutevel em

httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2002-917ampa=aamporden=conterefpost 123 Art 5 da Ley 12005 de 16 de mayo consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2005-

9402 124 Art 3 e 4 da Ley 22003 de 7 de mayo consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-

2011-18545 125 Ley 61999 de 26 de marzo derrogada pelo Decreto Legislativo 12011 de 22 de marzo consultaacutevel em

httpswwwboeesbuscardocphpid=BOA-d-2011-90007

41

Apoacutes a anaacutelise das soluccedilotildees que as comunidades autoacutenomas apresentam eacute de notar

a diversidade de caminhos que sugerem e que satildeo desconhecidos ao direito portuguecircs pelo

menos para jaacute

522 Franccedila

Tal como sucede em Espanha o ordenamento juriacutedico francecircs natildeo contempla uma

definiccedilatildeo de famiacutelia nem em termos constitucionais nem no Code Civil ou Code de la

Familie Tradicionalmente a doutrina tem vindo a definir famiacutelia como o grupo de pessoas

que estatildeo ligados por laccedilos fundados essencialmente pelo casamento e parentesco126 As

relaccedilotildees de concubinage natildeo cabem em princiacutepio neste conceito127 Poreacutem atualmente a

natureza familiar dos laccedilos criados pelo PACS tem sido questionada e ao receber resposta

afirmativa por parte da jurisprudecircncia eacute possiacutevel perceber-se que estaacute em curso uma

modificaccedilatildeo no que respeita agrave noccedilatildeo de famiacutelia apresentando-se cada vez menos riacutegida128

No Tiacutetulo XII no Code Civil encontramos as duas figuras que ocuparatildeo agora a

nossa anaacutelise o pacte civil de solidariteacute e le concubinage129 Em primeiro lugar o artigo

515-2 define o PACS como o contrato celebrado por duas pessoas singulares maiores de

idade do mesmo sexo ou de sexo diferente para organizarem a sua vida em comum Le

concubinage eacute definido pelo artigo 515-8 como uma uniatildeo de facto caracterizada por uma

vida comum de estabilidade e continuidade entre duas pessoas de sexo diferente ou igual

que vivem como um casal130 Importa frisar que esta relaccedilatildeo deve dispor alguns elementos

constitutivos que a possam qualificar como tal131 Entre os elementos suscetiacuteveis de

126 Por sua vez o Institut National De La Stastistique et des Etudes Economiques define que une famille est la

partie dun meacutenage comprenant au moins deux personnes et constitueacutee soit dun couple vivant au sein du

meacutenage avec le cas eacutecheacuteant son ou ses enfant(s) appartenant au mecircme meacutenage soit dun adulte avec son ou

ses enfant(s) appartenant au mecircme meacutenage (famille monoparentale)

Pour quune personne soit enfant dune famille elle doit ecirctre ceacutelibataire et ne pas avoir de conjoint ou denfant

faisant partie du mecircme meacutenage Consultaacutevel em httpswwwinseefrfrmetadonneesdefinitionc1465 127 Cfr ALAIN BENABENT lsquorsquoDroit de la famillersquorsquo LGDJ 4ordm ed 2018 p15 128 Idem 129Consultaacutevel

emhttpswwwlegifrancegouvfrcodessection_lcLEGITEXT000006070721LEGISCTA000006118360

LEGISCTA000006118360 130 O que implica certas consequecircncias legais para os indiviacuteduos que escolheram esta forma de conjugalidade

em oposiccedilatildeo ao casamento Enquanto o casal surgido do casamento estaacute sujeito a um conjunto de regras que

formam um estatuto natildeo existe um estatuto de coabitaccedilatildeo mesmo que a coabitaccedilatildeo seja marcada pela adesatildeo

contiacutenua agraves regras aplicaacuteveis aos cocircnjuges JACQUELINE RUBELLIN-DEVICHI ldquoDroit de la famillerdquo Paris

Dalloz 2001 XXXVII p 373 131 Cfr GERARD GOLDSTEIN lsquorsquoLa cohabitation hors mariage en droit international priveacutersquorsquo in Recueil des Cours

ndash Collected Courses Of The Hague Academy Of Internation Law Tomo 320 Martinus Nijhoff Publishers

2006 p 95

42

caracterizar como concubinage haacute alguns que consoante o caso satildeo particularmente

necessaacuterios em detrimento de outros Le concubinage natildeo se baseia apenas em relaccedilotildees

estaacuteveis e contiacutenuas que envolvem uma comunhatildeo de vida com coabitaccedilatildeo Aleacutem de haver

uma comunhatildeo de casa eacute ainda necessaacuterio que haja uma comunhatildeo de leito ou seja que

exista a manutenccedilatildeo de relaccedilotildees sexuais tal como no nosso ordenamento juriacutedico Aleacutem do

mais eacute importante que seja puacuteblica isto eacute conhecida por terceiros132

Quanto ao regime legal do concubinage este eacute inexistente Os efeitos do casamento

natildeo satildeo aplicaacuteveis agrave relaccedilatildeo de uniatildeo de facto no ordenamento juriacutedico francecircs A situaccedilatildeo

vivenciada pelos conviventes difere da dos cocircnjuges tanto do ponto de vista patrimonial

como do ponto de vista extrapatrimonial nomeadamente no que respeita aos direitos e

deveres conjugais previstos nos artigos 212ordm a 226ordm Code Civil133 Estes natildeo satildeo extensiacuteveis

aos membros da uniatildeo de facto pois a sua comunhatildeo de vida assenta num facto e nunca num

dever Independentemente da duraccedilatildeo da relaccedilatildeo os membros da uniatildeo de facto permanecem

juridicamente estranhos um ao outro natildeo gerando qualquer estado civil nem a possibilidade

de adotarem o nome do outro A situaccedilatildeo de facto estaacute no acircmbito pessoal isenta de qualquer

tipo de regulamento especiacutefico sendo regulada essencialmente pelo direito comum

Possibilitando que a sua rutura seja mais simples podendo qualquer dos membros pocircr fim agrave

relaccedilatildeo a todo o momento134 No tocante a efeitos patrimoniais natildeo existem efeitos diretos

ligados agrave uniatildeo de facto e natildeo haacute norma semelhante ao artigo 220ordm Code Civil135

relativamente ao regime do concubinage responsabilizando solidariamente os membros

pelas diacutevidas do outro No acircmbito fiscal os unidos declaram os seus rendimentos

separadamente sendo considerados individualmente Ao contraacuterio do casamento natildeo haacute o

dever de assistecircncia entre os conviventes e a existir eacute inteiramente voluntaacuterio Como foi

dito sem ser o regime primaacuterio natildeo existe um regime entre os conviventes como existe no

132 Atualmente natildeo eacute necessaacuteria a diferenccedila de sexos para que se possa qualificar a relaccedilatildeo como concubinage

sendo considerado da mesma forma quer se trate de pessoas do mesmo sexo ou de sexo diferente art 515-8

do Code Civil Para mais desenvolvimentos quanto aos elementos caracterizadores cfr JACQUELINE

RUBELLIN-DEVICHI ob cit p 375 133 Cfr BRIGITTE HESS-FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HELENE HESS ldquoDroit de la famillerdquo

ParisSirey DL 2009 XII p89 134 Cfr JACQUELINE RUBELLIN-DEVICHI ob cit p 391 135 1ordf parte Chacun des eacutepoux a pouvoir pour passer seul les contrats qui ont pour objet lentretien du meacutenage

ou leacuteducation des enfants toute dette ainsi contracteacutee par lun oblige lautre solidairement Cfr JEAN

CARBONNIER ob cit p 671

43

casamento Surgindo assim a tentativa de desenvolver na Franccedila inspirada por outros

ordenamentos os contratos de coabitaccedilatildeo que devem reger apenas aspetos patrimoniais

Contudo surgiram duacutevidas sobre a validade deste tipo de contratos no acircmbito do

direito francecircs Consideradas individualmente as claacuteusulas relativamente a aspetos

patrimoniais poderiam ser consideradas vaacutelidas todavia analisando a sua dinacircmica em

conjunto poderia tornar o contrato iliacutecito por dar forccedila obrigatoacuteria a uma espeacutecie de

casamento privado violando o monopoacutelio do Estado em mateacuteria de casamento136 A

permissatildeo de existecircncia destes contratos eacute excecional visto que a partir de 1999 os membros

da uniatildeo de facto puderam convencionar a sua relaccedilatildeo como entendiam atraveacutes do Pacto

Civil de Solidariedade

A prova do concubinage pode ser feita pelos membros ou por terceiros

Contrariamente ao que acontece no casamento em que os cocircnjuges podem facilmente provar

o seu estado civil atraveacutes da sua certidatildeo de casamento lavrada oficialmente pelo funcionaacuterio

do registo civil os conviventes natildeo dispotildeem de nenhuma prova preacute-constituiacuteda No entanto

por se tratar de um facto juriacutedico pode ser provado por qualquer meio de prova admissiacutevel

pelo direito nos termos gerais designadamente atraveacutes de certificados documentos

declaraccedilotildees de honra e ainda com o recurso agrave prova testemunhal137 A sua prova natildeo gera

em princiacutepio grande dificuldade para os membros dado que os organismos que exigem a

prova dessa convivecircncia impotildeem requisitos razoaacuteveis Caso diferente eacute a prova da

convivecircncia por terceiros que podem ver essa possibilidade limitada pelo direito agrave vida

privada do convivente por forccedila dos artigos 9 do Code Civil138 e 8ordm da CEDH139

O pacte civil de solidariteacute conhecido como PACS foi criado a 15 de novembro de

1999 pela lei nordm 99-944 contudo o atual conteuacutedo e estrutura do PACS natildeo eacute o que foi

inicialmente previsto pela referida lei devido agrave grande reforma que sofreu em 2006140 A

criaccedilatildeo deste instituto deveu-se essencialmente agrave necessidade dos casais do mesmo sexo

obterem reconhecimento puacuteblico da sua relaccedilatildeo visto que em 1999 soacute os casais

136 Cfr JEAN CARBONNIER ob cit p681 137 Cfr JACQUELINE RUBELLIN-DEVICHI ob cit p 389 MARTA COSTA ob cit p 390 BRIGITTE HESS-

FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HELENE HESS ob cit p 91 JEAN CARBONNIER ob cit

p775 138 Art 9 do Code Civil 1ordf parte Chacun a droit au respect de sa vie priveacutee 139 Cfr JACQUELINE RUBELLIN-DEVICHI ob cit p 387 MARTA COSTA ob cit p 390 140 Cfr ALBANA METAJ - STOJANOVA ldquoFrench Civil Partnership Contract (Pacs)rdquo South East European

University Vol 14 n ordm1 2019 p 136

44

heterossexuais poderiam optar pelo casamento ou pelo concubinage restando aos casais

homossexuais a uacuteltima alternativa141 Aleacutem disto o PACS veio igualmente satisfazer as

necessidades dos casais heterossexuais que pretendiam regular contratualmente a sua

relaccedilatildeo mas sem formalismo na sua constituiccedilatildeo permitindo-lhes organizar a sua vida

conjunta ndash podendo tratar-se por vezes de um ldquoensaiordquo para um futuro casamento ndash e em

caso de dissoluccedilatildeo evitar os procedimentos inerentes ao divoacutercio que podem ser longos e

dispendiosos142

Este instituto natildeo deve ser confundido nem com o casamento nem com o

concubinage143 O PACS tem bastante adesatildeo144 precisamente por se diferenciar do

casamento em alguns aspetos embora apresentem vaacuterias semelhanccedilas contratualmente o

primeiro natildeo se coaduna com a regulaccedilatildeo da vida familiar e dos filhos apenas a vida do

casal

141 Apenas a 17 de maio de 2013 com a lei 2013-404 foi garantida a possibilidade do casamento entre pessoas

do mesmo sexo 142 Cfr BRIGITTE HESS-FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HELENE HESS ob cit p78 143 Neste sentido sobre as diferenccedilas entre cada um destes trecircs regimes em concreto sobre a diferenccedila de

tratamento para atribuiccedilatildeo de pensatildeo de sobrevivecircncia vide Decisatildeo nordm 2011-155 QPC do Conseil

Constitutionnel de 29-07-2011 5 Consideacuterant en premier lieu que le concubinage est deacutefini par le seul

article 515-8 du code civil comme laquo une union de fait caracteacuteriseacutee par une vie commune preacutesentant un

caractegravere de stabiliteacute et de continuiteacute entre deux personnes de sexe diffeacuterent ou de mecircme sexe qui vivent en

couple raquo quagrave la diffeacuterence des eacutepoux les concubins ne sont leacutegalement tenus agrave aucune solidariteacute financiegravere

agrave leacutegard des tiers ni agrave aucune obligation reacuteciproque 6 Consideacuterant en deuxiegraveme lieu quen vertu de larticle

515-4 du code civil les partenaires lieacutes par un pacte civil de solidariteacute laquo sengagent agrave une vie commune ainsi

quagrave une aide mateacuterielle et une assistance reacuteciproques raquo que laquo si les partenaires nen disposent autrement

laide mateacuterielle est proportionnelle agrave leurs faculteacutes respectives raquo quen outre ils sont laquo tenus solidairement

agrave leacutegard des tiers des dettes contracteacutees par lun deux pour les besoins de la vie courante raquo quainsi

contrairement aux personnes vivant en concubinage les partenaires sont assujettis agrave des obligations

financiegraveres reacuteciproques et agrave leacutegard des tiers que toutefois les dispositions du code civil ne confegraverent aucune

compensation pour perte de revenus en cas de cessation du pacte civil de solidariteacute au profit de lun des

partenaires ni aucune vocation successorale au survivant en cas de deacutecegraves dun partenaire 7Consideacuterant en

troisiegraveme lieu que le reacutegime du mariage a pour objet non seulement dorganiser les obligations personnelles

mateacuterielles et patrimoniales des eacutepoux pendant la dureacutee de leur union mais eacutegalement dassurer la protection

de la famille que ce reacutegime assure aussi une protection en cas de dissolution du mariage 8 Consideacuterant

par suite que le leacutegislateur a dans lexercice de la compeacutetence que lui reconnaicirct larticle 34 de la Constitution

deacutefini trois reacutegimes de vie de couple qui soumettent les personnes agrave des droits et obligations diffeacuterents que la

diffeacuterence de traitement quant au beacuteneacutefice de la pension de reacuteversion entre les couples marieacutes et ceux qui

vivent en concubinage ou sont unis par un pacte civil de solidariteacute ne meacuteconnaicirct pas le principe deacutegaliteacute

Consultaacutevel em httpswwwconseil-constitutionnelfrdecision20112011155QPChtm 144 Para anaacutelise de alguns dados estatiacutesticos relativamente agrave evoluccedilatildeo do nuacutemero de PACS registados entre

2000 e 2007 Cfr BRIGITTE HESS-FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HEacuteLEgraveNE HESS ob cit

p78 Consultar httpswwwinseefrfrstatistiques2381498 para anaacutelise do nuacutemero de casamentos e PACS

em relaccedilotildees heterossexuais entre 1990 e 2019 sendo de realccedilar que em 2018 o nuacutemero de casamentos e de

PACS foi muito semelhante verificando-se uma diferenccedila de 28 mil casamentos em relaccedilatildeo aos PACS

Relativamente agraves relaccedilotildees homossexuais a diferenccedila eacute ainda menor sendo os dados quase equivalentes

45

Deve ainda obedecer a vaacuterias regras para a sua formaccedilatildeo Soacute pode ser celebrado

entre pessoas maiores de idade que natildeo sejam parentes em linha reta ou colateral ateacute ao

terceiro grau e que natildeo estejam casadas ou tenham celebrado PACS com outra pessoa145 A

sua celebraccedilatildeo deve cumprir as regras do direito comum contratual e natildeo deve ser contraacuterio

agrave ordem puacuteblica A forma sob a qual o acordo deve ser redigido eacute livre porque o artigo 515-

3 do Code Civil natildeo especifica a sua forma e os parceiros podem redigir eles proacuteprios ou

optar que a redaccedilatildeo seja feita por um notaacuterio Por conseguinte os parceiros satildeo livres de

escolher a forma do PACS podendo o acordo ser um ato autecircntico ou um ato privado

Terminada a redaccedilatildeo do acordo os parceiros devem fazer uma declaraccedilatildeo conjunta do

acordo devendo o notaacuterio do registo civil registar o pacto depois de verificar as condiccedilotildees

necessaacuterias para a conclusatildeo do acordo e mandar executar as formalidades de publicaccedilatildeo

previstas no artigo 515-3 Code Civil permitindo que seja oponiacutevel a terceiros Apoacutes a sua

vaacutelida formaccedilatildeo o PACS estaacute em condiccedilotildees de produzir efeitos na vida dos parceiros no

acircmbito pessoal146 e patrimonial regidos pelas disposiccedilotildees dos artigos 515-4 a 515-5-3 do

Code Civil147 Por uacuteltimo a dissoluccedilatildeo do PACS eacute muito mais simples do que a dissoluccedilatildeo

de casamento uma vez que existem apenas quatro situaccedilotildees cada uma das quais com um

procedimento para a dissoluccedilatildeo do mesmo tais como a rutura unilateral a rutura de comum

acordo por casamento dos membros ou de um deles e a morte de um dos membros Os

procedimentos que devem seguir cada uma destas circunstacircncias estatildeo previstos no artigo

515-7 do Code Civil

Sem embargo de todas as condiccedilotildees de forma que o PACS estaacute sujeito haacute algumas

incoerecircncias quanto ao seu regime de prova por terceiros148 Depois do registo do acordo eacute

entregue aos pactuantes um atestado de inscriccedilatildeo em que constam os seus nomes data e

lugar de nascimento e a data do registo do pacto natildeo sendo conservadas pelo notaacuterio as

convenccedilotildees que satildeo exibidas para serem assinadas e para ser verificadas as condiccedilotildees de

validade do acordo Porquanto se um terceiro quiser ter acesso ao conteuacutedo de um PACS

apenas poderaacute fazecirc-lo se pedir aos proacuteprios pactuantes salvaguardando assim o direito agrave

reserva da vida privada dos parceiros

145 Sob pena de nulidade art 515-2 Code Civil 146 Assentam essencialmente no compromisso de viverem em comunhatildeo de vida e de fornecerem ajuda e

assistecircncia muacutetua 147 Cfr BRIGITTE HESS-FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HEacuteLEgraveNE HESS ob cit p 85 148 Cfr MARTA COSTA ob cit p 390

46

53 O Acoacuterdatildeo do STJ de 22 de Marccedilo de 2018 processo

nordm6380169T8CBRC1 S1

Decidimos analisar este Acoacuterdatildeo por entendermos que representa de forma clara os

problemas que a prova da coabitaccedilatildeo causa Demonstrando que natildeo eacute uma questatildeo unacircnime

na jurisprudecircncia pois eacute objeto de decisotildees diacutespares natildeo deixando de ser bem

fundamentadas Em causa estaacute uma accedilatildeo em processo comum que tem como Autor o

Instituto da Seguranccedila Social nomeadamente o Centro Nacional de Pensotildees e como Reacute

quem alega ter mantido uma relaccedilatildeo de uniatildeo de facto com o beneficiaacuterio dessa pensatildeo ateacute

agrave data da morte deste Antes de mais urge atentar brevemente aos factos dados como

provados relevantes para a presente anaacutelise

A Reacute encetou um relacionamento amoroso com o falecido em 1991 passando a ter

relaccedilotildees sexuais e a fazer as refeiccedilotildees com o de cujos na casa onde este vivia Em 1996 a

Reacute passou a pernoitar na casa do de cujos de onde se ausentava nos fins de semana em que

a filha do beneficiaacuterio o visitava duas vezes por mecircs ou quando existia uma discussatildeo entre

o casal Manteve o arrendamento da sua casa para onde ia quando uma destas circunstacircncias

ocorriam suportando os encargos inerentes a esta manutenccedilatildeo Os sujeitos dividiam entre si

as despesas do supermercado e a Reacute acompanhava o beneficiaacuterio agraves consultas e agraves urgecircncias

do hospital sempre que necessaacuterio Na sequecircncia da morte do beneficiaacuterio a 14 de julho de

2015 a Reacute requereu a atribuiccedilatildeo das pensotildees devidas pela morte do mesmo invocando a sua

qualidade de unida de facto por ter vivido com o de cujos em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos

cocircnjuges desde 17 de Agosto de 1991 ateacute agrave sua morte Como prova da qualidade de unida

de facto apresentou atestado emitido pela Junta de Freguesia que certificava que esta residia

em comunhatildeo de mesa e habitaccedilatildeo com o beneficiaacuterio desde 1991 ateacute agrave data da sua morte

documentos exigidos pelo artigo 2ordm-A nordm 4 da LUF Contudo a filha do de cujos informou

o CNP de que a alegaccedilatildeo da Reacute natildeo era verdadeira pois esta sempre residiu em habitaccedilatildeo

distinta do beneficiaacuterio

Note-se que a demonstraccedilatildeo dos factos pressupostos para a relevacircncia juriacutedica da

uniatildeo de facto foi facilitada relativamente ao acesso agraves prestaccedilotildees do Estado no caso de

morte devido agrave possibilidade que eacute dada aos pretensos beneficiaacuterios de determinados

direitos (nomeadamente interessados que pretendam beneficiar dos efeitos previstos na lei

em face dos herdeiros do falecido artigo 2020ordm CCiv do senhorio artigo 1105ordm e 1106ordm

47

CCiv das entidades responsaacuteveis pelo pagamento das prestaccedilotildees por morte artigo 6ordm nordm 2

da LUF) No que respeita ao acesso agraves prestaccedilotildees sociais em caso de morte o artigo 6ordm nordm2

da LUF prevecirc a possibilidade da entidade responsaacutevel pelo pagamento das prestaccedilotildees

previstas nas aliacuteneas e) f) g) do artigo 3ordm caso entenda que existem fundadas duacutevidas sobre

a existecircncia da uniatildeo de facto poder solicitar meios de prova complementares149 e se na

sequecircncia dessas diligecircncias subsistirem duacutevidas a entidade deve promover a competente

accedilatildeo judicial com vista agrave sua comprovaccedilatildeo Foi o que sucedeu no caso em apreccedilo tendo a

entidade responsaacutevel pelo pagamento das prestaccedilotildees sociais por morte - tratando-se do

Instituto da Seguranccedila Social nomeadamente o Centro Nacional de Pensotildees no caso que

estamos a analisar- proposto a competente accedilatildeo judicial150

No seguimento da interposiccedilatildeo desta accedilatildeo pelo ISS a Reacute respondeu afirmando que

durante 24 anos viveu em comunhatildeo de mesa cama e casa com o de cujos e alegou que natildeo

se desfez da sua casa por uma questatildeo de precauccedilatildeo O Tribunal da 1ordf instacircncia julgou a accedilatildeo

parcialmente procedente e julgou natildeo reconhecida a vivecircncia em situaccedilatildeo de uniatildeo de facto

entre a Reacute e o beneficiaacuterio A Reacute recorreu para o Tribunal da Relaccedilatildeo que a 2 de novembro

149 Designadamente declaraccedilatildeo emitida pela Autoridade Tributaacuteria e Aduaneira ou pelo Instituto dos Registos

e do Notariado I P onde se ateste que agrave data da morte os membros da uniatildeo de facto tinham domiciacutelio fiscal

comum haacute mais de dois anos ndash art 6ordm nordm 2 da LUF 150 No entender de RITA XAVIER ldquoA Uniatildeo de Facto e a Lei Civil no Ensino de Francisco Manuel Pereira

Coelho e Legislaccedilatildeo Atualrdquo ob cit p 685 deveraacute tratar-se de uma accedilatildeo de simples apreciaccedilatildeo negativa

(prevista no art 10ordm nordm 3 al a) CPC) que visa declarar que determinada pessoa natildeo beneficia ou natildeo tem um

certo direito E embora o oacutenus de propositura da accedilatildeo recaia sobre a entidade responsaacutevel pelo pagamento das

prestaccedilotildees sociais compete ao membro sobrevivo da uniatildeo de facto a prova dos factos constitutivos do seu

direito Vide Art 343ordm n ordm1 CCiv 1 Nas accedilotildees de simples apreciaccedilatildeo ou declaraccedilatildeo negativa compete ao

reacuteu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga E ainda a este propoacutesito vide Acoacuterdatildeo Tribunal

da Relaccedilatildeo de Coimbra de 16102012 proferido no acircmbito do processo nordm 50091TBALDC1 A accedilatildeo

declarativa de simples apreciaccedilatildeo negativa - ou seja uma accedilatildeo pela qual se procura ldquohellip obter unicamente a

declaraccedilatildeo da hellip inexistecircncia de um direito ou de um factordquo (artigo 4ordm nordm 2 al a) do CPC) - destina-se desde

logo a definir uma situaccedilatildeo juriacutedica tornada incerta - o demandante pretende reagir contra uma situaccedilatildeo de

incerteza que o impede de auferir todas as vantagens normalmente proporcionadas pela relaccedilatildeo juriacutedica

material que lhe causa um dano patrimonial ou moral apreciaacutevel (hellip) A causa de pedir nas accedilotildees de simples

apreciaccedilatildeo negativa consubstancia-se na inexistecircncia do direito e nos factos materiais pretensamente

cometidos pelo demandado que determinaram o estado de incerteza Em sentido inverso mais recentemente

vide o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 24-04-2019 proferido no acircmbito do processo

12025160T8LRSL1-2 (hellip) trata-se de uma acccedilatildeo proposta pelo ISS a pedir que o requerente comprove no

processo a existecircncia da situaccedilatildeo juriacutedica que se arroga O ISS natildeo nega que a uniatildeo de facto tenha existido

diz que tem duacutevidas sobre a sua existecircncia e por isso pede que o requerente seja chamado a comprovar a

existecircncia da situaccedilatildeo juriacutedica em causa Assim trata-se de uma acccedilatildeo de simples apreciaccedilatildeo positiva sui

generis em que a lei atribui ao reacuteu que se arrogou o direito em causa o oacutenus da prova dos factos constitutivos

dele embora natildeo negado pelo Autor O ISS natildeo deve no desenho da lei intentar a acccedilatildeo declarativa para se

declarar a inexistecircncia de uma situaccedilatildeo juriacutedica (o que o ISS natildeo alega nem nega pois que apenas tem

duacutevidas) mas sim para que o reacuteu comprove a existecircncia da situaccedilatildeo juriacutedica a que se arroga Se o reacuteu

conseguir provar os factos necessaacuterios a situaccedilatildeo juriacutedica eacute declarada existente caso contraacuterio natildeo o eacute

48

de 2017 revogou a sentenccedila recorrida e declarou improcedente a accedilatildeo do CNP reconhecendo

a convivecircncia de 24 anos como uma situaccedilatildeo uniatildeo de facto

Por sua vez o ISS interpocircs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiccedila

Nas suas alegaccedilotildees demonstrou a discordacircncia com a decisatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo por

entender que a tese do Tribunal de1ordf Instacircncia que defendia que o relacionamento da Reacute e

do de cujos natildeo revestia as caracteriacutesticas que o tornavam anaacutelogo ao dos cocircnjuges seria a

correta Defendem que apesar da Reacute e o de cujos terem mantido relaccedilotildees sexuais e esta

pernoitasse quase sempre na casa do mesmo ela mantinha a sua casa onde dormia

pontualmente e onde guardava os seus pertences o que indicava que natildeo sentia a morada

comum como sua Ademais embora fizessem refeiccedilotildees em comum natildeo havia comunhatildeo

patrimonial jaacute que as compras eram custeadas de forma alternada por um ou por outro e era

feita uma separaccedilatildeo bem definida das despesas inerentes a cada uma das casas

Na 2ordf Instacircncia o Tribunal da Relaccedilatildeo entendeu que natildeo era imprescindiacutevel que a

relaccedilatildeo de uniatildeo de facto natildeo fosse interrompida pela saiacuteda de um dos membros da morada

em comum quando ocorram desentendimentos ou discussotildees dado que esta circunstacircncia

tambeacutem se verifica no casamento podendo levar agrave interrupccedilatildeo esporaacutedica da comunhatildeo que

eacute proacutepria desse instituto e natildeo eacute por isso que se pode dizer que a comunhatildeo de habitaccedilatildeo fica

descaracterizada151 Na sua tese o tribunal referido defende tambeacutem que o facto de a Reacute ter

mantido a sua casa por querer manter a propriedade daquele imoacutevel por motivos que soacute a ela

dizem respeito - o que leva a que seja da sua responsabilidade suportar os encargos que dela

advenham - natildeo seria suficiente para colocar em causa a residecircncia em comum com o

falecido Para enfatizar a tese de que a morada comum dos sujeitos seria o imoacutevel em que

os dois viviam o tribunal realccedila o facto do Autor ter citado a Reacute nessa morada para a accedilatildeo

em causa O tribunal considera que a comunhatildeo de mesa leito e habitaccedilatildeo eacute o que define a

151 Veja-se a tiacutetulo de exemplo mutatis mutandis o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 24042019

no acircmbito do processo 12025160T8LRSL1-2 que jaacute se teve a oportunidade de mencionar Para que se possa

dizer que cessou a uniatildeo de facto natildeo basta constatar a existecircncia de uma separaccedilatildeo de facto Tem que se

provar tambeacutem que existe da parte de pelo menos um dos unidos de facto o propoacutesito de natildeo a restabelecer

E por isso embora o facto de os unidos de facto deixarem de dormir na mesma casa comerem agrave mesma mesa

e viver debaixo do mesmo tecto aponte para a falta de comunhatildeo de vida tal natildeo basta para se poder concluir

pela cessaccedilatildeo da uniatildeo de facto devendo fazer-se ainda a prova do elemento subjectivo da vontade de pelo

menos um deles romper com a uniatildeo de facto (de forma directa ou atraveacutes de um conjunto suficientemente

significativo de circunstacircncias objectivas que apontem nesse sentido isto eacute que o permitam afirmar com base

numa presunccedilatildeo natural ou judicial) Indo ainda mais longe na decisatildeo ao referir que se considera que a

sentenccedila teve razatildeo em considerar irrelevante o periacuteodo de separaccedilatildeo de 3 meses entre a reacute e o beneficiaacuterio

(hellip)

49

convivecircncia anaacuteloga agrave dos cocircnjuges exigida pelo artigo 1ordm nordm 2 da LUF E que encontrando-

se demonstrado que a Reacute encetou desde 1991 ateacute ao falecimento do beneficiaacuterio um

relacionamento onde mantinham relaccedilotildees sexuais faziam refeiccedilotildees conjuntas com amigos e

familiares na morada comum pagavam alternadamente as despesas com alimentaccedilatildeo e

ainda havia o acompanhamento do falecido pela Reacute a consultas meacutedicas e atendimento nas

urgecircncias mostram-se suficientemente comprovados os requisitos da declaraccedilatildeo de uniatildeo

de facto que se tem por estabelecida durante o todo esse lapso temporal

Estamos aqui perante duas decisotildees distintas e cada uma delas fundamenta a sua

decisatildeo com argumentos vaacutelidos e plausiacuteveis o que reflete uma vez mais a dificuldade

imanente a esta questatildeo Estaacute em causa uma relaccedilatildeo de convivecircncia e auxiacutelio de 24 anos que

devido aos requisitos que se exige que sejam comprovados ou por questotildees que natildeo se

colocariam se do instituto do casamento se tratasse se vecirc posta em causa a atribuiccedilatildeo de uma

pensatildeo de sobrevivecircncia por natildeo se conseguir provar a qualidade de unida de facto pela Reacute

A situaccedilatildeo sub judice eacute cada vez mais frequente nos tempos que correm Vaacuterios sujeitos que

pelo facto de serem divorciados ou viuacutevos refazem a sua vida ao lado de outra pessoa sem

assumir o compromisso do casamento Por natildeo quererem ou por natildeo lhes convir como eacute o

exemplo dos viuacutevos que recebam pensatildeo de sobrevivecircncia e se voltarem a casar perdem o

direito a esse benefiacutecio Ou ateacute por questotildees de praticidade por natildeo quererem estar sujeitos

a um regime que impotildee diversas consequecircncias como eacute o instituto do casamento Eacute neste

tipo de situaccedilotildees que se deve pensar quando se pretende equiparar a uniatildeo de facto ao

instituto do casamento Haacute efetivamente quem natildeo queira ser abrangido por uma

regulamentaccedilatildeo tatildeo ampla e o que para uns podem ser consideradas desvantagens no que

respeita ao regime mais liberal da uniatildeo de facto para outros podem ser as vantagens que

pesam na escolha deste regime como modo de vida em conjunto

Resta finalmente aludir agrave efetiva decisatildeo do STJ Tendo por base o Acoacuterdatildeo do

STJ de 9-07-2014152 que refere que se deve pensar na vivecircncia de dois cocircnjuges em situaccedilatildeo

de normalidade ou vulgaridade inseridos na cultura a que pertencemos e eacute aiacute que se haacute-de

encontrar o preenchimento do conceito de laquocondiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjugesraquo decide

que o quadro factual que estaacute em causa na situaccedilatildeo em anaacutelise natildeo eacute suficiente para dar como

152 Processo nordm 3076111TBLLEE1 S1 Consultaacutevel em

httpwwwdgsiptjstjnsf954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa8140b2f2587cb42fbd180257d16005402d4Op

enDocument

50

provada a existecircncia entre a Reacute e o de cujos de uma convivecircncia em economia comum

Considerando que essa convivecircncia se caracteriza pela situaccedilatildeo de pessoas que vivam em

comunhatildeo de mesa e habitaccedilatildeo com base num lar em sentido familiar moral e social e com

base numa economia domeacutestica em comum e pelo facto de a Reacute pernoitar na casa do falecido

mas manter sempre a sua casa onde conservou os seus pertences e objetos demonstrava que

esta natildeo sentia a casa do beneficiaacuterio como sua E ainda que a Reacute natildeo provou como lhe

competia por forccedila do artigo 342ordm nordm 1 do CCiv que faziam toda a vida de casal na casa do

de cujos e que manteve a sua casa arrendada para acautelar a possibilidade da filha do

beneficiaacuterio quisesse voltar a viver na casa do mesmo Aleacutem disso a Reacute natildeo conseguiu

provar que o beneficiaacuterio pernoitava na sua casa e que a esta tambeacutem servia para os amigos

ficarem a dormir O STJ conclui que natildeo obstante partilhassem refeiccedilotildees na casa do de

cujos natildeo se via que existisse uma economia domeacutestica em comum Caracteriacutestica que estaacute

intrinsecamente ligada ao modo de vida dos cocircnjuges existindo nesta situaccedilatildeo economias

separadas por serem custeadas alternadamente as despesas de supermercado e por cada um

se responsabilizar pelos gastos de cada casa Desta feita concluiu que natildeo se verificava a

vivecircncia em economia comum necessaacuteria para que se considerasse a situaccedilatildeo como uma

uniatildeo de facto como invocou a Reacute revogando o acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo e mantendo

a sentenccedila proferida pelo Tribunal de 1ordf Instacircncia que julgou natildeo reconhecida a vivecircncia em

situaccedilatildeo de uniatildeo de facto entre a Reacute e o beneficiaacuterio falecido agrave data da sua morte

Para terminar importa dizer que tendemos a concordar com a decisatildeo do Tribunal

da Relaccedilatildeo Note-se que estatildeo em causa 24 anos de convivecircncia em comum e auxiacutelio muacutetuo

que implicava a manutenccedilatildeo de relaccedilotildees sexuais de refeiccedilotildees conjuntas de suporte a niacutevel

de acompanhamento meacutedico e natildeo menos importante a companhia inerente agrave convivecircncia

que em idades mais avanccediladas pode ser um fator relevante para manterem entre si um

relacionamento Natildeo se devendo esquecer conforme mencionam os factos comprovados

que a filha do de cujos em 1996 foi trabalhar e viver para outra cidade ficando longe do pai

e visitando-o apenas duas vezes por mecircs ao fim-de-semana Tal significava que o auxiacutelio

que o de cujos necessitava nomeadamente nos acompanhamentos a consultas meacutedicas e

mesmo agraves urgecircncias se assim fosse necessaacuterio era dado pela Reacute Gerando menos

preocupaccedilotildees e encargos agrave filha do beneficiaacuterio falecido conseguindo manter a sua

normalidade e rotina se uma destas circunstacircncias ocorressem pois sabia que o seu pai estava

51

a ser apoiado pela Reacute que despendia do seu tempo para lhe fornecer cuidados e auxiacutelio

sempre que necessaacuterio

Ora eacute necessaacuterio refletir que a convivecircncia e coabitaccedilatildeo de duas pessoas em

situaccedilotildees destas pode ir para aleacutem da vivecircncia em economia comum Pode verificar-se no

caso em apreccedilo o cumprimento dos deveres de coabitaccedilatildeo cooperaccedilatildeo e assistecircncia inerentes

aos deveres conjugais previstos no artigo 1672ordm CCiv Poreacutem apesar de natildeo se verificar

uma verdadeira vivecircncia em economia comum que o STJ considera como caracteriacutestica do

modo de vida proacuteprio dos cocircnjuges por haver uma separaccedilatildeo bem definida das despesas

alimentares bem como dos encargos resultantes das casas de cada um verificam-se outras

caracteriacutesticas presentes no modo de vida proacuteprio dos cocircnjuges que tambeacutem relevam e natildeo

devem ser desconsideradas Devemos ter em conta que pode ter sido opccedilatildeo dos sujeitos viver

com economias separadas o que natildeo invalida que a sua situaccedilatildeo seja qualificada como uniatildeo

de facto em virtude de natildeo haver nenhuma norma na LUF que imponha qualquer tipo de

obrigaccedilatildeo aos unidos no que respeita a fazerem economias conjuntas

No que concerne agrave manutenccedilatildeo por parte da Reacute de outra casa e de laacute pernoitar

pontualmente cremos que natildeo eacute suficiente para pocircr em causa a verificaccedilatildeo da qualificaccedilatildeo

da relaccedilatildeo como uniatildeo de facto A ocorrecircncia da interrupccedilatildeo momentacircnea da coabitaccedilatildeo natildeo

eacute razatildeo para que natildeo se possa considerar a relaccedilatildeo convivencial entre duas pessoas como tal

Entre os cocircnjuges tambeacutem podem ocorrer situaccedilotildees que interrompam a sua coabitaccedilatildeo e

indo mais longe devemos recordar as situaccedilotildees em que cocircnjuges por motivos profissionais

veem a sua convivecircncia interrompida eg durante a semana e soacute estatildeo juntos ao fim-de-

semana devido agrave deslocaccedilatildeo de um deles para outra cidade153 Natildeo sendo mesmo assim

posta a sua convivecircncia em causa por forccedila do artigo 1673ordm CCiv que prevecirc esta

possibilidade Acontecendo o mesmo com membros da uniatildeo de facto deveraacute colocar-se a

sua convivecircncia em crise Seraacute a uniatildeo de facto uma simples comunhatildeo de casa Ou por

outro lado uma comunhatildeo de vida Com tudo o que isso implique para os sujeitos que

formam a relaccedilatildeo que se devem reger por criteacuterios subjetivos nessa mateacuteria

De forma a enfatizar o facto de existirem cada vez mais formas de organizaccedilatildeo

familiar e de se notar uma modernizaccedilatildeo constante nesta mateacuteria vale a pena referirmos que

existe tambeacutem uma forma de organizaccedilatildeo da vida em comum a par da uniatildeo de facto e a

153 Cfr neste sentido MARIA MARGARIDA PEREIRA ob cit p 650

52

uniatildeo conjugal que se designa de uniatildeo sem comunhatildeo154 Esta uniatildeo acontece quando as

partes decidem residir em locais distintos sem abdicarem de outros elementos que formam

um casal como a manutenccedilatildeo de relaccedilotildees sexuais a fidelidade e a entreajuda Pretendem

levar uma vida a dois no entanto natildeo querem residir no mesmo local Eacute uma forma de

organizaccedilatildeo da vida em comum que natildeo eacute mencionada pelo legislador que natildeo conjeturou

um caminho que estivesse entre o tudo e o nada155 uma vez que regula o casamento a uniatildeo

de facto o divoacutercio e a separaccedilatildeo O facto de natildeo haver comunhatildeo de habitaccedilatildeo neste tipo

de relaccedilotildees natildeo permite que se fale na hipoacutetese de ser considerada uniatildeo de facto Todavia

o que estaacute aqui em causa natildeo eacute a interrupccedilatildeo esporaacutedica ou pontual da coabitaccedilatildeo como

acontece no caso que temos vindo a analisar Mas antes a existecircncia de duas residecircncias

distintas natildeo havendo uma coabitaccedilatildeo entre o casal por escolha dos proacuteprios preferindo

uma organizaccedilatildeo da sua vida em comum de forma separada no que respeita agrave coabitaccedilatildeo

mantendo todos os outros elementos que relevam para a sua consideraccedilatildeo como um casal

Tudo isto para dizer que estamos perante uma eacutepoca onde o pluralismo jusfamiliar eacute uma

realidade e que talvez seja necessaacuteria uma atualizaccedilatildeo legislativa que acompanhe os tempos

que vivemos no tocante a estas mateacuterias156157

54 Soluccedilatildeo proposta

Aqui chegados e depois de analisar as soluccedilotildees que vigoram noutros ordenamentos

juriacutedicos eacute importante aventar a soluccedilatildeo que cremos que melhor resolveraacute os problemas que

o atual regime juriacutedico da uniatildeo facto levanta

Jaacute haviacuteamos proposto supra a densificaccedilatildeo do atual regime legal da uniatildeo de facto

com objetivo de assegurar uma maior proteccedilatildeo dos membros natildeo obstante o respeito da

vontade das partes de se submeter ou natildeo a tais consequecircncias juriacutedicas visto que natildeo se

trataria portanto de um regime imperativo automaticamente aplicaacutevel a quem opte por

conviver em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges

154 LAT (Living Apart Together) Cfr JORGE DUARTE PINHEIRO ob cit p 558 155 Cfr JORGE DUARTE PINHEIRO ob cit p 558 156 Idem 157 JORGE DUARTE PINHEIRO termina o ponto dedicado a esta mateacuteria questionando o que impede a receccedilatildeo

legal no nosso ordenamento de uma uniatildeo sem comunhatildeo de habitaccedilatildeo que beneficie de um estatuto proacuteprio

e que pudesse incluir a possibilidade da figura ser constituiacuteda por cocircnjuges suspendendo de forma consensual

o dever de coabitaccedilatildeo que agrave luz dos arts 1618ordm 1672ordm 1699ordm n ordm1 al b) CCiv eacute proibido atualmente

53

Cabe agora desenvolver esta proposta Apesar de haver quem encare a uniatildeo de

facto com uma visatildeo mais liberal e consequentemente entenda que esta natildeo deve gerar

muitos efeitos juriacutedicos por forma a respeitar-se a liberdade de escolha de cada um

acreditamos que o Direito natildeo deve ignorar as situaccedilotildees que merecem tutela juriacutedica E

apesar de haver uma regulamentaccedilatildeo juriacutedica da uniatildeo de facto no nosso ordenamento a

proteccedilatildeo por ela oferecida eacute meramente assistencial158 funcionando essencialmente em

situaccedilotildees de crise159

Natildeo se deve olvidar que a uniatildeo de facto na nossa ordem juriacutedica eacute um verdadeiro

ato juriacutedico e os seus efeitos natildeo dependem da vontade dos membros pois produzem-se ex

logo160 A soluccedilatildeo vigente concede certos efeitos aos membros da uniatildeo de facto apoacutes a

convivecircncia por dois anos sem que estes declarem expressamente a sua pretensatildeo A sua

uacutenica declaraccedilatildeo eacute a vontade de viver em plena comunhatildeo de vida Deveraacute daiacute aferir-se a

vontade de assumir efeitos juriacutedicos Acreditamos que a soluccedilatildeo atual apesar de ter como

objetivo o respeito pela autonomia privada e a vontade das partes natildeo o faz Estabelece

efeitos juriacutedicos a situaccedilotildees de facto que natildeo tem como controlar por natildeo haver nenhum tipo

de registo

Enquanto esta for a natureza da uniatildeo de facto e natildeo houver um ato constitutivo por

parte de uma autoridade puacuteblica ou outra formalidade a situaccedilatildeo de facto natildeo pode suscitar

um regime juriacutedico muito denso mas somente algumas medidas de proteccedilatildeo Dificilmente

se poderaacute ir mais longe no que concerne agrave atribuiccedilatildeo de efeitos juriacutedicos sem uma autecircntica

formalizaccedilatildeo das vontades das partes de intencionar um regime mais firme

Deste modo concomitantemente com a consolidaccedilatildeo do seu regime proacuteprio

julgamos ainda ser importante sujeitar estas relaccedilotildees a registo161

158 () o direito portuguecircs continua a ser daqueles que atribui menos efeitos juriacutedicos agrave uniatildeo de facto Apenas

se consagram soluccedilotildees do tipo ldquoassistencialrdquo que um Estado moderno tem de adotar qualquer que seja a

opccedilatildeo de vida escolhida pelos cidadatildeos Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 153 159 () continua a acolher-se neste domiacutenio uma proteccedilatildeo fragmentaacuteria e especialmente dirigida a cenaacuterios

de crise em que as debilidades dos seus membros se concretizam ou manifestam com mais intensidade Cfr

RUTE TEIXEIRA PEDRO ob cit p 310 160 Cfr MARTA COSTA ob cit p 151 161 Cfr JOAtildeO PARRACHO COELHO considera que sendo a uniatildeo de facto um ato livre a opccedilatildeo pelo registo

determinaria que aqueles que unidos numa relaccedilatildeo para-matrimonial desejem beneficiar de direitos e deveres

juriacutedico - sociais paralelos aos atribuiacutedos agrave famiacutelia claacutessicaformallegal podem alcanccedilar um estatuto especiacutefico

mediante a inscriccedilatildeo da sua uniatildeo de facto em algum registo puacuteblico a criar para o efeito ldquoA Famiacutelia

perspectiva evolutiva do conceito tradicionalrdquo in Revista do Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico

nordm 54 3ordm trimestre1993 p 116

54

Inspiramos esta soluccedilatildeo no ordenamento juriacutedico francecircs por julgarmos oferecer

uma regulaccedilatildeo juriacutedica ampla dos tipos de convivecircncia fora do casamento distinguindo o

concubinage do pacte civil de solidariteacute Podendo optar-se pelo concubinato natildeo se

submetendo a quaisquer consequecircncias juriacutedicas ou pelo PACS a que subjaz um regime

proacuteprio e efeitos juriacutedicos que garantem a sua proteccedilatildeo Desta forma e socorrendo-nos em

parte da sugestatildeo ora mencionada do partido Bloco de Esquerda aquando da apresentaccedilatildeo

do Projeto de Lei nordm45VIII prevendo um registo das uniotildees nas juntas de freguesia da aacuterea

de residecircncia das pessoas que vivem em uniatildeo de facto ou a sua constituiccedilatildeo apoacutes dois anos

de convivecircncia sem necessidade de registo acreditamos que o Registo Civil das uniotildees de

facto seraacute a soluccedilatildeo mais acertada para proporcionar a certeza e seguranccedila juriacutedicas que se

pretende alcanccedilar com a inscriccedilatildeo no mesmo162

Antecipando desde jaacute as criacuteticas que poderatildeo surgir a esta soluccedilatildeo tais como a

possibilidade de recurso ao casamento para precaver todas as situaccedilotildees supramencionadas e

ainda o excessivo formalismo que daqui poderaacute advir natildeo devendo o direito proteger uma

situaccedilatildeo que as partes natildeo quiseram que fosse protegida desrespeitando-se a sua vontade

cumpre tecer algumas consideraccedilotildees Primeiramente o casamento trata de uma realidade

como jaacute tivemos a oportunidade de analisar com natureza muito distinta da uniatildeo de facto

Os casais tecircm o direito de escolher o tratamento juriacutedico que datildeo agrave sua convivecircncia pessoal

podendo simplesmente querer viver em uniatildeo de facto e natildeo se submeterem ao regime do

casamento Denote-se para este efeito que viver agrave margem do casamento natildeo significa

querer viver agrave margem do Direito Nesta senda e em segundo lugar parece-nos que a ideia

Napoleoacutenica de que se os concubinos natildeo se interessam pela lei a lei tambeacutem natildeo se

interessa por eles jaacute estaacute ultrapassada A formalidade do registo apenas garantiraacute a liberdade

de escolha das partes assegurando que aqueles que optam por ele satildeo os que pretendem

submeter-se aos efeitos juriacutedicos previstos legalmente Natildeo se tratando de um regime

automaacutetico aplicaacutevel pelo simples decurso do tempo que os sujeita a um regime que natildeo

162 Concordamos portanto com a posiccedilatildeo propugnada por ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoUniatildeo de facto a

pertinecircncia de registo a problemaacutetica da separaccedilatildeo de pessoas e bens e a contagem do prazo de convivecircnciardquo

in Casamento e Uniatildeo de facto questotildees de jurisdiccedilatildeo civil Coleccedilatildeo Formaccedilatildeo Contiacutenua CEJ Novembro

2020 p71 segundo a qual as uniotildees devem ser dignas de Registo Civil pois os registos municipais natildeo

serviratildeo o propoacutesito por natildeo contribuiacuterem para a certeza e seguranccedila juriacutedicas uma vez que natildeo existe uma

base de dados nacional podendo-se potenciar muacuteltiplos registos

55

mostraram pretender163 A soluccedilatildeo que propomos funda-se no respeito pela vontade das

partes e no princiacutepio da liberdade contratual aleacutem de ser a mais compatiacutevel com a certeza e

seguranccedila juriacutedicas Bastando-lhes a verificaccedilatildeo dos requisitos necessaacuterios agrave constituiccedilatildeo no

momento da sua inscriccedilatildeo no registo Relativamente agrave exigecircncia do decurso de um

determinado periacuteodo para que a convivecircncia seja registada defendemos que a resposta deve

passar por natildeo ser exigida uma convivecircncia preacutevia Permitindo que duas pessoas que

queiram conviver nestes moldes se dirigiram a uma entidade competente e registem a sua

convivecircncia que pode jaacute existir ou iniciar-se nesse momento164

No fundo com a soluccedilatildeo que propugnamos pretendemos a coexistecircncia de trecircs vias

de conjugalidade O casamento que continuaria a ser regulado de igual forma as uniotildees

registadas em que as partes inscrevem a sua relaccedilatildeo no registo para que desta decorram

efeitos juriacutedicos mas que natildeo se confundem com os do casamento e por uacuteltimo as uniotildees

meramente de facto desprovidas de efeitos juriacutedicos Contudo em relaccedilatildeo a estas

acreditamos que algumas situaccedilotildees devem ser protegidas como a de um dos membros querer

viver livre de efeitos juriacutedicos e o outro apenas tolerar a situaccedilatildeo apesar da sua vontade natildeo

ser exatamente essa Eacute entatildeo necessaacuterio acautelar situaccedilotildees como esta em que no caso de

morte de algum deles o membro sobrevivo fosse aquele que pretendia uma maior

intervenccedilatildeo juriacutedica na sua convivecircncia Aqui deveraacute atribuir-se a este uacuteltimo uma proteccedilatildeo

miacutenima desde que a requeira Salvaguardando desta forma a liberdade e autonomia privada

de cada um sem que nada se lhes imponha a natildeo ser que o solicitem Isto quer dizer que soacute

seratildeo uniotildees meramente de facto aquelas em que a falta de reconhecimento de efeitos

juriacutedicos decorre de uma exteriorizaccedilatildeo das partes Por outras palavras essa categorizaccedilatildeo

resulta de uma falta de manifestaccedilatildeo das partes nesse sentido evitando as situaccedilotildees em que

a sua ineacutercia ndash justificada por natildeo pretenderem a ingerecircncia do Direito ndash resulte no confronto

com um regime legal que natildeo manifestaram querer

163 Neste sentido cabe referir a jaacute mencionada Ley 22003 7 de mayo reguladora de las parejas de hecho do

Paiacutes Vasco que na sua exposiccedilatildeo de motivos adverte para o facto do registo ser uma forma de evitar que os

membros que natildeo desejam que as suas uniotildees sejam acolhidas legalmente sejam reguladas contra a sua vontade

() el Registro de Parejas de Hecho que crea la propia ley registro que tiene una especial importancia al

tener la inscripcioacuten el caraacutecter de constitutiva lo que se hace precisamente para evitar que aquellas parejas

que no deseen en modo alguno acogerse a la ley se vean sometidas contra su voluntad a un reacutegimen de

derechos y obligaciones como el aquiacute recogido 164 Cfr MARTA COSTA ob cit p 396 No mesmo sentido ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoUniatildeo de facto versus

Casamento ndash Questotildees pessoais e patrimoniaisrdquo ob cit p 178

56

Realccedilamos ainda que o registo das uniotildees de facto aleacutem de salvaguardar a certeza

e seguranccedila juriacutedicas permitiria agraves partes invocar a qualquer altura atraveacutes de um meio

idoacuteneo e fidedigno a sua convivecircncia facilitando a prova destas relaccedilotildees e dirimindo as

dificuldades que dessa prova advecircm165 Cremos ser esta a principal e grande vantagem da

soluccedilatildeo que propomos e a que realmente interessa no presente estudo O atual regime de

prova eacute falho pois as declaraccedilotildees referidas no nordm 2 do artigo 2ordmA da LUF emitidas pela

junta de freguesia nunca seratildeo suficientes para garantir a proteccedilatildeo de uma relaccedilatildeo de facto

por natildeo servirem como prova plena aleacutem de natildeo ser possiacutevel atestar a inexistecircncia de

impedimentos por esta via

Em suma como benefiacutecios advindos do registo consideramos natildeo soacute o que toca agrave

sociedade em geral a quem seria transmitida maior certeza e seguranccedila relativamente agrave

existecircncia daquelas relaccedilotildees mas tambeacutem a publicidade que eacute conferida agraves mesmas

desonerando os conviventes de um regime de prova tatildeo sinuosa da sua relaccedilatildeo para

beneficiarem de certos direitos

165 Atraveacutes do registo os membros da uniatildeo registada estariam cientes da repercussatildeo legal da sua uniatildeo

(entre eles e face a terceiros) ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoUniatildeo de facto versus Casamento ndash Questotildees

pessoais e patrimoniaisrdquo ob cit p 180

57

6 Conclusatildeo

A convivecircncia anaacuteloga agrave dos cocircnjuges sem o viacutenculo formal inerente ao casamento

natildeo eacute uma realidade recente A forma como o Direito encara esta figura eacute que foi mudando

ao longo do tempo de acordo com a evoluccedilatildeo das circunstacircncias sociais e histoacutericas Parece-

nos que hoje talvez se imponha uma atualizaccedilatildeo do tratamento legal oferecido agrave uniatildeo de

facto

Desde logo a sua natureza juriacutedica motiva algumas divergecircncias Como vimos

alguns AA entendem que a situaccedilatildeo de facto se deve considerar uma relaccedilatildeo juriacutedica familiar

como as previstas no artigo 1576ordm CCiv por forccedila da sua inclusatildeo no artigo 36ordm n ordm1 CRP

referente agrave constituiccedilatildeo de famiacutelia Por outro lado os AA que defendem que a proteccedilatildeo

constitucional da uniatildeo de facto adveacutem do direito ao desenvolvimento da personalidade

previsto no artigo 26ordm CRP advogam tambeacutem que a convivecircncia more uxorio natildeo deve ser

qualificada como relaccedilatildeo juriacutedica familiar mas sim uma relaccedilatildeo juriacutedica parafamiliar Neste

contexto tendemos a acompanhar a linha de pensamento dos primeiros AA isto por

entendermos que as relaccedilotildees de uniatildeo de facto merecem uma proteccedilatildeo mais abrangente da

que eacute dada pelo artigo 26ordm CRP visto tratar-se de uma proteccedilatildeo geneacuterica que natildeo se coaduna

com a importacircncia social que a uniatildeo de facto vem tendo Jaacute a proteccedilatildeo conferida pelo artigo

36ordm nordm 1 CRP eacute de facto mais consentacircnea com a proteccedilatildeo que este tipo de relaccedilotildees merece

e cremos que essa teraacute sido a intenccedilatildeo do proacuteprio legislador constitucional Eacute de realccedilar por

uacuteltimo que considerar a uniatildeo de facto protegida constitucionalmente pelo artigo 36ordm nordm 1

CRP natildeo quer dizer que o seu regime legal deva ser igual ao regime do casamento

Como tambeacutem jaacute referimos o proacuteprio regime legal da uniatildeo de facto previsto na

Lei nordm 72001 de 1105 alterada pela lei 232010 de 3008 eacute considerado parco e omisso

em relaccedilatildeo a algumas questotildees relevantes para a proteccedilatildeo dos membros dessa relaccedilatildeo Natildeo

obstante a natildeo equiparaccedilatildeo dos regimes legais do casamento e da uniatildeo de facto tal natildeo

significa que natildeo seja necessaacuterio um reforccedilo do atual regime legal da uniatildeo de facto

Devendo optar-se por um caminho que consolide os efeitos juriacutedicos da uniatildeo de facto

possibilitando um regime proacuteprio enrobustecido aos que apesar de natildeo escolherem a via do

casamento pretendam uma proteccedilatildeo mais firme e por outro lado dar aos que pretendam uma

uniatildeo sem consequecircncias juriacutedicas a liberdade de escolha de sujeiccedilatildeo ou natildeo a um regime

legal

58

Paralelamente de forma a diferenciar estas duas situaccedilotildees julgamos ainda ser

importante a sujeiccedilatildeo destas relaccedilotildees a um eventual registo civil que traraacute consigo a certeza

e seguranccedila juriacutedicas relativamente agrave existecircncia destas relaccedilotildees perante a sociedade e ainda

a consequente publicidade advinda dessa inscriccedilatildeo que desoneraraacute os membros de um

regime de prova tatildeo sinuoso Salvaguardando desta forma aqueles que pretendem uma

coabitaccedilatildeo com a miacutenima ingerecircncia juriacutedica Em suma ambicionamos a coexistecircncia de

trecircs vias de conjugalidade sendo elas o casamento as uniotildees registadas e por fim as uniotildees

meramente de facto

Damos como certo que esta eacute uma mudanccedila que natildeo deveraacute ser imediata Aquilo que

propomos eacute na verdade uma soluccedilatildeo que deveraacute isso sim dar azo a uma discussatildeo contiacutenua

que possa contribuir para um aperfeiccediloamento e atualizaccedilatildeo deste regime

59

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65

JURISPRUDEcircNCIA

Tribunal Constitucional

bull Acoacuterdatildeo nordm 3361986

bull Acoacuterdatildeo nordm 18881996

Supremo Tribunal de Justiccedila

bull Acoacuterdatildeo 9-07-2014 processo nordm 3076111TBLLEE1 S1

bull Acoacuterdatildeo 22-03-2018 processo nordm 6380169T8CBRC1 S1

Tribunal Central Administrativo Norte

bull Acoacuterdatildeo de 13-11-2020 processo nordm 00090151BECBR

Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra

bull Acoacuterdatildeo de 16-10-2012 processo nordm 50091TBALDC1

bull Acoacuterdatildeo de 08-03-2006 processo nordm 419705JTRC

Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa

bull Acoacuterdatildeo de 15-02-2007 processo nordm 62842006-8

bull Acoacuterdatildeo de 29-11-2012 processo nordm 444092TCFUNL1-A-8

bull Acoacuterdatildeo de 24-04-2019 processo nordm 12025160T8LRSL1-2

Tribunal Europeu dos Direitos Humanos

bull Acoacuterdatildeo JOHNSTON C IRLANDA de 18 de dezembro de 1986

bull Acoacuterdatildeo KEEGAN C IRLANDA de 26 de maio de 1994

Tribunal Constitucional Espanhol

bull Sentenccedila nordm 1841990 de 15 de novembro Consultaacutevel em

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bull Sentenccedila nordm 2221992 de 11 de dezembro Consultaacutevel em

httphjtribunalconstitucionaleses-ESResolucionShow2109

bull Sentenccedila nordm 661994 de 28 de fevereiro Consultaacutevel em

httphjtribunalconstitucionalespt-BRResolucionShow2583

66

bull Sentenccedila nordm 391998 de 17 de fevereiro Consultaacutevel em

httphjtribunalconstitucionalesesResolucionShow3541

bull Sentenccedila nordm 1161999 de 17 de junho Consultaacutevel em

httphjtribunalconstitucionaleses-ESResolucionShow3858

Tribunal Constitucional Francecircs

bull Decisatildeo nordm 2011-155 QPC do Conseil Constitutionnel de 29 de julho Consultaacutevel

em httpswwwconseil-constitutionnelfrdecision20112011155QPChtm

8

ABSTRACT

The figure of consensual union is an increasingly important reality in our society

today given the considerable amount of people who choose to live this way This number

can derive not only from the freedom associated with this regime but also from the fact that

it can be a temporary and transitory circumstance It may even be a definitive circumstance

because for a number of reasons the unmarried partners do not want to get married either

because they do not have the financial means to enter into a marriage or because it is not part

of their culture to formalise their relationship

Despite the importance of the non-marital partnership and its relevance in society

its legal system is scarce with gaps regarding the rules on its registration the system of

property between members its extinction and inheritance effects These and other matters

should be regulated more fully in order to offer greater protection to consensual union

The main aim is to analyse as it is strictly linked to the fact that consensual union

is not subject to civil or administrative registration the problem of proving the existence and

the beginning of this situation and thus reflect on the advantages that come from the

registration of this type of relationship

KEYWORDS non-marital partnership proof of cohabitation civil registry

9

SIGLAS E ABREVIATURAS

A- Autor

AA- Autores

Ac- Acoacuterdatildeo

Art ndash Artigo

Arts ndash Artigos

Ed - Ediccedilatildeo

In - Em

ob cit - Obra Citada

p ndash paacutegina

pp paacuteginas

ss - Seguintes

vg - verbi gratia

Vol ndash Volume

CCiv ndash Coacutedigo Civil

CEDH ndash Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem

CNP- Centro Nacional de Pensotildees

CPC ndash Coacutedigo de Processo Civil

CReg Civ ndash Coacutedigo de Registo Civil

CRP ndash Constituiccedilatildeo da Reacutepublica Portuguesa

DUDH ndash Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos

ISS ndash Instituto da Seguranccedila Social

10

LUF ndash Lei da Uniatildeo de Facto (Lei nordm 72001 de 11 de Maio alterada pela Lei nordm 232010

de 30 de Agosto)

PACS ndash Pacto civil de Solidariedade

STJ ndash Supremo Tribunal de Justiccedila

TCE - Tribunal Constitucional Espanhol

TEDH ndash Tribunal Europeu dos Direitos Humanos

11

1 Introduccedilatildeo

O presente estudo visa abordar a questatildeo do problema da prova da coabitaccedilatildeo numa

situaccedilatildeo em que se pretende provar a existecircncia de uma relaccedilatildeo de uniatildeo de facto para que

esta produza os efeitos que os membros pretendam Assim cumpriraacute analisar o regime

juriacutedico da Uniatildeo de Facto comeccedilando pela sua evoluccedilatildeo no nosso ordenamento e sobre a

importacircncia da LUF (Lei nordm 72001 de 11 de Maio alterada pela Lei nordm 232010 de 30 de

Agosto)

Uma vez analisada a proteccedilatildeo oferecida agraves situaccedilotildees de Uniatildeo de Facto

nomeadamente a sua (natildeo) alusatildeo na CRP caberaacute comparaacute-la agrave concedida ao casamento e

observar de que forma a liberdade caracteriacutestica do regime da uniatildeo de facto poderaacute deixar

desprotegidas algumas situaccedilotildees carentes de proteccedilatildeo

De seguida feita uma reflexatildeo geral importaraacute compreender como se constitui a

uniatildeo de facto Passando os membros a viver em comunhatildeo de leito mesa e habitaccedilatildeo e natildeo

sendo essa situaccedilatildeo objeto de registo civil ou administrativo ao contraacuterio do que acontece

em alguns ordenamentos vizinhos que tambeacutem mereceratildeo a nossa anaacutelise torna-se mais

difiacutecil saber de forma exata quando se iniciou para que seja possiacutevel a partir daiacute contar os

dois anos necessaacuterios para que a situaccedilatildeo de facto produza os efeitos previstos no artigo 3ordm

da LUF

A questatildeo primordial eacute assim a prova da situaccedilatildeo de uniatildeo de facto nomeadamente

a prova da coabitaccedilatildeo que se pode revelar sinuosa Perante este cenaacuterio torna-se relevante

analisar jurisprudecircncia nomeadamente o Acoacuterdatildeo do STJ de 22 de Marccedilo de 2018 proferido

no acircmbito do processo nordm 6380169T8CBRC1 S1 relativamente agrave prova da uniatildeo de facto

no campo juriacutedico-civil isto eacute atraveacutes do regime geral do oacutenus da prova previsto no artigo

342ordm do CCiv que atribui a quem pretende invocar um direito provar os factos que o

constituem

A final com a nossa anaacutelise e apreciaccedilatildeo dos entendimentos da jurisprudecircncia e da

doutrina nacional e europeia pretendemos demonstrar a dificuldade da prova da uniatildeo de

facto no nosso ordenamento juriacutedico e procurar propostas de soluccedilotildees que possam facilitar

de alguma forma a comprovaccedilatildeo da existecircncia destas relaccedilotildees cessando as dificuldades que

essa comprovaccedilatildeo origina

12

2 A evoluccedilatildeo da Uniatildeo de Facto no ordenamento juriacutedico portuguecircs

Quando se fala de uniatildeo de facto tem forccedilosamente de se aludir agrave discussatildeo

doutrinal acerca da sua classificaccedilatildeo como relaccedilatildeo (para)familiar que surge em grande

parte pelo disposto no artigo 36ordm n ordm1 CRP1 Pela sua ambiguidade haacute quem pense que a

referecircncia agrave constituiccedilatildeo de famiacutelia engloba a uniatildeo de facto2 sendo o seu reconhecimento

juriacutedico feito pela Constituiccedilatildeo Contudo este preceito natildeo eacute assim interpretado por todos

que entendem que este apenas postula o direito de constituir famiacutelia e estabelece as relaccedilotildees

de filiaccedilatildeo e que apesar da uniatildeo de facto natildeo ser uma relaccedilatildeo de famiacutelia no que respeita agrave

generalidade dos efeitos pode ser assim qualificada para efeitos fiscais de locaccedilatildeo de

seguranccedila social entre outros3 Neste seguimento muitos satildeo os AA que tecircm vindo a

expressar a sua opiniatildeo quanto a esta questatildeo havendo quem considere que a situaccedilatildeo de

facto anaacuteloga agrave dos cocircnjuges se deve considerar uma relaccedilatildeo familiar tanto quanto as

previstas no artigo 1576ordm do Coacutedigo Civil ou seja o casamento o parentesco a afinidade

e a adoccedilatildeo4 E ainda quem defenda que natildeo deve ser qualificada como relaccedilatildeo juriacutedica de

famiacutelia5 ou que o seja apenas em relaccedilatildeo a certos efeitos considerando-a desta forma uma

relaccedilatildeo juriacutedica parafamiliar6

1 1 Todos tecircm o direito de constituir famiacutelia e de contrair casamento em condiccedilotildees de plena igualdade

Disposiccedilatildeo inspirada no art 16ordm DUDH e 12ordm CEDH Cfr JJ GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA

Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa Anotada 4ordf ed revista vol I Coimbra Coimbra Editora 2007 p 559 2 Cfr JJ GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA ob cit p 561 3 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoCasamento e Famiacutelia no direito portuguecircsrdquo In AAVV Temas de Direito

da Famiacutelia Ciclo de Conferecircncias no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados Coimbra

Almedina 1996 p 8 FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoAnotaccedilatildeo ao Ac do STJ de 2 de abril de 1987rdquo in Revista

de Legislaccedilatildeo e Jurisprudecircncia nordm 3782 ano 122 Coimbra 1990 pp 82-83 4 Cfr CARLOS PAMPLONA CORTE-REAL ldquoRelance Criacutetico sobre o Direito de Famiacutelia portuguecircsrdquo in Textos de

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da Universidade de Coimbra 2016 pp109-110 CARLOS PAMPLONA CORTE-REAL JOSEacute SILVA PEREIRA

ldquoDireito da Famiacutelia Toacutepicos para uma reflexatildeo criacuteticardquo Lisboa AAFDL 2008 p 46 no mesmo sentido

GERALDO DA CRUZ ALMEIDA ldquoDa uniatildeo de facto convivecircncia more uxorio em direito internacional privadordquo

Lisboa Pedro Ferreira Editor 1999 p 184 TELMA CARVALHO ldquoA uniatildeo de facto a sua eficaacutecia juriacutedicardquo in

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Editora 2004 pp 223-226 CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova

Relaccedilatildeo Familiarrdquo in Estudos em Homenagem ao Prof Doutor Jorge Miranda Vol VI Faculdade de Direito

da Universidade de Lisboa Coimbra Editora 2012 p 460 e MARIA MARGARIDA PEREIRArdquo Direito da

Famiacuteliardquo Lisboa AAFDL Editora 3ordf ed 2019 pp 641-644 com quem tendemos a concordar embora como

veremos infra tal natildeo significa uma igualdade de tratamento entre a uniatildeo de facto e o casamento 5 Cfr JOAtildeO CASTRO MENDES MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA ldquoDireito da Famiacuteliardquo AAFDL Lisboa 1995 p

14-15 NUNO DE SALTER CID ldquoA Comunhatildeo de Vida agrave Margem do Casamento entre o facto e o Direitordquo

Almedina Coimbra 2005 p 505 FRANCcedilA PITAtildeO ldquoUniotildees de Facto e Economia Comum de acordo com a

Lei nordm 232010 de 30 de agostordquo 3ordf ed Almedina Coimbra 2011 p35 6 Em todas estas relaccedilotildees (as dispostas no art1576ordm CCiv) encontramos um viacutenculo constituiacutedo por direitos

e deveres juriacutedicos reciacuteprocos () As relaccedilotildees juriacutedicas familiares satildeo tendencialmente duradouras e eacute por

13

A designaccedilatildeo uniatildeo de facto foi utilizada pela primeira vez no nosso ordenamento

juriacutedico com a Reforma de 1977 do Coacutedigo Civil7 passando o artigo 2020ordm a prever o direito

de exigir alimentos da heranccedila do falecido por aquele que com ele vivesse haacute mais de dois

anos em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges No entanto jaacute no Coacutedigo Civil de 1966 no

seu artigo 1860ordm se falava em comunhatildeo duradoura de vida em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos

cocircnjuges o que quer dizer que o fenoacutemeno da uniatildeo de facto enquanto facto social jaacute existia

antes dessa primeira referecircncia no Coacutedigo de 19778 A expressatildeo que remete para a vivecircncia

em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges no artigo 2020ordm foi utilizada por vaacuterias leis avulsas

que foram conferindo agraves pessoas que vivessem nessa situaccedilatildeo outros direitos como o direito

agraves pensotildees de sobrevivecircncia o de beneficiar do regime de feacuterias feriados e faltas semelhante

aos dos cocircnjuges e ainda no que respeita ao regime juriacutedico do arrendamento para habitaccedilatildeo

foi reconhecido o direito agrave transmissatildeo do arrendamento agrave pessoa que tenha vivido em uniatildeo

de facto com o arrendataacuterio falecido desde que essa relaccedilatildeo se tenha mantido por mais de

cinco anos9

Todavia soacute com a Lei nordm 13599 de 28 de Agosto eacute que passou a existir um

diploma legal que reunisse as medidas de proteccedilatildeo da uniatildeo de facto que ateacute agrave data se

encontravam dispersas pelas vaacuterias leis avulsas10 o que resultou de certa forma numa

institucionalizaccedilatildeo11 da uniatildeo de facto Em 2001 foi revogada e substituiacuteda pela Lei nordm

isso que satildeo sujeitas a registo gerando um estado civil () tecircm tambeacutem como caracteriacutestica a tipicidade estatildeo

previstas na lei bem como os factos juriacutedicos que lhes datildeo origem o seu conteuacutedo tipico as causas da sua

extinccedilatildeo () natildeo se pode considerar como familiar uma relaccedilatildeo que natildeo esteja prevista como tal na lei Cfr

RITA LOBO XAVIER ldquolaquoEstatuto Privadoraquo dos membros da Uniatildeo De Factordquo in RJLB Ano 2 2016 pp1511-

1513 No mesmo sentido Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ldquoCurso de Direito da

Famiacuteliardquo 5ordf ed vol I Coimbra Coimbra Editora 2015 p 34 65-67 JORGE DUARTE PINHEIRO ldquoO Direito

da Famiacutelia Contemporacircneordquo 6ordf ed Lisboa AAFDL 2018 p 43 ANTUNES VARELA ldquoDireito da Famiacuteliardquo 5ordf

ed vol I Lisboa Livraria Petrony1999 p 31 DIOGO LEITE DE CAMPOS ldquo Liccedilotildees de Direito da Famiacuteliardquo 2ordf

Ed Almedina Coimbra 1997 p21 MARTA COSTA ldquoConvivecircncia more uxorio na perspetiva de

harmonizaccedilatildeo do Direito da Famiacutelia Europeu uniotildees homossexuaisrdquo 1ordf ed Coimbra Coimbra Editora 2011

p 108 e SANDRA PASSINHAS ldquoUniatildeo de Facto em Portugalrdquo in Actualidad Juriacutedica Iberoamericana Nordm 11

pp 110-147 Agosto de 2019 p115 7 Mais concretamente com a alteraccedilatildeo feita pelo Decreto-Lei nordm 49677 de 25 de novembro 8 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p57 9 Para mais desenvolvimentos cfr HELENA MOTA ldquoO problema normativo da famiacutelia ndash Breve reflexatildeo a

propoacutesito das medidas de proteccedilatildeo agrave uniatildeo de facto adotadas pela lei n ordm13599 de 28 de Agostordquo in Estudos

em Comemoraccedilatildeo dos 5 anos da FDUP 2001 p548-553 10 Cfr FRANCcedilA PITAtildeO ldquoUniatildeo de Facto no Direito Portuguecircs A propoacutesito da Lei nordm 13599 de 2808rdquo

Coimbra Almedina 2000 p36 No mesmo sentido RITA LOBO XAVIER ldquoEstatuto Privadordquo dos membros da

Uniatildeo De Factordquo in RJLB ano 2 2016 p 1499 11 Expressatildeo utilizada por FRANCISCO PEREIRA COELHO para definir a existecircncia de regulaccedilatildeo proacutepria da uniatildeo

de facto Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p68

14

72001 de 110512 atual LUF que aleacutem de regular situaccedilotildees de uniatildeo de facto entre pessoas

de sexo diferente daacute relevacircncia juriacutedica agrave uniatildeo de facto entre pessoas do mesmo sexo

Apesar de natildeo ter representado uma transformaccedilatildeo significativa do conjunto de direitos e

deveres juridicamente conferidos agrave uniatildeo de facto limitando-se em boa parte a reconhecer

direitos conferidos por leis que jaacute existiam acresce algumas disposiccedilotildees inovadoras13 Sendo

claramente as mais relevantes o facto de permitir agraves pessoas de sexo diferente que vivessem

em uniatildeo de facto a adoccedilatildeo conjunta de menores nos mesmos termos que os cocircnjuges

previstos no artigo 1979ordm n ordm1 do CCiv14 e o alargamento das medidas de proteccedilatildeo por ela

concedidas agraves pessoas do mesmo sexo que viviam em uniatildeo de facto15

Posteriormente com a alteraccedilatildeo feita pela Lei nordm 232010 de 30 de agosto visou-

se essencialmente aumentar os efeitos que se produzem apoacutes a morte de um dos membros

da uniatildeo de facto ou apoacutes a sua rutura16 Tendo em vista dessa forma a proteccedilatildeo social do

membro sobrevivo que fique em situaccedilatildeo difiacutecil no que concerne agrave conservaccedilatildeo da sua

12 Alterada pela Lei 232010 de 3008 13 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p68 14 Art7ordm da LUF Nos termos do atual regime de adoccedilatildeo constante do livro IV tiacutetulo IV do Coacutedigo Civil eacute

reconhecido a todas as pessoas que vivam em uniatildeo de facto nos termos da presente lei o direito de adoccedilatildeo

em condiccedilotildees anaacutelogas agraves previstas no artigo 1979ordm do Coacutedigo Civil sem prejuiacutezo das disposiccedilotildees legais

respeitantes agrave adoccedilatildeo por pessoas natildeo casadas 15 A lei 72001 de 1105 resulta da discussatildeo de alguns projetos de lei elaborados por partidos poliacuteticos A

propoacutesito da vigecircncia da lei nordm 13599 que continuava a natildeo proteger juridicamente as relaccedilotildees dos unidos de

facto do mesmo sexo o partido ldquoOs Verdesrdquo apresentou o projeto de lei nordm 6VIII (consultaacutevel em

httpswwwparlamentoptActividadeParlamentarPaginasDetalheIniciativaaspxBID=6374) que pretendia

alterar o nordm1 do art 1ordm da lei em vigor eliminando a referecircncia a pessoas de sexo diferente passando os casais

de orientaccedilatildeo homossexual a ter acesso aos benefiacutecios previstos na LUF com exceccedilatildeo da possibilidade de

adoccedilatildeo que ficaria reservada aos casais heterossexuais Apresentando o projeto de lei nordm 45VIII (consultaacutevel

em

httpswwwparlamentoptActividadeParlamentarPaginasDetalheIniciativaaspxBID=6308) surge o Bloco

de Esquerda tencionando a modificaccedilatildeo do mesmo preceito para que se reconhecessem as uniotildees

homossexuais e ainda que se afastasse da lei o prazo miacutenimo de duraccedilatildeo de convivecircncia se estas situaccedilotildees

fossem registadas passando o art 1ordm n ordm1 a ter a seguinte redaccedilatildeo a presente lei regula a situaccedilatildeo juriacutedica

das pessoas que vivem em uniatildeo de facto O PCP por sua vez apresentou o nordm 145VIII tendo como objetivo

a revogaccedilatildeo da lei que vigorava substituindo-a por uma legislaccedilatildeo que fosse aplicaacutevel a quem vivesse em

uniatildeo de facto haacute mais de dois anos independentemente do sexo corroborava a proteccedilatildeo da casa de morada

comum garantindo a preferecircncia do outro para efeitos de venda ou arrendamento em caso de morte de um dos

membros e pretendia que o acesso a prestaccedilotildees por morte fosse mais flexiacutevel contudo o regime da adoccedilatildeo

continuava reservado aos casais heterossexuais O PS apresentou o projeto de lei nordm 105VIII (consultaacutevel

em httpswwwparlamentoptActividadeParlamentarPaginasDetalheIniciativaaspxBID=6195) que

apesar de natildeo se referir especificamente a uniotildees de facto visava que a proteccedilatildeo concedida pela lei nordm13599

se estendesse a um novo regime denominado de economia comum distinguindo-o do regime aplicaacutevel agraves

uniotildees de facto pela absoluta irrelevacircncia da orientaccedilatildeo sexual das pessoas a quem se confere proteccedilatildeo legal

pretendendo assim a tutela de duas pessoas que vivessem em economia comum haacute mais de dois anos Para

mais desenvolvimentos cfr MARTA COSTA ob cit pp 346-348 16 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p70

15

habitaccedilatildeo e aos meios de subsistecircncia miacutenimos17 Haacute quem considere que apesar das

alteraccedilotildees o regime da uniatildeo de facto portuguecircs em comparaccedilatildeo com muitos sistemas

juriacutedicos eacute modesto e continua a ser o que menos efeitos atribui agrave uniatildeo de facto18 Uma vez

que continua a acolher-se neste domiacutenio uma proteccedilatildeo fragmentaacuteria e especialmente

dirigida a cenaacuterios de crise em que as debilidades dos membros se concretizem com mais

intensidade19 Contudo essa moderaccedilatildeo eacute uma escolha sendo intenccedilatildeo do legislador natildeo

atribuir efeitos imperativos por entender que pode haver quem natildeo queira uma regulaccedilatildeo tatildeo

abrangente de determinadas situaccedilotildees deixando que os proacuteprios membros se possam

organizar privadamente20 O que leva a que no regime da uniatildeo de facto natildeo haja regulaccedilatildeo

juriacutedica relativamente ao seu registo agraves invalidades que podem existir na sua constituiccedilatildeo e

ainda no que respeita ao regime de bens agrave administraccedilatildeo do patrimoacutenio agraves ilegitimidades

de disposiccedilatildeo agrave proibiccedilatildeo de contratos ou regulaccedilatildeo de participaccedilatildeo em sociedades nem no

que toca aos efeitos sucessoacuterios e agrave extinccedilatildeo da situaccedilatildeo de uniatildeo de facto21

Ainda que natildeo defina o conceito de uniatildeo de facto a LUF no seu artigo 1ordm nordm 2

identifica o seu objeto como a situaccedilatildeo juriacutedica de duas pessoas que independentemente do

sexo vivam em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges haacute mais de dois anos Dito isto pode

depreender-se que eacute necessaacuterio que duas pessoas vivam em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos

cocircnjuges haacute mais de dois anos e ainda que segundo o previsto no artigo 2ordm da LUF entre

os membros da uniatildeo natildeo se verifique nenhum dos impedimentos aiacute mencionados No que

concerne agrave constituiccedilatildeo da uniatildeo de facto e ao desenvolvimento dos impedimentos agrave mesma

abordaremos a questatildeo mais adiante

17Art 5ordm e 6ordm da LUF Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ldquoNotas sobre a lei nordm 232010 de 30 de agosto (Alteraccedilatildeo

agrave lei das uniotildees de facto)rdquo in Lex Familiae Coimbra Editora 2012 p 146 A lei nova encara mais nitidamente

a necessidade de proteccedilatildeo do membro sobrevivo da uniatildeo de facto e daacute-lhe prioridade relativamente aos filhos

() considera que a proteccedilatildeo da casa de morada eacute o nuacutecleo irredutiacutevel da proteccedilatildeo conferida ao membro

sobrevivo da uniatildeo de facto e portanto garante a proteccedilatildeo mesmo contra a vontade do falecido 18 Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 153 FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob

cit p 69 19 Cfr RUTE TEIXEIRA PEDRO ldquoBreves reflexotildees sobre a proteccedilatildeo do unido de facto quanto agrave casa de morada

de famiacutelia propriedade do companheiro falecidordquo in AAVV Textos de Direito da Famiacutelia para FRANCISCO

PEREIRA COELHO coord GUILHERME DE OLIVEIRA Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016

p310 20 De realccedilar que em 2001 o nuacutemero registado de pessoas a viver em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges foi

de 381 mil indiviacuteduos e em 2011 quase que duplicou perfazendo o total de 730 mil indiviacuteduos Dados

consultaacuteveis em

httppordataptPortugalPopulaC3A7C3A3o+residente+segundo+os+Censos+em+uniC3B5es+

de+facto-2649-222898 21 Para aleacutem do disposto no art 8ordm da LUF Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 153 FRANCISCO PEREIRA

COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 70

16

3 A uniatildeo de facto e a Constituiccedilatildeo da Reacutepublica Portuguesa

Ainda na linha de pensamento do ponto anterior no que respeita ao artigo 36ordm n ordm1

da CRP importa dizer que esta norma determina que todos tecircm o direito de constituir famiacutelia

e de contrair casamento em condiccedilotildees de igualdade22 ou seja pode considerar-se que este

artigo consagra essencialmente dois direitos o de constituir famiacutelia e o de casar23 Nesta

senda importa tambeacutem debruccedilarmo-nos sobre a proteccedilatildeo que a Constituiccedilatildeo oferece agrave uniatildeo

de facto

Jaacute referimos que certos AA como GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA24

defendem que o que parece decorrer do nordm1 do artigo 36ordm CRP eacute que a Constituiccedilatildeo natildeo

admite a reduccedilatildeo do conceito de famiacutelia agrave uniatildeo conjugal baseada no casamento havendo

outras formas de constituiccedilatildeo de famiacutelia aleacutem do casamento como a uniatildeo de facto isto eacute

ao distinguir a famiacutelia do casamento o legislador pretendeu demonstrar que se tratam de

realidades diversas e que o direito a constituir famiacutelia natildeo estaacute vedado a quem natildeo pretenda

contrair casamento25 Segundo esta corrente doutrinaacuteria haacute uma abertura constitucional - se

natildeo mesmo uma obrigaccedilatildeo - para conferir relevo agraves uniotildees familiares de facto tendo em

consideraccedilatildeo que o conceito constitucional natildeo abrange apenas a famiacutelia

matrimonializada26 Apesar de afirmarem o reconhecimento da uniatildeo de facto como relaccedilatildeo

juriacutedica familiar postulam que tal natildeo implica que haja um tratamento legal totalmente

22 A sua interpretaccedilatildeo deve ser feita como se o n ordm1 do art36ordm prescrevesse que laquotodos tecircm o direito de

constituir famiacutelia em condiccedilotildees que natildeo violem o princiacutepio da igualdade definido no artigo 13ordmraquo Tendo em

conta que ao espiacuterito desta norma constitucional natildeo repugna efetivamente aceitar as limitaccedilotildees resultantes

da legislaccedilatildeo vigente quer em mateacuteria de impedimentos matrimoniais() Cfr ANTUNES VARELA ldquoDireito da

Famiacuteliardquo 5ordf ed vol I Lisboa Livraria Petrony 1999 p 158 23 Em sentido diverso Cfr JOAtildeO DE CASTRO MENDES ldquoFamiacutelia e casamentordquo in Estudos sobre a Constituiccedilatildeo

JORGE MIRANDA (coord) vol I Lisboa Livraria Petrony 1977 p 372 que entende que os dois direitos

reduzem-se a um soacute E ainda Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoCasamento e Famiacutelia no direito portuguecircsrdquo

obcit p 8 que entende que ao contraacuterio do que acontece no artigo 16ordm DUDH o legislador portuguecircs optou

por colocar o direito a constituir famiacutelia agrave frente do direito de contrair casamento na disposiccedilatildeo do n ordm1 do art

36ordm natildeo se sabe bem porquecirc 24Cfr J GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA ob cit p561 CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo

Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova Relaccedilatildeo Familiarrdquo in Estudos em Homenagem ao Prof Doutor Jorge

Miranda Vol VI Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Coimbra Editora 2012 p 453 HENRICH

EWALD HOumlRSTER ldquoInconstitucionalidade da Tributaccedilatildeo Conjunta dos Cocircnjugesrdquo in Revista de Direito e

Economia da Universidade de Coimbra Ano III nordm 2 Julho ndash Dezembro 1977 p 506 25 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova Relaccedilatildeo Familiarrdquo

obcit p 453 CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoA jurisprudecircncia do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e as

Novas Formas de Famiacutelia ndash The European Court of Human Rights and The New Concept of Familyrdquo in Revista

Juriacutedica da Universidade Portucalense nordm15 Universidade Portucalense Porto 2012 p 36 Neste sentido

vide Acoacuterdatildeo Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 15-02-2007 proferido no acircmbito do processo nordm 62842006-

8 26 Cfr JJ GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA ob cit p 561

17

idecircntico entre as famiacutelias natildeo matrimonializadas e as famiacutelias baseadas no casamento desde

que as distinccedilotildees feitas natildeo sejam arbitraacuterias irrazoaacuteveis ou desproporcionadas e tenham

em conta todos os direitos e interesses em jogo27

De outra parte FRANCISCO PEREIRA COELHO e GUILHERME DE OLIVEIRA defendem

que a 1ordf parte do n ordm1 do artigo 36ordm CRP ao estabelecer que todos tecircm direito de constituir

famiacutelia esse diz respeito essencialmente agraves relaccedilotildees de filiaccedilatildeo pois o direito de constituir

famiacutelia eacute antes de mais o direito a procriar e ainda o direito a estabelecer as

correspondentes relaccedilotildees de paternidade e maternidade28 Relativamente agrave 2ordf parte do

mesmo artigo alertam para o facto de natildeo se poder reconduzir a uniatildeo de facto a uma

dimensatildeo ou vertente negativa do direito de contrair casamento uma vez que a dimensatildeo

negativa desse direito eacute o de natildeo casar2930

Embora entendam que este artigo natildeo oferece proteccedilatildeo constitucional agrave uniatildeo de

facto isso natildeo quer dizer que esta fique desprotegida constitucionalmente Para estes AA o

princiacutepio de proteccedilatildeo da uniatildeo de facto decorre do direito ao desenvolvimento da

personalidade previsto no nordm1 do artigo 26ordm CRP considerando-o como o direito do

indiviacuteduo a afirmar livremente a sua identidade31 como sujeito autoacutenomo dotado de

autodeterminaccedilatildeo decisoacuteria32 sem estar vinculado a modelos externamente impostos e

conferindo-lhe o direito a viver a sua vida do modo que escolher podendo dizer-se que

estabelecer uma uniatildeo de facto eacute uma manifestaccedilatildeo desse direito33

A proteccedilatildeo conferida pelo direito ao desenvolvimento da personalidade natildeo exige

que o legislador conceda agrave uniatildeo de facto efeitos semelhantes aos que oferece ao casamento

equiparando o que natildeo eacute igual visto que os membros da uniatildeo de facto natildeo assumem um

27 Como por exemplo os direitos dos filhos Idem 28 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 60 29 Idem 30 Mais amplo do que viver em uniatildeo de facto pois pode ainda significar ficar em solidatildeo relacionar-se

esporadicamente ou pontualmente ou ateacute viver em promiscuidade Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e

Personalidaderdquo Almedina Coimbra 2017 p 237 No mesmo sentido Cfr NUNO SALTER CID ldquoSobre o

Direito de natildeo Contrair Casamentordquo in Famiacutelia Consciecircncia Secularismo e Religiatildeo 1ordf Ediccedilatildeo Coimbra

Editora 2010 p 28 O direito de natildeo contrair casamento o tal direito fundamental que a Constituiccedilatildeo

implicitamente confere e protege como dimensatildeo ou vertente negativa do direito de contrair casamento eacute na

verdade e apenas o direito de se negar a contrair casamento o direito natildeo ser forccedilado a casar-se um direito

que natildeo exerce apenas quem opta por viver em uniatildeo de facto mas tambeacutem quem opta por manter-se solteiro

divorciado ou viuacutevo (de Direito ou de facto) 31 Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e Personalidaderdquo ob cit p 237 32 Cfr JJ GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA ob cit p 463 33 Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e Personalidaderdquo ob cit p 237

18

compromisso de vida por natildeo quererem ou natildeo o poderem fazer Equiparar o que eacute diferente

nesta medida poderia ser julgado inconstitucional pois iria impor agraves pessoas que vivem em

uniatildeo de facto os mesmos deveres e conceder os mesmos direitos que impotildee e concede agraves

que satildeo casadas violando o direito a natildeo casar sendo-lhes forccedilado um estatuto que em

princiacutepio rejeitaram por vontade proacutepria

Conveacutem ainda referir que no que toca ao princiacutepio da proteccedilatildeo da famiacutelia previsto

no artigo 67ordm CRP este natildeo impotildee ao legislador ordinaacuterio a atribuiccedilatildeo de efeitos favoraacuteveis

agrave uniatildeo de facto mas tambeacutem natildeo proiacutebe que sejam concedidos agrave mesma os efeitos que

considere adequados e justificados34 FRANCISCO PEREIRA COELHO considera ainda que este

princiacutepio constitucional natildeo visa apenas a famiacutelia conjugal35 ao contraacuterio de CASTRO

MENDES que explica que soacute faz sentido valer neste contexto a famiacutelia fundada no

casamento natildeo devendo a lei passar um laquocheque em brancoraquo a quaisquer formas de

sociedade familiar36 Por sua vez SANDRA PASSINHAS defende que apesar da uniatildeo de facto

natildeo ser uma forma de contrair casamento e natildeo caber no acircmbito de proteccedilatildeo do artigo 36ordm

da CRP isso natildeo inibe que o casal nascido da uniatildeo de facto juridicamente protegida

tambeacutem seja considerado famiacutelia para efeitos da proteccedilatildeo institucional conferida pelo

artigo 67ordm CRP37 pois entende que seria inaceitaacutevel que no acircmbito normativo do artigo 67ordm

CRP natildeo coubessem as relaccedilotildees parafamiliares como a uniatildeo de facto38 Nesta ordem de

ideias eacute possiacutevel aferir que a constituiccedilatildeo natildeo permite penalizar a uniatildeo de facto ou equiparaacute-

la ao casamento39

34 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoAnotaccedilatildeo ao Ac do STJ de 2 de abril de 1987rdquo in Revista de Legislaccedilatildeo

e Jurisprudecircncia nordm 3782 ano 122 Coimbra 1990 p84 35 Idem Entendendo que o princiacutepio constitucional visa abranger a famiacutelia natural e ainda a adotiva 36 Cfr JOAtildeO DE CASTRO MENDES ldquoFamiacutelia e casamentordquo in Estudos sobre a Constituiccedilatildeo JORGE MIRANDA

(coord) vol I Lisboa Livraria Petrony 1977 p 373 37 Referindo em abono da posiccedilatildeo que defende o modo como o legislador na LUF em cumprimento do

disposto no art 67ordm nordm2 da CRP conformou a posiccedilatildeo dos unidos de facto no sentido de lhes conceder

proteccedilatildeo da casa de morada de famiacutelia de os beneficiar com o regime juriacutedico aplicaacutevel a pessoas casadas

em mateacuteria de feacuterias feriados faltas licenccedilas e de preferecircncia na colocaccedilatildeo dos trabalhadores da

Administraccedilatildeo Puacuteblica com a aplicaccedilatildeo do regime do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares

concedendo-lhes proteccedilatildeo socia na eventualidade de morte do beneficiaacuterio por aplicaccedilatildeo do regime geral ou

de regimes especais de seguranccedila social bem como prestaccedilotildees por morte resultante de acidente de trabalho

ou doenccedila profissional a pensatildeo do preccedilo de sangue e por serviccedilos excecionais e relevantes prestados ao paiacutes

ou a inclusatildeo do unido de facto no elenco dos titulares do direito agrave indemnizaccedilatildeo por danos natildeo patrimoniais

por morte da viacutetima no nordm3 do art 496ordm SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e Personalidaderdquo obcit p240 38 Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e Personalidaderdquo obcit p 231 39 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p64

19

A propoacutesito dos diplomas internacionais cabe referir que a Declaraccedilatildeo Universal

dos Direitos do Homem40 inclui dois princiacutepios relativos agrave famiacutelia Primeiramente no seu

artigo 12ordm onde estabelece o direito ao respeito pela vida familiar seguido do artigo 16ordm que

abrange no seu nordm 1 o direito de casar e de constituir famiacutelia e no seu nordm 3 reconhece a

famiacutelia como elemento natural e fundamental da sociedade tendo direito agrave proteccedilatildeo desta e

do Estado Tambeacutem a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem41 conteacutem dois

princiacutepios dedicados agrave famiacutelia o direito ao respeito pela vida privada e familiar previsto no

seu artigo 8ordm e por sua vez o direito a casar e a constituir famiacutelia estando este disposto no

artigo seu 12ordm Nestes diplomas o legislador internacional tal como o legislador nacional

natildeo assegura uma definiccedilatildeo de famiacutelia ou casamento levando a que se concretizem e sejam

interpretados de forma diversa consoante o substrato social de quem o faz42 Pois como

defende CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS43 eacute inegaacutevel as transformaccedilotildees que o conceito de famiacutelia

tradicional tem sofrido dando origem a novas formas de famiacutelia como as de facto as

monoparentais as recombinadas e as homossexuais Nesta senda note-se que o Tribunal

Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) apesar de ter em conta a tutela do casamento e

encorajar a famiacutelia tradicional44 tem vindo a considerar que o artigo 8ordm CEDH natildeo se refere

apenas agrave famiacutelia constituiacuteda com base no casamento como acontece no artigo 12ordm CEDH

podendo conceder tutela a outros laccedilos familiares como as uniotildees de facto45

40 Proclamada pela Assembleia Geral das Naccedilotildees Unidas em Paris a 10 de dezembro de 1948 41 Assinada a 4 de novembro de 1950 em Roma tendo entrado em vigor em 1953 A adesatildeo de Portugal deu-

se apenas em 1978 42 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova Relaccedilatildeo Familiarrdquo

obcit p 458 43 Idem 44 Neste sentido e para mais desenvolvimentos Cfr SUSANA ALMEIDA ldquoO Respeito pela Vida (Privada e)

Familiar na Jurisprudecircncia do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem A tutela das Novas Formasrdquo

Coimbra Editora 2008 p 165 45 Article 8 (art 8) applies to the family life of the illegitimate family as well as to that of the legitimate

family Ac JOHNSTON C IRLANDA 18 de dezembro de 1986 p19 consultaacutevel em

httpshudocechrcoeinteng22itemid22[22001-5750822

The Court recalls that the notion of the family in this provision is not confined solely to marriage-based

relationships and may encompass other de facto family ties where the parties are living together outside of

marriage Ac KEEGAN C IRLANDA de 26 de maio de 1994 p13 consultaacutevel em

httpshudocechrcoeinteng22itemid22[22001-5788122]

20

31 A uniatildeo de facto e o casamento ndash liberdade mas e proteccedilatildeo

Como jaacute haviacuteamos referido tanto a proteccedilatildeo conferida pelo direito ao

desenvolvimento da personalidade quanto a que se entenda que eacute dada pelo artigo 36ordm CRP

natildeo exige que o legislador atribua agrave uniatildeo de facto efeitos semelhantes aos do casamento

equiparando os dois institutos Esta diferenccedila de tratamento de situaccedilotildees distintas natildeo viola

o princiacutepio da igualdade previsto no artigo 13ordm CRP visto que esta norma apenas proiacutebe as

discriminaccedilotildees arbitraacuterias ou sem fundamento46 Tratam-se de situaccedilotildees materialmente

diferentes enquanto no casamento se assume um compromisso de vida em comum

sujeitando-se a um viacutenculo juriacutedico47 um contrato entre duas pessoas que pretendem

constituir famiacutelia mediante uma plena comunhatildeo de vida na uniatildeo de facto os membros natildeo

querem ou natildeo podem assumir esse compromisso48

Antes de nos dedicarmos ao estudo do contraste que o regime da uniatildeo de facto e o

casamento apresentam em concreto conveacutem relembrar a noccedilatildeo de casamento no nosso

ordenamento juriacutedico Assim segundo o artigo 1577ordm CCiv o casamento constitui um

contrato4950 um compromisso juriacutedico assumido por duas pessoas que se vinculam entre si

mediante uma plena comunhatildeo de vida Ainda que o Coacutedigo Civil natildeo defina explicitamente

o que significa plena comunhatildeo de vida eacute possiacutevel aferir-se pelos preceitos subsequentes

que esta deve ser guiada pelos deveres de respeito fidelidade coabitaccedilatildeo cooperaccedilatildeo e

46 Acoacuterdatildeo Tribunal Constitucional nordm 33686 p 3807 Neste artigo reconhece-se o direito agrave diferenccedila desde

que esta natildeo ultrapasse os limites da tolerabilidade ou da discricionariedade Acoacuterdatildeo Tribunal Constitucional

nordm 11881996 O princiacutepio da igualdade (artigo 13ordm da Constituiccedilatildeo) impotildee se decirc tratamento igual ao que for

essencialmente igual e se trate diferentemente o que diferente for Natildeo proiacutebe as distinccedilotildees de tratamento se

materialmente fundadas proiacutebe isso sim a discriminaccedilatildeo as diferenciaccedilotildees arbitraacuterias ou irrazoaacuteveis

carecidas de fundamento racional No mesmo sentido vide Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de

08-03-2006 proferido no acircmbito do processo nordm 419705JTRC 47 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova Relaccedilatildeo Familiarrdquo

obcit p 460 48 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p63 49Apesar da sua contratualidade ser afirmada na sua definiccedilatildeo legal esta eacute contestada Haacute quem qualifique o

casamento como um mero acordo outros como instituiccedilatildeo ou ainda como um puro ato administrativo vendo

a declaraccedilatildeo do funcionaacuterio do registo civil como o elemento constitutivo do casamento e o consentimento

das partes como um simples pressuposto dessa declaraccedilatildeo Cfr mais desenvolvidamente FRANCISCO PEREIRA

COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit pp 232- 235 e ainda TELMA CARVALHO ob cit p 230 50 Cfr FRANCcedilA PITAtildeO ldquoOs novos casamentos ou a crise do casamento tradicional no direito portuguecircs in

AAVV Comemoraccedilotildees dos 35 anos do Coacutedigo Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977 vol I Coimbra

Editora Coimbra 2004 pp 178-179

21

assistecircncia (artigo 1672ordm CCiv) aleacutem disso deve ser exclusiva (artigo 1601ordm CCiv) e tendo

em vista a perpetuidade (artigo 1773ordm CCiv)

A solenidade de formalizaccedilatildeo de vontades necessaacuteria no casamento (artigo 1615ordm

CCiv) em contraposiccedilatildeo agrave falta de forma de celebraccedilatildeo uniatildeo de facto tem sido a principal

diferenccedila apontada pela doutrina entre estas duas formas de vida Dado que no casamento

haacute a expressatildeo de duas vontades atraveacutes de uma declaraccedilatildeo expressa perante uma entidade

puacuteblica que abrange todo o conteuacutedo do casamento Os nubentes ao declararem que aceitam

casar estatildeo simultaneamente a aceitar os efeitos legais do casamento tal como prevecirc o

regime obrigatoacuterio do artigo 1618ordm nordm 1 CCiv Aceitam todos os deveres reciacuteprocos e

tambeacutem os efeitos patrimoniais onde vatildeo tendo uma autonomia privada ainda que limitada

atraveacutes das convenccedilotildees antenupciais51 Isto eacute na uniatildeo de facto haacute uma intencionalidade52

de viver em comunhatildeo plena de vida com outra pessoa no casamento aleacutem da

intencionalidade da plena comunhatildeo de vida haacute a intenccedilatildeo de celebrar o casamento com

tudo o que o seu regime legal acarreta

No caso da uniatildeo de facto essa intencionalidade natildeo eacute declarada de forma solene ou

formal eacute um acordo iacutentimo realizado entre os membros da situaccedilatildeo de facto que natildeo eacute

reconhecido por nenhum ente estadual53 Por outro lado a realizaccedilatildeo do casamento aleacutem de

implicar todo um processo preliminar que tem por fim um despacho final que no caso de ser

favoraacutevel pressupotildee a celebraccedilatildeo do casamento no prazo de seis meses subsequentes a essa

autorizaccedilatildeo tem forma puacuteblica e a sua celebraccedilatildeo acarreta o seu registo (artigo 1ordm al d)

CRegCiv) Este registo eacute obrigatoacuterio e comporta uma elevada importacircncia visto que soacute com

o reconhecimento do casamento pelo Conservador do Registo Civil (artigo 1615ordm CCiv) eacute

possiacutevel fazer a prova do estado civil das pessoas Eacute a uacutenica prova legalmente admitida do

casamento sendo que enquanto este natildeo for registado natildeo pode ser invocado54 Devido agrave

uniatildeo de facto natildeo implicar uma alteraccedilatildeo no estado civil dos membros por natildeo estar sujeita

a registo torna a falta de publicidade no que concerne agrave elaboraccedilatildeo deste estudo a grande

diferenccedila entre este regime juriacutedico e o do casamento e o que tem maior repercussatildeo no

51 Cfr TELMA CARVALHO ob cit p 229 52 Cfr TELMA CARVALHO ob cit p 230 53 Cfr TELMA CARVALHO ob cit p 237 54 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 337

22

regime protecional dos unidos de facto jaacute que o que natildeo pode ser provado em princiacutepio

natildeo pode ser protegido

Aleacutem da dificuldade da prova da uniatildeo de facto quer diante o Estado quer em face

a terceiros a falta do seu registo impede o controlo da sua existecircncia e do cumprimento dos

seus requisitos por parte do Estado Abordaremos a questatildeo da dificuldade da prova

resultante da falta de publicidade da uniatildeo de facto mais aprofundadamente na parte a ela

dedicada

Ateacute aqui apresentamos diferenccedilas de caraacuteter puramente formal nomeadamente no

que respeita agrave natureza contratual do casamento agrave solenidade da celebraccedilatildeo do mesmo e

ainda quanto agrave sua publicidade em contrapartida com o que acontece com a uniatildeo de facto

tendo umas mais importacircncia objetiva que outras Cabe agora analisar as diferenccedilas que tecircm

sido apontadas aos efeitos juriacutedicos praacuteticos Nomeadamente a necessidade de decurso de

prazo de dois anos para que a lei atribua agrave uniatildeo de facto efeitos juriacutedicos uma vez que no

nordm 2 do artigo 1ordm da LUF estaacute previsto que a uniatildeo de facto eacute a situaccedilatildeo juriacutedica de duas

pessoas que independentemente do sexo vivam em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges haacute

mais de dois anos Haacute entatildeo uma exigecircncia do decurso de dois anos55 dessa convivecircncia para

que a situaccedilatildeo anaacuteloga agrave dos cocircnjuges seja considerada uniatildeo de facto Ao passo que o

casamento se considera constituiacutedo com a declaraccedilatildeo de vontade de cada nubente e celebrado

perante uma entidade competente natildeo necessitando da decorrecircncia de nenhum prazo para

que se considere constituiacutedo

Eacute de notar alguma diferenccedila ainda no que se refere agrave cessaccedilatildeo do casamento e agrave

dissoluccedilatildeo da uniatildeo de facto O artigo 1773ordm CCiv determina que o divoacutercio pode ser por

muacutetuo consentimento ou sem consentimento de um dos cocircnjuges - desde que se verifiquem

algum dos fundamentos de rutura previstos no artigo 1781ordm CCiv - ou seja natildeo basta o

simples afastamento dos cocircnjuges para que o casamento cesse haacute um viacutenculo formal que

tem de ser dissolvido A uniatildeo de facto dissolve-se quando cessar o facto da uniatildeo56 isto eacute

55 Noutras regulamentaccedilotildees especiacuteficas esse prazo pode variar () por exemplo no caso da transmissatildeo de

arrendamento por morte do unido o prazo de um ano basta na Lei da Nacionalidade jaacute eacute exigida a duraccedilatildeo de

trecircs anos para que um estrangeiro possa declarar querer adquirir a nacionalidade portuguesa com fundamento

na uniatildeo de facto SANDRA PASSINHAS ldquoUniatildeo de Facto em Portugalrdquo ob cit p113 56 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo in AAVV Textos de Direito da Famiacutelia para Pereira Coelho GUILHERME OLIVEIRA (coord)

Imprensa da Universidade de Coimbra 2016 p 91

23

com a rutura da efetiva comunhatildeo de vida que acontece com a verificaccedilatildeo de alguma das

situaccedilotildees mencionadas no nordm 1 do artigo 8ordm da LUF

Veja-se entre noacutes a uniatildeo de facto eacute objeto de atribuiccedilatildeo de alguns efeitos juriacutedicos

poreacutem no que respeita ao domiacutenio das relaccedilotildees patrimoniais e agrave regulamentaccedilatildeo das

consequecircncias da sua dissoluccedilatildeo natildeo haacute nenhuma norma reguladora Isto eacute natildeo existe

regulamentaccedilatildeo quanto ao regime de bens e natildeo sendo em princiacutepio de aplicar

analogicamente o regime juriacutedico do casamento57 os membros da uniatildeo de facto sentem a

necessidade de criarem eles proacuteprios um estatuto juriacutedico que regule determinados

problemas que possam surgir da sua comunhatildeo de vida com base no princiacutepio da autonomia

da vontade58 Em alguns ordenamentos juriacutedicos59 a soluccedilatildeo para esta questatildeo eacute o contrato

de coabitaccedilatildeo60 visto como a hipoacutetese de conferir aos membros da uniatildeo de facto a

possibilidade de regularem as suas relaccedilotildees patrimoniais com base no princiacutepio da

autonomia patrimonial61 Apesar de no nosso ordenamento juriacutedico natildeo haver tipificaccedilatildeo

legal do contrato de coabitaccedilatildeo - como a uniatildeo de contratos em que os membros da uniatildeo

de facto reuacutenem vaacuterias espeacutecies contratuais em vista da organizaccedilatildeo convencional das suas

relaccedilotildees patrimoniais durante a vida da relaccedilatildeo e apoacutes a extinccedilatildeo desta62- natildeo haacute

legalmente nada a opor a esses contratos desde que estes se limitem a regular os efeitos

patrimoniais sem abrangerem os efeitos pessoais63 Houve por parte do PCP com o artigo

57 Cfr FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo ob cit p83 58 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDissoluccedilatildeo da uniatildeo de facto ndash Anotaccedilatildeo ao Acoacuterdatildeo do TRG de 2992004

Proc 128904rdquo in Cadernos de Direito Privado nordm 11 julhoSetembro 2005 p72 59 Como nos Estados Unidos na Holanda e no Canadaacute e ainda na Espanha e Franccedila onde satildeo normalmente

celebrados apesar de levantarem algumas duacutevidas Neste sentido vide Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de

Lisboa de 29-11-2012 proferido no acircmbito do processo nordm 444092TCFUNL1-A-8 JEAN CARBONNIER

ldquoDroit Civil (T2 ndash La famille lrsquoenfant le couple)rsquorsquo 21ordm ed PUF Paris 2002 p681 EDUARDO ESTRADA

ALONSO ldquoLas uniones extramatrimoniales en el Derecho Civil Espantildeolrdquo 2ordm ed Civitas Madrid 1991 pp

139-152 o A prevecirc a possibilidade de utilizar a autonomia da vontade dos membros como fonte de regulaccedilatildeo

das uniotildees de facto apesar de este tipo de convenios natildeo serem frequentes em Espanha devido a possibilidade

dos tribunais os poderem declarar nulos por ilicitude de causa o A admite a sua validade desde que tratem

apenas de aspetos patrimoniais 60 Pode ser designado de diversas formas tais como contrato de convivecircncia contratos de uniatildeo de facto

convenccedilotildees entre conviventes pactos concubinaacuterios Cfr MARTA COSTA ob cit p156 GERALDO ALMEIDA

ob cit p202 RENATO NETO ldquoContrato de Coabitaccedilatildeo na Uniatildeo de Facto Confronto entre o Direito Brasileiro

e Portuguecircsrdquo Livraria Almedina Coimbra 2006 pp 69-70 61 Cfr MARTA COSTA ob cit p157 62 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 84 63 Cfr JOSEacute JOAtildeO GONCcedilALVES DE PROENCcedilA ldquoDireito da Famiacuteliardquo Lisboa Universidade Lusiacuteada Editora 2003

p 34

24

5ordm do projeto de lei nordm 384VII a proposta de uma convenccedilatildeo de uniatildeo de facto64 que

pretendia afastar nesta mateacuteria a incerteza e inseguranccedila juriacutedicas resultantes da LUF natildeo

tendo todavia prosseguido

Por uacuteltimo eacute de ressalvar a diferenccedila notoacuteria que haacute entre os efeitos sucessoacuterios do

casamento e da uniatildeo de facto O estatuto sucessoacuterio do cocircnjuge sobrevivo tem um elevado

grau de proteccedilatildeo comparativamente com a proteccedilatildeo oferecida ao unido sobrevivo uma vez

que o cocircnjuge aleacutem de ser herdeiro legiacutetimo eacute tambeacutem herdeiro legitimaacuterio65 enquanto o

unido sobrevivo natildeo eacute considerado sequer herdeiro do falecido limitando-se a lei a conceder

o direito de exigir alimentos da heranccedila do mesmo (artigo 2020ordm CCiv) Constata-se uma

enorme discrepacircncia de tratamento entre o cocircnjuge sobrevivo e o unido de facto sobrevivo

devendo a posiccedilatildeo deste uacuteltimo ser objeto de atenccedilatildeo pelo legislador nem que seja para

integrar a sucessatildeo legitima numa posiccedilatildeo inferior agrave do cocircnjuge descendentes e

ascendentes66 Tendo isto em conta eacute possiacutevel afirmar-se que atualmente muitos casais

optam pelo instituto do casamento ao inveacutes do instituto da uniatildeo de facto pela proteccedilatildeo que

este concede ao sobrevivo em caso de morte podendo o casamento ser visto de certa forma

como um (quase) contrato sucessoacuterio67 Na praacutetica muitos casais com esta informaccedilatildeo

apesar de natildeo acharem necessaacuterio celebrar casamento no acircmbito social ou cultural optam

por fazecirc-lo devido agrave elevada discrepacircncia existente entre ambos os institutos

FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO68 defende que diante do presente quadro

regulativo natildeo pode por um lado ser recusada liminarmente a possibilidade de aplicaccedilatildeo agrave

uniatildeo de facto das normas pertencentes ao regime do casamento desde que se tratem de

efeitos indiretos ou legais do casamento e de efeitos fundados na simples existecircncia de uma

comunhatildeo de vida Por outro lado levando em conta o atual quadro legislativo natildeo pode ser

64 Prevendo a possibilidade dos membros da uniatildeo de facto celebrarem uma convenccedilatildeo que visava estabelecer

o seu regime de bens a responsabilidade por diacutevidas e o seu regime de administraccedilatildeo de bens Consultaacutevel em

httpswwwpcpptarlegis-7projleipjl384html 65 Isto eacute nos termos do 2132ordm CCiv eacute chamado agrave sucessatildeo mesmo que o falecido natildeo tenha deixado testamento

vaacutelido consta tambeacutem do art 2157ordm CCiv tendo direito a uma porccedilatildeo de bens (a legiacutetima) que o falecido natildeo

pode dispor no seu testamento Cfr OLIVEIRA ASCENSAtildeO ldquoDireito civil Sucessotildeesrdquo Coimbra Editora 5ordf Ed

2000 pp 333 e 353 66 Para mais desenvolvimentos FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da

uniatildeo de facto breves observaccedilotildeesrdquo ob cit pp104-105 67 Cfr FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo ob cit p103 68 Cfr FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo ob cit pp 83-101

25

feita uma geneacuterica aplicaccedilatildeo analoacutegica do regime do casamento O A aleacutem de salvaguardar

que essa aplicaccedilatildeo soacute poderia abranger os referidos efeitos indiretos ou legais do casamento

alega que antes dessa aplicaccedilatildeo teriam de se apurar caso a caso os interesses em causa e a

ratio da norma eventualmente aplicaacutevel e soacute assim se poderia fundar uma aplicaccedilatildeo

analoacutegica Aleacutem do mais alerta para o quadro limitado de efeitos que a nossa lei fixou para

a uniatildeo de facto previsto na LUF o que pode refletir o intuito de impedir uma aplicaccedilatildeo

analoacutegica das normas do casamento de forma irrestrita O A declara que tendo em

consideraccedilatildeo os uacuteltimos desenvolvimentos legislativos na regulaccedilatildeo da uniatildeo de facto e no

casamento69 a diferenccedila que assenta no facto de natildeo haver uma vontade de vinculaccedilatildeo no

plano juriacutedico e da comunhatildeo de vida dos membros da uniatildeo de facto natildeo implicar o

cumprimento de deveres conjugais ficou bastante atenuada Natildeo soacute porque se tem vindo a

assistir a uma desregulaccedilatildeo do casamento em termos imperativos mas tambeacutem pelo Coacutedigo

Civil se limitar a fixar os deveres pessoais dos cocircnjuges e os modos de execuccedilatildeo dos mesmos

natildeo obedecerem a um padratildeo uacutenico Crecirc que se tem vindo a assistir a um progressivo

afrouxamento dos deveres conjugais por estarem esvaziados das normais caracteriacutesticas de

um dever juriacutedico tanto no plano das consequecircncias indemnizatoacuterias como nas resolutoacuterias

Levando-o a concluir que esbatida a base da diferenccedila principal entre os dois institutos

deixou de haver fundamento para a recusa de uma aplicaccedilatildeo analoacutegica agrave uniatildeo de facto de

muitas normas do casamento que estabelecem efeitos indiretos ou laterais de diversa ordem

deixando o casamento de ser necessaacuterio no plano social afetivo cultural ou econoacutemico e

que este soacute subsiste em maior nuacutemero do que a uniatildeo de facto por se tratar de um haacutebito

adquirido pela sociedade e por haver em certos meios uma pressatildeo social e religiosa nesse

sentido70

Por seu turno CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS no acircmbito dos efeitos patrimoniais da

uniatildeo de facto defende que a aplicaccedilatildeo analoacutegica de uma norma pressupotildee a existecircncia de

uma lacuna No entanto entende que natildeo se pode falar em lacuna quando natildeo existe uma

regulamentaccedilatildeo juriacutedica numa dada mateacuteria visto que essa inexistecircncia de regulamentaccedilatildeo

pode ter sido intencional por parte do legislador Podendo tambeacutem ser pretensatildeo do proacuteprio

69 Com as alteraccedilotildees agrave Lei nordm 72001 introduzidas pela Lei nordm 232010 de 30 de agosto no que respeita agrave uniatildeo

de facto e relativamente ao casamento em consequecircncia da profunda reforma operada pela Lei nordm 612008 de

31 de Outubro 70 Cfr FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo ob cit p 102

26

legislador que o seu preenchimento fique a cargo da doutrina e da jurisprudecircncia71 No

entanto julga que a sua integraccedilatildeo deveraacute ser feita por recurso agraves regras gerais e natildeo por

aplicaccedilatildeo do regime do casamento para o qual o legislador natildeo remeteu intencionalmente

A soluccedilatildeo a nosso ver passaria por natildeo se estender agrave uniatildeo de facto os efeitos do

casamento evitando uma intromissatildeo injustificada na escolha que as partes fizeram de natildeo

contraiacuterem casamento No entanto seria importante reforccedilar o regime legal atual natildeo

olvidando os que apesar de optarem por natildeo seguir a via do casamento pretendem uma

proteccedilatildeo mais firme e os que pretendem apenas a coabitaccedilatildeo sem consequecircncias juriacutedicas

Enveredando-se por um caminho que consolide os efeitos juriacutedicos da uniatildeo de facto com

um regime proacuteprio que natildeo se confunda com o do casamento possibilitando aos que

pretendam uma uniatildeo sem consequecircncias juriacutedicas a liberdade de escolha de sujeiccedilatildeo a um

regime legal ou natildeo

71 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDissoluccedilatildeo da uniatildeo de facto ndash Anotaccedilatildeo ao Acoacuterdatildeo do TRG de 2992004

Proc 128904rdquo ob cit pp 74-75

27

4 Constituiccedilatildeo da relaccedilatildeo de Uniatildeo de Facto e os seus efeitos

A uniatildeo de facto constitui-se quando dois sujeitos do mesmo sexo ou de sexo

diferente que tecircm uma relaccedilatildeo passam a viver em comunhatildeo de leito mesa e habitaccedilatildeo

Passando os membros a viver nessas condiccedilotildees e natildeo sendo essa situaccedilatildeo objeto de registo

civil72 ou administrativo ao contraacuterio do que acontece em alguns ordenamentos vizinhos

que mereceratildeo a nossa anaacutelise mais adiante torna-se mais difiacutecil saber de forma exata

quando se iniciou para que seja possiacutevel a partir daiacute contar os dois anos necessaacuterios para

que a situaccedilatildeo de facto produza os efeitos previstos no artigo 3ordm da LUF

Efeitos estes que soacute se produziratildeo se cumulativamente com requisito temporal de

decurso de dois anos natildeo existir nenhum impedimento dirimente ao casamento dos membros

da uniatildeo de facto Eacute a soluccedilatildeo prevista no artigo 2ordm da LUF que reproduz nas suas aliacuteneas

o disposto no artigo 1601ordm e 1602ordm CCiv obstando agrave constituiccedilatildeo de uma uniatildeo de facto

juridicamente protegida impedimentos relacionados com a idade dos companheiros a

existecircncia de uma demecircncia notoacuteria mesmo com intervalos luacutecidos e situaccedilatildeo de

acompanhamento de maior se assim estabelecer a sentenccedila que a haja decretado salvo se

posteriores ao iniacutecio da uniatildeo a ocorrecircncia de casamento anterior natildeo dissolvido exceto se

tiver sido decretada a separaccedilatildeo de pessoas e bens o parentesco na linha reta ou no 2ordm grau

da linha colateral ou afinidade na linha reta e a condenaccedilatildeo anterior de uma das pessoas

como autor ou cuacutemplice por homiciacutedio doloso ainda que natildeo consumado contra o cocircnjuge

do outro Os factos expostos estorvam apenas a produccedilatildeo de efeitos favoraacuteveis da uniatildeo de

facto ou seja a atribuiccedilatildeo de direitos ou benefiacutecios natildeo deveraacute ser intenccedilatildeo do legislador

que a uniatildeo de facto mesmo que afetada por algum dos impedimentos seja considerada

irrelevante juridicamente quando estatildeo em causa interesses legiacutetimos de terceiros ou quando

surjam consequecircncias como a presunccedilatildeo de paternidade relativamente ao homem7374

Em relaccedilatildeo aos efeitos pessoais por natildeo assumirem nenhum compromisso natildeo

estatildeo os membros da uniatildeo de facto vinculados aos deveres conjugais que os artigos 1671ordm

72 Uma vez que natildeo estaacute mencionada no acircmbito do art 1ordm do Coacutedigo do Registo Civil norma que consagra as

situaccedilotildees em que o registo civil eacute obrigatoacuterio no nosso ordenamento juriacutedico 73 Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 141 74 O elenco dos impedimentos agrave produccedilatildeo dos efeitos favoraacuteveis agrave uniatildeo de facto que constam no artigo 2ordm da

LUF foi corrigido e adaptado para evitar uma excessiva ligaccedilatildeo agraves soluccedilotildees postuladas no artigo 1601ordm CCiv

Sobre as correccedilotildees mais detalhadamente cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit pp 141-142

28

e 1672ordm CCiv impotildeem aos cocircnjuges75 Contudo a relaccedilatildeo pessoal que assumem permite-

lhes adotar um filho nos mesmos termos que os cocircnjuges por forccedila do artigo 7ordm da LUF

desde que a relaccedilatildeo dure haacute mais de quatro anos e ambos tiverem mais de 25 anos

independentemente do seu sexo Releva tambeacutem para efeitos de aquisiccedilatildeo de nacionalidade

desde que o estrangeiro que viva em uniatildeo de facto com nacional portuguecircs haacute mais de trecircs

anos e tenha reconhecimento judicial da situaccedilatildeo de facto declare que quer adquirir

nacionalidade portuguesa (artigo 3ordm nordm 3 Lei da Nacionalidade - Lei nordm 3781 de 03 de

Outubro) No que respeita aos filhos nascidos das uniotildees de facto nas accedilotildees de investigaccedilatildeo

de paternidade presume-se a paternidade quando tenha havido comunhatildeo duradoura de vida

entre a matildee e o pretenso pai no periacuteodo legal de concepccedilatildeo por forccedila do artigo 1871ordm CCiv

Quanto ao exerciacutecio das responsabilidades parentais no caso de comunhatildeo duradoura de

vida em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges ou concubinato duradouro o artigo 1911ordm nordm

1 CCiv determina a aplicaccedilatildeo do previsto nos artigos 1901ordm e 1904ordm CCiv que corresponde

ao regime que vigora quando os progenitores satildeo casados Jaacute no caso de dissociaccedilatildeo familiar

o mesmo artigo remete para aplicaccedilatildeo do disposto nos artigos 1905ordm a 1908ordm CCiv normas

atinentes ao divoacutercio separaccedilatildeo de pessoas e bens ou declaraccedilatildeo de nulidade ou anulaccedilatildeo do

casamento Como se pode ver os filhos nascidos de uniatildeo de facto tal como quaisquer outros

nascidos fora do casamento estatildeo equiparados aos nascidos dentro do mesmo por forccedila do

disposto no nordm 4 do artigo 36ordm da CRP76

Como jaacute haviacuteamos referido a uniatildeo de facto natildeo permite a aplicaccedilatildeo de um regime

de bens nem das regras que disciplinam as relaccedilotildees patrimoniais dos cocircnjuges como a

administraccedilatildeo de bens e regime de responsabilidade por diacutevidas sendo de aplicar entre os

unidos o regime geral das relaccedilotildees obrigacionais e reais77 De acordo com as regras do direito

comum cada um dos membros da uniatildeo de facto pode vender bens moacuteveis ou imoacuteveis dar

ou tomar de arrendamento um imoacutevel ou contrair diacutevidas podem entre eles celebrar

contratos de compra e venda de locaccedilatildeo de depoacutesito de comodato de muacutetuo entre outros

pois o artigo 1714ordm CCiv que impede a celebraccedilatildeo de certos contratos entre os cocircnjuges natildeo

eacute aplicaacutevel agraves relaccedilotildees de uniatildeo de facto Acrescem a estes os que expusemos anteriormente

relativamente a esta mateacuteria aquando da distinccedilatildeo entre o regime do casamento e o regime

75 Natildeo estabelecem relaccedilotildees de afinidade com os parentes do outro natildeo podem adotar o apelido um do outro

possibilidade que eacute concedida aos cocircnjuges por virtude do artigo 1677ordm CCiv 76 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 81 77 Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoUniatildeo de Facto em Portugalrdquo obcit p 120

29

da uniatildeo de facto no ponto 31 e ainda sucintamente importa referir como efeito

patrimonial da uniatildeo de facto a extensatildeo a esta do artigo 1691ordm al b) CCiv que prevecirc a

responsabilidade dos cocircnjuges pelas diacutevidas contraiacutedas por qualquer dos cocircnjuges antes ou

depois da celebraccedilatildeo do casamento para ocorrer aos encargos normais da vida familiar

equiparando nesta mateacuteria o conceito de uniatildeo de facto como a comunhatildeo de leito mesa e

habitaccedilatildeo aos casamentos e protegendo a confianccedila de terceiros que com eles contratem e

confiem nessa aparecircncia de vida matrimonial78 A niacutevel patrimonial a uniatildeo de facto atribui

ao unido sobrevivo por forccedila do artigo 2020ordm nordm 1 o direito de exigir alimentos da heranccedila

do falecido poreacutem esse direito caduca se natildeo for exercido nos dois anos posteriores agrave data

da morte do autor da sucessatildeo (nordm 2) e se o alimentado casar iniciar uma relaccedilatildeo de uniatildeo

de facto ou se tornar indigno do benefiacutecio pelo seu comportamento moral por forccedila do nordm 3

do artigo 2020ordm e do artigo 2019ordm CCiv Resta em uacuteltimo lugar dizer que em mateacuteria fiscal

nomeadamente no que respeita ao imposto sobre o rendimento o artigo 3ordm al d) da LUF

torna aplicaacutevel aos membros da uniatildeo de facto o regime atribuiacutedo aos sujeitos passivos natildeo

separados de pessoas e bens nessa mateacuteria

78 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 34

30

5 O problema da prova da coabitaccedilatildeo

51 Consideraccedilotildees gerais

Expostos os efeitos a que a constituiccedilatildeo da uniatildeo de facto daacute origem urge abordar

a problemaacutetica que a este estudo interessa o problema da prova da relaccedilatildeo de uniatildeo de facto

nomeadamente a prova da coabitaccedilatildeo Apesar de natildeo existir como vimos uma exigecircncia de

forma para a constituiccedilatildeo da uniatildeo de facto e prevalecer entre noacutes um modelo faacutectico79-

bastando que se verifiquem os requisitos factuais para que a convivecircncia seja protegida - eacute

exigido aos seus membros que provem a sua convivecircncia se pretenderem beneficiar de

determinados direitos

Ora a opccedilatildeo do legislador tem sido contraacuteria agrave formalizaccedilatildeo da uniatildeo de facto o

que natildeo facilita a demonstraccedilatildeo dos factos exigidos pela lei para aferir a sua relevacircncia

juriacutedica Portanto a dificuldade dessa prova adveacutem natildeo soacute desta relaccedilatildeo natildeo estar sujeita a

nenhum tipo de solenidade ou publicidade na sua constituiccedilatildeo por natildeo implicar a sujeiccedilatildeo

ao registo civil ou administrativo80 mas tambeacutem por natildeo haver em regra uma prova preacute-

constituiacuteda81 diferentemente do que sucede com o casamento estando nas matildeos dos

cocircnjuges a possibilidade de requerer a qualquer momento uma certidatildeo de casamento

A respeito da prova da uniatildeo de facto no acircmbito juriacutedico-civil recorde-se o regime

geral do oacutenus da prova previsto no artigo 342ordm CCiv que atribui a quem pretende invocar

um direito provar os factos que o constituem Isto eacute se um dos membros da uniatildeo de facto

pretender beneficiar da proteccedilatildeo juriacutedica conferida agrave uniatildeo de facto precisaraacute de demonstrar

a realidade dos factos que invoca para preenchimento dos pressupostos estabelecidos Nesta

mateacuteria tambeacutem satildeo aplicaacuteveis as normas gerais do oacutenus da prova a terceiro que pretenda

fundar um direito na uniatildeo de facto recaindo sobre ele o oacutenus de provar os factos que

consubstanciam o direito que alega Porquanto se vecirc que a prova de que se vive numa

79 Cfr ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoA convivecircncia laquomore uxorioraquo um olhar sobre o regime portuguecircs francecircs

e alematildeordquo in Direito Constitucional e o seu papel na construccedilatildeo do cenaacuterio juriacutedico global dir IRENE

PORTELA IPCA 1ordf Ed 2016 p 121 A uniatildeo de facto eacute uma realidade de convivecircncia continuada sem

qualquer forma exigida Natildeo existe a sujeiccedilatildeo a registo da uniatildeo de facto Ou seja a uniatildeo de facto no nosso

sistema natildeo se constitui consolida-se com o tempo ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoUNIAtildeO de facto versus

Casamento ndash Questotildees pessoais e patrimoniaisrdquo Gestlegal 1ordm ed 2019 p 158 80 O que natildeo permite saber com certeza a data a partir da qual se comeccedilam a contar os dois anos necessaacuterios agrave

produccedilatildeo de efeitos 81 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 72

31

situaccedilatildeo anaacuteloga agrave dos cocircnjuges pode revelar-se sinuosa e por isso eacute relevante desenvolver

essa mateacuteria no presente estudo

Nesta senda o artigo 2ordm-A nordm 1 da LUF prevecirc que a prova da uniatildeo de facto se faz

por qualquer meio legalmente admissiacutevel salvo se disposiccedilatildeo legal ou regulamentar exija

prova documental especiacutefica A prova seraacute maioritariamente testemunhal contudo natildeo se

deve excluir a possibilidade de prova documental ao realizar uma interpretaccedilatildeo extensiva

do termo vida previsto no artigo 34ordm nordm 1 do Decreto-Lei nordm 13599 de 22 de Abril que

regula a forma como atestados de residecircncia vida e situaccedilatildeo econoacutemica dos cidadatildeos

devem ser passados pelas Juntas de Freguesia82 Ou ainda como sugerem FRANCcedilA PITAtildeO e

MARTA COSTA mobilizar accedilatildeo judicial de simples apreciaccedilatildeo (ou de mera declaraccedilatildeo)

positiva83 com a qual os membros pretenderiam apenas obter a declaraccedilatildeo da existecircncia de

um facto que assentava na comunhatildeo de cama mesa e habitaccedilatildeo por mais de dois anos84

Contudo esta soluccedilatildeo poderia comportar o risco de ser usada por um dos membros agrave revelia

do outro com vista ao aproveitamento dos efeitos favoraacuteveis da uniatildeo mesmo que esta jaacute

esteja extinta Eacute precisamente por esta razatildeo que NUNO COSTA MAURIacuteCIO85

rejeita o recurso

a esta accedilatildeo pelos unidos Crecirc que natildeo eacute a soluccedilatildeo para a dificuldade da prova da uniatildeo de

facto devido aos problema que podiam advir da falta de controlo judicial da extinccedilatildeo da

uniatildeo de facto que consistiriam na possibilidade de um ou ambos os unidos continuarem a

usufruir de efeitos favoraacuteveis de uma situaccedilatildeo que jaacute se extinguiu

Poderaacute entatildeo fazer-se a prova documental atraveacutes de uma declaraccedilatildeo emitida pela

Junta de Freguesia competente sendo que esse documento deve ser acompanhado da

declaraccedilatildeo de ambos os membros conviventes que sob compromisso de honra afirmam que

vivem em uniatildeo de facto haacute mais de dois anos e da coacutepia das suas certidotildees de nascimento

Poreacutem a veracidade deste documento pode por vezes ser posta em causa e natildeo fazer prova

plena por natildeo se tratar normalmente de facto atestado com base nas perceccedilotildees da entidade

82 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p74 83 Cfr MARTA COSTA ob cit p387 FRANCcedilA PITAtildeO ldquoUniotildees de Facto e Economia Comum de acordo com

a Lei nordm 232010 de 30 de agostordquo obcit p78 84 Tendo os requerentes de tal accedilatildeo de provar natildeo soacute a sua natildeo coabitaccedilatildeo nos termos e condiccedilotildees previstos na

lei bem como a inexistecircncia de qualquer um dos impedimentos previstos no art 2ordm da LUF sob pena de a

decisatildeo judicial natildeo poder produzir nenhum efeito uacutetil Cfr FRANCcedilA PITAtildeO ldquoUniotildees de Facto e Economia

Comum de acordo com a Lei nordm 232010 de 30 de agostordquo obcit pp 78-79 85 Cfr NUNO COSTA MAURIacuteCIO ldquoO pecado mora ao ladordquo Um repensar da problemaacutetica juriacutedica das uniotildees

de facto e das relaccedilotildees patrimoniais entre unidos de facto Tese de Mestrado em Ciecircncias Juriacutedico-Civiliacutesticas

Faculdade De Direito Da Universidade De Coimbra Outubro 2000 p 76

32

documentadora86 Efetivamente o documento soacute prova que os interessados fizeram perante

o funcionaacuterio a afirmaccedilatildeo de que conviviam em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges desde

determinada data todavia natildeo quer dizer que natildeo se possa pocircr em causa a veracidade dessa

afirmaccedilatildeo87 Qualquer interessado pode demonstrar que o facto natildeo eacute verdadeiro por alegar

que a uniatildeo de facto natildeo existiu ou natildeo teve lugar durante o periacuteodo mencionado pelos

declarantes88 Ou seja o disposto no artigo 2ordm-A n ordm1 da LUF traduz-se apenas na

possibilidade que os unidos tecircm de apresentar documentos para demonstrarem os

pressupostos que permitem atribuir relevacircncia juriacutedica agrave uniatildeo de facto pois essa norma natildeo

confere qualquer valor probatoacuterio a tais documentos Posto isto o documento emitido pela

Junta de Freguesia natildeo eacute suficiente para demonstrar a existecircncia da uniatildeo de facto porquanto

a LUF natildeo exige apenas a alegaccedilatildeo de que duas pessoas vivem juntas haacute mais de dois anos

ou que natildeo se verifique nenhum dos impedimentos agrave constituiccedilatildeo da relaccedilatildeo eacute essencial

ainda que provem a sua coabitaccedilatildeo89

O nordm 5 do artigo 2ordm-A adverte tambeacutem para as sanccedilotildees penais que as falsas

declaraccedilotildees poderatildeo causar Como prova documental eacute um meio de prova fraacutegil e suscetiacutevel

de fraude esta norma funciona como advertecircncia que visa promover a conformidade entre

as declaraccedilotildees que os sujeitos fazem e a realidade que por eles eacute vivida esperando que a

ameaccedila da aplicaccedilatildeo de uma sanccedilatildeo penal iniba a alegaccedilatildeo de falsas declaraccedilotildees Tendo em

conta que o interesse da demonstraccedilatildeo dos requisitos que permitem atribuir relevacircncia

juriacutedica agrave situaccedilatildeo de facto eacute com o objetivo de se produzirem factos favoraacuteveis aos

86 Art 371ordm nordm 1 CCiv Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 72 87 Vide neste sentido o Acoacuterdatildeo do TCA Norte de 13-11-2020 proferido no acircmbito do processo nordm

00090151BECBR Natildeo oferece qualquer controveacutersia quer em sede doutrinal quer jurisprudencial que natildeo

sendo arguida a falsidade do documento autecircntico este faz prova plena dos factos praticados pela entidade

documentadora de sorte que tudo o que o documento referir como tendo sido praticado por essa entidade

tudo o que segundo o documento seja obra do seu Autor e bem assim tudo o que tenha sido percecionado

pelo mesmo tem de ser aceite como exato Assim as declaraccedilotildees que constam no documento como tendo sido

feitas perante a entidade documentadora ou seja o declarado perante a uacuteltima e que essa entidade ouviu

atraveacutes dos seus sentidos em consonacircncia com a parte final do nordm 1 do art 371ordm do CC beneficiam da prova

plena inerente agrave forccedila probatoacuteria conferida pelo oficial puacuteblico Deste modo se o presidente de junta consigna

no texto do atestado que a requerente e as referidas testemunhas declararam que ldquo(a) mesmo(a) residia haacute

mais de dois anos com o falecido A seu companheiro(a) ateacute agrave data de oacutebito (hellip)rdquo tem-se como plenamente

provado que essa declaraccedilatildeo foi efetivamente feita perante o presidente de junta de freguesia Mas tatildeo soacute Eacute

que daiacute natildeo decorre que a forccedila probatoacuteria desse atestado respeite a tudo o que nele se conteacutem A verdade

dos factos a que se reportam as declaraccedilotildees emitidas e que constam desse documento autecircntico- no caso o

atestado emitido pelo presidente de junta de freguesia- ficam sujeitas agrave livre apreciaccedilatildeo do julgador 88 Cfr JORGE DUARTE PINHEIRO ob cit p 529 89 Isto eacute que vivem em ldquouniatildeo de factordquo Cfr RITA LOBO XAVIER ldquoEstatuto Privadordquo dos membros da Uniatildeo

De Factordquo obcit p1518 E ainda sobre a importacircncia da coabitaccedilatildeo cfr FRANCcedilA PITAtildeO ldquoOs novos

casamentos ou a crise do casamento tradicional no direito portuguecircs ob cit p66

33

declarantes estaraacute sempre em causa a credibilidade de tais declaraccedilotildees que estaratildeo sujeitas

ao confronto com as demais provas e ao princiacutepio da livre apreciaccedilatildeo da prova90 acabando

por serem mais crediacuteveis as declaraccedilotildees feitas em detrimento dos declarantes91 A norma em

causa pretende apenas facilitar a demonstraccedilatildeo dos factos que satildeo considerados como

pressupostos da atribuiccedilatildeo de relevacircncia juriacutedica agrave uniatildeo de facto uma vez que a lei natildeo

adotou ainda um registo oficial desta relaccedilatildeo Cremos que a intenccedilatildeo do legislador foi libertar

os membros da uniatildeo de facto de terem de obter declaraccedilatildeo judicial para certificar a sua

convivecircncia respeitando a liberdade inerente a quem opta por este tipo de relaccedilatildeo Todavia

este eacute um tema controvertido e vem sido debatido na doutrina a possibilidade de registo da

uniatildeo de facto como forma de conferir publicidade a estas relaccedilotildees findar os problemas

relativos agrave sua prova e de colmatar esta que pode ser considerada uma das lacunas presentes

no regime juriacutedico portuguecircs da uniatildeo de facto Haacute quem entenda que uma vez que a uniatildeo

de facto se trata na maioria das vezes de uma opccedilatildeo de vida de acordo com a autonomia da

vontade de quem por ela optou o legislador deve respeitar essa escolha e intervir apenas se

necessaacuterio legislando somente em alguns aspetos pontuais92 Devendo quanto ao resto

abster-se e confiar na capacidade de autorregulamentaccedilatildeo dos membros da uniatildeo de facto

Neste seguimento o Bloco de Esquerda apresentou o Projeto de Lei n ordm45VIII93

que visava alterar a Lei nordm 13599 de 28 de Agosto Atraveacutes deste projeto apresentou

soluccedilotildees no que diz respeito agrave prova e ao registo da uniatildeo de facto94 sugerindo que o artigo

2ordm-A passasse a tratar da forma como a uniatildeo de facto eacute constituiacuteda que seria atraveacutes de

registo na junta de freguesia da aacuterea de residecircncia das pessoas em uniatildeo de facto ou apoacutes

90 Cfr RITA LOBO XAVIER ldquoA Uniatildeo de Facto e a Lei Civil no Ensino de Francisco Manuel Pereira Coelho e

Legislaccedilatildeo Atualrdquo em Textos de Direito da Famiacutelia para Francisco Pereira Coelho Coimbra Imprensa da

Universidade de Coimbra 2016 p 684 91 Cfr RITA LOBO XAVIER ldquoEstatuto Privadordquo dos membros da Uniatildeo De Factordquo obcit p1519 92 Cfr HEINRICH HOumlRSTER ldquoDireito da Famiacutelia e Poliacutetica Socialrdquo Publicaccedilotildees Universidade Catoacutelica Porto

2001 pp71-72 Segundo este A o legislador adotando uma postura prudente deve apenas legislar quando

estejam em causa interesses de terceiros ou seja da comunidade ou quando haja a necessidade de proteger os

filhos Nestas situaccedilotildees defende que o legislador pode e deve intervir e que quando se trate de legislar em

mateacuteria de uniatildeo de facto espera que seja feito com cuidado e ponderaccedilatildeo 93 Consultaacutevel em

httpswwwparlamentoptActividadeParlamentarPaginasDetalheIniciativaaspxBID=6308 94 No seu art 2ordm previam o aditamento do artigo 2ordmA e 2ordm B art 2ordm-A1 A uniatildeo de facto eacute constituiacuteda a)

Por registo na junta de freguesia da aacuterea de residecircncia das pessoas em uniatildeo de facto ou b) Apoacutes dois anos

em plena comunhatildeo de vida sem necessidade de registo 2 As uniotildees de facto constituiacutedas por registo

conforme a aliacutenea a) do nordm 1 do presente artigo estatildeo imediatamente reguladas pela presente lei Art 2ordm-B

A uniatildeo de facto constituiacuteda por registo eacute dissolvida por vontade de pelo menos um dos seus constituintes

expressa junto aos serviccedilos de registo da junta de freguesia da aacuterea da residecircncia

34

dois anos em plena comunhatildeo de vida sem necessidade de registo passando as uniotildees de

facto constituiacutedas por registo a estar imediatamente reguladas pela LUF sem necessidade

do decurso do prazo de dois anos Este projeto previa tambeacutem no artigo 2ordm-B o registo da

dissoluccedilatildeo junto dos serviccedilos da junta de freguesia atraveacutes da declaraccedilatildeo de pelo menos um

dos unidos O Projeto de Lei n ordm45VIII do BE95 cumpriu os requisitos constitucionais e

regimentais necessaacuterios para ser apreciado pelo plenaacuterio da Assembleia da Reacutepublica

Contudo apoacutes a adoccedilatildeo por parte da Comissatildeo de Assuntos Constitucionais Direitos

Liberdades e Garantias de um texto de substituiccedilatildeo relativo aos projetos nordm 6VII de

iniciativa do partido Os Verdes ao nordm 45VIII do BE e ao nordm 115VII do PCP e apoacutes a

aprovaccedilatildeo com votos favoraacuteveis do PS do PCP e do BE e votos contra do PSD do CDS-

PP e da Deputada Maria do Rosaacuterio Carneiro (PS) relativamente a cada artigo do texto de

substituiccedilatildeo os representantes na Comissatildeo dos Grupos Parlamentares do PCP e do BE bem

como a Srordf Deputada Isabel Castro (Os Verdes) declararam retirar as respetivas iniciativas

legislativas em benefiacutecio do texto de substituiccedilatildeo adotado entrando em vigor a Lei nordm

72001 de 11 de Maio que adotou medidas de proteccedilatildeo das uniotildees de facto Vigorando com

as subsequentes alteraccedilotildees ateacute aos dias de hoje

Conveacutem frisar que a questatildeo do registo da uniatildeo de facto pode ser encarada como

incompatiacutevel com a proacutepria natureza informal da uniatildeo de facto Desde logo NUNO COSTA

MAURIacuteCIO defende que subjacente agrave necessidade do registo reside sempre uma ideia de

certeza juriacutedica a qual transportada para o acircmbito da uniatildeo de facto vai implicar que a sua

prova nunca possa ser feita atraveacutes de uma declaraccedilatildeo unilateral da parte interessada tendo

de passar por uma acreditaccedilatildeo um crivo de publicidade que traraacute consigo e proporcionaraacute a

terceiros a certeza juriacutedica de que aquelas duas pessoas vivem em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos

cocircnjuges96 Poreacutem acredita que apesar das vantagens da certeza e seguranccedila juriacutedicas

inerentes ao instituto do registo as desvantagens se afloram maiores Em virtude de no que

respeita aos elementos constitutivos da uniatildeo de facto onde o essencial eacute estar-se perante

uma convivecircncia estaacutevel e duradoura semelhante agrave dos cocircnjuges natildeo deve bastar o facto de

duas pessoas se dirigirem a uma conservatoacuteria de registo ou a outra entidade puacuteblica e

declararem viver em uniatildeo de facto sem se apurar a autenticidade dessas declaraccedilotildees

95 Bem como os projetos de lei nordm 6VIII da iniciativa do Partido Ecologista Os Verdes o nordm 105VIII da

iniciativa do Partido Socialista e o nordm 115VIII da iniciativa do Partido Comunista Portuguecircs 96 Cfr NUNO COSTA MAURIacuteCIO ldquoO pecado mora ao ladordquo ob cit p 81

35

Acrescenta ainda que ao fazerem depender a eficaacutecia juriacutedica da uniatildeo de facto da sua

inscriccedilatildeo no registo tornando ineficazes as uniotildees que natildeo estivessem inscritas estariam a

forccedilar os unidos que optaram por esta forma de convivecircncia exatamente para dispensar

qualquer formalidade a inscrever a sua relaccedilatildeo O que se traduziria numa adulteraccedilatildeo da

intencionalidade e natureza da uniatildeo de facto Ou mesmo que se configurasse um registo

livre e voluntaacuterio quem preferisse a natildeo inscriccedilatildeo natildeo teria acesso a um regime legal de

proteccedilatildeo da uniatildeo de facto ficando agrave margem da lei o que geraria uma nova discriminaccedilatildeo

Nota por uacuteltimo que a inscriccedilatildeo das uniotildees de facto se iria traduzir na prestaccedilatildeo de

consentimento a uma relaccedilatildeo de facto por parte dos dois sujeitos e assim sendo poderia

estar-se perante um novo tipo de casamento ainda que se trate de um casamento de segundo

grau97 Tal consideraccedilatildeo iria contra o espiacuterito de liberdade e natildeo formalismo que preside agrave

uniatildeo de facto98 Depreendendo que devido agraves desvantagens inerentes ao registo a

dificuldade da prova da uniatildeo de facto seria mais facilmente superada se se permitisse aos

unidos de facto ao abrigo do princiacutepio da livre disponibilidade convencionar as

regulamentaccedilatildeo das suas relaccedilotildees99

De outra banda MARTA COSTA considera que se fosse instituiacutedo o registo

obrigatoacuterio para que os conviventes pudessem beneficiar da tutela legislativa prevista as

dificuldades que advecircm da prova da uniatildeo de facto ficariam diminuiacutedas e sairiam

privilegiadas a seguranccedila juriacutedica e a liberdade dos conviventes que poderiam decidir se

pretendiam ser legislativamente tutelados ou se optariam por uma relaccedilatildeo meramente

factual Realccedila ainda que a instituiccedilatildeo do registo transformaria a uniatildeo de facto em relaccedilatildeo

de direito num instituto juriacutedico formal ainda que a sua tutela fosse diminuta100 Durante a

sua anaacutelise aproveita para refutar algumas das desvantagens que NUNO COSTA MAURIacuteCIO

aponta agrave inscriccedilatildeo da uniatildeo de facto no registo Primeiramente em relaccedilatildeo agrave dificuldade de

apurar a veracidade das declaraccedilotildees dos unidos a A crecirc que depende da opccedilatildeo legislativa

97 Atentando-se agrave diferenccedila de grau no que diz respeito ao nuacutemero de efeitos juriacutedicos que cada um produz

Cfr NUNO COSTA MAURIacuteCIO ldquoO pecado mora ao ladordquo ob cit p82 98 Eacute na procura do momento da conciliaccedilatildeo entre a autoridade e liberdade e entre o puacuteblico e o privado que

residem os fundamentos das intervenccedilotildees legislativas no acircmbito das relaccedilotildees juriacutedico-familiares que devem

repousar ou fundamentos de poliacutetica legislativa relativos agrave atribuiccedilatildeo de efeitos de direito agrave uniatildeo de facto

(hellip) e estaacute na base das intervenccedilotildees legislativas feitas em alguns paiacuteses e nas exigecircncias feitas pela doutrina

noutros com vista agrave definiccedilatildeo de um estatuto juriacutedico da uniatildeo de facto Cfr GERALDO DA CRUZ ALMEIDA

ob cit pp 185-193 99 Cfr NUNO COSTA MAURIacuteCIO ldquoO pecado mora ao ladordquo ob cit p83 100 Cfr MARTA COSTA ob cit p 394

36

Isto eacute se com a obrigatoriedade do registo o legislador decidir que a tutela da relaccedilatildeo fique

dependente da duraccedilatildeo da mesma esta duraccedilatildeo pode contar-se apoacutes o registo ou exigir-se o

decurso da mesma para que os conviventes possam inscrever a relaccedilatildeo no registo mantendo-

se a dificuldade de determinar o seu iniacutecio Se por outro lado a tutela da convivecircncia natildeo

ficar dependente da sua duraccedilatildeo natildeo teraacute de haver uma convivecircncia preacutevia podendo duas

pessoas que queiram conviver dirigirem-se a uma entidade competente e registar a

convivecircncia que podia jaacute existir ou iniciar-se nesse momento101 Relativamente ao facto de

os unidos que optaram pela uniatildeo de facto para se eximirem de qualquer formalidade se

verem obrigados a proceder ao registo da sua relaccedilatildeo para evitar que a sua uniatildeo seja

inexistente a A discorda afirmando que os unidos natildeo se veriam forccedilados a proceder ao

registo podendo preferir manter uma verdadeira uniatildeo de facto agrave qual continuariam a ser

atribuiacutedos ainda que poucos alguns direitos e deveres102 face agrave nossa ordem juriacutedica

defendendo que a obrigatoriedade do registo ao lado do instituto do casamento e da relaccedilatildeo

puramente de facto serviria melhor os interesses de uma sociedade pluralista103 A A

diverge ainda da ideia imputada pelo A de representar uma discriminaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos

conviventes que optem pela natildeo inscriccedilatildeo por natildeo beneficiarem do regime de proteccedilatildeo da

uniatildeo de facto No seu entendimento eacute antes o reflexo do respeito pela escolha dos unidos

de manterem a sua uniatildeo verdadeiramente factual Remata a sua apreciaccedilatildeo afirmando que

o que vai contra o espiacuterito de liberdade que preside agrave uniatildeo de facto natildeo eacute a prestaccedilatildeo de

consentimento a uma relaccedilatildeo de facto por parte dos unidos mas antes a aplicaccedilatildeo automaacutetica

de um regime juriacutedico aos conviventes ainda que pouco densificado aditando que a

instituiccedilatildeo do registo obrigatoacuterio proporcionaria vaacuterias possibilidades que dependeriam da

real vontade dos interessados

101 Cfr MARTA COSTA ob cit p 396 102 Cfr MARTA COSTA ob cit p 397 103 Cfr MARTA COSTA ob cit p 398

37

52 Comparaccedilatildeo com o regime de outros ordenamentos juriacutedicos na Uniatildeo

Europeia

De forma a completar o raciociacutenio ateacute aqui apresentado cumpre agora uma sucinta

anaacutelise do regime juriacutedico da uniatildeo de facto em vigor em alguns ordenamentos juriacutedicos

europeus bem como outras figuras que advieram da jurisdicionalizaccedilatildeo da convivecircncia more

uxorio104 Assim importa primeiramente discorrer umas breves notas sobre o regime geral

previsto em cada um dos ordenamentos particularmente no que respeita agrave constituiccedilatildeo da

uniatildeo de facto aos seus efeitos e o seu regime de prova para que possamos posteriormente

expor as nossas conclusotildees e possiacutevel proposta de soluccedilatildeo

521 Espanha

Jaacute em 1986 EDUARDO ESTRADA ALONSO refletia sobre o conceito juriacutedico da uniatildeo

de facto em Espanha definindo o conceito de unioacuten extramatrimonial como uma

convivecircncia diaacuteria que eacute desenvolvida habitualmente pelos casamentos de forma estaacutevel e

duradoura sugerindo que o prazo miacutenimo deveria ser de cinco anos para que pudessem ser

consideradas pelo Direito Admite que essa convivecircncia natildeo seja necessariamente no sentido

da coabitaccedilatildeo mas no sentido de que haja pelo menos uma vontade de estar juntos a fim de

evitar que as separaccedilotildees temporaacuterias e involuntaacuterias ndash por motivos profissionais ndash impeccedilam

a produccedilatildeo dos efeitos juriacutedicos pretendidos por essas uniotildees Entende que eacute uma uniatildeo que

dispensa qualquer formalidade para ser constituiacuteda e que implica o cumprimento espontacircneo

sem obrigaccedilatildeo juriacutedica dos deveres conjugais por parte dos membros devendo ser uma

relaccedilatildeo monogacircmica onde haacute a manutenccedilatildeo de relaccedilotildees sexuais sem exigecircncia que

procriem105

Apesar de em Espanha natildeo se encontrar definido o conceito juriacutedico de famiacutelia nem

se as uniotildees de facto se enquadram nesse conceito o Tribunal Constitucional Espanhol tem

vindo a pronunciar-se sobre essa sua inclusatildeo ou natildeo no artigo 391 da Constituiccedilatildeo

Espanhola106 Em 1990 na sentenccedila nordm 1841990 de 15 de Novembro107 o TCE defendeu

104 Expressatildeo usada para caracterizar uma convivecircncia semelhante agrave do marido e mulher ou seja segundo os

costumes matrimoniais 105 Cfr EDUARDO ESTRADA ALONSO ob cit pp 52-73 106 1 Los poderes puacuteblicos aseguran la proteccioacuten social econoacutemica y juriacutedica de la familia Constituiccedilatildeo

Espanhola consultaacutevel em

httpswwwtribunalconstitucionalesestribunalnormativaNormativaCEportuguC3A9spdf 107 Sobre a importacircncia desta sentenccedila cfr JUAN FORNEacuteS ldquoMatrimonio y uniones de hechordquo Ius Canonicum

XL n ordm80 2000 p 404

38

que este tipo de convivecircncia natildeo encontrava previsatildeo no artigo 391 da Constituiccedilatildeo

Espanhola sugerindo que este artigo estava reservado agrave proteccedilatildeo da famiacutelia num ambiente

marital e pela existecircncia de filhos natildeo obstante as parejas de hecho poderem ser protegidas

constitucionalmente atraveacutes da mobilizaccedilatildeo do artigo 101 que postula o direito ao

desenvolvimento da personalidade108 Contrariamente o magistrado GIMENO SENDRA do

TCE sustentou num voto particular nessa sentenccedila a diferenciaccedilatildeo entre a famiacutelia e o

casamento afirmando que a constituiccedilatildeo espanhola previa duas situaccedilotildees distintas o artigo

391 consagrava a proteccedilatildeo da famiacutelia e o artigo 321109 previa a defesa do matrimoacutenio assim

protegendo o artigo 391 no solo a la famiacutelia como institucioacuten juriacutedica sino tambieacuten la

familia como realidad natural por lo que junto a la familia matrimonial tambieacuten han de

merecer proteccioacuten constitucional las denominadas uniones conyugales de hecho110 Em

1992 nesta mesma linha de pensamento na sentenccedila nordm 22292 de 11 de Dezembro o TCE

salientou que o artigo 39 da Constituiccedilatildeo Espanhola protege natildeo soacute a famiacutelia matrimonial

mas tambeacutem a natildeo matrimonial e assim as relaccedilotildees de convivecircncia constituiriam relaccedilotildees

familiares independentemente de terem filhos ou natildeo cabendo no acircmbito de incidecircncia

desse artigo Posteriormente em 28 de Fevereiro de 1994 na sentenccedila nordm 6694 o mesmo

tribunal voltou ao entendimento sufragado em 1990 defendendo a natildeo equivalecircncia entre

casamento e uniatildeo de facto para efeitos do artigo 39 Por fim este entendimento foi reiterado

na sentenccedila nordm 3998 de 17 de Fevereiro de 1998 e a 17 de Junho de 1999 com a sentenccedila

nordm 11699111 foi aceite a posiccedilatildeo defendida pela magistrado GIMENO SENDRA Assim

determinou o Tribunal Constitucional Espanhol que o artigo 391 natildeo identifica que a famiacutelia

que visa proteger eacute a que tem origem no casamento existindo outras modalidades de vida

familiar a par do casamento que refletem una sociedad plural Aleacutem da jurisprudecircncia

tambeacutem a doutrina tem divergido sobre a amplitude de aplicaccedilatildeo deste preceito

constitucional Atualmente o entendimento maioritaacuterio parece estar mais favoraacutevel agrave

inclusatildeo da convivecircncia more uxorio no artigo 391112

108 Tal como recorde-se eacute defendido em Portugal por alguns autores 109 1 El hombre y la mujer tienen derecho a contraer matrimonio con plena igualdad juriacutedica 110 Cfr MARTA COSTA ob cit p 111 111 Cfr JUAN FORNES ob cit p403 112 Cfr JOSEacute RAMOacuteN DE VERDA Y BEAMONTE ldquoLa Ley 52012 de 15 de octubre de uniones de hecho

formalizadas de la Comunidad Valencianardquo Rev boliv de derecho nordm 19 enero 2015 p 772 El precepto

habla de ldquofamiliardquo y no de ldquofamilia legiacutetimardquo (o ldquomatrimonialrdquo) por lo que la proteccioacuten que el precepto

otorga a la familia no debe identificarse necesariamente con la que tiene origen en el matrimonio el cual se

39

Ora diferentemente do que sucede em Portugal o legislador espanhol natildeo se

ocupou de regular de forma uniforme o regime da uniatildeo de facto113 Ao inveacutes as

comunidades autoacutenomas espanholas no acircmbito das suas competecircncia legislativas114

adotaram ainda que de forma distinta regras proacuteprias que regulam este tipo de convivecircncia

natildeo matrimonial Desde logo a maioria qualifica a convivecircncia more uxorio como relaccedilatildeo

familiar Pode ler-se na Ley Foral 62000 de 3 de julio da Comunidade Foral de Navarra

ora revogada115 no seu artigo 2 que ningueacutem pode ser discriminado em razatildeo do grupo

familiar de que faz parte quer seja proveniente de filiaccedilatildeo casamento ou uniatildeo de duas

pessoas que convivam em relaccedilatildeo afetiva semelhante independentemente da sua orientaccedilatildeo

sexual Esta disposiccedilatildeo foi reproduzida por leis de outras Comunidades como as Astuacuterias

Extremadura e Andaluzia116 Contrariamente outras comunidades como as Ilhas Baleares

natildeo as qualificam dessa forma No artigo 3 da Ley 182001 de 19 de diciembre prevecirc-se

que a formaccedilatildeo de uniatildeo de facto natildeo gere relaccedilatildeo de parentesco entre cada um de seus

membros e os familiares do outro Contudo na exposiccedilatildeo de motivos da dita lei eacute chamado

agrave colaccedilatildeo o artigo 391 da constituiccedilatildeo espanhola em nome da proteccedilatildeo social econoacutemica e

juriacutedica da famiacutelia indicando que essa norma natildeo visa proteger apenas um modelo de

famiacutelia sendo necessaacuterio fazer uma interpretaccedilatildeo ampliada desse conceito de acordo com a

realidade social A exposiccedilatildeo de motivos estabelece ainda que o artigo 32 ao prever o direito

de contrair matrimoacutenio tambeacutem prevecirc o direito a natildeo o fazer o que natildeo prejudica o direito

de todos os homens e mulheres de constituir por meio de uma uniatildeo efetiva e estaacutevel uma

comunhatildeo de vida que com ou sem filhos implique a constituiccedilatildeo de uma famiacutelia

regula en un precepto especiacutefico (art 32 CE) y en capiacutetulo diverso No mesmo sentido LUIS PEacuteREZ

FERNAacuteNDEZ ldquoLas Uniones Extramatrimoniales En Espantildea iquestEs Necesaria Su Regulacioacutenrdquo in Revista Juriacutedica

de Astuacuterias nordm 40 2017 p162 En nuestros diacuteas tanto matrimonio como la unioacuten extramatrimonial pueden

constituir una familia y estaacuten amparados por la misma proteccioacuten social econoacutemica y juriacutedica del artiacuteculo

391 de la Constitucioacuten espantildeola cuyo tenor literal establece laquoLos poderes puacuteblicos aseguran la proteccioacuten

social econoacutemica y juriacutedica de la familiaraquo 113 Ou concubinato parejas de hecho parejas cohabitantes uniones de hecho uniones libres convivencias

no matrimoniales matrimonios laquosin papelesraquo convivencias prenupciales () CfrGERARDO MEIL

LANDWERLIN ldquoLas uniones de hecho en Espantildeardquo Madrid Centro de Investigaciones Socioloacutegicas 2003 p

26 114 Cfr MARTA COSTA ob cit p 349 115 Lei original consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2000-16373 modificada e

atualizada pela Ley Foral 212019 de 4 de abril consultaacutevel em httpswwwboeeselies-

nclf2019040421 116 Respetivamente Ley 42002 de 23 de mayo de Parejas Estables Ley 52003 de 20 de marzo de parejas

de hecho de la Comunidad Autoacutenoma de Extremadura Ley 52002 de 16 de diciembre de Parejas de Hecho

40

Ademais assiste-se a uma coexistecircncia entre uniones extramatrimoniales

formalizadas e as puramente faacutecticas117 o que se reflete nos meios probatoacuterios No

ordenamento juriacutedico espanhol satildeo aceitaacuteveis todos os meios de prova que sejam admitidos

nos termos gerais do direito A exigecircncia da aparecircncia externa da convivecircncia entre unidos

de facto tem estreita relaccedilatildeo com a prova da mesma mostrando-se a jurisprudecircncia flexiacutevel

ao considerar suficientes para esse efeito as declaraccedilotildees dos conviventes ou seja a prova

testemunhal sem que documentos de caraacuteter administrativo a possam pocircr em causa As

disposiccedilotildees do acircmbito estatal natildeo precisam os requisitos pessoais nem as formas de

constituiccedilatildeo da uniatildeo de facto118 Jaacute no que toca ao direito regional prevalece a diversidade

havendo leis que admitem todos os meios de prova e outras que sendo mais restritivas

requerem o registo obrigatoacuterio Um exemplo de lei que admite qualquer meio de prova

admissiacutevel no direito eacute a Ley 42002 de 23 de mayo do principado das Astuacuterias119 A

Comunidade de Andaluzia prevecirc a possibilidade da declaraccedilatildeo de vontade de constituir uma

pareja de hecho mediante el otorgamiento de escritura puacuteblica o por cualquier otro medio

de prueba admisible en Derecho120 Jaacute comunidades como Extremadura121 Ilhas Baleares122

Cantaacutebria123 e Paiacutes Vasco124 exigem a inscriccedilatildeo das uniotildees de facto no registo para a sua

constituiccedilatildeo e por conseguinte como forma de provar a relaccedilatildeo Na comunidade de

Aragatildeo125 prevecirc-se a inscriccedilatildeo da relaccedilatildeo no registo administrativo podendo provar-se a

existecircncia da relaccedilatildeo se natildeo houver escritura puacuteblica por qualquer meio de prova admitido

no direito

117 Cfr NATALIA ALVAREZ LATA ldquoLas Parejas De Hecho Perspectiva Jurisprudencialrdquo Derecho Privado y

Constitucioacuten nordm 12 enero- diciembre 1998 p 15 118 Para mais desenvolvimentos no acircmbito de normas estatais cfr MARTA COSTA ob cit p 388 119 Art 3 n ordm3 La existencia de pareja estable o el transcurso del antildeo de convivencia podraacuten acreditarse

atraveacutes de cualquier medio de prueba admitido en Derecho

Consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2002-13017 120 Art 5 nordm 3 Consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2003-771 121 Art 4 da Ley 52003 de 20 de marzo consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-

2003-9450 122 Art1 nordm2 da Ley 182001 de 19 de diciembre consultaacutevel em

httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2002-917ampa=aamporden=conterefpost 123 Art 5 da Ley 12005 de 16 de mayo consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2005-

9402 124 Art 3 e 4 da Ley 22003 de 7 de mayo consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-

2011-18545 125 Ley 61999 de 26 de marzo derrogada pelo Decreto Legislativo 12011 de 22 de marzo consultaacutevel em

httpswwwboeesbuscardocphpid=BOA-d-2011-90007

41

Apoacutes a anaacutelise das soluccedilotildees que as comunidades autoacutenomas apresentam eacute de notar

a diversidade de caminhos que sugerem e que satildeo desconhecidos ao direito portuguecircs pelo

menos para jaacute

522 Franccedila

Tal como sucede em Espanha o ordenamento juriacutedico francecircs natildeo contempla uma

definiccedilatildeo de famiacutelia nem em termos constitucionais nem no Code Civil ou Code de la

Familie Tradicionalmente a doutrina tem vindo a definir famiacutelia como o grupo de pessoas

que estatildeo ligados por laccedilos fundados essencialmente pelo casamento e parentesco126 As

relaccedilotildees de concubinage natildeo cabem em princiacutepio neste conceito127 Poreacutem atualmente a

natureza familiar dos laccedilos criados pelo PACS tem sido questionada e ao receber resposta

afirmativa por parte da jurisprudecircncia eacute possiacutevel perceber-se que estaacute em curso uma

modificaccedilatildeo no que respeita agrave noccedilatildeo de famiacutelia apresentando-se cada vez menos riacutegida128

No Tiacutetulo XII no Code Civil encontramos as duas figuras que ocuparatildeo agora a

nossa anaacutelise o pacte civil de solidariteacute e le concubinage129 Em primeiro lugar o artigo

515-2 define o PACS como o contrato celebrado por duas pessoas singulares maiores de

idade do mesmo sexo ou de sexo diferente para organizarem a sua vida em comum Le

concubinage eacute definido pelo artigo 515-8 como uma uniatildeo de facto caracterizada por uma

vida comum de estabilidade e continuidade entre duas pessoas de sexo diferente ou igual

que vivem como um casal130 Importa frisar que esta relaccedilatildeo deve dispor alguns elementos

constitutivos que a possam qualificar como tal131 Entre os elementos suscetiacuteveis de

126 Por sua vez o Institut National De La Stastistique et des Etudes Economiques define que une famille est la

partie dun meacutenage comprenant au moins deux personnes et constitueacutee soit dun couple vivant au sein du

meacutenage avec le cas eacutecheacuteant son ou ses enfant(s) appartenant au mecircme meacutenage soit dun adulte avec son ou

ses enfant(s) appartenant au mecircme meacutenage (famille monoparentale)

Pour quune personne soit enfant dune famille elle doit ecirctre ceacutelibataire et ne pas avoir de conjoint ou denfant

faisant partie du mecircme meacutenage Consultaacutevel em httpswwwinseefrfrmetadonneesdefinitionc1465 127 Cfr ALAIN BENABENT lsquorsquoDroit de la famillersquorsquo LGDJ 4ordm ed 2018 p15 128 Idem 129Consultaacutevel

emhttpswwwlegifrancegouvfrcodessection_lcLEGITEXT000006070721LEGISCTA000006118360

LEGISCTA000006118360 130 O que implica certas consequecircncias legais para os indiviacuteduos que escolheram esta forma de conjugalidade

em oposiccedilatildeo ao casamento Enquanto o casal surgido do casamento estaacute sujeito a um conjunto de regras que

formam um estatuto natildeo existe um estatuto de coabitaccedilatildeo mesmo que a coabitaccedilatildeo seja marcada pela adesatildeo

contiacutenua agraves regras aplicaacuteveis aos cocircnjuges JACQUELINE RUBELLIN-DEVICHI ldquoDroit de la famillerdquo Paris

Dalloz 2001 XXXVII p 373 131 Cfr GERARD GOLDSTEIN lsquorsquoLa cohabitation hors mariage en droit international priveacutersquorsquo in Recueil des Cours

ndash Collected Courses Of The Hague Academy Of Internation Law Tomo 320 Martinus Nijhoff Publishers

2006 p 95

42

caracterizar como concubinage haacute alguns que consoante o caso satildeo particularmente

necessaacuterios em detrimento de outros Le concubinage natildeo se baseia apenas em relaccedilotildees

estaacuteveis e contiacutenuas que envolvem uma comunhatildeo de vida com coabitaccedilatildeo Aleacutem de haver

uma comunhatildeo de casa eacute ainda necessaacuterio que haja uma comunhatildeo de leito ou seja que

exista a manutenccedilatildeo de relaccedilotildees sexuais tal como no nosso ordenamento juriacutedico Aleacutem do

mais eacute importante que seja puacuteblica isto eacute conhecida por terceiros132

Quanto ao regime legal do concubinage este eacute inexistente Os efeitos do casamento

natildeo satildeo aplicaacuteveis agrave relaccedilatildeo de uniatildeo de facto no ordenamento juriacutedico francecircs A situaccedilatildeo

vivenciada pelos conviventes difere da dos cocircnjuges tanto do ponto de vista patrimonial

como do ponto de vista extrapatrimonial nomeadamente no que respeita aos direitos e

deveres conjugais previstos nos artigos 212ordm a 226ordm Code Civil133 Estes natildeo satildeo extensiacuteveis

aos membros da uniatildeo de facto pois a sua comunhatildeo de vida assenta num facto e nunca num

dever Independentemente da duraccedilatildeo da relaccedilatildeo os membros da uniatildeo de facto permanecem

juridicamente estranhos um ao outro natildeo gerando qualquer estado civil nem a possibilidade

de adotarem o nome do outro A situaccedilatildeo de facto estaacute no acircmbito pessoal isenta de qualquer

tipo de regulamento especiacutefico sendo regulada essencialmente pelo direito comum

Possibilitando que a sua rutura seja mais simples podendo qualquer dos membros pocircr fim agrave

relaccedilatildeo a todo o momento134 No tocante a efeitos patrimoniais natildeo existem efeitos diretos

ligados agrave uniatildeo de facto e natildeo haacute norma semelhante ao artigo 220ordm Code Civil135

relativamente ao regime do concubinage responsabilizando solidariamente os membros

pelas diacutevidas do outro No acircmbito fiscal os unidos declaram os seus rendimentos

separadamente sendo considerados individualmente Ao contraacuterio do casamento natildeo haacute o

dever de assistecircncia entre os conviventes e a existir eacute inteiramente voluntaacuterio Como foi

dito sem ser o regime primaacuterio natildeo existe um regime entre os conviventes como existe no

132 Atualmente natildeo eacute necessaacuteria a diferenccedila de sexos para que se possa qualificar a relaccedilatildeo como concubinage

sendo considerado da mesma forma quer se trate de pessoas do mesmo sexo ou de sexo diferente art 515-8

do Code Civil Para mais desenvolvimentos quanto aos elementos caracterizadores cfr JACQUELINE

RUBELLIN-DEVICHI ob cit p 375 133 Cfr BRIGITTE HESS-FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HELENE HESS ldquoDroit de la famillerdquo

ParisSirey DL 2009 XII p89 134 Cfr JACQUELINE RUBELLIN-DEVICHI ob cit p 391 135 1ordf parte Chacun des eacutepoux a pouvoir pour passer seul les contrats qui ont pour objet lentretien du meacutenage

ou leacuteducation des enfants toute dette ainsi contracteacutee par lun oblige lautre solidairement Cfr JEAN

CARBONNIER ob cit p 671

43

casamento Surgindo assim a tentativa de desenvolver na Franccedila inspirada por outros

ordenamentos os contratos de coabitaccedilatildeo que devem reger apenas aspetos patrimoniais

Contudo surgiram duacutevidas sobre a validade deste tipo de contratos no acircmbito do

direito francecircs Consideradas individualmente as claacuteusulas relativamente a aspetos

patrimoniais poderiam ser consideradas vaacutelidas todavia analisando a sua dinacircmica em

conjunto poderia tornar o contrato iliacutecito por dar forccedila obrigatoacuteria a uma espeacutecie de

casamento privado violando o monopoacutelio do Estado em mateacuteria de casamento136 A

permissatildeo de existecircncia destes contratos eacute excecional visto que a partir de 1999 os membros

da uniatildeo de facto puderam convencionar a sua relaccedilatildeo como entendiam atraveacutes do Pacto

Civil de Solidariedade

A prova do concubinage pode ser feita pelos membros ou por terceiros

Contrariamente ao que acontece no casamento em que os cocircnjuges podem facilmente provar

o seu estado civil atraveacutes da sua certidatildeo de casamento lavrada oficialmente pelo funcionaacuterio

do registo civil os conviventes natildeo dispotildeem de nenhuma prova preacute-constituiacuteda No entanto

por se tratar de um facto juriacutedico pode ser provado por qualquer meio de prova admissiacutevel

pelo direito nos termos gerais designadamente atraveacutes de certificados documentos

declaraccedilotildees de honra e ainda com o recurso agrave prova testemunhal137 A sua prova natildeo gera

em princiacutepio grande dificuldade para os membros dado que os organismos que exigem a

prova dessa convivecircncia impotildeem requisitos razoaacuteveis Caso diferente eacute a prova da

convivecircncia por terceiros que podem ver essa possibilidade limitada pelo direito agrave vida

privada do convivente por forccedila dos artigos 9 do Code Civil138 e 8ordm da CEDH139

O pacte civil de solidariteacute conhecido como PACS foi criado a 15 de novembro de

1999 pela lei nordm 99-944 contudo o atual conteuacutedo e estrutura do PACS natildeo eacute o que foi

inicialmente previsto pela referida lei devido agrave grande reforma que sofreu em 2006140 A

criaccedilatildeo deste instituto deveu-se essencialmente agrave necessidade dos casais do mesmo sexo

obterem reconhecimento puacuteblico da sua relaccedilatildeo visto que em 1999 soacute os casais

136 Cfr JEAN CARBONNIER ob cit p681 137 Cfr JACQUELINE RUBELLIN-DEVICHI ob cit p 389 MARTA COSTA ob cit p 390 BRIGITTE HESS-

FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HELENE HESS ob cit p 91 JEAN CARBONNIER ob cit

p775 138 Art 9 do Code Civil 1ordf parte Chacun a droit au respect de sa vie priveacutee 139 Cfr JACQUELINE RUBELLIN-DEVICHI ob cit p 387 MARTA COSTA ob cit p 390 140 Cfr ALBANA METAJ - STOJANOVA ldquoFrench Civil Partnership Contract (Pacs)rdquo South East European

University Vol 14 n ordm1 2019 p 136

44

heterossexuais poderiam optar pelo casamento ou pelo concubinage restando aos casais

homossexuais a uacuteltima alternativa141 Aleacutem disto o PACS veio igualmente satisfazer as

necessidades dos casais heterossexuais que pretendiam regular contratualmente a sua

relaccedilatildeo mas sem formalismo na sua constituiccedilatildeo permitindo-lhes organizar a sua vida

conjunta ndash podendo tratar-se por vezes de um ldquoensaiordquo para um futuro casamento ndash e em

caso de dissoluccedilatildeo evitar os procedimentos inerentes ao divoacutercio que podem ser longos e

dispendiosos142

Este instituto natildeo deve ser confundido nem com o casamento nem com o

concubinage143 O PACS tem bastante adesatildeo144 precisamente por se diferenciar do

casamento em alguns aspetos embora apresentem vaacuterias semelhanccedilas contratualmente o

primeiro natildeo se coaduna com a regulaccedilatildeo da vida familiar e dos filhos apenas a vida do

casal

141 Apenas a 17 de maio de 2013 com a lei 2013-404 foi garantida a possibilidade do casamento entre pessoas

do mesmo sexo 142 Cfr BRIGITTE HESS-FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HELENE HESS ob cit p78 143 Neste sentido sobre as diferenccedilas entre cada um destes trecircs regimes em concreto sobre a diferenccedila de

tratamento para atribuiccedilatildeo de pensatildeo de sobrevivecircncia vide Decisatildeo nordm 2011-155 QPC do Conseil

Constitutionnel de 29-07-2011 5 Consideacuterant en premier lieu que le concubinage est deacutefini par le seul

article 515-8 du code civil comme laquo une union de fait caracteacuteriseacutee par une vie commune preacutesentant un

caractegravere de stabiliteacute et de continuiteacute entre deux personnes de sexe diffeacuterent ou de mecircme sexe qui vivent en

couple raquo quagrave la diffeacuterence des eacutepoux les concubins ne sont leacutegalement tenus agrave aucune solidariteacute financiegravere

agrave leacutegard des tiers ni agrave aucune obligation reacuteciproque 6 Consideacuterant en deuxiegraveme lieu quen vertu de larticle

515-4 du code civil les partenaires lieacutes par un pacte civil de solidariteacute laquo sengagent agrave une vie commune ainsi

quagrave une aide mateacuterielle et une assistance reacuteciproques raquo que laquo si les partenaires nen disposent autrement

laide mateacuterielle est proportionnelle agrave leurs faculteacutes respectives raquo quen outre ils sont laquo tenus solidairement

agrave leacutegard des tiers des dettes contracteacutees par lun deux pour les besoins de la vie courante raquo quainsi

contrairement aux personnes vivant en concubinage les partenaires sont assujettis agrave des obligations

financiegraveres reacuteciproques et agrave leacutegard des tiers que toutefois les dispositions du code civil ne confegraverent aucune

compensation pour perte de revenus en cas de cessation du pacte civil de solidariteacute au profit de lun des

partenaires ni aucune vocation successorale au survivant en cas de deacutecegraves dun partenaire 7Consideacuterant en

troisiegraveme lieu que le reacutegime du mariage a pour objet non seulement dorganiser les obligations personnelles

mateacuterielles et patrimoniales des eacutepoux pendant la dureacutee de leur union mais eacutegalement dassurer la protection

de la famille que ce reacutegime assure aussi une protection en cas de dissolution du mariage 8 Consideacuterant

par suite que le leacutegislateur a dans lexercice de la compeacutetence que lui reconnaicirct larticle 34 de la Constitution

deacutefini trois reacutegimes de vie de couple qui soumettent les personnes agrave des droits et obligations diffeacuterents que la

diffeacuterence de traitement quant au beacuteneacutefice de la pension de reacuteversion entre les couples marieacutes et ceux qui

vivent en concubinage ou sont unis par un pacte civil de solidariteacute ne meacuteconnaicirct pas le principe deacutegaliteacute

Consultaacutevel em httpswwwconseil-constitutionnelfrdecision20112011155QPChtm 144 Para anaacutelise de alguns dados estatiacutesticos relativamente agrave evoluccedilatildeo do nuacutemero de PACS registados entre

2000 e 2007 Cfr BRIGITTE HESS-FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HEacuteLEgraveNE HESS ob cit

p78 Consultar httpswwwinseefrfrstatistiques2381498 para anaacutelise do nuacutemero de casamentos e PACS

em relaccedilotildees heterossexuais entre 1990 e 2019 sendo de realccedilar que em 2018 o nuacutemero de casamentos e de

PACS foi muito semelhante verificando-se uma diferenccedila de 28 mil casamentos em relaccedilatildeo aos PACS

Relativamente agraves relaccedilotildees homossexuais a diferenccedila eacute ainda menor sendo os dados quase equivalentes

45

Deve ainda obedecer a vaacuterias regras para a sua formaccedilatildeo Soacute pode ser celebrado

entre pessoas maiores de idade que natildeo sejam parentes em linha reta ou colateral ateacute ao

terceiro grau e que natildeo estejam casadas ou tenham celebrado PACS com outra pessoa145 A

sua celebraccedilatildeo deve cumprir as regras do direito comum contratual e natildeo deve ser contraacuterio

agrave ordem puacuteblica A forma sob a qual o acordo deve ser redigido eacute livre porque o artigo 515-

3 do Code Civil natildeo especifica a sua forma e os parceiros podem redigir eles proacuteprios ou

optar que a redaccedilatildeo seja feita por um notaacuterio Por conseguinte os parceiros satildeo livres de

escolher a forma do PACS podendo o acordo ser um ato autecircntico ou um ato privado

Terminada a redaccedilatildeo do acordo os parceiros devem fazer uma declaraccedilatildeo conjunta do

acordo devendo o notaacuterio do registo civil registar o pacto depois de verificar as condiccedilotildees

necessaacuterias para a conclusatildeo do acordo e mandar executar as formalidades de publicaccedilatildeo

previstas no artigo 515-3 Code Civil permitindo que seja oponiacutevel a terceiros Apoacutes a sua

vaacutelida formaccedilatildeo o PACS estaacute em condiccedilotildees de produzir efeitos na vida dos parceiros no

acircmbito pessoal146 e patrimonial regidos pelas disposiccedilotildees dos artigos 515-4 a 515-5-3 do

Code Civil147 Por uacuteltimo a dissoluccedilatildeo do PACS eacute muito mais simples do que a dissoluccedilatildeo

de casamento uma vez que existem apenas quatro situaccedilotildees cada uma das quais com um

procedimento para a dissoluccedilatildeo do mesmo tais como a rutura unilateral a rutura de comum

acordo por casamento dos membros ou de um deles e a morte de um dos membros Os

procedimentos que devem seguir cada uma destas circunstacircncias estatildeo previstos no artigo

515-7 do Code Civil

Sem embargo de todas as condiccedilotildees de forma que o PACS estaacute sujeito haacute algumas

incoerecircncias quanto ao seu regime de prova por terceiros148 Depois do registo do acordo eacute

entregue aos pactuantes um atestado de inscriccedilatildeo em que constam os seus nomes data e

lugar de nascimento e a data do registo do pacto natildeo sendo conservadas pelo notaacuterio as

convenccedilotildees que satildeo exibidas para serem assinadas e para ser verificadas as condiccedilotildees de

validade do acordo Porquanto se um terceiro quiser ter acesso ao conteuacutedo de um PACS

apenas poderaacute fazecirc-lo se pedir aos proacuteprios pactuantes salvaguardando assim o direito agrave

reserva da vida privada dos parceiros

145 Sob pena de nulidade art 515-2 Code Civil 146 Assentam essencialmente no compromisso de viverem em comunhatildeo de vida e de fornecerem ajuda e

assistecircncia muacutetua 147 Cfr BRIGITTE HESS-FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HEacuteLEgraveNE HESS ob cit p 85 148 Cfr MARTA COSTA ob cit p 390

46

53 O Acoacuterdatildeo do STJ de 22 de Marccedilo de 2018 processo

nordm6380169T8CBRC1 S1

Decidimos analisar este Acoacuterdatildeo por entendermos que representa de forma clara os

problemas que a prova da coabitaccedilatildeo causa Demonstrando que natildeo eacute uma questatildeo unacircnime

na jurisprudecircncia pois eacute objeto de decisotildees diacutespares natildeo deixando de ser bem

fundamentadas Em causa estaacute uma accedilatildeo em processo comum que tem como Autor o

Instituto da Seguranccedila Social nomeadamente o Centro Nacional de Pensotildees e como Reacute

quem alega ter mantido uma relaccedilatildeo de uniatildeo de facto com o beneficiaacuterio dessa pensatildeo ateacute

agrave data da morte deste Antes de mais urge atentar brevemente aos factos dados como

provados relevantes para a presente anaacutelise

A Reacute encetou um relacionamento amoroso com o falecido em 1991 passando a ter

relaccedilotildees sexuais e a fazer as refeiccedilotildees com o de cujos na casa onde este vivia Em 1996 a

Reacute passou a pernoitar na casa do de cujos de onde se ausentava nos fins de semana em que

a filha do beneficiaacuterio o visitava duas vezes por mecircs ou quando existia uma discussatildeo entre

o casal Manteve o arrendamento da sua casa para onde ia quando uma destas circunstacircncias

ocorriam suportando os encargos inerentes a esta manutenccedilatildeo Os sujeitos dividiam entre si

as despesas do supermercado e a Reacute acompanhava o beneficiaacuterio agraves consultas e agraves urgecircncias

do hospital sempre que necessaacuterio Na sequecircncia da morte do beneficiaacuterio a 14 de julho de

2015 a Reacute requereu a atribuiccedilatildeo das pensotildees devidas pela morte do mesmo invocando a sua

qualidade de unida de facto por ter vivido com o de cujos em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos

cocircnjuges desde 17 de Agosto de 1991 ateacute agrave sua morte Como prova da qualidade de unida

de facto apresentou atestado emitido pela Junta de Freguesia que certificava que esta residia

em comunhatildeo de mesa e habitaccedilatildeo com o beneficiaacuterio desde 1991 ateacute agrave data da sua morte

documentos exigidos pelo artigo 2ordm-A nordm 4 da LUF Contudo a filha do de cujos informou

o CNP de que a alegaccedilatildeo da Reacute natildeo era verdadeira pois esta sempre residiu em habitaccedilatildeo

distinta do beneficiaacuterio

Note-se que a demonstraccedilatildeo dos factos pressupostos para a relevacircncia juriacutedica da

uniatildeo de facto foi facilitada relativamente ao acesso agraves prestaccedilotildees do Estado no caso de

morte devido agrave possibilidade que eacute dada aos pretensos beneficiaacuterios de determinados

direitos (nomeadamente interessados que pretendam beneficiar dos efeitos previstos na lei

em face dos herdeiros do falecido artigo 2020ordm CCiv do senhorio artigo 1105ordm e 1106ordm

47

CCiv das entidades responsaacuteveis pelo pagamento das prestaccedilotildees por morte artigo 6ordm nordm 2

da LUF) No que respeita ao acesso agraves prestaccedilotildees sociais em caso de morte o artigo 6ordm nordm2

da LUF prevecirc a possibilidade da entidade responsaacutevel pelo pagamento das prestaccedilotildees

previstas nas aliacuteneas e) f) g) do artigo 3ordm caso entenda que existem fundadas duacutevidas sobre

a existecircncia da uniatildeo de facto poder solicitar meios de prova complementares149 e se na

sequecircncia dessas diligecircncias subsistirem duacutevidas a entidade deve promover a competente

accedilatildeo judicial com vista agrave sua comprovaccedilatildeo Foi o que sucedeu no caso em apreccedilo tendo a

entidade responsaacutevel pelo pagamento das prestaccedilotildees sociais por morte - tratando-se do

Instituto da Seguranccedila Social nomeadamente o Centro Nacional de Pensotildees no caso que

estamos a analisar- proposto a competente accedilatildeo judicial150

No seguimento da interposiccedilatildeo desta accedilatildeo pelo ISS a Reacute respondeu afirmando que

durante 24 anos viveu em comunhatildeo de mesa cama e casa com o de cujos e alegou que natildeo

se desfez da sua casa por uma questatildeo de precauccedilatildeo O Tribunal da 1ordf instacircncia julgou a accedilatildeo

parcialmente procedente e julgou natildeo reconhecida a vivecircncia em situaccedilatildeo de uniatildeo de facto

entre a Reacute e o beneficiaacuterio A Reacute recorreu para o Tribunal da Relaccedilatildeo que a 2 de novembro

149 Designadamente declaraccedilatildeo emitida pela Autoridade Tributaacuteria e Aduaneira ou pelo Instituto dos Registos

e do Notariado I P onde se ateste que agrave data da morte os membros da uniatildeo de facto tinham domiciacutelio fiscal

comum haacute mais de dois anos ndash art 6ordm nordm 2 da LUF 150 No entender de RITA XAVIER ldquoA Uniatildeo de Facto e a Lei Civil no Ensino de Francisco Manuel Pereira

Coelho e Legislaccedilatildeo Atualrdquo ob cit p 685 deveraacute tratar-se de uma accedilatildeo de simples apreciaccedilatildeo negativa

(prevista no art 10ordm nordm 3 al a) CPC) que visa declarar que determinada pessoa natildeo beneficia ou natildeo tem um

certo direito E embora o oacutenus de propositura da accedilatildeo recaia sobre a entidade responsaacutevel pelo pagamento das

prestaccedilotildees sociais compete ao membro sobrevivo da uniatildeo de facto a prova dos factos constitutivos do seu

direito Vide Art 343ordm n ordm1 CCiv 1 Nas accedilotildees de simples apreciaccedilatildeo ou declaraccedilatildeo negativa compete ao

reacuteu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga E ainda a este propoacutesito vide Acoacuterdatildeo Tribunal

da Relaccedilatildeo de Coimbra de 16102012 proferido no acircmbito do processo nordm 50091TBALDC1 A accedilatildeo

declarativa de simples apreciaccedilatildeo negativa - ou seja uma accedilatildeo pela qual se procura ldquohellip obter unicamente a

declaraccedilatildeo da hellip inexistecircncia de um direito ou de um factordquo (artigo 4ordm nordm 2 al a) do CPC) - destina-se desde

logo a definir uma situaccedilatildeo juriacutedica tornada incerta - o demandante pretende reagir contra uma situaccedilatildeo de

incerteza que o impede de auferir todas as vantagens normalmente proporcionadas pela relaccedilatildeo juriacutedica

material que lhe causa um dano patrimonial ou moral apreciaacutevel (hellip) A causa de pedir nas accedilotildees de simples

apreciaccedilatildeo negativa consubstancia-se na inexistecircncia do direito e nos factos materiais pretensamente

cometidos pelo demandado que determinaram o estado de incerteza Em sentido inverso mais recentemente

vide o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 24-04-2019 proferido no acircmbito do processo

12025160T8LRSL1-2 (hellip) trata-se de uma acccedilatildeo proposta pelo ISS a pedir que o requerente comprove no

processo a existecircncia da situaccedilatildeo juriacutedica que se arroga O ISS natildeo nega que a uniatildeo de facto tenha existido

diz que tem duacutevidas sobre a sua existecircncia e por isso pede que o requerente seja chamado a comprovar a

existecircncia da situaccedilatildeo juriacutedica em causa Assim trata-se de uma acccedilatildeo de simples apreciaccedilatildeo positiva sui

generis em que a lei atribui ao reacuteu que se arrogou o direito em causa o oacutenus da prova dos factos constitutivos

dele embora natildeo negado pelo Autor O ISS natildeo deve no desenho da lei intentar a acccedilatildeo declarativa para se

declarar a inexistecircncia de uma situaccedilatildeo juriacutedica (o que o ISS natildeo alega nem nega pois que apenas tem

duacutevidas) mas sim para que o reacuteu comprove a existecircncia da situaccedilatildeo juriacutedica a que se arroga Se o reacuteu

conseguir provar os factos necessaacuterios a situaccedilatildeo juriacutedica eacute declarada existente caso contraacuterio natildeo o eacute

48

de 2017 revogou a sentenccedila recorrida e declarou improcedente a accedilatildeo do CNP reconhecendo

a convivecircncia de 24 anos como uma situaccedilatildeo uniatildeo de facto

Por sua vez o ISS interpocircs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiccedila

Nas suas alegaccedilotildees demonstrou a discordacircncia com a decisatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo por

entender que a tese do Tribunal de1ordf Instacircncia que defendia que o relacionamento da Reacute e

do de cujos natildeo revestia as caracteriacutesticas que o tornavam anaacutelogo ao dos cocircnjuges seria a

correta Defendem que apesar da Reacute e o de cujos terem mantido relaccedilotildees sexuais e esta

pernoitasse quase sempre na casa do mesmo ela mantinha a sua casa onde dormia

pontualmente e onde guardava os seus pertences o que indicava que natildeo sentia a morada

comum como sua Ademais embora fizessem refeiccedilotildees em comum natildeo havia comunhatildeo

patrimonial jaacute que as compras eram custeadas de forma alternada por um ou por outro e era

feita uma separaccedilatildeo bem definida das despesas inerentes a cada uma das casas

Na 2ordf Instacircncia o Tribunal da Relaccedilatildeo entendeu que natildeo era imprescindiacutevel que a

relaccedilatildeo de uniatildeo de facto natildeo fosse interrompida pela saiacuteda de um dos membros da morada

em comum quando ocorram desentendimentos ou discussotildees dado que esta circunstacircncia

tambeacutem se verifica no casamento podendo levar agrave interrupccedilatildeo esporaacutedica da comunhatildeo que

eacute proacutepria desse instituto e natildeo eacute por isso que se pode dizer que a comunhatildeo de habitaccedilatildeo fica

descaracterizada151 Na sua tese o tribunal referido defende tambeacutem que o facto de a Reacute ter

mantido a sua casa por querer manter a propriedade daquele imoacutevel por motivos que soacute a ela

dizem respeito - o que leva a que seja da sua responsabilidade suportar os encargos que dela

advenham - natildeo seria suficiente para colocar em causa a residecircncia em comum com o

falecido Para enfatizar a tese de que a morada comum dos sujeitos seria o imoacutevel em que

os dois viviam o tribunal realccedila o facto do Autor ter citado a Reacute nessa morada para a accedilatildeo

em causa O tribunal considera que a comunhatildeo de mesa leito e habitaccedilatildeo eacute o que define a

151 Veja-se a tiacutetulo de exemplo mutatis mutandis o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 24042019

no acircmbito do processo 12025160T8LRSL1-2 que jaacute se teve a oportunidade de mencionar Para que se possa

dizer que cessou a uniatildeo de facto natildeo basta constatar a existecircncia de uma separaccedilatildeo de facto Tem que se

provar tambeacutem que existe da parte de pelo menos um dos unidos de facto o propoacutesito de natildeo a restabelecer

E por isso embora o facto de os unidos de facto deixarem de dormir na mesma casa comerem agrave mesma mesa

e viver debaixo do mesmo tecto aponte para a falta de comunhatildeo de vida tal natildeo basta para se poder concluir

pela cessaccedilatildeo da uniatildeo de facto devendo fazer-se ainda a prova do elemento subjectivo da vontade de pelo

menos um deles romper com a uniatildeo de facto (de forma directa ou atraveacutes de um conjunto suficientemente

significativo de circunstacircncias objectivas que apontem nesse sentido isto eacute que o permitam afirmar com base

numa presunccedilatildeo natural ou judicial) Indo ainda mais longe na decisatildeo ao referir que se considera que a

sentenccedila teve razatildeo em considerar irrelevante o periacuteodo de separaccedilatildeo de 3 meses entre a reacute e o beneficiaacuterio

(hellip)

49

convivecircncia anaacuteloga agrave dos cocircnjuges exigida pelo artigo 1ordm nordm 2 da LUF E que encontrando-

se demonstrado que a Reacute encetou desde 1991 ateacute ao falecimento do beneficiaacuterio um

relacionamento onde mantinham relaccedilotildees sexuais faziam refeiccedilotildees conjuntas com amigos e

familiares na morada comum pagavam alternadamente as despesas com alimentaccedilatildeo e

ainda havia o acompanhamento do falecido pela Reacute a consultas meacutedicas e atendimento nas

urgecircncias mostram-se suficientemente comprovados os requisitos da declaraccedilatildeo de uniatildeo

de facto que se tem por estabelecida durante o todo esse lapso temporal

Estamos aqui perante duas decisotildees distintas e cada uma delas fundamenta a sua

decisatildeo com argumentos vaacutelidos e plausiacuteveis o que reflete uma vez mais a dificuldade

imanente a esta questatildeo Estaacute em causa uma relaccedilatildeo de convivecircncia e auxiacutelio de 24 anos que

devido aos requisitos que se exige que sejam comprovados ou por questotildees que natildeo se

colocariam se do instituto do casamento se tratasse se vecirc posta em causa a atribuiccedilatildeo de uma

pensatildeo de sobrevivecircncia por natildeo se conseguir provar a qualidade de unida de facto pela Reacute

A situaccedilatildeo sub judice eacute cada vez mais frequente nos tempos que correm Vaacuterios sujeitos que

pelo facto de serem divorciados ou viuacutevos refazem a sua vida ao lado de outra pessoa sem

assumir o compromisso do casamento Por natildeo quererem ou por natildeo lhes convir como eacute o

exemplo dos viuacutevos que recebam pensatildeo de sobrevivecircncia e se voltarem a casar perdem o

direito a esse benefiacutecio Ou ateacute por questotildees de praticidade por natildeo quererem estar sujeitos

a um regime que impotildee diversas consequecircncias como eacute o instituto do casamento Eacute neste

tipo de situaccedilotildees que se deve pensar quando se pretende equiparar a uniatildeo de facto ao

instituto do casamento Haacute efetivamente quem natildeo queira ser abrangido por uma

regulamentaccedilatildeo tatildeo ampla e o que para uns podem ser consideradas desvantagens no que

respeita ao regime mais liberal da uniatildeo de facto para outros podem ser as vantagens que

pesam na escolha deste regime como modo de vida em conjunto

Resta finalmente aludir agrave efetiva decisatildeo do STJ Tendo por base o Acoacuterdatildeo do

STJ de 9-07-2014152 que refere que se deve pensar na vivecircncia de dois cocircnjuges em situaccedilatildeo

de normalidade ou vulgaridade inseridos na cultura a que pertencemos e eacute aiacute que se haacute-de

encontrar o preenchimento do conceito de laquocondiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjugesraquo decide

que o quadro factual que estaacute em causa na situaccedilatildeo em anaacutelise natildeo eacute suficiente para dar como

152 Processo nordm 3076111TBLLEE1 S1 Consultaacutevel em

httpwwwdgsiptjstjnsf954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa8140b2f2587cb42fbd180257d16005402d4Op

enDocument

50

provada a existecircncia entre a Reacute e o de cujos de uma convivecircncia em economia comum

Considerando que essa convivecircncia se caracteriza pela situaccedilatildeo de pessoas que vivam em

comunhatildeo de mesa e habitaccedilatildeo com base num lar em sentido familiar moral e social e com

base numa economia domeacutestica em comum e pelo facto de a Reacute pernoitar na casa do falecido

mas manter sempre a sua casa onde conservou os seus pertences e objetos demonstrava que

esta natildeo sentia a casa do beneficiaacuterio como sua E ainda que a Reacute natildeo provou como lhe

competia por forccedila do artigo 342ordm nordm 1 do CCiv que faziam toda a vida de casal na casa do

de cujos e que manteve a sua casa arrendada para acautelar a possibilidade da filha do

beneficiaacuterio quisesse voltar a viver na casa do mesmo Aleacutem disso a Reacute natildeo conseguiu

provar que o beneficiaacuterio pernoitava na sua casa e que a esta tambeacutem servia para os amigos

ficarem a dormir O STJ conclui que natildeo obstante partilhassem refeiccedilotildees na casa do de

cujos natildeo se via que existisse uma economia domeacutestica em comum Caracteriacutestica que estaacute

intrinsecamente ligada ao modo de vida dos cocircnjuges existindo nesta situaccedilatildeo economias

separadas por serem custeadas alternadamente as despesas de supermercado e por cada um

se responsabilizar pelos gastos de cada casa Desta feita concluiu que natildeo se verificava a

vivecircncia em economia comum necessaacuteria para que se considerasse a situaccedilatildeo como uma

uniatildeo de facto como invocou a Reacute revogando o acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo e mantendo

a sentenccedila proferida pelo Tribunal de 1ordf Instacircncia que julgou natildeo reconhecida a vivecircncia em

situaccedilatildeo de uniatildeo de facto entre a Reacute e o beneficiaacuterio falecido agrave data da sua morte

Para terminar importa dizer que tendemos a concordar com a decisatildeo do Tribunal

da Relaccedilatildeo Note-se que estatildeo em causa 24 anos de convivecircncia em comum e auxiacutelio muacutetuo

que implicava a manutenccedilatildeo de relaccedilotildees sexuais de refeiccedilotildees conjuntas de suporte a niacutevel

de acompanhamento meacutedico e natildeo menos importante a companhia inerente agrave convivecircncia

que em idades mais avanccediladas pode ser um fator relevante para manterem entre si um

relacionamento Natildeo se devendo esquecer conforme mencionam os factos comprovados

que a filha do de cujos em 1996 foi trabalhar e viver para outra cidade ficando longe do pai

e visitando-o apenas duas vezes por mecircs ao fim-de-semana Tal significava que o auxiacutelio

que o de cujos necessitava nomeadamente nos acompanhamentos a consultas meacutedicas e

mesmo agraves urgecircncias se assim fosse necessaacuterio era dado pela Reacute Gerando menos

preocupaccedilotildees e encargos agrave filha do beneficiaacuterio falecido conseguindo manter a sua

normalidade e rotina se uma destas circunstacircncias ocorressem pois sabia que o seu pai estava

51

a ser apoiado pela Reacute que despendia do seu tempo para lhe fornecer cuidados e auxiacutelio

sempre que necessaacuterio

Ora eacute necessaacuterio refletir que a convivecircncia e coabitaccedilatildeo de duas pessoas em

situaccedilotildees destas pode ir para aleacutem da vivecircncia em economia comum Pode verificar-se no

caso em apreccedilo o cumprimento dos deveres de coabitaccedilatildeo cooperaccedilatildeo e assistecircncia inerentes

aos deveres conjugais previstos no artigo 1672ordm CCiv Poreacutem apesar de natildeo se verificar

uma verdadeira vivecircncia em economia comum que o STJ considera como caracteriacutestica do

modo de vida proacuteprio dos cocircnjuges por haver uma separaccedilatildeo bem definida das despesas

alimentares bem como dos encargos resultantes das casas de cada um verificam-se outras

caracteriacutesticas presentes no modo de vida proacuteprio dos cocircnjuges que tambeacutem relevam e natildeo

devem ser desconsideradas Devemos ter em conta que pode ter sido opccedilatildeo dos sujeitos viver

com economias separadas o que natildeo invalida que a sua situaccedilatildeo seja qualificada como uniatildeo

de facto em virtude de natildeo haver nenhuma norma na LUF que imponha qualquer tipo de

obrigaccedilatildeo aos unidos no que respeita a fazerem economias conjuntas

No que concerne agrave manutenccedilatildeo por parte da Reacute de outra casa e de laacute pernoitar

pontualmente cremos que natildeo eacute suficiente para pocircr em causa a verificaccedilatildeo da qualificaccedilatildeo

da relaccedilatildeo como uniatildeo de facto A ocorrecircncia da interrupccedilatildeo momentacircnea da coabitaccedilatildeo natildeo

eacute razatildeo para que natildeo se possa considerar a relaccedilatildeo convivencial entre duas pessoas como tal

Entre os cocircnjuges tambeacutem podem ocorrer situaccedilotildees que interrompam a sua coabitaccedilatildeo e

indo mais longe devemos recordar as situaccedilotildees em que cocircnjuges por motivos profissionais

veem a sua convivecircncia interrompida eg durante a semana e soacute estatildeo juntos ao fim-de-

semana devido agrave deslocaccedilatildeo de um deles para outra cidade153 Natildeo sendo mesmo assim

posta a sua convivecircncia em causa por forccedila do artigo 1673ordm CCiv que prevecirc esta

possibilidade Acontecendo o mesmo com membros da uniatildeo de facto deveraacute colocar-se a

sua convivecircncia em crise Seraacute a uniatildeo de facto uma simples comunhatildeo de casa Ou por

outro lado uma comunhatildeo de vida Com tudo o que isso implique para os sujeitos que

formam a relaccedilatildeo que se devem reger por criteacuterios subjetivos nessa mateacuteria

De forma a enfatizar o facto de existirem cada vez mais formas de organizaccedilatildeo

familiar e de se notar uma modernizaccedilatildeo constante nesta mateacuteria vale a pena referirmos que

existe tambeacutem uma forma de organizaccedilatildeo da vida em comum a par da uniatildeo de facto e a

153 Cfr neste sentido MARIA MARGARIDA PEREIRA ob cit p 650

52

uniatildeo conjugal que se designa de uniatildeo sem comunhatildeo154 Esta uniatildeo acontece quando as

partes decidem residir em locais distintos sem abdicarem de outros elementos que formam

um casal como a manutenccedilatildeo de relaccedilotildees sexuais a fidelidade e a entreajuda Pretendem

levar uma vida a dois no entanto natildeo querem residir no mesmo local Eacute uma forma de

organizaccedilatildeo da vida em comum que natildeo eacute mencionada pelo legislador que natildeo conjeturou

um caminho que estivesse entre o tudo e o nada155 uma vez que regula o casamento a uniatildeo

de facto o divoacutercio e a separaccedilatildeo O facto de natildeo haver comunhatildeo de habitaccedilatildeo neste tipo

de relaccedilotildees natildeo permite que se fale na hipoacutetese de ser considerada uniatildeo de facto Todavia

o que estaacute aqui em causa natildeo eacute a interrupccedilatildeo esporaacutedica ou pontual da coabitaccedilatildeo como

acontece no caso que temos vindo a analisar Mas antes a existecircncia de duas residecircncias

distintas natildeo havendo uma coabitaccedilatildeo entre o casal por escolha dos proacuteprios preferindo

uma organizaccedilatildeo da sua vida em comum de forma separada no que respeita agrave coabitaccedilatildeo

mantendo todos os outros elementos que relevam para a sua consideraccedilatildeo como um casal

Tudo isto para dizer que estamos perante uma eacutepoca onde o pluralismo jusfamiliar eacute uma

realidade e que talvez seja necessaacuteria uma atualizaccedilatildeo legislativa que acompanhe os tempos

que vivemos no tocante a estas mateacuterias156157

54 Soluccedilatildeo proposta

Aqui chegados e depois de analisar as soluccedilotildees que vigoram noutros ordenamentos

juriacutedicos eacute importante aventar a soluccedilatildeo que cremos que melhor resolveraacute os problemas que

o atual regime juriacutedico da uniatildeo facto levanta

Jaacute haviacuteamos proposto supra a densificaccedilatildeo do atual regime legal da uniatildeo de facto

com objetivo de assegurar uma maior proteccedilatildeo dos membros natildeo obstante o respeito da

vontade das partes de se submeter ou natildeo a tais consequecircncias juriacutedicas visto que natildeo se

trataria portanto de um regime imperativo automaticamente aplicaacutevel a quem opte por

conviver em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges

154 LAT (Living Apart Together) Cfr JORGE DUARTE PINHEIRO ob cit p 558 155 Cfr JORGE DUARTE PINHEIRO ob cit p 558 156 Idem 157 JORGE DUARTE PINHEIRO termina o ponto dedicado a esta mateacuteria questionando o que impede a receccedilatildeo

legal no nosso ordenamento de uma uniatildeo sem comunhatildeo de habitaccedilatildeo que beneficie de um estatuto proacuteprio

e que pudesse incluir a possibilidade da figura ser constituiacuteda por cocircnjuges suspendendo de forma consensual

o dever de coabitaccedilatildeo que agrave luz dos arts 1618ordm 1672ordm 1699ordm n ordm1 al b) CCiv eacute proibido atualmente

53

Cabe agora desenvolver esta proposta Apesar de haver quem encare a uniatildeo de

facto com uma visatildeo mais liberal e consequentemente entenda que esta natildeo deve gerar

muitos efeitos juriacutedicos por forma a respeitar-se a liberdade de escolha de cada um

acreditamos que o Direito natildeo deve ignorar as situaccedilotildees que merecem tutela juriacutedica E

apesar de haver uma regulamentaccedilatildeo juriacutedica da uniatildeo de facto no nosso ordenamento a

proteccedilatildeo por ela oferecida eacute meramente assistencial158 funcionando essencialmente em

situaccedilotildees de crise159

Natildeo se deve olvidar que a uniatildeo de facto na nossa ordem juriacutedica eacute um verdadeiro

ato juriacutedico e os seus efeitos natildeo dependem da vontade dos membros pois produzem-se ex

logo160 A soluccedilatildeo vigente concede certos efeitos aos membros da uniatildeo de facto apoacutes a

convivecircncia por dois anos sem que estes declarem expressamente a sua pretensatildeo A sua

uacutenica declaraccedilatildeo eacute a vontade de viver em plena comunhatildeo de vida Deveraacute daiacute aferir-se a

vontade de assumir efeitos juriacutedicos Acreditamos que a soluccedilatildeo atual apesar de ter como

objetivo o respeito pela autonomia privada e a vontade das partes natildeo o faz Estabelece

efeitos juriacutedicos a situaccedilotildees de facto que natildeo tem como controlar por natildeo haver nenhum tipo

de registo

Enquanto esta for a natureza da uniatildeo de facto e natildeo houver um ato constitutivo por

parte de uma autoridade puacuteblica ou outra formalidade a situaccedilatildeo de facto natildeo pode suscitar

um regime juriacutedico muito denso mas somente algumas medidas de proteccedilatildeo Dificilmente

se poderaacute ir mais longe no que concerne agrave atribuiccedilatildeo de efeitos juriacutedicos sem uma autecircntica

formalizaccedilatildeo das vontades das partes de intencionar um regime mais firme

Deste modo concomitantemente com a consolidaccedilatildeo do seu regime proacuteprio

julgamos ainda ser importante sujeitar estas relaccedilotildees a registo161

158 () o direito portuguecircs continua a ser daqueles que atribui menos efeitos juriacutedicos agrave uniatildeo de facto Apenas

se consagram soluccedilotildees do tipo ldquoassistencialrdquo que um Estado moderno tem de adotar qualquer que seja a

opccedilatildeo de vida escolhida pelos cidadatildeos Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 153 159 () continua a acolher-se neste domiacutenio uma proteccedilatildeo fragmentaacuteria e especialmente dirigida a cenaacuterios

de crise em que as debilidades dos seus membros se concretizam ou manifestam com mais intensidade Cfr

RUTE TEIXEIRA PEDRO ob cit p 310 160 Cfr MARTA COSTA ob cit p 151 161 Cfr JOAtildeO PARRACHO COELHO considera que sendo a uniatildeo de facto um ato livre a opccedilatildeo pelo registo

determinaria que aqueles que unidos numa relaccedilatildeo para-matrimonial desejem beneficiar de direitos e deveres

juriacutedico - sociais paralelos aos atribuiacutedos agrave famiacutelia claacutessicaformallegal podem alcanccedilar um estatuto especiacutefico

mediante a inscriccedilatildeo da sua uniatildeo de facto em algum registo puacuteblico a criar para o efeito ldquoA Famiacutelia

perspectiva evolutiva do conceito tradicionalrdquo in Revista do Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico

nordm 54 3ordm trimestre1993 p 116

54

Inspiramos esta soluccedilatildeo no ordenamento juriacutedico francecircs por julgarmos oferecer

uma regulaccedilatildeo juriacutedica ampla dos tipos de convivecircncia fora do casamento distinguindo o

concubinage do pacte civil de solidariteacute Podendo optar-se pelo concubinato natildeo se

submetendo a quaisquer consequecircncias juriacutedicas ou pelo PACS a que subjaz um regime

proacuteprio e efeitos juriacutedicos que garantem a sua proteccedilatildeo Desta forma e socorrendo-nos em

parte da sugestatildeo ora mencionada do partido Bloco de Esquerda aquando da apresentaccedilatildeo

do Projeto de Lei nordm45VIII prevendo um registo das uniotildees nas juntas de freguesia da aacuterea

de residecircncia das pessoas que vivem em uniatildeo de facto ou a sua constituiccedilatildeo apoacutes dois anos

de convivecircncia sem necessidade de registo acreditamos que o Registo Civil das uniotildees de

facto seraacute a soluccedilatildeo mais acertada para proporcionar a certeza e seguranccedila juriacutedicas que se

pretende alcanccedilar com a inscriccedilatildeo no mesmo162

Antecipando desde jaacute as criacuteticas que poderatildeo surgir a esta soluccedilatildeo tais como a

possibilidade de recurso ao casamento para precaver todas as situaccedilotildees supramencionadas e

ainda o excessivo formalismo que daqui poderaacute advir natildeo devendo o direito proteger uma

situaccedilatildeo que as partes natildeo quiseram que fosse protegida desrespeitando-se a sua vontade

cumpre tecer algumas consideraccedilotildees Primeiramente o casamento trata de uma realidade

como jaacute tivemos a oportunidade de analisar com natureza muito distinta da uniatildeo de facto

Os casais tecircm o direito de escolher o tratamento juriacutedico que datildeo agrave sua convivecircncia pessoal

podendo simplesmente querer viver em uniatildeo de facto e natildeo se submeterem ao regime do

casamento Denote-se para este efeito que viver agrave margem do casamento natildeo significa

querer viver agrave margem do Direito Nesta senda e em segundo lugar parece-nos que a ideia

Napoleoacutenica de que se os concubinos natildeo se interessam pela lei a lei tambeacutem natildeo se

interessa por eles jaacute estaacute ultrapassada A formalidade do registo apenas garantiraacute a liberdade

de escolha das partes assegurando que aqueles que optam por ele satildeo os que pretendem

submeter-se aos efeitos juriacutedicos previstos legalmente Natildeo se tratando de um regime

automaacutetico aplicaacutevel pelo simples decurso do tempo que os sujeita a um regime que natildeo

162 Concordamos portanto com a posiccedilatildeo propugnada por ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoUniatildeo de facto a

pertinecircncia de registo a problemaacutetica da separaccedilatildeo de pessoas e bens e a contagem do prazo de convivecircnciardquo

in Casamento e Uniatildeo de facto questotildees de jurisdiccedilatildeo civil Coleccedilatildeo Formaccedilatildeo Contiacutenua CEJ Novembro

2020 p71 segundo a qual as uniotildees devem ser dignas de Registo Civil pois os registos municipais natildeo

serviratildeo o propoacutesito por natildeo contribuiacuterem para a certeza e seguranccedila juriacutedicas uma vez que natildeo existe uma

base de dados nacional podendo-se potenciar muacuteltiplos registos

55

mostraram pretender163 A soluccedilatildeo que propomos funda-se no respeito pela vontade das

partes e no princiacutepio da liberdade contratual aleacutem de ser a mais compatiacutevel com a certeza e

seguranccedila juriacutedicas Bastando-lhes a verificaccedilatildeo dos requisitos necessaacuterios agrave constituiccedilatildeo no

momento da sua inscriccedilatildeo no registo Relativamente agrave exigecircncia do decurso de um

determinado periacuteodo para que a convivecircncia seja registada defendemos que a resposta deve

passar por natildeo ser exigida uma convivecircncia preacutevia Permitindo que duas pessoas que

queiram conviver nestes moldes se dirigiram a uma entidade competente e registem a sua

convivecircncia que pode jaacute existir ou iniciar-se nesse momento164

No fundo com a soluccedilatildeo que propugnamos pretendemos a coexistecircncia de trecircs vias

de conjugalidade O casamento que continuaria a ser regulado de igual forma as uniotildees

registadas em que as partes inscrevem a sua relaccedilatildeo no registo para que desta decorram

efeitos juriacutedicos mas que natildeo se confundem com os do casamento e por uacuteltimo as uniotildees

meramente de facto desprovidas de efeitos juriacutedicos Contudo em relaccedilatildeo a estas

acreditamos que algumas situaccedilotildees devem ser protegidas como a de um dos membros querer

viver livre de efeitos juriacutedicos e o outro apenas tolerar a situaccedilatildeo apesar da sua vontade natildeo

ser exatamente essa Eacute entatildeo necessaacuterio acautelar situaccedilotildees como esta em que no caso de

morte de algum deles o membro sobrevivo fosse aquele que pretendia uma maior

intervenccedilatildeo juriacutedica na sua convivecircncia Aqui deveraacute atribuir-se a este uacuteltimo uma proteccedilatildeo

miacutenima desde que a requeira Salvaguardando desta forma a liberdade e autonomia privada

de cada um sem que nada se lhes imponha a natildeo ser que o solicitem Isto quer dizer que soacute

seratildeo uniotildees meramente de facto aquelas em que a falta de reconhecimento de efeitos

juriacutedicos decorre de uma exteriorizaccedilatildeo das partes Por outras palavras essa categorizaccedilatildeo

resulta de uma falta de manifestaccedilatildeo das partes nesse sentido evitando as situaccedilotildees em que

a sua ineacutercia ndash justificada por natildeo pretenderem a ingerecircncia do Direito ndash resulte no confronto

com um regime legal que natildeo manifestaram querer

163 Neste sentido cabe referir a jaacute mencionada Ley 22003 7 de mayo reguladora de las parejas de hecho do

Paiacutes Vasco que na sua exposiccedilatildeo de motivos adverte para o facto do registo ser uma forma de evitar que os

membros que natildeo desejam que as suas uniotildees sejam acolhidas legalmente sejam reguladas contra a sua vontade

() el Registro de Parejas de Hecho que crea la propia ley registro que tiene una especial importancia al

tener la inscripcioacuten el caraacutecter de constitutiva lo que se hace precisamente para evitar que aquellas parejas

que no deseen en modo alguno acogerse a la ley se vean sometidas contra su voluntad a un reacutegimen de

derechos y obligaciones como el aquiacute recogido 164 Cfr MARTA COSTA ob cit p 396 No mesmo sentido ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoUniatildeo de facto versus

Casamento ndash Questotildees pessoais e patrimoniaisrdquo ob cit p 178

56

Realccedilamos ainda que o registo das uniotildees de facto aleacutem de salvaguardar a certeza

e seguranccedila juriacutedicas permitiria agraves partes invocar a qualquer altura atraveacutes de um meio

idoacuteneo e fidedigno a sua convivecircncia facilitando a prova destas relaccedilotildees e dirimindo as

dificuldades que dessa prova advecircm165 Cremos ser esta a principal e grande vantagem da

soluccedilatildeo que propomos e a que realmente interessa no presente estudo O atual regime de

prova eacute falho pois as declaraccedilotildees referidas no nordm 2 do artigo 2ordmA da LUF emitidas pela

junta de freguesia nunca seratildeo suficientes para garantir a proteccedilatildeo de uma relaccedilatildeo de facto

por natildeo servirem como prova plena aleacutem de natildeo ser possiacutevel atestar a inexistecircncia de

impedimentos por esta via

Em suma como benefiacutecios advindos do registo consideramos natildeo soacute o que toca agrave

sociedade em geral a quem seria transmitida maior certeza e seguranccedila relativamente agrave

existecircncia daquelas relaccedilotildees mas tambeacutem a publicidade que eacute conferida agraves mesmas

desonerando os conviventes de um regime de prova tatildeo sinuosa da sua relaccedilatildeo para

beneficiarem de certos direitos

165 Atraveacutes do registo os membros da uniatildeo registada estariam cientes da repercussatildeo legal da sua uniatildeo

(entre eles e face a terceiros) ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoUniatildeo de facto versus Casamento ndash Questotildees

pessoais e patrimoniaisrdquo ob cit p 180

57

6 Conclusatildeo

A convivecircncia anaacuteloga agrave dos cocircnjuges sem o viacutenculo formal inerente ao casamento

natildeo eacute uma realidade recente A forma como o Direito encara esta figura eacute que foi mudando

ao longo do tempo de acordo com a evoluccedilatildeo das circunstacircncias sociais e histoacutericas Parece-

nos que hoje talvez se imponha uma atualizaccedilatildeo do tratamento legal oferecido agrave uniatildeo de

facto

Desde logo a sua natureza juriacutedica motiva algumas divergecircncias Como vimos

alguns AA entendem que a situaccedilatildeo de facto se deve considerar uma relaccedilatildeo juriacutedica familiar

como as previstas no artigo 1576ordm CCiv por forccedila da sua inclusatildeo no artigo 36ordm n ordm1 CRP

referente agrave constituiccedilatildeo de famiacutelia Por outro lado os AA que defendem que a proteccedilatildeo

constitucional da uniatildeo de facto adveacutem do direito ao desenvolvimento da personalidade

previsto no artigo 26ordm CRP advogam tambeacutem que a convivecircncia more uxorio natildeo deve ser

qualificada como relaccedilatildeo juriacutedica familiar mas sim uma relaccedilatildeo juriacutedica parafamiliar Neste

contexto tendemos a acompanhar a linha de pensamento dos primeiros AA isto por

entendermos que as relaccedilotildees de uniatildeo de facto merecem uma proteccedilatildeo mais abrangente da

que eacute dada pelo artigo 26ordm CRP visto tratar-se de uma proteccedilatildeo geneacuterica que natildeo se coaduna

com a importacircncia social que a uniatildeo de facto vem tendo Jaacute a proteccedilatildeo conferida pelo artigo

36ordm nordm 1 CRP eacute de facto mais consentacircnea com a proteccedilatildeo que este tipo de relaccedilotildees merece

e cremos que essa teraacute sido a intenccedilatildeo do proacuteprio legislador constitucional Eacute de realccedilar por

uacuteltimo que considerar a uniatildeo de facto protegida constitucionalmente pelo artigo 36ordm nordm 1

CRP natildeo quer dizer que o seu regime legal deva ser igual ao regime do casamento

Como tambeacutem jaacute referimos o proacuteprio regime legal da uniatildeo de facto previsto na

Lei nordm 72001 de 1105 alterada pela lei 232010 de 3008 eacute considerado parco e omisso

em relaccedilatildeo a algumas questotildees relevantes para a proteccedilatildeo dos membros dessa relaccedilatildeo Natildeo

obstante a natildeo equiparaccedilatildeo dos regimes legais do casamento e da uniatildeo de facto tal natildeo

significa que natildeo seja necessaacuterio um reforccedilo do atual regime legal da uniatildeo de facto

Devendo optar-se por um caminho que consolide os efeitos juriacutedicos da uniatildeo de facto

possibilitando um regime proacuteprio enrobustecido aos que apesar de natildeo escolherem a via do

casamento pretendam uma proteccedilatildeo mais firme e por outro lado dar aos que pretendam uma

uniatildeo sem consequecircncias juriacutedicas a liberdade de escolha de sujeiccedilatildeo ou natildeo a um regime

legal

58

Paralelamente de forma a diferenciar estas duas situaccedilotildees julgamos ainda ser

importante a sujeiccedilatildeo destas relaccedilotildees a um eventual registo civil que traraacute consigo a certeza

e seguranccedila juriacutedicas relativamente agrave existecircncia destas relaccedilotildees perante a sociedade e ainda

a consequente publicidade advinda dessa inscriccedilatildeo que desoneraraacute os membros de um

regime de prova tatildeo sinuoso Salvaguardando desta forma aqueles que pretendem uma

coabitaccedilatildeo com a miacutenima ingerecircncia juriacutedica Em suma ambicionamos a coexistecircncia de

trecircs vias de conjugalidade sendo elas o casamento as uniotildees registadas e por fim as uniotildees

meramente de facto

Damos como certo que esta eacute uma mudanccedila que natildeo deveraacute ser imediata Aquilo que

propomos eacute na verdade uma soluccedilatildeo que deveraacute isso sim dar azo a uma discussatildeo contiacutenua

que possa contribuir para um aperfeiccediloamento e atualizaccedilatildeo deste regime

59

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65

JURISPRUDEcircNCIA

Tribunal Constitucional

bull Acoacuterdatildeo nordm 3361986

bull Acoacuterdatildeo nordm 18881996

Supremo Tribunal de Justiccedila

bull Acoacuterdatildeo 9-07-2014 processo nordm 3076111TBLLEE1 S1

bull Acoacuterdatildeo 22-03-2018 processo nordm 6380169T8CBRC1 S1

Tribunal Central Administrativo Norte

bull Acoacuterdatildeo de 13-11-2020 processo nordm 00090151BECBR

Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra

bull Acoacuterdatildeo de 16-10-2012 processo nordm 50091TBALDC1

bull Acoacuterdatildeo de 08-03-2006 processo nordm 419705JTRC

Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa

bull Acoacuterdatildeo de 15-02-2007 processo nordm 62842006-8

bull Acoacuterdatildeo de 29-11-2012 processo nordm 444092TCFUNL1-A-8

bull Acoacuterdatildeo de 24-04-2019 processo nordm 12025160T8LRSL1-2

Tribunal Europeu dos Direitos Humanos

bull Acoacuterdatildeo JOHNSTON C IRLANDA de 18 de dezembro de 1986

bull Acoacuterdatildeo KEEGAN C IRLANDA de 26 de maio de 1994

Tribunal Constitucional Espanhol

bull Sentenccedila nordm 1841990 de 15 de novembro Consultaacutevel em

httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-T-1990-29360

bull Sentenccedila nordm 2221992 de 11 de dezembro Consultaacutevel em

httphjtribunalconstitucionaleses-ESResolucionShow2109

bull Sentenccedila nordm 661994 de 28 de fevereiro Consultaacutevel em

httphjtribunalconstitucionalespt-BRResolucionShow2583

66

bull Sentenccedila nordm 391998 de 17 de fevereiro Consultaacutevel em

httphjtribunalconstitucionalesesResolucionShow3541

bull Sentenccedila nordm 1161999 de 17 de junho Consultaacutevel em

httphjtribunalconstitucionaleses-ESResolucionShow3858

Tribunal Constitucional Francecircs

bull Decisatildeo nordm 2011-155 QPC do Conseil Constitutionnel de 29 de julho Consultaacutevel

em httpswwwconseil-constitutionnelfrdecision20112011155QPChtm

9

SIGLAS E ABREVIATURAS

A- Autor

AA- Autores

Ac- Acoacuterdatildeo

Art ndash Artigo

Arts ndash Artigos

Ed - Ediccedilatildeo

In - Em

ob cit - Obra Citada

p ndash paacutegina

pp paacuteginas

ss - Seguintes

vg - verbi gratia

Vol ndash Volume

CCiv ndash Coacutedigo Civil

CEDH ndash Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem

CNP- Centro Nacional de Pensotildees

CPC ndash Coacutedigo de Processo Civil

CReg Civ ndash Coacutedigo de Registo Civil

CRP ndash Constituiccedilatildeo da Reacutepublica Portuguesa

DUDH ndash Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos

ISS ndash Instituto da Seguranccedila Social

10

LUF ndash Lei da Uniatildeo de Facto (Lei nordm 72001 de 11 de Maio alterada pela Lei nordm 232010

de 30 de Agosto)

PACS ndash Pacto civil de Solidariedade

STJ ndash Supremo Tribunal de Justiccedila

TCE - Tribunal Constitucional Espanhol

TEDH ndash Tribunal Europeu dos Direitos Humanos

11

1 Introduccedilatildeo

O presente estudo visa abordar a questatildeo do problema da prova da coabitaccedilatildeo numa

situaccedilatildeo em que se pretende provar a existecircncia de uma relaccedilatildeo de uniatildeo de facto para que

esta produza os efeitos que os membros pretendam Assim cumpriraacute analisar o regime

juriacutedico da Uniatildeo de Facto comeccedilando pela sua evoluccedilatildeo no nosso ordenamento e sobre a

importacircncia da LUF (Lei nordm 72001 de 11 de Maio alterada pela Lei nordm 232010 de 30 de

Agosto)

Uma vez analisada a proteccedilatildeo oferecida agraves situaccedilotildees de Uniatildeo de Facto

nomeadamente a sua (natildeo) alusatildeo na CRP caberaacute comparaacute-la agrave concedida ao casamento e

observar de que forma a liberdade caracteriacutestica do regime da uniatildeo de facto poderaacute deixar

desprotegidas algumas situaccedilotildees carentes de proteccedilatildeo

De seguida feita uma reflexatildeo geral importaraacute compreender como se constitui a

uniatildeo de facto Passando os membros a viver em comunhatildeo de leito mesa e habitaccedilatildeo e natildeo

sendo essa situaccedilatildeo objeto de registo civil ou administrativo ao contraacuterio do que acontece

em alguns ordenamentos vizinhos que tambeacutem mereceratildeo a nossa anaacutelise torna-se mais

difiacutecil saber de forma exata quando se iniciou para que seja possiacutevel a partir daiacute contar os

dois anos necessaacuterios para que a situaccedilatildeo de facto produza os efeitos previstos no artigo 3ordm

da LUF

A questatildeo primordial eacute assim a prova da situaccedilatildeo de uniatildeo de facto nomeadamente

a prova da coabitaccedilatildeo que se pode revelar sinuosa Perante este cenaacuterio torna-se relevante

analisar jurisprudecircncia nomeadamente o Acoacuterdatildeo do STJ de 22 de Marccedilo de 2018 proferido

no acircmbito do processo nordm 6380169T8CBRC1 S1 relativamente agrave prova da uniatildeo de facto

no campo juriacutedico-civil isto eacute atraveacutes do regime geral do oacutenus da prova previsto no artigo

342ordm do CCiv que atribui a quem pretende invocar um direito provar os factos que o

constituem

A final com a nossa anaacutelise e apreciaccedilatildeo dos entendimentos da jurisprudecircncia e da

doutrina nacional e europeia pretendemos demonstrar a dificuldade da prova da uniatildeo de

facto no nosso ordenamento juriacutedico e procurar propostas de soluccedilotildees que possam facilitar

de alguma forma a comprovaccedilatildeo da existecircncia destas relaccedilotildees cessando as dificuldades que

essa comprovaccedilatildeo origina

12

2 A evoluccedilatildeo da Uniatildeo de Facto no ordenamento juriacutedico portuguecircs

Quando se fala de uniatildeo de facto tem forccedilosamente de se aludir agrave discussatildeo

doutrinal acerca da sua classificaccedilatildeo como relaccedilatildeo (para)familiar que surge em grande

parte pelo disposto no artigo 36ordm n ordm1 CRP1 Pela sua ambiguidade haacute quem pense que a

referecircncia agrave constituiccedilatildeo de famiacutelia engloba a uniatildeo de facto2 sendo o seu reconhecimento

juriacutedico feito pela Constituiccedilatildeo Contudo este preceito natildeo eacute assim interpretado por todos

que entendem que este apenas postula o direito de constituir famiacutelia e estabelece as relaccedilotildees

de filiaccedilatildeo e que apesar da uniatildeo de facto natildeo ser uma relaccedilatildeo de famiacutelia no que respeita agrave

generalidade dos efeitos pode ser assim qualificada para efeitos fiscais de locaccedilatildeo de

seguranccedila social entre outros3 Neste seguimento muitos satildeo os AA que tecircm vindo a

expressar a sua opiniatildeo quanto a esta questatildeo havendo quem considere que a situaccedilatildeo de

facto anaacuteloga agrave dos cocircnjuges se deve considerar uma relaccedilatildeo familiar tanto quanto as

previstas no artigo 1576ordm do Coacutedigo Civil ou seja o casamento o parentesco a afinidade

e a adoccedilatildeo4 E ainda quem defenda que natildeo deve ser qualificada como relaccedilatildeo juriacutedica de

famiacutelia5 ou que o seja apenas em relaccedilatildeo a certos efeitos considerando-a desta forma uma

relaccedilatildeo juriacutedica parafamiliar6

1 1 Todos tecircm o direito de constituir famiacutelia e de contrair casamento em condiccedilotildees de plena igualdade

Disposiccedilatildeo inspirada no art 16ordm DUDH e 12ordm CEDH Cfr JJ GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA

Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa Anotada 4ordf ed revista vol I Coimbra Coimbra Editora 2007 p 559 2 Cfr JJ GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA ob cit p 561 3 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoCasamento e Famiacutelia no direito portuguecircsrdquo In AAVV Temas de Direito

da Famiacutelia Ciclo de Conferecircncias no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados Coimbra

Almedina 1996 p 8 FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoAnotaccedilatildeo ao Ac do STJ de 2 de abril de 1987rdquo in Revista

de Legislaccedilatildeo e Jurisprudecircncia nordm 3782 ano 122 Coimbra 1990 pp 82-83 4 Cfr CARLOS PAMPLONA CORTE-REAL ldquoRelance Criacutetico sobre o Direito de Famiacutelia portuguecircsrdquo in Textos de

Direito da Famiacutelia para FRANCISCO PEREIRA COELHO Coord GUILHERME DE OLIVEIRA Coimbra Imprensa

da Universidade de Coimbra 2016 pp109-110 CARLOS PAMPLONA CORTE-REAL JOSEacute SILVA PEREIRA

ldquoDireito da Famiacutelia Toacutepicos para uma reflexatildeo criacuteticardquo Lisboa AAFDL 2008 p 46 no mesmo sentido

GERALDO DA CRUZ ALMEIDA ldquoDa uniatildeo de facto convivecircncia more uxorio em direito internacional privadordquo

Lisboa Pedro Ferreira Editor 1999 p 184 TELMA CARVALHO ldquoA uniatildeo de facto a sua eficaacutecia juriacutedicardquo in

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Editora 2004 pp 223-226 CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova

Relaccedilatildeo Familiarrdquo in Estudos em Homenagem ao Prof Doutor Jorge Miranda Vol VI Faculdade de Direito

da Universidade de Lisboa Coimbra Editora 2012 p 460 e MARIA MARGARIDA PEREIRArdquo Direito da

Famiacuteliardquo Lisboa AAFDL Editora 3ordf ed 2019 pp 641-644 com quem tendemos a concordar embora como

veremos infra tal natildeo significa uma igualdade de tratamento entre a uniatildeo de facto e o casamento 5 Cfr JOAtildeO CASTRO MENDES MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA ldquoDireito da Famiacuteliardquo AAFDL Lisboa 1995 p

14-15 NUNO DE SALTER CID ldquoA Comunhatildeo de Vida agrave Margem do Casamento entre o facto e o Direitordquo

Almedina Coimbra 2005 p 505 FRANCcedilA PITAtildeO ldquoUniotildees de Facto e Economia Comum de acordo com a

Lei nordm 232010 de 30 de agostordquo 3ordf ed Almedina Coimbra 2011 p35 6 Em todas estas relaccedilotildees (as dispostas no art1576ordm CCiv) encontramos um viacutenculo constituiacutedo por direitos

e deveres juriacutedicos reciacuteprocos () As relaccedilotildees juriacutedicas familiares satildeo tendencialmente duradouras e eacute por

13

A designaccedilatildeo uniatildeo de facto foi utilizada pela primeira vez no nosso ordenamento

juriacutedico com a Reforma de 1977 do Coacutedigo Civil7 passando o artigo 2020ordm a prever o direito

de exigir alimentos da heranccedila do falecido por aquele que com ele vivesse haacute mais de dois

anos em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges No entanto jaacute no Coacutedigo Civil de 1966 no

seu artigo 1860ordm se falava em comunhatildeo duradoura de vida em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos

cocircnjuges o que quer dizer que o fenoacutemeno da uniatildeo de facto enquanto facto social jaacute existia

antes dessa primeira referecircncia no Coacutedigo de 19778 A expressatildeo que remete para a vivecircncia

em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges no artigo 2020ordm foi utilizada por vaacuterias leis avulsas

que foram conferindo agraves pessoas que vivessem nessa situaccedilatildeo outros direitos como o direito

agraves pensotildees de sobrevivecircncia o de beneficiar do regime de feacuterias feriados e faltas semelhante

aos dos cocircnjuges e ainda no que respeita ao regime juriacutedico do arrendamento para habitaccedilatildeo

foi reconhecido o direito agrave transmissatildeo do arrendamento agrave pessoa que tenha vivido em uniatildeo

de facto com o arrendataacuterio falecido desde que essa relaccedilatildeo se tenha mantido por mais de

cinco anos9

Todavia soacute com a Lei nordm 13599 de 28 de Agosto eacute que passou a existir um

diploma legal que reunisse as medidas de proteccedilatildeo da uniatildeo de facto que ateacute agrave data se

encontravam dispersas pelas vaacuterias leis avulsas10 o que resultou de certa forma numa

institucionalizaccedilatildeo11 da uniatildeo de facto Em 2001 foi revogada e substituiacuteda pela Lei nordm

isso que satildeo sujeitas a registo gerando um estado civil () tecircm tambeacutem como caracteriacutestica a tipicidade estatildeo

previstas na lei bem como os factos juriacutedicos que lhes datildeo origem o seu conteuacutedo tipico as causas da sua

extinccedilatildeo () natildeo se pode considerar como familiar uma relaccedilatildeo que natildeo esteja prevista como tal na lei Cfr

RITA LOBO XAVIER ldquolaquoEstatuto Privadoraquo dos membros da Uniatildeo De Factordquo in RJLB Ano 2 2016 pp1511-

1513 No mesmo sentido Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ldquoCurso de Direito da

Famiacuteliardquo 5ordf ed vol I Coimbra Coimbra Editora 2015 p 34 65-67 JORGE DUARTE PINHEIRO ldquoO Direito

da Famiacutelia Contemporacircneordquo 6ordf ed Lisboa AAFDL 2018 p 43 ANTUNES VARELA ldquoDireito da Famiacuteliardquo 5ordf

ed vol I Lisboa Livraria Petrony1999 p 31 DIOGO LEITE DE CAMPOS ldquo Liccedilotildees de Direito da Famiacuteliardquo 2ordf

Ed Almedina Coimbra 1997 p21 MARTA COSTA ldquoConvivecircncia more uxorio na perspetiva de

harmonizaccedilatildeo do Direito da Famiacutelia Europeu uniotildees homossexuaisrdquo 1ordf ed Coimbra Coimbra Editora 2011

p 108 e SANDRA PASSINHAS ldquoUniatildeo de Facto em Portugalrdquo in Actualidad Juriacutedica Iberoamericana Nordm 11

pp 110-147 Agosto de 2019 p115 7 Mais concretamente com a alteraccedilatildeo feita pelo Decreto-Lei nordm 49677 de 25 de novembro 8 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p57 9 Para mais desenvolvimentos cfr HELENA MOTA ldquoO problema normativo da famiacutelia ndash Breve reflexatildeo a

propoacutesito das medidas de proteccedilatildeo agrave uniatildeo de facto adotadas pela lei n ordm13599 de 28 de Agostordquo in Estudos

em Comemoraccedilatildeo dos 5 anos da FDUP 2001 p548-553 10 Cfr FRANCcedilA PITAtildeO ldquoUniatildeo de Facto no Direito Portuguecircs A propoacutesito da Lei nordm 13599 de 2808rdquo

Coimbra Almedina 2000 p36 No mesmo sentido RITA LOBO XAVIER ldquoEstatuto Privadordquo dos membros da

Uniatildeo De Factordquo in RJLB ano 2 2016 p 1499 11 Expressatildeo utilizada por FRANCISCO PEREIRA COELHO para definir a existecircncia de regulaccedilatildeo proacutepria da uniatildeo

de facto Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p68

14

72001 de 110512 atual LUF que aleacutem de regular situaccedilotildees de uniatildeo de facto entre pessoas

de sexo diferente daacute relevacircncia juriacutedica agrave uniatildeo de facto entre pessoas do mesmo sexo

Apesar de natildeo ter representado uma transformaccedilatildeo significativa do conjunto de direitos e

deveres juridicamente conferidos agrave uniatildeo de facto limitando-se em boa parte a reconhecer

direitos conferidos por leis que jaacute existiam acresce algumas disposiccedilotildees inovadoras13 Sendo

claramente as mais relevantes o facto de permitir agraves pessoas de sexo diferente que vivessem

em uniatildeo de facto a adoccedilatildeo conjunta de menores nos mesmos termos que os cocircnjuges

previstos no artigo 1979ordm n ordm1 do CCiv14 e o alargamento das medidas de proteccedilatildeo por ela

concedidas agraves pessoas do mesmo sexo que viviam em uniatildeo de facto15

Posteriormente com a alteraccedilatildeo feita pela Lei nordm 232010 de 30 de agosto visou-

se essencialmente aumentar os efeitos que se produzem apoacutes a morte de um dos membros

da uniatildeo de facto ou apoacutes a sua rutura16 Tendo em vista dessa forma a proteccedilatildeo social do

membro sobrevivo que fique em situaccedilatildeo difiacutecil no que concerne agrave conservaccedilatildeo da sua

12 Alterada pela Lei 232010 de 3008 13 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p68 14 Art7ordm da LUF Nos termos do atual regime de adoccedilatildeo constante do livro IV tiacutetulo IV do Coacutedigo Civil eacute

reconhecido a todas as pessoas que vivam em uniatildeo de facto nos termos da presente lei o direito de adoccedilatildeo

em condiccedilotildees anaacutelogas agraves previstas no artigo 1979ordm do Coacutedigo Civil sem prejuiacutezo das disposiccedilotildees legais

respeitantes agrave adoccedilatildeo por pessoas natildeo casadas 15 A lei 72001 de 1105 resulta da discussatildeo de alguns projetos de lei elaborados por partidos poliacuteticos A

propoacutesito da vigecircncia da lei nordm 13599 que continuava a natildeo proteger juridicamente as relaccedilotildees dos unidos de

facto do mesmo sexo o partido ldquoOs Verdesrdquo apresentou o projeto de lei nordm 6VIII (consultaacutevel em

httpswwwparlamentoptActividadeParlamentarPaginasDetalheIniciativaaspxBID=6374) que pretendia

alterar o nordm1 do art 1ordm da lei em vigor eliminando a referecircncia a pessoas de sexo diferente passando os casais

de orientaccedilatildeo homossexual a ter acesso aos benefiacutecios previstos na LUF com exceccedilatildeo da possibilidade de

adoccedilatildeo que ficaria reservada aos casais heterossexuais Apresentando o projeto de lei nordm 45VIII (consultaacutevel

em

httpswwwparlamentoptActividadeParlamentarPaginasDetalheIniciativaaspxBID=6308) surge o Bloco

de Esquerda tencionando a modificaccedilatildeo do mesmo preceito para que se reconhecessem as uniotildees

homossexuais e ainda que se afastasse da lei o prazo miacutenimo de duraccedilatildeo de convivecircncia se estas situaccedilotildees

fossem registadas passando o art 1ordm n ordm1 a ter a seguinte redaccedilatildeo a presente lei regula a situaccedilatildeo juriacutedica

das pessoas que vivem em uniatildeo de facto O PCP por sua vez apresentou o nordm 145VIII tendo como objetivo

a revogaccedilatildeo da lei que vigorava substituindo-a por uma legislaccedilatildeo que fosse aplicaacutevel a quem vivesse em

uniatildeo de facto haacute mais de dois anos independentemente do sexo corroborava a proteccedilatildeo da casa de morada

comum garantindo a preferecircncia do outro para efeitos de venda ou arrendamento em caso de morte de um dos

membros e pretendia que o acesso a prestaccedilotildees por morte fosse mais flexiacutevel contudo o regime da adoccedilatildeo

continuava reservado aos casais heterossexuais O PS apresentou o projeto de lei nordm 105VIII (consultaacutevel

em httpswwwparlamentoptActividadeParlamentarPaginasDetalheIniciativaaspxBID=6195) que

apesar de natildeo se referir especificamente a uniotildees de facto visava que a proteccedilatildeo concedida pela lei nordm13599

se estendesse a um novo regime denominado de economia comum distinguindo-o do regime aplicaacutevel agraves

uniotildees de facto pela absoluta irrelevacircncia da orientaccedilatildeo sexual das pessoas a quem se confere proteccedilatildeo legal

pretendendo assim a tutela de duas pessoas que vivessem em economia comum haacute mais de dois anos Para

mais desenvolvimentos cfr MARTA COSTA ob cit pp 346-348 16 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p70

15

habitaccedilatildeo e aos meios de subsistecircncia miacutenimos17 Haacute quem considere que apesar das

alteraccedilotildees o regime da uniatildeo de facto portuguecircs em comparaccedilatildeo com muitos sistemas

juriacutedicos eacute modesto e continua a ser o que menos efeitos atribui agrave uniatildeo de facto18 Uma vez

que continua a acolher-se neste domiacutenio uma proteccedilatildeo fragmentaacuteria e especialmente

dirigida a cenaacuterios de crise em que as debilidades dos membros se concretizem com mais

intensidade19 Contudo essa moderaccedilatildeo eacute uma escolha sendo intenccedilatildeo do legislador natildeo

atribuir efeitos imperativos por entender que pode haver quem natildeo queira uma regulaccedilatildeo tatildeo

abrangente de determinadas situaccedilotildees deixando que os proacuteprios membros se possam

organizar privadamente20 O que leva a que no regime da uniatildeo de facto natildeo haja regulaccedilatildeo

juriacutedica relativamente ao seu registo agraves invalidades que podem existir na sua constituiccedilatildeo e

ainda no que respeita ao regime de bens agrave administraccedilatildeo do patrimoacutenio agraves ilegitimidades

de disposiccedilatildeo agrave proibiccedilatildeo de contratos ou regulaccedilatildeo de participaccedilatildeo em sociedades nem no

que toca aos efeitos sucessoacuterios e agrave extinccedilatildeo da situaccedilatildeo de uniatildeo de facto21

Ainda que natildeo defina o conceito de uniatildeo de facto a LUF no seu artigo 1ordm nordm 2

identifica o seu objeto como a situaccedilatildeo juriacutedica de duas pessoas que independentemente do

sexo vivam em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges haacute mais de dois anos Dito isto pode

depreender-se que eacute necessaacuterio que duas pessoas vivam em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos

cocircnjuges haacute mais de dois anos e ainda que segundo o previsto no artigo 2ordm da LUF entre

os membros da uniatildeo natildeo se verifique nenhum dos impedimentos aiacute mencionados No que

concerne agrave constituiccedilatildeo da uniatildeo de facto e ao desenvolvimento dos impedimentos agrave mesma

abordaremos a questatildeo mais adiante

17Art 5ordm e 6ordm da LUF Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ldquoNotas sobre a lei nordm 232010 de 30 de agosto (Alteraccedilatildeo

agrave lei das uniotildees de facto)rdquo in Lex Familiae Coimbra Editora 2012 p 146 A lei nova encara mais nitidamente

a necessidade de proteccedilatildeo do membro sobrevivo da uniatildeo de facto e daacute-lhe prioridade relativamente aos filhos

() considera que a proteccedilatildeo da casa de morada eacute o nuacutecleo irredutiacutevel da proteccedilatildeo conferida ao membro

sobrevivo da uniatildeo de facto e portanto garante a proteccedilatildeo mesmo contra a vontade do falecido 18 Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 153 FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob

cit p 69 19 Cfr RUTE TEIXEIRA PEDRO ldquoBreves reflexotildees sobre a proteccedilatildeo do unido de facto quanto agrave casa de morada

de famiacutelia propriedade do companheiro falecidordquo in AAVV Textos de Direito da Famiacutelia para FRANCISCO

PEREIRA COELHO coord GUILHERME DE OLIVEIRA Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016

p310 20 De realccedilar que em 2001 o nuacutemero registado de pessoas a viver em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges foi

de 381 mil indiviacuteduos e em 2011 quase que duplicou perfazendo o total de 730 mil indiviacuteduos Dados

consultaacuteveis em

httppordataptPortugalPopulaC3A7C3A3o+residente+segundo+os+Censos+em+uniC3B5es+

de+facto-2649-222898 21 Para aleacutem do disposto no art 8ordm da LUF Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 153 FRANCISCO PEREIRA

COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 70

16

3 A uniatildeo de facto e a Constituiccedilatildeo da Reacutepublica Portuguesa

Ainda na linha de pensamento do ponto anterior no que respeita ao artigo 36ordm n ordm1

da CRP importa dizer que esta norma determina que todos tecircm o direito de constituir famiacutelia

e de contrair casamento em condiccedilotildees de igualdade22 ou seja pode considerar-se que este

artigo consagra essencialmente dois direitos o de constituir famiacutelia e o de casar23 Nesta

senda importa tambeacutem debruccedilarmo-nos sobre a proteccedilatildeo que a Constituiccedilatildeo oferece agrave uniatildeo

de facto

Jaacute referimos que certos AA como GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA24

defendem que o que parece decorrer do nordm1 do artigo 36ordm CRP eacute que a Constituiccedilatildeo natildeo

admite a reduccedilatildeo do conceito de famiacutelia agrave uniatildeo conjugal baseada no casamento havendo

outras formas de constituiccedilatildeo de famiacutelia aleacutem do casamento como a uniatildeo de facto isto eacute

ao distinguir a famiacutelia do casamento o legislador pretendeu demonstrar que se tratam de

realidades diversas e que o direito a constituir famiacutelia natildeo estaacute vedado a quem natildeo pretenda

contrair casamento25 Segundo esta corrente doutrinaacuteria haacute uma abertura constitucional - se

natildeo mesmo uma obrigaccedilatildeo - para conferir relevo agraves uniotildees familiares de facto tendo em

consideraccedilatildeo que o conceito constitucional natildeo abrange apenas a famiacutelia

matrimonializada26 Apesar de afirmarem o reconhecimento da uniatildeo de facto como relaccedilatildeo

juriacutedica familiar postulam que tal natildeo implica que haja um tratamento legal totalmente

22 A sua interpretaccedilatildeo deve ser feita como se o n ordm1 do art36ordm prescrevesse que laquotodos tecircm o direito de

constituir famiacutelia em condiccedilotildees que natildeo violem o princiacutepio da igualdade definido no artigo 13ordmraquo Tendo em

conta que ao espiacuterito desta norma constitucional natildeo repugna efetivamente aceitar as limitaccedilotildees resultantes

da legislaccedilatildeo vigente quer em mateacuteria de impedimentos matrimoniais() Cfr ANTUNES VARELA ldquoDireito da

Famiacuteliardquo 5ordf ed vol I Lisboa Livraria Petrony 1999 p 158 23 Em sentido diverso Cfr JOAtildeO DE CASTRO MENDES ldquoFamiacutelia e casamentordquo in Estudos sobre a Constituiccedilatildeo

JORGE MIRANDA (coord) vol I Lisboa Livraria Petrony 1977 p 372 que entende que os dois direitos

reduzem-se a um soacute E ainda Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoCasamento e Famiacutelia no direito portuguecircsrdquo

obcit p 8 que entende que ao contraacuterio do que acontece no artigo 16ordm DUDH o legislador portuguecircs optou

por colocar o direito a constituir famiacutelia agrave frente do direito de contrair casamento na disposiccedilatildeo do n ordm1 do art

36ordm natildeo se sabe bem porquecirc 24Cfr J GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA ob cit p561 CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo

Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova Relaccedilatildeo Familiarrdquo in Estudos em Homenagem ao Prof Doutor Jorge

Miranda Vol VI Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Coimbra Editora 2012 p 453 HENRICH

EWALD HOumlRSTER ldquoInconstitucionalidade da Tributaccedilatildeo Conjunta dos Cocircnjugesrdquo in Revista de Direito e

Economia da Universidade de Coimbra Ano III nordm 2 Julho ndash Dezembro 1977 p 506 25 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova Relaccedilatildeo Familiarrdquo

obcit p 453 CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoA jurisprudecircncia do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e as

Novas Formas de Famiacutelia ndash The European Court of Human Rights and The New Concept of Familyrdquo in Revista

Juriacutedica da Universidade Portucalense nordm15 Universidade Portucalense Porto 2012 p 36 Neste sentido

vide Acoacuterdatildeo Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 15-02-2007 proferido no acircmbito do processo nordm 62842006-

8 26 Cfr JJ GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA ob cit p 561

17

idecircntico entre as famiacutelias natildeo matrimonializadas e as famiacutelias baseadas no casamento desde

que as distinccedilotildees feitas natildeo sejam arbitraacuterias irrazoaacuteveis ou desproporcionadas e tenham

em conta todos os direitos e interesses em jogo27

De outra parte FRANCISCO PEREIRA COELHO e GUILHERME DE OLIVEIRA defendem

que a 1ordf parte do n ordm1 do artigo 36ordm CRP ao estabelecer que todos tecircm direito de constituir

famiacutelia esse diz respeito essencialmente agraves relaccedilotildees de filiaccedilatildeo pois o direito de constituir

famiacutelia eacute antes de mais o direito a procriar e ainda o direito a estabelecer as

correspondentes relaccedilotildees de paternidade e maternidade28 Relativamente agrave 2ordf parte do

mesmo artigo alertam para o facto de natildeo se poder reconduzir a uniatildeo de facto a uma

dimensatildeo ou vertente negativa do direito de contrair casamento uma vez que a dimensatildeo

negativa desse direito eacute o de natildeo casar2930

Embora entendam que este artigo natildeo oferece proteccedilatildeo constitucional agrave uniatildeo de

facto isso natildeo quer dizer que esta fique desprotegida constitucionalmente Para estes AA o

princiacutepio de proteccedilatildeo da uniatildeo de facto decorre do direito ao desenvolvimento da

personalidade previsto no nordm1 do artigo 26ordm CRP considerando-o como o direito do

indiviacuteduo a afirmar livremente a sua identidade31 como sujeito autoacutenomo dotado de

autodeterminaccedilatildeo decisoacuteria32 sem estar vinculado a modelos externamente impostos e

conferindo-lhe o direito a viver a sua vida do modo que escolher podendo dizer-se que

estabelecer uma uniatildeo de facto eacute uma manifestaccedilatildeo desse direito33

A proteccedilatildeo conferida pelo direito ao desenvolvimento da personalidade natildeo exige

que o legislador conceda agrave uniatildeo de facto efeitos semelhantes aos que oferece ao casamento

equiparando o que natildeo eacute igual visto que os membros da uniatildeo de facto natildeo assumem um

27 Como por exemplo os direitos dos filhos Idem 28 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 60 29 Idem 30 Mais amplo do que viver em uniatildeo de facto pois pode ainda significar ficar em solidatildeo relacionar-se

esporadicamente ou pontualmente ou ateacute viver em promiscuidade Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e

Personalidaderdquo Almedina Coimbra 2017 p 237 No mesmo sentido Cfr NUNO SALTER CID ldquoSobre o

Direito de natildeo Contrair Casamentordquo in Famiacutelia Consciecircncia Secularismo e Religiatildeo 1ordf Ediccedilatildeo Coimbra

Editora 2010 p 28 O direito de natildeo contrair casamento o tal direito fundamental que a Constituiccedilatildeo

implicitamente confere e protege como dimensatildeo ou vertente negativa do direito de contrair casamento eacute na

verdade e apenas o direito de se negar a contrair casamento o direito natildeo ser forccedilado a casar-se um direito

que natildeo exerce apenas quem opta por viver em uniatildeo de facto mas tambeacutem quem opta por manter-se solteiro

divorciado ou viuacutevo (de Direito ou de facto) 31 Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e Personalidaderdquo ob cit p 237 32 Cfr JJ GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA ob cit p 463 33 Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e Personalidaderdquo ob cit p 237

18

compromisso de vida por natildeo quererem ou natildeo o poderem fazer Equiparar o que eacute diferente

nesta medida poderia ser julgado inconstitucional pois iria impor agraves pessoas que vivem em

uniatildeo de facto os mesmos deveres e conceder os mesmos direitos que impotildee e concede agraves

que satildeo casadas violando o direito a natildeo casar sendo-lhes forccedilado um estatuto que em

princiacutepio rejeitaram por vontade proacutepria

Conveacutem ainda referir que no que toca ao princiacutepio da proteccedilatildeo da famiacutelia previsto

no artigo 67ordm CRP este natildeo impotildee ao legislador ordinaacuterio a atribuiccedilatildeo de efeitos favoraacuteveis

agrave uniatildeo de facto mas tambeacutem natildeo proiacutebe que sejam concedidos agrave mesma os efeitos que

considere adequados e justificados34 FRANCISCO PEREIRA COELHO considera ainda que este

princiacutepio constitucional natildeo visa apenas a famiacutelia conjugal35 ao contraacuterio de CASTRO

MENDES que explica que soacute faz sentido valer neste contexto a famiacutelia fundada no

casamento natildeo devendo a lei passar um laquocheque em brancoraquo a quaisquer formas de

sociedade familiar36 Por sua vez SANDRA PASSINHAS defende que apesar da uniatildeo de facto

natildeo ser uma forma de contrair casamento e natildeo caber no acircmbito de proteccedilatildeo do artigo 36ordm

da CRP isso natildeo inibe que o casal nascido da uniatildeo de facto juridicamente protegida

tambeacutem seja considerado famiacutelia para efeitos da proteccedilatildeo institucional conferida pelo

artigo 67ordm CRP37 pois entende que seria inaceitaacutevel que no acircmbito normativo do artigo 67ordm

CRP natildeo coubessem as relaccedilotildees parafamiliares como a uniatildeo de facto38 Nesta ordem de

ideias eacute possiacutevel aferir que a constituiccedilatildeo natildeo permite penalizar a uniatildeo de facto ou equiparaacute-

la ao casamento39

34 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoAnotaccedilatildeo ao Ac do STJ de 2 de abril de 1987rdquo in Revista de Legislaccedilatildeo

e Jurisprudecircncia nordm 3782 ano 122 Coimbra 1990 p84 35 Idem Entendendo que o princiacutepio constitucional visa abranger a famiacutelia natural e ainda a adotiva 36 Cfr JOAtildeO DE CASTRO MENDES ldquoFamiacutelia e casamentordquo in Estudos sobre a Constituiccedilatildeo JORGE MIRANDA

(coord) vol I Lisboa Livraria Petrony 1977 p 373 37 Referindo em abono da posiccedilatildeo que defende o modo como o legislador na LUF em cumprimento do

disposto no art 67ordm nordm2 da CRP conformou a posiccedilatildeo dos unidos de facto no sentido de lhes conceder

proteccedilatildeo da casa de morada de famiacutelia de os beneficiar com o regime juriacutedico aplicaacutevel a pessoas casadas

em mateacuteria de feacuterias feriados faltas licenccedilas e de preferecircncia na colocaccedilatildeo dos trabalhadores da

Administraccedilatildeo Puacuteblica com a aplicaccedilatildeo do regime do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares

concedendo-lhes proteccedilatildeo socia na eventualidade de morte do beneficiaacuterio por aplicaccedilatildeo do regime geral ou

de regimes especais de seguranccedila social bem como prestaccedilotildees por morte resultante de acidente de trabalho

ou doenccedila profissional a pensatildeo do preccedilo de sangue e por serviccedilos excecionais e relevantes prestados ao paiacutes

ou a inclusatildeo do unido de facto no elenco dos titulares do direito agrave indemnizaccedilatildeo por danos natildeo patrimoniais

por morte da viacutetima no nordm3 do art 496ordm SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e Personalidaderdquo obcit p240 38 Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e Personalidaderdquo obcit p 231 39 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p64

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A propoacutesito dos diplomas internacionais cabe referir que a Declaraccedilatildeo Universal

dos Direitos do Homem40 inclui dois princiacutepios relativos agrave famiacutelia Primeiramente no seu

artigo 12ordm onde estabelece o direito ao respeito pela vida familiar seguido do artigo 16ordm que

abrange no seu nordm 1 o direito de casar e de constituir famiacutelia e no seu nordm 3 reconhece a

famiacutelia como elemento natural e fundamental da sociedade tendo direito agrave proteccedilatildeo desta e

do Estado Tambeacutem a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem41 conteacutem dois

princiacutepios dedicados agrave famiacutelia o direito ao respeito pela vida privada e familiar previsto no

seu artigo 8ordm e por sua vez o direito a casar e a constituir famiacutelia estando este disposto no

artigo seu 12ordm Nestes diplomas o legislador internacional tal como o legislador nacional

natildeo assegura uma definiccedilatildeo de famiacutelia ou casamento levando a que se concretizem e sejam

interpretados de forma diversa consoante o substrato social de quem o faz42 Pois como

defende CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS43 eacute inegaacutevel as transformaccedilotildees que o conceito de famiacutelia

tradicional tem sofrido dando origem a novas formas de famiacutelia como as de facto as

monoparentais as recombinadas e as homossexuais Nesta senda note-se que o Tribunal

Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) apesar de ter em conta a tutela do casamento e

encorajar a famiacutelia tradicional44 tem vindo a considerar que o artigo 8ordm CEDH natildeo se refere

apenas agrave famiacutelia constituiacuteda com base no casamento como acontece no artigo 12ordm CEDH

podendo conceder tutela a outros laccedilos familiares como as uniotildees de facto45

40 Proclamada pela Assembleia Geral das Naccedilotildees Unidas em Paris a 10 de dezembro de 1948 41 Assinada a 4 de novembro de 1950 em Roma tendo entrado em vigor em 1953 A adesatildeo de Portugal deu-

se apenas em 1978 42 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova Relaccedilatildeo Familiarrdquo

obcit p 458 43 Idem 44 Neste sentido e para mais desenvolvimentos Cfr SUSANA ALMEIDA ldquoO Respeito pela Vida (Privada e)

Familiar na Jurisprudecircncia do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem A tutela das Novas Formasrdquo

Coimbra Editora 2008 p 165 45 Article 8 (art 8) applies to the family life of the illegitimate family as well as to that of the legitimate

family Ac JOHNSTON C IRLANDA 18 de dezembro de 1986 p19 consultaacutevel em

httpshudocechrcoeinteng22itemid22[22001-5750822

The Court recalls that the notion of the family in this provision is not confined solely to marriage-based

relationships and may encompass other de facto family ties where the parties are living together outside of

marriage Ac KEEGAN C IRLANDA de 26 de maio de 1994 p13 consultaacutevel em

httpshudocechrcoeinteng22itemid22[22001-5788122]

20

31 A uniatildeo de facto e o casamento ndash liberdade mas e proteccedilatildeo

Como jaacute haviacuteamos referido tanto a proteccedilatildeo conferida pelo direito ao

desenvolvimento da personalidade quanto a que se entenda que eacute dada pelo artigo 36ordm CRP

natildeo exige que o legislador atribua agrave uniatildeo de facto efeitos semelhantes aos do casamento

equiparando os dois institutos Esta diferenccedila de tratamento de situaccedilotildees distintas natildeo viola

o princiacutepio da igualdade previsto no artigo 13ordm CRP visto que esta norma apenas proiacutebe as

discriminaccedilotildees arbitraacuterias ou sem fundamento46 Tratam-se de situaccedilotildees materialmente

diferentes enquanto no casamento se assume um compromisso de vida em comum

sujeitando-se a um viacutenculo juriacutedico47 um contrato entre duas pessoas que pretendem

constituir famiacutelia mediante uma plena comunhatildeo de vida na uniatildeo de facto os membros natildeo

querem ou natildeo podem assumir esse compromisso48

Antes de nos dedicarmos ao estudo do contraste que o regime da uniatildeo de facto e o

casamento apresentam em concreto conveacutem relembrar a noccedilatildeo de casamento no nosso

ordenamento juriacutedico Assim segundo o artigo 1577ordm CCiv o casamento constitui um

contrato4950 um compromisso juriacutedico assumido por duas pessoas que se vinculam entre si

mediante uma plena comunhatildeo de vida Ainda que o Coacutedigo Civil natildeo defina explicitamente

o que significa plena comunhatildeo de vida eacute possiacutevel aferir-se pelos preceitos subsequentes

que esta deve ser guiada pelos deveres de respeito fidelidade coabitaccedilatildeo cooperaccedilatildeo e

46 Acoacuterdatildeo Tribunal Constitucional nordm 33686 p 3807 Neste artigo reconhece-se o direito agrave diferenccedila desde

que esta natildeo ultrapasse os limites da tolerabilidade ou da discricionariedade Acoacuterdatildeo Tribunal Constitucional

nordm 11881996 O princiacutepio da igualdade (artigo 13ordm da Constituiccedilatildeo) impotildee se decirc tratamento igual ao que for

essencialmente igual e se trate diferentemente o que diferente for Natildeo proiacutebe as distinccedilotildees de tratamento se

materialmente fundadas proiacutebe isso sim a discriminaccedilatildeo as diferenciaccedilotildees arbitraacuterias ou irrazoaacuteveis

carecidas de fundamento racional No mesmo sentido vide Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de

08-03-2006 proferido no acircmbito do processo nordm 419705JTRC 47 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova Relaccedilatildeo Familiarrdquo

obcit p 460 48 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p63 49Apesar da sua contratualidade ser afirmada na sua definiccedilatildeo legal esta eacute contestada Haacute quem qualifique o

casamento como um mero acordo outros como instituiccedilatildeo ou ainda como um puro ato administrativo vendo

a declaraccedilatildeo do funcionaacuterio do registo civil como o elemento constitutivo do casamento e o consentimento

das partes como um simples pressuposto dessa declaraccedilatildeo Cfr mais desenvolvidamente FRANCISCO PEREIRA

COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit pp 232- 235 e ainda TELMA CARVALHO ob cit p 230 50 Cfr FRANCcedilA PITAtildeO ldquoOs novos casamentos ou a crise do casamento tradicional no direito portuguecircs in

AAVV Comemoraccedilotildees dos 35 anos do Coacutedigo Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977 vol I Coimbra

Editora Coimbra 2004 pp 178-179

21

assistecircncia (artigo 1672ordm CCiv) aleacutem disso deve ser exclusiva (artigo 1601ordm CCiv) e tendo

em vista a perpetuidade (artigo 1773ordm CCiv)

A solenidade de formalizaccedilatildeo de vontades necessaacuteria no casamento (artigo 1615ordm

CCiv) em contraposiccedilatildeo agrave falta de forma de celebraccedilatildeo uniatildeo de facto tem sido a principal

diferenccedila apontada pela doutrina entre estas duas formas de vida Dado que no casamento

haacute a expressatildeo de duas vontades atraveacutes de uma declaraccedilatildeo expressa perante uma entidade

puacuteblica que abrange todo o conteuacutedo do casamento Os nubentes ao declararem que aceitam

casar estatildeo simultaneamente a aceitar os efeitos legais do casamento tal como prevecirc o

regime obrigatoacuterio do artigo 1618ordm nordm 1 CCiv Aceitam todos os deveres reciacuteprocos e

tambeacutem os efeitos patrimoniais onde vatildeo tendo uma autonomia privada ainda que limitada

atraveacutes das convenccedilotildees antenupciais51 Isto eacute na uniatildeo de facto haacute uma intencionalidade52

de viver em comunhatildeo plena de vida com outra pessoa no casamento aleacutem da

intencionalidade da plena comunhatildeo de vida haacute a intenccedilatildeo de celebrar o casamento com

tudo o que o seu regime legal acarreta

No caso da uniatildeo de facto essa intencionalidade natildeo eacute declarada de forma solene ou

formal eacute um acordo iacutentimo realizado entre os membros da situaccedilatildeo de facto que natildeo eacute

reconhecido por nenhum ente estadual53 Por outro lado a realizaccedilatildeo do casamento aleacutem de

implicar todo um processo preliminar que tem por fim um despacho final que no caso de ser

favoraacutevel pressupotildee a celebraccedilatildeo do casamento no prazo de seis meses subsequentes a essa

autorizaccedilatildeo tem forma puacuteblica e a sua celebraccedilatildeo acarreta o seu registo (artigo 1ordm al d)

CRegCiv) Este registo eacute obrigatoacuterio e comporta uma elevada importacircncia visto que soacute com

o reconhecimento do casamento pelo Conservador do Registo Civil (artigo 1615ordm CCiv) eacute

possiacutevel fazer a prova do estado civil das pessoas Eacute a uacutenica prova legalmente admitida do

casamento sendo que enquanto este natildeo for registado natildeo pode ser invocado54 Devido agrave

uniatildeo de facto natildeo implicar uma alteraccedilatildeo no estado civil dos membros por natildeo estar sujeita

a registo torna a falta de publicidade no que concerne agrave elaboraccedilatildeo deste estudo a grande

diferenccedila entre este regime juriacutedico e o do casamento e o que tem maior repercussatildeo no

51 Cfr TELMA CARVALHO ob cit p 229 52 Cfr TELMA CARVALHO ob cit p 230 53 Cfr TELMA CARVALHO ob cit p 237 54 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 337

22

regime protecional dos unidos de facto jaacute que o que natildeo pode ser provado em princiacutepio

natildeo pode ser protegido

Aleacutem da dificuldade da prova da uniatildeo de facto quer diante o Estado quer em face

a terceiros a falta do seu registo impede o controlo da sua existecircncia e do cumprimento dos

seus requisitos por parte do Estado Abordaremos a questatildeo da dificuldade da prova

resultante da falta de publicidade da uniatildeo de facto mais aprofundadamente na parte a ela

dedicada

Ateacute aqui apresentamos diferenccedilas de caraacuteter puramente formal nomeadamente no

que respeita agrave natureza contratual do casamento agrave solenidade da celebraccedilatildeo do mesmo e

ainda quanto agrave sua publicidade em contrapartida com o que acontece com a uniatildeo de facto

tendo umas mais importacircncia objetiva que outras Cabe agora analisar as diferenccedilas que tecircm

sido apontadas aos efeitos juriacutedicos praacuteticos Nomeadamente a necessidade de decurso de

prazo de dois anos para que a lei atribua agrave uniatildeo de facto efeitos juriacutedicos uma vez que no

nordm 2 do artigo 1ordm da LUF estaacute previsto que a uniatildeo de facto eacute a situaccedilatildeo juriacutedica de duas

pessoas que independentemente do sexo vivam em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges haacute

mais de dois anos Haacute entatildeo uma exigecircncia do decurso de dois anos55 dessa convivecircncia para

que a situaccedilatildeo anaacuteloga agrave dos cocircnjuges seja considerada uniatildeo de facto Ao passo que o

casamento se considera constituiacutedo com a declaraccedilatildeo de vontade de cada nubente e celebrado

perante uma entidade competente natildeo necessitando da decorrecircncia de nenhum prazo para

que se considere constituiacutedo

Eacute de notar alguma diferenccedila ainda no que se refere agrave cessaccedilatildeo do casamento e agrave

dissoluccedilatildeo da uniatildeo de facto O artigo 1773ordm CCiv determina que o divoacutercio pode ser por

muacutetuo consentimento ou sem consentimento de um dos cocircnjuges - desde que se verifiquem

algum dos fundamentos de rutura previstos no artigo 1781ordm CCiv - ou seja natildeo basta o

simples afastamento dos cocircnjuges para que o casamento cesse haacute um viacutenculo formal que

tem de ser dissolvido A uniatildeo de facto dissolve-se quando cessar o facto da uniatildeo56 isto eacute

55 Noutras regulamentaccedilotildees especiacuteficas esse prazo pode variar () por exemplo no caso da transmissatildeo de

arrendamento por morte do unido o prazo de um ano basta na Lei da Nacionalidade jaacute eacute exigida a duraccedilatildeo de

trecircs anos para que um estrangeiro possa declarar querer adquirir a nacionalidade portuguesa com fundamento

na uniatildeo de facto SANDRA PASSINHAS ldquoUniatildeo de Facto em Portugalrdquo ob cit p113 56 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo in AAVV Textos de Direito da Famiacutelia para Pereira Coelho GUILHERME OLIVEIRA (coord)

Imprensa da Universidade de Coimbra 2016 p 91

23

com a rutura da efetiva comunhatildeo de vida que acontece com a verificaccedilatildeo de alguma das

situaccedilotildees mencionadas no nordm 1 do artigo 8ordm da LUF

Veja-se entre noacutes a uniatildeo de facto eacute objeto de atribuiccedilatildeo de alguns efeitos juriacutedicos

poreacutem no que respeita ao domiacutenio das relaccedilotildees patrimoniais e agrave regulamentaccedilatildeo das

consequecircncias da sua dissoluccedilatildeo natildeo haacute nenhuma norma reguladora Isto eacute natildeo existe

regulamentaccedilatildeo quanto ao regime de bens e natildeo sendo em princiacutepio de aplicar

analogicamente o regime juriacutedico do casamento57 os membros da uniatildeo de facto sentem a

necessidade de criarem eles proacuteprios um estatuto juriacutedico que regule determinados

problemas que possam surgir da sua comunhatildeo de vida com base no princiacutepio da autonomia

da vontade58 Em alguns ordenamentos juriacutedicos59 a soluccedilatildeo para esta questatildeo eacute o contrato

de coabitaccedilatildeo60 visto como a hipoacutetese de conferir aos membros da uniatildeo de facto a

possibilidade de regularem as suas relaccedilotildees patrimoniais com base no princiacutepio da

autonomia patrimonial61 Apesar de no nosso ordenamento juriacutedico natildeo haver tipificaccedilatildeo

legal do contrato de coabitaccedilatildeo - como a uniatildeo de contratos em que os membros da uniatildeo

de facto reuacutenem vaacuterias espeacutecies contratuais em vista da organizaccedilatildeo convencional das suas

relaccedilotildees patrimoniais durante a vida da relaccedilatildeo e apoacutes a extinccedilatildeo desta62- natildeo haacute

legalmente nada a opor a esses contratos desde que estes se limitem a regular os efeitos

patrimoniais sem abrangerem os efeitos pessoais63 Houve por parte do PCP com o artigo

57 Cfr FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo ob cit p83 58 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDissoluccedilatildeo da uniatildeo de facto ndash Anotaccedilatildeo ao Acoacuterdatildeo do TRG de 2992004

Proc 128904rdquo in Cadernos de Direito Privado nordm 11 julhoSetembro 2005 p72 59 Como nos Estados Unidos na Holanda e no Canadaacute e ainda na Espanha e Franccedila onde satildeo normalmente

celebrados apesar de levantarem algumas duacutevidas Neste sentido vide Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de

Lisboa de 29-11-2012 proferido no acircmbito do processo nordm 444092TCFUNL1-A-8 JEAN CARBONNIER

ldquoDroit Civil (T2 ndash La famille lrsquoenfant le couple)rsquorsquo 21ordm ed PUF Paris 2002 p681 EDUARDO ESTRADA

ALONSO ldquoLas uniones extramatrimoniales en el Derecho Civil Espantildeolrdquo 2ordm ed Civitas Madrid 1991 pp

139-152 o A prevecirc a possibilidade de utilizar a autonomia da vontade dos membros como fonte de regulaccedilatildeo

das uniotildees de facto apesar de este tipo de convenios natildeo serem frequentes em Espanha devido a possibilidade

dos tribunais os poderem declarar nulos por ilicitude de causa o A admite a sua validade desde que tratem

apenas de aspetos patrimoniais 60 Pode ser designado de diversas formas tais como contrato de convivecircncia contratos de uniatildeo de facto

convenccedilotildees entre conviventes pactos concubinaacuterios Cfr MARTA COSTA ob cit p156 GERALDO ALMEIDA

ob cit p202 RENATO NETO ldquoContrato de Coabitaccedilatildeo na Uniatildeo de Facto Confronto entre o Direito Brasileiro

e Portuguecircsrdquo Livraria Almedina Coimbra 2006 pp 69-70 61 Cfr MARTA COSTA ob cit p157 62 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 84 63 Cfr JOSEacute JOAtildeO GONCcedilALVES DE PROENCcedilA ldquoDireito da Famiacuteliardquo Lisboa Universidade Lusiacuteada Editora 2003

p 34

24

5ordm do projeto de lei nordm 384VII a proposta de uma convenccedilatildeo de uniatildeo de facto64 que

pretendia afastar nesta mateacuteria a incerteza e inseguranccedila juriacutedicas resultantes da LUF natildeo

tendo todavia prosseguido

Por uacuteltimo eacute de ressalvar a diferenccedila notoacuteria que haacute entre os efeitos sucessoacuterios do

casamento e da uniatildeo de facto O estatuto sucessoacuterio do cocircnjuge sobrevivo tem um elevado

grau de proteccedilatildeo comparativamente com a proteccedilatildeo oferecida ao unido sobrevivo uma vez

que o cocircnjuge aleacutem de ser herdeiro legiacutetimo eacute tambeacutem herdeiro legitimaacuterio65 enquanto o

unido sobrevivo natildeo eacute considerado sequer herdeiro do falecido limitando-se a lei a conceder

o direito de exigir alimentos da heranccedila do mesmo (artigo 2020ordm CCiv) Constata-se uma

enorme discrepacircncia de tratamento entre o cocircnjuge sobrevivo e o unido de facto sobrevivo

devendo a posiccedilatildeo deste uacuteltimo ser objeto de atenccedilatildeo pelo legislador nem que seja para

integrar a sucessatildeo legitima numa posiccedilatildeo inferior agrave do cocircnjuge descendentes e

ascendentes66 Tendo isto em conta eacute possiacutevel afirmar-se que atualmente muitos casais

optam pelo instituto do casamento ao inveacutes do instituto da uniatildeo de facto pela proteccedilatildeo que

este concede ao sobrevivo em caso de morte podendo o casamento ser visto de certa forma

como um (quase) contrato sucessoacuterio67 Na praacutetica muitos casais com esta informaccedilatildeo

apesar de natildeo acharem necessaacuterio celebrar casamento no acircmbito social ou cultural optam

por fazecirc-lo devido agrave elevada discrepacircncia existente entre ambos os institutos

FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO68 defende que diante do presente quadro

regulativo natildeo pode por um lado ser recusada liminarmente a possibilidade de aplicaccedilatildeo agrave

uniatildeo de facto das normas pertencentes ao regime do casamento desde que se tratem de

efeitos indiretos ou legais do casamento e de efeitos fundados na simples existecircncia de uma

comunhatildeo de vida Por outro lado levando em conta o atual quadro legislativo natildeo pode ser

64 Prevendo a possibilidade dos membros da uniatildeo de facto celebrarem uma convenccedilatildeo que visava estabelecer

o seu regime de bens a responsabilidade por diacutevidas e o seu regime de administraccedilatildeo de bens Consultaacutevel em

httpswwwpcpptarlegis-7projleipjl384html 65 Isto eacute nos termos do 2132ordm CCiv eacute chamado agrave sucessatildeo mesmo que o falecido natildeo tenha deixado testamento

vaacutelido consta tambeacutem do art 2157ordm CCiv tendo direito a uma porccedilatildeo de bens (a legiacutetima) que o falecido natildeo

pode dispor no seu testamento Cfr OLIVEIRA ASCENSAtildeO ldquoDireito civil Sucessotildeesrdquo Coimbra Editora 5ordf Ed

2000 pp 333 e 353 66 Para mais desenvolvimentos FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da

uniatildeo de facto breves observaccedilotildeesrdquo ob cit pp104-105 67 Cfr FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo ob cit p103 68 Cfr FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo ob cit pp 83-101

25

feita uma geneacuterica aplicaccedilatildeo analoacutegica do regime do casamento O A aleacutem de salvaguardar

que essa aplicaccedilatildeo soacute poderia abranger os referidos efeitos indiretos ou legais do casamento

alega que antes dessa aplicaccedilatildeo teriam de se apurar caso a caso os interesses em causa e a

ratio da norma eventualmente aplicaacutevel e soacute assim se poderia fundar uma aplicaccedilatildeo

analoacutegica Aleacutem do mais alerta para o quadro limitado de efeitos que a nossa lei fixou para

a uniatildeo de facto previsto na LUF o que pode refletir o intuito de impedir uma aplicaccedilatildeo

analoacutegica das normas do casamento de forma irrestrita O A declara que tendo em

consideraccedilatildeo os uacuteltimos desenvolvimentos legislativos na regulaccedilatildeo da uniatildeo de facto e no

casamento69 a diferenccedila que assenta no facto de natildeo haver uma vontade de vinculaccedilatildeo no

plano juriacutedico e da comunhatildeo de vida dos membros da uniatildeo de facto natildeo implicar o

cumprimento de deveres conjugais ficou bastante atenuada Natildeo soacute porque se tem vindo a

assistir a uma desregulaccedilatildeo do casamento em termos imperativos mas tambeacutem pelo Coacutedigo

Civil se limitar a fixar os deveres pessoais dos cocircnjuges e os modos de execuccedilatildeo dos mesmos

natildeo obedecerem a um padratildeo uacutenico Crecirc que se tem vindo a assistir a um progressivo

afrouxamento dos deveres conjugais por estarem esvaziados das normais caracteriacutesticas de

um dever juriacutedico tanto no plano das consequecircncias indemnizatoacuterias como nas resolutoacuterias

Levando-o a concluir que esbatida a base da diferenccedila principal entre os dois institutos

deixou de haver fundamento para a recusa de uma aplicaccedilatildeo analoacutegica agrave uniatildeo de facto de

muitas normas do casamento que estabelecem efeitos indiretos ou laterais de diversa ordem

deixando o casamento de ser necessaacuterio no plano social afetivo cultural ou econoacutemico e

que este soacute subsiste em maior nuacutemero do que a uniatildeo de facto por se tratar de um haacutebito

adquirido pela sociedade e por haver em certos meios uma pressatildeo social e religiosa nesse

sentido70

Por seu turno CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS no acircmbito dos efeitos patrimoniais da

uniatildeo de facto defende que a aplicaccedilatildeo analoacutegica de uma norma pressupotildee a existecircncia de

uma lacuna No entanto entende que natildeo se pode falar em lacuna quando natildeo existe uma

regulamentaccedilatildeo juriacutedica numa dada mateacuteria visto que essa inexistecircncia de regulamentaccedilatildeo

pode ter sido intencional por parte do legislador Podendo tambeacutem ser pretensatildeo do proacuteprio

69 Com as alteraccedilotildees agrave Lei nordm 72001 introduzidas pela Lei nordm 232010 de 30 de agosto no que respeita agrave uniatildeo

de facto e relativamente ao casamento em consequecircncia da profunda reforma operada pela Lei nordm 612008 de

31 de Outubro 70 Cfr FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo ob cit p 102

26

legislador que o seu preenchimento fique a cargo da doutrina e da jurisprudecircncia71 No

entanto julga que a sua integraccedilatildeo deveraacute ser feita por recurso agraves regras gerais e natildeo por

aplicaccedilatildeo do regime do casamento para o qual o legislador natildeo remeteu intencionalmente

A soluccedilatildeo a nosso ver passaria por natildeo se estender agrave uniatildeo de facto os efeitos do

casamento evitando uma intromissatildeo injustificada na escolha que as partes fizeram de natildeo

contraiacuterem casamento No entanto seria importante reforccedilar o regime legal atual natildeo

olvidando os que apesar de optarem por natildeo seguir a via do casamento pretendem uma

proteccedilatildeo mais firme e os que pretendem apenas a coabitaccedilatildeo sem consequecircncias juriacutedicas

Enveredando-se por um caminho que consolide os efeitos juriacutedicos da uniatildeo de facto com

um regime proacuteprio que natildeo se confunda com o do casamento possibilitando aos que

pretendam uma uniatildeo sem consequecircncias juriacutedicas a liberdade de escolha de sujeiccedilatildeo a um

regime legal ou natildeo

71 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDissoluccedilatildeo da uniatildeo de facto ndash Anotaccedilatildeo ao Acoacuterdatildeo do TRG de 2992004

Proc 128904rdquo ob cit pp 74-75

27

4 Constituiccedilatildeo da relaccedilatildeo de Uniatildeo de Facto e os seus efeitos

A uniatildeo de facto constitui-se quando dois sujeitos do mesmo sexo ou de sexo

diferente que tecircm uma relaccedilatildeo passam a viver em comunhatildeo de leito mesa e habitaccedilatildeo

Passando os membros a viver nessas condiccedilotildees e natildeo sendo essa situaccedilatildeo objeto de registo

civil72 ou administrativo ao contraacuterio do que acontece em alguns ordenamentos vizinhos

que mereceratildeo a nossa anaacutelise mais adiante torna-se mais difiacutecil saber de forma exata

quando se iniciou para que seja possiacutevel a partir daiacute contar os dois anos necessaacuterios para

que a situaccedilatildeo de facto produza os efeitos previstos no artigo 3ordm da LUF

Efeitos estes que soacute se produziratildeo se cumulativamente com requisito temporal de

decurso de dois anos natildeo existir nenhum impedimento dirimente ao casamento dos membros

da uniatildeo de facto Eacute a soluccedilatildeo prevista no artigo 2ordm da LUF que reproduz nas suas aliacuteneas

o disposto no artigo 1601ordm e 1602ordm CCiv obstando agrave constituiccedilatildeo de uma uniatildeo de facto

juridicamente protegida impedimentos relacionados com a idade dos companheiros a

existecircncia de uma demecircncia notoacuteria mesmo com intervalos luacutecidos e situaccedilatildeo de

acompanhamento de maior se assim estabelecer a sentenccedila que a haja decretado salvo se

posteriores ao iniacutecio da uniatildeo a ocorrecircncia de casamento anterior natildeo dissolvido exceto se

tiver sido decretada a separaccedilatildeo de pessoas e bens o parentesco na linha reta ou no 2ordm grau

da linha colateral ou afinidade na linha reta e a condenaccedilatildeo anterior de uma das pessoas

como autor ou cuacutemplice por homiciacutedio doloso ainda que natildeo consumado contra o cocircnjuge

do outro Os factos expostos estorvam apenas a produccedilatildeo de efeitos favoraacuteveis da uniatildeo de

facto ou seja a atribuiccedilatildeo de direitos ou benefiacutecios natildeo deveraacute ser intenccedilatildeo do legislador

que a uniatildeo de facto mesmo que afetada por algum dos impedimentos seja considerada

irrelevante juridicamente quando estatildeo em causa interesses legiacutetimos de terceiros ou quando

surjam consequecircncias como a presunccedilatildeo de paternidade relativamente ao homem7374

Em relaccedilatildeo aos efeitos pessoais por natildeo assumirem nenhum compromisso natildeo

estatildeo os membros da uniatildeo de facto vinculados aos deveres conjugais que os artigos 1671ordm

72 Uma vez que natildeo estaacute mencionada no acircmbito do art 1ordm do Coacutedigo do Registo Civil norma que consagra as

situaccedilotildees em que o registo civil eacute obrigatoacuterio no nosso ordenamento juriacutedico 73 Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 141 74 O elenco dos impedimentos agrave produccedilatildeo dos efeitos favoraacuteveis agrave uniatildeo de facto que constam no artigo 2ordm da

LUF foi corrigido e adaptado para evitar uma excessiva ligaccedilatildeo agraves soluccedilotildees postuladas no artigo 1601ordm CCiv

Sobre as correccedilotildees mais detalhadamente cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit pp 141-142

28

e 1672ordm CCiv impotildeem aos cocircnjuges75 Contudo a relaccedilatildeo pessoal que assumem permite-

lhes adotar um filho nos mesmos termos que os cocircnjuges por forccedila do artigo 7ordm da LUF

desde que a relaccedilatildeo dure haacute mais de quatro anos e ambos tiverem mais de 25 anos

independentemente do seu sexo Releva tambeacutem para efeitos de aquisiccedilatildeo de nacionalidade

desde que o estrangeiro que viva em uniatildeo de facto com nacional portuguecircs haacute mais de trecircs

anos e tenha reconhecimento judicial da situaccedilatildeo de facto declare que quer adquirir

nacionalidade portuguesa (artigo 3ordm nordm 3 Lei da Nacionalidade - Lei nordm 3781 de 03 de

Outubro) No que respeita aos filhos nascidos das uniotildees de facto nas accedilotildees de investigaccedilatildeo

de paternidade presume-se a paternidade quando tenha havido comunhatildeo duradoura de vida

entre a matildee e o pretenso pai no periacuteodo legal de concepccedilatildeo por forccedila do artigo 1871ordm CCiv

Quanto ao exerciacutecio das responsabilidades parentais no caso de comunhatildeo duradoura de

vida em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges ou concubinato duradouro o artigo 1911ordm nordm

1 CCiv determina a aplicaccedilatildeo do previsto nos artigos 1901ordm e 1904ordm CCiv que corresponde

ao regime que vigora quando os progenitores satildeo casados Jaacute no caso de dissociaccedilatildeo familiar

o mesmo artigo remete para aplicaccedilatildeo do disposto nos artigos 1905ordm a 1908ordm CCiv normas

atinentes ao divoacutercio separaccedilatildeo de pessoas e bens ou declaraccedilatildeo de nulidade ou anulaccedilatildeo do

casamento Como se pode ver os filhos nascidos de uniatildeo de facto tal como quaisquer outros

nascidos fora do casamento estatildeo equiparados aos nascidos dentro do mesmo por forccedila do

disposto no nordm 4 do artigo 36ordm da CRP76

Como jaacute haviacuteamos referido a uniatildeo de facto natildeo permite a aplicaccedilatildeo de um regime

de bens nem das regras que disciplinam as relaccedilotildees patrimoniais dos cocircnjuges como a

administraccedilatildeo de bens e regime de responsabilidade por diacutevidas sendo de aplicar entre os

unidos o regime geral das relaccedilotildees obrigacionais e reais77 De acordo com as regras do direito

comum cada um dos membros da uniatildeo de facto pode vender bens moacuteveis ou imoacuteveis dar

ou tomar de arrendamento um imoacutevel ou contrair diacutevidas podem entre eles celebrar

contratos de compra e venda de locaccedilatildeo de depoacutesito de comodato de muacutetuo entre outros

pois o artigo 1714ordm CCiv que impede a celebraccedilatildeo de certos contratos entre os cocircnjuges natildeo

eacute aplicaacutevel agraves relaccedilotildees de uniatildeo de facto Acrescem a estes os que expusemos anteriormente

relativamente a esta mateacuteria aquando da distinccedilatildeo entre o regime do casamento e o regime

75 Natildeo estabelecem relaccedilotildees de afinidade com os parentes do outro natildeo podem adotar o apelido um do outro

possibilidade que eacute concedida aos cocircnjuges por virtude do artigo 1677ordm CCiv 76 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 81 77 Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoUniatildeo de Facto em Portugalrdquo obcit p 120

29

da uniatildeo de facto no ponto 31 e ainda sucintamente importa referir como efeito

patrimonial da uniatildeo de facto a extensatildeo a esta do artigo 1691ordm al b) CCiv que prevecirc a

responsabilidade dos cocircnjuges pelas diacutevidas contraiacutedas por qualquer dos cocircnjuges antes ou

depois da celebraccedilatildeo do casamento para ocorrer aos encargos normais da vida familiar

equiparando nesta mateacuteria o conceito de uniatildeo de facto como a comunhatildeo de leito mesa e

habitaccedilatildeo aos casamentos e protegendo a confianccedila de terceiros que com eles contratem e

confiem nessa aparecircncia de vida matrimonial78 A niacutevel patrimonial a uniatildeo de facto atribui

ao unido sobrevivo por forccedila do artigo 2020ordm nordm 1 o direito de exigir alimentos da heranccedila

do falecido poreacutem esse direito caduca se natildeo for exercido nos dois anos posteriores agrave data

da morte do autor da sucessatildeo (nordm 2) e se o alimentado casar iniciar uma relaccedilatildeo de uniatildeo

de facto ou se tornar indigno do benefiacutecio pelo seu comportamento moral por forccedila do nordm 3

do artigo 2020ordm e do artigo 2019ordm CCiv Resta em uacuteltimo lugar dizer que em mateacuteria fiscal

nomeadamente no que respeita ao imposto sobre o rendimento o artigo 3ordm al d) da LUF

torna aplicaacutevel aos membros da uniatildeo de facto o regime atribuiacutedo aos sujeitos passivos natildeo

separados de pessoas e bens nessa mateacuteria

78 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 34

30

5 O problema da prova da coabitaccedilatildeo

51 Consideraccedilotildees gerais

Expostos os efeitos a que a constituiccedilatildeo da uniatildeo de facto daacute origem urge abordar

a problemaacutetica que a este estudo interessa o problema da prova da relaccedilatildeo de uniatildeo de facto

nomeadamente a prova da coabitaccedilatildeo Apesar de natildeo existir como vimos uma exigecircncia de

forma para a constituiccedilatildeo da uniatildeo de facto e prevalecer entre noacutes um modelo faacutectico79-

bastando que se verifiquem os requisitos factuais para que a convivecircncia seja protegida - eacute

exigido aos seus membros que provem a sua convivecircncia se pretenderem beneficiar de

determinados direitos

Ora a opccedilatildeo do legislador tem sido contraacuteria agrave formalizaccedilatildeo da uniatildeo de facto o

que natildeo facilita a demonstraccedilatildeo dos factos exigidos pela lei para aferir a sua relevacircncia

juriacutedica Portanto a dificuldade dessa prova adveacutem natildeo soacute desta relaccedilatildeo natildeo estar sujeita a

nenhum tipo de solenidade ou publicidade na sua constituiccedilatildeo por natildeo implicar a sujeiccedilatildeo

ao registo civil ou administrativo80 mas tambeacutem por natildeo haver em regra uma prova preacute-

constituiacuteda81 diferentemente do que sucede com o casamento estando nas matildeos dos

cocircnjuges a possibilidade de requerer a qualquer momento uma certidatildeo de casamento

A respeito da prova da uniatildeo de facto no acircmbito juriacutedico-civil recorde-se o regime

geral do oacutenus da prova previsto no artigo 342ordm CCiv que atribui a quem pretende invocar

um direito provar os factos que o constituem Isto eacute se um dos membros da uniatildeo de facto

pretender beneficiar da proteccedilatildeo juriacutedica conferida agrave uniatildeo de facto precisaraacute de demonstrar

a realidade dos factos que invoca para preenchimento dos pressupostos estabelecidos Nesta

mateacuteria tambeacutem satildeo aplicaacuteveis as normas gerais do oacutenus da prova a terceiro que pretenda

fundar um direito na uniatildeo de facto recaindo sobre ele o oacutenus de provar os factos que

consubstanciam o direito que alega Porquanto se vecirc que a prova de que se vive numa

79 Cfr ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoA convivecircncia laquomore uxorioraquo um olhar sobre o regime portuguecircs francecircs

e alematildeordquo in Direito Constitucional e o seu papel na construccedilatildeo do cenaacuterio juriacutedico global dir IRENE

PORTELA IPCA 1ordf Ed 2016 p 121 A uniatildeo de facto eacute uma realidade de convivecircncia continuada sem

qualquer forma exigida Natildeo existe a sujeiccedilatildeo a registo da uniatildeo de facto Ou seja a uniatildeo de facto no nosso

sistema natildeo se constitui consolida-se com o tempo ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoUNIAtildeO de facto versus

Casamento ndash Questotildees pessoais e patrimoniaisrdquo Gestlegal 1ordm ed 2019 p 158 80 O que natildeo permite saber com certeza a data a partir da qual se comeccedilam a contar os dois anos necessaacuterios agrave

produccedilatildeo de efeitos 81 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 72

31

situaccedilatildeo anaacuteloga agrave dos cocircnjuges pode revelar-se sinuosa e por isso eacute relevante desenvolver

essa mateacuteria no presente estudo

Nesta senda o artigo 2ordm-A nordm 1 da LUF prevecirc que a prova da uniatildeo de facto se faz

por qualquer meio legalmente admissiacutevel salvo se disposiccedilatildeo legal ou regulamentar exija

prova documental especiacutefica A prova seraacute maioritariamente testemunhal contudo natildeo se

deve excluir a possibilidade de prova documental ao realizar uma interpretaccedilatildeo extensiva

do termo vida previsto no artigo 34ordm nordm 1 do Decreto-Lei nordm 13599 de 22 de Abril que

regula a forma como atestados de residecircncia vida e situaccedilatildeo econoacutemica dos cidadatildeos

devem ser passados pelas Juntas de Freguesia82 Ou ainda como sugerem FRANCcedilA PITAtildeO e

MARTA COSTA mobilizar accedilatildeo judicial de simples apreciaccedilatildeo (ou de mera declaraccedilatildeo)

positiva83 com a qual os membros pretenderiam apenas obter a declaraccedilatildeo da existecircncia de

um facto que assentava na comunhatildeo de cama mesa e habitaccedilatildeo por mais de dois anos84

Contudo esta soluccedilatildeo poderia comportar o risco de ser usada por um dos membros agrave revelia

do outro com vista ao aproveitamento dos efeitos favoraacuteveis da uniatildeo mesmo que esta jaacute

esteja extinta Eacute precisamente por esta razatildeo que NUNO COSTA MAURIacuteCIO85

rejeita o recurso

a esta accedilatildeo pelos unidos Crecirc que natildeo eacute a soluccedilatildeo para a dificuldade da prova da uniatildeo de

facto devido aos problema que podiam advir da falta de controlo judicial da extinccedilatildeo da

uniatildeo de facto que consistiriam na possibilidade de um ou ambos os unidos continuarem a

usufruir de efeitos favoraacuteveis de uma situaccedilatildeo que jaacute se extinguiu

Poderaacute entatildeo fazer-se a prova documental atraveacutes de uma declaraccedilatildeo emitida pela

Junta de Freguesia competente sendo que esse documento deve ser acompanhado da

declaraccedilatildeo de ambos os membros conviventes que sob compromisso de honra afirmam que

vivem em uniatildeo de facto haacute mais de dois anos e da coacutepia das suas certidotildees de nascimento

Poreacutem a veracidade deste documento pode por vezes ser posta em causa e natildeo fazer prova

plena por natildeo se tratar normalmente de facto atestado com base nas perceccedilotildees da entidade

82 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p74 83 Cfr MARTA COSTA ob cit p387 FRANCcedilA PITAtildeO ldquoUniotildees de Facto e Economia Comum de acordo com

a Lei nordm 232010 de 30 de agostordquo obcit p78 84 Tendo os requerentes de tal accedilatildeo de provar natildeo soacute a sua natildeo coabitaccedilatildeo nos termos e condiccedilotildees previstos na

lei bem como a inexistecircncia de qualquer um dos impedimentos previstos no art 2ordm da LUF sob pena de a

decisatildeo judicial natildeo poder produzir nenhum efeito uacutetil Cfr FRANCcedilA PITAtildeO ldquoUniotildees de Facto e Economia

Comum de acordo com a Lei nordm 232010 de 30 de agostordquo obcit pp 78-79 85 Cfr NUNO COSTA MAURIacuteCIO ldquoO pecado mora ao ladordquo Um repensar da problemaacutetica juriacutedica das uniotildees

de facto e das relaccedilotildees patrimoniais entre unidos de facto Tese de Mestrado em Ciecircncias Juriacutedico-Civiliacutesticas

Faculdade De Direito Da Universidade De Coimbra Outubro 2000 p 76

32

documentadora86 Efetivamente o documento soacute prova que os interessados fizeram perante

o funcionaacuterio a afirmaccedilatildeo de que conviviam em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges desde

determinada data todavia natildeo quer dizer que natildeo se possa pocircr em causa a veracidade dessa

afirmaccedilatildeo87 Qualquer interessado pode demonstrar que o facto natildeo eacute verdadeiro por alegar

que a uniatildeo de facto natildeo existiu ou natildeo teve lugar durante o periacuteodo mencionado pelos

declarantes88 Ou seja o disposto no artigo 2ordm-A n ordm1 da LUF traduz-se apenas na

possibilidade que os unidos tecircm de apresentar documentos para demonstrarem os

pressupostos que permitem atribuir relevacircncia juriacutedica agrave uniatildeo de facto pois essa norma natildeo

confere qualquer valor probatoacuterio a tais documentos Posto isto o documento emitido pela

Junta de Freguesia natildeo eacute suficiente para demonstrar a existecircncia da uniatildeo de facto porquanto

a LUF natildeo exige apenas a alegaccedilatildeo de que duas pessoas vivem juntas haacute mais de dois anos

ou que natildeo se verifique nenhum dos impedimentos agrave constituiccedilatildeo da relaccedilatildeo eacute essencial

ainda que provem a sua coabitaccedilatildeo89

O nordm 5 do artigo 2ordm-A adverte tambeacutem para as sanccedilotildees penais que as falsas

declaraccedilotildees poderatildeo causar Como prova documental eacute um meio de prova fraacutegil e suscetiacutevel

de fraude esta norma funciona como advertecircncia que visa promover a conformidade entre

as declaraccedilotildees que os sujeitos fazem e a realidade que por eles eacute vivida esperando que a

ameaccedila da aplicaccedilatildeo de uma sanccedilatildeo penal iniba a alegaccedilatildeo de falsas declaraccedilotildees Tendo em

conta que o interesse da demonstraccedilatildeo dos requisitos que permitem atribuir relevacircncia

juriacutedica agrave situaccedilatildeo de facto eacute com o objetivo de se produzirem factos favoraacuteveis aos

86 Art 371ordm nordm 1 CCiv Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 72 87 Vide neste sentido o Acoacuterdatildeo do TCA Norte de 13-11-2020 proferido no acircmbito do processo nordm

00090151BECBR Natildeo oferece qualquer controveacutersia quer em sede doutrinal quer jurisprudencial que natildeo

sendo arguida a falsidade do documento autecircntico este faz prova plena dos factos praticados pela entidade

documentadora de sorte que tudo o que o documento referir como tendo sido praticado por essa entidade

tudo o que segundo o documento seja obra do seu Autor e bem assim tudo o que tenha sido percecionado

pelo mesmo tem de ser aceite como exato Assim as declaraccedilotildees que constam no documento como tendo sido

feitas perante a entidade documentadora ou seja o declarado perante a uacuteltima e que essa entidade ouviu

atraveacutes dos seus sentidos em consonacircncia com a parte final do nordm 1 do art 371ordm do CC beneficiam da prova

plena inerente agrave forccedila probatoacuteria conferida pelo oficial puacuteblico Deste modo se o presidente de junta consigna

no texto do atestado que a requerente e as referidas testemunhas declararam que ldquo(a) mesmo(a) residia haacute

mais de dois anos com o falecido A seu companheiro(a) ateacute agrave data de oacutebito (hellip)rdquo tem-se como plenamente

provado que essa declaraccedilatildeo foi efetivamente feita perante o presidente de junta de freguesia Mas tatildeo soacute Eacute

que daiacute natildeo decorre que a forccedila probatoacuteria desse atestado respeite a tudo o que nele se conteacutem A verdade

dos factos a que se reportam as declaraccedilotildees emitidas e que constam desse documento autecircntico- no caso o

atestado emitido pelo presidente de junta de freguesia- ficam sujeitas agrave livre apreciaccedilatildeo do julgador 88 Cfr JORGE DUARTE PINHEIRO ob cit p 529 89 Isto eacute que vivem em ldquouniatildeo de factordquo Cfr RITA LOBO XAVIER ldquoEstatuto Privadordquo dos membros da Uniatildeo

De Factordquo obcit p1518 E ainda sobre a importacircncia da coabitaccedilatildeo cfr FRANCcedilA PITAtildeO ldquoOs novos

casamentos ou a crise do casamento tradicional no direito portuguecircs ob cit p66

33

declarantes estaraacute sempre em causa a credibilidade de tais declaraccedilotildees que estaratildeo sujeitas

ao confronto com as demais provas e ao princiacutepio da livre apreciaccedilatildeo da prova90 acabando

por serem mais crediacuteveis as declaraccedilotildees feitas em detrimento dos declarantes91 A norma em

causa pretende apenas facilitar a demonstraccedilatildeo dos factos que satildeo considerados como

pressupostos da atribuiccedilatildeo de relevacircncia juriacutedica agrave uniatildeo de facto uma vez que a lei natildeo

adotou ainda um registo oficial desta relaccedilatildeo Cremos que a intenccedilatildeo do legislador foi libertar

os membros da uniatildeo de facto de terem de obter declaraccedilatildeo judicial para certificar a sua

convivecircncia respeitando a liberdade inerente a quem opta por este tipo de relaccedilatildeo Todavia

este eacute um tema controvertido e vem sido debatido na doutrina a possibilidade de registo da

uniatildeo de facto como forma de conferir publicidade a estas relaccedilotildees findar os problemas

relativos agrave sua prova e de colmatar esta que pode ser considerada uma das lacunas presentes

no regime juriacutedico portuguecircs da uniatildeo de facto Haacute quem entenda que uma vez que a uniatildeo

de facto se trata na maioria das vezes de uma opccedilatildeo de vida de acordo com a autonomia da

vontade de quem por ela optou o legislador deve respeitar essa escolha e intervir apenas se

necessaacuterio legislando somente em alguns aspetos pontuais92 Devendo quanto ao resto

abster-se e confiar na capacidade de autorregulamentaccedilatildeo dos membros da uniatildeo de facto

Neste seguimento o Bloco de Esquerda apresentou o Projeto de Lei n ordm45VIII93

que visava alterar a Lei nordm 13599 de 28 de Agosto Atraveacutes deste projeto apresentou

soluccedilotildees no que diz respeito agrave prova e ao registo da uniatildeo de facto94 sugerindo que o artigo

2ordm-A passasse a tratar da forma como a uniatildeo de facto eacute constituiacuteda que seria atraveacutes de

registo na junta de freguesia da aacuterea de residecircncia das pessoas em uniatildeo de facto ou apoacutes

90 Cfr RITA LOBO XAVIER ldquoA Uniatildeo de Facto e a Lei Civil no Ensino de Francisco Manuel Pereira Coelho e

Legislaccedilatildeo Atualrdquo em Textos de Direito da Famiacutelia para Francisco Pereira Coelho Coimbra Imprensa da

Universidade de Coimbra 2016 p 684 91 Cfr RITA LOBO XAVIER ldquoEstatuto Privadordquo dos membros da Uniatildeo De Factordquo obcit p1519 92 Cfr HEINRICH HOumlRSTER ldquoDireito da Famiacutelia e Poliacutetica Socialrdquo Publicaccedilotildees Universidade Catoacutelica Porto

2001 pp71-72 Segundo este A o legislador adotando uma postura prudente deve apenas legislar quando

estejam em causa interesses de terceiros ou seja da comunidade ou quando haja a necessidade de proteger os

filhos Nestas situaccedilotildees defende que o legislador pode e deve intervir e que quando se trate de legislar em

mateacuteria de uniatildeo de facto espera que seja feito com cuidado e ponderaccedilatildeo 93 Consultaacutevel em

httpswwwparlamentoptActividadeParlamentarPaginasDetalheIniciativaaspxBID=6308 94 No seu art 2ordm previam o aditamento do artigo 2ordmA e 2ordm B art 2ordm-A1 A uniatildeo de facto eacute constituiacuteda a)

Por registo na junta de freguesia da aacuterea de residecircncia das pessoas em uniatildeo de facto ou b) Apoacutes dois anos

em plena comunhatildeo de vida sem necessidade de registo 2 As uniotildees de facto constituiacutedas por registo

conforme a aliacutenea a) do nordm 1 do presente artigo estatildeo imediatamente reguladas pela presente lei Art 2ordm-B

A uniatildeo de facto constituiacuteda por registo eacute dissolvida por vontade de pelo menos um dos seus constituintes

expressa junto aos serviccedilos de registo da junta de freguesia da aacuterea da residecircncia

34

dois anos em plena comunhatildeo de vida sem necessidade de registo passando as uniotildees de

facto constituiacutedas por registo a estar imediatamente reguladas pela LUF sem necessidade

do decurso do prazo de dois anos Este projeto previa tambeacutem no artigo 2ordm-B o registo da

dissoluccedilatildeo junto dos serviccedilos da junta de freguesia atraveacutes da declaraccedilatildeo de pelo menos um

dos unidos O Projeto de Lei n ordm45VIII do BE95 cumpriu os requisitos constitucionais e

regimentais necessaacuterios para ser apreciado pelo plenaacuterio da Assembleia da Reacutepublica

Contudo apoacutes a adoccedilatildeo por parte da Comissatildeo de Assuntos Constitucionais Direitos

Liberdades e Garantias de um texto de substituiccedilatildeo relativo aos projetos nordm 6VII de

iniciativa do partido Os Verdes ao nordm 45VIII do BE e ao nordm 115VII do PCP e apoacutes a

aprovaccedilatildeo com votos favoraacuteveis do PS do PCP e do BE e votos contra do PSD do CDS-

PP e da Deputada Maria do Rosaacuterio Carneiro (PS) relativamente a cada artigo do texto de

substituiccedilatildeo os representantes na Comissatildeo dos Grupos Parlamentares do PCP e do BE bem

como a Srordf Deputada Isabel Castro (Os Verdes) declararam retirar as respetivas iniciativas

legislativas em benefiacutecio do texto de substituiccedilatildeo adotado entrando em vigor a Lei nordm

72001 de 11 de Maio que adotou medidas de proteccedilatildeo das uniotildees de facto Vigorando com

as subsequentes alteraccedilotildees ateacute aos dias de hoje

Conveacutem frisar que a questatildeo do registo da uniatildeo de facto pode ser encarada como

incompatiacutevel com a proacutepria natureza informal da uniatildeo de facto Desde logo NUNO COSTA

MAURIacuteCIO defende que subjacente agrave necessidade do registo reside sempre uma ideia de

certeza juriacutedica a qual transportada para o acircmbito da uniatildeo de facto vai implicar que a sua

prova nunca possa ser feita atraveacutes de uma declaraccedilatildeo unilateral da parte interessada tendo

de passar por uma acreditaccedilatildeo um crivo de publicidade que traraacute consigo e proporcionaraacute a

terceiros a certeza juriacutedica de que aquelas duas pessoas vivem em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos

cocircnjuges96 Poreacutem acredita que apesar das vantagens da certeza e seguranccedila juriacutedicas

inerentes ao instituto do registo as desvantagens se afloram maiores Em virtude de no que

respeita aos elementos constitutivos da uniatildeo de facto onde o essencial eacute estar-se perante

uma convivecircncia estaacutevel e duradoura semelhante agrave dos cocircnjuges natildeo deve bastar o facto de

duas pessoas se dirigirem a uma conservatoacuteria de registo ou a outra entidade puacuteblica e

declararem viver em uniatildeo de facto sem se apurar a autenticidade dessas declaraccedilotildees

95 Bem como os projetos de lei nordm 6VIII da iniciativa do Partido Ecologista Os Verdes o nordm 105VIII da

iniciativa do Partido Socialista e o nordm 115VIII da iniciativa do Partido Comunista Portuguecircs 96 Cfr NUNO COSTA MAURIacuteCIO ldquoO pecado mora ao ladordquo ob cit p 81

35

Acrescenta ainda que ao fazerem depender a eficaacutecia juriacutedica da uniatildeo de facto da sua

inscriccedilatildeo no registo tornando ineficazes as uniotildees que natildeo estivessem inscritas estariam a

forccedilar os unidos que optaram por esta forma de convivecircncia exatamente para dispensar

qualquer formalidade a inscrever a sua relaccedilatildeo O que se traduziria numa adulteraccedilatildeo da

intencionalidade e natureza da uniatildeo de facto Ou mesmo que se configurasse um registo

livre e voluntaacuterio quem preferisse a natildeo inscriccedilatildeo natildeo teria acesso a um regime legal de

proteccedilatildeo da uniatildeo de facto ficando agrave margem da lei o que geraria uma nova discriminaccedilatildeo

Nota por uacuteltimo que a inscriccedilatildeo das uniotildees de facto se iria traduzir na prestaccedilatildeo de

consentimento a uma relaccedilatildeo de facto por parte dos dois sujeitos e assim sendo poderia

estar-se perante um novo tipo de casamento ainda que se trate de um casamento de segundo

grau97 Tal consideraccedilatildeo iria contra o espiacuterito de liberdade e natildeo formalismo que preside agrave

uniatildeo de facto98 Depreendendo que devido agraves desvantagens inerentes ao registo a

dificuldade da prova da uniatildeo de facto seria mais facilmente superada se se permitisse aos

unidos de facto ao abrigo do princiacutepio da livre disponibilidade convencionar as

regulamentaccedilatildeo das suas relaccedilotildees99

De outra banda MARTA COSTA considera que se fosse instituiacutedo o registo

obrigatoacuterio para que os conviventes pudessem beneficiar da tutela legislativa prevista as

dificuldades que advecircm da prova da uniatildeo de facto ficariam diminuiacutedas e sairiam

privilegiadas a seguranccedila juriacutedica e a liberdade dos conviventes que poderiam decidir se

pretendiam ser legislativamente tutelados ou se optariam por uma relaccedilatildeo meramente

factual Realccedila ainda que a instituiccedilatildeo do registo transformaria a uniatildeo de facto em relaccedilatildeo

de direito num instituto juriacutedico formal ainda que a sua tutela fosse diminuta100 Durante a

sua anaacutelise aproveita para refutar algumas das desvantagens que NUNO COSTA MAURIacuteCIO

aponta agrave inscriccedilatildeo da uniatildeo de facto no registo Primeiramente em relaccedilatildeo agrave dificuldade de

apurar a veracidade das declaraccedilotildees dos unidos a A crecirc que depende da opccedilatildeo legislativa

97 Atentando-se agrave diferenccedila de grau no que diz respeito ao nuacutemero de efeitos juriacutedicos que cada um produz

Cfr NUNO COSTA MAURIacuteCIO ldquoO pecado mora ao ladordquo ob cit p82 98 Eacute na procura do momento da conciliaccedilatildeo entre a autoridade e liberdade e entre o puacuteblico e o privado que

residem os fundamentos das intervenccedilotildees legislativas no acircmbito das relaccedilotildees juriacutedico-familiares que devem

repousar ou fundamentos de poliacutetica legislativa relativos agrave atribuiccedilatildeo de efeitos de direito agrave uniatildeo de facto

(hellip) e estaacute na base das intervenccedilotildees legislativas feitas em alguns paiacuteses e nas exigecircncias feitas pela doutrina

noutros com vista agrave definiccedilatildeo de um estatuto juriacutedico da uniatildeo de facto Cfr GERALDO DA CRUZ ALMEIDA

ob cit pp 185-193 99 Cfr NUNO COSTA MAURIacuteCIO ldquoO pecado mora ao ladordquo ob cit p83 100 Cfr MARTA COSTA ob cit p 394

36

Isto eacute se com a obrigatoriedade do registo o legislador decidir que a tutela da relaccedilatildeo fique

dependente da duraccedilatildeo da mesma esta duraccedilatildeo pode contar-se apoacutes o registo ou exigir-se o

decurso da mesma para que os conviventes possam inscrever a relaccedilatildeo no registo mantendo-

se a dificuldade de determinar o seu iniacutecio Se por outro lado a tutela da convivecircncia natildeo

ficar dependente da sua duraccedilatildeo natildeo teraacute de haver uma convivecircncia preacutevia podendo duas

pessoas que queiram conviver dirigirem-se a uma entidade competente e registar a

convivecircncia que podia jaacute existir ou iniciar-se nesse momento101 Relativamente ao facto de

os unidos que optaram pela uniatildeo de facto para se eximirem de qualquer formalidade se

verem obrigados a proceder ao registo da sua relaccedilatildeo para evitar que a sua uniatildeo seja

inexistente a A discorda afirmando que os unidos natildeo se veriam forccedilados a proceder ao

registo podendo preferir manter uma verdadeira uniatildeo de facto agrave qual continuariam a ser

atribuiacutedos ainda que poucos alguns direitos e deveres102 face agrave nossa ordem juriacutedica

defendendo que a obrigatoriedade do registo ao lado do instituto do casamento e da relaccedilatildeo

puramente de facto serviria melhor os interesses de uma sociedade pluralista103 A A

diverge ainda da ideia imputada pelo A de representar uma discriminaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos

conviventes que optem pela natildeo inscriccedilatildeo por natildeo beneficiarem do regime de proteccedilatildeo da

uniatildeo de facto No seu entendimento eacute antes o reflexo do respeito pela escolha dos unidos

de manterem a sua uniatildeo verdadeiramente factual Remata a sua apreciaccedilatildeo afirmando que

o que vai contra o espiacuterito de liberdade que preside agrave uniatildeo de facto natildeo eacute a prestaccedilatildeo de

consentimento a uma relaccedilatildeo de facto por parte dos unidos mas antes a aplicaccedilatildeo automaacutetica

de um regime juriacutedico aos conviventes ainda que pouco densificado aditando que a

instituiccedilatildeo do registo obrigatoacuterio proporcionaria vaacuterias possibilidades que dependeriam da

real vontade dos interessados

101 Cfr MARTA COSTA ob cit p 396 102 Cfr MARTA COSTA ob cit p 397 103 Cfr MARTA COSTA ob cit p 398

37

52 Comparaccedilatildeo com o regime de outros ordenamentos juriacutedicos na Uniatildeo

Europeia

De forma a completar o raciociacutenio ateacute aqui apresentado cumpre agora uma sucinta

anaacutelise do regime juriacutedico da uniatildeo de facto em vigor em alguns ordenamentos juriacutedicos

europeus bem como outras figuras que advieram da jurisdicionalizaccedilatildeo da convivecircncia more

uxorio104 Assim importa primeiramente discorrer umas breves notas sobre o regime geral

previsto em cada um dos ordenamentos particularmente no que respeita agrave constituiccedilatildeo da

uniatildeo de facto aos seus efeitos e o seu regime de prova para que possamos posteriormente

expor as nossas conclusotildees e possiacutevel proposta de soluccedilatildeo

521 Espanha

Jaacute em 1986 EDUARDO ESTRADA ALONSO refletia sobre o conceito juriacutedico da uniatildeo

de facto em Espanha definindo o conceito de unioacuten extramatrimonial como uma

convivecircncia diaacuteria que eacute desenvolvida habitualmente pelos casamentos de forma estaacutevel e

duradoura sugerindo que o prazo miacutenimo deveria ser de cinco anos para que pudessem ser

consideradas pelo Direito Admite que essa convivecircncia natildeo seja necessariamente no sentido

da coabitaccedilatildeo mas no sentido de que haja pelo menos uma vontade de estar juntos a fim de

evitar que as separaccedilotildees temporaacuterias e involuntaacuterias ndash por motivos profissionais ndash impeccedilam

a produccedilatildeo dos efeitos juriacutedicos pretendidos por essas uniotildees Entende que eacute uma uniatildeo que

dispensa qualquer formalidade para ser constituiacuteda e que implica o cumprimento espontacircneo

sem obrigaccedilatildeo juriacutedica dos deveres conjugais por parte dos membros devendo ser uma

relaccedilatildeo monogacircmica onde haacute a manutenccedilatildeo de relaccedilotildees sexuais sem exigecircncia que

procriem105

Apesar de em Espanha natildeo se encontrar definido o conceito juriacutedico de famiacutelia nem

se as uniotildees de facto se enquadram nesse conceito o Tribunal Constitucional Espanhol tem

vindo a pronunciar-se sobre essa sua inclusatildeo ou natildeo no artigo 391 da Constituiccedilatildeo

Espanhola106 Em 1990 na sentenccedila nordm 1841990 de 15 de Novembro107 o TCE defendeu

104 Expressatildeo usada para caracterizar uma convivecircncia semelhante agrave do marido e mulher ou seja segundo os

costumes matrimoniais 105 Cfr EDUARDO ESTRADA ALONSO ob cit pp 52-73 106 1 Los poderes puacuteblicos aseguran la proteccioacuten social econoacutemica y juriacutedica de la familia Constituiccedilatildeo

Espanhola consultaacutevel em

httpswwwtribunalconstitucionalesestribunalnormativaNormativaCEportuguC3A9spdf 107 Sobre a importacircncia desta sentenccedila cfr JUAN FORNEacuteS ldquoMatrimonio y uniones de hechordquo Ius Canonicum

XL n ordm80 2000 p 404

38

que este tipo de convivecircncia natildeo encontrava previsatildeo no artigo 391 da Constituiccedilatildeo

Espanhola sugerindo que este artigo estava reservado agrave proteccedilatildeo da famiacutelia num ambiente

marital e pela existecircncia de filhos natildeo obstante as parejas de hecho poderem ser protegidas

constitucionalmente atraveacutes da mobilizaccedilatildeo do artigo 101 que postula o direito ao

desenvolvimento da personalidade108 Contrariamente o magistrado GIMENO SENDRA do

TCE sustentou num voto particular nessa sentenccedila a diferenciaccedilatildeo entre a famiacutelia e o

casamento afirmando que a constituiccedilatildeo espanhola previa duas situaccedilotildees distintas o artigo

391 consagrava a proteccedilatildeo da famiacutelia e o artigo 321109 previa a defesa do matrimoacutenio assim

protegendo o artigo 391 no solo a la famiacutelia como institucioacuten juriacutedica sino tambieacuten la

familia como realidad natural por lo que junto a la familia matrimonial tambieacuten han de

merecer proteccioacuten constitucional las denominadas uniones conyugales de hecho110 Em

1992 nesta mesma linha de pensamento na sentenccedila nordm 22292 de 11 de Dezembro o TCE

salientou que o artigo 39 da Constituiccedilatildeo Espanhola protege natildeo soacute a famiacutelia matrimonial

mas tambeacutem a natildeo matrimonial e assim as relaccedilotildees de convivecircncia constituiriam relaccedilotildees

familiares independentemente de terem filhos ou natildeo cabendo no acircmbito de incidecircncia

desse artigo Posteriormente em 28 de Fevereiro de 1994 na sentenccedila nordm 6694 o mesmo

tribunal voltou ao entendimento sufragado em 1990 defendendo a natildeo equivalecircncia entre

casamento e uniatildeo de facto para efeitos do artigo 39 Por fim este entendimento foi reiterado

na sentenccedila nordm 3998 de 17 de Fevereiro de 1998 e a 17 de Junho de 1999 com a sentenccedila

nordm 11699111 foi aceite a posiccedilatildeo defendida pela magistrado GIMENO SENDRA Assim

determinou o Tribunal Constitucional Espanhol que o artigo 391 natildeo identifica que a famiacutelia

que visa proteger eacute a que tem origem no casamento existindo outras modalidades de vida

familiar a par do casamento que refletem una sociedad plural Aleacutem da jurisprudecircncia

tambeacutem a doutrina tem divergido sobre a amplitude de aplicaccedilatildeo deste preceito

constitucional Atualmente o entendimento maioritaacuterio parece estar mais favoraacutevel agrave

inclusatildeo da convivecircncia more uxorio no artigo 391112

108 Tal como recorde-se eacute defendido em Portugal por alguns autores 109 1 El hombre y la mujer tienen derecho a contraer matrimonio con plena igualdad juriacutedica 110 Cfr MARTA COSTA ob cit p 111 111 Cfr JUAN FORNES ob cit p403 112 Cfr JOSEacute RAMOacuteN DE VERDA Y BEAMONTE ldquoLa Ley 52012 de 15 de octubre de uniones de hecho

formalizadas de la Comunidad Valencianardquo Rev boliv de derecho nordm 19 enero 2015 p 772 El precepto

habla de ldquofamiliardquo y no de ldquofamilia legiacutetimardquo (o ldquomatrimonialrdquo) por lo que la proteccioacuten que el precepto

otorga a la familia no debe identificarse necesariamente con la que tiene origen en el matrimonio el cual se

39

Ora diferentemente do que sucede em Portugal o legislador espanhol natildeo se

ocupou de regular de forma uniforme o regime da uniatildeo de facto113 Ao inveacutes as

comunidades autoacutenomas espanholas no acircmbito das suas competecircncia legislativas114

adotaram ainda que de forma distinta regras proacuteprias que regulam este tipo de convivecircncia

natildeo matrimonial Desde logo a maioria qualifica a convivecircncia more uxorio como relaccedilatildeo

familiar Pode ler-se na Ley Foral 62000 de 3 de julio da Comunidade Foral de Navarra

ora revogada115 no seu artigo 2 que ningueacutem pode ser discriminado em razatildeo do grupo

familiar de que faz parte quer seja proveniente de filiaccedilatildeo casamento ou uniatildeo de duas

pessoas que convivam em relaccedilatildeo afetiva semelhante independentemente da sua orientaccedilatildeo

sexual Esta disposiccedilatildeo foi reproduzida por leis de outras Comunidades como as Astuacuterias

Extremadura e Andaluzia116 Contrariamente outras comunidades como as Ilhas Baleares

natildeo as qualificam dessa forma No artigo 3 da Ley 182001 de 19 de diciembre prevecirc-se

que a formaccedilatildeo de uniatildeo de facto natildeo gere relaccedilatildeo de parentesco entre cada um de seus

membros e os familiares do outro Contudo na exposiccedilatildeo de motivos da dita lei eacute chamado

agrave colaccedilatildeo o artigo 391 da constituiccedilatildeo espanhola em nome da proteccedilatildeo social econoacutemica e

juriacutedica da famiacutelia indicando que essa norma natildeo visa proteger apenas um modelo de

famiacutelia sendo necessaacuterio fazer uma interpretaccedilatildeo ampliada desse conceito de acordo com a

realidade social A exposiccedilatildeo de motivos estabelece ainda que o artigo 32 ao prever o direito

de contrair matrimoacutenio tambeacutem prevecirc o direito a natildeo o fazer o que natildeo prejudica o direito

de todos os homens e mulheres de constituir por meio de uma uniatildeo efetiva e estaacutevel uma

comunhatildeo de vida que com ou sem filhos implique a constituiccedilatildeo de uma famiacutelia

regula en un precepto especiacutefico (art 32 CE) y en capiacutetulo diverso No mesmo sentido LUIS PEacuteREZ

FERNAacuteNDEZ ldquoLas Uniones Extramatrimoniales En Espantildea iquestEs Necesaria Su Regulacioacutenrdquo in Revista Juriacutedica

de Astuacuterias nordm 40 2017 p162 En nuestros diacuteas tanto matrimonio como la unioacuten extramatrimonial pueden

constituir una familia y estaacuten amparados por la misma proteccioacuten social econoacutemica y juriacutedica del artiacuteculo

391 de la Constitucioacuten espantildeola cuyo tenor literal establece laquoLos poderes puacuteblicos aseguran la proteccioacuten

social econoacutemica y juriacutedica de la familiaraquo 113 Ou concubinato parejas de hecho parejas cohabitantes uniones de hecho uniones libres convivencias

no matrimoniales matrimonios laquosin papelesraquo convivencias prenupciales () CfrGERARDO MEIL

LANDWERLIN ldquoLas uniones de hecho en Espantildeardquo Madrid Centro de Investigaciones Socioloacutegicas 2003 p

26 114 Cfr MARTA COSTA ob cit p 349 115 Lei original consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2000-16373 modificada e

atualizada pela Ley Foral 212019 de 4 de abril consultaacutevel em httpswwwboeeselies-

nclf2019040421 116 Respetivamente Ley 42002 de 23 de mayo de Parejas Estables Ley 52003 de 20 de marzo de parejas

de hecho de la Comunidad Autoacutenoma de Extremadura Ley 52002 de 16 de diciembre de Parejas de Hecho

40

Ademais assiste-se a uma coexistecircncia entre uniones extramatrimoniales

formalizadas e as puramente faacutecticas117 o que se reflete nos meios probatoacuterios No

ordenamento juriacutedico espanhol satildeo aceitaacuteveis todos os meios de prova que sejam admitidos

nos termos gerais do direito A exigecircncia da aparecircncia externa da convivecircncia entre unidos

de facto tem estreita relaccedilatildeo com a prova da mesma mostrando-se a jurisprudecircncia flexiacutevel

ao considerar suficientes para esse efeito as declaraccedilotildees dos conviventes ou seja a prova

testemunhal sem que documentos de caraacuteter administrativo a possam pocircr em causa As

disposiccedilotildees do acircmbito estatal natildeo precisam os requisitos pessoais nem as formas de

constituiccedilatildeo da uniatildeo de facto118 Jaacute no que toca ao direito regional prevalece a diversidade

havendo leis que admitem todos os meios de prova e outras que sendo mais restritivas

requerem o registo obrigatoacuterio Um exemplo de lei que admite qualquer meio de prova

admissiacutevel no direito eacute a Ley 42002 de 23 de mayo do principado das Astuacuterias119 A

Comunidade de Andaluzia prevecirc a possibilidade da declaraccedilatildeo de vontade de constituir uma

pareja de hecho mediante el otorgamiento de escritura puacuteblica o por cualquier otro medio

de prueba admisible en Derecho120 Jaacute comunidades como Extremadura121 Ilhas Baleares122

Cantaacutebria123 e Paiacutes Vasco124 exigem a inscriccedilatildeo das uniotildees de facto no registo para a sua

constituiccedilatildeo e por conseguinte como forma de provar a relaccedilatildeo Na comunidade de

Aragatildeo125 prevecirc-se a inscriccedilatildeo da relaccedilatildeo no registo administrativo podendo provar-se a

existecircncia da relaccedilatildeo se natildeo houver escritura puacuteblica por qualquer meio de prova admitido

no direito

117 Cfr NATALIA ALVAREZ LATA ldquoLas Parejas De Hecho Perspectiva Jurisprudencialrdquo Derecho Privado y

Constitucioacuten nordm 12 enero- diciembre 1998 p 15 118 Para mais desenvolvimentos no acircmbito de normas estatais cfr MARTA COSTA ob cit p 388 119 Art 3 n ordm3 La existencia de pareja estable o el transcurso del antildeo de convivencia podraacuten acreditarse

atraveacutes de cualquier medio de prueba admitido en Derecho

Consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2002-13017 120 Art 5 nordm 3 Consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2003-771 121 Art 4 da Ley 52003 de 20 de marzo consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-

2003-9450 122 Art1 nordm2 da Ley 182001 de 19 de diciembre consultaacutevel em

httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2002-917ampa=aamporden=conterefpost 123 Art 5 da Ley 12005 de 16 de mayo consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2005-

9402 124 Art 3 e 4 da Ley 22003 de 7 de mayo consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-

2011-18545 125 Ley 61999 de 26 de marzo derrogada pelo Decreto Legislativo 12011 de 22 de marzo consultaacutevel em

httpswwwboeesbuscardocphpid=BOA-d-2011-90007

41

Apoacutes a anaacutelise das soluccedilotildees que as comunidades autoacutenomas apresentam eacute de notar

a diversidade de caminhos que sugerem e que satildeo desconhecidos ao direito portuguecircs pelo

menos para jaacute

522 Franccedila

Tal como sucede em Espanha o ordenamento juriacutedico francecircs natildeo contempla uma

definiccedilatildeo de famiacutelia nem em termos constitucionais nem no Code Civil ou Code de la

Familie Tradicionalmente a doutrina tem vindo a definir famiacutelia como o grupo de pessoas

que estatildeo ligados por laccedilos fundados essencialmente pelo casamento e parentesco126 As

relaccedilotildees de concubinage natildeo cabem em princiacutepio neste conceito127 Poreacutem atualmente a

natureza familiar dos laccedilos criados pelo PACS tem sido questionada e ao receber resposta

afirmativa por parte da jurisprudecircncia eacute possiacutevel perceber-se que estaacute em curso uma

modificaccedilatildeo no que respeita agrave noccedilatildeo de famiacutelia apresentando-se cada vez menos riacutegida128

No Tiacutetulo XII no Code Civil encontramos as duas figuras que ocuparatildeo agora a

nossa anaacutelise o pacte civil de solidariteacute e le concubinage129 Em primeiro lugar o artigo

515-2 define o PACS como o contrato celebrado por duas pessoas singulares maiores de

idade do mesmo sexo ou de sexo diferente para organizarem a sua vida em comum Le

concubinage eacute definido pelo artigo 515-8 como uma uniatildeo de facto caracterizada por uma

vida comum de estabilidade e continuidade entre duas pessoas de sexo diferente ou igual

que vivem como um casal130 Importa frisar que esta relaccedilatildeo deve dispor alguns elementos

constitutivos que a possam qualificar como tal131 Entre os elementos suscetiacuteveis de

126 Por sua vez o Institut National De La Stastistique et des Etudes Economiques define que une famille est la

partie dun meacutenage comprenant au moins deux personnes et constitueacutee soit dun couple vivant au sein du

meacutenage avec le cas eacutecheacuteant son ou ses enfant(s) appartenant au mecircme meacutenage soit dun adulte avec son ou

ses enfant(s) appartenant au mecircme meacutenage (famille monoparentale)

Pour quune personne soit enfant dune famille elle doit ecirctre ceacutelibataire et ne pas avoir de conjoint ou denfant

faisant partie du mecircme meacutenage Consultaacutevel em httpswwwinseefrfrmetadonneesdefinitionc1465 127 Cfr ALAIN BENABENT lsquorsquoDroit de la famillersquorsquo LGDJ 4ordm ed 2018 p15 128 Idem 129Consultaacutevel

emhttpswwwlegifrancegouvfrcodessection_lcLEGITEXT000006070721LEGISCTA000006118360

LEGISCTA000006118360 130 O que implica certas consequecircncias legais para os indiviacuteduos que escolheram esta forma de conjugalidade

em oposiccedilatildeo ao casamento Enquanto o casal surgido do casamento estaacute sujeito a um conjunto de regras que

formam um estatuto natildeo existe um estatuto de coabitaccedilatildeo mesmo que a coabitaccedilatildeo seja marcada pela adesatildeo

contiacutenua agraves regras aplicaacuteveis aos cocircnjuges JACQUELINE RUBELLIN-DEVICHI ldquoDroit de la famillerdquo Paris

Dalloz 2001 XXXVII p 373 131 Cfr GERARD GOLDSTEIN lsquorsquoLa cohabitation hors mariage en droit international priveacutersquorsquo in Recueil des Cours

ndash Collected Courses Of The Hague Academy Of Internation Law Tomo 320 Martinus Nijhoff Publishers

2006 p 95

42

caracterizar como concubinage haacute alguns que consoante o caso satildeo particularmente

necessaacuterios em detrimento de outros Le concubinage natildeo se baseia apenas em relaccedilotildees

estaacuteveis e contiacutenuas que envolvem uma comunhatildeo de vida com coabitaccedilatildeo Aleacutem de haver

uma comunhatildeo de casa eacute ainda necessaacuterio que haja uma comunhatildeo de leito ou seja que

exista a manutenccedilatildeo de relaccedilotildees sexuais tal como no nosso ordenamento juriacutedico Aleacutem do

mais eacute importante que seja puacuteblica isto eacute conhecida por terceiros132

Quanto ao regime legal do concubinage este eacute inexistente Os efeitos do casamento

natildeo satildeo aplicaacuteveis agrave relaccedilatildeo de uniatildeo de facto no ordenamento juriacutedico francecircs A situaccedilatildeo

vivenciada pelos conviventes difere da dos cocircnjuges tanto do ponto de vista patrimonial

como do ponto de vista extrapatrimonial nomeadamente no que respeita aos direitos e

deveres conjugais previstos nos artigos 212ordm a 226ordm Code Civil133 Estes natildeo satildeo extensiacuteveis

aos membros da uniatildeo de facto pois a sua comunhatildeo de vida assenta num facto e nunca num

dever Independentemente da duraccedilatildeo da relaccedilatildeo os membros da uniatildeo de facto permanecem

juridicamente estranhos um ao outro natildeo gerando qualquer estado civil nem a possibilidade

de adotarem o nome do outro A situaccedilatildeo de facto estaacute no acircmbito pessoal isenta de qualquer

tipo de regulamento especiacutefico sendo regulada essencialmente pelo direito comum

Possibilitando que a sua rutura seja mais simples podendo qualquer dos membros pocircr fim agrave

relaccedilatildeo a todo o momento134 No tocante a efeitos patrimoniais natildeo existem efeitos diretos

ligados agrave uniatildeo de facto e natildeo haacute norma semelhante ao artigo 220ordm Code Civil135

relativamente ao regime do concubinage responsabilizando solidariamente os membros

pelas diacutevidas do outro No acircmbito fiscal os unidos declaram os seus rendimentos

separadamente sendo considerados individualmente Ao contraacuterio do casamento natildeo haacute o

dever de assistecircncia entre os conviventes e a existir eacute inteiramente voluntaacuterio Como foi

dito sem ser o regime primaacuterio natildeo existe um regime entre os conviventes como existe no

132 Atualmente natildeo eacute necessaacuteria a diferenccedila de sexos para que se possa qualificar a relaccedilatildeo como concubinage

sendo considerado da mesma forma quer se trate de pessoas do mesmo sexo ou de sexo diferente art 515-8

do Code Civil Para mais desenvolvimentos quanto aos elementos caracterizadores cfr JACQUELINE

RUBELLIN-DEVICHI ob cit p 375 133 Cfr BRIGITTE HESS-FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HELENE HESS ldquoDroit de la famillerdquo

ParisSirey DL 2009 XII p89 134 Cfr JACQUELINE RUBELLIN-DEVICHI ob cit p 391 135 1ordf parte Chacun des eacutepoux a pouvoir pour passer seul les contrats qui ont pour objet lentretien du meacutenage

ou leacuteducation des enfants toute dette ainsi contracteacutee par lun oblige lautre solidairement Cfr JEAN

CARBONNIER ob cit p 671

43

casamento Surgindo assim a tentativa de desenvolver na Franccedila inspirada por outros

ordenamentos os contratos de coabitaccedilatildeo que devem reger apenas aspetos patrimoniais

Contudo surgiram duacutevidas sobre a validade deste tipo de contratos no acircmbito do

direito francecircs Consideradas individualmente as claacuteusulas relativamente a aspetos

patrimoniais poderiam ser consideradas vaacutelidas todavia analisando a sua dinacircmica em

conjunto poderia tornar o contrato iliacutecito por dar forccedila obrigatoacuteria a uma espeacutecie de

casamento privado violando o monopoacutelio do Estado em mateacuteria de casamento136 A

permissatildeo de existecircncia destes contratos eacute excecional visto que a partir de 1999 os membros

da uniatildeo de facto puderam convencionar a sua relaccedilatildeo como entendiam atraveacutes do Pacto

Civil de Solidariedade

A prova do concubinage pode ser feita pelos membros ou por terceiros

Contrariamente ao que acontece no casamento em que os cocircnjuges podem facilmente provar

o seu estado civil atraveacutes da sua certidatildeo de casamento lavrada oficialmente pelo funcionaacuterio

do registo civil os conviventes natildeo dispotildeem de nenhuma prova preacute-constituiacuteda No entanto

por se tratar de um facto juriacutedico pode ser provado por qualquer meio de prova admissiacutevel

pelo direito nos termos gerais designadamente atraveacutes de certificados documentos

declaraccedilotildees de honra e ainda com o recurso agrave prova testemunhal137 A sua prova natildeo gera

em princiacutepio grande dificuldade para os membros dado que os organismos que exigem a

prova dessa convivecircncia impotildeem requisitos razoaacuteveis Caso diferente eacute a prova da

convivecircncia por terceiros que podem ver essa possibilidade limitada pelo direito agrave vida

privada do convivente por forccedila dos artigos 9 do Code Civil138 e 8ordm da CEDH139

O pacte civil de solidariteacute conhecido como PACS foi criado a 15 de novembro de

1999 pela lei nordm 99-944 contudo o atual conteuacutedo e estrutura do PACS natildeo eacute o que foi

inicialmente previsto pela referida lei devido agrave grande reforma que sofreu em 2006140 A

criaccedilatildeo deste instituto deveu-se essencialmente agrave necessidade dos casais do mesmo sexo

obterem reconhecimento puacuteblico da sua relaccedilatildeo visto que em 1999 soacute os casais

136 Cfr JEAN CARBONNIER ob cit p681 137 Cfr JACQUELINE RUBELLIN-DEVICHI ob cit p 389 MARTA COSTA ob cit p 390 BRIGITTE HESS-

FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HELENE HESS ob cit p 91 JEAN CARBONNIER ob cit

p775 138 Art 9 do Code Civil 1ordf parte Chacun a droit au respect de sa vie priveacutee 139 Cfr JACQUELINE RUBELLIN-DEVICHI ob cit p 387 MARTA COSTA ob cit p 390 140 Cfr ALBANA METAJ - STOJANOVA ldquoFrench Civil Partnership Contract (Pacs)rdquo South East European

University Vol 14 n ordm1 2019 p 136

44

heterossexuais poderiam optar pelo casamento ou pelo concubinage restando aos casais

homossexuais a uacuteltima alternativa141 Aleacutem disto o PACS veio igualmente satisfazer as

necessidades dos casais heterossexuais que pretendiam regular contratualmente a sua

relaccedilatildeo mas sem formalismo na sua constituiccedilatildeo permitindo-lhes organizar a sua vida

conjunta ndash podendo tratar-se por vezes de um ldquoensaiordquo para um futuro casamento ndash e em

caso de dissoluccedilatildeo evitar os procedimentos inerentes ao divoacutercio que podem ser longos e

dispendiosos142

Este instituto natildeo deve ser confundido nem com o casamento nem com o

concubinage143 O PACS tem bastante adesatildeo144 precisamente por se diferenciar do

casamento em alguns aspetos embora apresentem vaacuterias semelhanccedilas contratualmente o

primeiro natildeo se coaduna com a regulaccedilatildeo da vida familiar e dos filhos apenas a vida do

casal

141 Apenas a 17 de maio de 2013 com a lei 2013-404 foi garantida a possibilidade do casamento entre pessoas

do mesmo sexo 142 Cfr BRIGITTE HESS-FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HELENE HESS ob cit p78 143 Neste sentido sobre as diferenccedilas entre cada um destes trecircs regimes em concreto sobre a diferenccedila de

tratamento para atribuiccedilatildeo de pensatildeo de sobrevivecircncia vide Decisatildeo nordm 2011-155 QPC do Conseil

Constitutionnel de 29-07-2011 5 Consideacuterant en premier lieu que le concubinage est deacutefini par le seul

article 515-8 du code civil comme laquo une union de fait caracteacuteriseacutee par une vie commune preacutesentant un

caractegravere de stabiliteacute et de continuiteacute entre deux personnes de sexe diffeacuterent ou de mecircme sexe qui vivent en

couple raquo quagrave la diffeacuterence des eacutepoux les concubins ne sont leacutegalement tenus agrave aucune solidariteacute financiegravere

agrave leacutegard des tiers ni agrave aucune obligation reacuteciproque 6 Consideacuterant en deuxiegraveme lieu quen vertu de larticle

515-4 du code civil les partenaires lieacutes par un pacte civil de solidariteacute laquo sengagent agrave une vie commune ainsi

quagrave une aide mateacuterielle et une assistance reacuteciproques raquo que laquo si les partenaires nen disposent autrement

laide mateacuterielle est proportionnelle agrave leurs faculteacutes respectives raquo quen outre ils sont laquo tenus solidairement

agrave leacutegard des tiers des dettes contracteacutees par lun deux pour les besoins de la vie courante raquo quainsi

contrairement aux personnes vivant en concubinage les partenaires sont assujettis agrave des obligations

financiegraveres reacuteciproques et agrave leacutegard des tiers que toutefois les dispositions du code civil ne confegraverent aucune

compensation pour perte de revenus en cas de cessation du pacte civil de solidariteacute au profit de lun des

partenaires ni aucune vocation successorale au survivant en cas de deacutecegraves dun partenaire 7Consideacuterant en

troisiegraveme lieu que le reacutegime du mariage a pour objet non seulement dorganiser les obligations personnelles

mateacuterielles et patrimoniales des eacutepoux pendant la dureacutee de leur union mais eacutegalement dassurer la protection

de la famille que ce reacutegime assure aussi une protection en cas de dissolution du mariage 8 Consideacuterant

par suite que le leacutegislateur a dans lexercice de la compeacutetence que lui reconnaicirct larticle 34 de la Constitution

deacutefini trois reacutegimes de vie de couple qui soumettent les personnes agrave des droits et obligations diffeacuterents que la

diffeacuterence de traitement quant au beacuteneacutefice de la pension de reacuteversion entre les couples marieacutes et ceux qui

vivent en concubinage ou sont unis par un pacte civil de solidariteacute ne meacuteconnaicirct pas le principe deacutegaliteacute

Consultaacutevel em httpswwwconseil-constitutionnelfrdecision20112011155QPChtm 144 Para anaacutelise de alguns dados estatiacutesticos relativamente agrave evoluccedilatildeo do nuacutemero de PACS registados entre

2000 e 2007 Cfr BRIGITTE HESS-FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HEacuteLEgraveNE HESS ob cit

p78 Consultar httpswwwinseefrfrstatistiques2381498 para anaacutelise do nuacutemero de casamentos e PACS

em relaccedilotildees heterossexuais entre 1990 e 2019 sendo de realccedilar que em 2018 o nuacutemero de casamentos e de

PACS foi muito semelhante verificando-se uma diferenccedila de 28 mil casamentos em relaccedilatildeo aos PACS

Relativamente agraves relaccedilotildees homossexuais a diferenccedila eacute ainda menor sendo os dados quase equivalentes

45

Deve ainda obedecer a vaacuterias regras para a sua formaccedilatildeo Soacute pode ser celebrado

entre pessoas maiores de idade que natildeo sejam parentes em linha reta ou colateral ateacute ao

terceiro grau e que natildeo estejam casadas ou tenham celebrado PACS com outra pessoa145 A

sua celebraccedilatildeo deve cumprir as regras do direito comum contratual e natildeo deve ser contraacuterio

agrave ordem puacuteblica A forma sob a qual o acordo deve ser redigido eacute livre porque o artigo 515-

3 do Code Civil natildeo especifica a sua forma e os parceiros podem redigir eles proacuteprios ou

optar que a redaccedilatildeo seja feita por um notaacuterio Por conseguinte os parceiros satildeo livres de

escolher a forma do PACS podendo o acordo ser um ato autecircntico ou um ato privado

Terminada a redaccedilatildeo do acordo os parceiros devem fazer uma declaraccedilatildeo conjunta do

acordo devendo o notaacuterio do registo civil registar o pacto depois de verificar as condiccedilotildees

necessaacuterias para a conclusatildeo do acordo e mandar executar as formalidades de publicaccedilatildeo

previstas no artigo 515-3 Code Civil permitindo que seja oponiacutevel a terceiros Apoacutes a sua

vaacutelida formaccedilatildeo o PACS estaacute em condiccedilotildees de produzir efeitos na vida dos parceiros no

acircmbito pessoal146 e patrimonial regidos pelas disposiccedilotildees dos artigos 515-4 a 515-5-3 do

Code Civil147 Por uacuteltimo a dissoluccedilatildeo do PACS eacute muito mais simples do que a dissoluccedilatildeo

de casamento uma vez que existem apenas quatro situaccedilotildees cada uma das quais com um

procedimento para a dissoluccedilatildeo do mesmo tais como a rutura unilateral a rutura de comum

acordo por casamento dos membros ou de um deles e a morte de um dos membros Os

procedimentos que devem seguir cada uma destas circunstacircncias estatildeo previstos no artigo

515-7 do Code Civil

Sem embargo de todas as condiccedilotildees de forma que o PACS estaacute sujeito haacute algumas

incoerecircncias quanto ao seu regime de prova por terceiros148 Depois do registo do acordo eacute

entregue aos pactuantes um atestado de inscriccedilatildeo em que constam os seus nomes data e

lugar de nascimento e a data do registo do pacto natildeo sendo conservadas pelo notaacuterio as

convenccedilotildees que satildeo exibidas para serem assinadas e para ser verificadas as condiccedilotildees de

validade do acordo Porquanto se um terceiro quiser ter acesso ao conteuacutedo de um PACS

apenas poderaacute fazecirc-lo se pedir aos proacuteprios pactuantes salvaguardando assim o direito agrave

reserva da vida privada dos parceiros

145 Sob pena de nulidade art 515-2 Code Civil 146 Assentam essencialmente no compromisso de viverem em comunhatildeo de vida e de fornecerem ajuda e

assistecircncia muacutetua 147 Cfr BRIGITTE HESS-FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HEacuteLEgraveNE HESS ob cit p 85 148 Cfr MARTA COSTA ob cit p 390

46

53 O Acoacuterdatildeo do STJ de 22 de Marccedilo de 2018 processo

nordm6380169T8CBRC1 S1

Decidimos analisar este Acoacuterdatildeo por entendermos que representa de forma clara os

problemas que a prova da coabitaccedilatildeo causa Demonstrando que natildeo eacute uma questatildeo unacircnime

na jurisprudecircncia pois eacute objeto de decisotildees diacutespares natildeo deixando de ser bem

fundamentadas Em causa estaacute uma accedilatildeo em processo comum que tem como Autor o

Instituto da Seguranccedila Social nomeadamente o Centro Nacional de Pensotildees e como Reacute

quem alega ter mantido uma relaccedilatildeo de uniatildeo de facto com o beneficiaacuterio dessa pensatildeo ateacute

agrave data da morte deste Antes de mais urge atentar brevemente aos factos dados como

provados relevantes para a presente anaacutelise

A Reacute encetou um relacionamento amoroso com o falecido em 1991 passando a ter

relaccedilotildees sexuais e a fazer as refeiccedilotildees com o de cujos na casa onde este vivia Em 1996 a

Reacute passou a pernoitar na casa do de cujos de onde se ausentava nos fins de semana em que

a filha do beneficiaacuterio o visitava duas vezes por mecircs ou quando existia uma discussatildeo entre

o casal Manteve o arrendamento da sua casa para onde ia quando uma destas circunstacircncias

ocorriam suportando os encargos inerentes a esta manutenccedilatildeo Os sujeitos dividiam entre si

as despesas do supermercado e a Reacute acompanhava o beneficiaacuterio agraves consultas e agraves urgecircncias

do hospital sempre que necessaacuterio Na sequecircncia da morte do beneficiaacuterio a 14 de julho de

2015 a Reacute requereu a atribuiccedilatildeo das pensotildees devidas pela morte do mesmo invocando a sua

qualidade de unida de facto por ter vivido com o de cujos em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos

cocircnjuges desde 17 de Agosto de 1991 ateacute agrave sua morte Como prova da qualidade de unida

de facto apresentou atestado emitido pela Junta de Freguesia que certificava que esta residia

em comunhatildeo de mesa e habitaccedilatildeo com o beneficiaacuterio desde 1991 ateacute agrave data da sua morte

documentos exigidos pelo artigo 2ordm-A nordm 4 da LUF Contudo a filha do de cujos informou

o CNP de que a alegaccedilatildeo da Reacute natildeo era verdadeira pois esta sempre residiu em habitaccedilatildeo

distinta do beneficiaacuterio

Note-se que a demonstraccedilatildeo dos factos pressupostos para a relevacircncia juriacutedica da

uniatildeo de facto foi facilitada relativamente ao acesso agraves prestaccedilotildees do Estado no caso de

morte devido agrave possibilidade que eacute dada aos pretensos beneficiaacuterios de determinados

direitos (nomeadamente interessados que pretendam beneficiar dos efeitos previstos na lei

em face dos herdeiros do falecido artigo 2020ordm CCiv do senhorio artigo 1105ordm e 1106ordm

47

CCiv das entidades responsaacuteveis pelo pagamento das prestaccedilotildees por morte artigo 6ordm nordm 2

da LUF) No que respeita ao acesso agraves prestaccedilotildees sociais em caso de morte o artigo 6ordm nordm2

da LUF prevecirc a possibilidade da entidade responsaacutevel pelo pagamento das prestaccedilotildees

previstas nas aliacuteneas e) f) g) do artigo 3ordm caso entenda que existem fundadas duacutevidas sobre

a existecircncia da uniatildeo de facto poder solicitar meios de prova complementares149 e se na

sequecircncia dessas diligecircncias subsistirem duacutevidas a entidade deve promover a competente

accedilatildeo judicial com vista agrave sua comprovaccedilatildeo Foi o que sucedeu no caso em apreccedilo tendo a

entidade responsaacutevel pelo pagamento das prestaccedilotildees sociais por morte - tratando-se do

Instituto da Seguranccedila Social nomeadamente o Centro Nacional de Pensotildees no caso que

estamos a analisar- proposto a competente accedilatildeo judicial150

No seguimento da interposiccedilatildeo desta accedilatildeo pelo ISS a Reacute respondeu afirmando que

durante 24 anos viveu em comunhatildeo de mesa cama e casa com o de cujos e alegou que natildeo

se desfez da sua casa por uma questatildeo de precauccedilatildeo O Tribunal da 1ordf instacircncia julgou a accedilatildeo

parcialmente procedente e julgou natildeo reconhecida a vivecircncia em situaccedilatildeo de uniatildeo de facto

entre a Reacute e o beneficiaacuterio A Reacute recorreu para o Tribunal da Relaccedilatildeo que a 2 de novembro

149 Designadamente declaraccedilatildeo emitida pela Autoridade Tributaacuteria e Aduaneira ou pelo Instituto dos Registos

e do Notariado I P onde se ateste que agrave data da morte os membros da uniatildeo de facto tinham domiciacutelio fiscal

comum haacute mais de dois anos ndash art 6ordm nordm 2 da LUF 150 No entender de RITA XAVIER ldquoA Uniatildeo de Facto e a Lei Civil no Ensino de Francisco Manuel Pereira

Coelho e Legislaccedilatildeo Atualrdquo ob cit p 685 deveraacute tratar-se de uma accedilatildeo de simples apreciaccedilatildeo negativa

(prevista no art 10ordm nordm 3 al a) CPC) que visa declarar que determinada pessoa natildeo beneficia ou natildeo tem um

certo direito E embora o oacutenus de propositura da accedilatildeo recaia sobre a entidade responsaacutevel pelo pagamento das

prestaccedilotildees sociais compete ao membro sobrevivo da uniatildeo de facto a prova dos factos constitutivos do seu

direito Vide Art 343ordm n ordm1 CCiv 1 Nas accedilotildees de simples apreciaccedilatildeo ou declaraccedilatildeo negativa compete ao

reacuteu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga E ainda a este propoacutesito vide Acoacuterdatildeo Tribunal

da Relaccedilatildeo de Coimbra de 16102012 proferido no acircmbito do processo nordm 50091TBALDC1 A accedilatildeo

declarativa de simples apreciaccedilatildeo negativa - ou seja uma accedilatildeo pela qual se procura ldquohellip obter unicamente a

declaraccedilatildeo da hellip inexistecircncia de um direito ou de um factordquo (artigo 4ordm nordm 2 al a) do CPC) - destina-se desde

logo a definir uma situaccedilatildeo juriacutedica tornada incerta - o demandante pretende reagir contra uma situaccedilatildeo de

incerteza que o impede de auferir todas as vantagens normalmente proporcionadas pela relaccedilatildeo juriacutedica

material que lhe causa um dano patrimonial ou moral apreciaacutevel (hellip) A causa de pedir nas accedilotildees de simples

apreciaccedilatildeo negativa consubstancia-se na inexistecircncia do direito e nos factos materiais pretensamente

cometidos pelo demandado que determinaram o estado de incerteza Em sentido inverso mais recentemente

vide o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 24-04-2019 proferido no acircmbito do processo

12025160T8LRSL1-2 (hellip) trata-se de uma acccedilatildeo proposta pelo ISS a pedir que o requerente comprove no

processo a existecircncia da situaccedilatildeo juriacutedica que se arroga O ISS natildeo nega que a uniatildeo de facto tenha existido

diz que tem duacutevidas sobre a sua existecircncia e por isso pede que o requerente seja chamado a comprovar a

existecircncia da situaccedilatildeo juriacutedica em causa Assim trata-se de uma acccedilatildeo de simples apreciaccedilatildeo positiva sui

generis em que a lei atribui ao reacuteu que se arrogou o direito em causa o oacutenus da prova dos factos constitutivos

dele embora natildeo negado pelo Autor O ISS natildeo deve no desenho da lei intentar a acccedilatildeo declarativa para se

declarar a inexistecircncia de uma situaccedilatildeo juriacutedica (o que o ISS natildeo alega nem nega pois que apenas tem

duacutevidas) mas sim para que o reacuteu comprove a existecircncia da situaccedilatildeo juriacutedica a que se arroga Se o reacuteu

conseguir provar os factos necessaacuterios a situaccedilatildeo juriacutedica eacute declarada existente caso contraacuterio natildeo o eacute

48

de 2017 revogou a sentenccedila recorrida e declarou improcedente a accedilatildeo do CNP reconhecendo

a convivecircncia de 24 anos como uma situaccedilatildeo uniatildeo de facto

Por sua vez o ISS interpocircs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiccedila

Nas suas alegaccedilotildees demonstrou a discordacircncia com a decisatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo por

entender que a tese do Tribunal de1ordf Instacircncia que defendia que o relacionamento da Reacute e

do de cujos natildeo revestia as caracteriacutesticas que o tornavam anaacutelogo ao dos cocircnjuges seria a

correta Defendem que apesar da Reacute e o de cujos terem mantido relaccedilotildees sexuais e esta

pernoitasse quase sempre na casa do mesmo ela mantinha a sua casa onde dormia

pontualmente e onde guardava os seus pertences o que indicava que natildeo sentia a morada

comum como sua Ademais embora fizessem refeiccedilotildees em comum natildeo havia comunhatildeo

patrimonial jaacute que as compras eram custeadas de forma alternada por um ou por outro e era

feita uma separaccedilatildeo bem definida das despesas inerentes a cada uma das casas

Na 2ordf Instacircncia o Tribunal da Relaccedilatildeo entendeu que natildeo era imprescindiacutevel que a

relaccedilatildeo de uniatildeo de facto natildeo fosse interrompida pela saiacuteda de um dos membros da morada

em comum quando ocorram desentendimentos ou discussotildees dado que esta circunstacircncia

tambeacutem se verifica no casamento podendo levar agrave interrupccedilatildeo esporaacutedica da comunhatildeo que

eacute proacutepria desse instituto e natildeo eacute por isso que se pode dizer que a comunhatildeo de habitaccedilatildeo fica

descaracterizada151 Na sua tese o tribunal referido defende tambeacutem que o facto de a Reacute ter

mantido a sua casa por querer manter a propriedade daquele imoacutevel por motivos que soacute a ela

dizem respeito - o que leva a que seja da sua responsabilidade suportar os encargos que dela

advenham - natildeo seria suficiente para colocar em causa a residecircncia em comum com o

falecido Para enfatizar a tese de que a morada comum dos sujeitos seria o imoacutevel em que

os dois viviam o tribunal realccedila o facto do Autor ter citado a Reacute nessa morada para a accedilatildeo

em causa O tribunal considera que a comunhatildeo de mesa leito e habitaccedilatildeo eacute o que define a

151 Veja-se a tiacutetulo de exemplo mutatis mutandis o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 24042019

no acircmbito do processo 12025160T8LRSL1-2 que jaacute se teve a oportunidade de mencionar Para que se possa

dizer que cessou a uniatildeo de facto natildeo basta constatar a existecircncia de uma separaccedilatildeo de facto Tem que se

provar tambeacutem que existe da parte de pelo menos um dos unidos de facto o propoacutesito de natildeo a restabelecer

E por isso embora o facto de os unidos de facto deixarem de dormir na mesma casa comerem agrave mesma mesa

e viver debaixo do mesmo tecto aponte para a falta de comunhatildeo de vida tal natildeo basta para se poder concluir

pela cessaccedilatildeo da uniatildeo de facto devendo fazer-se ainda a prova do elemento subjectivo da vontade de pelo

menos um deles romper com a uniatildeo de facto (de forma directa ou atraveacutes de um conjunto suficientemente

significativo de circunstacircncias objectivas que apontem nesse sentido isto eacute que o permitam afirmar com base

numa presunccedilatildeo natural ou judicial) Indo ainda mais longe na decisatildeo ao referir que se considera que a

sentenccedila teve razatildeo em considerar irrelevante o periacuteodo de separaccedilatildeo de 3 meses entre a reacute e o beneficiaacuterio

(hellip)

49

convivecircncia anaacuteloga agrave dos cocircnjuges exigida pelo artigo 1ordm nordm 2 da LUF E que encontrando-

se demonstrado que a Reacute encetou desde 1991 ateacute ao falecimento do beneficiaacuterio um

relacionamento onde mantinham relaccedilotildees sexuais faziam refeiccedilotildees conjuntas com amigos e

familiares na morada comum pagavam alternadamente as despesas com alimentaccedilatildeo e

ainda havia o acompanhamento do falecido pela Reacute a consultas meacutedicas e atendimento nas

urgecircncias mostram-se suficientemente comprovados os requisitos da declaraccedilatildeo de uniatildeo

de facto que se tem por estabelecida durante o todo esse lapso temporal

Estamos aqui perante duas decisotildees distintas e cada uma delas fundamenta a sua

decisatildeo com argumentos vaacutelidos e plausiacuteveis o que reflete uma vez mais a dificuldade

imanente a esta questatildeo Estaacute em causa uma relaccedilatildeo de convivecircncia e auxiacutelio de 24 anos que

devido aos requisitos que se exige que sejam comprovados ou por questotildees que natildeo se

colocariam se do instituto do casamento se tratasse se vecirc posta em causa a atribuiccedilatildeo de uma

pensatildeo de sobrevivecircncia por natildeo se conseguir provar a qualidade de unida de facto pela Reacute

A situaccedilatildeo sub judice eacute cada vez mais frequente nos tempos que correm Vaacuterios sujeitos que

pelo facto de serem divorciados ou viuacutevos refazem a sua vida ao lado de outra pessoa sem

assumir o compromisso do casamento Por natildeo quererem ou por natildeo lhes convir como eacute o

exemplo dos viuacutevos que recebam pensatildeo de sobrevivecircncia e se voltarem a casar perdem o

direito a esse benefiacutecio Ou ateacute por questotildees de praticidade por natildeo quererem estar sujeitos

a um regime que impotildee diversas consequecircncias como eacute o instituto do casamento Eacute neste

tipo de situaccedilotildees que se deve pensar quando se pretende equiparar a uniatildeo de facto ao

instituto do casamento Haacute efetivamente quem natildeo queira ser abrangido por uma

regulamentaccedilatildeo tatildeo ampla e o que para uns podem ser consideradas desvantagens no que

respeita ao regime mais liberal da uniatildeo de facto para outros podem ser as vantagens que

pesam na escolha deste regime como modo de vida em conjunto

Resta finalmente aludir agrave efetiva decisatildeo do STJ Tendo por base o Acoacuterdatildeo do

STJ de 9-07-2014152 que refere que se deve pensar na vivecircncia de dois cocircnjuges em situaccedilatildeo

de normalidade ou vulgaridade inseridos na cultura a que pertencemos e eacute aiacute que se haacute-de

encontrar o preenchimento do conceito de laquocondiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjugesraquo decide

que o quadro factual que estaacute em causa na situaccedilatildeo em anaacutelise natildeo eacute suficiente para dar como

152 Processo nordm 3076111TBLLEE1 S1 Consultaacutevel em

httpwwwdgsiptjstjnsf954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa8140b2f2587cb42fbd180257d16005402d4Op

enDocument

50

provada a existecircncia entre a Reacute e o de cujos de uma convivecircncia em economia comum

Considerando que essa convivecircncia se caracteriza pela situaccedilatildeo de pessoas que vivam em

comunhatildeo de mesa e habitaccedilatildeo com base num lar em sentido familiar moral e social e com

base numa economia domeacutestica em comum e pelo facto de a Reacute pernoitar na casa do falecido

mas manter sempre a sua casa onde conservou os seus pertences e objetos demonstrava que

esta natildeo sentia a casa do beneficiaacuterio como sua E ainda que a Reacute natildeo provou como lhe

competia por forccedila do artigo 342ordm nordm 1 do CCiv que faziam toda a vida de casal na casa do

de cujos e que manteve a sua casa arrendada para acautelar a possibilidade da filha do

beneficiaacuterio quisesse voltar a viver na casa do mesmo Aleacutem disso a Reacute natildeo conseguiu

provar que o beneficiaacuterio pernoitava na sua casa e que a esta tambeacutem servia para os amigos

ficarem a dormir O STJ conclui que natildeo obstante partilhassem refeiccedilotildees na casa do de

cujos natildeo se via que existisse uma economia domeacutestica em comum Caracteriacutestica que estaacute

intrinsecamente ligada ao modo de vida dos cocircnjuges existindo nesta situaccedilatildeo economias

separadas por serem custeadas alternadamente as despesas de supermercado e por cada um

se responsabilizar pelos gastos de cada casa Desta feita concluiu que natildeo se verificava a

vivecircncia em economia comum necessaacuteria para que se considerasse a situaccedilatildeo como uma

uniatildeo de facto como invocou a Reacute revogando o acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo e mantendo

a sentenccedila proferida pelo Tribunal de 1ordf Instacircncia que julgou natildeo reconhecida a vivecircncia em

situaccedilatildeo de uniatildeo de facto entre a Reacute e o beneficiaacuterio falecido agrave data da sua morte

Para terminar importa dizer que tendemos a concordar com a decisatildeo do Tribunal

da Relaccedilatildeo Note-se que estatildeo em causa 24 anos de convivecircncia em comum e auxiacutelio muacutetuo

que implicava a manutenccedilatildeo de relaccedilotildees sexuais de refeiccedilotildees conjuntas de suporte a niacutevel

de acompanhamento meacutedico e natildeo menos importante a companhia inerente agrave convivecircncia

que em idades mais avanccediladas pode ser um fator relevante para manterem entre si um

relacionamento Natildeo se devendo esquecer conforme mencionam os factos comprovados

que a filha do de cujos em 1996 foi trabalhar e viver para outra cidade ficando longe do pai

e visitando-o apenas duas vezes por mecircs ao fim-de-semana Tal significava que o auxiacutelio

que o de cujos necessitava nomeadamente nos acompanhamentos a consultas meacutedicas e

mesmo agraves urgecircncias se assim fosse necessaacuterio era dado pela Reacute Gerando menos

preocupaccedilotildees e encargos agrave filha do beneficiaacuterio falecido conseguindo manter a sua

normalidade e rotina se uma destas circunstacircncias ocorressem pois sabia que o seu pai estava

51

a ser apoiado pela Reacute que despendia do seu tempo para lhe fornecer cuidados e auxiacutelio

sempre que necessaacuterio

Ora eacute necessaacuterio refletir que a convivecircncia e coabitaccedilatildeo de duas pessoas em

situaccedilotildees destas pode ir para aleacutem da vivecircncia em economia comum Pode verificar-se no

caso em apreccedilo o cumprimento dos deveres de coabitaccedilatildeo cooperaccedilatildeo e assistecircncia inerentes

aos deveres conjugais previstos no artigo 1672ordm CCiv Poreacutem apesar de natildeo se verificar

uma verdadeira vivecircncia em economia comum que o STJ considera como caracteriacutestica do

modo de vida proacuteprio dos cocircnjuges por haver uma separaccedilatildeo bem definida das despesas

alimentares bem como dos encargos resultantes das casas de cada um verificam-se outras

caracteriacutesticas presentes no modo de vida proacuteprio dos cocircnjuges que tambeacutem relevam e natildeo

devem ser desconsideradas Devemos ter em conta que pode ter sido opccedilatildeo dos sujeitos viver

com economias separadas o que natildeo invalida que a sua situaccedilatildeo seja qualificada como uniatildeo

de facto em virtude de natildeo haver nenhuma norma na LUF que imponha qualquer tipo de

obrigaccedilatildeo aos unidos no que respeita a fazerem economias conjuntas

No que concerne agrave manutenccedilatildeo por parte da Reacute de outra casa e de laacute pernoitar

pontualmente cremos que natildeo eacute suficiente para pocircr em causa a verificaccedilatildeo da qualificaccedilatildeo

da relaccedilatildeo como uniatildeo de facto A ocorrecircncia da interrupccedilatildeo momentacircnea da coabitaccedilatildeo natildeo

eacute razatildeo para que natildeo se possa considerar a relaccedilatildeo convivencial entre duas pessoas como tal

Entre os cocircnjuges tambeacutem podem ocorrer situaccedilotildees que interrompam a sua coabitaccedilatildeo e

indo mais longe devemos recordar as situaccedilotildees em que cocircnjuges por motivos profissionais

veem a sua convivecircncia interrompida eg durante a semana e soacute estatildeo juntos ao fim-de-

semana devido agrave deslocaccedilatildeo de um deles para outra cidade153 Natildeo sendo mesmo assim

posta a sua convivecircncia em causa por forccedila do artigo 1673ordm CCiv que prevecirc esta

possibilidade Acontecendo o mesmo com membros da uniatildeo de facto deveraacute colocar-se a

sua convivecircncia em crise Seraacute a uniatildeo de facto uma simples comunhatildeo de casa Ou por

outro lado uma comunhatildeo de vida Com tudo o que isso implique para os sujeitos que

formam a relaccedilatildeo que se devem reger por criteacuterios subjetivos nessa mateacuteria

De forma a enfatizar o facto de existirem cada vez mais formas de organizaccedilatildeo

familiar e de se notar uma modernizaccedilatildeo constante nesta mateacuteria vale a pena referirmos que

existe tambeacutem uma forma de organizaccedilatildeo da vida em comum a par da uniatildeo de facto e a

153 Cfr neste sentido MARIA MARGARIDA PEREIRA ob cit p 650

52

uniatildeo conjugal que se designa de uniatildeo sem comunhatildeo154 Esta uniatildeo acontece quando as

partes decidem residir em locais distintos sem abdicarem de outros elementos que formam

um casal como a manutenccedilatildeo de relaccedilotildees sexuais a fidelidade e a entreajuda Pretendem

levar uma vida a dois no entanto natildeo querem residir no mesmo local Eacute uma forma de

organizaccedilatildeo da vida em comum que natildeo eacute mencionada pelo legislador que natildeo conjeturou

um caminho que estivesse entre o tudo e o nada155 uma vez que regula o casamento a uniatildeo

de facto o divoacutercio e a separaccedilatildeo O facto de natildeo haver comunhatildeo de habitaccedilatildeo neste tipo

de relaccedilotildees natildeo permite que se fale na hipoacutetese de ser considerada uniatildeo de facto Todavia

o que estaacute aqui em causa natildeo eacute a interrupccedilatildeo esporaacutedica ou pontual da coabitaccedilatildeo como

acontece no caso que temos vindo a analisar Mas antes a existecircncia de duas residecircncias

distintas natildeo havendo uma coabitaccedilatildeo entre o casal por escolha dos proacuteprios preferindo

uma organizaccedilatildeo da sua vida em comum de forma separada no que respeita agrave coabitaccedilatildeo

mantendo todos os outros elementos que relevam para a sua consideraccedilatildeo como um casal

Tudo isto para dizer que estamos perante uma eacutepoca onde o pluralismo jusfamiliar eacute uma

realidade e que talvez seja necessaacuteria uma atualizaccedilatildeo legislativa que acompanhe os tempos

que vivemos no tocante a estas mateacuterias156157

54 Soluccedilatildeo proposta

Aqui chegados e depois de analisar as soluccedilotildees que vigoram noutros ordenamentos

juriacutedicos eacute importante aventar a soluccedilatildeo que cremos que melhor resolveraacute os problemas que

o atual regime juriacutedico da uniatildeo facto levanta

Jaacute haviacuteamos proposto supra a densificaccedilatildeo do atual regime legal da uniatildeo de facto

com objetivo de assegurar uma maior proteccedilatildeo dos membros natildeo obstante o respeito da

vontade das partes de se submeter ou natildeo a tais consequecircncias juriacutedicas visto que natildeo se

trataria portanto de um regime imperativo automaticamente aplicaacutevel a quem opte por

conviver em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges

154 LAT (Living Apart Together) Cfr JORGE DUARTE PINHEIRO ob cit p 558 155 Cfr JORGE DUARTE PINHEIRO ob cit p 558 156 Idem 157 JORGE DUARTE PINHEIRO termina o ponto dedicado a esta mateacuteria questionando o que impede a receccedilatildeo

legal no nosso ordenamento de uma uniatildeo sem comunhatildeo de habitaccedilatildeo que beneficie de um estatuto proacuteprio

e que pudesse incluir a possibilidade da figura ser constituiacuteda por cocircnjuges suspendendo de forma consensual

o dever de coabitaccedilatildeo que agrave luz dos arts 1618ordm 1672ordm 1699ordm n ordm1 al b) CCiv eacute proibido atualmente

53

Cabe agora desenvolver esta proposta Apesar de haver quem encare a uniatildeo de

facto com uma visatildeo mais liberal e consequentemente entenda que esta natildeo deve gerar

muitos efeitos juriacutedicos por forma a respeitar-se a liberdade de escolha de cada um

acreditamos que o Direito natildeo deve ignorar as situaccedilotildees que merecem tutela juriacutedica E

apesar de haver uma regulamentaccedilatildeo juriacutedica da uniatildeo de facto no nosso ordenamento a

proteccedilatildeo por ela oferecida eacute meramente assistencial158 funcionando essencialmente em

situaccedilotildees de crise159

Natildeo se deve olvidar que a uniatildeo de facto na nossa ordem juriacutedica eacute um verdadeiro

ato juriacutedico e os seus efeitos natildeo dependem da vontade dos membros pois produzem-se ex

logo160 A soluccedilatildeo vigente concede certos efeitos aos membros da uniatildeo de facto apoacutes a

convivecircncia por dois anos sem que estes declarem expressamente a sua pretensatildeo A sua

uacutenica declaraccedilatildeo eacute a vontade de viver em plena comunhatildeo de vida Deveraacute daiacute aferir-se a

vontade de assumir efeitos juriacutedicos Acreditamos que a soluccedilatildeo atual apesar de ter como

objetivo o respeito pela autonomia privada e a vontade das partes natildeo o faz Estabelece

efeitos juriacutedicos a situaccedilotildees de facto que natildeo tem como controlar por natildeo haver nenhum tipo

de registo

Enquanto esta for a natureza da uniatildeo de facto e natildeo houver um ato constitutivo por

parte de uma autoridade puacuteblica ou outra formalidade a situaccedilatildeo de facto natildeo pode suscitar

um regime juriacutedico muito denso mas somente algumas medidas de proteccedilatildeo Dificilmente

se poderaacute ir mais longe no que concerne agrave atribuiccedilatildeo de efeitos juriacutedicos sem uma autecircntica

formalizaccedilatildeo das vontades das partes de intencionar um regime mais firme

Deste modo concomitantemente com a consolidaccedilatildeo do seu regime proacuteprio

julgamos ainda ser importante sujeitar estas relaccedilotildees a registo161

158 () o direito portuguecircs continua a ser daqueles que atribui menos efeitos juriacutedicos agrave uniatildeo de facto Apenas

se consagram soluccedilotildees do tipo ldquoassistencialrdquo que um Estado moderno tem de adotar qualquer que seja a

opccedilatildeo de vida escolhida pelos cidadatildeos Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 153 159 () continua a acolher-se neste domiacutenio uma proteccedilatildeo fragmentaacuteria e especialmente dirigida a cenaacuterios

de crise em que as debilidades dos seus membros se concretizam ou manifestam com mais intensidade Cfr

RUTE TEIXEIRA PEDRO ob cit p 310 160 Cfr MARTA COSTA ob cit p 151 161 Cfr JOAtildeO PARRACHO COELHO considera que sendo a uniatildeo de facto um ato livre a opccedilatildeo pelo registo

determinaria que aqueles que unidos numa relaccedilatildeo para-matrimonial desejem beneficiar de direitos e deveres

juriacutedico - sociais paralelos aos atribuiacutedos agrave famiacutelia claacutessicaformallegal podem alcanccedilar um estatuto especiacutefico

mediante a inscriccedilatildeo da sua uniatildeo de facto em algum registo puacuteblico a criar para o efeito ldquoA Famiacutelia

perspectiva evolutiva do conceito tradicionalrdquo in Revista do Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico

nordm 54 3ordm trimestre1993 p 116

54

Inspiramos esta soluccedilatildeo no ordenamento juriacutedico francecircs por julgarmos oferecer

uma regulaccedilatildeo juriacutedica ampla dos tipos de convivecircncia fora do casamento distinguindo o

concubinage do pacte civil de solidariteacute Podendo optar-se pelo concubinato natildeo se

submetendo a quaisquer consequecircncias juriacutedicas ou pelo PACS a que subjaz um regime

proacuteprio e efeitos juriacutedicos que garantem a sua proteccedilatildeo Desta forma e socorrendo-nos em

parte da sugestatildeo ora mencionada do partido Bloco de Esquerda aquando da apresentaccedilatildeo

do Projeto de Lei nordm45VIII prevendo um registo das uniotildees nas juntas de freguesia da aacuterea

de residecircncia das pessoas que vivem em uniatildeo de facto ou a sua constituiccedilatildeo apoacutes dois anos

de convivecircncia sem necessidade de registo acreditamos que o Registo Civil das uniotildees de

facto seraacute a soluccedilatildeo mais acertada para proporcionar a certeza e seguranccedila juriacutedicas que se

pretende alcanccedilar com a inscriccedilatildeo no mesmo162

Antecipando desde jaacute as criacuteticas que poderatildeo surgir a esta soluccedilatildeo tais como a

possibilidade de recurso ao casamento para precaver todas as situaccedilotildees supramencionadas e

ainda o excessivo formalismo que daqui poderaacute advir natildeo devendo o direito proteger uma

situaccedilatildeo que as partes natildeo quiseram que fosse protegida desrespeitando-se a sua vontade

cumpre tecer algumas consideraccedilotildees Primeiramente o casamento trata de uma realidade

como jaacute tivemos a oportunidade de analisar com natureza muito distinta da uniatildeo de facto

Os casais tecircm o direito de escolher o tratamento juriacutedico que datildeo agrave sua convivecircncia pessoal

podendo simplesmente querer viver em uniatildeo de facto e natildeo se submeterem ao regime do

casamento Denote-se para este efeito que viver agrave margem do casamento natildeo significa

querer viver agrave margem do Direito Nesta senda e em segundo lugar parece-nos que a ideia

Napoleoacutenica de que se os concubinos natildeo se interessam pela lei a lei tambeacutem natildeo se

interessa por eles jaacute estaacute ultrapassada A formalidade do registo apenas garantiraacute a liberdade

de escolha das partes assegurando que aqueles que optam por ele satildeo os que pretendem

submeter-se aos efeitos juriacutedicos previstos legalmente Natildeo se tratando de um regime

automaacutetico aplicaacutevel pelo simples decurso do tempo que os sujeita a um regime que natildeo

162 Concordamos portanto com a posiccedilatildeo propugnada por ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoUniatildeo de facto a

pertinecircncia de registo a problemaacutetica da separaccedilatildeo de pessoas e bens e a contagem do prazo de convivecircnciardquo

in Casamento e Uniatildeo de facto questotildees de jurisdiccedilatildeo civil Coleccedilatildeo Formaccedilatildeo Contiacutenua CEJ Novembro

2020 p71 segundo a qual as uniotildees devem ser dignas de Registo Civil pois os registos municipais natildeo

serviratildeo o propoacutesito por natildeo contribuiacuterem para a certeza e seguranccedila juriacutedicas uma vez que natildeo existe uma

base de dados nacional podendo-se potenciar muacuteltiplos registos

55

mostraram pretender163 A soluccedilatildeo que propomos funda-se no respeito pela vontade das

partes e no princiacutepio da liberdade contratual aleacutem de ser a mais compatiacutevel com a certeza e

seguranccedila juriacutedicas Bastando-lhes a verificaccedilatildeo dos requisitos necessaacuterios agrave constituiccedilatildeo no

momento da sua inscriccedilatildeo no registo Relativamente agrave exigecircncia do decurso de um

determinado periacuteodo para que a convivecircncia seja registada defendemos que a resposta deve

passar por natildeo ser exigida uma convivecircncia preacutevia Permitindo que duas pessoas que

queiram conviver nestes moldes se dirigiram a uma entidade competente e registem a sua

convivecircncia que pode jaacute existir ou iniciar-se nesse momento164

No fundo com a soluccedilatildeo que propugnamos pretendemos a coexistecircncia de trecircs vias

de conjugalidade O casamento que continuaria a ser regulado de igual forma as uniotildees

registadas em que as partes inscrevem a sua relaccedilatildeo no registo para que desta decorram

efeitos juriacutedicos mas que natildeo se confundem com os do casamento e por uacuteltimo as uniotildees

meramente de facto desprovidas de efeitos juriacutedicos Contudo em relaccedilatildeo a estas

acreditamos que algumas situaccedilotildees devem ser protegidas como a de um dos membros querer

viver livre de efeitos juriacutedicos e o outro apenas tolerar a situaccedilatildeo apesar da sua vontade natildeo

ser exatamente essa Eacute entatildeo necessaacuterio acautelar situaccedilotildees como esta em que no caso de

morte de algum deles o membro sobrevivo fosse aquele que pretendia uma maior

intervenccedilatildeo juriacutedica na sua convivecircncia Aqui deveraacute atribuir-se a este uacuteltimo uma proteccedilatildeo

miacutenima desde que a requeira Salvaguardando desta forma a liberdade e autonomia privada

de cada um sem que nada se lhes imponha a natildeo ser que o solicitem Isto quer dizer que soacute

seratildeo uniotildees meramente de facto aquelas em que a falta de reconhecimento de efeitos

juriacutedicos decorre de uma exteriorizaccedilatildeo das partes Por outras palavras essa categorizaccedilatildeo

resulta de uma falta de manifestaccedilatildeo das partes nesse sentido evitando as situaccedilotildees em que

a sua ineacutercia ndash justificada por natildeo pretenderem a ingerecircncia do Direito ndash resulte no confronto

com um regime legal que natildeo manifestaram querer

163 Neste sentido cabe referir a jaacute mencionada Ley 22003 7 de mayo reguladora de las parejas de hecho do

Paiacutes Vasco que na sua exposiccedilatildeo de motivos adverte para o facto do registo ser uma forma de evitar que os

membros que natildeo desejam que as suas uniotildees sejam acolhidas legalmente sejam reguladas contra a sua vontade

() el Registro de Parejas de Hecho que crea la propia ley registro que tiene una especial importancia al

tener la inscripcioacuten el caraacutecter de constitutiva lo que se hace precisamente para evitar que aquellas parejas

que no deseen en modo alguno acogerse a la ley se vean sometidas contra su voluntad a un reacutegimen de

derechos y obligaciones como el aquiacute recogido 164 Cfr MARTA COSTA ob cit p 396 No mesmo sentido ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoUniatildeo de facto versus

Casamento ndash Questotildees pessoais e patrimoniaisrdquo ob cit p 178

56

Realccedilamos ainda que o registo das uniotildees de facto aleacutem de salvaguardar a certeza

e seguranccedila juriacutedicas permitiria agraves partes invocar a qualquer altura atraveacutes de um meio

idoacuteneo e fidedigno a sua convivecircncia facilitando a prova destas relaccedilotildees e dirimindo as

dificuldades que dessa prova advecircm165 Cremos ser esta a principal e grande vantagem da

soluccedilatildeo que propomos e a que realmente interessa no presente estudo O atual regime de

prova eacute falho pois as declaraccedilotildees referidas no nordm 2 do artigo 2ordmA da LUF emitidas pela

junta de freguesia nunca seratildeo suficientes para garantir a proteccedilatildeo de uma relaccedilatildeo de facto

por natildeo servirem como prova plena aleacutem de natildeo ser possiacutevel atestar a inexistecircncia de

impedimentos por esta via

Em suma como benefiacutecios advindos do registo consideramos natildeo soacute o que toca agrave

sociedade em geral a quem seria transmitida maior certeza e seguranccedila relativamente agrave

existecircncia daquelas relaccedilotildees mas tambeacutem a publicidade que eacute conferida agraves mesmas

desonerando os conviventes de um regime de prova tatildeo sinuosa da sua relaccedilatildeo para

beneficiarem de certos direitos

165 Atraveacutes do registo os membros da uniatildeo registada estariam cientes da repercussatildeo legal da sua uniatildeo

(entre eles e face a terceiros) ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoUniatildeo de facto versus Casamento ndash Questotildees

pessoais e patrimoniaisrdquo ob cit p 180

57

6 Conclusatildeo

A convivecircncia anaacuteloga agrave dos cocircnjuges sem o viacutenculo formal inerente ao casamento

natildeo eacute uma realidade recente A forma como o Direito encara esta figura eacute que foi mudando

ao longo do tempo de acordo com a evoluccedilatildeo das circunstacircncias sociais e histoacutericas Parece-

nos que hoje talvez se imponha uma atualizaccedilatildeo do tratamento legal oferecido agrave uniatildeo de

facto

Desde logo a sua natureza juriacutedica motiva algumas divergecircncias Como vimos

alguns AA entendem que a situaccedilatildeo de facto se deve considerar uma relaccedilatildeo juriacutedica familiar

como as previstas no artigo 1576ordm CCiv por forccedila da sua inclusatildeo no artigo 36ordm n ordm1 CRP

referente agrave constituiccedilatildeo de famiacutelia Por outro lado os AA que defendem que a proteccedilatildeo

constitucional da uniatildeo de facto adveacutem do direito ao desenvolvimento da personalidade

previsto no artigo 26ordm CRP advogam tambeacutem que a convivecircncia more uxorio natildeo deve ser

qualificada como relaccedilatildeo juriacutedica familiar mas sim uma relaccedilatildeo juriacutedica parafamiliar Neste

contexto tendemos a acompanhar a linha de pensamento dos primeiros AA isto por

entendermos que as relaccedilotildees de uniatildeo de facto merecem uma proteccedilatildeo mais abrangente da

que eacute dada pelo artigo 26ordm CRP visto tratar-se de uma proteccedilatildeo geneacuterica que natildeo se coaduna

com a importacircncia social que a uniatildeo de facto vem tendo Jaacute a proteccedilatildeo conferida pelo artigo

36ordm nordm 1 CRP eacute de facto mais consentacircnea com a proteccedilatildeo que este tipo de relaccedilotildees merece

e cremos que essa teraacute sido a intenccedilatildeo do proacuteprio legislador constitucional Eacute de realccedilar por

uacuteltimo que considerar a uniatildeo de facto protegida constitucionalmente pelo artigo 36ordm nordm 1

CRP natildeo quer dizer que o seu regime legal deva ser igual ao regime do casamento

Como tambeacutem jaacute referimos o proacuteprio regime legal da uniatildeo de facto previsto na

Lei nordm 72001 de 1105 alterada pela lei 232010 de 3008 eacute considerado parco e omisso

em relaccedilatildeo a algumas questotildees relevantes para a proteccedilatildeo dos membros dessa relaccedilatildeo Natildeo

obstante a natildeo equiparaccedilatildeo dos regimes legais do casamento e da uniatildeo de facto tal natildeo

significa que natildeo seja necessaacuterio um reforccedilo do atual regime legal da uniatildeo de facto

Devendo optar-se por um caminho que consolide os efeitos juriacutedicos da uniatildeo de facto

possibilitando um regime proacuteprio enrobustecido aos que apesar de natildeo escolherem a via do

casamento pretendam uma proteccedilatildeo mais firme e por outro lado dar aos que pretendam uma

uniatildeo sem consequecircncias juriacutedicas a liberdade de escolha de sujeiccedilatildeo ou natildeo a um regime

legal

58

Paralelamente de forma a diferenciar estas duas situaccedilotildees julgamos ainda ser

importante a sujeiccedilatildeo destas relaccedilotildees a um eventual registo civil que traraacute consigo a certeza

e seguranccedila juriacutedicas relativamente agrave existecircncia destas relaccedilotildees perante a sociedade e ainda

a consequente publicidade advinda dessa inscriccedilatildeo que desoneraraacute os membros de um

regime de prova tatildeo sinuoso Salvaguardando desta forma aqueles que pretendem uma

coabitaccedilatildeo com a miacutenima ingerecircncia juriacutedica Em suma ambicionamos a coexistecircncia de

trecircs vias de conjugalidade sendo elas o casamento as uniotildees registadas e por fim as uniotildees

meramente de facto

Damos como certo que esta eacute uma mudanccedila que natildeo deveraacute ser imediata Aquilo que

propomos eacute na verdade uma soluccedilatildeo que deveraacute isso sim dar azo a uma discussatildeo contiacutenua

que possa contribuir para um aperfeiccediloamento e atualizaccedilatildeo deste regime

59

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Nordm 11 ISSN2386-4567 pp 110-147 agosto de 2019

PEDRO RUTE TEIXEIRA ldquoBreves reflexotildees sobre a proteccedilatildeo do unido de facto quanto agrave casa

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PEREIRA Maria Margarida ldquoDireito da Famiacuteliardquo Lisboa AAFDL Editora 3ordf ed 2019

64

PEREZ FERNANDEZ Luis ldquoLas Uniones Extramatrimoniales En Espantildea iquestEs Necesaria Su

Regulacioacutenrdquo in Revista Juriacutedica de Astuacuterias nordm 40 2017

PINHEIRO Jorge Duarte ldquoO Direito da Famiacutelia Contemporacircneordquo 6ordf ed reimpressatildeo

Lisboa AAFDL 2018

PITAtildeO Joseacute Antoacutenio de Franccedila ldquoOs novos casamentos ou a crise do casamento tradicional

no direito portuguecircs in AAVV Comemoraccedilotildees dos 35 anos do Coacutedigo Civil e dos 25 anos

da Reforma de 1977 vol I Coimbra Editora Coimbra 2004

PITAtildeO Joseacute Antoacutenio de Franccedila ldquoUniatildeo de Facto no Direito Portuguecircs A propoacutesito da Lei

nordm 13599 de 2808rdquo Coimbra Almedina 2000

PITAtildeO Joseacute Antoacutenio de Franccedila ldquoUniotildees de Facto e Economia Comum de acordo com a

Lei nordm 232010 de 30 de agostordquo 3ordf ed Almedina Coimbra 2011

PROENCcedilA Joseacute Joatildeo Gonccedilalves de ldquoDireito da Famiacuteliardquo Lisboa Universidade Lusiacuteada

Editora 2003

RUBELLIN-DEVICHI Jacqueline ldquoDroit de la famillerdquo Paris Dalloz 2001 XXXVII

VARELA Joatildeo de Matos Antunes ldquoDireito da Famiacuteliardquo 5ordf ed vol I Lisboa Livraria

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XAVIER M Rita Aranha da Gama Lobo ldquolaquoEstatuto Privadoraquo dos membros da Uniatildeo De

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XAVIER M Rita Aranha da Gama Lobo ldquoA Uniatildeo de Facto e a Lei Civil no Ensino de

Francisco Manuel Pereira Coelho e Legislaccedilatildeo Atualrdquo em Textos de Direito da Famiacutelia para

Francisco Pereira Coelho Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016

65

JURISPRUDEcircNCIA

Tribunal Constitucional

bull Acoacuterdatildeo nordm 3361986

bull Acoacuterdatildeo nordm 18881996

Supremo Tribunal de Justiccedila

bull Acoacuterdatildeo 9-07-2014 processo nordm 3076111TBLLEE1 S1

bull Acoacuterdatildeo 22-03-2018 processo nordm 6380169T8CBRC1 S1

Tribunal Central Administrativo Norte

bull Acoacuterdatildeo de 13-11-2020 processo nordm 00090151BECBR

Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra

bull Acoacuterdatildeo de 16-10-2012 processo nordm 50091TBALDC1

bull Acoacuterdatildeo de 08-03-2006 processo nordm 419705JTRC

Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa

bull Acoacuterdatildeo de 15-02-2007 processo nordm 62842006-8

bull Acoacuterdatildeo de 29-11-2012 processo nordm 444092TCFUNL1-A-8

bull Acoacuterdatildeo de 24-04-2019 processo nordm 12025160T8LRSL1-2

Tribunal Europeu dos Direitos Humanos

bull Acoacuterdatildeo JOHNSTON C IRLANDA de 18 de dezembro de 1986

bull Acoacuterdatildeo KEEGAN C IRLANDA de 26 de maio de 1994

Tribunal Constitucional Espanhol

bull Sentenccedila nordm 1841990 de 15 de novembro Consultaacutevel em

httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-T-1990-29360

bull Sentenccedila nordm 2221992 de 11 de dezembro Consultaacutevel em

httphjtribunalconstitucionaleses-ESResolucionShow2109

bull Sentenccedila nordm 661994 de 28 de fevereiro Consultaacutevel em

httphjtribunalconstitucionalespt-BRResolucionShow2583

66

bull Sentenccedila nordm 391998 de 17 de fevereiro Consultaacutevel em

httphjtribunalconstitucionalesesResolucionShow3541

bull Sentenccedila nordm 1161999 de 17 de junho Consultaacutevel em

httphjtribunalconstitucionaleses-ESResolucionShow3858

Tribunal Constitucional Francecircs

bull Decisatildeo nordm 2011-155 QPC do Conseil Constitutionnel de 29 de julho Consultaacutevel

em httpswwwconseil-constitutionnelfrdecision20112011155QPChtm

10

LUF ndash Lei da Uniatildeo de Facto (Lei nordm 72001 de 11 de Maio alterada pela Lei nordm 232010

de 30 de Agosto)

PACS ndash Pacto civil de Solidariedade

STJ ndash Supremo Tribunal de Justiccedila

TCE - Tribunal Constitucional Espanhol

TEDH ndash Tribunal Europeu dos Direitos Humanos

11

1 Introduccedilatildeo

O presente estudo visa abordar a questatildeo do problema da prova da coabitaccedilatildeo numa

situaccedilatildeo em que se pretende provar a existecircncia de uma relaccedilatildeo de uniatildeo de facto para que

esta produza os efeitos que os membros pretendam Assim cumpriraacute analisar o regime

juriacutedico da Uniatildeo de Facto comeccedilando pela sua evoluccedilatildeo no nosso ordenamento e sobre a

importacircncia da LUF (Lei nordm 72001 de 11 de Maio alterada pela Lei nordm 232010 de 30 de

Agosto)

Uma vez analisada a proteccedilatildeo oferecida agraves situaccedilotildees de Uniatildeo de Facto

nomeadamente a sua (natildeo) alusatildeo na CRP caberaacute comparaacute-la agrave concedida ao casamento e

observar de que forma a liberdade caracteriacutestica do regime da uniatildeo de facto poderaacute deixar

desprotegidas algumas situaccedilotildees carentes de proteccedilatildeo

De seguida feita uma reflexatildeo geral importaraacute compreender como se constitui a

uniatildeo de facto Passando os membros a viver em comunhatildeo de leito mesa e habitaccedilatildeo e natildeo

sendo essa situaccedilatildeo objeto de registo civil ou administrativo ao contraacuterio do que acontece

em alguns ordenamentos vizinhos que tambeacutem mereceratildeo a nossa anaacutelise torna-se mais

difiacutecil saber de forma exata quando se iniciou para que seja possiacutevel a partir daiacute contar os

dois anos necessaacuterios para que a situaccedilatildeo de facto produza os efeitos previstos no artigo 3ordm

da LUF

A questatildeo primordial eacute assim a prova da situaccedilatildeo de uniatildeo de facto nomeadamente

a prova da coabitaccedilatildeo que se pode revelar sinuosa Perante este cenaacuterio torna-se relevante

analisar jurisprudecircncia nomeadamente o Acoacuterdatildeo do STJ de 22 de Marccedilo de 2018 proferido

no acircmbito do processo nordm 6380169T8CBRC1 S1 relativamente agrave prova da uniatildeo de facto

no campo juriacutedico-civil isto eacute atraveacutes do regime geral do oacutenus da prova previsto no artigo

342ordm do CCiv que atribui a quem pretende invocar um direito provar os factos que o

constituem

A final com a nossa anaacutelise e apreciaccedilatildeo dos entendimentos da jurisprudecircncia e da

doutrina nacional e europeia pretendemos demonstrar a dificuldade da prova da uniatildeo de

facto no nosso ordenamento juriacutedico e procurar propostas de soluccedilotildees que possam facilitar

de alguma forma a comprovaccedilatildeo da existecircncia destas relaccedilotildees cessando as dificuldades que

essa comprovaccedilatildeo origina

12

2 A evoluccedilatildeo da Uniatildeo de Facto no ordenamento juriacutedico portuguecircs

Quando se fala de uniatildeo de facto tem forccedilosamente de se aludir agrave discussatildeo

doutrinal acerca da sua classificaccedilatildeo como relaccedilatildeo (para)familiar que surge em grande

parte pelo disposto no artigo 36ordm n ordm1 CRP1 Pela sua ambiguidade haacute quem pense que a

referecircncia agrave constituiccedilatildeo de famiacutelia engloba a uniatildeo de facto2 sendo o seu reconhecimento

juriacutedico feito pela Constituiccedilatildeo Contudo este preceito natildeo eacute assim interpretado por todos

que entendem que este apenas postula o direito de constituir famiacutelia e estabelece as relaccedilotildees

de filiaccedilatildeo e que apesar da uniatildeo de facto natildeo ser uma relaccedilatildeo de famiacutelia no que respeita agrave

generalidade dos efeitos pode ser assim qualificada para efeitos fiscais de locaccedilatildeo de

seguranccedila social entre outros3 Neste seguimento muitos satildeo os AA que tecircm vindo a

expressar a sua opiniatildeo quanto a esta questatildeo havendo quem considere que a situaccedilatildeo de

facto anaacuteloga agrave dos cocircnjuges se deve considerar uma relaccedilatildeo familiar tanto quanto as

previstas no artigo 1576ordm do Coacutedigo Civil ou seja o casamento o parentesco a afinidade

e a adoccedilatildeo4 E ainda quem defenda que natildeo deve ser qualificada como relaccedilatildeo juriacutedica de

famiacutelia5 ou que o seja apenas em relaccedilatildeo a certos efeitos considerando-a desta forma uma

relaccedilatildeo juriacutedica parafamiliar6

1 1 Todos tecircm o direito de constituir famiacutelia e de contrair casamento em condiccedilotildees de plena igualdade

Disposiccedilatildeo inspirada no art 16ordm DUDH e 12ordm CEDH Cfr JJ GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA

Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa Anotada 4ordf ed revista vol I Coimbra Coimbra Editora 2007 p 559 2 Cfr JJ GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA ob cit p 561 3 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoCasamento e Famiacutelia no direito portuguecircsrdquo In AAVV Temas de Direito

da Famiacutelia Ciclo de Conferecircncias no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados Coimbra

Almedina 1996 p 8 FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoAnotaccedilatildeo ao Ac do STJ de 2 de abril de 1987rdquo in Revista

de Legislaccedilatildeo e Jurisprudecircncia nordm 3782 ano 122 Coimbra 1990 pp 82-83 4 Cfr CARLOS PAMPLONA CORTE-REAL ldquoRelance Criacutetico sobre o Direito de Famiacutelia portuguecircsrdquo in Textos de

Direito da Famiacutelia para FRANCISCO PEREIRA COELHO Coord GUILHERME DE OLIVEIRA Coimbra Imprensa

da Universidade de Coimbra 2016 pp109-110 CARLOS PAMPLONA CORTE-REAL JOSEacute SILVA PEREIRA

ldquoDireito da Famiacutelia Toacutepicos para uma reflexatildeo criacuteticardquo Lisboa AAFDL 2008 p 46 no mesmo sentido

GERALDO DA CRUZ ALMEIDA ldquoDa uniatildeo de facto convivecircncia more uxorio em direito internacional privadordquo

Lisboa Pedro Ferreira Editor 1999 p 184 TELMA CARVALHO ldquoA uniatildeo de facto a sua eficaacutecia juriacutedicardquo in

Comemoraccedilotildees dos 35 anos do Coacutedigo Civil e dos 25 anos da reforma de 1977 vol I Coimbra Coimbra

Editora 2004 pp 223-226 CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova

Relaccedilatildeo Familiarrdquo in Estudos em Homenagem ao Prof Doutor Jorge Miranda Vol VI Faculdade de Direito

da Universidade de Lisboa Coimbra Editora 2012 p 460 e MARIA MARGARIDA PEREIRArdquo Direito da

Famiacuteliardquo Lisboa AAFDL Editora 3ordf ed 2019 pp 641-644 com quem tendemos a concordar embora como

veremos infra tal natildeo significa uma igualdade de tratamento entre a uniatildeo de facto e o casamento 5 Cfr JOAtildeO CASTRO MENDES MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA ldquoDireito da Famiacuteliardquo AAFDL Lisboa 1995 p

14-15 NUNO DE SALTER CID ldquoA Comunhatildeo de Vida agrave Margem do Casamento entre o facto e o Direitordquo

Almedina Coimbra 2005 p 505 FRANCcedilA PITAtildeO ldquoUniotildees de Facto e Economia Comum de acordo com a

Lei nordm 232010 de 30 de agostordquo 3ordf ed Almedina Coimbra 2011 p35 6 Em todas estas relaccedilotildees (as dispostas no art1576ordm CCiv) encontramos um viacutenculo constituiacutedo por direitos

e deveres juriacutedicos reciacuteprocos () As relaccedilotildees juriacutedicas familiares satildeo tendencialmente duradouras e eacute por

13

A designaccedilatildeo uniatildeo de facto foi utilizada pela primeira vez no nosso ordenamento

juriacutedico com a Reforma de 1977 do Coacutedigo Civil7 passando o artigo 2020ordm a prever o direito

de exigir alimentos da heranccedila do falecido por aquele que com ele vivesse haacute mais de dois

anos em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges No entanto jaacute no Coacutedigo Civil de 1966 no

seu artigo 1860ordm se falava em comunhatildeo duradoura de vida em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos

cocircnjuges o que quer dizer que o fenoacutemeno da uniatildeo de facto enquanto facto social jaacute existia

antes dessa primeira referecircncia no Coacutedigo de 19778 A expressatildeo que remete para a vivecircncia

em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges no artigo 2020ordm foi utilizada por vaacuterias leis avulsas

que foram conferindo agraves pessoas que vivessem nessa situaccedilatildeo outros direitos como o direito

agraves pensotildees de sobrevivecircncia o de beneficiar do regime de feacuterias feriados e faltas semelhante

aos dos cocircnjuges e ainda no que respeita ao regime juriacutedico do arrendamento para habitaccedilatildeo

foi reconhecido o direito agrave transmissatildeo do arrendamento agrave pessoa que tenha vivido em uniatildeo

de facto com o arrendataacuterio falecido desde que essa relaccedilatildeo se tenha mantido por mais de

cinco anos9

Todavia soacute com a Lei nordm 13599 de 28 de Agosto eacute que passou a existir um

diploma legal que reunisse as medidas de proteccedilatildeo da uniatildeo de facto que ateacute agrave data se

encontravam dispersas pelas vaacuterias leis avulsas10 o que resultou de certa forma numa

institucionalizaccedilatildeo11 da uniatildeo de facto Em 2001 foi revogada e substituiacuteda pela Lei nordm

isso que satildeo sujeitas a registo gerando um estado civil () tecircm tambeacutem como caracteriacutestica a tipicidade estatildeo

previstas na lei bem como os factos juriacutedicos que lhes datildeo origem o seu conteuacutedo tipico as causas da sua

extinccedilatildeo () natildeo se pode considerar como familiar uma relaccedilatildeo que natildeo esteja prevista como tal na lei Cfr

RITA LOBO XAVIER ldquolaquoEstatuto Privadoraquo dos membros da Uniatildeo De Factordquo in RJLB Ano 2 2016 pp1511-

1513 No mesmo sentido Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ldquoCurso de Direito da

Famiacuteliardquo 5ordf ed vol I Coimbra Coimbra Editora 2015 p 34 65-67 JORGE DUARTE PINHEIRO ldquoO Direito

da Famiacutelia Contemporacircneordquo 6ordf ed Lisboa AAFDL 2018 p 43 ANTUNES VARELA ldquoDireito da Famiacuteliardquo 5ordf

ed vol I Lisboa Livraria Petrony1999 p 31 DIOGO LEITE DE CAMPOS ldquo Liccedilotildees de Direito da Famiacuteliardquo 2ordf

Ed Almedina Coimbra 1997 p21 MARTA COSTA ldquoConvivecircncia more uxorio na perspetiva de

harmonizaccedilatildeo do Direito da Famiacutelia Europeu uniotildees homossexuaisrdquo 1ordf ed Coimbra Coimbra Editora 2011

p 108 e SANDRA PASSINHAS ldquoUniatildeo de Facto em Portugalrdquo in Actualidad Juriacutedica Iberoamericana Nordm 11

pp 110-147 Agosto de 2019 p115 7 Mais concretamente com a alteraccedilatildeo feita pelo Decreto-Lei nordm 49677 de 25 de novembro 8 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p57 9 Para mais desenvolvimentos cfr HELENA MOTA ldquoO problema normativo da famiacutelia ndash Breve reflexatildeo a

propoacutesito das medidas de proteccedilatildeo agrave uniatildeo de facto adotadas pela lei n ordm13599 de 28 de Agostordquo in Estudos

em Comemoraccedilatildeo dos 5 anos da FDUP 2001 p548-553 10 Cfr FRANCcedilA PITAtildeO ldquoUniatildeo de Facto no Direito Portuguecircs A propoacutesito da Lei nordm 13599 de 2808rdquo

Coimbra Almedina 2000 p36 No mesmo sentido RITA LOBO XAVIER ldquoEstatuto Privadordquo dos membros da

Uniatildeo De Factordquo in RJLB ano 2 2016 p 1499 11 Expressatildeo utilizada por FRANCISCO PEREIRA COELHO para definir a existecircncia de regulaccedilatildeo proacutepria da uniatildeo

de facto Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p68

14

72001 de 110512 atual LUF que aleacutem de regular situaccedilotildees de uniatildeo de facto entre pessoas

de sexo diferente daacute relevacircncia juriacutedica agrave uniatildeo de facto entre pessoas do mesmo sexo

Apesar de natildeo ter representado uma transformaccedilatildeo significativa do conjunto de direitos e

deveres juridicamente conferidos agrave uniatildeo de facto limitando-se em boa parte a reconhecer

direitos conferidos por leis que jaacute existiam acresce algumas disposiccedilotildees inovadoras13 Sendo

claramente as mais relevantes o facto de permitir agraves pessoas de sexo diferente que vivessem

em uniatildeo de facto a adoccedilatildeo conjunta de menores nos mesmos termos que os cocircnjuges

previstos no artigo 1979ordm n ordm1 do CCiv14 e o alargamento das medidas de proteccedilatildeo por ela

concedidas agraves pessoas do mesmo sexo que viviam em uniatildeo de facto15

Posteriormente com a alteraccedilatildeo feita pela Lei nordm 232010 de 30 de agosto visou-

se essencialmente aumentar os efeitos que se produzem apoacutes a morte de um dos membros

da uniatildeo de facto ou apoacutes a sua rutura16 Tendo em vista dessa forma a proteccedilatildeo social do

membro sobrevivo que fique em situaccedilatildeo difiacutecil no que concerne agrave conservaccedilatildeo da sua

12 Alterada pela Lei 232010 de 3008 13 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p68 14 Art7ordm da LUF Nos termos do atual regime de adoccedilatildeo constante do livro IV tiacutetulo IV do Coacutedigo Civil eacute

reconhecido a todas as pessoas que vivam em uniatildeo de facto nos termos da presente lei o direito de adoccedilatildeo

em condiccedilotildees anaacutelogas agraves previstas no artigo 1979ordm do Coacutedigo Civil sem prejuiacutezo das disposiccedilotildees legais

respeitantes agrave adoccedilatildeo por pessoas natildeo casadas 15 A lei 72001 de 1105 resulta da discussatildeo de alguns projetos de lei elaborados por partidos poliacuteticos A

propoacutesito da vigecircncia da lei nordm 13599 que continuava a natildeo proteger juridicamente as relaccedilotildees dos unidos de

facto do mesmo sexo o partido ldquoOs Verdesrdquo apresentou o projeto de lei nordm 6VIII (consultaacutevel em

httpswwwparlamentoptActividadeParlamentarPaginasDetalheIniciativaaspxBID=6374) que pretendia

alterar o nordm1 do art 1ordm da lei em vigor eliminando a referecircncia a pessoas de sexo diferente passando os casais

de orientaccedilatildeo homossexual a ter acesso aos benefiacutecios previstos na LUF com exceccedilatildeo da possibilidade de

adoccedilatildeo que ficaria reservada aos casais heterossexuais Apresentando o projeto de lei nordm 45VIII (consultaacutevel

em

httpswwwparlamentoptActividadeParlamentarPaginasDetalheIniciativaaspxBID=6308) surge o Bloco

de Esquerda tencionando a modificaccedilatildeo do mesmo preceito para que se reconhecessem as uniotildees

homossexuais e ainda que se afastasse da lei o prazo miacutenimo de duraccedilatildeo de convivecircncia se estas situaccedilotildees

fossem registadas passando o art 1ordm n ordm1 a ter a seguinte redaccedilatildeo a presente lei regula a situaccedilatildeo juriacutedica

das pessoas que vivem em uniatildeo de facto O PCP por sua vez apresentou o nordm 145VIII tendo como objetivo

a revogaccedilatildeo da lei que vigorava substituindo-a por uma legislaccedilatildeo que fosse aplicaacutevel a quem vivesse em

uniatildeo de facto haacute mais de dois anos independentemente do sexo corroborava a proteccedilatildeo da casa de morada

comum garantindo a preferecircncia do outro para efeitos de venda ou arrendamento em caso de morte de um dos

membros e pretendia que o acesso a prestaccedilotildees por morte fosse mais flexiacutevel contudo o regime da adoccedilatildeo

continuava reservado aos casais heterossexuais O PS apresentou o projeto de lei nordm 105VIII (consultaacutevel

em httpswwwparlamentoptActividadeParlamentarPaginasDetalheIniciativaaspxBID=6195) que

apesar de natildeo se referir especificamente a uniotildees de facto visava que a proteccedilatildeo concedida pela lei nordm13599

se estendesse a um novo regime denominado de economia comum distinguindo-o do regime aplicaacutevel agraves

uniotildees de facto pela absoluta irrelevacircncia da orientaccedilatildeo sexual das pessoas a quem se confere proteccedilatildeo legal

pretendendo assim a tutela de duas pessoas que vivessem em economia comum haacute mais de dois anos Para

mais desenvolvimentos cfr MARTA COSTA ob cit pp 346-348 16 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p70

15

habitaccedilatildeo e aos meios de subsistecircncia miacutenimos17 Haacute quem considere que apesar das

alteraccedilotildees o regime da uniatildeo de facto portuguecircs em comparaccedilatildeo com muitos sistemas

juriacutedicos eacute modesto e continua a ser o que menos efeitos atribui agrave uniatildeo de facto18 Uma vez

que continua a acolher-se neste domiacutenio uma proteccedilatildeo fragmentaacuteria e especialmente

dirigida a cenaacuterios de crise em que as debilidades dos membros se concretizem com mais

intensidade19 Contudo essa moderaccedilatildeo eacute uma escolha sendo intenccedilatildeo do legislador natildeo

atribuir efeitos imperativos por entender que pode haver quem natildeo queira uma regulaccedilatildeo tatildeo

abrangente de determinadas situaccedilotildees deixando que os proacuteprios membros se possam

organizar privadamente20 O que leva a que no regime da uniatildeo de facto natildeo haja regulaccedilatildeo

juriacutedica relativamente ao seu registo agraves invalidades que podem existir na sua constituiccedilatildeo e

ainda no que respeita ao regime de bens agrave administraccedilatildeo do patrimoacutenio agraves ilegitimidades

de disposiccedilatildeo agrave proibiccedilatildeo de contratos ou regulaccedilatildeo de participaccedilatildeo em sociedades nem no

que toca aos efeitos sucessoacuterios e agrave extinccedilatildeo da situaccedilatildeo de uniatildeo de facto21

Ainda que natildeo defina o conceito de uniatildeo de facto a LUF no seu artigo 1ordm nordm 2

identifica o seu objeto como a situaccedilatildeo juriacutedica de duas pessoas que independentemente do

sexo vivam em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges haacute mais de dois anos Dito isto pode

depreender-se que eacute necessaacuterio que duas pessoas vivam em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos

cocircnjuges haacute mais de dois anos e ainda que segundo o previsto no artigo 2ordm da LUF entre

os membros da uniatildeo natildeo se verifique nenhum dos impedimentos aiacute mencionados No que

concerne agrave constituiccedilatildeo da uniatildeo de facto e ao desenvolvimento dos impedimentos agrave mesma

abordaremos a questatildeo mais adiante

17Art 5ordm e 6ordm da LUF Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ldquoNotas sobre a lei nordm 232010 de 30 de agosto (Alteraccedilatildeo

agrave lei das uniotildees de facto)rdquo in Lex Familiae Coimbra Editora 2012 p 146 A lei nova encara mais nitidamente

a necessidade de proteccedilatildeo do membro sobrevivo da uniatildeo de facto e daacute-lhe prioridade relativamente aos filhos

() considera que a proteccedilatildeo da casa de morada eacute o nuacutecleo irredutiacutevel da proteccedilatildeo conferida ao membro

sobrevivo da uniatildeo de facto e portanto garante a proteccedilatildeo mesmo contra a vontade do falecido 18 Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 153 FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob

cit p 69 19 Cfr RUTE TEIXEIRA PEDRO ldquoBreves reflexotildees sobre a proteccedilatildeo do unido de facto quanto agrave casa de morada

de famiacutelia propriedade do companheiro falecidordquo in AAVV Textos de Direito da Famiacutelia para FRANCISCO

PEREIRA COELHO coord GUILHERME DE OLIVEIRA Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016

p310 20 De realccedilar que em 2001 o nuacutemero registado de pessoas a viver em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges foi

de 381 mil indiviacuteduos e em 2011 quase que duplicou perfazendo o total de 730 mil indiviacuteduos Dados

consultaacuteveis em

httppordataptPortugalPopulaC3A7C3A3o+residente+segundo+os+Censos+em+uniC3B5es+

de+facto-2649-222898 21 Para aleacutem do disposto no art 8ordm da LUF Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 153 FRANCISCO PEREIRA

COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 70

16

3 A uniatildeo de facto e a Constituiccedilatildeo da Reacutepublica Portuguesa

Ainda na linha de pensamento do ponto anterior no que respeita ao artigo 36ordm n ordm1

da CRP importa dizer que esta norma determina que todos tecircm o direito de constituir famiacutelia

e de contrair casamento em condiccedilotildees de igualdade22 ou seja pode considerar-se que este

artigo consagra essencialmente dois direitos o de constituir famiacutelia e o de casar23 Nesta

senda importa tambeacutem debruccedilarmo-nos sobre a proteccedilatildeo que a Constituiccedilatildeo oferece agrave uniatildeo

de facto

Jaacute referimos que certos AA como GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA24

defendem que o que parece decorrer do nordm1 do artigo 36ordm CRP eacute que a Constituiccedilatildeo natildeo

admite a reduccedilatildeo do conceito de famiacutelia agrave uniatildeo conjugal baseada no casamento havendo

outras formas de constituiccedilatildeo de famiacutelia aleacutem do casamento como a uniatildeo de facto isto eacute

ao distinguir a famiacutelia do casamento o legislador pretendeu demonstrar que se tratam de

realidades diversas e que o direito a constituir famiacutelia natildeo estaacute vedado a quem natildeo pretenda

contrair casamento25 Segundo esta corrente doutrinaacuteria haacute uma abertura constitucional - se

natildeo mesmo uma obrigaccedilatildeo - para conferir relevo agraves uniotildees familiares de facto tendo em

consideraccedilatildeo que o conceito constitucional natildeo abrange apenas a famiacutelia

matrimonializada26 Apesar de afirmarem o reconhecimento da uniatildeo de facto como relaccedilatildeo

juriacutedica familiar postulam que tal natildeo implica que haja um tratamento legal totalmente

22 A sua interpretaccedilatildeo deve ser feita como se o n ordm1 do art36ordm prescrevesse que laquotodos tecircm o direito de

constituir famiacutelia em condiccedilotildees que natildeo violem o princiacutepio da igualdade definido no artigo 13ordmraquo Tendo em

conta que ao espiacuterito desta norma constitucional natildeo repugna efetivamente aceitar as limitaccedilotildees resultantes

da legislaccedilatildeo vigente quer em mateacuteria de impedimentos matrimoniais() Cfr ANTUNES VARELA ldquoDireito da

Famiacuteliardquo 5ordf ed vol I Lisboa Livraria Petrony 1999 p 158 23 Em sentido diverso Cfr JOAtildeO DE CASTRO MENDES ldquoFamiacutelia e casamentordquo in Estudos sobre a Constituiccedilatildeo

JORGE MIRANDA (coord) vol I Lisboa Livraria Petrony 1977 p 372 que entende que os dois direitos

reduzem-se a um soacute E ainda Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoCasamento e Famiacutelia no direito portuguecircsrdquo

obcit p 8 que entende que ao contraacuterio do que acontece no artigo 16ordm DUDH o legislador portuguecircs optou

por colocar o direito a constituir famiacutelia agrave frente do direito de contrair casamento na disposiccedilatildeo do n ordm1 do art

36ordm natildeo se sabe bem porquecirc 24Cfr J GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA ob cit p561 CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo

Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova Relaccedilatildeo Familiarrdquo in Estudos em Homenagem ao Prof Doutor Jorge

Miranda Vol VI Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Coimbra Editora 2012 p 453 HENRICH

EWALD HOumlRSTER ldquoInconstitucionalidade da Tributaccedilatildeo Conjunta dos Cocircnjugesrdquo in Revista de Direito e

Economia da Universidade de Coimbra Ano III nordm 2 Julho ndash Dezembro 1977 p 506 25 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova Relaccedilatildeo Familiarrdquo

obcit p 453 CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoA jurisprudecircncia do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e as

Novas Formas de Famiacutelia ndash The European Court of Human Rights and The New Concept of Familyrdquo in Revista

Juriacutedica da Universidade Portucalense nordm15 Universidade Portucalense Porto 2012 p 36 Neste sentido

vide Acoacuterdatildeo Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 15-02-2007 proferido no acircmbito do processo nordm 62842006-

8 26 Cfr JJ GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA ob cit p 561

17

idecircntico entre as famiacutelias natildeo matrimonializadas e as famiacutelias baseadas no casamento desde

que as distinccedilotildees feitas natildeo sejam arbitraacuterias irrazoaacuteveis ou desproporcionadas e tenham

em conta todos os direitos e interesses em jogo27

De outra parte FRANCISCO PEREIRA COELHO e GUILHERME DE OLIVEIRA defendem

que a 1ordf parte do n ordm1 do artigo 36ordm CRP ao estabelecer que todos tecircm direito de constituir

famiacutelia esse diz respeito essencialmente agraves relaccedilotildees de filiaccedilatildeo pois o direito de constituir

famiacutelia eacute antes de mais o direito a procriar e ainda o direito a estabelecer as

correspondentes relaccedilotildees de paternidade e maternidade28 Relativamente agrave 2ordf parte do

mesmo artigo alertam para o facto de natildeo se poder reconduzir a uniatildeo de facto a uma

dimensatildeo ou vertente negativa do direito de contrair casamento uma vez que a dimensatildeo

negativa desse direito eacute o de natildeo casar2930

Embora entendam que este artigo natildeo oferece proteccedilatildeo constitucional agrave uniatildeo de

facto isso natildeo quer dizer que esta fique desprotegida constitucionalmente Para estes AA o

princiacutepio de proteccedilatildeo da uniatildeo de facto decorre do direito ao desenvolvimento da

personalidade previsto no nordm1 do artigo 26ordm CRP considerando-o como o direito do

indiviacuteduo a afirmar livremente a sua identidade31 como sujeito autoacutenomo dotado de

autodeterminaccedilatildeo decisoacuteria32 sem estar vinculado a modelos externamente impostos e

conferindo-lhe o direito a viver a sua vida do modo que escolher podendo dizer-se que

estabelecer uma uniatildeo de facto eacute uma manifestaccedilatildeo desse direito33

A proteccedilatildeo conferida pelo direito ao desenvolvimento da personalidade natildeo exige

que o legislador conceda agrave uniatildeo de facto efeitos semelhantes aos que oferece ao casamento

equiparando o que natildeo eacute igual visto que os membros da uniatildeo de facto natildeo assumem um

27 Como por exemplo os direitos dos filhos Idem 28 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 60 29 Idem 30 Mais amplo do que viver em uniatildeo de facto pois pode ainda significar ficar em solidatildeo relacionar-se

esporadicamente ou pontualmente ou ateacute viver em promiscuidade Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e

Personalidaderdquo Almedina Coimbra 2017 p 237 No mesmo sentido Cfr NUNO SALTER CID ldquoSobre o

Direito de natildeo Contrair Casamentordquo in Famiacutelia Consciecircncia Secularismo e Religiatildeo 1ordf Ediccedilatildeo Coimbra

Editora 2010 p 28 O direito de natildeo contrair casamento o tal direito fundamental que a Constituiccedilatildeo

implicitamente confere e protege como dimensatildeo ou vertente negativa do direito de contrair casamento eacute na

verdade e apenas o direito de se negar a contrair casamento o direito natildeo ser forccedilado a casar-se um direito

que natildeo exerce apenas quem opta por viver em uniatildeo de facto mas tambeacutem quem opta por manter-se solteiro

divorciado ou viuacutevo (de Direito ou de facto) 31 Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e Personalidaderdquo ob cit p 237 32 Cfr JJ GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA ob cit p 463 33 Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e Personalidaderdquo ob cit p 237

18

compromisso de vida por natildeo quererem ou natildeo o poderem fazer Equiparar o que eacute diferente

nesta medida poderia ser julgado inconstitucional pois iria impor agraves pessoas que vivem em

uniatildeo de facto os mesmos deveres e conceder os mesmos direitos que impotildee e concede agraves

que satildeo casadas violando o direito a natildeo casar sendo-lhes forccedilado um estatuto que em

princiacutepio rejeitaram por vontade proacutepria

Conveacutem ainda referir que no que toca ao princiacutepio da proteccedilatildeo da famiacutelia previsto

no artigo 67ordm CRP este natildeo impotildee ao legislador ordinaacuterio a atribuiccedilatildeo de efeitos favoraacuteveis

agrave uniatildeo de facto mas tambeacutem natildeo proiacutebe que sejam concedidos agrave mesma os efeitos que

considere adequados e justificados34 FRANCISCO PEREIRA COELHO considera ainda que este

princiacutepio constitucional natildeo visa apenas a famiacutelia conjugal35 ao contraacuterio de CASTRO

MENDES que explica que soacute faz sentido valer neste contexto a famiacutelia fundada no

casamento natildeo devendo a lei passar um laquocheque em brancoraquo a quaisquer formas de

sociedade familiar36 Por sua vez SANDRA PASSINHAS defende que apesar da uniatildeo de facto

natildeo ser uma forma de contrair casamento e natildeo caber no acircmbito de proteccedilatildeo do artigo 36ordm

da CRP isso natildeo inibe que o casal nascido da uniatildeo de facto juridicamente protegida

tambeacutem seja considerado famiacutelia para efeitos da proteccedilatildeo institucional conferida pelo

artigo 67ordm CRP37 pois entende que seria inaceitaacutevel que no acircmbito normativo do artigo 67ordm

CRP natildeo coubessem as relaccedilotildees parafamiliares como a uniatildeo de facto38 Nesta ordem de

ideias eacute possiacutevel aferir que a constituiccedilatildeo natildeo permite penalizar a uniatildeo de facto ou equiparaacute-

la ao casamento39

34 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoAnotaccedilatildeo ao Ac do STJ de 2 de abril de 1987rdquo in Revista de Legislaccedilatildeo

e Jurisprudecircncia nordm 3782 ano 122 Coimbra 1990 p84 35 Idem Entendendo que o princiacutepio constitucional visa abranger a famiacutelia natural e ainda a adotiva 36 Cfr JOAtildeO DE CASTRO MENDES ldquoFamiacutelia e casamentordquo in Estudos sobre a Constituiccedilatildeo JORGE MIRANDA

(coord) vol I Lisboa Livraria Petrony 1977 p 373 37 Referindo em abono da posiccedilatildeo que defende o modo como o legislador na LUF em cumprimento do

disposto no art 67ordm nordm2 da CRP conformou a posiccedilatildeo dos unidos de facto no sentido de lhes conceder

proteccedilatildeo da casa de morada de famiacutelia de os beneficiar com o regime juriacutedico aplicaacutevel a pessoas casadas

em mateacuteria de feacuterias feriados faltas licenccedilas e de preferecircncia na colocaccedilatildeo dos trabalhadores da

Administraccedilatildeo Puacuteblica com a aplicaccedilatildeo do regime do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares

concedendo-lhes proteccedilatildeo socia na eventualidade de morte do beneficiaacuterio por aplicaccedilatildeo do regime geral ou

de regimes especais de seguranccedila social bem como prestaccedilotildees por morte resultante de acidente de trabalho

ou doenccedila profissional a pensatildeo do preccedilo de sangue e por serviccedilos excecionais e relevantes prestados ao paiacutes

ou a inclusatildeo do unido de facto no elenco dos titulares do direito agrave indemnizaccedilatildeo por danos natildeo patrimoniais

por morte da viacutetima no nordm3 do art 496ordm SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e Personalidaderdquo obcit p240 38 Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e Personalidaderdquo obcit p 231 39 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p64

19

A propoacutesito dos diplomas internacionais cabe referir que a Declaraccedilatildeo Universal

dos Direitos do Homem40 inclui dois princiacutepios relativos agrave famiacutelia Primeiramente no seu

artigo 12ordm onde estabelece o direito ao respeito pela vida familiar seguido do artigo 16ordm que

abrange no seu nordm 1 o direito de casar e de constituir famiacutelia e no seu nordm 3 reconhece a

famiacutelia como elemento natural e fundamental da sociedade tendo direito agrave proteccedilatildeo desta e

do Estado Tambeacutem a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem41 conteacutem dois

princiacutepios dedicados agrave famiacutelia o direito ao respeito pela vida privada e familiar previsto no

seu artigo 8ordm e por sua vez o direito a casar e a constituir famiacutelia estando este disposto no

artigo seu 12ordm Nestes diplomas o legislador internacional tal como o legislador nacional

natildeo assegura uma definiccedilatildeo de famiacutelia ou casamento levando a que se concretizem e sejam

interpretados de forma diversa consoante o substrato social de quem o faz42 Pois como

defende CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS43 eacute inegaacutevel as transformaccedilotildees que o conceito de famiacutelia

tradicional tem sofrido dando origem a novas formas de famiacutelia como as de facto as

monoparentais as recombinadas e as homossexuais Nesta senda note-se que o Tribunal

Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) apesar de ter em conta a tutela do casamento e

encorajar a famiacutelia tradicional44 tem vindo a considerar que o artigo 8ordm CEDH natildeo se refere

apenas agrave famiacutelia constituiacuteda com base no casamento como acontece no artigo 12ordm CEDH

podendo conceder tutela a outros laccedilos familiares como as uniotildees de facto45

40 Proclamada pela Assembleia Geral das Naccedilotildees Unidas em Paris a 10 de dezembro de 1948 41 Assinada a 4 de novembro de 1950 em Roma tendo entrado em vigor em 1953 A adesatildeo de Portugal deu-

se apenas em 1978 42 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova Relaccedilatildeo Familiarrdquo

obcit p 458 43 Idem 44 Neste sentido e para mais desenvolvimentos Cfr SUSANA ALMEIDA ldquoO Respeito pela Vida (Privada e)

Familiar na Jurisprudecircncia do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem A tutela das Novas Formasrdquo

Coimbra Editora 2008 p 165 45 Article 8 (art 8) applies to the family life of the illegitimate family as well as to that of the legitimate

family Ac JOHNSTON C IRLANDA 18 de dezembro de 1986 p19 consultaacutevel em

httpshudocechrcoeinteng22itemid22[22001-5750822

The Court recalls that the notion of the family in this provision is not confined solely to marriage-based

relationships and may encompass other de facto family ties where the parties are living together outside of

marriage Ac KEEGAN C IRLANDA de 26 de maio de 1994 p13 consultaacutevel em

httpshudocechrcoeinteng22itemid22[22001-5788122]

20

31 A uniatildeo de facto e o casamento ndash liberdade mas e proteccedilatildeo

Como jaacute haviacuteamos referido tanto a proteccedilatildeo conferida pelo direito ao

desenvolvimento da personalidade quanto a que se entenda que eacute dada pelo artigo 36ordm CRP

natildeo exige que o legislador atribua agrave uniatildeo de facto efeitos semelhantes aos do casamento

equiparando os dois institutos Esta diferenccedila de tratamento de situaccedilotildees distintas natildeo viola

o princiacutepio da igualdade previsto no artigo 13ordm CRP visto que esta norma apenas proiacutebe as

discriminaccedilotildees arbitraacuterias ou sem fundamento46 Tratam-se de situaccedilotildees materialmente

diferentes enquanto no casamento se assume um compromisso de vida em comum

sujeitando-se a um viacutenculo juriacutedico47 um contrato entre duas pessoas que pretendem

constituir famiacutelia mediante uma plena comunhatildeo de vida na uniatildeo de facto os membros natildeo

querem ou natildeo podem assumir esse compromisso48

Antes de nos dedicarmos ao estudo do contraste que o regime da uniatildeo de facto e o

casamento apresentam em concreto conveacutem relembrar a noccedilatildeo de casamento no nosso

ordenamento juriacutedico Assim segundo o artigo 1577ordm CCiv o casamento constitui um

contrato4950 um compromisso juriacutedico assumido por duas pessoas que se vinculam entre si

mediante uma plena comunhatildeo de vida Ainda que o Coacutedigo Civil natildeo defina explicitamente

o que significa plena comunhatildeo de vida eacute possiacutevel aferir-se pelos preceitos subsequentes

que esta deve ser guiada pelos deveres de respeito fidelidade coabitaccedilatildeo cooperaccedilatildeo e

46 Acoacuterdatildeo Tribunal Constitucional nordm 33686 p 3807 Neste artigo reconhece-se o direito agrave diferenccedila desde

que esta natildeo ultrapasse os limites da tolerabilidade ou da discricionariedade Acoacuterdatildeo Tribunal Constitucional

nordm 11881996 O princiacutepio da igualdade (artigo 13ordm da Constituiccedilatildeo) impotildee se decirc tratamento igual ao que for

essencialmente igual e se trate diferentemente o que diferente for Natildeo proiacutebe as distinccedilotildees de tratamento se

materialmente fundadas proiacutebe isso sim a discriminaccedilatildeo as diferenciaccedilotildees arbitraacuterias ou irrazoaacuteveis

carecidas de fundamento racional No mesmo sentido vide Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de

08-03-2006 proferido no acircmbito do processo nordm 419705JTRC 47 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova Relaccedilatildeo Familiarrdquo

obcit p 460 48 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p63 49Apesar da sua contratualidade ser afirmada na sua definiccedilatildeo legal esta eacute contestada Haacute quem qualifique o

casamento como um mero acordo outros como instituiccedilatildeo ou ainda como um puro ato administrativo vendo

a declaraccedilatildeo do funcionaacuterio do registo civil como o elemento constitutivo do casamento e o consentimento

das partes como um simples pressuposto dessa declaraccedilatildeo Cfr mais desenvolvidamente FRANCISCO PEREIRA

COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit pp 232- 235 e ainda TELMA CARVALHO ob cit p 230 50 Cfr FRANCcedilA PITAtildeO ldquoOs novos casamentos ou a crise do casamento tradicional no direito portuguecircs in

AAVV Comemoraccedilotildees dos 35 anos do Coacutedigo Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977 vol I Coimbra

Editora Coimbra 2004 pp 178-179

21

assistecircncia (artigo 1672ordm CCiv) aleacutem disso deve ser exclusiva (artigo 1601ordm CCiv) e tendo

em vista a perpetuidade (artigo 1773ordm CCiv)

A solenidade de formalizaccedilatildeo de vontades necessaacuteria no casamento (artigo 1615ordm

CCiv) em contraposiccedilatildeo agrave falta de forma de celebraccedilatildeo uniatildeo de facto tem sido a principal

diferenccedila apontada pela doutrina entre estas duas formas de vida Dado que no casamento

haacute a expressatildeo de duas vontades atraveacutes de uma declaraccedilatildeo expressa perante uma entidade

puacuteblica que abrange todo o conteuacutedo do casamento Os nubentes ao declararem que aceitam

casar estatildeo simultaneamente a aceitar os efeitos legais do casamento tal como prevecirc o

regime obrigatoacuterio do artigo 1618ordm nordm 1 CCiv Aceitam todos os deveres reciacuteprocos e

tambeacutem os efeitos patrimoniais onde vatildeo tendo uma autonomia privada ainda que limitada

atraveacutes das convenccedilotildees antenupciais51 Isto eacute na uniatildeo de facto haacute uma intencionalidade52

de viver em comunhatildeo plena de vida com outra pessoa no casamento aleacutem da

intencionalidade da plena comunhatildeo de vida haacute a intenccedilatildeo de celebrar o casamento com

tudo o que o seu regime legal acarreta

No caso da uniatildeo de facto essa intencionalidade natildeo eacute declarada de forma solene ou

formal eacute um acordo iacutentimo realizado entre os membros da situaccedilatildeo de facto que natildeo eacute

reconhecido por nenhum ente estadual53 Por outro lado a realizaccedilatildeo do casamento aleacutem de

implicar todo um processo preliminar que tem por fim um despacho final que no caso de ser

favoraacutevel pressupotildee a celebraccedilatildeo do casamento no prazo de seis meses subsequentes a essa

autorizaccedilatildeo tem forma puacuteblica e a sua celebraccedilatildeo acarreta o seu registo (artigo 1ordm al d)

CRegCiv) Este registo eacute obrigatoacuterio e comporta uma elevada importacircncia visto que soacute com

o reconhecimento do casamento pelo Conservador do Registo Civil (artigo 1615ordm CCiv) eacute

possiacutevel fazer a prova do estado civil das pessoas Eacute a uacutenica prova legalmente admitida do

casamento sendo que enquanto este natildeo for registado natildeo pode ser invocado54 Devido agrave

uniatildeo de facto natildeo implicar uma alteraccedilatildeo no estado civil dos membros por natildeo estar sujeita

a registo torna a falta de publicidade no que concerne agrave elaboraccedilatildeo deste estudo a grande

diferenccedila entre este regime juriacutedico e o do casamento e o que tem maior repercussatildeo no

51 Cfr TELMA CARVALHO ob cit p 229 52 Cfr TELMA CARVALHO ob cit p 230 53 Cfr TELMA CARVALHO ob cit p 237 54 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 337

22

regime protecional dos unidos de facto jaacute que o que natildeo pode ser provado em princiacutepio

natildeo pode ser protegido

Aleacutem da dificuldade da prova da uniatildeo de facto quer diante o Estado quer em face

a terceiros a falta do seu registo impede o controlo da sua existecircncia e do cumprimento dos

seus requisitos por parte do Estado Abordaremos a questatildeo da dificuldade da prova

resultante da falta de publicidade da uniatildeo de facto mais aprofundadamente na parte a ela

dedicada

Ateacute aqui apresentamos diferenccedilas de caraacuteter puramente formal nomeadamente no

que respeita agrave natureza contratual do casamento agrave solenidade da celebraccedilatildeo do mesmo e

ainda quanto agrave sua publicidade em contrapartida com o que acontece com a uniatildeo de facto

tendo umas mais importacircncia objetiva que outras Cabe agora analisar as diferenccedilas que tecircm

sido apontadas aos efeitos juriacutedicos praacuteticos Nomeadamente a necessidade de decurso de

prazo de dois anos para que a lei atribua agrave uniatildeo de facto efeitos juriacutedicos uma vez que no

nordm 2 do artigo 1ordm da LUF estaacute previsto que a uniatildeo de facto eacute a situaccedilatildeo juriacutedica de duas

pessoas que independentemente do sexo vivam em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges haacute

mais de dois anos Haacute entatildeo uma exigecircncia do decurso de dois anos55 dessa convivecircncia para

que a situaccedilatildeo anaacuteloga agrave dos cocircnjuges seja considerada uniatildeo de facto Ao passo que o

casamento se considera constituiacutedo com a declaraccedilatildeo de vontade de cada nubente e celebrado

perante uma entidade competente natildeo necessitando da decorrecircncia de nenhum prazo para

que se considere constituiacutedo

Eacute de notar alguma diferenccedila ainda no que se refere agrave cessaccedilatildeo do casamento e agrave

dissoluccedilatildeo da uniatildeo de facto O artigo 1773ordm CCiv determina que o divoacutercio pode ser por

muacutetuo consentimento ou sem consentimento de um dos cocircnjuges - desde que se verifiquem

algum dos fundamentos de rutura previstos no artigo 1781ordm CCiv - ou seja natildeo basta o

simples afastamento dos cocircnjuges para que o casamento cesse haacute um viacutenculo formal que

tem de ser dissolvido A uniatildeo de facto dissolve-se quando cessar o facto da uniatildeo56 isto eacute

55 Noutras regulamentaccedilotildees especiacuteficas esse prazo pode variar () por exemplo no caso da transmissatildeo de

arrendamento por morte do unido o prazo de um ano basta na Lei da Nacionalidade jaacute eacute exigida a duraccedilatildeo de

trecircs anos para que um estrangeiro possa declarar querer adquirir a nacionalidade portuguesa com fundamento

na uniatildeo de facto SANDRA PASSINHAS ldquoUniatildeo de Facto em Portugalrdquo ob cit p113 56 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo in AAVV Textos de Direito da Famiacutelia para Pereira Coelho GUILHERME OLIVEIRA (coord)

Imprensa da Universidade de Coimbra 2016 p 91

23

com a rutura da efetiva comunhatildeo de vida que acontece com a verificaccedilatildeo de alguma das

situaccedilotildees mencionadas no nordm 1 do artigo 8ordm da LUF

Veja-se entre noacutes a uniatildeo de facto eacute objeto de atribuiccedilatildeo de alguns efeitos juriacutedicos

poreacutem no que respeita ao domiacutenio das relaccedilotildees patrimoniais e agrave regulamentaccedilatildeo das

consequecircncias da sua dissoluccedilatildeo natildeo haacute nenhuma norma reguladora Isto eacute natildeo existe

regulamentaccedilatildeo quanto ao regime de bens e natildeo sendo em princiacutepio de aplicar

analogicamente o regime juriacutedico do casamento57 os membros da uniatildeo de facto sentem a

necessidade de criarem eles proacuteprios um estatuto juriacutedico que regule determinados

problemas que possam surgir da sua comunhatildeo de vida com base no princiacutepio da autonomia

da vontade58 Em alguns ordenamentos juriacutedicos59 a soluccedilatildeo para esta questatildeo eacute o contrato

de coabitaccedilatildeo60 visto como a hipoacutetese de conferir aos membros da uniatildeo de facto a

possibilidade de regularem as suas relaccedilotildees patrimoniais com base no princiacutepio da

autonomia patrimonial61 Apesar de no nosso ordenamento juriacutedico natildeo haver tipificaccedilatildeo

legal do contrato de coabitaccedilatildeo - como a uniatildeo de contratos em que os membros da uniatildeo

de facto reuacutenem vaacuterias espeacutecies contratuais em vista da organizaccedilatildeo convencional das suas

relaccedilotildees patrimoniais durante a vida da relaccedilatildeo e apoacutes a extinccedilatildeo desta62- natildeo haacute

legalmente nada a opor a esses contratos desde que estes se limitem a regular os efeitos

patrimoniais sem abrangerem os efeitos pessoais63 Houve por parte do PCP com o artigo

57 Cfr FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo ob cit p83 58 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDissoluccedilatildeo da uniatildeo de facto ndash Anotaccedilatildeo ao Acoacuterdatildeo do TRG de 2992004

Proc 128904rdquo in Cadernos de Direito Privado nordm 11 julhoSetembro 2005 p72 59 Como nos Estados Unidos na Holanda e no Canadaacute e ainda na Espanha e Franccedila onde satildeo normalmente

celebrados apesar de levantarem algumas duacutevidas Neste sentido vide Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de

Lisboa de 29-11-2012 proferido no acircmbito do processo nordm 444092TCFUNL1-A-8 JEAN CARBONNIER

ldquoDroit Civil (T2 ndash La famille lrsquoenfant le couple)rsquorsquo 21ordm ed PUF Paris 2002 p681 EDUARDO ESTRADA

ALONSO ldquoLas uniones extramatrimoniales en el Derecho Civil Espantildeolrdquo 2ordm ed Civitas Madrid 1991 pp

139-152 o A prevecirc a possibilidade de utilizar a autonomia da vontade dos membros como fonte de regulaccedilatildeo

das uniotildees de facto apesar de este tipo de convenios natildeo serem frequentes em Espanha devido a possibilidade

dos tribunais os poderem declarar nulos por ilicitude de causa o A admite a sua validade desde que tratem

apenas de aspetos patrimoniais 60 Pode ser designado de diversas formas tais como contrato de convivecircncia contratos de uniatildeo de facto

convenccedilotildees entre conviventes pactos concubinaacuterios Cfr MARTA COSTA ob cit p156 GERALDO ALMEIDA

ob cit p202 RENATO NETO ldquoContrato de Coabitaccedilatildeo na Uniatildeo de Facto Confronto entre o Direito Brasileiro

e Portuguecircsrdquo Livraria Almedina Coimbra 2006 pp 69-70 61 Cfr MARTA COSTA ob cit p157 62 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 84 63 Cfr JOSEacute JOAtildeO GONCcedilALVES DE PROENCcedilA ldquoDireito da Famiacuteliardquo Lisboa Universidade Lusiacuteada Editora 2003

p 34

24

5ordm do projeto de lei nordm 384VII a proposta de uma convenccedilatildeo de uniatildeo de facto64 que

pretendia afastar nesta mateacuteria a incerteza e inseguranccedila juriacutedicas resultantes da LUF natildeo

tendo todavia prosseguido

Por uacuteltimo eacute de ressalvar a diferenccedila notoacuteria que haacute entre os efeitos sucessoacuterios do

casamento e da uniatildeo de facto O estatuto sucessoacuterio do cocircnjuge sobrevivo tem um elevado

grau de proteccedilatildeo comparativamente com a proteccedilatildeo oferecida ao unido sobrevivo uma vez

que o cocircnjuge aleacutem de ser herdeiro legiacutetimo eacute tambeacutem herdeiro legitimaacuterio65 enquanto o

unido sobrevivo natildeo eacute considerado sequer herdeiro do falecido limitando-se a lei a conceder

o direito de exigir alimentos da heranccedila do mesmo (artigo 2020ordm CCiv) Constata-se uma

enorme discrepacircncia de tratamento entre o cocircnjuge sobrevivo e o unido de facto sobrevivo

devendo a posiccedilatildeo deste uacuteltimo ser objeto de atenccedilatildeo pelo legislador nem que seja para

integrar a sucessatildeo legitima numa posiccedilatildeo inferior agrave do cocircnjuge descendentes e

ascendentes66 Tendo isto em conta eacute possiacutevel afirmar-se que atualmente muitos casais

optam pelo instituto do casamento ao inveacutes do instituto da uniatildeo de facto pela proteccedilatildeo que

este concede ao sobrevivo em caso de morte podendo o casamento ser visto de certa forma

como um (quase) contrato sucessoacuterio67 Na praacutetica muitos casais com esta informaccedilatildeo

apesar de natildeo acharem necessaacuterio celebrar casamento no acircmbito social ou cultural optam

por fazecirc-lo devido agrave elevada discrepacircncia existente entre ambos os institutos

FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO68 defende que diante do presente quadro

regulativo natildeo pode por um lado ser recusada liminarmente a possibilidade de aplicaccedilatildeo agrave

uniatildeo de facto das normas pertencentes ao regime do casamento desde que se tratem de

efeitos indiretos ou legais do casamento e de efeitos fundados na simples existecircncia de uma

comunhatildeo de vida Por outro lado levando em conta o atual quadro legislativo natildeo pode ser

64 Prevendo a possibilidade dos membros da uniatildeo de facto celebrarem uma convenccedilatildeo que visava estabelecer

o seu regime de bens a responsabilidade por diacutevidas e o seu regime de administraccedilatildeo de bens Consultaacutevel em

httpswwwpcpptarlegis-7projleipjl384html 65 Isto eacute nos termos do 2132ordm CCiv eacute chamado agrave sucessatildeo mesmo que o falecido natildeo tenha deixado testamento

vaacutelido consta tambeacutem do art 2157ordm CCiv tendo direito a uma porccedilatildeo de bens (a legiacutetima) que o falecido natildeo

pode dispor no seu testamento Cfr OLIVEIRA ASCENSAtildeO ldquoDireito civil Sucessotildeesrdquo Coimbra Editora 5ordf Ed

2000 pp 333 e 353 66 Para mais desenvolvimentos FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da

uniatildeo de facto breves observaccedilotildeesrdquo ob cit pp104-105 67 Cfr FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo ob cit p103 68 Cfr FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo ob cit pp 83-101

25

feita uma geneacuterica aplicaccedilatildeo analoacutegica do regime do casamento O A aleacutem de salvaguardar

que essa aplicaccedilatildeo soacute poderia abranger os referidos efeitos indiretos ou legais do casamento

alega que antes dessa aplicaccedilatildeo teriam de se apurar caso a caso os interesses em causa e a

ratio da norma eventualmente aplicaacutevel e soacute assim se poderia fundar uma aplicaccedilatildeo

analoacutegica Aleacutem do mais alerta para o quadro limitado de efeitos que a nossa lei fixou para

a uniatildeo de facto previsto na LUF o que pode refletir o intuito de impedir uma aplicaccedilatildeo

analoacutegica das normas do casamento de forma irrestrita O A declara que tendo em

consideraccedilatildeo os uacuteltimos desenvolvimentos legislativos na regulaccedilatildeo da uniatildeo de facto e no

casamento69 a diferenccedila que assenta no facto de natildeo haver uma vontade de vinculaccedilatildeo no

plano juriacutedico e da comunhatildeo de vida dos membros da uniatildeo de facto natildeo implicar o

cumprimento de deveres conjugais ficou bastante atenuada Natildeo soacute porque se tem vindo a

assistir a uma desregulaccedilatildeo do casamento em termos imperativos mas tambeacutem pelo Coacutedigo

Civil se limitar a fixar os deveres pessoais dos cocircnjuges e os modos de execuccedilatildeo dos mesmos

natildeo obedecerem a um padratildeo uacutenico Crecirc que se tem vindo a assistir a um progressivo

afrouxamento dos deveres conjugais por estarem esvaziados das normais caracteriacutesticas de

um dever juriacutedico tanto no plano das consequecircncias indemnizatoacuterias como nas resolutoacuterias

Levando-o a concluir que esbatida a base da diferenccedila principal entre os dois institutos

deixou de haver fundamento para a recusa de uma aplicaccedilatildeo analoacutegica agrave uniatildeo de facto de

muitas normas do casamento que estabelecem efeitos indiretos ou laterais de diversa ordem

deixando o casamento de ser necessaacuterio no plano social afetivo cultural ou econoacutemico e

que este soacute subsiste em maior nuacutemero do que a uniatildeo de facto por se tratar de um haacutebito

adquirido pela sociedade e por haver em certos meios uma pressatildeo social e religiosa nesse

sentido70

Por seu turno CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS no acircmbito dos efeitos patrimoniais da

uniatildeo de facto defende que a aplicaccedilatildeo analoacutegica de uma norma pressupotildee a existecircncia de

uma lacuna No entanto entende que natildeo se pode falar em lacuna quando natildeo existe uma

regulamentaccedilatildeo juriacutedica numa dada mateacuteria visto que essa inexistecircncia de regulamentaccedilatildeo

pode ter sido intencional por parte do legislador Podendo tambeacutem ser pretensatildeo do proacuteprio

69 Com as alteraccedilotildees agrave Lei nordm 72001 introduzidas pela Lei nordm 232010 de 30 de agosto no que respeita agrave uniatildeo

de facto e relativamente ao casamento em consequecircncia da profunda reforma operada pela Lei nordm 612008 de

31 de Outubro 70 Cfr FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo ob cit p 102

26

legislador que o seu preenchimento fique a cargo da doutrina e da jurisprudecircncia71 No

entanto julga que a sua integraccedilatildeo deveraacute ser feita por recurso agraves regras gerais e natildeo por

aplicaccedilatildeo do regime do casamento para o qual o legislador natildeo remeteu intencionalmente

A soluccedilatildeo a nosso ver passaria por natildeo se estender agrave uniatildeo de facto os efeitos do

casamento evitando uma intromissatildeo injustificada na escolha que as partes fizeram de natildeo

contraiacuterem casamento No entanto seria importante reforccedilar o regime legal atual natildeo

olvidando os que apesar de optarem por natildeo seguir a via do casamento pretendem uma

proteccedilatildeo mais firme e os que pretendem apenas a coabitaccedilatildeo sem consequecircncias juriacutedicas

Enveredando-se por um caminho que consolide os efeitos juriacutedicos da uniatildeo de facto com

um regime proacuteprio que natildeo se confunda com o do casamento possibilitando aos que

pretendam uma uniatildeo sem consequecircncias juriacutedicas a liberdade de escolha de sujeiccedilatildeo a um

regime legal ou natildeo

71 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDissoluccedilatildeo da uniatildeo de facto ndash Anotaccedilatildeo ao Acoacuterdatildeo do TRG de 2992004

Proc 128904rdquo ob cit pp 74-75

27

4 Constituiccedilatildeo da relaccedilatildeo de Uniatildeo de Facto e os seus efeitos

A uniatildeo de facto constitui-se quando dois sujeitos do mesmo sexo ou de sexo

diferente que tecircm uma relaccedilatildeo passam a viver em comunhatildeo de leito mesa e habitaccedilatildeo

Passando os membros a viver nessas condiccedilotildees e natildeo sendo essa situaccedilatildeo objeto de registo

civil72 ou administrativo ao contraacuterio do que acontece em alguns ordenamentos vizinhos

que mereceratildeo a nossa anaacutelise mais adiante torna-se mais difiacutecil saber de forma exata

quando se iniciou para que seja possiacutevel a partir daiacute contar os dois anos necessaacuterios para

que a situaccedilatildeo de facto produza os efeitos previstos no artigo 3ordm da LUF

Efeitos estes que soacute se produziratildeo se cumulativamente com requisito temporal de

decurso de dois anos natildeo existir nenhum impedimento dirimente ao casamento dos membros

da uniatildeo de facto Eacute a soluccedilatildeo prevista no artigo 2ordm da LUF que reproduz nas suas aliacuteneas

o disposto no artigo 1601ordm e 1602ordm CCiv obstando agrave constituiccedilatildeo de uma uniatildeo de facto

juridicamente protegida impedimentos relacionados com a idade dos companheiros a

existecircncia de uma demecircncia notoacuteria mesmo com intervalos luacutecidos e situaccedilatildeo de

acompanhamento de maior se assim estabelecer a sentenccedila que a haja decretado salvo se

posteriores ao iniacutecio da uniatildeo a ocorrecircncia de casamento anterior natildeo dissolvido exceto se

tiver sido decretada a separaccedilatildeo de pessoas e bens o parentesco na linha reta ou no 2ordm grau

da linha colateral ou afinidade na linha reta e a condenaccedilatildeo anterior de uma das pessoas

como autor ou cuacutemplice por homiciacutedio doloso ainda que natildeo consumado contra o cocircnjuge

do outro Os factos expostos estorvam apenas a produccedilatildeo de efeitos favoraacuteveis da uniatildeo de

facto ou seja a atribuiccedilatildeo de direitos ou benefiacutecios natildeo deveraacute ser intenccedilatildeo do legislador

que a uniatildeo de facto mesmo que afetada por algum dos impedimentos seja considerada

irrelevante juridicamente quando estatildeo em causa interesses legiacutetimos de terceiros ou quando

surjam consequecircncias como a presunccedilatildeo de paternidade relativamente ao homem7374

Em relaccedilatildeo aos efeitos pessoais por natildeo assumirem nenhum compromisso natildeo

estatildeo os membros da uniatildeo de facto vinculados aos deveres conjugais que os artigos 1671ordm

72 Uma vez que natildeo estaacute mencionada no acircmbito do art 1ordm do Coacutedigo do Registo Civil norma que consagra as

situaccedilotildees em que o registo civil eacute obrigatoacuterio no nosso ordenamento juriacutedico 73 Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 141 74 O elenco dos impedimentos agrave produccedilatildeo dos efeitos favoraacuteveis agrave uniatildeo de facto que constam no artigo 2ordm da

LUF foi corrigido e adaptado para evitar uma excessiva ligaccedilatildeo agraves soluccedilotildees postuladas no artigo 1601ordm CCiv

Sobre as correccedilotildees mais detalhadamente cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit pp 141-142

28

e 1672ordm CCiv impotildeem aos cocircnjuges75 Contudo a relaccedilatildeo pessoal que assumem permite-

lhes adotar um filho nos mesmos termos que os cocircnjuges por forccedila do artigo 7ordm da LUF

desde que a relaccedilatildeo dure haacute mais de quatro anos e ambos tiverem mais de 25 anos

independentemente do seu sexo Releva tambeacutem para efeitos de aquisiccedilatildeo de nacionalidade

desde que o estrangeiro que viva em uniatildeo de facto com nacional portuguecircs haacute mais de trecircs

anos e tenha reconhecimento judicial da situaccedilatildeo de facto declare que quer adquirir

nacionalidade portuguesa (artigo 3ordm nordm 3 Lei da Nacionalidade - Lei nordm 3781 de 03 de

Outubro) No que respeita aos filhos nascidos das uniotildees de facto nas accedilotildees de investigaccedilatildeo

de paternidade presume-se a paternidade quando tenha havido comunhatildeo duradoura de vida

entre a matildee e o pretenso pai no periacuteodo legal de concepccedilatildeo por forccedila do artigo 1871ordm CCiv

Quanto ao exerciacutecio das responsabilidades parentais no caso de comunhatildeo duradoura de

vida em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges ou concubinato duradouro o artigo 1911ordm nordm

1 CCiv determina a aplicaccedilatildeo do previsto nos artigos 1901ordm e 1904ordm CCiv que corresponde

ao regime que vigora quando os progenitores satildeo casados Jaacute no caso de dissociaccedilatildeo familiar

o mesmo artigo remete para aplicaccedilatildeo do disposto nos artigos 1905ordm a 1908ordm CCiv normas

atinentes ao divoacutercio separaccedilatildeo de pessoas e bens ou declaraccedilatildeo de nulidade ou anulaccedilatildeo do

casamento Como se pode ver os filhos nascidos de uniatildeo de facto tal como quaisquer outros

nascidos fora do casamento estatildeo equiparados aos nascidos dentro do mesmo por forccedila do

disposto no nordm 4 do artigo 36ordm da CRP76

Como jaacute haviacuteamos referido a uniatildeo de facto natildeo permite a aplicaccedilatildeo de um regime

de bens nem das regras que disciplinam as relaccedilotildees patrimoniais dos cocircnjuges como a

administraccedilatildeo de bens e regime de responsabilidade por diacutevidas sendo de aplicar entre os

unidos o regime geral das relaccedilotildees obrigacionais e reais77 De acordo com as regras do direito

comum cada um dos membros da uniatildeo de facto pode vender bens moacuteveis ou imoacuteveis dar

ou tomar de arrendamento um imoacutevel ou contrair diacutevidas podem entre eles celebrar

contratos de compra e venda de locaccedilatildeo de depoacutesito de comodato de muacutetuo entre outros

pois o artigo 1714ordm CCiv que impede a celebraccedilatildeo de certos contratos entre os cocircnjuges natildeo

eacute aplicaacutevel agraves relaccedilotildees de uniatildeo de facto Acrescem a estes os que expusemos anteriormente

relativamente a esta mateacuteria aquando da distinccedilatildeo entre o regime do casamento e o regime

75 Natildeo estabelecem relaccedilotildees de afinidade com os parentes do outro natildeo podem adotar o apelido um do outro

possibilidade que eacute concedida aos cocircnjuges por virtude do artigo 1677ordm CCiv 76 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 81 77 Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoUniatildeo de Facto em Portugalrdquo obcit p 120

29

da uniatildeo de facto no ponto 31 e ainda sucintamente importa referir como efeito

patrimonial da uniatildeo de facto a extensatildeo a esta do artigo 1691ordm al b) CCiv que prevecirc a

responsabilidade dos cocircnjuges pelas diacutevidas contraiacutedas por qualquer dos cocircnjuges antes ou

depois da celebraccedilatildeo do casamento para ocorrer aos encargos normais da vida familiar

equiparando nesta mateacuteria o conceito de uniatildeo de facto como a comunhatildeo de leito mesa e

habitaccedilatildeo aos casamentos e protegendo a confianccedila de terceiros que com eles contratem e

confiem nessa aparecircncia de vida matrimonial78 A niacutevel patrimonial a uniatildeo de facto atribui

ao unido sobrevivo por forccedila do artigo 2020ordm nordm 1 o direito de exigir alimentos da heranccedila

do falecido poreacutem esse direito caduca se natildeo for exercido nos dois anos posteriores agrave data

da morte do autor da sucessatildeo (nordm 2) e se o alimentado casar iniciar uma relaccedilatildeo de uniatildeo

de facto ou se tornar indigno do benefiacutecio pelo seu comportamento moral por forccedila do nordm 3

do artigo 2020ordm e do artigo 2019ordm CCiv Resta em uacuteltimo lugar dizer que em mateacuteria fiscal

nomeadamente no que respeita ao imposto sobre o rendimento o artigo 3ordm al d) da LUF

torna aplicaacutevel aos membros da uniatildeo de facto o regime atribuiacutedo aos sujeitos passivos natildeo

separados de pessoas e bens nessa mateacuteria

78 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 34

30

5 O problema da prova da coabitaccedilatildeo

51 Consideraccedilotildees gerais

Expostos os efeitos a que a constituiccedilatildeo da uniatildeo de facto daacute origem urge abordar

a problemaacutetica que a este estudo interessa o problema da prova da relaccedilatildeo de uniatildeo de facto

nomeadamente a prova da coabitaccedilatildeo Apesar de natildeo existir como vimos uma exigecircncia de

forma para a constituiccedilatildeo da uniatildeo de facto e prevalecer entre noacutes um modelo faacutectico79-

bastando que se verifiquem os requisitos factuais para que a convivecircncia seja protegida - eacute

exigido aos seus membros que provem a sua convivecircncia se pretenderem beneficiar de

determinados direitos

Ora a opccedilatildeo do legislador tem sido contraacuteria agrave formalizaccedilatildeo da uniatildeo de facto o

que natildeo facilita a demonstraccedilatildeo dos factos exigidos pela lei para aferir a sua relevacircncia

juriacutedica Portanto a dificuldade dessa prova adveacutem natildeo soacute desta relaccedilatildeo natildeo estar sujeita a

nenhum tipo de solenidade ou publicidade na sua constituiccedilatildeo por natildeo implicar a sujeiccedilatildeo

ao registo civil ou administrativo80 mas tambeacutem por natildeo haver em regra uma prova preacute-

constituiacuteda81 diferentemente do que sucede com o casamento estando nas matildeos dos

cocircnjuges a possibilidade de requerer a qualquer momento uma certidatildeo de casamento

A respeito da prova da uniatildeo de facto no acircmbito juriacutedico-civil recorde-se o regime

geral do oacutenus da prova previsto no artigo 342ordm CCiv que atribui a quem pretende invocar

um direito provar os factos que o constituem Isto eacute se um dos membros da uniatildeo de facto

pretender beneficiar da proteccedilatildeo juriacutedica conferida agrave uniatildeo de facto precisaraacute de demonstrar

a realidade dos factos que invoca para preenchimento dos pressupostos estabelecidos Nesta

mateacuteria tambeacutem satildeo aplicaacuteveis as normas gerais do oacutenus da prova a terceiro que pretenda

fundar um direito na uniatildeo de facto recaindo sobre ele o oacutenus de provar os factos que

consubstanciam o direito que alega Porquanto se vecirc que a prova de que se vive numa

79 Cfr ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoA convivecircncia laquomore uxorioraquo um olhar sobre o regime portuguecircs francecircs

e alematildeordquo in Direito Constitucional e o seu papel na construccedilatildeo do cenaacuterio juriacutedico global dir IRENE

PORTELA IPCA 1ordf Ed 2016 p 121 A uniatildeo de facto eacute uma realidade de convivecircncia continuada sem

qualquer forma exigida Natildeo existe a sujeiccedilatildeo a registo da uniatildeo de facto Ou seja a uniatildeo de facto no nosso

sistema natildeo se constitui consolida-se com o tempo ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoUNIAtildeO de facto versus

Casamento ndash Questotildees pessoais e patrimoniaisrdquo Gestlegal 1ordm ed 2019 p 158 80 O que natildeo permite saber com certeza a data a partir da qual se comeccedilam a contar os dois anos necessaacuterios agrave

produccedilatildeo de efeitos 81 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 72

31

situaccedilatildeo anaacuteloga agrave dos cocircnjuges pode revelar-se sinuosa e por isso eacute relevante desenvolver

essa mateacuteria no presente estudo

Nesta senda o artigo 2ordm-A nordm 1 da LUF prevecirc que a prova da uniatildeo de facto se faz

por qualquer meio legalmente admissiacutevel salvo se disposiccedilatildeo legal ou regulamentar exija

prova documental especiacutefica A prova seraacute maioritariamente testemunhal contudo natildeo se

deve excluir a possibilidade de prova documental ao realizar uma interpretaccedilatildeo extensiva

do termo vida previsto no artigo 34ordm nordm 1 do Decreto-Lei nordm 13599 de 22 de Abril que

regula a forma como atestados de residecircncia vida e situaccedilatildeo econoacutemica dos cidadatildeos

devem ser passados pelas Juntas de Freguesia82 Ou ainda como sugerem FRANCcedilA PITAtildeO e

MARTA COSTA mobilizar accedilatildeo judicial de simples apreciaccedilatildeo (ou de mera declaraccedilatildeo)

positiva83 com a qual os membros pretenderiam apenas obter a declaraccedilatildeo da existecircncia de

um facto que assentava na comunhatildeo de cama mesa e habitaccedilatildeo por mais de dois anos84

Contudo esta soluccedilatildeo poderia comportar o risco de ser usada por um dos membros agrave revelia

do outro com vista ao aproveitamento dos efeitos favoraacuteveis da uniatildeo mesmo que esta jaacute

esteja extinta Eacute precisamente por esta razatildeo que NUNO COSTA MAURIacuteCIO85

rejeita o recurso

a esta accedilatildeo pelos unidos Crecirc que natildeo eacute a soluccedilatildeo para a dificuldade da prova da uniatildeo de

facto devido aos problema que podiam advir da falta de controlo judicial da extinccedilatildeo da

uniatildeo de facto que consistiriam na possibilidade de um ou ambos os unidos continuarem a

usufruir de efeitos favoraacuteveis de uma situaccedilatildeo que jaacute se extinguiu

Poderaacute entatildeo fazer-se a prova documental atraveacutes de uma declaraccedilatildeo emitida pela

Junta de Freguesia competente sendo que esse documento deve ser acompanhado da

declaraccedilatildeo de ambos os membros conviventes que sob compromisso de honra afirmam que

vivem em uniatildeo de facto haacute mais de dois anos e da coacutepia das suas certidotildees de nascimento

Poreacutem a veracidade deste documento pode por vezes ser posta em causa e natildeo fazer prova

plena por natildeo se tratar normalmente de facto atestado com base nas perceccedilotildees da entidade

82 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p74 83 Cfr MARTA COSTA ob cit p387 FRANCcedilA PITAtildeO ldquoUniotildees de Facto e Economia Comum de acordo com

a Lei nordm 232010 de 30 de agostordquo obcit p78 84 Tendo os requerentes de tal accedilatildeo de provar natildeo soacute a sua natildeo coabitaccedilatildeo nos termos e condiccedilotildees previstos na

lei bem como a inexistecircncia de qualquer um dos impedimentos previstos no art 2ordm da LUF sob pena de a

decisatildeo judicial natildeo poder produzir nenhum efeito uacutetil Cfr FRANCcedilA PITAtildeO ldquoUniotildees de Facto e Economia

Comum de acordo com a Lei nordm 232010 de 30 de agostordquo obcit pp 78-79 85 Cfr NUNO COSTA MAURIacuteCIO ldquoO pecado mora ao ladordquo Um repensar da problemaacutetica juriacutedica das uniotildees

de facto e das relaccedilotildees patrimoniais entre unidos de facto Tese de Mestrado em Ciecircncias Juriacutedico-Civiliacutesticas

Faculdade De Direito Da Universidade De Coimbra Outubro 2000 p 76

32

documentadora86 Efetivamente o documento soacute prova que os interessados fizeram perante

o funcionaacuterio a afirmaccedilatildeo de que conviviam em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges desde

determinada data todavia natildeo quer dizer que natildeo se possa pocircr em causa a veracidade dessa

afirmaccedilatildeo87 Qualquer interessado pode demonstrar que o facto natildeo eacute verdadeiro por alegar

que a uniatildeo de facto natildeo existiu ou natildeo teve lugar durante o periacuteodo mencionado pelos

declarantes88 Ou seja o disposto no artigo 2ordm-A n ordm1 da LUF traduz-se apenas na

possibilidade que os unidos tecircm de apresentar documentos para demonstrarem os

pressupostos que permitem atribuir relevacircncia juriacutedica agrave uniatildeo de facto pois essa norma natildeo

confere qualquer valor probatoacuterio a tais documentos Posto isto o documento emitido pela

Junta de Freguesia natildeo eacute suficiente para demonstrar a existecircncia da uniatildeo de facto porquanto

a LUF natildeo exige apenas a alegaccedilatildeo de que duas pessoas vivem juntas haacute mais de dois anos

ou que natildeo se verifique nenhum dos impedimentos agrave constituiccedilatildeo da relaccedilatildeo eacute essencial

ainda que provem a sua coabitaccedilatildeo89

O nordm 5 do artigo 2ordm-A adverte tambeacutem para as sanccedilotildees penais que as falsas

declaraccedilotildees poderatildeo causar Como prova documental eacute um meio de prova fraacutegil e suscetiacutevel

de fraude esta norma funciona como advertecircncia que visa promover a conformidade entre

as declaraccedilotildees que os sujeitos fazem e a realidade que por eles eacute vivida esperando que a

ameaccedila da aplicaccedilatildeo de uma sanccedilatildeo penal iniba a alegaccedilatildeo de falsas declaraccedilotildees Tendo em

conta que o interesse da demonstraccedilatildeo dos requisitos que permitem atribuir relevacircncia

juriacutedica agrave situaccedilatildeo de facto eacute com o objetivo de se produzirem factos favoraacuteveis aos

86 Art 371ordm nordm 1 CCiv Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 72 87 Vide neste sentido o Acoacuterdatildeo do TCA Norte de 13-11-2020 proferido no acircmbito do processo nordm

00090151BECBR Natildeo oferece qualquer controveacutersia quer em sede doutrinal quer jurisprudencial que natildeo

sendo arguida a falsidade do documento autecircntico este faz prova plena dos factos praticados pela entidade

documentadora de sorte que tudo o que o documento referir como tendo sido praticado por essa entidade

tudo o que segundo o documento seja obra do seu Autor e bem assim tudo o que tenha sido percecionado

pelo mesmo tem de ser aceite como exato Assim as declaraccedilotildees que constam no documento como tendo sido

feitas perante a entidade documentadora ou seja o declarado perante a uacuteltima e que essa entidade ouviu

atraveacutes dos seus sentidos em consonacircncia com a parte final do nordm 1 do art 371ordm do CC beneficiam da prova

plena inerente agrave forccedila probatoacuteria conferida pelo oficial puacuteblico Deste modo se o presidente de junta consigna

no texto do atestado que a requerente e as referidas testemunhas declararam que ldquo(a) mesmo(a) residia haacute

mais de dois anos com o falecido A seu companheiro(a) ateacute agrave data de oacutebito (hellip)rdquo tem-se como plenamente

provado que essa declaraccedilatildeo foi efetivamente feita perante o presidente de junta de freguesia Mas tatildeo soacute Eacute

que daiacute natildeo decorre que a forccedila probatoacuteria desse atestado respeite a tudo o que nele se conteacutem A verdade

dos factos a que se reportam as declaraccedilotildees emitidas e que constam desse documento autecircntico- no caso o

atestado emitido pelo presidente de junta de freguesia- ficam sujeitas agrave livre apreciaccedilatildeo do julgador 88 Cfr JORGE DUARTE PINHEIRO ob cit p 529 89 Isto eacute que vivem em ldquouniatildeo de factordquo Cfr RITA LOBO XAVIER ldquoEstatuto Privadordquo dos membros da Uniatildeo

De Factordquo obcit p1518 E ainda sobre a importacircncia da coabitaccedilatildeo cfr FRANCcedilA PITAtildeO ldquoOs novos

casamentos ou a crise do casamento tradicional no direito portuguecircs ob cit p66

33

declarantes estaraacute sempre em causa a credibilidade de tais declaraccedilotildees que estaratildeo sujeitas

ao confronto com as demais provas e ao princiacutepio da livre apreciaccedilatildeo da prova90 acabando

por serem mais crediacuteveis as declaraccedilotildees feitas em detrimento dos declarantes91 A norma em

causa pretende apenas facilitar a demonstraccedilatildeo dos factos que satildeo considerados como

pressupostos da atribuiccedilatildeo de relevacircncia juriacutedica agrave uniatildeo de facto uma vez que a lei natildeo

adotou ainda um registo oficial desta relaccedilatildeo Cremos que a intenccedilatildeo do legislador foi libertar

os membros da uniatildeo de facto de terem de obter declaraccedilatildeo judicial para certificar a sua

convivecircncia respeitando a liberdade inerente a quem opta por este tipo de relaccedilatildeo Todavia

este eacute um tema controvertido e vem sido debatido na doutrina a possibilidade de registo da

uniatildeo de facto como forma de conferir publicidade a estas relaccedilotildees findar os problemas

relativos agrave sua prova e de colmatar esta que pode ser considerada uma das lacunas presentes

no regime juriacutedico portuguecircs da uniatildeo de facto Haacute quem entenda que uma vez que a uniatildeo

de facto se trata na maioria das vezes de uma opccedilatildeo de vida de acordo com a autonomia da

vontade de quem por ela optou o legislador deve respeitar essa escolha e intervir apenas se

necessaacuterio legislando somente em alguns aspetos pontuais92 Devendo quanto ao resto

abster-se e confiar na capacidade de autorregulamentaccedilatildeo dos membros da uniatildeo de facto

Neste seguimento o Bloco de Esquerda apresentou o Projeto de Lei n ordm45VIII93

que visava alterar a Lei nordm 13599 de 28 de Agosto Atraveacutes deste projeto apresentou

soluccedilotildees no que diz respeito agrave prova e ao registo da uniatildeo de facto94 sugerindo que o artigo

2ordm-A passasse a tratar da forma como a uniatildeo de facto eacute constituiacuteda que seria atraveacutes de

registo na junta de freguesia da aacuterea de residecircncia das pessoas em uniatildeo de facto ou apoacutes

90 Cfr RITA LOBO XAVIER ldquoA Uniatildeo de Facto e a Lei Civil no Ensino de Francisco Manuel Pereira Coelho e

Legislaccedilatildeo Atualrdquo em Textos de Direito da Famiacutelia para Francisco Pereira Coelho Coimbra Imprensa da

Universidade de Coimbra 2016 p 684 91 Cfr RITA LOBO XAVIER ldquoEstatuto Privadordquo dos membros da Uniatildeo De Factordquo obcit p1519 92 Cfr HEINRICH HOumlRSTER ldquoDireito da Famiacutelia e Poliacutetica Socialrdquo Publicaccedilotildees Universidade Catoacutelica Porto

2001 pp71-72 Segundo este A o legislador adotando uma postura prudente deve apenas legislar quando

estejam em causa interesses de terceiros ou seja da comunidade ou quando haja a necessidade de proteger os

filhos Nestas situaccedilotildees defende que o legislador pode e deve intervir e que quando se trate de legislar em

mateacuteria de uniatildeo de facto espera que seja feito com cuidado e ponderaccedilatildeo 93 Consultaacutevel em

httpswwwparlamentoptActividadeParlamentarPaginasDetalheIniciativaaspxBID=6308 94 No seu art 2ordm previam o aditamento do artigo 2ordmA e 2ordm B art 2ordm-A1 A uniatildeo de facto eacute constituiacuteda a)

Por registo na junta de freguesia da aacuterea de residecircncia das pessoas em uniatildeo de facto ou b) Apoacutes dois anos

em plena comunhatildeo de vida sem necessidade de registo 2 As uniotildees de facto constituiacutedas por registo

conforme a aliacutenea a) do nordm 1 do presente artigo estatildeo imediatamente reguladas pela presente lei Art 2ordm-B

A uniatildeo de facto constituiacuteda por registo eacute dissolvida por vontade de pelo menos um dos seus constituintes

expressa junto aos serviccedilos de registo da junta de freguesia da aacuterea da residecircncia

34

dois anos em plena comunhatildeo de vida sem necessidade de registo passando as uniotildees de

facto constituiacutedas por registo a estar imediatamente reguladas pela LUF sem necessidade

do decurso do prazo de dois anos Este projeto previa tambeacutem no artigo 2ordm-B o registo da

dissoluccedilatildeo junto dos serviccedilos da junta de freguesia atraveacutes da declaraccedilatildeo de pelo menos um

dos unidos O Projeto de Lei n ordm45VIII do BE95 cumpriu os requisitos constitucionais e

regimentais necessaacuterios para ser apreciado pelo plenaacuterio da Assembleia da Reacutepublica

Contudo apoacutes a adoccedilatildeo por parte da Comissatildeo de Assuntos Constitucionais Direitos

Liberdades e Garantias de um texto de substituiccedilatildeo relativo aos projetos nordm 6VII de

iniciativa do partido Os Verdes ao nordm 45VIII do BE e ao nordm 115VII do PCP e apoacutes a

aprovaccedilatildeo com votos favoraacuteveis do PS do PCP e do BE e votos contra do PSD do CDS-

PP e da Deputada Maria do Rosaacuterio Carneiro (PS) relativamente a cada artigo do texto de

substituiccedilatildeo os representantes na Comissatildeo dos Grupos Parlamentares do PCP e do BE bem

como a Srordf Deputada Isabel Castro (Os Verdes) declararam retirar as respetivas iniciativas

legislativas em benefiacutecio do texto de substituiccedilatildeo adotado entrando em vigor a Lei nordm

72001 de 11 de Maio que adotou medidas de proteccedilatildeo das uniotildees de facto Vigorando com

as subsequentes alteraccedilotildees ateacute aos dias de hoje

Conveacutem frisar que a questatildeo do registo da uniatildeo de facto pode ser encarada como

incompatiacutevel com a proacutepria natureza informal da uniatildeo de facto Desde logo NUNO COSTA

MAURIacuteCIO defende que subjacente agrave necessidade do registo reside sempre uma ideia de

certeza juriacutedica a qual transportada para o acircmbito da uniatildeo de facto vai implicar que a sua

prova nunca possa ser feita atraveacutes de uma declaraccedilatildeo unilateral da parte interessada tendo

de passar por uma acreditaccedilatildeo um crivo de publicidade que traraacute consigo e proporcionaraacute a

terceiros a certeza juriacutedica de que aquelas duas pessoas vivem em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos

cocircnjuges96 Poreacutem acredita que apesar das vantagens da certeza e seguranccedila juriacutedicas

inerentes ao instituto do registo as desvantagens se afloram maiores Em virtude de no que

respeita aos elementos constitutivos da uniatildeo de facto onde o essencial eacute estar-se perante

uma convivecircncia estaacutevel e duradoura semelhante agrave dos cocircnjuges natildeo deve bastar o facto de

duas pessoas se dirigirem a uma conservatoacuteria de registo ou a outra entidade puacuteblica e

declararem viver em uniatildeo de facto sem se apurar a autenticidade dessas declaraccedilotildees

95 Bem como os projetos de lei nordm 6VIII da iniciativa do Partido Ecologista Os Verdes o nordm 105VIII da

iniciativa do Partido Socialista e o nordm 115VIII da iniciativa do Partido Comunista Portuguecircs 96 Cfr NUNO COSTA MAURIacuteCIO ldquoO pecado mora ao ladordquo ob cit p 81

35

Acrescenta ainda que ao fazerem depender a eficaacutecia juriacutedica da uniatildeo de facto da sua

inscriccedilatildeo no registo tornando ineficazes as uniotildees que natildeo estivessem inscritas estariam a

forccedilar os unidos que optaram por esta forma de convivecircncia exatamente para dispensar

qualquer formalidade a inscrever a sua relaccedilatildeo O que se traduziria numa adulteraccedilatildeo da

intencionalidade e natureza da uniatildeo de facto Ou mesmo que se configurasse um registo

livre e voluntaacuterio quem preferisse a natildeo inscriccedilatildeo natildeo teria acesso a um regime legal de

proteccedilatildeo da uniatildeo de facto ficando agrave margem da lei o que geraria uma nova discriminaccedilatildeo

Nota por uacuteltimo que a inscriccedilatildeo das uniotildees de facto se iria traduzir na prestaccedilatildeo de

consentimento a uma relaccedilatildeo de facto por parte dos dois sujeitos e assim sendo poderia

estar-se perante um novo tipo de casamento ainda que se trate de um casamento de segundo

grau97 Tal consideraccedilatildeo iria contra o espiacuterito de liberdade e natildeo formalismo que preside agrave

uniatildeo de facto98 Depreendendo que devido agraves desvantagens inerentes ao registo a

dificuldade da prova da uniatildeo de facto seria mais facilmente superada se se permitisse aos

unidos de facto ao abrigo do princiacutepio da livre disponibilidade convencionar as

regulamentaccedilatildeo das suas relaccedilotildees99

De outra banda MARTA COSTA considera que se fosse instituiacutedo o registo

obrigatoacuterio para que os conviventes pudessem beneficiar da tutela legislativa prevista as

dificuldades que advecircm da prova da uniatildeo de facto ficariam diminuiacutedas e sairiam

privilegiadas a seguranccedila juriacutedica e a liberdade dos conviventes que poderiam decidir se

pretendiam ser legislativamente tutelados ou se optariam por uma relaccedilatildeo meramente

factual Realccedila ainda que a instituiccedilatildeo do registo transformaria a uniatildeo de facto em relaccedilatildeo

de direito num instituto juriacutedico formal ainda que a sua tutela fosse diminuta100 Durante a

sua anaacutelise aproveita para refutar algumas das desvantagens que NUNO COSTA MAURIacuteCIO

aponta agrave inscriccedilatildeo da uniatildeo de facto no registo Primeiramente em relaccedilatildeo agrave dificuldade de

apurar a veracidade das declaraccedilotildees dos unidos a A crecirc que depende da opccedilatildeo legislativa

97 Atentando-se agrave diferenccedila de grau no que diz respeito ao nuacutemero de efeitos juriacutedicos que cada um produz

Cfr NUNO COSTA MAURIacuteCIO ldquoO pecado mora ao ladordquo ob cit p82 98 Eacute na procura do momento da conciliaccedilatildeo entre a autoridade e liberdade e entre o puacuteblico e o privado que

residem os fundamentos das intervenccedilotildees legislativas no acircmbito das relaccedilotildees juriacutedico-familiares que devem

repousar ou fundamentos de poliacutetica legislativa relativos agrave atribuiccedilatildeo de efeitos de direito agrave uniatildeo de facto

(hellip) e estaacute na base das intervenccedilotildees legislativas feitas em alguns paiacuteses e nas exigecircncias feitas pela doutrina

noutros com vista agrave definiccedilatildeo de um estatuto juriacutedico da uniatildeo de facto Cfr GERALDO DA CRUZ ALMEIDA

ob cit pp 185-193 99 Cfr NUNO COSTA MAURIacuteCIO ldquoO pecado mora ao ladordquo ob cit p83 100 Cfr MARTA COSTA ob cit p 394

36

Isto eacute se com a obrigatoriedade do registo o legislador decidir que a tutela da relaccedilatildeo fique

dependente da duraccedilatildeo da mesma esta duraccedilatildeo pode contar-se apoacutes o registo ou exigir-se o

decurso da mesma para que os conviventes possam inscrever a relaccedilatildeo no registo mantendo-

se a dificuldade de determinar o seu iniacutecio Se por outro lado a tutela da convivecircncia natildeo

ficar dependente da sua duraccedilatildeo natildeo teraacute de haver uma convivecircncia preacutevia podendo duas

pessoas que queiram conviver dirigirem-se a uma entidade competente e registar a

convivecircncia que podia jaacute existir ou iniciar-se nesse momento101 Relativamente ao facto de

os unidos que optaram pela uniatildeo de facto para se eximirem de qualquer formalidade se

verem obrigados a proceder ao registo da sua relaccedilatildeo para evitar que a sua uniatildeo seja

inexistente a A discorda afirmando que os unidos natildeo se veriam forccedilados a proceder ao

registo podendo preferir manter uma verdadeira uniatildeo de facto agrave qual continuariam a ser

atribuiacutedos ainda que poucos alguns direitos e deveres102 face agrave nossa ordem juriacutedica

defendendo que a obrigatoriedade do registo ao lado do instituto do casamento e da relaccedilatildeo

puramente de facto serviria melhor os interesses de uma sociedade pluralista103 A A

diverge ainda da ideia imputada pelo A de representar uma discriminaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos

conviventes que optem pela natildeo inscriccedilatildeo por natildeo beneficiarem do regime de proteccedilatildeo da

uniatildeo de facto No seu entendimento eacute antes o reflexo do respeito pela escolha dos unidos

de manterem a sua uniatildeo verdadeiramente factual Remata a sua apreciaccedilatildeo afirmando que

o que vai contra o espiacuterito de liberdade que preside agrave uniatildeo de facto natildeo eacute a prestaccedilatildeo de

consentimento a uma relaccedilatildeo de facto por parte dos unidos mas antes a aplicaccedilatildeo automaacutetica

de um regime juriacutedico aos conviventes ainda que pouco densificado aditando que a

instituiccedilatildeo do registo obrigatoacuterio proporcionaria vaacuterias possibilidades que dependeriam da

real vontade dos interessados

101 Cfr MARTA COSTA ob cit p 396 102 Cfr MARTA COSTA ob cit p 397 103 Cfr MARTA COSTA ob cit p 398

37

52 Comparaccedilatildeo com o regime de outros ordenamentos juriacutedicos na Uniatildeo

Europeia

De forma a completar o raciociacutenio ateacute aqui apresentado cumpre agora uma sucinta

anaacutelise do regime juriacutedico da uniatildeo de facto em vigor em alguns ordenamentos juriacutedicos

europeus bem como outras figuras que advieram da jurisdicionalizaccedilatildeo da convivecircncia more

uxorio104 Assim importa primeiramente discorrer umas breves notas sobre o regime geral

previsto em cada um dos ordenamentos particularmente no que respeita agrave constituiccedilatildeo da

uniatildeo de facto aos seus efeitos e o seu regime de prova para que possamos posteriormente

expor as nossas conclusotildees e possiacutevel proposta de soluccedilatildeo

521 Espanha

Jaacute em 1986 EDUARDO ESTRADA ALONSO refletia sobre o conceito juriacutedico da uniatildeo

de facto em Espanha definindo o conceito de unioacuten extramatrimonial como uma

convivecircncia diaacuteria que eacute desenvolvida habitualmente pelos casamentos de forma estaacutevel e

duradoura sugerindo que o prazo miacutenimo deveria ser de cinco anos para que pudessem ser

consideradas pelo Direito Admite que essa convivecircncia natildeo seja necessariamente no sentido

da coabitaccedilatildeo mas no sentido de que haja pelo menos uma vontade de estar juntos a fim de

evitar que as separaccedilotildees temporaacuterias e involuntaacuterias ndash por motivos profissionais ndash impeccedilam

a produccedilatildeo dos efeitos juriacutedicos pretendidos por essas uniotildees Entende que eacute uma uniatildeo que

dispensa qualquer formalidade para ser constituiacuteda e que implica o cumprimento espontacircneo

sem obrigaccedilatildeo juriacutedica dos deveres conjugais por parte dos membros devendo ser uma

relaccedilatildeo monogacircmica onde haacute a manutenccedilatildeo de relaccedilotildees sexuais sem exigecircncia que

procriem105

Apesar de em Espanha natildeo se encontrar definido o conceito juriacutedico de famiacutelia nem

se as uniotildees de facto se enquadram nesse conceito o Tribunal Constitucional Espanhol tem

vindo a pronunciar-se sobre essa sua inclusatildeo ou natildeo no artigo 391 da Constituiccedilatildeo

Espanhola106 Em 1990 na sentenccedila nordm 1841990 de 15 de Novembro107 o TCE defendeu

104 Expressatildeo usada para caracterizar uma convivecircncia semelhante agrave do marido e mulher ou seja segundo os

costumes matrimoniais 105 Cfr EDUARDO ESTRADA ALONSO ob cit pp 52-73 106 1 Los poderes puacuteblicos aseguran la proteccioacuten social econoacutemica y juriacutedica de la familia Constituiccedilatildeo

Espanhola consultaacutevel em

httpswwwtribunalconstitucionalesestribunalnormativaNormativaCEportuguC3A9spdf 107 Sobre a importacircncia desta sentenccedila cfr JUAN FORNEacuteS ldquoMatrimonio y uniones de hechordquo Ius Canonicum

XL n ordm80 2000 p 404

38

que este tipo de convivecircncia natildeo encontrava previsatildeo no artigo 391 da Constituiccedilatildeo

Espanhola sugerindo que este artigo estava reservado agrave proteccedilatildeo da famiacutelia num ambiente

marital e pela existecircncia de filhos natildeo obstante as parejas de hecho poderem ser protegidas

constitucionalmente atraveacutes da mobilizaccedilatildeo do artigo 101 que postula o direito ao

desenvolvimento da personalidade108 Contrariamente o magistrado GIMENO SENDRA do

TCE sustentou num voto particular nessa sentenccedila a diferenciaccedilatildeo entre a famiacutelia e o

casamento afirmando que a constituiccedilatildeo espanhola previa duas situaccedilotildees distintas o artigo

391 consagrava a proteccedilatildeo da famiacutelia e o artigo 321109 previa a defesa do matrimoacutenio assim

protegendo o artigo 391 no solo a la famiacutelia como institucioacuten juriacutedica sino tambieacuten la

familia como realidad natural por lo que junto a la familia matrimonial tambieacuten han de

merecer proteccioacuten constitucional las denominadas uniones conyugales de hecho110 Em

1992 nesta mesma linha de pensamento na sentenccedila nordm 22292 de 11 de Dezembro o TCE

salientou que o artigo 39 da Constituiccedilatildeo Espanhola protege natildeo soacute a famiacutelia matrimonial

mas tambeacutem a natildeo matrimonial e assim as relaccedilotildees de convivecircncia constituiriam relaccedilotildees

familiares independentemente de terem filhos ou natildeo cabendo no acircmbito de incidecircncia

desse artigo Posteriormente em 28 de Fevereiro de 1994 na sentenccedila nordm 6694 o mesmo

tribunal voltou ao entendimento sufragado em 1990 defendendo a natildeo equivalecircncia entre

casamento e uniatildeo de facto para efeitos do artigo 39 Por fim este entendimento foi reiterado

na sentenccedila nordm 3998 de 17 de Fevereiro de 1998 e a 17 de Junho de 1999 com a sentenccedila

nordm 11699111 foi aceite a posiccedilatildeo defendida pela magistrado GIMENO SENDRA Assim

determinou o Tribunal Constitucional Espanhol que o artigo 391 natildeo identifica que a famiacutelia

que visa proteger eacute a que tem origem no casamento existindo outras modalidades de vida

familiar a par do casamento que refletem una sociedad plural Aleacutem da jurisprudecircncia

tambeacutem a doutrina tem divergido sobre a amplitude de aplicaccedilatildeo deste preceito

constitucional Atualmente o entendimento maioritaacuterio parece estar mais favoraacutevel agrave

inclusatildeo da convivecircncia more uxorio no artigo 391112

108 Tal como recorde-se eacute defendido em Portugal por alguns autores 109 1 El hombre y la mujer tienen derecho a contraer matrimonio con plena igualdad juriacutedica 110 Cfr MARTA COSTA ob cit p 111 111 Cfr JUAN FORNES ob cit p403 112 Cfr JOSEacute RAMOacuteN DE VERDA Y BEAMONTE ldquoLa Ley 52012 de 15 de octubre de uniones de hecho

formalizadas de la Comunidad Valencianardquo Rev boliv de derecho nordm 19 enero 2015 p 772 El precepto

habla de ldquofamiliardquo y no de ldquofamilia legiacutetimardquo (o ldquomatrimonialrdquo) por lo que la proteccioacuten que el precepto

otorga a la familia no debe identificarse necesariamente con la que tiene origen en el matrimonio el cual se

39

Ora diferentemente do que sucede em Portugal o legislador espanhol natildeo se

ocupou de regular de forma uniforme o regime da uniatildeo de facto113 Ao inveacutes as

comunidades autoacutenomas espanholas no acircmbito das suas competecircncia legislativas114

adotaram ainda que de forma distinta regras proacuteprias que regulam este tipo de convivecircncia

natildeo matrimonial Desde logo a maioria qualifica a convivecircncia more uxorio como relaccedilatildeo

familiar Pode ler-se na Ley Foral 62000 de 3 de julio da Comunidade Foral de Navarra

ora revogada115 no seu artigo 2 que ningueacutem pode ser discriminado em razatildeo do grupo

familiar de que faz parte quer seja proveniente de filiaccedilatildeo casamento ou uniatildeo de duas

pessoas que convivam em relaccedilatildeo afetiva semelhante independentemente da sua orientaccedilatildeo

sexual Esta disposiccedilatildeo foi reproduzida por leis de outras Comunidades como as Astuacuterias

Extremadura e Andaluzia116 Contrariamente outras comunidades como as Ilhas Baleares

natildeo as qualificam dessa forma No artigo 3 da Ley 182001 de 19 de diciembre prevecirc-se

que a formaccedilatildeo de uniatildeo de facto natildeo gere relaccedilatildeo de parentesco entre cada um de seus

membros e os familiares do outro Contudo na exposiccedilatildeo de motivos da dita lei eacute chamado

agrave colaccedilatildeo o artigo 391 da constituiccedilatildeo espanhola em nome da proteccedilatildeo social econoacutemica e

juriacutedica da famiacutelia indicando que essa norma natildeo visa proteger apenas um modelo de

famiacutelia sendo necessaacuterio fazer uma interpretaccedilatildeo ampliada desse conceito de acordo com a

realidade social A exposiccedilatildeo de motivos estabelece ainda que o artigo 32 ao prever o direito

de contrair matrimoacutenio tambeacutem prevecirc o direito a natildeo o fazer o que natildeo prejudica o direito

de todos os homens e mulheres de constituir por meio de uma uniatildeo efetiva e estaacutevel uma

comunhatildeo de vida que com ou sem filhos implique a constituiccedilatildeo de uma famiacutelia

regula en un precepto especiacutefico (art 32 CE) y en capiacutetulo diverso No mesmo sentido LUIS PEacuteREZ

FERNAacuteNDEZ ldquoLas Uniones Extramatrimoniales En Espantildea iquestEs Necesaria Su Regulacioacutenrdquo in Revista Juriacutedica

de Astuacuterias nordm 40 2017 p162 En nuestros diacuteas tanto matrimonio como la unioacuten extramatrimonial pueden

constituir una familia y estaacuten amparados por la misma proteccioacuten social econoacutemica y juriacutedica del artiacuteculo

391 de la Constitucioacuten espantildeola cuyo tenor literal establece laquoLos poderes puacuteblicos aseguran la proteccioacuten

social econoacutemica y juriacutedica de la familiaraquo 113 Ou concubinato parejas de hecho parejas cohabitantes uniones de hecho uniones libres convivencias

no matrimoniales matrimonios laquosin papelesraquo convivencias prenupciales () CfrGERARDO MEIL

LANDWERLIN ldquoLas uniones de hecho en Espantildeardquo Madrid Centro de Investigaciones Socioloacutegicas 2003 p

26 114 Cfr MARTA COSTA ob cit p 349 115 Lei original consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2000-16373 modificada e

atualizada pela Ley Foral 212019 de 4 de abril consultaacutevel em httpswwwboeeselies-

nclf2019040421 116 Respetivamente Ley 42002 de 23 de mayo de Parejas Estables Ley 52003 de 20 de marzo de parejas

de hecho de la Comunidad Autoacutenoma de Extremadura Ley 52002 de 16 de diciembre de Parejas de Hecho

40

Ademais assiste-se a uma coexistecircncia entre uniones extramatrimoniales

formalizadas e as puramente faacutecticas117 o que se reflete nos meios probatoacuterios No

ordenamento juriacutedico espanhol satildeo aceitaacuteveis todos os meios de prova que sejam admitidos

nos termos gerais do direito A exigecircncia da aparecircncia externa da convivecircncia entre unidos

de facto tem estreita relaccedilatildeo com a prova da mesma mostrando-se a jurisprudecircncia flexiacutevel

ao considerar suficientes para esse efeito as declaraccedilotildees dos conviventes ou seja a prova

testemunhal sem que documentos de caraacuteter administrativo a possam pocircr em causa As

disposiccedilotildees do acircmbito estatal natildeo precisam os requisitos pessoais nem as formas de

constituiccedilatildeo da uniatildeo de facto118 Jaacute no que toca ao direito regional prevalece a diversidade

havendo leis que admitem todos os meios de prova e outras que sendo mais restritivas

requerem o registo obrigatoacuterio Um exemplo de lei que admite qualquer meio de prova

admissiacutevel no direito eacute a Ley 42002 de 23 de mayo do principado das Astuacuterias119 A

Comunidade de Andaluzia prevecirc a possibilidade da declaraccedilatildeo de vontade de constituir uma

pareja de hecho mediante el otorgamiento de escritura puacuteblica o por cualquier otro medio

de prueba admisible en Derecho120 Jaacute comunidades como Extremadura121 Ilhas Baleares122

Cantaacutebria123 e Paiacutes Vasco124 exigem a inscriccedilatildeo das uniotildees de facto no registo para a sua

constituiccedilatildeo e por conseguinte como forma de provar a relaccedilatildeo Na comunidade de

Aragatildeo125 prevecirc-se a inscriccedilatildeo da relaccedilatildeo no registo administrativo podendo provar-se a

existecircncia da relaccedilatildeo se natildeo houver escritura puacuteblica por qualquer meio de prova admitido

no direito

117 Cfr NATALIA ALVAREZ LATA ldquoLas Parejas De Hecho Perspectiva Jurisprudencialrdquo Derecho Privado y

Constitucioacuten nordm 12 enero- diciembre 1998 p 15 118 Para mais desenvolvimentos no acircmbito de normas estatais cfr MARTA COSTA ob cit p 388 119 Art 3 n ordm3 La existencia de pareja estable o el transcurso del antildeo de convivencia podraacuten acreditarse

atraveacutes de cualquier medio de prueba admitido en Derecho

Consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2002-13017 120 Art 5 nordm 3 Consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2003-771 121 Art 4 da Ley 52003 de 20 de marzo consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-

2003-9450 122 Art1 nordm2 da Ley 182001 de 19 de diciembre consultaacutevel em

httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2002-917ampa=aamporden=conterefpost 123 Art 5 da Ley 12005 de 16 de mayo consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2005-

9402 124 Art 3 e 4 da Ley 22003 de 7 de mayo consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-

2011-18545 125 Ley 61999 de 26 de marzo derrogada pelo Decreto Legislativo 12011 de 22 de marzo consultaacutevel em

httpswwwboeesbuscardocphpid=BOA-d-2011-90007

41

Apoacutes a anaacutelise das soluccedilotildees que as comunidades autoacutenomas apresentam eacute de notar

a diversidade de caminhos que sugerem e que satildeo desconhecidos ao direito portuguecircs pelo

menos para jaacute

522 Franccedila

Tal como sucede em Espanha o ordenamento juriacutedico francecircs natildeo contempla uma

definiccedilatildeo de famiacutelia nem em termos constitucionais nem no Code Civil ou Code de la

Familie Tradicionalmente a doutrina tem vindo a definir famiacutelia como o grupo de pessoas

que estatildeo ligados por laccedilos fundados essencialmente pelo casamento e parentesco126 As

relaccedilotildees de concubinage natildeo cabem em princiacutepio neste conceito127 Poreacutem atualmente a

natureza familiar dos laccedilos criados pelo PACS tem sido questionada e ao receber resposta

afirmativa por parte da jurisprudecircncia eacute possiacutevel perceber-se que estaacute em curso uma

modificaccedilatildeo no que respeita agrave noccedilatildeo de famiacutelia apresentando-se cada vez menos riacutegida128

No Tiacutetulo XII no Code Civil encontramos as duas figuras que ocuparatildeo agora a

nossa anaacutelise o pacte civil de solidariteacute e le concubinage129 Em primeiro lugar o artigo

515-2 define o PACS como o contrato celebrado por duas pessoas singulares maiores de

idade do mesmo sexo ou de sexo diferente para organizarem a sua vida em comum Le

concubinage eacute definido pelo artigo 515-8 como uma uniatildeo de facto caracterizada por uma

vida comum de estabilidade e continuidade entre duas pessoas de sexo diferente ou igual

que vivem como um casal130 Importa frisar que esta relaccedilatildeo deve dispor alguns elementos

constitutivos que a possam qualificar como tal131 Entre os elementos suscetiacuteveis de

126 Por sua vez o Institut National De La Stastistique et des Etudes Economiques define que une famille est la

partie dun meacutenage comprenant au moins deux personnes et constitueacutee soit dun couple vivant au sein du

meacutenage avec le cas eacutecheacuteant son ou ses enfant(s) appartenant au mecircme meacutenage soit dun adulte avec son ou

ses enfant(s) appartenant au mecircme meacutenage (famille monoparentale)

Pour quune personne soit enfant dune famille elle doit ecirctre ceacutelibataire et ne pas avoir de conjoint ou denfant

faisant partie du mecircme meacutenage Consultaacutevel em httpswwwinseefrfrmetadonneesdefinitionc1465 127 Cfr ALAIN BENABENT lsquorsquoDroit de la famillersquorsquo LGDJ 4ordm ed 2018 p15 128 Idem 129Consultaacutevel

emhttpswwwlegifrancegouvfrcodessection_lcLEGITEXT000006070721LEGISCTA000006118360

LEGISCTA000006118360 130 O que implica certas consequecircncias legais para os indiviacuteduos que escolheram esta forma de conjugalidade

em oposiccedilatildeo ao casamento Enquanto o casal surgido do casamento estaacute sujeito a um conjunto de regras que

formam um estatuto natildeo existe um estatuto de coabitaccedilatildeo mesmo que a coabitaccedilatildeo seja marcada pela adesatildeo

contiacutenua agraves regras aplicaacuteveis aos cocircnjuges JACQUELINE RUBELLIN-DEVICHI ldquoDroit de la famillerdquo Paris

Dalloz 2001 XXXVII p 373 131 Cfr GERARD GOLDSTEIN lsquorsquoLa cohabitation hors mariage en droit international priveacutersquorsquo in Recueil des Cours

ndash Collected Courses Of The Hague Academy Of Internation Law Tomo 320 Martinus Nijhoff Publishers

2006 p 95

42

caracterizar como concubinage haacute alguns que consoante o caso satildeo particularmente

necessaacuterios em detrimento de outros Le concubinage natildeo se baseia apenas em relaccedilotildees

estaacuteveis e contiacutenuas que envolvem uma comunhatildeo de vida com coabitaccedilatildeo Aleacutem de haver

uma comunhatildeo de casa eacute ainda necessaacuterio que haja uma comunhatildeo de leito ou seja que

exista a manutenccedilatildeo de relaccedilotildees sexuais tal como no nosso ordenamento juriacutedico Aleacutem do

mais eacute importante que seja puacuteblica isto eacute conhecida por terceiros132

Quanto ao regime legal do concubinage este eacute inexistente Os efeitos do casamento

natildeo satildeo aplicaacuteveis agrave relaccedilatildeo de uniatildeo de facto no ordenamento juriacutedico francecircs A situaccedilatildeo

vivenciada pelos conviventes difere da dos cocircnjuges tanto do ponto de vista patrimonial

como do ponto de vista extrapatrimonial nomeadamente no que respeita aos direitos e

deveres conjugais previstos nos artigos 212ordm a 226ordm Code Civil133 Estes natildeo satildeo extensiacuteveis

aos membros da uniatildeo de facto pois a sua comunhatildeo de vida assenta num facto e nunca num

dever Independentemente da duraccedilatildeo da relaccedilatildeo os membros da uniatildeo de facto permanecem

juridicamente estranhos um ao outro natildeo gerando qualquer estado civil nem a possibilidade

de adotarem o nome do outro A situaccedilatildeo de facto estaacute no acircmbito pessoal isenta de qualquer

tipo de regulamento especiacutefico sendo regulada essencialmente pelo direito comum

Possibilitando que a sua rutura seja mais simples podendo qualquer dos membros pocircr fim agrave

relaccedilatildeo a todo o momento134 No tocante a efeitos patrimoniais natildeo existem efeitos diretos

ligados agrave uniatildeo de facto e natildeo haacute norma semelhante ao artigo 220ordm Code Civil135

relativamente ao regime do concubinage responsabilizando solidariamente os membros

pelas diacutevidas do outro No acircmbito fiscal os unidos declaram os seus rendimentos

separadamente sendo considerados individualmente Ao contraacuterio do casamento natildeo haacute o

dever de assistecircncia entre os conviventes e a existir eacute inteiramente voluntaacuterio Como foi

dito sem ser o regime primaacuterio natildeo existe um regime entre os conviventes como existe no

132 Atualmente natildeo eacute necessaacuteria a diferenccedila de sexos para que se possa qualificar a relaccedilatildeo como concubinage

sendo considerado da mesma forma quer se trate de pessoas do mesmo sexo ou de sexo diferente art 515-8

do Code Civil Para mais desenvolvimentos quanto aos elementos caracterizadores cfr JACQUELINE

RUBELLIN-DEVICHI ob cit p 375 133 Cfr BRIGITTE HESS-FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HELENE HESS ldquoDroit de la famillerdquo

ParisSirey DL 2009 XII p89 134 Cfr JACQUELINE RUBELLIN-DEVICHI ob cit p 391 135 1ordf parte Chacun des eacutepoux a pouvoir pour passer seul les contrats qui ont pour objet lentretien du meacutenage

ou leacuteducation des enfants toute dette ainsi contracteacutee par lun oblige lautre solidairement Cfr JEAN

CARBONNIER ob cit p 671

43

casamento Surgindo assim a tentativa de desenvolver na Franccedila inspirada por outros

ordenamentos os contratos de coabitaccedilatildeo que devem reger apenas aspetos patrimoniais

Contudo surgiram duacutevidas sobre a validade deste tipo de contratos no acircmbito do

direito francecircs Consideradas individualmente as claacuteusulas relativamente a aspetos

patrimoniais poderiam ser consideradas vaacutelidas todavia analisando a sua dinacircmica em

conjunto poderia tornar o contrato iliacutecito por dar forccedila obrigatoacuteria a uma espeacutecie de

casamento privado violando o monopoacutelio do Estado em mateacuteria de casamento136 A

permissatildeo de existecircncia destes contratos eacute excecional visto que a partir de 1999 os membros

da uniatildeo de facto puderam convencionar a sua relaccedilatildeo como entendiam atraveacutes do Pacto

Civil de Solidariedade

A prova do concubinage pode ser feita pelos membros ou por terceiros

Contrariamente ao que acontece no casamento em que os cocircnjuges podem facilmente provar

o seu estado civil atraveacutes da sua certidatildeo de casamento lavrada oficialmente pelo funcionaacuterio

do registo civil os conviventes natildeo dispotildeem de nenhuma prova preacute-constituiacuteda No entanto

por se tratar de um facto juriacutedico pode ser provado por qualquer meio de prova admissiacutevel

pelo direito nos termos gerais designadamente atraveacutes de certificados documentos

declaraccedilotildees de honra e ainda com o recurso agrave prova testemunhal137 A sua prova natildeo gera

em princiacutepio grande dificuldade para os membros dado que os organismos que exigem a

prova dessa convivecircncia impotildeem requisitos razoaacuteveis Caso diferente eacute a prova da

convivecircncia por terceiros que podem ver essa possibilidade limitada pelo direito agrave vida

privada do convivente por forccedila dos artigos 9 do Code Civil138 e 8ordm da CEDH139

O pacte civil de solidariteacute conhecido como PACS foi criado a 15 de novembro de

1999 pela lei nordm 99-944 contudo o atual conteuacutedo e estrutura do PACS natildeo eacute o que foi

inicialmente previsto pela referida lei devido agrave grande reforma que sofreu em 2006140 A

criaccedilatildeo deste instituto deveu-se essencialmente agrave necessidade dos casais do mesmo sexo

obterem reconhecimento puacuteblico da sua relaccedilatildeo visto que em 1999 soacute os casais

136 Cfr JEAN CARBONNIER ob cit p681 137 Cfr JACQUELINE RUBELLIN-DEVICHI ob cit p 389 MARTA COSTA ob cit p 390 BRIGITTE HESS-

FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HELENE HESS ob cit p 91 JEAN CARBONNIER ob cit

p775 138 Art 9 do Code Civil 1ordf parte Chacun a droit au respect de sa vie priveacutee 139 Cfr JACQUELINE RUBELLIN-DEVICHI ob cit p 387 MARTA COSTA ob cit p 390 140 Cfr ALBANA METAJ - STOJANOVA ldquoFrench Civil Partnership Contract (Pacs)rdquo South East European

University Vol 14 n ordm1 2019 p 136

44

heterossexuais poderiam optar pelo casamento ou pelo concubinage restando aos casais

homossexuais a uacuteltima alternativa141 Aleacutem disto o PACS veio igualmente satisfazer as

necessidades dos casais heterossexuais que pretendiam regular contratualmente a sua

relaccedilatildeo mas sem formalismo na sua constituiccedilatildeo permitindo-lhes organizar a sua vida

conjunta ndash podendo tratar-se por vezes de um ldquoensaiordquo para um futuro casamento ndash e em

caso de dissoluccedilatildeo evitar os procedimentos inerentes ao divoacutercio que podem ser longos e

dispendiosos142

Este instituto natildeo deve ser confundido nem com o casamento nem com o

concubinage143 O PACS tem bastante adesatildeo144 precisamente por se diferenciar do

casamento em alguns aspetos embora apresentem vaacuterias semelhanccedilas contratualmente o

primeiro natildeo se coaduna com a regulaccedilatildeo da vida familiar e dos filhos apenas a vida do

casal

141 Apenas a 17 de maio de 2013 com a lei 2013-404 foi garantida a possibilidade do casamento entre pessoas

do mesmo sexo 142 Cfr BRIGITTE HESS-FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HELENE HESS ob cit p78 143 Neste sentido sobre as diferenccedilas entre cada um destes trecircs regimes em concreto sobre a diferenccedila de

tratamento para atribuiccedilatildeo de pensatildeo de sobrevivecircncia vide Decisatildeo nordm 2011-155 QPC do Conseil

Constitutionnel de 29-07-2011 5 Consideacuterant en premier lieu que le concubinage est deacutefini par le seul

article 515-8 du code civil comme laquo une union de fait caracteacuteriseacutee par une vie commune preacutesentant un

caractegravere de stabiliteacute et de continuiteacute entre deux personnes de sexe diffeacuterent ou de mecircme sexe qui vivent en

couple raquo quagrave la diffeacuterence des eacutepoux les concubins ne sont leacutegalement tenus agrave aucune solidariteacute financiegravere

agrave leacutegard des tiers ni agrave aucune obligation reacuteciproque 6 Consideacuterant en deuxiegraveme lieu quen vertu de larticle

515-4 du code civil les partenaires lieacutes par un pacte civil de solidariteacute laquo sengagent agrave une vie commune ainsi

quagrave une aide mateacuterielle et une assistance reacuteciproques raquo que laquo si les partenaires nen disposent autrement

laide mateacuterielle est proportionnelle agrave leurs faculteacutes respectives raquo quen outre ils sont laquo tenus solidairement

agrave leacutegard des tiers des dettes contracteacutees par lun deux pour les besoins de la vie courante raquo quainsi

contrairement aux personnes vivant en concubinage les partenaires sont assujettis agrave des obligations

financiegraveres reacuteciproques et agrave leacutegard des tiers que toutefois les dispositions du code civil ne confegraverent aucune

compensation pour perte de revenus en cas de cessation du pacte civil de solidariteacute au profit de lun des

partenaires ni aucune vocation successorale au survivant en cas de deacutecegraves dun partenaire 7Consideacuterant en

troisiegraveme lieu que le reacutegime du mariage a pour objet non seulement dorganiser les obligations personnelles

mateacuterielles et patrimoniales des eacutepoux pendant la dureacutee de leur union mais eacutegalement dassurer la protection

de la famille que ce reacutegime assure aussi une protection en cas de dissolution du mariage 8 Consideacuterant

par suite que le leacutegislateur a dans lexercice de la compeacutetence que lui reconnaicirct larticle 34 de la Constitution

deacutefini trois reacutegimes de vie de couple qui soumettent les personnes agrave des droits et obligations diffeacuterents que la

diffeacuterence de traitement quant au beacuteneacutefice de la pension de reacuteversion entre les couples marieacutes et ceux qui

vivent en concubinage ou sont unis par un pacte civil de solidariteacute ne meacuteconnaicirct pas le principe deacutegaliteacute

Consultaacutevel em httpswwwconseil-constitutionnelfrdecision20112011155QPChtm 144 Para anaacutelise de alguns dados estatiacutesticos relativamente agrave evoluccedilatildeo do nuacutemero de PACS registados entre

2000 e 2007 Cfr BRIGITTE HESS-FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HEacuteLEgraveNE HESS ob cit

p78 Consultar httpswwwinseefrfrstatistiques2381498 para anaacutelise do nuacutemero de casamentos e PACS

em relaccedilotildees heterossexuais entre 1990 e 2019 sendo de realccedilar que em 2018 o nuacutemero de casamentos e de

PACS foi muito semelhante verificando-se uma diferenccedila de 28 mil casamentos em relaccedilatildeo aos PACS

Relativamente agraves relaccedilotildees homossexuais a diferenccedila eacute ainda menor sendo os dados quase equivalentes

45

Deve ainda obedecer a vaacuterias regras para a sua formaccedilatildeo Soacute pode ser celebrado

entre pessoas maiores de idade que natildeo sejam parentes em linha reta ou colateral ateacute ao

terceiro grau e que natildeo estejam casadas ou tenham celebrado PACS com outra pessoa145 A

sua celebraccedilatildeo deve cumprir as regras do direito comum contratual e natildeo deve ser contraacuterio

agrave ordem puacuteblica A forma sob a qual o acordo deve ser redigido eacute livre porque o artigo 515-

3 do Code Civil natildeo especifica a sua forma e os parceiros podem redigir eles proacuteprios ou

optar que a redaccedilatildeo seja feita por um notaacuterio Por conseguinte os parceiros satildeo livres de

escolher a forma do PACS podendo o acordo ser um ato autecircntico ou um ato privado

Terminada a redaccedilatildeo do acordo os parceiros devem fazer uma declaraccedilatildeo conjunta do

acordo devendo o notaacuterio do registo civil registar o pacto depois de verificar as condiccedilotildees

necessaacuterias para a conclusatildeo do acordo e mandar executar as formalidades de publicaccedilatildeo

previstas no artigo 515-3 Code Civil permitindo que seja oponiacutevel a terceiros Apoacutes a sua

vaacutelida formaccedilatildeo o PACS estaacute em condiccedilotildees de produzir efeitos na vida dos parceiros no

acircmbito pessoal146 e patrimonial regidos pelas disposiccedilotildees dos artigos 515-4 a 515-5-3 do

Code Civil147 Por uacuteltimo a dissoluccedilatildeo do PACS eacute muito mais simples do que a dissoluccedilatildeo

de casamento uma vez que existem apenas quatro situaccedilotildees cada uma das quais com um

procedimento para a dissoluccedilatildeo do mesmo tais como a rutura unilateral a rutura de comum

acordo por casamento dos membros ou de um deles e a morte de um dos membros Os

procedimentos que devem seguir cada uma destas circunstacircncias estatildeo previstos no artigo

515-7 do Code Civil

Sem embargo de todas as condiccedilotildees de forma que o PACS estaacute sujeito haacute algumas

incoerecircncias quanto ao seu regime de prova por terceiros148 Depois do registo do acordo eacute

entregue aos pactuantes um atestado de inscriccedilatildeo em que constam os seus nomes data e

lugar de nascimento e a data do registo do pacto natildeo sendo conservadas pelo notaacuterio as

convenccedilotildees que satildeo exibidas para serem assinadas e para ser verificadas as condiccedilotildees de

validade do acordo Porquanto se um terceiro quiser ter acesso ao conteuacutedo de um PACS

apenas poderaacute fazecirc-lo se pedir aos proacuteprios pactuantes salvaguardando assim o direito agrave

reserva da vida privada dos parceiros

145 Sob pena de nulidade art 515-2 Code Civil 146 Assentam essencialmente no compromisso de viverem em comunhatildeo de vida e de fornecerem ajuda e

assistecircncia muacutetua 147 Cfr BRIGITTE HESS-FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HEacuteLEgraveNE HESS ob cit p 85 148 Cfr MARTA COSTA ob cit p 390

46

53 O Acoacuterdatildeo do STJ de 22 de Marccedilo de 2018 processo

nordm6380169T8CBRC1 S1

Decidimos analisar este Acoacuterdatildeo por entendermos que representa de forma clara os

problemas que a prova da coabitaccedilatildeo causa Demonstrando que natildeo eacute uma questatildeo unacircnime

na jurisprudecircncia pois eacute objeto de decisotildees diacutespares natildeo deixando de ser bem

fundamentadas Em causa estaacute uma accedilatildeo em processo comum que tem como Autor o

Instituto da Seguranccedila Social nomeadamente o Centro Nacional de Pensotildees e como Reacute

quem alega ter mantido uma relaccedilatildeo de uniatildeo de facto com o beneficiaacuterio dessa pensatildeo ateacute

agrave data da morte deste Antes de mais urge atentar brevemente aos factos dados como

provados relevantes para a presente anaacutelise

A Reacute encetou um relacionamento amoroso com o falecido em 1991 passando a ter

relaccedilotildees sexuais e a fazer as refeiccedilotildees com o de cujos na casa onde este vivia Em 1996 a

Reacute passou a pernoitar na casa do de cujos de onde se ausentava nos fins de semana em que

a filha do beneficiaacuterio o visitava duas vezes por mecircs ou quando existia uma discussatildeo entre

o casal Manteve o arrendamento da sua casa para onde ia quando uma destas circunstacircncias

ocorriam suportando os encargos inerentes a esta manutenccedilatildeo Os sujeitos dividiam entre si

as despesas do supermercado e a Reacute acompanhava o beneficiaacuterio agraves consultas e agraves urgecircncias

do hospital sempre que necessaacuterio Na sequecircncia da morte do beneficiaacuterio a 14 de julho de

2015 a Reacute requereu a atribuiccedilatildeo das pensotildees devidas pela morte do mesmo invocando a sua

qualidade de unida de facto por ter vivido com o de cujos em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos

cocircnjuges desde 17 de Agosto de 1991 ateacute agrave sua morte Como prova da qualidade de unida

de facto apresentou atestado emitido pela Junta de Freguesia que certificava que esta residia

em comunhatildeo de mesa e habitaccedilatildeo com o beneficiaacuterio desde 1991 ateacute agrave data da sua morte

documentos exigidos pelo artigo 2ordm-A nordm 4 da LUF Contudo a filha do de cujos informou

o CNP de que a alegaccedilatildeo da Reacute natildeo era verdadeira pois esta sempre residiu em habitaccedilatildeo

distinta do beneficiaacuterio

Note-se que a demonstraccedilatildeo dos factos pressupostos para a relevacircncia juriacutedica da

uniatildeo de facto foi facilitada relativamente ao acesso agraves prestaccedilotildees do Estado no caso de

morte devido agrave possibilidade que eacute dada aos pretensos beneficiaacuterios de determinados

direitos (nomeadamente interessados que pretendam beneficiar dos efeitos previstos na lei

em face dos herdeiros do falecido artigo 2020ordm CCiv do senhorio artigo 1105ordm e 1106ordm

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CCiv das entidades responsaacuteveis pelo pagamento das prestaccedilotildees por morte artigo 6ordm nordm 2

da LUF) No que respeita ao acesso agraves prestaccedilotildees sociais em caso de morte o artigo 6ordm nordm2

da LUF prevecirc a possibilidade da entidade responsaacutevel pelo pagamento das prestaccedilotildees

previstas nas aliacuteneas e) f) g) do artigo 3ordm caso entenda que existem fundadas duacutevidas sobre

a existecircncia da uniatildeo de facto poder solicitar meios de prova complementares149 e se na

sequecircncia dessas diligecircncias subsistirem duacutevidas a entidade deve promover a competente

accedilatildeo judicial com vista agrave sua comprovaccedilatildeo Foi o que sucedeu no caso em apreccedilo tendo a

entidade responsaacutevel pelo pagamento das prestaccedilotildees sociais por morte - tratando-se do

Instituto da Seguranccedila Social nomeadamente o Centro Nacional de Pensotildees no caso que

estamos a analisar- proposto a competente accedilatildeo judicial150

No seguimento da interposiccedilatildeo desta accedilatildeo pelo ISS a Reacute respondeu afirmando que

durante 24 anos viveu em comunhatildeo de mesa cama e casa com o de cujos e alegou que natildeo

se desfez da sua casa por uma questatildeo de precauccedilatildeo O Tribunal da 1ordf instacircncia julgou a accedilatildeo

parcialmente procedente e julgou natildeo reconhecida a vivecircncia em situaccedilatildeo de uniatildeo de facto

entre a Reacute e o beneficiaacuterio A Reacute recorreu para o Tribunal da Relaccedilatildeo que a 2 de novembro

149 Designadamente declaraccedilatildeo emitida pela Autoridade Tributaacuteria e Aduaneira ou pelo Instituto dos Registos

e do Notariado I P onde se ateste que agrave data da morte os membros da uniatildeo de facto tinham domiciacutelio fiscal

comum haacute mais de dois anos ndash art 6ordm nordm 2 da LUF 150 No entender de RITA XAVIER ldquoA Uniatildeo de Facto e a Lei Civil no Ensino de Francisco Manuel Pereira

Coelho e Legislaccedilatildeo Atualrdquo ob cit p 685 deveraacute tratar-se de uma accedilatildeo de simples apreciaccedilatildeo negativa

(prevista no art 10ordm nordm 3 al a) CPC) que visa declarar que determinada pessoa natildeo beneficia ou natildeo tem um

certo direito E embora o oacutenus de propositura da accedilatildeo recaia sobre a entidade responsaacutevel pelo pagamento das

prestaccedilotildees sociais compete ao membro sobrevivo da uniatildeo de facto a prova dos factos constitutivos do seu

direito Vide Art 343ordm n ordm1 CCiv 1 Nas accedilotildees de simples apreciaccedilatildeo ou declaraccedilatildeo negativa compete ao

reacuteu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga E ainda a este propoacutesito vide Acoacuterdatildeo Tribunal

da Relaccedilatildeo de Coimbra de 16102012 proferido no acircmbito do processo nordm 50091TBALDC1 A accedilatildeo

declarativa de simples apreciaccedilatildeo negativa - ou seja uma accedilatildeo pela qual se procura ldquohellip obter unicamente a

declaraccedilatildeo da hellip inexistecircncia de um direito ou de um factordquo (artigo 4ordm nordm 2 al a) do CPC) - destina-se desde

logo a definir uma situaccedilatildeo juriacutedica tornada incerta - o demandante pretende reagir contra uma situaccedilatildeo de

incerteza que o impede de auferir todas as vantagens normalmente proporcionadas pela relaccedilatildeo juriacutedica

material que lhe causa um dano patrimonial ou moral apreciaacutevel (hellip) A causa de pedir nas accedilotildees de simples

apreciaccedilatildeo negativa consubstancia-se na inexistecircncia do direito e nos factos materiais pretensamente

cometidos pelo demandado que determinaram o estado de incerteza Em sentido inverso mais recentemente

vide o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 24-04-2019 proferido no acircmbito do processo

12025160T8LRSL1-2 (hellip) trata-se de uma acccedilatildeo proposta pelo ISS a pedir que o requerente comprove no

processo a existecircncia da situaccedilatildeo juriacutedica que se arroga O ISS natildeo nega que a uniatildeo de facto tenha existido

diz que tem duacutevidas sobre a sua existecircncia e por isso pede que o requerente seja chamado a comprovar a

existecircncia da situaccedilatildeo juriacutedica em causa Assim trata-se de uma acccedilatildeo de simples apreciaccedilatildeo positiva sui

generis em que a lei atribui ao reacuteu que se arrogou o direito em causa o oacutenus da prova dos factos constitutivos

dele embora natildeo negado pelo Autor O ISS natildeo deve no desenho da lei intentar a acccedilatildeo declarativa para se

declarar a inexistecircncia de uma situaccedilatildeo juriacutedica (o que o ISS natildeo alega nem nega pois que apenas tem

duacutevidas) mas sim para que o reacuteu comprove a existecircncia da situaccedilatildeo juriacutedica a que se arroga Se o reacuteu

conseguir provar os factos necessaacuterios a situaccedilatildeo juriacutedica eacute declarada existente caso contraacuterio natildeo o eacute

48

de 2017 revogou a sentenccedila recorrida e declarou improcedente a accedilatildeo do CNP reconhecendo

a convivecircncia de 24 anos como uma situaccedilatildeo uniatildeo de facto

Por sua vez o ISS interpocircs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiccedila

Nas suas alegaccedilotildees demonstrou a discordacircncia com a decisatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo por

entender que a tese do Tribunal de1ordf Instacircncia que defendia que o relacionamento da Reacute e

do de cujos natildeo revestia as caracteriacutesticas que o tornavam anaacutelogo ao dos cocircnjuges seria a

correta Defendem que apesar da Reacute e o de cujos terem mantido relaccedilotildees sexuais e esta

pernoitasse quase sempre na casa do mesmo ela mantinha a sua casa onde dormia

pontualmente e onde guardava os seus pertences o que indicava que natildeo sentia a morada

comum como sua Ademais embora fizessem refeiccedilotildees em comum natildeo havia comunhatildeo

patrimonial jaacute que as compras eram custeadas de forma alternada por um ou por outro e era

feita uma separaccedilatildeo bem definida das despesas inerentes a cada uma das casas

Na 2ordf Instacircncia o Tribunal da Relaccedilatildeo entendeu que natildeo era imprescindiacutevel que a

relaccedilatildeo de uniatildeo de facto natildeo fosse interrompida pela saiacuteda de um dos membros da morada

em comum quando ocorram desentendimentos ou discussotildees dado que esta circunstacircncia

tambeacutem se verifica no casamento podendo levar agrave interrupccedilatildeo esporaacutedica da comunhatildeo que

eacute proacutepria desse instituto e natildeo eacute por isso que se pode dizer que a comunhatildeo de habitaccedilatildeo fica

descaracterizada151 Na sua tese o tribunal referido defende tambeacutem que o facto de a Reacute ter

mantido a sua casa por querer manter a propriedade daquele imoacutevel por motivos que soacute a ela

dizem respeito - o que leva a que seja da sua responsabilidade suportar os encargos que dela

advenham - natildeo seria suficiente para colocar em causa a residecircncia em comum com o

falecido Para enfatizar a tese de que a morada comum dos sujeitos seria o imoacutevel em que

os dois viviam o tribunal realccedila o facto do Autor ter citado a Reacute nessa morada para a accedilatildeo

em causa O tribunal considera que a comunhatildeo de mesa leito e habitaccedilatildeo eacute o que define a

151 Veja-se a tiacutetulo de exemplo mutatis mutandis o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 24042019

no acircmbito do processo 12025160T8LRSL1-2 que jaacute se teve a oportunidade de mencionar Para que se possa

dizer que cessou a uniatildeo de facto natildeo basta constatar a existecircncia de uma separaccedilatildeo de facto Tem que se

provar tambeacutem que existe da parte de pelo menos um dos unidos de facto o propoacutesito de natildeo a restabelecer

E por isso embora o facto de os unidos de facto deixarem de dormir na mesma casa comerem agrave mesma mesa

e viver debaixo do mesmo tecto aponte para a falta de comunhatildeo de vida tal natildeo basta para se poder concluir

pela cessaccedilatildeo da uniatildeo de facto devendo fazer-se ainda a prova do elemento subjectivo da vontade de pelo

menos um deles romper com a uniatildeo de facto (de forma directa ou atraveacutes de um conjunto suficientemente

significativo de circunstacircncias objectivas que apontem nesse sentido isto eacute que o permitam afirmar com base

numa presunccedilatildeo natural ou judicial) Indo ainda mais longe na decisatildeo ao referir que se considera que a

sentenccedila teve razatildeo em considerar irrelevante o periacuteodo de separaccedilatildeo de 3 meses entre a reacute e o beneficiaacuterio

(hellip)

49

convivecircncia anaacuteloga agrave dos cocircnjuges exigida pelo artigo 1ordm nordm 2 da LUF E que encontrando-

se demonstrado que a Reacute encetou desde 1991 ateacute ao falecimento do beneficiaacuterio um

relacionamento onde mantinham relaccedilotildees sexuais faziam refeiccedilotildees conjuntas com amigos e

familiares na morada comum pagavam alternadamente as despesas com alimentaccedilatildeo e

ainda havia o acompanhamento do falecido pela Reacute a consultas meacutedicas e atendimento nas

urgecircncias mostram-se suficientemente comprovados os requisitos da declaraccedilatildeo de uniatildeo

de facto que se tem por estabelecida durante o todo esse lapso temporal

Estamos aqui perante duas decisotildees distintas e cada uma delas fundamenta a sua

decisatildeo com argumentos vaacutelidos e plausiacuteveis o que reflete uma vez mais a dificuldade

imanente a esta questatildeo Estaacute em causa uma relaccedilatildeo de convivecircncia e auxiacutelio de 24 anos que

devido aos requisitos que se exige que sejam comprovados ou por questotildees que natildeo se

colocariam se do instituto do casamento se tratasse se vecirc posta em causa a atribuiccedilatildeo de uma

pensatildeo de sobrevivecircncia por natildeo se conseguir provar a qualidade de unida de facto pela Reacute

A situaccedilatildeo sub judice eacute cada vez mais frequente nos tempos que correm Vaacuterios sujeitos que

pelo facto de serem divorciados ou viuacutevos refazem a sua vida ao lado de outra pessoa sem

assumir o compromisso do casamento Por natildeo quererem ou por natildeo lhes convir como eacute o

exemplo dos viuacutevos que recebam pensatildeo de sobrevivecircncia e se voltarem a casar perdem o

direito a esse benefiacutecio Ou ateacute por questotildees de praticidade por natildeo quererem estar sujeitos

a um regime que impotildee diversas consequecircncias como eacute o instituto do casamento Eacute neste

tipo de situaccedilotildees que se deve pensar quando se pretende equiparar a uniatildeo de facto ao

instituto do casamento Haacute efetivamente quem natildeo queira ser abrangido por uma

regulamentaccedilatildeo tatildeo ampla e o que para uns podem ser consideradas desvantagens no que

respeita ao regime mais liberal da uniatildeo de facto para outros podem ser as vantagens que

pesam na escolha deste regime como modo de vida em conjunto

Resta finalmente aludir agrave efetiva decisatildeo do STJ Tendo por base o Acoacuterdatildeo do

STJ de 9-07-2014152 que refere que se deve pensar na vivecircncia de dois cocircnjuges em situaccedilatildeo

de normalidade ou vulgaridade inseridos na cultura a que pertencemos e eacute aiacute que se haacute-de

encontrar o preenchimento do conceito de laquocondiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjugesraquo decide

que o quadro factual que estaacute em causa na situaccedilatildeo em anaacutelise natildeo eacute suficiente para dar como

152 Processo nordm 3076111TBLLEE1 S1 Consultaacutevel em

httpwwwdgsiptjstjnsf954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa8140b2f2587cb42fbd180257d16005402d4Op

enDocument

50

provada a existecircncia entre a Reacute e o de cujos de uma convivecircncia em economia comum

Considerando que essa convivecircncia se caracteriza pela situaccedilatildeo de pessoas que vivam em

comunhatildeo de mesa e habitaccedilatildeo com base num lar em sentido familiar moral e social e com

base numa economia domeacutestica em comum e pelo facto de a Reacute pernoitar na casa do falecido

mas manter sempre a sua casa onde conservou os seus pertences e objetos demonstrava que

esta natildeo sentia a casa do beneficiaacuterio como sua E ainda que a Reacute natildeo provou como lhe

competia por forccedila do artigo 342ordm nordm 1 do CCiv que faziam toda a vida de casal na casa do

de cujos e que manteve a sua casa arrendada para acautelar a possibilidade da filha do

beneficiaacuterio quisesse voltar a viver na casa do mesmo Aleacutem disso a Reacute natildeo conseguiu

provar que o beneficiaacuterio pernoitava na sua casa e que a esta tambeacutem servia para os amigos

ficarem a dormir O STJ conclui que natildeo obstante partilhassem refeiccedilotildees na casa do de

cujos natildeo se via que existisse uma economia domeacutestica em comum Caracteriacutestica que estaacute

intrinsecamente ligada ao modo de vida dos cocircnjuges existindo nesta situaccedilatildeo economias

separadas por serem custeadas alternadamente as despesas de supermercado e por cada um

se responsabilizar pelos gastos de cada casa Desta feita concluiu que natildeo se verificava a

vivecircncia em economia comum necessaacuteria para que se considerasse a situaccedilatildeo como uma

uniatildeo de facto como invocou a Reacute revogando o acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo e mantendo

a sentenccedila proferida pelo Tribunal de 1ordf Instacircncia que julgou natildeo reconhecida a vivecircncia em

situaccedilatildeo de uniatildeo de facto entre a Reacute e o beneficiaacuterio falecido agrave data da sua morte

Para terminar importa dizer que tendemos a concordar com a decisatildeo do Tribunal

da Relaccedilatildeo Note-se que estatildeo em causa 24 anos de convivecircncia em comum e auxiacutelio muacutetuo

que implicava a manutenccedilatildeo de relaccedilotildees sexuais de refeiccedilotildees conjuntas de suporte a niacutevel

de acompanhamento meacutedico e natildeo menos importante a companhia inerente agrave convivecircncia

que em idades mais avanccediladas pode ser um fator relevante para manterem entre si um

relacionamento Natildeo se devendo esquecer conforme mencionam os factos comprovados

que a filha do de cujos em 1996 foi trabalhar e viver para outra cidade ficando longe do pai

e visitando-o apenas duas vezes por mecircs ao fim-de-semana Tal significava que o auxiacutelio

que o de cujos necessitava nomeadamente nos acompanhamentos a consultas meacutedicas e

mesmo agraves urgecircncias se assim fosse necessaacuterio era dado pela Reacute Gerando menos

preocupaccedilotildees e encargos agrave filha do beneficiaacuterio falecido conseguindo manter a sua

normalidade e rotina se uma destas circunstacircncias ocorressem pois sabia que o seu pai estava

51

a ser apoiado pela Reacute que despendia do seu tempo para lhe fornecer cuidados e auxiacutelio

sempre que necessaacuterio

Ora eacute necessaacuterio refletir que a convivecircncia e coabitaccedilatildeo de duas pessoas em

situaccedilotildees destas pode ir para aleacutem da vivecircncia em economia comum Pode verificar-se no

caso em apreccedilo o cumprimento dos deveres de coabitaccedilatildeo cooperaccedilatildeo e assistecircncia inerentes

aos deveres conjugais previstos no artigo 1672ordm CCiv Poreacutem apesar de natildeo se verificar

uma verdadeira vivecircncia em economia comum que o STJ considera como caracteriacutestica do

modo de vida proacuteprio dos cocircnjuges por haver uma separaccedilatildeo bem definida das despesas

alimentares bem como dos encargos resultantes das casas de cada um verificam-se outras

caracteriacutesticas presentes no modo de vida proacuteprio dos cocircnjuges que tambeacutem relevam e natildeo

devem ser desconsideradas Devemos ter em conta que pode ter sido opccedilatildeo dos sujeitos viver

com economias separadas o que natildeo invalida que a sua situaccedilatildeo seja qualificada como uniatildeo

de facto em virtude de natildeo haver nenhuma norma na LUF que imponha qualquer tipo de

obrigaccedilatildeo aos unidos no que respeita a fazerem economias conjuntas

No que concerne agrave manutenccedilatildeo por parte da Reacute de outra casa e de laacute pernoitar

pontualmente cremos que natildeo eacute suficiente para pocircr em causa a verificaccedilatildeo da qualificaccedilatildeo

da relaccedilatildeo como uniatildeo de facto A ocorrecircncia da interrupccedilatildeo momentacircnea da coabitaccedilatildeo natildeo

eacute razatildeo para que natildeo se possa considerar a relaccedilatildeo convivencial entre duas pessoas como tal

Entre os cocircnjuges tambeacutem podem ocorrer situaccedilotildees que interrompam a sua coabitaccedilatildeo e

indo mais longe devemos recordar as situaccedilotildees em que cocircnjuges por motivos profissionais

veem a sua convivecircncia interrompida eg durante a semana e soacute estatildeo juntos ao fim-de-

semana devido agrave deslocaccedilatildeo de um deles para outra cidade153 Natildeo sendo mesmo assim

posta a sua convivecircncia em causa por forccedila do artigo 1673ordm CCiv que prevecirc esta

possibilidade Acontecendo o mesmo com membros da uniatildeo de facto deveraacute colocar-se a

sua convivecircncia em crise Seraacute a uniatildeo de facto uma simples comunhatildeo de casa Ou por

outro lado uma comunhatildeo de vida Com tudo o que isso implique para os sujeitos que

formam a relaccedilatildeo que se devem reger por criteacuterios subjetivos nessa mateacuteria

De forma a enfatizar o facto de existirem cada vez mais formas de organizaccedilatildeo

familiar e de se notar uma modernizaccedilatildeo constante nesta mateacuteria vale a pena referirmos que

existe tambeacutem uma forma de organizaccedilatildeo da vida em comum a par da uniatildeo de facto e a

153 Cfr neste sentido MARIA MARGARIDA PEREIRA ob cit p 650

52

uniatildeo conjugal que se designa de uniatildeo sem comunhatildeo154 Esta uniatildeo acontece quando as

partes decidem residir em locais distintos sem abdicarem de outros elementos que formam

um casal como a manutenccedilatildeo de relaccedilotildees sexuais a fidelidade e a entreajuda Pretendem

levar uma vida a dois no entanto natildeo querem residir no mesmo local Eacute uma forma de

organizaccedilatildeo da vida em comum que natildeo eacute mencionada pelo legislador que natildeo conjeturou

um caminho que estivesse entre o tudo e o nada155 uma vez que regula o casamento a uniatildeo

de facto o divoacutercio e a separaccedilatildeo O facto de natildeo haver comunhatildeo de habitaccedilatildeo neste tipo

de relaccedilotildees natildeo permite que se fale na hipoacutetese de ser considerada uniatildeo de facto Todavia

o que estaacute aqui em causa natildeo eacute a interrupccedilatildeo esporaacutedica ou pontual da coabitaccedilatildeo como

acontece no caso que temos vindo a analisar Mas antes a existecircncia de duas residecircncias

distintas natildeo havendo uma coabitaccedilatildeo entre o casal por escolha dos proacuteprios preferindo

uma organizaccedilatildeo da sua vida em comum de forma separada no que respeita agrave coabitaccedilatildeo

mantendo todos os outros elementos que relevam para a sua consideraccedilatildeo como um casal

Tudo isto para dizer que estamos perante uma eacutepoca onde o pluralismo jusfamiliar eacute uma

realidade e que talvez seja necessaacuteria uma atualizaccedilatildeo legislativa que acompanhe os tempos

que vivemos no tocante a estas mateacuterias156157

54 Soluccedilatildeo proposta

Aqui chegados e depois de analisar as soluccedilotildees que vigoram noutros ordenamentos

juriacutedicos eacute importante aventar a soluccedilatildeo que cremos que melhor resolveraacute os problemas que

o atual regime juriacutedico da uniatildeo facto levanta

Jaacute haviacuteamos proposto supra a densificaccedilatildeo do atual regime legal da uniatildeo de facto

com objetivo de assegurar uma maior proteccedilatildeo dos membros natildeo obstante o respeito da

vontade das partes de se submeter ou natildeo a tais consequecircncias juriacutedicas visto que natildeo se

trataria portanto de um regime imperativo automaticamente aplicaacutevel a quem opte por

conviver em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges

154 LAT (Living Apart Together) Cfr JORGE DUARTE PINHEIRO ob cit p 558 155 Cfr JORGE DUARTE PINHEIRO ob cit p 558 156 Idem 157 JORGE DUARTE PINHEIRO termina o ponto dedicado a esta mateacuteria questionando o que impede a receccedilatildeo

legal no nosso ordenamento de uma uniatildeo sem comunhatildeo de habitaccedilatildeo que beneficie de um estatuto proacuteprio

e que pudesse incluir a possibilidade da figura ser constituiacuteda por cocircnjuges suspendendo de forma consensual

o dever de coabitaccedilatildeo que agrave luz dos arts 1618ordm 1672ordm 1699ordm n ordm1 al b) CCiv eacute proibido atualmente

53

Cabe agora desenvolver esta proposta Apesar de haver quem encare a uniatildeo de

facto com uma visatildeo mais liberal e consequentemente entenda que esta natildeo deve gerar

muitos efeitos juriacutedicos por forma a respeitar-se a liberdade de escolha de cada um

acreditamos que o Direito natildeo deve ignorar as situaccedilotildees que merecem tutela juriacutedica E

apesar de haver uma regulamentaccedilatildeo juriacutedica da uniatildeo de facto no nosso ordenamento a

proteccedilatildeo por ela oferecida eacute meramente assistencial158 funcionando essencialmente em

situaccedilotildees de crise159

Natildeo se deve olvidar que a uniatildeo de facto na nossa ordem juriacutedica eacute um verdadeiro

ato juriacutedico e os seus efeitos natildeo dependem da vontade dos membros pois produzem-se ex

logo160 A soluccedilatildeo vigente concede certos efeitos aos membros da uniatildeo de facto apoacutes a

convivecircncia por dois anos sem que estes declarem expressamente a sua pretensatildeo A sua

uacutenica declaraccedilatildeo eacute a vontade de viver em plena comunhatildeo de vida Deveraacute daiacute aferir-se a

vontade de assumir efeitos juriacutedicos Acreditamos que a soluccedilatildeo atual apesar de ter como

objetivo o respeito pela autonomia privada e a vontade das partes natildeo o faz Estabelece

efeitos juriacutedicos a situaccedilotildees de facto que natildeo tem como controlar por natildeo haver nenhum tipo

de registo

Enquanto esta for a natureza da uniatildeo de facto e natildeo houver um ato constitutivo por

parte de uma autoridade puacuteblica ou outra formalidade a situaccedilatildeo de facto natildeo pode suscitar

um regime juriacutedico muito denso mas somente algumas medidas de proteccedilatildeo Dificilmente

se poderaacute ir mais longe no que concerne agrave atribuiccedilatildeo de efeitos juriacutedicos sem uma autecircntica

formalizaccedilatildeo das vontades das partes de intencionar um regime mais firme

Deste modo concomitantemente com a consolidaccedilatildeo do seu regime proacuteprio

julgamos ainda ser importante sujeitar estas relaccedilotildees a registo161

158 () o direito portuguecircs continua a ser daqueles que atribui menos efeitos juriacutedicos agrave uniatildeo de facto Apenas

se consagram soluccedilotildees do tipo ldquoassistencialrdquo que um Estado moderno tem de adotar qualquer que seja a

opccedilatildeo de vida escolhida pelos cidadatildeos Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 153 159 () continua a acolher-se neste domiacutenio uma proteccedilatildeo fragmentaacuteria e especialmente dirigida a cenaacuterios

de crise em que as debilidades dos seus membros se concretizam ou manifestam com mais intensidade Cfr

RUTE TEIXEIRA PEDRO ob cit p 310 160 Cfr MARTA COSTA ob cit p 151 161 Cfr JOAtildeO PARRACHO COELHO considera que sendo a uniatildeo de facto um ato livre a opccedilatildeo pelo registo

determinaria que aqueles que unidos numa relaccedilatildeo para-matrimonial desejem beneficiar de direitos e deveres

juriacutedico - sociais paralelos aos atribuiacutedos agrave famiacutelia claacutessicaformallegal podem alcanccedilar um estatuto especiacutefico

mediante a inscriccedilatildeo da sua uniatildeo de facto em algum registo puacuteblico a criar para o efeito ldquoA Famiacutelia

perspectiva evolutiva do conceito tradicionalrdquo in Revista do Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico

nordm 54 3ordm trimestre1993 p 116

54

Inspiramos esta soluccedilatildeo no ordenamento juriacutedico francecircs por julgarmos oferecer

uma regulaccedilatildeo juriacutedica ampla dos tipos de convivecircncia fora do casamento distinguindo o

concubinage do pacte civil de solidariteacute Podendo optar-se pelo concubinato natildeo se

submetendo a quaisquer consequecircncias juriacutedicas ou pelo PACS a que subjaz um regime

proacuteprio e efeitos juriacutedicos que garantem a sua proteccedilatildeo Desta forma e socorrendo-nos em

parte da sugestatildeo ora mencionada do partido Bloco de Esquerda aquando da apresentaccedilatildeo

do Projeto de Lei nordm45VIII prevendo um registo das uniotildees nas juntas de freguesia da aacuterea

de residecircncia das pessoas que vivem em uniatildeo de facto ou a sua constituiccedilatildeo apoacutes dois anos

de convivecircncia sem necessidade de registo acreditamos que o Registo Civil das uniotildees de

facto seraacute a soluccedilatildeo mais acertada para proporcionar a certeza e seguranccedila juriacutedicas que se

pretende alcanccedilar com a inscriccedilatildeo no mesmo162

Antecipando desde jaacute as criacuteticas que poderatildeo surgir a esta soluccedilatildeo tais como a

possibilidade de recurso ao casamento para precaver todas as situaccedilotildees supramencionadas e

ainda o excessivo formalismo que daqui poderaacute advir natildeo devendo o direito proteger uma

situaccedilatildeo que as partes natildeo quiseram que fosse protegida desrespeitando-se a sua vontade

cumpre tecer algumas consideraccedilotildees Primeiramente o casamento trata de uma realidade

como jaacute tivemos a oportunidade de analisar com natureza muito distinta da uniatildeo de facto

Os casais tecircm o direito de escolher o tratamento juriacutedico que datildeo agrave sua convivecircncia pessoal

podendo simplesmente querer viver em uniatildeo de facto e natildeo se submeterem ao regime do

casamento Denote-se para este efeito que viver agrave margem do casamento natildeo significa

querer viver agrave margem do Direito Nesta senda e em segundo lugar parece-nos que a ideia

Napoleoacutenica de que se os concubinos natildeo se interessam pela lei a lei tambeacutem natildeo se

interessa por eles jaacute estaacute ultrapassada A formalidade do registo apenas garantiraacute a liberdade

de escolha das partes assegurando que aqueles que optam por ele satildeo os que pretendem

submeter-se aos efeitos juriacutedicos previstos legalmente Natildeo se tratando de um regime

automaacutetico aplicaacutevel pelo simples decurso do tempo que os sujeita a um regime que natildeo

162 Concordamos portanto com a posiccedilatildeo propugnada por ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoUniatildeo de facto a

pertinecircncia de registo a problemaacutetica da separaccedilatildeo de pessoas e bens e a contagem do prazo de convivecircnciardquo

in Casamento e Uniatildeo de facto questotildees de jurisdiccedilatildeo civil Coleccedilatildeo Formaccedilatildeo Contiacutenua CEJ Novembro

2020 p71 segundo a qual as uniotildees devem ser dignas de Registo Civil pois os registos municipais natildeo

serviratildeo o propoacutesito por natildeo contribuiacuterem para a certeza e seguranccedila juriacutedicas uma vez que natildeo existe uma

base de dados nacional podendo-se potenciar muacuteltiplos registos

55

mostraram pretender163 A soluccedilatildeo que propomos funda-se no respeito pela vontade das

partes e no princiacutepio da liberdade contratual aleacutem de ser a mais compatiacutevel com a certeza e

seguranccedila juriacutedicas Bastando-lhes a verificaccedilatildeo dos requisitos necessaacuterios agrave constituiccedilatildeo no

momento da sua inscriccedilatildeo no registo Relativamente agrave exigecircncia do decurso de um

determinado periacuteodo para que a convivecircncia seja registada defendemos que a resposta deve

passar por natildeo ser exigida uma convivecircncia preacutevia Permitindo que duas pessoas que

queiram conviver nestes moldes se dirigiram a uma entidade competente e registem a sua

convivecircncia que pode jaacute existir ou iniciar-se nesse momento164

No fundo com a soluccedilatildeo que propugnamos pretendemos a coexistecircncia de trecircs vias

de conjugalidade O casamento que continuaria a ser regulado de igual forma as uniotildees

registadas em que as partes inscrevem a sua relaccedilatildeo no registo para que desta decorram

efeitos juriacutedicos mas que natildeo se confundem com os do casamento e por uacuteltimo as uniotildees

meramente de facto desprovidas de efeitos juriacutedicos Contudo em relaccedilatildeo a estas

acreditamos que algumas situaccedilotildees devem ser protegidas como a de um dos membros querer

viver livre de efeitos juriacutedicos e o outro apenas tolerar a situaccedilatildeo apesar da sua vontade natildeo

ser exatamente essa Eacute entatildeo necessaacuterio acautelar situaccedilotildees como esta em que no caso de

morte de algum deles o membro sobrevivo fosse aquele que pretendia uma maior

intervenccedilatildeo juriacutedica na sua convivecircncia Aqui deveraacute atribuir-se a este uacuteltimo uma proteccedilatildeo

miacutenima desde que a requeira Salvaguardando desta forma a liberdade e autonomia privada

de cada um sem que nada se lhes imponha a natildeo ser que o solicitem Isto quer dizer que soacute

seratildeo uniotildees meramente de facto aquelas em que a falta de reconhecimento de efeitos

juriacutedicos decorre de uma exteriorizaccedilatildeo das partes Por outras palavras essa categorizaccedilatildeo

resulta de uma falta de manifestaccedilatildeo das partes nesse sentido evitando as situaccedilotildees em que

a sua ineacutercia ndash justificada por natildeo pretenderem a ingerecircncia do Direito ndash resulte no confronto

com um regime legal que natildeo manifestaram querer

163 Neste sentido cabe referir a jaacute mencionada Ley 22003 7 de mayo reguladora de las parejas de hecho do

Paiacutes Vasco que na sua exposiccedilatildeo de motivos adverte para o facto do registo ser uma forma de evitar que os

membros que natildeo desejam que as suas uniotildees sejam acolhidas legalmente sejam reguladas contra a sua vontade

() el Registro de Parejas de Hecho que crea la propia ley registro que tiene una especial importancia al

tener la inscripcioacuten el caraacutecter de constitutiva lo que se hace precisamente para evitar que aquellas parejas

que no deseen en modo alguno acogerse a la ley se vean sometidas contra su voluntad a un reacutegimen de

derechos y obligaciones como el aquiacute recogido 164 Cfr MARTA COSTA ob cit p 396 No mesmo sentido ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoUniatildeo de facto versus

Casamento ndash Questotildees pessoais e patrimoniaisrdquo ob cit p 178

56

Realccedilamos ainda que o registo das uniotildees de facto aleacutem de salvaguardar a certeza

e seguranccedila juriacutedicas permitiria agraves partes invocar a qualquer altura atraveacutes de um meio

idoacuteneo e fidedigno a sua convivecircncia facilitando a prova destas relaccedilotildees e dirimindo as

dificuldades que dessa prova advecircm165 Cremos ser esta a principal e grande vantagem da

soluccedilatildeo que propomos e a que realmente interessa no presente estudo O atual regime de

prova eacute falho pois as declaraccedilotildees referidas no nordm 2 do artigo 2ordmA da LUF emitidas pela

junta de freguesia nunca seratildeo suficientes para garantir a proteccedilatildeo de uma relaccedilatildeo de facto

por natildeo servirem como prova plena aleacutem de natildeo ser possiacutevel atestar a inexistecircncia de

impedimentos por esta via

Em suma como benefiacutecios advindos do registo consideramos natildeo soacute o que toca agrave

sociedade em geral a quem seria transmitida maior certeza e seguranccedila relativamente agrave

existecircncia daquelas relaccedilotildees mas tambeacutem a publicidade que eacute conferida agraves mesmas

desonerando os conviventes de um regime de prova tatildeo sinuosa da sua relaccedilatildeo para

beneficiarem de certos direitos

165 Atraveacutes do registo os membros da uniatildeo registada estariam cientes da repercussatildeo legal da sua uniatildeo

(entre eles e face a terceiros) ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoUniatildeo de facto versus Casamento ndash Questotildees

pessoais e patrimoniaisrdquo ob cit p 180

57

6 Conclusatildeo

A convivecircncia anaacuteloga agrave dos cocircnjuges sem o viacutenculo formal inerente ao casamento

natildeo eacute uma realidade recente A forma como o Direito encara esta figura eacute que foi mudando

ao longo do tempo de acordo com a evoluccedilatildeo das circunstacircncias sociais e histoacutericas Parece-

nos que hoje talvez se imponha uma atualizaccedilatildeo do tratamento legal oferecido agrave uniatildeo de

facto

Desde logo a sua natureza juriacutedica motiva algumas divergecircncias Como vimos

alguns AA entendem que a situaccedilatildeo de facto se deve considerar uma relaccedilatildeo juriacutedica familiar

como as previstas no artigo 1576ordm CCiv por forccedila da sua inclusatildeo no artigo 36ordm n ordm1 CRP

referente agrave constituiccedilatildeo de famiacutelia Por outro lado os AA que defendem que a proteccedilatildeo

constitucional da uniatildeo de facto adveacutem do direito ao desenvolvimento da personalidade

previsto no artigo 26ordm CRP advogam tambeacutem que a convivecircncia more uxorio natildeo deve ser

qualificada como relaccedilatildeo juriacutedica familiar mas sim uma relaccedilatildeo juriacutedica parafamiliar Neste

contexto tendemos a acompanhar a linha de pensamento dos primeiros AA isto por

entendermos que as relaccedilotildees de uniatildeo de facto merecem uma proteccedilatildeo mais abrangente da

que eacute dada pelo artigo 26ordm CRP visto tratar-se de uma proteccedilatildeo geneacuterica que natildeo se coaduna

com a importacircncia social que a uniatildeo de facto vem tendo Jaacute a proteccedilatildeo conferida pelo artigo

36ordm nordm 1 CRP eacute de facto mais consentacircnea com a proteccedilatildeo que este tipo de relaccedilotildees merece

e cremos que essa teraacute sido a intenccedilatildeo do proacuteprio legislador constitucional Eacute de realccedilar por

uacuteltimo que considerar a uniatildeo de facto protegida constitucionalmente pelo artigo 36ordm nordm 1

CRP natildeo quer dizer que o seu regime legal deva ser igual ao regime do casamento

Como tambeacutem jaacute referimos o proacuteprio regime legal da uniatildeo de facto previsto na

Lei nordm 72001 de 1105 alterada pela lei 232010 de 3008 eacute considerado parco e omisso

em relaccedilatildeo a algumas questotildees relevantes para a proteccedilatildeo dos membros dessa relaccedilatildeo Natildeo

obstante a natildeo equiparaccedilatildeo dos regimes legais do casamento e da uniatildeo de facto tal natildeo

significa que natildeo seja necessaacuterio um reforccedilo do atual regime legal da uniatildeo de facto

Devendo optar-se por um caminho que consolide os efeitos juriacutedicos da uniatildeo de facto

possibilitando um regime proacuteprio enrobustecido aos que apesar de natildeo escolherem a via do

casamento pretendam uma proteccedilatildeo mais firme e por outro lado dar aos que pretendam uma

uniatildeo sem consequecircncias juriacutedicas a liberdade de escolha de sujeiccedilatildeo ou natildeo a um regime

legal

58

Paralelamente de forma a diferenciar estas duas situaccedilotildees julgamos ainda ser

importante a sujeiccedilatildeo destas relaccedilotildees a um eventual registo civil que traraacute consigo a certeza

e seguranccedila juriacutedicas relativamente agrave existecircncia destas relaccedilotildees perante a sociedade e ainda

a consequente publicidade advinda dessa inscriccedilatildeo que desoneraraacute os membros de um

regime de prova tatildeo sinuoso Salvaguardando desta forma aqueles que pretendem uma

coabitaccedilatildeo com a miacutenima ingerecircncia juriacutedica Em suma ambicionamos a coexistecircncia de

trecircs vias de conjugalidade sendo elas o casamento as uniotildees registadas e por fim as uniotildees

meramente de facto

Damos como certo que esta eacute uma mudanccedila que natildeo deveraacute ser imediata Aquilo que

propomos eacute na verdade uma soluccedilatildeo que deveraacute isso sim dar azo a uma discussatildeo contiacutenua

que possa contribuir para um aperfeiccediloamento e atualizaccedilatildeo deste regime

59

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Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa

bull Acoacuterdatildeo de 15-02-2007 processo nordm 62842006-8

bull Acoacuterdatildeo de 29-11-2012 processo nordm 444092TCFUNL1-A-8

bull Acoacuterdatildeo de 24-04-2019 processo nordm 12025160T8LRSL1-2

Tribunal Europeu dos Direitos Humanos

bull Acoacuterdatildeo JOHNSTON C IRLANDA de 18 de dezembro de 1986

bull Acoacuterdatildeo KEEGAN C IRLANDA de 26 de maio de 1994

Tribunal Constitucional Espanhol

bull Sentenccedila nordm 1841990 de 15 de novembro Consultaacutevel em

httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-T-1990-29360

bull Sentenccedila nordm 2221992 de 11 de dezembro Consultaacutevel em

httphjtribunalconstitucionaleses-ESResolucionShow2109

bull Sentenccedila nordm 661994 de 28 de fevereiro Consultaacutevel em

httphjtribunalconstitucionalespt-BRResolucionShow2583

66

bull Sentenccedila nordm 391998 de 17 de fevereiro Consultaacutevel em

httphjtribunalconstitucionalesesResolucionShow3541

bull Sentenccedila nordm 1161999 de 17 de junho Consultaacutevel em

httphjtribunalconstitucionaleses-ESResolucionShow3858

Tribunal Constitucional Francecircs

bull Decisatildeo nordm 2011-155 QPC do Conseil Constitutionnel de 29 de julho Consultaacutevel

em httpswwwconseil-constitutionnelfrdecision20112011155QPChtm

11

1 Introduccedilatildeo

O presente estudo visa abordar a questatildeo do problema da prova da coabitaccedilatildeo numa

situaccedilatildeo em que se pretende provar a existecircncia de uma relaccedilatildeo de uniatildeo de facto para que

esta produza os efeitos que os membros pretendam Assim cumpriraacute analisar o regime

juriacutedico da Uniatildeo de Facto comeccedilando pela sua evoluccedilatildeo no nosso ordenamento e sobre a

importacircncia da LUF (Lei nordm 72001 de 11 de Maio alterada pela Lei nordm 232010 de 30 de

Agosto)

Uma vez analisada a proteccedilatildeo oferecida agraves situaccedilotildees de Uniatildeo de Facto

nomeadamente a sua (natildeo) alusatildeo na CRP caberaacute comparaacute-la agrave concedida ao casamento e

observar de que forma a liberdade caracteriacutestica do regime da uniatildeo de facto poderaacute deixar

desprotegidas algumas situaccedilotildees carentes de proteccedilatildeo

De seguida feita uma reflexatildeo geral importaraacute compreender como se constitui a

uniatildeo de facto Passando os membros a viver em comunhatildeo de leito mesa e habitaccedilatildeo e natildeo

sendo essa situaccedilatildeo objeto de registo civil ou administrativo ao contraacuterio do que acontece

em alguns ordenamentos vizinhos que tambeacutem mereceratildeo a nossa anaacutelise torna-se mais

difiacutecil saber de forma exata quando se iniciou para que seja possiacutevel a partir daiacute contar os

dois anos necessaacuterios para que a situaccedilatildeo de facto produza os efeitos previstos no artigo 3ordm

da LUF

A questatildeo primordial eacute assim a prova da situaccedilatildeo de uniatildeo de facto nomeadamente

a prova da coabitaccedilatildeo que se pode revelar sinuosa Perante este cenaacuterio torna-se relevante

analisar jurisprudecircncia nomeadamente o Acoacuterdatildeo do STJ de 22 de Marccedilo de 2018 proferido

no acircmbito do processo nordm 6380169T8CBRC1 S1 relativamente agrave prova da uniatildeo de facto

no campo juriacutedico-civil isto eacute atraveacutes do regime geral do oacutenus da prova previsto no artigo

342ordm do CCiv que atribui a quem pretende invocar um direito provar os factos que o

constituem

A final com a nossa anaacutelise e apreciaccedilatildeo dos entendimentos da jurisprudecircncia e da

doutrina nacional e europeia pretendemos demonstrar a dificuldade da prova da uniatildeo de

facto no nosso ordenamento juriacutedico e procurar propostas de soluccedilotildees que possam facilitar

de alguma forma a comprovaccedilatildeo da existecircncia destas relaccedilotildees cessando as dificuldades que

essa comprovaccedilatildeo origina

12

2 A evoluccedilatildeo da Uniatildeo de Facto no ordenamento juriacutedico portuguecircs

Quando se fala de uniatildeo de facto tem forccedilosamente de se aludir agrave discussatildeo

doutrinal acerca da sua classificaccedilatildeo como relaccedilatildeo (para)familiar que surge em grande

parte pelo disposto no artigo 36ordm n ordm1 CRP1 Pela sua ambiguidade haacute quem pense que a

referecircncia agrave constituiccedilatildeo de famiacutelia engloba a uniatildeo de facto2 sendo o seu reconhecimento

juriacutedico feito pela Constituiccedilatildeo Contudo este preceito natildeo eacute assim interpretado por todos

que entendem que este apenas postula o direito de constituir famiacutelia e estabelece as relaccedilotildees

de filiaccedilatildeo e que apesar da uniatildeo de facto natildeo ser uma relaccedilatildeo de famiacutelia no que respeita agrave

generalidade dos efeitos pode ser assim qualificada para efeitos fiscais de locaccedilatildeo de

seguranccedila social entre outros3 Neste seguimento muitos satildeo os AA que tecircm vindo a

expressar a sua opiniatildeo quanto a esta questatildeo havendo quem considere que a situaccedilatildeo de

facto anaacuteloga agrave dos cocircnjuges se deve considerar uma relaccedilatildeo familiar tanto quanto as

previstas no artigo 1576ordm do Coacutedigo Civil ou seja o casamento o parentesco a afinidade

e a adoccedilatildeo4 E ainda quem defenda que natildeo deve ser qualificada como relaccedilatildeo juriacutedica de

famiacutelia5 ou que o seja apenas em relaccedilatildeo a certos efeitos considerando-a desta forma uma

relaccedilatildeo juriacutedica parafamiliar6

1 1 Todos tecircm o direito de constituir famiacutelia e de contrair casamento em condiccedilotildees de plena igualdade

Disposiccedilatildeo inspirada no art 16ordm DUDH e 12ordm CEDH Cfr JJ GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA

Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa Anotada 4ordf ed revista vol I Coimbra Coimbra Editora 2007 p 559 2 Cfr JJ GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA ob cit p 561 3 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoCasamento e Famiacutelia no direito portuguecircsrdquo In AAVV Temas de Direito

da Famiacutelia Ciclo de Conferecircncias no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados Coimbra

Almedina 1996 p 8 FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoAnotaccedilatildeo ao Ac do STJ de 2 de abril de 1987rdquo in Revista

de Legislaccedilatildeo e Jurisprudecircncia nordm 3782 ano 122 Coimbra 1990 pp 82-83 4 Cfr CARLOS PAMPLONA CORTE-REAL ldquoRelance Criacutetico sobre o Direito de Famiacutelia portuguecircsrdquo in Textos de

Direito da Famiacutelia para FRANCISCO PEREIRA COELHO Coord GUILHERME DE OLIVEIRA Coimbra Imprensa

da Universidade de Coimbra 2016 pp109-110 CARLOS PAMPLONA CORTE-REAL JOSEacute SILVA PEREIRA

ldquoDireito da Famiacutelia Toacutepicos para uma reflexatildeo criacuteticardquo Lisboa AAFDL 2008 p 46 no mesmo sentido

GERALDO DA CRUZ ALMEIDA ldquoDa uniatildeo de facto convivecircncia more uxorio em direito internacional privadordquo

Lisboa Pedro Ferreira Editor 1999 p 184 TELMA CARVALHO ldquoA uniatildeo de facto a sua eficaacutecia juriacutedicardquo in

Comemoraccedilotildees dos 35 anos do Coacutedigo Civil e dos 25 anos da reforma de 1977 vol I Coimbra Coimbra

Editora 2004 pp 223-226 CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova

Relaccedilatildeo Familiarrdquo in Estudos em Homenagem ao Prof Doutor Jorge Miranda Vol VI Faculdade de Direito

da Universidade de Lisboa Coimbra Editora 2012 p 460 e MARIA MARGARIDA PEREIRArdquo Direito da

Famiacuteliardquo Lisboa AAFDL Editora 3ordf ed 2019 pp 641-644 com quem tendemos a concordar embora como

veremos infra tal natildeo significa uma igualdade de tratamento entre a uniatildeo de facto e o casamento 5 Cfr JOAtildeO CASTRO MENDES MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA ldquoDireito da Famiacuteliardquo AAFDL Lisboa 1995 p

14-15 NUNO DE SALTER CID ldquoA Comunhatildeo de Vida agrave Margem do Casamento entre o facto e o Direitordquo

Almedina Coimbra 2005 p 505 FRANCcedilA PITAtildeO ldquoUniotildees de Facto e Economia Comum de acordo com a

Lei nordm 232010 de 30 de agostordquo 3ordf ed Almedina Coimbra 2011 p35 6 Em todas estas relaccedilotildees (as dispostas no art1576ordm CCiv) encontramos um viacutenculo constituiacutedo por direitos

e deveres juriacutedicos reciacuteprocos () As relaccedilotildees juriacutedicas familiares satildeo tendencialmente duradouras e eacute por

13

A designaccedilatildeo uniatildeo de facto foi utilizada pela primeira vez no nosso ordenamento

juriacutedico com a Reforma de 1977 do Coacutedigo Civil7 passando o artigo 2020ordm a prever o direito

de exigir alimentos da heranccedila do falecido por aquele que com ele vivesse haacute mais de dois

anos em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges No entanto jaacute no Coacutedigo Civil de 1966 no

seu artigo 1860ordm se falava em comunhatildeo duradoura de vida em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos

cocircnjuges o que quer dizer que o fenoacutemeno da uniatildeo de facto enquanto facto social jaacute existia

antes dessa primeira referecircncia no Coacutedigo de 19778 A expressatildeo que remete para a vivecircncia

em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges no artigo 2020ordm foi utilizada por vaacuterias leis avulsas

que foram conferindo agraves pessoas que vivessem nessa situaccedilatildeo outros direitos como o direito

agraves pensotildees de sobrevivecircncia o de beneficiar do regime de feacuterias feriados e faltas semelhante

aos dos cocircnjuges e ainda no que respeita ao regime juriacutedico do arrendamento para habitaccedilatildeo

foi reconhecido o direito agrave transmissatildeo do arrendamento agrave pessoa que tenha vivido em uniatildeo

de facto com o arrendataacuterio falecido desde que essa relaccedilatildeo se tenha mantido por mais de

cinco anos9

Todavia soacute com a Lei nordm 13599 de 28 de Agosto eacute que passou a existir um

diploma legal que reunisse as medidas de proteccedilatildeo da uniatildeo de facto que ateacute agrave data se

encontravam dispersas pelas vaacuterias leis avulsas10 o que resultou de certa forma numa

institucionalizaccedilatildeo11 da uniatildeo de facto Em 2001 foi revogada e substituiacuteda pela Lei nordm

isso que satildeo sujeitas a registo gerando um estado civil () tecircm tambeacutem como caracteriacutestica a tipicidade estatildeo

previstas na lei bem como os factos juriacutedicos que lhes datildeo origem o seu conteuacutedo tipico as causas da sua

extinccedilatildeo () natildeo se pode considerar como familiar uma relaccedilatildeo que natildeo esteja prevista como tal na lei Cfr

RITA LOBO XAVIER ldquolaquoEstatuto Privadoraquo dos membros da Uniatildeo De Factordquo in RJLB Ano 2 2016 pp1511-

1513 No mesmo sentido Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ldquoCurso de Direito da

Famiacuteliardquo 5ordf ed vol I Coimbra Coimbra Editora 2015 p 34 65-67 JORGE DUARTE PINHEIRO ldquoO Direito

da Famiacutelia Contemporacircneordquo 6ordf ed Lisboa AAFDL 2018 p 43 ANTUNES VARELA ldquoDireito da Famiacuteliardquo 5ordf

ed vol I Lisboa Livraria Petrony1999 p 31 DIOGO LEITE DE CAMPOS ldquo Liccedilotildees de Direito da Famiacuteliardquo 2ordf

Ed Almedina Coimbra 1997 p21 MARTA COSTA ldquoConvivecircncia more uxorio na perspetiva de

harmonizaccedilatildeo do Direito da Famiacutelia Europeu uniotildees homossexuaisrdquo 1ordf ed Coimbra Coimbra Editora 2011

p 108 e SANDRA PASSINHAS ldquoUniatildeo de Facto em Portugalrdquo in Actualidad Juriacutedica Iberoamericana Nordm 11

pp 110-147 Agosto de 2019 p115 7 Mais concretamente com a alteraccedilatildeo feita pelo Decreto-Lei nordm 49677 de 25 de novembro 8 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p57 9 Para mais desenvolvimentos cfr HELENA MOTA ldquoO problema normativo da famiacutelia ndash Breve reflexatildeo a

propoacutesito das medidas de proteccedilatildeo agrave uniatildeo de facto adotadas pela lei n ordm13599 de 28 de Agostordquo in Estudos

em Comemoraccedilatildeo dos 5 anos da FDUP 2001 p548-553 10 Cfr FRANCcedilA PITAtildeO ldquoUniatildeo de Facto no Direito Portuguecircs A propoacutesito da Lei nordm 13599 de 2808rdquo

Coimbra Almedina 2000 p36 No mesmo sentido RITA LOBO XAVIER ldquoEstatuto Privadordquo dos membros da

Uniatildeo De Factordquo in RJLB ano 2 2016 p 1499 11 Expressatildeo utilizada por FRANCISCO PEREIRA COELHO para definir a existecircncia de regulaccedilatildeo proacutepria da uniatildeo

de facto Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p68

14

72001 de 110512 atual LUF que aleacutem de regular situaccedilotildees de uniatildeo de facto entre pessoas

de sexo diferente daacute relevacircncia juriacutedica agrave uniatildeo de facto entre pessoas do mesmo sexo

Apesar de natildeo ter representado uma transformaccedilatildeo significativa do conjunto de direitos e

deveres juridicamente conferidos agrave uniatildeo de facto limitando-se em boa parte a reconhecer

direitos conferidos por leis que jaacute existiam acresce algumas disposiccedilotildees inovadoras13 Sendo

claramente as mais relevantes o facto de permitir agraves pessoas de sexo diferente que vivessem

em uniatildeo de facto a adoccedilatildeo conjunta de menores nos mesmos termos que os cocircnjuges

previstos no artigo 1979ordm n ordm1 do CCiv14 e o alargamento das medidas de proteccedilatildeo por ela

concedidas agraves pessoas do mesmo sexo que viviam em uniatildeo de facto15

Posteriormente com a alteraccedilatildeo feita pela Lei nordm 232010 de 30 de agosto visou-

se essencialmente aumentar os efeitos que se produzem apoacutes a morte de um dos membros

da uniatildeo de facto ou apoacutes a sua rutura16 Tendo em vista dessa forma a proteccedilatildeo social do

membro sobrevivo que fique em situaccedilatildeo difiacutecil no que concerne agrave conservaccedilatildeo da sua

12 Alterada pela Lei 232010 de 3008 13 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p68 14 Art7ordm da LUF Nos termos do atual regime de adoccedilatildeo constante do livro IV tiacutetulo IV do Coacutedigo Civil eacute

reconhecido a todas as pessoas que vivam em uniatildeo de facto nos termos da presente lei o direito de adoccedilatildeo

em condiccedilotildees anaacutelogas agraves previstas no artigo 1979ordm do Coacutedigo Civil sem prejuiacutezo das disposiccedilotildees legais

respeitantes agrave adoccedilatildeo por pessoas natildeo casadas 15 A lei 72001 de 1105 resulta da discussatildeo de alguns projetos de lei elaborados por partidos poliacuteticos A

propoacutesito da vigecircncia da lei nordm 13599 que continuava a natildeo proteger juridicamente as relaccedilotildees dos unidos de

facto do mesmo sexo o partido ldquoOs Verdesrdquo apresentou o projeto de lei nordm 6VIII (consultaacutevel em

httpswwwparlamentoptActividadeParlamentarPaginasDetalheIniciativaaspxBID=6374) que pretendia

alterar o nordm1 do art 1ordm da lei em vigor eliminando a referecircncia a pessoas de sexo diferente passando os casais

de orientaccedilatildeo homossexual a ter acesso aos benefiacutecios previstos na LUF com exceccedilatildeo da possibilidade de

adoccedilatildeo que ficaria reservada aos casais heterossexuais Apresentando o projeto de lei nordm 45VIII (consultaacutevel

em

httpswwwparlamentoptActividadeParlamentarPaginasDetalheIniciativaaspxBID=6308) surge o Bloco

de Esquerda tencionando a modificaccedilatildeo do mesmo preceito para que se reconhecessem as uniotildees

homossexuais e ainda que se afastasse da lei o prazo miacutenimo de duraccedilatildeo de convivecircncia se estas situaccedilotildees

fossem registadas passando o art 1ordm n ordm1 a ter a seguinte redaccedilatildeo a presente lei regula a situaccedilatildeo juriacutedica

das pessoas que vivem em uniatildeo de facto O PCP por sua vez apresentou o nordm 145VIII tendo como objetivo

a revogaccedilatildeo da lei que vigorava substituindo-a por uma legislaccedilatildeo que fosse aplicaacutevel a quem vivesse em

uniatildeo de facto haacute mais de dois anos independentemente do sexo corroborava a proteccedilatildeo da casa de morada

comum garantindo a preferecircncia do outro para efeitos de venda ou arrendamento em caso de morte de um dos

membros e pretendia que o acesso a prestaccedilotildees por morte fosse mais flexiacutevel contudo o regime da adoccedilatildeo

continuava reservado aos casais heterossexuais O PS apresentou o projeto de lei nordm 105VIII (consultaacutevel

em httpswwwparlamentoptActividadeParlamentarPaginasDetalheIniciativaaspxBID=6195) que

apesar de natildeo se referir especificamente a uniotildees de facto visava que a proteccedilatildeo concedida pela lei nordm13599

se estendesse a um novo regime denominado de economia comum distinguindo-o do regime aplicaacutevel agraves

uniotildees de facto pela absoluta irrelevacircncia da orientaccedilatildeo sexual das pessoas a quem se confere proteccedilatildeo legal

pretendendo assim a tutela de duas pessoas que vivessem em economia comum haacute mais de dois anos Para

mais desenvolvimentos cfr MARTA COSTA ob cit pp 346-348 16 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p70

15

habitaccedilatildeo e aos meios de subsistecircncia miacutenimos17 Haacute quem considere que apesar das

alteraccedilotildees o regime da uniatildeo de facto portuguecircs em comparaccedilatildeo com muitos sistemas

juriacutedicos eacute modesto e continua a ser o que menos efeitos atribui agrave uniatildeo de facto18 Uma vez

que continua a acolher-se neste domiacutenio uma proteccedilatildeo fragmentaacuteria e especialmente

dirigida a cenaacuterios de crise em que as debilidades dos membros se concretizem com mais

intensidade19 Contudo essa moderaccedilatildeo eacute uma escolha sendo intenccedilatildeo do legislador natildeo

atribuir efeitos imperativos por entender que pode haver quem natildeo queira uma regulaccedilatildeo tatildeo

abrangente de determinadas situaccedilotildees deixando que os proacuteprios membros se possam

organizar privadamente20 O que leva a que no regime da uniatildeo de facto natildeo haja regulaccedilatildeo

juriacutedica relativamente ao seu registo agraves invalidades que podem existir na sua constituiccedilatildeo e

ainda no que respeita ao regime de bens agrave administraccedilatildeo do patrimoacutenio agraves ilegitimidades

de disposiccedilatildeo agrave proibiccedilatildeo de contratos ou regulaccedilatildeo de participaccedilatildeo em sociedades nem no

que toca aos efeitos sucessoacuterios e agrave extinccedilatildeo da situaccedilatildeo de uniatildeo de facto21

Ainda que natildeo defina o conceito de uniatildeo de facto a LUF no seu artigo 1ordm nordm 2

identifica o seu objeto como a situaccedilatildeo juriacutedica de duas pessoas que independentemente do

sexo vivam em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges haacute mais de dois anos Dito isto pode

depreender-se que eacute necessaacuterio que duas pessoas vivam em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos

cocircnjuges haacute mais de dois anos e ainda que segundo o previsto no artigo 2ordm da LUF entre

os membros da uniatildeo natildeo se verifique nenhum dos impedimentos aiacute mencionados No que

concerne agrave constituiccedilatildeo da uniatildeo de facto e ao desenvolvimento dos impedimentos agrave mesma

abordaremos a questatildeo mais adiante

17Art 5ordm e 6ordm da LUF Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ldquoNotas sobre a lei nordm 232010 de 30 de agosto (Alteraccedilatildeo

agrave lei das uniotildees de facto)rdquo in Lex Familiae Coimbra Editora 2012 p 146 A lei nova encara mais nitidamente

a necessidade de proteccedilatildeo do membro sobrevivo da uniatildeo de facto e daacute-lhe prioridade relativamente aos filhos

() considera que a proteccedilatildeo da casa de morada eacute o nuacutecleo irredutiacutevel da proteccedilatildeo conferida ao membro

sobrevivo da uniatildeo de facto e portanto garante a proteccedilatildeo mesmo contra a vontade do falecido 18 Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 153 FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob

cit p 69 19 Cfr RUTE TEIXEIRA PEDRO ldquoBreves reflexotildees sobre a proteccedilatildeo do unido de facto quanto agrave casa de morada

de famiacutelia propriedade do companheiro falecidordquo in AAVV Textos de Direito da Famiacutelia para FRANCISCO

PEREIRA COELHO coord GUILHERME DE OLIVEIRA Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016

p310 20 De realccedilar que em 2001 o nuacutemero registado de pessoas a viver em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges foi

de 381 mil indiviacuteduos e em 2011 quase que duplicou perfazendo o total de 730 mil indiviacuteduos Dados

consultaacuteveis em

httppordataptPortugalPopulaC3A7C3A3o+residente+segundo+os+Censos+em+uniC3B5es+

de+facto-2649-222898 21 Para aleacutem do disposto no art 8ordm da LUF Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 153 FRANCISCO PEREIRA

COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 70

16

3 A uniatildeo de facto e a Constituiccedilatildeo da Reacutepublica Portuguesa

Ainda na linha de pensamento do ponto anterior no que respeita ao artigo 36ordm n ordm1

da CRP importa dizer que esta norma determina que todos tecircm o direito de constituir famiacutelia

e de contrair casamento em condiccedilotildees de igualdade22 ou seja pode considerar-se que este

artigo consagra essencialmente dois direitos o de constituir famiacutelia e o de casar23 Nesta

senda importa tambeacutem debruccedilarmo-nos sobre a proteccedilatildeo que a Constituiccedilatildeo oferece agrave uniatildeo

de facto

Jaacute referimos que certos AA como GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA24

defendem que o que parece decorrer do nordm1 do artigo 36ordm CRP eacute que a Constituiccedilatildeo natildeo

admite a reduccedilatildeo do conceito de famiacutelia agrave uniatildeo conjugal baseada no casamento havendo

outras formas de constituiccedilatildeo de famiacutelia aleacutem do casamento como a uniatildeo de facto isto eacute

ao distinguir a famiacutelia do casamento o legislador pretendeu demonstrar que se tratam de

realidades diversas e que o direito a constituir famiacutelia natildeo estaacute vedado a quem natildeo pretenda

contrair casamento25 Segundo esta corrente doutrinaacuteria haacute uma abertura constitucional - se

natildeo mesmo uma obrigaccedilatildeo - para conferir relevo agraves uniotildees familiares de facto tendo em

consideraccedilatildeo que o conceito constitucional natildeo abrange apenas a famiacutelia

matrimonializada26 Apesar de afirmarem o reconhecimento da uniatildeo de facto como relaccedilatildeo

juriacutedica familiar postulam que tal natildeo implica que haja um tratamento legal totalmente

22 A sua interpretaccedilatildeo deve ser feita como se o n ordm1 do art36ordm prescrevesse que laquotodos tecircm o direito de

constituir famiacutelia em condiccedilotildees que natildeo violem o princiacutepio da igualdade definido no artigo 13ordmraquo Tendo em

conta que ao espiacuterito desta norma constitucional natildeo repugna efetivamente aceitar as limitaccedilotildees resultantes

da legislaccedilatildeo vigente quer em mateacuteria de impedimentos matrimoniais() Cfr ANTUNES VARELA ldquoDireito da

Famiacuteliardquo 5ordf ed vol I Lisboa Livraria Petrony 1999 p 158 23 Em sentido diverso Cfr JOAtildeO DE CASTRO MENDES ldquoFamiacutelia e casamentordquo in Estudos sobre a Constituiccedilatildeo

JORGE MIRANDA (coord) vol I Lisboa Livraria Petrony 1977 p 372 que entende que os dois direitos

reduzem-se a um soacute E ainda Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoCasamento e Famiacutelia no direito portuguecircsrdquo

obcit p 8 que entende que ao contraacuterio do que acontece no artigo 16ordm DUDH o legislador portuguecircs optou

por colocar o direito a constituir famiacutelia agrave frente do direito de contrair casamento na disposiccedilatildeo do n ordm1 do art

36ordm natildeo se sabe bem porquecirc 24Cfr J GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA ob cit p561 CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo

Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova Relaccedilatildeo Familiarrdquo in Estudos em Homenagem ao Prof Doutor Jorge

Miranda Vol VI Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Coimbra Editora 2012 p 453 HENRICH

EWALD HOumlRSTER ldquoInconstitucionalidade da Tributaccedilatildeo Conjunta dos Cocircnjugesrdquo in Revista de Direito e

Economia da Universidade de Coimbra Ano III nordm 2 Julho ndash Dezembro 1977 p 506 25 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova Relaccedilatildeo Familiarrdquo

obcit p 453 CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoA jurisprudecircncia do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e as

Novas Formas de Famiacutelia ndash The European Court of Human Rights and The New Concept of Familyrdquo in Revista

Juriacutedica da Universidade Portucalense nordm15 Universidade Portucalense Porto 2012 p 36 Neste sentido

vide Acoacuterdatildeo Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 15-02-2007 proferido no acircmbito do processo nordm 62842006-

8 26 Cfr JJ GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA ob cit p 561

17

idecircntico entre as famiacutelias natildeo matrimonializadas e as famiacutelias baseadas no casamento desde

que as distinccedilotildees feitas natildeo sejam arbitraacuterias irrazoaacuteveis ou desproporcionadas e tenham

em conta todos os direitos e interesses em jogo27

De outra parte FRANCISCO PEREIRA COELHO e GUILHERME DE OLIVEIRA defendem

que a 1ordf parte do n ordm1 do artigo 36ordm CRP ao estabelecer que todos tecircm direito de constituir

famiacutelia esse diz respeito essencialmente agraves relaccedilotildees de filiaccedilatildeo pois o direito de constituir

famiacutelia eacute antes de mais o direito a procriar e ainda o direito a estabelecer as

correspondentes relaccedilotildees de paternidade e maternidade28 Relativamente agrave 2ordf parte do

mesmo artigo alertam para o facto de natildeo se poder reconduzir a uniatildeo de facto a uma

dimensatildeo ou vertente negativa do direito de contrair casamento uma vez que a dimensatildeo

negativa desse direito eacute o de natildeo casar2930

Embora entendam que este artigo natildeo oferece proteccedilatildeo constitucional agrave uniatildeo de

facto isso natildeo quer dizer que esta fique desprotegida constitucionalmente Para estes AA o

princiacutepio de proteccedilatildeo da uniatildeo de facto decorre do direito ao desenvolvimento da

personalidade previsto no nordm1 do artigo 26ordm CRP considerando-o como o direito do

indiviacuteduo a afirmar livremente a sua identidade31 como sujeito autoacutenomo dotado de

autodeterminaccedilatildeo decisoacuteria32 sem estar vinculado a modelos externamente impostos e

conferindo-lhe o direito a viver a sua vida do modo que escolher podendo dizer-se que

estabelecer uma uniatildeo de facto eacute uma manifestaccedilatildeo desse direito33

A proteccedilatildeo conferida pelo direito ao desenvolvimento da personalidade natildeo exige

que o legislador conceda agrave uniatildeo de facto efeitos semelhantes aos que oferece ao casamento

equiparando o que natildeo eacute igual visto que os membros da uniatildeo de facto natildeo assumem um

27 Como por exemplo os direitos dos filhos Idem 28 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 60 29 Idem 30 Mais amplo do que viver em uniatildeo de facto pois pode ainda significar ficar em solidatildeo relacionar-se

esporadicamente ou pontualmente ou ateacute viver em promiscuidade Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e

Personalidaderdquo Almedina Coimbra 2017 p 237 No mesmo sentido Cfr NUNO SALTER CID ldquoSobre o

Direito de natildeo Contrair Casamentordquo in Famiacutelia Consciecircncia Secularismo e Religiatildeo 1ordf Ediccedilatildeo Coimbra

Editora 2010 p 28 O direito de natildeo contrair casamento o tal direito fundamental que a Constituiccedilatildeo

implicitamente confere e protege como dimensatildeo ou vertente negativa do direito de contrair casamento eacute na

verdade e apenas o direito de se negar a contrair casamento o direito natildeo ser forccedilado a casar-se um direito

que natildeo exerce apenas quem opta por viver em uniatildeo de facto mas tambeacutem quem opta por manter-se solteiro

divorciado ou viuacutevo (de Direito ou de facto) 31 Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e Personalidaderdquo ob cit p 237 32 Cfr JJ GOMES CANOTILHOVITAL MOREIRA ob cit p 463 33 Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e Personalidaderdquo ob cit p 237

18

compromisso de vida por natildeo quererem ou natildeo o poderem fazer Equiparar o que eacute diferente

nesta medida poderia ser julgado inconstitucional pois iria impor agraves pessoas que vivem em

uniatildeo de facto os mesmos deveres e conceder os mesmos direitos que impotildee e concede agraves

que satildeo casadas violando o direito a natildeo casar sendo-lhes forccedilado um estatuto que em

princiacutepio rejeitaram por vontade proacutepria

Conveacutem ainda referir que no que toca ao princiacutepio da proteccedilatildeo da famiacutelia previsto

no artigo 67ordm CRP este natildeo impotildee ao legislador ordinaacuterio a atribuiccedilatildeo de efeitos favoraacuteveis

agrave uniatildeo de facto mas tambeacutem natildeo proiacutebe que sejam concedidos agrave mesma os efeitos que

considere adequados e justificados34 FRANCISCO PEREIRA COELHO considera ainda que este

princiacutepio constitucional natildeo visa apenas a famiacutelia conjugal35 ao contraacuterio de CASTRO

MENDES que explica que soacute faz sentido valer neste contexto a famiacutelia fundada no

casamento natildeo devendo a lei passar um laquocheque em brancoraquo a quaisquer formas de

sociedade familiar36 Por sua vez SANDRA PASSINHAS defende que apesar da uniatildeo de facto

natildeo ser uma forma de contrair casamento e natildeo caber no acircmbito de proteccedilatildeo do artigo 36ordm

da CRP isso natildeo inibe que o casal nascido da uniatildeo de facto juridicamente protegida

tambeacutem seja considerado famiacutelia para efeitos da proteccedilatildeo institucional conferida pelo

artigo 67ordm CRP37 pois entende que seria inaceitaacutevel que no acircmbito normativo do artigo 67ordm

CRP natildeo coubessem as relaccedilotildees parafamiliares como a uniatildeo de facto38 Nesta ordem de

ideias eacute possiacutevel aferir que a constituiccedilatildeo natildeo permite penalizar a uniatildeo de facto ou equiparaacute-

la ao casamento39

34 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoAnotaccedilatildeo ao Ac do STJ de 2 de abril de 1987rdquo in Revista de Legislaccedilatildeo

e Jurisprudecircncia nordm 3782 ano 122 Coimbra 1990 p84 35 Idem Entendendo que o princiacutepio constitucional visa abranger a famiacutelia natural e ainda a adotiva 36 Cfr JOAtildeO DE CASTRO MENDES ldquoFamiacutelia e casamentordquo in Estudos sobre a Constituiccedilatildeo JORGE MIRANDA

(coord) vol I Lisboa Livraria Petrony 1977 p 373 37 Referindo em abono da posiccedilatildeo que defende o modo como o legislador na LUF em cumprimento do

disposto no art 67ordm nordm2 da CRP conformou a posiccedilatildeo dos unidos de facto no sentido de lhes conceder

proteccedilatildeo da casa de morada de famiacutelia de os beneficiar com o regime juriacutedico aplicaacutevel a pessoas casadas

em mateacuteria de feacuterias feriados faltas licenccedilas e de preferecircncia na colocaccedilatildeo dos trabalhadores da

Administraccedilatildeo Puacuteblica com a aplicaccedilatildeo do regime do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares

concedendo-lhes proteccedilatildeo socia na eventualidade de morte do beneficiaacuterio por aplicaccedilatildeo do regime geral ou

de regimes especais de seguranccedila social bem como prestaccedilotildees por morte resultante de acidente de trabalho

ou doenccedila profissional a pensatildeo do preccedilo de sangue e por serviccedilos excecionais e relevantes prestados ao paiacutes

ou a inclusatildeo do unido de facto no elenco dos titulares do direito agrave indemnizaccedilatildeo por danos natildeo patrimoniais

por morte da viacutetima no nordm3 do art 496ordm SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e Personalidaderdquo obcit p240 38 Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoPropriedade e Personalidaderdquo obcit p 231 39 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p64

19

A propoacutesito dos diplomas internacionais cabe referir que a Declaraccedilatildeo Universal

dos Direitos do Homem40 inclui dois princiacutepios relativos agrave famiacutelia Primeiramente no seu

artigo 12ordm onde estabelece o direito ao respeito pela vida familiar seguido do artigo 16ordm que

abrange no seu nordm 1 o direito de casar e de constituir famiacutelia e no seu nordm 3 reconhece a

famiacutelia como elemento natural e fundamental da sociedade tendo direito agrave proteccedilatildeo desta e

do Estado Tambeacutem a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem41 conteacutem dois

princiacutepios dedicados agrave famiacutelia o direito ao respeito pela vida privada e familiar previsto no

seu artigo 8ordm e por sua vez o direito a casar e a constituir famiacutelia estando este disposto no

artigo seu 12ordm Nestes diplomas o legislador internacional tal como o legislador nacional

natildeo assegura uma definiccedilatildeo de famiacutelia ou casamento levando a que se concretizem e sejam

interpretados de forma diversa consoante o substrato social de quem o faz42 Pois como

defende CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS43 eacute inegaacutevel as transformaccedilotildees que o conceito de famiacutelia

tradicional tem sofrido dando origem a novas formas de famiacutelia como as de facto as

monoparentais as recombinadas e as homossexuais Nesta senda note-se que o Tribunal

Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) apesar de ter em conta a tutela do casamento e

encorajar a famiacutelia tradicional44 tem vindo a considerar que o artigo 8ordm CEDH natildeo se refere

apenas agrave famiacutelia constituiacuteda com base no casamento como acontece no artigo 12ordm CEDH

podendo conceder tutela a outros laccedilos familiares como as uniotildees de facto45

40 Proclamada pela Assembleia Geral das Naccedilotildees Unidas em Paris a 10 de dezembro de 1948 41 Assinada a 4 de novembro de 1950 em Roma tendo entrado em vigor em 1953 A adesatildeo de Portugal deu-

se apenas em 1978 42 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova Relaccedilatildeo Familiarrdquo

obcit p 458 43 Idem 44 Neste sentido e para mais desenvolvimentos Cfr SUSANA ALMEIDA ldquoO Respeito pela Vida (Privada e)

Familiar na Jurisprudecircncia do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem A tutela das Novas Formasrdquo

Coimbra Editora 2008 p 165 45 Article 8 (art 8) applies to the family life of the illegitimate family as well as to that of the legitimate

family Ac JOHNSTON C IRLANDA 18 de dezembro de 1986 p19 consultaacutevel em

httpshudocechrcoeinteng22itemid22[22001-5750822

The Court recalls that the notion of the family in this provision is not confined solely to marriage-based

relationships and may encompass other de facto family ties where the parties are living together outside of

marriage Ac KEEGAN C IRLANDA de 26 de maio de 1994 p13 consultaacutevel em

httpshudocechrcoeinteng22itemid22[22001-5788122]

20

31 A uniatildeo de facto e o casamento ndash liberdade mas e proteccedilatildeo

Como jaacute haviacuteamos referido tanto a proteccedilatildeo conferida pelo direito ao

desenvolvimento da personalidade quanto a que se entenda que eacute dada pelo artigo 36ordm CRP

natildeo exige que o legislador atribua agrave uniatildeo de facto efeitos semelhantes aos do casamento

equiparando os dois institutos Esta diferenccedila de tratamento de situaccedilotildees distintas natildeo viola

o princiacutepio da igualdade previsto no artigo 13ordm CRP visto que esta norma apenas proiacutebe as

discriminaccedilotildees arbitraacuterias ou sem fundamento46 Tratam-se de situaccedilotildees materialmente

diferentes enquanto no casamento se assume um compromisso de vida em comum

sujeitando-se a um viacutenculo juriacutedico47 um contrato entre duas pessoas que pretendem

constituir famiacutelia mediante uma plena comunhatildeo de vida na uniatildeo de facto os membros natildeo

querem ou natildeo podem assumir esse compromisso48

Antes de nos dedicarmos ao estudo do contraste que o regime da uniatildeo de facto e o

casamento apresentam em concreto conveacutem relembrar a noccedilatildeo de casamento no nosso

ordenamento juriacutedico Assim segundo o artigo 1577ordm CCiv o casamento constitui um

contrato4950 um compromisso juriacutedico assumido por duas pessoas que se vinculam entre si

mediante uma plena comunhatildeo de vida Ainda que o Coacutedigo Civil natildeo defina explicitamente

o que significa plena comunhatildeo de vida eacute possiacutevel aferir-se pelos preceitos subsequentes

que esta deve ser guiada pelos deveres de respeito fidelidade coabitaccedilatildeo cooperaccedilatildeo e

46 Acoacuterdatildeo Tribunal Constitucional nordm 33686 p 3807 Neste artigo reconhece-se o direito agrave diferenccedila desde

que esta natildeo ultrapasse os limites da tolerabilidade ou da discricionariedade Acoacuterdatildeo Tribunal Constitucional

nordm 11881996 O princiacutepio da igualdade (artigo 13ordm da Constituiccedilatildeo) impotildee se decirc tratamento igual ao que for

essencialmente igual e se trate diferentemente o que diferente for Natildeo proiacutebe as distinccedilotildees de tratamento se

materialmente fundadas proiacutebe isso sim a discriminaccedilatildeo as diferenciaccedilotildees arbitraacuterias ou irrazoaacuteveis

carecidas de fundamento racional No mesmo sentido vide Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de

08-03-2006 proferido no acircmbito do processo nordm 419705JTRC 47 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDa Inclusatildeo Constitucional da Uniatildeo de Facto Nova Relaccedilatildeo Familiarrdquo

obcit p 460 48 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p63 49Apesar da sua contratualidade ser afirmada na sua definiccedilatildeo legal esta eacute contestada Haacute quem qualifique o

casamento como um mero acordo outros como instituiccedilatildeo ou ainda como um puro ato administrativo vendo

a declaraccedilatildeo do funcionaacuterio do registo civil como o elemento constitutivo do casamento e o consentimento

das partes como um simples pressuposto dessa declaraccedilatildeo Cfr mais desenvolvidamente FRANCISCO PEREIRA

COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit pp 232- 235 e ainda TELMA CARVALHO ob cit p 230 50 Cfr FRANCcedilA PITAtildeO ldquoOs novos casamentos ou a crise do casamento tradicional no direito portuguecircs in

AAVV Comemoraccedilotildees dos 35 anos do Coacutedigo Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977 vol I Coimbra

Editora Coimbra 2004 pp 178-179

21

assistecircncia (artigo 1672ordm CCiv) aleacutem disso deve ser exclusiva (artigo 1601ordm CCiv) e tendo

em vista a perpetuidade (artigo 1773ordm CCiv)

A solenidade de formalizaccedilatildeo de vontades necessaacuteria no casamento (artigo 1615ordm

CCiv) em contraposiccedilatildeo agrave falta de forma de celebraccedilatildeo uniatildeo de facto tem sido a principal

diferenccedila apontada pela doutrina entre estas duas formas de vida Dado que no casamento

haacute a expressatildeo de duas vontades atraveacutes de uma declaraccedilatildeo expressa perante uma entidade

puacuteblica que abrange todo o conteuacutedo do casamento Os nubentes ao declararem que aceitam

casar estatildeo simultaneamente a aceitar os efeitos legais do casamento tal como prevecirc o

regime obrigatoacuterio do artigo 1618ordm nordm 1 CCiv Aceitam todos os deveres reciacuteprocos e

tambeacutem os efeitos patrimoniais onde vatildeo tendo uma autonomia privada ainda que limitada

atraveacutes das convenccedilotildees antenupciais51 Isto eacute na uniatildeo de facto haacute uma intencionalidade52

de viver em comunhatildeo plena de vida com outra pessoa no casamento aleacutem da

intencionalidade da plena comunhatildeo de vida haacute a intenccedilatildeo de celebrar o casamento com

tudo o que o seu regime legal acarreta

No caso da uniatildeo de facto essa intencionalidade natildeo eacute declarada de forma solene ou

formal eacute um acordo iacutentimo realizado entre os membros da situaccedilatildeo de facto que natildeo eacute

reconhecido por nenhum ente estadual53 Por outro lado a realizaccedilatildeo do casamento aleacutem de

implicar todo um processo preliminar que tem por fim um despacho final que no caso de ser

favoraacutevel pressupotildee a celebraccedilatildeo do casamento no prazo de seis meses subsequentes a essa

autorizaccedilatildeo tem forma puacuteblica e a sua celebraccedilatildeo acarreta o seu registo (artigo 1ordm al d)

CRegCiv) Este registo eacute obrigatoacuterio e comporta uma elevada importacircncia visto que soacute com

o reconhecimento do casamento pelo Conservador do Registo Civil (artigo 1615ordm CCiv) eacute

possiacutevel fazer a prova do estado civil das pessoas Eacute a uacutenica prova legalmente admitida do

casamento sendo que enquanto este natildeo for registado natildeo pode ser invocado54 Devido agrave

uniatildeo de facto natildeo implicar uma alteraccedilatildeo no estado civil dos membros por natildeo estar sujeita

a registo torna a falta de publicidade no que concerne agrave elaboraccedilatildeo deste estudo a grande

diferenccedila entre este regime juriacutedico e o do casamento e o que tem maior repercussatildeo no

51 Cfr TELMA CARVALHO ob cit p 229 52 Cfr TELMA CARVALHO ob cit p 230 53 Cfr TELMA CARVALHO ob cit p 237 54 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 337

22

regime protecional dos unidos de facto jaacute que o que natildeo pode ser provado em princiacutepio

natildeo pode ser protegido

Aleacutem da dificuldade da prova da uniatildeo de facto quer diante o Estado quer em face

a terceiros a falta do seu registo impede o controlo da sua existecircncia e do cumprimento dos

seus requisitos por parte do Estado Abordaremos a questatildeo da dificuldade da prova

resultante da falta de publicidade da uniatildeo de facto mais aprofundadamente na parte a ela

dedicada

Ateacute aqui apresentamos diferenccedilas de caraacuteter puramente formal nomeadamente no

que respeita agrave natureza contratual do casamento agrave solenidade da celebraccedilatildeo do mesmo e

ainda quanto agrave sua publicidade em contrapartida com o que acontece com a uniatildeo de facto

tendo umas mais importacircncia objetiva que outras Cabe agora analisar as diferenccedilas que tecircm

sido apontadas aos efeitos juriacutedicos praacuteticos Nomeadamente a necessidade de decurso de

prazo de dois anos para que a lei atribua agrave uniatildeo de facto efeitos juriacutedicos uma vez que no

nordm 2 do artigo 1ordm da LUF estaacute previsto que a uniatildeo de facto eacute a situaccedilatildeo juriacutedica de duas

pessoas que independentemente do sexo vivam em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges haacute

mais de dois anos Haacute entatildeo uma exigecircncia do decurso de dois anos55 dessa convivecircncia para

que a situaccedilatildeo anaacuteloga agrave dos cocircnjuges seja considerada uniatildeo de facto Ao passo que o

casamento se considera constituiacutedo com a declaraccedilatildeo de vontade de cada nubente e celebrado

perante uma entidade competente natildeo necessitando da decorrecircncia de nenhum prazo para

que se considere constituiacutedo

Eacute de notar alguma diferenccedila ainda no que se refere agrave cessaccedilatildeo do casamento e agrave

dissoluccedilatildeo da uniatildeo de facto O artigo 1773ordm CCiv determina que o divoacutercio pode ser por

muacutetuo consentimento ou sem consentimento de um dos cocircnjuges - desde que se verifiquem

algum dos fundamentos de rutura previstos no artigo 1781ordm CCiv - ou seja natildeo basta o

simples afastamento dos cocircnjuges para que o casamento cesse haacute um viacutenculo formal que

tem de ser dissolvido A uniatildeo de facto dissolve-se quando cessar o facto da uniatildeo56 isto eacute

55 Noutras regulamentaccedilotildees especiacuteficas esse prazo pode variar () por exemplo no caso da transmissatildeo de

arrendamento por morte do unido o prazo de um ano basta na Lei da Nacionalidade jaacute eacute exigida a duraccedilatildeo de

trecircs anos para que um estrangeiro possa declarar querer adquirir a nacionalidade portuguesa com fundamento

na uniatildeo de facto SANDRA PASSINHAS ldquoUniatildeo de Facto em Portugalrdquo ob cit p113 56 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo in AAVV Textos de Direito da Famiacutelia para Pereira Coelho GUILHERME OLIVEIRA (coord)

Imprensa da Universidade de Coimbra 2016 p 91

23

com a rutura da efetiva comunhatildeo de vida que acontece com a verificaccedilatildeo de alguma das

situaccedilotildees mencionadas no nordm 1 do artigo 8ordm da LUF

Veja-se entre noacutes a uniatildeo de facto eacute objeto de atribuiccedilatildeo de alguns efeitos juriacutedicos

poreacutem no que respeita ao domiacutenio das relaccedilotildees patrimoniais e agrave regulamentaccedilatildeo das

consequecircncias da sua dissoluccedilatildeo natildeo haacute nenhuma norma reguladora Isto eacute natildeo existe

regulamentaccedilatildeo quanto ao regime de bens e natildeo sendo em princiacutepio de aplicar

analogicamente o regime juriacutedico do casamento57 os membros da uniatildeo de facto sentem a

necessidade de criarem eles proacuteprios um estatuto juriacutedico que regule determinados

problemas que possam surgir da sua comunhatildeo de vida com base no princiacutepio da autonomia

da vontade58 Em alguns ordenamentos juriacutedicos59 a soluccedilatildeo para esta questatildeo eacute o contrato

de coabitaccedilatildeo60 visto como a hipoacutetese de conferir aos membros da uniatildeo de facto a

possibilidade de regularem as suas relaccedilotildees patrimoniais com base no princiacutepio da

autonomia patrimonial61 Apesar de no nosso ordenamento juriacutedico natildeo haver tipificaccedilatildeo

legal do contrato de coabitaccedilatildeo - como a uniatildeo de contratos em que os membros da uniatildeo

de facto reuacutenem vaacuterias espeacutecies contratuais em vista da organizaccedilatildeo convencional das suas

relaccedilotildees patrimoniais durante a vida da relaccedilatildeo e apoacutes a extinccedilatildeo desta62- natildeo haacute

legalmente nada a opor a esses contratos desde que estes se limitem a regular os efeitos

patrimoniais sem abrangerem os efeitos pessoais63 Houve por parte do PCP com o artigo

57 Cfr FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo ob cit p83 58 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDissoluccedilatildeo da uniatildeo de facto ndash Anotaccedilatildeo ao Acoacuterdatildeo do TRG de 2992004

Proc 128904rdquo in Cadernos de Direito Privado nordm 11 julhoSetembro 2005 p72 59 Como nos Estados Unidos na Holanda e no Canadaacute e ainda na Espanha e Franccedila onde satildeo normalmente

celebrados apesar de levantarem algumas duacutevidas Neste sentido vide Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de

Lisboa de 29-11-2012 proferido no acircmbito do processo nordm 444092TCFUNL1-A-8 JEAN CARBONNIER

ldquoDroit Civil (T2 ndash La famille lrsquoenfant le couple)rsquorsquo 21ordm ed PUF Paris 2002 p681 EDUARDO ESTRADA

ALONSO ldquoLas uniones extramatrimoniales en el Derecho Civil Espantildeolrdquo 2ordm ed Civitas Madrid 1991 pp

139-152 o A prevecirc a possibilidade de utilizar a autonomia da vontade dos membros como fonte de regulaccedilatildeo

das uniotildees de facto apesar de este tipo de convenios natildeo serem frequentes em Espanha devido a possibilidade

dos tribunais os poderem declarar nulos por ilicitude de causa o A admite a sua validade desde que tratem

apenas de aspetos patrimoniais 60 Pode ser designado de diversas formas tais como contrato de convivecircncia contratos de uniatildeo de facto

convenccedilotildees entre conviventes pactos concubinaacuterios Cfr MARTA COSTA ob cit p156 GERALDO ALMEIDA

ob cit p202 RENATO NETO ldquoContrato de Coabitaccedilatildeo na Uniatildeo de Facto Confronto entre o Direito Brasileiro

e Portuguecircsrdquo Livraria Almedina Coimbra 2006 pp 69-70 61 Cfr MARTA COSTA ob cit p157 62 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 84 63 Cfr JOSEacute JOAtildeO GONCcedilALVES DE PROENCcedilA ldquoDireito da Famiacuteliardquo Lisboa Universidade Lusiacuteada Editora 2003

p 34

24

5ordm do projeto de lei nordm 384VII a proposta de uma convenccedilatildeo de uniatildeo de facto64 que

pretendia afastar nesta mateacuteria a incerteza e inseguranccedila juriacutedicas resultantes da LUF natildeo

tendo todavia prosseguido

Por uacuteltimo eacute de ressalvar a diferenccedila notoacuteria que haacute entre os efeitos sucessoacuterios do

casamento e da uniatildeo de facto O estatuto sucessoacuterio do cocircnjuge sobrevivo tem um elevado

grau de proteccedilatildeo comparativamente com a proteccedilatildeo oferecida ao unido sobrevivo uma vez

que o cocircnjuge aleacutem de ser herdeiro legiacutetimo eacute tambeacutem herdeiro legitimaacuterio65 enquanto o

unido sobrevivo natildeo eacute considerado sequer herdeiro do falecido limitando-se a lei a conceder

o direito de exigir alimentos da heranccedila do mesmo (artigo 2020ordm CCiv) Constata-se uma

enorme discrepacircncia de tratamento entre o cocircnjuge sobrevivo e o unido de facto sobrevivo

devendo a posiccedilatildeo deste uacuteltimo ser objeto de atenccedilatildeo pelo legislador nem que seja para

integrar a sucessatildeo legitima numa posiccedilatildeo inferior agrave do cocircnjuge descendentes e

ascendentes66 Tendo isto em conta eacute possiacutevel afirmar-se que atualmente muitos casais

optam pelo instituto do casamento ao inveacutes do instituto da uniatildeo de facto pela proteccedilatildeo que

este concede ao sobrevivo em caso de morte podendo o casamento ser visto de certa forma

como um (quase) contrato sucessoacuterio67 Na praacutetica muitos casais com esta informaccedilatildeo

apesar de natildeo acharem necessaacuterio celebrar casamento no acircmbito social ou cultural optam

por fazecirc-lo devido agrave elevada discrepacircncia existente entre ambos os institutos

FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO68 defende que diante do presente quadro

regulativo natildeo pode por um lado ser recusada liminarmente a possibilidade de aplicaccedilatildeo agrave

uniatildeo de facto das normas pertencentes ao regime do casamento desde que se tratem de

efeitos indiretos ou legais do casamento e de efeitos fundados na simples existecircncia de uma

comunhatildeo de vida Por outro lado levando em conta o atual quadro legislativo natildeo pode ser

64 Prevendo a possibilidade dos membros da uniatildeo de facto celebrarem uma convenccedilatildeo que visava estabelecer

o seu regime de bens a responsabilidade por diacutevidas e o seu regime de administraccedilatildeo de bens Consultaacutevel em

httpswwwpcpptarlegis-7projleipjl384html 65 Isto eacute nos termos do 2132ordm CCiv eacute chamado agrave sucessatildeo mesmo que o falecido natildeo tenha deixado testamento

vaacutelido consta tambeacutem do art 2157ordm CCiv tendo direito a uma porccedilatildeo de bens (a legiacutetima) que o falecido natildeo

pode dispor no seu testamento Cfr OLIVEIRA ASCENSAtildeO ldquoDireito civil Sucessotildeesrdquo Coimbra Editora 5ordf Ed

2000 pp 333 e 353 66 Para mais desenvolvimentos FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da

uniatildeo de facto breves observaccedilotildeesrdquo ob cit pp104-105 67 Cfr FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo ob cit p103 68 Cfr FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo ob cit pp 83-101

25

feita uma geneacuterica aplicaccedilatildeo analoacutegica do regime do casamento O A aleacutem de salvaguardar

que essa aplicaccedilatildeo soacute poderia abranger os referidos efeitos indiretos ou legais do casamento

alega que antes dessa aplicaccedilatildeo teriam de se apurar caso a caso os interesses em causa e a

ratio da norma eventualmente aplicaacutevel e soacute assim se poderia fundar uma aplicaccedilatildeo

analoacutegica Aleacutem do mais alerta para o quadro limitado de efeitos que a nossa lei fixou para

a uniatildeo de facto previsto na LUF o que pode refletir o intuito de impedir uma aplicaccedilatildeo

analoacutegica das normas do casamento de forma irrestrita O A declara que tendo em

consideraccedilatildeo os uacuteltimos desenvolvimentos legislativos na regulaccedilatildeo da uniatildeo de facto e no

casamento69 a diferenccedila que assenta no facto de natildeo haver uma vontade de vinculaccedilatildeo no

plano juriacutedico e da comunhatildeo de vida dos membros da uniatildeo de facto natildeo implicar o

cumprimento de deveres conjugais ficou bastante atenuada Natildeo soacute porque se tem vindo a

assistir a uma desregulaccedilatildeo do casamento em termos imperativos mas tambeacutem pelo Coacutedigo

Civil se limitar a fixar os deveres pessoais dos cocircnjuges e os modos de execuccedilatildeo dos mesmos

natildeo obedecerem a um padratildeo uacutenico Crecirc que se tem vindo a assistir a um progressivo

afrouxamento dos deveres conjugais por estarem esvaziados das normais caracteriacutesticas de

um dever juriacutedico tanto no plano das consequecircncias indemnizatoacuterias como nas resolutoacuterias

Levando-o a concluir que esbatida a base da diferenccedila principal entre os dois institutos

deixou de haver fundamento para a recusa de uma aplicaccedilatildeo analoacutegica agrave uniatildeo de facto de

muitas normas do casamento que estabelecem efeitos indiretos ou laterais de diversa ordem

deixando o casamento de ser necessaacuterio no plano social afetivo cultural ou econoacutemico e

que este soacute subsiste em maior nuacutemero do que a uniatildeo de facto por se tratar de um haacutebito

adquirido pela sociedade e por haver em certos meios uma pressatildeo social e religiosa nesse

sentido70

Por seu turno CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS no acircmbito dos efeitos patrimoniais da

uniatildeo de facto defende que a aplicaccedilatildeo analoacutegica de uma norma pressupotildee a existecircncia de

uma lacuna No entanto entende que natildeo se pode falar em lacuna quando natildeo existe uma

regulamentaccedilatildeo juriacutedica numa dada mateacuteria visto que essa inexistecircncia de regulamentaccedilatildeo

pode ter sido intencional por parte do legislador Podendo tambeacutem ser pretensatildeo do proacuteprio

69 Com as alteraccedilotildees agrave Lei nordm 72001 introduzidas pela Lei nordm 232010 de 30 de agosto no que respeita agrave uniatildeo

de facto e relativamente ao casamento em consequecircncia da profunda reforma operada pela Lei nordm 612008 de

31 de Outubro 70 Cfr FRANCISCO BRITO PEREIRA COELHO ldquoOs factos no casamento e o direito da uniatildeo de facto breves

observaccedilotildeesrdquo ob cit p 102

26

legislador que o seu preenchimento fique a cargo da doutrina e da jurisprudecircncia71 No

entanto julga que a sua integraccedilatildeo deveraacute ser feita por recurso agraves regras gerais e natildeo por

aplicaccedilatildeo do regime do casamento para o qual o legislador natildeo remeteu intencionalmente

A soluccedilatildeo a nosso ver passaria por natildeo se estender agrave uniatildeo de facto os efeitos do

casamento evitando uma intromissatildeo injustificada na escolha que as partes fizeram de natildeo

contraiacuterem casamento No entanto seria importante reforccedilar o regime legal atual natildeo

olvidando os que apesar de optarem por natildeo seguir a via do casamento pretendem uma

proteccedilatildeo mais firme e os que pretendem apenas a coabitaccedilatildeo sem consequecircncias juriacutedicas

Enveredando-se por um caminho que consolide os efeitos juriacutedicos da uniatildeo de facto com

um regime proacuteprio que natildeo se confunda com o do casamento possibilitando aos que

pretendam uma uniatildeo sem consequecircncias juriacutedicas a liberdade de escolha de sujeiccedilatildeo a um

regime legal ou natildeo

71 Cfr CRISTINA M ARAUacuteJO DIAS ldquoDissoluccedilatildeo da uniatildeo de facto ndash Anotaccedilatildeo ao Acoacuterdatildeo do TRG de 2992004

Proc 128904rdquo ob cit pp 74-75

27

4 Constituiccedilatildeo da relaccedilatildeo de Uniatildeo de Facto e os seus efeitos

A uniatildeo de facto constitui-se quando dois sujeitos do mesmo sexo ou de sexo

diferente que tecircm uma relaccedilatildeo passam a viver em comunhatildeo de leito mesa e habitaccedilatildeo

Passando os membros a viver nessas condiccedilotildees e natildeo sendo essa situaccedilatildeo objeto de registo

civil72 ou administrativo ao contraacuterio do que acontece em alguns ordenamentos vizinhos

que mereceratildeo a nossa anaacutelise mais adiante torna-se mais difiacutecil saber de forma exata

quando se iniciou para que seja possiacutevel a partir daiacute contar os dois anos necessaacuterios para

que a situaccedilatildeo de facto produza os efeitos previstos no artigo 3ordm da LUF

Efeitos estes que soacute se produziratildeo se cumulativamente com requisito temporal de

decurso de dois anos natildeo existir nenhum impedimento dirimente ao casamento dos membros

da uniatildeo de facto Eacute a soluccedilatildeo prevista no artigo 2ordm da LUF que reproduz nas suas aliacuteneas

o disposto no artigo 1601ordm e 1602ordm CCiv obstando agrave constituiccedilatildeo de uma uniatildeo de facto

juridicamente protegida impedimentos relacionados com a idade dos companheiros a

existecircncia de uma demecircncia notoacuteria mesmo com intervalos luacutecidos e situaccedilatildeo de

acompanhamento de maior se assim estabelecer a sentenccedila que a haja decretado salvo se

posteriores ao iniacutecio da uniatildeo a ocorrecircncia de casamento anterior natildeo dissolvido exceto se

tiver sido decretada a separaccedilatildeo de pessoas e bens o parentesco na linha reta ou no 2ordm grau

da linha colateral ou afinidade na linha reta e a condenaccedilatildeo anterior de uma das pessoas

como autor ou cuacutemplice por homiciacutedio doloso ainda que natildeo consumado contra o cocircnjuge

do outro Os factos expostos estorvam apenas a produccedilatildeo de efeitos favoraacuteveis da uniatildeo de

facto ou seja a atribuiccedilatildeo de direitos ou benefiacutecios natildeo deveraacute ser intenccedilatildeo do legislador

que a uniatildeo de facto mesmo que afetada por algum dos impedimentos seja considerada

irrelevante juridicamente quando estatildeo em causa interesses legiacutetimos de terceiros ou quando

surjam consequecircncias como a presunccedilatildeo de paternidade relativamente ao homem7374

Em relaccedilatildeo aos efeitos pessoais por natildeo assumirem nenhum compromisso natildeo

estatildeo os membros da uniatildeo de facto vinculados aos deveres conjugais que os artigos 1671ordm

72 Uma vez que natildeo estaacute mencionada no acircmbito do art 1ordm do Coacutedigo do Registo Civil norma que consagra as

situaccedilotildees em que o registo civil eacute obrigatoacuterio no nosso ordenamento juriacutedico 73 Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 141 74 O elenco dos impedimentos agrave produccedilatildeo dos efeitos favoraacuteveis agrave uniatildeo de facto que constam no artigo 2ordm da

LUF foi corrigido e adaptado para evitar uma excessiva ligaccedilatildeo agraves soluccedilotildees postuladas no artigo 1601ordm CCiv

Sobre as correccedilotildees mais detalhadamente cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit pp 141-142

28

e 1672ordm CCiv impotildeem aos cocircnjuges75 Contudo a relaccedilatildeo pessoal que assumem permite-

lhes adotar um filho nos mesmos termos que os cocircnjuges por forccedila do artigo 7ordm da LUF

desde que a relaccedilatildeo dure haacute mais de quatro anos e ambos tiverem mais de 25 anos

independentemente do seu sexo Releva tambeacutem para efeitos de aquisiccedilatildeo de nacionalidade

desde que o estrangeiro que viva em uniatildeo de facto com nacional portuguecircs haacute mais de trecircs

anos e tenha reconhecimento judicial da situaccedilatildeo de facto declare que quer adquirir

nacionalidade portuguesa (artigo 3ordm nordm 3 Lei da Nacionalidade - Lei nordm 3781 de 03 de

Outubro) No que respeita aos filhos nascidos das uniotildees de facto nas accedilotildees de investigaccedilatildeo

de paternidade presume-se a paternidade quando tenha havido comunhatildeo duradoura de vida

entre a matildee e o pretenso pai no periacuteodo legal de concepccedilatildeo por forccedila do artigo 1871ordm CCiv

Quanto ao exerciacutecio das responsabilidades parentais no caso de comunhatildeo duradoura de

vida em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges ou concubinato duradouro o artigo 1911ordm nordm

1 CCiv determina a aplicaccedilatildeo do previsto nos artigos 1901ordm e 1904ordm CCiv que corresponde

ao regime que vigora quando os progenitores satildeo casados Jaacute no caso de dissociaccedilatildeo familiar

o mesmo artigo remete para aplicaccedilatildeo do disposto nos artigos 1905ordm a 1908ordm CCiv normas

atinentes ao divoacutercio separaccedilatildeo de pessoas e bens ou declaraccedilatildeo de nulidade ou anulaccedilatildeo do

casamento Como se pode ver os filhos nascidos de uniatildeo de facto tal como quaisquer outros

nascidos fora do casamento estatildeo equiparados aos nascidos dentro do mesmo por forccedila do

disposto no nordm 4 do artigo 36ordm da CRP76

Como jaacute haviacuteamos referido a uniatildeo de facto natildeo permite a aplicaccedilatildeo de um regime

de bens nem das regras que disciplinam as relaccedilotildees patrimoniais dos cocircnjuges como a

administraccedilatildeo de bens e regime de responsabilidade por diacutevidas sendo de aplicar entre os

unidos o regime geral das relaccedilotildees obrigacionais e reais77 De acordo com as regras do direito

comum cada um dos membros da uniatildeo de facto pode vender bens moacuteveis ou imoacuteveis dar

ou tomar de arrendamento um imoacutevel ou contrair diacutevidas podem entre eles celebrar

contratos de compra e venda de locaccedilatildeo de depoacutesito de comodato de muacutetuo entre outros

pois o artigo 1714ordm CCiv que impede a celebraccedilatildeo de certos contratos entre os cocircnjuges natildeo

eacute aplicaacutevel agraves relaccedilotildees de uniatildeo de facto Acrescem a estes os que expusemos anteriormente

relativamente a esta mateacuteria aquando da distinccedilatildeo entre o regime do casamento e o regime

75 Natildeo estabelecem relaccedilotildees de afinidade com os parentes do outro natildeo podem adotar o apelido um do outro

possibilidade que eacute concedida aos cocircnjuges por virtude do artigo 1677ordm CCiv 76 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 81 77 Cfr SANDRA PASSINHAS ldquoUniatildeo de Facto em Portugalrdquo obcit p 120

29

da uniatildeo de facto no ponto 31 e ainda sucintamente importa referir como efeito

patrimonial da uniatildeo de facto a extensatildeo a esta do artigo 1691ordm al b) CCiv que prevecirc a

responsabilidade dos cocircnjuges pelas diacutevidas contraiacutedas por qualquer dos cocircnjuges antes ou

depois da celebraccedilatildeo do casamento para ocorrer aos encargos normais da vida familiar

equiparando nesta mateacuteria o conceito de uniatildeo de facto como a comunhatildeo de leito mesa e

habitaccedilatildeo aos casamentos e protegendo a confianccedila de terceiros que com eles contratem e

confiem nessa aparecircncia de vida matrimonial78 A niacutevel patrimonial a uniatildeo de facto atribui

ao unido sobrevivo por forccedila do artigo 2020ordm nordm 1 o direito de exigir alimentos da heranccedila

do falecido poreacutem esse direito caduca se natildeo for exercido nos dois anos posteriores agrave data

da morte do autor da sucessatildeo (nordm 2) e se o alimentado casar iniciar uma relaccedilatildeo de uniatildeo

de facto ou se tornar indigno do benefiacutecio pelo seu comportamento moral por forccedila do nordm 3

do artigo 2020ordm e do artigo 2019ordm CCiv Resta em uacuteltimo lugar dizer que em mateacuteria fiscal

nomeadamente no que respeita ao imposto sobre o rendimento o artigo 3ordm al d) da LUF

torna aplicaacutevel aos membros da uniatildeo de facto o regime atribuiacutedo aos sujeitos passivos natildeo

separados de pessoas e bens nessa mateacuteria

78 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 34

30

5 O problema da prova da coabitaccedilatildeo

51 Consideraccedilotildees gerais

Expostos os efeitos a que a constituiccedilatildeo da uniatildeo de facto daacute origem urge abordar

a problemaacutetica que a este estudo interessa o problema da prova da relaccedilatildeo de uniatildeo de facto

nomeadamente a prova da coabitaccedilatildeo Apesar de natildeo existir como vimos uma exigecircncia de

forma para a constituiccedilatildeo da uniatildeo de facto e prevalecer entre noacutes um modelo faacutectico79-

bastando que se verifiquem os requisitos factuais para que a convivecircncia seja protegida - eacute

exigido aos seus membros que provem a sua convivecircncia se pretenderem beneficiar de

determinados direitos

Ora a opccedilatildeo do legislador tem sido contraacuteria agrave formalizaccedilatildeo da uniatildeo de facto o

que natildeo facilita a demonstraccedilatildeo dos factos exigidos pela lei para aferir a sua relevacircncia

juriacutedica Portanto a dificuldade dessa prova adveacutem natildeo soacute desta relaccedilatildeo natildeo estar sujeita a

nenhum tipo de solenidade ou publicidade na sua constituiccedilatildeo por natildeo implicar a sujeiccedilatildeo

ao registo civil ou administrativo80 mas tambeacutem por natildeo haver em regra uma prova preacute-

constituiacuteda81 diferentemente do que sucede com o casamento estando nas matildeos dos

cocircnjuges a possibilidade de requerer a qualquer momento uma certidatildeo de casamento

A respeito da prova da uniatildeo de facto no acircmbito juriacutedico-civil recorde-se o regime

geral do oacutenus da prova previsto no artigo 342ordm CCiv que atribui a quem pretende invocar

um direito provar os factos que o constituem Isto eacute se um dos membros da uniatildeo de facto

pretender beneficiar da proteccedilatildeo juriacutedica conferida agrave uniatildeo de facto precisaraacute de demonstrar

a realidade dos factos que invoca para preenchimento dos pressupostos estabelecidos Nesta

mateacuteria tambeacutem satildeo aplicaacuteveis as normas gerais do oacutenus da prova a terceiro que pretenda

fundar um direito na uniatildeo de facto recaindo sobre ele o oacutenus de provar os factos que

consubstanciam o direito que alega Porquanto se vecirc que a prova de que se vive numa

79 Cfr ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoA convivecircncia laquomore uxorioraquo um olhar sobre o regime portuguecircs francecircs

e alematildeordquo in Direito Constitucional e o seu papel na construccedilatildeo do cenaacuterio juriacutedico global dir IRENE

PORTELA IPCA 1ordf Ed 2016 p 121 A uniatildeo de facto eacute uma realidade de convivecircncia continuada sem

qualquer forma exigida Natildeo existe a sujeiccedilatildeo a registo da uniatildeo de facto Ou seja a uniatildeo de facto no nosso

sistema natildeo se constitui consolida-se com o tempo ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoUNIAtildeO de facto versus

Casamento ndash Questotildees pessoais e patrimoniaisrdquo Gestlegal 1ordm ed 2019 p 158 80 O que natildeo permite saber com certeza a data a partir da qual se comeccedilam a contar os dois anos necessaacuterios agrave

produccedilatildeo de efeitos 81 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 72

31

situaccedilatildeo anaacuteloga agrave dos cocircnjuges pode revelar-se sinuosa e por isso eacute relevante desenvolver

essa mateacuteria no presente estudo

Nesta senda o artigo 2ordm-A nordm 1 da LUF prevecirc que a prova da uniatildeo de facto se faz

por qualquer meio legalmente admissiacutevel salvo se disposiccedilatildeo legal ou regulamentar exija

prova documental especiacutefica A prova seraacute maioritariamente testemunhal contudo natildeo se

deve excluir a possibilidade de prova documental ao realizar uma interpretaccedilatildeo extensiva

do termo vida previsto no artigo 34ordm nordm 1 do Decreto-Lei nordm 13599 de 22 de Abril que

regula a forma como atestados de residecircncia vida e situaccedilatildeo econoacutemica dos cidadatildeos

devem ser passados pelas Juntas de Freguesia82 Ou ainda como sugerem FRANCcedilA PITAtildeO e

MARTA COSTA mobilizar accedilatildeo judicial de simples apreciaccedilatildeo (ou de mera declaraccedilatildeo)

positiva83 com a qual os membros pretenderiam apenas obter a declaraccedilatildeo da existecircncia de

um facto que assentava na comunhatildeo de cama mesa e habitaccedilatildeo por mais de dois anos84

Contudo esta soluccedilatildeo poderia comportar o risco de ser usada por um dos membros agrave revelia

do outro com vista ao aproveitamento dos efeitos favoraacuteveis da uniatildeo mesmo que esta jaacute

esteja extinta Eacute precisamente por esta razatildeo que NUNO COSTA MAURIacuteCIO85

rejeita o recurso

a esta accedilatildeo pelos unidos Crecirc que natildeo eacute a soluccedilatildeo para a dificuldade da prova da uniatildeo de

facto devido aos problema que podiam advir da falta de controlo judicial da extinccedilatildeo da

uniatildeo de facto que consistiriam na possibilidade de um ou ambos os unidos continuarem a

usufruir de efeitos favoraacuteveis de uma situaccedilatildeo que jaacute se extinguiu

Poderaacute entatildeo fazer-se a prova documental atraveacutes de uma declaraccedilatildeo emitida pela

Junta de Freguesia competente sendo que esse documento deve ser acompanhado da

declaraccedilatildeo de ambos os membros conviventes que sob compromisso de honra afirmam que

vivem em uniatildeo de facto haacute mais de dois anos e da coacutepia das suas certidotildees de nascimento

Poreacutem a veracidade deste documento pode por vezes ser posta em causa e natildeo fazer prova

plena por natildeo se tratar normalmente de facto atestado com base nas perceccedilotildees da entidade

82 Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p74 83 Cfr MARTA COSTA ob cit p387 FRANCcedilA PITAtildeO ldquoUniotildees de Facto e Economia Comum de acordo com

a Lei nordm 232010 de 30 de agostordquo obcit p78 84 Tendo os requerentes de tal accedilatildeo de provar natildeo soacute a sua natildeo coabitaccedilatildeo nos termos e condiccedilotildees previstos na

lei bem como a inexistecircncia de qualquer um dos impedimentos previstos no art 2ordm da LUF sob pena de a

decisatildeo judicial natildeo poder produzir nenhum efeito uacutetil Cfr FRANCcedilA PITAtildeO ldquoUniotildees de Facto e Economia

Comum de acordo com a Lei nordm 232010 de 30 de agostordquo obcit pp 78-79 85 Cfr NUNO COSTA MAURIacuteCIO ldquoO pecado mora ao ladordquo Um repensar da problemaacutetica juriacutedica das uniotildees

de facto e das relaccedilotildees patrimoniais entre unidos de facto Tese de Mestrado em Ciecircncias Juriacutedico-Civiliacutesticas

Faculdade De Direito Da Universidade De Coimbra Outubro 2000 p 76

32

documentadora86 Efetivamente o documento soacute prova que os interessados fizeram perante

o funcionaacuterio a afirmaccedilatildeo de que conviviam em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges desde

determinada data todavia natildeo quer dizer que natildeo se possa pocircr em causa a veracidade dessa

afirmaccedilatildeo87 Qualquer interessado pode demonstrar que o facto natildeo eacute verdadeiro por alegar

que a uniatildeo de facto natildeo existiu ou natildeo teve lugar durante o periacuteodo mencionado pelos

declarantes88 Ou seja o disposto no artigo 2ordm-A n ordm1 da LUF traduz-se apenas na

possibilidade que os unidos tecircm de apresentar documentos para demonstrarem os

pressupostos que permitem atribuir relevacircncia juriacutedica agrave uniatildeo de facto pois essa norma natildeo

confere qualquer valor probatoacuterio a tais documentos Posto isto o documento emitido pela

Junta de Freguesia natildeo eacute suficiente para demonstrar a existecircncia da uniatildeo de facto porquanto

a LUF natildeo exige apenas a alegaccedilatildeo de que duas pessoas vivem juntas haacute mais de dois anos

ou que natildeo se verifique nenhum dos impedimentos agrave constituiccedilatildeo da relaccedilatildeo eacute essencial

ainda que provem a sua coabitaccedilatildeo89

O nordm 5 do artigo 2ordm-A adverte tambeacutem para as sanccedilotildees penais que as falsas

declaraccedilotildees poderatildeo causar Como prova documental eacute um meio de prova fraacutegil e suscetiacutevel

de fraude esta norma funciona como advertecircncia que visa promover a conformidade entre

as declaraccedilotildees que os sujeitos fazem e a realidade que por eles eacute vivida esperando que a

ameaccedila da aplicaccedilatildeo de uma sanccedilatildeo penal iniba a alegaccedilatildeo de falsas declaraccedilotildees Tendo em

conta que o interesse da demonstraccedilatildeo dos requisitos que permitem atribuir relevacircncia

juriacutedica agrave situaccedilatildeo de facto eacute com o objetivo de se produzirem factos favoraacuteveis aos

86 Art 371ordm nordm 1 CCiv Cfr FRANCISCO PEREIRA COELHO GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 72 87 Vide neste sentido o Acoacuterdatildeo do TCA Norte de 13-11-2020 proferido no acircmbito do processo nordm

00090151BECBR Natildeo oferece qualquer controveacutersia quer em sede doutrinal quer jurisprudencial que natildeo

sendo arguida a falsidade do documento autecircntico este faz prova plena dos factos praticados pela entidade

documentadora de sorte que tudo o que o documento referir como tendo sido praticado por essa entidade

tudo o que segundo o documento seja obra do seu Autor e bem assim tudo o que tenha sido percecionado

pelo mesmo tem de ser aceite como exato Assim as declaraccedilotildees que constam no documento como tendo sido

feitas perante a entidade documentadora ou seja o declarado perante a uacuteltima e que essa entidade ouviu

atraveacutes dos seus sentidos em consonacircncia com a parte final do nordm 1 do art 371ordm do CC beneficiam da prova

plena inerente agrave forccedila probatoacuteria conferida pelo oficial puacuteblico Deste modo se o presidente de junta consigna

no texto do atestado que a requerente e as referidas testemunhas declararam que ldquo(a) mesmo(a) residia haacute

mais de dois anos com o falecido A seu companheiro(a) ateacute agrave data de oacutebito (hellip)rdquo tem-se como plenamente

provado que essa declaraccedilatildeo foi efetivamente feita perante o presidente de junta de freguesia Mas tatildeo soacute Eacute

que daiacute natildeo decorre que a forccedila probatoacuteria desse atestado respeite a tudo o que nele se conteacutem A verdade

dos factos a que se reportam as declaraccedilotildees emitidas e que constam desse documento autecircntico- no caso o

atestado emitido pelo presidente de junta de freguesia- ficam sujeitas agrave livre apreciaccedilatildeo do julgador 88 Cfr JORGE DUARTE PINHEIRO ob cit p 529 89 Isto eacute que vivem em ldquouniatildeo de factordquo Cfr RITA LOBO XAVIER ldquoEstatuto Privadordquo dos membros da Uniatildeo

De Factordquo obcit p1518 E ainda sobre a importacircncia da coabitaccedilatildeo cfr FRANCcedilA PITAtildeO ldquoOs novos

casamentos ou a crise do casamento tradicional no direito portuguecircs ob cit p66

33

declarantes estaraacute sempre em causa a credibilidade de tais declaraccedilotildees que estaratildeo sujeitas

ao confronto com as demais provas e ao princiacutepio da livre apreciaccedilatildeo da prova90 acabando

por serem mais crediacuteveis as declaraccedilotildees feitas em detrimento dos declarantes91 A norma em

causa pretende apenas facilitar a demonstraccedilatildeo dos factos que satildeo considerados como

pressupostos da atribuiccedilatildeo de relevacircncia juriacutedica agrave uniatildeo de facto uma vez que a lei natildeo

adotou ainda um registo oficial desta relaccedilatildeo Cremos que a intenccedilatildeo do legislador foi libertar

os membros da uniatildeo de facto de terem de obter declaraccedilatildeo judicial para certificar a sua

convivecircncia respeitando a liberdade inerente a quem opta por este tipo de relaccedilatildeo Todavia

este eacute um tema controvertido e vem sido debatido na doutrina a possibilidade de registo da

uniatildeo de facto como forma de conferir publicidade a estas relaccedilotildees findar os problemas

relativos agrave sua prova e de colmatar esta que pode ser considerada uma das lacunas presentes

no regime juriacutedico portuguecircs da uniatildeo de facto Haacute quem entenda que uma vez que a uniatildeo

de facto se trata na maioria das vezes de uma opccedilatildeo de vida de acordo com a autonomia da

vontade de quem por ela optou o legislador deve respeitar essa escolha e intervir apenas se

necessaacuterio legislando somente em alguns aspetos pontuais92 Devendo quanto ao resto

abster-se e confiar na capacidade de autorregulamentaccedilatildeo dos membros da uniatildeo de facto

Neste seguimento o Bloco de Esquerda apresentou o Projeto de Lei n ordm45VIII93

que visava alterar a Lei nordm 13599 de 28 de Agosto Atraveacutes deste projeto apresentou

soluccedilotildees no que diz respeito agrave prova e ao registo da uniatildeo de facto94 sugerindo que o artigo

2ordm-A passasse a tratar da forma como a uniatildeo de facto eacute constituiacuteda que seria atraveacutes de

registo na junta de freguesia da aacuterea de residecircncia das pessoas em uniatildeo de facto ou apoacutes

90 Cfr RITA LOBO XAVIER ldquoA Uniatildeo de Facto e a Lei Civil no Ensino de Francisco Manuel Pereira Coelho e

Legislaccedilatildeo Atualrdquo em Textos de Direito da Famiacutelia para Francisco Pereira Coelho Coimbra Imprensa da

Universidade de Coimbra 2016 p 684 91 Cfr RITA LOBO XAVIER ldquoEstatuto Privadordquo dos membros da Uniatildeo De Factordquo obcit p1519 92 Cfr HEINRICH HOumlRSTER ldquoDireito da Famiacutelia e Poliacutetica Socialrdquo Publicaccedilotildees Universidade Catoacutelica Porto

2001 pp71-72 Segundo este A o legislador adotando uma postura prudente deve apenas legislar quando

estejam em causa interesses de terceiros ou seja da comunidade ou quando haja a necessidade de proteger os

filhos Nestas situaccedilotildees defende que o legislador pode e deve intervir e que quando se trate de legislar em

mateacuteria de uniatildeo de facto espera que seja feito com cuidado e ponderaccedilatildeo 93 Consultaacutevel em

httpswwwparlamentoptActividadeParlamentarPaginasDetalheIniciativaaspxBID=6308 94 No seu art 2ordm previam o aditamento do artigo 2ordmA e 2ordm B art 2ordm-A1 A uniatildeo de facto eacute constituiacuteda a)

Por registo na junta de freguesia da aacuterea de residecircncia das pessoas em uniatildeo de facto ou b) Apoacutes dois anos

em plena comunhatildeo de vida sem necessidade de registo 2 As uniotildees de facto constituiacutedas por registo

conforme a aliacutenea a) do nordm 1 do presente artigo estatildeo imediatamente reguladas pela presente lei Art 2ordm-B

A uniatildeo de facto constituiacuteda por registo eacute dissolvida por vontade de pelo menos um dos seus constituintes

expressa junto aos serviccedilos de registo da junta de freguesia da aacuterea da residecircncia

34

dois anos em plena comunhatildeo de vida sem necessidade de registo passando as uniotildees de

facto constituiacutedas por registo a estar imediatamente reguladas pela LUF sem necessidade

do decurso do prazo de dois anos Este projeto previa tambeacutem no artigo 2ordm-B o registo da

dissoluccedilatildeo junto dos serviccedilos da junta de freguesia atraveacutes da declaraccedilatildeo de pelo menos um

dos unidos O Projeto de Lei n ordm45VIII do BE95 cumpriu os requisitos constitucionais e

regimentais necessaacuterios para ser apreciado pelo plenaacuterio da Assembleia da Reacutepublica

Contudo apoacutes a adoccedilatildeo por parte da Comissatildeo de Assuntos Constitucionais Direitos

Liberdades e Garantias de um texto de substituiccedilatildeo relativo aos projetos nordm 6VII de

iniciativa do partido Os Verdes ao nordm 45VIII do BE e ao nordm 115VII do PCP e apoacutes a

aprovaccedilatildeo com votos favoraacuteveis do PS do PCP e do BE e votos contra do PSD do CDS-

PP e da Deputada Maria do Rosaacuterio Carneiro (PS) relativamente a cada artigo do texto de

substituiccedilatildeo os representantes na Comissatildeo dos Grupos Parlamentares do PCP e do BE bem

como a Srordf Deputada Isabel Castro (Os Verdes) declararam retirar as respetivas iniciativas

legislativas em benefiacutecio do texto de substituiccedilatildeo adotado entrando em vigor a Lei nordm

72001 de 11 de Maio que adotou medidas de proteccedilatildeo das uniotildees de facto Vigorando com

as subsequentes alteraccedilotildees ateacute aos dias de hoje

Conveacutem frisar que a questatildeo do registo da uniatildeo de facto pode ser encarada como

incompatiacutevel com a proacutepria natureza informal da uniatildeo de facto Desde logo NUNO COSTA

MAURIacuteCIO defende que subjacente agrave necessidade do registo reside sempre uma ideia de

certeza juriacutedica a qual transportada para o acircmbito da uniatildeo de facto vai implicar que a sua

prova nunca possa ser feita atraveacutes de uma declaraccedilatildeo unilateral da parte interessada tendo

de passar por uma acreditaccedilatildeo um crivo de publicidade que traraacute consigo e proporcionaraacute a

terceiros a certeza juriacutedica de que aquelas duas pessoas vivem em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos

cocircnjuges96 Poreacutem acredita que apesar das vantagens da certeza e seguranccedila juriacutedicas

inerentes ao instituto do registo as desvantagens se afloram maiores Em virtude de no que

respeita aos elementos constitutivos da uniatildeo de facto onde o essencial eacute estar-se perante

uma convivecircncia estaacutevel e duradoura semelhante agrave dos cocircnjuges natildeo deve bastar o facto de

duas pessoas se dirigirem a uma conservatoacuteria de registo ou a outra entidade puacuteblica e

declararem viver em uniatildeo de facto sem se apurar a autenticidade dessas declaraccedilotildees

95 Bem como os projetos de lei nordm 6VIII da iniciativa do Partido Ecologista Os Verdes o nordm 105VIII da

iniciativa do Partido Socialista e o nordm 115VIII da iniciativa do Partido Comunista Portuguecircs 96 Cfr NUNO COSTA MAURIacuteCIO ldquoO pecado mora ao ladordquo ob cit p 81

35

Acrescenta ainda que ao fazerem depender a eficaacutecia juriacutedica da uniatildeo de facto da sua

inscriccedilatildeo no registo tornando ineficazes as uniotildees que natildeo estivessem inscritas estariam a

forccedilar os unidos que optaram por esta forma de convivecircncia exatamente para dispensar

qualquer formalidade a inscrever a sua relaccedilatildeo O que se traduziria numa adulteraccedilatildeo da

intencionalidade e natureza da uniatildeo de facto Ou mesmo que se configurasse um registo

livre e voluntaacuterio quem preferisse a natildeo inscriccedilatildeo natildeo teria acesso a um regime legal de

proteccedilatildeo da uniatildeo de facto ficando agrave margem da lei o que geraria uma nova discriminaccedilatildeo

Nota por uacuteltimo que a inscriccedilatildeo das uniotildees de facto se iria traduzir na prestaccedilatildeo de

consentimento a uma relaccedilatildeo de facto por parte dos dois sujeitos e assim sendo poderia

estar-se perante um novo tipo de casamento ainda que se trate de um casamento de segundo

grau97 Tal consideraccedilatildeo iria contra o espiacuterito de liberdade e natildeo formalismo que preside agrave

uniatildeo de facto98 Depreendendo que devido agraves desvantagens inerentes ao registo a

dificuldade da prova da uniatildeo de facto seria mais facilmente superada se se permitisse aos

unidos de facto ao abrigo do princiacutepio da livre disponibilidade convencionar as

regulamentaccedilatildeo das suas relaccedilotildees99

De outra banda MARTA COSTA considera que se fosse instituiacutedo o registo

obrigatoacuterio para que os conviventes pudessem beneficiar da tutela legislativa prevista as

dificuldades que advecircm da prova da uniatildeo de facto ficariam diminuiacutedas e sairiam

privilegiadas a seguranccedila juriacutedica e a liberdade dos conviventes que poderiam decidir se

pretendiam ser legislativamente tutelados ou se optariam por uma relaccedilatildeo meramente

factual Realccedila ainda que a instituiccedilatildeo do registo transformaria a uniatildeo de facto em relaccedilatildeo

de direito num instituto juriacutedico formal ainda que a sua tutela fosse diminuta100 Durante a

sua anaacutelise aproveita para refutar algumas das desvantagens que NUNO COSTA MAURIacuteCIO

aponta agrave inscriccedilatildeo da uniatildeo de facto no registo Primeiramente em relaccedilatildeo agrave dificuldade de

apurar a veracidade das declaraccedilotildees dos unidos a A crecirc que depende da opccedilatildeo legislativa

97 Atentando-se agrave diferenccedila de grau no que diz respeito ao nuacutemero de efeitos juriacutedicos que cada um produz

Cfr NUNO COSTA MAURIacuteCIO ldquoO pecado mora ao ladordquo ob cit p82 98 Eacute na procura do momento da conciliaccedilatildeo entre a autoridade e liberdade e entre o puacuteblico e o privado que

residem os fundamentos das intervenccedilotildees legislativas no acircmbito das relaccedilotildees juriacutedico-familiares que devem

repousar ou fundamentos de poliacutetica legislativa relativos agrave atribuiccedilatildeo de efeitos de direito agrave uniatildeo de facto

(hellip) e estaacute na base das intervenccedilotildees legislativas feitas em alguns paiacuteses e nas exigecircncias feitas pela doutrina

noutros com vista agrave definiccedilatildeo de um estatuto juriacutedico da uniatildeo de facto Cfr GERALDO DA CRUZ ALMEIDA

ob cit pp 185-193 99 Cfr NUNO COSTA MAURIacuteCIO ldquoO pecado mora ao ladordquo ob cit p83 100 Cfr MARTA COSTA ob cit p 394

36

Isto eacute se com a obrigatoriedade do registo o legislador decidir que a tutela da relaccedilatildeo fique

dependente da duraccedilatildeo da mesma esta duraccedilatildeo pode contar-se apoacutes o registo ou exigir-se o

decurso da mesma para que os conviventes possam inscrever a relaccedilatildeo no registo mantendo-

se a dificuldade de determinar o seu iniacutecio Se por outro lado a tutela da convivecircncia natildeo

ficar dependente da sua duraccedilatildeo natildeo teraacute de haver uma convivecircncia preacutevia podendo duas

pessoas que queiram conviver dirigirem-se a uma entidade competente e registar a

convivecircncia que podia jaacute existir ou iniciar-se nesse momento101 Relativamente ao facto de

os unidos que optaram pela uniatildeo de facto para se eximirem de qualquer formalidade se

verem obrigados a proceder ao registo da sua relaccedilatildeo para evitar que a sua uniatildeo seja

inexistente a A discorda afirmando que os unidos natildeo se veriam forccedilados a proceder ao

registo podendo preferir manter uma verdadeira uniatildeo de facto agrave qual continuariam a ser

atribuiacutedos ainda que poucos alguns direitos e deveres102 face agrave nossa ordem juriacutedica

defendendo que a obrigatoriedade do registo ao lado do instituto do casamento e da relaccedilatildeo

puramente de facto serviria melhor os interesses de uma sociedade pluralista103 A A

diverge ainda da ideia imputada pelo A de representar uma discriminaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos

conviventes que optem pela natildeo inscriccedilatildeo por natildeo beneficiarem do regime de proteccedilatildeo da

uniatildeo de facto No seu entendimento eacute antes o reflexo do respeito pela escolha dos unidos

de manterem a sua uniatildeo verdadeiramente factual Remata a sua apreciaccedilatildeo afirmando que

o que vai contra o espiacuterito de liberdade que preside agrave uniatildeo de facto natildeo eacute a prestaccedilatildeo de

consentimento a uma relaccedilatildeo de facto por parte dos unidos mas antes a aplicaccedilatildeo automaacutetica

de um regime juriacutedico aos conviventes ainda que pouco densificado aditando que a

instituiccedilatildeo do registo obrigatoacuterio proporcionaria vaacuterias possibilidades que dependeriam da

real vontade dos interessados

101 Cfr MARTA COSTA ob cit p 396 102 Cfr MARTA COSTA ob cit p 397 103 Cfr MARTA COSTA ob cit p 398

37

52 Comparaccedilatildeo com o regime de outros ordenamentos juriacutedicos na Uniatildeo

Europeia

De forma a completar o raciociacutenio ateacute aqui apresentado cumpre agora uma sucinta

anaacutelise do regime juriacutedico da uniatildeo de facto em vigor em alguns ordenamentos juriacutedicos

europeus bem como outras figuras que advieram da jurisdicionalizaccedilatildeo da convivecircncia more

uxorio104 Assim importa primeiramente discorrer umas breves notas sobre o regime geral

previsto em cada um dos ordenamentos particularmente no que respeita agrave constituiccedilatildeo da

uniatildeo de facto aos seus efeitos e o seu regime de prova para que possamos posteriormente

expor as nossas conclusotildees e possiacutevel proposta de soluccedilatildeo

521 Espanha

Jaacute em 1986 EDUARDO ESTRADA ALONSO refletia sobre o conceito juriacutedico da uniatildeo

de facto em Espanha definindo o conceito de unioacuten extramatrimonial como uma

convivecircncia diaacuteria que eacute desenvolvida habitualmente pelos casamentos de forma estaacutevel e

duradoura sugerindo que o prazo miacutenimo deveria ser de cinco anos para que pudessem ser

consideradas pelo Direito Admite que essa convivecircncia natildeo seja necessariamente no sentido

da coabitaccedilatildeo mas no sentido de que haja pelo menos uma vontade de estar juntos a fim de

evitar que as separaccedilotildees temporaacuterias e involuntaacuterias ndash por motivos profissionais ndash impeccedilam

a produccedilatildeo dos efeitos juriacutedicos pretendidos por essas uniotildees Entende que eacute uma uniatildeo que

dispensa qualquer formalidade para ser constituiacuteda e que implica o cumprimento espontacircneo

sem obrigaccedilatildeo juriacutedica dos deveres conjugais por parte dos membros devendo ser uma

relaccedilatildeo monogacircmica onde haacute a manutenccedilatildeo de relaccedilotildees sexuais sem exigecircncia que

procriem105

Apesar de em Espanha natildeo se encontrar definido o conceito juriacutedico de famiacutelia nem

se as uniotildees de facto se enquadram nesse conceito o Tribunal Constitucional Espanhol tem

vindo a pronunciar-se sobre essa sua inclusatildeo ou natildeo no artigo 391 da Constituiccedilatildeo

Espanhola106 Em 1990 na sentenccedila nordm 1841990 de 15 de Novembro107 o TCE defendeu

104 Expressatildeo usada para caracterizar uma convivecircncia semelhante agrave do marido e mulher ou seja segundo os

costumes matrimoniais 105 Cfr EDUARDO ESTRADA ALONSO ob cit pp 52-73 106 1 Los poderes puacuteblicos aseguran la proteccioacuten social econoacutemica y juriacutedica de la familia Constituiccedilatildeo

Espanhola consultaacutevel em

httpswwwtribunalconstitucionalesestribunalnormativaNormativaCEportuguC3A9spdf 107 Sobre a importacircncia desta sentenccedila cfr JUAN FORNEacuteS ldquoMatrimonio y uniones de hechordquo Ius Canonicum

XL n ordm80 2000 p 404

38

que este tipo de convivecircncia natildeo encontrava previsatildeo no artigo 391 da Constituiccedilatildeo

Espanhola sugerindo que este artigo estava reservado agrave proteccedilatildeo da famiacutelia num ambiente

marital e pela existecircncia de filhos natildeo obstante as parejas de hecho poderem ser protegidas

constitucionalmente atraveacutes da mobilizaccedilatildeo do artigo 101 que postula o direito ao

desenvolvimento da personalidade108 Contrariamente o magistrado GIMENO SENDRA do

TCE sustentou num voto particular nessa sentenccedila a diferenciaccedilatildeo entre a famiacutelia e o

casamento afirmando que a constituiccedilatildeo espanhola previa duas situaccedilotildees distintas o artigo

391 consagrava a proteccedilatildeo da famiacutelia e o artigo 321109 previa a defesa do matrimoacutenio assim

protegendo o artigo 391 no solo a la famiacutelia como institucioacuten juriacutedica sino tambieacuten la

familia como realidad natural por lo que junto a la familia matrimonial tambieacuten han de

merecer proteccioacuten constitucional las denominadas uniones conyugales de hecho110 Em

1992 nesta mesma linha de pensamento na sentenccedila nordm 22292 de 11 de Dezembro o TCE

salientou que o artigo 39 da Constituiccedilatildeo Espanhola protege natildeo soacute a famiacutelia matrimonial

mas tambeacutem a natildeo matrimonial e assim as relaccedilotildees de convivecircncia constituiriam relaccedilotildees

familiares independentemente de terem filhos ou natildeo cabendo no acircmbito de incidecircncia

desse artigo Posteriormente em 28 de Fevereiro de 1994 na sentenccedila nordm 6694 o mesmo

tribunal voltou ao entendimento sufragado em 1990 defendendo a natildeo equivalecircncia entre

casamento e uniatildeo de facto para efeitos do artigo 39 Por fim este entendimento foi reiterado

na sentenccedila nordm 3998 de 17 de Fevereiro de 1998 e a 17 de Junho de 1999 com a sentenccedila

nordm 11699111 foi aceite a posiccedilatildeo defendida pela magistrado GIMENO SENDRA Assim

determinou o Tribunal Constitucional Espanhol que o artigo 391 natildeo identifica que a famiacutelia

que visa proteger eacute a que tem origem no casamento existindo outras modalidades de vida

familiar a par do casamento que refletem una sociedad plural Aleacutem da jurisprudecircncia

tambeacutem a doutrina tem divergido sobre a amplitude de aplicaccedilatildeo deste preceito

constitucional Atualmente o entendimento maioritaacuterio parece estar mais favoraacutevel agrave

inclusatildeo da convivecircncia more uxorio no artigo 391112

108 Tal como recorde-se eacute defendido em Portugal por alguns autores 109 1 El hombre y la mujer tienen derecho a contraer matrimonio con plena igualdad juriacutedica 110 Cfr MARTA COSTA ob cit p 111 111 Cfr JUAN FORNES ob cit p403 112 Cfr JOSEacute RAMOacuteN DE VERDA Y BEAMONTE ldquoLa Ley 52012 de 15 de octubre de uniones de hecho

formalizadas de la Comunidad Valencianardquo Rev boliv de derecho nordm 19 enero 2015 p 772 El precepto

habla de ldquofamiliardquo y no de ldquofamilia legiacutetimardquo (o ldquomatrimonialrdquo) por lo que la proteccioacuten que el precepto

otorga a la familia no debe identificarse necesariamente con la que tiene origen en el matrimonio el cual se

39

Ora diferentemente do que sucede em Portugal o legislador espanhol natildeo se

ocupou de regular de forma uniforme o regime da uniatildeo de facto113 Ao inveacutes as

comunidades autoacutenomas espanholas no acircmbito das suas competecircncia legislativas114

adotaram ainda que de forma distinta regras proacuteprias que regulam este tipo de convivecircncia

natildeo matrimonial Desde logo a maioria qualifica a convivecircncia more uxorio como relaccedilatildeo

familiar Pode ler-se na Ley Foral 62000 de 3 de julio da Comunidade Foral de Navarra

ora revogada115 no seu artigo 2 que ningueacutem pode ser discriminado em razatildeo do grupo

familiar de que faz parte quer seja proveniente de filiaccedilatildeo casamento ou uniatildeo de duas

pessoas que convivam em relaccedilatildeo afetiva semelhante independentemente da sua orientaccedilatildeo

sexual Esta disposiccedilatildeo foi reproduzida por leis de outras Comunidades como as Astuacuterias

Extremadura e Andaluzia116 Contrariamente outras comunidades como as Ilhas Baleares

natildeo as qualificam dessa forma No artigo 3 da Ley 182001 de 19 de diciembre prevecirc-se

que a formaccedilatildeo de uniatildeo de facto natildeo gere relaccedilatildeo de parentesco entre cada um de seus

membros e os familiares do outro Contudo na exposiccedilatildeo de motivos da dita lei eacute chamado

agrave colaccedilatildeo o artigo 391 da constituiccedilatildeo espanhola em nome da proteccedilatildeo social econoacutemica e

juriacutedica da famiacutelia indicando que essa norma natildeo visa proteger apenas um modelo de

famiacutelia sendo necessaacuterio fazer uma interpretaccedilatildeo ampliada desse conceito de acordo com a

realidade social A exposiccedilatildeo de motivos estabelece ainda que o artigo 32 ao prever o direito

de contrair matrimoacutenio tambeacutem prevecirc o direito a natildeo o fazer o que natildeo prejudica o direito

de todos os homens e mulheres de constituir por meio de uma uniatildeo efetiva e estaacutevel uma

comunhatildeo de vida que com ou sem filhos implique a constituiccedilatildeo de uma famiacutelia

regula en un precepto especiacutefico (art 32 CE) y en capiacutetulo diverso No mesmo sentido LUIS PEacuteREZ

FERNAacuteNDEZ ldquoLas Uniones Extramatrimoniales En Espantildea iquestEs Necesaria Su Regulacioacutenrdquo in Revista Juriacutedica

de Astuacuterias nordm 40 2017 p162 En nuestros diacuteas tanto matrimonio como la unioacuten extramatrimonial pueden

constituir una familia y estaacuten amparados por la misma proteccioacuten social econoacutemica y juriacutedica del artiacuteculo

391 de la Constitucioacuten espantildeola cuyo tenor literal establece laquoLos poderes puacuteblicos aseguran la proteccioacuten

social econoacutemica y juriacutedica de la familiaraquo 113 Ou concubinato parejas de hecho parejas cohabitantes uniones de hecho uniones libres convivencias

no matrimoniales matrimonios laquosin papelesraquo convivencias prenupciales () CfrGERARDO MEIL

LANDWERLIN ldquoLas uniones de hecho en Espantildeardquo Madrid Centro de Investigaciones Socioloacutegicas 2003 p

26 114 Cfr MARTA COSTA ob cit p 349 115 Lei original consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2000-16373 modificada e

atualizada pela Ley Foral 212019 de 4 de abril consultaacutevel em httpswwwboeeselies-

nclf2019040421 116 Respetivamente Ley 42002 de 23 de mayo de Parejas Estables Ley 52003 de 20 de marzo de parejas

de hecho de la Comunidad Autoacutenoma de Extremadura Ley 52002 de 16 de diciembre de Parejas de Hecho

40

Ademais assiste-se a uma coexistecircncia entre uniones extramatrimoniales

formalizadas e as puramente faacutecticas117 o que se reflete nos meios probatoacuterios No

ordenamento juriacutedico espanhol satildeo aceitaacuteveis todos os meios de prova que sejam admitidos

nos termos gerais do direito A exigecircncia da aparecircncia externa da convivecircncia entre unidos

de facto tem estreita relaccedilatildeo com a prova da mesma mostrando-se a jurisprudecircncia flexiacutevel

ao considerar suficientes para esse efeito as declaraccedilotildees dos conviventes ou seja a prova

testemunhal sem que documentos de caraacuteter administrativo a possam pocircr em causa As

disposiccedilotildees do acircmbito estatal natildeo precisam os requisitos pessoais nem as formas de

constituiccedilatildeo da uniatildeo de facto118 Jaacute no que toca ao direito regional prevalece a diversidade

havendo leis que admitem todos os meios de prova e outras que sendo mais restritivas

requerem o registo obrigatoacuterio Um exemplo de lei que admite qualquer meio de prova

admissiacutevel no direito eacute a Ley 42002 de 23 de mayo do principado das Astuacuterias119 A

Comunidade de Andaluzia prevecirc a possibilidade da declaraccedilatildeo de vontade de constituir uma

pareja de hecho mediante el otorgamiento de escritura puacuteblica o por cualquier otro medio

de prueba admisible en Derecho120 Jaacute comunidades como Extremadura121 Ilhas Baleares122

Cantaacutebria123 e Paiacutes Vasco124 exigem a inscriccedilatildeo das uniotildees de facto no registo para a sua

constituiccedilatildeo e por conseguinte como forma de provar a relaccedilatildeo Na comunidade de

Aragatildeo125 prevecirc-se a inscriccedilatildeo da relaccedilatildeo no registo administrativo podendo provar-se a

existecircncia da relaccedilatildeo se natildeo houver escritura puacuteblica por qualquer meio de prova admitido

no direito

117 Cfr NATALIA ALVAREZ LATA ldquoLas Parejas De Hecho Perspectiva Jurisprudencialrdquo Derecho Privado y

Constitucioacuten nordm 12 enero- diciembre 1998 p 15 118 Para mais desenvolvimentos no acircmbito de normas estatais cfr MARTA COSTA ob cit p 388 119 Art 3 n ordm3 La existencia de pareja estable o el transcurso del antildeo de convivencia podraacuten acreditarse

atraveacutes de cualquier medio de prueba admitido en Derecho

Consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2002-13017 120 Art 5 nordm 3 Consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2003-771 121 Art 4 da Ley 52003 de 20 de marzo consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-

2003-9450 122 Art1 nordm2 da Ley 182001 de 19 de diciembre consultaacutevel em

httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2002-917ampa=aamporden=conterefpost 123 Art 5 da Ley 12005 de 16 de mayo consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-2005-

9402 124 Art 3 e 4 da Ley 22003 de 7 de mayo consultaacutevel em httpswwwboeesbuscardocphpid=BOE-A-

2011-18545 125 Ley 61999 de 26 de marzo derrogada pelo Decreto Legislativo 12011 de 22 de marzo consultaacutevel em

httpswwwboeesbuscardocphpid=BOA-d-2011-90007

41

Apoacutes a anaacutelise das soluccedilotildees que as comunidades autoacutenomas apresentam eacute de notar

a diversidade de caminhos que sugerem e que satildeo desconhecidos ao direito portuguecircs pelo

menos para jaacute

522 Franccedila

Tal como sucede em Espanha o ordenamento juriacutedico francecircs natildeo contempla uma

definiccedilatildeo de famiacutelia nem em termos constitucionais nem no Code Civil ou Code de la

Familie Tradicionalmente a doutrina tem vindo a definir famiacutelia como o grupo de pessoas

que estatildeo ligados por laccedilos fundados essencialmente pelo casamento e parentesco126 As

relaccedilotildees de concubinage natildeo cabem em princiacutepio neste conceito127 Poreacutem atualmente a

natureza familiar dos laccedilos criados pelo PACS tem sido questionada e ao receber resposta

afirmativa por parte da jurisprudecircncia eacute possiacutevel perceber-se que estaacute em curso uma

modificaccedilatildeo no que respeita agrave noccedilatildeo de famiacutelia apresentando-se cada vez menos riacutegida128

No Tiacutetulo XII no Code Civil encontramos as duas figuras que ocuparatildeo agora a

nossa anaacutelise o pacte civil de solidariteacute e le concubinage129 Em primeiro lugar o artigo

515-2 define o PACS como o contrato celebrado por duas pessoas singulares maiores de

idade do mesmo sexo ou de sexo diferente para organizarem a sua vida em comum Le

concubinage eacute definido pelo artigo 515-8 como uma uniatildeo de facto caracterizada por uma

vida comum de estabilidade e continuidade entre duas pessoas de sexo diferente ou igual

que vivem como um casal130 Importa frisar que esta relaccedilatildeo deve dispor alguns elementos

constitutivos que a possam qualificar como tal131 Entre os elementos suscetiacuteveis de

126 Por sua vez o Institut National De La Stastistique et des Etudes Economiques define que une famille est la

partie dun meacutenage comprenant au moins deux personnes et constitueacutee soit dun couple vivant au sein du

meacutenage avec le cas eacutecheacuteant son ou ses enfant(s) appartenant au mecircme meacutenage soit dun adulte avec son ou

ses enfant(s) appartenant au mecircme meacutenage (famille monoparentale)

Pour quune personne soit enfant dune famille elle doit ecirctre ceacutelibataire et ne pas avoir de conjoint ou denfant

faisant partie du mecircme meacutenage Consultaacutevel em httpswwwinseefrfrmetadonneesdefinitionc1465 127 Cfr ALAIN BENABENT lsquorsquoDroit de la famillersquorsquo LGDJ 4ordm ed 2018 p15 128 Idem 129Consultaacutevel

emhttpswwwlegifrancegouvfrcodessection_lcLEGITEXT000006070721LEGISCTA000006118360

LEGISCTA000006118360 130 O que implica certas consequecircncias legais para os indiviacuteduos que escolheram esta forma de conjugalidade

em oposiccedilatildeo ao casamento Enquanto o casal surgido do casamento estaacute sujeito a um conjunto de regras que

formam um estatuto natildeo existe um estatuto de coabitaccedilatildeo mesmo que a coabitaccedilatildeo seja marcada pela adesatildeo

contiacutenua agraves regras aplicaacuteveis aos cocircnjuges JACQUELINE RUBELLIN-DEVICHI ldquoDroit de la famillerdquo Paris

Dalloz 2001 XXXVII p 373 131 Cfr GERARD GOLDSTEIN lsquorsquoLa cohabitation hors mariage en droit international priveacutersquorsquo in Recueil des Cours

ndash Collected Courses Of The Hague Academy Of Internation Law Tomo 320 Martinus Nijhoff Publishers

2006 p 95

42

caracterizar como concubinage haacute alguns que consoante o caso satildeo particularmente

necessaacuterios em detrimento de outros Le concubinage natildeo se baseia apenas em relaccedilotildees

estaacuteveis e contiacutenuas que envolvem uma comunhatildeo de vida com coabitaccedilatildeo Aleacutem de haver

uma comunhatildeo de casa eacute ainda necessaacuterio que haja uma comunhatildeo de leito ou seja que

exista a manutenccedilatildeo de relaccedilotildees sexuais tal como no nosso ordenamento juriacutedico Aleacutem do

mais eacute importante que seja puacuteblica isto eacute conhecida por terceiros132

Quanto ao regime legal do concubinage este eacute inexistente Os efeitos do casamento

natildeo satildeo aplicaacuteveis agrave relaccedilatildeo de uniatildeo de facto no ordenamento juriacutedico francecircs A situaccedilatildeo

vivenciada pelos conviventes difere da dos cocircnjuges tanto do ponto de vista patrimonial

como do ponto de vista extrapatrimonial nomeadamente no que respeita aos direitos e

deveres conjugais previstos nos artigos 212ordm a 226ordm Code Civil133 Estes natildeo satildeo extensiacuteveis

aos membros da uniatildeo de facto pois a sua comunhatildeo de vida assenta num facto e nunca num

dever Independentemente da duraccedilatildeo da relaccedilatildeo os membros da uniatildeo de facto permanecem

juridicamente estranhos um ao outro natildeo gerando qualquer estado civil nem a possibilidade

de adotarem o nome do outro A situaccedilatildeo de facto estaacute no acircmbito pessoal isenta de qualquer

tipo de regulamento especiacutefico sendo regulada essencialmente pelo direito comum

Possibilitando que a sua rutura seja mais simples podendo qualquer dos membros pocircr fim agrave

relaccedilatildeo a todo o momento134 No tocante a efeitos patrimoniais natildeo existem efeitos diretos

ligados agrave uniatildeo de facto e natildeo haacute norma semelhante ao artigo 220ordm Code Civil135

relativamente ao regime do concubinage responsabilizando solidariamente os membros

pelas diacutevidas do outro No acircmbito fiscal os unidos declaram os seus rendimentos

separadamente sendo considerados individualmente Ao contraacuterio do casamento natildeo haacute o

dever de assistecircncia entre os conviventes e a existir eacute inteiramente voluntaacuterio Como foi

dito sem ser o regime primaacuterio natildeo existe um regime entre os conviventes como existe no

132 Atualmente natildeo eacute necessaacuteria a diferenccedila de sexos para que se possa qualificar a relaccedilatildeo como concubinage

sendo considerado da mesma forma quer se trate de pessoas do mesmo sexo ou de sexo diferente art 515-8

do Code Civil Para mais desenvolvimentos quanto aos elementos caracterizadores cfr JACQUELINE

RUBELLIN-DEVICHI ob cit p 375 133 Cfr BRIGITTE HESS-FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HELENE HESS ldquoDroit de la famillerdquo

ParisSirey DL 2009 XII p89 134 Cfr JACQUELINE RUBELLIN-DEVICHI ob cit p 391 135 1ordf parte Chacun des eacutepoux a pouvoir pour passer seul les contrats qui ont pour objet lentretien du meacutenage

ou leacuteducation des enfants toute dette ainsi contracteacutee par lun oblige lautre solidairement Cfr JEAN

CARBONNIER ob cit p 671

43

casamento Surgindo assim a tentativa de desenvolver na Franccedila inspirada por outros

ordenamentos os contratos de coabitaccedilatildeo que devem reger apenas aspetos patrimoniais

Contudo surgiram duacutevidas sobre a validade deste tipo de contratos no acircmbito do

direito francecircs Consideradas individualmente as claacuteusulas relativamente a aspetos

patrimoniais poderiam ser consideradas vaacutelidas todavia analisando a sua dinacircmica em

conjunto poderia tornar o contrato iliacutecito por dar forccedila obrigatoacuteria a uma espeacutecie de

casamento privado violando o monopoacutelio do Estado em mateacuteria de casamento136 A

permissatildeo de existecircncia destes contratos eacute excecional visto que a partir de 1999 os membros

da uniatildeo de facto puderam convencionar a sua relaccedilatildeo como entendiam atraveacutes do Pacto

Civil de Solidariedade

A prova do concubinage pode ser feita pelos membros ou por terceiros

Contrariamente ao que acontece no casamento em que os cocircnjuges podem facilmente provar

o seu estado civil atraveacutes da sua certidatildeo de casamento lavrada oficialmente pelo funcionaacuterio

do registo civil os conviventes natildeo dispotildeem de nenhuma prova preacute-constituiacuteda No entanto

por se tratar de um facto juriacutedico pode ser provado por qualquer meio de prova admissiacutevel

pelo direito nos termos gerais designadamente atraveacutes de certificados documentos

declaraccedilotildees de honra e ainda com o recurso agrave prova testemunhal137 A sua prova natildeo gera

em princiacutepio grande dificuldade para os membros dado que os organismos que exigem a

prova dessa convivecircncia impotildeem requisitos razoaacuteveis Caso diferente eacute a prova da

convivecircncia por terceiros que podem ver essa possibilidade limitada pelo direito agrave vida

privada do convivente por forccedila dos artigos 9 do Code Civil138 e 8ordm da CEDH139

O pacte civil de solidariteacute conhecido como PACS foi criado a 15 de novembro de

1999 pela lei nordm 99-944 contudo o atual conteuacutedo e estrutura do PACS natildeo eacute o que foi

inicialmente previsto pela referida lei devido agrave grande reforma que sofreu em 2006140 A

criaccedilatildeo deste instituto deveu-se essencialmente agrave necessidade dos casais do mesmo sexo

obterem reconhecimento puacuteblico da sua relaccedilatildeo visto que em 1999 soacute os casais

136 Cfr JEAN CARBONNIER ob cit p681 137 Cfr JACQUELINE RUBELLIN-DEVICHI ob cit p 389 MARTA COSTA ob cit p 390 BRIGITTE HESS-

FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HELENE HESS ob cit p 91 JEAN CARBONNIER ob cit

p775 138 Art 9 do Code Civil 1ordf parte Chacun a droit au respect de sa vie priveacutee 139 Cfr JACQUELINE RUBELLIN-DEVICHI ob cit p 387 MARTA COSTA ob cit p 390 140 Cfr ALBANA METAJ - STOJANOVA ldquoFrench Civil Partnership Contract (Pacs)rdquo South East European

University Vol 14 n ordm1 2019 p 136

44

heterossexuais poderiam optar pelo casamento ou pelo concubinage restando aos casais

homossexuais a uacuteltima alternativa141 Aleacutem disto o PACS veio igualmente satisfazer as

necessidades dos casais heterossexuais que pretendiam regular contratualmente a sua

relaccedilatildeo mas sem formalismo na sua constituiccedilatildeo permitindo-lhes organizar a sua vida

conjunta ndash podendo tratar-se por vezes de um ldquoensaiordquo para um futuro casamento ndash e em

caso de dissoluccedilatildeo evitar os procedimentos inerentes ao divoacutercio que podem ser longos e

dispendiosos142

Este instituto natildeo deve ser confundido nem com o casamento nem com o

concubinage143 O PACS tem bastante adesatildeo144 precisamente por se diferenciar do

casamento em alguns aspetos embora apresentem vaacuterias semelhanccedilas contratualmente o

primeiro natildeo se coaduna com a regulaccedilatildeo da vida familiar e dos filhos apenas a vida do

casal

141 Apenas a 17 de maio de 2013 com a lei 2013-404 foi garantida a possibilidade do casamento entre pessoas

do mesmo sexo 142 Cfr BRIGITTE HESS-FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HELENE HESS ob cit p78 143 Neste sentido sobre as diferenccedilas entre cada um destes trecircs regimes em concreto sobre a diferenccedila de

tratamento para atribuiccedilatildeo de pensatildeo de sobrevivecircncia vide Decisatildeo nordm 2011-155 QPC do Conseil

Constitutionnel de 29-07-2011 5 Consideacuterant en premier lieu que le concubinage est deacutefini par le seul

article 515-8 du code civil comme laquo une union de fait caracteacuteriseacutee par une vie commune preacutesentant un

caractegravere de stabiliteacute et de continuiteacute entre deux personnes de sexe diffeacuterent ou de mecircme sexe qui vivent en

couple raquo quagrave la diffeacuterence des eacutepoux les concubins ne sont leacutegalement tenus agrave aucune solidariteacute financiegravere

agrave leacutegard des tiers ni agrave aucune obligation reacuteciproque 6 Consideacuterant en deuxiegraveme lieu quen vertu de larticle

515-4 du code civil les partenaires lieacutes par un pacte civil de solidariteacute laquo sengagent agrave une vie commune ainsi

quagrave une aide mateacuterielle et une assistance reacuteciproques raquo que laquo si les partenaires nen disposent autrement

laide mateacuterielle est proportionnelle agrave leurs faculteacutes respectives raquo quen outre ils sont laquo tenus solidairement

agrave leacutegard des tiers des dettes contracteacutees par lun deux pour les besoins de la vie courante raquo quainsi

contrairement aux personnes vivant en concubinage les partenaires sont assujettis agrave des obligations

financiegraveres reacuteciproques et agrave leacutegard des tiers que toutefois les dispositions du code civil ne confegraverent aucune

compensation pour perte de revenus en cas de cessation du pacte civil de solidariteacute au profit de lun des

partenaires ni aucune vocation successorale au survivant en cas de deacutecegraves dun partenaire 7Consideacuterant en

troisiegraveme lieu que le reacutegime du mariage a pour objet non seulement dorganiser les obligations personnelles

mateacuterielles et patrimoniales des eacutepoux pendant la dureacutee de leur union mais eacutegalement dassurer la protection

de la famille que ce reacutegime assure aussi une protection en cas de dissolution du mariage 8 Consideacuterant

par suite que le leacutegislateur a dans lexercice de la compeacutetence que lui reconnaicirct larticle 34 de la Constitution

deacutefini trois reacutegimes de vie de couple qui soumettent les personnes agrave des droits et obligations diffeacuterents que la

diffeacuterence de traitement quant au beacuteneacutefice de la pension de reacuteversion entre les couples marieacutes et ceux qui

vivent en concubinage ou sont unis par un pacte civil de solidariteacute ne meacuteconnaicirct pas le principe deacutegaliteacute

Consultaacutevel em httpswwwconseil-constitutionnelfrdecision20112011155QPChtm 144 Para anaacutelise de alguns dados estatiacutesticos relativamente agrave evoluccedilatildeo do nuacutemero de PACS registados entre

2000 e 2007 Cfr BRIGITTE HESS-FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HEacuteLEgraveNE HESS ob cit

p78 Consultar httpswwwinseefrfrstatistiques2381498 para anaacutelise do nuacutemero de casamentos e PACS

em relaccedilotildees heterossexuais entre 1990 e 2019 sendo de realccedilar que em 2018 o nuacutemero de casamentos e de

PACS foi muito semelhante verificando-se uma diferenccedila de 28 mil casamentos em relaccedilatildeo aos PACS

Relativamente agraves relaccedilotildees homossexuais a diferenccedila eacute ainda menor sendo os dados quase equivalentes

45

Deve ainda obedecer a vaacuterias regras para a sua formaccedilatildeo Soacute pode ser celebrado

entre pessoas maiores de idade que natildeo sejam parentes em linha reta ou colateral ateacute ao

terceiro grau e que natildeo estejam casadas ou tenham celebrado PACS com outra pessoa145 A

sua celebraccedilatildeo deve cumprir as regras do direito comum contratual e natildeo deve ser contraacuterio

agrave ordem puacuteblica A forma sob a qual o acordo deve ser redigido eacute livre porque o artigo 515-

3 do Code Civil natildeo especifica a sua forma e os parceiros podem redigir eles proacuteprios ou

optar que a redaccedilatildeo seja feita por um notaacuterio Por conseguinte os parceiros satildeo livres de

escolher a forma do PACS podendo o acordo ser um ato autecircntico ou um ato privado

Terminada a redaccedilatildeo do acordo os parceiros devem fazer uma declaraccedilatildeo conjunta do

acordo devendo o notaacuterio do registo civil registar o pacto depois de verificar as condiccedilotildees

necessaacuterias para a conclusatildeo do acordo e mandar executar as formalidades de publicaccedilatildeo

previstas no artigo 515-3 Code Civil permitindo que seja oponiacutevel a terceiros Apoacutes a sua

vaacutelida formaccedilatildeo o PACS estaacute em condiccedilotildees de produzir efeitos na vida dos parceiros no

acircmbito pessoal146 e patrimonial regidos pelas disposiccedilotildees dos artigos 515-4 a 515-5-3 do

Code Civil147 Por uacuteltimo a dissoluccedilatildeo do PACS eacute muito mais simples do que a dissoluccedilatildeo

de casamento uma vez que existem apenas quatro situaccedilotildees cada uma das quais com um

procedimento para a dissoluccedilatildeo do mesmo tais como a rutura unilateral a rutura de comum

acordo por casamento dos membros ou de um deles e a morte de um dos membros Os

procedimentos que devem seguir cada uma destas circunstacircncias estatildeo previstos no artigo

515-7 do Code Civil

Sem embargo de todas as condiccedilotildees de forma que o PACS estaacute sujeito haacute algumas

incoerecircncias quanto ao seu regime de prova por terceiros148 Depois do registo do acordo eacute

entregue aos pactuantes um atestado de inscriccedilatildeo em que constam os seus nomes data e

lugar de nascimento e a data do registo do pacto natildeo sendo conservadas pelo notaacuterio as

convenccedilotildees que satildeo exibidas para serem assinadas e para ser verificadas as condiccedilotildees de

validade do acordo Porquanto se um terceiro quiser ter acesso ao conteuacutedo de um PACS

apenas poderaacute fazecirc-lo se pedir aos proacuteprios pactuantes salvaguardando assim o direito agrave

reserva da vida privada dos parceiros

145 Sob pena de nulidade art 515-2 Code Civil 146 Assentam essencialmente no compromisso de viverem em comunhatildeo de vida e de fornecerem ajuda e

assistecircncia muacutetua 147 Cfr BRIGITTE HESS-FALLONANNE-MARIE SIMON com colaboraccedilatildeo de HEacuteLEgraveNE HESS ob cit p 85 148 Cfr MARTA COSTA ob cit p 390

46

53 O Acoacuterdatildeo do STJ de 22 de Marccedilo de 2018 processo

nordm6380169T8CBRC1 S1

Decidimos analisar este Acoacuterdatildeo por entendermos que representa de forma clara os

problemas que a prova da coabitaccedilatildeo causa Demonstrando que natildeo eacute uma questatildeo unacircnime

na jurisprudecircncia pois eacute objeto de decisotildees diacutespares natildeo deixando de ser bem

fundamentadas Em causa estaacute uma accedilatildeo em processo comum que tem como Autor o

Instituto da Seguranccedila Social nomeadamente o Centro Nacional de Pensotildees e como Reacute

quem alega ter mantido uma relaccedilatildeo de uniatildeo de facto com o beneficiaacuterio dessa pensatildeo ateacute

agrave data da morte deste Antes de mais urge atentar brevemente aos factos dados como

provados relevantes para a presente anaacutelise

A Reacute encetou um relacionamento amoroso com o falecido em 1991 passando a ter

relaccedilotildees sexuais e a fazer as refeiccedilotildees com o de cujos na casa onde este vivia Em 1996 a

Reacute passou a pernoitar na casa do de cujos de onde se ausentava nos fins de semana em que

a filha do beneficiaacuterio o visitava duas vezes por mecircs ou quando existia uma discussatildeo entre

o casal Manteve o arrendamento da sua casa para onde ia quando uma destas circunstacircncias

ocorriam suportando os encargos inerentes a esta manutenccedilatildeo Os sujeitos dividiam entre si

as despesas do supermercado e a Reacute acompanhava o beneficiaacuterio agraves consultas e agraves urgecircncias

do hospital sempre que necessaacuterio Na sequecircncia da morte do beneficiaacuterio a 14 de julho de

2015 a Reacute requereu a atribuiccedilatildeo das pensotildees devidas pela morte do mesmo invocando a sua

qualidade de unida de facto por ter vivido com o de cujos em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos

cocircnjuges desde 17 de Agosto de 1991 ateacute agrave sua morte Como prova da qualidade de unida

de facto apresentou atestado emitido pela Junta de Freguesia que certificava que esta residia

em comunhatildeo de mesa e habitaccedilatildeo com o beneficiaacuterio desde 1991 ateacute agrave data da sua morte

documentos exigidos pelo artigo 2ordm-A nordm 4 da LUF Contudo a filha do de cujos informou

o CNP de que a alegaccedilatildeo da Reacute natildeo era verdadeira pois esta sempre residiu em habitaccedilatildeo

distinta do beneficiaacuterio

Note-se que a demonstraccedilatildeo dos factos pressupostos para a relevacircncia juriacutedica da

uniatildeo de facto foi facilitada relativamente ao acesso agraves prestaccedilotildees do Estado no caso de

morte devido agrave possibilidade que eacute dada aos pretensos beneficiaacuterios de determinados

direitos (nomeadamente interessados que pretendam beneficiar dos efeitos previstos na lei

em face dos herdeiros do falecido artigo 2020ordm CCiv do senhorio artigo 1105ordm e 1106ordm

47

CCiv das entidades responsaacuteveis pelo pagamento das prestaccedilotildees por morte artigo 6ordm nordm 2

da LUF) No que respeita ao acesso agraves prestaccedilotildees sociais em caso de morte o artigo 6ordm nordm2

da LUF prevecirc a possibilidade da entidade responsaacutevel pelo pagamento das prestaccedilotildees

previstas nas aliacuteneas e) f) g) do artigo 3ordm caso entenda que existem fundadas duacutevidas sobre

a existecircncia da uniatildeo de facto poder solicitar meios de prova complementares149 e se na

sequecircncia dessas diligecircncias subsistirem duacutevidas a entidade deve promover a competente

accedilatildeo judicial com vista agrave sua comprovaccedilatildeo Foi o que sucedeu no caso em apreccedilo tendo a

entidade responsaacutevel pelo pagamento das prestaccedilotildees sociais por morte - tratando-se do

Instituto da Seguranccedila Social nomeadamente o Centro Nacional de Pensotildees no caso que

estamos a analisar- proposto a competente accedilatildeo judicial150

No seguimento da interposiccedilatildeo desta accedilatildeo pelo ISS a Reacute respondeu afirmando que

durante 24 anos viveu em comunhatildeo de mesa cama e casa com o de cujos e alegou que natildeo

se desfez da sua casa por uma questatildeo de precauccedilatildeo O Tribunal da 1ordf instacircncia julgou a accedilatildeo

parcialmente procedente e julgou natildeo reconhecida a vivecircncia em situaccedilatildeo de uniatildeo de facto

entre a Reacute e o beneficiaacuterio A Reacute recorreu para o Tribunal da Relaccedilatildeo que a 2 de novembro

149 Designadamente declaraccedilatildeo emitida pela Autoridade Tributaacuteria e Aduaneira ou pelo Instituto dos Registos

e do Notariado I P onde se ateste que agrave data da morte os membros da uniatildeo de facto tinham domiciacutelio fiscal

comum haacute mais de dois anos ndash art 6ordm nordm 2 da LUF 150 No entender de RITA XAVIER ldquoA Uniatildeo de Facto e a Lei Civil no Ensino de Francisco Manuel Pereira

Coelho e Legislaccedilatildeo Atualrdquo ob cit p 685 deveraacute tratar-se de uma accedilatildeo de simples apreciaccedilatildeo negativa

(prevista no art 10ordm nordm 3 al a) CPC) que visa declarar que determinada pessoa natildeo beneficia ou natildeo tem um

certo direito E embora o oacutenus de propositura da accedilatildeo recaia sobre a entidade responsaacutevel pelo pagamento das

prestaccedilotildees sociais compete ao membro sobrevivo da uniatildeo de facto a prova dos factos constitutivos do seu

direito Vide Art 343ordm n ordm1 CCiv 1 Nas accedilotildees de simples apreciaccedilatildeo ou declaraccedilatildeo negativa compete ao

reacuteu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga E ainda a este propoacutesito vide Acoacuterdatildeo Tribunal

da Relaccedilatildeo de Coimbra de 16102012 proferido no acircmbito do processo nordm 50091TBALDC1 A accedilatildeo

declarativa de simples apreciaccedilatildeo negativa - ou seja uma accedilatildeo pela qual se procura ldquohellip obter unicamente a

declaraccedilatildeo da hellip inexistecircncia de um direito ou de um factordquo (artigo 4ordm nordm 2 al a) do CPC) - destina-se desde

logo a definir uma situaccedilatildeo juriacutedica tornada incerta - o demandante pretende reagir contra uma situaccedilatildeo de

incerteza que o impede de auferir todas as vantagens normalmente proporcionadas pela relaccedilatildeo juriacutedica

material que lhe causa um dano patrimonial ou moral apreciaacutevel (hellip) A causa de pedir nas accedilotildees de simples

apreciaccedilatildeo negativa consubstancia-se na inexistecircncia do direito e nos factos materiais pretensamente

cometidos pelo demandado que determinaram o estado de incerteza Em sentido inverso mais recentemente

vide o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 24-04-2019 proferido no acircmbito do processo

12025160T8LRSL1-2 (hellip) trata-se de uma acccedilatildeo proposta pelo ISS a pedir que o requerente comprove no

processo a existecircncia da situaccedilatildeo juriacutedica que se arroga O ISS natildeo nega que a uniatildeo de facto tenha existido

diz que tem duacutevidas sobre a sua existecircncia e por isso pede que o requerente seja chamado a comprovar a

existecircncia da situaccedilatildeo juriacutedica em causa Assim trata-se de uma acccedilatildeo de simples apreciaccedilatildeo positiva sui

generis em que a lei atribui ao reacuteu que se arrogou o direito em causa o oacutenus da prova dos factos constitutivos

dele embora natildeo negado pelo Autor O ISS natildeo deve no desenho da lei intentar a acccedilatildeo declarativa para se

declarar a inexistecircncia de uma situaccedilatildeo juriacutedica (o que o ISS natildeo alega nem nega pois que apenas tem

duacutevidas) mas sim para que o reacuteu comprove a existecircncia da situaccedilatildeo juriacutedica a que se arroga Se o reacuteu

conseguir provar os factos necessaacuterios a situaccedilatildeo juriacutedica eacute declarada existente caso contraacuterio natildeo o eacute

48

de 2017 revogou a sentenccedila recorrida e declarou improcedente a accedilatildeo do CNP reconhecendo

a convivecircncia de 24 anos como uma situaccedilatildeo uniatildeo de facto

Por sua vez o ISS interpocircs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiccedila

Nas suas alegaccedilotildees demonstrou a discordacircncia com a decisatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo por

entender que a tese do Tribunal de1ordf Instacircncia que defendia que o relacionamento da Reacute e

do de cujos natildeo revestia as caracteriacutesticas que o tornavam anaacutelogo ao dos cocircnjuges seria a

correta Defendem que apesar da Reacute e o de cujos terem mantido relaccedilotildees sexuais e esta

pernoitasse quase sempre na casa do mesmo ela mantinha a sua casa onde dormia

pontualmente e onde guardava os seus pertences o que indicava que natildeo sentia a morada

comum como sua Ademais embora fizessem refeiccedilotildees em comum natildeo havia comunhatildeo

patrimonial jaacute que as compras eram custeadas de forma alternada por um ou por outro e era

feita uma separaccedilatildeo bem definida das despesas inerentes a cada uma das casas

Na 2ordf Instacircncia o Tribunal da Relaccedilatildeo entendeu que natildeo era imprescindiacutevel que a

relaccedilatildeo de uniatildeo de facto natildeo fosse interrompida pela saiacuteda de um dos membros da morada

em comum quando ocorram desentendimentos ou discussotildees dado que esta circunstacircncia

tambeacutem se verifica no casamento podendo levar agrave interrupccedilatildeo esporaacutedica da comunhatildeo que

eacute proacutepria desse instituto e natildeo eacute por isso que se pode dizer que a comunhatildeo de habitaccedilatildeo fica

descaracterizada151 Na sua tese o tribunal referido defende tambeacutem que o facto de a Reacute ter

mantido a sua casa por querer manter a propriedade daquele imoacutevel por motivos que soacute a ela

dizem respeito - o que leva a que seja da sua responsabilidade suportar os encargos que dela

advenham - natildeo seria suficiente para colocar em causa a residecircncia em comum com o

falecido Para enfatizar a tese de que a morada comum dos sujeitos seria o imoacutevel em que

os dois viviam o tribunal realccedila o facto do Autor ter citado a Reacute nessa morada para a accedilatildeo

em causa O tribunal considera que a comunhatildeo de mesa leito e habitaccedilatildeo eacute o que define a

151 Veja-se a tiacutetulo de exemplo mutatis mutandis o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 24042019

no acircmbito do processo 12025160T8LRSL1-2 que jaacute se teve a oportunidade de mencionar Para que se possa

dizer que cessou a uniatildeo de facto natildeo basta constatar a existecircncia de uma separaccedilatildeo de facto Tem que se

provar tambeacutem que existe da parte de pelo menos um dos unidos de facto o propoacutesito de natildeo a restabelecer

E por isso embora o facto de os unidos de facto deixarem de dormir na mesma casa comerem agrave mesma mesa

e viver debaixo do mesmo tecto aponte para a falta de comunhatildeo de vida tal natildeo basta para se poder concluir

pela cessaccedilatildeo da uniatildeo de facto devendo fazer-se ainda a prova do elemento subjectivo da vontade de pelo

menos um deles romper com a uniatildeo de facto (de forma directa ou atraveacutes de um conjunto suficientemente

significativo de circunstacircncias objectivas que apontem nesse sentido isto eacute que o permitam afirmar com base

numa presunccedilatildeo natural ou judicial) Indo ainda mais longe na decisatildeo ao referir que se considera que a

sentenccedila teve razatildeo em considerar irrelevante o periacuteodo de separaccedilatildeo de 3 meses entre a reacute e o beneficiaacuterio

(hellip)

49

convivecircncia anaacuteloga agrave dos cocircnjuges exigida pelo artigo 1ordm nordm 2 da LUF E que encontrando-

se demonstrado que a Reacute encetou desde 1991 ateacute ao falecimento do beneficiaacuterio um

relacionamento onde mantinham relaccedilotildees sexuais faziam refeiccedilotildees conjuntas com amigos e

familiares na morada comum pagavam alternadamente as despesas com alimentaccedilatildeo e

ainda havia o acompanhamento do falecido pela Reacute a consultas meacutedicas e atendimento nas

urgecircncias mostram-se suficientemente comprovados os requisitos da declaraccedilatildeo de uniatildeo

de facto que se tem por estabelecida durante o todo esse lapso temporal

Estamos aqui perante duas decisotildees distintas e cada uma delas fundamenta a sua

decisatildeo com argumentos vaacutelidos e plausiacuteveis o que reflete uma vez mais a dificuldade

imanente a esta questatildeo Estaacute em causa uma relaccedilatildeo de convivecircncia e auxiacutelio de 24 anos que

devido aos requisitos que se exige que sejam comprovados ou por questotildees que natildeo se

colocariam se do instituto do casamento se tratasse se vecirc posta em causa a atribuiccedilatildeo de uma

pensatildeo de sobrevivecircncia por natildeo se conseguir provar a qualidade de unida de facto pela Reacute

A situaccedilatildeo sub judice eacute cada vez mais frequente nos tempos que correm Vaacuterios sujeitos que

pelo facto de serem divorciados ou viuacutevos refazem a sua vida ao lado de outra pessoa sem

assumir o compromisso do casamento Por natildeo quererem ou por natildeo lhes convir como eacute o

exemplo dos viuacutevos que recebam pensatildeo de sobrevivecircncia e se voltarem a casar perdem o

direito a esse benefiacutecio Ou ateacute por questotildees de praticidade por natildeo quererem estar sujeitos

a um regime que impotildee diversas consequecircncias como eacute o instituto do casamento Eacute neste

tipo de situaccedilotildees que se deve pensar quando se pretende equiparar a uniatildeo de facto ao

instituto do casamento Haacute efetivamente quem natildeo queira ser abrangido por uma

regulamentaccedilatildeo tatildeo ampla e o que para uns podem ser consideradas desvantagens no que

respeita ao regime mais liberal da uniatildeo de facto para outros podem ser as vantagens que

pesam na escolha deste regime como modo de vida em conjunto

Resta finalmente aludir agrave efetiva decisatildeo do STJ Tendo por base o Acoacuterdatildeo do

STJ de 9-07-2014152 que refere que se deve pensar na vivecircncia de dois cocircnjuges em situaccedilatildeo

de normalidade ou vulgaridade inseridos na cultura a que pertencemos e eacute aiacute que se haacute-de

encontrar o preenchimento do conceito de laquocondiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjugesraquo decide

que o quadro factual que estaacute em causa na situaccedilatildeo em anaacutelise natildeo eacute suficiente para dar como

152 Processo nordm 3076111TBLLEE1 S1 Consultaacutevel em

httpwwwdgsiptjstjnsf954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa8140b2f2587cb42fbd180257d16005402d4Op

enDocument

50

provada a existecircncia entre a Reacute e o de cujos de uma convivecircncia em economia comum

Considerando que essa convivecircncia se caracteriza pela situaccedilatildeo de pessoas que vivam em

comunhatildeo de mesa e habitaccedilatildeo com base num lar em sentido familiar moral e social e com

base numa economia domeacutestica em comum e pelo facto de a Reacute pernoitar na casa do falecido

mas manter sempre a sua casa onde conservou os seus pertences e objetos demonstrava que

esta natildeo sentia a casa do beneficiaacuterio como sua E ainda que a Reacute natildeo provou como lhe

competia por forccedila do artigo 342ordm nordm 1 do CCiv que faziam toda a vida de casal na casa do

de cujos e que manteve a sua casa arrendada para acautelar a possibilidade da filha do

beneficiaacuterio quisesse voltar a viver na casa do mesmo Aleacutem disso a Reacute natildeo conseguiu

provar que o beneficiaacuterio pernoitava na sua casa e que a esta tambeacutem servia para os amigos

ficarem a dormir O STJ conclui que natildeo obstante partilhassem refeiccedilotildees na casa do de

cujos natildeo se via que existisse uma economia domeacutestica em comum Caracteriacutestica que estaacute

intrinsecamente ligada ao modo de vida dos cocircnjuges existindo nesta situaccedilatildeo economias

separadas por serem custeadas alternadamente as despesas de supermercado e por cada um

se responsabilizar pelos gastos de cada casa Desta feita concluiu que natildeo se verificava a

vivecircncia em economia comum necessaacuteria para que se considerasse a situaccedilatildeo como uma

uniatildeo de facto como invocou a Reacute revogando o acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo e mantendo

a sentenccedila proferida pelo Tribunal de 1ordf Instacircncia que julgou natildeo reconhecida a vivecircncia em

situaccedilatildeo de uniatildeo de facto entre a Reacute e o beneficiaacuterio falecido agrave data da sua morte

Para terminar importa dizer que tendemos a concordar com a decisatildeo do Tribunal

da Relaccedilatildeo Note-se que estatildeo em causa 24 anos de convivecircncia em comum e auxiacutelio muacutetuo

que implicava a manutenccedilatildeo de relaccedilotildees sexuais de refeiccedilotildees conjuntas de suporte a niacutevel

de acompanhamento meacutedico e natildeo menos importante a companhia inerente agrave convivecircncia

que em idades mais avanccediladas pode ser um fator relevante para manterem entre si um

relacionamento Natildeo se devendo esquecer conforme mencionam os factos comprovados

que a filha do de cujos em 1996 foi trabalhar e viver para outra cidade ficando longe do pai

e visitando-o apenas duas vezes por mecircs ao fim-de-semana Tal significava que o auxiacutelio

que o de cujos necessitava nomeadamente nos acompanhamentos a consultas meacutedicas e

mesmo agraves urgecircncias se assim fosse necessaacuterio era dado pela Reacute Gerando menos

preocupaccedilotildees e encargos agrave filha do beneficiaacuterio falecido conseguindo manter a sua

normalidade e rotina se uma destas circunstacircncias ocorressem pois sabia que o seu pai estava

51

a ser apoiado pela Reacute que despendia do seu tempo para lhe fornecer cuidados e auxiacutelio

sempre que necessaacuterio

Ora eacute necessaacuterio refletir que a convivecircncia e coabitaccedilatildeo de duas pessoas em

situaccedilotildees destas pode ir para aleacutem da vivecircncia em economia comum Pode verificar-se no

caso em apreccedilo o cumprimento dos deveres de coabitaccedilatildeo cooperaccedilatildeo e assistecircncia inerentes

aos deveres conjugais previstos no artigo 1672ordm CCiv Poreacutem apesar de natildeo se verificar

uma verdadeira vivecircncia em economia comum que o STJ considera como caracteriacutestica do

modo de vida proacuteprio dos cocircnjuges por haver uma separaccedilatildeo bem definida das despesas

alimentares bem como dos encargos resultantes das casas de cada um verificam-se outras

caracteriacutesticas presentes no modo de vida proacuteprio dos cocircnjuges que tambeacutem relevam e natildeo

devem ser desconsideradas Devemos ter em conta que pode ter sido opccedilatildeo dos sujeitos viver

com economias separadas o que natildeo invalida que a sua situaccedilatildeo seja qualificada como uniatildeo

de facto em virtude de natildeo haver nenhuma norma na LUF que imponha qualquer tipo de

obrigaccedilatildeo aos unidos no que respeita a fazerem economias conjuntas

No que concerne agrave manutenccedilatildeo por parte da Reacute de outra casa e de laacute pernoitar

pontualmente cremos que natildeo eacute suficiente para pocircr em causa a verificaccedilatildeo da qualificaccedilatildeo

da relaccedilatildeo como uniatildeo de facto A ocorrecircncia da interrupccedilatildeo momentacircnea da coabitaccedilatildeo natildeo

eacute razatildeo para que natildeo se possa considerar a relaccedilatildeo convivencial entre duas pessoas como tal

Entre os cocircnjuges tambeacutem podem ocorrer situaccedilotildees que interrompam a sua coabitaccedilatildeo e

indo mais longe devemos recordar as situaccedilotildees em que cocircnjuges por motivos profissionais

veem a sua convivecircncia interrompida eg durante a semana e soacute estatildeo juntos ao fim-de-

semana devido agrave deslocaccedilatildeo de um deles para outra cidade153 Natildeo sendo mesmo assim

posta a sua convivecircncia em causa por forccedila do artigo 1673ordm CCiv que prevecirc esta

possibilidade Acontecendo o mesmo com membros da uniatildeo de facto deveraacute colocar-se a

sua convivecircncia em crise Seraacute a uniatildeo de facto uma simples comunhatildeo de casa Ou por

outro lado uma comunhatildeo de vida Com tudo o que isso implique para os sujeitos que

formam a relaccedilatildeo que se devem reger por criteacuterios subjetivos nessa mateacuteria

De forma a enfatizar o facto de existirem cada vez mais formas de organizaccedilatildeo

familiar e de se notar uma modernizaccedilatildeo constante nesta mateacuteria vale a pena referirmos que

existe tambeacutem uma forma de organizaccedilatildeo da vida em comum a par da uniatildeo de facto e a

153 Cfr neste sentido MARIA MARGARIDA PEREIRA ob cit p 650

52

uniatildeo conjugal que se designa de uniatildeo sem comunhatildeo154 Esta uniatildeo acontece quando as

partes decidem residir em locais distintos sem abdicarem de outros elementos que formam

um casal como a manutenccedilatildeo de relaccedilotildees sexuais a fidelidade e a entreajuda Pretendem

levar uma vida a dois no entanto natildeo querem residir no mesmo local Eacute uma forma de

organizaccedilatildeo da vida em comum que natildeo eacute mencionada pelo legislador que natildeo conjeturou

um caminho que estivesse entre o tudo e o nada155 uma vez que regula o casamento a uniatildeo

de facto o divoacutercio e a separaccedilatildeo O facto de natildeo haver comunhatildeo de habitaccedilatildeo neste tipo

de relaccedilotildees natildeo permite que se fale na hipoacutetese de ser considerada uniatildeo de facto Todavia

o que estaacute aqui em causa natildeo eacute a interrupccedilatildeo esporaacutedica ou pontual da coabitaccedilatildeo como

acontece no caso que temos vindo a analisar Mas antes a existecircncia de duas residecircncias

distintas natildeo havendo uma coabitaccedilatildeo entre o casal por escolha dos proacuteprios preferindo

uma organizaccedilatildeo da sua vida em comum de forma separada no que respeita agrave coabitaccedilatildeo

mantendo todos os outros elementos que relevam para a sua consideraccedilatildeo como um casal

Tudo isto para dizer que estamos perante uma eacutepoca onde o pluralismo jusfamiliar eacute uma

realidade e que talvez seja necessaacuteria uma atualizaccedilatildeo legislativa que acompanhe os tempos

que vivemos no tocante a estas mateacuterias156157

54 Soluccedilatildeo proposta

Aqui chegados e depois de analisar as soluccedilotildees que vigoram noutros ordenamentos

juriacutedicos eacute importante aventar a soluccedilatildeo que cremos que melhor resolveraacute os problemas que

o atual regime juriacutedico da uniatildeo facto levanta

Jaacute haviacuteamos proposto supra a densificaccedilatildeo do atual regime legal da uniatildeo de facto

com objetivo de assegurar uma maior proteccedilatildeo dos membros natildeo obstante o respeito da

vontade das partes de se submeter ou natildeo a tais consequecircncias juriacutedicas visto que natildeo se

trataria portanto de um regime imperativo automaticamente aplicaacutevel a quem opte por

conviver em condiccedilotildees anaacutelogas agraves dos cocircnjuges

154 LAT (Living Apart Together) Cfr JORGE DUARTE PINHEIRO ob cit p 558 155 Cfr JORGE DUARTE PINHEIRO ob cit p 558 156 Idem 157 JORGE DUARTE PINHEIRO termina o ponto dedicado a esta mateacuteria questionando o que impede a receccedilatildeo

legal no nosso ordenamento de uma uniatildeo sem comunhatildeo de habitaccedilatildeo que beneficie de um estatuto proacuteprio

e que pudesse incluir a possibilidade da figura ser constituiacuteda por cocircnjuges suspendendo de forma consensual

o dever de coabitaccedilatildeo que agrave luz dos arts 1618ordm 1672ordm 1699ordm n ordm1 al b) CCiv eacute proibido atualmente

53

Cabe agora desenvolver esta proposta Apesar de haver quem encare a uniatildeo de

facto com uma visatildeo mais liberal e consequentemente entenda que esta natildeo deve gerar

muitos efeitos juriacutedicos por forma a respeitar-se a liberdade de escolha de cada um

acreditamos que o Direito natildeo deve ignorar as situaccedilotildees que merecem tutela juriacutedica E

apesar de haver uma regulamentaccedilatildeo juriacutedica da uniatildeo de facto no nosso ordenamento a

proteccedilatildeo por ela oferecida eacute meramente assistencial158 funcionando essencialmente em

situaccedilotildees de crise159

Natildeo se deve olvidar que a uniatildeo de facto na nossa ordem juriacutedica eacute um verdadeiro

ato juriacutedico e os seus efeitos natildeo dependem da vontade dos membros pois produzem-se ex

logo160 A soluccedilatildeo vigente concede certos efeitos aos membros da uniatildeo de facto apoacutes a

convivecircncia por dois anos sem que estes declarem expressamente a sua pretensatildeo A sua

uacutenica declaraccedilatildeo eacute a vontade de viver em plena comunhatildeo de vida Deveraacute daiacute aferir-se a

vontade de assumir efeitos juriacutedicos Acreditamos que a soluccedilatildeo atual apesar de ter como

objetivo o respeito pela autonomia privada e a vontade das partes natildeo o faz Estabelece

efeitos juriacutedicos a situaccedilotildees de facto que natildeo tem como controlar por natildeo haver nenhum tipo

de registo

Enquanto esta for a natureza da uniatildeo de facto e natildeo houver um ato constitutivo por

parte de uma autoridade puacuteblica ou outra formalidade a situaccedilatildeo de facto natildeo pode suscitar

um regime juriacutedico muito denso mas somente algumas medidas de proteccedilatildeo Dificilmente

se poderaacute ir mais longe no que concerne agrave atribuiccedilatildeo de efeitos juriacutedicos sem uma autecircntica

formalizaccedilatildeo das vontades das partes de intencionar um regime mais firme

Deste modo concomitantemente com a consolidaccedilatildeo do seu regime proacuteprio

julgamos ainda ser importante sujeitar estas relaccedilotildees a registo161

158 () o direito portuguecircs continua a ser daqueles que atribui menos efeitos juriacutedicos agrave uniatildeo de facto Apenas

se consagram soluccedilotildees do tipo ldquoassistencialrdquo que um Estado moderno tem de adotar qualquer que seja a

opccedilatildeo de vida escolhida pelos cidadatildeos Cfr GUILHERME DE OLIVEIRA ob cit p 153 159 () continua a acolher-se neste domiacutenio uma proteccedilatildeo fragmentaacuteria e especialmente dirigida a cenaacuterios

de crise em que as debilidades dos seus membros se concretizam ou manifestam com mais intensidade Cfr

RUTE TEIXEIRA PEDRO ob cit p 310 160 Cfr MARTA COSTA ob cit p 151 161 Cfr JOAtildeO PARRACHO COELHO considera que sendo a uniatildeo de facto um ato livre a opccedilatildeo pelo registo

determinaria que aqueles que unidos numa relaccedilatildeo para-matrimonial desejem beneficiar de direitos e deveres

juriacutedico - sociais paralelos aos atribuiacutedos agrave famiacutelia claacutessicaformallegal podem alcanccedilar um estatuto especiacutefico

mediante a inscriccedilatildeo da sua uniatildeo de facto em algum registo puacuteblico a criar para o efeito ldquoA Famiacutelia

perspectiva evolutiva do conceito tradicionalrdquo in Revista do Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico

nordm 54 3ordm trimestre1993 p 116

54

Inspiramos esta soluccedilatildeo no ordenamento juriacutedico francecircs por julgarmos oferecer

uma regulaccedilatildeo juriacutedica ampla dos tipos de convivecircncia fora do casamento distinguindo o

concubinage do pacte civil de solidariteacute Podendo optar-se pelo concubinato natildeo se

submetendo a quaisquer consequecircncias juriacutedicas ou pelo PACS a que subjaz um regime

proacuteprio e efeitos juriacutedicos que garantem a sua proteccedilatildeo Desta forma e socorrendo-nos em

parte da sugestatildeo ora mencionada do partido Bloco de Esquerda aquando da apresentaccedilatildeo

do Projeto de Lei nordm45VIII prevendo um registo das uniotildees nas juntas de freguesia da aacuterea

de residecircncia das pessoas que vivem em uniatildeo de facto ou a sua constituiccedilatildeo apoacutes dois anos

de convivecircncia sem necessidade de registo acreditamos que o Registo Civil das uniotildees de

facto seraacute a soluccedilatildeo mais acertada para proporcionar a certeza e seguranccedila juriacutedicas que se

pretende alcanccedilar com a inscriccedilatildeo no mesmo162

Antecipando desde jaacute as criacuteticas que poderatildeo surgir a esta soluccedilatildeo tais como a

possibilidade de recurso ao casamento para precaver todas as situaccedilotildees supramencionadas e

ainda o excessivo formalismo que daqui poderaacute advir natildeo devendo o direito proteger uma

situaccedilatildeo que as partes natildeo quiseram que fosse protegida desrespeitando-se a sua vontade

cumpre tecer algumas consideraccedilotildees Primeiramente o casamento trata de uma realidade

como jaacute tivemos a oportunidade de analisar com natureza muito distinta da uniatildeo de facto

Os casais tecircm o direito de escolher o tratamento juriacutedico que datildeo agrave sua convivecircncia pessoal

podendo simplesmente querer viver em uniatildeo de facto e natildeo se submeterem ao regime do

casamento Denote-se para este efeito que viver agrave margem do casamento natildeo significa

querer viver agrave margem do Direito Nesta senda e em segundo lugar parece-nos que a ideia

Napoleoacutenica de que se os concubinos natildeo se interessam pela lei a lei tambeacutem natildeo se

interessa por eles jaacute estaacute ultrapassada A formalidade do registo apenas garantiraacute a liberdade

de escolha das partes assegurando que aqueles que optam por ele satildeo os que pretendem

submeter-se aos efeitos juriacutedicos previstos legalmente Natildeo se tratando de um regime

automaacutetico aplicaacutevel pelo simples decurso do tempo que os sujeita a um regime que natildeo

162 Concordamos portanto com a posiccedilatildeo propugnada por ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoUniatildeo de facto a

pertinecircncia de registo a problemaacutetica da separaccedilatildeo de pessoas e bens e a contagem do prazo de convivecircnciardquo

in Casamento e Uniatildeo de facto questotildees de jurisdiccedilatildeo civil Coleccedilatildeo Formaccedilatildeo Contiacutenua CEJ Novembro

2020 p71 segundo a qual as uniotildees devem ser dignas de Registo Civil pois os registos municipais natildeo

serviratildeo o propoacutesito por natildeo contribuiacuterem para a certeza e seguranccedila juriacutedicas uma vez que natildeo existe uma

base de dados nacional podendo-se potenciar muacuteltiplos registos

55

mostraram pretender163 A soluccedilatildeo que propomos funda-se no respeito pela vontade das

partes e no princiacutepio da liberdade contratual aleacutem de ser a mais compatiacutevel com a certeza e

seguranccedila juriacutedicas Bastando-lhes a verificaccedilatildeo dos requisitos necessaacuterios agrave constituiccedilatildeo no

momento da sua inscriccedilatildeo no registo Relativamente agrave exigecircncia do decurso de um

determinado periacuteodo para que a convivecircncia seja registada defendemos que a resposta deve

passar por natildeo ser exigida uma convivecircncia preacutevia Permitindo que duas pessoas que

queiram conviver nestes moldes se dirigiram a uma entidade competente e registem a sua

convivecircncia que pode jaacute existir ou iniciar-se nesse momento164

No fundo com a soluccedilatildeo que propugnamos pretendemos a coexistecircncia de trecircs vias

de conjugalidade O casamento que continuaria a ser regulado de igual forma as uniotildees

registadas em que as partes inscrevem a sua relaccedilatildeo no registo para que desta decorram

efeitos juriacutedicos mas que natildeo se confundem com os do casamento e por uacuteltimo as uniotildees

meramente de facto desprovidas de efeitos juriacutedicos Contudo em relaccedilatildeo a estas

acreditamos que algumas situaccedilotildees devem ser protegidas como a de um dos membros querer

viver livre de efeitos juriacutedicos e o outro apenas tolerar a situaccedilatildeo apesar da sua vontade natildeo

ser exatamente essa Eacute entatildeo necessaacuterio acautelar situaccedilotildees como esta em que no caso de

morte de algum deles o membro sobrevivo fosse aquele que pretendia uma maior

intervenccedilatildeo juriacutedica na sua convivecircncia Aqui deveraacute atribuir-se a este uacuteltimo uma proteccedilatildeo

miacutenima desde que a requeira Salvaguardando desta forma a liberdade e autonomia privada

de cada um sem que nada se lhes imponha a natildeo ser que o solicitem Isto quer dizer que soacute

seratildeo uniotildees meramente de facto aquelas em que a falta de reconhecimento de efeitos

juriacutedicos decorre de uma exteriorizaccedilatildeo das partes Por outras palavras essa categorizaccedilatildeo

resulta de uma falta de manifestaccedilatildeo das partes nesse sentido evitando as situaccedilotildees em que

a sua ineacutercia ndash justificada por natildeo pretenderem a ingerecircncia do Direito ndash resulte no confronto

com um regime legal que natildeo manifestaram querer

163 Neste sentido cabe referir a jaacute mencionada Ley 22003 7 de mayo reguladora de las parejas de hecho do

Paiacutes Vasco que na sua exposiccedilatildeo de motivos adverte para o facto do registo ser uma forma de evitar que os

membros que natildeo desejam que as suas uniotildees sejam acolhidas legalmente sejam reguladas contra a sua vontade

() el Registro de Parejas de Hecho que crea la propia ley registro que tiene una especial importancia al

tener la inscripcioacuten el caraacutecter de constitutiva lo que se hace precisamente para evitar que aquellas parejas

que no deseen en modo alguno acogerse a la ley se vean sometidas contra su voluntad a un reacutegimen de

derechos y obligaciones como el aquiacute recogido 164 Cfr MARTA COSTA ob cit p 396 No mesmo sentido ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoUniatildeo de facto versus

Casamento ndash Questotildees pessoais e patrimoniaisrdquo ob cit p 178

56

Realccedilamos ainda que o registo das uniotildees de facto aleacutem de salvaguardar a certeza

e seguranccedila juriacutedicas permitiria agraves partes invocar a qualquer altura atraveacutes de um meio

idoacuteneo e fidedigno a sua convivecircncia facilitando a prova destas relaccedilotildees e dirimindo as

dificuldades que dessa prova advecircm165 Cremos ser esta a principal e grande vantagem da

soluccedilatildeo que propomos e a que realmente interessa no presente estudo O atual regime de

prova eacute falho pois as declaraccedilotildees referidas no nordm 2 do artigo 2ordmA da LUF emitidas pela

junta de freguesia nunca seratildeo suficientes para garantir a proteccedilatildeo de uma relaccedilatildeo de facto

por natildeo servirem como prova plena aleacutem de natildeo ser possiacutevel atestar a inexistecircncia de

impedimentos por esta via

Em suma como benefiacutecios advindos do registo consideramos natildeo soacute o que toca agrave

sociedade em geral a quem seria transmitida maior certeza e seguranccedila relativamente agrave

existecircncia daquelas relaccedilotildees mas tambeacutem a publicidade que eacute conferida agraves mesmas

desonerando os conviventes de um regime de prova tatildeo sinuosa da sua relaccedilatildeo para

beneficiarem de certos direitos

165 Atraveacutes do registo os membros da uniatildeo registada estariam cientes da repercussatildeo legal da sua uniatildeo

(entre eles e face a terceiros) ROSSANA MARTINGO CRUZ ldquoUniatildeo de facto versus Casamento ndash Questotildees

pessoais e patrimoniaisrdquo ob cit p 180

57

6 Conclusatildeo

A convivecircncia anaacuteloga agrave dos cocircnjuges sem o viacutenculo formal inerente ao casamento

natildeo eacute uma realidade recente A forma como o Direito encara esta figura eacute que foi mudando

ao longo do tempo de acordo com a evoluccedilatildeo das circunstacircncias sociais e histoacutericas Parece-

nos que hoje talvez se imponha uma atualizaccedilatildeo do tratamento legal oferecido agrave uniatildeo de

facto

Desde logo a sua natureza juriacutedica motiva algumas divergecircncias Como vimos

alguns AA entendem que a situaccedilatildeo de facto se deve considerar uma relaccedilatildeo juriacutedica familiar

como as previstas no artigo 1576ordm CCiv por forccedila da sua inclusatildeo no artigo 36ordm n ordm1 CRP

referente agrave constituiccedilatildeo de famiacutelia Por outro lado os AA que defendem que a proteccedilatildeo

constitucional da uniatildeo de facto adveacutem do direito ao desenvolvimento da personalidade

previsto no artigo 26ordm CRP advogam tambeacutem que a convivecircncia more uxorio natildeo deve ser

qualificada como relaccedilatildeo juriacutedica familiar mas sim uma relaccedilatildeo juriacutedica parafamiliar Neste

contexto tendemos a acompanhar a linha de pensamento dos primeiros AA isto por

entendermos que as relaccedilotildees de uniatildeo de facto merecem uma proteccedilatildeo mais abrangente da

que eacute dada pelo artigo 26ordm CRP visto tratar-se de uma proteccedilatildeo geneacuterica que natildeo se coaduna

com a importacircncia social que a uniatildeo de facto vem tendo Jaacute a proteccedilatildeo conferida pelo artigo

36ordm nordm 1 CRP eacute de facto mais consentacircnea com a proteccedilatildeo que este tipo de relaccedilotildees merece

e cremos que essa teraacute sido a intenccedilatildeo do proacuteprio legislador constitucional Eacute de realccedilar por

uacuteltimo que considerar a uniatildeo de facto protegida constitucionalmente pelo artigo 36ordm nordm 1

CRP natildeo quer dizer que o seu regime legal deva ser igual ao regime do casamento

Como tambeacutem jaacute referimos o proacuteprio regime legal da uniatildeo de facto previsto na

Lei nordm 72001 de 1105 alterada pela lei 232010 de 3008 eacute considerado parco e omisso

em relaccedilatildeo a algumas questotildees relevantes para a proteccedilatildeo dos membros dessa relaccedilatildeo Natildeo

obstante a natildeo equiparaccedilatildeo dos regimes legais do casamento e da uniatildeo de facto tal natildeo

significa que natildeo seja necessaacuterio um reforccedilo do atual regime legal da uniatildeo de facto

Devendo optar-se por um caminho que consolide os efeitos juriacutedicos da uniatildeo de facto

possibilitando um regime proacuteprio enrobustecido aos que apesar de natildeo escolherem a via do

casamento pretendam uma proteccedilatildeo mais firme e por outro lado dar aos que pretendam uma

uniatildeo sem consequecircncias juriacutedicas a liberdade de escolha de sujeiccedilatildeo ou natildeo a um regime

legal

58

Paralelamente de forma a diferenciar estas duas situaccedilotildees julgamos ainda ser

importante a sujeiccedilatildeo destas relaccedilotildees a um eventual registo civil que traraacute consigo a certeza

e seguranccedila juriacutedicas relativamente agrave existecircncia destas relaccedilotildees perante a sociedade e ainda

a consequente publicidade advinda dessa inscriccedilatildeo que desoneraraacute os membros de um

regime de prova tatildeo sinuoso Salvaguardando desta forma aqueles que pretendem uma

coabitaccedilatildeo com a miacutenima ingerecircncia juriacutedica Em suma ambicionamos a coexistecircncia de

trecircs vias de conjugalidade sendo elas o casamento as uniotildees registadas e por fim as uniotildees

meramente de facto

Damos como certo que esta eacute uma mudanccedila que natildeo deveraacute ser imediata Aquilo que

propomos eacute na verdade uma soluccedilatildeo que deveraacute isso sim dar azo a uma discussatildeo contiacutenua

que possa contribuir para um aperfeiccediloamento e atualizaccedilatildeo deste regime

59

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