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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ–REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS PROJETO “A VEZ DO MESTRE” DIFICULDADES DO PROFESSOR DE LÍNGUA PORTUGUESA EM COMUNIDADES ONDE O CÓDIGO LINGÜÍSTICO DIVERGE DA NORMA CULTA Por: Lúcia Tânia Freitas de Almeida Orientadora Profa. Fabiane Muniz Rio de Janeiro, RJ Abril de 2003

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PRÓ–REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO

DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS

PROJETO “A VEZ DO MESTRE”

DIFICULDADES DO PROFESSOR DE LÍNGUA

PORTUGUESA EM COMUNIDADES ONDE O CÓDIGO

LINGÜÍSTICO DIVERGE DA NORMA CULTA

Por: Lúcia Tânia Freitas de Almeida

Orientadora

Profa. Fabiane Muniz

Rio de Janeiro, RJ

Abril de 2003

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PRÓ–REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO

DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS

PROJETO “A VEZ DO MESTRE”

DIFICULDADES DO PROFESSOR DE LÍNGUA

PORTUGUESA EM COMUNIDADES ONDE O CÓDIGO

LINGÜÍSTICO DIVERGE DA NORMA CULTA

Trabalho monográfico apresentado

como requisito parcial para obtenção

do Grau de Especialista em

Psicopedagogia.

Por: Lúcia Tânia Freitas de Almeida

Rio de Janeiro, RJ

Abril de 2003

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AGRADECIMENTOS

Aos professores da UCAM, pela dedicação com

que nos transmitiram os seus conhecimentos.

Aos meus alunos do CIEP-326 Professor Cesar

Pernetta, que ajudaram a comprovar alguns experimentos.

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Este trabalho é dedicado a Mario, meu marido, e

aos meus filhos Eduardo, Clarissa e Pedro, que muito me incentivaram.

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SE EU MORRER

Se eu morrer!

Que os camponeses possuam

As Terras

Se eu morrer!

Que os operários possuam

As fábricas

Se eu morrer!

Que os estudantes possuam

As escolas

Se eu morrer!

Que os filhos do povo

Possuam lares

Se eu morrer!

Dentre os umbrais de lutas libertadoras,

que do sangue escravo nasça a redenção do

Homem, que nos homens não existam

Classes.

Jarbas Silva Marques

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 7 Capítulo 1 A INFLUÊNCIA SÓCIO-CULTURAL NA FORMAÇÃO DE COMUNIDADES CARENTES 9 Capítulo 2 A IMPORTÂNCIA DA LINGUAGEM 27 Capítulo 3 O DISTANCIAMENTO ENTRE TEORIA E PRÁTICA 43 Capítulo 4 AS SOLUÇÕES DO GOVERNO 50 CONCLUSÃO 54 BIBLIOGRAFIA 55 ÍNDICE 58 ANEXOS 59

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INTRODUÇÃO

Este estudo tem como tema as dificuldades

encontradas pelo professor de Língua Portuguesa no processo ensino-

aprendizagem em comunidades carentes, onde o código lingüístico vigente

diverge da língua “culta”.

O problema que lhe concerne são as dificuldades

que levam o educando a demonstrar total desinteresse diante do processo

de aprendizagem de sua língua.

O exercício do Magistério exige a demonstração

de determinadas competências, fundamentadas em conhecimentos

pedagógicos, tanto teóricos quanto práticos. No entanto, o que se tem visto

é que a formação pedagógica deste profissional não lhe dá as condições

necessárias para resolver os problemas que se apresentam no cenário

educacional. Há muito, carece o sistema educacional de subsídios para

aquisição de cultura e a instituição, que deveria prover a educação

sistematizada, não está obtendo resultados satisfatórios.

A partir deste contexto, é preocupante a formação

do professor brasileiro, em particular o de Língua Portuguesa, no que tange

ao papel de mediador entre indivíduo e sociedade.

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Um grande desafio pedagógico é a

contextualização do ensino da Didática, ou seja, a vinculação do trabalho em

sala de aula às situações concretas de ensino a fim de se evitar um trabalho

inteiramente distante da realidade escolar. As condições concretas em que

se dá, ou não, a articulação entre a Teoria e a Prática em sala de aula

constituem o objetivo desta pesquisa.

Pretende-se identificar as causas que contribuem

para que a escola fracasse na sua função de privilegiar a construção da

socialização do educando, na medida que o ser humano atualiza-se como

sujeito histórico. Assim como abstrair considerações sobre os efeitos

causados pelo meio social às crianças que vivem em comunidades carentes.

As questões que norteiam a investigação são:

• Como se formaram as comunidades carentes e que influências

sócio-culturais elas sofreram ?

• A importância da linguagem e a dificuldade de transmiti-la às

futuras gerações.

• A distância entre “teoria” e “prática” no dia-a-dia da sala de aula.

• As soluções encontradas pelo governo para melhorar a qualidade

de ensino.

Trata-se de um estudo que tem como cenário

uma unidade da rede oficial. Os sujeitos da pesquisa são os professores de

Língua Portuguesa e os alunos do Colégio Estadual César Pernetta,

localizado no Complexo da Maré.

Para a obtenção das informações foram

observados alunos de 5ª e 6ª séries do ensino fundamental da referida

instituição e pretende-se adquirir dados através de aulas sistemáticas,

objetivando os aspectos cognitivos e comportamentais.

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Capítulo 1 A INFLUÊNCIA SÓCIO-CULTURAL NA FORMAÇÃO DE COMUNIDADES CARENTES

1.1. QUEM SOMOS ?

O exercício do Magistério exige o conhecimento

da formação de sua clientela para que se torne mais eficaz o processo

ensino-aprendizagem. Melhor seria se essa clientela fosse levada a buscar a

sua história. Se incentivássemos nossos alunos a reconhecerem nossas

verdades através de verdades de tempos remotos, proporcionar-lhes-íamos

auto-conhecimento, o que facilitaria a busca e a aquisição do saber.

No texto de introdução aos debates do Seminário

Sobre Integração Camponesa do 30º Congresso Internacional de Ciências

Humanas na Ásia, na África e Américas (revista Vozes, 1979), o antropólogo

Darcy Ribeiro expõe com clareza os processos civilizatórios (ou não) pelos

quais a humanidade se submeteu.

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De acordo com Darcy Ribeiro, nos últimos

séculos, forçada primeiro pela Revolução Mercantil e posteriormente, pela

Revolução Industrial, a humanidade viu suas etnias - representadas por mais

de dez mil povos - reduzidas a menos de duas mil. As nacionalidades

européias impuseram sua hegemonia ao mundo; e cresceram tanto em

pessoas a elas integradas na forma de macro-etnias e em territórios de

dominação nacional ou imperialista, que englobaram debaixo de seu poderio

a quase totalidade da humanidade. Era como se todas as faces do ser

humano se apagassem para só deixar florescer as brancas, européias e

cristãs.

Uma outra transformação capital decorrente

dessas duas revoluções tecnológicas, mais profundamente acentuada pela

Revolução Industrial, foi a obsolência do campesinato. De históricos e

antigos mas insubstituíveis, os camponeses passaram a ser obsoletos e até

dispensáveis. Além de reduzidos, eles foram sendo radicalmente

transfigurados.

No século passado, quando esse processo

começava a ser visível, Karl Marx (citado por Darcy Ribeiro) previu o seu

desaparecimento juntamente com outras classes da sociedade, em um

processo geral de proletarização, que a todos converteria em operários

assalariados. E o que significaria essa proletarização? No plano ideológico,

e com respeito aos camponeses, era a perda da auto-imagem de gentes

singulares, era a sua desculturação. A perda do ser através do processo da

"destruição étnica".

Processo semelhante ocorreu com as massas de

milhões de africanos trazidos à América como escravos. Destribalizados e

conscritos na força de trabalho dos engenhos e das minas, na condição de

mera força energética, não só perderam suas caras étnicas originais, como

também tornaram-se mercadorias desculturadas. Por longo tempo será o

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desenraizado, o que não é daqui. Não só porque veio de fora, mas porque já

não é de parte alguma. "Seu descendente é aquele que não sabe o nome da

terra em que pisa, das árvores que vê, dos pássaros que o assustam".

(Darcy Ribeiro, Vozes, 1989)

Segundo Darcy Ribeiro, aquele que permanece

camponês continua capaz de ler, nas fases da lua, na cor das ervas, com

uma sabedoria profunda e antiga, plena de detalhes e só equiparável ao

saber dos sábios mais sábios.

Na convivência com diferentes raças, Darcy

Ribeiro narra: "Na minha experiência de antropólogo, convivendo

longamente com grupos indígenas, tendo ouvido deles, muitas vezes,

perguntas como estas: - Quem é o dono do aço? - Qual é o amo do sal? -

Quem fez os fósforos?"

Segundo o antropólogo, o indígena silvícola é

questionador porque confia em sua própria mente; porque não foi degradado

e desumanizado pela estratificação social. Ao contrário, o operário, desfeito

pela mó da estratificação social, ou o trabalhador, ex-escravo, nunca

perguntam nada. Eles sabem que a ciência é coisa de doutores e atuam

como quem sabe que não sabe e está conformado. Para eles, o saber é

atribuído aos senhores, como regalia que os ricos se dão.

"...Por isso mesmo, os caboclos que me

acompanhavam naquelas expedições etnológicas nunca ficavam ali

escutando minhas explicações. Achavam que era uma ingenuidade dos

índios esperar que eu lhes desse o meu saber", conclui Darcy Ribeiro.

Com base nessas considerações, podemos

mencionar a desintegração étnica que está em curso em nossos dias.

Embora ela não sofra tanta opressão porque já não conta com as grandes

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armas da destruição étnica que são a escravidão pessoal e a brutalidade

colonial, ainda está em franco desenvolvimento.

Verifica-se, então, que as revoluções tecnológicas

que começaram por tornar obsoleto o campesinato, acabaram por fazer

decrescer o proletariado fabril; e, paralelamente ao processo de perda da

condição de trabalhador, dissolvem-se as singularidades culturais desses

contingentes humanos, por força da urbanização e da escolarização e de

outros processos de modernização, levando adiante sua homogeneização.

Assim está se produzindo mais homens genéricos cujas linguagens,

habilidades, visões de mundo, formas de sociabilidade e de criatividade se

uniformizam drasticamente.

Se tanto puderam as forças uniformizadoras das

duas derradeiras revoluções tecnológicas, o que sucederá no decurso da

nova que já está em processo acelerado, com seu poderio ainda maior de

desfazer e refazer as sociedades e as culturas?

Uma de suas tendências evidentes é a de

conduzir a uma homogeneização ainda maior, ao generalizar a todas as

sociedades humanas a mesma tecnologia de produção, as mesmas formas

de organização social e iguais corpos de explicação do mundo, difundindo-

os de forma ecumênica. Para onde levará esse processo? Nosso futuro será

o de uma humanidade uniforme na cultura, no saber e nas artes? Ou, o que

é pior, toda a humanidade se uniformizará na língua, nos costumes, nas

ambições e nas fobias?

Muitas evidências parecem apontar nessa

direção. Tantas, que alguns antropólogos temem ver as poucas caras

étnicas hoje sobreviventes no mundo, drasticamente reduzidas pelo poder

homogeneizador dominante na civilização emergente, tornando fatal uma

uniformização intensificada de toda a humanidade.

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Seu efeito mais terrível será o de delimitar todas

as esperanças e potencialidades dos homens. No passado, muitas das dez

mil etnias podiam fracassar porque sobreviveriam sempre milhares delas

que, ao se salvarem, garantiam a sobrevivência do humano. Depois do

último meio milênio, a dominação européia, desfazendo povos com grande

eficácia destrutiva, reduziu todos os povos do mundo a uma meia dúzia de

variantes da mesma pauta. E, seguindo esse percurso, o atual poderio norte-

americano sinaliza um grande desastre étnico. Agora, armado de

prodigiosos meios de comunicação de massa, com a promessa de uma

língua comum, analógica, o processo civilizatório parece querer jogar com

todo o destino humano.

1.2. DE ONDE VIEMOS?

Neste trabalho pretende-se entender o processo

de desconstrução do ser humano num contexto social que tende a agravar-

se, segundo as diferentes organizações sociais, dependendo da intensidade

da crise que uma determinada sociedade pode atravessar, acirrando as

contradições, distribuindo de forma desigual bens e oportunidades e

promovendo o rompimento de valores básicos ao ser humano.

Faz-se necessário rever então, o processo que

deu origem às cidades e ao fenômeno de urbanização que aprofundou a

contradição entre cidade e campo, pois é (Cecília Pires, pg 16) justamente o

crescimento dos núcleos urbanos que determina radical modificação no

modo de vida rural, a partir da existência de um excedente de bens

produzidos no campo.

Historicamente, esse excedente (produção maior

que consumo) permitiu o surgimento e o desenvolvimento das aglomerações

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urbanas. As cidades surgiram, segundo Cecília Pires, assim, como forma

residencial adotada pelos membros da sociedade que não precisavam se

dedicar diretamente às atividades produtivas agrícolas. Elas foram,

inicialmente, como as cidades imperiais, áreas de funções administrativas e

comerciais da Idade Média, quando os senhores feudais garantiam seu

domínio pela edificação das fortalezas.

A criação de um mercado, proporcionado pelas

novas rotas comerciais abertas pelas Cruzadas e pela autonomia político-

administrativa, permitiu a formação de uma classe negociante que

transformou a economia. A partir daí não se produziu mais apenas para a

sobrevivência. Essa classe negociante, então, acumulou bens e poder

suficientes para investir em manufaturas. A mercadoria transformou-se na

engrenagem básica do sistema econômico, inaugurando o capitalismo

industrial. (Cecília Pires, pg 16)

As estruturas agrárias se decompuseram e a

população emigrou para centros urbanos, criando a força de trabalho

essencial à industrialização. A indústria colonizou, destruiu o meio agrário e

provocou a urbanização.(Cecília Pires, pg 17)

Hoje, a indústria determina a paisagem urbana. O

espaço se organiza em função de um mercado sobre o qual não se

estabelece qualquer controle social. Os indivíduos não controlam mais este

processo. A lógica é a do capital. O processo de industrialização existe em

função da produção. A produção de mercado deve ser cumulativa para gerar

lucro. E o indivíduo dentro dessa lógica, transforma-se numa peça de

engrenagem que tem como única tarefa fazer o sistema funcionar. A

prioridade do lucro, sobre qualquer outro objetivo das cidades, anula as

diferenças essenciais entre elas e afeta a cultura diversificada que compõe a

civilização inserida no modelo industrial capitalista. Isto ocorre porque o

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processo capitalista, baseado na cumulação de riquezas, depende de um

jogo combinado de economias mundiais.

As novas condições econômicas destroem o

sistema tradicional de propriedade da terra, através do qual gerações

inteiras se sucediam retirando do plantio a sobrevivência.

No Brasil, com a penetração do capitalismo, as

classes dominantes passaram a optar pela colonização através de

latifúndios o que gerou a cessão ou a desvalorização da terra destinada à

grande propriedade agrária, impedindo a formação da pequena propriedade

e provocando o barateamento da mão-de-obra.

O sistema latifundiário se constitui de

propriedades com extensas áreas de terra, com pequenas faixas cultivadas

e criações ultra-extensivas de gado. A terra passa a ser fator de lucro, não

mais de serviço como fonte de alimento, e a mão-de-obra torna-se, em

grande parte, desocupada. Ela formará o que Karl Marx chamou de “exército

de reserva do trabalho” ou “superpopulação relativa”, em sua obra O Capital.

Essa expressão significa que a acumulação capitalista se desenvolve,

aumenta a necessidade de aperfeiçoar as condições técnicas de produção,

para enfrentar a concorrência e aumentar seus lucros. Esse

aperfeiçoamento da técnica gera um crescimento de parte do capital que é

empregado em máquinas e equipamentos, prédios, matéria-prima, tudo que

pode ser denominado de capital constante.

Na composição do capital, a parte correspondente

aos salários - capital variável - torna-se cada vez menor, e, com o

aprimoramento da técnica e a diminuição do capital variável, diminui a

necessidade de procura de mão-de-obra.

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O aumento da população é incontrolável e

conseqüentemente o aumento no número de trabalhadores.

A massa de trabalhadores excluídos aumenta ou

diminui, de acordo com as fases de expansão ou retração da economia.

Esse exército de reserva permanecerá no campo entregue à sorte da fome e

da morte ou partirá para a cidade disputando com o trabalhador urbano o já

estreito mercado de trabalho.

“O campo brasileiro enveredou por outro rumo.

Hoje, domina os negócios agrários movidos a alta tecnologia, capital

intensivo e baixo uso de mão-de-obra. O setor rural produz sozinho um

superávit anual na balança de exportações de mais de vinte bilhões de

dólares. Se essa fosse a única atividade econômica brasileira, o país teria

um superávit no comércio exterior entre os dez maiores do mundo. Essa é

uma das razões pelas quais a população do campo está minguando no

Brasil. O agronegócio usa pouca mão-de-obra. Mais de oitenta por cento dos

brasileiros vivem hoje em cidades. As projeções indicam que dentro de cinco

anos a população urbana nacional ultrapassará oitenta e cinco por cento”.

(Revista Veja, 18 de junho de 2003)

Em decorrência disso, há uma legião de pessoas

do campo, tratadas pela grande imprensa como marginais, que caminham

em grupos reivindicando a posse de terras improdutivas.

Não pretende este trabalho abordar as

implicações políticas a ele relacionadas, tampouco apresentar soluções a

problema tão complexo.

O resultado disso é o crescimento de

comunidades carentes nas grandes cidades onde a grande maioria desta

população não tem acesso aos bens de consumo nem consegue escalar os

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degraus sociais para alcançá-lo. A distribuição desigual de riquezas nas

grandes cidades e a divisão injusta de oportunidade de acesso a ela,

segundo a socióloga Cecília Pires, vão provocar grande desorganização de

personalidade.

1.2.1 – FORMAÇÃO DAS FAVELAS

Para que este trabalho seja melhor direcionado ao

seu propósito, faz-se necessário um resumo da historicidade das origens

das favelas na cidade do Rio de Janeiro, seu objetivo, aqui, é o de

esclarecer como se formou a população que se deseja observar.

Pesquisas revelam que a primeira favela data de

1897, quando foi ocupado o Morro da Providência, por militares

sobreviventes da Guerra dos Canudos, que passaram a tratar o referido

morro como Morro da Favela, fazendo alusão a uma planta nordestina de

mesmo nome.

Atualmente, Volnyr Santos define favela como

“conjunto de casebres com muitos moradores, usualmente localizado em

zona de risco” e Aurélio Buarque como “conjunto de habitações populares

toscamente construídas e desprovidas de recursos higiênicos”.

Segundo estudo da Prefeitura da Cidade do Rio

de Janeiro, as principais causas do início do processo de favelização e de

seu foram:

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• falência do sistema escravocrata e a posterior abolição da

escravatura, fato este que trouxe ao desabrigo um enorme

contingente humano de desempregados e de famílias sem-teto;

• crise nas áreas rurais, cuja economia entrou em colapso pela falta de

mão de obra escrava;

• crescente êxodo rural, ocasionado pela falsa atração de oferta de

trabalho urbano;

• as migrações de outras regiões para a, então, capital do país.

• a batalha travada contra os cortiços, tidos como insalubres,

proliferadores de doenças contagiosas, que terminavam por ser

demolidos;

• início do processo de industrialização, que atraindo um grande

número de interessados nesse tipo de trabalho, gerou uma nova mão

de obra desempregada na cidade;

• a implantação da Reforma Passos, que derrubou vários quarteirões

habitacionais, aumentando o número de desabrigados.

A seguir será feito um resumo cronológico da

evolução da ocupação das favelas na cidade do Rio de Janeiro, segundo

estudo da pesquisadora Adriana Mendes Pinto Vial. (junho, 2001)

Com a Abolição da Escravatura e com a

Proclamação da República, as diferenças sociais tornam-se marcantes e

aparecem os primeiros conflitos sociais do século XIX.

Os senhores de escravos não estavam

preparados para essa nova situação, tampouco os escravos, que não

conheciam outro padrão de trabalho e de habitação que não fossem a

servidão e a senzala.

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Essa massa de trabalhadores ocupou os cortiços

e os morros da cidade, localizados principalmente no centro da cidade ou

em periferias próximas, onde encontrava maiores oportunidades de trabalho.

A classe dominante, inconformada com a

vizinhança, pressiona o governo e, a Inspetoria de Higiene Pública com o

apoio da Academia de Medicina, iniciou uma guerra contra os cortiços,já que

a eles eram atribuídas as principais causas do ataque de endemias que

sofria a cidade; eram considerados “locais infectos”. Tal fato, passa a ser

uma das causas do processo de favelização da cidade, com o deslocamento

dos habitantes dos cortiços para os morros da cidade.

O primeiro cortiço a ser demolido foi o “Cabeça do

Porco” em 1893, localizado próximo à atual Estação Ferroviária Central do

Brasil, desabrigando duas mil pessoas. Essa ação marca a reorganização

da área central da cidade, área ligada à aristocracia urbana existente.

Em 1903, o prefeito Pereira Passos abre

avenidas, o que dá à cidade um ar europeu, e proporciona, também, a

higienização da cidade, combatendo definitivamente os cortiços.

Com a reforma urbana estabelecida, essa

população foi obrigada a improvisar novas soluções de moradia, e a solução

para essa população foi a de ocupar morros, principalmente os do centro da

cidade.

Em relatório de 1913, o diretor da Saúde Pública

revelou que a cidade apresentava o seguinte panorama: no Morro da Favela

(Providência) eram 219 casas e no Morro Santo Antônio eram 450 casas,

totalizando por volta de cinco mil pessoas que ocupavam estes dois morros.

Em sete Distritos Urbanos eram 2.564 barracos e 13.601 pessoas.

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No final da década de 10, as favelas começaram

a se expandir em direção aos subúrbios, onde seus moradores eram

atraídos pela instalação de indústrias, e para a Zona Sul, que pela grande

quantidade de moradias de alto padrão, atraía empregados domésticos.

Por volta de 1930, viu-se o governo obrigado a

controlar o crescimento urbano da cidade a partir de modelos urbanísticos,

dentro da ótica da classe dominante. Nessa época, surgiu o Plano Agache,

que tinha a finalidade de ordenar e embelezar a cidade adotando critérios

funcionais e de estratificação social. Segundo o plano, a única solução para

o problema das favelas era a erradicação, pois como uma epidemia que se

expandia, a favela poderia ser vista das áreas mais nobres e belas da

cidade.

Apesar da discriminação evidente contida nesse

Plano, segundo ele seria inútil destruir as favelas sem que antes fosse

planejado um grande número de habitações populares, caso contrário o

problema persistiria. Entretanto, mesmo com essa preocupação ou

precaução, a Revolução de 1930 arquivou o Plano Agache e os ideais de

segregação foram mantidos em benefício de poucos e em detrimento da

maior parte da população.

Nessa época, a cidade encontra-se bastante

estratificada, com áreas destinadas às classes mais ou menos favorecidas: a

classe alta na Zona Sul, a classe média na Zona Norte e as classes mais

pobres nos subúrbios, que nessa ocasião já se encontravam bastante

povoados.

Todavia, a cidade começa a se preocupar com o

problema das favelas a partir de 1933, quando começam a marcar a

paisagem carioca.

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A trajetória de ocupação da cidade, entre 1930 e

1950 é a periferia, impulsionada pela Avenida Brasil. Essa avenida foi

inaugurada em 1946 com o objetivo de deslocar o tráfego e abrir terreno

para novas indústrias, causando paralelamente o surgimento e crescimento

das favelas da região. Essa é a fase mais marcante da expansão física da

cidade, e conseqüentemente da expansão de favelas na área urbana.

No período de 1950 a 1964, a crise econômica se

agrava com a valorização do solo urbano, a retenção de terrenos para

valorização e a ausência de políticas urbanas adequadas.

Houve nessa época, uma frustrada Política

Habitacional que consistia na construção de Conjuntos Habitacionais pelas

Caixas Econômicas e Institutos de Previdência. Foi fadada ao fracasso pela

má gestão clientelista e demagógica.

A situação das favelas em 1960 acusa um

crescimento espantoso, como mostra Adriana Mendes em citando:

“Em 1950 elas abrigavam um total de 169.305 habitantes, em

1960 serviam de local de residência a 335.063 pessoas, ou seja,

registraram um crescimento de 98%.” (PARISSE apud ABREU,

1997, p.126).

É no início dos anos 60 que o governo,

preocupado com a crise social que se instalava e com a estagnação

econômica, inicia uma política que pretendia modificar o destino das

camadas mais pobres. Adotariam-se políticas redistributivas, em que o

Estado interferiria no mercado imobiliário urbano. Esse plano não foi

concretizado devido ao Golpe Militar de 1964.

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A nova política, repressiva e ditatorial, retorna seu

antigo padrão estratificante em níveis bem nítidos e as favelas que ainda se

localizavam em locais nobres da cidade foram retiradas em benefício da

especulação imobiliária.

Segundo dados dos censos, a população das

favelas decresceu na década de 60, acentuando-se na década de 70 devido

a diminuição do ritmo de crescimento populacional da cidade como um todo.

Primeiro, pela diminuição do movimento migratório, comparado às décadas

de 40 e 50 e, finalmente, pela implementação de políticas de remoção de

favelas com caráter seletivo e discriminatório.

Como reação a uma ação irresponsável e

impensada, ocorre nos anos 80 a retomada do crescimento da população

das favelas. Nesses anos, o ritmo de crescimento das favelas esteve acima

do ritmo de crescimento da cidade.

As antigas favelas sofreram processo de

adensamento e surgiram outras novas.

Essa década é marcada pelo crescimento das

favelas em direção à Baixada Fluminense e à Zona Oeste. O crescimento

das favelas deixa, então, de ter o caráter de pólos concentradores. A cidade

passa a ter um crescimento uniforme, através do adensamento das áreas

existentes.

Vale ressaltar que só em 1982 ocorre o período

de legitimação da favela por parte do Poder Público, em sua política vigente.

Verifica-se, então, que a proliferação das favelas

ocorre sempre em épocas de planos urbanísticos, pois esses planos voltam-

se para o embelezamento da cidade que não inclui a população menos

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favorecida. Na realidade, esses planos nunca estiveram voltados para

resolver os problemas das favelas.

Como mostram os gráficos a seguir, no ano de

2000, aproximadamente vinte por cento da população da cidade do Rio de

Janeiro residia em favelas.

Evolução do número de favelas no município do Rio de Janeiro

26 20 11

48

25

45

86

216

26

57

195

295

27

61

262

354

0

50

100

150

200

250

300

350

400

Zona Sul Centro Zona Oeste Subúrbios

1950

1980

1992

2000

Percentual de Moradores de Favelas na População Total do Município do Rio de Janeiro

628170 882483 1092958

446506247549214590295

0

1000000

2000000

3000000

4000000

5000000

6000000

7000000

1980: 12% 1990: 16% 2000: 19%

População Não-favela

População Favela

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Nota-se que o governo, ao expulsar das áreas

valorizadas da cidade a camada social que a enfeiava, nunca deu uma

resposta à produção de moradias dignas para reposição. Sequer adotou

uma política habitacional que atendesse aos requisitos básicos de

salubridade e proximidade do trabalho.

Outro fator que chama a atenção é o de que a

concentração de favelas sempre se deu a partir do pólo concentrador de

mão de obra, isto é, essa população pobre era atraída pelas oportunidades

de emprego existentes, fixando residências próximas ao local de trabalho,

com a intenção de minimizar os gastos de tempo e de dinheiro com

transporte.

Isso fez com que se agrupasse em favelas um

contingente de trabalhadores que lutava pela sobrevivência. Que caminhos,

então, levaram essas pessoas a serem tratadas pelas autoridades atuais

como marginais e excluídos sociais? Não é rara, a ocupação de favelas por

policiais para garantir a ordem, porque lá habitam bandidos e traficantes.

Menos raro, é o pavor que o cidadão de bem tem em se aproximar desses

locais.

Fica então a pergunta: O que a sociedade deixou

de fazer para que cerca de vinte por cento da população seja excluída e

temida?

1.3. ONDE ESTAMOS?

1.3.1. SITUAÇÃO SÓCIO-GEOGRÁFICA

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A escola a ser estudada encontra-se localizada no

Complexo da Maré, área localizada entre a Avenida Brasil e a Linha

Vermelha. Esse complexo de favelas ocupa significativamente o imaginário

do carioca. Sua paisagem, em torno da Baía de Guanabara, foi, durante

muito tempo, dominada por palafitas – habitações precárias suspensas

sobre a lama e a água associada à paradoxal proximidade com o Aeroporto

Internacional Tom Jobim e a Universidade Federal do Rio de Janeiro.

É fato, termos ali uma realidade marcada pelo

proletariado com o predomínio de uma população de origem nordestina e/ou

negra, pouco qualificada profissionalmente, com baixo nível de escolaridade,

baixa renda familiar, empregada majoritariamente em atividades manuais.

Esse perfil potencializa a região no que diz respeito à pobreza e,

conseqüentemente à violência.

É necessário que se leve em conta a distorção

produzida por essa representação, já que o Complexo é marcado por uma

profunda diferenciação sócio-espacial, assim como uma rica diversidade de

práticas, de pessoas e grupos que lhe configuram realidades cotidianas

múltiplas.

Isto traz uma importante produção cultural,

resultante do processo de (sobre)vivência do coletivo, que tem grande

relevância na construção da identidade dos seus alunos.

1.3.2. NÍVEL SÓCIO-ECONÔMICO

O corpo discente da escola apresenta, em sua

maioria, um nível sócio-econômico desfavorável, com predominância da

classe operária possuindo um mercado de trabalho voltado para o comércio

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e para a prestação de serviços ou, ainda, informal não especializado, tendo,

portanto, um baixo poder aquisitivo.

Suas famílias estão constantemente sujeitas ao

desemprego, devido ao restrito mercado de trabalho e à inexistência de

preocupação política em relação à cultura, fatos que os impulsionam a

ingressarem no mercado de trabalho precocemente a fim de contribuírem

com a renda familiar. É freqüente, também, a flutuação populacional em

decorrência da falta de moradia e da constante exposição à violência.

Conseqüentemente, conta essa escola com um

elevado grau de evasão escolar.

Como em toda comunidade carente, o alunado

necessita de um atendimento voltado para a superação de suas deficiências

escolares decorrentes de suas necessidades sócio-econômicas.

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Capítulo 2

A IMPORTÂNCIA DA LINGUAGEM

2.1 - LINGUAGEM COMO RECURSO HUMANO

A linguagem é uma faculdade muito antiga da

espécie humana e, segundo estudiosos, deve ter precedido os elementos

mais rudimentares da cultura material.

Aristóteles, em sua obra Política, afirma que o

homem é um “animal político”, porque somente ele é dotado de linguagem.

Afirma ele que, os outros animais possuem voz (phone) e com ela exprimem

dor e prazer, mas o homem possui a palavra (logos) e, com ela, exprime o

bom e o mau, o justo e o injusto. Exprimir e possuir em comum esses

valores é o que torna possível a vida social e política e, dela, somente os

homens são capazes.

Rousseau na obra Ensaio, sobre a origem das

línguas, afirma que: “a palavra distingue os homens dos animais; a

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linguagem distingue as nações entre si. Não se sabe de onde é um homem

antes que ele tenha falado”. Acredita esse filósofo que a linguagem nasce de

uma profunda necessidade de comunicação: “Desde que um homem foi

reconhecido por outro como um ser sensível, pensante e semelhante a si

próprio, o desejo e a necessidade de comunicar-lhe seus sentimentos e

pensamentos fizeram-no buscar meios para isso”.

No diálogo Fedro, Platão dizia que a linguagem é

um “pharmakon”, palavra que possui três sentidos: remédio, veneno e

cosmético. Para ele, a linguagem pode ser um medicamento para o

conhecimento, pois pelo diálogo e comunicação descobre-se a ignorância e

aprende-se com os outros. Porém, pode ser um veneno quando, pela

sedução das palavras, nos faz aceitar, sem questionamento, se tais palavras

são falsas ou verdadeiras. Finalmente, a linguagem pode ser um cosmético,

maquiagem ou máscara quando dissimula ou oculta a verdade sob as

palavras. A linguagem, para ele, pode ser conhecimento-comunicação, mas

também pode ser encantamento-sedução.

Dentro dessa concepção de linguagem, como

dualidade oposta, encontra-se na Bíblia judaico-cristã, o mito da Torre de

Babel, quando Deus lançou a confusão entre os homens, fazendo com que

perdessem a língua comum e passassem a falar diferentes línguas, o que

lhes impediria um feito comum, gerando então desentendimentos e guerras.

Segundo a Escritura Sagrada, essa foi a punição à ousadia dos homens que

imaginaram poder construir uma torre que alcançasse o céu, e assim, teriam

o poder e um lugar semelhantes ao da divindade. Disse então Deus: “Que

sejam confundidos”.

Durante muito tempo a filosofia preocupou-se em

definir a origem e as causas da linguagem. Séculos mais tarde, muita

discussão levou à seguinte conclusão: linguagem é um sistema de signos

capaz de representar, através de alguma substância significante,

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significados básicos que resultam de uma interpretação da realidade e da

categorização mental dos resultados dessa interpretação. (Marilena Chaui,

2002)

Com o propósito de facilitar a presente discussão,

conceituar-se-á linguagem apenas como faculdade para o uso do ser

humano e como expressão verbal.

A linguagem como capacidade de expressão dos

seres humanos é natural porque nascem eles com uma aparelhagem

natural; física, anatômica, nervosa e cerebral que lhes permite expressarem-

se pela palavra; mas as línguas são convencionais pois surgem de

condições históricas, geográficas, econômicas e políticas determinadas; são

fatos culturais. (Marilena Chaui, pg 140)

Segundo Marilena Chaui, uma vez constituída

uma língua, ela se torna uma estrutura ou um sistema dotado de

necessidade interna, passando a funcionar naturalmente com suas leis e

princípios próprios, independente dos sujeitos falantes que a empregam.

Sujeitos estes que, de acordo com Maria Luisa Abaurre, se utilizam da fala

ou palavra, por ser um ato individual do uso da língua, tendo existência

subjetiva.

Embora os lingüistas tratem, língua, linguagem e

fala como expressões distintas, acredita-se que no dia-a-dia da sala de aula

o professor de Língua Portuguesa deve estar atento ao desenvolvimento

destes processos de forma indissociável, pois a linguagem (Marilena Chaui)

se estabelece ao passar da expressão à significação. Um gesto ou grito que

exprimam uma emoção só lhe dará significado através de palavras e frases.

Saussure corrobora com esta conduta quando

afirma: “é ouvindo os outros que aprendemos a língua materna; ela se

deposita no cérebro somente após inúmeras experiências. Enfim, é a fala

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que faz evoluir a língua: são as impressões recebidas ao ouvir os outros que

modificam nossos hábitos lingüísticos. Existe, pois, interdependência da

língua e da fala; aquela é ao mesmo tempo o instrumento e o produto desta.

Tudo isso, porém, não impede que sejam duas coisas absolutamente

distintas”.

E em outro trecho de seu estudo: “A linguagem

tem um lado individual e um lado social, sendo impossível conceber um sem

o outro (...) a relação que une ambas as coisas é tão íntima que se faz difícil

separá-las”. Então poderíamos chamar este lado social da linguagem de

língua e aquele lado individual da linguagem de fala.

Para ele, a linguagem não pode ser simplesmente

elaborada pelo som. Por si mesma ela não existe, não passa de instrumento

do pensamento. É, então, a elaboração desta unidade complexa acústico-

vocal (som) com uma unidade complexa, fisiológica e mental (idéia).

No estudo da gênese da inteligência nas crianças,

Piaget mostrou como a aquisição da linguagem e a do pensamento

caminham juntos e concluiu que a inteligência humana é uma atividade

mental e de linguagem.

Afinal, o exercício da inteligência como

pensamento é inseparável da linguagem, pois é a linguagem que nos

permite estabelecer relações, conhecê-las e compreendê-las. Ela articula

percepções e memórias, percepções e imaginações, permitindo ao

pensamento um fluxo temporal que conserva e interliga as idéias. É, pois, a

nossa via de acesso ao mundo e tem como instrumento a língua.

2.2 - A LÍNGUA PORTUGUESA

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Não se pretende fazer um estudo diacrônico da

Língua Portuguesa, tampouco abordar controvérsias entre filólogos,

lingüistas e gramáticos a respeito do nosso idioma, pois fugir-se-ia do

propósito desejado, mas é preciso aqui, identificar as preocupações de

grandes mestres na transmissão da língua materna às novas gerações.

Em estudos feitos no século XIX, durante a crise

do idealismo alemão, e o conseqüente advento do método histórico-

comparativo nos domínios da linguagem, o professor Oscar Weise,

estudando os caracteres do latim chegou à conclusão de que “a língua é, em

suma, uma criação artística do povo”.

O grande filólogo Joaquim Ribeiro, a respeito

desse estudo, afirma: “O povo, pode-se afirmar, também sabe fabricar a

ambrosia dos deuses.” E em outro trecho da mesma obra: “A língua não é

obra dos autores, clássicos ou espúrios. É obra do povo. É um produto

cultural. Só se pode estudar uma língua na sua totalidade, integrando-a na

cultura que a elaborou (...). A linguagem popular subiu à tona como

conhecimento indispensável no estudo das línguas.”

Na escola antiga, o professor cometia o erro de

entender como língua aquela modalidade culta refletida no código escrito ou

na prática oral que lhe seguia o modelo, repudiando totalmente o saber

lingüístico aprendido em casa, intuitivamente, transmitido de pais a filhos.

A partir do século XIX (Marilene Chaui, p. 164),

quando surgiram os estudos comparativos das línguas a fim de se encontrar

famílias lingüísticas e chegar à língua-mãe original é que a preocupação dos

estudiosos voltou-se para a investigação dos fatores extralingüísticos.

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Atualmente parece haver um consenso sobre o

papel contundente do conhecimento prévio do aluno nos processos

educacionais. “O fato mais importante que influi na aprendizagem é aquilo

que o aluno sabe. Isto deve ser averiguado e o ensino deve depender

desses dados.” (Ausubel, Novak e Hanesian,1983)

Adverte-nos o filólogo Evanildo Bechara: “Hoje há

um exagero de liberdade e por um equívoco em supor que uma língua ou

uma modalidade é imposta ao homem, chega-se ao abuso inverso de

repudiar qualquer outra língua funcional, que não seja aquela coloquial, de

uso espontâneo na comunicação cotidiana”. Acredita o mestre que em

ambas as atitudes há realmente “opressão”, na medida em que não se dá ao

falante a liberdade de escolher para cada ocasião do intercâmbio social, a

modalidade que melhor sirva à mensagem, ao seu discurso.

A respeito dessa discussão indaga Marina Miras

(2002): “Pois bem, devemos averiguar o que o aluno sabe, mas... tudo o que

ele sabe? Uma parte? No início do processo? Durante o processo? Como

fazer isso?”

Parece ser papel do professor usar a sensatez no

traçado do que é necessário ou desnecessário, conhecer o que o aluno

sabe, para organizar e planejar o novo ensino.

De acordo com as bases do Construtivismo, a

experiência acumulada, sem dúvida, é um referencial importante no

momento de determinar o que devemos explorar (Marina Miras, p. 72).

No caso específico da aprendizagem da Língua

Portuguesa na escola observada, ao serem verificadas as capacidades e

instrumentos gerais adquiridos pelos alunos ao longo de seu

desenvolvimento, algumas barreiras foram encontradas:

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1 - grande parte dos alunos, oriundos de escolas

municipais, teve aprovação automática, na seqüência de 1ª a 4ª série, sem

que houvesse exigência mínima dos conteúdos exigidos;

2 - o alunado provém de comunidade carente

onde as famílias, com pouca escolaridade, não estimulam o

desenvolvimento intelectual;

3 - os meios de comunicação, com forte tendência

a manipular os valores morais e a desenvolver exacerbadamente o

consumo, contribuem para a preservação da ignorância e para a alienação

da comunidade;

A partir das dificuldades citadas tentar-se-á

desenvolvê-las de forma a esclarecer o que se pretende:

2.2.1 – DEVE SER REPROVADO O ALUNO OU A ESCOLA ?

O grande questionamento que se faz é a

finalidade da escola. Deveria ela preparar seus alunos para a vida ou para o

vestibular? Deveria ela preparar cidadãos competentes para uma sociedade

melhor, mais justa e digna ou jogar homens no mercado de trabalho para a

manutenção de uma sociedade que privilegia uma pequena camada social

em detrimento da miséria em seu sentido mais amplo?

É preocupante constatar que a política

educacional, quando voltada para o ingresso ao mercado de trabalho,

prioriza o alunado oriundo de classes sociais abastadas. Seria como um jogo

em que as peças a serem deslocadas teriam que voltar sempre para as

mesmas posições.

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No livro “Um Caminho Novo” de Içami Tiba (p. 6),

lemos: “Não se pode desperdiçar tanto investimento em alunos sujeitos a

repetir o ano e abandonar a escola. É como se estivéssemos jogando

dinheiro fora.”

Parece haver um consenso, entre os teóricos

atuais e o governo, que a repetência escolar não é bom para o aluno. Para

aqueles, gera frustrações e desmotivação. Para o governo, além de gerar

despesas, compromete as estatísticas que lhes garantem a competência.

A escola pública, nessa questão, resolveu o

problema de forma simples e eficaz, aprovando automaticamente alunos

sem a mínima condição de acompanhar a série em seqüência. As escolas

públicas sequer contam com profissionais especializados para o

acompanhamento de alunos com dificuldades de aprendizagem.

Afinal, por que deveria ter a escola pública a

colaboração de psicólogos, fonoaudiólogos, psicopedagogos ou orientadores

escolares, se esses apontariam falhas e apresentariam problemas que não

poderiam ser resolvidos por incompetência dos órgãos públicos ou por falta

de verba destinada à educação, melhor deixar que acreditem que todos os

alunos têm condições de serem promovidos.

Em conseqüência, ingressam na quinta série

desta escola, alunos que não estão completamente alfabetizados.

2.2.2 – COMO TRANSFORMAR O ALUNO NUM POLIGLOTA DENTRO

DE SUA PRÓPRIA LÍNGUA HISTÓRICA ?

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De acordo com o filólogo Serafim Silva Neto, os

“falares ultramarinos” estavam totalmente inexplorados até 1880, quando a

Adolfo Coelho não escapava a clara visão do problema: “A linguagem falada

distingue-se, já na boca dos mais instruídos... por essa tendência

determinada por tornar abertas todas as vogais átonas... na linguagem dos

matutos notam-se modificações fonéticas mais consideráveis, a geral das

quais é a supressão do “r” final...”

Alguns anos mais tarde voltava ao assunto: “O

Brasil pelas condições glóticas em que se acha é um país que naturalmente

leva para os estudos filológicos; dum lado vê-se a língua da mãe pátria que

os literatos e doutos tentam em geral escrever e falar... doutro surgem os

dialetos indígenas, tupi-guarani, língua dos botocudos, ... pela acção das

causas tão complicadas como são a mistura étnica, o contato com línguas

diversas que persistem ou desaparecem...”. E conclui que à linguagem

brasileira, por apresentar naturalmente tão grande série de gradações,

desde a boca do culto até a do último matuto, não se deve correr o risco de

apresentar qualquer afirmação, pois poderá ser em grande parte falsa.

Pouco ou quase nada se sabe em relação aos

problemas lingüísticos da comunidade brasileira (Jonas de Araújo

Romualdo, 1979). Tem-se uma preocupação clara da existência de inúmeras

variantes da nossa língua e a partir dessa constatação, é preciso examinar

se existe ou não alguma conexão entre essas diferentes maneiras de falar o

português e a diferenciação entre grupos e classes sociais que compõem a

comunidade brasileira.

Segundo Evanildo Bechara, no Brasil, as

variedades diatópicas são menos acentuadas do que em outras nações, o

que tornaria mais fácil a ação do professor. Entretanto, trazem os alunos

para a escola variedades diastráticas ou de caráter sócio-cultural que cabe

levar em conta. Enquanto a língua de casa traduz as noções de um mundo

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ou de uma vivência reduzida, a língua da escola irá prepará-los,

acompanhando o seu desenvolvimento psicológico e cultural, para descobrir

no pensamento discursivo as formas que foram elevadas a uma função

cognoscitiva mais alta no pensamento racional.

Embora nenhum estudo científico tenha detectado

com nitidez uma variante (ou variantes) do português, de prestígio social, há

um consenso geral sobre qual é essa variante (ou essas variantes).

Sentimos facilmente que existem variantes prestigiadas socialmente e outras

estigmatizadas (Jonas de Araújo Romualdo, pg 48). A variante do português

entendida como feia, errada, sem lógica está relacionada de alguma forma

com os falares das classes sociais menos favorecidas, enquanto que o

português tido como bonito e certo, com o ideal de língua imposta pelas

classes mais favorecidas.

Desse modo, percebe-se que os critérios de

valores atribuídos às variantes lingüísticas são função da dominação

ideológica das classes dominantes sobre as classes subalternas, assim

como tudo o que poderia constituir-se como marca ou como valor das

classes menos favorecidas é negado. Em contrapartida coloca-se como

constituídos os valores inquestionáveis das classes poderosas e,

particularmente, a variante lingüística relacionada, de algum modo, com

essas classes.

Assim, os grupos subalternos não têm existência,

porque, entre outras coisas, não detêm o poder da linguagem, o poder das

palavras.

É função da escola fazer com que grupos sociais

menos favorecidos se apropriem da linguagem para poder reivindicar seu

lugar na história. É preciso conquistar sua identidade para adquirir sua

existência social, acrescentando aos discursos já existentes o seu próprio

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discurso, mas há de ter-se cautela e cuidar para que não se dê o que Paulo

Freire chama de deformação: “Não se pode realizar com homens pela

metade. E, quando tentamos, realizamos sua deformação”. (Paulo Freire, p.

58). Para o pedagogo, o caminho para a libertação não está no mero ato de

depositar a crença na liberdade com o propósito de conquistar sua

confiança, mas no dialogar. O que ele chamaria de “pedagogia

humanizadora”. Educador e educando, co-intencionados à realidade, seriam

ambos sujeitos no ato, não só de desvendá-la, mas de criticamente

conhecê-la e assim re-criar este conhecimento. Ao alcançarem, na reflexão

e na ação em comum, este saber da realidade, se descobrem como

refazedores permanentes e assim na busca pela libertação, mais que

pseudo-participação, haverá o engajamento.

Porém, alerta Bechara (pg. 40), para um dos

grandes erros do ensino tradicional, o de não cometer o engano de

transformar o monolingüísmo coloquial do aluno que chega à escola no

monolingüísmo culto do aluno que se despede da escola. Para ele, não cabe

à instituição de ensino a simples substituição da norma coloquial usada na

língua funcional do aluno pela norma culta usada na língua funcional da

escola. Caberá ao professor e à escola, como um todo, transformar o aluno

num poliglota dentro de sua própria língua histórica.

Assim, a educação lingüística deve objetivar-se

em permitir ao aluno, controle das diversas funções da linguagem na

utilização de recursos expressivos, aperfeiçoando as diversas competências

lingüísticas do aluno.

2.2.3 - OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO

Sócrates diz que a única verdade é: “Penso, logo

existo”, pois se eu duvidar de que estou pensando, ainda estou pensando,

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visto que duvidar é uma maneira de pensar. A consciência do pensamento

aparece, assim, como a primeira verdade indubitável que será o alicerce

para todos os conhecimentos futuros.

Em nossa sociedade, é muito difícil despertar nas

pessoas o desejo de buscar a verdade. A enorme quantidade de veículos e

de formas de informações recebidas acaba dificultando a busca da verdade,

pois todos acreditam estar recebendo, de modos variados e diferentes,

informações filosóficas, científicas, políticas, artísticas e que tais informações

são verdadeiras, sobretudo porque tal quantidade informativa ultrapassa a

experiência vinda pelas pessoas, e, por isso, não têm meios para avaliar o

que recebem.

“Bastaria, no entanto, que uma pessoa, durante

uma semana, lesse de manhã quatro jornais diferentes e ouvisse três

noticiários de rádio diferentes; à tarde, freqüentasse duas escolas diferentes,

onde os mesmos cursos estariam sendo ministrados; e à noite, visse os

noticiários de quatro canais diferentes de televisão, para que, comparando

todas as informações recebidas, descobrissem que elas não batem umas

com as outras, que há vários mundos e várias sociedades diferentes,

dependendo da fonte de informação.” (Marilena Chaui, p.92)

A experiência citada, se fosse um hábito,

obviamente produziria insegurança e incerteza. As pessoas, de um modo

geral, optam pela informação que desejam receber, assim, não percebem

que, em lugar da informação, estão sendo desinformadas. E, como há outras

pessoas (o jornalista, o radialista, o professor, o médico, o policial, o

repórter, o artista charmoso, a propaganda...), dizendo o que devem saber, o

que podem saber, fazer ou sentir, confiantes em seus emissores, as

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pessoas se sentem seguras e confiantes, e não há incerteza porque há

ignorância.

Na Grécia antiga, o teatro tinha o objetivo de

educar o povo segundo valores éticos e morais. Aristóteles diz que a

tragédia mostra os homens melhores do que são e a comédia os representa

piores, inferiores, fixando o ridículo que se encontra num defeito.

Cada época possui seu estilo, expresso em todas

as produções culturais e artísticas, que evoluem acompanhando o

calendário histórico. Todo o texto literário está indissoluvelmente preso ao

contexto histórico e social do tempo e se conjuga às demais manifestações

culturais, numa gama de características afins. (Helena Parente Cunha, p.

126)

O termo “paraliteratura” foi proposto por Jean

Tortel (1970) para abarcar a enorme massa escrita reconhecidamente não

literária. A finalidade dessa designação é esvaziar as denominações comuns

de subliteratura e infraliteratura.

Ao estudar o fascínio reconhecido na

paraliteratura, Anagildo Vasconcelos (1975), acredita realizar-se por uma

espécie de ausência na escritura de si mesma, que faz precipitar-se através

de seu próprio vazio, como se a vertigem se apoderasse do texto antes de

se comunicar ao leitor.

Tortel, citado por Anagildo Vasconcelos, arrisca a

hipótese de que o poder da fascinação que informa estes textos, provém do

fato de serem os únicos, nos dias de hoje, a reterem em suas linhas a

imagem do desejo permanente da espécie humana. E afirma que todo

acervo paraliterário continuará sendo objeto da sociologia, da psicologia, da

comunicação, da antropologia cultural, e nunca se definirá como objeto

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40

paraliterário. Acrescenta que a paraliteratura utiliza signos verbais e recursos

retóricos, desempenha função social, veicula mitos, ideologia, etc, podendo

ser tomada como objeto lingüístico, social, e assim por diante. (In Teoria

Literária, 1978)

Os estudos mais avançados do material

paraliterário dizem respeito à cultura de massa e à comunicação de massa,

e, indiscutivelmente, os meios de comunicação de massa representam hoje

um importante papel. E essa cultura de massa encontra na mídia um

elemento de veiculação de ideologia que vai ter repercussões em toda a

sociedade, atingindo diretamente a escola.

A crise da escola é, portanto, a constatação da

necessidade de repensar a educação, não é resultante exclusivamente do

surgimento dos meios de comunicação. Ela é conseqüência também de

mudanças na ordem econômica, política e social. (Anamaria Fadul, Vozes,

setembro de 1980).

Segundo a Constituição Brasileira, cabe à União

explorar diretamente, ou mediante concessão ou autorização, os serviços de

rádio e televisão. A partir desse preceito legal, o Estado não só atribui a si

este controle, como concede à iniciativa privada a exploração de um canal, o

que leva a concluir que o rádio e a televisão não são manipulados apenas

pelo Estado, mas também por aqueles que detêm o poder econômico e os

que sustentam este poder através da publicidade e da propaganda.

“Servindo de mediador e não diretamente como

manipulador, mas estando a serviço da manipulação, o agente da produção

de bens simbólicos transforma a ideologia da classe dominante em

conceitos acessíveis às camadas populares, fazendo com que elas aceitem

os valores transmitidos, sempre relacionados com a existência do indivíduo

através da família, amigos, trabalho, adaptando o indivíduo a suas tarefas

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fixadas pela sociedade. A classe dominante, portanto, não manipula

diretamente o rádio, mas garante a sua dominação.” (Erika Franziska Herd,

Vozes, setembro de 1980)

A verdade é que crianças e jovens passam mais

tempo diante da televisão do que em sala de aula e que, para a maioria

deles, o rádio e a televisão são as únicas fontes de informação, sem falar do

fascínio que exercem sobre o espectador.

Fato narrado por uma professora de Língua

Portuguesa, na escola que se observa, foi que, recentemente, aluna da

sexta série, ao justificar sua ausência em avaliação previamente marcada,

disse à professora que não pôde comparecer à escola porque não poderia

perder o último capítulo da novela, cujo horário coincidia com o da avaliação.

Para ela, seria inadmissível perder esta chance, já que a novela estava

sendo reprisada e na primeira transmissão ela já havia perdido este mesmo

capítulo.

Aceitando ou não, a escola não pode continuar a

ignorar essa nova realidade e não pode querer educar alguém fora de sua

realidade, uma vez que a evolução da sociedade está diretamente ligada a

esse processo.

Segundo a expressão de G. Friedmann, citado

por Anagildo Vasconcelos (Vozes, 1980), a verdadeira “escola paralela” é a

que se opõe à escola tradicional como o agradável ao aborrecido.

“Acreditamos estar aí uma das funções da escola:

ela é definitivamente incapaz de parar, ou mesmo frear, o desenvolvimento

da tecnologia dos mass-media. Por outro lado, ela é capaz (e sem dúvida é

a única instituição a sê-lo) de elucidar e racionalizar as relações entre o

homem e a técnica. É um trabalho de educação que visa dar aos homens a

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“maitrise” verdadeira (quer dizer, intelectual) do mundo dos objetos

técnicos”. (Luiz Fernando Santoro, p.9)

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Capítulo 3

O DISTANCIAMENTO ENTRE TEORIA E

PRÁTICA

Se tantos aspectos do Curso de Formação de

Professores vêm sendo alvo de críticas e de incontáveis propostas

alternativas, sem dúvida um lado essencial da sua problemática encontra-se

na relação Teoria-Prática.

Desde o inicio dos anos 80 aparece um

movimento de estudos, propostas e pesquisas, que analisam, denunciam e

encaminham soluções aos problemas encontrados em relação à teoria e

prática nos cursos de formação de professores.

Esse movimento vem ocorrendo, principalmente,

nas Faculdades de Educação, especialmente nos cursos de pós-graduação,

com a preocupação em alterar o quadro de precariedade em que se

encontra a formação de professores.

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A dicotomia teoria-prática, que afeta a todas as

áreas do conhecimento, vem sendo reiteradamente denunciada pelos

educadores, que também explicitam o desejo de buscar novas formas de

integração.

Etimologicamente, teoria e prática têm origem no

grego, com significados bem diversos. Teoria significava, na sua origem,

observar, contemplar, refletir e ''prática” (práxis, práxeos) tem o sentido de

agir e, principalmente interagir (Candau & Lelis, 1988)

No entendimento de Japiassu & Marcondes

(1991), teoria quer dizer modelo explicativo de um fenômeno que pretende

estabelecer a verdade sobre este, determinar sua natureza. Dizem ainda

tratar-se de um conjunto de hipóteses sistematicamente organizadas que

pretende, através de sua verificação, confirmação ou correção, explicar a

realidade determinada. Já a prática diz respeito à ação que o homem exerce

sobre as coisas, ou seja, aplicações de um conhecimento em uma ação

concreta, efetiva. Tem-se como exemplo o saber prático, isto é, o

conhecimento empírico, saber fazer algo. Este saber prático opõe-se ao

saber teórico, portanto especulativo.

Segundo Riedel (1981), um tratamento

devidamente diferenciado das tarefas de formação de professores deveria

permitir, antes de mais nada, resolver o problema da relação teoria-prática,

"até agora muito difuso e superficial porque considerado sob um número

excessivamente reduzido de aspectos'' (p, 19).

Ainda conforme o autor, na literatura pedagógica

e Didática, as palavras teoria e prática são usadas com sentidos diferentes.

Riedel discute ainda se o trabalho prático do professor consiste somente na

aula em si, ou seja, na ação direta com o aluno durante a realização do

ensino, ou se também seu trabalho de planejamento com respeito aos

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aspectos ideológicos, científicos e técnicos, isto é, quanto à fixação de

objetivos, formas adequadas de manifestação, verificação da aprendizagem

deve ser denominado prática, uma vez que o professor precisa realizar tais

funções sempre praticamente e não apenas teoricamente.

Para Krasilchick (1988), o termo "prática” tem uma

conotação negativa pela tradicional distinção entre o "pensar" e o "fazer”. "A

prática seria o momento em que seriam feitas apenas prescrições de

métodos e técnicas e uso de recursos ignorando ou mistificando o real seu

significado" (p. 25).

Na visão de Pimenta (1995), o entendimento da

prática presente nas experiências de microensino é o desenvolvimento de

habilidades instrumentais necessárias ao desempenho da ação docente. Um

curso de formação estará dando conta do aspecto prático da profissão na

medida em que possibilite o treinamento, em situações experimentais, de

determinadas habilidades consideradas a priori como necessárias ao bom

desempenho do docente.

O questionamento que se é levado a fazer é:

quem define as habilidades mais importantes a serem treinadas? De onde

se parte para estabelecê-las? Seriam as habilidades treinadas,

generalizáveis para o trabalho docente com qualquer grupo de alunos?

Sabemos que é possível, a um certo nível, falar em domínio de

determinadas técnicas (instrumentos, recursos) para o desenvolvimento de

determinadas habilidades em questão.

A partir das pesquisas já realizadas, for possível

agrupar as contribuições em dois grupos: ao nível conceitual e ao nível

operacional de orientação da prática - às vezes ambos aparecem

indissociados.

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Assim, em nível conceitual, vários estudos vêm

contribuindo para o melhor entendimento da indissociabilidade entre a teoria

e a prática.

Candau & Lelis (1988), examinando

historicamente a relação teoria-prática, identificam duas visões. A primeira é

a dicotômica, que enfatiza a autonomia da teoria em relação à prática e vice-

versa. Segundo as autoras, a expressão mais radical dessa visão é o

entendimento de que "na prática a teoria é outra". Mas também consideram

teoria e prática como pólos associados, diferentes e não necessariamente

opostos. A teoria tem primazia em relação à prática e esta é aplicação

daquela, podendo, eventualmente, ser corrigida ou aprimorada pela prática.

Mas, a prática conforma-se à teoria.

A perspectiva dicotômica apresenta-se de forma

associativa ou dissociativa. Na visão dissociativa, a teoria e a prática são

dois pólos distintos e superpostos. Afirmam Candau & Lelis que "a teoria

"atrapalha" aos práticos, que são homens do fazer e a prática "dificulta" aos

teóricos, que são homens do pensar” (p. 53).

Já na visão associativa, teoria e prática são pólos

separados mas não opostos, sendo a prática uma aplicação da teoria.

Negando essa visão dicotômica, as autoras

defendem a visão de unidade entre a teoria e a prática. Unidade que não é

identidade, mas relação simultânea e recíproca de autonomia e

dependência. Segundo Vásquez, citado pelas autoras, teoria e prática são

componentes indissociáveis da "práxis", definida como "atividade teórico-

prática, ou seja, tem um lado ideal, teórico, e um lado material, propriamente

prático, com a particularidade de que só artificialmente, por um processo de

abstração, pode-se separar, isolar um do outro" (p.241).

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Traduzindo essa visão de unidade entre teoria e

prática para a educação, as autoras afirmam que o fazer pedagógico, "o que

ensinar” e "como ensinar", deve ser articulado ao "para quem" e “para que”,

expressando a unidade entre os conteúdos teóricos e instrumentais do

currículo.

Núcleo articulador da formação do professor, a

unidade entre a teoria e a prática é a garantia do perfil que se deseja forjar

para o profissional do magistério. São aspectos a serem trabalhados

simultaneamente, cuja função outra não é que a de viabilizar para o

professor a aquisição e/ou desenvolvimento de uma visão crítica sobre a

educação, sobre a escola e seu papel no contexto atual, mediante o

reconhecimento das possibilidades e limitações de sua ação ante os

determinantes sócio-econômico-político com os quais convive.

Garcia (1981), ao analisar a relação teoria e

prática, ressalta alguns aspectos na prática educativa que devem ser

considerados:

1 – “A necessidade de um aprofundamento

nas questões que requerem uma explicação teórica a fim de elucidar

os procedimentos em uma dada situação.

2 - A importância das experiências dos

educadores e educandos, isto é, suas vivências, principalmente numa

sociedade que se encontra em processo de transformação, uma vez

que a prática educativa sendo executada por seres humanos, traz

consigo teorias que refletem experiências das pessoas que a

formulam em lugar de uma concepção nova surgida da realidade em

estudo.

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3 - O distanciamento entre a "práxis

escolar" e a "práxis da vida", que começa surgir no momento em que

os educadores passam a considerar a práxis escolar coma algo que

se justifica por si, sem uma vinculação com a realidade, tornando as

teorias feitas a partir destas práxis estéries e incapazes de superar a

distância entre a escola e a vida.

4 - O reconhecimento de que nem toda

teoria é capaz de explicar determinada prática, assim coma a relação

dialética entre teoria e prática não emerge espontaneamente,

tornando-se necessário que o educador apresente uma reflexão

crítica como uma forma de se manter consciente de suas

possibilidades e limites de interferir na educação.

5 - O reconhecimento por parte do

educador, de que o educando é um ser passível de aperfeiçoamento,

faz com que este busque novas teorias para reformular a prática

quando esta não está correspondendo a tal expectativa, o que

reafirma a necessidade da relação dialética entre teoria e prática.

6 - A teoria, ao indicar o caminho que deve

ser seguido, refaz a prática a fim de que essa cumpra melhor suas

funções. O educador deve estar consciente das limitações da práxis e

das possibilidades da teoria, como instrumento de superação do "aqui

e agora", o que ajuda o educando no sentido de desmistificar sua

crença ingênua nos poderes ilimitados dos conhecimentos e dos

status que a prática pedagógica pretende vincular nos mais novos".

(p, 153)

Analisando a relação teoria-prática na sala de

aula, Veiga (1992) distingue duas perspectivas de práticas pedagógicas

decorrentes de suas aplicações: a repetitiva e acrítica e a reflexiva e crítica.

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Na prática pedagógica repetitiva, há um

rompimento entre sujeito e objeto e entre teoria e prática. Não há

preocupação em criar e nem em produzir uma nova realidade. Há apenas

interesse em ampliar o que já foi criado. Desta forma, "não se inventa o

modo de fazer. Fazer é repetir ou imitar uma outra ação". (Veiga, 1992, p.

18)

Já na prática pedagógica reflexiva, há uma

unidade entre teoria e prática, havendo preocupação em criar e produzir

uma mudança, compreendendo a realidade sobre a qual vai atuar.

Lelis, citada por Pimenta (1995), amplia essa

discussão a partir da pesquisa realizada em 1983. Segundo Pimenta, com

relação ao entendimento que apresenta sabre teoria, conclui que esta se

reduz a um conjunto de regras, normas e conhecimentos sistematizados e

aplicáveis a qualquer contexto. Contrariamente a isso, Lelis sugere que a

teoria deverá ser reformulada e utilizada a partir das necessidades concretas

da realidade educacional, à qual busca responder através da orientação das

linhas de ação.

Carmo (1987) traz um elemento novo para a

temática. Partindo dos dados de pesquisa de campo em escolas, analisou a

Didática e o Estágio, privilegiando a verificação de mecanismos de

articulação entre ambos.

Denunciando a separação entre teoria e prática

encontrada por sua pesquisa, aponta a necessidade da relação dialética

entre ambas. Para isso é necessário que se estruture o currículo, tomando a

"prática social" coma ponto de partida e de desfecho do processo

pedagógico, pois corre-se o risco de se institucionalizar a distância entre o

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real palpável de uma sala de aula e as explicações teóricas acerca desta

realidade concreta em suas múltiplas determinações e movimentos.

Capítulo 4

AS SOLUÇÕES DO GOVERNO

A Escola escolhida como foco deste estudo foi

construída em 1994 e seu prédio segue o modelo dos Centros Integrados de

Educação Pública (CIEPs). Embora, atualmente funcione como Colégio

Estadual (ensino regular), na sua origem representou o padrão de Escola

Pública destinada a atender às camadas populares; contava com regime de

horário integral, refeições e assistência médica e dentária. Como esse tipo

de escola serviu de “bandeira” para eleger políticos, sua construção foi muito

propagada. Nessa época, dizia-se que os “brizolões” tinham a finalidade de

diminuir a delinqüência social e resolveriam os problemas dos “miseráveis”.

Assim, ainda hoje, o alunado dessa escola sente-se inferiorizado por ter sido

estigmatizado. Ora, não há então de se estranhar que seus alunos tenham

auto-estima muito baixa, o que, naturalmente, interfere no processo de

aprendizagem.

Atualmente, com a finalidade de aumentar o

número de vagas, o Estado transformou as Unidades Escolares em

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depósitos de crianças e adolescentes, onde permanecem por um período

limitado de horas.

“A incompetência da Escola Pública deve-se, em

grande parte, ao fato de que, instado pelas pressões da população a

oferecer escolas para todos, o Estado exime-se de se comprometer com

qualquer padrão mínimo de qualidade dos ensinos oferecidos” (Vitor

Henrique Paro, pg 90).

Aparentemente, há grande preocupação por parte

dos governantes em melhorar o sistema educacional. Não há candidato a

eleições que não insira, em sua plataforma política, promessa de priorizar

esta área. E, segundo a tradição, o Governo do Estado do Rio de Janeiro,

fazendo-se valer de suas atribuições, implementou na rede estadual de

ensino o “Programa Nova Escola”, que avalia as instituições escolares,

atribuindo-lhes níveis. Assim, os profissionais das escolas que obtiverem

melhores níveis terão melhores remunerações.

Nessa avaliação da Secretaria Estadual de

Educação são observadas desde a pintura do muro da escola até a evasão

escolar, passando pela análise do “tempero da merenda escolar” e o

“tamanho da quadra de esportes”.

Nos dias de hoje, marcados por tempos de

globalização do capital e do trabalho, o Governo do Estado do Rio de

Janeiro, fortemente influenciado por tendências neo-liberais, parece

acreditar que os profissionais de Educação devam receber seus proventos

de acordo com a sua produção.

Assim, se um professor trabalhar em escolas

diferentes, que tenham tido avaliações diferentes, ele deverá diferenciar

suas aulas, isto é, na escola onde a avaliação foi melhor e,

conseqüentemente, sua gratificação maior, este deverá se empenhar mais

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para que sua aula valha uma alta gratificação, enquanto que na outra escola

onde obteve uma avaliação inferior e sua gratificação foi menor, ele não

precisará se empenhar tanto, pois sua aula deve valer menos, em termos

remuneratórios.

Parece que a atitude de considerar a aula como

produto vendável da Educação, portanto como mercadoria, além de refletir

uma concepção “tradicional e bancária” (Paulo Freire) da Educação Escolar,

o Governo tende a atribuir relações sociais a comerciais.

Na sociedade capitalista a aula é considerada o

produto do processo de Educação Escolar (Vitor Henrique Paro, pg 32). É a

aula que se tem como serviço prestado pela escola.

Marx entendia que o trabalho pedagógico escolar

não poderia ser subsumido na sociedade capitalista, em virtude da “natureza

mesma” desse trabalho. Ele considerava esse trabalho não-material pois a

produção e o consumo se dão simultaneamente.

Dermeval Saviani (1984), citado por Vitor Paro,

aproxima-se de Marx, quando advoga uma especificidade da Educação

Escolar que estaria fundada na “não-separação” entre produção e consumo

e na conseqüente impossibilidade de subordinação real do Trabalho ao

Capital no processo de produção pedagógica.

“Entendida a Educação como a apropriação de

um saber historicamente produzido e a Escola como uma das instâncias que

provêem da Educação, a consideração de seu produto não pode restringir-

se ao ato de aprender”. (Vitor Henrique Paro, pg 32)

Nesse processo, o educando apropria-se de um

Saber que lhe é incorporado. Há, portanto, algo que permanece para além

do ato de aprender. Neste sentido, a analogia que quer fazer o Governo com

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o universo da produção material, acredita-se ser totalmente equivocada, pois

o educando não se apresenta unicamente como consumidor do produto,

mas também, como objeto do trabalho.

Igualmente equivocada, faz-se a avaliação

escolar em termos comparativos. Cada escola tem seu universo próprio

devendo respeitar sua clientela. “A Instituição Escolar, em sua ambigüidade

intrinseca, vive um cotidiano repleto de contradições, conflitos e lutas

internas pelo domínio do Poder e do Saber”. (Isabel Alarcão, pg 70). Assim

constrói-se a reflexão sobre a prática na escola, com a conseqüente

construção de conhecimento sobre ela própria. A essa forma de construção

em que não se separam dos atores sociais (dos produtores) suas

concepções, suas atividades, suas idéias e suas criações, Lefebvre

denomina “criação de uma obra”, que se contrapõe à “feitura de um

produto”, que significa reproduzir em série ou em massa.

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CONCLUSÃO

Ao término deste trabalho, não se pretende uma

visão pessimista dos rumos da educação no país, mas o que se apresenta

são muitas dúvidas e preocupações.

Há de submeter-se a Escola Pública à

implementação de um efetivo processo de avaliação, para que se possa

objetivar rumos, providenciar recursos, adequar procedimentos,

redimensionar metas e superar fracassos.

A única avaliação presente é aquela que procura

avaliar o rendimento do aluno, o que normalmente incide em puni-lo pelo

fracasso escolar, em vez de avaliar o desempenho da escola, o que levaria a

reconhecer o quanto ele é ineficiente. Essa avaliação escolar deveria, então,

ser constante e significativa.

Acredita-se que o processo educacional poderá

ter resultados satisfatórios quando os governantes deixarem de maquiar as

estatísticas e de enganar a população com projetos educacionais

superficiais e “eleitoreiros”, quando começarem a encarar o problema com

seriedade, buscando suas falhas no contexto social em que está inserido.

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO 7

CAPÍTULO 1

A INFLUÊNCIA SÓCIO-CULTURAL NA FORMAÇÃO DE COMUNIDADES CARENTES 9

1.1. QUEM SOMOS ? 91.2. DE ONDE VIEMOS? 13

1.2.1. FORMAÇÃO DAS FAVELAS 171.3. ONDE ESTAMOS? 24

1.3.1. SITUAÇÃO SÓCIO-GEOGRÁFICA 241.3.2. NÍVEL SÓCIO-ECONÔMICO 25

CAPÍTULO 2

A IMPORTÂNCIA DA LINGUAGEM 272.1 - LINGUAGEM COMO RECURSO HUMANO 272.2 - A LÍNGUA PORTUGUESA 30

2.2.1 – DEVE SER REPROVADO O ALUNO OU A ESCOLA ? 332.2.2 – COMO TRANSFORMAR O ALUNO NUM POLIGLOTA

DENTRO DE SUA PRÓPRIA LÍNGUA HISTÓRICA ? 342.2.3 - OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO 37

CAPÍTULO 3

O DISTANCIAMENTO ENTRE TEORIA E PRÁTICA 43

CAPÍTULO 4

AS SOLUÇÕES DO GOVERNO 50CONCLUSÃO

54REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

55ÍNDICE

58ANEXOS

59