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Universidade de Lisboa Faculdade de Belas-Artes
A MADEIRA NA ESCULTURA
Francisco José Gonçalves
2014
2
Universidade de Lisboa Faculdade de Belas-Artes
A MADEIRA NA ESCULTURA
Francisco José Gonçalves
Mestrado em Escultura Pública
Dissertação orientada pelo Professor Doutor Escultor João Castro Silva
2014
3
Resumo
A presente dissertação aborda a madeira como material da escultura e procura
estabelecer relações entre as suas características, os métodos de trabalho e as
obras em que foi usada.
Nesse sentido, lembra a origem biológica, faz menção aos grupos botânicos a
que pertencem as árvores de onde ela provém, às suas propriedades, qualidades
ou limitações, e os cuidados a ter quando é usada na escultura.
Descreve a diversidade do material e relaciona-‐a com os métodos do talhe
directo ou do método construtivo, fazendo referência às suas particularidades e
principais fases.
Por fim, faz alusão a uma certa permanência da escultura de madeira, ao longo
do tempo, descrevendo e contextualizando algumas das obras feitas neste
material.
4
Abstract
This dissertation addresses wood as a sculpting material and aims to establish
the relationship between its characteristics, work methods and pieces in which
its been used.
Accordingly, it recalls the biological origins and botanical groups belonging to
the trees, its properties, qualities or limitations and the care to have when used
in sculpture.
Describes the material diversity and relates it with the direct carving and
constructive methodologies, referring to its particularities and main phases.
Lastly, alludes to a certain abidance of the wood sculpture through time,
describing and contextualizing some of the works made with this material.
5
Palavras-chave
árvore
madeira
escultura
talhe directo
construção
permanência
Key-words
tree
wood
sculpture
direct carving
construction
permanency
6
Agradecimentos
Particular agradecimento ao professor doutor João Castro Silva pela disponibilidade e rigor científico dispensados nos difíceis momentos de dúvida. Agradecimento a todos os professores que ao longo dos últimos cinco anos nos orientaram o caminho do conhecimento. Palavra de amizade e apreço a todos os colegas que partilharam dificuldades e nos ajudaram a encontrar soluções para os problemas que ao longo do tempo se foram colocando nestes dois ciclos de ensino. Especial agradecimento aos escultores Maria Lino e António Vidigal pela ajuda que constituíram as suas entrevistas, na partilha de tão válida sabedoria e pela generosa recepção nos seus ateliers. Agradecemos à Biblioteca da Faculdade de Belas-‐Artes; à Biblioteca do Instituto Superior de Agronomia; à Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian; aos Museus de Arte Antiga e Arqueologia de Lisboa; ao Museu do Côa; ao Instituto Nacional de Investigação Agrária na pessoa da Engª Amélia Palma pela orientação na Xiloteca Albino de Carvalho e a todos que de uma maneira geral nos ajudaram. A todos muito obrigado.
7
Índice de Imagens Imagem 1 – Gomo invernal de um pinheiro contendo todas as estruturas necessárias ao crescimento na estação seguinte Fonte: CARVALHO, A. - Madeiras Portuguesas. Vol. I. Lisboa: Instituto Florestal, 1966, p. 21. Imagem 2 – Representação esquemática de uma célula vegetal Fonte: CARVALHO, A. - Madeiras Portuguesas. Vol. I. Lisboa: Instituto Florestal, 1966, p 46. Imagem 3 – Planos e fundamentais da madeira Fonte: http://construironline.dashofer.pt Imagem 4 – Planos e fundamentais da madeira Fonte: http://construironline.dashofer.pt Imagem 5 – Aspectos microscópicos do lenho de uma resinosa e de uma folhosa observados no plano radial ( ampliado cerca de 100x) Fonte: CARVALHO, A. - Madeiras Portuguesas. Vol. I. Lisboa: Instituto Florestal, 1966, p 46. Imagem 6 – Lenho de uma resinosa Fonte: http://construironline.dashofer.pt Imagem 7 – Lenho de uma folhosa Fonte: http://construironline.dashofer.pt Imagem 8 -‐ Durabilidade natural do cerne das madeiras Fonte: CARVALHO, A. - Madeiras Portuguesas. Vol. I. Lisboa: Instituto Florestal, 1966, p 255. Imagem 9 - Juntas tipo “finger-‐joint” Fonte: http://www.3x-‐fj.com Imagem 10 - Laminados Fonte : CARVALHO, A. - Madeiras Portuguesas. Vol. I. Lisboa: Instituto Florestal, 1966, p 294. Imagem 11 - Maria Lino: Sem título, talhe directo, madeira de castanho 195x50x35cm. Fonte: Fotografia do autor Imagem 12 -‐ António Vidigal, Ícaro, estereotomia de concordância de 22 superfícies cónicas e talha directa, madeira de plátano, 280x120x60 cm Fonte: Fotografia do autor Imagem 13 – Hans hokanson, Wet Meadow, 187x111x45 cm Fonte: MEILACH, D. – Contemporary art with wood: Creative techniques and appreciation, London: George Allen& Unwin, 1968 Imagem 14 -‐ Carl Andre, heart, 1980, 44 elementos de madeira de cedro, 120,5x469x90 Fonte: Dufrêne, D. The Great Gallery of Sculpture. Paris M. du Louvre, M. d’Orsay, C. Pompidou, 2005, p. 159.
8
Imagem 15 – Assamblagem – Junk – Sculpture. Fonte: http://www.inspirationgreen.com Imagem 16 -‐ Assamblagem – Junk – Sculpture. Fonte: http://www.inspirationgreen.com Imagem 17 -‐ Assamblagem – Junk – Sculpture Fonte: http://www.junk-‐cultyure.com Imagem 18 -‐ Heather Jansch (1948) Cavalo Fonte. http://seawayblog.blogspot.pt Imagem 19 -‐ Heather Jansch (1948) Cavalos Fonte. http://seawayblog.blogspot.pt Imagem 20 – Escultura Egípcia, V Dinastia Túmulo de Sakkarah, Ka-aper, madeira de sicómoro, 112x45x40 cm Fonte: DOBERSTEIN, A. -‐ O Egipto Antigo, Porto Alegre: Edipucrs, 2010, p.106. Imagem 21-Escultura Egípcia, V Dinastia Túmulo de Sakkarah, Ka-aper, madeira de sicómoro, 112x45x40 cm (pormenor) Fonte: DOBERSTEIN, A. -‐ O Egipto Antigo, Porto Alegre: Edipucrs, 2010, p.106. Imagem 22 -‐ Escultura Egípcia, V Dinastia Túmulo de Sakkarah, Ka-aper e esposa madeira de sicómoro, 65x40x30 e 61x35x30 cm Fonte: DOBERSTEIN, A. -‐ O Egipto Antigo, Porto Alegre: Edipucrs, 2010, p.107. Imagem 23 -‐ Escultura Egípcia em Madeira: M. Louvre Fonte: Fotografia do Autor Imagem 24 -‐ Escultura Egípcia em Madeira: M. Louvre Fonte: Fotografia do Autor Imagem 25 -‐ Escultura Egípcia, XVIII dinastia, Dama Henut-tauy, madeira, 29,2x12x12cm, M. C. Gulbenkian Fonte: Fotografia do Autor Imagem 26 – Escultura Grega, Hera de Samos, 540-520 a.C., M. Louvre Imagem 27 -‐ Escultura Viking, Cabeça de Animal Fantástico, Madeira, Sec. IX, Oseberg, M. Universidade de Oslo Fonte: AA.VV.-‐.História da Arte Ocidental: das origens ao final do século XX, Porto: Porto Editora. p. 245. Imagem 28 -‐ Escultura Viking, Cabeça de Animal Fantástico, Madeira, Sec. IX, Oseberg, M. Universidade de Oslo Fonte: AA.VV.-‐.História da Arte Ocidental: das origens ao final do século XX, Porto: Porto Editora. p. 245.
9
Imagem 29 -‐ Relevos das portas da Basílica de Santa Sabina, Roma, madeira de cipreste, séc. V (pormenor) Fonte : TREVISAN, A-‐ O Rosto de Cristo: A Formação do Imaginário e da Arte Cristã, Porto Alegre: AGE, 2003, p. 36 Imagem 30 -‐ Relevos das portas da Basílica de Santa Sabina, Roma, madeira de cipreste, séc. V (pormenor) Fonte: http://www.rodrigovivas.wordpress.com Imagem 31– Crucifixo de S. Gereão, Catedral de Colónia, 970, madeira de carvalho 188x152x40 cm Fonte: TREVISAN, A-‐ O Rosto de Cristo: A Formação do Imaginário e da Arte Cristã, Porto Alegre: AGE, 2003, p. 45. Imagem 32 – Virgem com o Menino, Mestre peninsular, séc. XII-XIII, madeira dourada, Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa Fonte: Fotografia do autor Imagem 33 – Descida da Cruz da Igreja de Santa María de Tahull no Valle de Boi, na Catalunha, Museu Nacional da Catalunha, segunda metade do séc. XII Fonte : http://www.mnac.cat/index.jsp Imagem 34 – Descida da Cruz da Igreja de Santa María de Tahull no Valle de Boi, na Catalunha, Museu Nacional da Catalunha, segunda metade do séc. XII Fonte : http://www.mnac.cat/index.jsp Imagem 35 -‐ Descida da Cruz da Igreja de Santa María de Tahull no Valle de Boi, na Catalunha, Museu Nacional da Catalunha, segunda metade do séc. XII Fonte : http://www.elpasiogo.foroactivo.com Imagem 36 -‐ Virgem com o Menino, Mestre peninsular, séc. XIII-XIV e séc. XIII, Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa, madeira com policromia. Fonte: Fotografia do autor Imagem 37 – Relevos do Coro da Catedral de Notre Dame, madeira com policromia (pormenor) Fonte: http://www.notredamedeparis.fr Imagem 38 -‐ Relevos do Coro da Catedral de Notre Dame, madeira com policromia (pormenor) Fonte: http:www.notredamedeparis.fr Imagem 39 – Cristo negro, séc. XIV, madeira com policromia 284,5x140x61 cm Fonte: http://www.museumachadocastro.pt/ Imagem 40 – Virgem com o Menino, 1339, madeira dourada, Museu do Louvre Fonte: http://wwwgalaaz.blogspot.pt Imagem 41 –Tilman Riemenschenaider (1460 - 1531) Fonte: http://www.dapatadamoscaouivodolobo.blogspot.pt
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Imagem 42 –Tilman Riemenschenaider (1460 - 1531), Santa Teresa e Seus Três Maridos, fragmento de retábulo, 1505-6, madeira de tília Fonte: http://dapatadamoscaouivodolobo.blogspot.pt Imagem 43 -‐ Cristo na Cruz de Donatello, 1406-8 Fonte: htt://www.rafaelmartinhernandez.blogspot.p Imagem 44 -‐ Cristo na Cruz de Brunelleschi, 1410-15 Fonte: htt://www.rafaelmartinhernandez.blogspot.p Imagem 45 – Miguel Ângelo, Crucifixo do Convento de Santo Espírito, 1492, madeira com policromia Fonte: NÉRET, G. -‐ Miguel Ângelo1475-1564. Génio Universal do Renascimento, Lisboa: Atelier de Imagem, 2010 p 11. Imagem 46 – Miguel Ângelo, Crucifixo do Convento de Santo Espírito, 1492, madeira com policromia. (vista lateral esquerda) Fonte: http://andmyman.blogspot.pt/ Imagem 47 – Miguel Ângelo, Crucifixo Galliano1493-95, madeira com policromia (vista anterior) Fonte: http://www.noticiasdabota.com Imagem 48 – Miguel Ângelo, Crucifixo Galliano1493-95, madeira com policromia (vista posterior) Fonte: http://corrierefiorentino.corriere.it Imagem 49 – Miguel Ângelo, Crucifixo Galliano 1493-95, desenho a partir da radiografia Fonte: http://corrierefiorentino.corriere.it Imagem 50 – Miguel Ângelo, Crucifixo Galliano 1493-95, desenho a partir da radografia Fonte: http://corrierefiorentino.corriere.it Imagem 51 – Miguel Ângelo, Crucifixo Galliano1493-95,(Radiografia) Fonte: http://corrierefiorentino.corriere.it Imagem 52 – Miguel Ângelo, Crucifixo Galliano 1493-95, madeira copolicromia (Vista postero-lateral direita) Fonte: http://www.fabiopenacalgaleria.com.br Imagem 53 – Miguel Ângelo, Crucifixo do Convento de Santo Espírito, 1492, madeira com policromia. (pormenor) Fonte: NÉRET, G. -‐ Miguel Ângelo1475-1564. Génio Universal do Renascimento, Lisboa: Atelier de Imagem, 2010 p 11. Imagem 54 – Miguel Ângelo, Sepultação, 1504 Fonte: NÉRET, G. -‐ Miguel Ângelo1475-1564. Génio Universal do Renascimento, Lisboa: Atelier de Imagem, 2010 p 19.
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Imagem 55 – Miguel Ângelo, Pietà da Basílica de São Pedro, Roma 1499 (pormenor) Fonte: NÉRET, G. -‐ Miguel Ângelo1475-1564. Génio Universal do Renascimento, Lisboa: Atelier de Imagem, 2010 p 18. Imagem 56 – Donatello, Maria Madalena, 1455, madeira de choupo ( vista lateral esquerda) Fonte: http://oqueeuandei.blogspot.pt Imagem 57 – Donatello, Maria Madalena, 1455, madeira de choupo (vista posterior) Fonte: http://oqueeuandei.blogspot.pt Imagem 58 – Donatello, Maria Madalena, 1455, madeira de choupo (pormenor) Fonte http://oqueeuandei.blogspot.pt Imagem 59 – A Bela de Florença, madeira com policromia, 55x40x25. Museu do Louvre, Paris Fonte:TEIXIDÓ, J. e SANTAMERA, C. – A Talha Escultura Em Madeira. Lisboa: Editorial Estampa, 1997, p. 17. Imagem 60 -‐ Afonso Berruguete, Moisés, Nogueira, pormenor do coro da catedral de Toledo Fonte:TEIXIDÓ, J. e SANTAMERA, C. – A Talha Escultura Em Madeira. Lisboa: Editorial Estampa, 1997, p. 21. Imagem 61 – Diego de Siloé, A sagrada Família, madeira de nogueira, Museu Nacional de Escultura, Valladolid, Espanha Fonte:TEIXIDÓ, J. e SANTAMERA, C. – A Talha Escultura Em Madeira. Lisboa: Editorial Estampa, 1997, p. 21. Imagem 62 – Machado de Castro Santa Teresa de Ávila 24x11x8,5 cm, barro cozido MNAA Fonte: AA.VV. – O Virtuoso Criador Joaquim Machado de Castro 1731-1822. Lisboa: Museu Nacional de Arte Antiga, 2012, p. 192 Imagem 63 – Machado de Castro, Santa Teresa de Ávila 150x70x57 cm, madeira dourada, estofada, policromada e encarnada. Basílica da Estrela Fonte: AA.VV. – O Virtuoso Criador Joaquim Machado de Castro 1731-1822. Lisboa: Museu Nacional de Arte Antiga, 2012, p. 192 Imagem 64 – José de Almeida, Santo Onófre. séc. XVIII, Museu Nacional de Arte Antiga Fonte: Fotografia do autor Imagem 65 – Brancusi, Coluna Sem Fim em madeira e gesso (vista do “atelier”) Fonte: Fotografia do autor Imagem 66 – João Fragoso, Vitória Irrevogável 270x130x80 cm Fonte: AZEVEDO, F. – Escultura e Tempo de João Fragoso. Caldas da Rainha: Museu de José Malhoa 1985, p.12.
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Imagem 67 – João Fragoso, Morte em Veneza Fonte: AZEVEDO, F. – Escultura e Tempo de João Fragoso. Caldas da Rainha: Museu de José Malhoa 1985, p.12. Imagem 68 – Alberto Carneiro, Árvore Mandala Para Os Gravadores Do Côa Fonte:http://www.arte-‐coa.pt Imagem 69 – Bruno Walpot Fonte: http://www.walpoth.com Imagem 70 – Bruno Walpot Fonte: http://www.walpoth.com
13
0 - Introdução Quando terminámos o primeiro ciclo de estudos e colocámos a possibilidade de
prosseguir com o mestrado, logo pensámos acerca da área da dissertação. Nesta
fase, o que mais lógico nos parecia era estudar o percurso de um escultor. No
entanto, com o desenvolvimento do ano curricular, esta ideia, que antes parecia
sólida, foi-‐se desvanecendo. À medida que algumas interrogações se definiram,
relacionadas com o que nesse tempo apreendíamos sobre escultura, fruto do
trabalho e da influência dos professores, assim se foram estabelecendo
interesses que, por serem da ordem da materialização das ideias, aqui nos
trouxeram. De facto, a madeira já não era novidade, por termos com ela
trabalhado, tanto no decurso da licenciatura como no primeiro ano do
mestrado, em particular na escultura pública que fizemos em Moledo.
Porém desta vez, era-‐nos exigida uma abordagem mais sistematizada que
obrigava a uma maior precisão. A par destes factos, interiorizamos a
importância e a representatividade que a madeira tinha tido e ainda mantém,
para a escultura, tanto no plano internacional como no nosso país. De todas as
maneiras, se não fosse a força da tradição que a madeira nos traz à memória,
seria-‐o a renovada vaga de escultores que na actualidade dão uso a este
material. Deste modo, pareceu-‐nos tanto mais necessário abordar esta temática
quanto maior necessidade haveria em remarcar a escultura da madeira nos
ciclos da arte contemporânea. É paradoxal que, sendo a madeira um dos
materiais que há mais tempo utilizamos, seja um dos que mais superficialmente
conhecemos.
Assim, a escolha do tema pareceu-‐nos acertada. Restava apenas seguir o
caminho exigente que um trabalho desta natureza obriga.
Para o efeito, procederemos ao estudo detalhado da bibliografia que para o
trabalho nos pareceu pertinente, visitámos museus e uma xiloteca, fomos a
14
algumas exposições e, por fim, entrevistámos dois escultores que fazem da
madeira o material preferido da escultura.
Para a dissertação, pressupondo a matriz de um trabalho de pesquisa, fizemos
como na escultura: primeiro estudámos o material, depois escolhemos os
métodos e por fim dedicámo-‐nos à escultura propriamente dita.
Decidimos dividi-‐lo em três partes: na primeira abordaremos a madeira como
material da escultura, na segunda damos nota de alguns métodos de trabalho
preconizados pelos escultores e por nós considerados fundamentais para levar
a bom termo o uso deste material e, por fim, na terceira, transmitiremos uma
ideia de continuidade da escultura em madeira ao longo dos tempos.
Fizemo-‐lo conjugando o conhecimento científico, que consideramos válido para
a nossa arte, e o conhecimento artístico, que é a principal razão de aqui
estarmos.
Nesse sentido, procurámos saber o que a botânica e a engenharia florestal
podiam acrescentar à escultura e verificámos que “quase nada”. Mas esse “quase
nada”, pode ser uma vantagem quando os escultores necessitam de usar a
madeira. De facto, a dependência do material na escultura é incontornável. A um
escultor não lhe basta ter ideias, precisará sempre de as materializar, ou seja,
torná-‐las reais e inteligíveis e, por vezes, até palpáveis. O que equivale a dizer
que, em escultura, nenhum sentido pode ser veiculado sem uma forma. Todo o
sentido exige um suporte ou um veículo ou algo que o contenha. No caso, a
madeira parece ser ao mesmo tempo forma e veículo. Focillon refere a este
respeito que “a mais prolixa colecção de comentários e dissertações dos artistas
mais cientes dos seus temas, dos mais hábeis a “esculpir” palavras, não poderia
substituir a mais insignificante”1escultura. O que, de certa maneira, comprova o
que o autor diz quando alguém se dedica a defini-‐la porque “qualifica-‐a em
conformidade com as exigências da natureza e especificidade da sua
investigação. Quem a executa, quando se detém a considera-‐la, posiciona-‐se 1 Focillon, H. – A Vida das Formas Seguido de Elogio da Mão, Lisboa: Edições 70, 2001, p. 13.
15
num plano diverso daquele que a comenta e, se usa os mesmos termos, fá-‐lo em
diferente sentido”2.
Por isso, é que procurámos o conhecimento e a sabedoria de quem faz escultura
em madeira. Fomos aos ateliers de Maria Lino e António Vidigal que nos
pareceram com um corpo de conhecimentos bem estruturado no domínio da
escultura de madeira, e tentámos perceber o que para eles fazia sentido.
Fizemo-‐lo numa tentativa de procurar relações e pontos de encontro com a
nossa maneira de pensar que nos ajudassem a generalizar ideias. Interessou-‐
nos menos a matéria idiossincrática de cada percurso ou, pelo menos, o que aí
fomos procurar foram vestígios do primeiro tipo de conhecimento, isto é, da
generalização de ideias. Conversamos em forma de entrevista, ou entrevistamos
em forma de conversa e, para este efeito, fomos recebidos por cada um dos
escultores no seu atelier rodeado de esculturas, maquetas, livros e madeira.
Assim é o ambiente de trabalho de um escultor.
Neste contexto, entendemos que o material e os métodos não se podem
sobrepor ao pensamento plástico e à forma. Doutra maneira correríamos o risco
da escultura não ultrapassar o que de mais elementar existe neste campo, o
mero exercício. Para que isso não aconteça, o escultor terá que assegurar o
desenvolvimento prático que permita subalterniza-‐lo e, por essa via, poder
libertar-‐se dele para instaurar voos mais produtivos. É nesta complexidade de
pensamento que este trabalho se vai desenvolver para, primeiro, dominar o que
à partida parece mais simples.
Porque, de facto, ainda “Estamos mesmo no princípio [...] Como que antes de tudo.
Com mil e um sonho para trás de nós e parados.”3 Tal como Rilke, na sua
sabedoria, não conseguimos [...] “imaginar um saber mais sagrado do que este: O
homem deve tornar-se um principiante. O que escreve a primeira palavra de uma
tirada secular.”
2 FOCILLON, H. – A Vida das Formas Seguido de Elogio da Mão, Lisboa: Edições 70, 2001, p. 11. 3 RILKE, R. -‐ Notas sobre a melodia das coisas, Lisboa: Averno, 2011, p. 5.
16
Fizemo-‐lo também em contraponto a uma tendência actual que tenta
desmaterializar a escultura e vê os materiais que, desde sempre, deram suporte
a esta arte, não como uma dificuldade, mas como algo negativo, como um
inimigo, isto é, uma provocação natural que causa um mal-‐estar visceral e
inexplicável como se fosse incomensuravelmente mau e desnecessário.
Contudo, para fazer escultura em madeira é impossível dela não ter
conhecimento. A materialização da obra e, sobretudo, o desenvolvimento de um
método próprio que dê resposta às particularidades individuais de cada
escultor pode ter tanta importância quanto a coerência do seu discurso. No
fundo, somos de opinião que ter um conhecimento dos materiais bem
fundamentado permite ao escultor libertar-‐se do espartilho da materialização
para desenvolver um discurso artístico centrado no pensamento.
Em termos gerais sabemos que a madeira é um material biológico resultante de
um organismo vivo, que é variável conforme a árvore de onde vem e do lugar a
que pertence na árvore, que é sensível ao meio ambiente que o rodeia, de
maneira especial no que diz respeito à humidade, que é flexível e é
biodegradável -‐ singularidades que determinam a sua aplicação em escultura.
Assim, devemos considerar, e capacitar-‐nos para saber identificar a madeira,
saber a que grupo pertence uma árvore, se é uma gimnospérmica ou
angiospérmica, se tem maior ou menor resistência mecânica, se é muito ou
pouco porosa e por isso em que medida se altera tendo em conta as variações da
humidade, do meio ambiente e quais são os mecanismos físicos responsáveis
por isso, se resiste ou não no exterior e porquê.
Na verdade, o que mais distingue a madeira de outros materiais são as
dificuldades, e em certa medida, as limitações associadas à sensível resistência
ao tempo. De facto, é difícil manter por muito tempo, no exterior, uma escultura
de madeira se não forem tidos os devidos cuidados de escolha, preservação e
acabamento do material.
17
Por outro lado, devemos saber relacionar este conhecimento com os métodos
ou processos da escultura e retirar partido deles. Descobrir, por exemplo, que as
madeiras das resinosas, de uma maneira geral, pela baixa densidade e
uniformidade do lenho têm vocação estrutural para ser aplicadas,
tendencialmente, nos métodos construtivos e, as folhosas, por seu lado, pelo
entrelaçado interno, servem melhor para o talhe.
Pode parecer pouco razoável edificar uma escultura para o exterior num
material que prevaleça pouco tempo, sobretudo quando o tempo de concepção e
execução são longos e o esforço mental e físico são grandes. De todas as
maneiras, sem pôr em causa o valor da perenidade da escultura, devemos fazer
um exercício de pensamento que nos conduza para um espaço mental em que
separemos o valor da a escultura do valor do material. De facto, o valor da
escultura não pode depender do valor do material em que foi feita sem incorrer
em pressupostos que a classificam como mera materialidade. Na verdade uma
escultura ultrapassa sempre a esfera do material, o seu valor estará sempre
muito para além dessa realidade. Como escultores, interessa-‐nos o valor
artístico e o juízo deste valor que depende sempre do espaço e do tempo, das
relações que estabelece e das consequências a que deu lugar4. Se assim não
fosse, a escultura seria de ouro ou diamante porque esses materiais são mais
duráveis, mais raros, ou mais incorruptíveis e por isso de maior “valor
material”.
Por outro lado, quando ao longo do texto fizermos referência a esculturas em
madeira para dar exemplos ou, de algum modo, reforçar as ideias que
proferirmos, se usarmos imagens, em particular, fotografias de esculturas,
temos noção que o fazemos por ser impossível ter a escultura, na sua
tridimensionalidade, ao nosso dispor. Isto, porque consideramos que o valor da
escultura está, de uma maneira particular, na sua tridimensionalidade e na
possibilidade dela obtermos um número ilimitado de imagens. Principalmente,
quando nos deslocamos em seu redor podermos observar a passagem de uns a
outros planos. Daí que a fotografia ou qualquer outra imagem seja uma ínfima 4 Argan, G e Fagiolo, M -‐ Guia de História da Arte. Lisboa: Editorial Estampa, 1992, p. 18.
18
parte do que vale a escultura, porém, noutra impossibilidade, corremos o risco
de mostrar fotografias de esculturas, algumas feitas por nós e outras publicadas.
Ainda dentro do valor da tridimensionalidade, que a escultura tem, devemos
explicar que, quando pudermos, apresentamos as medidas das obras nas três
dimensões. Se não o fizermos é porque foi de todo impossível obtermos de fonte
segura. De qualquer modo, sempre que pudermos, pelo menos, apresentar uma
medida fazemo-‐lo para, por dedução, ficarmos com uma ideia das restantes.
A árvore parece exemplificar bem a lógica cultural preconizada pela escultura,
que envolve o conhecimento anterior para crescer e se fazer sólida. Se
observarmos o tronco de uma árvore verificamos que os primeiros anéis são
evolvidos pelos seguintes, num processo sucessivo, de maneira que as camadas
mais internas, já inactivas, dão estrutura às camadas vivas mais superficiais e
mais frágeis. Também a escultura tem sabido integrar o conhecimento anterior,
entendemos que continue a ter essa capacidade, para permanecer forte e
resistente, isto é, com um corpo de conhecimento bem estruturado e seguro de
maneira a manter a sua autonomia.
Na verdade, a madeira é um produto biológico e por isso tem um tempo de
degradação natural semelhante a essa escala, isto é, compatível com uma ideia
de tempo vital, humano, diferente da de outros materiais como a pedra ou os
metais que projectam o pensamento do homem para uma escala geológica que,
para nós, é quase infinita. Fixemos esta subtileza.
.
19
PARTE I
20
DA ÁRVORE À MADEIRA
As árvores são seres extraordinários, organismos vivos imprescindíveis ao
equilíbrio ecológico na terra que, pela fotossíntese5, são capazes de converter,
no interior das suas folhas, a energia do sol em energia química. Consomem
dióxido de carbono6 directamente da atmosfera e combinam-‐no com a água
absorvida do solo, através das raízes, para tudo transformarem em “açúcares” -‐
elementos base de toda a sua estrutura celular. Produzem altos níveis de
oxigénio, essencial para a vida na terra e, como se tudo isto não bastasse, são
responsáveis por um recurso natural tão importante para o Homem como é a
madeira7. Todavia, para lá desta importância biológica, que facilmente lhes
reconhecemos, no plano simbólico também terão a sua importância. Parece que
a espécie humana terá tido, desde sempre, um certo fascínio pelas árvores. Não
será difícil, através delas, chegarmos, pelo pensamento, ao Sistema Solar e daí à
Via Láctea, à Formação das Galáxias ou até ao Início do Universo, ou então, pela
via inversa, à formação e transformação do planeta, da origem dos oceanos, da
atmosfera terrestre, da deriva dos continentes, da diferenciação do clima ou da
evolução e extinção de várias formas de vida8. Para o efeito, basta observarmos
com profundidade o que uma velha árvore nos delega, tanto a nível filogénico9
como ontogénico10.
5 Fotossíntese é um processo físico-‐químico, a nível celular, realizado pelos seres vivos providos de clorofila, que utilizam dióxido de carbono e água, para obter glicose através da energia da luz solar. 12H2O + 6CO2 → 6O2 + 6H2O + C6H12O6. In, OLIVEIRA, E – Introdução à Biologia Vegetal, São Paulo: Editora da Universidade, 2003, p. 20. 6 Um metro cúbico de madeira absorve uma média de 800 kg de dióxido de carbono da atmosfera. In, CHRISTOPHERSON, R. -‐ Geossistemas Uma introdução à geografia física, Porto: Bookman, 2012, p. 609. 7 SUREDA, R. -‐ La madera, Barcelona: Editorial Blume, 1978, p. 26. 8 LINDON, F. et al – Plantas de Portugal: Evolução e Taxonomia, Lisboa: Escolar Editora, 2005, pp. 3-‐17. 9 Filogenia é o estudo da relação evolutiva entre grupos de organismos. In, MATURANA, H. e VARELA, F. -‐ As bases biológicas do conhecimento humano. São Paulo: Ed. Palas Athena, 2004, p. 74. 10 A ontogenia descreve a origem e o desenvolvimento de um organismo, desde a fertilização, até a sua forma adulta. In, MATURANA, H. e VARELA, F. -‐ As bases biológicas do conhecimento humano. São Paulo: Ed. Palas Athena, 2004, p. 74.
21
A distribuição dos biomas terrestres, de que fazem parte as árvores, decorre da
distribuição do calor do sol e da relativa sazonalidade; de padrões globais da
circulação do ar, induzidos pela rotação da terra; da humidade e de factores
geológicos como a distribuição, altura e orientação das montanhas11.
A latitude é determinante para o desenvolvimento de todas as plantas e da
organização das respectivas comunidades de árvores. A temperatura
atmosférica média decresce à medida que sobe a latitude. A altitude está,
independentemente da latitude, associada a variações térmicas. Por outro lado,
as radiações solares conduzem a diferenciações específicas, nas regiões
montanhosas estas radiações são mais intensas e a maior parte do vapor de
água da atmosfera localiza-‐se abaixo dos 2.000 metros. Além disso, nos
extremos Norte e Sul das Regiões Árcticas ou Antárctica oscila entre 24 horas de
sol, durante o Verão e 24 horas de penumbra, durante o Inverno. Por oposição,
no equador a relação dia/noite pouco varia em torno das 12 horas ao longo do
ano. Deste modo, também a amplitude térmica se acentua, com o incremento da
distância, face ao equador. A orientação das vertentes montanhosas constitui
outro factor que condiciona a exposição solar e respectivas amplitudes térmicas.
Tendo como referência a latitude média do Hemisfério Norte, as vertentes
expostas a Sul e Oeste são, geralmente, mais secas e quentes, porque as
vertentes a Norte não recebem luz solar directa em exclusivo ou para além do
início da manhã12. Dependentes destes factores assim se distribui o tipo de
floresta pelo globo: Florestas Húmidas ou Fluviais, Savanas e Floresta Tropicais e
Florestas Temperadas. O que, em última análise, acaba por determinar as
diversidade da madeira.
Em regiões onde as quatro estações estão bem demarcadas, como na Europa,
com Verões quentes e Invernos relativamente frios, ocorrem as Florestas
Temperadas, caracterizadas, sobretudo, por árvores de folhagem caduca13. De
todo o modo, na região do território que hoje designamos por Portugal, o
11 LINDON, F. et al – Plantas de Portugal: Evolução e Taxonomia, Lisboa: Escolar Editora, 2005, p. 23. 12 Ibid., p. 24. 13 Ibid., pp. 23-‐26.
22
património florestal, não terá sido sempre o mesmo. No presente geológico, as
árvores, apesar da sua diversidade, são agregadas em dois grandes grupos :
Gimnospérmicas e Angiospérmicas.
As Gimnospérmicas terão surgido no final da Era Paleozóica14, no período
Pérmico15. São plantas com sementes nuas, como o seu nome indica,
directamente fecundadas pelos grãos de pólen denominados microsporos.
Existem quatro sub-‐grupos com representantes actuais: Cycadophita,
Ginkgophyta, Coniferophyta e Gnetophyta16; as Angiospérmicas terão aparecido
na Era Mesozóica17, na primeira metade do Cretácico18, e atingido
predominância há cerca de 90 milhões de anos. O seu elevado sucesso evolutivo
parece ter decorrido da aquisição de características adaptativas, como a
protecção dos óvulos em carpelos, a germinação do pólen no estigma, a dupla
germinação e a presença de endosperma na semente, que lhe conferiram uma
maior resistência ao stress ambiental nomeadamente à desidratação e ao frio19.
Tanto no território que hoje corresponde a Portugal Continental como nas
Regiões Insulares o património florestal autóctone era diferente do que ocorre
na actualidade, no continente predominavam as Quernícias20, de folha caduca a
Norte, com destaque para o carvalho alvarinho, de folha marcescente ao Centro
14 Teve início há 590 milhões de anos, compreendeu seis períodos: Câmbrico;Ordovicico;Silúrico Devónico;Carbónico;Pérmico. In, LINDON F. et al – Plantas de Portugal: Evolução e Taxonomia, Lisboa: Escolar Editora, 2005, p. 20. 15 Com início há cerca de 286 milhões de anos, quando surgia uma glaciação extensiva do Hemisfério Sul. In, LINDON F. et al – Plantas de Portugal: Evolução e Taxonomia, Lisboa: Escolar Editora, 2005, p. 21. 16 LINDON F. et al – Plantas de Portugal: Evolução e Taxonomia, Lisboa: Escolar Editora, 2005, p. 51. 17 Teve início há cerca de 248 milhões de anos e compreendeu três períodos: Triássico; Jurássico; Cretácico. In, LINDON, F. et al – Plantas de Portugal: Evolução e Taxonomia, Lisboa: Escolar Editora, 2005, p. 21. 18 Principiou há 144 milhões de anos quando se deu a separação da África e da América, predominando um clima tropical e subtropical. In, LINDON, F. et al – Plantas de Portugal: Evolução e Taxonomia, Lisboa: Escolar Editora, 2005, p. 22. 19 LINDON, F. et al – Plantas de Portugal: Evolução e Taxonomia, Lisboa: Escolar Editora, 2005, p. 51-‐60. 20 Grupo de árvores que pertencem ao Género Quercus tais como: o Sobreiro, a Azinheira e os diversos Carvalhos.
23
onde se destacava o carvalho-cerquinho e de folha persistente a Sul com
destaque especial para o sobreiro 21.
Também na Madeira e nos Açores predominavam a floresta macaronésica22 com
predomínio das Lauraceas23 onde se destacava o Til, o Vinhático, o Aderno, o
Pau branco e uma resinosa endémica, o Cedro da Madeira. Mas a intervenção
humana, por imperativos de demografia ou pela aparente maximização da
rendibilidade dos solos, em pouco tempo alterou o que a natureza demorou a
construir em milhões de anos sobretudo com o Pinheiro bravo numa primeira
fase e depois com o Eucalipto24. A realidade das nossas florestas actuais é outra,
embora reconheçamos, cada vez mais, que essas espécies são as que melhor se
adaptam ao nosso clima e solo.
As árvores ocupam o topo da escala biológica do reino vegetal, são plantas
providas de complexos fenómenos fisiológicos que lhe permitem adaptar-‐se à
diversidade de climas e alterações ambientais.
21 CARVALHO, A. -‐ Madeiras Portuguesas. Vol. I. Lisboa: Instituto Florestal, 1996, p. 18. 22 O nome macaronésia é originário do grego (μακάρων = feliz, afortunado; e νῆσοι = ilhas) para "ilhas abençoadas" ou "ilhas afortunadas”, termo utilizado pelos antigos geógrafos para as ilhas a oeste do estreito de Gibraltar (Açores, Madeira, Canárias e Cabo Verde) In SÉRGIO, N. -‐ Colónia Mártir Colónia Modelo. Imprensa da Universidade de Coimbra, 2009, p. 73. 23 Lauraceas: família de árvores de distribuição tropical e subtropical que cresce nas florestas pluviais e têm um cheiro especial nas folhas quando esmagadas por terem óleos essenciais. Desta família fazem parte o loureiro ou o abacateiro 24 CARVALHO, A. - Madeiras Portuguesas. Vol. I. Lisboa: Instituto Florestal, 1966, p. 18.
24
1 – O QUE DISTINGUE AS ÁRVORES DAS OUTRAS PLANTAS
A lenhificação25 permite distinguir as plantas lenhosas das herbáceas, isto é, de
caule duro ou de caule macio. Sendo assim, tanto as árvores como os arbustos
são plantas lenhosas. Não obstante, comparadas com os arbustos, as árvores são
mais altas e geralmente têm um tronco principal com uma copa ramificada. Pelo
contrário, os arbustos ramificam na base, organizando-‐se em vários troncos de
menores dimensões. Normalmente são mais baixos que as árvores e é o modelo
de ramificação a característica que melhor ajuda a distinguir estes dois tipos. O
eixo principal de uma árvore prolonga-‐se crescendo para cima. Os arbustos
desenvolvem constantemente ramos novos a partir da base apresentando
pequenos troncos de diâmetro mais ou menos uniforme. Não é possível fazer
uma separação nítida entre tronco principal e copa. De todas as maneiras, há
casos em que é difícil distinguir o que é uma árvore e o que é um arbusto. São
casos intermédios entre as duas formas vegetais. Na realidade, à natureza pouco
lhe importam as definições dos seus fenómenos. Assim, em condições favoráveis
de desenvolvimento a Faia é, sem duvida uma árvore, em zonas de grande
altitude, tal como Tramazeira e a Bétula parecem mais arbustos que arvores.
Por outro lado o Salgueiro-‐Preto é normalmente um arbusto, mas em certas
ocasiões, com o tempo, pode transformar-‐se numa árvore26.
Dito de outro modo, nem todas as plantas produtoras de matéria lenhosa são
geradoras de madeira propriamente dita, isto é, num sentido convencional e de
suficientes dimensões. Ainda assim, para a escultura, arbustos ou plantas
lenhosas não produtoras de madeira convencional comercializável, tais como:
bambus, giestas ou vimes, podem ser muito úteis, apesar disso, o que aqui
decidimos estudar é a madeira entendida como tal, ou seja de dimensões
suficientemente grandes para ser trabalhada por meios mecânicos industriais.
25Impregnação da celulose da membrana das células, pela lenhina: macromolécula tridimensional amorfa, associada à celulose que lhes dá considerável rigidez, tornando-‐a impermeável e resistente a ataques por agentes biológicos e físicos. In, CARVALHO, A. - Madeiras Portuguesas. Vol. I. Lisboa: Instituto Florestal, 1966, p.17. 26 AAS, G. e RIEDMILLER, A. – Árvores de Folha Caduca, Lisboa: Everest Editora, 1999, pp. 10-‐13.
25
Do ponto de vista morfológico as árvores são constituídas por duas partes: a
aérea e a subterrânea. Da aérea fazem parte o tronco, pernadas, braças, ramos e
raminhos que, por sua vez, suportam folhas, flores e frutos. A subterrânea
compreende a raiz principal ou gavião, as raízes secundárias são subdivididas,
sucessivamente, em formações cada vez de menor diâmetro até concluir nos
pêlos radiculares27. No que diz respeito à aptidão madeireira o comprimento do
tronco mais ou menos limpo de ramificações principais denomina-‐se fuste
cabendo a designação de copa a toda a restante formação aérea28.
27, CARVALHO A. - Madeiras Portuguesas. Vol. I. Lisboa: Instituto Florestal, 1966, p. 20. 28, Ibid., p. 19.
26
2 – A CLASSIFICAÇÃO DAS ÁRVORES
De acordo com a taxonomia botânica as árvores produtoras de madeira
pertencem a famílias de duas principais classes: as Gimnospérmicas e as
Angiospérmicas29. As do primeiro grupo, com o antepositivo gimno, proveniente
do grego gumnos, que significa nu e do pospositivo spermos, que significa
semente30, a engenharia florestal costuma designa-‐las de Resinosas, tendo em
conta os extractivos de que são alvo, ou Coníferas31 atendendo à forma da sua
copa ou fruto (pinha)32. As do segundo, com o antepositivo angio, do grego
anggeîon, envoltório de um órgão33, ou seja cujas sementes estão protegidas
pelo pericarpo34, designam-‐se Folhosas ou Dicotiledóneas.
Do grupo das coníferas ainda denominado de madeiras brandas35, fazem parte
as diferentes espécies de pinheiros, os abetos, cedros ou ciprestes. Das folhosas
ou madeiras duras são exemplos o castanho, os carvalhos, os olmos, as tílias ou
as cerejeiras36.
Quanto à permanência ou não das folhas, as árvores podem classificar-‐se em
perenifólias e caducifólias. As caducifólias ou decículas para resistirem ao rigor
do inverno perdem as folhas e as perenifólias mantêm a folhagem durante todo
o ano. De uma forma geral as caducifólias correspondem às gimnospérmicas e
as perenifólias às coníferas, mas existem excepções. Por exemplo: a Oliveira ou
o Azinho são angiospérmicas de folhagem perene e o Lárix é uma
gimnospérmica de folhagem caduca. A Ginkgo Biloba é uma caso à parte que
29 Ibid., p. 18. 30 HOUAISS -‐ Dicionário da Língua portuguesa, Lisboa: Círculo de Leitores, 2002, p. 1882. 31 Contudo, há espécies como o pinheiro manso, que é muito frequente na região mediterrânica, como por exemplo no parque de Monsanto, em Lisboa, em que a copa nada tem a ver com a forma de cone. 32 CARVALHO, A. - Madeiras Portuguesas. Vol. I. Lisboa: Instituto Florestal, 1996, p. 18. 33 HOUAISS -‐ Dicionário da Língua Portuguesa, Lisboa: Círculo de Leitores, 2002, p. 283. 34 Parede do fruto que se desenvolve a partir da parede do ovário. In, LINDON, F. et al – Plantas de Portugal: Evolução e Taxonomia, Lisboa: Escolar Editora, 2005, p. 250. 35 A designação Madeiras Brandas e Madeiras Duras nem sempre faz justiça ao nome, estes termos dizem apenas respeito a origem botânica, e não à sua densidades ou resistência física. In, SUREDA, R. -‐ La madera, Barcelona: Editorial Blume, 1978, p. 18. 36CARVALHO, A. - Madeiras Portuguesas. Vol. I. Lisboa: Instituto Florestal, 1996, p. 18.
27
tem características dos dois grupos e é decícula. É comum ser classificada como
o único representante de um grupo distinto de coníferas37.
Sendo assim, quando fizermos referência a Gimnospérmicas, Resinosas ou
Madeiras Brandas/Macias queremos mencionar o mesmo grupo, bem como,
quando indicarmos Angiospérmicas, Folhosas ou Madeiras Duras também
pretendemos referir-‐nos a um outro grupo só.
Contudo, as diferenças entre Folhosas e Resinosas38 vão para lá da aparência
externa, e é ao nível da dissemelhança anatómica do seu tecido essencial -‐ o
lenho -‐ que as divergências tomam valor prático, em especial para a natureza
deste trabalho. De facto, a tipologia e a diversidade celular, a anatomia e a
especificidade funcional dos elementos histológicos, tanto caracterizam as duas
ordens como permitem distinguir os diferentes estádios de evolução na escala
biológica. Nas resinosas mais de 90% das células são fundamentalmente
iguais39, designam-‐se traqueídos e têm desempenhos funcionais simultâneos,
tanto fisiológicos como mecânicos, enquanto que, nas folhosas, há uma
diferenciação celular mais evidente associada a diferenciação funcional,
fisiológica nos segmentos vasculares e mecânica nas fibras, mas tem ainda
elementos de transição “que estabelecem gradações mecano-‐fisiológicas
especiosas”40.
A demarcação entre estas duas principais classes de árvores, que até aqui temos
vindo a fazer, apesar de não decidir a caracterização da totalidade deste
universo, porque há algumas excepções, fará todo o sentido, e será uma
recorrência, tanto para identificar como para compreender a diferença de
propriedades e do comportamento das diferentes madeiras. Saber distinguir e
37 AAS, G e RIEDMILLER, A – Árvores de Folha Caduca, Rio de Mouro: Everest Editora, 1999, p. 13 38Diferenciação, feita pela engenharia florestal, equivalente a gimnospérmicas e angiospérmicas. In, CARVALHO, A. - Madeiras Portuguesas. Vol. I. Lisboa: Instituto Florestal, 1966, p. 18. 39 Dizemos assim porque, na realidade, apesar dos traqueídos especializados na condução de fluídos serem células de lúmen mais largo e de paredes mais finas e os traqueídos com função de suporte terem paredes mais grossas e lúmen mais estreito, do ponto de vista estrutural são idênticos. In SUREDA, R. -‐ La madera, Barcelona: Editorial Blume, 1978, p. 18. 40 CARVALHO, A. -‐ Madeiras Portuguesas. Vol. I. Lisboa: Instituto Florestal, 1966, p. 19.
28
caracterizar as diferentes madeiras será o que, em primeira mão, mais falta fará
ao escultor.
29
3 – A FORMAÇÃO DA MADEIRA
O tecido vegetal que diferencia o que denominamos por madeira tem como
elemento estrutural a célula lenhosa que, de acordo com o desempenho
funcional na árvore, assim toma características estruturais e morfológicas
diferentes41. Mas estes tecidos, em termos germinais, são tecidos secundários,
isto é, resultam de outros que têm a capacidade de se dividirem e diferenciarem,
designados meristemas e câmbios, que asseguram o alongamento dos eixos
apicais e o engrossamento do tronco, ramificações e das raízes42
No ano da germinação da semente diferenciam-‐se os tecidos primários e a
partir daí, através da actividade dos meristemas secundários (apical e
perimetral), resulta o alongamento e o engrossamento do tronco. O meristema
apical desenvolve-‐se nos gomos que dão origem aos lançamentos terminais ou
ramos novos43. A formação do gomo que se desenvolve na estação seguinte
começa ao mesmo tempo que termina a extensão do tronco ou ramo no ano
corrente44. O engrossamento do tronco, ramos ou raízes decorre da actividade
de meristemas secundários dispostos mais internamente denominado câmbio
libero-‐lenhoso, ou cambio vascular, que diferencia lenho ou xilema para dentro e
líber ou floema para fora. Situado exteriormente a esta camada denominado
felogene ou câmbio suberoso que produz os tecidos protectivos fundamentais
subjacentes, denominando-‐se feloderme o que se produz para dentro e o suber
ou feleme o que se produz para fora e que corresponde à cortiça no caso da
constituição peridérmica do sobreiro. Ao conjunto dos três tecidos chama-‐se
periderme45.
41 Ibid., p. 18. 42 Ibid., p. 17. 43 Ver imagem 1. 44 Ibid., p. 20. 45 Ibid., p. 22.
30
Há ainda que ter em conta que aos os tecidos situados entre o câmbio libero-
lenhoso e o felogénio se dá o nome de casca viva e aos exteriores a este
meristema se designam casca morta ou ritidoma.46
Apesar da complexidade divisional celular podemos dizer que o engrossamento
do tronco resulta da actividade do câmbio vascular ou libero lenhoso. Da divisão
paralela à superfície lateral do tronco, em plano tangencial, resulta a formação
de células lenhosas, ou liberinas, é a denominada divisão periclinal, enquanto
que a produção de novas células iniciais, por participação radial, é denominada
divisão anticlinal.
No que diz respeito à divisão celular as Resinosas crescem mais em
comprimento que em diâmetro enquanto que nas Folhosas, os segmentos
vasculares crescem pouco em comprimento e mais em diâmetro.47Por outro
lado, a divisão cambial começa mais tarde que os meristemas apicais e decorre
com menor velocidade. Por isso o crescimento em altura ocorre rapidamente na
primavera, com maior intensidade num período de 7 a 10 semanas cessando
depois. Por seu turno, o engrossamento faz-‐se mais lentamente e por mais
tempo48. Esta variação no ritmo de crescimento terá leitura, posteriormente,
quando a madeira for cortada, na marcação dos anéis concêntricos.
Nas regiões temperadas, como em Portugal, nos meses frios de inverno, o
cambio vascular está inactivo e na primavera reinicia a diferenciação celular, em
resposta a estímulos hormonais nas extremidades dos troncos, ramificações e
raízes. O aumento da temperatura será o mais importante dos factores
estimulantes do começo da divisão celular. 49 Durante o inverno a divisão
celular encontra-‐se praticamente inactiva porque os meristemas entram no
período de dormência50. Daí que seja esta a melhor altura para o abate de
46Ibid., p. 22. 47 Ibid., p. 23. 48 Ibid., p. 25. 49 Ibid., p. 25. 50TEIXIDÓ, J. e SANTAMERA, S. – A Talha. Escultura Em Madeira. Lisboa: Editorial Estampa, 1997, p. 34.
31
árvores. Este dado pode ser fundamental para os escultores se quiserem usar
madeiras por eles colhidas na natureza. No inverno, pela inactividade da planta,
a madeira verde tem menos seiva, por isso sofre menos alterações no processo
de secagem.
32
4 – ANATOMIA DA MADEIRA E ESTRUTURA DO MATERIAL LENHOSO
Na árvore, atendendo à sua constituição, podemos distinguir, de grosso modo,
duas partes: a aérea da qual fazem parte o tronco, pernadas, braças, ramos,
folhas, flores e frutos e a subterrânea ou radicular constituída pela raiz principal
e as raízes secundárias que subdividem sucessivamente até chegar aos pelos
radiculares. Em bom rigor, do ponto de vista da qualidade da matéria lenhosa,
todas as partes de uma árvore podem ser usadas em escultura mas o tronco,
para além de ser tradicionalmente o mais usado, é do ponto de vista anatómico
a estrutura fundamental deste organismo e todas as outras comungam de
organização similar. Deste modo, quando, a partir daqui, nos referirmos a
madeira queremos aludir ao material lenhoso do tronco, ou seja o fuste que
medeia a raiz e a copa.
Neste contexto, interessa-‐nos perceber o que caracteriza e quais as
propriedades desse material lenhoso. Como resultado da transformação de um
organismo vivo, a madeira é um material heterogéneo51 e marcadamente
anisotrópico52. Do ponto de vista estrutural as divergências na organização
celular são mais visíveis em exemplares de espécies distintas, sobretudo quando
pertencem a grupos diferentes, mas também ocorrem em elementos da mesma
espécie. Sendo assim, como se trata de um material natural, encontramos nele
especificidades e comportamentos peculiares que o escultor deve conhecer.
A madeira, como material organizado para o desempenho das funções vitais da
árvore, apresenta planos estruturais segundo os quais é observável a sua
anatomia essencial53.
51 Entende-‐se de natureza desigual ou apresenta diferença de estrutura. In HOUAUSS – Dicionário da língua portuguesa, Lisboa: Circulo de leitores, 2002 p. 1975. 52 De diferente propriedades conforme diferentes direcções. in HOUAISS – Dicionário da língua portuguesa, Lisboa: Círculo de leitores, 2002, p. 291. 53 Ver imagem 3 e 4.
33
O plano transversal corresponde à secção recta do tronco através do qual
podemos observar as formações cíclicas do lenho denominadas camadas ou
anéis de crescimento. Na maioria das espécies são distinguíveis, com maior ou
menor nitidez, uma formação central, de cor mais intensa, denominada cerne ou
duramen e uma coroa circular periférica, mais clara, que se chama borne ou
alburno. A delimitar todo o plano encontramos a casca54. No centro da secção
transversal do tronco podemos identificar, ainda, a medula que é um agregado
de células remanescente da estrutura primária da planta55.
Para os escultores, quando usam ferramentas de corte como goivas, formões ou
enxó, talvez seja este o plano mais difícil de trabalhar, principalmente se são
pretendidos acabamentos limpos. Isto porque as fibras são mais resistentes
quando abordadas transversalmente e, dada a heterogeneidade dos anéis,
tendem a separar-‐se abrindo fendas. Se for necessário trabalhar neste plano,
por obrigatoriedade ou por opção, deve fazer-‐se da periferia para o centro.
Quando é usado o método construtivo, este plano, visível no topo da tábua ou
viga, serve para localizar a peça de madeira no tronco e antever o seu
comportamento.
A evidência das camadas ou anéis de crescimento, que varia consideravelmente
conforme as espécies56, é tanto mais marcada quanto maior for a
heterogeneidade estrutural do lenho que se diferenciou ao longo de um ciclo de
crescimento e, também, quanto mais vincadas forem as diferenças climáticas
estacionais da região geográfica em que a árvore se desenvolve. Em Portugal, de
clima temperado, com uma diferença de estações pronunciada, as árvores, ao
longo de um ciclo anual, têm ritmos diferentes de crescimento, o que confere
diferenças bem definidas no lenho inicial e no lenho final, sendo, deste modo,
bem visíveis os anéis de crescimento. A particularidade mais evidente tem a ver
com a espessura das paredes celulares mais pronunciada em certas resinosas,
54 CARVALHO, A. - Madeiras Portuguesas. Vol. I. Lisboa: Instituto Florestal, 1966, p. 27. 55 Ibid., p. 31. 56 SUREDA, R. -‐ La madera, Barcelona: Editorial Blume, 1978, p. 14.
34
como no pinheiro bravo, ou o calibre dos vasos das folhosas de porosidade em
anel, visível no castanheiro57.
Noutras árvores como o cipreste do Buçaco ( resinosa) ou o choupo (folhosa) a
estrutura é mais homogénea ou seja, a nitidez das camadas de crescimento é
muito discreta58.
Acontece o mesmo nalgumas espécies Exóticas que se adaptaram bem ao nosso
clima, como por exemplo o eucalipto comum, em que o crescimento é muito
rápido sem grande variação ao longo do ciclo estival por ser pouco sensível à
variação da temperatura59.
Dos planos longitudinais, paralelos ao eixo do tronco, faremos referência ao
plano radial, que passa pela medula, e outro, tangente às camadas de
crescimento, que é designado por plano tangencial. Nestes distinguimos a
imagem proporcionada pela intercepção dos anéis anuais que conferem a este
material o que se denomina veio da madeira, ou seja o “desenho ou figura” e,
também, no plano tangencial, podemos ver os desvios do alinhamento axial dos
elementos fibrosos, fenómeno que se dá o nome de fio da madeira.
Outras particularidades, a serem consideradas na abordagem estrutural, estão
associadas ao tamanho dos elemento fibrosos, com predominância dos
traqueídos60 nas Coníferas e segmentos vasculares61 nas Dicotiledónias, a sua
organização espacial no tronco, e ritmo de variação cíclica são responsáveis ao
que se chama grão e textura da madeira. O grão da madeira resulta do tamanho
dos elementos fibrosos da estrutura lenhosa e é mais visível no plano
transversal. Deste modo, a madeira, resinosa ou folhosa, terá grão tanto mais
57 CARVALHO, A. -‐ Madeiras Portuguesas. Vol. I. Lisboa: Instituto Florestal, 1966, p. 31. 58 Ibid., p. 31. 59 Ibid., p. 31. 60São células alongadas de diâmetro quase constante, semelhantes a tubos finos, que desempenham função dupla de condução da seiva e suporte mecânico. Ver imagens 61 Vasos que têm a função principal de condução da seiva.
35
grosseiro quanto maior for o diâmetro das células fibrosas, principalmente dos
traqueídos do lenho inicial, nas Resinosas ou dos vasos no caso das Folhosas 62.
A noção de textura da madeira depende da heterogeneidade do arranjo
estrutural, sobretudo da intensidade do ritmo de transição entre o lenho inicial
e o lenho final de cada camada, e com a contribuição relativa das duas
formações periódicas. Pode dizer-‐se que determinada madeira tem textura forte
quando há uma transição brusca entre o lenho final de uma camada de
crescimento e o lenho inicial de uma camada imediatamente seguinte e quando
a proporção do lenho final é muito elevada63.
Assim, numa madeira podemos encontrar grão grosseiro e textura fraca ou grão
grosseiro e textura forte. Os dois conceitos são independentes porque o primeiro
é essencialmente de natureza das espécies e o segundo depende de factores de
crescimento.
A importância físico-‐mecânica e laborativa da orientação do fio da madeira64,
torna-‐se evidente na medida em que perturba o conceito de planos
fundamentais do material lenhoso, principalmente nas deformações
decorrentes da retracção que a secagem determina, pelos desvios das
solicitações mecânicas e pelos ângulos de corte das ferramentas.
Pela elevada frequência com que ocorre o fio inclinado e a raridade do fio
direito, pensamos que a regra será o fio inclinado e a excepção o fio direito. Para
proferirmos esta afirmação não podemos esquecer que a espessura de um
tronco varia em tamanho da base para o topo, ou seja a estrutura de uma
árvore, de grosso modo, resulta da sobreposição de várias camadas cónicas.
Na escultura fala-‐se em fio e contra-‐fio o que equivale ao sentido do crescimento
das fibras, suave ao corte, para o fio e ao sentido inverso ao sentido de
62 CARVALHO, A. -‐ Madeiras Portuguesas. Vol. I. Lisboa: Instituto Florestal, 1966, p. 33. 63 Entende-‐se que é muito elevada quando ultrapassa 25% da largura do anel anual, In, CARVALHO, A. - Madeiras Portuguesas. Vol. I. Lisboa: Instituto Florestal, 1966, p. 33. 64 Alinhamento axial dos elementos fibrosos.
36
crescimento das fibras, áspero ao corte, para o contra-‐fio. O sentido do
crescimento das fibras é o mesmo que o sentido do crescimento da árvore
4.1 - Estrutura Macroscópica do Lenho
A madeira é a dimensão material do lenho e este um agregado definido de
células lenhosas, desenhadas e organizadas de forma a desempenharem funções
vitais de transporte e de suporte mas também de armazenamento de produtos
de reserva, de actividade metabólica ou de secreção muito importantes. 65
Podemos então distinguir, apesar de aparentemente indistintos à vista
desarmada, tecidos mais ou menos circunscritos, mas harmoniosamente
articulados, denominados tecido fibroso, tecido vascular e tecido
parenquimatoso, complementados por tecidos secretores, tecidos epiteliais,
traumáticos ou de reacção66.
Cada tecido é caracterizado por células específicas, todas elas definidas por uma
parede de predominância celulósica ligadas entre si por lenhina, mas de
morfologia, posição relativa e de desempenho funcional estritamente
distinguíveis67.
Mais uma vez, o estádio de evolução biológica caracterizador dos dois grandes
grupos de espécies lenhosas madeireiras existentes na actualidade, Coníferas e
Dicotiledónias, determina diferentes princípios estruturais e anatómicos que é
necessário conhecer tanto para identificação das espécies como para
averiguação de especificidades que interessam à prática da escultura na medida
em que determinam a opção por uma ou outra espécie dependendo do que é
pretendido para o trabalho de escultura. 65 CARVALHO, A. - Madeiras Portuguesas. Vol. I. Lisboa: Instituto Florestal, 1966, p. 20. 66 Ibid., p.18. 67 Ibid., p.18.
37
As duas Classes de árvores, Resinosas e Folhosas possuem estruturas
anatómicas de lenho diferentes. As resinosas têm células alongadas68, com cerca
de 3 mm de comprimento69, de paredes de espessura regular chamadas
traqueídos e com células parenquimatosas em muito menor número que se
limitam a elementos de circulação transversal (radial) ou de distribuição
dispersa. As folhosas apresentam células mais curtas70, com cerca de 1mm de
comprimento71 e maior complexidade anatómica sendo a especialização
funcional mais aperfeiçoada. Assim, neste grupo, a responsabilização
circulatória dos segmentos vasculares ou vasos é gradativa: decrescente no que
diz respeito à circulação e crescente relativa à responsabilidade estrutural entre
vasos e fibras desempenhada pelos traqueídos vasculares, traqueídos
vasicêntricos e fibro-‐traqueídos72.
O estudo da estrutura anatómica requer a consideração de planos principais de
observação para reconhecimento espacial dos elementos. Consideram-‐se três
planos fundamentais: plano transversal, que é perpendicular ao eixo axial da
árvore; plano radial, que é paralelo ao eixo longitudinal e passa pela medula; e
plano tangencial que é tangente ao contorno de uma camada de crescimento.
A descrição anatómica que, convencionalmente, se faz da madeira resulta da
observação dos planos anteriormente definidos a três níveis: macroscópico,
microscópico e electrónico. O carácter deste trabalho circunscreve a análise aos
dois primeiros e atende às diferenças dos grupos já referidos Resinosas e
Folhosas.
68 Ver imagem 5,6 e 7. 69 SUREDA, R -‐ La madera, Barcelona: Editorial Blume, 1978, p. 18. 70 Ver imagem 5,6 e 7. 71 Ibid., p. 18. 72 CARVALHO, A. -‐ Madeiras Portuguesas. Vol. I. Lisboa: Instituto Florestal, 1996, p. 20.
38
4.1.1-‐Estrutura das Resinosas
Através do plano transversal podemos reconhecer as camadas ou anéis de
crescimento anuais, os canais de resina, os raios lenhosos e fortuitamente
elementos parenquimatosos; no plano radial observamos as camadas de
crescimento e os raios lenhosos; no plano tangencial podemos ver os raios e os
canais de resina bem como o desenho de intercepção das camadas de
crescimento periféricas73.
Nas camadas de crescimento ou anéis de crescimento, que muitas vezes servem
para identificar a espécie, diferencia-‐se com nitidez o lenho inicial e o lenho
final, a proporção relativa das duas formações e o grau de transição. Esta
informação é importante na medida em que podemos relacionar a taxa de
crescimento com a densidade e resistência mecânica74, isto é, de uma forma
geral, a crescimento mais lento equivale menor distanciamento entre anéis, por
isso maior densidade, ao que corresponde maior resistência mecânica, ou pelo
contrário, a crescimento mais rápido, anéis mais largos, menor densidade e
menor resistência mecânica75. Os canais de resina estão presentes em apenas
algumas espécies de coníferas têm, por isso, interesse na sua identificação
específica. Os raios lenhosos e o parênquima são discretos e pouco frequentes
neste grupo.
De uma maneira geral, a madeira deste grupo de árvores, mais adequada para a
escultura é a que resulta daquelas que crescem a um ritmo lento porque, sendo
mais densa, tem maior resistência mecânica, por isso aceita melhor o talhe
manual ou maquinal. Como é menos heterogénea permite facilmente a execução
de pormenores e está sujeita a menos deformações provocadas pela variação de
humidade. Sendo assim, os exemplares de coníferas que crescem em montanhas
73 Ibid., p. 51. 74 Ibid., p.52. 75 SUREDA, R -‐ La madera, Barcelona: Editorial Blume, 1978, p. 18.
39
altas em que os solos são pobres e com menos humidade tendem a produzir
madeira mais adequada para a escultura.
4.1.2-‐Estrutura das Folhosas
No plano transversal e radial desta classe podemos identificar as camadas de
crescimento ou anéis, os poros dos vasos lenhosos, o parênquima e os raios. No
plano tangencial têm importante relevo os raios. Nas camadas de crescimento
para além de poder identificar-‐se elementos de distinção, permite a visibilidade
da formação inicial e final do lenho, que apesar de menos importante que nas
resinosas, por ter pouco ênfase físico e mecânico, tem interesse para a escultura
por influenciar na laboração mecânica e no acabamento da superfície.
Os poros que resultam da secção dos vasos no plano transversal podem ser
analisados quanto à forma, tipologia, porosidade, arranjo, tamanho, proporção
relativa e obstrução. O parênquima é discreto na maior parte das folhosas
temperadas de porosidade difusa, está mais presente nas semi-‐difusas e tem
muita importância nas de porosidade em anel. Os raios lenhosos conferem
heterogeneidade ao material e, para além de conferirem efeito decorativo,
alteram o comportamento na coesão transversal76. As propriedades da madeira
deste grupo são condicionadas pelo vigor de desenvolvimento. Quando o
crescimento é lento a amplitude dos anéis é menor, principalmente pela
diminuição da formação da madeira tardia, de maior densidade. Em proporção,
a madeira com células maiores, característica da primavera, aumenta e, como
este tipo de madeira é mais leve, a densidade total da madeira é menos densa. A
mais leve, de crescimento lento, tem menor dureza e é mais fácil de trabalhar.
Pelo contrário , quando o crescimento é rápido, a madeira é mais densa e mais
robusta mas oferece sérias dificuldades para a trabalhar77.
76 CARVALHO, A. - Madeiras Portuguesas. Vol. I. Lisboa: Instituto Florestal, 1966, p. 53. 77 SUREDA. -‐ La madera, Barcelona: Editorial Blume, 1978, p. 19.
40
Também neste grupo, a madeira de melhor qualidade, para a escultura, está
associada a crescimento lento. Neste caso, a de maior densidade é mais
resistente do ponto de vista mecânico mas também é mais “nervosa”, ou seja,
está sujeita a abrir fendas ou a deformar-‐se no processo de secagem e
transferência de humidade.
De todas as maneiras, ao escultor, a maior partes das vezes, a madeira chega
sem ele saber onde e como cresceu, sobretudo se for madeira reaproveitada, no
entanto, é nesta altura precisa que é necessário aplicar estes conhecimentos
para descortinar a sua qualidade e dar-‐lhe o melhor destino. Um exame atento
da madeira, esteja ela em tronco, viga ou da tábua, pode dar-‐nos informações
importantes sobre as suas características. Pelo corte radial podemos identificar
a idade e ver tanto o ritmo como o vigor de crescimento. A casca, quando ainda
existe, para além de servir como meio de identificação do grupo ou da espécie
pode servir para informar o escultor acerca de possíveis contorções provocadas
pelo vento que se vão reflectir, inevitavelmente, no futuro. Quando restarem
dúvidas, não há melhor método que pegar num formão ou numa goiva e
experimentar, logo se identificam as principais características como e se
descobre o sentido do veio.
4.2 - Estrutura Microscópica do Material Lenhoso
A unidade estrutural do tecido lenhoso é a célula vegetal que, por oposição à
animal, é provida de parede celular na qual podem ser distinguidas três
camadas (externa, média e interna)78. Os componentes químicos mais
importantes da substância lenhosa são a celulose, as hemiceluloses e a lenhina. A
celulose é responsável pela organização cristalina, as hemiceluloses pela forma
semicristalina e a lenhina pela estrutura amorfa. A celulose, como substância
esquelética, pela alta resistência à tracção, contribui para o complexo da 78 Ver imagem 2
41
estrutura lenhosa; o papel das hemiceluloses é menos claro, parecem servir
como matriz temporária antes da lenhificação; a lenhina confere rigidez à
árvore, atribuindo-‐lhe também relevante papel na durabilidade da substância
lenhosa, sua concentração na lamela assegura a agregação das células entre si, é
um polímero, cristalino, que tem na sua constituição glicose e não é solúvel na
água79.
A celulose é um polímero natural de cadeia longa não solúvel na água. As
hemiceluloses são polissacarideos não celulósicos, com cadeias lineares de
relativo baixo peso molecular. A lenhina é um polímero tridimensional, amorfo,
marcadamente termoplástico, menos higroscópico que a celulose, que confere
grande rigidez e dureza à parede celular80.
Outros constituintes da madeira são designados de forma genérica extractivos.
Alguns dos quais são os terpenos, as resinas, os polifnóis (flavonóis,
antocianinas, quinanas e taninos), tropolenos, glicósidos, açúcares, ácidos
fáticos e constituintes inorgânicos. São ainda importantes certos constituintes
orgânicos como hidrocarbonetos voláteis, ácidos gordos e alcoóis entre
outros81.
A maior parte destes constituintes está localizada no cerne, são responsáveis
pelo endurecimento do lenho e, quando particularmente tóxicos, conferem
maior durabilidade ao ataque de agentes biodegradadores.
Para além da responsabilidade que estas substâncias têm na durabilidade, os
extractivos são ainda responsáveis pelo cheiro, gosto, e pela interferência que
tem com certas tecnologias como a colagem, acabamentos de superfície e
aceitação de tintas ou vernizes. Esta problemática iremos desenvolve-‐la mais à
frente.
79CARVALHO, A. - Madeiras Portuguesas. Vol. I. Lisboa: Instituto Florestal, 1966, p. 65. 80 Ibid., p. 65. 81 Ibid., p. 66.
42
43
5 – CARACTERIZAÇÃO DA MADEIRA
“Para usar racionalmente qualquer madeira, porventura o mais nobre e versátil
material renovável e de sustentada produção, é indispensável conhecer as suas
propriedades”.82 Ora, é nesse contexto que o escultor deve inquirir dados que
lhe permitam reconhecer, distinguir e classificar variedades de madeiras com
interesse para a realização dos seus trabalhos.
Entendemos que haja, de facto, um enorme empirismo na avaliação qualitativa
da madeira. Muitas vezes, o uso de determinadas espécies é definido em função
de parâmetros imprecisos e subjectivamente aplicados. Por isso, procuraremos
explicar o significado prático das características fundamentais da madeira
articuladas com a estrutura anatómica do material, com o seu comportamento
físico, mecânico e desempenho funcional.83
Tradicionalmente untavam-‐se os nós com alho para evitar que “sangrassem”,
fervia-‐se uma tábua para a tornar mais dura ou humedecia-‐se e prensava-‐se a
madeira para endireitar o seu arqueamento. Na actualidade, na generalidade
dos casos, a madeira é comercializada após um cuidadoso processo de
secagem84.
5.1-Propriedades Físicas
Propriedades físicas aparentemente simples como a cor, brilho e cheiro ou mais
complexas como a densidade e dureza podem ser determinantes para a
utilização da madeira na escultura.
82 Ibid., p. 124. 83 Ibid., p. 129. 84 TEIXIDÓ, J. e SANTAMERA, C. – A Talha Escultura Em Madeira. Lisboa: Editorial Estampa, 1997, p. 35.
44
A cor da madeira é sobretudo devida aos seus constituintes extractivos embora
os principais componentes da parede celular, com excepção da celulose, em
virtude da sua oxidação, também possam contribuir para a tonalidade do lenho
exposto85. No entanto, como falar da “cor da madeira”, depois de ver o branco
amarelado do canforeiro, o violeta do amaranto, o azul do campeche, o
vermelho do coral, ou o negro do cerne da azinheira ou do ébano?86 Porém, a
cor da madeira varia não apenas com a espécie mas também nos indivíduos da
mesma espécie.
O brilho, capacidade que os corpos têm em reflectir a luz, está, na madeira,
muitas vezes associado a extractivos de natureza oleosa87. Deve ter-‐se cuidado
com este tipo de madeiras88 pelo facto de ser difícil a sua colagem. Se for
necessária a sua colagem deve aplicar-‐se diluente nas superfícies a colar.
O cheiro, apesar da escultura ser uma arte cuja fruição está fortemente ligada à
visão e, também, ao tacto, é outra das características da madeira que não pode
deixar de ser considerada. Pensemos na intensidade do cheiro específico de
determinados cedros, no cheiro a couro do freixo e da teca ou no perfume do
sândalo89.
A densidade, importante propriedade física da madeira, expressa a quantidade
de substância lenhosa por unidade de volume, é muito variável nas espécies
mas é muito sensível ao grau de humidade do lenho. A dureza da madeira
depende sobretudo da espessura das paredes celulares e do seu lúmen, por isso
varia com a densidade90 mas nem sempre, como à frente veremos, porque a
madeira depende muito do teor de água que apresenta.
85 CARVALHO, A. - Madeiras Portuguesas. Vol. II. Lisboa: Instituto Florestal, 1997, p. 19. 86 TEIXIDÓ, J. e SANTAMERA, C – A Talha Escultura Em Madeira. Lisboa: Editorial Estampa, 1997, p. 45. 87 CARVALHO, A. - Madeiras Portuguesas. Vol. II. Lisboa: Instituto Florestal, 1997, p. 20. 88 A Teca, o Iroco, o Cumaru, o Elondo ou o Merban são madeiras oleosas. 89TEIXIDÓ, J. e SANTAMERA, C – A Talha Escultura Em Madeira. Lisboa: Editorial Estampa, 1997, p. 45. 90 CARVALHO, A. - Madeiras Portuguesas. Vol. II. Lisboa: Instituto Florestal, 1997, p. 21.
45
De fato, a madeira é um material higroscópico, isto é, predisposto à constante
variação do teor de água que, por sua vez, está dependente do ambiente que a
rodeia, mas, também, anisotrópico, isto é, de comportamento distinto conforme
as direcções fundamentais dos seus elementos constitutivos. Em bom rigor,
cada árvore é um ser vivo individualizado o que significa que a madeira se
distingue não só por ser proveniente de espécies botânicas diferentes mas
também por pertencer a indivíduos diferentes. Cada árvore é uma árvore, até
porque conforme a sua fase de existência (juventude, maturidade ou
senescência) e consoante a intensidade do desenvolvimento, assim, vai
formando tecidos diferenciados em resposta às exigências fisiológicas e
mecânicas que o tamanho do organismo e das sujeições vitais obrigatoriamente
determinam91.
As direcções fundamentais de crescimento do lenho correspondem ao
comportamento diferenciado da madeira que explica a anisotropia do material,
o que explica que as propriedades físicas, mecânicas e tecnológicas (laborativas
e preparativas) sejam diferentes. Existem, assim, neste material, três sentidos
principais característicos, segundo os quais se estudam, definem e medem as
propriedades específicas do material. Estes sentidos são: O sentido axial ou do
fio da madeira, paralelo ao plano que contém o plano de crescimento da árvore;
o sentido radial, tomado numa secção recta ortogonal ao sentido axial e
orientado segundo um raio desta secção; e o sentido tangencial, igualmente
tomado numa secção recta mas orientado tangencialmente aos sinais dos anéis
de crescimento anual. Cada eixo destes é perpendicular ao correspondente
plano: plano transversal, plano tangencial e plano radial92 ao que já foi feita
referência anteriormente.
A natureza da substância lenhosa e a forma, dimensões e funcionalidades dos
elementos anatómicos do material lenhoso, são determinantes nas suas
características e comportamentos.
91 CARVALHO, A. - Madeiras Portuguesas. Vol. I. Lisboa: Instituto Florestal, 1966, p. 130. 92 Ibid., pp. 132-‐133.
46
Ora, como já referimos, uma das principais características da madeira é ser
higroscópica, convém agora identificar as consequências que a variação do teor
de água tem nas outras propriedades.
No momento de abate da arvore a quantidade de água que o material apresenta
é elevada, embora variável de acordo com a espécie e época do ano. Neste
estado diz-‐se que a “madeira está verde” e o teor de água é superior a 100%, o
que equivale a dizer que a quantidade de água que possui num determinado
volume é superior, expressa em peso, à quantidade de substância lenhosa que
constitui as paredes do tecido celular que a madeira é. Assim, neste estado,
estão saturados pela água livre não apenas as paredes das células como os
lúmen celulares e o espaços intercelulares. 93
Partindo do estado “verde”, colocada ao ar, uma peça de madeira vai perdendo
peso gradualmente sem haver variação dimensional perceptível. Esta fase
corresponde à evaporação da denominada água livre. Mas, depois, o processo de
secagem continua e vai remover parte da água que satura as paredes celulares, a
esta água dá-‐se o nome de água de saturação. Este fenómeno é agora
acompanhado da redução da espessura dessas paredes e, em consequência, as
dimensões, sobretudo transversais (tangencial e radial) das células. Quando
toda a água livre foi retirada foi atingido o ponto de saturação das fibras. Este é
um estado crucial, a partir do qual existem condições para se iniciarem
fenómenos de retracção e, por via desta, em virtude da sua anisotropia,
possíveis deformações e empenos94.
A continuação da evaporação e secagem do lenho progride até que se estabeleça
um equilíbrio do teor de água entre a peça de madeira e o ambiente que a
rodeia, ou seja humidade de equilíbrio. Obviamente este estado não se verifica,
ao mesmo tempo, em toda a massa da peça, mais rapidamente na superfície,
prosseguindo gradualmente mas não uniformemente, da periferia para o centro.
Por essa razão desenvolvem-‐se estados de tensão interna que podem conduzir a
93 Ibid., p. 135. 94 Ibid., p. 136.
47
fenómenos de rotura entre porções da peça e segundo superfícies de
fissuração95.
Consensualmente estabeleceu-‐se que o teor de água de referência da madeira é
12%.
O estado de humidade da madeira denominado teor de saturação das fibras,
constitui um ponto crucial do seu comportamento físico e mecânico. Situa-‐se,
em regra, próximo dos 30%, contudo há espécies em que é mais baixo, 18 a 20
%, e, noutras, ultrapassa aquele valor podendo atingir 40%.
As madeiras das regiões temperadas têm, geralmente, valores de teor de
saturação das fibras normais ao contrário das madeiras tropicais. Acontece que
madeiras de baixo teor de saturação das fibras estabilizam a humidades de
equilíbrio relativamente altas, pelo que são mais apropriadamente e utilizadas
em regiões húmidas. Em situações em que a humidade de equilíbrio seja baixa,
próximo dos 12%, tendem a deformar-‐se consideravelmente, são, por isso
chamadas madeiras nervosas. Pelo contrário, nas madeiras com elevado teor de
saturação das fibras, próprias para serem utilizadas em regiões com humidade
inferior, tendem a “trabalhar” ou “mexer” com as variações de humidade, mas
são, em geral pouco nervosas96.
Partindo do princípio que a massa volúmica de referencia é determinada
considerando o teor de água de 12%, a densidade da madeira corresponde ao
quociente da massa pelo volume, em que: densidade = m H/VH. A massa da
amostra é expressa em gramas e o volume em centímetros cúbicos.
A higroscopicidade é, do ponto de vista físico, a variação da massa volúmica
conforme a variação em 1% da humidade do material.
95 Ibid., p. 136. 96Ibid., p. 159.
48
A densidade da madeira é um critério importante para avaliação da capacidade
da sua utilização na escultura. Há uma relação positiva entre a densidade e
resistência mecânica: as madeiras mais pesadas são, em geral, mais fortes. Mas,
por outro lado, para idêntica resistência, são preferidas as mais leves. Isto é, em
termos práticos, sobretudo nos casos em que é necessário vencer grandes
alturas, convém relacionar densidade e resistência mecânica para ver o que é
mais eficaz, mais vale usar uma madeira mais leve, como por exemplo um cedro
ou um pinho nórdico, do que uma mais densa como um carvalho que é, de facto,
mais denso e tem mais resistência mecânica mas, por ser mais pesado, torna-‐o
menos resistente quando tem que vencer a força da gravidade, o peso, associado
à densidade, neste caso, funciona como uma desvantagem, por isso é
desaconselhado o seu uso.
A perda de água abaixo do teor de saturação das fibras, determina a retracção
das paredes celulares e como consequência a redução das dimensões da
madeira. Mas como a madeira é anisotrópica, a retracção faz-‐se consoante as
diferentes direcções. Assim, podemos considerar, de acordo com os planos já
referenciados, retracção axial, retracção radial e retracção tangencial. Do ponto
vista prático, com raras excepções, a retracção axial é proporcionalmente às
outras muito pequena, a retracção tangencial tem o valor mais alto, enquanto
que a retracção radial é, em geral, 1,5 a 2 vezes menor do que a tangencial. São
estas diferenças entre retracções transversais que explicam as deformações e
empenos que decorrem durante a secagem. As excepções a que nos referíamos
decorrem de anomalias ou defeitos da madeira97 como é o caso do lenho de
tracção98.
Quanto menor for o quociente entre retracção tangencial e a retracção radial,
menor é a tendência para a reformabilidade transversal das peças. Nalgumas
97 Defeito da madeira é toda a irregularidade na constituição e estrutura da madeira que resultem em alterações lesivas às propriedades físicas e mecânicas entre os quais: nós, bulbos, fio espiralado, fendas empenos, lenho de retracção ou compressão. 98 O lenho de retracção tem uma densidade muito alta devido à alta concentração de lenhina ocorre quando a arvore é fustigada pelo vento. In SUREDA, R. -‐ La madera, Barcelona: Editorial Blume, 1978, p. 14
49
madeiras essa anisotropia é pequena, por essa razão, consideramos nós, podem
ser mais adequadas para o uso em escultura.
Por outro lado, a madeira é dotada de apreciável flexibilidade, esta propriedade
conjuga a elasticidade e a rigidez, quando solicitada à curvatura, corresponde à
capacidade que tem em voltar ao estado inicial sem perder as suas
características físicas99. Estas particularidades podem ser determinantes
sobretudo para trabalhos de escultura em que a madeira pode estar sujeita a
forças da natureza variáveis em intensidade e pouco previsíveis como o vento.
Outra propriedade física é a plasticidade que equivale à capacidade que a
madeira tem em manter as propriedades mecânicas quando é ultrapassada a
elasticidade do material, isto é, apesar de ocorrer deformação permanente
ainda mantém presentes as restantes características e competências100.
A dureza é uma característica físico-‐mecânica que se relaciona com a resistência
do material à embutidura da superfície e faz dela depender a resistência ao
desgaste. Há uma correspondência estreita entre dureza e dificuldade de
laboração, ou seja, as madeiras duras requerem mais trabalho que as madeiras
brandas101. Em escultura, sobretudo no talhe directo, é recomendado redobrado
cuidado com esta propriedade. Na verdade, nem sempre as madeiras mais
brandas são mais fáceis de talhar tanto pela facilidade com que se verificam
roturas nos planos longitudinais como pelas deformações radiais. Um exemplo
que ilustra bem estes factos é a madeira de Choupo Branco (Populos alba L.)
que, sendo muito macia é quase impossível de resistir ao talhe directo
tradicional com maço e goiva. Uma maneira prática de ultrapassar este
problema é usar as ferramentas extremamente bem afiadas para usar menos
força de ataque.
Uma prática empírica para medir a dureza, por isso muito subjectiva, é
experimentar a resistência à riscagem com a unha ou objecto metálico. Método 99CARVALHO, A. - Madeiras Portuguesas. Vol. I. Lisboa: Instituto Florestal, 1966, p. 148. 100 Ibid., p. 149. 101 Ibid., p. 167.
50
mais fiável é o conhecido por Chalais-‐Meudon que consiste na medição “da
impressão ou mossa perpendicular na superfície radial do provete de 2x2 cm de
secção e 3 cm de comprimento, provocada por um cilindro de aço de 15 mm de
raio, e expressa pela flecha de penetração ou profundidade da mossa sob uma
carga de 100 Kgf/cm de largura do provete, ou seja 200 Kgf”102.
5.2- Propriedades Tecnológicas
Considerando a análise do comportamento tecnológico das madeiras, numa
perspectiva prática, tentaremos responder a questões relacionadas com a
transformação, preparação, durabilidade, laboração, ligações e acabamento de
superfície.
5.2.1-‐Transformação
Por transformação entendemos todas as acções que visam modificar o tronco da
árvore em pranchas para directa ou indirectamente serem utilizadas. Incluímos
neste grupo as operações de segmentação do tronco, separação da casca e corte
convencional, por serra ou lâmina, para obtenção de tábuas de várias
dimensões. Estas operações são habitualmente designadas, no seu conjunto, por
maquinagem e realizam-‐se por ruptura, destacamento ou arranque de porções
maiores ou menores de material a que se dá o nome de aparas103. Este tipo de
trabalho quase sempre está fora do controlo do escultor embora possa
acompanhar e definir as dimensões ou decida quais os troncos, ou árvores, a
102 Ibid., p. 167. 103 Ibid., p. 201.
51
utilizar. Falamos nelas para termos a percepção do que ocorre antes da madeira
chegar às suas mãos.
Sendo a madeira um material anisotrópico, com comportamento mecânico
diferenciado conforme a sua localização no fuste, apresenta planos de corte
diferentes: o corte ortogonal quando o gume de corte se dispõe
perpendicularmente à direcção do deslocamento da ferramenta ou da peça em
laboração, este tipo de corte é o representado pela serra de fita; o corte
periférico quando o arranque da apara resulta da formação e remoção por
sucessivas passagens de órgãos cortantes implantadas na periferia de uma
cabeça de corte ou veio de corte, é o que acontece na acção de uma plaina ou
garlopa104.
5.2.2 -‐ Preparação
A preparação corresponde ao conjunto de acções, como a secagem e protecção
da madeira, que visam adequar os produtos de transformação às exigências de
intervenções seguintes.
5.2.2.1 -‐ Secagem
A secagem é uma operação importante para a utilização adequada deste
material. Na madeira permanece uma tendência para estabilização do teor de
água com o ambiente que a rodeia, fenómeno denominado sorção, na busca do
equilíbrio do grau de humidade. Existe um permanente jogo de fenómenos de
absorção e de dessorção, cuja intensidade é determinada pela superfície exposta, 104 Ibid., p. 203.
52
pela pressão relativa de vapor, pela temperatura e pela composição química do
material.105Por isso é que o processo de secagem do material lenhoso deve ser
progressivo e lento. Numa fase inicial deve manter-‐se a casca e não deve haver
exposição solar directa ou variações bruscas da temperatura ou humidade.
Quando o escultor usa a madeira por sistema e tiver espaço para isso deve
reserva-‐la em local e condições adequados, isto é, em lugar seco, bem arejado e
à sombra, de maneira a que se efectue a devida secagem, evitando assim
defeitos como fissurações e empenos provocados por secagens descontroladas e
bruscas.
Neste contexto, deve ter-‐se em atenção que a água circula na madeira por
capilares de variados calibres, desde os vasos (característicos das folhosas) até
aos canalículos das membranas das pontuações (zonas menos espessas da
parede celular onde só existem lamela média e parede primária) e os espaços
intracelulares e intercelulares ou microcapilares das membranas celulares. 106
Nos lúmenes celulares, a água livre circula por capilaridade na forma líquida ou
em vapor. Mais difícil no lenho das resinosas que no das folhosas, porque nas
resinosas faz-‐se apenas pela via dos canalículos das membranas das pontuações,
enquanto que nas folhosas existem várias perfurações anatómicas que facilitam
o processo107.
Em geral pode dizer-‐se que quando ocorre um gradiente de humidade no
interior de uma peça de madeira, a água circula das zonas mais húmidas para as
menos húmidas; das zonas mais quentes para as zonas mais frias; quando a
temperatura é aumentada também é fortemente acelerado o processo e à
medida que a humidade da madeira baixa, a circulação de água diminui108.
105 Ibid., p. 234. 106 Ibid., p. 235. 107 Ibid., p. 235. 108 Ibid., p. 245.
53
5.2.2.2 -‐ Protecção: Durabilidade, Conservação e Preservação
A protecção da madeira engloba medidas de conservação e preservação que
potenciam e têm em conta a sua durabilidade específica natural, isto é cada
espécie tem já algumas competências para resistir à degradação, o que fazemos
é conserva-‐las e reforça-‐las. Para tal usamos meios ou acções passivos e activos
independentemente do estado em que a madeira se encontra: toro, peças
esquadradas, em verde ou em seco, com a particularidade que, em escultura,
esta prática pode ser efectuada antes ou depois da obra terminada.
A durabilidade da madeira decorre, em boa parte, das suas características físicas
e químicas. Consiste na resistência ao ataque dos agentes de biodegradação tais
como: fungos, insectos, xilófagos e mesmo a factores abióticos como aqueles que
comprometem a integridade físico-‐química e mecânica do material109.
Considera-‐se conservação ao processo que envolve a susceptibilidade e risco de
degradação da madeira na condição natural, isto é, devem manter-‐se as
características físicas e químicas o melhor que se conseguir, sobretudo, até o
material ultrapassar o alto de risco de infecção ou infestação110.
Preservação é a protecção que se faz numa perspectiva de alongamento do
tempo de duração da madeira. Neste âmbito, é comum realizar impregnação
com o propósito de atingir o mais profundo possível as peças e manter o
produto por maior espaço de tempo activo. O ideal é atingir toda a massa
lenhosa e prolongar a sua permanência por tempo indefinido111.
Mas, o comportamento deste material aos agentes de biodegradação respeita a
sua constituição química, sobretudo o teor de extractivos, constituintes
terpénicos, polifenólicos, tropolenos e constituintes orgânicos e inorgânicos
como hidrocarbonetos voláteis, ácidos gordos e álcoois. A maior parte destes 109 Ibid., p. 245. 110 Ibid., p. 247. 111 Ibid., p. 245.
54
extractivos está localizado no cerne e é responsável pelo escurecimento do
lenho, conferindo directa ou indirectamente resistência ao ataque de
biodegradadores, por serem repulsivos ou tóxicos112.
A natureza e a quantidade dos terpenos113 e polifnóis114, característicos das
resinosas, varia com as espécies e com a localização anatómica: pinenos115 e
limoneno116 no borne e pinossilvina117 no cerne dos pinheiros ou tropolenos118
nos ciprestes que por ser muito tóxico lhe dá maior durabilidade119. Nas
folhosas têm grande expressão protectora os taninos120.
Por outro lado, constituintes orgânicos como açúcares e hidratos de carbono,
presentes nas células vivas nos raios e outras células do parênquima, favorecem
o desenvolvimento de alguns agentes biodegradores, entre outros, os insectos
xilófagos121. Daí que épocas do ano em que a planta tem maior actividade
proliferativa, como a primavera, sejam menos propicias para o abate, porque
estão mais impregnadas com estes constituintes que servem de alimento aos
agentes xilófagos.
Mas também existem singularidades anátomo-‐estruturais que, conjugadas com
desempenhos funcionais ou fisiológicos, modificam o comportamento de
resistência do material à degradação. Tanto pela natureza anatómica como
modificações que ocorrem durante o amadurecimento do lenho podem suceder
transformações que conferem maior resistência à vulnerabilidade aos ataques
dos biodegradadores. No que diz respeito à anatomia e estrutura verificam-‐se
112 Ibid., p. 248. 113 Terpenos são metabólitos de origem vegetal, especialmente de coníferas, considerados do ponto de vista químico hidrocarbonetos cuja fórmula química geral é: (C5H8)n. 114 Polifnóis são antioxidantes naturais, cristalinos e tóxicos, caracterizados por possuírem um ou vários grupos hidroxilo ligados a um anel aromático. 115 Pinenos é um monoterpeno, derivado da terebintina de fórmula química C10H16 116 Limoneno pertence à família dos terpenos, é volátil por isso responsável pelo aroma de algumas plantas, tem fórmula química C10H16. 117 Pinossilvina é uma substância tóxica, produzida nos tecidos da células do cerne de várias pinaceae, tem a fórmula química C14H12O2. 118Tropolenos são substâncias tóxicas produzidas pelos ciprestes que lhe dá maior durabilidade. 119 CARVALHO, A. - Madeiras Portuguesas. Vol. I. Lisboa: Instituto Florestal, 1966, p. 67. 120 Taninos são polifnóis de origem vegetal responsáveis pela inibição do ataque de agentes biodegradadores. 121 CARVALHO, A. - Madeiras Portuguesas. Vol. I. Lisboa: Instituto Florestal, 1966, p. 248.
55
modificações durante a perda de actividade fisiológica do lenho, isto é, da
transição de borne para cerne em que há perda de funções, sobretudo de
transporte ou reserva de nutrientes e substituição por substâncias que
bloqueiam as condutas, impedindo a circulação entre elementos estruturais
adjacentes. São importantes os fenómenos que ocorrem nos canais de resina,
pela cristalização da gema, e nos vasos pela tilose122. Este impedimento das vias
de acesso ao interior deste material tem função ao nível da infecção ou
infestação primária.123 Por isso é que, de uma forma geral, preferimos o cerne
ao borne quando queremos conservar uma escultura em madeira. Se o objectivo
for preservar, isto é prolongar a duração pela impregnação com agentes
químicos que impedem o consumo dos agentes xilófagos, muitas das vezes o
borne é mais aconselhado por ser mais poroso e a comunicação intercelular ser
mais fácil. A propósito desta complexidade não esquecer que o cerne,
geralmente, é menos impregnável tanto pela presença de maior quantidade de
extractivos como pela obstrução pela tilose e estreitamento do lúmen adjunto
ao engrossamento da parede celular.
Ainda neste contexto, a irradiação da infecção depende em larga medida do
estado de desimpedimento das paredes celulares expressamente destinadas a
possibilitar os fenómenos de difusão ou comunicação. É o que ocorre nas
pontuações ou perfurações que através da duramenização do lenho aspira a sua
função e assim bloqueiam ou dificultam progressos de invasores como no caso
das hifas124 dos fungos biodegradadores.
O conceito de durabilidade da madeira é usado para designar a resistência ao
ataque dos agentes de biodegradação. É uma característica intrínseca, de
variação interespecífica e específica articulada com a idade e proveniência do
lenho, manifesta-‐se de árvore para árvore, mas também, na mesma árvore,
conforme a diferença segmentar do organismo a que pertence125.
122 Ocorre por obstrução dos vasos. 123 CARVALHO, A. - Madeiras Portuguesas. Vol. I. Lisboa: Instituto Florestal, 1966, pp. 248-‐249. 124 Longas e finíssimas células cilíndricas que têm a função de reprodução e digestão extra celular dos fungos. 125 CARVALHO, A. - Madeiras Portuguesas. Vol. I. Lisboa: Instituto Florestal, 1966, p. 254.
56
Relativamente à variação interespecífica Carvalho classifica as madeiras em
resistentes, moderadamente resistentes e pouco resistentes. Segundo este autor “é
um critério de avaliação médio, ou seja, ponderado em termos de resistência a
agentes de biodegradação”126.
Na mesma espécie tem importância a influência da idade das árvores e sua
proveniência no que diz respeito ao predomínio do cerne sobre o borne, que
ocorre com a idade, bem como a incidência do teor de extractivos e da textura
da madeira conforme as zonas de produção. Por fim, a importância da posição
do lenho na árvore pode afectar a sua durabilidade conforme for proveniente do
borne ou cerne, do lenho da basal ou do lenho cimeiro isto é, da parte inferior
ou superior do tronco. Estas diferenças de comportamento tem a ver com
fenómenos de lenhificação e constituição da lenhina (unidades de fenil-‐propano
e suas ligações) ou seja do tipo de lenhina e do modelo de deposição da lenhina
na parede celular127.
Há, ainda, que considerar o teor de inorgânicos como a sílica que, dependendo
da proveniência da árvore, pode ter influência na resistência efectiva.
De todas as maneiras, as qualidades do material lenhoso não superam as suas
debilidades face à acção de numerosos agentes e factores de degradação sempre
que colocada em situação de risco. A sua capacidade de resistência é expressa
pela denominada durabilidade natural128. Por essa razão, deve considerar-‐se a
possibilidade de poder proceder ao seu melhoramento com técnicas e produtos
adequados para prolongar a sua durabilidade. Estes procedimentos
compreendem também a protecção contra o fogo e redução da anisotropia de
retracção129.
126 Ibid., p. 254. 127 Ibid., p. 254. 128 Ver figura 8. 129 CARVALHO, A. - Madeiras Portuguesas. Vol. I. Lisboa: Instituto Florestal, 1996, p. 256.
57
5.2.2.3 -‐ Produtos Preservadores
De uma forma geral estes produtos podem ser organizados em três grupos:
oleosos naturais, produtos de síntese em solvente orgânico e produtos minerais
hidrossolúveis. Do primeiro grupo faz parte o creosote ou óleo de creosoto, do
segundo o pentaclorofenol, naftanatos de cobre, óxido tributílico e
quinalinolato-‐8 de cobre (Cu-‐8) e do terceiro vários sais inorgânicos que inclui
retardantes do fogo130.
Todos estes produtos têm vantagens e desvantagens. O tratamento com
creosoto, um dos primeiros a ser usado numa lógica industrial, altera
significativamente a qualidade da madeira, conferindo-‐lhe cor escura,
persistente, cheiro característico muito pronunciado e elevada viscosidade. Daí
que as madeiras tratadas com este produto tenham utilizações circunscritas ao
exterior e sobretudo onde aja alto risco como as que estão em contacto com o
solo e exposto à intempérie. É proibido numa grande parte dos países
desenvolvidos, por ser cancerinogéneo131.
Os solventes orgânicos variam conforme as utilizações previstas desde os
hidrocarbonetos duros, que funcionam como parte integrante dos produtos
preservadores, até aos solventes voláteis que desaparecem passado algum
tempo depois de aplicado132.
Os preservadores hidrossolúveis são sais orgânicos com diversas formulações
como: Cobre/Crómio/Arsénio (CCA); Amoníaco/Cobre/Arsénio (ACA); Cloreto
de Zinco Cromatado (CZC). As fórmulas mais usadas são os CCA e ACA por
serem mais eficazes tanto na preservação como na fixação ao material
lenhoso133.
130 Ibid., p. 256. 131 Ibid., p. 256. 132 Ibid., p. 256. 133 Ibid., p. 254.
58
Os produtos retardantes do fogo são misturas inorgânicas de sais como fosfato e
sulfato de amónio, bórax e cloreto de zinco.
5.2.2.4 -‐ Método de Tratamento
Pretende-‐se que os processos de impregnação consigam o objectivo de
distribuição em superfície e profundidade suficientes para controlos dos
agentes de degradação. Mas existem factores que condicionam o fenómeno da
impregnação do tecido que dizem respeito à natureza e à preparação do
material para o processamento, à preparação do produto a impregnar e ao
método de aplicação. A capacidade de impregnação das madeiras está em larga
medida dependente da estrutura anatómica e do tipo de lenho em causa. A
permeabilidade do borne é cerca de 100 vezes superior à do cerne que na
maioria das espécies é impregnável. Do mesmo modo que nas resinosas, o lenho
final é mais fácil por haver maior densidade de canais de resina. A humidade do
material, no caso de madeiras verdes ou com elevado teor de água, dificulta ou
impossibilita (dependendo do grau) a impregnação pela generalidade dos
processos de tratamento. Mas a qualidade de tratamento também depende da
geometria das peças. Quanto maior for a superfície exterior por unidade de
volume melhor e mais fácil se torna a impregnação. Por isso interessa que se
submetam a tratamento peças o mais próximo do destino final, evitando
posterior laboração como o talhe profundo134. Na escultura fará pouco sentido
impregnar a madeira ainda em bruto sobretudo quando se prevêem alterações
da forma que vão para lá da configuração do tronco. É sempre melhor fazê-‐lo
em peças definitivas quando se trata de construções ou só depois do talhe
quando for este o caso.
A qualidade do tratamento depende do processo de impregnação. Pode realizar-‐
se em madeiras verdes ou secas. No caso das madeiras verdes são exploradas as 134 Ibid., p. 257-‐258.
59
vias de circulação da seiva atingindo as zonas em que essa actividade está
presente. É aplicada nas madeiras como para postes ou estacaria135. Por vezes
recorre-‐se a um processo que aumenta a pressão exterior que leva à
substituição da seiva bruta por um soluto preservador com idêntica
concentração. Este método foi concebido por Boucherie e tem sido largamente
aplicado no tratamento de postes. Em madeiras mais pequenas o tratamento em
“verde” pode fazer-‐se por imersão em soluções concentradas e a impregnação
faz-‐se por difusão. Contudo, o volume de madeiras que é melhorado por este
processo é relativamente limitado136.
As madeiras secas são tratadas por dois processos: em auto-‐clave, sob vácuo ou
pressão e por imersão. Em auto-clave segundo três modalidades: Processo de
Bethell ou de células cheias; processo de Ruping ou de células vazias; processo
de Lowry , intermédio.
Na impregnação por imersão existem também três métodos: Imersão a frio;
Imersão a quente; Imersão a quente e a frio. A primeira está indicada para
produtos em solvente orgânico, ocorrendo a penetração do produto por
capilaridade; a imersão a quente é uma variante da imersão a frio para melhorar
a impregnação por diminuição da tensão superficial e da viscosidade de solutos,
a imersão a quente e a frio, na fase quente cria um vácuo parcial nas células,
pela dilatação dos gases nelas existentes para, no arrefecimento, facilitar a
impregnação com o preenchimento dos espaços conseguidos na fase anterior.
Esta maneira é mais fácil e mais barata que a utilizada por vácuo.
135 Alguma vezes os escultores usam madeiras que foram tratadas por este método como as que resultam do aproveitamento de postes, neste contexto recomendamos redobrado cuidado para perigo de intoxicação. 136 CARVALHO, A. - Madeiras Portuguesas. Vol. I. Lisboa: Instituto Florestal, 1966, p. 258.
60
5.2.3 -‐ Ligações
Ideal para o escultor seria dispor de troncos inteiros com diâmetro suficiente
para a dimensão das formas pretendidas para trabalhar a partir deles,
rejeitando a casca e o borne137, no entanto, sabemos que essas condições
raramente acontecem. A este respeito, quando confrontado com a necessidade
de talhar uma obra de grandes dimensões, na entrevista que lhe fizemos, Vidigal
afirma: “ainda pensei usar um tronco que conseguisse abranger a dimensão do
painel mas logo desisti da ideia.”138 Dada esta limitação, sobretudo na escultura
de grande escala, não há como evitar o recurso a ligações independentemente
do tipo ou da metodologia adoptada.
A aplicação da madeira na escultura recorre, desde tempos remotos, a produtos
e processos de ligação que ajudam a ultrapassar os limites das dimensões do
tronco. Numa fase inicial a resposta para este problema terá levado o Homem a
recorrer a fibras vegetais e técnicas simples associadas a “tecnologia” da pedra
lascada, nestes tempos remotos posteriormente, com a descoberta dos metais e
o desenvolvimento das ferramentas, foram introduzidas as ligações por entalhe,
depois, os órgãos metálicos vieram reforçar as técnicas de ligação até ali
desenvolvidas e, mais tarde, o aperfeiçoamento da colagem permitiu a
introdução de verdadeiros “milagres” nesta problemática. Hoje quem trabalhar
com a madeira tem a possibilidade de usar desde o simples prego à mais
conceituada cola. De todas as maneiras não podemos esquecer, que para o
escultor, todas as técnicas e meios são válidos e o que foi abandonado pelo
“homem comum” pode ser redescoberto pela criatividade. Como afirma
Focillon, o artista “reinicia todas as experiencias primitivas [...] prolonga o
privilégio da curiosidade da infância bem para lá dos limites dessa idade”139.
Redescobre o mundo que o rodeia porque se situa nele de maneira a entendê-‐lo
137 TEIXIDÓ, J. e SANTAMERA, C. – A Talha. Escultura Em Madeira. Lisboa: Editorial Estampa, 1997, p 36. 138 Ver entrevista a António Vidigal. 139 FOCILLON, H. – A Vida das Formas Seguido de Elogio da Mão, Lisboa: Edições 70, 2001 p. 115.
61
de forma peculiar. Não é por acaso que Maria Lino, faz tudo com as mãos140. De
facto, o uso de cavilhas, colas artesanais ou o uso de goivas, machados, enxó e
outras ferramentas antigas podem dar resposta a um problema completamente
actual porque, entendemos nós, a arte não terá tempo.
No contexto das ligações, devemos considerar três áreas sobre as quais
devemos reflectir: o comportamento da madeira face às superfícies de ligação; o
comportamento da madeira à recepção e fixação de órgãos de ligação em
madeira como as cavilhas e os encaixes ou em metal como os pregos, placas e
parafusos e o comportamento à recepção, reacção e durabilidade, de produtos
ligantes como colas e adesivos.
A preparação das superfícies de ligação da madeira, pressupõe a utilização de
maquinaria e ferramentas variadas. Atendendo à natureza, anisotropia, e
defeitos do material que de uma forma geral já foram abordados anteriormente.
Quanto aos elementos de ligação devemos considerar a resistência e a reacção
de certas madeiras à sua aplicação. O tipo de reacção específica pode ser
verificado em anexo nas fichas das espécies seleccionadas.
5.2.3.1 - Órgãos de Ligação
O órgão de ligação mais comum na escultura das madeiras, e porventura o mais
vantajoso, e antigo141 são as cavilhas do mesmo material. Podem ser efectuadas
na mesma madeira ou em madeiras diferentes dos volumes a ligar consoante a
resistência mecânica que desejarmos. Podem ser usadas a par de outros
métodos de ligação, como a cola ou parafusos, ou isoladamente. Existem à venda
no mercado mas podem ser fabricadas artesanalmente. A sua aplicação é fácil
mas prevê a furação prévia das peças a ligar. Requer algum cuidado na 140 Ver entrevista de Maria Lino. 141 Pelo menos usadas desde o Antigo Egipto. In, SUREDA, R. -‐ La madera. Barcelona: Editorial Blume, 1978, p. 98.
62
adaptação do tamanho da cavilha ao furo e deve contar-‐se com as dilatações e
contracções características deste material. Como a madeira quase não se contrai
no plano longitudinal isto é, no sentido do veio da madeira, ao contrário de
todos os outros, as cavilhas terão que ser feitas nessa direcção, quando
aplicadas à face deve ter-‐se cuidado com eventuais dilatações e contracções das
peças ligadas.
Os pregos são os órgãos metálicos de ligação de madeiras mais usados em
escultura, logo a seguir às cavilhas. Tanto na Idade Média como no
Renascimento era comum os escultores ocultarem estes meios de ligação que
agora são revelados, através de técnicas de RX, nos trabalhos de restauro.
Nalgum tipo de escultura que hoje em dia se faz é possível deixá-‐los visíveis,
podendo, mesmo, ser-‐lhe dado um protagonismo maior que a outro elementos.
Existe uma multiplicidade de pregos à venda no mercado, com medidas e
funções variadas, cuja aplicação ultrapassa o âmbito deste trabalho.
O mesmo se pode dizer quanto aos parafusos que podem ser fundamentais para
a estabilização de algumas obras como afirma Vidigal quando questionado
sobre a técnica de construção de uma escultura: “Esta peça não é colada, para
monta-‐la apenas foram usados parafusos, primeiro tive que fazer os respectivos
furos, tendo em conta a dimensão deles e da madeira e, depois, conforme
montava ou desmontava, até onde era necessário, assim apertava ou
desapertava, no fim tudo tinha que dar certo para ficar completamente estável”.
Também no que diz respeito aos parafusos, a variedade de dimensões, forma e
função é enorme. Poder-‐se-‐á dizer que para cada problema existe uma solução,
cabe ao escultor procurar no mercado a solução para o seu problema.
63
5.2.3.2 - Colagem
A cola é usada como meio ligante há muito tempo, já era frequente nas oficinas
dos escultores egípcios,142 e desde então não mais se terá deixado de usar, mas
nos últimos tempos a indústria química tem desenvolvido novos produtos,
sobretudo resinas sintéticas com as quais é possível fazer autenticas
reconstituições do material lenhoso143. Mas, também neste campo, o êxito dos
vários processos de ligação estão ligados às propriedades da madeira.
A madeira, como temos afirmado várias vezes, é um material celular poroso,
higroscópico, anisotrópico e elástico, de composição química e física variável,
por isso manifesta características adesivas particulares. De facto, é diferente a
colagem de resinosas e folhosas, tal como é distinta a união, por este meio, entre
borne e cerne da mesma espécie, ou em peças tangenciais e radiais. Por outro
lado, a qualidade da colagem também varia com a incidência de certos defeitos,
sobretudo quando corresponde a alterações da composição química da madeira,
como a presença de extractivos ricos em óleos vegetais, ou alterações físicas
como a presença de fissuras. Por fim, o teor de água, e a preparação das
superfícies influenciam, especialmente, no êxito da colagem144.
Pela sua aptidão de colagem, como noutros materiais porosos, há que
considerar a denominada adesão específica e adesão mecânica. A adesão
mecânica resulta da penetração da cola nas células e cavidades definidas nas
superfícies deixadas pelo corte das ferramentas que, apesar de não dever ser
descurada, segundo Carvalho, é de menor importância145. Segundo o mesmo
autor, não há correlação entre a resistência da junta e a profundidade de
penetração da cola nas faces das peças adjacentes pelo preenchimento das
depressões correspondentes ao poros ou outras irregularidades naturais da
142 SUREDA, R. -‐ La madera. Barcelona: Editorial Blume, 1978, p. 98. 143 CARVALHO, A. - Madeiras Portuguesas. Vol. I. Lisboa: Instituto Florestal, 1996, p. 201. 144 Ibid., p. 291. 145 A adesão mecânica cria projecções interiores que parecem funcionar como cravos reforçando a ligação.
64
madeira. Essencial é que entre as duas superfícies exista um filme contínuo de
adesivo para as unir eficazmente. Deste modo, é posta em primeira linha a
qualidade da preparação das superfícies a ligar146.
A teoria da adesão específica supõe que forças moleculares de atracção existem
entre o adesivo e a superfície do sólido. Estas não são menos importantes
quando usado material poroso, a cola penetra nos poros e cavidades das células,
aumentando, por consequência, a superfície nominal de colagem e a quantidade
das forças moleculares. Forças que são influenciadas pela polaridade do adesivo
e do sólido. Por isso, as juntas robustas não resultam de pontes entre sólidos
hidrófilos147 (polares) e hidrófobos148 (não polares) a não ser que sejam
tratados de maneira a tornar molhável a sua superfície149.
Em termos práticos convém que as superfícies a colar sejam lisas para se
ajustarem entre si mas não em excesso porque desse modo a cola resvalaria
sobre elas.150
A madeira é um material com boa adesão específica por ser hidrófila e os
adesivos mais usados, como os fenólicos, uréicos e outras resinas do tipo
solúvel, serem formados por moléculas polares.151
Devem ser respeitadas duas regras base: a cola deve molhar perfeitamente a
superfície, isto é, deve ter uma polaridade idêntica à do substrato e não deve
produzir-‐se tensão no plano de colagem152.
Outro dos factores de maior importância na avaliação do comportamento da
madeira à colagem é o conhecimento do que se denomina colabilidade da
madeira, referente à homogeneidade da estrutura lenhosa e à anisotropia das
146 CARVALHO, A. - Madeiras Portuguesas. Vol. I. Lisboa: Instituto Florestal, 1996, p. 292. 147 Tem boa afinidade com a água ou seja possui uma óptima molhabilidade. 148 Que se opõe à passagem de água. 149 CARVALHO, A. - Madeiras Portuguesas. Vol. I. Lisboa: Instituto Florestal, 1966, p. 292. 150 TEIXIDÓ, J. e SANTAMERA, C. – A Talha: Escultura Em Madeira. Lisboa: Editorial Estampa, 1997, p. 86. 151 CARVALHO, A. - Madeiras Portuguesas. Vol. I. Lisboa: Instituto Florestal, 1996, p. 293. 152 Ibid., p. 294.
65
suas propriedades, ou seja, quanto maior for a similitude das interfaces das
juntas melhor é o comportamento da forma colada153. O que equivale a dizer
que devem unir-‐se, sempre que possível, peças com a origem semelhante, tanto
no que diz respeito à espécie como à árvore, bem como à localização da peça no
tronco, em particular cerne e borne. Por isso, quando pretendermos colar
vários elementos devemos compreender-‐se a localização de cada um no tronco
para prever o seu comportamento154 e rejeitar os topos que quase sempre estão
gretados por estarem mais expostos às varações de humidade.
Deve ter-‐se atenção quanto à colagem da madeira topo-‐a-‐topo. Atendendo à
estrutura anatómica do lenho podemos verificar que neste tipo de ligação deve
fazer-‐se previamente entalhes do tipo bisel ou “finger joint”155 .
Deve, ainda, considerar-‐se a influência que a presença de extractivos,
nomeadamente óleos, resinas, gomas ou outros, podem ter neste processo. Por
vezes é necessário proceder a tratamentos prévios com detergentes ou
solventes156 para melhorar a colabilidade e desse modo providenciar uma
colagem suficientemente resistente e durável.
Por fim, perspectivando boas juntas de cola, devemos considerar o critério da
composição dos blocos, sendo preferível a união de peças com apenas um
determinado tipo de corte (radial ou tangencial) em detrimento da mistura
destes dois tipos.157 Quando assim não for possível, o que acaba por ser corrente
na prática de escultores que reaproveitam este material proveniente de
mobiliário ou aplicações estruturais anteriores, podem unir-‐se madeiras de
diferentes origens atendendo a alguns critérios de selecção como a identificação
da família biológica a que a madeira pertence e jogando sempre com o
reconhecimento da localização relativa no tronco para conjugar e prever
reacções de contracção e expansão inevitáveis.
153 Ibid., p. 294. 154 Teixidó, J. e Santamera, C. – A Talha: Escultura Em Madeira. Lisboa: Editorial Estampa, 1997, p. 84. 155 Ver imagem 9. 156 CARVALHO, A. - Madeiras Portuguesas. Vol. I. Lisboa: Instituto Florestal, 1996, p. 294. 157 Ibid., 1996, p. 294.
66
Neste contexto, o desenvolvimento da química dos adesivos e do conhecimento
técnico-‐científico do fenómeno de colagem têm revelado progressos que
favorecem a reconstituição e construção do material lenhoso, que estimulam o
uso da madeira em escultura. Existe uma gama rica de colas, desde as naturais,
como as gelatinosas e caseína, às sintéticas como as de ureia-‐formaldeido -‐ UF,
fenol-‐formol -‐ PF, recsorcina–formol – RF, Resorcina-‐fenol-‐formol – PRF,
polivinílicas -‐ PVA, neoprene, borracha regenerada, epóxicas, melamínicas,
termofusíveis, isocianaticas e poliuretanicas 158. Cada um destes tipos de cola
tem as suas especificidades próprias, cabe a cada utilizador escolher em função
das necessidades e fins em vista.
5.3 - Tratamento de Superfície
A madeira que está em contacto com o ar, exposta à humidade ou aos raios
solares, sofre agressões que alteram o seu aspecto e solidez. Estas alterações
dependem do tipo de exposição e das especificidades da madeira. A superfície
exposta é a que mais se altera mas também aquela onde é mais fácil intervir,
por vezes é necessário criar nela, algo como que uma pele, para compensar a
falta da casca que a árvore viva tinha na natureza. Em escultura esta fase pode
revelar-‐se fatal ou salvar a obra. Há, de facto, um momento em que o escultor
deve racionalizar que tudo o que se acrescente ou retire à obra a vai prejudicar,
este momento quase sempre é precedido de um impulso intuitivo que o faz
reflectir e chegar a esse estado ou seja, encontrar essa razão.
Este tratamento compreende duas etapas: a preparação da superfície para a
recepção dos produtos de revestimento e a sua aplicação propriamente dita.
Tem duas finalidades: isolar ou proteger a madeira das agressões exteriores a
que vai estar sujeita e, ao mesmo tempo, fazer sobressair as suas qualidades 158Ibid., p. 294.
67
ornamentais159. Não obstante, nada impede que se aplique qualquer produto de
revestimento sem preparar a superfície ou, pelo contrário, tenha que se aplicar
qualquer tipo de revestimento. Como anteriormente foi referido, tudo depende
daquilo que o escultor pensou ou intuiu para dar por terminada a obra.
Sendo assim, para a preparação da superfície podem ser usadas diversas
ferramentas e vários meios manuais ou mecânicos, cortantes ou abrasivos
conforme a finalidade desejada. Como mais à frente aludimos, quando nos
referirmos aos métodos de trabalho em escultura, o acabamento pode ir desde o
cuidadosamente polido ao tratamento tosco como reflexo do gesto da mão
deixado por uma ferramenta de corte, eléctrica ou manual.
No polimento dá-‐se particular relevo ao emprego da lixa, de estrutura cristalina
(granada, óxido de laumínio e carboneto de silício) que actua por corte de
inúmeros ângulos ou arestas afiadas dos seus grânulos. A lixa permite obter
superfícies de maior ou menor suavidade conforme o tipo ou natureza da
madeira, o grau de humidade, plano lenhoso fundamental ou laboração
mecânica e o tipo de lixa. Deste modo, a lixa é escolhida de acordo com o tipo de
madeira e da fase de preparação. Para este efeito devem considerar-‐se aspectos
fundamentais da madeira como a textura (intensidade e homogeneidade), a
dureza (brandas, média dureza, duras e muito duras), o tipo de grão (fino ou
grosseiro), e singularidades estruturais (reverso, contrafio, lenhos de reacção,
etc)160.
Nesta tarefa podem ser usados métodos simples e manuais ou, conforme o
entendimento do escultor, recorrendo a maquinaria diversa: os métodos
manuais são usados, habitualmente, em superfícies menores e onde se
preconize a lixagem longitudinal ou linear, isto é, na direcção do veio da
madeira161; os discos rotativos, lixadeiras de fita ou placas vibratórias devem
ser usadas em superfícies maiores mas requerem cuidados, redobrados, tanto
para levar a bom termo a escultura como por questões de segurança no
trabalho. 159 Ibid., p. 303. 160 Ibid., p. 309. 161 Ibid., p. 309.
68
Outro dado importante a ter em conta é a natureza e o teor dos extractivos
contidos na madeira tanto pela qualidade da superfície lixada como pela
influência que têm na durabilidade da lixa. Se a madeira tiver elevada proporção
de resinas ou gomas a qualidade do acabamento pode ser prejudicada e
rapidamente embota os grânulos da lixa162.
No que diz respeito ao revestimento propriamente dito, Carvalho considera
quatro grupos de materiais: com solvente aquoso – aguadas, velaturas e tintas de
água; com solvente orgânico com pigmento – tintas de óleo; com solventes sem
pigmento – vernizes e lacas; pastosas -‐ ceras.163
As velaturas bem como as tintas de água podem ser usadas para tingir a cor
natural da madeira. A sua aplicação tem particular importância na medida em
que podem ajudar a resolver um problema inerente à sua variação tonal. As
tintas de óleo resistem mais à intempérie por isso são mais adequadas para ser
aplicadas no exterior. Os vernizes são misturas de ligante, solvente e diluente,
sem pigmentos que, após aplicados e devidamente secos, constituem um filme
duro, insolúvel em água, mais ou menos brilhantes e geralmente transparentes.
As ceras e outros produtos naturais como óleos vegetais e minerais são muito
usados por conservarem o aspecto natural do material, têm a desvantagem de
ser muito sensíveis no exterior e permanecerem à superfície da escultura por
pouco tempo, dependendo do nível de exposição, qualidade do produto, técnica
de aplicação e das especificidades da madeira.
Outro material a ser considerado que, apesar de parecer verniz, funciona
basicamente como um primário, é o tapa-‐poros que se destina a obturar os
poros de superfície das madeiras as ser envernizadas mas quase sempre é
indesejável por ter qualidade inferior à dos vernizes e poder ser substituído por
estes desde que numa fórmula mais diluída. Tem alguma vantagem sobre os
vernizes por ser mais fácil de polir e pode aceitar a aplicação posterior de ceras. 162 Ibid., p. 309. 163 Ibid., p. 309.
69
Os vernizes, conferem uma aparência natural, mas expostos à incidência solar e
à chuva requerem frequente manutenção. A adição de produtos para protecção
das radiações solares, sobretudo UV tem tido pouco sucesso. Por isso os
revestimentos opacos, nomeadamente as tintas, revelam maior eficácia.
Os acabamentos compreendem, ainda, os repelentes aquosos (hidrófobos). A
este propósito, facilmente se percebe, pelo que foi já descrito, que a maior parte
dos danos ocasionados nas madeiras, usadas no exterior, está directamente
relacionada com variações de humidade do material e a consequente
instabilidade dimensional. Os repelentes aquosos e os tratamentos hidrófobos
são usados para eliminarem ou reduzirem a absorção de água e assim retardar
ou minimizar as condições que favorecem a colonização e desenvolvimento de
organismos xilófagos. O pré-‐tratamento com estes produtos é muito importante
na durabilidade das madeiras sobretudo as que se destinarem ao exterior164.
Por outro lado, os produtos que têm função preservadora, embora não sejam
considerados produtos de acabamento de superfície, visam aumentar a
durabilidade das madeiras. Podem ser do tipo oleoso, como o creosoto, diluído
em solventes orgânicos como o pentaclorofenol e aquoso como sais
metálicos165.
Há princípios, características e propriedades fundamentais da madeira que ao
fazerem parte do conhecimento de quem a trabalha lhe podem ser muito úteis.
Alguns são transversais a todo o tipo mas há outros que, estando relacionados
com determinados grupos, são específicos de determinadas espécies. Deste
modo, o entendimento e o saber que permita identificar e usar, conforme as
especificidades de cada uma pode ser vantajoso para quem quiser fazer
escultura com este material.
164 Ibid., p. 314. 165 Ibid., p. 315.
70
II PARTE
71
ALGUNS MÉTODOS DE TRABALHO
Decidimos abordar alguns métodos de trabalho desenvolvidos pelos
escultores que se dedicam à madeira com o pressuposto de os relacionar
com o que até aqui temos pesquisado. Fazemo-lo, não no sentido de dizer
tudo o que neste campo se conhece, porque isso seria impossível, mas, na
tentativa de estabelecer ligações entre o entendimento das propriedades e
características da madeira com as implicações que esse conhecimento pode
ter, tanto nas tomadas de decisão, na escolha dos materiais como nos
processos de pesquisa.
Neste contexto, pela observação das esculturas, subentendemos que no
diálogo que o escultor estabelece com a madeira, na construção do seu
pensamento, e na indagação da sua obra, se veja obrigado a resolver
problemas tão singulares quanto são as suas inquietações, ao ponto de ter
de adaptar e desenvolver ferramentas, ou até métodos, para dar resposta
aos seus desejos. Haverá sempre maneira de fazer diferente, assim
julgamos, e essa também será, a confirmação de que a escultura pode ser
plural tanto no conceber como no fazer.
De qualquer modo, entendemos que na escultura, o que se vai acumulando
de conhecimento, deverá ancorar-se no passado, ainda que exista uma
vontade inequívoca de querer fazer algo de novo. Faz parte da nossa
memória colectiva. O voo pressupõe um ponto de partida e um ponto de
chegada e ninguém consegue levantar voo se não partir de uma base
suficientemente sólida. Esta será a razão que nos leva a abordar métodos já
bem estabelecidos na escultura como são o talhe directo e a construção. O
talhe directo terá marcado o início da escultura pelo método de subtracção
e a construção poderá ser o reflexo da vontade do escultor em querer
ultrapassar os limites do tronco ou do bloco para intervir e dominar o espaço.
72
1- O TALHE DIRECTO NA ESCULTURA DE MADEIRA
O termo talhe166, palavra de origem latina, que diz respeito ao acto de retirar
matéria de um bloco167 com o fim de obter uma forma tridimensional,
confunde-se com a própria escultura168. Parece ter estado na origem das
laborações que o desenvolvimento social, artístico e científico vieram, com o
tempo, a denominar de escultura169, se bem que outro tipo de laborações ou
outras formas de linguagem, tenham sido também igualmente marcantes,
para a afirmação da escultura ao longo dos tempos. Miguel Ângelo terá
afirmado que se entende por escultura, aquilo que se faz por um processo
de subtracção “per forza di levare” 170.
Contudo, pensamos que os processos escultóricos do fazer, no sentido da
separação de métodos raramente são puros, pelo menos assim nos parece.
O mesmo entendemos da escultura que usa a madeira, por admitirmos que
nalgumas circunstâncias se misture o “por” e o “tirar”, isto é, muitos
processos de construção são complementados com o talhe directo e vice
versa.
É claro, que antes de tudo estará o pensamento, a ideia. Como afirma
Miguel Ângelo, segundo Wittkower, num dos seus sonetos “romper o
encanto do mármore (ou da madeira) é tudo o que pode fazer a mão ao
serviço do cérebro”171. Porque em escultura, como nas outras artes, nada
surge do vazio, é essencial o “antes”. Depois, há que materializar: indagar e
fazer. O talhe directo é apenas uma via, um modo. Neste processo, o
166 ]...maneira de esculpir uma obra de arte. In, Houaiss, A. -‐ Dicionário da Língua Portuguesa. Lisboa: Círculo de Leitores, 2003 p. 3447. 167 PEREIRA, J. – Escultura. In, - Dicionário de escultura Portuguesa, Lisboa: 2005, p. 226. 168 Já, Alberti (1404-‐1472) tinha feito a importante distinção entre “os que trabalham com o barro, cera e o gesso que adicionam ou subtraem e lhe chamou modeladores e os que apenas retirando do bloco trazem à luz a figura humana que apelidou de escultores”. In, WITTKOWER, R. – Escultura. São Paulo: Martins Fontes, 2001 p. 129. 169 Parece ter algo de primitivo, ancestral e selvagem. In, MATIA, P. et al. -‐ Procedimientos y Materiales En La Obra Escultórica, Madrid: Akal-‐Bellas Artes, 2009 p. 21. 170 WITTKOWER, R. – Escultura. São Paulo: Martins Fontes, 2001 p. 129. 171 Ibid., p. 102.
73
escultor coloca-se numa “relação directa com a matéria”172, pleno de
autenticidade, sem intermediários, e à medida que avança num processo
cauteloso e racional tem a liberdade de poder redefinir o que antes idealizou.
Seja como for, este paciente e tenaz caminho não rejeita a possibilidade de
terem sido feitos estudos prévios como desenhos ou esbocetos. Aliás,
segundo o autor anteriormente citado, vários escultores os terão usado173.
Miguel Ângelo, considerado como grande defensor do talhe directo,
sobejamente conhecido por antever a figura no bloco, terá usado uma
maneira “ágil e rápida de anotação de uma ideia em forma tridimensional”174
como o modelo em cera para o Jovem Escravo175. Posteriormente, Bernini
também terá feito esbocetos, apesar de não os usar quando trabalhava na
obra definitiva. Trabalhar a partir dos esbocetos seria, segundo o escultor,
como não reportar-se nem à natureza nem à ideia que formulara na sua
mente mas, antes, a uma abstracção176. Mesmo assim, os estudos prévios
podem ser úteis na medida em que ajudam a definir ideias e a prever alguns
problemas que acabarão por surgir na obra definitiva.
Por outro lado, os vários métodos de reprodução177 desenvolvidos no
Renascimento e muito usuais na escultura da pedra, não serão tão habituais
no talhe da madeira, como, na generalidade de todos os processos em que
este material é suporte da escultura178. Facto que, em nosso entender, não
deixa de ter um significado útil e vantajoso. Porque, será na passagem do
modelo para a escultura definitiva que, por vezes, se perde a frescura e a
tensão que maior interesse escultórico dão à obra. Do mesmo modo, se o
desenvolvimento do projecto acontecer por acção directa do escultor, esse
risco quase sempre é mitigado porque há uma efectiva junção entre o acto
de pensar e o acto de fazer. 172 BAUDRY, M-‐T. -‐ Principes d’analyse scientifique: La Sculpture, Méthode et Vocabulaire. Paris: Imprimerie Nationale, 1978, p. 147. 173 Vasari defende que Miguel Ângelo terá feito um modelo em cera como preparação para o David In, WITTKOWER, R. – Escultura. São Paulo: Martins Fontes, 2001 p.130. 174 WITTKOWER, R. – Escultura. São Paulo: Martins Fontes, 2001 p. 130. 175 Ibid., p. 131. 176 Ibid., p. 203. 177 Defenitor de Albertii, Bastidor barroco, Três compassos, Máquina de reprodução por pontos de Gatteaux. 178 Pensamos assim, por não haver um grupo profissional para a madeira similar aos canteiros para a pedra.
74
O uso da madeira neste processo, como noutro, obriga a termos sempre
presente as propriedades físicas, químicas e mecânicas das diferentes
espécies, que anteriormente descrevemos179.
Assim, na preparação do bloco, o escultor deve considerar a origem da
madeira, a sua formação, a espécie a que pertence, o grau de secagem em
que ela se encontra e, se as houver, a presença de anomalias180, para
extrair deste material o melhor que o seu pensamento lhe aprouver.
O tronco como estrutura anatómica organizada, muitas vezes ponto de
partida para o talhe directo, deve ser tido sempre em conta, mesmo quando
o que vai servir de material não seja um tronco propriamente dito. Isto é,
uma viga que resulte do aparelhamento de um tronco, ou um bloco
construído, por vigas, barrotes ou elementos mais pequenos, não deixa de
ter características do local que ocupava na árvore. É necessário estar em
sintonia com a natureza de cada madeira, compreender a sua localização no
tronco181 para prever a lógica das suas alterações futuras182. Para o escultor,
este cuidado, não é mais só um desafio a desvendar na madeira, é antes
uma forma de a saber ler e interpretar tanto nas suas potencialidades como
nas suas limitações.
De facto, é diferente o comportamento da madeira na colagem de resinosas
ou folhosas, de cerne e borne da mesma espécie, do grau de secagem, ou
entre peças tangenciais e radiais183.
Por isso será sempre mais profícuo ligar elementos da mesma espécie e se
possível da mesma árvore. A preferência por peças de determinado corte,
179 BAUDRY, M-‐T -‐ Principes d’analyse scientifique: La Sculpture, Méthode et Vocabulaire. Paris: Imprimerie Nationale, 1978, p. 159. 180 Ibid., p. 160. 181 Ver imagem 10. 182 TEIXIDÓ, J. e SANTAMERA, C. – A Talha Escultura Em Madeira. Lisboa: Editorial Estampa, 1997, p. 84. 183 Nas resinosas, por serem mais porosas, é mais eficazes a colagem, ao passo que as folhosa, sobretudo as de maior densidade, têm sérias dificuldades ligações completamente estáveis só com cola a cola. CARVALHO, A. - Madeiras Portuguesas. Vol. I. Lisboa: Instituto Florestal, 1996, p. 291.
75
radiais ou tangenciais, em detrimento da mistura delas deve ser
considerada184. Devemos, ainda, ter noção do veio da madeira, que resulta
do sentido de crescimento da árvore, para daí decidir a melhor abordagem
ao talhe. Se pretendemos juntar vários elementos, para construir um bloco,
haverá sempre vantagens em conhecer estes dados para, no acto de talhar,
prevermos com maior exactidão o que vai acontecer, ainda que queiramos
obter resultados que contrariem esta lógica, isto é, se quisermos contrariar a
“lei da madeira”, primeiro teremos que a conhecer.
Por outro lado, usando uma expressão dos carpinteiros, a “madeira trabalha”
conforme perde ou ganha humidade. Ao secar, o comprimento de um tronco
ou de uma viga não varia muito, mas o diâmetro a largura pode perder até
10% das dimensões iniciais185. Assim, a retracção axial é,
proporcionalmente às outras, muito pequena e sem resultado prático, já, a
retracção tangencial tem o mais alto valor e a retracção radial é em geral 1,5
a 2 vezes menor que a tangencial186. Isto porque as fibras da madeira quase
não se comprimem ou dilatam em comprimento e porque o lenho do cerne é
mais denso que o do borne e por isso é menos sensível à absorção ou
libertação de humidade; como a madeira radial é constituída por maior
quantidade de cerne contrai-se e dilata menos enquanto que a tangencial
mais rica em borne, pelo contrário, varia mais de volume.
Daí se depreender que um corte que contenha, na mesma peça, cerne e
borne esteja sujeito a empenar quando, na secagem, se contrai, porque o
lenho mais jovem, ou seja o borne, contrai-se mais.
Por outro lado, a madeira acabada de cortar tem tendência a prosseguir o
movimento desenvolvido na árvore. Se a árvore se torceu em virtude do
vento as tábuas dela resultantes tendem a sofrer um revirado, isto é, um
duplo empeno. Contudo, em casos específicos, o que parece um problema
184 CARVALHO, A. - Madeiras Portuguesas. Vol. I. Lisboa: Instituto Florestal, 1996, p. 293. 185 TEIXIDÓ, J. e SANTAMERA, C. – A Talha Escultura Em Madeira. Lisboa: Editorial Estampa, 1997, p. 34. 186 CARVALHO, A. - Madeiras Portuguesas. Vol. I. Lisboa: Instituto Florestal, 1996, p. 165.
76
pode resultar numa vantagem se a aplicação aproveitar o defeito em seu
benefício.
De uma maneira geral, algumas espécies serão mais adequadas do que
outras para determinados projectos tanto pelas dimensões como pelas
propriedades. Não será adequado talhar uma pequena forma na mesma
madeira que uma escultura colossal187 porque o que pode ser perturbador
numa escultura de pequenas dimensões acaba por passar despercebida
numa escultura grande. Por outro lado, sabemos que a qualidade da
madeira de buxo é irrepreensível para o talhe mas, estamos limitados às
suas dimensões que são, habitualmente, pequenas. A balsa é boa para
esculturas que façam da leveza uma necessidade, no entanto é muito frágil,
tem pouca resistência mecânica. Todavia, para a escultura, toda a madeira é
útil e boa, se não for para um desígnio será para outro.
O cedro, usado para os sarcófagos pelos egípcios, e o canforeiro, são
consideradas madeiras “incorruptíveis,” para além de não serem atacadas
pelos insectos, têm substâncias extractivas, que os afugentam. O iroko é
resistente à humidade e aos insectos188. A teca é uma madeira oleosa, não
apodrece nem oxida os pregos, é dura e elástica, não se contrai e é fácil de
ser trabalhada, muitas vezes é considerada a melhor de todas para ser
usada no exterior189.
De todas as maneiras, a variedade das madeiras é tal que, por vezes, se
torna difícil distinguir duas espécies semelhantes. Dentro das múltiplas
variedades de pinheiro ou cedro é difícil fazer distinções. Por outro lado,
podem aplicar-se nomes iguais a madeiras que pouco têm em comum como
o caso do carvalho francês e o carvalho americano190, são de facto dois
carvalhos mas muito diferentes um do outro. Mesmo assim, é útil agrupar as
187 BAUDRY, M-‐T. -‐ La Sculpture: Principes d’analyse scientifique. Méthode et Vocabulaire, Paris: Imprimerie Nationale, 1978, p. 159. 188 TEIXIDÓ, J. e SANTAMERA, C. – A Talha Escultura Em Madeira. Lisboa: Editorial Estampa, 1997, p. 45. 189 Ibid., p. 43. 190 Ibid., p. 40.
77
madeiras do modo como o fizemos anteriormente em gimnospérmicas e
angiospérmicas porque é nessa divisão que residem a maioria das
diferenças.
Em Portugal, entre 1500 e 1800, altura em que predominaram os trabalhos
em madeiras, terão sido mais usadas para produções de grande escala, o
carvalho e o castanho e as árvores de fruto, para trabalhos mais pequenos.
Com menos frequência foram ainda usadas o cedro o buxo191. Hoje a
madeira é transportada com facilidade por todo o planeta, por isso algumas
espécies que chegam à Europa são oriundas de zonas do globo com menor
acentuação da estações – tropicais ou subtropicais - o que lhes confere
maior estabilidade; em contrapartida, é necessário ter muito cuidado com a
susceptibilidade destas madeiras às variações de humidade que são muito
marcadas nas zonas temperadas192. Hoje em dia, é comum importar-se
madeira de coníferas do norte da Europa como o pinho nórdico, conhecido
por casquinha vermelha ou branca ou várias espécies de abetos e espruces,
que são aplicadas sobretudo para esculturas com características estruturais.
Para o talhe directo, as folhosas de uma forma geral: carvalho, olmo,
oliveira, castanho, nogueira, parecem ser as mais apropriadas tanto pela
organização da estrutura interna que é mais coesa193, como pela qualidade
do acabamento da superfície.
Um dado interessante é que os escultores portugueses que na actualidade
usam madeira, apesar do desinteresse pelos materiais, manifesto por
alguns194, acabam por usar, preferencialmente, as madeiras mais indicadas,
o que não deixa de ser revelador da continuada fluência de conhecimento
191 LOPES, J. -‐ Tecnologias da Escultura. In, Dicionário de Escultura Portuguesa. Lisboa: Caminho, 2005 pp. 574-‐575. 192 CARVALHO, A. -‐ Madeiras Portuguesa: Estrutura Anatómica, Propriedades, Utilizações. Volume I, Lisboa: Instituto Florestal, 1996, p. 25 . 193 A coesão transversal deve-‐se aos raios lenhosos muito frequentes nas angiospérmicas e quase inexistentes nas gimnospérmicas. In, CARVALHO, A. -‐ Madeiras Portuguesa: Estrutura Anatómica, Propriedades, Utilizações. Volume I, Lisboa: Instituto Florestal, 1996, p. 25, esta característica é fundamental quando no talhe directo são necessário cortes multidireccionais. 194 A escultora Maria Lino, na entrevista, afirma que os materiais e as tecnologias não lhe interessam nada.
78
seja por que via for. De todas as maneiras, convém sublinhar, que ao
escultor é o conhecimento de base científica o que mais lhe interessa.
Varias são as madeiras e também as formas, porém, em cada tronco ou em
cada bloco de madeira podem existir tantas formas ocultas quantas as ideias
de quem as observa195.
Assim, no talhe directo, apesar de estarmos perante um processo
continuado de subtracção, para além dos trabalhos prévios, já referidos,
podemos considerar três etapas: o desbaste, a definição da forma e o
acabamento196.
O desbaste consiste em eliminar a maior quantidade de madeira com a
finalidade de determinar a distribuição, proporção e o equilíbrio dos volumes
dominantes. Nesta fase, para além de ser necessário controlar os aspectos
técnicos, com ferramentas ou máquinas, é exigido o domínio preciso do
volume. É um passo decisivo197, de tal forma importante, que se errarmos
nesta fase e não for possível a devida correcção, é preferível abandonarmos
a escultura e começarmos tudo de novo198.
Se a forma que projectamos é simples - rectilínea ou de curvas amplas –
para subtrair a maior parte da madeira podemos usar a serra de fita ou
motosserra. Se for mais complexa este passo deve ser feito em dois tempos:
primeiro procedemos a cortes perpendiculares à linha da forma e, se
possível, também perpendiculares aos veios da madeira. Estes devem ser
paralelos entre si e próximos uns dos outros. Para esta tarefa podem ser
195 Ver imagem 11. 196 TEIXIDÓ, J. e SANTAMERA, C. – A Talha Escultura Em Madeira. Lisboa: Editorial Estampa, 1997, p. 100. 197 Deve considerar-‐se o facto de uma árvore ter em termos de estrutura geral uma sobreposição de camadas cónicas mais ou menos duras, conforme se trate de lenho inicial ou tardio e o corte ser mais fácil na direcção axial e sentido do se crescimento, isto é da base para o topo do cone. In, CARVALHO, A. - Madeiras Portuguesas. Vol. I. Lisboa: Instituto Florestal, 1996, p. 31. 198 Dependendo do tipo de madeira há algumas vantagens na sua utilização porque, quando ocorre o erro, quase sempre é possível fazer adições de material através de ligações com a ajuda várias técnicas, em particular com a colagem. In, TEIXIDÓ, J. e SANTAMERA, C. – A Talha Escultura Em Madeira. Lisboa: Editorial Estampa, 1997, pp.106,107.
79
usada uma serra manual, a motosserra ou a rebarbadora com um disco de
corte. Depois, com a ajuda de uma goiva plana ou um formão, retiramos
pela base as tiras de madeira, formando como que uma escada ou dentado
o que já faz transparecer uma ideia da forma ainda que em bruto.
Nesta fase devemos ter o cuidado de deixar uma distância à linha que
delimita a forma, tendo em conta o tamanho da obra, uns milímetros nas de
pequenas dimensões e uns centímetros nas de grande dimensão.
No caso da peça de madeira não ter peso suficiente para suster a força
exercida durante o talhe devemos deixar nos extremos do bloco duas
pequenas porções excedentárias para poder fixa-la199.
Retirada a maior parte da madeira, procedemos à definição dos volumes e
planos dominantes. Nesta altura, é necessário observar cuidadosamente a
madeira, os seu veios, nós e possíveis veios retorcidos, para prever as
dificuldades. Depois, devemos desenhar os eixos nas diversas faces da
forma para situar o desenho com maior precisão. A madeira deve ser
imobilizada, de preferência, na horizontal 200 por ser mais fácil e mais seguro
trabalhar nela nessa posição. O desbaste deve respeitar os conselhos de
Miguel Ângelo e ser iniciado pelos pontos mais salientes201, talhando em
camadas sucessivas em todos os planos da escultura de modo a evitar
desviar a atenção para pormenores. Dependendo da escala da escultura
podemos usar a goiva, a rebarbadora com disco de desbaste ou a
moto/electrosserra.
Nesta altura, interessam-nos a distribuição de planos, volumes e perfis. Se,
por comodidade e segurança, trabalhamos na horizontal é necessário
colocar o bloco na posição correcta, com uma certa frequência, para
199 As fixações à bancada podem ser efectuadas no torno ou através de grampos. 200 BRANDY, M-‐T. -‐ La Sculpture: Principes d’analyse scientifique. Méthode et Vocabulaire, Paris: Imprimerie Nationale, 1978, p. 164. 201 WITTKOWER,R – Escultura. São Paulo: Martins Fontes, 2001 p. 120.
80
podermos observar a evolução da forma202. Interessa-nos uma visão de
conjunto, por isso, devemos afastar-nos e contornar o volume para observar
a variação da luz/sombra e ver o que é conveniente corrigir203.
Nesta fase, é necessário ser muito exigente com as proporções e não ter
dúvida em delinear de novo o talhe, ou até abandonar a madeira se a
estrutura fundamental falhar. É nesta hierarquização de critérios que reside
a diferença entre uma boa escultura e um trabalho artesanal. Ao escultor
interessa-lhe uma observação global em vez do pormenor204.
Podemos, então dizer que damos por terminado o desbaste, apesar da
continuidade já referida, quando a madeira, com uma sucessão de planos e
arestas, protegem a forma oculta a pouca profundidade205.
Na definição da forma ou modelação, já com os volumes distribuídos, damos
uniformidade e continuidade à superfície para traçar os perfis da forma
desejada. É como entrar numa espiral que, progressivamente nos vai
aproximar dos contornos do volume definitivo. Quanto mais avançamos
mais rigoroso será o trabalho mas não podemos deixar de ter uma perfeita
noção global da escultura. Daí que continuemos a recolocar periodicamente
a madeira na posição definitiva e remarquemos os eixos à medida que se
vão rasurando206.
É conveniente não deixar para trás zonas mais difíceis ou terminantes como
as mão ou pés de uma figura. Não faria sentido abandonar uma escultura
quase pronta por se falhar em zonas mais complexas. À medida que nos
vamos aproximando da forma definitiva, no caso de ser uma escultura de
pequenas dimensões, parece-nos conveniente usar goivas cada vez mais 202 TEIXIDÓ, J. e SANTAMERA, C. – A Talha Escultura Em Madeira. Lisboa: Editorial Estampa, 1997, p. 108. 203 A escultora Maria Lino, na entrevista que nos concedeu, também se referia a essa problemática quando dizia que era conveniente ver a escultura de longe para dela ter uma visão geral e não se fixar no pormenor. Ver entrevista p. 5. 204 TEIXIDÓ, J. e SANTAMERA, C. – A Talha Escultura Em Madeira. Lisboa: Editorial Estampa, 1997, p.109. 205 Ibid., p.109. 206 Ibid., p. 110-‐111.
81
estreitas, com menos curvatura e maços mais pequenos e mais leves para
melhor definir os pormenores se assim desejarmos. No entanto, se a
escultura for de grande escala e ousarmos prosseguir com a rebarbadora
devemos trabalhar com o disco quase paralelo à superfície da madeira para
melhor controlar os detalhes se assim o entendermos207. Porém, nada
impede que possamos acabar uma escultura só com uma ferramenta
apenas, se a ideia que escolhemos para a escultura não passar por detalhes
ou, simplesmente, quisermos explorar esse facto.
As zonas de fixação do bloco devem ser mantidas até onde pudermos, mas,
vai chegar o momento em que teremos de as eliminar, nessa altura
protegemos a madeira para evitar mossas na escultura. Essa protecção
poderá ser feita com algo que amorteça o impacto como a cortiça, um tecido
grosso ou outro material macio.
À medida que vamos finalizando a modelação convém detectar as pequenas
incorrecções e fazer os devidos ajustes, para tal, devemos passar a palma
da mão pela superfície ou então observar em contraluz à medida que
contornamos a escultura quando as dimensões o permitem208. É um
processo lento e laborioso209. As protuberâncias, ondulações, planos
descontínuos ou alterações de ritmo das marcas da goiva saltam à vista,
sobretudo com a incidência da luz, pela sombra que projectam. Quando,
pelas dimensões da escultura ou simplesmente por opção, usarmos só a
rebarbadora ou outra ferramenta como a motosserra, a conjugação do
reflexo da luz com a projecção da sombra acabam sempre por ser uma
ajuda para perceber o que falta retirar.
207 Ibid., p. 109. 208 Se a escultura for de grandes dimensões, isto é, muito acima da escala humana é necessário um considerável afastamento para termos a noção da totalidade da forma, neste caso a mão, porque é longa a distância, nada poderá ajudar para perceber a superfície. Servir-‐nos-‐emos da visão apenas para, através da luz/sombra, termos uma leitura correcta do material que devemos retirar. 209 MATIA, P. et al. -‐ Procedimientos y materiales en la obra escultórica, Madrid: Akal-‐Bellas Artes, 2009, p. 21.
82
Depois da modelação e de acordo com que se pretende, ou a “escultura
pede”210 opta-se por terminar (ou dar por terminada) com acabamento
minucioso ou deixando a expressão do talhe da goiva. No segundo caso,
deve ter-se muito cuidado, sobretudo na última camada subtraída, para
deixar um corte limpo, para tal deve usar-se a goiva bem afiada e afinada.
Neste caso, chamamos a atenção para não correr o risco de, em prol da
expressividade, ocultarmos defeitos de forma ou, dito de outro modo, não
devemos querer ocultar com a expressividade da textura o que não foi
conseguido na definição de volumes. Por fim, protegemos a madeira com
materiais adequados dependendo se é para o interior ou exterior.
Porque, como defende Focillon, no dia em que desnuda a árvore do seu
manto rugoso para lhe revelar a carne, polindo-lhe a superfície até a tornar
lisa e perfeita, o escultor inventa uma epiderme, suave para a vista e para o
tacto, e os veios, destinados a permanecer profundamente ocultos,
apresentam à claridade misteriosas combinações211.
No caso de querer apresentar superfícies isentas da marca da goiva
passamos à etapa final “ finis coronat opus”212. O acabamento dá particular
ênfase à textura superficial e é realizada em três passos: primeiro nivelamos
as arestas deixadas pela goiva, ou disco da rebarbadora se for o caso,
depois eliminamos as fibras soltas e por fim acabamos com o polimento.
Para nivelar usamos limas bastardas ou grosas. Devemos evitar alisar a
superfície a contra-fio para não levantar fibras. No entanto, pode ser feito
dessa maneira para dai retirar expressividade. Para eliminar as fibras ou
fiapos devemos usar facas ou raspadores de carpinteiro no sentido do 210 Por vezes, o que tínhamos estabelecido para uma escultura, sobretudo quando talhamos directamente a madeira, pode altera-‐se porque este processo assenta no contínuo confronto com a matéria. A qualquer momento o que estava projectado deixa de fazer sentido porque, como defende Focillon, afinal, as matérias comportam um determinado destino, uma determinada vocação formal, por isso limitam ou desenvolvem a vida das formas, e prestam-‐se a um tratamento em particular. Ou seja, a madeira tem já uma forma, textura ou cor que suscitam ou um determinado tratamento. In, FOCILLON, H. – A Vida das Formas Seguido de Elogio da Mão. Lisboa: Edições 70, 2001, pp. 56-‐57. 211 FOCILLON, Henri – A Vida das Formas Seguido de Elogio da Mão, Lisboa: Edições 70, 2001 p. 116 212 Tradução do Latim: o fim (a finalização) coroa a obra.
83
crescimento da madeira. Para polir são usadas lixas de grão cada vez mais
fino manualmente ou com ajuda de máquinas. Nas primeiras lixas, de grão
mais grosso ainda devemos orientar a lixa no sentido do veio da madeira,
manualmente ou com a lixadeira mecânica. Nas lixas mais finas devemos
fazer movimentos circulares. Se quisermos obter um polimento mais intenso
podemos humedecer a madeira, deixar secar e polir novamente. Esta prática
faz com que se verifique expansão e contracção da madeira o que leva a
libertar na superfície as extremidades das fibras que ao serem polidas
deixam a escultura cada vez mais lisa.
Mas o acabamento pode não terminar aqui dependendo dos objectivos do
escultor e do lugar que a madeira vai ocupar. Se for para colocar no interior
nada impede que se deixe a madeira ao natural. Se pretendemos maior
durabilidade aplicamos vernizes ou ceras. Deve ter-se muito cuidado com os
brilhos. Não há como experimentar previamente num pedaço de madeira
com a mesma origem e o mesmo tipo de acabamento para ver o resultado e
prevenir imprevistos que prejudiquem a escultura. Nas esculturas para o
exterior não se pode improvisar: devem escolher-se madeiras oleosas, por
serem mais resistentes às alterações climatéricas, e evitarem-se parafusos
ou outros materiais que oxidem em contacto com o ar. De uma forma geral,
as madeiras oleosas não necessitam de protecção mas, na sua maioria, ao
perder a resina abrem gretas. Para evitar este facto pode aplicar-se óleo de
linhaça213, que lhes dá uma cor de mel e as escurece ligeiramente. Para
proteger dos insectos e da humidade pode aplicar-se creosoto214, um
derivado do petróleo que apesar de alterar ligeiramente a cor natural da
madeira é eficaz cerca de duas décadas215.
E resumo, o talhe consiste num continuado processo que, como defende
Miguel Ângelo, visa libertar da matéria a forma contida dentro do bloco.
Talhar um tronco ou bloco de madeira é um trabalho antigo, difícil e
213 A escultora Maria Lino recomenda a seguinte mistura: “em partes iguais óleo de linhaça, aguarrás e petróleo”. In, entreveista a Maria Lino p. 6. 214 O creosoto tal como quase todos os outros preservadores da madeira são nefastos para a saúde dos humanos, sempre que possível devem ser evitados. 215 CARVALHO, A. - Madeiras Portuguesas. Vol. I. Lisboa: Instituto Florestal, 1996, p. 256.
84
irreversível, que requer que o escultor que vá criando, paulatinamente, a sua
obra à medida que o tronco ou bloco vá revelando a sua estrutura interna216.
Nele podemos distinguir três etapas de um processo de subtracção: o
desbaste, a definição da forma e o acabamento. Desbastar consiste em
subtrair a maior quantidade de madeira com a finalidade de determinar a
distribuição, proporção e equilíbrio dos volumes dominantes. Definir a forma
é perfilar os contornos e apurar os perfis até conseguir a forma desejada. E,
por fim, acabar é valorizar a textura sendo que se pode deixar visível a
marca da goiva ou optar por alisar ou polir217.
De grosso modo, o talhe directo em madeira pode equiparar-se a uma
caligrafia, com a prática iremos adquirindo destreza e, com o tempo, sem
que nada de concreto façamos para isso, reflectirá a nossa personalidade218.
Contudo, ao escultor, durante o acto criativo pouco lhe interessam estes
pormenores e não tem a noção exacta da passagem das etapas como
também não se preocupa se o que está a fazer se enquadra neste ou
naquele método. O que sempre quererá é estabelecer uma ruptura entre as
matérias da arte e as matérias da natureza ainda que unidas entre si por
uma estrita afinidade formal. Pretende, como defende Focillon, instituir uma
nova ordem porque a madeira da escultura, já não é a madeira da árvore219.
216 SUREDA. La madera. Barcelona: Editorial Blume, 1978, p. 200. 217 TEIXIDÓ, J e SANTAMERA, C – A Talha Escultura Em Madeira. Lisboa: Editorial Estampa, 1997, p.106. 218 Ibid., p.102. 219 FOCILLON, H. – A Vida das Formas Seguido de Elogio da Mão. Lisboa: Edições 70, 2001, p. 57.
85
2- SISTEMAS CONSTRUTIVOS: ASSEMBLAGEM E ESTEREOTOMIA
Construir, assemblar ou construir pela estereotomia são palavras ou
expressões usadas no vocabulário corrente da escultura cujo significado
corresponde a métodos ou técnicas de natureza semelhante mas que na
realidade prática têm alguma diferença. Na verdade, cada um destes
métodos têm por base uma ideia estrutural de trabalho semelhante mas
diferem entre si em algumas especificidades técnicas. No entanto, só no
campo teórico e talvez conceptual ou estritamente “técnico”, é que existe a
preocupação de fazer-se esta separação; na praxis, quando o escultor une
“pensar” e “fazer”, em especial quando o material é a madeira, porque é
susceptível de ser trabalhada de múltiplas maneiras, esta diversidade não
lhe provoca qualquer inquietação. Distanciado de “certos purismos” o que
verdadeiramente preocupa o escultor é materializar, isto é, dar corpo à
escultura, ou seja, transformar uma ideia numa forma tridimensional. Tantas
vezes o resultado final de uma obra congrega resoluções formais que
associam vários métodos. Estes, sistemas que agora enumerámos,
partilham de algumas preocupações, como a conquista do espaço, ou
soluções técnicas relacionadas com a necessidade de se efectuarem
ligações entre os seus elementos. No fundo, existe em todos eles um
carácter categórico de fundo construtivo. Mas, a estereotomia e a
assemblagem acabam por ser duas maneiras de fazer construção, tendo a
construção uma concepção mais abstracta, isto é mais indeterminada ou
vaga.
Sendo assim, o termo construção220, com um sentido mais genérico, é um
processo ou resultado de construir,221 significa para a escultura a acção de
compor ou elaborar algo dando-lhe uma estrutura própria, ou seja, reunir e
220 De origem latina, contructío, ónis, acto ou efeito de construir. In Houaiss, A. -‐ Dicionário da Língua Portuguesa. Tomo II, Lisboa: Círculo de Leitores, 2003 p. 1055. 221 Criar algo juntando materiais variados em determinada forma seguindo determinado projecto; do latim, construo,is,úxi,úctum,ére : amontoar , acumular, empilhar, levantar, construir, edificar.
86
dispor metodicamente as partes de um todo. Ficamos, então, com a ideia
que o termo construção tem um significado com carácter mais abrangente.
A este propósito, podemos, então, dizer que construir também é agregar e
sobrepor, em solução de assemblage222, uma série de objectos ou materiais,
obtendo-se formas mais ou menos complexas223. Um terceiro modo de fazer
escultura pela junção224 ou o trabalho obtida pela ordenação de elementos
geralmente geométricos de diversos materiais225.
Nos processos de construção com madeira, ao contrário de outros materiais
mais pesados, que se sustentam por empilhamento, quase sempre são
necessárias ligações. Há neste âmbito várias tipologias mas a colagem e a
ligação por componentes em madeira ou metálicos são os mais significativos
para a escultura226. Porém, há esculturas em que a elevada densidade da
madeira e o tamanho das partes que a compõem são de tal ordem que a
força da gravidade e o equilibro mecânico bastam para mantê-la estável227.
Nestes casos podem ser dispensados os meios de ligação e estamos
perante o método de construção mais simples.
Por outro lado, como acontece para todas as técnicas e em quase todos os
processos, também nos métodos construtivos são possíveis e desejáveis os
estudos preparatórios. Na construção a realização de desenhos, maquetas
ou outros estudos tridimensionais prévios como protótipos, podem ser
determinantes na medida em que levantam e ajudam a resolver muitos dos
problemas que a obra final vai ter que ultrapassar. Nalguns casos, este
222 Francesismo adoptado para significar a composição artística realizada com objectos descartados ajustados uns aos outros. In Houaiss, A. -‐ Dicionário da Língua Portuguesa. Tomo I, Lisboa: Círculo de Leitores, 2003 p. 414. 223WOOD, P et al - Modernismo em Disputa: A arte desde os anos quarenta. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 1993 p. 179. 224 RICKEY G. -‐ Construtivismo: Origens e evolução, Tradução de Regina Carvalho, São Paulo: Cosac & Naity, 2002, p. 77 225 BRANDY, M-‐T. -‐ La Sculpture: Principes d’analyse scientifique. Méthode et Vocabulaire, Paris: Imprimerie Nationale, 1978, p. 539 226 MEILACH,D.-‐ Contemporary Art With wood: creative techniques and appreciation, London: George Allen, 1968, p. 26. 227 Ver imagem 13.
87
estudos, guardam com eles a essência de uma obra, porque neles
permanece a ideia original, primeva, em que o destaque é a naturalidade do
escultor em seu sublime e único momento de criação.
As ligações são uma constante no modo de construir mas a ideia de integrar
elementos, do mesmo material ou de proveniência diversa, com a intenção
de configurar um objecto susceptível de ser avaliado globalmente como uma
peça escultórica, unitária, já aparece com frequência na tradição escultórica.
Disso tem vindo a fazer referência a história de arte desde há muito
tempo,228 apesar do desenvolvimento sistemático da ideia de escultura como
construção, na sua dupla dimensão técnica e conceptual, poder estar
maioritariamente ligada às apirações da escultura moderna e
contemporânea. Se observarmos com atenção as esculturas feitas em
madeira desde o Antigo Egipto à Contemporaniedade, passando pela Idade
Média, Renascimento e Barroco encontraremos vestígios de soluções
técnicas encontradas pelos escultores para ultrapassar os limites
dimensionais e espaciais do tronco. De todas as maneiras, nesse tempo, o
acto de juntar ou montar era subaterno ao talhe, ma actualidade algumas
esculturas como a Hearth de Carl André, visível no Centro Pompidou, em
Paris, a ecultura tem valor como montagem. A escultura em si vale não só
pela forma mas também pela construção229.
Atendendo ao facto que o método construtivo tem como principal objectivo o
domínio do espaço230, nesta área, a madeira parece ter vantagens sobre
outros materiais, tanto pela específica relação densidade/resistência como
pela alta flexibilidade que lhe são inerentes. De facto, a baixos valores de 228 Já os escultores egípcios tinham feito ligações na madeira que usaram tanto nos sarcófagos como nas esculturas figurativas, em Portugal podem ser observados alguns exemplos no Museu nacional de Arqueologia, na secção de antiguidades egípcias, ou no Museu Calouste Gulbenkian mas, foi a partir da Idade Média, com os retábulos de grandes dimensões, que esta prática tomou grandes proporções. A partir do século XVII, as peças de madeira dos blocos assemblados, passam a ser dispostos verticalmente para definir com maior precisão a anatomia da cabeça e dos corpos. In, BRANDY, M-‐T -‐ Principes d’analyse scientifique: La Sculpture, Méthode et Vocabulaire. Paris: Imprimerie Nationale, 1978, p. 165. 229 Ver imagem 14. 230 O escultor Julio Gonzáles descreveu a construção como sendo a nova arte de desenhar o espaço. In RICKEY G. -‐ Construtivismo: Origens e evolução, São Paulo: Cosac & Naity, 2002 p. 77
88
densidade e peso podem estar associados resistências elevadas, o que, do
ponto de vista estrutural pode resultar vantajoso. É que a madeira na árvore,
como anteriormente fizemos referência, tem já função estrutural231 o que à
priori lhe dá aptidões inequívocas para a escultura de construção.
Muitas vezes, o termo construção também é aplicado para significar o
método ou a escultura que incorpora objectos anteriormente fabricados e
que, no acto criativo, foram reutilizados tais como: cadeiras, pernas de
mesa, pedaços de móveis velhos, ou outros originários de desperdício como
restos da confecção de mobiliário, ou tábuas resultante da desmontagem de
estruturas industriais como as paletes ou caixas de fruta. Quando estes
objectos se integram num corpo único o resultado denomina-se assemblage
ou assemblagem. É costume excluir deste processo técnicas que alterem a
configuração do material ou dos objectos antes ou depois da ligação.
No caso de se tratar de madeiras usadas, o facto de, circunstancialmente,
estes materiais terem a forma de objectos com significado noutros
contextos, não invalida, do ponto de vista conceptual, a ideia de construção,
ou seja, não é o facto de estarem mais ou menos modificados que altera o
essencial do processo construtivo.
Sendo assim, assemblagem é o nome que se dá ao trabalho produzido a
partir da incorporação de objectos do dia-a-dia na composição de um obra
independente232. Neste tipo de trabalho é importante que esses objectos,
apesar de assumirem novos significados estéticos e simbólicos, mantenham
algo da sua identidade original233. A assemblagem parece, então, estreitar a
231 CARVALHO, A. - Madeiras Portuguesas. Vol. I. Lisboa: Instituto Florestal, 1996, p. 17. 232 AA.VV. -‐ Diccionários Oxford-‐Complutense: Arte del siglo XX. Madrid: Editorial Complutense, 2001, p. 52. 233 O termo "assemblage" terá sido popularizado, no meio artístico, por Jean Dubuffet por volta de 1950, apesar desse tipo de obra artística já vir a ser produzido desde o início do século XX, tanto nas colagem feitas por Picasso e Braque como nas esculturas de Boccioni e Marinetti. in GARAHAM-‐DIXON, A. -‐ Arte: O Guia Visual Definitivo - Da Pré-história ao Século XXI. São Paulo: Publifolha 2001 p. 596.
89
fronteira entre a arte e a vida quotidiana234. Os escultores que usam esta
metodologia, cultores de uma "estética da acumulação", defendem que todo
tipo de material pode ser incorporado numa obra de arte, desde que esse
material não perca o seu sentido original. Por esta via, não se procura a
alteração ou síntese dos elementos, mas a sua justaposição ou ligação de
modo a manterem a sua identidade no conjunto da obra235. Associadas as
estas técnicas podemos nomear, entre outros movimentos a Junk
Sculpture236 e Arte Povera237 que usaram desperdícios industriais, e
materiais descartados para compor e montar obras de escultura. Convém
referir que os materiais usados nestas tipologias eram, com frequência, de
natureza diversa, combinados segundo critérios de relação e confronto, isto
é, em que poderia haver proximidades entre os materiais, tanto nas formas
como na texturas ou, pelo contrário, o que era posto em relevo eram
discrepâncias da mesma ordem como o tipo ou proveniência de materiais,
texturas cor, tendo em conta os elementos da composição e o gosto de cada
autor. Alguns usam a madeira sem qualquer tratamento, tal como é
encontrada na natureza, como a escultora, Inglesa, Heather Jansch (1948)
que recolhe restos de árvores de várias dimensões, trazidos pelo mar e, sem
lhe alterar a forma, liga-os com cavilhas de modo a construir animais,
sobretudo cavalos. Esta esculturas sugerem movimento e a anatomia dos
animais é conseguida de forma realistas, para além disso, revelam um
sentido ecológico para a escultura, ao mesmo tempo que preservam a
memória do mar na madeira por ele polida. Outros servem-se de restos de
madeira e organizam-nos para tirar partido da forma e da cor que tinham
anteriormente238.
234 AA.VV.-‐ Diccionários Oxford-Complutense: Arte del siglo XX, Madrid: Editorial Complutense, 2001, p. 52. 235 Ibid., p. 52. 236 Traduzido do Inglês como “escultura do desperdício” terá iniciado com David Smith (1906-‐1965) e faz uso do desperdício industrial mas também doutros resíduos deixados na natureza como ramos de madeira e outros. 237 Traduzido do Italiano como “arte pobre”, movimento artístico que teve origem em Itália na década de 1960 e pôs em prática o uso de materiais sem valor comercial como desperdício de madeiras, entre outros. Terá recebido esse nome por pretender desvincular o valor artístico do valor comercial da obra como crítica à sociedade de consumo e ao sistema capitalista de produção. 238 Ver Figuras 18 e 19
90
Sendo assim, a assemblagem é tudo menos uma abordagem purista da
escultura tanto pelo lado experimental que põe em prática como pelo
espectro e heterogeneidade de materiais que usa, no entanto, os escultores
que a adotaram como forma de expressão têm desenvolvido directrizes
próprias para a criação de obras artisticamente coerentes239.
Por outro lado, o que, no campo da escultura, tem vindo a designar-se como
estereotomia parece ter por base a técnica conhecida pelo mesmo nome. No
entanto, entendemos que esse modo de fazer, ultrapasse a complexidade
da técnica para acabar por se instalar no seu espaço criativo. No fundo,
toma caracteristicas próprias de fluidez e ritmo que estão relaccionadas com
o domínio do volume, a exploração do espaço, o controlo do peso e o
aproveitamento rigoroso do material. De facto, na escultura, a esteriotomia é
técnica mas também um modo de fazer peculiar, com uma mecânica própria
que, do ponto de vista do escultor240, também tem uma dinâmica poética.
A estereotomia241, como técnica de dividir científica e regularmente os
materiais de construção em escultura, na madeira, apresenta
particularidades decorrentes das especificidades do material lenhoso que a
distingue da aplicada noutros materiais242. De aparecimento milenar, terá
sido particularmente desenvolvida, a par da mesma técnica para a pedra, a
partir da construção das grandes catedrais na Europa243. Mas, ao contrário
da pedra que não suporta qualquer tipo de flexibilidade – limitada, por isso, a
apenas suportar forças de compressão e por conseguinte à construção por
empilhamento - na madeira, o motivo de resistência mecânica dependente 239 MEILACH, D. -‐ Contemporary Art With wood: creative techniques and appreciation, London: George Allen, 1968 p. 121. 240 Ver entrevista de António Vidigal. 241 Do ponto de vista da formação da palavra, estero + tomia radica no antepositivo estéreo, do grego stereós, á, ón, que significa sólido tridimencional e do pospositivo tomia, do grego, tomé, ês que significa corte ou incisão. In, HOUAISS, A. -‐ Dicionário da Língua Portuguesa. Tomo I e VI, Lisboa: Círculo de Leitores, 2003, pp. 1622, 3538. 242 RABASSA, A. -‐ La Madera y Su Estereotomía. Barcelona: Librería de Álvaro Verdaguer 1900, p. 10. 243 Os artesão terão introduzido àquela época, a estereotomia, uma geometria usada no corte das pedras, que era um importante processo nas construção das catedrais . Essa geometria prática dos canteiros deu origem à Geometria descritiva do séc. XVIII In, SAMPAIO, F. -‐ Matemática, História e Aplicações. São Paulo: Papirus, 2005 p. 75.
91
da estrutura, união e coesão natural das suas fibras o que lhe permite
grande esforço de flexão e também de compressão. Sendo assim, as
propriedades da madeira permitem conciliar leveza, ou seja, baixo peso,
com flexibilidade sem perder resistência o que a torna própria para produzir
vazios e projecções de grande extenção no espaço244
Como afirma Vidigal a estereotomia “[…] para além de servir para dar maior
consistência às construções em madeira permite poupança de material e
facilita a mobilização da esculturas”245 dada a diminuição considerável do
seu peso.
Por isso, os sistemas de aparelho e todos os procedimentos de execução da
estereotomia da madeira, de um maneira geral, são diferentes de outros
materiais. As peças de madeira ao serem ligadas devem ser dispostas de
modo a obedecer às leis da direcção das suas fibras para dar maior solidez
ao conjunto246. Geralmente os vários elementos funcionam melhor se forem
ser prismáticos, isto é, terem ao longo da sua extensão quatro faces para
evitar complicações nas ligações, o que, na prática, equivale a dizer que a
maior ou menor complexidade das formas na sua totalidade deve ser
executada a partir de elementos simples247. Não seria impossível faze-lo
com elementos de secção triangular ou outra configuração mas ficaria
prejudicada a estabilização da forma e seria muito dificil usar meios de
ligação como parafusos ou cavilhas por se aplicarem, obrigatoriamente
forças oblíquas.
Por outro lado, as faces dos elementos a ligar devem ter resistência
mecânica e comportamento semelhantes, daí que a escolha da madeira,
decisão de ângulos de corte e a disposição dos elementos seja fundamental 244 RABASSA A.-‐ La Madera y Su Estereotomía. Barcelona: Librería de Álvaro Verdaguer 1900, p. 259. 245 Entrevista a António Vidigal, p. 3. 246 RABASSA A.-‐ La Madera y Su Estereotomía. Barcelona: Librería de Álvaro Verdaguer 1900, p. 259. 247 Ibid., p. 263.
92
para a estabilidade da escultura. Devem evitar-se ângulos agudos nos locais
de ligação, para não facilitar a desagregação e não expor peças de ligação
aquando do talhe se o houver248.
Deve, ainda, ter-se presente o princípio da estereotomia que diz que: quanto
mais leve for a obra mais resistente se torna porque menos peso tem que
suportar249.
Conforme o tipo de forma a construir seja de superfície contínua ou
estrutural, assim devem diferir os tipos e os meios de ligação. Para
esculturas de superfície contínua como as que esculpiu António Vidigal, o
método de ligação é simples e recto, isto é, em toda a extensão das faces
dos elementos, por encosto com a aplicação de orgãos metálicos - no caso
parafusos - ou cola, reforçada ou não por orgãos de madeira ou metal. Nas
que têm carácter estrutural, isto é em que existe descontinuidade na
superfície, costumam usar-se vários tipos de encaixe podendo ser colados e
reforçados com orgãos de ligação metálicos ou de madeira.
Assim, a esterotomia da madeira estuda os cortes que podem fazer-se para
facilitar a ligação de várias peças250 com vista a produzir formas,
previamente projectadas.
O motivo da resistência mecânica destas ligações assenta na estrutura de
união e na coesão estrutural das fibras de cada elemento de madeira. Por
isso devem seleccionar-se madeiras adequadas às características de cada
escultura. De uma maneira geral, as resinosas respondem melhor a
248 António Vidigal chama a atenção para esse facto: “ Quanto aos parafusos é preciso ter muito
cuidado porque como ficam o interior da madeira temos que contar que ao definir e acabar a
forma podemos intercepta-‐los no corte. Na exposição das Caldas da Rainha há uma escultura em
que tive que fazer uma correcção por isso mesmo”. In, Entrevista a António Vidigal, pp. 3,4. 249 Ibid., p. 263. 250 Ibid., p. 10.
93
problemas estruturais e as folhosas a questões de talhe e apuramento de
superfície251 porém, há madeira de algumas espécies de folhosas que
suportam bem as estruturas como por exemplo a de castanheiro e o ulmeiro
ou, por utro lado, há algumas resinosas que também são adequadas para o
talhe directo com acabamento superficial mais cuidado como por exemplo as
várias espécies de cedros.
Apesar de termos salvaguardado as diferenças, optamos por agregar a
construção, a assemblagem e a estereotomia, devido ao facto de serem
processos ou conceitos cujo conteúdo ou resultado formal se permite ocorrer
ligados ou em complementaridade. Isto é, a ideia de construção mais
genérica, agregada ao acto de montar e compor, ocorrem tanto na
assemblagem como estereotomia. Na assemblagem, como método mais
livre na organização de procedimentos, a composição da escultura pode
acontecer durante a montagem, ao sabor da relação dos elementos ou
partes. No caso específico da estereotomia em que o corte rigoroso da
madeira precede a acção de construir, terá que haver, um estudo prévio,
muito rigoroso, com base na geometria.
Mesmo assim, para concluir alguns destes trabalhos de escultura, para além
destes procedimentos, o escultor necessita de por em prática outro tipo de
métodos complementares. Quando o escultor, num processo criativo tem a
ideia, define o conceito ou encontra a forma, pode ainda não ter
preocupações quanto ao método ou métodos a usar para a materialização
final, o que, por vezes, acaba por resultar em fusão de métodos ou técnicas
e ao mesmo tempo pode ter necessidade de adoptar dois ou mais processos
de trabalho.
Quando é posto em prática um processo construtivo mais ou menos rigoroso
e é complementado pelo talhe, o que acontece frequentemente, nestes
casos, pode não ser legítimo denomina-lo de directo tendo em conta o facto
251 CARVALHO, A. -‐ Madeiras Portuguesa: Estrutura Anatómica, Propriedades, Utilizações. Vol. I, Lisboa: Instituto Florestal, 1996, p. 289.
94
de o ponto de partida para esta abordagem ser já uma forma em evolução a
preceito de outra técnica. Isto é, não se trata daquela ideia purista de um
escultor em frente a um tronco ou bloco onde antevemos a escultura que
queremos esculpir.
É nestes casos em que os métodos de subtracção e adição estão presentes,
agrupando o tirar e o por na mesma escultura, trabalhos que reúnem de
certo modo do escultor e o modelador.
95
PARTE III
96
PERMANÊNCIA DA MADEIRA NA ESCULTURA
Desde há muito tempo que os escultores têm vindo a utilizar quase tudo o que
se oferece a receber uma forma tridimensional, porém, ao longo da história e
por toda a humanidade, terão predominado dois materiais na escultura: a
madeira e a pedra252.
Os primórdios dos trabalhos de escultura em madeira são muito antigos,
confundem-‐se com o despertar da civilização e da própria existência humana253.
O domínio dos utensílios de talhe da madeira ter-‐se-‐á expandido por todas as
partes do mundo, sendo que muitos deles como a goiva, o maço ou o enxó pouco
se terão alterado ao longo dos tempos e na diversidade do espaço geográfico Do
norte ao sul e do oriente ao ocidente a madeira terá sido dos materiais que o
homem mais utilizou em escultura. Várias foram as culturas e os meios que os
escultores encontraram para se expressar nessa matéria, todas terão tido
interesse nos seus próprios contextos, e de alguma maneira contribuído para a
ideia tão generalizada que temos hoje sobre a escultura em madeira. Contudo,
interessa-‐nos em particular, a que está na origem e constituição da escultura
ocidental. É certo que, apesar de não ser clara254, reconhecemos a importância
que as esculturas de madeira de África e do Pacífico tenham tido na projecção
de um novo alento da escultura europeia no início do século XX255. Não
refutamos o interesse dessas “expressões artísticas” desenvolvidas em
sociedades não europeias, habitualmente designadas como animistas256, onde
os artesãos sabedores produzem um leque variadíssimo de objectos como:
252 WITTKOWER, R. – Escultura. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 3. 253 SUREDA, R. La madera. Barcelona: Editorial Blume, 1978, p. 216. 254 Na medida que permanecem dúvidas quanto ao facto de haver influência efectiva ou apenas só afinidade formal. In, ROS, X -‐ Primitivismo y modernismo: El legado de María Blanchard, Bern: Peter Lang, 2007, p. 99. 255 TEIXIDÓ, J. e SANTAMERA, C. – A Talha Escultura Em Madeira. Lisboa: Editorial Estampa, 1997, p. 26. 256 Animismo é a doutrina segundo a qual a alma constitui o princípio da vida orgânica e do pensamento. In, ANTUNES, A. et al -‐ Dicionário Breve de Filosofia. Lisboa Editoria Presença, 1995 p. 18.
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máscaras, amuletos ou tótemes257; sobre estas culturas ou “objectos artísticos”,
pelo âmbito do trabalho, não faremos grandes considerações. Interessa-‐nos
sobretudo a escultura que se desenvolveu e de certa maneira deu sentido à
cultura entendida como ocidental.
257 TEIXIDÓ, J. e SANTAMERA, C. – A Talha Escultura Em Madeira. Lisboa: Editorial Estampa, 1997, pp. 8-‐9.
98
1 - DA MESOPOTÂMIA AO EGIPTO ANTIGO
Assim, procuramos encontrar continuidades na escultura feita em madeira,
desde os primórdios da cultura ocidental, na Mesopotâmia, onde tudo terá
começado, há cerca de cinco mil anos, na Suméria, a primeira grande civilização
da nossa história. Desta época, os vestígios dos trabalhos ou esculturas em
madeira258 que resistiram à passagem do tempo são escassos e pouco
significativos259. Por outro lado, o Egipto Antigo, parco em madeira260, pelas
condições excepcionais que conjugaram o clima seco do seu território e a
cultura do seu povo, ter-‐nos-‐á legado a melhor colecção de esculturas em
madeira do mundo antigo. Desta, faremos referência a três obras encontradas
num túmulo de Sakkarah261, com destaque para aquela que representa Ka-‐
aper262, alto dignitário do Império, talhada, por volta de 2750 a.C., durante a V
dinastia, em sicómoro263. Das outras duas não há completa certeza, no entanto,
o museu do Cairo, onde elas se encontram, defende que a figura feminina
representa a esposa do alto funcionário e a masculina poderá ser uma segunda
versão de Ka-‐aper, enquanto jovem264. Trata-‐se de um grupo de esculturas em
que o estado de conservação permite calcular o modo de trabalhar dos
escultores que, nessa época, se dedicava à madeira. A figura de Ka-‐aper,
representa um homem maduro com uma constituição física robusta em tronco 258 São conhecidos alguns objectos em madeira, que podem ser observados no British Museum, em Londres, encontrados nos túmulos de reais de Ur, decorados com ouro e pedras preciosas (Bode e árvore da vida; Instrumentos musicais decorados) In, AA. VV. -‐ História da Arte Ocidental: das origens ao final do século XX, Porto: Porto Editora. p. 83. 259 A principal razão consiste, provavelmente, no facto de que esses povos não compartilhavam a crença religiosa dos egípcios de que o corpo humano e a sua representação deviam ser preservados para que a alma sobrevivesse. In, GOMBRICH, E. -‐ A História da Arte, Lisboa: Público/Phaidon, 2006, p. 70. 260 Existe um documento, referente à terceira dinastia (2686-‐2613 a.C.), que indica a entrada de mais de quarenta barcos que transportavam madeira de cedro, cipreste e buxo, vindos da Síria. O ébano era a madeira com maior valor comercial, era importada da Etiópia e servia para pagar impostos. A madeira originária do Egipto mais utilizada na escultura foi a de tamarindo mas também a de acácia. In, SUREDA, R. -‐ La madera. Barcelona: Editorial Blume, 1978, p. 98. 261 Ver imagens 20,21 e 22. 262Vulgarmente chamada de Xeque El-‐Beled porque os trabalhadores que a encontraram, em 1860, viram nela uma grande semelhança com o prefeito de sua vila. Notar que o membro superior esquerdo está projectado para frente de tal forma que seria impossível em pedra. In, DOBERSTEIN, A. -‐ O Egipto Antigo, Porto Alegre: Edipucrs, 2010, p.106. 263 madeira da árvore Fícus sycomorus, uma espécie de figueira, que cresce em várias zonas de África subsariana e no Médio oriente, fácil de trabalhar e muito resistente a agentes físicos. 264 Ver figura 22.
99
nu. Tem a cabeça arredondada e abdómen ligeiramente proeminente. Está em
pé, em posição tradicional de marcha, com o membro inferior esquerdo
projectado para a frente e com as plantas dos pés assentes numa base, o que lhe
confere uma equilibrada distribuição de volumes e a aparente estaticidade das
estátuas egípcias. O membro superior direito está paralelo ao tronco e o
esquerdo flectido e projectado para a frente de modo a segurar um bastão265. O
realismo desta da figura é acentuado pela incrustação dos globos oculares em
cobre e cristal de pedra266.
Do ponto de vista técnico podemos verificar que tanto os braços como as pontas
dos pés terão sido esculpidos noutro bloco e depois ligados ao tronco central.
Estes procedimentos parecem dever-‐se, em grande parte, ao elevado custo das
madeiras de qualidade que exigiam ao escultor o máximo aproveitamento do
material267 mas, também, pela maior estabilidade mecânica que estas ligações
estabeleciam. As emendas eram posteriormente corrigidas através da aplicação
de ceras e resinas.
Apesar de apresentar alguma rigidez “construtiva”268, por inerência às formas
canónicas egípcias, esta representação parece deixar revelar do escultor o
desejo de criar uma identidade realista. Assim, tanto na fisionomia da figura
como no delineamento do corpo são visíveis dois princípios de composição
antagónicos, por um lado a figura é idealizada e por outro procura
características particulares que lhe dão uma certa individualidade269. A solução
seria criar um corpo perfeito e ao mesmo tempo revelador das feições
fisiológicas do retratado. Sendo assim, devemos notar que este equilíbrio entre
o interesse pela norma instituída, e pela representação da realidade raras vezes
é superado na escultura egípcia. Parece que os escultores egípcios terão
265 A vara que a figura segura facilmente se vê que não é a original, terá sido colocada depois da sua descoberta. In, DOBERSTEIN, A. -‐ O Egipto Antigo, Porto Alegre: Edipucrs, 2010, p.106. 266 TEIXIDÓ, J. e SANTAMERA, C. – A Talha Escultura Em Madeira. Lisboa: Editorial Estampa, 1997, p. 9. 267 BRANCAGLION, J. – Tempo, matéria e permanência. O Egipto. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2001, p. 73. 268 PANOFSKY, E. -‐ O Significado nas artes Visuais, Lisboa: Editorial Presença, 1989 p. 51. 269 BRANCAGLION, J. – Tempo, matéria e permanência. O Egipto. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2001, p. 70.
100
encontrado maior liberdade na madeira, na medida em que proporcionava
maior leveza e aparência mais viva às figuras270 tornando-‐as, de alguma
maneira, mais “reais”. Não obstante, o método que os egípcios usavam, dentro
da teoria das proporções definida, remetia para “uma eternidade sem tempo” 271
acabando sempre por se manifestar num modo de fazer muito próprio. É claro
que não queremos com isto contrariar uma das ideias fundamentais da estética
egípcia que estratificava a sociedade em classes sociais com uma forte
hierarquia e que, do ponto de vista da representação, só as classes mais baixas
podiam ser e estar próximas do real. Os faraós entendidos como deuses não
podiam ser representados como reais. Por isso as formas que os representavam
eram esculpidas em pedra de particular dureza, mais valiosas e mais difíceis de
trabalhar.
De qualquer maneira, entendemos que a escultura egípcia, na de madeira, a par
da cerâmica, terá sido aquela em que os escultores mais puderam e souberam
inovar, captando as características específicas de cada retratado, sem fugir ao
cânone que lhe dava suporte, como pode ser observado nos testemunhos
arqueológicos expostos por museus dispersos pelo mundo, particularmente nos
europeus272. Em Portugal podemos observar alguns exemplares em madeira
tanto no Museu Nacional de Arqueologia, no Mosteiro dos Jerónimos, como no
Museu Calouste Gulbenkian273.
270 Ibid., p.73. 271 PANOFSKY, E. -‐ O Significado nas artes Visuais, Lisboa: Editorial Presença, 1989 p. 52. 272 Ver Imagem 23 e 24. 273 Ver Imagem 25.
101
2 – GRÉCIA E ROMA
Na Grécia pré-‐clássica, de algum modo influenciada pela cultura egípcia, a
realização de esculturas de madeira, denominadas “Xoana”274, algumas delas
aparentadas com os “Kouroi” de pedra, terão estado na origem de toda a
escultura grega. Destas estátuas, desfeitas pelo tempo, nada resta. Apenas
podemos ver na Hera de Samos275, cujo tronco cilíndrico sobe desde o chão
como um tronco de árvore, uma obra que conserva na pedra a forma que a
madeira impunha276. Neste sentido, admitimos ainda, pela configuração formal
que mantém “o principio originário da construção de madeira”277, que os
templos gregos, num misto de escultura e arquitectura, possam ter sido
construídos, numa fase inicial, nesse material que tem, de facto, uma forte
vocação estrutural. Os gregos, provavelmente, só por volta do ano de 600 a.C.,
para “construir para a eternidade”, terão começado a simular em pedra o que
até ali tinham feito em madeira278.
Winckelmann (1717-‐1768), conceituado historiador helenista, defende que a
arte tenha começado com o uso do barro, seguido da madeira, mais tarde o
marfim e finalmente a pedra e o metal. Para este autor, na Grécia antiga, tanto
os templos como as esculturas terão sido realizadas inicialmente em madeira279.
Pausânias (115-‐180), antigo geógrafo grego, faz referência às estátuas de
madeira que no seu tempo se encontravam nos lugares mais celebres da Grécia.
Segundo este autor, em Megalopólis, cidade da Arcádia, terá existido uma Hera e
um Apolo com as musas, uma Afrodite e um Hermes, este último esculpido por
Damofón, um dos artistas mais antigos280. Por outro lado, Winckelmann,
sustenta que na sexagésima primeira olimpíada ter-‐se-‐ão erigido estátuas de
274 O nome é associado a ídolos icónicos, da próto-‐história grega, realizados em madeira de Ébano, Cedro, Oliveira, Cipreste e Teixo, que pretendiam simbolizar os deuses sem com eles se parecerem. In, FLYNN, T. – El cuerpo en la escultura, Madrid: Akal, 2002 p. 25. 275 Ver Imagem 26. 276 ANDRESEN, S. – O Nu Na Antiguidade Clássica, Lisboa: Editorial caminho,1992 p. 36. 277 HEGEL, G. – Arquitectura. São Paulo: Editora Universitária, 2008, p. 145. 278 Ibid., p. 145. 279WINCKELMANN, J. – Historia del arte de la Antigüedad, Madrid: Akal, 2011, p. 18. 280 Ibid., p. 18.
102
madeira aos vencedores e Míron terá esculpido, em Egina281, uma Hécate em
madeira. É também feita referência a uma Niké, uma “estátua representada em
madeira, com asas, uma romã na mão direita e um elmo na mão esquerda”282.
Todavia, tanto pela degradação biológica da madeira -‐ que é impossível de
anular -‐ como pela facilidade com que as formas esculpidas neste material são
vulneráveis à ira destrutiva dos invasores, não foi possível conservar esculturas
em madeira na Grécia, como o atestam a falta de vestígios arqueológicos.
A escultura romana, por seu turno, terá tido as suas raízes na escultura grega e
etrusca, sem seguir um processo interno de maturação lento e gradual como as
suas antecessoras. Mesmo assim, na escultura romana a madeira não deixou de
ter a sua importância tanto pela influência grega como pela etrusca que também
usou este material, assim o defende Winckelmann. Uma Fortuna Virillis do
tempo do rei Servius Tullius, provavelmente realizada por um escultor etrusco,
ainda foi venerada pelos primeiros imperadores romanos283. Os escultores do
Império Romano, que numa fase inicial terão sido originários da própria
Grécia284, não excluíram a madeira dos seus trabalhos, em especial para aqueles
cujo destino era o interior das habitações ou templos. De todas as maneiras, na
extensão territorial e temporal daquilo que foi o Império Romano, tanto no
decorrer da sua expansão como no seu declínio, não podemos esquecer
acontecimentos como o estabelecimento da Igreja Cristã como poder. Facto que
terá alternado as relações com a escultura e da própria escultura. Por outro
lado, as modificações impostas pelos povos germânicos e celtas durante as
invasões “barbaras”, ao introduzirem elementos novos à escultura em madeira,
terão tido influência na continuidade do modo de esculpir neste material.
281 Ibid., p. 19. 282 VINGOPOULOU, L. e CASULLI, M. -‐ Atenas: Arte e História. Florence: Bonechi, 1999 p. 13. 283 WINCKELMANN, J. – Historia del arte de la Antigüedad, Madrid: Akal, 2011, p. 19. 284 GOMBRICH, E. -‐ A História da Arte, Lisboa: Público/Phaidon, 2006 p. 117
103
3 – ARTE PALEOCRISTÃ
Com o cristianismo285 os lugares de culto teriam que ser diferentes, e os
primeiros cristão concordaram em não colocar estátuas na Casa do Senhor por
se parecerem com as figuras dos deuses pagãos286 para não correrem o risco de
confundir os povos recém-‐convertidos287. Há, de facto, um texto Bíblico em
Isaías: 43288 que reflecte bem a posição negativa do cristianismo inicial relativa
à madeira como “matéria” da escultura. Esta ideia “iconoclasta” enraizada nos
cristãos, que vinha já do judaísmo, parece ter feito entrar em declínio a
produção da escultura em geral e também a de madeira. De resto, desta fase,
desconhecemos esculturas em madeira, tal como de outros materiais,
elaboradas para culto religioso.
Posteriormente, tanto os povos “bárbaros”289 que foram tomando conta do que
restava do Império Romano, e que deram origem aos países europeus como
hoje os conhecemos, como os que outrora tinham sido romanizados, terão dado
continuidade ao desenvolvimento da escultura em madeira, sobretudo os que
285Levado a cabo pelo imperador Constantino ao reconhecer o cristianismo como a religião oficial, no ano 311 d.C. In, GOMBRICH, E. -‐ A História da Arte, Lisboa: Público/Phaidon, 2006 p. 133. 286 As esculturas referentes à antiguidade clássica que podemos hoje encontrar nos nossos museus são, na sua maioria, reproduções feitas no período romano, In, GOMBRICH, E. -‐ A História da Arte, Lisboa: Público/Phaidon, 2006, p84 287 GOMBRICH, E. -‐ A História da Arte, Lisboa: Público/Phaidon, 2006, p. 84. 288 “[...13-‐O escultor em madeira estica o cordel, traça o esquema a lápis, desbasta a imagem com o cinzel (goiva), mede-‐a com o compasso, dá-‐lhe forma humana para coloca-‐la em casa. 14-‐ Vai cortar madeira, apanha um roble ou um carvalho que tinha deixado crescer entre as árvores da floresta que o senhor havia plantado e que a chuva havia feito crescer. 15-‐ Depois faz com a madeira um fogo e leva-‐o para se aquecer; queima-‐a também para cozer o pão, enfim serve-‐se dela para fabricar um ídolo diante do qual se prosterna. 16-‐ queima a metade da sua madeira, sobre a brasa assa a carne, come esse assado até fartar-‐se. Então aquecesse e dia: como é bom sentir o calor. 17 Com a sobra faz um deus, um ídolo diante do qual se prosterna para adora-‐lo e orar dizendo. Salva-‐me, tu és meu deus, falta bom juízo a essa gente e inteligência para se dizer: queimei metade, cozi pão sobre a brasa, ai asseia a carne que comi e iria eu fazer do resto um ídolo? Prostrar-‐me-‐ia diante de um pedaço de madeira?...]” In, Bíblia Católica Romana, p. 45. 289Designação atribuída desde a Grécia Antiga aos povos que sendo exteriores ao Império não dominavam o Grego ou o Latim e ignoravam a cultura clássica que invadiram o a extensão do seu vasto território: Vândalos no Norte da África, Visigodos na Espanha, Francos na Gália, os Ostrogodos e Lombardos em Itália. Era uma nova geografia quem se vislumbrava, a génese das línguas modernas que se iniciava, o cristianismo que se consolidava utilizando a miscigenação das Artes Paleocristã e Bárbara.
104
eram oriundos do norte da Europa: Germanos e Celtas290. Nesta fase, terá
resultado uma miscigenação cultural sob o manto das tradições cristãs que,
dentro de uma sociedade fragmentada, nestes tempos de turbulência, se revelou
de grande importância para a escultura em madeira. Neste período291, por
influência dos povos exteriores à cultura greco-‐romana, a escultura em madeira
resulta de uma mistura vibrante e de grande vitalidade que alia a tradição dos
povos germânicos (figuras de animais estilizados) e os motivos intrincados
celtas. Neste âmbito podemos destacar a Cabeça de Animal Fantástico292, da
barca funerária de Oseberg, do séc. IX, encontrada num túmulo viking, que pode
ser vista no Museu de História Cultural, na Universidade de Oslo, Noruega293.
Nesta escultura o detalhe e o pormenor sobrepõem-‐se à forma, fazendo
sobressair padrões enleados e abstractos. Ora, parece ser, precisamente este
tipo de “rendilhado”, de carácter artesanal que, posteriormente, acabará por
influenciar grande parte da escultura que irá fazer-‐se na Europa Medieval como
pode ser observado na escultura ornamental das catedrais desse tempo.
Todavia, no decurso do tempo, o Cristianismo acabou por adaptar-‐se à madeira
e a madeira ao Cristianismo294. No início, como referimos, a par de todas as
religiões abraãmicas, por princípio dogmático terá recusado o culto de
esculturas, mas à medida que se foi tornando uma religião de multidões, apesar
das contradições relativas à escultura greco-‐romana que receava e ao mesmo
tempo admirava, foi adoptando o culto de figuras, particularmente em madeira.
Porém, havia de distinguir-‐se da tradição greco-‐romana que cultivava a
290TEIXIDÓ, J. e SANTAMERA, C. – A Talha Escultura Em Madeira. Lisboa: Editorial Estampa, 1997Ibid. p. 16. 291 Os últimos séculos do Império Romano foram marcados por um crescente enfraquecimento político e militar. A divisão do Império, com Constantino em 323d.C., deslocou uma das sedes do Império para o Oriente, em Constantinopla, enquanto Roma permanecia enfraquecida. Hordas de povos chamados pejorativamente de bárbaros (pois não possuíam a cultura clássica) invadiram e tomaram o Império do Ocidente: os Vândalos no Norte da África, os Visigodos na Espanha, os Francos na Gália, os Ostrogodos e Lombardos na Itália. Era uma nova geografia quem se vislumbrava, a génese das línguas modernas que se iniciava, o cristianismo que se consolidava utilizando a belíssima miscigenação das Artes Paleocristã e Bárbara. 292 Ver imagem 27 e 28. 293 AA.VV.-‐.História da Arte Ocidental: das origens ao final do século XX, Porto: Porto Editora. p. 245. 294 Muita da escultura para o interior dos templos católicos foi executada em madeira, de resto, a profissão de São José, terá sido carpinteiro e por isso associado à madeira tal como Jesus Cristo, ao ter morrido na Cruz de madeira, mais tarde designada “Santo Lenho”.
105
ideologia da representação do corpo ligada à physis, numa poética que emergia
do estar na terra295. Agora era necessário algo que apelasse mais ao sentido
espiritual que ao sentido artístico terreno. A figura, desprovida de valor em si
mesma era, precisamente, uma evocação daquilo que representava, não
importava tanto a representação a partir de um modelo com uma expressão
anatómica correcta, devia atender-‐se à verosimilhança e, para tal, fazer apelo à
tradição imagética da Igreja e ao correcto uso do papel dos elementos
iconográficos. Tudo devia conduzir a uma estratégia de convencimento e
catequização296. Entendemos nós que, por esta via, decorrente dos princípios
que desvalorizavam o mundo terreno, o escultor tenha perdido o domínio da
representação do nu. O nu que, para o escultor grego, era simultaneamente
natural e sagrado297 perde sentido a partir da arte paleocristã e passa a ser visto
pelo cristãos como algo negativo.
Durante o período que medeia a escultura greco-‐romana e o Renascimento, o
escultor entalhador da madeira, tal como o da pedra, terá ocupado um lugar
muito baixo na escala social. Nesse tempo o que terá sido feito mais próximo do
que pode chamar-‐se hoje escultura era executado por grupos de anónimos que
laboravam em guildas onde copiavam modelos sob a orientação de um
mestre298. Do processo criativo dos escultores gregos, que acreditava que o ser
estava na physis, no estar, no aparecer, na aletheia299 já pouco restaria. De todas
as maneiras, convém dizer que as mudanças operadas no modo de fazer e
pensar a escultura se terão feito lenta e progressivamente, e de modo desigual,
conforme o espaço geográfico em que se integravam. Por outro lado,
entendemos que a memória colectiva do esplendor clássico nunca terá sido
colocada de lado e por isso constituído uma segura influência para todos os
escultores, incluindo os da Idade Média. Disso serão reflexo algumas das obras
que foram feitas entre o período da arte Paleocristã e o Pré-‐Românico.
295 ANDRESEN, S. – O Nu Na Antiguidade Clássica, Lisboa: Editorial Caminho, 1992, p. 122. 296 PEREIRA, J. -‐ Escultura: Um Paradigma Cultural. In, Arte Teoria ,nº 11, Lisboa: FBA, 2008, p. 13. 297 ANDRESEN, S. – O Nu Na Antiguidade Clássica, Lisboa: Editorial Caminho, 1992, p. 63. 298BEAZLEY, . -‐ La madera. Barcelona: Editorial Blume, 1978, p. 216. 299ANDRESEN, S. – O Nu Na Antiguidade Clássica, Lisboa: Editorial Caminho, 1992, p. 13.
106
Os relevos das portas da Basílica de Santa Sabina300, em Roma, obra referencial
da arte paleocristã301, esculpidos em madeira de cipreste, no século V,
representam passagens bíblicas, do novo e velho testamento, tais como: a
Passagem do Mar Vermelho, a Ascensão, ou a Crucificação de Cristo. Tema que,
junto dos outros dois condenados, terá sido abordado pela primeira vez302.
A totalidade desta obra, na altura da execução, teria 28 elementos dos quais
restam apenas 18303. Nela, o escultor, apesar de não dominar a anatomia
humana, tanto na proporção como no ritmo, parece manifestar ter presente o
conhecimento da escultura clássica na ideia da representação, ainda que a obra
resulte numa resolução formal arcaizante e pouco naturalista. De todas as
maneiras, teve o cuidado de compor os volumes atendendo a distribuição de
planos e conjugando o tamanho das figuras para dar a ideia de profundidade. A
falta de espaço vazio na superfície da madeira de cipreste, e a introdução de
uma ideia fantasmagórica, nos animais e figuras que pairam no ar parecem ser
já dados premonitórios do que viria a ser feito em etapas seguintes, sobretudo
no românico. No relevo referente à crucificação devemos notar que Cristo tem a
cabeça erecta e os olhos abertos, não parecendo demonstrar sofrimento ou
agonia ao contrário do que, posteriormente, seria transmitido noutras
esculturas do mesmo tema. Nesta época, a abordagem desta temática seria
ainda muito controversa pela dificuldade em tratar a morte de Cristo.
Outro dado surpreendente deste relevo é a sua permanência no local inicial
para onde foi elaborado, sendo de madeira e ocupando um local de passagem
interior/exterior, fulcral em termos de exposição e leitura. Daí a razão de
Focillon (1881-‐1943) o considerar fundamental para a história da arte, na
300 Ver Imagem 29 e 30. 301 Por arte paleocristã consideramos as expressões artísticas dos primeiros cristãos que decorreram ao longo de três séculos (III-‐VI) e corresponde ao período de expansão do Cristianismo, primeiro clandestinamente e após o édito de Constantino, em 313, já oficializado. In, TREVISAN, A-‐ O Rosto de Cristo: A Formação do Imaginário e da Arte Cristã, Porto Alegre: AGE, 2003, p. 36. 302 ECO, U. – Idade Média: Bárbaros, Cristãos e Muçulmanos, Alfragide: Dom Quixote, 2011, p. 710. 303 TREVISAN, A-‐ O Rosto de Cristo: A Formação do Imaginário e da Arte Cristã, Porto Alegre: AGE, 2003, p. 36.
107
medida em que pode ter exercido influência304 sobre a sociedade em geral e em
particular sobre os escultores. Devemos notar que outras portas com
abordagens do mesmo tema, ou semelhante, terão sido concebidas e executadas
ao longo dos tempos como são exemplos: o portal da Igreja de São Zenão Maior,
em Verona, Itália, do século XII, as Portas do Paraíso de Ghiberti (1378-‐1455)
que estão no Batistério de Frorença e foram modeladas e passadas a bronze de
1425-‐52, ou até, as Portas do Inferno de Rodin (1840-‐1917) executadas de 1880
a 1917.
Com importância escultórica para a época, será o Cristo de S. Gereão305,
esculpido em madeira de carvalho, entre 975-‐1000306, no período otoniano307,
para a catedral de Colónia, na Alemanha. Nesta obra, com cerca de 188 cm de
altura, próximo da escala real, o escultor teve já a capacidade de atribuir maior
realismo e sentimento (phatos) à figura. A forma protuberante e expressiva do
corpo, transmitem a ideia de peso do corpo suspenso, enquanto os traços
angulosos e vincados da face lhe conferem maior dramatismo, expressando bem
o sentimento de agonia. Por outro lado, apesar de ser já uma forma de vulto
redondo, e por isso, de certa maneira inovador, o facto de toda a região
posterior estar encostada à cruz imprime-‐lhe o carácter de um relevo
escultórico. A aplicação da policromia, ausente no exemplo anterior, passará a
ser mais comum a partir desta época. Na globalidade, parece trata-‐se de uma
figura com definição anatómica que não foge muito à proporcionalidade, talvez
com a excepção dos pés, que aparentam ser demasiado grandes. Contudo a
passagem de uns planos aos outros ainda revela ser severa o que lhe confere um
certo “arcaísmo”. Por outro lado, o panejamento tem uma aparência algo
incongruente tanto no drapejado como no nó que o segura à cintura. Ainda
assim, parece-‐nos surpreendente a maneira como o escultor, deste tempo, terá
304 FOCILLON, H. – La Escultura Románica: Investigacion Sobre La História de Las Formas, Madrid: Akal, 1987, p. 62. 305 Ver imagem 31 306 A Alta Idade Média corresponde ao primeiro período da Idade Média compreendido entre o século V e o X . Notar que o a designação Idade Média é o período intermédio da divisão clássica da história ocidental que divide a história em três períodos: a Antiguidade, Idade Média e Idade Moderna que inicia no ano de 476, ano em que foi deposto o último Imperador Romano e se prolonga até 1492, data que corresponde à viagem de Cristóvão Colombo às Américas. 307 Período da dinastia dos reis da Germânia que vai desde (919-‐1024).
108
chegado a esta concepção de Cristo na Cruz pelo facto de não se limitar a fazer
um breve apontamento, como até aqui tinha sido feito, ao jeito de gravar a medo
algo que era proibido.
Sendo assim, estas duas obras ainda reveladoras de algum desconhecimento
dos escultores, no que diz respeito ao domínio da anatomia do corpo humano,
terão valor para a escultura na medida em que, cada uma no seu tempo,
reflectem a procura da humanidade de Cristo na tentativa de reunir num só
corpo o divino e o humano”308. São, de facto, exemplos de transição309 em que já
se nota a influência orientalizante dos povos bárbaros, tanto pela complexidade
compositiva dos elementos como pela introdução de um carácter fantástico no
caso do relevo, e de acentuada expressividade no caso de Cristo na Cruz, pouco
usuais na escultura clássica. De todas as maneiras, ainda estão patentes os
modelos de Roma, no tratamento da figura humana, embora já em degradação.
Estas duas obras, que do ponto de vista da representação parecem revelar uma
notória rusticidade e um aspecto arcaizante, são agora subordinadas a um novo
espírito e a uma nova temática: o Cristianismo. Tema que, aliás, vai acabar por
dominar toda a escultura ao impor a iconografia das sagradas escrituras do
novo e velho testamentos.
308 TREVISAN, A-‐ O Rosto de Cristo: A Formação do Imaginário e da Arte Cristã, Porto Alegre: AGE, 2003, p. 45. 309 Não podemos esquecer que o Cristianismo primitivo permaneceu dentro de algum tempo fiel à forma de homem tal como havia sido definida pela arte antiga firmadas em esculturas desse tempo que representam a figura de Cristo como o Bom Pastor. In FOCILLON, H. – La Escultura Románica: Investigacion Sobre La História de Las Formas, Madrid: Akal, 1987, p. 51.
109
4 – IDADE MÉDIA
Nos primeiros tempos da Idade Média, habitualmente designados de Alta Idade
Média, a escultura, em particular a de madeira -‐ não devemos esquecer que os
povos Bárbaros310 sobretudo os germânicos (Visigodos, Ostrogodos, Francos)
que eram nómadas, esculpiam a madeira – terá sido influenciada pelo modo de
fazer destes povos, em que o pormenor, os motivos de animais fantásticos e o
rendilhado curvilíneo intrincado e repetitivo faziam parte dos elementos
constitutivos das obras311 e lhe conferiam um certo pendor decorativo. Talvez
por isso é que na arte Bizantina e Carolíngia o relevo e a escultura de vulto em
madeira, como noutros materiais, terá tido pouca expressão, pelo menos
conhecida, ou foi confinada à ornamentação arquitectónica312. Do mesmo modo,
a arte Muçulmana usou a madeira sobretudo para fins ornamentais.
A partir do século XI, pela primeira vez durante a Idade Média foram criadas
condições, sociais e culturais, fruto de um crescente sentimento de segurança
das populações e da estabilização e organização religiosa, que vão estruturando
o espaço e permitiram que a arte se desenvolvesse de maneira mais sustentada
por toda a Europa Ocidental, sobretudo com a construção das catedrais. A esse
período, a história, acabou por designa-‐lo, mais tarde, por Baixa Idade Média, e
dele fazem parte duas correntes estilísticas ocorridas em tempos diferentes:
primeiro o Românico e posteriormente o Gótico.
No período Românico a escultura reinventou o relevo que permaneceu
vinculado à arquitectura, contendo quase sempre um carácter narrativo e
pedagógico baseado em cenas bíblicas ou do quotidiano. Esta iconografia
proliferou em vários locais como: colunas, cornijas, mísulas, frisos, gárgulas,
rosáceas, nártex, pias baptismais, frontais de altares, arcadas, portas e
310 Aplicamos a mesma nomenclatura para designar o mesmo que os Romanos Chamavam a todos os povos que viviam fora das suas fronteiras e não sabiam falar latim. 311 AA.VV. -‐ História da arte ocidental e portuguesa, das origens ao final do século XX, Porto: Porto Editora 2006 p. 254. 312 AA.VV. -‐ História da arte ocidental e portuguesa, das origens ao final do século XX, Porto: Porto Editora 2006 p. 254.
110
sobretudo capitéis e portais313. A madeira entrou para o interior dos templos
para os altares, cadeirais e púlpitos, espaços onde em carvalho ou nogueira os
escultores exprimiam a sua criatividade em criaturas fantásticas de animais e
humanas, combinando com pouco realismo, esquematismo, hieratismo e
frontalidade, flexibilidade e capacidade de adaptação ao espaço que lhe estava
destinado. Destas combinações resultaram notórias incorrecções anatómicas
(por vezes, a cabeça correspondia a cerca de 1/3 da altura total da figura),
também porque os objectivos destas formas visavam realçar as intenções
simbólicas e a força sugestiva da mensagem. A falta de perspectiva era outra das
características do relevo deste período, seguia as leis da planimetria que davam
a sensação do plano, pelas figuras, ao serem ordenadas ao lado ou por cima das
outras. Segundo este enquadramento as figuras ficavam muito deformadas. A
repetição e alternância das figuras ou de motivos vegetalistas, animalistas ou
geométricos estilizados eram, também, muito frequentes dando um certo ritmo
e ordem à composição. O nu raramente era tratado e quando acontecia, na
figura de Adão e Eva, era feito de forma incorrecta e arcaica com marcação de
músculos e protuberâncias ósseas erradas. Este trabalho obedecia à lei do
preenchimento de todo o espaço disponível e à lei do enquadramento no qual se
procurava adaptar o tema à superfície a decorar 314.
A escultura de vulto redondo neste tempo não terá tido um incremento tão
nítido como o relevo e, semelhante a este, apresentava uma representação
formal geometrizada que tinha um certo caris popular. As figuras, em particular
as "Virgem com o Menino"315, tinham por base esquemas geométricos simples.
Eram figuras hieráticas, apresentavam gestos rígidos e verticais, com detalhes
pobres em volume e proporções completamente incorrectas. Os rostos, em que
os olhos e a boca apenas eram delineados, tinham pouca expressividade e
acerto.
313 Ibid., p. 290. 314 AA.VV -‐ História da arte ocidental e portuguesa, das origens ao final do século XX, Porto: Porto Editora 2006 p. 254. 315 Ver imagem 32.
111
A partir da segunda metade do século XII nota-‐se uma concepção mais
“classicizante” das figuras, algumas delas esculpidas para um determinado
lugar, assumindo posições que motivam a aparência de movimento e maior
naturalismo, como é o caso das "Descidas da Cruz" realizadas para as absides
das igrejas. Desta tipologia, faremos referência a um grupo escultórico,
incompleto, proveniente da Igreja Românica de Santa María de Tahull no Valle
de Boi316 e se encontra actualmente no Museu Nacional da Catalunha. Desta obra
estão ainda preservadas quatro figuras esculpidas em choupo negro que
representam passagem bíblica acima referida.
Se considerarmos a frontalidade das figuras e o local para onde terá sido
concebida, facilmente subentendemos que se destinavam a ser vistas de frente.
De escala natural, ao centro, está a figura de Cristo crucificado ladeado e
amparado à direita pela figura de José de Arimateia que O segura pela cintura.
Mais à direita, está a representação da Virgem Maria sobre quem pende o braço
da figura de Cristo e, no extremo desse lado, ligeiramente afastado, encontra-‐se
a figura de Dimas, o bom ladrão. As figuras de Nicodemos, João e Gestas, o
ladrão mau, estariam do lado esquerdo como podemos verificar na cópia que
agora se encontra no lugar original317. Cinco das figuras originais encontram-‐se
no Museu Episcopal de Vic.
Apesar da anatomia ser idealizada, como se vê na marcação dos músculos de
superfície e das protuberâncias ósseas, o escultor teve já sensibilidade para se
aproximar da escala e da proporção real. O dado que nos parece mais
surpreendente para a época é a ideia de querer transmitir a sensação de
movimento e tensão tanto na corpo inanimado de Cristo que se inclina para a
direita, como nas figuras de Nicodemos e José de Arimateia que se adaptam para
o amparem. A figura da Virgem Maria e de São João fazem ainda parte desta
dinâmica mas contribuem, sobretudo com a ideia de sentimento que
transmitem, dada a posição da cabeça de Maria e do membro superior direito
316 Ver imagem 33 e 34. 317 Ver imagem 35.
112
João. As figuras dos ladrões completam a cena e contribuem pela simetria para
o equilíbrio de conjunto. Deve ter-‐se em conta que neste grupo de esculturas já
não existem diferenças consideráveis de escala para as figuras,
independentemente da importância que tenham para a dinâmica geral da cena.
Outros dados que nos parece importantes são a simplificação pela síntese
obtida na planificação dos músculos e dos troncos de José de Arimateia e
Nicodemos a fazer lembrar, de algum modo, a escultura Egípcia e, por outro
lado, a acentuação da marcação dos ossos da caixa torácica de todos os
crucificados para acentuar o dramatismo da ideia de morte.
Ainda na Peninsula Ibérica, no território que hoje designamos por Portugal, logo
após a fundação da nacionalidade, em 1143, e à medida que foi efectuada a
apropriação do espaço geográfico de Norte para Sul, com o domínio ou expulsão
dos mouros, assim se foi edificando e instituído uma arte que respondia a
interesses de duas ordens: a política, de confirmação do reino no espaço
peninsular e religiosa de expansão das convicções do cristianismo. Neste
contexto, ter-‐se-‐ão desencadeado mecanismos económicos e sociais que
suportaram a construção de obras, sobretudo templos, nos quais os escultores
nos deixaram uma arte rica em pormenor e significado mas que, na sua maioria,
é integrada, isto é, sujeita ao espaço da arquitectura. Mesmo assim, não foi por
essa razão que o seu valor se tornou menor. Por vezes o que poderia parecer um
entrave acabou por valorizar o seu trabalho ao conseguir adaptar formas ao
exíguo espaço deixado pela arquitectura e adapta-‐las aos interesses didácticos e
moralistas da Igreja. A maioria das edificações tomaram notoriedade não só
pela arquitectura mas também pela escultura. De todas as maneiras, através de
esculturas de vulto redondo, efectuadas em madeira, os escultores destes
tempos foram capazes de realizar obras onde se nota o desejo de alcançar maior
autonomia. Alguns exemplos, sobretudo, Santos, Cristos e Virgens com o
Menino, como as que podemos ver no Museu Nacional de Arte Antiga, em
Lisboa318, ilustram bem essa vontade. Apesar de estarem fora do contexto para
o qual foram concebidas, e por isso se torne impossível imaginar as relações que
estabeleciam no espaço original, facilmente se lhe nota um efeito de aura, que 318 Ver imagem 36.
113
lhes dá uma certa independência, como se pode ver ao continuarem a funcionar
no museu. Mesmo assim, nestas figuras austeras e arcaizantes, em que
prevalece a frontalidade e a rigidez, facto que revela bem a dificuldade que os
escultores tiveram em ultrapassar a verticalidade do tronco, tanto a proporção
corporal como o tratamento dos panejamentos são feitos com pouco acerto, o
que, de certa maneira, coloca algumas dúvidas quando ao saber dos escultores.
Outro dado que ressalta nestas figuras é o efeito da madeira carcomida pelos
insectos xilófagos que dá a madeira sinais evidentes da limitação do espaço
temporal o que contrasta com a infinita santidade das virgens, como que a
demarcar duas escalas temporais: a escala biológica da madeira e a escala
intemporal das virgens com o menino.
É claro que, como acontecia noutros países, o que imperava em Portugal
também seria uma gramática iconográfica definida por teólogos. Aos escultores
competia a nobre tarefa de executar a obra de acordo com o que lhes era
pedido319. Porém, fora das realizações de maior importância sempre existiu
espaço e lugar para a autonomia dos escultores que usavam a madeira. Assim,
sítios menos preponderantes dos templos, de alguma maneira escondidos da
maioria das pessoas, como os cadeirais, coros e órgãos permitiram a realização
de formas livres do ideário iconográfico preconizado pelos líderes da Igreja.
Resta apenas a dúvida se as esculturas que hoje entendemos como toscas,
desproporcionadas e sem ritmo serão reveladoras do desconhecimento e da
técnica dos escultores desse tempo, isto é dos séculos XI, XII e XII. Devemos
considerar que, de algum modo, o conhecimento da escultura clássica não se
teria perdido definitivamente e quando foram reunidas condições sociais,
filosóficas e teológicas ela acabou por ressurgir.
319 PEREIRA, J.-‐ Dicionário de Escultura Portuguesa, Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 580.
114
No período Gótico320, que terá surgido em meados do século XII, na Íle de
France321, (e terá perdurado pelos séculos XIII e XIV, em Itália, e até ao século
XV, em França), a escultura já não estava sujeita à arquitectura mas justaposta,
como que “pousada” nos altares e retábulos322. Iniciou-‐se um processo que
acabará por ser precursor de uma visão mais próxima do modelo. O símbolo irá
dar lugar a um crescente naturalismo323.
Em Portugal, talvez pela distância dos centros de decisão a que se situa, mas
também pela conjuntura política, social e económica da época, ter-‐se-‐á
prolongado até meados do século XVI324.
Ligado a um maior dinamismo económico, social e cultural que a época anterior,
sobretudo pela organização e pelo desenvolvimento das cidades com a
afirmação do poder real, a instalação das universidades e com elas o
pensamento escolástico onde se terá destacado São Tomás de Aquino ( 1395-‐
1455), defensor de uma corrente racional e naturalista, procurou-‐se conciliar a
fé com a razão. Neste tempo ter-‐se-‐á procurado uma maior expressão material
da religiosidade como uma ponte de ligação entre a luz da razão, a natureza e a
revelação divina.
Dando continuidade ao percurso anterior na procura da verdade tridimensional,
a escultura acabou por introduzir a prática de uma figuração com maior
correcção anatómica em que o cuidado com o pormenor não desprezava uma
visão global da obra, o que, por fim, a terá levado a reencontrar o seu lugar na
arte e a demarcar-‐se do espaço arquitectónico para assegurar a sua autonomia.
320 Esta designação terá surgido a partir do século XVI, ao espírito clássico e racional dos homens do Renascimento, para identificar o estilo que se pensava descender dos Godos, tribos que ocupavam o Norte da Europa durante a Alta Idade Média, de significado pejorativo, isto é: bárbaro e rude. 321 Designação usada para identificar uma área geográfica que inclui Paris e arredores constituída por oito departamentos entre os quais :Seine et Marne, Yveline, Essonne, Val-‐d’Oise, Vale-‐de-‐Marne, Haut-‐de-‐Seine, Seine–Sant-‐Denis e Paris. 322 AA.VV. -‐ História da arte ocidental e portuguesa, das origens ao final do século XX, Porto: Porto Editora 2006 p. 356. 323 PEREIRA, J.-‐ Dicionário de Escultura Portuguesa, Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 240. 324 AA.VV. -‐ História da arte ocidental e portuguesa, das origens ao final do século XX, Porto: Porto Editora 2006 p. 254.
115
Numa primeira fase, tanto nos relevos como nas figuras de vulto, como nas
várias Virgem como o Menino, como por exemplo a de Saint-‐Jean, Liége, Bélgica,
esculpida em carvalho policromado, em 1230-‐40325, que faz parte do acervo do
Victória and Albert Museum, em Londres, havia, ainda, o interesse em passar
uma ideia de eternidade, solenidade e majestade ao mesmo tempo que um certo
distanciamento do mundo terreno326, apesar de se notarem diferença para o
período anterior, sobretudo no que diz respeito à proporção.
No entanto, no interior da catedral de Notre Dame, de Paris, nos relevos do coro,
esculpidos em madeira, podemos observar maior fluidez e maior acerto
anatómico327. Devemos notar que, apesar das dimensões do relevo serem
reduzidas e a pintura das figuras lhe conceder uma certa monotonia, tanto pela
repetição dos motivos das vestes como pela aplicação de dourado no fundo das
cenas, os escultores foram capazes de fazer transparecer gestos e movimentos
mais naturalistas o que acabava por ser uma inovação surpreendente para a
época.
Em Portugal, são características desta fase as representações da Virgem e de
Cristo. Tanto as Virgens grávidas, conhecidas popularmente como Senhoras do
O, como as Virgens com o Menino tendem a humanizar tanto a gravidez como a
infância de Cristo. São figuras que se vão resolvendo com melhor ou pior
definição dos panejamentos em pregas e dobras ajudadas pela riqueza da
policromia. Nestas obras, apesar da proporção se aproximar da natural, a
anatomia, como defende Pereira “não é ainda uma ciência formadora do
pensamento artístico”328. Visível, nestas figuras é a falta de concordância entre o
rosto e a idade do Menino. No que diz respeito à representação de Cristo
destaca-‐se o que agora pode ser observado no Museu Machado de Castro, em
Coimbra. É um Cristo na Cruz, em madeira, do século XIV, conhecido por Cristo
Negro talvez por ter absorvido o fumo das velas que o iluminaram ao longo de
325 WILLIAMSON,P. – Escultura Gótica 1140-1300. São Paulo: Cosac & Naify, 1998, p. 73. 326 AA.VV. -‐ História da arte ocidental e portuguesa, das origens ao final do século XX, Porto: Porto Editora 2006, p.364. 327 Ver imagem 37 e 38 328 PEREIRA, José Fernandes, -‐ Dicionário de Escultura Portuguesa. Lisboa: Caminho, 2005, p. 241.
116
muitos anos, proveniente do oratório do convento de são João das Donas, do
Mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra329. Trata-‐se de uma escultura de dimensões
acima do natural, 284,5 x 140 x 61 cm, longilínea ainda com carácter arcaizante.
Representa o Cristo emagrecido e agonizante, tem a cabeça ligeiramente
pendente, coroada de espinhos, cabelo e barba compridos e ondulados, boca
entreaberta, os membros superiores e inferiores exageradamente desprovidos
de massa muscular. No tórax apresenta ferida sangrante e a marcação das
costelas, tal como as rótulas, é exagerada. Está suspenso na cruz por intermédio
de três cravos, dois colocados um em cada palma da mão e outro trespassa
ambos os pés. Atado à cintura tem um panejamento que lhe oculta a região
genital e coxas. Na globalidade a figura é muito expressiva transmitindo um
sentimento agonizante preconizado para este tipo de obra nessa época e no
nosso país.
À medida que a Idade Média se foi aproximando do final, a escultura em
madeira, tal como a efectuada noutros materiais, passou a fazer transparecer
um certo naturalismo idealizado. A proporcionalidade das figuras e os gestos
tornaram-‐se cada vez mais humanizados. Nesta altura pretendia transmitir-‐se
beleza, graciosidade e doçura330 como podemos ver nas Virgens com o
Menino331 do final deste período.
Entendemos que a policromia, menos aceite nos dias de hoje, terá tido um
carácter decisivo na Idade Média na medida em que, por ser pouco usual no
quotidiano, despertaria maior surpresa. Na sociedade da época, em que as
catedrais representavam a edificações mais importantes das cidades, o
esplendor da cor deveria ser entendido como um sinal de inovação. Podemos
pensar que, para lá das catedrais, mosteiros e abadias, nas restantes
construções, nas quais se albergavam a maioria da população das classes mais
humildes, a aplicação de cor deveria ser reduzida ou mesmo inexistente. Parece
que uma maneira geral toda a escultura se tenha rendido à policromia incluindo
329 Ibid., p. 241. 330 AA.VV. -‐ História da arte ocidental e portuguesa, das origens ao final do século XX, Porto: Porto Editora 2006, p. 364. 331 Ver imagem 40.
117
a que era executada para o exterior, como o atestam os restos de tinta
encontrados nos frontais, mas terá sido com a escultura de madeira que esta
técnica mais se terá desenvolvido.
Nesta especificidade, como referimos anteriormente, a madeira tem
características físicas de permeabilidade ligadas à sua estrutura anatómica que
lhe conferem vantagem sobre outros materiais, daí que o seu desenvolvimento
se tenha aperfeiçoado, para conferir maior naturalismo às figuras e tornar a
escultura mais durável, sobretudo a partir do final da Idade Média e noutros
períodos posteriores como no Renascimento e no Barroco. Não obstante,
começava a surgir o interesse, por parte de alguns escultores e em certos
espaços geográficos, para deixar a superfície da madeira destituída de qualquer
cor. Dentro desta ideia são importantes os retábulos de madeira que relatam
episódios bíblicos, e esculturas de vulto332 que Riemenscheneider (1460-‐1531),
fez na Alemanha. Este escultor, já nesta época, terá dispensado conscientemente
a cor para aplicar apenas vernizes transparentes, escurecendo os planos mais
internos, para acentuar a volumetria.
332 Ver imagem 41 e 42.
118
5 – DO RENASCIMENTO AO BARROCO
Se noutros espaços europeus ainda se praticava uma escultura de carácter
medieval, baseada numa mentalidade teocêntrica e simbólica, nalgumas
repúblicas do espaço geográfico que hoje conhecemos como Itália, em particular
Florença, no início de século XV, havia já um modo de pensar que tendia a
explicar as coisas pela medida das capacidades humanas, colocando o Homem
no centro das motivações e decisões. A crescente curiosidade e vontade de
saber terá gerado o interesse pela natureza e com ele o desenvolvimento do
conhecimento científico. O gosto pela representação do homem, com base na
observação e segundo regras próprias, ao mesmo tempo próximas da ciência e
da natureza, a organização política e económica das repúblicas, o controlo
financeiro e o interesse cultural das famílias poderosas que punha em prática o
mecenato e, sobretudo, a redescoberta da cultura clássica -‐ facilitada pela
presença de vestígios arqueológicos e monumentais que neste território
permaneciam -‐ fizeram com que o primeiro impulso do que, posteriormente,
viria a denominar-‐se renascimento se iniciasse neste espaço e neste tempo. A
arte de esculpir deixava agora as organizações das oficinas medievais para se
centrar no talento individual dos escultores. Nesta nova fase, estes autores
custeados e protegidos por famílias com alto poder económico e social, tinham a
possibilidade de por em prática as suas competências e, por esta via, elevar o
seu estatuto. Na Republica de Florença, Donatello (1386-‐1466), com cerca de 20
anos, esculpiu em madeira, um Cristo na Cruz333, à escala natural, por volta de
(1406-‐1408). Este Cristo está conservado na capela de Varni di Bernio, na Igreja
de Santa Cruz, em Florença334. Posteriormente, com cerca de 60 anos de idade
em 1455 usou, novamente, a madeira para representar Maria Madalena335.
Brunelleschi (1377-‐1446) esculpiu outro Cristo na Cruz336, também em madeira,
em (1410-‐1415) que é posterior ao de Donatello e pode ser observado na
333 Ver imagem 43. 334 CAPRETTI, E. – Brunellechi: Vita d’artista. Firenze: Giunti, 2003, pp. 24-‐26. 335 Ver imagem 56-‐58 . 336 Ver imagem 44.
119
Capela de Gondi na Igreja de Santa Maria Novell, em Florença. Tal como o de
Donatello, foi esculpido à escala natural, 170 x 170 x 45 cm, e como foram
executados em tempos não muito distantes um do outro facilmente estão
sujeitos a comparações. Pondo de parte a lenda que defende que Brunelleschi
terá esculpido o Crucifixo como resposta ao de Donatello por discordar deste
quanto à aparência de Cristo ser demasiado rude337, é inegável que o Cristo de
Brunelleschi pela placidez que apresenta refuta a expressão dramática e o
naturalismo exasperado e epidérmico do de Donatello, conferindo-‐lhe maior
nobreza e virtude sublime338. De facto, o Cristo de Brunelleschi, pela síntese,
deixa transparecer maior fluidez tornando a leitura mais fácil quanto à pretensa
unificação, entre o humano e o divino, que era suposta para Jesus.
Por seu turno, a Santa Madalena de Donatello, com cerca de 1,85 cm de altura,
talhada em choupo, revela uma mulher na fase final da sua vida, emagrecida, de
rosto cadavérico e descalça. O longo cabelo em desalinho, confunde-‐se com a
superfície ondulada que representa o cilício339 e lhe cobre quase a totalidade do
corpo, deixando apenas, para lá do rosto, os membros superiores e pouco mais
que os pés a descoberto o que, no confronto dos elementos, lhe dão uma carga
dramática própria da iconografia da santa penitente. Esquálida e introspectiva,
a fazer lembrar a ideia que a Igreja da Idade Média sustentava para os últimos
dias da sua vida como eremita no deserto, parece afastar-‐se da ideia de beleza
clássica para valorizar a comoção e expressividade. De qualquer modo, o
escultor teve o cuidado e o rigor anatómico indispensável tanto na
representação das fracções de corpo que estão expostas como na sua ocultação
facto que a iconologia da época para um santo penitente preconizava, deixando
adivinhar na leitura da obra a anatomia acertada da figura, o que, de resto, não
deixa de ser um reflexo da maturidade que o artista possuía na altura em que
esta obra foi executada.
337 Dedução nossa, pela tradução da frase em Italiano: “messo un contadino in croce”- colocou um camponês na cruz in CAPRETTI, E. – Brunellechi: Vita d’artista. Firenze: Giunti, 2003, p. 24. 338 Ibid., p. 24. 339 Cilício: termo de origem grega (kilíkios) para identificar antiga veste, faixa de crina ou de pano grosseiro e áspero usado directamente sobre a pele por penitência. In, HOUAISS -‐ Dicionário da Língua Portuguesa, Lisboa: Circulo de Leitores, 2002, p. 929.
120
Do ponto de vista técnico salientamos a maneira como o escultor foi capaz de
resolver a complexa trama de cabelo para, de alguma maneira, constranger o
corpo da figura ; corpo que, estando semi-‐nu, assim, parece vestido. Para
conseguir a organicidade e fluidez necessários a essa representação terá
explorado a brandura e flexibilidade da madeira o que, aliás, seria difícil noutros
materiais.
Miguel Ângelo (1475-‐1564), amplamente conhecido pelas esculturas em pedra
e também por obras de arquitectura e pintura terá optado pela madeira para
esculpir dois Cristos na Cruz340: o Crucifixo do Convento de Santo Espírito, em
Florença, de 1492341 e outro, de 1493-‐95, conhecido por Crucifixo Galliano por
fazer referência ao sobrenome do antiquário que o terá descoberto. Estas obras
são-‐lhe atribuídas, sendo a primeira mais consensual e a segunda ainda sujeita a
alguma especulação, talvez por ser descoberta mais recentemente. Estas duas
esculturas terão sido resultado dos trabalhos com estudo de anatomia e
oferecidos ao responsável pelo Mosteiro de Santo Espírito por permitir a
realização de dissecação de cadáveres do Hospital de Santo Espírito, em
Florença local onde fez grande parte da sua aprendizagem sobre anatomia342.
Independentemente da controvérsia são, de facto, duas obras do Renascimento,
de reconhecido valor escultórico, reveladoras do trabalho de alguém com
apurado conhecimento do ser humano tanto a nível da anatomia como da
fisionomia. Mesmo que não fossem deste autor teriam sempre valor para a
escultura. De todas as maneiras, parecem apresentar semelhanças com outras
obras que saíram do pensamento e das mãos de Miguel Ângelo343 tanto na
construção da proporcionalidade dos corpos como na definição de estruturas
anatómicas (músculos, tendões ou protuberâncias ósseas), inclusive na escolha
do modelo que, aparentemente, terá servido na concepção da maioria das suas
obras iniciais. Se compararmos estas esculturas surgem-‐nos semelhanças na
340 Ver imagem 45 e 46. 341 NÉRET, G. - Miguel Ângelo 1475-1564. Lisboa: Atelier de Imagem, 2010, p. 11. 342 “Miguel Ângelo não se satisfez em aprender a anatomia em segunda mão, por assim dizer, através da escultura antiga. Realizou as suas próprias pesquisas de anatomia humana, dissecou cadáveres desenhou modelos , até que a figura humana deixou de ter para ele qualquer segredo” In GOMBRICH, E. -‐ A História da Arte, Lisboa: Público/Phaidon, 2006, p. 305. 343 Ver imagem 45-‐55.
121
“construção” e “modelação” do rosto de Cristo quer nas esculturas de madeira
acima referidas, entre elas, como na Pietà da Basílica de São Pedro, em Roma,
esculpida em 1499 ou, até, da pintura inacabada Sepultação, que também lhe é
atribuída e terá sido executada pelo escultor em 1504344. Por outro lado, nestes
crucifixos de madeira, Cristo é representado com aparência de um jovem pleno
de pureza, de corpo já bem definido mas ainda sem qualquer sinal de declínio, o
que, numa visão neo-‐platónica, própria de Miguel Ângelo, equivale a um corpo
antes da queda, ou seja a ideia de um corpo elegante, integro e autêntico, sem
mácula, o que são já reveladores da linguagem própria do autor e que se torna
recorrente na sua obra.
Todavia, restaram dúvidas quanto ao que terá levado o escultor a usar a
madeira nestes dois casos. Certo é que se trata de duas esculturas para o
interior e deveriam ser executadas com o naturalismo que a arte do
Renascimento exigia. Como a madeira é dos materiais com maior vocação para
trabalhar com a policromia pode ter ajudado à decisão. Por outro lado, a
madeira por ser mais leve e flexível que outros matérias (pedra e metais) seria
mais adequada para ser transportada nos rituais cristãos que obrigavam a
alguma mobilidade. No segundo caso, pelas dimensões que a figura tem, é
provável que a escultura tivesse esse fim. Mas o simbolismo da matéria, não
pode ser descartado, não podemos esquecer que a madeira, para além de ser um
material que apela mais ao sentimento, Jesus Cristo terá morrido numa cruz de
madeira. Contudo, há um dado técnico importante, visível nas imagens que
foram feitas através da radiografia, que pode explicar, em parte, o uso da
madeira – a presença de uma cunha na região cervical posterior. Segundo o
esquema a figura de Cristo terá sido feita, numa primeira fase, com a inclinação
da cabeça menos marcada e, depois, decapitada e recolocada com a ajuda de
uma cunha para lhe dar maior inclinação. É certo que a inclinação do veio da
madeira também pode ter levado a esta opção para ser mais fácil trabalhar o
rosto da figura. Ficam as dúvidas, terá sido para dar mais expressão à figura ou
por questões técnicas relacionadas com a inclinação do veio da madeira ou,
344 Ver pormenores das imagens 53-‐55.
122
então, pelas duas razões. De todas as maneiras, noutros materiais seria muito
difícil, ou quase impossível, este tipo de “operação”.
De facto, muitas das obras de escultura de interior, do Renascimento, são
executadas em madeira policromada, sobretudo para colocar nos templo mas
este material também foi usado para retratar damas notáveis como no caso da
Bela de Florença, que pode ser vista no Museu do Louvre, em Paris, e foi
esculpida em meados do século XV. Neste retrato345 é bem visível a qualidade do
trabalho do escultor tanto pela capacidade que teve em representar a beleza da
retratada como pela serenidade de expressão que lhe imprimiu, atributos que
deixam adivinhar a fidelidade ao modelo.
Porém, ao mesmo tempo, parece prosperar uma tendência que abdicava da cor
para valorizar a nobreza natural da madeira. Dentro desta perspectiva, a Norte,
na Alemanha, destacam-‐se as esculturas de Tilman Riemenschneiden(1460-‐
1531) ou as de Veit Stoss(1447-‐1533), que ainda se enquadram num modo de
fazer do gótico tardio. A Sul, já dentro de uma prática do Renascimento, com
forte influência italiana podemos destacar as obras de Alonso Berruguete
(1488-‐1561)346ou Diego de Siloé (1495-‐1563). Em Itália já Donatello, como
anteriormente referimos, tinha representado Maria Madalena quase sem cor
por volta de 1453. Posteriormente, cerca de 1664, Pedro de Mena (1628-‐1688),
em Espanha, respeitando a austeridade de colorido preconizado para os santos
penitentes, também irá representar sobriamente esta mesma santa347.
Siloé esculpe em nogueira a sagrada Família, que pode ser observada no Museu
Nacional de Escultura de Valladolid, mantendo a cor da madeira numa
composição plena de harmonia ritmo e ternura.
345 Ver imagem 59. 346 Alonso Berruguete foi considerado um dos principais escultores do renascimento espanhol, viajou por Itália, esteve em Roma e Florença onde terá estudado a escultura italiana com Miguel Ângelo. Em 1518 foi contratado como escultor real de D. Carlos V. 347 TEIXIDÓ, J. e SANTAMERA, C. – A Talha Escultura Em Madeira. Lisboa: Editorial Estampa, 1997, p. 21.
123
Contudo, entre 1524 e 1566 milhares de escultura em madeira vão arder nas
fogueiras do fervor iconoclasta da Reforma Protestante348, particularmente na
Alemanha349.
Embora a Reforma diminua transitoriamente o ímpeto da escultura em madeira,
sobretudo nos templos do Norte da Europa, os Concílios350 de Niceia e Trento351
acabam por lhe dar novo impulso. Será a teatralidade barroca a recorrer de
novo a este material para, em muitos casos, produzir escultura efémera352. Em
eventos culturais, de carácter político ou religioso, em que a estética do Barroco
impunha algum “aparato artístico”, eram encomendados trabalhos de escultores
feitos em madeira talvez por ser mais célere a sua execução e se adaptar melhor
à aplicação da policromia e do dourado – técnicas que respondiam às exigências
do exagero do gosto desse tempo. Este modelo de escultura era pensada para
um espaço e um tempo determinado. Porém, houve situações em que, pela
qualidade das obras, nalguns casos, foram passadas a materiais mais
duradouros. Caso exemplar terá sido o do Baldaquino da Basílica de são Pedro,
da autoria de Bernini (1598-‐1680), efectuado em 1624-‐35, primeiro esculpido
em madeira para, posteriormente, ser passado a bronze e mármore353.
No Barroco a escultura em madeira tinha grandes potencialidades porque a
maleabilidade do material e a facilidade de adição, supressão ou troca de partes, 348 Movimento reformista cristão, iniciado em 1517 por Martinho Lutero(1483-‐1546) ao publicar as 95 teses na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg, na Alemanha, que foi seguido e apoiada por vários lideres religiosos e políticos europeus. Este movimento refutava o poder do papa tal como lhe estava concedido. Opunha-‐se à problemática das indulgências, ao interesse material e à injustiça que com elas vigoravam, e defendia, entre outras teses, a de que as esculturas deveriam ser retiradas do interior dos templos por desviar para elas o verdadeiro interesse dos crentes. 349 TEIXIDÓ, J. e SANTAMERA, C. – A Talha Escultura Em Madeira. Lisboa: Editorial Estampa, 1997, p. 17. 350 É a reunião de dignitários eclesiásticos presidida ou sancionada pelo papa, para deliberar sobre questões de fé, costumes, doutrina ou disciplina eclesiástica. In, HOUAISS -‐ Dicionário da Língua Portuguesa, Lisboa: Circulo de Leitores, 2002, p.1020. 351 Concílio de Trento também designado de C. da Contra-‐reforma, foi um concílio realizado na cidade Italiana de Trento, para se opor ao Protestantismo tendo refundado muitos dos dogmas do Cristianismo e defendeu o culto dos santos e a veneração das esculturas e imagens que os representavam. 352 “O mundo católico descobria que a arte podia servir a religião de um modo que superava a simples tarefa que lhe fora atribuída no início da Idade Média -‐ a de ensinar a doutrina a pessoas que não sabiam ler. Agora poderia ajudar a persuadir e a converter mesmo aqueles ” que dominavam bem a leitura. In, GOMBRICH, E. – A História Da Arte. Lisboa: Público, 2006, p. 437. 353 BORSI, F. – Bernini. Madrid: Akal, 1998, p. 113.
124
cujas emendas desapareciam sob a camada de estofados e policromia,
facilitavam muito o trabalho dos escultores.
Nesta altura a madeira era pintada e coberta a folha de ouro para obter um
efeito sumptuoso ou para sacralizar as figuras mas, ao mesmo tempo, estas
técnicas, retiravam-‐lhe qualidades inerentes à sua materialidade e à qualidade
do talhe deixado pelo escultor354. De facto, a aplicação da cor pode diminuir a
percepção de um dos valores fundamentais da escultura que é a
tridimensionalidade. O claro-‐escuro, decorrente da interrupção da luz e
projecção de sombra, fundamental para a compreensão do volume, quase
sempre é prejudicado pela vibração da cor que é exterior ao material, isto é, que
é adicionada a superfície da escultura para obter um resultado diferente do que
foi conseguido pelo acto de esculpir, ou até pela insinuação de algo que, do
ponto de vista físico, não existe. Nesta matéria, entendemos que a escultura é,
acima de tudo, uma realidade objectiva, que ocupa espaço, espaço real e que é
perceptível sobretudo pela interrupção, absorção e projecção da luz.355. Daí que,
de uma forma geral, os escultores, cultores da arte que versa a
tridimensionalidade, inteligível pela distribuição dos volumes e pela
desmultiplicação de perfis, entendam a luz como fundamental e defendam o
respeito pela “verdade dos materiais”. Ideia que, terá sido abordada por alguns
escultores ao longo dos tempos, como demonstram as esculturas de Berruguete,
Siloé ou Wesel356 mas que em definitivo foi resolvida a partir do final do século
XIX357 com alguns escultores modernistas como, Brancusi, Tatlin, ou
Houssmann, entre outros.
Há, contudo, obras na escultura portuguesa dos séc. XVIII, em madeira,
atribuídas a Machado de Castro(1731-‐1822) como, por exemplo, alguns santos
da Basílica da Estrela (Santa Teresa de Ávila, Santo Elias ou São João
Evangelista) entendidas como processo de concepção e execução “ligados” pela
354TEIXIDÓ, J. e SANTAMERA, C. – A Talha Escultura Em Madeira. Lisboa: Editorial Estampa, 1997, p. 20. 355 A escultora Maria Lino defende, a esse respeito que sem a luz a escultura seria impossível. 356 Ver Imagens 60 e 61. 357 TEIXIDÓ, J. e SANTAMERA, C. – A Talha Escultura Em Madeira. Lisboa: Editorial Estampa, 1997, p. 21.
125
técnica de transposição, onde terá tido a colaboração de outros escultores, que
exemplificam bem esta realidade. Se compararmos os modelos de barro
modelados pelo autor e as figuras dos santos em madeira acabadas: douradas,
estofadas, policromadas e encarnadas, podemos verificar o contraste nas
diferenças de leitura, muito mais simples e directa nos modelos de barro. O
tratamento da superfície da madeira parece excessivo para a escultura na
medida em que dificulta a percepção das formas 358. Por outro lado, o Santo
Onofre, de José de Almeida(1700-‐1769), proveniente do Convento do
Sacramento, actualmente no Museu Nacional de Arte Antiga, esculpido na
primeira metade do séc. XVIII, o tratamento da superfície da madeira respeita a
“nobreza” da madeira 359 deixando transparecer as características do material.
Seja como for, na generalidade da escultura de madeira desta época, terá sido
com o discorrer do tempo e pela acção erosiva de agentes físicos naturais, como
a luz solar ou a humidade, que podemos observar o domínio técnico dos
escultores e a qualidade de algumas esculturas cujos autores, por razões
estéticas ou de decoro religioso, se viram obrigados a ocultar o seu trabalho. A
beleza sóbria destas esculturas de madeira, limpas de toda a policromia, faz-‐nos
duvidar que pudessem ter, no tempo para que foram feitas, como as esculturas
de mármore Gregas no seu tempo, outra aparência mais exuberante360. Porém, o
que conta é o que nos chega. Ninguém duvida da brancura dos mármores
gregos, e porque haveria de duvidar-‐se como ninguém duvida das madeiras
destituías de policromia na sua mais quente tonalidade. Por outro lado, terá
havido sempre lugar para a escultura em madeira despojada de policromia ou
outros exageros como o dourado. Por vezes, em lugares mais recônditos dos
templos, como os espaços entre as cadeiras dos coros, que permitem maior
liberdade temática ao escultor onde representa cenas da vida quotidiana,
fábulas ou ironiza a sua época361. Nos lugares e nas posições mais inverosímeis
esculpem personagens de ficção ou bustos. As jóias ocultas dos coros são as
358 Ver imagens 62 e 63. 359 Ver imagem 64 360 TEIXIDÓ, J. e SANTAMERA, C. – A Talha Escultura Em Madeira. Lisboa: Editorial Estampa, 1997, p. 20. 361 Ibid., p. 20.
126
misericórdias, suportes que permitem descansar quando se está de pé e passam
despercebidas ao clero, sob o assento. Permitem maior liberdade temática ao
autor, Mateo Aleman que trabalhou nos cadeirais de Templos espanhóis de
Palencia, Toledo e Plasencia manifestou um ousado tom burlesco.362 Depois do
Renascimento os cadeirais terão passado a respeitar a cor da madeira.
Em Portugal, dentro de uma lógica clássica de modelação e transposição, pouco
frequente na escultura em madeira, por não haver para a madeira uma cultura
de trabalho técnico de profissionais equivalentes aos canteiros para a tecnologia
de pedra, são atribuídas algumas esculturas a Machado de Castro (1731-‐1822),
que, de resto, já foram referidas e cujo trabalho efectivo, pensamos nós, ter sido
apenas de modelação em barro, facto que, na verdade, não lhe tira a autoria.
Para Machado de Castro a obra estaria acabada na segunda fase do processo
quando do desenho era passada a um modelo de pequenas dimensões,
normalmente feito em barro, capaz de tornar tridimensional a ideia projectada
no papel363.
Ainda dentro dos princípios clássicos do fazer, mais tarde, Teixeira Lopes
(1886-‐1942) é autor de uma escultura devocional da Rainha Santa Isabel ou da
Senhora de Fátima. Na primeira, por encomenda da Rainha D. Amélia, o escultor
terá recriado uma mulher medieval que foi santificada, para tal terá usado três
modelos a partir dos quais modelou a figura em barro que, passada a gesso, terá
enviado para Gaia onde foi transposta em madeira364. Esta santa, de fisionomia e
gestos serenos, apesar de respeitar as regras da Igreja, e não expor o corpo,
admite a existência desse mesmo corpo debaixo dos bem resolvidos
panejamentos, o que de resto, é revelador da erudição do escultor. No segundo
caso, Teixeira Lopes terá proposto, uma Virgem verosímil e serena, envolta em
vestes brancas, posicionada sobre nuvens, de acordo com os relatos da altura,
com uma ligeira curvatura que a aproximava do público o que de certa forma a
362Ibid., p. 20. 363 FRANCO, A. In, -‐ AA.VV. – O Virtuoso Criador Joaquim Machado de Castro 1731-1822. Lisboa: Museu Nacional de Arte Antiga, 2012, p. 192. 364 PEREIRA, J. In, - Arte Teoria: Revista do Mestrado em Teorias da Arte, nº 11. Lisboa: Faculdade de Belas Artes, 2008, p. 26
127
tornava mais humanizada. Mesmo assim, e apesar da qualidade escultórica
desta obra, foi rejeitada a favor da obra de um Santeiro. Infelizmente para a
escultura em madeira, neste caso o gosto popular acabou por se impor e
preferir uma senhora de Fátima estática, sem corpo, completamente idealizada
ao jeito Gótico.
128
6 – MODERNISMO E CONTEMPORANIEDADE
De todas as maneiras, no início do Século XX, os artistas europeus, por
contraponto à escultura tradicional e talvez também por admiração e pela força
expressiva dos entalhadores do Pacífico e da África, embora na Europa essas
forças “expressivas” já existissem, não podemos esquecer alguns povos ditos
“bárbaros”, vindos do norte, ou o saber artesanal e rudimentar que prevalecia
na Europa, enalteceram definitivamente a madeira conferindo-‐lhe maior valor
matérico.
Escultores de então, usam este material nas suas composições e recorrem às
suas particularidades para transmitir tanto expressividade como racionalidade.
Brancusi (1876-‐1957), com raízes rurais, mas com formação clássica365,
evocando as artes primitivas e populares contribuiu com novos valores para a
arte moderna pela busca de formas primordiais quase destituídas de elementos
decorativos366. Os sucessivos nivelamentos e acentuações levaram-‐no à
simplificação cada vez maior das formas. Nos seus trabalhos o vigor do talhe da
madeira contrasta com o polimento meticuloso do metal ou da pedra367.
Uma das esculturas mais marcantes de toda a sua obra terá sido a Coluna sem
fim, trabalho que iniciou em madeira e repetiu várias vezes neste material. No
atelier do escultor, em Paris, são visíveis as varias soluções para esta obra que
aparece ser a repetição da base de uma escultura368.
Por outro lado, escultores que adoptaram o método da construção369 como
linguagem, apropriaram-‐se das potencialidades, da tábua, da pranchas ou de
365 Terá estudado na Escola de Artes de Craiova de 1894 a 1898 e na Escola Nacional de Belas Artes de Bucareste de 1898 a 1901. Em 1904 foi para Paris onde completou a sua formação na École Nationale Superieure de Beuax-‐Arts. 366 CABANNE P. – Brancusi. Paris: Éditions Terrail/Edigroup, 2006, pp. 9-‐18. 367 O polimento da superfície era levado ao extremo ao ponto de, com esta prática, obter, na superfície dos objectos, um efeito flector como se dum espelho se tratasse. 368 Ver imagem 65. 369 Queremos designar não apenas os Construtivistas Russos, seguidores de Vladimir Tatlin, Gabo, Pevsner cujas obras eram, no geral, geométricas e não miméticas In, RICKEY, G. –
129
placas industrializadas370 para, isoladamente ou com outros materiais, darem
protagonismo ao vazio e através de planos sucessivos atingirem escalas
inusitadas, ou ultrapassarem limitações de flexibilidade, peso ou resistência
impostas por outros materiais como a pedra ou o metal. As novas correntes
modernistas que se sobrepuseram vertiginosamente ao longo deste século
utilizaram a madeira e os seus derivados industriais, por acção directa, por
reutilização de desperdícios ou até pela reciclagem e apropriação de objectos,
falamos de madeira de escombros, móveis ou outros objectos abandonados. A
reciclagem da madeira e de outros materiais é já um sinal premonitório de
outros ensejos da escultura que, como é hábito, antecipa por especulação os
problemas que se antevêem na sociedade em geral. Como que em contraponto à
a produção em massa, ao descartável e ao consumo excessivo, a escultura vai
propor a reciclagem, o reaproveitamento e a reintegração.
O escultor toma consciência, cada vez mais, do reverso da industrialização e
crescimento desproporcionado dos centros urbanos que têm levado a uma total
desconexão da natureza e dos seus ciclos. A descoberta e popularização do
plástico e outros polímeros sintéticos, conjugada com a publicidade agressiva e
ao consumo desenfreado e cego levaram, inevitavelmente, à produção de
exagerada quantidade de lixo. Ao mesmo, tempo no cenário actual, eclodiram
problemas sociais e ambientais que puseram a nu a escassez de recursos
naturais e as fragilidades das produções em grande escala que dependem da
energia combustível fóssil ou das inegáveis mudanças climáticas, que obrigam a
um redesenho social cultural e ambiental. Mas, também, a contínua
desflorestação deu um novo ensejo aos escultores que procuraram uma lógica
que compreendesse as relações humanas de maneira mais crítica, e a ideia de
que a obra de arte resultasse na criação de mais um objecto de consumo fez
redefinir a posição destes perante a sociedade. Como resposta a este contexto
surgiu, durante a década de sessenta, nos Estados Unidos da América, a vontade
Construtivismo: Origens e evolução, São Paulo: Cosac & Naify, 2002, pp. 14,15 mas, também, outros como Mark di Suvero, Rolando Lopéz Dirube, Michael Lekakis ou Francois stahly In MEILACH, D. – Contemporary art with wood: Creative techniques and appreciation, London: George Allen& Unwin, 1968, p.p. 34, 148, 150, 154, 156. 370 Laminados, contraplacados ou aglomerados de madeira.
130
de regressar à natureza para fazer arte. A partir desse reencontro surgiram
obras impossíveis de confinar a galeria ou a um museu, efémeras e construídas
essencialmente com materiais provenientes da natureza onde se inseriam. São
comuns designações para esta arte feita “in natura”: Land Art, Environment Art
ou Earth Art. Deste modo, por influência do ecologismo, alguns escultores
perderam o interesse pela prancha ou pelo tronco para se apoderarem da
árvore ou até do próprio bosque371.
Em Portugal, apesar da lentidão com que foram acolhidas as alterações no modo
de fazer e de pensar a arte em geral, entendemos que na escultura essas
mudanças tenham sido mais lentas talvez porque a escultura seja menos
permeável a “modas” ou soluções rápidas. De facto, os processos de esculpir tem
uma “endurance”372 própria com um lento e continuado modo de formalizar que
não se compadece com repentismos. Uma obra de escultura desde a sua
concepção à execução ou instalação tem uma duração expressiva e conceptual
mais estável, menos frenética na ânsia de mudança que as outras artes, um
processo lento e moroso que requer do escultor uma desmedida dedicação.
Mesmo assim, o Modernismo,373 e outros movimentos subsequentes, terão
introduzido o desejo de ruptura com uma escultura que estava estabelecida e
sofria de um certo “estatismo bolorento” que respondia a um certo gosto
politizado374. A esta vontade de mudança parece estar associada também a
renovação dos materiais e, por esta via, a madeira terá voltado a ser colocada
como material de escolha para algumas esculturas de que o Velho de Francisco
Franco e Perfil de Mulher de Raul Xavier são exemplos.
Todavia, terá sido a partir do final da década de 40, sobretudo com o
aparecimento da escultura denominada abstracta, que se terá iniciado uma 371 TEIXIDÓ, J. e SANTAMERA, C. – A Talha Escultura Em Madeira. Lisboa: Editorial Estampa, 1997, p.26. 372 Estrangeirismo francês que significa resistência “traduzido à letra”. 373 O Modernismo na escultura chegou a Portugal trazido pelos escultores que passaram por Paris para complementar a sua formação artística e que aí permaneceram mais ou menos tempo, onde contactaram com escultores e a escultura de Rodin ou Bourdelle, como Francisco Franco ou Diogo de Macedo. In, Pereira, J. – Escultura Contemporânea In Dicionário de Escultura Portuguesa. Lisboa: Caminho, 2005, p. 258. 374 PEREIRA, J – Escultura. In, Dicionário de Escultura Portuguesa. Lisboa: Caminho, 2005, p. 229.
131
prática de ruptura efectiva com a estética estabelecida pelo poder político. Na
tentativa de aproximação às linguagens internacionais, principalmente pela
influência da Slade School, ter-‐se-‐á verificado uma viragem de influência,
decisiva, de Paris para Londres375. Posteriormente, João Fragoso (1913-‐2000)
no final dos anos 50 início dos anos 60, talvez por influência da escultura que se
fazia nos Estados Unidos da América,376 numa tentativa de redução dos efeitos
expressivos da obra à “simplicidade extrema”, constrói, monta e arranja a partir
de restos de embarcações, madeiras, cordas, ou outros “object trouvés”
recolhidos nos seus passeios junto ao mar. Destes trabalhos terão resultado
esculturas dirigidas para uma linha experimental377 que o próprio escultor
acabou por denominar “fase minimalista”. Atendendo ao âmbito deste trabalho,
fazemos referência a duas dessas esculturas: Vitória Irrevogável ou Morte em
Veneza378, por serem de madeira e servirem de exemplo a esta maneira nova de
entender esta arte que reduz ao mínimo o trabalho tecnológico. Com uma
presença vertical (no primeiro caso) ou horizontal (no segundo), são esculturas
em que o autor encontra soluções simples para dar protagonismo à madeira e
embora pareçam ser reveladoras de uma poupança formal considerável,
continuam a fazer referência ao mar e à memória do que nele se passa o que,
aliás, acaba por ser recorrente na sua obra. Outro dado que não passa
despercebido são os títulos das obras que remetem para um saber antigo.
Em contrapartida, António Vidigal (1936), formado na Escola Superior de Belas-‐
Artes de Lisboa onde exerceu docência, adopta, para o trabalho de escultura em
madeira, o desenvolvimento de técnicas rigorosas ligadas à estereotomia379
como é visível em Leda e Cisne (1967) ou Ícaro (1982)380, obras que apresentam
375 Também assim aconteceu com Alberto Carneiro que na Saint Martin’s School of Art terá seguiu o mestrado de Phillip King E Anthony Caro (1968-‐1970). In, FERREIRA, J. – Carneiro, Alberto. In, -‐ Dicionário de Escultura Portuguesa. Lisboa: Caminho, 2005, p. 117. 376 AZEVEDO, F. – Fase Minimalista. In, Escultura e Tempo de João Fragoso. Caldas da Rainha: Museu de José Malhoa 1985, p.12. 377 NUNES, P. – Fragoso, João. In, Dicionário de Escultura Portuguesa. Lisboa : Caminho, 2005, pp. 306-‐307. 378 Ver imagens 66 e 67. 379 Por estereotomia entendemos o corte rigoroso dos materiais para formar ou construir formas tridimensionais. Mais à frente abordamos com maior rigor este tema. 380 Ver imagem 12.
132
reminiscências abstractas de composições clássicas, não só no título como na
composição e resolução formal381. O escultor, sem se afastar de uma noção
ancestral da escultura, bem patente na exposição antológica de Caldas da
Rainha, onde podem ser observadas as várias fases da prática da sua escultura,
desde a modelação, execução de molde e obra definitiva, acaba por abordar
novas formas compositivas tanto no campo abstracto como no tratamento
fragmentário do corpo. O Contorcionista (1999) ou o Torso (2009) são
reveladores de uma ideia que vincula uma certa geometrização ao corpo para
acentuar valores da escultura tradicional como o efeito de massa, volume e
contorno. O domínio tecnológico, em particular o da madeira, parece fazer de
António Vidigal um escultor não só de ideias e de maquetas, mas também do
fazer e do conhecimento dos materiais, o que, de resto, o torna pouco comum
nos dias de hoje.
Noutro campo oposto do fazer, no domínio do talhe directo, Maria Lino, (1944-‐)
escultora formada nas Escola Superior de Belas Artes do Porto e de Lisboa382,
tem desenvolvido a sua obra, para além de noutros materiais ou no desenho,
sobretudo em torno da madeira. Interessam-‐lhe algumas das características
deste material, em particular as que tem conseguido obter ao trabalhar a luz,
tentando, por assim dizer, fixa-‐la na superfície da madeira383. Em 1970, ao
emigrar para Hamburgo, onde continuou a sua formação, terá alargado os seus
horizontes artísticos, no entanto, nunca terá deixado de esculpir directamente
em troncos ou vigas. Segundo a artista a tecnologia nada lhe interessa384, não
precisa mais nada que não seja uma goiva e um maço, preferindo esta técnica
ancestral a usar meios mecânicos385. Talvez por isso as suas obras deixem
transparecer um trabalho meticuloso e lento, revelador da cadência dos dias e
de um apurado pensamento que, pela hábil mão que conduz o corte certeiro da 381 PEREIRA, J. – Vidigal, António. In, Dicionário de Escultura Portuguesa. Lisboa : Caminho, 2005, p. 606. 382 Estudou escultura nas Escolas Superiores de Belas Artes do Porto e de Lisboa de 1960 a 69, em 1970 emigrou para a Alemanha, Hamburgo onde completou a sua formação de na Academia de Belas Artes dessa cidade 1970-‐77. 383 Nas suas palavras “...o que mais me interessa é a luz. Sem ela a escultura não seria possível. Por isso é que algumas esculturas foram feitas à mesma hora do dia, isto é, usando períodos de tempo em que a luz solar é a mesma, em vários dias.” In, entrevista a Maria Lino em anexo. 384 Ver entrevista de Maria Lino. 385 “Foi feito tudo à mão porque na Alemanha não podia fazer barulho”
133
lâmina da goiva, transforma um fragmento de árvore numa escultura 386. Desta
ligação, pensamento e da mão, Maria Lino deixa-‐nos o seu próprio alfabeto
entre o figurativo e o abstracto, entre o humano e a paisagem numa espécie de
código ambíguo para decifrar387.
Já Paulo Neves (1959-‐), embora tenha frequentado a Escola de Belas Artes do
Porto, teve uma aprendizagem “exclusivamente autodidacta”388. Usa
essencialmente meios mecânicos como a motosserra ou rebarbadora para dar
forma ou gravar a superfície da madeira. As antropomorfias parecem ser o seu
principal argumento escultórico: criaturas talhadas em finos perfis que
emergem do volume do tronco ou do bloco e deixam a descoberto a
preexistência da forma natural. Os materiais e técnicas a que recorre cumprem
com coerência o mesmo desígnio de uma tecnicidade primitivo-‐tradicional num
território entre a celebração ritual e a representação artesanal. O acto de
esculpir parece integrar, neste escultor, o mesmo ciclo existencial de um
sistema arcaico e obsoleto, que é a ruralidade, de nostálgica filiação à
experiência mística, perdido no processo da actual secularização urbana.389
Porém, Aberto Carneiro (1937-‐ ), sobretudo a partir dos anos 70, tinha já
seguido um percurso voltado para a natureza. E talvez por essa razão o
considerem, nem sempre com completa justeza,390 como o impulsionador da
Land Art em Portugal. De facto, Alberto Carneiro terá desenvolvido um trabalho
peculiar, em que a sua obra assenta num processo criativo em busca de
essencialidades da matéria391. A madeira, para este autor é “o material de
meditação através da qual constrói a obra”392 e quando trabalha num tronco diz
386 Ver imagem 11. 387 Galsterer, A. In, – A Essência das Coisas: Selecção Antológica Dos Trabalhos De Maria Lino Dos Últimos 20 Anos, (Coord. Sampaio), Vila Nova de Foz Côa: Fundação Côa Parque, 2013, p. 25. 388 Providência, F. Paulo Neves. Porto. Paulo Neves, 2011, pp. 8-‐9. 389 PROVIDÊNCIA, F. – Paulo Neves. Porto: Paulo Neves, 2011, pp. 14-‐15. 390 Para o escultor a escultura consiste na apropriação (mental e sentimental), nomeação e transformação de matéria e autenticação, sendo que para tal, não exclui a possibilidade de deslocaliza-‐la para o museu ou para a galeria. A Land Art restringe-‐se à natureza. In, CARNEIRO, A-‐ Das Notas Para Um Diário e Outros Textos. Lisboa: Assírio & Alvim, 2007, pp. 205, 210 e 212. 391 FERREIRAerreira, J. -‐ Carneiro, Alberto. In Dicionário de Escultura Portuguesa. Lisboa : Caminho, 2005, p. 119. 392 CARNEIRO, A. –Alberto Carneiro - Os Caminhos da Água e do Corpo Sobre Terra, Bragança: Centro de Arte Contemporânea Graça Morais, 2012 p. 30.
134
manter – do ponto de vista simbólico, entendemos nós -‐ a “totalidade” ou
essencialidade da arvore que nela existe. Talvez, por isso, é que nas suas
esculturas como Árvore Mandala Para os Gravadores do Côa393 podemos
identificar um conjunto de elementos gravados394 onde as incisões deixadas
pelo disco da rebarbadora não impedem que reconheçamos a forma original da
(e na) árvore. Assim, quando trabalhamos um pedaço de madeira (a parte),
devemos ter em conta a árvore (o todo), porque só na totalidade se afirma a arte
e segundo o artista “tem que trabalhar-‐se como a arvore cresce, de dentro para
fora. Se não se percebe a matéria de dentro para fora o que se produz pode ser
uma traição à própria matéria”395. O critério de instalar, organizar e distribuir o
espaço são outra das características da sua obra. Na opinião do escultor, a
matéria da madeira que lhe interessa afasta-‐se dos seus valores formais para se
aproximar de uma interioridade que o liga ao cosmos.
Seja como for, a madeira como material físico, isto é, com uma determinada
textura, densidade, resistência mecânica ou flexibilidade marca presença em
grande parte da sua obra e isso terá sempre importância para a escultura e para
o âmbito deste trabalho, tanto do ponto de vista da forma como do conteúdo,
porque, na verdade a escultura tem sempre uma realidade física, é
tridimensional, ocupa espaço, está ali.
Na vertente da representação da figura humana, sempre central na escultura, a
madeira, como material e médium, continua a ser sedutora. Com mais ou menos
ciência, mais ou menos rigor, sintetizando ou enfatizando, conforme o critério
do escultor, a representação do corpo, na totalidade, ou em parte será sempre
objecto do fascínio de alguns escultores. Em Itália são exemplos Bruno Walpoth
(1959-‐) ou Aron Demetz (1972-‐) que utilizam a madeira para configurar corpos
ou fragmentos de corpos sobre os quais aplicam tintas, resinas ou ceras, a fazer
393 Ver Imagem 68. 394 CARNEIRO, A. – Árvore Mandala Para os Gravadores do Vale do Côa. Lisboa: IGESPAR/ UNL, 2009, p.86. 395 CARNEIRO, A-‐ Das Notas Para Um Diário e Outros Textos. Lisboa: Assírio & Alvim, 2007, p. 213.
135
lembrar métodos ancestrais da policromia, na procura de uma aproximação à
realidade, por vezes, aparentemente exagerada396.
Assim, somos levados a acreditar que a escultura em madeira tenha mantido
uma certa continuidade ao longo dos tempos, tanto no cenário internacional
como no nacional e, por outro lado, faça todo o sentido que se mantenha na
actualidade visto que, para além de ser renovável e completamente inofensiva
para o ambiente, parece ter características, que já descrevemos, que fazem dela
um material útil e bom para a escultura.
396 Ver imagens 69 e 70.
136
IV -‐ CONCLUSÃO
No mundo da escultura, a madeira ocupa um espaço que tem tanto de fascinante
como de complexo, o trabalho que envolve a aplicação deste material na arte de
esculpir pressupõe o domínio de conhecimentos e saberes que vão muito para
lá do seu campo específico. A botânica, a física, a química, a engenharia florestal
e a carpintaria são só algumas das áreas a que os escultores, interessados em
usar a madeira, terão que recorrer para alicerçar o seu vasto conhecimento.
Para conhecermos melhor a madeira temos que entender o que está na sua
origem – a árvore. Na verdade, existe uma variedade enorme de árvores mesmo
quando nos restringimos às que temos no nosso território, contudo, a ciência
reúne-‐as em dois grupos: as gimnospérmicas e as angiospérmicas. Se as
compararmos verificamos que as gimnospérmicas, por terem surgido primeiro
na evolução das espécies, são mais simples, tem uma estrutura interna
uniforme, com elementos celulares alongados e com maior porosidade. Por isso,
a madeira destas árvores é mas leve e flexível o que lhe dá uma certa vocação
estrutural usada, por exemplo, nos métodos construtivos. Por seu turno, as
angiospérmicas, mais evoluídas do ponto de vista biológico, tem uma estrutura
interna diversa e intricada com elementos celulares mais curtos e mais
heterogéneos. Por isso, a madeira das árvores, deste grupo, tende a ter maior
densidade e maior coesão interna, assim, do ponto de vista mecânico, resiste
melhor a forças de várias direcções, o que a torna mais adequada para o talhe.
De todas as maneiras, estes são apenas princípios, nada impede que o escultor
explore a diversidade da madeira noutro sentido, isto é, use para o talhe
gimnospérmicas e no método construtivo angiospérmicas. Por outro lado, há
madeiras de algumas árvores que têm aptidão para todo o tipo de trabalhos
como, por exemplo, o castanho, a nogueira ou o carvalho.
Independentemente do grupo a que pertence, sendo um material orgânico, toda
a madeira é higroscópica, isto é, altera as suas características principais como: o
137
volume, a resistência mecânica e a flexibilidade, conforme varia a humidade do
meio ambiente onde se encontra; Por outro lado, é anisotrópica, ou seja, tem
especificidades diferentes conforme o local da árvore de onde provém. Assim, a
madeira do cerne, localizada na parte central do tronco, habitualmente mais
escura, tem mais resistência mecânica, é mais durável que a do borne que é
exterior ao cerne e, habitualmente, é mais clara, menos resistente e menos
durável.
Os planos principais da madeira segundo os quais é observável a sua anatomia
essencial ajudam o escultor a identificar os elementos do material lenhoso: O
plano transversal, corresponde à secção recta do tronco através do qual
podemos observar as formações cíclicas do lenho denominadas camadas ou
anéis de crescimento. Neste plano podemos distinguir, uma formação central, de
cor mais intensa, denominada cerne ou duramen e uma coroa circular periférica,
mais clara, que se chama borne ou alburno. A delimitar toda o plano
encontramos a casca. O plano radial que passa pela medula e outro, tangente às
camadas de crescimento, que é designado por plano tangencial. Nestes
distinguimos a imagem proporcionada pela intercepção dos anéis anuais que
conferem a este material o que se denomina veio da madeira, ou seja o “desenho
ou figura” e, também, no plano tangencial, podemos ver os desvios do
alinhamento axial dos elementos fibrosos, fenómeno que se dá o nome de fio da
madeira.
A perda de água abaixo do teor de saturação das fibras, determina a retracção
das paredes celulares e como consequência a redução das dimensões da
madeira. Mas como a madeira é anisotrópica, a retracção faz-‐se consoante as
diferentes direcções. Assim, podemos considerar, de acordo com os planos já
referenciados, retracção axial, retracção radial e retracção tangencial. Do ponto
vista prático, com rara excepções, a retracção axial é proporcionalmente às
outras muito pequena, a retracção tangencial tem o valor mais alto, enquanto
que a retracção radial é, em geral, 1,5 a 2 vezes menor do que a tangencial. São
estas diferenças entre retracções transversais que explicam as fissuras, as
deformações e os empenos que ocorrem durante a secagem.
138
Em termos práticos, sabemos que se trabalharmos a madeira com um grau de
humidade muito elevado, como acontece com a que ainda está verde, isto é logo
após o abate da árvore, devemos contar com contracções e deformações
posteriores.
De todas as maneiras, essa característica não deve impedir que exploremos a
brandura da madeira que é maior nessa altura. Por outro lado, se quisermos
talhar ou construir uma escultura para perdurar no tempo, devemos evitar
utilizar o borne porque, como é rica em nutrientes, sobretudo açúcares,
facilmente é atacada por xilófagos, fungos ou outros microrganismos.
Porém, se o escultor não se preocupar com o problema da durabilidade da
escultura, então, qualquer madeira serve.
Certo é que a madeira se esvai com o tempo. Resiste pouco às agressões da
natureza que teima em reintroduzi-‐la na cadeia de reciclagem. No entanto, o
escultor pode retirar partido dessa, aparente, desvantagem e subverte-‐la, isto é,
fazer das propriedades da madeira, elementos primordiais da própria escultura.
Neste contexto talvez possamos assumir a degradação da madeira com
naturalidade e, por essa via, chegar à percepção de outras finitudes como, até, a
da própria vida humana.
Do ponto de vista químico a madeira é constituída, principalmente, por celulose
e lenhina numa prodigiosa estrutura microfibrilar da qual a celulose é
responsável, enquanto esqueleto e comportamento mecânico, coadjuvada pela
lenhina, substância amorfa, termoplástica e menos higroscópica que a celulose,
que confere dureza e rigidez à parede celular. Os extractivos, que em termos
práticos dão a cor e cheiro à madeira são na verdade responsáveis pela
preservação do material lenhoso coadjuvados por outros componentes
inorgânicos como a sílica e cristais de oxalato de cálcio.
139
O vigor de crescimento influencia de maneira inversa a consolidação da
estrutura do material lenhoso nos dois grandes grupos. Do crescimento lento
resultam madeiras mais densa nas resinosas e menos densa nas folhosas. Mas,
para a escultura, de uma maneira geral, serão sempre melhores as árvores que
crescem lentamente. As que resultam de um crescimento mais lento são todas
elas menos “nervosas”, isto é, sofrem menos empenos e abrem menos fissuras,
as gimnospérmicas são mais densas porque têm os anéis mais próximos e as
angiospérmicas mais leves porque a densidade é menor à custa da diminuição
do lenho tardio (mais denso).
Os métodos de trabalho aplicados à madeira para a escultura devem respeitar
as características deste material. No talhe directo, em especial se usamos um
tronco, podemos ter benefício se soubermos identificar bem os elementos
anatómicos da madeira, o grupo a que pertence, de onde provem, o grau de
secagem e, para além disto, as técnicas de preservação que melhor se adaptam.
Assim, mais fácil se torna esculpir, para depois, dar azo à criatividade.
Por outro lado, se nalgum tipo de assemblagens possa parecer pouco produtivo
este conhecimento, pelo carácter livre do método, também, nestes casos, quanto
mais o escultor souber sobre o material maior liberdade terá para enfatizar o
que lhe mais lhe interessar.
Na estereotomia, tal como em todo o método construtivo, mas em especial nesta
pelo rigor do corte, a previsão do comportamento da madeira torna-‐se
fundamental. É fácil perceber porque é necessário o domínio destas matérias se
pensarmos na estranheza que provocaria ver uma escultura, em que foi usada
esta técnica, a abrir fendas ou a deformar-‐se.
Contudo, quando a escultura resulta apenas de um tronco, por exemplo no talhe
directo, as aberturas são mais facilmente toleráveis e, nalguns casos, até
desejáveis, quando se daí quizermos retirar expressividade, pela aspecto que
proporcionam à obra.
140
Para os métodos de trabalho que temos comentado sobre a escultura em
madeira temos associado regras próprias, o que de certa maneira pode induzir a
pressupostos sobre os modos de esculpir neste material, isto é, demos
conhecimento de certas orientações que no seu conjunto podem determinar um
modo de fazer que, ao respeitar a estrutura anatómica e as características do
material lenhoso, pode ser entendido como lei ou seja a “lei da madeira”. Não
queremos com isto dizer que ao escultor apenas caiba, obrigatoriamente, um
caminho que obedeça a esses pressupostos, pelo contrário, entendemos que as
regras nada mais são que isso, isto é, a maneira “certa” de fazer. Ao escultor
cabe decidir se deve ou não contrariar a regra. Na arte as regras dos materiais
têm pouco valor, talvez seja neste ponto onde se nota maior diferença entre a
arte e ciência. A ciência tem apenas um caminho, o método científico que, sendo
unívoco, é obrigatoriamente verificável, por sua vez, à arte, pouco lhe
interessam os métodos se o resultado final for arte. Neste campo, a escultura
parece aproximar-‐se da poesia, uma e outra devem considerar a norma mas
ambas se afirmam na medida em que a ultrapassam. Tal como o idioma que o
poeta usa para se expressar tem regras, regras de gramática que deve conhecer,
também o escultor tem regras para a escultura e quando usa a madeira deve
conhecer as leis deste material para se quiser poder subverte-‐las.
O facto de não ser feita referência a uma Idade da Madeira, do mesmo modo que
acontece com a pedra, bronze ou ferro, não deve inviabilizar a probabilidade de
ter ocorrido um tempo e um espaço em que o Homem ávido de conhecimento
tenha explorado sabiamente este material. Pelo contrário, há razões do ponto de
vista da praticabilidade que indiciam que o tenha feito antes dos outros
materiais e de maneira mais generalizada por ser abundante, leve e resistente,
fácil de transportar e receber bem as transformações desejadas. Deste modo, o
infortúnio que marca a falta de vestígios, em madeira, desde a arte pré-‐histórica
até ao nossos tempos, não será razão para suspeitar da sua continuada
utilização em arte.
141
De todas as maneiras, ainda restam escultura em madeira suficientes para
podermos reflectir acerca dos motivos, das técnicas, e da inquestionável
qualidade escultórica das obras tendo em conta o tempo em que foram feitas.
Da Suméria pouco terá restado mas o Egipto deixou-‐nos uma grande quantidade
de esculturas em madeira. Da Grécia e Roma pouco mais que registos ou
memórias da forma que a madeira em tempo impôs. Na Idade Média e
Renascimento, supomos que para a enobrecer, para sacralizar, e também por
questões de preservação, houve necessidade de a recobrir com cor, pedras
preciosas ou ouro. Nestes tempos, a qualidade do trabalho dos escultores, pode
ter sido disfarçada, só muito mais tarde é que viu a luz do dia e foi devidamente
reconhecido. No entanto, à medida que os escultores se foram libertando do
“aparelho” e da tinta, primeiro nos lugares mais discretos dos templos e, depois,
sem qualquer problema de afirmação por todo o espaço incluindo , assim se
nobilitou de vez a madeira. Terá sido a partir do Renascimento que foi possível,
nalguns casos, apreciar todos os valores escultóricos da madeira. Todavia, só a
partir do final do século XIX, é que os escultores assumiram, definitivamente, a
madeira como material nobre.
No fundo, cada obra de escultura de madeira está sempre ligada ao seu tempo e
ao lugar que ocupou na sociedade.
O que fica na madeira é só o registo do que o escultor pensou e sentiu o reflexo
da interacção entre o pensamento e a matéria, da mão com a goiva ou com a
máquina que, em termos práticos, não é mais que um prolongamento do
cérebro, de uma prótese que liga a ideia e o espírito à madeira. O volume, o
peso, a massa, o arranjo, o equilíbrio ou a tensão. Não mais que a composição
possível, o que a mão consegue imprimir ao serviço do pensamento. Depois é
necessário corrigir. Ver de todos os ângulos, afastar para permitir que a obra
respire. Algumas vezes é necessário muitos dias para apreender e ver o que está
mal. O processo é longo e lento. Por vezes muito lento. É assim como quem
escreve. As palavras também tem que ter o peso certo, devem dizer o mais
próximo do que pensamos, depois, é necessário ver se há erros, e se estão no
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lugar certo. Por fim, há que dar tempo e voltar a ler e corrigir o que for
necessário. Sim, escrever e esculpir não será muito diferente. O escultor
também escreve, na madeira, com a madeira ou noutros materiais só que a
gramática é diferente. E retirar o que está a mais, ou ver o que tem mesmo de
ser acrescentado, quanto menos, melhor. Comparar com o que já fizemos. E
aqui, no processo, não é muito diferente. O escritor usa as palavras, dispõe-‐nas
de maneira que bem entender. Coloca-‐as no papel risca-‐as, dactilografa-‐as ou
imprime-‐as. O papel é apenas um suporte, é passivo, não acrescenta nada do que
o escritor ou poeta quer dizer. As palavras do escultor são outras, usa as formas,
o volume, o efeito de massa, a luz a sombra. O suporte pode ser a madeira, o
ferro ou o mármore, ou até o papel do escritor, mas quase sempre, ao contrário
da passividade que caracteriza o papel, como suporte das palavras do poeta, a
madeira do escultor tem algo a dizer porque, para além de suporte, é já forma e
meio.
No presente, num contexto sociológico em que o consumo absolutiza, em
permanência, os destinos da humanidade, que relativiza o tempo e a noção dele,
e a apreciação do mundo real choca com um deambular histriónico e superficial,
o reconhecimento da finitude da matéria e da sua degradação, que mais não é
que transformação, e reciclagem, pode conduzir-‐nos para estados de
pensamento que propiciem a reflexão sobre o lugar que o Homem ocupa no
universo. A madeira parece ter essa subtil vocação de despertar a consciência e,
pela dádiva formal que a escultura lhe concede, nos fazer repensar o que
verdadeiramente somos. É autêntica, sincera, integra, resistente e flexível e ao
mesmo tempo delicada e frágil. Nela, o discorrer do tempo manifesta-‐se de um
modo tão eficaz que nos faz pensar sobre a nossa própria finitude corpórea e, ao
mesmo tempo, da hipervalorização material do mundo que nos rodeia, para
chegar ao que, estando para lá dele, se torna quase inacessível.
O que a madeira traz de novo com a sua mutabilidade física e química, bem
como na sua falta de resistência ao tempo, é a capacidade de interrogar e
consciencializar a finitude humana e insignificância individual. Nada somos se
não formos entendidos como um colectivo de humanidade e cultura. Da sua
143
insignificância individual, no seu curto espaço de tempo, na necessidade de
pertença a um colectivo. Mas também a possível e necessária renovação. E aqui
está a diferença. O homem para perdurar enquanto espécie não pode ser
individualista. Esse será sempre um caminho sem saída. Só o colectivo e a
renovação pode suportar o tempo. Perpetuar, a humanidade e a cultura
enquanto for possível. Ninguém pode negar o passado sem correr o risco de se
autodestruir. Pouco seriamos se não tivéssemos tido a capacidade de preservar
e transmitir. Mas tudo o que é material é perecível, somente perdura o imaterial.
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148
VI -‐ ANEXOS
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1 -‐ FICHAS DE IDENTIFICAÇÃO ESPECÍFICA PARA ALGUMAS MADEIRAS
150
2 -‐ IMAGENS
151
3 -‐ ENTREVISTAS