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1 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” O DIREITO E A EVOLUÇÃO DO TRABALHO DA MULHER AUTORA CRISTIANE DA COSTA GUIMARÃES SANDY ORIENTADOR PROF. CARLOS AFONSO LEITE LEOCADIO RIO DE JANEIRO 2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

O DIREITO E A EVOLUÇÃO DO TRABALHO DA MULHER

AUTORA

CRISTIANE DA COSTA GUIMARÃES SANDY

ORIENTADOR

PROF. CARLOS AFONSO LEITE LEOCADIO

RIO DE JANEIRO 2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

O DIREITO E A EVOLUÇÃO DO TRABALHO DA MULHER

Monografia apresentada à Universidade Candido Mendes – Instituto Vez do Mestre, como requisito parcial para a conclusão do curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” em Direito e Processo do Trabalho. Por: Cristiane da Costa Guimarães Sandy

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Agradeço a Deus e aos meus pais por mais esta conquista.

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Dedico este trabalho ao meu marido, que me incentivou a fazer esta pós-graduação e com isso aumentar os meus conhecimentos.

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RESUMO

A divisão das tarefas entre homens e mulheres já era definida desde a Antiguidade. Cabia a mulher atividades que utilizassem menos ou quase nenhuma força como a produção de vestimentas e o preparo do pão. A Revolução Industrial é o marco da exploração do trabalho feminino. Neste período, a mulher passa a complementar a renda familiar. Porém, a remuneração é bem inferior a paga ao homem. Com o advento da Segunda Guerra Mundial, a mulher passa a exercer outras tarefas para substituir o trabalho masculino, pois muitos não voltaram da guerra ou ficaram mutilados. No Brasil, a situação não era diferente. O trabalho feminino era muito explorado e com remuneração baixíssima. Na década de 50, a mulher da classe média passa a exercer atividades consideradas femininas como enfermeira e professora. As transformações ocorridas durante este período são inúmeras. A preocupação em proteger o trabalho feminino faz surgir uma série de medidas protetivas como a licença-maternidade e a proibição em atividades insalubres e penosas. Surgem diversas Convenções da OIT com o objetivo de proteger o trabalho feminino. Dentre as editadas, podemos destacar a Convenção nº 3, que reza sobre o trabalho da mulher antes e depois do parto; e a Convenção nº 4, que veda o trabalho em indústrias, salvo se o trabalho for feito em oficinas de família. A primeira Constituição Brasileira a possuir medidas de proteção foi a de 1934, onde se destaca a proibição da discriminação do trabalho da mulher com relação ao salário. No entanto, foi com a Consolidação das Leis do Trabalho que a mulher obteve um capítulo dedicado. Da proteção do trabalho da mulher é composto das seguintes seções: da duração e condições do trabalho; do trabalho noturno; dos períodos de descanso; dos métodos e locais de trabalho; da proteção à maternidade; das penalidades. No entanto, as medidas que visavam proteger, passaram a exercer uma função discriminatória. Com isso, a legislação teve que sofrer diversas alterações. Em 1974, a Convenção sobre a “Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher” preceitua que os direitos relativos ao emprego sejam assegurados em condições de igualdade entre homens e mulheres. Mas o ano de 1988 iria, finalmente, consagrar o direito à igualdade com a promulgação da Constituição Cidadã. Assim artigos com proibições como o trabalho noturno da mulher ou em ambientes insalubres e perigosos, passam a não fazer mais parte do texto constitucional, ampliando as oportunidades de emprego e profissão. Após a Carta Magna de 1988, diversas leis foram promulgadas, tendo sempre o objetivo de vedar a prática de atos discriminatórios. Apesar de toda luta para impedir essas atitudes, o trabalho feminino ainda enfrenta diversos preconceitos. A licença-maternidade é um exemplo disso. Muitos empregadores deixam de contratar uma mulher em idade reprodutiva por causa da licença, apesar de já ter sofrido diversas modificações. Atualmente, o salário-maternidade passou a ser uma prestação previdenciária, deixando de ficar a cargo do empregador. Além dos problemas enfrentados pela mulher, ela ainda é a maior vítima do assédio sexual, assédio moral e da violência doméstica. Alterar os diversos fatores ainda existentes, é um dos objetivos para que o princípio da igualdade, existente na Constituição de 88, seja aplicado na sua totalidade.

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METODOLOGIA

Considerando os objetivos e justificativas expostos na presente

monografia, é fácil concluir que o estudo aqui proposto foi levado a efeito a partir

do método da pesquisa bibliográfica, em que se buscou o conhecimento em

diversos tipos de publicações, como livros e artigos em jornais, revistas, internet e

outros periódicos especializados, além de publicações oficiais da legislação e da

jurisprudência. O método utilizado na pesquisa foi o método dogmático positivista.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 9 CAPÍTULO I TRABALHO DA MULHER: O INÍCIO DA JORNADA ......................................... 11 1.1 - Histórico da Jornada ................................................................................... 11 1.2 - Revolução Industrial: A Exploração do Trabalho Feminino ......................... 12 1.3 - A Mulher e as Duas Grandes Guerras ......................................................... 13 1.4 - O Trabalho Feminino no Brasil ................................................................... 14 CAPITULO II MEDIDAS DE PROTEÇÃO ESPECIAL AO TRABALHO DA MULHER ........... 18 1.1 - As Primeiras Leis ........................................................................................ 18 1.2 - As Primeiras Normas de Proteção ao Trabalho Feminino no Brasil ........... 19 1.3 - As Constituições Brasileiras (de 34 a 67) ................................................... 22 1.4 - A Consolidação das Leis do Trabalho ........................................................ 24 CAPÍTULO III PROTEÇÃO X DISCRIMINAÇÃO ...................................................................... 28 1.1 - O Início ........................................................................................................ 28 1.2 - As Modificações .......................................................................................... 29 1.3 - A Constituição de 1988 ............................................................................... 31 1.4 - As Leis Pós-Constituição de 1988 .............................................................. 33 CAPÍTULO IV LICENÇA-MATERNIDADE: UM DIREITO À VIDA ............................................ 35 1.1 - A Importância da Licença-Maternidade ...................................................... 35

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1.2 - O Início ........................................................................................................ 36 1.3 - A Constituição Federal de 1988 e o Programa Empresa Cidadã ............... 39 1.4 - Licença à Adotante ..................................................................................... 41 1.5 - Estabilidade à Gestante .............................................................................. 42 1.6 - Casos Excepcionais .................................................................................... 46 1.7 - Remuneração durante o período da Licença-Maternidade ........................ 47 CAPÍTULO V PROTEÇÃO CONTRA ABUSOS AO TRABALHO FEMININO ......................... 50 1.1 – Assédio Sexual .......................................................................................... 50 1.2 - Assédio Moral ............................................................................................. 55 1.3 - Violência Doméstica – Lei Maria da Penha ................................................ 58 CONCLUSÃO ..................................................................................................... 62 BIBLIOGRAFIA .................................................................................................. 65

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho é um estudo sobre o direito e a evolução do

trabalho da mulher. O estudo dedica-se a apresentar o trabalho feminino durante

todas essas décadas, apontando as dificuldades e conquistas, dissertando sobre

as seguintes etapas: a exploração, a proteção e a promoção.

Neste contexto, o trabalho mostra as Convenções editadas pela

Organização Internacional do Trabalho (OIT) que influenciaram na legislação

brasileira, tendo como principal objetivo amenizar os problemas enfrentados.

Além disso, preocupa-se em dissertar sobre a evolução das Constituições no

período Republicano, passando pela CLT e, por fim, com a promulgação da

Constituição. Ressalta-se que as diversas leis editadas durante todo este período

também são citadas.

O trabalho e as questões analisadas apontam os percalços enfrentados

pelas mulheres, justificando as modificações introduzidas. No primeiro capítulo é

abordada a exploração do trabalho feminino desde as sociedades primitivas,

tendo como ápice a Revolução Industrial. No Brasil, o papel feminino no mercado

de trabalho não é muito diferente do restante do mundo.

A exploração cada mais crescente do trabalho feminino faz com que

medidas de proteção sejam adotadas. A legislação brasileira não poderia ser

diferente, apesar de muitas serem tardias. Porém, as soluções introduzidas para

proteger a mulher tornam o mercado de trabalho mais restrito. O direito que foi

criado para dar proteção tornasse discriminatório e é necessário ocorrerem

mudanças para alterar este cenário.

Com isso, o presente estudo apresenta as modificações na legislação

ao longo dos anos tendo como principal objetivo, amenizar o problema enfrentado

pelo trabalho feminino e garantir a isonomia de direitos entre homens e mulheres,

através do princípio da igualdade.

Convém salientar também que o trabalho disserta sobre os direitos que

protegem à mulher atualmente, tendo como principal destaque à licença-

maternidade. Um dos direitos mais importantes garantidos à empregada sofreu

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diversas modificações desde a sua implementação com o Decreto nº 16.300, em

1923, que apenas facultava à mulher este direito, até a obrigatoriedade através do

Decreto nº 21.417-A, em 1932.

É importante destacar que uma das medidas mais discriminatórias

enfrentadas pela mulher é com relação ao direito a licença à maternidade.

Durante o trabalho, é mostrado que as modificações sofridas ocorreram não só

para aumentar o período, mas também para estimular ao empregador em

contratar a mão-de-obra feminina, fazendo com que o mesmo não arcasse mais

com o custo do salário que a empregada grávida teria direito. Atualmente, o poder

público, através da Previdência Social, é quem fica com o ônus do pagamento da

licença.

Por fim, o estudo não poderia deixar de relatar os abusos sofridos

pelas mulheres e as medidas tomadas para combater o assédio moral, o assédio

sexual e a violência doméstica. No último caso, é abordada a Lei Maria da Penha,

no tocante sobre a questão trabalhista.

A pesquisa que procedeu esta monografia partiu do pressuposto que,

desde o início, o trabalho feminino foi aproveitado em larga escala e explorado

demasiadamente, principalmente durante o período da Revolução Industrial. Logo,

muitas medidas foram adotadas para proteger a mulher, como a proibição do

trabalho noturno. Com o passar dos anos, os direitos à igualdade, a participação

cada vez mais presente em cursos de formação profissional e a “revolução da

pílula”, fez como ocorressem modificações na legislação trabalhista.

Visando um trabalho objetivo, a monografia teve como objeto às

questões relativas ao Direito do Trabalho, especificamente, ao trabalho feminino.

Durante a pesquisa, foi necessário identificar e desenvolver uma retrospectiva

histórica do início do trabalho feminino, tanto em âmbito mundial quanto brasileiro.

É importante frisar que a pesquisa procurou restringir o estudo sobre a evolução

da legislação trabalhista e as ações discriminatórias contra o trabalho da mulher

apenas no Brasil. Sobre as várias convenções e recomendações pela OIT sobre o

tema, levantou-se apenas as que influenciaram na legislação brasileira.

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CAPÍTULO I

TRABALHO DA MULHER: O INÍCIO DA JORNADA

Este capítulo tem como objetivo apresentar como foi a introdução da

mulher no mercado de trabalho, as dificuldades apresentadas e a exploração a

que se submeteram.

1.1 – HISTÓRICO DA JORNADA

Desde as sociedades primitivas, a mulher sempre dividiu as tarefas

com o homem. No início, eles pescavam e caçavam. Elas colhiam os frutos, e,

mais tarde, começaram a cultivar a terra.

Já na Antiguidade, competia à mulher tosquiar as ovelhas e tecer a lã

para produzir as vestimentas “uma produção totalmente feminina” (BARROS,

2008, p. 1073). Além disso, trabalhavam na ceifa do trigo e no preparo do pão.

Nesta época, a mulher era educada apenas para servir.

Porém entre gauleses e germânicos, a mulher possuía um papel que

se aproximava ao do homem “chegando a participar de guerras, da construção de

residências e a tomar parte nos conselhos que decidiam sobre a guerra e a paz”.

(BARROS, 2008, p. 1073).

Chegada a Idade Média, as mulheres continuavam a trabalhar na

agricultura, tendo a tapeçaria, a ourivesaria e o vestuário como funções que

também exerciam. Porém, nos séculos X a XIV, muitas passaram a exercer

outras atividades como escrivães, médicas e professoras, com salários não muito

diferentes dos homens.

Durante o Renascimento, passaram a exercer atividades domésticas,

deixando de exercer funções, como, por exemplo, o trabalho com metais

preciosos. É o que nos mostra Alice Monteiro de Barros, quando nos afirma:

As mulheres foram perdendo várias atividades que lhes pertenciam, como trabalho com a seda, com materiais preciosos, com a cerveja e com as velas, e se confinaram entre as paredes domésticas, entregues ao trabalho a domicílio, que surge nos primórdios do século XVI, perdendo importância a partir do

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século XIX, quando o algodão e a lã são retirados das casas para as fábricas. (BARROS, 2008, p.1073)

1.2 – REVOLUÇÃO INDUSTRIAL: A EXPLORAÇÃO DO TRABALHO

FEMININO

A ideia do novo e do progresso se disseminava pela Europa. Criada em

1711 por Thomas Newcomen e aperfeiçoada em 1760 por James Watt, a

máquina a vapor possibilitou a instalação de moinhos em outras localidades e

desenvolveu os transportes utilizados como condutores de mercadorias. A

mecanização da produção, a evolução da agricultura e a energia do carvão e do

ferro tornaram-se uma das principais características nas transformações técnicas

e econômicas ocorridas na Inglaterra, durante o período denominado Revolução

Industrial.

Com a energia motora, empresas cresceram e se expandiram, tendo

como umas das consequências, o ingresso do trabalho feminino e do menor,

visando complementar o orçamento familiar, pois os homens, ditos “chefes” da

casa, tiveram os seus salários reduzidos. Além disso, o capitalismo ainda

aproveitou esse fluxo de mão-de-obra para aumentar as horas de trabalho, pois

com o advento da iluminação a gás, o homem começou a ter sob o seu controle a

duração do dia e da noite. A luz do dia já não marcava mais os limites da jornada

de trabalho.

Considerada uma mão-de-obra menos dispendiosa e mais “dócil”, a

mulher passaria a ser solicitada para indústria têxtil, tanto na Inglaterra, como na

França. O processo de industrialização da Europa possui como principal

característica à exploração das chamadas “meias-forças”. As mulheres ganhavam

muito menos do que os homens, e as crianças recebiam muito menos que as

mulheres. Um dos motivos, além do barateamento de custos, era a maior

facilidade de se disciplinar esses dois grupos de operários.

Amauri Mascaro Nascimento esclarece que o trabalho feminino neste

período foi aproveitado em larga escala, sendo preterida a mão-de-obra

masculina.

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Os menores salários pagos à mulher constituíam a causa maior que determinava essa preferência pelo elemento feminino. O Estado, não intervindo nas relações jurídicas de trabalho, permitia, com sua omissão, toda sorte de explorações. Nenhuma limitação de jornada de trabalho, idênticas exigências dos empregadores quanto às mulheres e homens, indistintamente, insensibilidade diante da maternidade e os problemas que podem acarretar à mulher. (NASCIMENTO, 2009, p. 189)

Com um Estado omisso, a mulher sujeitava-se a jornadas de 14 a 16

horas por dia, trabalhava em condições prejudiciais à saúde e cumpria obrigações

muitas vezes superiores às suas possibilidades físicas, só para não perder o

emprego. Além disso, deveria ainda cuidar dos afazeres domésticos.

Segundo Sérgio Pinto Martins, a exploração do trabalho feminino, a

não observação, principalmente, de uma proteção na fase de gestação e

amamentação, e tantas outras enfrentadas, fez como que surgisse uma legislação

protecionista (MARTINS, 2008, p. 573).

Sobre essas medidas, Alice Monteiro de Barros lembra que:

“O trabalho da mulher foi uma das primeiras matérias a constituir objeto de regulamentação pelos organismos internacionais e seu escopo foi uniformizar os custos operacionais, visando a evitar uma concorrência injusta no mercado internacional” (BARROS, 2008, pp. 1073-1074).

1.3 – A MULHER E AS DUAS GRANDES GUERRAS

Com as duas Grandes Guerras Mundiais (1914-1918 e 1939-1945), a

mulher conquistou seu espaço no mercado de trabalho. A ida dos homens para as

frentes de combate, fizeram com que elas passassem a assumir os negócios da

família ou em setores ocupados quase que exclusivamente pela mão-de-obra

masculina.

No entanto, no final das guerras, muitos homens morreram nos campos

de batalhas ou ficaram mutilados. As mulheres tiveram que deixar suas casas ou

continuar trabalhando para poder sustentar a família. Porém, a grande maioria

também perdeu seu emprego, tendo que trabalhar de empregadas domésticas,

ganhando uma miséria para sobreviver. As que continuaram nas fábricas tiveram

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que submeter a salários absurdamente mais baixos em relação aos dos homens,

mesmo executando as mesmas tarefas.

Outro fator importante no papel da mulher nas Grandes Guerras

Mundiais foi exatamente nas zonas de conflitos. A falta de contingente fez com

que a Marinha passasse por cima da burocracia de que era proibido o alistamento

de mulheres e, na 1ª Grande Guerra, cerca de 13 mil mulheres foram

incorporadas. O principal papel desempenhado por elas era de enfermeiras. Na 2ª

guerra, a participação da mulher foi mais marcante e ocorreu em diversos setores.

Elas desempenharam as seguintes atribuições: enfermagem, auxílio na ajuda

humanitária em roupas e alimentos, soldados no front de guerra e operárias na

indústria bélica.

1.4 – O TRABALHO FEMININO NO BRASIL

Com o fim da escravidão, milhares de postos de trabalho são criados,

principalmente na agricultura. Ainda no Império, já existiam projetos para

industrialização do país. No entanto, foi durante a República que surgiram os

planos para modernização, esboçando uma tardia Revolução Industrial no Brasil.

No início da industrialização, a mão-de-obra feminina era bastante

utilizada, principalmente na indústria têxtil, por ser prática comum contratar

mulheres para trabalharem como costureiras, até mesmo em casa, para fabricar

peças de vestuário e alfaiataria.

Ao contrário do que se possa imaginar, o trabalho feminino não

substituiu o masculino e conquistou o mercado fabril. Muito pelo contrário. As

mulheres foram sendo expulsas, na medida em que avançava a industrialização.

Com isso, sobravam apenas as tarefas menos especializadas e com

remuneração inferior dentro das fábricas.

Como os locais onde ficavam instaladas as fábricas eram apenas

oficinas em galpões ou fundos de armazéns, passavam por todo tipo de

problemas e constrangimentos. A falta de fiscalização fazia com que os lugares

fossem mal iluminados e ventilados, sujos e que ocorresse o assédio sexual por

parte dos superiores. Além de trabalharem numa média de 12 a 16 horas por dia.

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Na década de 50, o Brasil passou por um período de acentuado

crescimento urbano e industrial, aumentando, com isso, as vagas nos bancos

escolares e postos de trabalho. As transformações ocorridas e a ascensão da

classe média, mostrando a diferença entre esta e a classe baixa, fez com que

ocorressem diferenças sociais cada vez mais nítidas e, principalmente, nos

postos de trabalho das mulheres. Começaram a surgir às profissões consideradas

tipicamente femininas como as de enfermeiras, assistentes sociais, costureiras,

vendedoras, funcionárias de escritório e professoras primárias.

A mestra Léa Calil relata que as diferenças sociais tornaram-se cada

vez mais nítidas, inclusive nos postos de trabalho oferecidos às mulheres, com

relação ao lugar social que ocupavam.

Enquanto a mulher de classe média vislumbrava o trabalho como algo sofisticado e muitas vezes interrompido com a chegada dos filhos, para a mulher de classe baixa trabalhar era a única forma de garantir seu sustento ou de sua família. Se a mulher de classe média quisesse ou necessitasse trabalhar para colaborar no orçamento doméstico – seus ganhos vistos sempre como adicionais aos do marido -, havia profissões tipicamente femininas. Para a mulher pobre, muitas vezes a única fonte de renda para si e para seus filhos, restava poucas opções. (CALIL, 2007, p. 40)

A mulher passou a ocupar espaço nas mais diversas profissões com

diferentes remunerações. Com isso, passou a ser considerado um status, apesar

do preconceito que existia neste período. Para muitos, o trabalho da mulher

representava uma ameaça à estabilidade familiar.

Com a crescente urbanização e industrialização, o papel da mulher em

casa vai diminuindo. Com a incorporação de recursos tecnológicos que

facilitassem os afazeres domésticos, as creches para ficarem com as crianças

enquanto os pais estivessem no trabalho, fez com que ocorresse uma

modificação na estrutura familiar.

Léa Calil explica que a necessidade de suprir as necessidades

familiares com os bens de consumo introduzidos no mercado fez com que a

mulher mudasse o seu papel na sociedade.

A nova realidade a empurrava para o mercado de trabalho, atraída por uma maior independência e a possibilidade de realizar suas necessidades de consumo pessoal e familiar. Não que não houvesse preconceito contra o trabalho da mulher – ele

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ainda esta presente bem como havia várias proibições legais ao trabalho da mulher na CLT, mas a mulher trabalhadora se tornava um personagem cada vez mais comum no dia-a-dia das cidades, e sua luta por seus direitos sociais também. (CALIL, 2007, p. 41)

Um marco importante ocorre em 1962 para o trabalho da mulher. É

criado o Estatuto da Mulher Casada que, dentre outras coisas, acabava com a

condição de relativamente incapaz da mulher casada, constante até então no

Código Civil de 1916, refletindo, assim, na CLT. Com isso, retira do marido o

poder de autorizar o trabalho da sua esposa.

Se as mulheres que viviam nas grandes metrópoles encontravam

dificuldades para se firmarem; as do campo não poderiam ser diferentes. Na

década de 60, inicia-se o processo de modernização da agricultura, fazendo com

que os trabalhadores rurais fossem para as cidades ou procurassem novos

postos de trabalho na fronteira agrícola em expansão. Neste período, surge o

trabalhador temporário residente nas Cidades-dormitório, mais conhecido como

bóia-fria.

As transformações ocorridas afetaram profundamente as relações

econômicas, de trabalho, sociais e familiares. No campo, o homem era o chefe

absoluto da família, tendo o maior número possível de filhos na composição da

família, para que estes se unissem aos pais para trabalharem, tão logo pudessem.

Com as mudanças, todos foram obrigados a procurar trabalho para contribuir para

a sobrevivência familiar.

A mulher, além de ter de trabalhar em fazendas ou usinas para auxiliar

no sustento da família, ainda continuava com as tarefas do trabalho doméstico.

Logo, ela ainda tinha dupla jornada de trabalho.

Em 1963, passa a vigorar o Estatuto do Trabalhador Rural,

assegurando aos rurais os mesmos direitos garantidos aos trabalhadores urbanos.

O mesmo foi revogado em 1973, pela Lei nº 5.889. Nesta, estendeu-se ao rural a

mesma legislação aplicável ao urbano, salvo algumas restrições. Quanto à

legislação aplicável à mulher rurícola, não foi criada nenhuma especial, apenas

foram garantidos os mesmos direitos da trabalhadora urbana.

Nos anos 80, devido a uma forte crise econômica que assolou o país,

marcada por uma intensa recessão e pelo aumento da inflação, toda a sociedade

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foi atingida, principalmente a parcela mais pobre da população. Com isso, muitas

famílias ficaram abaixo da linha da pobreza. Mesmo aquelas que tinham mais

condições, houve a necessidade de que as mulheres fossem em busca de

trabalho para complementar o orçamento familiar.

Neste período, surgiu uma alteração na estrutura setorial: a construção

civil teve seus postos de trabalho diminuídos; em contrapartida, abriu-se espaço

para o trabalho feminino nas áreas de comércio e serviço. A crise econômica

impulsionou a mulher brasileira a “abandonar” o lar e buscar postos de trabalhos

para ajudar no sustento da família.

Léa Calil nos apresenta os motivos pelos quais, as mulheres

encontraram dificuldades em alguns setores, optando por outras fontes de

trabalho, obtendo, então, maior receptividade à sua mão-de-obra.

A mulheres eram “barradas” em trabalhos fabris, algumas vezes pela legislação protecionista que proibia sua atividade em ambientes insalubres, outras vezes porque as diferenças morfológicas entre homens e mulheres impediam que maquinários fossem utilizados indiscriminadamente por ambos os sexos. (CALIL, 2007, p. 45)

Como todas as mudanças ocorridas e desempenhadas pela mulher na

sociedade, ao longo de todos esses anos, fez com que surgisse uma

remodelagem na sua imagem social, possibilitando uma reavaliação da legislação

referente à mulher. A igualdade entre os sexos foi amplamente discutida e

requerida. E este debate, principalmente em relação aos direitos trabalhistas, se

fez na Constituinte de 1985.

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CAPÍTULO II

MEDIDAS DE PROTEÇÃO ESPECIAL AO TRABALHO DA MULHER

Este capítulo tem como objeto o estudo das principais medidas

protecionistas feitas para o trabalho feminino desde o seu início, as leis

trabalhistas brasileiras e os motivos que acarretaram esta proteção.

1.1 – AS PRIMEIRAS LEIS

Conforme apresentado no capítulo anterior, devido à exploração a que

se submetia a mulher, as primeiras leis trabalhistas voltaram-se para a proteção

do trabalho feminino e do menor.

Arnaldo Süssekind nos explica que o trabalho da mulher sempre foi

discriminado em relação ao do homem, sobretudo quanto ao salário.

Daí a preocupação da Organização Internacional do Trabalho, a partir de sua criação (1919), em instituir normas de proteção especial ao trabalho feminino. Todavia, o aumento das obrigações patronais em relação à mulher dificultou a eliminação de diversas formas de discriminação. (SÜSSEKIND, 2004, pp. 504-505)

Alguns fatores, como a “revolução da pílula” e o crescimento da

participação da mulher em cursos de formação profissional, contribuíram para que

surgissem algumas normas de proteção ao trabalho feminino.

No tocante ao trabalho da mulher, a ação assumiu dois perfis: o de

caráter tutelar e o de igualdade de remuneração, de oportunidade e de tratamento.

Segundo Alice Monteiro de Barros, o primeiro (caráter tutelar) articulou-se em

duas direções: a mulher no ciclo gravídico-puerperal e as restrições ao trabalho,

proibindo-lhe atividades insalubres, perigosas e penosas, “onde se inclui o

trabalho noturno nas indústrias, em regime de horas extras e com pesos”

(BARROS, 2008, p. 1074).

A festejada autora ainda nos explica que o segundo perfil (igualdade

de remuneração, de oportunidade e de tratamento) tem como principal

característica obter os mesmos direitos dos homens em relação ao trabalho.

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Diversas Convenções foram criadas com o objetivo de proteger o

trabalho feminino. Dentre elas destacam-se: o trabalho da mulher antes e depois

do parto (Convenção nº 3, de 1919); vedação do trabalho em indústrias, sejam

públicas ou privadas, salvo se o trabalho for feito em oficinas de família

(Convenção nº 4, de 1919); trabalho noturno, exceto se a mulher ocupava cargos

diretivos de responsabilidade, desde que não fossem executados serviços

manuais (Convenção nº 41, 1934); vedação do trabalho da mulher em

subterrâneos e minas (Convenção nº 45, 1935); proteção da maternidade

(Convenção nº 92, de 1952); e igualdade de remuneração entre homem e mulher

para trabalho igual (Convenção nº 100, de 1951).

A Convenção nº 12, de 1921, merece um destaque. Apesar de ter sido

ratificada pelo Brasil apenas em 1956, esta “propunha a extensão da licença-

maternidade apresentada na Convenção nº 3 às empregadas das empresas

agrícolas, isto é, à mulher que laborasse no campo”. Além disso, conforme relata

Léa Elisa Silingowschi Calil, o pagamento desta licença deveria caber aos cofres

públicos ou a um sistema de seguros. (CALIL, 2007, p. 30)

Este período teve como principal objetivo à proibição de determinados

tipos de serviço do que propriamente à proteção da mulher. Estas regras visavam

preservar a reprodução da espécie, assegurando à mulher condições para

cumprir as obrigações familiares.

Porém, como será visto mais adiante, a Organização Internacional do

Trabalho começará a se preocupar não mais com a limitação das condições do

trabalho feminino, mas visará a igualdade com o masculino.

1.2 – AS PRIMEIRAS NORMAS DE PROTEÇÃO AO TRABALHO FEMININO

NO BRASIL

Em 1912, tramitou no Congresso Nacional um projeto de Código do

Trabalho, contendo, dentre outras coisas, uma legislação específica para o

trabalho da mulher. Nele constava que a mesma não necessitaria mais de

autorização do marido para ser contratada, proibia o trabalho noturno, limitava a

jornada em 8 horas diárias e concedia licença entre 15 e 25 dias antes do parto e

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até 25 dias depois, garantindo o retorno ao emprego, além da percepção de um

terço do salário no primeiro período e metade no segundo.

A autora Léa Calil relata que os parlamentares não tiveram uma reação

favorável a estes dispositivos.

Alguns acreditavam que seria desonroso ao marido permitir que a mulher contratasse emprego sem autorização dele; outros alegavam que o trabalho da mulher era anti-social em termos econômicos, dado que seu valor era muito inferior ao do homem; outros ainda diziam que o amparo salarial no período que antecede e procede ao parto era tornar a gravidez rendosa e cômoda profissão. (CALIL, 2007, p. 28)

Apesar de alguns parlamentares terem defendido não só os

dispositivos referentes à mulher, como também o Código, o projeto, apesar de ter

sido discutido durante 30 anos, nunca foi aprovado.

A primeira lei que teve como objetivo a proteção ao trabalho feminino

surgiu na esfera estadual, mas precisamente em São Paulo, em 1917. A Lei nº

1.596 proibia o trabalho das mulheres em estabelecimentos industriais no último

mês de gravidez e no primeiro puerpério. Esta lei instituiu o Serviço Sanitário do

Estado.

Em âmbito federal, apenas em 1923, foi publicado o Decreto nº 16.300

(Regulamento do Departamento Nacional de Saúde Pública), que facultava às

mulheres, empregadas em estabelecimentos industriais e comerciais, a um

descanso de 30 dias antes e outros 30, após o parto.

O Decreto nº 21.417-A, de 17 de maio de 1932, regulamentou o

trabalho da mulher nos estabelecimentos industrias e comerciais. Neste, era

assegurado um descanso obrigatório de quatro semanas antes e depois do parto.

A mestra Alice Monteiro de Barros lembra que estes períodos poderiam

ser aumentados de até duas semanas cada um, desde que comprovado por

atestados médicos, e era assegurado também um auxílio à mulher.

Durante o afastamento, era assegurado um auxílio correspondente à metade dos seus salários, de acordo com a média dos seis últimos meses, pagos pelas caixas criadas pelo Instituto de Seguridade Social e, na falta destas, pelo empregador (art. 9º e 14º). (BARROS, 2008, pp. 1074 e 1075)

Sérgio Pinto Martins explica que havia também as proibições do

trabalho da mulher à noite, “das 22 às 5h, vedando a remoção de pesos” e “em

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subterrâneos, em locais insalubres e perigosos, no período de quatro semanas

antes e quatro semanas depois do parto”. (MARTINS, 2008, P. 575)

Além das citadas proibições acima no período gravídico, o Decreto

também “regulamentou o trabalho da mulher, proibindo trabalho noturno, em

subterrâneos, nas minerações em subsolo, nas pedreiras, em obras de

construção pública e nas atividades perigosas e insalubres”. (CALIL, 2007, p. 31)

No tocante, Alice Monteiro de Barros ainda nos ensina sobre a vedação

do trabalho noturno, das 22 às 5 horas:

A exceção feita eram as empregadas de estabelecimentos que só trabalhassem pessoas de sua família (art. 372); a mulheres cujo trabalho fosse indispensável para evitar a interrupção do funcionamento normal do estabelecimento; ao trabalho decorrente de força maior que não apresentasse caráter de periodicidade, ou, ainda nos casos em que o trabalho noturno fosse necessário para evitar perdas de matérias-primas ou substâncias perecíveis. (BARROS, 2008, p. 1076)

O Decreto ainda garantiu à mulher, dentre outros direitos, igualdade

salarial para trabalho de igual valor, sem distinção de sexo; dois descansos

diários de meia hora cada um para amamentação dos filhos, durante os primeiros

seis meses de vida; descanso remunerado de duas semanas, em caso de aborto

não criminoso; proibição de dispensa da mulher grávida pelo simples fato de estar

grávida, sem ter outro motivo que justificasse a dispensa, assegurado o seu

retorno às funções que executava antes da licença.

Entretanto, com a Convenção nº 3 da OIT, alguns artigos do decreto

foram revogados com a promulgação do Decreto nº 423, de 1935. Dentre eles,

destaca-se a duração da licença à gestante, que passou de quatro para seis

semanas.

Art 3º - Em todos os estabelecimentos industriaes ou commerciaes, publicos ou privados, ou nas suas dependencias, com excepção dos estabelecimentos onde só são empregadas os membros de uma mesma familia, uma mulher

a) não será autorizada a trabalhar durante um periodo de seis semanas, depois do parto;

b) terá o direito de deixar o seu trabalho, mediante a exbibição de um attestado medico que declare esperar-se o parto, provavelmente dentro em seis semanas; 1

1 Decreto nº 423, de 12 de novembro de 1935

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1.3 – AS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS (de 34 a 67)

A primeira Constituição a possuir medidas de proteção para o trabalho

feminino foi a de 1934. Nesta, as normas de proteção ao trabalhador, “pela

primeira vez na história das Constituições brasileiras, foram reunidas em um só

capítulo referente à ordem social e econômica”. (CALIL, 2007, p. 35). A proibição

da discriminação do trabalho da mulher com relação ao salário está no artigo 121,

§1º, a, da mesma.

Art 121 - A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições do trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do País.

§ 1º - A legislação do trabalho observará os seguintes preceitos, além de outros que colimem melhorar as condições do trabalhador:

a) proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho, por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil.2

Sérgio Pinto Martins recorda que a Lei Maior ainda versava sobre

outras garantias de proteção ao trabalho feminino.

Vedava o trabalho em locais insalubres (art. 121, §1º, d). Garantia de repouso antes e depois do parto, sem prejuízo do salário e do emprego, assegurando instituição de previdência a favor da maternidade (art. 121, §1º, h). Previa os serviços de amparo à maternidade (at. 121, §3º). (MARTINS, 2008, p. 575)

Em 1937, foi promulgada a quarta Constituição Brasileira e a terceira

da República Federativa do Brasil. Nesta, persistia a proibição do trabalho da

mulher em indústrias insalubres, além de assegurar assistência médica e

higiênica à gestante, prevendo um repouso antes e depois do parto, sem prejuízo

do salário. (art. 137, l). Neste caso, a Constituição de 1934 assegurava

expressamente o emprego à gestante, fato não-observado no artigo abaixo.

Art 137 - A legislação do trabalho observará, além de outros, os seguintes preceitos:

l) assistência médica e higiênica ao trabalhador e à gestante, assegurado a esta, sem prejuízo do salário, um período de repouso antes e depois do parto;3

2 Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 16 de julho de 1934) 3 Constituição dos Estados Unidos do Brasil (de 10 de novembro de 1937)

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Além disso, omitiu a isonomia salarial entre homens e mulheres,

apesar de possuir no texto constitucional o princípio da igualdade de todos

perante a lei. Com isso, permitiu que, em 1940, o Decreto-lei nº 2.548

“preconizasse a possibilidade de as mulheres perceberem salários até dez por

cento menores do que os pagos aos homens” (CALIL, 2007, p. 35).

Em 1946, é promulgada outra Constituição. Nesta, são assegurados às

mulheres os mesmos direitos das anteriores, além do descanso remunerado à

gestante sem prejuízo do emprego (art. 157, X) e previdência social, visando

proteção à maternidade (art. 157, XVI), garantias que existiam na Constituição de

34, porém não constaram na de 37.

Art 157 - A legislação do trabalho e a da previdência social obedecerão nos seguintes preceitos, além de outros que visem a melhoria da condição dos trabalhadores:

X - direito da gestante a descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do emprego nem do salário;

XVI - previdência, mediante contribuição da União, do empregador e do empregado, em favor da maternidade e contra as conseqüências da doença, da velhice, da invalidez e da morte.4

Após o Golpe Militar de 1964, é instituída no ano de 1967 uma nova

Constituição. Esta possuía direitos existentes nas anteriores. Porém, a mulher

passa a ter direito à aposentadoria aos 30 anos de trabalho, com salário integral

(art. 158, XX), além de proibir critérios de admissão diferentes por motivo de sexo,

cor ou estado civil.

Art 158 - A Constituição assegura aos trabalhadores os seguintes direitos, além de outros que, nos termos da lei, visem à melhoria, de sua condição social:

XX - aposentadoria para a mulher, aos trinta anos de trabalho, com salário integral.5

Em 1969, ocorre a reforma da Carta de 1967, com a Emenda nº 01. As

modificações foram tantas que alguns juristas a consideram como uma nova

Constituição. Entretanto, persistiram no texto proibições como diferenciação

salarial por motivo de sexo ou estado civil e do trabalho da mulher em condições

insalubres, garantia de licença remunerada à gestante antes e após o parto, sem

prejuízo do salário ou emprego, bem como os benefícios previdenciários.

4 Constituição dos Estados Unidos do Brasil (de 18 de setembro de 1946) 5 Constituição da República Federativa do Brasil de 1967 (de 24 de janeiro de 1967)

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1.4 – A CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO

No ano de 1943, foi elaborada a CLT, integrando os “trabalhadores no

círculo de direitos, mínimos e fundamentais para uma sobrevivência digna”

(CASSAR, 2007, p. 22). Os membros que participaram da elaboração foram:

Arnaldo Süssekind, Dorval Lacerda, Segadas Viana, Rego Monteiro e Oscar

Saraiva.

Amauri Mascaro Nascimento não considera a CLT um código, por se

tratar apenas de uma “reunião das leis existentes e não a criação, como um

código, de leis novas”. (NASCIMENTO, 2009, p. 52) O mestre Maurício Godinho

Delgado nos apresenta uma outra visão:

O modelo justrabalhista então estruturado reuniu-se, anos após, em um único diploma normativo, a Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-lei n. 5.452, de 1.5.1943). Embora o nome reverenciasse a obra legislativa anterior (consolidação), a CLT, na verdade, também alterou e ampliou a legislação trabalhista existente, assumindo, desse modo, a natureza própria a um código do trabalho. (DELGADO, 2006, p.112)

A CLT reuniu todos os textos legais existentes sobre direito individual

do trabalho, direito coletivo do trabalho e direito do processo do trabalho, além de

novas normas.

Assim com a entrada em vigor Consolidação das Leis Trabalhistas, a

legislação brasileira que regulamentava o trabalho abandonou de vez o modelo

liberal, adotando o princípio de que o Estado deve intervir para promover a

igualdade.

No Título III (Das Normas Especiais da Tutela do Trabalho), a

Consolidação apresenta no Capítulo III (Da proteção do trabalho da mulher), uma

parte dedicada ao trabalho feminino, composto de seis seções:

I – da duração e condições do trabalho;

II – do trabalho noturno;

III – dos períodos de descanso;

IV – dos métodos e locais de trabalho;

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V – da proteção à maternidade;

VI – das penalidades.

Léa Calil relata que não houve em regra, quanto ao conteúdo das

normas, nenhuma inovação na legislação que regulamentava o trabalho da

mulher, mas houve uma preocupação do compilador celetista quanto à saúde,

moral e capacidade reprodutiva da mulher.

A proteção à saúde da mulher aparece, pois, conhecida de antemão a inferioridade física feminina em relação ao homem, não havia parâmetros exatos de quanto era essa diferença. Daí a CLT conter dispositivos que proibiam a realização de horas extraordinárias, sem que houvesse atestado médico que a autorizasse. (CALIL, 2007, pp. 36 e 37)

José Cairo Júnior explica também que como o trabalho feminino era

uma mão-de-obra mais barata e muito explorada, teve que existir um tratamento

diferenciado pela lei.

Esse tratamento diferenciado dispensado pela lei ao trabalho da mulher justifica-se não só pela sua constituição física, mas também pelo fato da possibilidade de haver uma gestação durante a execução do contrato de trabalho. Além de gozar dos direitos dos trabalhadores em geral, às empregadas são asseguradas as condições de trabalho que se adaptem à sua constituição física e às necessidades inerentes à gestação, amamentação e cuidados com o recém-nascido. (CAIRO JÚNIOR, 2008, p. 224)

A proibição ao trabalho noturno é um exemplo de proteção no art. 379

da CLT, permitindo algumas exceções, como por exemplo, os serviços de

enfermagem e estabelecimento de ensino, desde que maior de 18 anos.

Léa Calil conta que esta vedação deveu-se a dois motivos: a proteção

à saúde da mulher e a proteção à moral da empregada.

O dispositivo que excepcionava a regra geral e permitia o trabalho noturno da mulher em casas de diversões, hotéis, restaurantes, bares e estabelecimentos congêneres exigia, além de atestado médico, atestado de bons antecedentes da trabalhadora. (CALIL, 2007, p. 37)

A prorrogação da jornada normal de trabalho também garante à mulher

um intervalo de 15 minutos antes do início do período extraordinário. Caso o

empregado não conceda este intervalo, deverá pagar uma indenização

compensatória equivalente a 15 minutos, acrescidos de 50%, conforme decisão

do Tribunal Superior do Trabalho.

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Por unanimidade, conhecer do recurso de revista apenas quanto ao tema trabalho da mulher – horas extras decorrentes do intervalo para descanso previsto no art. 384 da CLT – princípio isonômico, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, dar-lhe provimento para deferir à autora o pagamento de horas extras decorrentes da ausência de concessão do intervalo para descanso previsto no art. 384 da CLT, com reflexos (4ª TURMA, RELATOR MINISTRO ANTÔNIO JOSÉ DE BARROS LEVENHAGEN, PROCESSO Nº RR12600/2003-008-09-00.3)

À mulher também é garantido, no artigo 386, o descanso semanal de

24 horas, preferencialmente aos domingos, salvo por motivo de conveniência

pública ou necessidade imperiosa do serviço, quando poderá recair em outro dia.

Porém, caso a mulher trabalhe aos domingos haverá uma escala de revezamento

quinzenal para que de 15 em 15 dias o repouso seja aos domingos. O artigo 386,

da CLT, foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 (art. 7º, inciso XV),

garantindo a todos os trabalhadores este descanso.

O artigo 387, da CLT, aponta também uma diferenciação do trabalho

masculino para o feminino. Neste, não é permitido o labor em subterrâneos, nas

minerações, em subsolo, nas pedreiras e obras de construção pública ou

particular, nos serviços perigosos e insalubres para as mulheres. Além disso, o

artigo 390, proíbe serviços superiores às forças musculares da mulher.

Art. 390 - Ao empregador é vedado empregar a mulher em serviço que demande o emprego de força muscular superior a 20 (vinte) quilos para o trabalho continuo, ou 25 (vinte e cinco) quilos para o trabalho ocasional.

Parágrafo único - Não está compreendida na determinação deste artigo a remoção de material feita por impulsão ou tração de vagonetes sobre trilhos, de carros de mão ou quaisquer aparelhos mecânicos.6

A igualdade salarial também se fez presente na CLT, não sendo

reunido o Decreto-lei nº 2.548/40, que permitia que à mulher empregada fosse

pago dez por cento menos do valor fixado para o salário-mínimo, conforme nos

apresenta Léa Calil.

Quando da reunião dos textos de leis trabalhistas esparsos que existiam para a produção da CLT, esta norma não foi compilada, e se privilegiou a isonomia salarial, segundo o entendimento de que as medidas de proteção ao trabalho feminino adotadas eram de ordem pública, não justificando de forma alguma a redução do salário em virtude do atendimento dessas exigências legais. (CALIL, 2007, p. 39)

6 Consolidação das Leis do Trabalho - Decreto-Lei nº 5.452 (de 1º de maio de 1943)

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Outra introdução importante na CLT foram as normas de proteção à

maternidade, que possuirá um estudo mais aprofundado no Capítulo IV. Com o

advento da CLT, elas se impuseram como um ônus para o empregador. Segundo

Léa Calil, era necessário garantir o mínimo para as mulheres que eram ou viriam

as ser mães.

As normas de proteção à maternidade surgem para proteger não apenas a mulher que gesta e dá à luz, como também a criança fruto desta gestação. E proteger a mulher gestante e, depois, durante a amamentação é garantir o futuro da espécie, fim último da existência de qualquer ser vivo. (CALIL, 2007, p. 32)

Porém direitos que visavam proteger o trabalho feminino, acabaram se

tornando discriminatórios. Com isso, muitos artigos foram revogados nos anos

posteriores a edição do Decreto-Lei nº 5.452.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o artigo 5º, I, da

Carta Magna, preceitua que “homens e mulheres são iguais em seus direitos e

obrigações nos termos desta Constituição”, e o art. 7º, proíbe “diferença de salário,

de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor

ou estado civil”.

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CAPÍTULO III

PROTEÇÃO X DISCRIMINAÇÃO

Este capítulo tem como objetivo apresentar quais foram às conseqüências

acarretadas com as medidas de proteção adotadas. Além disso, será mostrado o

que foi necessário fazer durante todos estes anos para que amenizasse a

discriminação contra o trabalho feminino.

1.1 – O INÍCIO

As diversas formas de proteção introduzidas nas leis trabalhistas

tiveram como principal objetivo à proteção ao trabalho feminino. José Cairo Júnior

nos explica que isso ocorreu para compensar uma desigualdade fática.

A tônica do Direito do Trabalho é o amparo excessivo ao empregado hipossuficiente, através da criação de uma desigualdade jurídica para compensar uma desigualdade fática. Quando o trabalhador é do sexo feminino, a proteção dispensada pela Lei é dobrada. (CAIRO JÚNIOR, 2008, p. 223).

Vólia Bomfim Cassar lembra que o objetivo era proteger o trabalho

tanto da mulher quanto do menor.

Os primeiros escritos foram no sentido de proteger tanto a mulher quanto o menor dos ambientes imorais ou ambientes nocivos à integridade física deste, pois eram considerados à época como relativamente incapazes. (CASSAR, 2007, p. 558)

No entanto, esta proteção fez com que o trabalho feminino fosse

discriminado, conforme nos esclarece José Cairo Júnior.

Quando há excesso de proteção, nos que diz respeito às relações laborais, o efeito pode ser inverso daquele pretendido pela norma jurídica. Em outras palavras, a super-proteção pode acarretar a diminuição de postos de trabalhos, considerando que os empresários terão preferência para contratar os empregados que não desfrutam do referido amparo. (CAIRO JÚNIOR, 2008, pp. 223 e 224)

Alice Monteiro de Barros também afirma que a discriminação persiste

em vários segmentos da sociedade.

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As declarações enfáticas do princípio da igualdade, inseridas em textos legais, não são suficientes para que esse ideal penetre também na realidade, pois se a discriminação é banida dos textos legais, ela persiste em vários segmentos sociais e toma novas feições. (BARROS, 2008, p. 1109)

Então, o direito do trabalho da mulher passou de nenhuma proteção

para o extremo, criando um período protetivo, excluindo, a título de proteção, a

mulher de inúmeras atividades; negando-lhes, até mesmo, postos de trabalho.

Com isso, a legislação brasileira teve que sofrer alterações, para que o

trabalho feminino não fosse discriminado, desta vez, pelo excesso de proteção,

como, nos afirma Léa Calil:

Hoje se fala em um caráter promocional do direito do trabalho da mulher, em uma busca de promover a igualdade entre os gêneros e que a proteção à mulher trabalhadora apenas se faça presente onde diferenças, como as biológicas e de tratamento assim o exigirem. (CALIL, 2007, p. 52)

1.2 – AS MODIFICAÇÕES

Como dito anteriormente, o excesso de proteção na legislação

brasileira fez com que a mulher encontrasse dificuldades no mercado de trabalho.

Assim, ocorreram diversas modificações para evitar a discriminação ao trabalho

feminino.

As Constituições de 1934 e 1946 traziam artigos proibindo a diferença

de salários por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil. A de 67,

também ocorria à proibição, porém não mencionou a discriminação quanto à

idade e suprimiu o critério de admissão por nacionalidade. A Carta Magna de 37

não tratou sobre o tema.

Em 1968, a Lei nº 5.473/68, no artigo 1º, já previa disposições contra a

discriminação entre brasileiros de ambos os sexos.

Art. 1º São nulas as disposições e providências que, direta ou indiretamente, criem discriminações entre brasileiros de ambos os sexos, para o provimento de cargos sujeitos a seleção, assim nas empresas privadas, como nos quadros do funcionalismo público federal, estadual ou municipal, do serviço

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autárquico, de sociedades de economia mista e de empresas concessionárias de serviço público.7

Além disso, o parágrafo único da citada lei, ainda previa prisão de três

meses a um ano para quem obstasse ou tentasse obstar o cumprimento da

referida norma.

O ano de 1974 destacou-se, com aprovação da ONU, a Convenção

sobre a “Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher”8. Esta

preceitua que os direitos relativos ao emprego sejam assegurados “em condições

de igualdade entre homens e mulheres” (art. 11), mas adverte que as medidas

“destinadas a proteger a maternidade não se considerarão discriminatórias” (§ 2º,

do art. 4º).

O mestre Arnaldo Süssekind enumera algumas proposições

apresentadas nos diversos congressos e conferências realizados no mesmo

período citado acima, que são as seguintes:

a) revogar as proibições do trabalho noturno, penoso ou insalubre, salvo, quanto aos dois últimos, durante os períodos de gestação e de amamentação;

b) motivar a participação da mulher em cursos profissionalizantes, sobretudo nos de grau médio;

c) disciplinar e fomentar o emprego a tempo parcial para trabalhadores com responsabilidade familiar;

d) excluir a responsabilidade direta do empregador em relação ao problema da maternidade (salário da gestante durante a licença compulsória, manutenção de creches etc.). (SÜSSEKIND, 2004, p. 509).

Léa Calil nos explica que para a Convenção a discriminação contra a

mulher significava toda “distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo”, tendo

por objeto ou resultado “prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício

pela mulher” dos seus direitos humanos e liberdades fundamentais nos diversos

campos: político, econômico, social, cultural e civil (CALIL, 2007, p.66).

7 Lei nº 5.473, de 10 de julho de 1968 8 Convenção ratificada pelo Brasil em 01º de fevereiro de 1984, Decreto nº 89.460, de 20 de fevereiro de 1984.

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1.3 – A CONSTITUIÇÃO DE 1988

A Carta Magna de 1988 é considerada a Constituição Cidadã.

Promulgada após o regime militar, inicia o seu texto com os direitos e garantias

fundamentais. Nela, procurou-se garantir a igualdade, principalmente entre

homens e mulheres. O preâmbulo cita a igualdade e a justiça como um valor

supremo para se alcançar uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos,

fundada na harmonia social.

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.9

O artigo 5º, inciso I, da Carta Política preconiza que homens e

mulheres são iguais em direitos e obrigações. Com isso, o princípio da igualdade

conquistou uma maior amplitude. Cabe ao direito dirimir diferenças, tanto naturais

como sociais, através da lei. Léa Calil nos explica que a igualdade, ou isonomia,

“não se restringe a tratar todos igualmente de forma absoluta, assim, em alguns

casos ocorreria um tratamento desigual”. (CALIL, 2007, p. 84).

Assim, trazemos para o estudo, um ensinamento de Aristóteles, citado

por Léa Calil, onde “a verdadeira igualdade consiste em tratar igualmente os

iguais e desigualmente os desiguais”. (CALIL, 2007, p. 50)

A festeja autora ainda afirma que a “igualdade só será um princípio

absoluto quando não apenas trata todos igualmente, mas também quando

respeita as diferenças através de tratamento diferenciado”. (CALIL, 2007, p.86).

Um dos campos do ramo do direito onde isto ocorre é no direito do trabalho.

Com a promulgação da Carta Magna de 1988, muitos dispositivos

considerados discriminatórios com relação ao trabalho feminino foram derrogados

da CLT. Artigos como proibições como o trabalho noturno da mulher ou em

9 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

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ambiente insalubres e perigosos, passam a não fazer mais parte do texto

constitucional. Assim, como bem cita Alice Monteiro de Barros, ampliou as

oportunidades de emprego e profissão para mulheres. A mulher, além de sofrer

os preconceitos sociais, ainda enfrentava também obstáculos legais.

É inegável que, durante grande parte deste século, a legislação proibitiva, que vedava o acesso da mulher ao trabalho em locais insalubres, perigoso, à noite, em regime de horas extras, em minas de subsolo, na construção civil e em pedreiras, perseguiu objetivos desejáveis, mas, na atualidade, acabou por se tornar discriminatória. A remoção desses obstáculos, ou seja, a revogação da legislação tutelar, acompanhada de uma política administrativa capaz de eliminar ou reduzir riscos reprodutivos ocupacionais ou riscos ocupacionais, poderá contribuir para uma igualdade formal da mulher, tornando mais flexível a utilização da mão-de-obra feminina, mas não cremos que possa obter efeitos imediatos de igualdade substancial. (BARROS, 2008, p. 1081)

Alice Monteiro de Barros frisa também que a CF/88 impediu outras

situações que prejudicavam e discriminavam o trabalho feminino.

Ao consagrar a igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres, no inciso I, do art. 5º, a Constituição vigente vedou, ainda, diferença de salário, de exercício de funções e critério de admissão por motivo de sexo (art. 7º, XXX), bem como tornou incompatível com o seu texto a legislação ordinária que restringia o trabalho das mulheres nessa condição e nos setores relacionados no parágrafo anterior, o que levou o legislador a revogar, expressamente, o citado art. 387, por meio da Lei n. 7.855, de outubro de 1989. (BARROS, 2008, P. 1077)

Sérgio Pinto Martins enfatiza vedações da Constituição de 88, que já

fizeram parte de Cartas Políticas anteriores e também algumas inovações.

A redação final do inciso XXX do art. 7º da Lei Maior veda diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil. Essa Constituição não repete, porém, a Constituição de 1946, que mencionava não poder haver discriminação quanto à nacionalidade. Entretanto, esse princípio se acha implícito no art. 5º, caput, da Lei Maior de 1988, quando expressa que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, havendo igualdade entre brasileiros e estrangeiros, salvo as restrições feitas na própria norma constitucional. Volta o constituinte de 1988 a prever que não poderá haver critério de discriminação quanto à idade, o que se verificava nas Constituições de 1934 e 1946. Inova no aspecto de que não poderá haver discriminação quanto ao exercício de funções, o que nunca tinha sido anteriormente previsto. (MARTINS, 2008, p. 470)

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Dentre todas as modificações e direitos encontrados na Carta de 1988,

um se destaca: a licença-maternidade. Este direito será estudado no capítulo

seguinte.

1.4 – AS LEIS PÓS-CONSTITUIÇÃO DE 1988

Diversas leis garantiram e ampliaram os direitos da mulher. Estas

tiveram como principal objetivo vedar a prática de atos discriminatórios. Assim, a

legislação ordinária também passou a disciplinar o tratamento igualitário da

mulher e eliminar medidas protecionistas.

A Lei nº 7.855/89 é um exemplo disso. Esta procurou rever dispositivos

da CLT, adequando-os ao texto constitucional. Assim revogou os seguintes

artigos da CLT: 379 e 380, que proibiam o trabalho noturno da mulher e

especificavam certas condições; 374 e 375, que tratavam de prorrogação e

compensação do trabalho da mulher; e o 387, que versava sobre a proibição do

trabalho da mulher nos subterrâneos, nas minerações em subsolo, nas pedreiras

e obras de construção civil, pública ou particular, e nas atividades perigosas e

insalubres.

A permissão de o trabalho feminino realizar horas extras ficou expresso

na Lei 10.244/01, apesar do artigo 376 da CLT ter sido revogado na prática pela

Constituição de 88.

Outros artigos da CLT foram revogados tacitamente como, por exemplo,

o repouso mínimo de uma a duas horas para a obreira, qualquer que seja a

extensão da jornada de trabalho. Maurício Godinho esclarece que tal preceito

fazia com que a mulher ficasse mais tempo à disposição do trabalho.

Tal preceito é grosseiramente discriminatório (e insensato), impondo à mulher uma disponibilidade temporal enorme (ao contrário do imposto ao homem) mesmo em casos de curtas jornadas, abaixo de seis horas ao dia (como previsto no art. 71, § 1º da CLT, que prevê, em tais casos, descanso de apenas 15 minutos). (DELGADO, 2006, p.781)

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As leis 9029/95 e 9799/99 tiveram como principal objetivo combater à

discriminação da mulher trabalhadora. A primeira constitui crime a exigência de

teste, exame, perícia, laudo, atestado, declaração ou qualquer outro procedimento

relativo à esterilização ou a estado de gravidez; e a adoção de quaisquer medidas,

de iniciativa do empregador, que configurem indução ou instigamento à

esterilização genética

A segunda garante o igual acesso de mulheres às vagas, proibindo a

referência ao sexo, à idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez na

publicação de anúncios de emprego, recusa de emprego, dispensa do trabalho,

remuneração variável, oportunidades de ascensão profissional e impossibilitar o

acesso ou adotar critérios subjetivos para deferimento de inscrição ou aprovação

em concursos de empresas privadas.

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CAPÍTULO IV

LICENÇA-MATERNIDADE: UM DIREITO À VIDA

Este capítulo irá abordar a evolução da legislação sobre o direito à licença-

maternidade, a importância não somente para mulher, como para o nascituro e

toda a sociedade. Afinal, ter filhos é mais que aflorar a maternidade; é uma

perpetuação da espécie.

1.1 – A IMPORTÂNCIA DA LICENÇA-MATERNIDADE

A licença-maternidade é um meio de proteção da saúde física e mental

da mulher da trabalhadora que, por motivos biológicos, necessita de descanso.

Além disso, tem como foco proteger o filho, desde a sua concepção.

O amparo à maternidade possui amplo caráter social. Como célula da

sociedade, a família tem que ser preservada e, para isto, é necessário que a mãe

esteja integralmente disponível para os cuidados indispensáveis ao filho, nos

primeiros meses de vida, sobretudo para o aleitamento materno. Os inúmeros

fatores existentes no leite materno protegem contra infecções comuns em

crianças como diarréia e doenças respiratórias agudas, além de propiciar uma

nutrição de alta qualidade para a criança, promovendo o seu crescimento e

desenvolvimento.

Como será apresentado no decorrer deste capítulo, a mulher adotante

também possui, atualmente, o direito a licença. Esta tem como objetivo a

adaptação da criança, proporcionando uma integração com a família adotiva.

Ambas as mães (genética e adotante) e a criança necessitam desta

oportunidade para se adequarem à nova realidade, integrando-os, de modo a

proporcionar o melhor desenvolvimento infantil.

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1.2 – O INÍCIO

Durante muito tempo, a maternidade foi usada como argumento para

mulher não trabalhar, já que esta deveria ficar em casa para cuidar dos filhos.

Porém, como narra Léa Calil, a realidade era outra.

Muitas mulheres jamais tiveram a opção de não trabalhar para cuidar de seus filhos, pois, para elas, o sustento deles advinha do seu trabalho. E, principalmente após a revolução industrial, que promoveu o emprego de mulheres em larga escala, caíram por terra os argumentos de que a mulher não deveria trabalhar, surgindo a necessidade de garantir-lhes direitos iguais aos dos homens trabalhadores. (CALIL, 2007, p. 58)

Conforme já apresentado durante o nosso estudo, a primeira norma

brasileira de proteção ao estado gravídico surgiu, em 1912, com o Código do

Trabalho, que previa a licença entre 15 a 25 dias antes do parto e até 25 dias

depois, garantido o retorno do emprego. Dentre as várias objeções feitas pelos

parlamentares, uma delas foi com relação à licença-maternidade. Eles

acreditavam que o “amparo social no período que antecede e procede ao parto

era tornar a gravidez rendosa e cômoda profissão” (CALIL, 2007, p. 28). O projeto

nunca foi aprovado.

Em 1923, o Decreto nº 16.300, facultava às mulheres, empregadas em

estabelecimentos industriais e comerciais, descanso de 30 dias antes e após o

parto. Para obter a licença, deveria seguir alguns procedimentos. Léa Calil aponta

o que era necessário fazer para obter o direito.

O médico do estabelecimento ou mesmo o médico particular da obreira deveria fornecer a seus superiores um atestado referente ao período de afastamento, constando a provável data do parto. A administração da oficina ou fábrica, por seu turno, remeteria um memorando à Inspetoria de Higiene Infantil do Departamento Nacional de Saúde Pública, que comunicaria o seu recebimento, lançando em livro especial a notificação relativa ao descanso da gestante. (CALIL, 2007, p.28)

Sobre a amamentação, era facultado às empregadas, segundo o citado

decreto, apesar de não haver estabelecido uma duração do intervalo. No entanto,

era prevista a criação de creches ou salas de amamentação próximas aos

estabelecimentos.

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Com o Decreto nº 21.417-A, de 1932, foi garantido a mulher um

descanso obrigatório de quatro semanas antes e após o parto, podendo ser

aumentado, cada período, em duas semanas, através de atestado médico. O

auxílio devido era correspondente à metade da média auferida nos últimos seis

vencimentos pagos pelas caixas criadas pelo Instituto de Seguridade Social e, na

falta, pelo empregador. À mulher gestante era assegurado o retorno ao emprego

nas funções que executava antes da licença e o rompimento do contrato pela

trabalhadora grávida, se ficasse comprovado que era prejudicial ao estado

gravídico. Entretanto, era proibida a demissão da mulher pelo empregador,

simplesmente sob o motivo de estar grávida.

O Decreto ainda inovou, garantindo descanso de duas semanas em

caso de aborto não-criminoso. No caso do aleitamento, a mãe contava com dois

intervalos diários, de meia hora cada, nos primeiros seis meses de vida da criança.

Caso o estabelecimento contasse com mais de 30 empregadas com idade acima

de 16 anos, era necessário ter um estabelecimento para este fim.

No ano de 1935, o Brasil ratificou a Convenção nº 3 da OIT

(Organização Internacional do Trabalho). Nesta, a mulher trabalhadora passou a

contar com uma licença remunerada compulsória de seis semanas antes e depois

do parto. Ainda previa intervalos de 30 minutos, durante a jornada de trabalho,

para amamentação e uma remuneração, custeada pelos cofres públicos,

mediante a comprovação do parto por atestado médico.

A extensão da licença-maternidade às empregadas de empresas

agrícolas só aconteceu em 1956, depois do Brasil aderir a Convenção nº 12,

criada em 1921. Sobre o pagamento da licença, havia uma ressalva: deveria

caber aos cofres públicos ou a um sistema de seguros.

Sobre as Constituições promulgadas no Brasil, após a proclamação da

República, merece destaque à de 1937. Apesar de trazer o princípio da igualdade

de todos perante à lei, ela omitiu a garantia de emprego à gestante. Tirando um

dos direitos não apenas da mulher, mas de toda sociedade. Como bem lembra

Léa Calil, proteger a gestante é garantir o futuro da espécie, fim último da

existência de qualquer ser vivo. Dificultar ou obstar é prejudicar o ciclo natural da

vida. (CALIL, 2007, p. 37)

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Com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), as normas de

proteção à maternidade surgem para proteger não só a mulher, mas também a

criança. No entanto, estas se impuseram como um ônus ao empregador. Com

isso, surgiu um problema: a discriminação. Léa Calil revela que as garantias eram

mínimas, mas devido aos homens não terem sido contemplados com muitos

direitos, tornava-se quase que uma proibição à contratação do trabalho feminino.

Não que as exigências fossem descabidas. Até pelo contrário, garantia-se apenas o mínimo para as mulheres que eram ou viriam a ser mães. O problema é que os homens trabalhadores eram tão desprovidos de direitos sociais, que os garantidos às mulheres soavam quase como uma proibição à sua contratação. (CALIL, 2007, pp. 37 e 38)

A CLT transformou as normas de proteção à maternidade em medidas

imperativas e insuscetíveis de disponibilidade. Com isso, ela passa a ser um

dever e uma obrigação da empregada gestante e do empregador,

respectivamente. Mesmo com seu assentimento, a trabalhadora gestante não

poderá deixar de gozar o período de licença. Ao empregador, é imposto uma

pena, arcando com o pagamento do salário relativo à prestação de serviços, além

de sofrer sanções administrativas, conforme o artigo 401 da CLT,

independentemente do salário-maternidade que será devido à empregada (art.

393, CLT), como frisa Vólia Bomfim Cassar.

É proibido o trabalho durante a licença-maternidade. Todavia, se de fato foi executado, a trabalhadora terá direito não só ao salário-maternidade, como também aos salários do período trabalhado. (CASSAR, 2007, p. 385)

Vale salientar que as medidas de tutela à maternidade prevista nos

artigos 391 a 401 da CLT estendem-se às empregadas, inclusive em domicílio, a

que aludem os artigos 3º e 6º da Consolidação.

Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

Art. 6º - Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador e o executado no domicílio do empregado, desde que esteja caracterizada a relação de emprego.10

No decorrer dos anos, a mulher gestante vai conquistando outros

direitos. No entanto, a discriminação persiste, apesar de surgirem algumas

10 Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943

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modificações na legislação como, por exemplo, o pagamento do salário-

maternidade deixar de fazer parte do empregador, passando a responsabilidade

para o sistema de previdência social.

A Constituição é um marco do direito à igualdade e para trabalhadora

gestante a garantia do direito à estabilidade.

1.3 – A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E O PROGRAMA EMPRESA

CIDADÃ

A isonomia de direitos é um dos pontos fundamentais da Carta Magna

promulgada em 1988. A preocupação com a maternidade surge tanto na licença-

maternidade como na estabilidade garantida à gestante, que será abordada mais

adiante.

A Constituição Federal de 88 inovou ao ampliar a licença-maternidade

para 120 dias. Alice Monteiro de Barros ressalta um ponto importante sobre essa

questão.

Vale observar que o texto constitucional não repetiu a expressão “antes e depois do parto”, como fizeram as Constituições anteriores. A omissão acabou por permitir que a legislação ordinária fosse mais flexível no que tange à distribuição da licença, mormente antes do parto. Sucede que, não obstante a omissão, a Constituição da República menciona na “licença à gestante” (art. 7º, XVIII), pressupondo a necessidade da licença antes do parto, pois a empregada só será gestante antes de dar a luz. (BARROS, 2008, pp. 1086 e 1087)

É importante salientar que o período de afastamento, antes e depois do

parto, ainda poderão ser aumentados em duas semanas cada, mediante atestado

médico fornecido pelo Sistema Único de Saúde e em circunstâncias excepcionais.

Léa Calil ainda revela sobre a importância da majoração da licença-

maternidade tanto para a mulher quanto para a criança.

O aumento da licença-maternidade de 12 semanas para 120 dias buscou garantir não apenas a saúde da mãe e da criança, mas principalmente a vida desta, vez que prolongar o tempo de permanência da mãe ao lado do filho é garantir a amamentação do recém-nascido com leite materno, o que reduz a mortalidade infantil. (CALIL, 2007, p. 51)

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A mais recente norma de proteção à maternidade veio com a Lei

11.770/08, que faculta à empresa aderente a ampliação da licença-maternidade

por mais 60 dias.

Para ter este direito, a empregada terá que requerer a ampliação da

licença até o final do primeiro mês após parto.

Art. 1º - É instituído o Programa Empresa Cidadã, destinado a prorrogar por 60 (sessenta) dias a duração da licença-maternidade prevista no inciso XVIII do caput do art. 7º da Constituição Federal.

§ 1º - A prorrogação será garantida à empregada da pessoa jurídica que aderir ao Programa, desde que a empregada a requeira até o final do primeiro mês após o parto, e concedida imediatamente após a fruição da licença-maternidade de que trata o inciso XVIII do caput do art. 7º da Constituição Federal.11

Em seu artigo 4º, a referida lei ainda enfatiza que a empregada não

poderá exercer nenhuma atividade remunerada e a criança não poderá ser

mantida em creche ou organização similar. Caso ocorra uma dessas hipóteses,

perderá o direito à prorrogação.

Não podemos esquecer que a empregada doméstica e à trabalhadora

rural também têm garantido o direito à licença-maternidade de 120 dias, sem

prejuízo do salário, conforme determina o artigo 7º, inciso XVIII e parágrafo único,

da Constituição Federal.

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias.

Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VIII, XV, XVII, XVIII, XIX, XXI e XXIV, bem como a sua integração à previdência social.12

Vale também ressaltar que a servidora pública, através do artigo 39,

§3º, também terá direito de gozar a licença-maternidade.

§ 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir.13

11 Lei nº 11.770, de 9 de setembro de 2008 12 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 13 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

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1.4 – LICENÇA À ADOTANTE

A licença-maternidade possui dois objetivos: recuperação física da

mulher após o parto e o convívio da mãe com a criança nos primeiros meses de

vida. O segundo motivo fez com que conferisse a empregada que adotar ou

obtiver a guarda judicial para fins de adoção, o direito à licença.

Além disso, o princípio da igualdade e o artigo 1.596, do Código Civil,

garantem que filhos havidos dentro ou fora do casamento e os adotivos têm os

mesmos direitos.

Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.14

Com a edição da Lei nº 10.421/2002, foi inserido o artigo 392-A, na

CLT, estendendo às mães adotivas o direito à licença-maternidade já garantido

pela Carga Magna às mães biológicas. Esta ainda escalonou o tempo de licença-

maternidade em relação direta à idade da criança e determina também que o

direito será concedido mediante a apresentação do termo de guarda à adotante

ou guardiã

Art. 2o A Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, passa a vigorar acrescida do seguinte dispositivo:

Art. 392-A. À empregada que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança será concedida licença-maternidade nos termos do art. 392, observado o disposto no seu § 5o.

§ 1o No caso de adoção ou guarda judicial de criança até 1 (um) ano de idade, o período de licença será de 120 (cento e vinte) dias.

§ 2o No caso de adoção ou guarda judicial de criança a partir de 1 (um) ano até 4 (quatro) anos de idade, o período de licença será de 60 (sessenta) dias.

§ 3o No caso de adoção ou guarda judicial de criança a partir de 4 (quatro) anos até 8 (oito) anos de idade, o período de licença será de 30 (trinta) dias.

14 Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002

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§ 4o A licença-maternidade só será concedida mediante apresentação do termo judicial de guarda à adotante ou guardiã.15

Segundo Amauri Mascaro, a desigualdade dos prazos da licença é

“considerada, por alguns, discriminatória e contrária ao princípio da igualdade de

direitos da criança” (NASCIMENTO, 2009, p. 192)

Léa Calil considera que o legislador não deveria ter escalonado o

tempo de licença-maternidade pela idade da criança e que o Estatuto da Criança

e do Adolescente não poderia ter sido esquecido.

A lei escalonou o tempo o tempo de licença-maternidade em relação direta à idade da criança adotada: assim, no caso de crianças até um ano, a mãe adotiva terá direito a 120 dias de licença; a criança entre 1 a 4 anos gera o direito a 60 dias; e crianças entre 4 e 8 anos, 30 dias de licença.

Errou o legislador ao promover a inversão proporcional do tempo da licença em relação à idade da criança. A adaptação de uma criança mais velha a um lar adotivo não será mais simples do que a de uma na tenra idade.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 2º, define como criança a pessoas até seus dozes anos incompletos. A lei nº 10.421/2002 não contemplou a hipótese de adoção de crianças acima de 8 anos e, deste modo, ignorou a importância da completude de nosso sistema legal. (CALIL, 2007, p. 61)

1.5 – ESTABILIDADE À GESTANTE

A estabilidade à gestante é prevista nos Atos das Disposições

Transitórias (artigo 10, II, b), que veda a dispensa arbitrária ou sem justa causa da

empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o

parto. A estabilidade provisória já era prevista em vários acordos e convenções

coletivas.

Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição:

II - fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa:

15 Lei nº 10.421, de 15 de abril de 2002

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b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.16

Caso a empregada tenha descoberto a gravidez ou não tenha

informado a seu chefe sobre o seu estado, ocorrendo a dispensa imotivada, o

TST fixou jurisprudência a respeito.

SUMÚLA - 244 - GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA (incorporadas as Orientações Jurisprudenciais nºs 88 e 196 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005

I - O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade (art. 10, II, "b" do ADCT). (ex-OJ nº 88 da SBDI-1 - DJ 16.04.2004 e republicada DJ 04.05.2004)

II - A garantia de emprego à gestante só autoriza a reintegração se esta se der durante o período de estabilidade. Do contrário, a garantia restringe-se aos salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade. (ex-Súmula nº 244 – alterada pela Res. 121/2003, DJ 21.11.2003)17

Vólia Bomfim Cassar ainda enfatiza que o ato de comunicar é apenas

um mero requisito.

A gestação é o fato jurídico que faz a empregada adquirir o direito à estabilidade. A comunicação é um mero requisito da prova do ato e não de substância. Sendo assim, o empregador, mesmo que desconheça o estado gravídico da empregada, não pode demiti-la, porque sua culpa é objetiva. (CASSAR, 2007, p. 1129)

A autora ainda esclarece quando se inicia a estabilidade da gestante.

A empregada terá direito à reintegração ou indenização desde a CONCEPÇÃO (se esta se deu no curso do contrato de trabalho), pois este é o marco inicial da estabilidade, mesmo que a confirmação para a gestante tenha ocorrido após a “dispensa”. Este entendimento visa proteger a gestante, independentemente de qualquer outra medida objetiva, como atestados, exames ou comprovações do estado gravídico. Se baseia na culpa objetiva do empregador. Ademais, o prazo prescricional para pedido de reparação de lesão trabalhista é de dois anos contados da extinção do contrato. (CASSAR, 2007, p. 1130)

A estabilidade da gestante fez surgir a prática que cresceu com a

promulgação da Constituição de 1988: a exigência de atestado negativo de

gravidez para as ingressantes no emprego ou da comprovação de esterilização

tanto das postulantes ao cargo quanto das empregadas para a manutenção do

16 Atos das Disposições Constitucionais Transitórias – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 17 Súmula 244 do Tribunal Superior do Trabalho

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posto. Devido a isso, é criada, em 1995, a Lei 9.029, que considera como ato

discriminatório do trabalho da mulher teste, exame, perícia, laudo, atestado,

declaração ou outros quaisquer meios destinados a esclarecer se a mesma está

grávida ou esterilizada.

Também é considerado crime a adoção de quaisquer medidas, por

iniciativa do empregador, que configurem a indução ou instigamento à

esterilização genética ou promoção do controle de natalidade. Ficam excluídos,

neste último caso, os serviços de aconselhamento ou planejamento familiar,

realizadas pelas instituições públicas ou privadas, submetidas ao Sistema Único

de Saúde (SUS).

Sérgio Pinto Martins esclarece que nada impede da empresa solicitar

exame médico durante a dispensa da empregada. Segundo o autor, o objetivo é

manter a relação de emprego, caso o resultado seja positivo.

O empregador não poderá saber se a empregada está ou não grávida se não proceder ao exame. A prática de o empregador solicitar o exame médico para a dispensa da empregada é um ato de garantia para as próprias partes da condição de estabilidade da obreira, para efeito da manutenção da relação de emprego no caso de estar ela grávida, não representando crime, infração administrativa ou outra qualquer. Não se trata, assim, de discriminação, pois, ao contrário, está verificando se a empregada pode ou não ser dispensada, pois sem o exame não se saberá se a empregada estava ou não grávida quando da dispensa, que implicaria ou não a reintegração. (MARTINS, 2008, p. 583)

Porém, a doutrina não é pacífica neste sentido. Vólia Bomfim Cassar

narra que existem correntes contrárias.

Não pode o empregado obrigar a empregada a se submeter ao exame médico de esterilização ou de gestação, porque considerado crime pelo artigo 2º da Lei nº 9.029/95 e proibida a prática pelo art. 373-A, IV da CLT. O exame médico periódico e demissional exigido pelo artigo 168 da CLT não inclui o de sangue ou de urina, mas tão-somente os superficiais ou os necessários para exercício da função. (CASSAR, 2007, p. 1129)

Quanto ao contrato a termo, a gestante, assim como o trabalhador

estável, só terá estabilidade durante o contrato, impossibilitando a despedida

imotivada. O termo final “acarreta na morte natural do contrato, não havendo

dispensa, mas sim extinção normal” (CASSAR, 2007, p.1134).

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Segundo a Súmula 244, III, do TST, a empregada gestante não terá

direito à estabilidade provisória mediante contrato de experiência. Ao extinguir o

contrato a termo, a gestante não poderá cobrar do seu empregador o salário-

maternidade.

SUMÚLA - 244 - GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA (incorporadas as Orientações Jurisprudenciais nºs 88 e 196 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005

III - Não há direito da empregada gestante à estabilidade provisória na hipótese de admissão mediante contrato de experiência, visto que a extinção da relação de emprego, em face do término do prazo, não constitui dispensa arbitrária ou sem justa causa. (ex-OJ nº 196 da SBDI-1 - inserida em 08.11.2000)18

Não podemos deixar de falar sobre o caso da empregada doméstica. A

Constituição Federal de 1988, em seu artigo 7º, não englobou o inciso I, aos

direitos destinados aos domésticos. Assim, estes não foram agraciados com a

estabilidade prevista no artigo 10, II, b, do ADCT.

No entanto, com a edição da Lei 11.324/06, a doméstica gestante

passou a ter direito à estabilidade.

Art. 4º-A – É vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada doméstica gestante desde a confirmação da gravidez até 5 (cinco) meses após o parto.19

Outro ponto importante que precisa ser levantado é quando a criança

nasce morta. Neste caso, também há garantia de emprego, porque houve

gestação e parto.

Não podemos esquecer de mais três casos: mãe de aluguel, a

fornecedora de óvulos e adotante. No primeiro caso, ela terá a garantia de

emprego, pois ocorreu a gravidez. Porém, no segundo, não será agraciada com o

mesmo direito, porque não existiu a gestação. Já no caso da adotante, esta não

terá assegurado à estabilidade, pois a alínea b do inciso II do artigo 10 do ADCT

dispõe que é vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa quando ocorrer à

confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.

18 Súmula 244 do Tribunal Superior do Trabalho 19 Lei nº 11.324, de 19 de julho de 2006

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1.6 – CASOS EXCEPCIONAIS

A licença-maternidade possui casos que merecem ser abordados. O

primeiro a ser apresentado é o que se refere ao parto antecipado.

Neste é assegurado à empregada o mesmo período de licença-

maternidade (artigo 392, § 3ª). O parágrafo em tela permitiu que a CLT ficasse em

consonância com a norma internacional, não ocorrendo a distinção entre parto

prematuro e parto normal.

Art. 392. A empregada gestante tem direito à licença-maternidade de 120 (cento e vinte) dias, sem prejuízo do emprego e do salário.

§ 3º - Em caso de parto antecipado, a mulher terá direito aos 120 (cento e vinte) dias previstos neste artigo.20

Sobre esta questão, o Decreto nº 3.048/99 também ratificou este direito,

através do artigo 93, § 4º.

Art. 93. O salário-maternidade é devido à segurada da previdência social, durante cento e vinte dias, com início vinte e oito dias antes e término noventa e um dias depois do parto, podendo ser prorrogado na forma prevista no § 3o.

§ 4º Em caso de parto antecipado ou não, a segurada tem direito aos cento e vinte dias previstos neste artigo.21

Outro fato a ser levantado é o caso do nascimento sem vida da criança.

Antes da ratificação pelo Brasil da Convenção nº 103, da OIT, “havia os que

admitiam o retorno da empregada ao trabalho antes do término da licença, caso o

filho nascesse sem vida e desde que a saúde da mulher não o impedisse”

(BARROS, 2008, p. 1088).

Para valer do direito à licença, a empregada deveria provar a

necessidade de repouso após o parto; do contrário, era facultado ao empregador

exigir-lhe o retorno ao trabalho, antes do término da licença.

Atualmente, o afastamento após o parto é obrigatório. Alice Monteiro

de Barros faz algumas considerações a respeito do tema:

O fato de a criança ter falecido não elide a pretensão. É que o dispositivo constitucional pertinente, o artigo 392 consolidado e a lei previdenciária não exigem que a criança nasça

20 Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943 21 Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999

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com vida, para que a empregada tenha direito à licença-maternidade e à garantia de emprego. Logo, onde o legislador não distingue, não cabe ao intérprete fazê-lo. (BARROS, 2008, p. 1089)

Muitos doutrinadores defendem o descanso, independentemente de a

criança nascer com vida ou não, salvo o aborto, por este possuir previsão legal

específica.

Um problema delicado é quando ocorre o falecimento da gestante no

curso da licença-maternidade ou durante o parto. Neste caso, o contrato de

trabalho será extinto e cessará a obrigação do pagamento da licença-maternidade.

Sobre o assunto, Alice Monteiro faz uma crítica:

O ideal seria que o restante da licença fosse concedido ao pai para cuidar da criança, como já procede a legislação espanhola, a jurisprudência italiana, a legislação da Colômbia e do Chile. Lembre-se que há jurisprudência do TST, da década de 50, estendendo a referida licença ao cônjuge supérstite, em benefício da criança, exatamente como procedeu a jurisprudência italiana. (BARROS, 2008, p. 1090).

Quanto à situação do aborto, sendo não criminoso, evidenciado por

atestado médico do SUS, à empregada será concedido um repouso remunerado

de duas semanas. A licença se justifica por motivos de ordem fisiológica.

Não podemos deixar de apresentar os casos de filhos gêmeos e

empregos concomitantes. Em ambos os casos, não ocorrerá a alteração do

período de licença. Porém, quanto à remuneração, no primeiro caso, a gestante

só terá direito a apenas um valor a prestação correspondente; entretanto, no

segundo, esta fará jus ao salário-maternidade de cada emprego.

1.7 – REMUNERAÇÃO DURANTE O PERÍODO DA LICENÇA-MATERNIDADE

A retribuição do salário-maternidade é um dos pontos que mais

discriminam, até hoje, o trabalho feminino. Muitos empregadores ainda evitam

contratar mulheres em idade reprodutiva.

O argumento não possui mais fundamento, pois o poder público arca,

atualmente, de forma integral com o salário-maternidade. Inicialmente, o

empregador era quem pagava o período da licença. Com isso, a contratação era

menor. O fato do pagamento da licença-maternidade ficar a cargo da Previdência

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Social aconteceu, principalmente, como uma forma de incentivar a contratação de

mulheres como empregadas, evitando, assim, a discriminação.

O Decreto nº 51.627/62, que promulgou a Convenção nº 3 da OIT, de

1919, previa o pagamento das prestações para a manutenção da empregada e de

seu filho, sendo estas custeadas pelo Estado ou por sistema de seguro. Além

disso, o Decreto nº 58.020/66, que ratificou a Convenção nº 103, da OIT, de 1952,

dispunha que o empregador não deveria ficar responsável pelo custo das

prestações devidas à mulher gestante.

Com a edição da Lei nº 6.136/74, o salário-maternidade passou a ser

uma prestação previdenciária. Sérgio Pinto Martins relata sobre as modificações

da legislação ao longo dos anos e a importância para evitar a discriminação do

trabalho feminino.

O custeio do salário-maternidade era de 0,3% (art. 4º da Lei nº 6.136/74), que foi extinto pela Lei nº 7.787/89, pois ficou englobado no porcentual de 20% que a empresa deve recolher sobre a folha de pagamento (§1º do art. 3º da Lei nº 7.787/89). Essa orientação foi repetida no inciso I do art. 22 da Lei 8.212/91.

A conjugação dessas regras importa indiretamente na proteção do mercado de trabalho da mulher, pois, se o empregador tiver de pagar o salário da empregada no período da gestação e após o parto, não irá contratar mulheres. (MARTINS, 2008, p. 580)

Durante a licença, a gestante terá direito a seu salário integral e,

quando variável, será calculado a média dos seis últimos meses de trabalho. Esta

também terá direito, durante o seu afastamento, às vantagens adquiridas através

de normas coletivas da categoria ou de outra regra legal.

O empregador irá adiantar o salário-maternidade à empregada e

compensará com o que deve a título de contribuição previdenciária na guia de

recolhimento. Léa Calil fala sobre este benefício e esclarece ainda um ponto

importante: o teto previdenciário.

O poder público, através do INSS, arca com o salário-maternidade, tirando do empregador este ônus e, desta forma, impedindo que o trabalho feminino possa se tornar mais oneroso que o masculino. O salário-maternidade é benefício previdenciário que garante à gestante o recebimento de renda mensal em valor igual à sua remuneração integral. Desta forma, o salário-maternidade é o único benefício previdenciário que pode ser pago com valor superior ao teto dos salários benefícios pagos pela Previdência Social – seu limite máximo é o teto salarial dos

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ministros do Supremo Tribunal Federal. Assim, ainda que a trabalhadora tenha vencimentos superiores, seu salário-maternidade está limitado ao valor do teto por força da Resolução nº 236, de 19 de julho de 2002, do Supremo Tribunal Federal. (CALIL, 2007, p. 59)

Quanto à natureza jurídica, o salário-maternidade é um benefício

previdenciário, conforme ratifica Sérgio Pinto Martins.

É a previdência social que faz seu pagamento. Não se trata de uma prestação de assistência social, por não ser prevista no art. 203 da Constituição, mas de prestação previdenciária incluída no inciso II do art. 201 e inciso XVIII do art. 7º da Constituição. (MARTINS, 2008, p. 581)

A doméstica também terá direito ao salário-maternidade em valor

correspondente ao seu último salário-de-contribuição. No caso da trabalhadora

avulsa, será uma renda mensal igual a sua remuneração integral. A trabalhadora

rural terá direito ao valor equivalente à 1/12 do salário de contribuição nos últimos

doze meses imediatamente anteriores ao início do benefício, mesmo que a

contribuição apresente-se descontínua. Nos três casos, o INSS é quem pagará o

salário.

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CAPÍTULO V

PROTEÇÃO CONTRA ABUSOS AO TRABALHO FEMININO

Este capítulo irá abordar o assédio sexual, assédio moral e violência doméstica,

mostrando as medidas adotadas pela legislação brasileira para conter estes

abusos e proteger a mulher.

1.1 – ASSÉDIO SEXUAL

O assédio sexual pode ocorrer com homens ou mulheres assediando e

até mesmo entre pessoas do mesmo sexo. O papel do assediante nem sempre

será desempenhado por um homem, apesar de ser a forma mais comum. A

autora Paula Oliveira Cantelli revela como se caracteriza o assédio.

O assédio, por si só, já pressupõe a existência de prática de conduta inoportuna e inadequada em relação a outrem. Quando apresenta conotação sexual, refere-se a uma abordagem não desejada, com intenção sexual, que afronte a dignidade da vítima e viole sua liberdade sexual.

A liberdade sexual está intimamente ligada à livre disposição do corpo, do direito à intimidade, à dignidade da pessoa.

O assédio pode ser entendido como o comportamento que viola a liberdade sexual, indo de encontro com o direito que cada um tem de dispor do próprio corpo e expondo a vítima, de modo geral, a situações de intimidação, humilhação, constrangimento. (CANTELLI, 2007, pp. 130 e 131).

O ato de assediar também pode ser considerado uma forma de

discriminação, tratando alguém de forma desigual e injusta. O assédio não ocorre

apenas nas relações de trabalho, ele poderá ocorrer também em qualquer

circunstância, bastando apenas existir a relação de hierarquia como, por exemplo,

entre docentes e discentes. Porém, como bem frisa Léa Calil, é no ambiente

laboral onde isso mais ocorre.

A problemática do assédio sexual está diretamente ligada à relação de dominação a que é submetido todo trabalhador, seja ele homem ou mulher, ao se ver obrigado a vender sua força de trabalho e ficar em posição de subordinação em relação a outra pessoa. (CALIL, 2007, p. 72)

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Alguns elementos essenciais caracterizam o assédio sexual. De forma

genérica, seria todo conduta inoportuna e indesejada de uma pessoa em relação

à outra, porém a conotação sexual, não desejada e repelida pela vítima e com

incidência negativa na relação de trabalho são considerados requisitos especiais.

Muitas vezes, a vítima do assédio, por medo de perder o emprego ou

até mesmo por possíveis repercussões na família, prefere não se manifestar a

respeito. Sobre este ponto, Paula Cantelli faz uma ponderação.

A nosso ver, para a configuração do assédio, basta a vítima, ainda que intimamente, não deseje a conduta do assediador. Em outras palavras, que ele não aceite aquela atitude, mesmo que não se manifeste de maneira inequívoca neste sentido. Não é imprescindível que a recusa seja “manifesta”, pelo menos no sentido que se costuma dar ao termo. É possível que se revele até através de um sentimento íntimo da vítima, que pode ser – conforme o caso – presumido, a partir de indícios.

De qualquer forma, o assédio sexual somente se caracteriza se a proposta sexual for indesejada, pois é justamente essa rejeição – expressa ou oculta – que concretiza a violação da liberdade sexual do assediado. (CANTELLI, 2007, p. 133)

Apenas o repúdio a uma solicitação sexual ou a oposição declarada a

uma atitude sexual ofensiva já justifica uma ação judicial. A doutrina ainda

sustenta que não é necessário um não expresso, bastando apenas gestos como,

por exemplo, movimentos do corpo, demonstrando sinais de recusa. É importante

salientar que alguns juristas também consideram a repetição também como um

elemento caracterizador. Entretanto, como bem menciona Paula Cantelli, esta

posição tem sido desprezada pela jurisprudência.

O entendimento dominante é no sentido de que a reiteração não é elemento essencial para a caracterização do assédio sexual.

Note-se que, ao contrário do que acontece no assédio moral – que, de modo geral, gera efeitos como o passar do tempo e por isso exige reiteração -, no assédio sexual as conseqüências são sentidas ainda que o ato indesejado seja praticado uma única vez. (CANTELLI, 2007, p. 134)

A doutrina ainda divide o assédio sexual em duas espécies: por

intimidação e por chantagem. O primeiro é conhecido também como assédio

sexual ambiental. Neste, segundo Paula Oliveira Cantelli, a intimidação da vítima

é realizada por colega de trabalho, não necessitando o assediador ser

hierarquicamente superior à vítima. (CANTELLI, 2007, p. 135) O objetivo é

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apenas causar-lhe humilhação e constrangimento, prejudicando-lhe em suas

atividades laborais, como nos narra Alice Monteiro de Barros.

Caracteriza-se por incitações sexuais importunas, ou por manifestações da mesma índole, verbais ou físicas, com o efeito de prejudicar a atuação laboral de uma pessoa ou de criar uma situação ofensiva, hostil, de intimidação ou abuso no trabalho. (BARROS, 2008, p. 936)

Já o assédio sexual por chantagem tem como marca característica a

presença do elemento hierárquico e do abuso de autoridade. O assediador

aproveita sua posição superior para coagir a vítima, como nos revela Alice

Monteiro de Barros.

Traduz, em geral, exigência formulada por superior hierárquico a um subordinado para que se preste à atividade sexual, sob pena de perder o emprego ou benefícios advindos da relação de emprego. É o chamado assédio quid pro quo, ou seja, “isto por aquilo”. (BARROS, 2008, p. 936)

A autora ainda lembra que o assédio praticado por inferior hierárquico,

sob a ameaça de revelar algum dado confidencial do empregador, por exemplo,

não configura justa causa para dispensa, pois não se caracteriza como o tipo

previsto na legislação penal, por faltar o requisito da superioridade hierárquica.

(BARROS, 2008, p. 936 e 937)

A renomada autora ainda divide as manifestações do assédio sexual

em três formas: não verbal, verbal e física. A primeira se apresenta com olhares

sugestivos, exibição de fotos e textos pornográficos, seguidos de insinuações,

passeios frequentes no local de trabalho ou diante do domicílio da vítima,

exibicionismo e perseguição à pessoa assediada.

Na verbal, o assediador irá fazer convites reiterados para sair,

pressões sexuais sutis ou grosseiras, telefonemas obscenos e comentários

inoportunos de natureza sexual. Por último, temos a física. Esta se caracteriza por

toques, encurralamento dentro de um ângulo, roçaduras, apertos, palmadas,

esbarrões propositais, apalpadelas e agarramentos.

Atualmente, as mulheres sãs as principais vítimas do assédio sexual no

mercado de trabalho. Apesar das legislações trabalhista e civil não tratarem de

forma direta sobre o tema, elas possuem dispositivos que podem amparar a

vítima. Entretanto, o Código Penal Brasileiro tipificou como crime o assédio sexual

por chantagem, apesar de não dispor sobre o de intimidação.

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Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. 22

Alice Monteiro de Barros relata algumas medidas já adotadas pela

legislação brasileira.

O Brasil ratificou a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – “Convenção de Belém do Pará/MRE” – tornando-a pública por meio do Decreto de Promulgação n. 1.973, de 1º de agosto de 1996. Essa norma internacional considera o assédio sexual como violência contra a mulher (art. 2º, “b”). Similarmente é o art. 1º, §2º, II, da Lei n. 10.778, de 24 de novembro de 2003, que estabelece notificação compulsória no território nacional, no caso de violência contra a mulher que for atendida em serviços de saúde pública ou privado. (BARROS, 2008, p. 934)

Além disso, a Constituição Federal de 1988, no seu artigo 5º, incisos X,

garante a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem

das pessoas.

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.23

Paula Cantelli ressalta que o cidadão terá direito à indenização por

dano moral e/ou material.

O assédio sexual é um exemplo claro de violação ao direito à intimidade, à privacidade, à livre disposição do próprio corpo, à dignidade da pessoa, motivo pelo qual o assediado faz jus à referida indenização constitucionalmente garantida. (CANTELLI, 2007, p. 138)

A referida autora ainda ressalta que o dano pode ocorrer na fase pré-

contratual, contratual e pós-contratual. Quanto ao primeiro existe uma divergência

na doutrina. Por não ter formado relação de emprego, não há que se falar em

competência da Justiça do Trabalho, devendo a matéria ser julgada pela Justiça

Comum. Porém, Paula Cantelli considera a Justiça do Trabalho competente,

citando exemplo da candidata que rejeita o assédio do empregador ou preposto,

por isso, não é contratada. (CANTELLI, 2007, p. 139)

Como foi dito, o assédio sexual atinge tanto homens quanto mulheres.

Porém, é o universo feminino que sofre as maiores incidências. A autora Paula 22 Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 23 Constituição de República Federativa do Brasil de 1988

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Oliveira Cantelli revela que dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT)

mostram que 52% das mulheres economicamente ativas já foram sexualmente

assediadas. (CANTELLI, 2007, p. 148)

O assédio sexual está relacionado diretamente com a discriminação

em relação ao gênero, que traz à tona o conflito de poder existente entre homens

e mulheres. Paula Cantelli faz uma observação, afirmando que este poder não é

apenas no sentido de hierarquia.

O poder, entendido não somente no sentido de hierarquia, mas também como soberania, domínio, força, guarda íntima ligação com o assédio sexual. Ainda que os agentes estejam em igualdade de condições, hierarquicamente dizendo, o simples fato da imposição da conduta sexual causar medo à vítima já denota a presença de poder. Esse poder às vezes decorre da simples dominação masculina sobre a feminina, imposta pela sociedade, desde o início dos tempos. (CANTELLI, 2007, p. 149).

O fato de a mulher ser educada de forma a se submeter o domínio

masculino, auxilie no alto número de mulheres assediadas sexualmente. Com

isso, este problema vai muito além do ambiente de trabalho, tornando-se de

ordem cultural. É o que nos apresenta Paula Cantelli:

A própria sociedade impõe ao homem o papel de “caçador”, ao passo que à mulher cabe o papel de “presa”, de “vítima”. O homem é educado para ser conquistador, a mulher para ser conquistada. De modo geral, um relacionamento amoroso, cabe ao homem tomar a iniciativa, dar o primeiro passo.

Tudo isso contribui para que a mulher seja vista, com freqüência, como objeto sexual, independentemente do ambiente em que esteja, inclusive no contexto das relações de trabalho. (CANTELLI, 2007, p. 150)

Outro ponto importante é que, geralmente, as vítimas de assédio não

denunciam. Isto ocorre por diversos motivos: constrangimento, medo de perder o

emprego, temor de outros tipos de retaliação no mercado de trabalho e a

sensação de impunidade, por não existir medidas efetivas. Com isso, ocorre o

aumento de casos e a banalização do assédio no ambiente de trabalho, tornando

algo normal na sociedade. É o que nos narra Paula Cantelli:

Embora o assédio sexual seja considerado ilícito tanto pelo Direito do Trabalho como pelo Direito Penal e fira, inclusive, princípios constitucionais que regem o ordenamento jurídico brasileiro, na prática, ainda é visto como um fato normal e corriqueiro no mundo do trabalho. (CANTELLI, 2007, p. 151)

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A autora ainda frisa que o assédio é encarado, até certo ponto, com

naturalidade pela sociedade. O assediador não é reprovado socialmente, muito

menos discriminado. Apesar do empregado poder denunciar o contrato por justa

causa patronal, requerendo em juízo as indenizações cabíveis.

Mas para combater o assédio sexual não basta apenas um instrumento

legislativo avançado, é necessária também uma profunda modificação nas

relações entre homens e mulheres.

1.2 – ASSÉDIO MORAL

O assédio moral, ao contrário do assédio sexual, caracteriza-se pela

repetição das situações humilhantes e constrangedoras. A médica, mestre

doutora em Psicologia Social, Maria Margarida Barreto, estabelece a seguinte

definição sobre o assunto:

Assédio moral é a exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comum em relações hierárquicas autoritárias e assimétricas, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e aéticas de longa duração, de um ou mais chefes dirigida a um ou mais subordinado(s), desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização, forçando-o a desistir do emprego. (BARRETO apud RUI NETO, S/D, p. 04)

O abuso de poder e a vontade de impor seus desejos sobre as demais

levam os detentores de autoridade a utilizar as relações hierárquicas como base

para práticas de assédio moral no trabalho. A vítima escolhida é isolada do grupo

sem explicações, passando a ser hostilizada, ridicularizada, inferiorizada,

culpabilizada e desacreditada diante dos colegas.

Léa Calil esclarece que o assédio caracteriza-se por “atos, gestos,

práticas de um ou mais indivíduos contra alguém” (CALIL, 2007, p. 76). A autora

ainda afirma que as humilhações são frequentes e persistentes, porém aplicadas

de forma sutil, jamais direta e clara.

Um ato isolado de humilhação não é assédio moral. Para caracterizá-lo

é necessário possuir os seguintes pontos:

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1 - repetição sistemática

2 - intencionalidade

3 - direcionalidade

4 - temporalidade

5 - degradação deliberada das condições de trabalho

Para um melhor entendimento sobre as formas de assédio moral, Léa

Calil enumera alguns casos.

O assédio tem lugar por meio de procedimentos mais concretos, como rigor excessivo, confiar tarefas inúteis ou degradantes, desqualificação, críticas em público, isolamento, inatividade forçada, ameaças, exploração de fragilidade psíquicas e físicas, limitação ou coibição de qualquer inovação ou iniciativa do trabalho, obrigação de realizar autocríticas em reuniões públicas, exposição ao ridículo (impor a utilização de fantasia, sem que isso guarde qualquer relação com sua função; inclusão no rol de empregados de menor produtividade); divulgação de doenças e problemas pessoais de forma direta e/ou pública. (MENEZES apud CALIL, 2007, p. 77)

Vale ressaltar que grande parte da doutrina divide o assédio moral em

duas categorias: assédio vertical e assédio horizontal. No primeiro, a prática é

realizada pelo superior hierárquico. Já na horizontal, ocorre entre colegas de

trabalho de mesmo nível hierárquico.

Léa Calil ainda apresenta outra categoria: a prática perversa na

organização ou mobbing estratégico. Neste caso, o assédio não será realizado

por um indivíduo e o objetivo é o pedido de demissão do assediado.

As táticas de assédio moral não são aplicadas por um indivíduo ou grupo deles, mas pela própria organização, como cultura de instigar competição entre seus colaboradores ou como meio de forçar indivíduos indesejados a saírem da instituição sem que este arque com os custos da dispensa – prática, aliás, que pode gerar dispensa indireta, a chamada justa causa do empregador. (CALIL, 2007, p. 79)

Tanto homens quanto mulheres podem ser vítimas de assédio moral e,

também, podem assediar seus subalternos. Para o assediante, o importante é

existirem vítimas potenciais para que ele possa realizar o seu terror psicológico.

O assédio moral na mulher é realizado muitas vezes através de

piadinhas de caráter sexista na hora do café, fotos pornográficas enviadas na

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mailing list, comentários sobre os dotes físicos de outras ou da própria funcionária.

Essas atitudes, repetidas com freqüência e não coibidas, transformam o ambiente

de trabalho num local hostil para a mulher.

O constrangimento por qual passam já existe antes mesmo da

contratação para o trabalho. Dentre tantos fatores que discriminam e excluem as

mulheres no mercado de trabalho podemos citar os padrões físicos (beleza,

vestimenta, altura e peso), estado civil, número de filhos e renda.

O fato de poderem engravidar faz com que muitas empresas solicitem

que suas funcionárias não engravidem, deixando-as com receios de perderem o

emprego. O autor Alexandre Rui Neto pondera sobre o fato das diversas funções

exercidas pela mulher, auxiliando na prática do assédio moral.

A duplicidade de funções exercida pela mulher, como agente social que desempenha papéis familiares onde é colocada como mãe, doméstica, chefe de família, e ainda como trabalhadora, ajudando e complementando a renda familiar, ou seja, esta tremenda perfeccionalidade, capacidade e importância que as mulheres detêm na sociedade de forma geral, podem ser aspectos também que estruturam a prática do assédio moral dos homens em direção as mulheres, haja vista que o mesmo pode ser ocasionado em função da inveja, ou desejo de possuir algo como tal. (RUI NETO, S/D, p. 08)

É importante salientar que o assédio sexual afetará psicologicamente a

mulher, ocasionando, portanto, o assédio moral. Como pode se observar, as

mulheres são vítimas constantes das práticas de assédio moral nas relações de

trabalho.

Os aspectos psicológicos ocasionados vão desde o sentimento de

tristeza, ansiedade e alterações no sono até tremores e medo ao avistar o

agressor. Muitas vezes, as mulheres buscam na bebida a forma de esquecerem

os ocorridos. Esta mudança no comportamento a atinge de tal forma que afeta

não somente o local de trabalho, mas também a própria vida familiar. É o que nos

esclarece Alexandre Rui Neto:

O ato agressor da violência moral traz efeitos que repercutem de maneira ampla e diversa, dependo da reação de cada indivíduo, contudo, de maneira comum, causa prejuízos ao bem-estar e qualidade de vida das vítimas, afetando assim o funcionamento normal de vida das pessoas assediadas.

Os efeitos nocivos da prática do assédio moral nos trabalhadores acarretam em novas tendências dentro do próprio

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local de trabalho, tal como a dispersão das atividades laborais, a desconcentração, a falta de criatividade, entre outros fatores, que acabam por desenvolver conseqüências e danos que serão sentidos na empresa, ocasionando assim certos prejuízos econômicos. (RUI NETO, S/D, p. 10)

Quanto à questão sobre a legislação aplicada, algumas leis já estão em

vigor, como é o caso da Lei nº 13.288/2002, do município de São Paulo, onde

instituiu punição para o funcionário público que praticar assédio moral.

Parágrafo único - Para fins do disposto nesta lei considera-se assédio moral todo tipo de ação, gesto ou palavra que atinja, pela repetição, a auto-estima e a segurança de um indivíduo, fazendo-o duvidar de si e de sua competência, implicando em dano ao ambiente de trabalho, à evolução da carreira profissional ou à estabilidade do vínculo empregatício do funcionário, tais como: marcar tarefas com prazos impossíveis; passar alguém de uma área de responsabilidade para funções triviais; tomar crédito de idéias de outros; ignorar ou excluir um funcionário só se dirigindo a ele através de terceiros; sonegar informações de forma insistente; espalhar rumores maliciosos; criticar com persistência; subestimar esforços.24

Apesar da referida lei não se aplicar diretamente aos trabalhadores

celetistas, Léa Calil afirma que nada impede que seja aplicada analogicamente ao

direito do trabalho, e “sua existência pode servir de inspiração para os

legisladores federais” (CALIL, 2007, p. 78).

1.3 – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – LEI MARIA DA PENHA

Em vigor desde 22 de setembro de 2006, a Lei 11.340 tem como

objetivo coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos

termos do § 8º do artigo 226 da Constituição Federal e de outras normas.

A referida lei é conhecida popularmente como Lei Maria da Penha em

homenagem à Maria da Penha Maia, vítima de violência doméstica. O ex-marido,

um professor universitário, tentou matá-la por duas vezes. Na primeira vez, deu

um tiro e ela ficou paraplégica. Na segunda, tentou eletrocutá-la. Maria da Penha,

atualmente, é líder do movimento de defesa dos direitos das mulheres.

24 Lei nº 13.288, 10 de janeiro de 2002

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A Lei 13.340 contém, além de disposições penais, dispositivos que

geram efeitos na esfera trabalhista, conforme dispõe o artigo 3º.

Art. 3º - Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.25

Além disso, no Título III, intitulado Da Assistência à Mulher em

Situação de Violência Doméstica e Familiar, foi garantida a mulher à manutenção

do vínculo trabalhista.

Art. 9º - A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso.

§ 2º - O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica:

II - manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses.26

Com isso, gera uma discussão se o afastamento por até seis meses

acarreta a suspensão ou interrupção do contrato de trabalho ou se seria uma

estabilidade. Outro ponto que gera conflito é com relação sobre a competência

para determinar o afastamento do local de trabalho e a manutenção do vínculo

trabalhista.

Francisco José Monteiro Júnior nos ensina que:

A Lei não trouxe resposta a essa indagação, essa lacuna está sendo alvo de diversos debates, pois, é certo que a Constituição da República, em seu artigo 114, inciso IX, atribuiu à Justiça Laboral a competência para processar e julgar ações oriundas da relação de trabalho e outras controvérsias dela decorrentes, nos termos da lei.

Há vozes respondendo positivamente, à medida que é inegável que Lei Federal de natureza específica previu manutenção de emprego, devendo ser admitida pelo ordenamento jurídico, notadamente o Juízo Trabalhista, a quem produz os efeitos em todos os tipos de contrato de trabalho subordinado. (MONTEIRO JÚNIOR, S/D, p. 11).

25 Lei 11.340, de 07 de agosto de 2006 26 Lei 11.340, de 07 de agosto de 2006

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Monteiro Júnior ainda nos apresenta o estudo de Maurício de Carvalho

Salviano que considera a Justiça Comum a competente, pois também estará

apreciando um eventual crime cometido pelos acusados, por já estarem

lesionando fisicamente ou moralmente àquela trabalhadora que necessita ser

afastada do emprego.

O festejado autor relata no seu estudo a opinião de Pedro Rui da

Fontoura Porto que confirma a competência do juízo criminal, por tratar-se de um

litígio totalmente estranho à relação de emprego. Ele ainda afirma que caso o

“empregador não cumpra a determinação de manutenção do vínculo, surgirá aí

uma lide trabalhista”. (MONTEIRO JÚNIOR, S/D, p. 12)

Sobre a questão da manutenção do vínculo de emprego, Monteiro

Júnior explica que existem doutrinadores que entendem ser uma hipótese de

suspensão do contrato para não ter que onerar o empregador com o pagamento

de salários e depósitos do FGTS, além da ausência da prestação de serviço. Ele

ainda lembra que não houve previsão na Lei 11.340/06 sobre o pagamento de

salários pelo empregador.

Porém, Monteiro Júnior também cita Camilo Pileggi, que possui a

opinião de que deveria ser garantidos à trabalhadora afastada do emprego um

benefício de natureza assistencial e compensação direta com as contribuições

previdenciárias devidas pelo empregador. (PILEGGI apud MONTEIRO JÚNIOR,

S/D, p. 14)

Seguindo este mesmo entendimento, Felipe Antonio Lopes Santos traz

as seguintes considerações:

Se o objetivo do legislador constitucional é preservar a dignidade da pessoa humana através da promoção de práticas assistenciais que integrem os indivíduos ao mercado de trabalho, é possível admitir que deixar a trabalhadora vítima de violência doméstica e familiar sem qualquer tipo de assistência, durante o período do afastamento do seu local de trabalho, é expurgá-la do mercado de trabalho, retirando-lhe o sustento, impossibilitando a fruição dos bens de consumo mínimos para sua sobrevivência e de sua família, o que fere, com efeito, o princípio da dignidade da pessoa humana.

Desse modo, tem-se que à trabalhadora deveria ser garantida a contagem do tempo que permaneceu afastada do trabalho por motivos alheios a sua vontade (art. 4°, parágrafo

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único, e 471, caput, da CLT), devendo este período ser computado para todos os efeitos legais.

Além disso, deveria ser criado um benefício assistencial a esses indivíduos vítimas de violência familiar e doméstica, sob pena de não concretização do seu direito à dignidade, à segurança na sociedade, ao trabalho e à integridade física, todos de caráter constitucional e fundamental, cuja eficácia é imediata à luz do art. 5°, §1°, da Carta Magna. (SANTOS apud MONTEIRO JÚNIOR, S/D, p. 15)

Por outro lado, há quem entenda se tratar de hipótese de interrupção

do contrato de trabalho. Eduardo Câmara alega que a situação é de afastamento

involuntário da empregada, por ato de violência, e que deveria ser garantido

direitos mais extensos, não apenas a garantia do emprego.

Considerando o afastamento involuntário da empregada sem culpa sua ou do empregador, deveria ser mantida a contagem do afastamento no período aquisitivo das férias, os recolhimentos ao FGTS e ao INSS (artigos 1º, §2º, 8º, 9º). Faz-se necessário a criação de um auxílio pecuniário em decorrência do afastamento involuntário do emprego (sem o rompimento do vínculo), a ser pago pelo INSS ou com recursos do FAT (a exemplo do seguro – desemprego), possuindo caráter assistencial (artigo 9º A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso). (CÂMARA apud MONTEIRO JÚNIOR, S/D, pp. 15 e 16).

A manutenção apenas do vínculo de emprego, sem garantias

acessórias, como o salário, para garantir o conforto da vítima, lesa ao princípio

protetivo e às garantias constitucionais, segundo Eduardo Câmara, no momento

em que a mulher, vítima da violência, se encontra mais fragilizada e necessitada.

O nobre juiz do Trabalho ainda esclarece que a lei parece ter feito

apenas o mínimo no aspecto trabalhista, sendo necessária uma regulamentação

extensiva dos seus efeitos, de modo a garantir a eficácia a que se pretende.

Uma outra linha ainda entende que a manutenção do vínculo

trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis

meses, pode ser considerada não como uma garantia de emprego, mas uma

nova figura jurídica, muito semelhante à licença não remunerada.

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CONCLUSÃO

A pesquisa que procedeu esta monografia teve como objetivo central

analisar as dificuldades, a exploração e os preconceitos encontrados com relação

ao trabalho feminino. Com isso, o estudo partiu da hipótese de que para amenizar

os problemas enfrentados foi necessário criar medidas de proteção. A luta por

igualdade de direitos, a participação cada vez mais presente em cursos de

formação profissional e a “revolução da pílula”, fez com que ocorressem

modificações na legislação trabalhista.

A discriminação sempre esteve presente desde a época das

sociedades primitivas. Um exemplo disso foi abordado na monografia. Durante o

Renascimento, as mulheres passaram a exercer atividades domésticas, deixando

de exercer funções, como, por exemplo, o trabalho com metais preciosos. O

movimento de inclusão e expulsão das mulheres do mercado é um dos reflexos

encontrados na discriminação.

Porém, durante a Revolução Industrial, o trabalho feminino volta a ser

utilizado em diversos setores, surgindo, assim, a exploração. Considerada uma

mão-de-obra menos dispendiosa e mais “dócil”, a mulher passa a trabalhar de 14

a 16 horas por dia. O estudo mostrou que o processo de industrialização da

Europa teve como principal característica à exploração das chamadas “meias-

forças”.

No Brasil, a situação não foi muito diferente. A mulher exercia funções

menos especializadas e com remuneração inferior. Os locais onde trabalhavam,

muitas das vezes, eram em galpões ou fundos de armazéns, com isso passavam

por todo tipo de constrangimento e assédio.

Neste contexto, foi necessário surgirem mudanças profundas na

legislação trabalhista brasileira. Medidas de proteção como, proibições ao

trabalho noturno e em atividades insalubres, perigosas e penosas, são criadas,

com o objetivo de proteger a mulher. Todavia, o aumento das obrigações

patronais, fez com que a discriminação ao trabalho feminino se fizesse mais

presente.

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Vale salientar que as Constituições Brasileiras e até mesmo a CLT

tiveram diversos artigos visando à proteção ao trabalho da mulher. Entretanto

devido à discriminação do trabalho feminino, algumas modificações foram

necessárias. Apesar das Constituições pregarem a proibição na diferença de

salários por motivo de sexo, na prática isso não era aplicado.

Com a promulgação da Constituição de 1988, muitos dispositivos

considerados discriminatórios foram revogados da CLT, ampliando as

oportunidades emprego e profissão das mulheres. A Carta Magna garante

igualdade de direitos, principalmente entre homens e mulheres, vedando a

diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por

motivo de sexo.

No entanto, o preconceito ainda persiste. A licença-maternidade que é

não apenas um direito da mulher, mas um dever de proteção à vida e

perpetuação da espécie, ainda a afasta muito do mercado de trabalho. O fato de

ficar sem a funcionária durante 120 dias; ter que remanejá-la, caso o serviço seja

perigoso para gestante; a liberação para realizar os exames de pré-natal; e o

período da amamentação são alguns dos fatores que contribuem para diminuir a

contratação de mulheres casadas ou em idade reprodutiva.

Algumas alterações já foram feitas como, por exemplo, a questão do

salário-maternidade. No início, o empregador era quem arcava com o período da

licença. Para estimular a contratação das mulheres, o pagamento passou a ser

uma prestação previdenciária, evitando, assim, a discriminação.

Outras medidas de proteção ao trabalho feminino são com relação aos

abusos no trabalho. Tanto homens quanto mulheres sofrem com o assédio moral

e o assédio sexual. Porém, o universo feminino é a maior vítima desses tipos de

violência. Medidas foram tomadas para coibir esta prática, no entanto ela ainda

persiste. O medo de perder o emprego ou possíveis repercussões na família faz

com que a prática seja comum e até, muitas das vezes, consideradas normais.

Por todo exposto, evidencia-se que, apesar de toda discriminação, o

trabalho feminino tem sido marcado por lutas e conquistas, contribuindo para a

melhoria das condições de trabalho.

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Apesar de todas as medidas implementadas visando amenizar o

preconceito com relação ao trabalho feminino, a solução parece não ser simples.

É importante que o Estado tenha uma nova postura, no sentido de ser mais

incisivo na implementação e na divulgação de ações afirmativas e de programas

de eliminação da discriminação. Cabem também as empresas assumirem sua

responsabilidade social, adotando medidas que diminuam as desigualdades e

criem oportunidades.

Além disso, o papel da sociedade nessa luta é fundamental. É

indispensável que a mentalidade em relação à mulher, considerada submissa e

frágil, seja modificada para que as mudanças implementadas sejam realmente

aplicadas na sua totalidade.

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BIBLIOGRAFIA

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Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. BRASIL. Lei nº 11.770, de 9 de setembro de 2008. Cria o Programa Empresa Cidadã, destinado à prorrogação da licença-maternidade mediante concessão de incentivo fiscal, e altera a Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991. BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. 4ª Turma, Relator Ministro Antônio José de Barros Levenhagen, Processo Nº RR12600/2003-008-09-00.3. Disponível em http://brs02.tst.jus.br/cgi-bin/nph-brs?s1=4176748.nia.&u=/Brs/it01.html&p=1&l=1&d=blnk&f=g&r=1. Acesso em 15/03/2010. BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula 244. Disponível em http://www.tst.gov.br/Cmjpn/livro_pdf_atual.pdf. Acesso em 25/03/2010. CALIL, Léa Elisa Silingowschi. Direito do Trabalho da Mulher: A questão da igualdade jurídica ante a desigualdade fática. São Paulo: LTr, 2007. CAIRO JÚNIOR, José. Curso de Direito do Trabalho: Direito Individual e Coletivo do Trabalho. Jardim Armação: Podivm, 2008. CÂMARA, Eduardo. Repercussões trabalhistas da Lei “Maria da Penha”. Revista do Direito Trabalhista, v. 12, n. 10, out/06, p. 3-7. CANTELLI, Paula Oliveira. O Trabalho Feminino no Divã: Dominação e Discriminação. São Paulo: LTr, 2007. CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. Niterói: Impetus, 2007. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2008. MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. São Paulo: Atlas, 2008. MENEZES, Cláudio Armando C. de. Assédio Moral e seus efeitos jurídicos. Revista LTr, março 2003, ano 67, 67-03/291. MONTEIRO JÚNIOR, Francisco José. Trabalho da Mulher: o artigo 384 da CLT e a Lei Maria da Penha e seus aspectos trabalhistas. Disponível em http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/journals/2/articles/32206/public/32206-38319-1-PB.pdf. Acesso em 05/06/2010. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2009.

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ÍNDICE

RESUMO .............................................................................................................. 5

METODOLOGIA ................................................................................................... 6

SUMÁRIO ............................................................................................................. 7

INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 9

CAPÍTULO I

TRABALHO DA MULHER: O INÍCIO DA JORNADA ......................................... 11

1.1 - Histórico da Jornada ................................................................................... 11

1.2 - Revolução Industrial: A Exploração do Trabalho Feminino ......................... 12

1.3 - A Mulher e as Duas Grandes Guerras ......................................................... 13

1.4 - O Trabalho Feminino no Brasil ................................................................... 14

CAPITULO II

MEDIDAS DE PROTEÇÃO ESPECIAL AO TRABALHO DA MULHER ........... 18

1.1 - As Primeiras Leis ........................................................................................ 18

1.2 - As Primeiras Normas de Proteção ao Trabalho Feminino no Brasil ........... 19

1.3 - As Constituições Brasileiras (de 34 a 67) ................................................... 22

1.4 - A Consolidação das Leis do Trabalho ........................................................ 24

CAPÍTULO III

PROTEÇÃO X DISCRIMINAÇÃO ...................................................................... 28

1.1 - O Início ........................................................................................................ 28

1.2 - As Modificações .......................................................................................... 29

1.3 - A Constituição de 1988 ............................................................................... 31

1.4 - As Leis Pós-Constituição de 1988 .............................................................. 33

CAPÍTULO IV

LICENÇA-MATERNIDADE: UM DIREITO À VIDA ............................................ 35

1.1 - A Importância da Licença-Maternidade ...................................................... 35

1.2 - O Início ........................................................................................................ 36

1.3 - A Constituição Federal de 1988 e o Programa Empresa Cidadã ............... 39

1.4 - Licença à Adotante ..................................................................................... 41

1.5 - Estabilidade à Gestante .............................................................................. 42

1.6 - Casos Excepcionais .................................................................................... 46

1.7 - Remuneração durante o período da Licença-Maternidade ........................ 47

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CAPÍTULO V

PROTEÇÃO CONTRA ABUSOS AO TRABALHO FEMININO ......................... 50

1.1 – Assédio Sexual .......................................................................................... 50

1.2 - Assédio Moral ............................................................................................. 55

1.3 - Violência Doméstica – Lei Maria da Penha ................................................ 58

CONCLUSÃO ..................................................................................................... 62

BIBLIOGRAFIA .................................................................................................. 65