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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU INSTITUTO A VEZ DO MESTRE A ATUAÇÃO DA SUPERVISÃO ESCOLAR NO PROCESSO DE INTEGRAÇÃO FAMÍLIA/ESCOLA: POSSIBILIDADES PARA O DESENVOLVIMENTO DE LIMITES. Por: Roseli Teresinha Hart Orientador Prof. Geni de Oliveira Lima Rio de Janeiro 2010

UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … · praticamente, pode viver e crescer sem uma família. É na família que o ser humano vem ao mundo, cresce, torna-se pessoa,

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

A ATUAÇÃO DA SUPERVISÃO ESCOLAR NO PROCESSO DE

INTEGRAÇÃO FAMÍLIA/ESCOLA: POSSIBILIDADES PARA O

DESENVOLVIMENTO DE LIMITES.

Por: Roseli Teresinha Hart

Orientador

Prof. Geni de Oliveira Lima

Rio de Janeiro

2010

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

A ATUAÇÃO DA SUPERVISÃO ESCOLAR NO PROCESSO DE

INTEGRAÇÃO FAMÍLIA/ESCOLA: POSSIBILIDADES PARA O

DESENVOLVIMENTO DE LIMITES.

Apresentação de monografia ao Instituto A Vez do

Mestre – Universidade Cândido Mendes como

requisito parcial para obtenção do grau de

especialista em Administração e Supervisão Escolar.

Por: Roseli Teresinha Hart

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por ter me dado a vida e

constantemente me assistir com sua

divina sabedoria e graça; aos meus

familiares, pelo imenso amor e carinho

dedicados a mim e a minha

Comunidade Religiosa, pela

convivência fraterna, pela partilha de

vida e por todo apoio na realização

desse curso.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a todos os

EDUCADORES, que fazem de seus dias

uma constante doação de amor e serviço,

em benefício da formação de inúmeros

indivíduos, futuros cidadãos, conscientes

de suas responsabilidades.

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RESUMO

Este trabalho monográfico tem por objetivo analisar reflexivamente e

orientar quanto as dificuldades que as famílias e a escola tem enfrentado na

formação dos limites e de regras disciplinares, na vida de seus filhos/alunos.

Muitas famílias estão desestruturadas e um pouco inseguras na educação.

Valoriza-se o transitório, sem o valor do duradouro. Isso causa um vazio e uma

falta de sentido muito grande na vida das pessoas. Na família, deve-se criar

uma rede de valores, que funcione como um laboratório de senso crítico.

Diante dos convites da televisão, da internet e dos outros meios de

comunicação, faz-se necessário repensar o que colocamos à frente de nossas

crianças e adolescentes em relação aos limites que queremos desenvolver,

para que possam viver um processo produtivo de convivência interpessoal. Ao

Supervisor Escolar, cabe o papel de grande mediador entre a educação

familiar e escolar, para que a escola cumpra com seu objetivo de completar e

solidificar a formação educacional iniciada pela família.

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METODOLOGIA

A metodologia adotada para a pesquisa foi o levantamento bibliográfico. A

partir da leitura de livros e artigos acadêmicos, como também de jornais e

revistas impressos ou disponíveis na internet. A observação do cotidiano

escolar, durante os vários anos de trabalho na área educacional, serviu de

base para a análise e fundamentação dos dados obtidos através da literatura.

O que é intuitivo passa a ser teoricamente comprovado.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I - A Constituição de uma família 10

CAPÍTULO II - A questão dos limites 15

CAPÍTULO III - Relação família/escola: atuação da Supervisão Escolar 24

CONCLUSÃO 36

BIBLIOGRAFIA 38

ÍNDICE 40

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INTRODUÇÃO

Em todos os tempos, a família e a escola ocupam uma intransferível e

importante missão, no processo de formação e desenvolvimento das crianças

e adolescentes, para a construção de uma sociedade mais humana e justa.

Apesar de todo questionamento, a família continua sendo um valor

apreciado e tecido como necessário para o bem da humanidade. Ninguém,

praticamente, pode viver e crescer sem uma família. É na família que o ser

humano vem ao mundo, cresce, torna-se pessoa, exercita-se na comunicação

e pode atingir a maturidade humana. Certamente as atuais e profundas

transformações culturais, econômicas, sociais e filosóficas questionam certos

modelos de família. Busca-se uma “família nova”, uma família de valores

éticos, que seja para os nossos tempos.

Em função da nova configuração social, as famílias que integram a

sociedade atual deparam-se com problemas estruturais, entre os quais, o

consumismo e o imediatismo. Neste cenário, valoriza-se mais o ter que o ser

e, nesse sentido, os pais trabalham excessivamente, não tendo tempo para

implementar uma proposta educativa mais ampla junto aos filhos, delegando à

escola a função de educar, além de instruir. Tal estruturação social, oportuniza

um sentimento de insegurança nos pais frente à tarefa de educar,

especialmente, no que diz respeito ao estabelecimento de limites.

Historicamente situada, à escola cabe oportunizar o acesso ao

conhecimento produzido pela sociedade, mas também, em consonância com

a legislação, procurando oferecer formação para a cidadania.

No entanto, face às problemáticas atuais, a escola vem vivenciando

uma crise frente a suas funções sociais e políticas. Nessa direção, chama a

atenção a questão da ausência dos limites, fato este que tem contribuído para

a indisciplina escolar.

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É nesse emaranhado de situações que surge, dentro da escola, a

figura do Supervisor Escolar, profissional privilegiado para intermediar as

relações entre as famílias e a escola, procurando orientar, esclarecer e

equilibrar as funções de cada um. É preciso conscientizar-se de que esse é

um trabalho coletivo, onde ambas as partes têm tarefas específicas a cumprir

para que o todo funcione, melhor dizendo, para que os filhos/alunos saiam

ganhando, indivíduos que se tornem adultos saudáveis e seguros em seus

relacionamentos.

Há condições de desenvolver habilidades específicas, oportunizadas

pela supervisão escolar, para o processo ensino-aprendizagem garantir o

mínimo de condições para que o aluno se conscientize de seu papel na

sociedade e possa incluir-se de uma maneira autônoma e madura, o que é um

desafio para os dias de hoje. Habilidades como: controle dos impulsos,

tolerância à frustração, capacidade de esperar, persistência e paciência são

fundamentais para esta conscientização.

Para o bom desempenho pedagógico dos alunos e a formação de um

sólido conjunto de valores, é necessário que exista a disciplina, os limites no

cotidiano escolar. E para que isso aconteça satisfatoriamente, é essencial a

integração entre a família e a escola, procurando conscientizar-se de que, o

ponto de partida da educação de um individuo é ministrada pela família, nos

primeiros anos de vida da criança e durante o resto dela. Há grande equívoco

de se considerar que à família só cabe a educação nos primeiros anos de

vida. Ela, no decorrer da infância e adolescência, é a grande incentivadora e

estruturadora para o jovem que tenta o sucesso em sua vida adulta. À escola

caberá a complementação e a solidificação, garantindo um processo contínuo.

Tendo em vista que o cotidiano escolar deve propiciar a instrução, a vivência e

a convivência coletivas, a socialização dos valores, diante dessa realidade

educacional, cabe ao supervisor dedicar um olhar sobre o processo e ajudar

os alunos a se formarem cidadãos éticos e solidários nas diversas situações

que enfrentarão no decorrer de suas vidas. É com esse objetivo comum que

família e escola, através do papel de seu supervisor, devem trabalhar.

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CAPÍTULO l

A CONSTITUIÇÃO DE UMA FAMÍLIA

A família deve ser vista sempre do ponto de vista antropológico. Em

qualquer lugar que se vá, no mundo todo, em qualquer civilização, qualquer

aldeia, encontrar-se-á famílias, com diferentes formações, com diferentes

culturas, e valores, mas sempre vão existir famílias. Ela é uma instituição

fundamental na vida do ser humano, pois é uma instituição afetiva. É através

da família que se passa pelas diversas fases do desenvolvimento e da

humanização da cultura para se tornar um ser saudável. É na família que as

atitudes são transformadas em comportamentos culturalmente adequados.

Não se compõe uma família apenas do número de seus membros.

Nenhuma família é composta por duas pessoas, nem mesmo a que não tem

filhos. Ainda que tenha um só filho, não se diz que o núcleo familiar é

constituído apenas de três elementos (pai, mãe e filho), e sim de quatro. O

quarto elemento a mais, invisível, é o “clima” que as pessoas estabelecem

entre si. É um elemento psíquico (conjunto de forças que motivam o ficar

juntos) e relacional (as muitas formas com as quais essas forças se

expressam). A experiência confirma que não se pode dizer que se conhece

uma família só por ter conhecido, separadamente, cada um de seus membros.

Conhece-a somente quando, dentro do lar, os vemos interagir. Por

conseguinte, o clima, esse elemento a mais, constitui a família.

Formar família não significa simplesmente estar juntos, mas estar junto

a fim de construir um bem comum. E o bem comum não se dá em ou em outro,

mas no espaço entre os dois, ou seja, naquele quarto elemento que se

estabelece entre eles, transcendendo-os. Sem o bem comum, a família limita-

se a um agregado de pessoas: elas se unem, porém nenhuma se preocupa em

criar um clima de família. Dessa forma, com o passar do tempo, permanecer

juntos, perde o sentido, uma vez que vem a faltar as motivações para se

suportar os inevitáveis conflitos do relacionamento. Então se diz:: “Quem me

obriga a viver assim?”

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A família não é propriedade de ninguém, e sim, resultado do esforço

de todos, uma vez que todos contribuem para formá-la ou para destruí-la.

Quando surgem tensões familiares, a culpa não é de um só membro. Todos,

de forma mais ou menos ativa e determinante, são culpados. Não faz sentido

procurar de quem é a culpa. Não se constrói o bem comum quando alguém

deve sempre ceder, nem quando alguém se omite, pretendendo que sempre o

outro dê o primeiro passo. É como se alguém dissesse: “que faça ele. Depois,

eu também vou dar minha colaboração”. É preciso encontrar o meio termo

para se tomar decisões de acordo com o bem comum. Essa deve ser a

mentalidade do casal ou sua maneira de se relacionar em termos de sistema

familiar. O simples fato de viver juntos não cria, automaticamente, essa nova

mentalidade. É antes, uma conquista na superação dos critérios baseados

sobre exigências pessoais. Segundo Alessandro Manenti:

“Toda família poderá avaliar seu próprio grau de

maturidade, fazendo, de quando em quando, um teste em

que se responde a três simples perguntas: que estilo de

vida criamos em nosso lar? Como tratamos os assuntos

mais importantes? Como reagimos ao mundo exterior?”

(MANENTI, 1991,p.12).

A família, como o indivíduo, tem e deve ter um estilo de vida próprio,

uma vez que ela também passa por “stress” e mudanças contínuas. É

necessário valorizar a pertença de uma determinada família, pois pertencer a

uma família, ao invés de a uma outra, é significativo para a formação de sua

personalidade. De fato, cada um de nós traz a marca da própria família. E essa

marca é muito mais significativa do que a que nos distingue num clube social

ou esportivo. No sistema familiar estabelece-se relacionamentos com

características que dificilmente se encontram em outros tipos de

relacionamento: é uma espécie de “elo” que une, de maneira peculiar, as

pessoas.

Entre os membros do sistema familiar existe um relacionamento

circular e entrelaçado. Os componentes completam-se mutuamente. Além do

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mais, o aperfeiçoamento de um deveria resultar em benefício do outro. Assim,

o sinal do verdadeiro progresso do sistema não está em quem muda, mais na

capacidade que este tem, de ser também estímulo de crescimento para o

outro, de maneira que se dê entre ambos um reforço mútuo. O autor

Alessandro Manenti afirma que:

“Se os pais conseguem mudanças radicais quando se

relacionam, também os filhos serão estimulados a fazer o

mesmo. É a lei da indissolubilidade em nível psicológico:

o progresso de um beneficia a todos, ou então, torna-se

uma ameaça e um obstáculo para quem está perto.”

(Ibid., p.16).

É verdade que nas famílias existem impulsos inatos para se progredir e

melhorar. No entanto, crescer significa também abandonar a situação em que

se está para se colocar numa outra, em parte desconhecida. Por isso, o

crescimento pessoal e familiar se torna difícil e requer muito esforço.

A situação familiar pode contribuir para criar ou manter um problema,

uma vez que é essa mesma situação a verdadeira problemática: o

comportamento de um membro pode ser o reflexo sintomático da desordem

emotiva da família toda. A família não é propriedade de ninguém, mas fruto da

colaboração de todos. Cada pessoa tem um papel, isto é, preenche uma

função no sistema familiar.

Existem algumas discussões sobre os papéis desempenhados dentro

da família. Alguns dizem que, na família, o papel do homem é decisório, ao

passo que o da mulher é emotivo e afetivo. No entanto, é preciso salientar que

a especificação dos papéis deve ser sempre feita em termos relativos, ou seja,

deve equilibrar-se, baseada no grupo no qual a pessoa está integrada. Assim,

por exemplo, para algumas famílias é preciso uma mulher forte e volitiva; para

outras, o homem é quem deve dirigir para que se mantenham estáveis, unidos

e para haver uma hierarquia familiar.

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Sejam quais forem os papéis familiares precisam ser complementares.

Complementaridade significa a ajuda recíproca, interdependência e confiança

que devem estar na base da unidade familiar. É a capacidade de amar e

deixar-se amar, de dar, e ao mesmo tempo, de receber, de dirigir mas também

de depender, de saber mandar e também de obedecer, sabendo alterar esses

tipos de relação, de acordo com as circunstâncias e as exigências do

momento. Segundo Ackerman:

“A família tem dois objetivos: garantir a sobrevivência

física, e estabelecer a humanidade essencial dos

membros. O primeiro objetivo, a proteção psicossocial e

adaptação a uma cultura, é em grande parte, assumido

pela atual sociedade urbano-industrial, com suas

estruturas econômicas, educativas e assistenciais. E à

família cabe, como dever especifico, estabelecer a

humanidade essencial dos membros.” (ACKERMAN,

1976, p.83).

A família favorece a identidade de seus membros, sem, contudo,

considerá-los como sua propriedade: prepara-os para sair dela, porque uma

família possessiva, que não aceita morrer, mas tende formar pessoas para

usufruir do trabalho delas, não é uma família saudável. Pelo contrário, tem

êxito quando encoraja cada membro a aventurar-se por um caminho que

extrapola o recinto familiar. Seu objetivo é ser potencial de identidade e lugar

de transcendência.

No equilíbrio é que se deve desenvolver o relacionamento pais / filhos

assim, o pai protege e cuida do filho, mas, ao mesmo tempo, estimula-o à

autonomia. Se o retêm junto de si, apresentando-se como modelo a ser

imitado, cerceia também o caminho do filho, caminho esse que precisa ser

escolhido livremente. Pelo contrário, sem ignorá-lo e sem escravizá-lo, os pais

estimulam-no a aventurar-se sozinho em direção aos valores que o filho quiser

escolher.

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O matrimônio exige cooperação, contribuição e colaboração

recíprocas. No entanto, seu objetivo primeiro é fazer com que cada qual

assuma a responsabilidade do próprio crescimento. A finalidade última da vida

continua sendo sempre o crescimento espiritual do indivíduo, ou seja, a sua

felicidade.

A família é o campo-base onde cada membro sente-se inserido num

projeto comum, com uma contribuição e um significado para si próprio e para

os que vivem com ele. No entanto, o campo-base não é um fim em si, mas

deve favorecer a escalada, a qual será sempre uma viagem que se faz

sozinho. Ainda que todos os alpinistas estejam ligados por uma corda, cada

qual deve contar com as próprias forças e a própria coragem, se quiser

alcançar o cume.

O mesmo acontece na família. Requer comunhão. Mas sua finalidade

principal é a de favorecer, nessas viagens individuais e pessoais, a ascensão

aos cumes solitários do próprio crescimento. E todo sacrifício que se faz para

que os outros cresçam, redunda em crescimento igual, ou até maior, para nós

mesmos.

É impossível negar, portanto, a importância e o impacto que a

educação familiar tem, do ponto de vista cognitivo, afetivo e moral, sobre o

indivíduo.

Portando, formar família não é coisa fácil e espontânea, porque exige

disponibilidade e reestrutura contínua da própria vida e o modo de enfrentá-la,

contrapondo-se à tendência de se viver de uma maneira automática e

repetitiva.

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CAPÍTULO II

A QUESTÃO DOS LIMITES

No mundo de hoje, em que os valores humanos têm sido tão

desprezados e a educação vem sendo tratada como artigo de segunda, a

família também se torna vítima desse contexto. Criticada e desgastada através

dos tempos, a família vem perdendo a sua identidade. É preciso resgatar os

papéis, desfazer o equívoco e restabelecer a função da família.

Muitas vezes parece fácil falar de limites. Educadores e psicólogos

enumeram uma série de regras e “porquês”. Mas por que na prática isso se

torna uma tarefa tão difícil? Por que os pais tantas vezes se veem esgotados

em repreender os filhos e, na maioria das vezes, não obtém resultados?

A questão do limite no desenvolvimento de uma criança é muito mais

complexa do que se imagina e são justamente os pais (ou aqueles que cuidam

da criança) os grandes responsáveis pela sua adaptação crítica às regras

sociais.

A resposta para essa questão é que essa complexidade se funda na

forma através da qual os limites são passados. Na verdade, trata-se de um

aprendizado puramente emocional e, portanto, falar de teoria neste momento

não ajuda muito.

A maior dificuldade encontrada nesse aprendizado sustenta-se na

afirmativa: os pais, ao tentarem impor limites para os seus filhos,

inevitavelmente estarão tendo que lidar com suas próprias questões e

problemas relacionados aos seus limites.

É importante que os pais representem figuras de autoridade diante dos

filhos, porém, isto não significa necessariamente que desempenhem apenas

funções punitivas. A figura de autoridade deve ser firme porque esse papel

primariamente desempenhado pelos pais e respeitado pela criança será

futuramente desempenhado pela sociedade e retratado pelas leis. Dessa

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forma, a figura de autoridade dos pais, a maneira pela qual a criança vai lidar

com ela e com os limites, constitui-se a base para a introjeção das regras

sociais e a adaptação a elas na idade adulta. Pais passivos, que não sabem

dizer “não”, que autorizam uma criança imatura a se reger apenas pelo prazer,

não pela adequação, encontrarão dificuldades para educar. Os pais devem

assumir a sua tarefa de sucessivas frustrações, para que a criança aprenda a

viver, mesmo em condições adversas à vontade. Como diz o médico

psiquiatra Içami Tiba:

“Uma pessoa educada e faminta, ainda que desejando

avançar para a comida, não ataca, sabendo que existem

outros presentes que também estão com fome” (TIBA,

1995, p. 32).

Quando os pais se omitem em sua tarefa básica, que é colocar limites

para os filhos, infelizmente, estarão criando filhos “mal educados”. Complicado

é para aqueles que precisam, repetidamente, pedir que seus filhos os

respeitem. Isto é sinal de que algo está errado na relação. Cabe a esses

adultos uma autoridade própria da função de pais. Sem ela, não há como se

organizar, e eles carregam sempre, dentro de si o papel do pai, que é proteger

os filhos. Também não adianta negar a autoridade dizendo-se amigo dos

filhos. Com amigo só se convive. Dificilmente se educa. Todo ser humano

gosta de ser agradado. A criança entende esse agrado no tom de voz, no olhar

e no toque, muito mais do que nos conteúdos lógicos e racionais dos discursos

dos pais. A melhor base para o sucesso da criança é receber essa carga

afetiva através de abraços, carinhos, o aconchegante “colinho”. Isso é vital

para a autoestima da criança, algo importante não só para ela, mas para

qualquer ser humano de qualquer idade. Mas não significa que os pais não

possam conversar com os filhos pequenos. Mesmo que não entendam as

palavras, ele está recebendo o afeto contido nelas e capitalizando esse afeto

na autoestima. Segundo Içami Tiba:

“O que não pode e nem deve ser feito são sermões

compridos, pois quem se realiza nesses longos discursos

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são os pais, não a criança. Também não vale o castigo de

abandoná-la. Depois de dar bronca, deixa-la fechada no

quarto, quando a criança não sabe o que representa esse

castigo ou não tem consciência do erro que cometeu”

(Ibid., p. 33).

É normal que a criança faça algo que não é condizente segundo os

critérios dos pais. O importante é descobrir se ela fez de propósito, pois se for

assim, é bem provável que já entenda que aquilo que fez não é bom e não

deve ser repetido. Os pais devem dizer isso num tom de voz sério, porém,

nunca agressivo.

Quando a criança entende que errou, é interessante falar firme e claro,

nunca curto e grosso. Porque, ainda que a criança entenda, a grossura pode

deseducar muito mais do que a clareza educa.

Quando a criança não está entendendo as ordens dadas pelos pais é

bom verificar onde ela aprendeu a desrespeitar essas ordens. Quase sempre,

os professores dessa desobediência às ordens são os próprios pais, quando

eles mesmos desrespeitam as regras que instituíram para seus filhos. As

crianças, então, aprendem que as ordens dos pais não serão cumpridas por

eles, o que as autoriza a não segui-las também. Ex.: A mãe que diz não e,

diante da insistência do filho, acaba cedendo, ensina para a criança que o não

pode virar sim, desde que ela insista.

Indivíduos, subsistemas e famílias inteiras são demarcados por limites

interpessoais, barreiras invisíveis que regulam o tempo de contato com os

outros. Os limites são a salvaguarda do distanciamento e da autonomia da

família e de seus subsistemas. Uma regra, por exemplo, que proíba as

chamadas telefônicas durante o jantar, estabelece um limite que protege a

família de invasões. Na família, é preciso deixar claro o que pode e o que não

pode, quando pode e quando não é possível.

Em uma situação que as coisas tenham ficado descontroladas, como

um pai ou uma mãe recupera o controle da criança pequena que se tornou

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impossível? Duas coisas importantes a serem feitas: primeiro, equilibrar

disciplina com afeto. Se puderem usar recompensas para moldar um bom

comportamento, tanto melhor. Isso ajudará a cimentar uma relação positiva e

tornará mais fácil começar a estabelecer limites. A segunda coisa a lembrar é

que os pais devem trabalhar juntos em equipe. A questão essencial não é

dividir igualmente as funções, ainda que isso com certeza seja ótimo, mas

ambos devem concordar e apoiar o mesmo conjunto de regras. Se

discordarem, tenham a liberdade de tentar convencer um o outro, mas estejam

preparados para fazer alguma concessão. É bom lembrar que, apenas uma

frente unida pode funcionar. A educadora Tânia Zagury nos diz que:

“Não há como exagerar a importância de tentar consolidar

a autoestima de um filho. Podem-se esbanjar elogios,

porém é preciso ser bastante específico e enérgico nos

esforços para controlar e disciplinar a criança, não se

pode deixar que as relativamente poucas coisas que

precisa que ela faça se transformem em guerras

sangrentas. A melhor forma de evitar isso é lutar poucas

batalhas, mas, quando lutar, terminar depressa. Quando

se ensina os filhos a tratar os pais e todos os adultos com

respeito, está se investindo no modo como tratarão a si

próprios futuramente.” (ZAGURY, 2000, p.53).

Em famílias saudáveis, existe também uma clara hierarquia de poder,

com a liderança nas mãos dos pais, que formam uma coalizão unida. Ainda

que muitas decisões sejam partilhadas livremente, não existe dúvida sobre

quem é o pai e quem é o filho. A maioria dos pais e mães poderia lucrar se

criasse menos regras, mas deveria haver uma regra essencial: os pais estão

no comando. Disciplina demais, um verdadeiro controle é tão ruim quanto

disciplina de menos. Segundo o educador Celso Vasconcellos:

“Os pais não precisam se sentir culpados por ficar pouco

tempo com os filhos, por ter que trabalhar muito para

sustentar a casa. Devem lembrar-se de que o importante

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é a qualidade do tempo que ficam com os filhos.”

(VASCONCELLOS, 1994, p.102).

Na adolescência, os filhos iniciam um processo de afastamento da

família, que pode ser comparado a um segundo parto: nascem da família para

a sociedade. Com a diferença fundamental de que dessa vez é o filho quem

expulsa os pais. E, nesse processo, expulsa também todas as expectativas

paternas. Se o adolescente for saudável, ele vai questioná-las para buscar um

caminho próximo. Quanto mais arraigadas estiverem essas expectativas, de

mais força ele vai necessitar para concretizar a expulsão.

Quando os filhos chegam à adolescência, eles estão mais

preocupados consigo próprios do que com as outras pessoas. Forçar o

adolescente a alguma coisa, por causa da impressão que vai causar aos

outros, é quase uma batalha perdida. Içami Tiba:

“Compara a fase da adolescência a uma reforma num

dos aposentos da casa, mas que não inclua as outras

dependências. Mesmo assim, a casa inteira fica

tumultuada. Embora o resultado atinja diretamente

apenas um aposento, o modo de viver de todos os

habitantes da moradia é alterado. É isso o que acontece

quando um filho entra na adolescência. Ele adquire uma

série de coisas novas pagas pelos pais, mas escolhidas

por ele. Não adianta o pai insistir para pôr determinado

objeto no quarto dele. O adolescente só irá introduzir ali o

que quiser. Portanto, terão de acontecer negociações.”

(TIBA, 1995, p. 48).

No período da adolescência, o indivíduo coloca as coisas infantis para

fora e sai em busca de uma nova identidade, que é sustentada pelos pais,

concordem eles ou não. A mudança tumultua toda a família, porque os pais

pouco se modificam nesse período, enquanto o filho atravessa uma etapa de

profundas alterações, passando a funcionar diferente. Por isso, muda

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radicalmente suas reações às ordens recebidas. Na busca da nova identidade,

aceitar as ordens que acatava antigamente remete o adolescente à infância, e

o que ele mais deseja nesse momento é despedir-se da infância.

A adolescência normalmente começa na puberdade, mas isso é difícil

de prever. Na verdade, os pais começam a notar uma mudança nos filhos um

pouco antes dos doze anos: começam a ficar sarcásticos, não aceitam

repreensões, começam a parecer mais adultos e se tornam mais

ameaçadores.

Os adolescentes lutam contra as restrições da família. Os pais lutam

para manter a coesão familiar e reforçar suas regras. Ambos formam uma

família em transição. O conflito é quase sempre inevitável, pois os pais tentam

atrasar essa transição, enquanto os adolescentes querem acelerá-la. Os

limites dos comportamentos permitidos ainda são regulados pela organização

familiar, na forma de regras e expectativas. Desobedecer essas regras provoca

fortes consequências emocionais, que incluem culpa, ansiedade e, em

algumas famílias, até mesmo reprovações e expulsões.

Os pais, com freqüência, reagem à transição dos filhos adolescentes

de duas maneiras. Com ressentimento, ciúme ou até mesmo mostrando-se

competitivos, mas sentem-se ao mesmo tempo orgulhosos do

desenvolvimento, vigor, realizações, autonomia e autoestima dos filhos. Pais

ou mães seguros de si mesmos aceitarão o fato de terem se tornado alvo da

rebeldia do filho e reagirão de forma tolerante e respeitosa. Quando um

adolescente revoltado quer saber por que precisa voltar para casa à meia-

noite, o pai ou a mãe compreensivo deverá pedir o ponto de vista do filho.

Após ouvir a opinião dele, deverá repensar a regra vigente, não

necessariamente para mudá-la, mas também para não mantê-la

automaticamente. É preciso repensar as regras, levando em conta o aumento

da capacidade dos filhos de tomar as próprias decisões, porém reservando a

decisão final para os executivos da família. Lembrando que o que for decidido

deverá fazer sentido para os adolescentes mesmo que eles não gostem.

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Mas qual é o resultado? Como um filho sente a adolescência em meio

a todas essas reações? De qualquer forma será um período de tumulto e

confusão, porém o adolescente que se sentir ancorado por uma família que o

aceite e compreenda passará por esse período tumultuado com o referencial

de uma base familiar segura. Com o apoio de uma família estável e acolhedora

é mais fácil se aventurar no mundo, sabendo que o lar é um porto seguro para

retornar quando for necessário se reabastecer emocionalmente, além de

funcionar como uma fonte de identidade e orgulho. Ao mesmo tempo que cria

a própria identidade individual, o adolescente conserva a pertinência, sua

identidade familiar.

Voltando ao papel da família em tudo isso, ela pode errar de duas

maneiras: permitindo que os filhos se separem cedo ou sem qualquer

empecilho, privando-os assim de apoio; ou retendo-os excessivamente e por

muito tempo, e, dessa forma, tornando-se uma força contra a qual eles se

revoltam. Será que isso parece uma armadilha na qual qualquer coisa que os

pais façam estará errada? É isso o que muitas vezes os pais sentem, mas a

resposta está no estabelecimento e na manutenção de limites claros entre pais

e filhos.

Na adolescência, esses limites dão aos filhos espaço para explorar,

porém devem permitir também espaço para a busca de apoio e orientação. Um

ambiente muito opressivo leva a atividades que permitam fugir da pressão.

Para filhos quietos e introspectivos, a fuga toma a forma de hábitos passivos e

apaziguadores (televisão, novelas românticas e sonhos, sonhos sem fim). Para

filhos irrequietos e ousados, a fuga leva a bebida, às festas e a ficar fora de

casa até bem tarde da noite.

À medida que a criança cresce, o controle de sua vontade deve ser

gradualmente aumentado, sob a proteção da autoridade dos pais. Se estes se

mantiverem atentos aos direitos, às vontades e à capacidade de decisão dos

filhos, essa passagem pode ocorrer de uma maneira suave, sem maiores

problemas, porém, essa interação em desenvolvimento apresenta inúmeras

possibilidades de interferência na crescente autonomia dos filhos.

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A presença física dos pais nunca foi necessária para que a autoridade

deles exista de fato. A autoridade se faz pela segurança e pela forma de agir,

Com carinho e amor, mas também, com firmeza, evitando-se discussões em

que os pais se coloquem em pé de igualdade com o filho, alcança-se

autoridade junto a eles. Explicar sempre os motivos não implica discutir com os

filhos eternamente as mesmas coisas.

A confusão entre autonomia e rebeldia revela que, na verdade, os

adolescentes não querem se opor a ninguém, querem simplesmente comandar

as próprias vidas. Querem privacidade e um território independente. E, acima

de tudo, querem ter o direito de exercer sua autoridade pessoal. Pais seguros

de si mesmos e respeitadores de seus filhos aprendem a abrir mão, aceitam

sua crescente autonomia e esperam que os valores já instalados resistam a

todas as desconcertantes e perturbadoras experiências vividas pelos filhos.

Pais que relutam em abrir mão, por precisarem demais dos filhos, exercem

uma pressão impossível de ser ignorada, fazendo com que estes tenham muita

dificuldade para descobrir quem são e o que querem. Eles sofrem tanto com a

tentativa de controle dos pais que têm apenas duas opções: a submissão ou a

revolta.

A questão dos limites tem muito a ver com a agressividade. Indivíduos

que não têm limites tendem a se tornar agressivos quando estes são impostos.

Numa relação entre pais e filhos, há sempre uma luta pelo poder. Se o filho

encontra espaço para exercitar sua agressividade, ele utiliza este espaço. Daí

a importância dos limites, tanto em casa como na escola. É preciso dar limites.

Sempre que necessário, saber dizer não. Em alguns casos, o “não pode

porque não quero” é inevitável. Os pais não devem sentir constrangimento em

impor sua autoridade.

Parece que muitos pais pensam que, de fato, é um dever deles fazer

os filhos felizes. Essa crença talvez explique, em boa parte, porque tanta gente

hoje tem medo de dizer não, de estabelecer limites. Talvez também por isso,

os filhos ganhem tantas coisas materiais, tantos brinquedos, tantas roupas,

tanto! Porque, observando a criança rindo, alegre, certos pais pensam “eu a fiz

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feliz!” Se, pelo contrário, negam algum pedido ou interferem num momento de

comportamento inadequado, vendo o filho chorar ou com a carinha amuada,

sentem-se causadores da dor, da tristeza.

Mas não é bem assim que funciona, cada pessoa, dentro desse

conjunto de variáveis, e de acordo com seu modo de perceber o mundo,

reagirá de forma totalmente diversa e individual. Não é à toa que os pais com

frequência se perguntam, intrigados, como podem, no mesmo lar, ter filhos tão

diferentes, com reações tão diversas e opostas perante a vida.

Os pais são os provedores de grande parte dessas condições objetivas

(amor, segurança, alimentação, educação, justiça, limites, valores, equilíbrio

etc.), que irão construir a arcabouço sobre o qual cada indivíduo, dotado de

livre arbítrio, escolherá seu caminho, que poderá resultar em felicidade ou não.

No entanto, por mais que o façam com total e sincero empenho, nunca

poderão garantir a felicidade dos filhos, nem a de ninguém, porque, não são os

fatores familiares os únicos a influir. E porque, simplesmente, quem decide se

a vida será feliz ou não é o próprio indivíduo, no dia-a-dia, pela sua maneira de

agir e reagir ao que o atinge, pela forma como interpreta as atitudes próprias e

as dos que o cercam, pela capacidade de tolerar e amar ou de apenas odiar e

invejar, pela capacidade de analisar com isenção cada fato ou considerar o

outro como culpado sempre, pelo desejo de perdoar e compreender ou pela

intransigência e a amargura; pela habilidade de esquecer e de lembrar; pelo

desejo de aceitar o outro, e, especialmente, pela capacidade de se alegrar com

tudo ou de se entristecer por um nada.

Por isso, os pais não devem temer impor limites aos filhos, pois isso

não os tornará menos felizes!

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CAPÍTULO III

RELAÇÃO FAMÍLIA/ESCOLA: ATUAÇÃO DA

SUPERVISÃO ESCOLAR

A criança de modo geral, se desenvolve na instituição familiar que é

encarregada de prover os recursos necessários à sua sobrevivência; de

propiciar-lhe uma base afetiva, de dar-lhe assistência na área de saúde e de

ministrar-lhe os primeiros ensinamentos. Por sua vez, a instituição escolar está

incumbida de realizar a educação formal das crianças e jovens.

Cada família alimenta expectativas diferentes em relação ao papel da

escola. O mesmo ocorre com a escola em relação à família. Acrescente-se,

ainda, que tanto a escola como a família possuem características próprias.

Surge, então, como condição básica para que possam ser cumpridas as

finalidades educacionais, a necessidade do conhecimento mútuo entre ambas

para a compatibilização das expectativas e da integração entre as duas

instituições. A escola e a família devem manter uma constante comunicação,

respeitando os valores e procurando obter a colaboração, já que ambas têm

por objetivo o bem-estar, o desenvolvimento e a formação do educando.

As relações entre escola e família têm se modificado muito nas últimas

décadas. Neste período, a escola mudou, a família mudou. Há que se

considerar, no entanto, que sobretudo a sociedade mudou. Poderíamos

apontar a transição de uma fase em que a família confiava plenamente na

escola, estabelecendo até uma cumplicidade, para uma outra em que a família

passa de um lado a criticar a escola, e de outro, contraditoriamente, transferir

suas responsabilidades para a mesma. É um pouco a situação que vivemos

hoje, já não há aquela cumplicidade, existe uma tendência de atribuir funções

que antes eram inerentes à família.

No tratamento da questão do relacionamento escola-família há um

risco seríssimo de cair no jogo do “empurra-empurra”: os professores dizem

que os responsáveis pelos problemas em sala de aula são os pais, que culpam

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os professores e a escola, que culpa o sistema etc. Não se trata, pois, de ficar

buscando o “culpado”, isso é desgastante e só provoca reações afetivas de

ataque e defesa. A contradição perpassa todos os sujeitos: alunos, pais,

professores, equipe etc; ninguém deve estar “acima de qualquer suspeita”.

Também não se pode omitir. Enquanto cada um ficar “na sua”, não se

encontrarão alternativas. Ao contrário, o que se vislumbrará é o compromisso

de cada setor com suas responsabilidades dentro de uma visão de totalidade,

articulado com os demais, cobrando, inclusive, que cada parte assuma estas

suas respectivas responsabilidades. Conforme Celso Vasconcellos:

“A escola precisa investir no trabalho de formação e

conscientização dos pais. Devemos esclarecer aos pais a

concepção de disciplina da escola, de forma a minimizar

a distância entre disciplina domiciliar e escolar.”

(VASCONCELLOS, 1994, p.63).

É fundamental a presença dos pais na escola, mesmo que em alguns

momentos os adolescentes se achem autosuficientes e não queiram mais a

presença constante de pais e de seus professores. Por isso não acham

necessário que os pais participem das reuniões na escola e nem que a escola

os convoque. É importante trabalhar com os adolescentes, fazendo-os refletir

que a produção escolar é sua e que ele é responsável por ela, a ponto de

buscar maneiras de desenvolvê-la melhor. Não se pode esquecer, que isso só

acontecerá quando forem valorizadas as vivências e os sentimentos de cada

um envolvido no processo, se dando à medida que forem aprofundadas as

relações entre professor e aluno, escola e família, aluno e família.

O ser humano não é capaz de promover transformações numa

sociedade, antes que ele passe pela transformação do seu próprio

crescimento, que é adquirido pela construção, dia após dia, do seu “ser gente”,

através do convívio familiar e escolar. A importância que os pais dão à

educação e à escola influi fortemente no modo como os filhos valorizam os

estudos ou de desinteressam por eles. O grau de estima e de valorização que

se dá em família, aos estudos, é um gerador de motivação ante o aprendizado

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escolar, uma fonte constante de valores e motivos positivos, na vida do

educando.

Os pais de hoje, muito inseguros com relação ao estabelecimento de

limites e com muito medo de se tornarem autoritários, muitas vezes

questionam-se sobre a forma de atuar, de influenciar a criança quanto aos

estudos. O primeiro e mais importante fator é a segurança. Qual o pai ou a

mãe que tem dúvidas sobre a importância do saber na nossa sociedade?

Do círculo de relações mais íntimo da família a criança passa para a

escola. Esta passagem é acompanhada, com interesse, pela família, ela é

capaz de motivar a criança para o novo mundo que irá enfrentar, com

tranquilidade e coragem, na crença dos acréscimos que lhe trará. O

acompanhamento da vida escolar é elemento fundamental para construir o

sucesso. É na escola que a criança passa boa parte de seu dia e é em função

dela que vive outras horas em casa.

Cada vez mais a educação dos filhos requer um trabalho conjunto

entre pais, como primeiros responsáveis, e professores, na tarefa de

complementação. Esse deveria ser o fio condutor da verdadeira educação.

Pais, filhos e professores formam a mesma família que ajuda a aprender e

colaborar na formação da personalidade. Aos pais cabe colaborar na criação

de um clima de amizade, respeito e estima pelo professor. Não são deuses.

São seres limitados. Precisam do calor humano para levarem a bom termo sua

missão, correspondendo aos anseios dos pais.

Numa perspectiva democrática de organização da escola, a

participação de todos os segmentos da comunidade educativa é fundamental.

No entanto, não se pode ceder às cobranças equivocadas. Diante da tão

famigerada pressão dos pais, há necessidade de uma análise para se verificar

a procedência das solicitações. Os professores, enquanto educadores de

profissão, têm uma responsabilidade social no sentido de desempenharem

adequadamente sua função.

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A escola deve explicitar sua proposta educacional seja na época da

matrícula, seja nas reuniões logo no início do ano. Mostrar que as mudanças

propostas, são para que sejam mais felizes. A família deve se orientar, no

sentido de perceber que tem também um importante papel para não distorcer o

sentido da educação escolar. Deve se aproveitar as reuniões de pais para um

momento de interação entre a escola e a família, para a formação e orientação

dos pais.

Na verdade, a escola é uma fatia do mundo, onde é possível dar

passos importantes na aprendizagem da democracia, da cidadania e do

convívio. Ao lidar com as diferenças individuais dentro do espaço escolar e das

atividades coletivas, podemos descobrir o lugar de cada um nessa

comunidade, que é a escola. Ampliamos, deste modo, a atuação da família,

onde também cada indivíduo tem seu lugar, sua função e sua contribuição a

oferecer.

Assim, o objetivo da criação de filhos é favorecer o desenvolvimento da

capacidade de cuidar de si mesmo e dos demais e o objetivo básico da

educação é favorecer o desenvolvimento das capacidades e das aptidões de

cada um e o convívio em comunidade.

A reciprocidade é de especial relevância no processo educacional,

tanto na família quanto na escola. Para conseguir respeito e consideração, o

melhor é oferecer respeito e consideração, além de desenvolver, dentro de

cada um, essas atitudes. Situar crianças e jovens dentro de uma “rua de mão

dupla”. A comunicação é condição essencial para a formação da consciência

da interação, da importância da cooperação e da responsabilidade pela

coletividade.

Infelizmente, nem sempre família e escola andam pelos mesmos

caminhos. Assim, em vez de convergência e integração de esforços, vemos

divergência e oposição, o que, sem dúvida, dificulta o processo educacional.

Crianças e jovens criados com excessiva permissividade, não

conseguem formar uma boa visão quanto ao lugar dos outros no mundo,

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porque acham que têm direito a ocupar o trono eterno até mesmo fora da

família. Com isso, pouco desenvolvem o controle dos impulsos, a tolerância à

frustração, a capacidade de espera, persistência e paciência, que são os

requisitos afetivos básicos para formar a disciplina interior indispensável à

aprendizagem. Há que se ter muito de tudo isso para aprender a escrever as

primeiras letras, a ler as primeiras palavras, a estudar o que não nos

entusiasma e o que achamos difícil, a fazer tarefas que nos desagradam,

assim por diante.

Com dificuldade de muitos pais estabelecerem limites para educar

seus filhos, a escola também perdeu seus parâmetros para educar. A escola

está muito filiada a esse processo positivista de se preparar para chegar à

faculdade, de que a felicidade está lá na frente. O professor não é mais afetivo

em sala de aula, porque ele acha que não vai dar conta. O que acontece é que

se perderam os educadores na escola, muitas vezes só existem os

professores.

Educador é aquele que interage com o aluno e o que temos hoje é o

professor que ensina, e não o educador que faz ofertas e está presente. E se

perderam também os educadores em casa, porque a mãe, muitas vezes, só

quer passar informações, não quer mais interagir com o filho. Interagir custa

tempo, e ninguém mais tem tempo.

O que acontece é que o aluno pode estar intelectualmente bem, mas

muito mal emocionalmente, afetivamente. E não consegue aguentar a

faculdade, que acaba se tornando uma grande decepção. A exigência é só

intelectual e ele percebe que, como pessoa, ele não tem nenhum valor. É só

como nota que ele existe. Então, perderam-se os educadores e esse é um

problema muito complicado, pois sem educadores não se pode estabelecer

limites, e, sem limites não se estabelece ser humano.

Embora o fenômeno da indisciplina escolar seja um velho conhecido

de todos, sua relevância teórica não é tão nítida. É um tema, sem dúvida, de

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difícil abordagem. Conforme o mestre e doutor em psicologia escolar Julio

Groppa Aguino:

“O tema, da disciplina pode nos levar mais longe: discutir

a própria natureza humana. Segundo o filósofo Kant, a

disciplina é condição necessária para arrancar o homem

de sua condição selvagem. Não se trata, portanto,

apenas de “bons modos”: trata-se de educar o homem

para ser gente, redimi-lo de sua condição animal.

Permanecer parado e quieto num banco escolar é, para

Kant, necessário, não para possibilitar o bom

funcionamento da escola, mas para ensinar o aluno a

controlar seus impulsos e afetos. Não que, levantando,

andando, falando, não pudesse se alfabetizar, mas não

conseguiria se “humanizar”. Perante espetáculos de

indisciplina em sala de aula, Kant se preocuparia com o

futuro da humanidade. Já Piaget apostava numa

“autodisciplina”, não imposta de fora, mas inspirada pela

busca pessoal de equilíbrio: do auto-governo das crianças

nasceria uma disciplina muito mais estável e livre.”

(AQUINO, 1996, p. 10 – 11)

Percebe-se que cada vez mais os alunos vêm para a escola com

menos limites trabalhados pela família. Muitos pais chegam a passar toda

responsabilidade para a escola. “Pode bater, pode fazer o que quiser; eu já

não sei mais o que fazer com ele”. Mediante as suas remotas experiências

como estudantes e a desorganização da classe que os filhos relatam, os pais

acabam exigindo da escola uma postura autoritária. É preciso ajudá-los a

compreender que existe uma outra alternativa, que supera o autoritarismo e

que a família ajuda a disciplina na escola através de algumas práticas que

podem ser estabelecidas pelo olhar da supervisão escolar em contato com a

família. É nesta prática que se transformam e formam-se os nossos

adolescentes, futuros adultos competentes do século XXI. Para ajudar a família

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e a escola na educação dos filhos/alunos, Celso Vasconcellos dá as seguintes

orientações:

− “Readquirir a prática do diálogo; ser capaz de impor limites e

estabelecer horário.

− Superar a oscilação entre a permissividade (tudo pode) e o autoritarismo

(nada pode).

− Estabelecer e cumprir limites (dialogando, chegar a limites razoáveis);

não ceder diante da insistência infantil ou chantagem emocional.

− Nunca dizer um não a um filho sem dizer o porquê. “Por amor ao filho,

fundamente o não que diz a ele” (FREIRE, 1989, p.4). Algumas vezes a

criança pode não entender o que se propõe como algo melhor para ela,

mas nem por isso deve-se ceder ou deixar de explicar. A razão tem que

ser clara, e não simplesmente dizer “isto é para o seu bem”.

− Não acobertar erros dos filhos e alunos. Acreditar nas possibilidades.

Quando eles cometem um erro, lembrar de Santo Agostinho: “Odeie o

erro, mas ame o pecador”.

− “Contar de 1 a 10 para dar determinações, disciplinar a seus filhos”

(FREIRE,1989, p.4). Os pais que estabelecem algo de “cabeça quente”,

depois arrependem-se. Neste caso, é preciso coragem para reconhecer

e pedir desculpas para o filho. Muitos acham que isso é “perder a

autoridade”, pelo contrário, a verdadeira autoridade vem do respeito, a

admiração por ele, inclusive pelo senso de justiça.

− Incentivar a participar de jogos, onde as regras, os limites, vão se

colocando naturalmente e a criança e o jovem vão aprendendo a se

relacionar com todo um mundo social.

− Ajudar os filhos e alunos a terem uma postura crítica diante dos meios

de comunicação (consumismo, contra-valores, exploração da

sexualidade, mentiras do sistema etc).

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− Na argumentação com a criança/jovem apegar-se ao fator principal. Ao

citar, vários outros argumentos, ele pode ver saídas, o que leva o

argumento principal a perder a força.

− Desenvolver em casa e na escola uma “pedagogia de participação” (nas

decisões, nos grêmios, nas representações estudantis, nas despesas,

nos trabalhos domésticos). Atribuir responsabilidades, ao invés de fazer

por eles.

− Não se sentir inferiorizado(a)/culpado(a) por ter conflitos na família: a

imagem que se passa de família ideal é falsa: não corresponde à

realidade. O importante é saber enfrentar os conflitos, as contradições,

e não camuflá-los.

− Não se sentir culpado(a) por ficar pouco tempo com o filho, por ter que

trabalhar muito para sustentar a casa. Lembrar que o importante é a

qualidade do tempo que se fica com o filho.” (VASCONCELLOS, 1994,

p.102-105)

Também Içami Tiba afirma:

“A vida em sociedade pressupõe a criação e o

cumprimento de regras e preceitos capazes de nortear as

relações, possibilitar o diálogo, a cooperação e a troca

entre membros deste grupo social (sobretudo numa

sociedade complexa com a nossa). A escola, por sua vez,

também precisa de regras e normas orientadoras do seu

funcionamento e da vivência entre os diferentes

elementos que nela atuam. Nesse sentido, as normas

deixam de ser vistas apenas como prescrições

castradoras, e passam a ser compreendidas como

condição necessária ao convívio social. Mais do que

seguir ordens cegamente, a internalização e a obediência

a determinadas regras pode levar o indivíduo a uma

atitude autônoma e, como conseqüência, libertadora, já

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que orienta e baliza suas relações sociais. Neste

paradigma, o disciplinador é aquele que educa, oferece

parâmetros estabelece limites.” (TIBA, 1996, p.86)

Pode-se pensar que, relacionar a indisciplina na escola a fatores

inerentes à natureza de cada aluno ou de sua faixa etária, representa um

equívoco, pois ninguém “nasce rebelde ou indisciplinado”. Estas características

não são inatas, e nem todos os adolescentes apresentam necessariamente

um padrão universal das mesmas. Como analisa mestre e doutor em

psicologia escolar Yves de La Taille:

“As crianças precisam sim aderir a regras (que implicam

valores e formas de conduta) e estas somente podem vir

de seus educadores, pais e professores. Os limites

implicados por estas regras não devem ser apenas

interpretados no seu sentido negativo: o que não pode ser

feito ou ultrapassado. Devem também ser entendido no

seu sentido positivo: o limite situa, dá consciência de

posição ocupada dentro de algum espaço social (a

família, a escola, e a sociedade como um todo).” (LA

TAILLE, 1994, p.9)

Enfim, o sucesso, a felicidade dos filhos dependerá, em parte, da boa

relação entre a família e a escola, pois são duas instituições que se

completam. A família aponta para o que há de mais íntimo, forte e intenso na

formação da personalidade individual e a escola é a primeira porta que se abre

para a entrada no mundo, que se põe além fronteiras do lar.

As diversas mudanças pelas quais a estrutura familiar vem passando

e as transformações aceleradas da sociedade atual, também tem provocado

mudanças no papel do Supervisor Escolar. Principalmente, no tocante a

indisciplina escolar; a problemática não é nova, porém, nos dias atuais, está

ganhando uma dimensão que até então, parece, não vivenciada na escola.

Percebe-se que muitos professores acabam desencadeando um processo de

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“stress”, tamanha a dificuldade que tem para conviver, administrar e criar

alternativas de intervenção que possam ajudá-los no relacionamento com

alunos indisciplinados.

Profissional que nasceu com o objetivo de inspecionar, reprimir e

fiscalizar a qualificação para o mundo do trabalho, hoje precisa repensar seus

princípios educacionais, procurando nortear a formação e a prática de outros

profissionais da educação e a própria. Neste contexto, a professora e doutora

Naura Syria Carapeto Ferreira diz que trabalho do supervisor escolar:

“Constitui-se num trabalho profissional que tenha o

compromisso de garantir os princípios de liberdade e

solidariedade humana, no pleno desenvolvimento do

educando, no seu preparo para o exercício da cidadania e

sua qualificação para o trabalho e, para isso, assegurar a

qualidade do ensino, da educação, da formação humana.

Seu compromisso, em última instância, é a garantia de

qualidade da formação humana que se processa nas

instituições escolares, no sistema educacional brasileiro,

na atual conjuntura mundial.” (FERREIRA, 2001, p.93)

As funções da Supervisão Pedagógica e da Orientação Educacional

estão sendo reavaliadas na direção de um trabalho articulado e integrado de

coordenação, e, neste caso, funções que eram exclusivas da Orientação

Educacional, como o trabalho com os responsáveis, o atendimento aos alunos

e às famílias, hoje estão ampliadas. Os pais são convocados a participar na

escola, no âmbito individual, para obter informações e orientações sobre seus

filhos e no âmbito coletivo, para participar da associação de pais e mestres e,

principalmente, na construção do Projeto Político Pedagógico da Escola.

Diante desta nova frente de trabalho, o Supervisor Escolar depara-se

com uma certa crise que envolve família e escola: a escola abre espaço de

participação e coloca a problemática educacional e disciplinar para as famílias,

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esta, por sua vez exige da escola o que ambas ainda não sabem como

resolver, pois, infelizmente não existe uma fórmula pronta.

Acredita-se que a solução esteja em uma relação de parceria entre

família e escola. Uma parceria que tem como objetivo assumir juntos a

educação da criança ou adolescente. E, é importante que o Supervisor Escolar

organize momentos de muito diálogo, trocas e proponha estratégias educativas

para serem exercitadas por todos, procurando conciliar as expectativas e

demandas diferenciadas. Ele é um dos principais responsáveis por essa

interlocução e pela mediação dos possíveis conflitos entre família e escola.

Suas ações alcançarão as metas de maneira satisfatória, com boa qualidade

quanto maior for o conhecimento que tiver de seu interlocutor, quanto mais

puder perceber e conhecer o seu contexto social, sua história e compreender o

que se deseja alcançar. É necessário também que haja clareza nesse diálogo

e que fique explícito as responsabilidades e os limites de cada participante

neste projeto.

Quando a família e a escola agem com o propósito de educar as

crianças e os adolescentes, tanto os pais poderão colaborar com a escola por

meio de novas ideias, quanto a escola poderá acrescentar novos pontos de

vista à dinâmica familiar de seus alunos. Segundo Terezinha A. Rios:

“Nesse contexto, destacamos a importância do Diretor e

do Supervisor, que pode, junto à equipe escolar, ajudar o

grupo a discutir e a refletir sobre a problemática da

indisciplina. Sua ação pode ser pautada em duas

dimensões: a primeira, como investigador da realidade; a

segunda, na proposição de um projeto de formação junto

ao corpo docente, como forma de buscar alternativas

para mediar o problema.” (RIOS, 2001, p.168)

Para que o Supervisor Escolar desempenhe com equilíbrio e eficiência

a mediação família/escola, sugere-se que ele:

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- Estude e compreenda as diferentes configurações familiares e

relacione-se com elas sem preconceito.

- Procure conhecer a realidade social em que as famílias dos alunos

está inserida.

- Identifique os modelos educativos que norteiam as ações educativas

das famílias e da escola.

- Seja um profissional com grande capacidade e disponibilidade para

ouvir , escutar, saber fazer, tolerar, instigar, dialogar, buscar parcerias...

- Garanta um espaço para a participação da família na gestão escolar.

Cada vez fica mais comprovado que, a parceria da família e a escola

na educação dos filhos/alunos é uma grande responsabilidade e um desafio

necessário a ser enfrentado e trabalhado na sociedade atual. E esta deve ser

uma preocupação constante do Supervisor Educacional, conforme a doutora

em educação Naura Syria Carapeto Ferreira:

“Traduzir o novo processo pedagógico em curso na

sociedade, a partir dessas transformações..., explicitar as

contradições, promover as articulações necessárias para

construir coletivamente alternativas que proponham a

educação a serviço do desenvolvimento de relações

verdadeiramente democráticas.” (FERREIRA, 2001, p.93)

O Supervisor é EDUCADOR! Aquele profissional que busca interagir

de maneira crítica, transparente, que sabe ouvir, seguro em suas ações e no

relacionamento com seus professores e toda a comunidade educativa. Criando

assim vínculos de confiança e de coletividade na realização de seus objetivos,

transformando a escola em um espaço onde verdadeiramente pode possibilitar

a formação de indivíduos não só academicamente competentes, mas cidadãos

com valores que façam diferença na sua vivência no meio da sociedade.

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CONCLUSÃO

A família nunca está terminada. Trata-se de um caminho que juntos

muitos percorrem. Mas não há receitas e nem fórmulas prontas. Cada pessoa

passa por transformações e é depositária de anseios e sonhos, carrega

deficiências e defeitos, envolve-se e interfere no ambiente em que vive. Por

isso, a família é o lugar onde se acolhe o diferente, o estranho, o desafiador, o

novo como algo natural. Ela é o alicerce da vida de todos.

Educar significa permitir que o indivíduo passe por todas as fases do

desenvolvimento com segurança, significa mostrar para a criança e o

adolescente que ele não pode tudo o que quer, na hora que quer. É preciso

que o filho crie o desejo, o seu próprio desejo, para se libertar dos desejos dos

pais e construir sua autonomia. E educar é isso, ajudar o indivíduo a aprender

a esperar. Mas alguém só aprende a esperar tendo limites, respeitando regras,

convivendo com as leis. Então, conclui-se que educação e limites são um

binômio desejável sim, um binômio que está faltando em muitas realidades

familiares dos nossos dias.

Diante de uma sociedade que se arrisca a ser cada vez mais

despersonalizada e massificada, portanto, de certa forma, desumana, a família

possui e irradia ainda hoje energias formidáveis e capazes de arrancar o ser

humano do anonimato, de o manter consciente de sua dignidade pessoal, de o

enriquecer de profunda humanidade e de o inserir ativamente como ser único e

irrepetível no meio da sociedade.

Para concluir, pode-se afirmar que a família e a escola tem a missão

de desenvolver um trabalho embasado no respeito mútuo, na partilha, na

solidariedade, com muita parceria, procurando adaptar-se às constantes

mudanças do mundo contemporâneo, sem perder o seu fio condutor: educar.

Educar, na complexidade dos atuais paradigmas, implica colocar a

educação a serviço de finalidades que atendam efetivamente às exigências da

nova educação pretendida no século XXI.

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A Supervisão Escolar, como responsável pela qualidade do processo

de humanização do homem, através da educação, nesse contexto, firma

outros compromissos que ultrapassam as especificidades do espaço escolar,

sem dele descuidar. Afirma-se nele, enquanto espaço de fazer o mundo mais

humano através do trabalho pedagógico de qualidade, garantindo o

desenvolvimento de habilidades relacionadas aos limites e hábitos

disciplinares.

É um compromisso que se traduz em um acompanhamento e estudo

de todas as relações que se estabelecem dentro da Comunidade Escolar. É

um momento de “prática de apoio à prática educativa”, envolvendo-a na

participação direta da construção da autonomia individual e coletiva, contando

com a parceria família-escola.

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I

A CONSTITUIÇÃO DE UMA FAMÍLIA 10

CAPÍTULO II

A QUESTÃO DOS LIMITES 15

CAPÍTULO III

RELAÇÃO FAMÍLIA / ESCOLA : ATUAÇÃO DA SUPERVISÃO ESCOLAR 24

CONCLUSÃO 36

BIBLIOGRAFIA

ÍNDICE 40