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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
DEMURRAGE DE CONTÊINERES PARA NVOCC E FREIGHT
FORWARDERS
Por: Margareth Faria da Silva Zacharias
Orientadora
Prof.ª Renata Alcione Faria Villela de Araujo
Rio de Janeiro
2015
DOCUMENTO PROTEGID
O PELA
LEI D
E DIR
EITO AUTORAL
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
DEMURRAGE DE CONTÊINERES PARA NVOCC E FREIGHT
FORWARDERS
Apresentação de monografia à AVM Faculdade
Integrada como requisito parcial para obtenção do
grau de especialista em Direito Aduaneiro.
Por: Margareth Faria da Silva Zacharias
3
AGRADECIMENTOS
A Deus, em primeiro lugar, por todas
as conquistas já alcançadas e por tudo
que ainda está por vir.
A minha mãe pelo incentivo, ao meu
esposo, pelo apoio e suporte nos
momentos de ausência e aos colegas
de estudo e trabalho pela caminhada
juntos e por compartilharem seu
conhecimento.
4
DEDICATÓRIA
A minha amada filha Maria Fernanda, por
quem luto e busco crescer e me aprimorar
a cada dia.
5
RESUMO
O presente trabalho busca aprofundar o estudo da demurrage ou
sobre-estadia no Direito Brasileiro, já sendo este um tema conhecido e
recorrente para os operadores de Comércio Exterior, mas pouco tratado por
operadores do Direito, em especial por aqueles que buscam conhecimento nas
áreas de Direito Aduaneiro e Marítimo. Para auxiliar na compreensão do tema,
será estudo o transporte marítimo e sua contratação para em seguida tratar do
ponto central do trabalho, seu conceito e natureza jurídica; procedimento de
demurrage; cobrança administrativa ativa; cobrança judicial e responsabilidade
civil.
6
METODOLOGIA
A metodologia utilizada neste trabalho consiste na consulta de doutrina
pátria, legislação, jurisprudência e artigos publicados em revistas e/ou sites
especializados. O trabalho foi desenvolvido com base, fundamentalmente, no
método de pesquisa bibliográfica e na consulta de livros de diversos
doutrinadores. O desenvolvimento do tema foi realizado através do método
dissertativo do estudo bibliográfico indicado, com o objetivo de tratar da
demurrage (ou sobre-estadia) e apontar as soluções para os problemas
oriundos dessa relação no panorama aduaneiro, tributário, arbitral e judicial.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I - O Transporte Marítimo 10
CAPÍTULO II - Demurrage ou Sobre-estadia 19
CAPÍTULO III – Comentários sobre a definição de
Competência para julgamento 29
CONCLUSÃO 39
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 41
BIBLIOGRAFIA CITADA 42
ÍNDICE 43
8
INTRODUÇÃO
A intenção do presente trabalho é dar maior publicidade ao tema da
cobrança da sobre-estadia (demurrage) de contêineres e a responsabilidade
civil pelo seu pagamento, bem como esclarecer alguns pontos sobre as partes
intervenientes no contrato de transporte marítimo que costumam gerar dúvidas
não só entre os profissionais da área de Comércio Exterior, como também do
Poder Judiciário.
O tema da responsabilidade pelo pagamento da sobre-estadia
(demurrage) de contêineres, apesar de não ser novidade, principalmente entre
os operadores do Comércio Exterior, merece atenção, vez que até hoje,
passados anos desde as primeiras cobranças, existem decisões judiciais
acolhendo teses que, no mínimo, fogem ao bom senso, daí a necessidade do
estudo e de buscar soluções para o problema.
Por alguns estudiosos denominada de remuneração compensatória
(indenização) e por outros como multa (penalidade), a demurrage ou sobre-
estadia é o valor pago pelo exportador ou importador por exceder o prazo
concedido para proceder a devolução do contêiner ao fretador.
Outros conceitos, como o de NVOCC e Freight Forwarders, também
merecem aqui ser analisados, justamente pela pouca familiaridade com estas
expressões no direito pátrio, apesar de comumente utilizados no Comércio
Exterior e de fundamental domínio para os operadores do Direito que
pretendem conhecer e atuar no Direito Marítimo.
Non-Vessel-Operating Common Carrier ou, simplesmente, NVOCC é um
operador de transporte, não armador (não proprietário ou operador do navio)
que emite conhecimento de transporte próprio (Bill of Lading house). Assim,
por não dispor de transporte próprio (navio), o NVOCC contrata o de terceiros
e expede, em seu próprio nome, o B/L. Em geral, atende embarcadores de
pequenos volumes (cargas).
Freight Forwarder, segundo definição é “Transitário. Pessoa ou empresa
que provê serviços de logística voltados para o transporte de mercadorias,
especialmente exportação, recebendo, em contrapartida, pagamento calculado
9
sobre determinado percentual do frete; age como intermediária entre o
embarcador e o transportador (ou exportador e importador) e se responsabiliza
pela preparação de documentos, reserva de praça e armazenamento, bem
como pelos arranjos de embarque, desembarque, despacho e desembaraço
das mercadorias transportadas via marítima, aérea, ferroviária, rodoviária ou
intermodal. O Freight Forwarder pode atuar como agente do embarcador ou
assumir as responsabilidades do próprio transportador...”1.
Assim, no presente estudo será analisada a atuação do NVOCC e do
Freight Forwarder no transporte marítimo e a apuração da responsabilidade
civil dos referidos agentes com vistas ao pagamento da demurrage ou sobre-
estadia de contêiner.
1 COLLYER, Marco A. Dicionário de Comércio Marítimo: termos, siglas, abreviaturas e acrônimos usados no comércio marítimo internacional, 5ª ed. – São Paulo: Aduaneiras, 2014, p. 127.
10
CAPÍTULO I
TRANSPORTE MARÍTIMO
O transporte marítimo (ou shipping) é aquele em que a carga é
transportada em embarcações por oceanos e mares, sendo considerado o de
maior importância na movimentação internacional de cargas, sendo utilizado
ao longo de vários séculos.
1.1 – História.
Na história da humanidade, o ser humano desde o início utilizou
pequenas embarcações (marítimas e/ou fluviais) para se deslocar de um lugar
para outro em busca de melhores condições de vida. Ao longo dos tempos, o
homem procurou estender os seus conhecimentos de navegação, construindo
embarcações maiores e melhores a fim de comportar um maior número de
passageiros e, ainda, chegar a terras mais longínquas.
Entre 2000 a.C e 476 d.C, o Comércio Internacional pouco existia nas
civilizações Egípcia, Mesopotâmica, Fenícia e Grega. Grandes navegadores,
os Fenícios tornaram-se grandes comerciantes. Na Idade Média, o comércio
passou a ocorrer entre a Europa e os países orientais (civilização muçulmana
árabe-islâmica e bizantina).
A evolução da navegação permitiu que vários povos conquistassem
terras e descobrissem novos continentes, o que demonstrou a importância do
transporte aquaviário, especialmente o marítimo, na época dos
descobrimentos (Era dos Descobrimentos ou das Grandes Navegações, entre
o século XV e o início do século XVII), momento histórico em que interesses
econômicos provocaram mudanças de riquezas e de expansão de mercado.
Como diziam os navegadores, “navegar era preciso” e as rotas já
utilizadas no Mar Mediterrâneo já não rendiam os lucros que os comerciantes
almejavam. Assim, para se lançarem além-mar, foram necessárias inovações
11
tecnológicas no setor de transportes de longo curso (a bússola, o astrolábio, o
quadrante e mapas, por exemplo).
A Revolução Industrial do século XVII também contribuiu muito para o
desenvolvimento do transporte marítimo, vez que a descoberta de máquinas a
vapor foi um grande feito, posto que permitiu o aumento da velocidade nos
navios. Em seguida, vieram os navios movidos à óleo combustível e, mais
tarde, os movidos com turbinas e os impulsionados a energia nuclear.
No século XX o transporte marítimo perdeu espaço no mercado
intercontinental de passageiros para o transporte aéreo, todavia, com o avanço
do transporte marítimo de carga, tal perda foi minimizada, sendo o custo do
transporte marítimo ainda mais baixo do que o ferroviário, rodoviário e aéreo.
1.2 – Fundamentos.
No processo de escolha do serviço de transporte, o modal marítimo
apresenta diversas vantagens, pois, entre as características relevantes (preço,
tempo em trânsito, disponibilidade, confiabilidade, consistência e freqüência),
este é o que reúne as melhores condições, sendo a sua principal vantagem a
capacidade individual de transportar em grandes quantidades e quaisquer tipos
de cargas (sólidas ou líquidas, embaladas, unitizadas ou a granel).
“Unitizar uma carga consiste em transformar, de certo modo, volumes,
pesos, formatos e tamanhos diferentes de cargas em uma unidade idêntica e
uniforme”2.
Destaca-se, ainda, a sua eficiência energética (consumo de
combustível) e o tamanho da frota de navios cargueiros (frota mercante
mundial) e sua capacidade total que supera a de todos os demais modais.
Entre as desvantagens estão o tempo em trânsito e a necessidade da
existência ou construção de uma estrutura portuária e/ou terminais de carga
especializados, geralmente de alto custo, bem como, nos casos de transporte
de carga geral e embalada, a lentidão do serviço e a exigência de um grande
2 http://cargobr.com/blog/cargas-unitizadas.
12
número de manuseios, o que aumenta o risco de perdas, avarias e
contaminação da carga.
As companhias marítimas costumam oferecer os seguintes tipos de
serviço:
Regular (liner): é operado segundo uma rota comercial preestabelecida.
Irregular (tramp): caracteriza-se basicamente pela inexistência de
roteiros marítimos determinados e é estabelecido em função das oportundades
de negócios surgidas em cada porto.
Afretamento: é recomendado quando houver grande quantidade de
mercadorias a serem transportadas, suficientes para ocupar todo ou parte de
um veículo.
Quanto à rota, de acordo com o artigo 2º da Lei nº 9.432/19973, a
navegação é classificada da seguinte forma:
“Navegação de apoio portuário: a realizada
exclusivamente nos portos e terminais aquaviários, para
atendimento a embarcações e instalações portuárias;
Navegação de apoio marítimo: a realizada para o apoio
logístico a embarcações e instalações em águas
territoriais nacionais e na Zona Econômica, que atuem
nas atividades de pesquisa e lavra de minerais e
hidrocarbonetos;
Navegação de cabotagem: a realizada entre portos ou
pontos do território brasileiro, utilizando a via marítima ou
esta e as vias navegáveis interiores;
Navegação interior: a realizada em hidrovias interiores,
em percurso nacional ou internacional;
Navegação de longo curso: a realizada entre portos
brasileiros e estrangeiros.”
Esta classificação é a adotada pela maioria dos países e, no tocante a
navegação de cabotagem faz-se necessário frisar que a mesma somente
3 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9432.htm.
13
ocorre entre portos e/ou pontos de um mesmo país, não atingindo portos de
outra nação, mesmo que façam parte de blocos comerciais, áreas de livre
comércio ou uniões aduaneiras.
A navegação pode ser realizada por linhas diretas ou por transbordos,
sendo a primeira aquelas onde a carga é embarcada em uma embarcação no
porto de origem e somente descarregada no porto de destino final nos termos
delineados no conhecimento de embarque marítimo (Bill of Lading) que será
visto mais adiante e o segundo ocorre quando a carga é transferida de um
navio para outro antes da descarga no porto de destino final.
Quanto à carga transportada, os navios podem ser classificados em
navios para cargas embaladas e/ou unitizadas (carga geral, frigorificados,
porta-contêiner, roll-on/roll-off e multidepósito), navios graneleiros (granel
sólido), navios-tanque ou granel líquido (petroleiros, gaseiros e químicos) e
navios combinados.
Os navios de carga geral convencionais tornaram-se obsoletos com o
advento dos contêineres, entretanto, ainda são utilizados em certas rotas
regulares.
Os navios porta-contêiner ou cell ships possuem alta velocidade e seus
porões são apropriados para o armazenamento dos contêineres e contam com
sistema próprio de estivagem. Atualmente, são os navios mais modernos e
versáteis, sendo limitados apenas por seu próprio tamanho.
Ro/Ro (roll-on/roll-off) são “navios para o transporte de veículos
automotores, carretas e trailers, que são carregados e descarregados por
meios próprios, através de rampas. Possuem rampas e/ou elevadores ligando
os diversos conveses.4”
1.3 – Conhecimento de embarque marítimo (Bill of Lading).
O conhecimento de embarque, também chamado de conhecimento de
transporte, conhecimento de frete, conhecimento de carga ou Bill of Lading
(B/L), é o documento que constitui o contrato de transporte internacional e
14
serve como prova de posse ou propriedade da mercadoria para o importador.
Este documento é emitido pelo transportador ou consolidador.
“Consolidador é o agente de carga que atua no transporte através da
consolidação de cargas diversas, pertencentes a diversos consignatários, para
posterior desconsolidação, acarretando com este procedimento uma economia
final de custo.5”
O Regulamento Aduaneiro (Decreto nº 6.759/2009) utiliza a expressão
“Conhecimento de Carga”, ficando esta consagrada em nossa Aduana.
É considerado o documento mais importante da navegação e um dos
mais importantes do comércio exterior. Como acima destacado, é um
documento de emissão do armador, podendo também ser assinado pelo
comandante do navio ou pela agência marítima representante do armador, em
seu nome.
O conhecimento é um documento de adesão, devendo a via impressa
ser fornecida pelo armador e preenchida de acordo com as características do
próprio conhecimento de embarque, bem como da carga que vai representar.
Na parte da frente do conhecimento de embarque são redigidas as cláusulas
que não podem ser modificadas e devem ser aceitas integralmente pelo
embarcador.
É permitido, no máximo, que sejam colocadas algumas observações de
interesse do embarcador, no corpo do conhecimento, como número de carta
de crédito, ordem de compra ou venda, trânsito, transbordo, entre outras
informações.
O preenchimento do conhecimento de embarque deve ser realizado no
seu verso e nele deve constar várias informações pertinentes ao armador e ao
embarque, conforme solicitado nos campos a serem preenchidos, tais como a
denominação da empresa emissora, o número do conhecimento, a data da
emissão, nome e viagem do navio, embarcador, consignatário, notificado,
portos ou pontos de embarque, destino e transbordo; tipo da mercadoria e
suas características gerais como quantidade, peso bruto, embalagem, volume,
4 SARACENI, Pedro Paulo. Transporte Marítimo de Petróleo e Derivados, 2ª ed. – Rio de Janeiro: Interciência, 2012, p. 24.
15
marcas, etc.; contêiner e suas características ou o pallet, conforme o caso,
frete e local de pagamento, etc.
O conhecimento de embarque pode ser:
a) Porto a porto: significa que ele cobre a carga apenas no trajeto
marítimo, desde o porto de embarque até o porto de destino. Em regra, é o
documento emitido para embarque em navios de linhas regulares;
b) Multimodal ou through bill of lading: significa contratar com o
armador um transporte para a carga, cobrando o trajeto total ponto a ponto ou
porto a ponto, ou ainda ponto a porto. Neste modelo, o conhecimento de
embarque cobrirá o transporte da mercadoria por mais de um modal,
importando numa responsabilidade maior do armador, que terá a seu cargo,
mediante um frete especial combinado, o transporte da mercadoria entre os
pontos ou portos combinados. Esta modalidade é benéfica para o exportador
que, ao entregar a mercadoria ao transportador, finaliza a sua participação na
operação;
c) Charter party bill of lading: é o documento de transporte emitido
para amparar um contrato de afretamento de navio. Normalmente se refere a
uma carga que será única, ou uma das únicas no navio, sendo este,
geralmente, afretado para esta finalidade por um ou por poucos embarcadores.
Este tipo de documento não é emitido para navios de linha regular e nem
aceito pelos consignatários, já que nesta hipótese não há um afretamento, mas
tão-somente uma reserva de espaço.
O conhecimento de embarque tem as seguintes finalidades:
a) Contrato de transporte: celebrado entre o transportador e o
embarcador, é emitido após o embarque da carga que representa. É costume
fazer a reserva de praça (espaço para utilização no navio) sem a assinatura de
qualquer documento, representando sempre um ato de confiança entre o
transportador e o embarcador;
b) Recibo de entrega da mercadoria: ao transportador ou a bordo do
navio, sendo a prova documental do armador de recebimento da carga para
transporte;
5 COIMBRA, Delfim Bouças. O Conhecimento de Carga no Transporte Marítimo, 3ª ed., São Paulo: Aduaneiras, 2004, p. 13.
16
c) Título de crédito: significa que é o documento de resgate da
mercadoria junto ao transportador no destino final para o qual o transporte foi
contratado. É permitida a sua transferência para terceiros mediante endosso.
Em seu original, o conhecimento de embarque é um título de
propriedade negociável e, pelo Código Comercial é conferido força de escritura
pública.
Por ser um título de crédito, o Bill of Lading pode ser:
a) À ordem (ou à ordem do embarcador): é um documento de
transporte restrito ao próprio embarcador, assim, somente ele pode retirar a
mercadoria junto ao transportador. Deste modo, é um Bill of Lading que deverá
ser, obrigatoriamente, endossado a um terceiro, no caso o destinatário final;
b) À ordem de alguém: é um documento de transporte que somente
poderá ser apresentado por quem estiver nele mencionado. Normalmente é
um banco que está financiando uma operação de carta de crédito e que, para
se resguardar, enquanto não recebe o valor da mercadoria para pagar ao
exportador, pede a consignação à sua ordem. Também deverá sofrer endosso,
pela sua própria característica de consignação;
c) Consignado a alguém: o Bill of Lading será nominativo a alguém,
normalmente o importador. Isto significa que nem sempre ele será endossado
a um terceiro.
Os conhecimentos de embarque podem ser endossados a terceiros
através de endosso em branco (torna o conhecimento ao portador e quem
estiver com sua posse pode reclamar a mercadoria) ou em preto (endossado a
alguém definido, sendo que somente este poderá reclamar a mercadoria).
O endosso é realizado na frente do conhecimento de carga, onde
estão as cláusulas representando o contrato de transporte.
O conhecimento de transporte é o único documento do comércio
exterior que pode ser emitido em mais de uma via original. Ele pode ser
emitido em quantas vias originais forem necessárias e solicitadas pelo
embarcador. Em regra, são emitidas 3 (três) vias, devendo-se este fato a
praxe, no transporte marítimo, de uma expressão denominada “jogo completo
de conhecimento de embarque” (full set bill of lading).
17
Essa expressão, sempre mencionada nos contratos de compra e
venda ou nas cartas de crédito, significa a emissão do conhecimento de
embarque em 3 (três) originais auto-anuláveis, pois ao ser apresentada uma
via original ao armador para resgate da mercadoria, as demais perderão o seu
valor comercial.
No caso de se desejar menos do que 3 (três) vias ou mais do que 3
(três) vias originais, é preciso mencionar a quantidade de vias requeridas e,
assim, é possível emitir tantas “cópias não-negociáveis” quantas forem
necessárias.
O número de originais emitidas deverá ser obrigatoriamente
mencionado no Bill of Lading, já que comerciantes, agentes, armadores, ou
seja, todos os interessados deverão sempre saber quantas originais deste
mesmo documento estão circulando no mercado.
Os pagamentos de frete marítimo ao armador, referente ao transporte
de carga, podem ser feitos de 3 (três) maneiras:
a) Frete pré-pago (freight prepaid): o frete será pago imediatamente
após o embarque, para retirada do Bill of Lading. Costumeiramente, ele é pago
no local ou país de embarque, mas também pode ser pago no exterior;
b) Frete pagável no destino (freight payable at destination): o frete é
pago pelo importador na chegada ou na retirada da carga;
c) Frete a pagar (freight collect): o pagamento do frete poderá
ocorrer em local diverso daquele de embarque ou destino. O frete pode ser
pago em qualquer parte do mundo e, nestes casos, o armador será avisado
pelo seu agente sobre o recebimento, a fim de que possa realizar a liberação
da mercadoria.
Não é obrigatória a menção no Bill of Lading do valor do frete a ser
pago. Ele poderá ser substituído pela cláusula freight as per agreement (frete
conforme acordo). O local do pagamento do frete, todavia, deverá ser
obrigatoriamente mencionado.
No caso de mercadoria embarcada como carga geral ou a granel, é
recomendado que seja solicitado que no Bill of Lading conste a cláusula on
board ou shipped on board, para comprovar que a mercadoria foi colocada no
porão do navio, evitando que a carga seja transportada no convés do navio.
18
Conhecimento de embarque limpo é aquele que não faz menção a um
defeito da mercadoria ou da sua embalagem. No caso das mercadorias ou
embalagens apresentarem algum problema e for constatado pelo
transportador, ele fará a anotação no conhecimento de embarque, tornando-o
sujo. Este é um procedimento que deve ser adotado para resguardo do
armador já que no destino ele será cobrado por este fato.
É comum, também, que o Bill of Lading mencione no espaço reservado
para este fim alguma pessoa física ou jurídica no destino (um despachante a
serviço do consignatário, por exemplo), que deverá ser avisada pelo armador
ou agente marítimo sobre a chegada da mercadoria, para que este, chamado
de notificado, adote os trâmites legais para a sua liberação.
19
CAPÍTULO II
DEMURRAGE OU SOBRE-ESTADIA
Como já visto na introdução do presente trabalho, este estudo tem o
objetivo de dar maior evidência ao tema da cobrança da sobre-estadia
(demurrage) de contêineres e a responsabilidade civil pelo seu pagamento.
Após tratar sobre o transporte marítimo e verificar como se procede a
sua contratação, nos aprofundaremos na análise da demurrage de contêiner
para, em seguida, apurar como os tribunais pátrios (na esfera administrativa e
judicial) lidam na apuração da responsabilidade pelo seu pagamento.
2.1 – Conceito.
A professora e grande estudiosa de Direito Marítimo Eliane Maria
Octaviano Martins assim definiu: “Demurrage (sobre-estadia, ou ainda
sobredemora) é devida nas hipóteses de retenção da unidade de carga
(contêiner) por tempo superior ao contratado com o transportador.
A unidade de carga deve ser devolvida após o decurso do prazo de
devolução estipulado contratualmente. Via de regra, é estipulado um prazo de
isenção de demurrage denominado free time, a conta do primeiro dia útil
seguinte ao dia em que o contêiner é posto à disposição do consignatário.
A demurrage é devida pela retenção da unidade depois de expirado o
prazo para devolução e isenção (free time) fixado contratualmente6”.
Interessante ainda citar o trecho do artigo “Sobre-estadia de contêineres
e seus conflitos” do Dr. Marcos Túlio Ferreira dos Santos Vieira, especializando
em Direito Aduaneiro:
“Segundo o dicionário Houaiss, sobre-estadia (com hífen)
é a soma que tem de ser paga ao armador, no momento
da partida, quando ocorre atraso no carregamento ou no
descarregamento de navio.
6 OCTAVIANO MARTINS, Eliane M. Curso de Direito Marítimo, volume II – vendas marítimas, 2ª ed. atual. e ampl. – Barueri: Manole, 2013, p. 22.
20
Já o dicionário Aurélio, conceitua sobreestadia (sem hífen
e junto) como sendo o tempo de permanência de navio
mercante num porto, excedente ao estabelecido para a
sua carga e/ou descarga; contra-estadia (com hífen,
sendo que o dicionário Houaiss usa o vocábulo sem
hífen) – considerando que o novo acordo ortográfico
ratificado pelo Brasil, promulgado através do Decreto nº
6.583, de 29 de setembro de 2008, já está em vigor, pela
dicção prevista no item 1º, “b”, da Base XVI (que versa
sobre o uso do hífen), do Acordo Ortográfico da Língua
Portuguesa, o mais correto é utilizar o vocábulo sobre-
estadia, como consagrado no C.Com Brasileiro desde
1850.
Ambos os conceitos estatuídos pelos tradicionais
dicionários acabam por se complementarem, pois a
sobre-estdia, a bem da verdade, nada mais é, segundo
hodierno entendimento, do que uma indenização pré-
fixada em benefício do armador, seja da carga, seja do
navio, por descumprimento contratual,
independentemente da culpa, bastando sua ocorrência.
Não se trata de remuneração, até porque o armador
fatura elevadas cifras com a realização de um negócio
jurídico internacional, e não com remuneração de
contêiner estagnado, vazio, fora do circuito marítimo
comercial.7”
Na teoria, a responsabilidade pelo pagamento da taxa de
armazenagem e demurrage de contêiner é do usuário da unidade, ou seja, o
embarcador que, segundo os Incoterms, poderá ser importador ou exportador.
A descarga e a devolução do contêiner, assim, se inserem na obrigação do
comprador/importador nas vendas marítimas.
7 http://www.santiagovitorino.adv.br/pt/publicacao/sobre-estadia-de-conteineres-e-seus-conflitos.
21
Ocorre que tem sido recorrente na prática marítima internacional
imputar as cobranças de demurrage a ambas as partes indistintamente.
2.2 – Natureza Jurídica.
Não é pacífico entre os operadores do direito a definição exata da
natureza jurídica da demurrage, há os que entendem ser um ressarcimento,
outros entendem ser uma indenização ou, ainda, quem defenda a natureza de
cláusula penal.
Os que defendem o ressarcimento o fazem sob o fundamento de que
quando sobrevém um atraso, seja no carregamento, seja no descarregamento
ao transportador é imputada despesas extras que não sofreria se os prazos
fossem observados. Há aqueles que entendem ser uma indenização em razão
da quebra de contrato, ou seja, pelo fato do prazo pactuado não ter sido
cumprido. E, por fim, há os que entendem ser uma cláusula penal, por existir
previsão contratual expressa.
Apesar da forte corrente que entende, atualmente, se tratar de
indenização pré-fixada, a corrente que entende ser cláusula penal fundamenta
ser esta mais verossímil com relação a realidade jurídica positivada, levando
em consideração todas as peculiaridades do negócio, bem como incidir no
artigo 408 do Código Civil (Lei nº 10.406/02): “Incorre de pleno direito o
devedor na cláusula penal, desde que, culposamente, deixe de cumprir a
obrigação ou se constitua em mora.”
2.3 – Finalidade.
Ao indagar qual seria a finalidade ou o objetivo de uma previsão de
pena para o descumprimento de uma regra contratual quando se trata de
afretamento marítimo, pode-se facilmente concluir que a previsão de
penalidade se faz necessária para que, ao se fixar um período adequado para
a estadia e, ao mesmo tempo, uma taxa justa para a sobre-estadia, é encorajar
ambas as partes a agirem com diligência, de forma a que a libração do
22
contêiner não incorra em demora e, consequentemente, traga prejuízos ao
armador.
2.4 – Contagem de free time.
Alguns armadores têm considerado o dia da descarga como sendo o
primeiro dia do free time demurrage. Todavia, essa prática causa estranheza
por algumas razões.
Primeiramente, como é sabido, navios operam a qualquer dia e hora,
inclusive finais de semana e feriados. Por outro lado, os órgãos da
Administração Pública funcionam em horário comercial e sem eles não se
processam quaisquer das etapas necessárias à liberação das cargas.
Assim, se um navio opera em um domingo, não se pode esperar que o
recebedor das mercadorias pudesse adotar qualquer providência para retirá-
las do porto naquele dia, tendo que aguardar até segunda-feira (se for dia útil).
Ainda que o navio opere em dia útil, o horário de operação poderá ser o fator
impeditivo, pois não será possível iniciar os trâmites de desembaraço das
cargas, por exemplo, após às 21 horas.
Deve ser levado em consideração que o processo de nacionalização
depende da chamada “Presença de Carga”, momento em que o status de
“Carga Manifestada” é alterado para “Carga Armazenada”, ou seja, apta a ter o
processo de liberação iniciado por seu recebedor. Tal procedimento não ocorre
imediatamente após a descarga, posto que o operador portuário necessita de
um prazo mínimo para fazê-lo. Portanto, do ponto de vista operacional, trata-se
de uma questão de bom senso considerar a contagem dos dias livres somente
no primeiro dia útil após a operação de descarga.
A legislação pátria nos remete à mesma conclusão. O Decreto-Lei nº
116, de 25 de janeiro de 1967, determina em seu artigo 3º que “A
responsabilidade do navio ou embarcação transportadora começa com o
recebimento da mercadoria a bordo, e cessa com a sua entrega à entidade
portuária ou trapiche municipal, no porto de destino, ao costado do navio.”
23
Este artigo deve ser interpretado em conjunto com as normas
aplicáveis às obrigações dos intervenientes nas operações de Comércio
Exterior, como o Decreto nº 37/66, a Instrução Normativa da RFB nº 800/2007
e o Decreto nº 6.759/2009 (Regulamento Aduaneiro).
Conclui-se que a efetiva entrega das cargas somente ocorre quando o
operador portuário dá a chamada “Presença de Carga”, alterando o status do
Siscomex-Carga para “Carga Armazenada”. Somente após este evento é que
se pode considerar que o armador efetivamente deu cumprimento ao contrato
de transporte.
Interessante também apresentar um argumento definitivo que encerra
qualquer discussão a respeito, o Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406/2002)
dispõe em seu artigo 132 que “Salvo disposição legal ou convencional em
contrário, computam-se os prazos, excluindo o dia do começo, e incluído o do
vencimento.”
Portanto, conclui-se que a contagem do free time demurrage deve ter
seu início no primeiro dia útil seguinte à data em que o navio operou (D+1),
não apenas por uma questão legal, mas como medida mais razoável em vista
dos procedimentos necessários ao recebimento e liberação das cargas.
2.5 – Demurrage do contêiner.
Com o advento dos contêineres, inúmeros problemas deixaram de
existir, a carga deixou de ser diretamente manuseada para ser devidamente
acondicionada nessas caixas ou “cofres”, ainda no armazém do exportador e
transportado sem qualquer contato direto, sendo o equipamento aberto
somente no destino final na maioria dos casos. Trata-se de um equipamento
do navio, com previsão legal contida na Lei nº 9.611/98, artigo 24 que assim
determina: “Para os efeitos desta Lei, considera-se unidade de carga qualquer
equipamento adequado à unitização de mercadorias a serem transportadas,
sujeitas a movimentação de forma indivisível em todas as modalidades de
transporte utilizadas no percurso. Parágrafo único: A unidade de carga, seus
24
acessórios e equipamentos não constituem embalagem e são partes
integrantes do todo.”
E nessa condição é totalmente justo que o importador, ao receber sua
mercadoria, devolva o contêiner ao seu proprietário, sob risco de uma
penalidade.
Diante de diversas devoluções fora do prazo os armadores aplicaram
aos importadores, ou tentam aplicar, a regra da sobre-estadia originária dos
contratos de afretamento, como anteriormente comentado, todavia, sem
respeitar todo um sistema legal já existente no tocante a este instituto.
Os armadores cobram pelas sobre-estadias de seus contêineres,
através de uma pena pecuniária imposta ao consignatário do Bill of Lading pelo
atraso na devolução de seu equipamento que, não raramente, podem fazer
falta para outros transportes, implicando assim em um custo extra com a
aquisição de novos contêineres para suprir a demanda. Destaca-se também
que essa exigência se transformou em uma fonte de renda quase tão lucrativa
quanto os próprios fretes marítimos.
Hodiernamente, nem a lei nem o próprio Poder Judiciário estabelecem
parâmetros para elidir abusos por parte dos armadores. Muitos são os
processos judiciais que atingem valores de demurrage elevados, podendo
colocar os importadores em estado de insolvência. Mesmo necessitando da
devolução do equipamento, tem sido comum o armador deixá-lo
deliberadamente sem qualquer notificação ou aviso para devolução,
simplesmente permitindo o transcurso do tempo e isso gerando o aumento da
penalidade a ser cobrada. Depois de devolvido o contêiner, manejam ações no
Judiciário exigindo valores que podem facilmente ser maiores que o próprio
valor do equipamento ou mesmo do frete marítimo.
Cabe destacar que, quando o consignatário vai obter o conhecimento
marítimo para posterior registro da DI (declaração de importação) e
desembaraço da mercadoria, e posteriormente poder retirar o equipamento, é
obrigado a assinar um termo de responsabilidade onde há toda descrição do
conhecimento de embarque dos contêineres, bem como o valor da demurrage
diária e o free time, ou seja, o tempo em que não incide essa penalidade que
25
sempre se inicia no dia do desembarque do navio e podem variar entre 7 e 30
dias dependendo do armador e de uma prévia negociação.
Por se tratar de uma cláusula penal, como acima destacado, faz-se
imperioso destacar o artigo 412 do Código Civil: “O valor da cominação
imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal”.
Entende-se que obrigação principal é o valor do equipamento, pois quando é
assinado o termo de responsabilidade, seu subscritor se compromete a
devolvê-lo, sob pena de um pagamento diário, esta penalização deve ter um
limite, pois, caso contrário, o armador deliberadamente fica silente e inerte
vendo o montante subir a cada dia, tornando evidente o locupletamento
indevido.
2.6 – A demurrage e o NVOCC.
Atualmente, constatamos que os NVOCC’s ou Non-Vessel-Operating
Common Carrier, operadores de transporte marítimo sem navio, se tornaram
peças de fundamental importância na concretização das operações de
comércio exterior viabilizando a importação de uma gama incontável de
produtos ao redor do globo.
Via de regra, são empresas que adquirem o frete no atacado dos
armadores e os revende aos importadores. Não há uma definição absoluta
quanto à sua natureza jurídica, pois dependendo do ponto de vista, os
NVOCC’s podem ser transportadores ou importadores em uma mesma
operação.
Eles consolidam cargas, ou seja, as aglutina e faz um único transporte
emitindo um conhecimento de transporte denominado House, o HBL para cada
importador. Como não possuem navios, contratam o armador para
efetivamente fazer o frete marítimo que emite o seu conhecimento de
embarque, o Master BL (MBL) em seu nome e cede o contêiner. Temos então
um armador que emite o MBL em nome do NVOCC e este emite o HBL em
nome de cada importador que tiver carga nesse contêiner. O NVOCC é
26
consignatário no MBL emitido pelo armador e nessa qualidade responde por
eventuais sobre-estadias e/ou avarias que seu contêiner vier a sofrer.
Entretanto, quem de fato registra a declaração de importação (DI),
desembaraça a carga e retira o contêiner é o importador que é o real
responsável por toda e qualquer demurrage incidente naquele equipamento.
Nas ações judiciais de cobrança de demurrage os armadores
comprovam a efetivação do frete marítimo em nome do NVOCC
(consignatário), através do Bill of Lading ou do termo de responsabilidade
assinado por este quando inicia o processo de desconsolidação.
Na sequência do processo de desconsolidação os importadores
procuram os NVOCC’s para receber os HBL’s e registrar a DI. Nesse momento
devem também assinar um termo se responsabilizando por eventual
demurrage que esse importador possa dar causa. Com esse procedimento os
NVOCC’s criam mais um mecanismo de defesa nas ações dos armadores.
Trataremos da responsabilidade civil e dos mecanismos de defesa
judiciais no próximo capítulo.
2.7 – Da prescrição.
O fator tempo deve ser sempre observado. No caso da cobrança da
sobre-estadia ou demurrage, as providências cabíveis devem ser tomadas
sempre dentro de um prazo determinado, sob pena de perda do direito de
procurar o Poder Judiciário para se socorrer.
O armador tem 1 (um) ano a contar da entrega da carga para dar
entrada na ação que visa receber esse valor, sob pena de não o fazendo,
perder o direito de fazê-lo. Caso o armador não tenha ainda os meios
necessários ou esteja em meio a uma negociação para receber amigavelmente
qualquer valor, e vendo o prazo se aproximar, ele pode fazer o Protesto
Interruptivo de Prescrição.
Trata-se de um procedimento judicial (notificação), que garantirá ao
armador mais 1 (um) ano de prazo para a propositura da ação que entender
necessária. Esse procedimento somente pode ser feito uma única vez, caso a
27
nova data seja ultrapassada, nada mais poderá ser feito e ocorrerá a
prescrição. Entretanto, se mesmo após o prazo o armador ajuizar a ação, esta
será extinta sem julgamento de mérito pela prescrição e invariavelmente será
condenado no ônus da sucumbência.
Todavia, com relação ao prazo para a propositura da ação de uma
maneira geral, os tribunais têm entendido que a regra jurídica a ser aplicada
para a contagem do prazo prescricional, nos casos de cobrança de frete e/ou
demurrage de contêineres é a disposição contida no artigo 206, §5º, inciso I do
Código Civil, que concede um prazo de 5 (cinco) anos para a pretensão de
cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular,
ao invés do que dispõe a Lei nº 9.611/98 em seu artigo 22: “As ações judiciais
oriundas do não cumprimento das responsabilidades decorrentes do transporte
multimodal deverão ser intentadas no prazo máximo de um ano, contado da
data da entrega da mercadoria no ponto de destino ou, caso isso não ocorra,
do nonagésimo dia após o prazo previsto para a referida entrega, sob pena de
prescrição.” Alegam os armadores que essa lei cabe somente aos transportes
cobertos por um único conhecimento através de duas ou mais modalidades.
Contudo, verifica-se que nada se altera no transporte marítimo quando
combinado com qualquer outro. Assim, utilizam a regra do Código Civil ao
invés da Lei nº 9.611/98, simplesmente, como uma exegese forçada por parte
dos armadores a fim de lhes conceder mais tempo para a propositura da ação.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já pacificou o entendimento
quanto a analogia dos casos, ou seja, a sobre-estadia do contêiner é a mesma
do navio, inclusive o entendimento é pacífico quanto a aplicação do Código
Comercial, que hoje está revogado, sendo substituído pela Lei nº 9.611/98,
portanto, ambos têm o mesmo tratamento.
Não se pode aceitar decisões jurídicas diferentes para casos análogos.
É inadmissível que os prazos para as questões, sejam de frete, demurrage de
navio ou contêiner ou qualquer outra decorrente do transporte marítimo
internacional evidenciado pelo conhecimento de embarque seja aquela
disposta no Código Civil e que o transporte multimodal tenha regramento
através da Lei nº 9.611/98.
28
2.8 – A demurrage e os procedimentos.
Diante da realidade vivida pelos NVOCC’s, bem como de grande parte
dos importadores, a demurrage quando não devidamente administrada pode
gerar prejuízos e até mesmo inviabilizar processos de importação, momento
em que é comum as cargas serem abandonadas caindo em perdimento.
Com a ocorrência do perdimento, os armadores costumam procurar
seus departamentos jurídicos ou contratam especialistas locais para reaver o
contêiner. Logo após a alfândega do porto declarar o perdimento é feito o
protocolo do pedido junto aos terminais alfandegados que, na maioria dos
casos, nega o pedido sob a alegação de não haver espaços para a carga,
senão dentro dos cofres. Diante dessa negativa, a via judicial é procurada para
ser impetrado um Mandado de Segurança, por se tratar de uma empresa que
exerce a função do alfandegamento por concessão do Poder Público.
A fim de evitar maiores problemas, é recomendável que a demurrage,
bem como o free time, devem ser objetos de negociação antes do fechamento
do frete marítimo, deve estar dentro da proposta do armador para a execução
dos fretes, com o intuito de evitar surpresas. O consignatário saberia que para
a sua carga chegar ao seu armazém ele já teria um “tempo livre” para o
despacho e caso o ultrapassasse estaria incorrendo em uma penalidade já
sabida e até calculada em seu custo, sempre dependendo da complexidade da
operação.
29
CAPÍTULO III
COMENTÁRIOS SOBRE A DEFINIÇÃO DE
COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO
3.1 – Responsabilidade civil pelo pagamento.
No capítulo anterior, vimos que quem de fato registra a declaração de
importação (DI), desembaraça a carga e retira o contêiner é o importador e
que, portanto, este deve ser o real responsável por toda e qualquer demurrage
incidente naquele equipamento.
Todavia, nas ações judiciais de cobrança de demurrage os armadores
comprovam a efetivação do frete marítimo em nome do NVOCC
(consignatário) através do Bill of Lading ou do termo de responsabilidade
assinado por este quando inicia o processo de desconsolidação.
O mesmo ocorre com os Freight Forwarders ou agentes de carga.
Quando este é o contratante dos serviços de transporte, a situação torna-se
ainda mais grave, porque ele costuma cobrar os seus clientes tendo por base o
free time negociado.
Portanto, quando o prazo (free time) pactuado no contrato de
transporte é excedido, constata-se que é comum que os armadores acionarem
os NVOCC’s (Non-Vessel-Operating Common Carrier) ou os Freight
Forwarders, quando estes atuam no negócio ao invés de cobrar a demurrage
diretamente do importador, que é quem acaba sendo o responsável pela
demora na liberação dos contêineres, como acima destacado.
Sem questionar se o valor da cobrança é justo ou não, conforme já
explicado acima, entende-se, em primeiro lugar, que por ser uma cláusula
penal o valor final cobrado da sobre-estadia não deve ser superior ao valor do
próprio contêiner (obrigação principal).
Segundo, na esfera judicial, quando a ação de cobrança for ajuizada
em face do NVOCC ou do Freight Forwarder, estes devem sempre se valer do
30
instituto da denunciação da lide ao importador, procedimento obrigatório, para
que este venha ao processo assumir em seu lugar a responsabilidade pela
devolução tardia do contêiner em uma provável condenação pecuniária.
O instituto da denunciação da lide está previsto no inciso III, do artigo
70 do Código de Processo Civil de 1973 que assim dispõe: “A denunciação da
lide é obrigatória: III – àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a
indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda.”
No novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), o instituto da
denunciação da lide está previsto nos artigos 125 a 129 e a previsão acima
transcrita passou a ter a seguinte redação no artigo 125, inciso II: “É admissível
a denunciação da lide, promovida por qualquer das partes: II – àquele que
estiver obrigado, por lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o
prejuízo de quem for vencido no processo.”
O §1º do artigo 125 dispõe que o direito regressivo poderá ser exercido
por ação autônoma quando a denunciação da lide for indeferida, deixar de ser
promovida ou não for permitida, devendo, por certo, ser respeitado o prazo
prescricional, como estudado no capítulo anterior.
Quando a lei adjetiva diz, “por lei ou por contrato”, vale dizer que o
House (HBL) juntamente com o termo de responsabilidade assinado pelo
importador fornecem total guarida aos direitos do NVOCC e Freight Forwarder
para que o traga à demanda.
3.2 – Competência: espécies e critérios para a sua fixação.
A Constituição Federal ao tratar da organização do estado brasileiro,
possui um capítulo que versa sobre a União, sua organização político-
administrativa e competência para legislar.
Assim sendo, é a Constituição Federal, como lei maior, que define a
competência para legislar sobre Direito Marítimo, conforme se vê no artigo 22
da Carta Magna que dispõe que compete privativamente à União legislar sobre
direito processual e marítimo, entre outros (inciso I), bem como sobre o regime
de portos, navegação lacustre, fluvial, marítima, aérea e aeroespacial (inciso
31
X), deste modo, delimitando que, a princípio, somente a União pode legislar
sobre direito marítimo e o processual, que ora analisaremos.
Cumpre destacar que por competência privativa, entende-se ser
aquela que pode ser delegada para outros entes federativos. O parágrafo
único do referido artigo 22 permite à União, por meio de Lei Complementar,
autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias
previstas naquele artigo.
Para entendermos a questão da competência processual no Direito
Marítimo, faz-se necessária a análise de delimitação das competências no
estudo do Direito Processual e, assim, verificar como as mesmas são
aplicadas para a matéria ora em exame.
No Direito Processual, o estudo da competência se divide entre
competência internacional e competência interna, estando esta última dividida
em cinco espécies: funcional, em razão da matéria e em razão da pessoa
(competências absolutas) e territorial e em razão do valor da causa
(competências relativas).
Quanto a chamada competência internacional, o Professor Daniel
Amorim Assumpção Neves8 tece a seguinte observação: “A temática, na
verdade, encontra-se com nome inadequado. As regras do art. 89 do CPC, em
especial, que criam as hipóteses de competência exclusiva do juiz brasileiro,
não retiram propriamente a competência do juiz estrangeiro, mas sim sua
jurisdição. As limitações impostas pelos arts. 88 e 89 do CPC traçam
objetivamente os limites da jurisdição dos tribunais brasileiros, e não tão
somente sua competência.”
Aqui se faz interessante o conhecimento do artigo 88 do CPC, vez que
no Direito Marítimo é comum a relação jurídica entre pessoas de diferentes
países, bem como a utilização de navios de diferentes nacionalidades. Assim,
dispõe o artigo 88 do Diploma Processual:
Art. 88. É competente a autoridade judiciária brasileira quando:
8 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil, 5ª ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro, Forense/São Paulo, Método, 2013, p. 133.
32
I - o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil; II - no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação; III - a ação se originar de fato ocorrido ou de ato praticado no Brasil. Parágrafo único. Para o fim do disposto no no I, reputa-se domiciliada no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que aqui tiver agência, filial ou sucursal.
Visando apurar a competência no caso concreto, podemos seguir as
seguintes etapas:
1º) Verificar se o caso será de competência dos tribunais superiores
(competência originária);
2º) Verificar se o processo será de competência da justiça especial ou
comum (federal ou estadual);
3º) Em sendo da justiça comum, definir entre a Justiça Federal ou a
Estadual, sendo que a primeira tem sua competência absoluta definida nos
artigos 108 (TRF) e 109 (primeiro grau) da CF. A competência da Justiça
Estadual é residual;
4º) Apurada a justiça competente, verificar se o caso é de competência
originária no Tribunal (TRF ou TJ) ou de primeira instância;
5º) Após estas etapas, sendo de competência do primeiro grau de
jurisdição, faz-se a verificação do foro, ou seja, a comarca na Justiça Estadual
ou a seção judiciária na Justiça Federal.
Em um primeiro momento, poderia se pensar no Tribunal Marítimo
como integrante da justiça especial, o que eliminaria a competência da justiça
comum, todavia, veremos adiante que o Tribunal Marítimo não integra o Poder
Judiciário.
3.3 – O Tribunal Marítimo.
O Comando da Marinha, subordinado ao Ministério da Defesa,
apresenta como missão do Tribunal Marítimo9: “O Tribunal Marítimo, com
jurisdição em todo o território nacional, órgão autônomo, auxiliar do Poder
9 https://www.mar.mil.br/tm/missaohistoria.htm.
33
Judiciário, vinculado ao Comando da Marinha, tem como atribuições julgar os
acidentes e fatos da navegação marítima, fluvial e lacustre e ainda mater o
Registro de Propriedade Marítima, de armadores de navios brasileiros, do
Registro Especial Brasileiro (REB) e dos ônus que incidem sobre as
embarcações nacionais.”
Com base nos entendimentos mais recentes de doutrinadores
processualistas, podemos dizer que o Tribunal Marítimo exerce jurisdição, mas
esta seria atípica, vez que a jurisdição típica é aquela exercida pelo Poder
Judiciário e o Tribunal Marítimo encontra-se inserido no Poder Executivo, posto
que vinculado ao Ministério da Defesa – Comando da Marinha. Seria mais
técnico dizer que o Tribunal Marítimo tem atuação em todo o território nacional
e é auxiliar do Poder Judiciário, vez que suas decisões não se revestem de
caráter jurisdicional (não fazem coisa julgada material) e podem ser revistas
judicialmente, pois somente as decisões judiciais são revestidas de
definitividade.
Apesar de ter sido previsto no Decreto nº 20.829/31, a criação do
Tribunal Marítimo Administrativo somente foi considerada a partir do Decreto nº
24.585/34, que aprovou o Regulamento do Tribunal Marítimo Administrativo e o
ativou, determinando a execução do mesmo, tendo assim como data de
criação o dia 05 de julho de 1934.
No ano de 1945, o Decreto-Lei nº 7.676 reorganizou o Tribunal
Marítimo Administrativo, que passou a se denominar apenas Tribunal Marítimo,
todavia, a exclusão do termo “administrativo” não alterou a natureza do
tribunal, pois este continuou sem nenhum encaro jurisdicional.
Por se tratar de um Tribunal Administrativo, quanto as suas funções,
era dito que: “Ao Tribunal Marítimo Administrativo competia fixar a natureza e
extensão dos acidentes da navegação ocorridos com embarcações mercantes
nacionais, em águas nacionais ou estrangeiras, e com embarcações
estrangeiras, mercantes ou não, excetuadas as militares, em águas nacionais,
examinando sua causa determinante e circunstâncias em que se verificaram.
Como produto das deliberações do Tribunal, além da decisão, seriam
propostas ao Conselho de Marinha Mercante medidas de prevenção aos
acidentes marítimos, aperfeiçoando, assim, a legislação e regulamentação do
34
setor. Competia também ao Tribunal, dentre várias atribuições subsidiárias,
manter o “Registro Geral de Propriedade Marítima”, que seria realizado pela
Secretaria do Tribunal. A partir da data de aprovação do citado regulamento,
os proprietários de embarcações mercantes nacionais teriam um prazo de seis
meses para registrarem suas propriedades na Secretaria do Tribunal
Marítimo.10”
Com relação ao Tribunal Marítimo, atualmente o mesmo é regido pela
Lei nº 2.180/54, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 25/56 e
pelas Leis de nºs 3.543/59; 5.056/66; 7.642/87; 8.391/91; 9.527/97 e 9.578/97,
dentre outras.
Por este motivo, as decisões proferidas no âmbito do Tribunal
Marítimo, mesmo as de cunho punitivo, são consideradas como atos
administrativos e os casos examinados neste tribunal podem ser levados para
reapreciação do Poder Judiciário, onde as decisões exaradas pelo Tribunal
Marítimo acabam sendo usadas como prova técnica nas ações judiciais
competentes.
“O Tribunal Marítimo tem visado, ao longo de toda a sua existência,
contribuir para a segurança da navegação, não se limitando a simplesmente
aplicar punições. Ele estabelece as circunstâncias relevantes de cada
acidente, perscruta os fatores que lhes deram origem, publica suas causas e
faz recomendações apropriadas a Autoridade Marítima, com vistas a
alterações preventivas às normas que tratam da segurança da navegação, à
preservação da vida humana e à proteção do meio ambiente. Fora isto, ainda
cuida do registro, tanto da propriedade marítima como dos ônus que incidem
sobre nossas embarcações e armadores de navios brasileiros. Mencionado
Tribunal possui jurisdição em todo o território nacional, seja qual for a
nacionalidade da embarcação envolvida.11”
Como se depreende do conceito acima transcrito, o Tribunal Marítimo
não é competente para apreciar e julgar os casos que envolvam a cobrança de
demurrage ou sobre-estadia.
10 https://www.mar.mil.br/tm/missaohistoria.htm.
35
3.4 – Competência na Justiça Comum Federal e Estadual.
No âmbito do Poder Judiciário, as questões que versam sobre Direito
Marítimo podem ser processadas e julgadas perante a Justiça Comum Federal
ou Estadual.
A competência da Justiça Comum Federal encontra-se definida nos
artigos 108 e 109 da Constituição Federal:
Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais:
I - processar e julgar, originariamente:
a) os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos
os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho, nos crimes
comuns e de responsabilidade, e os membros do
Ministério Público da União, ressalvada a competência da
Justiça Eleitoral;
b) as revisões criminais e as ações rescisórias de
julgados seus ou dos juízes federais da região;
c) os mandados de segurança e os habeas data contra
ato do próprio Tribunal ou de juiz federal;
d) os habeas corpus, quando a autoridade coatora for juiz
federal;
e) os conflitos de competência entre juízes federais
vinculados ao Tribunal;
II - julgar, em grau de recurso, as causas decididas pelos
juízes federais e pelos juízes estaduais no exercício da
competência federal da área de sua jurisdição.
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
I - as causas em que a União, entidade autárquica ou
empresa pública federal forem interessadas na condição
11 http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/1600/O-Tribunal-Maritimo.
36
de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de
falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à
Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;
II - as causas entre Estado estrangeiro ou organismo
internacional e Município ou pessoa domiciliada ou
residente no País;
III - as causas fundadas em tratado ou contrato da União
com Estado estrangeiro ou organismo internacional;
IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas
em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou
de suas entidades autárquicas ou empresas públicas,
excluídas as contravenções e ressalvada a competência
da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;
V - os crimes previstos em tratado ou convenção
internacional, quando, iniciada a execução no País, o
resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro,
ou reciprocamente;
V-A as causas relativas a direitos humanos a que se
refere o § 5º deste artigo;(Incluído pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)
VI - os crimes contra a organização do trabalho e, nos
casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e
a ordem econômico-financeira;
VII - os habeas corpus, em matéria criminal de sua
competência ou quando o constrangimento provier de
autoridade cujos atos não estejam diretamente sujeitos a
outra jurisdição;
VIII - os mandados de segurança e os habeas data contra
ato de autoridade federal, excetuados os casos de
competência dos tribunais federais;
IX - os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves,
ressalvada a competência da Justiça Militar;
37
X - os crimes de ingresso ou permanência irregular de
estrangeiro, a execução de carta rogatória, após o
"exequatur", e de sentença estrangeira, após a
homologação, as causas referentes à nacionalidade,
inclusive a respectiva opção, e à naturalização;
XI - a disputa sobre direitos indígenas.
§ 1º As causas em que a União for autora serão aforadas
na seção judiciária onde tiver domicílio a outra parte.
§ 2º As causas intentadas contra a União poderão ser
aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o
autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que
deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa,
ou, ainda, no Distrito Federal.
§ 3º Serão processadas e julgadas na justiça estadual, no
foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as
causas em que forem parte instituição de previdência
social e segurado, sempre que a comarca não seja sede
de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a
lei poderá permitir que outras causas sejam também
processadas e julgadas pela justiça estadual.
§ 4º Na hipótese do parágrafo anterior, o recurso cabível
será sempre para o Tribunal Regional Federal na área de
jurisdição do juiz de primeiro grau.
§ 5º Nas hipóteses de grave violação de direitos
humanos, o Procurador-Geral da República, com a
finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações
decorrentes de tratados internacionais de direitos
humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar,
perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase
do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de
competência para a Justiça Federal. (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
38
Verifica-se que a competência na Justiça Comum Federal é fixada, ora
em razão da pessoa (ratione personae), ora em razão da matéria (ratio
materiae), casos de competência absoluta, sendo exemplo o artigo 109, inciso
I, da CF que determina que é de competência da Justiça Federal as causas em
que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem
interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes (exceto as
de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à
Justiça do Trabalho).
O inciso IV do referido artigo trata ainda das infrações penais
praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas
entidades autárquicas ou empresas públicas e o inciso IX, dos crimes
cometidos a bordo de navios.
Assim sendo, a Justiça Federal será competente para processar e
julgar ações envolvendo o Direito Marítimo se este tiver relacionado a assuntos
de interesse da União, entidade autárquica ou empresas públicas, como na
esfera tributária ou penal, por exemplo.
Residualmente, compete à Justiça Estadual tudo o que não for de
competência da Justiça Federal, entre elas, as causas cíveis que envolvem a
atividade empresarial marítima, questões relativas a abalroamento no mar,
avarias entre outros.
Entre estas hipóteses de competência da Justiça Estadual, podemos
enquadrar as Ações de Cobrança de demurrage ou sobre-estadia, onde os
armadores figuram no pólo ativo e importadores, NVOCC’s ou Freight
Forwarders são incluídos no pólo passivo, sendo certo que o importador é o
real responsável pelo pagamento, como já estudado.
Por fim, destaca-se que, em algumas comarcas do país, a Justiça
Estadual é composta de Varas Especializadas, como no caso das Varas
Empresariais ou de Fazenda Públicas, onde certas ações que envolvem o
Direito Marítimo podem tramitar, conforme a matéria discutida ou as partes
envolvidas.
39
CONCLUSÃO
A sobre-estadia de contêineres é um tema que merece toda a atenção
dos profissionais que atuam, direta ou indiretamente, no Comércio Exterior,
sejam operadores ou aqueles que atuam nas vias administrativas ou judiciais
em busca da solução de eventuais litígios. A existência da demurrage é válida,
pois elide mazelas e ameniza eventuais custos dos armadores.
Todavia, esse assunto deve ser melhor debatido para evitar abusos
por parte dos transportadores marítimos que acabam vendo na sua incidência
uma receita extra para os seus cofres.
Urge frisar que essa despesa paga pelos importadores e muitas vezes
pelos NVOCC’s, ao mesmo tempo em que elevam o lucro dos armadores
também se contabilizam como custo para os importadores que os repassa ao
produto importado, o que impacta de forma negativa o mercado interno.
Que a demurrage deve existir não há dúvidas, para que o armador não
tenha o seu equipamento (contêiner) estagnado, em razão de inércia alheia,
mas esse instituto deve, em primeiro lugar, respeitar o ordenamento jurídico
interno e segundo que não traga malefícios ao comércio.
O Direito Marítimo ainda possui pouca doutrina e legislação compilada,
não tendo sido até o presente momento dedicado muitos estudos sobre o
direito processual aplicável ao tema, razão pela qual muitos julgadores têm
dificuldade e posicionamentos diversos ao conhecer e julgar ações que versam
sobre a cobrança da demurrage ou sobre-estadia.
Diante do pouco conhecimento da matéria e da carência de
profissionais na área, seja no Poder Judiciário ou nos escritórios de advocacia,
tem-se visto dificuldades na tramitação de processos envolvendo o Direito
Marítimo, motivo pelo qual a falta de varas especializadas é sentida por quem
atua na área, bem como por aqueles que exercem suas atividades no ramo
marítimo, que acabam por muitas vezes em busca do Juízo Arbitral ao invés de
bater nas portas do Poder Judiciário Brasileiro.
Na prática forense, o que se verifica nos litígios envolvendo o Direito
Marítimo é a impetração de Mandados de Segurança para resguardar Direito
líquido e certo violado por ilegalidade ou abuso de poder por parte de
40
autoridades, como no caso de retenção de contêineres ou o ajuizamento de
ações ordinárias para apuração de responsabilidade civil e cobrança da
demurrage.
Conclui-se no presente estudo que, não obstante a busca dos
armadores para responsabilizar os NVOCC’s (Non-Vessel-Opening Common
Carrier) ou os Freight Forwarders, quando estes atuam no negócio, a
responsabilidade de fato pelo pagamento da demurrage deve ser do
importador, que é quem geralmente acaba sendo o culpado pela demora na
liberação dos contêineres.
Sendo a competência da Justiça Comum Estadual para processar e
julgar as ações que envolvem cobrança de demurrage ou sobre-estadia, posto
que a penalidade é fixada em contrato e as partes envolvidas são o armador,
no pólo ativo e o importador, NVOCC ou Freight Forwarder no pólo passivo,
sendo que, estes dois últimos, caso acionados judicialmente poderão contar
com o instituto processual de denunciação da lide para levar ao processo o
verdadeiro responsável pela retenção dos contêineres e, assim, poder se
defender de cobranças indevidas ou eventuais excessos.
41
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
OCTAVIANO MARTINS, Eliane Maria. Curso de Direito Marítimo, volume II –
vendas marítimas, 2ª ed. atual. e ampl. – Barueri: Manole, 2013.
SARACENI, Pedro Paulo. Transporte Marítimo de Petróleo e Derivados, 2ª
ed. – Rio de Janeiro: Interciência, 2012.
COIMBRA, Delfim Bouças. O Conhecimento de Carga no Transporte
Marítimo, 3ª ed. – São Paulo: Aduaneiras, 2004.
COLLYER, Marco A. Dicionário de Comércio Marítimo: termos, siglas,
abreviaturas e acrônimos usados no comércio marítimo internacional, 5ª
ed. – São Paulo: Aduaneiras, 2014.
OCTAVIANO MARTINS, Eliane Maria (org). Vade Mecum de Direito
Marítimo, Barueri: Manole, 2015.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil, 5ª
ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro, Forense/São Paulo, Método, 2013.
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BIBLIOGRAFIA CITADA
COLLYER, Marco A. Dicionário de Comércio Marítimo: termos, siglas,
abreviaturas e acrônimos usados no comércio marítimo internacional,
5ª ed. – São Paulo: Aduaneiras, 2014, p. 127.
SARACENI, Pedro Paulo. Transporte Marítimo de Petróleo e Derivados,
2ª ed. – Rio de Janeiro: Interciência, 2012, p. 24.
COIMBRA, Delfim Bouças. O Conhecimento de Carga no Transporte
Marítimo, 3ª ed. – São Paulo: Aduaneiras, 2004, p .13.
OCTAVIANO MARTINS, Eliane Maria. Curso de Direito Marítimo, volume
II – vendas marítimas, 2ª ed. atual. e ampl. – Barueri: Manole, 2013, p. 22.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil,
5ª ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro, Forense/São Paulo, Método,
2013, p. 133.
VIEIRA, Marcos Túlio Ferreira dos Santos. Sobre-estadia de contêineres
e seus conflitos, extraído do site
http://www.santiagovitorino.adv.br/pt/publicacao/sobre-estadia-de-
conteineres-e-seus-conflitos. Acessado em 15/10/2015.
Cargas unitizadas e suas vantagens, extraído do site
http://cargobr.com/blog/cargas-unitizadas/. Acessado em 15/10/2015.
Tribunal Marítimo, extraído do site
https://www.mar.mil.br/tm/missaohistoria.htm. Acessado em 12/12/2014.
Tribunal Marítimo, extraído do site
https://www.mar.mil.br/tm/missaohistoria.htm. Acessado em 12/12/2014.
O Tribunal Marítimo, extraído do site
http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/1600/O-Tribunal-Maritimo.
Acessado em 12/12/2014.
LEI Nº 9.432/97, trecho extraído do site
http://planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/9432.htm. Acessado em 15/10/2015.
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ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO 2
AGRADECIMENTOS 3
DEDICATÓRIA 4
RESUMO 5
METODOLOGIA 6
SUMÁRIO 7
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I
TRANSPORTE MARÍTIMO 10
1.1 – História 10
1.2 – Fundamentos 11
1.3 – Conhecimento de embarque marítimo (Bill of Lading) 14
CAPÍTULO II
DEMURRAGE OU SOBRE-ESTADIA 19
2.1 – Conceito 19
2.2 – Natureza jurídica 21
2.3 – Finalidade 21
2.4 – Contagem do free time 22
2.5 – Demurrage do contêiner 23
2.6 – A demurrage e o NVOCC 25
2.7 – Da prescrição 26
2.8 – A demurrage e os procedimentos 28
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CAPÍTULO III
COMENTÁRIOS SOBRE A DEFINIÇÃO DE COMPETÊNCIA
PARA JULGAMENTO 29
3.1 – Responsabilidade civil sobre o pagamento 29
3.2 – Competência: espécies e critérios para a sua fixação 30
3.3 – O Tribunal Marítimo 32
3.4 – Competência na Justiça Comum Federal e Estadual 35
CONCLUSÃO 39
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 41
BIBLIOGRAFIA CITADA 42
ÍNDICE 43