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1 UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITO A NECESSIDADE DE DESENCRIPTAÇÃO DE SMARTPHONES PARA OBTENÇÃO DE PROVA NO PROCESSO PENAL: Restrições ao Princípio de Não-Autoincriminação na Era Digital VANESSA FERNANDES DISSERTAÇÃO DE MESTRADO CIENTÍFICO EM CIÊNCIAS JURÍDICO- CRIMINAIS LISBOA 2017

UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITO · Em caso afirmativo, afigurar-se-á necessário apurar se no que tange ao fornecimento de palavras-passe ou impressões digitais do arguido

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Page 1: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITO · Em caso afirmativo, afigurar-se-á necessário apurar se no que tange ao fornecimento de palavras-passe ou impressões digitais do arguido

1

UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE DIREITO

A NECESSIDADE DE DESENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES PARA

OBTENCcedilAtildeO DE PROVA NO PROCESSO PENAL Restriccedilotildees ao Princiacutepio de

Natildeo-Autoincriminaccedilatildeo na Era Digital

VANESSA FERNANDES

DISSERTACcedilAtildeO DE MESTRADO CIENTIacuteFICO EM CIEcircNCIAS JURIacuteDICO-

CRIMINAIS

LISBOA

2017

2

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE DIREITO

A NECESSIDADE DE DESENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES PARA

OBTENCcedilAtildeO DE PROVA NO PROCESSO PENAL Restriccedilotildees ao Princiacutepio de

Natildeo-Autoincriminaccedilatildeo na Era Digital

VANESSA FERNANDES

Dissertaccedilatildeo apresentada para obtenccedilatildeo do Grau de

Mestre em Ciecircncias Juriacutedico-Criminais no Curso de

Mestrado Cientiacutefico da Faculdade de Direito da

Universidade de Lisboa

Orientador Professor Doutor Paulo de Sousa Mendes

DISSERTACcedilAtildeO DE MESTRADO CIENTIacuteFICO EM CIEcircNCIAS JURIacuteDICO-

CRIMINAIS

LISBOA

2017

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5

Aos meus avoacutes

6

7

A presente dissertaccedilatildeo eacute redigida segundo o antigo acordo ortograacutefico e meacutetodo de citaccedilatildeo

Harvard

8

9

SIGLAS E ABREVIATURAS

AAVV Autores vaacuterios

ADN Aacutecido Desoxirribonucleico

al Aliacutenea

artordm arts artigo artigos

CEDH Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem

cf cfr confira confronte

CP Coacutedigo Penal

CPP Coacutedigo de Processo Penal

CRP Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa

EUA Estados Unidos da Ameacuterica

FBI Federal Bureau of Investigation

HTC Hit the Cell

ie id est (isto eacute)

ID Identity

MMS Multimedia Messaging Service

MP Ministeacuterio Puacuteblico

nordm nos nuacutemero nuacutemeros

NSA National Security Agency

OCDE Organizaccedilatildeo de Cooperaccedilatildeo e de Desenvolvimento Econoacutemico

PIN Personal Identification Number

pp Paacuteginas

RIPA Regulation of Investigatory Powers Act 2000

seacutec Seacuteculo

SMS Short Message Service

StPO Strafprozessordnung

TEDH Tribunal Europeu dos Direitos Humanos

v Versus

vg verbi gratia (por exemplo)

10

11

RESUMO

A implementaccedilatildeo da tecnologia de encriptaccedilatildeo em smartphones nomeadamente por

palavra-passe ou impressatildeo digital contribuiu para o aumento da seguranccedila de

documentos confidenciais e informaccedilotildees pessoais O iPhone por exemplo assegura aos

seus utilizadores atraveacutes da digitaccedilatildeo da palavra-passe ou do mero toque com o dedo no

sensor de impressotildees digitais que ningueacutem teraacute a possibilidade de aceder aos conteuacutedos

dos seus dispositivos electroacutenicos

No entanto destas vantagens advecircm inesperadas implicaccedilotildees legais Os smartphones satildeo

vistos actualmente como uma ferramenta indispensaacutevel quer a niacutevel profissional quer a

niacutevel pessoal natildeo soacute pelas suas inuacutemeras funcionalidades mas tambeacutem devido agrave sua vasta

capacidade de armazenamento de dados (muita das vezes iacutentimos) E eacute esta capacidade

de armazenamento que faz do smartphone um oacuteptimo repositoacuterio de elementos

probatoacuterios De facto estes dispositivos electroacutenicos podem ser ou natildeo

instrumentalizados para a prossecuccedilatildeo de finalidades contraacuterias ao ordenamento juriacutedico

No entanto nos casos em que o dispositivo se encontra encriptado muitas das vezes natildeo

resta outra opccedilatildeo agraves autoridades que natildeo a de pedirem ao arguido que colabore na

investigaccedilatildeo criminal levantando questotildees quanto ao princiacutepio nemo tenetur se ipsum

accusare

O princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo evita que o arguido seja transformado em

colaborador involuntaacuterio das autoridades judiciaacuterias E apesar de o arguido estar

constitucionalmente protegido no sentido de natildeo auxiliar na sua proacutepria incriminaccedilatildeo

situaccedilotildees haacute em que pode ser compelido a revelar ou a entregar provas que possam

contribuir para a sua incriminaccedilatildeo

Mas o que acontece quando o arguido decide encriptar o seu smartphone com recurso a

uma palavra-passe alfanumeacuterica e a uma impressatildeo digital Ambos os meacutetodos satildeo

actualmente usados para guardar informaccedilatildeo pessoal e privada sendo merecedores de

igual protecccedilatildeo em casos de intrusatildeo por parte do Estado Seraacute que compelir o arguido a

revelar a palavra-passe ou a fornecer a sua impressatildeo digital para desencriptar o seu

smartphone deveraacute accionar o privileacutegio do arguido contra a autoincriminaccedilatildeo Este

trabalho sugere que sim veremos porquecirc

Palavras-chave smartphones encriptaccedilatildeo palavra-passe impressatildeo digital

autoincriminaccedilatildeo proibiccedilatildeo de prova

12

13

ABSTRACT

The implementation of encryption technology on smartphones such as password or

fingerprint scanner has facilitated the increased security of confidential documents and

personal information The iPhone for example assures its owner by typing the password

or merely touch his finger to a sensor that no one else will have the ability to acess the

contents of his electronic device

However with these advantages come unforeseen legal implications Currently

smartphones are seen as an indispensable tool both professionally and personally not

only for its many features but also because of its vast data storage capacity (often intimate

data) And it is this storage capacity that makes the smartphone a great repository of

evidence In fact these electronic devices may or may not be instrumentalized for the

pursuit of purposes contrary to the legal system However in the cases where the device

is encrypted there is often no other choice for the authorities than to ask the defendant to

collaborate in the criminal investigation raising questions about the principle nemo

tenetur se ipsum accusare

The privilege against self-incrimination prevents the accused from becoming an

involuntary collaborator of the judicial authorities And although the defendant is

constitutionally protected from assisting in his own incrimination there are situations in

which he may be compelled to reveal or deliver evidence that may contribute to his

incrimination

But what happens when the defendant decides to encrypt his smartphone using an

alphanumeric password and a fingerprint Both methods are currently used to guard

highly private and personal information and both are equally deserving of protection

from government intrusion Does compelling the defendant to reveal his password or to

provide his fingerprint in order to decrypt the smartphone should trigger the defendants

privilege against self-incrimination This work suggests that it does we will see why

Keywords smartphones encryption password fingerprint self-incrimination

exclusionary rules

14

15

INTRODUCcedilAtildeO

Propomo-nos fazer uma incursatildeo na temaacutetica relativa agrave articulaccedilatildeo entre as ordens de

desencriptaccedilatildeo de smartphones dirigidas ao arguido e a colaboraccedilatildeo processual que lhe eacute

exigiacutevel Assim pretendemos aferir se em sede de Direito Processual Penal o arguido se

encontra adstrito a colaborar com as autoridades judiciaacuterias no sentido de a pedido

destas facultar a sua impressatildeo digital ou quaisquer palavras-passe que permitam o

acesso a dados protegidos que se encontrem armazenados no seu smartphone

Como se infere com facilidade a questatildeo sub judice apresenta uma matriz dual praacutetica e

teoacuterica afigurando-se absolutamente compreendida no acircmbito de uma indagaccedilatildeo preacutevia

geral a que cumpre dar resposta seraacute que sobre o arguido impende um dever de

colaboraccedilatildeo com as autoridades judiciaacuterias no acircmbito da investigaccedilatildeo criminal que a estas

compete Poderaacute sustentar-se que a existecircncia de um tal dever eacute a toda a linha

compatiacutevel com o princiacutepio constitucional da natildeo-autoincriminaccedilatildeo Esta seraacute sem

duacutevida a interrogaccedilatildeo subjacente que nortearaacute a presente investigaccedilatildeo Cumpre salientar

que esta mateacuteria tem sido amplamente discutida pela jurisprudecircncia e doutrina

internacionais nomeadamente pela jurisprudecircncia e doutrina norte-americanas Neste

sentido mostra-se pertinente fazer remissatildeo logo desde o iacutenicio e ao longo da

investigaccedilatildeo ao ordenamento juriacutedico norte-americano

Esta problemaacutetica centra-se no confronto entre o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo

conhecido tambeacutem por nemo tenetur se ipsum accusare e os interesses eminentemente

de natureza puacuteblica associados agrave investigaccedilatildeo criminal Aqui ainda que se conclua pela

inexistecircncia de um princiacutepio geral de colaboraccedilatildeo do arguido no quadro da investigaccedilatildeo

criminal cumpre determinar se pontualmente o Coacutedigo Penal e o Coacutedigo de Processo

Penal estabelecem ou natildeo a prevalecircncia dos interesses prosseguidos pelas autoridades

judiciaacuterias sobre as garantias de defesa do arguido Em caso afirmativo afigurar-se-aacute

necessaacuterio apurar se no que tange ao fornecimento de palavras-passe ou impressotildees

digitais do arguido eacute ou natildeo aplicaacutevel um regime de natureza excepcional

De facto o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo jaacute foi alvo de vaacuterios estudos

nomeadamente em sede de apresentaccedilatildeo de documentos pelo arguido de concessatildeo de

acesso pelo arguido a espaccedilos vedados que se encontrem na sua disponibilidade ou de

sujeiccedilatildeo a revistas e exames de natureza pericial No entanto os dispositivos electroacutenicos

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de armazenamento de dados (vg smartphone computador tablet etc) apresentam

peculiaridades que os elevam ao estatuto de questatildeo autonomizaacutevel Desde logo

importaraacute referir que estes dispositivos electroacutenicos com diversos graus de

complexidade se impuseram no quotidiano do cidadatildeo comum enquanto ferramentas de

trabalho e de lazer Quer isto significar que por vezes ainda que natildeo instrumentalizados

para a prossecuccedilatildeo de finalidades contraacuterias ao ordenamento juriacutedico aqueles

dispositivos encerram em si um conjunto de dados susceptiacuteveis de concorrer para o

desenvolvimento da investigaccedilatildeo criminal

Por outro lado os meios tecnoloacutegicos que se encontram actualmente ao dispor da

sociedade permitem com relativa facilidade a ocultaccedilatildeo e protecccedilatildeo de dados por

intermeacutedio da encriptaccedilatildeo Ora natildeo subsistem quaisquer duacutevidas quanto a saber que as

dificuldades das entidades judiciaacuterias em aceder aos dados encriptados eacute proporcional ao

grau de sofisticaccedilatildeo do meacutetodo de protecccedilatildeo ou ocultaccedilatildeo empregue Em alguns casos

dir-se-aacute mesmo que a natildeo colaboraccedilatildeo do arguido poderaacute inquinar decisivamente a

investigaccedilatildeo porquanto a desencriptaccedilatildeo poderaacute consumir muito tempo ou ateacute mesmo

afigurar-se infrutiacutefera Como tal estes dados natildeo raras vezes da maior relevacircncia para a

investigaccedilatildeo satildeo em muitos casos extremamente volaacuteteis pelo que a colaboraccedilatildeo do

arguido pode ser indispensaacutevel para que os mesmos sejam acedidos Mas natildeo seraacute tal

colaboraccedilatildeo violadora do princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo Esta interrogaccedilatildeo serve de

centro de gravidade para o presente estudo cujo propoacutesito central consiste em determinar

se a ordem de desencriptaccedilatildeo dirigida ao arguido pelas autoridades judiciaacuterias no sentido

de este fornecer a sua impressatildeo digital ou palavra-passe que possibilitam o acesso ao seu

smartphone eacute ou natildeo violadora do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare

Para que possamos dar resposta a esta problemaacutetica comeccedilaremos no primeiro capiacutetulo

por analisar a questatildeo agrave luz do ordenamento juriacutedico norte-americano Em primeira linha

faremos a apresentaccedilatildeo de quatro casos jurisprudenciais relacionados com a coacccedilatildeo por

parte de entidades judiciaacuterias sobre o arguidosuspeito no sentido de este fornecer a sua

palavra-passe ou impressatildeo digital Posteriormente indagaremos sobre a temaacutetica da

desencriptaccedilatildeo compelida no acircmbito da Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica e

perceberemos o motivo pelo qual estas situaccedilotildees chegaram aos tribunais norte-

americanos No entanto uma vez que a presente investigaccedilatildeo eacute feita em territoacuterio

nacional cumpre fazer o enquadramento destes casos face ao direito processual penal

portuguecircs Por esse motivo decidimos tratar da questatildeo fazendo uma desconstruccedilatildeo

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praacutetica do problema sendo que a primeira questatildeo que se coloca num caso de

desencriptaccedilatildeo compelida de um smartphone eacute a de saber como se processa o acesso e a

apreensatildeo dos dados aiacute armazenados agrave luz do processo penal portuguecircs (capiacutetulo II)

Depois da tentativa de acesso e apreensatildeo dos dados armazenados no smartphone de um

ponto de vista praacutetico o segundo obstaacuteculo que se coloca agrave investigaccedilatildeo criminal prende-

se com a constataccedilatildeo de que o acesso ao smartphone e a todos os seus ficheiros se encontra

protegido por um sistema de encriptaccedilatildeo Assim mostra-se relevante fazer num terceiro

capiacutetulo a explicaccedilatildeo do que se entende por encriptaccedilatildeo e a enunciaccedilatildeo dos meacutetodos de

encriptaccedilatildeo comummente utilizados pelos proprietaacuterios de smartphones Como dissemos

existe uma correlaccedilatildeo entre a sofisticaccedilatildeo do meacutetodo utilizado e a dificuldade em aceder

ao dispositivo Desta forma surge a questatildeo no capiacutetulo IV de saber ateacute que ponto o

arguido poderaacute auxiliar as autoridades judiciaacuterias na investigaccedilatildeo sem com isso violar o

seu direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo Aqui discutir-se-aacute se por um lado a revelaccedilatildeo da

palavra-passe eacute violadora do nemo tenetur e se por outro o fornecimento da impressatildeo

digital eacute violador do nemo tenetur Por fim depois de respondermos a esta contenda

cumpre indagar no capiacutetulo V quais as consequecircncias da recolha de provas em violaccedilatildeo

deste princiacutepio constitucional

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19

CAPIacuteTULO I ndash O PROBLEMA DA DESENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES

NO ORDENAMENTO JURIacuteDICO NORTE-AMERICANO

1 O problema da desencriptaccedilatildeo de smartphones na jurisprudecircncia norte-

americana

Com a evoluccedilatildeo da tecnologia nasce em meados dos anos 90 a necessidade de proteger

ndash electronicamente - a confidencialidade dos vaacuterios ficheiros que satildeo diariamente

armazenados em sistemas electroacutenicos (nomeadamente o computador) Mais tarde esta

tendecircncia alarga-se igualmente aos telemoacuteveis ou mais precisamente aos smartphones

Um computador ou um smartphone tecircm actualmente uma capacidade de armazenamento

de ficheiros consideraacutevel possibilitando que o seu utilizador guarde contactos e-mails

fotografias viacutedeos entre outros ficheiros de uma maneira faacutecil e raacutepida No entanto para

aleacutem de existir esta necessidade por parte do utilizador comum de impedir que terceiros

possam aceder aos seus ficheiros pessoais tambeacutem os criminosos tecircm idecircntica

preocupaccedilatildeo com a confidencialidade dos elementos relativos aos seus crimes mormente

os que pressupotildeem sistemas sofisticados de comunicaccedilatildeo ou partilha de ficheiros1

Atendendo a esta necessidade de confidencialidade os utilizadores destes dispositivos

electroacutenicos recorrem a chaves criptograacuteficas compostas pela combinaccedilatildeo de dados

biomeacutetricos com palavras-passe relativamente simples e memorizaacuteveis garantindo a

privacidade das mensagens trocadas ou guardadas das fotografias dos viacutedeos ou de

outros ficheiros contra a intromissatildeo de terceiros Assim a efectividade deste meacutetodo

reside na necessidade de colaboraccedilatildeo activa e voluntaacuteria da pessoa que memorizou o

coacutedigo ou que introduziu os seus dados biomeacutetricos

Tendo em conta que estes coacutedigos criptograacuteficos satildeo na praacutetica indecifraacuteveis surge a

questatildeo de saber se no acircmbito de uma investigaccedilatildeo criminal e atendendo ao princiacutepio

contra a autoincriminaccedilatildeo seraacute legiacutetimo compelir o arguido a desencriptar o seu

dispositivo atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe ou do fornecimento dos seus dados

biomeacutetricos

Esta questatildeo jaacute foi abordada em diversos casos nos Estados Unidos da Ameacuterica pelo que

faremos nos proacuteximos pontos uma anaacutelise da questatildeo na jurisprudecircncia norte-americana

1 Oliveira Silva 2015 735

20

11 Caso Commonwealth of Virginia v David Charles Baust2

No dia 19 de Fevereiro de 2014 David Charles Baust residente em Virginia Beach

Estados Unidos da Ameacuterica e parameacutedico de profissatildeo teraacute alegadamente estrangulado

e agredido a sua namorada no quarto de sua casa3

A viacutetima alegou que o arguido gravou todo o ataque atraveacutes de um aparelho de gravaccedilatildeo

de viacutedeo que estaria sincronizado com o seu telemoacutevel pessoal um iPhone 5S que foi

colocado no quarto Foi ainda relatado pela viacutetima que ainda na manhatilde do dia 19 de

Fevereiro de 2014 apoacutes ter sido agredida tentou guardar o aparelho de gravaccedilatildeo no

entanto o arguido apercebendo-se da situaccedilatildeo voltou a agredi-la4

Anteriormente agrave alegada agressatildeo David Charles Baust jaacute tinha utilizado o referido

sistema de gravaccedilatildeo de viacutedeo ligado ao seu iPhone 5S enviando por mensagem de texto

para a viacutetima um viacutedeo onde ambos tinham relaccedilotildees sexuais no quarto do arguido

No seguimento de um mandado de busca executado diversos dias depois da agressatildeo foi

recolhido da casa do arguido o seu telemoacutevel pessoal (iPhone 5S) diversos aparelhos de

gravaccedilatildeo flash drives e um computador

Tanto a viacutetima quanto o arguido afirmaram que seria possiacutevel que no telemoacutevel do

segundo estivesse armazenada a gravaccedilatildeo de viacutedeo da agressatildeo5 No entanto o acesso ao

conteuacutedo do smartphone ficou impossibilitado uma vez que o dispositivo se encontrava

protegido por palavra-passe e impressatildeo digital Dada a situaccedilatildeo a acusaccedilatildeo apresentou

uma moccedilatildeo para a produccedilatildeo compelida da palavra-passe ou da impressatildeo digital que

desencriptam o smartphone

A questatildeo que se colocou em tribunal foi a de saber se seria possiacutevel compelir o arguido

a fornecer a palavra-passe ou a sua impressatildeo digital sem violar o seu princiacutepio agrave natildeo-

autoincriminaccedilatildeo (Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica)

2 Commonwealth of Virginia v David Charles Baust 2014 Disponiacutevel em

httpsconsumermediallcfileswordpresscom201411245515028-fingerprint-unlock-rulingpdf

[consultado em 22112016] Pode ser consultado no Anexo I da presente Dissertaccedilatildeo 3 Hudman 2015 213 4 Winterbottom 2014 1 Disponiacutevel em httpjoltlawharvardedudigesttelecommunicationscourt-

rules-police-may-compel-suspects-to-unlock-fingerprint-protected-smartphones [consultado em

22112016] 5 FerminoFeuchtbaum 2016 3 Disponiacutevel em httpwwwlawcomsitesarticles20160623the-laws-

breakable-protections-for-unbreakable-encryption [consultado em 22112016]

21

A decisatildeo do tribunal foi fraccionada6 Por um lado o juiz Steven Frucci autorizou o

pedido da acusaccedilatildeo para compelir o arguido a fornecer a sua impressatildeo digital no sentido

de desencriptar o seu smartphone por outro negou o pedido da acusaccedilatildeo para compelir

o arguido a fornecer a sua palavra-passe

No que concerne agrave argumentaccedilatildeo para a decisatildeo o juiz Steven Frucci comeccedila por analisar

a Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica que estabelece o

seguinte ldquonenhuma pessoa seraacute obrigada a depor contra si proacutepria em qualquer processo

criminalrdquo7

A Quinta Emenda concede ao arguido o privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo Segundo o

juiz para que a Quinta Emenda seja violada eacute necessaacuterio que a ordem dada ao arguido

cumpra trecircs requisitos a) que seja uma ordem coactiva (compulsion) b) de prestaccedilatildeo de

uma declaraccedilatildeo comunicativa (of a testimonial communication) c) que seja incriminatoacuteria

(that is incriminating) Quanto ao primeiro e terceiro requisitos parece natildeo haver duacutevidas

para o douto tribunal eacute notoacuterio que o pedido de cedecircncia da palavra-passe ou da

impressatildeo digital eacute coactivo e incriminatoacuterio A duacutevida surge quanto ao segundo

requisito nomeadamente quando se questiona se esta cedecircncia da palavra-passe e da

impressatildeo digital eacute ou natildeo uma declaraccedilatildeo ou comunicaccedilatildeo Eacute afirmado no caso pelo juiz

Steven Frucci que um acto eacute declarativo (testimonial) ldquoquando o arguido eacute forccedilado a

revelar o conhecimento de factos que o relacionam com o delito ou quando tenha de

compartilhar os seus pensamentos e crenccedilas com o governordquo8

Por esse motivo o tribunal concluiu o seguinte ldquoO arguido natildeo pode ser obrigado a

lsquodivulgar atraveacutes de processos mentaisrsquo a palavra-passe No entanto a impressatildeo digital

como uma chave natildeo exige que a testemunha divulgue algo atraveacutes de processos mentais

Pelo contraacuterio agrave semelhanccedila das caracteriacutesticas fiacutesicas que satildeo natildeo declarativas ou natildeo

comunicativas a impressatildeo digital do arguido se utilizada para aceder ao seu smartphone

eacute igualmente natildeo declarativa ou natildeo comunicativa natildeo exigindo que o arguido

lsquocomunique qualquer tipo de conhecimentorsquo Ao contraacuterio da produccedilatildeo de provas de

6 Kerr 2014 2 Disponiacutevel em httpswwwwashingtonpostcomnewsvolokh-

conspiracywp20141103virginia-state-trial-court-ruling-on-the-fifth-amendment-and-smart-

phonesutm_term=399c18bf1a04 [consultado em 22112016] 7 ldquoNo person shall be compelled in any criminal case to be a witness against himselfrdquo 8 ldquoWhen the accused is forced to reveal his knowlegde of facts relating him to the offense or from having

to share his thoughts and beliefs with the governmentrdquo Cf Commonwealth of Virginia v David Charles

Baust 2014 Disponiacutevel em httpsconsumermediallcfileswordpresscom201411245515028-

fingerprint-unlock-rulingpdf [consultado em 22112016] Pode ser consultado no Anexo I da presente

Dissertaccedilatildeo

22

caraacutecter fiacutesico tal como uma impressatildeo digital a revelaccedilatildeo de uma palavra-passe forccedila o

arguido a lsquorevelar o conteuacutedo da sua proacutepria mentersquo Por esta razatildeo a moccedilatildeo para

compelir o arguido a revelar a palavra-passe deve ser NEGADA mas a moccedilatildeo para

compelir o arguido a fornecer a sua impressatildeo digital deve ser CONCEDIDArdquo9

Apesar da autorizaccedilatildeo dada pelo juiz Steven Frucci para compelir o arguido a fornecer a

sua impressatildeo digital com o propoacutesito de desbloquear o smartphone apreendido o acesso

ao seu conteuacutedo acabou por natildeo se realizar visto que o dispositivo teria estado na posse

das entidades judiciaacuterias durante cerca de 6 meses10 e ao fim de 48 horas de inactividade

eacute necessaacuteria a palavra-passe para permitir o acesso

O arguido foi absolvido por falta de provas

12 Caso State of Minnesota v Matthew Vaughn Diamond11

No dia 30 de Outubro de 2014 a viacutetima MH saiu de sua casa em Chaska entre as 1030

e 1045 da manhatilde para fazer alguns recados Quando regressou cerca das 1200

encontrou a porta da sua garagem danificada resultado de um arrombamento forccedilado

Depois de se aperceber do furto de um cofre um computador portaacutetil e diversa joalharia

a viacutetima ligou para a poliacutecia Enquanto aguardava a chegada da poliacutecia a viacutetima encontrou

um envelope na entrada da sua garagem com o nome ldquoSWrdquo escrito A poliacutecia tirou

fotografias ao local e a diversas pegadas que foram deixadas junto agrave entrada da garagem

Depois de recorrer agrave base de dados estatal a detective Nelson do Departamento de Poliacutecia

de Chaska conseguiu determinar o nuacutemero de matriacutecula do carro de SW e descobriu

ainda que no proacuteprio dia 30 SW tinha penhorado as joacuteias furtadas da casa da viacutetima

numa loja de penhores

9 ldquoThe defendant cannot be compelled to lsquodivulge through his mental processesrsquo the passcode for entry

The fingerprint like a key however does not require the witness to divulge anything through his mental

processes On the contrary like physical characteristics that are non-testimonial the fingerprint of the

Defendant if used to access his phone is likewise non-testimonial and does not require Defendant to

lsquocommunicate any knowledgersquo at all Unlike the production of physical characteristic evidence such as a

fingerprint the production of a password forces the Defendant to lsquodisclose the contents of his own mindrsquo For this reason the motion to compel the passcode should be DENIED but the motion to compel the

fingerprint should be GRANTEDrdquo Cf Commonwealth of Virginia v David Charles Baust 2014

Disponiacutevel em httpsconsumermediallcfileswordpresscom201411245515028-fingerprint-unlock-

rulingpdf [consultado em 22112016] Pode ser consultado no Anexo I da presente Dissertaccedilatildeo 10 Pagliery 2016 1 Disponiacutevel em httpmoneycnncom20160512technologyfbi-fingerprint-iphone

[consultado em 21112016] 11 State of Minnesota v Matthew Vaughn Diamond 2017 Disponiacutevel em httpmngovlaw-library-

statarchivectappub2017OPa152075-011717pdf [consultado em 23022017] Pode ser consultado no

Anexo II da presente Dissertaccedilatildeo

23

No dia 4 de Novembro as autoridades judiciaacuterias localizaram o veiacuteculo automoacutevel de

SW que no momento estava a ser utilizado pelo arguido Matthew Diamond O arguido

foi detido no momento uma vez que teria pendente um mandado de detenccedilatildeo

relativamente a um outro crime Ficou detido na prisatildeo de Scott County onde foram

recolhidos os seus pertences uns sapatos e um smartphone

Dadas as similitudes entre os sapatos de Matthew Diamond e as pegadas deixadas no

local do furto no dia 6 de Novembro foi emitido e executado um mandado de busca e

apreensatildeo dos sapatos e do smartphone No dia 12 de Novembro foi emitido ainda um

mandado adicional relativamente agrave pesquisa de conteuacutedos armazenados no smartphone

de Matthew Diamond No entanto o smartphone estava encriptado pelo que a detective

Nelson natildeo conseguiu aceder ao mesmo

Em Dezembro o Estado apresentou uma moccedilatildeo para compelir Matthew Diamond a

desencriptar o seu smartphone atraveacutes da leitura da sua impressatildeo digital Mais tarde

depois de algumas controveacutersias relativamente a esta moccedilatildeo a 11 de Fevereiro o tribunal

de comarca (district court) concedeu a ordem de desencriptaccedilatildeo do smartphone pedida

pelo Estado atestando que tal ordem estaria justificada por ldquoprobable causerdquo e que natildeo

entraria em confronto com o privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo consagrado na Quinta

Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica

Matthew Diamond recusou-se a desencriptar o seu dispositivo electroacutenico No dia 3 de

Abril o tribunal de comarca (district court) acusou Matthew Diamond de desobediecircncia

e informou-o que se colaborasse com a ordem de desencriptaccedilatildeo deixaria de ser

penalizado por esse crime O arguido decidiu por esse motivo colaborar com as

autoridades judiciaacuterias e colocar o dedo no sensor do seu smartphone para conceder o

acesso a todos os seus conteuacutedos

Depois de terem sido recolhidas provas incriminatoacuterias que relacionavam Matthew

Diamond ao crime em questatildeo o arguido foi condenado por furto em segundo grau

ldquomisdemeanor theftrdquo e danos de propriedade em quarto grau Apesar de o acoacuterdatildeo natildeo

esclarecer que tipo de smartphone estaria em causa dado que o sistema iOS (usado em

iPhones) requer a introduccedilatildeo da palavra-passe alfanumeacuterica apoacutes 48 horas de inactividade

ou apoacutes o dispositivo ser desligado acreditamos que o smartphone do arguido seria de

sistema Android

24

O tribunal de comarca (district court) condenou o arguido a 51 meses de prisatildeo pelo furto

em segundo grau e 90 dias de prisatildeo pelos danos causados na propriedade da viacutetima

O arguido recorreu para o Tribunal do Estado de Minnesota alegando que o seu privileacutegio

contra a autoincriminaccedilatildeo teria sido violado quando foi compelido a desencriptar o seu

smartphone atraveacutes da leitura da sua impressatildeo digital fornecendo assim provas

autoincriminatoacuterias

O douto tribunal concluiu que a Quinta Emenda natildeo teria sido violada no caso de Matthew

Diamond uma vez que o privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo apenas protege o arguido

de ser compelido a fornecer elementos probatoacuterios de tipo declarativo (testimonial) ou

comunicativo (communicative) natildeo estando aqui incluiacuteda a acccedilatildeo de desencriptar um

smartphone atraveacutes da colocaccedilatildeo do dedo num sensor de reconhecimento de impressotildees

digitais

Desta forma o Tribunal do Estado de Minnesota natildeo deu provimento ao recurso

apresentado pelo arguido confirmando a sentenccedila dada pelo tribunal de comarca (district

court)

13 Caso Paytsar Bkhchadzhyan12

No dia 25 de Fevereiro de 2016 no tribunal de Van Nuys na Califoacuternia Estados Unidos

da Ameacuterica uma cidadatilde norte-americana Paytsar Bkhchadzhyan de 29 anos foi

condenada pelo crime de roubo de identidade (identity theft) depois de natildeo ter contestado

as acusaccedilotildees13

Os registos da detenccedilatildeo e documentos judiciais mostram que apenas 45 minutos depois

de ter sido levada sob custoacutedia a juiacuteza Alicia Rosenberg sentada num outro tribunal a

cerca de 30 quiloacutemetros de Van Nuys assinou um mandado14 autorizando as entidades

policiais a compelirem Paytsar Bkhchadzhyan a pressionar o seu dedo no smartphone que

fora apreendido durante a sua detenccedilatildeo (um iPhone da marca Apple) com o objectivo de

permitir o acesso ao seu conteuacutedo por parte do FBI uma vez que o mesmo se encontrava

protegido com um meacutetodo de desbloqueio atraveacutes de impressatildeo digital e palavra-passe

12 O processo pode ser consultado no Anexo III da presente dissertaccedilatildeo 13 HamiltonWinton 2016 1 Disponiacutevel em httpwwwlatimescomlocalcaliforniala-me-iphones-

fingerprints-20160430-storyhtml [consultado em 21112016] 14 O mandado pode ser consultado no Anexo IV da presente dissertaccedilatildeo

25

Em menos de 30 minutos um agente do FBI especializado em cibercrime deu iniacutecio agrave

tentativa de desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da impressatildeo digital de Paytsar

Bkhchadzhyan

Os motivos que levaram o FBI a pedir a emissatildeo deste mandado satildeo ateacute hoje

desconhecidos O aparelho foi apreendido numa residecircncia em Glendale na Califoacuternia

pertencente a Sevak Mesrobian que seria namorado de Paytsar Bkhchadzhyan e membro

de um gang armeacutenio designado de Armenian Power15 O gang era conhecido por

perpetrar inuacutemeros raptos roubos de identidade fraude bancaacuteria e clonagem de cartotildees

atraveacutes de pirataria informaacutetica

No mandado pode ler-se o seguinte ldquoas autoridades judiciaacuterias estatildeo autorizadas a

pressionar os dedos da pessoa abrangida por este mandado no sensor de Touch ID do

iPhone da Apple apreendido em [] Glendale Califoacuternia 91214 em 25 de Fevereiro de

2016rdquo16

Apesar da raacutepida actuaccedilatildeo das entidades policiais ao compelirem Paytsar Bkhchadzhyan

a usar todos os seus dez dedos para desbloquear o iPhone o meacutetodo revelou-se

infrutiacutefero17

Confrontados com a impossibilidade de acederem ao conteuacutedo do smartphone atraveacutes das

impressotildees digitais de Paytsar Bkhchadzhyan o FBI decidiu tentar aceder ao aparelho

usando um caminho diferente pedindo a palavra-passe Mas Paytsar Bkhchadzhyan

recusou alegando que o smartphone natildeo seria seu

Por este motivo o acesso ao conteuacutedo do iPhone alegadamente pertencente a Paytsar

Bkhchadzhyan acabou por natildeo se efectivar

14 Mandado de 9 de Maio de 2016

No dia 9 de Maio de 2016 foi emitido um mandado que autorizava as entidades

judiciaacuterias do estado da Califoacuternia nos Estados Unidos da Ameacuterica a efectuar uma busca

15 Blue 2016 3 Disponiacutevel em httpswwwengadgetcom20160506how-armenian-gangsters-blew-

up-the-fingerprint-password-debate [consultado em 21112016] 16 ldquoLaw enforcement personnel are authorized to depress the fingerprints andor thumbprints of the person

covered by this warrant onto the Touch ID sensor of the Apple iPhone seized from [hellip] Glendale California

91214 on February 25 2016rdquo O mandado pode ser consultado no Anexo IV da presente dissertaccedilatildeo 17 Pagliery 2016 1 Disponiacutevel em httpmoneycnncom20160512technologyfbi-fingerprint-iphone

[consultado em 21112016]

26

a uma residecircncia em Lancaster na Califoacuternia18 No entanto para aleacutem da busca foi ainda

autorizado que todos os sujeitos que se encontrassem no periacutemetro da busca fossem

compelidos a desencriptarem os seus smartphones atraveacutes da leitura das suas impressotildees

digitais

Apesar de o mandado natildeo ter sido tornado puacuteblico o memorandum19 assinado pela

advogada do Distrito Central da Califoacuternia Eileen Decker teve outro desfecho No

memorandum pode ler-se ldquoO governo submete esta autoridade suplementar em apoio ao

pedido de mandado de busca que solicita a autorizaccedilatildeo para recolher as impressotildees

digitais de qualquer pessoa que se encontre nas INSTALACcedilOtildeES DO SUJEITO durante

a execuccedilatildeo da busca sobre as quais seja razoavelmente acreditado serem utilizadoras de

dispositivos electroacutenicos com sensor de reconhecimento de impressatildeo digital que se

encontrem localizados nas INSTALACcedilOtildeES DO SUJEITO e que estejam abrangidos pelo

acircmbito de aplicaccedilatildeo do mandadordquo20

No entanto neste caso natildeo eram apenas as impressotildees digitais que estavam em causa

uma vez que ldquoembora o governo natildeo saiba de antematildeo a identidade de cada dispositivo

digital ou impressatildeo digital (ou de facto qualquer outra prova) que possa ser encontrada

durante a busca ficou demonstrada ldquoprobable causerdquo de que essas provas poderiam ser

encontradas no local da busca sendo necessaacuterio ganhar e manter o acesso aos dispositivos

aiacute localizados para que seja possiacutevel realizar uma pesquisa sobre estes Por esse motivo

o mandado autoriza a apreensatildeo de palavras-passe chaves de encriptaccedilatildeo e outros

dispositivos de acesso que sejam necessaacuterios para aceder ao dispositivordquo21

Como justificaccedilatildeo para poderem por um lado compelir todos os sujeitos que se

encontrassem no periacutemetro da busca a desencriptarem o seu smartphone atraveacutes da

18 Fox-Brewster 2016 1 Disponiacutevel em httpwwwforbescomsitesthomasbrewster20161016doj-

demands-mass-fingerprint-seizure-to-open-iphones46075ff48d9d [consultado em 21112016] 19 O memorandum pode ser consultado no Anexo V da presente dissertaccedilatildeo 20 ldquoThe government submits this supplemental authority in support of its application for a search warrant

which seeks authorization to depress the fingerprints and thumbprints of every person who is located at the

SUBJECT PREMISES during the execution of the search and who is reasonably believed by law

enforcement to be a user of a fingerprint sensor-enabler device that is located at the SUBJECT PREMISES and falls within the scope of the warrantrdquo O memorandum pode ser consultado no Anexo V da presente

dissertaccedilatildeo 21 ldquoWhile the government does not know ahead of time the identity of every digital device or fingerprint (or

indeed every other piece of evidence) that it will find in the search it has demonstrated probable cause

that evidence may exist at the search location and needs the ability to gain access to those devices and

maintain that access to search them For that reason the warrant authorizes the seizure of lsquopasswords

encryption keys and other access devices that may be necessary to access the devicerdquo Cf Shaw 2016 1

Disponiacutevel em httpwwwthenewamericancomusnewsconstitutionitem24354-doj-gets-warrant-to-

force-people-to-use-fingerprints-to-unlock-their-phones [consultado em 21112016]

27

impressatildeo digital e por outro apreender todas as palavras-passe chaves de encriptaccedilatildeo

entre outros meios de desencriptaccedilatildeo que se encontrassem no local o Departamento de

Justiccedila veio alegar que empresas como a Apple Motorola HTC e Samsung entre outras

produzem diversos aparelhos que podem ser desbloqueados pelo utilizador com uma

palavra-passe numeacuterica alfanumeacuterica ou em alguns aparelhos mais modernos e

sofisticados com a impressatildeo digital atraveacutes de um sensor22 Desta forma a possibilidade

de acesso das entidades judiciaacuterias ao conteuacutedo dos smartphones sem o auxiacutelio do seu

utilizador torna-se extremamente difiacutecil

Para aleacutem deste reforccedilo na seguranccedila destes dispositivos foram ainda criados alguns

limites ao desbloqueio dos smartphones O Departamento de Justiccedila daacute o exemplo do

iPhone da Apple que apoacutes 5 tentativas de desbloqueio atraveacutes da leitura da impressatildeo

digital requer palavra-passe Aleacutem desta caracteriacutestica o iPhone tecircm ainda a vantagem

ou desvantagem de apoacutes 48 horas de inactividade necessitar obrigatoriamente da

palavra-passe (e natildeo apenas da impressatildeo digital) para desbloquear

Eacute com base nestas circunstacircncias que o Departamento de Justiccedila justifica a necessidade e

a urgecircncia da coacccedilatildeo dos sujeitos no sentido de desencriptarem os dispositivos atraveacutes

da leitura das suas impressotildees digitais

O Departamento de Justiccedila finaliza o memorandum afirmando que este mandado natildeo

viola nem a Quarta nem a Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica

15 Conclusotildees intermeacutedias

Depois da leitura dos quatro casos apresentados podemos concluir que em todos eles a

palavra-passe e a impressatildeo digital parecem ter um tratamento diferenciado Se por um

lado a revelaccedilatildeo da palavra-passe parece estar protegida pela Quinta Emenda agrave

Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica por outro a impressatildeo digital por natildeo se

tratar de uma declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo do arguido parece natildeo ter qualquer tipo de

protecccedilatildeo contra a autoincriminaccedilatildeo

Para percebermos em maior detalhe esta diferenciaccedilatildeo e o motivo pelo qual estas questotildees

chegaram agrave jurisprudecircncia norte-americana cumpre analisar a protecccedilatildeo conferida pela

Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica

22 Vaas 2016 3 Disponiacutevel em httpsnakedsecuritysophoscom20161018feds-got-search-warrant-

demanding-anyones-fingerprints-to-open-phones [consultado em 21112016]

28

2 O problema da desencriptaccedilatildeo de smartphones na Constituiccedilatildeo dos Estados

Unidos da Ameacuterica

Qualquer caso de desencriptaccedilatildeo compelida dirigida ao arguido seja atraveacutes da revelaccedilatildeo

da palavra-passe seja atraveacutes da leitura da impressatildeo digital gera problemas quanto ao

princiacutepio da natildeo-autoincriminaccedilatildeo

Segundo este princiacutepio o arguido natildeo deveraacute colaborar com as autoridades judiciaacuterias no

sentido de auxiliar na sua proacutepria incriminaccedilatildeo Assim coloca-se a questatildeo estaraacute o

arguido a violar segundo o ordenamento juriacutedico norte-americano o seu direito agrave natildeo-

autoincriminaccedilatildeo quando obedece a estas ordens de desencriptaccedilatildeo

Uma anaacutelise agrave Constituiccedilatildeo norte-americana nomeadamente agrave sua Quinta Emenda

ajudar-nos-aacute a obter uma resposta

21 A Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica e a

necessidade de desencriptaccedilatildeo de smartphones com o auxiacutelio do arguido

A Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica estabelece o seguinte

ldquoNenhuma pessoa seraacute obrigada a responder por um crime capital ou infame salvo por

denuacutencia ou pronuacutencia de um grande juacuteri excepto quando se trate de casos que em tempo

de guerra ou de perigo puacuteblico ocorram nas forccedilas terrestres ou navais ou na miliacutecia

quando em serviccedilo activo nenhuma pessoa seraacute pelo mesmo crime submetida duas

vezes a julgamento que possa causar-lhe a perda da vida ou de algum membro nem seraacute

obrigada a depor contra si proacutepria em processo criminal ou ser privada da vida liberdade

ou propriedade sem processo legal regular a propriedade privada natildeo seraacute desapropriada

para uso puacuteblico sem justa indemnizaccedilatildeordquo23 Do texto retiramos a seguinte frase

ldquoNenhuma pessoa seraacute [hellip] obrigada a depor contra si proacutepria em processo criminal [hellip]rdquo

211 Requisitos da Quinta Emenda

Da Quinta Emenda podemos extrair a defesa do brocardo latino nemo tenetur se ipsum

accusare ou seja o princiacutepio de natildeo-autoincriminaccedilatildeo O princiacutepio protege o arguido ldquode

23 ldquoNo person shall be held to answer for a capital or otherwise infamous crime unless on a presentment

or indictment of a Grand Jury except in cases arising in the land or naval forces or in the Militia when

in actual service in time of War or public danger nor shall any person be subject for the same offence to

be twice put in jeopardy of life or limb nor shall be compelled in any criminal case to be a witness against

himself nor be deprived of life liberty or property without due process of law nor shall private property

be taken for public use without just compensationrdquo

29

ser chamado a testemunhar contra si proacuteprio no seu proacuteprio julgamento e permite que

recuse responder a perguntas oficiais que possam incriminaacute-lo em futuros processos

sejam eles civis ou criminais formais ou informaisrdquo24 Na doutrina norte-americana eacute

igualmente defendido que este princiacutepio tem ainda como finalidade proteger o arguido do

ldquocruel trilemmardquo25 de ter de escolher entre a) fornecer provas incriminadoras contra si

proacuteprio arriscando ser alvo de uma acccedilatildeo criminal b) mentir agraves autoridades judiciaacuterias e

judiciais sob o risco de cometer perjuacuterio c) manter o silecircncio e incorrer em

desobediecircncia26

No entanto o princiacutepio vertido na Quinta Emenda natildeo eacute absoluto27 para que seja

reivindicado eacute necessaacuterio como jaacute tivemos oportunidade de salientar ainda que

sucintamente na exposiccedilatildeo do caso Baust que estejam verificados trecircs requisitos

distintos28 a) coacccedilatildeo (compulsion) b) incriminaccedilatildeo (incrimination) c)

declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo (testimonycommunication)29 Eacute ainda necessaacuterio que estes

requisitos sejam comprovados cumulativamente Assim o governo pode compelir o

arguido a autoincriminar-se desde que a autoincriminaccedilatildeo natildeo seja declarativa ou

comunicativa30 Semelhantemente o arguido pode autoincriminar-se atraveacutes do

fornecimento de um testemunho no entanto se o fizer sem a coacccedilatildeo das entidades

judiciaacuterias natildeo poderaacute reivindicar o seu privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo31 O governo

24 ldquoFrom being called to testify against himself at his own trial and permits him to refuse to answer official

questions put him in any other proceeding civil or criminal formal or informal where the answers might

incriminate him in future criminal proceedingsrdquo Cf Minnesota v Murphy 1984 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus465420casehtml [consultado em 24112016] 25 Cauthen 2016 5 26 Thompson IIJaikaran 2016 6-7 27 Engel 2012 105-106 28 ldquoIt is also clear that the Fifth Amendment does not independently proscribe the compelled production of

every sort of incriminating evidence but applies only when the accused is compelled to make a Testimonial

Communication that is incriminatingrdquo Cf Fisher v United States 1976 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus425391casehtml [consultado em 24112016] 29 AllenMace 2004 246 30 Cf Fisher v United States 1976 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus425391casehtml [consultado em 24112016] Schmerber v

California 1966 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus384757casehtml

[consultado em 24112016] ldquoBut the prohibition of compelling a man in a criminal court to be witness against himself is a prohibition of the use of physical or moral compulsion to extort communications from

him not an exclusion of his body as evidence when it may be material The objection in principle would

forbid a jury to look at a prisioner and compare his features with a photograph in proof Moreover we

need not consider how far a court would go in compelling a man to exhibit himself For when he is exhibited

whether voluntarily or by order and even if the order goes too far the evidence if material is competentrdquo

Cf Holt v United States 1910 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus218245casehtml [consultado em 24112016] 31 Cf Fisher v United States 1976 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus425391casehtml [consultado em 24112016] United States

30

pode ainda compelir o arguido a prestar um depoimento desde que este natildeo culmine na

sua incriminaccedilatildeo32

Os primeiros dois requisitos em mateacuteria de desencriptaccedilatildeo de smartphones com o auxiacutelio

do arguido natildeo trazem grandes duacutevidas Em contrapartida na maior parte dos casos sobre

esta temaacutetica o problema de saber se o fornecimento de palavra-passe ou de impressatildeo

digital para desencriptar um smartphone se inclui ou natildeo na categoria de

declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo gera vaacuterias questotildees

2111 Coacccedilatildeo (compulsion)

Para o preenchimento do requisito da coacccedilatildeo (compulsion) teraacute de se verificar uma

pressatildeo por parte do governo sobre o arguido no sentido de o obrigar a divulgar algum

tipo de informaccedilatildeo33 A jurisprudecircncia norte-americana vai mais longe chegando a

afirmar que eacute necessaacuterio para responder afirmativamente ao teste da coacccedilatildeo apurar

perante todas as circunstacircncias do caso se o livre arbiacutetrio do arguido foi reprimido34

Essencialmente os tribunais devem decidir se o depoimento eacute prestado de forma livre e

esclarecida35 ou contrariamente se foi obtido atraveacutes do uso de influecircncia improacutepria36

Na circunstacircncia de se confirmar esta uacuteltima situaccedilatildeo a jurisprudecircncia norte-americana

jaacute se fez ouvir no sentido de considerar esta coacccedilatildeo como uma ldquoextorsatildeo de informaccedilotildees

do acusado ofensiva ao senso de justiccedilardquo37

2112 Incriminaccedilatildeo (incrimination)

No que concerne ao requisito da incriminaccedilatildeo para que este se verifique eacute necessaacuterio

que o acto incrimine o arguido ou leve agrave descoberta de provas incriminatoacuterias38 Os

v Doe 1984 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus465605 [consultado em

24112016] 32 Jarone 2015 771 33 Morrison 2012 144 34 Cf United States v Washington 1977 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus431181casehtml [consultado em 24112016] 35 Se um documento eacute escrito e entregue agraves entidades judiciaacuterias voluntariamente o requisito da coacccedilatildeo

natildeo se iraacute verificar No entanto se o governo intimar o arguido a produzir o mesmo documento o requisito da coacccedilatildeo passa a estar preenchido Cf Jarone 2015 772 36 Wilson 2015 24 37 ldquoExtortion of information from the accused himself as offensive to our sense of justicerdquo Cf Couch v

United States 1973 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus409322 [consultado em

24112016] 38 Cf Kastigar v United States 1972 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus406441casehtml [consultado em 24112016] United States

v Hubbel 2000 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus53027casehtml [consultado

em 24112016] ldquoThe privilege afforded not only extends to answers that would in themselves support a

31

tribunais devem desta forma determinar se a revelaccedilatildeo do testemunho gera um risco

substancial de autoincriminaccedilatildeo ou se expotildee de qualquer outra forma o sujeito a uma

acusaccedilatildeo criminal39 Para aleacutem desta exigecircncia eacute ainda imprescindiacutevel para a verificaccedilatildeo

do requisito em causa que o sujeito se autoincrimine Assim se o depoimento do arguido

incriminar apenas terceiros o requisito da incriminaccedilatildeo natildeo se verificaraacute40 O arguido natildeo

se pode apoiar na protecccedilatildeo conferida pela Quinta Emenda para alegar que um terceiro

seraacute incriminado com o seu testemunho41 Desta forma o requisito da (auto)incriminaccedilatildeo

poderaacute permitir que arguidos invoquem a protecccedilatildeo conferida pela Quinta Emenda no

sentido de natildeo fornecerem as suas palavras-passe ou impressotildees digitais no entanto

impede que terceiros recorram agrave mesma protecccedilatildeo quando satildeo compelidos a fornecerem

palavras-passe ou impressotildees digitais dos suspeitos42

2113 Declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo (testimonycommunication)

Resta-nos tecer algumas consideraccedilotildees sobre o terceiro e uacuteltimo requisito

declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo (testimonycommunication) De um ponto de vista mais

cientiacutefico declaraccedilatildeo significa cogniccedilatildeo substantiva ou seja eacute o produto da cogniccedilatildeo que

resulta da realizaccedilatildeo ou afirmaccedilatildeo de proposiccedilotildees de valor autecircntico43 Desta forma pode

ser entendida como a revelaccedilatildeo coactiva causada pelo Estado dos resultados

substantivos incriminatoacuterios da sua cogniccedilatildeo4445 De uma outra perspectiva podemos

definir a prova declarativa (testimonial evidence) como sendo uma prova reveladora de

ideias informaccedilotildees dados conceitos conhecimentos e pensamentos

Tipicamente estas revelaccedilotildees satildeo feitas atraveacutes de comunicaccedilotildees escritas ou orais no

entanto nada impede que sejam feitas igualmente atraveacutes de actos condutas e gestos

conviction under a federal criminal statute but likewise embraces those which would furnish a link in the

chain of evidence needed to prosecute the claimant for a federal crimerdquo Cf Hoffman v United States

1951 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus341479casehtml [consultado em

24112016] 39 ldquoThe suspect must be faced with substancial and real hazards of self-incriminationrdquo Cf United States v

Reis 1985 Disponiacutevel em httpswwwravellawcomopinions35b1b3165aed24221933677a50da6059

[consultado em 24112016] Hale v Henkel 1906 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus20143casehtml [consultado em 24112016] 40 Jarone 2015 773 41 Cf Hale v Henkel 1906 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus20143casehtml

[consultado em 24112016] Fisher v United States 1976 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus425391casehtml [consultado em 24112016] 42 Wilson 2015 25 43 AllenMace 2004 267 44 A cogniccedilatildeo involve aquisiccedilatildeo armazenamento recuperaccedilatildeo e uso do conhecimento Cf MatlinFarmer

2015 26 45 AllenMace 2004 267-268

32

desde que estes por sua vez revelem factos pensamentos crenccedilas eou conhecimento de

factos A tiacutetulo de exemplo acenar com a cabeccedila para cima e para baixo quando eacute

perguntado ldquofoste tu que o fizesterdquo transmite uma resposta afirmativa Apontar para o

roupeiro quando eacute perguntado ldquoonde estaacute a armardquo transmite conhecimento sobre o

paradeiro da arma conhecimento sobre a sua localizaccedilatildeo e acesso46 Por fim existe ainda

quem defenda que a prova declarativa (testimonial evidence) pode ser entendida como a

comunicaccedilatildeo de informaccedilatildeo atraveacutes da memoacuteria ou do conhecimento do arguido47

No que respeita agrave jurisprudecircncia o Supremo Tribunal dos Estados Unidos da Ameacuterica

definiu que um acto compelido pode ser considerado como declarativo se expliacutecita ou

implicitamente divulgar uma afirmaccedilatildeo factual ou qualquer tipo de informaccedilatildeo48 No

entanto o acto tem que fazer mais do que apenas revelar informaccedilotildees deve envolver

igualmente a divulgaccedilatildeo compelida do conteuacutedo da mente do arguido49 Neste sentido o

Supremo Tribunal chega mesmo a afirmar que ldquoeacute a extorsatildeo de informaccedilatildeo do acusado

a tentativa de forccedilaacute-lo a revelar o conteuacutedo da sua proacutepria mente que implica a Claacuteusula

de Autoincriminaccedilatildeordquo50

Por este motivo natildeo causa estranheza que no caso United States v Kirschner51 quando

as autoridades judiciaacuterias compeliram o arguido a fornecer a palavra-passe do seu

computador encriptado o tribunal tenha decidido que o fornecimento da palavra-passe

seria semelhante ao acto de fornecer a combinaccedilatildeo de um cofre pelo que seria

considerado como uma comunicaccedilatildeo declarativa (testimonial communication) violadora

da Quinta Emenda52 Semelhantemente no caso United States v Doe (Doe III)53 o

tribunal decidiu no sentido de que ldquotanto a produccedilatildeo como a desencriptaccedilatildeo do disco

riacutegido exigiriam o recurso ao conteuacutedo da mente do suspeito natildeo podendo ser justamente

46 Cauthen 2016 6 47 Dripps 2005 335 48 Doe v United States 1988 (Doe II) Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus487201

[consultado em 25112016] 49ldquo[hellip] it must also involve some compelled use of the contents of the suspectrsquos mindrdquo Cf AllenMase 2004 246 50 ldquoIt is the extortion of information from the accused the attempt to force him to disclose the contents of

his own mind that implicates the Self-Incrimination Clauserdquo Cf Doe v United States 1988 (Doe II)

Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus487201 [consultado em 25112016] 51 United States v Kirschner 2010 Disponiacutevel em

httpswwwravellawcomopinions789d10be33066b73e4377a26bf5c574a [consultado em 25112016] 52 Bales 2012 1302 53 United States v Doe 2011 (Doe III) Disponiacutevel em httplawjustiacomcasesfederalappellate-

courtsF3112910585109 [consultado em 25112016]

33

caracterizada como um acto fiacutesico que seria natildeo declarativo por naturezardquo54 O tribunal

acabou por concluir que o arguido invocou correctamente o seu privileacutegio contra a

autoincriminaccedilatildeo sendo que natildeo poderia ser compelido a produzir ou desencriptar

(atraveacutes de palavra-passe) as hard drives do seu computador

Na esteira do defendido pela jurisprudecircncia tambeacutem a doutrina norte-americana na sua

grande maioria eacute apoiante da tese de que o fornecimento de palavra-passe para a

desencriptaccedilatildeo de um smartphone eacute um acto declarativo (testimonial) por natureza uma

vez que obriga o arguido a divulgar o conteuacutedo da sua mente55

Ainda assim alguns tribunais tecircm uma abordagem diferente relativamente a esta

temaacutetica Para evitar violar a Quinta Emenda ao compelir o arguido a fornecer a palavra-

passe alguns tribunais optaram por compelir o arguido a fornecer o proacuteprio dispositivo

jaacute desencriptado sem revelar a palavra-passe a qualquer entidade judiciaacuteria56 Esta opccedilatildeo

eacute tambeacutem defendida por alguma doutrina minoritaacuteria nomeadamente Orin Kerr Dan

Terzian57 e Anna Bodi58 O primeiro Autor chega mesmo a reiterar que ldquodesta forma o

governo recebe o telefone desbloqueado mas nunca eacute revelada a palavra-passe Pedir ao

arguido que digite ele proacuteprio a palavra-passe minimizaria as implicaccedilotildees da Quinta

Emenda uma vez que natildeo envolveria a revelaccedilatildeo potencialmente incriminatoacuteria da

palavra-passerdquo59

Em contrapartida no que diz respeito agraves provas natildeo declarativas (non-testimonial)

importa ter presente que o Supremo Tribunal dos Estados Unidos da Ameacuterica comeccedilou

por fazer a distinccedilatildeo entre provas fiacutesicas e provas comunicativas para diferenciar por sua

vez entre as provas declarativas (testimonial) e natildeo declarativas (non-testimonial) O

54 ldquoBoth the production and decryption of the hard drives would require the use of the contents of the

suspectrsquos mind and could not be fairly characterized as a physical act that would be non-testimonial in

naturerdquo Cf United States v Doe 2011 (Doe III) Disponiacutevel em

httplawjustiacomcasesfederalappellate-courtsF3112910585109 [consultado em 25112016] 55 ldquoProving a password could also implicate the cruel trilemmardquo Cf Bales 2012 1304 Atwood 2015

413-415 ldquoThe act of decryption and production would be testimonialrdquo Cf Ajello 2015 454-457 56 In re Grand Jury Subpoena to Sebastien Boucher 2009 Disponiacutevel em

httpvolokhcomfilesBoucherDCT1pdf [consultado em 25112016] 57 Terzian 2016 170-174 58 Bodi 2015 2-4 Disponiacutevel em httpwwwamericancriminallawreviewcomaclr-onlinephones-

fingerprints-and-fifth-amendment [consultado em 28112016] 59 ldquoThat way the government gets the unlocked phone but never gets the passcode Having the defendant

enter his passcode would minimize the Fifth Amendment implications of the compelled compliance as it

would not involve disclosing the potentially incriminating evidence of the passcode itselfrdquo Cf Kerr 2014

2-3 Disponiacutevel em httpswwwwashingtonpostcomnewsvolokh-conspiracywp20141103virginia-

state-trial-court-ruling-on-the-fifth-amendment-and-smart-phonesutm_term=399c18bf1a04 [consultado

em 28112016]

34

primeiro caso a fazer a distinccedilatildeo entre provas fiacutesicas e comunicativas foi o caso Holt v

United States60 onde a coacccedilatildeo de um prisioneiro a vestir uma camisa para que a

testemunha o conseguisse identificar foi considerada como natildeo sendo violadora da Quinta

Emenda6162 Mas foi com o caso Schmerber v California que este entendimento foi

expandido no sentido de incluir outras formas de obtenccedilatildeo de prova atraveacutes do corpo do

arguido nomeadamente recolha de sangue amostra de caligrafia e exames atraveacutes do ar

expirado

No caso Schmerber v California63 o arguido alegou que o seu privileacutegio contra a

autoincriminaccedilatildeo fora violado uma vez que a poliacutecia teria instruiacutedo um meacutedico a recolher

uma amostra de sangue do seu corpo sem o seu consentimento64 A amostra foi analisada

com o desiacutegnio de descobrir se o arguido teria aacutelcool no sangue depois de ter sido detido

por conduccedilatildeo sob o efeito de aacutelcool65

O Supremo Tribunal vem considerar actualmente como provas natildeo declarativas (non-

testimonial evidence) todas as provas utilizadas com o propoacutesito de identificar pessoas e

de correlacionaacute-las com o crime investigado tais como impressotildees digitais sangue

urina ADN amostras de cabelo amostras de caligrafia lineups entre outras6667 Isto

porque nenhuma destas provas fiacutesicas obriga a que o arguido divulgue qualquer tipo de

conhecimento68

60 Holt v United States 1910 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus218245casehtml [consultado em 28112016] 61 ldquoThe prohibition of compelling a man in a criminal court to be a witness against himself is a prohibition

of the use of physical or moral compulsion to extort communications from him not an exclusion of his body

as evidence when it may be materialrdquo Cf Holt v United States 1910 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus218245casehtml [consultado em 28112016] 62 Desta forma segundo o entendimento do Supremo Tribunal a coacccedilatildeo de ldquobodily evidencerdquo nunca seraacute

violadora da Quinta Emenda Cf Goldman 2015 217 63 Cf Schmerber v California 1966 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus384757casehtml [consultado em 28112016] 64 ldquoThe privilege protects an accused only from being compelled to testify against himself or otherwise

provide the State with evidence of a testimonial or communicative naturerdquo Cf Schmerber v California

1966 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus384757casehtml [consultado em

28112016] 65 Sales 2014 199-200 66 Fakhoury 2012 82 Silver 2012 811 Farahany 2012 356-357 67 Cf United States v Doe 1984 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus465605

[consultado em 28112016] United States v Wade 1967 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus388218casehtml [consultado em 28112016] United States

v Dionisio 1973 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus4101casehtml [consultado

em 28112016] Gilbert v California 1967 Disponiacutevel em httpsupreme-court-

casesinsidegovcoml2630Gilbert-v-California [consultado em 28112016] Schmerber v California

1966 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus384757casehtml [consultado em

28112016] 68 Palfreyman 2009 354-355

35

Tambeacutem a grande maioria da doutrina norte-americana segue o entendimento de que a

Quinta Emenda natildeo protege o arguido contra o fornecimento de provas fiacutesicas69 ou

atributos identificadores70

Deste modo podemos reiterar que segundo o entendimento da jurisprudecircncia norte-

americana nomeadamente do Supremo Tribunal e da maioria da doutrina a diferenccedila

entre um acto declarativo (testimonial) e um acto natildeo declarativo (non-testimonial) reside

no facto de o primeiro exigir que o arguido faccedila uso do conteuacutedo da sua mente e o segundo

natildeo71

Uma vez que o tema central da nossa dissertaccedilatildeo prende-se com a desencriptaccedilatildeo de

smartphones nomeadamente atraveacutes de impressatildeo digital mostra-se relevante nesta

sede tecer algumas reflexotildees sobre a possibilidade de considerarmos esta conduta como

declarativa (testimonial) ou natildeo declarativa (non-testimonial)

Pela parte da jurisprudecircncia norte-americana podemos obter uma raacutepida resposta atraveacutes

da anaacutelise dos casos apresentados no iniacutecio da presente dissertaccedilatildeo Tendo em

consideraccedilatildeo o resultado do caso Baust e do caso Diamond e a argumentaccedilatildeo apresentada

pela jurisprudecircncia nos restantes casos torna-se clara a sua tendecircncia no sentido de

considerar o fornecimento de impressatildeo digital para a desencriptaccedilatildeo de um smartphone

como um acto natildeo declarativo (non-testimonial)

No que agrave doutrina diz respeito o entendimento da grande maioria dos Autores vai de

encontro ao defendido pela jurisprudecircncia afirmando que as impressotildees digitais podem

ser compelidas sem violaccedilatildeo da Quinta Emenda contrariamente agraves palavras-passe Albert

Gidari defende a ideia de que na leitura da impressatildeo digital do arguido ldquocontrariamente

agrave revelaccedilatildeo de palavras-passe natildeo haacute coacccedilatildeo para comunicar ou dizer o que lsquovai na

cabeccedilarsquo agraves autoridades judiciaacuterias lsquoColoque o seu dedo aquirsquo natildeo eacute um acto declarativo

ou autoincriminadorrdquo72 Na mesma esteira Riana Pfefferkorn afirma que ldquode facto eacute

preocupante pensar que as autoridades judiciaacuterias podem acabar por usar contra o arguido

uma decisatildeo que este tomou por conveniecircncia e para tornar mais difiacutecil o acesso de

69 Bonin 1996 509 70 Colarusso 2011 134 71 Jarone 2015 774 72 ldquoUnlike disclosing passcodes you are not compelled to speak or say whatrsquos in lsquoyour mindrsquo to law

enforcement lsquoPut your finger herersquo is not testimonial or self-incriminatingrdquo Cf HamiltonWinton 2016

2 Disponiacutevel em httpwwwlatimescomlocalcaliforniala-me-iphones-fingerprints-20160430-

storyhtml [consultado em 28112016]

36

terceiros ao seu telefone sem o seu conhecimento No entanto natildeo acredito que isto vaacute

contra a Quinta Emendardquo73 Por seu turno Sarah Wilson apoiando-se no entendimento

da jurisprudecircncia afirma que ldquoo governo poderia exigir a desencriptaccedilatildeo por dados

biomeacutetricos sem implicar a Quinta Emenda uma vez que o Supremo Tribunal decidiu que

os dados biomeacutetricos natildeo satildeo declarativosrdquo74 Por fim acompanha ainda este pensamento

George Dery III que reitera a ideia de que a impressatildeo digital deve ser vista em similitude

com uma chave de um cofre sustentando ainda que ldquomesmo que seja problemaacutetico pensar

na possibilidade de algueacutem aceder ao telefone do arguido as autoridades judiciaacuterias tecircm

autorizaccedilatildeo de um juiz e isso significa que existe a probabilidade de estarmos perante

uma actividade criminosardquo75

Haacute ainda que salientar duas ideias que satildeo unanimemente defendidas tanto pela

jurisprudecircncia quanto pela doutrina norte-americana a primeira prende-se com a

necessidade de mandado judicial para a apreensatildeo de um smartphone76 a segunda tem

que ver com a concepccedilatildeo de que as autoridades judiciaacuterias podem compelir o arguido

detido a fornecer provas fiacutesicas incluindo impressotildees digitais sem autorizaccedilatildeo judicial77

com o propoacutesito de auxiliar agrave sua identificaccedilatildeo ou de possibilitar a sua ligaccedilatildeo com o local

do crime

212 Limites da Quinta Emenda

Chegados a este ponto e depois de analisados os trecircs requisitos da Quinta Emenda agrave

Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica cumpre esclarecer que mesmo que as

entidades judiciaacuterias compelissem o arguido a prestar um depoimento ou testemunho

incriminatoacuterio (nomeadamente a palavra-passe do seu smartphone) preenchendo assim

os trecircs requisitos mencionados poderiacuteamos estar aqui perante uma conduta natildeo violadora

73 ldquoTo be sure itrsquos troubling to think that the police could end up using against you a choice you made for

the sake of convenience and to make it harder for someone to snoop into your phone without your

knowledge But I donrsquot think it runs counter to the Fifth Amendmentrdquo Cf Farivar 2016 2 Disponiacutevel em

httparstechnicacomtech-policy201605should-the-govt-be-able-to-force-you-to-open-your-phone-

with-just-your-fingerprint [consultado em 28112016] 74 ldquoThe government could demand biometric passwords without implicating the Fifth Amendment because the Supreme Court has decided that biometrics are not testimonialrdquo Cf Wilson 2015 28 75 ldquoEven though it is a big deal having someone open up their phone theyrsquove gone to a judge and it means

therersquos a likelihood of criminal activityrdquo Cf HamiltonWinton 2016 3 Disponiacutevel em

httpwwwlatimescomlocalcaliforniala-me-iphones-fingerprints-20160430-storyhtml [consultado em

28112016] 76 Cf Riley v California 2014 Disponiacutevel em httpswwwsupremecourtgovopinions13pdf13-

132_8l9cpdf [consultado em 28112016] 77 Cf Holt v United States 1910 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus218245casehtml [consultado em 28112016]

37

do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare por duas vias78 se as informaccedilotildees prestadas

fossem uma conclusatildeo inevitaacutevel (foregone conclusion) ou se o governo concedesse

imunidade ao arguido79

2121 Conclusatildeo inevitaacutevel (foregone conclusion)

Segundo a doutrina da conclusatildeo inevitaacutevel (foregone conclusion) se o governo

conseguir mostrar com razoaacutevel particularidade que no momento em que pretende

compelir a produccedilatildeo de determinada prova jaacute teraacute em sua posse informaccedilotildees relativas agrave

sua existecircncia e localizaccedilatildeo o arguido acrescentaraacute atraveacutes do seu testemunho pouco ou

nada a essa informaccedilatildeo pelo que a coacccedilatildeo seraacute legiacutetima de acordo com a Quinta

Emenda80 Uma vez que a comunicaccedilatildeo de uma conclusatildeo inevitaacutevel natildeo revela de facto

nenhuma informaccedilatildeo nova o privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo natildeo opera

independentemente de estarmos ou natildeo perante uma prova declarativa (testimonial

evidence)

A jurisprudecircncia norte-americana desenvolveu um teste de trecircs passos para a aplicaccedilatildeo

da excepccedilatildeo da conclusatildeo inevitaacutevel81 Assim o governo deve estabelecer o seu

conhecimento sobre a) a existecircncia da prova exigida b) a posse e o controlo dessa prova

pelo arguido c) a autenticidade da prova82

Esta doutrina foi mencionada pela primeira vez no caso Fisher v United States83 onde o

Supremo Tribunal alegou que a entrega de documentos relativos ao pagamento de

impostos pelo contribuinte natildeo constituiria um depoimento incriminatoacuterio uma vez que

a existecircncia e localizaccedilatildeo dos documentos eram uma conclusatildeo inevitaacutevel84 Assim o

contribuinte natildeo iria acrescentar nada agrave informaccedilatildeo jaacute recolhida pelo governo pelo

simples facto de admitir que tinha a documentaccedilatildeo em sua posse85

78 Terzian 2015 1134 79 Soares 2012 2004 80 Soares 2012 2006 81 Werner 2016 4 82 Efectivamente apesar de a prestaccedilatildeo de depoimento ter geralmente um aspecto declarativo se o governo

conseguir mostrar que tinha conhecimento preacutevio da existecircncia posse e autenticidade da informaccedilatildeo a

informaccedilatildeo declarativa passa a ser uma conclusatildeo inevitaacutevel Cf Fruiterman 2013 658 Sales 2014 203 83 Cf Fisher v United States 1976 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus425391casehtml [consultado em 28112016] 84 ldquoThe government can compel production when the existence and location of documents are a foregone

conclusion and the defendant adds little to nothing to the sum total of the governmentrsquos information by

conceding that he in fact has the papersrdquo Cf MohanVillasenor 2012 14 85 Sales 2014 203

38

A doutrina da conclusatildeo inevitaacutevel tem sido igualmente considerada como uma

justificaccedilatildeo legal viaacutevel nos casos de desencriptaccedilatildeo de dispositivos electroacutenicos86

Alguns tribunais requerem que o governo tenha conhecimento sobre um certo ficheiro87

para que a doutrina da conclusatildeo inevitaacutevel seja aplicada outros exigem apenas que o

governo tenha acesso a qualquer tipo de informaccedilatildeo sobre determinados ficheiros88

mesmo que natildeo esteja informado sobre o seu conteuacutedo dado que se encontram

encriptados89 Quatro tribunais em quatro casos distintos aprovaram a desencriptaccedilatildeo

compelida de dispositivos electroacutenicos com base na doutrina da conclusatildeo inevitaacutevel90

a) caso United States v Gavegnano91 b) caso United States v Fricosu92 c) caso United

States v Hatfield93 d) caso In re Grand Jury Subpoena to Sebastien Boucher94

Num caso relativamente recente Commonwealth v Gelfgatt95 o tribunal decidiu que o

arguido poderia ser compelido a fornecer a palavra-passe do seu computador com base

na doutrina da conclusatildeo inevitaacutevel Visto que a posse e o controlo do computador por

parte do arguido e o seu conhecimento sobre a encriptaccedilatildeo e a respectiva palavra-passe jaacute

eram conhecidos pelo governo o Supremo Tribunal de Massachusetts concluiu que o

fornecimento da palavra-passe neste caso seria considerado como conclusatildeo inevitaacutevel

natildeo estando assim protegido pelo privileacutegio concedido pela Quinta Emenda96

86 Silver 2012 811 87 Cf In re Grand Jury Subpoena to Sebastien Boucher 2009 Disponiacutevel em

httpvolokhcomfilesBoucherDCT1pdf [consultado em 28112016] Commonwealth of Virginia v

David Charles Baust 2014 Disponiacutevel em httpsconsumermediallcfileswordpresscom201411245515028-fingerprint-unlock-rulingpdf

[consultado em 28112016] Pode ser consultado no Anexo I da presente Dissertaccedilatildeo 88 Cf United States v Fricosu 2012 Disponiacutevel em

httpswwwwiredcomimages_blogsthreatlevel201201decryptpdf [consultado em 28112016]

Commonwealth v Gelfgatt 2014 Disponiacutevel em httplawjustiacomcasesmassachusettssupreme-

court2014sjc-11358html [consultado em 28112016] 89 Terzian 2016 173 90 Silver 2012 811 91 Cf United States v Gavegnano 2012 Disponiacutevel em

httpfederalevidencecompdfComputUS20v20Gavegnanopdf [consultado em 28112016] 92 Cf United States v Fricosu 2012 Disponiacutevel em httpswwwwiredcomimages_blogsthreatlevel201201decryptpdf [consultado em 28112016] 93 Cf United States v Hatfield 2010 Disponiacutevel em httpcaselawfindlawcomus-7th-

circuit1519786html [consultado em 28112016] 94 Cf In re Grand Jury Subpoena to Sebastien Boucher 2009 Disponiacutevel em

httpvolokhcomfilesBoucherDCT1pdf [consultado em 28112016] 95 Cf Commonwealth v Gelfgatt 2014 Disponiacutevel em

httplawjustiacomcasesmassachusettssupreme-court2014sjc-11358html [consultado em

28112016] 96 Wilson 2015 26

39

2122 Imunidade (immunity)

Para que se possa invocar o privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo eacute necessaacuterio como

tivemos oportunidade de salientar anteriormente que se crie um risco especiacutefico de

incriminaccedilatildeo97 No entanto se o governo eliminar esse risco concedendo imunidade ao

suspeito poderaacute compeli-lo a fornecer determinadas provas e a responder a diversas

perguntas Esta imunidade tem de ser deferida de acordo com o acircmbito de proteccedilatildeo

concedido pela Quinta Emenda98

A necessidade de concessatildeo de imunidade para que se ultrapasse o risco de incriminaccedilatildeo

e consequentemente de desrespeito pelo princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare natildeo

responde agrave questatildeo de saber qual seraacute a ldquoquantidaderdquo necessaacuteria de imunidade para evitar

tal violaccedilatildeo

Uma imunidade total ou absoluta afastaria por completo o risco de incriminaccedilatildeo contudo

dar-se-ia ao suspeito a possibilidade de evitar a acusaccedilatildeo na sua plenitude Em uacuteltima

anaacutelise o Supremo Tribunal dos Estados Unidos da Ameacuterica concluiu que o preccedilo a pagar

pela imunidade total ou absoluta eacute mais alto do que o governo deveraacute suportar no intuito

de obter coactivamente determinadas provas99

O estatuto federal de imunidade estabelece que se for concedida imunidade [] a

testemunha natildeo pode recusar-se a cumprir a ordem com base no seu privileacutegio contra a

autoincriminaccedilatildeo mas nenhum testemunho ou outra informaccedilatildeo compelida pela ordem

(ou qualquer informaccedilatildeo derivada directa ou indirectamente de tal testemunho ou outra

informaccedilatildeo) pode ser usada contra a testemunha em qualquer processo criminal []100

No caso Kastigar v United States101 o Supremo Tribunal esclareceu que a imunidade

deve proibir o governo de usar o testemunho compelido bem como as provas daiacute

provenientes directa ou indirectamente para acusar o arguido Estas duas formas de

imunidade foram classificadas como ldquouse immunityrdquo e ldquoderivative use immunityrdquo102

97 Berger 2002 235 98 Soares 2012 2007 99 Kiok 2015 60 100 ldquo[hellip] the witness may not refuse to comply with the order on the basis of his privilege against self-

incrimination but no testimony or other information compelled under the order (or any information

directly or indirectly derived from such testimony or other information) may be used against the witness in

any criminal case [hellip]rdquo 101 Cf Kastigar v United States 1972 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus406441casehtml [consultado em 29112016] 102 Fakhoury 2012 83

40

consoante as provas fossem retiradas directamente do testemunho prestado ou derivadas

deste103

Assim o tribunal deve em primeira instacircncia averiguar se o governo estaraacute ou natildeo a

tentar compelir um testemunho incriminatoacuterio Se tal se verificar o tribunal deve

conceder imunidade no sentido de proibir o governo natildeo soacute de utilizar as palavras

proferidas ou os actos realizados contra o arguido como tambeacutem de utilizar qualquer

outra prova obtida atraveacutes do testemunho104 No caso de o governo querer utilizar

qualquer tipo de prova derivada do testemunho prestado sob coacccedilatildeo contra o arguido

numa subsequente acusaccedilatildeo deveraacute demonstrar que tal prova deriva de uma fonte

legiacutetima e independente do testemunho compelido105

Para que a imunidade possa ser concedida eacute necessaacuterio que a ordem dada seja coactiva e

que resulte numa acccedilatildeo incriminatoacuteria de natureza testemunhal que envolva

comunicaccedilatildeo e que expresse o conteuacutedo do pensamento do arguido e que a informaccedilatildeo

prestada natildeo seja considerada como uma conclusatildeo inevitaacutevel (foregone conclusion)106

3 Conclusotildees intermeacutedias

Podemos comprovar pela anaacutelise da jurisprudecircncia Constituiccedilatildeo e doutrina norte-

americanas que a problemaacutetica da desencriptaccedilatildeo de smartphones para a obtenccedilatildeo de

prova no processo penal com o auxiacutelio do arguido eacute uma questatildeo juriacutedica actual e real

A Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica protege o arguido

contra determinadas medidas sempre que estas se revelem cumulativamente a)

coactivas b) incriminatoacuterias c) e declarativascomunicativas

Se por um lado estes trecircs requisitos estatildeo cumulativamente verificados na desencriptaccedilatildeo

de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe sendo esta ordem violadora do

princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo por outro o uacuteltimo requisito da

declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo natildeo se encontra preenchido na ordem de desencriptaccedilatildeo de

smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido resultando na natildeo violaccedilatildeo

do princiacutepio de natildeo-autoincriminaccedilatildeo Esta conclusatildeo pelo natildeo preenchimento do terceiro

103 Duong 2009 339 104 Fakhoury 2012 84 105 Pfefferkorn 2009 4-5 Disponiacutevel em

httpspapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=1883697ampdownload=yes [consultado em

29112016] 106 Soares 2012 2007

41

requisito no caso de desencriptaccedilatildeo atraveacutes da leitura da impressatildeo digital estaacute

relacionada com a teoria defendida pela doutrina e jurisprudecircncia norte-americanas de

que uma acccedilatildeo soacute se considera declarativacomunicativa nas situaccedilotildees em que o arguido

eacute compelido a divulgar o conteuacutedo da sua mente Assim se explicam os resultados a que

a jurisprudecircncia norte-americana chegou nos casos apresentados o arguido natildeo pode ser

compelido a fornecer a palavra-passe do seu smartphone mas pode ser compelido a

colocar o seu dedo no leitor de impressotildees digitais para desencriptar o dispositivo

Ademais ficou esclarecido que mesmo nas situaccedilotildees em que todos os requisitos da

Quinta Emenda tenham sido cumulativamente preenchidos as ordens de desencriptaccedilatildeo

de smartphones (independetemente do meacutetodo) podem ser dirigidas ao arguido ficando

a sua validade a depender de duas situaccedilotildees a) da demonstraccedilatildeo pelas autoridades de um

conhecimento de tal ordem particularizado sobre a existecircncia e localizaccedilatildeo dos ficheiros

que essa informaccedilatildeo possa ser considerada como uma conclusatildeo inevitaacutevel (foregone

conclusion) b) da concessatildeo de imunidade ao arguido

Apesar de segundo o ordenamento juriacutedico norte-americano a revelaccedilatildeo coactiva da

palavra-passe que desencripta um smartphone ser considerada ilegiacutetima por violaccedilatildeo do

princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo e contrariamente a leitura coactiva da impressatildeo

digital do arguido que desencripta um smartphone ser considerada legiacutetima cumpre

saber uma vez que a nossa investigaccedilatildeo eacute realizada em territoacuterio portuguecircs se estes casos

jurisprudenciais teriam a mesma soluccedilatildeo segundo o ordenamento juriacutedico nacional

42

43

CAPIacuteTULO II ndash O ACESSO E A APREENSAtildeO DE DADOS ARMAZENADOS EM

SMARTPHONES NO PROCESSO PENAL PORTUGUEcircS

Ficou analisado no capiacutetulo anterior como o ordenamento juriacutedico norte-americano daacute

resposta ao problema da desencriptaccedilatildeo compelida de smartphones dirigida ao arguido

No entanto torna-se evidente a necessidade de perceber em pormenor como o

ordenamento juriacutedico nacional daria resposta a esta problemaacutetica na eventualidade de

estes casos jurisprudenciais surgirem em Portugal

Para respondermos a esta pertinente contenda recorreremos agrave desconstruccedilatildeo praacutetica do

problema Assim de uma perspectiva praacutetica a primeira questatildeo que se coloca em sede

de desencriptaccedilatildeo compelida de smartphones para obtenccedilatildeo de prova no processo penal

eacute a de saber a priori como se processa a apreensatildeo e o acesso aos conteuacutedos armazenados

no smartphone de acordo com a legislaccedilatildeo portuguesa Posteriormente agrave tentativa de

acesso e apreensatildeo desses conteuacutedos agraves autoridades judiciaacuterias eacute colocado um segundo

problema a encriptaccedilatildeo do dispositivo Visto que o smartphone se encontra encriptado

por palavra-passe ou por biometria a colaboraccedilatildeo do arguido para sua a desencriptaccedilatildeo

mostra-se indispensaacutevel Eacute nesta sede que surge o problema se saber se esta colaboraccedilatildeo

eacute ou natildeo violadora do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare

De facto como dissemos a problemaacutetica da desencriptaccedilatildeo de smartphones para

obtenccedilatildeo de prova em processo penal levanta um problema a montante sobre o qual nos

devemos debruccedilar em primeira instacircncia durante este capiacutetulo O desbloqueio do

smartphone pressupotildee a priori duas circunstacircncias que o dispositivo tenha sido

legitimamente apreendido pelas autoridades judiciaacuterias e posteriormente que se tenha

feito uma tentativa de acesso aos conteuacutedos electroacutenicos aiacute armazenados Assim parece

loacutegico que as entidades judiciaacuterias soacute podem constatar que um dispositivo estaacute encriptado

se houver previamente uma tentativa de acesso ao seu conteuacutedo apoacutes a apreensatildeo do

aparelho Eacute sobre esta apreensatildeo e acesso aos ficheiros armazenados em smartphones que

discorreremos nas proacuteximas paacuteginas

1 Os smartphones e a prova digital

Vivemos actualmente no seio de uma sociedade informatizada uma sociedade que se

regula diariamente com recurso a sistemas electroacutenicos Durante esta uacuteltima deacutecada

44

assistimos a uma raacutepida evoluccedilatildeo tecnoloacutegica evoluccedilatildeo essa que se tem manifestado

igualmente na aacuterea da criminalidade informaacutetica

O telemoacutevel eacute hoje em dia um aparelho indispensaacutevel na vida dos cidadatildeos quer pela

sua capacidade comunicacional com o resto do mundo quer pelo seu constante progresso

no que concerne agraves suas aplicaccedilotildees que vatildeo facilitando o dia-a-dia de cada um Ainda

assim no seio da investigaccedilatildeo de um crime o telemoacutevel poderaacute ser visto como o maior

inimigo do homem neste caso o maior inimigo dos investigadores criminais Isto porque

o acesso a um telemoacutevel ou mais precisamente a um smartphone para obtenccedilatildeo de prova

em processo penal teraacute de cumprir determinadas regras e obedecer a tantos outros

procedimentos

Em todos os casos de criminalidade o objectivo do processo penal passa pela descoberta

da verdade e pela persecuccedilatildeo da justiccedila Para tal eacute necessaacuterio que se proceda agrave recolha

de prova para que se possa condenar os culpados Na investigaccedilatildeo criminal a obtenccedilatildeo e

recolha da prova rege-se por dois artigos previstos no Coacutedigo de Processo Penal o artigo

125ordm e o artigo 126ordm O primeiro estipula o princiacutepio de que satildeo permitidas todas as

provas que natildeo forem proibidas por lei ao passo que o segundo estabelece que o valor de

cada elemento de prova eacute determinado pelas regras da experiecircncia e pela livre convicccedilatildeo

de quem tem que decidir sobre elas107 Daqui resulta que as provas de iacutendole digital satildeo

admitidas desde que a sua obtenccedilatildeo tenha sido realizada dentro dos estritos criteacuterios da

legalidade e objectividade108

A prova digital eacute definida por Benjamin Silva Rodrigues como qualquer tipo de

informaccedilatildeo com valor probatoacuterio armazenada ou transmitida sob forma binaacuteria ou

digital109 Por seu turno Armando Dias Ramos define a prova digital como ldquotoda a

informaccedilatildeo passiacutevel de ser obtida ou extraiacuteda de um dispositivo digital (local virtual ou

remoto) ou de uma rede de comunicaccedilotildeesrdquo110 O legislador portuguecircs natildeo definiu o que

seria prova digital no entanto acreditamos que de um ponto de vista geral a prova digital

seraacute toda e qualquer informaccedilatildeodados que tenham sido recebidos transmitidos ou que

estejam armazenados num dispositivo electroacutenico111 Por outro lado de um ponto de vista

107 Este princiacutepio natildeo eacute absoluto havendo excepccedilotildees ao mesmo designadamente quanto ao valor da prova

pericial 108 Ramos 2014 85 109 Rodrigues 2009a 39 110 Ramos 2014 86 111 MukaseySedgwickHagy 2008 9

45

mais teacutecnico cumpre esclarecer que a designaccedilatildeo de ldquodigitalrdquo adveacutem do facto de a

informaccedilatildeo armazenada electronicamente ser repartida em diacutegitos mais precisamente

numa sequecircncia de nuacutemeros binaacuterios (isto eacute zero ou um) que satildeo reconhecidos e

traduzidos pelo aparelho informaacutetico transformando-se em informaccedilatildeo112

Por este motivo como facilmente se adivinha a prova digital carece de ser tratada de um

forma diferente mais precisamente de uma forma mais diligente e cautelosa uma vez que

um mero lapso poderaacute tornar a prova irremediavelmente inutilizada113 Uma vez que se

trata de informaccedilatildeo em formato digital existe sempre a preocupaccedilatildeo da mesma ser

apagada modificada ou destruiacuteda em segundos sem se deixar rasto114 Daiacute resulta que a

rapidez na obtenccedilatildeo desta prova aliada a uma correcta recolha satildeo dois passos

fundamentais para o ecircxito da investigaccedilatildeo e imputaccedilatildeo dos factos ao suspeito do crime115

Toda esta constelaccedilatildeo de problemas eacute tambeacutem enfatizada por Figueiredo Dias ao afirmar

que entre as novas problemaacuteticas que se tecircm vindo a colocar tanto agrave legislaccedilatildeo como agrave

ciecircncia do processo penal nos uacuteltimos tempos a primeira tem que ver precisamente com

a circunstacircncia de os novos horizontes teacutecnico-cientiacuteficos terem aberto a porta a meacutetodos

de investigaccedilatildeo ateacute haacute natildeo muito tempo desconhecidos116 Estando aiacute incluiacutedos entre

outros os meacutetodos de investigaccedilatildeo computadorizados ou de forma mais geral permitidos

pelos avanccedilos informaacuteticos117 (vg o smartphone)

Atendendo agrave quantidade cada vez maior de utilizadores de smartphones e agrave sua

capacidade de armazenamento118 estes dispositivos podem ser uacuteteis ferramentas para os

investigadores criminais na recolha de prova em processos crime Se durante uma

investigaccedilatildeo criminal for apreendido um smartphone relativamente recente com cerca de

seis ou sete anos a amplitude de informaccedilatildeo que pode ser obtida pelos investigadores eacute

significante abrangendo linguagem e outras definiccedilotildees agenda de contactos informaccedilatildeo

de calendaacuterio mensagens escritas registo de chamadas feitas e recebidas e-mail

fotografias gravaccedilotildees aacuteudio e viacutedeo mensagens de multimeacutedia mensagens instantacircneas

112 Militatildeo 2012 261 113 Ramos 2014 87 114 Mouraz LopesAntatildeo Cabreiro 2006 72 115 Ramos 2014 87 116 Figueiredo Dias 2009 808-809 117 Figueiredo Dias 2009 809 118 Os smartphones satildeo constantemente utilizados para as mais variadas funccedilotildees chamadas de voz

chamadas de viacutedeo mensagens de texto mensagens de imagem pesquisas na internet incluindo toda a

panoacuteplia de redes sociais acesso a correio electroacutenico fotografias e viacutedeos calculadora agenda reloacutegio

leitor de muacutesica mapa entre outras

46

histoacuterico de navegaccedilatildeo na internet documentos electroacutenicos dados relacionados com as

redes sociais dados relacionados com aplicaccedilotildees informaccedilatildeo sobre localizaccedilotildees

geograacuteficas entre outras119

Todas estas informaccedilotildees que podem ser recolhidas apenas de um pequeno smartphone

podem fazer toda a diferenccedila no processo penal auxiliando os investigadores criminais

de inuacutemeras maneiras recolhendo informaccedilatildeo sobre um crime cometido (atraveacutes de

imagens viacutedeos e-mails documentos etc) recolhendo informaccedilatildeo que comprove a

intenccedilatildeo ou a tentativa da praacutetica de um crime (por exemplo atraveacutes da anaacutelise do

histoacuterico do web browser) recolhendo informaccedilatildeo que comprove o envolvimento de

suspeitos que negam estar implicados num delito recolhendo informaccedilatildeo que revele a

praacutetica de diferentes crimes ainda desconhecidos recolhendo informaccedilatildeo de vaacuterios

dispositivos electroacutenicos que combinados permitem criar um cronograma de eventos

Em vaacuterios processos criminais eacute deixado um rasto de informaccedilatildeo electroacutenica para os

investigadores criminais analisarem E uma vez que o smartphone poderaacute ser

considerado um oacuteptimo repositoacuterio de elementos probatoacuterios dada a sua vasta capacidade

de armazenamento coloca-se a questatildeo no caso de necessidade de recolha de prova

armazenada num smartphone encriptado como se procederaacute a apreensatildeo do dispositivo

e o posterior acesso aos conteuacutedos aiacute guardados

Para respondermos a esta questatildeo importa analisar a Lei do Cibercrime de 15 de

Setembro de 2009

2 A Lei do Cibercrime

Actualmente a prova digital eacute regulada na sua essencialidade pela Lei do Cibercrime

No dia 15 de Setembro de 2009 o legislador portuguecircs reagiu aos inuacutemeros desafios

causados pela lacuna legislativa quanto agrave mateacuteria da obtenccedilatildeo de prova digital por via da

publicaccedilatildeo da Lei do Cibercrime ndash Lei nordm 1092009 de 15 de Setembro (em vigor desde

15 de Outubro de 2009) Cerca de 8 anos apoacutes a assinatura da Convenccedilatildeo sobre o

Cibercrime120 foram publicados em Diaacuterio da Repuacuteblica a Resoluccedilatildeo da Assembleia da

119 GeorgeMason 2015 250 120 A Convenccedilatildeo sobre o Cibercrime eacute o primeiro tratado internacional sobre criminalidade contra sistemas

de computadores redes ou dados e conta com trecircs objectivos principais pretende harmonizar legislaccedilotildees e

os crimes nelas previstos pretende estender agraves jurisdiccedilotildees de Estados Parte determinados instrumentos

processuais e de produccedilatildeo de prova modernos e adequados agrave investigaccedilatildeo da cibercriminalidade por

uacuteltimo pretende facilitar a cooperaccedilatildeo internacional e viabilizar investigaccedilotildees Para tal a Convenccedilatildeo estaacute

compartimentada em quatro capiacutetulos distintos Cap I ndash Terminologia Cap II ndash Medidas a tomar ao niacutevel

47

Repuacuteblica nordm 882009 que aprova a Convenccedilatildeo o Decreto do Presidente da Repuacuteblica

nordm 922009 que a ratifica e ainda a jaacute acima referida Lei nordm 1092009 que adapta o

direito interno agrave Convenccedilatildeo e agrave Decisatildeo Quadro nordm 2005222JAI do Conselho de 24 de

Fevereiro relativa a ataques contra sistemas de informaccedilatildeo

Do ponto de vista sistemaacutetico a Lei do Cibercrime tem uma estrutura tripartida entre

disposiccedilotildees materiais processuais e relativas agrave cooperaccedilatildeo internacional em mateacuteria

penal agrave semelhanccedila do consagrado na Convenccedilatildeo sobre o Cibercrime A nossa atenccedilatildeo

desviar-se-aacute obviamente para o Capiacutetulo III dedicado agraves disposiccedilotildees processuais

nomeadamente a preservaccedilatildeo expedita de dados (artigo 12ordm) a revelaccedilatildeo expedita de

dados de traacutefego (artigo 13ordm) a injunccedilatildeo para a preservaccedilatildeo ou concessatildeo de acesso a

dados (artigo 14ordm) a pesquisa de dados informaacuteticos (artigo 15ordm) a apreensatildeo de dados

informaacuteticos (artigo 16ordm) a apreensatildeo de correio electroacutenico e de registos de

comunicaccedilotildees de natureza semelhante (artigo 17ordm) a intercepccedilatildeo de comunicaccedilotildees

(artigo 18ordm) as acccedilotildees encobertas (artigo 19ordm) e ainda a cooperaccedilatildeo internacional

(artigos 20ordm a 26ordm)

Estas disposiccedilotildees processuais penais contidas na Lei do Cibercrime aplicam-se segundo

o artigo 11ordm do referido diploma (em consonacircncia com o determinado no artigo 14ordm da

Convenccedilatildeo sobre o Cibercrime) aos crimes aiacute previstos a) crimes informaacuteticos stricto

sensu (al a) b) ldquocrimes cometidos por meio de um sistema informaacuteticordquo121

independentemente da previsatildeo tiacutepica do crime (al b) c) e por fim a quaisquer crimes

sempre que ldquoseja necessaacuterio proceder agrave recolha de prova em suporte electroacutenicordquo (al c)

Podemos concluir na esteira do defendido por Paulo Daacute Mesquita que as regras de direito

probatoacuterio previstas no diploma natildeo satildeo assim meras normas processuais sobre

cibercrimes ou sequer apenas relativas a crimes praticados em sistemas informaacuteticos mas

nacional Secccedilatildeo I ndash Direito Material Secccedilatildeo II ndash Direito Processual Cap III ndash Cooperaccedilatildeo internacional

e por uacuteltimo Cap IV ndash Claacuteusulas Finais Cf Ramalho 2014 134 121 Sistema informaacutetico significa nesta sede ldquoqualquer dispositivo ou conjunto de dispositivos interligados

ou associados em que um ou mais de entre eles desenvolve em execuccedilatildeo de um programa o tratamento

automatizado de dados informaacuteticos bem como a rede que suporta a comunicaccedilatildeo entre eles e o conjunto

de dados informaacuteticos armazenados tratados recuperados ou transmitidos por aquele ou aqueles

dispositivos tendo em vista o seu funcionamento utilizaccedilatildeo protecccedilatildeo e manutenccedilatildeordquo (al a) do artigo 1ordm

da Lei do Cibercrime cuja primeira parte corresponde agrave previsatildeo da al a) do artigo 1ordm da Convenccedilatildeo sobre

o Cibercrime e no essencial similar agrave al a) do artigo 1ordm da Decisatildeo-Quadro nordm 2005222JAI (sistema de

informaccedilatildeo) onde contudo natildeo se prevecirc de forma especificada a rede que suporta a comunicaccedilatildeo entre

dados informaacuteticos)

48

correspondem a um regime consideravelmente mais abrangente sobre prova electroacutenica

em processo penal aplicaacutevel a qualquer crime122

Voltando ao nosso caso concreto cumpre referir que a aliacutenea c) do artigo 11ordm da Lei do

Cibercrime ao abranger todos os crimes em relaccedilatildeo aos quais seja necessaacuterio proceder agrave

recolha de prova em suporte electroacutenico acaba por alargar o acircmbito de aplicaccedilatildeo da lei a

quaisquer casos de recolha de prova em smartphones Uma vez que o smartphone eacute

caracterizado como um ldquosuporte electroacutenicordquo toda a recolha de prova feita com recurso

a este dispositivo seraacute regulada pela Lei do Cibercrime de acordo com o consagrado na

aliacutenea c) do seu artigo 11ordm

Visto que o cerne do nosso estudo se centra na desencriptaccedilatildeo de smartphones para

obtenccedilatildeo de prova em processo penal torna-se fundamental nesta etapa fazer uma breve

anaacutelise a algumas destas medidas processuais nomeadamente agrave injunccedilatildeo para

apresentaccedilatildeo ou concessatildeo do acesso a dados (artigo 14ordm) agrave pesquisa de dados

informaacuteticos (artigo 15ordm) agrave apreensatildeo de dados informaacuteticos (artigo 16ordm) e agrave apreensatildeo

de correio electroacutenico e registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante (artigo 17ordm)

No entanto antes de passarmos agrave anaacutelise destas medidas importa esclarecer que em sede

de Lei do Cibercrime haacute que fazer a distinccedilatildeo entre a apreensatildeo de dados informaacuteticos e

a apreensatildeo de registos de comunicaccedilotildees Como jaacute deixaacutemos claro nas paacuteginas anteriores

da presente investigaccedilatildeo o smartphone armazena os mais variados ficheiros electroacutenicos

incluindo mensagens de texto (SMS) e mensagens de multimeacutedia (MMS) e-mails

contactos telefoacutenicos fotografias gravaccedilotildees de viacutedeo e aacuteudio entre outros O tratamento

destes ficheiros vai depender da sua natureza nomeadamente se estes comportam algum

tipo de comunicaccedilatildeo ou natildeo Assim se por um lado a apreensatildeo de fotografias viacutedeos

gravaccedilotildees aacuteudio contactos entre outros pode ser tratada como apreensatildeo de meros dados

informaacuteticos (artigo 16ordm da Lei do Cibercrime) a apreensatildeo de mensagens de texto

mensagens de multimeacutedia e e-mails por se tratarem de ficheiros de comunicaccedilatildeo

electroacutenica deve ser tratada como apreensatildeo de correio electroacutenico e registos de

comunicaccedilotildees de natureza semelhante (artigo 17ordm da Lei do Cibercrime) Analisaremos

em maior detalhe esta distinccedilatildeo nos proacuteximos paraacutegrafos

No que respeita agrave injunccedilatildeo para apresentaccedilatildeo ou concessatildeo do acesso a dados prevista

no artigo 14ordm da Lei nordm 1092009 o legislador veio desta forma criar uma ordem a ser

122 Mesquita 2010 98

49

emitida por autoridade judiciaacuteria dirigida a quem tenha disponibilidade ou controlo sobre

determinados dados informaacuteticos no sentido de que os comunique ao processo em causa

ou que permita o acesso aos mesmos123

No entanto esta medida eacute apenas aplicada a fornecedores de serviccedilos proibindo o

nuacutemero 5 do referido artigo que seja dirigida contra suspeito ou arguido no processo

Desta forma o fornecedor de serviccedilo pode ser ordenado a comunicar ao processo dados

relativos aos clientes ou assinantes neles se incluindo qualquer informaccedilatildeo desde que

natildeo inserida na categoria dos dados relativos ao traacutefego ou ao conteuacutedo Voltaremos em

maior detalhe a esta questatildeo da proibiccedilatildeo de injunccedilatildeo dirigida a arguido e suspeito mais

adiante no nosso estudo

As razotildees que estatildeo subjacentes agrave criaccedilatildeo desta medida prendem-se em primeira medida

com a imensidade de espaccedilo de armazenamento dos modernos suportes digitais que

dificulta a investigaccedilatildeo e em segunda medida com as diversas possibilidades de ocultar

a informaccedilatildeo ou de bloquear o acesso a ela (por exemplo por via da encriptaccedilatildeo do

smartphone) que podem igualmente tornar malsucedida a procura de informaccedilatildeo sem a

colaboraccedilatildeo de quem tem o domiacutenio sobre ela

O artigo 15ordm da Lei do Cibercrime que consagra a pesquisa de dados informaacuteticos veio

criar uma forma de acesso coercivo ao sistema informaacutetico objecto de um processo

criminal Assim esta pesquisa pode perfeitamente ser comparada a uma busca tradicional

mas num ambiente digital Desta forma sempre que numa investigaccedilatildeo criminal as

entidades judiciaacuterias verificarem que se afigura oportuno e necessaacuterio para a produccedilatildeo

de prova com vista agrave descoberta da verdade material que se obtenham certos dados124

armazenados num determinado sistema informaacutetico a autoridade judiciaacuteria competente

autoriza ou ordena por despacho que se proceda a uma pesquisa nesse sistema

informaacutetico125

Esta autorizaccedilatildeo tem uma validade de 30 dias sob pena de nulidade nos termos do nordm 2

do artigo 15ordm da Lei do Cibercrime Nos casos de obtenccedilatildeo de consentimento por quem

tenha a disponibilidade ou controlo dos dados de terrorismo criminalidade violenta ou

123 Venacircncio 2011 107 124 Contrariamente agrave injunccedilatildeo para apresentaccedilatildeo ou concessatildeo do acesso a dados na pesquisa de dados

informaacuteticos a lei natildeo coloca quaisquer restriccedilotildees relativamente aos conteuacutedos dos dados que podem ser

pesquisados 125 Rodrigues 2010 446

50

altamente organizada e quando haja fundados indiacutecios da praacutetica iminente de crime que

ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa os oacutergatildeos de poliacutecia

criminal poderatildeo proceder agrave pesquisa sem preacutevia autorizaccedilatildeo da autoridade judiciaacuteria

devendo a diligecircncia ser-lhe de imediato comunicada e elaborado um relatoacuterio em tudo

semelhante ao disposto no artigo 253ordm do Coacutedigo de Processo Penal (nos termos dos nos

3 e 4 do artigo 15ordm)

Pode ainda acontecer que no decurso da pesquisa aos oacutergatildeos de poliacutecia criminal

executores da medida surja a convicccedilatildeo de que os dados procurados se encontram noutro

sistema informaacutetico ou numa parte diferente do sistema pesquisado mas que tais dados

satildeo legitimamente acessiacuteveis a partir do sistema inicial entatildeo por forccedila do nordm 5 do artigo

15ordm da Lei do Cibercrime haveraacute lugar agrave extensatildeo da medida agravequeles outros sistemas ou

lugares mediante autorizaccedilatildeo ou ordem da autoridade competente nos termos dos nos 1

e 2 do artigo 15ordm da citada lei126

No caso concreto de as autoridades judiciaacuterias encontrarem um smartphone armazenado

com e-mails mensagens de texto mensagens de multimeacutedia fotografias gravaccedilotildees aacuteudio

ou viacutedeo histoacuterico de navegaccedilatildeo na internet documentos electroacutenicos dados

relacionados com as redes sociais dados relacionados com aplicaccedilotildees entre outros

estamos claramente perante dados informaacuteticos definidos pela al b) do artigo 2ordm da Lei

do Cibercrime como ldquoqualquer representaccedilatildeo de factos informaccedilotildees ou conceitos sob

uma forma susceptiacutevel de processamento num sistema informaacutetico incluindo os

programas aptos a fazerem um sistema informaacutetico executar uma funccedilatildeordquo Assim a

pesquisa destes dados armazenados no smartphone por parte das autoridades judiciaacuterias

deveraacute ser regulada pelo citado artigo 15ordm da Lei do Cibercrime

Por seu turno a apreensatildeo de dados informaacuteticos vem prevista no artigo 16ordm da Lei do

Cibercrime que vem estabelecer a possibilidade de os investigadores pedirem agrave

autoridade judiciaacuteria competente que autorize ou ordene por despacho a apreensatildeo dos

dados ou documentos informaacuteticos que no decurso de uma pesquisa informaacutetica ou de

outro acesso legiacutetimo a um sistema informaacutetico forem encontrados e que se afigurem

necessaacuterios agrave produccedilatildeo da prova tendo em vista a descoberta da verdade127

126 Rodrigues 2010 449-450 127 Rodrigues 2010 451

51

No entanto nos casos em que tenha sido um oacutergatildeo de poliacutecia criminal a realizar a pesquisa

(artigo 15ordm da Lei do Cibercrime) existe a possibilidade de o oacutergatildeo de poliacutecia criminal

levar igualmente a cabo a apreensatildeo dos dados informaacuteticos (sem preacutevia autorizaccedilatildeo da

autoridade judiciaacuteria) ficando estas diligecircncias sujeitas a validaccedilatildeo pela autoridade

judiciaacuteria no prazo maacuteximo de setenta e duas horas128 Assim a tiacutetulo de exemplo se

durante uma busca domiciliaacuteria promovida pelo Ministeacuterio Puacuteblico e autorizada pelo Juiz

de Instruccedilatildeo competente for encontrado um smartphone ndash que natildeo estaria incluiacutedo no

despacho judicial - os oacutergatildeos de poliacutecia criminal executores da medida poderatildeo

apreender validamente o conteuacutedo do dispositivo de acordo com o nordm 2 do artigo 16ordm da

Lei do Cibercrime ficando esta diligecircncia sujeita a validaccedilatildeo pela autoridade judiciaacuteria

no prazo maacuteximo de setenta e duas horas

O nordm 3 do artigo 16ordm da Lei do Cibercrime vem consagrar a obrigatoriedade de

intervenccedilatildeo do juiz de instruccedilatildeo sempre que forem apreendidos para junccedilatildeo ao processo

dados ou documentos informaacuteticos cujo conteuacutedo seja susceptiacutevel de revelar dados

pessoais ou iacutentimos que possam pocircr em causa a privacidade do respectivo titular ou de

terceiros Nestas situaccedilotildees os dados informaacuteticos apreendidos ndash que possam por em causa

a privacidade do respectivo titular ou de terceiros (vg fotografias gravaccedilotildees de viacutedeo ou

aacuteudio entre outros) - seratildeo apresentados ao juiz que ponderaraacute a sua junccedilatildeo aos autos

tendo em conta os interesses do caso concreto A natildeo observacircncia destas formalidades

legais tem como consequecircncia a nulidade da prova obtida por esta via129

Por fim cabe-nos fazer uma anaacutelise mais detalhada do artigo 17ordm da Lei do Cibercrime

que consagra a apreensatildeo de correio electroacutenico e registos de comunicaccedilotildees de natureza

semelhante A criaccedilatildeo desta norma eacute uma das grandes novidades da Lei do Cibercrime

natildeo soacute por estabelecer um regime especial para a apreensatildeo de correio electroacutenico e

registos de comunicaccedilatildeo de natureza semelhante (aqui incluindo as SMS e MMS) em

mateacuteria de criminalidade informaacutetica e obtenccedilatildeo de prova em suporte electroacutenico mas

tambeacutem por estabelecer um regime que natildeo encontra correspectivo directo na Convenccedilatildeo

sobre o Cibercrime

O artigo 17ordm da Lei nordm 1092009 determina que eacute possiacutevel apreender mensagens de

correio electroacutenico ou registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante que se encontrem

armazenados no sistema informaacutetico (vg smartphone) que tenha sido alvo de pesquisa

128 Morais 2012 101-102 129 Verdelho 2009 741

52

informaacutetica ou outro acesso legiacutetimo desde que a) seja o juiz a autorizar ou ordenar a

apreensatildeo b) e esta seja de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a

prova130

Dois comentaacuterios iniciais sobre este dispositivo primeiro podemos afirmar que haacute aqui

um aumento substancial das exigecircncias para esta medida dado que a mesma soacute poderaacute

ser autorizada se for de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova

segundo importa tambeacutem referir que natildeo estamos aqui perante um meio de obtenccedilatildeo de

prova autoacutenomo e independente mas sim perante uma possibilidade decorrente de uma

pesquisa informaacutetica (artigo 15ordm da Lei do Cibercrime) jaacute em curso que tenha sido

regularmente executada131 Efectivamente consagra esta disposiccedilatildeo normativa que

ldquoQuando no decurso de uma pesquisa informaacutetica ou outro acesso legiacutetimo a um sistema

informaacutetico forem encontrados armazenados nesse sistema informaacutetico ou noutro a que

seja permitido o acesso legiacutetimo a partir do primeiro mensagens de correio electroacutenico

ou registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante o juiz pode autorizar ou ordenar

por despacho a apreensatildeo daqueles que se afigurem ser de grande interesse para a

descoberta da verdade ou para a prova aplicando-se correspondentemente o regime da

apreensatildeo de correspondecircncia previsto no Coacutedigo de Processo Penalrdquo

Relativamente agrave remissatildeo feita no final do referido artigo para o regime da apreensatildeo de

correspondecircncia estamos com Rita Castanheira Neves quando afirma que se compreende

que em respeito pelo artigo 11ordm da Lei do Cibercrime ldquoa remissatildeo para o regime da

apreensatildeo de correspondecircncia natildeo abranja a exigecircncia de se tratar de crime puniacutevel com

pena de prisatildeo superior a trecircs anos Esta remissatildeo para o regime da apreensatildeo de

correspondecircncia parece pois realizada a quatro aspectos do regime agrave referecircncia agrave

nulidade no caso de natildeo respeito pelos requisitos estabelecidos (nos 1 e 2 do artigo 179ordm

do Coacutedigo de Processo Penal) ao facto de ter que estar em causa correio electroacutenico e

registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante enviados ou recebidos pelo suspeito

mesmo que dea partir de endereccedilo electroacutenico ou outros registos de pessoa diversa (aliacutenea

a) do nordm 1 do mesmo artigo 179ordm) agrave proibiccedilatildeo da apreensatildeo de correio electroacutenico e

registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante trocado entre arguido e defensor salvo

se o juiz tiver fundadas razotildees para crer que aquele correio electroacutenico ou aqueles registos

constituem objecto ou elemento do crime (nordm 2 do artigo 179ordm) e finalmente ao facto de

130 Neves 2011 273 131 Morais 2012 102

53

ter que ser o juiz que tiver autorizado ou ordenado a diligecircncia a primeira pessoa a tomar

conhecimento do conteuacutedo do correio electroacutenico e demais registos de comunicaccedilotildees

apreendido mandando-o juntar ao processo se o considerar relevante [hellip] ndash nordm 3 do artigo

179ordmrdquo132

Quanto a esta uacuteltima questatildeo parece-nos necessaacuterio focar em especial dois aspectos

distintos primeiro a necessidade ou natildeo de despacho judicial para a apreensatildeo das

mensagens de correio electroacutenico e registos de comunicaccedilatildeo de natureza semelhante (nordm

1 do artigo 179ordm do Coacutedigo de Processo Penal) segundo a necessidade de ter que ser o

juiz a primeira pessoa a ler o correio electroacutenico ou as mensagens de texto ou multimeacutedia

apreendidas e a decidir da sua junccedilatildeo ou natildeo ao processo (nordm 3 do artigo 179ordm do Coacutedigo

de Processo Penal)

Tendo em conta que a uacutenica exigecircncia do artigo 17ordm da Lei do Cibercrime para a

apreensatildeo de correio electroacutenico e registos de comunicaccedilatildeo de natureza semelhante eacute a

existecircncia de uma forma legiacutetima de acesso ao meio informaacutetico concordamos com Pedro

Verdelho quando defende que a referida medida permite fazer uma apreensatildeo provisoacuteria

de mensagens de correio electroacutenico de texto ou multimeacutedia no decurso de pesquisas

realizadas por exemplo com a autorizaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico devendo todavia tais

mensagens ser presentes ao juiz para que ordene a respectiva apreensatildeo definitiva e

junccedilatildeo ao processo Ou seja natildeo se requereraacute para a apreensatildeo provisoacuteria de e-mails

SMS ou MMS que haja uma preacutevia decisatildeo judicial133

Em regra antes de uma busca ainda natildeo se tem conhecimentos bastantes para certificar

que se encontraraacute ou natildeo um smartphone Assim na praacutetica seria inviaacutevel um sistema

que exigisse antes de toda e qualquer busca a obtenccedilatildeo de autorizaccedilatildeo judicial para a

eventual possibilidade de vir a ser encontrado no decurso de uma busca um smartphone

e que tal smartphone contivesse registos de comunicaccedilotildees e que tais comunicaccedilotildees

fossem prova necessaacuteria agrave investigaccedilatildeo do caso concreto

De salientar no entanto que esta apreensatildeo seraacute meramente uma apreensatildeo cautelar cuja

validade (definitiva) e consequente valoraccedilatildeo no processo em curso estaraacute sempre

dependente do despacho do juiz (nordm 1 do artigo 179ordm do CPP)

132 Neves 2011 274-275 133 Verdelho 2009 743-744

54

Neste sentido vai tambeacutem a jurisprudecircncia ao afirmar que ldquoa apreensatildeo de mensagens de

telemoacutevel (SMS) mesmo que resultante de uma pesquisa de dados informaacuteticos

validamente ordenada pelo Ministeacuterio Puacuteblico deve depois ser autorizada pelo JIC

Embora o MP deva tomar conhecimento em primeira matildeo das mensagens ordenando a

apreensatildeo provisoacuteria deve depois ser o juiz a ordenar a apreensatildeo definitiva ndash artigo 17ordm

da Lei do Cibercrimerdquo134

No entanto nos casos de apreensatildeo de mensagens decorrentes da autorizaccedilatildeo do seu

destinataacuterio (por exemplo quando eacute o proacuteprio a facultar o telemoacutevel para a obtenccedilatildeo das

mensagens) a jurisprudecircncia tem sido unacircnime quanto agrave desnecessidade de intervenccedilatildeo

judicial na obtenccedilatildeo e junccedilatildeo ao processo desses registos135

Assim concluiacutemos no sentido de natildeo carecer de autorizaccedilatildeo judicial a mera apreensatildeo

provisoacuteriacautelar de mensagens de correio electroacutenico de texto ou de multimeacutedia

encontradas no decurso de uma pesquisa informaacutetica (artigo 15ordm da Lei do Cibercrime)

ou outro acesso legiacutetimo num smartphone136 Sem embargo a validade definitiva desta

apreensatildeo e a sua consequente valoraccedilatildeo no processo em curso dependeraacute sempre do

despacho do juiz (nordm 1 do artigo 179ordm do CPP)

No que concerne agrave questatildeo da necessidade de ter que ser o juiz a primeira pessoa a ler o

correio electroacutenico e outros registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante

apreendidos (nordm 3 do artigo 179ordm do Coacutedigo de Processo Penal) importa trazer agrave colaccedilatildeo

a posiccedilatildeo defendida por dois Autores nacionais

Rita Castanheira Neves defende a tese de que dada a dificuldade praacutetica de ser o juiz a

primeira pessoa a tomar conhecimento do conteuacutedo de todas as mensagens cuja

quantidade pode ser bastante significativa se deveria proceder a uma inversatildeo da loacutegica

das coisas Assim a Autora afirma que ldquonatildeo haacute que deixar de exigir que seja o juiz o

primeiro a tomar conhecimento do conteuacutedo do correio electroacutenico [hellip]rdquo mensagens de

texto e multimeacutedia ldquo[hellip] pelas dificuldades praacuteticas de atribuir a um soacute juiz essa tarefa

134 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 29 de Marccedilo de 2011 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrgnsf86c25a698e4e7cb7802579ec004d38326aa96edf91e899b2802578a00054631f

OpenDocument [consultado em 29082016] 135 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 11 de Janeiro de 2011 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrlnsf33182fc732316039802565fa00497eece5ed1936deb44eb180257824004ab09d

OpenDocument [consultado em 29082016] 136 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 29 de Marccedilo de 2011 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrgnsf86c25a698e4e7cb7802579ec004d38326aa96edf91e899b2802578a00054631f

OpenDocument [consultado em 29082016]

55

mas sim exigir que durante a diligecircncia se tenha sempre em atenccedilatildeo que para a eficaacutecia

da mesma devem-se seguir estritos criteacuterios de abrangecircncia apenas apreendendo os e-

mails [hellip]rdquo mensagens de texto e de multimeacutedia ldquo[hellip] que se afiguram realmente

determinantes para a provardquo137

Em sentido semelhante Pedro Verdelho vem apoiar-se na letra da lei que segundo o

proacuteprio aponta para a possibilidade de quem procede agrave pesquisa encaminhar para o juiz

mensagens concretas com relevacircncia para o caso concreto que aquele depois apreenderaacute

ou natildeo138 Entendendo-se a lei de outra forma estar-se-ia segundo o Autor a optar por

uma soluccedilatildeo processual inviaacutevel que exigiria a verificaccedilatildeo pelo juiz de todas as

mensagens de correio electroacutenico e registos em todos os smartphones que fossem

encontrados no decurso de pesquisas

Pela nossa parte apoiamo-nos na ideia de que o artigo 17ordm da Lei do Cibercrime ao

remeter quanto agrave apreensatildeo de mensagens de correio electroacutenico e registos de

comunicaccedilotildees de natureza semelhante para o regime geral previsto no Coacutedigo de

Processo Penal determina a aplicaccedilatildeo daquele regime com as devidas adaptaccedilotildees

Assim e de encontro com o defendido por Rita Castanheira Neves Pedro Verdelho e pela

jurisprudecircncia aquelas apreensotildees (definitivas) tecircm efectivamente de ser autorizadas ou

determinadas por despacho judicial139 devendo ser o juiz a primeira pessoa a tomar

conhecimento do conteuacutedo da correspondecircncia previamente seleccionada como

determinante para a prova sob pena de nulidade

Chegados a esta parte e tendo em consideraccedilatildeo o objecto do nosso estudo podemos entatildeo

concluir depois de analisado o artigo 17ordm da Lei do Cibercrime que este preceito eacute

aplicaacutevel a todas as situaccedilotildees em que surja a necessidade por parte das entidades

judiciaacuterias de apreensatildeo de correio electroacutenico mensagens de texto e mensagens de

multimeacutedia armazenados num smartphone

137 Neves 2011 275 138 Verdelho 2009 744 139 Morais 2012 105 No caso de e-mails SMS e MMS ldquoa intervenccedilatildeo judicial tendo em vista a sua

apreensatildeo ou natildeo eacute sempre exigida em momento ulterior portanto apoacutes se ter encontrado este tipo de

informaccedilatildeo Nessa altura compete ao juiz escolher de entre as mensagens encontradas as que satildeo

relevantes para a prova Sublinha-se portanto que no sistema legal da Lei do Cibercrime natildeo poderaacute nunca

haver mensagens de correio electroacutenico [hellip]rdquo mensagens de texto e mensagens de multimeacutedia ldquo[hellip]

apreendidas para serem utilizadas como prova de determinado processo sem que haja um despacho de um

juiz nesse sentidordquo Cf Verdelho 2009 745

56

3 A relaccedilatildeo entre a Lei do Cibercrime e o Coacutedigo de Processo Penal

Jaacute foi analisado em sede de apreensatildeo de correio electroacutenico e registos de comunicaccedilotildees

de natureza semelhante que a remissatildeo do artigo 17ordm da Lei do Cibercrime para o regime

da apreensatildeo de correspondecircncia previsto no Coacutedigo de Processo Penal determina a

aplicaccedilatildeo deste regime com as devidas adaptaccedilotildees

A questatildeo que se coloca agora eacute a de saber qual seraacute a relaccedilatildeo entre o regime vertido no

Coacutedigo de Processo Penal sobre a intercepccedilatildeo de comunicaccedilotildees guardadas em suporte

digital (artigos 187ordm a 190ordm do CPP) e o regime estabelecido na nova Lei do Cibercrime

para a apreensatildeo de correio electroacutenico e registos de comunicaccedilotildees de natureza

semelhante (artigo 17ordm da Lei do Cibercrime)

Eacute da nossa opiniatildeo na esteira do defendido pela maioria da doutrina que no ordenamento

juriacutedico portuguecircs a intercepccedilatildeo e o registo das transmissotildees de dados informaacuteticos segue

a partir da entrada em vigor da Lei do Cibercrime em 15 de Outubro de 2009 o regime

aiacute vertido Efectivamente a Lei do Cibercrime ao optar por mobilizar um criteacuterio lato

para a sua aplicaccedilatildeo ndash necessidade de proceder agrave recolha de prova em suporte electroacutenico

- acabou por esvaziar o acircmbito de aplicaccedilatildeo do artigo 189ordm do Coacutedigo de Processo Penal

na parte relativa a comunicaccedilotildees electroacutenicas140

Em suma podemos concluir que a legislaccedilatildeo contida no Coacutedigo de Processo Penal foi

no essencial141 ultrapassada pela Lei nordm 1092009 levando assim agrave aplicaccedilatildeo do artigo

17ordm da Lei do Cibercrime aos casos de apreensatildeo de correio electroacutenico mensagens de

texto e mensagens de multimeacutedia como tiacutenhamos concluiacutedo supra e agrave aplicaccedilatildeo do artigo

16ordm da Lei do Cibercrime aos casos de apreensatildeo de dados informaacuteticos (vg fotografias

gravaccedilotildees de viacutedeo e aacuteudio contactos documentos electroacutenicos entre outros)

armazenados em smartphones

4 Conclusotildees intermeacutedias

Apoacutes uma anaacutelise detalhada sobre a Lei do Cibercrime encontramo-nos aptos a responder

agrave questatildeo que colocaacutemos no iniacutecio do presente capiacutetulo como se processa o acesso e a

apreensatildeo de conteuacutedos armazenados num smartphone de acordo com a legislaccedilatildeo

portuguesa

140 Neves 2011 280 Neste sentido vai tambeacutem Mesquita 2010 103 141 Tal natildeo invalida que todas as medidas gerais ou excepcionais e obrigaccedilotildees previstas na Lei nordm

1092009 se cumulem em tudo o que as natildeo contrarie com as estabelecidas no Coacutedigo de Processo Penal

57

Ao abranger todos os crimes em relaccedilatildeo aos quais seja necessaacuterio proceder agrave recolha de

prova em suporte electroacutenico a Lei do Cibercrime na al c) do seu artigo 11ordm acaba por

um lado por alargar o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo a quaisquer casos de desencriptaccedilatildeo de

smartphones para obtenccedilatildeo de prova em processo penal e por outro por esvaziar o acircmbito

de aplicaccedilatildeo do regime da intercepccedilatildeo de comunicaccedilotildees guardadas em suporte digital

previsto no Coacutedigo de Processo Penal

No que concerne ao acesso e agrave apreensatildeo de conteuacutedos armazenados num smartphone

para a obtenccedilatildeo de prova em processo penal cumpre deixar claro que em primeira

instacircncia eacute autorizada por despacho uma pesquisa ao conteuacutedo do smartphone regulada

pelo artigo 15ordm da Lei do Cibercrime e equiparada a uma busca tradicional mas em

ambiente digital Desta pesquisa podem resultar duas situaccedilotildees a necessidade de

apreensatildeo de determinados ficheiros electroacutenicos ou contrariamente a desnecessidade

de apreensatildeo de quaisquer ficheiros electroacutenicos

Caso se venha a verificar a primeira situaccedilatildeo (necessidade de apreensatildeo de determinados

ficheiros electroacutenicos) deveraacute ser feita a divisatildeo entre a) a necessidade de apreensatildeo de

dados informaacuteticos (artigo 16ordm da Lei do Cibercrime) b) e a necessidade de apreensatildeo

de mensagens de correio electroacutenico ou registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante

(artigo 17ordm da Lei do Cibercrime)

Se depois de feita uma primeira pesquisa ao conteuacutedo do smartphone os investigadores

encontrarem determinados dados ou documentos informaacuteticos tais como fotografias

viacutedeos gravaccedilotildees de auacutedio ou listas de contactos cuja apreensatildeo se mostre necessaacuteria

para a investigaccedilatildeo criminal deveraacute ser pedido agrave autoridade judiciaacuteria competente que

autorize ou ordene por despacho a sua apreensatildeo (artigo 16ordm da Lei do Cibercrime)

Existe ainda a possibilidade de o proacuteprio oacutergatildeo de poliacutecia criminal levar a cabo esta

apreensatildeo sem a preacutevia autorizaccedilatildeo da autoridade judiciaacuteria ficando esta diligecircncia

sujeita a validaccedilatildeo pela autoridade judiciaacuteria no prazo maacuteximo de setenta e duas horas

Como a apreensatildeo destes dados nomeadamente de fotografias viacutedeos ou gravaccedilotildees auacutedio

pode pocircr em causa a privacidade do arguido ou de terceiros o nordm 3 do referido artigo vem

consagrar a obrigatoriedade de intervenccedilatildeo do juiz de instruccedilatildeo

Por seu turno se no decorrer da pesquisa ao conteuacutedo do smartphone os investigadores

encontrarem mensagens de correio electroacutenico mensagens de texto ou de multimeacutedia

cuja apreensatildeo se mostre de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova

58

deveraacute ser pedido ao juiz que autorize ou ordene a apreensatildeo dessas mensagens de correio

electroacutenico e registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante (artigo 17ordm da Lei do

Cibercrime)

Isto posto parece-nos ser possiacutevel afirmar que o acesso e a apreensatildeo de ficheiros

electroacutenicos armazenados num smartphone eacute um processo relativamente simples No

entanto durante a abordagem da referida questatildeo natildeo colocaacutemos a possibilidade de o

acesso e a apreensatildeo destes ficheiros serem dificultados pela encriptaccedilatildeo do smartphone

Assim a tentativa de aceder e apreender ficheiros potencialmente incriminatoacuterios

armazenados num smartphone pode ser impossibilitada pelo bloqueio do dispositivo por

parte do seu proprietaacuterio atraveacutes da encriptaccedilatildeo por palavra-passe ou por biometria Eacute

sobre esta encriptaccedilatildeo que nos pronunciaremos de seguida

59

CAPIacuteTULO III ndash A ENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES

Num caso tiacutepico de desencriptaccedilatildeo de smartphones apoacutes a recolha do dispositivo agraves

autoridades judiciaacuterias cabe aceder e apreender os conteuacutedos aiacute armazenados a fim de

obterem provas incriminatoacuterias Sem embargo como ficou assente anteriormente natildeo

raras vezes os investigadores deparam-se com um entrave ao acesso aos ficheiros

guardados no smartphone a encriptaccedilatildeo do dispositivo Dada a circunstacircncia a tarefa de

aceder ao dispositivo com o desiacutegnio de recolher prova digital para auxiliar agrave investigaccedilatildeo

criminal torna-se mais complexa

Nos casos apresentados no primeiro capiacutetulo da presente investigaccedilatildeo a encriptaccedilatildeo dos

smartphones em causa era feita atraveacutes de dois meacutetodos distintos a palavra-passe

alfanumeacuterica e a biometria (leitura de impressotildees digitais) Tendo em consideraccedilatildeo os

casos apresentados que nos hatildeo de servir de modelo ao longo da nossa investigaccedilatildeo e o

elevado nuacutemero de utilizadores que actualmente recorre a estes dois meacutetodos de

encriptaccedilatildeo mostra-se imperativo natildeo soacute analisar a noccedilatildeo e as funcionalidades da

encriptaccedilatildeo mas tambeacutem como funcionam estes dois meacutetodos em concreto

1 A sociedade na era digital e a crescente necessidade de encriptar

No final do seacuteculo passado com os avanccedilos tecnoloacutegicos cientiacuteficos sociais e o

fenoacutemeno da globalizaccedilatildeo a sociedade industrial passou a caminhar para uma sociedade

informacional e comunicacional ganhando o epiacuteteto de sociedade na era digital142

A entrada de Portugal na era comum da informaccedilatildeo tornou-se irreversiacutevel e afectou todos

os aspectos da sociedade143 estando o seu surgimento umbilicalmente relacionado com o

apogeu e o sucesso da Internet Assim com o nascimento da Internet eacute simultaneamente

criado um novo paradigma de sociedade onde a energia eacute progressivamente substituiacuteda

pela informaccedilatildeo144 como fonte primeira do progresso social tendo como produto

essencial a prestaccedilatildeo de novos serviccedilos145 Numa realidade recente a informaccedilatildeo eacute

divulgada agrave velocidade da luz funcionando como moeda de troca em diversas

negociaccedilotildees

142 Quelhas 2008 22 143 Rodrigues 2009a 96 144 ldquoThe world isnrsquot run by weapons anymore or energy or money Itrsquos run by ones and zeros ndash little bits

of data Itrsquos all electronshellip Therersquos a war out there a world war Itrsquos not about who has the most bullets

Itrsquos about who controls the informationhellip Itrsquos all about informationrdquo Cf Weinberg 1998 675 145 MarquesMartins 2006 109

60

Contudo dada a facilidade na troca de informaccedilotildees ndash muita das vezes confidenciais ou

de caraacutecter privado - esta sociedade da informaccedilatildeo ou como preferimos sociedade

digital deveraacute pautar-se sempre em respeito pelos princiacutepios democraacuteticos da igualdade

e solidariedade visando a melhoria da qualidade de vida de todos os cidadatildeos146

O telemoacutevel nomeadamente o smartphone eacute um dos resultados desta evoluccedilatildeo

tecnoloacutegica sendo considerado actualmente como uma necessidade tanto pessoal quanto

profissional para a generalidade das pessoas147 Na sociedade actual informaccedilatildeo eacute

sinoacutenimo de poder Esta realidade levou a que o homem meacutedio passasse a armazenar ndash

digitalmente - uma quantidade consideraacutevel de informaccedilatildeo convertendo por sua vez os

telemoacuteveis em tesouros dos tempos modernos Desta forma natildeo causa estranheza afirmar

que a informaccedilatildeo aiacute armazenada tem frequentemente caraacutecter pessoal ou privado pelo

que surgem diversas preocupaccedilotildees por parte dos proprietaacuterios relativamente agrave sua

privacidade

Efectivamente a protecccedilatildeo da vida privada na era digital deixou de ser um iacutendice de

condiccedilatildeo social eacute um problema colectivo O Estado social moderno tem um grau de

participaccedilatildeo ou ingerecircncia na sociedade impensaacutevel no modelo de Estado liberal Desta

forma de uma maneira ou de outra todos os cidadatildeos acabam por estabelecer a dado

momento contacto com a maacutequina estatal vendo-se compelidos a ceder-lhe dados de

caraacutecter pessoal148 Como exemplo desta ingerecircncia estatal podemos chamar agrave colaccedilatildeo o

escacircndalo norte-americano que envolveu o funcionaacuterio da agecircncia NSA americana

Edward Snowden149 No veratildeo de 2013 Edward Snowden tornou puacuteblicas diversas

informaccedilotildees sobre programas que constituiriam o sistema de vigilacircncia global de

comunicaccedilotildees e traacutefego de informaccedilotildees executada pela NSA americana150

No entanto natildeo eacute apenas esta ingerecircncia estatal no acircmbito digital que inquieta a sociedade

moderna mas tambeacutem a ingerecircncia de terceiros Diversos satildeo os dispositivos de pequenas

dimensotildees tais como os smartphones que podem ser perdidos e posteriormente

encontrados por terceiros curiosos Assim natildeo seraacute soacute o Estado mas tambeacutem estes

terceiros que geram na sociedade um receio de devassa da vida privada

146 Benevides 2002 90 147 Clemens 2004 2 148 Benevides 2002 84 149 JafferRosenthal 2016 286 150 McCarthy 2016 21

61

Ora numa sociedade em que grande parte das trocas de informaccedilotildees ocorre por meios

electroacutenicos como o smartphone eacute natural que exista a preocupaccedilatildeo de implementar

teacutecnicas e meios de transmissatildeo seguros dessa mesma informaccedilatildeo A necessidade de

desenvolvimento de um meio teacutecnico que permita no acircmbito do armazenamento digital

de informaccedilotildees a confirmaccedilatildeo de determinados aspectos relacionados com a seguranccedila

da informaccedilatildeo aiacute armazenada levou ao desenvolvimento da encriptaccedilatildeo151 Percebe-se

que a encriptaccedilatildeo seja especialmente importante quando a informaccedilatildeo que se pretende

manter segura eacute armazenada em suportes electroacutenicos de pequena escala que se

encontram presentes no dia-a-dia de qualquer cidadatildeo (vg smartphone)

2 Encriptaccedilatildeo de smartphones

O recurso agrave encriptaccedilatildeo como tentativa de proteger certo tipo de informaccedilatildeo natildeo eacute algo

recente pelo contraacuterio existe de uma forma ou de outra haacute milhares de anos Apesar de

alguns exemplos dos uacuteltimos 4000 anos diferirem daquilo que hoje conhecemos como

encriptaccedilatildeo diferentes formas de encriptar foram utilizadas por padres imperadores

diplomatas generais espiotildees comerciantes insurgentes criminosos prisioneiros e

amantes ao longo do tempo152

Actualmente e atendendo ao tema da nossa investigaccedilatildeo uma das formas mais utilizadas

de encriptaccedilatildeo eacute precisamente a encriptaccedilatildeo de smartphones De facto esta encriptaccedilatildeo

passou a ser a norma e natildeo a excepccedilatildeo sendo utilizada de diversas maneiras e com

variados propoacutesitos153

21 Noccedilatildeo

A encriptaccedilatildeo pode ser definida como o processo atraveacutes do qual uma qualquer

informaccedilatildeo eacute convertida numa forma ilegiacutevel com recurso a algoritmos matemaacuteticos154

No niacutevel mais baacutesico a encriptaccedilatildeo usa a arte da criptografia (em grego ldquoescrita secretardquo)

para transformar informaccedilatildeo que pode ser lida (plaintext) em informaccedilatildeo que natildeo pode

ser lida (ciphertext)155 O processo eacute executado de acordo com um algoritmo de

encriptaccedilatildeo o cipher156 (um conjunto de regras que regula como o ldquoplaintextrdquo eacute

codificado) Apesar de este processo poder ser tatildeo simples quanto substituir cada letra

151 MartinsMarquesDias 2004 69 152 Vagle 2015 106-107 153 SwireAhmad 2012 453 154 Sales 2014 208 155 Thompson IIJaikaran 2016 2 156 Colarusso 2011 141

62

numa mensagem por um respectivo nuacutemero os algoritmos da encriptaccedilatildeo mais moderna

consistem frequentemente numa seacuterie complexa de funccedilotildees matemaacuteticas157 Assim a

encriptaccedilatildeo pode ser usada para baralhar todo o conteuacutedo do smartphone tornando

impossiacutevel a distinccedilatildeo entre zeros e uns que poderatildeo representar um documento e zeros

e uns que poderatildeo ser apenas espaccedilo de armazenamento vazio158 Independentemente do

modo de encriptaccedilatildeo o resultado final seraacute sempre a ininteligibilidade da informaccedilatildeo para

terceiros ndash governo ou particulares

Para que a encriptaccedilatildeo possa ser vista como um meacutetodo uacutetil de armazenamento ou envio

de informaccedilatildeo eacute necessaacuterio que seja reversiacutevel Desta forma os mais modernos sistemas

de encriptaccedilatildeo utilizam uma chave que deve ser aplicada ao algoritmo de encriptaccedilatildeo

escolhido para a recuperaccedilatildeo do ldquoplaintextrdquo159 A desencriptaccedilatildeo poderaacute ser entatildeo

definida como o processo pelo qual se transforma ou converte a informaccedilatildeo codificada

em informaccedilatildeo legiacutevel Igualmente correcta eacute a afirmaccedilatildeo de que a desencriptaccedilatildeo seraacute o

processo de transformaccedilatildeo de um ldquociphertextrdquo em ldquoplaintextrdquo160

22 Funcionalidades

Para o correcto funcionamento da encriptaccedilatildeo satildeo necessaacuterios cinco elementos distintos

a) a funccedilatildeo da encriptaccedilatildeo161 b) a funccedilatildeo da desencriptaccedilatildeo c) a chave d) o ldquoplaintextrdquo

e) e o ldquociphertextrdquo162

A encriptaccedilatildeo tem como funccedilatildeo principal a garantia de confidencialidade e a prevenccedilatildeo

de intromissatildeo de terceiros em determinadas informaccedilotildees Efectivamente a encriptaccedilatildeo

pode ser caracterizada como um dos meacutetodos mais idoacuteneos na protecccedilatildeo de informaccedilatildeo

electroacutenica contra intercepccedilotildees iliacutecitas por parte do governo empresas concorrentes

criminosos e outros163 O recurso agrave encriptaccedilatildeo passou a ser tatildeo comum que inuacutemeros

fabricantes de aparelhos tecnoloacutegicos a consideram como uma medida de seguranccedila

baacutesica Mesmo que a informaccedilatildeo codificada seja perdida ou furtada natildeo seraacute acessiacutevel a

terceiros natildeo autorizados

157 Ungberg 2009 540 158 MohanVillasenor 2012 17 159 LehtinenGangemi 2006 141-142 160 Mathur 2012 1650 161 A ldquofunccedilatildeordquo seraacute o processo matemaacutetico usado 162 Thompson IIJaikaran 2016 3 163 Sherwinter 2007 512

63

Apoacutes o escacircndalo de Snowden ter espalhado a sensaccedilatildeo de desconfianccedila e de falta de

privacidade na sociedade digital e atendendo agraves valecircncias da encriptaccedilatildeo empresas como

a Apple Samsung Google Facebook WhatsApp e Blackberry anunciaram a

implementaccedilatildeo de sistemas de encriptaccedilatildeo nas suas plataformas e produtos como uma

medida de seguranccedila e privacidade164

A tiacutetulo de exemplo a empresa Apple que seraacute objecto de estudo durante a nossa

investigaccedilatildeo no seu sistema operativo iOS nos iPads iPhones e iPods recorre agrave

encriptaccedilatildeo natildeo soacute para prevenir o acesso de pessoas natildeo autorizadas como tambeacutem para

evitar que o sistema operativo seja apagado por terceiros No final do mecircs de Novembro

de 2016 cerca de 95 dos iPhones a niacutevel mundial - uma percentagem com uma clara

tendecircncia para aumentar - seriam inacessiacuteveis agraves autoridades judiciaacuterias165166 Soacute nos

Estados Unidos da Ameacuterica cerca de 85 milhotildees de aparelhos da marca Apple estatildeo

encriptados167

Apesar das suas claras vantagens no acircmbito da seguranccedila e privacidade de determinadas

informaccedilotildees a encriptaccedilatildeo tem igualmente algumas vulnerabilidades e desvantagens

De facto todas as formas de encriptaccedilatildeo estatildeo sujeitas a trecircs categorias baacutesicas de ataque

a) ataques de forccedila bruta (brute-force attacks) b) ataques atraveacutes de ldquopeer-reviewrdquo c) e

ldquobackdoorsrdquo168

Nos ataques de forccedila bruta ou brute-force attacks os terceiros que pretendem aceder ao

smartphone recorrem a programas informaacuteticos que testam todas as combinaccedilotildees de

diferentes caracteres possiacuteveis ateacute conseguirem desencriptar o dispositivo atraveacutes da

combinaccedilatildeo correcta169 Dependendo da forccedila da combinaccedilatildeo este processo poderaacute ser

mais ou menos demorado

A segunda e mais sofisticada forma de ataque designada por ldquopeer-reviewrdquo envolve a

tentativa por parte de especialistas em seguranccedila e criptoacutegrafos de desencriptar sistemas

para testar a sua seguranccedila Ateacute que um sistema de encriptaccedilatildeo tenha resistido durante

164 McCarthy 2016 21-22 165 Cf App Store Support ndash Apple Developer Disponiacutevel em httpsdeveloperapplecomsupportapp-

store [consultado em 09122016] 166 ldquoWhen conducting criminal investigations if you pull the power on a smartphone that is encrypted you

have lost any chance of recovering that datardquo Cf Garfinkel 2012 2 Disponiacutevel em

httpswwwtechnologyreviewcoms428477the-iphone-has-passed-a-key-security-threshold

[consultado em 09122016] 167 JafferRosenthal 2016 289 168 SwireAhmad 2012 429 169 McCarthy 2016 19

64

anos porventura deacutecadas a um escrutiacutenio por parte destes criptoacutegrafos experientes natildeo

seraacute considerado seguro o suficiente para uso comercial170 Ser submetido a um ldquopeer-

reviewrdquo eacute portanto essencial para a implementaccedilatildeo comercial de um ldquocryptosystemrdquo

Por fim a terceira forma de ataque a um smartphone pode passar pelo uso de ldquobackdoorsrdquo

As backdoors satildeo intencionalmente construiacutedas no sistema de encriptaccedilatildeo com o desiacutegnio

de fornecer uma alternativa para aceder ao conteuacutedo codificado Podem ser vistas como

brechas de seguranccedila inerentes uma vez que permitem um acesso secundaacuterio ao

dispositivo sem a necessidade de desencriptar171

Numa outra perspectiva podemos ainda chamar agrave colaccedilatildeo uma possiacutevel desvantagem que

a implementaccedilatildeo de encriptaccedilatildeo em smartphones pode gerar o aumento do crime De um

ponto de vista mais extremo haacute quem defenda que a encriptaccedilatildeo pode levar a que

criminosos e terroristas tracem os seus planos e armazenem informaccedilotildees relevantes sobre

os seus intentos nos seus smartphones encriptados longe dos olhares das entidades

judiciaacuterias172

23 Meacutetodos de encriptaccedilatildeo de smartphones

Existem actualmente diversos meacutetodos de encriptaccedilatildeo e desencriptaccedilatildeo de smartphones

muito dependente da marca do dispositivo Tipicamente os meacutetodos de encriptaccedilatildeo (ou

de autenticaccedilatildeo como satildeo muitas vezes designados) baseiam-se em trecircs factores

distintos a) possessatildeo (algo que a pessoa tem como um cartatildeo do banco uma chave ou

um token173) b) conhecimento (algo que a pessoa sabe como um username uma palavra-

passe ou um PIN) c) identidade (algo que a pessoa eacute ou faz como uma impressatildeo digital

a iacuteris a voz ou o rosto)174 No que agrave nossa investigaccedilatildeo diz respeito a distinccedilatildeo revelante

seraacute feita entre o factor do conhecimento e da identidade

170 SwireAhmad 2012 431-432 171 ldquoThe image is that the front door to a house is securely locked but someone can enter through a

backdoor that appears to be locked but is actually easy to openrdquo Cf SwireAhmad 2012 432 172 Andrews 2000 211 173 Tokens satildeo dispositivos fiacutesicos utilizados para auxiliarem a seguranccedila pessoal do seu utilizador em

determinadas transacccedilotildees (muitas das vezes bancaacuterias) Normalmente o processo eacute feito atraveacutes de um

aparelho semelhante a uma chave que vai gerando diversas senhas com um uacutenico clique 174 Hoyos Labs 2016 4 Disponiacutevel em httppimn-publicsharepointcomDocumentatie2016-06-10-

idm-Hoyos-Labs-Guaranteeing-identity-with-biometric-authenticationpdf [consultado em 12122016]

Neste sentido cf PatoMillett 2010 5 ldquoUn soggetto dunque puograve essere identificato non solo mediante

qualcosa che conosce (una password un PIN) o qualcosa che possiede (un dispositivo di autenticazione

una smart card) come comunemente avviene ma anche mediante qualcosa che gli egrave proprio una

caratteristica biometrica appuntordquo Cf Girotto 2009 454

65

Com base nos vaacuterios modelos de smartphones disponiacuteveis actualmente no mercado

podemos enumerar os seguintes meacutetodos de encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo a) palavra-passe

e PIN b) gesto (padratildeo desenhado no touchscreen conectado com uma seacuterie de pontos

ou formas) c) impressatildeo digital d) reconhecimento facial e) reconhecimento da iacuteris f)

reconhecimento de voz175

Na maioria dos casos referidos no primeiro capiacutetulo da presente investigaccedilatildeo o

dispositivo moacutevel que estaria sobre escrutiacutenio seria um iPhone da marca Apple Por esse

motivo toda a nossa investigaccedilatildeo iraacute centrar-se no meacutetodo de encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo

implementado em tal smartphone sem prejuiacutezo de toda a informaccedilatildeo apresentada poder

ser ainda pertinente para todos os dispositivos que funcionem com os mesmos meacutetodos

(quer simultacircnea quer separadamente)

Actualmente o iPhone utiliza duas medidas de seguranccedila distintas a palavra-passe e a

impressatildeo digital176 Desta forma seratildeo estes os dois meacutetodos de encriptaccedilatildeo e

desencriptaccedilatildeo que analisaremos ao longo do nosso estudo

231 Palavra-passe

A palavra-passe pode ser definida como um coacutedigo numeacuterico ou alfanumeacuterico que tem

como objectivo principal criar uma barreira entre a informaccedilatildeo armazenada no

smartphone e um terceiro que queira aceder ao dispositivo Actualmente as palavras-

passe satildeo consideradas o meacutetodo padratildeo de encriptaccedilatildeo de smartphones177

Para comprovar a sua eficaacutecia eacute necessaacuterio que as palavras-passe sejam resistentes a uma

variedade de ataques Assim a sua eficiecircncia vai depender da forccedila do cipher e do segredo

da palavra-passe Geralmente quanto maior for a palavra-passe maior seraacute a forccedila da

encriptaccedilatildeo uma vez que os brute-force attacks vatildeo testar todas as combinaccedilotildees possiacuteveis

ateacute chegarem agrave combinaccedilatildeo correcta178 De facto uma palavra-passe longa dificilmente

seraacute descoberta atendendo agrave actual velocidade e capacidade de processamento de

programas de descoberta de palavras-passe e plataformas de smartphones Numa palavra-

passe com 4 diacutegitos existem 10000 combinaccedilotildees possiacuteveis por outro lado numa palavra-

passe alfanumeacuterica com 6 caracteres o nuacutemero de combinaccedilotildees possiacuteveis sobe para 139

175 ChoongFranklinGreene 2016 11-14 176 Vogl 2015 202 177 ChoongFranklinGreene 2016 17 178 Colarusso 2011 152-153

66

biliotildees179 Nesta uacuteltima hipoacutetese seriam necessaacuterios cerca de cinco anos e meio para

conseguir descobrir a palavra-passe correcta e desencriptar o smartphone sem o auxiacutelio

do proprietaacuterio

A palavra-passe nos iPhones dos uacuteltimos quatro anos eacute tipicamente composta por 6

diacutegitos no entanto o utilizador poderaacute optar por uma palavra-passe alfanumeacuterica mais

complexa Por sua vez os iPhones anteriores a 2012 tecircm uma palavra-chave padratildeo de

apenas 4 diacutegitos sendo que os seus utilizadores tambeacutem poderatildeo optar por uma palavra-

passe alfanumeacuterica

Em 2010 com o lanccedilamento do novo sistema operativo iOS4 foi introduzida pela Apple

a primeira de muitas medidas de seguranccedila e privacidade nos seus produtos a protecccedilatildeo

de correio electroacutenico e lista de contactos atraveacutes de encriptaccedilatildeo por palavra-passe No

entanto estes coacutedigos de 4 diacutegitos eram facilmente descobertos em menos 20 minutos

com recurso a ferramentas forenses180 Ateacute Outubro de 2014 a Apple possuiacutea capacidades

para aceder ao conteuacutedo (SMS MMS fotografias viacutedeos contactos histoacuterico de

chamadas entre outros) de qualquer dispositivo encriptado da sua marca Atendendo a

esta capacidade natildeo raras vezes eram feitos pedidos agrave Apple por parte das entidades

judiciaacuterias no sentido de lhes serem fornecidos todos os ficheiros armazenados no

smartphone que seriam posteriormente usados como prova em determinada investigaccedilatildeo

Com o lanccedilamento do iOS8 em Outubro de 2014 e a consequente melhoria no sistema

de total encriptaccedilatildeo dos seus dispositivos a Apple deixa de conseguir aceder aos iPhones

mesmo que a pedido das autoridades judiciaacuterias181 Desta melhoria no sistema de

encriptaccedilatildeo podemos ainda extrair a possibilidade de activaccedilatildeo de uma definiccedilatildeo de

seguranccedila que permite apagar todos os dados do iPhone apoacutes 10 tentativas de introduccedilatildeo

da palavra-passe182

De facto a encriptaccedilatildeo com palavra-passe tem sido utilizada pelos grandes fabricantes de

smartphones como um meacutetodo padratildeo de seguranccedila e privacidade No entanto como

tantos outros meacutetodos de seguranccedila as palavras-passe tecircm desvantagens

O meacutetodo de encriptaccedilatildeo por palavra-passe envolve dois problemas principais

179 Thompson IIJaikaran 2016 4 180 Potapchuk 2016 1409 181 JafferRosenthal 2016 287-288 182 Garfinkel 2012 3-4 Disponiacutevel em httpswwwtechnologyreviewcoms428477the-iphone-has-

passed-a-key-security-threshold [consultado em 12122016]

67

O primeiro tem que ver com a seguranccedila da palavra-passe Este meacutetodo de encriptaccedilatildeo

exige necessariamente que o seu utilizador memorize a combinaccedilatildeo Uma vez que os

ataques de forccedila bruta a smartphones satildeo cada vez mais recorrentes a necessidade de

criaccedilatildeo de palavras-passe mais longas e complexas eacute cada vez maior tornando a sua

memorizaccedilatildeo numa tarefa extremamente difiacutecil183 Para agravar a situaccedilatildeo o nuacutemero de

palavras-passe que o utilizador teraacute de memorizar relativamente a dispositivos de uso

profissional ou pessoal tambeacutem tem aumentado184 Quantas mais palavras-passe o

utilizador tem de memorizar maior seraacute a probabilidade de errar ou esquecer-se de

alguma Essencialmente qualquer meacutetodo de encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo que envolva a

memorizaccedilatildeo e o segredo de uma palavra-passe ou uma sequecircncia de nuacutemeros por parte

do utilizador eacute faliacutevel dado que os seres humanos satildeo por natureza igualmente faliacuteveis

Por outro lado para evitar a tarefa de ter de memorizar uma diversidade de palavras-passe

longas e complexas o utilizador acaba por muitas das vezes escolher uma palavra-passe

curta e fraca185 Estas palavras-passe para aleacutem de serem facilmente descobertas atraveacutes

de ataques de forccedila bruta satildeo ainda passiacuteveis de ser adivinhadas por terceiros186 dado

que natildeo raras vezes os utilizadores utilizam datas de aniversaacuterio ou nomes de familiares

para protegerem os seus smartphones Uma outra maneira diversas vezes utilizada para

evitar memorizar ou por outro lado esquecer palavras-passe complexas eacute anotaacute-las num

papel ou em outro formato Desta forma o utilizador estaraacute a comprometer toda a

seguranccedila e privacidade do sistema possibilitando que terceiros (nomeadamente

autoridades judiciaacuterias) encontrem a palavra-passe e acedam ao smartphone

O segundo problema relacionado com a encriptaccedilatildeo por palavra-passe prende-se com a

sua falta de conexatildeo directa com o utilizador187 Visto que a palavra-passe natildeo tem

qualquer ligaccedilatildeo com o utilizador o sistema que executa o algoritmo criptograacutefico eacute

incapaz de diferenciar entre o utilizador legiacutetimo e um invasor que adquiriu ilicitamente

(ou mesmo que licitamente) a palavra-passe Assim qualquer terceiro que tome

183 Keenan 2016 5 184 PaulIrvine 2016 80 185 Rubens 2012 3 Disponiacutevel em httpwwwesecurityplanetcomtrendsbiometric-authentication-how-

it-workshtml [consultado em 12122016] 186 Casey 2002 107 187 SoutarRobergeStoianovGilroyKumar 2007 3 Disponiacutevel em

httpwwwcselehigheduprrBiometricsArchivePapersBiometricEncryptionpdf [consultado em

12122016]

68

conhecimento da palavra-passe seja porque lhe foi concedida ou porque a descobriu

poderaacute aceder a todo o conteuacutedo do smartphone

Atendendo agraves desvantagens da encriptaccedilatildeo por palavra-passe foi criada uma alternativa

a encriptaccedilatildeo biomeacutetrica

232 Biometria

Para aleacutem da encriptaccedilatildeo por palavra-passe existe ainda uma outra tecnologia que

permite a protecccedilatildeo de dados sensiacuteveis esta tecnologia eacute designada por biometria

A encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo biomeacutetrica natildeo eacute uma realidade recente Jaacute no ano de 1892

o cientista Francis Galton desenvolveu um sistema de classificaccedilatildeo para impressotildees

digitais188 Vaacuterios avanccedilos foram alcanccedilados desde essa altura Actualmente o recurso agrave

biometria na encriptaccedilatildeo e desencriptaccedilatildeo de qualquer dispositivo electroacutenico eacute visto

como um passo fundamental para a garantia da seguranccedila e privacidade189

A biometria eacute um ramo da biologia que mede e analisa dados bioloacutegicos para que as

propriedades bioloacutegicas de determinada pessoa possam ser usadas para garantir a

seguranccedila do seu acesso a determinada informaccedilatildeo190

Por seu turno a biomeacutetrica pode ser definida como uma caracteriacutestica uacutenica mensuraacutevel

e bioloacutegica cujo objectivo eacute reconhecer ou verificar automaticamente a identidade de

determinado ser humano191 Numa outra perspetiva podemos afirmar que a tecnologia

biomeacutetrica eacute utilizada para verificar a identidade de determinada pessoa com base nas

suas caracteriacutesticas fiacutesicas ou comportamentais atraveacutes de meios digitais192 A anaacutelise

188 National Science and Technology Coucil 2006 2 Disponiacutevel em httpswwwfbigovfile-

repositoryabout-us-cjis-fingerprints_biometrics-biometric-center-of-excellences-fingerprint-

recognitionpdfview [consultado em 13122016] 189 Keenan 2016 6 190 Silver 2012 813 191 ldquoLa biometria egrave dunque una tecnica che permettendo di autenticare o identificare un soggetto trova

vasta applicazione in molteplici ambiti soprattutto laddove si pone una concreta esigenza di garanzia della

sicurezza pubblica o privatardquo Cf Girotto 2009 455 192 Feldman 2003 103 Neste sentido vai tambeacutem a OCDE que definiu a identificaccedilatildeo biomeacutetrica como

ldquothe automated use of physiological or behavioural characteristics to determine or verify identityrdquo Cf

OCDE 2004 10 Disponiacutevel em httpwwwoecd-

ilibraryorgdocserverdownload232075642747pdfexpires=1481644102ampid=idampaccname=guestampchec

ksum=B1A21B7898A864D5763D4AB7F7310AFA [consultado em 13122016]

69

estatiacutestica destas caracteriacutesticas bioloacutegicas ficou conhecida como a ldquoscience of

biometricsrdquo193

As impressotildees digitais objecto do nosso estudo satildeo a forma de dados biomeacutetricos mais

utilizada na encriptaccedilatildeo de dispositivos electroacutenicos

No entanto existem outras tecnologias biomeacutetricas que satildeo igualmente usadas satildeo elas

a) o rosto b) a geometria da palma da matildeo c) a marchapassada d) a iacuteris e) a impressatildeo

da palma da matildeo f) o reconhecimento de voz entre outros194

A tecnologia biomeacutetrica de uma forma geral eacute dividida em duas fases distintas a) o

registo (enrollment) b) e a verificaccedilatildeo (verification)195 Durante a fase do registo uma

amostra da biomeacutetrica designada eacute obtida (vg atraveacutes de microfones ou de scanners de

impressotildees digitais)196 Posteriormente algumas das caracteriacutesticas uacutenicas dessa amostra

satildeo extraiacutedas para formar um modelo (template) biomeacutetrico que seraacute alvo de uma

subsequente comparaccedilatildeo Durante a fase da verificaccedilatildeo eacute necessaacuteria uma actualizaccedilatildeo da

amostra biomeacutetrica que se obteacutem atraveacutes do fornecimento de uma nova amostra Agrave

semelhanccedila do que acontece na fase de registo caracteriacutesticas desta nova amostra seratildeo

igualmente recolhidas Por fim as suas caracteriacutesticas seratildeo comparadas com o modelo

biomeacutetrico fornecido anteriormente

Eacute ainda pertinente neste acircmbito esclarecer que todas as tecnologias biomeacutetricas

apresentadas podem ser aplicadas sob duas formas distintas a) como meacutetodo de

identificaccedilatildeo b) ou como meacutetodo de autenticaccedilatildeo A identificaccedilatildeo biomeacutetrica consiste na

tarefa de determinar a identidade de uma pessoa desconhecida ao passo que a

autenticaccedilatildeo biomeacutetrica simplesmente atesta se o indiviacuteduo eacute quem afirma ser197

193 SoutarRobergeStoianovGilroyKumar 2007 1 Disponiacutevel em

httpwwwcselehigheduprrBiometricsArchivePapersBiometricEncryptionpdf [consultado em

13122016] 194 PatoMillett 2010 31 CorcoranCostache 2016 70 ldquoSi egrave soliti inoltre distinguere le caratteristiche

biometriche fisiche o fisiologiche da quelle comportamentali Tra le prime rientrano principalmente la

verifica delle impronte digitali lanalisi dellimmagine delle dita il riconoscimento delliride lanalisi della retina il riconoscimento del volto la geometria della mano il riconoscimento della forma dellorecchio il

rilevamento dellodore del corpo il riconoscimento vocale lanalisi dei pori della pelle e altro ancora

Tra le seconde le piugrave utilizzate sono la verifica della firma manoscritta lanalisi della battitura su tastiera

lanalisi dellandaturardquo Cf Girotto 2009 454 195 SoutarRobergeStoianovGilroyKumar 2007 2 Disponiacutevel em

httpwwwcselehigheduprrBiometricsArchivePapersBiometricEncryptionpdf [consultado em

13122016] 196 GelbClark 2013 62-63 197 CorcoranCostache 2016 72

70

No processo de autenticaccedilatildeo biomeacutetrica o utilizador submete a reivindicaccedilatildeo da sua

identidade ao sistema (atraveacutes do fornecimento de uma amostra biomeacutetrica) sendo que

apenas um modelo biomeacutetrico eacute recuperado da base de dados dos utilizadores e

comparado com a amostra por si fornecida A autenticaccedilatildeo biomeacutetrica eacute tipicamente usada

nas circunstacircncias em que eacute feito um controlo do acesso seja o acesso fiacutesico a uma sala

ou edifiacutecio ou o acesso a um sistema eletroacutenico como um smartphone198

Desta forma no que concerne ao objecto da nossa investigaccedilatildeo apenas se mostra

relevante a autenticaccedilatildeo biomeacutetrica uma vez que eacute a teacutecnica utilizada na

encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo de smartphones Quando determinado utilizador quiser

aceder a um smartphone encriptado atraveacutes de biometria teraacute de fornecer uma amostra

biomeacutetrica (vg a sua impressatildeo digital) para que esta seja comparada com o modelo

registado Caso haja correspondecircncia entre a impressatildeo digital fornecida e a impressatildeo

digital registada anteriormente o utilizador vecirc o acesso ao smartphone autorizado caso

natildeo haja correspondecircncia o acesso manteacutem-se interdito De facto actualmente a

autenticaccedilatildeo biomeacutetrica atraveacutes da impressatildeo digital eacute como tivemos oportunidade de

salientar anteriormente um dos meacutetodos mais utilizados na encriptaccedilatildeo de

smartphones199

Este aumento significativo e exponencial do recurso agraves tecnologias biomeacutetricas na

encriptaccedilatildeo de smartphones natildeo causa estranheza tomando em consideraccedilatildeo todas as

vantagens destes meacutetodos

Contrariamente agraves palavras-passe que para serem seguras e ldquofortesrdquo necessitam da

utilizaccedilatildeo de diversos nuacutemeros letras e outros caracteres especiais tornando a tarefa de

memorizaccedilatildeo mais difiacutecil a encriptaccedilatildeo atraveacutes da biometria natildeo necessita de qualquer

processo de memorizaccedilatildeo200 Uma vez que a biometria utiliza as caracteriacutesticas pessoais

198 SoutarRobergeStoianovGilroyKumar 2007 4 Disponiacutevel em httpwwwcselehigheduprrBiometricsArchivePapersBiometricEncryptionpdf [consultado em

13122016] 199 ldquoFingerprints are a commom biometric used in modern mobile devices over the past several years

Multiple types of fingerprint sensors exist such as optical capacitive and ultrasonic each with unique

ways of assessing characteristics of a biometric sample In general fingerprint scanners on mobile devices

have a smaller surface area than traditional scanners affecting resolution which may impact accuracyrdquo

Cf ChoongFranklinGreene 2016 13 200 SaintGermain 2014a 8-9 Disponiacutevel em

httpspapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=2367479 [consultado em 14122016]

71

do utilizador natildeo haacute qualquer possibilidade de esquecimento ou necessidade de

memorizaccedilatildeo201 O proacuteprio utilizador eacute a palavra-passe tornando-a uacutenica

Visto que deixa de existir a necessidade de criaccedilatildeo de palavras-passe longas e complexas

deixa igualmente de existir a necessidade de as escrever ou guardar correndo o risco de

serem descobertas ou furtadas por terceiros Na encriptaccedilatildeo biomeacutetrica natildeo se coloca a

possibilidade de furto dos dados biomeacutetricos

Adveacutem da circunstacircncia de o utilizador ser a proacutepria ldquopalavra-passerdquo do smartphone a

dificuldade de a copiar ou duplicar202 Esta vantagem torna o meacutetodo de encriptaccedilatildeo por

biometria apropriado para o controlo do acesso a informaccedilotildees pessoais por parte de

terceiros natildeo autorizados203 Decorre ainda desta circunstacircncia a impossibilidade de

partilha dos dados biomeacutetricos (vg impressatildeo digital voz iacuteris rosto) para desencriptaccedilatildeo

de um determinado smartphone204

Agrave medida que a tecnologia se vai desenvolvendo e melhorando ao longo do tempo

tambeacutem estas teacutecnicas de encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo de smartphones com recurso agrave

biometria vatildeo aperfeiccediloando a sua precisatildeo e robustez205

Com a encriptaccedilatildeo biomeacutetrica para aleacutem de se evitar a inconveniecircncia de se ter de

memorizar palavras-passe longas e complexas deixa de ser necessaacuterio estar

constantemente a digitar a palavra-passe (longa e complexa) sempre que o utilizador

precisa de aceder ao seu smartphone206 Dado que um smartphone eacute desbloqueado em

meacutedia cerca de 48 vezes por dia esta eacute uma clara vantagem no que concerne agrave

conveniecircncia do meacutetodo207

201 ChuRajendran 2009 3-4 Disponiacutevel em

httpciteseerxistpsueduviewdocsummarydoi=1011363739 [consultado em 14122016] 202 Keenan 2016 6 203 SaintGermain 2014b 3 Disponiacutevel em httpspapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=2498707

[consultado em 14122016] 204 Rubens 2012 1 Disponiacutevel em httpwwwesecurityplanetcomtrendsbiometric-authentication-how-it-workshtml [consultado em 14122016] 205 Keenan 2016 7 206 PaulIrvine 2016 80-81 207 ldquoAmong all biometrics technologies fingerprint biometrics technology has captured majority of the

market share Ease of usage low cost and benefits over smart card-based access control systems have

fuelled the growth of fingerprint biometrics systems globally Government projects such as national IDs

e-passports and driving license are also playing a vital role for the growth of biometrics marketrdquo Cf

Hustle 2014 1 Disponiacutevel em httprebelpunditcombiometrics-and-the-constitution-why-fingerprints-

are-less-secure-than-passwords [consultado em 14122016]

72

A encriptaccedilatildeo biomeacutetrica eacute vista como uma das formas mais seguras de aceder a qualquer

tipo de dispositivo208 No que concerne agrave impressatildeo digital em particular atendendo agrave sua

natureza singular209 este meacutetodo de encriptaccedilatildeo acaba por gerar um maior sentimento de

seguranccedila e protecccedilatildeo relativamente agrave informaccedilatildeo armazenada no smartphone

Por fim eacute imperativo fazer ainda menccedilatildeo em sede de vantagens da utilizaccedilatildeo de

encriptaccedilatildeo biomeacutetrica agrave importacircncia que eacute dada agrave privacidade na utilizaccedilatildeo deste

meacutetodo A tiacutetulo de exemplo podemos trazer agrave colaccedilatildeo o caso dos sistemas de leitura de

impressotildees digitais que apenas capturam as principais caracteriacutesticas da impressatildeo digital

e natildeo a impressatildeo digital integral garantindo assim a privacidade destes dados

pessoais210

Apesar das claras vantagens que adveacutem da utilizaccedilatildeo de dados biomeacutetricos na encriptaccedilatildeo

de smartphones natildeo podemos concluir que esta teacutecnica eacute completamente perfeita211 Nos

casos de reconhecimento facial basta que a luz o ambiente de fundo ou os acircngulos sejam

diferentes para que a autenticaccedilatildeo natildeo seja possiacutevel Para uma eficaz autenticaccedilatildeo ocular

eacute necessaacuterio que o olho esteja perfeitamente posicionado para evitar possiacuteveis erros Por

fim apesar de a leitura da impressatildeo digital ser um dos meacutetodos mais eficazes e mais

utilizados basta que o acircngulo ou a pressatildeo aplicada sejam diferentes para inviabilizar a

autenticaccedilatildeo

Contrariamente agraves palavras-passe os dados biomeacutetricos natildeo satildeo secretos212 Isto significa

que eacute possiacutevel que um terceiro tomando conhecimento de que um tipo de dado biomeacutetrico

eacute utilizado para a encriptaccedilatildeo de determinado smartphone faccedila uma reacuteplica desse mesmo

dado para garantir o acesso ao dispositivo Frisaacutemos anteriormente que uma das

vantagens do recurso a estas teacutecnicas seria precisamente a dificuldade de criaccedilatildeo de uma

reacuteplica No entanto com a constante evoluccedilatildeo tecnoloacutegica e cientiacutefica natildeo se descarta a

possibilidade da construccedilatildeo de um molde de um dedo com a respectiva impressatildeo

208 PaulIrvine 2016 81 209 ldquoYour fingerprint is one of the best passcodes in the world Itrsquos always with you and no two are exactly alikehellipEvery fingerprint is unique so it is rare that even a small section of two separate fingerprints are

alike enough to register as a match for Touch ID The probability of this happening is 1 in 50000 for one

enrolled finger This is much better than the 1 in 10000 odds of guessing a typical 4-digit passcoderdquo Cf

Hustle 2014 3 Disponiacutevel em httprebelpunditcombiometrics-and-the-constitution-why-fingerprints-

are-less-secure-than-passwords [consultado em 14122016] 210 Keenan 2016 7 211 Feldman 2003 110 212 Rubens 2012 2 Disponiacutevel em httpwwwesecurityplanetcomtrendsbiometric-authentication-how-

it-workshtml [consultado em 14122016]

73

digital213 ou a utilizaccedilatildeo de uma fotografia de alta resoluccedilatildeo de uma impressatildeo digital

para aceder a um smartphone214

E como estes dados biomeacutetricos consistem em caracteriacutesticas fiacutesicas dos utilizadores uma

das desvantagens fundamentais tem que ver com a sua natureza estaacutetica e inalteraacutevel

Qualquer caracteriacutestica fiacutesica de um ser humano eacute a priori permanente pelo que natildeo

seraacute viaacutevel a alteraccedilatildeo ou revogaccedilatildeo do modo de acesso ao smartphone215 Assim dada a

impossibilidade de revogaccedilatildeo do dado biomeacutetrico utilizado para aceder ao smartphone

na circunstacircncia de um terceiro ter acesso a esse dado eacute criado um risco permanente de

acesso agraves informaccedilotildees armazenadas no dispositivo216

No que respeita agraves consideraccedilotildees fiacutesicas sobre a utilizaccedilatildeo em particular de impressotildees

digitais para a encriptaccedilatildeo de smartphones satildeo de apontar algumas desvantagens

notoacuterias este meacutetodo natildeo funcionaraacute se o utilizador estiver a usar luvas se o utilizador

tiver qualquer tipo de lesatildeo temporaacuteria nos dedos ou se no momento do fornecimento da

impressatildeo digital for detectado algum tipo de humidade ou sujidade que impeccedila uma

leitura bem-sucedida217

Uma outra desvantagem destes meacutetodos biomeacutetricos de encriptaccedilatildeo prende-se com os

elevados custos para a sua instalaccedilatildeo218 No caso concreto dos smartphones o preccedilo final

do aparelho poderaacute aumentar consideravelmente consoante tenha ou natildeo implementado

um sistema de encriptaccedilatildeo biomeacutetrica

Por fim ainda em sede de desvantagens da encriptaccedilatildeo biomeacutetrica resta-nos mencionar

que com a divulgaccedilatildeo dos atentados praticados contra a privacidade dos utilizadores de

dispositivos electroacutenicos perpetrados pela NSA norte-americana gerou-se um clima de

desconfianccedila por parte da sociedade em relaccedilatildeo agrave implementaccedilatildeo destas novas

213 PaulIrvine 2016 82 214 ldquoFor a few German hackers breaking Apples much-hyped fingerprint reader seems to have been little

more than a one-weekend project On Sunday the Berlin-based hacker group known as the Chaos

Computer Club - and more specifically a member of the group who goes by the name Starbug - announced that theyve managed to crack the iPhone 5ss fingerprint reader just two days after it was releasedrdquo Cf

Greenberg 2013 1 Disponiacutevel em httpwwwforbescomsitesandygreenberg20130922german-

hackers-say-theyve-broken-the-iphones-touchid-fingerprint-reader2a8d881167c4 [consultado em

14122016] 215 PatoMillett 2010 7 216 CorcoranCostache 2016 73 217 ChoongFranklinGreene 2016 25 218 ChuRajendran 2009 5 Disponiacutevel em

httpciteseerxistpsueduviewdocsummarydoi=1011363739 [consultado em 14122016]

74

tecnologias nomeadamente em smartphones219 Assim os utilizadores de smartphones

tecircm alguma reticecircncia em utilizar este tipo de novas tecnologias temendo ser alvo de

ingerecircncias na sua vida privada por parte do Estado

Como tivemos oportunidade de esclarecer anteriormente a nossa investigaccedilatildeo iraacute centrar-

se no meacutetodo de encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo implementado no iPhone Assim depois de

analisados os dois meacutetodos de encriptaccedilatildeo utilizados pela marca Apple nos seus produtos

ndash a palavra-passe e a biometria - importa agora fazer uma breve referecircncia agraves

particularidades teacutecnicas do seu sistema de encriptaccedilatildeo biomeacutetrica o Touch ID

A teacutecnica da encriptaccedilatildeo por impressatildeo digital jaacute existe haacute alguns anos em diversos

dispositivos electroacutenicos nomeadamente computadores No entanto foi soacute depois da

introduccedilatildeo do Touch ID em 2013 que a autenticaccedilatildeo por impressatildeo digital ganhou

notoriedade na aacuterea das novas tecnologias220 A empresa Apple lanccedilou em grande parte

dos seus produtos (vg iPhones e iPads) o Touch ID um leitor de impressotildees digitais que

autoriza o sistema operativo a desbloquear determinadas funcionalidades quando o

utilizador toca no sensor localizado no botatildeo principal do dispositivo Considerando o

facto de que a grande parte dos utilizadores do iPhone natildeo utilizavam a palavra-passe

para bloquear o seu smartphone por questotildees de conveniecircncia o Touch ID foi criado

como uma alternativa menos incoacutemoda221

A tecnologia usada no fabrico do Touch ID eacute uma das formas mais avanccediladas de

hardware e software alguma vez implementada num smartphone O sensor consegue

captar uma imagem de alta resoluccedilatildeo das camadas subepideacutermicas da pele localizadas em

pequenas secccedilotildees da impressatildeo digital222 O Touch ID tem capacidade para ler diversas

impressotildees digitais mesmo numa orientaccedilatildeo de 360 graus Apoacutes a leitura eacute criada uma

representaccedilatildeo matemaacutetica da impressatildeo digital que seraacute comparada agraves impressotildees digitais

anteriormente registadas no dispositivo No caso de coincidecircncia entre a impressatildeo digital

219 Keenan 2016 8 220 CorcoranCostache 2016 71 221 Vogl 2015 205 222 ldquoTouch ID then intelligently analyzes this information with a remarkable degree of detail and precision

It categorizes your fingerprint as one of three basic typesmdasharch loop or whorl It also maps out individual

details in the ridges that are smaller than the human eye can see and even inspects minor variations in

ridge direction caused by pores and edge structuresrdquo Cf Apple Support ndash About Touch ID security on

iPhone and iPad Disponiacutevel em httpssupportapplecomen-usHT204587 [consultado em 14122016]

75

fornecida e a impressatildeo digital registada o dispositivo eacute desbloqueado

automaticamente223

Eacute ainda possiacutevel que o utilizador do smartphone aumente a seguranccedila do seu dispositivo

escolhendo em simultacircneo com a impressatildeo digital uma palavra-passe composta por 4

ou 6 nuacutemeros letras ou outros caracteres especiais

O Touch ID pode ser usado para desbloquear mais rapidamente o dispositivo prevenir o

acesso de terceiros natildeo autorizados224 instalar novas aplicaccedilotildees e fazer compras atraveacutes

das aplicaccedilotildees instaladas225

Caso o iPhone seja furtado ou perdido eacute possiacutevel desactivar agrave distacircncia atraveacutes da

aplicaccedilatildeo Find My iPhone a definiccedilatildeo que permite a autenticaccedilatildeo atraveacutes do Touch ID

O Touch ID natildeo armazena fotografias das impressotildees digitais226 o que fica registado satildeo

apenas representaccedilotildees matemaacuteticas das impressotildees ou seja um longo nuacutemero que

funciona como uma segunda palavra-passe composto por 50 a 100 diacutegitos227 designado

de biometric hash228 Assim natildeo seraacute possiacutevel que um terceiro consiga reverter este

processo de maneira a criar uma imagem da impressatildeo digital atraveacutes da representaccedilatildeo

matemaacutetica registada

O registo destas representaccedilotildees fica armazenado no smartphone mais precisamente no

A7 CPU229 denominado de ldquosecure enclaverdquo A secure enclave foi desenvolvida com o

propoacutesito de proteger a palavra-passe e os dados biomeacutetricos armazenados no

smartphone Os dados biomeacutetricos satildeo encriptados e protegidos com uma palavra-chave

apenas disponiacutevel para a secure enclave que se encontra separada do resto do sistema

operativo Desta forma nenhuma aplicaccedilatildeo nem o proacuteprio sistema iOS (incluindo a

iCloud) tecircm acesso agraves representaccedilotildees matemaacuteticas das impressotildees digitais fornecidas

223 Apple Support ndash About Touch ID security on iPhone and iPad Disponiacutevel em

httpssupportapplecomen-usHT204587 [consultado em 15122016] 224 Whittaker 2013 3 Disponiacutevel em httpwwwsmartsuiteiniphone-5s-fingerprint-reader-doubling-

down-on-identity-a-death-knell-to-zdnethtml [consultado em 15122016] 225 Tabini 2014 2 Disponiacutevel em httpwwwmacworldcomarticle2455474open-sesame-how-ios-8-will-unlock-touch-ids-powerhtml [consultado em 15122016] 226 Apple Support ndash About Touch ID security on iPhone and iPad Disponiacutevel em

httpssupportapplecomen-usHT204587 [consultado em 15122016] 227 Pagliery 2016 2 Disponiacutevel em httpmoneycnncom20160512technologyfbi-fingerprint-iphone

[consultado em 15122016] 228 Tabini 2014 3 Disponiacutevel em httpwwwmacworldcomarticle2455474open-sesame-how-ios-8-

will-unlock-touch-ids-powerhtml [consultado em 15122016] 229 Tarantola 2013 1 Disponiacutevel em httpgizmodocomstop-worrying-about-the-new-iphones-

fingerprint-scanne-1326146704 [consultado em 15122016]

76

Apesar da activaccedilatildeo do Touch ID podem surgir situaccedilotildees em que eacute necessaacuterio a

introduccedilatildeo da palavra-passe para aceder ao smartphone a) se o dispositivo for reiniciado

b) se a impressatildeo digital natildeo for reconhecida cinco vezes consecutivas c) se o dispositivo

natildeo tiver sido desbloqueado haacute mais de 48 horas230 d) se tiverem sido registadas ou

apagadas impressotildees digitais recentemente e) se o utilizador tentar aceder agraves definiccedilotildees

do Touch ID

3 Conclusotildees intermeacutedias

Atendendo a tudo o que ficou dito durante este capiacutetulo nomeadamente quanto agrave

constante evoluccedilatildeo da tecnologia e ao papel fundamental da informaccedilatildeo na sociedade

actual percebe-se a necessidade sentida pelos particulares no sentido de protegerem os

seus smartphones Dada a sua vasta capacidade de armazenamento estes dispositivos

tornaram-se ao longo do tempo objecto de curiosidade tanto para outros particulares

como para o Estado levando a que os seus fabricantes incluiacutessem nas suas definiccedilotildees a

encriptaccedilatildeo como uma medida de seguranccedila baacutesica De facto a encriptaccedilatildeo eacute vista hoje

em dia como uma tecnologia cuja funccedilatildeo primordial eacute minimizar os riscos de acesso por

parte de terceiros natildeo autorizados a informaccedilotildees pessoais231

Isto posto natildeo causa estranheza que natildeo raras vezes as autoridades judiciaacuterias no acircmbito

de uma investigaccedilatildeo criminal depois de apreenderem um smartphone se deparem com a

impossibilidade do acesso aos ficheiros aiacute armazenados provocada pela sua preacutevia

encriptaccedilatildeo As vantagens do recurso a este tipo de tecnologia para o titular do dispositivo

encriptado satildeo como vimos inegaacuteveis no entanto no caso concreto de estarmos no

acircmbito de uma investigaccedilatildeo criminal e de a encriptaccedilatildeo impedir o acesso das autoridades

judiciaacuterias a provas potencialmente fundamentais para o processo penal as vantagens datildeo

lugar a claras desvantagens

Ao longo deste terceiro capiacutetulo tivemos oportunidade de enunciar as diversas

complexidades tecnoloacutegicas associadas agrave encriptaccedilatildeo de smartphones E satildeo essas

mesmas complexidades que diminuem em larga escala as possibilidades de as

autoridades judiciaacuterias conseguirem apreender eficientemente os ficheiros armazenados

num smartphone encriptado sem o auxiacutelio do arguido Eacute precisamente neste ponto que

230 O que sucedeu em alguns dos casos enunciados no Capiacutetulo I do presente estudo 231 Lowman 2010 1 Disponiacutevel em

httpswwwlowmaniocoukshareThe20Effect20of20File20and20Disk20Encryption20on

20Computer20Forensicspdf [consultado em 15122016]

77

entra em discussatildeo a questatildeo central da nossa investigaccedilatildeo que iremos tratar em

pormenor no proacuteximo capiacutetulo a articulaccedilatildeo entre a desencriptaccedilatildeo de smartphones e o

direito do arguido agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo

78

79

CAPIacuteTULO IV ndash A DESENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES PARA

OBTENCcedilAtildeO DE PROVA E A SUA ARTICULACcedilAtildeO COM O PRINCIacutePIO DA

NAtildeO-AUTOINCRIMINACcedilAtildeO

1 Colocaccedilatildeo do problema

Actualmente a encriptaccedilatildeo de smartphones eacute uma tecnologia de livre acesso e facilmente

adquirida No entanto natildeo raras vezes esta tecnologia eacute usada pelos piores motivos como

tivemos oportunidade de perceber pela anaacutelise dos casos jurisprudenciais norte-

americanos que seratildeo objecto do nosso estudo ao longo deste quarto capiacutetulo

Nestes casos a utilizaccedilatildeo da encriptaccedilatildeo em smartphones representa um perigo em

especial para a defesa da seguranccedila nacional e para a persecuccedilatildeo da justiccedila232 Isto

porque em abstracto a possibilidade de ocultar informaccedilatildeo de terceiros nomeadamente

do Estado faz da encriptaccedilatildeo um instrumento atractivo para criminosos233 De facto os

suspeitos de actividades ilegais como lavagem de dinheiro fraude terrorismo

pornografia infantil homiciacutedio abuso sexual entre outros seratildeo mais facilmente

ilibados234 se as potenciais provas do crime estiverem armazenadas num smartphone

encriptado

Atraveacutes da encriptaccedilatildeo dos smartphones os criminosos tornam quase impossiacutevel o

acesso por parte das entidades judiciaacuterias ao conteuacutedo do dispositivo Durante o

processo criminal eacute comum que as autoridades consigam ter acesso agrave palavra-passe seja

porque foi escrita num papel ou porque simplesmente era faacutecil de adivinhar (vg data de

nascimento do arguido ou um nome de um familiar) No caso de tal natildeo se verificar existe

ainda a possibilidade de desencriptar o smartphone atraveacutes dos jaacute mencionados brute-

force attacks235

Contudo ainda que assumindo que as autoridades judiciaacuterias tecircm todos os meios teacutecnicos

necessaacuterios para desencriptar o smartphone surge a questatildeo seraacute que os custos e tempo

232 MartinsMarquesDias 2004 70 233 Ungberg 2009 552 Neste sentido ldquo[hellip] a circulaccedilatildeo livre desta tecnologia permitiraacute que qualquer um

possa transmitir informaccedilotildees virtualmente indecifraacuteveis para terceiros construindo desse modo um espaccedilo

virtual lsquono manrsquos landrsquo onde o desenvolvimento e planeamento de actividades criminosas terroristas e de

outras actividades contraacuterias agrave garantia da seguranccedila dos Estados fossem livresrdquo Cf MartinsMarquesDias

2004 71 234 Weinberg 1998 680 235 Sales 2014 208

80

despendidos no desbloqueio do dispositivo seratildeo justificados atendendo ao facto de que

as autoridades natildeo tecircm qualquer informaccedilatildeo sobre o conteuacutedo do smartphone236

Haacute ainda que ponderar um outro ponto mesmo na circunstacircncia de a desencriptaccedilatildeo ser

bem-sucedida eacute possiacutevel que a recolha de prova do smartphone natildeo seja ceacutelere o

suficiente para dar resposta ao crime em questatildeo

Por estes motivos e tantos outros muitas das vezes a uacutenica maneira viaacutevel de conseguir

aceder ao conteuacutedo do smartphone passa pela colaboraccedilatildeo do proprietaacuterio (arguido)237

Desta forma as autoridades judiciaacuterias teriam de compelir o arguido a fornecer a palavra-

passe ou a sua impressatildeo digital para desencriptar o dispositivo238

No entanto a coacccedilatildeo do arguido no sentido de fornecer tanto a palavra-passe quanto a

impressatildeo digital para desencriptar o seu smartphone onde potencialmente estaratildeo

armazenadas provas incriminatoacuterias de um delito que cometeu levanta preocupaccedilotildees

quanto a uma possiacutevel violaccedilatildeo do brocardo latino nemo tenetur se ipsum accusare ou o

princiacutepio de natildeo-autoincriminaccedilatildeo

Para conseguirmos dar resposta a esta problemaacutetica mostra-se necessaacuterio fazer uma

divisatildeo entre duas sub-hipoacuteteses uma vez que estamos a tratar de dois meacutetodos de

encriptaccedilatildeo diferenciados a palavra-passe e a impressatildeo digital Assim poderaacute o arguido

ser compelido a fornecer agraves entidades judiciaacuterias a palavra-passe que desencripta o

smartphone sem violar o seu direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo Ou ainda poderaacute o arguido

ser coagido a fornecer a sua impressatildeo digital com vista a desencriptar o smartphone sem

violar o seu direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo Ateacute que ponto seraacute exigiacutevel uma colaboraccedilatildeo

processual do arguido tendo em conta os limites impostos pelo seu estatuto processual239

Para percebermos como o princiacutepio de natildeo-autoincriminaccedilatildeo poderaacute nestas duas

situaccedilotildees ser ou natildeo violado torna-se imperativo que faccedilamos a priori uma reflexatildeo

sobre o brocardo latino nemo tenetur se ipsum accusare

236 Duong 2009 328 237 Atwood 2015 410 238 Gershowitz 2010 22 Disponiacutevel em httpspapersssrncomsol3papers2cfmabstract_id=1669403

[consultado em 15122016] 239 Pinto 2013 92

81

2 O princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare

O princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare teve a sua origem no Reino Unido no seacutec

XVII como reacccedilatildeo agraves praacuteticas inquisitoriais dos tribunais eclesiaacutesticos240 Desde entatildeo

o princiacutepio assistiu a inuacutemeras mudanccedilas e evoluccedilotildees culminando no entendimento de

que ao arguido cabe decidir se como e quando estaacute disposto a contribuir para a sua proacutepria

incriminaccedilatildeo241 Assim no seu sentido mais profundo a garantia do nemo tenetur visa

evitar que o arguido seja transformado em colaborador involuntaacuterio das entidades

puacuteblicas com competecircncias processuais242 sendo portanto um princiacutepio estruturante do

modelo processual acusatoacuterio e do sistema democraacutetico

Este princiacutepio ou privileacutegio estaacute estreitamente ligado agrave liberdade de declaraccedilatildeo do

arguido que eacute analisada pela doutrina e pela jurisprudecircncia do Tribunal Constitucional

numa dupla dimensatildeo positiva e negativa Pela positiva ldquoabre ao arguido o mais restrito

direito de intervenccedilatildeo e declaraccedilatildeo em abono da sua defesa e pela negativa a liberdade

de declaraccedilatildeo do arguido veda todas as tentativas de obtenccedilatildeo por meios enganosos ou

por coacccedilatildeo de declaraccedilotildees autoincriminatoacuteriasrdquo243

A doutrina nacional e mesmo internacional defende a ideia de que o princiacutepio nemo

tenetur implica que ningueacutem pode ser obrigado a contribuir para estabelecer a sua proacutepria

incriminaccedilatildeo244 Deste modo de um ponto de vista menos amplo o princiacutepio pressupotildee

que ningueacutem eacute obrigado a produzir prova ou a praticar actos lesivos agrave sua proacutepria

defesa245

Neste sentido vai tambeacutem a jurisprudecircncia nacional que no que concerne ao conteuacutedo

deste princiacutepio vem estabelecer que ldquoo privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo significa que

o arguido natildeo pode ser obrigado nem deve ser condicionado a contribuir para a sua

proacutepria incriminaccedilatildeo isto eacute tem o direito a natildeo ceder ou fornecer informaccedilotildees ou

240 Pinto 2013 100 241 Ramos 2010 179 242 Silva Dias 2010 242 243 Costa Andrade 1992 120 Neste sentido Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 3042004 de 5 de Maio de 2004 disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20040304html [consultado

em 17012017] 244 Pinto 2013 104 Oliveira Silva 2013 364 NevesCorreia 2014 146 Cruz Bucho 2013 18

Disponiacutevel em httpswwwtrgptficheirosestudossobre_a_recolha_de_autografos_do_arguidopdf

[consultado em 17012017] Anastaacutecio 2010 205 Haddad 2003 37 245 Ristori 2007 98 Neste sentido vai tambeacutem Costa Andrade ao referir que ldquo[hellip] o arguido natildeo pode ser

fraudulentamente induzido ou coagido a contribuir para a sua condenaccedilatildeo ie a carrear ou oferecer meios

de prova contra a sua defesa Quer no que toca aos factos relevantes para a chamada questatildeo da

culpabilidade quer no que respeita aos atinentes agrave medida da penardquo Cf Costa Andrade 1992 121

82

elementos (vg documentais) que o desfavoreccedilam ou a natildeo prestar declaraccedilotildees sem que

do silecircncio possam resultar quaisquer consequecircncias negativas ou ilaccedilotildees desfavoraacuteveis

no plano da valoraccedilatildeo probatoacuteriardquo246 Jaacute o Tribunal Constitucional vem afirmar que ldquoo

princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare eacute uma marca irrenunciaacutevel do processo penal

de estrutura acusatoacuteria visando garantir que o arguido natildeo seja reduzido a mero objecto

da actividade estadual de repressatildeo do crime devendo antes ser-lhe atribuiacutedo o papel de

verdadeiro sujeito processual armado com os direitos de defesa e tratado como

presumivelmente inocente Daiacute que para protecccedilatildeo da autodeterminaccedilatildeo do arguido este

deva ter a possibilidade de decidir no exerciacutecio de uma plena liberdade de vontade qual

a posiccedilatildeo a tomar perante a mateacuteria que constitui objecto do processordquo247

O princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare que consubstancia para Paulo de Sousa

Mendes ldquoum dos pilares do processo penal portuguecircsrdquo248 desdobra-se em dois corolaacuterios

que embora intimamente relacionados natildeo se confundem entre si249 o princiacutepio contra

a autoincriminaccedilatildeo em sentido estrito e o direito ao silecircncio O princiacutepio contra a

autoincriminaccedilatildeo em sentido estrito traduz-se no direito de natildeo cooperar na

investigaccedilatildeo250 ou seja no fornecimento de quaisquer meios de prova susceptiacuteveis de

comprometer a presunccedilatildeo de inocecircncia do arguido coadjuvando a sua incriminaccedilatildeo

nomeadamente atraveacutes da entrega de documentos ou outros elementos ou atraveacutes de uma

determinada actuaccedilatildeo251 Jaacute no que concerne ao direito ao silecircncio este abarca apenas a

colaboraccedilatildeo do arguido na sua incriminaccedilatildeo atraveacutes de declaraccedilotildees sobre os factos que

lhe satildeo imputados Deste modo como bem refere Maria Fernanda Palma eacute sobre a justiccedila

246 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 23 de Outubro de 2013 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrcnsfc3fb530030ea1c61802568d9005cd5bbd3a8f7db2f94ad6180257c0f0052958b

OpenDocument [consultado em 17012017] 247 Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 3402013 de 17 de Junho de 2013 disponiacutevel em

httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20130340html [consultado em 17012017] 248 Sousa Mendes 2017 210 249 Martins 2015 24 Em sentido contraacuterio apoiando-se na tese de que o direito ao silecircncio e o princiacutepio

contra a autoincriminaccedilatildeo satildeo sinoacutenimos para descrever uma mesma realidade pronunciou-se o Tribunal

da Relaccedilatildeo de Eacutevora afirmando que ldquoo privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo ou direito ao silecircncio significa que o arguido natildeo pode ser obrigado nem deve ser condicionado a contribuir para a sua proacutepria

incriminaccedilatildeo isto eacute tem o direito a natildeo ceder ou fornecer informaccedilotildees ou elementos que o desfavoreccedilam

ou a natildeo prestar declaraccedilotildees sem que do silecircncio possam resultar quaisquer consequecircncias negativas ou

ilaccedilotildees desfavoraacuteveis no plano da valoraccedilatildeo probatoacuteriardquo Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de

30 de Setembro de 2008 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrensf134973db04f39bf2802579bf005f080b986b0759b8e0108880257de100574d46

OpenDocument [consultado em 17012017] 250 Cruz 2011 22 251 NevesCorreia 2014 146

83

do Estado que recai o oacutenus de demonstrar os factos da acusaccedilatildeo252 O direito ao silecircncio

eacute assim o direito de calar o reconhecimento da liberdade moral do arguido253 Por seu

turno Vacircnia Costa Ramos vem salientar e bem que ldquosem o direito ao silecircncio o arguido

seria obrigado a declarar e cooperar sempre que estes actos natildeo revestissem conteuacutedo

autoincriminatoacuteriordquo254 A Autora conjuntamente com Augusto Silva Dias vai mais

longe chegando a afirmar que o direito ao silecircncio eacute o nuacutecleo duro e quase absoluto do

nemo tenetur tanto por razotildees histoacutericas como pelo regime legal que o acolhe255

21 Consagraccedilatildeo

O princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare eacute consagrado na maioria das constituiccedilotildees

dos modernos Estados de Direito Nos casos de falta de consagraccedilatildeo expressa na lei

fundamental acaba por ser reconhecido ao abrigo das suas disposiccedilotildees Este princiacutepio

ou privileacutegio encontra ainda acolhimento em importantes documentos internacionais de

protecccedilatildeo dos direitos do Homem entre os quais a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do

Homem e o Pacto Internacional sobre Direitos Ciacutevicos e Poliacuteticos da ONU256 como

princiacutepio essencial do processo penal

De acordo com a aliacutenea g) do nordm 3 do artigo 14ordm do Pacto Internacional sobre Direitos

Ciacutevicos e Poliacuteticos ldquoQualquer pessoa acusada de uma infracccedilatildeo penal teraacute direito em

plena igualdade pelo menos agraves seguintes garantias g) A natildeo ser forccedilada a testemunhar

contra si proacutepria ou a confessar-se culpadardquo

Por seu turno a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) no seu articulado

natildeo prevecirc de forma expliacutecita o direito ao silecircncio ou o direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo

Contudo segundo o entendimento da jurisprudecircncia do Tribunal Europeu dos Direitos

Humanos (TEDH) o princiacutepio nemo tenetur constitui um standard internacional que estaacute

presente no nuacutecleo da noccedilatildeo de processo equitativo o qual se destina a proteger o arguido

contra o exerciacutecio abusivo de poderes coercivos pelas autoridades a evitar o perigo de

adulteraccedilatildeo da justiccedila e nesse sentido a assegurar a realizaccedilatildeo plena do artigo 6ordm da

Convenccedilatildeo257 Segundo aquela jurisprudecircncia o princiacutepio nemo tenetur se ipsum

252 Palma 2009 1 Disponiacutevel em

httpwwwidpccptxmsfilesNewslettersBoletim_Ano1_Ed1_Dez08Jan09pdf [consultado em

17012017] 253 Queijo 2012 233 254 Ramos 2007 68 255 Silva DiasRamos 2009 20 256 Silva 2007 59 257 Cruz Bucho 2013 20

84

accusare relaciona-se em primeira linha com o respeito pela vontade da pessoa do

arguido em permanecer em silecircncio e constitui uma decorrecircncia do pressuposto segundo

o qual a acusaccedilatildeo deveraacute provar a sua tese contra o acusado sem o recurso a elementos de

prova obtidos atraveacutes de meacutetodos coercivos ou opressivos com desrespeito pela vontade

deste258 Assim o direito ao silecircncio e o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo em sentido

estrito encontram-se intimamente relacionados com a presunccedilatildeo de inocecircncia consagrada

no nordm 2 do artigo 6ordm da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem

Por conseguinte por forccedila do disposto nos nos 1 e 2 do artigo 8ordm da Constituiccedilatildeo da

Repuacuteblica Portuguesa pode sustentar-se que ambos os preceitos vigoram directamente

na ordem juriacutedica interna259

Contrariamente ao que sucede com inuacutemeras Constituiccedilotildees e declaraccedilotildees de direitos de

outros paiacuteses nomeadamente a Constituiccedilatildeo americana (5ordf Emenda)260 a Constituiccedilatildeo

espanhola (artigos 173 e 242)261 ou a Constituiccedilatildeo brasileira (artigo 5ordm inciso LXIII)262

a Constituiccedilatildeo portuguesa natildeo consagra agrave semelhanccedila da Lei Fundamental alematilde e

italiana o princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare de uma forma expressa e directa

Natildeo obstante o princiacutepio nemo tenetur ndash seja na sua vertente de direito ao silecircncio do

arguido seja na sua dimensatildeo de princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo em sentido estrito

ndash natildeo estar expressa e directamente plasmado no texto constitucional a doutrina263 e a

jurisprudecircncia264 portuguesas em similitude com a doutrina e jurisprudecircncia alematildes satildeo

unacircnimes natildeo soacute quanto agrave vigecircncia daquele princiacutepio no direito processual penal como

258 Cruz Bucho 2013 21 259 Andrade 2014 19 260 Estabelece a Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica ldquoNenhuma pessoa seraacute

obrigada em qualquer caso criminal a ser uma testemunha contra si mesmardquo 261 No seu artigo 242 a Constituiccedilatildeo espanhola consagra que todos tecircm direito ldquo[hellip] a natildeo declarar contra

si mesmo e a natildeo se confessar culpadordquo assim como no artigo 173 se prevecirc o princiacutepio segundo o qual

ningueacutem seraacute obrigado a fazer declaraccedilatildeo que possa resultar em autoincriminaccedilatildeo impondo agraves autoridades

responsaacuteveis a obrigaccedilatildeo de preacutevia informaccedilatildeo acerca dos direitos e da acusaccedilatildeo que recaem sobre o

suspeito 262 Prevecirc o inciso LXIII do artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo brasileira que ldquoo preso seraacute informado de seus direitos entre os quais o de permanecer calado sendo-lhe assegurada a assistecircncia da famiacutelia e de advogadordquo 263 Cruz Bucho 2013 22 Sousa Mendes 2010 125 Pinto 2013 105 Catarina Anastaacutecio fala aqui numa

ldquo[hellip] base constitucional (ainda que indirecta ou impliacutecita) deste direito [hellip]rdquo Cf Anastaacutecio 2010 206 264 ldquoA Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa natildeo consagra expressis verbis este princiacutepio mas natildeo obstante

essa natildeo consagraccedilatildeo expressa tanto a doutrina como a jurisprudecircncia tecircm defendido que o nemo tenetur

se ipsum accusare tem assento constitucional sendo considerado um direito constitucional do processo

penal natildeo escritordquo Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 3402013 de 17 de Junho de 2013

disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20130340html [consultado em

18012017]

85

quanto agrave sua natureza constitucional265 Fala-se aqui no nemo tenetur se ipsum accusare

como um verdadeiro ldquodireito constitucional natildeo escritordquo266

No que agrave lei processual penal portuguesa diz respeito este princiacutepio obteve consagraccedilatildeo

expressa no Coacutedigo de Processo Penal na vertente de direito ao silecircncio do arguido

(artigos 61ordm nordm 1 aliacutenea d) 141ordm nordm 4 aliacutenea a) 343ordm nordm 1 e 345ordm nordm 1 in fine)267

Assim a aliacutenea d) do nordm 1 do artigo 61ordm estabelece que ldquoO arguido goza em especial

em qualquer fase do processo e salvas as excepccedilotildees da lei dos direitos de d) Natildeo

responder a perguntas feitas por qualquer entidade sobre os factos que lhe forem

imputados e sobre o conteuacutedo das declaraccedilotildees que acerca deles prestarrdquo O direito ao

silecircncio estende-se mesmo ao proacuteprio suspeito desde logo porque a pessoa sobre quem

recair a suspeita de ter cometido um crime tem direito a ser constituiacuteda a seu pedido

como arguido (nordm 2 do artigo 59ordm do CPP) Tambeacutem a ldquotestemunha natildeo eacute obrigada a

responder a perguntas quando alegar que das respostas resulta a sua responsabilizaccedilatildeo

penalrdquo (nordm 2 do artigo 132ordm do CPP)268 O direito ao silecircncio de que goza o arguido deve

ser-lhe comunicado pela autoridade judiciaacuteria ou pelo oacutergatildeo de poliacutecia criminal perante

as quais seja obrigado a comparecer (al h) do nordm 1 do artigo 61ordm do CPP) sob pena de

as declaraccedilotildees feitas constituiacuterem prova proibida por intromissatildeo na vida privada (nordm 8

do artigo 32ordm da CRP e nordm 3 do artigo 126ordm do CPP)269 O exerciacutecio deste direito ao

silecircncio natildeo pode ser valorado como indiacutecio ou presunccedilatildeo de culpa270271

265 Figueiredo DiasCosta Andrade 2009 39 266 Costa Andrade 1992 124 267 Como bem refere Costa Andrade ldquoa lei processual penal portuguesa conteacutem uma malha desenvolvida e

articulada de normas atraveacutes das quais se assenta o princiacutepio nemo teneturrdquo Cf Costa Andrade 1992 126 268 Sousa Mendes 2017 209-210 Curado 2012 262 269 Marques da Silva 2013 74 270 ldquoO conteuacutedo material do referido princiacutepio (nemo teneturhellip) eacute assegurado atraveacutes da imposiccedilatildeo de

deveres de esclarecimento ou de advertecircncia agraves autoridades judiciaacuterias e aos oacutergatildeos de poliacutecia criminal [cfr

artigos 58ordm nordm 2 61ordm nordm 1 aliacutenea g) 141ordm nordm 4 e 343ordm nordm 1] estabelecendo-se a sanccedilatildeo de proibiccedilatildeo

de valoraccedilatildeo nos termos do artigo 58ordm nordm 4 e da nulidade das provas obtidas mediante tortura coacccedilatildeo ou

ofensa da integridade fiacutesica ou moral (cfr artigo 126ordm nordm 1 todos do CPP)rdquo Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal

Constitucional nordm 3042004 de 5 de Maio de 2004 disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20040304html [consultado em 18012017] ldquo[hellip] o

arguido deve ser informado antes de qualquer interrogatoacuterio de que goza do direito ao silecircncio (artigos

141ordm nordm 4 143ordm nordm 2 144ordm nordm 1 e 343ordm nordm 1 do CPP) devendo tambeacutem ser esclarecido de que o seu

silecircncio natildeo pode ser interpretado desfavoravelmente aos seus interesses natildeo podendo por isso o arguido

ser prejudicado por ter exercitado o seu direito a natildeo prestar quaisquer declaraccedilotildees (o silecircncio natildeo pode ser

interpretado como presunccedilatildeo de culpa) Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 69695 de 5 de

Dezembro de 1995 disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos19950695html

[consultado em 18012017] 271 Saacute 2004 187

86

Chegados a este ponto torna-se necessaacuterio chamar agrave colaccedilatildeo as duas extensotildees do direito

ao silecircncio consagrado no artigo 61ordm do Coacutedigo de Processo Penal discutidas na

doutrina a) a extensatildeo minimalista incidindo apenas sobre as declaraccedilotildees do arguido em

sentido estrito e sobre os factos que lhe satildeo imputados b) a extensatildeo maximalista

abarcando as declaraccedilotildees por meio de documentos da indicaccedilatildeo do lugar onde se

encontra o meio de prova de uma actuaccedilatildeo consubstanciando-se num direito a natildeo ser

obrigado a fornecer prova (documental declarativa ou outra) da sua culpabilidade272 A

maioria da doutrina nacional defende a tese de que estamos aqui perante uma variante

ampla do direito ao silecircncio273 Assim malgrado a redacccedilatildeo do referido artigo 61ordm do

Coacutedigo de Processo Penal sugira um direito restrito aos casos em que o arguido eacute

solicitado a prestar declaraccedilotildees verbais somos da opiniatildeo de que uma interpretaccedilatildeo

teleoloacutegica da norma aponta para que a invocaccedilatildeo deste direito natildeo esteja dependente dos

meios utilizados mas dos fins que se pretendem alcanccedilar e dos interesses que sejam

postos em causa designadamente o da natildeo-autoincriminaccedilatildeo sob pena de esses

expedientes serem utilizados como forma de contornar um direito fundamental dos

cidadatildeos274 Desta forma poderia estar aqui incluiacutedo natildeo soacute o fornecimento da palavra-

passe atraveacutes de declaraccedilotildees orais como tambeacutem atraveacutes de declaraccedilotildees escritas ou

gestuais275

Por fim resta deixar claro que este direito ao silecircncio consagrado no artigo 61ordm do Coacutedigo

de Processo Penal natildeo pode ser visto como direito absoluto Na verdade este direito do

arguido estaacute submetido a algumas restriccedilotildees no processo penal276 nomeadamente no que

toca agrave sua identificaccedilatildeo pessoal (aliacutenea b) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP)277 Tanto em

sede de primeiro interrogatoacuterio judicial (nordm 3 do artigo 141ordm do CPP) como em fase de

julgamento (artigo 342ordm do CPP) o arguido eacute obrigado a responder com verdade acerca

da sua identificaccedilatildeo sob pena de incorrer em crime de desobediecircncia (artigo 349ordm do

Coacutedigo Penal) ou falsas declaraccedilotildees (artigo 359ordm do Coacutedigo Penal)

272 Pinto 2013 108-109 273 Silva Dias 2010 244 274 Saacute 2004 188 Neste sentido vai tambeacutem Augusto Silva Dias quando afirma que ldquo[hellip] uma compreensatildeo

do problema menos legal-positivista e mais sensiacutevel agrave Constituiccedilatildeo e aos direitos obriga a considerar que a

garantia vigora tambeacutem perante outros actos comunicativos (orais escritos gestuais) atraveacutes dos quais o

suspeito pode contribuir para a sua proacutepria inculpaccedilatildeordquo Cf Silva Dias 2010 244 275 ldquoAs manifestaccedilotildees verbais natildeo satildeo as uacutenicas formas em que se apresenta o princiacutepio contra a

autoincriminaccedilatildeo pois atraveacutes de outras condutas eacute possiacutevel produzir prova de caraacutecter incriminatoacuterio

utilizaacutevel contra quem a produziurdquo Cf Cruz Bucho 2013 30 276 Sousa Mendes 2017 210 277 Curado 2012 262-263

87

Agrave semelhanccedila do direito ao silecircncio tambeacutem o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo em

sentido estrito natildeo poderaacute ser considerado como um direito absoluto278 A tiacutetulo de

exemplo podemos mencionar a possibilidade de sujeiccedilatildeo a exames consagrada no artigo

172ordm do Coacutedigo de Processo Penal como sendo uma clara limitaccedilatildeo ao direito de natildeo

facultar provas contra si proacuteprio Voltaremos a este tema mais adiante

22 Fundamentos juriacutedicos

Actualmente natildeo eacute tanto o reconhecimento legal e constitucional do princiacutepio nemo

tenetur se ipsum accusare que suscita dificuldades quanto a determinaccedilatildeo exacta do seu

fundamento e conteuacutedo

Eacute usual enquadrar os fundamentos constitucionais do nemo tenetur em duas espeacutecies

distintas concebendo-o alternativamente como direito material de liberdade (corrente

substantiva) ou como garantia processual fundamental (corrente processual)279

Segundo a corrente substantiva defendida pela doutrina maioritaacuteria alematilde o fundamento

deste princiacutepio estaria enraizado em alguns direitos fundamentais que fundar-se-iam

directamente na dignidade da pessoa humana proclamada no artigo 1ordm da Constituiccedilatildeo

da Repuacuteblica Portuguesa Ainda dentro desta mesma corrente outros Autores concebem

aquele princiacutepio como reflexo dos direitos agrave integridade pessoal e ao desenvolvimento da

personalidade vertidos nos artigos 25ordm e 26ordm da CRP280

Por outro lado segundo a corrente processualista o direito ao silecircncio e agrave natildeo-

autoincriminaccedilatildeo teriam a sua fonte juriacutedico-constitucional nas garantias processuais

reconhecidas ao arguido no texto constitucional designadamente no princiacutepio do

processo equitativo e no princiacutepio da presunccedilatildeo de inocecircncia consagrados

respectivamente no nordm 4 do artigo 20ordm e nos nos 2 e 8 do artigo 32ordm ambos da CRP281

Natildeo obstante os direitos do arguido consagrados nomeadamente no artigo 61ordm do

Coacutedigo de Processo Penal contribuiacuterem activamente para a protecccedilatildeo de direitos

fundamentais como a dignidade da pessoa humana estamos com Figueiredo Dias e Costa

278 Sousa Mendes 2017 210 Neste sentido cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 69695 de 5 de

Dezembro de 1995 disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos19950695html

[consultado em 18012017] Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 37298 de 13 de Maio de 1998

disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos19980372html [consultado em

18012017] 279 Oliveira Silva 2013 370 280 Figueiredo DiasCosta Andrade 2009 40 281 Menezes 2010 124-125

88

Andrade quando defendem que o facto de estes direitos processuais serem ldquoum meio ou

forma de concretizar um determinado direito fundamental natildeo implica que este seja o seu

fundamento directo e imediato Desde logo se aponta que o proacuteprio conceito de dignidade

humana recobre de forma mediata toda a mateacuteria penal e processual penal de um Estado

de Direitordquo282 Assim apesar de se defender na doutrina portuguesa a corrente

processualista eacute tambeacutem aceite que o princiacutepio nemo tenetur protege reflexamente os

direitos fundamentais referidos pela corrente substantiva283

A jurisprudecircncia nacional nomeadamente a do Tribunal Constitucional vem concluir

que o princiacutepio nemo tenetur configura ldquouma componente das garantias de defesa

asseguradas no artigo 32ordm da CRP cujo objectivo uacuteltimo eacute a protecccedilatildeo do arguido como

sujeito no processordquo284 Daqui decorre que a posiccedilatildeo do Tribunal Constitucional se

harmoniza com a posiccedilatildeo da doutrina optando tambeacutem pela corrente processualista do

princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare285

Eacute assim de concluir que em Portugal o entendimento maioritaacuterio defende que o princiacutepio

nemo tenetur se ipsum accusare encontra o seu fundamento imediato nas garantias

processuais que a Constituiccedilatildeo impotildee no artigo 32ordm da Lei Fundamental cumprindo-se

de igual modo a exigecircncia constitucional de um processo penal equitativo prevista no nordm

4 do artigo 20ordm da CRP286

No entanto esta natildeo eacute uma questatildeo puramente teoacuterica pois como bem assinala Vacircnia

Costa Ramos se um direito fundado na dignidade da pessoa humana eacute ldquoum direito de

natureza tendencialmente absolutardquo jaacute um direito fundado em garantias processuais

poderaacute ser sujeito a certas limitaccedilotildeesrdquo287 Assim natildeo causa estranha afirmar na

decorrecircncia do que jaacute ficou escrito relativamente agraves limitaccedilotildees do direito ao silecircncio e do

direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo em sentido estrito que o proacuteprio princiacutepio nemo tenetur

se ipsum accusare natildeo constitui um princiacutepio absoluto pelo que comporta restriccedilotildees

justificadas (vg al b) do nordm 3 do artigo 61ordm e artigo 172ordm ambos do CPP)288

282 Figueiredo DiasCosta Andrade 2009 41 283 Pinto 2013 106 284 Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 69695 de 5 de Dezembro de 1995 disponiacutevel em

httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos19950695html [consultado em 18012017] 285 Pinto 2013 107 286 Figueiredo DiasCosta Andrade 2009 42 287 Ramos 2007 58 e 73 288 Cruz Bucho 2013 24

89

23 Limitaccedilotildees

No processo acusatoacuterio coaduna-se a investigaccedilatildeo da verdade material aos pressupostos

do Estado de Direito limitando-a assim pela observacircncia escrupulosa dos direitos

liberdades e garantias dos cidadatildeos Desta forma natildeo causa estranheza que se assegure

ao arguido a posiccedilatildeo de sujeito289 dotado de um real e efectivo direito de defesa290

De facto o caminho trilhado por este processo penal reformulado vai no sentido de

assegurar ao arguido uma cada vez mais consistente e efectiva condiccedilatildeo de sujeito ao

inveacutes de mero meio de prova291 No entanto como jaacute tivemos oportunidade de analisar

ao longo da nossa investigaccedilatildeo muitas vezes o arguido no seio de uma investigaccedilatildeo

criminal acaba por ser sujeito a certas diligecircncias sendo utilizado como meio de

prova292293

Na doutrina Figueiredo Dias afasta a existecircncia de um dever abstracto de colaboraccedilatildeo do

arguido294 na medida em que exige que ldquoa utilizaccedilatildeo do arguido como meio de prova seja

sempre limitada pelo integral respeito da sua vontaderdquo adiantando ainda que ldquosoacute no

exerciacutecio de uma plena liberdade da vontade pode o arguido decidir se e como deseja

tomar posiccedilatildeo perante a mateacuteria que constitui objecto do processordquo295 Na mesma esteira

mais recentemente Paulo Pinto de Albuquerque veio defender a ideia de que o arguido

289 ldquoO arguido eacute um sujeito processual e em regra natildeo pode ser utilizado contra sua vontade como fonte

de prova contra si mesmordquo Cf Palma 2009 1 Disponiacutevel em

httpwwwidpccptxmsfilesNewslettersBoletim_Ano1_Ed1_Dez08Jan09pdf [consultado em

19012017] Luiacutesa Neto por seu turno fala aqui no arguido como o ldquolegislador de si mesmordquo Cf Neto

2004 188 290 Rodrigues 2002 549 291 Figueiredo Dias 1997 26 Neto 1997 184-185 292 ldquoSubmetido ao processo agraves ordens do tribunal e susceptiacutevel de sofrer medidas coactivas ele [o arguido]

encontra-se nessa medida certamente numa situaccedilatildeo passiva obrigado a sofrer na sua proacutepria pessoa

investigaccedilotildees de prova (os exames) e autor de declaraccedilotildees com valor probatoacuterio ele eacute tambeacutem meio de

prova Mas nem por isso ele poderaacute deixar de ser considerado como sujeito do processordquo Cf Castanheira

Neves 1968 166 Figueiredo Dias segue igualmente este pensamento defendendo que ldquoNatildeo quer isto dizer

que o arguido natildeo possa em termos demarcados pela lei por forma estrita e expressa ser objecto de medidas

coactivas e constituir ele proacuteprio um meio de prova Quer dizer sim que as medidas coactivas e

probatoacuterias que sobre ele se exerccedilam natildeo poderatildeo nunca dirigir-se agrave extorsatildeo de declaraccedilotildees ou de qualquer

forma de autoincriminaccedilatildeo [hellip]rdquo Cf Figueiredo Dias 2004 430 293 Neste sentido Roxin afirma que no processo penal alematildeo se tem debatido sobre o confronto entre a

descoberta da verdade e os interesses do arguido ldquoEm qualquer sistema legal de um Estado de Direito a lei processual penal estaacute obrigada a contrabalanccedilar a investigaccedilatildeo criminal e os interesses do arguido acusado

de determinado delito onde a sua privacidade estaacute em causa O processo penal alematildeo eacute um exemplo tiacutepico

da constante luta entre essas demandas conflituantes Assim enquanto a maioria da jurisprudecircncia faz

esforccedilos no sentido de reforccedilar a protecccedilatildeo do arguido a legislaccedilatildeo mais recente revela uma tendecircncia de

alcance cada vez maior para a admissatildeo de medidas que interferem com o campo da personalidaderdquo Cf

Roxin 2009 87 294 Neste sentido cf Sousa Mendes 2007 609 ldquo[hellip] o arguido natildeo eacute um colaborador das autoridades

judiciaacuterias e dos OPC para a descoberta da verdade e a realizaccedilatildeo da justiccedilardquo 295 Figueiredo Dias 1997 27-28

90

natildeo tem um ldquodever de colaboraccedilatildeo com o tribunal ou o MP com vista agrave descoberta da

verdade material e agrave boa decisatildeo da causa (nemo tenetur se ipsum accusare) dado o seu

direito constitucional ao silecircncio (nordm 1 do artigo 32ordm da CRP)rdquo296

Natildeo obstante a inexistecircncia de um dever de o arguido colaborar com as autoridades tal

natildeo significa que natildeo possa haver derrogaccedilotildees ao princiacutepio nemo tenetur apresentando a

doutrina vaacuterios exemplos a) o direito ao silecircncio natildeo assiste ao arguido relativamente agraves

perguntas sobre a sua identidade tendo inclusive o dever de responder a elas com

verdade nos termos da aliacutenea b) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP b) a obrigatoriedade de

realizar determinadas periacutecias e exames (artigos 151ordm a 172ordm do CPP) c) a

obrigatoriedade de sujeiccedilatildeo a exames no acircmbito de periacutecias meacutedico-legais quando

ordenados pela autoridade judiciaacuteria competente prevista pela Lei nordm 452004 de 29 de

Agosto297 d) a obrigatoriedade de sujeiccedilatildeo a diligecircncias de prova decorrente do

consagrado na aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP298

No que concerne agrave jurisprudecircncia o Tribunal Constitucional jaacute deixou claro que tem sido

ldquoreconhecido que o direito agrave natildeo autoincriminaccedilatildeo natildeo tem um caraacutecter absoluto podendo

ser legalmente restringido em determinadas circunstacircncias (vg a obrigatoriedade de

realizaccedilatildeo de determinados exames ou diligecircncias que exijam a colaboraccedilatildeo do arguido

mesmo contra a sua vontade)rdquo299

Assim podemos concluir no seguimento do defendido por Figueiredo Dias que o

arguido pode constituir meio de prova num duplo sentido a) em sentido material atraveacutes

das declaraccedilotildees prestadas sobre os factos b) em sentido formal na medida em que o seu

corpo e o seu estado corporal podem ser objecto de periacutecias exames ou outras diligecircncias

de prova (artigo 151ordm artigo 172ordm e al d) do nordm 1 do artigo 61ordm todos do CPP) 300

Chegados a este ponto e atendendo aos dois meacutetodos de desencriptaccedilatildeo do smartphone -

a palavra-passe e a impressatildeo digital - podemos afirmar que a acccedilatildeo de fornecimento da

palavra-passe agraves autoridades judiciaacuterias seria sem margem para duacutevidas reconduziacutevel agrave

conduta de prestaccedilatildeo de declaraccedilotildees sobre os factos (al d) do nordm 1 do artigo 61ordm do CPP)

Contrariamente no que diz respeito agrave desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da impressatildeo

296 Albuquerque 2011 48 e 183 297 Figueiredo DiasCosta Andrade 2009 44-45 298 Marques da Silva 2010 318 299 Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 3402013 de 17 de Junho de 2013 disponiacutevel em

httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20130340html [consultado em 19012017] 300 Figueiredo Dias 2004 438-439

91

digital natildeo podemos defender que esta acccedilatildeo poderaacute ser reconduzida a uma qualquer

prestaccedilatildeo de declaraccedilatildeo Assim resta-nos saber seraacute a desencriptaccedilatildeo atraveacutes da

impressatildeo digital uma periacutecia um exame uma outra diligecircncia de prova ou nenhuma das

anteriores

Para que possamos responder com clareza a esta questatildeo iremos no proacuteximo ponto fazer

uma breve anaacutelise ao regime das periacutecias e exames (artigos 151ordm a 172ordm do CPP) e agraves

diligecircncias de prova (al d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP)

3 A sujeiccedilatildeo a periacutecias exames e diligecircncias de prova e a sua articulaccedilatildeo com o

princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare

Como jaacute tivemos oportunidade de enfatizar anteriormente o facto de o arguido ser

considerado um sujeito do processo penal natildeo significa que natildeo possa em determinados

termos demarcados pela lei por forma estrita e expressa constituir ele proacuteprio um meio

de prova Desta forma sobre o arguido recai o dever de se sujeitar a diligecircncias de prova

especificadas na lei e ordenadas e efectuadas por entidade competente (al d) do nordm 3 do

artigo 61ordm do CPP) considerando-se como tais as diligecircncias de prova que natildeo forem

proibidas por lei e que sejam necessaacuterias para a descoberta da verdade e a realizaccedilatildeo da

justiccedila301

Natildeo obstante este dever de sujeiccedilatildeo que recai sobre o arguido o mesmo natildeo significa que

o arguido natildeo se possa opor agrave realizaccedilatildeo dessas diligecircncias quando forem manifestamente

ilegais vg por atentatoacuterias de direitos fundamentais e de nessa medida recorrer aos

meios que a lei lhe confere nomeadamente o de recurso judicial O que a aliacutenea d) do nordm

3 do artigo 61ordm do Coacutedigo de Processo Penal prevecirc eacute que pressupondo que o meio de

prova seja legal o arguido deve sujeitar-se agrave diligecircncia302 Assim a obrigaccedilatildeo que

impende sobre o arguido de se sujeitar a diligecircncias de prova tem de ser temperada com

o direito fundamental da natildeo-autoincriminaccedilatildeo porque ele natildeo pode ser objecto de prova

instrumento abusivo da sua proacutepria condenaccedilatildeo ou de qualquer forma obrigado a

contribuir para estabelecer a sua proacutepria culpabilidade303

A sujeiccedilatildeo coerciva do arguido a diligecircncias de prova tem caraacutecter excepcional na estrita

medida em que se mostrem ineficazes outros meios de prova devendo observar-se quanto

301 Garrett 2007 15 302 Monte 2006 254-255 303 Garrett 2007 17

92

agrave sua utilizaccedilatildeo os mesmos princiacutepios que regem a aplicaccedilatildeo da medida de coacccedilatildeo da

prisatildeo preventiva304

Algumas diligecircncias de prova a que o arguido pode ser sujeito estatildeo expressamente

previstas no Coacutedigo de Processo Penal nomeadamente a periacutecia (artigo 151ordm e seguintes

do CPP) e o exame (artigo 171ordm e seguintes do CPP)

O Coacutedigo de Processo Penal enquadrou a periacutecia no acircmbito dos meios de prova referindo

no seu artigo 151ordm que ldquoa prova pericial tem lugar quando a percepccedilatildeo ou apreciaccedilatildeo dos

factos exigirem especiais conhecimentos teacutecnicos cientiacuteficos ou artiacutesticosrdquo A periacutecia

surge assim como um meio de prova auxiliar facultando agrave entidade responsaacutevel pela

decisatildeo a proferir elementos de que esta careccedila e que sejam necessaacuterios agrave percepccedilatildeo ou

apreciaccedilatildeo dos factos305

No que agrave doutrina diz respeito no entender de Germano Marques da Silva ldquoa qualificaccedilatildeo

que melhor cabe agrave periacutecia eacute efectivamente a de meio de prova pessoalrdquo sendo o seu

objecto ldquoa percepccedilatildeo dos factos ou a sua valoraccedilatildeordquo uma vez que ldquoo perito pode descobrir

meios de prova recorrendo a meacutetodos cientiacuteficos uacutenicos a permitirem a sua apreensatildeo ou

pode exigir-se ao perito natildeo a descoberta dos factos probatoacuterios mas apenas a sua

apreciaccedilatildeordquo306 Na mesma esteira Manuel Andrade defende a ideia de que a periacutecia

ldquotraduz-se na percepccedilatildeo por meio de pessoas idoacuteneas para tal efeito designadas de

quaisquer factos presentes quando natildeo possa ser directa e exclusivamente realizada pelo

juiz por necessitar de conhecimentos cientiacuteficos ou teacutecnicos especiais ou por motivos de

decoro ou de respeito pela sensibilidade (legiacutetima susceptibilidade) das pessoas em quem

se verificam tais factos ou na apreciaccedilatildeo de quaisquer factos (na determinaccedilatildeo das ilaccedilotildees

que deles se possam tirar acerca doutros factos) caso dependa de conhecimentos daquela

ordem isto eacute de regras de experiecircncia que natildeo fazem parte da cultura geral ou experiecircncia

comum que pode e deve presumir-se no juiz como na generalidade das pessoas instruiacutedas

e experimentadasrdquo307

304 Monte 2006 252 Garrett 2007 16 305 Cf Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da Repuacuteblica P000642006 de 2 de

Novembro de 2006 disponiacutevel em httpwwwministeriopublicoptiframepareceres-do-conselho-

consultivo-da-pgr [consultado em 23012017] 306 Marques da Silva 2011 197-198 307 Andrade 1979 261

93

Em sentido inverso o exame eacute um meio de obtenccedilatildeo de prova (e natildeo um meio de prova

como a periacutecia) destinado a recolher vestiacutegios materiais de factos com relevacircncia penal

em ordem agrave determinaccedilatildeo das circunstacircncias da praacutetica e da respectiva autoria308

No mesmo sentido vai a lei quando aponta que os exames tecircm por finalidade inspeccionar

ldquoos vestiacutegios que possa ter deixado o crime e todos os indiacutecios relativos ao modo e ao

lugar onde foi praticado agraves pessoas que o cometeram ou sobre as quais foi cometidordquo (nordm

1 do artigo 171ordm do CPP)309

O exame visa a detecccedilatildeo de vestiacutegios a periacutecia visa a avaliaccedilatildeo desses mesmos vestiacutegios

(vg dactiloscopia310)

Um ponto fundamental a ter em consideraccedilatildeo em mateacuteria de sujeiccedilatildeo a exames tem que

ver com a sua obrigatoriedade (nordm 1 do artigo 172ordm do CPP) Este princiacutepio expressa-se

na possibilidade de a autoridade judiciaacuteria competente compelir o arguido agrave observacircncia

de tais obrigaccedilotildees ainda que condicionadas (no caso de exame susceptiacutevel de ofender o

pudor das pessoas) ao respeito pela intimidade e dignidade da pessoa a examinar natildeo se

permitindo assistentes aleacutem da proacutepria autoridade judiciaacuteria ou de pessoa de confianccedila

do visado que este venha a indicar (nordm 3 do artigo 172ordm do CPP)

Contrariamente agraves periacutecias os exames natildeo supotildeem a existecircncia de especiais

conhecimentos teacutecnicos cientiacuteficos ou artiacutesticos No entanto a mera detecccedilatildeo (e natildeo

avaliaccedilatildeo) de vestiacutegios que exija especiais conhecimentos teacutecnicos cientiacuteficos ou

artiacutesticos eacute ainda um exame Assim tambeacutem a avaliaccedilatildeo de vestiacutegios que natildeo exija

especiais conhecimentos teacutecnicos cientiacuteficos ou artiacutesticos isto eacute que apenas exija

conhecimentos comuns natildeo eacute uma periacutecia mas um exame311

Figueiredo Dias fala aqui de uma dupla natureza dos exames visto que satildeo ldquo[hellip] por um

lado meios de prova enquanto neles se faccedila avultar o juiacutezo que se emite sobre as

qualidades ou caracteriacutesticas de uma pessoa ie enquanto neles se tenha primacialmente

em vista a sua mais ou menos acentuada natureza de inspecccedilatildeo ou periacutecia na medida

308 Simas SantosLeal-HenriquesSimas Santos 2010 226-227 309 Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 3 de Marccedilo de 2016 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrlnsf33182fc732316039802565fa00497eec36f34b50b321b89980257f6f004d5fc6

OpenDocument [consultado em 23012017] 310 A dactiloscopia assenta na comparaccedilatildeo das marcas digitais colhidas directamente dos objectos por

teacutecnicas cada vez mais apuradas com as impressotildees digitais constantes dos ficheiros policiais para o

estabelecimento da coincidecircncia (match) das respectivas formas as quais satildeo absolutamente originais em

cada ser humano Cf Oliveira 2008 134-135 311 Albuquerque 2011 434

94

poreacutem em que o objecto do exame seja uma pessoa que assim se vecirc constrangida a sofrer

ou a suportar uma actividade de investigaccedilatildeo sobre si mesma o exame constitui um

verdadeiro meio de coacccedilatildeo processualrdquo312

Depois de analisadas as figuras da diligecircncia de prova periacutecia e exame podemos concluir

que a recolha de impressotildees digitais313 eacute um exame314 Isto porque a sua detecccedilatildeo e

avaliaccedilatildeo natildeo supotildee a existecircncia de especiais conhecimentos teacutecnicos cientiacuteficos ou

artiacutesticos sendo apenas exigiacuteveis conhecimentos comuns ao niacutevel da anatomia humana

Natildeo obstante o que foi dito ateacute agora sobre diligecircncias de prova periacutecias e exames e

nomeadamente sobre o facto de a recolha de impressotildees digitais ser um exame surge-

nos a questatildeo em caso de necessidade de desencriptaccedilatildeo por impressatildeo digital de um

smartphone (no caso concreto da marca Apple) seria esta recolha de impressotildees digitais

(exame) suficiente para o seu desbloqueio

A esta pergunta teremos de responder negativamente Tal como deixamos claro no

Capiacutetulo III do presente estudo e atendendo ao caso concreto do iPhone a tecnologia

usada no fabrico do Touch ID eacute uma das formas mais avanccediladas de hardware e software

alguma vez implementada num smartphone O sensor consegue captar uma imagem de

alta resoluccedilatildeo das camadas subepideacutermicas da pele localizadas em pequenas secccedilotildees da

impressatildeo digital impossibilitando assim que uma reacuteplica da impressatildeo digital do arguido

seja eficaz para a sua desencriptaccedilatildeo

Desta forma a uacutenica maneira eficiente de desencriptar o smartphone seria atraveacutes da

coacccedilatildeo do arguido no sentido de colocar o seu dedo no sensor Mas neste caso

estaremos perante uma periacutecia ou um exame

Ora o acto (compelido) de colocar o dedo no sensor de um smartphone natildeo pode ser

considerado pelo que analisaacutemos anteriormente nem uma periacutecia nem um exame nem

uma declaraccedilatildeo verbal (vg fornecimento da palavra-passe) mas sim uma outra diligecircncia

312 Figueiredo Dias 2004 438-439 313 As impressotildees digitais satildeo consideradas como um vestiacutegio morfoloacutegico Neste sentido cf Ferreira

2014 81 ldquoOs vestiacutegios que podem ser detectados ou ateacute mesmo avaliados em sede de exame podem ser

classificados como fiacutesicos ou materiais (materialmente individualizaacuteveis) ou psiacutequicos ou imateriais

(condutas comportamentais psiacutequicas ou de personalidade) Os vestiacutegios fiacutesicos podem ser divididos em

orgacircnicos ou bioloacutegicos (saliva seacutemen sangue urina secreccedilotildees unhas plantas insectos estupefacientes

entre outros) natildeo orgacircnicos ou natildeo bioloacutegicos (instrumentos fragmentos solos tintas vidros gases

explosivos venenos papel documentos entre outros) morfoloacutegicos (impressotildees digitais palmares e

plantares pegadas rastos marcas de objectos vestiacutegios baliacutesticos entre outros)rdquo 314 Albuquerque 2011 435

95

de prova (al d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP)315 relativamente agrave qual natildeo cabe invocar

o direito ao silecircncio (al d) do nordm 1 do artigo 61ordm do CPP)

Chegados a este ponto resta-nos concluir que ao passo que o fornecimento da palavra-

passe para a desencriptaccedilatildeo de smartphone se reconduz a um acto comunicativo ou

declarativo (al d) do nordm 1 do artigo 61ordm do CPP) a desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes

da colocaccedilatildeo do dedo no sensor para a leitura da impressatildeo digital seraacute uma diligecircncia de

prova (al d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP) E como jaacute deixamos claro nas paacuteginas

anteriores a aacuterea de abrangecircncia do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare natildeo se

restringe agraves declaraccedilotildees orais ndash nomeadamente ao fornecimento de palavra-passe -

proferidas pelo arguido

No entanto conforme assinala Costa Andrade importa reconhecer que existe uma ldquozona

de fronteira e concorrecircncia entre o estatuto do arguido como sujeito processual e o seu

estatuto como objecto de medidas de coacccedilatildeo ou meios de prova Nesta zona cinzenta

deparam-se natildeo raramente situaccedilotildees em que natildeo eacute faacutecil decidir quando se estaacute ainda no

acircmbito [hellip]rdquo de uma diligecircncia de prova admissiacutevel mesmo se coactivamente imposta

ldquo[hellip] ou quando inversamente se invade jaacute o campo da inadmissiacutevel autoincriminaccedilatildeo

coercivardquo316 Assim a legitimidade destas diligecircncias depende da questatildeo de saber se a

sua realizaccedilatildeo ainda eacute compatiacutevel com o estatuto de sujeito processual do arguido ou se

traduz antes uma degradaccedilatildeo deste agrave condiccedilatildeo de objecto do processo317

Eacute ainda de ressalvar que atendendo ao facto de que o proacuteprio direito ao silecircncio conferido

ao arguido em sede de processo criminal natildeo eacute absoluto ou seja pode ser limitado

podemos afirmar tambeacutem que o proacuteprio fornecimento de palavra-passe (declaraccedilatildeo) para

a desencriptaccedilatildeo de smartphone pode gerar algumas duacutevidas nomeadamente quanto agrave

questatildeo de saber ateacute que ponto estaacute ou natildeo violado o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo

nesta situaccedilatildeo

Por conseguinte coloca-se a pergunta de que criteacuterio ou criteacuterios deve entatildeo o inteacuterprete

socorrer-se para aquilatar se a revelaccedilatildeo da palavra-passe ou a desencriptaccedilatildeo por leitura

315 Em sentido semelhante mas relativamente agrave recolha de autoacutegrafos Cruz Bucho afirma que ldquo[hellip] num

caso de recolha de autoacutegrafos natildeo estamos perante declaraccedilotildees verbais do arguido mas sim perante uma

diligecircncia de prova relativamente agrave qual natildeo cabe invocar o direito ao silecircnciordquo Cf Cruz Bucho 2013 34 316 Costa Andrade 1992 127 317 Silva DiasRamos 2009 21-22

96

da impressatildeo digital do arguido se encontram ou natildeo abrangidos pelo princiacutepio nemo

tenetur se ipsum accusare

Para respondermos a esta questatildeo analisaremos no proacuteximo ponto os criteacuterios

apresentados pela doutrina e jurisprudecircncia nacionais e internacionais

4 Criteacuterios para a determinaccedilatildeo de violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum

accusare

A delimitaccedilatildeo da aacuterea de tutela do nemo tenetur se ipsum accusare eacute como se intui tarefa

revestida da maior dificuldade e simultaneamente do mais significativo relevo Para o

efeito impotildee-se a definiccedilatildeo de um criteacuterio apto a discernir nas zonas criacuteticas de fronteira

entre a colaboraccedilatildeo coercivamente imposta proibida e a colaboraccedilatildeo coercivamente

imposta permitida318

Tanto a doutrina quanto a jurisprudecircncia nacionais e internacionais tecircm admitido

diferentes criteacuterios para a determinaccedilatildeo da violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum

accusare Analisaremos de seguida os trecircs criteacuterios defendidos

41 Criteacuterio da dependecircncia e independecircncia da vontade do arguido

Segundo o criteacuterio da dependecircncia e independecircncia da vontade do arguido estariam fora

do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare prestaccedilotildees pessoais exigidas sobre ameaccedila

de sanccedilatildeo mas independentes da vontade do sujeito que natildeo passam por uma colaboraccedilatildeo

espiritual da sua parte319

Este criteacuterio foi defendido inuacutemeras vezes pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos

(TEDH) sendo que o caso emblemaacutetico que lhe deu origem foi o caso Saunders v Reino

Unido320 Ernest Saunders administrador executivo da sociedade Guinness PLC foi

condenado no sistema judicial britacircnico a cinco anos de prisatildeo por conspiraccedilatildeo no crime

de falsificaccedilatildeo de balanccedilo (false accounting) e noutros crimes patrimoniais comuns

(thefts) todos relacionados com uma oferta puacuteblica de aquisiccedilatildeo sobre a Distillers

Company PLC em competiccedilatildeo com a Argyll Group PLC O Tribunal Europeu dos

Direitos Humanos teve de decidir sobre a queixa de Saunders fundada no facto de terem

318 Oliveira Silva 2013 375-376 319 Cruz Bucho 2013 35 320 Acoacuterdatildeo Saunders v Reino Unido de 17 de Dezembro de 1996 disponiacutevel em

httphudocechrcoeintwebservicescontentpdf001-58009TID=thkbhnilzk [consultado em

25012017]

97

sido usadas como prova num processo-crime subsequente as declaraccedilotildees que ele prestara

sob coerccedilatildeo (ie sob cominaccedilatildeo de desobediecircncia) em procedimento de investigaccedilatildeo

administrativo aos inspectores do Ministeacuterio do Comeacutercio e Induacutestria britacircnico o que

violaria o seu direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo implicitamente consagrado nos nos 1 e 2

do artigo 6ordm da CEDH321

O TEDH comeccedilou por enunciar os corolaacuterios do processo equitativo (artigo 6ordm da CEDH)

ndash o direito ao silecircncio e a prerrogativa contra a autoincriminaccedilatildeo ndash prosseguindo na sua

argumentaccedilatildeo322 afirmando que ldquo[hellip] o direito de natildeo contribuir para a sua proacutepria

incriminaccedilatildeo em especial pressupotildee que em mateacuteria penal a acusaccedilatildeo deve procurar

provar a sua argumentaccedilatildeo sem recorrer a elementos de prova obtidos mediante medidas

coercivas ou opressivas desrespeitando a vontade do arguido Neste sentido este direito

estaacute intimamente ligado ao princiacutepio da presunccedilatildeo da inocecircncia consagrado no paraacutegrafo

2ordm do artigo 6ordm da Convenccedilatildeordquo323 O douto Tribunal acrescenta ainda ndash numa foacutermula

que se tornou claacutessica pois perde-se a conta agraves vezes em que jaacute tem sido citada ndash que tal

como eacute comummente entendido na generalidade dos sistemas juriacutedicos das Partes

contratantes da Convenccedilatildeo o direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo natildeo abrange a utilizaccedilatildeo

em quaisquer processos penais de elementos susceptiacuteveis de serem obtidos do acusado

atraveacutes do exerciacutecio de poderes compulsivos contando que a respectiva existecircncia seja

ldquoindependente da vontade do suspeitordquo324 tais como documentos apreendidos em buscas

321 Sousa Mendes 2017 212 322 Ramos 2007 94 323 ldquoThe Court recalls that although not specifically mentioned in Article 6 of the Convention (art 6) the

right to silence and the right not to incriminate oneself are generally recognised international standards which lie at the heart of the notion of a fair procedure under Article 6 (art 6) Their rationale lies inter

alia in the protection of the accused against improper compulsion by the authorities thereby contributing

to the avoidance of miscarriages of justice and to the fulfilment of the aims of Article 6 (art 6) (see the

above-mentioned John Murray judgment p 49 para 45 and the above-mentioned Funke judgment p 22

para 44) The right not to incriminate oneself in particular presupposes that the prosecution in a criminal

case seek to prove their case against the accused without resort to evidence obtained through methods of

coercion or oppression in defiance of the will of the accused In this sense the right is closely linked to the

presumption of innocence contained in Article 6 para 2 of the Convention (art 6-2)rdquo Cf paraacutegrafo 68 do

Acoacuterdatildeo Saunders v Reino Unido de 17 de Dezembro de 1996 disponiacutevel em

httphudocechrcoeintwebservicescontentpdf001-58009TID=thkbhnilzk [consultado em

25012017] 324 ldquoThe right not to incriminate oneself is primarily concerned however with respecting the will of an

accused person to remain silent As commonly understood in the legal systems of the Contracting Parties

to the Convention and elsewhere it does not extend to the use in criminal proceedings of material which

may be obtained from the accused through the use of compulsory powers but which has an existence

independent of the will of the suspect such as inter alia documents acquired pursuant to a warrant breath

blood and urine samples and bodily tissue for the purpose of DNA testingrdquo Cf paraacutegrafo 69 do Acoacuterdatildeo

Saunders v Reino Unido de 17 de Dezembro de 1996 disponiacutevel em

httphudocechrcoeintwebservicescontentpdf001-58009TID=thkbhnilzk [consultado em

25012017]

98

amostras de sangue ou de urina e tecidos corporais para testes de ADN325 Eacute evidente

portanto que os reconhecimentos ou intervenccedilotildees sobre o corpo humano com fins de

investigaccedilatildeo penal natildeo estatildeo protegidos pelo direito ao silecircncio agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo

ou a natildeo se confessar culpado326

O Tribunal decidiu por conseguinte que o princiacutepio do processo equitativo tal como

previsto no nordm 1 do artigo 6ordm da CEDH tinha sido violado Agrave conta do obter dictum sobre

as provas existentes independentemente da vontade do acusado327 o presente acoacuterdatildeo

tornar-se-ia o caso de referecircncia para a defesa do criteacuterio da dependecircncia e independecircncia

da vontade do arguido

Este criteacuterio voltou a ser utilizado nos casos Quinn v Irlanda328 PG et JH v Reino

Unido329 Shannon v Reino Unido330 e reafirmado no importante caso Jalloh v

Alemanha331 Neste uacuteltimo caso o TEDH procedeu agrave delimitaccedilatildeo do campo de aplicaccedilatildeo

do princiacutepio da natildeo-autoincriminaccedilatildeo consagrado no artigo 6ordm da Convenccedilatildeo

considerando que o mesmo apesar de se relacionar em primeira linha com o respeito pela

vontade do acusado em permanecer em silecircncio em face de perguntas que lhe satildeo

colocadas e de natildeo ser compelido a prestar declaraccedilotildees abrange ainda outros casos em

que a coacccedilatildeo tenha sido exercida pelas autoridades sobre o acusado para obter prova332

Os casos ainda abrangidos pelo acircmbito de incidecircncia do princiacutepio da natildeo-

autoincriminaccedilatildeo correspondem segundo o TEDH agraves hipoacuteteses de intimaccedilatildeo para

entrega atraveacutes de prendimentos coercivos de prova documental potencialmente

autoincriminatoacuteria natildeo se estendendo jaacute ao material susceptiacutevel de ser obtido do acusado

atraveacutes do exerciacutecio de poderes compulsivos mas cuja existecircncia eacute independente da

325 Costa 2011 156 326 Rodrigues 2008 197-198 327 Sousa Mendes 2017 214 328 Acoacuterdatildeo Quinn v Irlanda de 21 de Dezembro de 2000 disponiacutevel em

httphudocechrcoeintengitemid[001-59098] [consultado em 25012017] 329 Acoacuterdatildeo PG e JH v Reino Unido de 25 de Setembro de 2001 disponiacutevel em

httphudocechrcoeintappconversionpdflibrary=ECHRampid=002-5500ampfilename=002-

5500pdfampTID=ihgdqbxnfi [consultado em 25012017] 330 Acoacuterdatildeo Shannon v Reino Unido de 4 de Outubro de 2005 disponiacutevel em

httphudocechrcoeintwebservicescontentpdf001-70364TID=ihgdqbxnfi [consultado em

25012017] 331 Acoacuterdatildeo Jalloh v Alemanha de 11 de Julho de 2006 disponiacutevel em

httpswcdcoeintViewDocjspp=ampid=1018815ampSite=COEampdirect=true [consultado em 25012017] 332 Costa 2011 156 Ashworth 2008 773

99

vontade do suspeito tal como documentos apreendidos em buscas amostras de sangue

ou urina e tecidos corporais para testes de ADN333

No que concerne agrave jurisprudecircncia nacional tambeacutem o Tribunal Constitucional perfilhou

em tempos este entendimento ao sublinhar no seu Acoacuterdatildeo nordm 1552007 que entende

ldquo[hellip] que o direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo se refere ao respeito pela vontade do arguido

em natildeo prestar declaraccedilotildees natildeo abrangendo [hellip] o uso em processo penal de elementos

que se tenham obtido do arguido por meio de poderes coercivos mas que existam

independentemente da vontade do sujeito como eacute o caso por exemplo e para o que agora

nos importa considerar da colheita de saliva para efeitos de realizaccedilatildeo de anaacutelises de

ADNrdquo334 O Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora acrescenta ainda que ldquoNa essecircncia o

privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo estaacute associado a um depoimento e natildeo a uma prova

de natureza fiacutesica mas abrange a obrigatoriedade de apresentaccedilatildeo de documentaccedilatildeo

incriminadorardquo335

Eacute tambeacutem este o criteacuterio adoptado maioritariamente pela doutrina e jurisprudecircncia norte-

americanas como jaacute tivemos oportunidade de mencionar no Capiacutetulo I da presente

investigaccedilatildeo No entanto a adopccedilatildeo deste criteacuterio em territoacuterio norte-americano faz-se

em termos ligeiramente diferentes aos defendidos pelo Tribunal Europeu dos Direitos

Humanos

A construccedilatildeo largamente dominante no contexto juriacutedico norte-americano assenta como

vimos anteriormente na dicotomia entre os elementos probatoacuterios de tipo declarativo

(testimonial) ou comunicativo (communicative) e os elementos probatoacuterios fiacutesicos

circunscrevendo-se agraves provas da primeira espeacutecie a operatividade do privileacutegio contra a

autoincriminaccedilatildeo336

333 Criticando a distinccedilatildeo entre declaraccedilotildees orais e os elementos de prova enunciados com base no criteacuterio

da sua existecircncia independente da vontade do arguido cf Silva DiasRamos 2009 24 334 Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1552007 de 2 de Marccedilo de 2007 disponiacutevel em

httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20070155html [consultado em 25012017] Neste

sentido vatildeo tambeacutem o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de 15 de Novembro de 2011 disponiacutevel

em httpwwwdgsiptjtrensf134973db04f39bf2802579bf005f080b3475e69cdc8de87380257de10056f84a

OpenDocument [consultado 25012017] e o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de 21 de Abril de

2015 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrensf134973db04f39bf2802579bf005f080b21398dcfc4605f1980257e43003306a9

OpenDocument [consultado em 25012017] 335 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de 11 de Outubro de 2011 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrensf134973db04f39bf2802579bf005f080b3693bad042ba17bb80257de10056f62e

OpenDocument [consultado em 25012017] 336 Oliveira Silva 2013 376

100

Apesar da ratio do criteacuterio ser a mesma o sistema juriacutedico norte-americano natildeo faz

menccedilatildeo aos elementos probatoacuterios ldquodependentes da vontade do arguidordquo fazendo ao

inveacutes referecircncia aos elementos probatoacuterios que pressuponham o recurso ao ldquoconteuacutedo da

mente do arguidordquo337

Em uacuteltima anaacutelise podemos concluir que satildeo meramente duas expressotildees distintas - mas

integralmente interligadas - que culminam no mesmo entendimento nenhuma prova

incriminatoacuteria que dependa de alguma maneira inteiramente do arguido (da sua

mentevontade) pode ser compelida Quanto agrave interligaccedilatildeo ou se preferirmos agrave

subordinaccedilatildeo entre as duas expressotildees ndash dependecircncia da vontade do arguido e revelaccedilatildeo

do conteuacutedo da sua mente ndash fica claro que eacute necessaacuterio que se faccedila uso da vontade para

que algueacutem possa revelar ainda que coercivamente qualquer conteuacutedo da sua mente

Assim segundo este criteacuterio a recolha coerciva de um elemento probatoacuterio inteiramente

dependente de alguma maneira do arguido (da sua mentevontade) seraacute violadora do

princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo Por outro lado se essa recolha de prova natildeo estiver

dependente de alguma maneira do arguido (da sua mentevontade) podemos concluir

pela natildeo violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur

Chegados a este ponto resta-nos entatildeo apurar se a revelaccedilatildeo coagida da palavra-passe ou

a desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido satildeo ou

natildeo condutas violadoras do princiacutepio nemo tenetur com base neste criteacuterio da dependecircncia

e independecircncia da vontade do arguido

No que concerne ao fornecimento coagido de palavra-passe para desencriptaccedilatildeo de um

smartphone a doutrina norte-americana tende a fazer uma analogia entre a palavra-passe

e uma combinaccedilatildeo de um cofre338 defendendo que o fornecimento da palavra-passe seraacute

um elemento probatoacuterio declarativo (testimonial) 339

337 Mesquita 2011 560 338 ldquoA passphrase is more analogous to a combination to a safe in the sense that both exist only in the mind

of the individualrdquo Cf Duong 2009 349-350 339 ldquoA combination metaphor to a safe more accurately captures a passwordrsquos testimonial nature because a combination is something that is in onersquos mindrdquo Cf Kiok 2015 77 Neste sentido vatildeo tambeacutem Wiseman

2014 29 Disponiacutevel em httpsworksbepresscomtimothy_wiseman2 [consultado em 26012017]

Thompson IIJaikaran 2016 12 Engel 2012 107-108 MohanVillasenor 2012 24-25 Poreacutem existe

alguma doutrina ainda que claramente minoritaacuteria que defende a ideia de que mesmo contra a vontade do

arguido a proacutepria revelaccedilatildeo pode ser legalmente compelida Cf Terzian 2014 305 Na esteira do

defendido pela maioria da doutrina norte-americana tambeacutem a jurisprudecircncia parece ir no mesmo sentido

ldquoforcing the Defendant to reveal the passwordhellip requires Defendant to communicate lsquoknowlegdersquordquo Cf

United States v Kirschner 2010 Disponiacutevel em

httpswwwravellawcomopinions789d10be33066b73e4377a26bf5c574a [consultado em 26012017]

101

O arguido ao fornecer sob coacccedilatildeo a palavra-passe que desencripta o seu smartphone

seja pela via oral escrita ou gestual estaraacute necessariamente a fazer uso da sua vontade

Ou seja para o fornecimento da palavra-passe o arguido tem de revelar o conteuacutedo da sua

mente e essa revelaccedilatildeo estaacute como jaacute adiantaacutemos anteriormente totalmente condicionada

pela sua vontade em auxiliar ou natildeo a investigaccedilatildeo340

Assim natildeo podemos caracterizar esta conduta de revelaccedilatildeo da palavra-passe seja de que

modo for como um qualquer acto fiacutesico independente da vontade do arguido341 Isto

porque seria impossiacutevel para as autoridades judiciaacuterias forccedilarem o arguido a divulgar

algo sobre o qual tenha conhecimento342

Jaacute no que diz respeito agrave desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da colocaccedilatildeo do dedo do

arguido no sensor para a leitura da sua impressatildeo digital o resultado eacute diacutespar Se por um

lado podiacuteamos fazer uma analogia entre a divulgaccedilatildeo da palavra-passe e a divulgaccedilatildeo de

uma combinaccedilatildeo de um cofre por outro podemos aqui falar segundo o entendimento da

doutrina norte-americana numa analogia entre a desencriptaccedilatildeo de um smartphone

atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido e a entrega de uma chave de um cofre343

Contrariamente ao fornecimento de palavra-passe a desencriptaccedilatildeo do smartphone

atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido configura um acto inteiramente fiacutesico

que compara apenas a impressatildeo digital lida com a impressatildeo digital armazenada no

dispositivo344 O acto de colocar o dedo no sensor do smartphone para possibilitar a sua

desencriptaccedilatildeo natildeo exige qualquer tipo de divulgaccedilatildeo do conteuacutedo da mente do

arguido345 E uma vez que as entidades judiciaacuterias podem simplesmente agarrar no dedo

ldquo[hellip] the production was testimonial because the decryption password require the appellant to use lsquothe

contents of the mindrsquo to produce information that could be incriminatingrdquo Cf Fisher v United States

1976 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus425391casehtml [consultado em

26012017] 340 Wiseman 2015 548-549 341 Bales 2012 1302-1303 342 Hustle 2014 2 Disponiacutevel em httprebelpunditcombiometrics-and-the-constitution-why-

fingerprints-are-less-secure-than-passwords [consultado em 26012017] ldquo[hellip] using a decryption

password requires sufficiently great mental use [hellip]rdquo Cf Terzian 2015 1136 343 Thompson IIJaikaran 2016 14 344 Sales 2014 222-223 345 Goldman 2015 218 Neste sentido vatildeo tambeacutem Silver 2012 814 Wilson 2015 28-29 Na esteira do

defendido pela doutrina tambeacutem a jurisprudecircncia norte-americana vem afirmar que ldquo[hellip] fingerprints are

not deemed testimonial and therefore not subject to Fifth Amendment protection [hellip] a fingerprint can be

compelled even though it is being used to open the cell phone The passcode is more like a combination to

a safe and the fingerprint is more like a keyrdquo Cf Commonwealth of Virginia v David Charles Baust 2014

Disponiacutevel em httpsconsumermediallcfileswordpresscom201411245515028-fingerprint-unlock-

rulingpdf [consultado em 26012017] Pode ser consultado no Anexo I da presente Dissertaccedilatildeo Cf State

of Minnesota v Matthew Vaughn Diamond 2017 Disponiacutevel em httpmngovlaw-library-

102

do arguido e colocaacute-lo no sensor natildeo podemos semelhantemente falar numa

dependecircncia da sua vontade

Assim sendo a desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do

arguido um acto fiacutesico independente da sua vontade podemos admitir que natildeo haveraacute

aqui segundo este criteacuterio uma violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare

Em sentido inverso o fornecimento da palavra-passe sendo um acto que depende

obrigatoriamente da vontade do arguido seraacute violador segundo este criteacuterio do princiacutepio

contra a autoincriminaccedilatildeo se for compelido pelas autoridades judiciaacuterias

Natildeo obstante o que ficou dito sobre o criteacuterio da dependecircncia e independecircncia da vontade

do arguido defendido tanto pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos como pela

jurisprudecircncia e doutrina maioritaacuteria norte-americanas vaacuterias criacuteticas surgem contra esta

tese

De facto natildeo partilhamos desta linha argumentativa ndash fraacutegil no nosso entender -

defendida vaacuterias vezes pelo Tribunal Constitucional portuguecircs de que ldquoo direito agrave natildeo-

autoincriminaccedilatildeo se refere ao respeito pela vontade do arguido em natildeo prestar

declaraccedilotildees natildeo abrangendo [hellip] o uso em processo penal de elementos que se tenham

obtido do arguido por meio de poderes coercivos mas que existam independentemente

da vontade do sujeitordquo346

Esta concepccedilatildeo altamente restritiva do conceito do nemo tenetur se ipsum accusare

permite que o arguido seja o objecto de prova em todas as situaccedilotildees nas quais natildeo se exija

a prestaccedilatildeo de declaraccedilotildees O princiacutepio ficaria cingido agraves declaraccedilotildees orais coincidindo

praticamente com o direito ao silecircncio347 E limitar o princiacutepio ao direito ao silecircncio eacute

desprovecirc-lo de todo o seu conteuacutedo e alcance praacutetico348

Por outro lado parece irrefutaacutevel que as declaraccedilotildees orais natildeo satildeo o uacutenico meio atraveacutes

do qual algueacutem se pode autoincriminar jaacute que natildeo se vecirc como algueacutem que eacute alvo de uma

qualquer ingerecircncia corporal natildeo estaraacute a contribuir para a sua autoincriminaccedilatildeo

sobretudo se a prova a final apenas vier a assentar em tal meio de prova que de outro

statarchivectappub2017OPa152075-011717pdf [consultado em 26012017] Pode ser consultado no

Anexo II da presente Dissertaccedilatildeo 346 Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1552007 de 2 de Marccedilo de 2007 disponiacutevel em

httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20070155html [consultado em 31012017] 347 Silva DiasRamos 2009 24 348 Cruz 2011 71

103

modo natildeo existiria Do que se trata eacute de se colocar a ldquofalar o corpordquo quando o titular

desse corpo pretende calar349

Posto isto analisadas que estatildeo as criacuteticas relativas a este criteacuterio passaremos agrave

apreciaccedilatildeo de um segundo criteacuterio defendido pela doutrina e jurisprudecircncia nacionais e

internacionais

42 Criteacuterio da conduta activa e toleracircncia passiva

O segundo criteacuterio adoptado pelo Tribunal Constitucional alematildeo e pela generalidade da

doutrina alematilde assenta na distinccedilatildeo entre conduta activa e toleracircncia passiva De acordo

com este criteacuterio ningueacutem poderaacute ser coactivamente obrigado a contribuir activamente

para a sua proacutepria condenaccedilatildeo em processo criminal350 - seja declarando contra si mesmo

seja realizando algum outro tipo de actividade que contribua para a investigaccedilatildeo e

comprovaccedilatildeo do crime imputado

No panorama juriacutedico alematildeo a doutrina tradicional e (ainda) dominante aponta como

criteacuterio delimitador do princiacutepio nemo tenetur a ldquoqualidade da condutardquo

(ldquoHandlungsqualitaumltrdquo) esperada do arguido distinguindo entre os meros deveres de

toleracircncia passiva (ldquopassive Duldungspflichtenrdquo) e as obrigaccedilotildees de colaboraccedilatildeo activa

(ldquoaktive Mitwirkungspflichtenrdquo)351 A colaboraccedilatildeo activa seraacute segundo esta doutrina

tradicional inexigiacutevel ao arguido existindo um direito de oposiccedilatildeo agrave colaboraccedilatildeo activa

(Mitwirkungsverweigerungsrecht) porquanto esta seria violadora do princiacutepio nemo

tenetur se ipsum accusare352

Nesta esteira de ideias se ao arguido se impusesse a colaboraccedilatildeo mediante uma conduta

activa tal seria susceptiacutevel de ferir o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo se ao inveacutes se

lhe impusesse meramente que tolerasse uma determinada actividade natildeo haveria

qualquer colisatildeo com o direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo que lhe assiste natildeo configurando

assim uma manifestaccedilatildeo inadmissiacutevel de autoincriminaccedilatildeo353

A referida diferenciaccedilatildeo fenomenoloacutegica assenta na premissa filosoacutefica de que a

liberdade de vontade constitui a expressatildeo mais nuclear da personalidade humana por

349 Rodrigues 2008 198 350 Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 3402013 de 17 de Junho de 2013 disponiacutevel em

httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20130340html [consultado em 31012017] 351 Oliveira Silva 2013 376-377 352 Pinto 2013 97 353 Agostinho 2014 112

104

contraposiccedilatildeo com a existecircncia fiacutesicacorpoacuterea E tem como certa a ideia de que a

autonomia pessoal eacute mais severamente atingida se o arguido for forccedilado a colaborar com

o Estado na proacutepria perseguiccedilatildeo criminal sob a forma de uma acccedilatildeo positiva do que nos

casos em que o seu corpo eacute simplesmente manipulado pelas autoridades impondo-se-lhe

o dever de tolerar a intervenccedilatildeo (mas jaacute natildeo a de coadjuvar)354

Claus Roxin defensor desta teoria adianta que o arguido natildeo tem o dever de auxiliar as

autoridades judiciaacuterias de forma activa no entanto deve tolerar natildeo apenas as

investigaccedilotildees relativas agrave sua vida privada mas tambeacutem as intervenccedilotildees fiacutesicas sobre o

seu corpo que podem facilmente consubstanciar uma contribuiccedilatildeo decisiva para a prova

da sua culpabilidade355

Eacute de notar que o Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto num acoacuterdatildeo relativamente recente parece

acolher esta distinccedilatildeo356 Neste caso jurisprudencial estaria em causa a legitimidade da

recusa do arguido em se sujeitar agrave recolha de autoacutegrafos e a legitimidade da cominaccedilatildeo

dessa recusa com o crime de desobediecircncia No acoacuterdatildeo recorrido o Tribunal de 1ordf

instacircncia afasta categoricamente toda a colaboraccedilatildeo qualificada como activa O acoacuterdatildeo

do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto acaba por confirmar o acoacuterdatildeo recorrido mas eacute mais

comedido do que o Tribunal de 1ordf instacircncia temperando o argumento da colaboraccedilatildeo

activa com o princiacutepio da legalidade357

Fazendo apelo a este segundo criteacuterio importa agora perceber se o fornecimento da

palavra-passe e a desencriptaccedilatildeo atraveacutes da impressatildeo digital seriam ou natildeo condutas

violadoras do princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo

As coisas satildeo particularmente oacutebvias quando se trata de obter por coacccedilatildeo declaraccedilotildees

incriminadoras do arguido358 Assim segundo o criteacuterio da conduta activa e toleracircncia

passiva o arguido natildeo poderaacute ser compelido a revelar a palavra-passe que desencripta o

seu smartphone essencial para os investigadores criminais terem raacutepido acesso agrave

354 Oliveira Silva 2015 575-576 355 Cf Roxin 2009 98 356 ldquoMesmo que o recorrente natildeo concorde natildeo podemos esquecer que aqui a recolha de autoacutegrafos implica uma acccedilatildeo positiva do arguido (contra a sua vontade) que natildeo se confunde com ldquoo mero tolerar passivo da

actividade de terceirordquo vg que decorre da execuccedilatildeo de decisatildeo de juiz a ldquocompelirrdquo agrave sujeiccedilatildeo a exame

tal como hoje se prevecirc expressamente nos nos 1 e 2 do artigo 172ordm do CPP (estabelecendo-se ainda que eacute

correspondentemente aplicaacutevel o disposto no nordm 2 do artigo 154ordm e nos nos 5 e 6 do artigo 156ordm do mesmo

coacutedigo)rdquo Cf Acoacuterdatildeo da Relaccedilatildeo do Porto de 28 de Janeiro de 2009 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrpnsf56a6e7121657f91e80257cda00381fdff861aadc84da529a8025754e0054040e

OpenDocument [consultado em 31012017] 357 Pinto 2013 97-98 358 Costa Andrade 1992 128

105

informaccedilatildeo nele contida por ser ilegitimamente obrigado a colaborar ou a contribuir

activamente para a sua incriminaccedilatildeo359

Quanto agrave desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido

a situaccedilatildeo eacute mais duacutebia Isto porque como frisaacutemos anteriormente o arguido pode por

sua livre vontade colocar o dedo no sensor para permitir a leitura da sua impressatildeo digital

possibilitando assim a desencriptaccedilatildeo do dispositivo No entanto o mesmo arguido pode

optar por se opor a colocar o dedo no sensor restando agraves autoridades a alternativa de

forccedilarem a desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da colocaccedilatildeo coactiva do seu dedo no

sensor E se por um lado podemos classificar a primeira conduta como uma conduta

activa por outro podemos qualificar a segunda como uma conduta passiva

A desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido eacute um

exemplo tiacutepico de uma das criacuteticas feitas a este criteacuterio da conduta activa e toleracircncia

passiva um criteacuterio que estaacute longe de concitar um aplauso paciacutefico entre Autores e

tribunais Eacute certo que ldquofazerrdquo eacute diferente de ldquodeixar fazerrdquo que o direito (nomeadamente

o direito penal) valora de modo diferente condutas activas e condutas omissivas No

entanto este criteacuterio de averiguaccedilatildeo da conformidade com o princiacutepio nemo tenetur

manifesta-se insatisfatoacuterio360

Na verdade este segundo criteacuterio tem sido qualificado como simplista e de difiacutecil

aplicaccedilatildeo praacutetica361 pela dificuldade em diferenciar sob o prisma fenomenoloacutegico entre

actos de colaboraccedilatildeo activa e meros estados passivos de toleracircncia362

Acompanhamos Wolfslast quando afirma que ldquonatildeo se eacute apenas instrumento da proacutepria

condenaccedilatildeo quando se colabora mediante uma conduta activa querida e livre mas

tambeacutem quando [hellip] contra vontade uma pessoa tem de tolerar que o proacuteprio corpo seja

utilizado como meio de provardquo363 De resto acrescenta seraacute difiacutecil discernir porque eacute que

a dignidade humana do arguido soacute eacute atingida quando forccedilado a uma acccedilatildeo e natildeo jaacute quando

compelido a ter de tolerar uma acccedilatildeo O tormento a humilhaccedilatildeo de ter de ser instrumento

contra si proacuteprio podem em caso de passividade forccedilada e verificadas certas

circunstacircncias ser maiores do que em caso de colaboraccedilatildeo activa364

359 Haddad 2003 42-43 360 Fidalgo 2006 141 361 Cruz Bucho 2013 46 Pinto 2013 98 362 Oliveira Silva 2015 580 363 Wolfslast 1987 103 364 Wolfslast 1987 104

106

Como bem refere Sandra Oliveira e Silva ldquoa distinccedilatildeo conceitual-positivista entre acccedilatildeo

e omissatildeo eacute inadequada para estabelecer valoraccedilotildees juriacutedicas distintas Em causa estatildeo

conceitos intercambiaacuteveis de acordo com a conclusatildeo pretendida pelo inteacuterprete E ainda

que se pudesse obter um consenso sobre o sentido a adoptar em cada caso natildeo deixa de

ser possiacutevel interpretar indistintamente determinados comportamentos como acccedilatildeo ou

omissatildeo e as correspondentes obrigaccedilotildees como importando uma colaboraccedilatildeo activa ou

uma simples toleracircncia passivardquo365

No que concerne agraves inconsistecircncias deste criteacuterio no plano teoacuterico importa voltar a

mencionar a ideia de que o nemo tenetur pretende preservar o arguido do ldquotrilemardquo da

escolha entre trecircs males poupaacute-lo agrave experiecircncia degradante de ser obrigado a colocar nas

matildeos das autoridades de perseguiccedilatildeo criminal o material probatoacuterio para a sua

incriminaccedilatildeo366 Acreditamos na esteira do defendido por Sandra Oliveira e Silva que eacute

difiacutecil discernir as razotildees pelas quais o sentimento de humilhaccedilatildeo soacute se manifesta se o

arguido for obrigado a entregar o material incriminador pelos seus proacuteprios meios e natildeo

tambeacutem nas hipoacuteteses em que as informaccedilotildees satildeo extraiacutedas agrave forccedila do seu corpo367

nomeadamente atraveacutes da utilizaccedilatildeo da sua impressatildeo digital para desencriptar um

smartphone onde estaratildeo armazenadas informaccedilotildees iacutentimas e possivelmente

incriminatoacuterias Quer no caso de uma conduta activa quer no caso de toleracircncia passiva

o arguido tem plena consciecircncia de ser obrigado a contribuir contra a sua vontade para a

obtenccedilatildeo de provas incriminatoacuterias

Tambeacutem a jurisprudecircncia nacional se tem pronunciado ainda que em pouca escala sobre

este criteacuterio defendido pela doutrina e jurisprudecircncia alematildes O Tribunal Constitucional

no seu acoacuterdatildeo nordm 1552007 refere-se a propoacutesito da colheita de saliva para efeitos de

realizaccedilatildeo de anaacutelises de ADN que esta ldquoindependentemente de natildeo requerer apenas um

comportamento passivo natildeo se pode catalogar como obrigaccedilatildeo de autoincriminaccedilatildeordquo368

Esta expressatildeo parece apontar para a conclusatildeo de que o criteacuterio conduta activatoleracircncia

passiva natildeo tem relevacircncia no sistema juriacutedico nacional na medida em que o douto

Tribunal aceita a existecircncia de um caso de colaboraccedilatildeo activa do arguido natildeo o afastando

imediata e categoricamente depois de o qualificar como tal369 Mais recentemente o

365 Oliveira Silva 2015 583-584 366 Costa Andrade 2014 143-144 367 Oliveira Silva 2015 590 368 Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1552007 de 2 de Marccedilo de 2007 disponiacutevel em

httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20070155html [consultado em 01022017] 369 Pinto 2013 99

107

Supremo Tribunal de Justiccedila no seu acoacuterdatildeo nordm 142014 veio destacar a difiacutecil

praticabilidade deste criteacuterio ldquopor nem sempre ser viaacutevel e nem visiacutevel a distinccedilatildeo entre

as duas formas procedimentais por ser demasiado simplista natildeo conducente a resultados

seguros sequer aceitaacuteveisrdquo370 O Supremo Tribunal atesta ainda que ldquona verdade parece

evidente que mesmo em casos havidos classicamente de toleracircncia passiva natildeo deixa de

coexistir uma participaccedilatildeo activa como eacute o caso da sujeiccedilatildeo a recolha de sangue saliva

urina corte de cabelo de tecidos corporais aacutelcool no sangue a partir do ar expirado ou

do sangue etc em que sem a colaboraccedilatildeo (necessariamente activa) do arguido expondo

voluntariamente o seu corpo fica comprometido o resultado a alcanccedilarrdquo371

Em conclusatildeo podemos afirmar que dadas as dificuldades de aplicaccedilatildeo fragilidades e

inconsistecircncias do criteacuterio da conduta activa e toleracircncia passiva este natildeo poderaacute ser

considerado como um meacutetodo viaacutevel para traccedilar a linha de fronteira entre a colaboraccedilatildeo

admissiacutevel e a inadmissiacutevel Por esse motivo estas dificuldades tecircm conduzido a doutrina

e jurisprudecircncia nacionais ao esboccedilo de um terceiro criteacuterio de delimitaccedilatildeo e ao

progressivo abandono do binoacutemio actividadepassividade

43 Criteacuterio da ponderaccedilatildeo de bens

A doutrina e jurisprudecircncia constitucional portuguesas tecircm vindo a adoptar o criteacuterio da

ponderaccedilatildeo de bens para delimitar a aacuterea de tutela do nemo tenetur se ipsum accusare

Sem embargo antes de procedermos agrave anaacutelise deste criteacuterio impera que se estabeleccedila a

priori uma distinccedilatildeo relativa agrave natureza dos direitos fundamentais ou mais

rigorosamente agrave natureza das normas de direitos fundamentais que possam entrar em

conflito

431 A distinccedilatildeo entre normas-regras e normas-princiacutepios

Grande parte da doutrina nacional e internacional defende a distinccedilatildeo niacutetida entre regras

e princiacutepios Distinccedilatildeo segundo Alexy sem a qual natildeo poderia existir uma teoria

adequada dos limites dos direitos fundamentais nem uma teoria satisfatoacuteria da colisatildeo

entre direitos fundamentais nem tatildeo pouco uma teoria suficiente acerca do papel

desempenhado por estes direitos no sistema juriacutedico372 Esta construccedilatildeo foi globalmente

370 Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro de 2014 disponiacutevel em

httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 01022017] 371 Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro de 2014 disponiacutevel em

httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 01022017] 372 Alexy 2008 63

108

desenvolvida na deacutecada de oitenta por Alexy inspirado no pensamento de Dworkin e

nas suas distinccedilotildees entre ldquorulesrdquo e ldquoprinciplesrdquo

Segundo Dworkin a distinccedilatildeo loacutegica entre regras e princiacutepios manifesta-se na diferente

forma de aplicaccedilatildeo e de colisatildeo que por sua vez se funda na seguinte diferenccedila essencial

enquanto que a dimensatildeo fundamental das regras eacute a da validade a dos princiacutepios eacute o

peso373 Assim um conflito de regras seria decidido atraveacutes da dimensatildeo determinante da

validade implicando a eliminaccedilatildeo na ordem juriacutedica da regra contraacuteria invaacutelida ao passo

que uma colisatildeo de princiacutepios diferentemente seria decidida em funccedilatildeo do peso relativo

que cada um deles apresenta no caso concreto (dimension of weight) implicando a

cedecircncia do princiacutepio mais fraco nesse caso sem a sua exclusatildeo da ordem juriacutedica374

Para Alexy as regras satildeo normas que exigem algo de modo definitivo satildeo comandos

definitivos Se uma regra eacute vaacutelida e estatildeo reunidas as condiccedilotildees para a sua aplicaccedilatildeo

entatildeo deve ser feito exactamente o que ela exige Se isso for feito a regra eacute cumprida se

isso natildeo for feito a regra eacute violada375 Pelo contraacuterio os princiacutepios satildeo mandados de

optimizaccedilatildeo Como tal eles exigem que algo seja feito na maacutexima extensatildeo possiacutevel de

acordo com as possibilidades de facto e de direito existentes376

Neste sentido a diferenccedila entre regras e princiacutepios permanece para Alexy tal como para

Dworkin uma diferenccedila qualitativa e natildeo gradativa sendo qualquer norma ou uma regra

ou um princiacutepio377

Jaacute na doutrina nacional Jorge Reis Novais afirma que a diferenccedila entre regras e

princiacutepios eacute determinada pelo meacutetodo de aplicaccedilatildeo que seria a ponderaccedilatildeo nos princiacutepios

e a subsunccedilatildeo nas regras378

De acordo com estas distinccedilotildees entre normas-regras e normas-princiacutepios facilmente se

depreende que o nemo tenetur se ipsum accusare seria qualificado como um princiacutepio e

natildeo uma regra E apresentando este direito fundamental natildeo escrito a natureza de

princiacutepio o nemo tenetur como temos vindo a reiterar ao longo da nossa investigaccedilatildeo

373 Dworkin 1977 35 374 Dworkin 1977 22-26 375 Alexy 2014 818-819 376 Alexy 2014 819 377 Alexy 2008 68 Contra esta ideia vai Jorge Reis Novais ao afirmar que um direito fundamental pode

ser simultaneamente uma regra e um princiacutepio dando como exemplo o direito agrave vida ldquo[hellip] o direito agrave vida

constitucionalmente reconhecido pode ser fundamentalmente considerado como regra como princiacutepio ou

simultaneamente regra e princiacutepio [hellip]rdquo Cf Reis Novais 2010 352 378 Reis Novais 2010 347-348

109

natildeo seraacute absoluto podendo ser alvo de colisotildees com outros princiacutepios Segundo Alexy

quando dois princiacutepios entram em colisatildeo um deles teraacute obrigatoriamente que ceder

perante o outro No entanto isto natildeo significa como se referiu anteriormente que se tenha

de considerar invaacutelido o princiacutepio alvo de cedecircncia379

Efectivamente os defensores dos direitos fundamentais como princiacutepios partem desta

distinccedilatildeo entre regras e princiacutepios para afirmarem que a determinaccedilatildeo do grau adequado

de satisfaccedilatildeo ou de realizaccedilatildeo de um princiacutepio relativamente aos mandados de outros

princiacutepios eacute conseguida atraveacutes da ponderaccedilatildeo380 Ou seja apresentando as normas

constitucionais de direitos fundamentais a natureza de princiacutepios isso significa que os

direitos nelas sustentados soacute se convertem em direitos definitivos depois de passarem pelo

crivo do criteacuterio da ponderaccedilatildeo com os princiacutepios opostos nas circunstacircncias do caso

concreto381 O criteacuterio da ponderaccedilatildeo seraacute assim a forma especiacutefica de aplicaccedilatildeo aos

princiacutepios

Depois de feita a distinccedilatildeo entre normas-regras e normas-princiacutepios e o seu meacutetodo de

resoluccedilatildeo em caso de conflito passaremos agora agrave anaacutelise do criteacuterio da ponderaccedilatildeo

432 A ponderaccedilatildeo enquanto criteacuterio de resoluccedilatildeo de conflitos entre

direitos fundamentais

Sendo o princiacutepio nemo tenetur sujeito a restriccedilotildees natildeo causa estranheza afirmar que o

processo penal eacute foco permanente de tensotildees entre o dever de eficaacutecia que eacute exigido aos

responsaacuteveis pela investigaccedilatildeo criminal e as garantias de defesa que cabem a todos os

arguidos Eacute assim neste acircmbito que assume relevacircncia a ponderaccedilatildeo deste amplo direito

dos arguidos em natildeo colaborar para a autoincriminaccedilatildeo quando em confronto com outros

valores como a eficaacutecia da investigaccedilatildeo criminal e a tutela efectiva da justiccedila382

Augusto Silva Dias e Vacircnia Costa Ramos satildeo dois Autores que perfilham este criteacuterio

como sendo o correcto para a delimitaccedilatildeo entre a coacccedilatildeo permitida e a coacccedilatildeo proibida

Segundo os Autores ldquosempre que o suspeito (ou arguido) seja induzido ou coagido por

forma mais ou menos activa ou mais ou menos intelectualmente elaborada a colaborar

379 Alexy 2008 70 380 Alexy 2014 819 Contra este entendimento vai Vieira de Andrade ao defender que ldquo[hellip] a limitaccedilatildeo

de direitos fundamentais associada ao meacutetodo da ponderaccedilatildeo e da harmonizaccedilatildeo toma um sentido muito

amplo que tende a consumir na colisatildeo de direitos ou de direitos e valores aleacutem dos casos de harmonizaccedilatildeo

a declaraccedilatildeo de limites imanentes e a restriccedilatildeo legislativardquo Cf Vieira de Andrade 2016 266-267 381 Reis Novais 2010 339 382 NevesCorreia 2014 146

110

na sua inculpaccedilatildeo cai-se na esfera de protecccedilatildeo do nemo teneturrdquo383 No entanto estando-

se perante um princiacutepio de natureza natildeo absoluta existe a necessidade de encontrar um

ponto de equiliacutebrio entre as garantias de defesa do arguido e os interesses da investigaccedilatildeo

Com efeito a descoberta da verdade e a correcta realizaccedilatildeo da justiccedila criminal ficariam

seriamente comprometidas caso fossem eliminadas todas as possibilidades de utilizaccedilatildeo

de elementos probatoacuterios provenientes da esfera do arguido ou obtidos com a sua

colaboraccedilatildeo384 Para os Autores citados e para a maioria da doutrina nacional385 o

referido ponto de equiliacutebrio eacute dado pela ideia de concordacircncia praacutetica fundada na

ponderaccedilatildeo de interesses conflituantes386 ldquoPorque nenhum princiacutepio pode pretender na

sua globalidade vigecircncia absolutardquo satildeo legiacutetimas as restriccedilotildees ao nemo tenetur impostas

pela necessidade de salvaguarda de um interesse ou direito concretamente prevalecente

como seraacute o da maacutexima eficaacutecia da administraccedilatildeo da justiccedila na perseguiccedilatildeo dos crimes

mais graves387

De facto ter um direito fundamental significa na sua dimensatildeo subjectiva ter uma

posiccedilatildeo forte de garantia que vincula directamente as entidades puacuteblicas no sentido de

que estas natildeo podem dispor ou intervir livremente sobre ela sem que estejam preenchidos

requisitos constitucionais escritos388 Poreacutem dada a necessidade de essas posiccedilotildees serem

compatibilizadas com outros bens a ponderaccedilatildeo dos bens em conflito parece ser o melhor

procedimento ao inveacutes de um criteacuterio all or nothing389

Neste caso quando os poderes constituiacutedos procedem agrave harmonizaccedilatildeo ou

compatibilizaccedilatildeo de bens natildeo procedem agrave mera declaraccedilatildeo de limites jaacute existentes mas

determinam de uma maneira geral constitutivamente de entre vaacuterias hipoacuteteses de soluccedilatildeo

ao seu dispor o se o como e o quanto da eventual cedecircncia (restriccedilatildeo) dos direitos

383 Silva DiasRamos 2009 29 384 Oliveira Silva 2015 617 385 ldquoA doutrina portuguesa vem aceitando a concepccedilatildeo de Dworkin e de Alexy segundo a qual o Dasein

dos princiacutepios eacute em colisatildeo com outros e o modo de dirimir essa colisatildeo eacute natildeo atraveacutes de um criteacuterio all or

nothing mas por meio de uma compatibilizaccedilatildeo ou concordacircncia praacutetica que visa aplicar todos os princiacutepios

colidentes harmonizando-os entre si na situaccedilatildeo concretardquo Cf Silva DiasRamos 2009 23 386 Neste sentido Gomes Canotilho e Vital Moreira defendem que ldquoa restriccedilatildeo de direitos fundamentais

implica necessariamente uma relaccedilatildeo de conciliaccedilatildeo com outros direitos ou interesses constitucionais e

exige necessariamente uma tarefa de ponderaccedilatildeo ou de concordacircncia praacutetica dos direitos ou interesses em

conflitordquo Cf CanotilhoMoreira 1991 134 387 Silva DiasRamos 2009 34 ldquoO grau dessa restriccedilatildeo depende da importacircncia constitucional dos direitos

ou interesses puacuteblicos colidentes mas nunca pode ir ao ponto de aniquilar o conteuacutedo essencial de qualquer

deles (v nordm 3 do artigo 18ordm da CRP)rdquo Cf Silva Dias 2010 246 388 Reis Novais 2010 570 389 Silva DiasRamos 2009 23

111

fundamentais390 Desta forma natildeo devemos falar aqui contrariamente ao defendido pela

teoria interna dos limites dos direitos fundamentais em limites imanentes Os direitos de

terceiros ou outros bens constitucionais que colidam com os direitos fundamentais natildeo

satildeo os seus limites ou seja natildeo excluem a priori qualquer exerciacutecio de direito

fundamental que eventualmente afecte esses bens O que se passa como bem defende

Jorge Reis Novais eacute que ldquotendo os direitos fundamentais uma validade condicionada agrave

cedecircncia perante valores que apresentem no caso concreto um maior peso pode

acontecer que por forccedila da sua colisatildeo com esses bens os interesses [hellip]

jusfundamentalmente protegidos tenham que cederrdquo391 Efectivamente quando um

princiacutepio direito ou garantia eacute superior a outro de acordo com criteacuterios de relevacircncia

constitucional e natildeo eacute possiacutevel na situaccedilatildeo concreta salvaguardar alguns aspectos do

princiacutepio inferior nesse caso eacute permitido o sacrifiacutecio deste uacuteltimo392

Sem embargo cumpre deixar claro que a colisatildeo dos mesmos bens num outro caso

concreto pode ser resolvida num sentido ou numa medida de restriccedilatildeo completamente

diferentes seja pela novidade das circunstacircncias envolventes seja pela diversidade das

especiacuteficas modalidades aacutereas ou recortes dos interesses e dos bens em colisatildeo

No fundo como jaacute referimos anteriormente todo o problema dos limites dos direitos

fundamentais em Estado de Direito gira em torno de duas exigecircncias de sentido

potencialmente divergente de um lado as necessidades de protecccedilatildeo privilegiada e

qualidade das liberdades individuais e de outro a satisfaccedilatildeo por parte do Estado das

necessidades de vida em comunidade politicamente organizada e em particular a

garantia dos direitos fundamentais dos outros e a realizaccedilatildeo dos bens constitucionais

433 Os limites aos limites dos direitos fundamentais

Atendendo ao facto de que o conflito entre estas duas exigecircncias resolver-se-agrave segundo

o criteacuterio da ponderaccedilatildeo atraveacutes de uma harmonizaccedilatildeo ou compatibilizaccedilatildeo de bens

cumpre agora deixar claro que esta ponderaccedilatildeo de bens na medida em que iraacute restringir

obrigatoriamente um ou ambos os direitos fundamentais teraacute de observar recorrendo agrave

terminologia germacircnica os chamados limites aos limites dos direitos fundamentais

390 Reis Novais 2010 570-571 391 Reis Novais 2010 572 Neste sentido Alexy vem defender a ideia de que a soluccedilatildeo para a colisatildeo

consiste na fixaccedilatildeo de uma relaccedilatildeo de precedecircncia condicionada entre os princiacutepios em conflito Por sua

vez a determinaccedilatildeo desta relaccedilatildeo de precedecircncia condicionada atendendo ao caso concreto passa por

indicar em que condiccedilotildees um princiacutepio tem prevalecircncia sobre o outro Cf Alexy 2008 73 392 Silva DiasRamos 2009 23-24

112

No caso portuguecircs por forccedila da aplicaccedilatildeo dos nos 2 e 3 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da

Repuacuteblica Portuguesa toda e qualquer restriccedilatildeo a direitos fundamentais nomeadamente

ao princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare teraacute de obedecer aos seguintes requisitos

a) deve estar prevista em lei formal (nordm 2 1ordf parte) b) deve ter como objectivo a

salvaguarda de outro direito ou interesse constitucionalmente protegido ( nordm 2 in fine)

c) deve obedecer ao princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo ndash adequaccedilatildeo

necessidade e proporcionalidade em sentido estrito (nordm 2 2ordf parte)393 d) natildeo deve

aniquilar o direito em causa atingindo o conteuacutedo essencial do respectivo preceito ( nordm 3

in fine)394

Aleacutem da verificaccedilatildeo destes requisitos materiais a validade das restriccedilotildees a direitos

liberdades e garantias depende ainda nos termos do nordm 3 do artigo 18ordm da Lei

Fundamental de dois requisitos formais a) deve ser geral e abstracta (nordm 3 1ordf parte) b)

e natildeo deve ter efeito retroactivo (nordm 3 2ordf parte)

Verificados estes requisitos deveraacute considerar-se juriacutedico-constitucionalmente admissiacutevel

a restriccedilatildeo daquelas garantias processuais mesmo em mateacuteria criminal

Entendimento semelhante eacute defendido pela jurisprudecircncia nacional395 O Tribunal

Constitucional no seu acoacuterdatildeo nordm 1552007 relativo agrave recolha de saliva atraveacutes de

zaragatoa bucal veio atestar que ldquo[hellip] natildeo proibindo a Constituiccedilatildeo em absoluto a

possibilidade de restriccedilatildeo legal aos direitos liberdades e garantias submete-a contudo a

muacuteltiplos e apertados pressupostos (formais e materiais) de validade Da vasta

jurisprudecircncia constitucional sobre a mateacuteria decorre em siacutentese que qualquer restriccedilatildeo

de direitos liberdades e garantias soacute eacute constitucionalmente legiacutetima se (i) for autorizada

pela Constituiccedilatildeo (artigo 18ordm nordm 2 1ordf parte) (ii) estiver suficientemente sustentada em lei

da Assembleia da Repuacuteblica ou em decreto-lei autorizado (artigo 18ordm nordm 2 1ordf parte e

393 Figueiredo DiasCosta Andrade 2009 45 Neste sentido vai tambeacutem Vacircnia Costa Ramos quando

defende a ideia de que ldquoo nemo tenetur natildeo eacute todavia um princiacutepio absoluto subtraiacutedo a ponderaccedilatildeo

Poderaacute ser limitado para protecccedilatildeo de outros direitos liberdades ou garantias da mesma natureza e segundo

criteacuterios de adequaccedilatildeo e de proporcionalidade em conformidade com o nordm 2 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo

da Repuacuteblica Portuguesardquo Cf Ramos 2010 180 394 Gomes CanotilhoMoreira 2014 388 Miranda 2006 96-97 Moniz 2009 149 Gomes Canotilho

2016 451 395 O proacuteprio Tribunal Europeu dos Direitos Humanos no caso Jalloh v Alemanha parece adoptar um

criteacuterio de ponderaccedilatildeo de bens quando afirma que ldquoPara determinar se o direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo do

queixoso foi violado o Tribunal por sua vez teraacute de considerar os seguintes factores a natureza e o grau

de coerccedilatildeo empregado para obter as provas a importacircncia do interesse puacuteblico na investigaccedilatildeo e puniccedilatildeo

da infracccedilatildeo em apreccedilo a existecircncia de garantias relevantes no processo e a utilizaccedilatildeo prevista dos meios

de prova obtidos dessa formardquo Cf Acoacuterdatildeo Jalloh v Alemanha de 11 de Julho de 2006 disponiacutevel em

httpswcdcoeintViewDocjspp=ampid=1018815ampSite=COEampdirect=true [consultado em 02022017]

113

artigo 165ordm nordm 1 aliacutenea b) (iii) visar a salvaguarda de outro direito ou interesse

constitucionalmente protegido (artigo 18ordm nordm 2 in fine) (iv) for necessaacuteria a essa

salvaguarda adequada para o efeito e proporcional a esse objectivo (artigo 18ordm nordm 2 2ordf

parte) (v) tiver caraacutecter geral e abstracto natildeo tiver efeito retroactivo e natildeo diminuir a

extensatildeo e o alcance do conteuacutedo essencial dos preceitos constitucionais (artigo 18ordm nordm

3 da Constituiccedilatildeo)rdquo396

Por sua vez o Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto tambeacutem em sede de apreciaccedilatildeo da

legitimidade do uso de zaragatoa bucal para a recolha de ADN e defendendo o recurso

ao criteacuterio da ponderaccedilatildeo de bens veio esclarecer que ldquo[hellip] natildeo existiraacute

desproporcionalidade na utilizaccedilatildeo de tais meacutetodos invasivos do corpo da pessoa (mas

natildeo lesivos da integridade fiacutesica) da sua liberdade e privacidade como uacutenico meio para

a obtenccedilatildeo de prova em situaccedilotildees (tal qual a do presente caso) de extrema gravidade dos

factos perpetrados com base numa ponderaccedilatildeo de todas as circunstacircncias a efectuar por

um juiz imparcial que natildeo tem a seu cargo ou sob o seu domiacutenio a investigaccedilatildeo do

processo [hellip]rdquo397

4331 Exigecircncia de lei formal

No que concerne ao primeiro requisito apresentado cumpre deixar claro que o princiacutepio

nemo tenetur se ipsum accusare assim como todos os direitos fundamentais soacute pode ser

restringido por lei398 Esta reserva material de lei tem duas dimensotildees principais a

primeira (dimensatildeo negativa) significa que as mateacuterias reservadas agrave lei natildeo podem ser

reguladas por outras fontes diferentes da lei a segunda (dimensatildeo positiva) significa que

deve ser a lei a estabelecer efectivamente (com suficiente grau de certeza precisatildeo e

densidade) o regime juriacutedico das mateacuterias em questatildeo399

396 Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1552007 de 2 de Marccedilo de 2007 disponiacutevel em

httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20070155html [consultado em 02022017] 397 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 10 de Dezembro de 2008 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrpnsf56a6e7121657f91e80257cda00381fdf673fcb5dc0168da6802575220056a553

OpenDocument [consultado em 02022017] Tambeacutem em sede de processos contra-ordenacionais o

Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa veio atestar que dada ldquo[hellip] a necessidade de compatibilizar os diversos direitos princiacutepios e interesses constitucionalmente protegidos caberaacute verificar se no caso dos processos

contra-ordenacionais investigados instruiacutedos e decididos pelo Instituto Nacional de Aviaccedilatildeo Civil existem

razotildees que determinem a supressatildeo ou a mera restriccedilatildeo do direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo sempre em

obediecircncia ao princiacutepio da proporcionalidade (cfr nordm 2 do artigo 18ordm da CRP)rdquo Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal

da Relaccedilatildeo de Lisboa de 17 de Abril de 2012 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrlnsf33182fc732316039802565fa00497eec849980283d233cfd802579e6004e401f

OpenDocument [consultado em 02022017] 398 Gomes Canotilho 2016 453 399 Alexandrino 2015 128

114

Este requisito constitucional das restriccedilotildees estaacute patente na problemaacutetica regra enunciada

no nordm 2 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa segundo a qual a lei soacute

pode restringir os direitos liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na

Constituiccedilatildeo Sendo que o princiacutepio nemo tenetur configura como frisaacutemos

anteriormente uma componente das garantias de defesa do arguido asseguradas no artigo

32ordm da CRP cujo objectivo uacuteltimo eacute a sua protecccedilatildeo como sujeito no processo parece

claro que nos encontramos aqui perante uma restriccedilatildeo de direitos liberdades e garantias

Sobre o sentido e a funccedilatildeo a reconhecer a essa singular claacuteusula da Lei Fundamental

portuguesa existem pelo menos trecircs grupos de orientaccedilotildees na doutrina a) as teses

defensoras da relevacircncia absoluta b) as teses defensoras da relevacircncia relativa c) e as

teses defensoras da irrelevacircncia juriacutedica

O primeiro grupo de orientaccedilotildees defendido por Vieira de Andrade pretende levar a seacuterio

a proibiccedilatildeo constante dessa regra constitucional Para este Autor o nordm 2 do referido artigo

estabelece categoricamente a figura das restriccedilotildees legislativas Assim as restriccedilotildees

nomeadamente ao princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo soacute seriam permitidas entre noacutes

nos casos e para os efeitos em que fossem expressamente previstas pelos preceitos

constitucionais relativos a esses direitos400

Uma segunda corrente doutrinaacuteria relativiza o sentido da proibiccedilatildeo fazendo-o no

entanto de formas muito distintas podendo designadamente considerar-se dois grupos

consoante persista uma ideia de resolver a dificuldade no quadro da norma ou de fugir a

essa dificuldade401 Assim a) para muitos Autores da interpretaccedilatildeo sistemaacutetica da

Constituiccedilatildeo decorreria a necessidade de admitir ao lado das restriccedilotildees expressamente

autorizadas restriccedilotildees impliacutecitas restriccedilotildees implicitamente autorizadas402 b) por outro

lado tecircm constituiacutedo exemplos de orientaccedilotildees centriacutefugas o recurso agrave figura dos limites

imanentes a priori o recurso ao nordm 2 do artigo 29ordm da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos

do Homem o recurso agrave transferecircncia de limites ou a introduccedilatildeo da distinccedilatildeo com

imediatos efeitos de regime entre restriccedilatildeo e condicionamento (limitaccedilatildeo)403

400 Vieira de Andrade 2016 271-273 401 Alexandrino 2015 131 402 Alexandrino 2006 445-448 403 Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1552007 de 2 de Marccedilo de 2007 disponiacutevel em

httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20070155html [consultado em 10022017]

115

Por fim uma terceira tese defendida por Jorge Reis Novais vem afirmar que a regra

enunciada no nordm 2 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo natildeo pode ser levada a seacuterio Estamos

com o Autor quando defende que o legislador constituinte portuguecircs proclamou (no

artigo 18ordm) uma regra que natildeo tem correspondecircncia na natureza das coisas404 pois eacute da

natureza dos direitos fundamentais que estes entrem em colisatildeo uns com os outros Em

segundo plano adianta o Autor se eacute verdade que os direitos liberdades e garantias satildeo

trunfos eles podem ser batidos por trunfos mais altos405 O Autor conclui com a defesa

de que a consagraccedilatildeo na revisatildeo constitucional de 1997 de uma liberdade geral de acccedilatildeo

abrangente tem necessariamente como contrapartida o reconhecimento da possibilidade

da sua limitaccedilatildeo da forma mais ampla possiacutevel406 Efectivamente se todas as restriccedilotildees

nomeadamente ao princiacutepio nemo tenetur tivessem de ser previstas expressamente no

texto constitucional este haveria de conter muitos milhares de artigos407

Desta forma defendemos a ideia de que uma restriccedilatildeo vaacutelida ao princiacutepio nemo tenetur

se ipsum accusare natildeo necessita de constar expressamente na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Portuguesa mas antes de ser admitida dentro da unidade desta

4332 Necessidade de salvaguarda de outro direito ou interesse

constitucionalmente protegido

O segundo requisito material para a restriccedilatildeo legiacutetima de direitos liberdades e garantias

consiste em que ela soacute se pode justificar para salvaguardar um outro direito ou interesse

constitucionalmente protegido (nordm 2 do artigo 18ordm da CRP) Este requisito significa

fundamentalmente que o sacrifiacutecio ainda que parcial de um direito fundamental natildeo

pode ser arbitraacuterio gratuito ou desmotivado408

Natildeo haacute consenso na doutrina quanto agrave necessidade de estatura constitucional do outro

direito ou interesse que justifica a restriccedilatildeo

Por um lado Gomes Canotilho e Vital Moreira defendem que eacute vedada ao legislador a

possibilidade de justificar a restriccedilatildeo de direitos liberdades e garantias por eventual

colisatildeo com outros direitos ou bens tutelados apenas a niacutevel infraconstitucional Para estes

404 Reis Novais 2010 581 e 587 405 Reis Novais 2006 52 406 Reis Novais 2010 591 407 Martinez 1992 33 408 Gomes CanotilhoMoreira 2014 391

116

Autores torna-se necessaacuterio ldquoque o interesse cuja salvaguarda se invoca para restringir

um dos direitos liberdades ou garantias tenha no texto constitucional suficiente e

adequada expressatildeordquo (vg patrimoacutenio cultural defesa nacional ordem constitucional

democraacutetica seguranccedila puacuteblica sauacutede puacuteblica entre outros)409

Por outro lado Jorge Reis Novais com quem concordamos reitera que qualquer valor

digno de protecccedilatildeo juriacutedica pode fundamentar uma restriccedilatildeo aos direitos fundamentais

uma vez que indagar do fundamento da restriccedilatildeo atraveacutes de uma distinccedilatildeo de hierarquia

meramente formal de bens pode mascarar aquilo que estaacute realmente em causa ndash saber se

os direitos fundamentais podem ser restringidos em funccedilatildeo da protecccedilatildeo de bens de

estatura infraconstitucional mas que no caso concreto apresente um valor ou peso

superior ao dos direitos fundamentais que se pretende restringir410 Defende o Autor que

mesmo direitos ou interesses natildeo consagrados na Lei Fundamental podem restringir

direitos fundamentais Seraacute ainda segundo o Autor o peso concreto e material dos

princiacutepios opostos que determinaraacute a preferecircncia relativa no caso concreto

independentemente do niacutevel constitucional ou infraconstitucional da garantia juriacutedica

que eacute soacute mais um entre os diversos factores que devem ser considerados na ponderaccedilatildeo411

4333 Princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo

Decorre do nordm 2 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa que as restriccedilotildees

aos direitos liberdades e garantias tecircm de ser necessaacuterias para a salvaguarda de outros

direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e tecircm de limitar-se ao necessaacuterio

para esse fim412 Assim para aleacutem de ter de constar em lei autorizada com caraacutecter geral

e abstracto a ordem restritiva (nomeadamente a ordem de desencriptaccedilatildeo de

smartphones) tem ainda que ser adequada ou seja apropriada aos fins que se propotildee

atingir necessaacuteria na medida em que soacute eacute admissiacutevel quando for impossiacutevel utilizar outro

meio menos oneroso e proporcional em relaccedilatildeo aos resultados obtidos413

409 Gomes CanotilhoMoreira 2014 392 410 Reis Novais 2010 602-603 411 Reis Novais 2010 604 412 Alexandrino 2015 134 413 Correia 1999a 59 Em sentido semelhante ldquoas restriccedilotildees estatildeo sujeitas ao princiacutepio da

proporcionalidade ndash soacute podem ser estabelecidas quando os fins os interesses e os valores constitucionais

soacute atraveacutes deles possam ser protegidos devem em cada caso realizar esses fins e natildeo outros e devem

corresponder agrave medida agrave justa medida tambeacutem em cada caso concretordquo Cf Miranda 2006 97 ldquoO valor

constitucional dos preceitos relativos aos direitos fundamentais soacute eacute efectivamente garantido se se exigir

que a eventual restriccedilatildeo seja adequada e justificada pela necessidade de proteger ou promover um bem

constitucionalmente valioso e soacute na proporccedilatildeo dessa necessidaderdquo Cf Vieira de Andrade 2016 287 ldquo[hellip]

117

Apesar de a Constituiccedilatildeo no seu artigo 18ordm natildeo fazer menccedilatildeo expressa agrave

proporcionalidade como paracircmetro de controlo a doutrina portuguesa fez formalmente

do princiacutepio da proporcionalidade o nuacutecleo central dos requisitos materiais exigidos agraves

restriccedilotildees de direitos fundamentais414

O texto constitucional faz ainda que implicitamente referecircncia ao princiacutepio da

proporcionalidade em sentido amplo que estabelece um limite constitucional agrave liberdade

de conformaccedilatildeo do legislador415 O princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo

constitui um verdadeiro super conceito (Oberbegriff) super conceito esse que tem sido

tradicionalmente decomposto em trecircs subprinciacutepios (corolaacuterios maacuteximas ou dimensotildees)

a) o da adequaccedilatildeo (ou idoneidade) b) o da necessidade (indispensabilidade ou do meio

menos restritivo) c) o da proporcionalidade em sentido estrito (ou da justa medida)416

O primeiro subprinciacutepio da adequaccedilatildeo ou idoneidade significa que as medidas restritivas

devem ser aptas ou idoacuteneas para realizar o fim prosseguido pela restriccedilatildeo Ou seja este

subprinciacutepio exige que a medida restritiva em causa seja considerada atraveacutes de um juiacutezo

de prognose417 apta a realizar o fim visado com a restriccedilatildeo ou contribua para o

alcanccedilar418 Para que se apure a existecircncia de inconstitucionalidade seraacute necessaacuterio que o

responsaacutevel pela restriccedilatildeo pudesse ter previsto tal inaptidatildeo no momento em que a decidiu

ou a actuou O controlo da adequaccedilatildeo acaba por ser segundo Jorge Reis Novais um

controlo ex ante incidindo sobre a prognose realizada pelos poderes puacuteblicos

responsaacuteveis pela criaccedilatildeo ou concretizaccedilatildeo da restriccedilatildeo a direitos fundamentais419 Desta

forma viola-se este corolaacuterio sempre que tendo em conta os conhecimentos empiacutericos e

cientiacuteficos disponiacuteveis no momento da aprovaccedilatildeo da medida esta se revele inapta para

atingir o fim visado seraacute naturalmente inapta se os efeitos dessa medida se revelarem

as restriccedilotildees de direitos fundamentais carecem tambeacutem de justificaccedilatildeo natildeo podendo legitimar-se senatildeo

pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e natildeo

podendo ultrapassar a medida necessaacuteria para o efeito (nordm 2 do artigo 18ordm) Eacute a consagraccedilatildeo expressa do

chamado princiacutepio da proporcionalidade que proiacutebe nomeadamente as restriccedilotildees desnecessaacuterias inaptas

ou excessivas de direitos fundamentais Os direitos fundamentais soacute podem ser restringidos quando tal se

torne indispensaacutevel e no miacutenimo necessaacuterio para salvaguardar outros direitos ou interesses

constitucionalmente protegidosrdquo Cf Gomes CanotilhoMoreira 1991 133-134 414 Reis Novais 2010 729-730 415 ldquoA Constituiccedilatildeo ao autorizar a lei a restringir direitos liberdades e garantias de forma a permitir ao

legislador a realizaccedilatildeo de uma tarefa de concordacircncia praacutetica justificada pela defesa de outros bens ou

direitos constitucionalmente protegidos impotildee uma clara vinculaccedilatildeo ao exerciacutecio dos poderes

discricionaacuterios do legisladorrdquo Cf Gomes Canotilho 2016 457 416 Alexandrino 2015 135 417 Rodrigues 2009b 216 418 Reis Novais 2010 731 419 Reis Novais 2010 739

118

indiferentes ou contraacuterios agrave realizaccedilatildeo do fim em vista420 Eacute ainda de referir que a aptidatildeo

deve ser aferida natildeo no sentido de uma exigecircncia que soacute se considera cumprida quando o

meio realiza integral ou plenamente o fim visado mas bastando-se antes com uma

aproximaccedilatildeo sensiacutevel ainda que parcelar do fim pretendido421 Relativamente aos fins

pressupotildee-se que os mesmos sejam legiacutetimos e aleacutem disso que sejam juriacutedica e

materialmente possiacuteveis

O segundo corolaacuterio da necessidade indispensabilidade ou do meio menos restritivo que

constitui sem duacutevida o teste mais complexo exigente e decisivo significa que se deve

recorrer ao meio menos restritivo para atingir o fim em vista422 Isto eacute o princiacutepio da

necessidade impotildee que se recorra para atingir esse fim ao meio necessaacuterio exigiacutevel ou

indispensaacutevel no sentido do meio mais suave ou menos restritivo que precise de ser

utilizado para atingir o fim em vista423 A indispensabilidade afere-se entatildeo pela

comparaccedilatildeo entre os prejuiacutezos provocados por esse meio e os prejuiacutezos que seriam

provocados pela utilizaccedilatildeo de um meio alternativo menos agressivo Por sua vez a

desnecessidade da agressatildeo afere-se em relaccedilatildeo aos prejuiacutezos provocados pela medida

restritiva avaliados em funccedilatildeo de criteacuterios materiais espaciais temporais ou pessoais e

tendo em conta natildeo apenas o direito fundamental directamente atingido como qualquer

outra afectaccedilatildeo desvantajosa da liberdade dos direitos fundamentais ou de outros

interesses juridicamente relevantes do mesmo titular ou de outros afectados424 O teste eacute

complexo desde logo porque eacute funccedilatildeo de muacuteltiplas variaacuteveis nomeadamente do tipo

concreto de afectaccedilatildeo da agressividade do meio da medida da eficaacutecia dos vaacuterios meios

ou da existecircncia de outros efeitos colaterais425

Por fim o terceiro e uacuteltimo subprinciacutepio o da proporcionalidade em sentido estrito ou da

justa medida visa apurar o equiliacutebrio na relaccedilatildeo entre a importacircncia do fim visado e a

gravidade do sacrifiacutecio imposto Na verdade uma medida pode ser adequada e necessaacuteria

420 Gomes Canotilho 2016 457 421 Reis Novais 2010 738 Qualquer exigecircncia de plena realizaccedilatildeo do fim seria impossiacutevel de ser atingida

pelo legislador aquando da realizaccedilatildeo da medida uma vez que natildeo haacute como saber a priori se a medida iraacute

efectivamente realizar o fim motivo pelo qual basta que a medida seja adequada para fomentar o fim 422 Alexandrino 2015 136 423 Neste sentido vai tambeacutem a jurisprudecircncia do Supremo Tribunal de Justiccedila ao afirmar que ldquoainda que

se considere a medida idoacutenea esta deve ser necessaacuteria ou seja perante medidas que oferecem idecircntica

idoneidade deve escolher-se a que ofereccedila o menor potencial de prejuiacutezo para o visado mesmo que exija

mais tempo para a sua realizaccedilatildeo obrigando a utilizar outros meios de obtenccedilatildeo de prova [hellip]rdquo Cf Acoacuterdatildeo

do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro de 2014 disponiacutevel em

httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 16022017] 424 Reis Novais 2010 741 425 Gomes Canotilho 2016 458

119

e ao mesmo tempo afectar de forma excessiva intoleraacutevel ou desproporcionada o direito

em questatildeo426 Este corolaacuterio estaacute relacionado com a ideia de pesar de sopesar de

ponderar as vantagens e desvantagens presentes num determinado cenaacuterio de restriccedilatildeo

Segundo Alexy o subprinciacutepio da proporcionalidade em sentido estrito corresponde a

uma maacutexima que pode ser designada como ldquoLei da Ponderaccedilatildeordquo Esta maacutexima defende

que quanto maior for o grau de natildeo realizaccedilatildeo ou de afectaccedilatildeo de um princiacutepio maior

deve ser a importacircncia da realizaccedilatildeo do princiacutepio colidente427 De facto aqui jaacute natildeo eacute a

ponderaccedilatildeo entre bens que estaacute em anaacutelise mas antes a medida restritiva que foi

concretamente adoptada no seguimento daquela ponderaccedilatildeo e mais precisamente o

controlo da proporcionalidade dessa medida restritiva E neste controlo de

proporcionalidade em sentido estrito aquilo que se avalia que se compara ou que se potildee

em relaccedilatildeo satildeo os sacrifiacutecios (custos) impostos ao direito fundamental contrapostos aos

benefiacutecios (vantagens) produzidos na obtenccedilatildeo do fim visado com a restriccedilatildeo428 Se a

adopccedilatildeo de uma medida restritiva adoptada introduz na ordem juriacutedica um benefiacutecio

marginal miacutenimo para o fim visado mas produz simultaneamente um acreacutescimo

significativo de sacrifiacutecio na liberdade na autonomia ou no bem-estar entatildeo a ponderaccedilatildeo

dessas grandezas com as que resultam das medidas alternativas actualmente em vigor

pode revelar uma relaccedilatildeo claramente desproporcionada e daiacute a inconstitucionalidade da

nova medida429

Por fim quanto agrave concretizaccedilatildeo jurisprudencial pode afirmar-se que o princiacutepio da

proporcionalidade em sentido amplo ou princiacutepio da proibiccedilatildeo do excesso eacute talvez o

cacircnone mais utilizado pelos tribunais portugueses O Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa chega

mesmo a afimar no seu acoacuterdatildeo de 3 de Marccedilo de 2016 que o princiacutepio da

proporcionalidade em sentido amplo configura-se ldquocomo a trave mestra de legitimaccedilatildeo

do ldquoius puniendirdquo estatal e de toda a restriccedilatildeo de direitos fundamentaisrdquo430 O douto

tribunal dissocia ainda de uma forma clara as trecircs dimensotildees do princiacutepio adequaccedilatildeo

426 Alexandrino 2015 137 427 Alexy 2014 821 428 Reis Novais 2012 128 429 Reis Novais 2012 131 430 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 3 de Marccedilo de 2016 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrlnsf33182fc732316039802565fa00497eec36f34b50b321b89980257f6f004d5fc6

OpenDocument [consultado em 16022017]

120

necessidade e proporcionalidade (stricto sensu) aplicando cada uma delas ao caso

concreto431

4334 Garantia do conteuacutedo essencial

O uacuteltimo requisito material da legitimidade das restriccedilotildees a direitos fundamentais consiste

na ideia de que existe um nuacutecleo essencial dos direitos liberdades e garantias que natildeo

pode em caso algum ser violado Mesmo nos casos em que o legislador estaacute

constitucionalmente autorizado a editar normas restritivas ele permanece vinculado agrave

salvaguarda do nuacutecleo essencial dos direitos432

Esta garantia do nuacutecleoconteuacutedo essencial dos direitos fundamentais apesar de ser uma

criaccedilatildeo especificamente alematilde encontrou um eco generalizado na doutrina e

jurisprudecircncia constitucionais de vaacuterios outros paiacuteses incluindo mesmo uma recepccedilatildeo

constitucional expressa como aconteceu entre noacutes (nordm 3 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo

da Repuacuteblica Portuguesa) Efectivamente na doutrina alematilde cuja Constituiccedilatildeo conteacutem

uma claacuteusula semelhante que inspirou a nossa aparecem dois tipos de teorias atinentes

agrave natureza do conteuacutedo essencial habitualmente designadas como teorias absolutas e

teorias relativas

Para as teorias absolutas o nuacutecleo essencial consistiria num conteuacutedo normativo

irrestringiacutevel abstractamente fixado433 Desta forma podemos afirmar que a teoria

absoluta eacute assim uma perspectiva ontoloacutegico-substancialista que entende o conteuacutedo

essencial como grandeza estaacutetica e intemporal Independentemente do interesse ou bem

que justifique a restriccedilatildeo e da importacircncia relativa da sua realizaccedilatildeo esta teoria considera

que haacute em cada direito fundamental uma zona esfera ou acircmbito nuclear intocaacutevel434

que sob pena de desnaturaccedilatildeo ou perda do seu sentido uacutetil em caso algum poderaacute ser

431 ldquoO princiacutepio da idoneidade [hellip] traduz-se na ideia de que se exige uma relaccedilatildeo de adequaccedilatildeo entre o

meio usado e o fim perseguido [hellip] o princiacutepio da necessidade e da miacutenima intervenccedilatildeo implica a

necessaacuteria utilizaccedilatildeo de outros meios menos lesivos para os direitos fundamentais quando isso se afigure

possiacutevel [hellip] o princiacutepio da proporcionalidade em sentido estrito ou da adequaccedilatildeo ao fim exige uma ponderaccedilatildeo do interesse em conflito segundo um criteacuterio de justiccedila material [hellip] implica uma ponderaccedilatildeo

entre os interesses individuais que se vatildeo constranger e os interesses que se pretendem defenderrdquo Cf

Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 3 de Marccedilo de 2016 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrlnsf33182fc732316039802565fa00497eec36f34b50b321b89980257f6f004d5fc6

OpenDocument [consultado em 16022017] 432 Gomes Canotilho 2016 458 433 Gomes Canotilho 2016 459 434 Neste sentido vai Robert Alexy ao afimar que segundo as teorias absolutas existe um nuacutecleo essencial

em todos os direitos fundamentais que em nenhum caso pode ser afectado Cf Alexy 2008 259

121

afectada435 Segundo alguns Autores o nuacutecleo essencial corresponderia agrave projecccedilatildeo da

dignidade humana em cada direito e seria afectado sempre que o indiviacuteduo se tornasse

objecto do acontecer estadual para outros significaria uma certa medida de valor social

global que teria sempre de sobrar depois da restriccedilatildeo para outros ainda seria constituiacutedo

pelos elementos tiacutepicos que conferem caraacutecter ao direito436

Por seu turno as teorias relativas reconduzem o conteuacutedo essencial aos princiacutepios da

exigibilidade e da proporcionalidade a restriccedilatildeo soacute seria legiacutetima quando (se) fosse

exigida para a realizaccedilatildeo de bens juriacutedicos que devessem ser considerados (no caso) como

mais valiosos e soacute na medida em que essa exigecircncia se imponha ao direito fundamental437

Assim natildeo eacute a gravidade ou intensidade da lesatildeo a relevacircncia da justificaccedilatildeo ou o tipo

de prejuiacutezo na liberdade que determinam por si soacute a activaccedilatildeo da garantia do nuacutecleo

essencial O que estaacute em causa eacute segundo Jorge Reis Novais a natureza da relaccedilatildeo que

se estabelece entre os bens em confronto e entre o fim prosseguido com a restriccedilatildeo e o

meio utilizado considerando-se que haacute violaccedilatildeo do conteuacutedo essencial dos direitos

fundamentais quando se verifica um excesso uma desproporcionalidade uma

desnecessidade independentemente do muito ou pouco que reste do direito fundamental

apoacutes a incidecircncia da restriccedilatildeo438 Donde facilmente se conclui que para a teoria relativa

a garantia do conteuacutedo essencial se identifica com o princiacutepio da proporcionalidade em

sentido amploproibiccedilatildeo do excesso num quadro de ponderaccedilatildeo de bens

Estamos com Gomes Canotilho e Vital Moreira que defendem uma soluccedilatildeo intermeacutedia

uma teoria mista segundo a qual a questatildeo do conteuacutedo essencial de um direito natildeo se

pode equacionar senatildeo em confronto com outro bem mas nos termos da Constituiccedilatildeo

nunca essa ponderaccedilatildeo poderaacute conduzir agrave aniquilaccedilatildeo de qualquer direito fundamental439

A garantia do conteuacutedo essencial deve servir como um ldquoplusrdquo em relaccedilatildeo ao princiacutepio da

proporcionalidade Ou como sustenta Jorge Miranda deveraacute funcionar como barreira

uacuteltima e efectiva contra o abuso do poder que natildeo pode ser violada em qualquer

hipoacutetese440

435 Reis Novais 2010 782 436 Vieira de Andrade 2016 282-283 437 Vieira de Andrade 2016 283 438 Reis Novais 2010 781 439 Gomes CanotilhoMoreira 2014 395 440 Miranda 2014 315 Nesta linha de pensamento Gomes Canotilho e Vital Moreira reiteram que a

garantia do conteuacutedo essencial eacute uma baliza uacuteltima de defesa dos direitos liberdades e garantias

delimitando um nuacutecleo que em nenhum caso deveraacute ser invadido Cf Gomes CanotilhoMoreira 2014

396

122

Em termos praacuteticos pode dizer-se que o requisito da proporcionalidade mencionado no

ponto anterior eacute uma terceira aproximaccedilatildeo (depois da exigecircncia da legalidade e da

necessidade de salvaguarda de outro direito ou interesse constitucionalmente protegido)

dado que a existecircncia de uma restriccedilatildeo arbitraacuteria desproporcionada eacute um iacutendice

relativamente seguro da ofensa do nuacutecleo essencial Sem embargo independentemente

de haver ou natildeo uma desproporcionalidade na restriccedilatildeo haacute que salvaguardar sempre a

extensatildeo do nuacutecleo essencial

Desta forma apoiamo-nos no recurso a uma teoria mista sustentada pelos Autores a um

tempo relativa e absoluta ldquorelativa porque a proacutepria delimitaccedilatildeo do nuacutecleo essencial dos

direitos liberdades e garantias tem de articular-se com a necessidade de protecccedilatildeo de

outros bens ou direitos constitucionalmente garantidos absoluta porque em uacuteltima

anaacutelise para natildeo existir aniquilaccedilatildeo do nuacutecleo essencial eacute necessaacuterio que haja sempre um

resto substancial de direito liberdade e garantia que assegure a sua utilidade

constitucionalrdquo441

O conteuacutedo inatacaacutevel dos preceitos relativos aos direitos liberdades e garantias comeccedila

assim onde acaba a possibilidade e legitimidade da sua restriccedilatildeo442

4335 Requisitos formais generalidade abstracccedilatildeo e natildeo retroactividade

Segundo o primeiro requisito formal - lei geral e abstracta - a restriccedilatildeo de um qualquer

direito fundamental deve ser aplicaacutevel a um nuacutemero indeterminado ou indeterminaacutevel de

pessoas (proibiccedilatildeo de leis individuais) e natildeo pode ter como objecto um caso concreto ou

melhor deve regular um nuacutemero indeterminado ou indeterminaacutevel de casos (proibiccedilatildeo de

leis concretas)443 Estes dois requisitos satildeo cumulativos

Note-se que natildeo basta que as leis sejam formalmente ou aparentemente gerais e

abstractas Importa que o sejam material e realmente sendo ilegiacutetimas as leis individuais

eou concretas camufladas em forma geral e abstracta444

Ainda assim apesar de natildeo estar expressamente referido Vieira de Andrade esclarece

que deve ainda considerar-se que a restriccedilatildeo ao princiacutepio nemo tenetur ou a qualquer

outro princiacutepio ldquoem funccedilatildeo da reserva de lei formal tem de apresentar uma densidade

441 Gomes CanotilhoMoreira 2014 395 442 Vieira de Andrade 2016 287 443 Gomes Canotilho 2016 454 444 Gomes CanotilhoMoreira 2014 393

123

suficiente isto eacute um certo grau de determinaccedilatildeo do seu conteuacutedo pelo menos no

essencial natildeo sendo legiacutetimo que se deixe agrave Administraccedilatildeo espaccedilos significativos de

regulaccedilatildeo ou de decisatildeo [hellip]rdquo445

O segundo requisito formal das restriccedilotildees de direitos liberdades e garantias estaacute

relacionado com o respeito pelo princiacutepio da natildeo retroactividade Desta forma qualquer

restriccedilatildeo a direitos fundamentais natildeo pode portanto aplicar-se a situaccedilotildees ou actos

passados mas antes e apenas aos verificados ou praticados apoacutes a sua entrada em vigor446

Este princiacutepio da natildeo retroactividade natildeo eacute um princiacutepio constitucional irrestritamente

vaacutelido na ordem juriacutedica portuguesa mas eacute-o sem quaisquer excepccedilotildees no que respeita

a restriccedilotildees de direitos liberdades e garantias ou de direitos anaacutelogos (nordm 3 do artigo 18ordm

e artigo 17ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblcica Portuguesa)447

A proibiccedilatildeo incide segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira sobre a chamada

retroactividade autecircntica em que as leis restritivas de direitos afectam posiccedilotildees

jusfundamentais jaacute estabelecidas no passado ou mesmo esgotadas448 Ela abrangeraacute

tambeacutem alguns casos de retrospectividade ou de retroactividade inautecircntica sempre que

as medidas legislativas se revelarem arbitraacuterias inesperadas desproporcionadas ou

afectarem posiccedilotildees jusfundamentais dos particulares de forma excessivamente gravosa e

improacutepria

A razatildeo de ser deste requisito estaacute ainda segundo o entendimento dos referidos Autores

intimamente ligada agrave ideia de protecccedilatildeo da confianccedila e da seguranccedila dos cidadatildeos

defendendo-os contra o perigo de verem atribuir aos seus actos passados ou agraves situaccedilotildees

transactas efeitos juriacutedicos com que razoavelmente natildeo podiam contar449 Por seu turno

Jorge Reis Novais defende aqui a ideia de que a proibiccedilatildeo de restriccedilotildees a direitos

fundamentais de caraacutecter retroactivo decorre do princiacutepio da protecccedilatildeo da confianccedila450

Por fim em jeito de conclusatildeo desta problemaacutetica dos limites aos limites cumpre deixar

claro que pela nossa parte natildeo rejeitamos a possibilidade de poder haver casos de

colaboraccedilatildeo do arguido Concluiacutemos pela existecircncia de uma tipicidade dos casos de

colaboraccedilatildeo do arguido mas admitimos que uma lei formal possa impor novos casos de

445 Vieira de Andrade 2016 290-291 446 Gomes CanotilhoMoreira 2014 394 447 Gomes Canotilho 2016 456 448 Gomes CanotilhoMoreira 2014 394 449 Gomes CanotilhoMoreira 2014 395 450 Reis Novais 2010 816-817

124

colaboraccedilatildeo contando que se respeitem os nos 2 e 3 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da

Repuacuteblica Portuguesa451 Assim o ponto eacute que haja uma lei formal que exija a

colaboraccedilatildeo que esta seja necessaacuteria adequada e proporcional em sentido estrito que

natildeo afecte o nuacutecleo essencial do direito fundamental restringido e que seja uma restriccedilatildeo

de caraacutecter geral abstracto e natildeo retroactivo

434 Criacuteticas ao criteacuterio de ponderaccedilatildeo de bens

Depois de analisado o criteacuterio da ponderaccedilatildeo como meacutetodo de resoluccedilatildeo de conflitos entre

direitos fundamentais cumpre agora trazer agrave colaccedilatildeo as vaacuterias criacuteticas apresentadas pela

doutrina a este criteacuterio Independemente da concordacircncia ou natildeo com esta metodologia

natildeo podem deixar de se reconhecer os perigos do recurso agrave ponderaccedilatildeo de bens neste

contexto

Considerando o entendimento de parte da doutrina diremos que os argumentos avanccedilados

contra o recurso agrave metodologia da ponderaccedilatildeo de interesses satildeo ainda que genericamente

a ausecircncia de linhas seguras que regulem ou orientem a soluccedilatildeo dos casos de direitos

fundamentais a imprevisibilidade associada a essa desregulaccedilatildeo a manipulabilidade do

meacutetodo e as consequentes ameaccedilas para uma protecccedilatildeo adequada das posiccedilotildees

jusfundamentais dos particulares protegidas pelas normas constitucionais452

No que ao princiacutepio nemo tenetur diz respeito segundo o entendimento de Sandra

Oliveira e Silva a soluccedilatildeo da ponderaccedilatildeo acaba por enfraquecer a consistecircncia da sua

tutela juriacutedica uma vez que o juiacutezo de ponderaccedilatildeo do legislador ou do aplicador natildeo eacute

balizado de forma cuidadosa por paracircmetros materiais objectivos extraiacutedos das proacuteprias

normas constitucionais453 Para a Autora agrave ponderaccedilatildeo de bens caberaacute em rigor delimitar

o acircmbito normativo de cada direito fundamental vale dizer determinar o quid protegido

pelas normas que os consagram Desta forma o recurso agrave metodologia da ponderaccedilatildeo

acabaria por gerar riscos de subjectivismo e arbitrariedade na decisatildeo passando de um

Estado-de-Direito para um Estado-de-Ponderaccedilatildeo454

A ponderaccedilatildeo eacute vista assim como um meacutetodo de esvaziamento do acircmbito de protecccedilatildeo

dos direitos fundamentais onde tudo eacute deixado em aberto agrave relativizaccedilatildeo e agrave

451 Pinto 2013 111 452 ldquo[hellip] dir-se-ia que a vantagem praacutetica da ponderaccedilatildeo de bens eacute a de que pode ser utilizada para justificar

qualquer decisatildeo tanto a admissibilidade da restriccedilatildeo como exactamente o contraacuterio a desvantagem eacute a de

que toda a gente de apercebe dissohelliprdquo Cf Reis Novais 2010 694 453 Oliveira Silva 2015 617-619 454 Oliveira Silva 2015 620

125

arbitrariedade Efectivamente segundo este entendimento o criteacuterio da ponderaccedilatildeo por

natildeo delimitar paracircmetros materiais objectivos extraiacutedos do texto da lei que permitam a

comparaccedilatildeo dos bens constitucionais em conflito e por rejeitar a existecircncia de uma ordem

constitucional de valores acaba por converter-se numa simples foacutermula vazia

insusceptiacutevel de produzir resultados seguros

Em siacutentese pela junccedilatildeo dos argumentos acima mencionados a ponderaccedilatildeo eacute altamente

criticada por pautar-se num intenso subjectivismo natildeo possuindo mecanismos de

prevenccedilatildeo ao arbiacutetrio nem tampouco consistecircncia metodoloacutegica

Da nossa parte se bem que reconhecendo a pertinecircncia das criacuteticas dirigidas agrave ponderaccedilatildeo

de bens delas natildeo nos permitimos inferir a rejeiccedilatildeo do meacutetodo mas tatildeo soacute a importacircncia

dos riscos da sua utilizaccedilatildeo De resto como grande parte dos Autores tidos como adeptos

da ponderaccedilatildeo de bens consideramos que o recurso a essa metodologia eacute inevitaacutevel na

medida em que sendo o procedimento que intuitivamente corresponde ao sentimento

comum de justiccedila na resoluccedilatildeo de conflitos de bens ou de interesses natildeo eacute possiacutevel

prescindir da sua utilizaccedilatildeo nem encontrar qualquer outro meacutetodo que o substituiacutea com

proveito sempre que se trate de determinar uma relaccedilatildeo de prevalecircncia num contexto de

colisatildeo entre direitos liberdades e garantias455 Explicaremos de seguida o porquecirc desta

nossa posiccedilatildeo atraveacutes da contestaccedilatildeo das criacuteticas apresentadas

Uma das criacuteticas apresentadas contra a ponderaccedilatildeo de bens prende-se com a ausecircncia de

criteacuterios que regulem ou orientem a soluccedilatildeo dos conflitos entre direitos fundamentais

Sem embargo e apesar de a Constituiccedilatildeo natildeo fornecer criteacuterios definidos para a resoluccedilatildeo

de cada conflito em concreto cremos que da Lei Fundamental podemos deduzir criteacuterios

e paracircmetros de valoraccedilatildeo objectivos que vinculando os resultados da ponderaccedilatildeo a

tornem verificaacutevel previsiacutevel e escrutinaacutevel e impeccedilam que esse procedimento se

converta numa decisatildeo valorativa subjectiva e irrefutaacutevel do julgador

Senatildeo leiam-se os nuacutemeros 2 e 3 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa

que consagram a necessidade de as restriccedilotildees fundamentadas essencialmente em

decisotildees de ponderaccedilatildeo de bens observarem os limites aos limites dos direitos

fundamentais aplicaacuteveis a quaisquer restriccedilotildees Desde logo de acordo com a chamada lei

da ponderaccedilatildeo de Alexy a intensidade do prejuiacutezo sofrido por um dos bens deve ser

compensada pelo peso relativo do bem que a justifica dependendo a decisatildeo de

455 Reis Novais 2010 640-641

126

prevalecircncia do alcance que venha a atingir a restriccedilatildeo que a concretiza Assim a medida

concreta do recuo ou da cedecircncia que um bem em colisatildeo tem que suportar num caso

concreto eacute condicionada pelos limites aos limites que a nossa Constituiccedilatildeo consagra

explicitamente e que de resto deveriam ser sempre observados jaacute que grosso modo

correspondem a exigecircncias que o princiacutepio do Estado de Direito coloca a quaisquer

actuaccedilotildees restritivas da liberdade456

Uma decisatildeo de ponderaccedilatildeo teraacute sempre de observar como mencionado anteriormente

os princiacutepios da reserva de lei da necessidade de salvaguarda de outro direito ou interesse

constitucionalmente protegido da proporcionalidade em sentido amplo e da protecccedilatildeo do

nuacutecleo essencial dos direitos fundamentais bem como os requisitos formais da

generalidade abstracccedilatildeo e natildeo retroactividade (nos 2 e 3 do artigo 18ordm da CRP) traccedilando

desta forma fronteiras claramente discerniacuteveis do acircmbito de protecccedilatildeo de cada direito

fundamental restringido evitando a subjectividade

Logo sendo certo que a ponderaccedilatildeo de bens natildeo pode deixar de observar estes criteacuterios

constitucionais que regem a actuaccedilatildeo dos poderes constituiacutedos no caso das situaccedilotildees de

restriccedilatildeo de direitos fundamentais aquele perigo de falta de paracircmetros materiais

objectivos para a resoluccedilatildeo de conflitos deixa de fazer sentido Natildeo haveraacute na

generalidade dos casos uma inobservacircncia ou dissoluccedilatildeo de criteacuterios constitucionais

exclusivamente pelo facto de se ter recorrido agrave metodologia da ponderaccedilatildeo de bens como

forma de solucionar a colisatildeo que envolva um direito fundamental consagrado sem

reservas457

Quanto agrave questatildeo da rejeiccedilatildeo de uma ordem constitucional de valores cumpre deixar claro

que a ponderaccedilatildeo de bens utilizada no domiacutenio das restriccedilotildees aos direitos fundamentais

raramente surge limitada agrave avaliaccedilatildeo do peso relativo de dois bens ou interesses numa

dada situaccedilatildeo antecipada ou verificada de colisatildeo Para aleacutem desse factor ela envolve

simultaneamente como jaacute tivemos oportunidade de referir em sede de anaacutelise ao princiacutepio

da proporcionalidade em sentido amplo uma valoraccedilatildeo das vantagens e desvantagens que

a restriccedilatildeo de determinado direito fundamental inevitavelmente provoca bem como a

ponderaccedilatildeo das vantagens e desvantagens de um meio alternativo menos

agressivorestritivo

456 Reis Novais 2010 723-724 457 Reis Novais 2010 696

127

Assim de nada serve para os fins em causa proceder a uma hierarquizaccedilatildeo abstracta

entre dois direitos fundamentais Para demonstrar esta desnecessidade de hierarquizaccedilatildeo

Jorge Reis Novais daacute o exemplo do conflito entre a liberdade religiosa e a sauacutede puacuteblica

quando o exerciacutecio da primeira arrasta consigo o perigo de uma propagaccedilatildeo de epidemia

Aqui o conflito em questatildeo natildeo eacute segundo o Autor entre aqueles dois bens em abstracto

mas sim entre de um lado ldquouma manifestaccedilatildeo parcelar substituiacutevel eventualmente

adiaacutevel de uma forma particular de culto religioso por parte de alguns cidadatildeos e de

outro as ameaccedilas mais ou menos remotas intensas reais ou aparentes que impendem

sobre a sauacutede de outros ou dos mesmos cidadatildeosrdquo 458 Por conseguinte mesmo que essa

hierarquizaccedilatildeo fosse constitucionalmente possiacutevel ela de nada adiantaria sobre a

prevalecircncia de um ou de outro bem uma vez que deve sempre assistir-se a uma valoraccedilatildeo

ponderada das vantagens e desvantagens da restriccedilatildeo em determinado caso concreto

Do ponto de vista da jurisprudecircncia internacional cumpre ainda deixar claro que o

proacuteprio Tribunal Europeu dos Direitos Humanos deparando-se com uma situaccedilatildeo de

restriccedilatildeo a direitos fundamentais recorre sistematicamente agrave metodologia da ponderaccedilatildeo

de bens (e natildeo apenas ao criteacuterio da dependecircnciaindependecircncia da vontade do arguido)

E tambeacutem aqui a ponderaccedilatildeo eacute necessariamente fundada sobre uma elaboraccedilatildeo

dogmaacutetica geneacuterica acerca do sentido das ldquoexigecircncias da sociedade democraacuteticardquo e natildeo

constitucionalmente preacute-determinadas por qualquer hipoteacutetica ordem de valores459

Desta feita podemos concluir que a criacutetica agrave ponderaccedilatildeo baseada na falta de paracircmetros

materiais objectivos e a resultante tentativa de criar criteacuterios riacutegidos e preacute-definidos a

priori para a resoluccedilatildeo de conflitos entre direitos fundamentais defendidas pelas

estrateacutegias absolutistas falham por culminarem em duas situaccedilotildees alternativas a) em

soluccedilotildees abstractas inadequadas natildeo realistas e ateacute pura e simplesmente inaplicaacuteveis b)

ou em contrapartida em soluccedilotildees baseadas de facto em ponderaccedilotildees mas que natildeo

sendo assumidas enquanto tal natildeo podem consequentemente ser sujeitas ao controlo e

agrave criacutetica Por este motivo somos da opiniatildeo de que nunca seraacute possiacutevel prescindir do

reconhecimento de uma margem de apreciaccedilatildeo que permita mediante procedimentos de

458 Reis Novais 2010 701 459 Reis Novais 2010 707

128

ponderaccedilatildeo e respeitando os criteacuterios impostos constitucionalmente dar resposta a um

caso concreto de conflito entre direitos fundamentais460

Por fim no que respeita agrave questatildeo da arbitrariedade na decisatildeo derivada da circunstacircncia

de ser o juiz a proceder agrave ponderaccedilatildeo de bens cumpre esclarecer que mais importante que

discutir se os tribunais podem proceder a ponderaccedilotildees eacute considerar a forma como essas

ponderaccedilotildees se devem processar num quadro de necessaacuteria garantia de previsibilidade

estabilidade e igualdade Para assegurar a reduccedilatildeo da discricionariedade judicial nos

procedimentos de ponderaccedilatildeo os juiacutezes devem atender aos criteacuterios impostos

constitucionalmente nos jaacute mencionados nos 2 e 3 do artigo 18ordm da Lei Fundamental

Desta forma o meacutetodo da ponderaccedilatildeo de bens mediante a intervenccedilatildeo de condicionantes

juriacutedico-constitucionais pode escapar a um decisionismo casuiacutestico Eacute que diz-se na

ausecircncia de criteacuterios juriacutedicos objectivos e precisos susceptiacuteveis de se imporem

vinculativamente aos procedimentos de valoraccedilatildeo e ponderaccedilatildeo de bens eacute a vontade

subjectiva do julgador que acaba por prevalecer com o inconveniente de essa prevalecircncia

se estabelecer com o sacrifiacutecio da decisatildeo de quem fora eleito para proceder agrave ponderaccedilatildeo

dos interesses subjacentes agraves colisotildees em causa461

Pelos motivos enunciados acreditamos que a ponderaccedilatildeo de bens constitui assim a

chave da soluccedilatildeo do problema das restriccedilotildees a direitos fundamentais E optando pelo

criteacuterio da ponderaccedilatildeo de bens como o meacutetodo ideal para a delimitaccedilatildeo da aacuterea de tutela

do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare resta-nos averiguar se com base neste

criteacuterio a revelaccedilatildeo da palavra-passe e a leitura da impressatildeo digital do arguido para

desencriptaccedilatildeo de smartphones estatildeo ou natildeo sob o acircmbito de protecccedilatildeo desse princiacutepio

460 Cumpre salientar neste acircmbito que o proacuteprio direito agrave vida natildeo se pode considerar isento de valoraccedilatildeo e ponderaccedilotildees no caso concreto Jorge Reis Novais daacute o exemplo do conflito entre o direito agrave vida e a

seguranccedila do Estado defendendo que apesar de o direito agrave vida ter uma preferecircncia eacutetica relativamente a

este uacuteltimo no caso concreto em que um grupo de terroristas rapta um empresaacuterio e ameaccedila com toda a

verosimilhanccedila mataacute-lo caso o Estado natildeo satisfaccedila as suas exigecircncias a soluccedilatildeo seria ou prescindir do

controlo ou aderir a um controlo de constitucionalidade essencialmente concretizado e dependente de

valoraccedilatildeo e ponderaccedilatildeo de bens Natildeo haacute segundo o Autor alternativas agrave ponderaccedilatildeo de bens que se

traduzam em acreacutescimo de racionalidade de seguranccedila juriacutedica e sobretudo de protecccedilatildeo efectiva dos

direitos fundamentais Cf Reis Novais 2010 719 461 Reis Novais 2010 697-698

129

5 Aplicabilidade do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare na

desencriptaccedilatildeo de smartphones para obtenccedilatildeo de prova em processo penal

Depois de feita a apreciaccedilatildeo dos casos jurisprudenciais de desencriptaccedilatildeo de smartphones

com o auxiacutelio do arguido nos Estados Unidos da Ameacuterica a anaacutelise sobre o acesso e

apreensatildeo dos seus conteuacutedos no ordenamento juriacutedico portuguecircs a encriptaccedilatildeo destes

dispositivos e a possibilidade de violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare

nos casos de desencriptaccedilatildeo compelida dos mesmos chegamos agrave derradeira questatildeo da

nossa investigaccedilatildeo tendo como referecircncia os casos apresentados no Capiacutetulo I e

recorrendo agrave legislaccedilatildeo doutrina e jurisprudecircncia portuguesas seriam estas

desencriptaccedilotildees de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe ou da leitura da

impressatildeo digital do arguido violadoras do princiacutepio de natildeo-autoincriminaccedilatildeo

Jaacute foi salientado diversas vezes durante o nosso estudo que o princiacutepio nemo tenetur se

ipsum accusare natildeo eacute absoluto pelo que pode ser restringido quer na sua vertente de

direito ao silecircncio do arguido quer na sua dimensatildeo de princiacutepio contra a

autoincriminaccedilatildeo A tiacutetulo de exemplo podemos chamar agrave colaccedilatildeo as restriccedilotildees a este

princiacutepio que tecircm sido assumidas pelo legislador sempre por via da intervenccedilatildeo dos

limites aos limites com previsatildeo constitucional expressa nos nos 2 e 3 do artigo 18ordm da

Lei Fundamental nomeadamente a) a obrigaccedilatildeo do arguido responder com verdade agraves

perguntas sobre a sua identidade (al b) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP) b) a

obrigatoriedade de realizar determinados exames por exemplo de alcoolemia ou de

substacircncias psicotroacutepicas ( artigos 152ordm e 153ordm do Coacutedigo da Estrada) ou exames de ADN

para fins de investigaccedilatildeo criminal (nordm 1 do artigo 8ordm da Lei nordm 52008 de 12 de Fevereiro

e artigo 172ordm do CPP)

No caso concreto de desencriptaccedilatildeo de smartphones para obtenccedilatildeo de prova em processo

penal este princiacutepio entraraacute em confronto com outros valores nomeadamente com a

persecuccedilatildeo da justiccedila e a descoberta da verdade material

Como referido anteriormente segundo o criteacuterio da ponderaccedilatildeo de bens satildeo legiacutetimas as

restriccedilotildees ao princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare que observem os seguintes

requisitos a) devem estar previstas em lei formal b) devem ter como objectivo a

salvaguarda de outro direito ou interesse constitucionalmente protegido c) devem

obedecer ao princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo ndash adequaccedilatildeo necessidade

e proporcionalidade em sentido estrito d) natildeo devem aniquilar o direito em causa

130

atingindo o conteuacutedo essencial do respectivo preceito Aleacutem da verificaccedilatildeo destes

requisitos materiais todas as restriccedilotildees ao nemo tenetur devem ainda observar dois

requisitos de ordem formal a) generalidade e abstracccedilatildeo b) natildeo retroactividade

Tendo como referecircncia os casos norte-americanos apresentados no Capiacutetulo I relativos agrave

ordem de desencriptaccedilatildeo dirigida ao arguido no sentido de revelar a sua palavra-passe ou

de permitir a leitura da sua impressatildeo digital veremos de seguida se estes criteacuterios estatildeo

ou natildeo respeitados nesses casos Por questotildees de ordem praacutetica faremos uma divisatildeo

entre o primeiro e o segundo meacutetodo de desbloqueio do dispositivo

51 Desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe

Para podermos aferir da legitimidade da ordem de desencriptaccedilatildeo de um smartphone

atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe pelo arguido cumpre analisar se esta ordem estaacute

prevista em lei formal se tem como objectivo a salvaguarda de outro direito ou interesse

constitucionalmente protegido se obedece ao princiacutepio da proporcionalidade em sentido

amplo se natildeo aniquila o nemo tenetur atingindo o seu conteuacutedo essencial e por fim se

respeita os requisitos formais (nos 2 e 3 do artigo 18ordm da CRP) Comeccedilaremos pela anaacutelise

do primeiro requisito onde indagaremos sobre a existecircncia de um comando legal que

obrigue o arguido agrave desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe

Ateacute 2009 natildeo havia nenhuma soluccedilatildeo legislativa acerca da questatildeo concreta acima

colocada No entanto como foi referido no Capiacutetulo II da presente investigaccedilatildeo em 2009

foi aprovada a Lei do Cibercrime o que nos leva a perguntar se perante esta lei se passou

a consagrar a possibilidade ndash alargada ndash de as autoridades judiciaacuterias exigirem do arguido

o fornecimento da palavra-passe do seu smartphone

Um dos meios de obtenccedilatildeo de prova previstos na Lei do Cibercrime eacute a injunccedilatildeo para

apresentaccedilatildeo ou concessatildeo do acesso a dados prevista no artigo 14ordm analisado supra

Esta norma consagra que as autoridades judiciaacuterias podem ordenar a quem tenha a

disponibilidade ou o controlo de dados informaacuteticos especiacuteficos e que se encontrem

armazenados num determinado sistema informaacutetico (vg smartphone) que os comunique

ao processo ou que permita o acesso aos mesmos Prevecirc ainda este artigo que quem natildeo

actuar segundo as imposiccedilotildees previstas pode ser punido pelo crime de desobediecircncia

previsto pelo artigo 348ordm do Coacutedigo Penal

131

Ora impotildee-se saber se esta medida pode ter por alvo o arguido jaacute que isso implicaria

uma clara opccedilatildeo do legislador em restringir o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo em

detrimento da eficaacutecia da investigaccedilatildeo criminal E como atestaacutemos em sede de acesso ao

conteuacutedo dos smartphones a resposta eacute negativa o legislador ponderou bem os interesses

e direitos aqui em conflito tomando a opccedilatildeo clara de salvaguardar o direito agrave natildeo-

autoincriminaccedilatildeo ao consagrar no nordm 5 do artigo 14ordm que a injunccedilatildeo para apresentaccedilatildeo

ou concessatildeo do acesso a dados natildeo pode ser dirigida a suspeitos ou a arguidos no

processo em que for determinada a proacutepria medida462 Desta forma fica vedada agraves

autoridades judiciaacuterias ndash atraveacutes do mecanismo do artigo 14ordm da Lei do Cibercrime - a

possibilidade de compelirem o arguido a revelar a palavra-passe do seu dispositivo

electroacutenico

Entendem-se e aplaudem-se as excepccedilotildees formuladas sendo que no que particularmente

respeita agrave protecccedilatildeo do arguido parece ser esta a uacutenica forma de natildeo impor uma

colaboraccedilatildeo deste na recolha de prova da sua eventual incriminaccedilatildeo

Ademais a jaacute mencionada aliacutenea d) do nordm 1 do artigo 61ordm do Coacutedigo de Processo Penal

referente aos direitos e deveres processuais do arguido consagra o direito ao silecircncio

deste sujeito processual enfatizando assim a possibilidade de o arguido manter em

segredo a palavra-passe que permite o acesso ao seu dispositivo electroacutenico

Desta forma podemos concluir que na legislaccedilatildeo nacional parece natildeo constar uma

norma que permita agraves autoridades judiciaacuterias compelir o arguido a revelar a palavra-passe

Contrariamente ao que acontece no ordenamento juriacutedico portuguecircs no Reino Unido a

criminalizaccedilatildeo da recusa em fornecer a palavra-passe encontra-se prevista e eacute punida

pelo artigo 53ordm da Regulation of Investigatory Powers Act 2000 (RIPA)463 sendo que a

462 NevesCorreia 2014 147-148 Tambeacutem na Holanda o Coacutedigo de Processo Penal prevecirc na secccedilatildeo 2 do

seu artigo 125K que ldquoan order can be given to provide access of a secured computer andor to decrypt

relevant datardquo Esta ordem pode ser dada a qualquer pessoa que tenha acesso agrave informaccedilatildeo necessaacuteria para

desencriptar o dispositivo agrave excepccedilatildeo do suspeito e arguido Cf Vordoglou 2016 17 Disponiacutevel em

httpsrepositoryihuedugrxmluibitstreamhandle1154414539Dissertation-Final-1104130034-

Vordogloupdfsequence=1 [consultado em 10022017] Koops 2010 607 463 Dispotildee o artigo 53ordm da RIPA sob a epiacutegrafe de ldquoFailure to comply with a noticerdquo ldquo(1) A person to

whom a section 49 notice has been given is guilty of an offence if he knowingly fails in accordance with

the notice to make the disclosure required by virtue of the giving of the notice (2) In proceedings against

any person for an offence under this section if it is shown that that person was in possession of a key to

any protected information at any time before the time of the giving of the section 49 notice that person

shall be taken for the purposes of those proceedings to have continued to be in possession of that key at all

subsequent times unless it is shown that the key was not in his possession after the giving of the notice and

before the time by which he was required to disclose it [hellip] (5) A person guilty of an offence under this

section shall be liable - (a) on conviction on indictment to imprisonment for a term not exceeding [the

132

notificaccedilatildeo para ceder qualquer palavra-passe eacute consagrada no artigo 49ordm da referida

legislaccedilatildeo464 Assim se apoacutes a notificaccedilatildeo para fornecer uma palavra-passe o arguido

optar por natildeo o fazer a puniccedilatildeo aplicaacutevel corresponde a uma pena de prisatildeo compreendida

entre 2 a 5 anos465 Atendendo ao caso concreto a eventual recusa do arguido em cumprir

a ordem de desencriptaccedilatildeo do smartphone que lhe eacute dirigida pela autoridade competente

seraacute livremente apreciada pelo tribunal466 Por outro lado se o arguido actuar em

conformidade com a ordem de desencriptaccedilatildeo tambeacutem os dados descodificados seratildeo de

uma perspectiva probatoacuteria livremente ponderados e tomados em consideraccedilatildeo na

decisatildeo a proferir467

Jaacute no ordenamento juriacutedico belga a criminalizaccedilatildeo da recusa em revelar palavras-passe

pode desencadear a aplicaccedilatildeo de uma pena de prisatildeo compreendida entre os 6 a 12 meses

ou ainda uma pena de multa De facto o juiz pode ordenar que o arguido revele a

palavra-passe do seu smartphone quando considere que a mesma eacute essencial para a

descoberta da verdade material468

appropriate maximum term] or to a fine or to both (b) on summary conviction to imprisonment for a term

not exceeding six months or to a fine not exceeding the statutory maximum or to both (5A) In subsection (5) lsquothe appropriate maximum termrsquo means - (a) in a national security case [or a child indecency case]

five years and (b) in any other case two years (5B) In subsection (5A) lsquoa national security casersquo means a

case in which the grounds specified in the notice to which the offence relates as the grounds for imposing

a disclosure requirement were or included a belief that the imposition of the requirement was necessary in

the interests of national security] [hellip]rdquo 464 Dispotildee o artigo 49ordm do RIPA sob a epiacutegrafe de ldquoNothing requiring disclosurerdquo ldquo(1) This section applies

where any protected information (a) has come into the possession of any person by means of the exercise

of a statutory power to seize detain inspect search or otherwise to interfere with documents or other

property or is likely to do so [hellip] (2) If any person with the appropriate permission under Schedule 2

believes on reasonable groundsmdash (a) that a key to the protected information is in the possession of any

person (b) that the imposition of a disclosure requirement in respect of the protected information ismdash [hellip] (ii) necessary for the purpose of securing the effective exercise or proper performance by any public

authority of any statutory power or statutory duty [hellip] the person with that permission may by notice to

the person whom he believes to have possession of the key impose a disclosure requirement in respect of

the protected information (3) A disclosure requirement in respect of any protected information is necessary

on grounds falling within this subsection if it is necessarymdash (a) in the interests of national security (b) for

the purpose of preventing or detecting crime or (c) in the interests of the economic well-being of the United

Kingdom [hellip]rdquo 465 Atwood 2015 431 466 Palfreyman 2009 362-370 Lowman 2010 3-4 Disponiacutevel em

httpswwwlowmaniocoukshareThe20Effect20of20File20and20Disk20Encryption20on

20Computer20Forensicspdf [consultado em 10022017] 467 Andrade 2014 33 468 Dispotildee o artigo 88ordm do Coacutedigo Processual Penal belga (Code DrsquoInstruction Criminelle) ldquosect 1er Lorsque

le juge dinstruction ordonne une recherche dans un systegraveme informatique ou une partie de celuici cette

recherche peut ecirctre eacutetendue vers un systegraveme informatique ou une partie de celui-ci qui se trouve dans un

autre lieu que celui ougrave la recherche est effectueacutee - si cette extension est neacutecessaire pour la manifestation

de la veacuteriteacute agrave leacutegard de linfraction qui fait lobjet de la recherche et - si dautres mesures seraient

disproportionneacutees ou sil existe un risque que sans cette extension des eacuteleacutements de preuve soient perdus

sect 2 Lextension de la recherche dans un systegraveme informatique ne peut pas exceacuteder les systegravemes

informatiques ou les parties de tels systegravemes auxquels les personnes autoriseacutees agrave utiliser le systegraveme

133

Se ateacute ao ano de 2000 nenhum paiacutes tinha legislado a criminalizaccedilatildeo ou mesmo a simples

obrigaccedilatildeo de fornecer uma palavra-passe quando tal lhe fosse ordenado desde esse ano

temos assistido ao movimento segundo o qual vaacuterios ordenamentos juriacutedicos

introduziram normas atinentes agrave desencriptaccedilatildeo de dados469

Ora atendendo ao facto de que na legislaccedilatildeo nacional natildeo podemos encontrar nenhum

comando legal que regule esta mateacuteria o julgador aplicando directamente os preceitos

constitucionais devidamente interpretados e concretizados teraacute de concluir que eacute

ilegiacutetima e violadora do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare qualquer ordem de

desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe diriga ao arguido

pelas autoridades judiciaacuterias470

De facto estamos com Vacircnia Costa Ramos quando centra a discussatildeo na existecircncia ou

inexistecircncia de uma obrigaccedilatildeo imposta por lei e na especiacutefica relaccedilatildeo que se impotildee entre

o Estado e a pessoa Segundo a Autora se sobre o cidadatildeo impende um dever especiacutefico

de submissatildeo ao controlo das autoridades (vg exames de alcoolemia substacircncias

informatique qui fait lobjet de la mesure ont speacutecifiquement accegraves sect 3 En ce qui concerne les donneacutees

recueillies par lextension de la recherche dans un systegraveme informatique qui sont utiles pour les mecircmes finaliteacutes que celles preacutevues pour la saisie les regravegles preacutevues agrave larticle 39bis sappliquent Le juge

dinstruction informe le responsable du systegraveme informatique sauf si son identiteacute ou son adresse ne peuvent

ecirctre raisonnablement retrouveacutees Lorsquil savegravere que ces donneacutees ne se trouvent pas sur le territoire du

Royaume elles peuvent seulement ecirctre copieacutees Dans ce cas le juge dinstruction par lintermeacutediaire du

ministegravere public communique sans deacutelai cette information au ministegravere de la Justice qui en informe les

autoriteacutes compeacutetentes de leacutetat concerneacute si celui-ci peut raisonnablement ecirctre deacutetermineacute sect 4 Larticle

89bis est applicable agrave lextension de la recherche dans un systegraveme informatiquerdquo Por seu turno o artordm

88quater dispotildee o seguinte ldquosect 1er Le juge dinstruction ou un officier de police judiciaire auxiliaire du

procureur du Roi deacuteleacutegueacute par lui peut ordonner aux personnes dont il presume quelles ont une

connaissance particuliegravere du systegraveme informatique qui fait lobjet de la recherche ou des services qui

permettent de proteacuteger ou de crypter des donneacutees qui sont stockeacutees traiteacutees ou transmises par un systegraveme informatique de fournir des informations sur le fonctionnement de ce systegraveme et sur la maniegravere dy acceacuteder

ou dacceacuteder aux donneacutees qui sont stockeacutees traiteacutees ou transmises par un tel systegraveme dans une forme

compreacutehensible Le juge dinstruction mentionne les circonstances propres agrave laffaire justifiant la mesure

dans une ordonnance motiveacutee quil transmet au procureur du Roi sect 2 Le juge dinstruction peut ordonner

agrave toute personne approprieacutee de mettre en fonctionnement ellemecircme le systegraveme informatique ou selon le

cas de rechercher rendre accessibles copier rendre inaccessibles ou retirer les donneacutees pertinentes qui

sont stockeacutees traiteacutees ou transmises par ce systegraveme dans la forme quil aura demandeacutee Ces personnes

sont tenues dy donner suite dans la mesure de leurs moyens Lordonnance vises agrave lalineacutea 1er ne peut

ecirctre prise agrave leacutegard de linculpeacute et agrave leacutegard des personnes viseacutees agrave larticle 156 sect 3 Celui qui refuse de

fournir la collaboration ordonneacutee aux sectsect 1er et 2 ou qui fait obstacle agrave la recherche dans le systegraveme

informatique est puni dun emprisonnement de six mois agrave un an et dune amende de vingt-six francs agrave vingt mille francs ou dune de ces peines seulement sect 4 Toute personne qui du chef de sa fonction a

connaissance de la mesure ou y precircte son concours est tenue de garder le secret Toute violation du secret

est punie conformeacutement agrave larticle 458 du Code peacutenal sect 5 LEtat est civilement responsable pour le

dommage causeacute de faccedilon non intentionnelle par les personnes requises agrave un systegraveme informatique ou aux

donneacutees qui sont stockeacutees traiteacutees ou transmises par un tel systegravemerdquo 469 Andrade 2014 35 470 Dias 2005 211 ldquo[hellip] natildeo havendo entre noacutes nenhuma norma habilitante dificilmente se poderatildeo

superar os constrangimentos processuais penais decorrentes do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare

O arguido natildeo pode ser forccedilado a contribuir para a sua proacutepria condenaccedilatildeordquo Cf Correia 2014 59

134

psicotroacutepicas ou exames de ADN) qualquer restriccedilatildeo do nemo tenetur eacute vaacutelida se pelo

contraacuterio impender unicamente um dever geneacuterico natildeo seraacute possiacutevel obrigar o arguido a

colaborar Em suma ldquoas restriccedilotildees ao nemo tenetur situam-se num campo de verificaccedilatildeo

do cumprimento de obrigaccedilotildees impostas por leirdquo471

Assim sendo cremos que do enquadramento legal portuguecircs decorre que a colaboraccedilatildeo

do arguido eacute a excepccedilatildeo (e natildeo a regra) soacute havendo colaboraccedilatildeo exigiacutevel ao arguido na

medida em que haja uma lei formal nesse sentido (que excepcione concretamente o

princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare)472

Apesar da falta de uma lei formal que regule a desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da

revelaccedilatildeo da palavra-passe por parte do arguido analisaremos ainda que sumariamente

e sob pena de tratarmos a questatildeo em maior detalhe mais agrave frente na nossa investigaccedilatildeo

os restantes requisitos

Desta feita se o primeiro requisito das restriccedilotildees a direitos fundamentais fosse

validamente preenchido atraveacutes da consagraccedilatildeo de uma lei formal que previsse a

obrigaccedilatildeo de o arguido revelar a palavra-passe do seu smartphone o segundo requisito ndash

a necessidade de a restriccedilatildeo ao nemo tenetur ter como objectivo a salvaguarda de um

outro direito ou interesse constitucionalmente protegido ndash natildeo parece levantar duacutevidas de

maior Na circunstacircncia de as autoridades judiciaacuterias forccedilarem o arguido a desencriptar o

seu smartphone atraveacutes da revelaccedilatildeo da sua palavra-passe para desta forma obterem o

acesso ao seu conteuacutedo salta agrave vista que interesse as primeiras pretendem alcanccedilar a

realizaccedilatildeo da justiccedila e a busca pela verdade material Tal interesse eacute claramente protegido

dentro da unidade da Constituiccedilatildeo impedindo assim um sacrifiacutecio arbitraacuterio gratuito e

desmotivado do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare

No que concerne agrave questatildeo de saber se as ordens de desencriptaccedilatildeo de smartphones

dirigidas aos arguidos atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe enunciadas no Capiacutetulo I

respeitam o princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo posicionamo-nos a favor

da sua clara desproporcionalidade em violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum

accusare Sem embargo sob pena de nos adiantaacutermos nesta mateacuteria remetemos para a

anaacutelise deste princiacutepio em sede de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da

impressatildeo digital do arguido

471 Ramos 2007 90 472 Pinto 2013 111

135

Queda-nos ainda referir que pela nossa parte qualquer ordem de desencriptaccedilatildeo de

smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe dirigida ao arguido natildeo respeita o

quarto e uacuteltimo requisito material das restriccedilotildees a direitos fundamentais vertido no nordm 3

do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa ndash a garantia do conteuacutedo essencial

do direito restringido Como mencionado anteriormente este requisito consagra a ideia

de que existe um nuacutecleo essencial dos direitos fundamentais que natildeo pode em caso

algum ser violado Sendo o uacuteltimo requisito material das restriccedilotildees a direitos liberdades

e garantias este pressuposto funciona como uma barreira final e efectiva contra o abuso

do poder De acordo com uma teoria mista por noacutes defendida este nuacutecleo essencial do

nemo tenetur teraacute de articular-se com a necessidade de protecccedilatildeo do interesse pela

persecuccedilatildeo da justiccedila e pela busca da verdade material sendo que natildeo poderaacute ser alvo de

uma qualquer aniquilaccedilatildeo

Nesta linha de raciociacutenio estamos com Catarina Anastaacutecio quando defende que o nuacutecleo

essencial deste princiacutepio eacute aniquilado nas situaccedilotildees em que algueacutem eacute ldquocoagido a emitir

declaraccedilotildees autoincriminatoacuterias a declarar a sua culpabilidade a admitir a sua

participaccedilatildeo numa infracccedilatildeo uma vez que tal admissatildeo a verificar-se deveraacute ser sempre

um acto totalmente livre e conscienterdquo473 Por conseguinte atendendo ao facto de que o

arguido ao acatar uma qualquer ordem de desencriptaccedilatildeo do seu smartphone atraveacutes da

revelaccedilatildeo da sua palavra-passe estaraacute a emitir declaraccedilotildees autoincriminatoacuterias outra natildeo

poderaacute ser a conclusatildeo senatildeo a de que esta medida eacute claramente violadora do requisito da

garantia do nuacutecleo essencial do direito fundamental restringido consagrado na parte final

do nordm 3 do artigo 18ordm da Lei Fundamental

Perante um caso de conflito entre dois direitos fundamentais e depois de valoradas todas

as circunstacircncias do caso concreto dever-se-aacute concluir pela prevalecircncia de um direito

sobre o outro No entanto o sacrifiacutecio deste uacuteltimo em caso algum poderaacute jusitificar a

aniquilaccedilatildeo do conteuacutedo essencial de qualquer um dos direitos

Por fim quanto aos requisitos formais das restriccedilotildees a direitos fundamentais ndash

generalidade abstracccedilatildeo e natildeo retroactividade - atendendo ao facto de que a ordem de

desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo de palavra-passe dirigida ao arguido

natildeo tem consagraccedilatildeo em lei formal deixa de ser pertinente a anaacutelise destes criteacuterios

473 Anastaacutecio 2010 217

136

Em jeito de conclusatildeo contra a revelaccedilatildeo coactiva da palavra-passe poder-se-aacute alegar o

seguinte a) natildeo estaacute prevista na lei qualquer obrigatoriedade de fornecimento da palavra-

passe por parte do arguido b) o acesso ao smartphone encriptado eacute possiacutevel atraveacutes de

tentativas de adivinhar a palavra-passe uma vez que muitos utilizadores optam por

palavras-passe faacuteceis de decifrar c) o arguido tem direito ao silecircncio de acordo com a

aliacutenea d) do nordm 1 do artigo 61ordm do Coacutedigo de Processo Penal d) a palavra-passe pode ser

considerada como incriminatoacuteria uma vez que a demonstraccedilatildeo do seu conhecimento

prova ainda que implicitamente474 determinados factos nomeadamente que o arguido

seraacute responsaacutevel pelos conteuacutedos encriptados que estejam armazenados no smartphone

porquanto ele teraacute acesso e controlo sobre os mesmos475 e) a palavra-passe pode ser ainda

incriminatoacuteria noutro sentido seraacute incriminatoacuteria de modo indirecto na medida em que

faculta o acesso a dados incriminatoacuterios476 os quais sem a colaboraccedilatildeo do arguido nunca

seriam acedidos e nunca fundamentariam por isso mesmo a sua responsabilidade

penal477

Depois de confirmada a violaccedilatildeo de acordo com ordenamento juriacutedico nacional do

princiacutepio nemo tenetur nos casos em que as autoridades judiciaacuterias dirigem ao arguido

uma ordem de desencriptaccedilatildeo do seu smartphone atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe

resta-nos apenas aferir da legitimidade da desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura

da impressatildeo digital do arguido

474 ldquo[hellip] the entry of the passphrase is testimonial because it implicity communicates facts namely that the

defendant knows the passphrase has control over the smartphone files and believes he can access the

smartphonersquos contentsrdquo Cf Pfefferkorn 2009 11 Disponiacutevel em

httpspapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=1883697ampdownload=yes [consultado em

13022017] 475 ldquo[hellip] disclosing the passphrase [hellip] implicity involves statements of fact by admitting that the evidence

exists is in the personrsquos possession or control and is authentic By entering a passphrase the person will

implicity admit the fact that he or she knows the passphrase it is within his or her control and the

passphrase is authentic in the sense that it is what the person believes the government wants In this case the act of disclosing a passphrase will lead to the inference that the contents decrypted were created and

in the control of that person which may be highly incriminating [hellip]rdquo Cf Duong 2009 349 ldquoWhen a

defendant is compelled to enter a password into his smartphone the act of decryption necessarily implies

statements of fact that could prove to be incriminatoryrdquo Cf Winkler 2014 46 476 ldquoO princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo abrange acccedilotildees verbais ou fiacutesicas capazes de contribuir para a

proacutepria condenaccedilatildeo e encurtando razotildees o arguido natildeo pode ser condicionado a contribuir para a sua

incriminaccedilatildeo atraveacutes da prestaccedilatildeo de qualquer tipo de declaraccedilotildees nomeadamente [hellip] fornecendo um

coacutedigo [hellip]rdquo Cf Haddad 2003 20-21 477 Pinto 2013 112-115

137

52 Desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do

arguido

Para aferir da legitimidade da desencriptaccedilatildeo de smartphones para a obtenccedilatildeo de prova

em processo penal atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido com base nos casos

norte-americanos anteriormente apresentados cumpre agrave semelhanccedila do que foi feito em

sede de desencriptaccedilatildeo atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe aferir se estas ordens estatildeo

previstas em lei formal se tecircm como objectivo a salvaguarda de outro direito ou interesse

constitucionalmente protegido se obedecem ao princiacutepio da proporcionalidade em

sentido amplo se natildeo aniquilam o nemo tenetur atingindo o seu conteuacutedo essencial e por

fim se respeitam os requisitos formais (nos 2 e 3 do artigo 18ordm da CRP) Comeccedilaremos

pelo primeiro requisito

Quanto agrave questatildeo da exigecircncia de lei formal vale o que ficou dito no ponto anterior

Assim a legitimidade da restriccedilatildeo ao princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare estaacute

dependente da sua consagraccedilatildeo na legislaccedilatildeo nacional (bastando que seja admitida dentro

da unidade da Constituiccedilatildeo)

Queda-nos entatildeo apurar sobre a existecircncia de uma norma que obrigue o arguido a

colocar o seu dedo no sensor do smartphone para que a leitura da sua impressatildeo digital

possibilite o acesso das autoridades judiciaacuterias ao conteuacutedo do seu dispositivo

Como ficou assente no Capiacutetulo II da nossa investigaccedilatildeo o acto de colocar o dedo no

sensor do smartphone para permitir a leitura da impressatildeo digital do arguido natildeo pode ser

considerado nem uma periacutecia nem um exame mas sim uma outra diligecircncia de prova

A aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm do Coacutedigo de Processo Penal regula que sobre o

arguido recaem em especial os deveres de ldquosujeitar-se a diligecircncias de prova e a medidas

de coacccedilatildeo e garantia patrimonial especificadas na lei e ordenadas e efectuadas por

entidade competenterdquo De facto como realccedilaacutemos anteriormente natildeo obstante a

inexistecircncia de um dever de o arguido colaborar com as autoridades tal natildeo significa que

natildeo possa haver derrogaccedilotildees ao princiacutepio nemo tenetur478 Neste caso concreto de

desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital o arguido acaba

478 Marques da Silva 2010 318

138

por constituir um meio de prova em sentido formal na medida em que o seu corpo e o

seu estado corporal podem ser objecto de diligecircncias de prova479

No que agrave jurisprudecircncia diz respeito o Supremo Tribunal de Justiccedila no seu acoacuterdatildeo nordm

142014 veio realccedilar o disposto na aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP afirmando

que ldquoo estatuto processual do arguido natildeo eacute incompatiacutevel com a sujeiccedilatildeo a diligecircncias de

prova ou meios de as obter posto que esses deveres natildeo afectem direitos fundamentais

processuais integrantes do seu direito de defesardquo480

Poderiacuteamos assim concluir que de acordo com o entendimento da doutrina citada e da

jurisprudecircncia do Supremo Tribunal de Justiccedila a desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes

da leitura da impressatildeo digital do arguido teria consagraccedilatildeo na aliacutenea d) do nordm 3 do artigo

61ordm do Coacutedigo de Processo Penal podendo o arguido ser legitimamente compelido a tal

Efectivamente o arguido tem o dever de se sujeitar a diligecircncias de prova devendo no

entanto entender-se que este dever natildeo abrange todo e qualquer tipo de prova (artigo

125ordm do CPP) mas apenas as diligecircncias de prova que estejam ldquoespecificadas na leirdquo

sendo que a desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital natildeo se

mostra como tal normativamente especificada Se todos os casos de recusa de submissatildeo

a diligecircncias de prova devessem merecer a censura tiacutepica do crime de desobediecircncia o

legislador tecirc-lo-ia previsto expressamente naquele segmento normativo (al d) do nordm 3 do

artigo 61ordm) bastando para tanto acrescentar agrave sua respectiva previsatildeo a expressatildeo ldquosob

cominaccedilatildeo de incorrer no crime de desobediecircncia em caso de recusa ou natildeo

cumprimentordquo481 Deve ainda ter-se em conta que na esteira do defendido por Germano

Marques da Silva natildeo obstante o dever de sujeiccedilatildeo a diligecircncias de prova o arguido natildeo

tem a obrigaccedilatildeo de fornecer provas que o incriminem482

O Coacutedigo de Processo Penal actualmente em vigor desde 1987 (e com as alteraccedilotildees

entretanto introduzidas) consagrou expressamente o direito ao silecircncio do arguido mas

natildeo consagrou expressamente a possibilidade de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes

da leitura da sua impressatildeo digital Pelo contraacuterio a Lei do Cibercrime de 15 de Setembro

de 2009 veio estabelecer no nordm 5 do seu artigo 14ordm que o suspeito e o arguido natildeo podem

479 Figueiredo Dias 2004 438-439 480 Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro de 2014 disponiacutevel em

httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 15022017] 481 Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro de 2014 disponiacutevel em

httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 15022017] 482 Marques da Silva 2013 76

139

ser compelidos pelas autoridades judiciaacuterias a permitir o acesso ao conteuacutedo do seu

dispositivo electroacutenico

Assim estamos com Helena Moniz quando defende no seu voto de vencida ao Acoacuterdatildeo

do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 que ldquoa submissatildeo do arguido a diligecircncias

de prova nos termos da al d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP apenas se impotildee quando

estejam ldquoespecificadas na leirdquo sem o que natildeo pode aquela restriccedilatildeo agraves garantias do

arguido ser-lhe imposta quando o arguido eacute utilizado como meio de prova contra si

proacuteprio [hellip]rdquo483

Como deixaacutemos claro no ponto anterior tambeacutem Vania Costa Ramos parece seguir este

entendimento com o qual concordamos inteiramente Segundo a Autora se sobre o

arguido impende unicamente um dever geneacuterico (vg dever de sujeiccedilatildeo a diligecircncias de

prova ndash al d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP) natildeo seraacute possiacutevel obrigar o arguido a

colaborar484 Para que se possa aqui falar de uma obrigaccedilatildeo de colaboraccedilatildeo por parte do

arguido eacute necessaacuterio que se esteja perante um dever especiacutefico de submissatildeo ao controlo

das autoridades485 como eacute o caso a tiacutetulo de exemplo dos exames de alcoolemia e

substacircncias psicotroacutepicas (artigos 152ordm e 153ordm do Coacutedigo da Estrada) e exames de ADN

para fins de investigaccedilatildeo criminal (nordm 1 do artigo 8ordm da Lei nordm 52008 de 12 de Fevereiro

e artigo 172ordm do CPP) Igualmente Vieira de Andrade vem defender a ideia de que uma

qualquer restriccedilatildeo ao princiacutepio da natildeo-autoincriminaccedilatildeo em funccedilatildeo da exigecircncia de lei

formal deve ldquo[hellip] apresentar uma densidade suficiente isto eacute um certo grau de

determinaccedilatildeo do seu conteuacutedo pelo menos no essencial natildeo sendo legiacutetimo que se deixe

agrave Administraccedilatildeo espaccedilos significativos de regulaccedilatildeo ou de decisatildeo [hellip]rdquo486

483 Voto de Vencida de Helena Moniz ao Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de

Outubro de 2014 disponiacutevel em httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 15022017] Em

sentido contraacuterio o Supremo Tribunal de Justiccedila no referido acoacuterdatildeo veio defender o entendimento de que

uma leitura e interpretaccedilatildeo restritiva da aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm do Coacutedigo de Processo Penal no

sentido de que as deligecircncias de prova necessitariam de estar ldquoespecificadas na leirdquo constituiria um golpe

profundo na investigaccedilatildeo criminal posto que salvaguardaria o arguido das diligecircncias de prova meios de

prova ou de obtenccedilatildeo de prova Cf Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro

de 2014 disponiacutevel em httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 15022017] 484 Ramos 2007 90 485 Neste sentido vai tambeacutem Catarina Andrade ao afimar em sede de desencriptaccedilatildeo de dispositivos

electroacutenicos que natildeo se pode defender a ideia de que o arguido eacute obrigado a cooperar com as autoridades

ao abrigo de um dever geneacuterico de colaboraccedilatildeo ldquoPese embora a importacircncia da descoberta da verdade

material natildeo pode o legislador permitir que a mesma opere como derrogaccedilatildeo absoluta dos princiacutepios

constitucionalmente consagrados e desenvolvidos em sede processual penal Como tal [hellip] natildeo podemos

considerar que a questatildeo controvertida se encontra resolvida atraveacutes da aplicaccedilatildeo de um dever geral de

colaboraccedilatildeo do arguido porquanto o mesmo natildeo eacute aceite pelo ordenamento juriacutedico portuguecircsrdquo Cf

Andrade 2014 29 486 Vieira de Andrade 2016 290-291

140

Assim a sujeiccedilatildeo do arguido a colocar o dedo no sensor do smartphone para permitir o

acesso ao dispositivo contra a sua vontade enquanto limitaccedilatildeo ao princiacutepio nemo tenetur

se ipsum accusare soacute deveraacute ser possiacutevel apoacutes a consagraccedilatildeo legal desse dever especiacutefico

Considerando-se que aquela limitaccedilatildeo natildeo estaacute legalmente prevista natildeo podemos

entender que possa ser ordenada pelas autoridades judiciaacuterias De facto ainda que natildeo

exista legislaccedilatildeo que preveja uma obrigaccedilatildeo de o arguido desencriptar o seu smartphone

atraveacutes da leitura da impressatildeo digital suprir esta omissatildeo legislativa atraveacutes da subversatildeo

do regime processual penal consagrado natildeo pode configurar-se como admissiacutevel O

simples facto de determinada mateacuteria natildeo se achar prevista e regulada na lei natildeo indicia

de per si a existecircncia de uma lacuna legal que careccedila de ser integrada nos termos do

disposto no artigo 10ordm do Coacutedigo Civil Na expressatildeo impressiva de Oliveira Ascensatildeo

ldquolacuna natildeo eacute tudo o que natildeo estaacute na leirdquo487

E mesmo que o julgador interprete a norma constante da aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm

como uma obrigaccedilatildeo de o arguido desencriptar o dispositivo atraveacutes da leitura da sua

impressatildeo digital resta saber se esta ordem respeita os restantes limites aos limites dos

direitos fundamentais consagrados nos nos 2 e 3 do artigo 18ordm da Lei Fundamental

Analisado que estaacute o primeiro requisito da exigecircncia de lei formal passaremos agrave

verificaccedilatildeo do segundo requisito ndash necessidade de salvaguarda de outro direito ou

interesse constitucionalmente protegido

Agrave semelhanccedila do que ficou dito no ponto anterior tambeacutem no caso concreto de uma

ordem de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital dirigida

ao arguido pelas autoridades judiciaacuterias natildeo existem duacutevidas quanto ao interesse das

uacuteltimas a persecuccedilatildeo da justiccedila e a descoberta da verdade material Interesse esse que

como jaacute enfatizaacutemos anteriormente eacute claramente protegido dentro da unidade da

Constituiccedilatildeo impedindo assim um sacrifiacutecio arbitraacuterio gratuito e desmotivado do

princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare

Passando agrave averiguaccedilatildeo do terceiro limite aos limites dos direitos fundamentais cumpre

salientar que a ordem de desencriptaccedilatildeo de smartphones agora atraveacutes da leitura da

impressatildeo digital do arguido natildeo pode dispensar o escrutiacutenio do princiacutepio da

proporcionalidade em sentido amplo ou para alguns princiacutepio da proibiccedilatildeo do excesso

Por esse motivo analisaremos de seguida se nos casos norte-americanos tendo agora

487 Ascensatildeo 1997 918

141

por base a legislaccedilatildeo nacional os corolaacuterios da adequaccedilatildeo necessidade e

proporcionalidade em sentido estrito estatildeo ou natildeo preenchidos

O subprinciacutepio da adequaccedilatildeo como vimos anteriormente exige que a ordem restritiva

em causa seja apta a realizar o fim visado com a restriccedilatildeo ou contribua para o alcanccedilar

Ora a ordem restritiva nos casos norte-americanos apresentados eacute precisamente a ordem

dada ao arguido pelas autoridades judiciaacuterias no sentido de desencriptar o seu

smarpthone atraveacutes da leitura da sua impressatildeo digital Jaacute o fim visado com essa restriccedilatildeo

prende-se com a realizaccedilatildeo da justiccedila e a busca pela verdade material

Sabendo de antematildeo que este corolaacuterio natildeo eacute devidamente cumprido sempre que a

ordem restritiva se revele inapta para atingir esse fim ou seja sempre que os efeitos dessa

medida se revelarem indiferentes ou contraacuterios agrave realizaccedilatildeo do fim em vista cumpre

perceber quais satildeo os potenciais efeitos que aquelas ordens de desencriptaccedilatildeo de

smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido podem causar

A ordem de desencriptaccedilatildeo do smartphone seja atraveacutes de que meacutetodo for eacute sempre

emitida com o propoacutesito de aceder ao conteuacutedo do dispositivo Assim as autoridades

judiciaacuterias numa tentativa de proceder agrave apreensatildeo de provas incriminatoacuterias que possam

estar armazenadas no smartphone solicitam a colaboraccedilatildeo do arguido

Ora a priori as autoridades judiciaacuterias natildeo tecircm na maioria das vezes (ou ateacute mesmo na

totalidade) conhecimentos bastantes para garantir que no smartphone estaratildeo

armazenadas provas de determinado delito Por esse motivo depois de conseguirem

aceder ao dispositivo atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido estas entidades

podem encontrar provas suficientes para relacionar o arguido ao crime em questatildeo ou

pelo contraacuterio podem encontrar apenas informaccedilotildees ficheiros e dados pessoais do

arguido que em nada o relacionem com o delito E neste uacuteltimo caso se o smartphone

natildeo contiver qualquer informaccedilatildeo pertinente para a investigaccedilatildeo do crime parece-nos

oacutebvio que o fim visado ndash a persecuccedilatildeo da justiccedila e a busca pela verdade material ndash fica

claramente comprometido No entanto ficou esclarecido anteriormente que este

subprinciacutepio da adequaccedilatildeo exige que a medida restritiva seja considerada apta a realizar

o fim visado com a restriccedilatildeo ou contribua para o alcanccedilar mas atraveacutes de um juiacutezo de

prognose Ou seja soacute poderemos falar aqui numa inconstitucionalidade desta ordem de

desencriptaccedilatildeo se tendo em conta os conhecimentos empiacutericos e cientiacuteficos disponiacuteveis

142

no momento da aprovaccedilatildeo da medida esta se revele inapta a contribuir para a persecuccedilatildeo

da justiccedila e descoberta da verdade material

Assim podemos concluir que os efeitos desta medida restritiva ao princiacutepio nemo tenetur

ndash desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido ndash

revelam-se desta forma aptos agrave realizaccedilatildeo da justiccedila e descoberta da verdade desde que

agrave data da aprovaccedilatildeo da medida e de acordo com os conhecimentos das autoridades

judiciaacuterias haja a possibilidade (ainda que reduzida) de o dispositivo conter provas

autoincriminatoacuterias

Desta feita outra natildeo poderaacute ser a conclusatildeo se natildeo a de que todas as ordens de

desencriptaccedilatildeo apresentadas no Capiacutetulo I (no caso Baust Diamond e Paytsar ndash no caso

do mandado de 9 de Maio de 2016 natildeo temos informaccedilotildees suficientes quanto agrave finalidade

da medida) respeitaram o subprinciacutepio da adequaccedilatildeo uma vez que agrave data da sua

aprovaccedilatildeo e de acordo com os conhecimentos empiacutericos disponiacuteveis na altura havia em

todos os casos a possibilidade de os dispositivos electroacutenicos armazenarem provas

incriminatoacuterias (relativas agrave ofensa agrave integridade fiacutesica ao furto e ao roubo de identidade

respectivamente)

De facto casos em que uma medida retritiva de um direito fundamental eacute declarada

inconstitucional devido agrave sua inadequaccedilatildeo satildeo raros Normalmente os meios restritivos

adoptados atingem o seu objectivo ateacute certo grau Isto eacute suficiente para superar o teste da

adequaccedilatildeo488

Completamente diferente eacute o que se passa com o segundo subprinciacutepio da

proporcionalidade em sentido amplo ou seja a necessidade Este subprinciacutepio exige que

se recorra para atingir determinado fim ao meio necessaacuterio exigiacutevel ou indispensaacutevel

no sentido do meio mais suave ou menos restritivo que precise de ser utilizado para atingir

o fim em vista Para tal eacute necessaacuterio que se faccedila a comparaccedilatildeo entre os prejuiacutezos

provocados pela desencriptaccedilatildeo compelida e os prejuiacutezos que seriam provocados pela

utilizaccedilatildeo de um meio alternativo

Como foi oportunamente referido o smartphone tem actualmente capacidade para

armazenar uma vasta quantidade de informaccedilatildeo nomeadamente agenda de contactos

informaccedilatildeo de calendaacuterio mensagens escritas registo de chamadas feitas e recebidas e-

488 Alexy 2014 820

143

mail fotografias gravaccedilotildees aacuteudio e viacutedeo mensagens de multimeacutedia mensagens

instantacircneas histoacuterico de navegaccedilatildeo na internet documentos electroacutenicos dados

relacionados com as redes sociais dados relacionados com aplicaccedilotildees informaccedilatildeo sobre

localizaccedilotildees geograacuteficas entre outras Por esse motivo compreende-se que o acesso a

este dispositivo acarreta simultaneamente o acesso a informaccedilatildeo protegida pelo direito

agrave reserva sobre a intimidade da vida privada

Com a desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido

as autoridades judiciaacuterias passam a ter domiacutenio sobre vaacuterios ficheiros electroacutenicos de

caraacutecter pessoal e iacutentimo Assim estamos aqui claramente perante natildeo soacute uma grave

violaccedilatildeo do princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo como tambeacutem uma grave violaccedilatildeo do

direito do arguido agrave reserva da intimidade da vida privada489 um direito fundamental

consagrado no texto constitucional no nordm 1 do artigo 26ordm Posto isto queda-nos perceber

se estes prejuiacutezos causados pela desencriptaccedilatildeo satildeo superiores aos prejuiacutezos que poderiam

ser provocados por um meio de obtenccedilatildeo de prova alternativo

Acreditamos independentemente do crime perpretado (vg crime de ofensa agrave integridade

fiacutesica furto roubo de identidade) que outros meios de prova e meios de obtenccedilatildeo de

prova poderiam ser menos lesivos do que a desencriptaccedilatildeo

Mesmo que as autoridades judiciaacuterias tivessem a convicccedilatildeo plena de que no smartphone

estariam armazenadas provas que relacionavam o arguido com o crime em questatildeo outros

meios alternativos como os exames as periacutecias as revistas e buscas ou as apreensotildees

seriam menos lesivos tanto em relaccedilatildeo ao princiacutepio nemo tenetur quanto ao direito agrave

reserva sobre a intimidade da vida privada do que a desencriptaccedilatildeo compelida do

dispositivo Tendo em consideraccedilatildeo o caso de David Baust apresentado no Capiacutetulo I da

presente investigaccedilatildeo vaacuterios podiam ser os meios de prova utilizados para provar a ofensa

agrave integridade fiacutesica da viacutetima de uma forma menos lesiva para os direitos fundamentais

do arguido do que a ordem de desencriptaccedilatildeo do smartphone (independentemente do

meacutetodo utilizado) Nomeadamente uma periacutecia meacutedico-legal um exame realizado ao

local do crime ou uma busca No caso de Matthew Diamond o arguido suspeito de furto

foi ordenado a desencriptar o seu smartphone atraveacutes da leitura da sua impressatildeo digital

489 Como deixaacutemos claro anteriormente a desnecessidade da agressatildeo afere-se em relaccedilatildeo aos prejuiacutezos

provocados pela medida restritiva avaliados em funccedilatildeo de criteacuterios materiais espaciais temporais ou

pessoais e tendo em conta natildeo apenas o direito fundamental directamente atingido como qualquer outra

afectaccedilatildeo desvantajosa da liberdade dos direitos fundamentais ou de outros interesses juridicamente

relevantes do mesmo titular ou de outros afectados

144

no entanto acreditamos que a recolha de imagens de viacutedeo-vigilacircncia que comprovariam

o seu envolvimento na venda das peccedilas furtadas uma busca agrave sua residecircncia e a

comparaccedilatildeo das pegadas encontradas no local com os seus sapatos seriam medidas muito

menos lesivas do seu privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo e do seu direito agrave reserva da

intimidade da vida privada Quanto ao caso Paytsar acreditamos que tambeacutem aqui uma

busca agrave sua residecircncia seria um meio de obtenccedilatildeo de prova menos lesivo e ateacute mais eficaz

para a investigaccedilatildeo do crime de roubo de identidade do que a ordem de desencriptaccedilatildeo

Por fim no caso do mandado de 9 de Maio de 2016 apesar de natildeo termos conhecimento

sobre os motivos que levaram agrave elaboraccedilatildeo do mandado acreditamos que a ordem de

desencriptaccedilatildeo eacute desnecessaacuteria e extremamente lesiva das garantias de defesa dos

proprietaacuterios dos smartphones em comparaccedilatildeo com a mera busca ao local e revista dos

sujeitos aiacute presentes

Nestes quatro casos em anaacutelise mesmo que se venha a alegar uma diferente intensidade

na prossecuccedilatildeo do fim optando por estes meios menos lesivos acreditamos que a

persecuccedilatildeo da justiccedila e a descoberta da verdade material natildeo ficariam de modo algum

prejudicadas ateacute porque os meios apresentados conduziriam ao mesmo fim a que a

desencriptaccedilatildeo do smartphone possivelmente levaria e segundo nossa opiniatildeo com uma

maior eficaacutecia

Deste modo defendemos a ideia de que o subprinciacutepio da necessidade natildeo se encontra

devidamente preenchido nos casos apresentados relativos a ordens de desencriptaccedilatildeo de

smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido

Por fim no que concerne ao corolaacuterio da proporcionalidade em sentido estrito que visa

apurar o equiliacutebrio na relaccedilatildeo entre a importacircncia do fim visado ndash realizaccedilatildeo da justiccedila e

busca pela verdade material ndash e a gravidade do sacrifiacutecio imposto ndash violaccedilatildeo do princiacutepio

nemo tenetur (e simultaneamente do direito agrave reserva sobre a vida privada) - cumpre

comparar os prejuiacutezos impostos aos direitos fundamentais contrapostos aos benefiacutecios

produzidos na obtenccedilatildeo do fim visado com a restriccedilatildeo

Este subprinciacutepio da proporcionalidade em sentido estrito corresponde como vimos agrave

maacutexima designada como ldquoLei da Ponderaccedilatildeordquo criada por Alexy Esta maacutexima defende

145

que ldquoquanto maior for o grau de natildeo realizaccedilatildeo ou de afectaccedilatildeo de um princiacutepio maior

deve ser a importacircncia da realizaccedilatildeo do princiacutepio colidenterdquo490

Sandra Oliveira e Silva vem defender que a aplicaccedilatildeo da lei da ponderaccedilatildeo agrave resoluccedilatildeo

dos conflitos entre o nemo tenetur e o interesse da perseguiccedilatildeo criminal se redunda numa

verdadeira aporia metodoloacutegica Isto porque segundo a Autora ldquoos criteacuterios

legitimadores da restriccedilatildeo do nemo tenetur no interesse da eficaacutecia da perseguiccedilatildeo

criminal (a saber a gravidade do crime investigado a indispensabilidade da prova a

fidedignidade da informaccedilatildeo que se espera obterhellip) satildeo precisamente os que tornam mais

intensa a necessidade de tutela do arguido contra a autoincriminaccedilatildeo (eacute mais grave a pena

esperada maior o efeito incriminatoacuterio da diligecircncia a realizar etc)[hellip]rdquo pelo que nunca

se poderaacute afirmar ldquo[hellip] que a um grau mais elevado de afectaccedilatildeo do direito sacrificado (a

prerrogativa contra a autoincriminaccedilatildeo) corresponde uma maior medida de realizaccedilatildeo do

interesse contraacuterio (os da investigaccedilatildeo criminal)rdquo491 Ou seja se o interesse do Estado em

obter provas autoincriminatoacuterias cresce numa relaccedilatildeo de proporcionalidade directa agrave

pretensatildeo individual do arguido em negar-lhas nunca seraacute possiacutevel atingir um ponto

oacuteptimo de equiliacutebrio que se espera da ponderaccedilatildeo como criteacuterio de delimitaccedilatildeo do acircmbito

concreto de operatividade de direitos fundamentais492 Pelo que ainda do ponto de vista

da citada Autora o criteacuterio da ponderaccedilatildeo torna-se neste caso concreto um criteacuterio fraacutegil

e subjectivo

Contudo a nossa posiccedilatildeo vai respeitosamente em sentido contraacuterio da tese defendida

por Sandra Oliveira e Silva De facto segundo nossa opiniatildeo para justificar uma

afectaccedilatildeo elevada do princiacutepio nemo tenetur eacute necessaacuterio que a realizaccedilatildeo do princiacutepio

contraacuterio neste caso a realizaccedilatildeo da justiccedila se revele de maior importacircncia

Contrariamente ao defendido por Sandra Oliveira e Silva natildeo cremos que o aumento do

interesse do Estado em obter provas autoincriminatoacuterias (dada a gravidade do crime

investigado a indispensabilidade da prova a fidedignidade da informaccedilatildeo que se espera

obter entre outros motivos) faccedila forccedilosamente aumentar a necessidade de protecccedilatildeo do

arguido contra a autoincriminaccedilatildeo (uma vez que a pena esperada eacute mais grave o efeito

incriminatoacuterio da diligecircncia a realizar eacute maior etc) Para defendermos este entendimento

490 Alexy 2014 821 491 Oliveira Silva 2015 622 492 Oliveira Silva 2015 622

146

apoiamo-nos num exemplo praacutetico do nosso ordenamento juriacutedico a sujeiccedilatildeo do arguido

ao teste de alcoolemia atraveacutes de colheita de ar expirado

Neste caso em concreto o interesse do Estado em obter provas autoincriminatoacuterias eacute

bastante elevado uma vez que a gravidade do crime (conduccedilatildeo sob o efeito de aacutelcool) eacute

consideraacutevel a prova (colheita de ar expirado) eacute indispensaacutevel para a acusaccedilatildeo e a

informaccedilatildeo recolhida atraveacutes da anaacutelise do ar expirado eacute fidedigna Ainda assim este

aumento do interesse do Estado em obter provas autoincriminatoacuterias natildeo culmina na

necessidade de uma maior protecccedilatildeo do arguido contra a autoincriminaccedilatildeo muito pelo

contraacuterio dada a gravidade do crime e do risco criado para a comunidade a restriccedilatildeo do

nemo tenetur considera-se justificada atraveacutes de um criteacuterio de ponderaccedilatildeo

Este caso acaba por demonstrar que depois de valoradas todas as circunstacircncias do caso

atraveacutes do meacutetodo de ponderaccedilatildeo de bens soacute uma maior medida de realizaccedilatildeo da justiccedila

e de busca pela verdade material (atendendo agrave gravidade do crime investigado agrave

indispensabilidade da prova agrave fidedignidade da informaccedilatildeo que se espera obter entre

outros motivos) justifica um grau mais elevado de afectaccedilatildeo do privileacutegio contra a

autoincriminaccedilatildeo

Por conseguinte a aplicaccedilatildeo da lei da ponderaccedilatildeo agrave resoluccedilatildeo dos conflitos entre o

princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare e o interesse da perseguiccedilatildeo criminal no

sentido de estabelecer o valor prevalecente eacute fundamental E afim de percebemos se as

ordens de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do

arguido apresentadas anteriormente respeitam esta lei da ponderaccedilatildeo (quanto maior for

o grau de natildeo realizaccedilatildeo ou de afectaccedilatildeo de um princiacutepio maior deve ser a importacircncia

da realizaccedilatildeo do princiacutepio colidente) cumpre esclarecer vaacuterias questotildees493

Com a desencriptaccedilatildeo do smartphone seja atraveacutes do meacutetodo da revelaccedilatildeo da palavra-

passe ou da leitura da impressatildeo digital do arguido as autoridades judiciaacuterias passam a

ter acesso e controlo sobre todo o conteacuteudo aiacute armazenado Assim como jaacute tivemos

oportunidade de mencionar para aleacutem de estar aqui em causa uma violaccedilatildeo ao princiacutepio

493 ldquoEl principio de proporcionalidad es un concepto abstracto que alude a la relacioacuten entre el fin a

alcanzar ndash prevencioacutenrepresioacuten del delito ndash y el medio empleado para ello ndash diligencia restrictiva de un

derecho fundamental Para ello se ponderan diversos elementos como la gravedad del hecho delictivo la

intensidad de la sospecha o el tipo de indicios las perspectivas de eacutexito de la medida el esfuerzo en su

realizacioacuten en relacioacuten con el resultado a obtener el perjuicio que se causa en relacioacuten con la utilidad del

resultado Tales elementos son criteacuterios orientativos para valorar la contraposicioacuten entre el intereacutes

individual que puede verse afectado por la medida y el intereacutes puacuteblico que subyace en la investigacioacuten

procesal penal valoracioacuten que habraacute de concretarse en cada casordquo Cf Winter 2010 174

147

contra a autoincriminaccedilatildeo poderatildeo levantar-se ainda questotildees relativas agrave privacidade

natildeo soacute do arguido como tambeacutem de terceiros que possam estar envolvidos nos ficheiros

gravados electronicamente no dispositivo (quer atraveacutes de comunicaccedilotildees encetadas entre

o arguido e o terceiro quer atraveacutes de fotografias tiradas ao terceiro etc)

Atendendo a esta ingerecircncia do puacuteblico no universo privado violentando direitos

constitucionalmente atribuiacutedos e protegidos a desencriptaccedilatildeo de smartphones

(independentemente do meacutetodo utilizado) deveraacute ser realizada a tiacutetulo excepcional e

obedecendo a criteacuterios mais exigentes494 Nomeadamente acreditamos que em virtude

desta intervenccedilatildeo sobre direitos fundamentais do arguido e de terceiros a ordem de

desencriptaccedilatildeo compelida de smartphones dirigida ao arguido soacute se justificaraacute em

primeiro plano mediante preacutevia autorizaccedilatildeo judicial e apenas se o crime sob

investigaccedilatildeo for de consideraacutevel gravidade Sendo que esta gravidade deve ser avaliada

no caso concreto (gravidade concreta do facto)495 Neste sentido defendemos a ideia de

que a legitimidade da desencriptaccedilatildeo de smartphones depende (aleacutem da verificaccedilatildeo de

todos os limites aos limites) da consagraccedilatildeo legal de um cataacutelogo de crimes mais graves

a que a medida deveraacute obedecer agrave semelhanccedila do que acontece em sede de escutas

telefoacutenicas496

Ademais deve ter-se ainda em conta em sede de anaacutelise da proporcionalidade em sentido

estrito que qualquer ordem de desencriptaccedilatildeo de smartphone dirigida ao arguido culmina

na obtenccedilatildeo de ficheiros electroacutenicos criados mesmo antes da suspeita do crime pelo que

novamente surgem questotildees relativas natildeo soacute agrave autoincriminaccedilatildeo do arguido (no sentido

de que se poderatildeo encontrar provas de outros crimes ainda natildeo conhecidos pelas

autoridades judiciaacuterias) como tambeacutem agrave reserva da intimidade da vida privada do arguido

e de possiacuteveis terceiros que devem ser levadas em conta quando em confronto com o

interesse na persecuccedilatildeo da justiccedila

Eacute ainda de ressalvar que tanto no caso Paytsar Bkhchadzhyan como no caso do mandado

de 9 de Maio de 2016 as autoridades judiciaacuterias parecem ter emitido ordens de

desencriptaccedilatildeo dos smartphones atraveacutes da leitura das impressotildees digitais dos supostos

proprietaacuterios com a intenccedilatildeo de realizarem autecircnticas ldquofishing expeditionsrdquo

indiscriminadas em busca de qualquer tipo de prova autoincriminatoacuteria revelante sobre

494 Santos 2009 108 495 Rogall 2010 125 496 Susano 2009 24 Jesus 2015 291 Rodrigues 2009b 215-216

148

qualquer crime Esta questatildeo eacute claramente outro ponto a ter em atenccedilatildeo aquando da

anaacutelise da proporcionalidade da medida sendo que o recurso a estas ldquofishing expeditionsrdquo

estaacute completamente interdito agraves autoridades judiciaacuterias

Um outro ponto a chamar agrave colaccedilatildeo no acircmbito da anaacutelise da proporcionalidade (stricto

sensu) destas ordens de desencriptaccedilatildeo prende-se com o facto de a impressatildeo digital jaacute

natildeo poder ser vista como o tradicional meio de identificaccedilatildeo de sujeitos

A impressatildeo digital tem sido considerada ao longo do tempo como um meio de

identificaccedilatildeo tal como uma fotografia No entanto agrave medida que a tecnologia avanccedila a

impressatildeo digital (assim como outros identificadores biomeacutetricos) deixa de ter esse

propoacutesito singular passando a ser usada para guardar informaccedilatildeo possivelmente mais

privada do que a proacutepria identidade do indiviacuteduo497 Como bem salienta Alex Abdo natildeo

estamos aqui perante a recolha de uma impressatildeo digital para identificar um sujeito mas

sim perante uma impressatildeo digital que eacute usada para proteger uma quantidade consideraacutevel

de informaccedilatildeo privada498 Assim a impressatildeo digital deve ser vista como algo privado e

digno de protecccedilatildeo (tal como a palavra-passe) contrariamente a uma fotografia que

facilmente pode ser obtida pelo puacuteblico

Eacute da nossa opiniatildeo que no caso de encriptaccedilatildeo de smartphones por impressatildeo digital este

dado biomeacutetrico funciona como uma substituiccedilatildeo da tradicional palavra-passe

alfanumeacuterica ou por outras palavras como uma palavra-passe secundaacuteria Prova disso eacute

o facto de a impressatildeo digital ficar registada no dispositivo apenas pela sua representaccedilatildeo

matemaacutetica ou seja por um longo nuacutemero composto por 50 a 100 diacutegitos designado de

biometric hash

Por fim cabe ainda clarificar que a erroacutenea interpretaccedilatildeo da impressatildeo digital como um

mero meio de identificaccedilatildeo conduz-nos ao problema da instrumentalizaccedilatildeo do corpo do

arguido499 que compelido a colocar o dedo no sensor do seu dispositivo para permitir o

acesso agraves entidades judiciaacuterias estaraacute a usaacute-lo como meio de prova contra si proacuteprio500

incorrendo desta forma numa clara violaccedilatildeo do princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo

497 Goldman 2015 230 498 ldquoThis is not law enforcement requesting a fingerprint to identifying someone this is a fingerprint that is

being used to open up a treasure trove of informationrdquo Cf Spring 2016 2 Disponiacutevel em

httpsthreatpostcomexperts-outraged-by-warrant-demanding-fingerprints-to-unlock-

smartphones121348 [consultado em 21022017] 499 Girotto 2009 455 500 Dias 2005 209

149

Depois de sopesadas todas as questotildees assinaladas cumpre deixar claro que todas as

ordens de desencriptaccedilatildeo apresentadas anteriormente (no caso Baust Diamond e Paystar

- no caso do mandado de 9 de Maio de 2016 natildeo temos informaccedilotildees suficientes quanto agrave

finalidade da medida) satildeo adequadas a atingir o fim na medida em que segundo um juiacutezo

de prognose o acesso aos smartphones permitiria (possivelmente) aceder a provas

incriminatoacuterias natildeo satildeo necessaacuterias pressupondo que a entidade puacuteblica dispunha de

medidas alternativas menos restritivas com idecircntico grau (ou ateacute mesmo superior) de

eficaacutecia na obtenccedilatildeo do mesmo fim finalmente face aos dados dos casos apresentados

no Capiacutetulo I as ordens de desencriptaccedilatildeo mostram-se como manifestamente

desproporcionadas por vaacuterios motivos a) em alguns casos foram usadas como autecircnticas

ldquofishing expeditionsrdquo indiscriminadas b) a gravidade de alguns crimes a

dispensabilidade da prova e a fidedignidade da mesma (natildeo raras vezes as provas

utilizadas satildeo fotografias ou gravaccedilotildees de viacutedeo que facilmente satildeo adulteradas) natildeo

justificavam uma lesatildeo tatildeo extensa do princiacutepio nemo tenetur c) dada a ingerecircncia do

puacuteblico na esfera privada do arguido natildeo soacute estariam prejudicadas as suas garantias de

defesa como tambeacutem o respeito pela sua reserva da intimidade da vida privada e de

terceiros Pelo que em resultado as ordens de desencriptaccedilatildeo apresentadas no Capiacutetulo I

ndash independentemente do meacutetodo utilizado - seriam consideradas inconstitucionais

Em jeito de conclusatildeo da anaacutelise do princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo

podemos entatildeo afirmar que as referidas ordens de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes

da leitura da impressatildeo digital do arguido (valendo o que foi dito para a desencriptaccedilatildeo

de smartphones atraveacutes da palavra-passe) introduzem na ordem juriacutedica um benefiacutecio

marginal consideraacutevel para o fim visado mas produzem simultaneamente um acreacutescimo

significativo de sacrifiacutecios nas garantias de defesa do arguido e na garantia da reserva da

intimidade da sua vida privada e de terceiros resultando na desproporcionalidade da

relaccedilatildeo entre benefiacutecios e sacrifiacutecios e consequentemente na inconstitucionalidade da

medida adoptada pelas entidades judiciaacuterias

Quanto ao requisito da garantia do conteuacutedo essencial do direito restringido queda-nos

referir que pela nossa parte a ordem de desencriptaccedilatildeo de smartphone atraveacutes da leitura

da impressatildeo digital arguido respeita este quarto e uacuteltimo requisito material das restriccedilotildees

a direitos fundamentais Sendo que o nuacutecleo essencial do princiacutepio nemo tenetur se ipsum

accusare eacute aniquilado apenas nas situaccedilotildees em que algueacutem eacute ldquocoagido a emitir

declaraccedilotildees autoincriminatoacuterias a declarar a sua culpabilidade a admitir a sua

150

participaccedilatildeo numa infracccedilatildeo [hellip]rdquo501 e atendendo ao facto de que a desencriptaccedilatildeo do

smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido somente implica a

colocaccedilatildeo do dedo do arguido no sensor do dispositivo podemos afirmar que neste caso

em concreto o nuacutecleo essencial do nemo tenetur natildeo eacute atingido nem tatildeo pouco aniquilado

Ainda assim importa natildeo esquecer que este requisito funciona apenas como um ldquoplusrdquo

em relaccedilatildeo aos restantes limites atraacutes enunciados ou seja funciona como barreira uacuteltima

e efectiva de garantia dos direitos fundamentais caso os restantes requisitos tenham sido

previamente preenchidos (o que natildeo se verifica)

Por fim resta perceber se a norma constante da aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm do Coacutedigo

de Processo Penal mesmo que interpretada contrariamente ao nosso entendimento como

uma obrigaccedilatildeo de o arguido desencriptar o dispositivo atraveacutes da leitura da sua impressatildeo

digital respeita os requisitos formais impostos pelo artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da

Repuacuteblica Portuguesa Ora esta norma ao estipular que recaem em especial sobre o

arguido os deveres de ldquosujeitar-se a diligecircncias de prova [hellip] especificadas na lei e

ordenadas e efectuadas por entidade competenterdquo cumpre os requisitos da generalidade

abstracccedilatildeo e natildeo retroactividade Isto porque eacute aplicaacutevel a um nuacutemero indeterminado de

pessoas regula um nuacutemero indeterminado de casos e natildeo se aplica a situaccedilotildees ou actos

passados mas sim a desencriptaccedilotildees futuras

Por tudo o que foi dito ateacute entatildeo relativamente agrave verificaccedilatildeo dos limites aos limites nas

ordens de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do

arguido apresentados no Capiacutetulo I acreditamos que podemos concluir pela sua

ilegitimidade caso fossem aprovadas em territoacuterio nacional Desde logo pela ausecircncia de

lei preacutevia e expressa uma vez que como vimos inexiste qualquer disposiccedilatildeo legal que

obrigue especificamente o arguido a desencriptar o seu dispositivo Depois porque agrave luz

dos subprinciacutepios da adequaccedilatildeo necessidade e proporcionalidade em sentido estrito a

legitimidade daquela ordem sempre se revelaria desproporcionada uma vez que como

afirmaacutemos estes corolaacuterios natildeo seriam devidamente respeitados

6 Conclusotildees intermeacutedias

Percorremos um longo caminho para chegar agrave conclusatildeo de que tanto as ordens de

desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe quanto as ordens

de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido satildeo

501 Anastaacutecio 2010 217

151

nos casos concretos apresentados ilegiacutetimas por violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se

ipsum accusare Na verdade somos levados a crer que contrariamente ao defendido na

jurisprudecircncia e doutrina norte-americanas natildeo se justifica a necessidade de um

tratamento diacutespar entre os dois meacutetodos de desencriptaccedilatildeo palavra-passe e impressatildeo

digital Da nossa parte acreditamos ser incoerente a distinccedilatildeo entre um e outro meacutetodo

isto porque permitir por um lado a coacccedilatildeo de um arguido a fornecer a sua ldquopalavra-

passerdquo na forma de uma impressatildeo digital mas por outro proteger o arguido de ser

compelido a revelar a sua palavra-passe alfanumeacuterica acaba por criar uma distinccedilatildeo

arbitraacuteria que ignora completamente o propoacutesito do princiacutepio nemo tenetur se ipsum

accusare502

Prova desta indistinccedilatildeo entre a desencriptaccedilatildeo atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe e a

desencriptaccedilatildeo atraveacutes da leitura da impressatildeo digital eacute o jaacute mencionado artigo 14ordm da

Lei do Cibercrime que parece tratar a desencriptaccedilatildeo como um todo503 O referido artigo

ao consagrar que ldquose no decurso do processo se tornar necessaacuterio agrave produccedilatildeo de prova

tendo em vista a descoberta da verdade obter dados informaacuteticos especiacuteficos e

determinados armazenados num determinado sistema informaacutetico a autoridade

judiciaacuteria competente ordena a quem tenha disponibilidade ou controlo desses dados que

os comunique ao processo ou permita o acesso aos mesmos sob pena de puniccedilatildeo por

desobediecircnciardquo natildeo faz distinccedilatildeo entre os meacutetodos de acesso nomeadamente de acesso

ao smartphone

A ratio do artigo 14ordm da Lei do Cibercrime designadamente do seu nordm 5 eacute a de proibir

toda e qualquer concessatildeo de acesso ao dispositivo electroacutenico (vg smartphone) por parte

do suspeito ou arguido sem nunca fazer menccedilatildeo ao meacutetodo utilizado no acesso Assim

retiramos da leitura deste preceito que o legislador quis simplesmente proteger a

concessatildeo de acesso aos dados armazenados no sistema informaacutetico seja atraveacutes da

desencriptaccedilatildeo por palavra-passe seja atraveacutes da desencriptaccedilatildeo por leitura da impressatildeo

digital tratando estes dois meacutetodos como iguais

Desta forma se a revelaccedilatildeo da palavra-passe estaacute protegida pelo nemo tenetur por se

entender que o arguido tem o direito ao silecircncio sempre que lhe sejam dirigidas perguntas

cuja resposta possa culminar na sua incriminaccedilatildeo tambeacutem a desencriptaccedilatildeo do

smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital deveraacute seguir o mesmo entendimento

502 Larkin 2012 270 503 Fakhoury 2012 86

152

uma vez que o resultado seraacute o mesmo num e noutro meacutetodo facultar o acesso ao

dispositivo encriptado onde potencialmente estaratildeo armazenadas provas incriminatoacuterias

Ainda no acircmbito da indistinccedilatildeo entre os meacutetodos de desencriptaccedilatildeo cumpre esclarecer

que tal como foi mencionado em sede de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da

revelaccedilatildeo da palavra-passe tambeacutem a impressatildeo digital pode ser considerada como

incriminatoacuteria uma vez que o acto de fornecer acesso a um smartphone encriptado agraves

entidades judiciaacuterias indica conhecimento e posse sobre todos os ficheiros e documentos

que aiacute estejam armazenados504 Neste sentido reiteramos a ideia de que determinadas

condutas e gestos podem ser consideradas incriminatoacuterias desde que estas por sua vez

revelem factos pensamentos crenccedilas eou conhecimento de factos

Apenas quem tenha registado a sua impressatildeo digital no smartphone pode ter acesso a

ele Por esse motivo se a impressatildeo digital do arguido permitir o acesso ao smartphone

fica implicitamente provado que o arguido seraacute responsaacutevel pelos conteuacutedos encriptados

que estejam armazenados no dispositivo porquanto ele teraacute acesso e controlo sobre os

mesmos505 Neste sentido na doutrina norte-americana Susan Brenner vem tambeacutem

reiterar a ideia de que o arguido ao pressionar o botatildeo do seu smartphone com o seu dedo

desencriptando-o estaacute a autenticar todos os dados que aiacute estaratildeo armazenados506

A impressatildeo digital acaba por funcionar aqui como uma linguagem corporal com

intenccedilatildeo comunicativa507 ou se preferirmos como um acto que importa uma declaraccedilatildeo

autoincriminatoacuteria taacutecita508

Em suma segundo o nosso entendimento apesar de nos casos em anaacutelise termos

concluiacutedo pela ilegitimidade das ordens de desencriptaccedilatildeo quer atraveacutes da revelaccedilatildeo da

palavra-passe quer atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido natildeo rejeitamos a

504 Goldman 2015 224 505 ldquoA fingerprint does more than provide access It could be use to authenticate identity but it is clearly a

means to identify its ownerrdquo Cf SaintGermain 2014a 29 Disponiacutevel em

httpspapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=2367479 [consultado em 20022017] ldquo[hellip]

biometric authentication may communicate an implicit factual assertion that the accused owns the smartphone or laptop and the data thereinrdquo Cf Sales 2014 228 ldquoDecryption would also require him to

admit to possessing the files controlling the files being able to access the files and being able to decrypt

the devicerdquo Cf Jarone 2015 787 Neste sentido cf Keenan 2016 4 Colarusso 2011 135 506 A Autora vai mais longe e afirma que ldquoby showing you opened the phone you showed that you have

control over it Itrsquos the same as if you went home and pulled out paper documents ndash you produced itrdquo Cf

HamiltonWinton 2016 1 Disponiacutevel em httpwwwlatimescomlocalcaliforniala-me-iphones-

fingerprints-20160430-storyhtml [consultado em 21022017] 507 Oliveira Silva 2015 269 508 Garrett 2007 21

153

possibilidade de poder haver casos de colaboraccedilatildeo do arguido Concluiacutemos pela

existecircncia de uma tipicidade dos casos de colaboraccedilatildeo do arguido mas admitimos que

uma lei formal possa impor novos casos de colaboraccedilatildeo (independentemente do meacutetodo

de desencriptaccedilatildeo) contando que se respeitem os nos 2 e 3 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo

da Repuacuteblica Portuguesa509 Assim como reiteraacutemos anteriormente o ponto eacute que haja

uma lei formal que exija a colaboraccedilatildeo que se salvaguarde um outro direito ou interesse

constitucionalmente protegido que esta seja necessaacuteria adequada e proporcional em

sentido estrito que natildeo afecte o nuacutecleo essencial do direito fundamental restringido510 e

que seja uma restriccedilatildeo de caraacutecter geral abstracto e natildeo retroactivo

Chegados a este ponto e depois de esclarecida a questatildeo da violaccedilatildeo do privileacutegio de natildeo-

autoincriminaccedilatildeo nos casos de desencriptaccedilatildeo de smartphones apresentados no Capiacutetulo

I resta-nos apenas indagar sobre a possibilidade de as entidades judiciaacuterias ainda assim

compelirem o arguido a desencriptar o seu dispositivo ganhando acesso a todos os dados

aiacute armazenados Neste caso que tratamento se deveraacute dar a estas provas recolhidas em

violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare

509 Pinto 2013 111 510 Cumpre esclarecer que no caso de aprovaccedilatildeo de uma ordem de desencriptaccedilatildeo atraveacutes da revelaccedilatildeo da

palavra-passe dirigida arguido dificilmente se ultrapassaraacute este uacuteltimo requisito material da garantia do

nuacutecleo essencial do nemo tenetur mesmo depois da verificaccedilatildeo dos restantes requisitos

154

155

CAPIacuteTULO V ndash A RECOLHA DE PROVAS EM VIOLACcedilAtildeO DO PRINCIacutePIO DE

NAtildeO-AUTOINCRIMINACcedilAtildeO

Como corolaacuterio loacutegico dos direitos de acccedilatildeo e de defesa as partes tecircm o direito de

introduzir provas no processo com as quais pretendam demonstrar a veracidade das suas

alegaccedilotildees511 Nas palavras de Germano Marques da Silva o direito agrave prova eacute ldquoa faculdade

que tecircm os sujeitos processuais de participar activamente na produccedilatildeo da prova quer

requerendo a sua admissatildeo no processo quer participando na sua produccedilatildeordquo512

No entanto tal como todos os outros direitos este tambeacutem natildeo seraacute um direito absoluto

ou seja haacute limites para a admissatildeo e produccedilatildeo de prova Neste sentido Elizabeth Queijo

atesta que ldquose natildeo houvesse limitaccedilotildees ao direito agrave prova todo e qualquer material

probatoacuterio mesmo que produzido agrave custa de violaccedilotildees a direitos poderia ser introduzido

no processo e valorado o que conduziria agrave adopccedilatildeo de um modelo de processo autoritaacuterio

e distante da eacuteticardquo513

Assim sendo o nosso Coacutedigo de Processo Penal consagra no seu artigo 125ordm o princiacutepio

da legalidade da prova ndash ldquosatildeo admissiacuteveis as provas que natildeo forem proibidas por leirdquo Ao

proibir a utilizaccedilatildeo de certos meios probatoacuterios quis o legislador delimitar

(negativamente) o elenco das provas admitidas em processo penal A foacutermula adoptada

no artigo 125ordm tem aqui o sentido de que natildeo satildeo apenas admitidos os meios probatoacuterios

tipificados mas tambeacutem todos os meios de prova que natildeo forem proibidos mesmo sendo

atiacutepicos514 Daqui resulta que para a aquisiccedilatildeo de informaccedilatildeo probatoacuteria necessaacuteria pode

o julgador socorrer-se dos meios tipificados as chamadas provas tiacutepicas (testemunhos

documentos periacutecias etc) Mais eacute-lhe reconhecida em princiacutepio a liberdade de escolher

indiferentemente qualquer dessas fontes tipificadas de conhecimento seja qual for a

natureza da factualidade a provar515

511 Ristori 2007 163 512 Marques da Silva 2011 116 513 Queijo 2012 374 514 Oliveira Silva 2011 560 Neste sentido escreve tambeacutem Germano Marques da Silva ldquoproibindo a

utilizaccedilatildeo de certos meios de prova a norma consagra tambeacutem [hellip] a liberdade da prova no sentido de

serem admissiacuteveis para a prova de quaisquer factos todos os meios de prova admitidos em direito ou seja

que natildeo sejam proibidos mesmo sendo atiacutepicosrdquo Cf Marques da Silva 2011 136-137 515 Oliveira Silva 2011 561

156

Natildeo obstante esta liberdade a realizaccedilatildeo da justiccedila e a busca pela verdade material agrave

semelhanccedila do direito agrave prova e apesar de serem valores constitucionais516 natildeo satildeo

valores absolutos que possam ser perseguidos por qualquer forma517 Esta verdade natildeo eacute

uma verdade absoluta ou ontoloacutegica mas uma verdade judicial que deve ser procurada e

obtida atraveacutes dos meios legalmente admissiacuteveis518

1 As proibiccedilotildees de prova

Um dos meios de que a lei se serve para protegendo os cidadatildeos impedir as praacuteticas

abusivas na produccedilatildeo de prova eacute atraveacutes do estabelecimento de proibiccedilotildees de prova A

este propoacutesito escreve Costa Andrade ldquoComo Goumlssel acentua as proibiccedilotildees de prova

satildeo laquobarreiras colocadas agrave determinaccedilatildeo dos factos que constituem objecto do processoraquo

Mais do que a modalidade do seu enunciado o que define a proibiccedilatildeo de prova eacute a

prescriccedilatildeo de um limite agrave descoberta da verdade Normalmente formulada como

proibiccedilatildeo a proibiccedilatildeo de prova pode igualmente ser ditada atraveacutes de uma imposiccedilatildeo e

mesmo de uma permissatildeo Eacute que como Goumlssel pertinentemente assinala laquotoda a regra

relativa agrave investigaccedilatildeo dos factos proiacutebe ao mesmo tempo as vias natildeo permitidas de

averiguaccedilatildeoraquordquo519

11 A distinccedilatildeo entre proibiccedilotildees de produccedilatildeo de prova e proibiccedilotildees de

valoraccedilatildeo de prova

Por doutrina das proibiccedilotildees de prova compreende-se aqui a doutrina das proibiccedilotildees de

investigaccedilatildeo de determinados factos relevantes para o objecto do processo bem como das

proibiccedilotildees de levar determinados factos ao objecto da sentenccedila e finalmente das

consequecircncias processuais da violaccedilatildeo daquelas proibiccedilotildees520

Neste sentido a doutrina portuguesa521 na esteira do defendido pela doutrina maioritaacuteria

alematilde vem distinguir no acircmbito das proibiccedilotildees de prova entre proibiccedilotildees de produccedilatildeo

de prova (Beweiserhebungsverbote) e proibiccedilotildees de valoraccedilatildeo de prova

(Beweisverwertungsverbote) As primeiras regulam e limitam o modo de obtenccedilatildeo das

516 MirandaMedeiros 2010 737 517 Marques da Silva 2006 39 Neste sentido vai tambeacutem Claus Roxin ldquo[hellip] A averiguaccedilatildeo da verdade

natildeo eacute um valor absoluto no processo penal pelo contraacuterio o proacuteprio processo penal estaacute impregnado de

hierarquias eacuteticas e juriacutedicas [hellip]rdquo Cf Roxin 2000 191 518 Andrade 2010 47 519 Costa Andrade 1992 83 520 Goumlssel 1992 397-398 521 ldquoA doutrina processual penal das proibiccedilotildees de prova abrange (1) as proibiccedilotildees de produccedilatildeo de prova e

(2) as proibiccedilotildees de valoraccedilatildeo de prova [hellip]rdquo Cf Sousa Mendes 2004 134

157

provas522 ao passo que as segundas impedem que determinados factos sejam objecto de

sentenccedila523 Cumpre deixar claro nesta sede que eacute na determinaccedilatildeo da proibiccedilatildeo da

valoraccedilatildeo de prova que se colocam os grandes dilemas que surgem no confronto com a

realidade Saber se agrave proibiccedilatildeo de produccedilatildeo de prova deve corresponder sempre por vezes

ou nunca uma proibiccedilatildeo de valoraccedilatildeo da prova eacute no fundo a questatildeo que desde sempre

eacute tratada com maior acuidade e dissonacircncias tanto na doutrina como na jurisprudecircncia524

Aleacutem desta diferenciaccedilatildeo dentro das proibiccedilotildees de produccedilatildeo de prova distinguem-se

tradicionalmente trecircs categorias a) os temas de prova proibidos525 (haacute temas de prova

proibidos e que por conseguinte natildeo devem ser investigados ndash eacute o caso dos factos

abrangidos pelo segredo de Estado526) b) os meios de prova proibidos527 (haacute tambeacutem

proibiccedilotildees de produccedilatildeo de prova atraveacutes de determinados meios de prova eacute o caso da

proibiccedilatildeo de produccedilatildeo de prova atraveacutes dos suportes teacutecnicos e respectivas transcriccedilotildees

quando tiverem sido gravadas conversaccedilotildees em que intervenham o Presidente da

Repuacuteblica o Presidente da Assembleia da Repuacuteblica ou o Primeiro-Ministro ndash al b) do

nordm 2 do artigo 11ordm do CPP528) c) os meacutetodos de prova proibidos529 (os meacutetodos de prova

satildeo os procedimentos usados pelas autoridades judiciaacuterias pelas poliacutecias criminais pelos

advogados e ateacute pelos particulares para a aquisiccedilatildeo de meios de prova e sua utilizaccedilatildeo no

processo530)531

12 O regime legal das proibiccedilotildees de prova

O regime das proibiccedilotildees de prova no acircmbito do processo penal encontra-se

essencialmente regulado pelo preceituado nos artigos 125ordm e 126ordm do Coacutedigo de Processo

Penal os quais devem ser conjugados com as garantias constitucionais de defesa

consagradas no artigo 32ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa mormente a

522 Ambos 2008 329 523 Goumlssel 1992 399 524 Neves 2011 317 525 ldquoAs proibiccedilotildees de temas de prova impedem a obtenccedilatildeo de provas sobre determinados factos (temas)

por exemplo antecedentes criminais jaacute eliminados do Registo Central Federal [hellip]rdquo Cf Ambos 2008

329 526 Sousa Mendes 2017 178 527 ldquoAs proibiccedilotildees de meios de prova impedem a utilizaccedilatildeo de determinados meios de prova como por

exemplo uma declaraccedilatildeo prestada por uma testemunha que tenha abdicado do seu direito a testemunhar

[hellip]rdquo Cf Ambos 2008 329 528 Sousa Mendes 2017 179 529 ldquoAs proibiccedilotildees de metoacutedos de prova impedem um determinado modo de obtenccedilatildeo de prova por

exemplo um meacutetodo de interrogatoacuterio proibido de acordo com o sect136ordfrdquo Cf Ambos 2008 329 530 Sousa Mendes 2017 179 531 Rosa 2010 221-222

158

injunccedilatildeo imposta pelo seu nordm 8 bem como com as disposiccedilotildees especiacuteficas que

disciplinam a obtenccedilatildeo do meio de prova de que se pretende fazer uso

O nordm 8 do artigo 32ordm da Constituiccedilatildeo que consagra o princiacutepio das proibiccedilotildees de prova

e encontra tambeacutem consagraccedilatildeo nos textos do direito internacional532 estabelece a

nulidade533 de ldquotodas as provas obtidas mediante tortura coacccedilatildeo ofensa da integridade

fiacutesica ou moral da pessoa abusiva intromissatildeo da vida privada no domiciacutelio na

correspondecircncia ou nas telecomunicaccedilotildeesrdquo A tortura a coacccedilatildeo ou a ofensa da

integridade fiacutesica ou moral da pessoa em geral satildeo meacutetodos absolutamente proibidos de

obtenccedilatildeo de provas Jaacute a intromissatildeo na vida privada no domiciacutelio na correspondecircncia

ou nas telecomunicaccedilotildees satildeo meacutetodos relativamente proibidos como podemos

comprovar pelo afastamento da proibiccedilatildeo quer pelo acordo do titular dos direitos em

causa quer pelas restriccedilotildees agrave inviolabilidade desses direitos constantes nos nos 2 3 e 4

do artigo 34ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa534

Desta forma na disciplina da mateacuteria das proibiccedilotildees de prova o legislador constituinte

natildeo se limitou com efeito a propor os valores e a definir as balizas a que deveria obedecer

a configuraccedilatildeo do processo penal em definitivo acometida ao legislador ordinaacuterio Em

vez de delinear apenas o horizonte poliacutetico-criminal e axioloacutegico das normas ordinaacuterias

o legislador constitucional optou por defenir desde logo os princiacutepios materiais reitores

do processo chamando a si a conformaccedilatildeo normativa directa dos aspectos mais decisivos

532 Cf artigos 5ordm e 12ordm da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homem artigos 3ordm e 8ordm da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem e artigo 7ordm do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Poliacuteticos 533 ldquoO que haacute de novo no nordm 8 natildeo eacute a proibiccedilatildeo do uso de meios proibidos na obtenccedilatildeo dos elementos de

prova mas essencialmente a utilizaccedilatildeo das provas obtidas por tais meios Essas provas eacute que satildeo nulas

[hellip]rdquo Cf MirandaMedeiros 2010 737 534 Sousa Mendes 2017 180 Neste sentido cf Ristori 2007 168-169 Simas SantosLeal-Henriques

2008 663 ldquoA interdiccedilatildeo eacute absoluta no caso do direito agrave integridade pessoal e relativa nos restantes casos

devendo ter-se por abusiva a intromissatildeo quando efectuada fora dos casos previstos na lei e sem intervenccedilatildeo

judicial (nos 2 e 4 do artigo 34ordm) quando desnecessaacuteria ou desproporcionada ou quando aniquiladora dos

proacuteprios direitosrdquo Cf Gomes CanotilhoMoreira 2014 524 ldquo[hellip] eacute possiacutevel autonomizar no espectro de

anaacutelise duas espeacutecies diferenciadas de provas proibidas consoante a natureza dos direitos fundamentais em

causa Na primeira parte da norma estabelece-se sem mais a nulidade de todas as provas obtidas agrave custa de laquotortura coacccedilatildeo ofensa da integridade fiacutesica ou moral da pessoaraquo (1ordf parte do nordm 8 do artigo 32ordm da

CRP) Na segunda parte alude-se agraves provas obtidas com laquointromissatildeo da vida privada no domiciacutelio na

correspondecircncia ou nas telecomunicaccedilotildeesraquo que se contra-distinguem das primeiras pela circunstacircncia de

em relaccedilatildeo a elas a interdiccedilatildeo soacute existir se a intromissatildeo se revelar laquoabusivaraquo (2ordf parte do nordm 8 do artigo

32ordm da CRP) ndash uma asserccedilatildeo que eacute aliaacutes corroborada pelo teor dos artigos 26ordm e 34ordm da CRPrdquo Cf Oliveira

Silva 2011 584 A legislaccedilatildeo alematilde faz igualmente a distinccedilatildeo entre proibiccedilotildees absolutas e relativas

sendo que ldquoEnquanto as absolutas tecircm uma validade geral as relativas limitam a obtenccedilatildeo de prova no

sentido em que apenas determinadas pessoas estatildeo habilitadas a ordenar ou realizar uma produccedilatildeo

probatoacuteria estabelecendo assim uma proibiccedilatildeo para qualquer outro sujeitordquo Cf Ambos 2008 329

159

da tramitaccedilatildeo em que avulta com particular destaque a disciplina dos meacutetodos proibidos

de prova535

Sob a epiacutegrafe de ldquomeacutetodos proibidos de provardquo o artigo 126ordm do Coacutedigo de Processo

Penal ao concretizar a nulidade dos meacutetodos de produccedilatildeo de prova a que se refere o nordm

8 do artigo 32ordm da CRP repete a citada distinccedilatildeo entre as proibiccedilotildees absolutas e as

proibiccedilotildees relativas de obtenccedilatildeo de provas No caso dos nos 1 e 2 do artigo 126ordm vigora

uma proibiccedilatildeo absoluta de obtenccedilatildeo de provas atraveacutes dos meios ali indicados ainda que

sejam obtidas a coberto do consentimento do titular dos direitos em causa No caso do nordm

3 do artigo 126ordm a proibiccedilatildeo eacute afastada pelo acordo do titular dos direitos em causa ou

em alternativa eacute removida mediante as ordens ou autorizaccedilotildees emanadas de certas

autoridades nos termos da lei536 Ainda em sede de caracterizaccedilatildeo geral dos meacutetodos

proibidos de prova conviraacute ressalvar que nada parece impor a conclusatildeo de que no artigo

126ordm se contenha uma enumeraccedilatildeo taxativa537 Para aleacutem das teacutecnicas proibidas elencadas

no artigo 126ordm e das demais proibiccedilotildees de prova dispersas pelo ordenamento processual

outras poderatildeo ser reconhecidas pela doutrina e pela jurisprudecircncia nos domiacutenios em que

o meacutetodo de aquisiccedilatildeo probatoacuteria concretamente utilizado importe uma intromissatildeo

injustificada nos direitos fundamentais do arguido ou outras pessoas538

Posto isto a especificidade do sistema processual penal portuguecircs reside na estipulaccedilatildeo

de uma norma constitucional bem como de uma correspectiva regra legal que a densifica

ambas com vocaccedilatildeo geneacuterica que especificam exactamente quais os direitos

fundamentais cuja violaccedilatildeo inquina a prova em processo penal e gera a sua nulidade539

Na tutela conferida a estes direitos fundamentais enquanto limitaccedilotildees agrave prova radicam

antes de mais a posiccedilatildeo e o estatuto do arguido como sujeito processual O eacutetimo comum

de muitos dos meacutetodos de prova proscritos pelo legislador reconduz-se agrave ideia de que ldquoa

utilizaccedilatildeo do arguido como meio de prova deveraacute ser sempre limitada pelo integral

respeito pela sua decisatildeo de vontade soacute no exerciacutecio de uma plena liberdade de vontade

pode o arguido decidir-se se e como deseja tomar posiccedilatildeo perante a mateacuteria que constitui

objecto do processordquo540 Desde logo se considerarmos a vertente negativa desta liberdade

535 Oliveira Silva 2011 576-577 536 Sousa Mendes 2017 180 537 Costa Andrade 1992 216 538 Oliveira Silva 2011 589 539 Moratildeo 2006 588 540 Oliveira Silva 2011 578

160

de vontade enquanto autecircntico direito de defesa (Abwehrrecht) contra o Estado541

vedando todas as tentativas de obtenccedilatildeo por meios enganosos ou no nosso caso por

coacccedilatildeo de declaraccedilotildees autoincriminatoacuterias podemos afirmar que eacute precisamente nesta

dimensatildeo associada ao princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare que a liberdade de

vontade do arguido assume a mais directa relevacircncia em mateacuteria de proibiccedilotildees de

prova542

13 A invalidade do acto processual

Cumpre ainda deixar claro como ensina Costa Andrade que o legislador portuguecircs

associou as proibiccedilotildees de prova agrave figura e ao regime das nulidades isso diante da locuccedilatildeo

ldquoSatildeo nulas todas as provas [hellip]rdquo no nordm 8 do artigo 32ordm da CRP543 No entanto o regime

da nulidade das provas proibidas eacute substancialmente mais rigoroso do que o das nulidades

dependentes de arguiccedilatildeo (artigo 120ordm do CPP) ou mesmo do que o das nulidades

insanaacuteveis (artigo 119ordm do CPP) O legislador portuguecircs ciente desta disparidade

prescreveu no nordm 3 do artigo 118ordm do Coacutedigo de Processo Penal a autonomia teacutecnica

das proibiccedilotildees de prova544 estabelecendo de forma expressa que ldquoas disposiccedilotildees do

presente tiacutetulo natildeo prejudicam as normas deste Coacutedigo relativas a proibiccedilotildees de provardquo545

Ou seja que as regras gerais sobre as nulidades processuais penais natildeo se aplicam agraves

proibiccedilotildees de prova

Bem vistas as coisas o legislador criou pelo menos um regime sui generis a saber as

nulidades do artigo 126ordm do Coacutedigo de Processo Penal Na verdade a nulidade

mencionada no nordm 8 do artigo 32ordm da CRP e no artigo 126ordm do CPP natildeo eacute uma nulidade

em sentido teacutecnico-processual mas uma nulidade dotada de uma autonomia teacutecnica

completa em face do regime das nulidades processuais546

O caraacutecter sui generis do regime da nulidade de prova cominada nos nos 1 e 3 do artigo

126ordm Coacutedigo de Processo Penal haacute-de consistir no seu conhecimento oficioso podendo

ser declarada mesmo depois do tracircnsito em julgado da decisatildeo final admitindo-se assim

a revisatildeo de sentenccedila547 Por fim cumpre ressalvar que o nordm 4 do artigo 126ordm do CPP

541 Oliveira Silva 2011 579 542 Costa Andrade 1992 121 543 Costa Andrade 1992 313 544 Costa Andrade 2009 133 545 Correia 1999b 156 546 Sousa Mendes 2017 187 547 Questotildees Avulsas 2000 100-101

161

apenas admite a utilizaccedilatildeo de provas proibidas para proceder criminalmente contra quem

as obteve Contudo natildeo se pode ignorar a possibilidade de utilizar a prova com a

finalidade de demonstrar que eacute proibida548

14 O efeito-agrave-distacircncia das proibiccedilotildees de prova

Por fim perante uma prova proibida coloca-se a questatildeo de saber se a proibiccedilatildeo vale soacute

para o meio de prova obtido directamente de modo proibido ou se tambeacutem afecta outros

meios de prova obtidos indirectamente atraveacutes da prova proibida549 ndash eacute a problemaacutetica do

efeito-agrave-distacircncia das proibiccedilotildees de prova De facto eacute na consideraccedilatildeo da extensatildeo da

proibiccedilatildeo da valoraccedilatildeo da prova obtida com proibiccedilatildeo de produccedilatildeo que se colocam muitas

das problemaacuteticas que ainda hoje ocupam a doutrina e a jurisprudecircncia550

O problema do efeito-agrave-distacircncia suscita-se nos casos em que a obtenccedilatildeo de uma

determinada prova torna possiacutevel a descoberta de novos meios de prova contra o arguido

ou contra terceiro Nestes casos cabe questionar se a proibiccedilatildeo de valoraccedilatildeo que

eventualmente inquine a prova primaacuteria ou directa se comunica e em que medida agraves

provas secundaacuterias ou indirectas impondo a sua exclusatildeo em cadeia Como facilmente

se representaraacute o problema ganha particular relevo praacutetico-juriacutedico nas hipoacuteteses

frequentes em que o recurso a meacutetodos proibidos de prova (vg a coacccedilatildeo) levam o

arguido a comprometedoras declaraccedilotildees autoincriminatoacuterias551

Como defende Paulo de Sousa Mendes a doutrina jurisprudencial dos ldquofrutos da aacutervore

envenenadardquo (fruit of the poisonous tree doctrine) ou da ldquomaacuteculardquo (taint doctrine) e a sua

equivalente germacircnica tambeacutem designada de teoria da maacutecula (Makel-Theorie)

enquanto metaacutefora da nodoacutea de ilegalidade reconhece que as provas que atentam contra

os direitos de liberdade arrostam com um efeito-agrave-distacircncia que consiste em tornarem

inaproveitaacuteveis as provas secundaacuterias a elas causalmente vinculadas552

548 Rosa 2010 235 549 MirandaMedeiros 2010 737 550 Neves 2011 317 551 Costa Andrade 1992 169 552 Sousa Mendes 2014 219 A geacutenese da jurisprudecircncia da lsquomaacutecularsquo foi o caso Silverthorne Lumber Co

v United States decidido pelo Supremo Tribunal dos Estados Unidos da Ameacuterica em 1920 Estava em

causa o facto de agentes federais terem apreendido ilegalmente documentos nas instalaccedilotildees da sociedade

comercial Silverthorne que um tribunal de comarca (district court) mandou devolver tendo o procurador

(prosecutor) promovido perante um grande juacuteri (grand jury) a notificaccedilatildeo dos arguidos (defendants) para

produzirem os mesmos documentos sob pena de multas (subpoenas) Em via de recurso o Supremo

Tribunal dos Estados Unidos da Ameacuterica decidiu que as referidas intimaccedilotildees eram invaacutelidas declarando

pela pena do famoso Juiz Conselheiro Oliver Wendell Holmes Jr enquanto relator que ldquo[a] essecircncia de

uma norma de proibiccedilatildeo de aquisiccedilatildeo de provas de certa maneira natildeo se limita a determinar que as provas

162

O efeito-agrave-distacircncia eacute a uacutenica forma de impedir que os investigadores policiais os

procuradores e os juiacutezes menos escrupulosos se aventurem agrave violaccedilatildeo das proibiccedilotildees de

produccedilatildeo de prova na mira de prosseguirem sequecircncias investigatoacuterias agraves quais natildeo

chegariam atraveacutes dos meios postos agrave sua disposiccedilatildeo pelo Estado de Direito553

Na jurisprudecircncia portuguesa o efeito-agrave-distacircncia foi reconhecido pela primeira vez

pelo Tribunal Judicial de Oeiras (Sentenccedila do 3ordm Juiacutezo de 5 de Marccedilo de 1993 Proc nordm

77791 2ordf Secccedilatildeo) ldquoa nulidade do primeiro dos meios de prova eacute extensiva ao segundo

impossibilitando da mesma forma o julgador de extrair deste uacuteltimo qualquer juiacutezo

valorativordquo

Contudo a vigecircncia da doutrina do efeito-agrave-distacircncia estaacute longe de ser absoluta e

irrestrita A histoacuteria da emergecircncia e afirmaccedilatildeo do princiacutepio tambeacutem eacute a histoacuteria do

enunciado e das tentativas de fundamentaccedilatildeo e sistematizaccedilatildeo de uma gama alargada de

excepccedilotildees554

Entre elas avulta em primeiro lugar a excepccedilatildeo da ldquofonte independenterdquo (independent

source exception)555 derivada dos precedentes Silverthorne Lumber Co v United

States556 de 1920 Wong Sun v United States557 de 1963 e Segura v United States558 de

1984 que admite a possibilidade de valoraccedilatildeo das provas mediatas nos casos em que ao

lado do chamado caminho proibido existe um outro caminho autoacutenomo independente

de onde as mesmas provas podem tambeacutem ser retiradas559 Ou seja aceita as provas que

foram ou poderiam ter sido obtidas por via autoacutenoma e liacutecita560

assim adquiridas natildeo poderatildeo ser utilizadas em tribunal mas tambeacutem que natildeo poderatildeo ser usadas de

maneira nenhuma Eacute claro que isto natildeo significa que os factos assim obtidos se tornem sagrados e

inacessiacuteveis Se a informaccedilatildeo acerca dos mesmos for obtida atraveacutes de uma fonte independente entatildeo esses

factos podem ser provados tal como quaisquer outros mas o conhecimento obtido pelo Estado por meios

iliacutecitos natildeo pode ser por si usado da maneira pretendidardquo A expressatildeo ldquofrutos da aacutervore envenenadardquo surgiu

pela pena do igualmente famoso Juiz Conselheiro Felix Frankfurter no caso Nardone v United States de

1939 Cf Sousa Mendes 2017 192 553 Sousa Mendes 2014 220 554 Costa Andrade 1992 171 555 KamisarLaFaveIsraelKingKerrPrimus 2015 765-768 556 Silverthorne Lumber Co v United States 1920 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus251385casehtml [consultado em 09032017] 557 Wong Sun v United States 1963 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus371471casehtml [consultado em 09032017] 558 Segura v United States 1984 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus468796

[consultado em 09032017] 559 Moratildeo 2006 613 560 MirandaMedeiros 2010 737

163

A segunda excepccedilatildeo do efeito-agrave-distacircncia eacute designada por excepccedilatildeo da ldquodescoberta

inevitaacutevelrdquo (inevitable discovery exception)561 foi fundada nas importantes decisotildees

Brewer v Williams562 de 1977 e Nix v Williams563 de 1984 e determina a aceitaccedilatildeo das

provas que inevitavelmente seriam descobertas mesmo que mais tarde atraveacutes de outro

tipo de investigaccedilatildeo564 Trata-se segundo Paulo de Sousa Mendes de uma ldquovariante da

lsquofonte independentersquo mas difere desta excepccedilatildeo na medida em que natildeo se exige aqui que

a poliacutecia tenha de facto obtido provas tambeacutem atraveacutes de uma fonta autoacutenoma e legal

mas apenas que tivesse podido hipoteticamente fazecirc-lo [hellip]rdquo565

Por fim a terceira e uacuteltima excepccedilatildeo a excepccedilatildeo da ldquonoacutedoa (ou maacutecula) dissipadardquo

(purged taint exception)566 baseada nas decisotildees Wong Sun v United States567 de 1963

e United States v Ceccolini568 de 1978 vem estabelecer a possibilidade de utilizaccedilatildeo no

processo de toda a prova secundaacuteria a que os oacutergatildeos de investigaccedilatildeo criminal natildeo teriam

chegado de uma perspectiva de relaccedilatildeo causal sem a violaccedilatildeo da proibiccedilatildeo de prova

mas relativamente agrave qual se pode dizer que jaacute nenhum nexo causal efectivo subsiste entre

tal prova mediata e a violaccedilatildeo inicial569 Ou seja poderiam ser valoradas todas as provas

secundaacuterias se a conexatildeo se tiver tornado tatildeo atenuada a ponto de dissipar a maacutecula570

Seria o caso do arguido que eacute levado a confessar determinados factos de modo

autoincriminatoacuterio571 por forccedila de uma anterior violaccedilatildeo de proibiccedilatildeo de prova mas que

mais tarde apoacutes ter sido convenientemente informado de que tais provas natildeo podem ser

utilizadas opta por confessar os mesmos factos espontaneamente572

561 KamisarLaFaveIsraelKingKerrPrimus 2015 775-780 562 Brewer v Williams 1977 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus430387

[consultado em 09032017] 563 Nix v Williams 1984 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus467431casehtml

[consultado em 09032017] 564 MirandaMedeiros 2010 738 565 Sousa Mendes 2017 193 566 KamisarLaFaveIsraelKingKerrPrimus 2015 774 567 Wong Sun v United States 1963 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus371471casehtml [consultado em 09032017] 568 United States v Ceccolini 1978 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus435268

[consultado em 09032017] 569 Moratildeo 2006 615 570 Sousa Mendes 2014 221 571 Elementos de estudo 2012 639-640 Moratildeo 2012 717 572 Moratildeo 2006 615 Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1982004 de 24 de Marccedilo de 2004

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164

Chegados a este ponto e analisada que estaacute a consagraccedilatildeo e o regime das proibiccedilotildees de

prova em processo penal resta-nos apenas indagar da aplicabilidade deste regime ao

nosso caso concreto violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare atraveacutes da

ordem de desencriptaccedilatildeo compelida dirigida ao arguido no sentido de permitir o acesso

ao seu smartphone quer atraveacutes do fornecimento da sua palavra-passe quer atraveacutes da

leitura da sua impressatildeo digital

2 Consequecircncias da recolha de prova em violaccedilatildeo do princiacutepio de natildeo-

autoincriminaccedilatildeo

O princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare constitui como jaacute tivemos oportunidade de

analisar um direito do arguido perante o ius puniendi do Estado Desta forma toda e

qualquer restriccedilatildeo deste direito que natildeo obedeccedila aos limites aos limites dos direitos

fundamentais (nos 2 e 3 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa)

instrumentalizando o arguido contra a sua vontade ou atraveacutes do seu corpo a ser objecto

da sua proacutepria incriminaccedilatildeo viola este princiacutepio

No caso concreto da ordem de desencriptaccedilatildeo do smartphone dirigida ao arguido por parte

das autoridades judiciaacuterias podemos afirmar que estaremos aqui perante um meacutetodo

proibido de prova dado que o arguido eacute utilizado como meio de prova com perturbaccedilatildeo

da sua vontade e liberdade atraveacutes da coacccedilatildeo

Mais especificamente no que concerne ao primeiro meacutetodo de desencriptaccedilatildeo ndash o

fornecimento da palavra-passe ndash importa reter as palavras de Figueiredo Dias quando

atesta que ldquotecircm de considerar-se proibidos e inadmissiacuteveis em processo penal todos os

meios de interrogatoacuterio e de obter declaraccedilotildees que importem [hellip] qualquer perturbaccedilatildeo

da liberdade de vontade e de decisatildeo [do arguido]rdquo573 nomeadamente atraveacutes de coacccedilatildeo

Desta forma dada a coacccedilatildeo empregue por parte das autoridades judiciaacuterias na ordem

de desencriptaccedilatildeo do smartphone dirigida ao arguido no sentido de este revelar a palavra-

passe do seu dispositivo outra natildeo poderaacute ser a conclusatildeo senatildeo a de que este seraacute um

meacutetodo de obtenccedilatildeo de prova proibido

573 Figueiredo Dias 2004 454 Tambeacutem na doutrina alematilde Claus Roxin informa que o Tribunal Federal

alematildeo tem considerado o direito de guardar silecircncio entre os princiacutepios fundamentais do processo penal

de tal modo que tambeacutem a sua violaccedilatildeo pela poliacutecia deve conduzir a uma proibiccedilatildeo de valoraccedilatildeo Cf Roxin

2000 195-196 Neste sentido vai tambeacutem Goumlssel ao afirmar que a legislaccedilatildeo alematilde proiacutebe no sect136a do

StPO a valoraccedilatildeo dos interrogatoacuterios produzidos agrave custa do sacrifiacutecio da liberdade de formaccedilatildeo de vontade

do arguido Cf Goumlssel 1992 415 423

165

Por outro lado e apesar de a desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo

digital do arguido natildeo se enquadrar como vimos anteriormente na categoria de ldquomeios

de interrogatoacuterio ou de obter declaraccedilotildeesrdquo acreditamos que quaisquer restriccedilotildees a

direitos liberdades e garantias fundamentais (vg direito de natildeo-autoincriminaccedilatildeo) que

natildeo atendam estritamente ao texto constitucional seratildeo intoleraacuteveis e inadmissiacuteveis sendo

as provas obtidas por esses meios proibidas Ou seja toda e qualquer restriccedilatildeo que natildeo

obedeccedila aos limites aos limites dos direitos fundamentais reprimindo a liberdade ou a

vontade de decisatildeo do arguido por qualquer meio constitui uma violaccedilatildeo do princiacutepio

nemo tenetur e como efeito prova proibida Defendemos a ideia de que a vinculatividade

do artigo 126ordm transcende claramente o domiacutenio do interrogatoacuterio e das declaraccedilotildees do

arguido projetando-se como limite agrave admissibilidade de quaisquer outras diligecircncias

probatoacuterias Tambeacutem em sede de proibiccedilotildees de prova parece natildeo haver distinccedilatildeo entre os

dois meacutetodos de desencriptaccedilatildeo palavra-passe e biometria

Assim todas as provas autoincriminatoacuterias obtidas agrave custa de coacccedilatildeo e em violaccedilatildeo dos

limites aos limites das restriccedilotildees aos direitos fundamentais satildeo provas proibidas574 Natildeo

eacute outra leitura que se infere da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa e do Coacutedigo de

Processo Penal A sua interdiccedilatildeo eacute absoluta configurando-se em provas de valoraccedilatildeo

proibida nos termos do nordm 8 do artigo 32ordm da CRP e do nordm 1 do artigo 126ordm do CPP575

cominaccedilatildeo que traduz a existecircncia de uma nulidade particularmente grave e insanaacutevel576

Manuel da Costa Andrade entende que neste campo de danosidade social seraacute muito

difiacutecil valorar a prova proibida577 Estando perante um caso de proibiccedilatildeo de prova

desencadeada pela violaccedilatildeo insuportaacutevel de direitos de defesa do arguido como eacute o caso

do direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo natildeo soacute natildeo se poderaacute valorar a prova inicialmente

proibida como tambeacutem as provas que se desencadearam com base naquela primeira

De facto dado que a desencriptaccedilatildeo do smartphone permitiraacute agraves autoridades acederem a

provas incriminatoacuterias a doutrina do efeito-agrave-distacircncia pode aqui prevenir uma tatildeo frontal

como indesejaacutevel violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare Costa Andrade

reitera ainda que ldquocomo assinala Beulke laquoa valoraccedilatildeo de meios de prova tornados

574 Costa Andrade 1992 126-127 575 O nordm 8 do artigo 32ordm da CRP consagra que ldquoSatildeo nulas todas as provas obtidas mediante [hellip] coacccedilatildeo

[hellip]rdquo O nordm 1 do artigo 126ordm do CPP estipula que ldquoSatildeo nulas natildeo podendo ser utilizadas as provas obtidas

mediante [hellip] coacccedilatildeo [hellip]rdquo 576 Silva DiasRamos 2009 36-37 577 Costa Andrade 1992 282

166

possiacuteveis a partir de declaraccedilotildees obtidas agrave custa de coaccedilatildeo [hellip] equivaleria a compelir o

arguido a colaborar na sua proacutepria condenaccedilatildeoraquordquo578

Assim segundo a teoria dos ldquofrutos da aacutervore envenenadardquo tambeacutem as provas

secundaacuterias recolhidas a partir da desencriptaccedilatildeo do smartphone em que houve violaccedilatildeo

do nemo tenetur satildeo proibidas No entanto como reiteraacutemos anteriormente esta doutrina

tem excepccedilotildees Para o nosso caso concreto ndash desencriptaccedilatildeo de smartphones ndash interessa-

nos apenas a excepccedilatildeo da ldquofonte independenterdquo (independent source exception) e a

excepccedilatildeo da ldquonoacutedoa (ou maacutecula) dissipadardquo (purged taint exception)

A excepccedilatildeo da ldquofonte independenterdquo (independent source exception) poderia ser aplicada

no nosso caso concreto nas situaccedilotildees em que a poliacutecia conseguisse aceder agraves provas

armazenadas no smartphone de forma liacutecita nomeadamente atraveacutes da utilizaccedilatildeo de nova

tecnologia que permitisse a desecriptaccedilatildeo ou ateacute mesmo atraveacutes da descoberta da palavra-

passe Assim mesmo depois de acederem agraves provas contidas no smartphone que fora

ilicitamente acedido atraveacutes da coacccedilatildeo do arguido ndash quer pela revelaccedilatildeo da palavra-

passe quer pela leitura da sua impressatildeo digital - as autoridades judiciaacuterias poderiam

utilizar os ficheiros ndash agora licitamente - recolhidos

Agrave semelhanccedila da excepccedilatildeo da ldquofonte independenterdquo tambeacutem a excepccedilatildeo da ldquonoacutedoa (ou

maacutecula) dissipadardquo (purged taint exception) pode ser aplicada no nosso caso de

desencriptaccedilatildeo de smartphones Se o arguido permitisse o acesso ao seu smartphone

atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe ou da leitura da sua impressatildeo digital por forccedila de

uma anterior violaccedilatildeo de proibiccedilatildeo de prova e posteriormente optasse por confessar a

palavra-passe as autoridades judiciaacuterias poderiam utilizar esta palavra-passe para aceder

licitamente aos ficheiros autoincriminatoacuterios armazenados no dispositivo e utilizaacute-los

como prova no processo penal

Deste modo podemos concluir que a ordem de desencriptaccedilatildeo de smartphone seja

atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe ou da leitura da impressatildeo digital do arguido

culmina numa situaccedilatildeo de obtenccedilatildeo de prova agrave custa da coacccedilatildeo do arguido (nordm 8 do

artigo 32ordm da CRP e nordm 1 do artigo 126ordm do CPP) E segundo a doutrina do efeito-agrave-

distacircncia natildeo soacute natildeo se poderaacute valorar a prova inicialmente proibida (provas primaacuterias)

como tambeacutem as provas que se desencadearam com base naquela primeira (provas

secundaacuterias) No entanto as provas incriminatoacuterias armazenadas no smartphone podem

578 Costa Andrade 1992 315

167

ainda assim ser utilizadas e valoradas no processo caso a excepccedilatildeo da ldquofonte

independenterdquo ou da ldquonoacutedoamaacutecula dissipadardquo se verifiquem

168

169

CONCLUSOtildeES GERAIS

Conforme se depreende do exposto ao longo desta nossa investigaccedilatildeo a ordem de

desencriptaccedilatildeo dirigida ao arguido pelas autoridades judiciaacuterias no sentido de este

permitir o acesso ao seu smartphone atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe ou da leitura

da sua impressatildeo digital suscita uma seacuterie de questotildees

As discussotildees na doutrina norte-americana em volta desta problemaacutetica influenciaratildeo o

mundo e desencadearatildeo novas discussotildees nomeadamente em territoacuterio nacional

considerando que o princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare foi nos casos apresentados

claramente restringido ateacute ao ponto de restar apenas o direito ao silecircncio

Depois de nos munirmos dos conhecimentos necessaacuterios quanto ao acesso e apreensatildeo

dos dados armazenados no smartphone segundo a Lei do Cibercrime agrave encriptaccedilatildeo destes

dispositivos e agrave articulaccedilatildeo entre a colaboraccedilatildeo do arguido nos casos de desencriptaccedilatildeo

compelida e o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo estamos jaacute em posiccedilatildeo de criticar a

fundamentaccedilatildeo e a decisatildeo dos casos norte-americanos apresentados no primeiro capiacutetulo

e de discutir o seu enquadramento no direito processual penal portuguecircs

Ficou expresso anteriormente que o princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare tendo por

fundamento as garantias processuais reconhecidas ao arguido no texto constitucional

poderaacute ser alvo de limitaccedilotildees De facto pela circunstacircncia de natildeo se revestir de natureza

absoluta este princiacutepio poderaacute ser derrogado nomeadamente nos casos em que o arguido

eacute obrigado a identificar-se ou a sujeitar-se a determinados exames ou periacutecias

Por esse motivo natildeo consideramos defensaacutevel que se infira uma total inflexibilidade do

princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo que inviabilize por completo a adopccedilatildeo de normas

que permitam a emissatildeo de ordens de desencriptaccedilatildeo e que em complemento incriminem

a conduta omissiva do arguido

Contudo revisitando uma vez mais o que por noacutes jaacute foi afirmado quanto agrave natureza da

revelaccedilatildeo por parte do arguido de uma palavra-passe entendemos que a mesma pode ser

reconduzida ao instituto das declaraccedilotildees do arguido Assim se a natureza da revelaccedilatildeo de

uma palavra-passe pode ser entendida do mesmo modo que uma declaraccedilatildeo proferida

pelo arguido a ponderaccedilatildeo do direito ao silecircncio natildeo pode deixar de ser efectuada Sendo

o direito ao silecircncio como vimos um expoente maacuteximo do princiacutepio nemo tenetur natildeo

podemos deixar de considerar que o mesmo seria objecto de uma evidente derrogaccedilatildeo

170

acaso os investigadores criminais compelissem o arguido a revelar a palavra-passe que

permite o acesso ao seu dispositivo electroacutenico Segundo um criteacuterio de ponderaccedilatildeo e

atendendo igualmente aos limites aos limites das restriccedilotildees de direitos fundamentais

(vg direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo) esta ordem seria ilegiacutetima por falta de previsatildeo

legal expressa por ser desproporcional e por violar o nuacutecleo essencial do princiacutepio nemo

tenetur Efectivamente no panorama legal portuguecircs natildeo haacute uma previsatildeo legal no

sentido de estabelecer uma excepccedilatildeo ao princiacutepio nemo tenetur ao contraacuterio do que se

passa na lei inglesa e belga

No que agrave leitura da impressatildeo digital diz respeito podemos agora concluir que tendo

como base os casos apresentados no primeiro capiacutetulo da presente investigaccedilatildeo tambeacutem

a ordem dada ao arguido no sentido de este desencriptar o seu smartphone atraveacutes da

leitura da sua impressatildeo digital eacute uma ordem ilegiacutetima e violadora do princiacutepio contra a

autoincriminaccedilatildeo Cremos nesta conclusatildeo por dois motivos principais a) o dever de

sujeiccedilatildeo a diligecircncias de prova consagrado na aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm do Coacutedigo

de Processo Penal dada a sua generalidade natildeo pode ser entendido como previsatildeo legal

expressa no sentido de estabelecer uma excepccedilatildeo ao princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo

resultando na falta de preenchimento do primeiro requisito das restriccedilotildees de direitos

fundamentais (exigecircncia de lei formal) b) e atendendo agraves circunstacircncias dos casos

concretos todas estas ordens de desencriptaccedilatildeo atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do

arguido revelaram-se desproporcionais

Isto posto outra natildeo poderaacute ser a conclusatildeo senatildeo a de que nestes casos apresentados as

ordens de desencriptaccedilatildeo dos smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe ou da

leitura da impressatildeo digital dirigidas aos arguidossuspeitos satildeo segundo o ordenamento

juriacutedico portuguecircs ilegiacutetimas por violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare

Se ainda assim forem recolhidas provas autoincriminatoacuterias do smartphone em violaccedilatildeo

deste princiacutepio a consequecircncia eacute oacutebvia proibiccedilatildeo de valoraccedilatildeo dessas provas

O que se deve discutir aqui natildeo eacute a possibilidade de o Estado restringir o direito do arguido

agrave sua natildeo-autoincriminaccedilatildeo mas sim a que extensatildeo essa restriccedilatildeo pode ocorrer sem que

se torne a ordem inconstitucional Daiacute se infere que apesar da conclusatildeo a que chegamos

quanto aos casos norte-americanos no ordenamento juriacutedico nacional uma vez que o

princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare natildeo tem caraacutecter absoluto por intermeacutedio de

legislaccedilatildeo especiacutefica com o objectivo de salvaguardar um outro direito ou interesse

constitucionalmente protegido sendo proporcional em sentido amplo e natildeo violadora do

171

nuacutecleo essencial do direito poderaacute um arguido ser compelido a desencriptar o seu

smartphone independentemente do meacutetodo (palavra-passe ou impressatildeo digital) no

acircmbito de uma investigaccedilatildeo criminal Natildeo podemos defender aqui peremptoriamente uma

zona de offshore digital num Estado de Direito579

579 Expressatildeo usada por Pedro Verdelho na Conferecircncia sobre Prova Digital em Processo Penal realizada

a 24 de Maio de 2017 na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

172

173

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Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 3042004 de 5 de Maio de 2004 disponiacutevel em

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Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 23 de Outubro de 2013 disponiacutevel em

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Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 3402013 de 17 de Junho de 2013 disponiacutevel

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Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de 30 de Setembro de 2008 disponiacutevel em

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Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 69695 de 5 de Dezembro de 1995 disponiacutevel

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Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 37298 de 13 de Maio de 1998 disponiacutevel em

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Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da Repuacuteblica P000642006 de 2

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Acoacuterdatildeo Saunders v Reino Unido de 17 de Dezembro de 1996 disponiacutevel em

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Acoacuterdatildeo Quinn v Irlanda de 21 de Dezembro de 2000 disponiacutevel em

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Acoacuterdatildeo PG e JH v Reino Unido de 25 de Setembro de 2001 disponiacutevel em

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Acoacuterdatildeo Shannon v Reino Unido de 4 de Outubro de 2005 disponiacutevel em

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Acoacuterdatildeo Jalloh v Alemanha de 11 de Julho de 2006 disponiacutevel em

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Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1552007 de 2 de Marccedilo de 2007 disponiacutevel em

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Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de 15 de Novembro de 2011 disponiacutevel em

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Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de 21 de Abril de 2015 disponiacutevel em

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Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de 11 de Outubro de 2011 disponiacutevel em

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Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 28 de Janeiro de 2009 disponiacutevel em

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Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 10 de Dezembro de 2008 disponiacutevel em

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Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 17 de Abril de 2012 disponiacutevel em

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Nix v Williams 1984 Disponiacutevel em

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Decisatildeo Sumaacuteria do Tribunal Constitucional nordm 132008 de 11 de Janeiro de 2008

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198

199

ANEXOS

Anexo I ndash Caso Commonwealth of Virginia v David Charles Baust

200

201

202

203

204

205

Anexo II ndash Caso State of Minnesota v Matthew Vaughn Diamond

STATE OF MINNESOTA

IN COURT OF APPEALS

A15-2075

State of Minnesota

Respondent

vs

Matthew Vaughn Diamond Appellant

Filed January 17 2017

Affirmed

Smith Tracy M Judge

Carver County District Court

File No 10-CR-14-1286

Lori Swanson Attorney General St Paul Minnesota and

Mark Metz Carver County Attorney Eric E Doolittle Assistant County Attorney Chaska Minnesota (for respondent)

Cathryn Middlebrook Chief Appellate Public Defender Steven P Russett Assistant Public Defender St

Paul Minnesota (for appellant)

Considered and decided by Johnson Presiding Judge Reyes Judge and Smith

Tracy M Judge

S Y L L A B U S

A district court order compelling a criminal defendant to provide a fingerprint to unlock the defendantrsquos

cellphone does not violate the Fifth Amendment privilege against compelled self-incrimination

O P I N I O N

SMITH TRACY M Judge

Appellant Matthew Vaughn Diamond appeals his convictions of second-degree burglary misdemeanor

theft and fourth-degree criminal damage to property following a jury trial On appeal Diamond argues his

convictions must be reversed because (1) police seized his property in violation of the Fourth Amendment

(2) the district court violated his Fifth Amendment privilege against compelled self-incrimination by

ordering him to provide his fingerprint so police could search his cellphone and (3) the statersquos

circumstantial evidence was insufficient We affirm

206

FACTS

On October 30 2014 MH left her Chaska home between 1030 and 1045 am to run errands MH

returned home around noon and noticed that the attached garagersquos sideentry door appeared to have been

kicked in from the outside MH called the police after discovering that a safe a laptop and several items

of jewelry were missing from her home While waiting for police to arrive MH found an envelope in her

driveway that had the name of SW written on it Police took photographs and measurements of the

shoeprints left on the garagersquos side-entry door

Detective Nelson of the Chaska Police Department used state databases to determine SWrsquos car model and

license plate number and that SW had pawned several pieces of jewelry at a Shakopee pawn shop on

October 30 MH later verified that the pawned jewelry was stolen from her home On November 4 police

located SWrsquos car which

Diamond was driving at the time Diamond was arrested on an outstanding warrant unrelated to this case

He was booked at the Scott County jail where staff collected and stored his property including his shoes

and cellphone

The following day Detective Nelson went to the jail and viewed the property that was taken from Diamond

Detective Nelson observed similarities between the tread of Diamondrsquos shoes and the shoeprints left on the

garagersquos side-entry door Detective Nelson informed the jail staff that she was going to seek a warrant to

seize Diamondrsquos property and gave instructions not to release the property to anyone Later that day SW

attempted to collect Diamondrsquos property but was told that it could not be released

On November 6 Detective Nelson obtained and executed a warrant to search for and seize Diamondrsquos

shoes and cellphone On November 12 Detective Nelson obtained an additional warrant to search the

contents of Diamondrsquos cellphone Detective Nelson was unable to unlock the cellphone She returned the

warrant on November 21

In December the state filed a motion to compel Diamond to provide his fingerprint on the cellphone to

unlock the phone The motion was deferred to the contested omnibus hearing Following that hearing the

district court issued an order filed February 11 2015 concluding that the warrant to search Diamondrsquos

cellphone was supported by probable cause and that compelling Diamond to provide his fingerprint to

unlock the cellphone does not violate his Fifth Amendment privilege against compelled self-incrimination

The district court granted the statersquos motion to compel and ordered Diamond to provide a fingerprint or

thumbprint to unlock his cellphone Diamond refused to comply On

April 3 the district court found Diamond in civil contempt and informed him that compliance with the order

would remedy the civil contempt Diamond provided his fingerprint and police immediately searched his

cellphone

At a second omnibus hearing Diamond challenged the refusal to release his cellphone and shoes to SW

arguing that it constituted a warrantless seizure not justified by any exception to the warrant requirement

The district courtrsquos April 3 order concluded that the seizure was justified by exigent circumstances and was

tailored to protect against the destruction of evidence while a warrant was sought and obtained Diamond

thereafter brought a pro se motion to suppress all evidence derived from his cellphone and shoes which the

district court denied relying on the previous orders from February 11 and April 3

At Diamondrsquos jury trial SW testified that (1) she believed she was working the day of the burglary (2)

the envelope found in MHrsquos driveway belonged to SW and it was in her car the last time she saw it (3)

SW sometimes let Diamond use her car when she was working and (4) on the day of the burglary

Diamond gave her MHrsquos stolen jewelry and the two of them traveled to the Shakopee pawn shop where

she sold the jewelry In addition the state also introduced evidence that (1) Diamondrsquos wallet and

identification card were found in SWrsquos car (2) Diamond and SW exchanged phone calls and text

messages throughout the day of the burglary (3) Diamondrsquos cellphone pinged off cell towers near MHrsquos

residence on the day of the burglary (4) the tread pattern on Diamondrsquos shoes was similar to the shoeprints

on the garagersquos side-entry door and (5) while in jail Diamond told SW ldquothe only thing that [the state is]

going to be able to charge me with is receiving stolen propertyrdquo and that his attorney said the case would

be dismissed if SW did not testify or recanted her statement

207

The jury found Diamond guilty of second-degree burglary misdemeanor theft and fourth-degree criminal

damage to property The district court sentenced Diamond to 51 months in prison for the second-degree

burglary and to 90 days in jail for the fourth-degree criminal damage to property

Diamond appeals

ISSUES

I Did the district court err by not suppressing evidence obtained following the temporary seizure of Diamondrsquos property

II Did the district court err by ordering Diamond to provide his fingerprint so police could search his cellphone

III Does the record contain sufficient evidence to support the juryrsquos conclusion that Diamond

committed second-degree burglary misdemeanor theft and fourth-degree criminal damage to property

ANALYSIS

I The temporary seizure of Diamondrsquos property did not violate the Fourth Amendment

Diamond argues that the district court erred in denying his suppression motion because Detective Nelsonrsquos

directions to jail staff not to release Diamondrsquos property while she sought a warrant constituted an

unreasonable seizure in violation of the Fourth Amendment The district court concluded that the exigency

exception to the warrant requirement applied Diamond argues that the exigency exception is inapplicable

because Detective Nelson ldquosearchedrdquo Diamondrsquos property at the jail before providing instructions

to jail staff

In evaluating a pretrial order on a motion to suppress we review factual findings for clear error and legal

conclusions de novo State v Milton 821 NW2d 789 798 (Minn 2012) When reviewing the applicability

of the exigency exception we look at the totality of the circumstances State v Horst 880 NW2d 24 33

(Minn 2016) The state has the burden of showing that exigent circumstances justified the seizure Id

The Fourth Amendment protects the right of the people to be free from ldquounreasonable searches and seizuresrdquo

of their ldquopersons houses papers and effectsrdquo by the government US Const amend IV see Mapp v

Ohio 367 US 643 655-56 81 S Ct 1684 1691-92 (1961) (incorporating the Fourth Amendment and the

consequences for violating it into the Due Process Clause of the Fourteenth Amendment) A ldquoseizurerdquo of

property within the meaning of the Fourth Amendment occurs when a government official meaningfully

interferes with a personrsquos possessory interest in the property United States v Jacobsen 466 US 109 113

104 S Ct 1652 1656 (1984) ldquoIn general warrantless searches and seizures are unreasonable in the absence

of a legally recognized exception to the warrant requirementrdquo Horst 880 NW2d at 33

A temporary seizure may be permissible under the Fourth Amendment ldquowhen needed to preserve evidence

until police are able to obtain a warrantrdquo State v Holland 865 NW2d 666 670 n3 (Minn 2015) The

United States Supreme Court has approved the temporary seizure of an individual to prevent him from

destroying drugs before police could obtain and execute a warrant Illinois v McArthur 531 US 326 331-

32 121 S Ct 946 950 (2001) The Minnesota Supreme Court has observed that ldquowhen lawenforcement

officers lsquohave probable cause to believe that a container holds contraband or evidence of a crime but have

not secured a warrantrsquo the officers may seize the property lsquopending issuance of a warrant to examine its

contents if the exigencies of the circumstances demand itrsquordquo Horst 880 NW2d at 33-34 (quoting United

States v Place 462 US 696 701 103 S Ct 2637 2641 (1983))

Here Detective Nelson instructed jail staff not to release Diamondrsquos property while she sought a warrant

Detective Nelsonrsquos instructions to jail staff were meant to ensure that Diamondrsquos shoes and cellphone

208

which Detective Nelson considered potential evidence were not lost or destroyed The following day

Detective Nelson obtained and executed a warrant to seize Diamondrsquos shoes and cellphone

In Horst the Minnesota Supreme Court deemed a similar warrantless seizure lasting only one day to be

justified Id at 34-35 There police had seized the defendantrsquos cellphone when she was interviewed at the

police station prior to her arrest and police obtained a warrant the following day Id The supreme court

concluded that the seizure was justified by exigent circumstances because as the United States Supreme

Court had recently observed ldquothe owner of a cellphone can quickly and easily destroy the data contained

on such a devicerdquo Id at 35 (citing Riley v California 134 S Ct 2473 2486 (2014)) Thus the temporary

seizure of Diamondrsquos cellphone at the jail was justified by exigent circumstances The need to protect

physical evidence from loss or destruction similarly justified the temporary seizure of Diamondrsquos shoes

See McArthur 531 US at

331-32 121 S Ct at 950

Diamond argues that the exigent-circumstances exception does not apply because Detective Nelson

ldquosearchedrdquo Diamondrsquos property at the jail prior to the seizure As an initial matter we observe that Diamond

did not argue to the district court that the evidence should be suppressed because Detective Nelsonrsquos act of

viewing his property at the jail constituted a ldquosearchrdquo rendering the exigency exception for the seizure

inapplicable An appellate court generally will not consider matters not argued to and considered by the

district court Roby v State 547 NW2d 354 357 (Minn 1996) This rule applies to constitutional

questions See In re Welfare of CLL 310 NW2d 555 557 (Minn 1981) (declining to address a

constitutional issue raised for the first time on appeal from a termination of parental rights)

But even if Diamondrsquos district court argument could be read expansively so as to encompass this argument

we still find it unpersuasive Diamond does not provide any support for his conclusory assertion that

Detective Nelsonrsquos act of viewing his property at the jail prior to obtaining a search warrant constituted a

ldquosearchrdquo under the Fourth Amendment See State v Johnson 831 NW2d 917 922 (Minn App 2013) (ldquoA

lsquosearchrsquo within the meaning of the Fourth Amendment occurs upon an officialrsquos invasion of a personrsquos

reasonable expectation of privacyrdquo (citing Jacobsen 466 US at 114 104 S Ct at 1656)) review denied

(Minn Sept 17 2013) Nor does he argue that such action was unreasonable

As articulated in McArthur we must determine whether ldquopolice made reasonable efforts to reconcile their

law enforcement needs with the demands of personal privacyrdquo 531 US at 332 121 S Ct at 950 In

McArthur the United States Supreme Court determined that the proper balance between law-enforcement

needs and personal privacy permitted police to seize the defendant while they sought a warrant to search

his trailer Id at 332 121 S Ct at 950-51 Here Detective Nelson properly balanced law-enforcement

needs with Diamondrsquos personal privacy Diamond concedes that his property was lawfully seized and

inventoried when he was booked into jail on November 4 The following day Detective Nelson viewed

Diamondrsquos property and observed similarities between the tread of Diamondrsquos shoes and the shoeprints left

on MHrsquos garagersquos side-entry door Recognizing the possibility that these items could be lost or destroyed

Detective Nelson instructed jail staff to maintain custody of the property and immediately sought a warrant

On November 6 Detective Nelson executed the warrant seizing the cellphone and shoes Before

attempting to access the cellphonersquos contents which plainly constitutes a search within the meaning of the

Fourth Amendment Detective Nelson obtained the November 12 search warrant See Riley 134 S Ct at

2495

We conclude that the temporary seizure of Diamondrsquos property was justified by exigent circumstances and

that the district court did not err in denying Diamondrsquos suppression motion

II Diamondrsquos Fifth Amendment privilege was not violated when the district court ordered him to

provide his fingerprint so police could search his cellphone

Diamond argues that the district courtrsquos order to provide his fingerprint to unlock his cellphone violated his

Fifth Amendment privilege against compelled selfincrimination580 This is an issue of first impression for

580 Diamond also argues that the search of his cellphone violated the Fourth Amendment because he

asserts the police did not have a valid warrant at the time his cellphone was searched in April 2015

209

Minnesota appellate courts Whether the district court violated Diamondrsquos Fifth Amendment privilege

against self-incrimination is a question of law which this court reviews de novo State v Kaquatosh 600

NW2d 153 156 (Minn App 1999) review denied (Minn Dec 14 1999)

The Fifth Amendment provides that no person ldquoshall be compelled in any criminal case to be a witness

against himselfrdquo US Const amend V see Malloy v Hogan 378 US 1 8 84 S Ct 1489 1493-94

(1964) (incorporating Fifth Amendment protections into the Due Process Clause of the Fourteenth

Amendment) ldquoThe essence of this basic constitutional principle is the requirement that the [s]tate which

proposes to convict and punish an individual produce the evidence against him by the independent labor of

its officers not by the simple cruel expedient of forcing it from his own lipsrdquo Estelle v

Smith 451 US 454 462 101 S Ct 1866 1872 (1981) (quotation and emphasis omitted) The Supreme

Court has explained that ldquothe privilege protects a person only against being incriminated by his own

compelled testimonial communicationsrdquo Fisher v United States 425 US 391 409 96 S Ct 1569 1580

(1976) Here the record establishes that Diamond was compelled to produce his fingerprint to unlock the

cellphone The record also reflects that police obtained incriminating evidence once the cellphone was

unlocked Therefore the question before this court is whether the act of providing a fingerprint to unlock

a cellphone is a ldquotestimonial communicationrdquo

In examining its application of Fifth Amendment principles the Supreme Court has established

that ldquoin order to be testimonial [a criminal defendantrsquos] communication must itself explicitly or implicitly

relate a factual assertion or disclose information Only then is a person compelled to be a lsquowitnessrsquo against

himselfrdquo Doe v United States 487 US

201 210 108 S Ct 2341 2347-48 (1988) The Supreme Court has further noted that

[t]his understanding is perhaps most clearly revealed in those cases in

which the Court has held that certain acts though incriminating are not within the privilege Thus a suspect may be compelled to furnish

a blood sample to provide a handwriting exemplar or a voice exemplar to stand in a lineup and to wear particular clothing

Id at 210 108 S Ct at 2347 (citing United States v Dionisio 410 US 1 7 93 S Ct 764 768 (1973)

(voice exemplar) Gilbert v California 388 US 263 266-67 87 S Ct 1951

1953 (1967) (handwriting exemplar) United States v Wade 388 US 218 221-22 87 S Ct 1926 1929

(1967) (lineup) Schmerber v California 384 US 757 765 86 S Ct 1826

Diamond maintains that ldquono search warrant existedrdquo in April because Detective Nelson had previously

returned the November 12 search warrant on November 21 after unsuccessfully attempting to access the

contents of the cellphone However Diamond did not make this argument at the contested omnibus

hearing where he challenged the probable cause supporting the November 12 warrant and opposed the

statersquos motion for an order compelling him to provide his fingerprint Instead Diamond waited until two

days before trial to present this argument to the district court asserting it for the first time during oral

argument on his pro se motion to suppress evidence Because Diamond did not raise this argument at the

omnibus hearing the argument was not timely raised and is not reviewable on appeal See State v Brunes

373 NW2d 381 386 (Minn App 1985) review denied (Minn Oct 11 1985)

210

1832-33 (1966) (blood sample) Holt v United States 218 US 245 252-53 31 S Ct 2 6 (1910)

(clothing)) In addition the Supreme Court has recognized that ldquoboth federal and state courts have usually

held that [the Fifth Amendment] offers no protection against compulsion to submit to fingerprintingrdquo

Schmerber 384 US at 764 86 S Ct at 1832 see Doe 487 US at 219 108 S Ct at 2352 (Stevens J

dissenting) (ldquoFingerprints blood samples voice exemplars handwriting specimens or other items of

physical evidence may be extracted from a defendant against his willrdquo) State v Breeden 374 NW2d 560

562 (Minn App 1985) (ldquoThe gathering of real evidence such as blood samples fingerprints or photographs

does not violate a defendantrsquos [F]ifth [A]mendment rightsrdquo)

Diamond relies on In re Grand Jury Subpoena Duces Tecum 670 F3d 1335 (11th Cir 2012) to

support his argument that supplying his fingerprint was testimonial In In re Grand Jury the court reasoned

that requiring the defendant to decrypt and produce the contents of a computerrsquos hard drive when it was

unknown whether any documents were even on the encrypted drive ldquowould be tantamount to testimony by

[the defendant] of his knowledge of the existence and location of potentially incriminating files of his

possession control and access to the encrypted portions of the drives and of his capability to decrypt the

filesrdquo Id at 1346 The court concluded that such a requirement is analogous to requiring production of a

combination and that such a production involves implied factual statements that could potentially

incriminate Id

By being ordered to produce his fingerprint however Diamond was not required to disclose any

knowledge he might have or to speak his guilt See Doe 487 US at 211 108 S Ct at 2348 The district

courtrsquos order is therefore distinguishable from requiring a defendant to decrypt a hard drive or produce a

combination See eg In re Grand Jury

670 F3d at 1346 United States v Kirschner 823 F Supp 2d 665 669 (ED Mich 2010) (holding that

requiring a defendant to provide computer password violates the Fifth

Amendment) Those requirements involve a level of knowledge and mental capacity that is not present in

ordering Diamond to place his fingerprint on his cellphone Instead the task that Diamond was compelled

to performmdashto provide his fingerprintmdashis no more testimonial than furnishing a blood sample providing

handwriting or voice exemplars standing in a lineup or wearing particular clothing See Doe 487 US at

210 108 S Ct at 2347-48

Diamond argues however that the district courtrsquos order effectively required him to communicate

ldquothat he had exclusive use of the phone containing incriminating informationrdquo This does not overcome the

fact that such a requirement is not testimonial In addition Diamond provides no support for the assertion

211

that only his fingerprint would unlock the cellphone or that his provision of a fingerprint would

communicate his exclusive use of the cellphone

Diamond also argues that he ldquowas required to identify for the police which of his fingerprints

would open the phonerdquo and that this requirement compelled a testimonial communication This argument

however mischaracterizes the district courtrsquos order The district courtrsquos February 11 order compelled

Diamond to ldquoprovide a fingerprint or thumbprint as deemed necessary by the Chaska Police Department to

unlock his seized cell phonerdquo At the April 3 contempt hearing the district court referred to Diamond

providing his ldquothumbprintrdquo The prosecutor noted that they were ldquonot sure if itrsquos an index finger or a

thumbrdquo The district court answered ldquoTake whatever samples you needrdquo Diamond then asked the

detectives which finger they wanted and they answered ldquoThe one that unlocks

itrdquo

It is clear that the district court permitted the state to take samples of all of Diamondrsquos fingerprints and

thumbprints The district court did not ask Diamond whether his prints would unlock the cellphone or

which print would unlock it nor did the district court compel Diamond to disclose that information There

is no indication that Diamond would have been asked to do more had none of his fingerprints unlocked the

cellphone Diamond himself asked which finger the detectives wanted when he was ready to comply with

the order and the detectives answered his question Diamond did not object then nor did he bring an

additional motion to suppress the evidence based on the exchange that he

initiated

In sum because the order compelling Diamond to produce his fingerprint to unlock the cellphone

did not require a testimonial communication we hold that the order did not violate Diamondrsquos Fifth

Amendment privilege against compelled self-incrimination581

III The record contains sufficient evidence to support Diamondrsquos convictions

Diamond argues that his convictions must be reversed because the statersquos circumstantial evidence does not

exclude the rational hypothesis that Diamond merely committed the crime of transferring stolen property

When evaluating the sufficiency of circumstantial evidence the reviewing court uses a two-step analysis

State v Silvernail 831 NW2d 594 598 (Minn 2013) ldquoThe first step is to identify the circumstances

provedrdquo Id ldquoIn identifying the circumstances proved we defer to the juryrsquos acceptance of the proof of

these circumstances and rejection of evidence in the record that conflicted with the circumstances proved

by the [s]taterdquo Id at 598-99 (quotation omitted) The reviewing court ldquoconstrue[s] conflicting evidence

in the light most favorable to the verdict and assume[s] that the jury believed the [s]tatersquos witnesses and

disbelieved the defense witnessesrdquo Id at 599 (quotation omitted) ldquoThe second step is to determine

581 We express no opinion regarding whether in a given case a defendant may be

compelled to produce a cellphone password consistent with the Fifth Amendment

212

whether the circumstances proved are consistent with guilt and inconsistent with any rational hypothesis

except that of guiltrdquo Id (quotation omitted)

Here Diamond was convicted of second-degree burglary misdemeanor theft and fourth-degree criminal

damage to property A person is guilty of second-degree burglary if the person enters a dwelling without

consent and with the intent to commit a crime Minn Stat sect 609582 subd 2(a) (2014) A person is guilty

of theft if the person ldquointentionally and without claim of right takes movable property of another without

the otherrsquos consent and with intent to deprive the owner permanently of possession of the propertyrdquo Minn

Stat sect 60952 subd 2(a)(1) (2014) A person is guilty of fourth-degree criminal damage to property if the

person intentionally causes damage to anotherrsquos physical property without the other personrsquos consent

Minn Stat sect 609595 subd 3 (2014)

The circumstances proved support the juryrsquos conclusion that Diamond committed these crimes On October

30 2014 MH returned home after running errands and discovered that someone had kicked in her garagersquos

side-entry door and had stolen jewelry and a number of other items Police recovered an envelope in MHrsquos

driveway that had SWrsquos name written on it SW testified that this envelope was in her car the last time

she saw it SW also testified that she believed she was working on the day of the burglary and that she

sometimes let Diamond use her car when she was working Diamondrsquos cellphone pinged off cell towers

near MHrsquos residence on the day of the burglary SW also testified that on the day of the burglary

Diamond gave her MHrsquos stolen jewelry and the two of them traveled to the Shakopee pawn shop where

she sold the jewelry Finally Detective Nelson testified regarding consistencies between the tread of

Diamondrsquos shoes and the shoeprints on MHrsquos garagersquos side-entry door

Diamond argues that certain circumstances do not exclude the possibility that he did not commit the crimes

at issue This argument is unconvincing Diamond considers the individual circumstances proved in

isolation But the evidence as a whole firmly supports the juryrsquos conclusion that Diamond kicked down

MHrsquos garagersquos side-entry door entered her dwelling without consent and with the intent to commit a

crime and stole MHrsquos property Together the circumstances proved are inconsistent with any other

rational hypothesis Therefore we conclude that the record contained sufficient evidence to support the

juryrsquos conclusion that Diamond committed the offenses of second-degree burglary misdemeanor theft and

fourth-degree criminal damage to property

D E C I S I O N

The district court did not err in denying Diamondrsquos suppression motion because the temporary seizure of

his property was justified by exigent circumstances and therefore did not violate the Fourth Amendment

The district court did not violate Diamondrsquos Fifth Amendment privilege against self-incrimination by

ordering him to provide his fingerprint so police could search his cellphone because such an order does not

require a testimonial communication Finally the record contains sufficient evidence to support the juryrsquos

conclusion that Diamond committed second-degree burglary misdemeanor theft and fourth-degree

criminal damage to property

Affirmed

213

Anexo III ndash Caso Paytsar Bkhchadzhyan

NO LA081589

SUPERIOR COURT OF CALIFORNIA COUNTY OF LOS ANGELES

PAGE NO 1

THE PEOPLE OF THE STATE OF CALIFORNIA vs CURRENT DATE 050316 DEFENDANT 01

PAYTSAR BKHCHADZHYAN

LAW ENFORCEMENT AGENCY EFFECTING ARREST CHP - WEST VALLEY

STATION

BAIL APPEARANCE AMOUNT DATE RECEIPT OR SURETY COMPANY REGISTER

DATE OF BAIL POSTED BOND NO NUMBER 090915 $5000000 082515

AS50K60527 ALLEGHENY CASUALTY

CASE FILED ON 081815 COMPLAINT FILED DECLARED OR SWORN TO CHARGING DEFENDANT WITH

HAVING COMMITTED ON OR ABOUT 112714 IN THE COUNTY OF LOS ANGELES THE

FOLLOWING OFFENSE(S) OF

COUNT 01 5305(A) pc FEL

COUNT 02 487 (A) pc FEL

COUNT 03 529(A) (3) pc FEL

COUNT 04 484E(D) pc FEL

COUNT 05 484E(D) pc FEL

COUNT 06 484E(D) pc FEL

COUNT 07 4841(C)

pc FEL NEXT

SCHEDULED EVENT ARREST WARRANT TO ISSUE

081815 ARREST WARRANT IN THE AMOUNT OF $25000000 BY

ORDER OF JUDGE JOSEPH A BRANDOLINO ISSUED (081815)

ON 082115 AT 800 AM

NEXT SCHEDULED EVENT

082115 830 AM ARRAIGNMENT DIST VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 100

ON 082115 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 100

CASE CALLED FOR ARRAIGNMENT

PARTIES JOHN REID (JUDGE) U-CHIN JANG (CLERK)

HILDA GUTIERREZ (REP) LOU ANN CLEMENS (DA)

DEFENDANT IS PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY A BOYADZHYAN PRIVATE

COUNSEL COURT ORDERS AND FINDINGS

214

-THE COURT ORDERS THE DEFENDANT TO APPEAR ON THE NEXT

COURT DATE THE MATTER IS CONTINUED TO SEPTEMBER 9 2015 IN

DEPARTMENT 100 FOR EARLY DISPOSITION HEARING

A PENAL CODE SECTION 1275 HOLD IS PLACED ON THE

DEFENDANT BAIL SET AT $50000

WAIVES STATUTORY TIME

NEXT SCHEDULED EVENT

090915 830 AM DISPOSITIONDIST VAN NUYS COURTHOUSE DEPT

100

082115 ARREST WARRANT IN THE AMOUNT OF $25000000 RECALLED

(082415)

CUSTODY STATUS REMANDED TO CUSTODY

ON 082415 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 100

CASE CALLED FOR FURTHER PROCEEDINGS

PARTIES JOHN REID (JUDGE) U-CHIN JANG (CLERK)

HILDA GUTIERREZ (REP) LOU ANN CLEMENS (DA)

DEFENDANT IS NOT PRESENT IN COURT BUT REPRESENTED BY GEORGE MGDESYAN

PRIVATE COUNSEL

THE MATTER TS PLACED ON CALENDAR ON BEHALF OF THE

DEFENDANT THE DISTRICT ATTORNEY STIPULATES TO LIFT THE

1275PC HOLD ON THE

DEFENDANT

NEXT SCHEDULED EVENT

DISPOSITION

ON 090915 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 100

CASE CALLED FOR DISPOSITION

PARTIES LELAND B HARRIS (JUDGE) U-CHIN JANG (CLERK)

HILDA GUTIERREZ (REP) LOU ANN CLEMENS (DA)

DEFENDANT IS PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY GEORGE MGDESYAN

PRIVATE COUNSEL

DEFENDANT WAIVES ARRAIGNMENT READING OF COMPLAINT AND STATEMENT OF

CONSTITUTIONAL AND STATUTORY RIGHTS

DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO COUNT 01 530 5(A) PC

DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO COUNT 02 487(A) PC

DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO

COUNT 05

484E(D)

pc

215

DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO COUNT 03 (3)

PC DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO COUNT 04

484E(D) pc

COURT ORDERS AND FINDINGS

-THE COURT ORDERS THE DEFENDANT TO APPEAR ON THE NEXT COURT DATE

DEFENDANT DENIES ANY AND ALL ALLEGATIONS AND

PRIOR CONVICTIONS PRELIMINARY HEARING SETTING

IS SET FOR 9-29-15 AT 830 AM IN DEPARTMENT 112 AS

ZERO OF 10

THE HELD TO ANSWER DEPARTMENT IS NW F

WAIVES STATUTORY TIME

NEXT SCHEDULED EVENT

092915 830 AM PRELIM SETTINGRESETTING DIST VAN NUYS

COURTHOUSE DEPT 112 DAY 00 OF 10

090915 BAIL TO STAND AS50K60527

CUSTODY STATUS BAIL TO STAND

ON 092915 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 112

CASE CALLED FOR PRELIM SETTINGRESETTING

PARTIES KAREN J NUDELL (JUDGE) LYNNE GARCIA (CLERK)

TROYETTE SCOTT (REP) MICHAEL J MORSE (DA)

DEFENDANT IS PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY GEORGE MGDESYAN

PRIVATE COUNSEL

THIS MATTER IS CONTINUED FOR PRELIMINARY HEARING

SETTING TO DATE AND TIME INDICATED BELOW COURT

ORDERS AND FINDINGS

-THE COURT ORDERS THE DEFENDANT TO APPEAR ON THE NEXT COURT DATE

WAIVES STATUTORY TIME

NEXT SCHEDULED EVENT

102815 830 AM PRELIM SETTINGRESETTING DIST VAN NUYS

COURTHOUSE DEPT 112

DAY 00 OF 10

092915 BAIL TO STAND AS50K60527

CUSTODY STATUS BAIL TO STAND

DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO

COUNT 06

484E(D)

pc

DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO

COUNT 07

4841(C) pc

216

ON 102815 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 112

CASE CALLED FOR PRELIM SETTINGRESETTING

PARTIES MARTIN L HERSCOVITZ (JUDGE) LYNNE GARCIA (CLERK)

TROYETTE SCOTT (REP) MELANY AVANESSIANS (DA)

DEFENDANT IS PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY GEORGE MGDESYAN

PRIVATE COUNSEL

ATTY LANCE ROSENBERG APPEARING

THIS MATTER IS CONTINUED FOR PRELIMINARY

HEARING SETTING TO DATE AND TIME INDICATED

BELOW COURT ORDERS AND FINDINGS

-THE COURT ORDERS THE DEFENDANT TO APPEAR ON THE NEXT COURT DATE

WAIVES STATUTORY TIME

NEXT SCHEDULED EVENT

120915 830 AM PRELIM SETTINGRESETTING DIST VAN NUYS

COURTHOUSE DEPT

112

DAY OO OF 30

102815 BAIL TO STAND AS50K60527

CUSTODY STATUS BAIL TO STAND

ON 120915 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 112

CASE CALLED FOR PRELIM SETTINGRESETTING

PARTIES KAREN J NUDELL (JUDGE) LYNNE GARCIA (CLERK)

TROYETTE SCOTT (REP) MELANY AVANESSIANS (DA)

DEFENDANT IS PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY GEORGE MGDESYAN

PRIVATE COUNSEL

DEFENDANT ADVISED OF AND PERSONALLY AND EXPLICITLY WAIVES THE FOLLOWING

RIGHTS bull WRITTEN ADVISEMENT OF RIGHTS AND WAIVERS FILED INCORPORATED BY

REFERENCE HEREIN

JURY TRIAL OR COURT TRIAL AND PRELIMINARY HEARING

CONFRONTATION AND CROSS-EXAMINATION OF WITNESSES

SUBPOENA OF WITNESSES INTO COURT TO TESTIFY IN YOUR

DEFENSE AGAINST SELF-INCRIMINATION

DEFENDANT ADVISED OF THE FOLLOWING

THE NATURE OF THE CHARGES AGAINST HIM THE ELEMENTS OF THE OFFENSE IN THE

COMPLAINT AND POSSIBLE DEFENSES TO SUCH CHARGES

THE POSSIBLE CONSEQUENCES OF A PLEA OF GUILTY OR NOLO

CONTENDERE INCLUDING THE MAXIMUM PENALTY AND

ADMINISTRATIVE SANCTIONS AND THE POSSIBLE LEGAL EFFECTS

217

AND MAXIMUM PENALTIES INCIDENT TO SUBSEQUENT

CONVICTIONS FOR THE

SAME OR SIMILAR OFFENSES

THE EFFECTS OF PROBATION

IF YOU ARE NOT A CITIZEN YOU ARE HEREBY ADVISED THAT A CONVICTION OF

THE OFFENSE FOR WHICH YOU HAVE BEEN CHARGED WILL HAVE THE

CONSEQUENCES OF DEPORTATION EXCLUSION FROM ADMISSION TO THE

UNITED STATES OR DENIAL OF NATURALIZATION PURSUANT TO THE LAWS OF

THE UNITED STATES

THE COURT FINDS THAT EACH SUCH WAIVER IS KNOWINGLY UNDERSTANDINGLY AND

EXPLICITLY MADE COUNSEL JOINS IN THE WAIVERS

THE DEFENDANT PERSONALLY WITHDRAWS PLEA OF NOT GUILTY TO COUNT 01 AND

PLEADS NOLO CONTENDERE WITH THE APPROVAL OF THE COURT TO A VIOLATION OF

SECTION

530 5(A) pc IN COUNT 01 THE COURT FINDS THE DEFENDANT GUILTY

COUNT (01) DISPOSITION CONVICTED COURT ORDERS AND FINDINGS

-THE COURT ORDERS THE DEFENDANT TO APPEAR ON THE NEXT COURT DATE

COURT FINDS THAT THERE IS A FACTUAL BASIS FOR DEFENDANTS PLEA

AND COURT ACCEPTS PLEA

SENTENCING CONTINUED IN DEPT 112 TO 1-25-16

NEXT SCHEDULED EVENT

012516 830 AM PROBATION AND SENTENCE HEARING DIST VAN NUYS COURTHOUSE

DEPT 112

120915 BAIL TO STAND AS501lt60527

CUSTODY STATUS BAIL TO STAND

ON 012516 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 112

CASE CALLED FOR PROBATION AND SENTENCE HEARING

PARTIES KAREN J NUDELL (JUDGE) LYNNE GARCIA (CLERK)

TROYETTE SCOTT (REP) JESSICA M BALADY (DA)

DEFENDANT PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY GEORGE MGDESYAN PRIVATE

COUNSEL

ATTY CHRISTINA SARKISS APPEARING

SENTENCING CONTINUED IN DEPT 112 TO 2-25-16

COURT ORDERS AND FINDINGS

-THE COURT ORDERS THE DEFENDANT TO APPEAR ON THE NEXT COURT

DATE NEXT SCHEDULED EVENT

022516 830 AM PROBATION AND SENTENCE HEARING DIST VAN NUYS COURTHOUSE

DEPT 112

012516 BAIL TO STAND AS501lt60527

CUSTODY STATUS BAIL TO STAND

218

ON 022516 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 112

CASE CALLED FOR PROBATION AND SENTENCE HEARING

PARTIES KAREN J NUDELL (JUDGE) LYNNE GARCIA (CLERK)

TROYETTE SCOTT (REP) STACEY SOLOMONS (DA)

DEFENDANT IS PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY ANNA OSIPOV PRIVATE

COUNSEL DEFENDANT WAIVES ARRAIGNMENT FOR JUDGMENT AND STATES THERE

IS NO LEGAL CAUSE WHY SENTENCE SHOULD NOT BE PRONOUNCED THE COURT

ORDERED THE FOLLOWING JUDGMENT

AS TO COUNT (01)

COURT ORDERS PROBATION DENIED

SERVE 2 YEARS IN COUNTY JAIL PURSUANT TO pc 1170(H) (1) AND (H) (2)

COURT SELECTS THE MID TERM OF 2 YEARS AS TO COUNT 01

DEFENDANT GIVEN TOTAL CREDIT FOR 10 DAYS IN CUSTODY 5 DAYS ACTUAL

CUSTODY AND 5 DAYS GOOD TIMEWORK TIME

FORTHWITH

PLUS $4000 COURT OPERATIONS ASSESSMENT (PURSUANT TO 1465 8(A) (1) P c )

$3000 CRIMINAL CONVICTION ASSESSMENT (PURSUANT TO 70373

GC)

$1000 CRIME PREVENTION FINE (PURSUANT TO 12025 PC)

COMMIT

MENT

ISSUED

TOTAL

DUE

$8000 IN

ADDITIO

N -THE DEFENDANT IS TO PAY A RESTITUTION FINE PURSUANT TO SECTION

120246) PENAL CODE IN THE AMOUNT OF $300

COURT ORDERS AND FINDINGS

-PURSUANT TO PC SECTION 296 THE DEFENDANT IS ORDERED TO PROVIDE

BUCCAL SWAB SAMPLES A RIGHT THUMB PRINT A FULL PALM PRINT

IMPRESSION OF EACH HAND ANY BLOOD SPECIMENS OR OTHER

BIOLOGICAL SAMPLES AS REQUIRED BY THIS SECTION FOR LAW

ENFORCEMENT IDENTIFICATION

HARVEY WAIVER TAKEN

COUNT (01) DISPOSITION

CONVICTED REMAINING COUNTS

DISMISSED COUNT (02) DISMISSED DUE TO PLEA

NEGOTIATION

219

COUNT (03) DISMISSED DUE TO PLEA

NEGOTIATION

COUNT (04) DISMISSED DUE TO PLEA

NEGOTIATION

COUNT (05) DISMISSED DUE TO PLEA

NEGOTIATION

COUNT (06) DISMISSED DUE TO PLEA NEGOTIATION

COUNT (07) DISMISSED DUE TO PLEA NEGOTIATION

DMV ABSTRACT NOT

REQUIRED NEXT

SCHEDULED EVENT

PROCEEDINGS TERMINATED

022516 EXONERATED AS50K60527

CUSTODY STATUS BAIL EXONERATED

ON 022916 AT 900 AM

COUNTY JAIL ABSTRACT PACKET COMPLETED AND FORWARDED TO COUNTY

JAIL VIA SHERIFFS TRANSPORT ABSTRACT COMPLETED BY A BERGIN

030416 ARREST DISPOSITION REPORT SENT VIA FILE TRANSFER TO

DEPARTMENT OF

J USTICE

220

221

Anexo IV ndash Mandado Caso Paytsar Bkhchadzhyan

222

223

224

225

Anexo V ndash Memorandum do Caso de 9 de Maio de 2016

226

227

228

229

230

231

232

233

234

235

IacuteNDICE

INTRODUCcedilAtildeO 15

CAPIacuteTULO I ndash O PROBLEMA DA DESENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES NO

ORDENAMENTO JURIacuteDICO NORTE-AMERICANO 19

1 O problema da desencriptaccedilatildeo de smartphones na jurisprudecircncia norte-americana

19

11 Caso Commonwealth of Virginia v David Charles Baust 20

12 Caso State of Minnesota v Matthew Vaughn Diamond 22

13 Caso Paytsar Bkhchadzhyan 24

14 Mandado de 9 de Maio de 2016 25

15 Conclusotildees intermeacutedias 27

2 O problema da desencriptaccedilatildeo de smartphones na Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos

da Ameacuterica 28

21 A Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica e a

necessidade de desencriptaccedilatildeo de smartphones com o auxiacutelio do arguido 28

211 Requisitos da Quinta Emenda 28

2111 Coacccedilatildeo (compulsion) 30

2112 Incriminaccedilatildeo (incrimination) 30

2113 Declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo (testimonycommunication) 31

212 Limites da Quinta Emenda 36

2121 Conclusatildeo inevitaacutevel (foregone conclusion) 37

2122 Imunidade (immunity) 39

3 Conclusotildees intermeacutedias 40

CAPIacuteTULO II ndash O ACESSO E A APREENSAtildeO DE DADOS ARMAZENADOS EM

SMARTPHONES NO PROCESSO PENAL PORTUGUEcircS 43

1 Os smartphones e a prova digital 43

2 A Lei do Cibercrime 46

3 A relaccedilatildeo entre a Lei do Cibercrime e o Coacutedigo de Processo Penal 56

4 Conclusotildees intermeacutedias 56

CAPIacuteTULO III ndash A ENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES 59

1 A sociedade na era digital e a crescente necessidade de encriptar 59

2 Encriptaccedilatildeo de smartphones 61

21 Noccedilatildeo 61

22 Funcionalidades 62

23 Meacutetodos de encriptaccedilatildeo de smartphones 64

231 Palavra-passe 65

236

232 Biometria 68

3 Conclusotildees intermeacutedias 76

CAPIacuteTULO IV ndash A DESENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES PARA OBTENCcedilAtildeO

DE PROVA E A SUA ARTICULACcedilAtildeO COM O PRINCIacutePIO DA NAtildeO-

AUTOINCRIMINACcedilAtildeO 79

1 Colocaccedilatildeo do problema 79

2 O princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare 81

21 Consagraccedilatildeo 83

22 Fundamentos juriacutedicos 87

23 Limitaccedilotildees 89

3 A sujeiccedilatildeo a periacutecias exames e diligecircncias de prova e a sua articulaccedilatildeo com o

princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare 91

4 Criteacuterios para a determinaccedilatildeo de violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum

accusare 96

41 Criteacuterio da dependecircncia e independecircncia da vontade do arguido 96

42 Criteacuterio da conduta activa e toleracircncia passiva 103

43 Criteacuterio da ponderaccedilatildeo de bens 107

431 A distinccedilatildeo entre normas-regras e normas-princiacutepios 107

432 A ponderaccedilatildeo enquanto criteacuterio de resoluccedilatildeo de conflitos entre direitos

fundamentais 109

433 Os limites aos limites dos direitos fundamentais 111

4331 Exigecircncia de lei formal 113

4332 Necessidade de salvaguarda de outro direito ou interesse

constitucionalmente protegido 115

4333 Princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo 116

4334 Garantia do conteuacutedo essencial 120

4335 Requisitos formais generalidade abstracccedilatildeo e natildeo retroactividade 122

434 Criacuteticas ao criteacuterio de ponderaccedilatildeo de bens 124

5 Aplicabilidade do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare na desencriptaccedilatildeo de

smartphones para obtenccedilatildeo de prova em processo penal 129

51 Desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe 130

52 Desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do

arguido 137

6 Conclusotildees intermeacutedias 150

CAPIacuteTULO V ndash A RECOLHA DE PROVAS EM VIOLACcedilAtildeO DO PRINCIacutePIO DE

NAtildeO-AUTOINCRIMINACcedilAtildeO 155

1 As proibiccedilotildees de prova 156

237

11 A distinccedilatildeo entre proibiccedilotildees de produccedilatildeo de prova e proibiccedilotildees de valoraccedilatildeo

de prova 156

12 O regime legal das proibiccedilotildees de prova 157

13 A invalidade do acto processual 160

14 O efeito-agrave-distacircncia das proibiccedilotildees de prova 161

2 Consequecircncias da recolha de prova em violaccedilatildeo do princiacutepio de natildeo-

autoincriminaccedilatildeo 164

CONCLUSOtildeES GERAIS 169

BIBLIOGRAFIA 173

ANEXOS 199

Page 2: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITO · Em caso afirmativo, afigurar-se-á necessário apurar se no que tange ao fornecimento de palavras-passe ou impressões digitais do arguido

2

3

UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE DIREITO

A NECESSIDADE DE DESENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES PARA

OBTENCcedilAtildeO DE PROVA NO PROCESSO PENAL Restriccedilotildees ao Princiacutepio de

Natildeo-Autoincriminaccedilatildeo na Era Digital

VANESSA FERNANDES

Dissertaccedilatildeo apresentada para obtenccedilatildeo do Grau de

Mestre em Ciecircncias Juriacutedico-Criminais no Curso de

Mestrado Cientiacutefico da Faculdade de Direito da

Universidade de Lisboa

Orientador Professor Doutor Paulo de Sousa Mendes

DISSERTACcedilAtildeO DE MESTRADO CIENTIacuteFICO EM CIEcircNCIAS JURIacuteDICO-

CRIMINAIS

LISBOA

2017

4

5

Aos meus avoacutes

6

7

A presente dissertaccedilatildeo eacute redigida segundo o antigo acordo ortograacutefico e meacutetodo de citaccedilatildeo

Harvard

8

9

SIGLAS E ABREVIATURAS

AAVV Autores vaacuterios

ADN Aacutecido Desoxirribonucleico

al Aliacutenea

artordm arts artigo artigos

CEDH Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem

cf cfr confira confronte

CP Coacutedigo Penal

CPP Coacutedigo de Processo Penal

CRP Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa

EUA Estados Unidos da Ameacuterica

FBI Federal Bureau of Investigation

HTC Hit the Cell

ie id est (isto eacute)

ID Identity

MMS Multimedia Messaging Service

MP Ministeacuterio Puacuteblico

nordm nos nuacutemero nuacutemeros

NSA National Security Agency

OCDE Organizaccedilatildeo de Cooperaccedilatildeo e de Desenvolvimento Econoacutemico

PIN Personal Identification Number

pp Paacuteginas

RIPA Regulation of Investigatory Powers Act 2000

seacutec Seacuteculo

SMS Short Message Service

StPO Strafprozessordnung

TEDH Tribunal Europeu dos Direitos Humanos

v Versus

vg verbi gratia (por exemplo)

10

11

RESUMO

A implementaccedilatildeo da tecnologia de encriptaccedilatildeo em smartphones nomeadamente por

palavra-passe ou impressatildeo digital contribuiu para o aumento da seguranccedila de

documentos confidenciais e informaccedilotildees pessoais O iPhone por exemplo assegura aos

seus utilizadores atraveacutes da digitaccedilatildeo da palavra-passe ou do mero toque com o dedo no

sensor de impressotildees digitais que ningueacutem teraacute a possibilidade de aceder aos conteuacutedos

dos seus dispositivos electroacutenicos

No entanto destas vantagens advecircm inesperadas implicaccedilotildees legais Os smartphones satildeo

vistos actualmente como uma ferramenta indispensaacutevel quer a niacutevel profissional quer a

niacutevel pessoal natildeo soacute pelas suas inuacutemeras funcionalidades mas tambeacutem devido agrave sua vasta

capacidade de armazenamento de dados (muita das vezes iacutentimos) E eacute esta capacidade

de armazenamento que faz do smartphone um oacuteptimo repositoacuterio de elementos

probatoacuterios De facto estes dispositivos electroacutenicos podem ser ou natildeo

instrumentalizados para a prossecuccedilatildeo de finalidades contraacuterias ao ordenamento juriacutedico

No entanto nos casos em que o dispositivo se encontra encriptado muitas das vezes natildeo

resta outra opccedilatildeo agraves autoridades que natildeo a de pedirem ao arguido que colabore na

investigaccedilatildeo criminal levantando questotildees quanto ao princiacutepio nemo tenetur se ipsum

accusare

O princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo evita que o arguido seja transformado em

colaborador involuntaacuterio das autoridades judiciaacuterias E apesar de o arguido estar

constitucionalmente protegido no sentido de natildeo auxiliar na sua proacutepria incriminaccedilatildeo

situaccedilotildees haacute em que pode ser compelido a revelar ou a entregar provas que possam

contribuir para a sua incriminaccedilatildeo

Mas o que acontece quando o arguido decide encriptar o seu smartphone com recurso a

uma palavra-passe alfanumeacuterica e a uma impressatildeo digital Ambos os meacutetodos satildeo

actualmente usados para guardar informaccedilatildeo pessoal e privada sendo merecedores de

igual protecccedilatildeo em casos de intrusatildeo por parte do Estado Seraacute que compelir o arguido a

revelar a palavra-passe ou a fornecer a sua impressatildeo digital para desencriptar o seu

smartphone deveraacute accionar o privileacutegio do arguido contra a autoincriminaccedilatildeo Este

trabalho sugere que sim veremos porquecirc

Palavras-chave smartphones encriptaccedilatildeo palavra-passe impressatildeo digital

autoincriminaccedilatildeo proibiccedilatildeo de prova

12

13

ABSTRACT

The implementation of encryption technology on smartphones such as password or

fingerprint scanner has facilitated the increased security of confidential documents and

personal information The iPhone for example assures its owner by typing the password

or merely touch his finger to a sensor that no one else will have the ability to acess the

contents of his electronic device

However with these advantages come unforeseen legal implications Currently

smartphones are seen as an indispensable tool both professionally and personally not

only for its many features but also because of its vast data storage capacity (often intimate

data) And it is this storage capacity that makes the smartphone a great repository of

evidence In fact these electronic devices may or may not be instrumentalized for the

pursuit of purposes contrary to the legal system However in the cases where the device

is encrypted there is often no other choice for the authorities than to ask the defendant to

collaborate in the criminal investigation raising questions about the principle nemo

tenetur se ipsum accusare

The privilege against self-incrimination prevents the accused from becoming an

involuntary collaborator of the judicial authorities And although the defendant is

constitutionally protected from assisting in his own incrimination there are situations in

which he may be compelled to reveal or deliver evidence that may contribute to his

incrimination

But what happens when the defendant decides to encrypt his smartphone using an

alphanumeric password and a fingerprint Both methods are currently used to guard

highly private and personal information and both are equally deserving of protection

from government intrusion Does compelling the defendant to reveal his password or to

provide his fingerprint in order to decrypt the smartphone should trigger the defendants

privilege against self-incrimination This work suggests that it does we will see why

Keywords smartphones encryption password fingerprint self-incrimination

exclusionary rules

14

15

INTRODUCcedilAtildeO

Propomo-nos fazer uma incursatildeo na temaacutetica relativa agrave articulaccedilatildeo entre as ordens de

desencriptaccedilatildeo de smartphones dirigidas ao arguido e a colaboraccedilatildeo processual que lhe eacute

exigiacutevel Assim pretendemos aferir se em sede de Direito Processual Penal o arguido se

encontra adstrito a colaborar com as autoridades judiciaacuterias no sentido de a pedido

destas facultar a sua impressatildeo digital ou quaisquer palavras-passe que permitam o

acesso a dados protegidos que se encontrem armazenados no seu smartphone

Como se infere com facilidade a questatildeo sub judice apresenta uma matriz dual praacutetica e

teoacuterica afigurando-se absolutamente compreendida no acircmbito de uma indagaccedilatildeo preacutevia

geral a que cumpre dar resposta seraacute que sobre o arguido impende um dever de

colaboraccedilatildeo com as autoridades judiciaacuterias no acircmbito da investigaccedilatildeo criminal que a estas

compete Poderaacute sustentar-se que a existecircncia de um tal dever eacute a toda a linha

compatiacutevel com o princiacutepio constitucional da natildeo-autoincriminaccedilatildeo Esta seraacute sem

duacutevida a interrogaccedilatildeo subjacente que nortearaacute a presente investigaccedilatildeo Cumpre salientar

que esta mateacuteria tem sido amplamente discutida pela jurisprudecircncia e doutrina

internacionais nomeadamente pela jurisprudecircncia e doutrina norte-americanas Neste

sentido mostra-se pertinente fazer remissatildeo logo desde o iacutenicio e ao longo da

investigaccedilatildeo ao ordenamento juriacutedico norte-americano

Esta problemaacutetica centra-se no confronto entre o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo

conhecido tambeacutem por nemo tenetur se ipsum accusare e os interesses eminentemente

de natureza puacuteblica associados agrave investigaccedilatildeo criminal Aqui ainda que se conclua pela

inexistecircncia de um princiacutepio geral de colaboraccedilatildeo do arguido no quadro da investigaccedilatildeo

criminal cumpre determinar se pontualmente o Coacutedigo Penal e o Coacutedigo de Processo

Penal estabelecem ou natildeo a prevalecircncia dos interesses prosseguidos pelas autoridades

judiciaacuterias sobre as garantias de defesa do arguido Em caso afirmativo afigurar-se-aacute

necessaacuterio apurar se no que tange ao fornecimento de palavras-passe ou impressotildees

digitais do arguido eacute ou natildeo aplicaacutevel um regime de natureza excepcional

De facto o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo jaacute foi alvo de vaacuterios estudos

nomeadamente em sede de apresentaccedilatildeo de documentos pelo arguido de concessatildeo de

acesso pelo arguido a espaccedilos vedados que se encontrem na sua disponibilidade ou de

sujeiccedilatildeo a revistas e exames de natureza pericial No entanto os dispositivos electroacutenicos

16

de armazenamento de dados (vg smartphone computador tablet etc) apresentam

peculiaridades que os elevam ao estatuto de questatildeo autonomizaacutevel Desde logo

importaraacute referir que estes dispositivos electroacutenicos com diversos graus de

complexidade se impuseram no quotidiano do cidadatildeo comum enquanto ferramentas de

trabalho e de lazer Quer isto significar que por vezes ainda que natildeo instrumentalizados

para a prossecuccedilatildeo de finalidades contraacuterias ao ordenamento juriacutedico aqueles

dispositivos encerram em si um conjunto de dados susceptiacuteveis de concorrer para o

desenvolvimento da investigaccedilatildeo criminal

Por outro lado os meios tecnoloacutegicos que se encontram actualmente ao dispor da

sociedade permitem com relativa facilidade a ocultaccedilatildeo e protecccedilatildeo de dados por

intermeacutedio da encriptaccedilatildeo Ora natildeo subsistem quaisquer duacutevidas quanto a saber que as

dificuldades das entidades judiciaacuterias em aceder aos dados encriptados eacute proporcional ao

grau de sofisticaccedilatildeo do meacutetodo de protecccedilatildeo ou ocultaccedilatildeo empregue Em alguns casos

dir-se-aacute mesmo que a natildeo colaboraccedilatildeo do arguido poderaacute inquinar decisivamente a

investigaccedilatildeo porquanto a desencriptaccedilatildeo poderaacute consumir muito tempo ou ateacute mesmo

afigurar-se infrutiacutefera Como tal estes dados natildeo raras vezes da maior relevacircncia para a

investigaccedilatildeo satildeo em muitos casos extremamente volaacuteteis pelo que a colaboraccedilatildeo do

arguido pode ser indispensaacutevel para que os mesmos sejam acedidos Mas natildeo seraacute tal

colaboraccedilatildeo violadora do princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo Esta interrogaccedilatildeo serve de

centro de gravidade para o presente estudo cujo propoacutesito central consiste em determinar

se a ordem de desencriptaccedilatildeo dirigida ao arguido pelas autoridades judiciaacuterias no sentido

de este fornecer a sua impressatildeo digital ou palavra-passe que possibilitam o acesso ao seu

smartphone eacute ou natildeo violadora do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare

Para que possamos dar resposta a esta problemaacutetica comeccedilaremos no primeiro capiacutetulo

por analisar a questatildeo agrave luz do ordenamento juriacutedico norte-americano Em primeira linha

faremos a apresentaccedilatildeo de quatro casos jurisprudenciais relacionados com a coacccedilatildeo por

parte de entidades judiciaacuterias sobre o arguidosuspeito no sentido de este fornecer a sua

palavra-passe ou impressatildeo digital Posteriormente indagaremos sobre a temaacutetica da

desencriptaccedilatildeo compelida no acircmbito da Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica e

perceberemos o motivo pelo qual estas situaccedilotildees chegaram aos tribunais norte-

americanos No entanto uma vez que a presente investigaccedilatildeo eacute feita em territoacuterio

nacional cumpre fazer o enquadramento destes casos face ao direito processual penal

portuguecircs Por esse motivo decidimos tratar da questatildeo fazendo uma desconstruccedilatildeo

17

praacutetica do problema sendo que a primeira questatildeo que se coloca num caso de

desencriptaccedilatildeo compelida de um smartphone eacute a de saber como se processa o acesso e a

apreensatildeo dos dados aiacute armazenados agrave luz do processo penal portuguecircs (capiacutetulo II)

Depois da tentativa de acesso e apreensatildeo dos dados armazenados no smartphone de um

ponto de vista praacutetico o segundo obstaacuteculo que se coloca agrave investigaccedilatildeo criminal prende-

se com a constataccedilatildeo de que o acesso ao smartphone e a todos os seus ficheiros se encontra

protegido por um sistema de encriptaccedilatildeo Assim mostra-se relevante fazer num terceiro

capiacutetulo a explicaccedilatildeo do que se entende por encriptaccedilatildeo e a enunciaccedilatildeo dos meacutetodos de

encriptaccedilatildeo comummente utilizados pelos proprietaacuterios de smartphones Como dissemos

existe uma correlaccedilatildeo entre a sofisticaccedilatildeo do meacutetodo utilizado e a dificuldade em aceder

ao dispositivo Desta forma surge a questatildeo no capiacutetulo IV de saber ateacute que ponto o

arguido poderaacute auxiliar as autoridades judiciaacuterias na investigaccedilatildeo sem com isso violar o

seu direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo Aqui discutir-se-aacute se por um lado a revelaccedilatildeo da

palavra-passe eacute violadora do nemo tenetur e se por outro o fornecimento da impressatildeo

digital eacute violador do nemo tenetur Por fim depois de respondermos a esta contenda

cumpre indagar no capiacutetulo V quais as consequecircncias da recolha de provas em violaccedilatildeo

deste princiacutepio constitucional

18

19

CAPIacuteTULO I ndash O PROBLEMA DA DESENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES

NO ORDENAMENTO JURIacuteDICO NORTE-AMERICANO

1 O problema da desencriptaccedilatildeo de smartphones na jurisprudecircncia norte-

americana

Com a evoluccedilatildeo da tecnologia nasce em meados dos anos 90 a necessidade de proteger

ndash electronicamente - a confidencialidade dos vaacuterios ficheiros que satildeo diariamente

armazenados em sistemas electroacutenicos (nomeadamente o computador) Mais tarde esta

tendecircncia alarga-se igualmente aos telemoacuteveis ou mais precisamente aos smartphones

Um computador ou um smartphone tecircm actualmente uma capacidade de armazenamento

de ficheiros consideraacutevel possibilitando que o seu utilizador guarde contactos e-mails

fotografias viacutedeos entre outros ficheiros de uma maneira faacutecil e raacutepida No entanto para

aleacutem de existir esta necessidade por parte do utilizador comum de impedir que terceiros

possam aceder aos seus ficheiros pessoais tambeacutem os criminosos tecircm idecircntica

preocupaccedilatildeo com a confidencialidade dos elementos relativos aos seus crimes mormente

os que pressupotildeem sistemas sofisticados de comunicaccedilatildeo ou partilha de ficheiros1

Atendendo a esta necessidade de confidencialidade os utilizadores destes dispositivos

electroacutenicos recorrem a chaves criptograacuteficas compostas pela combinaccedilatildeo de dados

biomeacutetricos com palavras-passe relativamente simples e memorizaacuteveis garantindo a

privacidade das mensagens trocadas ou guardadas das fotografias dos viacutedeos ou de

outros ficheiros contra a intromissatildeo de terceiros Assim a efectividade deste meacutetodo

reside na necessidade de colaboraccedilatildeo activa e voluntaacuteria da pessoa que memorizou o

coacutedigo ou que introduziu os seus dados biomeacutetricos

Tendo em conta que estes coacutedigos criptograacuteficos satildeo na praacutetica indecifraacuteveis surge a

questatildeo de saber se no acircmbito de uma investigaccedilatildeo criminal e atendendo ao princiacutepio

contra a autoincriminaccedilatildeo seraacute legiacutetimo compelir o arguido a desencriptar o seu

dispositivo atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe ou do fornecimento dos seus dados

biomeacutetricos

Esta questatildeo jaacute foi abordada em diversos casos nos Estados Unidos da Ameacuterica pelo que

faremos nos proacuteximos pontos uma anaacutelise da questatildeo na jurisprudecircncia norte-americana

1 Oliveira Silva 2015 735

20

11 Caso Commonwealth of Virginia v David Charles Baust2

No dia 19 de Fevereiro de 2014 David Charles Baust residente em Virginia Beach

Estados Unidos da Ameacuterica e parameacutedico de profissatildeo teraacute alegadamente estrangulado

e agredido a sua namorada no quarto de sua casa3

A viacutetima alegou que o arguido gravou todo o ataque atraveacutes de um aparelho de gravaccedilatildeo

de viacutedeo que estaria sincronizado com o seu telemoacutevel pessoal um iPhone 5S que foi

colocado no quarto Foi ainda relatado pela viacutetima que ainda na manhatilde do dia 19 de

Fevereiro de 2014 apoacutes ter sido agredida tentou guardar o aparelho de gravaccedilatildeo no

entanto o arguido apercebendo-se da situaccedilatildeo voltou a agredi-la4

Anteriormente agrave alegada agressatildeo David Charles Baust jaacute tinha utilizado o referido

sistema de gravaccedilatildeo de viacutedeo ligado ao seu iPhone 5S enviando por mensagem de texto

para a viacutetima um viacutedeo onde ambos tinham relaccedilotildees sexuais no quarto do arguido

No seguimento de um mandado de busca executado diversos dias depois da agressatildeo foi

recolhido da casa do arguido o seu telemoacutevel pessoal (iPhone 5S) diversos aparelhos de

gravaccedilatildeo flash drives e um computador

Tanto a viacutetima quanto o arguido afirmaram que seria possiacutevel que no telemoacutevel do

segundo estivesse armazenada a gravaccedilatildeo de viacutedeo da agressatildeo5 No entanto o acesso ao

conteuacutedo do smartphone ficou impossibilitado uma vez que o dispositivo se encontrava

protegido por palavra-passe e impressatildeo digital Dada a situaccedilatildeo a acusaccedilatildeo apresentou

uma moccedilatildeo para a produccedilatildeo compelida da palavra-passe ou da impressatildeo digital que

desencriptam o smartphone

A questatildeo que se colocou em tribunal foi a de saber se seria possiacutevel compelir o arguido

a fornecer a palavra-passe ou a sua impressatildeo digital sem violar o seu princiacutepio agrave natildeo-

autoincriminaccedilatildeo (Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica)

2 Commonwealth of Virginia v David Charles Baust 2014 Disponiacutevel em

httpsconsumermediallcfileswordpresscom201411245515028-fingerprint-unlock-rulingpdf

[consultado em 22112016] Pode ser consultado no Anexo I da presente Dissertaccedilatildeo 3 Hudman 2015 213 4 Winterbottom 2014 1 Disponiacutevel em httpjoltlawharvardedudigesttelecommunicationscourt-

rules-police-may-compel-suspects-to-unlock-fingerprint-protected-smartphones [consultado em

22112016] 5 FerminoFeuchtbaum 2016 3 Disponiacutevel em httpwwwlawcomsitesarticles20160623the-laws-

breakable-protections-for-unbreakable-encryption [consultado em 22112016]

21

A decisatildeo do tribunal foi fraccionada6 Por um lado o juiz Steven Frucci autorizou o

pedido da acusaccedilatildeo para compelir o arguido a fornecer a sua impressatildeo digital no sentido

de desencriptar o seu smartphone por outro negou o pedido da acusaccedilatildeo para compelir

o arguido a fornecer a sua palavra-passe

No que concerne agrave argumentaccedilatildeo para a decisatildeo o juiz Steven Frucci comeccedila por analisar

a Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica que estabelece o

seguinte ldquonenhuma pessoa seraacute obrigada a depor contra si proacutepria em qualquer processo

criminalrdquo7

A Quinta Emenda concede ao arguido o privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo Segundo o

juiz para que a Quinta Emenda seja violada eacute necessaacuterio que a ordem dada ao arguido

cumpra trecircs requisitos a) que seja uma ordem coactiva (compulsion) b) de prestaccedilatildeo de

uma declaraccedilatildeo comunicativa (of a testimonial communication) c) que seja incriminatoacuteria

(that is incriminating) Quanto ao primeiro e terceiro requisitos parece natildeo haver duacutevidas

para o douto tribunal eacute notoacuterio que o pedido de cedecircncia da palavra-passe ou da

impressatildeo digital eacute coactivo e incriminatoacuterio A duacutevida surge quanto ao segundo

requisito nomeadamente quando se questiona se esta cedecircncia da palavra-passe e da

impressatildeo digital eacute ou natildeo uma declaraccedilatildeo ou comunicaccedilatildeo Eacute afirmado no caso pelo juiz

Steven Frucci que um acto eacute declarativo (testimonial) ldquoquando o arguido eacute forccedilado a

revelar o conhecimento de factos que o relacionam com o delito ou quando tenha de

compartilhar os seus pensamentos e crenccedilas com o governordquo8

Por esse motivo o tribunal concluiu o seguinte ldquoO arguido natildeo pode ser obrigado a

lsquodivulgar atraveacutes de processos mentaisrsquo a palavra-passe No entanto a impressatildeo digital

como uma chave natildeo exige que a testemunha divulgue algo atraveacutes de processos mentais

Pelo contraacuterio agrave semelhanccedila das caracteriacutesticas fiacutesicas que satildeo natildeo declarativas ou natildeo

comunicativas a impressatildeo digital do arguido se utilizada para aceder ao seu smartphone

eacute igualmente natildeo declarativa ou natildeo comunicativa natildeo exigindo que o arguido

lsquocomunique qualquer tipo de conhecimentorsquo Ao contraacuterio da produccedilatildeo de provas de

6 Kerr 2014 2 Disponiacutevel em httpswwwwashingtonpostcomnewsvolokh-

conspiracywp20141103virginia-state-trial-court-ruling-on-the-fifth-amendment-and-smart-

phonesutm_term=399c18bf1a04 [consultado em 22112016] 7 ldquoNo person shall be compelled in any criminal case to be a witness against himselfrdquo 8 ldquoWhen the accused is forced to reveal his knowlegde of facts relating him to the offense or from having

to share his thoughts and beliefs with the governmentrdquo Cf Commonwealth of Virginia v David Charles

Baust 2014 Disponiacutevel em httpsconsumermediallcfileswordpresscom201411245515028-

fingerprint-unlock-rulingpdf [consultado em 22112016] Pode ser consultado no Anexo I da presente

Dissertaccedilatildeo

22

caraacutecter fiacutesico tal como uma impressatildeo digital a revelaccedilatildeo de uma palavra-passe forccedila o

arguido a lsquorevelar o conteuacutedo da sua proacutepria mentersquo Por esta razatildeo a moccedilatildeo para

compelir o arguido a revelar a palavra-passe deve ser NEGADA mas a moccedilatildeo para

compelir o arguido a fornecer a sua impressatildeo digital deve ser CONCEDIDArdquo9

Apesar da autorizaccedilatildeo dada pelo juiz Steven Frucci para compelir o arguido a fornecer a

sua impressatildeo digital com o propoacutesito de desbloquear o smartphone apreendido o acesso

ao seu conteuacutedo acabou por natildeo se realizar visto que o dispositivo teria estado na posse

das entidades judiciaacuterias durante cerca de 6 meses10 e ao fim de 48 horas de inactividade

eacute necessaacuteria a palavra-passe para permitir o acesso

O arguido foi absolvido por falta de provas

12 Caso State of Minnesota v Matthew Vaughn Diamond11

No dia 30 de Outubro de 2014 a viacutetima MH saiu de sua casa em Chaska entre as 1030

e 1045 da manhatilde para fazer alguns recados Quando regressou cerca das 1200

encontrou a porta da sua garagem danificada resultado de um arrombamento forccedilado

Depois de se aperceber do furto de um cofre um computador portaacutetil e diversa joalharia

a viacutetima ligou para a poliacutecia Enquanto aguardava a chegada da poliacutecia a viacutetima encontrou

um envelope na entrada da sua garagem com o nome ldquoSWrdquo escrito A poliacutecia tirou

fotografias ao local e a diversas pegadas que foram deixadas junto agrave entrada da garagem

Depois de recorrer agrave base de dados estatal a detective Nelson do Departamento de Poliacutecia

de Chaska conseguiu determinar o nuacutemero de matriacutecula do carro de SW e descobriu

ainda que no proacuteprio dia 30 SW tinha penhorado as joacuteias furtadas da casa da viacutetima

numa loja de penhores

9 ldquoThe defendant cannot be compelled to lsquodivulge through his mental processesrsquo the passcode for entry

The fingerprint like a key however does not require the witness to divulge anything through his mental

processes On the contrary like physical characteristics that are non-testimonial the fingerprint of the

Defendant if used to access his phone is likewise non-testimonial and does not require Defendant to

lsquocommunicate any knowledgersquo at all Unlike the production of physical characteristic evidence such as a

fingerprint the production of a password forces the Defendant to lsquodisclose the contents of his own mindrsquo For this reason the motion to compel the passcode should be DENIED but the motion to compel the

fingerprint should be GRANTEDrdquo Cf Commonwealth of Virginia v David Charles Baust 2014

Disponiacutevel em httpsconsumermediallcfileswordpresscom201411245515028-fingerprint-unlock-

rulingpdf [consultado em 22112016] Pode ser consultado no Anexo I da presente Dissertaccedilatildeo 10 Pagliery 2016 1 Disponiacutevel em httpmoneycnncom20160512technologyfbi-fingerprint-iphone

[consultado em 21112016] 11 State of Minnesota v Matthew Vaughn Diamond 2017 Disponiacutevel em httpmngovlaw-library-

statarchivectappub2017OPa152075-011717pdf [consultado em 23022017] Pode ser consultado no

Anexo II da presente Dissertaccedilatildeo

23

No dia 4 de Novembro as autoridades judiciaacuterias localizaram o veiacuteculo automoacutevel de

SW que no momento estava a ser utilizado pelo arguido Matthew Diamond O arguido

foi detido no momento uma vez que teria pendente um mandado de detenccedilatildeo

relativamente a um outro crime Ficou detido na prisatildeo de Scott County onde foram

recolhidos os seus pertences uns sapatos e um smartphone

Dadas as similitudes entre os sapatos de Matthew Diamond e as pegadas deixadas no

local do furto no dia 6 de Novembro foi emitido e executado um mandado de busca e

apreensatildeo dos sapatos e do smartphone No dia 12 de Novembro foi emitido ainda um

mandado adicional relativamente agrave pesquisa de conteuacutedos armazenados no smartphone

de Matthew Diamond No entanto o smartphone estava encriptado pelo que a detective

Nelson natildeo conseguiu aceder ao mesmo

Em Dezembro o Estado apresentou uma moccedilatildeo para compelir Matthew Diamond a

desencriptar o seu smartphone atraveacutes da leitura da sua impressatildeo digital Mais tarde

depois de algumas controveacutersias relativamente a esta moccedilatildeo a 11 de Fevereiro o tribunal

de comarca (district court) concedeu a ordem de desencriptaccedilatildeo do smartphone pedida

pelo Estado atestando que tal ordem estaria justificada por ldquoprobable causerdquo e que natildeo

entraria em confronto com o privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo consagrado na Quinta

Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica

Matthew Diamond recusou-se a desencriptar o seu dispositivo electroacutenico No dia 3 de

Abril o tribunal de comarca (district court) acusou Matthew Diamond de desobediecircncia

e informou-o que se colaborasse com a ordem de desencriptaccedilatildeo deixaria de ser

penalizado por esse crime O arguido decidiu por esse motivo colaborar com as

autoridades judiciaacuterias e colocar o dedo no sensor do seu smartphone para conceder o

acesso a todos os seus conteuacutedos

Depois de terem sido recolhidas provas incriminatoacuterias que relacionavam Matthew

Diamond ao crime em questatildeo o arguido foi condenado por furto em segundo grau

ldquomisdemeanor theftrdquo e danos de propriedade em quarto grau Apesar de o acoacuterdatildeo natildeo

esclarecer que tipo de smartphone estaria em causa dado que o sistema iOS (usado em

iPhones) requer a introduccedilatildeo da palavra-passe alfanumeacuterica apoacutes 48 horas de inactividade

ou apoacutes o dispositivo ser desligado acreditamos que o smartphone do arguido seria de

sistema Android

24

O tribunal de comarca (district court) condenou o arguido a 51 meses de prisatildeo pelo furto

em segundo grau e 90 dias de prisatildeo pelos danos causados na propriedade da viacutetima

O arguido recorreu para o Tribunal do Estado de Minnesota alegando que o seu privileacutegio

contra a autoincriminaccedilatildeo teria sido violado quando foi compelido a desencriptar o seu

smartphone atraveacutes da leitura da sua impressatildeo digital fornecendo assim provas

autoincriminatoacuterias

O douto tribunal concluiu que a Quinta Emenda natildeo teria sido violada no caso de Matthew

Diamond uma vez que o privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo apenas protege o arguido

de ser compelido a fornecer elementos probatoacuterios de tipo declarativo (testimonial) ou

comunicativo (communicative) natildeo estando aqui incluiacuteda a acccedilatildeo de desencriptar um

smartphone atraveacutes da colocaccedilatildeo do dedo num sensor de reconhecimento de impressotildees

digitais

Desta forma o Tribunal do Estado de Minnesota natildeo deu provimento ao recurso

apresentado pelo arguido confirmando a sentenccedila dada pelo tribunal de comarca (district

court)

13 Caso Paytsar Bkhchadzhyan12

No dia 25 de Fevereiro de 2016 no tribunal de Van Nuys na Califoacuternia Estados Unidos

da Ameacuterica uma cidadatilde norte-americana Paytsar Bkhchadzhyan de 29 anos foi

condenada pelo crime de roubo de identidade (identity theft) depois de natildeo ter contestado

as acusaccedilotildees13

Os registos da detenccedilatildeo e documentos judiciais mostram que apenas 45 minutos depois

de ter sido levada sob custoacutedia a juiacuteza Alicia Rosenberg sentada num outro tribunal a

cerca de 30 quiloacutemetros de Van Nuys assinou um mandado14 autorizando as entidades

policiais a compelirem Paytsar Bkhchadzhyan a pressionar o seu dedo no smartphone que

fora apreendido durante a sua detenccedilatildeo (um iPhone da marca Apple) com o objectivo de

permitir o acesso ao seu conteuacutedo por parte do FBI uma vez que o mesmo se encontrava

protegido com um meacutetodo de desbloqueio atraveacutes de impressatildeo digital e palavra-passe

12 O processo pode ser consultado no Anexo III da presente dissertaccedilatildeo 13 HamiltonWinton 2016 1 Disponiacutevel em httpwwwlatimescomlocalcaliforniala-me-iphones-

fingerprints-20160430-storyhtml [consultado em 21112016] 14 O mandado pode ser consultado no Anexo IV da presente dissertaccedilatildeo

25

Em menos de 30 minutos um agente do FBI especializado em cibercrime deu iniacutecio agrave

tentativa de desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da impressatildeo digital de Paytsar

Bkhchadzhyan

Os motivos que levaram o FBI a pedir a emissatildeo deste mandado satildeo ateacute hoje

desconhecidos O aparelho foi apreendido numa residecircncia em Glendale na Califoacuternia

pertencente a Sevak Mesrobian que seria namorado de Paytsar Bkhchadzhyan e membro

de um gang armeacutenio designado de Armenian Power15 O gang era conhecido por

perpetrar inuacutemeros raptos roubos de identidade fraude bancaacuteria e clonagem de cartotildees

atraveacutes de pirataria informaacutetica

No mandado pode ler-se o seguinte ldquoas autoridades judiciaacuterias estatildeo autorizadas a

pressionar os dedos da pessoa abrangida por este mandado no sensor de Touch ID do

iPhone da Apple apreendido em [] Glendale Califoacuternia 91214 em 25 de Fevereiro de

2016rdquo16

Apesar da raacutepida actuaccedilatildeo das entidades policiais ao compelirem Paytsar Bkhchadzhyan

a usar todos os seus dez dedos para desbloquear o iPhone o meacutetodo revelou-se

infrutiacutefero17

Confrontados com a impossibilidade de acederem ao conteuacutedo do smartphone atraveacutes das

impressotildees digitais de Paytsar Bkhchadzhyan o FBI decidiu tentar aceder ao aparelho

usando um caminho diferente pedindo a palavra-passe Mas Paytsar Bkhchadzhyan

recusou alegando que o smartphone natildeo seria seu

Por este motivo o acesso ao conteuacutedo do iPhone alegadamente pertencente a Paytsar

Bkhchadzhyan acabou por natildeo se efectivar

14 Mandado de 9 de Maio de 2016

No dia 9 de Maio de 2016 foi emitido um mandado que autorizava as entidades

judiciaacuterias do estado da Califoacuternia nos Estados Unidos da Ameacuterica a efectuar uma busca

15 Blue 2016 3 Disponiacutevel em httpswwwengadgetcom20160506how-armenian-gangsters-blew-

up-the-fingerprint-password-debate [consultado em 21112016] 16 ldquoLaw enforcement personnel are authorized to depress the fingerprints andor thumbprints of the person

covered by this warrant onto the Touch ID sensor of the Apple iPhone seized from [hellip] Glendale California

91214 on February 25 2016rdquo O mandado pode ser consultado no Anexo IV da presente dissertaccedilatildeo 17 Pagliery 2016 1 Disponiacutevel em httpmoneycnncom20160512technologyfbi-fingerprint-iphone

[consultado em 21112016]

26

a uma residecircncia em Lancaster na Califoacuternia18 No entanto para aleacutem da busca foi ainda

autorizado que todos os sujeitos que se encontrassem no periacutemetro da busca fossem

compelidos a desencriptarem os seus smartphones atraveacutes da leitura das suas impressotildees

digitais

Apesar de o mandado natildeo ter sido tornado puacuteblico o memorandum19 assinado pela

advogada do Distrito Central da Califoacuternia Eileen Decker teve outro desfecho No

memorandum pode ler-se ldquoO governo submete esta autoridade suplementar em apoio ao

pedido de mandado de busca que solicita a autorizaccedilatildeo para recolher as impressotildees

digitais de qualquer pessoa que se encontre nas INSTALACcedilOtildeES DO SUJEITO durante

a execuccedilatildeo da busca sobre as quais seja razoavelmente acreditado serem utilizadoras de

dispositivos electroacutenicos com sensor de reconhecimento de impressatildeo digital que se

encontrem localizados nas INSTALACcedilOtildeES DO SUJEITO e que estejam abrangidos pelo

acircmbito de aplicaccedilatildeo do mandadordquo20

No entanto neste caso natildeo eram apenas as impressotildees digitais que estavam em causa

uma vez que ldquoembora o governo natildeo saiba de antematildeo a identidade de cada dispositivo

digital ou impressatildeo digital (ou de facto qualquer outra prova) que possa ser encontrada

durante a busca ficou demonstrada ldquoprobable causerdquo de que essas provas poderiam ser

encontradas no local da busca sendo necessaacuterio ganhar e manter o acesso aos dispositivos

aiacute localizados para que seja possiacutevel realizar uma pesquisa sobre estes Por esse motivo

o mandado autoriza a apreensatildeo de palavras-passe chaves de encriptaccedilatildeo e outros

dispositivos de acesso que sejam necessaacuterios para aceder ao dispositivordquo21

Como justificaccedilatildeo para poderem por um lado compelir todos os sujeitos que se

encontrassem no periacutemetro da busca a desencriptarem o seu smartphone atraveacutes da

18 Fox-Brewster 2016 1 Disponiacutevel em httpwwwforbescomsitesthomasbrewster20161016doj-

demands-mass-fingerprint-seizure-to-open-iphones46075ff48d9d [consultado em 21112016] 19 O memorandum pode ser consultado no Anexo V da presente dissertaccedilatildeo 20 ldquoThe government submits this supplemental authority in support of its application for a search warrant

which seeks authorization to depress the fingerprints and thumbprints of every person who is located at the

SUBJECT PREMISES during the execution of the search and who is reasonably believed by law

enforcement to be a user of a fingerprint sensor-enabler device that is located at the SUBJECT PREMISES and falls within the scope of the warrantrdquo O memorandum pode ser consultado no Anexo V da presente

dissertaccedilatildeo 21 ldquoWhile the government does not know ahead of time the identity of every digital device or fingerprint (or

indeed every other piece of evidence) that it will find in the search it has demonstrated probable cause

that evidence may exist at the search location and needs the ability to gain access to those devices and

maintain that access to search them For that reason the warrant authorizes the seizure of lsquopasswords

encryption keys and other access devices that may be necessary to access the devicerdquo Cf Shaw 2016 1

Disponiacutevel em httpwwwthenewamericancomusnewsconstitutionitem24354-doj-gets-warrant-to-

force-people-to-use-fingerprints-to-unlock-their-phones [consultado em 21112016]

27

impressatildeo digital e por outro apreender todas as palavras-passe chaves de encriptaccedilatildeo

entre outros meios de desencriptaccedilatildeo que se encontrassem no local o Departamento de

Justiccedila veio alegar que empresas como a Apple Motorola HTC e Samsung entre outras

produzem diversos aparelhos que podem ser desbloqueados pelo utilizador com uma

palavra-passe numeacuterica alfanumeacuterica ou em alguns aparelhos mais modernos e

sofisticados com a impressatildeo digital atraveacutes de um sensor22 Desta forma a possibilidade

de acesso das entidades judiciaacuterias ao conteuacutedo dos smartphones sem o auxiacutelio do seu

utilizador torna-se extremamente difiacutecil

Para aleacutem deste reforccedilo na seguranccedila destes dispositivos foram ainda criados alguns

limites ao desbloqueio dos smartphones O Departamento de Justiccedila daacute o exemplo do

iPhone da Apple que apoacutes 5 tentativas de desbloqueio atraveacutes da leitura da impressatildeo

digital requer palavra-passe Aleacutem desta caracteriacutestica o iPhone tecircm ainda a vantagem

ou desvantagem de apoacutes 48 horas de inactividade necessitar obrigatoriamente da

palavra-passe (e natildeo apenas da impressatildeo digital) para desbloquear

Eacute com base nestas circunstacircncias que o Departamento de Justiccedila justifica a necessidade e

a urgecircncia da coacccedilatildeo dos sujeitos no sentido de desencriptarem os dispositivos atraveacutes

da leitura das suas impressotildees digitais

O Departamento de Justiccedila finaliza o memorandum afirmando que este mandado natildeo

viola nem a Quarta nem a Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica

15 Conclusotildees intermeacutedias

Depois da leitura dos quatro casos apresentados podemos concluir que em todos eles a

palavra-passe e a impressatildeo digital parecem ter um tratamento diferenciado Se por um

lado a revelaccedilatildeo da palavra-passe parece estar protegida pela Quinta Emenda agrave

Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica por outro a impressatildeo digital por natildeo se

tratar de uma declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo do arguido parece natildeo ter qualquer tipo de

protecccedilatildeo contra a autoincriminaccedilatildeo

Para percebermos em maior detalhe esta diferenciaccedilatildeo e o motivo pelo qual estas questotildees

chegaram agrave jurisprudecircncia norte-americana cumpre analisar a protecccedilatildeo conferida pela

Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica

22 Vaas 2016 3 Disponiacutevel em httpsnakedsecuritysophoscom20161018feds-got-search-warrant-

demanding-anyones-fingerprints-to-open-phones [consultado em 21112016]

28

2 O problema da desencriptaccedilatildeo de smartphones na Constituiccedilatildeo dos Estados

Unidos da Ameacuterica

Qualquer caso de desencriptaccedilatildeo compelida dirigida ao arguido seja atraveacutes da revelaccedilatildeo

da palavra-passe seja atraveacutes da leitura da impressatildeo digital gera problemas quanto ao

princiacutepio da natildeo-autoincriminaccedilatildeo

Segundo este princiacutepio o arguido natildeo deveraacute colaborar com as autoridades judiciaacuterias no

sentido de auxiliar na sua proacutepria incriminaccedilatildeo Assim coloca-se a questatildeo estaraacute o

arguido a violar segundo o ordenamento juriacutedico norte-americano o seu direito agrave natildeo-

autoincriminaccedilatildeo quando obedece a estas ordens de desencriptaccedilatildeo

Uma anaacutelise agrave Constituiccedilatildeo norte-americana nomeadamente agrave sua Quinta Emenda

ajudar-nos-aacute a obter uma resposta

21 A Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica e a

necessidade de desencriptaccedilatildeo de smartphones com o auxiacutelio do arguido

A Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica estabelece o seguinte

ldquoNenhuma pessoa seraacute obrigada a responder por um crime capital ou infame salvo por

denuacutencia ou pronuacutencia de um grande juacuteri excepto quando se trate de casos que em tempo

de guerra ou de perigo puacuteblico ocorram nas forccedilas terrestres ou navais ou na miliacutecia

quando em serviccedilo activo nenhuma pessoa seraacute pelo mesmo crime submetida duas

vezes a julgamento que possa causar-lhe a perda da vida ou de algum membro nem seraacute

obrigada a depor contra si proacutepria em processo criminal ou ser privada da vida liberdade

ou propriedade sem processo legal regular a propriedade privada natildeo seraacute desapropriada

para uso puacuteblico sem justa indemnizaccedilatildeordquo23 Do texto retiramos a seguinte frase

ldquoNenhuma pessoa seraacute [hellip] obrigada a depor contra si proacutepria em processo criminal [hellip]rdquo

211 Requisitos da Quinta Emenda

Da Quinta Emenda podemos extrair a defesa do brocardo latino nemo tenetur se ipsum

accusare ou seja o princiacutepio de natildeo-autoincriminaccedilatildeo O princiacutepio protege o arguido ldquode

23 ldquoNo person shall be held to answer for a capital or otherwise infamous crime unless on a presentment

or indictment of a Grand Jury except in cases arising in the land or naval forces or in the Militia when

in actual service in time of War or public danger nor shall any person be subject for the same offence to

be twice put in jeopardy of life or limb nor shall be compelled in any criminal case to be a witness against

himself nor be deprived of life liberty or property without due process of law nor shall private property

be taken for public use without just compensationrdquo

29

ser chamado a testemunhar contra si proacuteprio no seu proacuteprio julgamento e permite que

recuse responder a perguntas oficiais que possam incriminaacute-lo em futuros processos

sejam eles civis ou criminais formais ou informaisrdquo24 Na doutrina norte-americana eacute

igualmente defendido que este princiacutepio tem ainda como finalidade proteger o arguido do

ldquocruel trilemmardquo25 de ter de escolher entre a) fornecer provas incriminadoras contra si

proacuteprio arriscando ser alvo de uma acccedilatildeo criminal b) mentir agraves autoridades judiciaacuterias e

judiciais sob o risco de cometer perjuacuterio c) manter o silecircncio e incorrer em

desobediecircncia26

No entanto o princiacutepio vertido na Quinta Emenda natildeo eacute absoluto27 para que seja

reivindicado eacute necessaacuterio como jaacute tivemos oportunidade de salientar ainda que

sucintamente na exposiccedilatildeo do caso Baust que estejam verificados trecircs requisitos

distintos28 a) coacccedilatildeo (compulsion) b) incriminaccedilatildeo (incrimination) c)

declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo (testimonycommunication)29 Eacute ainda necessaacuterio que estes

requisitos sejam comprovados cumulativamente Assim o governo pode compelir o

arguido a autoincriminar-se desde que a autoincriminaccedilatildeo natildeo seja declarativa ou

comunicativa30 Semelhantemente o arguido pode autoincriminar-se atraveacutes do

fornecimento de um testemunho no entanto se o fizer sem a coacccedilatildeo das entidades

judiciaacuterias natildeo poderaacute reivindicar o seu privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo31 O governo

24 ldquoFrom being called to testify against himself at his own trial and permits him to refuse to answer official

questions put him in any other proceeding civil or criminal formal or informal where the answers might

incriminate him in future criminal proceedingsrdquo Cf Minnesota v Murphy 1984 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus465420casehtml [consultado em 24112016] 25 Cauthen 2016 5 26 Thompson IIJaikaran 2016 6-7 27 Engel 2012 105-106 28 ldquoIt is also clear that the Fifth Amendment does not independently proscribe the compelled production of

every sort of incriminating evidence but applies only when the accused is compelled to make a Testimonial

Communication that is incriminatingrdquo Cf Fisher v United States 1976 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus425391casehtml [consultado em 24112016] 29 AllenMace 2004 246 30 Cf Fisher v United States 1976 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus425391casehtml [consultado em 24112016] Schmerber v

California 1966 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus384757casehtml

[consultado em 24112016] ldquoBut the prohibition of compelling a man in a criminal court to be witness against himself is a prohibition of the use of physical or moral compulsion to extort communications from

him not an exclusion of his body as evidence when it may be material The objection in principle would

forbid a jury to look at a prisioner and compare his features with a photograph in proof Moreover we

need not consider how far a court would go in compelling a man to exhibit himself For when he is exhibited

whether voluntarily or by order and even if the order goes too far the evidence if material is competentrdquo

Cf Holt v United States 1910 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus218245casehtml [consultado em 24112016] 31 Cf Fisher v United States 1976 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus425391casehtml [consultado em 24112016] United States

30

pode ainda compelir o arguido a prestar um depoimento desde que este natildeo culmine na

sua incriminaccedilatildeo32

Os primeiros dois requisitos em mateacuteria de desencriptaccedilatildeo de smartphones com o auxiacutelio

do arguido natildeo trazem grandes duacutevidas Em contrapartida na maior parte dos casos sobre

esta temaacutetica o problema de saber se o fornecimento de palavra-passe ou de impressatildeo

digital para desencriptar um smartphone se inclui ou natildeo na categoria de

declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo gera vaacuterias questotildees

2111 Coacccedilatildeo (compulsion)

Para o preenchimento do requisito da coacccedilatildeo (compulsion) teraacute de se verificar uma

pressatildeo por parte do governo sobre o arguido no sentido de o obrigar a divulgar algum

tipo de informaccedilatildeo33 A jurisprudecircncia norte-americana vai mais longe chegando a

afirmar que eacute necessaacuterio para responder afirmativamente ao teste da coacccedilatildeo apurar

perante todas as circunstacircncias do caso se o livre arbiacutetrio do arguido foi reprimido34

Essencialmente os tribunais devem decidir se o depoimento eacute prestado de forma livre e

esclarecida35 ou contrariamente se foi obtido atraveacutes do uso de influecircncia improacutepria36

Na circunstacircncia de se confirmar esta uacuteltima situaccedilatildeo a jurisprudecircncia norte-americana

jaacute se fez ouvir no sentido de considerar esta coacccedilatildeo como uma ldquoextorsatildeo de informaccedilotildees

do acusado ofensiva ao senso de justiccedilardquo37

2112 Incriminaccedilatildeo (incrimination)

No que concerne ao requisito da incriminaccedilatildeo para que este se verifique eacute necessaacuterio

que o acto incrimine o arguido ou leve agrave descoberta de provas incriminatoacuterias38 Os

v Doe 1984 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus465605 [consultado em

24112016] 32 Jarone 2015 771 33 Morrison 2012 144 34 Cf United States v Washington 1977 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus431181casehtml [consultado em 24112016] 35 Se um documento eacute escrito e entregue agraves entidades judiciaacuterias voluntariamente o requisito da coacccedilatildeo

natildeo se iraacute verificar No entanto se o governo intimar o arguido a produzir o mesmo documento o requisito da coacccedilatildeo passa a estar preenchido Cf Jarone 2015 772 36 Wilson 2015 24 37 ldquoExtortion of information from the accused himself as offensive to our sense of justicerdquo Cf Couch v

United States 1973 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus409322 [consultado em

24112016] 38 Cf Kastigar v United States 1972 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus406441casehtml [consultado em 24112016] United States

v Hubbel 2000 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus53027casehtml [consultado

em 24112016] ldquoThe privilege afforded not only extends to answers that would in themselves support a

31

tribunais devem desta forma determinar se a revelaccedilatildeo do testemunho gera um risco

substancial de autoincriminaccedilatildeo ou se expotildee de qualquer outra forma o sujeito a uma

acusaccedilatildeo criminal39 Para aleacutem desta exigecircncia eacute ainda imprescindiacutevel para a verificaccedilatildeo

do requisito em causa que o sujeito se autoincrimine Assim se o depoimento do arguido

incriminar apenas terceiros o requisito da incriminaccedilatildeo natildeo se verificaraacute40 O arguido natildeo

se pode apoiar na protecccedilatildeo conferida pela Quinta Emenda para alegar que um terceiro

seraacute incriminado com o seu testemunho41 Desta forma o requisito da (auto)incriminaccedilatildeo

poderaacute permitir que arguidos invoquem a protecccedilatildeo conferida pela Quinta Emenda no

sentido de natildeo fornecerem as suas palavras-passe ou impressotildees digitais no entanto

impede que terceiros recorram agrave mesma protecccedilatildeo quando satildeo compelidos a fornecerem

palavras-passe ou impressotildees digitais dos suspeitos42

2113 Declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo (testimonycommunication)

Resta-nos tecer algumas consideraccedilotildees sobre o terceiro e uacuteltimo requisito

declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo (testimonycommunication) De um ponto de vista mais

cientiacutefico declaraccedilatildeo significa cogniccedilatildeo substantiva ou seja eacute o produto da cogniccedilatildeo que

resulta da realizaccedilatildeo ou afirmaccedilatildeo de proposiccedilotildees de valor autecircntico43 Desta forma pode

ser entendida como a revelaccedilatildeo coactiva causada pelo Estado dos resultados

substantivos incriminatoacuterios da sua cogniccedilatildeo4445 De uma outra perspectiva podemos

definir a prova declarativa (testimonial evidence) como sendo uma prova reveladora de

ideias informaccedilotildees dados conceitos conhecimentos e pensamentos

Tipicamente estas revelaccedilotildees satildeo feitas atraveacutes de comunicaccedilotildees escritas ou orais no

entanto nada impede que sejam feitas igualmente atraveacutes de actos condutas e gestos

conviction under a federal criminal statute but likewise embraces those which would furnish a link in the

chain of evidence needed to prosecute the claimant for a federal crimerdquo Cf Hoffman v United States

1951 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus341479casehtml [consultado em

24112016] 39 ldquoThe suspect must be faced with substancial and real hazards of self-incriminationrdquo Cf United States v

Reis 1985 Disponiacutevel em httpswwwravellawcomopinions35b1b3165aed24221933677a50da6059

[consultado em 24112016] Hale v Henkel 1906 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus20143casehtml [consultado em 24112016] 40 Jarone 2015 773 41 Cf Hale v Henkel 1906 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus20143casehtml

[consultado em 24112016] Fisher v United States 1976 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus425391casehtml [consultado em 24112016] 42 Wilson 2015 25 43 AllenMace 2004 267 44 A cogniccedilatildeo involve aquisiccedilatildeo armazenamento recuperaccedilatildeo e uso do conhecimento Cf MatlinFarmer

2015 26 45 AllenMace 2004 267-268

32

desde que estes por sua vez revelem factos pensamentos crenccedilas eou conhecimento de

factos A tiacutetulo de exemplo acenar com a cabeccedila para cima e para baixo quando eacute

perguntado ldquofoste tu que o fizesterdquo transmite uma resposta afirmativa Apontar para o

roupeiro quando eacute perguntado ldquoonde estaacute a armardquo transmite conhecimento sobre o

paradeiro da arma conhecimento sobre a sua localizaccedilatildeo e acesso46 Por fim existe ainda

quem defenda que a prova declarativa (testimonial evidence) pode ser entendida como a

comunicaccedilatildeo de informaccedilatildeo atraveacutes da memoacuteria ou do conhecimento do arguido47

No que respeita agrave jurisprudecircncia o Supremo Tribunal dos Estados Unidos da Ameacuterica

definiu que um acto compelido pode ser considerado como declarativo se expliacutecita ou

implicitamente divulgar uma afirmaccedilatildeo factual ou qualquer tipo de informaccedilatildeo48 No

entanto o acto tem que fazer mais do que apenas revelar informaccedilotildees deve envolver

igualmente a divulgaccedilatildeo compelida do conteuacutedo da mente do arguido49 Neste sentido o

Supremo Tribunal chega mesmo a afirmar que ldquoeacute a extorsatildeo de informaccedilatildeo do acusado

a tentativa de forccedilaacute-lo a revelar o conteuacutedo da sua proacutepria mente que implica a Claacuteusula

de Autoincriminaccedilatildeordquo50

Por este motivo natildeo causa estranheza que no caso United States v Kirschner51 quando

as autoridades judiciaacuterias compeliram o arguido a fornecer a palavra-passe do seu

computador encriptado o tribunal tenha decidido que o fornecimento da palavra-passe

seria semelhante ao acto de fornecer a combinaccedilatildeo de um cofre pelo que seria

considerado como uma comunicaccedilatildeo declarativa (testimonial communication) violadora

da Quinta Emenda52 Semelhantemente no caso United States v Doe (Doe III)53 o

tribunal decidiu no sentido de que ldquotanto a produccedilatildeo como a desencriptaccedilatildeo do disco

riacutegido exigiriam o recurso ao conteuacutedo da mente do suspeito natildeo podendo ser justamente

46 Cauthen 2016 6 47 Dripps 2005 335 48 Doe v United States 1988 (Doe II) Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus487201

[consultado em 25112016] 49ldquo[hellip] it must also involve some compelled use of the contents of the suspectrsquos mindrdquo Cf AllenMase 2004 246 50 ldquoIt is the extortion of information from the accused the attempt to force him to disclose the contents of

his own mind that implicates the Self-Incrimination Clauserdquo Cf Doe v United States 1988 (Doe II)

Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus487201 [consultado em 25112016] 51 United States v Kirschner 2010 Disponiacutevel em

httpswwwravellawcomopinions789d10be33066b73e4377a26bf5c574a [consultado em 25112016] 52 Bales 2012 1302 53 United States v Doe 2011 (Doe III) Disponiacutevel em httplawjustiacomcasesfederalappellate-

courtsF3112910585109 [consultado em 25112016]

33

caracterizada como um acto fiacutesico que seria natildeo declarativo por naturezardquo54 O tribunal

acabou por concluir que o arguido invocou correctamente o seu privileacutegio contra a

autoincriminaccedilatildeo sendo que natildeo poderia ser compelido a produzir ou desencriptar

(atraveacutes de palavra-passe) as hard drives do seu computador

Na esteira do defendido pela jurisprudecircncia tambeacutem a doutrina norte-americana na sua

grande maioria eacute apoiante da tese de que o fornecimento de palavra-passe para a

desencriptaccedilatildeo de um smartphone eacute um acto declarativo (testimonial) por natureza uma

vez que obriga o arguido a divulgar o conteuacutedo da sua mente55

Ainda assim alguns tribunais tecircm uma abordagem diferente relativamente a esta

temaacutetica Para evitar violar a Quinta Emenda ao compelir o arguido a fornecer a palavra-

passe alguns tribunais optaram por compelir o arguido a fornecer o proacuteprio dispositivo

jaacute desencriptado sem revelar a palavra-passe a qualquer entidade judiciaacuteria56 Esta opccedilatildeo

eacute tambeacutem defendida por alguma doutrina minoritaacuteria nomeadamente Orin Kerr Dan

Terzian57 e Anna Bodi58 O primeiro Autor chega mesmo a reiterar que ldquodesta forma o

governo recebe o telefone desbloqueado mas nunca eacute revelada a palavra-passe Pedir ao

arguido que digite ele proacuteprio a palavra-passe minimizaria as implicaccedilotildees da Quinta

Emenda uma vez que natildeo envolveria a revelaccedilatildeo potencialmente incriminatoacuteria da

palavra-passerdquo59

Em contrapartida no que diz respeito agraves provas natildeo declarativas (non-testimonial)

importa ter presente que o Supremo Tribunal dos Estados Unidos da Ameacuterica comeccedilou

por fazer a distinccedilatildeo entre provas fiacutesicas e provas comunicativas para diferenciar por sua

vez entre as provas declarativas (testimonial) e natildeo declarativas (non-testimonial) O

54 ldquoBoth the production and decryption of the hard drives would require the use of the contents of the

suspectrsquos mind and could not be fairly characterized as a physical act that would be non-testimonial in

naturerdquo Cf United States v Doe 2011 (Doe III) Disponiacutevel em

httplawjustiacomcasesfederalappellate-courtsF3112910585109 [consultado em 25112016] 55 ldquoProving a password could also implicate the cruel trilemmardquo Cf Bales 2012 1304 Atwood 2015

413-415 ldquoThe act of decryption and production would be testimonialrdquo Cf Ajello 2015 454-457 56 In re Grand Jury Subpoena to Sebastien Boucher 2009 Disponiacutevel em

httpvolokhcomfilesBoucherDCT1pdf [consultado em 25112016] 57 Terzian 2016 170-174 58 Bodi 2015 2-4 Disponiacutevel em httpwwwamericancriminallawreviewcomaclr-onlinephones-

fingerprints-and-fifth-amendment [consultado em 28112016] 59 ldquoThat way the government gets the unlocked phone but never gets the passcode Having the defendant

enter his passcode would minimize the Fifth Amendment implications of the compelled compliance as it

would not involve disclosing the potentially incriminating evidence of the passcode itselfrdquo Cf Kerr 2014

2-3 Disponiacutevel em httpswwwwashingtonpostcomnewsvolokh-conspiracywp20141103virginia-

state-trial-court-ruling-on-the-fifth-amendment-and-smart-phonesutm_term=399c18bf1a04 [consultado

em 28112016]

34

primeiro caso a fazer a distinccedilatildeo entre provas fiacutesicas e comunicativas foi o caso Holt v

United States60 onde a coacccedilatildeo de um prisioneiro a vestir uma camisa para que a

testemunha o conseguisse identificar foi considerada como natildeo sendo violadora da Quinta

Emenda6162 Mas foi com o caso Schmerber v California que este entendimento foi

expandido no sentido de incluir outras formas de obtenccedilatildeo de prova atraveacutes do corpo do

arguido nomeadamente recolha de sangue amostra de caligrafia e exames atraveacutes do ar

expirado

No caso Schmerber v California63 o arguido alegou que o seu privileacutegio contra a

autoincriminaccedilatildeo fora violado uma vez que a poliacutecia teria instruiacutedo um meacutedico a recolher

uma amostra de sangue do seu corpo sem o seu consentimento64 A amostra foi analisada

com o desiacutegnio de descobrir se o arguido teria aacutelcool no sangue depois de ter sido detido

por conduccedilatildeo sob o efeito de aacutelcool65

O Supremo Tribunal vem considerar actualmente como provas natildeo declarativas (non-

testimonial evidence) todas as provas utilizadas com o propoacutesito de identificar pessoas e

de correlacionaacute-las com o crime investigado tais como impressotildees digitais sangue

urina ADN amostras de cabelo amostras de caligrafia lineups entre outras6667 Isto

porque nenhuma destas provas fiacutesicas obriga a que o arguido divulgue qualquer tipo de

conhecimento68

60 Holt v United States 1910 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus218245casehtml [consultado em 28112016] 61 ldquoThe prohibition of compelling a man in a criminal court to be a witness against himself is a prohibition

of the use of physical or moral compulsion to extort communications from him not an exclusion of his body

as evidence when it may be materialrdquo Cf Holt v United States 1910 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus218245casehtml [consultado em 28112016] 62 Desta forma segundo o entendimento do Supremo Tribunal a coacccedilatildeo de ldquobodily evidencerdquo nunca seraacute

violadora da Quinta Emenda Cf Goldman 2015 217 63 Cf Schmerber v California 1966 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus384757casehtml [consultado em 28112016] 64 ldquoThe privilege protects an accused only from being compelled to testify against himself or otherwise

provide the State with evidence of a testimonial or communicative naturerdquo Cf Schmerber v California

1966 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus384757casehtml [consultado em

28112016] 65 Sales 2014 199-200 66 Fakhoury 2012 82 Silver 2012 811 Farahany 2012 356-357 67 Cf United States v Doe 1984 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus465605

[consultado em 28112016] United States v Wade 1967 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus388218casehtml [consultado em 28112016] United States

v Dionisio 1973 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus4101casehtml [consultado

em 28112016] Gilbert v California 1967 Disponiacutevel em httpsupreme-court-

casesinsidegovcoml2630Gilbert-v-California [consultado em 28112016] Schmerber v California

1966 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus384757casehtml [consultado em

28112016] 68 Palfreyman 2009 354-355

35

Tambeacutem a grande maioria da doutrina norte-americana segue o entendimento de que a

Quinta Emenda natildeo protege o arguido contra o fornecimento de provas fiacutesicas69 ou

atributos identificadores70

Deste modo podemos reiterar que segundo o entendimento da jurisprudecircncia norte-

americana nomeadamente do Supremo Tribunal e da maioria da doutrina a diferenccedila

entre um acto declarativo (testimonial) e um acto natildeo declarativo (non-testimonial) reside

no facto de o primeiro exigir que o arguido faccedila uso do conteuacutedo da sua mente e o segundo

natildeo71

Uma vez que o tema central da nossa dissertaccedilatildeo prende-se com a desencriptaccedilatildeo de

smartphones nomeadamente atraveacutes de impressatildeo digital mostra-se relevante nesta

sede tecer algumas reflexotildees sobre a possibilidade de considerarmos esta conduta como

declarativa (testimonial) ou natildeo declarativa (non-testimonial)

Pela parte da jurisprudecircncia norte-americana podemos obter uma raacutepida resposta atraveacutes

da anaacutelise dos casos apresentados no iniacutecio da presente dissertaccedilatildeo Tendo em

consideraccedilatildeo o resultado do caso Baust e do caso Diamond e a argumentaccedilatildeo apresentada

pela jurisprudecircncia nos restantes casos torna-se clara a sua tendecircncia no sentido de

considerar o fornecimento de impressatildeo digital para a desencriptaccedilatildeo de um smartphone

como um acto natildeo declarativo (non-testimonial)

No que agrave doutrina diz respeito o entendimento da grande maioria dos Autores vai de

encontro ao defendido pela jurisprudecircncia afirmando que as impressotildees digitais podem

ser compelidas sem violaccedilatildeo da Quinta Emenda contrariamente agraves palavras-passe Albert

Gidari defende a ideia de que na leitura da impressatildeo digital do arguido ldquocontrariamente

agrave revelaccedilatildeo de palavras-passe natildeo haacute coacccedilatildeo para comunicar ou dizer o que lsquovai na

cabeccedilarsquo agraves autoridades judiciaacuterias lsquoColoque o seu dedo aquirsquo natildeo eacute um acto declarativo

ou autoincriminadorrdquo72 Na mesma esteira Riana Pfefferkorn afirma que ldquode facto eacute

preocupante pensar que as autoridades judiciaacuterias podem acabar por usar contra o arguido

uma decisatildeo que este tomou por conveniecircncia e para tornar mais difiacutecil o acesso de

69 Bonin 1996 509 70 Colarusso 2011 134 71 Jarone 2015 774 72 ldquoUnlike disclosing passcodes you are not compelled to speak or say whatrsquos in lsquoyour mindrsquo to law

enforcement lsquoPut your finger herersquo is not testimonial or self-incriminatingrdquo Cf HamiltonWinton 2016

2 Disponiacutevel em httpwwwlatimescomlocalcaliforniala-me-iphones-fingerprints-20160430-

storyhtml [consultado em 28112016]

36

terceiros ao seu telefone sem o seu conhecimento No entanto natildeo acredito que isto vaacute

contra a Quinta Emendardquo73 Por seu turno Sarah Wilson apoiando-se no entendimento

da jurisprudecircncia afirma que ldquoo governo poderia exigir a desencriptaccedilatildeo por dados

biomeacutetricos sem implicar a Quinta Emenda uma vez que o Supremo Tribunal decidiu que

os dados biomeacutetricos natildeo satildeo declarativosrdquo74 Por fim acompanha ainda este pensamento

George Dery III que reitera a ideia de que a impressatildeo digital deve ser vista em similitude

com uma chave de um cofre sustentando ainda que ldquomesmo que seja problemaacutetico pensar

na possibilidade de algueacutem aceder ao telefone do arguido as autoridades judiciaacuterias tecircm

autorizaccedilatildeo de um juiz e isso significa que existe a probabilidade de estarmos perante

uma actividade criminosardquo75

Haacute ainda que salientar duas ideias que satildeo unanimemente defendidas tanto pela

jurisprudecircncia quanto pela doutrina norte-americana a primeira prende-se com a

necessidade de mandado judicial para a apreensatildeo de um smartphone76 a segunda tem

que ver com a concepccedilatildeo de que as autoridades judiciaacuterias podem compelir o arguido

detido a fornecer provas fiacutesicas incluindo impressotildees digitais sem autorizaccedilatildeo judicial77

com o propoacutesito de auxiliar agrave sua identificaccedilatildeo ou de possibilitar a sua ligaccedilatildeo com o local

do crime

212 Limites da Quinta Emenda

Chegados a este ponto e depois de analisados os trecircs requisitos da Quinta Emenda agrave

Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica cumpre esclarecer que mesmo que as

entidades judiciaacuterias compelissem o arguido a prestar um depoimento ou testemunho

incriminatoacuterio (nomeadamente a palavra-passe do seu smartphone) preenchendo assim

os trecircs requisitos mencionados poderiacuteamos estar aqui perante uma conduta natildeo violadora

73 ldquoTo be sure itrsquos troubling to think that the police could end up using against you a choice you made for

the sake of convenience and to make it harder for someone to snoop into your phone without your

knowledge But I donrsquot think it runs counter to the Fifth Amendmentrdquo Cf Farivar 2016 2 Disponiacutevel em

httparstechnicacomtech-policy201605should-the-govt-be-able-to-force-you-to-open-your-phone-

with-just-your-fingerprint [consultado em 28112016] 74 ldquoThe government could demand biometric passwords without implicating the Fifth Amendment because the Supreme Court has decided that biometrics are not testimonialrdquo Cf Wilson 2015 28 75 ldquoEven though it is a big deal having someone open up their phone theyrsquove gone to a judge and it means

therersquos a likelihood of criminal activityrdquo Cf HamiltonWinton 2016 3 Disponiacutevel em

httpwwwlatimescomlocalcaliforniala-me-iphones-fingerprints-20160430-storyhtml [consultado em

28112016] 76 Cf Riley v California 2014 Disponiacutevel em httpswwwsupremecourtgovopinions13pdf13-

132_8l9cpdf [consultado em 28112016] 77 Cf Holt v United States 1910 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus218245casehtml [consultado em 28112016]

37

do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare por duas vias78 se as informaccedilotildees prestadas

fossem uma conclusatildeo inevitaacutevel (foregone conclusion) ou se o governo concedesse

imunidade ao arguido79

2121 Conclusatildeo inevitaacutevel (foregone conclusion)

Segundo a doutrina da conclusatildeo inevitaacutevel (foregone conclusion) se o governo

conseguir mostrar com razoaacutevel particularidade que no momento em que pretende

compelir a produccedilatildeo de determinada prova jaacute teraacute em sua posse informaccedilotildees relativas agrave

sua existecircncia e localizaccedilatildeo o arguido acrescentaraacute atraveacutes do seu testemunho pouco ou

nada a essa informaccedilatildeo pelo que a coacccedilatildeo seraacute legiacutetima de acordo com a Quinta

Emenda80 Uma vez que a comunicaccedilatildeo de uma conclusatildeo inevitaacutevel natildeo revela de facto

nenhuma informaccedilatildeo nova o privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo natildeo opera

independentemente de estarmos ou natildeo perante uma prova declarativa (testimonial

evidence)

A jurisprudecircncia norte-americana desenvolveu um teste de trecircs passos para a aplicaccedilatildeo

da excepccedilatildeo da conclusatildeo inevitaacutevel81 Assim o governo deve estabelecer o seu

conhecimento sobre a) a existecircncia da prova exigida b) a posse e o controlo dessa prova

pelo arguido c) a autenticidade da prova82

Esta doutrina foi mencionada pela primeira vez no caso Fisher v United States83 onde o

Supremo Tribunal alegou que a entrega de documentos relativos ao pagamento de

impostos pelo contribuinte natildeo constituiria um depoimento incriminatoacuterio uma vez que

a existecircncia e localizaccedilatildeo dos documentos eram uma conclusatildeo inevitaacutevel84 Assim o

contribuinte natildeo iria acrescentar nada agrave informaccedilatildeo jaacute recolhida pelo governo pelo

simples facto de admitir que tinha a documentaccedilatildeo em sua posse85

78 Terzian 2015 1134 79 Soares 2012 2004 80 Soares 2012 2006 81 Werner 2016 4 82 Efectivamente apesar de a prestaccedilatildeo de depoimento ter geralmente um aspecto declarativo se o governo

conseguir mostrar que tinha conhecimento preacutevio da existecircncia posse e autenticidade da informaccedilatildeo a

informaccedilatildeo declarativa passa a ser uma conclusatildeo inevitaacutevel Cf Fruiterman 2013 658 Sales 2014 203 83 Cf Fisher v United States 1976 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus425391casehtml [consultado em 28112016] 84 ldquoThe government can compel production when the existence and location of documents are a foregone

conclusion and the defendant adds little to nothing to the sum total of the governmentrsquos information by

conceding that he in fact has the papersrdquo Cf MohanVillasenor 2012 14 85 Sales 2014 203

38

A doutrina da conclusatildeo inevitaacutevel tem sido igualmente considerada como uma

justificaccedilatildeo legal viaacutevel nos casos de desencriptaccedilatildeo de dispositivos electroacutenicos86

Alguns tribunais requerem que o governo tenha conhecimento sobre um certo ficheiro87

para que a doutrina da conclusatildeo inevitaacutevel seja aplicada outros exigem apenas que o

governo tenha acesso a qualquer tipo de informaccedilatildeo sobre determinados ficheiros88

mesmo que natildeo esteja informado sobre o seu conteuacutedo dado que se encontram

encriptados89 Quatro tribunais em quatro casos distintos aprovaram a desencriptaccedilatildeo

compelida de dispositivos electroacutenicos com base na doutrina da conclusatildeo inevitaacutevel90

a) caso United States v Gavegnano91 b) caso United States v Fricosu92 c) caso United

States v Hatfield93 d) caso In re Grand Jury Subpoena to Sebastien Boucher94

Num caso relativamente recente Commonwealth v Gelfgatt95 o tribunal decidiu que o

arguido poderia ser compelido a fornecer a palavra-passe do seu computador com base

na doutrina da conclusatildeo inevitaacutevel Visto que a posse e o controlo do computador por

parte do arguido e o seu conhecimento sobre a encriptaccedilatildeo e a respectiva palavra-passe jaacute

eram conhecidos pelo governo o Supremo Tribunal de Massachusetts concluiu que o

fornecimento da palavra-passe neste caso seria considerado como conclusatildeo inevitaacutevel

natildeo estando assim protegido pelo privileacutegio concedido pela Quinta Emenda96

86 Silver 2012 811 87 Cf In re Grand Jury Subpoena to Sebastien Boucher 2009 Disponiacutevel em

httpvolokhcomfilesBoucherDCT1pdf [consultado em 28112016] Commonwealth of Virginia v

David Charles Baust 2014 Disponiacutevel em httpsconsumermediallcfileswordpresscom201411245515028-fingerprint-unlock-rulingpdf

[consultado em 28112016] Pode ser consultado no Anexo I da presente Dissertaccedilatildeo 88 Cf United States v Fricosu 2012 Disponiacutevel em

httpswwwwiredcomimages_blogsthreatlevel201201decryptpdf [consultado em 28112016]

Commonwealth v Gelfgatt 2014 Disponiacutevel em httplawjustiacomcasesmassachusettssupreme-

court2014sjc-11358html [consultado em 28112016] 89 Terzian 2016 173 90 Silver 2012 811 91 Cf United States v Gavegnano 2012 Disponiacutevel em

httpfederalevidencecompdfComputUS20v20Gavegnanopdf [consultado em 28112016] 92 Cf United States v Fricosu 2012 Disponiacutevel em httpswwwwiredcomimages_blogsthreatlevel201201decryptpdf [consultado em 28112016] 93 Cf United States v Hatfield 2010 Disponiacutevel em httpcaselawfindlawcomus-7th-

circuit1519786html [consultado em 28112016] 94 Cf In re Grand Jury Subpoena to Sebastien Boucher 2009 Disponiacutevel em

httpvolokhcomfilesBoucherDCT1pdf [consultado em 28112016] 95 Cf Commonwealth v Gelfgatt 2014 Disponiacutevel em

httplawjustiacomcasesmassachusettssupreme-court2014sjc-11358html [consultado em

28112016] 96 Wilson 2015 26

39

2122 Imunidade (immunity)

Para que se possa invocar o privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo eacute necessaacuterio como

tivemos oportunidade de salientar anteriormente que se crie um risco especiacutefico de

incriminaccedilatildeo97 No entanto se o governo eliminar esse risco concedendo imunidade ao

suspeito poderaacute compeli-lo a fornecer determinadas provas e a responder a diversas

perguntas Esta imunidade tem de ser deferida de acordo com o acircmbito de proteccedilatildeo

concedido pela Quinta Emenda98

A necessidade de concessatildeo de imunidade para que se ultrapasse o risco de incriminaccedilatildeo

e consequentemente de desrespeito pelo princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare natildeo

responde agrave questatildeo de saber qual seraacute a ldquoquantidaderdquo necessaacuteria de imunidade para evitar

tal violaccedilatildeo

Uma imunidade total ou absoluta afastaria por completo o risco de incriminaccedilatildeo contudo

dar-se-ia ao suspeito a possibilidade de evitar a acusaccedilatildeo na sua plenitude Em uacuteltima

anaacutelise o Supremo Tribunal dos Estados Unidos da Ameacuterica concluiu que o preccedilo a pagar

pela imunidade total ou absoluta eacute mais alto do que o governo deveraacute suportar no intuito

de obter coactivamente determinadas provas99

O estatuto federal de imunidade estabelece que se for concedida imunidade [] a

testemunha natildeo pode recusar-se a cumprir a ordem com base no seu privileacutegio contra a

autoincriminaccedilatildeo mas nenhum testemunho ou outra informaccedilatildeo compelida pela ordem

(ou qualquer informaccedilatildeo derivada directa ou indirectamente de tal testemunho ou outra

informaccedilatildeo) pode ser usada contra a testemunha em qualquer processo criminal []100

No caso Kastigar v United States101 o Supremo Tribunal esclareceu que a imunidade

deve proibir o governo de usar o testemunho compelido bem como as provas daiacute

provenientes directa ou indirectamente para acusar o arguido Estas duas formas de

imunidade foram classificadas como ldquouse immunityrdquo e ldquoderivative use immunityrdquo102

97 Berger 2002 235 98 Soares 2012 2007 99 Kiok 2015 60 100 ldquo[hellip] the witness may not refuse to comply with the order on the basis of his privilege against self-

incrimination but no testimony or other information compelled under the order (or any information

directly or indirectly derived from such testimony or other information) may be used against the witness in

any criminal case [hellip]rdquo 101 Cf Kastigar v United States 1972 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus406441casehtml [consultado em 29112016] 102 Fakhoury 2012 83

40

consoante as provas fossem retiradas directamente do testemunho prestado ou derivadas

deste103

Assim o tribunal deve em primeira instacircncia averiguar se o governo estaraacute ou natildeo a

tentar compelir um testemunho incriminatoacuterio Se tal se verificar o tribunal deve

conceder imunidade no sentido de proibir o governo natildeo soacute de utilizar as palavras

proferidas ou os actos realizados contra o arguido como tambeacutem de utilizar qualquer

outra prova obtida atraveacutes do testemunho104 No caso de o governo querer utilizar

qualquer tipo de prova derivada do testemunho prestado sob coacccedilatildeo contra o arguido

numa subsequente acusaccedilatildeo deveraacute demonstrar que tal prova deriva de uma fonte

legiacutetima e independente do testemunho compelido105

Para que a imunidade possa ser concedida eacute necessaacuterio que a ordem dada seja coactiva e

que resulte numa acccedilatildeo incriminatoacuteria de natureza testemunhal que envolva

comunicaccedilatildeo e que expresse o conteuacutedo do pensamento do arguido e que a informaccedilatildeo

prestada natildeo seja considerada como uma conclusatildeo inevitaacutevel (foregone conclusion)106

3 Conclusotildees intermeacutedias

Podemos comprovar pela anaacutelise da jurisprudecircncia Constituiccedilatildeo e doutrina norte-

americanas que a problemaacutetica da desencriptaccedilatildeo de smartphones para a obtenccedilatildeo de

prova no processo penal com o auxiacutelio do arguido eacute uma questatildeo juriacutedica actual e real

A Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica protege o arguido

contra determinadas medidas sempre que estas se revelem cumulativamente a)

coactivas b) incriminatoacuterias c) e declarativascomunicativas

Se por um lado estes trecircs requisitos estatildeo cumulativamente verificados na desencriptaccedilatildeo

de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe sendo esta ordem violadora do

princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo por outro o uacuteltimo requisito da

declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo natildeo se encontra preenchido na ordem de desencriptaccedilatildeo de

smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido resultando na natildeo violaccedilatildeo

do princiacutepio de natildeo-autoincriminaccedilatildeo Esta conclusatildeo pelo natildeo preenchimento do terceiro

103 Duong 2009 339 104 Fakhoury 2012 84 105 Pfefferkorn 2009 4-5 Disponiacutevel em

httpspapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=1883697ampdownload=yes [consultado em

29112016] 106 Soares 2012 2007

41

requisito no caso de desencriptaccedilatildeo atraveacutes da leitura da impressatildeo digital estaacute

relacionada com a teoria defendida pela doutrina e jurisprudecircncia norte-americanas de

que uma acccedilatildeo soacute se considera declarativacomunicativa nas situaccedilotildees em que o arguido

eacute compelido a divulgar o conteuacutedo da sua mente Assim se explicam os resultados a que

a jurisprudecircncia norte-americana chegou nos casos apresentados o arguido natildeo pode ser

compelido a fornecer a palavra-passe do seu smartphone mas pode ser compelido a

colocar o seu dedo no leitor de impressotildees digitais para desencriptar o dispositivo

Ademais ficou esclarecido que mesmo nas situaccedilotildees em que todos os requisitos da

Quinta Emenda tenham sido cumulativamente preenchidos as ordens de desencriptaccedilatildeo

de smartphones (independetemente do meacutetodo) podem ser dirigidas ao arguido ficando

a sua validade a depender de duas situaccedilotildees a) da demonstraccedilatildeo pelas autoridades de um

conhecimento de tal ordem particularizado sobre a existecircncia e localizaccedilatildeo dos ficheiros

que essa informaccedilatildeo possa ser considerada como uma conclusatildeo inevitaacutevel (foregone

conclusion) b) da concessatildeo de imunidade ao arguido

Apesar de segundo o ordenamento juriacutedico norte-americano a revelaccedilatildeo coactiva da

palavra-passe que desencripta um smartphone ser considerada ilegiacutetima por violaccedilatildeo do

princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo e contrariamente a leitura coactiva da impressatildeo

digital do arguido que desencripta um smartphone ser considerada legiacutetima cumpre

saber uma vez que a nossa investigaccedilatildeo eacute realizada em territoacuterio portuguecircs se estes casos

jurisprudenciais teriam a mesma soluccedilatildeo segundo o ordenamento juriacutedico nacional

42

43

CAPIacuteTULO II ndash O ACESSO E A APREENSAtildeO DE DADOS ARMAZENADOS EM

SMARTPHONES NO PROCESSO PENAL PORTUGUEcircS

Ficou analisado no capiacutetulo anterior como o ordenamento juriacutedico norte-americano daacute

resposta ao problema da desencriptaccedilatildeo compelida de smartphones dirigida ao arguido

No entanto torna-se evidente a necessidade de perceber em pormenor como o

ordenamento juriacutedico nacional daria resposta a esta problemaacutetica na eventualidade de

estes casos jurisprudenciais surgirem em Portugal

Para respondermos a esta pertinente contenda recorreremos agrave desconstruccedilatildeo praacutetica do

problema Assim de uma perspectiva praacutetica a primeira questatildeo que se coloca em sede

de desencriptaccedilatildeo compelida de smartphones para obtenccedilatildeo de prova no processo penal

eacute a de saber a priori como se processa a apreensatildeo e o acesso aos conteuacutedos armazenados

no smartphone de acordo com a legislaccedilatildeo portuguesa Posteriormente agrave tentativa de

acesso e apreensatildeo desses conteuacutedos agraves autoridades judiciaacuterias eacute colocado um segundo

problema a encriptaccedilatildeo do dispositivo Visto que o smartphone se encontra encriptado

por palavra-passe ou por biometria a colaboraccedilatildeo do arguido para sua a desencriptaccedilatildeo

mostra-se indispensaacutevel Eacute nesta sede que surge o problema se saber se esta colaboraccedilatildeo

eacute ou natildeo violadora do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare

De facto como dissemos a problemaacutetica da desencriptaccedilatildeo de smartphones para

obtenccedilatildeo de prova em processo penal levanta um problema a montante sobre o qual nos

devemos debruccedilar em primeira instacircncia durante este capiacutetulo O desbloqueio do

smartphone pressupotildee a priori duas circunstacircncias que o dispositivo tenha sido

legitimamente apreendido pelas autoridades judiciaacuterias e posteriormente que se tenha

feito uma tentativa de acesso aos conteuacutedos electroacutenicos aiacute armazenados Assim parece

loacutegico que as entidades judiciaacuterias soacute podem constatar que um dispositivo estaacute encriptado

se houver previamente uma tentativa de acesso ao seu conteuacutedo apoacutes a apreensatildeo do

aparelho Eacute sobre esta apreensatildeo e acesso aos ficheiros armazenados em smartphones que

discorreremos nas proacuteximas paacuteginas

1 Os smartphones e a prova digital

Vivemos actualmente no seio de uma sociedade informatizada uma sociedade que se

regula diariamente com recurso a sistemas electroacutenicos Durante esta uacuteltima deacutecada

44

assistimos a uma raacutepida evoluccedilatildeo tecnoloacutegica evoluccedilatildeo essa que se tem manifestado

igualmente na aacuterea da criminalidade informaacutetica

O telemoacutevel eacute hoje em dia um aparelho indispensaacutevel na vida dos cidadatildeos quer pela

sua capacidade comunicacional com o resto do mundo quer pelo seu constante progresso

no que concerne agraves suas aplicaccedilotildees que vatildeo facilitando o dia-a-dia de cada um Ainda

assim no seio da investigaccedilatildeo de um crime o telemoacutevel poderaacute ser visto como o maior

inimigo do homem neste caso o maior inimigo dos investigadores criminais Isto porque

o acesso a um telemoacutevel ou mais precisamente a um smartphone para obtenccedilatildeo de prova

em processo penal teraacute de cumprir determinadas regras e obedecer a tantos outros

procedimentos

Em todos os casos de criminalidade o objectivo do processo penal passa pela descoberta

da verdade e pela persecuccedilatildeo da justiccedila Para tal eacute necessaacuterio que se proceda agrave recolha

de prova para que se possa condenar os culpados Na investigaccedilatildeo criminal a obtenccedilatildeo e

recolha da prova rege-se por dois artigos previstos no Coacutedigo de Processo Penal o artigo

125ordm e o artigo 126ordm O primeiro estipula o princiacutepio de que satildeo permitidas todas as

provas que natildeo forem proibidas por lei ao passo que o segundo estabelece que o valor de

cada elemento de prova eacute determinado pelas regras da experiecircncia e pela livre convicccedilatildeo

de quem tem que decidir sobre elas107 Daqui resulta que as provas de iacutendole digital satildeo

admitidas desde que a sua obtenccedilatildeo tenha sido realizada dentro dos estritos criteacuterios da

legalidade e objectividade108

A prova digital eacute definida por Benjamin Silva Rodrigues como qualquer tipo de

informaccedilatildeo com valor probatoacuterio armazenada ou transmitida sob forma binaacuteria ou

digital109 Por seu turno Armando Dias Ramos define a prova digital como ldquotoda a

informaccedilatildeo passiacutevel de ser obtida ou extraiacuteda de um dispositivo digital (local virtual ou

remoto) ou de uma rede de comunicaccedilotildeesrdquo110 O legislador portuguecircs natildeo definiu o que

seria prova digital no entanto acreditamos que de um ponto de vista geral a prova digital

seraacute toda e qualquer informaccedilatildeodados que tenham sido recebidos transmitidos ou que

estejam armazenados num dispositivo electroacutenico111 Por outro lado de um ponto de vista

107 Este princiacutepio natildeo eacute absoluto havendo excepccedilotildees ao mesmo designadamente quanto ao valor da prova

pericial 108 Ramos 2014 85 109 Rodrigues 2009a 39 110 Ramos 2014 86 111 MukaseySedgwickHagy 2008 9

45

mais teacutecnico cumpre esclarecer que a designaccedilatildeo de ldquodigitalrdquo adveacutem do facto de a

informaccedilatildeo armazenada electronicamente ser repartida em diacutegitos mais precisamente

numa sequecircncia de nuacutemeros binaacuterios (isto eacute zero ou um) que satildeo reconhecidos e

traduzidos pelo aparelho informaacutetico transformando-se em informaccedilatildeo112

Por este motivo como facilmente se adivinha a prova digital carece de ser tratada de um

forma diferente mais precisamente de uma forma mais diligente e cautelosa uma vez que

um mero lapso poderaacute tornar a prova irremediavelmente inutilizada113 Uma vez que se

trata de informaccedilatildeo em formato digital existe sempre a preocupaccedilatildeo da mesma ser

apagada modificada ou destruiacuteda em segundos sem se deixar rasto114 Daiacute resulta que a

rapidez na obtenccedilatildeo desta prova aliada a uma correcta recolha satildeo dois passos

fundamentais para o ecircxito da investigaccedilatildeo e imputaccedilatildeo dos factos ao suspeito do crime115

Toda esta constelaccedilatildeo de problemas eacute tambeacutem enfatizada por Figueiredo Dias ao afirmar

que entre as novas problemaacuteticas que se tecircm vindo a colocar tanto agrave legislaccedilatildeo como agrave

ciecircncia do processo penal nos uacuteltimos tempos a primeira tem que ver precisamente com

a circunstacircncia de os novos horizontes teacutecnico-cientiacuteficos terem aberto a porta a meacutetodos

de investigaccedilatildeo ateacute haacute natildeo muito tempo desconhecidos116 Estando aiacute incluiacutedos entre

outros os meacutetodos de investigaccedilatildeo computadorizados ou de forma mais geral permitidos

pelos avanccedilos informaacuteticos117 (vg o smartphone)

Atendendo agrave quantidade cada vez maior de utilizadores de smartphones e agrave sua

capacidade de armazenamento118 estes dispositivos podem ser uacuteteis ferramentas para os

investigadores criminais na recolha de prova em processos crime Se durante uma

investigaccedilatildeo criminal for apreendido um smartphone relativamente recente com cerca de

seis ou sete anos a amplitude de informaccedilatildeo que pode ser obtida pelos investigadores eacute

significante abrangendo linguagem e outras definiccedilotildees agenda de contactos informaccedilatildeo

de calendaacuterio mensagens escritas registo de chamadas feitas e recebidas e-mail

fotografias gravaccedilotildees aacuteudio e viacutedeo mensagens de multimeacutedia mensagens instantacircneas

112 Militatildeo 2012 261 113 Ramos 2014 87 114 Mouraz LopesAntatildeo Cabreiro 2006 72 115 Ramos 2014 87 116 Figueiredo Dias 2009 808-809 117 Figueiredo Dias 2009 809 118 Os smartphones satildeo constantemente utilizados para as mais variadas funccedilotildees chamadas de voz

chamadas de viacutedeo mensagens de texto mensagens de imagem pesquisas na internet incluindo toda a

panoacuteplia de redes sociais acesso a correio electroacutenico fotografias e viacutedeos calculadora agenda reloacutegio

leitor de muacutesica mapa entre outras

46

histoacuterico de navegaccedilatildeo na internet documentos electroacutenicos dados relacionados com as

redes sociais dados relacionados com aplicaccedilotildees informaccedilatildeo sobre localizaccedilotildees

geograacuteficas entre outras119

Todas estas informaccedilotildees que podem ser recolhidas apenas de um pequeno smartphone

podem fazer toda a diferenccedila no processo penal auxiliando os investigadores criminais

de inuacutemeras maneiras recolhendo informaccedilatildeo sobre um crime cometido (atraveacutes de

imagens viacutedeos e-mails documentos etc) recolhendo informaccedilatildeo que comprove a

intenccedilatildeo ou a tentativa da praacutetica de um crime (por exemplo atraveacutes da anaacutelise do

histoacuterico do web browser) recolhendo informaccedilatildeo que comprove o envolvimento de

suspeitos que negam estar implicados num delito recolhendo informaccedilatildeo que revele a

praacutetica de diferentes crimes ainda desconhecidos recolhendo informaccedilatildeo de vaacuterios

dispositivos electroacutenicos que combinados permitem criar um cronograma de eventos

Em vaacuterios processos criminais eacute deixado um rasto de informaccedilatildeo electroacutenica para os

investigadores criminais analisarem E uma vez que o smartphone poderaacute ser

considerado um oacuteptimo repositoacuterio de elementos probatoacuterios dada a sua vasta capacidade

de armazenamento coloca-se a questatildeo no caso de necessidade de recolha de prova

armazenada num smartphone encriptado como se procederaacute a apreensatildeo do dispositivo

e o posterior acesso aos conteuacutedos aiacute guardados

Para respondermos a esta questatildeo importa analisar a Lei do Cibercrime de 15 de

Setembro de 2009

2 A Lei do Cibercrime

Actualmente a prova digital eacute regulada na sua essencialidade pela Lei do Cibercrime

No dia 15 de Setembro de 2009 o legislador portuguecircs reagiu aos inuacutemeros desafios

causados pela lacuna legislativa quanto agrave mateacuteria da obtenccedilatildeo de prova digital por via da

publicaccedilatildeo da Lei do Cibercrime ndash Lei nordm 1092009 de 15 de Setembro (em vigor desde

15 de Outubro de 2009) Cerca de 8 anos apoacutes a assinatura da Convenccedilatildeo sobre o

Cibercrime120 foram publicados em Diaacuterio da Repuacuteblica a Resoluccedilatildeo da Assembleia da

119 GeorgeMason 2015 250 120 A Convenccedilatildeo sobre o Cibercrime eacute o primeiro tratado internacional sobre criminalidade contra sistemas

de computadores redes ou dados e conta com trecircs objectivos principais pretende harmonizar legislaccedilotildees e

os crimes nelas previstos pretende estender agraves jurisdiccedilotildees de Estados Parte determinados instrumentos

processuais e de produccedilatildeo de prova modernos e adequados agrave investigaccedilatildeo da cibercriminalidade por

uacuteltimo pretende facilitar a cooperaccedilatildeo internacional e viabilizar investigaccedilotildees Para tal a Convenccedilatildeo estaacute

compartimentada em quatro capiacutetulos distintos Cap I ndash Terminologia Cap II ndash Medidas a tomar ao niacutevel

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Repuacuteblica nordm 882009 que aprova a Convenccedilatildeo o Decreto do Presidente da Repuacuteblica

nordm 922009 que a ratifica e ainda a jaacute acima referida Lei nordm 1092009 que adapta o

direito interno agrave Convenccedilatildeo e agrave Decisatildeo Quadro nordm 2005222JAI do Conselho de 24 de

Fevereiro relativa a ataques contra sistemas de informaccedilatildeo

Do ponto de vista sistemaacutetico a Lei do Cibercrime tem uma estrutura tripartida entre

disposiccedilotildees materiais processuais e relativas agrave cooperaccedilatildeo internacional em mateacuteria

penal agrave semelhanccedila do consagrado na Convenccedilatildeo sobre o Cibercrime A nossa atenccedilatildeo

desviar-se-aacute obviamente para o Capiacutetulo III dedicado agraves disposiccedilotildees processuais

nomeadamente a preservaccedilatildeo expedita de dados (artigo 12ordm) a revelaccedilatildeo expedita de

dados de traacutefego (artigo 13ordm) a injunccedilatildeo para a preservaccedilatildeo ou concessatildeo de acesso a

dados (artigo 14ordm) a pesquisa de dados informaacuteticos (artigo 15ordm) a apreensatildeo de dados

informaacuteticos (artigo 16ordm) a apreensatildeo de correio electroacutenico e de registos de

comunicaccedilotildees de natureza semelhante (artigo 17ordm) a intercepccedilatildeo de comunicaccedilotildees

(artigo 18ordm) as acccedilotildees encobertas (artigo 19ordm) e ainda a cooperaccedilatildeo internacional

(artigos 20ordm a 26ordm)

Estas disposiccedilotildees processuais penais contidas na Lei do Cibercrime aplicam-se segundo

o artigo 11ordm do referido diploma (em consonacircncia com o determinado no artigo 14ordm da

Convenccedilatildeo sobre o Cibercrime) aos crimes aiacute previstos a) crimes informaacuteticos stricto

sensu (al a) b) ldquocrimes cometidos por meio de um sistema informaacuteticordquo121

independentemente da previsatildeo tiacutepica do crime (al b) c) e por fim a quaisquer crimes

sempre que ldquoseja necessaacuterio proceder agrave recolha de prova em suporte electroacutenicordquo (al c)

Podemos concluir na esteira do defendido por Paulo Daacute Mesquita que as regras de direito

probatoacuterio previstas no diploma natildeo satildeo assim meras normas processuais sobre

cibercrimes ou sequer apenas relativas a crimes praticados em sistemas informaacuteticos mas

nacional Secccedilatildeo I ndash Direito Material Secccedilatildeo II ndash Direito Processual Cap III ndash Cooperaccedilatildeo internacional

e por uacuteltimo Cap IV ndash Claacuteusulas Finais Cf Ramalho 2014 134 121 Sistema informaacutetico significa nesta sede ldquoqualquer dispositivo ou conjunto de dispositivos interligados

ou associados em que um ou mais de entre eles desenvolve em execuccedilatildeo de um programa o tratamento

automatizado de dados informaacuteticos bem como a rede que suporta a comunicaccedilatildeo entre eles e o conjunto

de dados informaacuteticos armazenados tratados recuperados ou transmitidos por aquele ou aqueles

dispositivos tendo em vista o seu funcionamento utilizaccedilatildeo protecccedilatildeo e manutenccedilatildeordquo (al a) do artigo 1ordm

da Lei do Cibercrime cuja primeira parte corresponde agrave previsatildeo da al a) do artigo 1ordm da Convenccedilatildeo sobre

o Cibercrime e no essencial similar agrave al a) do artigo 1ordm da Decisatildeo-Quadro nordm 2005222JAI (sistema de

informaccedilatildeo) onde contudo natildeo se prevecirc de forma especificada a rede que suporta a comunicaccedilatildeo entre

dados informaacuteticos)

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correspondem a um regime consideravelmente mais abrangente sobre prova electroacutenica

em processo penal aplicaacutevel a qualquer crime122

Voltando ao nosso caso concreto cumpre referir que a aliacutenea c) do artigo 11ordm da Lei do

Cibercrime ao abranger todos os crimes em relaccedilatildeo aos quais seja necessaacuterio proceder agrave

recolha de prova em suporte electroacutenico acaba por alargar o acircmbito de aplicaccedilatildeo da lei a

quaisquer casos de recolha de prova em smartphones Uma vez que o smartphone eacute

caracterizado como um ldquosuporte electroacutenicordquo toda a recolha de prova feita com recurso

a este dispositivo seraacute regulada pela Lei do Cibercrime de acordo com o consagrado na

aliacutenea c) do seu artigo 11ordm

Visto que o cerne do nosso estudo se centra na desencriptaccedilatildeo de smartphones para

obtenccedilatildeo de prova em processo penal torna-se fundamental nesta etapa fazer uma breve

anaacutelise a algumas destas medidas processuais nomeadamente agrave injunccedilatildeo para

apresentaccedilatildeo ou concessatildeo do acesso a dados (artigo 14ordm) agrave pesquisa de dados

informaacuteticos (artigo 15ordm) agrave apreensatildeo de dados informaacuteticos (artigo 16ordm) e agrave apreensatildeo

de correio electroacutenico e registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante (artigo 17ordm)

No entanto antes de passarmos agrave anaacutelise destas medidas importa esclarecer que em sede

de Lei do Cibercrime haacute que fazer a distinccedilatildeo entre a apreensatildeo de dados informaacuteticos e

a apreensatildeo de registos de comunicaccedilotildees Como jaacute deixaacutemos claro nas paacuteginas anteriores

da presente investigaccedilatildeo o smartphone armazena os mais variados ficheiros electroacutenicos

incluindo mensagens de texto (SMS) e mensagens de multimeacutedia (MMS) e-mails

contactos telefoacutenicos fotografias gravaccedilotildees de viacutedeo e aacuteudio entre outros O tratamento

destes ficheiros vai depender da sua natureza nomeadamente se estes comportam algum

tipo de comunicaccedilatildeo ou natildeo Assim se por um lado a apreensatildeo de fotografias viacutedeos

gravaccedilotildees aacuteudio contactos entre outros pode ser tratada como apreensatildeo de meros dados

informaacuteticos (artigo 16ordm da Lei do Cibercrime) a apreensatildeo de mensagens de texto

mensagens de multimeacutedia e e-mails por se tratarem de ficheiros de comunicaccedilatildeo

electroacutenica deve ser tratada como apreensatildeo de correio electroacutenico e registos de

comunicaccedilotildees de natureza semelhante (artigo 17ordm da Lei do Cibercrime) Analisaremos

em maior detalhe esta distinccedilatildeo nos proacuteximos paraacutegrafos

No que respeita agrave injunccedilatildeo para apresentaccedilatildeo ou concessatildeo do acesso a dados prevista

no artigo 14ordm da Lei nordm 1092009 o legislador veio desta forma criar uma ordem a ser

122 Mesquita 2010 98

49

emitida por autoridade judiciaacuteria dirigida a quem tenha disponibilidade ou controlo sobre

determinados dados informaacuteticos no sentido de que os comunique ao processo em causa

ou que permita o acesso aos mesmos123

No entanto esta medida eacute apenas aplicada a fornecedores de serviccedilos proibindo o

nuacutemero 5 do referido artigo que seja dirigida contra suspeito ou arguido no processo

Desta forma o fornecedor de serviccedilo pode ser ordenado a comunicar ao processo dados

relativos aos clientes ou assinantes neles se incluindo qualquer informaccedilatildeo desde que

natildeo inserida na categoria dos dados relativos ao traacutefego ou ao conteuacutedo Voltaremos em

maior detalhe a esta questatildeo da proibiccedilatildeo de injunccedilatildeo dirigida a arguido e suspeito mais

adiante no nosso estudo

As razotildees que estatildeo subjacentes agrave criaccedilatildeo desta medida prendem-se em primeira medida

com a imensidade de espaccedilo de armazenamento dos modernos suportes digitais que

dificulta a investigaccedilatildeo e em segunda medida com as diversas possibilidades de ocultar

a informaccedilatildeo ou de bloquear o acesso a ela (por exemplo por via da encriptaccedilatildeo do

smartphone) que podem igualmente tornar malsucedida a procura de informaccedilatildeo sem a

colaboraccedilatildeo de quem tem o domiacutenio sobre ela

O artigo 15ordm da Lei do Cibercrime que consagra a pesquisa de dados informaacuteticos veio

criar uma forma de acesso coercivo ao sistema informaacutetico objecto de um processo

criminal Assim esta pesquisa pode perfeitamente ser comparada a uma busca tradicional

mas num ambiente digital Desta forma sempre que numa investigaccedilatildeo criminal as

entidades judiciaacuterias verificarem que se afigura oportuno e necessaacuterio para a produccedilatildeo

de prova com vista agrave descoberta da verdade material que se obtenham certos dados124

armazenados num determinado sistema informaacutetico a autoridade judiciaacuteria competente

autoriza ou ordena por despacho que se proceda a uma pesquisa nesse sistema

informaacutetico125

Esta autorizaccedilatildeo tem uma validade de 30 dias sob pena de nulidade nos termos do nordm 2

do artigo 15ordm da Lei do Cibercrime Nos casos de obtenccedilatildeo de consentimento por quem

tenha a disponibilidade ou controlo dos dados de terrorismo criminalidade violenta ou

123 Venacircncio 2011 107 124 Contrariamente agrave injunccedilatildeo para apresentaccedilatildeo ou concessatildeo do acesso a dados na pesquisa de dados

informaacuteticos a lei natildeo coloca quaisquer restriccedilotildees relativamente aos conteuacutedos dos dados que podem ser

pesquisados 125 Rodrigues 2010 446

50

altamente organizada e quando haja fundados indiacutecios da praacutetica iminente de crime que

ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa os oacutergatildeos de poliacutecia

criminal poderatildeo proceder agrave pesquisa sem preacutevia autorizaccedilatildeo da autoridade judiciaacuteria

devendo a diligecircncia ser-lhe de imediato comunicada e elaborado um relatoacuterio em tudo

semelhante ao disposto no artigo 253ordm do Coacutedigo de Processo Penal (nos termos dos nos

3 e 4 do artigo 15ordm)

Pode ainda acontecer que no decurso da pesquisa aos oacutergatildeos de poliacutecia criminal

executores da medida surja a convicccedilatildeo de que os dados procurados se encontram noutro

sistema informaacutetico ou numa parte diferente do sistema pesquisado mas que tais dados

satildeo legitimamente acessiacuteveis a partir do sistema inicial entatildeo por forccedila do nordm 5 do artigo

15ordm da Lei do Cibercrime haveraacute lugar agrave extensatildeo da medida agravequeles outros sistemas ou

lugares mediante autorizaccedilatildeo ou ordem da autoridade competente nos termos dos nos 1

e 2 do artigo 15ordm da citada lei126

No caso concreto de as autoridades judiciaacuterias encontrarem um smartphone armazenado

com e-mails mensagens de texto mensagens de multimeacutedia fotografias gravaccedilotildees aacuteudio

ou viacutedeo histoacuterico de navegaccedilatildeo na internet documentos electroacutenicos dados

relacionados com as redes sociais dados relacionados com aplicaccedilotildees entre outros

estamos claramente perante dados informaacuteticos definidos pela al b) do artigo 2ordm da Lei

do Cibercrime como ldquoqualquer representaccedilatildeo de factos informaccedilotildees ou conceitos sob

uma forma susceptiacutevel de processamento num sistema informaacutetico incluindo os

programas aptos a fazerem um sistema informaacutetico executar uma funccedilatildeordquo Assim a

pesquisa destes dados armazenados no smartphone por parte das autoridades judiciaacuterias

deveraacute ser regulada pelo citado artigo 15ordm da Lei do Cibercrime

Por seu turno a apreensatildeo de dados informaacuteticos vem prevista no artigo 16ordm da Lei do

Cibercrime que vem estabelecer a possibilidade de os investigadores pedirem agrave

autoridade judiciaacuteria competente que autorize ou ordene por despacho a apreensatildeo dos

dados ou documentos informaacuteticos que no decurso de uma pesquisa informaacutetica ou de

outro acesso legiacutetimo a um sistema informaacutetico forem encontrados e que se afigurem

necessaacuterios agrave produccedilatildeo da prova tendo em vista a descoberta da verdade127

126 Rodrigues 2010 449-450 127 Rodrigues 2010 451

51

No entanto nos casos em que tenha sido um oacutergatildeo de poliacutecia criminal a realizar a pesquisa

(artigo 15ordm da Lei do Cibercrime) existe a possibilidade de o oacutergatildeo de poliacutecia criminal

levar igualmente a cabo a apreensatildeo dos dados informaacuteticos (sem preacutevia autorizaccedilatildeo da

autoridade judiciaacuteria) ficando estas diligecircncias sujeitas a validaccedilatildeo pela autoridade

judiciaacuteria no prazo maacuteximo de setenta e duas horas128 Assim a tiacutetulo de exemplo se

durante uma busca domiciliaacuteria promovida pelo Ministeacuterio Puacuteblico e autorizada pelo Juiz

de Instruccedilatildeo competente for encontrado um smartphone ndash que natildeo estaria incluiacutedo no

despacho judicial - os oacutergatildeos de poliacutecia criminal executores da medida poderatildeo

apreender validamente o conteuacutedo do dispositivo de acordo com o nordm 2 do artigo 16ordm da

Lei do Cibercrime ficando esta diligecircncia sujeita a validaccedilatildeo pela autoridade judiciaacuteria

no prazo maacuteximo de setenta e duas horas

O nordm 3 do artigo 16ordm da Lei do Cibercrime vem consagrar a obrigatoriedade de

intervenccedilatildeo do juiz de instruccedilatildeo sempre que forem apreendidos para junccedilatildeo ao processo

dados ou documentos informaacuteticos cujo conteuacutedo seja susceptiacutevel de revelar dados

pessoais ou iacutentimos que possam pocircr em causa a privacidade do respectivo titular ou de

terceiros Nestas situaccedilotildees os dados informaacuteticos apreendidos ndash que possam por em causa

a privacidade do respectivo titular ou de terceiros (vg fotografias gravaccedilotildees de viacutedeo ou

aacuteudio entre outros) - seratildeo apresentados ao juiz que ponderaraacute a sua junccedilatildeo aos autos

tendo em conta os interesses do caso concreto A natildeo observacircncia destas formalidades

legais tem como consequecircncia a nulidade da prova obtida por esta via129

Por fim cabe-nos fazer uma anaacutelise mais detalhada do artigo 17ordm da Lei do Cibercrime

que consagra a apreensatildeo de correio electroacutenico e registos de comunicaccedilotildees de natureza

semelhante A criaccedilatildeo desta norma eacute uma das grandes novidades da Lei do Cibercrime

natildeo soacute por estabelecer um regime especial para a apreensatildeo de correio electroacutenico e

registos de comunicaccedilatildeo de natureza semelhante (aqui incluindo as SMS e MMS) em

mateacuteria de criminalidade informaacutetica e obtenccedilatildeo de prova em suporte electroacutenico mas

tambeacutem por estabelecer um regime que natildeo encontra correspectivo directo na Convenccedilatildeo

sobre o Cibercrime

O artigo 17ordm da Lei nordm 1092009 determina que eacute possiacutevel apreender mensagens de

correio electroacutenico ou registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante que se encontrem

armazenados no sistema informaacutetico (vg smartphone) que tenha sido alvo de pesquisa

128 Morais 2012 101-102 129 Verdelho 2009 741

52

informaacutetica ou outro acesso legiacutetimo desde que a) seja o juiz a autorizar ou ordenar a

apreensatildeo b) e esta seja de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a

prova130

Dois comentaacuterios iniciais sobre este dispositivo primeiro podemos afirmar que haacute aqui

um aumento substancial das exigecircncias para esta medida dado que a mesma soacute poderaacute

ser autorizada se for de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova

segundo importa tambeacutem referir que natildeo estamos aqui perante um meio de obtenccedilatildeo de

prova autoacutenomo e independente mas sim perante uma possibilidade decorrente de uma

pesquisa informaacutetica (artigo 15ordm da Lei do Cibercrime) jaacute em curso que tenha sido

regularmente executada131 Efectivamente consagra esta disposiccedilatildeo normativa que

ldquoQuando no decurso de uma pesquisa informaacutetica ou outro acesso legiacutetimo a um sistema

informaacutetico forem encontrados armazenados nesse sistema informaacutetico ou noutro a que

seja permitido o acesso legiacutetimo a partir do primeiro mensagens de correio electroacutenico

ou registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante o juiz pode autorizar ou ordenar

por despacho a apreensatildeo daqueles que se afigurem ser de grande interesse para a

descoberta da verdade ou para a prova aplicando-se correspondentemente o regime da

apreensatildeo de correspondecircncia previsto no Coacutedigo de Processo Penalrdquo

Relativamente agrave remissatildeo feita no final do referido artigo para o regime da apreensatildeo de

correspondecircncia estamos com Rita Castanheira Neves quando afirma que se compreende

que em respeito pelo artigo 11ordm da Lei do Cibercrime ldquoa remissatildeo para o regime da

apreensatildeo de correspondecircncia natildeo abranja a exigecircncia de se tratar de crime puniacutevel com

pena de prisatildeo superior a trecircs anos Esta remissatildeo para o regime da apreensatildeo de

correspondecircncia parece pois realizada a quatro aspectos do regime agrave referecircncia agrave

nulidade no caso de natildeo respeito pelos requisitos estabelecidos (nos 1 e 2 do artigo 179ordm

do Coacutedigo de Processo Penal) ao facto de ter que estar em causa correio electroacutenico e

registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante enviados ou recebidos pelo suspeito

mesmo que dea partir de endereccedilo electroacutenico ou outros registos de pessoa diversa (aliacutenea

a) do nordm 1 do mesmo artigo 179ordm) agrave proibiccedilatildeo da apreensatildeo de correio electroacutenico e

registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante trocado entre arguido e defensor salvo

se o juiz tiver fundadas razotildees para crer que aquele correio electroacutenico ou aqueles registos

constituem objecto ou elemento do crime (nordm 2 do artigo 179ordm) e finalmente ao facto de

130 Neves 2011 273 131 Morais 2012 102

53

ter que ser o juiz que tiver autorizado ou ordenado a diligecircncia a primeira pessoa a tomar

conhecimento do conteuacutedo do correio electroacutenico e demais registos de comunicaccedilotildees

apreendido mandando-o juntar ao processo se o considerar relevante [hellip] ndash nordm 3 do artigo

179ordmrdquo132

Quanto a esta uacuteltima questatildeo parece-nos necessaacuterio focar em especial dois aspectos

distintos primeiro a necessidade ou natildeo de despacho judicial para a apreensatildeo das

mensagens de correio electroacutenico e registos de comunicaccedilatildeo de natureza semelhante (nordm

1 do artigo 179ordm do Coacutedigo de Processo Penal) segundo a necessidade de ter que ser o

juiz a primeira pessoa a ler o correio electroacutenico ou as mensagens de texto ou multimeacutedia

apreendidas e a decidir da sua junccedilatildeo ou natildeo ao processo (nordm 3 do artigo 179ordm do Coacutedigo

de Processo Penal)

Tendo em conta que a uacutenica exigecircncia do artigo 17ordm da Lei do Cibercrime para a

apreensatildeo de correio electroacutenico e registos de comunicaccedilatildeo de natureza semelhante eacute a

existecircncia de uma forma legiacutetima de acesso ao meio informaacutetico concordamos com Pedro

Verdelho quando defende que a referida medida permite fazer uma apreensatildeo provisoacuteria

de mensagens de correio electroacutenico de texto ou multimeacutedia no decurso de pesquisas

realizadas por exemplo com a autorizaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico devendo todavia tais

mensagens ser presentes ao juiz para que ordene a respectiva apreensatildeo definitiva e

junccedilatildeo ao processo Ou seja natildeo se requereraacute para a apreensatildeo provisoacuteria de e-mails

SMS ou MMS que haja uma preacutevia decisatildeo judicial133

Em regra antes de uma busca ainda natildeo se tem conhecimentos bastantes para certificar

que se encontraraacute ou natildeo um smartphone Assim na praacutetica seria inviaacutevel um sistema

que exigisse antes de toda e qualquer busca a obtenccedilatildeo de autorizaccedilatildeo judicial para a

eventual possibilidade de vir a ser encontrado no decurso de uma busca um smartphone

e que tal smartphone contivesse registos de comunicaccedilotildees e que tais comunicaccedilotildees

fossem prova necessaacuteria agrave investigaccedilatildeo do caso concreto

De salientar no entanto que esta apreensatildeo seraacute meramente uma apreensatildeo cautelar cuja

validade (definitiva) e consequente valoraccedilatildeo no processo em curso estaraacute sempre

dependente do despacho do juiz (nordm 1 do artigo 179ordm do CPP)

132 Neves 2011 274-275 133 Verdelho 2009 743-744

54

Neste sentido vai tambeacutem a jurisprudecircncia ao afirmar que ldquoa apreensatildeo de mensagens de

telemoacutevel (SMS) mesmo que resultante de uma pesquisa de dados informaacuteticos

validamente ordenada pelo Ministeacuterio Puacuteblico deve depois ser autorizada pelo JIC

Embora o MP deva tomar conhecimento em primeira matildeo das mensagens ordenando a

apreensatildeo provisoacuteria deve depois ser o juiz a ordenar a apreensatildeo definitiva ndash artigo 17ordm

da Lei do Cibercrimerdquo134

No entanto nos casos de apreensatildeo de mensagens decorrentes da autorizaccedilatildeo do seu

destinataacuterio (por exemplo quando eacute o proacuteprio a facultar o telemoacutevel para a obtenccedilatildeo das

mensagens) a jurisprudecircncia tem sido unacircnime quanto agrave desnecessidade de intervenccedilatildeo

judicial na obtenccedilatildeo e junccedilatildeo ao processo desses registos135

Assim concluiacutemos no sentido de natildeo carecer de autorizaccedilatildeo judicial a mera apreensatildeo

provisoacuteriacautelar de mensagens de correio electroacutenico de texto ou de multimeacutedia

encontradas no decurso de uma pesquisa informaacutetica (artigo 15ordm da Lei do Cibercrime)

ou outro acesso legiacutetimo num smartphone136 Sem embargo a validade definitiva desta

apreensatildeo e a sua consequente valoraccedilatildeo no processo em curso dependeraacute sempre do

despacho do juiz (nordm 1 do artigo 179ordm do CPP)

No que concerne agrave questatildeo da necessidade de ter que ser o juiz a primeira pessoa a ler o

correio electroacutenico e outros registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante

apreendidos (nordm 3 do artigo 179ordm do Coacutedigo de Processo Penal) importa trazer agrave colaccedilatildeo

a posiccedilatildeo defendida por dois Autores nacionais

Rita Castanheira Neves defende a tese de que dada a dificuldade praacutetica de ser o juiz a

primeira pessoa a tomar conhecimento do conteuacutedo de todas as mensagens cuja

quantidade pode ser bastante significativa se deveria proceder a uma inversatildeo da loacutegica

das coisas Assim a Autora afirma que ldquonatildeo haacute que deixar de exigir que seja o juiz o

primeiro a tomar conhecimento do conteuacutedo do correio electroacutenico [hellip]rdquo mensagens de

texto e multimeacutedia ldquo[hellip] pelas dificuldades praacuteticas de atribuir a um soacute juiz essa tarefa

134 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 29 de Marccedilo de 2011 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrgnsf86c25a698e4e7cb7802579ec004d38326aa96edf91e899b2802578a00054631f

OpenDocument [consultado em 29082016] 135 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 11 de Janeiro de 2011 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrlnsf33182fc732316039802565fa00497eece5ed1936deb44eb180257824004ab09d

OpenDocument [consultado em 29082016] 136 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 29 de Marccedilo de 2011 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrgnsf86c25a698e4e7cb7802579ec004d38326aa96edf91e899b2802578a00054631f

OpenDocument [consultado em 29082016]

55

mas sim exigir que durante a diligecircncia se tenha sempre em atenccedilatildeo que para a eficaacutecia

da mesma devem-se seguir estritos criteacuterios de abrangecircncia apenas apreendendo os e-

mails [hellip]rdquo mensagens de texto e de multimeacutedia ldquo[hellip] que se afiguram realmente

determinantes para a provardquo137

Em sentido semelhante Pedro Verdelho vem apoiar-se na letra da lei que segundo o

proacuteprio aponta para a possibilidade de quem procede agrave pesquisa encaminhar para o juiz

mensagens concretas com relevacircncia para o caso concreto que aquele depois apreenderaacute

ou natildeo138 Entendendo-se a lei de outra forma estar-se-ia segundo o Autor a optar por

uma soluccedilatildeo processual inviaacutevel que exigiria a verificaccedilatildeo pelo juiz de todas as

mensagens de correio electroacutenico e registos em todos os smartphones que fossem

encontrados no decurso de pesquisas

Pela nossa parte apoiamo-nos na ideia de que o artigo 17ordm da Lei do Cibercrime ao

remeter quanto agrave apreensatildeo de mensagens de correio electroacutenico e registos de

comunicaccedilotildees de natureza semelhante para o regime geral previsto no Coacutedigo de

Processo Penal determina a aplicaccedilatildeo daquele regime com as devidas adaptaccedilotildees

Assim e de encontro com o defendido por Rita Castanheira Neves Pedro Verdelho e pela

jurisprudecircncia aquelas apreensotildees (definitivas) tecircm efectivamente de ser autorizadas ou

determinadas por despacho judicial139 devendo ser o juiz a primeira pessoa a tomar

conhecimento do conteuacutedo da correspondecircncia previamente seleccionada como

determinante para a prova sob pena de nulidade

Chegados a esta parte e tendo em consideraccedilatildeo o objecto do nosso estudo podemos entatildeo

concluir depois de analisado o artigo 17ordm da Lei do Cibercrime que este preceito eacute

aplicaacutevel a todas as situaccedilotildees em que surja a necessidade por parte das entidades

judiciaacuterias de apreensatildeo de correio electroacutenico mensagens de texto e mensagens de

multimeacutedia armazenados num smartphone

137 Neves 2011 275 138 Verdelho 2009 744 139 Morais 2012 105 No caso de e-mails SMS e MMS ldquoa intervenccedilatildeo judicial tendo em vista a sua

apreensatildeo ou natildeo eacute sempre exigida em momento ulterior portanto apoacutes se ter encontrado este tipo de

informaccedilatildeo Nessa altura compete ao juiz escolher de entre as mensagens encontradas as que satildeo

relevantes para a prova Sublinha-se portanto que no sistema legal da Lei do Cibercrime natildeo poderaacute nunca

haver mensagens de correio electroacutenico [hellip]rdquo mensagens de texto e mensagens de multimeacutedia ldquo[hellip]

apreendidas para serem utilizadas como prova de determinado processo sem que haja um despacho de um

juiz nesse sentidordquo Cf Verdelho 2009 745

56

3 A relaccedilatildeo entre a Lei do Cibercrime e o Coacutedigo de Processo Penal

Jaacute foi analisado em sede de apreensatildeo de correio electroacutenico e registos de comunicaccedilotildees

de natureza semelhante que a remissatildeo do artigo 17ordm da Lei do Cibercrime para o regime

da apreensatildeo de correspondecircncia previsto no Coacutedigo de Processo Penal determina a

aplicaccedilatildeo deste regime com as devidas adaptaccedilotildees

A questatildeo que se coloca agora eacute a de saber qual seraacute a relaccedilatildeo entre o regime vertido no

Coacutedigo de Processo Penal sobre a intercepccedilatildeo de comunicaccedilotildees guardadas em suporte

digital (artigos 187ordm a 190ordm do CPP) e o regime estabelecido na nova Lei do Cibercrime

para a apreensatildeo de correio electroacutenico e registos de comunicaccedilotildees de natureza

semelhante (artigo 17ordm da Lei do Cibercrime)

Eacute da nossa opiniatildeo na esteira do defendido pela maioria da doutrina que no ordenamento

juriacutedico portuguecircs a intercepccedilatildeo e o registo das transmissotildees de dados informaacuteticos segue

a partir da entrada em vigor da Lei do Cibercrime em 15 de Outubro de 2009 o regime

aiacute vertido Efectivamente a Lei do Cibercrime ao optar por mobilizar um criteacuterio lato

para a sua aplicaccedilatildeo ndash necessidade de proceder agrave recolha de prova em suporte electroacutenico

- acabou por esvaziar o acircmbito de aplicaccedilatildeo do artigo 189ordm do Coacutedigo de Processo Penal

na parte relativa a comunicaccedilotildees electroacutenicas140

Em suma podemos concluir que a legislaccedilatildeo contida no Coacutedigo de Processo Penal foi

no essencial141 ultrapassada pela Lei nordm 1092009 levando assim agrave aplicaccedilatildeo do artigo

17ordm da Lei do Cibercrime aos casos de apreensatildeo de correio electroacutenico mensagens de

texto e mensagens de multimeacutedia como tiacutenhamos concluiacutedo supra e agrave aplicaccedilatildeo do artigo

16ordm da Lei do Cibercrime aos casos de apreensatildeo de dados informaacuteticos (vg fotografias

gravaccedilotildees de viacutedeo e aacuteudio contactos documentos electroacutenicos entre outros)

armazenados em smartphones

4 Conclusotildees intermeacutedias

Apoacutes uma anaacutelise detalhada sobre a Lei do Cibercrime encontramo-nos aptos a responder

agrave questatildeo que colocaacutemos no iniacutecio do presente capiacutetulo como se processa o acesso e a

apreensatildeo de conteuacutedos armazenados num smartphone de acordo com a legislaccedilatildeo

portuguesa

140 Neves 2011 280 Neste sentido vai tambeacutem Mesquita 2010 103 141 Tal natildeo invalida que todas as medidas gerais ou excepcionais e obrigaccedilotildees previstas na Lei nordm

1092009 se cumulem em tudo o que as natildeo contrarie com as estabelecidas no Coacutedigo de Processo Penal

57

Ao abranger todos os crimes em relaccedilatildeo aos quais seja necessaacuterio proceder agrave recolha de

prova em suporte electroacutenico a Lei do Cibercrime na al c) do seu artigo 11ordm acaba por

um lado por alargar o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo a quaisquer casos de desencriptaccedilatildeo de

smartphones para obtenccedilatildeo de prova em processo penal e por outro por esvaziar o acircmbito

de aplicaccedilatildeo do regime da intercepccedilatildeo de comunicaccedilotildees guardadas em suporte digital

previsto no Coacutedigo de Processo Penal

No que concerne ao acesso e agrave apreensatildeo de conteuacutedos armazenados num smartphone

para a obtenccedilatildeo de prova em processo penal cumpre deixar claro que em primeira

instacircncia eacute autorizada por despacho uma pesquisa ao conteuacutedo do smartphone regulada

pelo artigo 15ordm da Lei do Cibercrime e equiparada a uma busca tradicional mas em

ambiente digital Desta pesquisa podem resultar duas situaccedilotildees a necessidade de

apreensatildeo de determinados ficheiros electroacutenicos ou contrariamente a desnecessidade

de apreensatildeo de quaisquer ficheiros electroacutenicos

Caso se venha a verificar a primeira situaccedilatildeo (necessidade de apreensatildeo de determinados

ficheiros electroacutenicos) deveraacute ser feita a divisatildeo entre a) a necessidade de apreensatildeo de

dados informaacuteticos (artigo 16ordm da Lei do Cibercrime) b) e a necessidade de apreensatildeo

de mensagens de correio electroacutenico ou registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante

(artigo 17ordm da Lei do Cibercrime)

Se depois de feita uma primeira pesquisa ao conteuacutedo do smartphone os investigadores

encontrarem determinados dados ou documentos informaacuteticos tais como fotografias

viacutedeos gravaccedilotildees de auacutedio ou listas de contactos cuja apreensatildeo se mostre necessaacuteria

para a investigaccedilatildeo criminal deveraacute ser pedido agrave autoridade judiciaacuteria competente que

autorize ou ordene por despacho a sua apreensatildeo (artigo 16ordm da Lei do Cibercrime)

Existe ainda a possibilidade de o proacuteprio oacutergatildeo de poliacutecia criminal levar a cabo esta

apreensatildeo sem a preacutevia autorizaccedilatildeo da autoridade judiciaacuteria ficando esta diligecircncia

sujeita a validaccedilatildeo pela autoridade judiciaacuteria no prazo maacuteximo de setenta e duas horas

Como a apreensatildeo destes dados nomeadamente de fotografias viacutedeos ou gravaccedilotildees auacutedio

pode pocircr em causa a privacidade do arguido ou de terceiros o nordm 3 do referido artigo vem

consagrar a obrigatoriedade de intervenccedilatildeo do juiz de instruccedilatildeo

Por seu turno se no decorrer da pesquisa ao conteuacutedo do smartphone os investigadores

encontrarem mensagens de correio electroacutenico mensagens de texto ou de multimeacutedia

cuja apreensatildeo se mostre de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova

58

deveraacute ser pedido ao juiz que autorize ou ordene a apreensatildeo dessas mensagens de correio

electroacutenico e registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante (artigo 17ordm da Lei do

Cibercrime)

Isto posto parece-nos ser possiacutevel afirmar que o acesso e a apreensatildeo de ficheiros

electroacutenicos armazenados num smartphone eacute um processo relativamente simples No

entanto durante a abordagem da referida questatildeo natildeo colocaacutemos a possibilidade de o

acesso e a apreensatildeo destes ficheiros serem dificultados pela encriptaccedilatildeo do smartphone

Assim a tentativa de aceder e apreender ficheiros potencialmente incriminatoacuterios

armazenados num smartphone pode ser impossibilitada pelo bloqueio do dispositivo por

parte do seu proprietaacuterio atraveacutes da encriptaccedilatildeo por palavra-passe ou por biometria Eacute

sobre esta encriptaccedilatildeo que nos pronunciaremos de seguida

59

CAPIacuteTULO III ndash A ENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES

Num caso tiacutepico de desencriptaccedilatildeo de smartphones apoacutes a recolha do dispositivo agraves

autoridades judiciaacuterias cabe aceder e apreender os conteuacutedos aiacute armazenados a fim de

obterem provas incriminatoacuterias Sem embargo como ficou assente anteriormente natildeo

raras vezes os investigadores deparam-se com um entrave ao acesso aos ficheiros

guardados no smartphone a encriptaccedilatildeo do dispositivo Dada a circunstacircncia a tarefa de

aceder ao dispositivo com o desiacutegnio de recolher prova digital para auxiliar agrave investigaccedilatildeo

criminal torna-se mais complexa

Nos casos apresentados no primeiro capiacutetulo da presente investigaccedilatildeo a encriptaccedilatildeo dos

smartphones em causa era feita atraveacutes de dois meacutetodos distintos a palavra-passe

alfanumeacuterica e a biometria (leitura de impressotildees digitais) Tendo em consideraccedilatildeo os

casos apresentados que nos hatildeo de servir de modelo ao longo da nossa investigaccedilatildeo e o

elevado nuacutemero de utilizadores que actualmente recorre a estes dois meacutetodos de

encriptaccedilatildeo mostra-se imperativo natildeo soacute analisar a noccedilatildeo e as funcionalidades da

encriptaccedilatildeo mas tambeacutem como funcionam estes dois meacutetodos em concreto

1 A sociedade na era digital e a crescente necessidade de encriptar

No final do seacuteculo passado com os avanccedilos tecnoloacutegicos cientiacuteficos sociais e o

fenoacutemeno da globalizaccedilatildeo a sociedade industrial passou a caminhar para uma sociedade

informacional e comunicacional ganhando o epiacuteteto de sociedade na era digital142

A entrada de Portugal na era comum da informaccedilatildeo tornou-se irreversiacutevel e afectou todos

os aspectos da sociedade143 estando o seu surgimento umbilicalmente relacionado com o

apogeu e o sucesso da Internet Assim com o nascimento da Internet eacute simultaneamente

criado um novo paradigma de sociedade onde a energia eacute progressivamente substituiacuteda

pela informaccedilatildeo144 como fonte primeira do progresso social tendo como produto

essencial a prestaccedilatildeo de novos serviccedilos145 Numa realidade recente a informaccedilatildeo eacute

divulgada agrave velocidade da luz funcionando como moeda de troca em diversas

negociaccedilotildees

142 Quelhas 2008 22 143 Rodrigues 2009a 96 144 ldquoThe world isnrsquot run by weapons anymore or energy or money Itrsquos run by ones and zeros ndash little bits

of data Itrsquos all electronshellip Therersquos a war out there a world war Itrsquos not about who has the most bullets

Itrsquos about who controls the informationhellip Itrsquos all about informationrdquo Cf Weinberg 1998 675 145 MarquesMartins 2006 109

60

Contudo dada a facilidade na troca de informaccedilotildees ndash muita das vezes confidenciais ou

de caraacutecter privado - esta sociedade da informaccedilatildeo ou como preferimos sociedade

digital deveraacute pautar-se sempre em respeito pelos princiacutepios democraacuteticos da igualdade

e solidariedade visando a melhoria da qualidade de vida de todos os cidadatildeos146

O telemoacutevel nomeadamente o smartphone eacute um dos resultados desta evoluccedilatildeo

tecnoloacutegica sendo considerado actualmente como uma necessidade tanto pessoal quanto

profissional para a generalidade das pessoas147 Na sociedade actual informaccedilatildeo eacute

sinoacutenimo de poder Esta realidade levou a que o homem meacutedio passasse a armazenar ndash

digitalmente - uma quantidade consideraacutevel de informaccedilatildeo convertendo por sua vez os

telemoacuteveis em tesouros dos tempos modernos Desta forma natildeo causa estranheza afirmar

que a informaccedilatildeo aiacute armazenada tem frequentemente caraacutecter pessoal ou privado pelo

que surgem diversas preocupaccedilotildees por parte dos proprietaacuterios relativamente agrave sua

privacidade

Efectivamente a protecccedilatildeo da vida privada na era digital deixou de ser um iacutendice de

condiccedilatildeo social eacute um problema colectivo O Estado social moderno tem um grau de

participaccedilatildeo ou ingerecircncia na sociedade impensaacutevel no modelo de Estado liberal Desta

forma de uma maneira ou de outra todos os cidadatildeos acabam por estabelecer a dado

momento contacto com a maacutequina estatal vendo-se compelidos a ceder-lhe dados de

caraacutecter pessoal148 Como exemplo desta ingerecircncia estatal podemos chamar agrave colaccedilatildeo o

escacircndalo norte-americano que envolveu o funcionaacuterio da agecircncia NSA americana

Edward Snowden149 No veratildeo de 2013 Edward Snowden tornou puacuteblicas diversas

informaccedilotildees sobre programas que constituiriam o sistema de vigilacircncia global de

comunicaccedilotildees e traacutefego de informaccedilotildees executada pela NSA americana150

No entanto natildeo eacute apenas esta ingerecircncia estatal no acircmbito digital que inquieta a sociedade

moderna mas tambeacutem a ingerecircncia de terceiros Diversos satildeo os dispositivos de pequenas

dimensotildees tais como os smartphones que podem ser perdidos e posteriormente

encontrados por terceiros curiosos Assim natildeo seraacute soacute o Estado mas tambeacutem estes

terceiros que geram na sociedade um receio de devassa da vida privada

146 Benevides 2002 90 147 Clemens 2004 2 148 Benevides 2002 84 149 JafferRosenthal 2016 286 150 McCarthy 2016 21

61

Ora numa sociedade em que grande parte das trocas de informaccedilotildees ocorre por meios

electroacutenicos como o smartphone eacute natural que exista a preocupaccedilatildeo de implementar

teacutecnicas e meios de transmissatildeo seguros dessa mesma informaccedilatildeo A necessidade de

desenvolvimento de um meio teacutecnico que permita no acircmbito do armazenamento digital

de informaccedilotildees a confirmaccedilatildeo de determinados aspectos relacionados com a seguranccedila

da informaccedilatildeo aiacute armazenada levou ao desenvolvimento da encriptaccedilatildeo151 Percebe-se

que a encriptaccedilatildeo seja especialmente importante quando a informaccedilatildeo que se pretende

manter segura eacute armazenada em suportes electroacutenicos de pequena escala que se

encontram presentes no dia-a-dia de qualquer cidadatildeo (vg smartphone)

2 Encriptaccedilatildeo de smartphones

O recurso agrave encriptaccedilatildeo como tentativa de proteger certo tipo de informaccedilatildeo natildeo eacute algo

recente pelo contraacuterio existe de uma forma ou de outra haacute milhares de anos Apesar de

alguns exemplos dos uacuteltimos 4000 anos diferirem daquilo que hoje conhecemos como

encriptaccedilatildeo diferentes formas de encriptar foram utilizadas por padres imperadores

diplomatas generais espiotildees comerciantes insurgentes criminosos prisioneiros e

amantes ao longo do tempo152

Actualmente e atendendo ao tema da nossa investigaccedilatildeo uma das formas mais utilizadas

de encriptaccedilatildeo eacute precisamente a encriptaccedilatildeo de smartphones De facto esta encriptaccedilatildeo

passou a ser a norma e natildeo a excepccedilatildeo sendo utilizada de diversas maneiras e com

variados propoacutesitos153

21 Noccedilatildeo

A encriptaccedilatildeo pode ser definida como o processo atraveacutes do qual uma qualquer

informaccedilatildeo eacute convertida numa forma ilegiacutevel com recurso a algoritmos matemaacuteticos154

No niacutevel mais baacutesico a encriptaccedilatildeo usa a arte da criptografia (em grego ldquoescrita secretardquo)

para transformar informaccedilatildeo que pode ser lida (plaintext) em informaccedilatildeo que natildeo pode

ser lida (ciphertext)155 O processo eacute executado de acordo com um algoritmo de

encriptaccedilatildeo o cipher156 (um conjunto de regras que regula como o ldquoplaintextrdquo eacute

codificado) Apesar de este processo poder ser tatildeo simples quanto substituir cada letra

151 MartinsMarquesDias 2004 69 152 Vagle 2015 106-107 153 SwireAhmad 2012 453 154 Sales 2014 208 155 Thompson IIJaikaran 2016 2 156 Colarusso 2011 141

62

numa mensagem por um respectivo nuacutemero os algoritmos da encriptaccedilatildeo mais moderna

consistem frequentemente numa seacuterie complexa de funccedilotildees matemaacuteticas157 Assim a

encriptaccedilatildeo pode ser usada para baralhar todo o conteuacutedo do smartphone tornando

impossiacutevel a distinccedilatildeo entre zeros e uns que poderatildeo representar um documento e zeros

e uns que poderatildeo ser apenas espaccedilo de armazenamento vazio158 Independentemente do

modo de encriptaccedilatildeo o resultado final seraacute sempre a ininteligibilidade da informaccedilatildeo para

terceiros ndash governo ou particulares

Para que a encriptaccedilatildeo possa ser vista como um meacutetodo uacutetil de armazenamento ou envio

de informaccedilatildeo eacute necessaacuterio que seja reversiacutevel Desta forma os mais modernos sistemas

de encriptaccedilatildeo utilizam uma chave que deve ser aplicada ao algoritmo de encriptaccedilatildeo

escolhido para a recuperaccedilatildeo do ldquoplaintextrdquo159 A desencriptaccedilatildeo poderaacute ser entatildeo

definida como o processo pelo qual se transforma ou converte a informaccedilatildeo codificada

em informaccedilatildeo legiacutevel Igualmente correcta eacute a afirmaccedilatildeo de que a desencriptaccedilatildeo seraacute o

processo de transformaccedilatildeo de um ldquociphertextrdquo em ldquoplaintextrdquo160

22 Funcionalidades

Para o correcto funcionamento da encriptaccedilatildeo satildeo necessaacuterios cinco elementos distintos

a) a funccedilatildeo da encriptaccedilatildeo161 b) a funccedilatildeo da desencriptaccedilatildeo c) a chave d) o ldquoplaintextrdquo

e) e o ldquociphertextrdquo162

A encriptaccedilatildeo tem como funccedilatildeo principal a garantia de confidencialidade e a prevenccedilatildeo

de intromissatildeo de terceiros em determinadas informaccedilotildees Efectivamente a encriptaccedilatildeo

pode ser caracterizada como um dos meacutetodos mais idoacuteneos na protecccedilatildeo de informaccedilatildeo

electroacutenica contra intercepccedilotildees iliacutecitas por parte do governo empresas concorrentes

criminosos e outros163 O recurso agrave encriptaccedilatildeo passou a ser tatildeo comum que inuacutemeros

fabricantes de aparelhos tecnoloacutegicos a consideram como uma medida de seguranccedila

baacutesica Mesmo que a informaccedilatildeo codificada seja perdida ou furtada natildeo seraacute acessiacutevel a

terceiros natildeo autorizados

157 Ungberg 2009 540 158 MohanVillasenor 2012 17 159 LehtinenGangemi 2006 141-142 160 Mathur 2012 1650 161 A ldquofunccedilatildeordquo seraacute o processo matemaacutetico usado 162 Thompson IIJaikaran 2016 3 163 Sherwinter 2007 512

63

Apoacutes o escacircndalo de Snowden ter espalhado a sensaccedilatildeo de desconfianccedila e de falta de

privacidade na sociedade digital e atendendo agraves valecircncias da encriptaccedilatildeo empresas como

a Apple Samsung Google Facebook WhatsApp e Blackberry anunciaram a

implementaccedilatildeo de sistemas de encriptaccedilatildeo nas suas plataformas e produtos como uma

medida de seguranccedila e privacidade164

A tiacutetulo de exemplo a empresa Apple que seraacute objecto de estudo durante a nossa

investigaccedilatildeo no seu sistema operativo iOS nos iPads iPhones e iPods recorre agrave

encriptaccedilatildeo natildeo soacute para prevenir o acesso de pessoas natildeo autorizadas como tambeacutem para

evitar que o sistema operativo seja apagado por terceiros No final do mecircs de Novembro

de 2016 cerca de 95 dos iPhones a niacutevel mundial - uma percentagem com uma clara

tendecircncia para aumentar - seriam inacessiacuteveis agraves autoridades judiciaacuterias165166 Soacute nos

Estados Unidos da Ameacuterica cerca de 85 milhotildees de aparelhos da marca Apple estatildeo

encriptados167

Apesar das suas claras vantagens no acircmbito da seguranccedila e privacidade de determinadas

informaccedilotildees a encriptaccedilatildeo tem igualmente algumas vulnerabilidades e desvantagens

De facto todas as formas de encriptaccedilatildeo estatildeo sujeitas a trecircs categorias baacutesicas de ataque

a) ataques de forccedila bruta (brute-force attacks) b) ataques atraveacutes de ldquopeer-reviewrdquo c) e

ldquobackdoorsrdquo168

Nos ataques de forccedila bruta ou brute-force attacks os terceiros que pretendem aceder ao

smartphone recorrem a programas informaacuteticos que testam todas as combinaccedilotildees de

diferentes caracteres possiacuteveis ateacute conseguirem desencriptar o dispositivo atraveacutes da

combinaccedilatildeo correcta169 Dependendo da forccedila da combinaccedilatildeo este processo poderaacute ser

mais ou menos demorado

A segunda e mais sofisticada forma de ataque designada por ldquopeer-reviewrdquo envolve a

tentativa por parte de especialistas em seguranccedila e criptoacutegrafos de desencriptar sistemas

para testar a sua seguranccedila Ateacute que um sistema de encriptaccedilatildeo tenha resistido durante

164 McCarthy 2016 21-22 165 Cf App Store Support ndash Apple Developer Disponiacutevel em httpsdeveloperapplecomsupportapp-

store [consultado em 09122016] 166 ldquoWhen conducting criminal investigations if you pull the power on a smartphone that is encrypted you

have lost any chance of recovering that datardquo Cf Garfinkel 2012 2 Disponiacutevel em

httpswwwtechnologyreviewcoms428477the-iphone-has-passed-a-key-security-threshold

[consultado em 09122016] 167 JafferRosenthal 2016 289 168 SwireAhmad 2012 429 169 McCarthy 2016 19

64

anos porventura deacutecadas a um escrutiacutenio por parte destes criptoacutegrafos experientes natildeo

seraacute considerado seguro o suficiente para uso comercial170 Ser submetido a um ldquopeer-

reviewrdquo eacute portanto essencial para a implementaccedilatildeo comercial de um ldquocryptosystemrdquo

Por fim a terceira forma de ataque a um smartphone pode passar pelo uso de ldquobackdoorsrdquo

As backdoors satildeo intencionalmente construiacutedas no sistema de encriptaccedilatildeo com o desiacutegnio

de fornecer uma alternativa para aceder ao conteuacutedo codificado Podem ser vistas como

brechas de seguranccedila inerentes uma vez que permitem um acesso secundaacuterio ao

dispositivo sem a necessidade de desencriptar171

Numa outra perspectiva podemos ainda chamar agrave colaccedilatildeo uma possiacutevel desvantagem que

a implementaccedilatildeo de encriptaccedilatildeo em smartphones pode gerar o aumento do crime De um

ponto de vista mais extremo haacute quem defenda que a encriptaccedilatildeo pode levar a que

criminosos e terroristas tracem os seus planos e armazenem informaccedilotildees relevantes sobre

os seus intentos nos seus smartphones encriptados longe dos olhares das entidades

judiciaacuterias172

23 Meacutetodos de encriptaccedilatildeo de smartphones

Existem actualmente diversos meacutetodos de encriptaccedilatildeo e desencriptaccedilatildeo de smartphones

muito dependente da marca do dispositivo Tipicamente os meacutetodos de encriptaccedilatildeo (ou

de autenticaccedilatildeo como satildeo muitas vezes designados) baseiam-se em trecircs factores

distintos a) possessatildeo (algo que a pessoa tem como um cartatildeo do banco uma chave ou

um token173) b) conhecimento (algo que a pessoa sabe como um username uma palavra-

passe ou um PIN) c) identidade (algo que a pessoa eacute ou faz como uma impressatildeo digital

a iacuteris a voz ou o rosto)174 No que agrave nossa investigaccedilatildeo diz respeito a distinccedilatildeo revelante

seraacute feita entre o factor do conhecimento e da identidade

170 SwireAhmad 2012 431-432 171 ldquoThe image is that the front door to a house is securely locked but someone can enter through a

backdoor that appears to be locked but is actually easy to openrdquo Cf SwireAhmad 2012 432 172 Andrews 2000 211 173 Tokens satildeo dispositivos fiacutesicos utilizados para auxiliarem a seguranccedila pessoal do seu utilizador em

determinadas transacccedilotildees (muitas das vezes bancaacuterias) Normalmente o processo eacute feito atraveacutes de um

aparelho semelhante a uma chave que vai gerando diversas senhas com um uacutenico clique 174 Hoyos Labs 2016 4 Disponiacutevel em httppimn-publicsharepointcomDocumentatie2016-06-10-

idm-Hoyos-Labs-Guaranteeing-identity-with-biometric-authenticationpdf [consultado em 12122016]

Neste sentido cf PatoMillett 2010 5 ldquoUn soggetto dunque puograve essere identificato non solo mediante

qualcosa che conosce (una password un PIN) o qualcosa che possiede (un dispositivo di autenticazione

una smart card) come comunemente avviene ma anche mediante qualcosa che gli egrave proprio una

caratteristica biometrica appuntordquo Cf Girotto 2009 454

65

Com base nos vaacuterios modelos de smartphones disponiacuteveis actualmente no mercado

podemos enumerar os seguintes meacutetodos de encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo a) palavra-passe

e PIN b) gesto (padratildeo desenhado no touchscreen conectado com uma seacuterie de pontos

ou formas) c) impressatildeo digital d) reconhecimento facial e) reconhecimento da iacuteris f)

reconhecimento de voz175

Na maioria dos casos referidos no primeiro capiacutetulo da presente investigaccedilatildeo o

dispositivo moacutevel que estaria sobre escrutiacutenio seria um iPhone da marca Apple Por esse

motivo toda a nossa investigaccedilatildeo iraacute centrar-se no meacutetodo de encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo

implementado em tal smartphone sem prejuiacutezo de toda a informaccedilatildeo apresentada poder

ser ainda pertinente para todos os dispositivos que funcionem com os mesmos meacutetodos

(quer simultacircnea quer separadamente)

Actualmente o iPhone utiliza duas medidas de seguranccedila distintas a palavra-passe e a

impressatildeo digital176 Desta forma seratildeo estes os dois meacutetodos de encriptaccedilatildeo e

desencriptaccedilatildeo que analisaremos ao longo do nosso estudo

231 Palavra-passe

A palavra-passe pode ser definida como um coacutedigo numeacuterico ou alfanumeacuterico que tem

como objectivo principal criar uma barreira entre a informaccedilatildeo armazenada no

smartphone e um terceiro que queira aceder ao dispositivo Actualmente as palavras-

passe satildeo consideradas o meacutetodo padratildeo de encriptaccedilatildeo de smartphones177

Para comprovar a sua eficaacutecia eacute necessaacuterio que as palavras-passe sejam resistentes a uma

variedade de ataques Assim a sua eficiecircncia vai depender da forccedila do cipher e do segredo

da palavra-passe Geralmente quanto maior for a palavra-passe maior seraacute a forccedila da

encriptaccedilatildeo uma vez que os brute-force attacks vatildeo testar todas as combinaccedilotildees possiacuteveis

ateacute chegarem agrave combinaccedilatildeo correcta178 De facto uma palavra-passe longa dificilmente

seraacute descoberta atendendo agrave actual velocidade e capacidade de processamento de

programas de descoberta de palavras-passe e plataformas de smartphones Numa palavra-

passe com 4 diacutegitos existem 10000 combinaccedilotildees possiacuteveis por outro lado numa palavra-

passe alfanumeacuterica com 6 caracteres o nuacutemero de combinaccedilotildees possiacuteveis sobe para 139

175 ChoongFranklinGreene 2016 11-14 176 Vogl 2015 202 177 ChoongFranklinGreene 2016 17 178 Colarusso 2011 152-153

66

biliotildees179 Nesta uacuteltima hipoacutetese seriam necessaacuterios cerca de cinco anos e meio para

conseguir descobrir a palavra-passe correcta e desencriptar o smartphone sem o auxiacutelio

do proprietaacuterio

A palavra-passe nos iPhones dos uacuteltimos quatro anos eacute tipicamente composta por 6

diacutegitos no entanto o utilizador poderaacute optar por uma palavra-passe alfanumeacuterica mais

complexa Por sua vez os iPhones anteriores a 2012 tecircm uma palavra-chave padratildeo de

apenas 4 diacutegitos sendo que os seus utilizadores tambeacutem poderatildeo optar por uma palavra-

passe alfanumeacuterica

Em 2010 com o lanccedilamento do novo sistema operativo iOS4 foi introduzida pela Apple

a primeira de muitas medidas de seguranccedila e privacidade nos seus produtos a protecccedilatildeo

de correio electroacutenico e lista de contactos atraveacutes de encriptaccedilatildeo por palavra-passe No

entanto estes coacutedigos de 4 diacutegitos eram facilmente descobertos em menos 20 minutos

com recurso a ferramentas forenses180 Ateacute Outubro de 2014 a Apple possuiacutea capacidades

para aceder ao conteuacutedo (SMS MMS fotografias viacutedeos contactos histoacuterico de

chamadas entre outros) de qualquer dispositivo encriptado da sua marca Atendendo a

esta capacidade natildeo raras vezes eram feitos pedidos agrave Apple por parte das entidades

judiciaacuterias no sentido de lhes serem fornecidos todos os ficheiros armazenados no

smartphone que seriam posteriormente usados como prova em determinada investigaccedilatildeo

Com o lanccedilamento do iOS8 em Outubro de 2014 e a consequente melhoria no sistema

de total encriptaccedilatildeo dos seus dispositivos a Apple deixa de conseguir aceder aos iPhones

mesmo que a pedido das autoridades judiciaacuterias181 Desta melhoria no sistema de

encriptaccedilatildeo podemos ainda extrair a possibilidade de activaccedilatildeo de uma definiccedilatildeo de

seguranccedila que permite apagar todos os dados do iPhone apoacutes 10 tentativas de introduccedilatildeo

da palavra-passe182

De facto a encriptaccedilatildeo com palavra-passe tem sido utilizada pelos grandes fabricantes de

smartphones como um meacutetodo padratildeo de seguranccedila e privacidade No entanto como

tantos outros meacutetodos de seguranccedila as palavras-passe tecircm desvantagens

O meacutetodo de encriptaccedilatildeo por palavra-passe envolve dois problemas principais

179 Thompson IIJaikaran 2016 4 180 Potapchuk 2016 1409 181 JafferRosenthal 2016 287-288 182 Garfinkel 2012 3-4 Disponiacutevel em httpswwwtechnologyreviewcoms428477the-iphone-has-

passed-a-key-security-threshold [consultado em 12122016]

67

O primeiro tem que ver com a seguranccedila da palavra-passe Este meacutetodo de encriptaccedilatildeo

exige necessariamente que o seu utilizador memorize a combinaccedilatildeo Uma vez que os

ataques de forccedila bruta a smartphones satildeo cada vez mais recorrentes a necessidade de

criaccedilatildeo de palavras-passe mais longas e complexas eacute cada vez maior tornando a sua

memorizaccedilatildeo numa tarefa extremamente difiacutecil183 Para agravar a situaccedilatildeo o nuacutemero de

palavras-passe que o utilizador teraacute de memorizar relativamente a dispositivos de uso

profissional ou pessoal tambeacutem tem aumentado184 Quantas mais palavras-passe o

utilizador tem de memorizar maior seraacute a probabilidade de errar ou esquecer-se de

alguma Essencialmente qualquer meacutetodo de encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo que envolva a

memorizaccedilatildeo e o segredo de uma palavra-passe ou uma sequecircncia de nuacutemeros por parte

do utilizador eacute faliacutevel dado que os seres humanos satildeo por natureza igualmente faliacuteveis

Por outro lado para evitar a tarefa de ter de memorizar uma diversidade de palavras-passe

longas e complexas o utilizador acaba por muitas das vezes escolher uma palavra-passe

curta e fraca185 Estas palavras-passe para aleacutem de serem facilmente descobertas atraveacutes

de ataques de forccedila bruta satildeo ainda passiacuteveis de ser adivinhadas por terceiros186 dado

que natildeo raras vezes os utilizadores utilizam datas de aniversaacuterio ou nomes de familiares

para protegerem os seus smartphones Uma outra maneira diversas vezes utilizada para

evitar memorizar ou por outro lado esquecer palavras-passe complexas eacute anotaacute-las num

papel ou em outro formato Desta forma o utilizador estaraacute a comprometer toda a

seguranccedila e privacidade do sistema possibilitando que terceiros (nomeadamente

autoridades judiciaacuterias) encontrem a palavra-passe e acedam ao smartphone

O segundo problema relacionado com a encriptaccedilatildeo por palavra-passe prende-se com a

sua falta de conexatildeo directa com o utilizador187 Visto que a palavra-passe natildeo tem

qualquer ligaccedilatildeo com o utilizador o sistema que executa o algoritmo criptograacutefico eacute

incapaz de diferenciar entre o utilizador legiacutetimo e um invasor que adquiriu ilicitamente

(ou mesmo que licitamente) a palavra-passe Assim qualquer terceiro que tome

183 Keenan 2016 5 184 PaulIrvine 2016 80 185 Rubens 2012 3 Disponiacutevel em httpwwwesecurityplanetcomtrendsbiometric-authentication-how-

it-workshtml [consultado em 12122016] 186 Casey 2002 107 187 SoutarRobergeStoianovGilroyKumar 2007 3 Disponiacutevel em

httpwwwcselehigheduprrBiometricsArchivePapersBiometricEncryptionpdf [consultado em

12122016]

68

conhecimento da palavra-passe seja porque lhe foi concedida ou porque a descobriu

poderaacute aceder a todo o conteuacutedo do smartphone

Atendendo agraves desvantagens da encriptaccedilatildeo por palavra-passe foi criada uma alternativa

a encriptaccedilatildeo biomeacutetrica

232 Biometria

Para aleacutem da encriptaccedilatildeo por palavra-passe existe ainda uma outra tecnologia que

permite a protecccedilatildeo de dados sensiacuteveis esta tecnologia eacute designada por biometria

A encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo biomeacutetrica natildeo eacute uma realidade recente Jaacute no ano de 1892

o cientista Francis Galton desenvolveu um sistema de classificaccedilatildeo para impressotildees

digitais188 Vaacuterios avanccedilos foram alcanccedilados desde essa altura Actualmente o recurso agrave

biometria na encriptaccedilatildeo e desencriptaccedilatildeo de qualquer dispositivo electroacutenico eacute visto

como um passo fundamental para a garantia da seguranccedila e privacidade189

A biometria eacute um ramo da biologia que mede e analisa dados bioloacutegicos para que as

propriedades bioloacutegicas de determinada pessoa possam ser usadas para garantir a

seguranccedila do seu acesso a determinada informaccedilatildeo190

Por seu turno a biomeacutetrica pode ser definida como uma caracteriacutestica uacutenica mensuraacutevel

e bioloacutegica cujo objectivo eacute reconhecer ou verificar automaticamente a identidade de

determinado ser humano191 Numa outra perspetiva podemos afirmar que a tecnologia

biomeacutetrica eacute utilizada para verificar a identidade de determinada pessoa com base nas

suas caracteriacutesticas fiacutesicas ou comportamentais atraveacutes de meios digitais192 A anaacutelise

188 National Science and Technology Coucil 2006 2 Disponiacutevel em httpswwwfbigovfile-

repositoryabout-us-cjis-fingerprints_biometrics-biometric-center-of-excellences-fingerprint-

recognitionpdfview [consultado em 13122016] 189 Keenan 2016 6 190 Silver 2012 813 191 ldquoLa biometria egrave dunque una tecnica che permettendo di autenticare o identificare un soggetto trova

vasta applicazione in molteplici ambiti soprattutto laddove si pone una concreta esigenza di garanzia della

sicurezza pubblica o privatardquo Cf Girotto 2009 455 192 Feldman 2003 103 Neste sentido vai tambeacutem a OCDE que definiu a identificaccedilatildeo biomeacutetrica como

ldquothe automated use of physiological or behavioural characteristics to determine or verify identityrdquo Cf

OCDE 2004 10 Disponiacutevel em httpwwwoecd-

ilibraryorgdocserverdownload232075642747pdfexpires=1481644102ampid=idampaccname=guestampchec

ksum=B1A21B7898A864D5763D4AB7F7310AFA [consultado em 13122016]

69

estatiacutestica destas caracteriacutesticas bioloacutegicas ficou conhecida como a ldquoscience of

biometricsrdquo193

As impressotildees digitais objecto do nosso estudo satildeo a forma de dados biomeacutetricos mais

utilizada na encriptaccedilatildeo de dispositivos electroacutenicos

No entanto existem outras tecnologias biomeacutetricas que satildeo igualmente usadas satildeo elas

a) o rosto b) a geometria da palma da matildeo c) a marchapassada d) a iacuteris e) a impressatildeo

da palma da matildeo f) o reconhecimento de voz entre outros194

A tecnologia biomeacutetrica de uma forma geral eacute dividida em duas fases distintas a) o

registo (enrollment) b) e a verificaccedilatildeo (verification)195 Durante a fase do registo uma

amostra da biomeacutetrica designada eacute obtida (vg atraveacutes de microfones ou de scanners de

impressotildees digitais)196 Posteriormente algumas das caracteriacutesticas uacutenicas dessa amostra

satildeo extraiacutedas para formar um modelo (template) biomeacutetrico que seraacute alvo de uma

subsequente comparaccedilatildeo Durante a fase da verificaccedilatildeo eacute necessaacuteria uma actualizaccedilatildeo da

amostra biomeacutetrica que se obteacutem atraveacutes do fornecimento de uma nova amostra Agrave

semelhanccedila do que acontece na fase de registo caracteriacutesticas desta nova amostra seratildeo

igualmente recolhidas Por fim as suas caracteriacutesticas seratildeo comparadas com o modelo

biomeacutetrico fornecido anteriormente

Eacute ainda pertinente neste acircmbito esclarecer que todas as tecnologias biomeacutetricas

apresentadas podem ser aplicadas sob duas formas distintas a) como meacutetodo de

identificaccedilatildeo b) ou como meacutetodo de autenticaccedilatildeo A identificaccedilatildeo biomeacutetrica consiste na

tarefa de determinar a identidade de uma pessoa desconhecida ao passo que a

autenticaccedilatildeo biomeacutetrica simplesmente atesta se o indiviacuteduo eacute quem afirma ser197

193 SoutarRobergeStoianovGilroyKumar 2007 1 Disponiacutevel em

httpwwwcselehigheduprrBiometricsArchivePapersBiometricEncryptionpdf [consultado em

13122016] 194 PatoMillett 2010 31 CorcoranCostache 2016 70 ldquoSi egrave soliti inoltre distinguere le caratteristiche

biometriche fisiche o fisiologiche da quelle comportamentali Tra le prime rientrano principalmente la

verifica delle impronte digitali lanalisi dellimmagine delle dita il riconoscimento delliride lanalisi della retina il riconoscimento del volto la geometria della mano il riconoscimento della forma dellorecchio il

rilevamento dellodore del corpo il riconoscimento vocale lanalisi dei pori della pelle e altro ancora

Tra le seconde le piugrave utilizzate sono la verifica della firma manoscritta lanalisi della battitura su tastiera

lanalisi dellandaturardquo Cf Girotto 2009 454 195 SoutarRobergeStoianovGilroyKumar 2007 2 Disponiacutevel em

httpwwwcselehigheduprrBiometricsArchivePapersBiometricEncryptionpdf [consultado em

13122016] 196 GelbClark 2013 62-63 197 CorcoranCostache 2016 72

70

No processo de autenticaccedilatildeo biomeacutetrica o utilizador submete a reivindicaccedilatildeo da sua

identidade ao sistema (atraveacutes do fornecimento de uma amostra biomeacutetrica) sendo que

apenas um modelo biomeacutetrico eacute recuperado da base de dados dos utilizadores e

comparado com a amostra por si fornecida A autenticaccedilatildeo biomeacutetrica eacute tipicamente usada

nas circunstacircncias em que eacute feito um controlo do acesso seja o acesso fiacutesico a uma sala

ou edifiacutecio ou o acesso a um sistema eletroacutenico como um smartphone198

Desta forma no que concerne ao objecto da nossa investigaccedilatildeo apenas se mostra

relevante a autenticaccedilatildeo biomeacutetrica uma vez que eacute a teacutecnica utilizada na

encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo de smartphones Quando determinado utilizador quiser

aceder a um smartphone encriptado atraveacutes de biometria teraacute de fornecer uma amostra

biomeacutetrica (vg a sua impressatildeo digital) para que esta seja comparada com o modelo

registado Caso haja correspondecircncia entre a impressatildeo digital fornecida e a impressatildeo

digital registada anteriormente o utilizador vecirc o acesso ao smartphone autorizado caso

natildeo haja correspondecircncia o acesso manteacutem-se interdito De facto actualmente a

autenticaccedilatildeo biomeacutetrica atraveacutes da impressatildeo digital eacute como tivemos oportunidade de

salientar anteriormente um dos meacutetodos mais utilizados na encriptaccedilatildeo de

smartphones199

Este aumento significativo e exponencial do recurso agraves tecnologias biomeacutetricas na

encriptaccedilatildeo de smartphones natildeo causa estranheza tomando em consideraccedilatildeo todas as

vantagens destes meacutetodos

Contrariamente agraves palavras-passe que para serem seguras e ldquofortesrdquo necessitam da

utilizaccedilatildeo de diversos nuacutemeros letras e outros caracteres especiais tornando a tarefa de

memorizaccedilatildeo mais difiacutecil a encriptaccedilatildeo atraveacutes da biometria natildeo necessita de qualquer

processo de memorizaccedilatildeo200 Uma vez que a biometria utiliza as caracteriacutesticas pessoais

198 SoutarRobergeStoianovGilroyKumar 2007 4 Disponiacutevel em httpwwwcselehigheduprrBiometricsArchivePapersBiometricEncryptionpdf [consultado em

13122016] 199 ldquoFingerprints are a commom biometric used in modern mobile devices over the past several years

Multiple types of fingerprint sensors exist such as optical capacitive and ultrasonic each with unique

ways of assessing characteristics of a biometric sample In general fingerprint scanners on mobile devices

have a smaller surface area than traditional scanners affecting resolution which may impact accuracyrdquo

Cf ChoongFranklinGreene 2016 13 200 SaintGermain 2014a 8-9 Disponiacutevel em

httpspapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=2367479 [consultado em 14122016]

71

do utilizador natildeo haacute qualquer possibilidade de esquecimento ou necessidade de

memorizaccedilatildeo201 O proacuteprio utilizador eacute a palavra-passe tornando-a uacutenica

Visto que deixa de existir a necessidade de criaccedilatildeo de palavras-passe longas e complexas

deixa igualmente de existir a necessidade de as escrever ou guardar correndo o risco de

serem descobertas ou furtadas por terceiros Na encriptaccedilatildeo biomeacutetrica natildeo se coloca a

possibilidade de furto dos dados biomeacutetricos

Adveacutem da circunstacircncia de o utilizador ser a proacutepria ldquopalavra-passerdquo do smartphone a

dificuldade de a copiar ou duplicar202 Esta vantagem torna o meacutetodo de encriptaccedilatildeo por

biometria apropriado para o controlo do acesso a informaccedilotildees pessoais por parte de

terceiros natildeo autorizados203 Decorre ainda desta circunstacircncia a impossibilidade de

partilha dos dados biomeacutetricos (vg impressatildeo digital voz iacuteris rosto) para desencriptaccedilatildeo

de um determinado smartphone204

Agrave medida que a tecnologia se vai desenvolvendo e melhorando ao longo do tempo

tambeacutem estas teacutecnicas de encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo de smartphones com recurso agrave

biometria vatildeo aperfeiccediloando a sua precisatildeo e robustez205

Com a encriptaccedilatildeo biomeacutetrica para aleacutem de se evitar a inconveniecircncia de se ter de

memorizar palavras-passe longas e complexas deixa de ser necessaacuterio estar

constantemente a digitar a palavra-passe (longa e complexa) sempre que o utilizador

precisa de aceder ao seu smartphone206 Dado que um smartphone eacute desbloqueado em

meacutedia cerca de 48 vezes por dia esta eacute uma clara vantagem no que concerne agrave

conveniecircncia do meacutetodo207

201 ChuRajendran 2009 3-4 Disponiacutevel em

httpciteseerxistpsueduviewdocsummarydoi=1011363739 [consultado em 14122016] 202 Keenan 2016 6 203 SaintGermain 2014b 3 Disponiacutevel em httpspapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=2498707

[consultado em 14122016] 204 Rubens 2012 1 Disponiacutevel em httpwwwesecurityplanetcomtrendsbiometric-authentication-how-it-workshtml [consultado em 14122016] 205 Keenan 2016 7 206 PaulIrvine 2016 80-81 207 ldquoAmong all biometrics technologies fingerprint biometrics technology has captured majority of the

market share Ease of usage low cost and benefits over smart card-based access control systems have

fuelled the growth of fingerprint biometrics systems globally Government projects such as national IDs

e-passports and driving license are also playing a vital role for the growth of biometrics marketrdquo Cf

Hustle 2014 1 Disponiacutevel em httprebelpunditcombiometrics-and-the-constitution-why-fingerprints-

are-less-secure-than-passwords [consultado em 14122016]

72

A encriptaccedilatildeo biomeacutetrica eacute vista como uma das formas mais seguras de aceder a qualquer

tipo de dispositivo208 No que concerne agrave impressatildeo digital em particular atendendo agrave sua

natureza singular209 este meacutetodo de encriptaccedilatildeo acaba por gerar um maior sentimento de

seguranccedila e protecccedilatildeo relativamente agrave informaccedilatildeo armazenada no smartphone

Por fim eacute imperativo fazer ainda menccedilatildeo em sede de vantagens da utilizaccedilatildeo de

encriptaccedilatildeo biomeacutetrica agrave importacircncia que eacute dada agrave privacidade na utilizaccedilatildeo deste

meacutetodo A tiacutetulo de exemplo podemos trazer agrave colaccedilatildeo o caso dos sistemas de leitura de

impressotildees digitais que apenas capturam as principais caracteriacutesticas da impressatildeo digital

e natildeo a impressatildeo digital integral garantindo assim a privacidade destes dados

pessoais210

Apesar das claras vantagens que adveacutem da utilizaccedilatildeo de dados biomeacutetricos na encriptaccedilatildeo

de smartphones natildeo podemos concluir que esta teacutecnica eacute completamente perfeita211 Nos

casos de reconhecimento facial basta que a luz o ambiente de fundo ou os acircngulos sejam

diferentes para que a autenticaccedilatildeo natildeo seja possiacutevel Para uma eficaz autenticaccedilatildeo ocular

eacute necessaacuterio que o olho esteja perfeitamente posicionado para evitar possiacuteveis erros Por

fim apesar de a leitura da impressatildeo digital ser um dos meacutetodos mais eficazes e mais

utilizados basta que o acircngulo ou a pressatildeo aplicada sejam diferentes para inviabilizar a

autenticaccedilatildeo

Contrariamente agraves palavras-passe os dados biomeacutetricos natildeo satildeo secretos212 Isto significa

que eacute possiacutevel que um terceiro tomando conhecimento de que um tipo de dado biomeacutetrico

eacute utilizado para a encriptaccedilatildeo de determinado smartphone faccedila uma reacuteplica desse mesmo

dado para garantir o acesso ao dispositivo Frisaacutemos anteriormente que uma das

vantagens do recurso a estas teacutecnicas seria precisamente a dificuldade de criaccedilatildeo de uma

reacuteplica No entanto com a constante evoluccedilatildeo tecnoloacutegica e cientiacutefica natildeo se descarta a

possibilidade da construccedilatildeo de um molde de um dedo com a respectiva impressatildeo

208 PaulIrvine 2016 81 209 ldquoYour fingerprint is one of the best passcodes in the world Itrsquos always with you and no two are exactly alikehellipEvery fingerprint is unique so it is rare that even a small section of two separate fingerprints are

alike enough to register as a match for Touch ID The probability of this happening is 1 in 50000 for one

enrolled finger This is much better than the 1 in 10000 odds of guessing a typical 4-digit passcoderdquo Cf

Hustle 2014 3 Disponiacutevel em httprebelpunditcombiometrics-and-the-constitution-why-fingerprints-

are-less-secure-than-passwords [consultado em 14122016] 210 Keenan 2016 7 211 Feldman 2003 110 212 Rubens 2012 2 Disponiacutevel em httpwwwesecurityplanetcomtrendsbiometric-authentication-how-

it-workshtml [consultado em 14122016]

73

digital213 ou a utilizaccedilatildeo de uma fotografia de alta resoluccedilatildeo de uma impressatildeo digital

para aceder a um smartphone214

E como estes dados biomeacutetricos consistem em caracteriacutesticas fiacutesicas dos utilizadores uma

das desvantagens fundamentais tem que ver com a sua natureza estaacutetica e inalteraacutevel

Qualquer caracteriacutestica fiacutesica de um ser humano eacute a priori permanente pelo que natildeo

seraacute viaacutevel a alteraccedilatildeo ou revogaccedilatildeo do modo de acesso ao smartphone215 Assim dada a

impossibilidade de revogaccedilatildeo do dado biomeacutetrico utilizado para aceder ao smartphone

na circunstacircncia de um terceiro ter acesso a esse dado eacute criado um risco permanente de

acesso agraves informaccedilotildees armazenadas no dispositivo216

No que respeita agraves consideraccedilotildees fiacutesicas sobre a utilizaccedilatildeo em particular de impressotildees

digitais para a encriptaccedilatildeo de smartphones satildeo de apontar algumas desvantagens

notoacuterias este meacutetodo natildeo funcionaraacute se o utilizador estiver a usar luvas se o utilizador

tiver qualquer tipo de lesatildeo temporaacuteria nos dedos ou se no momento do fornecimento da

impressatildeo digital for detectado algum tipo de humidade ou sujidade que impeccedila uma

leitura bem-sucedida217

Uma outra desvantagem destes meacutetodos biomeacutetricos de encriptaccedilatildeo prende-se com os

elevados custos para a sua instalaccedilatildeo218 No caso concreto dos smartphones o preccedilo final

do aparelho poderaacute aumentar consideravelmente consoante tenha ou natildeo implementado

um sistema de encriptaccedilatildeo biomeacutetrica

Por fim ainda em sede de desvantagens da encriptaccedilatildeo biomeacutetrica resta-nos mencionar

que com a divulgaccedilatildeo dos atentados praticados contra a privacidade dos utilizadores de

dispositivos electroacutenicos perpetrados pela NSA norte-americana gerou-se um clima de

desconfianccedila por parte da sociedade em relaccedilatildeo agrave implementaccedilatildeo destas novas

213 PaulIrvine 2016 82 214 ldquoFor a few German hackers breaking Apples much-hyped fingerprint reader seems to have been little

more than a one-weekend project On Sunday the Berlin-based hacker group known as the Chaos

Computer Club - and more specifically a member of the group who goes by the name Starbug - announced that theyve managed to crack the iPhone 5ss fingerprint reader just two days after it was releasedrdquo Cf

Greenberg 2013 1 Disponiacutevel em httpwwwforbescomsitesandygreenberg20130922german-

hackers-say-theyve-broken-the-iphones-touchid-fingerprint-reader2a8d881167c4 [consultado em

14122016] 215 PatoMillett 2010 7 216 CorcoranCostache 2016 73 217 ChoongFranklinGreene 2016 25 218 ChuRajendran 2009 5 Disponiacutevel em

httpciteseerxistpsueduviewdocsummarydoi=1011363739 [consultado em 14122016]

74

tecnologias nomeadamente em smartphones219 Assim os utilizadores de smartphones

tecircm alguma reticecircncia em utilizar este tipo de novas tecnologias temendo ser alvo de

ingerecircncias na sua vida privada por parte do Estado

Como tivemos oportunidade de esclarecer anteriormente a nossa investigaccedilatildeo iraacute centrar-

se no meacutetodo de encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo implementado no iPhone Assim depois de

analisados os dois meacutetodos de encriptaccedilatildeo utilizados pela marca Apple nos seus produtos

ndash a palavra-passe e a biometria - importa agora fazer uma breve referecircncia agraves

particularidades teacutecnicas do seu sistema de encriptaccedilatildeo biomeacutetrica o Touch ID

A teacutecnica da encriptaccedilatildeo por impressatildeo digital jaacute existe haacute alguns anos em diversos

dispositivos electroacutenicos nomeadamente computadores No entanto foi soacute depois da

introduccedilatildeo do Touch ID em 2013 que a autenticaccedilatildeo por impressatildeo digital ganhou

notoriedade na aacuterea das novas tecnologias220 A empresa Apple lanccedilou em grande parte

dos seus produtos (vg iPhones e iPads) o Touch ID um leitor de impressotildees digitais que

autoriza o sistema operativo a desbloquear determinadas funcionalidades quando o

utilizador toca no sensor localizado no botatildeo principal do dispositivo Considerando o

facto de que a grande parte dos utilizadores do iPhone natildeo utilizavam a palavra-passe

para bloquear o seu smartphone por questotildees de conveniecircncia o Touch ID foi criado

como uma alternativa menos incoacutemoda221

A tecnologia usada no fabrico do Touch ID eacute uma das formas mais avanccediladas de

hardware e software alguma vez implementada num smartphone O sensor consegue

captar uma imagem de alta resoluccedilatildeo das camadas subepideacutermicas da pele localizadas em

pequenas secccedilotildees da impressatildeo digital222 O Touch ID tem capacidade para ler diversas

impressotildees digitais mesmo numa orientaccedilatildeo de 360 graus Apoacutes a leitura eacute criada uma

representaccedilatildeo matemaacutetica da impressatildeo digital que seraacute comparada agraves impressotildees digitais

anteriormente registadas no dispositivo No caso de coincidecircncia entre a impressatildeo digital

219 Keenan 2016 8 220 CorcoranCostache 2016 71 221 Vogl 2015 205 222 ldquoTouch ID then intelligently analyzes this information with a remarkable degree of detail and precision

It categorizes your fingerprint as one of three basic typesmdasharch loop or whorl It also maps out individual

details in the ridges that are smaller than the human eye can see and even inspects minor variations in

ridge direction caused by pores and edge structuresrdquo Cf Apple Support ndash About Touch ID security on

iPhone and iPad Disponiacutevel em httpssupportapplecomen-usHT204587 [consultado em 14122016]

75

fornecida e a impressatildeo digital registada o dispositivo eacute desbloqueado

automaticamente223

Eacute ainda possiacutevel que o utilizador do smartphone aumente a seguranccedila do seu dispositivo

escolhendo em simultacircneo com a impressatildeo digital uma palavra-passe composta por 4

ou 6 nuacutemeros letras ou outros caracteres especiais

O Touch ID pode ser usado para desbloquear mais rapidamente o dispositivo prevenir o

acesso de terceiros natildeo autorizados224 instalar novas aplicaccedilotildees e fazer compras atraveacutes

das aplicaccedilotildees instaladas225

Caso o iPhone seja furtado ou perdido eacute possiacutevel desactivar agrave distacircncia atraveacutes da

aplicaccedilatildeo Find My iPhone a definiccedilatildeo que permite a autenticaccedilatildeo atraveacutes do Touch ID

O Touch ID natildeo armazena fotografias das impressotildees digitais226 o que fica registado satildeo

apenas representaccedilotildees matemaacuteticas das impressotildees ou seja um longo nuacutemero que

funciona como uma segunda palavra-passe composto por 50 a 100 diacutegitos227 designado

de biometric hash228 Assim natildeo seraacute possiacutevel que um terceiro consiga reverter este

processo de maneira a criar uma imagem da impressatildeo digital atraveacutes da representaccedilatildeo

matemaacutetica registada

O registo destas representaccedilotildees fica armazenado no smartphone mais precisamente no

A7 CPU229 denominado de ldquosecure enclaverdquo A secure enclave foi desenvolvida com o

propoacutesito de proteger a palavra-passe e os dados biomeacutetricos armazenados no

smartphone Os dados biomeacutetricos satildeo encriptados e protegidos com uma palavra-chave

apenas disponiacutevel para a secure enclave que se encontra separada do resto do sistema

operativo Desta forma nenhuma aplicaccedilatildeo nem o proacuteprio sistema iOS (incluindo a

iCloud) tecircm acesso agraves representaccedilotildees matemaacuteticas das impressotildees digitais fornecidas

223 Apple Support ndash About Touch ID security on iPhone and iPad Disponiacutevel em

httpssupportapplecomen-usHT204587 [consultado em 15122016] 224 Whittaker 2013 3 Disponiacutevel em httpwwwsmartsuiteiniphone-5s-fingerprint-reader-doubling-

down-on-identity-a-death-knell-to-zdnethtml [consultado em 15122016] 225 Tabini 2014 2 Disponiacutevel em httpwwwmacworldcomarticle2455474open-sesame-how-ios-8-will-unlock-touch-ids-powerhtml [consultado em 15122016] 226 Apple Support ndash About Touch ID security on iPhone and iPad Disponiacutevel em

httpssupportapplecomen-usHT204587 [consultado em 15122016] 227 Pagliery 2016 2 Disponiacutevel em httpmoneycnncom20160512technologyfbi-fingerprint-iphone

[consultado em 15122016] 228 Tabini 2014 3 Disponiacutevel em httpwwwmacworldcomarticle2455474open-sesame-how-ios-8-

will-unlock-touch-ids-powerhtml [consultado em 15122016] 229 Tarantola 2013 1 Disponiacutevel em httpgizmodocomstop-worrying-about-the-new-iphones-

fingerprint-scanne-1326146704 [consultado em 15122016]

76

Apesar da activaccedilatildeo do Touch ID podem surgir situaccedilotildees em que eacute necessaacuterio a

introduccedilatildeo da palavra-passe para aceder ao smartphone a) se o dispositivo for reiniciado

b) se a impressatildeo digital natildeo for reconhecida cinco vezes consecutivas c) se o dispositivo

natildeo tiver sido desbloqueado haacute mais de 48 horas230 d) se tiverem sido registadas ou

apagadas impressotildees digitais recentemente e) se o utilizador tentar aceder agraves definiccedilotildees

do Touch ID

3 Conclusotildees intermeacutedias

Atendendo a tudo o que ficou dito durante este capiacutetulo nomeadamente quanto agrave

constante evoluccedilatildeo da tecnologia e ao papel fundamental da informaccedilatildeo na sociedade

actual percebe-se a necessidade sentida pelos particulares no sentido de protegerem os

seus smartphones Dada a sua vasta capacidade de armazenamento estes dispositivos

tornaram-se ao longo do tempo objecto de curiosidade tanto para outros particulares

como para o Estado levando a que os seus fabricantes incluiacutessem nas suas definiccedilotildees a

encriptaccedilatildeo como uma medida de seguranccedila baacutesica De facto a encriptaccedilatildeo eacute vista hoje

em dia como uma tecnologia cuja funccedilatildeo primordial eacute minimizar os riscos de acesso por

parte de terceiros natildeo autorizados a informaccedilotildees pessoais231

Isto posto natildeo causa estranheza que natildeo raras vezes as autoridades judiciaacuterias no acircmbito

de uma investigaccedilatildeo criminal depois de apreenderem um smartphone se deparem com a

impossibilidade do acesso aos ficheiros aiacute armazenados provocada pela sua preacutevia

encriptaccedilatildeo As vantagens do recurso a este tipo de tecnologia para o titular do dispositivo

encriptado satildeo como vimos inegaacuteveis no entanto no caso concreto de estarmos no

acircmbito de uma investigaccedilatildeo criminal e de a encriptaccedilatildeo impedir o acesso das autoridades

judiciaacuterias a provas potencialmente fundamentais para o processo penal as vantagens datildeo

lugar a claras desvantagens

Ao longo deste terceiro capiacutetulo tivemos oportunidade de enunciar as diversas

complexidades tecnoloacutegicas associadas agrave encriptaccedilatildeo de smartphones E satildeo essas

mesmas complexidades que diminuem em larga escala as possibilidades de as

autoridades judiciaacuterias conseguirem apreender eficientemente os ficheiros armazenados

num smartphone encriptado sem o auxiacutelio do arguido Eacute precisamente neste ponto que

230 O que sucedeu em alguns dos casos enunciados no Capiacutetulo I do presente estudo 231 Lowman 2010 1 Disponiacutevel em

httpswwwlowmaniocoukshareThe20Effect20of20File20and20Disk20Encryption20on

20Computer20Forensicspdf [consultado em 15122016]

77

entra em discussatildeo a questatildeo central da nossa investigaccedilatildeo que iremos tratar em

pormenor no proacuteximo capiacutetulo a articulaccedilatildeo entre a desencriptaccedilatildeo de smartphones e o

direito do arguido agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo

78

79

CAPIacuteTULO IV ndash A DESENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES PARA

OBTENCcedilAtildeO DE PROVA E A SUA ARTICULACcedilAtildeO COM O PRINCIacutePIO DA

NAtildeO-AUTOINCRIMINACcedilAtildeO

1 Colocaccedilatildeo do problema

Actualmente a encriptaccedilatildeo de smartphones eacute uma tecnologia de livre acesso e facilmente

adquirida No entanto natildeo raras vezes esta tecnologia eacute usada pelos piores motivos como

tivemos oportunidade de perceber pela anaacutelise dos casos jurisprudenciais norte-

americanos que seratildeo objecto do nosso estudo ao longo deste quarto capiacutetulo

Nestes casos a utilizaccedilatildeo da encriptaccedilatildeo em smartphones representa um perigo em

especial para a defesa da seguranccedila nacional e para a persecuccedilatildeo da justiccedila232 Isto

porque em abstracto a possibilidade de ocultar informaccedilatildeo de terceiros nomeadamente

do Estado faz da encriptaccedilatildeo um instrumento atractivo para criminosos233 De facto os

suspeitos de actividades ilegais como lavagem de dinheiro fraude terrorismo

pornografia infantil homiciacutedio abuso sexual entre outros seratildeo mais facilmente

ilibados234 se as potenciais provas do crime estiverem armazenadas num smartphone

encriptado

Atraveacutes da encriptaccedilatildeo dos smartphones os criminosos tornam quase impossiacutevel o

acesso por parte das entidades judiciaacuterias ao conteuacutedo do dispositivo Durante o

processo criminal eacute comum que as autoridades consigam ter acesso agrave palavra-passe seja

porque foi escrita num papel ou porque simplesmente era faacutecil de adivinhar (vg data de

nascimento do arguido ou um nome de um familiar) No caso de tal natildeo se verificar existe

ainda a possibilidade de desencriptar o smartphone atraveacutes dos jaacute mencionados brute-

force attacks235

Contudo ainda que assumindo que as autoridades judiciaacuterias tecircm todos os meios teacutecnicos

necessaacuterios para desencriptar o smartphone surge a questatildeo seraacute que os custos e tempo

232 MartinsMarquesDias 2004 70 233 Ungberg 2009 552 Neste sentido ldquo[hellip] a circulaccedilatildeo livre desta tecnologia permitiraacute que qualquer um

possa transmitir informaccedilotildees virtualmente indecifraacuteveis para terceiros construindo desse modo um espaccedilo

virtual lsquono manrsquos landrsquo onde o desenvolvimento e planeamento de actividades criminosas terroristas e de

outras actividades contraacuterias agrave garantia da seguranccedila dos Estados fossem livresrdquo Cf MartinsMarquesDias

2004 71 234 Weinberg 1998 680 235 Sales 2014 208

80

despendidos no desbloqueio do dispositivo seratildeo justificados atendendo ao facto de que

as autoridades natildeo tecircm qualquer informaccedilatildeo sobre o conteuacutedo do smartphone236

Haacute ainda que ponderar um outro ponto mesmo na circunstacircncia de a desencriptaccedilatildeo ser

bem-sucedida eacute possiacutevel que a recolha de prova do smartphone natildeo seja ceacutelere o

suficiente para dar resposta ao crime em questatildeo

Por estes motivos e tantos outros muitas das vezes a uacutenica maneira viaacutevel de conseguir

aceder ao conteuacutedo do smartphone passa pela colaboraccedilatildeo do proprietaacuterio (arguido)237

Desta forma as autoridades judiciaacuterias teriam de compelir o arguido a fornecer a palavra-

passe ou a sua impressatildeo digital para desencriptar o dispositivo238

No entanto a coacccedilatildeo do arguido no sentido de fornecer tanto a palavra-passe quanto a

impressatildeo digital para desencriptar o seu smartphone onde potencialmente estaratildeo

armazenadas provas incriminatoacuterias de um delito que cometeu levanta preocupaccedilotildees

quanto a uma possiacutevel violaccedilatildeo do brocardo latino nemo tenetur se ipsum accusare ou o

princiacutepio de natildeo-autoincriminaccedilatildeo

Para conseguirmos dar resposta a esta problemaacutetica mostra-se necessaacuterio fazer uma

divisatildeo entre duas sub-hipoacuteteses uma vez que estamos a tratar de dois meacutetodos de

encriptaccedilatildeo diferenciados a palavra-passe e a impressatildeo digital Assim poderaacute o arguido

ser compelido a fornecer agraves entidades judiciaacuterias a palavra-passe que desencripta o

smartphone sem violar o seu direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo Ou ainda poderaacute o arguido

ser coagido a fornecer a sua impressatildeo digital com vista a desencriptar o smartphone sem

violar o seu direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo Ateacute que ponto seraacute exigiacutevel uma colaboraccedilatildeo

processual do arguido tendo em conta os limites impostos pelo seu estatuto processual239

Para percebermos como o princiacutepio de natildeo-autoincriminaccedilatildeo poderaacute nestas duas

situaccedilotildees ser ou natildeo violado torna-se imperativo que faccedilamos a priori uma reflexatildeo

sobre o brocardo latino nemo tenetur se ipsum accusare

236 Duong 2009 328 237 Atwood 2015 410 238 Gershowitz 2010 22 Disponiacutevel em httpspapersssrncomsol3papers2cfmabstract_id=1669403

[consultado em 15122016] 239 Pinto 2013 92

81

2 O princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare

O princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare teve a sua origem no Reino Unido no seacutec

XVII como reacccedilatildeo agraves praacuteticas inquisitoriais dos tribunais eclesiaacutesticos240 Desde entatildeo

o princiacutepio assistiu a inuacutemeras mudanccedilas e evoluccedilotildees culminando no entendimento de

que ao arguido cabe decidir se como e quando estaacute disposto a contribuir para a sua proacutepria

incriminaccedilatildeo241 Assim no seu sentido mais profundo a garantia do nemo tenetur visa

evitar que o arguido seja transformado em colaborador involuntaacuterio das entidades

puacuteblicas com competecircncias processuais242 sendo portanto um princiacutepio estruturante do

modelo processual acusatoacuterio e do sistema democraacutetico

Este princiacutepio ou privileacutegio estaacute estreitamente ligado agrave liberdade de declaraccedilatildeo do

arguido que eacute analisada pela doutrina e pela jurisprudecircncia do Tribunal Constitucional

numa dupla dimensatildeo positiva e negativa Pela positiva ldquoabre ao arguido o mais restrito

direito de intervenccedilatildeo e declaraccedilatildeo em abono da sua defesa e pela negativa a liberdade

de declaraccedilatildeo do arguido veda todas as tentativas de obtenccedilatildeo por meios enganosos ou

por coacccedilatildeo de declaraccedilotildees autoincriminatoacuteriasrdquo243

A doutrina nacional e mesmo internacional defende a ideia de que o princiacutepio nemo

tenetur implica que ningueacutem pode ser obrigado a contribuir para estabelecer a sua proacutepria

incriminaccedilatildeo244 Deste modo de um ponto de vista menos amplo o princiacutepio pressupotildee

que ningueacutem eacute obrigado a produzir prova ou a praticar actos lesivos agrave sua proacutepria

defesa245

Neste sentido vai tambeacutem a jurisprudecircncia nacional que no que concerne ao conteuacutedo

deste princiacutepio vem estabelecer que ldquoo privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo significa que

o arguido natildeo pode ser obrigado nem deve ser condicionado a contribuir para a sua

proacutepria incriminaccedilatildeo isto eacute tem o direito a natildeo ceder ou fornecer informaccedilotildees ou

240 Pinto 2013 100 241 Ramos 2010 179 242 Silva Dias 2010 242 243 Costa Andrade 1992 120 Neste sentido Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 3042004 de 5 de Maio de 2004 disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20040304html [consultado

em 17012017] 244 Pinto 2013 104 Oliveira Silva 2013 364 NevesCorreia 2014 146 Cruz Bucho 2013 18

Disponiacutevel em httpswwwtrgptficheirosestudossobre_a_recolha_de_autografos_do_arguidopdf

[consultado em 17012017] Anastaacutecio 2010 205 Haddad 2003 37 245 Ristori 2007 98 Neste sentido vai tambeacutem Costa Andrade ao referir que ldquo[hellip] o arguido natildeo pode ser

fraudulentamente induzido ou coagido a contribuir para a sua condenaccedilatildeo ie a carrear ou oferecer meios

de prova contra a sua defesa Quer no que toca aos factos relevantes para a chamada questatildeo da

culpabilidade quer no que respeita aos atinentes agrave medida da penardquo Cf Costa Andrade 1992 121

82

elementos (vg documentais) que o desfavoreccedilam ou a natildeo prestar declaraccedilotildees sem que

do silecircncio possam resultar quaisquer consequecircncias negativas ou ilaccedilotildees desfavoraacuteveis

no plano da valoraccedilatildeo probatoacuteriardquo246 Jaacute o Tribunal Constitucional vem afirmar que ldquoo

princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare eacute uma marca irrenunciaacutevel do processo penal

de estrutura acusatoacuteria visando garantir que o arguido natildeo seja reduzido a mero objecto

da actividade estadual de repressatildeo do crime devendo antes ser-lhe atribuiacutedo o papel de

verdadeiro sujeito processual armado com os direitos de defesa e tratado como

presumivelmente inocente Daiacute que para protecccedilatildeo da autodeterminaccedilatildeo do arguido este

deva ter a possibilidade de decidir no exerciacutecio de uma plena liberdade de vontade qual

a posiccedilatildeo a tomar perante a mateacuteria que constitui objecto do processordquo247

O princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare que consubstancia para Paulo de Sousa

Mendes ldquoum dos pilares do processo penal portuguecircsrdquo248 desdobra-se em dois corolaacuterios

que embora intimamente relacionados natildeo se confundem entre si249 o princiacutepio contra

a autoincriminaccedilatildeo em sentido estrito e o direito ao silecircncio O princiacutepio contra a

autoincriminaccedilatildeo em sentido estrito traduz-se no direito de natildeo cooperar na

investigaccedilatildeo250 ou seja no fornecimento de quaisquer meios de prova susceptiacuteveis de

comprometer a presunccedilatildeo de inocecircncia do arguido coadjuvando a sua incriminaccedilatildeo

nomeadamente atraveacutes da entrega de documentos ou outros elementos ou atraveacutes de uma

determinada actuaccedilatildeo251 Jaacute no que concerne ao direito ao silecircncio este abarca apenas a

colaboraccedilatildeo do arguido na sua incriminaccedilatildeo atraveacutes de declaraccedilotildees sobre os factos que

lhe satildeo imputados Deste modo como bem refere Maria Fernanda Palma eacute sobre a justiccedila

246 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 23 de Outubro de 2013 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrcnsfc3fb530030ea1c61802568d9005cd5bbd3a8f7db2f94ad6180257c0f0052958b

OpenDocument [consultado em 17012017] 247 Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 3402013 de 17 de Junho de 2013 disponiacutevel em

httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20130340html [consultado em 17012017] 248 Sousa Mendes 2017 210 249 Martins 2015 24 Em sentido contraacuterio apoiando-se na tese de que o direito ao silecircncio e o princiacutepio

contra a autoincriminaccedilatildeo satildeo sinoacutenimos para descrever uma mesma realidade pronunciou-se o Tribunal

da Relaccedilatildeo de Eacutevora afirmando que ldquoo privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo ou direito ao silecircncio significa que o arguido natildeo pode ser obrigado nem deve ser condicionado a contribuir para a sua proacutepria

incriminaccedilatildeo isto eacute tem o direito a natildeo ceder ou fornecer informaccedilotildees ou elementos que o desfavoreccedilam

ou a natildeo prestar declaraccedilotildees sem que do silecircncio possam resultar quaisquer consequecircncias negativas ou

ilaccedilotildees desfavoraacuteveis no plano da valoraccedilatildeo probatoacuteriardquo Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de

30 de Setembro de 2008 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrensf134973db04f39bf2802579bf005f080b986b0759b8e0108880257de100574d46

OpenDocument [consultado em 17012017] 250 Cruz 2011 22 251 NevesCorreia 2014 146

83

do Estado que recai o oacutenus de demonstrar os factos da acusaccedilatildeo252 O direito ao silecircncio

eacute assim o direito de calar o reconhecimento da liberdade moral do arguido253 Por seu

turno Vacircnia Costa Ramos vem salientar e bem que ldquosem o direito ao silecircncio o arguido

seria obrigado a declarar e cooperar sempre que estes actos natildeo revestissem conteuacutedo

autoincriminatoacuteriordquo254 A Autora conjuntamente com Augusto Silva Dias vai mais

longe chegando a afirmar que o direito ao silecircncio eacute o nuacutecleo duro e quase absoluto do

nemo tenetur tanto por razotildees histoacutericas como pelo regime legal que o acolhe255

21 Consagraccedilatildeo

O princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare eacute consagrado na maioria das constituiccedilotildees

dos modernos Estados de Direito Nos casos de falta de consagraccedilatildeo expressa na lei

fundamental acaba por ser reconhecido ao abrigo das suas disposiccedilotildees Este princiacutepio

ou privileacutegio encontra ainda acolhimento em importantes documentos internacionais de

protecccedilatildeo dos direitos do Homem entre os quais a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do

Homem e o Pacto Internacional sobre Direitos Ciacutevicos e Poliacuteticos da ONU256 como

princiacutepio essencial do processo penal

De acordo com a aliacutenea g) do nordm 3 do artigo 14ordm do Pacto Internacional sobre Direitos

Ciacutevicos e Poliacuteticos ldquoQualquer pessoa acusada de uma infracccedilatildeo penal teraacute direito em

plena igualdade pelo menos agraves seguintes garantias g) A natildeo ser forccedilada a testemunhar

contra si proacutepria ou a confessar-se culpadardquo

Por seu turno a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) no seu articulado

natildeo prevecirc de forma expliacutecita o direito ao silecircncio ou o direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo

Contudo segundo o entendimento da jurisprudecircncia do Tribunal Europeu dos Direitos

Humanos (TEDH) o princiacutepio nemo tenetur constitui um standard internacional que estaacute

presente no nuacutecleo da noccedilatildeo de processo equitativo o qual se destina a proteger o arguido

contra o exerciacutecio abusivo de poderes coercivos pelas autoridades a evitar o perigo de

adulteraccedilatildeo da justiccedila e nesse sentido a assegurar a realizaccedilatildeo plena do artigo 6ordm da

Convenccedilatildeo257 Segundo aquela jurisprudecircncia o princiacutepio nemo tenetur se ipsum

252 Palma 2009 1 Disponiacutevel em

httpwwwidpccptxmsfilesNewslettersBoletim_Ano1_Ed1_Dez08Jan09pdf [consultado em

17012017] 253 Queijo 2012 233 254 Ramos 2007 68 255 Silva DiasRamos 2009 20 256 Silva 2007 59 257 Cruz Bucho 2013 20

84

accusare relaciona-se em primeira linha com o respeito pela vontade da pessoa do

arguido em permanecer em silecircncio e constitui uma decorrecircncia do pressuposto segundo

o qual a acusaccedilatildeo deveraacute provar a sua tese contra o acusado sem o recurso a elementos de

prova obtidos atraveacutes de meacutetodos coercivos ou opressivos com desrespeito pela vontade

deste258 Assim o direito ao silecircncio e o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo em sentido

estrito encontram-se intimamente relacionados com a presunccedilatildeo de inocecircncia consagrada

no nordm 2 do artigo 6ordm da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem

Por conseguinte por forccedila do disposto nos nos 1 e 2 do artigo 8ordm da Constituiccedilatildeo da

Repuacuteblica Portuguesa pode sustentar-se que ambos os preceitos vigoram directamente

na ordem juriacutedica interna259

Contrariamente ao que sucede com inuacutemeras Constituiccedilotildees e declaraccedilotildees de direitos de

outros paiacuteses nomeadamente a Constituiccedilatildeo americana (5ordf Emenda)260 a Constituiccedilatildeo

espanhola (artigos 173 e 242)261 ou a Constituiccedilatildeo brasileira (artigo 5ordm inciso LXIII)262

a Constituiccedilatildeo portuguesa natildeo consagra agrave semelhanccedila da Lei Fundamental alematilde e

italiana o princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare de uma forma expressa e directa

Natildeo obstante o princiacutepio nemo tenetur ndash seja na sua vertente de direito ao silecircncio do

arguido seja na sua dimensatildeo de princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo em sentido estrito

ndash natildeo estar expressa e directamente plasmado no texto constitucional a doutrina263 e a

jurisprudecircncia264 portuguesas em similitude com a doutrina e jurisprudecircncia alematildes satildeo

unacircnimes natildeo soacute quanto agrave vigecircncia daquele princiacutepio no direito processual penal como

258 Cruz Bucho 2013 21 259 Andrade 2014 19 260 Estabelece a Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica ldquoNenhuma pessoa seraacute

obrigada em qualquer caso criminal a ser uma testemunha contra si mesmardquo 261 No seu artigo 242 a Constituiccedilatildeo espanhola consagra que todos tecircm direito ldquo[hellip] a natildeo declarar contra

si mesmo e a natildeo se confessar culpadordquo assim como no artigo 173 se prevecirc o princiacutepio segundo o qual

ningueacutem seraacute obrigado a fazer declaraccedilatildeo que possa resultar em autoincriminaccedilatildeo impondo agraves autoridades

responsaacuteveis a obrigaccedilatildeo de preacutevia informaccedilatildeo acerca dos direitos e da acusaccedilatildeo que recaem sobre o

suspeito 262 Prevecirc o inciso LXIII do artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo brasileira que ldquoo preso seraacute informado de seus direitos entre os quais o de permanecer calado sendo-lhe assegurada a assistecircncia da famiacutelia e de advogadordquo 263 Cruz Bucho 2013 22 Sousa Mendes 2010 125 Pinto 2013 105 Catarina Anastaacutecio fala aqui numa

ldquo[hellip] base constitucional (ainda que indirecta ou impliacutecita) deste direito [hellip]rdquo Cf Anastaacutecio 2010 206 264 ldquoA Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa natildeo consagra expressis verbis este princiacutepio mas natildeo obstante

essa natildeo consagraccedilatildeo expressa tanto a doutrina como a jurisprudecircncia tecircm defendido que o nemo tenetur

se ipsum accusare tem assento constitucional sendo considerado um direito constitucional do processo

penal natildeo escritordquo Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 3402013 de 17 de Junho de 2013

disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20130340html [consultado em

18012017]

85

quanto agrave sua natureza constitucional265 Fala-se aqui no nemo tenetur se ipsum accusare

como um verdadeiro ldquodireito constitucional natildeo escritordquo266

No que agrave lei processual penal portuguesa diz respeito este princiacutepio obteve consagraccedilatildeo

expressa no Coacutedigo de Processo Penal na vertente de direito ao silecircncio do arguido

(artigos 61ordm nordm 1 aliacutenea d) 141ordm nordm 4 aliacutenea a) 343ordm nordm 1 e 345ordm nordm 1 in fine)267

Assim a aliacutenea d) do nordm 1 do artigo 61ordm estabelece que ldquoO arguido goza em especial

em qualquer fase do processo e salvas as excepccedilotildees da lei dos direitos de d) Natildeo

responder a perguntas feitas por qualquer entidade sobre os factos que lhe forem

imputados e sobre o conteuacutedo das declaraccedilotildees que acerca deles prestarrdquo O direito ao

silecircncio estende-se mesmo ao proacuteprio suspeito desde logo porque a pessoa sobre quem

recair a suspeita de ter cometido um crime tem direito a ser constituiacuteda a seu pedido

como arguido (nordm 2 do artigo 59ordm do CPP) Tambeacutem a ldquotestemunha natildeo eacute obrigada a

responder a perguntas quando alegar que das respostas resulta a sua responsabilizaccedilatildeo

penalrdquo (nordm 2 do artigo 132ordm do CPP)268 O direito ao silecircncio de que goza o arguido deve

ser-lhe comunicado pela autoridade judiciaacuteria ou pelo oacutergatildeo de poliacutecia criminal perante

as quais seja obrigado a comparecer (al h) do nordm 1 do artigo 61ordm do CPP) sob pena de

as declaraccedilotildees feitas constituiacuterem prova proibida por intromissatildeo na vida privada (nordm 8

do artigo 32ordm da CRP e nordm 3 do artigo 126ordm do CPP)269 O exerciacutecio deste direito ao

silecircncio natildeo pode ser valorado como indiacutecio ou presunccedilatildeo de culpa270271

265 Figueiredo DiasCosta Andrade 2009 39 266 Costa Andrade 1992 124 267 Como bem refere Costa Andrade ldquoa lei processual penal portuguesa conteacutem uma malha desenvolvida e

articulada de normas atraveacutes das quais se assenta o princiacutepio nemo teneturrdquo Cf Costa Andrade 1992 126 268 Sousa Mendes 2017 209-210 Curado 2012 262 269 Marques da Silva 2013 74 270 ldquoO conteuacutedo material do referido princiacutepio (nemo teneturhellip) eacute assegurado atraveacutes da imposiccedilatildeo de

deveres de esclarecimento ou de advertecircncia agraves autoridades judiciaacuterias e aos oacutergatildeos de poliacutecia criminal [cfr

artigos 58ordm nordm 2 61ordm nordm 1 aliacutenea g) 141ordm nordm 4 e 343ordm nordm 1] estabelecendo-se a sanccedilatildeo de proibiccedilatildeo

de valoraccedilatildeo nos termos do artigo 58ordm nordm 4 e da nulidade das provas obtidas mediante tortura coacccedilatildeo ou

ofensa da integridade fiacutesica ou moral (cfr artigo 126ordm nordm 1 todos do CPP)rdquo Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal

Constitucional nordm 3042004 de 5 de Maio de 2004 disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20040304html [consultado em 18012017] ldquo[hellip] o

arguido deve ser informado antes de qualquer interrogatoacuterio de que goza do direito ao silecircncio (artigos

141ordm nordm 4 143ordm nordm 2 144ordm nordm 1 e 343ordm nordm 1 do CPP) devendo tambeacutem ser esclarecido de que o seu

silecircncio natildeo pode ser interpretado desfavoravelmente aos seus interesses natildeo podendo por isso o arguido

ser prejudicado por ter exercitado o seu direito a natildeo prestar quaisquer declaraccedilotildees (o silecircncio natildeo pode ser

interpretado como presunccedilatildeo de culpa) Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 69695 de 5 de

Dezembro de 1995 disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos19950695html

[consultado em 18012017] 271 Saacute 2004 187

86

Chegados a este ponto torna-se necessaacuterio chamar agrave colaccedilatildeo as duas extensotildees do direito

ao silecircncio consagrado no artigo 61ordm do Coacutedigo de Processo Penal discutidas na

doutrina a) a extensatildeo minimalista incidindo apenas sobre as declaraccedilotildees do arguido em

sentido estrito e sobre os factos que lhe satildeo imputados b) a extensatildeo maximalista

abarcando as declaraccedilotildees por meio de documentos da indicaccedilatildeo do lugar onde se

encontra o meio de prova de uma actuaccedilatildeo consubstanciando-se num direito a natildeo ser

obrigado a fornecer prova (documental declarativa ou outra) da sua culpabilidade272 A

maioria da doutrina nacional defende a tese de que estamos aqui perante uma variante

ampla do direito ao silecircncio273 Assim malgrado a redacccedilatildeo do referido artigo 61ordm do

Coacutedigo de Processo Penal sugira um direito restrito aos casos em que o arguido eacute

solicitado a prestar declaraccedilotildees verbais somos da opiniatildeo de que uma interpretaccedilatildeo

teleoloacutegica da norma aponta para que a invocaccedilatildeo deste direito natildeo esteja dependente dos

meios utilizados mas dos fins que se pretendem alcanccedilar e dos interesses que sejam

postos em causa designadamente o da natildeo-autoincriminaccedilatildeo sob pena de esses

expedientes serem utilizados como forma de contornar um direito fundamental dos

cidadatildeos274 Desta forma poderia estar aqui incluiacutedo natildeo soacute o fornecimento da palavra-

passe atraveacutes de declaraccedilotildees orais como tambeacutem atraveacutes de declaraccedilotildees escritas ou

gestuais275

Por fim resta deixar claro que este direito ao silecircncio consagrado no artigo 61ordm do Coacutedigo

de Processo Penal natildeo pode ser visto como direito absoluto Na verdade este direito do

arguido estaacute submetido a algumas restriccedilotildees no processo penal276 nomeadamente no que

toca agrave sua identificaccedilatildeo pessoal (aliacutenea b) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP)277 Tanto em

sede de primeiro interrogatoacuterio judicial (nordm 3 do artigo 141ordm do CPP) como em fase de

julgamento (artigo 342ordm do CPP) o arguido eacute obrigado a responder com verdade acerca

da sua identificaccedilatildeo sob pena de incorrer em crime de desobediecircncia (artigo 349ordm do

Coacutedigo Penal) ou falsas declaraccedilotildees (artigo 359ordm do Coacutedigo Penal)

272 Pinto 2013 108-109 273 Silva Dias 2010 244 274 Saacute 2004 188 Neste sentido vai tambeacutem Augusto Silva Dias quando afirma que ldquo[hellip] uma compreensatildeo

do problema menos legal-positivista e mais sensiacutevel agrave Constituiccedilatildeo e aos direitos obriga a considerar que a

garantia vigora tambeacutem perante outros actos comunicativos (orais escritos gestuais) atraveacutes dos quais o

suspeito pode contribuir para a sua proacutepria inculpaccedilatildeordquo Cf Silva Dias 2010 244 275 ldquoAs manifestaccedilotildees verbais natildeo satildeo as uacutenicas formas em que se apresenta o princiacutepio contra a

autoincriminaccedilatildeo pois atraveacutes de outras condutas eacute possiacutevel produzir prova de caraacutecter incriminatoacuterio

utilizaacutevel contra quem a produziurdquo Cf Cruz Bucho 2013 30 276 Sousa Mendes 2017 210 277 Curado 2012 262-263

87

Agrave semelhanccedila do direito ao silecircncio tambeacutem o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo em

sentido estrito natildeo poderaacute ser considerado como um direito absoluto278 A tiacutetulo de

exemplo podemos mencionar a possibilidade de sujeiccedilatildeo a exames consagrada no artigo

172ordm do Coacutedigo de Processo Penal como sendo uma clara limitaccedilatildeo ao direito de natildeo

facultar provas contra si proacuteprio Voltaremos a este tema mais adiante

22 Fundamentos juriacutedicos

Actualmente natildeo eacute tanto o reconhecimento legal e constitucional do princiacutepio nemo

tenetur se ipsum accusare que suscita dificuldades quanto a determinaccedilatildeo exacta do seu

fundamento e conteuacutedo

Eacute usual enquadrar os fundamentos constitucionais do nemo tenetur em duas espeacutecies

distintas concebendo-o alternativamente como direito material de liberdade (corrente

substantiva) ou como garantia processual fundamental (corrente processual)279

Segundo a corrente substantiva defendida pela doutrina maioritaacuteria alematilde o fundamento

deste princiacutepio estaria enraizado em alguns direitos fundamentais que fundar-se-iam

directamente na dignidade da pessoa humana proclamada no artigo 1ordm da Constituiccedilatildeo

da Repuacuteblica Portuguesa Ainda dentro desta mesma corrente outros Autores concebem

aquele princiacutepio como reflexo dos direitos agrave integridade pessoal e ao desenvolvimento da

personalidade vertidos nos artigos 25ordm e 26ordm da CRP280

Por outro lado segundo a corrente processualista o direito ao silecircncio e agrave natildeo-

autoincriminaccedilatildeo teriam a sua fonte juriacutedico-constitucional nas garantias processuais

reconhecidas ao arguido no texto constitucional designadamente no princiacutepio do

processo equitativo e no princiacutepio da presunccedilatildeo de inocecircncia consagrados

respectivamente no nordm 4 do artigo 20ordm e nos nos 2 e 8 do artigo 32ordm ambos da CRP281

Natildeo obstante os direitos do arguido consagrados nomeadamente no artigo 61ordm do

Coacutedigo de Processo Penal contribuiacuterem activamente para a protecccedilatildeo de direitos

fundamentais como a dignidade da pessoa humana estamos com Figueiredo Dias e Costa

278 Sousa Mendes 2017 210 Neste sentido cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 69695 de 5 de

Dezembro de 1995 disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos19950695html

[consultado em 18012017] Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 37298 de 13 de Maio de 1998

disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos19980372html [consultado em

18012017] 279 Oliveira Silva 2013 370 280 Figueiredo DiasCosta Andrade 2009 40 281 Menezes 2010 124-125

88

Andrade quando defendem que o facto de estes direitos processuais serem ldquoum meio ou

forma de concretizar um determinado direito fundamental natildeo implica que este seja o seu

fundamento directo e imediato Desde logo se aponta que o proacuteprio conceito de dignidade

humana recobre de forma mediata toda a mateacuteria penal e processual penal de um Estado

de Direitordquo282 Assim apesar de se defender na doutrina portuguesa a corrente

processualista eacute tambeacutem aceite que o princiacutepio nemo tenetur protege reflexamente os

direitos fundamentais referidos pela corrente substantiva283

A jurisprudecircncia nacional nomeadamente a do Tribunal Constitucional vem concluir

que o princiacutepio nemo tenetur configura ldquouma componente das garantias de defesa

asseguradas no artigo 32ordm da CRP cujo objectivo uacuteltimo eacute a protecccedilatildeo do arguido como

sujeito no processordquo284 Daqui decorre que a posiccedilatildeo do Tribunal Constitucional se

harmoniza com a posiccedilatildeo da doutrina optando tambeacutem pela corrente processualista do

princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare285

Eacute assim de concluir que em Portugal o entendimento maioritaacuterio defende que o princiacutepio

nemo tenetur se ipsum accusare encontra o seu fundamento imediato nas garantias

processuais que a Constituiccedilatildeo impotildee no artigo 32ordm da Lei Fundamental cumprindo-se

de igual modo a exigecircncia constitucional de um processo penal equitativo prevista no nordm

4 do artigo 20ordm da CRP286

No entanto esta natildeo eacute uma questatildeo puramente teoacuterica pois como bem assinala Vacircnia

Costa Ramos se um direito fundado na dignidade da pessoa humana eacute ldquoum direito de

natureza tendencialmente absolutardquo jaacute um direito fundado em garantias processuais

poderaacute ser sujeito a certas limitaccedilotildeesrdquo287 Assim natildeo causa estranha afirmar na

decorrecircncia do que jaacute ficou escrito relativamente agraves limitaccedilotildees do direito ao silecircncio e do

direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo em sentido estrito que o proacuteprio princiacutepio nemo tenetur

se ipsum accusare natildeo constitui um princiacutepio absoluto pelo que comporta restriccedilotildees

justificadas (vg al b) do nordm 3 do artigo 61ordm e artigo 172ordm ambos do CPP)288

282 Figueiredo DiasCosta Andrade 2009 41 283 Pinto 2013 106 284 Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 69695 de 5 de Dezembro de 1995 disponiacutevel em

httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos19950695html [consultado em 18012017] 285 Pinto 2013 107 286 Figueiredo DiasCosta Andrade 2009 42 287 Ramos 2007 58 e 73 288 Cruz Bucho 2013 24

89

23 Limitaccedilotildees

No processo acusatoacuterio coaduna-se a investigaccedilatildeo da verdade material aos pressupostos

do Estado de Direito limitando-a assim pela observacircncia escrupulosa dos direitos

liberdades e garantias dos cidadatildeos Desta forma natildeo causa estranheza que se assegure

ao arguido a posiccedilatildeo de sujeito289 dotado de um real e efectivo direito de defesa290

De facto o caminho trilhado por este processo penal reformulado vai no sentido de

assegurar ao arguido uma cada vez mais consistente e efectiva condiccedilatildeo de sujeito ao

inveacutes de mero meio de prova291 No entanto como jaacute tivemos oportunidade de analisar

ao longo da nossa investigaccedilatildeo muitas vezes o arguido no seio de uma investigaccedilatildeo

criminal acaba por ser sujeito a certas diligecircncias sendo utilizado como meio de

prova292293

Na doutrina Figueiredo Dias afasta a existecircncia de um dever abstracto de colaboraccedilatildeo do

arguido294 na medida em que exige que ldquoa utilizaccedilatildeo do arguido como meio de prova seja

sempre limitada pelo integral respeito da sua vontaderdquo adiantando ainda que ldquosoacute no

exerciacutecio de uma plena liberdade da vontade pode o arguido decidir se e como deseja

tomar posiccedilatildeo perante a mateacuteria que constitui objecto do processordquo295 Na mesma esteira

mais recentemente Paulo Pinto de Albuquerque veio defender a ideia de que o arguido

289 ldquoO arguido eacute um sujeito processual e em regra natildeo pode ser utilizado contra sua vontade como fonte

de prova contra si mesmordquo Cf Palma 2009 1 Disponiacutevel em

httpwwwidpccptxmsfilesNewslettersBoletim_Ano1_Ed1_Dez08Jan09pdf [consultado em

19012017] Luiacutesa Neto por seu turno fala aqui no arguido como o ldquolegislador de si mesmordquo Cf Neto

2004 188 290 Rodrigues 2002 549 291 Figueiredo Dias 1997 26 Neto 1997 184-185 292 ldquoSubmetido ao processo agraves ordens do tribunal e susceptiacutevel de sofrer medidas coactivas ele [o arguido]

encontra-se nessa medida certamente numa situaccedilatildeo passiva obrigado a sofrer na sua proacutepria pessoa

investigaccedilotildees de prova (os exames) e autor de declaraccedilotildees com valor probatoacuterio ele eacute tambeacutem meio de

prova Mas nem por isso ele poderaacute deixar de ser considerado como sujeito do processordquo Cf Castanheira

Neves 1968 166 Figueiredo Dias segue igualmente este pensamento defendendo que ldquoNatildeo quer isto dizer

que o arguido natildeo possa em termos demarcados pela lei por forma estrita e expressa ser objecto de medidas

coactivas e constituir ele proacuteprio um meio de prova Quer dizer sim que as medidas coactivas e

probatoacuterias que sobre ele se exerccedilam natildeo poderatildeo nunca dirigir-se agrave extorsatildeo de declaraccedilotildees ou de qualquer

forma de autoincriminaccedilatildeo [hellip]rdquo Cf Figueiredo Dias 2004 430 293 Neste sentido Roxin afirma que no processo penal alematildeo se tem debatido sobre o confronto entre a

descoberta da verdade e os interesses do arguido ldquoEm qualquer sistema legal de um Estado de Direito a lei processual penal estaacute obrigada a contrabalanccedilar a investigaccedilatildeo criminal e os interesses do arguido acusado

de determinado delito onde a sua privacidade estaacute em causa O processo penal alematildeo eacute um exemplo tiacutepico

da constante luta entre essas demandas conflituantes Assim enquanto a maioria da jurisprudecircncia faz

esforccedilos no sentido de reforccedilar a protecccedilatildeo do arguido a legislaccedilatildeo mais recente revela uma tendecircncia de

alcance cada vez maior para a admissatildeo de medidas que interferem com o campo da personalidaderdquo Cf

Roxin 2009 87 294 Neste sentido cf Sousa Mendes 2007 609 ldquo[hellip] o arguido natildeo eacute um colaborador das autoridades

judiciaacuterias e dos OPC para a descoberta da verdade e a realizaccedilatildeo da justiccedilardquo 295 Figueiredo Dias 1997 27-28

90

natildeo tem um ldquodever de colaboraccedilatildeo com o tribunal ou o MP com vista agrave descoberta da

verdade material e agrave boa decisatildeo da causa (nemo tenetur se ipsum accusare) dado o seu

direito constitucional ao silecircncio (nordm 1 do artigo 32ordm da CRP)rdquo296

Natildeo obstante a inexistecircncia de um dever de o arguido colaborar com as autoridades tal

natildeo significa que natildeo possa haver derrogaccedilotildees ao princiacutepio nemo tenetur apresentando a

doutrina vaacuterios exemplos a) o direito ao silecircncio natildeo assiste ao arguido relativamente agraves

perguntas sobre a sua identidade tendo inclusive o dever de responder a elas com

verdade nos termos da aliacutenea b) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP b) a obrigatoriedade de

realizar determinadas periacutecias e exames (artigos 151ordm a 172ordm do CPP) c) a

obrigatoriedade de sujeiccedilatildeo a exames no acircmbito de periacutecias meacutedico-legais quando

ordenados pela autoridade judiciaacuteria competente prevista pela Lei nordm 452004 de 29 de

Agosto297 d) a obrigatoriedade de sujeiccedilatildeo a diligecircncias de prova decorrente do

consagrado na aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP298

No que concerne agrave jurisprudecircncia o Tribunal Constitucional jaacute deixou claro que tem sido

ldquoreconhecido que o direito agrave natildeo autoincriminaccedilatildeo natildeo tem um caraacutecter absoluto podendo

ser legalmente restringido em determinadas circunstacircncias (vg a obrigatoriedade de

realizaccedilatildeo de determinados exames ou diligecircncias que exijam a colaboraccedilatildeo do arguido

mesmo contra a sua vontade)rdquo299

Assim podemos concluir no seguimento do defendido por Figueiredo Dias que o

arguido pode constituir meio de prova num duplo sentido a) em sentido material atraveacutes

das declaraccedilotildees prestadas sobre os factos b) em sentido formal na medida em que o seu

corpo e o seu estado corporal podem ser objecto de periacutecias exames ou outras diligecircncias

de prova (artigo 151ordm artigo 172ordm e al d) do nordm 1 do artigo 61ordm todos do CPP) 300

Chegados a este ponto e atendendo aos dois meacutetodos de desencriptaccedilatildeo do smartphone -

a palavra-passe e a impressatildeo digital - podemos afirmar que a acccedilatildeo de fornecimento da

palavra-passe agraves autoridades judiciaacuterias seria sem margem para duacutevidas reconduziacutevel agrave

conduta de prestaccedilatildeo de declaraccedilotildees sobre os factos (al d) do nordm 1 do artigo 61ordm do CPP)

Contrariamente no que diz respeito agrave desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da impressatildeo

296 Albuquerque 2011 48 e 183 297 Figueiredo DiasCosta Andrade 2009 44-45 298 Marques da Silva 2010 318 299 Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 3402013 de 17 de Junho de 2013 disponiacutevel em

httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20130340html [consultado em 19012017] 300 Figueiredo Dias 2004 438-439

91

digital natildeo podemos defender que esta acccedilatildeo poderaacute ser reconduzida a uma qualquer

prestaccedilatildeo de declaraccedilatildeo Assim resta-nos saber seraacute a desencriptaccedilatildeo atraveacutes da

impressatildeo digital uma periacutecia um exame uma outra diligecircncia de prova ou nenhuma das

anteriores

Para que possamos responder com clareza a esta questatildeo iremos no proacuteximo ponto fazer

uma breve anaacutelise ao regime das periacutecias e exames (artigos 151ordm a 172ordm do CPP) e agraves

diligecircncias de prova (al d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP)

3 A sujeiccedilatildeo a periacutecias exames e diligecircncias de prova e a sua articulaccedilatildeo com o

princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare

Como jaacute tivemos oportunidade de enfatizar anteriormente o facto de o arguido ser

considerado um sujeito do processo penal natildeo significa que natildeo possa em determinados

termos demarcados pela lei por forma estrita e expressa constituir ele proacuteprio um meio

de prova Desta forma sobre o arguido recai o dever de se sujeitar a diligecircncias de prova

especificadas na lei e ordenadas e efectuadas por entidade competente (al d) do nordm 3 do

artigo 61ordm do CPP) considerando-se como tais as diligecircncias de prova que natildeo forem

proibidas por lei e que sejam necessaacuterias para a descoberta da verdade e a realizaccedilatildeo da

justiccedila301

Natildeo obstante este dever de sujeiccedilatildeo que recai sobre o arguido o mesmo natildeo significa que

o arguido natildeo se possa opor agrave realizaccedilatildeo dessas diligecircncias quando forem manifestamente

ilegais vg por atentatoacuterias de direitos fundamentais e de nessa medida recorrer aos

meios que a lei lhe confere nomeadamente o de recurso judicial O que a aliacutenea d) do nordm

3 do artigo 61ordm do Coacutedigo de Processo Penal prevecirc eacute que pressupondo que o meio de

prova seja legal o arguido deve sujeitar-se agrave diligecircncia302 Assim a obrigaccedilatildeo que

impende sobre o arguido de se sujeitar a diligecircncias de prova tem de ser temperada com

o direito fundamental da natildeo-autoincriminaccedilatildeo porque ele natildeo pode ser objecto de prova

instrumento abusivo da sua proacutepria condenaccedilatildeo ou de qualquer forma obrigado a

contribuir para estabelecer a sua proacutepria culpabilidade303

A sujeiccedilatildeo coerciva do arguido a diligecircncias de prova tem caraacutecter excepcional na estrita

medida em que se mostrem ineficazes outros meios de prova devendo observar-se quanto

301 Garrett 2007 15 302 Monte 2006 254-255 303 Garrett 2007 17

92

agrave sua utilizaccedilatildeo os mesmos princiacutepios que regem a aplicaccedilatildeo da medida de coacccedilatildeo da

prisatildeo preventiva304

Algumas diligecircncias de prova a que o arguido pode ser sujeito estatildeo expressamente

previstas no Coacutedigo de Processo Penal nomeadamente a periacutecia (artigo 151ordm e seguintes

do CPP) e o exame (artigo 171ordm e seguintes do CPP)

O Coacutedigo de Processo Penal enquadrou a periacutecia no acircmbito dos meios de prova referindo

no seu artigo 151ordm que ldquoa prova pericial tem lugar quando a percepccedilatildeo ou apreciaccedilatildeo dos

factos exigirem especiais conhecimentos teacutecnicos cientiacuteficos ou artiacutesticosrdquo A periacutecia

surge assim como um meio de prova auxiliar facultando agrave entidade responsaacutevel pela

decisatildeo a proferir elementos de que esta careccedila e que sejam necessaacuterios agrave percepccedilatildeo ou

apreciaccedilatildeo dos factos305

No que agrave doutrina diz respeito no entender de Germano Marques da Silva ldquoa qualificaccedilatildeo

que melhor cabe agrave periacutecia eacute efectivamente a de meio de prova pessoalrdquo sendo o seu

objecto ldquoa percepccedilatildeo dos factos ou a sua valoraccedilatildeordquo uma vez que ldquoo perito pode descobrir

meios de prova recorrendo a meacutetodos cientiacuteficos uacutenicos a permitirem a sua apreensatildeo ou

pode exigir-se ao perito natildeo a descoberta dos factos probatoacuterios mas apenas a sua

apreciaccedilatildeordquo306 Na mesma esteira Manuel Andrade defende a ideia de que a periacutecia

ldquotraduz-se na percepccedilatildeo por meio de pessoas idoacuteneas para tal efeito designadas de

quaisquer factos presentes quando natildeo possa ser directa e exclusivamente realizada pelo

juiz por necessitar de conhecimentos cientiacuteficos ou teacutecnicos especiais ou por motivos de

decoro ou de respeito pela sensibilidade (legiacutetima susceptibilidade) das pessoas em quem

se verificam tais factos ou na apreciaccedilatildeo de quaisquer factos (na determinaccedilatildeo das ilaccedilotildees

que deles se possam tirar acerca doutros factos) caso dependa de conhecimentos daquela

ordem isto eacute de regras de experiecircncia que natildeo fazem parte da cultura geral ou experiecircncia

comum que pode e deve presumir-se no juiz como na generalidade das pessoas instruiacutedas

e experimentadasrdquo307

304 Monte 2006 252 Garrett 2007 16 305 Cf Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da Repuacuteblica P000642006 de 2 de

Novembro de 2006 disponiacutevel em httpwwwministeriopublicoptiframepareceres-do-conselho-

consultivo-da-pgr [consultado em 23012017] 306 Marques da Silva 2011 197-198 307 Andrade 1979 261

93

Em sentido inverso o exame eacute um meio de obtenccedilatildeo de prova (e natildeo um meio de prova

como a periacutecia) destinado a recolher vestiacutegios materiais de factos com relevacircncia penal

em ordem agrave determinaccedilatildeo das circunstacircncias da praacutetica e da respectiva autoria308

No mesmo sentido vai a lei quando aponta que os exames tecircm por finalidade inspeccionar

ldquoos vestiacutegios que possa ter deixado o crime e todos os indiacutecios relativos ao modo e ao

lugar onde foi praticado agraves pessoas que o cometeram ou sobre as quais foi cometidordquo (nordm

1 do artigo 171ordm do CPP)309

O exame visa a detecccedilatildeo de vestiacutegios a periacutecia visa a avaliaccedilatildeo desses mesmos vestiacutegios

(vg dactiloscopia310)

Um ponto fundamental a ter em consideraccedilatildeo em mateacuteria de sujeiccedilatildeo a exames tem que

ver com a sua obrigatoriedade (nordm 1 do artigo 172ordm do CPP) Este princiacutepio expressa-se

na possibilidade de a autoridade judiciaacuteria competente compelir o arguido agrave observacircncia

de tais obrigaccedilotildees ainda que condicionadas (no caso de exame susceptiacutevel de ofender o

pudor das pessoas) ao respeito pela intimidade e dignidade da pessoa a examinar natildeo se

permitindo assistentes aleacutem da proacutepria autoridade judiciaacuteria ou de pessoa de confianccedila

do visado que este venha a indicar (nordm 3 do artigo 172ordm do CPP)

Contrariamente agraves periacutecias os exames natildeo supotildeem a existecircncia de especiais

conhecimentos teacutecnicos cientiacuteficos ou artiacutesticos No entanto a mera detecccedilatildeo (e natildeo

avaliaccedilatildeo) de vestiacutegios que exija especiais conhecimentos teacutecnicos cientiacuteficos ou

artiacutesticos eacute ainda um exame Assim tambeacutem a avaliaccedilatildeo de vestiacutegios que natildeo exija

especiais conhecimentos teacutecnicos cientiacuteficos ou artiacutesticos isto eacute que apenas exija

conhecimentos comuns natildeo eacute uma periacutecia mas um exame311

Figueiredo Dias fala aqui de uma dupla natureza dos exames visto que satildeo ldquo[hellip] por um

lado meios de prova enquanto neles se faccedila avultar o juiacutezo que se emite sobre as

qualidades ou caracteriacutesticas de uma pessoa ie enquanto neles se tenha primacialmente

em vista a sua mais ou menos acentuada natureza de inspecccedilatildeo ou periacutecia na medida

308 Simas SantosLeal-HenriquesSimas Santos 2010 226-227 309 Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 3 de Marccedilo de 2016 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrlnsf33182fc732316039802565fa00497eec36f34b50b321b89980257f6f004d5fc6

OpenDocument [consultado em 23012017] 310 A dactiloscopia assenta na comparaccedilatildeo das marcas digitais colhidas directamente dos objectos por

teacutecnicas cada vez mais apuradas com as impressotildees digitais constantes dos ficheiros policiais para o

estabelecimento da coincidecircncia (match) das respectivas formas as quais satildeo absolutamente originais em

cada ser humano Cf Oliveira 2008 134-135 311 Albuquerque 2011 434

94

poreacutem em que o objecto do exame seja uma pessoa que assim se vecirc constrangida a sofrer

ou a suportar uma actividade de investigaccedilatildeo sobre si mesma o exame constitui um

verdadeiro meio de coacccedilatildeo processualrdquo312

Depois de analisadas as figuras da diligecircncia de prova periacutecia e exame podemos concluir

que a recolha de impressotildees digitais313 eacute um exame314 Isto porque a sua detecccedilatildeo e

avaliaccedilatildeo natildeo supotildee a existecircncia de especiais conhecimentos teacutecnicos cientiacuteficos ou

artiacutesticos sendo apenas exigiacuteveis conhecimentos comuns ao niacutevel da anatomia humana

Natildeo obstante o que foi dito ateacute agora sobre diligecircncias de prova periacutecias e exames e

nomeadamente sobre o facto de a recolha de impressotildees digitais ser um exame surge-

nos a questatildeo em caso de necessidade de desencriptaccedilatildeo por impressatildeo digital de um

smartphone (no caso concreto da marca Apple) seria esta recolha de impressotildees digitais

(exame) suficiente para o seu desbloqueio

A esta pergunta teremos de responder negativamente Tal como deixamos claro no

Capiacutetulo III do presente estudo e atendendo ao caso concreto do iPhone a tecnologia

usada no fabrico do Touch ID eacute uma das formas mais avanccediladas de hardware e software

alguma vez implementada num smartphone O sensor consegue captar uma imagem de

alta resoluccedilatildeo das camadas subepideacutermicas da pele localizadas em pequenas secccedilotildees da

impressatildeo digital impossibilitando assim que uma reacuteplica da impressatildeo digital do arguido

seja eficaz para a sua desencriptaccedilatildeo

Desta forma a uacutenica maneira eficiente de desencriptar o smartphone seria atraveacutes da

coacccedilatildeo do arguido no sentido de colocar o seu dedo no sensor Mas neste caso

estaremos perante uma periacutecia ou um exame

Ora o acto (compelido) de colocar o dedo no sensor de um smartphone natildeo pode ser

considerado pelo que analisaacutemos anteriormente nem uma periacutecia nem um exame nem

uma declaraccedilatildeo verbal (vg fornecimento da palavra-passe) mas sim uma outra diligecircncia

312 Figueiredo Dias 2004 438-439 313 As impressotildees digitais satildeo consideradas como um vestiacutegio morfoloacutegico Neste sentido cf Ferreira

2014 81 ldquoOs vestiacutegios que podem ser detectados ou ateacute mesmo avaliados em sede de exame podem ser

classificados como fiacutesicos ou materiais (materialmente individualizaacuteveis) ou psiacutequicos ou imateriais

(condutas comportamentais psiacutequicas ou de personalidade) Os vestiacutegios fiacutesicos podem ser divididos em

orgacircnicos ou bioloacutegicos (saliva seacutemen sangue urina secreccedilotildees unhas plantas insectos estupefacientes

entre outros) natildeo orgacircnicos ou natildeo bioloacutegicos (instrumentos fragmentos solos tintas vidros gases

explosivos venenos papel documentos entre outros) morfoloacutegicos (impressotildees digitais palmares e

plantares pegadas rastos marcas de objectos vestiacutegios baliacutesticos entre outros)rdquo 314 Albuquerque 2011 435

95

de prova (al d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP)315 relativamente agrave qual natildeo cabe invocar

o direito ao silecircncio (al d) do nordm 1 do artigo 61ordm do CPP)

Chegados a este ponto resta-nos concluir que ao passo que o fornecimento da palavra-

passe para a desencriptaccedilatildeo de smartphone se reconduz a um acto comunicativo ou

declarativo (al d) do nordm 1 do artigo 61ordm do CPP) a desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes

da colocaccedilatildeo do dedo no sensor para a leitura da impressatildeo digital seraacute uma diligecircncia de

prova (al d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP) E como jaacute deixamos claro nas paacuteginas

anteriores a aacuterea de abrangecircncia do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare natildeo se

restringe agraves declaraccedilotildees orais ndash nomeadamente ao fornecimento de palavra-passe -

proferidas pelo arguido

No entanto conforme assinala Costa Andrade importa reconhecer que existe uma ldquozona

de fronteira e concorrecircncia entre o estatuto do arguido como sujeito processual e o seu

estatuto como objecto de medidas de coacccedilatildeo ou meios de prova Nesta zona cinzenta

deparam-se natildeo raramente situaccedilotildees em que natildeo eacute faacutecil decidir quando se estaacute ainda no

acircmbito [hellip]rdquo de uma diligecircncia de prova admissiacutevel mesmo se coactivamente imposta

ldquo[hellip] ou quando inversamente se invade jaacute o campo da inadmissiacutevel autoincriminaccedilatildeo

coercivardquo316 Assim a legitimidade destas diligecircncias depende da questatildeo de saber se a

sua realizaccedilatildeo ainda eacute compatiacutevel com o estatuto de sujeito processual do arguido ou se

traduz antes uma degradaccedilatildeo deste agrave condiccedilatildeo de objecto do processo317

Eacute ainda de ressalvar que atendendo ao facto de que o proacuteprio direito ao silecircncio conferido

ao arguido em sede de processo criminal natildeo eacute absoluto ou seja pode ser limitado

podemos afirmar tambeacutem que o proacuteprio fornecimento de palavra-passe (declaraccedilatildeo) para

a desencriptaccedilatildeo de smartphone pode gerar algumas duacutevidas nomeadamente quanto agrave

questatildeo de saber ateacute que ponto estaacute ou natildeo violado o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo

nesta situaccedilatildeo

Por conseguinte coloca-se a pergunta de que criteacuterio ou criteacuterios deve entatildeo o inteacuterprete

socorrer-se para aquilatar se a revelaccedilatildeo da palavra-passe ou a desencriptaccedilatildeo por leitura

315 Em sentido semelhante mas relativamente agrave recolha de autoacutegrafos Cruz Bucho afirma que ldquo[hellip] num

caso de recolha de autoacutegrafos natildeo estamos perante declaraccedilotildees verbais do arguido mas sim perante uma

diligecircncia de prova relativamente agrave qual natildeo cabe invocar o direito ao silecircnciordquo Cf Cruz Bucho 2013 34 316 Costa Andrade 1992 127 317 Silva DiasRamos 2009 21-22

96

da impressatildeo digital do arguido se encontram ou natildeo abrangidos pelo princiacutepio nemo

tenetur se ipsum accusare

Para respondermos a esta questatildeo analisaremos no proacuteximo ponto os criteacuterios

apresentados pela doutrina e jurisprudecircncia nacionais e internacionais

4 Criteacuterios para a determinaccedilatildeo de violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum

accusare

A delimitaccedilatildeo da aacuterea de tutela do nemo tenetur se ipsum accusare eacute como se intui tarefa

revestida da maior dificuldade e simultaneamente do mais significativo relevo Para o

efeito impotildee-se a definiccedilatildeo de um criteacuterio apto a discernir nas zonas criacuteticas de fronteira

entre a colaboraccedilatildeo coercivamente imposta proibida e a colaboraccedilatildeo coercivamente

imposta permitida318

Tanto a doutrina quanto a jurisprudecircncia nacionais e internacionais tecircm admitido

diferentes criteacuterios para a determinaccedilatildeo da violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum

accusare Analisaremos de seguida os trecircs criteacuterios defendidos

41 Criteacuterio da dependecircncia e independecircncia da vontade do arguido

Segundo o criteacuterio da dependecircncia e independecircncia da vontade do arguido estariam fora

do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare prestaccedilotildees pessoais exigidas sobre ameaccedila

de sanccedilatildeo mas independentes da vontade do sujeito que natildeo passam por uma colaboraccedilatildeo

espiritual da sua parte319

Este criteacuterio foi defendido inuacutemeras vezes pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos

(TEDH) sendo que o caso emblemaacutetico que lhe deu origem foi o caso Saunders v Reino

Unido320 Ernest Saunders administrador executivo da sociedade Guinness PLC foi

condenado no sistema judicial britacircnico a cinco anos de prisatildeo por conspiraccedilatildeo no crime

de falsificaccedilatildeo de balanccedilo (false accounting) e noutros crimes patrimoniais comuns

(thefts) todos relacionados com uma oferta puacuteblica de aquisiccedilatildeo sobre a Distillers

Company PLC em competiccedilatildeo com a Argyll Group PLC O Tribunal Europeu dos

Direitos Humanos teve de decidir sobre a queixa de Saunders fundada no facto de terem

318 Oliveira Silva 2013 375-376 319 Cruz Bucho 2013 35 320 Acoacuterdatildeo Saunders v Reino Unido de 17 de Dezembro de 1996 disponiacutevel em

httphudocechrcoeintwebservicescontentpdf001-58009TID=thkbhnilzk [consultado em

25012017]

97

sido usadas como prova num processo-crime subsequente as declaraccedilotildees que ele prestara

sob coerccedilatildeo (ie sob cominaccedilatildeo de desobediecircncia) em procedimento de investigaccedilatildeo

administrativo aos inspectores do Ministeacuterio do Comeacutercio e Induacutestria britacircnico o que

violaria o seu direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo implicitamente consagrado nos nos 1 e 2

do artigo 6ordm da CEDH321

O TEDH comeccedilou por enunciar os corolaacuterios do processo equitativo (artigo 6ordm da CEDH)

ndash o direito ao silecircncio e a prerrogativa contra a autoincriminaccedilatildeo ndash prosseguindo na sua

argumentaccedilatildeo322 afirmando que ldquo[hellip] o direito de natildeo contribuir para a sua proacutepria

incriminaccedilatildeo em especial pressupotildee que em mateacuteria penal a acusaccedilatildeo deve procurar

provar a sua argumentaccedilatildeo sem recorrer a elementos de prova obtidos mediante medidas

coercivas ou opressivas desrespeitando a vontade do arguido Neste sentido este direito

estaacute intimamente ligado ao princiacutepio da presunccedilatildeo da inocecircncia consagrado no paraacutegrafo

2ordm do artigo 6ordm da Convenccedilatildeordquo323 O douto Tribunal acrescenta ainda ndash numa foacutermula

que se tornou claacutessica pois perde-se a conta agraves vezes em que jaacute tem sido citada ndash que tal

como eacute comummente entendido na generalidade dos sistemas juriacutedicos das Partes

contratantes da Convenccedilatildeo o direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo natildeo abrange a utilizaccedilatildeo

em quaisquer processos penais de elementos susceptiacuteveis de serem obtidos do acusado

atraveacutes do exerciacutecio de poderes compulsivos contando que a respectiva existecircncia seja

ldquoindependente da vontade do suspeitordquo324 tais como documentos apreendidos em buscas

321 Sousa Mendes 2017 212 322 Ramos 2007 94 323 ldquoThe Court recalls that although not specifically mentioned in Article 6 of the Convention (art 6) the

right to silence and the right not to incriminate oneself are generally recognised international standards which lie at the heart of the notion of a fair procedure under Article 6 (art 6) Their rationale lies inter

alia in the protection of the accused against improper compulsion by the authorities thereby contributing

to the avoidance of miscarriages of justice and to the fulfilment of the aims of Article 6 (art 6) (see the

above-mentioned John Murray judgment p 49 para 45 and the above-mentioned Funke judgment p 22

para 44) The right not to incriminate oneself in particular presupposes that the prosecution in a criminal

case seek to prove their case against the accused without resort to evidence obtained through methods of

coercion or oppression in defiance of the will of the accused In this sense the right is closely linked to the

presumption of innocence contained in Article 6 para 2 of the Convention (art 6-2)rdquo Cf paraacutegrafo 68 do

Acoacuterdatildeo Saunders v Reino Unido de 17 de Dezembro de 1996 disponiacutevel em

httphudocechrcoeintwebservicescontentpdf001-58009TID=thkbhnilzk [consultado em

25012017] 324 ldquoThe right not to incriminate oneself is primarily concerned however with respecting the will of an

accused person to remain silent As commonly understood in the legal systems of the Contracting Parties

to the Convention and elsewhere it does not extend to the use in criminal proceedings of material which

may be obtained from the accused through the use of compulsory powers but which has an existence

independent of the will of the suspect such as inter alia documents acquired pursuant to a warrant breath

blood and urine samples and bodily tissue for the purpose of DNA testingrdquo Cf paraacutegrafo 69 do Acoacuterdatildeo

Saunders v Reino Unido de 17 de Dezembro de 1996 disponiacutevel em

httphudocechrcoeintwebservicescontentpdf001-58009TID=thkbhnilzk [consultado em

25012017]

98

amostras de sangue ou de urina e tecidos corporais para testes de ADN325 Eacute evidente

portanto que os reconhecimentos ou intervenccedilotildees sobre o corpo humano com fins de

investigaccedilatildeo penal natildeo estatildeo protegidos pelo direito ao silecircncio agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo

ou a natildeo se confessar culpado326

O Tribunal decidiu por conseguinte que o princiacutepio do processo equitativo tal como

previsto no nordm 1 do artigo 6ordm da CEDH tinha sido violado Agrave conta do obter dictum sobre

as provas existentes independentemente da vontade do acusado327 o presente acoacuterdatildeo

tornar-se-ia o caso de referecircncia para a defesa do criteacuterio da dependecircncia e independecircncia

da vontade do arguido

Este criteacuterio voltou a ser utilizado nos casos Quinn v Irlanda328 PG et JH v Reino

Unido329 Shannon v Reino Unido330 e reafirmado no importante caso Jalloh v

Alemanha331 Neste uacuteltimo caso o TEDH procedeu agrave delimitaccedilatildeo do campo de aplicaccedilatildeo

do princiacutepio da natildeo-autoincriminaccedilatildeo consagrado no artigo 6ordm da Convenccedilatildeo

considerando que o mesmo apesar de se relacionar em primeira linha com o respeito pela

vontade do acusado em permanecer em silecircncio em face de perguntas que lhe satildeo

colocadas e de natildeo ser compelido a prestar declaraccedilotildees abrange ainda outros casos em

que a coacccedilatildeo tenha sido exercida pelas autoridades sobre o acusado para obter prova332

Os casos ainda abrangidos pelo acircmbito de incidecircncia do princiacutepio da natildeo-

autoincriminaccedilatildeo correspondem segundo o TEDH agraves hipoacuteteses de intimaccedilatildeo para

entrega atraveacutes de prendimentos coercivos de prova documental potencialmente

autoincriminatoacuteria natildeo se estendendo jaacute ao material susceptiacutevel de ser obtido do acusado

atraveacutes do exerciacutecio de poderes compulsivos mas cuja existecircncia eacute independente da

325 Costa 2011 156 326 Rodrigues 2008 197-198 327 Sousa Mendes 2017 214 328 Acoacuterdatildeo Quinn v Irlanda de 21 de Dezembro de 2000 disponiacutevel em

httphudocechrcoeintengitemid[001-59098] [consultado em 25012017] 329 Acoacuterdatildeo PG e JH v Reino Unido de 25 de Setembro de 2001 disponiacutevel em

httphudocechrcoeintappconversionpdflibrary=ECHRampid=002-5500ampfilename=002-

5500pdfampTID=ihgdqbxnfi [consultado em 25012017] 330 Acoacuterdatildeo Shannon v Reino Unido de 4 de Outubro de 2005 disponiacutevel em

httphudocechrcoeintwebservicescontentpdf001-70364TID=ihgdqbxnfi [consultado em

25012017] 331 Acoacuterdatildeo Jalloh v Alemanha de 11 de Julho de 2006 disponiacutevel em

httpswcdcoeintViewDocjspp=ampid=1018815ampSite=COEampdirect=true [consultado em 25012017] 332 Costa 2011 156 Ashworth 2008 773

99

vontade do suspeito tal como documentos apreendidos em buscas amostras de sangue

ou urina e tecidos corporais para testes de ADN333

No que concerne agrave jurisprudecircncia nacional tambeacutem o Tribunal Constitucional perfilhou

em tempos este entendimento ao sublinhar no seu Acoacuterdatildeo nordm 1552007 que entende

ldquo[hellip] que o direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo se refere ao respeito pela vontade do arguido

em natildeo prestar declaraccedilotildees natildeo abrangendo [hellip] o uso em processo penal de elementos

que se tenham obtido do arguido por meio de poderes coercivos mas que existam

independentemente da vontade do sujeito como eacute o caso por exemplo e para o que agora

nos importa considerar da colheita de saliva para efeitos de realizaccedilatildeo de anaacutelises de

ADNrdquo334 O Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora acrescenta ainda que ldquoNa essecircncia o

privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo estaacute associado a um depoimento e natildeo a uma prova

de natureza fiacutesica mas abrange a obrigatoriedade de apresentaccedilatildeo de documentaccedilatildeo

incriminadorardquo335

Eacute tambeacutem este o criteacuterio adoptado maioritariamente pela doutrina e jurisprudecircncia norte-

americanas como jaacute tivemos oportunidade de mencionar no Capiacutetulo I da presente

investigaccedilatildeo No entanto a adopccedilatildeo deste criteacuterio em territoacuterio norte-americano faz-se

em termos ligeiramente diferentes aos defendidos pelo Tribunal Europeu dos Direitos

Humanos

A construccedilatildeo largamente dominante no contexto juriacutedico norte-americano assenta como

vimos anteriormente na dicotomia entre os elementos probatoacuterios de tipo declarativo

(testimonial) ou comunicativo (communicative) e os elementos probatoacuterios fiacutesicos

circunscrevendo-se agraves provas da primeira espeacutecie a operatividade do privileacutegio contra a

autoincriminaccedilatildeo336

333 Criticando a distinccedilatildeo entre declaraccedilotildees orais e os elementos de prova enunciados com base no criteacuterio

da sua existecircncia independente da vontade do arguido cf Silva DiasRamos 2009 24 334 Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1552007 de 2 de Marccedilo de 2007 disponiacutevel em

httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20070155html [consultado em 25012017] Neste

sentido vatildeo tambeacutem o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de 15 de Novembro de 2011 disponiacutevel

em httpwwwdgsiptjtrensf134973db04f39bf2802579bf005f080b3475e69cdc8de87380257de10056f84a

OpenDocument [consultado 25012017] e o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de 21 de Abril de

2015 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrensf134973db04f39bf2802579bf005f080b21398dcfc4605f1980257e43003306a9

OpenDocument [consultado em 25012017] 335 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de 11 de Outubro de 2011 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrensf134973db04f39bf2802579bf005f080b3693bad042ba17bb80257de10056f62e

OpenDocument [consultado em 25012017] 336 Oliveira Silva 2013 376

100

Apesar da ratio do criteacuterio ser a mesma o sistema juriacutedico norte-americano natildeo faz

menccedilatildeo aos elementos probatoacuterios ldquodependentes da vontade do arguidordquo fazendo ao

inveacutes referecircncia aos elementos probatoacuterios que pressuponham o recurso ao ldquoconteuacutedo da

mente do arguidordquo337

Em uacuteltima anaacutelise podemos concluir que satildeo meramente duas expressotildees distintas - mas

integralmente interligadas - que culminam no mesmo entendimento nenhuma prova

incriminatoacuteria que dependa de alguma maneira inteiramente do arguido (da sua

mentevontade) pode ser compelida Quanto agrave interligaccedilatildeo ou se preferirmos agrave

subordinaccedilatildeo entre as duas expressotildees ndash dependecircncia da vontade do arguido e revelaccedilatildeo

do conteuacutedo da sua mente ndash fica claro que eacute necessaacuterio que se faccedila uso da vontade para

que algueacutem possa revelar ainda que coercivamente qualquer conteuacutedo da sua mente

Assim segundo este criteacuterio a recolha coerciva de um elemento probatoacuterio inteiramente

dependente de alguma maneira do arguido (da sua mentevontade) seraacute violadora do

princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo Por outro lado se essa recolha de prova natildeo estiver

dependente de alguma maneira do arguido (da sua mentevontade) podemos concluir

pela natildeo violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur

Chegados a este ponto resta-nos entatildeo apurar se a revelaccedilatildeo coagida da palavra-passe ou

a desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido satildeo ou

natildeo condutas violadoras do princiacutepio nemo tenetur com base neste criteacuterio da dependecircncia

e independecircncia da vontade do arguido

No que concerne ao fornecimento coagido de palavra-passe para desencriptaccedilatildeo de um

smartphone a doutrina norte-americana tende a fazer uma analogia entre a palavra-passe

e uma combinaccedilatildeo de um cofre338 defendendo que o fornecimento da palavra-passe seraacute

um elemento probatoacuterio declarativo (testimonial) 339

337 Mesquita 2011 560 338 ldquoA passphrase is more analogous to a combination to a safe in the sense that both exist only in the mind

of the individualrdquo Cf Duong 2009 349-350 339 ldquoA combination metaphor to a safe more accurately captures a passwordrsquos testimonial nature because a combination is something that is in onersquos mindrdquo Cf Kiok 2015 77 Neste sentido vatildeo tambeacutem Wiseman

2014 29 Disponiacutevel em httpsworksbepresscomtimothy_wiseman2 [consultado em 26012017]

Thompson IIJaikaran 2016 12 Engel 2012 107-108 MohanVillasenor 2012 24-25 Poreacutem existe

alguma doutrina ainda que claramente minoritaacuteria que defende a ideia de que mesmo contra a vontade do

arguido a proacutepria revelaccedilatildeo pode ser legalmente compelida Cf Terzian 2014 305 Na esteira do

defendido pela maioria da doutrina norte-americana tambeacutem a jurisprudecircncia parece ir no mesmo sentido

ldquoforcing the Defendant to reveal the passwordhellip requires Defendant to communicate lsquoknowlegdersquordquo Cf

United States v Kirschner 2010 Disponiacutevel em

httpswwwravellawcomopinions789d10be33066b73e4377a26bf5c574a [consultado em 26012017]

101

O arguido ao fornecer sob coacccedilatildeo a palavra-passe que desencripta o seu smartphone

seja pela via oral escrita ou gestual estaraacute necessariamente a fazer uso da sua vontade

Ou seja para o fornecimento da palavra-passe o arguido tem de revelar o conteuacutedo da sua

mente e essa revelaccedilatildeo estaacute como jaacute adiantaacutemos anteriormente totalmente condicionada

pela sua vontade em auxiliar ou natildeo a investigaccedilatildeo340

Assim natildeo podemos caracterizar esta conduta de revelaccedilatildeo da palavra-passe seja de que

modo for como um qualquer acto fiacutesico independente da vontade do arguido341 Isto

porque seria impossiacutevel para as autoridades judiciaacuterias forccedilarem o arguido a divulgar

algo sobre o qual tenha conhecimento342

Jaacute no que diz respeito agrave desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da colocaccedilatildeo do dedo do

arguido no sensor para a leitura da sua impressatildeo digital o resultado eacute diacutespar Se por um

lado podiacuteamos fazer uma analogia entre a divulgaccedilatildeo da palavra-passe e a divulgaccedilatildeo de

uma combinaccedilatildeo de um cofre por outro podemos aqui falar segundo o entendimento da

doutrina norte-americana numa analogia entre a desencriptaccedilatildeo de um smartphone

atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido e a entrega de uma chave de um cofre343

Contrariamente ao fornecimento de palavra-passe a desencriptaccedilatildeo do smartphone

atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido configura um acto inteiramente fiacutesico

que compara apenas a impressatildeo digital lida com a impressatildeo digital armazenada no

dispositivo344 O acto de colocar o dedo no sensor do smartphone para possibilitar a sua

desencriptaccedilatildeo natildeo exige qualquer tipo de divulgaccedilatildeo do conteuacutedo da mente do

arguido345 E uma vez que as entidades judiciaacuterias podem simplesmente agarrar no dedo

ldquo[hellip] the production was testimonial because the decryption password require the appellant to use lsquothe

contents of the mindrsquo to produce information that could be incriminatingrdquo Cf Fisher v United States

1976 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus425391casehtml [consultado em

26012017] 340 Wiseman 2015 548-549 341 Bales 2012 1302-1303 342 Hustle 2014 2 Disponiacutevel em httprebelpunditcombiometrics-and-the-constitution-why-

fingerprints-are-less-secure-than-passwords [consultado em 26012017] ldquo[hellip] using a decryption

password requires sufficiently great mental use [hellip]rdquo Cf Terzian 2015 1136 343 Thompson IIJaikaran 2016 14 344 Sales 2014 222-223 345 Goldman 2015 218 Neste sentido vatildeo tambeacutem Silver 2012 814 Wilson 2015 28-29 Na esteira do

defendido pela doutrina tambeacutem a jurisprudecircncia norte-americana vem afirmar que ldquo[hellip] fingerprints are

not deemed testimonial and therefore not subject to Fifth Amendment protection [hellip] a fingerprint can be

compelled even though it is being used to open the cell phone The passcode is more like a combination to

a safe and the fingerprint is more like a keyrdquo Cf Commonwealth of Virginia v David Charles Baust 2014

Disponiacutevel em httpsconsumermediallcfileswordpresscom201411245515028-fingerprint-unlock-

rulingpdf [consultado em 26012017] Pode ser consultado no Anexo I da presente Dissertaccedilatildeo Cf State

of Minnesota v Matthew Vaughn Diamond 2017 Disponiacutevel em httpmngovlaw-library-

102

do arguido e colocaacute-lo no sensor natildeo podemos semelhantemente falar numa

dependecircncia da sua vontade

Assim sendo a desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do

arguido um acto fiacutesico independente da sua vontade podemos admitir que natildeo haveraacute

aqui segundo este criteacuterio uma violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare

Em sentido inverso o fornecimento da palavra-passe sendo um acto que depende

obrigatoriamente da vontade do arguido seraacute violador segundo este criteacuterio do princiacutepio

contra a autoincriminaccedilatildeo se for compelido pelas autoridades judiciaacuterias

Natildeo obstante o que ficou dito sobre o criteacuterio da dependecircncia e independecircncia da vontade

do arguido defendido tanto pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos como pela

jurisprudecircncia e doutrina maioritaacuteria norte-americanas vaacuterias criacuteticas surgem contra esta

tese

De facto natildeo partilhamos desta linha argumentativa ndash fraacutegil no nosso entender -

defendida vaacuterias vezes pelo Tribunal Constitucional portuguecircs de que ldquoo direito agrave natildeo-

autoincriminaccedilatildeo se refere ao respeito pela vontade do arguido em natildeo prestar

declaraccedilotildees natildeo abrangendo [hellip] o uso em processo penal de elementos que se tenham

obtido do arguido por meio de poderes coercivos mas que existam independentemente

da vontade do sujeitordquo346

Esta concepccedilatildeo altamente restritiva do conceito do nemo tenetur se ipsum accusare

permite que o arguido seja o objecto de prova em todas as situaccedilotildees nas quais natildeo se exija

a prestaccedilatildeo de declaraccedilotildees O princiacutepio ficaria cingido agraves declaraccedilotildees orais coincidindo

praticamente com o direito ao silecircncio347 E limitar o princiacutepio ao direito ao silecircncio eacute

desprovecirc-lo de todo o seu conteuacutedo e alcance praacutetico348

Por outro lado parece irrefutaacutevel que as declaraccedilotildees orais natildeo satildeo o uacutenico meio atraveacutes

do qual algueacutem se pode autoincriminar jaacute que natildeo se vecirc como algueacutem que eacute alvo de uma

qualquer ingerecircncia corporal natildeo estaraacute a contribuir para a sua autoincriminaccedilatildeo

sobretudo se a prova a final apenas vier a assentar em tal meio de prova que de outro

statarchivectappub2017OPa152075-011717pdf [consultado em 26012017] Pode ser consultado no

Anexo II da presente Dissertaccedilatildeo 346 Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1552007 de 2 de Marccedilo de 2007 disponiacutevel em

httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20070155html [consultado em 31012017] 347 Silva DiasRamos 2009 24 348 Cruz 2011 71

103

modo natildeo existiria Do que se trata eacute de se colocar a ldquofalar o corpordquo quando o titular

desse corpo pretende calar349

Posto isto analisadas que estatildeo as criacuteticas relativas a este criteacuterio passaremos agrave

apreciaccedilatildeo de um segundo criteacuterio defendido pela doutrina e jurisprudecircncia nacionais e

internacionais

42 Criteacuterio da conduta activa e toleracircncia passiva

O segundo criteacuterio adoptado pelo Tribunal Constitucional alematildeo e pela generalidade da

doutrina alematilde assenta na distinccedilatildeo entre conduta activa e toleracircncia passiva De acordo

com este criteacuterio ningueacutem poderaacute ser coactivamente obrigado a contribuir activamente

para a sua proacutepria condenaccedilatildeo em processo criminal350 - seja declarando contra si mesmo

seja realizando algum outro tipo de actividade que contribua para a investigaccedilatildeo e

comprovaccedilatildeo do crime imputado

No panorama juriacutedico alematildeo a doutrina tradicional e (ainda) dominante aponta como

criteacuterio delimitador do princiacutepio nemo tenetur a ldquoqualidade da condutardquo

(ldquoHandlungsqualitaumltrdquo) esperada do arguido distinguindo entre os meros deveres de

toleracircncia passiva (ldquopassive Duldungspflichtenrdquo) e as obrigaccedilotildees de colaboraccedilatildeo activa

(ldquoaktive Mitwirkungspflichtenrdquo)351 A colaboraccedilatildeo activa seraacute segundo esta doutrina

tradicional inexigiacutevel ao arguido existindo um direito de oposiccedilatildeo agrave colaboraccedilatildeo activa

(Mitwirkungsverweigerungsrecht) porquanto esta seria violadora do princiacutepio nemo

tenetur se ipsum accusare352

Nesta esteira de ideias se ao arguido se impusesse a colaboraccedilatildeo mediante uma conduta

activa tal seria susceptiacutevel de ferir o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo se ao inveacutes se

lhe impusesse meramente que tolerasse uma determinada actividade natildeo haveria

qualquer colisatildeo com o direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo que lhe assiste natildeo configurando

assim uma manifestaccedilatildeo inadmissiacutevel de autoincriminaccedilatildeo353

A referida diferenciaccedilatildeo fenomenoloacutegica assenta na premissa filosoacutefica de que a

liberdade de vontade constitui a expressatildeo mais nuclear da personalidade humana por

349 Rodrigues 2008 198 350 Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 3402013 de 17 de Junho de 2013 disponiacutevel em

httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20130340html [consultado em 31012017] 351 Oliveira Silva 2013 376-377 352 Pinto 2013 97 353 Agostinho 2014 112

104

contraposiccedilatildeo com a existecircncia fiacutesicacorpoacuterea E tem como certa a ideia de que a

autonomia pessoal eacute mais severamente atingida se o arguido for forccedilado a colaborar com

o Estado na proacutepria perseguiccedilatildeo criminal sob a forma de uma acccedilatildeo positiva do que nos

casos em que o seu corpo eacute simplesmente manipulado pelas autoridades impondo-se-lhe

o dever de tolerar a intervenccedilatildeo (mas jaacute natildeo a de coadjuvar)354

Claus Roxin defensor desta teoria adianta que o arguido natildeo tem o dever de auxiliar as

autoridades judiciaacuterias de forma activa no entanto deve tolerar natildeo apenas as

investigaccedilotildees relativas agrave sua vida privada mas tambeacutem as intervenccedilotildees fiacutesicas sobre o

seu corpo que podem facilmente consubstanciar uma contribuiccedilatildeo decisiva para a prova

da sua culpabilidade355

Eacute de notar que o Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto num acoacuterdatildeo relativamente recente parece

acolher esta distinccedilatildeo356 Neste caso jurisprudencial estaria em causa a legitimidade da

recusa do arguido em se sujeitar agrave recolha de autoacutegrafos e a legitimidade da cominaccedilatildeo

dessa recusa com o crime de desobediecircncia No acoacuterdatildeo recorrido o Tribunal de 1ordf

instacircncia afasta categoricamente toda a colaboraccedilatildeo qualificada como activa O acoacuterdatildeo

do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto acaba por confirmar o acoacuterdatildeo recorrido mas eacute mais

comedido do que o Tribunal de 1ordf instacircncia temperando o argumento da colaboraccedilatildeo

activa com o princiacutepio da legalidade357

Fazendo apelo a este segundo criteacuterio importa agora perceber se o fornecimento da

palavra-passe e a desencriptaccedilatildeo atraveacutes da impressatildeo digital seriam ou natildeo condutas

violadoras do princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo

As coisas satildeo particularmente oacutebvias quando se trata de obter por coacccedilatildeo declaraccedilotildees

incriminadoras do arguido358 Assim segundo o criteacuterio da conduta activa e toleracircncia

passiva o arguido natildeo poderaacute ser compelido a revelar a palavra-passe que desencripta o

seu smartphone essencial para os investigadores criminais terem raacutepido acesso agrave

354 Oliveira Silva 2015 575-576 355 Cf Roxin 2009 98 356 ldquoMesmo que o recorrente natildeo concorde natildeo podemos esquecer que aqui a recolha de autoacutegrafos implica uma acccedilatildeo positiva do arguido (contra a sua vontade) que natildeo se confunde com ldquoo mero tolerar passivo da

actividade de terceirordquo vg que decorre da execuccedilatildeo de decisatildeo de juiz a ldquocompelirrdquo agrave sujeiccedilatildeo a exame

tal como hoje se prevecirc expressamente nos nos 1 e 2 do artigo 172ordm do CPP (estabelecendo-se ainda que eacute

correspondentemente aplicaacutevel o disposto no nordm 2 do artigo 154ordm e nos nos 5 e 6 do artigo 156ordm do mesmo

coacutedigo)rdquo Cf Acoacuterdatildeo da Relaccedilatildeo do Porto de 28 de Janeiro de 2009 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrpnsf56a6e7121657f91e80257cda00381fdff861aadc84da529a8025754e0054040e

OpenDocument [consultado em 31012017] 357 Pinto 2013 97-98 358 Costa Andrade 1992 128

105

informaccedilatildeo nele contida por ser ilegitimamente obrigado a colaborar ou a contribuir

activamente para a sua incriminaccedilatildeo359

Quanto agrave desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido

a situaccedilatildeo eacute mais duacutebia Isto porque como frisaacutemos anteriormente o arguido pode por

sua livre vontade colocar o dedo no sensor para permitir a leitura da sua impressatildeo digital

possibilitando assim a desencriptaccedilatildeo do dispositivo No entanto o mesmo arguido pode

optar por se opor a colocar o dedo no sensor restando agraves autoridades a alternativa de

forccedilarem a desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da colocaccedilatildeo coactiva do seu dedo no

sensor E se por um lado podemos classificar a primeira conduta como uma conduta

activa por outro podemos qualificar a segunda como uma conduta passiva

A desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido eacute um

exemplo tiacutepico de uma das criacuteticas feitas a este criteacuterio da conduta activa e toleracircncia

passiva um criteacuterio que estaacute longe de concitar um aplauso paciacutefico entre Autores e

tribunais Eacute certo que ldquofazerrdquo eacute diferente de ldquodeixar fazerrdquo que o direito (nomeadamente

o direito penal) valora de modo diferente condutas activas e condutas omissivas No

entanto este criteacuterio de averiguaccedilatildeo da conformidade com o princiacutepio nemo tenetur

manifesta-se insatisfatoacuterio360

Na verdade este segundo criteacuterio tem sido qualificado como simplista e de difiacutecil

aplicaccedilatildeo praacutetica361 pela dificuldade em diferenciar sob o prisma fenomenoloacutegico entre

actos de colaboraccedilatildeo activa e meros estados passivos de toleracircncia362

Acompanhamos Wolfslast quando afirma que ldquonatildeo se eacute apenas instrumento da proacutepria

condenaccedilatildeo quando se colabora mediante uma conduta activa querida e livre mas

tambeacutem quando [hellip] contra vontade uma pessoa tem de tolerar que o proacuteprio corpo seja

utilizado como meio de provardquo363 De resto acrescenta seraacute difiacutecil discernir porque eacute que

a dignidade humana do arguido soacute eacute atingida quando forccedilado a uma acccedilatildeo e natildeo jaacute quando

compelido a ter de tolerar uma acccedilatildeo O tormento a humilhaccedilatildeo de ter de ser instrumento

contra si proacuteprio podem em caso de passividade forccedilada e verificadas certas

circunstacircncias ser maiores do que em caso de colaboraccedilatildeo activa364

359 Haddad 2003 42-43 360 Fidalgo 2006 141 361 Cruz Bucho 2013 46 Pinto 2013 98 362 Oliveira Silva 2015 580 363 Wolfslast 1987 103 364 Wolfslast 1987 104

106

Como bem refere Sandra Oliveira e Silva ldquoa distinccedilatildeo conceitual-positivista entre acccedilatildeo

e omissatildeo eacute inadequada para estabelecer valoraccedilotildees juriacutedicas distintas Em causa estatildeo

conceitos intercambiaacuteveis de acordo com a conclusatildeo pretendida pelo inteacuterprete E ainda

que se pudesse obter um consenso sobre o sentido a adoptar em cada caso natildeo deixa de

ser possiacutevel interpretar indistintamente determinados comportamentos como acccedilatildeo ou

omissatildeo e as correspondentes obrigaccedilotildees como importando uma colaboraccedilatildeo activa ou

uma simples toleracircncia passivardquo365

No que concerne agraves inconsistecircncias deste criteacuterio no plano teoacuterico importa voltar a

mencionar a ideia de que o nemo tenetur pretende preservar o arguido do ldquotrilemardquo da

escolha entre trecircs males poupaacute-lo agrave experiecircncia degradante de ser obrigado a colocar nas

matildeos das autoridades de perseguiccedilatildeo criminal o material probatoacuterio para a sua

incriminaccedilatildeo366 Acreditamos na esteira do defendido por Sandra Oliveira e Silva que eacute

difiacutecil discernir as razotildees pelas quais o sentimento de humilhaccedilatildeo soacute se manifesta se o

arguido for obrigado a entregar o material incriminador pelos seus proacuteprios meios e natildeo

tambeacutem nas hipoacuteteses em que as informaccedilotildees satildeo extraiacutedas agrave forccedila do seu corpo367

nomeadamente atraveacutes da utilizaccedilatildeo da sua impressatildeo digital para desencriptar um

smartphone onde estaratildeo armazenadas informaccedilotildees iacutentimas e possivelmente

incriminatoacuterias Quer no caso de uma conduta activa quer no caso de toleracircncia passiva

o arguido tem plena consciecircncia de ser obrigado a contribuir contra a sua vontade para a

obtenccedilatildeo de provas incriminatoacuterias

Tambeacutem a jurisprudecircncia nacional se tem pronunciado ainda que em pouca escala sobre

este criteacuterio defendido pela doutrina e jurisprudecircncia alematildes O Tribunal Constitucional

no seu acoacuterdatildeo nordm 1552007 refere-se a propoacutesito da colheita de saliva para efeitos de

realizaccedilatildeo de anaacutelises de ADN que esta ldquoindependentemente de natildeo requerer apenas um

comportamento passivo natildeo se pode catalogar como obrigaccedilatildeo de autoincriminaccedilatildeordquo368

Esta expressatildeo parece apontar para a conclusatildeo de que o criteacuterio conduta activatoleracircncia

passiva natildeo tem relevacircncia no sistema juriacutedico nacional na medida em que o douto

Tribunal aceita a existecircncia de um caso de colaboraccedilatildeo activa do arguido natildeo o afastando

imediata e categoricamente depois de o qualificar como tal369 Mais recentemente o

365 Oliveira Silva 2015 583-584 366 Costa Andrade 2014 143-144 367 Oliveira Silva 2015 590 368 Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1552007 de 2 de Marccedilo de 2007 disponiacutevel em

httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20070155html [consultado em 01022017] 369 Pinto 2013 99

107

Supremo Tribunal de Justiccedila no seu acoacuterdatildeo nordm 142014 veio destacar a difiacutecil

praticabilidade deste criteacuterio ldquopor nem sempre ser viaacutevel e nem visiacutevel a distinccedilatildeo entre

as duas formas procedimentais por ser demasiado simplista natildeo conducente a resultados

seguros sequer aceitaacuteveisrdquo370 O Supremo Tribunal atesta ainda que ldquona verdade parece

evidente que mesmo em casos havidos classicamente de toleracircncia passiva natildeo deixa de

coexistir uma participaccedilatildeo activa como eacute o caso da sujeiccedilatildeo a recolha de sangue saliva

urina corte de cabelo de tecidos corporais aacutelcool no sangue a partir do ar expirado ou

do sangue etc em que sem a colaboraccedilatildeo (necessariamente activa) do arguido expondo

voluntariamente o seu corpo fica comprometido o resultado a alcanccedilarrdquo371

Em conclusatildeo podemos afirmar que dadas as dificuldades de aplicaccedilatildeo fragilidades e

inconsistecircncias do criteacuterio da conduta activa e toleracircncia passiva este natildeo poderaacute ser

considerado como um meacutetodo viaacutevel para traccedilar a linha de fronteira entre a colaboraccedilatildeo

admissiacutevel e a inadmissiacutevel Por esse motivo estas dificuldades tecircm conduzido a doutrina

e jurisprudecircncia nacionais ao esboccedilo de um terceiro criteacuterio de delimitaccedilatildeo e ao

progressivo abandono do binoacutemio actividadepassividade

43 Criteacuterio da ponderaccedilatildeo de bens

A doutrina e jurisprudecircncia constitucional portuguesas tecircm vindo a adoptar o criteacuterio da

ponderaccedilatildeo de bens para delimitar a aacuterea de tutela do nemo tenetur se ipsum accusare

Sem embargo antes de procedermos agrave anaacutelise deste criteacuterio impera que se estabeleccedila a

priori uma distinccedilatildeo relativa agrave natureza dos direitos fundamentais ou mais

rigorosamente agrave natureza das normas de direitos fundamentais que possam entrar em

conflito

431 A distinccedilatildeo entre normas-regras e normas-princiacutepios

Grande parte da doutrina nacional e internacional defende a distinccedilatildeo niacutetida entre regras

e princiacutepios Distinccedilatildeo segundo Alexy sem a qual natildeo poderia existir uma teoria

adequada dos limites dos direitos fundamentais nem uma teoria satisfatoacuteria da colisatildeo

entre direitos fundamentais nem tatildeo pouco uma teoria suficiente acerca do papel

desempenhado por estes direitos no sistema juriacutedico372 Esta construccedilatildeo foi globalmente

370 Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro de 2014 disponiacutevel em

httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 01022017] 371 Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro de 2014 disponiacutevel em

httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 01022017] 372 Alexy 2008 63

108

desenvolvida na deacutecada de oitenta por Alexy inspirado no pensamento de Dworkin e

nas suas distinccedilotildees entre ldquorulesrdquo e ldquoprinciplesrdquo

Segundo Dworkin a distinccedilatildeo loacutegica entre regras e princiacutepios manifesta-se na diferente

forma de aplicaccedilatildeo e de colisatildeo que por sua vez se funda na seguinte diferenccedila essencial

enquanto que a dimensatildeo fundamental das regras eacute a da validade a dos princiacutepios eacute o

peso373 Assim um conflito de regras seria decidido atraveacutes da dimensatildeo determinante da

validade implicando a eliminaccedilatildeo na ordem juriacutedica da regra contraacuteria invaacutelida ao passo

que uma colisatildeo de princiacutepios diferentemente seria decidida em funccedilatildeo do peso relativo

que cada um deles apresenta no caso concreto (dimension of weight) implicando a

cedecircncia do princiacutepio mais fraco nesse caso sem a sua exclusatildeo da ordem juriacutedica374

Para Alexy as regras satildeo normas que exigem algo de modo definitivo satildeo comandos

definitivos Se uma regra eacute vaacutelida e estatildeo reunidas as condiccedilotildees para a sua aplicaccedilatildeo

entatildeo deve ser feito exactamente o que ela exige Se isso for feito a regra eacute cumprida se

isso natildeo for feito a regra eacute violada375 Pelo contraacuterio os princiacutepios satildeo mandados de

optimizaccedilatildeo Como tal eles exigem que algo seja feito na maacutexima extensatildeo possiacutevel de

acordo com as possibilidades de facto e de direito existentes376

Neste sentido a diferenccedila entre regras e princiacutepios permanece para Alexy tal como para

Dworkin uma diferenccedila qualitativa e natildeo gradativa sendo qualquer norma ou uma regra

ou um princiacutepio377

Jaacute na doutrina nacional Jorge Reis Novais afirma que a diferenccedila entre regras e

princiacutepios eacute determinada pelo meacutetodo de aplicaccedilatildeo que seria a ponderaccedilatildeo nos princiacutepios

e a subsunccedilatildeo nas regras378

De acordo com estas distinccedilotildees entre normas-regras e normas-princiacutepios facilmente se

depreende que o nemo tenetur se ipsum accusare seria qualificado como um princiacutepio e

natildeo uma regra E apresentando este direito fundamental natildeo escrito a natureza de

princiacutepio o nemo tenetur como temos vindo a reiterar ao longo da nossa investigaccedilatildeo

373 Dworkin 1977 35 374 Dworkin 1977 22-26 375 Alexy 2014 818-819 376 Alexy 2014 819 377 Alexy 2008 68 Contra esta ideia vai Jorge Reis Novais ao afirmar que um direito fundamental pode

ser simultaneamente uma regra e um princiacutepio dando como exemplo o direito agrave vida ldquo[hellip] o direito agrave vida

constitucionalmente reconhecido pode ser fundamentalmente considerado como regra como princiacutepio ou

simultaneamente regra e princiacutepio [hellip]rdquo Cf Reis Novais 2010 352 378 Reis Novais 2010 347-348

109

natildeo seraacute absoluto podendo ser alvo de colisotildees com outros princiacutepios Segundo Alexy

quando dois princiacutepios entram em colisatildeo um deles teraacute obrigatoriamente que ceder

perante o outro No entanto isto natildeo significa como se referiu anteriormente que se tenha

de considerar invaacutelido o princiacutepio alvo de cedecircncia379

Efectivamente os defensores dos direitos fundamentais como princiacutepios partem desta

distinccedilatildeo entre regras e princiacutepios para afirmarem que a determinaccedilatildeo do grau adequado

de satisfaccedilatildeo ou de realizaccedilatildeo de um princiacutepio relativamente aos mandados de outros

princiacutepios eacute conseguida atraveacutes da ponderaccedilatildeo380 Ou seja apresentando as normas

constitucionais de direitos fundamentais a natureza de princiacutepios isso significa que os

direitos nelas sustentados soacute se convertem em direitos definitivos depois de passarem pelo

crivo do criteacuterio da ponderaccedilatildeo com os princiacutepios opostos nas circunstacircncias do caso

concreto381 O criteacuterio da ponderaccedilatildeo seraacute assim a forma especiacutefica de aplicaccedilatildeo aos

princiacutepios

Depois de feita a distinccedilatildeo entre normas-regras e normas-princiacutepios e o seu meacutetodo de

resoluccedilatildeo em caso de conflito passaremos agora agrave anaacutelise do criteacuterio da ponderaccedilatildeo

432 A ponderaccedilatildeo enquanto criteacuterio de resoluccedilatildeo de conflitos entre

direitos fundamentais

Sendo o princiacutepio nemo tenetur sujeito a restriccedilotildees natildeo causa estranheza afirmar que o

processo penal eacute foco permanente de tensotildees entre o dever de eficaacutecia que eacute exigido aos

responsaacuteveis pela investigaccedilatildeo criminal e as garantias de defesa que cabem a todos os

arguidos Eacute assim neste acircmbito que assume relevacircncia a ponderaccedilatildeo deste amplo direito

dos arguidos em natildeo colaborar para a autoincriminaccedilatildeo quando em confronto com outros

valores como a eficaacutecia da investigaccedilatildeo criminal e a tutela efectiva da justiccedila382

Augusto Silva Dias e Vacircnia Costa Ramos satildeo dois Autores que perfilham este criteacuterio

como sendo o correcto para a delimitaccedilatildeo entre a coacccedilatildeo permitida e a coacccedilatildeo proibida

Segundo os Autores ldquosempre que o suspeito (ou arguido) seja induzido ou coagido por

forma mais ou menos activa ou mais ou menos intelectualmente elaborada a colaborar

379 Alexy 2008 70 380 Alexy 2014 819 Contra este entendimento vai Vieira de Andrade ao defender que ldquo[hellip] a limitaccedilatildeo

de direitos fundamentais associada ao meacutetodo da ponderaccedilatildeo e da harmonizaccedilatildeo toma um sentido muito

amplo que tende a consumir na colisatildeo de direitos ou de direitos e valores aleacutem dos casos de harmonizaccedilatildeo

a declaraccedilatildeo de limites imanentes e a restriccedilatildeo legislativardquo Cf Vieira de Andrade 2016 266-267 381 Reis Novais 2010 339 382 NevesCorreia 2014 146

110

na sua inculpaccedilatildeo cai-se na esfera de protecccedilatildeo do nemo teneturrdquo383 No entanto estando-

se perante um princiacutepio de natureza natildeo absoluta existe a necessidade de encontrar um

ponto de equiliacutebrio entre as garantias de defesa do arguido e os interesses da investigaccedilatildeo

Com efeito a descoberta da verdade e a correcta realizaccedilatildeo da justiccedila criminal ficariam

seriamente comprometidas caso fossem eliminadas todas as possibilidades de utilizaccedilatildeo

de elementos probatoacuterios provenientes da esfera do arguido ou obtidos com a sua

colaboraccedilatildeo384 Para os Autores citados e para a maioria da doutrina nacional385 o

referido ponto de equiliacutebrio eacute dado pela ideia de concordacircncia praacutetica fundada na

ponderaccedilatildeo de interesses conflituantes386 ldquoPorque nenhum princiacutepio pode pretender na

sua globalidade vigecircncia absolutardquo satildeo legiacutetimas as restriccedilotildees ao nemo tenetur impostas

pela necessidade de salvaguarda de um interesse ou direito concretamente prevalecente

como seraacute o da maacutexima eficaacutecia da administraccedilatildeo da justiccedila na perseguiccedilatildeo dos crimes

mais graves387

De facto ter um direito fundamental significa na sua dimensatildeo subjectiva ter uma

posiccedilatildeo forte de garantia que vincula directamente as entidades puacuteblicas no sentido de

que estas natildeo podem dispor ou intervir livremente sobre ela sem que estejam preenchidos

requisitos constitucionais escritos388 Poreacutem dada a necessidade de essas posiccedilotildees serem

compatibilizadas com outros bens a ponderaccedilatildeo dos bens em conflito parece ser o melhor

procedimento ao inveacutes de um criteacuterio all or nothing389

Neste caso quando os poderes constituiacutedos procedem agrave harmonizaccedilatildeo ou

compatibilizaccedilatildeo de bens natildeo procedem agrave mera declaraccedilatildeo de limites jaacute existentes mas

determinam de uma maneira geral constitutivamente de entre vaacuterias hipoacuteteses de soluccedilatildeo

ao seu dispor o se o como e o quanto da eventual cedecircncia (restriccedilatildeo) dos direitos

383 Silva DiasRamos 2009 29 384 Oliveira Silva 2015 617 385 ldquoA doutrina portuguesa vem aceitando a concepccedilatildeo de Dworkin e de Alexy segundo a qual o Dasein

dos princiacutepios eacute em colisatildeo com outros e o modo de dirimir essa colisatildeo eacute natildeo atraveacutes de um criteacuterio all or

nothing mas por meio de uma compatibilizaccedilatildeo ou concordacircncia praacutetica que visa aplicar todos os princiacutepios

colidentes harmonizando-os entre si na situaccedilatildeo concretardquo Cf Silva DiasRamos 2009 23 386 Neste sentido Gomes Canotilho e Vital Moreira defendem que ldquoa restriccedilatildeo de direitos fundamentais

implica necessariamente uma relaccedilatildeo de conciliaccedilatildeo com outros direitos ou interesses constitucionais e

exige necessariamente uma tarefa de ponderaccedilatildeo ou de concordacircncia praacutetica dos direitos ou interesses em

conflitordquo Cf CanotilhoMoreira 1991 134 387 Silva DiasRamos 2009 34 ldquoO grau dessa restriccedilatildeo depende da importacircncia constitucional dos direitos

ou interesses puacuteblicos colidentes mas nunca pode ir ao ponto de aniquilar o conteuacutedo essencial de qualquer

deles (v nordm 3 do artigo 18ordm da CRP)rdquo Cf Silva Dias 2010 246 388 Reis Novais 2010 570 389 Silva DiasRamos 2009 23

111

fundamentais390 Desta forma natildeo devemos falar aqui contrariamente ao defendido pela

teoria interna dos limites dos direitos fundamentais em limites imanentes Os direitos de

terceiros ou outros bens constitucionais que colidam com os direitos fundamentais natildeo

satildeo os seus limites ou seja natildeo excluem a priori qualquer exerciacutecio de direito

fundamental que eventualmente afecte esses bens O que se passa como bem defende

Jorge Reis Novais eacute que ldquotendo os direitos fundamentais uma validade condicionada agrave

cedecircncia perante valores que apresentem no caso concreto um maior peso pode

acontecer que por forccedila da sua colisatildeo com esses bens os interesses [hellip]

jusfundamentalmente protegidos tenham que cederrdquo391 Efectivamente quando um

princiacutepio direito ou garantia eacute superior a outro de acordo com criteacuterios de relevacircncia

constitucional e natildeo eacute possiacutevel na situaccedilatildeo concreta salvaguardar alguns aspectos do

princiacutepio inferior nesse caso eacute permitido o sacrifiacutecio deste uacuteltimo392

Sem embargo cumpre deixar claro que a colisatildeo dos mesmos bens num outro caso

concreto pode ser resolvida num sentido ou numa medida de restriccedilatildeo completamente

diferentes seja pela novidade das circunstacircncias envolventes seja pela diversidade das

especiacuteficas modalidades aacutereas ou recortes dos interesses e dos bens em colisatildeo

No fundo como jaacute referimos anteriormente todo o problema dos limites dos direitos

fundamentais em Estado de Direito gira em torno de duas exigecircncias de sentido

potencialmente divergente de um lado as necessidades de protecccedilatildeo privilegiada e

qualidade das liberdades individuais e de outro a satisfaccedilatildeo por parte do Estado das

necessidades de vida em comunidade politicamente organizada e em particular a

garantia dos direitos fundamentais dos outros e a realizaccedilatildeo dos bens constitucionais

433 Os limites aos limites dos direitos fundamentais

Atendendo ao facto de que o conflito entre estas duas exigecircncias resolver-se-agrave segundo

o criteacuterio da ponderaccedilatildeo atraveacutes de uma harmonizaccedilatildeo ou compatibilizaccedilatildeo de bens

cumpre agora deixar claro que esta ponderaccedilatildeo de bens na medida em que iraacute restringir

obrigatoriamente um ou ambos os direitos fundamentais teraacute de observar recorrendo agrave

terminologia germacircnica os chamados limites aos limites dos direitos fundamentais

390 Reis Novais 2010 570-571 391 Reis Novais 2010 572 Neste sentido Alexy vem defender a ideia de que a soluccedilatildeo para a colisatildeo

consiste na fixaccedilatildeo de uma relaccedilatildeo de precedecircncia condicionada entre os princiacutepios em conflito Por sua

vez a determinaccedilatildeo desta relaccedilatildeo de precedecircncia condicionada atendendo ao caso concreto passa por

indicar em que condiccedilotildees um princiacutepio tem prevalecircncia sobre o outro Cf Alexy 2008 73 392 Silva DiasRamos 2009 23-24

112

No caso portuguecircs por forccedila da aplicaccedilatildeo dos nos 2 e 3 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da

Repuacuteblica Portuguesa toda e qualquer restriccedilatildeo a direitos fundamentais nomeadamente

ao princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare teraacute de obedecer aos seguintes requisitos

a) deve estar prevista em lei formal (nordm 2 1ordf parte) b) deve ter como objectivo a

salvaguarda de outro direito ou interesse constitucionalmente protegido ( nordm 2 in fine)

c) deve obedecer ao princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo ndash adequaccedilatildeo

necessidade e proporcionalidade em sentido estrito (nordm 2 2ordf parte)393 d) natildeo deve

aniquilar o direito em causa atingindo o conteuacutedo essencial do respectivo preceito ( nordm 3

in fine)394

Aleacutem da verificaccedilatildeo destes requisitos materiais a validade das restriccedilotildees a direitos

liberdades e garantias depende ainda nos termos do nordm 3 do artigo 18ordm da Lei

Fundamental de dois requisitos formais a) deve ser geral e abstracta (nordm 3 1ordf parte) b)

e natildeo deve ter efeito retroactivo (nordm 3 2ordf parte)

Verificados estes requisitos deveraacute considerar-se juriacutedico-constitucionalmente admissiacutevel

a restriccedilatildeo daquelas garantias processuais mesmo em mateacuteria criminal

Entendimento semelhante eacute defendido pela jurisprudecircncia nacional395 O Tribunal

Constitucional no seu acoacuterdatildeo nordm 1552007 relativo agrave recolha de saliva atraveacutes de

zaragatoa bucal veio atestar que ldquo[hellip] natildeo proibindo a Constituiccedilatildeo em absoluto a

possibilidade de restriccedilatildeo legal aos direitos liberdades e garantias submete-a contudo a

muacuteltiplos e apertados pressupostos (formais e materiais) de validade Da vasta

jurisprudecircncia constitucional sobre a mateacuteria decorre em siacutentese que qualquer restriccedilatildeo

de direitos liberdades e garantias soacute eacute constitucionalmente legiacutetima se (i) for autorizada

pela Constituiccedilatildeo (artigo 18ordm nordm 2 1ordf parte) (ii) estiver suficientemente sustentada em lei

da Assembleia da Repuacuteblica ou em decreto-lei autorizado (artigo 18ordm nordm 2 1ordf parte e

393 Figueiredo DiasCosta Andrade 2009 45 Neste sentido vai tambeacutem Vacircnia Costa Ramos quando

defende a ideia de que ldquoo nemo tenetur natildeo eacute todavia um princiacutepio absoluto subtraiacutedo a ponderaccedilatildeo

Poderaacute ser limitado para protecccedilatildeo de outros direitos liberdades ou garantias da mesma natureza e segundo

criteacuterios de adequaccedilatildeo e de proporcionalidade em conformidade com o nordm 2 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo

da Repuacuteblica Portuguesardquo Cf Ramos 2010 180 394 Gomes CanotilhoMoreira 2014 388 Miranda 2006 96-97 Moniz 2009 149 Gomes Canotilho

2016 451 395 O proacuteprio Tribunal Europeu dos Direitos Humanos no caso Jalloh v Alemanha parece adoptar um

criteacuterio de ponderaccedilatildeo de bens quando afirma que ldquoPara determinar se o direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo do

queixoso foi violado o Tribunal por sua vez teraacute de considerar os seguintes factores a natureza e o grau

de coerccedilatildeo empregado para obter as provas a importacircncia do interesse puacuteblico na investigaccedilatildeo e puniccedilatildeo

da infracccedilatildeo em apreccedilo a existecircncia de garantias relevantes no processo e a utilizaccedilatildeo prevista dos meios

de prova obtidos dessa formardquo Cf Acoacuterdatildeo Jalloh v Alemanha de 11 de Julho de 2006 disponiacutevel em

httpswcdcoeintViewDocjspp=ampid=1018815ampSite=COEampdirect=true [consultado em 02022017]

113

artigo 165ordm nordm 1 aliacutenea b) (iii) visar a salvaguarda de outro direito ou interesse

constitucionalmente protegido (artigo 18ordm nordm 2 in fine) (iv) for necessaacuteria a essa

salvaguarda adequada para o efeito e proporcional a esse objectivo (artigo 18ordm nordm 2 2ordf

parte) (v) tiver caraacutecter geral e abstracto natildeo tiver efeito retroactivo e natildeo diminuir a

extensatildeo e o alcance do conteuacutedo essencial dos preceitos constitucionais (artigo 18ordm nordm

3 da Constituiccedilatildeo)rdquo396

Por sua vez o Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto tambeacutem em sede de apreciaccedilatildeo da

legitimidade do uso de zaragatoa bucal para a recolha de ADN e defendendo o recurso

ao criteacuterio da ponderaccedilatildeo de bens veio esclarecer que ldquo[hellip] natildeo existiraacute

desproporcionalidade na utilizaccedilatildeo de tais meacutetodos invasivos do corpo da pessoa (mas

natildeo lesivos da integridade fiacutesica) da sua liberdade e privacidade como uacutenico meio para

a obtenccedilatildeo de prova em situaccedilotildees (tal qual a do presente caso) de extrema gravidade dos

factos perpetrados com base numa ponderaccedilatildeo de todas as circunstacircncias a efectuar por

um juiz imparcial que natildeo tem a seu cargo ou sob o seu domiacutenio a investigaccedilatildeo do

processo [hellip]rdquo397

4331 Exigecircncia de lei formal

No que concerne ao primeiro requisito apresentado cumpre deixar claro que o princiacutepio

nemo tenetur se ipsum accusare assim como todos os direitos fundamentais soacute pode ser

restringido por lei398 Esta reserva material de lei tem duas dimensotildees principais a

primeira (dimensatildeo negativa) significa que as mateacuterias reservadas agrave lei natildeo podem ser

reguladas por outras fontes diferentes da lei a segunda (dimensatildeo positiva) significa que

deve ser a lei a estabelecer efectivamente (com suficiente grau de certeza precisatildeo e

densidade) o regime juriacutedico das mateacuterias em questatildeo399

396 Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1552007 de 2 de Marccedilo de 2007 disponiacutevel em

httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20070155html [consultado em 02022017] 397 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 10 de Dezembro de 2008 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrpnsf56a6e7121657f91e80257cda00381fdf673fcb5dc0168da6802575220056a553

OpenDocument [consultado em 02022017] Tambeacutem em sede de processos contra-ordenacionais o

Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa veio atestar que dada ldquo[hellip] a necessidade de compatibilizar os diversos direitos princiacutepios e interesses constitucionalmente protegidos caberaacute verificar se no caso dos processos

contra-ordenacionais investigados instruiacutedos e decididos pelo Instituto Nacional de Aviaccedilatildeo Civil existem

razotildees que determinem a supressatildeo ou a mera restriccedilatildeo do direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo sempre em

obediecircncia ao princiacutepio da proporcionalidade (cfr nordm 2 do artigo 18ordm da CRP)rdquo Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal

da Relaccedilatildeo de Lisboa de 17 de Abril de 2012 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrlnsf33182fc732316039802565fa00497eec849980283d233cfd802579e6004e401f

OpenDocument [consultado em 02022017] 398 Gomes Canotilho 2016 453 399 Alexandrino 2015 128

114

Este requisito constitucional das restriccedilotildees estaacute patente na problemaacutetica regra enunciada

no nordm 2 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa segundo a qual a lei soacute

pode restringir os direitos liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na

Constituiccedilatildeo Sendo que o princiacutepio nemo tenetur configura como frisaacutemos

anteriormente uma componente das garantias de defesa do arguido asseguradas no artigo

32ordm da CRP cujo objectivo uacuteltimo eacute a sua protecccedilatildeo como sujeito no processo parece

claro que nos encontramos aqui perante uma restriccedilatildeo de direitos liberdades e garantias

Sobre o sentido e a funccedilatildeo a reconhecer a essa singular claacuteusula da Lei Fundamental

portuguesa existem pelo menos trecircs grupos de orientaccedilotildees na doutrina a) as teses

defensoras da relevacircncia absoluta b) as teses defensoras da relevacircncia relativa c) e as

teses defensoras da irrelevacircncia juriacutedica

O primeiro grupo de orientaccedilotildees defendido por Vieira de Andrade pretende levar a seacuterio

a proibiccedilatildeo constante dessa regra constitucional Para este Autor o nordm 2 do referido artigo

estabelece categoricamente a figura das restriccedilotildees legislativas Assim as restriccedilotildees

nomeadamente ao princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo soacute seriam permitidas entre noacutes

nos casos e para os efeitos em que fossem expressamente previstas pelos preceitos

constitucionais relativos a esses direitos400

Uma segunda corrente doutrinaacuteria relativiza o sentido da proibiccedilatildeo fazendo-o no

entanto de formas muito distintas podendo designadamente considerar-se dois grupos

consoante persista uma ideia de resolver a dificuldade no quadro da norma ou de fugir a

essa dificuldade401 Assim a) para muitos Autores da interpretaccedilatildeo sistemaacutetica da

Constituiccedilatildeo decorreria a necessidade de admitir ao lado das restriccedilotildees expressamente

autorizadas restriccedilotildees impliacutecitas restriccedilotildees implicitamente autorizadas402 b) por outro

lado tecircm constituiacutedo exemplos de orientaccedilotildees centriacutefugas o recurso agrave figura dos limites

imanentes a priori o recurso ao nordm 2 do artigo 29ordm da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos

do Homem o recurso agrave transferecircncia de limites ou a introduccedilatildeo da distinccedilatildeo com

imediatos efeitos de regime entre restriccedilatildeo e condicionamento (limitaccedilatildeo)403

400 Vieira de Andrade 2016 271-273 401 Alexandrino 2015 131 402 Alexandrino 2006 445-448 403 Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1552007 de 2 de Marccedilo de 2007 disponiacutevel em

httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20070155html [consultado em 10022017]

115

Por fim uma terceira tese defendida por Jorge Reis Novais vem afirmar que a regra

enunciada no nordm 2 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo natildeo pode ser levada a seacuterio Estamos

com o Autor quando defende que o legislador constituinte portuguecircs proclamou (no

artigo 18ordm) uma regra que natildeo tem correspondecircncia na natureza das coisas404 pois eacute da

natureza dos direitos fundamentais que estes entrem em colisatildeo uns com os outros Em

segundo plano adianta o Autor se eacute verdade que os direitos liberdades e garantias satildeo

trunfos eles podem ser batidos por trunfos mais altos405 O Autor conclui com a defesa

de que a consagraccedilatildeo na revisatildeo constitucional de 1997 de uma liberdade geral de acccedilatildeo

abrangente tem necessariamente como contrapartida o reconhecimento da possibilidade

da sua limitaccedilatildeo da forma mais ampla possiacutevel406 Efectivamente se todas as restriccedilotildees

nomeadamente ao princiacutepio nemo tenetur tivessem de ser previstas expressamente no

texto constitucional este haveria de conter muitos milhares de artigos407

Desta forma defendemos a ideia de que uma restriccedilatildeo vaacutelida ao princiacutepio nemo tenetur

se ipsum accusare natildeo necessita de constar expressamente na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Portuguesa mas antes de ser admitida dentro da unidade desta

4332 Necessidade de salvaguarda de outro direito ou interesse

constitucionalmente protegido

O segundo requisito material para a restriccedilatildeo legiacutetima de direitos liberdades e garantias

consiste em que ela soacute se pode justificar para salvaguardar um outro direito ou interesse

constitucionalmente protegido (nordm 2 do artigo 18ordm da CRP) Este requisito significa

fundamentalmente que o sacrifiacutecio ainda que parcial de um direito fundamental natildeo

pode ser arbitraacuterio gratuito ou desmotivado408

Natildeo haacute consenso na doutrina quanto agrave necessidade de estatura constitucional do outro

direito ou interesse que justifica a restriccedilatildeo

Por um lado Gomes Canotilho e Vital Moreira defendem que eacute vedada ao legislador a

possibilidade de justificar a restriccedilatildeo de direitos liberdades e garantias por eventual

colisatildeo com outros direitos ou bens tutelados apenas a niacutevel infraconstitucional Para estes

404 Reis Novais 2010 581 e 587 405 Reis Novais 2006 52 406 Reis Novais 2010 591 407 Martinez 1992 33 408 Gomes CanotilhoMoreira 2014 391

116

Autores torna-se necessaacuterio ldquoque o interesse cuja salvaguarda se invoca para restringir

um dos direitos liberdades ou garantias tenha no texto constitucional suficiente e

adequada expressatildeordquo (vg patrimoacutenio cultural defesa nacional ordem constitucional

democraacutetica seguranccedila puacuteblica sauacutede puacuteblica entre outros)409

Por outro lado Jorge Reis Novais com quem concordamos reitera que qualquer valor

digno de protecccedilatildeo juriacutedica pode fundamentar uma restriccedilatildeo aos direitos fundamentais

uma vez que indagar do fundamento da restriccedilatildeo atraveacutes de uma distinccedilatildeo de hierarquia

meramente formal de bens pode mascarar aquilo que estaacute realmente em causa ndash saber se

os direitos fundamentais podem ser restringidos em funccedilatildeo da protecccedilatildeo de bens de

estatura infraconstitucional mas que no caso concreto apresente um valor ou peso

superior ao dos direitos fundamentais que se pretende restringir410 Defende o Autor que

mesmo direitos ou interesses natildeo consagrados na Lei Fundamental podem restringir

direitos fundamentais Seraacute ainda segundo o Autor o peso concreto e material dos

princiacutepios opostos que determinaraacute a preferecircncia relativa no caso concreto

independentemente do niacutevel constitucional ou infraconstitucional da garantia juriacutedica

que eacute soacute mais um entre os diversos factores que devem ser considerados na ponderaccedilatildeo411

4333 Princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo

Decorre do nordm 2 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa que as restriccedilotildees

aos direitos liberdades e garantias tecircm de ser necessaacuterias para a salvaguarda de outros

direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e tecircm de limitar-se ao necessaacuterio

para esse fim412 Assim para aleacutem de ter de constar em lei autorizada com caraacutecter geral

e abstracto a ordem restritiva (nomeadamente a ordem de desencriptaccedilatildeo de

smartphones) tem ainda que ser adequada ou seja apropriada aos fins que se propotildee

atingir necessaacuteria na medida em que soacute eacute admissiacutevel quando for impossiacutevel utilizar outro

meio menos oneroso e proporcional em relaccedilatildeo aos resultados obtidos413

409 Gomes CanotilhoMoreira 2014 392 410 Reis Novais 2010 602-603 411 Reis Novais 2010 604 412 Alexandrino 2015 134 413 Correia 1999a 59 Em sentido semelhante ldquoas restriccedilotildees estatildeo sujeitas ao princiacutepio da

proporcionalidade ndash soacute podem ser estabelecidas quando os fins os interesses e os valores constitucionais

soacute atraveacutes deles possam ser protegidos devem em cada caso realizar esses fins e natildeo outros e devem

corresponder agrave medida agrave justa medida tambeacutem em cada caso concretordquo Cf Miranda 2006 97 ldquoO valor

constitucional dos preceitos relativos aos direitos fundamentais soacute eacute efectivamente garantido se se exigir

que a eventual restriccedilatildeo seja adequada e justificada pela necessidade de proteger ou promover um bem

constitucionalmente valioso e soacute na proporccedilatildeo dessa necessidaderdquo Cf Vieira de Andrade 2016 287 ldquo[hellip]

117

Apesar de a Constituiccedilatildeo no seu artigo 18ordm natildeo fazer menccedilatildeo expressa agrave

proporcionalidade como paracircmetro de controlo a doutrina portuguesa fez formalmente

do princiacutepio da proporcionalidade o nuacutecleo central dos requisitos materiais exigidos agraves

restriccedilotildees de direitos fundamentais414

O texto constitucional faz ainda que implicitamente referecircncia ao princiacutepio da

proporcionalidade em sentido amplo que estabelece um limite constitucional agrave liberdade

de conformaccedilatildeo do legislador415 O princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo

constitui um verdadeiro super conceito (Oberbegriff) super conceito esse que tem sido

tradicionalmente decomposto em trecircs subprinciacutepios (corolaacuterios maacuteximas ou dimensotildees)

a) o da adequaccedilatildeo (ou idoneidade) b) o da necessidade (indispensabilidade ou do meio

menos restritivo) c) o da proporcionalidade em sentido estrito (ou da justa medida)416

O primeiro subprinciacutepio da adequaccedilatildeo ou idoneidade significa que as medidas restritivas

devem ser aptas ou idoacuteneas para realizar o fim prosseguido pela restriccedilatildeo Ou seja este

subprinciacutepio exige que a medida restritiva em causa seja considerada atraveacutes de um juiacutezo

de prognose417 apta a realizar o fim visado com a restriccedilatildeo ou contribua para o

alcanccedilar418 Para que se apure a existecircncia de inconstitucionalidade seraacute necessaacuterio que o

responsaacutevel pela restriccedilatildeo pudesse ter previsto tal inaptidatildeo no momento em que a decidiu

ou a actuou O controlo da adequaccedilatildeo acaba por ser segundo Jorge Reis Novais um

controlo ex ante incidindo sobre a prognose realizada pelos poderes puacuteblicos

responsaacuteveis pela criaccedilatildeo ou concretizaccedilatildeo da restriccedilatildeo a direitos fundamentais419 Desta

forma viola-se este corolaacuterio sempre que tendo em conta os conhecimentos empiacutericos e

cientiacuteficos disponiacuteveis no momento da aprovaccedilatildeo da medida esta se revele inapta para

atingir o fim visado seraacute naturalmente inapta se os efeitos dessa medida se revelarem

as restriccedilotildees de direitos fundamentais carecem tambeacutem de justificaccedilatildeo natildeo podendo legitimar-se senatildeo

pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e natildeo

podendo ultrapassar a medida necessaacuteria para o efeito (nordm 2 do artigo 18ordm) Eacute a consagraccedilatildeo expressa do

chamado princiacutepio da proporcionalidade que proiacutebe nomeadamente as restriccedilotildees desnecessaacuterias inaptas

ou excessivas de direitos fundamentais Os direitos fundamentais soacute podem ser restringidos quando tal se

torne indispensaacutevel e no miacutenimo necessaacuterio para salvaguardar outros direitos ou interesses

constitucionalmente protegidosrdquo Cf Gomes CanotilhoMoreira 1991 133-134 414 Reis Novais 2010 729-730 415 ldquoA Constituiccedilatildeo ao autorizar a lei a restringir direitos liberdades e garantias de forma a permitir ao

legislador a realizaccedilatildeo de uma tarefa de concordacircncia praacutetica justificada pela defesa de outros bens ou

direitos constitucionalmente protegidos impotildee uma clara vinculaccedilatildeo ao exerciacutecio dos poderes

discricionaacuterios do legisladorrdquo Cf Gomes Canotilho 2016 457 416 Alexandrino 2015 135 417 Rodrigues 2009b 216 418 Reis Novais 2010 731 419 Reis Novais 2010 739

118

indiferentes ou contraacuterios agrave realizaccedilatildeo do fim em vista420 Eacute ainda de referir que a aptidatildeo

deve ser aferida natildeo no sentido de uma exigecircncia que soacute se considera cumprida quando o

meio realiza integral ou plenamente o fim visado mas bastando-se antes com uma

aproximaccedilatildeo sensiacutevel ainda que parcelar do fim pretendido421 Relativamente aos fins

pressupotildee-se que os mesmos sejam legiacutetimos e aleacutem disso que sejam juriacutedica e

materialmente possiacuteveis

O segundo corolaacuterio da necessidade indispensabilidade ou do meio menos restritivo que

constitui sem duacutevida o teste mais complexo exigente e decisivo significa que se deve

recorrer ao meio menos restritivo para atingir o fim em vista422 Isto eacute o princiacutepio da

necessidade impotildee que se recorra para atingir esse fim ao meio necessaacuterio exigiacutevel ou

indispensaacutevel no sentido do meio mais suave ou menos restritivo que precise de ser

utilizado para atingir o fim em vista423 A indispensabilidade afere-se entatildeo pela

comparaccedilatildeo entre os prejuiacutezos provocados por esse meio e os prejuiacutezos que seriam

provocados pela utilizaccedilatildeo de um meio alternativo menos agressivo Por sua vez a

desnecessidade da agressatildeo afere-se em relaccedilatildeo aos prejuiacutezos provocados pela medida

restritiva avaliados em funccedilatildeo de criteacuterios materiais espaciais temporais ou pessoais e

tendo em conta natildeo apenas o direito fundamental directamente atingido como qualquer

outra afectaccedilatildeo desvantajosa da liberdade dos direitos fundamentais ou de outros

interesses juridicamente relevantes do mesmo titular ou de outros afectados424 O teste eacute

complexo desde logo porque eacute funccedilatildeo de muacuteltiplas variaacuteveis nomeadamente do tipo

concreto de afectaccedilatildeo da agressividade do meio da medida da eficaacutecia dos vaacuterios meios

ou da existecircncia de outros efeitos colaterais425

Por fim o terceiro e uacuteltimo subprinciacutepio o da proporcionalidade em sentido estrito ou da

justa medida visa apurar o equiliacutebrio na relaccedilatildeo entre a importacircncia do fim visado e a

gravidade do sacrifiacutecio imposto Na verdade uma medida pode ser adequada e necessaacuteria

420 Gomes Canotilho 2016 457 421 Reis Novais 2010 738 Qualquer exigecircncia de plena realizaccedilatildeo do fim seria impossiacutevel de ser atingida

pelo legislador aquando da realizaccedilatildeo da medida uma vez que natildeo haacute como saber a priori se a medida iraacute

efectivamente realizar o fim motivo pelo qual basta que a medida seja adequada para fomentar o fim 422 Alexandrino 2015 136 423 Neste sentido vai tambeacutem a jurisprudecircncia do Supremo Tribunal de Justiccedila ao afirmar que ldquoainda que

se considere a medida idoacutenea esta deve ser necessaacuteria ou seja perante medidas que oferecem idecircntica

idoneidade deve escolher-se a que ofereccedila o menor potencial de prejuiacutezo para o visado mesmo que exija

mais tempo para a sua realizaccedilatildeo obrigando a utilizar outros meios de obtenccedilatildeo de prova [hellip]rdquo Cf Acoacuterdatildeo

do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro de 2014 disponiacutevel em

httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 16022017] 424 Reis Novais 2010 741 425 Gomes Canotilho 2016 458

119

e ao mesmo tempo afectar de forma excessiva intoleraacutevel ou desproporcionada o direito

em questatildeo426 Este corolaacuterio estaacute relacionado com a ideia de pesar de sopesar de

ponderar as vantagens e desvantagens presentes num determinado cenaacuterio de restriccedilatildeo

Segundo Alexy o subprinciacutepio da proporcionalidade em sentido estrito corresponde a

uma maacutexima que pode ser designada como ldquoLei da Ponderaccedilatildeordquo Esta maacutexima defende

que quanto maior for o grau de natildeo realizaccedilatildeo ou de afectaccedilatildeo de um princiacutepio maior

deve ser a importacircncia da realizaccedilatildeo do princiacutepio colidente427 De facto aqui jaacute natildeo eacute a

ponderaccedilatildeo entre bens que estaacute em anaacutelise mas antes a medida restritiva que foi

concretamente adoptada no seguimento daquela ponderaccedilatildeo e mais precisamente o

controlo da proporcionalidade dessa medida restritiva E neste controlo de

proporcionalidade em sentido estrito aquilo que se avalia que se compara ou que se potildee

em relaccedilatildeo satildeo os sacrifiacutecios (custos) impostos ao direito fundamental contrapostos aos

benefiacutecios (vantagens) produzidos na obtenccedilatildeo do fim visado com a restriccedilatildeo428 Se a

adopccedilatildeo de uma medida restritiva adoptada introduz na ordem juriacutedica um benefiacutecio

marginal miacutenimo para o fim visado mas produz simultaneamente um acreacutescimo

significativo de sacrifiacutecio na liberdade na autonomia ou no bem-estar entatildeo a ponderaccedilatildeo

dessas grandezas com as que resultam das medidas alternativas actualmente em vigor

pode revelar uma relaccedilatildeo claramente desproporcionada e daiacute a inconstitucionalidade da

nova medida429

Por fim quanto agrave concretizaccedilatildeo jurisprudencial pode afirmar-se que o princiacutepio da

proporcionalidade em sentido amplo ou princiacutepio da proibiccedilatildeo do excesso eacute talvez o

cacircnone mais utilizado pelos tribunais portugueses O Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa chega

mesmo a afimar no seu acoacuterdatildeo de 3 de Marccedilo de 2016 que o princiacutepio da

proporcionalidade em sentido amplo configura-se ldquocomo a trave mestra de legitimaccedilatildeo

do ldquoius puniendirdquo estatal e de toda a restriccedilatildeo de direitos fundamentaisrdquo430 O douto

tribunal dissocia ainda de uma forma clara as trecircs dimensotildees do princiacutepio adequaccedilatildeo

426 Alexandrino 2015 137 427 Alexy 2014 821 428 Reis Novais 2012 128 429 Reis Novais 2012 131 430 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 3 de Marccedilo de 2016 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrlnsf33182fc732316039802565fa00497eec36f34b50b321b89980257f6f004d5fc6

OpenDocument [consultado em 16022017]

120

necessidade e proporcionalidade (stricto sensu) aplicando cada uma delas ao caso

concreto431

4334 Garantia do conteuacutedo essencial

O uacuteltimo requisito material da legitimidade das restriccedilotildees a direitos fundamentais consiste

na ideia de que existe um nuacutecleo essencial dos direitos liberdades e garantias que natildeo

pode em caso algum ser violado Mesmo nos casos em que o legislador estaacute

constitucionalmente autorizado a editar normas restritivas ele permanece vinculado agrave

salvaguarda do nuacutecleo essencial dos direitos432

Esta garantia do nuacutecleoconteuacutedo essencial dos direitos fundamentais apesar de ser uma

criaccedilatildeo especificamente alematilde encontrou um eco generalizado na doutrina e

jurisprudecircncia constitucionais de vaacuterios outros paiacuteses incluindo mesmo uma recepccedilatildeo

constitucional expressa como aconteceu entre noacutes (nordm 3 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo

da Repuacuteblica Portuguesa) Efectivamente na doutrina alematilde cuja Constituiccedilatildeo conteacutem

uma claacuteusula semelhante que inspirou a nossa aparecem dois tipos de teorias atinentes

agrave natureza do conteuacutedo essencial habitualmente designadas como teorias absolutas e

teorias relativas

Para as teorias absolutas o nuacutecleo essencial consistiria num conteuacutedo normativo

irrestringiacutevel abstractamente fixado433 Desta forma podemos afirmar que a teoria

absoluta eacute assim uma perspectiva ontoloacutegico-substancialista que entende o conteuacutedo

essencial como grandeza estaacutetica e intemporal Independentemente do interesse ou bem

que justifique a restriccedilatildeo e da importacircncia relativa da sua realizaccedilatildeo esta teoria considera

que haacute em cada direito fundamental uma zona esfera ou acircmbito nuclear intocaacutevel434

que sob pena de desnaturaccedilatildeo ou perda do seu sentido uacutetil em caso algum poderaacute ser

431 ldquoO princiacutepio da idoneidade [hellip] traduz-se na ideia de que se exige uma relaccedilatildeo de adequaccedilatildeo entre o

meio usado e o fim perseguido [hellip] o princiacutepio da necessidade e da miacutenima intervenccedilatildeo implica a

necessaacuteria utilizaccedilatildeo de outros meios menos lesivos para os direitos fundamentais quando isso se afigure

possiacutevel [hellip] o princiacutepio da proporcionalidade em sentido estrito ou da adequaccedilatildeo ao fim exige uma ponderaccedilatildeo do interesse em conflito segundo um criteacuterio de justiccedila material [hellip] implica uma ponderaccedilatildeo

entre os interesses individuais que se vatildeo constranger e os interesses que se pretendem defenderrdquo Cf

Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 3 de Marccedilo de 2016 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrlnsf33182fc732316039802565fa00497eec36f34b50b321b89980257f6f004d5fc6

OpenDocument [consultado em 16022017] 432 Gomes Canotilho 2016 458 433 Gomes Canotilho 2016 459 434 Neste sentido vai Robert Alexy ao afimar que segundo as teorias absolutas existe um nuacutecleo essencial

em todos os direitos fundamentais que em nenhum caso pode ser afectado Cf Alexy 2008 259

121

afectada435 Segundo alguns Autores o nuacutecleo essencial corresponderia agrave projecccedilatildeo da

dignidade humana em cada direito e seria afectado sempre que o indiviacuteduo se tornasse

objecto do acontecer estadual para outros significaria uma certa medida de valor social

global que teria sempre de sobrar depois da restriccedilatildeo para outros ainda seria constituiacutedo

pelos elementos tiacutepicos que conferem caraacutecter ao direito436

Por seu turno as teorias relativas reconduzem o conteuacutedo essencial aos princiacutepios da

exigibilidade e da proporcionalidade a restriccedilatildeo soacute seria legiacutetima quando (se) fosse

exigida para a realizaccedilatildeo de bens juriacutedicos que devessem ser considerados (no caso) como

mais valiosos e soacute na medida em que essa exigecircncia se imponha ao direito fundamental437

Assim natildeo eacute a gravidade ou intensidade da lesatildeo a relevacircncia da justificaccedilatildeo ou o tipo

de prejuiacutezo na liberdade que determinam por si soacute a activaccedilatildeo da garantia do nuacutecleo

essencial O que estaacute em causa eacute segundo Jorge Reis Novais a natureza da relaccedilatildeo que

se estabelece entre os bens em confronto e entre o fim prosseguido com a restriccedilatildeo e o

meio utilizado considerando-se que haacute violaccedilatildeo do conteuacutedo essencial dos direitos

fundamentais quando se verifica um excesso uma desproporcionalidade uma

desnecessidade independentemente do muito ou pouco que reste do direito fundamental

apoacutes a incidecircncia da restriccedilatildeo438 Donde facilmente se conclui que para a teoria relativa

a garantia do conteuacutedo essencial se identifica com o princiacutepio da proporcionalidade em

sentido amploproibiccedilatildeo do excesso num quadro de ponderaccedilatildeo de bens

Estamos com Gomes Canotilho e Vital Moreira que defendem uma soluccedilatildeo intermeacutedia

uma teoria mista segundo a qual a questatildeo do conteuacutedo essencial de um direito natildeo se

pode equacionar senatildeo em confronto com outro bem mas nos termos da Constituiccedilatildeo

nunca essa ponderaccedilatildeo poderaacute conduzir agrave aniquilaccedilatildeo de qualquer direito fundamental439

A garantia do conteuacutedo essencial deve servir como um ldquoplusrdquo em relaccedilatildeo ao princiacutepio da

proporcionalidade Ou como sustenta Jorge Miranda deveraacute funcionar como barreira

uacuteltima e efectiva contra o abuso do poder que natildeo pode ser violada em qualquer

hipoacutetese440

435 Reis Novais 2010 782 436 Vieira de Andrade 2016 282-283 437 Vieira de Andrade 2016 283 438 Reis Novais 2010 781 439 Gomes CanotilhoMoreira 2014 395 440 Miranda 2014 315 Nesta linha de pensamento Gomes Canotilho e Vital Moreira reiteram que a

garantia do conteuacutedo essencial eacute uma baliza uacuteltima de defesa dos direitos liberdades e garantias

delimitando um nuacutecleo que em nenhum caso deveraacute ser invadido Cf Gomes CanotilhoMoreira 2014

396

122

Em termos praacuteticos pode dizer-se que o requisito da proporcionalidade mencionado no

ponto anterior eacute uma terceira aproximaccedilatildeo (depois da exigecircncia da legalidade e da

necessidade de salvaguarda de outro direito ou interesse constitucionalmente protegido)

dado que a existecircncia de uma restriccedilatildeo arbitraacuteria desproporcionada eacute um iacutendice

relativamente seguro da ofensa do nuacutecleo essencial Sem embargo independentemente

de haver ou natildeo uma desproporcionalidade na restriccedilatildeo haacute que salvaguardar sempre a

extensatildeo do nuacutecleo essencial

Desta forma apoiamo-nos no recurso a uma teoria mista sustentada pelos Autores a um

tempo relativa e absoluta ldquorelativa porque a proacutepria delimitaccedilatildeo do nuacutecleo essencial dos

direitos liberdades e garantias tem de articular-se com a necessidade de protecccedilatildeo de

outros bens ou direitos constitucionalmente garantidos absoluta porque em uacuteltima

anaacutelise para natildeo existir aniquilaccedilatildeo do nuacutecleo essencial eacute necessaacuterio que haja sempre um

resto substancial de direito liberdade e garantia que assegure a sua utilidade

constitucionalrdquo441

O conteuacutedo inatacaacutevel dos preceitos relativos aos direitos liberdades e garantias comeccedila

assim onde acaba a possibilidade e legitimidade da sua restriccedilatildeo442

4335 Requisitos formais generalidade abstracccedilatildeo e natildeo retroactividade

Segundo o primeiro requisito formal - lei geral e abstracta - a restriccedilatildeo de um qualquer

direito fundamental deve ser aplicaacutevel a um nuacutemero indeterminado ou indeterminaacutevel de

pessoas (proibiccedilatildeo de leis individuais) e natildeo pode ter como objecto um caso concreto ou

melhor deve regular um nuacutemero indeterminado ou indeterminaacutevel de casos (proibiccedilatildeo de

leis concretas)443 Estes dois requisitos satildeo cumulativos

Note-se que natildeo basta que as leis sejam formalmente ou aparentemente gerais e

abstractas Importa que o sejam material e realmente sendo ilegiacutetimas as leis individuais

eou concretas camufladas em forma geral e abstracta444

Ainda assim apesar de natildeo estar expressamente referido Vieira de Andrade esclarece

que deve ainda considerar-se que a restriccedilatildeo ao princiacutepio nemo tenetur ou a qualquer

outro princiacutepio ldquoem funccedilatildeo da reserva de lei formal tem de apresentar uma densidade

441 Gomes CanotilhoMoreira 2014 395 442 Vieira de Andrade 2016 287 443 Gomes Canotilho 2016 454 444 Gomes CanotilhoMoreira 2014 393

123

suficiente isto eacute um certo grau de determinaccedilatildeo do seu conteuacutedo pelo menos no

essencial natildeo sendo legiacutetimo que se deixe agrave Administraccedilatildeo espaccedilos significativos de

regulaccedilatildeo ou de decisatildeo [hellip]rdquo445

O segundo requisito formal das restriccedilotildees de direitos liberdades e garantias estaacute

relacionado com o respeito pelo princiacutepio da natildeo retroactividade Desta forma qualquer

restriccedilatildeo a direitos fundamentais natildeo pode portanto aplicar-se a situaccedilotildees ou actos

passados mas antes e apenas aos verificados ou praticados apoacutes a sua entrada em vigor446

Este princiacutepio da natildeo retroactividade natildeo eacute um princiacutepio constitucional irrestritamente

vaacutelido na ordem juriacutedica portuguesa mas eacute-o sem quaisquer excepccedilotildees no que respeita

a restriccedilotildees de direitos liberdades e garantias ou de direitos anaacutelogos (nordm 3 do artigo 18ordm

e artigo 17ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblcica Portuguesa)447

A proibiccedilatildeo incide segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira sobre a chamada

retroactividade autecircntica em que as leis restritivas de direitos afectam posiccedilotildees

jusfundamentais jaacute estabelecidas no passado ou mesmo esgotadas448 Ela abrangeraacute

tambeacutem alguns casos de retrospectividade ou de retroactividade inautecircntica sempre que

as medidas legislativas se revelarem arbitraacuterias inesperadas desproporcionadas ou

afectarem posiccedilotildees jusfundamentais dos particulares de forma excessivamente gravosa e

improacutepria

A razatildeo de ser deste requisito estaacute ainda segundo o entendimento dos referidos Autores

intimamente ligada agrave ideia de protecccedilatildeo da confianccedila e da seguranccedila dos cidadatildeos

defendendo-os contra o perigo de verem atribuir aos seus actos passados ou agraves situaccedilotildees

transactas efeitos juriacutedicos com que razoavelmente natildeo podiam contar449 Por seu turno

Jorge Reis Novais defende aqui a ideia de que a proibiccedilatildeo de restriccedilotildees a direitos

fundamentais de caraacutecter retroactivo decorre do princiacutepio da protecccedilatildeo da confianccedila450

Por fim em jeito de conclusatildeo desta problemaacutetica dos limites aos limites cumpre deixar

claro que pela nossa parte natildeo rejeitamos a possibilidade de poder haver casos de

colaboraccedilatildeo do arguido Concluiacutemos pela existecircncia de uma tipicidade dos casos de

colaboraccedilatildeo do arguido mas admitimos que uma lei formal possa impor novos casos de

445 Vieira de Andrade 2016 290-291 446 Gomes CanotilhoMoreira 2014 394 447 Gomes Canotilho 2016 456 448 Gomes CanotilhoMoreira 2014 394 449 Gomes CanotilhoMoreira 2014 395 450 Reis Novais 2010 816-817

124

colaboraccedilatildeo contando que se respeitem os nos 2 e 3 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da

Repuacuteblica Portuguesa451 Assim o ponto eacute que haja uma lei formal que exija a

colaboraccedilatildeo que esta seja necessaacuteria adequada e proporcional em sentido estrito que

natildeo afecte o nuacutecleo essencial do direito fundamental restringido e que seja uma restriccedilatildeo

de caraacutecter geral abstracto e natildeo retroactivo

434 Criacuteticas ao criteacuterio de ponderaccedilatildeo de bens

Depois de analisado o criteacuterio da ponderaccedilatildeo como meacutetodo de resoluccedilatildeo de conflitos entre

direitos fundamentais cumpre agora trazer agrave colaccedilatildeo as vaacuterias criacuteticas apresentadas pela

doutrina a este criteacuterio Independemente da concordacircncia ou natildeo com esta metodologia

natildeo podem deixar de se reconhecer os perigos do recurso agrave ponderaccedilatildeo de bens neste

contexto

Considerando o entendimento de parte da doutrina diremos que os argumentos avanccedilados

contra o recurso agrave metodologia da ponderaccedilatildeo de interesses satildeo ainda que genericamente

a ausecircncia de linhas seguras que regulem ou orientem a soluccedilatildeo dos casos de direitos

fundamentais a imprevisibilidade associada a essa desregulaccedilatildeo a manipulabilidade do

meacutetodo e as consequentes ameaccedilas para uma protecccedilatildeo adequada das posiccedilotildees

jusfundamentais dos particulares protegidas pelas normas constitucionais452

No que ao princiacutepio nemo tenetur diz respeito segundo o entendimento de Sandra

Oliveira e Silva a soluccedilatildeo da ponderaccedilatildeo acaba por enfraquecer a consistecircncia da sua

tutela juriacutedica uma vez que o juiacutezo de ponderaccedilatildeo do legislador ou do aplicador natildeo eacute

balizado de forma cuidadosa por paracircmetros materiais objectivos extraiacutedos das proacuteprias

normas constitucionais453 Para a Autora agrave ponderaccedilatildeo de bens caberaacute em rigor delimitar

o acircmbito normativo de cada direito fundamental vale dizer determinar o quid protegido

pelas normas que os consagram Desta forma o recurso agrave metodologia da ponderaccedilatildeo

acabaria por gerar riscos de subjectivismo e arbitrariedade na decisatildeo passando de um

Estado-de-Direito para um Estado-de-Ponderaccedilatildeo454

A ponderaccedilatildeo eacute vista assim como um meacutetodo de esvaziamento do acircmbito de protecccedilatildeo

dos direitos fundamentais onde tudo eacute deixado em aberto agrave relativizaccedilatildeo e agrave

451 Pinto 2013 111 452 ldquo[hellip] dir-se-ia que a vantagem praacutetica da ponderaccedilatildeo de bens eacute a de que pode ser utilizada para justificar

qualquer decisatildeo tanto a admissibilidade da restriccedilatildeo como exactamente o contraacuterio a desvantagem eacute a de

que toda a gente de apercebe dissohelliprdquo Cf Reis Novais 2010 694 453 Oliveira Silva 2015 617-619 454 Oliveira Silva 2015 620

125

arbitrariedade Efectivamente segundo este entendimento o criteacuterio da ponderaccedilatildeo por

natildeo delimitar paracircmetros materiais objectivos extraiacutedos do texto da lei que permitam a

comparaccedilatildeo dos bens constitucionais em conflito e por rejeitar a existecircncia de uma ordem

constitucional de valores acaba por converter-se numa simples foacutermula vazia

insusceptiacutevel de produzir resultados seguros

Em siacutentese pela junccedilatildeo dos argumentos acima mencionados a ponderaccedilatildeo eacute altamente

criticada por pautar-se num intenso subjectivismo natildeo possuindo mecanismos de

prevenccedilatildeo ao arbiacutetrio nem tampouco consistecircncia metodoloacutegica

Da nossa parte se bem que reconhecendo a pertinecircncia das criacuteticas dirigidas agrave ponderaccedilatildeo

de bens delas natildeo nos permitimos inferir a rejeiccedilatildeo do meacutetodo mas tatildeo soacute a importacircncia

dos riscos da sua utilizaccedilatildeo De resto como grande parte dos Autores tidos como adeptos

da ponderaccedilatildeo de bens consideramos que o recurso a essa metodologia eacute inevitaacutevel na

medida em que sendo o procedimento que intuitivamente corresponde ao sentimento

comum de justiccedila na resoluccedilatildeo de conflitos de bens ou de interesses natildeo eacute possiacutevel

prescindir da sua utilizaccedilatildeo nem encontrar qualquer outro meacutetodo que o substituiacutea com

proveito sempre que se trate de determinar uma relaccedilatildeo de prevalecircncia num contexto de

colisatildeo entre direitos liberdades e garantias455 Explicaremos de seguida o porquecirc desta

nossa posiccedilatildeo atraveacutes da contestaccedilatildeo das criacuteticas apresentadas

Uma das criacuteticas apresentadas contra a ponderaccedilatildeo de bens prende-se com a ausecircncia de

criteacuterios que regulem ou orientem a soluccedilatildeo dos conflitos entre direitos fundamentais

Sem embargo e apesar de a Constituiccedilatildeo natildeo fornecer criteacuterios definidos para a resoluccedilatildeo

de cada conflito em concreto cremos que da Lei Fundamental podemos deduzir criteacuterios

e paracircmetros de valoraccedilatildeo objectivos que vinculando os resultados da ponderaccedilatildeo a

tornem verificaacutevel previsiacutevel e escrutinaacutevel e impeccedilam que esse procedimento se

converta numa decisatildeo valorativa subjectiva e irrefutaacutevel do julgador

Senatildeo leiam-se os nuacutemeros 2 e 3 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa

que consagram a necessidade de as restriccedilotildees fundamentadas essencialmente em

decisotildees de ponderaccedilatildeo de bens observarem os limites aos limites dos direitos

fundamentais aplicaacuteveis a quaisquer restriccedilotildees Desde logo de acordo com a chamada lei

da ponderaccedilatildeo de Alexy a intensidade do prejuiacutezo sofrido por um dos bens deve ser

compensada pelo peso relativo do bem que a justifica dependendo a decisatildeo de

455 Reis Novais 2010 640-641

126

prevalecircncia do alcance que venha a atingir a restriccedilatildeo que a concretiza Assim a medida

concreta do recuo ou da cedecircncia que um bem em colisatildeo tem que suportar num caso

concreto eacute condicionada pelos limites aos limites que a nossa Constituiccedilatildeo consagra

explicitamente e que de resto deveriam ser sempre observados jaacute que grosso modo

correspondem a exigecircncias que o princiacutepio do Estado de Direito coloca a quaisquer

actuaccedilotildees restritivas da liberdade456

Uma decisatildeo de ponderaccedilatildeo teraacute sempre de observar como mencionado anteriormente

os princiacutepios da reserva de lei da necessidade de salvaguarda de outro direito ou interesse

constitucionalmente protegido da proporcionalidade em sentido amplo e da protecccedilatildeo do

nuacutecleo essencial dos direitos fundamentais bem como os requisitos formais da

generalidade abstracccedilatildeo e natildeo retroactividade (nos 2 e 3 do artigo 18ordm da CRP) traccedilando

desta forma fronteiras claramente discerniacuteveis do acircmbito de protecccedilatildeo de cada direito

fundamental restringido evitando a subjectividade

Logo sendo certo que a ponderaccedilatildeo de bens natildeo pode deixar de observar estes criteacuterios

constitucionais que regem a actuaccedilatildeo dos poderes constituiacutedos no caso das situaccedilotildees de

restriccedilatildeo de direitos fundamentais aquele perigo de falta de paracircmetros materiais

objectivos para a resoluccedilatildeo de conflitos deixa de fazer sentido Natildeo haveraacute na

generalidade dos casos uma inobservacircncia ou dissoluccedilatildeo de criteacuterios constitucionais

exclusivamente pelo facto de se ter recorrido agrave metodologia da ponderaccedilatildeo de bens como

forma de solucionar a colisatildeo que envolva um direito fundamental consagrado sem

reservas457

Quanto agrave questatildeo da rejeiccedilatildeo de uma ordem constitucional de valores cumpre deixar claro

que a ponderaccedilatildeo de bens utilizada no domiacutenio das restriccedilotildees aos direitos fundamentais

raramente surge limitada agrave avaliaccedilatildeo do peso relativo de dois bens ou interesses numa

dada situaccedilatildeo antecipada ou verificada de colisatildeo Para aleacutem desse factor ela envolve

simultaneamente como jaacute tivemos oportunidade de referir em sede de anaacutelise ao princiacutepio

da proporcionalidade em sentido amplo uma valoraccedilatildeo das vantagens e desvantagens que

a restriccedilatildeo de determinado direito fundamental inevitavelmente provoca bem como a

ponderaccedilatildeo das vantagens e desvantagens de um meio alternativo menos

agressivorestritivo

456 Reis Novais 2010 723-724 457 Reis Novais 2010 696

127

Assim de nada serve para os fins em causa proceder a uma hierarquizaccedilatildeo abstracta

entre dois direitos fundamentais Para demonstrar esta desnecessidade de hierarquizaccedilatildeo

Jorge Reis Novais daacute o exemplo do conflito entre a liberdade religiosa e a sauacutede puacuteblica

quando o exerciacutecio da primeira arrasta consigo o perigo de uma propagaccedilatildeo de epidemia

Aqui o conflito em questatildeo natildeo eacute segundo o Autor entre aqueles dois bens em abstracto

mas sim entre de um lado ldquouma manifestaccedilatildeo parcelar substituiacutevel eventualmente

adiaacutevel de uma forma particular de culto religioso por parte de alguns cidadatildeos e de

outro as ameaccedilas mais ou menos remotas intensas reais ou aparentes que impendem

sobre a sauacutede de outros ou dos mesmos cidadatildeosrdquo 458 Por conseguinte mesmo que essa

hierarquizaccedilatildeo fosse constitucionalmente possiacutevel ela de nada adiantaria sobre a

prevalecircncia de um ou de outro bem uma vez que deve sempre assistir-se a uma valoraccedilatildeo

ponderada das vantagens e desvantagens da restriccedilatildeo em determinado caso concreto

Do ponto de vista da jurisprudecircncia internacional cumpre ainda deixar claro que o

proacuteprio Tribunal Europeu dos Direitos Humanos deparando-se com uma situaccedilatildeo de

restriccedilatildeo a direitos fundamentais recorre sistematicamente agrave metodologia da ponderaccedilatildeo

de bens (e natildeo apenas ao criteacuterio da dependecircnciaindependecircncia da vontade do arguido)

E tambeacutem aqui a ponderaccedilatildeo eacute necessariamente fundada sobre uma elaboraccedilatildeo

dogmaacutetica geneacuterica acerca do sentido das ldquoexigecircncias da sociedade democraacuteticardquo e natildeo

constitucionalmente preacute-determinadas por qualquer hipoteacutetica ordem de valores459

Desta feita podemos concluir que a criacutetica agrave ponderaccedilatildeo baseada na falta de paracircmetros

materiais objectivos e a resultante tentativa de criar criteacuterios riacutegidos e preacute-definidos a

priori para a resoluccedilatildeo de conflitos entre direitos fundamentais defendidas pelas

estrateacutegias absolutistas falham por culminarem em duas situaccedilotildees alternativas a) em

soluccedilotildees abstractas inadequadas natildeo realistas e ateacute pura e simplesmente inaplicaacuteveis b)

ou em contrapartida em soluccedilotildees baseadas de facto em ponderaccedilotildees mas que natildeo

sendo assumidas enquanto tal natildeo podem consequentemente ser sujeitas ao controlo e

agrave criacutetica Por este motivo somos da opiniatildeo de que nunca seraacute possiacutevel prescindir do

reconhecimento de uma margem de apreciaccedilatildeo que permita mediante procedimentos de

458 Reis Novais 2010 701 459 Reis Novais 2010 707

128

ponderaccedilatildeo e respeitando os criteacuterios impostos constitucionalmente dar resposta a um

caso concreto de conflito entre direitos fundamentais460

Por fim no que respeita agrave questatildeo da arbitrariedade na decisatildeo derivada da circunstacircncia

de ser o juiz a proceder agrave ponderaccedilatildeo de bens cumpre esclarecer que mais importante que

discutir se os tribunais podem proceder a ponderaccedilotildees eacute considerar a forma como essas

ponderaccedilotildees se devem processar num quadro de necessaacuteria garantia de previsibilidade

estabilidade e igualdade Para assegurar a reduccedilatildeo da discricionariedade judicial nos

procedimentos de ponderaccedilatildeo os juiacutezes devem atender aos criteacuterios impostos

constitucionalmente nos jaacute mencionados nos 2 e 3 do artigo 18ordm da Lei Fundamental

Desta forma o meacutetodo da ponderaccedilatildeo de bens mediante a intervenccedilatildeo de condicionantes

juriacutedico-constitucionais pode escapar a um decisionismo casuiacutestico Eacute que diz-se na

ausecircncia de criteacuterios juriacutedicos objectivos e precisos susceptiacuteveis de se imporem

vinculativamente aos procedimentos de valoraccedilatildeo e ponderaccedilatildeo de bens eacute a vontade

subjectiva do julgador que acaba por prevalecer com o inconveniente de essa prevalecircncia

se estabelecer com o sacrifiacutecio da decisatildeo de quem fora eleito para proceder agrave ponderaccedilatildeo

dos interesses subjacentes agraves colisotildees em causa461

Pelos motivos enunciados acreditamos que a ponderaccedilatildeo de bens constitui assim a

chave da soluccedilatildeo do problema das restriccedilotildees a direitos fundamentais E optando pelo

criteacuterio da ponderaccedilatildeo de bens como o meacutetodo ideal para a delimitaccedilatildeo da aacuterea de tutela

do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare resta-nos averiguar se com base neste

criteacuterio a revelaccedilatildeo da palavra-passe e a leitura da impressatildeo digital do arguido para

desencriptaccedilatildeo de smartphones estatildeo ou natildeo sob o acircmbito de protecccedilatildeo desse princiacutepio

460 Cumpre salientar neste acircmbito que o proacuteprio direito agrave vida natildeo se pode considerar isento de valoraccedilatildeo e ponderaccedilotildees no caso concreto Jorge Reis Novais daacute o exemplo do conflito entre o direito agrave vida e a

seguranccedila do Estado defendendo que apesar de o direito agrave vida ter uma preferecircncia eacutetica relativamente a

este uacuteltimo no caso concreto em que um grupo de terroristas rapta um empresaacuterio e ameaccedila com toda a

verosimilhanccedila mataacute-lo caso o Estado natildeo satisfaccedila as suas exigecircncias a soluccedilatildeo seria ou prescindir do

controlo ou aderir a um controlo de constitucionalidade essencialmente concretizado e dependente de

valoraccedilatildeo e ponderaccedilatildeo de bens Natildeo haacute segundo o Autor alternativas agrave ponderaccedilatildeo de bens que se

traduzam em acreacutescimo de racionalidade de seguranccedila juriacutedica e sobretudo de protecccedilatildeo efectiva dos

direitos fundamentais Cf Reis Novais 2010 719 461 Reis Novais 2010 697-698

129

5 Aplicabilidade do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare na

desencriptaccedilatildeo de smartphones para obtenccedilatildeo de prova em processo penal

Depois de feita a apreciaccedilatildeo dos casos jurisprudenciais de desencriptaccedilatildeo de smartphones

com o auxiacutelio do arguido nos Estados Unidos da Ameacuterica a anaacutelise sobre o acesso e

apreensatildeo dos seus conteuacutedos no ordenamento juriacutedico portuguecircs a encriptaccedilatildeo destes

dispositivos e a possibilidade de violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare

nos casos de desencriptaccedilatildeo compelida dos mesmos chegamos agrave derradeira questatildeo da

nossa investigaccedilatildeo tendo como referecircncia os casos apresentados no Capiacutetulo I e

recorrendo agrave legislaccedilatildeo doutrina e jurisprudecircncia portuguesas seriam estas

desencriptaccedilotildees de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe ou da leitura da

impressatildeo digital do arguido violadoras do princiacutepio de natildeo-autoincriminaccedilatildeo

Jaacute foi salientado diversas vezes durante o nosso estudo que o princiacutepio nemo tenetur se

ipsum accusare natildeo eacute absoluto pelo que pode ser restringido quer na sua vertente de

direito ao silecircncio do arguido quer na sua dimensatildeo de princiacutepio contra a

autoincriminaccedilatildeo A tiacutetulo de exemplo podemos chamar agrave colaccedilatildeo as restriccedilotildees a este

princiacutepio que tecircm sido assumidas pelo legislador sempre por via da intervenccedilatildeo dos

limites aos limites com previsatildeo constitucional expressa nos nos 2 e 3 do artigo 18ordm da

Lei Fundamental nomeadamente a) a obrigaccedilatildeo do arguido responder com verdade agraves

perguntas sobre a sua identidade (al b) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP) b) a

obrigatoriedade de realizar determinados exames por exemplo de alcoolemia ou de

substacircncias psicotroacutepicas ( artigos 152ordm e 153ordm do Coacutedigo da Estrada) ou exames de ADN

para fins de investigaccedilatildeo criminal (nordm 1 do artigo 8ordm da Lei nordm 52008 de 12 de Fevereiro

e artigo 172ordm do CPP)

No caso concreto de desencriptaccedilatildeo de smartphones para obtenccedilatildeo de prova em processo

penal este princiacutepio entraraacute em confronto com outros valores nomeadamente com a

persecuccedilatildeo da justiccedila e a descoberta da verdade material

Como referido anteriormente segundo o criteacuterio da ponderaccedilatildeo de bens satildeo legiacutetimas as

restriccedilotildees ao princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare que observem os seguintes

requisitos a) devem estar previstas em lei formal b) devem ter como objectivo a

salvaguarda de outro direito ou interesse constitucionalmente protegido c) devem

obedecer ao princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo ndash adequaccedilatildeo necessidade

e proporcionalidade em sentido estrito d) natildeo devem aniquilar o direito em causa

130

atingindo o conteuacutedo essencial do respectivo preceito Aleacutem da verificaccedilatildeo destes

requisitos materiais todas as restriccedilotildees ao nemo tenetur devem ainda observar dois

requisitos de ordem formal a) generalidade e abstracccedilatildeo b) natildeo retroactividade

Tendo como referecircncia os casos norte-americanos apresentados no Capiacutetulo I relativos agrave

ordem de desencriptaccedilatildeo dirigida ao arguido no sentido de revelar a sua palavra-passe ou

de permitir a leitura da sua impressatildeo digital veremos de seguida se estes criteacuterios estatildeo

ou natildeo respeitados nesses casos Por questotildees de ordem praacutetica faremos uma divisatildeo

entre o primeiro e o segundo meacutetodo de desbloqueio do dispositivo

51 Desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe

Para podermos aferir da legitimidade da ordem de desencriptaccedilatildeo de um smartphone

atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe pelo arguido cumpre analisar se esta ordem estaacute

prevista em lei formal se tem como objectivo a salvaguarda de outro direito ou interesse

constitucionalmente protegido se obedece ao princiacutepio da proporcionalidade em sentido

amplo se natildeo aniquila o nemo tenetur atingindo o seu conteuacutedo essencial e por fim se

respeita os requisitos formais (nos 2 e 3 do artigo 18ordm da CRP) Comeccedilaremos pela anaacutelise

do primeiro requisito onde indagaremos sobre a existecircncia de um comando legal que

obrigue o arguido agrave desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe

Ateacute 2009 natildeo havia nenhuma soluccedilatildeo legislativa acerca da questatildeo concreta acima

colocada No entanto como foi referido no Capiacutetulo II da presente investigaccedilatildeo em 2009

foi aprovada a Lei do Cibercrime o que nos leva a perguntar se perante esta lei se passou

a consagrar a possibilidade ndash alargada ndash de as autoridades judiciaacuterias exigirem do arguido

o fornecimento da palavra-passe do seu smartphone

Um dos meios de obtenccedilatildeo de prova previstos na Lei do Cibercrime eacute a injunccedilatildeo para

apresentaccedilatildeo ou concessatildeo do acesso a dados prevista no artigo 14ordm analisado supra

Esta norma consagra que as autoridades judiciaacuterias podem ordenar a quem tenha a

disponibilidade ou o controlo de dados informaacuteticos especiacuteficos e que se encontrem

armazenados num determinado sistema informaacutetico (vg smartphone) que os comunique

ao processo ou que permita o acesso aos mesmos Prevecirc ainda este artigo que quem natildeo

actuar segundo as imposiccedilotildees previstas pode ser punido pelo crime de desobediecircncia

previsto pelo artigo 348ordm do Coacutedigo Penal

131

Ora impotildee-se saber se esta medida pode ter por alvo o arguido jaacute que isso implicaria

uma clara opccedilatildeo do legislador em restringir o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo em

detrimento da eficaacutecia da investigaccedilatildeo criminal E como atestaacutemos em sede de acesso ao

conteuacutedo dos smartphones a resposta eacute negativa o legislador ponderou bem os interesses

e direitos aqui em conflito tomando a opccedilatildeo clara de salvaguardar o direito agrave natildeo-

autoincriminaccedilatildeo ao consagrar no nordm 5 do artigo 14ordm que a injunccedilatildeo para apresentaccedilatildeo

ou concessatildeo do acesso a dados natildeo pode ser dirigida a suspeitos ou a arguidos no

processo em que for determinada a proacutepria medida462 Desta forma fica vedada agraves

autoridades judiciaacuterias ndash atraveacutes do mecanismo do artigo 14ordm da Lei do Cibercrime - a

possibilidade de compelirem o arguido a revelar a palavra-passe do seu dispositivo

electroacutenico

Entendem-se e aplaudem-se as excepccedilotildees formuladas sendo que no que particularmente

respeita agrave protecccedilatildeo do arguido parece ser esta a uacutenica forma de natildeo impor uma

colaboraccedilatildeo deste na recolha de prova da sua eventual incriminaccedilatildeo

Ademais a jaacute mencionada aliacutenea d) do nordm 1 do artigo 61ordm do Coacutedigo de Processo Penal

referente aos direitos e deveres processuais do arguido consagra o direito ao silecircncio

deste sujeito processual enfatizando assim a possibilidade de o arguido manter em

segredo a palavra-passe que permite o acesso ao seu dispositivo electroacutenico

Desta forma podemos concluir que na legislaccedilatildeo nacional parece natildeo constar uma

norma que permita agraves autoridades judiciaacuterias compelir o arguido a revelar a palavra-passe

Contrariamente ao que acontece no ordenamento juriacutedico portuguecircs no Reino Unido a

criminalizaccedilatildeo da recusa em fornecer a palavra-passe encontra-se prevista e eacute punida

pelo artigo 53ordm da Regulation of Investigatory Powers Act 2000 (RIPA)463 sendo que a

462 NevesCorreia 2014 147-148 Tambeacutem na Holanda o Coacutedigo de Processo Penal prevecirc na secccedilatildeo 2 do

seu artigo 125K que ldquoan order can be given to provide access of a secured computer andor to decrypt

relevant datardquo Esta ordem pode ser dada a qualquer pessoa que tenha acesso agrave informaccedilatildeo necessaacuteria para

desencriptar o dispositivo agrave excepccedilatildeo do suspeito e arguido Cf Vordoglou 2016 17 Disponiacutevel em

httpsrepositoryihuedugrxmluibitstreamhandle1154414539Dissertation-Final-1104130034-

Vordogloupdfsequence=1 [consultado em 10022017] Koops 2010 607 463 Dispotildee o artigo 53ordm da RIPA sob a epiacutegrafe de ldquoFailure to comply with a noticerdquo ldquo(1) A person to

whom a section 49 notice has been given is guilty of an offence if he knowingly fails in accordance with

the notice to make the disclosure required by virtue of the giving of the notice (2) In proceedings against

any person for an offence under this section if it is shown that that person was in possession of a key to

any protected information at any time before the time of the giving of the section 49 notice that person

shall be taken for the purposes of those proceedings to have continued to be in possession of that key at all

subsequent times unless it is shown that the key was not in his possession after the giving of the notice and

before the time by which he was required to disclose it [hellip] (5) A person guilty of an offence under this

section shall be liable - (a) on conviction on indictment to imprisonment for a term not exceeding [the

132

notificaccedilatildeo para ceder qualquer palavra-passe eacute consagrada no artigo 49ordm da referida

legislaccedilatildeo464 Assim se apoacutes a notificaccedilatildeo para fornecer uma palavra-passe o arguido

optar por natildeo o fazer a puniccedilatildeo aplicaacutevel corresponde a uma pena de prisatildeo compreendida

entre 2 a 5 anos465 Atendendo ao caso concreto a eventual recusa do arguido em cumprir

a ordem de desencriptaccedilatildeo do smartphone que lhe eacute dirigida pela autoridade competente

seraacute livremente apreciada pelo tribunal466 Por outro lado se o arguido actuar em

conformidade com a ordem de desencriptaccedilatildeo tambeacutem os dados descodificados seratildeo de

uma perspectiva probatoacuteria livremente ponderados e tomados em consideraccedilatildeo na

decisatildeo a proferir467

Jaacute no ordenamento juriacutedico belga a criminalizaccedilatildeo da recusa em revelar palavras-passe

pode desencadear a aplicaccedilatildeo de uma pena de prisatildeo compreendida entre os 6 a 12 meses

ou ainda uma pena de multa De facto o juiz pode ordenar que o arguido revele a

palavra-passe do seu smartphone quando considere que a mesma eacute essencial para a

descoberta da verdade material468

appropriate maximum term] or to a fine or to both (b) on summary conviction to imprisonment for a term

not exceeding six months or to a fine not exceeding the statutory maximum or to both (5A) In subsection (5) lsquothe appropriate maximum termrsquo means - (a) in a national security case [or a child indecency case]

five years and (b) in any other case two years (5B) In subsection (5A) lsquoa national security casersquo means a

case in which the grounds specified in the notice to which the offence relates as the grounds for imposing

a disclosure requirement were or included a belief that the imposition of the requirement was necessary in

the interests of national security] [hellip]rdquo 464 Dispotildee o artigo 49ordm do RIPA sob a epiacutegrafe de ldquoNothing requiring disclosurerdquo ldquo(1) This section applies

where any protected information (a) has come into the possession of any person by means of the exercise

of a statutory power to seize detain inspect search or otherwise to interfere with documents or other

property or is likely to do so [hellip] (2) If any person with the appropriate permission under Schedule 2

believes on reasonable groundsmdash (a) that a key to the protected information is in the possession of any

person (b) that the imposition of a disclosure requirement in respect of the protected information ismdash [hellip] (ii) necessary for the purpose of securing the effective exercise or proper performance by any public

authority of any statutory power or statutory duty [hellip] the person with that permission may by notice to

the person whom he believes to have possession of the key impose a disclosure requirement in respect of

the protected information (3) A disclosure requirement in respect of any protected information is necessary

on grounds falling within this subsection if it is necessarymdash (a) in the interests of national security (b) for

the purpose of preventing or detecting crime or (c) in the interests of the economic well-being of the United

Kingdom [hellip]rdquo 465 Atwood 2015 431 466 Palfreyman 2009 362-370 Lowman 2010 3-4 Disponiacutevel em

httpswwwlowmaniocoukshareThe20Effect20of20File20and20Disk20Encryption20on

20Computer20Forensicspdf [consultado em 10022017] 467 Andrade 2014 33 468 Dispotildee o artigo 88ordm do Coacutedigo Processual Penal belga (Code DrsquoInstruction Criminelle) ldquosect 1er Lorsque

le juge dinstruction ordonne une recherche dans un systegraveme informatique ou une partie de celuici cette

recherche peut ecirctre eacutetendue vers un systegraveme informatique ou une partie de celui-ci qui se trouve dans un

autre lieu que celui ougrave la recherche est effectueacutee - si cette extension est neacutecessaire pour la manifestation

de la veacuteriteacute agrave leacutegard de linfraction qui fait lobjet de la recherche et - si dautres mesures seraient

disproportionneacutees ou sil existe un risque que sans cette extension des eacuteleacutements de preuve soient perdus

sect 2 Lextension de la recherche dans un systegraveme informatique ne peut pas exceacuteder les systegravemes

informatiques ou les parties de tels systegravemes auxquels les personnes autoriseacutees agrave utiliser le systegraveme

133

Se ateacute ao ano de 2000 nenhum paiacutes tinha legislado a criminalizaccedilatildeo ou mesmo a simples

obrigaccedilatildeo de fornecer uma palavra-passe quando tal lhe fosse ordenado desde esse ano

temos assistido ao movimento segundo o qual vaacuterios ordenamentos juriacutedicos

introduziram normas atinentes agrave desencriptaccedilatildeo de dados469

Ora atendendo ao facto de que na legislaccedilatildeo nacional natildeo podemos encontrar nenhum

comando legal que regule esta mateacuteria o julgador aplicando directamente os preceitos

constitucionais devidamente interpretados e concretizados teraacute de concluir que eacute

ilegiacutetima e violadora do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare qualquer ordem de

desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe diriga ao arguido

pelas autoridades judiciaacuterias470

De facto estamos com Vacircnia Costa Ramos quando centra a discussatildeo na existecircncia ou

inexistecircncia de uma obrigaccedilatildeo imposta por lei e na especiacutefica relaccedilatildeo que se impotildee entre

o Estado e a pessoa Segundo a Autora se sobre o cidadatildeo impende um dever especiacutefico

de submissatildeo ao controlo das autoridades (vg exames de alcoolemia substacircncias

informatique qui fait lobjet de la mesure ont speacutecifiquement accegraves sect 3 En ce qui concerne les donneacutees

recueillies par lextension de la recherche dans un systegraveme informatique qui sont utiles pour les mecircmes finaliteacutes que celles preacutevues pour la saisie les regravegles preacutevues agrave larticle 39bis sappliquent Le juge

dinstruction informe le responsable du systegraveme informatique sauf si son identiteacute ou son adresse ne peuvent

ecirctre raisonnablement retrouveacutees Lorsquil savegravere que ces donneacutees ne se trouvent pas sur le territoire du

Royaume elles peuvent seulement ecirctre copieacutees Dans ce cas le juge dinstruction par lintermeacutediaire du

ministegravere public communique sans deacutelai cette information au ministegravere de la Justice qui en informe les

autoriteacutes compeacutetentes de leacutetat concerneacute si celui-ci peut raisonnablement ecirctre deacutetermineacute sect 4 Larticle

89bis est applicable agrave lextension de la recherche dans un systegraveme informatiquerdquo Por seu turno o artordm

88quater dispotildee o seguinte ldquosect 1er Le juge dinstruction ou un officier de police judiciaire auxiliaire du

procureur du Roi deacuteleacutegueacute par lui peut ordonner aux personnes dont il presume quelles ont une

connaissance particuliegravere du systegraveme informatique qui fait lobjet de la recherche ou des services qui

permettent de proteacuteger ou de crypter des donneacutees qui sont stockeacutees traiteacutees ou transmises par un systegraveme informatique de fournir des informations sur le fonctionnement de ce systegraveme et sur la maniegravere dy acceacuteder

ou dacceacuteder aux donneacutees qui sont stockeacutees traiteacutees ou transmises par un tel systegraveme dans une forme

compreacutehensible Le juge dinstruction mentionne les circonstances propres agrave laffaire justifiant la mesure

dans une ordonnance motiveacutee quil transmet au procureur du Roi sect 2 Le juge dinstruction peut ordonner

agrave toute personne approprieacutee de mettre en fonctionnement ellemecircme le systegraveme informatique ou selon le

cas de rechercher rendre accessibles copier rendre inaccessibles ou retirer les donneacutees pertinentes qui

sont stockeacutees traiteacutees ou transmises par ce systegraveme dans la forme quil aura demandeacutee Ces personnes

sont tenues dy donner suite dans la mesure de leurs moyens Lordonnance vises agrave lalineacutea 1er ne peut

ecirctre prise agrave leacutegard de linculpeacute et agrave leacutegard des personnes viseacutees agrave larticle 156 sect 3 Celui qui refuse de

fournir la collaboration ordonneacutee aux sectsect 1er et 2 ou qui fait obstacle agrave la recherche dans le systegraveme

informatique est puni dun emprisonnement de six mois agrave un an et dune amende de vingt-six francs agrave vingt mille francs ou dune de ces peines seulement sect 4 Toute personne qui du chef de sa fonction a

connaissance de la mesure ou y precircte son concours est tenue de garder le secret Toute violation du secret

est punie conformeacutement agrave larticle 458 du Code peacutenal sect 5 LEtat est civilement responsable pour le

dommage causeacute de faccedilon non intentionnelle par les personnes requises agrave un systegraveme informatique ou aux

donneacutees qui sont stockeacutees traiteacutees ou transmises par un tel systegravemerdquo 469 Andrade 2014 35 470 Dias 2005 211 ldquo[hellip] natildeo havendo entre noacutes nenhuma norma habilitante dificilmente se poderatildeo

superar os constrangimentos processuais penais decorrentes do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare

O arguido natildeo pode ser forccedilado a contribuir para a sua proacutepria condenaccedilatildeordquo Cf Correia 2014 59

134

psicotroacutepicas ou exames de ADN) qualquer restriccedilatildeo do nemo tenetur eacute vaacutelida se pelo

contraacuterio impender unicamente um dever geneacuterico natildeo seraacute possiacutevel obrigar o arguido a

colaborar Em suma ldquoas restriccedilotildees ao nemo tenetur situam-se num campo de verificaccedilatildeo

do cumprimento de obrigaccedilotildees impostas por leirdquo471

Assim sendo cremos que do enquadramento legal portuguecircs decorre que a colaboraccedilatildeo

do arguido eacute a excepccedilatildeo (e natildeo a regra) soacute havendo colaboraccedilatildeo exigiacutevel ao arguido na

medida em que haja uma lei formal nesse sentido (que excepcione concretamente o

princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare)472

Apesar da falta de uma lei formal que regule a desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da

revelaccedilatildeo da palavra-passe por parte do arguido analisaremos ainda que sumariamente

e sob pena de tratarmos a questatildeo em maior detalhe mais agrave frente na nossa investigaccedilatildeo

os restantes requisitos

Desta feita se o primeiro requisito das restriccedilotildees a direitos fundamentais fosse

validamente preenchido atraveacutes da consagraccedilatildeo de uma lei formal que previsse a

obrigaccedilatildeo de o arguido revelar a palavra-passe do seu smartphone o segundo requisito ndash

a necessidade de a restriccedilatildeo ao nemo tenetur ter como objectivo a salvaguarda de um

outro direito ou interesse constitucionalmente protegido ndash natildeo parece levantar duacutevidas de

maior Na circunstacircncia de as autoridades judiciaacuterias forccedilarem o arguido a desencriptar o

seu smartphone atraveacutes da revelaccedilatildeo da sua palavra-passe para desta forma obterem o

acesso ao seu conteuacutedo salta agrave vista que interesse as primeiras pretendem alcanccedilar a

realizaccedilatildeo da justiccedila e a busca pela verdade material Tal interesse eacute claramente protegido

dentro da unidade da Constituiccedilatildeo impedindo assim um sacrifiacutecio arbitraacuterio gratuito e

desmotivado do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare

No que concerne agrave questatildeo de saber se as ordens de desencriptaccedilatildeo de smartphones

dirigidas aos arguidos atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe enunciadas no Capiacutetulo I

respeitam o princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo posicionamo-nos a favor

da sua clara desproporcionalidade em violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum

accusare Sem embargo sob pena de nos adiantaacutermos nesta mateacuteria remetemos para a

anaacutelise deste princiacutepio em sede de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da

impressatildeo digital do arguido

471 Ramos 2007 90 472 Pinto 2013 111

135

Queda-nos ainda referir que pela nossa parte qualquer ordem de desencriptaccedilatildeo de

smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe dirigida ao arguido natildeo respeita o

quarto e uacuteltimo requisito material das restriccedilotildees a direitos fundamentais vertido no nordm 3

do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa ndash a garantia do conteuacutedo essencial

do direito restringido Como mencionado anteriormente este requisito consagra a ideia

de que existe um nuacutecleo essencial dos direitos fundamentais que natildeo pode em caso

algum ser violado Sendo o uacuteltimo requisito material das restriccedilotildees a direitos liberdades

e garantias este pressuposto funciona como uma barreira final e efectiva contra o abuso

do poder De acordo com uma teoria mista por noacutes defendida este nuacutecleo essencial do

nemo tenetur teraacute de articular-se com a necessidade de protecccedilatildeo do interesse pela

persecuccedilatildeo da justiccedila e pela busca da verdade material sendo que natildeo poderaacute ser alvo de

uma qualquer aniquilaccedilatildeo

Nesta linha de raciociacutenio estamos com Catarina Anastaacutecio quando defende que o nuacutecleo

essencial deste princiacutepio eacute aniquilado nas situaccedilotildees em que algueacutem eacute ldquocoagido a emitir

declaraccedilotildees autoincriminatoacuterias a declarar a sua culpabilidade a admitir a sua

participaccedilatildeo numa infracccedilatildeo uma vez que tal admissatildeo a verificar-se deveraacute ser sempre

um acto totalmente livre e conscienterdquo473 Por conseguinte atendendo ao facto de que o

arguido ao acatar uma qualquer ordem de desencriptaccedilatildeo do seu smartphone atraveacutes da

revelaccedilatildeo da sua palavra-passe estaraacute a emitir declaraccedilotildees autoincriminatoacuterias outra natildeo

poderaacute ser a conclusatildeo senatildeo a de que esta medida eacute claramente violadora do requisito da

garantia do nuacutecleo essencial do direito fundamental restringido consagrado na parte final

do nordm 3 do artigo 18ordm da Lei Fundamental

Perante um caso de conflito entre dois direitos fundamentais e depois de valoradas todas

as circunstacircncias do caso concreto dever-se-aacute concluir pela prevalecircncia de um direito

sobre o outro No entanto o sacrifiacutecio deste uacuteltimo em caso algum poderaacute jusitificar a

aniquilaccedilatildeo do conteuacutedo essencial de qualquer um dos direitos

Por fim quanto aos requisitos formais das restriccedilotildees a direitos fundamentais ndash

generalidade abstracccedilatildeo e natildeo retroactividade - atendendo ao facto de que a ordem de

desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo de palavra-passe dirigida ao arguido

natildeo tem consagraccedilatildeo em lei formal deixa de ser pertinente a anaacutelise destes criteacuterios

473 Anastaacutecio 2010 217

136

Em jeito de conclusatildeo contra a revelaccedilatildeo coactiva da palavra-passe poder-se-aacute alegar o

seguinte a) natildeo estaacute prevista na lei qualquer obrigatoriedade de fornecimento da palavra-

passe por parte do arguido b) o acesso ao smartphone encriptado eacute possiacutevel atraveacutes de

tentativas de adivinhar a palavra-passe uma vez que muitos utilizadores optam por

palavras-passe faacuteceis de decifrar c) o arguido tem direito ao silecircncio de acordo com a

aliacutenea d) do nordm 1 do artigo 61ordm do Coacutedigo de Processo Penal d) a palavra-passe pode ser

considerada como incriminatoacuteria uma vez que a demonstraccedilatildeo do seu conhecimento

prova ainda que implicitamente474 determinados factos nomeadamente que o arguido

seraacute responsaacutevel pelos conteuacutedos encriptados que estejam armazenados no smartphone

porquanto ele teraacute acesso e controlo sobre os mesmos475 e) a palavra-passe pode ser ainda

incriminatoacuteria noutro sentido seraacute incriminatoacuteria de modo indirecto na medida em que

faculta o acesso a dados incriminatoacuterios476 os quais sem a colaboraccedilatildeo do arguido nunca

seriam acedidos e nunca fundamentariam por isso mesmo a sua responsabilidade

penal477

Depois de confirmada a violaccedilatildeo de acordo com ordenamento juriacutedico nacional do

princiacutepio nemo tenetur nos casos em que as autoridades judiciaacuterias dirigem ao arguido

uma ordem de desencriptaccedilatildeo do seu smartphone atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe

resta-nos apenas aferir da legitimidade da desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura

da impressatildeo digital do arguido

474 ldquo[hellip] the entry of the passphrase is testimonial because it implicity communicates facts namely that the

defendant knows the passphrase has control over the smartphone files and believes he can access the

smartphonersquos contentsrdquo Cf Pfefferkorn 2009 11 Disponiacutevel em

httpspapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=1883697ampdownload=yes [consultado em

13022017] 475 ldquo[hellip] disclosing the passphrase [hellip] implicity involves statements of fact by admitting that the evidence

exists is in the personrsquos possession or control and is authentic By entering a passphrase the person will

implicity admit the fact that he or she knows the passphrase it is within his or her control and the

passphrase is authentic in the sense that it is what the person believes the government wants In this case the act of disclosing a passphrase will lead to the inference that the contents decrypted were created and

in the control of that person which may be highly incriminating [hellip]rdquo Cf Duong 2009 349 ldquoWhen a

defendant is compelled to enter a password into his smartphone the act of decryption necessarily implies

statements of fact that could prove to be incriminatoryrdquo Cf Winkler 2014 46 476 ldquoO princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo abrange acccedilotildees verbais ou fiacutesicas capazes de contribuir para a

proacutepria condenaccedilatildeo e encurtando razotildees o arguido natildeo pode ser condicionado a contribuir para a sua

incriminaccedilatildeo atraveacutes da prestaccedilatildeo de qualquer tipo de declaraccedilotildees nomeadamente [hellip] fornecendo um

coacutedigo [hellip]rdquo Cf Haddad 2003 20-21 477 Pinto 2013 112-115

137

52 Desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do

arguido

Para aferir da legitimidade da desencriptaccedilatildeo de smartphones para a obtenccedilatildeo de prova

em processo penal atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido com base nos casos

norte-americanos anteriormente apresentados cumpre agrave semelhanccedila do que foi feito em

sede de desencriptaccedilatildeo atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe aferir se estas ordens estatildeo

previstas em lei formal se tecircm como objectivo a salvaguarda de outro direito ou interesse

constitucionalmente protegido se obedecem ao princiacutepio da proporcionalidade em

sentido amplo se natildeo aniquilam o nemo tenetur atingindo o seu conteuacutedo essencial e por

fim se respeitam os requisitos formais (nos 2 e 3 do artigo 18ordm da CRP) Comeccedilaremos

pelo primeiro requisito

Quanto agrave questatildeo da exigecircncia de lei formal vale o que ficou dito no ponto anterior

Assim a legitimidade da restriccedilatildeo ao princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare estaacute

dependente da sua consagraccedilatildeo na legislaccedilatildeo nacional (bastando que seja admitida dentro

da unidade da Constituiccedilatildeo)

Queda-nos entatildeo apurar sobre a existecircncia de uma norma que obrigue o arguido a

colocar o seu dedo no sensor do smartphone para que a leitura da sua impressatildeo digital

possibilite o acesso das autoridades judiciaacuterias ao conteuacutedo do seu dispositivo

Como ficou assente no Capiacutetulo II da nossa investigaccedilatildeo o acto de colocar o dedo no

sensor do smartphone para permitir a leitura da impressatildeo digital do arguido natildeo pode ser

considerado nem uma periacutecia nem um exame mas sim uma outra diligecircncia de prova

A aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm do Coacutedigo de Processo Penal regula que sobre o

arguido recaem em especial os deveres de ldquosujeitar-se a diligecircncias de prova e a medidas

de coacccedilatildeo e garantia patrimonial especificadas na lei e ordenadas e efectuadas por

entidade competenterdquo De facto como realccedilaacutemos anteriormente natildeo obstante a

inexistecircncia de um dever de o arguido colaborar com as autoridades tal natildeo significa que

natildeo possa haver derrogaccedilotildees ao princiacutepio nemo tenetur478 Neste caso concreto de

desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital o arguido acaba

478 Marques da Silva 2010 318

138

por constituir um meio de prova em sentido formal na medida em que o seu corpo e o

seu estado corporal podem ser objecto de diligecircncias de prova479

No que agrave jurisprudecircncia diz respeito o Supremo Tribunal de Justiccedila no seu acoacuterdatildeo nordm

142014 veio realccedilar o disposto na aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP afirmando

que ldquoo estatuto processual do arguido natildeo eacute incompatiacutevel com a sujeiccedilatildeo a diligecircncias de

prova ou meios de as obter posto que esses deveres natildeo afectem direitos fundamentais

processuais integrantes do seu direito de defesardquo480

Poderiacuteamos assim concluir que de acordo com o entendimento da doutrina citada e da

jurisprudecircncia do Supremo Tribunal de Justiccedila a desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes

da leitura da impressatildeo digital do arguido teria consagraccedilatildeo na aliacutenea d) do nordm 3 do artigo

61ordm do Coacutedigo de Processo Penal podendo o arguido ser legitimamente compelido a tal

Efectivamente o arguido tem o dever de se sujeitar a diligecircncias de prova devendo no

entanto entender-se que este dever natildeo abrange todo e qualquer tipo de prova (artigo

125ordm do CPP) mas apenas as diligecircncias de prova que estejam ldquoespecificadas na leirdquo

sendo que a desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital natildeo se

mostra como tal normativamente especificada Se todos os casos de recusa de submissatildeo

a diligecircncias de prova devessem merecer a censura tiacutepica do crime de desobediecircncia o

legislador tecirc-lo-ia previsto expressamente naquele segmento normativo (al d) do nordm 3 do

artigo 61ordm) bastando para tanto acrescentar agrave sua respectiva previsatildeo a expressatildeo ldquosob

cominaccedilatildeo de incorrer no crime de desobediecircncia em caso de recusa ou natildeo

cumprimentordquo481 Deve ainda ter-se em conta que na esteira do defendido por Germano

Marques da Silva natildeo obstante o dever de sujeiccedilatildeo a diligecircncias de prova o arguido natildeo

tem a obrigaccedilatildeo de fornecer provas que o incriminem482

O Coacutedigo de Processo Penal actualmente em vigor desde 1987 (e com as alteraccedilotildees

entretanto introduzidas) consagrou expressamente o direito ao silecircncio do arguido mas

natildeo consagrou expressamente a possibilidade de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes

da leitura da sua impressatildeo digital Pelo contraacuterio a Lei do Cibercrime de 15 de Setembro

de 2009 veio estabelecer no nordm 5 do seu artigo 14ordm que o suspeito e o arguido natildeo podem

479 Figueiredo Dias 2004 438-439 480 Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro de 2014 disponiacutevel em

httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 15022017] 481 Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro de 2014 disponiacutevel em

httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 15022017] 482 Marques da Silva 2013 76

139

ser compelidos pelas autoridades judiciaacuterias a permitir o acesso ao conteuacutedo do seu

dispositivo electroacutenico

Assim estamos com Helena Moniz quando defende no seu voto de vencida ao Acoacuterdatildeo

do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 que ldquoa submissatildeo do arguido a diligecircncias

de prova nos termos da al d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP apenas se impotildee quando

estejam ldquoespecificadas na leirdquo sem o que natildeo pode aquela restriccedilatildeo agraves garantias do

arguido ser-lhe imposta quando o arguido eacute utilizado como meio de prova contra si

proacuteprio [hellip]rdquo483

Como deixaacutemos claro no ponto anterior tambeacutem Vania Costa Ramos parece seguir este

entendimento com o qual concordamos inteiramente Segundo a Autora se sobre o

arguido impende unicamente um dever geneacuterico (vg dever de sujeiccedilatildeo a diligecircncias de

prova ndash al d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP) natildeo seraacute possiacutevel obrigar o arguido a

colaborar484 Para que se possa aqui falar de uma obrigaccedilatildeo de colaboraccedilatildeo por parte do

arguido eacute necessaacuterio que se esteja perante um dever especiacutefico de submissatildeo ao controlo

das autoridades485 como eacute o caso a tiacutetulo de exemplo dos exames de alcoolemia e

substacircncias psicotroacutepicas (artigos 152ordm e 153ordm do Coacutedigo da Estrada) e exames de ADN

para fins de investigaccedilatildeo criminal (nordm 1 do artigo 8ordm da Lei nordm 52008 de 12 de Fevereiro

e artigo 172ordm do CPP) Igualmente Vieira de Andrade vem defender a ideia de que uma

qualquer restriccedilatildeo ao princiacutepio da natildeo-autoincriminaccedilatildeo em funccedilatildeo da exigecircncia de lei

formal deve ldquo[hellip] apresentar uma densidade suficiente isto eacute um certo grau de

determinaccedilatildeo do seu conteuacutedo pelo menos no essencial natildeo sendo legiacutetimo que se deixe

agrave Administraccedilatildeo espaccedilos significativos de regulaccedilatildeo ou de decisatildeo [hellip]rdquo486

483 Voto de Vencida de Helena Moniz ao Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de

Outubro de 2014 disponiacutevel em httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 15022017] Em

sentido contraacuterio o Supremo Tribunal de Justiccedila no referido acoacuterdatildeo veio defender o entendimento de que

uma leitura e interpretaccedilatildeo restritiva da aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm do Coacutedigo de Processo Penal no

sentido de que as deligecircncias de prova necessitariam de estar ldquoespecificadas na leirdquo constituiria um golpe

profundo na investigaccedilatildeo criminal posto que salvaguardaria o arguido das diligecircncias de prova meios de

prova ou de obtenccedilatildeo de prova Cf Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro

de 2014 disponiacutevel em httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 15022017] 484 Ramos 2007 90 485 Neste sentido vai tambeacutem Catarina Andrade ao afimar em sede de desencriptaccedilatildeo de dispositivos

electroacutenicos que natildeo se pode defender a ideia de que o arguido eacute obrigado a cooperar com as autoridades

ao abrigo de um dever geneacuterico de colaboraccedilatildeo ldquoPese embora a importacircncia da descoberta da verdade

material natildeo pode o legislador permitir que a mesma opere como derrogaccedilatildeo absoluta dos princiacutepios

constitucionalmente consagrados e desenvolvidos em sede processual penal Como tal [hellip] natildeo podemos

considerar que a questatildeo controvertida se encontra resolvida atraveacutes da aplicaccedilatildeo de um dever geral de

colaboraccedilatildeo do arguido porquanto o mesmo natildeo eacute aceite pelo ordenamento juriacutedico portuguecircsrdquo Cf

Andrade 2014 29 486 Vieira de Andrade 2016 290-291

140

Assim a sujeiccedilatildeo do arguido a colocar o dedo no sensor do smartphone para permitir o

acesso ao dispositivo contra a sua vontade enquanto limitaccedilatildeo ao princiacutepio nemo tenetur

se ipsum accusare soacute deveraacute ser possiacutevel apoacutes a consagraccedilatildeo legal desse dever especiacutefico

Considerando-se que aquela limitaccedilatildeo natildeo estaacute legalmente prevista natildeo podemos

entender que possa ser ordenada pelas autoridades judiciaacuterias De facto ainda que natildeo

exista legislaccedilatildeo que preveja uma obrigaccedilatildeo de o arguido desencriptar o seu smartphone

atraveacutes da leitura da impressatildeo digital suprir esta omissatildeo legislativa atraveacutes da subversatildeo

do regime processual penal consagrado natildeo pode configurar-se como admissiacutevel O

simples facto de determinada mateacuteria natildeo se achar prevista e regulada na lei natildeo indicia

de per si a existecircncia de uma lacuna legal que careccedila de ser integrada nos termos do

disposto no artigo 10ordm do Coacutedigo Civil Na expressatildeo impressiva de Oliveira Ascensatildeo

ldquolacuna natildeo eacute tudo o que natildeo estaacute na leirdquo487

E mesmo que o julgador interprete a norma constante da aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm

como uma obrigaccedilatildeo de o arguido desencriptar o dispositivo atraveacutes da leitura da sua

impressatildeo digital resta saber se esta ordem respeita os restantes limites aos limites dos

direitos fundamentais consagrados nos nos 2 e 3 do artigo 18ordm da Lei Fundamental

Analisado que estaacute o primeiro requisito da exigecircncia de lei formal passaremos agrave

verificaccedilatildeo do segundo requisito ndash necessidade de salvaguarda de outro direito ou

interesse constitucionalmente protegido

Agrave semelhanccedila do que ficou dito no ponto anterior tambeacutem no caso concreto de uma

ordem de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital dirigida

ao arguido pelas autoridades judiciaacuterias natildeo existem duacutevidas quanto ao interesse das

uacuteltimas a persecuccedilatildeo da justiccedila e a descoberta da verdade material Interesse esse que

como jaacute enfatizaacutemos anteriormente eacute claramente protegido dentro da unidade da

Constituiccedilatildeo impedindo assim um sacrifiacutecio arbitraacuterio gratuito e desmotivado do

princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare

Passando agrave averiguaccedilatildeo do terceiro limite aos limites dos direitos fundamentais cumpre

salientar que a ordem de desencriptaccedilatildeo de smartphones agora atraveacutes da leitura da

impressatildeo digital do arguido natildeo pode dispensar o escrutiacutenio do princiacutepio da

proporcionalidade em sentido amplo ou para alguns princiacutepio da proibiccedilatildeo do excesso

Por esse motivo analisaremos de seguida se nos casos norte-americanos tendo agora

487 Ascensatildeo 1997 918

141

por base a legislaccedilatildeo nacional os corolaacuterios da adequaccedilatildeo necessidade e

proporcionalidade em sentido estrito estatildeo ou natildeo preenchidos

O subprinciacutepio da adequaccedilatildeo como vimos anteriormente exige que a ordem restritiva

em causa seja apta a realizar o fim visado com a restriccedilatildeo ou contribua para o alcanccedilar

Ora a ordem restritiva nos casos norte-americanos apresentados eacute precisamente a ordem

dada ao arguido pelas autoridades judiciaacuterias no sentido de desencriptar o seu

smarpthone atraveacutes da leitura da sua impressatildeo digital Jaacute o fim visado com essa restriccedilatildeo

prende-se com a realizaccedilatildeo da justiccedila e a busca pela verdade material

Sabendo de antematildeo que este corolaacuterio natildeo eacute devidamente cumprido sempre que a

ordem restritiva se revele inapta para atingir esse fim ou seja sempre que os efeitos dessa

medida se revelarem indiferentes ou contraacuterios agrave realizaccedilatildeo do fim em vista cumpre

perceber quais satildeo os potenciais efeitos que aquelas ordens de desencriptaccedilatildeo de

smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido podem causar

A ordem de desencriptaccedilatildeo do smartphone seja atraveacutes de que meacutetodo for eacute sempre

emitida com o propoacutesito de aceder ao conteuacutedo do dispositivo Assim as autoridades

judiciaacuterias numa tentativa de proceder agrave apreensatildeo de provas incriminatoacuterias que possam

estar armazenadas no smartphone solicitam a colaboraccedilatildeo do arguido

Ora a priori as autoridades judiciaacuterias natildeo tecircm na maioria das vezes (ou ateacute mesmo na

totalidade) conhecimentos bastantes para garantir que no smartphone estaratildeo

armazenadas provas de determinado delito Por esse motivo depois de conseguirem

aceder ao dispositivo atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido estas entidades

podem encontrar provas suficientes para relacionar o arguido ao crime em questatildeo ou

pelo contraacuterio podem encontrar apenas informaccedilotildees ficheiros e dados pessoais do

arguido que em nada o relacionem com o delito E neste uacuteltimo caso se o smartphone

natildeo contiver qualquer informaccedilatildeo pertinente para a investigaccedilatildeo do crime parece-nos

oacutebvio que o fim visado ndash a persecuccedilatildeo da justiccedila e a busca pela verdade material ndash fica

claramente comprometido No entanto ficou esclarecido anteriormente que este

subprinciacutepio da adequaccedilatildeo exige que a medida restritiva seja considerada apta a realizar

o fim visado com a restriccedilatildeo ou contribua para o alcanccedilar mas atraveacutes de um juiacutezo de

prognose Ou seja soacute poderemos falar aqui numa inconstitucionalidade desta ordem de

desencriptaccedilatildeo se tendo em conta os conhecimentos empiacutericos e cientiacuteficos disponiacuteveis

142

no momento da aprovaccedilatildeo da medida esta se revele inapta a contribuir para a persecuccedilatildeo

da justiccedila e descoberta da verdade material

Assim podemos concluir que os efeitos desta medida restritiva ao princiacutepio nemo tenetur

ndash desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido ndash

revelam-se desta forma aptos agrave realizaccedilatildeo da justiccedila e descoberta da verdade desde que

agrave data da aprovaccedilatildeo da medida e de acordo com os conhecimentos das autoridades

judiciaacuterias haja a possibilidade (ainda que reduzida) de o dispositivo conter provas

autoincriminatoacuterias

Desta feita outra natildeo poderaacute ser a conclusatildeo se natildeo a de que todas as ordens de

desencriptaccedilatildeo apresentadas no Capiacutetulo I (no caso Baust Diamond e Paytsar ndash no caso

do mandado de 9 de Maio de 2016 natildeo temos informaccedilotildees suficientes quanto agrave finalidade

da medida) respeitaram o subprinciacutepio da adequaccedilatildeo uma vez que agrave data da sua

aprovaccedilatildeo e de acordo com os conhecimentos empiacutericos disponiacuteveis na altura havia em

todos os casos a possibilidade de os dispositivos electroacutenicos armazenarem provas

incriminatoacuterias (relativas agrave ofensa agrave integridade fiacutesica ao furto e ao roubo de identidade

respectivamente)

De facto casos em que uma medida retritiva de um direito fundamental eacute declarada

inconstitucional devido agrave sua inadequaccedilatildeo satildeo raros Normalmente os meios restritivos

adoptados atingem o seu objectivo ateacute certo grau Isto eacute suficiente para superar o teste da

adequaccedilatildeo488

Completamente diferente eacute o que se passa com o segundo subprinciacutepio da

proporcionalidade em sentido amplo ou seja a necessidade Este subprinciacutepio exige que

se recorra para atingir determinado fim ao meio necessaacuterio exigiacutevel ou indispensaacutevel

no sentido do meio mais suave ou menos restritivo que precise de ser utilizado para atingir

o fim em vista Para tal eacute necessaacuterio que se faccedila a comparaccedilatildeo entre os prejuiacutezos

provocados pela desencriptaccedilatildeo compelida e os prejuiacutezos que seriam provocados pela

utilizaccedilatildeo de um meio alternativo

Como foi oportunamente referido o smartphone tem actualmente capacidade para

armazenar uma vasta quantidade de informaccedilatildeo nomeadamente agenda de contactos

informaccedilatildeo de calendaacuterio mensagens escritas registo de chamadas feitas e recebidas e-

488 Alexy 2014 820

143

mail fotografias gravaccedilotildees aacuteudio e viacutedeo mensagens de multimeacutedia mensagens

instantacircneas histoacuterico de navegaccedilatildeo na internet documentos electroacutenicos dados

relacionados com as redes sociais dados relacionados com aplicaccedilotildees informaccedilatildeo sobre

localizaccedilotildees geograacuteficas entre outras Por esse motivo compreende-se que o acesso a

este dispositivo acarreta simultaneamente o acesso a informaccedilatildeo protegida pelo direito

agrave reserva sobre a intimidade da vida privada

Com a desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido

as autoridades judiciaacuterias passam a ter domiacutenio sobre vaacuterios ficheiros electroacutenicos de

caraacutecter pessoal e iacutentimo Assim estamos aqui claramente perante natildeo soacute uma grave

violaccedilatildeo do princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo como tambeacutem uma grave violaccedilatildeo do

direito do arguido agrave reserva da intimidade da vida privada489 um direito fundamental

consagrado no texto constitucional no nordm 1 do artigo 26ordm Posto isto queda-nos perceber

se estes prejuiacutezos causados pela desencriptaccedilatildeo satildeo superiores aos prejuiacutezos que poderiam

ser provocados por um meio de obtenccedilatildeo de prova alternativo

Acreditamos independentemente do crime perpretado (vg crime de ofensa agrave integridade

fiacutesica furto roubo de identidade) que outros meios de prova e meios de obtenccedilatildeo de

prova poderiam ser menos lesivos do que a desencriptaccedilatildeo

Mesmo que as autoridades judiciaacuterias tivessem a convicccedilatildeo plena de que no smartphone

estariam armazenadas provas que relacionavam o arguido com o crime em questatildeo outros

meios alternativos como os exames as periacutecias as revistas e buscas ou as apreensotildees

seriam menos lesivos tanto em relaccedilatildeo ao princiacutepio nemo tenetur quanto ao direito agrave

reserva sobre a intimidade da vida privada do que a desencriptaccedilatildeo compelida do

dispositivo Tendo em consideraccedilatildeo o caso de David Baust apresentado no Capiacutetulo I da

presente investigaccedilatildeo vaacuterios podiam ser os meios de prova utilizados para provar a ofensa

agrave integridade fiacutesica da viacutetima de uma forma menos lesiva para os direitos fundamentais

do arguido do que a ordem de desencriptaccedilatildeo do smartphone (independentemente do

meacutetodo utilizado) Nomeadamente uma periacutecia meacutedico-legal um exame realizado ao

local do crime ou uma busca No caso de Matthew Diamond o arguido suspeito de furto

foi ordenado a desencriptar o seu smartphone atraveacutes da leitura da sua impressatildeo digital

489 Como deixaacutemos claro anteriormente a desnecessidade da agressatildeo afere-se em relaccedilatildeo aos prejuiacutezos

provocados pela medida restritiva avaliados em funccedilatildeo de criteacuterios materiais espaciais temporais ou

pessoais e tendo em conta natildeo apenas o direito fundamental directamente atingido como qualquer outra

afectaccedilatildeo desvantajosa da liberdade dos direitos fundamentais ou de outros interesses juridicamente

relevantes do mesmo titular ou de outros afectados

144

no entanto acreditamos que a recolha de imagens de viacutedeo-vigilacircncia que comprovariam

o seu envolvimento na venda das peccedilas furtadas uma busca agrave sua residecircncia e a

comparaccedilatildeo das pegadas encontradas no local com os seus sapatos seriam medidas muito

menos lesivas do seu privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo e do seu direito agrave reserva da

intimidade da vida privada Quanto ao caso Paytsar acreditamos que tambeacutem aqui uma

busca agrave sua residecircncia seria um meio de obtenccedilatildeo de prova menos lesivo e ateacute mais eficaz

para a investigaccedilatildeo do crime de roubo de identidade do que a ordem de desencriptaccedilatildeo

Por fim no caso do mandado de 9 de Maio de 2016 apesar de natildeo termos conhecimento

sobre os motivos que levaram agrave elaboraccedilatildeo do mandado acreditamos que a ordem de

desencriptaccedilatildeo eacute desnecessaacuteria e extremamente lesiva das garantias de defesa dos

proprietaacuterios dos smartphones em comparaccedilatildeo com a mera busca ao local e revista dos

sujeitos aiacute presentes

Nestes quatro casos em anaacutelise mesmo que se venha a alegar uma diferente intensidade

na prossecuccedilatildeo do fim optando por estes meios menos lesivos acreditamos que a

persecuccedilatildeo da justiccedila e a descoberta da verdade material natildeo ficariam de modo algum

prejudicadas ateacute porque os meios apresentados conduziriam ao mesmo fim a que a

desencriptaccedilatildeo do smartphone possivelmente levaria e segundo nossa opiniatildeo com uma

maior eficaacutecia

Deste modo defendemos a ideia de que o subprinciacutepio da necessidade natildeo se encontra

devidamente preenchido nos casos apresentados relativos a ordens de desencriptaccedilatildeo de

smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido

Por fim no que concerne ao corolaacuterio da proporcionalidade em sentido estrito que visa

apurar o equiliacutebrio na relaccedilatildeo entre a importacircncia do fim visado ndash realizaccedilatildeo da justiccedila e

busca pela verdade material ndash e a gravidade do sacrifiacutecio imposto ndash violaccedilatildeo do princiacutepio

nemo tenetur (e simultaneamente do direito agrave reserva sobre a vida privada) - cumpre

comparar os prejuiacutezos impostos aos direitos fundamentais contrapostos aos benefiacutecios

produzidos na obtenccedilatildeo do fim visado com a restriccedilatildeo

Este subprinciacutepio da proporcionalidade em sentido estrito corresponde como vimos agrave

maacutexima designada como ldquoLei da Ponderaccedilatildeordquo criada por Alexy Esta maacutexima defende

145

que ldquoquanto maior for o grau de natildeo realizaccedilatildeo ou de afectaccedilatildeo de um princiacutepio maior

deve ser a importacircncia da realizaccedilatildeo do princiacutepio colidenterdquo490

Sandra Oliveira e Silva vem defender que a aplicaccedilatildeo da lei da ponderaccedilatildeo agrave resoluccedilatildeo

dos conflitos entre o nemo tenetur e o interesse da perseguiccedilatildeo criminal se redunda numa

verdadeira aporia metodoloacutegica Isto porque segundo a Autora ldquoos criteacuterios

legitimadores da restriccedilatildeo do nemo tenetur no interesse da eficaacutecia da perseguiccedilatildeo

criminal (a saber a gravidade do crime investigado a indispensabilidade da prova a

fidedignidade da informaccedilatildeo que se espera obterhellip) satildeo precisamente os que tornam mais

intensa a necessidade de tutela do arguido contra a autoincriminaccedilatildeo (eacute mais grave a pena

esperada maior o efeito incriminatoacuterio da diligecircncia a realizar etc)[hellip]rdquo pelo que nunca

se poderaacute afirmar ldquo[hellip] que a um grau mais elevado de afectaccedilatildeo do direito sacrificado (a

prerrogativa contra a autoincriminaccedilatildeo) corresponde uma maior medida de realizaccedilatildeo do

interesse contraacuterio (os da investigaccedilatildeo criminal)rdquo491 Ou seja se o interesse do Estado em

obter provas autoincriminatoacuterias cresce numa relaccedilatildeo de proporcionalidade directa agrave

pretensatildeo individual do arguido em negar-lhas nunca seraacute possiacutevel atingir um ponto

oacuteptimo de equiliacutebrio que se espera da ponderaccedilatildeo como criteacuterio de delimitaccedilatildeo do acircmbito

concreto de operatividade de direitos fundamentais492 Pelo que ainda do ponto de vista

da citada Autora o criteacuterio da ponderaccedilatildeo torna-se neste caso concreto um criteacuterio fraacutegil

e subjectivo

Contudo a nossa posiccedilatildeo vai respeitosamente em sentido contraacuterio da tese defendida

por Sandra Oliveira e Silva De facto segundo nossa opiniatildeo para justificar uma

afectaccedilatildeo elevada do princiacutepio nemo tenetur eacute necessaacuterio que a realizaccedilatildeo do princiacutepio

contraacuterio neste caso a realizaccedilatildeo da justiccedila se revele de maior importacircncia

Contrariamente ao defendido por Sandra Oliveira e Silva natildeo cremos que o aumento do

interesse do Estado em obter provas autoincriminatoacuterias (dada a gravidade do crime

investigado a indispensabilidade da prova a fidedignidade da informaccedilatildeo que se espera

obter entre outros motivos) faccedila forccedilosamente aumentar a necessidade de protecccedilatildeo do

arguido contra a autoincriminaccedilatildeo (uma vez que a pena esperada eacute mais grave o efeito

incriminatoacuterio da diligecircncia a realizar eacute maior etc) Para defendermos este entendimento

490 Alexy 2014 821 491 Oliveira Silva 2015 622 492 Oliveira Silva 2015 622

146

apoiamo-nos num exemplo praacutetico do nosso ordenamento juriacutedico a sujeiccedilatildeo do arguido

ao teste de alcoolemia atraveacutes de colheita de ar expirado

Neste caso em concreto o interesse do Estado em obter provas autoincriminatoacuterias eacute

bastante elevado uma vez que a gravidade do crime (conduccedilatildeo sob o efeito de aacutelcool) eacute

consideraacutevel a prova (colheita de ar expirado) eacute indispensaacutevel para a acusaccedilatildeo e a

informaccedilatildeo recolhida atraveacutes da anaacutelise do ar expirado eacute fidedigna Ainda assim este

aumento do interesse do Estado em obter provas autoincriminatoacuterias natildeo culmina na

necessidade de uma maior protecccedilatildeo do arguido contra a autoincriminaccedilatildeo muito pelo

contraacuterio dada a gravidade do crime e do risco criado para a comunidade a restriccedilatildeo do

nemo tenetur considera-se justificada atraveacutes de um criteacuterio de ponderaccedilatildeo

Este caso acaba por demonstrar que depois de valoradas todas as circunstacircncias do caso

atraveacutes do meacutetodo de ponderaccedilatildeo de bens soacute uma maior medida de realizaccedilatildeo da justiccedila

e de busca pela verdade material (atendendo agrave gravidade do crime investigado agrave

indispensabilidade da prova agrave fidedignidade da informaccedilatildeo que se espera obter entre

outros motivos) justifica um grau mais elevado de afectaccedilatildeo do privileacutegio contra a

autoincriminaccedilatildeo

Por conseguinte a aplicaccedilatildeo da lei da ponderaccedilatildeo agrave resoluccedilatildeo dos conflitos entre o

princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare e o interesse da perseguiccedilatildeo criminal no

sentido de estabelecer o valor prevalecente eacute fundamental E afim de percebemos se as

ordens de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do

arguido apresentadas anteriormente respeitam esta lei da ponderaccedilatildeo (quanto maior for

o grau de natildeo realizaccedilatildeo ou de afectaccedilatildeo de um princiacutepio maior deve ser a importacircncia

da realizaccedilatildeo do princiacutepio colidente) cumpre esclarecer vaacuterias questotildees493

Com a desencriptaccedilatildeo do smartphone seja atraveacutes do meacutetodo da revelaccedilatildeo da palavra-

passe ou da leitura da impressatildeo digital do arguido as autoridades judiciaacuterias passam a

ter acesso e controlo sobre todo o conteacuteudo aiacute armazenado Assim como jaacute tivemos

oportunidade de mencionar para aleacutem de estar aqui em causa uma violaccedilatildeo ao princiacutepio

493 ldquoEl principio de proporcionalidad es un concepto abstracto que alude a la relacioacuten entre el fin a

alcanzar ndash prevencioacutenrepresioacuten del delito ndash y el medio empleado para ello ndash diligencia restrictiva de un

derecho fundamental Para ello se ponderan diversos elementos como la gravedad del hecho delictivo la

intensidad de la sospecha o el tipo de indicios las perspectivas de eacutexito de la medida el esfuerzo en su

realizacioacuten en relacioacuten con el resultado a obtener el perjuicio que se causa en relacioacuten con la utilidad del

resultado Tales elementos son criteacuterios orientativos para valorar la contraposicioacuten entre el intereacutes

individual que puede verse afectado por la medida y el intereacutes puacuteblico que subyace en la investigacioacuten

procesal penal valoracioacuten que habraacute de concretarse en cada casordquo Cf Winter 2010 174

147

contra a autoincriminaccedilatildeo poderatildeo levantar-se ainda questotildees relativas agrave privacidade

natildeo soacute do arguido como tambeacutem de terceiros que possam estar envolvidos nos ficheiros

gravados electronicamente no dispositivo (quer atraveacutes de comunicaccedilotildees encetadas entre

o arguido e o terceiro quer atraveacutes de fotografias tiradas ao terceiro etc)

Atendendo a esta ingerecircncia do puacuteblico no universo privado violentando direitos

constitucionalmente atribuiacutedos e protegidos a desencriptaccedilatildeo de smartphones

(independentemente do meacutetodo utilizado) deveraacute ser realizada a tiacutetulo excepcional e

obedecendo a criteacuterios mais exigentes494 Nomeadamente acreditamos que em virtude

desta intervenccedilatildeo sobre direitos fundamentais do arguido e de terceiros a ordem de

desencriptaccedilatildeo compelida de smartphones dirigida ao arguido soacute se justificaraacute em

primeiro plano mediante preacutevia autorizaccedilatildeo judicial e apenas se o crime sob

investigaccedilatildeo for de consideraacutevel gravidade Sendo que esta gravidade deve ser avaliada

no caso concreto (gravidade concreta do facto)495 Neste sentido defendemos a ideia de

que a legitimidade da desencriptaccedilatildeo de smartphones depende (aleacutem da verificaccedilatildeo de

todos os limites aos limites) da consagraccedilatildeo legal de um cataacutelogo de crimes mais graves

a que a medida deveraacute obedecer agrave semelhanccedila do que acontece em sede de escutas

telefoacutenicas496

Ademais deve ter-se ainda em conta em sede de anaacutelise da proporcionalidade em sentido

estrito que qualquer ordem de desencriptaccedilatildeo de smartphone dirigida ao arguido culmina

na obtenccedilatildeo de ficheiros electroacutenicos criados mesmo antes da suspeita do crime pelo que

novamente surgem questotildees relativas natildeo soacute agrave autoincriminaccedilatildeo do arguido (no sentido

de que se poderatildeo encontrar provas de outros crimes ainda natildeo conhecidos pelas

autoridades judiciaacuterias) como tambeacutem agrave reserva da intimidade da vida privada do arguido

e de possiacuteveis terceiros que devem ser levadas em conta quando em confronto com o

interesse na persecuccedilatildeo da justiccedila

Eacute ainda de ressalvar que tanto no caso Paytsar Bkhchadzhyan como no caso do mandado

de 9 de Maio de 2016 as autoridades judiciaacuterias parecem ter emitido ordens de

desencriptaccedilatildeo dos smartphones atraveacutes da leitura das impressotildees digitais dos supostos

proprietaacuterios com a intenccedilatildeo de realizarem autecircnticas ldquofishing expeditionsrdquo

indiscriminadas em busca de qualquer tipo de prova autoincriminatoacuteria revelante sobre

494 Santos 2009 108 495 Rogall 2010 125 496 Susano 2009 24 Jesus 2015 291 Rodrigues 2009b 215-216

148

qualquer crime Esta questatildeo eacute claramente outro ponto a ter em atenccedilatildeo aquando da

anaacutelise da proporcionalidade da medida sendo que o recurso a estas ldquofishing expeditionsrdquo

estaacute completamente interdito agraves autoridades judiciaacuterias

Um outro ponto a chamar agrave colaccedilatildeo no acircmbito da anaacutelise da proporcionalidade (stricto

sensu) destas ordens de desencriptaccedilatildeo prende-se com o facto de a impressatildeo digital jaacute

natildeo poder ser vista como o tradicional meio de identificaccedilatildeo de sujeitos

A impressatildeo digital tem sido considerada ao longo do tempo como um meio de

identificaccedilatildeo tal como uma fotografia No entanto agrave medida que a tecnologia avanccedila a

impressatildeo digital (assim como outros identificadores biomeacutetricos) deixa de ter esse

propoacutesito singular passando a ser usada para guardar informaccedilatildeo possivelmente mais

privada do que a proacutepria identidade do indiviacuteduo497 Como bem salienta Alex Abdo natildeo

estamos aqui perante a recolha de uma impressatildeo digital para identificar um sujeito mas

sim perante uma impressatildeo digital que eacute usada para proteger uma quantidade consideraacutevel

de informaccedilatildeo privada498 Assim a impressatildeo digital deve ser vista como algo privado e

digno de protecccedilatildeo (tal como a palavra-passe) contrariamente a uma fotografia que

facilmente pode ser obtida pelo puacuteblico

Eacute da nossa opiniatildeo que no caso de encriptaccedilatildeo de smartphones por impressatildeo digital este

dado biomeacutetrico funciona como uma substituiccedilatildeo da tradicional palavra-passe

alfanumeacuterica ou por outras palavras como uma palavra-passe secundaacuteria Prova disso eacute

o facto de a impressatildeo digital ficar registada no dispositivo apenas pela sua representaccedilatildeo

matemaacutetica ou seja por um longo nuacutemero composto por 50 a 100 diacutegitos designado de

biometric hash

Por fim cabe ainda clarificar que a erroacutenea interpretaccedilatildeo da impressatildeo digital como um

mero meio de identificaccedilatildeo conduz-nos ao problema da instrumentalizaccedilatildeo do corpo do

arguido499 que compelido a colocar o dedo no sensor do seu dispositivo para permitir o

acesso agraves entidades judiciaacuterias estaraacute a usaacute-lo como meio de prova contra si proacuteprio500

incorrendo desta forma numa clara violaccedilatildeo do princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo

497 Goldman 2015 230 498 ldquoThis is not law enforcement requesting a fingerprint to identifying someone this is a fingerprint that is

being used to open up a treasure trove of informationrdquo Cf Spring 2016 2 Disponiacutevel em

httpsthreatpostcomexperts-outraged-by-warrant-demanding-fingerprints-to-unlock-

smartphones121348 [consultado em 21022017] 499 Girotto 2009 455 500 Dias 2005 209

149

Depois de sopesadas todas as questotildees assinaladas cumpre deixar claro que todas as

ordens de desencriptaccedilatildeo apresentadas anteriormente (no caso Baust Diamond e Paystar

- no caso do mandado de 9 de Maio de 2016 natildeo temos informaccedilotildees suficientes quanto agrave

finalidade da medida) satildeo adequadas a atingir o fim na medida em que segundo um juiacutezo

de prognose o acesso aos smartphones permitiria (possivelmente) aceder a provas

incriminatoacuterias natildeo satildeo necessaacuterias pressupondo que a entidade puacuteblica dispunha de

medidas alternativas menos restritivas com idecircntico grau (ou ateacute mesmo superior) de

eficaacutecia na obtenccedilatildeo do mesmo fim finalmente face aos dados dos casos apresentados

no Capiacutetulo I as ordens de desencriptaccedilatildeo mostram-se como manifestamente

desproporcionadas por vaacuterios motivos a) em alguns casos foram usadas como autecircnticas

ldquofishing expeditionsrdquo indiscriminadas b) a gravidade de alguns crimes a

dispensabilidade da prova e a fidedignidade da mesma (natildeo raras vezes as provas

utilizadas satildeo fotografias ou gravaccedilotildees de viacutedeo que facilmente satildeo adulteradas) natildeo

justificavam uma lesatildeo tatildeo extensa do princiacutepio nemo tenetur c) dada a ingerecircncia do

puacuteblico na esfera privada do arguido natildeo soacute estariam prejudicadas as suas garantias de

defesa como tambeacutem o respeito pela sua reserva da intimidade da vida privada e de

terceiros Pelo que em resultado as ordens de desencriptaccedilatildeo apresentadas no Capiacutetulo I

ndash independentemente do meacutetodo utilizado - seriam consideradas inconstitucionais

Em jeito de conclusatildeo da anaacutelise do princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo

podemos entatildeo afirmar que as referidas ordens de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes

da leitura da impressatildeo digital do arguido (valendo o que foi dito para a desencriptaccedilatildeo

de smartphones atraveacutes da palavra-passe) introduzem na ordem juriacutedica um benefiacutecio

marginal consideraacutevel para o fim visado mas produzem simultaneamente um acreacutescimo

significativo de sacrifiacutecios nas garantias de defesa do arguido e na garantia da reserva da

intimidade da sua vida privada e de terceiros resultando na desproporcionalidade da

relaccedilatildeo entre benefiacutecios e sacrifiacutecios e consequentemente na inconstitucionalidade da

medida adoptada pelas entidades judiciaacuterias

Quanto ao requisito da garantia do conteuacutedo essencial do direito restringido queda-nos

referir que pela nossa parte a ordem de desencriptaccedilatildeo de smartphone atraveacutes da leitura

da impressatildeo digital arguido respeita este quarto e uacuteltimo requisito material das restriccedilotildees

a direitos fundamentais Sendo que o nuacutecleo essencial do princiacutepio nemo tenetur se ipsum

accusare eacute aniquilado apenas nas situaccedilotildees em que algueacutem eacute ldquocoagido a emitir

declaraccedilotildees autoincriminatoacuterias a declarar a sua culpabilidade a admitir a sua

150

participaccedilatildeo numa infracccedilatildeo [hellip]rdquo501 e atendendo ao facto de que a desencriptaccedilatildeo do

smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido somente implica a

colocaccedilatildeo do dedo do arguido no sensor do dispositivo podemos afirmar que neste caso

em concreto o nuacutecleo essencial do nemo tenetur natildeo eacute atingido nem tatildeo pouco aniquilado

Ainda assim importa natildeo esquecer que este requisito funciona apenas como um ldquoplusrdquo

em relaccedilatildeo aos restantes limites atraacutes enunciados ou seja funciona como barreira uacuteltima

e efectiva de garantia dos direitos fundamentais caso os restantes requisitos tenham sido

previamente preenchidos (o que natildeo se verifica)

Por fim resta perceber se a norma constante da aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm do Coacutedigo

de Processo Penal mesmo que interpretada contrariamente ao nosso entendimento como

uma obrigaccedilatildeo de o arguido desencriptar o dispositivo atraveacutes da leitura da sua impressatildeo

digital respeita os requisitos formais impostos pelo artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da

Repuacuteblica Portuguesa Ora esta norma ao estipular que recaem em especial sobre o

arguido os deveres de ldquosujeitar-se a diligecircncias de prova [hellip] especificadas na lei e

ordenadas e efectuadas por entidade competenterdquo cumpre os requisitos da generalidade

abstracccedilatildeo e natildeo retroactividade Isto porque eacute aplicaacutevel a um nuacutemero indeterminado de

pessoas regula um nuacutemero indeterminado de casos e natildeo se aplica a situaccedilotildees ou actos

passados mas sim a desencriptaccedilotildees futuras

Por tudo o que foi dito ateacute entatildeo relativamente agrave verificaccedilatildeo dos limites aos limites nas

ordens de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do

arguido apresentados no Capiacutetulo I acreditamos que podemos concluir pela sua

ilegitimidade caso fossem aprovadas em territoacuterio nacional Desde logo pela ausecircncia de

lei preacutevia e expressa uma vez que como vimos inexiste qualquer disposiccedilatildeo legal que

obrigue especificamente o arguido a desencriptar o seu dispositivo Depois porque agrave luz

dos subprinciacutepios da adequaccedilatildeo necessidade e proporcionalidade em sentido estrito a

legitimidade daquela ordem sempre se revelaria desproporcionada uma vez que como

afirmaacutemos estes corolaacuterios natildeo seriam devidamente respeitados

6 Conclusotildees intermeacutedias

Percorremos um longo caminho para chegar agrave conclusatildeo de que tanto as ordens de

desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe quanto as ordens

de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido satildeo

501 Anastaacutecio 2010 217

151

nos casos concretos apresentados ilegiacutetimas por violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se

ipsum accusare Na verdade somos levados a crer que contrariamente ao defendido na

jurisprudecircncia e doutrina norte-americanas natildeo se justifica a necessidade de um

tratamento diacutespar entre os dois meacutetodos de desencriptaccedilatildeo palavra-passe e impressatildeo

digital Da nossa parte acreditamos ser incoerente a distinccedilatildeo entre um e outro meacutetodo

isto porque permitir por um lado a coacccedilatildeo de um arguido a fornecer a sua ldquopalavra-

passerdquo na forma de uma impressatildeo digital mas por outro proteger o arguido de ser

compelido a revelar a sua palavra-passe alfanumeacuterica acaba por criar uma distinccedilatildeo

arbitraacuteria que ignora completamente o propoacutesito do princiacutepio nemo tenetur se ipsum

accusare502

Prova desta indistinccedilatildeo entre a desencriptaccedilatildeo atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe e a

desencriptaccedilatildeo atraveacutes da leitura da impressatildeo digital eacute o jaacute mencionado artigo 14ordm da

Lei do Cibercrime que parece tratar a desencriptaccedilatildeo como um todo503 O referido artigo

ao consagrar que ldquose no decurso do processo se tornar necessaacuterio agrave produccedilatildeo de prova

tendo em vista a descoberta da verdade obter dados informaacuteticos especiacuteficos e

determinados armazenados num determinado sistema informaacutetico a autoridade

judiciaacuteria competente ordena a quem tenha disponibilidade ou controlo desses dados que

os comunique ao processo ou permita o acesso aos mesmos sob pena de puniccedilatildeo por

desobediecircnciardquo natildeo faz distinccedilatildeo entre os meacutetodos de acesso nomeadamente de acesso

ao smartphone

A ratio do artigo 14ordm da Lei do Cibercrime designadamente do seu nordm 5 eacute a de proibir

toda e qualquer concessatildeo de acesso ao dispositivo electroacutenico (vg smartphone) por parte

do suspeito ou arguido sem nunca fazer menccedilatildeo ao meacutetodo utilizado no acesso Assim

retiramos da leitura deste preceito que o legislador quis simplesmente proteger a

concessatildeo de acesso aos dados armazenados no sistema informaacutetico seja atraveacutes da

desencriptaccedilatildeo por palavra-passe seja atraveacutes da desencriptaccedilatildeo por leitura da impressatildeo

digital tratando estes dois meacutetodos como iguais

Desta forma se a revelaccedilatildeo da palavra-passe estaacute protegida pelo nemo tenetur por se

entender que o arguido tem o direito ao silecircncio sempre que lhe sejam dirigidas perguntas

cuja resposta possa culminar na sua incriminaccedilatildeo tambeacutem a desencriptaccedilatildeo do

smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital deveraacute seguir o mesmo entendimento

502 Larkin 2012 270 503 Fakhoury 2012 86

152

uma vez que o resultado seraacute o mesmo num e noutro meacutetodo facultar o acesso ao

dispositivo encriptado onde potencialmente estaratildeo armazenadas provas incriminatoacuterias

Ainda no acircmbito da indistinccedilatildeo entre os meacutetodos de desencriptaccedilatildeo cumpre esclarecer

que tal como foi mencionado em sede de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da

revelaccedilatildeo da palavra-passe tambeacutem a impressatildeo digital pode ser considerada como

incriminatoacuteria uma vez que o acto de fornecer acesso a um smartphone encriptado agraves

entidades judiciaacuterias indica conhecimento e posse sobre todos os ficheiros e documentos

que aiacute estejam armazenados504 Neste sentido reiteramos a ideia de que determinadas

condutas e gestos podem ser consideradas incriminatoacuterias desde que estas por sua vez

revelem factos pensamentos crenccedilas eou conhecimento de factos

Apenas quem tenha registado a sua impressatildeo digital no smartphone pode ter acesso a

ele Por esse motivo se a impressatildeo digital do arguido permitir o acesso ao smartphone

fica implicitamente provado que o arguido seraacute responsaacutevel pelos conteuacutedos encriptados

que estejam armazenados no dispositivo porquanto ele teraacute acesso e controlo sobre os

mesmos505 Neste sentido na doutrina norte-americana Susan Brenner vem tambeacutem

reiterar a ideia de que o arguido ao pressionar o botatildeo do seu smartphone com o seu dedo

desencriptando-o estaacute a autenticar todos os dados que aiacute estaratildeo armazenados506

A impressatildeo digital acaba por funcionar aqui como uma linguagem corporal com

intenccedilatildeo comunicativa507 ou se preferirmos como um acto que importa uma declaraccedilatildeo

autoincriminatoacuteria taacutecita508

Em suma segundo o nosso entendimento apesar de nos casos em anaacutelise termos

concluiacutedo pela ilegitimidade das ordens de desencriptaccedilatildeo quer atraveacutes da revelaccedilatildeo da

palavra-passe quer atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido natildeo rejeitamos a

504 Goldman 2015 224 505 ldquoA fingerprint does more than provide access It could be use to authenticate identity but it is clearly a

means to identify its ownerrdquo Cf SaintGermain 2014a 29 Disponiacutevel em

httpspapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=2367479 [consultado em 20022017] ldquo[hellip]

biometric authentication may communicate an implicit factual assertion that the accused owns the smartphone or laptop and the data thereinrdquo Cf Sales 2014 228 ldquoDecryption would also require him to

admit to possessing the files controlling the files being able to access the files and being able to decrypt

the devicerdquo Cf Jarone 2015 787 Neste sentido cf Keenan 2016 4 Colarusso 2011 135 506 A Autora vai mais longe e afirma que ldquoby showing you opened the phone you showed that you have

control over it Itrsquos the same as if you went home and pulled out paper documents ndash you produced itrdquo Cf

HamiltonWinton 2016 1 Disponiacutevel em httpwwwlatimescomlocalcaliforniala-me-iphones-

fingerprints-20160430-storyhtml [consultado em 21022017] 507 Oliveira Silva 2015 269 508 Garrett 2007 21

153

possibilidade de poder haver casos de colaboraccedilatildeo do arguido Concluiacutemos pela

existecircncia de uma tipicidade dos casos de colaboraccedilatildeo do arguido mas admitimos que

uma lei formal possa impor novos casos de colaboraccedilatildeo (independentemente do meacutetodo

de desencriptaccedilatildeo) contando que se respeitem os nos 2 e 3 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo

da Repuacuteblica Portuguesa509 Assim como reiteraacutemos anteriormente o ponto eacute que haja

uma lei formal que exija a colaboraccedilatildeo que se salvaguarde um outro direito ou interesse

constitucionalmente protegido que esta seja necessaacuteria adequada e proporcional em

sentido estrito que natildeo afecte o nuacutecleo essencial do direito fundamental restringido510 e

que seja uma restriccedilatildeo de caraacutecter geral abstracto e natildeo retroactivo

Chegados a este ponto e depois de esclarecida a questatildeo da violaccedilatildeo do privileacutegio de natildeo-

autoincriminaccedilatildeo nos casos de desencriptaccedilatildeo de smartphones apresentados no Capiacutetulo

I resta-nos apenas indagar sobre a possibilidade de as entidades judiciaacuterias ainda assim

compelirem o arguido a desencriptar o seu dispositivo ganhando acesso a todos os dados

aiacute armazenados Neste caso que tratamento se deveraacute dar a estas provas recolhidas em

violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare

509 Pinto 2013 111 510 Cumpre esclarecer que no caso de aprovaccedilatildeo de uma ordem de desencriptaccedilatildeo atraveacutes da revelaccedilatildeo da

palavra-passe dirigida arguido dificilmente se ultrapassaraacute este uacuteltimo requisito material da garantia do

nuacutecleo essencial do nemo tenetur mesmo depois da verificaccedilatildeo dos restantes requisitos

154

155

CAPIacuteTULO V ndash A RECOLHA DE PROVAS EM VIOLACcedilAtildeO DO PRINCIacutePIO DE

NAtildeO-AUTOINCRIMINACcedilAtildeO

Como corolaacuterio loacutegico dos direitos de acccedilatildeo e de defesa as partes tecircm o direito de

introduzir provas no processo com as quais pretendam demonstrar a veracidade das suas

alegaccedilotildees511 Nas palavras de Germano Marques da Silva o direito agrave prova eacute ldquoa faculdade

que tecircm os sujeitos processuais de participar activamente na produccedilatildeo da prova quer

requerendo a sua admissatildeo no processo quer participando na sua produccedilatildeordquo512

No entanto tal como todos os outros direitos este tambeacutem natildeo seraacute um direito absoluto

ou seja haacute limites para a admissatildeo e produccedilatildeo de prova Neste sentido Elizabeth Queijo

atesta que ldquose natildeo houvesse limitaccedilotildees ao direito agrave prova todo e qualquer material

probatoacuterio mesmo que produzido agrave custa de violaccedilotildees a direitos poderia ser introduzido

no processo e valorado o que conduziria agrave adopccedilatildeo de um modelo de processo autoritaacuterio

e distante da eacuteticardquo513

Assim sendo o nosso Coacutedigo de Processo Penal consagra no seu artigo 125ordm o princiacutepio

da legalidade da prova ndash ldquosatildeo admissiacuteveis as provas que natildeo forem proibidas por leirdquo Ao

proibir a utilizaccedilatildeo de certos meios probatoacuterios quis o legislador delimitar

(negativamente) o elenco das provas admitidas em processo penal A foacutermula adoptada

no artigo 125ordm tem aqui o sentido de que natildeo satildeo apenas admitidos os meios probatoacuterios

tipificados mas tambeacutem todos os meios de prova que natildeo forem proibidos mesmo sendo

atiacutepicos514 Daqui resulta que para a aquisiccedilatildeo de informaccedilatildeo probatoacuteria necessaacuteria pode

o julgador socorrer-se dos meios tipificados as chamadas provas tiacutepicas (testemunhos

documentos periacutecias etc) Mais eacute-lhe reconhecida em princiacutepio a liberdade de escolher

indiferentemente qualquer dessas fontes tipificadas de conhecimento seja qual for a

natureza da factualidade a provar515

511 Ristori 2007 163 512 Marques da Silva 2011 116 513 Queijo 2012 374 514 Oliveira Silva 2011 560 Neste sentido escreve tambeacutem Germano Marques da Silva ldquoproibindo a

utilizaccedilatildeo de certos meios de prova a norma consagra tambeacutem [hellip] a liberdade da prova no sentido de

serem admissiacuteveis para a prova de quaisquer factos todos os meios de prova admitidos em direito ou seja

que natildeo sejam proibidos mesmo sendo atiacutepicosrdquo Cf Marques da Silva 2011 136-137 515 Oliveira Silva 2011 561

156

Natildeo obstante esta liberdade a realizaccedilatildeo da justiccedila e a busca pela verdade material agrave

semelhanccedila do direito agrave prova e apesar de serem valores constitucionais516 natildeo satildeo

valores absolutos que possam ser perseguidos por qualquer forma517 Esta verdade natildeo eacute

uma verdade absoluta ou ontoloacutegica mas uma verdade judicial que deve ser procurada e

obtida atraveacutes dos meios legalmente admissiacuteveis518

1 As proibiccedilotildees de prova

Um dos meios de que a lei se serve para protegendo os cidadatildeos impedir as praacuteticas

abusivas na produccedilatildeo de prova eacute atraveacutes do estabelecimento de proibiccedilotildees de prova A

este propoacutesito escreve Costa Andrade ldquoComo Goumlssel acentua as proibiccedilotildees de prova

satildeo laquobarreiras colocadas agrave determinaccedilatildeo dos factos que constituem objecto do processoraquo

Mais do que a modalidade do seu enunciado o que define a proibiccedilatildeo de prova eacute a

prescriccedilatildeo de um limite agrave descoberta da verdade Normalmente formulada como

proibiccedilatildeo a proibiccedilatildeo de prova pode igualmente ser ditada atraveacutes de uma imposiccedilatildeo e

mesmo de uma permissatildeo Eacute que como Goumlssel pertinentemente assinala laquotoda a regra

relativa agrave investigaccedilatildeo dos factos proiacutebe ao mesmo tempo as vias natildeo permitidas de

averiguaccedilatildeoraquordquo519

11 A distinccedilatildeo entre proibiccedilotildees de produccedilatildeo de prova e proibiccedilotildees de

valoraccedilatildeo de prova

Por doutrina das proibiccedilotildees de prova compreende-se aqui a doutrina das proibiccedilotildees de

investigaccedilatildeo de determinados factos relevantes para o objecto do processo bem como das

proibiccedilotildees de levar determinados factos ao objecto da sentenccedila e finalmente das

consequecircncias processuais da violaccedilatildeo daquelas proibiccedilotildees520

Neste sentido a doutrina portuguesa521 na esteira do defendido pela doutrina maioritaacuteria

alematilde vem distinguir no acircmbito das proibiccedilotildees de prova entre proibiccedilotildees de produccedilatildeo

de prova (Beweiserhebungsverbote) e proibiccedilotildees de valoraccedilatildeo de prova

(Beweisverwertungsverbote) As primeiras regulam e limitam o modo de obtenccedilatildeo das

516 MirandaMedeiros 2010 737 517 Marques da Silva 2006 39 Neste sentido vai tambeacutem Claus Roxin ldquo[hellip] A averiguaccedilatildeo da verdade

natildeo eacute um valor absoluto no processo penal pelo contraacuterio o proacuteprio processo penal estaacute impregnado de

hierarquias eacuteticas e juriacutedicas [hellip]rdquo Cf Roxin 2000 191 518 Andrade 2010 47 519 Costa Andrade 1992 83 520 Goumlssel 1992 397-398 521 ldquoA doutrina processual penal das proibiccedilotildees de prova abrange (1) as proibiccedilotildees de produccedilatildeo de prova e

(2) as proibiccedilotildees de valoraccedilatildeo de prova [hellip]rdquo Cf Sousa Mendes 2004 134

157

provas522 ao passo que as segundas impedem que determinados factos sejam objecto de

sentenccedila523 Cumpre deixar claro nesta sede que eacute na determinaccedilatildeo da proibiccedilatildeo da

valoraccedilatildeo de prova que se colocam os grandes dilemas que surgem no confronto com a

realidade Saber se agrave proibiccedilatildeo de produccedilatildeo de prova deve corresponder sempre por vezes

ou nunca uma proibiccedilatildeo de valoraccedilatildeo da prova eacute no fundo a questatildeo que desde sempre

eacute tratada com maior acuidade e dissonacircncias tanto na doutrina como na jurisprudecircncia524

Aleacutem desta diferenciaccedilatildeo dentro das proibiccedilotildees de produccedilatildeo de prova distinguem-se

tradicionalmente trecircs categorias a) os temas de prova proibidos525 (haacute temas de prova

proibidos e que por conseguinte natildeo devem ser investigados ndash eacute o caso dos factos

abrangidos pelo segredo de Estado526) b) os meios de prova proibidos527 (haacute tambeacutem

proibiccedilotildees de produccedilatildeo de prova atraveacutes de determinados meios de prova eacute o caso da

proibiccedilatildeo de produccedilatildeo de prova atraveacutes dos suportes teacutecnicos e respectivas transcriccedilotildees

quando tiverem sido gravadas conversaccedilotildees em que intervenham o Presidente da

Repuacuteblica o Presidente da Assembleia da Repuacuteblica ou o Primeiro-Ministro ndash al b) do

nordm 2 do artigo 11ordm do CPP528) c) os meacutetodos de prova proibidos529 (os meacutetodos de prova

satildeo os procedimentos usados pelas autoridades judiciaacuterias pelas poliacutecias criminais pelos

advogados e ateacute pelos particulares para a aquisiccedilatildeo de meios de prova e sua utilizaccedilatildeo no

processo530)531

12 O regime legal das proibiccedilotildees de prova

O regime das proibiccedilotildees de prova no acircmbito do processo penal encontra-se

essencialmente regulado pelo preceituado nos artigos 125ordm e 126ordm do Coacutedigo de Processo

Penal os quais devem ser conjugados com as garantias constitucionais de defesa

consagradas no artigo 32ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa mormente a

522 Ambos 2008 329 523 Goumlssel 1992 399 524 Neves 2011 317 525 ldquoAs proibiccedilotildees de temas de prova impedem a obtenccedilatildeo de provas sobre determinados factos (temas)

por exemplo antecedentes criminais jaacute eliminados do Registo Central Federal [hellip]rdquo Cf Ambos 2008

329 526 Sousa Mendes 2017 178 527 ldquoAs proibiccedilotildees de meios de prova impedem a utilizaccedilatildeo de determinados meios de prova como por

exemplo uma declaraccedilatildeo prestada por uma testemunha que tenha abdicado do seu direito a testemunhar

[hellip]rdquo Cf Ambos 2008 329 528 Sousa Mendes 2017 179 529 ldquoAs proibiccedilotildees de metoacutedos de prova impedem um determinado modo de obtenccedilatildeo de prova por

exemplo um meacutetodo de interrogatoacuterio proibido de acordo com o sect136ordfrdquo Cf Ambos 2008 329 530 Sousa Mendes 2017 179 531 Rosa 2010 221-222

158

injunccedilatildeo imposta pelo seu nordm 8 bem como com as disposiccedilotildees especiacuteficas que

disciplinam a obtenccedilatildeo do meio de prova de que se pretende fazer uso

O nordm 8 do artigo 32ordm da Constituiccedilatildeo que consagra o princiacutepio das proibiccedilotildees de prova

e encontra tambeacutem consagraccedilatildeo nos textos do direito internacional532 estabelece a

nulidade533 de ldquotodas as provas obtidas mediante tortura coacccedilatildeo ofensa da integridade

fiacutesica ou moral da pessoa abusiva intromissatildeo da vida privada no domiciacutelio na

correspondecircncia ou nas telecomunicaccedilotildeesrdquo A tortura a coacccedilatildeo ou a ofensa da

integridade fiacutesica ou moral da pessoa em geral satildeo meacutetodos absolutamente proibidos de

obtenccedilatildeo de provas Jaacute a intromissatildeo na vida privada no domiciacutelio na correspondecircncia

ou nas telecomunicaccedilotildees satildeo meacutetodos relativamente proibidos como podemos

comprovar pelo afastamento da proibiccedilatildeo quer pelo acordo do titular dos direitos em

causa quer pelas restriccedilotildees agrave inviolabilidade desses direitos constantes nos nos 2 3 e 4

do artigo 34ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa534

Desta forma na disciplina da mateacuteria das proibiccedilotildees de prova o legislador constituinte

natildeo se limitou com efeito a propor os valores e a definir as balizas a que deveria obedecer

a configuraccedilatildeo do processo penal em definitivo acometida ao legislador ordinaacuterio Em

vez de delinear apenas o horizonte poliacutetico-criminal e axioloacutegico das normas ordinaacuterias

o legislador constitucional optou por defenir desde logo os princiacutepios materiais reitores

do processo chamando a si a conformaccedilatildeo normativa directa dos aspectos mais decisivos

532 Cf artigos 5ordm e 12ordm da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homem artigos 3ordm e 8ordm da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem e artigo 7ordm do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Poliacuteticos 533 ldquoO que haacute de novo no nordm 8 natildeo eacute a proibiccedilatildeo do uso de meios proibidos na obtenccedilatildeo dos elementos de

prova mas essencialmente a utilizaccedilatildeo das provas obtidas por tais meios Essas provas eacute que satildeo nulas

[hellip]rdquo Cf MirandaMedeiros 2010 737 534 Sousa Mendes 2017 180 Neste sentido cf Ristori 2007 168-169 Simas SantosLeal-Henriques

2008 663 ldquoA interdiccedilatildeo eacute absoluta no caso do direito agrave integridade pessoal e relativa nos restantes casos

devendo ter-se por abusiva a intromissatildeo quando efectuada fora dos casos previstos na lei e sem intervenccedilatildeo

judicial (nos 2 e 4 do artigo 34ordm) quando desnecessaacuteria ou desproporcionada ou quando aniquiladora dos

proacuteprios direitosrdquo Cf Gomes CanotilhoMoreira 2014 524 ldquo[hellip] eacute possiacutevel autonomizar no espectro de

anaacutelise duas espeacutecies diferenciadas de provas proibidas consoante a natureza dos direitos fundamentais em

causa Na primeira parte da norma estabelece-se sem mais a nulidade de todas as provas obtidas agrave custa de laquotortura coacccedilatildeo ofensa da integridade fiacutesica ou moral da pessoaraquo (1ordf parte do nordm 8 do artigo 32ordm da

CRP) Na segunda parte alude-se agraves provas obtidas com laquointromissatildeo da vida privada no domiciacutelio na

correspondecircncia ou nas telecomunicaccedilotildeesraquo que se contra-distinguem das primeiras pela circunstacircncia de

em relaccedilatildeo a elas a interdiccedilatildeo soacute existir se a intromissatildeo se revelar laquoabusivaraquo (2ordf parte do nordm 8 do artigo

32ordm da CRP) ndash uma asserccedilatildeo que eacute aliaacutes corroborada pelo teor dos artigos 26ordm e 34ordm da CRPrdquo Cf Oliveira

Silva 2011 584 A legislaccedilatildeo alematilde faz igualmente a distinccedilatildeo entre proibiccedilotildees absolutas e relativas

sendo que ldquoEnquanto as absolutas tecircm uma validade geral as relativas limitam a obtenccedilatildeo de prova no

sentido em que apenas determinadas pessoas estatildeo habilitadas a ordenar ou realizar uma produccedilatildeo

probatoacuteria estabelecendo assim uma proibiccedilatildeo para qualquer outro sujeitordquo Cf Ambos 2008 329

159

da tramitaccedilatildeo em que avulta com particular destaque a disciplina dos meacutetodos proibidos

de prova535

Sob a epiacutegrafe de ldquomeacutetodos proibidos de provardquo o artigo 126ordm do Coacutedigo de Processo

Penal ao concretizar a nulidade dos meacutetodos de produccedilatildeo de prova a que se refere o nordm

8 do artigo 32ordm da CRP repete a citada distinccedilatildeo entre as proibiccedilotildees absolutas e as

proibiccedilotildees relativas de obtenccedilatildeo de provas No caso dos nos 1 e 2 do artigo 126ordm vigora

uma proibiccedilatildeo absoluta de obtenccedilatildeo de provas atraveacutes dos meios ali indicados ainda que

sejam obtidas a coberto do consentimento do titular dos direitos em causa No caso do nordm

3 do artigo 126ordm a proibiccedilatildeo eacute afastada pelo acordo do titular dos direitos em causa ou

em alternativa eacute removida mediante as ordens ou autorizaccedilotildees emanadas de certas

autoridades nos termos da lei536 Ainda em sede de caracterizaccedilatildeo geral dos meacutetodos

proibidos de prova conviraacute ressalvar que nada parece impor a conclusatildeo de que no artigo

126ordm se contenha uma enumeraccedilatildeo taxativa537 Para aleacutem das teacutecnicas proibidas elencadas

no artigo 126ordm e das demais proibiccedilotildees de prova dispersas pelo ordenamento processual

outras poderatildeo ser reconhecidas pela doutrina e pela jurisprudecircncia nos domiacutenios em que

o meacutetodo de aquisiccedilatildeo probatoacuteria concretamente utilizado importe uma intromissatildeo

injustificada nos direitos fundamentais do arguido ou outras pessoas538

Posto isto a especificidade do sistema processual penal portuguecircs reside na estipulaccedilatildeo

de uma norma constitucional bem como de uma correspectiva regra legal que a densifica

ambas com vocaccedilatildeo geneacuterica que especificam exactamente quais os direitos

fundamentais cuja violaccedilatildeo inquina a prova em processo penal e gera a sua nulidade539

Na tutela conferida a estes direitos fundamentais enquanto limitaccedilotildees agrave prova radicam

antes de mais a posiccedilatildeo e o estatuto do arguido como sujeito processual O eacutetimo comum

de muitos dos meacutetodos de prova proscritos pelo legislador reconduz-se agrave ideia de que ldquoa

utilizaccedilatildeo do arguido como meio de prova deveraacute ser sempre limitada pelo integral

respeito pela sua decisatildeo de vontade soacute no exerciacutecio de uma plena liberdade de vontade

pode o arguido decidir-se se e como deseja tomar posiccedilatildeo perante a mateacuteria que constitui

objecto do processordquo540 Desde logo se considerarmos a vertente negativa desta liberdade

535 Oliveira Silva 2011 576-577 536 Sousa Mendes 2017 180 537 Costa Andrade 1992 216 538 Oliveira Silva 2011 589 539 Moratildeo 2006 588 540 Oliveira Silva 2011 578

160

de vontade enquanto autecircntico direito de defesa (Abwehrrecht) contra o Estado541

vedando todas as tentativas de obtenccedilatildeo por meios enganosos ou no nosso caso por

coacccedilatildeo de declaraccedilotildees autoincriminatoacuterias podemos afirmar que eacute precisamente nesta

dimensatildeo associada ao princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare que a liberdade de

vontade do arguido assume a mais directa relevacircncia em mateacuteria de proibiccedilotildees de

prova542

13 A invalidade do acto processual

Cumpre ainda deixar claro como ensina Costa Andrade que o legislador portuguecircs

associou as proibiccedilotildees de prova agrave figura e ao regime das nulidades isso diante da locuccedilatildeo

ldquoSatildeo nulas todas as provas [hellip]rdquo no nordm 8 do artigo 32ordm da CRP543 No entanto o regime

da nulidade das provas proibidas eacute substancialmente mais rigoroso do que o das nulidades

dependentes de arguiccedilatildeo (artigo 120ordm do CPP) ou mesmo do que o das nulidades

insanaacuteveis (artigo 119ordm do CPP) O legislador portuguecircs ciente desta disparidade

prescreveu no nordm 3 do artigo 118ordm do Coacutedigo de Processo Penal a autonomia teacutecnica

das proibiccedilotildees de prova544 estabelecendo de forma expressa que ldquoas disposiccedilotildees do

presente tiacutetulo natildeo prejudicam as normas deste Coacutedigo relativas a proibiccedilotildees de provardquo545

Ou seja que as regras gerais sobre as nulidades processuais penais natildeo se aplicam agraves

proibiccedilotildees de prova

Bem vistas as coisas o legislador criou pelo menos um regime sui generis a saber as

nulidades do artigo 126ordm do Coacutedigo de Processo Penal Na verdade a nulidade

mencionada no nordm 8 do artigo 32ordm da CRP e no artigo 126ordm do CPP natildeo eacute uma nulidade

em sentido teacutecnico-processual mas uma nulidade dotada de uma autonomia teacutecnica

completa em face do regime das nulidades processuais546

O caraacutecter sui generis do regime da nulidade de prova cominada nos nos 1 e 3 do artigo

126ordm Coacutedigo de Processo Penal haacute-de consistir no seu conhecimento oficioso podendo

ser declarada mesmo depois do tracircnsito em julgado da decisatildeo final admitindo-se assim

a revisatildeo de sentenccedila547 Por fim cumpre ressalvar que o nordm 4 do artigo 126ordm do CPP

541 Oliveira Silva 2011 579 542 Costa Andrade 1992 121 543 Costa Andrade 1992 313 544 Costa Andrade 2009 133 545 Correia 1999b 156 546 Sousa Mendes 2017 187 547 Questotildees Avulsas 2000 100-101

161

apenas admite a utilizaccedilatildeo de provas proibidas para proceder criminalmente contra quem

as obteve Contudo natildeo se pode ignorar a possibilidade de utilizar a prova com a

finalidade de demonstrar que eacute proibida548

14 O efeito-agrave-distacircncia das proibiccedilotildees de prova

Por fim perante uma prova proibida coloca-se a questatildeo de saber se a proibiccedilatildeo vale soacute

para o meio de prova obtido directamente de modo proibido ou se tambeacutem afecta outros

meios de prova obtidos indirectamente atraveacutes da prova proibida549 ndash eacute a problemaacutetica do

efeito-agrave-distacircncia das proibiccedilotildees de prova De facto eacute na consideraccedilatildeo da extensatildeo da

proibiccedilatildeo da valoraccedilatildeo da prova obtida com proibiccedilatildeo de produccedilatildeo que se colocam muitas

das problemaacuteticas que ainda hoje ocupam a doutrina e a jurisprudecircncia550

O problema do efeito-agrave-distacircncia suscita-se nos casos em que a obtenccedilatildeo de uma

determinada prova torna possiacutevel a descoberta de novos meios de prova contra o arguido

ou contra terceiro Nestes casos cabe questionar se a proibiccedilatildeo de valoraccedilatildeo que

eventualmente inquine a prova primaacuteria ou directa se comunica e em que medida agraves

provas secundaacuterias ou indirectas impondo a sua exclusatildeo em cadeia Como facilmente

se representaraacute o problema ganha particular relevo praacutetico-juriacutedico nas hipoacuteteses

frequentes em que o recurso a meacutetodos proibidos de prova (vg a coacccedilatildeo) levam o

arguido a comprometedoras declaraccedilotildees autoincriminatoacuterias551

Como defende Paulo de Sousa Mendes a doutrina jurisprudencial dos ldquofrutos da aacutervore

envenenadardquo (fruit of the poisonous tree doctrine) ou da ldquomaacuteculardquo (taint doctrine) e a sua

equivalente germacircnica tambeacutem designada de teoria da maacutecula (Makel-Theorie)

enquanto metaacutefora da nodoacutea de ilegalidade reconhece que as provas que atentam contra

os direitos de liberdade arrostam com um efeito-agrave-distacircncia que consiste em tornarem

inaproveitaacuteveis as provas secundaacuterias a elas causalmente vinculadas552

548 Rosa 2010 235 549 MirandaMedeiros 2010 737 550 Neves 2011 317 551 Costa Andrade 1992 169 552 Sousa Mendes 2014 219 A geacutenese da jurisprudecircncia da lsquomaacutecularsquo foi o caso Silverthorne Lumber Co

v United States decidido pelo Supremo Tribunal dos Estados Unidos da Ameacuterica em 1920 Estava em

causa o facto de agentes federais terem apreendido ilegalmente documentos nas instalaccedilotildees da sociedade

comercial Silverthorne que um tribunal de comarca (district court) mandou devolver tendo o procurador

(prosecutor) promovido perante um grande juacuteri (grand jury) a notificaccedilatildeo dos arguidos (defendants) para

produzirem os mesmos documentos sob pena de multas (subpoenas) Em via de recurso o Supremo

Tribunal dos Estados Unidos da Ameacuterica decidiu que as referidas intimaccedilotildees eram invaacutelidas declarando

pela pena do famoso Juiz Conselheiro Oliver Wendell Holmes Jr enquanto relator que ldquo[a] essecircncia de

uma norma de proibiccedilatildeo de aquisiccedilatildeo de provas de certa maneira natildeo se limita a determinar que as provas

162

O efeito-agrave-distacircncia eacute a uacutenica forma de impedir que os investigadores policiais os

procuradores e os juiacutezes menos escrupulosos se aventurem agrave violaccedilatildeo das proibiccedilotildees de

produccedilatildeo de prova na mira de prosseguirem sequecircncias investigatoacuterias agraves quais natildeo

chegariam atraveacutes dos meios postos agrave sua disposiccedilatildeo pelo Estado de Direito553

Na jurisprudecircncia portuguesa o efeito-agrave-distacircncia foi reconhecido pela primeira vez

pelo Tribunal Judicial de Oeiras (Sentenccedila do 3ordm Juiacutezo de 5 de Marccedilo de 1993 Proc nordm

77791 2ordf Secccedilatildeo) ldquoa nulidade do primeiro dos meios de prova eacute extensiva ao segundo

impossibilitando da mesma forma o julgador de extrair deste uacuteltimo qualquer juiacutezo

valorativordquo

Contudo a vigecircncia da doutrina do efeito-agrave-distacircncia estaacute longe de ser absoluta e

irrestrita A histoacuteria da emergecircncia e afirmaccedilatildeo do princiacutepio tambeacutem eacute a histoacuteria do

enunciado e das tentativas de fundamentaccedilatildeo e sistematizaccedilatildeo de uma gama alargada de

excepccedilotildees554

Entre elas avulta em primeiro lugar a excepccedilatildeo da ldquofonte independenterdquo (independent

source exception)555 derivada dos precedentes Silverthorne Lumber Co v United

States556 de 1920 Wong Sun v United States557 de 1963 e Segura v United States558 de

1984 que admite a possibilidade de valoraccedilatildeo das provas mediatas nos casos em que ao

lado do chamado caminho proibido existe um outro caminho autoacutenomo independente

de onde as mesmas provas podem tambeacutem ser retiradas559 Ou seja aceita as provas que

foram ou poderiam ter sido obtidas por via autoacutenoma e liacutecita560

assim adquiridas natildeo poderatildeo ser utilizadas em tribunal mas tambeacutem que natildeo poderatildeo ser usadas de

maneira nenhuma Eacute claro que isto natildeo significa que os factos assim obtidos se tornem sagrados e

inacessiacuteveis Se a informaccedilatildeo acerca dos mesmos for obtida atraveacutes de uma fonte independente entatildeo esses

factos podem ser provados tal como quaisquer outros mas o conhecimento obtido pelo Estado por meios

iliacutecitos natildeo pode ser por si usado da maneira pretendidardquo A expressatildeo ldquofrutos da aacutervore envenenadardquo surgiu

pela pena do igualmente famoso Juiz Conselheiro Felix Frankfurter no caso Nardone v United States de

1939 Cf Sousa Mendes 2017 192 553 Sousa Mendes 2014 220 554 Costa Andrade 1992 171 555 KamisarLaFaveIsraelKingKerrPrimus 2015 765-768 556 Silverthorne Lumber Co v United States 1920 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus251385casehtml [consultado em 09032017] 557 Wong Sun v United States 1963 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus371471casehtml [consultado em 09032017] 558 Segura v United States 1984 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus468796

[consultado em 09032017] 559 Moratildeo 2006 613 560 MirandaMedeiros 2010 737

163

A segunda excepccedilatildeo do efeito-agrave-distacircncia eacute designada por excepccedilatildeo da ldquodescoberta

inevitaacutevelrdquo (inevitable discovery exception)561 foi fundada nas importantes decisotildees

Brewer v Williams562 de 1977 e Nix v Williams563 de 1984 e determina a aceitaccedilatildeo das

provas que inevitavelmente seriam descobertas mesmo que mais tarde atraveacutes de outro

tipo de investigaccedilatildeo564 Trata-se segundo Paulo de Sousa Mendes de uma ldquovariante da

lsquofonte independentersquo mas difere desta excepccedilatildeo na medida em que natildeo se exige aqui que

a poliacutecia tenha de facto obtido provas tambeacutem atraveacutes de uma fonta autoacutenoma e legal

mas apenas que tivesse podido hipoteticamente fazecirc-lo [hellip]rdquo565

Por fim a terceira e uacuteltima excepccedilatildeo a excepccedilatildeo da ldquonoacutedoa (ou maacutecula) dissipadardquo

(purged taint exception)566 baseada nas decisotildees Wong Sun v United States567 de 1963

e United States v Ceccolini568 de 1978 vem estabelecer a possibilidade de utilizaccedilatildeo no

processo de toda a prova secundaacuteria a que os oacutergatildeos de investigaccedilatildeo criminal natildeo teriam

chegado de uma perspectiva de relaccedilatildeo causal sem a violaccedilatildeo da proibiccedilatildeo de prova

mas relativamente agrave qual se pode dizer que jaacute nenhum nexo causal efectivo subsiste entre

tal prova mediata e a violaccedilatildeo inicial569 Ou seja poderiam ser valoradas todas as provas

secundaacuterias se a conexatildeo se tiver tornado tatildeo atenuada a ponto de dissipar a maacutecula570

Seria o caso do arguido que eacute levado a confessar determinados factos de modo

autoincriminatoacuterio571 por forccedila de uma anterior violaccedilatildeo de proibiccedilatildeo de prova mas que

mais tarde apoacutes ter sido convenientemente informado de que tais provas natildeo podem ser

utilizadas opta por confessar os mesmos factos espontaneamente572

561 KamisarLaFaveIsraelKingKerrPrimus 2015 775-780 562 Brewer v Williams 1977 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus430387

[consultado em 09032017] 563 Nix v Williams 1984 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus467431casehtml

[consultado em 09032017] 564 MirandaMedeiros 2010 738 565 Sousa Mendes 2017 193 566 KamisarLaFaveIsraelKingKerrPrimus 2015 774 567 Wong Sun v United States 1963 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus371471casehtml [consultado em 09032017] 568 United States v Ceccolini 1978 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus435268

[consultado em 09032017] 569 Moratildeo 2006 615 570 Sousa Mendes 2014 221 571 Elementos de estudo 2012 639-640 Moratildeo 2012 717 572 Moratildeo 2006 615 Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1982004 de 24 de Marccedilo de 2004

disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20040198html [consultado em

09032017] Decisatildeo Sumaacuteria do Tribunal Constitucional nordm 132008 de 11 de Janeiro de 2008 disponiacutevel

em httpwwwtribunalconstitucionalpttcdecsumarias20080013html [consultada em 09032017]

164

Chegados a este ponto e analisada que estaacute a consagraccedilatildeo e o regime das proibiccedilotildees de

prova em processo penal resta-nos apenas indagar da aplicabilidade deste regime ao

nosso caso concreto violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare atraveacutes da

ordem de desencriptaccedilatildeo compelida dirigida ao arguido no sentido de permitir o acesso

ao seu smartphone quer atraveacutes do fornecimento da sua palavra-passe quer atraveacutes da

leitura da sua impressatildeo digital

2 Consequecircncias da recolha de prova em violaccedilatildeo do princiacutepio de natildeo-

autoincriminaccedilatildeo

O princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare constitui como jaacute tivemos oportunidade de

analisar um direito do arguido perante o ius puniendi do Estado Desta forma toda e

qualquer restriccedilatildeo deste direito que natildeo obedeccedila aos limites aos limites dos direitos

fundamentais (nos 2 e 3 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa)

instrumentalizando o arguido contra a sua vontade ou atraveacutes do seu corpo a ser objecto

da sua proacutepria incriminaccedilatildeo viola este princiacutepio

No caso concreto da ordem de desencriptaccedilatildeo do smartphone dirigida ao arguido por parte

das autoridades judiciaacuterias podemos afirmar que estaremos aqui perante um meacutetodo

proibido de prova dado que o arguido eacute utilizado como meio de prova com perturbaccedilatildeo

da sua vontade e liberdade atraveacutes da coacccedilatildeo

Mais especificamente no que concerne ao primeiro meacutetodo de desencriptaccedilatildeo ndash o

fornecimento da palavra-passe ndash importa reter as palavras de Figueiredo Dias quando

atesta que ldquotecircm de considerar-se proibidos e inadmissiacuteveis em processo penal todos os

meios de interrogatoacuterio e de obter declaraccedilotildees que importem [hellip] qualquer perturbaccedilatildeo

da liberdade de vontade e de decisatildeo [do arguido]rdquo573 nomeadamente atraveacutes de coacccedilatildeo

Desta forma dada a coacccedilatildeo empregue por parte das autoridades judiciaacuterias na ordem

de desencriptaccedilatildeo do smartphone dirigida ao arguido no sentido de este revelar a palavra-

passe do seu dispositivo outra natildeo poderaacute ser a conclusatildeo senatildeo a de que este seraacute um

meacutetodo de obtenccedilatildeo de prova proibido

573 Figueiredo Dias 2004 454 Tambeacutem na doutrina alematilde Claus Roxin informa que o Tribunal Federal

alematildeo tem considerado o direito de guardar silecircncio entre os princiacutepios fundamentais do processo penal

de tal modo que tambeacutem a sua violaccedilatildeo pela poliacutecia deve conduzir a uma proibiccedilatildeo de valoraccedilatildeo Cf Roxin

2000 195-196 Neste sentido vai tambeacutem Goumlssel ao afirmar que a legislaccedilatildeo alematilde proiacutebe no sect136a do

StPO a valoraccedilatildeo dos interrogatoacuterios produzidos agrave custa do sacrifiacutecio da liberdade de formaccedilatildeo de vontade

do arguido Cf Goumlssel 1992 415 423

165

Por outro lado e apesar de a desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo

digital do arguido natildeo se enquadrar como vimos anteriormente na categoria de ldquomeios

de interrogatoacuterio ou de obter declaraccedilotildeesrdquo acreditamos que quaisquer restriccedilotildees a

direitos liberdades e garantias fundamentais (vg direito de natildeo-autoincriminaccedilatildeo) que

natildeo atendam estritamente ao texto constitucional seratildeo intoleraacuteveis e inadmissiacuteveis sendo

as provas obtidas por esses meios proibidas Ou seja toda e qualquer restriccedilatildeo que natildeo

obedeccedila aos limites aos limites dos direitos fundamentais reprimindo a liberdade ou a

vontade de decisatildeo do arguido por qualquer meio constitui uma violaccedilatildeo do princiacutepio

nemo tenetur e como efeito prova proibida Defendemos a ideia de que a vinculatividade

do artigo 126ordm transcende claramente o domiacutenio do interrogatoacuterio e das declaraccedilotildees do

arguido projetando-se como limite agrave admissibilidade de quaisquer outras diligecircncias

probatoacuterias Tambeacutem em sede de proibiccedilotildees de prova parece natildeo haver distinccedilatildeo entre os

dois meacutetodos de desencriptaccedilatildeo palavra-passe e biometria

Assim todas as provas autoincriminatoacuterias obtidas agrave custa de coacccedilatildeo e em violaccedilatildeo dos

limites aos limites das restriccedilotildees aos direitos fundamentais satildeo provas proibidas574 Natildeo

eacute outra leitura que se infere da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa e do Coacutedigo de

Processo Penal A sua interdiccedilatildeo eacute absoluta configurando-se em provas de valoraccedilatildeo

proibida nos termos do nordm 8 do artigo 32ordm da CRP e do nordm 1 do artigo 126ordm do CPP575

cominaccedilatildeo que traduz a existecircncia de uma nulidade particularmente grave e insanaacutevel576

Manuel da Costa Andrade entende que neste campo de danosidade social seraacute muito

difiacutecil valorar a prova proibida577 Estando perante um caso de proibiccedilatildeo de prova

desencadeada pela violaccedilatildeo insuportaacutevel de direitos de defesa do arguido como eacute o caso

do direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo natildeo soacute natildeo se poderaacute valorar a prova inicialmente

proibida como tambeacutem as provas que se desencadearam com base naquela primeira

De facto dado que a desencriptaccedilatildeo do smartphone permitiraacute agraves autoridades acederem a

provas incriminatoacuterias a doutrina do efeito-agrave-distacircncia pode aqui prevenir uma tatildeo frontal

como indesejaacutevel violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare Costa Andrade

reitera ainda que ldquocomo assinala Beulke laquoa valoraccedilatildeo de meios de prova tornados

574 Costa Andrade 1992 126-127 575 O nordm 8 do artigo 32ordm da CRP consagra que ldquoSatildeo nulas todas as provas obtidas mediante [hellip] coacccedilatildeo

[hellip]rdquo O nordm 1 do artigo 126ordm do CPP estipula que ldquoSatildeo nulas natildeo podendo ser utilizadas as provas obtidas

mediante [hellip] coacccedilatildeo [hellip]rdquo 576 Silva DiasRamos 2009 36-37 577 Costa Andrade 1992 282

166

possiacuteveis a partir de declaraccedilotildees obtidas agrave custa de coaccedilatildeo [hellip] equivaleria a compelir o

arguido a colaborar na sua proacutepria condenaccedilatildeoraquordquo578

Assim segundo a teoria dos ldquofrutos da aacutervore envenenadardquo tambeacutem as provas

secundaacuterias recolhidas a partir da desencriptaccedilatildeo do smartphone em que houve violaccedilatildeo

do nemo tenetur satildeo proibidas No entanto como reiteraacutemos anteriormente esta doutrina

tem excepccedilotildees Para o nosso caso concreto ndash desencriptaccedilatildeo de smartphones ndash interessa-

nos apenas a excepccedilatildeo da ldquofonte independenterdquo (independent source exception) e a

excepccedilatildeo da ldquonoacutedoa (ou maacutecula) dissipadardquo (purged taint exception)

A excepccedilatildeo da ldquofonte independenterdquo (independent source exception) poderia ser aplicada

no nosso caso concreto nas situaccedilotildees em que a poliacutecia conseguisse aceder agraves provas

armazenadas no smartphone de forma liacutecita nomeadamente atraveacutes da utilizaccedilatildeo de nova

tecnologia que permitisse a desecriptaccedilatildeo ou ateacute mesmo atraveacutes da descoberta da palavra-

passe Assim mesmo depois de acederem agraves provas contidas no smartphone que fora

ilicitamente acedido atraveacutes da coacccedilatildeo do arguido ndash quer pela revelaccedilatildeo da palavra-

passe quer pela leitura da sua impressatildeo digital - as autoridades judiciaacuterias poderiam

utilizar os ficheiros ndash agora licitamente - recolhidos

Agrave semelhanccedila da excepccedilatildeo da ldquofonte independenterdquo tambeacutem a excepccedilatildeo da ldquonoacutedoa (ou

maacutecula) dissipadardquo (purged taint exception) pode ser aplicada no nosso caso de

desencriptaccedilatildeo de smartphones Se o arguido permitisse o acesso ao seu smartphone

atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe ou da leitura da sua impressatildeo digital por forccedila de

uma anterior violaccedilatildeo de proibiccedilatildeo de prova e posteriormente optasse por confessar a

palavra-passe as autoridades judiciaacuterias poderiam utilizar esta palavra-passe para aceder

licitamente aos ficheiros autoincriminatoacuterios armazenados no dispositivo e utilizaacute-los

como prova no processo penal

Deste modo podemos concluir que a ordem de desencriptaccedilatildeo de smartphone seja

atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe ou da leitura da impressatildeo digital do arguido

culmina numa situaccedilatildeo de obtenccedilatildeo de prova agrave custa da coacccedilatildeo do arguido (nordm 8 do

artigo 32ordm da CRP e nordm 1 do artigo 126ordm do CPP) E segundo a doutrina do efeito-agrave-

distacircncia natildeo soacute natildeo se poderaacute valorar a prova inicialmente proibida (provas primaacuterias)

como tambeacutem as provas que se desencadearam com base naquela primeira (provas

secundaacuterias) No entanto as provas incriminatoacuterias armazenadas no smartphone podem

578 Costa Andrade 1992 315

167

ainda assim ser utilizadas e valoradas no processo caso a excepccedilatildeo da ldquofonte

independenterdquo ou da ldquonoacutedoamaacutecula dissipadardquo se verifiquem

168

169

CONCLUSOtildeES GERAIS

Conforme se depreende do exposto ao longo desta nossa investigaccedilatildeo a ordem de

desencriptaccedilatildeo dirigida ao arguido pelas autoridades judiciaacuterias no sentido de este

permitir o acesso ao seu smartphone atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe ou da leitura

da sua impressatildeo digital suscita uma seacuterie de questotildees

As discussotildees na doutrina norte-americana em volta desta problemaacutetica influenciaratildeo o

mundo e desencadearatildeo novas discussotildees nomeadamente em territoacuterio nacional

considerando que o princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare foi nos casos apresentados

claramente restringido ateacute ao ponto de restar apenas o direito ao silecircncio

Depois de nos munirmos dos conhecimentos necessaacuterios quanto ao acesso e apreensatildeo

dos dados armazenados no smartphone segundo a Lei do Cibercrime agrave encriptaccedilatildeo destes

dispositivos e agrave articulaccedilatildeo entre a colaboraccedilatildeo do arguido nos casos de desencriptaccedilatildeo

compelida e o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo estamos jaacute em posiccedilatildeo de criticar a

fundamentaccedilatildeo e a decisatildeo dos casos norte-americanos apresentados no primeiro capiacutetulo

e de discutir o seu enquadramento no direito processual penal portuguecircs

Ficou expresso anteriormente que o princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare tendo por

fundamento as garantias processuais reconhecidas ao arguido no texto constitucional

poderaacute ser alvo de limitaccedilotildees De facto pela circunstacircncia de natildeo se revestir de natureza

absoluta este princiacutepio poderaacute ser derrogado nomeadamente nos casos em que o arguido

eacute obrigado a identificar-se ou a sujeitar-se a determinados exames ou periacutecias

Por esse motivo natildeo consideramos defensaacutevel que se infira uma total inflexibilidade do

princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo que inviabilize por completo a adopccedilatildeo de normas

que permitam a emissatildeo de ordens de desencriptaccedilatildeo e que em complemento incriminem

a conduta omissiva do arguido

Contudo revisitando uma vez mais o que por noacutes jaacute foi afirmado quanto agrave natureza da

revelaccedilatildeo por parte do arguido de uma palavra-passe entendemos que a mesma pode ser

reconduzida ao instituto das declaraccedilotildees do arguido Assim se a natureza da revelaccedilatildeo de

uma palavra-passe pode ser entendida do mesmo modo que uma declaraccedilatildeo proferida

pelo arguido a ponderaccedilatildeo do direito ao silecircncio natildeo pode deixar de ser efectuada Sendo

o direito ao silecircncio como vimos um expoente maacuteximo do princiacutepio nemo tenetur natildeo

podemos deixar de considerar que o mesmo seria objecto de uma evidente derrogaccedilatildeo

170

acaso os investigadores criminais compelissem o arguido a revelar a palavra-passe que

permite o acesso ao seu dispositivo electroacutenico Segundo um criteacuterio de ponderaccedilatildeo e

atendendo igualmente aos limites aos limites das restriccedilotildees de direitos fundamentais

(vg direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo) esta ordem seria ilegiacutetima por falta de previsatildeo

legal expressa por ser desproporcional e por violar o nuacutecleo essencial do princiacutepio nemo

tenetur Efectivamente no panorama legal portuguecircs natildeo haacute uma previsatildeo legal no

sentido de estabelecer uma excepccedilatildeo ao princiacutepio nemo tenetur ao contraacuterio do que se

passa na lei inglesa e belga

No que agrave leitura da impressatildeo digital diz respeito podemos agora concluir que tendo

como base os casos apresentados no primeiro capiacutetulo da presente investigaccedilatildeo tambeacutem

a ordem dada ao arguido no sentido de este desencriptar o seu smartphone atraveacutes da

leitura da sua impressatildeo digital eacute uma ordem ilegiacutetima e violadora do princiacutepio contra a

autoincriminaccedilatildeo Cremos nesta conclusatildeo por dois motivos principais a) o dever de

sujeiccedilatildeo a diligecircncias de prova consagrado na aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm do Coacutedigo

de Processo Penal dada a sua generalidade natildeo pode ser entendido como previsatildeo legal

expressa no sentido de estabelecer uma excepccedilatildeo ao princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo

resultando na falta de preenchimento do primeiro requisito das restriccedilotildees de direitos

fundamentais (exigecircncia de lei formal) b) e atendendo agraves circunstacircncias dos casos

concretos todas estas ordens de desencriptaccedilatildeo atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do

arguido revelaram-se desproporcionais

Isto posto outra natildeo poderaacute ser a conclusatildeo senatildeo a de que nestes casos apresentados as

ordens de desencriptaccedilatildeo dos smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe ou da

leitura da impressatildeo digital dirigidas aos arguidossuspeitos satildeo segundo o ordenamento

juriacutedico portuguecircs ilegiacutetimas por violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare

Se ainda assim forem recolhidas provas autoincriminatoacuterias do smartphone em violaccedilatildeo

deste princiacutepio a consequecircncia eacute oacutebvia proibiccedilatildeo de valoraccedilatildeo dessas provas

O que se deve discutir aqui natildeo eacute a possibilidade de o Estado restringir o direito do arguido

agrave sua natildeo-autoincriminaccedilatildeo mas sim a que extensatildeo essa restriccedilatildeo pode ocorrer sem que

se torne a ordem inconstitucional Daiacute se infere que apesar da conclusatildeo a que chegamos

quanto aos casos norte-americanos no ordenamento juriacutedico nacional uma vez que o

princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare natildeo tem caraacutecter absoluto por intermeacutedio de

legislaccedilatildeo especiacutefica com o objectivo de salvaguardar um outro direito ou interesse

constitucionalmente protegido sendo proporcional em sentido amplo e natildeo violadora do

171

nuacutecleo essencial do direito poderaacute um arguido ser compelido a desencriptar o seu

smartphone independentemente do meacutetodo (palavra-passe ou impressatildeo digital) no

acircmbito de uma investigaccedilatildeo criminal Natildeo podemos defender aqui peremptoriamente uma

zona de offshore digital num Estado de Direito579

579 Expressatildeo usada por Pedro Verdelho na Conferecircncia sobre Prova Digital em Processo Penal realizada

a 24 de Maio de 2017 na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

172

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Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 29 de Marccedilo de 2011 disponiacutevel em

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195

Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 11 de Janeiro de 2011 disponiacutevel em

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Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 3042004 de 5 de Maio de 2004 disponiacutevel em

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Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 23 de Outubro de 2013 disponiacutevel em

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Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 3402013 de 17 de Junho de 2013 disponiacutevel

em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20130340html

Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de 30 de Setembro de 2008 disponiacutevel em

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Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 69695 de 5 de Dezembro de 1995 disponiacutevel

em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos19950695html

Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 37298 de 13 de Maio de 1998 disponiacutevel em

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Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da Repuacuteblica P000642006 de 2

de Novembro de 2006 disponiacutevel em httpwwwministeriopublicoptiframepareceres-

do-conselho-consultivo-da-pgr

Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 3 de Marccedilo de 2016 disponiacutevel em

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Acoacuterdatildeo Saunders v Reino Unido de 17 de Dezembro de 1996 disponiacutevel em

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Acoacuterdatildeo Quinn v Irlanda de 21 de Dezembro de 2000 disponiacutevel em

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196

Acoacuterdatildeo PG e JH v Reino Unido de 25 de Setembro de 2001 disponiacutevel em

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5500ampfilename=002-5500pdfampTID=ihgdqbxnfi

Acoacuterdatildeo Shannon v Reino Unido de 4 de Outubro de 2005 disponiacutevel em

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Acoacuterdatildeo Jalloh v Alemanha de 11 de Julho de 2006 disponiacutevel em

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Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1552007 de 2 de Marccedilo de 2007 disponiacutevel em

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Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de 15 de Novembro de 2011 disponiacutevel em

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Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de 21 de Abril de 2015 disponiacutevel em

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Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de 11 de Outubro de 2011 disponiacutevel em

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Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 28 de Janeiro de 2009 disponiacutevel em

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Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 10 de Dezembro de 2008 disponiacutevel em

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Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 17 de Abril de 2012 disponiacutevel em

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Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro de 2014

disponiacutevel em httpsdreptapplicationfile58512485

197

Silverthorne Lumber Co v United States 1920 Disponiacutevel em

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Wong Sun v United States 1963 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus371471casehtml

Segura v United States 1984 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus468796

Brewer v Williams 1977 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus430387

Nix v Williams 1984 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus467431casehtml

United States v Ceccolini 1978 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus435268

Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1982004 de 24 de Marccedilo de 2004 disponiacutevel

em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20040198html

Decisatildeo Sumaacuteria do Tribunal Constitucional nordm 132008 de 11 de Janeiro de 2008

disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcdecsumarias20080013html

198

199

ANEXOS

Anexo I ndash Caso Commonwealth of Virginia v David Charles Baust

200

201

202

203

204

205

Anexo II ndash Caso State of Minnesota v Matthew Vaughn Diamond

STATE OF MINNESOTA

IN COURT OF APPEALS

A15-2075

State of Minnesota

Respondent

vs

Matthew Vaughn Diamond Appellant

Filed January 17 2017

Affirmed

Smith Tracy M Judge

Carver County District Court

File No 10-CR-14-1286

Lori Swanson Attorney General St Paul Minnesota and

Mark Metz Carver County Attorney Eric E Doolittle Assistant County Attorney Chaska Minnesota (for respondent)

Cathryn Middlebrook Chief Appellate Public Defender Steven P Russett Assistant Public Defender St

Paul Minnesota (for appellant)

Considered and decided by Johnson Presiding Judge Reyes Judge and Smith

Tracy M Judge

S Y L L A B U S

A district court order compelling a criminal defendant to provide a fingerprint to unlock the defendantrsquos

cellphone does not violate the Fifth Amendment privilege against compelled self-incrimination

O P I N I O N

SMITH TRACY M Judge

Appellant Matthew Vaughn Diamond appeals his convictions of second-degree burglary misdemeanor

theft and fourth-degree criminal damage to property following a jury trial On appeal Diamond argues his

convictions must be reversed because (1) police seized his property in violation of the Fourth Amendment

(2) the district court violated his Fifth Amendment privilege against compelled self-incrimination by

ordering him to provide his fingerprint so police could search his cellphone and (3) the statersquos

circumstantial evidence was insufficient We affirm

206

FACTS

On October 30 2014 MH left her Chaska home between 1030 and 1045 am to run errands MH

returned home around noon and noticed that the attached garagersquos sideentry door appeared to have been

kicked in from the outside MH called the police after discovering that a safe a laptop and several items

of jewelry were missing from her home While waiting for police to arrive MH found an envelope in her

driveway that had the name of SW written on it Police took photographs and measurements of the

shoeprints left on the garagersquos side-entry door

Detective Nelson of the Chaska Police Department used state databases to determine SWrsquos car model and

license plate number and that SW had pawned several pieces of jewelry at a Shakopee pawn shop on

October 30 MH later verified that the pawned jewelry was stolen from her home On November 4 police

located SWrsquos car which

Diamond was driving at the time Diamond was arrested on an outstanding warrant unrelated to this case

He was booked at the Scott County jail where staff collected and stored his property including his shoes

and cellphone

The following day Detective Nelson went to the jail and viewed the property that was taken from Diamond

Detective Nelson observed similarities between the tread of Diamondrsquos shoes and the shoeprints left on the

garagersquos side-entry door Detective Nelson informed the jail staff that she was going to seek a warrant to

seize Diamondrsquos property and gave instructions not to release the property to anyone Later that day SW

attempted to collect Diamondrsquos property but was told that it could not be released

On November 6 Detective Nelson obtained and executed a warrant to search for and seize Diamondrsquos

shoes and cellphone On November 12 Detective Nelson obtained an additional warrant to search the

contents of Diamondrsquos cellphone Detective Nelson was unable to unlock the cellphone She returned the

warrant on November 21

In December the state filed a motion to compel Diamond to provide his fingerprint on the cellphone to

unlock the phone The motion was deferred to the contested omnibus hearing Following that hearing the

district court issued an order filed February 11 2015 concluding that the warrant to search Diamondrsquos

cellphone was supported by probable cause and that compelling Diamond to provide his fingerprint to

unlock the cellphone does not violate his Fifth Amendment privilege against compelled self-incrimination

The district court granted the statersquos motion to compel and ordered Diamond to provide a fingerprint or

thumbprint to unlock his cellphone Diamond refused to comply On

April 3 the district court found Diamond in civil contempt and informed him that compliance with the order

would remedy the civil contempt Diamond provided his fingerprint and police immediately searched his

cellphone

At a second omnibus hearing Diamond challenged the refusal to release his cellphone and shoes to SW

arguing that it constituted a warrantless seizure not justified by any exception to the warrant requirement

The district courtrsquos April 3 order concluded that the seizure was justified by exigent circumstances and was

tailored to protect against the destruction of evidence while a warrant was sought and obtained Diamond

thereafter brought a pro se motion to suppress all evidence derived from his cellphone and shoes which the

district court denied relying on the previous orders from February 11 and April 3

At Diamondrsquos jury trial SW testified that (1) she believed she was working the day of the burglary (2)

the envelope found in MHrsquos driveway belonged to SW and it was in her car the last time she saw it (3)

SW sometimes let Diamond use her car when she was working and (4) on the day of the burglary

Diamond gave her MHrsquos stolen jewelry and the two of them traveled to the Shakopee pawn shop where

she sold the jewelry In addition the state also introduced evidence that (1) Diamondrsquos wallet and

identification card were found in SWrsquos car (2) Diamond and SW exchanged phone calls and text

messages throughout the day of the burglary (3) Diamondrsquos cellphone pinged off cell towers near MHrsquos

residence on the day of the burglary (4) the tread pattern on Diamondrsquos shoes was similar to the shoeprints

on the garagersquos side-entry door and (5) while in jail Diamond told SW ldquothe only thing that [the state is]

going to be able to charge me with is receiving stolen propertyrdquo and that his attorney said the case would

be dismissed if SW did not testify or recanted her statement

207

The jury found Diamond guilty of second-degree burglary misdemeanor theft and fourth-degree criminal

damage to property The district court sentenced Diamond to 51 months in prison for the second-degree

burglary and to 90 days in jail for the fourth-degree criminal damage to property

Diamond appeals

ISSUES

I Did the district court err by not suppressing evidence obtained following the temporary seizure of Diamondrsquos property

II Did the district court err by ordering Diamond to provide his fingerprint so police could search his cellphone

III Does the record contain sufficient evidence to support the juryrsquos conclusion that Diamond

committed second-degree burglary misdemeanor theft and fourth-degree criminal damage to property

ANALYSIS

I The temporary seizure of Diamondrsquos property did not violate the Fourth Amendment

Diamond argues that the district court erred in denying his suppression motion because Detective Nelsonrsquos

directions to jail staff not to release Diamondrsquos property while she sought a warrant constituted an

unreasonable seizure in violation of the Fourth Amendment The district court concluded that the exigency

exception to the warrant requirement applied Diamond argues that the exigency exception is inapplicable

because Detective Nelson ldquosearchedrdquo Diamondrsquos property at the jail before providing instructions

to jail staff

In evaluating a pretrial order on a motion to suppress we review factual findings for clear error and legal

conclusions de novo State v Milton 821 NW2d 789 798 (Minn 2012) When reviewing the applicability

of the exigency exception we look at the totality of the circumstances State v Horst 880 NW2d 24 33

(Minn 2016) The state has the burden of showing that exigent circumstances justified the seizure Id

The Fourth Amendment protects the right of the people to be free from ldquounreasonable searches and seizuresrdquo

of their ldquopersons houses papers and effectsrdquo by the government US Const amend IV see Mapp v

Ohio 367 US 643 655-56 81 S Ct 1684 1691-92 (1961) (incorporating the Fourth Amendment and the

consequences for violating it into the Due Process Clause of the Fourteenth Amendment) A ldquoseizurerdquo of

property within the meaning of the Fourth Amendment occurs when a government official meaningfully

interferes with a personrsquos possessory interest in the property United States v Jacobsen 466 US 109 113

104 S Ct 1652 1656 (1984) ldquoIn general warrantless searches and seizures are unreasonable in the absence

of a legally recognized exception to the warrant requirementrdquo Horst 880 NW2d at 33

A temporary seizure may be permissible under the Fourth Amendment ldquowhen needed to preserve evidence

until police are able to obtain a warrantrdquo State v Holland 865 NW2d 666 670 n3 (Minn 2015) The

United States Supreme Court has approved the temporary seizure of an individual to prevent him from

destroying drugs before police could obtain and execute a warrant Illinois v McArthur 531 US 326 331-

32 121 S Ct 946 950 (2001) The Minnesota Supreme Court has observed that ldquowhen lawenforcement

officers lsquohave probable cause to believe that a container holds contraband or evidence of a crime but have

not secured a warrantrsquo the officers may seize the property lsquopending issuance of a warrant to examine its

contents if the exigencies of the circumstances demand itrsquordquo Horst 880 NW2d at 33-34 (quoting United

States v Place 462 US 696 701 103 S Ct 2637 2641 (1983))

Here Detective Nelson instructed jail staff not to release Diamondrsquos property while she sought a warrant

Detective Nelsonrsquos instructions to jail staff were meant to ensure that Diamondrsquos shoes and cellphone

208

which Detective Nelson considered potential evidence were not lost or destroyed The following day

Detective Nelson obtained and executed a warrant to seize Diamondrsquos shoes and cellphone

In Horst the Minnesota Supreme Court deemed a similar warrantless seizure lasting only one day to be

justified Id at 34-35 There police had seized the defendantrsquos cellphone when she was interviewed at the

police station prior to her arrest and police obtained a warrant the following day Id The supreme court

concluded that the seizure was justified by exigent circumstances because as the United States Supreme

Court had recently observed ldquothe owner of a cellphone can quickly and easily destroy the data contained

on such a devicerdquo Id at 35 (citing Riley v California 134 S Ct 2473 2486 (2014)) Thus the temporary

seizure of Diamondrsquos cellphone at the jail was justified by exigent circumstances The need to protect

physical evidence from loss or destruction similarly justified the temporary seizure of Diamondrsquos shoes

See McArthur 531 US at

331-32 121 S Ct at 950

Diamond argues that the exigent-circumstances exception does not apply because Detective Nelson

ldquosearchedrdquo Diamondrsquos property at the jail prior to the seizure As an initial matter we observe that Diamond

did not argue to the district court that the evidence should be suppressed because Detective Nelsonrsquos act of

viewing his property at the jail constituted a ldquosearchrdquo rendering the exigency exception for the seizure

inapplicable An appellate court generally will not consider matters not argued to and considered by the

district court Roby v State 547 NW2d 354 357 (Minn 1996) This rule applies to constitutional

questions See In re Welfare of CLL 310 NW2d 555 557 (Minn 1981) (declining to address a

constitutional issue raised for the first time on appeal from a termination of parental rights)

But even if Diamondrsquos district court argument could be read expansively so as to encompass this argument

we still find it unpersuasive Diamond does not provide any support for his conclusory assertion that

Detective Nelsonrsquos act of viewing his property at the jail prior to obtaining a search warrant constituted a

ldquosearchrdquo under the Fourth Amendment See State v Johnson 831 NW2d 917 922 (Minn App 2013) (ldquoA

lsquosearchrsquo within the meaning of the Fourth Amendment occurs upon an officialrsquos invasion of a personrsquos

reasonable expectation of privacyrdquo (citing Jacobsen 466 US at 114 104 S Ct at 1656)) review denied

(Minn Sept 17 2013) Nor does he argue that such action was unreasonable

As articulated in McArthur we must determine whether ldquopolice made reasonable efforts to reconcile their

law enforcement needs with the demands of personal privacyrdquo 531 US at 332 121 S Ct at 950 In

McArthur the United States Supreme Court determined that the proper balance between law-enforcement

needs and personal privacy permitted police to seize the defendant while they sought a warrant to search

his trailer Id at 332 121 S Ct at 950-51 Here Detective Nelson properly balanced law-enforcement

needs with Diamondrsquos personal privacy Diamond concedes that his property was lawfully seized and

inventoried when he was booked into jail on November 4 The following day Detective Nelson viewed

Diamondrsquos property and observed similarities between the tread of Diamondrsquos shoes and the shoeprints left

on MHrsquos garagersquos side-entry door Recognizing the possibility that these items could be lost or destroyed

Detective Nelson instructed jail staff to maintain custody of the property and immediately sought a warrant

On November 6 Detective Nelson executed the warrant seizing the cellphone and shoes Before

attempting to access the cellphonersquos contents which plainly constitutes a search within the meaning of the

Fourth Amendment Detective Nelson obtained the November 12 search warrant See Riley 134 S Ct at

2495

We conclude that the temporary seizure of Diamondrsquos property was justified by exigent circumstances and

that the district court did not err in denying Diamondrsquos suppression motion

II Diamondrsquos Fifth Amendment privilege was not violated when the district court ordered him to

provide his fingerprint so police could search his cellphone

Diamond argues that the district courtrsquos order to provide his fingerprint to unlock his cellphone violated his

Fifth Amendment privilege against compelled selfincrimination580 This is an issue of first impression for

580 Diamond also argues that the search of his cellphone violated the Fourth Amendment because he

asserts the police did not have a valid warrant at the time his cellphone was searched in April 2015

209

Minnesota appellate courts Whether the district court violated Diamondrsquos Fifth Amendment privilege

against self-incrimination is a question of law which this court reviews de novo State v Kaquatosh 600

NW2d 153 156 (Minn App 1999) review denied (Minn Dec 14 1999)

The Fifth Amendment provides that no person ldquoshall be compelled in any criminal case to be a witness

against himselfrdquo US Const amend V see Malloy v Hogan 378 US 1 8 84 S Ct 1489 1493-94

(1964) (incorporating Fifth Amendment protections into the Due Process Clause of the Fourteenth

Amendment) ldquoThe essence of this basic constitutional principle is the requirement that the [s]tate which

proposes to convict and punish an individual produce the evidence against him by the independent labor of

its officers not by the simple cruel expedient of forcing it from his own lipsrdquo Estelle v

Smith 451 US 454 462 101 S Ct 1866 1872 (1981) (quotation and emphasis omitted) The Supreme

Court has explained that ldquothe privilege protects a person only against being incriminated by his own

compelled testimonial communicationsrdquo Fisher v United States 425 US 391 409 96 S Ct 1569 1580

(1976) Here the record establishes that Diamond was compelled to produce his fingerprint to unlock the

cellphone The record also reflects that police obtained incriminating evidence once the cellphone was

unlocked Therefore the question before this court is whether the act of providing a fingerprint to unlock

a cellphone is a ldquotestimonial communicationrdquo

In examining its application of Fifth Amendment principles the Supreme Court has established

that ldquoin order to be testimonial [a criminal defendantrsquos] communication must itself explicitly or implicitly

relate a factual assertion or disclose information Only then is a person compelled to be a lsquowitnessrsquo against

himselfrdquo Doe v United States 487 US

201 210 108 S Ct 2341 2347-48 (1988) The Supreme Court has further noted that

[t]his understanding is perhaps most clearly revealed in those cases in

which the Court has held that certain acts though incriminating are not within the privilege Thus a suspect may be compelled to furnish

a blood sample to provide a handwriting exemplar or a voice exemplar to stand in a lineup and to wear particular clothing

Id at 210 108 S Ct at 2347 (citing United States v Dionisio 410 US 1 7 93 S Ct 764 768 (1973)

(voice exemplar) Gilbert v California 388 US 263 266-67 87 S Ct 1951

1953 (1967) (handwriting exemplar) United States v Wade 388 US 218 221-22 87 S Ct 1926 1929

(1967) (lineup) Schmerber v California 384 US 757 765 86 S Ct 1826

Diamond maintains that ldquono search warrant existedrdquo in April because Detective Nelson had previously

returned the November 12 search warrant on November 21 after unsuccessfully attempting to access the

contents of the cellphone However Diamond did not make this argument at the contested omnibus

hearing where he challenged the probable cause supporting the November 12 warrant and opposed the

statersquos motion for an order compelling him to provide his fingerprint Instead Diamond waited until two

days before trial to present this argument to the district court asserting it for the first time during oral

argument on his pro se motion to suppress evidence Because Diamond did not raise this argument at the

omnibus hearing the argument was not timely raised and is not reviewable on appeal See State v Brunes

373 NW2d 381 386 (Minn App 1985) review denied (Minn Oct 11 1985)

210

1832-33 (1966) (blood sample) Holt v United States 218 US 245 252-53 31 S Ct 2 6 (1910)

(clothing)) In addition the Supreme Court has recognized that ldquoboth federal and state courts have usually

held that [the Fifth Amendment] offers no protection against compulsion to submit to fingerprintingrdquo

Schmerber 384 US at 764 86 S Ct at 1832 see Doe 487 US at 219 108 S Ct at 2352 (Stevens J

dissenting) (ldquoFingerprints blood samples voice exemplars handwriting specimens or other items of

physical evidence may be extracted from a defendant against his willrdquo) State v Breeden 374 NW2d 560

562 (Minn App 1985) (ldquoThe gathering of real evidence such as blood samples fingerprints or photographs

does not violate a defendantrsquos [F]ifth [A]mendment rightsrdquo)

Diamond relies on In re Grand Jury Subpoena Duces Tecum 670 F3d 1335 (11th Cir 2012) to

support his argument that supplying his fingerprint was testimonial In In re Grand Jury the court reasoned

that requiring the defendant to decrypt and produce the contents of a computerrsquos hard drive when it was

unknown whether any documents were even on the encrypted drive ldquowould be tantamount to testimony by

[the defendant] of his knowledge of the existence and location of potentially incriminating files of his

possession control and access to the encrypted portions of the drives and of his capability to decrypt the

filesrdquo Id at 1346 The court concluded that such a requirement is analogous to requiring production of a

combination and that such a production involves implied factual statements that could potentially

incriminate Id

By being ordered to produce his fingerprint however Diamond was not required to disclose any

knowledge he might have or to speak his guilt See Doe 487 US at 211 108 S Ct at 2348 The district

courtrsquos order is therefore distinguishable from requiring a defendant to decrypt a hard drive or produce a

combination See eg In re Grand Jury

670 F3d at 1346 United States v Kirschner 823 F Supp 2d 665 669 (ED Mich 2010) (holding that

requiring a defendant to provide computer password violates the Fifth

Amendment) Those requirements involve a level of knowledge and mental capacity that is not present in

ordering Diamond to place his fingerprint on his cellphone Instead the task that Diamond was compelled

to performmdashto provide his fingerprintmdashis no more testimonial than furnishing a blood sample providing

handwriting or voice exemplars standing in a lineup or wearing particular clothing See Doe 487 US at

210 108 S Ct at 2347-48

Diamond argues however that the district courtrsquos order effectively required him to communicate

ldquothat he had exclusive use of the phone containing incriminating informationrdquo This does not overcome the

fact that such a requirement is not testimonial In addition Diamond provides no support for the assertion

211

that only his fingerprint would unlock the cellphone or that his provision of a fingerprint would

communicate his exclusive use of the cellphone

Diamond also argues that he ldquowas required to identify for the police which of his fingerprints

would open the phonerdquo and that this requirement compelled a testimonial communication This argument

however mischaracterizes the district courtrsquos order The district courtrsquos February 11 order compelled

Diamond to ldquoprovide a fingerprint or thumbprint as deemed necessary by the Chaska Police Department to

unlock his seized cell phonerdquo At the April 3 contempt hearing the district court referred to Diamond

providing his ldquothumbprintrdquo The prosecutor noted that they were ldquonot sure if itrsquos an index finger or a

thumbrdquo The district court answered ldquoTake whatever samples you needrdquo Diamond then asked the

detectives which finger they wanted and they answered ldquoThe one that unlocks

itrdquo

It is clear that the district court permitted the state to take samples of all of Diamondrsquos fingerprints and

thumbprints The district court did not ask Diamond whether his prints would unlock the cellphone or

which print would unlock it nor did the district court compel Diamond to disclose that information There

is no indication that Diamond would have been asked to do more had none of his fingerprints unlocked the

cellphone Diamond himself asked which finger the detectives wanted when he was ready to comply with

the order and the detectives answered his question Diamond did not object then nor did he bring an

additional motion to suppress the evidence based on the exchange that he

initiated

In sum because the order compelling Diamond to produce his fingerprint to unlock the cellphone

did not require a testimonial communication we hold that the order did not violate Diamondrsquos Fifth

Amendment privilege against compelled self-incrimination581

III The record contains sufficient evidence to support Diamondrsquos convictions

Diamond argues that his convictions must be reversed because the statersquos circumstantial evidence does not

exclude the rational hypothesis that Diamond merely committed the crime of transferring stolen property

When evaluating the sufficiency of circumstantial evidence the reviewing court uses a two-step analysis

State v Silvernail 831 NW2d 594 598 (Minn 2013) ldquoThe first step is to identify the circumstances

provedrdquo Id ldquoIn identifying the circumstances proved we defer to the juryrsquos acceptance of the proof of

these circumstances and rejection of evidence in the record that conflicted with the circumstances proved

by the [s]taterdquo Id at 598-99 (quotation omitted) The reviewing court ldquoconstrue[s] conflicting evidence

in the light most favorable to the verdict and assume[s] that the jury believed the [s]tatersquos witnesses and

disbelieved the defense witnessesrdquo Id at 599 (quotation omitted) ldquoThe second step is to determine

581 We express no opinion regarding whether in a given case a defendant may be

compelled to produce a cellphone password consistent with the Fifth Amendment

212

whether the circumstances proved are consistent with guilt and inconsistent with any rational hypothesis

except that of guiltrdquo Id (quotation omitted)

Here Diamond was convicted of second-degree burglary misdemeanor theft and fourth-degree criminal

damage to property A person is guilty of second-degree burglary if the person enters a dwelling without

consent and with the intent to commit a crime Minn Stat sect 609582 subd 2(a) (2014) A person is guilty

of theft if the person ldquointentionally and without claim of right takes movable property of another without

the otherrsquos consent and with intent to deprive the owner permanently of possession of the propertyrdquo Minn

Stat sect 60952 subd 2(a)(1) (2014) A person is guilty of fourth-degree criminal damage to property if the

person intentionally causes damage to anotherrsquos physical property without the other personrsquos consent

Minn Stat sect 609595 subd 3 (2014)

The circumstances proved support the juryrsquos conclusion that Diamond committed these crimes On October

30 2014 MH returned home after running errands and discovered that someone had kicked in her garagersquos

side-entry door and had stolen jewelry and a number of other items Police recovered an envelope in MHrsquos

driveway that had SWrsquos name written on it SW testified that this envelope was in her car the last time

she saw it SW also testified that she believed she was working on the day of the burglary and that she

sometimes let Diamond use her car when she was working Diamondrsquos cellphone pinged off cell towers

near MHrsquos residence on the day of the burglary SW also testified that on the day of the burglary

Diamond gave her MHrsquos stolen jewelry and the two of them traveled to the Shakopee pawn shop where

she sold the jewelry Finally Detective Nelson testified regarding consistencies between the tread of

Diamondrsquos shoes and the shoeprints on MHrsquos garagersquos side-entry door

Diamond argues that certain circumstances do not exclude the possibility that he did not commit the crimes

at issue This argument is unconvincing Diamond considers the individual circumstances proved in

isolation But the evidence as a whole firmly supports the juryrsquos conclusion that Diamond kicked down

MHrsquos garagersquos side-entry door entered her dwelling without consent and with the intent to commit a

crime and stole MHrsquos property Together the circumstances proved are inconsistent with any other

rational hypothesis Therefore we conclude that the record contained sufficient evidence to support the

juryrsquos conclusion that Diamond committed the offenses of second-degree burglary misdemeanor theft and

fourth-degree criminal damage to property

D E C I S I O N

The district court did not err in denying Diamondrsquos suppression motion because the temporary seizure of

his property was justified by exigent circumstances and therefore did not violate the Fourth Amendment

The district court did not violate Diamondrsquos Fifth Amendment privilege against self-incrimination by

ordering him to provide his fingerprint so police could search his cellphone because such an order does not

require a testimonial communication Finally the record contains sufficient evidence to support the juryrsquos

conclusion that Diamond committed second-degree burglary misdemeanor theft and fourth-degree

criminal damage to property

Affirmed

213

Anexo III ndash Caso Paytsar Bkhchadzhyan

NO LA081589

SUPERIOR COURT OF CALIFORNIA COUNTY OF LOS ANGELES

PAGE NO 1

THE PEOPLE OF THE STATE OF CALIFORNIA vs CURRENT DATE 050316 DEFENDANT 01

PAYTSAR BKHCHADZHYAN

LAW ENFORCEMENT AGENCY EFFECTING ARREST CHP - WEST VALLEY

STATION

BAIL APPEARANCE AMOUNT DATE RECEIPT OR SURETY COMPANY REGISTER

DATE OF BAIL POSTED BOND NO NUMBER 090915 $5000000 082515

AS50K60527 ALLEGHENY CASUALTY

CASE FILED ON 081815 COMPLAINT FILED DECLARED OR SWORN TO CHARGING DEFENDANT WITH

HAVING COMMITTED ON OR ABOUT 112714 IN THE COUNTY OF LOS ANGELES THE

FOLLOWING OFFENSE(S) OF

COUNT 01 5305(A) pc FEL

COUNT 02 487 (A) pc FEL

COUNT 03 529(A) (3) pc FEL

COUNT 04 484E(D) pc FEL

COUNT 05 484E(D) pc FEL

COUNT 06 484E(D) pc FEL

COUNT 07 4841(C)

pc FEL NEXT

SCHEDULED EVENT ARREST WARRANT TO ISSUE

081815 ARREST WARRANT IN THE AMOUNT OF $25000000 BY

ORDER OF JUDGE JOSEPH A BRANDOLINO ISSUED (081815)

ON 082115 AT 800 AM

NEXT SCHEDULED EVENT

082115 830 AM ARRAIGNMENT DIST VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 100

ON 082115 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 100

CASE CALLED FOR ARRAIGNMENT

PARTIES JOHN REID (JUDGE) U-CHIN JANG (CLERK)

HILDA GUTIERREZ (REP) LOU ANN CLEMENS (DA)

DEFENDANT IS PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY A BOYADZHYAN PRIVATE

COUNSEL COURT ORDERS AND FINDINGS

214

-THE COURT ORDERS THE DEFENDANT TO APPEAR ON THE NEXT

COURT DATE THE MATTER IS CONTINUED TO SEPTEMBER 9 2015 IN

DEPARTMENT 100 FOR EARLY DISPOSITION HEARING

A PENAL CODE SECTION 1275 HOLD IS PLACED ON THE

DEFENDANT BAIL SET AT $50000

WAIVES STATUTORY TIME

NEXT SCHEDULED EVENT

090915 830 AM DISPOSITIONDIST VAN NUYS COURTHOUSE DEPT

100

082115 ARREST WARRANT IN THE AMOUNT OF $25000000 RECALLED

(082415)

CUSTODY STATUS REMANDED TO CUSTODY

ON 082415 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 100

CASE CALLED FOR FURTHER PROCEEDINGS

PARTIES JOHN REID (JUDGE) U-CHIN JANG (CLERK)

HILDA GUTIERREZ (REP) LOU ANN CLEMENS (DA)

DEFENDANT IS NOT PRESENT IN COURT BUT REPRESENTED BY GEORGE MGDESYAN

PRIVATE COUNSEL

THE MATTER TS PLACED ON CALENDAR ON BEHALF OF THE

DEFENDANT THE DISTRICT ATTORNEY STIPULATES TO LIFT THE

1275PC HOLD ON THE

DEFENDANT

NEXT SCHEDULED EVENT

DISPOSITION

ON 090915 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 100

CASE CALLED FOR DISPOSITION

PARTIES LELAND B HARRIS (JUDGE) U-CHIN JANG (CLERK)

HILDA GUTIERREZ (REP) LOU ANN CLEMENS (DA)

DEFENDANT IS PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY GEORGE MGDESYAN

PRIVATE COUNSEL

DEFENDANT WAIVES ARRAIGNMENT READING OF COMPLAINT AND STATEMENT OF

CONSTITUTIONAL AND STATUTORY RIGHTS

DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO COUNT 01 530 5(A) PC

DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO COUNT 02 487(A) PC

DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO

COUNT 05

484E(D)

pc

215

DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO COUNT 03 (3)

PC DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO COUNT 04

484E(D) pc

COURT ORDERS AND FINDINGS

-THE COURT ORDERS THE DEFENDANT TO APPEAR ON THE NEXT COURT DATE

DEFENDANT DENIES ANY AND ALL ALLEGATIONS AND

PRIOR CONVICTIONS PRELIMINARY HEARING SETTING

IS SET FOR 9-29-15 AT 830 AM IN DEPARTMENT 112 AS

ZERO OF 10

THE HELD TO ANSWER DEPARTMENT IS NW F

WAIVES STATUTORY TIME

NEXT SCHEDULED EVENT

092915 830 AM PRELIM SETTINGRESETTING DIST VAN NUYS

COURTHOUSE DEPT 112 DAY 00 OF 10

090915 BAIL TO STAND AS50K60527

CUSTODY STATUS BAIL TO STAND

ON 092915 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 112

CASE CALLED FOR PRELIM SETTINGRESETTING

PARTIES KAREN J NUDELL (JUDGE) LYNNE GARCIA (CLERK)

TROYETTE SCOTT (REP) MICHAEL J MORSE (DA)

DEFENDANT IS PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY GEORGE MGDESYAN

PRIVATE COUNSEL

THIS MATTER IS CONTINUED FOR PRELIMINARY HEARING

SETTING TO DATE AND TIME INDICATED BELOW COURT

ORDERS AND FINDINGS

-THE COURT ORDERS THE DEFENDANT TO APPEAR ON THE NEXT COURT DATE

WAIVES STATUTORY TIME

NEXT SCHEDULED EVENT

102815 830 AM PRELIM SETTINGRESETTING DIST VAN NUYS

COURTHOUSE DEPT 112

DAY 00 OF 10

092915 BAIL TO STAND AS50K60527

CUSTODY STATUS BAIL TO STAND

DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO

COUNT 06

484E(D)

pc

DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO

COUNT 07

4841(C) pc

216

ON 102815 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 112

CASE CALLED FOR PRELIM SETTINGRESETTING

PARTIES MARTIN L HERSCOVITZ (JUDGE) LYNNE GARCIA (CLERK)

TROYETTE SCOTT (REP) MELANY AVANESSIANS (DA)

DEFENDANT IS PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY GEORGE MGDESYAN

PRIVATE COUNSEL

ATTY LANCE ROSENBERG APPEARING

THIS MATTER IS CONTINUED FOR PRELIMINARY

HEARING SETTING TO DATE AND TIME INDICATED

BELOW COURT ORDERS AND FINDINGS

-THE COURT ORDERS THE DEFENDANT TO APPEAR ON THE NEXT COURT DATE

WAIVES STATUTORY TIME

NEXT SCHEDULED EVENT

120915 830 AM PRELIM SETTINGRESETTING DIST VAN NUYS

COURTHOUSE DEPT

112

DAY OO OF 30

102815 BAIL TO STAND AS50K60527

CUSTODY STATUS BAIL TO STAND

ON 120915 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 112

CASE CALLED FOR PRELIM SETTINGRESETTING

PARTIES KAREN J NUDELL (JUDGE) LYNNE GARCIA (CLERK)

TROYETTE SCOTT (REP) MELANY AVANESSIANS (DA)

DEFENDANT IS PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY GEORGE MGDESYAN

PRIVATE COUNSEL

DEFENDANT ADVISED OF AND PERSONALLY AND EXPLICITLY WAIVES THE FOLLOWING

RIGHTS bull WRITTEN ADVISEMENT OF RIGHTS AND WAIVERS FILED INCORPORATED BY

REFERENCE HEREIN

JURY TRIAL OR COURT TRIAL AND PRELIMINARY HEARING

CONFRONTATION AND CROSS-EXAMINATION OF WITNESSES

SUBPOENA OF WITNESSES INTO COURT TO TESTIFY IN YOUR

DEFENSE AGAINST SELF-INCRIMINATION

DEFENDANT ADVISED OF THE FOLLOWING

THE NATURE OF THE CHARGES AGAINST HIM THE ELEMENTS OF THE OFFENSE IN THE

COMPLAINT AND POSSIBLE DEFENSES TO SUCH CHARGES

THE POSSIBLE CONSEQUENCES OF A PLEA OF GUILTY OR NOLO

CONTENDERE INCLUDING THE MAXIMUM PENALTY AND

ADMINISTRATIVE SANCTIONS AND THE POSSIBLE LEGAL EFFECTS

217

AND MAXIMUM PENALTIES INCIDENT TO SUBSEQUENT

CONVICTIONS FOR THE

SAME OR SIMILAR OFFENSES

THE EFFECTS OF PROBATION

IF YOU ARE NOT A CITIZEN YOU ARE HEREBY ADVISED THAT A CONVICTION OF

THE OFFENSE FOR WHICH YOU HAVE BEEN CHARGED WILL HAVE THE

CONSEQUENCES OF DEPORTATION EXCLUSION FROM ADMISSION TO THE

UNITED STATES OR DENIAL OF NATURALIZATION PURSUANT TO THE LAWS OF

THE UNITED STATES

THE COURT FINDS THAT EACH SUCH WAIVER IS KNOWINGLY UNDERSTANDINGLY AND

EXPLICITLY MADE COUNSEL JOINS IN THE WAIVERS

THE DEFENDANT PERSONALLY WITHDRAWS PLEA OF NOT GUILTY TO COUNT 01 AND

PLEADS NOLO CONTENDERE WITH THE APPROVAL OF THE COURT TO A VIOLATION OF

SECTION

530 5(A) pc IN COUNT 01 THE COURT FINDS THE DEFENDANT GUILTY

COUNT (01) DISPOSITION CONVICTED COURT ORDERS AND FINDINGS

-THE COURT ORDERS THE DEFENDANT TO APPEAR ON THE NEXT COURT DATE

COURT FINDS THAT THERE IS A FACTUAL BASIS FOR DEFENDANTS PLEA

AND COURT ACCEPTS PLEA

SENTENCING CONTINUED IN DEPT 112 TO 1-25-16

NEXT SCHEDULED EVENT

012516 830 AM PROBATION AND SENTENCE HEARING DIST VAN NUYS COURTHOUSE

DEPT 112

120915 BAIL TO STAND AS501lt60527

CUSTODY STATUS BAIL TO STAND

ON 012516 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 112

CASE CALLED FOR PROBATION AND SENTENCE HEARING

PARTIES KAREN J NUDELL (JUDGE) LYNNE GARCIA (CLERK)

TROYETTE SCOTT (REP) JESSICA M BALADY (DA)

DEFENDANT PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY GEORGE MGDESYAN PRIVATE

COUNSEL

ATTY CHRISTINA SARKISS APPEARING

SENTENCING CONTINUED IN DEPT 112 TO 2-25-16

COURT ORDERS AND FINDINGS

-THE COURT ORDERS THE DEFENDANT TO APPEAR ON THE NEXT COURT

DATE NEXT SCHEDULED EVENT

022516 830 AM PROBATION AND SENTENCE HEARING DIST VAN NUYS COURTHOUSE

DEPT 112

012516 BAIL TO STAND AS501lt60527

CUSTODY STATUS BAIL TO STAND

218

ON 022516 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 112

CASE CALLED FOR PROBATION AND SENTENCE HEARING

PARTIES KAREN J NUDELL (JUDGE) LYNNE GARCIA (CLERK)

TROYETTE SCOTT (REP) STACEY SOLOMONS (DA)

DEFENDANT IS PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY ANNA OSIPOV PRIVATE

COUNSEL DEFENDANT WAIVES ARRAIGNMENT FOR JUDGMENT AND STATES THERE

IS NO LEGAL CAUSE WHY SENTENCE SHOULD NOT BE PRONOUNCED THE COURT

ORDERED THE FOLLOWING JUDGMENT

AS TO COUNT (01)

COURT ORDERS PROBATION DENIED

SERVE 2 YEARS IN COUNTY JAIL PURSUANT TO pc 1170(H) (1) AND (H) (2)

COURT SELECTS THE MID TERM OF 2 YEARS AS TO COUNT 01

DEFENDANT GIVEN TOTAL CREDIT FOR 10 DAYS IN CUSTODY 5 DAYS ACTUAL

CUSTODY AND 5 DAYS GOOD TIMEWORK TIME

FORTHWITH

PLUS $4000 COURT OPERATIONS ASSESSMENT (PURSUANT TO 1465 8(A) (1) P c )

$3000 CRIMINAL CONVICTION ASSESSMENT (PURSUANT TO 70373

GC)

$1000 CRIME PREVENTION FINE (PURSUANT TO 12025 PC)

COMMIT

MENT

ISSUED

TOTAL

DUE

$8000 IN

ADDITIO

N -THE DEFENDANT IS TO PAY A RESTITUTION FINE PURSUANT TO SECTION

120246) PENAL CODE IN THE AMOUNT OF $300

COURT ORDERS AND FINDINGS

-PURSUANT TO PC SECTION 296 THE DEFENDANT IS ORDERED TO PROVIDE

BUCCAL SWAB SAMPLES A RIGHT THUMB PRINT A FULL PALM PRINT

IMPRESSION OF EACH HAND ANY BLOOD SPECIMENS OR OTHER

BIOLOGICAL SAMPLES AS REQUIRED BY THIS SECTION FOR LAW

ENFORCEMENT IDENTIFICATION

HARVEY WAIVER TAKEN

COUNT (01) DISPOSITION

CONVICTED REMAINING COUNTS

DISMISSED COUNT (02) DISMISSED DUE TO PLEA

NEGOTIATION

219

COUNT (03) DISMISSED DUE TO PLEA

NEGOTIATION

COUNT (04) DISMISSED DUE TO PLEA

NEGOTIATION

COUNT (05) DISMISSED DUE TO PLEA

NEGOTIATION

COUNT (06) DISMISSED DUE TO PLEA NEGOTIATION

COUNT (07) DISMISSED DUE TO PLEA NEGOTIATION

DMV ABSTRACT NOT

REQUIRED NEXT

SCHEDULED EVENT

PROCEEDINGS TERMINATED

022516 EXONERATED AS50K60527

CUSTODY STATUS BAIL EXONERATED

ON 022916 AT 900 AM

COUNTY JAIL ABSTRACT PACKET COMPLETED AND FORWARDED TO COUNTY

JAIL VIA SHERIFFS TRANSPORT ABSTRACT COMPLETED BY A BERGIN

030416 ARREST DISPOSITION REPORT SENT VIA FILE TRANSFER TO

DEPARTMENT OF

J USTICE

220

221

Anexo IV ndash Mandado Caso Paytsar Bkhchadzhyan

222

223

224

225

Anexo V ndash Memorandum do Caso de 9 de Maio de 2016

226

227

228

229

230

231

232

233

234

235

IacuteNDICE

INTRODUCcedilAtildeO 15

CAPIacuteTULO I ndash O PROBLEMA DA DESENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES NO

ORDENAMENTO JURIacuteDICO NORTE-AMERICANO 19

1 O problema da desencriptaccedilatildeo de smartphones na jurisprudecircncia norte-americana

19

11 Caso Commonwealth of Virginia v David Charles Baust 20

12 Caso State of Minnesota v Matthew Vaughn Diamond 22

13 Caso Paytsar Bkhchadzhyan 24

14 Mandado de 9 de Maio de 2016 25

15 Conclusotildees intermeacutedias 27

2 O problema da desencriptaccedilatildeo de smartphones na Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos

da Ameacuterica 28

21 A Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica e a

necessidade de desencriptaccedilatildeo de smartphones com o auxiacutelio do arguido 28

211 Requisitos da Quinta Emenda 28

2111 Coacccedilatildeo (compulsion) 30

2112 Incriminaccedilatildeo (incrimination) 30

2113 Declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo (testimonycommunication) 31

212 Limites da Quinta Emenda 36

2121 Conclusatildeo inevitaacutevel (foregone conclusion) 37

2122 Imunidade (immunity) 39

3 Conclusotildees intermeacutedias 40

CAPIacuteTULO II ndash O ACESSO E A APREENSAtildeO DE DADOS ARMAZENADOS EM

SMARTPHONES NO PROCESSO PENAL PORTUGUEcircS 43

1 Os smartphones e a prova digital 43

2 A Lei do Cibercrime 46

3 A relaccedilatildeo entre a Lei do Cibercrime e o Coacutedigo de Processo Penal 56

4 Conclusotildees intermeacutedias 56

CAPIacuteTULO III ndash A ENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES 59

1 A sociedade na era digital e a crescente necessidade de encriptar 59

2 Encriptaccedilatildeo de smartphones 61

21 Noccedilatildeo 61

22 Funcionalidades 62

23 Meacutetodos de encriptaccedilatildeo de smartphones 64

231 Palavra-passe 65

236

232 Biometria 68

3 Conclusotildees intermeacutedias 76

CAPIacuteTULO IV ndash A DESENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES PARA OBTENCcedilAtildeO

DE PROVA E A SUA ARTICULACcedilAtildeO COM O PRINCIacutePIO DA NAtildeO-

AUTOINCRIMINACcedilAtildeO 79

1 Colocaccedilatildeo do problema 79

2 O princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare 81

21 Consagraccedilatildeo 83

22 Fundamentos juriacutedicos 87

23 Limitaccedilotildees 89

3 A sujeiccedilatildeo a periacutecias exames e diligecircncias de prova e a sua articulaccedilatildeo com o

princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare 91

4 Criteacuterios para a determinaccedilatildeo de violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum

accusare 96

41 Criteacuterio da dependecircncia e independecircncia da vontade do arguido 96

42 Criteacuterio da conduta activa e toleracircncia passiva 103

43 Criteacuterio da ponderaccedilatildeo de bens 107

431 A distinccedilatildeo entre normas-regras e normas-princiacutepios 107

432 A ponderaccedilatildeo enquanto criteacuterio de resoluccedilatildeo de conflitos entre direitos

fundamentais 109

433 Os limites aos limites dos direitos fundamentais 111

4331 Exigecircncia de lei formal 113

4332 Necessidade de salvaguarda de outro direito ou interesse

constitucionalmente protegido 115

4333 Princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo 116

4334 Garantia do conteuacutedo essencial 120

4335 Requisitos formais generalidade abstracccedilatildeo e natildeo retroactividade 122

434 Criacuteticas ao criteacuterio de ponderaccedilatildeo de bens 124

5 Aplicabilidade do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare na desencriptaccedilatildeo de

smartphones para obtenccedilatildeo de prova em processo penal 129

51 Desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe 130

52 Desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do

arguido 137

6 Conclusotildees intermeacutedias 150

CAPIacuteTULO V ndash A RECOLHA DE PROVAS EM VIOLACcedilAtildeO DO PRINCIacutePIO DE

NAtildeO-AUTOINCRIMINACcedilAtildeO 155

1 As proibiccedilotildees de prova 156

237

11 A distinccedilatildeo entre proibiccedilotildees de produccedilatildeo de prova e proibiccedilotildees de valoraccedilatildeo

de prova 156

12 O regime legal das proibiccedilotildees de prova 157

13 A invalidade do acto processual 160

14 O efeito-agrave-distacircncia das proibiccedilotildees de prova 161

2 Consequecircncias da recolha de prova em violaccedilatildeo do princiacutepio de natildeo-

autoincriminaccedilatildeo 164

CONCLUSOtildeES GERAIS 169

BIBLIOGRAFIA 173

ANEXOS 199

Page 3: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITO · Em caso afirmativo, afigurar-se-á necessário apurar se no que tange ao fornecimento de palavras-passe ou impressões digitais do arguido

3

UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE DIREITO

A NECESSIDADE DE DESENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES PARA

OBTENCcedilAtildeO DE PROVA NO PROCESSO PENAL Restriccedilotildees ao Princiacutepio de

Natildeo-Autoincriminaccedilatildeo na Era Digital

VANESSA FERNANDES

Dissertaccedilatildeo apresentada para obtenccedilatildeo do Grau de

Mestre em Ciecircncias Juriacutedico-Criminais no Curso de

Mestrado Cientiacutefico da Faculdade de Direito da

Universidade de Lisboa

Orientador Professor Doutor Paulo de Sousa Mendes

DISSERTACcedilAtildeO DE MESTRADO CIENTIacuteFICO EM CIEcircNCIAS JURIacuteDICO-

CRIMINAIS

LISBOA

2017

4

5

Aos meus avoacutes

6

7

A presente dissertaccedilatildeo eacute redigida segundo o antigo acordo ortograacutefico e meacutetodo de citaccedilatildeo

Harvard

8

9

SIGLAS E ABREVIATURAS

AAVV Autores vaacuterios

ADN Aacutecido Desoxirribonucleico

al Aliacutenea

artordm arts artigo artigos

CEDH Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem

cf cfr confira confronte

CP Coacutedigo Penal

CPP Coacutedigo de Processo Penal

CRP Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa

EUA Estados Unidos da Ameacuterica

FBI Federal Bureau of Investigation

HTC Hit the Cell

ie id est (isto eacute)

ID Identity

MMS Multimedia Messaging Service

MP Ministeacuterio Puacuteblico

nordm nos nuacutemero nuacutemeros

NSA National Security Agency

OCDE Organizaccedilatildeo de Cooperaccedilatildeo e de Desenvolvimento Econoacutemico

PIN Personal Identification Number

pp Paacuteginas

RIPA Regulation of Investigatory Powers Act 2000

seacutec Seacuteculo

SMS Short Message Service

StPO Strafprozessordnung

TEDH Tribunal Europeu dos Direitos Humanos

v Versus

vg verbi gratia (por exemplo)

10

11

RESUMO

A implementaccedilatildeo da tecnologia de encriptaccedilatildeo em smartphones nomeadamente por

palavra-passe ou impressatildeo digital contribuiu para o aumento da seguranccedila de

documentos confidenciais e informaccedilotildees pessoais O iPhone por exemplo assegura aos

seus utilizadores atraveacutes da digitaccedilatildeo da palavra-passe ou do mero toque com o dedo no

sensor de impressotildees digitais que ningueacutem teraacute a possibilidade de aceder aos conteuacutedos

dos seus dispositivos electroacutenicos

No entanto destas vantagens advecircm inesperadas implicaccedilotildees legais Os smartphones satildeo

vistos actualmente como uma ferramenta indispensaacutevel quer a niacutevel profissional quer a

niacutevel pessoal natildeo soacute pelas suas inuacutemeras funcionalidades mas tambeacutem devido agrave sua vasta

capacidade de armazenamento de dados (muita das vezes iacutentimos) E eacute esta capacidade

de armazenamento que faz do smartphone um oacuteptimo repositoacuterio de elementos

probatoacuterios De facto estes dispositivos electroacutenicos podem ser ou natildeo

instrumentalizados para a prossecuccedilatildeo de finalidades contraacuterias ao ordenamento juriacutedico

No entanto nos casos em que o dispositivo se encontra encriptado muitas das vezes natildeo

resta outra opccedilatildeo agraves autoridades que natildeo a de pedirem ao arguido que colabore na

investigaccedilatildeo criminal levantando questotildees quanto ao princiacutepio nemo tenetur se ipsum

accusare

O princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo evita que o arguido seja transformado em

colaborador involuntaacuterio das autoridades judiciaacuterias E apesar de o arguido estar

constitucionalmente protegido no sentido de natildeo auxiliar na sua proacutepria incriminaccedilatildeo

situaccedilotildees haacute em que pode ser compelido a revelar ou a entregar provas que possam

contribuir para a sua incriminaccedilatildeo

Mas o que acontece quando o arguido decide encriptar o seu smartphone com recurso a

uma palavra-passe alfanumeacuterica e a uma impressatildeo digital Ambos os meacutetodos satildeo

actualmente usados para guardar informaccedilatildeo pessoal e privada sendo merecedores de

igual protecccedilatildeo em casos de intrusatildeo por parte do Estado Seraacute que compelir o arguido a

revelar a palavra-passe ou a fornecer a sua impressatildeo digital para desencriptar o seu

smartphone deveraacute accionar o privileacutegio do arguido contra a autoincriminaccedilatildeo Este

trabalho sugere que sim veremos porquecirc

Palavras-chave smartphones encriptaccedilatildeo palavra-passe impressatildeo digital

autoincriminaccedilatildeo proibiccedilatildeo de prova

12

13

ABSTRACT

The implementation of encryption technology on smartphones such as password or

fingerprint scanner has facilitated the increased security of confidential documents and

personal information The iPhone for example assures its owner by typing the password

or merely touch his finger to a sensor that no one else will have the ability to acess the

contents of his electronic device

However with these advantages come unforeseen legal implications Currently

smartphones are seen as an indispensable tool both professionally and personally not

only for its many features but also because of its vast data storage capacity (often intimate

data) And it is this storage capacity that makes the smartphone a great repository of

evidence In fact these electronic devices may or may not be instrumentalized for the

pursuit of purposes contrary to the legal system However in the cases where the device

is encrypted there is often no other choice for the authorities than to ask the defendant to

collaborate in the criminal investigation raising questions about the principle nemo

tenetur se ipsum accusare

The privilege against self-incrimination prevents the accused from becoming an

involuntary collaborator of the judicial authorities And although the defendant is

constitutionally protected from assisting in his own incrimination there are situations in

which he may be compelled to reveal or deliver evidence that may contribute to his

incrimination

But what happens when the defendant decides to encrypt his smartphone using an

alphanumeric password and a fingerprint Both methods are currently used to guard

highly private and personal information and both are equally deserving of protection

from government intrusion Does compelling the defendant to reveal his password or to

provide his fingerprint in order to decrypt the smartphone should trigger the defendants

privilege against self-incrimination This work suggests that it does we will see why

Keywords smartphones encryption password fingerprint self-incrimination

exclusionary rules

14

15

INTRODUCcedilAtildeO

Propomo-nos fazer uma incursatildeo na temaacutetica relativa agrave articulaccedilatildeo entre as ordens de

desencriptaccedilatildeo de smartphones dirigidas ao arguido e a colaboraccedilatildeo processual que lhe eacute

exigiacutevel Assim pretendemos aferir se em sede de Direito Processual Penal o arguido se

encontra adstrito a colaborar com as autoridades judiciaacuterias no sentido de a pedido

destas facultar a sua impressatildeo digital ou quaisquer palavras-passe que permitam o

acesso a dados protegidos que se encontrem armazenados no seu smartphone

Como se infere com facilidade a questatildeo sub judice apresenta uma matriz dual praacutetica e

teoacuterica afigurando-se absolutamente compreendida no acircmbito de uma indagaccedilatildeo preacutevia

geral a que cumpre dar resposta seraacute que sobre o arguido impende um dever de

colaboraccedilatildeo com as autoridades judiciaacuterias no acircmbito da investigaccedilatildeo criminal que a estas

compete Poderaacute sustentar-se que a existecircncia de um tal dever eacute a toda a linha

compatiacutevel com o princiacutepio constitucional da natildeo-autoincriminaccedilatildeo Esta seraacute sem

duacutevida a interrogaccedilatildeo subjacente que nortearaacute a presente investigaccedilatildeo Cumpre salientar

que esta mateacuteria tem sido amplamente discutida pela jurisprudecircncia e doutrina

internacionais nomeadamente pela jurisprudecircncia e doutrina norte-americanas Neste

sentido mostra-se pertinente fazer remissatildeo logo desde o iacutenicio e ao longo da

investigaccedilatildeo ao ordenamento juriacutedico norte-americano

Esta problemaacutetica centra-se no confronto entre o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo

conhecido tambeacutem por nemo tenetur se ipsum accusare e os interesses eminentemente

de natureza puacuteblica associados agrave investigaccedilatildeo criminal Aqui ainda que se conclua pela

inexistecircncia de um princiacutepio geral de colaboraccedilatildeo do arguido no quadro da investigaccedilatildeo

criminal cumpre determinar se pontualmente o Coacutedigo Penal e o Coacutedigo de Processo

Penal estabelecem ou natildeo a prevalecircncia dos interesses prosseguidos pelas autoridades

judiciaacuterias sobre as garantias de defesa do arguido Em caso afirmativo afigurar-se-aacute

necessaacuterio apurar se no que tange ao fornecimento de palavras-passe ou impressotildees

digitais do arguido eacute ou natildeo aplicaacutevel um regime de natureza excepcional

De facto o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo jaacute foi alvo de vaacuterios estudos

nomeadamente em sede de apresentaccedilatildeo de documentos pelo arguido de concessatildeo de

acesso pelo arguido a espaccedilos vedados que se encontrem na sua disponibilidade ou de

sujeiccedilatildeo a revistas e exames de natureza pericial No entanto os dispositivos electroacutenicos

16

de armazenamento de dados (vg smartphone computador tablet etc) apresentam

peculiaridades que os elevam ao estatuto de questatildeo autonomizaacutevel Desde logo

importaraacute referir que estes dispositivos electroacutenicos com diversos graus de

complexidade se impuseram no quotidiano do cidadatildeo comum enquanto ferramentas de

trabalho e de lazer Quer isto significar que por vezes ainda que natildeo instrumentalizados

para a prossecuccedilatildeo de finalidades contraacuterias ao ordenamento juriacutedico aqueles

dispositivos encerram em si um conjunto de dados susceptiacuteveis de concorrer para o

desenvolvimento da investigaccedilatildeo criminal

Por outro lado os meios tecnoloacutegicos que se encontram actualmente ao dispor da

sociedade permitem com relativa facilidade a ocultaccedilatildeo e protecccedilatildeo de dados por

intermeacutedio da encriptaccedilatildeo Ora natildeo subsistem quaisquer duacutevidas quanto a saber que as

dificuldades das entidades judiciaacuterias em aceder aos dados encriptados eacute proporcional ao

grau de sofisticaccedilatildeo do meacutetodo de protecccedilatildeo ou ocultaccedilatildeo empregue Em alguns casos

dir-se-aacute mesmo que a natildeo colaboraccedilatildeo do arguido poderaacute inquinar decisivamente a

investigaccedilatildeo porquanto a desencriptaccedilatildeo poderaacute consumir muito tempo ou ateacute mesmo

afigurar-se infrutiacutefera Como tal estes dados natildeo raras vezes da maior relevacircncia para a

investigaccedilatildeo satildeo em muitos casos extremamente volaacuteteis pelo que a colaboraccedilatildeo do

arguido pode ser indispensaacutevel para que os mesmos sejam acedidos Mas natildeo seraacute tal

colaboraccedilatildeo violadora do princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo Esta interrogaccedilatildeo serve de

centro de gravidade para o presente estudo cujo propoacutesito central consiste em determinar

se a ordem de desencriptaccedilatildeo dirigida ao arguido pelas autoridades judiciaacuterias no sentido

de este fornecer a sua impressatildeo digital ou palavra-passe que possibilitam o acesso ao seu

smartphone eacute ou natildeo violadora do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare

Para que possamos dar resposta a esta problemaacutetica comeccedilaremos no primeiro capiacutetulo

por analisar a questatildeo agrave luz do ordenamento juriacutedico norte-americano Em primeira linha

faremos a apresentaccedilatildeo de quatro casos jurisprudenciais relacionados com a coacccedilatildeo por

parte de entidades judiciaacuterias sobre o arguidosuspeito no sentido de este fornecer a sua

palavra-passe ou impressatildeo digital Posteriormente indagaremos sobre a temaacutetica da

desencriptaccedilatildeo compelida no acircmbito da Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica e

perceberemos o motivo pelo qual estas situaccedilotildees chegaram aos tribunais norte-

americanos No entanto uma vez que a presente investigaccedilatildeo eacute feita em territoacuterio

nacional cumpre fazer o enquadramento destes casos face ao direito processual penal

portuguecircs Por esse motivo decidimos tratar da questatildeo fazendo uma desconstruccedilatildeo

17

praacutetica do problema sendo que a primeira questatildeo que se coloca num caso de

desencriptaccedilatildeo compelida de um smartphone eacute a de saber como se processa o acesso e a

apreensatildeo dos dados aiacute armazenados agrave luz do processo penal portuguecircs (capiacutetulo II)

Depois da tentativa de acesso e apreensatildeo dos dados armazenados no smartphone de um

ponto de vista praacutetico o segundo obstaacuteculo que se coloca agrave investigaccedilatildeo criminal prende-

se com a constataccedilatildeo de que o acesso ao smartphone e a todos os seus ficheiros se encontra

protegido por um sistema de encriptaccedilatildeo Assim mostra-se relevante fazer num terceiro

capiacutetulo a explicaccedilatildeo do que se entende por encriptaccedilatildeo e a enunciaccedilatildeo dos meacutetodos de

encriptaccedilatildeo comummente utilizados pelos proprietaacuterios de smartphones Como dissemos

existe uma correlaccedilatildeo entre a sofisticaccedilatildeo do meacutetodo utilizado e a dificuldade em aceder

ao dispositivo Desta forma surge a questatildeo no capiacutetulo IV de saber ateacute que ponto o

arguido poderaacute auxiliar as autoridades judiciaacuterias na investigaccedilatildeo sem com isso violar o

seu direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo Aqui discutir-se-aacute se por um lado a revelaccedilatildeo da

palavra-passe eacute violadora do nemo tenetur e se por outro o fornecimento da impressatildeo

digital eacute violador do nemo tenetur Por fim depois de respondermos a esta contenda

cumpre indagar no capiacutetulo V quais as consequecircncias da recolha de provas em violaccedilatildeo

deste princiacutepio constitucional

18

19

CAPIacuteTULO I ndash O PROBLEMA DA DESENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES

NO ORDENAMENTO JURIacuteDICO NORTE-AMERICANO

1 O problema da desencriptaccedilatildeo de smartphones na jurisprudecircncia norte-

americana

Com a evoluccedilatildeo da tecnologia nasce em meados dos anos 90 a necessidade de proteger

ndash electronicamente - a confidencialidade dos vaacuterios ficheiros que satildeo diariamente

armazenados em sistemas electroacutenicos (nomeadamente o computador) Mais tarde esta

tendecircncia alarga-se igualmente aos telemoacuteveis ou mais precisamente aos smartphones

Um computador ou um smartphone tecircm actualmente uma capacidade de armazenamento

de ficheiros consideraacutevel possibilitando que o seu utilizador guarde contactos e-mails

fotografias viacutedeos entre outros ficheiros de uma maneira faacutecil e raacutepida No entanto para

aleacutem de existir esta necessidade por parte do utilizador comum de impedir que terceiros

possam aceder aos seus ficheiros pessoais tambeacutem os criminosos tecircm idecircntica

preocupaccedilatildeo com a confidencialidade dos elementos relativos aos seus crimes mormente

os que pressupotildeem sistemas sofisticados de comunicaccedilatildeo ou partilha de ficheiros1

Atendendo a esta necessidade de confidencialidade os utilizadores destes dispositivos

electroacutenicos recorrem a chaves criptograacuteficas compostas pela combinaccedilatildeo de dados

biomeacutetricos com palavras-passe relativamente simples e memorizaacuteveis garantindo a

privacidade das mensagens trocadas ou guardadas das fotografias dos viacutedeos ou de

outros ficheiros contra a intromissatildeo de terceiros Assim a efectividade deste meacutetodo

reside na necessidade de colaboraccedilatildeo activa e voluntaacuteria da pessoa que memorizou o

coacutedigo ou que introduziu os seus dados biomeacutetricos

Tendo em conta que estes coacutedigos criptograacuteficos satildeo na praacutetica indecifraacuteveis surge a

questatildeo de saber se no acircmbito de uma investigaccedilatildeo criminal e atendendo ao princiacutepio

contra a autoincriminaccedilatildeo seraacute legiacutetimo compelir o arguido a desencriptar o seu

dispositivo atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe ou do fornecimento dos seus dados

biomeacutetricos

Esta questatildeo jaacute foi abordada em diversos casos nos Estados Unidos da Ameacuterica pelo que

faremos nos proacuteximos pontos uma anaacutelise da questatildeo na jurisprudecircncia norte-americana

1 Oliveira Silva 2015 735

20

11 Caso Commonwealth of Virginia v David Charles Baust2

No dia 19 de Fevereiro de 2014 David Charles Baust residente em Virginia Beach

Estados Unidos da Ameacuterica e parameacutedico de profissatildeo teraacute alegadamente estrangulado

e agredido a sua namorada no quarto de sua casa3

A viacutetima alegou que o arguido gravou todo o ataque atraveacutes de um aparelho de gravaccedilatildeo

de viacutedeo que estaria sincronizado com o seu telemoacutevel pessoal um iPhone 5S que foi

colocado no quarto Foi ainda relatado pela viacutetima que ainda na manhatilde do dia 19 de

Fevereiro de 2014 apoacutes ter sido agredida tentou guardar o aparelho de gravaccedilatildeo no

entanto o arguido apercebendo-se da situaccedilatildeo voltou a agredi-la4

Anteriormente agrave alegada agressatildeo David Charles Baust jaacute tinha utilizado o referido

sistema de gravaccedilatildeo de viacutedeo ligado ao seu iPhone 5S enviando por mensagem de texto

para a viacutetima um viacutedeo onde ambos tinham relaccedilotildees sexuais no quarto do arguido

No seguimento de um mandado de busca executado diversos dias depois da agressatildeo foi

recolhido da casa do arguido o seu telemoacutevel pessoal (iPhone 5S) diversos aparelhos de

gravaccedilatildeo flash drives e um computador

Tanto a viacutetima quanto o arguido afirmaram que seria possiacutevel que no telemoacutevel do

segundo estivesse armazenada a gravaccedilatildeo de viacutedeo da agressatildeo5 No entanto o acesso ao

conteuacutedo do smartphone ficou impossibilitado uma vez que o dispositivo se encontrava

protegido por palavra-passe e impressatildeo digital Dada a situaccedilatildeo a acusaccedilatildeo apresentou

uma moccedilatildeo para a produccedilatildeo compelida da palavra-passe ou da impressatildeo digital que

desencriptam o smartphone

A questatildeo que se colocou em tribunal foi a de saber se seria possiacutevel compelir o arguido

a fornecer a palavra-passe ou a sua impressatildeo digital sem violar o seu princiacutepio agrave natildeo-

autoincriminaccedilatildeo (Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica)

2 Commonwealth of Virginia v David Charles Baust 2014 Disponiacutevel em

httpsconsumermediallcfileswordpresscom201411245515028-fingerprint-unlock-rulingpdf

[consultado em 22112016] Pode ser consultado no Anexo I da presente Dissertaccedilatildeo 3 Hudman 2015 213 4 Winterbottom 2014 1 Disponiacutevel em httpjoltlawharvardedudigesttelecommunicationscourt-

rules-police-may-compel-suspects-to-unlock-fingerprint-protected-smartphones [consultado em

22112016] 5 FerminoFeuchtbaum 2016 3 Disponiacutevel em httpwwwlawcomsitesarticles20160623the-laws-

breakable-protections-for-unbreakable-encryption [consultado em 22112016]

21

A decisatildeo do tribunal foi fraccionada6 Por um lado o juiz Steven Frucci autorizou o

pedido da acusaccedilatildeo para compelir o arguido a fornecer a sua impressatildeo digital no sentido

de desencriptar o seu smartphone por outro negou o pedido da acusaccedilatildeo para compelir

o arguido a fornecer a sua palavra-passe

No que concerne agrave argumentaccedilatildeo para a decisatildeo o juiz Steven Frucci comeccedila por analisar

a Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica que estabelece o

seguinte ldquonenhuma pessoa seraacute obrigada a depor contra si proacutepria em qualquer processo

criminalrdquo7

A Quinta Emenda concede ao arguido o privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo Segundo o

juiz para que a Quinta Emenda seja violada eacute necessaacuterio que a ordem dada ao arguido

cumpra trecircs requisitos a) que seja uma ordem coactiva (compulsion) b) de prestaccedilatildeo de

uma declaraccedilatildeo comunicativa (of a testimonial communication) c) que seja incriminatoacuteria

(that is incriminating) Quanto ao primeiro e terceiro requisitos parece natildeo haver duacutevidas

para o douto tribunal eacute notoacuterio que o pedido de cedecircncia da palavra-passe ou da

impressatildeo digital eacute coactivo e incriminatoacuterio A duacutevida surge quanto ao segundo

requisito nomeadamente quando se questiona se esta cedecircncia da palavra-passe e da

impressatildeo digital eacute ou natildeo uma declaraccedilatildeo ou comunicaccedilatildeo Eacute afirmado no caso pelo juiz

Steven Frucci que um acto eacute declarativo (testimonial) ldquoquando o arguido eacute forccedilado a

revelar o conhecimento de factos que o relacionam com o delito ou quando tenha de

compartilhar os seus pensamentos e crenccedilas com o governordquo8

Por esse motivo o tribunal concluiu o seguinte ldquoO arguido natildeo pode ser obrigado a

lsquodivulgar atraveacutes de processos mentaisrsquo a palavra-passe No entanto a impressatildeo digital

como uma chave natildeo exige que a testemunha divulgue algo atraveacutes de processos mentais

Pelo contraacuterio agrave semelhanccedila das caracteriacutesticas fiacutesicas que satildeo natildeo declarativas ou natildeo

comunicativas a impressatildeo digital do arguido se utilizada para aceder ao seu smartphone

eacute igualmente natildeo declarativa ou natildeo comunicativa natildeo exigindo que o arguido

lsquocomunique qualquer tipo de conhecimentorsquo Ao contraacuterio da produccedilatildeo de provas de

6 Kerr 2014 2 Disponiacutevel em httpswwwwashingtonpostcomnewsvolokh-

conspiracywp20141103virginia-state-trial-court-ruling-on-the-fifth-amendment-and-smart-

phonesutm_term=399c18bf1a04 [consultado em 22112016] 7 ldquoNo person shall be compelled in any criminal case to be a witness against himselfrdquo 8 ldquoWhen the accused is forced to reveal his knowlegde of facts relating him to the offense or from having

to share his thoughts and beliefs with the governmentrdquo Cf Commonwealth of Virginia v David Charles

Baust 2014 Disponiacutevel em httpsconsumermediallcfileswordpresscom201411245515028-

fingerprint-unlock-rulingpdf [consultado em 22112016] Pode ser consultado no Anexo I da presente

Dissertaccedilatildeo

22

caraacutecter fiacutesico tal como uma impressatildeo digital a revelaccedilatildeo de uma palavra-passe forccedila o

arguido a lsquorevelar o conteuacutedo da sua proacutepria mentersquo Por esta razatildeo a moccedilatildeo para

compelir o arguido a revelar a palavra-passe deve ser NEGADA mas a moccedilatildeo para

compelir o arguido a fornecer a sua impressatildeo digital deve ser CONCEDIDArdquo9

Apesar da autorizaccedilatildeo dada pelo juiz Steven Frucci para compelir o arguido a fornecer a

sua impressatildeo digital com o propoacutesito de desbloquear o smartphone apreendido o acesso

ao seu conteuacutedo acabou por natildeo se realizar visto que o dispositivo teria estado na posse

das entidades judiciaacuterias durante cerca de 6 meses10 e ao fim de 48 horas de inactividade

eacute necessaacuteria a palavra-passe para permitir o acesso

O arguido foi absolvido por falta de provas

12 Caso State of Minnesota v Matthew Vaughn Diamond11

No dia 30 de Outubro de 2014 a viacutetima MH saiu de sua casa em Chaska entre as 1030

e 1045 da manhatilde para fazer alguns recados Quando regressou cerca das 1200

encontrou a porta da sua garagem danificada resultado de um arrombamento forccedilado

Depois de se aperceber do furto de um cofre um computador portaacutetil e diversa joalharia

a viacutetima ligou para a poliacutecia Enquanto aguardava a chegada da poliacutecia a viacutetima encontrou

um envelope na entrada da sua garagem com o nome ldquoSWrdquo escrito A poliacutecia tirou

fotografias ao local e a diversas pegadas que foram deixadas junto agrave entrada da garagem

Depois de recorrer agrave base de dados estatal a detective Nelson do Departamento de Poliacutecia

de Chaska conseguiu determinar o nuacutemero de matriacutecula do carro de SW e descobriu

ainda que no proacuteprio dia 30 SW tinha penhorado as joacuteias furtadas da casa da viacutetima

numa loja de penhores

9 ldquoThe defendant cannot be compelled to lsquodivulge through his mental processesrsquo the passcode for entry

The fingerprint like a key however does not require the witness to divulge anything through his mental

processes On the contrary like physical characteristics that are non-testimonial the fingerprint of the

Defendant if used to access his phone is likewise non-testimonial and does not require Defendant to

lsquocommunicate any knowledgersquo at all Unlike the production of physical characteristic evidence such as a

fingerprint the production of a password forces the Defendant to lsquodisclose the contents of his own mindrsquo For this reason the motion to compel the passcode should be DENIED but the motion to compel the

fingerprint should be GRANTEDrdquo Cf Commonwealth of Virginia v David Charles Baust 2014

Disponiacutevel em httpsconsumermediallcfileswordpresscom201411245515028-fingerprint-unlock-

rulingpdf [consultado em 22112016] Pode ser consultado no Anexo I da presente Dissertaccedilatildeo 10 Pagliery 2016 1 Disponiacutevel em httpmoneycnncom20160512technologyfbi-fingerprint-iphone

[consultado em 21112016] 11 State of Minnesota v Matthew Vaughn Diamond 2017 Disponiacutevel em httpmngovlaw-library-

statarchivectappub2017OPa152075-011717pdf [consultado em 23022017] Pode ser consultado no

Anexo II da presente Dissertaccedilatildeo

23

No dia 4 de Novembro as autoridades judiciaacuterias localizaram o veiacuteculo automoacutevel de

SW que no momento estava a ser utilizado pelo arguido Matthew Diamond O arguido

foi detido no momento uma vez que teria pendente um mandado de detenccedilatildeo

relativamente a um outro crime Ficou detido na prisatildeo de Scott County onde foram

recolhidos os seus pertences uns sapatos e um smartphone

Dadas as similitudes entre os sapatos de Matthew Diamond e as pegadas deixadas no

local do furto no dia 6 de Novembro foi emitido e executado um mandado de busca e

apreensatildeo dos sapatos e do smartphone No dia 12 de Novembro foi emitido ainda um

mandado adicional relativamente agrave pesquisa de conteuacutedos armazenados no smartphone

de Matthew Diamond No entanto o smartphone estava encriptado pelo que a detective

Nelson natildeo conseguiu aceder ao mesmo

Em Dezembro o Estado apresentou uma moccedilatildeo para compelir Matthew Diamond a

desencriptar o seu smartphone atraveacutes da leitura da sua impressatildeo digital Mais tarde

depois de algumas controveacutersias relativamente a esta moccedilatildeo a 11 de Fevereiro o tribunal

de comarca (district court) concedeu a ordem de desencriptaccedilatildeo do smartphone pedida

pelo Estado atestando que tal ordem estaria justificada por ldquoprobable causerdquo e que natildeo

entraria em confronto com o privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo consagrado na Quinta

Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica

Matthew Diamond recusou-se a desencriptar o seu dispositivo electroacutenico No dia 3 de

Abril o tribunal de comarca (district court) acusou Matthew Diamond de desobediecircncia

e informou-o que se colaborasse com a ordem de desencriptaccedilatildeo deixaria de ser

penalizado por esse crime O arguido decidiu por esse motivo colaborar com as

autoridades judiciaacuterias e colocar o dedo no sensor do seu smartphone para conceder o

acesso a todos os seus conteuacutedos

Depois de terem sido recolhidas provas incriminatoacuterias que relacionavam Matthew

Diamond ao crime em questatildeo o arguido foi condenado por furto em segundo grau

ldquomisdemeanor theftrdquo e danos de propriedade em quarto grau Apesar de o acoacuterdatildeo natildeo

esclarecer que tipo de smartphone estaria em causa dado que o sistema iOS (usado em

iPhones) requer a introduccedilatildeo da palavra-passe alfanumeacuterica apoacutes 48 horas de inactividade

ou apoacutes o dispositivo ser desligado acreditamos que o smartphone do arguido seria de

sistema Android

24

O tribunal de comarca (district court) condenou o arguido a 51 meses de prisatildeo pelo furto

em segundo grau e 90 dias de prisatildeo pelos danos causados na propriedade da viacutetima

O arguido recorreu para o Tribunal do Estado de Minnesota alegando que o seu privileacutegio

contra a autoincriminaccedilatildeo teria sido violado quando foi compelido a desencriptar o seu

smartphone atraveacutes da leitura da sua impressatildeo digital fornecendo assim provas

autoincriminatoacuterias

O douto tribunal concluiu que a Quinta Emenda natildeo teria sido violada no caso de Matthew

Diamond uma vez que o privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo apenas protege o arguido

de ser compelido a fornecer elementos probatoacuterios de tipo declarativo (testimonial) ou

comunicativo (communicative) natildeo estando aqui incluiacuteda a acccedilatildeo de desencriptar um

smartphone atraveacutes da colocaccedilatildeo do dedo num sensor de reconhecimento de impressotildees

digitais

Desta forma o Tribunal do Estado de Minnesota natildeo deu provimento ao recurso

apresentado pelo arguido confirmando a sentenccedila dada pelo tribunal de comarca (district

court)

13 Caso Paytsar Bkhchadzhyan12

No dia 25 de Fevereiro de 2016 no tribunal de Van Nuys na Califoacuternia Estados Unidos

da Ameacuterica uma cidadatilde norte-americana Paytsar Bkhchadzhyan de 29 anos foi

condenada pelo crime de roubo de identidade (identity theft) depois de natildeo ter contestado

as acusaccedilotildees13

Os registos da detenccedilatildeo e documentos judiciais mostram que apenas 45 minutos depois

de ter sido levada sob custoacutedia a juiacuteza Alicia Rosenberg sentada num outro tribunal a

cerca de 30 quiloacutemetros de Van Nuys assinou um mandado14 autorizando as entidades

policiais a compelirem Paytsar Bkhchadzhyan a pressionar o seu dedo no smartphone que

fora apreendido durante a sua detenccedilatildeo (um iPhone da marca Apple) com o objectivo de

permitir o acesso ao seu conteuacutedo por parte do FBI uma vez que o mesmo se encontrava

protegido com um meacutetodo de desbloqueio atraveacutes de impressatildeo digital e palavra-passe

12 O processo pode ser consultado no Anexo III da presente dissertaccedilatildeo 13 HamiltonWinton 2016 1 Disponiacutevel em httpwwwlatimescomlocalcaliforniala-me-iphones-

fingerprints-20160430-storyhtml [consultado em 21112016] 14 O mandado pode ser consultado no Anexo IV da presente dissertaccedilatildeo

25

Em menos de 30 minutos um agente do FBI especializado em cibercrime deu iniacutecio agrave

tentativa de desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da impressatildeo digital de Paytsar

Bkhchadzhyan

Os motivos que levaram o FBI a pedir a emissatildeo deste mandado satildeo ateacute hoje

desconhecidos O aparelho foi apreendido numa residecircncia em Glendale na Califoacuternia

pertencente a Sevak Mesrobian que seria namorado de Paytsar Bkhchadzhyan e membro

de um gang armeacutenio designado de Armenian Power15 O gang era conhecido por

perpetrar inuacutemeros raptos roubos de identidade fraude bancaacuteria e clonagem de cartotildees

atraveacutes de pirataria informaacutetica

No mandado pode ler-se o seguinte ldquoas autoridades judiciaacuterias estatildeo autorizadas a

pressionar os dedos da pessoa abrangida por este mandado no sensor de Touch ID do

iPhone da Apple apreendido em [] Glendale Califoacuternia 91214 em 25 de Fevereiro de

2016rdquo16

Apesar da raacutepida actuaccedilatildeo das entidades policiais ao compelirem Paytsar Bkhchadzhyan

a usar todos os seus dez dedos para desbloquear o iPhone o meacutetodo revelou-se

infrutiacutefero17

Confrontados com a impossibilidade de acederem ao conteuacutedo do smartphone atraveacutes das

impressotildees digitais de Paytsar Bkhchadzhyan o FBI decidiu tentar aceder ao aparelho

usando um caminho diferente pedindo a palavra-passe Mas Paytsar Bkhchadzhyan

recusou alegando que o smartphone natildeo seria seu

Por este motivo o acesso ao conteuacutedo do iPhone alegadamente pertencente a Paytsar

Bkhchadzhyan acabou por natildeo se efectivar

14 Mandado de 9 de Maio de 2016

No dia 9 de Maio de 2016 foi emitido um mandado que autorizava as entidades

judiciaacuterias do estado da Califoacuternia nos Estados Unidos da Ameacuterica a efectuar uma busca

15 Blue 2016 3 Disponiacutevel em httpswwwengadgetcom20160506how-armenian-gangsters-blew-

up-the-fingerprint-password-debate [consultado em 21112016] 16 ldquoLaw enforcement personnel are authorized to depress the fingerprints andor thumbprints of the person

covered by this warrant onto the Touch ID sensor of the Apple iPhone seized from [hellip] Glendale California

91214 on February 25 2016rdquo O mandado pode ser consultado no Anexo IV da presente dissertaccedilatildeo 17 Pagliery 2016 1 Disponiacutevel em httpmoneycnncom20160512technologyfbi-fingerprint-iphone

[consultado em 21112016]

26

a uma residecircncia em Lancaster na Califoacuternia18 No entanto para aleacutem da busca foi ainda

autorizado que todos os sujeitos que se encontrassem no periacutemetro da busca fossem

compelidos a desencriptarem os seus smartphones atraveacutes da leitura das suas impressotildees

digitais

Apesar de o mandado natildeo ter sido tornado puacuteblico o memorandum19 assinado pela

advogada do Distrito Central da Califoacuternia Eileen Decker teve outro desfecho No

memorandum pode ler-se ldquoO governo submete esta autoridade suplementar em apoio ao

pedido de mandado de busca que solicita a autorizaccedilatildeo para recolher as impressotildees

digitais de qualquer pessoa que se encontre nas INSTALACcedilOtildeES DO SUJEITO durante

a execuccedilatildeo da busca sobre as quais seja razoavelmente acreditado serem utilizadoras de

dispositivos electroacutenicos com sensor de reconhecimento de impressatildeo digital que se

encontrem localizados nas INSTALACcedilOtildeES DO SUJEITO e que estejam abrangidos pelo

acircmbito de aplicaccedilatildeo do mandadordquo20

No entanto neste caso natildeo eram apenas as impressotildees digitais que estavam em causa

uma vez que ldquoembora o governo natildeo saiba de antematildeo a identidade de cada dispositivo

digital ou impressatildeo digital (ou de facto qualquer outra prova) que possa ser encontrada

durante a busca ficou demonstrada ldquoprobable causerdquo de que essas provas poderiam ser

encontradas no local da busca sendo necessaacuterio ganhar e manter o acesso aos dispositivos

aiacute localizados para que seja possiacutevel realizar uma pesquisa sobre estes Por esse motivo

o mandado autoriza a apreensatildeo de palavras-passe chaves de encriptaccedilatildeo e outros

dispositivos de acesso que sejam necessaacuterios para aceder ao dispositivordquo21

Como justificaccedilatildeo para poderem por um lado compelir todos os sujeitos que se

encontrassem no periacutemetro da busca a desencriptarem o seu smartphone atraveacutes da

18 Fox-Brewster 2016 1 Disponiacutevel em httpwwwforbescomsitesthomasbrewster20161016doj-

demands-mass-fingerprint-seizure-to-open-iphones46075ff48d9d [consultado em 21112016] 19 O memorandum pode ser consultado no Anexo V da presente dissertaccedilatildeo 20 ldquoThe government submits this supplemental authority in support of its application for a search warrant

which seeks authorization to depress the fingerprints and thumbprints of every person who is located at the

SUBJECT PREMISES during the execution of the search and who is reasonably believed by law

enforcement to be a user of a fingerprint sensor-enabler device that is located at the SUBJECT PREMISES and falls within the scope of the warrantrdquo O memorandum pode ser consultado no Anexo V da presente

dissertaccedilatildeo 21 ldquoWhile the government does not know ahead of time the identity of every digital device or fingerprint (or

indeed every other piece of evidence) that it will find in the search it has demonstrated probable cause

that evidence may exist at the search location and needs the ability to gain access to those devices and

maintain that access to search them For that reason the warrant authorizes the seizure of lsquopasswords

encryption keys and other access devices that may be necessary to access the devicerdquo Cf Shaw 2016 1

Disponiacutevel em httpwwwthenewamericancomusnewsconstitutionitem24354-doj-gets-warrant-to-

force-people-to-use-fingerprints-to-unlock-their-phones [consultado em 21112016]

27

impressatildeo digital e por outro apreender todas as palavras-passe chaves de encriptaccedilatildeo

entre outros meios de desencriptaccedilatildeo que se encontrassem no local o Departamento de

Justiccedila veio alegar que empresas como a Apple Motorola HTC e Samsung entre outras

produzem diversos aparelhos que podem ser desbloqueados pelo utilizador com uma

palavra-passe numeacuterica alfanumeacuterica ou em alguns aparelhos mais modernos e

sofisticados com a impressatildeo digital atraveacutes de um sensor22 Desta forma a possibilidade

de acesso das entidades judiciaacuterias ao conteuacutedo dos smartphones sem o auxiacutelio do seu

utilizador torna-se extremamente difiacutecil

Para aleacutem deste reforccedilo na seguranccedila destes dispositivos foram ainda criados alguns

limites ao desbloqueio dos smartphones O Departamento de Justiccedila daacute o exemplo do

iPhone da Apple que apoacutes 5 tentativas de desbloqueio atraveacutes da leitura da impressatildeo

digital requer palavra-passe Aleacutem desta caracteriacutestica o iPhone tecircm ainda a vantagem

ou desvantagem de apoacutes 48 horas de inactividade necessitar obrigatoriamente da

palavra-passe (e natildeo apenas da impressatildeo digital) para desbloquear

Eacute com base nestas circunstacircncias que o Departamento de Justiccedila justifica a necessidade e

a urgecircncia da coacccedilatildeo dos sujeitos no sentido de desencriptarem os dispositivos atraveacutes

da leitura das suas impressotildees digitais

O Departamento de Justiccedila finaliza o memorandum afirmando que este mandado natildeo

viola nem a Quarta nem a Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica

15 Conclusotildees intermeacutedias

Depois da leitura dos quatro casos apresentados podemos concluir que em todos eles a

palavra-passe e a impressatildeo digital parecem ter um tratamento diferenciado Se por um

lado a revelaccedilatildeo da palavra-passe parece estar protegida pela Quinta Emenda agrave

Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica por outro a impressatildeo digital por natildeo se

tratar de uma declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo do arguido parece natildeo ter qualquer tipo de

protecccedilatildeo contra a autoincriminaccedilatildeo

Para percebermos em maior detalhe esta diferenciaccedilatildeo e o motivo pelo qual estas questotildees

chegaram agrave jurisprudecircncia norte-americana cumpre analisar a protecccedilatildeo conferida pela

Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica

22 Vaas 2016 3 Disponiacutevel em httpsnakedsecuritysophoscom20161018feds-got-search-warrant-

demanding-anyones-fingerprints-to-open-phones [consultado em 21112016]

28

2 O problema da desencriptaccedilatildeo de smartphones na Constituiccedilatildeo dos Estados

Unidos da Ameacuterica

Qualquer caso de desencriptaccedilatildeo compelida dirigida ao arguido seja atraveacutes da revelaccedilatildeo

da palavra-passe seja atraveacutes da leitura da impressatildeo digital gera problemas quanto ao

princiacutepio da natildeo-autoincriminaccedilatildeo

Segundo este princiacutepio o arguido natildeo deveraacute colaborar com as autoridades judiciaacuterias no

sentido de auxiliar na sua proacutepria incriminaccedilatildeo Assim coloca-se a questatildeo estaraacute o

arguido a violar segundo o ordenamento juriacutedico norte-americano o seu direito agrave natildeo-

autoincriminaccedilatildeo quando obedece a estas ordens de desencriptaccedilatildeo

Uma anaacutelise agrave Constituiccedilatildeo norte-americana nomeadamente agrave sua Quinta Emenda

ajudar-nos-aacute a obter uma resposta

21 A Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica e a

necessidade de desencriptaccedilatildeo de smartphones com o auxiacutelio do arguido

A Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica estabelece o seguinte

ldquoNenhuma pessoa seraacute obrigada a responder por um crime capital ou infame salvo por

denuacutencia ou pronuacutencia de um grande juacuteri excepto quando se trate de casos que em tempo

de guerra ou de perigo puacuteblico ocorram nas forccedilas terrestres ou navais ou na miliacutecia

quando em serviccedilo activo nenhuma pessoa seraacute pelo mesmo crime submetida duas

vezes a julgamento que possa causar-lhe a perda da vida ou de algum membro nem seraacute

obrigada a depor contra si proacutepria em processo criminal ou ser privada da vida liberdade

ou propriedade sem processo legal regular a propriedade privada natildeo seraacute desapropriada

para uso puacuteblico sem justa indemnizaccedilatildeordquo23 Do texto retiramos a seguinte frase

ldquoNenhuma pessoa seraacute [hellip] obrigada a depor contra si proacutepria em processo criminal [hellip]rdquo

211 Requisitos da Quinta Emenda

Da Quinta Emenda podemos extrair a defesa do brocardo latino nemo tenetur se ipsum

accusare ou seja o princiacutepio de natildeo-autoincriminaccedilatildeo O princiacutepio protege o arguido ldquode

23 ldquoNo person shall be held to answer for a capital or otherwise infamous crime unless on a presentment

or indictment of a Grand Jury except in cases arising in the land or naval forces or in the Militia when

in actual service in time of War or public danger nor shall any person be subject for the same offence to

be twice put in jeopardy of life or limb nor shall be compelled in any criminal case to be a witness against

himself nor be deprived of life liberty or property without due process of law nor shall private property

be taken for public use without just compensationrdquo

29

ser chamado a testemunhar contra si proacuteprio no seu proacuteprio julgamento e permite que

recuse responder a perguntas oficiais que possam incriminaacute-lo em futuros processos

sejam eles civis ou criminais formais ou informaisrdquo24 Na doutrina norte-americana eacute

igualmente defendido que este princiacutepio tem ainda como finalidade proteger o arguido do

ldquocruel trilemmardquo25 de ter de escolher entre a) fornecer provas incriminadoras contra si

proacuteprio arriscando ser alvo de uma acccedilatildeo criminal b) mentir agraves autoridades judiciaacuterias e

judiciais sob o risco de cometer perjuacuterio c) manter o silecircncio e incorrer em

desobediecircncia26

No entanto o princiacutepio vertido na Quinta Emenda natildeo eacute absoluto27 para que seja

reivindicado eacute necessaacuterio como jaacute tivemos oportunidade de salientar ainda que

sucintamente na exposiccedilatildeo do caso Baust que estejam verificados trecircs requisitos

distintos28 a) coacccedilatildeo (compulsion) b) incriminaccedilatildeo (incrimination) c)

declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo (testimonycommunication)29 Eacute ainda necessaacuterio que estes

requisitos sejam comprovados cumulativamente Assim o governo pode compelir o

arguido a autoincriminar-se desde que a autoincriminaccedilatildeo natildeo seja declarativa ou

comunicativa30 Semelhantemente o arguido pode autoincriminar-se atraveacutes do

fornecimento de um testemunho no entanto se o fizer sem a coacccedilatildeo das entidades

judiciaacuterias natildeo poderaacute reivindicar o seu privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo31 O governo

24 ldquoFrom being called to testify against himself at his own trial and permits him to refuse to answer official

questions put him in any other proceeding civil or criminal formal or informal where the answers might

incriminate him in future criminal proceedingsrdquo Cf Minnesota v Murphy 1984 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus465420casehtml [consultado em 24112016] 25 Cauthen 2016 5 26 Thompson IIJaikaran 2016 6-7 27 Engel 2012 105-106 28 ldquoIt is also clear that the Fifth Amendment does not independently proscribe the compelled production of

every sort of incriminating evidence but applies only when the accused is compelled to make a Testimonial

Communication that is incriminatingrdquo Cf Fisher v United States 1976 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus425391casehtml [consultado em 24112016] 29 AllenMace 2004 246 30 Cf Fisher v United States 1976 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus425391casehtml [consultado em 24112016] Schmerber v

California 1966 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus384757casehtml

[consultado em 24112016] ldquoBut the prohibition of compelling a man in a criminal court to be witness against himself is a prohibition of the use of physical or moral compulsion to extort communications from

him not an exclusion of his body as evidence when it may be material The objection in principle would

forbid a jury to look at a prisioner and compare his features with a photograph in proof Moreover we

need not consider how far a court would go in compelling a man to exhibit himself For when he is exhibited

whether voluntarily or by order and even if the order goes too far the evidence if material is competentrdquo

Cf Holt v United States 1910 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus218245casehtml [consultado em 24112016] 31 Cf Fisher v United States 1976 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus425391casehtml [consultado em 24112016] United States

30

pode ainda compelir o arguido a prestar um depoimento desde que este natildeo culmine na

sua incriminaccedilatildeo32

Os primeiros dois requisitos em mateacuteria de desencriptaccedilatildeo de smartphones com o auxiacutelio

do arguido natildeo trazem grandes duacutevidas Em contrapartida na maior parte dos casos sobre

esta temaacutetica o problema de saber se o fornecimento de palavra-passe ou de impressatildeo

digital para desencriptar um smartphone se inclui ou natildeo na categoria de

declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo gera vaacuterias questotildees

2111 Coacccedilatildeo (compulsion)

Para o preenchimento do requisito da coacccedilatildeo (compulsion) teraacute de se verificar uma

pressatildeo por parte do governo sobre o arguido no sentido de o obrigar a divulgar algum

tipo de informaccedilatildeo33 A jurisprudecircncia norte-americana vai mais longe chegando a

afirmar que eacute necessaacuterio para responder afirmativamente ao teste da coacccedilatildeo apurar

perante todas as circunstacircncias do caso se o livre arbiacutetrio do arguido foi reprimido34

Essencialmente os tribunais devem decidir se o depoimento eacute prestado de forma livre e

esclarecida35 ou contrariamente se foi obtido atraveacutes do uso de influecircncia improacutepria36

Na circunstacircncia de se confirmar esta uacuteltima situaccedilatildeo a jurisprudecircncia norte-americana

jaacute se fez ouvir no sentido de considerar esta coacccedilatildeo como uma ldquoextorsatildeo de informaccedilotildees

do acusado ofensiva ao senso de justiccedilardquo37

2112 Incriminaccedilatildeo (incrimination)

No que concerne ao requisito da incriminaccedilatildeo para que este se verifique eacute necessaacuterio

que o acto incrimine o arguido ou leve agrave descoberta de provas incriminatoacuterias38 Os

v Doe 1984 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus465605 [consultado em

24112016] 32 Jarone 2015 771 33 Morrison 2012 144 34 Cf United States v Washington 1977 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus431181casehtml [consultado em 24112016] 35 Se um documento eacute escrito e entregue agraves entidades judiciaacuterias voluntariamente o requisito da coacccedilatildeo

natildeo se iraacute verificar No entanto se o governo intimar o arguido a produzir o mesmo documento o requisito da coacccedilatildeo passa a estar preenchido Cf Jarone 2015 772 36 Wilson 2015 24 37 ldquoExtortion of information from the accused himself as offensive to our sense of justicerdquo Cf Couch v

United States 1973 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus409322 [consultado em

24112016] 38 Cf Kastigar v United States 1972 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus406441casehtml [consultado em 24112016] United States

v Hubbel 2000 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus53027casehtml [consultado

em 24112016] ldquoThe privilege afforded not only extends to answers that would in themselves support a

31

tribunais devem desta forma determinar se a revelaccedilatildeo do testemunho gera um risco

substancial de autoincriminaccedilatildeo ou se expotildee de qualquer outra forma o sujeito a uma

acusaccedilatildeo criminal39 Para aleacutem desta exigecircncia eacute ainda imprescindiacutevel para a verificaccedilatildeo

do requisito em causa que o sujeito se autoincrimine Assim se o depoimento do arguido

incriminar apenas terceiros o requisito da incriminaccedilatildeo natildeo se verificaraacute40 O arguido natildeo

se pode apoiar na protecccedilatildeo conferida pela Quinta Emenda para alegar que um terceiro

seraacute incriminado com o seu testemunho41 Desta forma o requisito da (auto)incriminaccedilatildeo

poderaacute permitir que arguidos invoquem a protecccedilatildeo conferida pela Quinta Emenda no

sentido de natildeo fornecerem as suas palavras-passe ou impressotildees digitais no entanto

impede que terceiros recorram agrave mesma protecccedilatildeo quando satildeo compelidos a fornecerem

palavras-passe ou impressotildees digitais dos suspeitos42

2113 Declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo (testimonycommunication)

Resta-nos tecer algumas consideraccedilotildees sobre o terceiro e uacuteltimo requisito

declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo (testimonycommunication) De um ponto de vista mais

cientiacutefico declaraccedilatildeo significa cogniccedilatildeo substantiva ou seja eacute o produto da cogniccedilatildeo que

resulta da realizaccedilatildeo ou afirmaccedilatildeo de proposiccedilotildees de valor autecircntico43 Desta forma pode

ser entendida como a revelaccedilatildeo coactiva causada pelo Estado dos resultados

substantivos incriminatoacuterios da sua cogniccedilatildeo4445 De uma outra perspectiva podemos

definir a prova declarativa (testimonial evidence) como sendo uma prova reveladora de

ideias informaccedilotildees dados conceitos conhecimentos e pensamentos

Tipicamente estas revelaccedilotildees satildeo feitas atraveacutes de comunicaccedilotildees escritas ou orais no

entanto nada impede que sejam feitas igualmente atraveacutes de actos condutas e gestos

conviction under a federal criminal statute but likewise embraces those which would furnish a link in the

chain of evidence needed to prosecute the claimant for a federal crimerdquo Cf Hoffman v United States

1951 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus341479casehtml [consultado em

24112016] 39 ldquoThe suspect must be faced with substancial and real hazards of self-incriminationrdquo Cf United States v

Reis 1985 Disponiacutevel em httpswwwravellawcomopinions35b1b3165aed24221933677a50da6059

[consultado em 24112016] Hale v Henkel 1906 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus20143casehtml [consultado em 24112016] 40 Jarone 2015 773 41 Cf Hale v Henkel 1906 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus20143casehtml

[consultado em 24112016] Fisher v United States 1976 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus425391casehtml [consultado em 24112016] 42 Wilson 2015 25 43 AllenMace 2004 267 44 A cogniccedilatildeo involve aquisiccedilatildeo armazenamento recuperaccedilatildeo e uso do conhecimento Cf MatlinFarmer

2015 26 45 AllenMace 2004 267-268

32

desde que estes por sua vez revelem factos pensamentos crenccedilas eou conhecimento de

factos A tiacutetulo de exemplo acenar com a cabeccedila para cima e para baixo quando eacute

perguntado ldquofoste tu que o fizesterdquo transmite uma resposta afirmativa Apontar para o

roupeiro quando eacute perguntado ldquoonde estaacute a armardquo transmite conhecimento sobre o

paradeiro da arma conhecimento sobre a sua localizaccedilatildeo e acesso46 Por fim existe ainda

quem defenda que a prova declarativa (testimonial evidence) pode ser entendida como a

comunicaccedilatildeo de informaccedilatildeo atraveacutes da memoacuteria ou do conhecimento do arguido47

No que respeita agrave jurisprudecircncia o Supremo Tribunal dos Estados Unidos da Ameacuterica

definiu que um acto compelido pode ser considerado como declarativo se expliacutecita ou

implicitamente divulgar uma afirmaccedilatildeo factual ou qualquer tipo de informaccedilatildeo48 No

entanto o acto tem que fazer mais do que apenas revelar informaccedilotildees deve envolver

igualmente a divulgaccedilatildeo compelida do conteuacutedo da mente do arguido49 Neste sentido o

Supremo Tribunal chega mesmo a afirmar que ldquoeacute a extorsatildeo de informaccedilatildeo do acusado

a tentativa de forccedilaacute-lo a revelar o conteuacutedo da sua proacutepria mente que implica a Claacuteusula

de Autoincriminaccedilatildeordquo50

Por este motivo natildeo causa estranheza que no caso United States v Kirschner51 quando

as autoridades judiciaacuterias compeliram o arguido a fornecer a palavra-passe do seu

computador encriptado o tribunal tenha decidido que o fornecimento da palavra-passe

seria semelhante ao acto de fornecer a combinaccedilatildeo de um cofre pelo que seria

considerado como uma comunicaccedilatildeo declarativa (testimonial communication) violadora

da Quinta Emenda52 Semelhantemente no caso United States v Doe (Doe III)53 o

tribunal decidiu no sentido de que ldquotanto a produccedilatildeo como a desencriptaccedilatildeo do disco

riacutegido exigiriam o recurso ao conteuacutedo da mente do suspeito natildeo podendo ser justamente

46 Cauthen 2016 6 47 Dripps 2005 335 48 Doe v United States 1988 (Doe II) Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus487201

[consultado em 25112016] 49ldquo[hellip] it must also involve some compelled use of the contents of the suspectrsquos mindrdquo Cf AllenMase 2004 246 50 ldquoIt is the extortion of information from the accused the attempt to force him to disclose the contents of

his own mind that implicates the Self-Incrimination Clauserdquo Cf Doe v United States 1988 (Doe II)

Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus487201 [consultado em 25112016] 51 United States v Kirschner 2010 Disponiacutevel em

httpswwwravellawcomopinions789d10be33066b73e4377a26bf5c574a [consultado em 25112016] 52 Bales 2012 1302 53 United States v Doe 2011 (Doe III) Disponiacutevel em httplawjustiacomcasesfederalappellate-

courtsF3112910585109 [consultado em 25112016]

33

caracterizada como um acto fiacutesico que seria natildeo declarativo por naturezardquo54 O tribunal

acabou por concluir que o arguido invocou correctamente o seu privileacutegio contra a

autoincriminaccedilatildeo sendo que natildeo poderia ser compelido a produzir ou desencriptar

(atraveacutes de palavra-passe) as hard drives do seu computador

Na esteira do defendido pela jurisprudecircncia tambeacutem a doutrina norte-americana na sua

grande maioria eacute apoiante da tese de que o fornecimento de palavra-passe para a

desencriptaccedilatildeo de um smartphone eacute um acto declarativo (testimonial) por natureza uma

vez que obriga o arguido a divulgar o conteuacutedo da sua mente55

Ainda assim alguns tribunais tecircm uma abordagem diferente relativamente a esta

temaacutetica Para evitar violar a Quinta Emenda ao compelir o arguido a fornecer a palavra-

passe alguns tribunais optaram por compelir o arguido a fornecer o proacuteprio dispositivo

jaacute desencriptado sem revelar a palavra-passe a qualquer entidade judiciaacuteria56 Esta opccedilatildeo

eacute tambeacutem defendida por alguma doutrina minoritaacuteria nomeadamente Orin Kerr Dan

Terzian57 e Anna Bodi58 O primeiro Autor chega mesmo a reiterar que ldquodesta forma o

governo recebe o telefone desbloqueado mas nunca eacute revelada a palavra-passe Pedir ao

arguido que digite ele proacuteprio a palavra-passe minimizaria as implicaccedilotildees da Quinta

Emenda uma vez que natildeo envolveria a revelaccedilatildeo potencialmente incriminatoacuteria da

palavra-passerdquo59

Em contrapartida no que diz respeito agraves provas natildeo declarativas (non-testimonial)

importa ter presente que o Supremo Tribunal dos Estados Unidos da Ameacuterica comeccedilou

por fazer a distinccedilatildeo entre provas fiacutesicas e provas comunicativas para diferenciar por sua

vez entre as provas declarativas (testimonial) e natildeo declarativas (non-testimonial) O

54 ldquoBoth the production and decryption of the hard drives would require the use of the contents of the

suspectrsquos mind and could not be fairly characterized as a physical act that would be non-testimonial in

naturerdquo Cf United States v Doe 2011 (Doe III) Disponiacutevel em

httplawjustiacomcasesfederalappellate-courtsF3112910585109 [consultado em 25112016] 55 ldquoProving a password could also implicate the cruel trilemmardquo Cf Bales 2012 1304 Atwood 2015

413-415 ldquoThe act of decryption and production would be testimonialrdquo Cf Ajello 2015 454-457 56 In re Grand Jury Subpoena to Sebastien Boucher 2009 Disponiacutevel em

httpvolokhcomfilesBoucherDCT1pdf [consultado em 25112016] 57 Terzian 2016 170-174 58 Bodi 2015 2-4 Disponiacutevel em httpwwwamericancriminallawreviewcomaclr-onlinephones-

fingerprints-and-fifth-amendment [consultado em 28112016] 59 ldquoThat way the government gets the unlocked phone but never gets the passcode Having the defendant

enter his passcode would minimize the Fifth Amendment implications of the compelled compliance as it

would not involve disclosing the potentially incriminating evidence of the passcode itselfrdquo Cf Kerr 2014

2-3 Disponiacutevel em httpswwwwashingtonpostcomnewsvolokh-conspiracywp20141103virginia-

state-trial-court-ruling-on-the-fifth-amendment-and-smart-phonesutm_term=399c18bf1a04 [consultado

em 28112016]

34

primeiro caso a fazer a distinccedilatildeo entre provas fiacutesicas e comunicativas foi o caso Holt v

United States60 onde a coacccedilatildeo de um prisioneiro a vestir uma camisa para que a

testemunha o conseguisse identificar foi considerada como natildeo sendo violadora da Quinta

Emenda6162 Mas foi com o caso Schmerber v California que este entendimento foi

expandido no sentido de incluir outras formas de obtenccedilatildeo de prova atraveacutes do corpo do

arguido nomeadamente recolha de sangue amostra de caligrafia e exames atraveacutes do ar

expirado

No caso Schmerber v California63 o arguido alegou que o seu privileacutegio contra a

autoincriminaccedilatildeo fora violado uma vez que a poliacutecia teria instruiacutedo um meacutedico a recolher

uma amostra de sangue do seu corpo sem o seu consentimento64 A amostra foi analisada

com o desiacutegnio de descobrir se o arguido teria aacutelcool no sangue depois de ter sido detido

por conduccedilatildeo sob o efeito de aacutelcool65

O Supremo Tribunal vem considerar actualmente como provas natildeo declarativas (non-

testimonial evidence) todas as provas utilizadas com o propoacutesito de identificar pessoas e

de correlacionaacute-las com o crime investigado tais como impressotildees digitais sangue

urina ADN amostras de cabelo amostras de caligrafia lineups entre outras6667 Isto

porque nenhuma destas provas fiacutesicas obriga a que o arguido divulgue qualquer tipo de

conhecimento68

60 Holt v United States 1910 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus218245casehtml [consultado em 28112016] 61 ldquoThe prohibition of compelling a man in a criminal court to be a witness against himself is a prohibition

of the use of physical or moral compulsion to extort communications from him not an exclusion of his body

as evidence when it may be materialrdquo Cf Holt v United States 1910 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus218245casehtml [consultado em 28112016] 62 Desta forma segundo o entendimento do Supremo Tribunal a coacccedilatildeo de ldquobodily evidencerdquo nunca seraacute

violadora da Quinta Emenda Cf Goldman 2015 217 63 Cf Schmerber v California 1966 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus384757casehtml [consultado em 28112016] 64 ldquoThe privilege protects an accused only from being compelled to testify against himself or otherwise

provide the State with evidence of a testimonial or communicative naturerdquo Cf Schmerber v California

1966 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus384757casehtml [consultado em

28112016] 65 Sales 2014 199-200 66 Fakhoury 2012 82 Silver 2012 811 Farahany 2012 356-357 67 Cf United States v Doe 1984 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus465605

[consultado em 28112016] United States v Wade 1967 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus388218casehtml [consultado em 28112016] United States

v Dionisio 1973 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus4101casehtml [consultado

em 28112016] Gilbert v California 1967 Disponiacutevel em httpsupreme-court-

casesinsidegovcoml2630Gilbert-v-California [consultado em 28112016] Schmerber v California

1966 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus384757casehtml [consultado em

28112016] 68 Palfreyman 2009 354-355

35

Tambeacutem a grande maioria da doutrina norte-americana segue o entendimento de que a

Quinta Emenda natildeo protege o arguido contra o fornecimento de provas fiacutesicas69 ou

atributos identificadores70

Deste modo podemos reiterar que segundo o entendimento da jurisprudecircncia norte-

americana nomeadamente do Supremo Tribunal e da maioria da doutrina a diferenccedila

entre um acto declarativo (testimonial) e um acto natildeo declarativo (non-testimonial) reside

no facto de o primeiro exigir que o arguido faccedila uso do conteuacutedo da sua mente e o segundo

natildeo71

Uma vez que o tema central da nossa dissertaccedilatildeo prende-se com a desencriptaccedilatildeo de

smartphones nomeadamente atraveacutes de impressatildeo digital mostra-se relevante nesta

sede tecer algumas reflexotildees sobre a possibilidade de considerarmos esta conduta como

declarativa (testimonial) ou natildeo declarativa (non-testimonial)

Pela parte da jurisprudecircncia norte-americana podemos obter uma raacutepida resposta atraveacutes

da anaacutelise dos casos apresentados no iniacutecio da presente dissertaccedilatildeo Tendo em

consideraccedilatildeo o resultado do caso Baust e do caso Diamond e a argumentaccedilatildeo apresentada

pela jurisprudecircncia nos restantes casos torna-se clara a sua tendecircncia no sentido de

considerar o fornecimento de impressatildeo digital para a desencriptaccedilatildeo de um smartphone

como um acto natildeo declarativo (non-testimonial)

No que agrave doutrina diz respeito o entendimento da grande maioria dos Autores vai de

encontro ao defendido pela jurisprudecircncia afirmando que as impressotildees digitais podem

ser compelidas sem violaccedilatildeo da Quinta Emenda contrariamente agraves palavras-passe Albert

Gidari defende a ideia de que na leitura da impressatildeo digital do arguido ldquocontrariamente

agrave revelaccedilatildeo de palavras-passe natildeo haacute coacccedilatildeo para comunicar ou dizer o que lsquovai na

cabeccedilarsquo agraves autoridades judiciaacuterias lsquoColoque o seu dedo aquirsquo natildeo eacute um acto declarativo

ou autoincriminadorrdquo72 Na mesma esteira Riana Pfefferkorn afirma que ldquode facto eacute

preocupante pensar que as autoridades judiciaacuterias podem acabar por usar contra o arguido

uma decisatildeo que este tomou por conveniecircncia e para tornar mais difiacutecil o acesso de

69 Bonin 1996 509 70 Colarusso 2011 134 71 Jarone 2015 774 72 ldquoUnlike disclosing passcodes you are not compelled to speak or say whatrsquos in lsquoyour mindrsquo to law

enforcement lsquoPut your finger herersquo is not testimonial or self-incriminatingrdquo Cf HamiltonWinton 2016

2 Disponiacutevel em httpwwwlatimescomlocalcaliforniala-me-iphones-fingerprints-20160430-

storyhtml [consultado em 28112016]

36

terceiros ao seu telefone sem o seu conhecimento No entanto natildeo acredito que isto vaacute

contra a Quinta Emendardquo73 Por seu turno Sarah Wilson apoiando-se no entendimento

da jurisprudecircncia afirma que ldquoo governo poderia exigir a desencriptaccedilatildeo por dados

biomeacutetricos sem implicar a Quinta Emenda uma vez que o Supremo Tribunal decidiu que

os dados biomeacutetricos natildeo satildeo declarativosrdquo74 Por fim acompanha ainda este pensamento

George Dery III que reitera a ideia de que a impressatildeo digital deve ser vista em similitude

com uma chave de um cofre sustentando ainda que ldquomesmo que seja problemaacutetico pensar

na possibilidade de algueacutem aceder ao telefone do arguido as autoridades judiciaacuterias tecircm

autorizaccedilatildeo de um juiz e isso significa que existe a probabilidade de estarmos perante

uma actividade criminosardquo75

Haacute ainda que salientar duas ideias que satildeo unanimemente defendidas tanto pela

jurisprudecircncia quanto pela doutrina norte-americana a primeira prende-se com a

necessidade de mandado judicial para a apreensatildeo de um smartphone76 a segunda tem

que ver com a concepccedilatildeo de que as autoridades judiciaacuterias podem compelir o arguido

detido a fornecer provas fiacutesicas incluindo impressotildees digitais sem autorizaccedilatildeo judicial77

com o propoacutesito de auxiliar agrave sua identificaccedilatildeo ou de possibilitar a sua ligaccedilatildeo com o local

do crime

212 Limites da Quinta Emenda

Chegados a este ponto e depois de analisados os trecircs requisitos da Quinta Emenda agrave

Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica cumpre esclarecer que mesmo que as

entidades judiciaacuterias compelissem o arguido a prestar um depoimento ou testemunho

incriminatoacuterio (nomeadamente a palavra-passe do seu smartphone) preenchendo assim

os trecircs requisitos mencionados poderiacuteamos estar aqui perante uma conduta natildeo violadora

73 ldquoTo be sure itrsquos troubling to think that the police could end up using against you a choice you made for

the sake of convenience and to make it harder for someone to snoop into your phone without your

knowledge But I donrsquot think it runs counter to the Fifth Amendmentrdquo Cf Farivar 2016 2 Disponiacutevel em

httparstechnicacomtech-policy201605should-the-govt-be-able-to-force-you-to-open-your-phone-

with-just-your-fingerprint [consultado em 28112016] 74 ldquoThe government could demand biometric passwords without implicating the Fifth Amendment because the Supreme Court has decided that biometrics are not testimonialrdquo Cf Wilson 2015 28 75 ldquoEven though it is a big deal having someone open up their phone theyrsquove gone to a judge and it means

therersquos a likelihood of criminal activityrdquo Cf HamiltonWinton 2016 3 Disponiacutevel em

httpwwwlatimescomlocalcaliforniala-me-iphones-fingerprints-20160430-storyhtml [consultado em

28112016] 76 Cf Riley v California 2014 Disponiacutevel em httpswwwsupremecourtgovopinions13pdf13-

132_8l9cpdf [consultado em 28112016] 77 Cf Holt v United States 1910 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus218245casehtml [consultado em 28112016]

37

do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare por duas vias78 se as informaccedilotildees prestadas

fossem uma conclusatildeo inevitaacutevel (foregone conclusion) ou se o governo concedesse

imunidade ao arguido79

2121 Conclusatildeo inevitaacutevel (foregone conclusion)

Segundo a doutrina da conclusatildeo inevitaacutevel (foregone conclusion) se o governo

conseguir mostrar com razoaacutevel particularidade que no momento em que pretende

compelir a produccedilatildeo de determinada prova jaacute teraacute em sua posse informaccedilotildees relativas agrave

sua existecircncia e localizaccedilatildeo o arguido acrescentaraacute atraveacutes do seu testemunho pouco ou

nada a essa informaccedilatildeo pelo que a coacccedilatildeo seraacute legiacutetima de acordo com a Quinta

Emenda80 Uma vez que a comunicaccedilatildeo de uma conclusatildeo inevitaacutevel natildeo revela de facto

nenhuma informaccedilatildeo nova o privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo natildeo opera

independentemente de estarmos ou natildeo perante uma prova declarativa (testimonial

evidence)

A jurisprudecircncia norte-americana desenvolveu um teste de trecircs passos para a aplicaccedilatildeo

da excepccedilatildeo da conclusatildeo inevitaacutevel81 Assim o governo deve estabelecer o seu

conhecimento sobre a) a existecircncia da prova exigida b) a posse e o controlo dessa prova

pelo arguido c) a autenticidade da prova82

Esta doutrina foi mencionada pela primeira vez no caso Fisher v United States83 onde o

Supremo Tribunal alegou que a entrega de documentos relativos ao pagamento de

impostos pelo contribuinte natildeo constituiria um depoimento incriminatoacuterio uma vez que

a existecircncia e localizaccedilatildeo dos documentos eram uma conclusatildeo inevitaacutevel84 Assim o

contribuinte natildeo iria acrescentar nada agrave informaccedilatildeo jaacute recolhida pelo governo pelo

simples facto de admitir que tinha a documentaccedilatildeo em sua posse85

78 Terzian 2015 1134 79 Soares 2012 2004 80 Soares 2012 2006 81 Werner 2016 4 82 Efectivamente apesar de a prestaccedilatildeo de depoimento ter geralmente um aspecto declarativo se o governo

conseguir mostrar que tinha conhecimento preacutevio da existecircncia posse e autenticidade da informaccedilatildeo a

informaccedilatildeo declarativa passa a ser uma conclusatildeo inevitaacutevel Cf Fruiterman 2013 658 Sales 2014 203 83 Cf Fisher v United States 1976 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus425391casehtml [consultado em 28112016] 84 ldquoThe government can compel production when the existence and location of documents are a foregone

conclusion and the defendant adds little to nothing to the sum total of the governmentrsquos information by

conceding that he in fact has the papersrdquo Cf MohanVillasenor 2012 14 85 Sales 2014 203

38

A doutrina da conclusatildeo inevitaacutevel tem sido igualmente considerada como uma

justificaccedilatildeo legal viaacutevel nos casos de desencriptaccedilatildeo de dispositivos electroacutenicos86

Alguns tribunais requerem que o governo tenha conhecimento sobre um certo ficheiro87

para que a doutrina da conclusatildeo inevitaacutevel seja aplicada outros exigem apenas que o

governo tenha acesso a qualquer tipo de informaccedilatildeo sobre determinados ficheiros88

mesmo que natildeo esteja informado sobre o seu conteuacutedo dado que se encontram

encriptados89 Quatro tribunais em quatro casos distintos aprovaram a desencriptaccedilatildeo

compelida de dispositivos electroacutenicos com base na doutrina da conclusatildeo inevitaacutevel90

a) caso United States v Gavegnano91 b) caso United States v Fricosu92 c) caso United

States v Hatfield93 d) caso In re Grand Jury Subpoena to Sebastien Boucher94

Num caso relativamente recente Commonwealth v Gelfgatt95 o tribunal decidiu que o

arguido poderia ser compelido a fornecer a palavra-passe do seu computador com base

na doutrina da conclusatildeo inevitaacutevel Visto que a posse e o controlo do computador por

parte do arguido e o seu conhecimento sobre a encriptaccedilatildeo e a respectiva palavra-passe jaacute

eram conhecidos pelo governo o Supremo Tribunal de Massachusetts concluiu que o

fornecimento da palavra-passe neste caso seria considerado como conclusatildeo inevitaacutevel

natildeo estando assim protegido pelo privileacutegio concedido pela Quinta Emenda96

86 Silver 2012 811 87 Cf In re Grand Jury Subpoena to Sebastien Boucher 2009 Disponiacutevel em

httpvolokhcomfilesBoucherDCT1pdf [consultado em 28112016] Commonwealth of Virginia v

David Charles Baust 2014 Disponiacutevel em httpsconsumermediallcfileswordpresscom201411245515028-fingerprint-unlock-rulingpdf

[consultado em 28112016] Pode ser consultado no Anexo I da presente Dissertaccedilatildeo 88 Cf United States v Fricosu 2012 Disponiacutevel em

httpswwwwiredcomimages_blogsthreatlevel201201decryptpdf [consultado em 28112016]

Commonwealth v Gelfgatt 2014 Disponiacutevel em httplawjustiacomcasesmassachusettssupreme-

court2014sjc-11358html [consultado em 28112016] 89 Terzian 2016 173 90 Silver 2012 811 91 Cf United States v Gavegnano 2012 Disponiacutevel em

httpfederalevidencecompdfComputUS20v20Gavegnanopdf [consultado em 28112016] 92 Cf United States v Fricosu 2012 Disponiacutevel em httpswwwwiredcomimages_blogsthreatlevel201201decryptpdf [consultado em 28112016] 93 Cf United States v Hatfield 2010 Disponiacutevel em httpcaselawfindlawcomus-7th-

circuit1519786html [consultado em 28112016] 94 Cf In re Grand Jury Subpoena to Sebastien Boucher 2009 Disponiacutevel em

httpvolokhcomfilesBoucherDCT1pdf [consultado em 28112016] 95 Cf Commonwealth v Gelfgatt 2014 Disponiacutevel em

httplawjustiacomcasesmassachusettssupreme-court2014sjc-11358html [consultado em

28112016] 96 Wilson 2015 26

39

2122 Imunidade (immunity)

Para que se possa invocar o privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo eacute necessaacuterio como

tivemos oportunidade de salientar anteriormente que se crie um risco especiacutefico de

incriminaccedilatildeo97 No entanto se o governo eliminar esse risco concedendo imunidade ao

suspeito poderaacute compeli-lo a fornecer determinadas provas e a responder a diversas

perguntas Esta imunidade tem de ser deferida de acordo com o acircmbito de proteccedilatildeo

concedido pela Quinta Emenda98

A necessidade de concessatildeo de imunidade para que se ultrapasse o risco de incriminaccedilatildeo

e consequentemente de desrespeito pelo princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare natildeo

responde agrave questatildeo de saber qual seraacute a ldquoquantidaderdquo necessaacuteria de imunidade para evitar

tal violaccedilatildeo

Uma imunidade total ou absoluta afastaria por completo o risco de incriminaccedilatildeo contudo

dar-se-ia ao suspeito a possibilidade de evitar a acusaccedilatildeo na sua plenitude Em uacuteltima

anaacutelise o Supremo Tribunal dos Estados Unidos da Ameacuterica concluiu que o preccedilo a pagar

pela imunidade total ou absoluta eacute mais alto do que o governo deveraacute suportar no intuito

de obter coactivamente determinadas provas99

O estatuto federal de imunidade estabelece que se for concedida imunidade [] a

testemunha natildeo pode recusar-se a cumprir a ordem com base no seu privileacutegio contra a

autoincriminaccedilatildeo mas nenhum testemunho ou outra informaccedilatildeo compelida pela ordem

(ou qualquer informaccedilatildeo derivada directa ou indirectamente de tal testemunho ou outra

informaccedilatildeo) pode ser usada contra a testemunha em qualquer processo criminal []100

No caso Kastigar v United States101 o Supremo Tribunal esclareceu que a imunidade

deve proibir o governo de usar o testemunho compelido bem como as provas daiacute

provenientes directa ou indirectamente para acusar o arguido Estas duas formas de

imunidade foram classificadas como ldquouse immunityrdquo e ldquoderivative use immunityrdquo102

97 Berger 2002 235 98 Soares 2012 2007 99 Kiok 2015 60 100 ldquo[hellip] the witness may not refuse to comply with the order on the basis of his privilege against self-

incrimination but no testimony or other information compelled under the order (or any information

directly or indirectly derived from such testimony or other information) may be used against the witness in

any criminal case [hellip]rdquo 101 Cf Kastigar v United States 1972 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus406441casehtml [consultado em 29112016] 102 Fakhoury 2012 83

40

consoante as provas fossem retiradas directamente do testemunho prestado ou derivadas

deste103

Assim o tribunal deve em primeira instacircncia averiguar se o governo estaraacute ou natildeo a

tentar compelir um testemunho incriminatoacuterio Se tal se verificar o tribunal deve

conceder imunidade no sentido de proibir o governo natildeo soacute de utilizar as palavras

proferidas ou os actos realizados contra o arguido como tambeacutem de utilizar qualquer

outra prova obtida atraveacutes do testemunho104 No caso de o governo querer utilizar

qualquer tipo de prova derivada do testemunho prestado sob coacccedilatildeo contra o arguido

numa subsequente acusaccedilatildeo deveraacute demonstrar que tal prova deriva de uma fonte

legiacutetima e independente do testemunho compelido105

Para que a imunidade possa ser concedida eacute necessaacuterio que a ordem dada seja coactiva e

que resulte numa acccedilatildeo incriminatoacuteria de natureza testemunhal que envolva

comunicaccedilatildeo e que expresse o conteuacutedo do pensamento do arguido e que a informaccedilatildeo

prestada natildeo seja considerada como uma conclusatildeo inevitaacutevel (foregone conclusion)106

3 Conclusotildees intermeacutedias

Podemos comprovar pela anaacutelise da jurisprudecircncia Constituiccedilatildeo e doutrina norte-

americanas que a problemaacutetica da desencriptaccedilatildeo de smartphones para a obtenccedilatildeo de

prova no processo penal com o auxiacutelio do arguido eacute uma questatildeo juriacutedica actual e real

A Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica protege o arguido

contra determinadas medidas sempre que estas se revelem cumulativamente a)

coactivas b) incriminatoacuterias c) e declarativascomunicativas

Se por um lado estes trecircs requisitos estatildeo cumulativamente verificados na desencriptaccedilatildeo

de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe sendo esta ordem violadora do

princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo por outro o uacuteltimo requisito da

declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo natildeo se encontra preenchido na ordem de desencriptaccedilatildeo de

smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido resultando na natildeo violaccedilatildeo

do princiacutepio de natildeo-autoincriminaccedilatildeo Esta conclusatildeo pelo natildeo preenchimento do terceiro

103 Duong 2009 339 104 Fakhoury 2012 84 105 Pfefferkorn 2009 4-5 Disponiacutevel em

httpspapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=1883697ampdownload=yes [consultado em

29112016] 106 Soares 2012 2007

41

requisito no caso de desencriptaccedilatildeo atraveacutes da leitura da impressatildeo digital estaacute

relacionada com a teoria defendida pela doutrina e jurisprudecircncia norte-americanas de

que uma acccedilatildeo soacute se considera declarativacomunicativa nas situaccedilotildees em que o arguido

eacute compelido a divulgar o conteuacutedo da sua mente Assim se explicam os resultados a que

a jurisprudecircncia norte-americana chegou nos casos apresentados o arguido natildeo pode ser

compelido a fornecer a palavra-passe do seu smartphone mas pode ser compelido a

colocar o seu dedo no leitor de impressotildees digitais para desencriptar o dispositivo

Ademais ficou esclarecido que mesmo nas situaccedilotildees em que todos os requisitos da

Quinta Emenda tenham sido cumulativamente preenchidos as ordens de desencriptaccedilatildeo

de smartphones (independetemente do meacutetodo) podem ser dirigidas ao arguido ficando

a sua validade a depender de duas situaccedilotildees a) da demonstraccedilatildeo pelas autoridades de um

conhecimento de tal ordem particularizado sobre a existecircncia e localizaccedilatildeo dos ficheiros

que essa informaccedilatildeo possa ser considerada como uma conclusatildeo inevitaacutevel (foregone

conclusion) b) da concessatildeo de imunidade ao arguido

Apesar de segundo o ordenamento juriacutedico norte-americano a revelaccedilatildeo coactiva da

palavra-passe que desencripta um smartphone ser considerada ilegiacutetima por violaccedilatildeo do

princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo e contrariamente a leitura coactiva da impressatildeo

digital do arguido que desencripta um smartphone ser considerada legiacutetima cumpre

saber uma vez que a nossa investigaccedilatildeo eacute realizada em territoacuterio portuguecircs se estes casos

jurisprudenciais teriam a mesma soluccedilatildeo segundo o ordenamento juriacutedico nacional

42

43

CAPIacuteTULO II ndash O ACESSO E A APREENSAtildeO DE DADOS ARMAZENADOS EM

SMARTPHONES NO PROCESSO PENAL PORTUGUEcircS

Ficou analisado no capiacutetulo anterior como o ordenamento juriacutedico norte-americano daacute

resposta ao problema da desencriptaccedilatildeo compelida de smartphones dirigida ao arguido

No entanto torna-se evidente a necessidade de perceber em pormenor como o

ordenamento juriacutedico nacional daria resposta a esta problemaacutetica na eventualidade de

estes casos jurisprudenciais surgirem em Portugal

Para respondermos a esta pertinente contenda recorreremos agrave desconstruccedilatildeo praacutetica do

problema Assim de uma perspectiva praacutetica a primeira questatildeo que se coloca em sede

de desencriptaccedilatildeo compelida de smartphones para obtenccedilatildeo de prova no processo penal

eacute a de saber a priori como se processa a apreensatildeo e o acesso aos conteuacutedos armazenados

no smartphone de acordo com a legislaccedilatildeo portuguesa Posteriormente agrave tentativa de

acesso e apreensatildeo desses conteuacutedos agraves autoridades judiciaacuterias eacute colocado um segundo

problema a encriptaccedilatildeo do dispositivo Visto que o smartphone se encontra encriptado

por palavra-passe ou por biometria a colaboraccedilatildeo do arguido para sua a desencriptaccedilatildeo

mostra-se indispensaacutevel Eacute nesta sede que surge o problema se saber se esta colaboraccedilatildeo

eacute ou natildeo violadora do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare

De facto como dissemos a problemaacutetica da desencriptaccedilatildeo de smartphones para

obtenccedilatildeo de prova em processo penal levanta um problema a montante sobre o qual nos

devemos debruccedilar em primeira instacircncia durante este capiacutetulo O desbloqueio do

smartphone pressupotildee a priori duas circunstacircncias que o dispositivo tenha sido

legitimamente apreendido pelas autoridades judiciaacuterias e posteriormente que se tenha

feito uma tentativa de acesso aos conteuacutedos electroacutenicos aiacute armazenados Assim parece

loacutegico que as entidades judiciaacuterias soacute podem constatar que um dispositivo estaacute encriptado

se houver previamente uma tentativa de acesso ao seu conteuacutedo apoacutes a apreensatildeo do

aparelho Eacute sobre esta apreensatildeo e acesso aos ficheiros armazenados em smartphones que

discorreremos nas proacuteximas paacuteginas

1 Os smartphones e a prova digital

Vivemos actualmente no seio de uma sociedade informatizada uma sociedade que se

regula diariamente com recurso a sistemas electroacutenicos Durante esta uacuteltima deacutecada

44

assistimos a uma raacutepida evoluccedilatildeo tecnoloacutegica evoluccedilatildeo essa que se tem manifestado

igualmente na aacuterea da criminalidade informaacutetica

O telemoacutevel eacute hoje em dia um aparelho indispensaacutevel na vida dos cidadatildeos quer pela

sua capacidade comunicacional com o resto do mundo quer pelo seu constante progresso

no que concerne agraves suas aplicaccedilotildees que vatildeo facilitando o dia-a-dia de cada um Ainda

assim no seio da investigaccedilatildeo de um crime o telemoacutevel poderaacute ser visto como o maior

inimigo do homem neste caso o maior inimigo dos investigadores criminais Isto porque

o acesso a um telemoacutevel ou mais precisamente a um smartphone para obtenccedilatildeo de prova

em processo penal teraacute de cumprir determinadas regras e obedecer a tantos outros

procedimentos

Em todos os casos de criminalidade o objectivo do processo penal passa pela descoberta

da verdade e pela persecuccedilatildeo da justiccedila Para tal eacute necessaacuterio que se proceda agrave recolha

de prova para que se possa condenar os culpados Na investigaccedilatildeo criminal a obtenccedilatildeo e

recolha da prova rege-se por dois artigos previstos no Coacutedigo de Processo Penal o artigo

125ordm e o artigo 126ordm O primeiro estipula o princiacutepio de que satildeo permitidas todas as

provas que natildeo forem proibidas por lei ao passo que o segundo estabelece que o valor de

cada elemento de prova eacute determinado pelas regras da experiecircncia e pela livre convicccedilatildeo

de quem tem que decidir sobre elas107 Daqui resulta que as provas de iacutendole digital satildeo

admitidas desde que a sua obtenccedilatildeo tenha sido realizada dentro dos estritos criteacuterios da

legalidade e objectividade108

A prova digital eacute definida por Benjamin Silva Rodrigues como qualquer tipo de

informaccedilatildeo com valor probatoacuterio armazenada ou transmitida sob forma binaacuteria ou

digital109 Por seu turno Armando Dias Ramos define a prova digital como ldquotoda a

informaccedilatildeo passiacutevel de ser obtida ou extraiacuteda de um dispositivo digital (local virtual ou

remoto) ou de uma rede de comunicaccedilotildeesrdquo110 O legislador portuguecircs natildeo definiu o que

seria prova digital no entanto acreditamos que de um ponto de vista geral a prova digital

seraacute toda e qualquer informaccedilatildeodados que tenham sido recebidos transmitidos ou que

estejam armazenados num dispositivo electroacutenico111 Por outro lado de um ponto de vista

107 Este princiacutepio natildeo eacute absoluto havendo excepccedilotildees ao mesmo designadamente quanto ao valor da prova

pericial 108 Ramos 2014 85 109 Rodrigues 2009a 39 110 Ramos 2014 86 111 MukaseySedgwickHagy 2008 9

45

mais teacutecnico cumpre esclarecer que a designaccedilatildeo de ldquodigitalrdquo adveacutem do facto de a

informaccedilatildeo armazenada electronicamente ser repartida em diacutegitos mais precisamente

numa sequecircncia de nuacutemeros binaacuterios (isto eacute zero ou um) que satildeo reconhecidos e

traduzidos pelo aparelho informaacutetico transformando-se em informaccedilatildeo112

Por este motivo como facilmente se adivinha a prova digital carece de ser tratada de um

forma diferente mais precisamente de uma forma mais diligente e cautelosa uma vez que

um mero lapso poderaacute tornar a prova irremediavelmente inutilizada113 Uma vez que se

trata de informaccedilatildeo em formato digital existe sempre a preocupaccedilatildeo da mesma ser

apagada modificada ou destruiacuteda em segundos sem se deixar rasto114 Daiacute resulta que a

rapidez na obtenccedilatildeo desta prova aliada a uma correcta recolha satildeo dois passos

fundamentais para o ecircxito da investigaccedilatildeo e imputaccedilatildeo dos factos ao suspeito do crime115

Toda esta constelaccedilatildeo de problemas eacute tambeacutem enfatizada por Figueiredo Dias ao afirmar

que entre as novas problemaacuteticas que se tecircm vindo a colocar tanto agrave legislaccedilatildeo como agrave

ciecircncia do processo penal nos uacuteltimos tempos a primeira tem que ver precisamente com

a circunstacircncia de os novos horizontes teacutecnico-cientiacuteficos terem aberto a porta a meacutetodos

de investigaccedilatildeo ateacute haacute natildeo muito tempo desconhecidos116 Estando aiacute incluiacutedos entre

outros os meacutetodos de investigaccedilatildeo computadorizados ou de forma mais geral permitidos

pelos avanccedilos informaacuteticos117 (vg o smartphone)

Atendendo agrave quantidade cada vez maior de utilizadores de smartphones e agrave sua

capacidade de armazenamento118 estes dispositivos podem ser uacuteteis ferramentas para os

investigadores criminais na recolha de prova em processos crime Se durante uma

investigaccedilatildeo criminal for apreendido um smartphone relativamente recente com cerca de

seis ou sete anos a amplitude de informaccedilatildeo que pode ser obtida pelos investigadores eacute

significante abrangendo linguagem e outras definiccedilotildees agenda de contactos informaccedilatildeo

de calendaacuterio mensagens escritas registo de chamadas feitas e recebidas e-mail

fotografias gravaccedilotildees aacuteudio e viacutedeo mensagens de multimeacutedia mensagens instantacircneas

112 Militatildeo 2012 261 113 Ramos 2014 87 114 Mouraz LopesAntatildeo Cabreiro 2006 72 115 Ramos 2014 87 116 Figueiredo Dias 2009 808-809 117 Figueiredo Dias 2009 809 118 Os smartphones satildeo constantemente utilizados para as mais variadas funccedilotildees chamadas de voz

chamadas de viacutedeo mensagens de texto mensagens de imagem pesquisas na internet incluindo toda a

panoacuteplia de redes sociais acesso a correio electroacutenico fotografias e viacutedeos calculadora agenda reloacutegio

leitor de muacutesica mapa entre outras

46

histoacuterico de navegaccedilatildeo na internet documentos electroacutenicos dados relacionados com as

redes sociais dados relacionados com aplicaccedilotildees informaccedilatildeo sobre localizaccedilotildees

geograacuteficas entre outras119

Todas estas informaccedilotildees que podem ser recolhidas apenas de um pequeno smartphone

podem fazer toda a diferenccedila no processo penal auxiliando os investigadores criminais

de inuacutemeras maneiras recolhendo informaccedilatildeo sobre um crime cometido (atraveacutes de

imagens viacutedeos e-mails documentos etc) recolhendo informaccedilatildeo que comprove a

intenccedilatildeo ou a tentativa da praacutetica de um crime (por exemplo atraveacutes da anaacutelise do

histoacuterico do web browser) recolhendo informaccedilatildeo que comprove o envolvimento de

suspeitos que negam estar implicados num delito recolhendo informaccedilatildeo que revele a

praacutetica de diferentes crimes ainda desconhecidos recolhendo informaccedilatildeo de vaacuterios

dispositivos electroacutenicos que combinados permitem criar um cronograma de eventos

Em vaacuterios processos criminais eacute deixado um rasto de informaccedilatildeo electroacutenica para os

investigadores criminais analisarem E uma vez que o smartphone poderaacute ser

considerado um oacuteptimo repositoacuterio de elementos probatoacuterios dada a sua vasta capacidade

de armazenamento coloca-se a questatildeo no caso de necessidade de recolha de prova

armazenada num smartphone encriptado como se procederaacute a apreensatildeo do dispositivo

e o posterior acesso aos conteuacutedos aiacute guardados

Para respondermos a esta questatildeo importa analisar a Lei do Cibercrime de 15 de

Setembro de 2009

2 A Lei do Cibercrime

Actualmente a prova digital eacute regulada na sua essencialidade pela Lei do Cibercrime

No dia 15 de Setembro de 2009 o legislador portuguecircs reagiu aos inuacutemeros desafios

causados pela lacuna legislativa quanto agrave mateacuteria da obtenccedilatildeo de prova digital por via da

publicaccedilatildeo da Lei do Cibercrime ndash Lei nordm 1092009 de 15 de Setembro (em vigor desde

15 de Outubro de 2009) Cerca de 8 anos apoacutes a assinatura da Convenccedilatildeo sobre o

Cibercrime120 foram publicados em Diaacuterio da Repuacuteblica a Resoluccedilatildeo da Assembleia da

119 GeorgeMason 2015 250 120 A Convenccedilatildeo sobre o Cibercrime eacute o primeiro tratado internacional sobre criminalidade contra sistemas

de computadores redes ou dados e conta com trecircs objectivos principais pretende harmonizar legislaccedilotildees e

os crimes nelas previstos pretende estender agraves jurisdiccedilotildees de Estados Parte determinados instrumentos

processuais e de produccedilatildeo de prova modernos e adequados agrave investigaccedilatildeo da cibercriminalidade por

uacuteltimo pretende facilitar a cooperaccedilatildeo internacional e viabilizar investigaccedilotildees Para tal a Convenccedilatildeo estaacute

compartimentada em quatro capiacutetulos distintos Cap I ndash Terminologia Cap II ndash Medidas a tomar ao niacutevel

47

Repuacuteblica nordm 882009 que aprova a Convenccedilatildeo o Decreto do Presidente da Repuacuteblica

nordm 922009 que a ratifica e ainda a jaacute acima referida Lei nordm 1092009 que adapta o

direito interno agrave Convenccedilatildeo e agrave Decisatildeo Quadro nordm 2005222JAI do Conselho de 24 de

Fevereiro relativa a ataques contra sistemas de informaccedilatildeo

Do ponto de vista sistemaacutetico a Lei do Cibercrime tem uma estrutura tripartida entre

disposiccedilotildees materiais processuais e relativas agrave cooperaccedilatildeo internacional em mateacuteria

penal agrave semelhanccedila do consagrado na Convenccedilatildeo sobre o Cibercrime A nossa atenccedilatildeo

desviar-se-aacute obviamente para o Capiacutetulo III dedicado agraves disposiccedilotildees processuais

nomeadamente a preservaccedilatildeo expedita de dados (artigo 12ordm) a revelaccedilatildeo expedita de

dados de traacutefego (artigo 13ordm) a injunccedilatildeo para a preservaccedilatildeo ou concessatildeo de acesso a

dados (artigo 14ordm) a pesquisa de dados informaacuteticos (artigo 15ordm) a apreensatildeo de dados

informaacuteticos (artigo 16ordm) a apreensatildeo de correio electroacutenico e de registos de

comunicaccedilotildees de natureza semelhante (artigo 17ordm) a intercepccedilatildeo de comunicaccedilotildees

(artigo 18ordm) as acccedilotildees encobertas (artigo 19ordm) e ainda a cooperaccedilatildeo internacional

(artigos 20ordm a 26ordm)

Estas disposiccedilotildees processuais penais contidas na Lei do Cibercrime aplicam-se segundo

o artigo 11ordm do referido diploma (em consonacircncia com o determinado no artigo 14ordm da

Convenccedilatildeo sobre o Cibercrime) aos crimes aiacute previstos a) crimes informaacuteticos stricto

sensu (al a) b) ldquocrimes cometidos por meio de um sistema informaacuteticordquo121

independentemente da previsatildeo tiacutepica do crime (al b) c) e por fim a quaisquer crimes

sempre que ldquoseja necessaacuterio proceder agrave recolha de prova em suporte electroacutenicordquo (al c)

Podemos concluir na esteira do defendido por Paulo Daacute Mesquita que as regras de direito

probatoacuterio previstas no diploma natildeo satildeo assim meras normas processuais sobre

cibercrimes ou sequer apenas relativas a crimes praticados em sistemas informaacuteticos mas

nacional Secccedilatildeo I ndash Direito Material Secccedilatildeo II ndash Direito Processual Cap III ndash Cooperaccedilatildeo internacional

e por uacuteltimo Cap IV ndash Claacuteusulas Finais Cf Ramalho 2014 134 121 Sistema informaacutetico significa nesta sede ldquoqualquer dispositivo ou conjunto de dispositivos interligados

ou associados em que um ou mais de entre eles desenvolve em execuccedilatildeo de um programa o tratamento

automatizado de dados informaacuteticos bem como a rede que suporta a comunicaccedilatildeo entre eles e o conjunto

de dados informaacuteticos armazenados tratados recuperados ou transmitidos por aquele ou aqueles

dispositivos tendo em vista o seu funcionamento utilizaccedilatildeo protecccedilatildeo e manutenccedilatildeordquo (al a) do artigo 1ordm

da Lei do Cibercrime cuja primeira parte corresponde agrave previsatildeo da al a) do artigo 1ordm da Convenccedilatildeo sobre

o Cibercrime e no essencial similar agrave al a) do artigo 1ordm da Decisatildeo-Quadro nordm 2005222JAI (sistema de

informaccedilatildeo) onde contudo natildeo se prevecirc de forma especificada a rede que suporta a comunicaccedilatildeo entre

dados informaacuteticos)

48

correspondem a um regime consideravelmente mais abrangente sobre prova electroacutenica

em processo penal aplicaacutevel a qualquer crime122

Voltando ao nosso caso concreto cumpre referir que a aliacutenea c) do artigo 11ordm da Lei do

Cibercrime ao abranger todos os crimes em relaccedilatildeo aos quais seja necessaacuterio proceder agrave

recolha de prova em suporte electroacutenico acaba por alargar o acircmbito de aplicaccedilatildeo da lei a

quaisquer casos de recolha de prova em smartphones Uma vez que o smartphone eacute

caracterizado como um ldquosuporte electroacutenicordquo toda a recolha de prova feita com recurso

a este dispositivo seraacute regulada pela Lei do Cibercrime de acordo com o consagrado na

aliacutenea c) do seu artigo 11ordm

Visto que o cerne do nosso estudo se centra na desencriptaccedilatildeo de smartphones para

obtenccedilatildeo de prova em processo penal torna-se fundamental nesta etapa fazer uma breve

anaacutelise a algumas destas medidas processuais nomeadamente agrave injunccedilatildeo para

apresentaccedilatildeo ou concessatildeo do acesso a dados (artigo 14ordm) agrave pesquisa de dados

informaacuteticos (artigo 15ordm) agrave apreensatildeo de dados informaacuteticos (artigo 16ordm) e agrave apreensatildeo

de correio electroacutenico e registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante (artigo 17ordm)

No entanto antes de passarmos agrave anaacutelise destas medidas importa esclarecer que em sede

de Lei do Cibercrime haacute que fazer a distinccedilatildeo entre a apreensatildeo de dados informaacuteticos e

a apreensatildeo de registos de comunicaccedilotildees Como jaacute deixaacutemos claro nas paacuteginas anteriores

da presente investigaccedilatildeo o smartphone armazena os mais variados ficheiros electroacutenicos

incluindo mensagens de texto (SMS) e mensagens de multimeacutedia (MMS) e-mails

contactos telefoacutenicos fotografias gravaccedilotildees de viacutedeo e aacuteudio entre outros O tratamento

destes ficheiros vai depender da sua natureza nomeadamente se estes comportam algum

tipo de comunicaccedilatildeo ou natildeo Assim se por um lado a apreensatildeo de fotografias viacutedeos

gravaccedilotildees aacuteudio contactos entre outros pode ser tratada como apreensatildeo de meros dados

informaacuteticos (artigo 16ordm da Lei do Cibercrime) a apreensatildeo de mensagens de texto

mensagens de multimeacutedia e e-mails por se tratarem de ficheiros de comunicaccedilatildeo

electroacutenica deve ser tratada como apreensatildeo de correio electroacutenico e registos de

comunicaccedilotildees de natureza semelhante (artigo 17ordm da Lei do Cibercrime) Analisaremos

em maior detalhe esta distinccedilatildeo nos proacuteximos paraacutegrafos

No que respeita agrave injunccedilatildeo para apresentaccedilatildeo ou concessatildeo do acesso a dados prevista

no artigo 14ordm da Lei nordm 1092009 o legislador veio desta forma criar uma ordem a ser

122 Mesquita 2010 98

49

emitida por autoridade judiciaacuteria dirigida a quem tenha disponibilidade ou controlo sobre

determinados dados informaacuteticos no sentido de que os comunique ao processo em causa

ou que permita o acesso aos mesmos123

No entanto esta medida eacute apenas aplicada a fornecedores de serviccedilos proibindo o

nuacutemero 5 do referido artigo que seja dirigida contra suspeito ou arguido no processo

Desta forma o fornecedor de serviccedilo pode ser ordenado a comunicar ao processo dados

relativos aos clientes ou assinantes neles se incluindo qualquer informaccedilatildeo desde que

natildeo inserida na categoria dos dados relativos ao traacutefego ou ao conteuacutedo Voltaremos em

maior detalhe a esta questatildeo da proibiccedilatildeo de injunccedilatildeo dirigida a arguido e suspeito mais

adiante no nosso estudo

As razotildees que estatildeo subjacentes agrave criaccedilatildeo desta medida prendem-se em primeira medida

com a imensidade de espaccedilo de armazenamento dos modernos suportes digitais que

dificulta a investigaccedilatildeo e em segunda medida com as diversas possibilidades de ocultar

a informaccedilatildeo ou de bloquear o acesso a ela (por exemplo por via da encriptaccedilatildeo do

smartphone) que podem igualmente tornar malsucedida a procura de informaccedilatildeo sem a

colaboraccedilatildeo de quem tem o domiacutenio sobre ela

O artigo 15ordm da Lei do Cibercrime que consagra a pesquisa de dados informaacuteticos veio

criar uma forma de acesso coercivo ao sistema informaacutetico objecto de um processo

criminal Assim esta pesquisa pode perfeitamente ser comparada a uma busca tradicional

mas num ambiente digital Desta forma sempre que numa investigaccedilatildeo criminal as

entidades judiciaacuterias verificarem que se afigura oportuno e necessaacuterio para a produccedilatildeo

de prova com vista agrave descoberta da verdade material que se obtenham certos dados124

armazenados num determinado sistema informaacutetico a autoridade judiciaacuteria competente

autoriza ou ordena por despacho que se proceda a uma pesquisa nesse sistema

informaacutetico125

Esta autorizaccedilatildeo tem uma validade de 30 dias sob pena de nulidade nos termos do nordm 2

do artigo 15ordm da Lei do Cibercrime Nos casos de obtenccedilatildeo de consentimento por quem

tenha a disponibilidade ou controlo dos dados de terrorismo criminalidade violenta ou

123 Venacircncio 2011 107 124 Contrariamente agrave injunccedilatildeo para apresentaccedilatildeo ou concessatildeo do acesso a dados na pesquisa de dados

informaacuteticos a lei natildeo coloca quaisquer restriccedilotildees relativamente aos conteuacutedos dos dados que podem ser

pesquisados 125 Rodrigues 2010 446

50

altamente organizada e quando haja fundados indiacutecios da praacutetica iminente de crime que

ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa os oacutergatildeos de poliacutecia

criminal poderatildeo proceder agrave pesquisa sem preacutevia autorizaccedilatildeo da autoridade judiciaacuteria

devendo a diligecircncia ser-lhe de imediato comunicada e elaborado um relatoacuterio em tudo

semelhante ao disposto no artigo 253ordm do Coacutedigo de Processo Penal (nos termos dos nos

3 e 4 do artigo 15ordm)

Pode ainda acontecer que no decurso da pesquisa aos oacutergatildeos de poliacutecia criminal

executores da medida surja a convicccedilatildeo de que os dados procurados se encontram noutro

sistema informaacutetico ou numa parte diferente do sistema pesquisado mas que tais dados

satildeo legitimamente acessiacuteveis a partir do sistema inicial entatildeo por forccedila do nordm 5 do artigo

15ordm da Lei do Cibercrime haveraacute lugar agrave extensatildeo da medida agravequeles outros sistemas ou

lugares mediante autorizaccedilatildeo ou ordem da autoridade competente nos termos dos nos 1

e 2 do artigo 15ordm da citada lei126

No caso concreto de as autoridades judiciaacuterias encontrarem um smartphone armazenado

com e-mails mensagens de texto mensagens de multimeacutedia fotografias gravaccedilotildees aacuteudio

ou viacutedeo histoacuterico de navegaccedilatildeo na internet documentos electroacutenicos dados

relacionados com as redes sociais dados relacionados com aplicaccedilotildees entre outros

estamos claramente perante dados informaacuteticos definidos pela al b) do artigo 2ordm da Lei

do Cibercrime como ldquoqualquer representaccedilatildeo de factos informaccedilotildees ou conceitos sob

uma forma susceptiacutevel de processamento num sistema informaacutetico incluindo os

programas aptos a fazerem um sistema informaacutetico executar uma funccedilatildeordquo Assim a

pesquisa destes dados armazenados no smartphone por parte das autoridades judiciaacuterias

deveraacute ser regulada pelo citado artigo 15ordm da Lei do Cibercrime

Por seu turno a apreensatildeo de dados informaacuteticos vem prevista no artigo 16ordm da Lei do

Cibercrime que vem estabelecer a possibilidade de os investigadores pedirem agrave

autoridade judiciaacuteria competente que autorize ou ordene por despacho a apreensatildeo dos

dados ou documentos informaacuteticos que no decurso de uma pesquisa informaacutetica ou de

outro acesso legiacutetimo a um sistema informaacutetico forem encontrados e que se afigurem

necessaacuterios agrave produccedilatildeo da prova tendo em vista a descoberta da verdade127

126 Rodrigues 2010 449-450 127 Rodrigues 2010 451

51

No entanto nos casos em que tenha sido um oacutergatildeo de poliacutecia criminal a realizar a pesquisa

(artigo 15ordm da Lei do Cibercrime) existe a possibilidade de o oacutergatildeo de poliacutecia criminal

levar igualmente a cabo a apreensatildeo dos dados informaacuteticos (sem preacutevia autorizaccedilatildeo da

autoridade judiciaacuteria) ficando estas diligecircncias sujeitas a validaccedilatildeo pela autoridade

judiciaacuteria no prazo maacuteximo de setenta e duas horas128 Assim a tiacutetulo de exemplo se

durante uma busca domiciliaacuteria promovida pelo Ministeacuterio Puacuteblico e autorizada pelo Juiz

de Instruccedilatildeo competente for encontrado um smartphone ndash que natildeo estaria incluiacutedo no

despacho judicial - os oacutergatildeos de poliacutecia criminal executores da medida poderatildeo

apreender validamente o conteuacutedo do dispositivo de acordo com o nordm 2 do artigo 16ordm da

Lei do Cibercrime ficando esta diligecircncia sujeita a validaccedilatildeo pela autoridade judiciaacuteria

no prazo maacuteximo de setenta e duas horas

O nordm 3 do artigo 16ordm da Lei do Cibercrime vem consagrar a obrigatoriedade de

intervenccedilatildeo do juiz de instruccedilatildeo sempre que forem apreendidos para junccedilatildeo ao processo

dados ou documentos informaacuteticos cujo conteuacutedo seja susceptiacutevel de revelar dados

pessoais ou iacutentimos que possam pocircr em causa a privacidade do respectivo titular ou de

terceiros Nestas situaccedilotildees os dados informaacuteticos apreendidos ndash que possam por em causa

a privacidade do respectivo titular ou de terceiros (vg fotografias gravaccedilotildees de viacutedeo ou

aacuteudio entre outros) - seratildeo apresentados ao juiz que ponderaraacute a sua junccedilatildeo aos autos

tendo em conta os interesses do caso concreto A natildeo observacircncia destas formalidades

legais tem como consequecircncia a nulidade da prova obtida por esta via129

Por fim cabe-nos fazer uma anaacutelise mais detalhada do artigo 17ordm da Lei do Cibercrime

que consagra a apreensatildeo de correio electroacutenico e registos de comunicaccedilotildees de natureza

semelhante A criaccedilatildeo desta norma eacute uma das grandes novidades da Lei do Cibercrime

natildeo soacute por estabelecer um regime especial para a apreensatildeo de correio electroacutenico e

registos de comunicaccedilatildeo de natureza semelhante (aqui incluindo as SMS e MMS) em

mateacuteria de criminalidade informaacutetica e obtenccedilatildeo de prova em suporte electroacutenico mas

tambeacutem por estabelecer um regime que natildeo encontra correspectivo directo na Convenccedilatildeo

sobre o Cibercrime

O artigo 17ordm da Lei nordm 1092009 determina que eacute possiacutevel apreender mensagens de

correio electroacutenico ou registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante que se encontrem

armazenados no sistema informaacutetico (vg smartphone) que tenha sido alvo de pesquisa

128 Morais 2012 101-102 129 Verdelho 2009 741

52

informaacutetica ou outro acesso legiacutetimo desde que a) seja o juiz a autorizar ou ordenar a

apreensatildeo b) e esta seja de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a

prova130

Dois comentaacuterios iniciais sobre este dispositivo primeiro podemos afirmar que haacute aqui

um aumento substancial das exigecircncias para esta medida dado que a mesma soacute poderaacute

ser autorizada se for de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova

segundo importa tambeacutem referir que natildeo estamos aqui perante um meio de obtenccedilatildeo de

prova autoacutenomo e independente mas sim perante uma possibilidade decorrente de uma

pesquisa informaacutetica (artigo 15ordm da Lei do Cibercrime) jaacute em curso que tenha sido

regularmente executada131 Efectivamente consagra esta disposiccedilatildeo normativa que

ldquoQuando no decurso de uma pesquisa informaacutetica ou outro acesso legiacutetimo a um sistema

informaacutetico forem encontrados armazenados nesse sistema informaacutetico ou noutro a que

seja permitido o acesso legiacutetimo a partir do primeiro mensagens de correio electroacutenico

ou registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante o juiz pode autorizar ou ordenar

por despacho a apreensatildeo daqueles que se afigurem ser de grande interesse para a

descoberta da verdade ou para a prova aplicando-se correspondentemente o regime da

apreensatildeo de correspondecircncia previsto no Coacutedigo de Processo Penalrdquo

Relativamente agrave remissatildeo feita no final do referido artigo para o regime da apreensatildeo de

correspondecircncia estamos com Rita Castanheira Neves quando afirma que se compreende

que em respeito pelo artigo 11ordm da Lei do Cibercrime ldquoa remissatildeo para o regime da

apreensatildeo de correspondecircncia natildeo abranja a exigecircncia de se tratar de crime puniacutevel com

pena de prisatildeo superior a trecircs anos Esta remissatildeo para o regime da apreensatildeo de

correspondecircncia parece pois realizada a quatro aspectos do regime agrave referecircncia agrave

nulidade no caso de natildeo respeito pelos requisitos estabelecidos (nos 1 e 2 do artigo 179ordm

do Coacutedigo de Processo Penal) ao facto de ter que estar em causa correio electroacutenico e

registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante enviados ou recebidos pelo suspeito

mesmo que dea partir de endereccedilo electroacutenico ou outros registos de pessoa diversa (aliacutenea

a) do nordm 1 do mesmo artigo 179ordm) agrave proibiccedilatildeo da apreensatildeo de correio electroacutenico e

registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante trocado entre arguido e defensor salvo

se o juiz tiver fundadas razotildees para crer que aquele correio electroacutenico ou aqueles registos

constituem objecto ou elemento do crime (nordm 2 do artigo 179ordm) e finalmente ao facto de

130 Neves 2011 273 131 Morais 2012 102

53

ter que ser o juiz que tiver autorizado ou ordenado a diligecircncia a primeira pessoa a tomar

conhecimento do conteuacutedo do correio electroacutenico e demais registos de comunicaccedilotildees

apreendido mandando-o juntar ao processo se o considerar relevante [hellip] ndash nordm 3 do artigo

179ordmrdquo132

Quanto a esta uacuteltima questatildeo parece-nos necessaacuterio focar em especial dois aspectos

distintos primeiro a necessidade ou natildeo de despacho judicial para a apreensatildeo das

mensagens de correio electroacutenico e registos de comunicaccedilatildeo de natureza semelhante (nordm

1 do artigo 179ordm do Coacutedigo de Processo Penal) segundo a necessidade de ter que ser o

juiz a primeira pessoa a ler o correio electroacutenico ou as mensagens de texto ou multimeacutedia

apreendidas e a decidir da sua junccedilatildeo ou natildeo ao processo (nordm 3 do artigo 179ordm do Coacutedigo

de Processo Penal)

Tendo em conta que a uacutenica exigecircncia do artigo 17ordm da Lei do Cibercrime para a

apreensatildeo de correio electroacutenico e registos de comunicaccedilatildeo de natureza semelhante eacute a

existecircncia de uma forma legiacutetima de acesso ao meio informaacutetico concordamos com Pedro

Verdelho quando defende que a referida medida permite fazer uma apreensatildeo provisoacuteria

de mensagens de correio electroacutenico de texto ou multimeacutedia no decurso de pesquisas

realizadas por exemplo com a autorizaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico devendo todavia tais

mensagens ser presentes ao juiz para que ordene a respectiva apreensatildeo definitiva e

junccedilatildeo ao processo Ou seja natildeo se requereraacute para a apreensatildeo provisoacuteria de e-mails

SMS ou MMS que haja uma preacutevia decisatildeo judicial133

Em regra antes de uma busca ainda natildeo se tem conhecimentos bastantes para certificar

que se encontraraacute ou natildeo um smartphone Assim na praacutetica seria inviaacutevel um sistema

que exigisse antes de toda e qualquer busca a obtenccedilatildeo de autorizaccedilatildeo judicial para a

eventual possibilidade de vir a ser encontrado no decurso de uma busca um smartphone

e que tal smartphone contivesse registos de comunicaccedilotildees e que tais comunicaccedilotildees

fossem prova necessaacuteria agrave investigaccedilatildeo do caso concreto

De salientar no entanto que esta apreensatildeo seraacute meramente uma apreensatildeo cautelar cuja

validade (definitiva) e consequente valoraccedilatildeo no processo em curso estaraacute sempre

dependente do despacho do juiz (nordm 1 do artigo 179ordm do CPP)

132 Neves 2011 274-275 133 Verdelho 2009 743-744

54

Neste sentido vai tambeacutem a jurisprudecircncia ao afirmar que ldquoa apreensatildeo de mensagens de

telemoacutevel (SMS) mesmo que resultante de uma pesquisa de dados informaacuteticos

validamente ordenada pelo Ministeacuterio Puacuteblico deve depois ser autorizada pelo JIC

Embora o MP deva tomar conhecimento em primeira matildeo das mensagens ordenando a

apreensatildeo provisoacuteria deve depois ser o juiz a ordenar a apreensatildeo definitiva ndash artigo 17ordm

da Lei do Cibercrimerdquo134

No entanto nos casos de apreensatildeo de mensagens decorrentes da autorizaccedilatildeo do seu

destinataacuterio (por exemplo quando eacute o proacuteprio a facultar o telemoacutevel para a obtenccedilatildeo das

mensagens) a jurisprudecircncia tem sido unacircnime quanto agrave desnecessidade de intervenccedilatildeo

judicial na obtenccedilatildeo e junccedilatildeo ao processo desses registos135

Assim concluiacutemos no sentido de natildeo carecer de autorizaccedilatildeo judicial a mera apreensatildeo

provisoacuteriacautelar de mensagens de correio electroacutenico de texto ou de multimeacutedia

encontradas no decurso de uma pesquisa informaacutetica (artigo 15ordm da Lei do Cibercrime)

ou outro acesso legiacutetimo num smartphone136 Sem embargo a validade definitiva desta

apreensatildeo e a sua consequente valoraccedilatildeo no processo em curso dependeraacute sempre do

despacho do juiz (nordm 1 do artigo 179ordm do CPP)

No que concerne agrave questatildeo da necessidade de ter que ser o juiz a primeira pessoa a ler o

correio electroacutenico e outros registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante

apreendidos (nordm 3 do artigo 179ordm do Coacutedigo de Processo Penal) importa trazer agrave colaccedilatildeo

a posiccedilatildeo defendida por dois Autores nacionais

Rita Castanheira Neves defende a tese de que dada a dificuldade praacutetica de ser o juiz a

primeira pessoa a tomar conhecimento do conteuacutedo de todas as mensagens cuja

quantidade pode ser bastante significativa se deveria proceder a uma inversatildeo da loacutegica

das coisas Assim a Autora afirma que ldquonatildeo haacute que deixar de exigir que seja o juiz o

primeiro a tomar conhecimento do conteuacutedo do correio electroacutenico [hellip]rdquo mensagens de

texto e multimeacutedia ldquo[hellip] pelas dificuldades praacuteticas de atribuir a um soacute juiz essa tarefa

134 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 29 de Marccedilo de 2011 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrgnsf86c25a698e4e7cb7802579ec004d38326aa96edf91e899b2802578a00054631f

OpenDocument [consultado em 29082016] 135 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 11 de Janeiro de 2011 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrlnsf33182fc732316039802565fa00497eece5ed1936deb44eb180257824004ab09d

OpenDocument [consultado em 29082016] 136 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 29 de Marccedilo de 2011 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrgnsf86c25a698e4e7cb7802579ec004d38326aa96edf91e899b2802578a00054631f

OpenDocument [consultado em 29082016]

55

mas sim exigir que durante a diligecircncia se tenha sempre em atenccedilatildeo que para a eficaacutecia

da mesma devem-se seguir estritos criteacuterios de abrangecircncia apenas apreendendo os e-

mails [hellip]rdquo mensagens de texto e de multimeacutedia ldquo[hellip] que se afiguram realmente

determinantes para a provardquo137

Em sentido semelhante Pedro Verdelho vem apoiar-se na letra da lei que segundo o

proacuteprio aponta para a possibilidade de quem procede agrave pesquisa encaminhar para o juiz

mensagens concretas com relevacircncia para o caso concreto que aquele depois apreenderaacute

ou natildeo138 Entendendo-se a lei de outra forma estar-se-ia segundo o Autor a optar por

uma soluccedilatildeo processual inviaacutevel que exigiria a verificaccedilatildeo pelo juiz de todas as

mensagens de correio electroacutenico e registos em todos os smartphones que fossem

encontrados no decurso de pesquisas

Pela nossa parte apoiamo-nos na ideia de que o artigo 17ordm da Lei do Cibercrime ao

remeter quanto agrave apreensatildeo de mensagens de correio electroacutenico e registos de

comunicaccedilotildees de natureza semelhante para o regime geral previsto no Coacutedigo de

Processo Penal determina a aplicaccedilatildeo daquele regime com as devidas adaptaccedilotildees

Assim e de encontro com o defendido por Rita Castanheira Neves Pedro Verdelho e pela

jurisprudecircncia aquelas apreensotildees (definitivas) tecircm efectivamente de ser autorizadas ou

determinadas por despacho judicial139 devendo ser o juiz a primeira pessoa a tomar

conhecimento do conteuacutedo da correspondecircncia previamente seleccionada como

determinante para a prova sob pena de nulidade

Chegados a esta parte e tendo em consideraccedilatildeo o objecto do nosso estudo podemos entatildeo

concluir depois de analisado o artigo 17ordm da Lei do Cibercrime que este preceito eacute

aplicaacutevel a todas as situaccedilotildees em que surja a necessidade por parte das entidades

judiciaacuterias de apreensatildeo de correio electroacutenico mensagens de texto e mensagens de

multimeacutedia armazenados num smartphone

137 Neves 2011 275 138 Verdelho 2009 744 139 Morais 2012 105 No caso de e-mails SMS e MMS ldquoa intervenccedilatildeo judicial tendo em vista a sua

apreensatildeo ou natildeo eacute sempre exigida em momento ulterior portanto apoacutes se ter encontrado este tipo de

informaccedilatildeo Nessa altura compete ao juiz escolher de entre as mensagens encontradas as que satildeo

relevantes para a prova Sublinha-se portanto que no sistema legal da Lei do Cibercrime natildeo poderaacute nunca

haver mensagens de correio electroacutenico [hellip]rdquo mensagens de texto e mensagens de multimeacutedia ldquo[hellip]

apreendidas para serem utilizadas como prova de determinado processo sem que haja um despacho de um

juiz nesse sentidordquo Cf Verdelho 2009 745

56

3 A relaccedilatildeo entre a Lei do Cibercrime e o Coacutedigo de Processo Penal

Jaacute foi analisado em sede de apreensatildeo de correio electroacutenico e registos de comunicaccedilotildees

de natureza semelhante que a remissatildeo do artigo 17ordm da Lei do Cibercrime para o regime

da apreensatildeo de correspondecircncia previsto no Coacutedigo de Processo Penal determina a

aplicaccedilatildeo deste regime com as devidas adaptaccedilotildees

A questatildeo que se coloca agora eacute a de saber qual seraacute a relaccedilatildeo entre o regime vertido no

Coacutedigo de Processo Penal sobre a intercepccedilatildeo de comunicaccedilotildees guardadas em suporte

digital (artigos 187ordm a 190ordm do CPP) e o regime estabelecido na nova Lei do Cibercrime

para a apreensatildeo de correio electroacutenico e registos de comunicaccedilotildees de natureza

semelhante (artigo 17ordm da Lei do Cibercrime)

Eacute da nossa opiniatildeo na esteira do defendido pela maioria da doutrina que no ordenamento

juriacutedico portuguecircs a intercepccedilatildeo e o registo das transmissotildees de dados informaacuteticos segue

a partir da entrada em vigor da Lei do Cibercrime em 15 de Outubro de 2009 o regime

aiacute vertido Efectivamente a Lei do Cibercrime ao optar por mobilizar um criteacuterio lato

para a sua aplicaccedilatildeo ndash necessidade de proceder agrave recolha de prova em suporte electroacutenico

- acabou por esvaziar o acircmbito de aplicaccedilatildeo do artigo 189ordm do Coacutedigo de Processo Penal

na parte relativa a comunicaccedilotildees electroacutenicas140

Em suma podemos concluir que a legislaccedilatildeo contida no Coacutedigo de Processo Penal foi

no essencial141 ultrapassada pela Lei nordm 1092009 levando assim agrave aplicaccedilatildeo do artigo

17ordm da Lei do Cibercrime aos casos de apreensatildeo de correio electroacutenico mensagens de

texto e mensagens de multimeacutedia como tiacutenhamos concluiacutedo supra e agrave aplicaccedilatildeo do artigo

16ordm da Lei do Cibercrime aos casos de apreensatildeo de dados informaacuteticos (vg fotografias

gravaccedilotildees de viacutedeo e aacuteudio contactos documentos electroacutenicos entre outros)

armazenados em smartphones

4 Conclusotildees intermeacutedias

Apoacutes uma anaacutelise detalhada sobre a Lei do Cibercrime encontramo-nos aptos a responder

agrave questatildeo que colocaacutemos no iniacutecio do presente capiacutetulo como se processa o acesso e a

apreensatildeo de conteuacutedos armazenados num smartphone de acordo com a legislaccedilatildeo

portuguesa

140 Neves 2011 280 Neste sentido vai tambeacutem Mesquita 2010 103 141 Tal natildeo invalida que todas as medidas gerais ou excepcionais e obrigaccedilotildees previstas na Lei nordm

1092009 se cumulem em tudo o que as natildeo contrarie com as estabelecidas no Coacutedigo de Processo Penal

57

Ao abranger todos os crimes em relaccedilatildeo aos quais seja necessaacuterio proceder agrave recolha de

prova em suporte electroacutenico a Lei do Cibercrime na al c) do seu artigo 11ordm acaba por

um lado por alargar o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo a quaisquer casos de desencriptaccedilatildeo de

smartphones para obtenccedilatildeo de prova em processo penal e por outro por esvaziar o acircmbito

de aplicaccedilatildeo do regime da intercepccedilatildeo de comunicaccedilotildees guardadas em suporte digital

previsto no Coacutedigo de Processo Penal

No que concerne ao acesso e agrave apreensatildeo de conteuacutedos armazenados num smartphone

para a obtenccedilatildeo de prova em processo penal cumpre deixar claro que em primeira

instacircncia eacute autorizada por despacho uma pesquisa ao conteuacutedo do smartphone regulada

pelo artigo 15ordm da Lei do Cibercrime e equiparada a uma busca tradicional mas em

ambiente digital Desta pesquisa podem resultar duas situaccedilotildees a necessidade de

apreensatildeo de determinados ficheiros electroacutenicos ou contrariamente a desnecessidade

de apreensatildeo de quaisquer ficheiros electroacutenicos

Caso se venha a verificar a primeira situaccedilatildeo (necessidade de apreensatildeo de determinados

ficheiros electroacutenicos) deveraacute ser feita a divisatildeo entre a) a necessidade de apreensatildeo de

dados informaacuteticos (artigo 16ordm da Lei do Cibercrime) b) e a necessidade de apreensatildeo

de mensagens de correio electroacutenico ou registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante

(artigo 17ordm da Lei do Cibercrime)

Se depois de feita uma primeira pesquisa ao conteuacutedo do smartphone os investigadores

encontrarem determinados dados ou documentos informaacuteticos tais como fotografias

viacutedeos gravaccedilotildees de auacutedio ou listas de contactos cuja apreensatildeo se mostre necessaacuteria

para a investigaccedilatildeo criminal deveraacute ser pedido agrave autoridade judiciaacuteria competente que

autorize ou ordene por despacho a sua apreensatildeo (artigo 16ordm da Lei do Cibercrime)

Existe ainda a possibilidade de o proacuteprio oacutergatildeo de poliacutecia criminal levar a cabo esta

apreensatildeo sem a preacutevia autorizaccedilatildeo da autoridade judiciaacuteria ficando esta diligecircncia

sujeita a validaccedilatildeo pela autoridade judiciaacuteria no prazo maacuteximo de setenta e duas horas

Como a apreensatildeo destes dados nomeadamente de fotografias viacutedeos ou gravaccedilotildees auacutedio

pode pocircr em causa a privacidade do arguido ou de terceiros o nordm 3 do referido artigo vem

consagrar a obrigatoriedade de intervenccedilatildeo do juiz de instruccedilatildeo

Por seu turno se no decorrer da pesquisa ao conteuacutedo do smartphone os investigadores

encontrarem mensagens de correio electroacutenico mensagens de texto ou de multimeacutedia

cuja apreensatildeo se mostre de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova

58

deveraacute ser pedido ao juiz que autorize ou ordene a apreensatildeo dessas mensagens de correio

electroacutenico e registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante (artigo 17ordm da Lei do

Cibercrime)

Isto posto parece-nos ser possiacutevel afirmar que o acesso e a apreensatildeo de ficheiros

electroacutenicos armazenados num smartphone eacute um processo relativamente simples No

entanto durante a abordagem da referida questatildeo natildeo colocaacutemos a possibilidade de o

acesso e a apreensatildeo destes ficheiros serem dificultados pela encriptaccedilatildeo do smartphone

Assim a tentativa de aceder e apreender ficheiros potencialmente incriminatoacuterios

armazenados num smartphone pode ser impossibilitada pelo bloqueio do dispositivo por

parte do seu proprietaacuterio atraveacutes da encriptaccedilatildeo por palavra-passe ou por biometria Eacute

sobre esta encriptaccedilatildeo que nos pronunciaremos de seguida

59

CAPIacuteTULO III ndash A ENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES

Num caso tiacutepico de desencriptaccedilatildeo de smartphones apoacutes a recolha do dispositivo agraves

autoridades judiciaacuterias cabe aceder e apreender os conteuacutedos aiacute armazenados a fim de

obterem provas incriminatoacuterias Sem embargo como ficou assente anteriormente natildeo

raras vezes os investigadores deparam-se com um entrave ao acesso aos ficheiros

guardados no smartphone a encriptaccedilatildeo do dispositivo Dada a circunstacircncia a tarefa de

aceder ao dispositivo com o desiacutegnio de recolher prova digital para auxiliar agrave investigaccedilatildeo

criminal torna-se mais complexa

Nos casos apresentados no primeiro capiacutetulo da presente investigaccedilatildeo a encriptaccedilatildeo dos

smartphones em causa era feita atraveacutes de dois meacutetodos distintos a palavra-passe

alfanumeacuterica e a biometria (leitura de impressotildees digitais) Tendo em consideraccedilatildeo os

casos apresentados que nos hatildeo de servir de modelo ao longo da nossa investigaccedilatildeo e o

elevado nuacutemero de utilizadores que actualmente recorre a estes dois meacutetodos de

encriptaccedilatildeo mostra-se imperativo natildeo soacute analisar a noccedilatildeo e as funcionalidades da

encriptaccedilatildeo mas tambeacutem como funcionam estes dois meacutetodos em concreto

1 A sociedade na era digital e a crescente necessidade de encriptar

No final do seacuteculo passado com os avanccedilos tecnoloacutegicos cientiacuteficos sociais e o

fenoacutemeno da globalizaccedilatildeo a sociedade industrial passou a caminhar para uma sociedade

informacional e comunicacional ganhando o epiacuteteto de sociedade na era digital142

A entrada de Portugal na era comum da informaccedilatildeo tornou-se irreversiacutevel e afectou todos

os aspectos da sociedade143 estando o seu surgimento umbilicalmente relacionado com o

apogeu e o sucesso da Internet Assim com o nascimento da Internet eacute simultaneamente

criado um novo paradigma de sociedade onde a energia eacute progressivamente substituiacuteda

pela informaccedilatildeo144 como fonte primeira do progresso social tendo como produto

essencial a prestaccedilatildeo de novos serviccedilos145 Numa realidade recente a informaccedilatildeo eacute

divulgada agrave velocidade da luz funcionando como moeda de troca em diversas

negociaccedilotildees

142 Quelhas 2008 22 143 Rodrigues 2009a 96 144 ldquoThe world isnrsquot run by weapons anymore or energy or money Itrsquos run by ones and zeros ndash little bits

of data Itrsquos all electronshellip Therersquos a war out there a world war Itrsquos not about who has the most bullets

Itrsquos about who controls the informationhellip Itrsquos all about informationrdquo Cf Weinberg 1998 675 145 MarquesMartins 2006 109

60

Contudo dada a facilidade na troca de informaccedilotildees ndash muita das vezes confidenciais ou

de caraacutecter privado - esta sociedade da informaccedilatildeo ou como preferimos sociedade

digital deveraacute pautar-se sempre em respeito pelos princiacutepios democraacuteticos da igualdade

e solidariedade visando a melhoria da qualidade de vida de todos os cidadatildeos146

O telemoacutevel nomeadamente o smartphone eacute um dos resultados desta evoluccedilatildeo

tecnoloacutegica sendo considerado actualmente como uma necessidade tanto pessoal quanto

profissional para a generalidade das pessoas147 Na sociedade actual informaccedilatildeo eacute

sinoacutenimo de poder Esta realidade levou a que o homem meacutedio passasse a armazenar ndash

digitalmente - uma quantidade consideraacutevel de informaccedilatildeo convertendo por sua vez os

telemoacuteveis em tesouros dos tempos modernos Desta forma natildeo causa estranheza afirmar

que a informaccedilatildeo aiacute armazenada tem frequentemente caraacutecter pessoal ou privado pelo

que surgem diversas preocupaccedilotildees por parte dos proprietaacuterios relativamente agrave sua

privacidade

Efectivamente a protecccedilatildeo da vida privada na era digital deixou de ser um iacutendice de

condiccedilatildeo social eacute um problema colectivo O Estado social moderno tem um grau de

participaccedilatildeo ou ingerecircncia na sociedade impensaacutevel no modelo de Estado liberal Desta

forma de uma maneira ou de outra todos os cidadatildeos acabam por estabelecer a dado

momento contacto com a maacutequina estatal vendo-se compelidos a ceder-lhe dados de

caraacutecter pessoal148 Como exemplo desta ingerecircncia estatal podemos chamar agrave colaccedilatildeo o

escacircndalo norte-americano que envolveu o funcionaacuterio da agecircncia NSA americana

Edward Snowden149 No veratildeo de 2013 Edward Snowden tornou puacuteblicas diversas

informaccedilotildees sobre programas que constituiriam o sistema de vigilacircncia global de

comunicaccedilotildees e traacutefego de informaccedilotildees executada pela NSA americana150

No entanto natildeo eacute apenas esta ingerecircncia estatal no acircmbito digital que inquieta a sociedade

moderna mas tambeacutem a ingerecircncia de terceiros Diversos satildeo os dispositivos de pequenas

dimensotildees tais como os smartphones que podem ser perdidos e posteriormente

encontrados por terceiros curiosos Assim natildeo seraacute soacute o Estado mas tambeacutem estes

terceiros que geram na sociedade um receio de devassa da vida privada

146 Benevides 2002 90 147 Clemens 2004 2 148 Benevides 2002 84 149 JafferRosenthal 2016 286 150 McCarthy 2016 21

61

Ora numa sociedade em que grande parte das trocas de informaccedilotildees ocorre por meios

electroacutenicos como o smartphone eacute natural que exista a preocupaccedilatildeo de implementar

teacutecnicas e meios de transmissatildeo seguros dessa mesma informaccedilatildeo A necessidade de

desenvolvimento de um meio teacutecnico que permita no acircmbito do armazenamento digital

de informaccedilotildees a confirmaccedilatildeo de determinados aspectos relacionados com a seguranccedila

da informaccedilatildeo aiacute armazenada levou ao desenvolvimento da encriptaccedilatildeo151 Percebe-se

que a encriptaccedilatildeo seja especialmente importante quando a informaccedilatildeo que se pretende

manter segura eacute armazenada em suportes electroacutenicos de pequena escala que se

encontram presentes no dia-a-dia de qualquer cidadatildeo (vg smartphone)

2 Encriptaccedilatildeo de smartphones

O recurso agrave encriptaccedilatildeo como tentativa de proteger certo tipo de informaccedilatildeo natildeo eacute algo

recente pelo contraacuterio existe de uma forma ou de outra haacute milhares de anos Apesar de

alguns exemplos dos uacuteltimos 4000 anos diferirem daquilo que hoje conhecemos como

encriptaccedilatildeo diferentes formas de encriptar foram utilizadas por padres imperadores

diplomatas generais espiotildees comerciantes insurgentes criminosos prisioneiros e

amantes ao longo do tempo152

Actualmente e atendendo ao tema da nossa investigaccedilatildeo uma das formas mais utilizadas

de encriptaccedilatildeo eacute precisamente a encriptaccedilatildeo de smartphones De facto esta encriptaccedilatildeo

passou a ser a norma e natildeo a excepccedilatildeo sendo utilizada de diversas maneiras e com

variados propoacutesitos153

21 Noccedilatildeo

A encriptaccedilatildeo pode ser definida como o processo atraveacutes do qual uma qualquer

informaccedilatildeo eacute convertida numa forma ilegiacutevel com recurso a algoritmos matemaacuteticos154

No niacutevel mais baacutesico a encriptaccedilatildeo usa a arte da criptografia (em grego ldquoescrita secretardquo)

para transformar informaccedilatildeo que pode ser lida (plaintext) em informaccedilatildeo que natildeo pode

ser lida (ciphertext)155 O processo eacute executado de acordo com um algoritmo de

encriptaccedilatildeo o cipher156 (um conjunto de regras que regula como o ldquoplaintextrdquo eacute

codificado) Apesar de este processo poder ser tatildeo simples quanto substituir cada letra

151 MartinsMarquesDias 2004 69 152 Vagle 2015 106-107 153 SwireAhmad 2012 453 154 Sales 2014 208 155 Thompson IIJaikaran 2016 2 156 Colarusso 2011 141

62

numa mensagem por um respectivo nuacutemero os algoritmos da encriptaccedilatildeo mais moderna

consistem frequentemente numa seacuterie complexa de funccedilotildees matemaacuteticas157 Assim a

encriptaccedilatildeo pode ser usada para baralhar todo o conteuacutedo do smartphone tornando

impossiacutevel a distinccedilatildeo entre zeros e uns que poderatildeo representar um documento e zeros

e uns que poderatildeo ser apenas espaccedilo de armazenamento vazio158 Independentemente do

modo de encriptaccedilatildeo o resultado final seraacute sempre a ininteligibilidade da informaccedilatildeo para

terceiros ndash governo ou particulares

Para que a encriptaccedilatildeo possa ser vista como um meacutetodo uacutetil de armazenamento ou envio

de informaccedilatildeo eacute necessaacuterio que seja reversiacutevel Desta forma os mais modernos sistemas

de encriptaccedilatildeo utilizam uma chave que deve ser aplicada ao algoritmo de encriptaccedilatildeo

escolhido para a recuperaccedilatildeo do ldquoplaintextrdquo159 A desencriptaccedilatildeo poderaacute ser entatildeo

definida como o processo pelo qual se transforma ou converte a informaccedilatildeo codificada

em informaccedilatildeo legiacutevel Igualmente correcta eacute a afirmaccedilatildeo de que a desencriptaccedilatildeo seraacute o

processo de transformaccedilatildeo de um ldquociphertextrdquo em ldquoplaintextrdquo160

22 Funcionalidades

Para o correcto funcionamento da encriptaccedilatildeo satildeo necessaacuterios cinco elementos distintos

a) a funccedilatildeo da encriptaccedilatildeo161 b) a funccedilatildeo da desencriptaccedilatildeo c) a chave d) o ldquoplaintextrdquo

e) e o ldquociphertextrdquo162

A encriptaccedilatildeo tem como funccedilatildeo principal a garantia de confidencialidade e a prevenccedilatildeo

de intromissatildeo de terceiros em determinadas informaccedilotildees Efectivamente a encriptaccedilatildeo

pode ser caracterizada como um dos meacutetodos mais idoacuteneos na protecccedilatildeo de informaccedilatildeo

electroacutenica contra intercepccedilotildees iliacutecitas por parte do governo empresas concorrentes

criminosos e outros163 O recurso agrave encriptaccedilatildeo passou a ser tatildeo comum que inuacutemeros

fabricantes de aparelhos tecnoloacutegicos a consideram como uma medida de seguranccedila

baacutesica Mesmo que a informaccedilatildeo codificada seja perdida ou furtada natildeo seraacute acessiacutevel a

terceiros natildeo autorizados

157 Ungberg 2009 540 158 MohanVillasenor 2012 17 159 LehtinenGangemi 2006 141-142 160 Mathur 2012 1650 161 A ldquofunccedilatildeordquo seraacute o processo matemaacutetico usado 162 Thompson IIJaikaran 2016 3 163 Sherwinter 2007 512

63

Apoacutes o escacircndalo de Snowden ter espalhado a sensaccedilatildeo de desconfianccedila e de falta de

privacidade na sociedade digital e atendendo agraves valecircncias da encriptaccedilatildeo empresas como

a Apple Samsung Google Facebook WhatsApp e Blackberry anunciaram a

implementaccedilatildeo de sistemas de encriptaccedilatildeo nas suas plataformas e produtos como uma

medida de seguranccedila e privacidade164

A tiacutetulo de exemplo a empresa Apple que seraacute objecto de estudo durante a nossa

investigaccedilatildeo no seu sistema operativo iOS nos iPads iPhones e iPods recorre agrave

encriptaccedilatildeo natildeo soacute para prevenir o acesso de pessoas natildeo autorizadas como tambeacutem para

evitar que o sistema operativo seja apagado por terceiros No final do mecircs de Novembro

de 2016 cerca de 95 dos iPhones a niacutevel mundial - uma percentagem com uma clara

tendecircncia para aumentar - seriam inacessiacuteveis agraves autoridades judiciaacuterias165166 Soacute nos

Estados Unidos da Ameacuterica cerca de 85 milhotildees de aparelhos da marca Apple estatildeo

encriptados167

Apesar das suas claras vantagens no acircmbito da seguranccedila e privacidade de determinadas

informaccedilotildees a encriptaccedilatildeo tem igualmente algumas vulnerabilidades e desvantagens

De facto todas as formas de encriptaccedilatildeo estatildeo sujeitas a trecircs categorias baacutesicas de ataque

a) ataques de forccedila bruta (brute-force attacks) b) ataques atraveacutes de ldquopeer-reviewrdquo c) e

ldquobackdoorsrdquo168

Nos ataques de forccedila bruta ou brute-force attacks os terceiros que pretendem aceder ao

smartphone recorrem a programas informaacuteticos que testam todas as combinaccedilotildees de

diferentes caracteres possiacuteveis ateacute conseguirem desencriptar o dispositivo atraveacutes da

combinaccedilatildeo correcta169 Dependendo da forccedila da combinaccedilatildeo este processo poderaacute ser

mais ou menos demorado

A segunda e mais sofisticada forma de ataque designada por ldquopeer-reviewrdquo envolve a

tentativa por parte de especialistas em seguranccedila e criptoacutegrafos de desencriptar sistemas

para testar a sua seguranccedila Ateacute que um sistema de encriptaccedilatildeo tenha resistido durante

164 McCarthy 2016 21-22 165 Cf App Store Support ndash Apple Developer Disponiacutevel em httpsdeveloperapplecomsupportapp-

store [consultado em 09122016] 166 ldquoWhen conducting criminal investigations if you pull the power on a smartphone that is encrypted you

have lost any chance of recovering that datardquo Cf Garfinkel 2012 2 Disponiacutevel em

httpswwwtechnologyreviewcoms428477the-iphone-has-passed-a-key-security-threshold

[consultado em 09122016] 167 JafferRosenthal 2016 289 168 SwireAhmad 2012 429 169 McCarthy 2016 19

64

anos porventura deacutecadas a um escrutiacutenio por parte destes criptoacutegrafos experientes natildeo

seraacute considerado seguro o suficiente para uso comercial170 Ser submetido a um ldquopeer-

reviewrdquo eacute portanto essencial para a implementaccedilatildeo comercial de um ldquocryptosystemrdquo

Por fim a terceira forma de ataque a um smartphone pode passar pelo uso de ldquobackdoorsrdquo

As backdoors satildeo intencionalmente construiacutedas no sistema de encriptaccedilatildeo com o desiacutegnio

de fornecer uma alternativa para aceder ao conteuacutedo codificado Podem ser vistas como

brechas de seguranccedila inerentes uma vez que permitem um acesso secundaacuterio ao

dispositivo sem a necessidade de desencriptar171

Numa outra perspectiva podemos ainda chamar agrave colaccedilatildeo uma possiacutevel desvantagem que

a implementaccedilatildeo de encriptaccedilatildeo em smartphones pode gerar o aumento do crime De um

ponto de vista mais extremo haacute quem defenda que a encriptaccedilatildeo pode levar a que

criminosos e terroristas tracem os seus planos e armazenem informaccedilotildees relevantes sobre

os seus intentos nos seus smartphones encriptados longe dos olhares das entidades

judiciaacuterias172

23 Meacutetodos de encriptaccedilatildeo de smartphones

Existem actualmente diversos meacutetodos de encriptaccedilatildeo e desencriptaccedilatildeo de smartphones

muito dependente da marca do dispositivo Tipicamente os meacutetodos de encriptaccedilatildeo (ou

de autenticaccedilatildeo como satildeo muitas vezes designados) baseiam-se em trecircs factores

distintos a) possessatildeo (algo que a pessoa tem como um cartatildeo do banco uma chave ou

um token173) b) conhecimento (algo que a pessoa sabe como um username uma palavra-

passe ou um PIN) c) identidade (algo que a pessoa eacute ou faz como uma impressatildeo digital

a iacuteris a voz ou o rosto)174 No que agrave nossa investigaccedilatildeo diz respeito a distinccedilatildeo revelante

seraacute feita entre o factor do conhecimento e da identidade

170 SwireAhmad 2012 431-432 171 ldquoThe image is that the front door to a house is securely locked but someone can enter through a

backdoor that appears to be locked but is actually easy to openrdquo Cf SwireAhmad 2012 432 172 Andrews 2000 211 173 Tokens satildeo dispositivos fiacutesicos utilizados para auxiliarem a seguranccedila pessoal do seu utilizador em

determinadas transacccedilotildees (muitas das vezes bancaacuterias) Normalmente o processo eacute feito atraveacutes de um

aparelho semelhante a uma chave que vai gerando diversas senhas com um uacutenico clique 174 Hoyos Labs 2016 4 Disponiacutevel em httppimn-publicsharepointcomDocumentatie2016-06-10-

idm-Hoyos-Labs-Guaranteeing-identity-with-biometric-authenticationpdf [consultado em 12122016]

Neste sentido cf PatoMillett 2010 5 ldquoUn soggetto dunque puograve essere identificato non solo mediante

qualcosa che conosce (una password un PIN) o qualcosa che possiede (un dispositivo di autenticazione

una smart card) come comunemente avviene ma anche mediante qualcosa che gli egrave proprio una

caratteristica biometrica appuntordquo Cf Girotto 2009 454

65

Com base nos vaacuterios modelos de smartphones disponiacuteveis actualmente no mercado

podemos enumerar os seguintes meacutetodos de encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo a) palavra-passe

e PIN b) gesto (padratildeo desenhado no touchscreen conectado com uma seacuterie de pontos

ou formas) c) impressatildeo digital d) reconhecimento facial e) reconhecimento da iacuteris f)

reconhecimento de voz175

Na maioria dos casos referidos no primeiro capiacutetulo da presente investigaccedilatildeo o

dispositivo moacutevel que estaria sobre escrutiacutenio seria um iPhone da marca Apple Por esse

motivo toda a nossa investigaccedilatildeo iraacute centrar-se no meacutetodo de encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo

implementado em tal smartphone sem prejuiacutezo de toda a informaccedilatildeo apresentada poder

ser ainda pertinente para todos os dispositivos que funcionem com os mesmos meacutetodos

(quer simultacircnea quer separadamente)

Actualmente o iPhone utiliza duas medidas de seguranccedila distintas a palavra-passe e a

impressatildeo digital176 Desta forma seratildeo estes os dois meacutetodos de encriptaccedilatildeo e

desencriptaccedilatildeo que analisaremos ao longo do nosso estudo

231 Palavra-passe

A palavra-passe pode ser definida como um coacutedigo numeacuterico ou alfanumeacuterico que tem

como objectivo principal criar uma barreira entre a informaccedilatildeo armazenada no

smartphone e um terceiro que queira aceder ao dispositivo Actualmente as palavras-

passe satildeo consideradas o meacutetodo padratildeo de encriptaccedilatildeo de smartphones177

Para comprovar a sua eficaacutecia eacute necessaacuterio que as palavras-passe sejam resistentes a uma

variedade de ataques Assim a sua eficiecircncia vai depender da forccedila do cipher e do segredo

da palavra-passe Geralmente quanto maior for a palavra-passe maior seraacute a forccedila da

encriptaccedilatildeo uma vez que os brute-force attacks vatildeo testar todas as combinaccedilotildees possiacuteveis

ateacute chegarem agrave combinaccedilatildeo correcta178 De facto uma palavra-passe longa dificilmente

seraacute descoberta atendendo agrave actual velocidade e capacidade de processamento de

programas de descoberta de palavras-passe e plataformas de smartphones Numa palavra-

passe com 4 diacutegitos existem 10000 combinaccedilotildees possiacuteveis por outro lado numa palavra-

passe alfanumeacuterica com 6 caracteres o nuacutemero de combinaccedilotildees possiacuteveis sobe para 139

175 ChoongFranklinGreene 2016 11-14 176 Vogl 2015 202 177 ChoongFranklinGreene 2016 17 178 Colarusso 2011 152-153

66

biliotildees179 Nesta uacuteltima hipoacutetese seriam necessaacuterios cerca de cinco anos e meio para

conseguir descobrir a palavra-passe correcta e desencriptar o smartphone sem o auxiacutelio

do proprietaacuterio

A palavra-passe nos iPhones dos uacuteltimos quatro anos eacute tipicamente composta por 6

diacutegitos no entanto o utilizador poderaacute optar por uma palavra-passe alfanumeacuterica mais

complexa Por sua vez os iPhones anteriores a 2012 tecircm uma palavra-chave padratildeo de

apenas 4 diacutegitos sendo que os seus utilizadores tambeacutem poderatildeo optar por uma palavra-

passe alfanumeacuterica

Em 2010 com o lanccedilamento do novo sistema operativo iOS4 foi introduzida pela Apple

a primeira de muitas medidas de seguranccedila e privacidade nos seus produtos a protecccedilatildeo

de correio electroacutenico e lista de contactos atraveacutes de encriptaccedilatildeo por palavra-passe No

entanto estes coacutedigos de 4 diacutegitos eram facilmente descobertos em menos 20 minutos

com recurso a ferramentas forenses180 Ateacute Outubro de 2014 a Apple possuiacutea capacidades

para aceder ao conteuacutedo (SMS MMS fotografias viacutedeos contactos histoacuterico de

chamadas entre outros) de qualquer dispositivo encriptado da sua marca Atendendo a

esta capacidade natildeo raras vezes eram feitos pedidos agrave Apple por parte das entidades

judiciaacuterias no sentido de lhes serem fornecidos todos os ficheiros armazenados no

smartphone que seriam posteriormente usados como prova em determinada investigaccedilatildeo

Com o lanccedilamento do iOS8 em Outubro de 2014 e a consequente melhoria no sistema

de total encriptaccedilatildeo dos seus dispositivos a Apple deixa de conseguir aceder aos iPhones

mesmo que a pedido das autoridades judiciaacuterias181 Desta melhoria no sistema de

encriptaccedilatildeo podemos ainda extrair a possibilidade de activaccedilatildeo de uma definiccedilatildeo de

seguranccedila que permite apagar todos os dados do iPhone apoacutes 10 tentativas de introduccedilatildeo

da palavra-passe182

De facto a encriptaccedilatildeo com palavra-passe tem sido utilizada pelos grandes fabricantes de

smartphones como um meacutetodo padratildeo de seguranccedila e privacidade No entanto como

tantos outros meacutetodos de seguranccedila as palavras-passe tecircm desvantagens

O meacutetodo de encriptaccedilatildeo por palavra-passe envolve dois problemas principais

179 Thompson IIJaikaran 2016 4 180 Potapchuk 2016 1409 181 JafferRosenthal 2016 287-288 182 Garfinkel 2012 3-4 Disponiacutevel em httpswwwtechnologyreviewcoms428477the-iphone-has-

passed-a-key-security-threshold [consultado em 12122016]

67

O primeiro tem que ver com a seguranccedila da palavra-passe Este meacutetodo de encriptaccedilatildeo

exige necessariamente que o seu utilizador memorize a combinaccedilatildeo Uma vez que os

ataques de forccedila bruta a smartphones satildeo cada vez mais recorrentes a necessidade de

criaccedilatildeo de palavras-passe mais longas e complexas eacute cada vez maior tornando a sua

memorizaccedilatildeo numa tarefa extremamente difiacutecil183 Para agravar a situaccedilatildeo o nuacutemero de

palavras-passe que o utilizador teraacute de memorizar relativamente a dispositivos de uso

profissional ou pessoal tambeacutem tem aumentado184 Quantas mais palavras-passe o

utilizador tem de memorizar maior seraacute a probabilidade de errar ou esquecer-se de

alguma Essencialmente qualquer meacutetodo de encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo que envolva a

memorizaccedilatildeo e o segredo de uma palavra-passe ou uma sequecircncia de nuacutemeros por parte

do utilizador eacute faliacutevel dado que os seres humanos satildeo por natureza igualmente faliacuteveis

Por outro lado para evitar a tarefa de ter de memorizar uma diversidade de palavras-passe

longas e complexas o utilizador acaba por muitas das vezes escolher uma palavra-passe

curta e fraca185 Estas palavras-passe para aleacutem de serem facilmente descobertas atraveacutes

de ataques de forccedila bruta satildeo ainda passiacuteveis de ser adivinhadas por terceiros186 dado

que natildeo raras vezes os utilizadores utilizam datas de aniversaacuterio ou nomes de familiares

para protegerem os seus smartphones Uma outra maneira diversas vezes utilizada para

evitar memorizar ou por outro lado esquecer palavras-passe complexas eacute anotaacute-las num

papel ou em outro formato Desta forma o utilizador estaraacute a comprometer toda a

seguranccedila e privacidade do sistema possibilitando que terceiros (nomeadamente

autoridades judiciaacuterias) encontrem a palavra-passe e acedam ao smartphone

O segundo problema relacionado com a encriptaccedilatildeo por palavra-passe prende-se com a

sua falta de conexatildeo directa com o utilizador187 Visto que a palavra-passe natildeo tem

qualquer ligaccedilatildeo com o utilizador o sistema que executa o algoritmo criptograacutefico eacute

incapaz de diferenciar entre o utilizador legiacutetimo e um invasor que adquiriu ilicitamente

(ou mesmo que licitamente) a palavra-passe Assim qualquer terceiro que tome

183 Keenan 2016 5 184 PaulIrvine 2016 80 185 Rubens 2012 3 Disponiacutevel em httpwwwesecurityplanetcomtrendsbiometric-authentication-how-

it-workshtml [consultado em 12122016] 186 Casey 2002 107 187 SoutarRobergeStoianovGilroyKumar 2007 3 Disponiacutevel em

httpwwwcselehigheduprrBiometricsArchivePapersBiometricEncryptionpdf [consultado em

12122016]

68

conhecimento da palavra-passe seja porque lhe foi concedida ou porque a descobriu

poderaacute aceder a todo o conteuacutedo do smartphone

Atendendo agraves desvantagens da encriptaccedilatildeo por palavra-passe foi criada uma alternativa

a encriptaccedilatildeo biomeacutetrica

232 Biometria

Para aleacutem da encriptaccedilatildeo por palavra-passe existe ainda uma outra tecnologia que

permite a protecccedilatildeo de dados sensiacuteveis esta tecnologia eacute designada por biometria

A encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo biomeacutetrica natildeo eacute uma realidade recente Jaacute no ano de 1892

o cientista Francis Galton desenvolveu um sistema de classificaccedilatildeo para impressotildees

digitais188 Vaacuterios avanccedilos foram alcanccedilados desde essa altura Actualmente o recurso agrave

biometria na encriptaccedilatildeo e desencriptaccedilatildeo de qualquer dispositivo electroacutenico eacute visto

como um passo fundamental para a garantia da seguranccedila e privacidade189

A biometria eacute um ramo da biologia que mede e analisa dados bioloacutegicos para que as

propriedades bioloacutegicas de determinada pessoa possam ser usadas para garantir a

seguranccedila do seu acesso a determinada informaccedilatildeo190

Por seu turno a biomeacutetrica pode ser definida como uma caracteriacutestica uacutenica mensuraacutevel

e bioloacutegica cujo objectivo eacute reconhecer ou verificar automaticamente a identidade de

determinado ser humano191 Numa outra perspetiva podemos afirmar que a tecnologia

biomeacutetrica eacute utilizada para verificar a identidade de determinada pessoa com base nas

suas caracteriacutesticas fiacutesicas ou comportamentais atraveacutes de meios digitais192 A anaacutelise

188 National Science and Technology Coucil 2006 2 Disponiacutevel em httpswwwfbigovfile-

repositoryabout-us-cjis-fingerprints_biometrics-biometric-center-of-excellences-fingerprint-

recognitionpdfview [consultado em 13122016] 189 Keenan 2016 6 190 Silver 2012 813 191 ldquoLa biometria egrave dunque una tecnica che permettendo di autenticare o identificare un soggetto trova

vasta applicazione in molteplici ambiti soprattutto laddove si pone una concreta esigenza di garanzia della

sicurezza pubblica o privatardquo Cf Girotto 2009 455 192 Feldman 2003 103 Neste sentido vai tambeacutem a OCDE que definiu a identificaccedilatildeo biomeacutetrica como

ldquothe automated use of physiological or behavioural characteristics to determine or verify identityrdquo Cf

OCDE 2004 10 Disponiacutevel em httpwwwoecd-

ilibraryorgdocserverdownload232075642747pdfexpires=1481644102ampid=idampaccname=guestampchec

ksum=B1A21B7898A864D5763D4AB7F7310AFA [consultado em 13122016]

69

estatiacutestica destas caracteriacutesticas bioloacutegicas ficou conhecida como a ldquoscience of

biometricsrdquo193

As impressotildees digitais objecto do nosso estudo satildeo a forma de dados biomeacutetricos mais

utilizada na encriptaccedilatildeo de dispositivos electroacutenicos

No entanto existem outras tecnologias biomeacutetricas que satildeo igualmente usadas satildeo elas

a) o rosto b) a geometria da palma da matildeo c) a marchapassada d) a iacuteris e) a impressatildeo

da palma da matildeo f) o reconhecimento de voz entre outros194

A tecnologia biomeacutetrica de uma forma geral eacute dividida em duas fases distintas a) o

registo (enrollment) b) e a verificaccedilatildeo (verification)195 Durante a fase do registo uma

amostra da biomeacutetrica designada eacute obtida (vg atraveacutes de microfones ou de scanners de

impressotildees digitais)196 Posteriormente algumas das caracteriacutesticas uacutenicas dessa amostra

satildeo extraiacutedas para formar um modelo (template) biomeacutetrico que seraacute alvo de uma

subsequente comparaccedilatildeo Durante a fase da verificaccedilatildeo eacute necessaacuteria uma actualizaccedilatildeo da

amostra biomeacutetrica que se obteacutem atraveacutes do fornecimento de uma nova amostra Agrave

semelhanccedila do que acontece na fase de registo caracteriacutesticas desta nova amostra seratildeo

igualmente recolhidas Por fim as suas caracteriacutesticas seratildeo comparadas com o modelo

biomeacutetrico fornecido anteriormente

Eacute ainda pertinente neste acircmbito esclarecer que todas as tecnologias biomeacutetricas

apresentadas podem ser aplicadas sob duas formas distintas a) como meacutetodo de

identificaccedilatildeo b) ou como meacutetodo de autenticaccedilatildeo A identificaccedilatildeo biomeacutetrica consiste na

tarefa de determinar a identidade de uma pessoa desconhecida ao passo que a

autenticaccedilatildeo biomeacutetrica simplesmente atesta se o indiviacuteduo eacute quem afirma ser197

193 SoutarRobergeStoianovGilroyKumar 2007 1 Disponiacutevel em

httpwwwcselehigheduprrBiometricsArchivePapersBiometricEncryptionpdf [consultado em

13122016] 194 PatoMillett 2010 31 CorcoranCostache 2016 70 ldquoSi egrave soliti inoltre distinguere le caratteristiche

biometriche fisiche o fisiologiche da quelle comportamentali Tra le prime rientrano principalmente la

verifica delle impronte digitali lanalisi dellimmagine delle dita il riconoscimento delliride lanalisi della retina il riconoscimento del volto la geometria della mano il riconoscimento della forma dellorecchio il

rilevamento dellodore del corpo il riconoscimento vocale lanalisi dei pori della pelle e altro ancora

Tra le seconde le piugrave utilizzate sono la verifica della firma manoscritta lanalisi della battitura su tastiera

lanalisi dellandaturardquo Cf Girotto 2009 454 195 SoutarRobergeStoianovGilroyKumar 2007 2 Disponiacutevel em

httpwwwcselehigheduprrBiometricsArchivePapersBiometricEncryptionpdf [consultado em

13122016] 196 GelbClark 2013 62-63 197 CorcoranCostache 2016 72

70

No processo de autenticaccedilatildeo biomeacutetrica o utilizador submete a reivindicaccedilatildeo da sua

identidade ao sistema (atraveacutes do fornecimento de uma amostra biomeacutetrica) sendo que

apenas um modelo biomeacutetrico eacute recuperado da base de dados dos utilizadores e

comparado com a amostra por si fornecida A autenticaccedilatildeo biomeacutetrica eacute tipicamente usada

nas circunstacircncias em que eacute feito um controlo do acesso seja o acesso fiacutesico a uma sala

ou edifiacutecio ou o acesso a um sistema eletroacutenico como um smartphone198

Desta forma no que concerne ao objecto da nossa investigaccedilatildeo apenas se mostra

relevante a autenticaccedilatildeo biomeacutetrica uma vez que eacute a teacutecnica utilizada na

encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo de smartphones Quando determinado utilizador quiser

aceder a um smartphone encriptado atraveacutes de biometria teraacute de fornecer uma amostra

biomeacutetrica (vg a sua impressatildeo digital) para que esta seja comparada com o modelo

registado Caso haja correspondecircncia entre a impressatildeo digital fornecida e a impressatildeo

digital registada anteriormente o utilizador vecirc o acesso ao smartphone autorizado caso

natildeo haja correspondecircncia o acesso manteacutem-se interdito De facto actualmente a

autenticaccedilatildeo biomeacutetrica atraveacutes da impressatildeo digital eacute como tivemos oportunidade de

salientar anteriormente um dos meacutetodos mais utilizados na encriptaccedilatildeo de

smartphones199

Este aumento significativo e exponencial do recurso agraves tecnologias biomeacutetricas na

encriptaccedilatildeo de smartphones natildeo causa estranheza tomando em consideraccedilatildeo todas as

vantagens destes meacutetodos

Contrariamente agraves palavras-passe que para serem seguras e ldquofortesrdquo necessitam da

utilizaccedilatildeo de diversos nuacutemeros letras e outros caracteres especiais tornando a tarefa de

memorizaccedilatildeo mais difiacutecil a encriptaccedilatildeo atraveacutes da biometria natildeo necessita de qualquer

processo de memorizaccedilatildeo200 Uma vez que a biometria utiliza as caracteriacutesticas pessoais

198 SoutarRobergeStoianovGilroyKumar 2007 4 Disponiacutevel em httpwwwcselehigheduprrBiometricsArchivePapersBiometricEncryptionpdf [consultado em

13122016] 199 ldquoFingerprints are a commom biometric used in modern mobile devices over the past several years

Multiple types of fingerprint sensors exist such as optical capacitive and ultrasonic each with unique

ways of assessing characteristics of a biometric sample In general fingerprint scanners on mobile devices

have a smaller surface area than traditional scanners affecting resolution which may impact accuracyrdquo

Cf ChoongFranklinGreene 2016 13 200 SaintGermain 2014a 8-9 Disponiacutevel em

httpspapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=2367479 [consultado em 14122016]

71

do utilizador natildeo haacute qualquer possibilidade de esquecimento ou necessidade de

memorizaccedilatildeo201 O proacuteprio utilizador eacute a palavra-passe tornando-a uacutenica

Visto que deixa de existir a necessidade de criaccedilatildeo de palavras-passe longas e complexas

deixa igualmente de existir a necessidade de as escrever ou guardar correndo o risco de

serem descobertas ou furtadas por terceiros Na encriptaccedilatildeo biomeacutetrica natildeo se coloca a

possibilidade de furto dos dados biomeacutetricos

Adveacutem da circunstacircncia de o utilizador ser a proacutepria ldquopalavra-passerdquo do smartphone a

dificuldade de a copiar ou duplicar202 Esta vantagem torna o meacutetodo de encriptaccedilatildeo por

biometria apropriado para o controlo do acesso a informaccedilotildees pessoais por parte de

terceiros natildeo autorizados203 Decorre ainda desta circunstacircncia a impossibilidade de

partilha dos dados biomeacutetricos (vg impressatildeo digital voz iacuteris rosto) para desencriptaccedilatildeo

de um determinado smartphone204

Agrave medida que a tecnologia se vai desenvolvendo e melhorando ao longo do tempo

tambeacutem estas teacutecnicas de encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo de smartphones com recurso agrave

biometria vatildeo aperfeiccediloando a sua precisatildeo e robustez205

Com a encriptaccedilatildeo biomeacutetrica para aleacutem de se evitar a inconveniecircncia de se ter de

memorizar palavras-passe longas e complexas deixa de ser necessaacuterio estar

constantemente a digitar a palavra-passe (longa e complexa) sempre que o utilizador

precisa de aceder ao seu smartphone206 Dado que um smartphone eacute desbloqueado em

meacutedia cerca de 48 vezes por dia esta eacute uma clara vantagem no que concerne agrave

conveniecircncia do meacutetodo207

201 ChuRajendran 2009 3-4 Disponiacutevel em

httpciteseerxistpsueduviewdocsummarydoi=1011363739 [consultado em 14122016] 202 Keenan 2016 6 203 SaintGermain 2014b 3 Disponiacutevel em httpspapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=2498707

[consultado em 14122016] 204 Rubens 2012 1 Disponiacutevel em httpwwwesecurityplanetcomtrendsbiometric-authentication-how-it-workshtml [consultado em 14122016] 205 Keenan 2016 7 206 PaulIrvine 2016 80-81 207 ldquoAmong all biometrics technologies fingerprint biometrics technology has captured majority of the

market share Ease of usage low cost and benefits over smart card-based access control systems have

fuelled the growth of fingerprint biometrics systems globally Government projects such as national IDs

e-passports and driving license are also playing a vital role for the growth of biometrics marketrdquo Cf

Hustle 2014 1 Disponiacutevel em httprebelpunditcombiometrics-and-the-constitution-why-fingerprints-

are-less-secure-than-passwords [consultado em 14122016]

72

A encriptaccedilatildeo biomeacutetrica eacute vista como uma das formas mais seguras de aceder a qualquer

tipo de dispositivo208 No que concerne agrave impressatildeo digital em particular atendendo agrave sua

natureza singular209 este meacutetodo de encriptaccedilatildeo acaba por gerar um maior sentimento de

seguranccedila e protecccedilatildeo relativamente agrave informaccedilatildeo armazenada no smartphone

Por fim eacute imperativo fazer ainda menccedilatildeo em sede de vantagens da utilizaccedilatildeo de

encriptaccedilatildeo biomeacutetrica agrave importacircncia que eacute dada agrave privacidade na utilizaccedilatildeo deste

meacutetodo A tiacutetulo de exemplo podemos trazer agrave colaccedilatildeo o caso dos sistemas de leitura de

impressotildees digitais que apenas capturam as principais caracteriacutesticas da impressatildeo digital

e natildeo a impressatildeo digital integral garantindo assim a privacidade destes dados

pessoais210

Apesar das claras vantagens que adveacutem da utilizaccedilatildeo de dados biomeacutetricos na encriptaccedilatildeo

de smartphones natildeo podemos concluir que esta teacutecnica eacute completamente perfeita211 Nos

casos de reconhecimento facial basta que a luz o ambiente de fundo ou os acircngulos sejam

diferentes para que a autenticaccedilatildeo natildeo seja possiacutevel Para uma eficaz autenticaccedilatildeo ocular

eacute necessaacuterio que o olho esteja perfeitamente posicionado para evitar possiacuteveis erros Por

fim apesar de a leitura da impressatildeo digital ser um dos meacutetodos mais eficazes e mais

utilizados basta que o acircngulo ou a pressatildeo aplicada sejam diferentes para inviabilizar a

autenticaccedilatildeo

Contrariamente agraves palavras-passe os dados biomeacutetricos natildeo satildeo secretos212 Isto significa

que eacute possiacutevel que um terceiro tomando conhecimento de que um tipo de dado biomeacutetrico

eacute utilizado para a encriptaccedilatildeo de determinado smartphone faccedila uma reacuteplica desse mesmo

dado para garantir o acesso ao dispositivo Frisaacutemos anteriormente que uma das

vantagens do recurso a estas teacutecnicas seria precisamente a dificuldade de criaccedilatildeo de uma

reacuteplica No entanto com a constante evoluccedilatildeo tecnoloacutegica e cientiacutefica natildeo se descarta a

possibilidade da construccedilatildeo de um molde de um dedo com a respectiva impressatildeo

208 PaulIrvine 2016 81 209 ldquoYour fingerprint is one of the best passcodes in the world Itrsquos always with you and no two are exactly alikehellipEvery fingerprint is unique so it is rare that even a small section of two separate fingerprints are

alike enough to register as a match for Touch ID The probability of this happening is 1 in 50000 for one

enrolled finger This is much better than the 1 in 10000 odds of guessing a typical 4-digit passcoderdquo Cf

Hustle 2014 3 Disponiacutevel em httprebelpunditcombiometrics-and-the-constitution-why-fingerprints-

are-less-secure-than-passwords [consultado em 14122016] 210 Keenan 2016 7 211 Feldman 2003 110 212 Rubens 2012 2 Disponiacutevel em httpwwwesecurityplanetcomtrendsbiometric-authentication-how-

it-workshtml [consultado em 14122016]

73

digital213 ou a utilizaccedilatildeo de uma fotografia de alta resoluccedilatildeo de uma impressatildeo digital

para aceder a um smartphone214

E como estes dados biomeacutetricos consistem em caracteriacutesticas fiacutesicas dos utilizadores uma

das desvantagens fundamentais tem que ver com a sua natureza estaacutetica e inalteraacutevel

Qualquer caracteriacutestica fiacutesica de um ser humano eacute a priori permanente pelo que natildeo

seraacute viaacutevel a alteraccedilatildeo ou revogaccedilatildeo do modo de acesso ao smartphone215 Assim dada a

impossibilidade de revogaccedilatildeo do dado biomeacutetrico utilizado para aceder ao smartphone

na circunstacircncia de um terceiro ter acesso a esse dado eacute criado um risco permanente de

acesso agraves informaccedilotildees armazenadas no dispositivo216

No que respeita agraves consideraccedilotildees fiacutesicas sobre a utilizaccedilatildeo em particular de impressotildees

digitais para a encriptaccedilatildeo de smartphones satildeo de apontar algumas desvantagens

notoacuterias este meacutetodo natildeo funcionaraacute se o utilizador estiver a usar luvas se o utilizador

tiver qualquer tipo de lesatildeo temporaacuteria nos dedos ou se no momento do fornecimento da

impressatildeo digital for detectado algum tipo de humidade ou sujidade que impeccedila uma

leitura bem-sucedida217

Uma outra desvantagem destes meacutetodos biomeacutetricos de encriptaccedilatildeo prende-se com os

elevados custos para a sua instalaccedilatildeo218 No caso concreto dos smartphones o preccedilo final

do aparelho poderaacute aumentar consideravelmente consoante tenha ou natildeo implementado

um sistema de encriptaccedilatildeo biomeacutetrica

Por fim ainda em sede de desvantagens da encriptaccedilatildeo biomeacutetrica resta-nos mencionar

que com a divulgaccedilatildeo dos atentados praticados contra a privacidade dos utilizadores de

dispositivos electroacutenicos perpetrados pela NSA norte-americana gerou-se um clima de

desconfianccedila por parte da sociedade em relaccedilatildeo agrave implementaccedilatildeo destas novas

213 PaulIrvine 2016 82 214 ldquoFor a few German hackers breaking Apples much-hyped fingerprint reader seems to have been little

more than a one-weekend project On Sunday the Berlin-based hacker group known as the Chaos

Computer Club - and more specifically a member of the group who goes by the name Starbug - announced that theyve managed to crack the iPhone 5ss fingerprint reader just two days after it was releasedrdquo Cf

Greenberg 2013 1 Disponiacutevel em httpwwwforbescomsitesandygreenberg20130922german-

hackers-say-theyve-broken-the-iphones-touchid-fingerprint-reader2a8d881167c4 [consultado em

14122016] 215 PatoMillett 2010 7 216 CorcoranCostache 2016 73 217 ChoongFranklinGreene 2016 25 218 ChuRajendran 2009 5 Disponiacutevel em

httpciteseerxistpsueduviewdocsummarydoi=1011363739 [consultado em 14122016]

74

tecnologias nomeadamente em smartphones219 Assim os utilizadores de smartphones

tecircm alguma reticecircncia em utilizar este tipo de novas tecnologias temendo ser alvo de

ingerecircncias na sua vida privada por parte do Estado

Como tivemos oportunidade de esclarecer anteriormente a nossa investigaccedilatildeo iraacute centrar-

se no meacutetodo de encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo implementado no iPhone Assim depois de

analisados os dois meacutetodos de encriptaccedilatildeo utilizados pela marca Apple nos seus produtos

ndash a palavra-passe e a biometria - importa agora fazer uma breve referecircncia agraves

particularidades teacutecnicas do seu sistema de encriptaccedilatildeo biomeacutetrica o Touch ID

A teacutecnica da encriptaccedilatildeo por impressatildeo digital jaacute existe haacute alguns anos em diversos

dispositivos electroacutenicos nomeadamente computadores No entanto foi soacute depois da

introduccedilatildeo do Touch ID em 2013 que a autenticaccedilatildeo por impressatildeo digital ganhou

notoriedade na aacuterea das novas tecnologias220 A empresa Apple lanccedilou em grande parte

dos seus produtos (vg iPhones e iPads) o Touch ID um leitor de impressotildees digitais que

autoriza o sistema operativo a desbloquear determinadas funcionalidades quando o

utilizador toca no sensor localizado no botatildeo principal do dispositivo Considerando o

facto de que a grande parte dos utilizadores do iPhone natildeo utilizavam a palavra-passe

para bloquear o seu smartphone por questotildees de conveniecircncia o Touch ID foi criado

como uma alternativa menos incoacutemoda221

A tecnologia usada no fabrico do Touch ID eacute uma das formas mais avanccediladas de

hardware e software alguma vez implementada num smartphone O sensor consegue

captar uma imagem de alta resoluccedilatildeo das camadas subepideacutermicas da pele localizadas em

pequenas secccedilotildees da impressatildeo digital222 O Touch ID tem capacidade para ler diversas

impressotildees digitais mesmo numa orientaccedilatildeo de 360 graus Apoacutes a leitura eacute criada uma

representaccedilatildeo matemaacutetica da impressatildeo digital que seraacute comparada agraves impressotildees digitais

anteriormente registadas no dispositivo No caso de coincidecircncia entre a impressatildeo digital

219 Keenan 2016 8 220 CorcoranCostache 2016 71 221 Vogl 2015 205 222 ldquoTouch ID then intelligently analyzes this information with a remarkable degree of detail and precision

It categorizes your fingerprint as one of three basic typesmdasharch loop or whorl It also maps out individual

details in the ridges that are smaller than the human eye can see and even inspects minor variations in

ridge direction caused by pores and edge structuresrdquo Cf Apple Support ndash About Touch ID security on

iPhone and iPad Disponiacutevel em httpssupportapplecomen-usHT204587 [consultado em 14122016]

75

fornecida e a impressatildeo digital registada o dispositivo eacute desbloqueado

automaticamente223

Eacute ainda possiacutevel que o utilizador do smartphone aumente a seguranccedila do seu dispositivo

escolhendo em simultacircneo com a impressatildeo digital uma palavra-passe composta por 4

ou 6 nuacutemeros letras ou outros caracteres especiais

O Touch ID pode ser usado para desbloquear mais rapidamente o dispositivo prevenir o

acesso de terceiros natildeo autorizados224 instalar novas aplicaccedilotildees e fazer compras atraveacutes

das aplicaccedilotildees instaladas225

Caso o iPhone seja furtado ou perdido eacute possiacutevel desactivar agrave distacircncia atraveacutes da

aplicaccedilatildeo Find My iPhone a definiccedilatildeo que permite a autenticaccedilatildeo atraveacutes do Touch ID

O Touch ID natildeo armazena fotografias das impressotildees digitais226 o que fica registado satildeo

apenas representaccedilotildees matemaacuteticas das impressotildees ou seja um longo nuacutemero que

funciona como uma segunda palavra-passe composto por 50 a 100 diacutegitos227 designado

de biometric hash228 Assim natildeo seraacute possiacutevel que um terceiro consiga reverter este

processo de maneira a criar uma imagem da impressatildeo digital atraveacutes da representaccedilatildeo

matemaacutetica registada

O registo destas representaccedilotildees fica armazenado no smartphone mais precisamente no

A7 CPU229 denominado de ldquosecure enclaverdquo A secure enclave foi desenvolvida com o

propoacutesito de proteger a palavra-passe e os dados biomeacutetricos armazenados no

smartphone Os dados biomeacutetricos satildeo encriptados e protegidos com uma palavra-chave

apenas disponiacutevel para a secure enclave que se encontra separada do resto do sistema

operativo Desta forma nenhuma aplicaccedilatildeo nem o proacuteprio sistema iOS (incluindo a

iCloud) tecircm acesso agraves representaccedilotildees matemaacuteticas das impressotildees digitais fornecidas

223 Apple Support ndash About Touch ID security on iPhone and iPad Disponiacutevel em

httpssupportapplecomen-usHT204587 [consultado em 15122016] 224 Whittaker 2013 3 Disponiacutevel em httpwwwsmartsuiteiniphone-5s-fingerprint-reader-doubling-

down-on-identity-a-death-knell-to-zdnethtml [consultado em 15122016] 225 Tabini 2014 2 Disponiacutevel em httpwwwmacworldcomarticle2455474open-sesame-how-ios-8-will-unlock-touch-ids-powerhtml [consultado em 15122016] 226 Apple Support ndash About Touch ID security on iPhone and iPad Disponiacutevel em

httpssupportapplecomen-usHT204587 [consultado em 15122016] 227 Pagliery 2016 2 Disponiacutevel em httpmoneycnncom20160512technologyfbi-fingerprint-iphone

[consultado em 15122016] 228 Tabini 2014 3 Disponiacutevel em httpwwwmacworldcomarticle2455474open-sesame-how-ios-8-

will-unlock-touch-ids-powerhtml [consultado em 15122016] 229 Tarantola 2013 1 Disponiacutevel em httpgizmodocomstop-worrying-about-the-new-iphones-

fingerprint-scanne-1326146704 [consultado em 15122016]

76

Apesar da activaccedilatildeo do Touch ID podem surgir situaccedilotildees em que eacute necessaacuterio a

introduccedilatildeo da palavra-passe para aceder ao smartphone a) se o dispositivo for reiniciado

b) se a impressatildeo digital natildeo for reconhecida cinco vezes consecutivas c) se o dispositivo

natildeo tiver sido desbloqueado haacute mais de 48 horas230 d) se tiverem sido registadas ou

apagadas impressotildees digitais recentemente e) se o utilizador tentar aceder agraves definiccedilotildees

do Touch ID

3 Conclusotildees intermeacutedias

Atendendo a tudo o que ficou dito durante este capiacutetulo nomeadamente quanto agrave

constante evoluccedilatildeo da tecnologia e ao papel fundamental da informaccedilatildeo na sociedade

actual percebe-se a necessidade sentida pelos particulares no sentido de protegerem os

seus smartphones Dada a sua vasta capacidade de armazenamento estes dispositivos

tornaram-se ao longo do tempo objecto de curiosidade tanto para outros particulares

como para o Estado levando a que os seus fabricantes incluiacutessem nas suas definiccedilotildees a

encriptaccedilatildeo como uma medida de seguranccedila baacutesica De facto a encriptaccedilatildeo eacute vista hoje

em dia como uma tecnologia cuja funccedilatildeo primordial eacute minimizar os riscos de acesso por

parte de terceiros natildeo autorizados a informaccedilotildees pessoais231

Isto posto natildeo causa estranheza que natildeo raras vezes as autoridades judiciaacuterias no acircmbito

de uma investigaccedilatildeo criminal depois de apreenderem um smartphone se deparem com a

impossibilidade do acesso aos ficheiros aiacute armazenados provocada pela sua preacutevia

encriptaccedilatildeo As vantagens do recurso a este tipo de tecnologia para o titular do dispositivo

encriptado satildeo como vimos inegaacuteveis no entanto no caso concreto de estarmos no

acircmbito de uma investigaccedilatildeo criminal e de a encriptaccedilatildeo impedir o acesso das autoridades

judiciaacuterias a provas potencialmente fundamentais para o processo penal as vantagens datildeo

lugar a claras desvantagens

Ao longo deste terceiro capiacutetulo tivemos oportunidade de enunciar as diversas

complexidades tecnoloacutegicas associadas agrave encriptaccedilatildeo de smartphones E satildeo essas

mesmas complexidades que diminuem em larga escala as possibilidades de as

autoridades judiciaacuterias conseguirem apreender eficientemente os ficheiros armazenados

num smartphone encriptado sem o auxiacutelio do arguido Eacute precisamente neste ponto que

230 O que sucedeu em alguns dos casos enunciados no Capiacutetulo I do presente estudo 231 Lowman 2010 1 Disponiacutevel em

httpswwwlowmaniocoukshareThe20Effect20of20File20and20Disk20Encryption20on

20Computer20Forensicspdf [consultado em 15122016]

77

entra em discussatildeo a questatildeo central da nossa investigaccedilatildeo que iremos tratar em

pormenor no proacuteximo capiacutetulo a articulaccedilatildeo entre a desencriptaccedilatildeo de smartphones e o

direito do arguido agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo

78

79

CAPIacuteTULO IV ndash A DESENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES PARA

OBTENCcedilAtildeO DE PROVA E A SUA ARTICULACcedilAtildeO COM O PRINCIacutePIO DA

NAtildeO-AUTOINCRIMINACcedilAtildeO

1 Colocaccedilatildeo do problema

Actualmente a encriptaccedilatildeo de smartphones eacute uma tecnologia de livre acesso e facilmente

adquirida No entanto natildeo raras vezes esta tecnologia eacute usada pelos piores motivos como

tivemos oportunidade de perceber pela anaacutelise dos casos jurisprudenciais norte-

americanos que seratildeo objecto do nosso estudo ao longo deste quarto capiacutetulo

Nestes casos a utilizaccedilatildeo da encriptaccedilatildeo em smartphones representa um perigo em

especial para a defesa da seguranccedila nacional e para a persecuccedilatildeo da justiccedila232 Isto

porque em abstracto a possibilidade de ocultar informaccedilatildeo de terceiros nomeadamente

do Estado faz da encriptaccedilatildeo um instrumento atractivo para criminosos233 De facto os

suspeitos de actividades ilegais como lavagem de dinheiro fraude terrorismo

pornografia infantil homiciacutedio abuso sexual entre outros seratildeo mais facilmente

ilibados234 se as potenciais provas do crime estiverem armazenadas num smartphone

encriptado

Atraveacutes da encriptaccedilatildeo dos smartphones os criminosos tornam quase impossiacutevel o

acesso por parte das entidades judiciaacuterias ao conteuacutedo do dispositivo Durante o

processo criminal eacute comum que as autoridades consigam ter acesso agrave palavra-passe seja

porque foi escrita num papel ou porque simplesmente era faacutecil de adivinhar (vg data de

nascimento do arguido ou um nome de um familiar) No caso de tal natildeo se verificar existe

ainda a possibilidade de desencriptar o smartphone atraveacutes dos jaacute mencionados brute-

force attacks235

Contudo ainda que assumindo que as autoridades judiciaacuterias tecircm todos os meios teacutecnicos

necessaacuterios para desencriptar o smartphone surge a questatildeo seraacute que os custos e tempo

232 MartinsMarquesDias 2004 70 233 Ungberg 2009 552 Neste sentido ldquo[hellip] a circulaccedilatildeo livre desta tecnologia permitiraacute que qualquer um

possa transmitir informaccedilotildees virtualmente indecifraacuteveis para terceiros construindo desse modo um espaccedilo

virtual lsquono manrsquos landrsquo onde o desenvolvimento e planeamento de actividades criminosas terroristas e de

outras actividades contraacuterias agrave garantia da seguranccedila dos Estados fossem livresrdquo Cf MartinsMarquesDias

2004 71 234 Weinberg 1998 680 235 Sales 2014 208

80

despendidos no desbloqueio do dispositivo seratildeo justificados atendendo ao facto de que

as autoridades natildeo tecircm qualquer informaccedilatildeo sobre o conteuacutedo do smartphone236

Haacute ainda que ponderar um outro ponto mesmo na circunstacircncia de a desencriptaccedilatildeo ser

bem-sucedida eacute possiacutevel que a recolha de prova do smartphone natildeo seja ceacutelere o

suficiente para dar resposta ao crime em questatildeo

Por estes motivos e tantos outros muitas das vezes a uacutenica maneira viaacutevel de conseguir

aceder ao conteuacutedo do smartphone passa pela colaboraccedilatildeo do proprietaacuterio (arguido)237

Desta forma as autoridades judiciaacuterias teriam de compelir o arguido a fornecer a palavra-

passe ou a sua impressatildeo digital para desencriptar o dispositivo238

No entanto a coacccedilatildeo do arguido no sentido de fornecer tanto a palavra-passe quanto a

impressatildeo digital para desencriptar o seu smartphone onde potencialmente estaratildeo

armazenadas provas incriminatoacuterias de um delito que cometeu levanta preocupaccedilotildees

quanto a uma possiacutevel violaccedilatildeo do brocardo latino nemo tenetur se ipsum accusare ou o

princiacutepio de natildeo-autoincriminaccedilatildeo

Para conseguirmos dar resposta a esta problemaacutetica mostra-se necessaacuterio fazer uma

divisatildeo entre duas sub-hipoacuteteses uma vez que estamos a tratar de dois meacutetodos de

encriptaccedilatildeo diferenciados a palavra-passe e a impressatildeo digital Assim poderaacute o arguido

ser compelido a fornecer agraves entidades judiciaacuterias a palavra-passe que desencripta o

smartphone sem violar o seu direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo Ou ainda poderaacute o arguido

ser coagido a fornecer a sua impressatildeo digital com vista a desencriptar o smartphone sem

violar o seu direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo Ateacute que ponto seraacute exigiacutevel uma colaboraccedilatildeo

processual do arguido tendo em conta os limites impostos pelo seu estatuto processual239

Para percebermos como o princiacutepio de natildeo-autoincriminaccedilatildeo poderaacute nestas duas

situaccedilotildees ser ou natildeo violado torna-se imperativo que faccedilamos a priori uma reflexatildeo

sobre o brocardo latino nemo tenetur se ipsum accusare

236 Duong 2009 328 237 Atwood 2015 410 238 Gershowitz 2010 22 Disponiacutevel em httpspapersssrncomsol3papers2cfmabstract_id=1669403

[consultado em 15122016] 239 Pinto 2013 92

81

2 O princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare

O princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare teve a sua origem no Reino Unido no seacutec

XVII como reacccedilatildeo agraves praacuteticas inquisitoriais dos tribunais eclesiaacutesticos240 Desde entatildeo

o princiacutepio assistiu a inuacutemeras mudanccedilas e evoluccedilotildees culminando no entendimento de

que ao arguido cabe decidir se como e quando estaacute disposto a contribuir para a sua proacutepria

incriminaccedilatildeo241 Assim no seu sentido mais profundo a garantia do nemo tenetur visa

evitar que o arguido seja transformado em colaborador involuntaacuterio das entidades

puacuteblicas com competecircncias processuais242 sendo portanto um princiacutepio estruturante do

modelo processual acusatoacuterio e do sistema democraacutetico

Este princiacutepio ou privileacutegio estaacute estreitamente ligado agrave liberdade de declaraccedilatildeo do

arguido que eacute analisada pela doutrina e pela jurisprudecircncia do Tribunal Constitucional

numa dupla dimensatildeo positiva e negativa Pela positiva ldquoabre ao arguido o mais restrito

direito de intervenccedilatildeo e declaraccedilatildeo em abono da sua defesa e pela negativa a liberdade

de declaraccedilatildeo do arguido veda todas as tentativas de obtenccedilatildeo por meios enganosos ou

por coacccedilatildeo de declaraccedilotildees autoincriminatoacuteriasrdquo243

A doutrina nacional e mesmo internacional defende a ideia de que o princiacutepio nemo

tenetur implica que ningueacutem pode ser obrigado a contribuir para estabelecer a sua proacutepria

incriminaccedilatildeo244 Deste modo de um ponto de vista menos amplo o princiacutepio pressupotildee

que ningueacutem eacute obrigado a produzir prova ou a praticar actos lesivos agrave sua proacutepria

defesa245

Neste sentido vai tambeacutem a jurisprudecircncia nacional que no que concerne ao conteuacutedo

deste princiacutepio vem estabelecer que ldquoo privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo significa que

o arguido natildeo pode ser obrigado nem deve ser condicionado a contribuir para a sua

proacutepria incriminaccedilatildeo isto eacute tem o direito a natildeo ceder ou fornecer informaccedilotildees ou

240 Pinto 2013 100 241 Ramos 2010 179 242 Silva Dias 2010 242 243 Costa Andrade 1992 120 Neste sentido Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 3042004 de 5 de Maio de 2004 disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20040304html [consultado

em 17012017] 244 Pinto 2013 104 Oliveira Silva 2013 364 NevesCorreia 2014 146 Cruz Bucho 2013 18

Disponiacutevel em httpswwwtrgptficheirosestudossobre_a_recolha_de_autografos_do_arguidopdf

[consultado em 17012017] Anastaacutecio 2010 205 Haddad 2003 37 245 Ristori 2007 98 Neste sentido vai tambeacutem Costa Andrade ao referir que ldquo[hellip] o arguido natildeo pode ser

fraudulentamente induzido ou coagido a contribuir para a sua condenaccedilatildeo ie a carrear ou oferecer meios

de prova contra a sua defesa Quer no que toca aos factos relevantes para a chamada questatildeo da

culpabilidade quer no que respeita aos atinentes agrave medida da penardquo Cf Costa Andrade 1992 121

82

elementos (vg documentais) que o desfavoreccedilam ou a natildeo prestar declaraccedilotildees sem que

do silecircncio possam resultar quaisquer consequecircncias negativas ou ilaccedilotildees desfavoraacuteveis

no plano da valoraccedilatildeo probatoacuteriardquo246 Jaacute o Tribunal Constitucional vem afirmar que ldquoo

princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare eacute uma marca irrenunciaacutevel do processo penal

de estrutura acusatoacuteria visando garantir que o arguido natildeo seja reduzido a mero objecto

da actividade estadual de repressatildeo do crime devendo antes ser-lhe atribuiacutedo o papel de

verdadeiro sujeito processual armado com os direitos de defesa e tratado como

presumivelmente inocente Daiacute que para protecccedilatildeo da autodeterminaccedilatildeo do arguido este

deva ter a possibilidade de decidir no exerciacutecio de uma plena liberdade de vontade qual

a posiccedilatildeo a tomar perante a mateacuteria que constitui objecto do processordquo247

O princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare que consubstancia para Paulo de Sousa

Mendes ldquoum dos pilares do processo penal portuguecircsrdquo248 desdobra-se em dois corolaacuterios

que embora intimamente relacionados natildeo se confundem entre si249 o princiacutepio contra

a autoincriminaccedilatildeo em sentido estrito e o direito ao silecircncio O princiacutepio contra a

autoincriminaccedilatildeo em sentido estrito traduz-se no direito de natildeo cooperar na

investigaccedilatildeo250 ou seja no fornecimento de quaisquer meios de prova susceptiacuteveis de

comprometer a presunccedilatildeo de inocecircncia do arguido coadjuvando a sua incriminaccedilatildeo

nomeadamente atraveacutes da entrega de documentos ou outros elementos ou atraveacutes de uma

determinada actuaccedilatildeo251 Jaacute no que concerne ao direito ao silecircncio este abarca apenas a

colaboraccedilatildeo do arguido na sua incriminaccedilatildeo atraveacutes de declaraccedilotildees sobre os factos que

lhe satildeo imputados Deste modo como bem refere Maria Fernanda Palma eacute sobre a justiccedila

246 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 23 de Outubro de 2013 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrcnsfc3fb530030ea1c61802568d9005cd5bbd3a8f7db2f94ad6180257c0f0052958b

OpenDocument [consultado em 17012017] 247 Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 3402013 de 17 de Junho de 2013 disponiacutevel em

httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20130340html [consultado em 17012017] 248 Sousa Mendes 2017 210 249 Martins 2015 24 Em sentido contraacuterio apoiando-se na tese de que o direito ao silecircncio e o princiacutepio

contra a autoincriminaccedilatildeo satildeo sinoacutenimos para descrever uma mesma realidade pronunciou-se o Tribunal

da Relaccedilatildeo de Eacutevora afirmando que ldquoo privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo ou direito ao silecircncio significa que o arguido natildeo pode ser obrigado nem deve ser condicionado a contribuir para a sua proacutepria

incriminaccedilatildeo isto eacute tem o direito a natildeo ceder ou fornecer informaccedilotildees ou elementos que o desfavoreccedilam

ou a natildeo prestar declaraccedilotildees sem que do silecircncio possam resultar quaisquer consequecircncias negativas ou

ilaccedilotildees desfavoraacuteveis no plano da valoraccedilatildeo probatoacuteriardquo Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de

30 de Setembro de 2008 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrensf134973db04f39bf2802579bf005f080b986b0759b8e0108880257de100574d46

OpenDocument [consultado em 17012017] 250 Cruz 2011 22 251 NevesCorreia 2014 146

83

do Estado que recai o oacutenus de demonstrar os factos da acusaccedilatildeo252 O direito ao silecircncio

eacute assim o direito de calar o reconhecimento da liberdade moral do arguido253 Por seu

turno Vacircnia Costa Ramos vem salientar e bem que ldquosem o direito ao silecircncio o arguido

seria obrigado a declarar e cooperar sempre que estes actos natildeo revestissem conteuacutedo

autoincriminatoacuteriordquo254 A Autora conjuntamente com Augusto Silva Dias vai mais

longe chegando a afirmar que o direito ao silecircncio eacute o nuacutecleo duro e quase absoluto do

nemo tenetur tanto por razotildees histoacutericas como pelo regime legal que o acolhe255

21 Consagraccedilatildeo

O princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare eacute consagrado na maioria das constituiccedilotildees

dos modernos Estados de Direito Nos casos de falta de consagraccedilatildeo expressa na lei

fundamental acaba por ser reconhecido ao abrigo das suas disposiccedilotildees Este princiacutepio

ou privileacutegio encontra ainda acolhimento em importantes documentos internacionais de

protecccedilatildeo dos direitos do Homem entre os quais a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do

Homem e o Pacto Internacional sobre Direitos Ciacutevicos e Poliacuteticos da ONU256 como

princiacutepio essencial do processo penal

De acordo com a aliacutenea g) do nordm 3 do artigo 14ordm do Pacto Internacional sobre Direitos

Ciacutevicos e Poliacuteticos ldquoQualquer pessoa acusada de uma infracccedilatildeo penal teraacute direito em

plena igualdade pelo menos agraves seguintes garantias g) A natildeo ser forccedilada a testemunhar

contra si proacutepria ou a confessar-se culpadardquo

Por seu turno a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) no seu articulado

natildeo prevecirc de forma expliacutecita o direito ao silecircncio ou o direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo

Contudo segundo o entendimento da jurisprudecircncia do Tribunal Europeu dos Direitos

Humanos (TEDH) o princiacutepio nemo tenetur constitui um standard internacional que estaacute

presente no nuacutecleo da noccedilatildeo de processo equitativo o qual se destina a proteger o arguido

contra o exerciacutecio abusivo de poderes coercivos pelas autoridades a evitar o perigo de

adulteraccedilatildeo da justiccedila e nesse sentido a assegurar a realizaccedilatildeo plena do artigo 6ordm da

Convenccedilatildeo257 Segundo aquela jurisprudecircncia o princiacutepio nemo tenetur se ipsum

252 Palma 2009 1 Disponiacutevel em

httpwwwidpccptxmsfilesNewslettersBoletim_Ano1_Ed1_Dez08Jan09pdf [consultado em

17012017] 253 Queijo 2012 233 254 Ramos 2007 68 255 Silva DiasRamos 2009 20 256 Silva 2007 59 257 Cruz Bucho 2013 20

84

accusare relaciona-se em primeira linha com o respeito pela vontade da pessoa do

arguido em permanecer em silecircncio e constitui uma decorrecircncia do pressuposto segundo

o qual a acusaccedilatildeo deveraacute provar a sua tese contra o acusado sem o recurso a elementos de

prova obtidos atraveacutes de meacutetodos coercivos ou opressivos com desrespeito pela vontade

deste258 Assim o direito ao silecircncio e o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo em sentido

estrito encontram-se intimamente relacionados com a presunccedilatildeo de inocecircncia consagrada

no nordm 2 do artigo 6ordm da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem

Por conseguinte por forccedila do disposto nos nos 1 e 2 do artigo 8ordm da Constituiccedilatildeo da

Repuacuteblica Portuguesa pode sustentar-se que ambos os preceitos vigoram directamente

na ordem juriacutedica interna259

Contrariamente ao que sucede com inuacutemeras Constituiccedilotildees e declaraccedilotildees de direitos de

outros paiacuteses nomeadamente a Constituiccedilatildeo americana (5ordf Emenda)260 a Constituiccedilatildeo

espanhola (artigos 173 e 242)261 ou a Constituiccedilatildeo brasileira (artigo 5ordm inciso LXIII)262

a Constituiccedilatildeo portuguesa natildeo consagra agrave semelhanccedila da Lei Fundamental alematilde e

italiana o princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare de uma forma expressa e directa

Natildeo obstante o princiacutepio nemo tenetur ndash seja na sua vertente de direito ao silecircncio do

arguido seja na sua dimensatildeo de princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo em sentido estrito

ndash natildeo estar expressa e directamente plasmado no texto constitucional a doutrina263 e a

jurisprudecircncia264 portuguesas em similitude com a doutrina e jurisprudecircncia alematildes satildeo

unacircnimes natildeo soacute quanto agrave vigecircncia daquele princiacutepio no direito processual penal como

258 Cruz Bucho 2013 21 259 Andrade 2014 19 260 Estabelece a Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica ldquoNenhuma pessoa seraacute

obrigada em qualquer caso criminal a ser uma testemunha contra si mesmardquo 261 No seu artigo 242 a Constituiccedilatildeo espanhola consagra que todos tecircm direito ldquo[hellip] a natildeo declarar contra

si mesmo e a natildeo se confessar culpadordquo assim como no artigo 173 se prevecirc o princiacutepio segundo o qual

ningueacutem seraacute obrigado a fazer declaraccedilatildeo que possa resultar em autoincriminaccedilatildeo impondo agraves autoridades

responsaacuteveis a obrigaccedilatildeo de preacutevia informaccedilatildeo acerca dos direitos e da acusaccedilatildeo que recaem sobre o

suspeito 262 Prevecirc o inciso LXIII do artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo brasileira que ldquoo preso seraacute informado de seus direitos entre os quais o de permanecer calado sendo-lhe assegurada a assistecircncia da famiacutelia e de advogadordquo 263 Cruz Bucho 2013 22 Sousa Mendes 2010 125 Pinto 2013 105 Catarina Anastaacutecio fala aqui numa

ldquo[hellip] base constitucional (ainda que indirecta ou impliacutecita) deste direito [hellip]rdquo Cf Anastaacutecio 2010 206 264 ldquoA Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa natildeo consagra expressis verbis este princiacutepio mas natildeo obstante

essa natildeo consagraccedilatildeo expressa tanto a doutrina como a jurisprudecircncia tecircm defendido que o nemo tenetur

se ipsum accusare tem assento constitucional sendo considerado um direito constitucional do processo

penal natildeo escritordquo Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 3402013 de 17 de Junho de 2013

disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20130340html [consultado em

18012017]

85

quanto agrave sua natureza constitucional265 Fala-se aqui no nemo tenetur se ipsum accusare

como um verdadeiro ldquodireito constitucional natildeo escritordquo266

No que agrave lei processual penal portuguesa diz respeito este princiacutepio obteve consagraccedilatildeo

expressa no Coacutedigo de Processo Penal na vertente de direito ao silecircncio do arguido

(artigos 61ordm nordm 1 aliacutenea d) 141ordm nordm 4 aliacutenea a) 343ordm nordm 1 e 345ordm nordm 1 in fine)267

Assim a aliacutenea d) do nordm 1 do artigo 61ordm estabelece que ldquoO arguido goza em especial

em qualquer fase do processo e salvas as excepccedilotildees da lei dos direitos de d) Natildeo

responder a perguntas feitas por qualquer entidade sobre os factos que lhe forem

imputados e sobre o conteuacutedo das declaraccedilotildees que acerca deles prestarrdquo O direito ao

silecircncio estende-se mesmo ao proacuteprio suspeito desde logo porque a pessoa sobre quem

recair a suspeita de ter cometido um crime tem direito a ser constituiacuteda a seu pedido

como arguido (nordm 2 do artigo 59ordm do CPP) Tambeacutem a ldquotestemunha natildeo eacute obrigada a

responder a perguntas quando alegar que das respostas resulta a sua responsabilizaccedilatildeo

penalrdquo (nordm 2 do artigo 132ordm do CPP)268 O direito ao silecircncio de que goza o arguido deve

ser-lhe comunicado pela autoridade judiciaacuteria ou pelo oacutergatildeo de poliacutecia criminal perante

as quais seja obrigado a comparecer (al h) do nordm 1 do artigo 61ordm do CPP) sob pena de

as declaraccedilotildees feitas constituiacuterem prova proibida por intromissatildeo na vida privada (nordm 8

do artigo 32ordm da CRP e nordm 3 do artigo 126ordm do CPP)269 O exerciacutecio deste direito ao

silecircncio natildeo pode ser valorado como indiacutecio ou presunccedilatildeo de culpa270271

265 Figueiredo DiasCosta Andrade 2009 39 266 Costa Andrade 1992 124 267 Como bem refere Costa Andrade ldquoa lei processual penal portuguesa conteacutem uma malha desenvolvida e

articulada de normas atraveacutes das quais se assenta o princiacutepio nemo teneturrdquo Cf Costa Andrade 1992 126 268 Sousa Mendes 2017 209-210 Curado 2012 262 269 Marques da Silva 2013 74 270 ldquoO conteuacutedo material do referido princiacutepio (nemo teneturhellip) eacute assegurado atraveacutes da imposiccedilatildeo de

deveres de esclarecimento ou de advertecircncia agraves autoridades judiciaacuterias e aos oacutergatildeos de poliacutecia criminal [cfr

artigos 58ordm nordm 2 61ordm nordm 1 aliacutenea g) 141ordm nordm 4 e 343ordm nordm 1] estabelecendo-se a sanccedilatildeo de proibiccedilatildeo

de valoraccedilatildeo nos termos do artigo 58ordm nordm 4 e da nulidade das provas obtidas mediante tortura coacccedilatildeo ou

ofensa da integridade fiacutesica ou moral (cfr artigo 126ordm nordm 1 todos do CPP)rdquo Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal

Constitucional nordm 3042004 de 5 de Maio de 2004 disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20040304html [consultado em 18012017] ldquo[hellip] o

arguido deve ser informado antes de qualquer interrogatoacuterio de que goza do direito ao silecircncio (artigos

141ordm nordm 4 143ordm nordm 2 144ordm nordm 1 e 343ordm nordm 1 do CPP) devendo tambeacutem ser esclarecido de que o seu

silecircncio natildeo pode ser interpretado desfavoravelmente aos seus interesses natildeo podendo por isso o arguido

ser prejudicado por ter exercitado o seu direito a natildeo prestar quaisquer declaraccedilotildees (o silecircncio natildeo pode ser

interpretado como presunccedilatildeo de culpa) Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 69695 de 5 de

Dezembro de 1995 disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos19950695html

[consultado em 18012017] 271 Saacute 2004 187

86

Chegados a este ponto torna-se necessaacuterio chamar agrave colaccedilatildeo as duas extensotildees do direito

ao silecircncio consagrado no artigo 61ordm do Coacutedigo de Processo Penal discutidas na

doutrina a) a extensatildeo minimalista incidindo apenas sobre as declaraccedilotildees do arguido em

sentido estrito e sobre os factos que lhe satildeo imputados b) a extensatildeo maximalista

abarcando as declaraccedilotildees por meio de documentos da indicaccedilatildeo do lugar onde se

encontra o meio de prova de uma actuaccedilatildeo consubstanciando-se num direito a natildeo ser

obrigado a fornecer prova (documental declarativa ou outra) da sua culpabilidade272 A

maioria da doutrina nacional defende a tese de que estamos aqui perante uma variante

ampla do direito ao silecircncio273 Assim malgrado a redacccedilatildeo do referido artigo 61ordm do

Coacutedigo de Processo Penal sugira um direito restrito aos casos em que o arguido eacute

solicitado a prestar declaraccedilotildees verbais somos da opiniatildeo de que uma interpretaccedilatildeo

teleoloacutegica da norma aponta para que a invocaccedilatildeo deste direito natildeo esteja dependente dos

meios utilizados mas dos fins que se pretendem alcanccedilar e dos interesses que sejam

postos em causa designadamente o da natildeo-autoincriminaccedilatildeo sob pena de esses

expedientes serem utilizados como forma de contornar um direito fundamental dos

cidadatildeos274 Desta forma poderia estar aqui incluiacutedo natildeo soacute o fornecimento da palavra-

passe atraveacutes de declaraccedilotildees orais como tambeacutem atraveacutes de declaraccedilotildees escritas ou

gestuais275

Por fim resta deixar claro que este direito ao silecircncio consagrado no artigo 61ordm do Coacutedigo

de Processo Penal natildeo pode ser visto como direito absoluto Na verdade este direito do

arguido estaacute submetido a algumas restriccedilotildees no processo penal276 nomeadamente no que

toca agrave sua identificaccedilatildeo pessoal (aliacutenea b) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP)277 Tanto em

sede de primeiro interrogatoacuterio judicial (nordm 3 do artigo 141ordm do CPP) como em fase de

julgamento (artigo 342ordm do CPP) o arguido eacute obrigado a responder com verdade acerca

da sua identificaccedilatildeo sob pena de incorrer em crime de desobediecircncia (artigo 349ordm do

Coacutedigo Penal) ou falsas declaraccedilotildees (artigo 359ordm do Coacutedigo Penal)

272 Pinto 2013 108-109 273 Silva Dias 2010 244 274 Saacute 2004 188 Neste sentido vai tambeacutem Augusto Silva Dias quando afirma que ldquo[hellip] uma compreensatildeo

do problema menos legal-positivista e mais sensiacutevel agrave Constituiccedilatildeo e aos direitos obriga a considerar que a

garantia vigora tambeacutem perante outros actos comunicativos (orais escritos gestuais) atraveacutes dos quais o

suspeito pode contribuir para a sua proacutepria inculpaccedilatildeordquo Cf Silva Dias 2010 244 275 ldquoAs manifestaccedilotildees verbais natildeo satildeo as uacutenicas formas em que se apresenta o princiacutepio contra a

autoincriminaccedilatildeo pois atraveacutes de outras condutas eacute possiacutevel produzir prova de caraacutecter incriminatoacuterio

utilizaacutevel contra quem a produziurdquo Cf Cruz Bucho 2013 30 276 Sousa Mendes 2017 210 277 Curado 2012 262-263

87

Agrave semelhanccedila do direito ao silecircncio tambeacutem o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo em

sentido estrito natildeo poderaacute ser considerado como um direito absoluto278 A tiacutetulo de

exemplo podemos mencionar a possibilidade de sujeiccedilatildeo a exames consagrada no artigo

172ordm do Coacutedigo de Processo Penal como sendo uma clara limitaccedilatildeo ao direito de natildeo

facultar provas contra si proacuteprio Voltaremos a este tema mais adiante

22 Fundamentos juriacutedicos

Actualmente natildeo eacute tanto o reconhecimento legal e constitucional do princiacutepio nemo

tenetur se ipsum accusare que suscita dificuldades quanto a determinaccedilatildeo exacta do seu

fundamento e conteuacutedo

Eacute usual enquadrar os fundamentos constitucionais do nemo tenetur em duas espeacutecies

distintas concebendo-o alternativamente como direito material de liberdade (corrente

substantiva) ou como garantia processual fundamental (corrente processual)279

Segundo a corrente substantiva defendida pela doutrina maioritaacuteria alematilde o fundamento

deste princiacutepio estaria enraizado em alguns direitos fundamentais que fundar-se-iam

directamente na dignidade da pessoa humana proclamada no artigo 1ordm da Constituiccedilatildeo

da Repuacuteblica Portuguesa Ainda dentro desta mesma corrente outros Autores concebem

aquele princiacutepio como reflexo dos direitos agrave integridade pessoal e ao desenvolvimento da

personalidade vertidos nos artigos 25ordm e 26ordm da CRP280

Por outro lado segundo a corrente processualista o direito ao silecircncio e agrave natildeo-

autoincriminaccedilatildeo teriam a sua fonte juriacutedico-constitucional nas garantias processuais

reconhecidas ao arguido no texto constitucional designadamente no princiacutepio do

processo equitativo e no princiacutepio da presunccedilatildeo de inocecircncia consagrados

respectivamente no nordm 4 do artigo 20ordm e nos nos 2 e 8 do artigo 32ordm ambos da CRP281

Natildeo obstante os direitos do arguido consagrados nomeadamente no artigo 61ordm do

Coacutedigo de Processo Penal contribuiacuterem activamente para a protecccedilatildeo de direitos

fundamentais como a dignidade da pessoa humana estamos com Figueiredo Dias e Costa

278 Sousa Mendes 2017 210 Neste sentido cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 69695 de 5 de

Dezembro de 1995 disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos19950695html

[consultado em 18012017] Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 37298 de 13 de Maio de 1998

disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos19980372html [consultado em

18012017] 279 Oliveira Silva 2013 370 280 Figueiredo DiasCosta Andrade 2009 40 281 Menezes 2010 124-125

88

Andrade quando defendem que o facto de estes direitos processuais serem ldquoum meio ou

forma de concretizar um determinado direito fundamental natildeo implica que este seja o seu

fundamento directo e imediato Desde logo se aponta que o proacuteprio conceito de dignidade

humana recobre de forma mediata toda a mateacuteria penal e processual penal de um Estado

de Direitordquo282 Assim apesar de se defender na doutrina portuguesa a corrente

processualista eacute tambeacutem aceite que o princiacutepio nemo tenetur protege reflexamente os

direitos fundamentais referidos pela corrente substantiva283

A jurisprudecircncia nacional nomeadamente a do Tribunal Constitucional vem concluir

que o princiacutepio nemo tenetur configura ldquouma componente das garantias de defesa

asseguradas no artigo 32ordm da CRP cujo objectivo uacuteltimo eacute a protecccedilatildeo do arguido como

sujeito no processordquo284 Daqui decorre que a posiccedilatildeo do Tribunal Constitucional se

harmoniza com a posiccedilatildeo da doutrina optando tambeacutem pela corrente processualista do

princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare285

Eacute assim de concluir que em Portugal o entendimento maioritaacuterio defende que o princiacutepio

nemo tenetur se ipsum accusare encontra o seu fundamento imediato nas garantias

processuais que a Constituiccedilatildeo impotildee no artigo 32ordm da Lei Fundamental cumprindo-se

de igual modo a exigecircncia constitucional de um processo penal equitativo prevista no nordm

4 do artigo 20ordm da CRP286

No entanto esta natildeo eacute uma questatildeo puramente teoacuterica pois como bem assinala Vacircnia

Costa Ramos se um direito fundado na dignidade da pessoa humana eacute ldquoum direito de

natureza tendencialmente absolutardquo jaacute um direito fundado em garantias processuais

poderaacute ser sujeito a certas limitaccedilotildeesrdquo287 Assim natildeo causa estranha afirmar na

decorrecircncia do que jaacute ficou escrito relativamente agraves limitaccedilotildees do direito ao silecircncio e do

direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo em sentido estrito que o proacuteprio princiacutepio nemo tenetur

se ipsum accusare natildeo constitui um princiacutepio absoluto pelo que comporta restriccedilotildees

justificadas (vg al b) do nordm 3 do artigo 61ordm e artigo 172ordm ambos do CPP)288

282 Figueiredo DiasCosta Andrade 2009 41 283 Pinto 2013 106 284 Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 69695 de 5 de Dezembro de 1995 disponiacutevel em

httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos19950695html [consultado em 18012017] 285 Pinto 2013 107 286 Figueiredo DiasCosta Andrade 2009 42 287 Ramos 2007 58 e 73 288 Cruz Bucho 2013 24

89

23 Limitaccedilotildees

No processo acusatoacuterio coaduna-se a investigaccedilatildeo da verdade material aos pressupostos

do Estado de Direito limitando-a assim pela observacircncia escrupulosa dos direitos

liberdades e garantias dos cidadatildeos Desta forma natildeo causa estranheza que se assegure

ao arguido a posiccedilatildeo de sujeito289 dotado de um real e efectivo direito de defesa290

De facto o caminho trilhado por este processo penal reformulado vai no sentido de

assegurar ao arguido uma cada vez mais consistente e efectiva condiccedilatildeo de sujeito ao

inveacutes de mero meio de prova291 No entanto como jaacute tivemos oportunidade de analisar

ao longo da nossa investigaccedilatildeo muitas vezes o arguido no seio de uma investigaccedilatildeo

criminal acaba por ser sujeito a certas diligecircncias sendo utilizado como meio de

prova292293

Na doutrina Figueiredo Dias afasta a existecircncia de um dever abstracto de colaboraccedilatildeo do

arguido294 na medida em que exige que ldquoa utilizaccedilatildeo do arguido como meio de prova seja

sempre limitada pelo integral respeito da sua vontaderdquo adiantando ainda que ldquosoacute no

exerciacutecio de uma plena liberdade da vontade pode o arguido decidir se e como deseja

tomar posiccedilatildeo perante a mateacuteria que constitui objecto do processordquo295 Na mesma esteira

mais recentemente Paulo Pinto de Albuquerque veio defender a ideia de que o arguido

289 ldquoO arguido eacute um sujeito processual e em regra natildeo pode ser utilizado contra sua vontade como fonte

de prova contra si mesmordquo Cf Palma 2009 1 Disponiacutevel em

httpwwwidpccptxmsfilesNewslettersBoletim_Ano1_Ed1_Dez08Jan09pdf [consultado em

19012017] Luiacutesa Neto por seu turno fala aqui no arguido como o ldquolegislador de si mesmordquo Cf Neto

2004 188 290 Rodrigues 2002 549 291 Figueiredo Dias 1997 26 Neto 1997 184-185 292 ldquoSubmetido ao processo agraves ordens do tribunal e susceptiacutevel de sofrer medidas coactivas ele [o arguido]

encontra-se nessa medida certamente numa situaccedilatildeo passiva obrigado a sofrer na sua proacutepria pessoa

investigaccedilotildees de prova (os exames) e autor de declaraccedilotildees com valor probatoacuterio ele eacute tambeacutem meio de

prova Mas nem por isso ele poderaacute deixar de ser considerado como sujeito do processordquo Cf Castanheira

Neves 1968 166 Figueiredo Dias segue igualmente este pensamento defendendo que ldquoNatildeo quer isto dizer

que o arguido natildeo possa em termos demarcados pela lei por forma estrita e expressa ser objecto de medidas

coactivas e constituir ele proacuteprio um meio de prova Quer dizer sim que as medidas coactivas e

probatoacuterias que sobre ele se exerccedilam natildeo poderatildeo nunca dirigir-se agrave extorsatildeo de declaraccedilotildees ou de qualquer

forma de autoincriminaccedilatildeo [hellip]rdquo Cf Figueiredo Dias 2004 430 293 Neste sentido Roxin afirma que no processo penal alematildeo se tem debatido sobre o confronto entre a

descoberta da verdade e os interesses do arguido ldquoEm qualquer sistema legal de um Estado de Direito a lei processual penal estaacute obrigada a contrabalanccedilar a investigaccedilatildeo criminal e os interesses do arguido acusado

de determinado delito onde a sua privacidade estaacute em causa O processo penal alematildeo eacute um exemplo tiacutepico

da constante luta entre essas demandas conflituantes Assim enquanto a maioria da jurisprudecircncia faz

esforccedilos no sentido de reforccedilar a protecccedilatildeo do arguido a legislaccedilatildeo mais recente revela uma tendecircncia de

alcance cada vez maior para a admissatildeo de medidas que interferem com o campo da personalidaderdquo Cf

Roxin 2009 87 294 Neste sentido cf Sousa Mendes 2007 609 ldquo[hellip] o arguido natildeo eacute um colaborador das autoridades

judiciaacuterias e dos OPC para a descoberta da verdade e a realizaccedilatildeo da justiccedilardquo 295 Figueiredo Dias 1997 27-28

90

natildeo tem um ldquodever de colaboraccedilatildeo com o tribunal ou o MP com vista agrave descoberta da

verdade material e agrave boa decisatildeo da causa (nemo tenetur se ipsum accusare) dado o seu

direito constitucional ao silecircncio (nordm 1 do artigo 32ordm da CRP)rdquo296

Natildeo obstante a inexistecircncia de um dever de o arguido colaborar com as autoridades tal

natildeo significa que natildeo possa haver derrogaccedilotildees ao princiacutepio nemo tenetur apresentando a

doutrina vaacuterios exemplos a) o direito ao silecircncio natildeo assiste ao arguido relativamente agraves

perguntas sobre a sua identidade tendo inclusive o dever de responder a elas com

verdade nos termos da aliacutenea b) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP b) a obrigatoriedade de

realizar determinadas periacutecias e exames (artigos 151ordm a 172ordm do CPP) c) a

obrigatoriedade de sujeiccedilatildeo a exames no acircmbito de periacutecias meacutedico-legais quando

ordenados pela autoridade judiciaacuteria competente prevista pela Lei nordm 452004 de 29 de

Agosto297 d) a obrigatoriedade de sujeiccedilatildeo a diligecircncias de prova decorrente do

consagrado na aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP298

No que concerne agrave jurisprudecircncia o Tribunal Constitucional jaacute deixou claro que tem sido

ldquoreconhecido que o direito agrave natildeo autoincriminaccedilatildeo natildeo tem um caraacutecter absoluto podendo

ser legalmente restringido em determinadas circunstacircncias (vg a obrigatoriedade de

realizaccedilatildeo de determinados exames ou diligecircncias que exijam a colaboraccedilatildeo do arguido

mesmo contra a sua vontade)rdquo299

Assim podemos concluir no seguimento do defendido por Figueiredo Dias que o

arguido pode constituir meio de prova num duplo sentido a) em sentido material atraveacutes

das declaraccedilotildees prestadas sobre os factos b) em sentido formal na medida em que o seu

corpo e o seu estado corporal podem ser objecto de periacutecias exames ou outras diligecircncias

de prova (artigo 151ordm artigo 172ordm e al d) do nordm 1 do artigo 61ordm todos do CPP) 300

Chegados a este ponto e atendendo aos dois meacutetodos de desencriptaccedilatildeo do smartphone -

a palavra-passe e a impressatildeo digital - podemos afirmar que a acccedilatildeo de fornecimento da

palavra-passe agraves autoridades judiciaacuterias seria sem margem para duacutevidas reconduziacutevel agrave

conduta de prestaccedilatildeo de declaraccedilotildees sobre os factos (al d) do nordm 1 do artigo 61ordm do CPP)

Contrariamente no que diz respeito agrave desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da impressatildeo

296 Albuquerque 2011 48 e 183 297 Figueiredo DiasCosta Andrade 2009 44-45 298 Marques da Silva 2010 318 299 Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 3402013 de 17 de Junho de 2013 disponiacutevel em

httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20130340html [consultado em 19012017] 300 Figueiredo Dias 2004 438-439

91

digital natildeo podemos defender que esta acccedilatildeo poderaacute ser reconduzida a uma qualquer

prestaccedilatildeo de declaraccedilatildeo Assim resta-nos saber seraacute a desencriptaccedilatildeo atraveacutes da

impressatildeo digital uma periacutecia um exame uma outra diligecircncia de prova ou nenhuma das

anteriores

Para que possamos responder com clareza a esta questatildeo iremos no proacuteximo ponto fazer

uma breve anaacutelise ao regime das periacutecias e exames (artigos 151ordm a 172ordm do CPP) e agraves

diligecircncias de prova (al d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP)

3 A sujeiccedilatildeo a periacutecias exames e diligecircncias de prova e a sua articulaccedilatildeo com o

princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare

Como jaacute tivemos oportunidade de enfatizar anteriormente o facto de o arguido ser

considerado um sujeito do processo penal natildeo significa que natildeo possa em determinados

termos demarcados pela lei por forma estrita e expressa constituir ele proacuteprio um meio

de prova Desta forma sobre o arguido recai o dever de se sujeitar a diligecircncias de prova

especificadas na lei e ordenadas e efectuadas por entidade competente (al d) do nordm 3 do

artigo 61ordm do CPP) considerando-se como tais as diligecircncias de prova que natildeo forem

proibidas por lei e que sejam necessaacuterias para a descoberta da verdade e a realizaccedilatildeo da

justiccedila301

Natildeo obstante este dever de sujeiccedilatildeo que recai sobre o arguido o mesmo natildeo significa que

o arguido natildeo se possa opor agrave realizaccedilatildeo dessas diligecircncias quando forem manifestamente

ilegais vg por atentatoacuterias de direitos fundamentais e de nessa medida recorrer aos

meios que a lei lhe confere nomeadamente o de recurso judicial O que a aliacutenea d) do nordm

3 do artigo 61ordm do Coacutedigo de Processo Penal prevecirc eacute que pressupondo que o meio de

prova seja legal o arguido deve sujeitar-se agrave diligecircncia302 Assim a obrigaccedilatildeo que

impende sobre o arguido de se sujeitar a diligecircncias de prova tem de ser temperada com

o direito fundamental da natildeo-autoincriminaccedilatildeo porque ele natildeo pode ser objecto de prova

instrumento abusivo da sua proacutepria condenaccedilatildeo ou de qualquer forma obrigado a

contribuir para estabelecer a sua proacutepria culpabilidade303

A sujeiccedilatildeo coerciva do arguido a diligecircncias de prova tem caraacutecter excepcional na estrita

medida em que se mostrem ineficazes outros meios de prova devendo observar-se quanto

301 Garrett 2007 15 302 Monte 2006 254-255 303 Garrett 2007 17

92

agrave sua utilizaccedilatildeo os mesmos princiacutepios que regem a aplicaccedilatildeo da medida de coacccedilatildeo da

prisatildeo preventiva304

Algumas diligecircncias de prova a que o arguido pode ser sujeito estatildeo expressamente

previstas no Coacutedigo de Processo Penal nomeadamente a periacutecia (artigo 151ordm e seguintes

do CPP) e o exame (artigo 171ordm e seguintes do CPP)

O Coacutedigo de Processo Penal enquadrou a periacutecia no acircmbito dos meios de prova referindo

no seu artigo 151ordm que ldquoa prova pericial tem lugar quando a percepccedilatildeo ou apreciaccedilatildeo dos

factos exigirem especiais conhecimentos teacutecnicos cientiacuteficos ou artiacutesticosrdquo A periacutecia

surge assim como um meio de prova auxiliar facultando agrave entidade responsaacutevel pela

decisatildeo a proferir elementos de que esta careccedila e que sejam necessaacuterios agrave percepccedilatildeo ou

apreciaccedilatildeo dos factos305

No que agrave doutrina diz respeito no entender de Germano Marques da Silva ldquoa qualificaccedilatildeo

que melhor cabe agrave periacutecia eacute efectivamente a de meio de prova pessoalrdquo sendo o seu

objecto ldquoa percepccedilatildeo dos factos ou a sua valoraccedilatildeordquo uma vez que ldquoo perito pode descobrir

meios de prova recorrendo a meacutetodos cientiacuteficos uacutenicos a permitirem a sua apreensatildeo ou

pode exigir-se ao perito natildeo a descoberta dos factos probatoacuterios mas apenas a sua

apreciaccedilatildeordquo306 Na mesma esteira Manuel Andrade defende a ideia de que a periacutecia

ldquotraduz-se na percepccedilatildeo por meio de pessoas idoacuteneas para tal efeito designadas de

quaisquer factos presentes quando natildeo possa ser directa e exclusivamente realizada pelo

juiz por necessitar de conhecimentos cientiacuteficos ou teacutecnicos especiais ou por motivos de

decoro ou de respeito pela sensibilidade (legiacutetima susceptibilidade) das pessoas em quem

se verificam tais factos ou na apreciaccedilatildeo de quaisquer factos (na determinaccedilatildeo das ilaccedilotildees

que deles se possam tirar acerca doutros factos) caso dependa de conhecimentos daquela

ordem isto eacute de regras de experiecircncia que natildeo fazem parte da cultura geral ou experiecircncia

comum que pode e deve presumir-se no juiz como na generalidade das pessoas instruiacutedas

e experimentadasrdquo307

304 Monte 2006 252 Garrett 2007 16 305 Cf Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da Repuacuteblica P000642006 de 2 de

Novembro de 2006 disponiacutevel em httpwwwministeriopublicoptiframepareceres-do-conselho-

consultivo-da-pgr [consultado em 23012017] 306 Marques da Silva 2011 197-198 307 Andrade 1979 261

93

Em sentido inverso o exame eacute um meio de obtenccedilatildeo de prova (e natildeo um meio de prova

como a periacutecia) destinado a recolher vestiacutegios materiais de factos com relevacircncia penal

em ordem agrave determinaccedilatildeo das circunstacircncias da praacutetica e da respectiva autoria308

No mesmo sentido vai a lei quando aponta que os exames tecircm por finalidade inspeccionar

ldquoos vestiacutegios que possa ter deixado o crime e todos os indiacutecios relativos ao modo e ao

lugar onde foi praticado agraves pessoas que o cometeram ou sobre as quais foi cometidordquo (nordm

1 do artigo 171ordm do CPP)309

O exame visa a detecccedilatildeo de vestiacutegios a periacutecia visa a avaliaccedilatildeo desses mesmos vestiacutegios

(vg dactiloscopia310)

Um ponto fundamental a ter em consideraccedilatildeo em mateacuteria de sujeiccedilatildeo a exames tem que

ver com a sua obrigatoriedade (nordm 1 do artigo 172ordm do CPP) Este princiacutepio expressa-se

na possibilidade de a autoridade judiciaacuteria competente compelir o arguido agrave observacircncia

de tais obrigaccedilotildees ainda que condicionadas (no caso de exame susceptiacutevel de ofender o

pudor das pessoas) ao respeito pela intimidade e dignidade da pessoa a examinar natildeo se

permitindo assistentes aleacutem da proacutepria autoridade judiciaacuteria ou de pessoa de confianccedila

do visado que este venha a indicar (nordm 3 do artigo 172ordm do CPP)

Contrariamente agraves periacutecias os exames natildeo supotildeem a existecircncia de especiais

conhecimentos teacutecnicos cientiacuteficos ou artiacutesticos No entanto a mera detecccedilatildeo (e natildeo

avaliaccedilatildeo) de vestiacutegios que exija especiais conhecimentos teacutecnicos cientiacuteficos ou

artiacutesticos eacute ainda um exame Assim tambeacutem a avaliaccedilatildeo de vestiacutegios que natildeo exija

especiais conhecimentos teacutecnicos cientiacuteficos ou artiacutesticos isto eacute que apenas exija

conhecimentos comuns natildeo eacute uma periacutecia mas um exame311

Figueiredo Dias fala aqui de uma dupla natureza dos exames visto que satildeo ldquo[hellip] por um

lado meios de prova enquanto neles se faccedila avultar o juiacutezo que se emite sobre as

qualidades ou caracteriacutesticas de uma pessoa ie enquanto neles se tenha primacialmente

em vista a sua mais ou menos acentuada natureza de inspecccedilatildeo ou periacutecia na medida

308 Simas SantosLeal-HenriquesSimas Santos 2010 226-227 309 Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 3 de Marccedilo de 2016 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrlnsf33182fc732316039802565fa00497eec36f34b50b321b89980257f6f004d5fc6

OpenDocument [consultado em 23012017] 310 A dactiloscopia assenta na comparaccedilatildeo das marcas digitais colhidas directamente dos objectos por

teacutecnicas cada vez mais apuradas com as impressotildees digitais constantes dos ficheiros policiais para o

estabelecimento da coincidecircncia (match) das respectivas formas as quais satildeo absolutamente originais em

cada ser humano Cf Oliveira 2008 134-135 311 Albuquerque 2011 434

94

poreacutem em que o objecto do exame seja uma pessoa que assim se vecirc constrangida a sofrer

ou a suportar uma actividade de investigaccedilatildeo sobre si mesma o exame constitui um

verdadeiro meio de coacccedilatildeo processualrdquo312

Depois de analisadas as figuras da diligecircncia de prova periacutecia e exame podemos concluir

que a recolha de impressotildees digitais313 eacute um exame314 Isto porque a sua detecccedilatildeo e

avaliaccedilatildeo natildeo supotildee a existecircncia de especiais conhecimentos teacutecnicos cientiacuteficos ou

artiacutesticos sendo apenas exigiacuteveis conhecimentos comuns ao niacutevel da anatomia humana

Natildeo obstante o que foi dito ateacute agora sobre diligecircncias de prova periacutecias e exames e

nomeadamente sobre o facto de a recolha de impressotildees digitais ser um exame surge-

nos a questatildeo em caso de necessidade de desencriptaccedilatildeo por impressatildeo digital de um

smartphone (no caso concreto da marca Apple) seria esta recolha de impressotildees digitais

(exame) suficiente para o seu desbloqueio

A esta pergunta teremos de responder negativamente Tal como deixamos claro no

Capiacutetulo III do presente estudo e atendendo ao caso concreto do iPhone a tecnologia

usada no fabrico do Touch ID eacute uma das formas mais avanccediladas de hardware e software

alguma vez implementada num smartphone O sensor consegue captar uma imagem de

alta resoluccedilatildeo das camadas subepideacutermicas da pele localizadas em pequenas secccedilotildees da

impressatildeo digital impossibilitando assim que uma reacuteplica da impressatildeo digital do arguido

seja eficaz para a sua desencriptaccedilatildeo

Desta forma a uacutenica maneira eficiente de desencriptar o smartphone seria atraveacutes da

coacccedilatildeo do arguido no sentido de colocar o seu dedo no sensor Mas neste caso

estaremos perante uma periacutecia ou um exame

Ora o acto (compelido) de colocar o dedo no sensor de um smartphone natildeo pode ser

considerado pelo que analisaacutemos anteriormente nem uma periacutecia nem um exame nem

uma declaraccedilatildeo verbal (vg fornecimento da palavra-passe) mas sim uma outra diligecircncia

312 Figueiredo Dias 2004 438-439 313 As impressotildees digitais satildeo consideradas como um vestiacutegio morfoloacutegico Neste sentido cf Ferreira

2014 81 ldquoOs vestiacutegios que podem ser detectados ou ateacute mesmo avaliados em sede de exame podem ser

classificados como fiacutesicos ou materiais (materialmente individualizaacuteveis) ou psiacutequicos ou imateriais

(condutas comportamentais psiacutequicas ou de personalidade) Os vestiacutegios fiacutesicos podem ser divididos em

orgacircnicos ou bioloacutegicos (saliva seacutemen sangue urina secreccedilotildees unhas plantas insectos estupefacientes

entre outros) natildeo orgacircnicos ou natildeo bioloacutegicos (instrumentos fragmentos solos tintas vidros gases

explosivos venenos papel documentos entre outros) morfoloacutegicos (impressotildees digitais palmares e

plantares pegadas rastos marcas de objectos vestiacutegios baliacutesticos entre outros)rdquo 314 Albuquerque 2011 435

95

de prova (al d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP)315 relativamente agrave qual natildeo cabe invocar

o direito ao silecircncio (al d) do nordm 1 do artigo 61ordm do CPP)

Chegados a este ponto resta-nos concluir que ao passo que o fornecimento da palavra-

passe para a desencriptaccedilatildeo de smartphone se reconduz a um acto comunicativo ou

declarativo (al d) do nordm 1 do artigo 61ordm do CPP) a desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes

da colocaccedilatildeo do dedo no sensor para a leitura da impressatildeo digital seraacute uma diligecircncia de

prova (al d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP) E como jaacute deixamos claro nas paacuteginas

anteriores a aacuterea de abrangecircncia do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare natildeo se

restringe agraves declaraccedilotildees orais ndash nomeadamente ao fornecimento de palavra-passe -

proferidas pelo arguido

No entanto conforme assinala Costa Andrade importa reconhecer que existe uma ldquozona

de fronteira e concorrecircncia entre o estatuto do arguido como sujeito processual e o seu

estatuto como objecto de medidas de coacccedilatildeo ou meios de prova Nesta zona cinzenta

deparam-se natildeo raramente situaccedilotildees em que natildeo eacute faacutecil decidir quando se estaacute ainda no

acircmbito [hellip]rdquo de uma diligecircncia de prova admissiacutevel mesmo se coactivamente imposta

ldquo[hellip] ou quando inversamente se invade jaacute o campo da inadmissiacutevel autoincriminaccedilatildeo

coercivardquo316 Assim a legitimidade destas diligecircncias depende da questatildeo de saber se a

sua realizaccedilatildeo ainda eacute compatiacutevel com o estatuto de sujeito processual do arguido ou se

traduz antes uma degradaccedilatildeo deste agrave condiccedilatildeo de objecto do processo317

Eacute ainda de ressalvar que atendendo ao facto de que o proacuteprio direito ao silecircncio conferido

ao arguido em sede de processo criminal natildeo eacute absoluto ou seja pode ser limitado

podemos afirmar tambeacutem que o proacuteprio fornecimento de palavra-passe (declaraccedilatildeo) para

a desencriptaccedilatildeo de smartphone pode gerar algumas duacutevidas nomeadamente quanto agrave

questatildeo de saber ateacute que ponto estaacute ou natildeo violado o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo

nesta situaccedilatildeo

Por conseguinte coloca-se a pergunta de que criteacuterio ou criteacuterios deve entatildeo o inteacuterprete

socorrer-se para aquilatar se a revelaccedilatildeo da palavra-passe ou a desencriptaccedilatildeo por leitura

315 Em sentido semelhante mas relativamente agrave recolha de autoacutegrafos Cruz Bucho afirma que ldquo[hellip] num

caso de recolha de autoacutegrafos natildeo estamos perante declaraccedilotildees verbais do arguido mas sim perante uma

diligecircncia de prova relativamente agrave qual natildeo cabe invocar o direito ao silecircnciordquo Cf Cruz Bucho 2013 34 316 Costa Andrade 1992 127 317 Silva DiasRamos 2009 21-22

96

da impressatildeo digital do arguido se encontram ou natildeo abrangidos pelo princiacutepio nemo

tenetur se ipsum accusare

Para respondermos a esta questatildeo analisaremos no proacuteximo ponto os criteacuterios

apresentados pela doutrina e jurisprudecircncia nacionais e internacionais

4 Criteacuterios para a determinaccedilatildeo de violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum

accusare

A delimitaccedilatildeo da aacuterea de tutela do nemo tenetur se ipsum accusare eacute como se intui tarefa

revestida da maior dificuldade e simultaneamente do mais significativo relevo Para o

efeito impotildee-se a definiccedilatildeo de um criteacuterio apto a discernir nas zonas criacuteticas de fronteira

entre a colaboraccedilatildeo coercivamente imposta proibida e a colaboraccedilatildeo coercivamente

imposta permitida318

Tanto a doutrina quanto a jurisprudecircncia nacionais e internacionais tecircm admitido

diferentes criteacuterios para a determinaccedilatildeo da violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum

accusare Analisaremos de seguida os trecircs criteacuterios defendidos

41 Criteacuterio da dependecircncia e independecircncia da vontade do arguido

Segundo o criteacuterio da dependecircncia e independecircncia da vontade do arguido estariam fora

do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare prestaccedilotildees pessoais exigidas sobre ameaccedila

de sanccedilatildeo mas independentes da vontade do sujeito que natildeo passam por uma colaboraccedilatildeo

espiritual da sua parte319

Este criteacuterio foi defendido inuacutemeras vezes pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos

(TEDH) sendo que o caso emblemaacutetico que lhe deu origem foi o caso Saunders v Reino

Unido320 Ernest Saunders administrador executivo da sociedade Guinness PLC foi

condenado no sistema judicial britacircnico a cinco anos de prisatildeo por conspiraccedilatildeo no crime

de falsificaccedilatildeo de balanccedilo (false accounting) e noutros crimes patrimoniais comuns

(thefts) todos relacionados com uma oferta puacuteblica de aquisiccedilatildeo sobre a Distillers

Company PLC em competiccedilatildeo com a Argyll Group PLC O Tribunal Europeu dos

Direitos Humanos teve de decidir sobre a queixa de Saunders fundada no facto de terem

318 Oliveira Silva 2013 375-376 319 Cruz Bucho 2013 35 320 Acoacuterdatildeo Saunders v Reino Unido de 17 de Dezembro de 1996 disponiacutevel em

httphudocechrcoeintwebservicescontentpdf001-58009TID=thkbhnilzk [consultado em

25012017]

97

sido usadas como prova num processo-crime subsequente as declaraccedilotildees que ele prestara

sob coerccedilatildeo (ie sob cominaccedilatildeo de desobediecircncia) em procedimento de investigaccedilatildeo

administrativo aos inspectores do Ministeacuterio do Comeacutercio e Induacutestria britacircnico o que

violaria o seu direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo implicitamente consagrado nos nos 1 e 2

do artigo 6ordm da CEDH321

O TEDH comeccedilou por enunciar os corolaacuterios do processo equitativo (artigo 6ordm da CEDH)

ndash o direito ao silecircncio e a prerrogativa contra a autoincriminaccedilatildeo ndash prosseguindo na sua

argumentaccedilatildeo322 afirmando que ldquo[hellip] o direito de natildeo contribuir para a sua proacutepria

incriminaccedilatildeo em especial pressupotildee que em mateacuteria penal a acusaccedilatildeo deve procurar

provar a sua argumentaccedilatildeo sem recorrer a elementos de prova obtidos mediante medidas

coercivas ou opressivas desrespeitando a vontade do arguido Neste sentido este direito

estaacute intimamente ligado ao princiacutepio da presunccedilatildeo da inocecircncia consagrado no paraacutegrafo

2ordm do artigo 6ordm da Convenccedilatildeordquo323 O douto Tribunal acrescenta ainda ndash numa foacutermula

que se tornou claacutessica pois perde-se a conta agraves vezes em que jaacute tem sido citada ndash que tal

como eacute comummente entendido na generalidade dos sistemas juriacutedicos das Partes

contratantes da Convenccedilatildeo o direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo natildeo abrange a utilizaccedilatildeo

em quaisquer processos penais de elementos susceptiacuteveis de serem obtidos do acusado

atraveacutes do exerciacutecio de poderes compulsivos contando que a respectiva existecircncia seja

ldquoindependente da vontade do suspeitordquo324 tais como documentos apreendidos em buscas

321 Sousa Mendes 2017 212 322 Ramos 2007 94 323 ldquoThe Court recalls that although not specifically mentioned in Article 6 of the Convention (art 6) the

right to silence and the right not to incriminate oneself are generally recognised international standards which lie at the heart of the notion of a fair procedure under Article 6 (art 6) Their rationale lies inter

alia in the protection of the accused against improper compulsion by the authorities thereby contributing

to the avoidance of miscarriages of justice and to the fulfilment of the aims of Article 6 (art 6) (see the

above-mentioned John Murray judgment p 49 para 45 and the above-mentioned Funke judgment p 22

para 44) The right not to incriminate oneself in particular presupposes that the prosecution in a criminal

case seek to prove their case against the accused without resort to evidence obtained through methods of

coercion or oppression in defiance of the will of the accused In this sense the right is closely linked to the

presumption of innocence contained in Article 6 para 2 of the Convention (art 6-2)rdquo Cf paraacutegrafo 68 do

Acoacuterdatildeo Saunders v Reino Unido de 17 de Dezembro de 1996 disponiacutevel em

httphudocechrcoeintwebservicescontentpdf001-58009TID=thkbhnilzk [consultado em

25012017] 324 ldquoThe right not to incriminate oneself is primarily concerned however with respecting the will of an

accused person to remain silent As commonly understood in the legal systems of the Contracting Parties

to the Convention and elsewhere it does not extend to the use in criminal proceedings of material which

may be obtained from the accused through the use of compulsory powers but which has an existence

independent of the will of the suspect such as inter alia documents acquired pursuant to a warrant breath

blood and urine samples and bodily tissue for the purpose of DNA testingrdquo Cf paraacutegrafo 69 do Acoacuterdatildeo

Saunders v Reino Unido de 17 de Dezembro de 1996 disponiacutevel em

httphudocechrcoeintwebservicescontentpdf001-58009TID=thkbhnilzk [consultado em

25012017]

98

amostras de sangue ou de urina e tecidos corporais para testes de ADN325 Eacute evidente

portanto que os reconhecimentos ou intervenccedilotildees sobre o corpo humano com fins de

investigaccedilatildeo penal natildeo estatildeo protegidos pelo direito ao silecircncio agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo

ou a natildeo se confessar culpado326

O Tribunal decidiu por conseguinte que o princiacutepio do processo equitativo tal como

previsto no nordm 1 do artigo 6ordm da CEDH tinha sido violado Agrave conta do obter dictum sobre

as provas existentes independentemente da vontade do acusado327 o presente acoacuterdatildeo

tornar-se-ia o caso de referecircncia para a defesa do criteacuterio da dependecircncia e independecircncia

da vontade do arguido

Este criteacuterio voltou a ser utilizado nos casos Quinn v Irlanda328 PG et JH v Reino

Unido329 Shannon v Reino Unido330 e reafirmado no importante caso Jalloh v

Alemanha331 Neste uacuteltimo caso o TEDH procedeu agrave delimitaccedilatildeo do campo de aplicaccedilatildeo

do princiacutepio da natildeo-autoincriminaccedilatildeo consagrado no artigo 6ordm da Convenccedilatildeo

considerando que o mesmo apesar de se relacionar em primeira linha com o respeito pela

vontade do acusado em permanecer em silecircncio em face de perguntas que lhe satildeo

colocadas e de natildeo ser compelido a prestar declaraccedilotildees abrange ainda outros casos em

que a coacccedilatildeo tenha sido exercida pelas autoridades sobre o acusado para obter prova332

Os casos ainda abrangidos pelo acircmbito de incidecircncia do princiacutepio da natildeo-

autoincriminaccedilatildeo correspondem segundo o TEDH agraves hipoacuteteses de intimaccedilatildeo para

entrega atraveacutes de prendimentos coercivos de prova documental potencialmente

autoincriminatoacuteria natildeo se estendendo jaacute ao material susceptiacutevel de ser obtido do acusado

atraveacutes do exerciacutecio de poderes compulsivos mas cuja existecircncia eacute independente da

325 Costa 2011 156 326 Rodrigues 2008 197-198 327 Sousa Mendes 2017 214 328 Acoacuterdatildeo Quinn v Irlanda de 21 de Dezembro de 2000 disponiacutevel em

httphudocechrcoeintengitemid[001-59098] [consultado em 25012017] 329 Acoacuterdatildeo PG e JH v Reino Unido de 25 de Setembro de 2001 disponiacutevel em

httphudocechrcoeintappconversionpdflibrary=ECHRampid=002-5500ampfilename=002-

5500pdfampTID=ihgdqbxnfi [consultado em 25012017] 330 Acoacuterdatildeo Shannon v Reino Unido de 4 de Outubro de 2005 disponiacutevel em

httphudocechrcoeintwebservicescontentpdf001-70364TID=ihgdqbxnfi [consultado em

25012017] 331 Acoacuterdatildeo Jalloh v Alemanha de 11 de Julho de 2006 disponiacutevel em

httpswcdcoeintViewDocjspp=ampid=1018815ampSite=COEampdirect=true [consultado em 25012017] 332 Costa 2011 156 Ashworth 2008 773

99

vontade do suspeito tal como documentos apreendidos em buscas amostras de sangue

ou urina e tecidos corporais para testes de ADN333

No que concerne agrave jurisprudecircncia nacional tambeacutem o Tribunal Constitucional perfilhou

em tempos este entendimento ao sublinhar no seu Acoacuterdatildeo nordm 1552007 que entende

ldquo[hellip] que o direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo se refere ao respeito pela vontade do arguido

em natildeo prestar declaraccedilotildees natildeo abrangendo [hellip] o uso em processo penal de elementos

que se tenham obtido do arguido por meio de poderes coercivos mas que existam

independentemente da vontade do sujeito como eacute o caso por exemplo e para o que agora

nos importa considerar da colheita de saliva para efeitos de realizaccedilatildeo de anaacutelises de

ADNrdquo334 O Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora acrescenta ainda que ldquoNa essecircncia o

privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo estaacute associado a um depoimento e natildeo a uma prova

de natureza fiacutesica mas abrange a obrigatoriedade de apresentaccedilatildeo de documentaccedilatildeo

incriminadorardquo335

Eacute tambeacutem este o criteacuterio adoptado maioritariamente pela doutrina e jurisprudecircncia norte-

americanas como jaacute tivemos oportunidade de mencionar no Capiacutetulo I da presente

investigaccedilatildeo No entanto a adopccedilatildeo deste criteacuterio em territoacuterio norte-americano faz-se

em termos ligeiramente diferentes aos defendidos pelo Tribunal Europeu dos Direitos

Humanos

A construccedilatildeo largamente dominante no contexto juriacutedico norte-americano assenta como

vimos anteriormente na dicotomia entre os elementos probatoacuterios de tipo declarativo

(testimonial) ou comunicativo (communicative) e os elementos probatoacuterios fiacutesicos

circunscrevendo-se agraves provas da primeira espeacutecie a operatividade do privileacutegio contra a

autoincriminaccedilatildeo336

333 Criticando a distinccedilatildeo entre declaraccedilotildees orais e os elementos de prova enunciados com base no criteacuterio

da sua existecircncia independente da vontade do arguido cf Silva DiasRamos 2009 24 334 Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1552007 de 2 de Marccedilo de 2007 disponiacutevel em

httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20070155html [consultado em 25012017] Neste

sentido vatildeo tambeacutem o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de 15 de Novembro de 2011 disponiacutevel

em httpwwwdgsiptjtrensf134973db04f39bf2802579bf005f080b3475e69cdc8de87380257de10056f84a

OpenDocument [consultado 25012017] e o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de 21 de Abril de

2015 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrensf134973db04f39bf2802579bf005f080b21398dcfc4605f1980257e43003306a9

OpenDocument [consultado em 25012017] 335 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de 11 de Outubro de 2011 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrensf134973db04f39bf2802579bf005f080b3693bad042ba17bb80257de10056f62e

OpenDocument [consultado em 25012017] 336 Oliveira Silva 2013 376

100

Apesar da ratio do criteacuterio ser a mesma o sistema juriacutedico norte-americano natildeo faz

menccedilatildeo aos elementos probatoacuterios ldquodependentes da vontade do arguidordquo fazendo ao

inveacutes referecircncia aos elementos probatoacuterios que pressuponham o recurso ao ldquoconteuacutedo da

mente do arguidordquo337

Em uacuteltima anaacutelise podemos concluir que satildeo meramente duas expressotildees distintas - mas

integralmente interligadas - que culminam no mesmo entendimento nenhuma prova

incriminatoacuteria que dependa de alguma maneira inteiramente do arguido (da sua

mentevontade) pode ser compelida Quanto agrave interligaccedilatildeo ou se preferirmos agrave

subordinaccedilatildeo entre as duas expressotildees ndash dependecircncia da vontade do arguido e revelaccedilatildeo

do conteuacutedo da sua mente ndash fica claro que eacute necessaacuterio que se faccedila uso da vontade para

que algueacutem possa revelar ainda que coercivamente qualquer conteuacutedo da sua mente

Assim segundo este criteacuterio a recolha coerciva de um elemento probatoacuterio inteiramente

dependente de alguma maneira do arguido (da sua mentevontade) seraacute violadora do

princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo Por outro lado se essa recolha de prova natildeo estiver

dependente de alguma maneira do arguido (da sua mentevontade) podemos concluir

pela natildeo violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur

Chegados a este ponto resta-nos entatildeo apurar se a revelaccedilatildeo coagida da palavra-passe ou

a desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido satildeo ou

natildeo condutas violadoras do princiacutepio nemo tenetur com base neste criteacuterio da dependecircncia

e independecircncia da vontade do arguido

No que concerne ao fornecimento coagido de palavra-passe para desencriptaccedilatildeo de um

smartphone a doutrina norte-americana tende a fazer uma analogia entre a palavra-passe

e uma combinaccedilatildeo de um cofre338 defendendo que o fornecimento da palavra-passe seraacute

um elemento probatoacuterio declarativo (testimonial) 339

337 Mesquita 2011 560 338 ldquoA passphrase is more analogous to a combination to a safe in the sense that both exist only in the mind

of the individualrdquo Cf Duong 2009 349-350 339 ldquoA combination metaphor to a safe more accurately captures a passwordrsquos testimonial nature because a combination is something that is in onersquos mindrdquo Cf Kiok 2015 77 Neste sentido vatildeo tambeacutem Wiseman

2014 29 Disponiacutevel em httpsworksbepresscomtimothy_wiseman2 [consultado em 26012017]

Thompson IIJaikaran 2016 12 Engel 2012 107-108 MohanVillasenor 2012 24-25 Poreacutem existe

alguma doutrina ainda que claramente minoritaacuteria que defende a ideia de que mesmo contra a vontade do

arguido a proacutepria revelaccedilatildeo pode ser legalmente compelida Cf Terzian 2014 305 Na esteira do

defendido pela maioria da doutrina norte-americana tambeacutem a jurisprudecircncia parece ir no mesmo sentido

ldquoforcing the Defendant to reveal the passwordhellip requires Defendant to communicate lsquoknowlegdersquordquo Cf

United States v Kirschner 2010 Disponiacutevel em

httpswwwravellawcomopinions789d10be33066b73e4377a26bf5c574a [consultado em 26012017]

101

O arguido ao fornecer sob coacccedilatildeo a palavra-passe que desencripta o seu smartphone

seja pela via oral escrita ou gestual estaraacute necessariamente a fazer uso da sua vontade

Ou seja para o fornecimento da palavra-passe o arguido tem de revelar o conteuacutedo da sua

mente e essa revelaccedilatildeo estaacute como jaacute adiantaacutemos anteriormente totalmente condicionada

pela sua vontade em auxiliar ou natildeo a investigaccedilatildeo340

Assim natildeo podemos caracterizar esta conduta de revelaccedilatildeo da palavra-passe seja de que

modo for como um qualquer acto fiacutesico independente da vontade do arguido341 Isto

porque seria impossiacutevel para as autoridades judiciaacuterias forccedilarem o arguido a divulgar

algo sobre o qual tenha conhecimento342

Jaacute no que diz respeito agrave desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da colocaccedilatildeo do dedo do

arguido no sensor para a leitura da sua impressatildeo digital o resultado eacute diacutespar Se por um

lado podiacuteamos fazer uma analogia entre a divulgaccedilatildeo da palavra-passe e a divulgaccedilatildeo de

uma combinaccedilatildeo de um cofre por outro podemos aqui falar segundo o entendimento da

doutrina norte-americana numa analogia entre a desencriptaccedilatildeo de um smartphone

atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido e a entrega de uma chave de um cofre343

Contrariamente ao fornecimento de palavra-passe a desencriptaccedilatildeo do smartphone

atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido configura um acto inteiramente fiacutesico

que compara apenas a impressatildeo digital lida com a impressatildeo digital armazenada no

dispositivo344 O acto de colocar o dedo no sensor do smartphone para possibilitar a sua

desencriptaccedilatildeo natildeo exige qualquer tipo de divulgaccedilatildeo do conteuacutedo da mente do

arguido345 E uma vez que as entidades judiciaacuterias podem simplesmente agarrar no dedo

ldquo[hellip] the production was testimonial because the decryption password require the appellant to use lsquothe

contents of the mindrsquo to produce information that could be incriminatingrdquo Cf Fisher v United States

1976 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus425391casehtml [consultado em

26012017] 340 Wiseman 2015 548-549 341 Bales 2012 1302-1303 342 Hustle 2014 2 Disponiacutevel em httprebelpunditcombiometrics-and-the-constitution-why-

fingerprints-are-less-secure-than-passwords [consultado em 26012017] ldquo[hellip] using a decryption

password requires sufficiently great mental use [hellip]rdquo Cf Terzian 2015 1136 343 Thompson IIJaikaran 2016 14 344 Sales 2014 222-223 345 Goldman 2015 218 Neste sentido vatildeo tambeacutem Silver 2012 814 Wilson 2015 28-29 Na esteira do

defendido pela doutrina tambeacutem a jurisprudecircncia norte-americana vem afirmar que ldquo[hellip] fingerprints are

not deemed testimonial and therefore not subject to Fifth Amendment protection [hellip] a fingerprint can be

compelled even though it is being used to open the cell phone The passcode is more like a combination to

a safe and the fingerprint is more like a keyrdquo Cf Commonwealth of Virginia v David Charles Baust 2014

Disponiacutevel em httpsconsumermediallcfileswordpresscom201411245515028-fingerprint-unlock-

rulingpdf [consultado em 26012017] Pode ser consultado no Anexo I da presente Dissertaccedilatildeo Cf State

of Minnesota v Matthew Vaughn Diamond 2017 Disponiacutevel em httpmngovlaw-library-

102

do arguido e colocaacute-lo no sensor natildeo podemos semelhantemente falar numa

dependecircncia da sua vontade

Assim sendo a desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do

arguido um acto fiacutesico independente da sua vontade podemos admitir que natildeo haveraacute

aqui segundo este criteacuterio uma violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare

Em sentido inverso o fornecimento da palavra-passe sendo um acto que depende

obrigatoriamente da vontade do arguido seraacute violador segundo este criteacuterio do princiacutepio

contra a autoincriminaccedilatildeo se for compelido pelas autoridades judiciaacuterias

Natildeo obstante o que ficou dito sobre o criteacuterio da dependecircncia e independecircncia da vontade

do arguido defendido tanto pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos como pela

jurisprudecircncia e doutrina maioritaacuteria norte-americanas vaacuterias criacuteticas surgem contra esta

tese

De facto natildeo partilhamos desta linha argumentativa ndash fraacutegil no nosso entender -

defendida vaacuterias vezes pelo Tribunal Constitucional portuguecircs de que ldquoo direito agrave natildeo-

autoincriminaccedilatildeo se refere ao respeito pela vontade do arguido em natildeo prestar

declaraccedilotildees natildeo abrangendo [hellip] o uso em processo penal de elementos que se tenham

obtido do arguido por meio de poderes coercivos mas que existam independentemente

da vontade do sujeitordquo346

Esta concepccedilatildeo altamente restritiva do conceito do nemo tenetur se ipsum accusare

permite que o arguido seja o objecto de prova em todas as situaccedilotildees nas quais natildeo se exija

a prestaccedilatildeo de declaraccedilotildees O princiacutepio ficaria cingido agraves declaraccedilotildees orais coincidindo

praticamente com o direito ao silecircncio347 E limitar o princiacutepio ao direito ao silecircncio eacute

desprovecirc-lo de todo o seu conteuacutedo e alcance praacutetico348

Por outro lado parece irrefutaacutevel que as declaraccedilotildees orais natildeo satildeo o uacutenico meio atraveacutes

do qual algueacutem se pode autoincriminar jaacute que natildeo se vecirc como algueacutem que eacute alvo de uma

qualquer ingerecircncia corporal natildeo estaraacute a contribuir para a sua autoincriminaccedilatildeo

sobretudo se a prova a final apenas vier a assentar em tal meio de prova que de outro

statarchivectappub2017OPa152075-011717pdf [consultado em 26012017] Pode ser consultado no

Anexo II da presente Dissertaccedilatildeo 346 Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1552007 de 2 de Marccedilo de 2007 disponiacutevel em

httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20070155html [consultado em 31012017] 347 Silva DiasRamos 2009 24 348 Cruz 2011 71

103

modo natildeo existiria Do que se trata eacute de se colocar a ldquofalar o corpordquo quando o titular

desse corpo pretende calar349

Posto isto analisadas que estatildeo as criacuteticas relativas a este criteacuterio passaremos agrave

apreciaccedilatildeo de um segundo criteacuterio defendido pela doutrina e jurisprudecircncia nacionais e

internacionais

42 Criteacuterio da conduta activa e toleracircncia passiva

O segundo criteacuterio adoptado pelo Tribunal Constitucional alematildeo e pela generalidade da

doutrina alematilde assenta na distinccedilatildeo entre conduta activa e toleracircncia passiva De acordo

com este criteacuterio ningueacutem poderaacute ser coactivamente obrigado a contribuir activamente

para a sua proacutepria condenaccedilatildeo em processo criminal350 - seja declarando contra si mesmo

seja realizando algum outro tipo de actividade que contribua para a investigaccedilatildeo e

comprovaccedilatildeo do crime imputado

No panorama juriacutedico alematildeo a doutrina tradicional e (ainda) dominante aponta como

criteacuterio delimitador do princiacutepio nemo tenetur a ldquoqualidade da condutardquo

(ldquoHandlungsqualitaumltrdquo) esperada do arguido distinguindo entre os meros deveres de

toleracircncia passiva (ldquopassive Duldungspflichtenrdquo) e as obrigaccedilotildees de colaboraccedilatildeo activa

(ldquoaktive Mitwirkungspflichtenrdquo)351 A colaboraccedilatildeo activa seraacute segundo esta doutrina

tradicional inexigiacutevel ao arguido existindo um direito de oposiccedilatildeo agrave colaboraccedilatildeo activa

(Mitwirkungsverweigerungsrecht) porquanto esta seria violadora do princiacutepio nemo

tenetur se ipsum accusare352

Nesta esteira de ideias se ao arguido se impusesse a colaboraccedilatildeo mediante uma conduta

activa tal seria susceptiacutevel de ferir o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo se ao inveacutes se

lhe impusesse meramente que tolerasse uma determinada actividade natildeo haveria

qualquer colisatildeo com o direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo que lhe assiste natildeo configurando

assim uma manifestaccedilatildeo inadmissiacutevel de autoincriminaccedilatildeo353

A referida diferenciaccedilatildeo fenomenoloacutegica assenta na premissa filosoacutefica de que a

liberdade de vontade constitui a expressatildeo mais nuclear da personalidade humana por

349 Rodrigues 2008 198 350 Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 3402013 de 17 de Junho de 2013 disponiacutevel em

httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20130340html [consultado em 31012017] 351 Oliveira Silva 2013 376-377 352 Pinto 2013 97 353 Agostinho 2014 112

104

contraposiccedilatildeo com a existecircncia fiacutesicacorpoacuterea E tem como certa a ideia de que a

autonomia pessoal eacute mais severamente atingida se o arguido for forccedilado a colaborar com

o Estado na proacutepria perseguiccedilatildeo criminal sob a forma de uma acccedilatildeo positiva do que nos

casos em que o seu corpo eacute simplesmente manipulado pelas autoridades impondo-se-lhe

o dever de tolerar a intervenccedilatildeo (mas jaacute natildeo a de coadjuvar)354

Claus Roxin defensor desta teoria adianta que o arguido natildeo tem o dever de auxiliar as

autoridades judiciaacuterias de forma activa no entanto deve tolerar natildeo apenas as

investigaccedilotildees relativas agrave sua vida privada mas tambeacutem as intervenccedilotildees fiacutesicas sobre o

seu corpo que podem facilmente consubstanciar uma contribuiccedilatildeo decisiva para a prova

da sua culpabilidade355

Eacute de notar que o Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto num acoacuterdatildeo relativamente recente parece

acolher esta distinccedilatildeo356 Neste caso jurisprudencial estaria em causa a legitimidade da

recusa do arguido em se sujeitar agrave recolha de autoacutegrafos e a legitimidade da cominaccedilatildeo

dessa recusa com o crime de desobediecircncia No acoacuterdatildeo recorrido o Tribunal de 1ordf

instacircncia afasta categoricamente toda a colaboraccedilatildeo qualificada como activa O acoacuterdatildeo

do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto acaba por confirmar o acoacuterdatildeo recorrido mas eacute mais

comedido do que o Tribunal de 1ordf instacircncia temperando o argumento da colaboraccedilatildeo

activa com o princiacutepio da legalidade357

Fazendo apelo a este segundo criteacuterio importa agora perceber se o fornecimento da

palavra-passe e a desencriptaccedilatildeo atraveacutes da impressatildeo digital seriam ou natildeo condutas

violadoras do princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo

As coisas satildeo particularmente oacutebvias quando se trata de obter por coacccedilatildeo declaraccedilotildees

incriminadoras do arguido358 Assim segundo o criteacuterio da conduta activa e toleracircncia

passiva o arguido natildeo poderaacute ser compelido a revelar a palavra-passe que desencripta o

seu smartphone essencial para os investigadores criminais terem raacutepido acesso agrave

354 Oliveira Silva 2015 575-576 355 Cf Roxin 2009 98 356 ldquoMesmo que o recorrente natildeo concorde natildeo podemos esquecer que aqui a recolha de autoacutegrafos implica uma acccedilatildeo positiva do arguido (contra a sua vontade) que natildeo se confunde com ldquoo mero tolerar passivo da

actividade de terceirordquo vg que decorre da execuccedilatildeo de decisatildeo de juiz a ldquocompelirrdquo agrave sujeiccedilatildeo a exame

tal como hoje se prevecirc expressamente nos nos 1 e 2 do artigo 172ordm do CPP (estabelecendo-se ainda que eacute

correspondentemente aplicaacutevel o disposto no nordm 2 do artigo 154ordm e nos nos 5 e 6 do artigo 156ordm do mesmo

coacutedigo)rdquo Cf Acoacuterdatildeo da Relaccedilatildeo do Porto de 28 de Janeiro de 2009 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrpnsf56a6e7121657f91e80257cda00381fdff861aadc84da529a8025754e0054040e

OpenDocument [consultado em 31012017] 357 Pinto 2013 97-98 358 Costa Andrade 1992 128

105

informaccedilatildeo nele contida por ser ilegitimamente obrigado a colaborar ou a contribuir

activamente para a sua incriminaccedilatildeo359

Quanto agrave desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido

a situaccedilatildeo eacute mais duacutebia Isto porque como frisaacutemos anteriormente o arguido pode por

sua livre vontade colocar o dedo no sensor para permitir a leitura da sua impressatildeo digital

possibilitando assim a desencriptaccedilatildeo do dispositivo No entanto o mesmo arguido pode

optar por se opor a colocar o dedo no sensor restando agraves autoridades a alternativa de

forccedilarem a desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da colocaccedilatildeo coactiva do seu dedo no

sensor E se por um lado podemos classificar a primeira conduta como uma conduta

activa por outro podemos qualificar a segunda como uma conduta passiva

A desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido eacute um

exemplo tiacutepico de uma das criacuteticas feitas a este criteacuterio da conduta activa e toleracircncia

passiva um criteacuterio que estaacute longe de concitar um aplauso paciacutefico entre Autores e

tribunais Eacute certo que ldquofazerrdquo eacute diferente de ldquodeixar fazerrdquo que o direito (nomeadamente

o direito penal) valora de modo diferente condutas activas e condutas omissivas No

entanto este criteacuterio de averiguaccedilatildeo da conformidade com o princiacutepio nemo tenetur

manifesta-se insatisfatoacuterio360

Na verdade este segundo criteacuterio tem sido qualificado como simplista e de difiacutecil

aplicaccedilatildeo praacutetica361 pela dificuldade em diferenciar sob o prisma fenomenoloacutegico entre

actos de colaboraccedilatildeo activa e meros estados passivos de toleracircncia362

Acompanhamos Wolfslast quando afirma que ldquonatildeo se eacute apenas instrumento da proacutepria

condenaccedilatildeo quando se colabora mediante uma conduta activa querida e livre mas

tambeacutem quando [hellip] contra vontade uma pessoa tem de tolerar que o proacuteprio corpo seja

utilizado como meio de provardquo363 De resto acrescenta seraacute difiacutecil discernir porque eacute que

a dignidade humana do arguido soacute eacute atingida quando forccedilado a uma acccedilatildeo e natildeo jaacute quando

compelido a ter de tolerar uma acccedilatildeo O tormento a humilhaccedilatildeo de ter de ser instrumento

contra si proacuteprio podem em caso de passividade forccedilada e verificadas certas

circunstacircncias ser maiores do que em caso de colaboraccedilatildeo activa364

359 Haddad 2003 42-43 360 Fidalgo 2006 141 361 Cruz Bucho 2013 46 Pinto 2013 98 362 Oliveira Silva 2015 580 363 Wolfslast 1987 103 364 Wolfslast 1987 104

106

Como bem refere Sandra Oliveira e Silva ldquoa distinccedilatildeo conceitual-positivista entre acccedilatildeo

e omissatildeo eacute inadequada para estabelecer valoraccedilotildees juriacutedicas distintas Em causa estatildeo

conceitos intercambiaacuteveis de acordo com a conclusatildeo pretendida pelo inteacuterprete E ainda

que se pudesse obter um consenso sobre o sentido a adoptar em cada caso natildeo deixa de

ser possiacutevel interpretar indistintamente determinados comportamentos como acccedilatildeo ou

omissatildeo e as correspondentes obrigaccedilotildees como importando uma colaboraccedilatildeo activa ou

uma simples toleracircncia passivardquo365

No que concerne agraves inconsistecircncias deste criteacuterio no plano teoacuterico importa voltar a

mencionar a ideia de que o nemo tenetur pretende preservar o arguido do ldquotrilemardquo da

escolha entre trecircs males poupaacute-lo agrave experiecircncia degradante de ser obrigado a colocar nas

matildeos das autoridades de perseguiccedilatildeo criminal o material probatoacuterio para a sua

incriminaccedilatildeo366 Acreditamos na esteira do defendido por Sandra Oliveira e Silva que eacute

difiacutecil discernir as razotildees pelas quais o sentimento de humilhaccedilatildeo soacute se manifesta se o

arguido for obrigado a entregar o material incriminador pelos seus proacuteprios meios e natildeo

tambeacutem nas hipoacuteteses em que as informaccedilotildees satildeo extraiacutedas agrave forccedila do seu corpo367

nomeadamente atraveacutes da utilizaccedilatildeo da sua impressatildeo digital para desencriptar um

smartphone onde estaratildeo armazenadas informaccedilotildees iacutentimas e possivelmente

incriminatoacuterias Quer no caso de uma conduta activa quer no caso de toleracircncia passiva

o arguido tem plena consciecircncia de ser obrigado a contribuir contra a sua vontade para a

obtenccedilatildeo de provas incriminatoacuterias

Tambeacutem a jurisprudecircncia nacional se tem pronunciado ainda que em pouca escala sobre

este criteacuterio defendido pela doutrina e jurisprudecircncia alematildes O Tribunal Constitucional

no seu acoacuterdatildeo nordm 1552007 refere-se a propoacutesito da colheita de saliva para efeitos de

realizaccedilatildeo de anaacutelises de ADN que esta ldquoindependentemente de natildeo requerer apenas um

comportamento passivo natildeo se pode catalogar como obrigaccedilatildeo de autoincriminaccedilatildeordquo368

Esta expressatildeo parece apontar para a conclusatildeo de que o criteacuterio conduta activatoleracircncia

passiva natildeo tem relevacircncia no sistema juriacutedico nacional na medida em que o douto

Tribunal aceita a existecircncia de um caso de colaboraccedilatildeo activa do arguido natildeo o afastando

imediata e categoricamente depois de o qualificar como tal369 Mais recentemente o

365 Oliveira Silva 2015 583-584 366 Costa Andrade 2014 143-144 367 Oliveira Silva 2015 590 368 Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1552007 de 2 de Marccedilo de 2007 disponiacutevel em

httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20070155html [consultado em 01022017] 369 Pinto 2013 99

107

Supremo Tribunal de Justiccedila no seu acoacuterdatildeo nordm 142014 veio destacar a difiacutecil

praticabilidade deste criteacuterio ldquopor nem sempre ser viaacutevel e nem visiacutevel a distinccedilatildeo entre

as duas formas procedimentais por ser demasiado simplista natildeo conducente a resultados

seguros sequer aceitaacuteveisrdquo370 O Supremo Tribunal atesta ainda que ldquona verdade parece

evidente que mesmo em casos havidos classicamente de toleracircncia passiva natildeo deixa de

coexistir uma participaccedilatildeo activa como eacute o caso da sujeiccedilatildeo a recolha de sangue saliva

urina corte de cabelo de tecidos corporais aacutelcool no sangue a partir do ar expirado ou

do sangue etc em que sem a colaboraccedilatildeo (necessariamente activa) do arguido expondo

voluntariamente o seu corpo fica comprometido o resultado a alcanccedilarrdquo371

Em conclusatildeo podemos afirmar que dadas as dificuldades de aplicaccedilatildeo fragilidades e

inconsistecircncias do criteacuterio da conduta activa e toleracircncia passiva este natildeo poderaacute ser

considerado como um meacutetodo viaacutevel para traccedilar a linha de fronteira entre a colaboraccedilatildeo

admissiacutevel e a inadmissiacutevel Por esse motivo estas dificuldades tecircm conduzido a doutrina

e jurisprudecircncia nacionais ao esboccedilo de um terceiro criteacuterio de delimitaccedilatildeo e ao

progressivo abandono do binoacutemio actividadepassividade

43 Criteacuterio da ponderaccedilatildeo de bens

A doutrina e jurisprudecircncia constitucional portuguesas tecircm vindo a adoptar o criteacuterio da

ponderaccedilatildeo de bens para delimitar a aacuterea de tutela do nemo tenetur se ipsum accusare

Sem embargo antes de procedermos agrave anaacutelise deste criteacuterio impera que se estabeleccedila a

priori uma distinccedilatildeo relativa agrave natureza dos direitos fundamentais ou mais

rigorosamente agrave natureza das normas de direitos fundamentais que possam entrar em

conflito

431 A distinccedilatildeo entre normas-regras e normas-princiacutepios

Grande parte da doutrina nacional e internacional defende a distinccedilatildeo niacutetida entre regras

e princiacutepios Distinccedilatildeo segundo Alexy sem a qual natildeo poderia existir uma teoria

adequada dos limites dos direitos fundamentais nem uma teoria satisfatoacuteria da colisatildeo

entre direitos fundamentais nem tatildeo pouco uma teoria suficiente acerca do papel

desempenhado por estes direitos no sistema juriacutedico372 Esta construccedilatildeo foi globalmente

370 Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro de 2014 disponiacutevel em

httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 01022017] 371 Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro de 2014 disponiacutevel em

httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 01022017] 372 Alexy 2008 63

108

desenvolvida na deacutecada de oitenta por Alexy inspirado no pensamento de Dworkin e

nas suas distinccedilotildees entre ldquorulesrdquo e ldquoprinciplesrdquo

Segundo Dworkin a distinccedilatildeo loacutegica entre regras e princiacutepios manifesta-se na diferente

forma de aplicaccedilatildeo e de colisatildeo que por sua vez se funda na seguinte diferenccedila essencial

enquanto que a dimensatildeo fundamental das regras eacute a da validade a dos princiacutepios eacute o

peso373 Assim um conflito de regras seria decidido atraveacutes da dimensatildeo determinante da

validade implicando a eliminaccedilatildeo na ordem juriacutedica da regra contraacuteria invaacutelida ao passo

que uma colisatildeo de princiacutepios diferentemente seria decidida em funccedilatildeo do peso relativo

que cada um deles apresenta no caso concreto (dimension of weight) implicando a

cedecircncia do princiacutepio mais fraco nesse caso sem a sua exclusatildeo da ordem juriacutedica374

Para Alexy as regras satildeo normas que exigem algo de modo definitivo satildeo comandos

definitivos Se uma regra eacute vaacutelida e estatildeo reunidas as condiccedilotildees para a sua aplicaccedilatildeo

entatildeo deve ser feito exactamente o que ela exige Se isso for feito a regra eacute cumprida se

isso natildeo for feito a regra eacute violada375 Pelo contraacuterio os princiacutepios satildeo mandados de

optimizaccedilatildeo Como tal eles exigem que algo seja feito na maacutexima extensatildeo possiacutevel de

acordo com as possibilidades de facto e de direito existentes376

Neste sentido a diferenccedila entre regras e princiacutepios permanece para Alexy tal como para

Dworkin uma diferenccedila qualitativa e natildeo gradativa sendo qualquer norma ou uma regra

ou um princiacutepio377

Jaacute na doutrina nacional Jorge Reis Novais afirma que a diferenccedila entre regras e

princiacutepios eacute determinada pelo meacutetodo de aplicaccedilatildeo que seria a ponderaccedilatildeo nos princiacutepios

e a subsunccedilatildeo nas regras378

De acordo com estas distinccedilotildees entre normas-regras e normas-princiacutepios facilmente se

depreende que o nemo tenetur se ipsum accusare seria qualificado como um princiacutepio e

natildeo uma regra E apresentando este direito fundamental natildeo escrito a natureza de

princiacutepio o nemo tenetur como temos vindo a reiterar ao longo da nossa investigaccedilatildeo

373 Dworkin 1977 35 374 Dworkin 1977 22-26 375 Alexy 2014 818-819 376 Alexy 2014 819 377 Alexy 2008 68 Contra esta ideia vai Jorge Reis Novais ao afirmar que um direito fundamental pode

ser simultaneamente uma regra e um princiacutepio dando como exemplo o direito agrave vida ldquo[hellip] o direito agrave vida

constitucionalmente reconhecido pode ser fundamentalmente considerado como regra como princiacutepio ou

simultaneamente regra e princiacutepio [hellip]rdquo Cf Reis Novais 2010 352 378 Reis Novais 2010 347-348

109

natildeo seraacute absoluto podendo ser alvo de colisotildees com outros princiacutepios Segundo Alexy

quando dois princiacutepios entram em colisatildeo um deles teraacute obrigatoriamente que ceder

perante o outro No entanto isto natildeo significa como se referiu anteriormente que se tenha

de considerar invaacutelido o princiacutepio alvo de cedecircncia379

Efectivamente os defensores dos direitos fundamentais como princiacutepios partem desta

distinccedilatildeo entre regras e princiacutepios para afirmarem que a determinaccedilatildeo do grau adequado

de satisfaccedilatildeo ou de realizaccedilatildeo de um princiacutepio relativamente aos mandados de outros

princiacutepios eacute conseguida atraveacutes da ponderaccedilatildeo380 Ou seja apresentando as normas

constitucionais de direitos fundamentais a natureza de princiacutepios isso significa que os

direitos nelas sustentados soacute se convertem em direitos definitivos depois de passarem pelo

crivo do criteacuterio da ponderaccedilatildeo com os princiacutepios opostos nas circunstacircncias do caso

concreto381 O criteacuterio da ponderaccedilatildeo seraacute assim a forma especiacutefica de aplicaccedilatildeo aos

princiacutepios

Depois de feita a distinccedilatildeo entre normas-regras e normas-princiacutepios e o seu meacutetodo de

resoluccedilatildeo em caso de conflito passaremos agora agrave anaacutelise do criteacuterio da ponderaccedilatildeo

432 A ponderaccedilatildeo enquanto criteacuterio de resoluccedilatildeo de conflitos entre

direitos fundamentais

Sendo o princiacutepio nemo tenetur sujeito a restriccedilotildees natildeo causa estranheza afirmar que o

processo penal eacute foco permanente de tensotildees entre o dever de eficaacutecia que eacute exigido aos

responsaacuteveis pela investigaccedilatildeo criminal e as garantias de defesa que cabem a todos os

arguidos Eacute assim neste acircmbito que assume relevacircncia a ponderaccedilatildeo deste amplo direito

dos arguidos em natildeo colaborar para a autoincriminaccedilatildeo quando em confronto com outros

valores como a eficaacutecia da investigaccedilatildeo criminal e a tutela efectiva da justiccedila382

Augusto Silva Dias e Vacircnia Costa Ramos satildeo dois Autores que perfilham este criteacuterio

como sendo o correcto para a delimitaccedilatildeo entre a coacccedilatildeo permitida e a coacccedilatildeo proibida

Segundo os Autores ldquosempre que o suspeito (ou arguido) seja induzido ou coagido por

forma mais ou menos activa ou mais ou menos intelectualmente elaborada a colaborar

379 Alexy 2008 70 380 Alexy 2014 819 Contra este entendimento vai Vieira de Andrade ao defender que ldquo[hellip] a limitaccedilatildeo

de direitos fundamentais associada ao meacutetodo da ponderaccedilatildeo e da harmonizaccedilatildeo toma um sentido muito

amplo que tende a consumir na colisatildeo de direitos ou de direitos e valores aleacutem dos casos de harmonizaccedilatildeo

a declaraccedilatildeo de limites imanentes e a restriccedilatildeo legislativardquo Cf Vieira de Andrade 2016 266-267 381 Reis Novais 2010 339 382 NevesCorreia 2014 146

110

na sua inculpaccedilatildeo cai-se na esfera de protecccedilatildeo do nemo teneturrdquo383 No entanto estando-

se perante um princiacutepio de natureza natildeo absoluta existe a necessidade de encontrar um

ponto de equiliacutebrio entre as garantias de defesa do arguido e os interesses da investigaccedilatildeo

Com efeito a descoberta da verdade e a correcta realizaccedilatildeo da justiccedila criminal ficariam

seriamente comprometidas caso fossem eliminadas todas as possibilidades de utilizaccedilatildeo

de elementos probatoacuterios provenientes da esfera do arguido ou obtidos com a sua

colaboraccedilatildeo384 Para os Autores citados e para a maioria da doutrina nacional385 o

referido ponto de equiliacutebrio eacute dado pela ideia de concordacircncia praacutetica fundada na

ponderaccedilatildeo de interesses conflituantes386 ldquoPorque nenhum princiacutepio pode pretender na

sua globalidade vigecircncia absolutardquo satildeo legiacutetimas as restriccedilotildees ao nemo tenetur impostas

pela necessidade de salvaguarda de um interesse ou direito concretamente prevalecente

como seraacute o da maacutexima eficaacutecia da administraccedilatildeo da justiccedila na perseguiccedilatildeo dos crimes

mais graves387

De facto ter um direito fundamental significa na sua dimensatildeo subjectiva ter uma

posiccedilatildeo forte de garantia que vincula directamente as entidades puacuteblicas no sentido de

que estas natildeo podem dispor ou intervir livremente sobre ela sem que estejam preenchidos

requisitos constitucionais escritos388 Poreacutem dada a necessidade de essas posiccedilotildees serem

compatibilizadas com outros bens a ponderaccedilatildeo dos bens em conflito parece ser o melhor

procedimento ao inveacutes de um criteacuterio all or nothing389

Neste caso quando os poderes constituiacutedos procedem agrave harmonizaccedilatildeo ou

compatibilizaccedilatildeo de bens natildeo procedem agrave mera declaraccedilatildeo de limites jaacute existentes mas

determinam de uma maneira geral constitutivamente de entre vaacuterias hipoacuteteses de soluccedilatildeo

ao seu dispor o se o como e o quanto da eventual cedecircncia (restriccedilatildeo) dos direitos

383 Silva DiasRamos 2009 29 384 Oliveira Silva 2015 617 385 ldquoA doutrina portuguesa vem aceitando a concepccedilatildeo de Dworkin e de Alexy segundo a qual o Dasein

dos princiacutepios eacute em colisatildeo com outros e o modo de dirimir essa colisatildeo eacute natildeo atraveacutes de um criteacuterio all or

nothing mas por meio de uma compatibilizaccedilatildeo ou concordacircncia praacutetica que visa aplicar todos os princiacutepios

colidentes harmonizando-os entre si na situaccedilatildeo concretardquo Cf Silva DiasRamos 2009 23 386 Neste sentido Gomes Canotilho e Vital Moreira defendem que ldquoa restriccedilatildeo de direitos fundamentais

implica necessariamente uma relaccedilatildeo de conciliaccedilatildeo com outros direitos ou interesses constitucionais e

exige necessariamente uma tarefa de ponderaccedilatildeo ou de concordacircncia praacutetica dos direitos ou interesses em

conflitordquo Cf CanotilhoMoreira 1991 134 387 Silva DiasRamos 2009 34 ldquoO grau dessa restriccedilatildeo depende da importacircncia constitucional dos direitos

ou interesses puacuteblicos colidentes mas nunca pode ir ao ponto de aniquilar o conteuacutedo essencial de qualquer

deles (v nordm 3 do artigo 18ordm da CRP)rdquo Cf Silva Dias 2010 246 388 Reis Novais 2010 570 389 Silva DiasRamos 2009 23

111

fundamentais390 Desta forma natildeo devemos falar aqui contrariamente ao defendido pela

teoria interna dos limites dos direitos fundamentais em limites imanentes Os direitos de

terceiros ou outros bens constitucionais que colidam com os direitos fundamentais natildeo

satildeo os seus limites ou seja natildeo excluem a priori qualquer exerciacutecio de direito

fundamental que eventualmente afecte esses bens O que se passa como bem defende

Jorge Reis Novais eacute que ldquotendo os direitos fundamentais uma validade condicionada agrave

cedecircncia perante valores que apresentem no caso concreto um maior peso pode

acontecer que por forccedila da sua colisatildeo com esses bens os interesses [hellip]

jusfundamentalmente protegidos tenham que cederrdquo391 Efectivamente quando um

princiacutepio direito ou garantia eacute superior a outro de acordo com criteacuterios de relevacircncia

constitucional e natildeo eacute possiacutevel na situaccedilatildeo concreta salvaguardar alguns aspectos do

princiacutepio inferior nesse caso eacute permitido o sacrifiacutecio deste uacuteltimo392

Sem embargo cumpre deixar claro que a colisatildeo dos mesmos bens num outro caso

concreto pode ser resolvida num sentido ou numa medida de restriccedilatildeo completamente

diferentes seja pela novidade das circunstacircncias envolventes seja pela diversidade das

especiacuteficas modalidades aacutereas ou recortes dos interesses e dos bens em colisatildeo

No fundo como jaacute referimos anteriormente todo o problema dos limites dos direitos

fundamentais em Estado de Direito gira em torno de duas exigecircncias de sentido

potencialmente divergente de um lado as necessidades de protecccedilatildeo privilegiada e

qualidade das liberdades individuais e de outro a satisfaccedilatildeo por parte do Estado das

necessidades de vida em comunidade politicamente organizada e em particular a

garantia dos direitos fundamentais dos outros e a realizaccedilatildeo dos bens constitucionais

433 Os limites aos limites dos direitos fundamentais

Atendendo ao facto de que o conflito entre estas duas exigecircncias resolver-se-agrave segundo

o criteacuterio da ponderaccedilatildeo atraveacutes de uma harmonizaccedilatildeo ou compatibilizaccedilatildeo de bens

cumpre agora deixar claro que esta ponderaccedilatildeo de bens na medida em que iraacute restringir

obrigatoriamente um ou ambos os direitos fundamentais teraacute de observar recorrendo agrave

terminologia germacircnica os chamados limites aos limites dos direitos fundamentais

390 Reis Novais 2010 570-571 391 Reis Novais 2010 572 Neste sentido Alexy vem defender a ideia de que a soluccedilatildeo para a colisatildeo

consiste na fixaccedilatildeo de uma relaccedilatildeo de precedecircncia condicionada entre os princiacutepios em conflito Por sua

vez a determinaccedilatildeo desta relaccedilatildeo de precedecircncia condicionada atendendo ao caso concreto passa por

indicar em que condiccedilotildees um princiacutepio tem prevalecircncia sobre o outro Cf Alexy 2008 73 392 Silva DiasRamos 2009 23-24

112

No caso portuguecircs por forccedila da aplicaccedilatildeo dos nos 2 e 3 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da

Repuacuteblica Portuguesa toda e qualquer restriccedilatildeo a direitos fundamentais nomeadamente

ao princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare teraacute de obedecer aos seguintes requisitos

a) deve estar prevista em lei formal (nordm 2 1ordf parte) b) deve ter como objectivo a

salvaguarda de outro direito ou interesse constitucionalmente protegido ( nordm 2 in fine)

c) deve obedecer ao princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo ndash adequaccedilatildeo

necessidade e proporcionalidade em sentido estrito (nordm 2 2ordf parte)393 d) natildeo deve

aniquilar o direito em causa atingindo o conteuacutedo essencial do respectivo preceito ( nordm 3

in fine)394

Aleacutem da verificaccedilatildeo destes requisitos materiais a validade das restriccedilotildees a direitos

liberdades e garantias depende ainda nos termos do nordm 3 do artigo 18ordm da Lei

Fundamental de dois requisitos formais a) deve ser geral e abstracta (nordm 3 1ordf parte) b)

e natildeo deve ter efeito retroactivo (nordm 3 2ordf parte)

Verificados estes requisitos deveraacute considerar-se juriacutedico-constitucionalmente admissiacutevel

a restriccedilatildeo daquelas garantias processuais mesmo em mateacuteria criminal

Entendimento semelhante eacute defendido pela jurisprudecircncia nacional395 O Tribunal

Constitucional no seu acoacuterdatildeo nordm 1552007 relativo agrave recolha de saliva atraveacutes de

zaragatoa bucal veio atestar que ldquo[hellip] natildeo proibindo a Constituiccedilatildeo em absoluto a

possibilidade de restriccedilatildeo legal aos direitos liberdades e garantias submete-a contudo a

muacuteltiplos e apertados pressupostos (formais e materiais) de validade Da vasta

jurisprudecircncia constitucional sobre a mateacuteria decorre em siacutentese que qualquer restriccedilatildeo

de direitos liberdades e garantias soacute eacute constitucionalmente legiacutetima se (i) for autorizada

pela Constituiccedilatildeo (artigo 18ordm nordm 2 1ordf parte) (ii) estiver suficientemente sustentada em lei

da Assembleia da Repuacuteblica ou em decreto-lei autorizado (artigo 18ordm nordm 2 1ordf parte e

393 Figueiredo DiasCosta Andrade 2009 45 Neste sentido vai tambeacutem Vacircnia Costa Ramos quando

defende a ideia de que ldquoo nemo tenetur natildeo eacute todavia um princiacutepio absoluto subtraiacutedo a ponderaccedilatildeo

Poderaacute ser limitado para protecccedilatildeo de outros direitos liberdades ou garantias da mesma natureza e segundo

criteacuterios de adequaccedilatildeo e de proporcionalidade em conformidade com o nordm 2 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo

da Repuacuteblica Portuguesardquo Cf Ramos 2010 180 394 Gomes CanotilhoMoreira 2014 388 Miranda 2006 96-97 Moniz 2009 149 Gomes Canotilho

2016 451 395 O proacuteprio Tribunal Europeu dos Direitos Humanos no caso Jalloh v Alemanha parece adoptar um

criteacuterio de ponderaccedilatildeo de bens quando afirma que ldquoPara determinar se o direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo do

queixoso foi violado o Tribunal por sua vez teraacute de considerar os seguintes factores a natureza e o grau

de coerccedilatildeo empregado para obter as provas a importacircncia do interesse puacuteblico na investigaccedilatildeo e puniccedilatildeo

da infracccedilatildeo em apreccedilo a existecircncia de garantias relevantes no processo e a utilizaccedilatildeo prevista dos meios

de prova obtidos dessa formardquo Cf Acoacuterdatildeo Jalloh v Alemanha de 11 de Julho de 2006 disponiacutevel em

httpswcdcoeintViewDocjspp=ampid=1018815ampSite=COEampdirect=true [consultado em 02022017]

113

artigo 165ordm nordm 1 aliacutenea b) (iii) visar a salvaguarda de outro direito ou interesse

constitucionalmente protegido (artigo 18ordm nordm 2 in fine) (iv) for necessaacuteria a essa

salvaguarda adequada para o efeito e proporcional a esse objectivo (artigo 18ordm nordm 2 2ordf

parte) (v) tiver caraacutecter geral e abstracto natildeo tiver efeito retroactivo e natildeo diminuir a

extensatildeo e o alcance do conteuacutedo essencial dos preceitos constitucionais (artigo 18ordm nordm

3 da Constituiccedilatildeo)rdquo396

Por sua vez o Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto tambeacutem em sede de apreciaccedilatildeo da

legitimidade do uso de zaragatoa bucal para a recolha de ADN e defendendo o recurso

ao criteacuterio da ponderaccedilatildeo de bens veio esclarecer que ldquo[hellip] natildeo existiraacute

desproporcionalidade na utilizaccedilatildeo de tais meacutetodos invasivos do corpo da pessoa (mas

natildeo lesivos da integridade fiacutesica) da sua liberdade e privacidade como uacutenico meio para

a obtenccedilatildeo de prova em situaccedilotildees (tal qual a do presente caso) de extrema gravidade dos

factos perpetrados com base numa ponderaccedilatildeo de todas as circunstacircncias a efectuar por

um juiz imparcial que natildeo tem a seu cargo ou sob o seu domiacutenio a investigaccedilatildeo do

processo [hellip]rdquo397

4331 Exigecircncia de lei formal

No que concerne ao primeiro requisito apresentado cumpre deixar claro que o princiacutepio

nemo tenetur se ipsum accusare assim como todos os direitos fundamentais soacute pode ser

restringido por lei398 Esta reserva material de lei tem duas dimensotildees principais a

primeira (dimensatildeo negativa) significa que as mateacuterias reservadas agrave lei natildeo podem ser

reguladas por outras fontes diferentes da lei a segunda (dimensatildeo positiva) significa que

deve ser a lei a estabelecer efectivamente (com suficiente grau de certeza precisatildeo e

densidade) o regime juriacutedico das mateacuterias em questatildeo399

396 Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1552007 de 2 de Marccedilo de 2007 disponiacutevel em

httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20070155html [consultado em 02022017] 397 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 10 de Dezembro de 2008 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrpnsf56a6e7121657f91e80257cda00381fdf673fcb5dc0168da6802575220056a553

OpenDocument [consultado em 02022017] Tambeacutem em sede de processos contra-ordenacionais o

Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa veio atestar que dada ldquo[hellip] a necessidade de compatibilizar os diversos direitos princiacutepios e interesses constitucionalmente protegidos caberaacute verificar se no caso dos processos

contra-ordenacionais investigados instruiacutedos e decididos pelo Instituto Nacional de Aviaccedilatildeo Civil existem

razotildees que determinem a supressatildeo ou a mera restriccedilatildeo do direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo sempre em

obediecircncia ao princiacutepio da proporcionalidade (cfr nordm 2 do artigo 18ordm da CRP)rdquo Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal

da Relaccedilatildeo de Lisboa de 17 de Abril de 2012 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrlnsf33182fc732316039802565fa00497eec849980283d233cfd802579e6004e401f

OpenDocument [consultado em 02022017] 398 Gomes Canotilho 2016 453 399 Alexandrino 2015 128

114

Este requisito constitucional das restriccedilotildees estaacute patente na problemaacutetica regra enunciada

no nordm 2 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa segundo a qual a lei soacute

pode restringir os direitos liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na

Constituiccedilatildeo Sendo que o princiacutepio nemo tenetur configura como frisaacutemos

anteriormente uma componente das garantias de defesa do arguido asseguradas no artigo

32ordm da CRP cujo objectivo uacuteltimo eacute a sua protecccedilatildeo como sujeito no processo parece

claro que nos encontramos aqui perante uma restriccedilatildeo de direitos liberdades e garantias

Sobre o sentido e a funccedilatildeo a reconhecer a essa singular claacuteusula da Lei Fundamental

portuguesa existem pelo menos trecircs grupos de orientaccedilotildees na doutrina a) as teses

defensoras da relevacircncia absoluta b) as teses defensoras da relevacircncia relativa c) e as

teses defensoras da irrelevacircncia juriacutedica

O primeiro grupo de orientaccedilotildees defendido por Vieira de Andrade pretende levar a seacuterio

a proibiccedilatildeo constante dessa regra constitucional Para este Autor o nordm 2 do referido artigo

estabelece categoricamente a figura das restriccedilotildees legislativas Assim as restriccedilotildees

nomeadamente ao princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo soacute seriam permitidas entre noacutes

nos casos e para os efeitos em que fossem expressamente previstas pelos preceitos

constitucionais relativos a esses direitos400

Uma segunda corrente doutrinaacuteria relativiza o sentido da proibiccedilatildeo fazendo-o no

entanto de formas muito distintas podendo designadamente considerar-se dois grupos

consoante persista uma ideia de resolver a dificuldade no quadro da norma ou de fugir a

essa dificuldade401 Assim a) para muitos Autores da interpretaccedilatildeo sistemaacutetica da

Constituiccedilatildeo decorreria a necessidade de admitir ao lado das restriccedilotildees expressamente

autorizadas restriccedilotildees impliacutecitas restriccedilotildees implicitamente autorizadas402 b) por outro

lado tecircm constituiacutedo exemplos de orientaccedilotildees centriacutefugas o recurso agrave figura dos limites

imanentes a priori o recurso ao nordm 2 do artigo 29ordm da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos

do Homem o recurso agrave transferecircncia de limites ou a introduccedilatildeo da distinccedilatildeo com

imediatos efeitos de regime entre restriccedilatildeo e condicionamento (limitaccedilatildeo)403

400 Vieira de Andrade 2016 271-273 401 Alexandrino 2015 131 402 Alexandrino 2006 445-448 403 Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1552007 de 2 de Marccedilo de 2007 disponiacutevel em

httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20070155html [consultado em 10022017]

115

Por fim uma terceira tese defendida por Jorge Reis Novais vem afirmar que a regra

enunciada no nordm 2 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo natildeo pode ser levada a seacuterio Estamos

com o Autor quando defende que o legislador constituinte portuguecircs proclamou (no

artigo 18ordm) uma regra que natildeo tem correspondecircncia na natureza das coisas404 pois eacute da

natureza dos direitos fundamentais que estes entrem em colisatildeo uns com os outros Em

segundo plano adianta o Autor se eacute verdade que os direitos liberdades e garantias satildeo

trunfos eles podem ser batidos por trunfos mais altos405 O Autor conclui com a defesa

de que a consagraccedilatildeo na revisatildeo constitucional de 1997 de uma liberdade geral de acccedilatildeo

abrangente tem necessariamente como contrapartida o reconhecimento da possibilidade

da sua limitaccedilatildeo da forma mais ampla possiacutevel406 Efectivamente se todas as restriccedilotildees

nomeadamente ao princiacutepio nemo tenetur tivessem de ser previstas expressamente no

texto constitucional este haveria de conter muitos milhares de artigos407

Desta forma defendemos a ideia de que uma restriccedilatildeo vaacutelida ao princiacutepio nemo tenetur

se ipsum accusare natildeo necessita de constar expressamente na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Portuguesa mas antes de ser admitida dentro da unidade desta

4332 Necessidade de salvaguarda de outro direito ou interesse

constitucionalmente protegido

O segundo requisito material para a restriccedilatildeo legiacutetima de direitos liberdades e garantias

consiste em que ela soacute se pode justificar para salvaguardar um outro direito ou interesse

constitucionalmente protegido (nordm 2 do artigo 18ordm da CRP) Este requisito significa

fundamentalmente que o sacrifiacutecio ainda que parcial de um direito fundamental natildeo

pode ser arbitraacuterio gratuito ou desmotivado408

Natildeo haacute consenso na doutrina quanto agrave necessidade de estatura constitucional do outro

direito ou interesse que justifica a restriccedilatildeo

Por um lado Gomes Canotilho e Vital Moreira defendem que eacute vedada ao legislador a

possibilidade de justificar a restriccedilatildeo de direitos liberdades e garantias por eventual

colisatildeo com outros direitos ou bens tutelados apenas a niacutevel infraconstitucional Para estes

404 Reis Novais 2010 581 e 587 405 Reis Novais 2006 52 406 Reis Novais 2010 591 407 Martinez 1992 33 408 Gomes CanotilhoMoreira 2014 391

116

Autores torna-se necessaacuterio ldquoque o interesse cuja salvaguarda se invoca para restringir

um dos direitos liberdades ou garantias tenha no texto constitucional suficiente e

adequada expressatildeordquo (vg patrimoacutenio cultural defesa nacional ordem constitucional

democraacutetica seguranccedila puacuteblica sauacutede puacuteblica entre outros)409

Por outro lado Jorge Reis Novais com quem concordamos reitera que qualquer valor

digno de protecccedilatildeo juriacutedica pode fundamentar uma restriccedilatildeo aos direitos fundamentais

uma vez que indagar do fundamento da restriccedilatildeo atraveacutes de uma distinccedilatildeo de hierarquia

meramente formal de bens pode mascarar aquilo que estaacute realmente em causa ndash saber se

os direitos fundamentais podem ser restringidos em funccedilatildeo da protecccedilatildeo de bens de

estatura infraconstitucional mas que no caso concreto apresente um valor ou peso

superior ao dos direitos fundamentais que se pretende restringir410 Defende o Autor que

mesmo direitos ou interesses natildeo consagrados na Lei Fundamental podem restringir

direitos fundamentais Seraacute ainda segundo o Autor o peso concreto e material dos

princiacutepios opostos que determinaraacute a preferecircncia relativa no caso concreto

independentemente do niacutevel constitucional ou infraconstitucional da garantia juriacutedica

que eacute soacute mais um entre os diversos factores que devem ser considerados na ponderaccedilatildeo411

4333 Princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo

Decorre do nordm 2 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa que as restriccedilotildees

aos direitos liberdades e garantias tecircm de ser necessaacuterias para a salvaguarda de outros

direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e tecircm de limitar-se ao necessaacuterio

para esse fim412 Assim para aleacutem de ter de constar em lei autorizada com caraacutecter geral

e abstracto a ordem restritiva (nomeadamente a ordem de desencriptaccedilatildeo de

smartphones) tem ainda que ser adequada ou seja apropriada aos fins que se propotildee

atingir necessaacuteria na medida em que soacute eacute admissiacutevel quando for impossiacutevel utilizar outro

meio menos oneroso e proporcional em relaccedilatildeo aos resultados obtidos413

409 Gomes CanotilhoMoreira 2014 392 410 Reis Novais 2010 602-603 411 Reis Novais 2010 604 412 Alexandrino 2015 134 413 Correia 1999a 59 Em sentido semelhante ldquoas restriccedilotildees estatildeo sujeitas ao princiacutepio da

proporcionalidade ndash soacute podem ser estabelecidas quando os fins os interesses e os valores constitucionais

soacute atraveacutes deles possam ser protegidos devem em cada caso realizar esses fins e natildeo outros e devem

corresponder agrave medida agrave justa medida tambeacutem em cada caso concretordquo Cf Miranda 2006 97 ldquoO valor

constitucional dos preceitos relativos aos direitos fundamentais soacute eacute efectivamente garantido se se exigir

que a eventual restriccedilatildeo seja adequada e justificada pela necessidade de proteger ou promover um bem

constitucionalmente valioso e soacute na proporccedilatildeo dessa necessidaderdquo Cf Vieira de Andrade 2016 287 ldquo[hellip]

117

Apesar de a Constituiccedilatildeo no seu artigo 18ordm natildeo fazer menccedilatildeo expressa agrave

proporcionalidade como paracircmetro de controlo a doutrina portuguesa fez formalmente

do princiacutepio da proporcionalidade o nuacutecleo central dos requisitos materiais exigidos agraves

restriccedilotildees de direitos fundamentais414

O texto constitucional faz ainda que implicitamente referecircncia ao princiacutepio da

proporcionalidade em sentido amplo que estabelece um limite constitucional agrave liberdade

de conformaccedilatildeo do legislador415 O princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo

constitui um verdadeiro super conceito (Oberbegriff) super conceito esse que tem sido

tradicionalmente decomposto em trecircs subprinciacutepios (corolaacuterios maacuteximas ou dimensotildees)

a) o da adequaccedilatildeo (ou idoneidade) b) o da necessidade (indispensabilidade ou do meio

menos restritivo) c) o da proporcionalidade em sentido estrito (ou da justa medida)416

O primeiro subprinciacutepio da adequaccedilatildeo ou idoneidade significa que as medidas restritivas

devem ser aptas ou idoacuteneas para realizar o fim prosseguido pela restriccedilatildeo Ou seja este

subprinciacutepio exige que a medida restritiva em causa seja considerada atraveacutes de um juiacutezo

de prognose417 apta a realizar o fim visado com a restriccedilatildeo ou contribua para o

alcanccedilar418 Para que se apure a existecircncia de inconstitucionalidade seraacute necessaacuterio que o

responsaacutevel pela restriccedilatildeo pudesse ter previsto tal inaptidatildeo no momento em que a decidiu

ou a actuou O controlo da adequaccedilatildeo acaba por ser segundo Jorge Reis Novais um

controlo ex ante incidindo sobre a prognose realizada pelos poderes puacuteblicos

responsaacuteveis pela criaccedilatildeo ou concretizaccedilatildeo da restriccedilatildeo a direitos fundamentais419 Desta

forma viola-se este corolaacuterio sempre que tendo em conta os conhecimentos empiacutericos e

cientiacuteficos disponiacuteveis no momento da aprovaccedilatildeo da medida esta se revele inapta para

atingir o fim visado seraacute naturalmente inapta se os efeitos dessa medida se revelarem

as restriccedilotildees de direitos fundamentais carecem tambeacutem de justificaccedilatildeo natildeo podendo legitimar-se senatildeo

pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e natildeo

podendo ultrapassar a medida necessaacuteria para o efeito (nordm 2 do artigo 18ordm) Eacute a consagraccedilatildeo expressa do

chamado princiacutepio da proporcionalidade que proiacutebe nomeadamente as restriccedilotildees desnecessaacuterias inaptas

ou excessivas de direitos fundamentais Os direitos fundamentais soacute podem ser restringidos quando tal se

torne indispensaacutevel e no miacutenimo necessaacuterio para salvaguardar outros direitos ou interesses

constitucionalmente protegidosrdquo Cf Gomes CanotilhoMoreira 1991 133-134 414 Reis Novais 2010 729-730 415 ldquoA Constituiccedilatildeo ao autorizar a lei a restringir direitos liberdades e garantias de forma a permitir ao

legislador a realizaccedilatildeo de uma tarefa de concordacircncia praacutetica justificada pela defesa de outros bens ou

direitos constitucionalmente protegidos impotildee uma clara vinculaccedilatildeo ao exerciacutecio dos poderes

discricionaacuterios do legisladorrdquo Cf Gomes Canotilho 2016 457 416 Alexandrino 2015 135 417 Rodrigues 2009b 216 418 Reis Novais 2010 731 419 Reis Novais 2010 739

118

indiferentes ou contraacuterios agrave realizaccedilatildeo do fim em vista420 Eacute ainda de referir que a aptidatildeo

deve ser aferida natildeo no sentido de uma exigecircncia que soacute se considera cumprida quando o

meio realiza integral ou plenamente o fim visado mas bastando-se antes com uma

aproximaccedilatildeo sensiacutevel ainda que parcelar do fim pretendido421 Relativamente aos fins

pressupotildee-se que os mesmos sejam legiacutetimos e aleacutem disso que sejam juriacutedica e

materialmente possiacuteveis

O segundo corolaacuterio da necessidade indispensabilidade ou do meio menos restritivo que

constitui sem duacutevida o teste mais complexo exigente e decisivo significa que se deve

recorrer ao meio menos restritivo para atingir o fim em vista422 Isto eacute o princiacutepio da

necessidade impotildee que se recorra para atingir esse fim ao meio necessaacuterio exigiacutevel ou

indispensaacutevel no sentido do meio mais suave ou menos restritivo que precise de ser

utilizado para atingir o fim em vista423 A indispensabilidade afere-se entatildeo pela

comparaccedilatildeo entre os prejuiacutezos provocados por esse meio e os prejuiacutezos que seriam

provocados pela utilizaccedilatildeo de um meio alternativo menos agressivo Por sua vez a

desnecessidade da agressatildeo afere-se em relaccedilatildeo aos prejuiacutezos provocados pela medida

restritiva avaliados em funccedilatildeo de criteacuterios materiais espaciais temporais ou pessoais e

tendo em conta natildeo apenas o direito fundamental directamente atingido como qualquer

outra afectaccedilatildeo desvantajosa da liberdade dos direitos fundamentais ou de outros

interesses juridicamente relevantes do mesmo titular ou de outros afectados424 O teste eacute

complexo desde logo porque eacute funccedilatildeo de muacuteltiplas variaacuteveis nomeadamente do tipo

concreto de afectaccedilatildeo da agressividade do meio da medida da eficaacutecia dos vaacuterios meios

ou da existecircncia de outros efeitos colaterais425

Por fim o terceiro e uacuteltimo subprinciacutepio o da proporcionalidade em sentido estrito ou da

justa medida visa apurar o equiliacutebrio na relaccedilatildeo entre a importacircncia do fim visado e a

gravidade do sacrifiacutecio imposto Na verdade uma medida pode ser adequada e necessaacuteria

420 Gomes Canotilho 2016 457 421 Reis Novais 2010 738 Qualquer exigecircncia de plena realizaccedilatildeo do fim seria impossiacutevel de ser atingida

pelo legislador aquando da realizaccedilatildeo da medida uma vez que natildeo haacute como saber a priori se a medida iraacute

efectivamente realizar o fim motivo pelo qual basta que a medida seja adequada para fomentar o fim 422 Alexandrino 2015 136 423 Neste sentido vai tambeacutem a jurisprudecircncia do Supremo Tribunal de Justiccedila ao afirmar que ldquoainda que

se considere a medida idoacutenea esta deve ser necessaacuteria ou seja perante medidas que oferecem idecircntica

idoneidade deve escolher-se a que ofereccedila o menor potencial de prejuiacutezo para o visado mesmo que exija

mais tempo para a sua realizaccedilatildeo obrigando a utilizar outros meios de obtenccedilatildeo de prova [hellip]rdquo Cf Acoacuterdatildeo

do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro de 2014 disponiacutevel em

httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 16022017] 424 Reis Novais 2010 741 425 Gomes Canotilho 2016 458

119

e ao mesmo tempo afectar de forma excessiva intoleraacutevel ou desproporcionada o direito

em questatildeo426 Este corolaacuterio estaacute relacionado com a ideia de pesar de sopesar de

ponderar as vantagens e desvantagens presentes num determinado cenaacuterio de restriccedilatildeo

Segundo Alexy o subprinciacutepio da proporcionalidade em sentido estrito corresponde a

uma maacutexima que pode ser designada como ldquoLei da Ponderaccedilatildeordquo Esta maacutexima defende

que quanto maior for o grau de natildeo realizaccedilatildeo ou de afectaccedilatildeo de um princiacutepio maior

deve ser a importacircncia da realizaccedilatildeo do princiacutepio colidente427 De facto aqui jaacute natildeo eacute a

ponderaccedilatildeo entre bens que estaacute em anaacutelise mas antes a medida restritiva que foi

concretamente adoptada no seguimento daquela ponderaccedilatildeo e mais precisamente o

controlo da proporcionalidade dessa medida restritiva E neste controlo de

proporcionalidade em sentido estrito aquilo que se avalia que se compara ou que se potildee

em relaccedilatildeo satildeo os sacrifiacutecios (custos) impostos ao direito fundamental contrapostos aos

benefiacutecios (vantagens) produzidos na obtenccedilatildeo do fim visado com a restriccedilatildeo428 Se a

adopccedilatildeo de uma medida restritiva adoptada introduz na ordem juriacutedica um benefiacutecio

marginal miacutenimo para o fim visado mas produz simultaneamente um acreacutescimo

significativo de sacrifiacutecio na liberdade na autonomia ou no bem-estar entatildeo a ponderaccedilatildeo

dessas grandezas com as que resultam das medidas alternativas actualmente em vigor

pode revelar uma relaccedilatildeo claramente desproporcionada e daiacute a inconstitucionalidade da

nova medida429

Por fim quanto agrave concretizaccedilatildeo jurisprudencial pode afirmar-se que o princiacutepio da

proporcionalidade em sentido amplo ou princiacutepio da proibiccedilatildeo do excesso eacute talvez o

cacircnone mais utilizado pelos tribunais portugueses O Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa chega

mesmo a afimar no seu acoacuterdatildeo de 3 de Marccedilo de 2016 que o princiacutepio da

proporcionalidade em sentido amplo configura-se ldquocomo a trave mestra de legitimaccedilatildeo

do ldquoius puniendirdquo estatal e de toda a restriccedilatildeo de direitos fundamentaisrdquo430 O douto

tribunal dissocia ainda de uma forma clara as trecircs dimensotildees do princiacutepio adequaccedilatildeo

426 Alexandrino 2015 137 427 Alexy 2014 821 428 Reis Novais 2012 128 429 Reis Novais 2012 131 430 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 3 de Marccedilo de 2016 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrlnsf33182fc732316039802565fa00497eec36f34b50b321b89980257f6f004d5fc6

OpenDocument [consultado em 16022017]

120

necessidade e proporcionalidade (stricto sensu) aplicando cada uma delas ao caso

concreto431

4334 Garantia do conteuacutedo essencial

O uacuteltimo requisito material da legitimidade das restriccedilotildees a direitos fundamentais consiste

na ideia de que existe um nuacutecleo essencial dos direitos liberdades e garantias que natildeo

pode em caso algum ser violado Mesmo nos casos em que o legislador estaacute

constitucionalmente autorizado a editar normas restritivas ele permanece vinculado agrave

salvaguarda do nuacutecleo essencial dos direitos432

Esta garantia do nuacutecleoconteuacutedo essencial dos direitos fundamentais apesar de ser uma

criaccedilatildeo especificamente alematilde encontrou um eco generalizado na doutrina e

jurisprudecircncia constitucionais de vaacuterios outros paiacuteses incluindo mesmo uma recepccedilatildeo

constitucional expressa como aconteceu entre noacutes (nordm 3 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo

da Repuacuteblica Portuguesa) Efectivamente na doutrina alematilde cuja Constituiccedilatildeo conteacutem

uma claacuteusula semelhante que inspirou a nossa aparecem dois tipos de teorias atinentes

agrave natureza do conteuacutedo essencial habitualmente designadas como teorias absolutas e

teorias relativas

Para as teorias absolutas o nuacutecleo essencial consistiria num conteuacutedo normativo

irrestringiacutevel abstractamente fixado433 Desta forma podemos afirmar que a teoria

absoluta eacute assim uma perspectiva ontoloacutegico-substancialista que entende o conteuacutedo

essencial como grandeza estaacutetica e intemporal Independentemente do interesse ou bem

que justifique a restriccedilatildeo e da importacircncia relativa da sua realizaccedilatildeo esta teoria considera

que haacute em cada direito fundamental uma zona esfera ou acircmbito nuclear intocaacutevel434

que sob pena de desnaturaccedilatildeo ou perda do seu sentido uacutetil em caso algum poderaacute ser

431 ldquoO princiacutepio da idoneidade [hellip] traduz-se na ideia de que se exige uma relaccedilatildeo de adequaccedilatildeo entre o

meio usado e o fim perseguido [hellip] o princiacutepio da necessidade e da miacutenima intervenccedilatildeo implica a

necessaacuteria utilizaccedilatildeo de outros meios menos lesivos para os direitos fundamentais quando isso se afigure

possiacutevel [hellip] o princiacutepio da proporcionalidade em sentido estrito ou da adequaccedilatildeo ao fim exige uma ponderaccedilatildeo do interesse em conflito segundo um criteacuterio de justiccedila material [hellip] implica uma ponderaccedilatildeo

entre os interesses individuais que se vatildeo constranger e os interesses que se pretendem defenderrdquo Cf

Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 3 de Marccedilo de 2016 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrlnsf33182fc732316039802565fa00497eec36f34b50b321b89980257f6f004d5fc6

OpenDocument [consultado em 16022017] 432 Gomes Canotilho 2016 458 433 Gomes Canotilho 2016 459 434 Neste sentido vai Robert Alexy ao afimar que segundo as teorias absolutas existe um nuacutecleo essencial

em todos os direitos fundamentais que em nenhum caso pode ser afectado Cf Alexy 2008 259

121

afectada435 Segundo alguns Autores o nuacutecleo essencial corresponderia agrave projecccedilatildeo da

dignidade humana em cada direito e seria afectado sempre que o indiviacuteduo se tornasse

objecto do acontecer estadual para outros significaria uma certa medida de valor social

global que teria sempre de sobrar depois da restriccedilatildeo para outros ainda seria constituiacutedo

pelos elementos tiacutepicos que conferem caraacutecter ao direito436

Por seu turno as teorias relativas reconduzem o conteuacutedo essencial aos princiacutepios da

exigibilidade e da proporcionalidade a restriccedilatildeo soacute seria legiacutetima quando (se) fosse

exigida para a realizaccedilatildeo de bens juriacutedicos que devessem ser considerados (no caso) como

mais valiosos e soacute na medida em que essa exigecircncia se imponha ao direito fundamental437

Assim natildeo eacute a gravidade ou intensidade da lesatildeo a relevacircncia da justificaccedilatildeo ou o tipo

de prejuiacutezo na liberdade que determinam por si soacute a activaccedilatildeo da garantia do nuacutecleo

essencial O que estaacute em causa eacute segundo Jorge Reis Novais a natureza da relaccedilatildeo que

se estabelece entre os bens em confronto e entre o fim prosseguido com a restriccedilatildeo e o

meio utilizado considerando-se que haacute violaccedilatildeo do conteuacutedo essencial dos direitos

fundamentais quando se verifica um excesso uma desproporcionalidade uma

desnecessidade independentemente do muito ou pouco que reste do direito fundamental

apoacutes a incidecircncia da restriccedilatildeo438 Donde facilmente se conclui que para a teoria relativa

a garantia do conteuacutedo essencial se identifica com o princiacutepio da proporcionalidade em

sentido amploproibiccedilatildeo do excesso num quadro de ponderaccedilatildeo de bens

Estamos com Gomes Canotilho e Vital Moreira que defendem uma soluccedilatildeo intermeacutedia

uma teoria mista segundo a qual a questatildeo do conteuacutedo essencial de um direito natildeo se

pode equacionar senatildeo em confronto com outro bem mas nos termos da Constituiccedilatildeo

nunca essa ponderaccedilatildeo poderaacute conduzir agrave aniquilaccedilatildeo de qualquer direito fundamental439

A garantia do conteuacutedo essencial deve servir como um ldquoplusrdquo em relaccedilatildeo ao princiacutepio da

proporcionalidade Ou como sustenta Jorge Miranda deveraacute funcionar como barreira

uacuteltima e efectiva contra o abuso do poder que natildeo pode ser violada em qualquer

hipoacutetese440

435 Reis Novais 2010 782 436 Vieira de Andrade 2016 282-283 437 Vieira de Andrade 2016 283 438 Reis Novais 2010 781 439 Gomes CanotilhoMoreira 2014 395 440 Miranda 2014 315 Nesta linha de pensamento Gomes Canotilho e Vital Moreira reiteram que a

garantia do conteuacutedo essencial eacute uma baliza uacuteltima de defesa dos direitos liberdades e garantias

delimitando um nuacutecleo que em nenhum caso deveraacute ser invadido Cf Gomes CanotilhoMoreira 2014

396

122

Em termos praacuteticos pode dizer-se que o requisito da proporcionalidade mencionado no

ponto anterior eacute uma terceira aproximaccedilatildeo (depois da exigecircncia da legalidade e da

necessidade de salvaguarda de outro direito ou interesse constitucionalmente protegido)

dado que a existecircncia de uma restriccedilatildeo arbitraacuteria desproporcionada eacute um iacutendice

relativamente seguro da ofensa do nuacutecleo essencial Sem embargo independentemente

de haver ou natildeo uma desproporcionalidade na restriccedilatildeo haacute que salvaguardar sempre a

extensatildeo do nuacutecleo essencial

Desta forma apoiamo-nos no recurso a uma teoria mista sustentada pelos Autores a um

tempo relativa e absoluta ldquorelativa porque a proacutepria delimitaccedilatildeo do nuacutecleo essencial dos

direitos liberdades e garantias tem de articular-se com a necessidade de protecccedilatildeo de

outros bens ou direitos constitucionalmente garantidos absoluta porque em uacuteltima

anaacutelise para natildeo existir aniquilaccedilatildeo do nuacutecleo essencial eacute necessaacuterio que haja sempre um

resto substancial de direito liberdade e garantia que assegure a sua utilidade

constitucionalrdquo441

O conteuacutedo inatacaacutevel dos preceitos relativos aos direitos liberdades e garantias comeccedila

assim onde acaba a possibilidade e legitimidade da sua restriccedilatildeo442

4335 Requisitos formais generalidade abstracccedilatildeo e natildeo retroactividade

Segundo o primeiro requisito formal - lei geral e abstracta - a restriccedilatildeo de um qualquer

direito fundamental deve ser aplicaacutevel a um nuacutemero indeterminado ou indeterminaacutevel de

pessoas (proibiccedilatildeo de leis individuais) e natildeo pode ter como objecto um caso concreto ou

melhor deve regular um nuacutemero indeterminado ou indeterminaacutevel de casos (proibiccedilatildeo de

leis concretas)443 Estes dois requisitos satildeo cumulativos

Note-se que natildeo basta que as leis sejam formalmente ou aparentemente gerais e

abstractas Importa que o sejam material e realmente sendo ilegiacutetimas as leis individuais

eou concretas camufladas em forma geral e abstracta444

Ainda assim apesar de natildeo estar expressamente referido Vieira de Andrade esclarece

que deve ainda considerar-se que a restriccedilatildeo ao princiacutepio nemo tenetur ou a qualquer

outro princiacutepio ldquoem funccedilatildeo da reserva de lei formal tem de apresentar uma densidade

441 Gomes CanotilhoMoreira 2014 395 442 Vieira de Andrade 2016 287 443 Gomes Canotilho 2016 454 444 Gomes CanotilhoMoreira 2014 393

123

suficiente isto eacute um certo grau de determinaccedilatildeo do seu conteuacutedo pelo menos no

essencial natildeo sendo legiacutetimo que se deixe agrave Administraccedilatildeo espaccedilos significativos de

regulaccedilatildeo ou de decisatildeo [hellip]rdquo445

O segundo requisito formal das restriccedilotildees de direitos liberdades e garantias estaacute

relacionado com o respeito pelo princiacutepio da natildeo retroactividade Desta forma qualquer

restriccedilatildeo a direitos fundamentais natildeo pode portanto aplicar-se a situaccedilotildees ou actos

passados mas antes e apenas aos verificados ou praticados apoacutes a sua entrada em vigor446

Este princiacutepio da natildeo retroactividade natildeo eacute um princiacutepio constitucional irrestritamente

vaacutelido na ordem juriacutedica portuguesa mas eacute-o sem quaisquer excepccedilotildees no que respeita

a restriccedilotildees de direitos liberdades e garantias ou de direitos anaacutelogos (nordm 3 do artigo 18ordm

e artigo 17ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblcica Portuguesa)447

A proibiccedilatildeo incide segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira sobre a chamada

retroactividade autecircntica em que as leis restritivas de direitos afectam posiccedilotildees

jusfundamentais jaacute estabelecidas no passado ou mesmo esgotadas448 Ela abrangeraacute

tambeacutem alguns casos de retrospectividade ou de retroactividade inautecircntica sempre que

as medidas legislativas se revelarem arbitraacuterias inesperadas desproporcionadas ou

afectarem posiccedilotildees jusfundamentais dos particulares de forma excessivamente gravosa e

improacutepria

A razatildeo de ser deste requisito estaacute ainda segundo o entendimento dos referidos Autores

intimamente ligada agrave ideia de protecccedilatildeo da confianccedila e da seguranccedila dos cidadatildeos

defendendo-os contra o perigo de verem atribuir aos seus actos passados ou agraves situaccedilotildees

transactas efeitos juriacutedicos com que razoavelmente natildeo podiam contar449 Por seu turno

Jorge Reis Novais defende aqui a ideia de que a proibiccedilatildeo de restriccedilotildees a direitos

fundamentais de caraacutecter retroactivo decorre do princiacutepio da protecccedilatildeo da confianccedila450

Por fim em jeito de conclusatildeo desta problemaacutetica dos limites aos limites cumpre deixar

claro que pela nossa parte natildeo rejeitamos a possibilidade de poder haver casos de

colaboraccedilatildeo do arguido Concluiacutemos pela existecircncia de uma tipicidade dos casos de

colaboraccedilatildeo do arguido mas admitimos que uma lei formal possa impor novos casos de

445 Vieira de Andrade 2016 290-291 446 Gomes CanotilhoMoreira 2014 394 447 Gomes Canotilho 2016 456 448 Gomes CanotilhoMoreira 2014 394 449 Gomes CanotilhoMoreira 2014 395 450 Reis Novais 2010 816-817

124

colaboraccedilatildeo contando que se respeitem os nos 2 e 3 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da

Repuacuteblica Portuguesa451 Assim o ponto eacute que haja uma lei formal que exija a

colaboraccedilatildeo que esta seja necessaacuteria adequada e proporcional em sentido estrito que

natildeo afecte o nuacutecleo essencial do direito fundamental restringido e que seja uma restriccedilatildeo

de caraacutecter geral abstracto e natildeo retroactivo

434 Criacuteticas ao criteacuterio de ponderaccedilatildeo de bens

Depois de analisado o criteacuterio da ponderaccedilatildeo como meacutetodo de resoluccedilatildeo de conflitos entre

direitos fundamentais cumpre agora trazer agrave colaccedilatildeo as vaacuterias criacuteticas apresentadas pela

doutrina a este criteacuterio Independemente da concordacircncia ou natildeo com esta metodologia

natildeo podem deixar de se reconhecer os perigos do recurso agrave ponderaccedilatildeo de bens neste

contexto

Considerando o entendimento de parte da doutrina diremos que os argumentos avanccedilados

contra o recurso agrave metodologia da ponderaccedilatildeo de interesses satildeo ainda que genericamente

a ausecircncia de linhas seguras que regulem ou orientem a soluccedilatildeo dos casos de direitos

fundamentais a imprevisibilidade associada a essa desregulaccedilatildeo a manipulabilidade do

meacutetodo e as consequentes ameaccedilas para uma protecccedilatildeo adequada das posiccedilotildees

jusfundamentais dos particulares protegidas pelas normas constitucionais452

No que ao princiacutepio nemo tenetur diz respeito segundo o entendimento de Sandra

Oliveira e Silva a soluccedilatildeo da ponderaccedilatildeo acaba por enfraquecer a consistecircncia da sua

tutela juriacutedica uma vez que o juiacutezo de ponderaccedilatildeo do legislador ou do aplicador natildeo eacute

balizado de forma cuidadosa por paracircmetros materiais objectivos extraiacutedos das proacuteprias

normas constitucionais453 Para a Autora agrave ponderaccedilatildeo de bens caberaacute em rigor delimitar

o acircmbito normativo de cada direito fundamental vale dizer determinar o quid protegido

pelas normas que os consagram Desta forma o recurso agrave metodologia da ponderaccedilatildeo

acabaria por gerar riscos de subjectivismo e arbitrariedade na decisatildeo passando de um

Estado-de-Direito para um Estado-de-Ponderaccedilatildeo454

A ponderaccedilatildeo eacute vista assim como um meacutetodo de esvaziamento do acircmbito de protecccedilatildeo

dos direitos fundamentais onde tudo eacute deixado em aberto agrave relativizaccedilatildeo e agrave

451 Pinto 2013 111 452 ldquo[hellip] dir-se-ia que a vantagem praacutetica da ponderaccedilatildeo de bens eacute a de que pode ser utilizada para justificar

qualquer decisatildeo tanto a admissibilidade da restriccedilatildeo como exactamente o contraacuterio a desvantagem eacute a de

que toda a gente de apercebe dissohelliprdquo Cf Reis Novais 2010 694 453 Oliveira Silva 2015 617-619 454 Oliveira Silva 2015 620

125

arbitrariedade Efectivamente segundo este entendimento o criteacuterio da ponderaccedilatildeo por

natildeo delimitar paracircmetros materiais objectivos extraiacutedos do texto da lei que permitam a

comparaccedilatildeo dos bens constitucionais em conflito e por rejeitar a existecircncia de uma ordem

constitucional de valores acaba por converter-se numa simples foacutermula vazia

insusceptiacutevel de produzir resultados seguros

Em siacutentese pela junccedilatildeo dos argumentos acima mencionados a ponderaccedilatildeo eacute altamente

criticada por pautar-se num intenso subjectivismo natildeo possuindo mecanismos de

prevenccedilatildeo ao arbiacutetrio nem tampouco consistecircncia metodoloacutegica

Da nossa parte se bem que reconhecendo a pertinecircncia das criacuteticas dirigidas agrave ponderaccedilatildeo

de bens delas natildeo nos permitimos inferir a rejeiccedilatildeo do meacutetodo mas tatildeo soacute a importacircncia

dos riscos da sua utilizaccedilatildeo De resto como grande parte dos Autores tidos como adeptos

da ponderaccedilatildeo de bens consideramos que o recurso a essa metodologia eacute inevitaacutevel na

medida em que sendo o procedimento que intuitivamente corresponde ao sentimento

comum de justiccedila na resoluccedilatildeo de conflitos de bens ou de interesses natildeo eacute possiacutevel

prescindir da sua utilizaccedilatildeo nem encontrar qualquer outro meacutetodo que o substituiacutea com

proveito sempre que se trate de determinar uma relaccedilatildeo de prevalecircncia num contexto de

colisatildeo entre direitos liberdades e garantias455 Explicaremos de seguida o porquecirc desta

nossa posiccedilatildeo atraveacutes da contestaccedilatildeo das criacuteticas apresentadas

Uma das criacuteticas apresentadas contra a ponderaccedilatildeo de bens prende-se com a ausecircncia de

criteacuterios que regulem ou orientem a soluccedilatildeo dos conflitos entre direitos fundamentais

Sem embargo e apesar de a Constituiccedilatildeo natildeo fornecer criteacuterios definidos para a resoluccedilatildeo

de cada conflito em concreto cremos que da Lei Fundamental podemos deduzir criteacuterios

e paracircmetros de valoraccedilatildeo objectivos que vinculando os resultados da ponderaccedilatildeo a

tornem verificaacutevel previsiacutevel e escrutinaacutevel e impeccedilam que esse procedimento se

converta numa decisatildeo valorativa subjectiva e irrefutaacutevel do julgador

Senatildeo leiam-se os nuacutemeros 2 e 3 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa

que consagram a necessidade de as restriccedilotildees fundamentadas essencialmente em

decisotildees de ponderaccedilatildeo de bens observarem os limites aos limites dos direitos

fundamentais aplicaacuteveis a quaisquer restriccedilotildees Desde logo de acordo com a chamada lei

da ponderaccedilatildeo de Alexy a intensidade do prejuiacutezo sofrido por um dos bens deve ser

compensada pelo peso relativo do bem que a justifica dependendo a decisatildeo de

455 Reis Novais 2010 640-641

126

prevalecircncia do alcance que venha a atingir a restriccedilatildeo que a concretiza Assim a medida

concreta do recuo ou da cedecircncia que um bem em colisatildeo tem que suportar num caso

concreto eacute condicionada pelos limites aos limites que a nossa Constituiccedilatildeo consagra

explicitamente e que de resto deveriam ser sempre observados jaacute que grosso modo

correspondem a exigecircncias que o princiacutepio do Estado de Direito coloca a quaisquer

actuaccedilotildees restritivas da liberdade456

Uma decisatildeo de ponderaccedilatildeo teraacute sempre de observar como mencionado anteriormente

os princiacutepios da reserva de lei da necessidade de salvaguarda de outro direito ou interesse

constitucionalmente protegido da proporcionalidade em sentido amplo e da protecccedilatildeo do

nuacutecleo essencial dos direitos fundamentais bem como os requisitos formais da

generalidade abstracccedilatildeo e natildeo retroactividade (nos 2 e 3 do artigo 18ordm da CRP) traccedilando

desta forma fronteiras claramente discerniacuteveis do acircmbito de protecccedilatildeo de cada direito

fundamental restringido evitando a subjectividade

Logo sendo certo que a ponderaccedilatildeo de bens natildeo pode deixar de observar estes criteacuterios

constitucionais que regem a actuaccedilatildeo dos poderes constituiacutedos no caso das situaccedilotildees de

restriccedilatildeo de direitos fundamentais aquele perigo de falta de paracircmetros materiais

objectivos para a resoluccedilatildeo de conflitos deixa de fazer sentido Natildeo haveraacute na

generalidade dos casos uma inobservacircncia ou dissoluccedilatildeo de criteacuterios constitucionais

exclusivamente pelo facto de se ter recorrido agrave metodologia da ponderaccedilatildeo de bens como

forma de solucionar a colisatildeo que envolva um direito fundamental consagrado sem

reservas457

Quanto agrave questatildeo da rejeiccedilatildeo de uma ordem constitucional de valores cumpre deixar claro

que a ponderaccedilatildeo de bens utilizada no domiacutenio das restriccedilotildees aos direitos fundamentais

raramente surge limitada agrave avaliaccedilatildeo do peso relativo de dois bens ou interesses numa

dada situaccedilatildeo antecipada ou verificada de colisatildeo Para aleacutem desse factor ela envolve

simultaneamente como jaacute tivemos oportunidade de referir em sede de anaacutelise ao princiacutepio

da proporcionalidade em sentido amplo uma valoraccedilatildeo das vantagens e desvantagens que

a restriccedilatildeo de determinado direito fundamental inevitavelmente provoca bem como a

ponderaccedilatildeo das vantagens e desvantagens de um meio alternativo menos

agressivorestritivo

456 Reis Novais 2010 723-724 457 Reis Novais 2010 696

127

Assim de nada serve para os fins em causa proceder a uma hierarquizaccedilatildeo abstracta

entre dois direitos fundamentais Para demonstrar esta desnecessidade de hierarquizaccedilatildeo

Jorge Reis Novais daacute o exemplo do conflito entre a liberdade religiosa e a sauacutede puacuteblica

quando o exerciacutecio da primeira arrasta consigo o perigo de uma propagaccedilatildeo de epidemia

Aqui o conflito em questatildeo natildeo eacute segundo o Autor entre aqueles dois bens em abstracto

mas sim entre de um lado ldquouma manifestaccedilatildeo parcelar substituiacutevel eventualmente

adiaacutevel de uma forma particular de culto religioso por parte de alguns cidadatildeos e de

outro as ameaccedilas mais ou menos remotas intensas reais ou aparentes que impendem

sobre a sauacutede de outros ou dos mesmos cidadatildeosrdquo 458 Por conseguinte mesmo que essa

hierarquizaccedilatildeo fosse constitucionalmente possiacutevel ela de nada adiantaria sobre a

prevalecircncia de um ou de outro bem uma vez que deve sempre assistir-se a uma valoraccedilatildeo

ponderada das vantagens e desvantagens da restriccedilatildeo em determinado caso concreto

Do ponto de vista da jurisprudecircncia internacional cumpre ainda deixar claro que o

proacuteprio Tribunal Europeu dos Direitos Humanos deparando-se com uma situaccedilatildeo de

restriccedilatildeo a direitos fundamentais recorre sistematicamente agrave metodologia da ponderaccedilatildeo

de bens (e natildeo apenas ao criteacuterio da dependecircnciaindependecircncia da vontade do arguido)

E tambeacutem aqui a ponderaccedilatildeo eacute necessariamente fundada sobre uma elaboraccedilatildeo

dogmaacutetica geneacuterica acerca do sentido das ldquoexigecircncias da sociedade democraacuteticardquo e natildeo

constitucionalmente preacute-determinadas por qualquer hipoteacutetica ordem de valores459

Desta feita podemos concluir que a criacutetica agrave ponderaccedilatildeo baseada na falta de paracircmetros

materiais objectivos e a resultante tentativa de criar criteacuterios riacutegidos e preacute-definidos a

priori para a resoluccedilatildeo de conflitos entre direitos fundamentais defendidas pelas

estrateacutegias absolutistas falham por culminarem em duas situaccedilotildees alternativas a) em

soluccedilotildees abstractas inadequadas natildeo realistas e ateacute pura e simplesmente inaplicaacuteveis b)

ou em contrapartida em soluccedilotildees baseadas de facto em ponderaccedilotildees mas que natildeo

sendo assumidas enquanto tal natildeo podem consequentemente ser sujeitas ao controlo e

agrave criacutetica Por este motivo somos da opiniatildeo de que nunca seraacute possiacutevel prescindir do

reconhecimento de uma margem de apreciaccedilatildeo que permita mediante procedimentos de

458 Reis Novais 2010 701 459 Reis Novais 2010 707

128

ponderaccedilatildeo e respeitando os criteacuterios impostos constitucionalmente dar resposta a um

caso concreto de conflito entre direitos fundamentais460

Por fim no que respeita agrave questatildeo da arbitrariedade na decisatildeo derivada da circunstacircncia

de ser o juiz a proceder agrave ponderaccedilatildeo de bens cumpre esclarecer que mais importante que

discutir se os tribunais podem proceder a ponderaccedilotildees eacute considerar a forma como essas

ponderaccedilotildees se devem processar num quadro de necessaacuteria garantia de previsibilidade

estabilidade e igualdade Para assegurar a reduccedilatildeo da discricionariedade judicial nos

procedimentos de ponderaccedilatildeo os juiacutezes devem atender aos criteacuterios impostos

constitucionalmente nos jaacute mencionados nos 2 e 3 do artigo 18ordm da Lei Fundamental

Desta forma o meacutetodo da ponderaccedilatildeo de bens mediante a intervenccedilatildeo de condicionantes

juriacutedico-constitucionais pode escapar a um decisionismo casuiacutestico Eacute que diz-se na

ausecircncia de criteacuterios juriacutedicos objectivos e precisos susceptiacuteveis de se imporem

vinculativamente aos procedimentos de valoraccedilatildeo e ponderaccedilatildeo de bens eacute a vontade

subjectiva do julgador que acaba por prevalecer com o inconveniente de essa prevalecircncia

se estabelecer com o sacrifiacutecio da decisatildeo de quem fora eleito para proceder agrave ponderaccedilatildeo

dos interesses subjacentes agraves colisotildees em causa461

Pelos motivos enunciados acreditamos que a ponderaccedilatildeo de bens constitui assim a

chave da soluccedilatildeo do problema das restriccedilotildees a direitos fundamentais E optando pelo

criteacuterio da ponderaccedilatildeo de bens como o meacutetodo ideal para a delimitaccedilatildeo da aacuterea de tutela

do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare resta-nos averiguar se com base neste

criteacuterio a revelaccedilatildeo da palavra-passe e a leitura da impressatildeo digital do arguido para

desencriptaccedilatildeo de smartphones estatildeo ou natildeo sob o acircmbito de protecccedilatildeo desse princiacutepio

460 Cumpre salientar neste acircmbito que o proacuteprio direito agrave vida natildeo se pode considerar isento de valoraccedilatildeo e ponderaccedilotildees no caso concreto Jorge Reis Novais daacute o exemplo do conflito entre o direito agrave vida e a

seguranccedila do Estado defendendo que apesar de o direito agrave vida ter uma preferecircncia eacutetica relativamente a

este uacuteltimo no caso concreto em que um grupo de terroristas rapta um empresaacuterio e ameaccedila com toda a

verosimilhanccedila mataacute-lo caso o Estado natildeo satisfaccedila as suas exigecircncias a soluccedilatildeo seria ou prescindir do

controlo ou aderir a um controlo de constitucionalidade essencialmente concretizado e dependente de

valoraccedilatildeo e ponderaccedilatildeo de bens Natildeo haacute segundo o Autor alternativas agrave ponderaccedilatildeo de bens que se

traduzam em acreacutescimo de racionalidade de seguranccedila juriacutedica e sobretudo de protecccedilatildeo efectiva dos

direitos fundamentais Cf Reis Novais 2010 719 461 Reis Novais 2010 697-698

129

5 Aplicabilidade do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare na

desencriptaccedilatildeo de smartphones para obtenccedilatildeo de prova em processo penal

Depois de feita a apreciaccedilatildeo dos casos jurisprudenciais de desencriptaccedilatildeo de smartphones

com o auxiacutelio do arguido nos Estados Unidos da Ameacuterica a anaacutelise sobre o acesso e

apreensatildeo dos seus conteuacutedos no ordenamento juriacutedico portuguecircs a encriptaccedilatildeo destes

dispositivos e a possibilidade de violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare

nos casos de desencriptaccedilatildeo compelida dos mesmos chegamos agrave derradeira questatildeo da

nossa investigaccedilatildeo tendo como referecircncia os casos apresentados no Capiacutetulo I e

recorrendo agrave legislaccedilatildeo doutrina e jurisprudecircncia portuguesas seriam estas

desencriptaccedilotildees de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe ou da leitura da

impressatildeo digital do arguido violadoras do princiacutepio de natildeo-autoincriminaccedilatildeo

Jaacute foi salientado diversas vezes durante o nosso estudo que o princiacutepio nemo tenetur se

ipsum accusare natildeo eacute absoluto pelo que pode ser restringido quer na sua vertente de

direito ao silecircncio do arguido quer na sua dimensatildeo de princiacutepio contra a

autoincriminaccedilatildeo A tiacutetulo de exemplo podemos chamar agrave colaccedilatildeo as restriccedilotildees a este

princiacutepio que tecircm sido assumidas pelo legislador sempre por via da intervenccedilatildeo dos

limites aos limites com previsatildeo constitucional expressa nos nos 2 e 3 do artigo 18ordm da

Lei Fundamental nomeadamente a) a obrigaccedilatildeo do arguido responder com verdade agraves

perguntas sobre a sua identidade (al b) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP) b) a

obrigatoriedade de realizar determinados exames por exemplo de alcoolemia ou de

substacircncias psicotroacutepicas ( artigos 152ordm e 153ordm do Coacutedigo da Estrada) ou exames de ADN

para fins de investigaccedilatildeo criminal (nordm 1 do artigo 8ordm da Lei nordm 52008 de 12 de Fevereiro

e artigo 172ordm do CPP)

No caso concreto de desencriptaccedilatildeo de smartphones para obtenccedilatildeo de prova em processo

penal este princiacutepio entraraacute em confronto com outros valores nomeadamente com a

persecuccedilatildeo da justiccedila e a descoberta da verdade material

Como referido anteriormente segundo o criteacuterio da ponderaccedilatildeo de bens satildeo legiacutetimas as

restriccedilotildees ao princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare que observem os seguintes

requisitos a) devem estar previstas em lei formal b) devem ter como objectivo a

salvaguarda de outro direito ou interesse constitucionalmente protegido c) devem

obedecer ao princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo ndash adequaccedilatildeo necessidade

e proporcionalidade em sentido estrito d) natildeo devem aniquilar o direito em causa

130

atingindo o conteuacutedo essencial do respectivo preceito Aleacutem da verificaccedilatildeo destes

requisitos materiais todas as restriccedilotildees ao nemo tenetur devem ainda observar dois

requisitos de ordem formal a) generalidade e abstracccedilatildeo b) natildeo retroactividade

Tendo como referecircncia os casos norte-americanos apresentados no Capiacutetulo I relativos agrave

ordem de desencriptaccedilatildeo dirigida ao arguido no sentido de revelar a sua palavra-passe ou

de permitir a leitura da sua impressatildeo digital veremos de seguida se estes criteacuterios estatildeo

ou natildeo respeitados nesses casos Por questotildees de ordem praacutetica faremos uma divisatildeo

entre o primeiro e o segundo meacutetodo de desbloqueio do dispositivo

51 Desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe

Para podermos aferir da legitimidade da ordem de desencriptaccedilatildeo de um smartphone

atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe pelo arguido cumpre analisar se esta ordem estaacute

prevista em lei formal se tem como objectivo a salvaguarda de outro direito ou interesse

constitucionalmente protegido se obedece ao princiacutepio da proporcionalidade em sentido

amplo se natildeo aniquila o nemo tenetur atingindo o seu conteuacutedo essencial e por fim se

respeita os requisitos formais (nos 2 e 3 do artigo 18ordm da CRP) Comeccedilaremos pela anaacutelise

do primeiro requisito onde indagaremos sobre a existecircncia de um comando legal que

obrigue o arguido agrave desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe

Ateacute 2009 natildeo havia nenhuma soluccedilatildeo legislativa acerca da questatildeo concreta acima

colocada No entanto como foi referido no Capiacutetulo II da presente investigaccedilatildeo em 2009

foi aprovada a Lei do Cibercrime o que nos leva a perguntar se perante esta lei se passou

a consagrar a possibilidade ndash alargada ndash de as autoridades judiciaacuterias exigirem do arguido

o fornecimento da palavra-passe do seu smartphone

Um dos meios de obtenccedilatildeo de prova previstos na Lei do Cibercrime eacute a injunccedilatildeo para

apresentaccedilatildeo ou concessatildeo do acesso a dados prevista no artigo 14ordm analisado supra

Esta norma consagra que as autoridades judiciaacuterias podem ordenar a quem tenha a

disponibilidade ou o controlo de dados informaacuteticos especiacuteficos e que se encontrem

armazenados num determinado sistema informaacutetico (vg smartphone) que os comunique

ao processo ou que permita o acesso aos mesmos Prevecirc ainda este artigo que quem natildeo

actuar segundo as imposiccedilotildees previstas pode ser punido pelo crime de desobediecircncia

previsto pelo artigo 348ordm do Coacutedigo Penal

131

Ora impotildee-se saber se esta medida pode ter por alvo o arguido jaacute que isso implicaria

uma clara opccedilatildeo do legislador em restringir o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo em

detrimento da eficaacutecia da investigaccedilatildeo criminal E como atestaacutemos em sede de acesso ao

conteuacutedo dos smartphones a resposta eacute negativa o legislador ponderou bem os interesses

e direitos aqui em conflito tomando a opccedilatildeo clara de salvaguardar o direito agrave natildeo-

autoincriminaccedilatildeo ao consagrar no nordm 5 do artigo 14ordm que a injunccedilatildeo para apresentaccedilatildeo

ou concessatildeo do acesso a dados natildeo pode ser dirigida a suspeitos ou a arguidos no

processo em que for determinada a proacutepria medida462 Desta forma fica vedada agraves

autoridades judiciaacuterias ndash atraveacutes do mecanismo do artigo 14ordm da Lei do Cibercrime - a

possibilidade de compelirem o arguido a revelar a palavra-passe do seu dispositivo

electroacutenico

Entendem-se e aplaudem-se as excepccedilotildees formuladas sendo que no que particularmente

respeita agrave protecccedilatildeo do arguido parece ser esta a uacutenica forma de natildeo impor uma

colaboraccedilatildeo deste na recolha de prova da sua eventual incriminaccedilatildeo

Ademais a jaacute mencionada aliacutenea d) do nordm 1 do artigo 61ordm do Coacutedigo de Processo Penal

referente aos direitos e deveres processuais do arguido consagra o direito ao silecircncio

deste sujeito processual enfatizando assim a possibilidade de o arguido manter em

segredo a palavra-passe que permite o acesso ao seu dispositivo electroacutenico

Desta forma podemos concluir que na legislaccedilatildeo nacional parece natildeo constar uma

norma que permita agraves autoridades judiciaacuterias compelir o arguido a revelar a palavra-passe

Contrariamente ao que acontece no ordenamento juriacutedico portuguecircs no Reino Unido a

criminalizaccedilatildeo da recusa em fornecer a palavra-passe encontra-se prevista e eacute punida

pelo artigo 53ordm da Regulation of Investigatory Powers Act 2000 (RIPA)463 sendo que a

462 NevesCorreia 2014 147-148 Tambeacutem na Holanda o Coacutedigo de Processo Penal prevecirc na secccedilatildeo 2 do

seu artigo 125K que ldquoan order can be given to provide access of a secured computer andor to decrypt

relevant datardquo Esta ordem pode ser dada a qualquer pessoa que tenha acesso agrave informaccedilatildeo necessaacuteria para

desencriptar o dispositivo agrave excepccedilatildeo do suspeito e arguido Cf Vordoglou 2016 17 Disponiacutevel em

httpsrepositoryihuedugrxmluibitstreamhandle1154414539Dissertation-Final-1104130034-

Vordogloupdfsequence=1 [consultado em 10022017] Koops 2010 607 463 Dispotildee o artigo 53ordm da RIPA sob a epiacutegrafe de ldquoFailure to comply with a noticerdquo ldquo(1) A person to

whom a section 49 notice has been given is guilty of an offence if he knowingly fails in accordance with

the notice to make the disclosure required by virtue of the giving of the notice (2) In proceedings against

any person for an offence under this section if it is shown that that person was in possession of a key to

any protected information at any time before the time of the giving of the section 49 notice that person

shall be taken for the purposes of those proceedings to have continued to be in possession of that key at all

subsequent times unless it is shown that the key was not in his possession after the giving of the notice and

before the time by which he was required to disclose it [hellip] (5) A person guilty of an offence under this

section shall be liable - (a) on conviction on indictment to imprisonment for a term not exceeding [the

132

notificaccedilatildeo para ceder qualquer palavra-passe eacute consagrada no artigo 49ordm da referida

legislaccedilatildeo464 Assim se apoacutes a notificaccedilatildeo para fornecer uma palavra-passe o arguido

optar por natildeo o fazer a puniccedilatildeo aplicaacutevel corresponde a uma pena de prisatildeo compreendida

entre 2 a 5 anos465 Atendendo ao caso concreto a eventual recusa do arguido em cumprir

a ordem de desencriptaccedilatildeo do smartphone que lhe eacute dirigida pela autoridade competente

seraacute livremente apreciada pelo tribunal466 Por outro lado se o arguido actuar em

conformidade com a ordem de desencriptaccedilatildeo tambeacutem os dados descodificados seratildeo de

uma perspectiva probatoacuteria livremente ponderados e tomados em consideraccedilatildeo na

decisatildeo a proferir467

Jaacute no ordenamento juriacutedico belga a criminalizaccedilatildeo da recusa em revelar palavras-passe

pode desencadear a aplicaccedilatildeo de uma pena de prisatildeo compreendida entre os 6 a 12 meses

ou ainda uma pena de multa De facto o juiz pode ordenar que o arguido revele a

palavra-passe do seu smartphone quando considere que a mesma eacute essencial para a

descoberta da verdade material468

appropriate maximum term] or to a fine or to both (b) on summary conviction to imprisonment for a term

not exceeding six months or to a fine not exceeding the statutory maximum or to both (5A) In subsection (5) lsquothe appropriate maximum termrsquo means - (a) in a national security case [or a child indecency case]

five years and (b) in any other case two years (5B) In subsection (5A) lsquoa national security casersquo means a

case in which the grounds specified in the notice to which the offence relates as the grounds for imposing

a disclosure requirement were or included a belief that the imposition of the requirement was necessary in

the interests of national security] [hellip]rdquo 464 Dispotildee o artigo 49ordm do RIPA sob a epiacutegrafe de ldquoNothing requiring disclosurerdquo ldquo(1) This section applies

where any protected information (a) has come into the possession of any person by means of the exercise

of a statutory power to seize detain inspect search or otherwise to interfere with documents or other

property or is likely to do so [hellip] (2) If any person with the appropriate permission under Schedule 2

believes on reasonable groundsmdash (a) that a key to the protected information is in the possession of any

person (b) that the imposition of a disclosure requirement in respect of the protected information ismdash [hellip] (ii) necessary for the purpose of securing the effective exercise or proper performance by any public

authority of any statutory power or statutory duty [hellip] the person with that permission may by notice to

the person whom he believes to have possession of the key impose a disclosure requirement in respect of

the protected information (3) A disclosure requirement in respect of any protected information is necessary

on grounds falling within this subsection if it is necessarymdash (a) in the interests of national security (b) for

the purpose of preventing or detecting crime or (c) in the interests of the economic well-being of the United

Kingdom [hellip]rdquo 465 Atwood 2015 431 466 Palfreyman 2009 362-370 Lowman 2010 3-4 Disponiacutevel em

httpswwwlowmaniocoukshareThe20Effect20of20File20and20Disk20Encryption20on

20Computer20Forensicspdf [consultado em 10022017] 467 Andrade 2014 33 468 Dispotildee o artigo 88ordm do Coacutedigo Processual Penal belga (Code DrsquoInstruction Criminelle) ldquosect 1er Lorsque

le juge dinstruction ordonne une recherche dans un systegraveme informatique ou une partie de celuici cette

recherche peut ecirctre eacutetendue vers un systegraveme informatique ou une partie de celui-ci qui se trouve dans un

autre lieu que celui ougrave la recherche est effectueacutee - si cette extension est neacutecessaire pour la manifestation

de la veacuteriteacute agrave leacutegard de linfraction qui fait lobjet de la recherche et - si dautres mesures seraient

disproportionneacutees ou sil existe un risque que sans cette extension des eacuteleacutements de preuve soient perdus

sect 2 Lextension de la recherche dans un systegraveme informatique ne peut pas exceacuteder les systegravemes

informatiques ou les parties de tels systegravemes auxquels les personnes autoriseacutees agrave utiliser le systegraveme

133

Se ateacute ao ano de 2000 nenhum paiacutes tinha legislado a criminalizaccedilatildeo ou mesmo a simples

obrigaccedilatildeo de fornecer uma palavra-passe quando tal lhe fosse ordenado desde esse ano

temos assistido ao movimento segundo o qual vaacuterios ordenamentos juriacutedicos

introduziram normas atinentes agrave desencriptaccedilatildeo de dados469

Ora atendendo ao facto de que na legislaccedilatildeo nacional natildeo podemos encontrar nenhum

comando legal que regule esta mateacuteria o julgador aplicando directamente os preceitos

constitucionais devidamente interpretados e concretizados teraacute de concluir que eacute

ilegiacutetima e violadora do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare qualquer ordem de

desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe diriga ao arguido

pelas autoridades judiciaacuterias470

De facto estamos com Vacircnia Costa Ramos quando centra a discussatildeo na existecircncia ou

inexistecircncia de uma obrigaccedilatildeo imposta por lei e na especiacutefica relaccedilatildeo que se impotildee entre

o Estado e a pessoa Segundo a Autora se sobre o cidadatildeo impende um dever especiacutefico

de submissatildeo ao controlo das autoridades (vg exames de alcoolemia substacircncias

informatique qui fait lobjet de la mesure ont speacutecifiquement accegraves sect 3 En ce qui concerne les donneacutees

recueillies par lextension de la recherche dans un systegraveme informatique qui sont utiles pour les mecircmes finaliteacutes que celles preacutevues pour la saisie les regravegles preacutevues agrave larticle 39bis sappliquent Le juge

dinstruction informe le responsable du systegraveme informatique sauf si son identiteacute ou son adresse ne peuvent

ecirctre raisonnablement retrouveacutees Lorsquil savegravere que ces donneacutees ne se trouvent pas sur le territoire du

Royaume elles peuvent seulement ecirctre copieacutees Dans ce cas le juge dinstruction par lintermeacutediaire du

ministegravere public communique sans deacutelai cette information au ministegravere de la Justice qui en informe les

autoriteacutes compeacutetentes de leacutetat concerneacute si celui-ci peut raisonnablement ecirctre deacutetermineacute sect 4 Larticle

89bis est applicable agrave lextension de la recherche dans un systegraveme informatiquerdquo Por seu turno o artordm

88quater dispotildee o seguinte ldquosect 1er Le juge dinstruction ou un officier de police judiciaire auxiliaire du

procureur du Roi deacuteleacutegueacute par lui peut ordonner aux personnes dont il presume quelles ont une

connaissance particuliegravere du systegraveme informatique qui fait lobjet de la recherche ou des services qui

permettent de proteacuteger ou de crypter des donneacutees qui sont stockeacutees traiteacutees ou transmises par un systegraveme informatique de fournir des informations sur le fonctionnement de ce systegraveme et sur la maniegravere dy acceacuteder

ou dacceacuteder aux donneacutees qui sont stockeacutees traiteacutees ou transmises par un tel systegraveme dans une forme

compreacutehensible Le juge dinstruction mentionne les circonstances propres agrave laffaire justifiant la mesure

dans une ordonnance motiveacutee quil transmet au procureur du Roi sect 2 Le juge dinstruction peut ordonner

agrave toute personne approprieacutee de mettre en fonctionnement ellemecircme le systegraveme informatique ou selon le

cas de rechercher rendre accessibles copier rendre inaccessibles ou retirer les donneacutees pertinentes qui

sont stockeacutees traiteacutees ou transmises par ce systegraveme dans la forme quil aura demandeacutee Ces personnes

sont tenues dy donner suite dans la mesure de leurs moyens Lordonnance vises agrave lalineacutea 1er ne peut

ecirctre prise agrave leacutegard de linculpeacute et agrave leacutegard des personnes viseacutees agrave larticle 156 sect 3 Celui qui refuse de

fournir la collaboration ordonneacutee aux sectsect 1er et 2 ou qui fait obstacle agrave la recherche dans le systegraveme

informatique est puni dun emprisonnement de six mois agrave un an et dune amende de vingt-six francs agrave vingt mille francs ou dune de ces peines seulement sect 4 Toute personne qui du chef de sa fonction a

connaissance de la mesure ou y precircte son concours est tenue de garder le secret Toute violation du secret

est punie conformeacutement agrave larticle 458 du Code peacutenal sect 5 LEtat est civilement responsable pour le

dommage causeacute de faccedilon non intentionnelle par les personnes requises agrave un systegraveme informatique ou aux

donneacutees qui sont stockeacutees traiteacutees ou transmises par un tel systegravemerdquo 469 Andrade 2014 35 470 Dias 2005 211 ldquo[hellip] natildeo havendo entre noacutes nenhuma norma habilitante dificilmente se poderatildeo

superar os constrangimentos processuais penais decorrentes do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare

O arguido natildeo pode ser forccedilado a contribuir para a sua proacutepria condenaccedilatildeordquo Cf Correia 2014 59

134

psicotroacutepicas ou exames de ADN) qualquer restriccedilatildeo do nemo tenetur eacute vaacutelida se pelo

contraacuterio impender unicamente um dever geneacuterico natildeo seraacute possiacutevel obrigar o arguido a

colaborar Em suma ldquoas restriccedilotildees ao nemo tenetur situam-se num campo de verificaccedilatildeo

do cumprimento de obrigaccedilotildees impostas por leirdquo471

Assim sendo cremos que do enquadramento legal portuguecircs decorre que a colaboraccedilatildeo

do arguido eacute a excepccedilatildeo (e natildeo a regra) soacute havendo colaboraccedilatildeo exigiacutevel ao arguido na

medida em que haja uma lei formal nesse sentido (que excepcione concretamente o

princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare)472

Apesar da falta de uma lei formal que regule a desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da

revelaccedilatildeo da palavra-passe por parte do arguido analisaremos ainda que sumariamente

e sob pena de tratarmos a questatildeo em maior detalhe mais agrave frente na nossa investigaccedilatildeo

os restantes requisitos

Desta feita se o primeiro requisito das restriccedilotildees a direitos fundamentais fosse

validamente preenchido atraveacutes da consagraccedilatildeo de uma lei formal que previsse a

obrigaccedilatildeo de o arguido revelar a palavra-passe do seu smartphone o segundo requisito ndash

a necessidade de a restriccedilatildeo ao nemo tenetur ter como objectivo a salvaguarda de um

outro direito ou interesse constitucionalmente protegido ndash natildeo parece levantar duacutevidas de

maior Na circunstacircncia de as autoridades judiciaacuterias forccedilarem o arguido a desencriptar o

seu smartphone atraveacutes da revelaccedilatildeo da sua palavra-passe para desta forma obterem o

acesso ao seu conteuacutedo salta agrave vista que interesse as primeiras pretendem alcanccedilar a

realizaccedilatildeo da justiccedila e a busca pela verdade material Tal interesse eacute claramente protegido

dentro da unidade da Constituiccedilatildeo impedindo assim um sacrifiacutecio arbitraacuterio gratuito e

desmotivado do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare

No que concerne agrave questatildeo de saber se as ordens de desencriptaccedilatildeo de smartphones

dirigidas aos arguidos atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe enunciadas no Capiacutetulo I

respeitam o princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo posicionamo-nos a favor

da sua clara desproporcionalidade em violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum

accusare Sem embargo sob pena de nos adiantaacutermos nesta mateacuteria remetemos para a

anaacutelise deste princiacutepio em sede de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da

impressatildeo digital do arguido

471 Ramos 2007 90 472 Pinto 2013 111

135

Queda-nos ainda referir que pela nossa parte qualquer ordem de desencriptaccedilatildeo de

smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe dirigida ao arguido natildeo respeita o

quarto e uacuteltimo requisito material das restriccedilotildees a direitos fundamentais vertido no nordm 3

do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa ndash a garantia do conteuacutedo essencial

do direito restringido Como mencionado anteriormente este requisito consagra a ideia

de que existe um nuacutecleo essencial dos direitos fundamentais que natildeo pode em caso

algum ser violado Sendo o uacuteltimo requisito material das restriccedilotildees a direitos liberdades

e garantias este pressuposto funciona como uma barreira final e efectiva contra o abuso

do poder De acordo com uma teoria mista por noacutes defendida este nuacutecleo essencial do

nemo tenetur teraacute de articular-se com a necessidade de protecccedilatildeo do interesse pela

persecuccedilatildeo da justiccedila e pela busca da verdade material sendo que natildeo poderaacute ser alvo de

uma qualquer aniquilaccedilatildeo

Nesta linha de raciociacutenio estamos com Catarina Anastaacutecio quando defende que o nuacutecleo

essencial deste princiacutepio eacute aniquilado nas situaccedilotildees em que algueacutem eacute ldquocoagido a emitir

declaraccedilotildees autoincriminatoacuterias a declarar a sua culpabilidade a admitir a sua

participaccedilatildeo numa infracccedilatildeo uma vez que tal admissatildeo a verificar-se deveraacute ser sempre

um acto totalmente livre e conscienterdquo473 Por conseguinte atendendo ao facto de que o

arguido ao acatar uma qualquer ordem de desencriptaccedilatildeo do seu smartphone atraveacutes da

revelaccedilatildeo da sua palavra-passe estaraacute a emitir declaraccedilotildees autoincriminatoacuterias outra natildeo

poderaacute ser a conclusatildeo senatildeo a de que esta medida eacute claramente violadora do requisito da

garantia do nuacutecleo essencial do direito fundamental restringido consagrado na parte final

do nordm 3 do artigo 18ordm da Lei Fundamental

Perante um caso de conflito entre dois direitos fundamentais e depois de valoradas todas

as circunstacircncias do caso concreto dever-se-aacute concluir pela prevalecircncia de um direito

sobre o outro No entanto o sacrifiacutecio deste uacuteltimo em caso algum poderaacute jusitificar a

aniquilaccedilatildeo do conteuacutedo essencial de qualquer um dos direitos

Por fim quanto aos requisitos formais das restriccedilotildees a direitos fundamentais ndash

generalidade abstracccedilatildeo e natildeo retroactividade - atendendo ao facto de que a ordem de

desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo de palavra-passe dirigida ao arguido

natildeo tem consagraccedilatildeo em lei formal deixa de ser pertinente a anaacutelise destes criteacuterios

473 Anastaacutecio 2010 217

136

Em jeito de conclusatildeo contra a revelaccedilatildeo coactiva da palavra-passe poder-se-aacute alegar o

seguinte a) natildeo estaacute prevista na lei qualquer obrigatoriedade de fornecimento da palavra-

passe por parte do arguido b) o acesso ao smartphone encriptado eacute possiacutevel atraveacutes de

tentativas de adivinhar a palavra-passe uma vez que muitos utilizadores optam por

palavras-passe faacuteceis de decifrar c) o arguido tem direito ao silecircncio de acordo com a

aliacutenea d) do nordm 1 do artigo 61ordm do Coacutedigo de Processo Penal d) a palavra-passe pode ser

considerada como incriminatoacuteria uma vez que a demonstraccedilatildeo do seu conhecimento

prova ainda que implicitamente474 determinados factos nomeadamente que o arguido

seraacute responsaacutevel pelos conteuacutedos encriptados que estejam armazenados no smartphone

porquanto ele teraacute acesso e controlo sobre os mesmos475 e) a palavra-passe pode ser ainda

incriminatoacuteria noutro sentido seraacute incriminatoacuteria de modo indirecto na medida em que

faculta o acesso a dados incriminatoacuterios476 os quais sem a colaboraccedilatildeo do arguido nunca

seriam acedidos e nunca fundamentariam por isso mesmo a sua responsabilidade

penal477

Depois de confirmada a violaccedilatildeo de acordo com ordenamento juriacutedico nacional do

princiacutepio nemo tenetur nos casos em que as autoridades judiciaacuterias dirigem ao arguido

uma ordem de desencriptaccedilatildeo do seu smartphone atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe

resta-nos apenas aferir da legitimidade da desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura

da impressatildeo digital do arguido

474 ldquo[hellip] the entry of the passphrase is testimonial because it implicity communicates facts namely that the

defendant knows the passphrase has control over the smartphone files and believes he can access the

smartphonersquos contentsrdquo Cf Pfefferkorn 2009 11 Disponiacutevel em

httpspapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=1883697ampdownload=yes [consultado em

13022017] 475 ldquo[hellip] disclosing the passphrase [hellip] implicity involves statements of fact by admitting that the evidence

exists is in the personrsquos possession or control and is authentic By entering a passphrase the person will

implicity admit the fact that he or she knows the passphrase it is within his or her control and the

passphrase is authentic in the sense that it is what the person believes the government wants In this case the act of disclosing a passphrase will lead to the inference that the contents decrypted were created and

in the control of that person which may be highly incriminating [hellip]rdquo Cf Duong 2009 349 ldquoWhen a

defendant is compelled to enter a password into his smartphone the act of decryption necessarily implies

statements of fact that could prove to be incriminatoryrdquo Cf Winkler 2014 46 476 ldquoO princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo abrange acccedilotildees verbais ou fiacutesicas capazes de contribuir para a

proacutepria condenaccedilatildeo e encurtando razotildees o arguido natildeo pode ser condicionado a contribuir para a sua

incriminaccedilatildeo atraveacutes da prestaccedilatildeo de qualquer tipo de declaraccedilotildees nomeadamente [hellip] fornecendo um

coacutedigo [hellip]rdquo Cf Haddad 2003 20-21 477 Pinto 2013 112-115

137

52 Desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do

arguido

Para aferir da legitimidade da desencriptaccedilatildeo de smartphones para a obtenccedilatildeo de prova

em processo penal atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido com base nos casos

norte-americanos anteriormente apresentados cumpre agrave semelhanccedila do que foi feito em

sede de desencriptaccedilatildeo atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe aferir se estas ordens estatildeo

previstas em lei formal se tecircm como objectivo a salvaguarda de outro direito ou interesse

constitucionalmente protegido se obedecem ao princiacutepio da proporcionalidade em

sentido amplo se natildeo aniquilam o nemo tenetur atingindo o seu conteuacutedo essencial e por

fim se respeitam os requisitos formais (nos 2 e 3 do artigo 18ordm da CRP) Comeccedilaremos

pelo primeiro requisito

Quanto agrave questatildeo da exigecircncia de lei formal vale o que ficou dito no ponto anterior

Assim a legitimidade da restriccedilatildeo ao princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare estaacute

dependente da sua consagraccedilatildeo na legislaccedilatildeo nacional (bastando que seja admitida dentro

da unidade da Constituiccedilatildeo)

Queda-nos entatildeo apurar sobre a existecircncia de uma norma que obrigue o arguido a

colocar o seu dedo no sensor do smartphone para que a leitura da sua impressatildeo digital

possibilite o acesso das autoridades judiciaacuterias ao conteuacutedo do seu dispositivo

Como ficou assente no Capiacutetulo II da nossa investigaccedilatildeo o acto de colocar o dedo no

sensor do smartphone para permitir a leitura da impressatildeo digital do arguido natildeo pode ser

considerado nem uma periacutecia nem um exame mas sim uma outra diligecircncia de prova

A aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm do Coacutedigo de Processo Penal regula que sobre o

arguido recaem em especial os deveres de ldquosujeitar-se a diligecircncias de prova e a medidas

de coacccedilatildeo e garantia patrimonial especificadas na lei e ordenadas e efectuadas por

entidade competenterdquo De facto como realccedilaacutemos anteriormente natildeo obstante a

inexistecircncia de um dever de o arguido colaborar com as autoridades tal natildeo significa que

natildeo possa haver derrogaccedilotildees ao princiacutepio nemo tenetur478 Neste caso concreto de

desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital o arguido acaba

478 Marques da Silva 2010 318

138

por constituir um meio de prova em sentido formal na medida em que o seu corpo e o

seu estado corporal podem ser objecto de diligecircncias de prova479

No que agrave jurisprudecircncia diz respeito o Supremo Tribunal de Justiccedila no seu acoacuterdatildeo nordm

142014 veio realccedilar o disposto na aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP afirmando

que ldquoo estatuto processual do arguido natildeo eacute incompatiacutevel com a sujeiccedilatildeo a diligecircncias de

prova ou meios de as obter posto que esses deveres natildeo afectem direitos fundamentais

processuais integrantes do seu direito de defesardquo480

Poderiacuteamos assim concluir que de acordo com o entendimento da doutrina citada e da

jurisprudecircncia do Supremo Tribunal de Justiccedila a desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes

da leitura da impressatildeo digital do arguido teria consagraccedilatildeo na aliacutenea d) do nordm 3 do artigo

61ordm do Coacutedigo de Processo Penal podendo o arguido ser legitimamente compelido a tal

Efectivamente o arguido tem o dever de se sujeitar a diligecircncias de prova devendo no

entanto entender-se que este dever natildeo abrange todo e qualquer tipo de prova (artigo

125ordm do CPP) mas apenas as diligecircncias de prova que estejam ldquoespecificadas na leirdquo

sendo que a desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital natildeo se

mostra como tal normativamente especificada Se todos os casos de recusa de submissatildeo

a diligecircncias de prova devessem merecer a censura tiacutepica do crime de desobediecircncia o

legislador tecirc-lo-ia previsto expressamente naquele segmento normativo (al d) do nordm 3 do

artigo 61ordm) bastando para tanto acrescentar agrave sua respectiva previsatildeo a expressatildeo ldquosob

cominaccedilatildeo de incorrer no crime de desobediecircncia em caso de recusa ou natildeo

cumprimentordquo481 Deve ainda ter-se em conta que na esteira do defendido por Germano

Marques da Silva natildeo obstante o dever de sujeiccedilatildeo a diligecircncias de prova o arguido natildeo

tem a obrigaccedilatildeo de fornecer provas que o incriminem482

O Coacutedigo de Processo Penal actualmente em vigor desde 1987 (e com as alteraccedilotildees

entretanto introduzidas) consagrou expressamente o direito ao silecircncio do arguido mas

natildeo consagrou expressamente a possibilidade de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes

da leitura da sua impressatildeo digital Pelo contraacuterio a Lei do Cibercrime de 15 de Setembro

de 2009 veio estabelecer no nordm 5 do seu artigo 14ordm que o suspeito e o arguido natildeo podem

479 Figueiredo Dias 2004 438-439 480 Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro de 2014 disponiacutevel em

httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 15022017] 481 Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro de 2014 disponiacutevel em

httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 15022017] 482 Marques da Silva 2013 76

139

ser compelidos pelas autoridades judiciaacuterias a permitir o acesso ao conteuacutedo do seu

dispositivo electroacutenico

Assim estamos com Helena Moniz quando defende no seu voto de vencida ao Acoacuterdatildeo

do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 que ldquoa submissatildeo do arguido a diligecircncias

de prova nos termos da al d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP apenas se impotildee quando

estejam ldquoespecificadas na leirdquo sem o que natildeo pode aquela restriccedilatildeo agraves garantias do

arguido ser-lhe imposta quando o arguido eacute utilizado como meio de prova contra si

proacuteprio [hellip]rdquo483

Como deixaacutemos claro no ponto anterior tambeacutem Vania Costa Ramos parece seguir este

entendimento com o qual concordamos inteiramente Segundo a Autora se sobre o

arguido impende unicamente um dever geneacuterico (vg dever de sujeiccedilatildeo a diligecircncias de

prova ndash al d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP) natildeo seraacute possiacutevel obrigar o arguido a

colaborar484 Para que se possa aqui falar de uma obrigaccedilatildeo de colaboraccedilatildeo por parte do

arguido eacute necessaacuterio que se esteja perante um dever especiacutefico de submissatildeo ao controlo

das autoridades485 como eacute o caso a tiacutetulo de exemplo dos exames de alcoolemia e

substacircncias psicotroacutepicas (artigos 152ordm e 153ordm do Coacutedigo da Estrada) e exames de ADN

para fins de investigaccedilatildeo criminal (nordm 1 do artigo 8ordm da Lei nordm 52008 de 12 de Fevereiro

e artigo 172ordm do CPP) Igualmente Vieira de Andrade vem defender a ideia de que uma

qualquer restriccedilatildeo ao princiacutepio da natildeo-autoincriminaccedilatildeo em funccedilatildeo da exigecircncia de lei

formal deve ldquo[hellip] apresentar uma densidade suficiente isto eacute um certo grau de

determinaccedilatildeo do seu conteuacutedo pelo menos no essencial natildeo sendo legiacutetimo que se deixe

agrave Administraccedilatildeo espaccedilos significativos de regulaccedilatildeo ou de decisatildeo [hellip]rdquo486

483 Voto de Vencida de Helena Moniz ao Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de

Outubro de 2014 disponiacutevel em httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 15022017] Em

sentido contraacuterio o Supremo Tribunal de Justiccedila no referido acoacuterdatildeo veio defender o entendimento de que

uma leitura e interpretaccedilatildeo restritiva da aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm do Coacutedigo de Processo Penal no

sentido de que as deligecircncias de prova necessitariam de estar ldquoespecificadas na leirdquo constituiria um golpe

profundo na investigaccedilatildeo criminal posto que salvaguardaria o arguido das diligecircncias de prova meios de

prova ou de obtenccedilatildeo de prova Cf Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro

de 2014 disponiacutevel em httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 15022017] 484 Ramos 2007 90 485 Neste sentido vai tambeacutem Catarina Andrade ao afimar em sede de desencriptaccedilatildeo de dispositivos

electroacutenicos que natildeo se pode defender a ideia de que o arguido eacute obrigado a cooperar com as autoridades

ao abrigo de um dever geneacuterico de colaboraccedilatildeo ldquoPese embora a importacircncia da descoberta da verdade

material natildeo pode o legislador permitir que a mesma opere como derrogaccedilatildeo absoluta dos princiacutepios

constitucionalmente consagrados e desenvolvidos em sede processual penal Como tal [hellip] natildeo podemos

considerar que a questatildeo controvertida se encontra resolvida atraveacutes da aplicaccedilatildeo de um dever geral de

colaboraccedilatildeo do arguido porquanto o mesmo natildeo eacute aceite pelo ordenamento juriacutedico portuguecircsrdquo Cf

Andrade 2014 29 486 Vieira de Andrade 2016 290-291

140

Assim a sujeiccedilatildeo do arguido a colocar o dedo no sensor do smartphone para permitir o

acesso ao dispositivo contra a sua vontade enquanto limitaccedilatildeo ao princiacutepio nemo tenetur

se ipsum accusare soacute deveraacute ser possiacutevel apoacutes a consagraccedilatildeo legal desse dever especiacutefico

Considerando-se que aquela limitaccedilatildeo natildeo estaacute legalmente prevista natildeo podemos

entender que possa ser ordenada pelas autoridades judiciaacuterias De facto ainda que natildeo

exista legislaccedilatildeo que preveja uma obrigaccedilatildeo de o arguido desencriptar o seu smartphone

atraveacutes da leitura da impressatildeo digital suprir esta omissatildeo legislativa atraveacutes da subversatildeo

do regime processual penal consagrado natildeo pode configurar-se como admissiacutevel O

simples facto de determinada mateacuteria natildeo se achar prevista e regulada na lei natildeo indicia

de per si a existecircncia de uma lacuna legal que careccedila de ser integrada nos termos do

disposto no artigo 10ordm do Coacutedigo Civil Na expressatildeo impressiva de Oliveira Ascensatildeo

ldquolacuna natildeo eacute tudo o que natildeo estaacute na leirdquo487

E mesmo que o julgador interprete a norma constante da aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm

como uma obrigaccedilatildeo de o arguido desencriptar o dispositivo atraveacutes da leitura da sua

impressatildeo digital resta saber se esta ordem respeita os restantes limites aos limites dos

direitos fundamentais consagrados nos nos 2 e 3 do artigo 18ordm da Lei Fundamental

Analisado que estaacute o primeiro requisito da exigecircncia de lei formal passaremos agrave

verificaccedilatildeo do segundo requisito ndash necessidade de salvaguarda de outro direito ou

interesse constitucionalmente protegido

Agrave semelhanccedila do que ficou dito no ponto anterior tambeacutem no caso concreto de uma

ordem de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital dirigida

ao arguido pelas autoridades judiciaacuterias natildeo existem duacutevidas quanto ao interesse das

uacuteltimas a persecuccedilatildeo da justiccedila e a descoberta da verdade material Interesse esse que

como jaacute enfatizaacutemos anteriormente eacute claramente protegido dentro da unidade da

Constituiccedilatildeo impedindo assim um sacrifiacutecio arbitraacuterio gratuito e desmotivado do

princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare

Passando agrave averiguaccedilatildeo do terceiro limite aos limites dos direitos fundamentais cumpre

salientar que a ordem de desencriptaccedilatildeo de smartphones agora atraveacutes da leitura da

impressatildeo digital do arguido natildeo pode dispensar o escrutiacutenio do princiacutepio da

proporcionalidade em sentido amplo ou para alguns princiacutepio da proibiccedilatildeo do excesso

Por esse motivo analisaremos de seguida se nos casos norte-americanos tendo agora

487 Ascensatildeo 1997 918

141

por base a legislaccedilatildeo nacional os corolaacuterios da adequaccedilatildeo necessidade e

proporcionalidade em sentido estrito estatildeo ou natildeo preenchidos

O subprinciacutepio da adequaccedilatildeo como vimos anteriormente exige que a ordem restritiva

em causa seja apta a realizar o fim visado com a restriccedilatildeo ou contribua para o alcanccedilar

Ora a ordem restritiva nos casos norte-americanos apresentados eacute precisamente a ordem

dada ao arguido pelas autoridades judiciaacuterias no sentido de desencriptar o seu

smarpthone atraveacutes da leitura da sua impressatildeo digital Jaacute o fim visado com essa restriccedilatildeo

prende-se com a realizaccedilatildeo da justiccedila e a busca pela verdade material

Sabendo de antematildeo que este corolaacuterio natildeo eacute devidamente cumprido sempre que a

ordem restritiva se revele inapta para atingir esse fim ou seja sempre que os efeitos dessa

medida se revelarem indiferentes ou contraacuterios agrave realizaccedilatildeo do fim em vista cumpre

perceber quais satildeo os potenciais efeitos que aquelas ordens de desencriptaccedilatildeo de

smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido podem causar

A ordem de desencriptaccedilatildeo do smartphone seja atraveacutes de que meacutetodo for eacute sempre

emitida com o propoacutesito de aceder ao conteuacutedo do dispositivo Assim as autoridades

judiciaacuterias numa tentativa de proceder agrave apreensatildeo de provas incriminatoacuterias que possam

estar armazenadas no smartphone solicitam a colaboraccedilatildeo do arguido

Ora a priori as autoridades judiciaacuterias natildeo tecircm na maioria das vezes (ou ateacute mesmo na

totalidade) conhecimentos bastantes para garantir que no smartphone estaratildeo

armazenadas provas de determinado delito Por esse motivo depois de conseguirem

aceder ao dispositivo atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido estas entidades

podem encontrar provas suficientes para relacionar o arguido ao crime em questatildeo ou

pelo contraacuterio podem encontrar apenas informaccedilotildees ficheiros e dados pessoais do

arguido que em nada o relacionem com o delito E neste uacuteltimo caso se o smartphone

natildeo contiver qualquer informaccedilatildeo pertinente para a investigaccedilatildeo do crime parece-nos

oacutebvio que o fim visado ndash a persecuccedilatildeo da justiccedila e a busca pela verdade material ndash fica

claramente comprometido No entanto ficou esclarecido anteriormente que este

subprinciacutepio da adequaccedilatildeo exige que a medida restritiva seja considerada apta a realizar

o fim visado com a restriccedilatildeo ou contribua para o alcanccedilar mas atraveacutes de um juiacutezo de

prognose Ou seja soacute poderemos falar aqui numa inconstitucionalidade desta ordem de

desencriptaccedilatildeo se tendo em conta os conhecimentos empiacutericos e cientiacuteficos disponiacuteveis

142

no momento da aprovaccedilatildeo da medida esta se revele inapta a contribuir para a persecuccedilatildeo

da justiccedila e descoberta da verdade material

Assim podemos concluir que os efeitos desta medida restritiva ao princiacutepio nemo tenetur

ndash desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido ndash

revelam-se desta forma aptos agrave realizaccedilatildeo da justiccedila e descoberta da verdade desde que

agrave data da aprovaccedilatildeo da medida e de acordo com os conhecimentos das autoridades

judiciaacuterias haja a possibilidade (ainda que reduzida) de o dispositivo conter provas

autoincriminatoacuterias

Desta feita outra natildeo poderaacute ser a conclusatildeo se natildeo a de que todas as ordens de

desencriptaccedilatildeo apresentadas no Capiacutetulo I (no caso Baust Diamond e Paytsar ndash no caso

do mandado de 9 de Maio de 2016 natildeo temos informaccedilotildees suficientes quanto agrave finalidade

da medida) respeitaram o subprinciacutepio da adequaccedilatildeo uma vez que agrave data da sua

aprovaccedilatildeo e de acordo com os conhecimentos empiacutericos disponiacuteveis na altura havia em

todos os casos a possibilidade de os dispositivos electroacutenicos armazenarem provas

incriminatoacuterias (relativas agrave ofensa agrave integridade fiacutesica ao furto e ao roubo de identidade

respectivamente)

De facto casos em que uma medida retritiva de um direito fundamental eacute declarada

inconstitucional devido agrave sua inadequaccedilatildeo satildeo raros Normalmente os meios restritivos

adoptados atingem o seu objectivo ateacute certo grau Isto eacute suficiente para superar o teste da

adequaccedilatildeo488

Completamente diferente eacute o que se passa com o segundo subprinciacutepio da

proporcionalidade em sentido amplo ou seja a necessidade Este subprinciacutepio exige que

se recorra para atingir determinado fim ao meio necessaacuterio exigiacutevel ou indispensaacutevel

no sentido do meio mais suave ou menos restritivo que precise de ser utilizado para atingir

o fim em vista Para tal eacute necessaacuterio que se faccedila a comparaccedilatildeo entre os prejuiacutezos

provocados pela desencriptaccedilatildeo compelida e os prejuiacutezos que seriam provocados pela

utilizaccedilatildeo de um meio alternativo

Como foi oportunamente referido o smartphone tem actualmente capacidade para

armazenar uma vasta quantidade de informaccedilatildeo nomeadamente agenda de contactos

informaccedilatildeo de calendaacuterio mensagens escritas registo de chamadas feitas e recebidas e-

488 Alexy 2014 820

143

mail fotografias gravaccedilotildees aacuteudio e viacutedeo mensagens de multimeacutedia mensagens

instantacircneas histoacuterico de navegaccedilatildeo na internet documentos electroacutenicos dados

relacionados com as redes sociais dados relacionados com aplicaccedilotildees informaccedilatildeo sobre

localizaccedilotildees geograacuteficas entre outras Por esse motivo compreende-se que o acesso a

este dispositivo acarreta simultaneamente o acesso a informaccedilatildeo protegida pelo direito

agrave reserva sobre a intimidade da vida privada

Com a desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido

as autoridades judiciaacuterias passam a ter domiacutenio sobre vaacuterios ficheiros electroacutenicos de

caraacutecter pessoal e iacutentimo Assim estamos aqui claramente perante natildeo soacute uma grave

violaccedilatildeo do princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo como tambeacutem uma grave violaccedilatildeo do

direito do arguido agrave reserva da intimidade da vida privada489 um direito fundamental

consagrado no texto constitucional no nordm 1 do artigo 26ordm Posto isto queda-nos perceber

se estes prejuiacutezos causados pela desencriptaccedilatildeo satildeo superiores aos prejuiacutezos que poderiam

ser provocados por um meio de obtenccedilatildeo de prova alternativo

Acreditamos independentemente do crime perpretado (vg crime de ofensa agrave integridade

fiacutesica furto roubo de identidade) que outros meios de prova e meios de obtenccedilatildeo de

prova poderiam ser menos lesivos do que a desencriptaccedilatildeo

Mesmo que as autoridades judiciaacuterias tivessem a convicccedilatildeo plena de que no smartphone

estariam armazenadas provas que relacionavam o arguido com o crime em questatildeo outros

meios alternativos como os exames as periacutecias as revistas e buscas ou as apreensotildees

seriam menos lesivos tanto em relaccedilatildeo ao princiacutepio nemo tenetur quanto ao direito agrave

reserva sobre a intimidade da vida privada do que a desencriptaccedilatildeo compelida do

dispositivo Tendo em consideraccedilatildeo o caso de David Baust apresentado no Capiacutetulo I da

presente investigaccedilatildeo vaacuterios podiam ser os meios de prova utilizados para provar a ofensa

agrave integridade fiacutesica da viacutetima de uma forma menos lesiva para os direitos fundamentais

do arguido do que a ordem de desencriptaccedilatildeo do smartphone (independentemente do

meacutetodo utilizado) Nomeadamente uma periacutecia meacutedico-legal um exame realizado ao

local do crime ou uma busca No caso de Matthew Diamond o arguido suspeito de furto

foi ordenado a desencriptar o seu smartphone atraveacutes da leitura da sua impressatildeo digital

489 Como deixaacutemos claro anteriormente a desnecessidade da agressatildeo afere-se em relaccedilatildeo aos prejuiacutezos

provocados pela medida restritiva avaliados em funccedilatildeo de criteacuterios materiais espaciais temporais ou

pessoais e tendo em conta natildeo apenas o direito fundamental directamente atingido como qualquer outra

afectaccedilatildeo desvantajosa da liberdade dos direitos fundamentais ou de outros interesses juridicamente

relevantes do mesmo titular ou de outros afectados

144

no entanto acreditamos que a recolha de imagens de viacutedeo-vigilacircncia que comprovariam

o seu envolvimento na venda das peccedilas furtadas uma busca agrave sua residecircncia e a

comparaccedilatildeo das pegadas encontradas no local com os seus sapatos seriam medidas muito

menos lesivas do seu privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo e do seu direito agrave reserva da

intimidade da vida privada Quanto ao caso Paytsar acreditamos que tambeacutem aqui uma

busca agrave sua residecircncia seria um meio de obtenccedilatildeo de prova menos lesivo e ateacute mais eficaz

para a investigaccedilatildeo do crime de roubo de identidade do que a ordem de desencriptaccedilatildeo

Por fim no caso do mandado de 9 de Maio de 2016 apesar de natildeo termos conhecimento

sobre os motivos que levaram agrave elaboraccedilatildeo do mandado acreditamos que a ordem de

desencriptaccedilatildeo eacute desnecessaacuteria e extremamente lesiva das garantias de defesa dos

proprietaacuterios dos smartphones em comparaccedilatildeo com a mera busca ao local e revista dos

sujeitos aiacute presentes

Nestes quatro casos em anaacutelise mesmo que se venha a alegar uma diferente intensidade

na prossecuccedilatildeo do fim optando por estes meios menos lesivos acreditamos que a

persecuccedilatildeo da justiccedila e a descoberta da verdade material natildeo ficariam de modo algum

prejudicadas ateacute porque os meios apresentados conduziriam ao mesmo fim a que a

desencriptaccedilatildeo do smartphone possivelmente levaria e segundo nossa opiniatildeo com uma

maior eficaacutecia

Deste modo defendemos a ideia de que o subprinciacutepio da necessidade natildeo se encontra

devidamente preenchido nos casos apresentados relativos a ordens de desencriptaccedilatildeo de

smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido

Por fim no que concerne ao corolaacuterio da proporcionalidade em sentido estrito que visa

apurar o equiliacutebrio na relaccedilatildeo entre a importacircncia do fim visado ndash realizaccedilatildeo da justiccedila e

busca pela verdade material ndash e a gravidade do sacrifiacutecio imposto ndash violaccedilatildeo do princiacutepio

nemo tenetur (e simultaneamente do direito agrave reserva sobre a vida privada) - cumpre

comparar os prejuiacutezos impostos aos direitos fundamentais contrapostos aos benefiacutecios

produzidos na obtenccedilatildeo do fim visado com a restriccedilatildeo

Este subprinciacutepio da proporcionalidade em sentido estrito corresponde como vimos agrave

maacutexima designada como ldquoLei da Ponderaccedilatildeordquo criada por Alexy Esta maacutexima defende

145

que ldquoquanto maior for o grau de natildeo realizaccedilatildeo ou de afectaccedilatildeo de um princiacutepio maior

deve ser a importacircncia da realizaccedilatildeo do princiacutepio colidenterdquo490

Sandra Oliveira e Silva vem defender que a aplicaccedilatildeo da lei da ponderaccedilatildeo agrave resoluccedilatildeo

dos conflitos entre o nemo tenetur e o interesse da perseguiccedilatildeo criminal se redunda numa

verdadeira aporia metodoloacutegica Isto porque segundo a Autora ldquoos criteacuterios

legitimadores da restriccedilatildeo do nemo tenetur no interesse da eficaacutecia da perseguiccedilatildeo

criminal (a saber a gravidade do crime investigado a indispensabilidade da prova a

fidedignidade da informaccedilatildeo que se espera obterhellip) satildeo precisamente os que tornam mais

intensa a necessidade de tutela do arguido contra a autoincriminaccedilatildeo (eacute mais grave a pena

esperada maior o efeito incriminatoacuterio da diligecircncia a realizar etc)[hellip]rdquo pelo que nunca

se poderaacute afirmar ldquo[hellip] que a um grau mais elevado de afectaccedilatildeo do direito sacrificado (a

prerrogativa contra a autoincriminaccedilatildeo) corresponde uma maior medida de realizaccedilatildeo do

interesse contraacuterio (os da investigaccedilatildeo criminal)rdquo491 Ou seja se o interesse do Estado em

obter provas autoincriminatoacuterias cresce numa relaccedilatildeo de proporcionalidade directa agrave

pretensatildeo individual do arguido em negar-lhas nunca seraacute possiacutevel atingir um ponto

oacuteptimo de equiliacutebrio que se espera da ponderaccedilatildeo como criteacuterio de delimitaccedilatildeo do acircmbito

concreto de operatividade de direitos fundamentais492 Pelo que ainda do ponto de vista

da citada Autora o criteacuterio da ponderaccedilatildeo torna-se neste caso concreto um criteacuterio fraacutegil

e subjectivo

Contudo a nossa posiccedilatildeo vai respeitosamente em sentido contraacuterio da tese defendida

por Sandra Oliveira e Silva De facto segundo nossa opiniatildeo para justificar uma

afectaccedilatildeo elevada do princiacutepio nemo tenetur eacute necessaacuterio que a realizaccedilatildeo do princiacutepio

contraacuterio neste caso a realizaccedilatildeo da justiccedila se revele de maior importacircncia

Contrariamente ao defendido por Sandra Oliveira e Silva natildeo cremos que o aumento do

interesse do Estado em obter provas autoincriminatoacuterias (dada a gravidade do crime

investigado a indispensabilidade da prova a fidedignidade da informaccedilatildeo que se espera

obter entre outros motivos) faccedila forccedilosamente aumentar a necessidade de protecccedilatildeo do

arguido contra a autoincriminaccedilatildeo (uma vez que a pena esperada eacute mais grave o efeito

incriminatoacuterio da diligecircncia a realizar eacute maior etc) Para defendermos este entendimento

490 Alexy 2014 821 491 Oliveira Silva 2015 622 492 Oliveira Silva 2015 622

146

apoiamo-nos num exemplo praacutetico do nosso ordenamento juriacutedico a sujeiccedilatildeo do arguido

ao teste de alcoolemia atraveacutes de colheita de ar expirado

Neste caso em concreto o interesse do Estado em obter provas autoincriminatoacuterias eacute

bastante elevado uma vez que a gravidade do crime (conduccedilatildeo sob o efeito de aacutelcool) eacute

consideraacutevel a prova (colheita de ar expirado) eacute indispensaacutevel para a acusaccedilatildeo e a

informaccedilatildeo recolhida atraveacutes da anaacutelise do ar expirado eacute fidedigna Ainda assim este

aumento do interesse do Estado em obter provas autoincriminatoacuterias natildeo culmina na

necessidade de uma maior protecccedilatildeo do arguido contra a autoincriminaccedilatildeo muito pelo

contraacuterio dada a gravidade do crime e do risco criado para a comunidade a restriccedilatildeo do

nemo tenetur considera-se justificada atraveacutes de um criteacuterio de ponderaccedilatildeo

Este caso acaba por demonstrar que depois de valoradas todas as circunstacircncias do caso

atraveacutes do meacutetodo de ponderaccedilatildeo de bens soacute uma maior medida de realizaccedilatildeo da justiccedila

e de busca pela verdade material (atendendo agrave gravidade do crime investigado agrave

indispensabilidade da prova agrave fidedignidade da informaccedilatildeo que se espera obter entre

outros motivos) justifica um grau mais elevado de afectaccedilatildeo do privileacutegio contra a

autoincriminaccedilatildeo

Por conseguinte a aplicaccedilatildeo da lei da ponderaccedilatildeo agrave resoluccedilatildeo dos conflitos entre o

princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare e o interesse da perseguiccedilatildeo criminal no

sentido de estabelecer o valor prevalecente eacute fundamental E afim de percebemos se as

ordens de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do

arguido apresentadas anteriormente respeitam esta lei da ponderaccedilatildeo (quanto maior for

o grau de natildeo realizaccedilatildeo ou de afectaccedilatildeo de um princiacutepio maior deve ser a importacircncia

da realizaccedilatildeo do princiacutepio colidente) cumpre esclarecer vaacuterias questotildees493

Com a desencriptaccedilatildeo do smartphone seja atraveacutes do meacutetodo da revelaccedilatildeo da palavra-

passe ou da leitura da impressatildeo digital do arguido as autoridades judiciaacuterias passam a

ter acesso e controlo sobre todo o conteacuteudo aiacute armazenado Assim como jaacute tivemos

oportunidade de mencionar para aleacutem de estar aqui em causa uma violaccedilatildeo ao princiacutepio

493 ldquoEl principio de proporcionalidad es un concepto abstracto que alude a la relacioacuten entre el fin a

alcanzar ndash prevencioacutenrepresioacuten del delito ndash y el medio empleado para ello ndash diligencia restrictiva de un

derecho fundamental Para ello se ponderan diversos elementos como la gravedad del hecho delictivo la

intensidad de la sospecha o el tipo de indicios las perspectivas de eacutexito de la medida el esfuerzo en su

realizacioacuten en relacioacuten con el resultado a obtener el perjuicio que se causa en relacioacuten con la utilidad del

resultado Tales elementos son criteacuterios orientativos para valorar la contraposicioacuten entre el intereacutes

individual que puede verse afectado por la medida y el intereacutes puacuteblico que subyace en la investigacioacuten

procesal penal valoracioacuten que habraacute de concretarse en cada casordquo Cf Winter 2010 174

147

contra a autoincriminaccedilatildeo poderatildeo levantar-se ainda questotildees relativas agrave privacidade

natildeo soacute do arguido como tambeacutem de terceiros que possam estar envolvidos nos ficheiros

gravados electronicamente no dispositivo (quer atraveacutes de comunicaccedilotildees encetadas entre

o arguido e o terceiro quer atraveacutes de fotografias tiradas ao terceiro etc)

Atendendo a esta ingerecircncia do puacuteblico no universo privado violentando direitos

constitucionalmente atribuiacutedos e protegidos a desencriptaccedilatildeo de smartphones

(independentemente do meacutetodo utilizado) deveraacute ser realizada a tiacutetulo excepcional e

obedecendo a criteacuterios mais exigentes494 Nomeadamente acreditamos que em virtude

desta intervenccedilatildeo sobre direitos fundamentais do arguido e de terceiros a ordem de

desencriptaccedilatildeo compelida de smartphones dirigida ao arguido soacute se justificaraacute em

primeiro plano mediante preacutevia autorizaccedilatildeo judicial e apenas se o crime sob

investigaccedilatildeo for de consideraacutevel gravidade Sendo que esta gravidade deve ser avaliada

no caso concreto (gravidade concreta do facto)495 Neste sentido defendemos a ideia de

que a legitimidade da desencriptaccedilatildeo de smartphones depende (aleacutem da verificaccedilatildeo de

todos os limites aos limites) da consagraccedilatildeo legal de um cataacutelogo de crimes mais graves

a que a medida deveraacute obedecer agrave semelhanccedila do que acontece em sede de escutas

telefoacutenicas496

Ademais deve ter-se ainda em conta em sede de anaacutelise da proporcionalidade em sentido

estrito que qualquer ordem de desencriptaccedilatildeo de smartphone dirigida ao arguido culmina

na obtenccedilatildeo de ficheiros electroacutenicos criados mesmo antes da suspeita do crime pelo que

novamente surgem questotildees relativas natildeo soacute agrave autoincriminaccedilatildeo do arguido (no sentido

de que se poderatildeo encontrar provas de outros crimes ainda natildeo conhecidos pelas

autoridades judiciaacuterias) como tambeacutem agrave reserva da intimidade da vida privada do arguido

e de possiacuteveis terceiros que devem ser levadas em conta quando em confronto com o

interesse na persecuccedilatildeo da justiccedila

Eacute ainda de ressalvar que tanto no caso Paytsar Bkhchadzhyan como no caso do mandado

de 9 de Maio de 2016 as autoridades judiciaacuterias parecem ter emitido ordens de

desencriptaccedilatildeo dos smartphones atraveacutes da leitura das impressotildees digitais dos supostos

proprietaacuterios com a intenccedilatildeo de realizarem autecircnticas ldquofishing expeditionsrdquo

indiscriminadas em busca de qualquer tipo de prova autoincriminatoacuteria revelante sobre

494 Santos 2009 108 495 Rogall 2010 125 496 Susano 2009 24 Jesus 2015 291 Rodrigues 2009b 215-216

148

qualquer crime Esta questatildeo eacute claramente outro ponto a ter em atenccedilatildeo aquando da

anaacutelise da proporcionalidade da medida sendo que o recurso a estas ldquofishing expeditionsrdquo

estaacute completamente interdito agraves autoridades judiciaacuterias

Um outro ponto a chamar agrave colaccedilatildeo no acircmbito da anaacutelise da proporcionalidade (stricto

sensu) destas ordens de desencriptaccedilatildeo prende-se com o facto de a impressatildeo digital jaacute

natildeo poder ser vista como o tradicional meio de identificaccedilatildeo de sujeitos

A impressatildeo digital tem sido considerada ao longo do tempo como um meio de

identificaccedilatildeo tal como uma fotografia No entanto agrave medida que a tecnologia avanccedila a

impressatildeo digital (assim como outros identificadores biomeacutetricos) deixa de ter esse

propoacutesito singular passando a ser usada para guardar informaccedilatildeo possivelmente mais

privada do que a proacutepria identidade do indiviacuteduo497 Como bem salienta Alex Abdo natildeo

estamos aqui perante a recolha de uma impressatildeo digital para identificar um sujeito mas

sim perante uma impressatildeo digital que eacute usada para proteger uma quantidade consideraacutevel

de informaccedilatildeo privada498 Assim a impressatildeo digital deve ser vista como algo privado e

digno de protecccedilatildeo (tal como a palavra-passe) contrariamente a uma fotografia que

facilmente pode ser obtida pelo puacuteblico

Eacute da nossa opiniatildeo que no caso de encriptaccedilatildeo de smartphones por impressatildeo digital este

dado biomeacutetrico funciona como uma substituiccedilatildeo da tradicional palavra-passe

alfanumeacuterica ou por outras palavras como uma palavra-passe secundaacuteria Prova disso eacute

o facto de a impressatildeo digital ficar registada no dispositivo apenas pela sua representaccedilatildeo

matemaacutetica ou seja por um longo nuacutemero composto por 50 a 100 diacutegitos designado de

biometric hash

Por fim cabe ainda clarificar que a erroacutenea interpretaccedilatildeo da impressatildeo digital como um

mero meio de identificaccedilatildeo conduz-nos ao problema da instrumentalizaccedilatildeo do corpo do

arguido499 que compelido a colocar o dedo no sensor do seu dispositivo para permitir o

acesso agraves entidades judiciaacuterias estaraacute a usaacute-lo como meio de prova contra si proacuteprio500

incorrendo desta forma numa clara violaccedilatildeo do princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo

497 Goldman 2015 230 498 ldquoThis is not law enforcement requesting a fingerprint to identifying someone this is a fingerprint that is

being used to open up a treasure trove of informationrdquo Cf Spring 2016 2 Disponiacutevel em

httpsthreatpostcomexperts-outraged-by-warrant-demanding-fingerprints-to-unlock-

smartphones121348 [consultado em 21022017] 499 Girotto 2009 455 500 Dias 2005 209

149

Depois de sopesadas todas as questotildees assinaladas cumpre deixar claro que todas as

ordens de desencriptaccedilatildeo apresentadas anteriormente (no caso Baust Diamond e Paystar

- no caso do mandado de 9 de Maio de 2016 natildeo temos informaccedilotildees suficientes quanto agrave

finalidade da medida) satildeo adequadas a atingir o fim na medida em que segundo um juiacutezo

de prognose o acesso aos smartphones permitiria (possivelmente) aceder a provas

incriminatoacuterias natildeo satildeo necessaacuterias pressupondo que a entidade puacuteblica dispunha de

medidas alternativas menos restritivas com idecircntico grau (ou ateacute mesmo superior) de

eficaacutecia na obtenccedilatildeo do mesmo fim finalmente face aos dados dos casos apresentados

no Capiacutetulo I as ordens de desencriptaccedilatildeo mostram-se como manifestamente

desproporcionadas por vaacuterios motivos a) em alguns casos foram usadas como autecircnticas

ldquofishing expeditionsrdquo indiscriminadas b) a gravidade de alguns crimes a

dispensabilidade da prova e a fidedignidade da mesma (natildeo raras vezes as provas

utilizadas satildeo fotografias ou gravaccedilotildees de viacutedeo que facilmente satildeo adulteradas) natildeo

justificavam uma lesatildeo tatildeo extensa do princiacutepio nemo tenetur c) dada a ingerecircncia do

puacuteblico na esfera privada do arguido natildeo soacute estariam prejudicadas as suas garantias de

defesa como tambeacutem o respeito pela sua reserva da intimidade da vida privada e de

terceiros Pelo que em resultado as ordens de desencriptaccedilatildeo apresentadas no Capiacutetulo I

ndash independentemente do meacutetodo utilizado - seriam consideradas inconstitucionais

Em jeito de conclusatildeo da anaacutelise do princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo

podemos entatildeo afirmar que as referidas ordens de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes

da leitura da impressatildeo digital do arguido (valendo o que foi dito para a desencriptaccedilatildeo

de smartphones atraveacutes da palavra-passe) introduzem na ordem juriacutedica um benefiacutecio

marginal consideraacutevel para o fim visado mas produzem simultaneamente um acreacutescimo

significativo de sacrifiacutecios nas garantias de defesa do arguido e na garantia da reserva da

intimidade da sua vida privada e de terceiros resultando na desproporcionalidade da

relaccedilatildeo entre benefiacutecios e sacrifiacutecios e consequentemente na inconstitucionalidade da

medida adoptada pelas entidades judiciaacuterias

Quanto ao requisito da garantia do conteuacutedo essencial do direito restringido queda-nos

referir que pela nossa parte a ordem de desencriptaccedilatildeo de smartphone atraveacutes da leitura

da impressatildeo digital arguido respeita este quarto e uacuteltimo requisito material das restriccedilotildees

a direitos fundamentais Sendo que o nuacutecleo essencial do princiacutepio nemo tenetur se ipsum

accusare eacute aniquilado apenas nas situaccedilotildees em que algueacutem eacute ldquocoagido a emitir

declaraccedilotildees autoincriminatoacuterias a declarar a sua culpabilidade a admitir a sua

150

participaccedilatildeo numa infracccedilatildeo [hellip]rdquo501 e atendendo ao facto de que a desencriptaccedilatildeo do

smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido somente implica a

colocaccedilatildeo do dedo do arguido no sensor do dispositivo podemos afirmar que neste caso

em concreto o nuacutecleo essencial do nemo tenetur natildeo eacute atingido nem tatildeo pouco aniquilado

Ainda assim importa natildeo esquecer que este requisito funciona apenas como um ldquoplusrdquo

em relaccedilatildeo aos restantes limites atraacutes enunciados ou seja funciona como barreira uacuteltima

e efectiva de garantia dos direitos fundamentais caso os restantes requisitos tenham sido

previamente preenchidos (o que natildeo se verifica)

Por fim resta perceber se a norma constante da aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm do Coacutedigo

de Processo Penal mesmo que interpretada contrariamente ao nosso entendimento como

uma obrigaccedilatildeo de o arguido desencriptar o dispositivo atraveacutes da leitura da sua impressatildeo

digital respeita os requisitos formais impostos pelo artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da

Repuacuteblica Portuguesa Ora esta norma ao estipular que recaem em especial sobre o

arguido os deveres de ldquosujeitar-se a diligecircncias de prova [hellip] especificadas na lei e

ordenadas e efectuadas por entidade competenterdquo cumpre os requisitos da generalidade

abstracccedilatildeo e natildeo retroactividade Isto porque eacute aplicaacutevel a um nuacutemero indeterminado de

pessoas regula um nuacutemero indeterminado de casos e natildeo se aplica a situaccedilotildees ou actos

passados mas sim a desencriptaccedilotildees futuras

Por tudo o que foi dito ateacute entatildeo relativamente agrave verificaccedilatildeo dos limites aos limites nas

ordens de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do

arguido apresentados no Capiacutetulo I acreditamos que podemos concluir pela sua

ilegitimidade caso fossem aprovadas em territoacuterio nacional Desde logo pela ausecircncia de

lei preacutevia e expressa uma vez que como vimos inexiste qualquer disposiccedilatildeo legal que

obrigue especificamente o arguido a desencriptar o seu dispositivo Depois porque agrave luz

dos subprinciacutepios da adequaccedilatildeo necessidade e proporcionalidade em sentido estrito a

legitimidade daquela ordem sempre se revelaria desproporcionada uma vez que como

afirmaacutemos estes corolaacuterios natildeo seriam devidamente respeitados

6 Conclusotildees intermeacutedias

Percorremos um longo caminho para chegar agrave conclusatildeo de que tanto as ordens de

desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe quanto as ordens

de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido satildeo

501 Anastaacutecio 2010 217

151

nos casos concretos apresentados ilegiacutetimas por violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se

ipsum accusare Na verdade somos levados a crer que contrariamente ao defendido na

jurisprudecircncia e doutrina norte-americanas natildeo se justifica a necessidade de um

tratamento diacutespar entre os dois meacutetodos de desencriptaccedilatildeo palavra-passe e impressatildeo

digital Da nossa parte acreditamos ser incoerente a distinccedilatildeo entre um e outro meacutetodo

isto porque permitir por um lado a coacccedilatildeo de um arguido a fornecer a sua ldquopalavra-

passerdquo na forma de uma impressatildeo digital mas por outro proteger o arguido de ser

compelido a revelar a sua palavra-passe alfanumeacuterica acaba por criar uma distinccedilatildeo

arbitraacuteria que ignora completamente o propoacutesito do princiacutepio nemo tenetur se ipsum

accusare502

Prova desta indistinccedilatildeo entre a desencriptaccedilatildeo atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe e a

desencriptaccedilatildeo atraveacutes da leitura da impressatildeo digital eacute o jaacute mencionado artigo 14ordm da

Lei do Cibercrime que parece tratar a desencriptaccedilatildeo como um todo503 O referido artigo

ao consagrar que ldquose no decurso do processo se tornar necessaacuterio agrave produccedilatildeo de prova

tendo em vista a descoberta da verdade obter dados informaacuteticos especiacuteficos e

determinados armazenados num determinado sistema informaacutetico a autoridade

judiciaacuteria competente ordena a quem tenha disponibilidade ou controlo desses dados que

os comunique ao processo ou permita o acesso aos mesmos sob pena de puniccedilatildeo por

desobediecircnciardquo natildeo faz distinccedilatildeo entre os meacutetodos de acesso nomeadamente de acesso

ao smartphone

A ratio do artigo 14ordm da Lei do Cibercrime designadamente do seu nordm 5 eacute a de proibir

toda e qualquer concessatildeo de acesso ao dispositivo electroacutenico (vg smartphone) por parte

do suspeito ou arguido sem nunca fazer menccedilatildeo ao meacutetodo utilizado no acesso Assim

retiramos da leitura deste preceito que o legislador quis simplesmente proteger a

concessatildeo de acesso aos dados armazenados no sistema informaacutetico seja atraveacutes da

desencriptaccedilatildeo por palavra-passe seja atraveacutes da desencriptaccedilatildeo por leitura da impressatildeo

digital tratando estes dois meacutetodos como iguais

Desta forma se a revelaccedilatildeo da palavra-passe estaacute protegida pelo nemo tenetur por se

entender que o arguido tem o direito ao silecircncio sempre que lhe sejam dirigidas perguntas

cuja resposta possa culminar na sua incriminaccedilatildeo tambeacutem a desencriptaccedilatildeo do

smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital deveraacute seguir o mesmo entendimento

502 Larkin 2012 270 503 Fakhoury 2012 86

152

uma vez que o resultado seraacute o mesmo num e noutro meacutetodo facultar o acesso ao

dispositivo encriptado onde potencialmente estaratildeo armazenadas provas incriminatoacuterias

Ainda no acircmbito da indistinccedilatildeo entre os meacutetodos de desencriptaccedilatildeo cumpre esclarecer

que tal como foi mencionado em sede de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da

revelaccedilatildeo da palavra-passe tambeacutem a impressatildeo digital pode ser considerada como

incriminatoacuteria uma vez que o acto de fornecer acesso a um smartphone encriptado agraves

entidades judiciaacuterias indica conhecimento e posse sobre todos os ficheiros e documentos

que aiacute estejam armazenados504 Neste sentido reiteramos a ideia de que determinadas

condutas e gestos podem ser consideradas incriminatoacuterias desde que estas por sua vez

revelem factos pensamentos crenccedilas eou conhecimento de factos

Apenas quem tenha registado a sua impressatildeo digital no smartphone pode ter acesso a

ele Por esse motivo se a impressatildeo digital do arguido permitir o acesso ao smartphone

fica implicitamente provado que o arguido seraacute responsaacutevel pelos conteuacutedos encriptados

que estejam armazenados no dispositivo porquanto ele teraacute acesso e controlo sobre os

mesmos505 Neste sentido na doutrina norte-americana Susan Brenner vem tambeacutem

reiterar a ideia de que o arguido ao pressionar o botatildeo do seu smartphone com o seu dedo

desencriptando-o estaacute a autenticar todos os dados que aiacute estaratildeo armazenados506

A impressatildeo digital acaba por funcionar aqui como uma linguagem corporal com

intenccedilatildeo comunicativa507 ou se preferirmos como um acto que importa uma declaraccedilatildeo

autoincriminatoacuteria taacutecita508

Em suma segundo o nosso entendimento apesar de nos casos em anaacutelise termos

concluiacutedo pela ilegitimidade das ordens de desencriptaccedilatildeo quer atraveacutes da revelaccedilatildeo da

palavra-passe quer atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido natildeo rejeitamos a

504 Goldman 2015 224 505 ldquoA fingerprint does more than provide access It could be use to authenticate identity but it is clearly a

means to identify its ownerrdquo Cf SaintGermain 2014a 29 Disponiacutevel em

httpspapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=2367479 [consultado em 20022017] ldquo[hellip]

biometric authentication may communicate an implicit factual assertion that the accused owns the smartphone or laptop and the data thereinrdquo Cf Sales 2014 228 ldquoDecryption would also require him to

admit to possessing the files controlling the files being able to access the files and being able to decrypt

the devicerdquo Cf Jarone 2015 787 Neste sentido cf Keenan 2016 4 Colarusso 2011 135 506 A Autora vai mais longe e afirma que ldquoby showing you opened the phone you showed that you have

control over it Itrsquos the same as if you went home and pulled out paper documents ndash you produced itrdquo Cf

HamiltonWinton 2016 1 Disponiacutevel em httpwwwlatimescomlocalcaliforniala-me-iphones-

fingerprints-20160430-storyhtml [consultado em 21022017] 507 Oliveira Silva 2015 269 508 Garrett 2007 21

153

possibilidade de poder haver casos de colaboraccedilatildeo do arguido Concluiacutemos pela

existecircncia de uma tipicidade dos casos de colaboraccedilatildeo do arguido mas admitimos que

uma lei formal possa impor novos casos de colaboraccedilatildeo (independentemente do meacutetodo

de desencriptaccedilatildeo) contando que se respeitem os nos 2 e 3 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo

da Repuacuteblica Portuguesa509 Assim como reiteraacutemos anteriormente o ponto eacute que haja

uma lei formal que exija a colaboraccedilatildeo que se salvaguarde um outro direito ou interesse

constitucionalmente protegido que esta seja necessaacuteria adequada e proporcional em

sentido estrito que natildeo afecte o nuacutecleo essencial do direito fundamental restringido510 e

que seja uma restriccedilatildeo de caraacutecter geral abstracto e natildeo retroactivo

Chegados a este ponto e depois de esclarecida a questatildeo da violaccedilatildeo do privileacutegio de natildeo-

autoincriminaccedilatildeo nos casos de desencriptaccedilatildeo de smartphones apresentados no Capiacutetulo

I resta-nos apenas indagar sobre a possibilidade de as entidades judiciaacuterias ainda assim

compelirem o arguido a desencriptar o seu dispositivo ganhando acesso a todos os dados

aiacute armazenados Neste caso que tratamento se deveraacute dar a estas provas recolhidas em

violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare

509 Pinto 2013 111 510 Cumpre esclarecer que no caso de aprovaccedilatildeo de uma ordem de desencriptaccedilatildeo atraveacutes da revelaccedilatildeo da

palavra-passe dirigida arguido dificilmente se ultrapassaraacute este uacuteltimo requisito material da garantia do

nuacutecleo essencial do nemo tenetur mesmo depois da verificaccedilatildeo dos restantes requisitos

154

155

CAPIacuteTULO V ndash A RECOLHA DE PROVAS EM VIOLACcedilAtildeO DO PRINCIacutePIO DE

NAtildeO-AUTOINCRIMINACcedilAtildeO

Como corolaacuterio loacutegico dos direitos de acccedilatildeo e de defesa as partes tecircm o direito de

introduzir provas no processo com as quais pretendam demonstrar a veracidade das suas

alegaccedilotildees511 Nas palavras de Germano Marques da Silva o direito agrave prova eacute ldquoa faculdade

que tecircm os sujeitos processuais de participar activamente na produccedilatildeo da prova quer

requerendo a sua admissatildeo no processo quer participando na sua produccedilatildeordquo512

No entanto tal como todos os outros direitos este tambeacutem natildeo seraacute um direito absoluto

ou seja haacute limites para a admissatildeo e produccedilatildeo de prova Neste sentido Elizabeth Queijo

atesta que ldquose natildeo houvesse limitaccedilotildees ao direito agrave prova todo e qualquer material

probatoacuterio mesmo que produzido agrave custa de violaccedilotildees a direitos poderia ser introduzido

no processo e valorado o que conduziria agrave adopccedilatildeo de um modelo de processo autoritaacuterio

e distante da eacuteticardquo513

Assim sendo o nosso Coacutedigo de Processo Penal consagra no seu artigo 125ordm o princiacutepio

da legalidade da prova ndash ldquosatildeo admissiacuteveis as provas que natildeo forem proibidas por leirdquo Ao

proibir a utilizaccedilatildeo de certos meios probatoacuterios quis o legislador delimitar

(negativamente) o elenco das provas admitidas em processo penal A foacutermula adoptada

no artigo 125ordm tem aqui o sentido de que natildeo satildeo apenas admitidos os meios probatoacuterios

tipificados mas tambeacutem todos os meios de prova que natildeo forem proibidos mesmo sendo

atiacutepicos514 Daqui resulta que para a aquisiccedilatildeo de informaccedilatildeo probatoacuteria necessaacuteria pode

o julgador socorrer-se dos meios tipificados as chamadas provas tiacutepicas (testemunhos

documentos periacutecias etc) Mais eacute-lhe reconhecida em princiacutepio a liberdade de escolher

indiferentemente qualquer dessas fontes tipificadas de conhecimento seja qual for a

natureza da factualidade a provar515

511 Ristori 2007 163 512 Marques da Silva 2011 116 513 Queijo 2012 374 514 Oliveira Silva 2011 560 Neste sentido escreve tambeacutem Germano Marques da Silva ldquoproibindo a

utilizaccedilatildeo de certos meios de prova a norma consagra tambeacutem [hellip] a liberdade da prova no sentido de

serem admissiacuteveis para a prova de quaisquer factos todos os meios de prova admitidos em direito ou seja

que natildeo sejam proibidos mesmo sendo atiacutepicosrdquo Cf Marques da Silva 2011 136-137 515 Oliveira Silva 2011 561

156

Natildeo obstante esta liberdade a realizaccedilatildeo da justiccedila e a busca pela verdade material agrave

semelhanccedila do direito agrave prova e apesar de serem valores constitucionais516 natildeo satildeo

valores absolutos que possam ser perseguidos por qualquer forma517 Esta verdade natildeo eacute

uma verdade absoluta ou ontoloacutegica mas uma verdade judicial que deve ser procurada e

obtida atraveacutes dos meios legalmente admissiacuteveis518

1 As proibiccedilotildees de prova

Um dos meios de que a lei se serve para protegendo os cidadatildeos impedir as praacuteticas

abusivas na produccedilatildeo de prova eacute atraveacutes do estabelecimento de proibiccedilotildees de prova A

este propoacutesito escreve Costa Andrade ldquoComo Goumlssel acentua as proibiccedilotildees de prova

satildeo laquobarreiras colocadas agrave determinaccedilatildeo dos factos que constituem objecto do processoraquo

Mais do que a modalidade do seu enunciado o que define a proibiccedilatildeo de prova eacute a

prescriccedilatildeo de um limite agrave descoberta da verdade Normalmente formulada como

proibiccedilatildeo a proibiccedilatildeo de prova pode igualmente ser ditada atraveacutes de uma imposiccedilatildeo e

mesmo de uma permissatildeo Eacute que como Goumlssel pertinentemente assinala laquotoda a regra

relativa agrave investigaccedilatildeo dos factos proiacutebe ao mesmo tempo as vias natildeo permitidas de

averiguaccedilatildeoraquordquo519

11 A distinccedilatildeo entre proibiccedilotildees de produccedilatildeo de prova e proibiccedilotildees de

valoraccedilatildeo de prova

Por doutrina das proibiccedilotildees de prova compreende-se aqui a doutrina das proibiccedilotildees de

investigaccedilatildeo de determinados factos relevantes para o objecto do processo bem como das

proibiccedilotildees de levar determinados factos ao objecto da sentenccedila e finalmente das

consequecircncias processuais da violaccedilatildeo daquelas proibiccedilotildees520

Neste sentido a doutrina portuguesa521 na esteira do defendido pela doutrina maioritaacuteria

alematilde vem distinguir no acircmbito das proibiccedilotildees de prova entre proibiccedilotildees de produccedilatildeo

de prova (Beweiserhebungsverbote) e proibiccedilotildees de valoraccedilatildeo de prova

(Beweisverwertungsverbote) As primeiras regulam e limitam o modo de obtenccedilatildeo das

516 MirandaMedeiros 2010 737 517 Marques da Silva 2006 39 Neste sentido vai tambeacutem Claus Roxin ldquo[hellip] A averiguaccedilatildeo da verdade

natildeo eacute um valor absoluto no processo penal pelo contraacuterio o proacuteprio processo penal estaacute impregnado de

hierarquias eacuteticas e juriacutedicas [hellip]rdquo Cf Roxin 2000 191 518 Andrade 2010 47 519 Costa Andrade 1992 83 520 Goumlssel 1992 397-398 521 ldquoA doutrina processual penal das proibiccedilotildees de prova abrange (1) as proibiccedilotildees de produccedilatildeo de prova e

(2) as proibiccedilotildees de valoraccedilatildeo de prova [hellip]rdquo Cf Sousa Mendes 2004 134

157

provas522 ao passo que as segundas impedem que determinados factos sejam objecto de

sentenccedila523 Cumpre deixar claro nesta sede que eacute na determinaccedilatildeo da proibiccedilatildeo da

valoraccedilatildeo de prova que se colocam os grandes dilemas que surgem no confronto com a

realidade Saber se agrave proibiccedilatildeo de produccedilatildeo de prova deve corresponder sempre por vezes

ou nunca uma proibiccedilatildeo de valoraccedilatildeo da prova eacute no fundo a questatildeo que desde sempre

eacute tratada com maior acuidade e dissonacircncias tanto na doutrina como na jurisprudecircncia524

Aleacutem desta diferenciaccedilatildeo dentro das proibiccedilotildees de produccedilatildeo de prova distinguem-se

tradicionalmente trecircs categorias a) os temas de prova proibidos525 (haacute temas de prova

proibidos e que por conseguinte natildeo devem ser investigados ndash eacute o caso dos factos

abrangidos pelo segredo de Estado526) b) os meios de prova proibidos527 (haacute tambeacutem

proibiccedilotildees de produccedilatildeo de prova atraveacutes de determinados meios de prova eacute o caso da

proibiccedilatildeo de produccedilatildeo de prova atraveacutes dos suportes teacutecnicos e respectivas transcriccedilotildees

quando tiverem sido gravadas conversaccedilotildees em que intervenham o Presidente da

Repuacuteblica o Presidente da Assembleia da Repuacuteblica ou o Primeiro-Ministro ndash al b) do

nordm 2 do artigo 11ordm do CPP528) c) os meacutetodos de prova proibidos529 (os meacutetodos de prova

satildeo os procedimentos usados pelas autoridades judiciaacuterias pelas poliacutecias criminais pelos

advogados e ateacute pelos particulares para a aquisiccedilatildeo de meios de prova e sua utilizaccedilatildeo no

processo530)531

12 O regime legal das proibiccedilotildees de prova

O regime das proibiccedilotildees de prova no acircmbito do processo penal encontra-se

essencialmente regulado pelo preceituado nos artigos 125ordm e 126ordm do Coacutedigo de Processo

Penal os quais devem ser conjugados com as garantias constitucionais de defesa

consagradas no artigo 32ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa mormente a

522 Ambos 2008 329 523 Goumlssel 1992 399 524 Neves 2011 317 525 ldquoAs proibiccedilotildees de temas de prova impedem a obtenccedilatildeo de provas sobre determinados factos (temas)

por exemplo antecedentes criminais jaacute eliminados do Registo Central Federal [hellip]rdquo Cf Ambos 2008

329 526 Sousa Mendes 2017 178 527 ldquoAs proibiccedilotildees de meios de prova impedem a utilizaccedilatildeo de determinados meios de prova como por

exemplo uma declaraccedilatildeo prestada por uma testemunha que tenha abdicado do seu direito a testemunhar

[hellip]rdquo Cf Ambos 2008 329 528 Sousa Mendes 2017 179 529 ldquoAs proibiccedilotildees de metoacutedos de prova impedem um determinado modo de obtenccedilatildeo de prova por

exemplo um meacutetodo de interrogatoacuterio proibido de acordo com o sect136ordfrdquo Cf Ambos 2008 329 530 Sousa Mendes 2017 179 531 Rosa 2010 221-222

158

injunccedilatildeo imposta pelo seu nordm 8 bem como com as disposiccedilotildees especiacuteficas que

disciplinam a obtenccedilatildeo do meio de prova de que se pretende fazer uso

O nordm 8 do artigo 32ordm da Constituiccedilatildeo que consagra o princiacutepio das proibiccedilotildees de prova

e encontra tambeacutem consagraccedilatildeo nos textos do direito internacional532 estabelece a

nulidade533 de ldquotodas as provas obtidas mediante tortura coacccedilatildeo ofensa da integridade

fiacutesica ou moral da pessoa abusiva intromissatildeo da vida privada no domiciacutelio na

correspondecircncia ou nas telecomunicaccedilotildeesrdquo A tortura a coacccedilatildeo ou a ofensa da

integridade fiacutesica ou moral da pessoa em geral satildeo meacutetodos absolutamente proibidos de

obtenccedilatildeo de provas Jaacute a intromissatildeo na vida privada no domiciacutelio na correspondecircncia

ou nas telecomunicaccedilotildees satildeo meacutetodos relativamente proibidos como podemos

comprovar pelo afastamento da proibiccedilatildeo quer pelo acordo do titular dos direitos em

causa quer pelas restriccedilotildees agrave inviolabilidade desses direitos constantes nos nos 2 3 e 4

do artigo 34ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa534

Desta forma na disciplina da mateacuteria das proibiccedilotildees de prova o legislador constituinte

natildeo se limitou com efeito a propor os valores e a definir as balizas a que deveria obedecer

a configuraccedilatildeo do processo penal em definitivo acometida ao legislador ordinaacuterio Em

vez de delinear apenas o horizonte poliacutetico-criminal e axioloacutegico das normas ordinaacuterias

o legislador constitucional optou por defenir desde logo os princiacutepios materiais reitores

do processo chamando a si a conformaccedilatildeo normativa directa dos aspectos mais decisivos

532 Cf artigos 5ordm e 12ordm da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homem artigos 3ordm e 8ordm da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem e artigo 7ordm do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Poliacuteticos 533 ldquoO que haacute de novo no nordm 8 natildeo eacute a proibiccedilatildeo do uso de meios proibidos na obtenccedilatildeo dos elementos de

prova mas essencialmente a utilizaccedilatildeo das provas obtidas por tais meios Essas provas eacute que satildeo nulas

[hellip]rdquo Cf MirandaMedeiros 2010 737 534 Sousa Mendes 2017 180 Neste sentido cf Ristori 2007 168-169 Simas SantosLeal-Henriques

2008 663 ldquoA interdiccedilatildeo eacute absoluta no caso do direito agrave integridade pessoal e relativa nos restantes casos

devendo ter-se por abusiva a intromissatildeo quando efectuada fora dos casos previstos na lei e sem intervenccedilatildeo

judicial (nos 2 e 4 do artigo 34ordm) quando desnecessaacuteria ou desproporcionada ou quando aniquiladora dos

proacuteprios direitosrdquo Cf Gomes CanotilhoMoreira 2014 524 ldquo[hellip] eacute possiacutevel autonomizar no espectro de

anaacutelise duas espeacutecies diferenciadas de provas proibidas consoante a natureza dos direitos fundamentais em

causa Na primeira parte da norma estabelece-se sem mais a nulidade de todas as provas obtidas agrave custa de laquotortura coacccedilatildeo ofensa da integridade fiacutesica ou moral da pessoaraquo (1ordf parte do nordm 8 do artigo 32ordm da

CRP) Na segunda parte alude-se agraves provas obtidas com laquointromissatildeo da vida privada no domiciacutelio na

correspondecircncia ou nas telecomunicaccedilotildeesraquo que se contra-distinguem das primeiras pela circunstacircncia de

em relaccedilatildeo a elas a interdiccedilatildeo soacute existir se a intromissatildeo se revelar laquoabusivaraquo (2ordf parte do nordm 8 do artigo

32ordm da CRP) ndash uma asserccedilatildeo que eacute aliaacutes corroborada pelo teor dos artigos 26ordm e 34ordm da CRPrdquo Cf Oliveira

Silva 2011 584 A legislaccedilatildeo alematilde faz igualmente a distinccedilatildeo entre proibiccedilotildees absolutas e relativas

sendo que ldquoEnquanto as absolutas tecircm uma validade geral as relativas limitam a obtenccedilatildeo de prova no

sentido em que apenas determinadas pessoas estatildeo habilitadas a ordenar ou realizar uma produccedilatildeo

probatoacuteria estabelecendo assim uma proibiccedilatildeo para qualquer outro sujeitordquo Cf Ambos 2008 329

159

da tramitaccedilatildeo em que avulta com particular destaque a disciplina dos meacutetodos proibidos

de prova535

Sob a epiacutegrafe de ldquomeacutetodos proibidos de provardquo o artigo 126ordm do Coacutedigo de Processo

Penal ao concretizar a nulidade dos meacutetodos de produccedilatildeo de prova a que se refere o nordm

8 do artigo 32ordm da CRP repete a citada distinccedilatildeo entre as proibiccedilotildees absolutas e as

proibiccedilotildees relativas de obtenccedilatildeo de provas No caso dos nos 1 e 2 do artigo 126ordm vigora

uma proibiccedilatildeo absoluta de obtenccedilatildeo de provas atraveacutes dos meios ali indicados ainda que

sejam obtidas a coberto do consentimento do titular dos direitos em causa No caso do nordm

3 do artigo 126ordm a proibiccedilatildeo eacute afastada pelo acordo do titular dos direitos em causa ou

em alternativa eacute removida mediante as ordens ou autorizaccedilotildees emanadas de certas

autoridades nos termos da lei536 Ainda em sede de caracterizaccedilatildeo geral dos meacutetodos

proibidos de prova conviraacute ressalvar que nada parece impor a conclusatildeo de que no artigo

126ordm se contenha uma enumeraccedilatildeo taxativa537 Para aleacutem das teacutecnicas proibidas elencadas

no artigo 126ordm e das demais proibiccedilotildees de prova dispersas pelo ordenamento processual

outras poderatildeo ser reconhecidas pela doutrina e pela jurisprudecircncia nos domiacutenios em que

o meacutetodo de aquisiccedilatildeo probatoacuteria concretamente utilizado importe uma intromissatildeo

injustificada nos direitos fundamentais do arguido ou outras pessoas538

Posto isto a especificidade do sistema processual penal portuguecircs reside na estipulaccedilatildeo

de uma norma constitucional bem como de uma correspectiva regra legal que a densifica

ambas com vocaccedilatildeo geneacuterica que especificam exactamente quais os direitos

fundamentais cuja violaccedilatildeo inquina a prova em processo penal e gera a sua nulidade539

Na tutela conferida a estes direitos fundamentais enquanto limitaccedilotildees agrave prova radicam

antes de mais a posiccedilatildeo e o estatuto do arguido como sujeito processual O eacutetimo comum

de muitos dos meacutetodos de prova proscritos pelo legislador reconduz-se agrave ideia de que ldquoa

utilizaccedilatildeo do arguido como meio de prova deveraacute ser sempre limitada pelo integral

respeito pela sua decisatildeo de vontade soacute no exerciacutecio de uma plena liberdade de vontade

pode o arguido decidir-se se e como deseja tomar posiccedilatildeo perante a mateacuteria que constitui

objecto do processordquo540 Desde logo se considerarmos a vertente negativa desta liberdade

535 Oliveira Silva 2011 576-577 536 Sousa Mendes 2017 180 537 Costa Andrade 1992 216 538 Oliveira Silva 2011 589 539 Moratildeo 2006 588 540 Oliveira Silva 2011 578

160

de vontade enquanto autecircntico direito de defesa (Abwehrrecht) contra o Estado541

vedando todas as tentativas de obtenccedilatildeo por meios enganosos ou no nosso caso por

coacccedilatildeo de declaraccedilotildees autoincriminatoacuterias podemos afirmar que eacute precisamente nesta

dimensatildeo associada ao princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare que a liberdade de

vontade do arguido assume a mais directa relevacircncia em mateacuteria de proibiccedilotildees de

prova542

13 A invalidade do acto processual

Cumpre ainda deixar claro como ensina Costa Andrade que o legislador portuguecircs

associou as proibiccedilotildees de prova agrave figura e ao regime das nulidades isso diante da locuccedilatildeo

ldquoSatildeo nulas todas as provas [hellip]rdquo no nordm 8 do artigo 32ordm da CRP543 No entanto o regime

da nulidade das provas proibidas eacute substancialmente mais rigoroso do que o das nulidades

dependentes de arguiccedilatildeo (artigo 120ordm do CPP) ou mesmo do que o das nulidades

insanaacuteveis (artigo 119ordm do CPP) O legislador portuguecircs ciente desta disparidade

prescreveu no nordm 3 do artigo 118ordm do Coacutedigo de Processo Penal a autonomia teacutecnica

das proibiccedilotildees de prova544 estabelecendo de forma expressa que ldquoas disposiccedilotildees do

presente tiacutetulo natildeo prejudicam as normas deste Coacutedigo relativas a proibiccedilotildees de provardquo545

Ou seja que as regras gerais sobre as nulidades processuais penais natildeo se aplicam agraves

proibiccedilotildees de prova

Bem vistas as coisas o legislador criou pelo menos um regime sui generis a saber as

nulidades do artigo 126ordm do Coacutedigo de Processo Penal Na verdade a nulidade

mencionada no nordm 8 do artigo 32ordm da CRP e no artigo 126ordm do CPP natildeo eacute uma nulidade

em sentido teacutecnico-processual mas uma nulidade dotada de uma autonomia teacutecnica

completa em face do regime das nulidades processuais546

O caraacutecter sui generis do regime da nulidade de prova cominada nos nos 1 e 3 do artigo

126ordm Coacutedigo de Processo Penal haacute-de consistir no seu conhecimento oficioso podendo

ser declarada mesmo depois do tracircnsito em julgado da decisatildeo final admitindo-se assim

a revisatildeo de sentenccedila547 Por fim cumpre ressalvar que o nordm 4 do artigo 126ordm do CPP

541 Oliveira Silva 2011 579 542 Costa Andrade 1992 121 543 Costa Andrade 1992 313 544 Costa Andrade 2009 133 545 Correia 1999b 156 546 Sousa Mendes 2017 187 547 Questotildees Avulsas 2000 100-101

161

apenas admite a utilizaccedilatildeo de provas proibidas para proceder criminalmente contra quem

as obteve Contudo natildeo se pode ignorar a possibilidade de utilizar a prova com a

finalidade de demonstrar que eacute proibida548

14 O efeito-agrave-distacircncia das proibiccedilotildees de prova

Por fim perante uma prova proibida coloca-se a questatildeo de saber se a proibiccedilatildeo vale soacute

para o meio de prova obtido directamente de modo proibido ou se tambeacutem afecta outros

meios de prova obtidos indirectamente atraveacutes da prova proibida549 ndash eacute a problemaacutetica do

efeito-agrave-distacircncia das proibiccedilotildees de prova De facto eacute na consideraccedilatildeo da extensatildeo da

proibiccedilatildeo da valoraccedilatildeo da prova obtida com proibiccedilatildeo de produccedilatildeo que se colocam muitas

das problemaacuteticas que ainda hoje ocupam a doutrina e a jurisprudecircncia550

O problema do efeito-agrave-distacircncia suscita-se nos casos em que a obtenccedilatildeo de uma

determinada prova torna possiacutevel a descoberta de novos meios de prova contra o arguido

ou contra terceiro Nestes casos cabe questionar se a proibiccedilatildeo de valoraccedilatildeo que

eventualmente inquine a prova primaacuteria ou directa se comunica e em que medida agraves

provas secundaacuterias ou indirectas impondo a sua exclusatildeo em cadeia Como facilmente

se representaraacute o problema ganha particular relevo praacutetico-juriacutedico nas hipoacuteteses

frequentes em que o recurso a meacutetodos proibidos de prova (vg a coacccedilatildeo) levam o

arguido a comprometedoras declaraccedilotildees autoincriminatoacuterias551

Como defende Paulo de Sousa Mendes a doutrina jurisprudencial dos ldquofrutos da aacutervore

envenenadardquo (fruit of the poisonous tree doctrine) ou da ldquomaacuteculardquo (taint doctrine) e a sua

equivalente germacircnica tambeacutem designada de teoria da maacutecula (Makel-Theorie)

enquanto metaacutefora da nodoacutea de ilegalidade reconhece que as provas que atentam contra

os direitos de liberdade arrostam com um efeito-agrave-distacircncia que consiste em tornarem

inaproveitaacuteveis as provas secundaacuterias a elas causalmente vinculadas552

548 Rosa 2010 235 549 MirandaMedeiros 2010 737 550 Neves 2011 317 551 Costa Andrade 1992 169 552 Sousa Mendes 2014 219 A geacutenese da jurisprudecircncia da lsquomaacutecularsquo foi o caso Silverthorne Lumber Co

v United States decidido pelo Supremo Tribunal dos Estados Unidos da Ameacuterica em 1920 Estava em

causa o facto de agentes federais terem apreendido ilegalmente documentos nas instalaccedilotildees da sociedade

comercial Silverthorne que um tribunal de comarca (district court) mandou devolver tendo o procurador

(prosecutor) promovido perante um grande juacuteri (grand jury) a notificaccedilatildeo dos arguidos (defendants) para

produzirem os mesmos documentos sob pena de multas (subpoenas) Em via de recurso o Supremo

Tribunal dos Estados Unidos da Ameacuterica decidiu que as referidas intimaccedilotildees eram invaacutelidas declarando

pela pena do famoso Juiz Conselheiro Oliver Wendell Holmes Jr enquanto relator que ldquo[a] essecircncia de

uma norma de proibiccedilatildeo de aquisiccedilatildeo de provas de certa maneira natildeo se limita a determinar que as provas

162

O efeito-agrave-distacircncia eacute a uacutenica forma de impedir que os investigadores policiais os

procuradores e os juiacutezes menos escrupulosos se aventurem agrave violaccedilatildeo das proibiccedilotildees de

produccedilatildeo de prova na mira de prosseguirem sequecircncias investigatoacuterias agraves quais natildeo

chegariam atraveacutes dos meios postos agrave sua disposiccedilatildeo pelo Estado de Direito553

Na jurisprudecircncia portuguesa o efeito-agrave-distacircncia foi reconhecido pela primeira vez

pelo Tribunal Judicial de Oeiras (Sentenccedila do 3ordm Juiacutezo de 5 de Marccedilo de 1993 Proc nordm

77791 2ordf Secccedilatildeo) ldquoa nulidade do primeiro dos meios de prova eacute extensiva ao segundo

impossibilitando da mesma forma o julgador de extrair deste uacuteltimo qualquer juiacutezo

valorativordquo

Contudo a vigecircncia da doutrina do efeito-agrave-distacircncia estaacute longe de ser absoluta e

irrestrita A histoacuteria da emergecircncia e afirmaccedilatildeo do princiacutepio tambeacutem eacute a histoacuteria do

enunciado e das tentativas de fundamentaccedilatildeo e sistematizaccedilatildeo de uma gama alargada de

excepccedilotildees554

Entre elas avulta em primeiro lugar a excepccedilatildeo da ldquofonte independenterdquo (independent

source exception)555 derivada dos precedentes Silverthorne Lumber Co v United

States556 de 1920 Wong Sun v United States557 de 1963 e Segura v United States558 de

1984 que admite a possibilidade de valoraccedilatildeo das provas mediatas nos casos em que ao

lado do chamado caminho proibido existe um outro caminho autoacutenomo independente

de onde as mesmas provas podem tambeacutem ser retiradas559 Ou seja aceita as provas que

foram ou poderiam ter sido obtidas por via autoacutenoma e liacutecita560

assim adquiridas natildeo poderatildeo ser utilizadas em tribunal mas tambeacutem que natildeo poderatildeo ser usadas de

maneira nenhuma Eacute claro que isto natildeo significa que os factos assim obtidos se tornem sagrados e

inacessiacuteveis Se a informaccedilatildeo acerca dos mesmos for obtida atraveacutes de uma fonte independente entatildeo esses

factos podem ser provados tal como quaisquer outros mas o conhecimento obtido pelo Estado por meios

iliacutecitos natildeo pode ser por si usado da maneira pretendidardquo A expressatildeo ldquofrutos da aacutervore envenenadardquo surgiu

pela pena do igualmente famoso Juiz Conselheiro Felix Frankfurter no caso Nardone v United States de

1939 Cf Sousa Mendes 2017 192 553 Sousa Mendes 2014 220 554 Costa Andrade 1992 171 555 KamisarLaFaveIsraelKingKerrPrimus 2015 765-768 556 Silverthorne Lumber Co v United States 1920 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus251385casehtml [consultado em 09032017] 557 Wong Sun v United States 1963 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus371471casehtml [consultado em 09032017] 558 Segura v United States 1984 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus468796

[consultado em 09032017] 559 Moratildeo 2006 613 560 MirandaMedeiros 2010 737

163

A segunda excepccedilatildeo do efeito-agrave-distacircncia eacute designada por excepccedilatildeo da ldquodescoberta

inevitaacutevelrdquo (inevitable discovery exception)561 foi fundada nas importantes decisotildees

Brewer v Williams562 de 1977 e Nix v Williams563 de 1984 e determina a aceitaccedilatildeo das

provas que inevitavelmente seriam descobertas mesmo que mais tarde atraveacutes de outro

tipo de investigaccedilatildeo564 Trata-se segundo Paulo de Sousa Mendes de uma ldquovariante da

lsquofonte independentersquo mas difere desta excepccedilatildeo na medida em que natildeo se exige aqui que

a poliacutecia tenha de facto obtido provas tambeacutem atraveacutes de uma fonta autoacutenoma e legal

mas apenas que tivesse podido hipoteticamente fazecirc-lo [hellip]rdquo565

Por fim a terceira e uacuteltima excepccedilatildeo a excepccedilatildeo da ldquonoacutedoa (ou maacutecula) dissipadardquo

(purged taint exception)566 baseada nas decisotildees Wong Sun v United States567 de 1963

e United States v Ceccolini568 de 1978 vem estabelecer a possibilidade de utilizaccedilatildeo no

processo de toda a prova secundaacuteria a que os oacutergatildeos de investigaccedilatildeo criminal natildeo teriam

chegado de uma perspectiva de relaccedilatildeo causal sem a violaccedilatildeo da proibiccedilatildeo de prova

mas relativamente agrave qual se pode dizer que jaacute nenhum nexo causal efectivo subsiste entre

tal prova mediata e a violaccedilatildeo inicial569 Ou seja poderiam ser valoradas todas as provas

secundaacuterias se a conexatildeo se tiver tornado tatildeo atenuada a ponto de dissipar a maacutecula570

Seria o caso do arguido que eacute levado a confessar determinados factos de modo

autoincriminatoacuterio571 por forccedila de uma anterior violaccedilatildeo de proibiccedilatildeo de prova mas que

mais tarde apoacutes ter sido convenientemente informado de que tais provas natildeo podem ser

utilizadas opta por confessar os mesmos factos espontaneamente572

561 KamisarLaFaveIsraelKingKerrPrimus 2015 775-780 562 Brewer v Williams 1977 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus430387

[consultado em 09032017] 563 Nix v Williams 1984 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus467431casehtml

[consultado em 09032017] 564 MirandaMedeiros 2010 738 565 Sousa Mendes 2017 193 566 KamisarLaFaveIsraelKingKerrPrimus 2015 774 567 Wong Sun v United States 1963 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus371471casehtml [consultado em 09032017] 568 United States v Ceccolini 1978 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus435268

[consultado em 09032017] 569 Moratildeo 2006 615 570 Sousa Mendes 2014 221 571 Elementos de estudo 2012 639-640 Moratildeo 2012 717 572 Moratildeo 2006 615 Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1982004 de 24 de Marccedilo de 2004

disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20040198html [consultado em

09032017] Decisatildeo Sumaacuteria do Tribunal Constitucional nordm 132008 de 11 de Janeiro de 2008 disponiacutevel

em httpwwwtribunalconstitucionalpttcdecsumarias20080013html [consultada em 09032017]

164

Chegados a este ponto e analisada que estaacute a consagraccedilatildeo e o regime das proibiccedilotildees de

prova em processo penal resta-nos apenas indagar da aplicabilidade deste regime ao

nosso caso concreto violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare atraveacutes da

ordem de desencriptaccedilatildeo compelida dirigida ao arguido no sentido de permitir o acesso

ao seu smartphone quer atraveacutes do fornecimento da sua palavra-passe quer atraveacutes da

leitura da sua impressatildeo digital

2 Consequecircncias da recolha de prova em violaccedilatildeo do princiacutepio de natildeo-

autoincriminaccedilatildeo

O princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare constitui como jaacute tivemos oportunidade de

analisar um direito do arguido perante o ius puniendi do Estado Desta forma toda e

qualquer restriccedilatildeo deste direito que natildeo obedeccedila aos limites aos limites dos direitos

fundamentais (nos 2 e 3 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa)

instrumentalizando o arguido contra a sua vontade ou atraveacutes do seu corpo a ser objecto

da sua proacutepria incriminaccedilatildeo viola este princiacutepio

No caso concreto da ordem de desencriptaccedilatildeo do smartphone dirigida ao arguido por parte

das autoridades judiciaacuterias podemos afirmar que estaremos aqui perante um meacutetodo

proibido de prova dado que o arguido eacute utilizado como meio de prova com perturbaccedilatildeo

da sua vontade e liberdade atraveacutes da coacccedilatildeo

Mais especificamente no que concerne ao primeiro meacutetodo de desencriptaccedilatildeo ndash o

fornecimento da palavra-passe ndash importa reter as palavras de Figueiredo Dias quando

atesta que ldquotecircm de considerar-se proibidos e inadmissiacuteveis em processo penal todos os

meios de interrogatoacuterio e de obter declaraccedilotildees que importem [hellip] qualquer perturbaccedilatildeo

da liberdade de vontade e de decisatildeo [do arguido]rdquo573 nomeadamente atraveacutes de coacccedilatildeo

Desta forma dada a coacccedilatildeo empregue por parte das autoridades judiciaacuterias na ordem

de desencriptaccedilatildeo do smartphone dirigida ao arguido no sentido de este revelar a palavra-

passe do seu dispositivo outra natildeo poderaacute ser a conclusatildeo senatildeo a de que este seraacute um

meacutetodo de obtenccedilatildeo de prova proibido

573 Figueiredo Dias 2004 454 Tambeacutem na doutrina alematilde Claus Roxin informa que o Tribunal Federal

alematildeo tem considerado o direito de guardar silecircncio entre os princiacutepios fundamentais do processo penal

de tal modo que tambeacutem a sua violaccedilatildeo pela poliacutecia deve conduzir a uma proibiccedilatildeo de valoraccedilatildeo Cf Roxin

2000 195-196 Neste sentido vai tambeacutem Goumlssel ao afirmar que a legislaccedilatildeo alematilde proiacutebe no sect136a do

StPO a valoraccedilatildeo dos interrogatoacuterios produzidos agrave custa do sacrifiacutecio da liberdade de formaccedilatildeo de vontade

do arguido Cf Goumlssel 1992 415 423

165

Por outro lado e apesar de a desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo

digital do arguido natildeo se enquadrar como vimos anteriormente na categoria de ldquomeios

de interrogatoacuterio ou de obter declaraccedilotildeesrdquo acreditamos que quaisquer restriccedilotildees a

direitos liberdades e garantias fundamentais (vg direito de natildeo-autoincriminaccedilatildeo) que

natildeo atendam estritamente ao texto constitucional seratildeo intoleraacuteveis e inadmissiacuteveis sendo

as provas obtidas por esses meios proibidas Ou seja toda e qualquer restriccedilatildeo que natildeo

obedeccedila aos limites aos limites dos direitos fundamentais reprimindo a liberdade ou a

vontade de decisatildeo do arguido por qualquer meio constitui uma violaccedilatildeo do princiacutepio

nemo tenetur e como efeito prova proibida Defendemos a ideia de que a vinculatividade

do artigo 126ordm transcende claramente o domiacutenio do interrogatoacuterio e das declaraccedilotildees do

arguido projetando-se como limite agrave admissibilidade de quaisquer outras diligecircncias

probatoacuterias Tambeacutem em sede de proibiccedilotildees de prova parece natildeo haver distinccedilatildeo entre os

dois meacutetodos de desencriptaccedilatildeo palavra-passe e biometria

Assim todas as provas autoincriminatoacuterias obtidas agrave custa de coacccedilatildeo e em violaccedilatildeo dos

limites aos limites das restriccedilotildees aos direitos fundamentais satildeo provas proibidas574 Natildeo

eacute outra leitura que se infere da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa e do Coacutedigo de

Processo Penal A sua interdiccedilatildeo eacute absoluta configurando-se em provas de valoraccedilatildeo

proibida nos termos do nordm 8 do artigo 32ordm da CRP e do nordm 1 do artigo 126ordm do CPP575

cominaccedilatildeo que traduz a existecircncia de uma nulidade particularmente grave e insanaacutevel576

Manuel da Costa Andrade entende que neste campo de danosidade social seraacute muito

difiacutecil valorar a prova proibida577 Estando perante um caso de proibiccedilatildeo de prova

desencadeada pela violaccedilatildeo insuportaacutevel de direitos de defesa do arguido como eacute o caso

do direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo natildeo soacute natildeo se poderaacute valorar a prova inicialmente

proibida como tambeacutem as provas que se desencadearam com base naquela primeira

De facto dado que a desencriptaccedilatildeo do smartphone permitiraacute agraves autoridades acederem a

provas incriminatoacuterias a doutrina do efeito-agrave-distacircncia pode aqui prevenir uma tatildeo frontal

como indesejaacutevel violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare Costa Andrade

reitera ainda que ldquocomo assinala Beulke laquoa valoraccedilatildeo de meios de prova tornados

574 Costa Andrade 1992 126-127 575 O nordm 8 do artigo 32ordm da CRP consagra que ldquoSatildeo nulas todas as provas obtidas mediante [hellip] coacccedilatildeo

[hellip]rdquo O nordm 1 do artigo 126ordm do CPP estipula que ldquoSatildeo nulas natildeo podendo ser utilizadas as provas obtidas

mediante [hellip] coacccedilatildeo [hellip]rdquo 576 Silva DiasRamos 2009 36-37 577 Costa Andrade 1992 282

166

possiacuteveis a partir de declaraccedilotildees obtidas agrave custa de coaccedilatildeo [hellip] equivaleria a compelir o

arguido a colaborar na sua proacutepria condenaccedilatildeoraquordquo578

Assim segundo a teoria dos ldquofrutos da aacutervore envenenadardquo tambeacutem as provas

secundaacuterias recolhidas a partir da desencriptaccedilatildeo do smartphone em que houve violaccedilatildeo

do nemo tenetur satildeo proibidas No entanto como reiteraacutemos anteriormente esta doutrina

tem excepccedilotildees Para o nosso caso concreto ndash desencriptaccedilatildeo de smartphones ndash interessa-

nos apenas a excepccedilatildeo da ldquofonte independenterdquo (independent source exception) e a

excepccedilatildeo da ldquonoacutedoa (ou maacutecula) dissipadardquo (purged taint exception)

A excepccedilatildeo da ldquofonte independenterdquo (independent source exception) poderia ser aplicada

no nosso caso concreto nas situaccedilotildees em que a poliacutecia conseguisse aceder agraves provas

armazenadas no smartphone de forma liacutecita nomeadamente atraveacutes da utilizaccedilatildeo de nova

tecnologia que permitisse a desecriptaccedilatildeo ou ateacute mesmo atraveacutes da descoberta da palavra-

passe Assim mesmo depois de acederem agraves provas contidas no smartphone que fora

ilicitamente acedido atraveacutes da coacccedilatildeo do arguido ndash quer pela revelaccedilatildeo da palavra-

passe quer pela leitura da sua impressatildeo digital - as autoridades judiciaacuterias poderiam

utilizar os ficheiros ndash agora licitamente - recolhidos

Agrave semelhanccedila da excepccedilatildeo da ldquofonte independenterdquo tambeacutem a excepccedilatildeo da ldquonoacutedoa (ou

maacutecula) dissipadardquo (purged taint exception) pode ser aplicada no nosso caso de

desencriptaccedilatildeo de smartphones Se o arguido permitisse o acesso ao seu smartphone

atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe ou da leitura da sua impressatildeo digital por forccedila de

uma anterior violaccedilatildeo de proibiccedilatildeo de prova e posteriormente optasse por confessar a

palavra-passe as autoridades judiciaacuterias poderiam utilizar esta palavra-passe para aceder

licitamente aos ficheiros autoincriminatoacuterios armazenados no dispositivo e utilizaacute-los

como prova no processo penal

Deste modo podemos concluir que a ordem de desencriptaccedilatildeo de smartphone seja

atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe ou da leitura da impressatildeo digital do arguido

culmina numa situaccedilatildeo de obtenccedilatildeo de prova agrave custa da coacccedilatildeo do arguido (nordm 8 do

artigo 32ordm da CRP e nordm 1 do artigo 126ordm do CPP) E segundo a doutrina do efeito-agrave-

distacircncia natildeo soacute natildeo se poderaacute valorar a prova inicialmente proibida (provas primaacuterias)

como tambeacutem as provas que se desencadearam com base naquela primeira (provas

secundaacuterias) No entanto as provas incriminatoacuterias armazenadas no smartphone podem

578 Costa Andrade 1992 315

167

ainda assim ser utilizadas e valoradas no processo caso a excepccedilatildeo da ldquofonte

independenterdquo ou da ldquonoacutedoamaacutecula dissipadardquo se verifiquem

168

169

CONCLUSOtildeES GERAIS

Conforme se depreende do exposto ao longo desta nossa investigaccedilatildeo a ordem de

desencriptaccedilatildeo dirigida ao arguido pelas autoridades judiciaacuterias no sentido de este

permitir o acesso ao seu smartphone atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe ou da leitura

da sua impressatildeo digital suscita uma seacuterie de questotildees

As discussotildees na doutrina norte-americana em volta desta problemaacutetica influenciaratildeo o

mundo e desencadearatildeo novas discussotildees nomeadamente em territoacuterio nacional

considerando que o princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare foi nos casos apresentados

claramente restringido ateacute ao ponto de restar apenas o direito ao silecircncio

Depois de nos munirmos dos conhecimentos necessaacuterios quanto ao acesso e apreensatildeo

dos dados armazenados no smartphone segundo a Lei do Cibercrime agrave encriptaccedilatildeo destes

dispositivos e agrave articulaccedilatildeo entre a colaboraccedilatildeo do arguido nos casos de desencriptaccedilatildeo

compelida e o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo estamos jaacute em posiccedilatildeo de criticar a

fundamentaccedilatildeo e a decisatildeo dos casos norte-americanos apresentados no primeiro capiacutetulo

e de discutir o seu enquadramento no direito processual penal portuguecircs

Ficou expresso anteriormente que o princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare tendo por

fundamento as garantias processuais reconhecidas ao arguido no texto constitucional

poderaacute ser alvo de limitaccedilotildees De facto pela circunstacircncia de natildeo se revestir de natureza

absoluta este princiacutepio poderaacute ser derrogado nomeadamente nos casos em que o arguido

eacute obrigado a identificar-se ou a sujeitar-se a determinados exames ou periacutecias

Por esse motivo natildeo consideramos defensaacutevel que se infira uma total inflexibilidade do

princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo que inviabilize por completo a adopccedilatildeo de normas

que permitam a emissatildeo de ordens de desencriptaccedilatildeo e que em complemento incriminem

a conduta omissiva do arguido

Contudo revisitando uma vez mais o que por noacutes jaacute foi afirmado quanto agrave natureza da

revelaccedilatildeo por parte do arguido de uma palavra-passe entendemos que a mesma pode ser

reconduzida ao instituto das declaraccedilotildees do arguido Assim se a natureza da revelaccedilatildeo de

uma palavra-passe pode ser entendida do mesmo modo que uma declaraccedilatildeo proferida

pelo arguido a ponderaccedilatildeo do direito ao silecircncio natildeo pode deixar de ser efectuada Sendo

o direito ao silecircncio como vimos um expoente maacuteximo do princiacutepio nemo tenetur natildeo

podemos deixar de considerar que o mesmo seria objecto de uma evidente derrogaccedilatildeo

170

acaso os investigadores criminais compelissem o arguido a revelar a palavra-passe que

permite o acesso ao seu dispositivo electroacutenico Segundo um criteacuterio de ponderaccedilatildeo e

atendendo igualmente aos limites aos limites das restriccedilotildees de direitos fundamentais

(vg direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo) esta ordem seria ilegiacutetima por falta de previsatildeo

legal expressa por ser desproporcional e por violar o nuacutecleo essencial do princiacutepio nemo

tenetur Efectivamente no panorama legal portuguecircs natildeo haacute uma previsatildeo legal no

sentido de estabelecer uma excepccedilatildeo ao princiacutepio nemo tenetur ao contraacuterio do que se

passa na lei inglesa e belga

No que agrave leitura da impressatildeo digital diz respeito podemos agora concluir que tendo

como base os casos apresentados no primeiro capiacutetulo da presente investigaccedilatildeo tambeacutem

a ordem dada ao arguido no sentido de este desencriptar o seu smartphone atraveacutes da

leitura da sua impressatildeo digital eacute uma ordem ilegiacutetima e violadora do princiacutepio contra a

autoincriminaccedilatildeo Cremos nesta conclusatildeo por dois motivos principais a) o dever de

sujeiccedilatildeo a diligecircncias de prova consagrado na aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm do Coacutedigo

de Processo Penal dada a sua generalidade natildeo pode ser entendido como previsatildeo legal

expressa no sentido de estabelecer uma excepccedilatildeo ao princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo

resultando na falta de preenchimento do primeiro requisito das restriccedilotildees de direitos

fundamentais (exigecircncia de lei formal) b) e atendendo agraves circunstacircncias dos casos

concretos todas estas ordens de desencriptaccedilatildeo atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do

arguido revelaram-se desproporcionais

Isto posto outra natildeo poderaacute ser a conclusatildeo senatildeo a de que nestes casos apresentados as

ordens de desencriptaccedilatildeo dos smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe ou da

leitura da impressatildeo digital dirigidas aos arguidossuspeitos satildeo segundo o ordenamento

juriacutedico portuguecircs ilegiacutetimas por violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare

Se ainda assim forem recolhidas provas autoincriminatoacuterias do smartphone em violaccedilatildeo

deste princiacutepio a consequecircncia eacute oacutebvia proibiccedilatildeo de valoraccedilatildeo dessas provas

O que se deve discutir aqui natildeo eacute a possibilidade de o Estado restringir o direito do arguido

agrave sua natildeo-autoincriminaccedilatildeo mas sim a que extensatildeo essa restriccedilatildeo pode ocorrer sem que

se torne a ordem inconstitucional Daiacute se infere que apesar da conclusatildeo a que chegamos

quanto aos casos norte-americanos no ordenamento juriacutedico nacional uma vez que o

princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare natildeo tem caraacutecter absoluto por intermeacutedio de

legislaccedilatildeo especiacutefica com o objectivo de salvaguardar um outro direito ou interesse

constitucionalmente protegido sendo proporcional em sentido amplo e natildeo violadora do

171

nuacutecleo essencial do direito poderaacute um arguido ser compelido a desencriptar o seu

smartphone independentemente do meacutetodo (palavra-passe ou impressatildeo digital) no

acircmbito de uma investigaccedilatildeo criminal Natildeo podemos defender aqui peremptoriamente uma

zona de offshore digital num Estado de Direito579

579 Expressatildeo usada por Pedro Verdelho na Conferecircncia sobre Prova Digital em Processo Penal realizada

a 24 de Maio de 2017 na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

172

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Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 37298 de 13 de Maio de 1998 disponiacutevel em

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Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da Repuacuteblica P000642006 de 2

de Novembro de 2006 disponiacutevel em httpwwwministeriopublicoptiframepareceres-

do-conselho-consultivo-da-pgr

Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 3 de Marccedilo de 2016 disponiacutevel em

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Acoacuterdatildeo Saunders v Reino Unido de 17 de Dezembro de 1996 disponiacutevel em

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Acoacuterdatildeo Quinn v Irlanda de 21 de Dezembro de 2000 disponiacutevel em

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196

Acoacuterdatildeo PG e JH v Reino Unido de 25 de Setembro de 2001 disponiacutevel em

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5500ampfilename=002-5500pdfampTID=ihgdqbxnfi

Acoacuterdatildeo Shannon v Reino Unido de 4 de Outubro de 2005 disponiacutevel em

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Acoacuterdatildeo Jalloh v Alemanha de 11 de Julho de 2006 disponiacutevel em

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Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1552007 de 2 de Marccedilo de 2007 disponiacutevel em

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Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de 15 de Novembro de 2011 disponiacutevel em

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Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de 21 de Abril de 2015 disponiacutevel em

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Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de 11 de Outubro de 2011 disponiacutevel em

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Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 28 de Janeiro de 2009 disponiacutevel em

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Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 10 de Dezembro de 2008 disponiacutevel em

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Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 17 de Abril de 2012 disponiacutevel em

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Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro de 2014

disponiacutevel em httpsdreptapplicationfile58512485

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Silverthorne Lumber Co v United States 1920 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus251385casehtml

Wong Sun v United States 1963 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus371471casehtml

Segura v United States 1984 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus468796

Brewer v Williams 1977 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus430387

Nix v Williams 1984 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus467431casehtml

United States v Ceccolini 1978 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus435268

Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1982004 de 24 de Marccedilo de 2004 disponiacutevel

em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20040198html

Decisatildeo Sumaacuteria do Tribunal Constitucional nordm 132008 de 11 de Janeiro de 2008

disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcdecsumarias20080013html

198

199

ANEXOS

Anexo I ndash Caso Commonwealth of Virginia v David Charles Baust

200

201

202

203

204

205

Anexo II ndash Caso State of Minnesota v Matthew Vaughn Diamond

STATE OF MINNESOTA

IN COURT OF APPEALS

A15-2075

State of Minnesota

Respondent

vs

Matthew Vaughn Diamond Appellant

Filed January 17 2017

Affirmed

Smith Tracy M Judge

Carver County District Court

File No 10-CR-14-1286

Lori Swanson Attorney General St Paul Minnesota and

Mark Metz Carver County Attorney Eric E Doolittle Assistant County Attorney Chaska Minnesota (for respondent)

Cathryn Middlebrook Chief Appellate Public Defender Steven P Russett Assistant Public Defender St

Paul Minnesota (for appellant)

Considered and decided by Johnson Presiding Judge Reyes Judge and Smith

Tracy M Judge

S Y L L A B U S

A district court order compelling a criminal defendant to provide a fingerprint to unlock the defendantrsquos

cellphone does not violate the Fifth Amendment privilege against compelled self-incrimination

O P I N I O N

SMITH TRACY M Judge

Appellant Matthew Vaughn Diamond appeals his convictions of second-degree burglary misdemeanor

theft and fourth-degree criminal damage to property following a jury trial On appeal Diamond argues his

convictions must be reversed because (1) police seized his property in violation of the Fourth Amendment

(2) the district court violated his Fifth Amendment privilege against compelled self-incrimination by

ordering him to provide his fingerprint so police could search his cellphone and (3) the statersquos

circumstantial evidence was insufficient We affirm

206

FACTS

On October 30 2014 MH left her Chaska home between 1030 and 1045 am to run errands MH

returned home around noon and noticed that the attached garagersquos sideentry door appeared to have been

kicked in from the outside MH called the police after discovering that a safe a laptop and several items

of jewelry were missing from her home While waiting for police to arrive MH found an envelope in her

driveway that had the name of SW written on it Police took photographs and measurements of the

shoeprints left on the garagersquos side-entry door

Detective Nelson of the Chaska Police Department used state databases to determine SWrsquos car model and

license plate number and that SW had pawned several pieces of jewelry at a Shakopee pawn shop on

October 30 MH later verified that the pawned jewelry was stolen from her home On November 4 police

located SWrsquos car which

Diamond was driving at the time Diamond was arrested on an outstanding warrant unrelated to this case

He was booked at the Scott County jail where staff collected and stored his property including his shoes

and cellphone

The following day Detective Nelson went to the jail and viewed the property that was taken from Diamond

Detective Nelson observed similarities between the tread of Diamondrsquos shoes and the shoeprints left on the

garagersquos side-entry door Detective Nelson informed the jail staff that she was going to seek a warrant to

seize Diamondrsquos property and gave instructions not to release the property to anyone Later that day SW

attempted to collect Diamondrsquos property but was told that it could not be released

On November 6 Detective Nelson obtained and executed a warrant to search for and seize Diamondrsquos

shoes and cellphone On November 12 Detective Nelson obtained an additional warrant to search the

contents of Diamondrsquos cellphone Detective Nelson was unable to unlock the cellphone She returned the

warrant on November 21

In December the state filed a motion to compel Diamond to provide his fingerprint on the cellphone to

unlock the phone The motion was deferred to the contested omnibus hearing Following that hearing the

district court issued an order filed February 11 2015 concluding that the warrant to search Diamondrsquos

cellphone was supported by probable cause and that compelling Diamond to provide his fingerprint to

unlock the cellphone does not violate his Fifth Amendment privilege against compelled self-incrimination

The district court granted the statersquos motion to compel and ordered Diamond to provide a fingerprint or

thumbprint to unlock his cellphone Diamond refused to comply On

April 3 the district court found Diamond in civil contempt and informed him that compliance with the order

would remedy the civil contempt Diamond provided his fingerprint and police immediately searched his

cellphone

At a second omnibus hearing Diamond challenged the refusal to release his cellphone and shoes to SW

arguing that it constituted a warrantless seizure not justified by any exception to the warrant requirement

The district courtrsquos April 3 order concluded that the seizure was justified by exigent circumstances and was

tailored to protect against the destruction of evidence while a warrant was sought and obtained Diamond

thereafter brought a pro se motion to suppress all evidence derived from his cellphone and shoes which the

district court denied relying on the previous orders from February 11 and April 3

At Diamondrsquos jury trial SW testified that (1) she believed she was working the day of the burglary (2)

the envelope found in MHrsquos driveway belonged to SW and it was in her car the last time she saw it (3)

SW sometimes let Diamond use her car when she was working and (4) on the day of the burglary

Diamond gave her MHrsquos stolen jewelry and the two of them traveled to the Shakopee pawn shop where

she sold the jewelry In addition the state also introduced evidence that (1) Diamondrsquos wallet and

identification card were found in SWrsquos car (2) Diamond and SW exchanged phone calls and text

messages throughout the day of the burglary (3) Diamondrsquos cellphone pinged off cell towers near MHrsquos

residence on the day of the burglary (4) the tread pattern on Diamondrsquos shoes was similar to the shoeprints

on the garagersquos side-entry door and (5) while in jail Diamond told SW ldquothe only thing that [the state is]

going to be able to charge me with is receiving stolen propertyrdquo and that his attorney said the case would

be dismissed if SW did not testify or recanted her statement

207

The jury found Diamond guilty of second-degree burglary misdemeanor theft and fourth-degree criminal

damage to property The district court sentenced Diamond to 51 months in prison for the second-degree

burglary and to 90 days in jail for the fourth-degree criminal damage to property

Diamond appeals

ISSUES

I Did the district court err by not suppressing evidence obtained following the temporary seizure of Diamondrsquos property

II Did the district court err by ordering Diamond to provide his fingerprint so police could search his cellphone

III Does the record contain sufficient evidence to support the juryrsquos conclusion that Diamond

committed second-degree burglary misdemeanor theft and fourth-degree criminal damage to property

ANALYSIS

I The temporary seizure of Diamondrsquos property did not violate the Fourth Amendment

Diamond argues that the district court erred in denying his suppression motion because Detective Nelsonrsquos

directions to jail staff not to release Diamondrsquos property while she sought a warrant constituted an

unreasonable seizure in violation of the Fourth Amendment The district court concluded that the exigency

exception to the warrant requirement applied Diamond argues that the exigency exception is inapplicable

because Detective Nelson ldquosearchedrdquo Diamondrsquos property at the jail before providing instructions

to jail staff

In evaluating a pretrial order on a motion to suppress we review factual findings for clear error and legal

conclusions de novo State v Milton 821 NW2d 789 798 (Minn 2012) When reviewing the applicability

of the exigency exception we look at the totality of the circumstances State v Horst 880 NW2d 24 33

(Minn 2016) The state has the burden of showing that exigent circumstances justified the seizure Id

The Fourth Amendment protects the right of the people to be free from ldquounreasonable searches and seizuresrdquo

of their ldquopersons houses papers and effectsrdquo by the government US Const amend IV see Mapp v

Ohio 367 US 643 655-56 81 S Ct 1684 1691-92 (1961) (incorporating the Fourth Amendment and the

consequences for violating it into the Due Process Clause of the Fourteenth Amendment) A ldquoseizurerdquo of

property within the meaning of the Fourth Amendment occurs when a government official meaningfully

interferes with a personrsquos possessory interest in the property United States v Jacobsen 466 US 109 113

104 S Ct 1652 1656 (1984) ldquoIn general warrantless searches and seizures are unreasonable in the absence

of a legally recognized exception to the warrant requirementrdquo Horst 880 NW2d at 33

A temporary seizure may be permissible under the Fourth Amendment ldquowhen needed to preserve evidence

until police are able to obtain a warrantrdquo State v Holland 865 NW2d 666 670 n3 (Minn 2015) The

United States Supreme Court has approved the temporary seizure of an individual to prevent him from

destroying drugs before police could obtain and execute a warrant Illinois v McArthur 531 US 326 331-

32 121 S Ct 946 950 (2001) The Minnesota Supreme Court has observed that ldquowhen lawenforcement

officers lsquohave probable cause to believe that a container holds contraband or evidence of a crime but have

not secured a warrantrsquo the officers may seize the property lsquopending issuance of a warrant to examine its

contents if the exigencies of the circumstances demand itrsquordquo Horst 880 NW2d at 33-34 (quoting United

States v Place 462 US 696 701 103 S Ct 2637 2641 (1983))

Here Detective Nelson instructed jail staff not to release Diamondrsquos property while she sought a warrant

Detective Nelsonrsquos instructions to jail staff were meant to ensure that Diamondrsquos shoes and cellphone

208

which Detective Nelson considered potential evidence were not lost or destroyed The following day

Detective Nelson obtained and executed a warrant to seize Diamondrsquos shoes and cellphone

In Horst the Minnesota Supreme Court deemed a similar warrantless seizure lasting only one day to be

justified Id at 34-35 There police had seized the defendantrsquos cellphone when she was interviewed at the

police station prior to her arrest and police obtained a warrant the following day Id The supreme court

concluded that the seizure was justified by exigent circumstances because as the United States Supreme

Court had recently observed ldquothe owner of a cellphone can quickly and easily destroy the data contained

on such a devicerdquo Id at 35 (citing Riley v California 134 S Ct 2473 2486 (2014)) Thus the temporary

seizure of Diamondrsquos cellphone at the jail was justified by exigent circumstances The need to protect

physical evidence from loss or destruction similarly justified the temporary seizure of Diamondrsquos shoes

See McArthur 531 US at

331-32 121 S Ct at 950

Diamond argues that the exigent-circumstances exception does not apply because Detective Nelson

ldquosearchedrdquo Diamondrsquos property at the jail prior to the seizure As an initial matter we observe that Diamond

did not argue to the district court that the evidence should be suppressed because Detective Nelsonrsquos act of

viewing his property at the jail constituted a ldquosearchrdquo rendering the exigency exception for the seizure

inapplicable An appellate court generally will not consider matters not argued to and considered by the

district court Roby v State 547 NW2d 354 357 (Minn 1996) This rule applies to constitutional

questions See In re Welfare of CLL 310 NW2d 555 557 (Minn 1981) (declining to address a

constitutional issue raised for the first time on appeal from a termination of parental rights)

But even if Diamondrsquos district court argument could be read expansively so as to encompass this argument

we still find it unpersuasive Diamond does not provide any support for his conclusory assertion that

Detective Nelsonrsquos act of viewing his property at the jail prior to obtaining a search warrant constituted a

ldquosearchrdquo under the Fourth Amendment See State v Johnson 831 NW2d 917 922 (Minn App 2013) (ldquoA

lsquosearchrsquo within the meaning of the Fourth Amendment occurs upon an officialrsquos invasion of a personrsquos

reasonable expectation of privacyrdquo (citing Jacobsen 466 US at 114 104 S Ct at 1656)) review denied

(Minn Sept 17 2013) Nor does he argue that such action was unreasonable

As articulated in McArthur we must determine whether ldquopolice made reasonable efforts to reconcile their

law enforcement needs with the demands of personal privacyrdquo 531 US at 332 121 S Ct at 950 In

McArthur the United States Supreme Court determined that the proper balance between law-enforcement

needs and personal privacy permitted police to seize the defendant while they sought a warrant to search

his trailer Id at 332 121 S Ct at 950-51 Here Detective Nelson properly balanced law-enforcement

needs with Diamondrsquos personal privacy Diamond concedes that his property was lawfully seized and

inventoried when he was booked into jail on November 4 The following day Detective Nelson viewed

Diamondrsquos property and observed similarities between the tread of Diamondrsquos shoes and the shoeprints left

on MHrsquos garagersquos side-entry door Recognizing the possibility that these items could be lost or destroyed

Detective Nelson instructed jail staff to maintain custody of the property and immediately sought a warrant

On November 6 Detective Nelson executed the warrant seizing the cellphone and shoes Before

attempting to access the cellphonersquos contents which plainly constitutes a search within the meaning of the

Fourth Amendment Detective Nelson obtained the November 12 search warrant See Riley 134 S Ct at

2495

We conclude that the temporary seizure of Diamondrsquos property was justified by exigent circumstances and

that the district court did not err in denying Diamondrsquos suppression motion

II Diamondrsquos Fifth Amendment privilege was not violated when the district court ordered him to

provide his fingerprint so police could search his cellphone

Diamond argues that the district courtrsquos order to provide his fingerprint to unlock his cellphone violated his

Fifth Amendment privilege against compelled selfincrimination580 This is an issue of first impression for

580 Diamond also argues that the search of his cellphone violated the Fourth Amendment because he

asserts the police did not have a valid warrant at the time his cellphone was searched in April 2015

209

Minnesota appellate courts Whether the district court violated Diamondrsquos Fifth Amendment privilege

against self-incrimination is a question of law which this court reviews de novo State v Kaquatosh 600

NW2d 153 156 (Minn App 1999) review denied (Minn Dec 14 1999)

The Fifth Amendment provides that no person ldquoshall be compelled in any criminal case to be a witness

against himselfrdquo US Const amend V see Malloy v Hogan 378 US 1 8 84 S Ct 1489 1493-94

(1964) (incorporating Fifth Amendment protections into the Due Process Clause of the Fourteenth

Amendment) ldquoThe essence of this basic constitutional principle is the requirement that the [s]tate which

proposes to convict and punish an individual produce the evidence against him by the independent labor of

its officers not by the simple cruel expedient of forcing it from his own lipsrdquo Estelle v

Smith 451 US 454 462 101 S Ct 1866 1872 (1981) (quotation and emphasis omitted) The Supreme

Court has explained that ldquothe privilege protects a person only against being incriminated by his own

compelled testimonial communicationsrdquo Fisher v United States 425 US 391 409 96 S Ct 1569 1580

(1976) Here the record establishes that Diamond was compelled to produce his fingerprint to unlock the

cellphone The record also reflects that police obtained incriminating evidence once the cellphone was

unlocked Therefore the question before this court is whether the act of providing a fingerprint to unlock

a cellphone is a ldquotestimonial communicationrdquo

In examining its application of Fifth Amendment principles the Supreme Court has established

that ldquoin order to be testimonial [a criminal defendantrsquos] communication must itself explicitly or implicitly

relate a factual assertion or disclose information Only then is a person compelled to be a lsquowitnessrsquo against

himselfrdquo Doe v United States 487 US

201 210 108 S Ct 2341 2347-48 (1988) The Supreme Court has further noted that

[t]his understanding is perhaps most clearly revealed in those cases in

which the Court has held that certain acts though incriminating are not within the privilege Thus a suspect may be compelled to furnish

a blood sample to provide a handwriting exemplar or a voice exemplar to stand in a lineup and to wear particular clothing

Id at 210 108 S Ct at 2347 (citing United States v Dionisio 410 US 1 7 93 S Ct 764 768 (1973)

(voice exemplar) Gilbert v California 388 US 263 266-67 87 S Ct 1951

1953 (1967) (handwriting exemplar) United States v Wade 388 US 218 221-22 87 S Ct 1926 1929

(1967) (lineup) Schmerber v California 384 US 757 765 86 S Ct 1826

Diamond maintains that ldquono search warrant existedrdquo in April because Detective Nelson had previously

returned the November 12 search warrant on November 21 after unsuccessfully attempting to access the

contents of the cellphone However Diamond did not make this argument at the contested omnibus

hearing where he challenged the probable cause supporting the November 12 warrant and opposed the

statersquos motion for an order compelling him to provide his fingerprint Instead Diamond waited until two

days before trial to present this argument to the district court asserting it for the first time during oral

argument on his pro se motion to suppress evidence Because Diamond did not raise this argument at the

omnibus hearing the argument was not timely raised and is not reviewable on appeal See State v Brunes

373 NW2d 381 386 (Minn App 1985) review denied (Minn Oct 11 1985)

210

1832-33 (1966) (blood sample) Holt v United States 218 US 245 252-53 31 S Ct 2 6 (1910)

(clothing)) In addition the Supreme Court has recognized that ldquoboth federal and state courts have usually

held that [the Fifth Amendment] offers no protection against compulsion to submit to fingerprintingrdquo

Schmerber 384 US at 764 86 S Ct at 1832 see Doe 487 US at 219 108 S Ct at 2352 (Stevens J

dissenting) (ldquoFingerprints blood samples voice exemplars handwriting specimens or other items of

physical evidence may be extracted from a defendant against his willrdquo) State v Breeden 374 NW2d 560

562 (Minn App 1985) (ldquoThe gathering of real evidence such as blood samples fingerprints or photographs

does not violate a defendantrsquos [F]ifth [A]mendment rightsrdquo)

Diamond relies on In re Grand Jury Subpoena Duces Tecum 670 F3d 1335 (11th Cir 2012) to

support his argument that supplying his fingerprint was testimonial In In re Grand Jury the court reasoned

that requiring the defendant to decrypt and produce the contents of a computerrsquos hard drive when it was

unknown whether any documents were even on the encrypted drive ldquowould be tantamount to testimony by

[the defendant] of his knowledge of the existence and location of potentially incriminating files of his

possession control and access to the encrypted portions of the drives and of his capability to decrypt the

filesrdquo Id at 1346 The court concluded that such a requirement is analogous to requiring production of a

combination and that such a production involves implied factual statements that could potentially

incriminate Id

By being ordered to produce his fingerprint however Diamond was not required to disclose any

knowledge he might have or to speak his guilt See Doe 487 US at 211 108 S Ct at 2348 The district

courtrsquos order is therefore distinguishable from requiring a defendant to decrypt a hard drive or produce a

combination See eg In re Grand Jury

670 F3d at 1346 United States v Kirschner 823 F Supp 2d 665 669 (ED Mich 2010) (holding that

requiring a defendant to provide computer password violates the Fifth

Amendment) Those requirements involve a level of knowledge and mental capacity that is not present in

ordering Diamond to place his fingerprint on his cellphone Instead the task that Diamond was compelled

to performmdashto provide his fingerprintmdashis no more testimonial than furnishing a blood sample providing

handwriting or voice exemplars standing in a lineup or wearing particular clothing See Doe 487 US at

210 108 S Ct at 2347-48

Diamond argues however that the district courtrsquos order effectively required him to communicate

ldquothat he had exclusive use of the phone containing incriminating informationrdquo This does not overcome the

fact that such a requirement is not testimonial In addition Diamond provides no support for the assertion

211

that only his fingerprint would unlock the cellphone or that his provision of a fingerprint would

communicate his exclusive use of the cellphone

Diamond also argues that he ldquowas required to identify for the police which of his fingerprints

would open the phonerdquo and that this requirement compelled a testimonial communication This argument

however mischaracterizes the district courtrsquos order The district courtrsquos February 11 order compelled

Diamond to ldquoprovide a fingerprint or thumbprint as deemed necessary by the Chaska Police Department to

unlock his seized cell phonerdquo At the April 3 contempt hearing the district court referred to Diamond

providing his ldquothumbprintrdquo The prosecutor noted that they were ldquonot sure if itrsquos an index finger or a

thumbrdquo The district court answered ldquoTake whatever samples you needrdquo Diamond then asked the

detectives which finger they wanted and they answered ldquoThe one that unlocks

itrdquo

It is clear that the district court permitted the state to take samples of all of Diamondrsquos fingerprints and

thumbprints The district court did not ask Diamond whether his prints would unlock the cellphone or

which print would unlock it nor did the district court compel Diamond to disclose that information There

is no indication that Diamond would have been asked to do more had none of his fingerprints unlocked the

cellphone Diamond himself asked which finger the detectives wanted when he was ready to comply with

the order and the detectives answered his question Diamond did not object then nor did he bring an

additional motion to suppress the evidence based on the exchange that he

initiated

In sum because the order compelling Diamond to produce his fingerprint to unlock the cellphone

did not require a testimonial communication we hold that the order did not violate Diamondrsquos Fifth

Amendment privilege against compelled self-incrimination581

III The record contains sufficient evidence to support Diamondrsquos convictions

Diamond argues that his convictions must be reversed because the statersquos circumstantial evidence does not

exclude the rational hypothesis that Diamond merely committed the crime of transferring stolen property

When evaluating the sufficiency of circumstantial evidence the reviewing court uses a two-step analysis

State v Silvernail 831 NW2d 594 598 (Minn 2013) ldquoThe first step is to identify the circumstances

provedrdquo Id ldquoIn identifying the circumstances proved we defer to the juryrsquos acceptance of the proof of

these circumstances and rejection of evidence in the record that conflicted with the circumstances proved

by the [s]taterdquo Id at 598-99 (quotation omitted) The reviewing court ldquoconstrue[s] conflicting evidence

in the light most favorable to the verdict and assume[s] that the jury believed the [s]tatersquos witnesses and

disbelieved the defense witnessesrdquo Id at 599 (quotation omitted) ldquoThe second step is to determine

581 We express no opinion regarding whether in a given case a defendant may be

compelled to produce a cellphone password consistent with the Fifth Amendment

212

whether the circumstances proved are consistent with guilt and inconsistent with any rational hypothesis

except that of guiltrdquo Id (quotation omitted)

Here Diamond was convicted of second-degree burglary misdemeanor theft and fourth-degree criminal

damage to property A person is guilty of second-degree burglary if the person enters a dwelling without

consent and with the intent to commit a crime Minn Stat sect 609582 subd 2(a) (2014) A person is guilty

of theft if the person ldquointentionally and without claim of right takes movable property of another without

the otherrsquos consent and with intent to deprive the owner permanently of possession of the propertyrdquo Minn

Stat sect 60952 subd 2(a)(1) (2014) A person is guilty of fourth-degree criminal damage to property if the

person intentionally causes damage to anotherrsquos physical property without the other personrsquos consent

Minn Stat sect 609595 subd 3 (2014)

The circumstances proved support the juryrsquos conclusion that Diamond committed these crimes On October

30 2014 MH returned home after running errands and discovered that someone had kicked in her garagersquos

side-entry door and had stolen jewelry and a number of other items Police recovered an envelope in MHrsquos

driveway that had SWrsquos name written on it SW testified that this envelope was in her car the last time

she saw it SW also testified that she believed she was working on the day of the burglary and that she

sometimes let Diamond use her car when she was working Diamondrsquos cellphone pinged off cell towers

near MHrsquos residence on the day of the burglary SW also testified that on the day of the burglary

Diamond gave her MHrsquos stolen jewelry and the two of them traveled to the Shakopee pawn shop where

she sold the jewelry Finally Detective Nelson testified regarding consistencies between the tread of

Diamondrsquos shoes and the shoeprints on MHrsquos garagersquos side-entry door

Diamond argues that certain circumstances do not exclude the possibility that he did not commit the crimes

at issue This argument is unconvincing Diamond considers the individual circumstances proved in

isolation But the evidence as a whole firmly supports the juryrsquos conclusion that Diamond kicked down

MHrsquos garagersquos side-entry door entered her dwelling without consent and with the intent to commit a

crime and stole MHrsquos property Together the circumstances proved are inconsistent with any other

rational hypothesis Therefore we conclude that the record contained sufficient evidence to support the

juryrsquos conclusion that Diamond committed the offenses of second-degree burglary misdemeanor theft and

fourth-degree criminal damage to property

D E C I S I O N

The district court did not err in denying Diamondrsquos suppression motion because the temporary seizure of

his property was justified by exigent circumstances and therefore did not violate the Fourth Amendment

The district court did not violate Diamondrsquos Fifth Amendment privilege against self-incrimination by

ordering him to provide his fingerprint so police could search his cellphone because such an order does not

require a testimonial communication Finally the record contains sufficient evidence to support the juryrsquos

conclusion that Diamond committed second-degree burglary misdemeanor theft and fourth-degree

criminal damage to property

Affirmed

213

Anexo III ndash Caso Paytsar Bkhchadzhyan

NO LA081589

SUPERIOR COURT OF CALIFORNIA COUNTY OF LOS ANGELES

PAGE NO 1

THE PEOPLE OF THE STATE OF CALIFORNIA vs CURRENT DATE 050316 DEFENDANT 01

PAYTSAR BKHCHADZHYAN

LAW ENFORCEMENT AGENCY EFFECTING ARREST CHP - WEST VALLEY

STATION

BAIL APPEARANCE AMOUNT DATE RECEIPT OR SURETY COMPANY REGISTER

DATE OF BAIL POSTED BOND NO NUMBER 090915 $5000000 082515

AS50K60527 ALLEGHENY CASUALTY

CASE FILED ON 081815 COMPLAINT FILED DECLARED OR SWORN TO CHARGING DEFENDANT WITH

HAVING COMMITTED ON OR ABOUT 112714 IN THE COUNTY OF LOS ANGELES THE

FOLLOWING OFFENSE(S) OF

COUNT 01 5305(A) pc FEL

COUNT 02 487 (A) pc FEL

COUNT 03 529(A) (3) pc FEL

COUNT 04 484E(D) pc FEL

COUNT 05 484E(D) pc FEL

COUNT 06 484E(D) pc FEL

COUNT 07 4841(C)

pc FEL NEXT

SCHEDULED EVENT ARREST WARRANT TO ISSUE

081815 ARREST WARRANT IN THE AMOUNT OF $25000000 BY

ORDER OF JUDGE JOSEPH A BRANDOLINO ISSUED (081815)

ON 082115 AT 800 AM

NEXT SCHEDULED EVENT

082115 830 AM ARRAIGNMENT DIST VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 100

ON 082115 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 100

CASE CALLED FOR ARRAIGNMENT

PARTIES JOHN REID (JUDGE) U-CHIN JANG (CLERK)

HILDA GUTIERREZ (REP) LOU ANN CLEMENS (DA)

DEFENDANT IS PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY A BOYADZHYAN PRIVATE

COUNSEL COURT ORDERS AND FINDINGS

214

-THE COURT ORDERS THE DEFENDANT TO APPEAR ON THE NEXT

COURT DATE THE MATTER IS CONTINUED TO SEPTEMBER 9 2015 IN

DEPARTMENT 100 FOR EARLY DISPOSITION HEARING

A PENAL CODE SECTION 1275 HOLD IS PLACED ON THE

DEFENDANT BAIL SET AT $50000

WAIVES STATUTORY TIME

NEXT SCHEDULED EVENT

090915 830 AM DISPOSITIONDIST VAN NUYS COURTHOUSE DEPT

100

082115 ARREST WARRANT IN THE AMOUNT OF $25000000 RECALLED

(082415)

CUSTODY STATUS REMANDED TO CUSTODY

ON 082415 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 100

CASE CALLED FOR FURTHER PROCEEDINGS

PARTIES JOHN REID (JUDGE) U-CHIN JANG (CLERK)

HILDA GUTIERREZ (REP) LOU ANN CLEMENS (DA)

DEFENDANT IS NOT PRESENT IN COURT BUT REPRESENTED BY GEORGE MGDESYAN

PRIVATE COUNSEL

THE MATTER TS PLACED ON CALENDAR ON BEHALF OF THE

DEFENDANT THE DISTRICT ATTORNEY STIPULATES TO LIFT THE

1275PC HOLD ON THE

DEFENDANT

NEXT SCHEDULED EVENT

DISPOSITION

ON 090915 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 100

CASE CALLED FOR DISPOSITION

PARTIES LELAND B HARRIS (JUDGE) U-CHIN JANG (CLERK)

HILDA GUTIERREZ (REP) LOU ANN CLEMENS (DA)

DEFENDANT IS PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY GEORGE MGDESYAN

PRIVATE COUNSEL

DEFENDANT WAIVES ARRAIGNMENT READING OF COMPLAINT AND STATEMENT OF

CONSTITUTIONAL AND STATUTORY RIGHTS

DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO COUNT 01 530 5(A) PC

DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO COUNT 02 487(A) PC

DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO

COUNT 05

484E(D)

pc

215

DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO COUNT 03 (3)

PC DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO COUNT 04

484E(D) pc

COURT ORDERS AND FINDINGS

-THE COURT ORDERS THE DEFENDANT TO APPEAR ON THE NEXT COURT DATE

DEFENDANT DENIES ANY AND ALL ALLEGATIONS AND

PRIOR CONVICTIONS PRELIMINARY HEARING SETTING

IS SET FOR 9-29-15 AT 830 AM IN DEPARTMENT 112 AS

ZERO OF 10

THE HELD TO ANSWER DEPARTMENT IS NW F

WAIVES STATUTORY TIME

NEXT SCHEDULED EVENT

092915 830 AM PRELIM SETTINGRESETTING DIST VAN NUYS

COURTHOUSE DEPT 112 DAY 00 OF 10

090915 BAIL TO STAND AS50K60527

CUSTODY STATUS BAIL TO STAND

ON 092915 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 112

CASE CALLED FOR PRELIM SETTINGRESETTING

PARTIES KAREN J NUDELL (JUDGE) LYNNE GARCIA (CLERK)

TROYETTE SCOTT (REP) MICHAEL J MORSE (DA)

DEFENDANT IS PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY GEORGE MGDESYAN

PRIVATE COUNSEL

THIS MATTER IS CONTINUED FOR PRELIMINARY HEARING

SETTING TO DATE AND TIME INDICATED BELOW COURT

ORDERS AND FINDINGS

-THE COURT ORDERS THE DEFENDANT TO APPEAR ON THE NEXT COURT DATE

WAIVES STATUTORY TIME

NEXT SCHEDULED EVENT

102815 830 AM PRELIM SETTINGRESETTING DIST VAN NUYS

COURTHOUSE DEPT 112

DAY 00 OF 10

092915 BAIL TO STAND AS50K60527

CUSTODY STATUS BAIL TO STAND

DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO

COUNT 06

484E(D)

pc

DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO

COUNT 07

4841(C) pc

216

ON 102815 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 112

CASE CALLED FOR PRELIM SETTINGRESETTING

PARTIES MARTIN L HERSCOVITZ (JUDGE) LYNNE GARCIA (CLERK)

TROYETTE SCOTT (REP) MELANY AVANESSIANS (DA)

DEFENDANT IS PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY GEORGE MGDESYAN

PRIVATE COUNSEL

ATTY LANCE ROSENBERG APPEARING

THIS MATTER IS CONTINUED FOR PRELIMINARY

HEARING SETTING TO DATE AND TIME INDICATED

BELOW COURT ORDERS AND FINDINGS

-THE COURT ORDERS THE DEFENDANT TO APPEAR ON THE NEXT COURT DATE

WAIVES STATUTORY TIME

NEXT SCHEDULED EVENT

120915 830 AM PRELIM SETTINGRESETTING DIST VAN NUYS

COURTHOUSE DEPT

112

DAY OO OF 30

102815 BAIL TO STAND AS50K60527

CUSTODY STATUS BAIL TO STAND

ON 120915 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 112

CASE CALLED FOR PRELIM SETTINGRESETTING

PARTIES KAREN J NUDELL (JUDGE) LYNNE GARCIA (CLERK)

TROYETTE SCOTT (REP) MELANY AVANESSIANS (DA)

DEFENDANT IS PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY GEORGE MGDESYAN

PRIVATE COUNSEL

DEFENDANT ADVISED OF AND PERSONALLY AND EXPLICITLY WAIVES THE FOLLOWING

RIGHTS bull WRITTEN ADVISEMENT OF RIGHTS AND WAIVERS FILED INCORPORATED BY

REFERENCE HEREIN

JURY TRIAL OR COURT TRIAL AND PRELIMINARY HEARING

CONFRONTATION AND CROSS-EXAMINATION OF WITNESSES

SUBPOENA OF WITNESSES INTO COURT TO TESTIFY IN YOUR

DEFENSE AGAINST SELF-INCRIMINATION

DEFENDANT ADVISED OF THE FOLLOWING

THE NATURE OF THE CHARGES AGAINST HIM THE ELEMENTS OF THE OFFENSE IN THE

COMPLAINT AND POSSIBLE DEFENSES TO SUCH CHARGES

THE POSSIBLE CONSEQUENCES OF A PLEA OF GUILTY OR NOLO

CONTENDERE INCLUDING THE MAXIMUM PENALTY AND

ADMINISTRATIVE SANCTIONS AND THE POSSIBLE LEGAL EFFECTS

217

AND MAXIMUM PENALTIES INCIDENT TO SUBSEQUENT

CONVICTIONS FOR THE

SAME OR SIMILAR OFFENSES

THE EFFECTS OF PROBATION

IF YOU ARE NOT A CITIZEN YOU ARE HEREBY ADVISED THAT A CONVICTION OF

THE OFFENSE FOR WHICH YOU HAVE BEEN CHARGED WILL HAVE THE

CONSEQUENCES OF DEPORTATION EXCLUSION FROM ADMISSION TO THE

UNITED STATES OR DENIAL OF NATURALIZATION PURSUANT TO THE LAWS OF

THE UNITED STATES

THE COURT FINDS THAT EACH SUCH WAIVER IS KNOWINGLY UNDERSTANDINGLY AND

EXPLICITLY MADE COUNSEL JOINS IN THE WAIVERS

THE DEFENDANT PERSONALLY WITHDRAWS PLEA OF NOT GUILTY TO COUNT 01 AND

PLEADS NOLO CONTENDERE WITH THE APPROVAL OF THE COURT TO A VIOLATION OF

SECTION

530 5(A) pc IN COUNT 01 THE COURT FINDS THE DEFENDANT GUILTY

COUNT (01) DISPOSITION CONVICTED COURT ORDERS AND FINDINGS

-THE COURT ORDERS THE DEFENDANT TO APPEAR ON THE NEXT COURT DATE

COURT FINDS THAT THERE IS A FACTUAL BASIS FOR DEFENDANTS PLEA

AND COURT ACCEPTS PLEA

SENTENCING CONTINUED IN DEPT 112 TO 1-25-16

NEXT SCHEDULED EVENT

012516 830 AM PROBATION AND SENTENCE HEARING DIST VAN NUYS COURTHOUSE

DEPT 112

120915 BAIL TO STAND AS501lt60527

CUSTODY STATUS BAIL TO STAND

ON 012516 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 112

CASE CALLED FOR PROBATION AND SENTENCE HEARING

PARTIES KAREN J NUDELL (JUDGE) LYNNE GARCIA (CLERK)

TROYETTE SCOTT (REP) JESSICA M BALADY (DA)

DEFENDANT PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY GEORGE MGDESYAN PRIVATE

COUNSEL

ATTY CHRISTINA SARKISS APPEARING

SENTENCING CONTINUED IN DEPT 112 TO 2-25-16

COURT ORDERS AND FINDINGS

-THE COURT ORDERS THE DEFENDANT TO APPEAR ON THE NEXT COURT

DATE NEXT SCHEDULED EVENT

022516 830 AM PROBATION AND SENTENCE HEARING DIST VAN NUYS COURTHOUSE

DEPT 112

012516 BAIL TO STAND AS501lt60527

CUSTODY STATUS BAIL TO STAND

218

ON 022516 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 112

CASE CALLED FOR PROBATION AND SENTENCE HEARING

PARTIES KAREN J NUDELL (JUDGE) LYNNE GARCIA (CLERK)

TROYETTE SCOTT (REP) STACEY SOLOMONS (DA)

DEFENDANT IS PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY ANNA OSIPOV PRIVATE

COUNSEL DEFENDANT WAIVES ARRAIGNMENT FOR JUDGMENT AND STATES THERE

IS NO LEGAL CAUSE WHY SENTENCE SHOULD NOT BE PRONOUNCED THE COURT

ORDERED THE FOLLOWING JUDGMENT

AS TO COUNT (01)

COURT ORDERS PROBATION DENIED

SERVE 2 YEARS IN COUNTY JAIL PURSUANT TO pc 1170(H) (1) AND (H) (2)

COURT SELECTS THE MID TERM OF 2 YEARS AS TO COUNT 01

DEFENDANT GIVEN TOTAL CREDIT FOR 10 DAYS IN CUSTODY 5 DAYS ACTUAL

CUSTODY AND 5 DAYS GOOD TIMEWORK TIME

FORTHWITH

PLUS $4000 COURT OPERATIONS ASSESSMENT (PURSUANT TO 1465 8(A) (1) P c )

$3000 CRIMINAL CONVICTION ASSESSMENT (PURSUANT TO 70373

GC)

$1000 CRIME PREVENTION FINE (PURSUANT TO 12025 PC)

COMMIT

MENT

ISSUED

TOTAL

DUE

$8000 IN

ADDITIO

N -THE DEFENDANT IS TO PAY A RESTITUTION FINE PURSUANT TO SECTION

120246) PENAL CODE IN THE AMOUNT OF $300

COURT ORDERS AND FINDINGS

-PURSUANT TO PC SECTION 296 THE DEFENDANT IS ORDERED TO PROVIDE

BUCCAL SWAB SAMPLES A RIGHT THUMB PRINT A FULL PALM PRINT

IMPRESSION OF EACH HAND ANY BLOOD SPECIMENS OR OTHER

BIOLOGICAL SAMPLES AS REQUIRED BY THIS SECTION FOR LAW

ENFORCEMENT IDENTIFICATION

HARVEY WAIVER TAKEN

COUNT (01) DISPOSITION

CONVICTED REMAINING COUNTS

DISMISSED COUNT (02) DISMISSED DUE TO PLEA

NEGOTIATION

219

COUNT (03) DISMISSED DUE TO PLEA

NEGOTIATION

COUNT (04) DISMISSED DUE TO PLEA

NEGOTIATION

COUNT (05) DISMISSED DUE TO PLEA

NEGOTIATION

COUNT (06) DISMISSED DUE TO PLEA NEGOTIATION

COUNT (07) DISMISSED DUE TO PLEA NEGOTIATION

DMV ABSTRACT NOT

REQUIRED NEXT

SCHEDULED EVENT

PROCEEDINGS TERMINATED

022516 EXONERATED AS50K60527

CUSTODY STATUS BAIL EXONERATED

ON 022916 AT 900 AM

COUNTY JAIL ABSTRACT PACKET COMPLETED AND FORWARDED TO COUNTY

JAIL VIA SHERIFFS TRANSPORT ABSTRACT COMPLETED BY A BERGIN

030416 ARREST DISPOSITION REPORT SENT VIA FILE TRANSFER TO

DEPARTMENT OF

J USTICE

220

221

Anexo IV ndash Mandado Caso Paytsar Bkhchadzhyan

222

223

224

225

Anexo V ndash Memorandum do Caso de 9 de Maio de 2016

226

227

228

229

230

231

232

233

234

235

IacuteNDICE

INTRODUCcedilAtildeO 15

CAPIacuteTULO I ndash O PROBLEMA DA DESENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES NO

ORDENAMENTO JURIacuteDICO NORTE-AMERICANO 19

1 O problema da desencriptaccedilatildeo de smartphones na jurisprudecircncia norte-americana

19

11 Caso Commonwealth of Virginia v David Charles Baust 20

12 Caso State of Minnesota v Matthew Vaughn Diamond 22

13 Caso Paytsar Bkhchadzhyan 24

14 Mandado de 9 de Maio de 2016 25

15 Conclusotildees intermeacutedias 27

2 O problema da desencriptaccedilatildeo de smartphones na Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos

da Ameacuterica 28

21 A Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica e a

necessidade de desencriptaccedilatildeo de smartphones com o auxiacutelio do arguido 28

211 Requisitos da Quinta Emenda 28

2111 Coacccedilatildeo (compulsion) 30

2112 Incriminaccedilatildeo (incrimination) 30

2113 Declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo (testimonycommunication) 31

212 Limites da Quinta Emenda 36

2121 Conclusatildeo inevitaacutevel (foregone conclusion) 37

2122 Imunidade (immunity) 39

3 Conclusotildees intermeacutedias 40

CAPIacuteTULO II ndash O ACESSO E A APREENSAtildeO DE DADOS ARMAZENADOS EM

SMARTPHONES NO PROCESSO PENAL PORTUGUEcircS 43

1 Os smartphones e a prova digital 43

2 A Lei do Cibercrime 46

3 A relaccedilatildeo entre a Lei do Cibercrime e o Coacutedigo de Processo Penal 56

4 Conclusotildees intermeacutedias 56

CAPIacuteTULO III ndash A ENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES 59

1 A sociedade na era digital e a crescente necessidade de encriptar 59

2 Encriptaccedilatildeo de smartphones 61

21 Noccedilatildeo 61

22 Funcionalidades 62

23 Meacutetodos de encriptaccedilatildeo de smartphones 64

231 Palavra-passe 65

236

232 Biometria 68

3 Conclusotildees intermeacutedias 76

CAPIacuteTULO IV ndash A DESENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES PARA OBTENCcedilAtildeO

DE PROVA E A SUA ARTICULACcedilAtildeO COM O PRINCIacutePIO DA NAtildeO-

AUTOINCRIMINACcedilAtildeO 79

1 Colocaccedilatildeo do problema 79

2 O princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare 81

21 Consagraccedilatildeo 83

22 Fundamentos juriacutedicos 87

23 Limitaccedilotildees 89

3 A sujeiccedilatildeo a periacutecias exames e diligecircncias de prova e a sua articulaccedilatildeo com o

princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare 91

4 Criteacuterios para a determinaccedilatildeo de violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum

accusare 96

41 Criteacuterio da dependecircncia e independecircncia da vontade do arguido 96

42 Criteacuterio da conduta activa e toleracircncia passiva 103

43 Criteacuterio da ponderaccedilatildeo de bens 107

431 A distinccedilatildeo entre normas-regras e normas-princiacutepios 107

432 A ponderaccedilatildeo enquanto criteacuterio de resoluccedilatildeo de conflitos entre direitos

fundamentais 109

433 Os limites aos limites dos direitos fundamentais 111

4331 Exigecircncia de lei formal 113

4332 Necessidade de salvaguarda de outro direito ou interesse

constitucionalmente protegido 115

4333 Princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo 116

4334 Garantia do conteuacutedo essencial 120

4335 Requisitos formais generalidade abstracccedilatildeo e natildeo retroactividade 122

434 Criacuteticas ao criteacuterio de ponderaccedilatildeo de bens 124

5 Aplicabilidade do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare na desencriptaccedilatildeo de

smartphones para obtenccedilatildeo de prova em processo penal 129

51 Desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe 130

52 Desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do

arguido 137

6 Conclusotildees intermeacutedias 150

CAPIacuteTULO V ndash A RECOLHA DE PROVAS EM VIOLACcedilAtildeO DO PRINCIacutePIO DE

NAtildeO-AUTOINCRIMINACcedilAtildeO 155

1 As proibiccedilotildees de prova 156

237

11 A distinccedilatildeo entre proibiccedilotildees de produccedilatildeo de prova e proibiccedilotildees de valoraccedilatildeo

de prova 156

12 O regime legal das proibiccedilotildees de prova 157

13 A invalidade do acto processual 160

14 O efeito-agrave-distacircncia das proibiccedilotildees de prova 161

2 Consequecircncias da recolha de prova em violaccedilatildeo do princiacutepio de natildeo-

autoincriminaccedilatildeo 164

CONCLUSOtildeES GERAIS 169

BIBLIOGRAFIA 173

ANEXOS 199

Page 4: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITO · Em caso afirmativo, afigurar-se-á necessário apurar se no que tange ao fornecimento de palavras-passe ou impressões digitais do arguido

4

5

Aos meus avoacutes

6

7

A presente dissertaccedilatildeo eacute redigida segundo o antigo acordo ortograacutefico e meacutetodo de citaccedilatildeo

Harvard

8

9

SIGLAS E ABREVIATURAS

AAVV Autores vaacuterios

ADN Aacutecido Desoxirribonucleico

al Aliacutenea

artordm arts artigo artigos

CEDH Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem

cf cfr confira confronte

CP Coacutedigo Penal

CPP Coacutedigo de Processo Penal

CRP Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa

EUA Estados Unidos da Ameacuterica

FBI Federal Bureau of Investigation

HTC Hit the Cell

ie id est (isto eacute)

ID Identity

MMS Multimedia Messaging Service

MP Ministeacuterio Puacuteblico

nordm nos nuacutemero nuacutemeros

NSA National Security Agency

OCDE Organizaccedilatildeo de Cooperaccedilatildeo e de Desenvolvimento Econoacutemico

PIN Personal Identification Number

pp Paacuteginas

RIPA Regulation of Investigatory Powers Act 2000

seacutec Seacuteculo

SMS Short Message Service

StPO Strafprozessordnung

TEDH Tribunal Europeu dos Direitos Humanos

v Versus

vg verbi gratia (por exemplo)

10

11

RESUMO

A implementaccedilatildeo da tecnologia de encriptaccedilatildeo em smartphones nomeadamente por

palavra-passe ou impressatildeo digital contribuiu para o aumento da seguranccedila de

documentos confidenciais e informaccedilotildees pessoais O iPhone por exemplo assegura aos

seus utilizadores atraveacutes da digitaccedilatildeo da palavra-passe ou do mero toque com o dedo no

sensor de impressotildees digitais que ningueacutem teraacute a possibilidade de aceder aos conteuacutedos

dos seus dispositivos electroacutenicos

No entanto destas vantagens advecircm inesperadas implicaccedilotildees legais Os smartphones satildeo

vistos actualmente como uma ferramenta indispensaacutevel quer a niacutevel profissional quer a

niacutevel pessoal natildeo soacute pelas suas inuacutemeras funcionalidades mas tambeacutem devido agrave sua vasta

capacidade de armazenamento de dados (muita das vezes iacutentimos) E eacute esta capacidade

de armazenamento que faz do smartphone um oacuteptimo repositoacuterio de elementos

probatoacuterios De facto estes dispositivos electroacutenicos podem ser ou natildeo

instrumentalizados para a prossecuccedilatildeo de finalidades contraacuterias ao ordenamento juriacutedico

No entanto nos casos em que o dispositivo se encontra encriptado muitas das vezes natildeo

resta outra opccedilatildeo agraves autoridades que natildeo a de pedirem ao arguido que colabore na

investigaccedilatildeo criminal levantando questotildees quanto ao princiacutepio nemo tenetur se ipsum

accusare

O princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo evita que o arguido seja transformado em

colaborador involuntaacuterio das autoridades judiciaacuterias E apesar de o arguido estar

constitucionalmente protegido no sentido de natildeo auxiliar na sua proacutepria incriminaccedilatildeo

situaccedilotildees haacute em que pode ser compelido a revelar ou a entregar provas que possam

contribuir para a sua incriminaccedilatildeo

Mas o que acontece quando o arguido decide encriptar o seu smartphone com recurso a

uma palavra-passe alfanumeacuterica e a uma impressatildeo digital Ambos os meacutetodos satildeo

actualmente usados para guardar informaccedilatildeo pessoal e privada sendo merecedores de

igual protecccedilatildeo em casos de intrusatildeo por parte do Estado Seraacute que compelir o arguido a

revelar a palavra-passe ou a fornecer a sua impressatildeo digital para desencriptar o seu

smartphone deveraacute accionar o privileacutegio do arguido contra a autoincriminaccedilatildeo Este

trabalho sugere que sim veremos porquecirc

Palavras-chave smartphones encriptaccedilatildeo palavra-passe impressatildeo digital

autoincriminaccedilatildeo proibiccedilatildeo de prova

12

13

ABSTRACT

The implementation of encryption technology on smartphones such as password or

fingerprint scanner has facilitated the increased security of confidential documents and

personal information The iPhone for example assures its owner by typing the password

or merely touch his finger to a sensor that no one else will have the ability to acess the

contents of his electronic device

However with these advantages come unforeseen legal implications Currently

smartphones are seen as an indispensable tool both professionally and personally not

only for its many features but also because of its vast data storage capacity (often intimate

data) And it is this storage capacity that makes the smartphone a great repository of

evidence In fact these electronic devices may or may not be instrumentalized for the

pursuit of purposes contrary to the legal system However in the cases where the device

is encrypted there is often no other choice for the authorities than to ask the defendant to

collaborate in the criminal investigation raising questions about the principle nemo

tenetur se ipsum accusare

The privilege against self-incrimination prevents the accused from becoming an

involuntary collaborator of the judicial authorities And although the defendant is

constitutionally protected from assisting in his own incrimination there are situations in

which he may be compelled to reveal or deliver evidence that may contribute to his

incrimination

But what happens when the defendant decides to encrypt his smartphone using an

alphanumeric password and a fingerprint Both methods are currently used to guard

highly private and personal information and both are equally deserving of protection

from government intrusion Does compelling the defendant to reveal his password or to

provide his fingerprint in order to decrypt the smartphone should trigger the defendants

privilege against self-incrimination This work suggests that it does we will see why

Keywords smartphones encryption password fingerprint self-incrimination

exclusionary rules

14

15

INTRODUCcedilAtildeO

Propomo-nos fazer uma incursatildeo na temaacutetica relativa agrave articulaccedilatildeo entre as ordens de

desencriptaccedilatildeo de smartphones dirigidas ao arguido e a colaboraccedilatildeo processual que lhe eacute

exigiacutevel Assim pretendemos aferir se em sede de Direito Processual Penal o arguido se

encontra adstrito a colaborar com as autoridades judiciaacuterias no sentido de a pedido

destas facultar a sua impressatildeo digital ou quaisquer palavras-passe que permitam o

acesso a dados protegidos que se encontrem armazenados no seu smartphone

Como se infere com facilidade a questatildeo sub judice apresenta uma matriz dual praacutetica e

teoacuterica afigurando-se absolutamente compreendida no acircmbito de uma indagaccedilatildeo preacutevia

geral a que cumpre dar resposta seraacute que sobre o arguido impende um dever de

colaboraccedilatildeo com as autoridades judiciaacuterias no acircmbito da investigaccedilatildeo criminal que a estas

compete Poderaacute sustentar-se que a existecircncia de um tal dever eacute a toda a linha

compatiacutevel com o princiacutepio constitucional da natildeo-autoincriminaccedilatildeo Esta seraacute sem

duacutevida a interrogaccedilatildeo subjacente que nortearaacute a presente investigaccedilatildeo Cumpre salientar

que esta mateacuteria tem sido amplamente discutida pela jurisprudecircncia e doutrina

internacionais nomeadamente pela jurisprudecircncia e doutrina norte-americanas Neste

sentido mostra-se pertinente fazer remissatildeo logo desde o iacutenicio e ao longo da

investigaccedilatildeo ao ordenamento juriacutedico norte-americano

Esta problemaacutetica centra-se no confronto entre o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo

conhecido tambeacutem por nemo tenetur se ipsum accusare e os interesses eminentemente

de natureza puacuteblica associados agrave investigaccedilatildeo criminal Aqui ainda que se conclua pela

inexistecircncia de um princiacutepio geral de colaboraccedilatildeo do arguido no quadro da investigaccedilatildeo

criminal cumpre determinar se pontualmente o Coacutedigo Penal e o Coacutedigo de Processo

Penal estabelecem ou natildeo a prevalecircncia dos interesses prosseguidos pelas autoridades

judiciaacuterias sobre as garantias de defesa do arguido Em caso afirmativo afigurar-se-aacute

necessaacuterio apurar se no que tange ao fornecimento de palavras-passe ou impressotildees

digitais do arguido eacute ou natildeo aplicaacutevel um regime de natureza excepcional

De facto o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo jaacute foi alvo de vaacuterios estudos

nomeadamente em sede de apresentaccedilatildeo de documentos pelo arguido de concessatildeo de

acesso pelo arguido a espaccedilos vedados que se encontrem na sua disponibilidade ou de

sujeiccedilatildeo a revistas e exames de natureza pericial No entanto os dispositivos electroacutenicos

16

de armazenamento de dados (vg smartphone computador tablet etc) apresentam

peculiaridades que os elevam ao estatuto de questatildeo autonomizaacutevel Desde logo

importaraacute referir que estes dispositivos electroacutenicos com diversos graus de

complexidade se impuseram no quotidiano do cidadatildeo comum enquanto ferramentas de

trabalho e de lazer Quer isto significar que por vezes ainda que natildeo instrumentalizados

para a prossecuccedilatildeo de finalidades contraacuterias ao ordenamento juriacutedico aqueles

dispositivos encerram em si um conjunto de dados susceptiacuteveis de concorrer para o

desenvolvimento da investigaccedilatildeo criminal

Por outro lado os meios tecnoloacutegicos que se encontram actualmente ao dispor da

sociedade permitem com relativa facilidade a ocultaccedilatildeo e protecccedilatildeo de dados por

intermeacutedio da encriptaccedilatildeo Ora natildeo subsistem quaisquer duacutevidas quanto a saber que as

dificuldades das entidades judiciaacuterias em aceder aos dados encriptados eacute proporcional ao

grau de sofisticaccedilatildeo do meacutetodo de protecccedilatildeo ou ocultaccedilatildeo empregue Em alguns casos

dir-se-aacute mesmo que a natildeo colaboraccedilatildeo do arguido poderaacute inquinar decisivamente a

investigaccedilatildeo porquanto a desencriptaccedilatildeo poderaacute consumir muito tempo ou ateacute mesmo

afigurar-se infrutiacutefera Como tal estes dados natildeo raras vezes da maior relevacircncia para a

investigaccedilatildeo satildeo em muitos casos extremamente volaacuteteis pelo que a colaboraccedilatildeo do

arguido pode ser indispensaacutevel para que os mesmos sejam acedidos Mas natildeo seraacute tal

colaboraccedilatildeo violadora do princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo Esta interrogaccedilatildeo serve de

centro de gravidade para o presente estudo cujo propoacutesito central consiste em determinar

se a ordem de desencriptaccedilatildeo dirigida ao arguido pelas autoridades judiciaacuterias no sentido

de este fornecer a sua impressatildeo digital ou palavra-passe que possibilitam o acesso ao seu

smartphone eacute ou natildeo violadora do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare

Para que possamos dar resposta a esta problemaacutetica comeccedilaremos no primeiro capiacutetulo

por analisar a questatildeo agrave luz do ordenamento juriacutedico norte-americano Em primeira linha

faremos a apresentaccedilatildeo de quatro casos jurisprudenciais relacionados com a coacccedilatildeo por

parte de entidades judiciaacuterias sobre o arguidosuspeito no sentido de este fornecer a sua

palavra-passe ou impressatildeo digital Posteriormente indagaremos sobre a temaacutetica da

desencriptaccedilatildeo compelida no acircmbito da Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica e

perceberemos o motivo pelo qual estas situaccedilotildees chegaram aos tribunais norte-

americanos No entanto uma vez que a presente investigaccedilatildeo eacute feita em territoacuterio

nacional cumpre fazer o enquadramento destes casos face ao direito processual penal

portuguecircs Por esse motivo decidimos tratar da questatildeo fazendo uma desconstruccedilatildeo

17

praacutetica do problema sendo que a primeira questatildeo que se coloca num caso de

desencriptaccedilatildeo compelida de um smartphone eacute a de saber como se processa o acesso e a

apreensatildeo dos dados aiacute armazenados agrave luz do processo penal portuguecircs (capiacutetulo II)

Depois da tentativa de acesso e apreensatildeo dos dados armazenados no smartphone de um

ponto de vista praacutetico o segundo obstaacuteculo que se coloca agrave investigaccedilatildeo criminal prende-

se com a constataccedilatildeo de que o acesso ao smartphone e a todos os seus ficheiros se encontra

protegido por um sistema de encriptaccedilatildeo Assim mostra-se relevante fazer num terceiro

capiacutetulo a explicaccedilatildeo do que se entende por encriptaccedilatildeo e a enunciaccedilatildeo dos meacutetodos de

encriptaccedilatildeo comummente utilizados pelos proprietaacuterios de smartphones Como dissemos

existe uma correlaccedilatildeo entre a sofisticaccedilatildeo do meacutetodo utilizado e a dificuldade em aceder

ao dispositivo Desta forma surge a questatildeo no capiacutetulo IV de saber ateacute que ponto o

arguido poderaacute auxiliar as autoridades judiciaacuterias na investigaccedilatildeo sem com isso violar o

seu direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo Aqui discutir-se-aacute se por um lado a revelaccedilatildeo da

palavra-passe eacute violadora do nemo tenetur e se por outro o fornecimento da impressatildeo

digital eacute violador do nemo tenetur Por fim depois de respondermos a esta contenda

cumpre indagar no capiacutetulo V quais as consequecircncias da recolha de provas em violaccedilatildeo

deste princiacutepio constitucional

18

19

CAPIacuteTULO I ndash O PROBLEMA DA DESENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES

NO ORDENAMENTO JURIacuteDICO NORTE-AMERICANO

1 O problema da desencriptaccedilatildeo de smartphones na jurisprudecircncia norte-

americana

Com a evoluccedilatildeo da tecnologia nasce em meados dos anos 90 a necessidade de proteger

ndash electronicamente - a confidencialidade dos vaacuterios ficheiros que satildeo diariamente

armazenados em sistemas electroacutenicos (nomeadamente o computador) Mais tarde esta

tendecircncia alarga-se igualmente aos telemoacuteveis ou mais precisamente aos smartphones

Um computador ou um smartphone tecircm actualmente uma capacidade de armazenamento

de ficheiros consideraacutevel possibilitando que o seu utilizador guarde contactos e-mails

fotografias viacutedeos entre outros ficheiros de uma maneira faacutecil e raacutepida No entanto para

aleacutem de existir esta necessidade por parte do utilizador comum de impedir que terceiros

possam aceder aos seus ficheiros pessoais tambeacutem os criminosos tecircm idecircntica

preocupaccedilatildeo com a confidencialidade dos elementos relativos aos seus crimes mormente

os que pressupotildeem sistemas sofisticados de comunicaccedilatildeo ou partilha de ficheiros1

Atendendo a esta necessidade de confidencialidade os utilizadores destes dispositivos

electroacutenicos recorrem a chaves criptograacuteficas compostas pela combinaccedilatildeo de dados

biomeacutetricos com palavras-passe relativamente simples e memorizaacuteveis garantindo a

privacidade das mensagens trocadas ou guardadas das fotografias dos viacutedeos ou de

outros ficheiros contra a intromissatildeo de terceiros Assim a efectividade deste meacutetodo

reside na necessidade de colaboraccedilatildeo activa e voluntaacuteria da pessoa que memorizou o

coacutedigo ou que introduziu os seus dados biomeacutetricos

Tendo em conta que estes coacutedigos criptograacuteficos satildeo na praacutetica indecifraacuteveis surge a

questatildeo de saber se no acircmbito de uma investigaccedilatildeo criminal e atendendo ao princiacutepio

contra a autoincriminaccedilatildeo seraacute legiacutetimo compelir o arguido a desencriptar o seu

dispositivo atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe ou do fornecimento dos seus dados

biomeacutetricos

Esta questatildeo jaacute foi abordada em diversos casos nos Estados Unidos da Ameacuterica pelo que

faremos nos proacuteximos pontos uma anaacutelise da questatildeo na jurisprudecircncia norte-americana

1 Oliveira Silva 2015 735

20

11 Caso Commonwealth of Virginia v David Charles Baust2

No dia 19 de Fevereiro de 2014 David Charles Baust residente em Virginia Beach

Estados Unidos da Ameacuterica e parameacutedico de profissatildeo teraacute alegadamente estrangulado

e agredido a sua namorada no quarto de sua casa3

A viacutetima alegou que o arguido gravou todo o ataque atraveacutes de um aparelho de gravaccedilatildeo

de viacutedeo que estaria sincronizado com o seu telemoacutevel pessoal um iPhone 5S que foi

colocado no quarto Foi ainda relatado pela viacutetima que ainda na manhatilde do dia 19 de

Fevereiro de 2014 apoacutes ter sido agredida tentou guardar o aparelho de gravaccedilatildeo no

entanto o arguido apercebendo-se da situaccedilatildeo voltou a agredi-la4

Anteriormente agrave alegada agressatildeo David Charles Baust jaacute tinha utilizado o referido

sistema de gravaccedilatildeo de viacutedeo ligado ao seu iPhone 5S enviando por mensagem de texto

para a viacutetima um viacutedeo onde ambos tinham relaccedilotildees sexuais no quarto do arguido

No seguimento de um mandado de busca executado diversos dias depois da agressatildeo foi

recolhido da casa do arguido o seu telemoacutevel pessoal (iPhone 5S) diversos aparelhos de

gravaccedilatildeo flash drives e um computador

Tanto a viacutetima quanto o arguido afirmaram que seria possiacutevel que no telemoacutevel do

segundo estivesse armazenada a gravaccedilatildeo de viacutedeo da agressatildeo5 No entanto o acesso ao

conteuacutedo do smartphone ficou impossibilitado uma vez que o dispositivo se encontrava

protegido por palavra-passe e impressatildeo digital Dada a situaccedilatildeo a acusaccedilatildeo apresentou

uma moccedilatildeo para a produccedilatildeo compelida da palavra-passe ou da impressatildeo digital que

desencriptam o smartphone

A questatildeo que se colocou em tribunal foi a de saber se seria possiacutevel compelir o arguido

a fornecer a palavra-passe ou a sua impressatildeo digital sem violar o seu princiacutepio agrave natildeo-

autoincriminaccedilatildeo (Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica)

2 Commonwealth of Virginia v David Charles Baust 2014 Disponiacutevel em

httpsconsumermediallcfileswordpresscom201411245515028-fingerprint-unlock-rulingpdf

[consultado em 22112016] Pode ser consultado no Anexo I da presente Dissertaccedilatildeo 3 Hudman 2015 213 4 Winterbottom 2014 1 Disponiacutevel em httpjoltlawharvardedudigesttelecommunicationscourt-

rules-police-may-compel-suspects-to-unlock-fingerprint-protected-smartphones [consultado em

22112016] 5 FerminoFeuchtbaum 2016 3 Disponiacutevel em httpwwwlawcomsitesarticles20160623the-laws-

breakable-protections-for-unbreakable-encryption [consultado em 22112016]

21

A decisatildeo do tribunal foi fraccionada6 Por um lado o juiz Steven Frucci autorizou o

pedido da acusaccedilatildeo para compelir o arguido a fornecer a sua impressatildeo digital no sentido

de desencriptar o seu smartphone por outro negou o pedido da acusaccedilatildeo para compelir

o arguido a fornecer a sua palavra-passe

No que concerne agrave argumentaccedilatildeo para a decisatildeo o juiz Steven Frucci comeccedila por analisar

a Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica que estabelece o

seguinte ldquonenhuma pessoa seraacute obrigada a depor contra si proacutepria em qualquer processo

criminalrdquo7

A Quinta Emenda concede ao arguido o privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo Segundo o

juiz para que a Quinta Emenda seja violada eacute necessaacuterio que a ordem dada ao arguido

cumpra trecircs requisitos a) que seja uma ordem coactiva (compulsion) b) de prestaccedilatildeo de

uma declaraccedilatildeo comunicativa (of a testimonial communication) c) que seja incriminatoacuteria

(that is incriminating) Quanto ao primeiro e terceiro requisitos parece natildeo haver duacutevidas

para o douto tribunal eacute notoacuterio que o pedido de cedecircncia da palavra-passe ou da

impressatildeo digital eacute coactivo e incriminatoacuterio A duacutevida surge quanto ao segundo

requisito nomeadamente quando se questiona se esta cedecircncia da palavra-passe e da

impressatildeo digital eacute ou natildeo uma declaraccedilatildeo ou comunicaccedilatildeo Eacute afirmado no caso pelo juiz

Steven Frucci que um acto eacute declarativo (testimonial) ldquoquando o arguido eacute forccedilado a

revelar o conhecimento de factos que o relacionam com o delito ou quando tenha de

compartilhar os seus pensamentos e crenccedilas com o governordquo8

Por esse motivo o tribunal concluiu o seguinte ldquoO arguido natildeo pode ser obrigado a

lsquodivulgar atraveacutes de processos mentaisrsquo a palavra-passe No entanto a impressatildeo digital

como uma chave natildeo exige que a testemunha divulgue algo atraveacutes de processos mentais

Pelo contraacuterio agrave semelhanccedila das caracteriacutesticas fiacutesicas que satildeo natildeo declarativas ou natildeo

comunicativas a impressatildeo digital do arguido se utilizada para aceder ao seu smartphone

eacute igualmente natildeo declarativa ou natildeo comunicativa natildeo exigindo que o arguido

lsquocomunique qualquer tipo de conhecimentorsquo Ao contraacuterio da produccedilatildeo de provas de

6 Kerr 2014 2 Disponiacutevel em httpswwwwashingtonpostcomnewsvolokh-

conspiracywp20141103virginia-state-trial-court-ruling-on-the-fifth-amendment-and-smart-

phonesutm_term=399c18bf1a04 [consultado em 22112016] 7 ldquoNo person shall be compelled in any criminal case to be a witness against himselfrdquo 8 ldquoWhen the accused is forced to reveal his knowlegde of facts relating him to the offense or from having

to share his thoughts and beliefs with the governmentrdquo Cf Commonwealth of Virginia v David Charles

Baust 2014 Disponiacutevel em httpsconsumermediallcfileswordpresscom201411245515028-

fingerprint-unlock-rulingpdf [consultado em 22112016] Pode ser consultado no Anexo I da presente

Dissertaccedilatildeo

22

caraacutecter fiacutesico tal como uma impressatildeo digital a revelaccedilatildeo de uma palavra-passe forccedila o

arguido a lsquorevelar o conteuacutedo da sua proacutepria mentersquo Por esta razatildeo a moccedilatildeo para

compelir o arguido a revelar a palavra-passe deve ser NEGADA mas a moccedilatildeo para

compelir o arguido a fornecer a sua impressatildeo digital deve ser CONCEDIDArdquo9

Apesar da autorizaccedilatildeo dada pelo juiz Steven Frucci para compelir o arguido a fornecer a

sua impressatildeo digital com o propoacutesito de desbloquear o smartphone apreendido o acesso

ao seu conteuacutedo acabou por natildeo se realizar visto que o dispositivo teria estado na posse

das entidades judiciaacuterias durante cerca de 6 meses10 e ao fim de 48 horas de inactividade

eacute necessaacuteria a palavra-passe para permitir o acesso

O arguido foi absolvido por falta de provas

12 Caso State of Minnesota v Matthew Vaughn Diamond11

No dia 30 de Outubro de 2014 a viacutetima MH saiu de sua casa em Chaska entre as 1030

e 1045 da manhatilde para fazer alguns recados Quando regressou cerca das 1200

encontrou a porta da sua garagem danificada resultado de um arrombamento forccedilado

Depois de se aperceber do furto de um cofre um computador portaacutetil e diversa joalharia

a viacutetima ligou para a poliacutecia Enquanto aguardava a chegada da poliacutecia a viacutetima encontrou

um envelope na entrada da sua garagem com o nome ldquoSWrdquo escrito A poliacutecia tirou

fotografias ao local e a diversas pegadas que foram deixadas junto agrave entrada da garagem

Depois de recorrer agrave base de dados estatal a detective Nelson do Departamento de Poliacutecia

de Chaska conseguiu determinar o nuacutemero de matriacutecula do carro de SW e descobriu

ainda que no proacuteprio dia 30 SW tinha penhorado as joacuteias furtadas da casa da viacutetima

numa loja de penhores

9 ldquoThe defendant cannot be compelled to lsquodivulge through his mental processesrsquo the passcode for entry

The fingerprint like a key however does not require the witness to divulge anything through his mental

processes On the contrary like physical characteristics that are non-testimonial the fingerprint of the

Defendant if used to access his phone is likewise non-testimonial and does not require Defendant to

lsquocommunicate any knowledgersquo at all Unlike the production of physical characteristic evidence such as a

fingerprint the production of a password forces the Defendant to lsquodisclose the contents of his own mindrsquo For this reason the motion to compel the passcode should be DENIED but the motion to compel the

fingerprint should be GRANTEDrdquo Cf Commonwealth of Virginia v David Charles Baust 2014

Disponiacutevel em httpsconsumermediallcfileswordpresscom201411245515028-fingerprint-unlock-

rulingpdf [consultado em 22112016] Pode ser consultado no Anexo I da presente Dissertaccedilatildeo 10 Pagliery 2016 1 Disponiacutevel em httpmoneycnncom20160512technologyfbi-fingerprint-iphone

[consultado em 21112016] 11 State of Minnesota v Matthew Vaughn Diamond 2017 Disponiacutevel em httpmngovlaw-library-

statarchivectappub2017OPa152075-011717pdf [consultado em 23022017] Pode ser consultado no

Anexo II da presente Dissertaccedilatildeo

23

No dia 4 de Novembro as autoridades judiciaacuterias localizaram o veiacuteculo automoacutevel de

SW que no momento estava a ser utilizado pelo arguido Matthew Diamond O arguido

foi detido no momento uma vez que teria pendente um mandado de detenccedilatildeo

relativamente a um outro crime Ficou detido na prisatildeo de Scott County onde foram

recolhidos os seus pertences uns sapatos e um smartphone

Dadas as similitudes entre os sapatos de Matthew Diamond e as pegadas deixadas no

local do furto no dia 6 de Novembro foi emitido e executado um mandado de busca e

apreensatildeo dos sapatos e do smartphone No dia 12 de Novembro foi emitido ainda um

mandado adicional relativamente agrave pesquisa de conteuacutedos armazenados no smartphone

de Matthew Diamond No entanto o smartphone estava encriptado pelo que a detective

Nelson natildeo conseguiu aceder ao mesmo

Em Dezembro o Estado apresentou uma moccedilatildeo para compelir Matthew Diamond a

desencriptar o seu smartphone atraveacutes da leitura da sua impressatildeo digital Mais tarde

depois de algumas controveacutersias relativamente a esta moccedilatildeo a 11 de Fevereiro o tribunal

de comarca (district court) concedeu a ordem de desencriptaccedilatildeo do smartphone pedida

pelo Estado atestando que tal ordem estaria justificada por ldquoprobable causerdquo e que natildeo

entraria em confronto com o privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo consagrado na Quinta

Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica

Matthew Diamond recusou-se a desencriptar o seu dispositivo electroacutenico No dia 3 de

Abril o tribunal de comarca (district court) acusou Matthew Diamond de desobediecircncia

e informou-o que se colaborasse com a ordem de desencriptaccedilatildeo deixaria de ser

penalizado por esse crime O arguido decidiu por esse motivo colaborar com as

autoridades judiciaacuterias e colocar o dedo no sensor do seu smartphone para conceder o

acesso a todos os seus conteuacutedos

Depois de terem sido recolhidas provas incriminatoacuterias que relacionavam Matthew

Diamond ao crime em questatildeo o arguido foi condenado por furto em segundo grau

ldquomisdemeanor theftrdquo e danos de propriedade em quarto grau Apesar de o acoacuterdatildeo natildeo

esclarecer que tipo de smartphone estaria em causa dado que o sistema iOS (usado em

iPhones) requer a introduccedilatildeo da palavra-passe alfanumeacuterica apoacutes 48 horas de inactividade

ou apoacutes o dispositivo ser desligado acreditamos que o smartphone do arguido seria de

sistema Android

24

O tribunal de comarca (district court) condenou o arguido a 51 meses de prisatildeo pelo furto

em segundo grau e 90 dias de prisatildeo pelos danos causados na propriedade da viacutetima

O arguido recorreu para o Tribunal do Estado de Minnesota alegando que o seu privileacutegio

contra a autoincriminaccedilatildeo teria sido violado quando foi compelido a desencriptar o seu

smartphone atraveacutes da leitura da sua impressatildeo digital fornecendo assim provas

autoincriminatoacuterias

O douto tribunal concluiu que a Quinta Emenda natildeo teria sido violada no caso de Matthew

Diamond uma vez que o privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo apenas protege o arguido

de ser compelido a fornecer elementos probatoacuterios de tipo declarativo (testimonial) ou

comunicativo (communicative) natildeo estando aqui incluiacuteda a acccedilatildeo de desencriptar um

smartphone atraveacutes da colocaccedilatildeo do dedo num sensor de reconhecimento de impressotildees

digitais

Desta forma o Tribunal do Estado de Minnesota natildeo deu provimento ao recurso

apresentado pelo arguido confirmando a sentenccedila dada pelo tribunal de comarca (district

court)

13 Caso Paytsar Bkhchadzhyan12

No dia 25 de Fevereiro de 2016 no tribunal de Van Nuys na Califoacuternia Estados Unidos

da Ameacuterica uma cidadatilde norte-americana Paytsar Bkhchadzhyan de 29 anos foi

condenada pelo crime de roubo de identidade (identity theft) depois de natildeo ter contestado

as acusaccedilotildees13

Os registos da detenccedilatildeo e documentos judiciais mostram que apenas 45 minutos depois

de ter sido levada sob custoacutedia a juiacuteza Alicia Rosenberg sentada num outro tribunal a

cerca de 30 quiloacutemetros de Van Nuys assinou um mandado14 autorizando as entidades

policiais a compelirem Paytsar Bkhchadzhyan a pressionar o seu dedo no smartphone que

fora apreendido durante a sua detenccedilatildeo (um iPhone da marca Apple) com o objectivo de

permitir o acesso ao seu conteuacutedo por parte do FBI uma vez que o mesmo se encontrava

protegido com um meacutetodo de desbloqueio atraveacutes de impressatildeo digital e palavra-passe

12 O processo pode ser consultado no Anexo III da presente dissertaccedilatildeo 13 HamiltonWinton 2016 1 Disponiacutevel em httpwwwlatimescomlocalcaliforniala-me-iphones-

fingerprints-20160430-storyhtml [consultado em 21112016] 14 O mandado pode ser consultado no Anexo IV da presente dissertaccedilatildeo

25

Em menos de 30 minutos um agente do FBI especializado em cibercrime deu iniacutecio agrave

tentativa de desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da impressatildeo digital de Paytsar

Bkhchadzhyan

Os motivos que levaram o FBI a pedir a emissatildeo deste mandado satildeo ateacute hoje

desconhecidos O aparelho foi apreendido numa residecircncia em Glendale na Califoacuternia

pertencente a Sevak Mesrobian que seria namorado de Paytsar Bkhchadzhyan e membro

de um gang armeacutenio designado de Armenian Power15 O gang era conhecido por

perpetrar inuacutemeros raptos roubos de identidade fraude bancaacuteria e clonagem de cartotildees

atraveacutes de pirataria informaacutetica

No mandado pode ler-se o seguinte ldquoas autoridades judiciaacuterias estatildeo autorizadas a

pressionar os dedos da pessoa abrangida por este mandado no sensor de Touch ID do

iPhone da Apple apreendido em [] Glendale Califoacuternia 91214 em 25 de Fevereiro de

2016rdquo16

Apesar da raacutepida actuaccedilatildeo das entidades policiais ao compelirem Paytsar Bkhchadzhyan

a usar todos os seus dez dedos para desbloquear o iPhone o meacutetodo revelou-se

infrutiacutefero17

Confrontados com a impossibilidade de acederem ao conteuacutedo do smartphone atraveacutes das

impressotildees digitais de Paytsar Bkhchadzhyan o FBI decidiu tentar aceder ao aparelho

usando um caminho diferente pedindo a palavra-passe Mas Paytsar Bkhchadzhyan

recusou alegando que o smartphone natildeo seria seu

Por este motivo o acesso ao conteuacutedo do iPhone alegadamente pertencente a Paytsar

Bkhchadzhyan acabou por natildeo se efectivar

14 Mandado de 9 de Maio de 2016

No dia 9 de Maio de 2016 foi emitido um mandado que autorizava as entidades

judiciaacuterias do estado da Califoacuternia nos Estados Unidos da Ameacuterica a efectuar uma busca

15 Blue 2016 3 Disponiacutevel em httpswwwengadgetcom20160506how-armenian-gangsters-blew-

up-the-fingerprint-password-debate [consultado em 21112016] 16 ldquoLaw enforcement personnel are authorized to depress the fingerprints andor thumbprints of the person

covered by this warrant onto the Touch ID sensor of the Apple iPhone seized from [hellip] Glendale California

91214 on February 25 2016rdquo O mandado pode ser consultado no Anexo IV da presente dissertaccedilatildeo 17 Pagliery 2016 1 Disponiacutevel em httpmoneycnncom20160512technologyfbi-fingerprint-iphone

[consultado em 21112016]

26

a uma residecircncia em Lancaster na Califoacuternia18 No entanto para aleacutem da busca foi ainda

autorizado que todos os sujeitos que se encontrassem no periacutemetro da busca fossem

compelidos a desencriptarem os seus smartphones atraveacutes da leitura das suas impressotildees

digitais

Apesar de o mandado natildeo ter sido tornado puacuteblico o memorandum19 assinado pela

advogada do Distrito Central da Califoacuternia Eileen Decker teve outro desfecho No

memorandum pode ler-se ldquoO governo submete esta autoridade suplementar em apoio ao

pedido de mandado de busca que solicita a autorizaccedilatildeo para recolher as impressotildees

digitais de qualquer pessoa que se encontre nas INSTALACcedilOtildeES DO SUJEITO durante

a execuccedilatildeo da busca sobre as quais seja razoavelmente acreditado serem utilizadoras de

dispositivos electroacutenicos com sensor de reconhecimento de impressatildeo digital que se

encontrem localizados nas INSTALACcedilOtildeES DO SUJEITO e que estejam abrangidos pelo

acircmbito de aplicaccedilatildeo do mandadordquo20

No entanto neste caso natildeo eram apenas as impressotildees digitais que estavam em causa

uma vez que ldquoembora o governo natildeo saiba de antematildeo a identidade de cada dispositivo

digital ou impressatildeo digital (ou de facto qualquer outra prova) que possa ser encontrada

durante a busca ficou demonstrada ldquoprobable causerdquo de que essas provas poderiam ser

encontradas no local da busca sendo necessaacuterio ganhar e manter o acesso aos dispositivos

aiacute localizados para que seja possiacutevel realizar uma pesquisa sobre estes Por esse motivo

o mandado autoriza a apreensatildeo de palavras-passe chaves de encriptaccedilatildeo e outros

dispositivos de acesso que sejam necessaacuterios para aceder ao dispositivordquo21

Como justificaccedilatildeo para poderem por um lado compelir todos os sujeitos que se

encontrassem no periacutemetro da busca a desencriptarem o seu smartphone atraveacutes da

18 Fox-Brewster 2016 1 Disponiacutevel em httpwwwforbescomsitesthomasbrewster20161016doj-

demands-mass-fingerprint-seizure-to-open-iphones46075ff48d9d [consultado em 21112016] 19 O memorandum pode ser consultado no Anexo V da presente dissertaccedilatildeo 20 ldquoThe government submits this supplemental authority in support of its application for a search warrant

which seeks authorization to depress the fingerprints and thumbprints of every person who is located at the

SUBJECT PREMISES during the execution of the search and who is reasonably believed by law

enforcement to be a user of a fingerprint sensor-enabler device that is located at the SUBJECT PREMISES and falls within the scope of the warrantrdquo O memorandum pode ser consultado no Anexo V da presente

dissertaccedilatildeo 21 ldquoWhile the government does not know ahead of time the identity of every digital device or fingerprint (or

indeed every other piece of evidence) that it will find in the search it has demonstrated probable cause

that evidence may exist at the search location and needs the ability to gain access to those devices and

maintain that access to search them For that reason the warrant authorizes the seizure of lsquopasswords

encryption keys and other access devices that may be necessary to access the devicerdquo Cf Shaw 2016 1

Disponiacutevel em httpwwwthenewamericancomusnewsconstitutionitem24354-doj-gets-warrant-to-

force-people-to-use-fingerprints-to-unlock-their-phones [consultado em 21112016]

27

impressatildeo digital e por outro apreender todas as palavras-passe chaves de encriptaccedilatildeo

entre outros meios de desencriptaccedilatildeo que se encontrassem no local o Departamento de

Justiccedila veio alegar que empresas como a Apple Motorola HTC e Samsung entre outras

produzem diversos aparelhos que podem ser desbloqueados pelo utilizador com uma

palavra-passe numeacuterica alfanumeacuterica ou em alguns aparelhos mais modernos e

sofisticados com a impressatildeo digital atraveacutes de um sensor22 Desta forma a possibilidade

de acesso das entidades judiciaacuterias ao conteuacutedo dos smartphones sem o auxiacutelio do seu

utilizador torna-se extremamente difiacutecil

Para aleacutem deste reforccedilo na seguranccedila destes dispositivos foram ainda criados alguns

limites ao desbloqueio dos smartphones O Departamento de Justiccedila daacute o exemplo do

iPhone da Apple que apoacutes 5 tentativas de desbloqueio atraveacutes da leitura da impressatildeo

digital requer palavra-passe Aleacutem desta caracteriacutestica o iPhone tecircm ainda a vantagem

ou desvantagem de apoacutes 48 horas de inactividade necessitar obrigatoriamente da

palavra-passe (e natildeo apenas da impressatildeo digital) para desbloquear

Eacute com base nestas circunstacircncias que o Departamento de Justiccedila justifica a necessidade e

a urgecircncia da coacccedilatildeo dos sujeitos no sentido de desencriptarem os dispositivos atraveacutes

da leitura das suas impressotildees digitais

O Departamento de Justiccedila finaliza o memorandum afirmando que este mandado natildeo

viola nem a Quarta nem a Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica

15 Conclusotildees intermeacutedias

Depois da leitura dos quatro casos apresentados podemos concluir que em todos eles a

palavra-passe e a impressatildeo digital parecem ter um tratamento diferenciado Se por um

lado a revelaccedilatildeo da palavra-passe parece estar protegida pela Quinta Emenda agrave

Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica por outro a impressatildeo digital por natildeo se

tratar de uma declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo do arguido parece natildeo ter qualquer tipo de

protecccedilatildeo contra a autoincriminaccedilatildeo

Para percebermos em maior detalhe esta diferenciaccedilatildeo e o motivo pelo qual estas questotildees

chegaram agrave jurisprudecircncia norte-americana cumpre analisar a protecccedilatildeo conferida pela

Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica

22 Vaas 2016 3 Disponiacutevel em httpsnakedsecuritysophoscom20161018feds-got-search-warrant-

demanding-anyones-fingerprints-to-open-phones [consultado em 21112016]

28

2 O problema da desencriptaccedilatildeo de smartphones na Constituiccedilatildeo dos Estados

Unidos da Ameacuterica

Qualquer caso de desencriptaccedilatildeo compelida dirigida ao arguido seja atraveacutes da revelaccedilatildeo

da palavra-passe seja atraveacutes da leitura da impressatildeo digital gera problemas quanto ao

princiacutepio da natildeo-autoincriminaccedilatildeo

Segundo este princiacutepio o arguido natildeo deveraacute colaborar com as autoridades judiciaacuterias no

sentido de auxiliar na sua proacutepria incriminaccedilatildeo Assim coloca-se a questatildeo estaraacute o

arguido a violar segundo o ordenamento juriacutedico norte-americano o seu direito agrave natildeo-

autoincriminaccedilatildeo quando obedece a estas ordens de desencriptaccedilatildeo

Uma anaacutelise agrave Constituiccedilatildeo norte-americana nomeadamente agrave sua Quinta Emenda

ajudar-nos-aacute a obter uma resposta

21 A Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica e a

necessidade de desencriptaccedilatildeo de smartphones com o auxiacutelio do arguido

A Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica estabelece o seguinte

ldquoNenhuma pessoa seraacute obrigada a responder por um crime capital ou infame salvo por

denuacutencia ou pronuacutencia de um grande juacuteri excepto quando se trate de casos que em tempo

de guerra ou de perigo puacuteblico ocorram nas forccedilas terrestres ou navais ou na miliacutecia

quando em serviccedilo activo nenhuma pessoa seraacute pelo mesmo crime submetida duas

vezes a julgamento que possa causar-lhe a perda da vida ou de algum membro nem seraacute

obrigada a depor contra si proacutepria em processo criminal ou ser privada da vida liberdade

ou propriedade sem processo legal regular a propriedade privada natildeo seraacute desapropriada

para uso puacuteblico sem justa indemnizaccedilatildeordquo23 Do texto retiramos a seguinte frase

ldquoNenhuma pessoa seraacute [hellip] obrigada a depor contra si proacutepria em processo criminal [hellip]rdquo

211 Requisitos da Quinta Emenda

Da Quinta Emenda podemos extrair a defesa do brocardo latino nemo tenetur se ipsum

accusare ou seja o princiacutepio de natildeo-autoincriminaccedilatildeo O princiacutepio protege o arguido ldquode

23 ldquoNo person shall be held to answer for a capital or otherwise infamous crime unless on a presentment

or indictment of a Grand Jury except in cases arising in the land or naval forces or in the Militia when

in actual service in time of War or public danger nor shall any person be subject for the same offence to

be twice put in jeopardy of life or limb nor shall be compelled in any criminal case to be a witness against

himself nor be deprived of life liberty or property without due process of law nor shall private property

be taken for public use without just compensationrdquo

29

ser chamado a testemunhar contra si proacuteprio no seu proacuteprio julgamento e permite que

recuse responder a perguntas oficiais que possam incriminaacute-lo em futuros processos

sejam eles civis ou criminais formais ou informaisrdquo24 Na doutrina norte-americana eacute

igualmente defendido que este princiacutepio tem ainda como finalidade proteger o arguido do

ldquocruel trilemmardquo25 de ter de escolher entre a) fornecer provas incriminadoras contra si

proacuteprio arriscando ser alvo de uma acccedilatildeo criminal b) mentir agraves autoridades judiciaacuterias e

judiciais sob o risco de cometer perjuacuterio c) manter o silecircncio e incorrer em

desobediecircncia26

No entanto o princiacutepio vertido na Quinta Emenda natildeo eacute absoluto27 para que seja

reivindicado eacute necessaacuterio como jaacute tivemos oportunidade de salientar ainda que

sucintamente na exposiccedilatildeo do caso Baust que estejam verificados trecircs requisitos

distintos28 a) coacccedilatildeo (compulsion) b) incriminaccedilatildeo (incrimination) c)

declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo (testimonycommunication)29 Eacute ainda necessaacuterio que estes

requisitos sejam comprovados cumulativamente Assim o governo pode compelir o

arguido a autoincriminar-se desde que a autoincriminaccedilatildeo natildeo seja declarativa ou

comunicativa30 Semelhantemente o arguido pode autoincriminar-se atraveacutes do

fornecimento de um testemunho no entanto se o fizer sem a coacccedilatildeo das entidades

judiciaacuterias natildeo poderaacute reivindicar o seu privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo31 O governo

24 ldquoFrom being called to testify against himself at his own trial and permits him to refuse to answer official

questions put him in any other proceeding civil or criminal formal or informal where the answers might

incriminate him in future criminal proceedingsrdquo Cf Minnesota v Murphy 1984 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus465420casehtml [consultado em 24112016] 25 Cauthen 2016 5 26 Thompson IIJaikaran 2016 6-7 27 Engel 2012 105-106 28 ldquoIt is also clear that the Fifth Amendment does not independently proscribe the compelled production of

every sort of incriminating evidence but applies only when the accused is compelled to make a Testimonial

Communication that is incriminatingrdquo Cf Fisher v United States 1976 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus425391casehtml [consultado em 24112016] 29 AllenMace 2004 246 30 Cf Fisher v United States 1976 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus425391casehtml [consultado em 24112016] Schmerber v

California 1966 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus384757casehtml

[consultado em 24112016] ldquoBut the prohibition of compelling a man in a criminal court to be witness against himself is a prohibition of the use of physical or moral compulsion to extort communications from

him not an exclusion of his body as evidence when it may be material The objection in principle would

forbid a jury to look at a prisioner and compare his features with a photograph in proof Moreover we

need not consider how far a court would go in compelling a man to exhibit himself For when he is exhibited

whether voluntarily or by order and even if the order goes too far the evidence if material is competentrdquo

Cf Holt v United States 1910 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus218245casehtml [consultado em 24112016] 31 Cf Fisher v United States 1976 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus425391casehtml [consultado em 24112016] United States

30

pode ainda compelir o arguido a prestar um depoimento desde que este natildeo culmine na

sua incriminaccedilatildeo32

Os primeiros dois requisitos em mateacuteria de desencriptaccedilatildeo de smartphones com o auxiacutelio

do arguido natildeo trazem grandes duacutevidas Em contrapartida na maior parte dos casos sobre

esta temaacutetica o problema de saber se o fornecimento de palavra-passe ou de impressatildeo

digital para desencriptar um smartphone se inclui ou natildeo na categoria de

declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo gera vaacuterias questotildees

2111 Coacccedilatildeo (compulsion)

Para o preenchimento do requisito da coacccedilatildeo (compulsion) teraacute de se verificar uma

pressatildeo por parte do governo sobre o arguido no sentido de o obrigar a divulgar algum

tipo de informaccedilatildeo33 A jurisprudecircncia norte-americana vai mais longe chegando a

afirmar que eacute necessaacuterio para responder afirmativamente ao teste da coacccedilatildeo apurar

perante todas as circunstacircncias do caso se o livre arbiacutetrio do arguido foi reprimido34

Essencialmente os tribunais devem decidir se o depoimento eacute prestado de forma livre e

esclarecida35 ou contrariamente se foi obtido atraveacutes do uso de influecircncia improacutepria36

Na circunstacircncia de se confirmar esta uacuteltima situaccedilatildeo a jurisprudecircncia norte-americana

jaacute se fez ouvir no sentido de considerar esta coacccedilatildeo como uma ldquoextorsatildeo de informaccedilotildees

do acusado ofensiva ao senso de justiccedilardquo37

2112 Incriminaccedilatildeo (incrimination)

No que concerne ao requisito da incriminaccedilatildeo para que este se verifique eacute necessaacuterio

que o acto incrimine o arguido ou leve agrave descoberta de provas incriminatoacuterias38 Os

v Doe 1984 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus465605 [consultado em

24112016] 32 Jarone 2015 771 33 Morrison 2012 144 34 Cf United States v Washington 1977 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus431181casehtml [consultado em 24112016] 35 Se um documento eacute escrito e entregue agraves entidades judiciaacuterias voluntariamente o requisito da coacccedilatildeo

natildeo se iraacute verificar No entanto se o governo intimar o arguido a produzir o mesmo documento o requisito da coacccedilatildeo passa a estar preenchido Cf Jarone 2015 772 36 Wilson 2015 24 37 ldquoExtortion of information from the accused himself as offensive to our sense of justicerdquo Cf Couch v

United States 1973 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus409322 [consultado em

24112016] 38 Cf Kastigar v United States 1972 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus406441casehtml [consultado em 24112016] United States

v Hubbel 2000 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus53027casehtml [consultado

em 24112016] ldquoThe privilege afforded not only extends to answers that would in themselves support a

31

tribunais devem desta forma determinar se a revelaccedilatildeo do testemunho gera um risco

substancial de autoincriminaccedilatildeo ou se expotildee de qualquer outra forma o sujeito a uma

acusaccedilatildeo criminal39 Para aleacutem desta exigecircncia eacute ainda imprescindiacutevel para a verificaccedilatildeo

do requisito em causa que o sujeito se autoincrimine Assim se o depoimento do arguido

incriminar apenas terceiros o requisito da incriminaccedilatildeo natildeo se verificaraacute40 O arguido natildeo

se pode apoiar na protecccedilatildeo conferida pela Quinta Emenda para alegar que um terceiro

seraacute incriminado com o seu testemunho41 Desta forma o requisito da (auto)incriminaccedilatildeo

poderaacute permitir que arguidos invoquem a protecccedilatildeo conferida pela Quinta Emenda no

sentido de natildeo fornecerem as suas palavras-passe ou impressotildees digitais no entanto

impede que terceiros recorram agrave mesma protecccedilatildeo quando satildeo compelidos a fornecerem

palavras-passe ou impressotildees digitais dos suspeitos42

2113 Declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo (testimonycommunication)

Resta-nos tecer algumas consideraccedilotildees sobre o terceiro e uacuteltimo requisito

declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo (testimonycommunication) De um ponto de vista mais

cientiacutefico declaraccedilatildeo significa cogniccedilatildeo substantiva ou seja eacute o produto da cogniccedilatildeo que

resulta da realizaccedilatildeo ou afirmaccedilatildeo de proposiccedilotildees de valor autecircntico43 Desta forma pode

ser entendida como a revelaccedilatildeo coactiva causada pelo Estado dos resultados

substantivos incriminatoacuterios da sua cogniccedilatildeo4445 De uma outra perspectiva podemos

definir a prova declarativa (testimonial evidence) como sendo uma prova reveladora de

ideias informaccedilotildees dados conceitos conhecimentos e pensamentos

Tipicamente estas revelaccedilotildees satildeo feitas atraveacutes de comunicaccedilotildees escritas ou orais no

entanto nada impede que sejam feitas igualmente atraveacutes de actos condutas e gestos

conviction under a federal criminal statute but likewise embraces those which would furnish a link in the

chain of evidence needed to prosecute the claimant for a federal crimerdquo Cf Hoffman v United States

1951 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus341479casehtml [consultado em

24112016] 39 ldquoThe suspect must be faced with substancial and real hazards of self-incriminationrdquo Cf United States v

Reis 1985 Disponiacutevel em httpswwwravellawcomopinions35b1b3165aed24221933677a50da6059

[consultado em 24112016] Hale v Henkel 1906 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus20143casehtml [consultado em 24112016] 40 Jarone 2015 773 41 Cf Hale v Henkel 1906 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus20143casehtml

[consultado em 24112016] Fisher v United States 1976 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus425391casehtml [consultado em 24112016] 42 Wilson 2015 25 43 AllenMace 2004 267 44 A cogniccedilatildeo involve aquisiccedilatildeo armazenamento recuperaccedilatildeo e uso do conhecimento Cf MatlinFarmer

2015 26 45 AllenMace 2004 267-268

32

desde que estes por sua vez revelem factos pensamentos crenccedilas eou conhecimento de

factos A tiacutetulo de exemplo acenar com a cabeccedila para cima e para baixo quando eacute

perguntado ldquofoste tu que o fizesterdquo transmite uma resposta afirmativa Apontar para o

roupeiro quando eacute perguntado ldquoonde estaacute a armardquo transmite conhecimento sobre o

paradeiro da arma conhecimento sobre a sua localizaccedilatildeo e acesso46 Por fim existe ainda

quem defenda que a prova declarativa (testimonial evidence) pode ser entendida como a

comunicaccedilatildeo de informaccedilatildeo atraveacutes da memoacuteria ou do conhecimento do arguido47

No que respeita agrave jurisprudecircncia o Supremo Tribunal dos Estados Unidos da Ameacuterica

definiu que um acto compelido pode ser considerado como declarativo se expliacutecita ou

implicitamente divulgar uma afirmaccedilatildeo factual ou qualquer tipo de informaccedilatildeo48 No

entanto o acto tem que fazer mais do que apenas revelar informaccedilotildees deve envolver

igualmente a divulgaccedilatildeo compelida do conteuacutedo da mente do arguido49 Neste sentido o

Supremo Tribunal chega mesmo a afirmar que ldquoeacute a extorsatildeo de informaccedilatildeo do acusado

a tentativa de forccedilaacute-lo a revelar o conteuacutedo da sua proacutepria mente que implica a Claacuteusula

de Autoincriminaccedilatildeordquo50

Por este motivo natildeo causa estranheza que no caso United States v Kirschner51 quando

as autoridades judiciaacuterias compeliram o arguido a fornecer a palavra-passe do seu

computador encriptado o tribunal tenha decidido que o fornecimento da palavra-passe

seria semelhante ao acto de fornecer a combinaccedilatildeo de um cofre pelo que seria

considerado como uma comunicaccedilatildeo declarativa (testimonial communication) violadora

da Quinta Emenda52 Semelhantemente no caso United States v Doe (Doe III)53 o

tribunal decidiu no sentido de que ldquotanto a produccedilatildeo como a desencriptaccedilatildeo do disco

riacutegido exigiriam o recurso ao conteuacutedo da mente do suspeito natildeo podendo ser justamente

46 Cauthen 2016 6 47 Dripps 2005 335 48 Doe v United States 1988 (Doe II) Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus487201

[consultado em 25112016] 49ldquo[hellip] it must also involve some compelled use of the contents of the suspectrsquos mindrdquo Cf AllenMase 2004 246 50 ldquoIt is the extortion of information from the accused the attempt to force him to disclose the contents of

his own mind that implicates the Self-Incrimination Clauserdquo Cf Doe v United States 1988 (Doe II)

Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus487201 [consultado em 25112016] 51 United States v Kirschner 2010 Disponiacutevel em

httpswwwravellawcomopinions789d10be33066b73e4377a26bf5c574a [consultado em 25112016] 52 Bales 2012 1302 53 United States v Doe 2011 (Doe III) Disponiacutevel em httplawjustiacomcasesfederalappellate-

courtsF3112910585109 [consultado em 25112016]

33

caracterizada como um acto fiacutesico que seria natildeo declarativo por naturezardquo54 O tribunal

acabou por concluir que o arguido invocou correctamente o seu privileacutegio contra a

autoincriminaccedilatildeo sendo que natildeo poderia ser compelido a produzir ou desencriptar

(atraveacutes de palavra-passe) as hard drives do seu computador

Na esteira do defendido pela jurisprudecircncia tambeacutem a doutrina norte-americana na sua

grande maioria eacute apoiante da tese de que o fornecimento de palavra-passe para a

desencriptaccedilatildeo de um smartphone eacute um acto declarativo (testimonial) por natureza uma

vez que obriga o arguido a divulgar o conteuacutedo da sua mente55

Ainda assim alguns tribunais tecircm uma abordagem diferente relativamente a esta

temaacutetica Para evitar violar a Quinta Emenda ao compelir o arguido a fornecer a palavra-

passe alguns tribunais optaram por compelir o arguido a fornecer o proacuteprio dispositivo

jaacute desencriptado sem revelar a palavra-passe a qualquer entidade judiciaacuteria56 Esta opccedilatildeo

eacute tambeacutem defendida por alguma doutrina minoritaacuteria nomeadamente Orin Kerr Dan

Terzian57 e Anna Bodi58 O primeiro Autor chega mesmo a reiterar que ldquodesta forma o

governo recebe o telefone desbloqueado mas nunca eacute revelada a palavra-passe Pedir ao

arguido que digite ele proacuteprio a palavra-passe minimizaria as implicaccedilotildees da Quinta

Emenda uma vez que natildeo envolveria a revelaccedilatildeo potencialmente incriminatoacuteria da

palavra-passerdquo59

Em contrapartida no que diz respeito agraves provas natildeo declarativas (non-testimonial)

importa ter presente que o Supremo Tribunal dos Estados Unidos da Ameacuterica comeccedilou

por fazer a distinccedilatildeo entre provas fiacutesicas e provas comunicativas para diferenciar por sua

vez entre as provas declarativas (testimonial) e natildeo declarativas (non-testimonial) O

54 ldquoBoth the production and decryption of the hard drives would require the use of the contents of the

suspectrsquos mind and could not be fairly characterized as a physical act that would be non-testimonial in

naturerdquo Cf United States v Doe 2011 (Doe III) Disponiacutevel em

httplawjustiacomcasesfederalappellate-courtsF3112910585109 [consultado em 25112016] 55 ldquoProving a password could also implicate the cruel trilemmardquo Cf Bales 2012 1304 Atwood 2015

413-415 ldquoThe act of decryption and production would be testimonialrdquo Cf Ajello 2015 454-457 56 In re Grand Jury Subpoena to Sebastien Boucher 2009 Disponiacutevel em

httpvolokhcomfilesBoucherDCT1pdf [consultado em 25112016] 57 Terzian 2016 170-174 58 Bodi 2015 2-4 Disponiacutevel em httpwwwamericancriminallawreviewcomaclr-onlinephones-

fingerprints-and-fifth-amendment [consultado em 28112016] 59 ldquoThat way the government gets the unlocked phone but never gets the passcode Having the defendant

enter his passcode would minimize the Fifth Amendment implications of the compelled compliance as it

would not involve disclosing the potentially incriminating evidence of the passcode itselfrdquo Cf Kerr 2014

2-3 Disponiacutevel em httpswwwwashingtonpostcomnewsvolokh-conspiracywp20141103virginia-

state-trial-court-ruling-on-the-fifth-amendment-and-smart-phonesutm_term=399c18bf1a04 [consultado

em 28112016]

34

primeiro caso a fazer a distinccedilatildeo entre provas fiacutesicas e comunicativas foi o caso Holt v

United States60 onde a coacccedilatildeo de um prisioneiro a vestir uma camisa para que a

testemunha o conseguisse identificar foi considerada como natildeo sendo violadora da Quinta

Emenda6162 Mas foi com o caso Schmerber v California que este entendimento foi

expandido no sentido de incluir outras formas de obtenccedilatildeo de prova atraveacutes do corpo do

arguido nomeadamente recolha de sangue amostra de caligrafia e exames atraveacutes do ar

expirado

No caso Schmerber v California63 o arguido alegou que o seu privileacutegio contra a

autoincriminaccedilatildeo fora violado uma vez que a poliacutecia teria instruiacutedo um meacutedico a recolher

uma amostra de sangue do seu corpo sem o seu consentimento64 A amostra foi analisada

com o desiacutegnio de descobrir se o arguido teria aacutelcool no sangue depois de ter sido detido

por conduccedilatildeo sob o efeito de aacutelcool65

O Supremo Tribunal vem considerar actualmente como provas natildeo declarativas (non-

testimonial evidence) todas as provas utilizadas com o propoacutesito de identificar pessoas e

de correlacionaacute-las com o crime investigado tais como impressotildees digitais sangue

urina ADN amostras de cabelo amostras de caligrafia lineups entre outras6667 Isto

porque nenhuma destas provas fiacutesicas obriga a que o arguido divulgue qualquer tipo de

conhecimento68

60 Holt v United States 1910 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus218245casehtml [consultado em 28112016] 61 ldquoThe prohibition of compelling a man in a criminal court to be a witness against himself is a prohibition

of the use of physical or moral compulsion to extort communications from him not an exclusion of his body

as evidence when it may be materialrdquo Cf Holt v United States 1910 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus218245casehtml [consultado em 28112016] 62 Desta forma segundo o entendimento do Supremo Tribunal a coacccedilatildeo de ldquobodily evidencerdquo nunca seraacute

violadora da Quinta Emenda Cf Goldman 2015 217 63 Cf Schmerber v California 1966 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus384757casehtml [consultado em 28112016] 64 ldquoThe privilege protects an accused only from being compelled to testify against himself or otherwise

provide the State with evidence of a testimonial or communicative naturerdquo Cf Schmerber v California

1966 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus384757casehtml [consultado em

28112016] 65 Sales 2014 199-200 66 Fakhoury 2012 82 Silver 2012 811 Farahany 2012 356-357 67 Cf United States v Doe 1984 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus465605

[consultado em 28112016] United States v Wade 1967 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus388218casehtml [consultado em 28112016] United States

v Dionisio 1973 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus4101casehtml [consultado

em 28112016] Gilbert v California 1967 Disponiacutevel em httpsupreme-court-

casesinsidegovcoml2630Gilbert-v-California [consultado em 28112016] Schmerber v California

1966 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus384757casehtml [consultado em

28112016] 68 Palfreyman 2009 354-355

35

Tambeacutem a grande maioria da doutrina norte-americana segue o entendimento de que a

Quinta Emenda natildeo protege o arguido contra o fornecimento de provas fiacutesicas69 ou

atributos identificadores70

Deste modo podemos reiterar que segundo o entendimento da jurisprudecircncia norte-

americana nomeadamente do Supremo Tribunal e da maioria da doutrina a diferenccedila

entre um acto declarativo (testimonial) e um acto natildeo declarativo (non-testimonial) reside

no facto de o primeiro exigir que o arguido faccedila uso do conteuacutedo da sua mente e o segundo

natildeo71

Uma vez que o tema central da nossa dissertaccedilatildeo prende-se com a desencriptaccedilatildeo de

smartphones nomeadamente atraveacutes de impressatildeo digital mostra-se relevante nesta

sede tecer algumas reflexotildees sobre a possibilidade de considerarmos esta conduta como

declarativa (testimonial) ou natildeo declarativa (non-testimonial)

Pela parte da jurisprudecircncia norte-americana podemos obter uma raacutepida resposta atraveacutes

da anaacutelise dos casos apresentados no iniacutecio da presente dissertaccedilatildeo Tendo em

consideraccedilatildeo o resultado do caso Baust e do caso Diamond e a argumentaccedilatildeo apresentada

pela jurisprudecircncia nos restantes casos torna-se clara a sua tendecircncia no sentido de

considerar o fornecimento de impressatildeo digital para a desencriptaccedilatildeo de um smartphone

como um acto natildeo declarativo (non-testimonial)

No que agrave doutrina diz respeito o entendimento da grande maioria dos Autores vai de

encontro ao defendido pela jurisprudecircncia afirmando que as impressotildees digitais podem

ser compelidas sem violaccedilatildeo da Quinta Emenda contrariamente agraves palavras-passe Albert

Gidari defende a ideia de que na leitura da impressatildeo digital do arguido ldquocontrariamente

agrave revelaccedilatildeo de palavras-passe natildeo haacute coacccedilatildeo para comunicar ou dizer o que lsquovai na

cabeccedilarsquo agraves autoridades judiciaacuterias lsquoColoque o seu dedo aquirsquo natildeo eacute um acto declarativo

ou autoincriminadorrdquo72 Na mesma esteira Riana Pfefferkorn afirma que ldquode facto eacute

preocupante pensar que as autoridades judiciaacuterias podem acabar por usar contra o arguido

uma decisatildeo que este tomou por conveniecircncia e para tornar mais difiacutecil o acesso de

69 Bonin 1996 509 70 Colarusso 2011 134 71 Jarone 2015 774 72 ldquoUnlike disclosing passcodes you are not compelled to speak or say whatrsquos in lsquoyour mindrsquo to law

enforcement lsquoPut your finger herersquo is not testimonial or self-incriminatingrdquo Cf HamiltonWinton 2016

2 Disponiacutevel em httpwwwlatimescomlocalcaliforniala-me-iphones-fingerprints-20160430-

storyhtml [consultado em 28112016]

36

terceiros ao seu telefone sem o seu conhecimento No entanto natildeo acredito que isto vaacute

contra a Quinta Emendardquo73 Por seu turno Sarah Wilson apoiando-se no entendimento

da jurisprudecircncia afirma que ldquoo governo poderia exigir a desencriptaccedilatildeo por dados

biomeacutetricos sem implicar a Quinta Emenda uma vez que o Supremo Tribunal decidiu que

os dados biomeacutetricos natildeo satildeo declarativosrdquo74 Por fim acompanha ainda este pensamento

George Dery III que reitera a ideia de que a impressatildeo digital deve ser vista em similitude

com uma chave de um cofre sustentando ainda que ldquomesmo que seja problemaacutetico pensar

na possibilidade de algueacutem aceder ao telefone do arguido as autoridades judiciaacuterias tecircm

autorizaccedilatildeo de um juiz e isso significa que existe a probabilidade de estarmos perante

uma actividade criminosardquo75

Haacute ainda que salientar duas ideias que satildeo unanimemente defendidas tanto pela

jurisprudecircncia quanto pela doutrina norte-americana a primeira prende-se com a

necessidade de mandado judicial para a apreensatildeo de um smartphone76 a segunda tem

que ver com a concepccedilatildeo de que as autoridades judiciaacuterias podem compelir o arguido

detido a fornecer provas fiacutesicas incluindo impressotildees digitais sem autorizaccedilatildeo judicial77

com o propoacutesito de auxiliar agrave sua identificaccedilatildeo ou de possibilitar a sua ligaccedilatildeo com o local

do crime

212 Limites da Quinta Emenda

Chegados a este ponto e depois de analisados os trecircs requisitos da Quinta Emenda agrave

Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica cumpre esclarecer que mesmo que as

entidades judiciaacuterias compelissem o arguido a prestar um depoimento ou testemunho

incriminatoacuterio (nomeadamente a palavra-passe do seu smartphone) preenchendo assim

os trecircs requisitos mencionados poderiacuteamos estar aqui perante uma conduta natildeo violadora

73 ldquoTo be sure itrsquos troubling to think that the police could end up using against you a choice you made for

the sake of convenience and to make it harder for someone to snoop into your phone without your

knowledge But I donrsquot think it runs counter to the Fifth Amendmentrdquo Cf Farivar 2016 2 Disponiacutevel em

httparstechnicacomtech-policy201605should-the-govt-be-able-to-force-you-to-open-your-phone-

with-just-your-fingerprint [consultado em 28112016] 74 ldquoThe government could demand biometric passwords without implicating the Fifth Amendment because the Supreme Court has decided that biometrics are not testimonialrdquo Cf Wilson 2015 28 75 ldquoEven though it is a big deal having someone open up their phone theyrsquove gone to a judge and it means

therersquos a likelihood of criminal activityrdquo Cf HamiltonWinton 2016 3 Disponiacutevel em

httpwwwlatimescomlocalcaliforniala-me-iphones-fingerprints-20160430-storyhtml [consultado em

28112016] 76 Cf Riley v California 2014 Disponiacutevel em httpswwwsupremecourtgovopinions13pdf13-

132_8l9cpdf [consultado em 28112016] 77 Cf Holt v United States 1910 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus218245casehtml [consultado em 28112016]

37

do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare por duas vias78 se as informaccedilotildees prestadas

fossem uma conclusatildeo inevitaacutevel (foregone conclusion) ou se o governo concedesse

imunidade ao arguido79

2121 Conclusatildeo inevitaacutevel (foregone conclusion)

Segundo a doutrina da conclusatildeo inevitaacutevel (foregone conclusion) se o governo

conseguir mostrar com razoaacutevel particularidade que no momento em que pretende

compelir a produccedilatildeo de determinada prova jaacute teraacute em sua posse informaccedilotildees relativas agrave

sua existecircncia e localizaccedilatildeo o arguido acrescentaraacute atraveacutes do seu testemunho pouco ou

nada a essa informaccedilatildeo pelo que a coacccedilatildeo seraacute legiacutetima de acordo com a Quinta

Emenda80 Uma vez que a comunicaccedilatildeo de uma conclusatildeo inevitaacutevel natildeo revela de facto

nenhuma informaccedilatildeo nova o privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo natildeo opera

independentemente de estarmos ou natildeo perante uma prova declarativa (testimonial

evidence)

A jurisprudecircncia norte-americana desenvolveu um teste de trecircs passos para a aplicaccedilatildeo

da excepccedilatildeo da conclusatildeo inevitaacutevel81 Assim o governo deve estabelecer o seu

conhecimento sobre a) a existecircncia da prova exigida b) a posse e o controlo dessa prova

pelo arguido c) a autenticidade da prova82

Esta doutrina foi mencionada pela primeira vez no caso Fisher v United States83 onde o

Supremo Tribunal alegou que a entrega de documentos relativos ao pagamento de

impostos pelo contribuinte natildeo constituiria um depoimento incriminatoacuterio uma vez que

a existecircncia e localizaccedilatildeo dos documentos eram uma conclusatildeo inevitaacutevel84 Assim o

contribuinte natildeo iria acrescentar nada agrave informaccedilatildeo jaacute recolhida pelo governo pelo

simples facto de admitir que tinha a documentaccedilatildeo em sua posse85

78 Terzian 2015 1134 79 Soares 2012 2004 80 Soares 2012 2006 81 Werner 2016 4 82 Efectivamente apesar de a prestaccedilatildeo de depoimento ter geralmente um aspecto declarativo se o governo

conseguir mostrar que tinha conhecimento preacutevio da existecircncia posse e autenticidade da informaccedilatildeo a

informaccedilatildeo declarativa passa a ser uma conclusatildeo inevitaacutevel Cf Fruiterman 2013 658 Sales 2014 203 83 Cf Fisher v United States 1976 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus425391casehtml [consultado em 28112016] 84 ldquoThe government can compel production when the existence and location of documents are a foregone

conclusion and the defendant adds little to nothing to the sum total of the governmentrsquos information by

conceding that he in fact has the papersrdquo Cf MohanVillasenor 2012 14 85 Sales 2014 203

38

A doutrina da conclusatildeo inevitaacutevel tem sido igualmente considerada como uma

justificaccedilatildeo legal viaacutevel nos casos de desencriptaccedilatildeo de dispositivos electroacutenicos86

Alguns tribunais requerem que o governo tenha conhecimento sobre um certo ficheiro87

para que a doutrina da conclusatildeo inevitaacutevel seja aplicada outros exigem apenas que o

governo tenha acesso a qualquer tipo de informaccedilatildeo sobre determinados ficheiros88

mesmo que natildeo esteja informado sobre o seu conteuacutedo dado que se encontram

encriptados89 Quatro tribunais em quatro casos distintos aprovaram a desencriptaccedilatildeo

compelida de dispositivos electroacutenicos com base na doutrina da conclusatildeo inevitaacutevel90

a) caso United States v Gavegnano91 b) caso United States v Fricosu92 c) caso United

States v Hatfield93 d) caso In re Grand Jury Subpoena to Sebastien Boucher94

Num caso relativamente recente Commonwealth v Gelfgatt95 o tribunal decidiu que o

arguido poderia ser compelido a fornecer a palavra-passe do seu computador com base

na doutrina da conclusatildeo inevitaacutevel Visto que a posse e o controlo do computador por

parte do arguido e o seu conhecimento sobre a encriptaccedilatildeo e a respectiva palavra-passe jaacute

eram conhecidos pelo governo o Supremo Tribunal de Massachusetts concluiu que o

fornecimento da palavra-passe neste caso seria considerado como conclusatildeo inevitaacutevel

natildeo estando assim protegido pelo privileacutegio concedido pela Quinta Emenda96

86 Silver 2012 811 87 Cf In re Grand Jury Subpoena to Sebastien Boucher 2009 Disponiacutevel em

httpvolokhcomfilesBoucherDCT1pdf [consultado em 28112016] Commonwealth of Virginia v

David Charles Baust 2014 Disponiacutevel em httpsconsumermediallcfileswordpresscom201411245515028-fingerprint-unlock-rulingpdf

[consultado em 28112016] Pode ser consultado no Anexo I da presente Dissertaccedilatildeo 88 Cf United States v Fricosu 2012 Disponiacutevel em

httpswwwwiredcomimages_blogsthreatlevel201201decryptpdf [consultado em 28112016]

Commonwealth v Gelfgatt 2014 Disponiacutevel em httplawjustiacomcasesmassachusettssupreme-

court2014sjc-11358html [consultado em 28112016] 89 Terzian 2016 173 90 Silver 2012 811 91 Cf United States v Gavegnano 2012 Disponiacutevel em

httpfederalevidencecompdfComputUS20v20Gavegnanopdf [consultado em 28112016] 92 Cf United States v Fricosu 2012 Disponiacutevel em httpswwwwiredcomimages_blogsthreatlevel201201decryptpdf [consultado em 28112016] 93 Cf United States v Hatfield 2010 Disponiacutevel em httpcaselawfindlawcomus-7th-

circuit1519786html [consultado em 28112016] 94 Cf In re Grand Jury Subpoena to Sebastien Boucher 2009 Disponiacutevel em

httpvolokhcomfilesBoucherDCT1pdf [consultado em 28112016] 95 Cf Commonwealth v Gelfgatt 2014 Disponiacutevel em

httplawjustiacomcasesmassachusettssupreme-court2014sjc-11358html [consultado em

28112016] 96 Wilson 2015 26

39

2122 Imunidade (immunity)

Para que se possa invocar o privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo eacute necessaacuterio como

tivemos oportunidade de salientar anteriormente que se crie um risco especiacutefico de

incriminaccedilatildeo97 No entanto se o governo eliminar esse risco concedendo imunidade ao

suspeito poderaacute compeli-lo a fornecer determinadas provas e a responder a diversas

perguntas Esta imunidade tem de ser deferida de acordo com o acircmbito de proteccedilatildeo

concedido pela Quinta Emenda98

A necessidade de concessatildeo de imunidade para que se ultrapasse o risco de incriminaccedilatildeo

e consequentemente de desrespeito pelo princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare natildeo

responde agrave questatildeo de saber qual seraacute a ldquoquantidaderdquo necessaacuteria de imunidade para evitar

tal violaccedilatildeo

Uma imunidade total ou absoluta afastaria por completo o risco de incriminaccedilatildeo contudo

dar-se-ia ao suspeito a possibilidade de evitar a acusaccedilatildeo na sua plenitude Em uacuteltima

anaacutelise o Supremo Tribunal dos Estados Unidos da Ameacuterica concluiu que o preccedilo a pagar

pela imunidade total ou absoluta eacute mais alto do que o governo deveraacute suportar no intuito

de obter coactivamente determinadas provas99

O estatuto federal de imunidade estabelece que se for concedida imunidade [] a

testemunha natildeo pode recusar-se a cumprir a ordem com base no seu privileacutegio contra a

autoincriminaccedilatildeo mas nenhum testemunho ou outra informaccedilatildeo compelida pela ordem

(ou qualquer informaccedilatildeo derivada directa ou indirectamente de tal testemunho ou outra

informaccedilatildeo) pode ser usada contra a testemunha em qualquer processo criminal []100

No caso Kastigar v United States101 o Supremo Tribunal esclareceu que a imunidade

deve proibir o governo de usar o testemunho compelido bem como as provas daiacute

provenientes directa ou indirectamente para acusar o arguido Estas duas formas de

imunidade foram classificadas como ldquouse immunityrdquo e ldquoderivative use immunityrdquo102

97 Berger 2002 235 98 Soares 2012 2007 99 Kiok 2015 60 100 ldquo[hellip] the witness may not refuse to comply with the order on the basis of his privilege against self-

incrimination but no testimony or other information compelled under the order (or any information

directly or indirectly derived from such testimony or other information) may be used against the witness in

any criminal case [hellip]rdquo 101 Cf Kastigar v United States 1972 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus406441casehtml [consultado em 29112016] 102 Fakhoury 2012 83

40

consoante as provas fossem retiradas directamente do testemunho prestado ou derivadas

deste103

Assim o tribunal deve em primeira instacircncia averiguar se o governo estaraacute ou natildeo a

tentar compelir um testemunho incriminatoacuterio Se tal se verificar o tribunal deve

conceder imunidade no sentido de proibir o governo natildeo soacute de utilizar as palavras

proferidas ou os actos realizados contra o arguido como tambeacutem de utilizar qualquer

outra prova obtida atraveacutes do testemunho104 No caso de o governo querer utilizar

qualquer tipo de prova derivada do testemunho prestado sob coacccedilatildeo contra o arguido

numa subsequente acusaccedilatildeo deveraacute demonstrar que tal prova deriva de uma fonte

legiacutetima e independente do testemunho compelido105

Para que a imunidade possa ser concedida eacute necessaacuterio que a ordem dada seja coactiva e

que resulte numa acccedilatildeo incriminatoacuteria de natureza testemunhal que envolva

comunicaccedilatildeo e que expresse o conteuacutedo do pensamento do arguido e que a informaccedilatildeo

prestada natildeo seja considerada como uma conclusatildeo inevitaacutevel (foregone conclusion)106

3 Conclusotildees intermeacutedias

Podemos comprovar pela anaacutelise da jurisprudecircncia Constituiccedilatildeo e doutrina norte-

americanas que a problemaacutetica da desencriptaccedilatildeo de smartphones para a obtenccedilatildeo de

prova no processo penal com o auxiacutelio do arguido eacute uma questatildeo juriacutedica actual e real

A Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica protege o arguido

contra determinadas medidas sempre que estas se revelem cumulativamente a)

coactivas b) incriminatoacuterias c) e declarativascomunicativas

Se por um lado estes trecircs requisitos estatildeo cumulativamente verificados na desencriptaccedilatildeo

de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe sendo esta ordem violadora do

princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo por outro o uacuteltimo requisito da

declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo natildeo se encontra preenchido na ordem de desencriptaccedilatildeo de

smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido resultando na natildeo violaccedilatildeo

do princiacutepio de natildeo-autoincriminaccedilatildeo Esta conclusatildeo pelo natildeo preenchimento do terceiro

103 Duong 2009 339 104 Fakhoury 2012 84 105 Pfefferkorn 2009 4-5 Disponiacutevel em

httpspapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=1883697ampdownload=yes [consultado em

29112016] 106 Soares 2012 2007

41

requisito no caso de desencriptaccedilatildeo atraveacutes da leitura da impressatildeo digital estaacute

relacionada com a teoria defendida pela doutrina e jurisprudecircncia norte-americanas de

que uma acccedilatildeo soacute se considera declarativacomunicativa nas situaccedilotildees em que o arguido

eacute compelido a divulgar o conteuacutedo da sua mente Assim se explicam os resultados a que

a jurisprudecircncia norte-americana chegou nos casos apresentados o arguido natildeo pode ser

compelido a fornecer a palavra-passe do seu smartphone mas pode ser compelido a

colocar o seu dedo no leitor de impressotildees digitais para desencriptar o dispositivo

Ademais ficou esclarecido que mesmo nas situaccedilotildees em que todos os requisitos da

Quinta Emenda tenham sido cumulativamente preenchidos as ordens de desencriptaccedilatildeo

de smartphones (independetemente do meacutetodo) podem ser dirigidas ao arguido ficando

a sua validade a depender de duas situaccedilotildees a) da demonstraccedilatildeo pelas autoridades de um

conhecimento de tal ordem particularizado sobre a existecircncia e localizaccedilatildeo dos ficheiros

que essa informaccedilatildeo possa ser considerada como uma conclusatildeo inevitaacutevel (foregone

conclusion) b) da concessatildeo de imunidade ao arguido

Apesar de segundo o ordenamento juriacutedico norte-americano a revelaccedilatildeo coactiva da

palavra-passe que desencripta um smartphone ser considerada ilegiacutetima por violaccedilatildeo do

princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo e contrariamente a leitura coactiva da impressatildeo

digital do arguido que desencripta um smartphone ser considerada legiacutetima cumpre

saber uma vez que a nossa investigaccedilatildeo eacute realizada em territoacuterio portuguecircs se estes casos

jurisprudenciais teriam a mesma soluccedilatildeo segundo o ordenamento juriacutedico nacional

42

43

CAPIacuteTULO II ndash O ACESSO E A APREENSAtildeO DE DADOS ARMAZENADOS EM

SMARTPHONES NO PROCESSO PENAL PORTUGUEcircS

Ficou analisado no capiacutetulo anterior como o ordenamento juriacutedico norte-americano daacute

resposta ao problema da desencriptaccedilatildeo compelida de smartphones dirigida ao arguido

No entanto torna-se evidente a necessidade de perceber em pormenor como o

ordenamento juriacutedico nacional daria resposta a esta problemaacutetica na eventualidade de

estes casos jurisprudenciais surgirem em Portugal

Para respondermos a esta pertinente contenda recorreremos agrave desconstruccedilatildeo praacutetica do

problema Assim de uma perspectiva praacutetica a primeira questatildeo que se coloca em sede

de desencriptaccedilatildeo compelida de smartphones para obtenccedilatildeo de prova no processo penal

eacute a de saber a priori como se processa a apreensatildeo e o acesso aos conteuacutedos armazenados

no smartphone de acordo com a legislaccedilatildeo portuguesa Posteriormente agrave tentativa de

acesso e apreensatildeo desses conteuacutedos agraves autoridades judiciaacuterias eacute colocado um segundo

problema a encriptaccedilatildeo do dispositivo Visto que o smartphone se encontra encriptado

por palavra-passe ou por biometria a colaboraccedilatildeo do arguido para sua a desencriptaccedilatildeo

mostra-se indispensaacutevel Eacute nesta sede que surge o problema se saber se esta colaboraccedilatildeo

eacute ou natildeo violadora do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare

De facto como dissemos a problemaacutetica da desencriptaccedilatildeo de smartphones para

obtenccedilatildeo de prova em processo penal levanta um problema a montante sobre o qual nos

devemos debruccedilar em primeira instacircncia durante este capiacutetulo O desbloqueio do

smartphone pressupotildee a priori duas circunstacircncias que o dispositivo tenha sido

legitimamente apreendido pelas autoridades judiciaacuterias e posteriormente que se tenha

feito uma tentativa de acesso aos conteuacutedos electroacutenicos aiacute armazenados Assim parece

loacutegico que as entidades judiciaacuterias soacute podem constatar que um dispositivo estaacute encriptado

se houver previamente uma tentativa de acesso ao seu conteuacutedo apoacutes a apreensatildeo do

aparelho Eacute sobre esta apreensatildeo e acesso aos ficheiros armazenados em smartphones que

discorreremos nas proacuteximas paacuteginas

1 Os smartphones e a prova digital

Vivemos actualmente no seio de uma sociedade informatizada uma sociedade que se

regula diariamente com recurso a sistemas electroacutenicos Durante esta uacuteltima deacutecada

44

assistimos a uma raacutepida evoluccedilatildeo tecnoloacutegica evoluccedilatildeo essa que se tem manifestado

igualmente na aacuterea da criminalidade informaacutetica

O telemoacutevel eacute hoje em dia um aparelho indispensaacutevel na vida dos cidadatildeos quer pela

sua capacidade comunicacional com o resto do mundo quer pelo seu constante progresso

no que concerne agraves suas aplicaccedilotildees que vatildeo facilitando o dia-a-dia de cada um Ainda

assim no seio da investigaccedilatildeo de um crime o telemoacutevel poderaacute ser visto como o maior

inimigo do homem neste caso o maior inimigo dos investigadores criminais Isto porque

o acesso a um telemoacutevel ou mais precisamente a um smartphone para obtenccedilatildeo de prova

em processo penal teraacute de cumprir determinadas regras e obedecer a tantos outros

procedimentos

Em todos os casos de criminalidade o objectivo do processo penal passa pela descoberta

da verdade e pela persecuccedilatildeo da justiccedila Para tal eacute necessaacuterio que se proceda agrave recolha

de prova para que se possa condenar os culpados Na investigaccedilatildeo criminal a obtenccedilatildeo e

recolha da prova rege-se por dois artigos previstos no Coacutedigo de Processo Penal o artigo

125ordm e o artigo 126ordm O primeiro estipula o princiacutepio de que satildeo permitidas todas as

provas que natildeo forem proibidas por lei ao passo que o segundo estabelece que o valor de

cada elemento de prova eacute determinado pelas regras da experiecircncia e pela livre convicccedilatildeo

de quem tem que decidir sobre elas107 Daqui resulta que as provas de iacutendole digital satildeo

admitidas desde que a sua obtenccedilatildeo tenha sido realizada dentro dos estritos criteacuterios da

legalidade e objectividade108

A prova digital eacute definida por Benjamin Silva Rodrigues como qualquer tipo de

informaccedilatildeo com valor probatoacuterio armazenada ou transmitida sob forma binaacuteria ou

digital109 Por seu turno Armando Dias Ramos define a prova digital como ldquotoda a

informaccedilatildeo passiacutevel de ser obtida ou extraiacuteda de um dispositivo digital (local virtual ou

remoto) ou de uma rede de comunicaccedilotildeesrdquo110 O legislador portuguecircs natildeo definiu o que

seria prova digital no entanto acreditamos que de um ponto de vista geral a prova digital

seraacute toda e qualquer informaccedilatildeodados que tenham sido recebidos transmitidos ou que

estejam armazenados num dispositivo electroacutenico111 Por outro lado de um ponto de vista

107 Este princiacutepio natildeo eacute absoluto havendo excepccedilotildees ao mesmo designadamente quanto ao valor da prova

pericial 108 Ramos 2014 85 109 Rodrigues 2009a 39 110 Ramos 2014 86 111 MukaseySedgwickHagy 2008 9

45

mais teacutecnico cumpre esclarecer que a designaccedilatildeo de ldquodigitalrdquo adveacutem do facto de a

informaccedilatildeo armazenada electronicamente ser repartida em diacutegitos mais precisamente

numa sequecircncia de nuacutemeros binaacuterios (isto eacute zero ou um) que satildeo reconhecidos e

traduzidos pelo aparelho informaacutetico transformando-se em informaccedilatildeo112

Por este motivo como facilmente se adivinha a prova digital carece de ser tratada de um

forma diferente mais precisamente de uma forma mais diligente e cautelosa uma vez que

um mero lapso poderaacute tornar a prova irremediavelmente inutilizada113 Uma vez que se

trata de informaccedilatildeo em formato digital existe sempre a preocupaccedilatildeo da mesma ser

apagada modificada ou destruiacuteda em segundos sem se deixar rasto114 Daiacute resulta que a

rapidez na obtenccedilatildeo desta prova aliada a uma correcta recolha satildeo dois passos

fundamentais para o ecircxito da investigaccedilatildeo e imputaccedilatildeo dos factos ao suspeito do crime115

Toda esta constelaccedilatildeo de problemas eacute tambeacutem enfatizada por Figueiredo Dias ao afirmar

que entre as novas problemaacuteticas que se tecircm vindo a colocar tanto agrave legislaccedilatildeo como agrave

ciecircncia do processo penal nos uacuteltimos tempos a primeira tem que ver precisamente com

a circunstacircncia de os novos horizontes teacutecnico-cientiacuteficos terem aberto a porta a meacutetodos

de investigaccedilatildeo ateacute haacute natildeo muito tempo desconhecidos116 Estando aiacute incluiacutedos entre

outros os meacutetodos de investigaccedilatildeo computadorizados ou de forma mais geral permitidos

pelos avanccedilos informaacuteticos117 (vg o smartphone)

Atendendo agrave quantidade cada vez maior de utilizadores de smartphones e agrave sua

capacidade de armazenamento118 estes dispositivos podem ser uacuteteis ferramentas para os

investigadores criminais na recolha de prova em processos crime Se durante uma

investigaccedilatildeo criminal for apreendido um smartphone relativamente recente com cerca de

seis ou sete anos a amplitude de informaccedilatildeo que pode ser obtida pelos investigadores eacute

significante abrangendo linguagem e outras definiccedilotildees agenda de contactos informaccedilatildeo

de calendaacuterio mensagens escritas registo de chamadas feitas e recebidas e-mail

fotografias gravaccedilotildees aacuteudio e viacutedeo mensagens de multimeacutedia mensagens instantacircneas

112 Militatildeo 2012 261 113 Ramos 2014 87 114 Mouraz LopesAntatildeo Cabreiro 2006 72 115 Ramos 2014 87 116 Figueiredo Dias 2009 808-809 117 Figueiredo Dias 2009 809 118 Os smartphones satildeo constantemente utilizados para as mais variadas funccedilotildees chamadas de voz

chamadas de viacutedeo mensagens de texto mensagens de imagem pesquisas na internet incluindo toda a

panoacuteplia de redes sociais acesso a correio electroacutenico fotografias e viacutedeos calculadora agenda reloacutegio

leitor de muacutesica mapa entre outras

46

histoacuterico de navegaccedilatildeo na internet documentos electroacutenicos dados relacionados com as

redes sociais dados relacionados com aplicaccedilotildees informaccedilatildeo sobre localizaccedilotildees

geograacuteficas entre outras119

Todas estas informaccedilotildees que podem ser recolhidas apenas de um pequeno smartphone

podem fazer toda a diferenccedila no processo penal auxiliando os investigadores criminais

de inuacutemeras maneiras recolhendo informaccedilatildeo sobre um crime cometido (atraveacutes de

imagens viacutedeos e-mails documentos etc) recolhendo informaccedilatildeo que comprove a

intenccedilatildeo ou a tentativa da praacutetica de um crime (por exemplo atraveacutes da anaacutelise do

histoacuterico do web browser) recolhendo informaccedilatildeo que comprove o envolvimento de

suspeitos que negam estar implicados num delito recolhendo informaccedilatildeo que revele a

praacutetica de diferentes crimes ainda desconhecidos recolhendo informaccedilatildeo de vaacuterios

dispositivos electroacutenicos que combinados permitem criar um cronograma de eventos

Em vaacuterios processos criminais eacute deixado um rasto de informaccedilatildeo electroacutenica para os

investigadores criminais analisarem E uma vez que o smartphone poderaacute ser

considerado um oacuteptimo repositoacuterio de elementos probatoacuterios dada a sua vasta capacidade

de armazenamento coloca-se a questatildeo no caso de necessidade de recolha de prova

armazenada num smartphone encriptado como se procederaacute a apreensatildeo do dispositivo

e o posterior acesso aos conteuacutedos aiacute guardados

Para respondermos a esta questatildeo importa analisar a Lei do Cibercrime de 15 de

Setembro de 2009

2 A Lei do Cibercrime

Actualmente a prova digital eacute regulada na sua essencialidade pela Lei do Cibercrime

No dia 15 de Setembro de 2009 o legislador portuguecircs reagiu aos inuacutemeros desafios

causados pela lacuna legislativa quanto agrave mateacuteria da obtenccedilatildeo de prova digital por via da

publicaccedilatildeo da Lei do Cibercrime ndash Lei nordm 1092009 de 15 de Setembro (em vigor desde

15 de Outubro de 2009) Cerca de 8 anos apoacutes a assinatura da Convenccedilatildeo sobre o

Cibercrime120 foram publicados em Diaacuterio da Repuacuteblica a Resoluccedilatildeo da Assembleia da

119 GeorgeMason 2015 250 120 A Convenccedilatildeo sobre o Cibercrime eacute o primeiro tratado internacional sobre criminalidade contra sistemas

de computadores redes ou dados e conta com trecircs objectivos principais pretende harmonizar legislaccedilotildees e

os crimes nelas previstos pretende estender agraves jurisdiccedilotildees de Estados Parte determinados instrumentos

processuais e de produccedilatildeo de prova modernos e adequados agrave investigaccedilatildeo da cibercriminalidade por

uacuteltimo pretende facilitar a cooperaccedilatildeo internacional e viabilizar investigaccedilotildees Para tal a Convenccedilatildeo estaacute

compartimentada em quatro capiacutetulos distintos Cap I ndash Terminologia Cap II ndash Medidas a tomar ao niacutevel

47

Repuacuteblica nordm 882009 que aprova a Convenccedilatildeo o Decreto do Presidente da Repuacuteblica

nordm 922009 que a ratifica e ainda a jaacute acima referida Lei nordm 1092009 que adapta o

direito interno agrave Convenccedilatildeo e agrave Decisatildeo Quadro nordm 2005222JAI do Conselho de 24 de

Fevereiro relativa a ataques contra sistemas de informaccedilatildeo

Do ponto de vista sistemaacutetico a Lei do Cibercrime tem uma estrutura tripartida entre

disposiccedilotildees materiais processuais e relativas agrave cooperaccedilatildeo internacional em mateacuteria

penal agrave semelhanccedila do consagrado na Convenccedilatildeo sobre o Cibercrime A nossa atenccedilatildeo

desviar-se-aacute obviamente para o Capiacutetulo III dedicado agraves disposiccedilotildees processuais

nomeadamente a preservaccedilatildeo expedita de dados (artigo 12ordm) a revelaccedilatildeo expedita de

dados de traacutefego (artigo 13ordm) a injunccedilatildeo para a preservaccedilatildeo ou concessatildeo de acesso a

dados (artigo 14ordm) a pesquisa de dados informaacuteticos (artigo 15ordm) a apreensatildeo de dados

informaacuteticos (artigo 16ordm) a apreensatildeo de correio electroacutenico e de registos de

comunicaccedilotildees de natureza semelhante (artigo 17ordm) a intercepccedilatildeo de comunicaccedilotildees

(artigo 18ordm) as acccedilotildees encobertas (artigo 19ordm) e ainda a cooperaccedilatildeo internacional

(artigos 20ordm a 26ordm)

Estas disposiccedilotildees processuais penais contidas na Lei do Cibercrime aplicam-se segundo

o artigo 11ordm do referido diploma (em consonacircncia com o determinado no artigo 14ordm da

Convenccedilatildeo sobre o Cibercrime) aos crimes aiacute previstos a) crimes informaacuteticos stricto

sensu (al a) b) ldquocrimes cometidos por meio de um sistema informaacuteticordquo121

independentemente da previsatildeo tiacutepica do crime (al b) c) e por fim a quaisquer crimes

sempre que ldquoseja necessaacuterio proceder agrave recolha de prova em suporte electroacutenicordquo (al c)

Podemos concluir na esteira do defendido por Paulo Daacute Mesquita que as regras de direito

probatoacuterio previstas no diploma natildeo satildeo assim meras normas processuais sobre

cibercrimes ou sequer apenas relativas a crimes praticados em sistemas informaacuteticos mas

nacional Secccedilatildeo I ndash Direito Material Secccedilatildeo II ndash Direito Processual Cap III ndash Cooperaccedilatildeo internacional

e por uacuteltimo Cap IV ndash Claacuteusulas Finais Cf Ramalho 2014 134 121 Sistema informaacutetico significa nesta sede ldquoqualquer dispositivo ou conjunto de dispositivos interligados

ou associados em que um ou mais de entre eles desenvolve em execuccedilatildeo de um programa o tratamento

automatizado de dados informaacuteticos bem como a rede que suporta a comunicaccedilatildeo entre eles e o conjunto

de dados informaacuteticos armazenados tratados recuperados ou transmitidos por aquele ou aqueles

dispositivos tendo em vista o seu funcionamento utilizaccedilatildeo protecccedilatildeo e manutenccedilatildeordquo (al a) do artigo 1ordm

da Lei do Cibercrime cuja primeira parte corresponde agrave previsatildeo da al a) do artigo 1ordm da Convenccedilatildeo sobre

o Cibercrime e no essencial similar agrave al a) do artigo 1ordm da Decisatildeo-Quadro nordm 2005222JAI (sistema de

informaccedilatildeo) onde contudo natildeo se prevecirc de forma especificada a rede que suporta a comunicaccedilatildeo entre

dados informaacuteticos)

48

correspondem a um regime consideravelmente mais abrangente sobre prova electroacutenica

em processo penal aplicaacutevel a qualquer crime122

Voltando ao nosso caso concreto cumpre referir que a aliacutenea c) do artigo 11ordm da Lei do

Cibercrime ao abranger todos os crimes em relaccedilatildeo aos quais seja necessaacuterio proceder agrave

recolha de prova em suporte electroacutenico acaba por alargar o acircmbito de aplicaccedilatildeo da lei a

quaisquer casos de recolha de prova em smartphones Uma vez que o smartphone eacute

caracterizado como um ldquosuporte electroacutenicordquo toda a recolha de prova feita com recurso

a este dispositivo seraacute regulada pela Lei do Cibercrime de acordo com o consagrado na

aliacutenea c) do seu artigo 11ordm

Visto que o cerne do nosso estudo se centra na desencriptaccedilatildeo de smartphones para

obtenccedilatildeo de prova em processo penal torna-se fundamental nesta etapa fazer uma breve

anaacutelise a algumas destas medidas processuais nomeadamente agrave injunccedilatildeo para

apresentaccedilatildeo ou concessatildeo do acesso a dados (artigo 14ordm) agrave pesquisa de dados

informaacuteticos (artigo 15ordm) agrave apreensatildeo de dados informaacuteticos (artigo 16ordm) e agrave apreensatildeo

de correio electroacutenico e registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante (artigo 17ordm)

No entanto antes de passarmos agrave anaacutelise destas medidas importa esclarecer que em sede

de Lei do Cibercrime haacute que fazer a distinccedilatildeo entre a apreensatildeo de dados informaacuteticos e

a apreensatildeo de registos de comunicaccedilotildees Como jaacute deixaacutemos claro nas paacuteginas anteriores

da presente investigaccedilatildeo o smartphone armazena os mais variados ficheiros electroacutenicos

incluindo mensagens de texto (SMS) e mensagens de multimeacutedia (MMS) e-mails

contactos telefoacutenicos fotografias gravaccedilotildees de viacutedeo e aacuteudio entre outros O tratamento

destes ficheiros vai depender da sua natureza nomeadamente se estes comportam algum

tipo de comunicaccedilatildeo ou natildeo Assim se por um lado a apreensatildeo de fotografias viacutedeos

gravaccedilotildees aacuteudio contactos entre outros pode ser tratada como apreensatildeo de meros dados

informaacuteticos (artigo 16ordm da Lei do Cibercrime) a apreensatildeo de mensagens de texto

mensagens de multimeacutedia e e-mails por se tratarem de ficheiros de comunicaccedilatildeo

electroacutenica deve ser tratada como apreensatildeo de correio electroacutenico e registos de

comunicaccedilotildees de natureza semelhante (artigo 17ordm da Lei do Cibercrime) Analisaremos

em maior detalhe esta distinccedilatildeo nos proacuteximos paraacutegrafos

No que respeita agrave injunccedilatildeo para apresentaccedilatildeo ou concessatildeo do acesso a dados prevista

no artigo 14ordm da Lei nordm 1092009 o legislador veio desta forma criar uma ordem a ser

122 Mesquita 2010 98

49

emitida por autoridade judiciaacuteria dirigida a quem tenha disponibilidade ou controlo sobre

determinados dados informaacuteticos no sentido de que os comunique ao processo em causa

ou que permita o acesso aos mesmos123

No entanto esta medida eacute apenas aplicada a fornecedores de serviccedilos proibindo o

nuacutemero 5 do referido artigo que seja dirigida contra suspeito ou arguido no processo

Desta forma o fornecedor de serviccedilo pode ser ordenado a comunicar ao processo dados

relativos aos clientes ou assinantes neles se incluindo qualquer informaccedilatildeo desde que

natildeo inserida na categoria dos dados relativos ao traacutefego ou ao conteuacutedo Voltaremos em

maior detalhe a esta questatildeo da proibiccedilatildeo de injunccedilatildeo dirigida a arguido e suspeito mais

adiante no nosso estudo

As razotildees que estatildeo subjacentes agrave criaccedilatildeo desta medida prendem-se em primeira medida

com a imensidade de espaccedilo de armazenamento dos modernos suportes digitais que

dificulta a investigaccedilatildeo e em segunda medida com as diversas possibilidades de ocultar

a informaccedilatildeo ou de bloquear o acesso a ela (por exemplo por via da encriptaccedilatildeo do

smartphone) que podem igualmente tornar malsucedida a procura de informaccedilatildeo sem a

colaboraccedilatildeo de quem tem o domiacutenio sobre ela

O artigo 15ordm da Lei do Cibercrime que consagra a pesquisa de dados informaacuteticos veio

criar uma forma de acesso coercivo ao sistema informaacutetico objecto de um processo

criminal Assim esta pesquisa pode perfeitamente ser comparada a uma busca tradicional

mas num ambiente digital Desta forma sempre que numa investigaccedilatildeo criminal as

entidades judiciaacuterias verificarem que se afigura oportuno e necessaacuterio para a produccedilatildeo

de prova com vista agrave descoberta da verdade material que se obtenham certos dados124

armazenados num determinado sistema informaacutetico a autoridade judiciaacuteria competente

autoriza ou ordena por despacho que se proceda a uma pesquisa nesse sistema

informaacutetico125

Esta autorizaccedilatildeo tem uma validade de 30 dias sob pena de nulidade nos termos do nordm 2

do artigo 15ordm da Lei do Cibercrime Nos casos de obtenccedilatildeo de consentimento por quem

tenha a disponibilidade ou controlo dos dados de terrorismo criminalidade violenta ou

123 Venacircncio 2011 107 124 Contrariamente agrave injunccedilatildeo para apresentaccedilatildeo ou concessatildeo do acesso a dados na pesquisa de dados

informaacuteticos a lei natildeo coloca quaisquer restriccedilotildees relativamente aos conteuacutedos dos dados que podem ser

pesquisados 125 Rodrigues 2010 446

50

altamente organizada e quando haja fundados indiacutecios da praacutetica iminente de crime que

ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa os oacutergatildeos de poliacutecia

criminal poderatildeo proceder agrave pesquisa sem preacutevia autorizaccedilatildeo da autoridade judiciaacuteria

devendo a diligecircncia ser-lhe de imediato comunicada e elaborado um relatoacuterio em tudo

semelhante ao disposto no artigo 253ordm do Coacutedigo de Processo Penal (nos termos dos nos

3 e 4 do artigo 15ordm)

Pode ainda acontecer que no decurso da pesquisa aos oacutergatildeos de poliacutecia criminal

executores da medida surja a convicccedilatildeo de que os dados procurados se encontram noutro

sistema informaacutetico ou numa parte diferente do sistema pesquisado mas que tais dados

satildeo legitimamente acessiacuteveis a partir do sistema inicial entatildeo por forccedila do nordm 5 do artigo

15ordm da Lei do Cibercrime haveraacute lugar agrave extensatildeo da medida agravequeles outros sistemas ou

lugares mediante autorizaccedilatildeo ou ordem da autoridade competente nos termos dos nos 1

e 2 do artigo 15ordm da citada lei126

No caso concreto de as autoridades judiciaacuterias encontrarem um smartphone armazenado

com e-mails mensagens de texto mensagens de multimeacutedia fotografias gravaccedilotildees aacuteudio

ou viacutedeo histoacuterico de navegaccedilatildeo na internet documentos electroacutenicos dados

relacionados com as redes sociais dados relacionados com aplicaccedilotildees entre outros

estamos claramente perante dados informaacuteticos definidos pela al b) do artigo 2ordm da Lei

do Cibercrime como ldquoqualquer representaccedilatildeo de factos informaccedilotildees ou conceitos sob

uma forma susceptiacutevel de processamento num sistema informaacutetico incluindo os

programas aptos a fazerem um sistema informaacutetico executar uma funccedilatildeordquo Assim a

pesquisa destes dados armazenados no smartphone por parte das autoridades judiciaacuterias

deveraacute ser regulada pelo citado artigo 15ordm da Lei do Cibercrime

Por seu turno a apreensatildeo de dados informaacuteticos vem prevista no artigo 16ordm da Lei do

Cibercrime que vem estabelecer a possibilidade de os investigadores pedirem agrave

autoridade judiciaacuteria competente que autorize ou ordene por despacho a apreensatildeo dos

dados ou documentos informaacuteticos que no decurso de uma pesquisa informaacutetica ou de

outro acesso legiacutetimo a um sistema informaacutetico forem encontrados e que se afigurem

necessaacuterios agrave produccedilatildeo da prova tendo em vista a descoberta da verdade127

126 Rodrigues 2010 449-450 127 Rodrigues 2010 451

51

No entanto nos casos em que tenha sido um oacutergatildeo de poliacutecia criminal a realizar a pesquisa

(artigo 15ordm da Lei do Cibercrime) existe a possibilidade de o oacutergatildeo de poliacutecia criminal

levar igualmente a cabo a apreensatildeo dos dados informaacuteticos (sem preacutevia autorizaccedilatildeo da

autoridade judiciaacuteria) ficando estas diligecircncias sujeitas a validaccedilatildeo pela autoridade

judiciaacuteria no prazo maacuteximo de setenta e duas horas128 Assim a tiacutetulo de exemplo se

durante uma busca domiciliaacuteria promovida pelo Ministeacuterio Puacuteblico e autorizada pelo Juiz

de Instruccedilatildeo competente for encontrado um smartphone ndash que natildeo estaria incluiacutedo no

despacho judicial - os oacutergatildeos de poliacutecia criminal executores da medida poderatildeo

apreender validamente o conteuacutedo do dispositivo de acordo com o nordm 2 do artigo 16ordm da

Lei do Cibercrime ficando esta diligecircncia sujeita a validaccedilatildeo pela autoridade judiciaacuteria

no prazo maacuteximo de setenta e duas horas

O nordm 3 do artigo 16ordm da Lei do Cibercrime vem consagrar a obrigatoriedade de

intervenccedilatildeo do juiz de instruccedilatildeo sempre que forem apreendidos para junccedilatildeo ao processo

dados ou documentos informaacuteticos cujo conteuacutedo seja susceptiacutevel de revelar dados

pessoais ou iacutentimos que possam pocircr em causa a privacidade do respectivo titular ou de

terceiros Nestas situaccedilotildees os dados informaacuteticos apreendidos ndash que possam por em causa

a privacidade do respectivo titular ou de terceiros (vg fotografias gravaccedilotildees de viacutedeo ou

aacuteudio entre outros) - seratildeo apresentados ao juiz que ponderaraacute a sua junccedilatildeo aos autos

tendo em conta os interesses do caso concreto A natildeo observacircncia destas formalidades

legais tem como consequecircncia a nulidade da prova obtida por esta via129

Por fim cabe-nos fazer uma anaacutelise mais detalhada do artigo 17ordm da Lei do Cibercrime

que consagra a apreensatildeo de correio electroacutenico e registos de comunicaccedilotildees de natureza

semelhante A criaccedilatildeo desta norma eacute uma das grandes novidades da Lei do Cibercrime

natildeo soacute por estabelecer um regime especial para a apreensatildeo de correio electroacutenico e

registos de comunicaccedilatildeo de natureza semelhante (aqui incluindo as SMS e MMS) em

mateacuteria de criminalidade informaacutetica e obtenccedilatildeo de prova em suporte electroacutenico mas

tambeacutem por estabelecer um regime que natildeo encontra correspectivo directo na Convenccedilatildeo

sobre o Cibercrime

O artigo 17ordm da Lei nordm 1092009 determina que eacute possiacutevel apreender mensagens de

correio electroacutenico ou registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante que se encontrem

armazenados no sistema informaacutetico (vg smartphone) que tenha sido alvo de pesquisa

128 Morais 2012 101-102 129 Verdelho 2009 741

52

informaacutetica ou outro acesso legiacutetimo desde que a) seja o juiz a autorizar ou ordenar a

apreensatildeo b) e esta seja de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a

prova130

Dois comentaacuterios iniciais sobre este dispositivo primeiro podemos afirmar que haacute aqui

um aumento substancial das exigecircncias para esta medida dado que a mesma soacute poderaacute

ser autorizada se for de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova

segundo importa tambeacutem referir que natildeo estamos aqui perante um meio de obtenccedilatildeo de

prova autoacutenomo e independente mas sim perante uma possibilidade decorrente de uma

pesquisa informaacutetica (artigo 15ordm da Lei do Cibercrime) jaacute em curso que tenha sido

regularmente executada131 Efectivamente consagra esta disposiccedilatildeo normativa que

ldquoQuando no decurso de uma pesquisa informaacutetica ou outro acesso legiacutetimo a um sistema

informaacutetico forem encontrados armazenados nesse sistema informaacutetico ou noutro a que

seja permitido o acesso legiacutetimo a partir do primeiro mensagens de correio electroacutenico

ou registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante o juiz pode autorizar ou ordenar

por despacho a apreensatildeo daqueles que se afigurem ser de grande interesse para a

descoberta da verdade ou para a prova aplicando-se correspondentemente o regime da

apreensatildeo de correspondecircncia previsto no Coacutedigo de Processo Penalrdquo

Relativamente agrave remissatildeo feita no final do referido artigo para o regime da apreensatildeo de

correspondecircncia estamos com Rita Castanheira Neves quando afirma que se compreende

que em respeito pelo artigo 11ordm da Lei do Cibercrime ldquoa remissatildeo para o regime da

apreensatildeo de correspondecircncia natildeo abranja a exigecircncia de se tratar de crime puniacutevel com

pena de prisatildeo superior a trecircs anos Esta remissatildeo para o regime da apreensatildeo de

correspondecircncia parece pois realizada a quatro aspectos do regime agrave referecircncia agrave

nulidade no caso de natildeo respeito pelos requisitos estabelecidos (nos 1 e 2 do artigo 179ordm

do Coacutedigo de Processo Penal) ao facto de ter que estar em causa correio electroacutenico e

registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante enviados ou recebidos pelo suspeito

mesmo que dea partir de endereccedilo electroacutenico ou outros registos de pessoa diversa (aliacutenea

a) do nordm 1 do mesmo artigo 179ordm) agrave proibiccedilatildeo da apreensatildeo de correio electroacutenico e

registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante trocado entre arguido e defensor salvo

se o juiz tiver fundadas razotildees para crer que aquele correio electroacutenico ou aqueles registos

constituem objecto ou elemento do crime (nordm 2 do artigo 179ordm) e finalmente ao facto de

130 Neves 2011 273 131 Morais 2012 102

53

ter que ser o juiz que tiver autorizado ou ordenado a diligecircncia a primeira pessoa a tomar

conhecimento do conteuacutedo do correio electroacutenico e demais registos de comunicaccedilotildees

apreendido mandando-o juntar ao processo se o considerar relevante [hellip] ndash nordm 3 do artigo

179ordmrdquo132

Quanto a esta uacuteltima questatildeo parece-nos necessaacuterio focar em especial dois aspectos

distintos primeiro a necessidade ou natildeo de despacho judicial para a apreensatildeo das

mensagens de correio electroacutenico e registos de comunicaccedilatildeo de natureza semelhante (nordm

1 do artigo 179ordm do Coacutedigo de Processo Penal) segundo a necessidade de ter que ser o

juiz a primeira pessoa a ler o correio electroacutenico ou as mensagens de texto ou multimeacutedia

apreendidas e a decidir da sua junccedilatildeo ou natildeo ao processo (nordm 3 do artigo 179ordm do Coacutedigo

de Processo Penal)

Tendo em conta que a uacutenica exigecircncia do artigo 17ordm da Lei do Cibercrime para a

apreensatildeo de correio electroacutenico e registos de comunicaccedilatildeo de natureza semelhante eacute a

existecircncia de uma forma legiacutetima de acesso ao meio informaacutetico concordamos com Pedro

Verdelho quando defende que a referida medida permite fazer uma apreensatildeo provisoacuteria

de mensagens de correio electroacutenico de texto ou multimeacutedia no decurso de pesquisas

realizadas por exemplo com a autorizaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico devendo todavia tais

mensagens ser presentes ao juiz para que ordene a respectiva apreensatildeo definitiva e

junccedilatildeo ao processo Ou seja natildeo se requereraacute para a apreensatildeo provisoacuteria de e-mails

SMS ou MMS que haja uma preacutevia decisatildeo judicial133

Em regra antes de uma busca ainda natildeo se tem conhecimentos bastantes para certificar

que se encontraraacute ou natildeo um smartphone Assim na praacutetica seria inviaacutevel um sistema

que exigisse antes de toda e qualquer busca a obtenccedilatildeo de autorizaccedilatildeo judicial para a

eventual possibilidade de vir a ser encontrado no decurso de uma busca um smartphone

e que tal smartphone contivesse registos de comunicaccedilotildees e que tais comunicaccedilotildees

fossem prova necessaacuteria agrave investigaccedilatildeo do caso concreto

De salientar no entanto que esta apreensatildeo seraacute meramente uma apreensatildeo cautelar cuja

validade (definitiva) e consequente valoraccedilatildeo no processo em curso estaraacute sempre

dependente do despacho do juiz (nordm 1 do artigo 179ordm do CPP)

132 Neves 2011 274-275 133 Verdelho 2009 743-744

54

Neste sentido vai tambeacutem a jurisprudecircncia ao afirmar que ldquoa apreensatildeo de mensagens de

telemoacutevel (SMS) mesmo que resultante de uma pesquisa de dados informaacuteticos

validamente ordenada pelo Ministeacuterio Puacuteblico deve depois ser autorizada pelo JIC

Embora o MP deva tomar conhecimento em primeira matildeo das mensagens ordenando a

apreensatildeo provisoacuteria deve depois ser o juiz a ordenar a apreensatildeo definitiva ndash artigo 17ordm

da Lei do Cibercrimerdquo134

No entanto nos casos de apreensatildeo de mensagens decorrentes da autorizaccedilatildeo do seu

destinataacuterio (por exemplo quando eacute o proacuteprio a facultar o telemoacutevel para a obtenccedilatildeo das

mensagens) a jurisprudecircncia tem sido unacircnime quanto agrave desnecessidade de intervenccedilatildeo

judicial na obtenccedilatildeo e junccedilatildeo ao processo desses registos135

Assim concluiacutemos no sentido de natildeo carecer de autorizaccedilatildeo judicial a mera apreensatildeo

provisoacuteriacautelar de mensagens de correio electroacutenico de texto ou de multimeacutedia

encontradas no decurso de uma pesquisa informaacutetica (artigo 15ordm da Lei do Cibercrime)

ou outro acesso legiacutetimo num smartphone136 Sem embargo a validade definitiva desta

apreensatildeo e a sua consequente valoraccedilatildeo no processo em curso dependeraacute sempre do

despacho do juiz (nordm 1 do artigo 179ordm do CPP)

No que concerne agrave questatildeo da necessidade de ter que ser o juiz a primeira pessoa a ler o

correio electroacutenico e outros registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante

apreendidos (nordm 3 do artigo 179ordm do Coacutedigo de Processo Penal) importa trazer agrave colaccedilatildeo

a posiccedilatildeo defendida por dois Autores nacionais

Rita Castanheira Neves defende a tese de que dada a dificuldade praacutetica de ser o juiz a

primeira pessoa a tomar conhecimento do conteuacutedo de todas as mensagens cuja

quantidade pode ser bastante significativa se deveria proceder a uma inversatildeo da loacutegica

das coisas Assim a Autora afirma que ldquonatildeo haacute que deixar de exigir que seja o juiz o

primeiro a tomar conhecimento do conteuacutedo do correio electroacutenico [hellip]rdquo mensagens de

texto e multimeacutedia ldquo[hellip] pelas dificuldades praacuteticas de atribuir a um soacute juiz essa tarefa

134 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 29 de Marccedilo de 2011 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrgnsf86c25a698e4e7cb7802579ec004d38326aa96edf91e899b2802578a00054631f

OpenDocument [consultado em 29082016] 135 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 11 de Janeiro de 2011 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrlnsf33182fc732316039802565fa00497eece5ed1936deb44eb180257824004ab09d

OpenDocument [consultado em 29082016] 136 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 29 de Marccedilo de 2011 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrgnsf86c25a698e4e7cb7802579ec004d38326aa96edf91e899b2802578a00054631f

OpenDocument [consultado em 29082016]

55

mas sim exigir que durante a diligecircncia se tenha sempre em atenccedilatildeo que para a eficaacutecia

da mesma devem-se seguir estritos criteacuterios de abrangecircncia apenas apreendendo os e-

mails [hellip]rdquo mensagens de texto e de multimeacutedia ldquo[hellip] que se afiguram realmente

determinantes para a provardquo137

Em sentido semelhante Pedro Verdelho vem apoiar-se na letra da lei que segundo o

proacuteprio aponta para a possibilidade de quem procede agrave pesquisa encaminhar para o juiz

mensagens concretas com relevacircncia para o caso concreto que aquele depois apreenderaacute

ou natildeo138 Entendendo-se a lei de outra forma estar-se-ia segundo o Autor a optar por

uma soluccedilatildeo processual inviaacutevel que exigiria a verificaccedilatildeo pelo juiz de todas as

mensagens de correio electroacutenico e registos em todos os smartphones que fossem

encontrados no decurso de pesquisas

Pela nossa parte apoiamo-nos na ideia de que o artigo 17ordm da Lei do Cibercrime ao

remeter quanto agrave apreensatildeo de mensagens de correio electroacutenico e registos de

comunicaccedilotildees de natureza semelhante para o regime geral previsto no Coacutedigo de

Processo Penal determina a aplicaccedilatildeo daquele regime com as devidas adaptaccedilotildees

Assim e de encontro com o defendido por Rita Castanheira Neves Pedro Verdelho e pela

jurisprudecircncia aquelas apreensotildees (definitivas) tecircm efectivamente de ser autorizadas ou

determinadas por despacho judicial139 devendo ser o juiz a primeira pessoa a tomar

conhecimento do conteuacutedo da correspondecircncia previamente seleccionada como

determinante para a prova sob pena de nulidade

Chegados a esta parte e tendo em consideraccedilatildeo o objecto do nosso estudo podemos entatildeo

concluir depois de analisado o artigo 17ordm da Lei do Cibercrime que este preceito eacute

aplicaacutevel a todas as situaccedilotildees em que surja a necessidade por parte das entidades

judiciaacuterias de apreensatildeo de correio electroacutenico mensagens de texto e mensagens de

multimeacutedia armazenados num smartphone

137 Neves 2011 275 138 Verdelho 2009 744 139 Morais 2012 105 No caso de e-mails SMS e MMS ldquoa intervenccedilatildeo judicial tendo em vista a sua

apreensatildeo ou natildeo eacute sempre exigida em momento ulterior portanto apoacutes se ter encontrado este tipo de

informaccedilatildeo Nessa altura compete ao juiz escolher de entre as mensagens encontradas as que satildeo

relevantes para a prova Sublinha-se portanto que no sistema legal da Lei do Cibercrime natildeo poderaacute nunca

haver mensagens de correio electroacutenico [hellip]rdquo mensagens de texto e mensagens de multimeacutedia ldquo[hellip]

apreendidas para serem utilizadas como prova de determinado processo sem que haja um despacho de um

juiz nesse sentidordquo Cf Verdelho 2009 745

56

3 A relaccedilatildeo entre a Lei do Cibercrime e o Coacutedigo de Processo Penal

Jaacute foi analisado em sede de apreensatildeo de correio electroacutenico e registos de comunicaccedilotildees

de natureza semelhante que a remissatildeo do artigo 17ordm da Lei do Cibercrime para o regime

da apreensatildeo de correspondecircncia previsto no Coacutedigo de Processo Penal determina a

aplicaccedilatildeo deste regime com as devidas adaptaccedilotildees

A questatildeo que se coloca agora eacute a de saber qual seraacute a relaccedilatildeo entre o regime vertido no

Coacutedigo de Processo Penal sobre a intercepccedilatildeo de comunicaccedilotildees guardadas em suporte

digital (artigos 187ordm a 190ordm do CPP) e o regime estabelecido na nova Lei do Cibercrime

para a apreensatildeo de correio electroacutenico e registos de comunicaccedilotildees de natureza

semelhante (artigo 17ordm da Lei do Cibercrime)

Eacute da nossa opiniatildeo na esteira do defendido pela maioria da doutrina que no ordenamento

juriacutedico portuguecircs a intercepccedilatildeo e o registo das transmissotildees de dados informaacuteticos segue

a partir da entrada em vigor da Lei do Cibercrime em 15 de Outubro de 2009 o regime

aiacute vertido Efectivamente a Lei do Cibercrime ao optar por mobilizar um criteacuterio lato

para a sua aplicaccedilatildeo ndash necessidade de proceder agrave recolha de prova em suporte electroacutenico

- acabou por esvaziar o acircmbito de aplicaccedilatildeo do artigo 189ordm do Coacutedigo de Processo Penal

na parte relativa a comunicaccedilotildees electroacutenicas140

Em suma podemos concluir que a legislaccedilatildeo contida no Coacutedigo de Processo Penal foi

no essencial141 ultrapassada pela Lei nordm 1092009 levando assim agrave aplicaccedilatildeo do artigo

17ordm da Lei do Cibercrime aos casos de apreensatildeo de correio electroacutenico mensagens de

texto e mensagens de multimeacutedia como tiacutenhamos concluiacutedo supra e agrave aplicaccedilatildeo do artigo

16ordm da Lei do Cibercrime aos casos de apreensatildeo de dados informaacuteticos (vg fotografias

gravaccedilotildees de viacutedeo e aacuteudio contactos documentos electroacutenicos entre outros)

armazenados em smartphones

4 Conclusotildees intermeacutedias

Apoacutes uma anaacutelise detalhada sobre a Lei do Cibercrime encontramo-nos aptos a responder

agrave questatildeo que colocaacutemos no iniacutecio do presente capiacutetulo como se processa o acesso e a

apreensatildeo de conteuacutedos armazenados num smartphone de acordo com a legislaccedilatildeo

portuguesa

140 Neves 2011 280 Neste sentido vai tambeacutem Mesquita 2010 103 141 Tal natildeo invalida que todas as medidas gerais ou excepcionais e obrigaccedilotildees previstas na Lei nordm

1092009 se cumulem em tudo o que as natildeo contrarie com as estabelecidas no Coacutedigo de Processo Penal

57

Ao abranger todos os crimes em relaccedilatildeo aos quais seja necessaacuterio proceder agrave recolha de

prova em suporte electroacutenico a Lei do Cibercrime na al c) do seu artigo 11ordm acaba por

um lado por alargar o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo a quaisquer casos de desencriptaccedilatildeo de

smartphones para obtenccedilatildeo de prova em processo penal e por outro por esvaziar o acircmbito

de aplicaccedilatildeo do regime da intercepccedilatildeo de comunicaccedilotildees guardadas em suporte digital

previsto no Coacutedigo de Processo Penal

No que concerne ao acesso e agrave apreensatildeo de conteuacutedos armazenados num smartphone

para a obtenccedilatildeo de prova em processo penal cumpre deixar claro que em primeira

instacircncia eacute autorizada por despacho uma pesquisa ao conteuacutedo do smartphone regulada

pelo artigo 15ordm da Lei do Cibercrime e equiparada a uma busca tradicional mas em

ambiente digital Desta pesquisa podem resultar duas situaccedilotildees a necessidade de

apreensatildeo de determinados ficheiros electroacutenicos ou contrariamente a desnecessidade

de apreensatildeo de quaisquer ficheiros electroacutenicos

Caso se venha a verificar a primeira situaccedilatildeo (necessidade de apreensatildeo de determinados

ficheiros electroacutenicos) deveraacute ser feita a divisatildeo entre a) a necessidade de apreensatildeo de

dados informaacuteticos (artigo 16ordm da Lei do Cibercrime) b) e a necessidade de apreensatildeo

de mensagens de correio electroacutenico ou registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante

(artigo 17ordm da Lei do Cibercrime)

Se depois de feita uma primeira pesquisa ao conteuacutedo do smartphone os investigadores

encontrarem determinados dados ou documentos informaacuteticos tais como fotografias

viacutedeos gravaccedilotildees de auacutedio ou listas de contactos cuja apreensatildeo se mostre necessaacuteria

para a investigaccedilatildeo criminal deveraacute ser pedido agrave autoridade judiciaacuteria competente que

autorize ou ordene por despacho a sua apreensatildeo (artigo 16ordm da Lei do Cibercrime)

Existe ainda a possibilidade de o proacuteprio oacutergatildeo de poliacutecia criminal levar a cabo esta

apreensatildeo sem a preacutevia autorizaccedilatildeo da autoridade judiciaacuteria ficando esta diligecircncia

sujeita a validaccedilatildeo pela autoridade judiciaacuteria no prazo maacuteximo de setenta e duas horas

Como a apreensatildeo destes dados nomeadamente de fotografias viacutedeos ou gravaccedilotildees auacutedio

pode pocircr em causa a privacidade do arguido ou de terceiros o nordm 3 do referido artigo vem

consagrar a obrigatoriedade de intervenccedilatildeo do juiz de instruccedilatildeo

Por seu turno se no decorrer da pesquisa ao conteuacutedo do smartphone os investigadores

encontrarem mensagens de correio electroacutenico mensagens de texto ou de multimeacutedia

cuja apreensatildeo se mostre de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova

58

deveraacute ser pedido ao juiz que autorize ou ordene a apreensatildeo dessas mensagens de correio

electroacutenico e registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante (artigo 17ordm da Lei do

Cibercrime)

Isto posto parece-nos ser possiacutevel afirmar que o acesso e a apreensatildeo de ficheiros

electroacutenicos armazenados num smartphone eacute um processo relativamente simples No

entanto durante a abordagem da referida questatildeo natildeo colocaacutemos a possibilidade de o

acesso e a apreensatildeo destes ficheiros serem dificultados pela encriptaccedilatildeo do smartphone

Assim a tentativa de aceder e apreender ficheiros potencialmente incriminatoacuterios

armazenados num smartphone pode ser impossibilitada pelo bloqueio do dispositivo por

parte do seu proprietaacuterio atraveacutes da encriptaccedilatildeo por palavra-passe ou por biometria Eacute

sobre esta encriptaccedilatildeo que nos pronunciaremos de seguida

59

CAPIacuteTULO III ndash A ENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES

Num caso tiacutepico de desencriptaccedilatildeo de smartphones apoacutes a recolha do dispositivo agraves

autoridades judiciaacuterias cabe aceder e apreender os conteuacutedos aiacute armazenados a fim de

obterem provas incriminatoacuterias Sem embargo como ficou assente anteriormente natildeo

raras vezes os investigadores deparam-se com um entrave ao acesso aos ficheiros

guardados no smartphone a encriptaccedilatildeo do dispositivo Dada a circunstacircncia a tarefa de

aceder ao dispositivo com o desiacutegnio de recolher prova digital para auxiliar agrave investigaccedilatildeo

criminal torna-se mais complexa

Nos casos apresentados no primeiro capiacutetulo da presente investigaccedilatildeo a encriptaccedilatildeo dos

smartphones em causa era feita atraveacutes de dois meacutetodos distintos a palavra-passe

alfanumeacuterica e a biometria (leitura de impressotildees digitais) Tendo em consideraccedilatildeo os

casos apresentados que nos hatildeo de servir de modelo ao longo da nossa investigaccedilatildeo e o

elevado nuacutemero de utilizadores que actualmente recorre a estes dois meacutetodos de

encriptaccedilatildeo mostra-se imperativo natildeo soacute analisar a noccedilatildeo e as funcionalidades da

encriptaccedilatildeo mas tambeacutem como funcionam estes dois meacutetodos em concreto

1 A sociedade na era digital e a crescente necessidade de encriptar

No final do seacuteculo passado com os avanccedilos tecnoloacutegicos cientiacuteficos sociais e o

fenoacutemeno da globalizaccedilatildeo a sociedade industrial passou a caminhar para uma sociedade

informacional e comunicacional ganhando o epiacuteteto de sociedade na era digital142

A entrada de Portugal na era comum da informaccedilatildeo tornou-se irreversiacutevel e afectou todos

os aspectos da sociedade143 estando o seu surgimento umbilicalmente relacionado com o

apogeu e o sucesso da Internet Assim com o nascimento da Internet eacute simultaneamente

criado um novo paradigma de sociedade onde a energia eacute progressivamente substituiacuteda

pela informaccedilatildeo144 como fonte primeira do progresso social tendo como produto

essencial a prestaccedilatildeo de novos serviccedilos145 Numa realidade recente a informaccedilatildeo eacute

divulgada agrave velocidade da luz funcionando como moeda de troca em diversas

negociaccedilotildees

142 Quelhas 2008 22 143 Rodrigues 2009a 96 144 ldquoThe world isnrsquot run by weapons anymore or energy or money Itrsquos run by ones and zeros ndash little bits

of data Itrsquos all electronshellip Therersquos a war out there a world war Itrsquos not about who has the most bullets

Itrsquos about who controls the informationhellip Itrsquos all about informationrdquo Cf Weinberg 1998 675 145 MarquesMartins 2006 109

60

Contudo dada a facilidade na troca de informaccedilotildees ndash muita das vezes confidenciais ou

de caraacutecter privado - esta sociedade da informaccedilatildeo ou como preferimos sociedade

digital deveraacute pautar-se sempre em respeito pelos princiacutepios democraacuteticos da igualdade

e solidariedade visando a melhoria da qualidade de vida de todos os cidadatildeos146

O telemoacutevel nomeadamente o smartphone eacute um dos resultados desta evoluccedilatildeo

tecnoloacutegica sendo considerado actualmente como uma necessidade tanto pessoal quanto

profissional para a generalidade das pessoas147 Na sociedade actual informaccedilatildeo eacute

sinoacutenimo de poder Esta realidade levou a que o homem meacutedio passasse a armazenar ndash

digitalmente - uma quantidade consideraacutevel de informaccedilatildeo convertendo por sua vez os

telemoacuteveis em tesouros dos tempos modernos Desta forma natildeo causa estranheza afirmar

que a informaccedilatildeo aiacute armazenada tem frequentemente caraacutecter pessoal ou privado pelo

que surgem diversas preocupaccedilotildees por parte dos proprietaacuterios relativamente agrave sua

privacidade

Efectivamente a protecccedilatildeo da vida privada na era digital deixou de ser um iacutendice de

condiccedilatildeo social eacute um problema colectivo O Estado social moderno tem um grau de

participaccedilatildeo ou ingerecircncia na sociedade impensaacutevel no modelo de Estado liberal Desta

forma de uma maneira ou de outra todos os cidadatildeos acabam por estabelecer a dado

momento contacto com a maacutequina estatal vendo-se compelidos a ceder-lhe dados de

caraacutecter pessoal148 Como exemplo desta ingerecircncia estatal podemos chamar agrave colaccedilatildeo o

escacircndalo norte-americano que envolveu o funcionaacuterio da agecircncia NSA americana

Edward Snowden149 No veratildeo de 2013 Edward Snowden tornou puacuteblicas diversas

informaccedilotildees sobre programas que constituiriam o sistema de vigilacircncia global de

comunicaccedilotildees e traacutefego de informaccedilotildees executada pela NSA americana150

No entanto natildeo eacute apenas esta ingerecircncia estatal no acircmbito digital que inquieta a sociedade

moderna mas tambeacutem a ingerecircncia de terceiros Diversos satildeo os dispositivos de pequenas

dimensotildees tais como os smartphones que podem ser perdidos e posteriormente

encontrados por terceiros curiosos Assim natildeo seraacute soacute o Estado mas tambeacutem estes

terceiros que geram na sociedade um receio de devassa da vida privada

146 Benevides 2002 90 147 Clemens 2004 2 148 Benevides 2002 84 149 JafferRosenthal 2016 286 150 McCarthy 2016 21

61

Ora numa sociedade em que grande parte das trocas de informaccedilotildees ocorre por meios

electroacutenicos como o smartphone eacute natural que exista a preocupaccedilatildeo de implementar

teacutecnicas e meios de transmissatildeo seguros dessa mesma informaccedilatildeo A necessidade de

desenvolvimento de um meio teacutecnico que permita no acircmbito do armazenamento digital

de informaccedilotildees a confirmaccedilatildeo de determinados aspectos relacionados com a seguranccedila

da informaccedilatildeo aiacute armazenada levou ao desenvolvimento da encriptaccedilatildeo151 Percebe-se

que a encriptaccedilatildeo seja especialmente importante quando a informaccedilatildeo que se pretende

manter segura eacute armazenada em suportes electroacutenicos de pequena escala que se

encontram presentes no dia-a-dia de qualquer cidadatildeo (vg smartphone)

2 Encriptaccedilatildeo de smartphones

O recurso agrave encriptaccedilatildeo como tentativa de proteger certo tipo de informaccedilatildeo natildeo eacute algo

recente pelo contraacuterio existe de uma forma ou de outra haacute milhares de anos Apesar de

alguns exemplos dos uacuteltimos 4000 anos diferirem daquilo que hoje conhecemos como

encriptaccedilatildeo diferentes formas de encriptar foram utilizadas por padres imperadores

diplomatas generais espiotildees comerciantes insurgentes criminosos prisioneiros e

amantes ao longo do tempo152

Actualmente e atendendo ao tema da nossa investigaccedilatildeo uma das formas mais utilizadas

de encriptaccedilatildeo eacute precisamente a encriptaccedilatildeo de smartphones De facto esta encriptaccedilatildeo

passou a ser a norma e natildeo a excepccedilatildeo sendo utilizada de diversas maneiras e com

variados propoacutesitos153

21 Noccedilatildeo

A encriptaccedilatildeo pode ser definida como o processo atraveacutes do qual uma qualquer

informaccedilatildeo eacute convertida numa forma ilegiacutevel com recurso a algoritmos matemaacuteticos154

No niacutevel mais baacutesico a encriptaccedilatildeo usa a arte da criptografia (em grego ldquoescrita secretardquo)

para transformar informaccedilatildeo que pode ser lida (plaintext) em informaccedilatildeo que natildeo pode

ser lida (ciphertext)155 O processo eacute executado de acordo com um algoritmo de

encriptaccedilatildeo o cipher156 (um conjunto de regras que regula como o ldquoplaintextrdquo eacute

codificado) Apesar de este processo poder ser tatildeo simples quanto substituir cada letra

151 MartinsMarquesDias 2004 69 152 Vagle 2015 106-107 153 SwireAhmad 2012 453 154 Sales 2014 208 155 Thompson IIJaikaran 2016 2 156 Colarusso 2011 141

62

numa mensagem por um respectivo nuacutemero os algoritmos da encriptaccedilatildeo mais moderna

consistem frequentemente numa seacuterie complexa de funccedilotildees matemaacuteticas157 Assim a

encriptaccedilatildeo pode ser usada para baralhar todo o conteuacutedo do smartphone tornando

impossiacutevel a distinccedilatildeo entre zeros e uns que poderatildeo representar um documento e zeros

e uns que poderatildeo ser apenas espaccedilo de armazenamento vazio158 Independentemente do

modo de encriptaccedilatildeo o resultado final seraacute sempre a ininteligibilidade da informaccedilatildeo para

terceiros ndash governo ou particulares

Para que a encriptaccedilatildeo possa ser vista como um meacutetodo uacutetil de armazenamento ou envio

de informaccedilatildeo eacute necessaacuterio que seja reversiacutevel Desta forma os mais modernos sistemas

de encriptaccedilatildeo utilizam uma chave que deve ser aplicada ao algoritmo de encriptaccedilatildeo

escolhido para a recuperaccedilatildeo do ldquoplaintextrdquo159 A desencriptaccedilatildeo poderaacute ser entatildeo

definida como o processo pelo qual se transforma ou converte a informaccedilatildeo codificada

em informaccedilatildeo legiacutevel Igualmente correcta eacute a afirmaccedilatildeo de que a desencriptaccedilatildeo seraacute o

processo de transformaccedilatildeo de um ldquociphertextrdquo em ldquoplaintextrdquo160

22 Funcionalidades

Para o correcto funcionamento da encriptaccedilatildeo satildeo necessaacuterios cinco elementos distintos

a) a funccedilatildeo da encriptaccedilatildeo161 b) a funccedilatildeo da desencriptaccedilatildeo c) a chave d) o ldquoplaintextrdquo

e) e o ldquociphertextrdquo162

A encriptaccedilatildeo tem como funccedilatildeo principal a garantia de confidencialidade e a prevenccedilatildeo

de intromissatildeo de terceiros em determinadas informaccedilotildees Efectivamente a encriptaccedilatildeo

pode ser caracterizada como um dos meacutetodos mais idoacuteneos na protecccedilatildeo de informaccedilatildeo

electroacutenica contra intercepccedilotildees iliacutecitas por parte do governo empresas concorrentes

criminosos e outros163 O recurso agrave encriptaccedilatildeo passou a ser tatildeo comum que inuacutemeros

fabricantes de aparelhos tecnoloacutegicos a consideram como uma medida de seguranccedila

baacutesica Mesmo que a informaccedilatildeo codificada seja perdida ou furtada natildeo seraacute acessiacutevel a

terceiros natildeo autorizados

157 Ungberg 2009 540 158 MohanVillasenor 2012 17 159 LehtinenGangemi 2006 141-142 160 Mathur 2012 1650 161 A ldquofunccedilatildeordquo seraacute o processo matemaacutetico usado 162 Thompson IIJaikaran 2016 3 163 Sherwinter 2007 512

63

Apoacutes o escacircndalo de Snowden ter espalhado a sensaccedilatildeo de desconfianccedila e de falta de

privacidade na sociedade digital e atendendo agraves valecircncias da encriptaccedilatildeo empresas como

a Apple Samsung Google Facebook WhatsApp e Blackberry anunciaram a

implementaccedilatildeo de sistemas de encriptaccedilatildeo nas suas plataformas e produtos como uma

medida de seguranccedila e privacidade164

A tiacutetulo de exemplo a empresa Apple que seraacute objecto de estudo durante a nossa

investigaccedilatildeo no seu sistema operativo iOS nos iPads iPhones e iPods recorre agrave

encriptaccedilatildeo natildeo soacute para prevenir o acesso de pessoas natildeo autorizadas como tambeacutem para

evitar que o sistema operativo seja apagado por terceiros No final do mecircs de Novembro

de 2016 cerca de 95 dos iPhones a niacutevel mundial - uma percentagem com uma clara

tendecircncia para aumentar - seriam inacessiacuteveis agraves autoridades judiciaacuterias165166 Soacute nos

Estados Unidos da Ameacuterica cerca de 85 milhotildees de aparelhos da marca Apple estatildeo

encriptados167

Apesar das suas claras vantagens no acircmbito da seguranccedila e privacidade de determinadas

informaccedilotildees a encriptaccedilatildeo tem igualmente algumas vulnerabilidades e desvantagens

De facto todas as formas de encriptaccedilatildeo estatildeo sujeitas a trecircs categorias baacutesicas de ataque

a) ataques de forccedila bruta (brute-force attacks) b) ataques atraveacutes de ldquopeer-reviewrdquo c) e

ldquobackdoorsrdquo168

Nos ataques de forccedila bruta ou brute-force attacks os terceiros que pretendem aceder ao

smartphone recorrem a programas informaacuteticos que testam todas as combinaccedilotildees de

diferentes caracteres possiacuteveis ateacute conseguirem desencriptar o dispositivo atraveacutes da

combinaccedilatildeo correcta169 Dependendo da forccedila da combinaccedilatildeo este processo poderaacute ser

mais ou menos demorado

A segunda e mais sofisticada forma de ataque designada por ldquopeer-reviewrdquo envolve a

tentativa por parte de especialistas em seguranccedila e criptoacutegrafos de desencriptar sistemas

para testar a sua seguranccedila Ateacute que um sistema de encriptaccedilatildeo tenha resistido durante

164 McCarthy 2016 21-22 165 Cf App Store Support ndash Apple Developer Disponiacutevel em httpsdeveloperapplecomsupportapp-

store [consultado em 09122016] 166 ldquoWhen conducting criminal investigations if you pull the power on a smartphone that is encrypted you

have lost any chance of recovering that datardquo Cf Garfinkel 2012 2 Disponiacutevel em

httpswwwtechnologyreviewcoms428477the-iphone-has-passed-a-key-security-threshold

[consultado em 09122016] 167 JafferRosenthal 2016 289 168 SwireAhmad 2012 429 169 McCarthy 2016 19

64

anos porventura deacutecadas a um escrutiacutenio por parte destes criptoacutegrafos experientes natildeo

seraacute considerado seguro o suficiente para uso comercial170 Ser submetido a um ldquopeer-

reviewrdquo eacute portanto essencial para a implementaccedilatildeo comercial de um ldquocryptosystemrdquo

Por fim a terceira forma de ataque a um smartphone pode passar pelo uso de ldquobackdoorsrdquo

As backdoors satildeo intencionalmente construiacutedas no sistema de encriptaccedilatildeo com o desiacutegnio

de fornecer uma alternativa para aceder ao conteuacutedo codificado Podem ser vistas como

brechas de seguranccedila inerentes uma vez que permitem um acesso secundaacuterio ao

dispositivo sem a necessidade de desencriptar171

Numa outra perspectiva podemos ainda chamar agrave colaccedilatildeo uma possiacutevel desvantagem que

a implementaccedilatildeo de encriptaccedilatildeo em smartphones pode gerar o aumento do crime De um

ponto de vista mais extremo haacute quem defenda que a encriptaccedilatildeo pode levar a que

criminosos e terroristas tracem os seus planos e armazenem informaccedilotildees relevantes sobre

os seus intentos nos seus smartphones encriptados longe dos olhares das entidades

judiciaacuterias172

23 Meacutetodos de encriptaccedilatildeo de smartphones

Existem actualmente diversos meacutetodos de encriptaccedilatildeo e desencriptaccedilatildeo de smartphones

muito dependente da marca do dispositivo Tipicamente os meacutetodos de encriptaccedilatildeo (ou

de autenticaccedilatildeo como satildeo muitas vezes designados) baseiam-se em trecircs factores

distintos a) possessatildeo (algo que a pessoa tem como um cartatildeo do banco uma chave ou

um token173) b) conhecimento (algo que a pessoa sabe como um username uma palavra-

passe ou um PIN) c) identidade (algo que a pessoa eacute ou faz como uma impressatildeo digital

a iacuteris a voz ou o rosto)174 No que agrave nossa investigaccedilatildeo diz respeito a distinccedilatildeo revelante

seraacute feita entre o factor do conhecimento e da identidade

170 SwireAhmad 2012 431-432 171 ldquoThe image is that the front door to a house is securely locked but someone can enter through a

backdoor that appears to be locked but is actually easy to openrdquo Cf SwireAhmad 2012 432 172 Andrews 2000 211 173 Tokens satildeo dispositivos fiacutesicos utilizados para auxiliarem a seguranccedila pessoal do seu utilizador em

determinadas transacccedilotildees (muitas das vezes bancaacuterias) Normalmente o processo eacute feito atraveacutes de um

aparelho semelhante a uma chave que vai gerando diversas senhas com um uacutenico clique 174 Hoyos Labs 2016 4 Disponiacutevel em httppimn-publicsharepointcomDocumentatie2016-06-10-

idm-Hoyos-Labs-Guaranteeing-identity-with-biometric-authenticationpdf [consultado em 12122016]

Neste sentido cf PatoMillett 2010 5 ldquoUn soggetto dunque puograve essere identificato non solo mediante

qualcosa che conosce (una password un PIN) o qualcosa che possiede (un dispositivo di autenticazione

una smart card) come comunemente avviene ma anche mediante qualcosa che gli egrave proprio una

caratteristica biometrica appuntordquo Cf Girotto 2009 454

65

Com base nos vaacuterios modelos de smartphones disponiacuteveis actualmente no mercado

podemos enumerar os seguintes meacutetodos de encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo a) palavra-passe

e PIN b) gesto (padratildeo desenhado no touchscreen conectado com uma seacuterie de pontos

ou formas) c) impressatildeo digital d) reconhecimento facial e) reconhecimento da iacuteris f)

reconhecimento de voz175

Na maioria dos casos referidos no primeiro capiacutetulo da presente investigaccedilatildeo o

dispositivo moacutevel que estaria sobre escrutiacutenio seria um iPhone da marca Apple Por esse

motivo toda a nossa investigaccedilatildeo iraacute centrar-se no meacutetodo de encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo

implementado em tal smartphone sem prejuiacutezo de toda a informaccedilatildeo apresentada poder

ser ainda pertinente para todos os dispositivos que funcionem com os mesmos meacutetodos

(quer simultacircnea quer separadamente)

Actualmente o iPhone utiliza duas medidas de seguranccedila distintas a palavra-passe e a

impressatildeo digital176 Desta forma seratildeo estes os dois meacutetodos de encriptaccedilatildeo e

desencriptaccedilatildeo que analisaremos ao longo do nosso estudo

231 Palavra-passe

A palavra-passe pode ser definida como um coacutedigo numeacuterico ou alfanumeacuterico que tem

como objectivo principal criar uma barreira entre a informaccedilatildeo armazenada no

smartphone e um terceiro que queira aceder ao dispositivo Actualmente as palavras-

passe satildeo consideradas o meacutetodo padratildeo de encriptaccedilatildeo de smartphones177

Para comprovar a sua eficaacutecia eacute necessaacuterio que as palavras-passe sejam resistentes a uma

variedade de ataques Assim a sua eficiecircncia vai depender da forccedila do cipher e do segredo

da palavra-passe Geralmente quanto maior for a palavra-passe maior seraacute a forccedila da

encriptaccedilatildeo uma vez que os brute-force attacks vatildeo testar todas as combinaccedilotildees possiacuteveis

ateacute chegarem agrave combinaccedilatildeo correcta178 De facto uma palavra-passe longa dificilmente

seraacute descoberta atendendo agrave actual velocidade e capacidade de processamento de

programas de descoberta de palavras-passe e plataformas de smartphones Numa palavra-

passe com 4 diacutegitos existem 10000 combinaccedilotildees possiacuteveis por outro lado numa palavra-

passe alfanumeacuterica com 6 caracteres o nuacutemero de combinaccedilotildees possiacuteveis sobe para 139

175 ChoongFranklinGreene 2016 11-14 176 Vogl 2015 202 177 ChoongFranklinGreene 2016 17 178 Colarusso 2011 152-153

66

biliotildees179 Nesta uacuteltima hipoacutetese seriam necessaacuterios cerca de cinco anos e meio para

conseguir descobrir a palavra-passe correcta e desencriptar o smartphone sem o auxiacutelio

do proprietaacuterio

A palavra-passe nos iPhones dos uacuteltimos quatro anos eacute tipicamente composta por 6

diacutegitos no entanto o utilizador poderaacute optar por uma palavra-passe alfanumeacuterica mais

complexa Por sua vez os iPhones anteriores a 2012 tecircm uma palavra-chave padratildeo de

apenas 4 diacutegitos sendo que os seus utilizadores tambeacutem poderatildeo optar por uma palavra-

passe alfanumeacuterica

Em 2010 com o lanccedilamento do novo sistema operativo iOS4 foi introduzida pela Apple

a primeira de muitas medidas de seguranccedila e privacidade nos seus produtos a protecccedilatildeo

de correio electroacutenico e lista de contactos atraveacutes de encriptaccedilatildeo por palavra-passe No

entanto estes coacutedigos de 4 diacutegitos eram facilmente descobertos em menos 20 minutos

com recurso a ferramentas forenses180 Ateacute Outubro de 2014 a Apple possuiacutea capacidades

para aceder ao conteuacutedo (SMS MMS fotografias viacutedeos contactos histoacuterico de

chamadas entre outros) de qualquer dispositivo encriptado da sua marca Atendendo a

esta capacidade natildeo raras vezes eram feitos pedidos agrave Apple por parte das entidades

judiciaacuterias no sentido de lhes serem fornecidos todos os ficheiros armazenados no

smartphone que seriam posteriormente usados como prova em determinada investigaccedilatildeo

Com o lanccedilamento do iOS8 em Outubro de 2014 e a consequente melhoria no sistema

de total encriptaccedilatildeo dos seus dispositivos a Apple deixa de conseguir aceder aos iPhones

mesmo que a pedido das autoridades judiciaacuterias181 Desta melhoria no sistema de

encriptaccedilatildeo podemos ainda extrair a possibilidade de activaccedilatildeo de uma definiccedilatildeo de

seguranccedila que permite apagar todos os dados do iPhone apoacutes 10 tentativas de introduccedilatildeo

da palavra-passe182

De facto a encriptaccedilatildeo com palavra-passe tem sido utilizada pelos grandes fabricantes de

smartphones como um meacutetodo padratildeo de seguranccedila e privacidade No entanto como

tantos outros meacutetodos de seguranccedila as palavras-passe tecircm desvantagens

O meacutetodo de encriptaccedilatildeo por palavra-passe envolve dois problemas principais

179 Thompson IIJaikaran 2016 4 180 Potapchuk 2016 1409 181 JafferRosenthal 2016 287-288 182 Garfinkel 2012 3-4 Disponiacutevel em httpswwwtechnologyreviewcoms428477the-iphone-has-

passed-a-key-security-threshold [consultado em 12122016]

67

O primeiro tem que ver com a seguranccedila da palavra-passe Este meacutetodo de encriptaccedilatildeo

exige necessariamente que o seu utilizador memorize a combinaccedilatildeo Uma vez que os

ataques de forccedila bruta a smartphones satildeo cada vez mais recorrentes a necessidade de

criaccedilatildeo de palavras-passe mais longas e complexas eacute cada vez maior tornando a sua

memorizaccedilatildeo numa tarefa extremamente difiacutecil183 Para agravar a situaccedilatildeo o nuacutemero de

palavras-passe que o utilizador teraacute de memorizar relativamente a dispositivos de uso

profissional ou pessoal tambeacutem tem aumentado184 Quantas mais palavras-passe o

utilizador tem de memorizar maior seraacute a probabilidade de errar ou esquecer-se de

alguma Essencialmente qualquer meacutetodo de encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo que envolva a

memorizaccedilatildeo e o segredo de uma palavra-passe ou uma sequecircncia de nuacutemeros por parte

do utilizador eacute faliacutevel dado que os seres humanos satildeo por natureza igualmente faliacuteveis

Por outro lado para evitar a tarefa de ter de memorizar uma diversidade de palavras-passe

longas e complexas o utilizador acaba por muitas das vezes escolher uma palavra-passe

curta e fraca185 Estas palavras-passe para aleacutem de serem facilmente descobertas atraveacutes

de ataques de forccedila bruta satildeo ainda passiacuteveis de ser adivinhadas por terceiros186 dado

que natildeo raras vezes os utilizadores utilizam datas de aniversaacuterio ou nomes de familiares

para protegerem os seus smartphones Uma outra maneira diversas vezes utilizada para

evitar memorizar ou por outro lado esquecer palavras-passe complexas eacute anotaacute-las num

papel ou em outro formato Desta forma o utilizador estaraacute a comprometer toda a

seguranccedila e privacidade do sistema possibilitando que terceiros (nomeadamente

autoridades judiciaacuterias) encontrem a palavra-passe e acedam ao smartphone

O segundo problema relacionado com a encriptaccedilatildeo por palavra-passe prende-se com a

sua falta de conexatildeo directa com o utilizador187 Visto que a palavra-passe natildeo tem

qualquer ligaccedilatildeo com o utilizador o sistema que executa o algoritmo criptograacutefico eacute

incapaz de diferenciar entre o utilizador legiacutetimo e um invasor que adquiriu ilicitamente

(ou mesmo que licitamente) a palavra-passe Assim qualquer terceiro que tome

183 Keenan 2016 5 184 PaulIrvine 2016 80 185 Rubens 2012 3 Disponiacutevel em httpwwwesecurityplanetcomtrendsbiometric-authentication-how-

it-workshtml [consultado em 12122016] 186 Casey 2002 107 187 SoutarRobergeStoianovGilroyKumar 2007 3 Disponiacutevel em

httpwwwcselehigheduprrBiometricsArchivePapersBiometricEncryptionpdf [consultado em

12122016]

68

conhecimento da palavra-passe seja porque lhe foi concedida ou porque a descobriu

poderaacute aceder a todo o conteuacutedo do smartphone

Atendendo agraves desvantagens da encriptaccedilatildeo por palavra-passe foi criada uma alternativa

a encriptaccedilatildeo biomeacutetrica

232 Biometria

Para aleacutem da encriptaccedilatildeo por palavra-passe existe ainda uma outra tecnologia que

permite a protecccedilatildeo de dados sensiacuteveis esta tecnologia eacute designada por biometria

A encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo biomeacutetrica natildeo eacute uma realidade recente Jaacute no ano de 1892

o cientista Francis Galton desenvolveu um sistema de classificaccedilatildeo para impressotildees

digitais188 Vaacuterios avanccedilos foram alcanccedilados desde essa altura Actualmente o recurso agrave

biometria na encriptaccedilatildeo e desencriptaccedilatildeo de qualquer dispositivo electroacutenico eacute visto

como um passo fundamental para a garantia da seguranccedila e privacidade189

A biometria eacute um ramo da biologia que mede e analisa dados bioloacutegicos para que as

propriedades bioloacutegicas de determinada pessoa possam ser usadas para garantir a

seguranccedila do seu acesso a determinada informaccedilatildeo190

Por seu turno a biomeacutetrica pode ser definida como uma caracteriacutestica uacutenica mensuraacutevel

e bioloacutegica cujo objectivo eacute reconhecer ou verificar automaticamente a identidade de

determinado ser humano191 Numa outra perspetiva podemos afirmar que a tecnologia

biomeacutetrica eacute utilizada para verificar a identidade de determinada pessoa com base nas

suas caracteriacutesticas fiacutesicas ou comportamentais atraveacutes de meios digitais192 A anaacutelise

188 National Science and Technology Coucil 2006 2 Disponiacutevel em httpswwwfbigovfile-

repositoryabout-us-cjis-fingerprints_biometrics-biometric-center-of-excellences-fingerprint-

recognitionpdfview [consultado em 13122016] 189 Keenan 2016 6 190 Silver 2012 813 191 ldquoLa biometria egrave dunque una tecnica che permettendo di autenticare o identificare un soggetto trova

vasta applicazione in molteplici ambiti soprattutto laddove si pone una concreta esigenza di garanzia della

sicurezza pubblica o privatardquo Cf Girotto 2009 455 192 Feldman 2003 103 Neste sentido vai tambeacutem a OCDE que definiu a identificaccedilatildeo biomeacutetrica como

ldquothe automated use of physiological or behavioural characteristics to determine or verify identityrdquo Cf

OCDE 2004 10 Disponiacutevel em httpwwwoecd-

ilibraryorgdocserverdownload232075642747pdfexpires=1481644102ampid=idampaccname=guestampchec

ksum=B1A21B7898A864D5763D4AB7F7310AFA [consultado em 13122016]

69

estatiacutestica destas caracteriacutesticas bioloacutegicas ficou conhecida como a ldquoscience of

biometricsrdquo193

As impressotildees digitais objecto do nosso estudo satildeo a forma de dados biomeacutetricos mais

utilizada na encriptaccedilatildeo de dispositivos electroacutenicos

No entanto existem outras tecnologias biomeacutetricas que satildeo igualmente usadas satildeo elas

a) o rosto b) a geometria da palma da matildeo c) a marchapassada d) a iacuteris e) a impressatildeo

da palma da matildeo f) o reconhecimento de voz entre outros194

A tecnologia biomeacutetrica de uma forma geral eacute dividida em duas fases distintas a) o

registo (enrollment) b) e a verificaccedilatildeo (verification)195 Durante a fase do registo uma

amostra da biomeacutetrica designada eacute obtida (vg atraveacutes de microfones ou de scanners de

impressotildees digitais)196 Posteriormente algumas das caracteriacutesticas uacutenicas dessa amostra

satildeo extraiacutedas para formar um modelo (template) biomeacutetrico que seraacute alvo de uma

subsequente comparaccedilatildeo Durante a fase da verificaccedilatildeo eacute necessaacuteria uma actualizaccedilatildeo da

amostra biomeacutetrica que se obteacutem atraveacutes do fornecimento de uma nova amostra Agrave

semelhanccedila do que acontece na fase de registo caracteriacutesticas desta nova amostra seratildeo

igualmente recolhidas Por fim as suas caracteriacutesticas seratildeo comparadas com o modelo

biomeacutetrico fornecido anteriormente

Eacute ainda pertinente neste acircmbito esclarecer que todas as tecnologias biomeacutetricas

apresentadas podem ser aplicadas sob duas formas distintas a) como meacutetodo de

identificaccedilatildeo b) ou como meacutetodo de autenticaccedilatildeo A identificaccedilatildeo biomeacutetrica consiste na

tarefa de determinar a identidade de uma pessoa desconhecida ao passo que a

autenticaccedilatildeo biomeacutetrica simplesmente atesta se o indiviacuteduo eacute quem afirma ser197

193 SoutarRobergeStoianovGilroyKumar 2007 1 Disponiacutevel em

httpwwwcselehigheduprrBiometricsArchivePapersBiometricEncryptionpdf [consultado em

13122016] 194 PatoMillett 2010 31 CorcoranCostache 2016 70 ldquoSi egrave soliti inoltre distinguere le caratteristiche

biometriche fisiche o fisiologiche da quelle comportamentali Tra le prime rientrano principalmente la

verifica delle impronte digitali lanalisi dellimmagine delle dita il riconoscimento delliride lanalisi della retina il riconoscimento del volto la geometria della mano il riconoscimento della forma dellorecchio il

rilevamento dellodore del corpo il riconoscimento vocale lanalisi dei pori della pelle e altro ancora

Tra le seconde le piugrave utilizzate sono la verifica della firma manoscritta lanalisi della battitura su tastiera

lanalisi dellandaturardquo Cf Girotto 2009 454 195 SoutarRobergeStoianovGilroyKumar 2007 2 Disponiacutevel em

httpwwwcselehigheduprrBiometricsArchivePapersBiometricEncryptionpdf [consultado em

13122016] 196 GelbClark 2013 62-63 197 CorcoranCostache 2016 72

70

No processo de autenticaccedilatildeo biomeacutetrica o utilizador submete a reivindicaccedilatildeo da sua

identidade ao sistema (atraveacutes do fornecimento de uma amostra biomeacutetrica) sendo que

apenas um modelo biomeacutetrico eacute recuperado da base de dados dos utilizadores e

comparado com a amostra por si fornecida A autenticaccedilatildeo biomeacutetrica eacute tipicamente usada

nas circunstacircncias em que eacute feito um controlo do acesso seja o acesso fiacutesico a uma sala

ou edifiacutecio ou o acesso a um sistema eletroacutenico como um smartphone198

Desta forma no que concerne ao objecto da nossa investigaccedilatildeo apenas se mostra

relevante a autenticaccedilatildeo biomeacutetrica uma vez que eacute a teacutecnica utilizada na

encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo de smartphones Quando determinado utilizador quiser

aceder a um smartphone encriptado atraveacutes de biometria teraacute de fornecer uma amostra

biomeacutetrica (vg a sua impressatildeo digital) para que esta seja comparada com o modelo

registado Caso haja correspondecircncia entre a impressatildeo digital fornecida e a impressatildeo

digital registada anteriormente o utilizador vecirc o acesso ao smartphone autorizado caso

natildeo haja correspondecircncia o acesso manteacutem-se interdito De facto actualmente a

autenticaccedilatildeo biomeacutetrica atraveacutes da impressatildeo digital eacute como tivemos oportunidade de

salientar anteriormente um dos meacutetodos mais utilizados na encriptaccedilatildeo de

smartphones199

Este aumento significativo e exponencial do recurso agraves tecnologias biomeacutetricas na

encriptaccedilatildeo de smartphones natildeo causa estranheza tomando em consideraccedilatildeo todas as

vantagens destes meacutetodos

Contrariamente agraves palavras-passe que para serem seguras e ldquofortesrdquo necessitam da

utilizaccedilatildeo de diversos nuacutemeros letras e outros caracteres especiais tornando a tarefa de

memorizaccedilatildeo mais difiacutecil a encriptaccedilatildeo atraveacutes da biometria natildeo necessita de qualquer

processo de memorizaccedilatildeo200 Uma vez que a biometria utiliza as caracteriacutesticas pessoais

198 SoutarRobergeStoianovGilroyKumar 2007 4 Disponiacutevel em httpwwwcselehigheduprrBiometricsArchivePapersBiometricEncryptionpdf [consultado em

13122016] 199 ldquoFingerprints are a commom biometric used in modern mobile devices over the past several years

Multiple types of fingerprint sensors exist such as optical capacitive and ultrasonic each with unique

ways of assessing characteristics of a biometric sample In general fingerprint scanners on mobile devices

have a smaller surface area than traditional scanners affecting resolution which may impact accuracyrdquo

Cf ChoongFranklinGreene 2016 13 200 SaintGermain 2014a 8-9 Disponiacutevel em

httpspapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=2367479 [consultado em 14122016]

71

do utilizador natildeo haacute qualquer possibilidade de esquecimento ou necessidade de

memorizaccedilatildeo201 O proacuteprio utilizador eacute a palavra-passe tornando-a uacutenica

Visto que deixa de existir a necessidade de criaccedilatildeo de palavras-passe longas e complexas

deixa igualmente de existir a necessidade de as escrever ou guardar correndo o risco de

serem descobertas ou furtadas por terceiros Na encriptaccedilatildeo biomeacutetrica natildeo se coloca a

possibilidade de furto dos dados biomeacutetricos

Adveacutem da circunstacircncia de o utilizador ser a proacutepria ldquopalavra-passerdquo do smartphone a

dificuldade de a copiar ou duplicar202 Esta vantagem torna o meacutetodo de encriptaccedilatildeo por

biometria apropriado para o controlo do acesso a informaccedilotildees pessoais por parte de

terceiros natildeo autorizados203 Decorre ainda desta circunstacircncia a impossibilidade de

partilha dos dados biomeacutetricos (vg impressatildeo digital voz iacuteris rosto) para desencriptaccedilatildeo

de um determinado smartphone204

Agrave medida que a tecnologia se vai desenvolvendo e melhorando ao longo do tempo

tambeacutem estas teacutecnicas de encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo de smartphones com recurso agrave

biometria vatildeo aperfeiccediloando a sua precisatildeo e robustez205

Com a encriptaccedilatildeo biomeacutetrica para aleacutem de se evitar a inconveniecircncia de se ter de

memorizar palavras-passe longas e complexas deixa de ser necessaacuterio estar

constantemente a digitar a palavra-passe (longa e complexa) sempre que o utilizador

precisa de aceder ao seu smartphone206 Dado que um smartphone eacute desbloqueado em

meacutedia cerca de 48 vezes por dia esta eacute uma clara vantagem no que concerne agrave

conveniecircncia do meacutetodo207

201 ChuRajendran 2009 3-4 Disponiacutevel em

httpciteseerxistpsueduviewdocsummarydoi=1011363739 [consultado em 14122016] 202 Keenan 2016 6 203 SaintGermain 2014b 3 Disponiacutevel em httpspapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=2498707

[consultado em 14122016] 204 Rubens 2012 1 Disponiacutevel em httpwwwesecurityplanetcomtrendsbiometric-authentication-how-it-workshtml [consultado em 14122016] 205 Keenan 2016 7 206 PaulIrvine 2016 80-81 207 ldquoAmong all biometrics technologies fingerprint biometrics technology has captured majority of the

market share Ease of usage low cost and benefits over smart card-based access control systems have

fuelled the growth of fingerprint biometrics systems globally Government projects such as national IDs

e-passports and driving license are also playing a vital role for the growth of biometrics marketrdquo Cf

Hustle 2014 1 Disponiacutevel em httprebelpunditcombiometrics-and-the-constitution-why-fingerprints-

are-less-secure-than-passwords [consultado em 14122016]

72

A encriptaccedilatildeo biomeacutetrica eacute vista como uma das formas mais seguras de aceder a qualquer

tipo de dispositivo208 No que concerne agrave impressatildeo digital em particular atendendo agrave sua

natureza singular209 este meacutetodo de encriptaccedilatildeo acaba por gerar um maior sentimento de

seguranccedila e protecccedilatildeo relativamente agrave informaccedilatildeo armazenada no smartphone

Por fim eacute imperativo fazer ainda menccedilatildeo em sede de vantagens da utilizaccedilatildeo de

encriptaccedilatildeo biomeacutetrica agrave importacircncia que eacute dada agrave privacidade na utilizaccedilatildeo deste

meacutetodo A tiacutetulo de exemplo podemos trazer agrave colaccedilatildeo o caso dos sistemas de leitura de

impressotildees digitais que apenas capturam as principais caracteriacutesticas da impressatildeo digital

e natildeo a impressatildeo digital integral garantindo assim a privacidade destes dados

pessoais210

Apesar das claras vantagens que adveacutem da utilizaccedilatildeo de dados biomeacutetricos na encriptaccedilatildeo

de smartphones natildeo podemos concluir que esta teacutecnica eacute completamente perfeita211 Nos

casos de reconhecimento facial basta que a luz o ambiente de fundo ou os acircngulos sejam

diferentes para que a autenticaccedilatildeo natildeo seja possiacutevel Para uma eficaz autenticaccedilatildeo ocular

eacute necessaacuterio que o olho esteja perfeitamente posicionado para evitar possiacuteveis erros Por

fim apesar de a leitura da impressatildeo digital ser um dos meacutetodos mais eficazes e mais

utilizados basta que o acircngulo ou a pressatildeo aplicada sejam diferentes para inviabilizar a

autenticaccedilatildeo

Contrariamente agraves palavras-passe os dados biomeacutetricos natildeo satildeo secretos212 Isto significa

que eacute possiacutevel que um terceiro tomando conhecimento de que um tipo de dado biomeacutetrico

eacute utilizado para a encriptaccedilatildeo de determinado smartphone faccedila uma reacuteplica desse mesmo

dado para garantir o acesso ao dispositivo Frisaacutemos anteriormente que uma das

vantagens do recurso a estas teacutecnicas seria precisamente a dificuldade de criaccedilatildeo de uma

reacuteplica No entanto com a constante evoluccedilatildeo tecnoloacutegica e cientiacutefica natildeo se descarta a

possibilidade da construccedilatildeo de um molde de um dedo com a respectiva impressatildeo

208 PaulIrvine 2016 81 209 ldquoYour fingerprint is one of the best passcodes in the world Itrsquos always with you and no two are exactly alikehellipEvery fingerprint is unique so it is rare that even a small section of two separate fingerprints are

alike enough to register as a match for Touch ID The probability of this happening is 1 in 50000 for one

enrolled finger This is much better than the 1 in 10000 odds of guessing a typical 4-digit passcoderdquo Cf

Hustle 2014 3 Disponiacutevel em httprebelpunditcombiometrics-and-the-constitution-why-fingerprints-

are-less-secure-than-passwords [consultado em 14122016] 210 Keenan 2016 7 211 Feldman 2003 110 212 Rubens 2012 2 Disponiacutevel em httpwwwesecurityplanetcomtrendsbiometric-authentication-how-

it-workshtml [consultado em 14122016]

73

digital213 ou a utilizaccedilatildeo de uma fotografia de alta resoluccedilatildeo de uma impressatildeo digital

para aceder a um smartphone214

E como estes dados biomeacutetricos consistem em caracteriacutesticas fiacutesicas dos utilizadores uma

das desvantagens fundamentais tem que ver com a sua natureza estaacutetica e inalteraacutevel

Qualquer caracteriacutestica fiacutesica de um ser humano eacute a priori permanente pelo que natildeo

seraacute viaacutevel a alteraccedilatildeo ou revogaccedilatildeo do modo de acesso ao smartphone215 Assim dada a

impossibilidade de revogaccedilatildeo do dado biomeacutetrico utilizado para aceder ao smartphone

na circunstacircncia de um terceiro ter acesso a esse dado eacute criado um risco permanente de

acesso agraves informaccedilotildees armazenadas no dispositivo216

No que respeita agraves consideraccedilotildees fiacutesicas sobre a utilizaccedilatildeo em particular de impressotildees

digitais para a encriptaccedilatildeo de smartphones satildeo de apontar algumas desvantagens

notoacuterias este meacutetodo natildeo funcionaraacute se o utilizador estiver a usar luvas se o utilizador

tiver qualquer tipo de lesatildeo temporaacuteria nos dedos ou se no momento do fornecimento da

impressatildeo digital for detectado algum tipo de humidade ou sujidade que impeccedila uma

leitura bem-sucedida217

Uma outra desvantagem destes meacutetodos biomeacutetricos de encriptaccedilatildeo prende-se com os

elevados custos para a sua instalaccedilatildeo218 No caso concreto dos smartphones o preccedilo final

do aparelho poderaacute aumentar consideravelmente consoante tenha ou natildeo implementado

um sistema de encriptaccedilatildeo biomeacutetrica

Por fim ainda em sede de desvantagens da encriptaccedilatildeo biomeacutetrica resta-nos mencionar

que com a divulgaccedilatildeo dos atentados praticados contra a privacidade dos utilizadores de

dispositivos electroacutenicos perpetrados pela NSA norte-americana gerou-se um clima de

desconfianccedila por parte da sociedade em relaccedilatildeo agrave implementaccedilatildeo destas novas

213 PaulIrvine 2016 82 214 ldquoFor a few German hackers breaking Apples much-hyped fingerprint reader seems to have been little

more than a one-weekend project On Sunday the Berlin-based hacker group known as the Chaos

Computer Club - and more specifically a member of the group who goes by the name Starbug - announced that theyve managed to crack the iPhone 5ss fingerprint reader just two days after it was releasedrdquo Cf

Greenberg 2013 1 Disponiacutevel em httpwwwforbescomsitesandygreenberg20130922german-

hackers-say-theyve-broken-the-iphones-touchid-fingerprint-reader2a8d881167c4 [consultado em

14122016] 215 PatoMillett 2010 7 216 CorcoranCostache 2016 73 217 ChoongFranklinGreene 2016 25 218 ChuRajendran 2009 5 Disponiacutevel em

httpciteseerxistpsueduviewdocsummarydoi=1011363739 [consultado em 14122016]

74

tecnologias nomeadamente em smartphones219 Assim os utilizadores de smartphones

tecircm alguma reticecircncia em utilizar este tipo de novas tecnologias temendo ser alvo de

ingerecircncias na sua vida privada por parte do Estado

Como tivemos oportunidade de esclarecer anteriormente a nossa investigaccedilatildeo iraacute centrar-

se no meacutetodo de encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo implementado no iPhone Assim depois de

analisados os dois meacutetodos de encriptaccedilatildeo utilizados pela marca Apple nos seus produtos

ndash a palavra-passe e a biometria - importa agora fazer uma breve referecircncia agraves

particularidades teacutecnicas do seu sistema de encriptaccedilatildeo biomeacutetrica o Touch ID

A teacutecnica da encriptaccedilatildeo por impressatildeo digital jaacute existe haacute alguns anos em diversos

dispositivos electroacutenicos nomeadamente computadores No entanto foi soacute depois da

introduccedilatildeo do Touch ID em 2013 que a autenticaccedilatildeo por impressatildeo digital ganhou

notoriedade na aacuterea das novas tecnologias220 A empresa Apple lanccedilou em grande parte

dos seus produtos (vg iPhones e iPads) o Touch ID um leitor de impressotildees digitais que

autoriza o sistema operativo a desbloquear determinadas funcionalidades quando o

utilizador toca no sensor localizado no botatildeo principal do dispositivo Considerando o

facto de que a grande parte dos utilizadores do iPhone natildeo utilizavam a palavra-passe

para bloquear o seu smartphone por questotildees de conveniecircncia o Touch ID foi criado

como uma alternativa menos incoacutemoda221

A tecnologia usada no fabrico do Touch ID eacute uma das formas mais avanccediladas de

hardware e software alguma vez implementada num smartphone O sensor consegue

captar uma imagem de alta resoluccedilatildeo das camadas subepideacutermicas da pele localizadas em

pequenas secccedilotildees da impressatildeo digital222 O Touch ID tem capacidade para ler diversas

impressotildees digitais mesmo numa orientaccedilatildeo de 360 graus Apoacutes a leitura eacute criada uma

representaccedilatildeo matemaacutetica da impressatildeo digital que seraacute comparada agraves impressotildees digitais

anteriormente registadas no dispositivo No caso de coincidecircncia entre a impressatildeo digital

219 Keenan 2016 8 220 CorcoranCostache 2016 71 221 Vogl 2015 205 222 ldquoTouch ID then intelligently analyzes this information with a remarkable degree of detail and precision

It categorizes your fingerprint as one of three basic typesmdasharch loop or whorl It also maps out individual

details in the ridges that are smaller than the human eye can see and even inspects minor variations in

ridge direction caused by pores and edge structuresrdquo Cf Apple Support ndash About Touch ID security on

iPhone and iPad Disponiacutevel em httpssupportapplecomen-usHT204587 [consultado em 14122016]

75

fornecida e a impressatildeo digital registada o dispositivo eacute desbloqueado

automaticamente223

Eacute ainda possiacutevel que o utilizador do smartphone aumente a seguranccedila do seu dispositivo

escolhendo em simultacircneo com a impressatildeo digital uma palavra-passe composta por 4

ou 6 nuacutemeros letras ou outros caracteres especiais

O Touch ID pode ser usado para desbloquear mais rapidamente o dispositivo prevenir o

acesso de terceiros natildeo autorizados224 instalar novas aplicaccedilotildees e fazer compras atraveacutes

das aplicaccedilotildees instaladas225

Caso o iPhone seja furtado ou perdido eacute possiacutevel desactivar agrave distacircncia atraveacutes da

aplicaccedilatildeo Find My iPhone a definiccedilatildeo que permite a autenticaccedilatildeo atraveacutes do Touch ID

O Touch ID natildeo armazena fotografias das impressotildees digitais226 o que fica registado satildeo

apenas representaccedilotildees matemaacuteticas das impressotildees ou seja um longo nuacutemero que

funciona como uma segunda palavra-passe composto por 50 a 100 diacutegitos227 designado

de biometric hash228 Assim natildeo seraacute possiacutevel que um terceiro consiga reverter este

processo de maneira a criar uma imagem da impressatildeo digital atraveacutes da representaccedilatildeo

matemaacutetica registada

O registo destas representaccedilotildees fica armazenado no smartphone mais precisamente no

A7 CPU229 denominado de ldquosecure enclaverdquo A secure enclave foi desenvolvida com o

propoacutesito de proteger a palavra-passe e os dados biomeacutetricos armazenados no

smartphone Os dados biomeacutetricos satildeo encriptados e protegidos com uma palavra-chave

apenas disponiacutevel para a secure enclave que se encontra separada do resto do sistema

operativo Desta forma nenhuma aplicaccedilatildeo nem o proacuteprio sistema iOS (incluindo a

iCloud) tecircm acesso agraves representaccedilotildees matemaacuteticas das impressotildees digitais fornecidas

223 Apple Support ndash About Touch ID security on iPhone and iPad Disponiacutevel em

httpssupportapplecomen-usHT204587 [consultado em 15122016] 224 Whittaker 2013 3 Disponiacutevel em httpwwwsmartsuiteiniphone-5s-fingerprint-reader-doubling-

down-on-identity-a-death-knell-to-zdnethtml [consultado em 15122016] 225 Tabini 2014 2 Disponiacutevel em httpwwwmacworldcomarticle2455474open-sesame-how-ios-8-will-unlock-touch-ids-powerhtml [consultado em 15122016] 226 Apple Support ndash About Touch ID security on iPhone and iPad Disponiacutevel em

httpssupportapplecomen-usHT204587 [consultado em 15122016] 227 Pagliery 2016 2 Disponiacutevel em httpmoneycnncom20160512technologyfbi-fingerprint-iphone

[consultado em 15122016] 228 Tabini 2014 3 Disponiacutevel em httpwwwmacworldcomarticle2455474open-sesame-how-ios-8-

will-unlock-touch-ids-powerhtml [consultado em 15122016] 229 Tarantola 2013 1 Disponiacutevel em httpgizmodocomstop-worrying-about-the-new-iphones-

fingerprint-scanne-1326146704 [consultado em 15122016]

76

Apesar da activaccedilatildeo do Touch ID podem surgir situaccedilotildees em que eacute necessaacuterio a

introduccedilatildeo da palavra-passe para aceder ao smartphone a) se o dispositivo for reiniciado

b) se a impressatildeo digital natildeo for reconhecida cinco vezes consecutivas c) se o dispositivo

natildeo tiver sido desbloqueado haacute mais de 48 horas230 d) se tiverem sido registadas ou

apagadas impressotildees digitais recentemente e) se o utilizador tentar aceder agraves definiccedilotildees

do Touch ID

3 Conclusotildees intermeacutedias

Atendendo a tudo o que ficou dito durante este capiacutetulo nomeadamente quanto agrave

constante evoluccedilatildeo da tecnologia e ao papel fundamental da informaccedilatildeo na sociedade

actual percebe-se a necessidade sentida pelos particulares no sentido de protegerem os

seus smartphones Dada a sua vasta capacidade de armazenamento estes dispositivos

tornaram-se ao longo do tempo objecto de curiosidade tanto para outros particulares

como para o Estado levando a que os seus fabricantes incluiacutessem nas suas definiccedilotildees a

encriptaccedilatildeo como uma medida de seguranccedila baacutesica De facto a encriptaccedilatildeo eacute vista hoje

em dia como uma tecnologia cuja funccedilatildeo primordial eacute minimizar os riscos de acesso por

parte de terceiros natildeo autorizados a informaccedilotildees pessoais231

Isto posto natildeo causa estranheza que natildeo raras vezes as autoridades judiciaacuterias no acircmbito

de uma investigaccedilatildeo criminal depois de apreenderem um smartphone se deparem com a

impossibilidade do acesso aos ficheiros aiacute armazenados provocada pela sua preacutevia

encriptaccedilatildeo As vantagens do recurso a este tipo de tecnologia para o titular do dispositivo

encriptado satildeo como vimos inegaacuteveis no entanto no caso concreto de estarmos no

acircmbito de uma investigaccedilatildeo criminal e de a encriptaccedilatildeo impedir o acesso das autoridades

judiciaacuterias a provas potencialmente fundamentais para o processo penal as vantagens datildeo

lugar a claras desvantagens

Ao longo deste terceiro capiacutetulo tivemos oportunidade de enunciar as diversas

complexidades tecnoloacutegicas associadas agrave encriptaccedilatildeo de smartphones E satildeo essas

mesmas complexidades que diminuem em larga escala as possibilidades de as

autoridades judiciaacuterias conseguirem apreender eficientemente os ficheiros armazenados

num smartphone encriptado sem o auxiacutelio do arguido Eacute precisamente neste ponto que

230 O que sucedeu em alguns dos casos enunciados no Capiacutetulo I do presente estudo 231 Lowman 2010 1 Disponiacutevel em

httpswwwlowmaniocoukshareThe20Effect20of20File20and20Disk20Encryption20on

20Computer20Forensicspdf [consultado em 15122016]

77

entra em discussatildeo a questatildeo central da nossa investigaccedilatildeo que iremos tratar em

pormenor no proacuteximo capiacutetulo a articulaccedilatildeo entre a desencriptaccedilatildeo de smartphones e o

direito do arguido agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo

78

79

CAPIacuteTULO IV ndash A DESENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES PARA

OBTENCcedilAtildeO DE PROVA E A SUA ARTICULACcedilAtildeO COM O PRINCIacutePIO DA

NAtildeO-AUTOINCRIMINACcedilAtildeO

1 Colocaccedilatildeo do problema

Actualmente a encriptaccedilatildeo de smartphones eacute uma tecnologia de livre acesso e facilmente

adquirida No entanto natildeo raras vezes esta tecnologia eacute usada pelos piores motivos como

tivemos oportunidade de perceber pela anaacutelise dos casos jurisprudenciais norte-

americanos que seratildeo objecto do nosso estudo ao longo deste quarto capiacutetulo

Nestes casos a utilizaccedilatildeo da encriptaccedilatildeo em smartphones representa um perigo em

especial para a defesa da seguranccedila nacional e para a persecuccedilatildeo da justiccedila232 Isto

porque em abstracto a possibilidade de ocultar informaccedilatildeo de terceiros nomeadamente

do Estado faz da encriptaccedilatildeo um instrumento atractivo para criminosos233 De facto os

suspeitos de actividades ilegais como lavagem de dinheiro fraude terrorismo

pornografia infantil homiciacutedio abuso sexual entre outros seratildeo mais facilmente

ilibados234 se as potenciais provas do crime estiverem armazenadas num smartphone

encriptado

Atraveacutes da encriptaccedilatildeo dos smartphones os criminosos tornam quase impossiacutevel o

acesso por parte das entidades judiciaacuterias ao conteuacutedo do dispositivo Durante o

processo criminal eacute comum que as autoridades consigam ter acesso agrave palavra-passe seja

porque foi escrita num papel ou porque simplesmente era faacutecil de adivinhar (vg data de

nascimento do arguido ou um nome de um familiar) No caso de tal natildeo se verificar existe

ainda a possibilidade de desencriptar o smartphone atraveacutes dos jaacute mencionados brute-

force attacks235

Contudo ainda que assumindo que as autoridades judiciaacuterias tecircm todos os meios teacutecnicos

necessaacuterios para desencriptar o smartphone surge a questatildeo seraacute que os custos e tempo

232 MartinsMarquesDias 2004 70 233 Ungberg 2009 552 Neste sentido ldquo[hellip] a circulaccedilatildeo livre desta tecnologia permitiraacute que qualquer um

possa transmitir informaccedilotildees virtualmente indecifraacuteveis para terceiros construindo desse modo um espaccedilo

virtual lsquono manrsquos landrsquo onde o desenvolvimento e planeamento de actividades criminosas terroristas e de

outras actividades contraacuterias agrave garantia da seguranccedila dos Estados fossem livresrdquo Cf MartinsMarquesDias

2004 71 234 Weinberg 1998 680 235 Sales 2014 208

80

despendidos no desbloqueio do dispositivo seratildeo justificados atendendo ao facto de que

as autoridades natildeo tecircm qualquer informaccedilatildeo sobre o conteuacutedo do smartphone236

Haacute ainda que ponderar um outro ponto mesmo na circunstacircncia de a desencriptaccedilatildeo ser

bem-sucedida eacute possiacutevel que a recolha de prova do smartphone natildeo seja ceacutelere o

suficiente para dar resposta ao crime em questatildeo

Por estes motivos e tantos outros muitas das vezes a uacutenica maneira viaacutevel de conseguir

aceder ao conteuacutedo do smartphone passa pela colaboraccedilatildeo do proprietaacuterio (arguido)237

Desta forma as autoridades judiciaacuterias teriam de compelir o arguido a fornecer a palavra-

passe ou a sua impressatildeo digital para desencriptar o dispositivo238

No entanto a coacccedilatildeo do arguido no sentido de fornecer tanto a palavra-passe quanto a

impressatildeo digital para desencriptar o seu smartphone onde potencialmente estaratildeo

armazenadas provas incriminatoacuterias de um delito que cometeu levanta preocupaccedilotildees

quanto a uma possiacutevel violaccedilatildeo do brocardo latino nemo tenetur se ipsum accusare ou o

princiacutepio de natildeo-autoincriminaccedilatildeo

Para conseguirmos dar resposta a esta problemaacutetica mostra-se necessaacuterio fazer uma

divisatildeo entre duas sub-hipoacuteteses uma vez que estamos a tratar de dois meacutetodos de

encriptaccedilatildeo diferenciados a palavra-passe e a impressatildeo digital Assim poderaacute o arguido

ser compelido a fornecer agraves entidades judiciaacuterias a palavra-passe que desencripta o

smartphone sem violar o seu direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo Ou ainda poderaacute o arguido

ser coagido a fornecer a sua impressatildeo digital com vista a desencriptar o smartphone sem

violar o seu direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo Ateacute que ponto seraacute exigiacutevel uma colaboraccedilatildeo

processual do arguido tendo em conta os limites impostos pelo seu estatuto processual239

Para percebermos como o princiacutepio de natildeo-autoincriminaccedilatildeo poderaacute nestas duas

situaccedilotildees ser ou natildeo violado torna-se imperativo que faccedilamos a priori uma reflexatildeo

sobre o brocardo latino nemo tenetur se ipsum accusare

236 Duong 2009 328 237 Atwood 2015 410 238 Gershowitz 2010 22 Disponiacutevel em httpspapersssrncomsol3papers2cfmabstract_id=1669403

[consultado em 15122016] 239 Pinto 2013 92

81

2 O princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare

O princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare teve a sua origem no Reino Unido no seacutec

XVII como reacccedilatildeo agraves praacuteticas inquisitoriais dos tribunais eclesiaacutesticos240 Desde entatildeo

o princiacutepio assistiu a inuacutemeras mudanccedilas e evoluccedilotildees culminando no entendimento de

que ao arguido cabe decidir se como e quando estaacute disposto a contribuir para a sua proacutepria

incriminaccedilatildeo241 Assim no seu sentido mais profundo a garantia do nemo tenetur visa

evitar que o arguido seja transformado em colaborador involuntaacuterio das entidades

puacuteblicas com competecircncias processuais242 sendo portanto um princiacutepio estruturante do

modelo processual acusatoacuterio e do sistema democraacutetico

Este princiacutepio ou privileacutegio estaacute estreitamente ligado agrave liberdade de declaraccedilatildeo do

arguido que eacute analisada pela doutrina e pela jurisprudecircncia do Tribunal Constitucional

numa dupla dimensatildeo positiva e negativa Pela positiva ldquoabre ao arguido o mais restrito

direito de intervenccedilatildeo e declaraccedilatildeo em abono da sua defesa e pela negativa a liberdade

de declaraccedilatildeo do arguido veda todas as tentativas de obtenccedilatildeo por meios enganosos ou

por coacccedilatildeo de declaraccedilotildees autoincriminatoacuteriasrdquo243

A doutrina nacional e mesmo internacional defende a ideia de que o princiacutepio nemo

tenetur implica que ningueacutem pode ser obrigado a contribuir para estabelecer a sua proacutepria

incriminaccedilatildeo244 Deste modo de um ponto de vista menos amplo o princiacutepio pressupotildee

que ningueacutem eacute obrigado a produzir prova ou a praticar actos lesivos agrave sua proacutepria

defesa245

Neste sentido vai tambeacutem a jurisprudecircncia nacional que no que concerne ao conteuacutedo

deste princiacutepio vem estabelecer que ldquoo privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo significa que

o arguido natildeo pode ser obrigado nem deve ser condicionado a contribuir para a sua

proacutepria incriminaccedilatildeo isto eacute tem o direito a natildeo ceder ou fornecer informaccedilotildees ou

240 Pinto 2013 100 241 Ramos 2010 179 242 Silva Dias 2010 242 243 Costa Andrade 1992 120 Neste sentido Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 3042004 de 5 de Maio de 2004 disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20040304html [consultado

em 17012017] 244 Pinto 2013 104 Oliveira Silva 2013 364 NevesCorreia 2014 146 Cruz Bucho 2013 18

Disponiacutevel em httpswwwtrgptficheirosestudossobre_a_recolha_de_autografos_do_arguidopdf

[consultado em 17012017] Anastaacutecio 2010 205 Haddad 2003 37 245 Ristori 2007 98 Neste sentido vai tambeacutem Costa Andrade ao referir que ldquo[hellip] o arguido natildeo pode ser

fraudulentamente induzido ou coagido a contribuir para a sua condenaccedilatildeo ie a carrear ou oferecer meios

de prova contra a sua defesa Quer no que toca aos factos relevantes para a chamada questatildeo da

culpabilidade quer no que respeita aos atinentes agrave medida da penardquo Cf Costa Andrade 1992 121

82

elementos (vg documentais) que o desfavoreccedilam ou a natildeo prestar declaraccedilotildees sem que

do silecircncio possam resultar quaisquer consequecircncias negativas ou ilaccedilotildees desfavoraacuteveis

no plano da valoraccedilatildeo probatoacuteriardquo246 Jaacute o Tribunal Constitucional vem afirmar que ldquoo

princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare eacute uma marca irrenunciaacutevel do processo penal

de estrutura acusatoacuteria visando garantir que o arguido natildeo seja reduzido a mero objecto

da actividade estadual de repressatildeo do crime devendo antes ser-lhe atribuiacutedo o papel de

verdadeiro sujeito processual armado com os direitos de defesa e tratado como

presumivelmente inocente Daiacute que para protecccedilatildeo da autodeterminaccedilatildeo do arguido este

deva ter a possibilidade de decidir no exerciacutecio de uma plena liberdade de vontade qual

a posiccedilatildeo a tomar perante a mateacuteria que constitui objecto do processordquo247

O princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare que consubstancia para Paulo de Sousa

Mendes ldquoum dos pilares do processo penal portuguecircsrdquo248 desdobra-se em dois corolaacuterios

que embora intimamente relacionados natildeo se confundem entre si249 o princiacutepio contra

a autoincriminaccedilatildeo em sentido estrito e o direito ao silecircncio O princiacutepio contra a

autoincriminaccedilatildeo em sentido estrito traduz-se no direito de natildeo cooperar na

investigaccedilatildeo250 ou seja no fornecimento de quaisquer meios de prova susceptiacuteveis de

comprometer a presunccedilatildeo de inocecircncia do arguido coadjuvando a sua incriminaccedilatildeo

nomeadamente atraveacutes da entrega de documentos ou outros elementos ou atraveacutes de uma

determinada actuaccedilatildeo251 Jaacute no que concerne ao direito ao silecircncio este abarca apenas a

colaboraccedilatildeo do arguido na sua incriminaccedilatildeo atraveacutes de declaraccedilotildees sobre os factos que

lhe satildeo imputados Deste modo como bem refere Maria Fernanda Palma eacute sobre a justiccedila

246 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 23 de Outubro de 2013 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrcnsfc3fb530030ea1c61802568d9005cd5bbd3a8f7db2f94ad6180257c0f0052958b

OpenDocument [consultado em 17012017] 247 Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 3402013 de 17 de Junho de 2013 disponiacutevel em

httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20130340html [consultado em 17012017] 248 Sousa Mendes 2017 210 249 Martins 2015 24 Em sentido contraacuterio apoiando-se na tese de que o direito ao silecircncio e o princiacutepio

contra a autoincriminaccedilatildeo satildeo sinoacutenimos para descrever uma mesma realidade pronunciou-se o Tribunal

da Relaccedilatildeo de Eacutevora afirmando que ldquoo privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo ou direito ao silecircncio significa que o arguido natildeo pode ser obrigado nem deve ser condicionado a contribuir para a sua proacutepria

incriminaccedilatildeo isto eacute tem o direito a natildeo ceder ou fornecer informaccedilotildees ou elementos que o desfavoreccedilam

ou a natildeo prestar declaraccedilotildees sem que do silecircncio possam resultar quaisquer consequecircncias negativas ou

ilaccedilotildees desfavoraacuteveis no plano da valoraccedilatildeo probatoacuteriardquo Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de

30 de Setembro de 2008 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrensf134973db04f39bf2802579bf005f080b986b0759b8e0108880257de100574d46

OpenDocument [consultado em 17012017] 250 Cruz 2011 22 251 NevesCorreia 2014 146

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do Estado que recai o oacutenus de demonstrar os factos da acusaccedilatildeo252 O direito ao silecircncio

eacute assim o direito de calar o reconhecimento da liberdade moral do arguido253 Por seu

turno Vacircnia Costa Ramos vem salientar e bem que ldquosem o direito ao silecircncio o arguido

seria obrigado a declarar e cooperar sempre que estes actos natildeo revestissem conteuacutedo

autoincriminatoacuteriordquo254 A Autora conjuntamente com Augusto Silva Dias vai mais

longe chegando a afirmar que o direito ao silecircncio eacute o nuacutecleo duro e quase absoluto do

nemo tenetur tanto por razotildees histoacutericas como pelo regime legal que o acolhe255

21 Consagraccedilatildeo

O princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare eacute consagrado na maioria das constituiccedilotildees

dos modernos Estados de Direito Nos casos de falta de consagraccedilatildeo expressa na lei

fundamental acaba por ser reconhecido ao abrigo das suas disposiccedilotildees Este princiacutepio

ou privileacutegio encontra ainda acolhimento em importantes documentos internacionais de

protecccedilatildeo dos direitos do Homem entre os quais a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do

Homem e o Pacto Internacional sobre Direitos Ciacutevicos e Poliacuteticos da ONU256 como

princiacutepio essencial do processo penal

De acordo com a aliacutenea g) do nordm 3 do artigo 14ordm do Pacto Internacional sobre Direitos

Ciacutevicos e Poliacuteticos ldquoQualquer pessoa acusada de uma infracccedilatildeo penal teraacute direito em

plena igualdade pelo menos agraves seguintes garantias g) A natildeo ser forccedilada a testemunhar

contra si proacutepria ou a confessar-se culpadardquo

Por seu turno a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) no seu articulado

natildeo prevecirc de forma expliacutecita o direito ao silecircncio ou o direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo

Contudo segundo o entendimento da jurisprudecircncia do Tribunal Europeu dos Direitos

Humanos (TEDH) o princiacutepio nemo tenetur constitui um standard internacional que estaacute

presente no nuacutecleo da noccedilatildeo de processo equitativo o qual se destina a proteger o arguido

contra o exerciacutecio abusivo de poderes coercivos pelas autoridades a evitar o perigo de

adulteraccedilatildeo da justiccedila e nesse sentido a assegurar a realizaccedilatildeo plena do artigo 6ordm da

Convenccedilatildeo257 Segundo aquela jurisprudecircncia o princiacutepio nemo tenetur se ipsum

252 Palma 2009 1 Disponiacutevel em

httpwwwidpccptxmsfilesNewslettersBoletim_Ano1_Ed1_Dez08Jan09pdf [consultado em

17012017] 253 Queijo 2012 233 254 Ramos 2007 68 255 Silva DiasRamos 2009 20 256 Silva 2007 59 257 Cruz Bucho 2013 20

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accusare relaciona-se em primeira linha com o respeito pela vontade da pessoa do

arguido em permanecer em silecircncio e constitui uma decorrecircncia do pressuposto segundo

o qual a acusaccedilatildeo deveraacute provar a sua tese contra o acusado sem o recurso a elementos de

prova obtidos atraveacutes de meacutetodos coercivos ou opressivos com desrespeito pela vontade

deste258 Assim o direito ao silecircncio e o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo em sentido

estrito encontram-se intimamente relacionados com a presunccedilatildeo de inocecircncia consagrada

no nordm 2 do artigo 6ordm da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem

Por conseguinte por forccedila do disposto nos nos 1 e 2 do artigo 8ordm da Constituiccedilatildeo da

Repuacuteblica Portuguesa pode sustentar-se que ambos os preceitos vigoram directamente

na ordem juriacutedica interna259

Contrariamente ao que sucede com inuacutemeras Constituiccedilotildees e declaraccedilotildees de direitos de

outros paiacuteses nomeadamente a Constituiccedilatildeo americana (5ordf Emenda)260 a Constituiccedilatildeo

espanhola (artigos 173 e 242)261 ou a Constituiccedilatildeo brasileira (artigo 5ordm inciso LXIII)262

a Constituiccedilatildeo portuguesa natildeo consagra agrave semelhanccedila da Lei Fundamental alematilde e

italiana o princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare de uma forma expressa e directa

Natildeo obstante o princiacutepio nemo tenetur ndash seja na sua vertente de direito ao silecircncio do

arguido seja na sua dimensatildeo de princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo em sentido estrito

ndash natildeo estar expressa e directamente plasmado no texto constitucional a doutrina263 e a

jurisprudecircncia264 portuguesas em similitude com a doutrina e jurisprudecircncia alematildes satildeo

unacircnimes natildeo soacute quanto agrave vigecircncia daquele princiacutepio no direito processual penal como

258 Cruz Bucho 2013 21 259 Andrade 2014 19 260 Estabelece a Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica ldquoNenhuma pessoa seraacute

obrigada em qualquer caso criminal a ser uma testemunha contra si mesmardquo 261 No seu artigo 242 a Constituiccedilatildeo espanhola consagra que todos tecircm direito ldquo[hellip] a natildeo declarar contra

si mesmo e a natildeo se confessar culpadordquo assim como no artigo 173 se prevecirc o princiacutepio segundo o qual

ningueacutem seraacute obrigado a fazer declaraccedilatildeo que possa resultar em autoincriminaccedilatildeo impondo agraves autoridades

responsaacuteveis a obrigaccedilatildeo de preacutevia informaccedilatildeo acerca dos direitos e da acusaccedilatildeo que recaem sobre o

suspeito 262 Prevecirc o inciso LXIII do artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo brasileira que ldquoo preso seraacute informado de seus direitos entre os quais o de permanecer calado sendo-lhe assegurada a assistecircncia da famiacutelia e de advogadordquo 263 Cruz Bucho 2013 22 Sousa Mendes 2010 125 Pinto 2013 105 Catarina Anastaacutecio fala aqui numa

ldquo[hellip] base constitucional (ainda que indirecta ou impliacutecita) deste direito [hellip]rdquo Cf Anastaacutecio 2010 206 264 ldquoA Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa natildeo consagra expressis verbis este princiacutepio mas natildeo obstante

essa natildeo consagraccedilatildeo expressa tanto a doutrina como a jurisprudecircncia tecircm defendido que o nemo tenetur

se ipsum accusare tem assento constitucional sendo considerado um direito constitucional do processo

penal natildeo escritordquo Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 3402013 de 17 de Junho de 2013

disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20130340html [consultado em

18012017]

85

quanto agrave sua natureza constitucional265 Fala-se aqui no nemo tenetur se ipsum accusare

como um verdadeiro ldquodireito constitucional natildeo escritordquo266

No que agrave lei processual penal portuguesa diz respeito este princiacutepio obteve consagraccedilatildeo

expressa no Coacutedigo de Processo Penal na vertente de direito ao silecircncio do arguido

(artigos 61ordm nordm 1 aliacutenea d) 141ordm nordm 4 aliacutenea a) 343ordm nordm 1 e 345ordm nordm 1 in fine)267

Assim a aliacutenea d) do nordm 1 do artigo 61ordm estabelece que ldquoO arguido goza em especial

em qualquer fase do processo e salvas as excepccedilotildees da lei dos direitos de d) Natildeo

responder a perguntas feitas por qualquer entidade sobre os factos que lhe forem

imputados e sobre o conteuacutedo das declaraccedilotildees que acerca deles prestarrdquo O direito ao

silecircncio estende-se mesmo ao proacuteprio suspeito desde logo porque a pessoa sobre quem

recair a suspeita de ter cometido um crime tem direito a ser constituiacuteda a seu pedido

como arguido (nordm 2 do artigo 59ordm do CPP) Tambeacutem a ldquotestemunha natildeo eacute obrigada a

responder a perguntas quando alegar que das respostas resulta a sua responsabilizaccedilatildeo

penalrdquo (nordm 2 do artigo 132ordm do CPP)268 O direito ao silecircncio de que goza o arguido deve

ser-lhe comunicado pela autoridade judiciaacuteria ou pelo oacutergatildeo de poliacutecia criminal perante

as quais seja obrigado a comparecer (al h) do nordm 1 do artigo 61ordm do CPP) sob pena de

as declaraccedilotildees feitas constituiacuterem prova proibida por intromissatildeo na vida privada (nordm 8

do artigo 32ordm da CRP e nordm 3 do artigo 126ordm do CPP)269 O exerciacutecio deste direito ao

silecircncio natildeo pode ser valorado como indiacutecio ou presunccedilatildeo de culpa270271

265 Figueiredo DiasCosta Andrade 2009 39 266 Costa Andrade 1992 124 267 Como bem refere Costa Andrade ldquoa lei processual penal portuguesa conteacutem uma malha desenvolvida e

articulada de normas atraveacutes das quais se assenta o princiacutepio nemo teneturrdquo Cf Costa Andrade 1992 126 268 Sousa Mendes 2017 209-210 Curado 2012 262 269 Marques da Silva 2013 74 270 ldquoO conteuacutedo material do referido princiacutepio (nemo teneturhellip) eacute assegurado atraveacutes da imposiccedilatildeo de

deveres de esclarecimento ou de advertecircncia agraves autoridades judiciaacuterias e aos oacutergatildeos de poliacutecia criminal [cfr

artigos 58ordm nordm 2 61ordm nordm 1 aliacutenea g) 141ordm nordm 4 e 343ordm nordm 1] estabelecendo-se a sanccedilatildeo de proibiccedilatildeo

de valoraccedilatildeo nos termos do artigo 58ordm nordm 4 e da nulidade das provas obtidas mediante tortura coacccedilatildeo ou

ofensa da integridade fiacutesica ou moral (cfr artigo 126ordm nordm 1 todos do CPP)rdquo Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal

Constitucional nordm 3042004 de 5 de Maio de 2004 disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20040304html [consultado em 18012017] ldquo[hellip] o

arguido deve ser informado antes de qualquer interrogatoacuterio de que goza do direito ao silecircncio (artigos

141ordm nordm 4 143ordm nordm 2 144ordm nordm 1 e 343ordm nordm 1 do CPP) devendo tambeacutem ser esclarecido de que o seu

silecircncio natildeo pode ser interpretado desfavoravelmente aos seus interesses natildeo podendo por isso o arguido

ser prejudicado por ter exercitado o seu direito a natildeo prestar quaisquer declaraccedilotildees (o silecircncio natildeo pode ser

interpretado como presunccedilatildeo de culpa) Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 69695 de 5 de

Dezembro de 1995 disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos19950695html

[consultado em 18012017] 271 Saacute 2004 187

86

Chegados a este ponto torna-se necessaacuterio chamar agrave colaccedilatildeo as duas extensotildees do direito

ao silecircncio consagrado no artigo 61ordm do Coacutedigo de Processo Penal discutidas na

doutrina a) a extensatildeo minimalista incidindo apenas sobre as declaraccedilotildees do arguido em

sentido estrito e sobre os factos que lhe satildeo imputados b) a extensatildeo maximalista

abarcando as declaraccedilotildees por meio de documentos da indicaccedilatildeo do lugar onde se

encontra o meio de prova de uma actuaccedilatildeo consubstanciando-se num direito a natildeo ser

obrigado a fornecer prova (documental declarativa ou outra) da sua culpabilidade272 A

maioria da doutrina nacional defende a tese de que estamos aqui perante uma variante

ampla do direito ao silecircncio273 Assim malgrado a redacccedilatildeo do referido artigo 61ordm do

Coacutedigo de Processo Penal sugira um direito restrito aos casos em que o arguido eacute

solicitado a prestar declaraccedilotildees verbais somos da opiniatildeo de que uma interpretaccedilatildeo

teleoloacutegica da norma aponta para que a invocaccedilatildeo deste direito natildeo esteja dependente dos

meios utilizados mas dos fins que se pretendem alcanccedilar e dos interesses que sejam

postos em causa designadamente o da natildeo-autoincriminaccedilatildeo sob pena de esses

expedientes serem utilizados como forma de contornar um direito fundamental dos

cidadatildeos274 Desta forma poderia estar aqui incluiacutedo natildeo soacute o fornecimento da palavra-

passe atraveacutes de declaraccedilotildees orais como tambeacutem atraveacutes de declaraccedilotildees escritas ou

gestuais275

Por fim resta deixar claro que este direito ao silecircncio consagrado no artigo 61ordm do Coacutedigo

de Processo Penal natildeo pode ser visto como direito absoluto Na verdade este direito do

arguido estaacute submetido a algumas restriccedilotildees no processo penal276 nomeadamente no que

toca agrave sua identificaccedilatildeo pessoal (aliacutenea b) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP)277 Tanto em

sede de primeiro interrogatoacuterio judicial (nordm 3 do artigo 141ordm do CPP) como em fase de

julgamento (artigo 342ordm do CPP) o arguido eacute obrigado a responder com verdade acerca

da sua identificaccedilatildeo sob pena de incorrer em crime de desobediecircncia (artigo 349ordm do

Coacutedigo Penal) ou falsas declaraccedilotildees (artigo 359ordm do Coacutedigo Penal)

272 Pinto 2013 108-109 273 Silva Dias 2010 244 274 Saacute 2004 188 Neste sentido vai tambeacutem Augusto Silva Dias quando afirma que ldquo[hellip] uma compreensatildeo

do problema menos legal-positivista e mais sensiacutevel agrave Constituiccedilatildeo e aos direitos obriga a considerar que a

garantia vigora tambeacutem perante outros actos comunicativos (orais escritos gestuais) atraveacutes dos quais o

suspeito pode contribuir para a sua proacutepria inculpaccedilatildeordquo Cf Silva Dias 2010 244 275 ldquoAs manifestaccedilotildees verbais natildeo satildeo as uacutenicas formas em que se apresenta o princiacutepio contra a

autoincriminaccedilatildeo pois atraveacutes de outras condutas eacute possiacutevel produzir prova de caraacutecter incriminatoacuterio

utilizaacutevel contra quem a produziurdquo Cf Cruz Bucho 2013 30 276 Sousa Mendes 2017 210 277 Curado 2012 262-263

87

Agrave semelhanccedila do direito ao silecircncio tambeacutem o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo em

sentido estrito natildeo poderaacute ser considerado como um direito absoluto278 A tiacutetulo de

exemplo podemos mencionar a possibilidade de sujeiccedilatildeo a exames consagrada no artigo

172ordm do Coacutedigo de Processo Penal como sendo uma clara limitaccedilatildeo ao direito de natildeo

facultar provas contra si proacuteprio Voltaremos a este tema mais adiante

22 Fundamentos juriacutedicos

Actualmente natildeo eacute tanto o reconhecimento legal e constitucional do princiacutepio nemo

tenetur se ipsum accusare que suscita dificuldades quanto a determinaccedilatildeo exacta do seu

fundamento e conteuacutedo

Eacute usual enquadrar os fundamentos constitucionais do nemo tenetur em duas espeacutecies

distintas concebendo-o alternativamente como direito material de liberdade (corrente

substantiva) ou como garantia processual fundamental (corrente processual)279

Segundo a corrente substantiva defendida pela doutrina maioritaacuteria alematilde o fundamento

deste princiacutepio estaria enraizado em alguns direitos fundamentais que fundar-se-iam

directamente na dignidade da pessoa humana proclamada no artigo 1ordm da Constituiccedilatildeo

da Repuacuteblica Portuguesa Ainda dentro desta mesma corrente outros Autores concebem

aquele princiacutepio como reflexo dos direitos agrave integridade pessoal e ao desenvolvimento da

personalidade vertidos nos artigos 25ordm e 26ordm da CRP280

Por outro lado segundo a corrente processualista o direito ao silecircncio e agrave natildeo-

autoincriminaccedilatildeo teriam a sua fonte juriacutedico-constitucional nas garantias processuais

reconhecidas ao arguido no texto constitucional designadamente no princiacutepio do

processo equitativo e no princiacutepio da presunccedilatildeo de inocecircncia consagrados

respectivamente no nordm 4 do artigo 20ordm e nos nos 2 e 8 do artigo 32ordm ambos da CRP281

Natildeo obstante os direitos do arguido consagrados nomeadamente no artigo 61ordm do

Coacutedigo de Processo Penal contribuiacuterem activamente para a protecccedilatildeo de direitos

fundamentais como a dignidade da pessoa humana estamos com Figueiredo Dias e Costa

278 Sousa Mendes 2017 210 Neste sentido cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 69695 de 5 de

Dezembro de 1995 disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos19950695html

[consultado em 18012017] Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 37298 de 13 de Maio de 1998

disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos19980372html [consultado em

18012017] 279 Oliveira Silva 2013 370 280 Figueiredo DiasCosta Andrade 2009 40 281 Menezes 2010 124-125

88

Andrade quando defendem que o facto de estes direitos processuais serem ldquoum meio ou

forma de concretizar um determinado direito fundamental natildeo implica que este seja o seu

fundamento directo e imediato Desde logo se aponta que o proacuteprio conceito de dignidade

humana recobre de forma mediata toda a mateacuteria penal e processual penal de um Estado

de Direitordquo282 Assim apesar de se defender na doutrina portuguesa a corrente

processualista eacute tambeacutem aceite que o princiacutepio nemo tenetur protege reflexamente os

direitos fundamentais referidos pela corrente substantiva283

A jurisprudecircncia nacional nomeadamente a do Tribunal Constitucional vem concluir

que o princiacutepio nemo tenetur configura ldquouma componente das garantias de defesa

asseguradas no artigo 32ordm da CRP cujo objectivo uacuteltimo eacute a protecccedilatildeo do arguido como

sujeito no processordquo284 Daqui decorre que a posiccedilatildeo do Tribunal Constitucional se

harmoniza com a posiccedilatildeo da doutrina optando tambeacutem pela corrente processualista do

princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare285

Eacute assim de concluir que em Portugal o entendimento maioritaacuterio defende que o princiacutepio

nemo tenetur se ipsum accusare encontra o seu fundamento imediato nas garantias

processuais que a Constituiccedilatildeo impotildee no artigo 32ordm da Lei Fundamental cumprindo-se

de igual modo a exigecircncia constitucional de um processo penal equitativo prevista no nordm

4 do artigo 20ordm da CRP286

No entanto esta natildeo eacute uma questatildeo puramente teoacuterica pois como bem assinala Vacircnia

Costa Ramos se um direito fundado na dignidade da pessoa humana eacute ldquoum direito de

natureza tendencialmente absolutardquo jaacute um direito fundado em garantias processuais

poderaacute ser sujeito a certas limitaccedilotildeesrdquo287 Assim natildeo causa estranha afirmar na

decorrecircncia do que jaacute ficou escrito relativamente agraves limitaccedilotildees do direito ao silecircncio e do

direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo em sentido estrito que o proacuteprio princiacutepio nemo tenetur

se ipsum accusare natildeo constitui um princiacutepio absoluto pelo que comporta restriccedilotildees

justificadas (vg al b) do nordm 3 do artigo 61ordm e artigo 172ordm ambos do CPP)288

282 Figueiredo DiasCosta Andrade 2009 41 283 Pinto 2013 106 284 Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 69695 de 5 de Dezembro de 1995 disponiacutevel em

httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos19950695html [consultado em 18012017] 285 Pinto 2013 107 286 Figueiredo DiasCosta Andrade 2009 42 287 Ramos 2007 58 e 73 288 Cruz Bucho 2013 24

89

23 Limitaccedilotildees

No processo acusatoacuterio coaduna-se a investigaccedilatildeo da verdade material aos pressupostos

do Estado de Direito limitando-a assim pela observacircncia escrupulosa dos direitos

liberdades e garantias dos cidadatildeos Desta forma natildeo causa estranheza que se assegure

ao arguido a posiccedilatildeo de sujeito289 dotado de um real e efectivo direito de defesa290

De facto o caminho trilhado por este processo penal reformulado vai no sentido de

assegurar ao arguido uma cada vez mais consistente e efectiva condiccedilatildeo de sujeito ao

inveacutes de mero meio de prova291 No entanto como jaacute tivemos oportunidade de analisar

ao longo da nossa investigaccedilatildeo muitas vezes o arguido no seio de uma investigaccedilatildeo

criminal acaba por ser sujeito a certas diligecircncias sendo utilizado como meio de

prova292293

Na doutrina Figueiredo Dias afasta a existecircncia de um dever abstracto de colaboraccedilatildeo do

arguido294 na medida em que exige que ldquoa utilizaccedilatildeo do arguido como meio de prova seja

sempre limitada pelo integral respeito da sua vontaderdquo adiantando ainda que ldquosoacute no

exerciacutecio de uma plena liberdade da vontade pode o arguido decidir se e como deseja

tomar posiccedilatildeo perante a mateacuteria que constitui objecto do processordquo295 Na mesma esteira

mais recentemente Paulo Pinto de Albuquerque veio defender a ideia de que o arguido

289 ldquoO arguido eacute um sujeito processual e em regra natildeo pode ser utilizado contra sua vontade como fonte

de prova contra si mesmordquo Cf Palma 2009 1 Disponiacutevel em

httpwwwidpccptxmsfilesNewslettersBoletim_Ano1_Ed1_Dez08Jan09pdf [consultado em

19012017] Luiacutesa Neto por seu turno fala aqui no arguido como o ldquolegislador de si mesmordquo Cf Neto

2004 188 290 Rodrigues 2002 549 291 Figueiredo Dias 1997 26 Neto 1997 184-185 292 ldquoSubmetido ao processo agraves ordens do tribunal e susceptiacutevel de sofrer medidas coactivas ele [o arguido]

encontra-se nessa medida certamente numa situaccedilatildeo passiva obrigado a sofrer na sua proacutepria pessoa

investigaccedilotildees de prova (os exames) e autor de declaraccedilotildees com valor probatoacuterio ele eacute tambeacutem meio de

prova Mas nem por isso ele poderaacute deixar de ser considerado como sujeito do processordquo Cf Castanheira

Neves 1968 166 Figueiredo Dias segue igualmente este pensamento defendendo que ldquoNatildeo quer isto dizer

que o arguido natildeo possa em termos demarcados pela lei por forma estrita e expressa ser objecto de medidas

coactivas e constituir ele proacuteprio um meio de prova Quer dizer sim que as medidas coactivas e

probatoacuterias que sobre ele se exerccedilam natildeo poderatildeo nunca dirigir-se agrave extorsatildeo de declaraccedilotildees ou de qualquer

forma de autoincriminaccedilatildeo [hellip]rdquo Cf Figueiredo Dias 2004 430 293 Neste sentido Roxin afirma que no processo penal alematildeo se tem debatido sobre o confronto entre a

descoberta da verdade e os interesses do arguido ldquoEm qualquer sistema legal de um Estado de Direito a lei processual penal estaacute obrigada a contrabalanccedilar a investigaccedilatildeo criminal e os interesses do arguido acusado

de determinado delito onde a sua privacidade estaacute em causa O processo penal alematildeo eacute um exemplo tiacutepico

da constante luta entre essas demandas conflituantes Assim enquanto a maioria da jurisprudecircncia faz

esforccedilos no sentido de reforccedilar a protecccedilatildeo do arguido a legislaccedilatildeo mais recente revela uma tendecircncia de

alcance cada vez maior para a admissatildeo de medidas que interferem com o campo da personalidaderdquo Cf

Roxin 2009 87 294 Neste sentido cf Sousa Mendes 2007 609 ldquo[hellip] o arguido natildeo eacute um colaborador das autoridades

judiciaacuterias e dos OPC para a descoberta da verdade e a realizaccedilatildeo da justiccedilardquo 295 Figueiredo Dias 1997 27-28

90

natildeo tem um ldquodever de colaboraccedilatildeo com o tribunal ou o MP com vista agrave descoberta da

verdade material e agrave boa decisatildeo da causa (nemo tenetur se ipsum accusare) dado o seu

direito constitucional ao silecircncio (nordm 1 do artigo 32ordm da CRP)rdquo296

Natildeo obstante a inexistecircncia de um dever de o arguido colaborar com as autoridades tal

natildeo significa que natildeo possa haver derrogaccedilotildees ao princiacutepio nemo tenetur apresentando a

doutrina vaacuterios exemplos a) o direito ao silecircncio natildeo assiste ao arguido relativamente agraves

perguntas sobre a sua identidade tendo inclusive o dever de responder a elas com

verdade nos termos da aliacutenea b) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP b) a obrigatoriedade de

realizar determinadas periacutecias e exames (artigos 151ordm a 172ordm do CPP) c) a

obrigatoriedade de sujeiccedilatildeo a exames no acircmbito de periacutecias meacutedico-legais quando

ordenados pela autoridade judiciaacuteria competente prevista pela Lei nordm 452004 de 29 de

Agosto297 d) a obrigatoriedade de sujeiccedilatildeo a diligecircncias de prova decorrente do

consagrado na aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP298

No que concerne agrave jurisprudecircncia o Tribunal Constitucional jaacute deixou claro que tem sido

ldquoreconhecido que o direito agrave natildeo autoincriminaccedilatildeo natildeo tem um caraacutecter absoluto podendo

ser legalmente restringido em determinadas circunstacircncias (vg a obrigatoriedade de

realizaccedilatildeo de determinados exames ou diligecircncias que exijam a colaboraccedilatildeo do arguido

mesmo contra a sua vontade)rdquo299

Assim podemos concluir no seguimento do defendido por Figueiredo Dias que o

arguido pode constituir meio de prova num duplo sentido a) em sentido material atraveacutes

das declaraccedilotildees prestadas sobre os factos b) em sentido formal na medida em que o seu

corpo e o seu estado corporal podem ser objecto de periacutecias exames ou outras diligecircncias

de prova (artigo 151ordm artigo 172ordm e al d) do nordm 1 do artigo 61ordm todos do CPP) 300

Chegados a este ponto e atendendo aos dois meacutetodos de desencriptaccedilatildeo do smartphone -

a palavra-passe e a impressatildeo digital - podemos afirmar que a acccedilatildeo de fornecimento da

palavra-passe agraves autoridades judiciaacuterias seria sem margem para duacutevidas reconduziacutevel agrave

conduta de prestaccedilatildeo de declaraccedilotildees sobre os factos (al d) do nordm 1 do artigo 61ordm do CPP)

Contrariamente no que diz respeito agrave desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da impressatildeo

296 Albuquerque 2011 48 e 183 297 Figueiredo DiasCosta Andrade 2009 44-45 298 Marques da Silva 2010 318 299 Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 3402013 de 17 de Junho de 2013 disponiacutevel em

httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20130340html [consultado em 19012017] 300 Figueiredo Dias 2004 438-439

91

digital natildeo podemos defender que esta acccedilatildeo poderaacute ser reconduzida a uma qualquer

prestaccedilatildeo de declaraccedilatildeo Assim resta-nos saber seraacute a desencriptaccedilatildeo atraveacutes da

impressatildeo digital uma periacutecia um exame uma outra diligecircncia de prova ou nenhuma das

anteriores

Para que possamos responder com clareza a esta questatildeo iremos no proacuteximo ponto fazer

uma breve anaacutelise ao regime das periacutecias e exames (artigos 151ordm a 172ordm do CPP) e agraves

diligecircncias de prova (al d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP)

3 A sujeiccedilatildeo a periacutecias exames e diligecircncias de prova e a sua articulaccedilatildeo com o

princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare

Como jaacute tivemos oportunidade de enfatizar anteriormente o facto de o arguido ser

considerado um sujeito do processo penal natildeo significa que natildeo possa em determinados

termos demarcados pela lei por forma estrita e expressa constituir ele proacuteprio um meio

de prova Desta forma sobre o arguido recai o dever de se sujeitar a diligecircncias de prova

especificadas na lei e ordenadas e efectuadas por entidade competente (al d) do nordm 3 do

artigo 61ordm do CPP) considerando-se como tais as diligecircncias de prova que natildeo forem

proibidas por lei e que sejam necessaacuterias para a descoberta da verdade e a realizaccedilatildeo da

justiccedila301

Natildeo obstante este dever de sujeiccedilatildeo que recai sobre o arguido o mesmo natildeo significa que

o arguido natildeo se possa opor agrave realizaccedilatildeo dessas diligecircncias quando forem manifestamente

ilegais vg por atentatoacuterias de direitos fundamentais e de nessa medida recorrer aos

meios que a lei lhe confere nomeadamente o de recurso judicial O que a aliacutenea d) do nordm

3 do artigo 61ordm do Coacutedigo de Processo Penal prevecirc eacute que pressupondo que o meio de

prova seja legal o arguido deve sujeitar-se agrave diligecircncia302 Assim a obrigaccedilatildeo que

impende sobre o arguido de se sujeitar a diligecircncias de prova tem de ser temperada com

o direito fundamental da natildeo-autoincriminaccedilatildeo porque ele natildeo pode ser objecto de prova

instrumento abusivo da sua proacutepria condenaccedilatildeo ou de qualquer forma obrigado a

contribuir para estabelecer a sua proacutepria culpabilidade303

A sujeiccedilatildeo coerciva do arguido a diligecircncias de prova tem caraacutecter excepcional na estrita

medida em que se mostrem ineficazes outros meios de prova devendo observar-se quanto

301 Garrett 2007 15 302 Monte 2006 254-255 303 Garrett 2007 17

92

agrave sua utilizaccedilatildeo os mesmos princiacutepios que regem a aplicaccedilatildeo da medida de coacccedilatildeo da

prisatildeo preventiva304

Algumas diligecircncias de prova a que o arguido pode ser sujeito estatildeo expressamente

previstas no Coacutedigo de Processo Penal nomeadamente a periacutecia (artigo 151ordm e seguintes

do CPP) e o exame (artigo 171ordm e seguintes do CPP)

O Coacutedigo de Processo Penal enquadrou a periacutecia no acircmbito dos meios de prova referindo

no seu artigo 151ordm que ldquoa prova pericial tem lugar quando a percepccedilatildeo ou apreciaccedilatildeo dos

factos exigirem especiais conhecimentos teacutecnicos cientiacuteficos ou artiacutesticosrdquo A periacutecia

surge assim como um meio de prova auxiliar facultando agrave entidade responsaacutevel pela

decisatildeo a proferir elementos de que esta careccedila e que sejam necessaacuterios agrave percepccedilatildeo ou

apreciaccedilatildeo dos factos305

No que agrave doutrina diz respeito no entender de Germano Marques da Silva ldquoa qualificaccedilatildeo

que melhor cabe agrave periacutecia eacute efectivamente a de meio de prova pessoalrdquo sendo o seu

objecto ldquoa percepccedilatildeo dos factos ou a sua valoraccedilatildeordquo uma vez que ldquoo perito pode descobrir

meios de prova recorrendo a meacutetodos cientiacuteficos uacutenicos a permitirem a sua apreensatildeo ou

pode exigir-se ao perito natildeo a descoberta dos factos probatoacuterios mas apenas a sua

apreciaccedilatildeordquo306 Na mesma esteira Manuel Andrade defende a ideia de que a periacutecia

ldquotraduz-se na percepccedilatildeo por meio de pessoas idoacuteneas para tal efeito designadas de

quaisquer factos presentes quando natildeo possa ser directa e exclusivamente realizada pelo

juiz por necessitar de conhecimentos cientiacuteficos ou teacutecnicos especiais ou por motivos de

decoro ou de respeito pela sensibilidade (legiacutetima susceptibilidade) das pessoas em quem

se verificam tais factos ou na apreciaccedilatildeo de quaisquer factos (na determinaccedilatildeo das ilaccedilotildees

que deles se possam tirar acerca doutros factos) caso dependa de conhecimentos daquela

ordem isto eacute de regras de experiecircncia que natildeo fazem parte da cultura geral ou experiecircncia

comum que pode e deve presumir-se no juiz como na generalidade das pessoas instruiacutedas

e experimentadasrdquo307

304 Monte 2006 252 Garrett 2007 16 305 Cf Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da Repuacuteblica P000642006 de 2 de

Novembro de 2006 disponiacutevel em httpwwwministeriopublicoptiframepareceres-do-conselho-

consultivo-da-pgr [consultado em 23012017] 306 Marques da Silva 2011 197-198 307 Andrade 1979 261

93

Em sentido inverso o exame eacute um meio de obtenccedilatildeo de prova (e natildeo um meio de prova

como a periacutecia) destinado a recolher vestiacutegios materiais de factos com relevacircncia penal

em ordem agrave determinaccedilatildeo das circunstacircncias da praacutetica e da respectiva autoria308

No mesmo sentido vai a lei quando aponta que os exames tecircm por finalidade inspeccionar

ldquoos vestiacutegios que possa ter deixado o crime e todos os indiacutecios relativos ao modo e ao

lugar onde foi praticado agraves pessoas que o cometeram ou sobre as quais foi cometidordquo (nordm

1 do artigo 171ordm do CPP)309

O exame visa a detecccedilatildeo de vestiacutegios a periacutecia visa a avaliaccedilatildeo desses mesmos vestiacutegios

(vg dactiloscopia310)

Um ponto fundamental a ter em consideraccedilatildeo em mateacuteria de sujeiccedilatildeo a exames tem que

ver com a sua obrigatoriedade (nordm 1 do artigo 172ordm do CPP) Este princiacutepio expressa-se

na possibilidade de a autoridade judiciaacuteria competente compelir o arguido agrave observacircncia

de tais obrigaccedilotildees ainda que condicionadas (no caso de exame susceptiacutevel de ofender o

pudor das pessoas) ao respeito pela intimidade e dignidade da pessoa a examinar natildeo se

permitindo assistentes aleacutem da proacutepria autoridade judiciaacuteria ou de pessoa de confianccedila

do visado que este venha a indicar (nordm 3 do artigo 172ordm do CPP)

Contrariamente agraves periacutecias os exames natildeo supotildeem a existecircncia de especiais

conhecimentos teacutecnicos cientiacuteficos ou artiacutesticos No entanto a mera detecccedilatildeo (e natildeo

avaliaccedilatildeo) de vestiacutegios que exija especiais conhecimentos teacutecnicos cientiacuteficos ou

artiacutesticos eacute ainda um exame Assim tambeacutem a avaliaccedilatildeo de vestiacutegios que natildeo exija

especiais conhecimentos teacutecnicos cientiacuteficos ou artiacutesticos isto eacute que apenas exija

conhecimentos comuns natildeo eacute uma periacutecia mas um exame311

Figueiredo Dias fala aqui de uma dupla natureza dos exames visto que satildeo ldquo[hellip] por um

lado meios de prova enquanto neles se faccedila avultar o juiacutezo que se emite sobre as

qualidades ou caracteriacutesticas de uma pessoa ie enquanto neles se tenha primacialmente

em vista a sua mais ou menos acentuada natureza de inspecccedilatildeo ou periacutecia na medida

308 Simas SantosLeal-HenriquesSimas Santos 2010 226-227 309 Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 3 de Marccedilo de 2016 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrlnsf33182fc732316039802565fa00497eec36f34b50b321b89980257f6f004d5fc6

OpenDocument [consultado em 23012017] 310 A dactiloscopia assenta na comparaccedilatildeo das marcas digitais colhidas directamente dos objectos por

teacutecnicas cada vez mais apuradas com as impressotildees digitais constantes dos ficheiros policiais para o

estabelecimento da coincidecircncia (match) das respectivas formas as quais satildeo absolutamente originais em

cada ser humano Cf Oliveira 2008 134-135 311 Albuquerque 2011 434

94

poreacutem em que o objecto do exame seja uma pessoa que assim se vecirc constrangida a sofrer

ou a suportar uma actividade de investigaccedilatildeo sobre si mesma o exame constitui um

verdadeiro meio de coacccedilatildeo processualrdquo312

Depois de analisadas as figuras da diligecircncia de prova periacutecia e exame podemos concluir

que a recolha de impressotildees digitais313 eacute um exame314 Isto porque a sua detecccedilatildeo e

avaliaccedilatildeo natildeo supotildee a existecircncia de especiais conhecimentos teacutecnicos cientiacuteficos ou

artiacutesticos sendo apenas exigiacuteveis conhecimentos comuns ao niacutevel da anatomia humana

Natildeo obstante o que foi dito ateacute agora sobre diligecircncias de prova periacutecias e exames e

nomeadamente sobre o facto de a recolha de impressotildees digitais ser um exame surge-

nos a questatildeo em caso de necessidade de desencriptaccedilatildeo por impressatildeo digital de um

smartphone (no caso concreto da marca Apple) seria esta recolha de impressotildees digitais

(exame) suficiente para o seu desbloqueio

A esta pergunta teremos de responder negativamente Tal como deixamos claro no

Capiacutetulo III do presente estudo e atendendo ao caso concreto do iPhone a tecnologia

usada no fabrico do Touch ID eacute uma das formas mais avanccediladas de hardware e software

alguma vez implementada num smartphone O sensor consegue captar uma imagem de

alta resoluccedilatildeo das camadas subepideacutermicas da pele localizadas em pequenas secccedilotildees da

impressatildeo digital impossibilitando assim que uma reacuteplica da impressatildeo digital do arguido

seja eficaz para a sua desencriptaccedilatildeo

Desta forma a uacutenica maneira eficiente de desencriptar o smartphone seria atraveacutes da

coacccedilatildeo do arguido no sentido de colocar o seu dedo no sensor Mas neste caso

estaremos perante uma periacutecia ou um exame

Ora o acto (compelido) de colocar o dedo no sensor de um smartphone natildeo pode ser

considerado pelo que analisaacutemos anteriormente nem uma periacutecia nem um exame nem

uma declaraccedilatildeo verbal (vg fornecimento da palavra-passe) mas sim uma outra diligecircncia

312 Figueiredo Dias 2004 438-439 313 As impressotildees digitais satildeo consideradas como um vestiacutegio morfoloacutegico Neste sentido cf Ferreira

2014 81 ldquoOs vestiacutegios que podem ser detectados ou ateacute mesmo avaliados em sede de exame podem ser

classificados como fiacutesicos ou materiais (materialmente individualizaacuteveis) ou psiacutequicos ou imateriais

(condutas comportamentais psiacutequicas ou de personalidade) Os vestiacutegios fiacutesicos podem ser divididos em

orgacircnicos ou bioloacutegicos (saliva seacutemen sangue urina secreccedilotildees unhas plantas insectos estupefacientes

entre outros) natildeo orgacircnicos ou natildeo bioloacutegicos (instrumentos fragmentos solos tintas vidros gases

explosivos venenos papel documentos entre outros) morfoloacutegicos (impressotildees digitais palmares e

plantares pegadas rastos marcas de objectos vestiacutegios baliacutesticos entre outros)rdquo 314 Albuquerque 2011 435

95

de prova (al d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP)315 relativamente agrave qual natildeo cabe invocar

o direito ao silecircncio (al d) do nordm 1 do artigo 61ordm do CPP)

Chegados a este ponto resta-nos concluir que ao passo que o fornecimento da palavra-

passe para a desencriptaccedilatildeo de smartphone se reconduz a um acto comunicativo ou

declarativo (al d) do nordm 1 do artigo 61ordm do CPP) a desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes

da colocaccedilatildeo do dedo no sensor para a leitura da impressatildeo digital seraacute uma diligecircncia de

prova (al d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP) E como jaacute deixamos claro nas paacuteginas

anteriores a aacuterea de abrangecircncia do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare natildeo se

restringe agraves declaraccedilotildees orais ndash nomeadamente ao fornecimento de palavra-passe -

proferidas pelo arguido

No entanto conforme assinala Costa Andrade importa reconhecer que existe uma ldquozona

de fronteira e concorrecircncia entre o estatuto do arguido como sujeito processual e o seu

estatuto como objecto de medidas de coacccedilatildeo ou meios de prova Nesta zona cinzenta

deparam-se natildeo raramente situaccedilotildees em que natildeo eacute faacutecil decidir quando se estaacute ainda no

acircmbito [hellip]rdquo de uma diligecircncia de prova admissiacutevel mesmo se coactivamente imposta

ldquo[hellip] ou quando inversamente se invade jaacute o campo da inadmissiacutevel autoincriminaccedilatildeo

coercivardquo316 Assim a legitimidade destas diligecircncias depende da questatildeo de saber se a

sua realizaccedilatildeo ainda eacute compatiacutevel com o estatuto de sujeito processual do arguido ou se

traduz antes uma degradaccedilatildeo deste agrave condiccedilatildeo de objecto do processo317

Eacute ainda de ressalvar que atendendo ao facto de que o proacuteprio direito ao silecircncio conferido

ao arguido em sede de processo criminal natildeo eacute absoluto ou seja pode ser limitado

podemos afirmar tambeacutem que o proacuteprio fornecimento de palavra-passe (declaraccedilatildeo) para

a desencriptaccedilatildeo de smartphone pode gerar algumas duacutevidas nomeadamente quanto agrave

questatildeo de saber ateacute que ponto estaacute ou natildeo violado o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo

nesta situaccedilatildeo

Por conseguinte coloca-se a pergunta de que criteacuterio ou criteacuterios deve entatildeo o inteacuterprete

socorrer-se para aquilatar se a revelaccedilatildeo da palavra-passe ou a desencriptaccedilatildeo por leitura

315 Em sentido semelhante mas relativamente agrave recolha de autoacutegrafos Cruz Bucho afirma que ldquo[hellip] num

caso de recolha de autoacutegrafos natildeo estamos perante declaraccedilotildees verbais do arguido mas sim perante uma

diligecircncia de prova relativamente agrave qual natildeo cabe invocar o direito ao silecircnciordquo Cf Cruz Bucho 2013 34 316 Costa Andrade 1992 127 317 Silva DiasRamos 2009 21-22

96

da impressatildeo digital do arguido se encontram ou natildeo abrangidos pelo princiacutepio nemo

tenetur se ipsum accusare

Para respondermos a esta questatildeo analisaremos no proacuteximo ponto os criteacuterios

apresentados pela doutrina e jurisprudecircncia nacionais e internacionais

4 Criteacuterios para a determinaccedilatildeo de violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum

accusare

A delimitaccedilatildeo da aacuterea de tutela do nemo tenetur se ipsum accusare eacute como se intui tarefa

revestida da maior dificuldade e simultaneamente do mais significativo relevo Para o

efeito impotildee-se a definiccedilatildeo de um criteacuterio apto a discernir nas zonas criacuteticas de fronteira

entre a colaboraccedilatildeo coercivamente imposta proibida e a colaboraccedilatildeo coercivamente

imposta permitida318

Tanto a doutrina quanto a jurisprudecircncia nacionais e internacionais tecircm admitido

diferentes criteacuterios para a determinaccedilatildeo da violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum

accusare Analisaremos de seguida os trecircs criteacuterios defendidos

41 Criteacuterio da dependecircncia e independecircncia da vontade do arguido

Segundo o criteacuterio da dependecircncia e independecircncia da vontade do arguido estariam fora

do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare prestaccedilotildees pessoais exigidas sobre ameaccedila

de sanccedilatildeo mas independentes da vontade do sujeito que natildeo passam por uma colaboraccedilatildeo

espiritual da sua parte319

Este criteacuterio foi defendido inuacutemeras vezes pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos

(TEDH) sendo que o caso emblemaacutetico que lhe deu origem foi o caso Saunders v Reino

Unido320 Ernest Saunders administrador executivo da sociedade Guinness PLC foi

condenado no sistema judicial britacircnico a cinco anos de prisatildeo por conspiraccedilatildeo no crime

de falsificaccedilatildeo de balanccedilo (false accounting) e noutros crimes patrimoniais comuns

(thefts) todos relacionados com uma oferta puacuteblica de aquisiccedilatildeo sobre a Distillers

Company PLC em competiccedilatildeo com a Argyll Group PLC O Tribunal Europeu dos

Direitos Humanos teve de decidir sobre a queixa de Saunders fundada no facto de terem

318 Oliveira Silva 2013 375-376 319 Cruz Bucho 2013 35 320 Acoacuterdatildeo Saunders v Reino Unido de 17 de Dezembro de 1996 disponiacutevel em

httphudocechrcoeintwebservicescontentpdf001-58009TID=thkbhnilzk [consultado em

25012017]

97

sido usadas como prova num processo-crime subsequente as declaraccedilotildees que ele prestara

sob coerccedilatildeo (ie sob cominaccedilatildeo de desobediecircncia) em procedimento de investigaccedilatildeo

administrativo aos inspectores do Ministeacuterio do Comeacutercio e Induacutestria britacircnico o que

violaria o seu direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo implicitamente consagrado nos nos 1 e 2

do artigo 6ordm da CEDH321

O TEDH comeccedilou por enunciar os corolaacuterios do processo equitativo (artigo 6ordm da CEDH)

ndash o direito ao silecircncio e a prerrogativa contra a autoincriminaccedilatildeo ndash prosseguindo na sua

argumentaccedilatildeo322 afirmando que ldquo[hellip] o direito de natildeo contribuir para a sua proacutepria

incriminaccedilatildeo em especial pressupotildee que em mateacuteria penal a acusaccedilatildeo deve procurar

provar a sua argumentaccedilatildeo sem recorrer a elementos de prova obtidos mediante medidas

coercivas ou opressivas desrespeitando a vontade do arguido Neste sentido este direito

estaacute intimamente ligado ao princiacutepio da presunccedilatildeo da inocecircncia consagrado no paraacutegrafo

2ordm do artigo 6ordm da Convenccedilatildeordquo323 O douto Tribunal acrescenta ainda ndash numa foacutermula

que se tornou claacutessica pois perde-se a conta agraves vezes em que jaacute tem sido citada ndash que tal

como eacute comummente entendido na generalidade dos sistemas juriacutedicos das Partes

contratantes da Convenccedilatildeo o direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo natildeo abrange a utilizaccedilatildeo

em quaisquer processos penais de elementos susceptiacuteveis de serem obtidos do acusado

atraveacutes do exerciacutecio de poderes compulsivos contando que a respectiva existecircncia seja

ldquoindependente da vontade do suspeitordquo324 tais como documentos apreendidos em buscas

321 Sousa Mendes 2017 212 322 Ramos 2007 94 323 ldquoThe Court recalls that although not specifically mentioned in Article 6 of the Convention (art 6) the

right to silence and the right not to incriminate oneself are generally recognised international standards which lie at the heart of the notion of a fair procedure under Article 6 (art 6) Their rationale lies inter

alia in the protection of the accused against improper compulsion by the authorities thereby contributing

to the avoidance of miscarriages of justice and to the fulfilment of the aims of Article 6 (art 6) (see the

above-mentioned John Murray judgment p 49 para 45 and the above-mentioned Funke judgment p 22

para 44) The right not to incriminate oneself in particular presupposes that the prosecution in a criminal

case seek to prove their case against the accused without resort to evidence obtained through methods of

coercion or oppression in defiance of the will of the accused In this sense the right is closely linked to the

presumption of innocence contained in Article 6 para 2 of the Convention (art 6-2)rdquo Cf paraacutegrafo 68 do

Acoacuterdatildeo Saunders v Reino Unido de 17 de Dezembro de 1996 disponiacutevel em

httphudocechrcoeintwebservicescontentpdf001-58009TID=thkbhnilzk [consultado em

25012017] 324 ldquoThe right not to incriminate oneself is primarily concerned however with respecting the will of an

accused person to remain silent As commonly understood in the legal systems of the Contracting Parties

to the Convention and elsewhere it does not extend to the use in criminal proceedings of material which

may be obtained from the accused through the use of compulsory powers but which has an existence

independent of the will of the suspect such as inter alia documents acquired pursuant to a warrant breath

blood and urine samples and bodily tissue for the purpose of DNA testingrdquo Cf paraacutegrafo 69 do Acoacuterdatildeo

Saunders v Reino Unido de 17 de Dezembro de 1996 disponiacutevel em

httphudocechrcoeintwebservicescontentpdf001-58009TID=thkbhnilzk [consultado em

25012017]

98

amostras de sangue ou de urina e tecidos corporais para testes de ADN325 Eacute evidente

portanto que os reconhecimentos ou intervenccedilotildees sobre o corpo humano com fins de

investigaccedilatildeo penal natildeo estatildeo protegidos pelo direito ao silecircncio agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo

ou a natildeo se confessar culpado326

O Tribunal decidiu por conseguinte que o princiacutepio do processo equitativo tal como

previsto no nordm 1 do artigo 6ordm da CEDH tinha sido violado Agrave conta do obter dictum sobre

as provas existentes independentemente da vontade do acusado327 o presente acoacuterdatildeo

tornar-se-ia o caso de referecircncia para a defesa do criteacuterio da dependecircncia e independecircncia

da vontade do arguido

Este criteacuterio voltou a ser utilizado nos casos Quinn v Irlanda328 PG et JH v Reino

Unido329 Shannon v Reino Unido330 e reafirmado no importante caso Jalloh v

Alemanha331 Neste uacuteltimo caso o TEDH procedeu agrave delimitaccedilatildeo do campo de aplicaccedilatildeo

do princiacutepio da natildeo-autoincriminaccedilatildeo consagrado no artigo 6ordm da Convenccedilatildeo

considerando que o mesmo apesar de se relacionar em primeira linha com o respeito pela

vontade do acusado em permanecer em silecircncio em face de perguntas que lhe satildeo

colocadas e de natildeo ser compelido a prestar declaraccedilotildees abrange ainda outros casos em

que a coacccedilatildeo tenha sido exercida pelas autoridades sobre o acusado para obter prova332

Os casos ainda abrangidos pelo acircmbito de incidecircncia do princiacutepio da natildeo-

autoincriminaccedilatildeo correspondem segundo o TEDH agraves hipoacuteteses de intimaccedilatildeo para

entrega atraveacutes de prendimentos coercivos de prova documental potencialmente

autoincriminatoacuteria natildeo se estendendo jaacute ao material susceptiacutevel de ser obtido do acusado

atraveacutes do exerciacutecio de poderes compulsivos mas cuja existecircncia eacute independente da

325 Costa 2011 156 326 Rodrigues 2008 197-198 327 Sousa Mendes 2017 214 328 Acoacuterdatildeo Quinn v Irlanda de 21 de Dezembro de 2000 disponiacutevel em

httphudocechrcoeintengitemid[001-59098] [consultado em 25012017] 329 Acoacuterdatildeo PG e JH v Reino Unido de 25 de Setembro de 2001 disponiacutevel em

httphudocechrcoeintappconversionpdflibrary=ECHRampid=002-5500ampfilename=002-

5500pdfampTID=ihgdqbxnfi [consultado em 25012017] 330 Acoacuterdatildeo Shannon v Reino Unido de 4 de Outubro de 2005 disponiacutevel em

httphudocechrcoeintwebservicescontentpdf001-70364TID=ihgdqbxnfi [consultado em

25012017] 331 Acoacuterdatildeo Jalloh v Alemanha de 11 de Julho de 2006 disponiacutevel em

httpswcdcoeintViewDocjspp=ampid=1018815ampSite=COEampdirect=true [consultado em 25012017] 332 Costa 2011 156 Ashworth 2008 773

99

vontade do suspeito tal como documentos apreendidos em buscas amostras de sangue

ou urina e tecidos corporais para testes de ADN333

No que concerne agrave jurisprudecircncia nacional tambeacutem o Tribunal Constitucional perfilhou

em tempos este entendimento ao sublinhar no seu Acoacuterdatildeo nordm 1552007 que entende

ldquo[hellip] que o direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo se refere ao respeito pela vontade do arguido

em natildeo prestar declaraccedilotildees natildeo abrangendo [hellip] o uso em processo penal de elementos

que se tenham obtido do arguido por meio de poderes coercivos mas que existam

independentemente da vontade do sujeito como eacute o caso por exemplo e para o que agora

nos importa considerar da colheita de saliva para efeitos de realizaccedilatildeo de anaacutelises de

ADNrdquo334 O Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora acrescenta ainda que ldquoNa essecircncia o

privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo estaacute associado a um depoimento e natildeo a uma prova

de natureza fiacutesica mas abrange a obrigatoriedade de apresentaccedilatildeo de documentaccedilatildeo

incriminadorardquo335

Eacute tambeacutem este o criteacuterio adoptado maioritariamente pela doutrina e jurisprudecircncia norte-

americanas como jaacute tivemos oportunidade de mencionar no Capiacutetulo I da presente

investigaccedilatildeo No entanto a adopccedilatildeo deste criteacuterio em territoacuterio norte-americano faz-se

em termos ligeiramente diferentes aos defendidos pelo Tribunal Europeu dos Direitos

Humanos

A construccedilatildeo largamente dominante no contexto juriacutedico norte-americano assenta como

vimos anteriormente na dicotomia entre os elementos probatoacuterios de tipo declarativo

(testimonial) ou comunicativo (communicative) e os elementos probatoacuterios fiacutesicos

circunscrevendo-se agraves provas da primeira espeacutecie a operatividade do privileacutegio contra a

autoincriminaccedilatildeo336

333 Criticando a distinccedilatildeo entre declaraccedilotildees orais e os elementos de prova enunciados com base no criteacuterio

da sua existecircncia independente da vontade do arguido cf Silva DiasRamos 2009 24 334 Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1552007 de 2 de Marccedilo de 2007 disponiacutevel em

httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20070155html [consultado em 25012017] Neste

sentido vatildeo tambeacutem o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de 15 de Novembro de 2011 disponiacutevel

em httpwwwdgsiptjtrensf134973db04f39bf2802579bf005f080b3475e69cdc8de87380257de10056f84a

OpenDocument [consultado 25012017] e o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de 21 de Abril de

2015 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrensf134973db04f39bf2802579bf005f080b21398dcfc4605f1980257e43003306a9

OpenDocument [consultado em 25012017] 335 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de 11 de Outubro de 2011 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrensf134973db04f39bf2802579bf005f080b3693bad042ba17bb80257de10056f62e

OpenDocument [consultado em 25012017] 336 Oliveira Silva 2013 376

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Apesar da ratio do criteacuterio ser a mesma o sistema juriacutedico norte-americano natildeo faz

menccedilatildeo aos elementos probatoacuterios ldquodependentes da vontade do arguidordquo fazendo ao

inveacutes referecircncia aos elementos probatoacuterios que pressuponham o recurso ao ldquoconteuacutedo da

mente do arguidordquo337

Em uacuteltima anaacutelise podemos concluir que satildeo meramente duas expressotildees distintas - mas

integralmente interligadas - que culminam no mesmo entendimento nenhuma prova

incriminatoacuteria que dependa de alguma maneira inteiramente do arguido (da sua

mentevontade) pode ser compelida Quanto agrave interligaccedilatildeo ou se preferirmos agrave

subordinaccedilatildeo entre as duas expressotildees ndash dependecircncia da vontade do arguido e revelaccedilatildeo

do conteuacutedo da sua mente ndash fica claro que eacute necessaacuterio que se faccedila uso da vontade para

que algueacutem possa revelar ainda que coercivamente qualquer conteuacutedo da sua mente

Assim segundo este criteacuterio a recolha coerciva de um elemento probatoacuterio inteiramente

dependente de alguma maneira do arguido (da sua mentevontade) seraacute violadora do

princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo Por outro lado se essa recolha de prova natildeo estiver

dependente de alguma maneira do arguido (da sua mentevontade) podemos concluir

pela natildeo violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur

Chegados a este ponto resta-nos entatildeo apurar se a revelaccedilatildeo coagida da palavra-passe ou

a desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido satildeo ou

natildeo condutas violadoras do princiacutepio nemo tenetur com base neste criteacuterio da dependecircncia

e independecircncia da vontade do arguido

No que concerne ao fornecimento coagido de palavra-passe para desencriptaccedilatildeo de um

smartphone a doutrina norte-americana tende a fazer uma analogia entre a palavra-passe

e uma combinaccedilatildeo de um cofre338 defendendo que o fornecimento da palavra-passe seraacute

um elemento probatoacuterio declarativo (testimonial) 339

337 Mesquita 2011 560 338 ldquoA passphrase is more analogous to a combination to a safe in the sense that both exist only in the mind

of the individualrdquo Cf Duong 2009 349-350 339 ldquoA combination metaphor to a safe more accurately captures a passwordrsquos testimonial nature because a combination is something that is in onersquos mindrdquo Cf Kiok 2015 77 Neste sentido vatildeo tambeacutem Wiseman

2014 29 Disponiacutevel em httpsworksbepresscomtimothy_wiseman2 [consultado em 26012017]

Thompson IIJaikaran 2016 12 Engel 2012 107-108 MohanVillasenor 2012 24-25 Poreacutem existe

alguma doutrina ainda que claramente minoritaacuteria que defende a ideia de que mesmo contra a vontade do

arguido a proacutepria revelaccedilatildeo pode ser legalmente compelida Cf Terzian 2014 305 Na esteira do

defendido pela maioria da doutrina norte-americana tambeacutem a jurisprudecircncia parece ir no mesmo sentido

ldquoforcing the Defendant to reveal the passwordhellip requires Defendant to communicate lsquoknowlegdersquordquo Cf

United States v Kirschner 2010 Disponiacutevel em

httpswwwravellawcomopinions789d10be33066b73e4377a26bf5c574a [consultado em 26012017]

101

O arguido ao fornecer sob coacccedilatildeo a palavra-passe que desencripta o seu smartphone

seja pela via oral escrita ou gestual estaraacute necessariamente a fazer uso da sua vontade

Ou seja para o fornecimento da palavra-passe o arguido tem de revelar o conteuacutedo da sua

mente e essa revelaccedilatildeo estaacute como jaacute adiantaacutemos anteriormente totalmente condicionada

pela sua vontade em auxiliar ou natildeo a investigaccedilatildeo340

Assim natildeo podemos caracterizar esta conduta de revelaccedilatildeo da palavra-passe seja de que

modo for como um qualquer acto fiacutesico independente da vontade do arguido341 Isto

porque seria impossiacutevel para as autoridades judiciaacuterias forccedilarem o arguido a divulgar

algo sobre o qual tenha conhecimento342

Jaacute no que diz respeito agrave desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da colocaccedilatildeo do dedo do

arguido no sensor para a leitura da sua impressatildeo digital o resultado eacute diacutespar Se por um

lado podiacuteamos fazer uma analogia entre a divulgaccedilatildeo da palavra-passe e a divulgaccedilatildeo de

uma combinaccedilatildeo de um cofre por outro podemos aqui falar segundo o entendimento da

doutrina norte-americana numa analogia entre a desencriptaccedilatildeo de um smartphone

atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido e a entrega de uma chave de um cofre343

Contrariamente ao fornecimento de palavra-passe a desencriptaccedilatildeo do smartphone

atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido configura um acto inteiramente fiacutesico

que compara apenas a impressatildeo digital lida com a impressatildeo digital armazenada no

dispositivo344 O acto de colocar o dedo no sensor do smartphone para possibilitar a sua

desencriptaccedilatildeo natildeo exige qualquer tipo de divulgaccedilatildeo do conteuacutedo da mente do

arguido345 E uma vez que as entidades judiciaacuterias podem simplesmente agarrar no dedo

ldquo[hellip] the production was testimonial because the decryption password require the appellant to use lsquothe

contents of the mindrsquo to produce information that could be incriminatingrdquo Cf Fisher v United States

1976 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus425391casehtml [consultado em

26012017] 340 Wiseman 2015 548-549 341 Bales 2012 1302-1303 342 Hustle 2014 2 Disponiacutevel em httprebelpunditcombiometrics-and-the-constitution-why-

fingerprints-are-less-secure-than-passwords [consultado em 26012017] ldquo[hellip] using a decryption

password requires sufficiently great mental use [hellip]rdquo Cf Terzian 2015 1136 343 Thompson IIJaikaran 2016 14 344 Sales 2014 222-223 345 Goldman 2015 218 Neste sentido vatildeo tambeacutem Silver 2012 814 Wilson 2015 28-29 Na esteira do

defendido pela doutrina tambeacutem a jurisprudecircncia norte-americana vem afirmar que ldquo[hellip] fingerprints are

not deemed testimonial and therefore not subject to Fifth Amendment protection [hellip] a fingerprint can be

compelled even though it is being used to open the cell phone The passcode is more like a combination to

a safe and the fingerprint is more like a keyrdquo Cf Commonwealth of Virginia v David Charles Baust 2014

Disponiacutevel em httpsconsumermediallcfileswordpresscom201411245515028-fingerprint-unlock-

rulingpdf [consultado em 26012017] Pode ser consultado no Anexo I da presente Dissertaccedilatildeo Cf State

of Minnesota v Matthew Vaughn Diamond 2017 Disponiacutevel em httpmngovlaw-library-

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do arguido e colocaacute-lo no sensor natildeo podemos semelhantemente falar numa

dependecircncia da sua vontade

Assim sendo a desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do

arguido um acto fiacutesico independente da sua vontade podemos admitir que natildeo haveraacute

aqui segundo este criteacuterio uma violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare

Em sentido inverso o fornecimento da palavra-passe sendo um acto que depende

obrigatoriamente da vontade do arguido seraacute violador segundo este criteacuterio do princiacutepio

contra a autoincriminaccedilatildeo se for compelido pelas autoridades judiciaacuterias

Natildeo obstante o que ficou dito sobre o criteacuterio da dependecircncia e independecircncia da vontade

do arguido defendido tanto pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos como pela

jurisprudecircncia e doutrina maioritaacuteria norte-americanas vaacuterias criacuteticas surgem contra esta

tese

De facto natildeo partilhamos desta linha argumentativa ndash fraacutegil no nosso entender -

defendida vaacuterias vezes pelo Tribunal Constitucional portuguecircs de que ldquoo direito agrave natildeo-

autoincriminaccedilatildeo se refere ao respeito pela vontade do arguido em natildeo prestar

declaraccedilotildees natildeo abrangendo [hellip] o uso em processo penal de elementos que se tenham

obtido do arguido por meio de poderes coercivos mas que existam independentemente

da vontade do sujeitordquo346

Esta concepccedilatildeo altamente restritiva do conceito do nemo tenetur se ipsum accusare

permite que o arguido seja o objecto de prova em todas as situaccedilotildees nas quais natildeo se exija

a prestaccedilatildeo de declaraccedilotildees O princiacutepio ficaria cingido agraves declaraccedilotildees orais coincidindo

praticamente com o direito ao silecircncio347 E limitar o princiacutepio ao direito ao silecircncio eacute

desprovecirc-lo de todo o seu conteuacutedo e alcance praacutetico348

Por outro lado parece irrefutaacutevel que as declaraccedilotildees orais natildeo satildeo o uacutenico meio atraveacutes

do qual algueacutem se pode autoincriminar jaacute que natildeo se vecirc como algueacutem que eacute alvo de uma

qualquer ingerecircncia corporal natildeo estaraacute a contribuir para a sua autoincriminaccedilatildeo

sobretudo se a prova a final apenas vier a assentar em tal meio de prova que de outro

statarchivectappub2017OPa152075-011717pdf [consultado em 26012017] Pode ser consultado no

Anexo II da presente Dissertaccedilatildeo 346 Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1552007 de 2 de Marccedilo de 2007 disponiacutevel em

httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20070155html [consultado em 31012017] 347 Silva DiasRamos 2009 24 348 Cruz 2011 71

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modo natildeo existiria Do que se trata eacute de se colocar a ldquofalar o corpordquo quando o titular

desse corpo pretende calar349

Posto isto analisadas que estatildeo as criacuteticas relativas a este criteacuterio passaremos agrave

apreciaccedilatildeo de um segundo criteacuterio defendido pela doutrina e jurisprudecircncia nacionais e

internacionais

42 Criteacuterio da conduta activa e toleracircncia passiva

O segundo criteacuterio adoptado pelo Tribunal Constitucional alematildeo e pela generalidade da

doutrina alematilde assenta na distinccedilatildeo entre conduta activa e toleracircncia passiva De acordo

com este criteacuterio ningueacutem poderaacute ser coactivamente obrigado a contribuir activamente

para a sua proacutepria condenaccedilatildeo em processo criminal350 - seja declarando contra si mesmo

seja realizando algum outro tipo de actividade que contribua para a investigaccedilatildeo e

comprovaccedilatildeo do crime imputado

No panorama juriacutedico alematildeo a doutrina tradicional e (ainda) dominante aponta como

criteacuterio delimitador do princiacutepio nemo tenetur a ldquoqualidade da condutardquo

(ldquoHandlungsqualitaumltrdquo) esperada do arguido distinguindo entre os meros deveres de

toleracircncia passiva (ldquopassive Duldungspflichtenrdquo) e as obrigaccedilotildees de colaboraccedilatildeo activa

(ldquoaktive Mitwirkungspflichtenrdquo)351 A colaboraccedilatildeo activa seraacute segundo esta doutrina

tradicional inexigiacutevel ao arguido existindo um direito de oposiccedilatildeo agrave colaboraccedilatildeo activa

(Mitwirkungsverweigerungsrecht) porquanto esta seria violadora do princiacutepio nemo

tenetur se ipsum accusare352

Nesta esteira de ideias se ao arguido se impusesse a colaboraccedilatildeo mediante uma conduta

activa tal seria susceptiacutevel de ferir o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo se ao inveacutes se

lhe impusesse meramente que tolerasse uma determinada actividade natildeo haveria

qualquer colisatildeo com o direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo que lhe assiste natildeo configurando

assim uma manifestaccedilatildeo inadmissiacutevel de autoincriminaccedilatildeo353

A referida diferenciaccedilatildeo fenomenoloacutegica assenta na premissa filosoacutefica de que a

liberdade de vontade constitui a expressatildeo mais nuclear da personalidade humana por

349 Rodrigues 2008 198 350 Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 3402013 de 17 de Junho de 2013 disponiacutevel em

httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20130340html [consultado em 31012017] 351 Oliveira Silva 2013 376-377 352 Pinto 2013 97 353 Agostinho 2014 112

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contraposiccedilatildeo com a existecircncia fiacutesicacorpoacuterea E tem como certa a ideia de que a

autonomia pessoal eacute mais severamente atingida se o arguido for forccedilado a colaborar com

o Estado na proacutepria perseguiccedilatildeo criminal sob a forma de uma acccedilatildeo positiva do que nos

casos em que o seu corpo eacute simplesmente manipulado pelas autoridades impondo-se-lhe

o dever de tolerar a intervenccedilatildeo (mas jaacute natildeo a de coadjuvar)354

Claus Roxin defensor desta teoria adianta que o arguido natildeo tem o dever de auxiliar as

autoridades judiciaacuterias de forma activa no entanto deve tolerar natildeo apenas as

investigaccedilotildees relativas agrave sua vida privada mas tambeacutem as intervenccedilotildees fiacutesicas sobre o

seu corpo que podem facilmente consubstanciar uma contribuiccedilatildeo decisiva para a prova

da sua culpabilidade355

Eacute de notar que o Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto num acoacuterdatildeo relativamente recente parece

acolher esta distinccedilatildeo356 Neste caso jurisprudencial estaria em causa a legitimidade da

recusa do arguido em se sujeitar agrave recolha de autoacutegrafos e a legitimidade da cominaccedilatildeo

dessa recusa com o crime de desobediecircncia No acoacuterdatildeo recorrido o Tribunal de 1ordf

instacircncia afasta categoricamente toda a colaboraccedilatildeo qualificada como activa O acoacuterdatildeo

do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto acaba por confirmar o acoacuterdatildeo recorrido mas eacute mais

comedido do que o Tribunal de 1ordf instacircncia temperando o argumento da colaboraccedilatildeo

activa com o princiacutepio da legalidade357

Fazendo apelo a este segundo criteacuterio importa agora perceber se o fornecimento da

palavra-passe e a desencriptaccedilatildeo atraveacutes da impressatildeo digital seriam ou natildeo condutas

violadoras do princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo

As coisas satildeo particularmente oacutebvias quando se trata de obter por coacccedilatildeo declaraccedilotildees

incriminadoras do arguido358 Assim segundo o criteacuterio da conduta activa e toleracircncia

passiva o arguido natildeo poderaacute ser compelido a revelar a palavra-passe que desencripta o

seu smartphone essencial para os investigadores criminais terem raacutepido acesso agrave

354 Oliveira Silva 2015 575-576 355 Cf Roxin 2009 98 356 ldquoMesmo que o recorrente natildeo concorde natildeo podemos esquecer que aqui a recolha de autoacutegrafos implica uma acccedilatildeo positiva do arguido (contra a sua vontade) que natildeo se confunde com ldquoo mero tolerar passivo da

actividade de terceirordquo vg que decorre da execuccedilatildeo de decisatildeo de juiz a ldquocompelirrdquo agrave sujeiccedilatildeo a exame

tal como hoje se prevecirc expressamente nos nos 1 e 2 do artigo 172ordm do CPP (estabelecendo-se ainda que eacute

correspondentemente aplicaacutevel o disposto no nordm 2 do artigo 154ordm e nos nos 5 e 6 do artigo 156ordm do mesmo

coacutedigo)rdquo Cf Acoacuterdatildeo da Relaccedilatildeo do Porto de 28 de Janeiro de 2009 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrpnsf56a6e7121657f91e80257cda00381fdff861aadc84da529a8025754e0054040e

OpenDocument [consultado em 31012017] 357 Pinto 2013 97-98 358 Costa Andrade 1992 128

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informaccedilatildeo nele contida por ser ilegitimamente obrigado a colaborar ou a contribuir

activamente para a sua incriminaccedilatildeo359

Quanto agrave desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido

a situaccedilatildeo eacute mais duacutebia Isto porque como frisaacutemos anteriormente o arguido pode por

sua livre vontade colocar o dedo no sensor para permitir a leitura da sua impressatildeo digital

possibilitando assim a desencriptaccedilatildeo do dispositivo No entanto o mesmo arguido pode

optar por se opor a colocar o dedo no sensor restando agraves autoridades a alternativa de

forccedilarem a desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da colocaccedilatildeo coactiva do seu dedo no

sensor E se por um lado podemos classificar a primeira conduta como uma conduta

activa por outro podemos qualificar a segunda como uma conduta passiva

A desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido eacute um

exemplo tiacutepico de uma das criacuteticas feitas a este criteacuterio da conduta activa e toleracircncia

passiva um criteacuterio que estaacute longe de concitar um aplauso paciacutefico entre Autores e

tribunais Eacute certo que ldquofazerrdquo eacute diferente de ldquodeixar fazerrdquo que o direito (nomeadamente

o direito penal) valora de modo diferente condutas activas e condutas omissivas No

entanto este criteacuterio de averiguaccedilatildeo da conformidade com o princiacutepio nemo tenetur

manifesta-se insatisfatoacuterio360

Na verdade este segundo criteacuterio tem sido qualificado como simplista e de difiacutecil

aplicaccedilatildeo praacutetica361 pela dificuldade em diferenciar sob o prisma fenomenoloacutegico entre

actos de colaboraccedilatildeo activa e meros estados passivos de toleracircncia362

Acompanhamos Wolfslast quando afirma que ldquonatildeo se eacute apenas instrumento da proacutepria

condenaccedilatildeo quando se colabora mediante uma conduta activa querida e livre mas

tambeacutem quando [hellip] contra vontade uma pessoa tem de tolerar que o proacuteprio corpo seja

utilizado como meio de provardquo363 De resto acrescenta seraacute difiacutecil discernir porque eacute que

a dignidade humana do arguido soacute eacute atingida quando forccedilado a uma acccedilatildeo e natildeo jaacute quando

compelido a ter de tolerar uma acccedilatildeo O tormento a humilhaccedilatildeo de ter de ser instrumento

contra si proacuteprio podem em caso de passividade forccedilada e verificadas certas

circunstacircncias ser maiores do que em caso de colaboraccedilatildeo activa364

359 Haddad 2003 42-43 360 Fidalgo 2006 141 361 Cruz Bucho 2013 46 Pinto 2013 98 362 Oliveira Silva 2015 580 363 Wolfslast 1987 103 364 Wolfslast 1987 104

106

Como bem refere Sandra Oliveira e Silva ldquoa distinccedilatildeo conceitual-positivista entre acccedilatildeo

e omissatildeo eacute inadequada para estabelecer valoraccedilotildees juriacutedicas distintas Em causa estatildeo

conceitos intercambiaacuteveis de acordo com a conclusatildeo pretendida pelo inteacuterprete E ainda

que se pudesse obter um consenso sobre o sentido a adoptar em cada caso natildeo deixa de

ser possiacutevel interpretar indistintamente determinados comportamentos como acccedilatildeo ou

omissatildeo e as correspondentes obrigaccedilotildees como importando uma colaboraccedilatildeo activa ou

uma simples toleracircncia passivardquo365

No que concerne agraves inconsistecircncias deste criteacuterio no plano teoacuterico importa voltar a

mencionar a ideia de que o nemo tenetur pretende preservar o arguido do ldquotrilemardquo da

escolha entre trecircs males poupaacute-lo agrave experiecircncia degradante de ser obrigado a colocar nas

matildeos das autoridades de perseguiccedilatildeo criminal o material probatoacuterio para a sua

incriminaccedilatildeo366 Acreditamos na esteira do defendido por Sandra Oliveira e Silva que eacute

difiacutecil discernir as razotildees pelas quais o sentimento de humilhaccedilatildeo soacute se manifesta se o

arguido for obrigado a entregar o material incriminador pelos seus proacuteprios meios e natildeo

tambeacutem nas hipoacuteteses em que as informaccedilotildees satildeo extraiacutedas agrave forccedila do seu corpo367

nomeadamente atraveacutes da utilizaccedilatildeo da sua impressatildeo digital para desencriptar um

smartphone onde estaratildeo armazenadas informaccedilotildees iacutentimas e possivelmente

incriminatoacuterias Quer no caso de uma conduta activa quer no caso de toleracircncia passiva

o arguido tem plena consciecircncia de ser obrigado a contribuir contra a sua vontade para a

obtenccedilatildeo de provas incriminatoacuterias

Tambeacutem a jurisprudecircncia nacional se tem pronunciado ainda que em pouca escala sobre

este criteacuterio defendido pela doutrina e jurisprudecircncia alematildes O Tribunal Constitucional

no seu acoacuterdatildeo nordm 1552007 refere-se a propoacutesito da colheita de saliva para efeitos de

realizaccedilatildeo de anaacutelises de ADN que esta ldquoindependentemente de natildeo requerer apenas um

comportamento passivo natildeo se pode catalogar como obrigaccedilatildeo de autoincriminaccedilatildeordquo368

Esta expressatildeo parece apontar para a conclusatildeo de que o criteacuterio conduta activatoleracircncia

passiva natildeo tem relevacircncia no sistema juriacutedico nacional na medida em que o douto

Tribunal aceita a existecircncia de um caso de colaboraccedilatildeo activa do arguido natildeo o afastando

imediata e categoricamente depois de o qualificar como tal369 Mais recentemente o

365 Oliveira Silva 2015 583-584 366 Costa Andrade 2014 143-144 367 Oliveira Silva 2015 590 368 Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1552007 de 2 de Marccedilo de 2007 disponiacutevel em

httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20070155html [consultado em 01022017] 369 Pinto 2013 99

107

Supremo Tribunal de Justiccedila no seu acoacuterdatildeo nordm 142014 veio destacar a difiacutecil

praticabilidade deste criteacuterio ldquopor nem sempre ser viaacutevel e nem visiacutevel a distinccedilatildeo entre

as duas formas procedimentais por ser demasiado simplista natildeo conducente a resultados

seguros sequer aceitaacuteveisrdquo370 O Supremo Tribunal atesta ainda que ldquona verdade parece

evidente que mesmo em casos havidos classicamente de toleracircncia passiva natildeo deixa de

coexistir uma participaccedilatildeo activa como eacute o caso da sujeiccedilatildeo a recolha de sangue saliva

urina corte de cabelo de tecidos corporais aacutelcool no sangue a partir do ar expirado ou

do sangue etc em que sem a colaboraccedilatildeo (necessariamente activa) do arguido expondo

voluntariamente o seu corpo fica comprometido o resultado a alcanccedilarrdquo371

Em conclusatildeo podemos afirmar que dadas as dificuldades de aplicaccedilatildeo fragilidades e

inconsistecircncias do criteacuterio da conduta activa e toleracircncia passiva este natildeo poderaacute ser

considerado como um meacutetodo viaacutevel para traccedilar a linha de fronteira entre a colaboraccedilatildeo

admissiacutevel e a inadmissiacutevel Por esse motivo estas dificuldades tecircm conduzido a doutrina

e jurisprudecircncia nacionais ao esboccedilo de um terceiro criteacuterio de delimitaccedilatildeo e ao

progressivo abandono do binoacutemio actividadepassividade

43 Criteacuterio da ponderaccedilatildeo de bens

A doutrina e jurisprudecircncia constitucional portuguesas tecircm vindo a adoptar o criteacuterio da

ponderaccedilatildeo de bens para delimitar a aacuterea de tutela do nemo tenetur se ipsum accusare

Sem embargo antes de procedermos agrave anaacutelise deste criteacuterio impera que se estabeleccedila a

priori uma distinccedilatildeo relativa agrave natureza dos direitos fundamentais ou mais

rigorosamente agrave natureza das normas de direitos fundamentais que possam entrar em

conflito

431 A distinccedilatildeo entre normas-regras e normas-princiacutepios

Grande parte da doutrina nacional e internacional defende a distinccedilatildeo niacutetida entre regras

e princiacutepios Distinccedilatildeo segundo Alexy sem a qual natildeo poderia existir uma teoria

adequada dos limites dos direitos fundamentais nem uma teoria satisfatoacuteria da colisatildeo

entre direitos fundamentais nem tatildeo pouco uma teoria suficiente acerca do papel

desempenhado por estes direitos no sistema juriacutedico372 Esta construccedilatildeo foi globalmente

370 Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro de 2014 disponiacutevel em

httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 01022017] 371 Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro de 2014 disponiacutevel em

httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 01022017] 372 Alexy 2008 63

108

desenvolvida na deacutecada de oitenta por Alexy inspirado no pensamento de Dworkin e

nas suas distinccedilotildees entre ldquorulesrdquo e ldquoprinciplesrdquo

Segundo Dworkin a distinccedilatildeo loacutegica entre regras e princiacutepios manifesta-se na diferente

forma de aplicaccedilatildeo e de colisatildeo que por sua vez se funda na seguinte diferenccedila essencial

enquanto que a dimensatildeo fundamental das regras eacute a da validade a dos princiacutepios eacute o

peso373 Assim um conflito de regras seria decidido atraveacutes da dimensatildeo determinante da

validade implicando a eliminaccedilatildeo na ordem juriacutedica da regra contraacuteria invaacutelida ao passo

que uma colisatildeo de princiacutepios diferentemente seria decidida em funccedilatildeo do peso relativo

que cada um deles apresenta no caso concreto (dimension of weight) implicando a

cedecircncia do princiacutepio mais fraco nesse caso sem a sua exclusatildeo da ordem juriacutedica374

Para Alexy as regras satildeo normas que exigem algo de modo definitivo satildeo comandos

definitivos Se uma regra eacute vaacutelida e estatildeo reunidas as condiccedilotildees para a sua aplicaccedilatildeo

entatildeo deve ser feito exactamente o que ela exige Se isso for feito a regra eacute cumprida se

isso natildeo for feito a regra eacute violada375 Pelo contraacuterio os princiacutepios satildeo mandados de

optimizaccedilatildeo Como tal eles exigem que algo seja feito na maacutexima extensatildeo possiacutevel de

acordo com as possibilidades de facto e de direito existentes376

Neste sentido a diferenccedila entre regras e princiacutepios permanece para Alexy tal como para

Dworkin uma diferenccedila qualitativa e natildeo gradativa sendo qualquer norma ou uma regra

ou um princiacutepio377

Jaacute na doutrina nacional Jorge Reis Novais afirma que a diferenccedila entre regras e

princiacutepios eacute determinada pelo meacutetodo de aplicaccedilatildeo que seria a ponderaccedilatildeo nos princiacutepios

e a subsunccedilatildeo nas regras378

De acordo com estas distinccedilotildees entre normas-regras e normas-princiacutepios facilmente se

depreende que o nemo tenetur se ipsum accusare seria qualificado como um princiacutepio e

natildeo uma regra E apresentando este direito fundamental natildeo escrito a natureza de

princiacutepio o nemo tenetur como temos vindo a reiterar ao longo da nossa investigaccedilatildeo

373 Dworkin 1977 35 374 Dworkin 1977 22-26 375 Alexy 2014 818-819 376 Alexy 2014 819 377 Alexy 2008 68 Contra esta ideia vai Jorge Reis Novais ao afirmar que um direito fundamental pode

ser simultaneamente uma regra e um princiacutepio dando como exemplo o direito agrave vida ldquo[hellip] o direito agrave vida

constitucionalmente reconhecido pode ser fundamentalmente considerado como regra como princiacutepio ou

simultaneamente regra e princiacutepio [hellip]rdquo Cf Reis Novais 2010 352 378 Reis Novais 2010 347-348

109

natildeo seraacute absoluto podendo ser alvo de colisotildees com outros princiacutepios Segundo Alexy

quando dois princiacutepios entram em colisatildeo um deles teraacute obrigatoriamente que ceder

perante o outro No entanto isto natildeo significa como se referiu anteriormente que se tenha

de considerar invaacutelido o princiacutepio alvo de cedecircncia379

Efectivamente os defensores dos direitos fundamentais como princiacutepios partem desta

distinccedilatildeo entre regras e princiacutepios para afirmarem que a determinaccedilatildeo do grau adequado

de satisfaccedilatildeo ou de realizaccedilatildeo de um princiacutepio relativamente aos mandados de outros

princiacutepios eacute conseguida atraveacutes da ponderaccedilatildeo380 Ou seja apresentando as normas

constitucionais de direitos fundamentais a natureza de princiacutepios isso significa que os

direitos nelas sustentados soacute se convertem em direitos definitivos depois de passarem pelo

crivo do criteacuterio da ponderaccedilatildeo com os princiacutepios opostos nas circunstacircncias do caso

concreto381 O criteacuterio da ponderaccedilatildeo seraacute assim a forma especiacutefica de aplicaccedilatildeo aos

princiacutepios

Depois de feita a distinccedilatildeo entre normas-regras e normas-princiacutepios e o seu meacutetodo de

resoluccedilatildeo em caso de conflito passaremos agora agrave anaacutelise do criteacuterio da ponderaccedilatildeo

432 A ponderaccedilatildeo enquanto criteacuterio de resoluccedilatildeo de conflitos entre

direitos fundamentais

Sendo o princiacutepio nemo tenetur sujeito a restriccedilotildees natildeo causa estranheza afirmar que o

processo penal eacute foco permanente de tensotildees entre o dever de eficaacutecia que eacute exigido aos

responsaacuteveis pela investigaccedilatildeo criminal e as garantias de defesa que cabem a todos os

arguidos Eacute assim neste acircmbito que assume relevacircncia a ponderaccedilatildeo deste amplo direito

dos arguidos em natildeo colaborar para a autoincriminaccedilatildeo quando em confronto com outros

valores como a eficaacutecia da investigaccedilatildeo criminal e a tutela efectiva da justiccedila382

Augusto Silva Dias e Vacircnia Costa Ramos satildeo dois Autores que perfilham este criteacuterio

como sendo o correcto para a delimitaccedilatildeo entre a coacccedilatildeo permitida e a coacccedilatildeo proibida

Segundo os Autores ldquosempre que o suspeito (ou arguido) seja induzido ou coagido por

forma mais ou menos activa ou mais ou menos intelectualmente elaborada a colaborar

379 Alexy 2008 70 380 Alexy 2014 819 Contra este entendimento vai Vieira de Andrade ao defender que ldquo[hellip] a limitaccedilatildeo

de direitos fundamentais associada ao meacutetodo da ponderaccedilatildeo e da harmonizaccedilatildeo toma um sentido muito

amplo que tende a consumir na colisatildeo de direitos ou de direitos e valores aleacutem dos casos de harmonizaccedilatildeo

a declaraccedilatildeo de limites imanentes e a restriccedilatildeo legislativardquo Cf Vieira de Andrade 2016 266-267 381 Reis Novais 2010 339 382 NevesCorreia 2014 146

110

na sua inculpaccedilatildeo cai-se na esfera de protecccedilatildeo do nemo teneturrdquo383 No entanto estando-

se perante um princiacutepio de natureza natildeo absoluta existe a necessidade de encontrar um

ponto de equiliacutebrio entre as garantias de defesa do arguido e os interesses da investigaccedilatildeo

Com efeito a descoberta da verdade e a correcta realizaccedilatildeo da justiccedila criminal ficariam

seriamente comprometidas caso fossem eliminadas todas as possibilidades de utilizaccedilatildeo

de elementos probatoacuterios provenientes da esfera do arguido ou obtidos com a sua

colaboraccedilatildeo384 Para os Autores citados e para a maioria da doutrina nacional385 o

referido ponto de equiliacutebrio eacute dado pela ideia de concordacircncia praacutetica fundada na

ponderaccedilatildeo de interesses conflituantes386 ldquoPorque nenhum princiacutepio pode pretender na

sua globalidade vigecircncia absolutardquo satildeo legiacutetimas as restriccedilotildees ao nemo tenetur impostas

pela necessidade de salvaguarda de um interesse ou direito concretamente prevalecente

como seraacute o da maacutexima eficaacutecia da administraccedilatildeo da justiccedila na perseguiccedilatildeo dos crimes

mais graves387

De facto ter um direito fundamental significa na sua dimensatildeo subjectiva ter uma

posiccedilatildeo forte de garantia que vincula directamente as entidades puacuteblicas no sentido de

que estas natildeo podem dispor ou intervir livremente sobre ela sem que estejam preenchidos

requisitos constitucionais escritos388 Poreacutem dada a necessidade de essas posiccedilotildees serem

compatibilizadas com outros bens a ponderaccedilatildeo dos bens em conflito parece ser o melhor

procedimento ao inveacutes de um criteacuterio all or nothing389

Neste caso quando os poderes constituiacutedos procedem agrave harmonizaccedilatildeo ou

compatibilizaccedilatildeo de bens natildeo procedem agrave mera declaraccedilatildeo de limites jaacute existentes mas

determinam de uma maneira geral constitutivamente de entre vaacuterias hipoacuteteses de soluccedilatildeo

ao seu dispor o se o como e o quanto da eventual cedecircncia (restriccedilatildeo) dos direitos

383 Silva DiasRamos 2009 29 384 Oliveira Silva 2015 617 385 ldquoA doutrina portuguesa vem aceitando a concepccedilatildeo de Dworkin e de Alexy segundo a qual o Dasein

dos princiacutepios eacute em colisatildeo com outros e o modo de dirimir essa colisatildeo eacute natildeo atraveacutes de um criteacuterio all or

nothing mas por meio de uma compatibilizaccedilatildeo ou concordacircncia praacutetica que visa aplicar todos os princiacutepios

colidentes harmonizando-os entre si na situaccedilatildeo concretardquo Cf Silva DiasRamos 2009 23 386 Neste sentido Gomes Canotilho e Vital Moreira defendem que ldquoa restriccedilatildeo de direitos fundamentais

implica necessariamente uma relaccedilatildeo de conciliaccedilatildeo com outros direitos ou interesses constitucionais e

exige necessariamente uma tarefa de ponderaccedilatildeo ou de concordacircncia praacutetica dos direitos ou interesses em

conflitordquo Cf CanotilhoMoreira 1991 134 387 Silva DiasRamos 2009 34 ldquoO grau dessa restriccedilatildeo depende da importacircncia constitucional dos direitos

ou interesses puacuteblicos colidentes mas nunca pode ir ao ponto de aniquilar o conteuacutedo essencial de qualquer

deles (v nordm 3 do artigo 18ordm da CRP)rdquo Cf Silva Dias 2010 246 388 Reis Novais 2010 570 389 Silva DiasRamos 2009 23

111

fundamentais390 Desta forma natildeo devemos falar aqui contrariamente ao defendido pela

teoria interna dos limites dos direitos fundamentais em limites imanentes Os direitos de

terceiros ou outros bens constitucionais que colidam com os direitos fundamentais natildeo

satildeo os seus limites ou seja natildeo excluem a priori qualquer exerciacutecio de direito

fundamental que eventualmente afecte esses bens O que se passa como bem defende

Jorge Reis Novais eacute que ldquotendo os direitos fundamentais uma validade condicionada agrave

cedecircncia perante valores que apresentem no caso concreto um maior peso pode

acontecer que por forccedila da sua colisatildeo com esses bens os interesses [hellip]

jusfundamentalmente protegidos tenham que cederrdquo391 Efectivamente quando um

princiacutepio direito ou garantia eacute superior a outro de acordo com criteacuterios de relevacircncia

constitucional e natildeo eacute possiacutevel na situaccedilatildeo concreta salvaguardar alguns aspectos do

princiacutepio inferior nesse caso eacute permitido o sacrifiacutecio deste uacuteltimo392

Sem embargo cumpre deixar claro que a colisatildeo dos mesmos bens num outro caso

concreto pode ser resolvida num sentido ou numa medida de restriccedilatildeo completamente

diferentes seja pela novidade das circunstacircncias envolventes seja pela diversidade das

especiacuteficas modalidades aacutereas ou recortes dos interesses e dos bens em colisatildeo

No fundo como jaacute referimos anteriormente todo o problema dos limites dos direitos

fundamentais em Estado de Direito gira em torno de duas exigecircncias de sentido

potencialmente divergente de um lado as necessidades de protecccedilatildeo privilegiada e

qualidade das liberdades individuais e de outro a satisfaccedilatildeo por parte do Estado das

necessidades de vida em comunidade politicamente organizada e em particular a

garantia dos direitos fundamentais dos outros e a realizaccedilatildeo dos bens constitucionais

433 Os limites aos limites dos direitos fundamentais

Atendendo ao facto de que o conflito entre estas duas exigecircncias resolver-se-agrave segundo

o criteacuterio da ponderaccedilatildeo atraveacutes de uma harmonizaccedilatildeo ou compatibilizaccedilatildeo de bens

cumpre agora deixar claro que esta ponderaccedilatildeo de bens na medida em que iraacute restringir

obrigatoriamente um ou ambos os direitos fundamentais teraacute de observar recorrendo agrave

terminologia germacircnica os chamados limites aos limites dos direitos fundamentais

390 Reis Novais 2010 570-571 391 Reis Novais 2010 572 Neste sentido Alexy vem defender a ideia de que a soluccedilatildeo para a colisatildeo

consiste na fixaccedilatildeo de uma relaccedilatildeo de precedecircncia condicionada entre os princiacutepios em conflito Por sua

vez a determinaccedilatildeo desta relaccedilatildeo de precedecircncia condicionada atendendo ao caso concreto passa por

indicar em que condiccedilotildees um princiacutepio tem prevalecircncia sobre o outro Cf Alexy 2008 73 392 Silva DiasRamos 2009 23-24

112

No caso portuguecircs por forccedila da aplicaccedilatildeo dos nos 2 e 3 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da

Repuacuteblica Portuguesa toda e qualquer restriccedilatildeo a direitos fundamentais nomeadamente

ao princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare teraacute de obedecer aos seguintes requisitos

a) deve estar prevista em lei formal (nordm 2 1ordf parte) b) deve ter como objectivo a

salvaguarda de outro direito ou interesse constitucionalmente protegido ( nordm 2 in fine)

c) deve obedecer ao princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo ndash adequaccedilatildeo

necessidade e proporcionalidade em sentido estrito (nordm 2 2ordf parte)393 d) natildeo deve

aniquilar o direito em causa atingindo o conteuacutedo essencial do respectivo preceito ( nordm 3

in fine)394

Aleacutem da verificaccedilatildeo destes requisitos materiais a validade das restriccedilotildees a direitos

liberdades e garantias depende ainda nos termos do nordm 3 do artigo 18ordm da Lei

Fundamental de dois requisitos formais a) deve ser geral e abstracta (nordm 3 1ordf parte) b)

e natildeo deve ter efeito retroactivo (nordm 3 2ordf parte)

Verificados estes requisitos deveraacute considerar-se juriacutedico-constitucionalmente admissiacutevel

a restriccedilatildeo daquelas garantias processuais mesmo em mateacuteria criminal

Entendimento semelhante eacute defendido pela jurisprudecircncia nacional395 O Tribunal

Constitucional no seu acoacuterdatildeo nordm 1552007 relativo agrave recolha de saliva atraveacutes de

zaragatoa bucal veio atestar que ldquo[hellip] natildeo proibindo a Constituiccedilatildeo em absoluto a

possibilidade de restriccedilatildeo legal aos direitos liberdades e garantias submete-a contudo a

muacuteltiplos e apertados pressupostos (formais e materiais) de validade Da vasta

jurisprudecircncia constitucional sobre a mateacuteria decorre em siacutentese que qualquer restriccedilatildeo

de direitos liberdades e garantias soacute eacute constitucionalmente legiacutetima se (i) for autorizada

pela Constituiccedilatildeo (artigo 18ordm nordm 2 1ordf parte) (ii) estiver suficientemente sustentada em lei

da Assembleia da Repuacuteblica ou em decreto-lei autorizado (artigo 18ordm nordm 2 1ordf parte e

393 Figueiredo DiasCosta Andrade 2009 45 Neste sentido vai tambeacutem Vacircnia Costa Ramos quando

defende a ideia de que ldquoo nemo tenetur natildeo eacute todavia um princiacutepio absoluto subtraiacutedo a ponderaccedilatildeo

Poderaacute ser limitado para protecccedilatildeo de outros direitos liberdades ou garantias da mesma natureza e segundo

criteacuterios de adequaccedilatildeo e de proporcionalidade em conformidade com o nordm 2 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo

da Repuacuteblica Portuguesardquo Cf Ramos 2010 180 394 Gomes CanotilhoMoreira 2014 388 Miranda 2006 96-97 Moniz 2009 149 Gomes Canotilho

2016 451 395 O proacuteprio Tribunal Europeu dos Direitos Humanos no caso Jalloh v Alemanha parece adoptar um

criteacuterio de ponderaccedilatildeo de bens quando afirma que ldquoPara determinar se o direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo do

queixoso foi violado o Tribunal por sua vez teraacute de considerar os seguintes factores a natureza e o grau

de coerccedilatildeo empregado para obter as provas a importacircncia do interesse puacuteblico na investigaccedilatildeo e puniccedilatildeo

da infracccedilatildeo em apreccedilo a existecircncia de garantias relevantes no processo e a utilizaccedilatildeo prevista dos meios

de prova obtidos dessa formardquo Cf Acoacuterdatildeo Jalloh v Alemanha de 11 de Julho de 2006 disponiacutevel em

httpswcdcoeintViewDocjspp=ampid=1018815ampSite=COEampdirect=true [consultado em 02022017]

113

artigo 165ordm nordm 1 aliacutenea b) (iii) visar a salvaguarda de outro direito ou interesse

constitucionalmente protegido (artigo 18ordm nordm 2 in fine) (iv) for necessaacuteria a essa

salvaguarda adequada para o efeito e proporcional a esse objectivo (artigo 18ordm nordm 2 2ordf

parte) (v) tiver caraacutecter geral e abstracto natildeo tiver efeito retroactivo e natildeo diminuir a

extensatildeo e o alcance do conteuacutedo essencial dos preceitos constitucionais (artigo 18ordm nordm

3 da Constituiccedilatildeo)rdquo396

Por sua vez o Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto tambeacutem em sede de apreciaccedilatildeo da

legitimidade do uso de zaragatoa bucal para a recolha de ADN e defendendo o recurso

ao criteacuterio da ponderaccedilatildeo de bens veio esclarecer que ldquo[hellip] natildeo existiraacute

desproporcionalidade na utilizaccedilatildeo de tais meacutetodos invasivos do corpo da pessoa (mas

natildeo lesivos da integridade fiacutesica) da sua liberdade e privacidade como uacutenico meio para

a obtenccedilatildeo de prova em situaccedilotildees (tal qual a do presente caso) de extrema gravidade dos

factos perpetrados com base numa ponderaccedilatildeo de todas as circunstacircncias a efectuar por

um juiz imparcial que natildeo tem a seu cargo ou sob o seu domiacutenio a investigaccedilatildeo do

processo [hellip]rdquo397

4331 Exigecircncia de lei formal

No que concerne ao primeiro requisito apresentado cumpre deixar claro que o princiacutepio

nemo tenetur se ipsum accusare assim como todos os direitos fundamentais soacute pode ser

restringido por lei398 Esta reserva material de lei tem duas dimensotildees principais a

primeira (dimensatildeo negativa) significa que as mateacuterias reservadas agrave lei natildeo podem ser

reguladas por outras fontes diferentes da lei a segunda (dimensatildeo positiva) significa que

deve ser a lei a estabelecer efectivamente (com suficiente grau de certeza precisatildeo e

densidade) o regime juriacutedico das mateacuterias em questatildeo399

396 Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1552007 de 2 de Marccedilo de 2007 disponiacutevel em

httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20070155html [consultado em 02022017] 397 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 10 de Dezembro de 2008 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrpnsf56a6e7121657f91e80257cda00381fdf673fcb5dc0168da6802575220056a553

OpenDocument [consultado em 02022017] Tambeacutem em sede de processos contra-ordenacionais o

Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa veio atestar que dada ldquo[hellip] a necessidade de compatibilizar os diversos direitos princiacutepios e interesses constitucionalmente protegidos caberaacute verificar se no caso dos processos

contra-ordenacionais investigados instruiacutedos e decididos pelo Instituto Nacional de Aviaccedilatildeo Civil existem

razotildees que determinem a supressatildeo ou a mera restriccedilatildeo do direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo sempre em

obediecircncia ao princiacutepio da proporcionalidade (cfr nordm 2 do artigo 18ordm da CRP)rdquo Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal

da Relaccedilatildeo de Lisboa de 17 de Abril de 2012 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrlnsf33182fc732316039802565fa00497eec849980283d233cfd802579e6004e401f

OpenDocument [consultado em 02022017] 398 Gomes Canotilho 2016 453 399 Alexandrino 2015 128

114

Este requisito constitucional das restriccedilotildees estaacute patente na problemaacutetica regra enunciada

no nordm 2 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa segundo a qual a lei soacute

pode restringir os direitos liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na

Constituiccedilatildeo Sendo que o princiacutepio nemo tenetur configura como frisaacutemos

anteriormente uma componente das garantias de defesa do arguido asseguradas no artigo

32ordm da CRP cujo objectivo uacuteltimo eacute a sua protecccedilatildeo como sujeito no processo parece

claro que nos encontramos aqui perante uma restriccedilatildeo de direitos liberdades e garantias

Sobre o sentido e a funccedilatildeo a reconhecer a essa singular claacuteusula da Lei Fundamental

portuguesa existem pelo menos trecircs grupos de orientaccedilotildees na doutrina a) as teses

defensoras da relevacircncia absoluta b) as teses defensoras da relevacircncia relativa c) e as

teses defensoras da irrelevacircncia juriacutedica

O primeiro grupo de orientaccedilotildees defendido por Vieira de Andrade pretende levar a seacuterio

a proibiccedilatildeo constante dessa regra constitucional Para este Autor o nordm 2 do referido artigo

estabelece categoricamente a figura das restriccedilotildees legislativas Assim as restriccedilotildees

nomeadamente ao princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo soacute seriam permitidas entre noacutes

nos casos e para os efeitos em que fossem expressamente previstas pelos preceitos

constitucionais relativos a esses direitos400

Uma segunda corrente doutrinaacuteria relativiza o sentido da proibiccedilatildeo fazendo-o no

entanto de formas muito distintas podendo designadamente considerar-se dois grupos

consoante persista uma ideia de resolver a dificuldade no quadro da norma ou de fugir a

essa dificuldade401 Assim a) para muitos Autores da interpretaccedilatildeo sistemaacutetica da

Constituiccedilatildeo decorreria a necessidade de admitir ao lado das restriccedilotildees expressamente

autorizadas restriccedilotildees impliacutecitas restriccedilotildees implicitamente autorizadas402 b) por outro

lado tecircm constituiacutedo exemplos de orientaccedilotildees centriacutefugas o recurso agrave figura dos limites

imanentes a priori o recurso ao nordm 2 do artigo 29ordm da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos

do Homem o recurso agrave transferecircncia de limites ou a introduccedilatildeo da distinccedilatildeo com

imediatos efeitos de regime entre restriccedilatildeo e condicionamento (limitaccedilatildeo)403

400 Vieira de Andrade 2016 271-273 401 Alexandrino 2015 131 402 Alexandrino 2006 445-448 403 Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1552007 de 2 de Marccedilo de 2007 disponiacutevel em

httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20070155html [consultado em 10022017]

115

Por fim uma terceira tese defendida por Jorge Reis Novais vem afirmar que a regra

enunciada no nordm 2 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo natildeo pode ser levada a seacuterio Estamos

com o Autor quando defende que o legislador constituinte portuguecircs proclamou (no

artigo 18ordm) uma regra que natildeo tem correspondecircncia na natureza das coisas404 pois eacute da

natureza dos direitos fundamentais que estes entrem em colisatildeo uns com os outros Em

segundo plano adianta o Autor se eacute verdade que os direitos liberdades e garantias satildeo

trunfos eles podem ser batidos por trunfos mais altos405 O Autor conclui com a defesa

de que a consagraccedilatildeo na revisatildeo constitucional de 1997 de uma liberdade geral de acccedilatildeo

abrangente tem necessariamente como contrapartida o reconhecimento da possibilidade

da sua limitaccedilatildeo da forma mais ampla possiacutevel406 Efectivamente se todas as restriccedilotildees

nomeadamente ao princiacutepio nemo tenetur tivessem de ser previstas expressamente no

texto constitucional este haveria de conter muitos milhares de artigos407

Desta forma defendemos a ideia de que uma restriccedilatildeo vaacutelida ao princiacutepio nemo tenetur

se ipsum accusare natildeo necessita de constar expressamente na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Portuguesa mas antes de ser admitida dentro da unidade desta

4332 Necessidade de salvaguarda de outro direito ou interesse

constitucionalmente protegido

O segundo requisito material para a restriccedilatildeo legiacutetima de direitos liberdades e garantias

consiste em que ela soacute se pode justificar para salvaguardar um outro direito ou interesse

constitucionalmente protegido (nordm 2 do artigo 18ordm da CRP) Este requisito significa

fundamentalmente que o sacrifiacutecio ainda que parcial de um direito fundamental natildeo

pode ser arbitraacuterio gratuito ou desmotivado408

Natildeo haacute consenso na doutrina quanto agrave necessidade de estatura constitucional do outro

direito ou interesse que justifica a restriccedilatildeo

Por um lado Gomes Canotilho e Vital Moreira defendem que eacute vedada ao legislador a

possibilidade de justificar a restriccedilatildeo de direitos liberdades e garantias por eventual

colisatildeo com outros direitos ou bens tutelados apenas a niacutevel infraconstitucional Para estes

404 Reis Novais 2010 581 e 587 405 Reis Novais 2006 52 406 Reis Novais 2010 591 407 Martinez 1992 33 408 Gomes CanotilhoMoreira 2014 391

116

Autores torna-se necessaacuterio ldquoque o interesse cuja salvaguarda se invoca para restringir

um dos direitos liberdades ou garantias tenha no texto constitucional suficiente e

adequada expressatildeordquo (vg patrimoacutenio cultural defesa nacional ordem constitucional

democraacutetica seguranccedila puacuteblica sauacutede puacuteblica entre outros)409

Por outro lado Jorge Reis Novais com quem concordamos reitera que qualquer valor

digno de protecccedilatildeo juriacutedica pode fundamentar uma restriccedilatildeo aos direitos fundamentais

uma vez que indagar do fundamento da restriccedilatildeo atraveacutes de uma distinccedilatildeo de hierarquia

meramente formal de bens pode mascarar aquilo que estaacute realmente em causa ndash saber se

os direitos fundamentais podem ser restringidos em funccedilatildeo da protecccedilatildeo de bens de

estatura infraconstitucional mas que no caso concreto apresente um valor ou peso

superior ao dos direitos fundamentais que se pretende restringir410 Defende o Autor que

mesmo direitos ou interesses natildeo consagrados na Lei Fundamental podem restringir

direitos fundamentais Seraacute ainda segundo o Autor o peso concreto e material dos

princiacutepios opostos que determinaraacute a preferecircncia relativa no caso concreto

independentemente do niacutevel constitucional ou infraconstitucional da garantia juriacutedica

que eacute soacute mais um entre os diversos factores que devem ser considerados na ponderaccedilatildeo411

4333 Princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo

Decorre do nordm 2 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa que as restriccedilotildees

aos direitos liberdades e garantias tecircm de ser necessaacuterias para a salvaguarda de outros

direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e tecircm de limitar-se ao necessaacuterio

para esse fim412 Assim para aleacutem de ter de constar em lei autorizada com caraacutecter geral

e abstracto a ordem restritiva (nomeadamente a ordem de desencriptaccedilatildeo de

smartphones) tem ainda que ser adequada ou seja apropriada aos fins que se propotildee

atingir necessaacuteria na medida em que soacute eacute admissiacutevel quando for impossiacutevel utilizar outro

meio menos oneroso e proporcional em relaccedilatildeo aos resultados obtidos413

409 Gomes CanotilhoMoreira 2014 392 410 Reis Novais 2010 602-603 411 Reis Novais 2010 604 412 Alexandrino 2015 134 413 Correia 1999a 59 Em sentido semelhante ldquoas restriccedilotildees estatildeo sujeitas ao princiacutepio da

proporcionalidade ndash soacute podem ser estabelecidas quando os fins os interesses e os valores constitucionais

soacute atraveacutes deles possam ser protegidos devem em cada caso realizar esses fins e natildeo outros e devem

corresponder agrave medida agrave justa medida tambeacutem em cada caso concretordquo Cf Miranda 2006 97 ldquoO valor

constitucional dos preceitos relativos aos direitos fundamentais soacute eacute efectivamente garantido se se exigir

que a eventual restriccedilatildeo seja adequada e justificada pela necessidade de proteger ou promover um bem

constitucionalmente valioso e soacute na proporccedilatildeo dessa necessidaderdquo Cf Vieira de Andrade 2016 287 ldquo[hellip]

117

Apesar de a Constituiccedilatildeo no seu artigo 18ordm natildeo fazer menccedilatildeo expressa agrave

proporcionalidade como paracircmetro de controlo a doutrina portuguesa fez formalmente

do princiacutepio da proporcionalidade o nuacutecleo central dos requisitos materiais exigidos agraves

restriccedilotildees de direitos fundamentais414

O texto constitucional faz ainda que implicitamente referecircncia ao princiacutepio da

proporcionalidade em sentido amplo que estabelece um limite constitucional agrave liberdade

de conformaccedilatildeo do legislador415 O princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo

constitui um verdadeiro super conceito (Oberbegriff) super conceito esse que tem sido

tradicionalmente decomposto em trecircs subprinciacutepios (corolaacuterios maacuteximas ou dimensotildees)

a) o da adequaccedilatildeo (ou idoneidade) b) o da necessidade (indispensabilidade ou do meio

menos restritivo) c) o da proporcionalidade em sentido estrito (ou da justa medida)416

O primeiro subprinciacutepio da adequaccedilatildeo ou idoneidade significa que as medidas restritivas

devem ser aptas ou idoacuteneas para realizar o fim prosseguido pela restriccedilatildeo Ou seja este

subprinciacutepio exige que a medida restritiva em causa seja considerada atraveacutes de um juiacutezo

de prognose417 apta a realizar o fim visado com a restriccedilatildeo ou contribua para o

alcanccedilar418 Para que se apure a existecircncia de inconstitucionalidade seraacute necessaacuterio que o

responsaacutevel pela restriccedilatildeo pudesse ter previsto tal inaptidatildeo no momento em que a decidiu

ou a actuou O controlo da adequaccedilatildeo acaba por ser segundo Jorge Reis Novais um

controlo ex ante incidindo sobre a prognose realizada pelos poderes puacuteblicos

responsaacuteveis pela criaccedilatildeo ou concretizaccedilatildeo da restriccedilatildeo a direitos fundamentais419 Desta

forma viola-se este corolaacuterio sempre que tendo em conta os conhecimentos empiacutericos e

cientiacuteficos disponiacuteveis no momento da aprovaccedilatildeo da medida esta se revele inapta para

atingir o fim visado seraacute naturalmente inapta se os efeitos dessa medida se revelarem

as restriccedilotildees de direitos fundamentais carecem tambeacutem de justificaccedilatildeo natildeo podendo legitimar-se senatildeo

pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e natildeo

podendo ultrapassar a medida necessaacuteria para o efeito (nordm 2 do artigo 18ordm) Eacute a consagraccedilatildeo expressa do

chamado princiacutepio da proporcionalidade que proiacutebe nomeadamente as restriccedilotildees desnecessaacuterias inaptas

ou excessivas de direitos fundamentais Os direitos fundamentais soacute podem ser restringidos quando tal se

torne indispensaacutevel e no miacutenimo necessaacuterio para salvaguardar outros direitos ou interesses

constitucionalmente protegidosrdquo Cf Gomes CanotilhoMoreira 1991 133-134 414 Reis Novais 2010 729-730 415 ldquoA Constituiccedilatildeo ao autorizar a lei a restringir direitos liberdades e garantias de forma a permitir ao

legislador a realizaccedilatildeo de uma tarefa de concordacircncia praacutetica justificada pela defesa de outros bens ou

direitos constitucionalmente protegidos impotildee uma clara vinculaccedilatildeo ao exerciacutecio dos poderes

discricionaacuterios do legisladorrdquo Cf Gomes Canotilho 2016 457 416 Alexandrino 2015 135 417 Rodrigues 2009b 216 418 Reis Novais 2010 731 419 Reis Novais 2010 739

118

indiferentes ou contraacuterios agrave realizaccedilatildeo do fim em vista420 Eacute ainda de referir que a aptidatildeo

deve ser aferida natildeo no sentido de uma exigecircncia que soacute se considera cumprida quando o

meio realiza integral ou plenamente o fim visado mas bastando-se antes com uma

aproximaccedilatildeo sensiacutevel ainda que parcelar do fim pretendido421 Relativamente aos fins

pressupotildee-se que os mesmos sejam legiacutetimos e aleacutem disso que sejam juriacutedica e

materialmente possiacuteveis

O segundo corolaacuterio da necessidade indispensabilidade ou do meio menos restritivo que

constitui sem duacutevida o teste mais complexo exigente e decisivo significa que se deve

recorrer ao meio menos restritivo para atingir o fim em vista422 Isto eacute o princiacutepio da

necessidade impotildee que se recorra para atingir esse fim ao meio necessaacuterio exigiacutevel ou

indispensaacutevel no sentido do meio mais suave ou menos restritivo que precise de ser

utilizado para atingir o fim em vista423 A indispensabilidade afere-se entatildeo pela

comparaccedilatildeo entre os prejuiacutezos provocados por esse meio e os prejuiacutezos que seriam

provocados pela utilizaccedilatildeo de um meio alternativo menos agressivo Por sua vez a

desnecessidade da agressatildeo afere-se em relaccedilatildeo aos prejuiacutezos provocados pela medida

restritiva avaliados em funccedilatildeo de criteacuterios materiais espaciais temporais ou pessoais e

tendo em conta natildeo apenas o direito fundamental directamente atingido como qualquer

outra afectaccedilatildeo desvantajosa da liberdade dos direitos fundamentais ou de outros

interesses juridicamente relevantes do mesmo titular ou de outros afectados424 O teste eacute

complexo desde logo porque eacute funccedilatildeo de muacuteltiplas variaacuteveis nomeadamente do tipo

concreto de afectaccedilatildeo da agressividade do meio da medida da eficaacutecia dos vaacuterios meios

ou da existecircncia de outros efeitos colaterais425

Por fim o terceiro e uacuteltimo subprinciacutepio o da proporcionalidade em sentido estrito ou da

justa medida visa apurar o equiliacutebrio na relaccedilatildeo entre a importacircncia do fim visado e a

gravidade do sacrifiacutecio imposto Na verdade uma medida pode ser adequada e necessaacuteria

420 Gomes Canotilho 2016 457 421 Reis Novais 2010 738 Qualquer exigecircncia de plena realizaccedilatildeo do fim seria impossiacutevel de ser atingida

pelo legislador aquando da realizaccedilatildeo da medida uma vez que natildeo haacute como saber a priori se a medida iraacute

efectivamente realizar o fim motivo pelo qual basta que a medida seja adequada para fomentar o fim 422 Alexandrino 2015 136 423 Neste sentido vai tambeacutem a jurisprudecircncia do Supremo Tribunal de Justiccedila ao afirmar que ldquoainda que

se considere a medida idoacutenea esta deve ser necessaacuteria ou seja perante medidas que oferecem idecircntica

idoneidade deve escolher-se a que ofereccedila o menor potencial de prejuiacutezo para o visado mesmo que exija

mais tempo para a sua realizaccedilatildeo obrigando a utilizar outros meios de obtenccedilatildeo de prova [hellip]rdquo Cf Acoacuterdatildeo

do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro de 2014 disponiacutevel em

httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 16022017] 424 Reis Novais 2010 741 425 Gomes Canotilho 2016 458

119

e ao mesmo tempo afectar de forma excessiva intoleraacutevel ou desproporcionada o direito

em questatildeo426 Este corolaacuterio estaacute relacionado com a ideia de pesar de sopesar de

ponderar as vantagens e desvantagens presentes num determinado cenaacuterio de restriccedilatildeo

Segundo Alexy o subprinciacutepio da proporcionalidade em sentido estrito corresponde a

uma maacutexima que pode ser designada como ldquoLei da Ponderaccedilatildeordquo Esta maacutexima defende

que quanto maior for o grau de natildeo realizaccedilatildeo ou de afectaccedilatildeo de um princiacutepio maior

deve ser a importacircncia da realizaccedilatildeo do princiacutepio colidente427 De facto aqui jaacute natildeo eacute a

ponderaccedilatildeo entre bens que estaacute em anaacutelise mas antes a medida restritiva que foi

concretamente adoptada no seguimento daquela ponderaccedilatildeo e mais precisamente o

controlo da proporcionalidade dessa medida restritiva E neste controlo de

proporcionalidade em sentido estrito aquilo que se avalia que se compara ou que se potildee

em relaccedilatildeo satildeo os sacrifiacutecios (custos) impostos ao direito fundamental contrapostos aos

benefiacutecios (vantagens) produzidos na obtenccedilatildeo do fim visado com a restriccedilatildeo428 Se a

adopccedilatildeo de uma medida restritiva adoptada introduz na ordem juriacutedica um benefiacutecio

marginal miacutenimo para o fim visado mas produz simultaneamente um acreacutescimo

significativo de sacrifiacutecio na liberdade na autonomia ou no bem-estar entatildeo a ponderaccedilatildeo

dessas grandezas com as que resultam das medidas alternativas actualmente em vigor

pode revelar uma relaccedilatildeo claramente desproporcionada e daiacute a inconstitucionalidade da

nova medida429

Por fim quanto agrave concretizaccedilatildeo jurisprudencial pode afirmar-se que o princiacutepio da

proporcionalidade em sentido amplo ou princiacutepio da proibiccedilatildeo do excesso eacute talvez o

cacircnone mais utilizado pelos tribunais portugueses O Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa chega

mesmo a afimar no seu acoacuterdatildeo de 3 de Marccedilo de 2016 que o princiacutepio da

proporcionalidade em sentido amplo configura-se ldquocomo a trave mestra de legitimaccedilatildeo

do ldquoius puniendirdquo estatal e de toda a restriccedilatildeo de direitos fundamentaisrdquo430 O douto

tribunal dissocia ainda de uma forma clara as trecircs dimensotildees do princiacutepio adequaccedilatildeo

426 Alexandrino 2015 137 427 Alexy 2014 821 428 Reis Novais 2012 128 429 Reis Novais 2012 131 430 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 3 de Marccedilo de 2016 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrlnsf33182fc732316039802565fa00497eec36f34b50b321b89980257f6f004d5fc6

OpenDocument [consultado em 16022017]

120

necessidade e proporcionalidade (stricto sensu) aplicando cada uma delas ao caso

concreto431

4334 Garantia do conteuacutedo essencial

O uacuteltimo requisito material da legitimidade das restriccedilotildees a direitos fundamentais consiste

na ideia de que existe um nuacutecleo essencial dos direitos liberdades e garantias que natildeo

pode em caso algum ser violado Mesmo nos casos em que o legislador estaacute

constitucionalmente autorizado a editar normas restritivas ele permanece vinculado agrave

salvaguarda do nuacutecleo essencial dos direitos432

Esta garantia do nuacutecleoconteuacutedo essencial dos direitos fundamentais apesar de ser uma

criaccedilatildeo especificamente alematilde encontrou um eco generalizado na doutrina e

jurisprudecircncia constitucionais de vaacuterios outros paiacuteses incluindo mesmo uma recepccedilatildeo

constitucional expressa como aconteceu entre noacutes (nordm 3 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo

da Repuacuteblica Portuguesa) Efectivamente na doutrina alematilde cuja Constituiccedilatildeo conteacutem

uma claacuteusula semelhante que inspirou a nossa aparecem dois tipos de teorias atinentes

agrave natureza do conteuacutedo essencial habitualmente designadas como teorias absolutas e

teorias relativas

Para as teorias absolutas o nuacutecleo essencial consistiria num conteuacutedo normativo

irrestringiacutevel abstractamente fixado433 Desta forma podemos afirmar que a teoria

absoluta eacute assim uma perspectiva ontoloacutegico-substancialista que entende o conteuacutedo

essencial como grandeza estaacutetica e intemporal Independentemente do interesse ou bem

que justifique a restriccedilatildeo e da importacircncia relativa da sua realizaccedilatildeo esta teoria considera

que haacute em cada direito fundamental uma zona esfera ou acircmbito nuclear intocaacutevel434

que sob pena de desnaturaccedilatildeo ou perda do seu sentido uacutetil em caso algum poderaacute ser

431 ldquoO princiacutepio da idoneidade [hellip] traduz-se na ideia de que se exige uma relaccedilatildeo de adequaccedilatildeo entre o

meio usado e o fim perseguido [hellip] o princiacutepio da necessidade e da miacutenima intervenccedilatildeo implica a

necessaacuteria utilizaccedilatildeo de outros meios menos lesivos para os direitos fundamentais quando isso se afigure

possiacutevel [hellip] o princiacutepio da proporcionalidade em sentido estrito ou da adequaccedilatildeo ao fim exige uma ponderaccedilatildeo do interesse em conflito segundo um criteacuterio de justiccedila material [hellip] implica uma ponderaccedilatildeo

entre os interesses individuais que se vatildeo constranger e os interesses que se pretendem defenderrdquo Cf

Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 3 de Marccedilo de 2016 disponiacutevel em

httpwwwdgsiptjtrlnsf33182fc732316039802565fa00497eec36f34b50b321b89980257f6f004d5fc6

OpenDocument [consultado em 16022017] 432 Gomes Canotilho 2016 458 433 Gomes Canotilho 2016 459 434 Neste sentido vai Robert Alexy ao afimar que segundo as teorias absolutas existe um nuacutecleo essencial

em todos os direitos fundamentais que em nenhum caso pode ser afectado Cf Alexy 2008 259

121

afectada435 Segundo alguns Autores o nuacutecleo essencial corresponderia agrave projecccedilatildeo da

dignidade humana em cada direito e seria afectado sempre que o indiviacuteduo se tornasse

objecto do acontecer estadual para outros significaria uma certa medida de valor social

global que teria sempre de sobrar depois da restriccedilatildeo para outros ainda seria constituiacutedo

pelos elementos tiacutepicos que conferem caraacutecter ao direito436

Por seu turno as teorias relativas reconduzem o conteuacutedo essencial aos princiacutepios da

exigibilidade e da proporcionalidade a restriccedilatildeo soacute seria legiacutetima quando (se) fosse

exigida para a realizaccedilatildeo de bens juriacutedicos que devessem ser considerados (no caso) como

mais valiosos e soacute na medida em que essa exigecircncia se imponha ao direito fundamental437

Assim natildeo eacute a gravidade ou intensidade da lesatildeo a relevacircncia da justificaccedilatildeo ou o tipo

de prejuiacutezo na liberdade que determinam por si soacute a activaccedilatildeo da garantia do nuacutecleo

essencial O que estaacute em causa eacute segundo Jorge Reis Novais a natureza da relaccedilatildeo que

se estabelece entre os bens em confronto e entre o fim prosseguido com a restriccedilatildeo e o

meio utilizado considerando-se que haacute violaccedilatildeo do conteuacutedo essencial dos direitos

fundamentais quando se verifica um excesso uma desproporcionalidade uma

desnecessidade independentemente do muito ou pouco que reste do direito fundamental

apoacutes a incidecircncia da restriccedilatildeo438 Donde facilmente se conclui que para a teoria relativa

a garantia do conteuacutedo essencial se identifica com o princiacutepio da proporcionalidade em

sentido amploproibiccedilatildeo do excesso num quadro de ponderaccedilatildeo de bens

Estamos com Gomes Canotilho e Vital Moreira que defendem uma soluccedilatildeo intermeacutedia

uma teoria mista segundo a qual a questatildeo do conteuacutedo essencial de um direito natildeo se

pode equacionar senatildeo em confronto com outro bem mas nos termos da Constituiccedilatildeo

nunca essa ponderaccedilatildeo poderaacute conduzir agrave aniquilaccedilatildeo de qualquer direito fundamental439

A garantia do conteuacutedo essencial deve servir como um ldquoplusrdquo em relaccedilatildeo ao princiacutepio da

proporcionalidade Ou como sustenta Jorge Miranda deveraacute funcionar como barreira

uacuteltima e efectiva contra o abuso do poder que natildeo pode ser violada em qualquer

hipoacutetese440

435 Reis Novais 2010 782 436 Vieira de Andrade 2016 282-283 437 Vieira de Andrade 2016 283 438 Reis Novais 2010 781 439 Gomes CanotilhoMoreira 2014 395 440 Miranda 2014 315 Nesta linha de pensamento Gomes Canotilho e Vital Moreira reiteram que a

garantia do conteuacutedo essencial eacute uma baliza uacuteltima de defesa dos direitos liberdades e garantias

delimitando um nuacutecleo que em nenhum caso deveraacute ser invadido Cf Gomes CanotilhoMoreira 2014

396

122

Em termos praacuteticos pode dizer-se que o requisito da proporcionalidade mencionado no

ponto anterior eacute uma terceira aproximaccedilatildeo (depois da exigecircncia da legalidade e da

necessidade de salvaguarda de outro direito ou interesse constitucionalmente protegido)

dado que a existecircncia de uma restriccedilatildeo arbitraacuteria desproporcionada eacute um iacutendice

relativamente seguro da ofensa do nuacutecleo essencial Sem embargo independentemente

de haver ou natildeo uma desproporcionalidade na restriccedilatildeo haacute que salvaguardar sempre a

extensatildeo do nuacutecleo essencial

Desta forma apoiamo-nos no recurso a uma teoria mista sustentada pelos Autores a um

tempo relativa e absoluta ldquorelativa porque a proacutepria delimitaccedilatildeo do nuacutecleo essencial dos

direitos liberdades e garantias tem de articular-se com a necessidade de protecccedilatildeo de

outros bens ou direitos constitucionalmente garantidos absoluta porque em uacuteltima

anaacutelise para natildeo existir aniquilaccedilatildeo do nuacutecleo essencial eacute necessaacuterio que haja sempre um

resto substancial de direito liberdade e garantia que assegure a sua utilidade

constitucionalrdquo441

O conteuacutedo inatacaacutevel dos preceitos relativos aos direitos liberdades e garantias comeccedila

assim onde acaba a possibilidade e legitimidade da sua restriccedilatildeo442

4335 Requisitos formais generalidade abstracccedilatildeo e natildeo retroactividade

Segundo o primeiro requisito formal - lei geral e abstracta - a restriccedilatildeo de um qualquer

direito fundamental deve ser aplicaacutevel a um nuacutemero indeterminado ou indeterminaacutevel de

pessoas (proibiccedilatildeo de leis individuais) e natildeo pode ter como objecto um caso concreto ou

melhor deve regular um nuacutemero indeterminado ou indeterminaacutevel de casos (proibiccedilatildeo de

leis concretas)443 Estes dois requisitos satildeo cumulativos

Note-se que natildeo basta que as leis sejam formalmente ou aparentemente gerais e

abstractas Importa que o sejam material e realmente sendo ilegiacutetimas as leis individuais

eou concretas camufladas em forma geral e abstracta444

Ainda assim apesar de natildeo estar expressamente referido Vieira de Andrade esclarece

que deve ainda considerar-se que a restriccedilatildeo ao princiacutepio nemo tenetur ou a qualquer

outro princiacutepio ldquoem funccedilatildeo da reserva de lei formal tem de apresentar uma densidade

441 Gomes CanotilhoMoreira 2014 395 442 Vieira de Andrade 2016 287 443 Gomes Canotilho 2016 454 444 Gomes CanotilhoMoreira 2014 393

123

suficiente isto eacute um certo grau de determinaccedilatildeo do seu conteuacutedo pelo menos no

essencial natildeo sendo legiacutetimo que se deixe agrave Administraccedilatildeo espaccedilos significativos de

regulaccedilatildeo ou de decisatildeo [hellip]rdquo445

O segundo requisito formal das restriccedilotildees de direitos liberdades e garantias estaacute

relacionado com o respeito pelo princiacutepio da natildeo retroactividade Desta forma qualquer

restriccedilatildeo a direitos fundamentais natildeo pode portanto aplicar-se a situaccedilotildees ou actos

passados mas antes e apenas aos verificados ou praticados apoacutes a sua entrada em vigor446

Este princiacutepio da natildeo retroactividade natildeo eacute um princiacutepio constitucional irrestritamente

vaacutelido na ordem juriacutedica portuguesa mas eacute-o sem quaisquer excepccedilotildees no que respeita

a restriccedilotildees de direitos liberdades e garantias ou de direitos anaacutelogos (nordm 3 do artigo 18ordm

e artigo 17ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblcica Portuguesa)447

A proibiccedilatildeo incide segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira sobre a chamada

retroactividade autecircntica em que as leis restritivas de direitos afectam posiccedilotildees

jusfundamentais jaacute estabelecidas no passado ou mesmo esgotadas448 Ela abrangeraacute

tambeacutem alguns casos de retrospectividade ou de retroactividade inautecircntica sempre que

as medidas legislativas se revelarem arbitraacuterias inesperadas desproporcionadas ou

afectarem posiccedilotildees jusfundamentais dos particulares de forma excessivamente gravosa e

improacutepria

A razatildeo de ser deste requisito estaacute ainda segundo o entendimento dos referidos Autores

intimamente ligada agrave ideia de protecccedilatildeo da confianccedila e da seguranccedila dos cidadatildeos

defendendo-os contra o perigo de verem atribuir aos seus actos passados ou agraves situaccedilotildees

transactas efeitos juriacutedicos com que razoavelmente natildeo podiam contar449 Por seu turno

Jorge Reis Novais defende aqui a ideia de que a proibiccedilatildeo de restriccedilotildees a direitos

fundamentais de caraacutecter retroactivo decorre do princiacutepio da protecccedilatildeo da confianccedila450

Por fim em jeito de conclusatildeo desta problemaacutetica dos limites aos limites cumpre deixar

claro que pela nossa parte natildeo rejeitamos a possibilidade de poder haver casos de

colaboraccedilatildeo do arguido Concluiacutemos pela existecircncia de uma tipicidade dos casos de

colaboraccedilatildeo do arguido mas admitimos que uma lei formal possa impor novos casos de

445 Vieira de Andrade 2016 290-291 446 Gomes CanotilhoMoreira 2014 394 447 Gomes Canotilho 2016 456 448 Gomes CanotilhoMoreira 2014 394 449 Gomes CanotilhoMoreira 2014 395 450 Reis Novais 2010 816-817

124

colaboraccedilatildeo contando que se respeitem os nos 2 e 3 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da

Repuacuteblica Portuguesa451 Assim o ponto eacute que haja uma lei formal que exija a

colaboraccedilatildeo que esta seja necessaacuteria adequada e proporcional em sentido estrito que

natildeo afecte o nuacutecleo essencial do direito fundamental restringido e que seja uma restriccedilatildeo

de caraacutecter geral abstracto e natildeo retroactivo

434 Criacuteticas ao criteacuterio de ponderaccedilatildeo de bens

Depois de analisado o criteacuterio da ponderaccedilatildeo como meacutetodo de resoluccedilatildeo de conflitos entre

direitos fundamentais cumpre agora trazer agrave colaccedilatildeo as vaacuterias criacuteticas apresentadas pela

doutrina a este criteacuterio Independemente da concordacircncia ou natildeo com esta metodologia

natildeo podem deixar de se reconhecer os perigos do recurso agrave ponderaccedilatildeo de bens neste

contexto

Considerando o entendimento de parte da doutrina diremos que os argumentos avanccedilados

contra o recurso agrave metodologia da ponderaccedilatildeo de interesses satildeo ainda que genericamente

a ausecircncia de linhas seguras que regulem ou orientem a soluccedilatildeo dos casos de direitos

fundamentais a imprevisibilidade associada a essa desregulaccedilatildeo a manipulabilidade do

meacutetodo e as consequentes ameaccedilas para uma protecccedilatildeo adequada das posiccedilotildees

jusfundamentais dos particulares protegidas pelas normas constitucionais452

No que ao princiacutepio nemo tenetur diz respeito segundo o entendimento de Sandra

Oliveira e Silva a soluccedilatildeo da ponderaccedilatildeo acaba por enfraquecer a consistecircncia da sua

tutela juriacutedica uma vez que o juiacutezo de ponderaccedilatildeo do legislador ou do aplicador natildeo eacute

balizado de forma cuidadosa por paracircmetros materiais objectivos extraiacutedos das proacuteprias

normas constitucionais453 Para a Autora agrave ponderaccedilatildeo de bens caberaacute em rigor delimitar

o acircmbito normativo de cada direito fundamental vale dizer determinar o quid protegido

pelas normas que os consagram Desta forma o recurso agrave metodologia da ponderaccedilatildeo

acabaria por gerar riscos de subjectivismo e arbitrariedade na decisatildeo passando de um

Estado-de-Direito para um Estado-de-Ponderaccedilatildeo454

A ponderaccedilatildeo eacute vista assim como um meacutetodo de esvaziamento do acircmbito de protecccedilatildeo

dos direitos fundamentais onde tudo eacute deixado em aberto agrave relativizaccedilatildeo e agrave

451 Pinto 2013 111 452 ldquo[hellip] dir-se-ia que a vantagem praacutetica da ponderaccedilatildeo de bens eacute a de que pode ser utilizada para justificar

qualquer decisatildeo tanto a admissibilidade da restriccedilatildeo como exactamente o contraacuterio a desvantagem eacute a de

que toda a gente de apercebe dissohelliprdquo Cf Reis Novais 2010 694 453 Oliveira Silva 2015 617-619 454 Oliveira Silva 2015 620

125

arbitrariedade Efectivamente segundo este entendimento o criteacuterio da ponderaccedilatildeo por

natildeo delimitar paracircmetros materiais objectivos extraiacutedos do texto da lei que permitam a

comparaccedilatildeo dos bens constitucionais em conflito e por rejeitar a existecircncia de uma ordem

constitucional de valores acaba por converter-se numa simples foacutermula vazia

insusceptiacutevel de produzir resultados seguros

Em siacutentese pela junccedilatildeo dos argumentos acima mencionados a ponderaccedilatildeo eacute altamente

criticada por pautar-se num intenso subjectivismo natildeo possuindo mecanismos de

prevenccedilatildeo ao arbiacutetrio nem tampouco consistecircncia metodoloacutegica

Da nossa parte se bem que reconhecendo a pertinecircncia das criacuteticas dirigidas agrave ponderaccedilatildeo

de bens delas natildeo nos permitimos inferir a rejeiccedilatildeo do meacutetodo mas tatildeo soacute a importacircncia

dos riscos da sua utilizaccedilatildeo De resto como grande parte dos Autores tidos como adeptos

da ponderaccedilatildeo de bens consideramos que o recurso a essa metodologia eacute inevitaacutevel na

medida em que sendo o procedimento que intuitivamente corresponde ao sentimento

comum de justiccedila na resoluccedilatildeo de conflitos de bens ou de interesses natildeo eacute possiacutevel

prescindir da sua utilizaccedilatildeo nem encontrar qualquer outro meacutetodo que o substituiacutea com

proveito sempre que se trate de determinar uma relaccedilatildeo de prevalecircncia num contexto de

colisatildeo entre direitos liberdades e garantias455 Explicaremos de seguida o porquecirc desta

nossa posiccedilatildeo atraveacutes da contestaccedilatildeo das criacuteticas apresentadas

Uma das criacuteticas apresentadas contra a ponderaccedilatildeo de bens prende-se com a ausecircncia de

criteacuterios que regulem ou orientem a soluccedilatildeo dos conflitos entre direitos fundamentais

Sem embargo e apesar de a Constituiccedilatildeo natildeo fornecer criteacuterios definidos para a resoluccedilatildeo

de cada conflito em concreto cremos que da Lei Fundamental podemos deduzir criteacuterios

e paracircmetros de valoraccedilatildeo objectivos que vinculando os resultados da ponderaccedilatildeo a

tornem verificaacutevel previsiacutevel e escrutinaacutevel e impeccedilam que esse procedimento se

converta numa decisatildeo valorativa subjectiva e irrefutaacutevel do julgador

Senatildeo leiam-se os nuacutemeros 2 e 3 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa

que consagram a necessidade de as restriccedilotildees fundamentadas essencialmente em

decisotildees de ponderaccedilatildeo de bens observarem os limites aos limites dos direitos

fundamentais aplicaacuteveis a quaisquer restriccedilotildees Desde logo de acordo com a chamada lei

da ponderaccedilatildeo de Alexy a intensidade do prejuiacutezo sofrido por um dos bens deve ser

compensada pelo peso relativo do bem que a justifica dependendo a decisatildeo de

455 Reis Novais 2010 640-641

126

prevalecircncia do alcance que venha a atingir a restriccedilatildeo que a concretiza Assim a medida

concreta do recuo ou da cedecircncia que um bem em colisatildeo tem que suportar num caso

concreto eacute condicionada pelos limites aos limites que a nossa Constituiccedilatildeo consagra

explicitamente e que de resto deveriam ser sempre observados jaacute que grosso modo

correspondem a exigecircncias que o princiacutepio do Estado de Direito coloca a quaisquer

actuaccedilotildees restritivas da liberdade456

Uma decisatildeo de ponderaccedilatildeo teraacute sempre de observar como mencionado anteriormente

os princiacutepios da reserva de lei da necessidade de salvaguarda de outro direito ou interesse

constitucionalmente protegido da proporcionalidade em sentido amplo e da protecccedilatildeo do

nuacutecleo essencial dos direitos fundamentais bem como os requisitos formais da

generalidade abstracccedilatildeo e natildeo retroactividade (nos 2 e 3 do artigo 18ordm da CRP) traccedilando

desta forma fronteiras claramente discerniacuteveis do acircmbito de protecccedilatildeo de cada direito

fundamental restringido evitando a subjectividade

Logo sendo certo que a ponderaccedilatildeo de bens natildeo pode deixar de observar estes criteacuterios

constitucionais que regem a actuaccedilatildeo dos poderes constituiacutedos no caso das situaccedilotildees de

restriccedilatildeo de direitos fundamentais aquele perigo de falta de paracircmetros materiais

objectivos para a resoluccedilatildeo de conflitos deixa de fazer sentido Natildeo haveraacute na

generalidade dos casos uma inobservacircncia ou dissoluccedilatildeo de criteacuterios constitucionais

exclusivamente pelo facto de se ter recorrido agrave metodologia da ponderaccedilatildeo de bens como

forma de solucionar a colisatildeo que envolva um direito fundamental consagrado sem

reservas457

Quanto agrave questatildeo da rejeiccedilatildeo de uma ordem constitucional de valores cumpre deixar claro

que a ponderaccedilatildeo de bens utilizada no domiacutenio das restriccedilotildees aos direitos fundamentais

raramente surge limitada agrave avaliaccedilatildeo do peso relativo de dois bens ou interesses numa

dada situaccedilatildeo antecipada ou verificada de colisatildeo Para aleacutem desse factor ela envolve

simultaneamente como jaacute tivemos oportunidade de referir em sede de anaacutelise ao princiacutepio

da proporcionalidade em sentido amplo uma valoraccedilatildeo das vantagens e desvantagens que

a restriccedilatildeo de determinado direito fundamental inevitavelmente provoca bem como a

ponderaccedilatildeo das vantagens e desvantagens de um meio alternativo menos

agressivorestritivo

456 Reis Novais 2010 723-724 457 Reis Novais 2010 696

127

Assim de nada serve para os fins em causa proceder a uma hierarquizaccedilatildeo abstracta

entre dois direitos fundamentais Para demonstrar esta desnecessidade de hierarquizaccedilatildeo

Jorge Reis Novais daacute o exemplo do conflito entre a liberdade religiosa e a sauacutede puacuteblica

quando o exerciacutecio da primeira arrasta consigo o perigo de uma propagaccedilatildeo de epidemia

Aqui o conflito em questatildeo natildeo eacute segundo o Autor entre aqueles dois bens em abstracto

mas sim entre de um lado ldquouma manifestaccedilatildeo parcelar substituiacutevel eventualmente

adiaacutevel de uma forma particular de culto religioso por parte de alguns cidadatildeos e de

outro as ameaccedilas mais ou menos remotas intensas reais ou aparentes que impendem

sobre a sauacutede de outros ou dos mesmos cidadatildeosrdquo 458 Por conseguinte mesmo que essa

hierarquizaccedilatildeo fosse constitucionalmente possiacutevel ela de nada adiantaria sobre a

prevalecircncia de um ou de outro bem uma vez que deve sempre assistir-se a uma valoraccedilatildeo

ponderada das vantagens e desvantagens da restriccedilatildeo em determinado caso concreto

Do ponto de vista da jurisprudecircncia internacional cumpre ainda deixar claro que o

proacuteprio Tribunal Europeu dos Direitos Humanos deparando-se com uma situaccedilatildeo de

restriccedilatildeo a direitos fundamentais recorre sistematicamente agrave metodologia da ponderaccedilatildeo

de bens (e natildeo apenas ao criteacuterio da dependecircnciaindependecircncia da vontade do arguido)

E tambeacutem aqui a ponderaccedilatildeo eacute necessariamente fundada sobre uma elaboraccedilatildeo

dogmaacutetica geneacuterica acerca do sentido das ldquoexigecircncias da sociedade democraacuteticardquo e natildeo

constitucionalmente preacute-determinadas por qualquer hipoteacutetica ordem de valores459

Desta feita podemos concluir que a criacutetica agrave ponderaccedilatildeo baseada na falta de paracircmetros

materiais objectivos e a resultante tentativa de criar criteacuterios riacutegidos e preacute-definidos a

priori para a resoluccedilatildeo de conflitos entre direitos fundamentais defendidas pelas

estrateacutegias absolutistas falham por culminarem em duas situaccedilotildees alternativas a) em

soluccedilotildees abstractas inadequadas natildeo realistas e ateacute pura e simplesmente inaplicaacuteveis b)

ou em contrapartida em soluccedilotildees baseadas de facto em ponderaccedilotildees mas que natildeo

sendo assumidas enquanto tal natildeo podem consequentemente ser sujeitas ao controlo e

agrave criacutetica Por este motivo somos da opiniatildeo de que nunca seraacute possiacutevel prescindir do

reconhecimento de uma margem de apreciaccedilatildeo que permita mediante procedimentos de

458 Reis Novais 2010 701 459 Reis Novais 2010 707

128

ponderaccedilatildeo e respeitando os criteacuterios impostos constitucionalmente dar resposta a um

caso concreto de conflito entre direitos fundamentais460

Por fim no que respeita agrave questatildeo da arbitrariedade na decisatildeo derivada da circunstacircncia

de ser o juiz a proceder agrave ponderaccedilatildeo de bens cumpre esclarecer que mais importante que

discutir se os tribunais podem proceder a ponderaccedilotildees eacute considerar a forma como essas

ponderaccedilotildees se devem processar num quadro de necessaacuteria garantia de previsibilidade

estabilidade e igualdade Para assegurar a reduccedilatildeo da discricionariedade judicial nos

procedimentos de ponderaccedilatildeo os juiacutezes devem atender aos criteacuterios impostos

constitucionalmente nos jaacute mencionados nos 2 e 3 do artigo 18ordm da Lei Fundamental

Desta forma o meacutetodo da ponderaccedilatildeo de bens mediante a intervenccedilatildeo de condicionantes

juriacutedico-constitucionais pode escapar a um decisionismo casuiacutestico Eacute que diz-se na

ausecircncia de criteacuterios juriacutedicos objectivos e precisos susceptiacuteveis de se imporem

vinculativamente aos procedimentos de valoraccedilatildeo e ponderaccedilatildeo de bens eacute a vontade

subjectiva do julgador que acaba por prevalecer com o inconveniente de essa prevalecircncia

se estabelecer com o sacrifiacutecio da decisatildeo de quem fora eleito para proceder agrave ponderaccedilatildeo

dos interesses subjacentes agraves colisotildees em causa461

Pelos motivos enunciados acreditamos que a ponderaccedilatildeo de bens constitui assim a

chave da soluccedilatildeo do problema das restriccedilotildees a direitos fundamentais E optando pelo

criteacuterio da ponderaccedilatildeo de bens como o meacutetodo ideal para a delimitaccedilatildeo da aacuterea de tutela

do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare resta-nos averiguar se com base neste

criteacuterio a revelaccedilatildeo da palavra-passe e a leitura da impressatildeo digital do arguido para

desencriptaccedilatildeo de smartphones estatildeo ou natildeo sob o acircmbito de protecccedilatildeo desse princiacutepio

460 Cumpre salientar neste acircmbito que o proacuteprio direito agrave vida natildeo se pode considerar isento de valoraccedilatildeo e ponderaccedilotildees no caso concreto Jorge Reis Novais daacute o exemplo do conflito entre o direito agrave vida e a

seguranccedila do Estado defendendo que apesar de o direito agrave vida ter uma preferecircncia eacutetica relativamente a

este uacuteltimo no caso concreto em que um grupo de terroristas rapta um empresaacuterio e ameaccedila com toda a

verosimilhanccedila mataacute-lo caso o Estado natildeo satisfaccedila as suas exigecircncias a soluccedilatildeo seria ou prescindir do

controlo ou aderir a um controlo de constitucionalidade essencialmente concretizado e dependente de

valoraccedilatildeo e ponderaccedilatildeo de bens Natildeo haacute segundo o Autor alternativas agrave ponderaccedilatildeo de bens que se

traduzam em acreacutescimo de racionalidade de seguranccedila juriacutedica e sobretudo de protecccedilatildeo efectiva dos

direitos fundamentais Cf Reis Novais 2010 719 461 Reis Novais 2010 697-698

129

5 Aplicabilidade do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare na

desencriptaccedilatildeo de smartphones para obtenccedilatildeo de prova em processo penal

Depois de feita a apreciaccedilatildeo dos casos jurisprudenciais de desencriptaccedilatildeo de smartphones

com o auxiacutelio do arguido nos Estados Unidos da Ameacuterica a anaacutelise sobre o acesso e

apreensatildeo dos seus conteuacutedos no ordenamento juriacutedico portuguecircs a encriptaccedilatildeo destes

dispositivos e a possibilidade de violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare

nos casos de desencriptaccedilatildeo compelida dos mesmos chegamos agrave derradeira questatildeo da

nossa investigaccedilatildeo tendo como referecircncia os casos apresentados no Capiacutetulo I e

recorrendo agrave legislaccedilatildeo doutrina e jurisprudecircncia portuguesas seriam estas

desencriptaccedilotildees de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe ou da leitura da

impressatildeo digital do arguido violadoras do princiacutepio de natildeo-autoincriminaccedilatildeo

Jaacute foi salientado diversas vezes durante o nosso estudo que o princiacutepio nemo tenetur se

ipsum accusare natildeo eacute absoluto pelo que pode ser restringido quer na sua vertente de

direito ao silecircncio do arguido quer na sua dimensatildeo de princiacutepio contra a

autoincriminaccedilatildeo A tiacutetulo de exemplo podemos chamar agrave colaccedilatildeo as restriccedilotildees a este

princiacutepio que tecircm sido assumidas pelo legislador sempre por via da intervenccedilatildeo dos

limites aos limites com previsatildeo constitucional expressa nos nos 2 e 3 do artigo 18ordm da

Lei Fundamental nomeadamente a) a obrigaccedilatildeo do arguido responder com verdade agraves

perguntas sobre a sua identidade (al b) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP) b) a

obrigatoriedade de realizar determinados exames por exemplo de alcoolemia ou de

substacircncias psicotroacutepicas ( artigos 152ordm e 153ordm do Coacutedigo da Estrada) ou exames de ADN

para fins de investigaccedilatildeo criminal (nordm 1 do artigo 8ordm da Lei nordm 52008 de 12 de Fevereiro

e artigo 172ordm do CPP)

No caso concreto de desencriptaccedilatildeo de smartphones para obtenccedilatildeo de prova em processo

penal este princiacutepio entraraacute em confronto com outros valores nomeadamente com a

persecuccedilatildeo da justiccedila e a descoberta da verdade material

Como referido anteriormente segundo o criteacuterio da ponderaccedilatildeo de bens satildeo legiacutetimas as

restriccedilotildees ao princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare que observem os seguintes

requisitos a) devem estar previstas em lei formal b) devem ter como objectivo a

salvaguarda de outro direito ou interesse constitucionalmente protegido c) devem

obedecer ao princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo ndash adequaccedilatildeo necessidade

e proporcionalidade em sentido estrito d) natildeo devem aniquilar o direito em causa

130

atingindo o conteuacutedo essencial do respectivo preceito Aleacutem da verificaccedilatildeo destes

requisitos materiais todas as restriccedilotildees ao nemo tenetur devem ainda observar dois

requisitos de ordem formal a) generalidade e abstracccedilatildeo b) natildeo retroactividade

Tendo como referecircncia os casos norte-americanos apresentados no Capiacutetulo I relativos agrave

ordem de desencriptaccedilatildeo dirigida ao arguido no sentido de revelar a sua palavra-passe ou

de permitir a leitura da sua impressatildeo digital veremos de seguida se estes criteacuterios estatildeo

ou natildeo respeitados nesses casos Por questotildees de ordem praacutetica faremos uma divisatildeo

entre o primeiro e o segundo meacutetodo de desbloqueio do dispositivo

51 Desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe

Para podermos aferir da legitimidade da ordem de desencriptaccedilatildeo de um smartphone

atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe pelo arguido cumpre analisar se esta ordem estaacute

prevista em lei formal se tem como objectivo a salvaguarda de outro direito ou interesse

constitucionalmente protegido se obedece ao princiacutepio da proporcionalidade em sentido

amplo se natildeo aniquila o nemo tenetur atingindo o seu conteuacutedo essencial e por fim se

respeita os requisitos formais (nos 2 e 3 do artigo 18ordm da CRP) Comeccedilaremos pela anaacutelise

do primeiro requisito onde indagaremos sobre a existecircncia de um comando legal que

obrigue o arguido agrave desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe

Ateacute 2009 natildeo havia nenhuma soluccedilatildeo legislativa acerca da questatildeo concreta acima

colocada No entanto como foi referido no Capiacutetulo II da presente investigaccedilatildeo em 2009

foi aprovada a Lei do Cibercrime o que nos leva a perguntar se perante esta lei se passou

a consagrar a possibilidade ndash alargada ndash de as autoridades judiciaacuterias exigirem do arguido

o fornecimento da palavra-passe do seu smartphone

Um dos meios de obtenccedilatildeo de prova previstos na Lei do Cibercrime eacute a injunccedilatildeo para

apresentaccedilatildeo ou concessatildeo do acesso a dados prevista no artigo 14ordm analisado supra

Esta norma consagra que as autoridades judiciaacuterias podem ordenar a quem tenha a

disponibilidade ou o controlo de dados informaacuteticos especiacuteficos e que se encontrem

armazenados num determinado sistema informaacutetico (vg smartphone) que os comunique

ao processo ou que permita o acesso aos mesmos Prevecirc ainda este artigo que quem natildeo

actuar segundo as imposiccedilotildees previstas pode ser punido pelo crime de desobediecircncia

previsto pelo artigo 348ordm do Coacutedigo Penal

131

Ora impotildee-se saber se esta medida pode ter por alvo o arguido jaacute que isso implicaria

uma clara opccedilatildeo do legislador em restringir o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo em

detrimento da eficaacutecia da investigaccedilatildeo criminal E como atestaacutemos em sede de acesso ao

conteuacutedo dos smartphones a resposta eacute negativa o legislador ponderou bem os interesses

e direitos aqui em conflito tomando a opccedilatildeo clara de salvaguardar o direito agrave natildeo-

autoincriminaccedilatildeo ao consagrar no nordm 5 do artigo 14ordm que a injunccedilatildeo para apresentaccedilatildeo

ou concessatildeo do acesso a dados natildeo pode ser dirigida a suspeitos ou a arguidos no

processo em que for determinada a proacutepria medida462 Desta forma fica vedada agraves

autoridades judiciaacuterias ndash atraveacutes do mecanismo do artigo 14ordm da Lei do Cibercrime - a

possibilidade de compelirem o arguido a revelar a palavra-passe do seu dispositivo

electroacutenico

Entendem-se e aplaudem-se as excepccedilotildees formuladas sendo que no que particularmente

respeita agrave protecccedilatildeo do arguido parece ser esta a uacutenica forma de natildeo impor uma

colaboraccedilatildeo deste na recolha de prova da sua eventual incriminaccedilatildeo

Ademais a jaacute mencionada aliacutenea d) do nordm 1 do artigo 61ordm do Coacutedigo de Processo Penal

referente aos direitos e deveres processuais do arguido consagra o direito ao silecircncio

deste sujeito processual enfatizando assim a possibilidade de o arguido manter em

segredo a palavra-passe que permite o acesso ao seu dispositivo electroacutenico

Desta forma podemos concluir que na legislaccedilatildeo nacional parece natildeo constar uma

norma que permita agraves autoridades judiciaacuterias compelir o arguido a revelar a palavra-passe

Contrariamente ao que acontece no ordenamento juriacutedico portuguecircs no Reino Unido a

criminalizaccedilatildeo da recusa em fornecer a palavra-passe encontra-se prevista e eacute punida

pelo artigo 53ordm da Regulation of Investigatory Powers Act 2000 (RIPA)463 sendo que a

462 NevesCorreia 2014 147-148 Tambeacutem na Holanda o Coacutedigo de Processo Penal prevecirc na secccedilatildeo 2 do

seu artigo 125K que ldquoan order can be given to provide access of a secured computer andor to decrypt

relevant datardquo Esta ordem pode ser dada a qualquer pessoa que tenha acesso agrave informaccedilatildeo necessaacuteria para

desencriptar o dispositivo agrave excepccedilatildeo do suspeito e arguido Cf Vordoglou 2016 17 Disponiacutevel em

httpsrepositoryihuedugrxmluibitstreamhandle1154414539Dissertation-Final-1104130034-

Vordogloupdfsequence=1 [consultado em 10022017] Koops 2010 607 463 Dispotildee o artigo 53ordm da RIPA sob a epiacutegrafe de ldquoFailure to comply with a noticerdquo ldquo(1) A person to

whom a section 49 notice has been given is guilty of an offence if he knowingly fails in accordance with

the notice to make the disclosure required by virtue of the giving of the notice (2) In proceedings against

any person for an offence under this section if it is shown that that person was in possession of a key to

any protected information at any time before the time of the giving of the section 49 notice that person

shall be taken for the purposes of those proceedings to have continued to be in possession of that key at all

subsequent times unless it is shown that the key was not in his possession after the giving of the notice and

before the time by which he was required to disclose it [hellip] (5) A person guilty of an offence under this

section shall be liable - (a) on conviction on indictment to imprisonment for a term not exceeding [the

132

notificaccedilatildeo para ceder qualquer palavra-passe eacute consagrada no artigo 49ordm da referida

legislaccedilatildeo464 Assim se apoacutes a notificaccedilatildeo para fornecer uma palavra-passe o arguido

optar por natildeo o fazer a puniccedilatildeo aplicaacutevel corresponde a uma pena de prisatildeo compreendida

entre 2 a 5 anos465 Atendendo ao caso concreto a eventual recusa do arguido em cumprir

a ordem de desencriptaccedilatildeo do smartphone que lhe eacute dirigida pela autoridade competente

seraacute livremente apreciada pelo tribunal466 Por outro lado se o arguido actuar em

conformidade com a ordem de desencriptaccedilatildeo tambeacutem os dados descodificados seratildeo de

uma perspectiva probatoacuteria livremente ponderados e tomados em consideraccedilatildeo na

decisatildeo a proferir467

Jaacute no ordenamento juriacutedico belga a criminalizaccedilatildeo da recusa em revelar palavras-passe

pode desencadear a aplicaccedilatildeo de uma pena de prisatildeo compreendida entre os 6 a 12 meses

ou ainda uma pena de multa De facto o juiz pode ordenar que o arguido revele a

palavra-passe do seu smartphone quando considere que a mesma eacute essencial para a

descoberta da verdade material468

appropriate maximum term] or to a fine or to both (b) on summary conviction to imprisonment for a term

not exceeding six months or to a fine not exceeding the statutory maximum or to both (5A) In subsection (5) lsquothe appropriate maximum termrsquo means - (a) in a national security case [or a child indecency case]

five years and (b) in any other case two years (5B) In subsection (5A) lsquoa national security casersquo means a

case in which the grounds specified in the notice to which the offence relates as the grounds for imposing

a disclosure requirement were or included a belief that the imposition of the requirement was necessary in

the interests of national security] [hellip]rdquo 464 Dispotildee o artigo 49ordm do RIPA sob a epiacutegrafe de ldquoNothing requiring disclosurerdquo ldquo(1) This section applies

where any protected information (a) has come into the possession of any person by means of the exercise

of a statutory power to seize detain inspect search or otherwise to interfere with documents or other

property or is likely to do so [hellip] (2) If any person with the appropriate permission under Schedule 2

believes on reasonable groundsmdash (a) that a key to the protected information is in the possession of any

person (b) that the imposition of a disclosure requirement in respect of the protected information ismdash [hellip] (ii) necessary for the purpose of securing the effective exercise or proper performance by any public

authority of any statutory power or statutory duty [hellip] the person with that permission may by notice to

the person whom he believes to have possession of the key impose a disclosure requirement in respect of

the protected information (3) A disclosure requirement in respect of any protected information is necessary

on grounds falling within this subsection if it is necessarymdash (a) in the interests of national security (b) for

the purpose of preventing or detecting crime or (c) in the interests of the economic well-being of the United

Kingdom [hellip]rdquo 465 Atwood 2015 431 466 Palfreyman 2009 362-370 Lowman 2010 3-4 Disponiacutevel em

httpswwwlowmaniocoukshareThe20Effect20of20File20and20Disk20Encryption20on

20Computer20Forensicspdf [consultado em 10022017] 467 Andrade 2014 33 468 Dispotildee o artigo 88ordm do Coacutedigo Processual Penal belga (Code DrsquoInstruction Criminelle) ldquosect 1er Lorsque

le juge dinstruction ordonne une recherche dans un systegraveme informatique ou une partie de celuici cette

recherche peut ecirctre eacutetendue vers un systegraveme informatique ou une partie de celui-ci qui se trouve dans un

autre lieu que celui ougrave la recherche est effectueacutee - si cette extension est neacutecessaire pour la manifestation

de la veacuteriteacute agrave leacutegard de linfraction qui fait lobjet de la recherche et - si dautres mesures seraient

disproportionneacutees ou sil existe un risque que sans cette extension des eacuteleacutements de preuve soient perdus

sect 2 Lextension de la recherche dans un systegraveme informatique ne peut pas exceacuteder les systegravemes

informatiques ou les parties de tels systegravemes auxquels les personnes autoriseacutees agrave utiliser le systegraveme

133

Se ateacute ao ano de 2000 nenhum paiacutes tinha legislado a criminalizaccedilatildeo ou mesmo a simples

obrigaccedilatildeo de fornecer uma palavra-passe quando tal lhe fosse ordenado desde esse ano

temos assistido ao movimento segundo o qual vaacuterios ordenamentos juriacutedicos

introduziram normas atinentes agrave desencriptaccedilatildeo de dados469

Ora atendendo ao facto de que na legislaccedilatildeo nacional natildeo podemos encontrar nenhum

comando legal que regule esta mateacuteria o julgador aplicando directamente os preceitos

constitucionais devidamente interpretados e concretizados teraacute de concluir que eacute

ilegiacutetima e violadora do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare qualquer ordem de

desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe diriga ao arguido

pelas autoridades judiciaacuterias470

De facto estamos com Vacircnia Costa Ramos quando centra a discussatildeo na existecircncia ou

inexistecircncia de uma obrigaccedilatildeo imposta por lei e na especiacutefica relaccedilatildeo que se impotildee entre

o Estado e a pessoa Segundo a Autora se sobre o cidadatildeo impende um dever especiacutefico

de submissatildeo ao controlo das autoridades (vg exames de alcoolemia substacircncias

informatique qui fait lobjet de la mesure ont speacutecifiquement accegraves sect 3 En ce qui concerne les donneacutees

recueillies par lextension de la recherche dans un systegraveme informatique qui sont utiles pour les mecircmes finaliteacutes que celles preacutevues pour la saisie les regravegles preacutevues agrave larticle 39bis sappliquent Le juge

dinstruction informe le responsable du systegraveme informatique sauf si son identiteacute ou son adresse ne peuvent

ecirctre raisonnablement retrouveacutees Lorsquil savegravere que ces donneacutees ne se trouvent pas sur le territoire du

Royaume elles peuvent seulement ecirctre copieacutees Dans ce cas le juge dinstruction par lintermeacutediaire du

ministegravere public communique sans deacutelai cette information au ministegravere de la Justice qui en informe les

autoriteacutes compeacutetentes de leacutetat concerneacute si celui-ci peut raisonnablement ecirctre deacutetermineacute sect 4 Larticle

89bis est applicable agrave lextension de la recherche dans un systegraveme informatiquerdquo Por seu turno o artordm

88quater dispotildee o seguinte ldquosect 1er Le juge dinstruction ou un officier de police judiciaire auxiliaire du

procureur du Roi deacuteleacutegueacute par lui peut ordonner aux personnes dont il presume quelles ont une

connaissance particuliegravere du systegraveme informatique qui fait lobjet de la recherche ou des services qui

permettent de proteacuteger ou de crypter des donneacutees qui sont stockeacutees traiteacutees ou transmises par un systegraveme informatique de fournir des informations sur le fonctionnement de ce systegraveme et sur la maniegravere dy acceacuteder

ou dacceacuteder aux donneacutees qui sont stockeacutees traiteacutees ou transmises par un tel systegraveme dans une forme

compreacutehensible Le juge dinstruction mentionne les circonstances propres agrave laffaire justifiant la mesure

dans une ordonnance motiveacutee quil transmet au procureur du Roi sect 2 Le juge dinstruction peut ordonner

agrave toute personne approprieacutee de mettre en fonctionnement ellemecircme le systegraveme informatique ou selon le

cas de rechercher rendre accessibles copier rendre inaccessibles ou retirer les donneacutees pertinentes qui

sont stockeacutees traiteacutees ou transmises par ce systegraveme dans la forme quil aura demandeacutee Ces personnes

sont tenues dy donner suite dans la mesure de leurs moyens Lordonnance vises agrave lalineacutea 1er ne peut

ecirctre prise agrave leacutegard de linculpeacute et agrave leacutegard des personnes viseacutees agrave larticle 156 sect 3 Celui qui refuse de

fournir la collaboration ordonneacutee aux sectsect 1er et 2 ou qui fait obstacle agrave la recherche dans le systegraveme

informatique est puni dun emprisonnement de six mois agrave un an et dune amende de vingt-six francs agrave vingt mille francs ou dune de ces peines seulement sect 4 Toute personne qui du chef de sa fonction a

connaissance de la mesure ou y precircte son concours est tenue de garder le secret Toute violation du secret

est punie conformeacutement agrave larticle 458 du Code peacutenal sect 5 LEtat est civilement responsable pour le

dommage causeacute de faccedilon non intentionnelle par les personnes requises agrave un systegraveme informatique ou aux

donneacutees qui sont stockeacutees traiteacutees ou transmises par un tel systegravemerdquo 469 Andrade 2014 35 470 Dias 2005 211 ldquo[hellip] natildeo havendo entre noacutes nenhuma norma habilitante dificilmente se poderatildeo

superar os constrangimentos processuais penais decorrentes do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare

O arguido natildeo pode ser forccedilado a contribuir para a sua proacutepria condenaccedilatildeordquo Cf Correia 2014 59

134

psicotroacutepicas ou exames de ADN) qualquer restriccedilatildeo do nemo tenetur eacute vaacutelida se pelo

contraacuterio impender unicamente um dever geneacuterico natildeo seraacute possiacutevel obrigar o arguido a

colaborar Em suma ldquoas restriccedilotildees ao nemo tenetur situam-se num campo de verificaccedilatildeo

do cumprimento de obrigaccedilotildees impostas por leirdquo471

Assim sendo cremos que do enquadramento legal portuguecircs decorre que a colaboraccedilatildeo

do arguido eacute a excepccedilatildeo (e natildeo a regra) soacute havendo colaboraccedilatildeo exigiacutevel ao arguido na

medida em que haja uma lei formal nesse sentido (que excepcione concretamente o

princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare)472

Apesar da falta de uma lei formal que regule a desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da

revelaccedilatildeo da palavra-passe por parte do arguido analisaremos ainda que sumariamente

e sob pena de tratarmos a questatildeo em maior detalhe mais agrave frente na nossa investigaccedilatildeo

os restantes requisitos

Desta feita se o primeiro requisito das restriccedilotildees a direitos fundamentais fosse

validamente preenchido atraveacutes da consagraccedilatildeo de uma lei formal que previsse a

obrigaccedilatildeo de o arguido revelar a palavra-passe do seu smartphone o segundo requisito ndash

a necessidade de a restriccedilatildeo ao nemo tenetur ter como objectivo a salvaguarda de um

outro direito ou interesse constitucionalmente protegido ndash natildeo parece levantar duacutevidas de

maior Na circunstacircncia de as autoridades judiciaacuterias forccedilarem o arguido a desencriptar o

seu smartphone atraveacutes da revelaccedilatildeo da sua palavra-passe para desta forma obterem o

acesso ao seu conteuacutedo salta agrave vista que interesse as primeiras pretendem alcanccedilar a

realizaccedilatildeo da justiccedila e a busca pela verdade material Tal interesse eacute claramente protegido

dentro da unidade da Constituiccedilatildeo impedindo assim um sacrifiacutecio arbitraacuterio gratuito e

desmotivado do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare

No que concerne agrave questatildeo de saber se as ordens de desencriptaccedilatildeo de smartphones

dirigidas aos arguidos atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe enunciadas no Capiacutetulo I

respeitam o princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo posicionamo-nos a favor

da sua clara desproporcionalidade em violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum

accusare Sem embargo sob pena de nos adiantaacutermos nesta mateacuteria remetemos para a

anaacutelise deste princiacutepio em sede de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da

impressatildeo digital do arguido

471 Ramos 2007 90 472 Pinto 2013 111

135

Queda-nos ainda referir que pela nossa parte qualquer ordem de desencriptaccedilatildeo de

smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe dirigida ao arguido natildeo respeita o

quarto e uacuteltimo requisito material das restriccedilotildees a direitos fundamentais vertido no nordm 3

do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa ndash a garantia do conteuacutedo essencial

do direito restringido Como mencionado anteriormente este requisito consagra a ideia

de que existe um nuacutecleo essencial dos direitos fundamentais que natildeo pode em caso

algum ser violado Sendo o uacuteltimo requisito material das restriccedilotildees a direitos liberdades

e garantias este pressuposto funciona como uma barreira final e efectiva contra o abuso

do poder De acordo com uma teoria mista por noacutes defendida este nuacutecleo essencial do

nemo tenetur teraacute de articular-se com a necessidade de protecccedilatildeo do interesse pela

persecuccedilatildeo da justiccedila e pela busca da verdade material sendo que natildeo poderaacute ser alvo de

uma qualquer aniquilaccedilatildeo

Nesta linha de raciociacutenio estamos com Catarina Anastaacutecio quando defende que o nuacutecleo

essencial deste princiacutepio eacute aniquilado nas situaccedilotildees em que algueacutem eacute ldquocoagido a emitir

declaraccedilotildees autoincriminatoacuterias a declarar a sua culpabilidade a admitir a sua

participaccedilatildeo numa infracccedilatildeo uma vez que tal admissatildeo a verificar-se deveraacute ser sempre

um acto totalmente livre e conscienterdquo473 Por conseguinte atendendo ao facto de que o

arguido ao acatar uma qualquer ordem de desencriptaccedilatildeo do seu smartphone atraveacutes da

revelaccedilatildeo da sua palavra-passe estaraacute a emitir declaraccedilotildees autoincriminatoacuterias outra natildeo

poderaacute ser a conclusatildeo senatildeo a de que esta medida eacute claramente violadora do requisito da

garantia do nuacutecleo essencial do direito fundamental restringido consagrado na parte final

do nordm 3 do artigo 18ordm da Lei Fundamental

Perante um caso de conflito entre dois direitos fundamentais e depois de valoradas todas

as circunstacircncias do caso concreto dever-se-aacute concluir pela prevalecircncia de um direito

sobre o outro No entanto o sacrifiacutecio deste uacuteltimo em caso algum poderaacute jusitificar a

aniquilaccedilatildeo do conteuacutedo essencial de qualquer um dos direitos

Por fim quanto aos requisitos formais das restriccedilotildees a direitos fundamentais ndash

generalidade abstracccedilatildeo e natildeo retroactividade - atendendo ao facto de que a ordem de

desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo de palavra-passe dirigida ao arguido

natildeo tem consagraccedilatildeo em lei formal deixa de ser pertinente a anaacutelise destes criteacuterios

473 Anastaacutecio 2010 217

136

Em jeito de conclusatildeo contra a revelaccedilatildeo coactiva da palavra-passe poder-se-aacute alegar o

seguinte a) natildeo estaacute prevista na lei qualquer obrigatoriedade de fornecimento da palavra-

passe por parte do arguido b) o acesso ao smartphone encriptado eacute possiacutevel atraveacutes de

tentativas de adivinhar a palavra-passe uma vez que muitos utilizadores optam por

palavras-passe faacuteceis de decifrar c) o arguido tem direito ao silecircncio de acordo com a

aliacutenea d) do nordm 1 do artigo 61ordm do Coacutedigo de Processo Penal d) a palavra-passe pode ser

considerada como incriminatoacuteria uma vez que a demonstraccedilatildeo do seu conhecimento

prova ainda que implicitamente474 determinados factos nomeadamente que o arguido

seraacute responsaacutevel pelos conteuacutedos encriptados que estejam armazenados no smartphone

porquanto ele teraacute acesso e controlo sobre os mesmos475 e) a palavra-passe pode ser ainda

incriminatoacuteria noutro sentido seraacute incriminatoacuteria de modo indirecto na medida em que

faculta o acesso a dados incriminatoacuterios476 os quais sem a colaboraccedilatildeo do arguido nunca

seriam acedidos e nunca fundamentariam por isso mesmo a sua responsabilidade

penal477

Depois de confirmada a violaccedilatildeo de acordo com ordenamento juriacutedico nacional do

princiacutepio nemo tenetur nos casos em que as autoridades judiciaacuterias dirigem ao arguido

uma ordem de desencriptaccedilatildeo do seu smartphone atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe

resta-nos apenas aferir da legitimidade da desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura

da impressatildeo digital do arguido

474 ldquo[hellip] the entry of the passphrase is testimonial because it implicity communicates facts namely that the

defendant knows the passphrase has control over the smartphone files and believes he can access the

smartphonersquos contentsrdquo Cf Pfefferkorn 2009 11 Disponiacutevel em

httpspapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=1883697ampdownload=yes [consultado em

13022017] 475 ldquo[hellip] disclosing the passphrase [hellip] implicity involves statements of fact by admitting that the evidence

exists is in the personrsquos possession or control and is authentic By entering a passphrase the person will

implicity admit the fact that he or she knows the passphrase it is within his or her control and the

passphrase is authentic in the sense that it is what the person believes the government wants In this case the act of disclosing a passphrase will lead to the inference that the contents decrypted were created and

in the control of that person which may be highly incriminating [hellip]rdquo Cf Duong 2009 349 ldquoWhen a

defendant is compelled to enter a password into his smartphone the act of decryption necessarily implies

statements of fact that could prove to be incriminatoryrdquo Cf Winkler 2014 46 476 ldquoO princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo abrange acccedilotildees verbais ou fiacutesicas capazes de contribuir para a

proacutepria condenaccedilatildeo e encurtando razotildees o arguido natildeo pode ser condicionado a contribuir para a sua

incriminaccedilatildeo atraveacutes da prestaccedilatildeo de qualquer tipo de declaraccedilotildees nomeadamente [hellip] fornecendo um

coacutedigo [hellip]rdquo Cf Haddad 2003 20-21 477 Pinto 2013 112-115

137

52 Desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do

arguido

Para aferir da legitimidade da desencriptaccedilatildeo de smartphones para a obtenccedilatildeo de prova

em processo penal atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido com base nos casos

norte-americanos anteriormente apresentados cumpre agrave semelhanccedila do que foi feito em

sede de desencriptaccedilatildeo atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe aferir se estas ordens estatildeo

previstas em lei formal se tecircm como objectivo a salvaguarda de outro direito ou interesse

constitucionalmente protegido se obedecem ao princiacutepio da proporcionalidade em

sentido amplo se natildeo aniquilam o nemo tenetur atingindo o seu conteuacutedo essencial e por

fim se respeitam os requisitos formais (nos 2 e 3 do artigo 18ordm da CRP) Comeccedilaremos

pelo primeiro requisito

Quanto agrave questatildeo da exigecircncia de lei formal vale o que ficou dito no ponto anterior

Assim a legitimidade da restriccedilatildeo ao princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare estaacute

dependente da sua consagraccedilatildeo na legislaccedilatildeo nacional (bastando que seja admitida dentro

da unidade da Constituiccedilatildeo)

Queda-nos entatildeo apurar sobre a existecircncia de uma norma que obrigue o arguido a

colocar o seu dedo no sensor do smartphone para que a leitura da sua impressatildeo digital

possibilite o acesso das autoridades judiciaacuterias ao conteuacutedo do seu dispositivo

Como ficou assente no Capiacutetulo II da nossa investigaccedilatildeo o acto de colocar o dedo no

sensor do smartphone para permitir a leitura da impressatildeo digital do arguido natildeo pode ser

considerado nem uma periacutecia nem um exame mas sim uma outra diligecircncia de prova

A aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm do Coacutedigo de Processo Penal regula que sobre o

arguido recaem em especial os deveres de ldquosujeitar-se a diligecircncias de prova e a medidas

de coacccedilatildeo e garantia patrimonial especificadas na lei e ordenadas e efectuadas por

entidade competenterdquo De facto como realccedilaacutemos anteriormente natildeo obstante a

inexistecircncia de um dever de o arguido colaborar com as autoridades tal natildeo significa que

natildeo possa haver derrogaccedilotildees ao princiacutepio nemo tenetur478 Neste caso concreto de

desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital o arguido acaba

478 Marques da Silva 2010 318

138

por constituir um meio de prova em sentido formal na medida em que o seu corpo e o

seu estado corporal podem ser objecto de diligecircncias de prova479

No que agrave jurisprudecircncia diz respeito o Supremo Tribunal de Justiccedila no seu acoacuterdatildeo nordm

142014 veio realccedilar o disposto na aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP afirmando

que ldquoo estatuto processual do arguido natildeo eacute incompatiacutevel com a sujeiccedilatildeo a diligecircncias de

prova ou meios de as obter posto que esses deveres natildeo afectem direitos fundamentais

processuais integrantes do seu direito de defesardquo480

Poderiacuteamos assim concluir que de acordo com o entendimento da doutrina citada e da

jurisprudecircncia do Supremo Tribunal de Justiccedila a desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes

da leitura da impressatildeo digital do arguido teria consagraccedilatildeo na aliacutenea d) do nordm 3 do artigo

61ordm do Coacutedigo de Processo Penal podendo o arguido ser legitimamente compelido a tal

Efectivamente o arguido tem o dever de se sujeitar a diligecircncias de prova devendo no

entanto entender-se que este dever natildeo abrange todo e qualquer tipo de prova (artigo

125ordm do CPP) mas apenas as diligecircncias de prova que estejam ldquoespecificadas na leirdquo

sendo que a desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital natildeo se

mostra como tal normativamente especificada Se todos os casos de recusa de submissatildeo

a diligecircncias de prova devessem merecer a censura tiacutepica do crime de desobediecircncia o

legislador tecirc-lo-ia previsto expressamente naquele segmento normativo (al d) do nordm 3 do

artigo 61ordm) bastando para tanto acrescentar agrave sua respectiva previsatildeo a expressatildeo ldquosob

cominaccedilatildeo de incorrer no crime de desobediecircncia em caso de recusa ou natildeo

cumprimentordquo481 Deve ainda ter-se em conta que na esteira do defendido por Germano

Marques da Silva natildeo obstante o dever de sujeiccedilatildeo a diligecircncias de prova o arguido natildeo

tem a obrigaccedilatildeo de fornecer provas que o incriminem482

O Coacutedigo de Processo Penal actualmente em vigor desde 1987 (e com as alteraccedilotildees

entretanto introduzidas) consagrou expressamente o direito ao silecircncio do arguido mas

natildeo consagrou expressamente a possibilidade de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes

da leitura da sua impressatildeo digital Pelo contraacuterio a Lei do Cibercrime de 15 de Setembro

de 2009 veio estabelecer no nordm 5 do seu artigo 14ordm que o suspeito e o arguido natildeo podem

479 Figueiredo Dias 2004 438-439 480 Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro de 2014 disponiacutevel em

httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 15022017] 481 Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro de 2014 disponiacutevel em

httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 15022017] 482 Marques da Silva 2013 76

139

ser compelidos pelas autoridades judiciaacuterias a permitir o acesso ao conteuacutedo do seu

dispositivo electroacutenico

Assim estamos com Helena Moniz quando defende no seu voto de vencida ao Acoacuterdatildeo

do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 que ldquoa submissatildeo do arguido a diligecircncias

de prova nos termos da al d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP apenas se impotildee quando

estejam ldquoespecificadas na leirdquo sem o que natildeo pode aquela restriccedilatildeo agraves garantias do

arguido ser-lhe imposta quando o arguido eacute utilizado como meio de prova contra si

proacuteprio [hellip]rdquo483

Como deixaacutemos claro no ponto anterior tambeacutem Vania Costa Ramos parece seguir este

entendimento com o qual concordamos inteiramente Segundo a Autora se sobre o

arguido impende unicamente um dever geneacuterico (vg dever de sujeiccedilatildeo a diligecircncias de

prova ndash al d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP) natildeo seraacute possiacutevel obrigar o arguido a

colaborar484 Para que se possa aqui falar de uma obrigaccedilatildeo de colaboraccedilatildeo por parte do

arguido eacute necessaacuterio que se esteja perante um dever especiacutefico de submissatildeo ao controlo

das autoridades485 como eacute o caso a tiacutetulo de exemplo dos exames de alcoolemia e

substacircncias psicotroacutepicas (artigos 152ordm e 153ordm do Coacutedigo da Estrada) e exames de ADN

para fins de investigaccedilatildeo criminal (nordm 1 do artigo 8ordm da Lei nordm 52008 de 12 de Fevereiro

e artigo 172ordm do CPP) Igualmente Vieira de Andrade vem defender a ideia de que uma

qualquer restriccedilatildeo ao princiacutepio da natildeo-autoincriminaccedilatildeo em funccedilatildeo da exigecircncia de lei

formal deve ldquo[hellip] apresentar uma densidade suficiente isto eacute um certo grau de

determinaccedilatildeo do seu conteuacutedo pelo menos no essencial natildeo sendo legiacutetimo que se deixe

agrave Administraccedilatildeo espaccedilos significativos de regulaccedilatildeo ou de decisatildeo [hellip]rdquo486

483 Voto de Vencida de Helena Moniz ao Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de

Outubro de 2014 disponiacutevel em httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 15022017] Em

sentido contraacuterio o Supremo Tribunal de Justiccedila no referido acoacuterdatildeo veio defender o entendimento de que

uma leitura e interpretaccedilatildeo restritiva da aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm do Coacutedigo de Processo Penal no

sentido de que as deligecircncias de prova necessitariam de estar ldquoespecificadas na leirdquo constituiria um golpe

profundo na investigaccedilatildeo criminal posto que salvaguardaria o arguido das diligecircncias de prova meios de

prova ou de obtenccedilatildeo de prova Cf Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro

de 2014 disponiacutevel em httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 15022017] 484 Ramos 2007 90 485 Neste sentido vai tambeacutem Catarina Andrade ao afimar em sede de desencriptaccedilatildeo de dispositivos

electroacutenicos que natildeo se pode defender a ideia de que o arguido eacute obrigado a cooperar com as autoridades

ao abrigo de um dever geneacuterico de colaboraccedilatildeo ldquoPese embora a importacircncia da descoberta da verdade

material natildeo pode o legislador permitir que a mesma opere como derrogaccedilatildeo absoluta dos princiacutepios

constitucionalmente consagrados e desenvolvidos em sede processual penal Como tal [hellip] natildeo podemos

considerar que a questatildeo controvertida se encontra resolvida atraveacutes da aplicaccedilatildeo de um dever geral de

colaboraccedilatildeo do arguido porquanto o mesmo natildeo eacute aceite pelo ordenamento juriacutedico portuguecircsrdquo Cf

Andrade 2014 29 486 Vieira de Andrade 2016 290-291

140

Assim a sujeiccedilatildeo do arguido a colocar o dedo no sensor do smartphone para permitir o

acesso ao dispositivo contra a sua vontade enquanto limitaccedilatildeo ao princiacutepio nemo tenetur

se ipsum accusare soacute deveraacute ser possiacutevel apoacutes a consagraccedilatildeo legal desse dever especiacutefico

Considerando-se que aquela limitaccedilatildeo natildeo estaacute legalmente prevista natildeo podemos

entender que possa ser ordenada pelas autoridades judiciaacuterias De facto ainda que natildeo

exista legislaccedilatildeo que preveja uma obrigaccedilatildeo de o arguido desencriptar o seu smartphone

atraveacutes da leitura da impressatildeo digital suprir esta omissatildeo legislativa atraveacutes da subversatildeo

do regime processual penal consagrado natildeo pode configurar-se como admissiacutevel O

simples facto de determinada mateacuteria natildeo se achar prevista e regulada na lei natildeo indicia

de per si a existecircncia de uma lacuna legal que careccedila de ser integrada nos termos do

disposto no artigo 10ordm do Coacutedigo Civil Na expressatildeo impressiva de Oliveira Ascensatildeo

ldquolacuna natildeo eacute tudo o que natildeo estaacute na leirdquo487

E mesmo que o julgador interprete a norma constante da aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm

como uma obrigaccedilatildeo de o arguido desencriptar o dispositivo atraveacutes da leitura da sua

impressatildeo digital resta saber se esta ordem respeita os restantes limites aos limites dos

direitos fundamentais consagrados nos nos 2 e 3 do artigo 18ordm da Lei Fundamental

Analisado que estaacute o primeiro requisito da exigecircncia de lei formal passaremos agrave

verificaccedilatildeo do segundo requisito ndash necessidade de salvaguarda de outro direito ou

interesse constitucionalmente protegido

Agrave semelhanccedila do que ficou dito no ponto anterior tambeacutem no caso concreto de uma

ordem de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital dirigida

ao arguido pelas autoridades judiciaacuterias natildeo existem duacutevidas quanto ao interesse das

uacuteltimas a persecuccedilatildeo da justiccedila e a descoberta da verdade material Interesse esse que

como jaacute enfatizaacutemos anteriormente eacute claramente protegido dentro da unidade da

Constituiccedilatildeo impedindo assim um sacrifiacutecio arbitraacuterio gratuito e desmotivado do

princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare

Passando agrave averiguaccedilatildeo do terceiro limite aos limites dos direitos fundamentais cumpre

salientar que a ordem de desencriptaccedilatildeo de smartphones agora atraveacutes da leitura da

impressatildeo digital do arguido natildeo pode dispensar o escrutiacutenio do princiacutepio da

proporcionalidade em sentido amplo ou para alguns princiacutepio da proibiccedilatildeo do excesso

Por esse motivo analisaremos de seguida se nos casos norte-americanos tendo agora

487 Ascensatildeo 1997 918

141

por base a legislaccedilatildeo nacional os corolaacuterios da adequaccedilatildeo necessidade e

proporcionalidade em sentido estrito estatildeo ou natildeo preenchidos

O subprinciacutepio da adequaccedilatildeo como vimos anteriormente exige que a ordem restritiva

em causa seja apta a realizar o fim visado com a restriccedilatildeo ou contribua para o alcanccedilar

Ora a ordem restritiva nos casos norte-americanos apresentados eacute precisamente a ordem

dada ao arguido pelas autoridades judiciaacuterias no sentido de desencriptar o seu

smarpthone atraveacutes da leitura da sua impressatildeo digital Jaacute o fim visado com essa restriccedilatildeo

prende-se com a realizaccedilatildeo da justiccedila e a busca pela verdade material

Sabendo de antematildeo que este corolaacuterio natildeo eacute devidamente cumprido sempre que a

ordem restritiva se revele inapta para atingir esse fim ou seja sempre que os efeitos dessa

medida se revelarem indiferentes ou contraacuterios agrave realizaccedilatildeo do fim em vista cumpre

perceber quais satildeo os potenciais efeitos que aquelas ordens de desencriptaccedilatildeo de

smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido podem causar

A ordem de desencriptaccedilatildeo do smartphone seja atraveacutes de que meacutetodo for eacute sempre

emitida com o propoacutesito de aceder ao conteuacutedo do dispositivo Assim as autoridades

judiciaacuterias numa tentativa de proceder agrave apreensatildeo de provas incriminatoacuterias que possam

estar armazenadas no smartphone solicitam a colaboraccedilatildeo do arguido

Ora a priori as autoridades judiciaacuterias natildeo tecircm na maioria das vezes (ou ateacute mesmo na

totalidade) conhecimentos bastantes para garantir que no smartphone estaratildeo

armazenadas provas de determinado delito Por esse motivo depois de conseguirem

aceder ao dispositivo atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido estas entidades

podem encontrar provas suficientes para relacionar o arguido ao crime em questatildeo ou

pelo contraacuterio podem encontrar apenas informaccedilotildees ficheiros e dados pessoais do

arguido que em nada o relacionem com o delito E neste uacuteltimo caso se o smartphone

natildeo contiver qualquer informaccedilatildeo pertinente para a investigaccedilatildeo do crime parece-nos

oacutebvio que o fim visado ndash a persecuccedilatildeo da justiccedila e a busca pela verdade material ndash fica

claramente comprometido No entanto ficou esclarecido anteriormente que este

subprinciacutepio da adequaccedilatildeo exige que a medida restritiva seja considerada apta a realizar

o fim visado com a restriccedilatildeo ou contribua para o alcanccedilar mas atraveacutes de um juiacutezo de

prognose Ou seja soacute poderemos falar aqui numa inconstitucionalidade desta ordem de

desencriptaccedilatildeo se tendo em conta os conhecimentos empiacutericos e cientiacuteficos disponiacuteveis

142

no momento da aprovaccedilatildeo da medida esta se revele inapta a contribuir para a persecuccedilatildeo

da justiccedila e descoberta da verdade material

Assim podemos concluir que os efeitos desta medida restritiva ao princiacutepio nemo tenetur

ndash desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido ndash

revelam-se desta forma aptos agrave realizaccedilatildeo da justiccedila e descoberta da verdade desde que

agrave data da aprovaccedilatildeo da medida e de acordo com os conhecimentos das autoridades

judiciaacuterias haja a possibilidade (ainda que reduzida) de o dispositivo conter provas

autoincriminatoacuterias

Desta feita outra natildeo poderaacute ser a conclusatildeo se natildeo a de que todas as ordens de

desencriptaccedilatildeo apresentadas no Capiacutetulo I (no caso Baust Diamond e Paytsar ndash no caso

do mandado de 9 de Maio de 2016 natildeo temos informaccedilotildees suficientes quanto agrave finalidade

da medida) respeitaram o subprinciacutepio da adequaccedilatildeo uma vez que agrave data da sua

aprovaccedilatildeo e de acordo com os conhecimentos empiacutericos disponiacuteveis na altura havia em

todos os casos a possibilidade de os dispositivos electroacutenicos armazenarem provas

incriminatoacuterias (relativas agrave ofensa agrave integridade fiacutesica ao furto e ao roubo de identidade

respectivamente)

De facto casos em que uma medida retritiva de um direito fundamental eacute declarada

inconstitucional devido agrave sua inadequaccedilatildeo satildeo raros Normalmente os meios restritivos

adoptados atingem o seu objectivo ateacute certo grau Isto eacute suficiente para superar o teste da

adequaccedilatildeo488

Completamente diferente eacute o que se passa com o segundo subprinciacutepio da

proporcionalidade em sentido amplo ou seja a necessidade Este subprinciacutepio exige que

se recorra para atingir determinado fim ao meio necessaacuterio exigiacutevel ou indispensaacutevel

no sentido do meio mais suave ou menos restritivo que precise de ser utilizado para atingir

o fim em vista Para tal eacute necessaacuterio que se faccedila a comparaccedilatildeo entre os prejuiacutezos

provocados pela desencriptaccedilatildeo compelida e os prejuiacutezos que seriam provocados pela

utilizaccedilatildeo de um meio alternativo

Como foi oportunamente referido o smartphone tem actualmente capacidade para

armazenar uma vasta quantidade de informaccedilatildeo nomeadamente agenda de contactos

informaccedilatildeo de calendaacuterio mensagens escritas registo de chamadas feitas e recebidas e-

488 Alexy 2014 820

143

mail fotografias gravaccedilotildees aacuteudio e viacutedeo mensagens de multimeacutedia mensagens

instantacircneas histoacuterico de navegaccedilatildeo na internet documentos electroacutenicos dados

relacionados com as redes sociais dados relacionados com aplicaccedilotildees informaccedilatildeo sobre

localizaccedilotildees geograacuteficas entre outras Por esse motivo compreende-se que o acesso a

este dispositivo acarreta simultaneamente o acesso a informaccedilatildeo protegida pelo direito

agrave reserva sobre a intimidade da vida privada

Com a desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido

as autoridades judiciaacuterias passam a ter domiacutenio sobre vaacuterios ficheiros electroacutenicos de

caraacutecter pessoal e iacutentimo Assim estamos aqui claramente perante natildeo soacute uma grave

violaccedilatildeo do princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo como tambeacutem uma grave violaccedilatildeo do

direito do arguido agrave reserva da intimidade da vida privada489 um direito fundamental

consagrado no texto constitucional no nordm 1 do artigo 26ordm Posto isto queda-nos perceber

se estes prejuiacutezos causados pela desencriptaccedilatildeo satildeo superiores aos prejuiacutezos que poderiam

ser provocados por um meio de obtenccedilatildeo de prova alternativo

Acreditamos independentemente do crime perpretado (vg crime de ofensa agrave integridade

fiacutesica furto roubo de identidade) que outros meios de prova e meios de obtenccedilatildeo de

prova poderiam ser menos lesivos do que a desencriptaccedilatildeo

Mesmo que as autoridades judiciaacuterias tivessem a convicccedilatildeo plena de que no smartphone

estariam armazenadas provas que relacionavam o arguido com o crime em questatildeo outros

meios alternativos como os exames as periacutecias as revistas e buscas ou as apreensotildees

seriam menos lesivos tanto em relaccedilatildeo ao princiacutepio nemo tenetur quanto ao direito agrave

reserva sobre a intimidade da vida privada do que a desencriptaccedilatildeo compelida do

dispositivo Tendo em consideraccedilatildeo o caso de David Baust apresentado no Capiacutetulo I da

presente investigaccedilatildeo vaacuterios podiam ser os meios de prova utilizados para provar a ofensa

agrave integridade fiacutesica da viacutetima de uma forma menos lesiva para os direitos fundamentais

do arguido do que a ordem de desencriptaccedilatildeo do smartphone (independentemente do

meacutetodo utilizado) Nomeadamente uma periacutecia meacutedico-legal um exame realizado ao

local do crime ou uma busca No caso de Matthew Diamond o arguido suspeito de furto

foi ordenado a desencriptar o seu smartphone atraveacutes da leitura da sua impressatildeo digital

489 Como deixaacutemos claro anteriormente a desnecessidade da agressatildeo afere-se em relaccedilatildeo aos prejuiacutezos

provocados pela medida restritiva avaliados em funccedilatildeo de criteacuterios materiais espaciais temporais ou

pessoais e tendo em conta natildeo apenas o direito fundamental directamente atingido como qualquer outra

afectaccedilatildeo desvantajosa da liberdade dos direitos fundamentais ou de outros interesses juridicamente

relevantes do mesmo titular ou de outros afectados

144

no entanto acreditamos que a recolha de imagens de viacutedeo-vigilacircncia que comprovariam

o seu envolvimento na venda das peccedilas furtadas uma busca agrave sua residecircncia e a

comparaccedilatildeo das pegadas encontradas no local com os seus sapatos seriam medidas muito

menos lesivas do seu privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo e do seu direito agrave reserva da

intimidade da vida privada Quanto ao caso Paytsar acreditamos que tambeacutem aqui uma

busca agrave sua residecircncia seria um meio de obtenccedilatildeo de prova menos lesivo e ateacute mais eficaz

para a investigaccedilatildeo do crime de roubo de identidade do que a ordem de desencriptaccedilatildeo

Por fim no caso do mandado de 9 de Maio de 2016 apesar de natildeo termos conhecimento

sobre os motivos que levaram agrave elaboraccedilatildeo do mandado acreditamos que a ordem de

desencriptaccedilatildeo eacute desnecessaacuteria e extremamente lesiva das garantias de defesa dos

proprietaacuterios dos smartphones em comparaccedilatildeo com a mera busca ao local e revista dos

sujeitos aiacute presentes

Nestes quatro casos em anaacutelise mesmo que se venha a alegar uma diferente intensidade

na prossecuccedilatildeo do fim optando por estes meios menos lesivos acreditamos que a

persecuccedilatildeo da justiccedila e a descoberta da verdade material natildeo ficariam de modo algum

prejudicadas ateacute porque os meios apresentados conduziriam ao mesmo fim a que a

desencriptaccedilatildeo do smartphone possivelmente levaria e segundo nossa opiniatildeo com uma

maior eficaacutecia

Deste modo defendemos a ideia de que o subprinciacutepio da necessidade natildeo se encontra

devidamente preenchido nos casos apresentados relativos a ordens de desencriptaccedilatildeo de

smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido

Por fim no que concerne ao corolaacuterio da proporcionalidade em sentido estrito que visa

apurar o equiliacutebrio na relaccedilatildeo entre a importacircncia do fim visado ndash realizaccedilatildeo da justiccedila e

busca pela verdade material ndash e a gravidade do sacrifiacutecio imposto ndash violaccedilatildeo do princiacutepio

nemo tenetur (e simultaneamente do direito agrave reserva sobre a vida privada) - cumpre

comparar os prejuiacutezos impostos aos direitos fundamentais contrapostos aos benefiacutecios

produzidos na obtenccedilatildeo do fim visado com a restriccedilatildeo

Este subprinciacutepio da proporcionalidade em sentido estrito corresponde como vimos agrave

maacutexima designada como ldquoLei da Ponderaccedilatildeordquo criada por Alexy Esta maacutexima defende

145

que ldquoquanto maior for o grau de natildeo realizaccedilatildeo ou de afectaccedilatildeo de um princiacutepio maior

deve ser a importacircncia da realizaccedilatildeo do princiacutepio colidenterdquo490

Sandra Oliveira e Silva vem defender que a aplicaccedilatildeo da lei da ponderaccedilatildeo agrave resoluccedilatildeo

dos conflitos entre o nemo tenetur e o interesse da perseguiccedilatildeo criminal se redunda numa

verdadeira aporia metodoloacutegica Isto porque segundo a Autora ldquoos criteacuterios

legitimadores da restriccedilatildeo do nemo tenetur no interesse da eficaacutecia da perseguiccedilatildeo

criminal (a saber a gravidade do crime investigado a indispensabilidade da prova a

fidedignidade da informaccedilatildeo que se espera obterhellip) satildeo precisamente os que tornam mais

intensa a necessidade de tutela do arguido contra a autoincriminaccedilatildeo (eacute mais grave a pena

esperada maior o efeito incriminatoacuterio da diligecircncia a realizar etc)[hellip]rdquo pelo que nunca

se poderaacute afirmar ldquo[hellip] que a um grau mais elevado de afectaccedilatildeo do direito sacrificado (a

prerrogativa contra a autoincriminaccedilatildeo) corresponde uma maior medida de realizaccedilatildeo do

interesse contraacuterio (os da investigaccedilatildeo criminal)rdquo491 Ou seja se o interesse do Estado em

obter provas autoincriminatoacuterias cresce numa relaccedilatildeo de proporcionalidade directa agrave

pretensatildeo individual do arguido em negar-lhas nunca seraacute possiacutevel atingir um ponto

oacuteptimo de equiliacutebrio que se espera da ponderaccedilatildeo como criteacuterio de delimitaccedilatildeo do acircmbito

concreto de operatividade de direitos fundamentais492 Pelo que ainda do ponto de vista

da citada Autora o criteacuterio da ponderaccedilatildeo torna-se neste caso concreto um criteacuterio fraacutegil

e subjectivo

Contudo a nossa posiccedilatildeo vai respeitosamente em sentido contraacuterio da tese defendida

por Sandra Oliveira e Silva De facto segundo nossa opiniatildeo para justificar uma

afectaccedilatildeo elevada do princiacutepio nemo tenetur eacute necessaacuterio que a realizaccedilatildeo do princiacutepio

contraacuterio neste caso a realizaccedilatildeo da justiccedila se revele de maior importacircncia

Contrariamente ao defendido por Sandra Oliveira e Silva natildeo cremos que o aumento do

interesse do Estado em obter provas autoincriminatoacuterias (dada a gravidade do crime

investigado a indispensabilidade da prova a fidedignidade da informaccedilatildeo que se espera

obter entre outros motivos) faccedila forccedilosamente aumentar a necessidade de protecccedilatildeo do

arguido contra a autoincriminaccedilatildeo (uma vez que a pena esperada eacute mais grave o efeito

incriminatoacuterio da diligecircncia a realizar eacute maior etc) Para defendermos este entendimento

490 Alexy 2014 821 491 Oliveira Silva 2015 622 492 Oliveira Silva 2015 622

146

apoiamo-nos num exemplo praacutetico do nosso ordenamento juriacutedico a sujeiccedilatildeo do arguido

ao teste de alcoolemia atraveacutes de colheita de ar expirado

Neste caso em concreto o interesse do Estado em obter provas autoincriminatoacuterias eacute

bastante elevado uma vez que a gravidade do crime (conduccedilatildeo sob o efeito de aacutelcool) eacute

consideraacutevel a prova (colheita de ar expirado) eacute indispensaacutevel para a acusaccedilatildeo e a

informaccedilatildeo recolhida atraveacutes da anaacutelise do ar expirado eacute fidedigna Ainda assim este

aumento do interesse do Estado em obter provas autoincriminatoacuterias natildeo culmina na

necessidade de uma maior protecccedilatildeo do arguido contra a autoincriminaccedilatildeo muito pelo

contraacuterio dada a gravidade do crime e do risco criado para a comunidade a restriccedilatildeo do

nemo tenetur considera-se justificada atraveacutes de um criteacuterio de ponderaccedilatildeo

Este caso acaba por demonstrar que depois de valoradas todas as circunstacircncias do caso

atraveacutes do meacutetodo de ponderaccedilatildeo de bens soacute uma maior medida de realizaccedilatildeo da justiccedila

e de busca pela verdade material (atendendo agrave gravidade do crime investigado agrave

indispensabilidade da prova agrave fidedignidade da informaccedilatildeo que se espera obter entre

outros motivos) justifica um grau mais elevado de afectaccedilatildeo do privileacutegio contra a

autoincriminaccedilatildeo

Por conseguinte a aplicaccedilatildeo da lei da ponderaccedilatildeo agrave resoluccedilatildeo dos conflitos entre o

princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare e o interesse da perseguiccedilatildeo criminal no

sentido de estabelecer o valor prevalecente eacute fundamental E afim de percebemos se as

ordens de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do

arguido apresentadas anteriormente respeitam esta lei da ponderaccedilatildeo (quanto maior for

o grau de natildeo realizaccedilatildeo ou de afectaccedilatildeo de um princiacutepio maior deve ser a importacircncia

da realizaccedilatildeo do princiacutepio colidente) cumpre esclarecer vaacuterias questotildees493

Com a desencriptaccedilatildeo do smartphone seja atraveacutes do meacutetodo da revelaccedilatildeo da palavra-

passe ou da leitura da impressatildeo digital do arguido as autoridades judiciaacuterias passam a

ter acesso e controlo sobre todo o conteacuteudo aiacute armazenado Assim como jaacute tivemos

oportunidade de mencionar para aleacutem de estar aqui em causa uma violaccedilatildeo ao princiacutepio

493 ldquoEl principio de proporcionalidad es un concepto abstracto que alude a la relacioacuten entre el fin a

alcanzar ndash prevencioacutenrepresioacuten del delito ndash y el medio empleado para ello ndash diligencia restrictiva de un

derecho fundamental Para ello se ponderan diversos elementos como la gravedad del hecho delictivo la

intensidad de la sospecha o el tipo de indicios las perspectivas de eacutexito de la medida el esfuerzo en su

realizacioacuten en relacioacuten con el resultado a obtener el perjuicio que se causa en relacioacuten con la utilidad del

resultado Tales elementos son criteacuterios orientativos para valorar la contraposicioacuten entre el intereacutes

individual que puede verse afectado por la medida y el intereacutes puacuteblico que subyace en la investigacioacuten

procesal penal valoracioacuten que habraacute de concretarse en cada casordquo Cf Winter 2010 174

147

contra a autoincriminaccedilatildeo poderatildeo levantar-se ainda questotildees relativas agrave privacidade

natildeo soacute do arguido como tambeacutem de terceiros que possam estar envolvidos nos ficheiros

gravados electronicamente no dispositivo (quer atraveacutes de comunicaccedilotildees encetadas entre

o arguido e o terceiro quer atraveacutes de fotografias tiradas ao terceiro etc)

Atendendo a esta ingerecircncia do puacuteblico no universo privado violentando direitos

constitucionalmente atribuiacutedos e protegidos a desencriptaccedilatildeo de smartphones

(independentemente do meacutetodo utilizado) deveraacute ser realizada a tiacutetulo excepcional e

obedecendo a criteacuterios mais exigentes494 Nomeadamente acreditamos que em virtude

desta intervenccedilatildeo sobre direitos fundamentais do arguido e de terceiros a ordem de

desencriptaccedilatildeo compelida de smartphones dirigida ao arguido soacute se justificaraacute em

primeiro plano mediante preacutevia autorizaccedilatildeo judicial e apenas se o crime sob

investigaccedilatildeo for de consideraacutevel gravidade Sendo que esta gravidade deve ser avaliada

no caso concreto (gravidade concreta do facto)495 Neste sentido defendemos a ideia de

que a legitimidade da desencriptaccedilatildeo de smartphones depende (aleacutem da verificaccedilatildeo de

todos os limites aos limites) da consagraccedilatildeo legal de um cataacutelogo de crimes mais graves

a que a medida deveraacute obedecer agrave semelhanccedila do que acontece em sede de escutas

telefoacutenicas496

Ademais deve ter-se ainda em conta em sede de anaacutelise da proporcionalidade em sentido

estrito que qualquer ordem de desencriptaccedilatildeo de smartphone dirigida ao arguido culmina

na obtenccedilatildeo de ficheiros electroacutenicos criados mesmo antes da suspeita do crime pelo que

novamente surgem questotildees relativas natildeo soacute agrave autoincriminaccedilatildeo do arguido (no sentido

de que se poderatildeo encontrar provas de outros crimes ainda natildeo conhecidos pelas

autoridades judiciaacuterias) como tambeacutem agrave reserva da intimidade da vida privada do arguido

e de possiacuteveis terceiros que devem ser levadas em conta quando em confronto com o

interesse na persecuccedilatildeo da justiccedila

Eacute ainda de ressalvar que tanto no caso Paytsar Bkhchadzhyan como no caso do mandado

de 9 de Maio de 2016 as autoridades judiciaacuterias parecem ter emitido ordens de

desencriptaccedilatildeo dos smartphones atraveacutes da leitura das impressotildees digitais dos supostos

proprietaacuterios com a intenccedilatildeo de realizarem autecircnticas ldquofishing expeditionsrdquo

indiscriminadas em busca de qualquer tipo de prova autoincriminatoacuteria revelante sobre

494 Santos 2009 108 495 Rogall 2010 125 496 Susano 2009 24 Jesus 2015 291 Rodrigues 2009b 215-216

148

qualquer crime Esta questatildeo eacute claramente outro ponto a ter em atenccedilatildeo aquando da

anaacutelise da proporcionalidade da medida sendo que o recurso a estas ldquofishing expeditionsrdquo

estaacute completamente interdito agraves autoridades judiciaacuterias

Um outro ponto a chamar agrave colaccedilatildeo no acircmbito da anaacutelise da proporcionalidade (stricto

sensu) destas ordens de desencriptaccedilatildeo prende-se com o facto de a impressatildeo digital jaacute

natildeo poder ser vista como o tradicional meio de identificaccedilatildeo de sujeitos

A impressatildeo digital tem sido considerada ao longo do tempo como um meio de

identificaccedilatildeo tal como uma fotografia No entanto agrave medida que a tecnologia avanccedila a

impressatildeo digital (assim como outros identificadores biomeacutetricos) deixa de ter esse

propoacutesito singular passando a ser usada para guardar informaccedilatildeo possivelmente mais

privada do que a proacutepria identidade do indiviacuteduo497 Como bem salienta Alex Abdo natildeo

estamos aqui perante a recolha de uma impressatildeo digital para identificar um sujeito mas

sim perante uma impressatildeo digital que eacute usada para proteger uma quantidade consideraacutevel

de informaccedilatildeo privada498 Assim a impressatildeo digital deve ser vista como algo privado e

digno de protecccedilatildeo (tal como a palavra-passe) contrariamente a uma fotografia que

facilmente pode ser obtida pelo puacuteblico

Eacute da nossa opiniatildeo que no caso de encriptaccedilatildeo de smartphones por impressatildeo digital este

dado biomeacutetrico funciona como uma substituiccedilatildeo da tradicional palavra-passe

alfanumeacuterica ou por outras palavras como uma palavra-passe secundaacuteria Prova disso eacute

o facto de a impressatildeo digital ficar registada no dispositivo apenas pela sua representaccedilatildeo

matemaacutetica ou seja por um longo nuacutemero composto por 50 a 100 diacutegitos designado de

biometric hash

Por fim cabe ainda clarificar que a erroacutenea interpretaccedilatildeo da impressatildeo digital como um

mero meio de identificaccedilatildeo conduz-nos ao problema da instrumentalizaccedilatildeo do corpo do

arguido499 que compelido a colocar o dedo no sensor do seu dispositivo para permitir o

acesso agraves entidades judiciaacuterias estaraacute a usaacute-lo como meio de prova contra si proacuteprio500

incorrendo desta forma numa clara violaccedilatildeo do princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo

497 Goldman 2015 230 498 ldquoThis is not law enforcement requesting a fingerprint to identifying someone this is a fingerprint that is

being used to open up a treasure trove of informationrdquo Cf Spring 2016 2 Disponiacutevel em

httpsthreatpostcomexperts-outraged-by-warrant-demanding-fingerprints-to-unlock-

smartphones121348 [consultado em 21022017] 499 Girotto 2009 455 500 Dias 2005 209

149

Depois de sopesadas todas as questotildees assinaladas cumpre deixar claro que todas as

ordens de desencriptaccedilatildeo apresentadas anteriormente (no caso Baust Diamond e Paystar

- no caso do mandado de 9 de Maio de 2016 natildeo temos informaccedilotildees suficientes quanto agrave

finalidade da medida) satildeo adequadas a atingir o fim na medida em que segundo um juiacutezo

de prognose o acesso aos smartphones permitiria (possivelmente) aceder a provas

incriminatoacuterias natildeo satildeo necessaacuterias pressupondo que a entidade puacuteblica dispunha de

medidas alternativas menos restritivas com idecircntico grau (ou ateacute mesmo superior) de

eficaacutecia na obtenccedilatildeo do mesmo fim finalmente face aos dados dos casos apresentados

no Capiacutetulo I as ordens de desencriptaccedilatildeo mostram-se como manifestamente

desproporcionadas por vaacuterios motivos a) em alguns casos foram usadas como autecircnticas

ldquofishing expeditionsrdquo indiscriminadas b) a gravidade de alguns crimes a

dispensabilidade da prova e a fidedignidade da mesma (natildeo raras vezes as provas

utilizadas satildeo fotografias ou gravaccedilotildees de viacutedeo que facilmente satildeo adulteradas) natildeo

justificavam uma lesatildeo tatildeo extensa do princiacutepio nemo tenetur c) dada a ingerecircncia do

puacuteblico na esfera privada do arguido natildeo soacute estariam prejudicadas as suas garantias de

defesa como tambeacutem o respeito pela sua reserva da intimidade da vida privada e de

terceiros Pelo que em resultado as ordens de desencriptaccedilatildeo apresentadas no Capiacutetulo I

ndash independentemente do meacutetodo utilizado - seriam consideradas inconstitucionais

Em jeito de conclusatildeo da anaacutelise do princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo

podemos entatildeo afirmar que as referidas ordens de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes

da leitura da impressatildeo digital do arguido (valendo o que foi dito para a desencriptaccedilatildeo

de smartphones atraveacutes da palavra-passe) introduzem na ordem juriacutedica um benefiacutecio

marginal consideraacutevel para o fim visado mas produzem simultaneamente um acreacutescimo

significativo de sacrifiacutecios nas garantias de defesa do arguido e na garantia da reserva da

intimidade da sua vida privada e de terceiros resultando na desproporcionalidade da

relaccedilatildeo entre benefiacutecios e sacrifiacutecios e consequentemente na inconstitucionalidade da

medida adoptada pelas entidades judiciaacuterias

Quanto ao requisito da garantia do conteuacutedo essencial do direito restringido queda-nos

referir que pela nossa parte a ordem de desencriptaccedilatildeo de smartphone atraveacutes da leitura

da impressatildeo digital arguido respeita este quarto e uacuteltimo requisito material das restriccedilotildees

a direitos fundamentais Sendo que o nuacutecleo essencial do princiacutepio nemo tenetur se ipsum

accusare eacute aniquilado apenas nas situaccedilotildees em que algueacutem eacute ldquocoagido a emitir

declaraccedilotildees autoincriminatoacuterias a declarar a sua culpabilidade a admitir a sua

150

participaccedilatildeo numa infracccedilatildeo [hellip]rdquo501 e atendendo ao facto de que a desencriptaccedilatildeo do

smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido somente implica a

colocaccedilatildeo do dedo do arguido no sensor do dispositivo podemos afirmar que neste caso

em concreto o nuacutecleo essencial do nemo tenetur natildeo eacute atingido nem tatildeo pouco aniquilado

Ainda assim importa natildeo esquecer que este requisito funciona apenas como um ldquoplusrdquo

em relaccedilatildeo aos restantes limites atraacutes enunciados ou seja funciona como barreira uacuteltima

e efectiva de garantia dos direitos fundamentais caso os restantes requisitos tenham sido

previamente preenchidos (o que natildeo se verifica)

Por fim resta perceber se a norma constante da aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm do Coacutedigo

de Processo Penal mesmo que interpretada contrariamente ao nosso entendimento como

uma obrigaccedilatildeo de o arguido desencriptar o dispositivo atraveacutes da leitura da sua impressatildeo

digital respeita os requisitos formais impostos pelo artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da

Repuacuteblica Portuguesa Ora esta norma ao estipular que recaem em especial sobre o

arguido os deveres de ldquosujeitar-se a diligecircncias de prova [hellip] especificadas na lei e

ordenadas e efectuadas por entidade competenterdquo cumpre os requisitos da generalidade

abstracccedilatildeo e natildeo retroactividade Isto porque eacute aplicaacutevel a um nuacutemero indeterminado de

pessoas regula um nuacutemero indeterminado de casos e natildeo se aplica a situaccedilotildees ou actos

passados mas sim a desencriptaccedilotildees futuras

Por tudo o que foi dito ateacute entatildeo relativamente agrave verificaccedilatildeo dos limites aos limites nas

ordens de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do

arguido apresentados no Capiacutetulo I acreditamos que podemos concluir pela sua

ilegitimidade caso fossem aprovadas em territoacuterio nacional Desde logo pela ausecircncia de

lei preacutevia e expressa uma vez que como vimos inexiste qualquer disposiccedilatildeo legal que

obrigue especificamente o arguido a desencriptar o seu dispositivo Depois porque agrave luz

dos subprinciacutepios da adequaccedilatildeo necessidade e proporcionalidade em sentido estrito a

legitimidade daquela ordem sempre se revelaria desproporcionada uma vez que como

afirmaacutemos estes corolaacuterios natildeo seriam devidamente respeitados

6 Conclusotildees intermeacutedias

Percorremos um longo caminho para chegar agrave conclusatildeo de que tanto as ordens de

desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe quanto as ordens

de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido satildeo

501 Anastaacutecio 2010 217

151

nos casos concretos apresentados ilegiacutetimas por violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se

ipsum accusare Na verdade somos levados a crer que contrariamente ao defendido na

jurisprudecircncia e doutrina norte-americanas natildeo se justifica a necessidade de um

tratamento diacutespar entre os dois meacutetodos de desencriptaccedilatildeo palavra-passe e impressatildeo

digital Da nossa parte acreditamos ser incoerente a distinccedilatildeo entre um e outro meacutetodo

isto porque permitir por um lado a coacccedilatildeo de um arguido a fornecer a sua ldquopalavra-

passerdquo na forma de uma impressatildeo digital mas por outro proteger o arguido de ser

compelido a revelar a sua palavra-passe alfanumeacuterica acaba por criar uma distinccedilatildeo

arbitraacuteria que ignora completamente o propoacutesito do princiacutepio nemo tenetur se ipsum

accusare502

Prova desta indistinccedilatildeo entre a desencriptaccedilatildeo atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe e a

desencriptaccedilatildeo atraveacutes da leitura da impressatildeo digital eacute o jaacute mencionado artigo 14ordm da

Lei do Cibercrime que parece tratar a desencriptaccedilatildeo como um todo503 O referido artigo

ao consagrar que ldquose no decurso do processo se tornar necessaacuterio agrave produccedilatildeo de prova

tendo em vista a descoberta da verdade obter dados informaacuteticos especiacuteficos e

determinados armazenados num determinado sistema informaacutetico a autoridade

judiciaacuteria competente ordena a quem tenha disponibilidade ou controlo desses dados que

os comunique ao processo ou permita o acesso aos mesmos sob pena de puniccedilatildeo por

desobediecircnciardquo natildeo faz distinccedilatildeo entre os meacutetodos de acesso nomeadamente de acesso

ao smartphone

A ratio do artigo 14ordm da Lei do Cibercrime designadamente do seu nordm 5 eacute a de proibir

toda e qualquer concessatildeo de acesso ao dispositivo electroacutenico (vg smartphone) por parte

do suspeito ou arguido sem nunca fazer menccedilatildeo ao meacutetodo utilizado no acesso Assim

retiramos da leitura deste preceito que o legislador quis simplesmente proteger a

concessatildeo de acesso aos dados armazenados no sistema informaacutetico seja atraveacutes da

desencriptaccedilatildeo por palavra-passe seja atraveacutes da desencriptaccedilatildeo por leitura da impressatildeo

digital tratando estes dois meacutetodos como iguais

Desta forma se a revelaccedilatildeo da palavra-passe estaacute protegida pelo nemo tenetur por se

entender que o arguido tem o direito ao silecircncio sempre que lhe sejam dirigidas perguntas

cuja resposta possa culminar na sua incriminaccedilatildeo tambeacutem a desencriptaccedilatildeo do

smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital deveraacute seguir o mesmo entendimento

502 Larkin 2012 270 503 Fakhoury 2012 86

152

uma vez que o resultado seraacute o mesmo num e noutro meacutetodo facultar o acesso ao

dispositivo encriptado onde potencialmente estaratildeo armazenadas provas incriminatoacuterias

Ainda no acircmbito da indistinccedilatildeo entre os meacutetodos de desencriptaccedilatildeo cumpre esclarecer

que tal como foi mencionado em sede de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da

revelaccedilatildeo da palavra-passe tambeacutem a impressatildeo digital pode ser considerada como

incriminatoacuteria uma vez que o acto de fornecer acesso a um smartphone encriptado agraves

entidades judiciaacuterias indica conhecimento e posse sobre todos os ficheiros e documentos

que aiacute estejam armazenados504 Neste sentido reiteramos a ideia de que determinadas

condutas e gestos podem ser consideradas incriminatoacuterias desde que estas por sua vez

revelem factos pensamentos crenccedilas eou conhecimento de factos

Apenas quem tenha registado a sua impressatildeo digital no smartphone pode ter acesso a

ele Por esse motivo se a impressatildeo digital do arguido permitir o acesso ao smartphone

fica implicitamente provado que o arguido seraacute responsaacutevel pelos conteuacutedos encriptados

que estejam armazenados no dispositivo porquanto ele teraacute acesso e controlo sobre os

mesmos505 Neste sentido na doutrina norte-americana Susan Brenner vem tambeacutem

reiterar a ideia de que o arguido ao pressionar o botatildeo do seu smartphone com o seu dedo

desencriptando-o estaacute a autenticar todos os dados que aiacute estaratildeo armazenados506

A impressatildeo digital acaba por funcionar aqui como uma linguagem corporal com

intenccedilatildeo comunicativa507 ou se preferirmos como um acto que importa uma declaraccedilatildeo

autoincriminatoacuteria taacutecita508

Em suma segundo o nosso entendimento apesar de nos casos em anaacutelise termos

concluiacutedo pela ilegitimidade das ordens de desencriptaccedilatildeo quer atraveacutes da revelaccedilatildeo da

palavra-passe quer atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido natildeo rejeitamos a

504 Goldman 2015 224 505 ldquoA fingerprint does more than provide access It could be use to authenticate identity but it is clearly a

means to identify its ownerrdquo Cf SaintGermain 2014a 29 Disponiacutevel em

httpspapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=2367479 [consultado em 20022017] ldquo[hellip]

biometric authentication may communicate an implicit factual assertion that the accused owns the smartphone or laptop and the data thereinrdquo Cf Sales 2014 228 ldquoDecryption would also require him to

admit to possessing the files controlling the files being able to access the files and being able to decrypt

the devicerdquo Cf Jarone 2015 787 Neste sentido cf Keenan 2016 4 Colarusso 2011 135 506 A Autora vai mais longe e afirma que ldquoby showing you opened the phone you showed that you have

control over it Itrsquos the same as if you went home and pulled out paper documents ndash you produced itrdquo Cf

HamiltonWinton 2016 1 Disponiacutevel em httpwwwlatimescomlocalcaliforniala-me-iphones-

fingerprints-20160430-storyhtml [consultado em 21022017] 507 Oliveira Silva 2015 269 508 Garrett 2007 21

153

possibilidade de poder haver casos de colaboraccedilatildeo do arguido Concluiacutemos pela

existecircncia de uma tipicidade dos casos de colaboraccedilatildeo do arguido mas admitimos que

uma lei formal possa impor novos casos de colaboraccedilatildeo (independentemente do meacutetodo

de desencriptaccedilatildeo) contando que se respeitem os nos 2 e 3 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo

da Repuacuteblica Portuguesa509 Assim como reiteraacutemos anteriormente o ponto eacute que haja

uma lei formal que exija a colaboraccedilatildeo que se salvaguarde um outro direito ou interesse

constitucionalmente protegido que esta seja necessaacuteria adequada e proporcional em

sentido estrito que natildeo afecte o nuacutecleo essencial do direito fundamental restringido510 e

que seja uma restriccedilatildeo de caraacutecter geral abstracto e natildeo retroactivo

Chegados a este ponto e depois de esclarecida a questatildeo da violaccedilatildeo do privileacutegio de natildeo-

autoincriminaccedilatildeo nos casos de desencriptaccedilatildeo de smartphones apresentados no Capiacutetulo

I resta-nos apenas indagar sobre a possibilidade de as entidades judiciaacuterias ainda assim

compelirem o arguido a desencriptar o seu dispositivo ganhando acesso a todos os dados

aiacute armazenados Neste caso que tratamento se deveraacute dar a estas provas recolhidas em

violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare

509 Pinto 2013 111 510 Cumpre esclarecer que no caso de aprovaccedilatildeo de uma ordem de desencriptaccedilatildeo atraveacutes da revelaccedilatildeo da

palavra-passe dirigida arguido dificilmente se ultrapassaraacute este uacuteltimo requisito material da garantia do

nuacutecleo essencial do nemo tenetur mesmo depois da verificaccedilatildeo dos restantes requisitos

154

155

CAPIacuteTULO V ndash A RECOLHA DE PROVAS EM VIOLACcedilAtildeO DO PRINCIacutePIO DE

NAtildeO-AUTOINCRIMINACcedilAtildeO

Como corolaacuterio loacutegico dos direitos de acccedilatildeo e de defesa as partes tecircm o direito de

introduzir provas no processo com as quais pretendam demonstrar a veracidade das suas

alegaccedilotildees511 Nas palavras de Germano Marques da Silva o direito agrave prova eacute ldquoa faculdade

que tecircm os sujeitos processuais de participar activamente na produccedilatildeo da prova quer

requerendo a sua admissatildeo no processo quer participando na sua produccedilatildeordquo512

No entanto tal como todos os outros direitos este tambeacutem natildeo seraacute um direito absoluto

ou seja haacute limites para a admissatildeo e produccedilatildeo de prova Neste sentido Elizabeth Queijo

atesta que ldquose natildeo houvesse limitaccedilotildees ao direito agrave prova todo e qualquer material

probatoacuterio mesmo que produzido agrave custa de violaccedilotildees a direitos poderia ser introduzido

no processo e valorado o que conduziria agrave adopccedilatildeo de um modelo de processo autoritaacuterio

e distante da eacuteticardquo513

Assim sendo o nosso Coacutedigo de Processo Penal consagra no seu artigo 125ordm o princiacutepio

da legalidade da prova ndash ldquosatildeo admissiacuteveis as provas que natildeo forem proibidas por leirdquo Ao

proibir a utilizaccedilatildeo de certos meios probatoacuterios quis o legislador delimitar

(negativamente) o elenco das provas admitidas em processo penal A foacutermula adoptada

no artigo 125ordm tem aqui o sentido de que natildeo satildeo apenas admitidos os meios probatoacuterios

tipificados mas tambeacutem todos os meios de prova que natildeo forem proibidos mesmo sendo

atiacutepicos514 Daqui resulta que para a aquisiccedilatildeo de informaccedilatildeo probatoacuteria necessaacuteria pode

o julgador socorrer-se dos meios tipificados as chamadas provas tiacutepicas (testemunhos

documentos periacutecias etc) Mais eacute-lhe reconhecida em princiacutepio a liberdade de escolher

indiferentemente qualquer dessas fontes tipificadas de conhecimento seja qual for a

natureza da factualidade a provar515

511 Ristori 2007 163 512 Marques da Silva 2011 116 513 Queijo 2012 374 514 Oliveira Silva 2011 560 Neste sentido escreve tambeacutem Germano Marques da Silva ldquoproibindo a

utilizaccedilatildeo de certos meios de prova a norma consagra tambeacutem [hellip] a liberdade da prova no sentido de

serem admissiacuteveis para a prova de quaisquer factos todos os meios de prova admitidos em direito ou seja

que natildeo sejam proibidos mesmo sendo atiacutepicosrdquo Cf Marques da Silva 2011 136-137 515 Oliveira Silva 2011 561

156

Natildeo obstante esta liberdade a realizaccedilatildeo da justiccedila e a busca pela verdade material agrave

semelhanccedila do direito agrave prova e apesar de serem valores constitucionais516 natildeo satildeo

valores absolutos que possam ser perseguidos por qualquer forma517 Esta verdade natildeo eacute

uma verdade absoluta ou ontoloacutegica mas uma verdade judicial que deve ser procurada e

obtida atraveacutes dos meios legalmente admissiacuteveis518

1 As proibiccedilotildees de prova

Um dos meios de que a lei se serve para protegendo os cidadatildeos impedir as praacuteticas

abusivas na produccedilatildeo de prova eacute atraveacutes do estabelecimento de proibiccedilotildees de prova A

este propoacutesito escreve Costa Andrade ldquoComo Goumlssel acentua as proibiccedilotildees de prova

satildeo laquobarreiras colocadas agrave determinaccedilatildeo dos factos que constituem objecto do processoraquo

Mais do que a modalidade do seu enunciado o que define a proibiccedilatildeo de prova eacute a

prescriccedilatildeo de um limite agrave descoberta da verdade Normalmente formulada como

proibiccedilatildeo a proibiccedilatildeo de prova pode igualmente ser ditada atraveacutes de uma imposiccedilatildeo e

mesmo de uma permissatildeo Eacute que como Goumlssel pertinentemente assinala laquotoda a regra

relativa agrave investigaccedilatildeo dos factos proiacutebe ao mesmo tempo as vias natildeo permitidas de

averiguaccedilatildeoraquordquo519

11 A distinccedilatildeo entre proibiccedilotildees de produccedilatildeo de prova e proibiccedilotildees de

valoraccedilatildeo de prova

Por doutrina das proibiccedilotildees de prova compreende-se aqui a doutrina das proibiccedilotildees de

investigaccedilatildeo de determinados factos relevantes para o objecto do processo bem como das

proibiccedilotildees de levar determinados factos ao objecto da sentenccedila e finalmente das

consequecircncias processuais da violaccedilatildeo daquelas proibiccedilotildees520

Neste sentido a doutrina portuguesa521 na esteira do defendido pela doutrina maioritaacuteria

alematilde vem distinguir no acircmbito das proibiccedilotildees de prova entre proibiccedilotildees de produccedilatildeo

de prova (Beweiserhebungsverbote) e proibiccedilotildees de valoraccedilatildeo de prova

(Beweisverwertungsverbote) As primeiras regulam e limitam o modo de obtenccedilatildeo das

516 MirandaMedeiros 2010 737 517 Marques da Silva 2006 39 Neste sentido vai tambeacutem Claus Roxin ldquo[hellip] A averiguaccedilatildeo da verdade

natildeo eacute um valor absoluto no processo penal pelo contraacuterio o proacuteprio processo penal estaacute impregnado de

hierarquias eacuteticas e juriacutedicas [hellip]rdquo Cf Roxin 2000 191 518 Andrade 2010 47 519 Costa Andrade 1992 83 520 Goumlssel 1992 397-398 521 ldquoA doutrina processual penal das proibiccedilotildees de prova abrange (1) as proibiccedilotildees de produccedilatildeo de prova e

(2) as proibiccedilotildees de valoraccedilatildeo de prova [hellip]rdquo Cf Sousa Mendes 2004 134

157

provas522 ao passo que as segundas impedem que determinados factos sejam objecto de

sentenccedila523 Cumpre deixar claro nesta sede que eacute na determinaccedilatildeo da proibiccedilatildeo da

valoraccedilatildeo de prova que se colocam os grandes dilemas que surgem no confronto com a

realidade Saber se agrave proibiccedilatildeo de produccedilatildeo de prova deve corresponder sempre por vezes

ou nunca uma proibiccedilatildeo de valoraccedilatildeo da prova eacute no fundo a questatildeo que desde sempre

eacute tratada com maior acuidade e dissonacircncias tanto na doutrina como na jurisprudecircncia524

Aleacutem desta diferenciaccedilatildeo dentro das proibiccedilotildees de produccedilatildeo de prova distinguem-se

tradicionalmente trecircs categorias a) os temas de prova proibidos525 (haacute temas de prova

proibidos e que por conseguinte natildeo devem ser investigados ndash eacute o caso dos factos

abrangidos pelo segredo de Estado526) b) os meios de prova proibidos527 (haacute tambeacutem

proibiccedilotildees de produccedilatildeo de prova atraveacutes de determinados meios de prova eacute o caso da

proibiccedilatildeo de produccedilatildeo de prova atraveacutes dos suportes teacutecnicos e respectivas transcriccedilotildees

quando tiverem sido gravadas conversaccedilotildees em que intervenham o Presidente da

Repuacuteblica o Presidente da Assembleia da Repuacuteblica ou o Primeiro-Ministro ndash al b) do

nordm 2 do artigo 11ordm do CPP528) c) os meacutetodos de prova proibidos529 (os meacutetodos de prova

satildeo os procedimentos usados pelas autoridades judiciaacuterias pelas poliacutecias criminais pelos

advogados e ateacute pelos particulares para a aquisiccedilatildeo de meios de prova e sua utilizaccedilatildeo no

processo530)531

12 O regime legal das proibiccedilotildees de prova

O regime das proibiccedilotildees de prova no acircmbito do processo penal encontra-se

essencialmente regulado pelo preceituado nos artigos 125ordm e 126ordm do Coacutedigo de Processo

Penal os quais devem ser conjugados com as garantias constitucionais de defesa

consagradas no artigo 32ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa mormente a

522 Ambos 2008 329 523 Goumlssel 1992 399 524 Neves 2011 317 525 ldquoAs proibiccedilotildees de temas de prova impedem a obtenccedilatildeo de provas sobre determinados factos (temas)

por exemplo antecedentes criminais jaacute eliminados do Registo Central Federal [hellip]rdquo Cf Ambos 2008

329 526 Sousa Mendes 2017 178 527 ldquoAs proibiccedilotildees de meios de prova impedem a utilizaccedilatildeo de determinados meios de prova como por

exemplo uma declaraccedilatildeo prestada por uma testemunha que tenha abdicado do seu direito a testemunhar

[hellip]rdquo Cf Ambos 2008 329 528 Sousa Mendes 2017 179 529 ldquoAs proibiccedilotildees de metoacutedos de prova impedem um determinado modo de obtenccedilatildeo de prova por

exemplo um meacutetodo de interrogatoacuterio proibido de acordo com o sect136ordfrdquo Cf Ambos 2008 329 530 Sousa Mendes 2017 179 531 Rosa 2010 221-222

158

injunccedilatildeo imposta pelo seu nordm 8 bem como com as disposiccedilotildees especiacuteficas que

disciplinam a obtenccedilatildeo do meio de prova de que se pretende fazer uso

O nordm 8 do artigo 32ordm da Constituiccedilatildeo que consagra o princiacutepio das proibiccedilotildees de prova

e encontra tambeacutem consagraccedilatildeo nos textos do direito internacional532 estabelece a

nulidade533 de ldquotodas as provas obtidas mediante tortura coacccedilatildeo ofensa da integridade

fiacutesica ou moral da pessoa abusiva intromissatildeo da vida privada no domiciacutelio na

correspondecircncia ou nas telecomunicaccedilotildeesrdquo A tortura a coacccedilatildeo ou a ofensa da

integridade fiacutesica ou moral da pessoa em geral satildeo meacutetodos absolutamente proibidos de

obtenccedilatildeo de provas Jaacute a intromissatildeo na vida privada no domiciacutelio na correspondecircncia

ou nas telecomunicaccedilotildees satildeo meacutetodos relativamente proibidos como podemos

comprovar pelo afastamento da proibiccedilatildeo quer pelo acordo do titular dos direitos em

causa quer pelas restriccedilotildees agrave inviolabilidade desses direitos constantes nos nos 2 3 e 4

do artigo 34ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa534

Desta forma na disciplina da mateacuteria das proibiccedilotildees de prova o legislador constituinte

natildeo se limitou com efeito a propor os valores e a definir as balizas a que deveria obedecer

a configuraccedilatildeo do processo penal em definitivo acometida ao legislador ordinaacuterio Em

vez de delinear apenas o horizonte poliacutetico-criminal e axioloacutegico das normas ordinaacuterias

o legislador constitucional optou por defenir desde logo os princiacutepios materiais reitores

do processo chamando a si a conformaccedilatildeo normativa directa dos aspectos mais decisivos

532 Cf artigos 5ordm e 12ordm da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homem artigos 3ordm e 8ordm da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem e artigo 7ordm do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Poliacuteticos 533 ldquoO que haacute de novo no nordm 8 natildeo eacute a proibiccedilatildeo do uso de meios proibidos na obtenccedilatildeo dos elementos de

prova mas essencialmente a utilizaccedilatildeo das provas obtidas por tais meios Essas provas eacute que satildeo nulas

[hellip]rdquo Cf MirandaMedeiros 2010 737 534 Sousa Mendes 2017 180 Neste sentido cf Ristori 2007 168-169 Simas SantosLeal-Henriques

2008 663 ldquoA interdiccedilatildeo eacute absoluta no caso do direito agrave integridade pessoal e relativa nos restantes casos

devendo ter-se por abusiva a intromissatildeo quando efectuada fora dos casos previstos na lei e sem intervenccedilatildeo

judicial (nos 2 e 4 do artigo 34ordm) quando desnecessaacuteria ou desproporcionada ou quando aniquiladora dos

proacuteprios direitosrdquo Cf Gomes CanotilhoMoreira 2014 524 ldquo[hellip] eacute possiacutevel autonomizar no espectro de

anaacutelise duas espeacutecies diferenciadas de provas proibidas consoante a natureza dos direitos fundamentais em

causa Na primeira parte da norma estabelece-se sem mais a nulidade de todas as provas obtidas agrave custa de laquotortura coacccedilatildeo ofensa da integridade fiacutesica ou moral da pessoaraquo (1ordf parte do nordm 8 do artigo 32ordm da

CRP) Na segunda parte alude-se agraves provas obtidas com laquointromissatildeo da vida privada no domiciacutelio na

correspondecircncia ou nas telecomunicaccedilotildeesraquo que se contra-distinguem das primeiras pela circunstacircncia de

em relaccedilatildeo a elas a interdiccedilatildeo soacute existir se a intromissatildeo se revelar laquoabusivaraquo (2ordf parte do nordm 8 do artigo

32ordm da CRP) ndash uma asserccedilatildeo que eacute aliaacutes corroborada pelo teor dos artigos 26ordm e 34ordm da CRPrdquo Cf Oliveira

Silva 2011 584 A legislaccedilatildeo alematilde faz igualmente a distinccedilatildeo entre proibiccedilotildees absolutas e relativas

sendo que ldquoEnquanto as absolutas tecircm uma validade geral as relativas limitam a obtenccedilatildeo de prova no

sentido em que apenas determinadas pessoas estatildeo habilitadas a ordenar ou realizar uma produccedilatildeo

probatoacuteria estabelecendo assim uma proibiccedilatildeo para qualquer outro sujeitordquo Cf Ambos 2008 329

159

da tramitaccedilatildeo em que avulta com particular destaque a disciplina dos meacutetodos proibidos

de prova535

Sob a epiacutegrafe de ldquomeacutetodos proibidos de provardquo o artigo 126ordm do Coacutedigo de Processo

Penal ao concretizar a nulidade dos meacutetodos de produccedilatildeo de prova a que se refere o nordm

8 do artigo 32ordm da CRP repete a citada distinccedilatildeo entre as proibiccedilotildees absolutas e as

proibiccedilotildees relativas de obtenccedilatildeo de provas No caso dos nos 1 e 2 do artigo 126ordm vigora

uma proibiccedilatildeo absoluta de obtenccedilatildeo de provas atraveacutes dos meios ali indicados ainda que

sejam obtidas a coberto do consentimento do titular dos direitos em causa No caso do nordm

3 do artigo 126ordm a proibiccedilatildeo eacute afastada pelo acordo do titular dos direitos em causa ou

em alternativa eacute removida mediante as ordens ou autorizaccedilotildees emanadas de certas

autoridades nos termos da lei536 Ainda em sede de caracterizaccedilatildeo geral dos meacutetodos

proibidos de prova conviraacute ressalvar que nada parece impor a conclusatildeo de que no artigo

126ordm se contenha uma enumeraccedilatildeo taxativa537 Para aleacutem das teacutecnicas proibidas elencadas

no artigo 126ordm e das demais proibiccedilotildees de prova dispersas pelo ordenamento processual

outras poderatildeo ser reconhecidas pela doutrina e pela jurisprudecircncia nos domiacutenios em que

o meacutetodo de aquisiccedilatildeo probatoacuteria concretamente utilizado importe uma intromissatildeo

injustificada nos direitos fundamentais do arguido ou outras pessoas538

Posto isto a especificidade do sistema processual penal portuguecircs reside na estipulaccedilatildeo

de uma norma constitucional bem como de uma correspectiva regra legal que a densifica

ambas com vocaccedilatildeo geneacuterica que especificam exactamente quais os direitos

fundamentais cuja violaccedilatildeo inquina a prova em processo penal e gera a sua nulidade539

Na tutela conferida a estes direitos fundamentais enquanto limitaccedilotildees agrave prova radicam

antes de mais a posiccedilatildeo e o estatuto do arguido como sujeito processual O eacutetimo comum

de muitos dos meacutetodos de prova proscritos pelo legislador reconduz-se agrave ideia de que ldquoa

utilizaccedilatildeo do arguido como meio de prova deveraacute ser sempre limitada pelo integral

respeito pela sua decisatildeo de vontade soacute no exerciacutecio de uma plena liberdade de vontade

pode o arguido decidir-se se e como deseja tomar posiccedilatildeo perante a mateacuteria que constitui

objecto do processordquo540 Desde logo se considerarmos a vertente negativa desta liberdade

535 Oliveira Silva 2011 576-577 536 Sousa Mendes 2017 180 537 Costa Andrade 1992 216 538 Oliveira Silva 2011 589 539 Moratildeo 2006 588 540 Oliveira Silva 2011 578

160

de vontade enquanto autecircntico direito de defesa (Abwehrrecht) contra o Estado541

vedando todas as tentativas de obtenccedilatildeo por meios enganosos ou no nosso caso por

coacccedilatildeo de declaraccedilotildees autoincriminatoacuterias podemos afirmar que eacute precisamente nesta

dimensatildeo associada ao princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare que a liberdade de

vontade do arguido assume a mais directa relevacircncia em mateacuteria de proibiccedilotildees de

prova542

13 A invalidade do acto processual

Cumpre ainda deixar claro como ensina Costa Andrade que o legislador portuguecircs

associou as proibiccedilotildees de prova agrave figura e ao regime das nulidades isso diante da locuccedilatildeo

ldquoSatildeo nulas todas as provas [hellip]rdquo no nordm 8 do artigo 32ordm da CRP543 No entanto o regime

da nulidade das provas proibidas eacute substancialmente mais rigoroso do que o das nulidades

dependentes de arguiccedilatildeo (artigo 120ordm do CPP) ou mesmo do que o das nulidades

insanaacuteveis (artigo 119ordm do CPP) O legislador portuguecircs ciente desta disparidade

prescreveu no nordm 3 do artigo 118ordm do Coacutedigo de Processo Penal a autonomia teacutecnica

das proibiccedilotildees de prova544 estabelecendo de forma expressa que ldquoas disposiccedilotildees do

presente tiacutetulo natildeo prejudicam as normas deste Coacutedigo relativas a proibiccedilotildees de provardquo545

Ou seja que as regras gerais sobre as nulidades processuais penais natildeo se aplicam agraves

proibiccedilotildees de prova

Bem vistas as coisas o legislador criou pelo menos um regime sui generis a saber as

nulidades do artigo 126ordm do Coacutedigo de Processo Penal Na verdade a nulidade

mencionada no nordm 8 do artigo 32ordm da CRP e no artigo 126ordm do CPP natildeo eacute uma nulidade

em sentido teacutecnico-processual mas uma nulidade dotada de uma autonomia teacutecnica

completa em face do regime das nulidades processuais546

O caraacutecter sui generis do regime da nulidade de prova cominada nos nos 1 e 3 do artigo

126ordm Coacutedigo de Processo Penal haacute-de consistir no seu conhecimento oficioso podendo

ser declarada mesmo depois do tracircnsito em julgado da decisatildeo final admitindo-se assim

a revisatildeo de sentenccedila547 Por fim cumpre ressalvar que o nordm 4 do artigo 126ordm do CPP

541 Oliveira Silva 2011 579 542 Costa Andrade 1992 121 543 Costa Andrade 1992 313 544 Costa Andrade 2009 133 545 Correia 1999b 156 546 Sousa Mendes 2017 187 547 Questotildees Avulsas 2000 100-101

161

apenas admite a utilizaccedilatildeo de provas proibidas para proceder criminalmente contra quem

as obteve Contudo natildeo se pode ignorar a possibilidade de utilizar a prova com a

finalidade de demonstrar que eacute proibida548

14 O efeito-agrave-distacircncia das proibiccedilotildees de prova

Por fim perante uma prova proibida coloca-se a questatildeo de saber se a proibiccedilatildeo vale soacute

para o meio de prova obtido directamente de modo proibido ou se tambeacutem afecta outros

meios de prova obtidos indirectamente atraveacutes da prova proibida549 ndash eacute a problemaacutetica do

efeito-agrave-distacircncia das proibiccedilotildees de prova De facto eacute na consideraccedilatildeo da extensatildeo da

proibiccedilatildeo da valoraccedilatildeo da prova obtida com proibiccedilatildeo de produccedilatildeo que se colocam muitas

das problemaacuteticas que ainda hoje ocupam a doutrina e a jurisprudecircncia550

O problema do efeito-agrave-distacircncia suscita-se nos casos em que a obtenccedilatildeo de uma

determinada prova torna possiacutevel a descoberta de novos meios de prova contra o arguido

ou contra terceiro Nestes casos cabe questionar se a proibiccedilatildeo de valoraccedilatildeo que

eventualmente inquine a prova primaacuteria ou directa se comunica e em que medida agraves

provas secundaacuterias ou indirectas impondo a sua exclusatildeo em cadeia Como facilmente

se representaraacute o problema ganha particular relevo praacutetico-juriacutedico nas hipoacuteteses

frequentes em que o recurso a meacutetodos proibidos de prova (vg a coacccedilatildeo) levam o

arguido a comprometedoras declaraccedilotildees autoincriminatoacuterias551

Como defende Paulo de Sousa Mendes a doutrina jurisprudencial dos ldquofrutos da aacutervore

envenenadardquo (fruit of the poisonous tree doctrine) ou da ldquomaacuteculardquo (taint doctrine) e a sua

equivalente germacircnica tambeacutem designada de teoria da maacutecula (Makel-Theorie)

enquanto metaacutefora da nodoacutea de ilegalidade reconhece que as provas que atentam contra

os direitos de liberdade arrostam com um efeito-agrave-distacircncia que consiste em tornarem

inaproveitaacuteveis as provas secundaacuterias a elas causalmente vinculadas552

548 Rosa 2010 235 549 MirandaMedeiros 2010 737 550 Neves 2011 317 551 Costa Andrade 1992 169 552 Sousa Mendes 2014 219 A geacutenese da jurisprudecircncia da lsquomaacutecularsquo foi o caso Silverthorne Lumber Co

v United States decidido pelo Supremo Tribunal dos Estados Unidos da Ameacuterica em 1920 Estava em

causa o facto de agentes federais terem apreendido ilegalmente documentos nas instalaccedilotildees da sociedade

comercial Silverthorne que um tribunal de comarca (district court) mandou devolver tendo o procurador

(prosecutor) promovido perante um grande juacuteri (grand jury) a notificaccedilatildeo dos arguidos (defendants) para

produzirem os mesmos documentos sob pena de multas (subpoenas) Em via de recurso o Supremo

Tribunal dos Estados Unidos da Ameacuterica decidiu que as referidas intimaccedilotildees eram invaacutelidas declarando

pela pena do famoso Juiz Conselheiro Oliver Wendell Holmes Jr enquanto relator que ldquo[a] essecircncia de

uma norma de proibiccedilatildeo de aquisiccedilatildeo de provas de certa maneira natildeo se limita a determinar que as provas

162

O efeito-agrave-distacircncia eacute a uacutenica forma de impedir que os investigadores policiais os

procuradores e os juiacutezes menos escrupulosos se aventurem agrave violaccedilatildeo das proibiccedilotildees de

produccedilatildeo de prova na mira de prosseguirem sequecircncias investigatoacuterias agraves quais natildeo

chegariam atraveacutes dos meios postos agrave sua disposiccedilatildeo pelo Estado de Direito553

Na jurisprudecircncia portuguesa o efeito-agrave-distacircncia foi reconhecido pela primeira vez

pelo Tribunal Judicial de Oeiras (Sentenccedila do 3ordm Juiacutezo de 5 de Marccedilo de 1993 Proc nordm

77791 2ordf Secccedilatildeo) ldquoa nulidade do primeiro dos meios de prova eacute extensiva ao segundo

impossibilitando da mesma forma o julgador de extrair deste uacuteltimo qualquer juiacutezo

valorativordquo

Contudo a vigecircncia da doutrina do efeito-agrave-distacircncia estaacute longe de ser absoluta e

irrestrita A histoacuteria da emergecircncia e afirmaccedilatildeo do princiacutepio tambeacutem eacute a histoacuteria do

enunciado e das tentativas de fundamentaccedilatildeo e sistematizaccedilatildeo de uma gama alargada de

excepccedilotildees554

Entre elas avulta em primeiro lugar a excepccedilatildeo da ldquofonte independenterdquo (independent

source exception)555 derivada dos precedentes Silverthorne Lumber Co v United

States556 de 1920 Wong Sun v United States557 de 1963 e Segura v United States558 de

1984 que admite a possibilidade de valoraccedilatildeo das provas mediatas nos casos em que ao

lado do chamado caminho proibido existe um outro caminho autoacutenomo independente

de onde as mesmas provas podem tambeacutem ser retiradas559 Ou seja aceita as provas que

foram ou poderiam ter sido obtidas por via autoacutenoma e liacutecita560

assim adquiridas natildeo poderatildeo ser utilizadas em tribunal mas tambeacutem que natildeo poderatildeo ser usadas de

maneira nenhuma Eacute claro que isto natildeo significa que os factos assim obtidos se tornem sagrados e

inacessiacuteveis Se a informaccedilatildeo acerca dos mesmos for obtida atraveacutes de uma fonte independente entatildeo esses

factos podem ser provados tal como quaisquer outros mas o conhecimento obtido pelo Estado por meios

iliacutecitos natildeo pode ser por si usado da maneira pretendidardquo A expressatildeo ldquofrutos da aacutervore envenenadardquo surgiu

pela pena do igualmente famoso Juiz Conselheiro Felix Frankfurter no caso Nardone v United States de

1939 Cf Sousa Mendes 2017 192 553 Sousa Mendes 2014 220 554 Costa Andrade 1992 171 555 KamisarLaFaveIsraelKingKerrPrimus 2015 765-768 556 Silverthorne Lumber Co v United States 1920 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus251385casehtml [consultado em 09032017] 557 Wong Sun v United States 1963 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus371471casehtml [consultado em 09032017] 558 Segura v United States 1984 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus468796

[consultado em 09032017] 559 Moratildeo 2006 613 560 MirandaMedeiros 2010 737

163

A segunda excepccedilatildeo do efeito-agrave-distacircncia eacute designada por excepccedilatildeo da ldquodescoberta

inevitaacutevelrdquo (inevitable discovery exception)561 foi fundada nas importantes decisotildees

Brewer v Williams562 de 1977 e Nix v Williams563 de 1984 e determina a aceitaccedilatildeo das

provas que inevitavelmente seriam descobertas mesmo que mais tarde atraveacutes de outro

tipo de investigaccedilatildeo564 Trata-se segundo Paulo de Sousa Mendes de uma ldquovariante da

lsquofonte independentersquo mas difere desta excepccedilatildeo na medida em que natildeo se exige aqui que

a poliacutecia tenha de facto obtido provas tambeacutem atraveacutes de uma fonta autoacutenoma e legal

mas apenas que tivesse podido hipoteticamente fazecirc-lo [hellip]rdquo565

Por fim a terceira e uacuteltima excepccedilatildeo a excepccedilatildeo da ldquonoacutedoa (ou maacutecula) dissipadardquo

(purged taint exception)566 baseada nas decisotildees Wong Sun v United States567 de 1963

e United States v Ceccolini568 de 1978 vem estabelecer a possibilidade de utilizaccedilatildeo no

processo de toda a prova secundaacuteria a que os oacutergatildeos de investigaccedilatildeo criminal natildeo teriam

chegado de uma perspectiva de relaccedilatildeo causal sem a violaccedilatildeo da proibiccedilatildeo de prova

mas relativamente agrave qual se pode dizer que jaacute nenhum nexo causal efectivo subsiste entre

tal prova mediata e a violaccedilatildeo inicial569 Ou seja poderiam ser valoradas todas as provas

secundaacuterias se a conexatildeo se tiver tornado tatildeo atenuada a ponto de dissipar a maacutecula570

Seria o caso do arguido que eacute levado a confessar determinados factos de modo

autoincriminatoacuterio571 por forccedila de uma anterior violaccedilatildeo de proibiccedilatildeo de prova mas que

mais tarde apoacutes ter sido convenientemente informado de que tais provas natildeo podem ser

utilizadas opta por confessar os mesmos factos espontaneamente572

561 KamisarLaFaveIsraelKingKerrPrimus 2015 775-780 562 Brewer v Williams 1977 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus430387

[consultado em 09032017] 563 Nix v Williams 1984 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus467431casehtml

[consultado em 09032017] 564 MirandaMedeiros 2010 738 565 Sousa Mendes 2017 193 566 KamisarLaFaveIsraelKingKerrPrimus 2015 774 567 Wong Sun v United States 1963 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus371471casehtml [consultado em 09032017] 568 United States v Ceccolini 1978 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus435268

[consultado em 09032017] 569 Moratildeo 2006 615 570 Sousa Mendes 2014 221 571 Elementos de estudo 2012 639-640 Moratildeo 2012 717 572 Moratildeo 2006 615 Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1982004 de 24 de Marccedilo de 2004

disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20040198html [consultado em

09032017] Decisatildeo Sumaacuteria do Tribunal Constitucional nordm 132008 de 11 de Janeiro de 2008 disponiacutevel

em httpwwwtribunalconstitucionalpttcdecsumarias20080013html [consultada em 09032017]

164

Chegados a este ponto e analisada que estaacute a consagraccedilatildeo e o regime das proibiccedilotildees de

prova em processo penal resta-nos apenas indagar da aplicabilidade deste regime ao

nosso caso concreto violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare atraveacutes da

ordem de desencriptaccedilatildeo compelida dirigida ao arguido no sentido de permitir o acesso

ao seu smartphone quer atraveacutes do fornecimento da sua palavra-passe quer atraveacutes da

leitura da sua impressatildeo digital

2 Consequecircncias da recolha de prova em violaccedilatildeo do princiacutepio de natildeo-

autoincriminaccedilatildeo

O princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare constitui como jaacute tivemos oportunidade de

analisar um direito do arguido perante o ius puniendi do Estado Desta forma toda e

qualquer restriccedilatildeo deste direito que natildeo obedeccedila aos limites aos limites dos direitos

fundamentais (nos 2 e 3 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa)

instrumentalizando o arguido contra a sua vontade ou atraveacutes do seu corpo a ser objecto

da sua proacutepria incriminaccedilatildeo viola este princiacutepio

No caso concreto da ordem de desencriptaccedilatildeo do smartphone dirigida ao arguido por parte

das autoridades judiciaacuterias podemos afirmar que estaremos aqui perante um meacutetodo

proibido de prova dado que o arguido eacute utilizado como meio de prova com perturbaccedilatildeo

da sua vontade e liberdade atraveacutes da coacccedilatildeo

Mais especificamente no que concerne ao primeiro meacutetodo de desencriptaccedilatildeo ndash o

fornecimento da palavra-passe ndash importa reter as palavras de Figueiredo Dias quando

atesta que ldquotecircm de considerar-se proibidos e inadmissiacuteveis em processo penal todos os

meios de interrogatoacuterio e de obter declaraccedilotildees que importem [hellip] qualquer perturbaccedilatildeo

da liberdade de vontade e de decisatildeo [do arguido]rdquo573 nomeadamente atraveacutes de coacccedilatildeo

Desta forma dada a coacccedilatildeo empregue por parte das autoridades judiciaacuterias na ordem

de desencriptaccedilatildeo do smartphone dirigida ao arguido no sentido de este revelar a palavra-

passe do seu dispositivo outra natildeo poderaacute ser a conclusatildeo senatildeo a de que este seraacute um

meacutetodo de obtenccedilatildeo de prova proibido

573 Figueiredo Dias 2004 454 Tambeacutem na doutrina alematilde Claus Roxin informa que o Tribunal Federal

alematildeo tem considerado o direito de guardar silecircncio entre os princiacutepios fundamentais do processo penal

de tal modo que tambeacutem a sua violaccedilatildeo pela poliacutecia deve conduzir a uma proibiccedilatildeo de valoraccedilatildeo Cf Roxin

2000 195-196 Neste sentido vai tambeacutem Goumlssel ao afirmar que a legislaccedilatildeo alematilde proiacutebe no sect136a do

StPO a valoraccedilatildeo dos interrogatoacuterios produzidos agrave custa do sacrifiacutecio da liberdade de formaccedilatildeo de vontade

do arguido Cf Goumlssel 1992 415 423

165

Por outro lado e apesar de a desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo

digital do arguido natildeo se enquadrar como vimos anteriormente na categoria de ldquomeios

de interrogatoacuterio ou de obter declaraccedilotildeesrdquo acreditamos que quaisquer restriccedilotildees a

direitos liberdades e garantias fundamentais (vg direito de natildeo-autoincriminaccedilatildeo) que

natildeo atendam estritamente ao texto constitucional seratildeo intoleraacuteveis e inadmissiacuteveis sendo

as provas obtidas por esses meios proibidas Ou seja toda e qualquer restriccedilatildeo que natildeo

obedeccedila aos limites aos limites dos direitos fundamentais reprimindo a liberdade ou a

vontade de decisatildeo do arguido por qualquer meio constitui uma violaccedilatildeo do princiacutepio

nemo tenetur e como efeito prova proibida Defendemos a ideia de que a vinculatividade

do artigo 126ordm transcende claramente o domiacutenio do interrogatoacuterio e das declaraccedilotildees do

arguido projetando-se como limite agrave admissibilidade de quaisquer outras diligecircncias

probatoacuterias Tambeacutem em sede de proibiccedilotildees de prova parece natildeo haver distinccedilatildeo entre os

dois meacutetodos de desencriptaccedilatildeo palavra-passe e biometria

Assim todas as provas autoincriminatoacuterias obtidas agrave custa de coacccedilatildeo e em violaccedilatildeo dos

limites aos limites das restriccedilotildees aos direitos fundamentais satildeo provas proibidas574 Natildeo

eacute outra leitura que se infere da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa e do Coacutedigo de

Processo Penal A sua interdiccedilatildeo eacute absoluta configurando-se em provas de valoraccedilatildeo

proibida nos termos do nordm 8 do artigo 32ordm da CRP e do nordm 1 do artigo 126ordm do CPP575

cominaccedilatildeo que traduz a existecircncia de uma nulidade particularmente grave e insanaacutevel576

Manuel da Costa Andrade entende que neste campo de danosidade social seraacute muito

difiacutecil valorar a prova proibida577 Estando perante um caso de proibiccedilatildeo de prova

desencadeada pela violaccedilatildeo insuportaacutevel de direitos de defesa do arguido como eacute o caso

do direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo natildeo soacute natildeo se poderaacute valorar a prova inicialmente

proibida como tambeacutem as provas que se desencadearam com base naquela primeira

De facto dado que a desencriptaccedilatildeo do smartphone permitiraacute agraves autoridades acederem a

provas incriminatoacuterias a doutrina do efeito-agrave-distacircncia pode aqui prevenir uma tatildeo frontal

como indesejaacutevel violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare Costa Andrade

reitera ainda que ldquocomo assinala Beulke laquoa valoraccedilatildeo de meios de prova tornados

574 Costa Andrade 1992 126-127 575 O nordm 8 do artigo 32ordm da CRP consagra que ldquoSatildeo nulas todas as provas obtidas mediante [hellip] coacccedilatildeo

[hellip]rdquo O nordm 1 do artigo 126ordm do CPP estipula que ldquoSatildeo nulas natildeo podendo ser utilizadas as provas obtidas

mediante [hellip] coacccedilatildeo [hellip]rdquo 576 Silva DiasRamos 2009 36-37 577 Costa Andrade 1992 282

166

possiacuteveis a partir de declaraccedilotildees obtidas agrave custa de coaccedilatildeo [hellip] equivaleria a compelir o

arguido a colaborar na sua proacutepria condenaccedilatildeoraquordquo578

Assim segundo a teoria dos ldquofrutos da aacutervore envenenadardquo tambeacutem as provas

secundaacuterias recolhidas a partir da desencriptaccedilatildeo do smartphone em que houve violaccedilatildeo

do nemo tenetur satildeo proibidas No entanto como reiteraacutemos anteriormente esta doutrina

tem excepccedilotildees Para o nosso caso concreto ndash desencriptaccedilatildeo de smartphones ndash interessa-

nos apenas a excepccedilatildeo da ldquofonte independenterdquo (independent source exception) e a

excepccedilatildeo da ldquonoacutedoa (ou maacutecula) dissipadardquo (purged taint exception)

A excepccedilatildeo da ldquofonte independenterdquo (independent source exception) poderia ser aplicada

no nosso caso concreto nas situaccedilotildees em que a poliacutecia conseguisse aceder agraves provas

armazenadas no smartphone de forma liacutecita nomeadamente atraveacutes da utilizaccedilatildeo de nova

tecnologia que permitisse a desecriptaccedilatildeo ou ateacute mesmo atraveacutes da descoberta da palavra-

passe Assim mesmo depois de acederem agraves provas contidas no smartphone que fora

ilicitamente acedido atraveacutes da coacccedilatildeo do arguido ndash quer pela revelaccedilatildeo da palavra-

passe quer pela leitura da sua impressatildeo digital - as autoridades judiciaacuterias poderiam

utilizar os ficheiros ndash agora licitamente - recolhidos

Agrave semelhanccedila da excepccedilatildeo da ldquofonte independenterdquo tambeacutem a excepccedilatildeo da ldquonoacutedoa (ou

maacutecula) dissipadardquo (purged taint exception) pode ser aplicada no nosso caso de

desencriptaccedilatildeo de smartphones Se o arguido permitisse o acesso ao seu smartphone

atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe ou da leitura da sua impressatildeo digital por forccedila de

uma anterior violaccedilatildeo de proibiccedilatildeo de prova e posteriormente optasse por confessar a

palavra-passe as autoridades judiciaacuterias poderiam utilizar esta palavra-passe para aceder

licitamente aos ficheiros autoincriminatoacuterios armazenados no dispositivo e utilizaacute-los

como prova no processo penal

Deste modo podemos concluir que a ordem de desencriptaccedilatildeo de smartphone seja

atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe ou da leitura da impressatildeo digital do arguido

culmina numa situaccedilatildeo de obtenccedilatildeo de prova agrave custa da coacccedilatildeo do arguido (nordm 8 do

artigo 32ordm da CRP e nordm 1 do artigo 126ordm do CPP) E segundo a doutrina do efeito-agrave-

distacircncia natildeo soacute natildeo se poderaacute valorar a prova inicialmente proibida (provas primaacuterias)

como tambeacutem as provas que se desencadearam com base naquela primeira (provas

secundaacuterias) No entanto as provas incriminatoacuterias armazenadas no smartphone podem

578 Costa Andrade 1992 315

167

ainda assim ser utilizadas e valoradas no processo caso a excepccedilatildeo da ldquofonte

independenterdquo ou da ldquonoacutedoamaacutecula dissipadardquo se verifiquem

168

169

CONCLUSOtildeES GERAIS

Conforme se depreende do exposto ao longo desta nossa investigaccedilatildeo a ordem de

desencriptaccedilatildeo dirigida ao arguido pelas autoridades judiciaacuterias no sentido de este

permitir o acesso ao seu smartphone atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe ou da leitura

da sua impressatildeo digital suscita uma seacuterie de questotildees

As discussotildees na doutrina norte-americana em volta desta problemaacutetica influenciaratildeo o

mundo e desencadearatildeo novas discussotildees nomeadamente em territoacuterio nacional

considerando que o princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare foi nos casos apresentados

claramente restringido ateacute ao ponto de restar apenas o direito ao silecircncio

Depois de nos munirmos dos conhecimentos necessaacuterios quanto ao acesso e apreensatildeo

dos dados armazenados no smartphone segundo a Lei do Cibercrime agrave encriptaccedilatildeo destes

dispositivos e agrave articulaccedilatildeo entre a colaboraccedilatildeo do arguido nos casos de desencriptaccedilatildeo

compelida e o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo estamos jaacute em posiccedilatildeo de criticar a

fundamentaccedilatildeo e a decisatildeo dos casos norte-americanos apresentados no primeiro capiacutetulo

e de discutir o seu enquadramento no direito processual penal portuguecircs

Ficou expresso anteriormente que o princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare tendo por

fundamento as garantias processuais reconhecidas ao arguido no texto constitucional

poderaacute ser alvo de limitaccedilotildees De facto pela circunstacircncia de natildeo se revestir de natureza

absoluta este princiacutepio poderaacute ser derrogado nomeadamente nos casos em que o arguido

eacute obrigado a identificar-se ou a sujeitar-se a determinados exames ou periacutecias

Por esse motivo natildeo consideramos defensaacutevel que se infira uma total inflexibilidade do

princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo que inviabilize por completo a adopccedilatildeo de normas

que permitam a emissatildeo de ordens de desencriptaccedilatildeo e que em complemento incriminem

a conduta omissiva do arguido

Contudo revisitando uma vez mais o que por noacutes jaacute foi afirmado quanto agrave natureza da

revelaccedilatildeo por parte do arguido de uma palavra-passe entendemos que a mesma pode ser

reconduzida ao instituto das declaraccedilotildees do arguido Assim se a natureza da revelaccedilatildeo de

uma palavra-passe pode ser entendida do mesmo modo que uma declaraccedilatildeo proferida

pelo arguido a ponderaccedilatildeo do direito ao silecircncio natildeo pode deixar de ser efectuada Sendo

o direito ao silecircncio como vimos um expoente maacuteximo do princiacutepio nemo tenetur natildeo

podemos deixar de considerar que o mesmo seria objecto de uma evidente derrogaccedilatildeo

170

acaso os investigadores criminais compelissem o arguido a revelar a palavra-passe que

permite o acesso ao seu dispositivo electroacutenico Segundo um criteacuterio de ponderaccedilatildeo e

atendendo igualmente aos limites aos limites das restriccedilotildees de direitos fundamentais

(vg direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo) esta ordem seria ilegiacutetima por falta de previsatildeo

legal expressa por ser desproporcional e por violar o nuacutecleo essencial do princiacutepio nemo

tenetur Efectivamente no panorama legal portuguecircs natildeo haacute uma previsatildeo legal no

sentido de estabelecer uma excepccedilatildeo ao princiacutepio nemo tenetur ao contraacuterio do que se

passa na lei inglesa e belga

No que agrave leitura da impressatildeo digital diz respeito podemos agora concluir que tendo

como base os casos apresentados no primeiro capiacutetulo da presente investigaccedilatildeo tambeacutem

a ordem dada ao arguido no sentido de este desencriptar o seu smartphone atraveacutes da

leitura da sua impressatildeo digital eacute uma ordem ilegiacutetima e violadora do princiacutepio contra a

autoincriminaccedilatildeo Cremos nesta conclusatildeo por dois motivos principais a) o dever de

sujeiccedilatildeo a diligecircncias de prova consagrado na aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm do Coacutedigo

de Processo Penal dada a sua generalidade natildeo pode ser entendido como previsatildeo legal

expressa no sentido de estabelecer uma excepccedilatildeo ao princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo

resultando na falta de preenchimento do primeiro requisito das restriccedilotildees de direitos

fundamentais (exigecircncia de lei formal) b) e atendendo agraves circunstacircncias dos casos

concretos todas estas ordens de desencriptaccedilatildeo atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do

arguido revelaram-se desproporcionais

Isto posto outra natildeo poderaacute ser a conclusatildeo senatildeo a de que nestes casos apresentados as

ordens de desencriptaccedilatildeo dos smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe ou da

leitura da impressatildeo digital dirigidas aos arguidossuspeitos satildeo segundo o ordenamento

juriacutedico portuguecircs ilegiacutetimas por violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare

Se ainda assim forem recolhidas provas autoincriminatoacuterias do smartphone em violaccedilatildeo

deste princiacutepio a consequecircncia eacute oacutebvia proibiccedilatildeo de valoraccedilatildeo dessas provas

O que se deve discutir aqui natildeo eacute a possibilidade de o Estado restringir o direito do arguido

agrave sua natildeo-autoincriminaccedilatildeo mas sim a que extensatildeo essa restriccedilatildeo pode ocorrer sem que

se torne a ordem inconstitucional Daiacute se infere que apesar da conclusatildeo a que chegamos

quanto aos casos norte-americanos no ordenamento juriacutedico nacional uma vez que o

princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare natildeo tem caraacutecter absoluto por intermeacutedio de

legislaccedilatildeo especiacutefica com o objectivo de salvaguardar um outro direito ou interesse

constitucionalmente protegido sendo proporcional em sentido amplo e natildeo violadora do

171

nuacutecleo essencial do direito poderaacute um arguido ser compelido a desencriptar o seu

smartphone independentemente do meacutetodo (palavra-passe ou impressatildeo digital) no

acircmbito de uma investigaccedilatildeo criminal Natildeo podemos defender aqui peremptoriamente uma

zona de offshore digital num Estado de Direito579

579 Expressatildeo usada por Pedro Verdelho na Conferecircncia sobre Prova Digital em Processo Penal realizada

a 24 de Maio de 2017 na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

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Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 17 de Abril de 2012 disponiacutevel em

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Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro de 2014

disponiacutevel em httpsdreptapplicationfile58512485

197

Silverthorne Lumber Co v United States 1920 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus251385casehtml

Wong Sun v United States 1963 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus371471casehtml

Segura v United States 1984 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus468796

Brewer v Williams 1977 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus430387

Nix v Williams 1984 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus467431casehtml

United States v Ceccolini 1978 Disponiacutevel em

httpssupremejustiacomcasesfederalus435268

Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1982004 de 24 de Marccedilo de 2004 disponiacutevel

em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20040198html

Decisatildeo Sumaacuteria do Tribunal Constitucional nordm 132008 de 11 de Janeiro de 2008

disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcdecsumarias20080013html

198

199

ANEXOS

Anexo I ndash Caso Commonwealth of Virginia v David Charles Baust

200

201

202

203

204

205

Anexo II ndash Caso State of Minnesota v Matthew Vaughn Diamond

STATE OF MINNESOTA

IN COURT OF APPEALS

A15-2075

State of Minnesota

Respondent

vs

Matthew Vaughn Diamond Appellant

Filed January 17 2017

Affirmed

Smith Tracy M Judge

Carver County District Court

File No 10-CR-14-1286

Lori Swanson Attorney General St Paul Minnesota and

Mark Metz Carver County Attorney Eric E Doolittle Assistant County Attorney Chaska Minnesota (for respondent)

Cathryn Middlebrook Chief Appellate Public Defender Steven P Russett Assistant Public Defender St

Paul Minnesota (for appellant)

Considered and decided by Johnson Presiding Judge Reyes Judge and Smith

Tracy M Judge

S Y L L A B U S

A district court order compelling a criminal defendant to provide a fingerprint to unlock the defendantrsquos

cellphone does not violate the Fifth Amendment privilege against compelled self-incrimination

O P I N I O N

SMITH TRACY M Judge

Appellant Matthew Vaughn Diamond appeals his convictions of second-degree burglary misdemeanor

theft and fourth-degree criminal damage to property following a jury trial On appeal Diamond argues his

convictions must be reversed because (1) police seized his property in violation of the Fourth Amendment

(2) the district court violated his Fifth Amendment privilege against compelled self-incrimination by

ordering him to provide his fingerprint so police could search his cellphone and (3) the statersquos

circumstantial evidence was insufficient We affirm

206

FACTS

On October 30 2014 MH left her Chaska home between 1030 and 1045 am to run errands MH

returned home around noon and noticed that the attached garagersquos sideentry door appeared to have been

kicked in from the outside MH called the police after discovering that a safe a laptop and several items

of jewelry were missing from her home While waiting for police to arrive MH found an envelope in her

driveway that had the name of SW written on it Police took photographs and measurements of the

shoeprints left on the garagersquos side-entry door

Detective Nelson of the Chaska Police Department used state databases to determine SWrsquos car model and

license plate number and that SW had pawned several pieces of jewelry at a Shakopee pawn shop on

October 30 MH later verified that the pawned jewelry was stolen from her home On November 4 police

located SWrsquos car which

Diamond was driving at the time Diamond was arrested on an outstanding warrant unrelated to this case

He was booked at the Scott County jail where staff collected and stored his property including his shoes

and cellphone

The following day Detective Nelson went to the jail and viewed the property that was taken from Diamond

Detective Nelson observed similarities between the tread of Diamondrsquos shoes and the shoeprints left on the

garagersquos side-entry door Detective Nelson informed the jail staff that she was going to seek a warrant to

seize Diamondrsquos property and gave instructions not to release the property to anyone Later that day SW

attempted to collect Diamondrsquos property but was told that it could not be released

On November 6 Detective Nelson obtained and executed a warrant to search for and seize Diamondrsquos

shoes and cellphone On November 12 Detective Nelson obtained an additional warrant to search the

contents of Diamondrsquos cellphone Detective Nelson was unable to unlock the cellphone She returned the

warrant on November 21

In December the state filed a motion to compel Diamond to provide his fingerprint on the cellphone to

unlock the phone The motion was deferred to the contested omnibus hearing Following that hearing the

district court issued an order filed February 11 2015 concluding that the warrant to search Diamondrsquos

cellphone was supported by probable cause and that compelling Diamond to provide his fingerprint to

unlock the cellphone does not violate his Fifth Amendment privilege against compelled self-incrimination

The district court granted the statersquos motion to compel and ordered Diamond to provide a fingerprint or

thumbprint to unlock his cellphone Diamond refused to comply On

April 3 the district court found Diamond in civil contempt and informed him that compliance with the order

would remedy the civil contempt Diamond provided his fingerprint and police immediately searched his

cellphone

At a second omnibus hearing Diamond challenged the refusal to release his cellphone and shoes to SW

arguing that it constituted a warrantless seizure not justified by any exception to the warrant requirement

The district courtrsquos April 3 order concluded that the seizure was justified by exigent circumstances and was

tailored to protect against the destruction of evidence while a warrant was sought and obtained Diamond

thereafter brought a pro se motion to suppress all evidence derived from his cellphone and shoes which the

district court denied relying on the previous orders from February 11 and April 3

At Diamondrsquos jury trial SW testified that (1) she believed she was working the day of the burglary (2)

the envelope found in MHrsquos driveway belonged to SW and it was in her car the last time she saw it (3)

SW sometimes let Diamond use her car when she was working and (4) on the day of the burglary

Diamond gave her MHrsquos stolen jewelry and the two of them traveled to the Shakopee pawn shop where

she sold the jewelry In addition the state also introduced evidence that (1) Diamondrsquos wallet and

identification card were found in SWrsquos car (2) Diamond and SW exchanged phone calls and text

messages throughout the day of the burglary (3) Diamondrsquos cellphone pinged off cell towers near MHrsquos

residence on the day of the burglary (4) the tread pattern on Diamondrsquos shoes was similar to the shoeprints

on the garagersquos side-entry door and (5) while in jail Diamond told SW ldquothe only thing that [the state is]

going to be able to charge me with is receiving stolen propertyrdquo and that his attorney said the case would

be dismissed if SW did not testify or recanted her statement

207

The jury found Diamond guilty of second-degree burglary misdemeanor theft and fourth-degree criminal

damage to property The district court sentenced Diamond to 51 months in prison for the second-degree

burglary and to 90 days in jail for the fourth-degree criminal damage to property

Diamond appeals

ISSUES

I Did the district court err by not suppressing evidence obtained following the temporary seizure of Diamondrsquos property

II Did the district court err by ordering Diamond to provide his fingerprint so police could search his cellphone

III Does the record contain sufficient evidence to support the juryrsquos conclusion that Diamond

committed second-degree burglary misdemeanor theft and fourth-degree criminal damage to property

ANALYSIS

I The temporary seizure of Diamondrsquos property did not violate the Fourth Amendment

Diamond argues that the district court erred in denying his suppression motion because Detective Nelsonrsquos

directions to jail staff not to release Diamondrsquos property while she sought a warrant constituted an

unreasonable seizure in violation of the Fourth Amendment The district court concluded that the exigency

exception to the warrant requirement applied Diamond argues that the exigency exception is inapplicable

because Detective Nelson ldquosearchedrdquo Diamondrsquos property at the jail before providing instructions

to jail staff

In evaluating a pretrial order on a motion to suppress we review factual findings for clear error and legal

conclusions de novo State v Milton 821 NW2d 789 798 (Minn 2012) When reviewing the applicability

of the exigency exception we look at the totality of the circumstances State v Horst 880 NW2d 24 33

(Minn 2016) The state has the burden of showing that exigent circumstances justified the seizure Id

The Fourth Amendment protects the right of the people to be free from ldquounreasonable searches and seizuresrdquo

of their ldquopersons houses papers and effectsrdquo by the government US Const amend IV see Mapp v

Ohio 367 US 643 655-56 81 S Ct 1684 1691-92 (1961) (incorporating the Fourth Amendment and the

consequences for violating it into the Due Process Clause of the Fourteenth Amendment) A ldquoseizurerdquo of

property within the meaning of the Fourth Amendment occurs when a government official meaningfully

interferes with a personrsquos possessory interest in the property United States v Jacobsen 466 US 109 113

104 S Ct 1652 1656 (1984) ldquoIn general warrantless searches and seizures are unreasonable in the absence

of a legally recognized exception to the warrant requirementrdquo Horst 880 NW2d at 33

A temporary seizure may be permissible under the Fourth Amendment ldquowhen needed to preserve evidence

until police are able to obtain a warrantrdquo State v Holland 865 NW2d 666 670 n3 (Minn 2015) The

United States Supreme Court has approved the temporary seizure of an individual to prevent him from

destroying drugs before police could obtain and execute a warrant Illinois v McArthur 531 US 326 331-

32 121 S Ct 946 950 (2001) The Minnesota Supreme Court has observed that ldquowhen lawenforcement

officers lsquohave probable cause to believe that a container holds contraband or evidence of a crime but have

not secured a warrantrsquo the officers may seize the property lsquopending issuance of a warrant to examine its

contents if the exigencies of the circumstances demand itrsquordquo Horst 880 NW2d at 33-34 (quoting United

States v Place 462 US 696 701 103 S Ct 2637 2641 (1983))

Here Detective Nelson instructed jail staff not to release Diamondrsquos property while she sought a warrant

Detective Nelsonrsquos instructions to jail staff were meant to ensure that Diamondrsquos shoes and cellphone

208

which Detective Nelson considered potential evidence were not lost or destroyed The following day

Detective Nelson obtained and executed a warrant to seize Diamondrsquos shoes and cellphone

In Horst the Minnesota Supreme Court deemed a similar warrantless seizure lasting only one day to be

justified Id at 34-35 There police had seized the defendantrsquos cellphone when she was interviewed at the

police station prior to her arrest and police obtained a warrant the following day Id The supreme court

concluded that the seizure was justified by exigent circumstances because as the United States Supreme

Court had recently observed ldquothe owner of a cellphone can quickly and easily destroy the data contained

on such a devicerdquo Id at 35 (citing Riley v California 134 S Ct 2473 2486 (2014)) Thus the temporary

seizure of Diamondrsquos cellphone at the jail was justified by exigent circumstances The need to protect

physical evidence from loss or destruction similarly justified the temporary seizure of Diamondrsquos shoes

See McArthur 531 US at

331-32 121 S Ct at 950

Diamond argues that the exigent-circumstances exception does not apply because Detective Nelson

ldquosearchedrdquo Diamondrsquos property at the jail prior to the seizure As an initial matter we observe that Diamond

did not argue to the district court that the evidence should be suppressed because Detective Nelsonrsquos act of

viewing his property at the jail constituted a ldquosearchrdquo rendering the exigency exception for the seizure

inapplicable An appellate court generally will not consider matters not argued to and considered by the

district court Roby v State 547 NW2d 354 357 (Minn 1996) This rule applies to constitutional

questions See In re Welfare of CLL 310 NW2d 555 557 (Minn 1981) (declining to address a

constitutional issue raised for the first time on appeal from a termination of parental rights)

But even if Diamondrsquos district court argument could be read expansively so as to encompass this argument

we still find it unpersuasive Diamond does not provide any support for his conclusory assertion that

Detective Nelsonrsquos act of viewing his property at the jail prior to obtaining a search warrant constituted a

ldquosearchrdquo under the Fourth Amendment See State v Johnson 831 NW2d 917 922 (Minn App 2013) (ldquoA

lsquosearchrsquo within the meaning of the Fourth Amendment occurs upon an officialrsquos invasion of a personrsquos

reasonable expectation of privacyrdquo (citing Jacobsen 466 US at 114 104 S Ct at 1656)) review denied

(Minn Sept 17 2013) Nor does he argue that such action was unreasonable

As articulated in McArthur we must determine whether ldquopolice made reasonable efforts to reconcile their

law enforcement needs with the demands of personal privacyrdquo 531 US at 332 121 S Ct at 950 In

McArthur the United States Supreme Court determined that the proper balance between law-enforcement

needs and personal privacy permitted police to seize the defendant while they sought a warrant to search

his trailer Id at 332 121 S Ct at 950-51 Here Detective Nelson properly balanced law-enforcement

needs with Diamondrsquos personal privacy Diamond concedes that his property was lawfully seized and

inventoried when he was booked into jail on November 4 The following day Detective Nelson viewed

Diamondrsquos property and observed similarities between the tread of Diamondrsquos shoes and the shoeprints left

on MHrsquos garagersquos side-entry door Recognizing the possibility that these items could be lost or destroyed

Detective Nelson instructed jail staff to maintain custody of the property and immediately sought a warrant

On November 6 Detective Nelson executed the warrant seizing the cellphone and shoes Before

attempting to access the cellphonersquos contents which plainly constitutes a search within the meaning of the

Fourth Amendment Detective Nelson obtained the November 12 search warrant See Riley 134 S Ct at

2495

We conclude that the temporary seizure of Diamondrsquos property was justified by exigent circumstances and

that the district court did not err in denying Diamondrsquos suppression motion

II Diamondrsquos Fifth Amendment privilege was not violated when the district court ordered him to

provide his fingerprint so police could search his cellphone

Diamond argues that the district courtrsquos order to provide his fingerprint to unlock his cellphone violated his

Fifth Amendment privilege against compelled selfincrimination580 This is an issue of first impression for

580 Diamond also argues that the search of his cellphone violated the Fourth Amendment because he

asserts the police did not have a valid warrant at the time his cellphone was searched in April 2015

209

Minnesota appellate courts Whether the district court violated Diamondrsquos Fifth Amendment privilege

against self-incrimination is a question of law which this court reviews de novo State v Kaquatosh 600

NW2d 153 156 (Minn App 1999) review denied (Minn Dec 14 1999)

The Fifth Amendment provides that no person ldquoshall be compelled in any criminal case to be a witness

against himselfrdquo US Const amend V see Malloy v Hogan 378 US 1 8 84 S Ct 1489 1493-94

(1964) (incorporating Fifth Amendment protections into the Due Process Clause of the Fourteenth

Amendment) ldquoThe essence of this basic constitutional principle is the requirement that the [s]tate which

proposes to convict and punish an individual produce the evidence against him by the independent labor of

its officers not by the simple cruel expedient of forcing it from his own lipsrdquo Estelle v

Smith 451 US 454 462 101 S Ct 1866 1872 (1981) (quotation and emphasis omitted) The Supreme

Court has explained that ldquothe privilege protects a person only against being incriminated by his own

compelled testimonial communicationsrdquo Fisher v United States 425 US 391 409 96 S Ct 1569 1580

(1976) Here the record establishes that Diamond was compelled to produce his fingerprint to unlock the

cellphone The record also reflects that police obtained incriminating evidence once the cellphone was

unlocked Therefore the question before this court is whether the act of providing a fingerprint to unlock

a cellphone is a ldquotestimonial communicationrdquo

In examining its application of Fifth Amendment principles the Supreme Court has established

that ldquoin order to be testimonial [a criminal defendantrsquos] communication must itself explicitly or implicitly

relate a factual assertion or disclose information Only then is a person compelled to be a lsquowitnessrsquo against

himselfrdquo Doe v United States 487 US

201 210 108 S Ct 2341 2347-48 (1988) The Supreme Court has further noted that

[t]his understanding is perhaps most clearly revealed in those cases in

which the Court has held that certain acts though incriminating are not within the privilege Thus a suspect may be compelled to furnish

a blood sample to provide a handwriting exemplar or a voice exemplar to stand in a lineup and to wear particular clothing

Id at 210 108 S Ct at 2347 (citing United States v Dionisio 410 US 1 7 93 S Ct 764 768 (1973)

(voice exemplar) Gilbert v California 388 US 263 266-67 87 S Ct 1951

1953 (1967) (handwriting exemplar) United States v Wade 388 US 218 221-22 87 S Ct 1926 1929

(1967) (lineup) Schmerber v California 384 US 757 765 86 S Ct 1826

Diamond maintains that ldquono search warrant existedrdquo in April because Detective Nelson had previously

returned the November 12 search warrant on November 21 after unsuccessfully attempting to access the

contents of the cellphone However Diamond did not make this argument at the contested omnibus

hearing where he challenged the probable cause supporting the November 12 warrant and opposed the

statersquos motion for an order compelling him to provide his fingerprint Instead Diamond waited until two

days before trial to present this argument to the district court asserting it for the first time during oral

argument on his pro se motion to suppress evidence Because Diamond did not raise this argument at the

omnibus hearing the argument was not timely raised and is not reviewable on appeal See State v Brunes

373 NW2d 381 386 (Minn App 1985) review denied (Minn Oct 11 1985)

210

1832-33 (1966) (blood sample) Holt v United States 218 US 245 252-53 31 S Ct 2 6 (1910)

(clothing)) In addition the Supreme Court has recognized that ldquoboth federal and state courts have usually

held that [the Fifth Amendment] offers no protection against compulsion to submit to fingerprintingrdquo

Schmerber 384 US at 764 86 S Ct at 1832 see Doe 487 US at 219 108 S Ct at 2352 (Stevens J

dissenting) (ldquoFingerprints blood samples voice exemplars handwriting specimens or other items of

physical evidence may be extracted from a defendant against his willrdquo) State v Breeden 374 NW2d 560

562 (Minn App 1985) (ldquoThe gathering of real evidence such as blood samples fingerprints or photographs

does not violate a defendantrsquos [F]ifth [A]mendment rightsrdquo)

Diamond relies on In re Grand Jury Subpoena Duces Tecum 670 F3d 1335 (11th Cir 2012) to

support his argument that supplying his fingerprint was testimonial In In re Grand Jury the court reasoned

that requiring the defendant to decrypt and produce the contents of a computerrsquos hard drive when it was

unknown whether any documents were even on the encrypted drive ldquowould be tantamount to testimony by

[the defendant] of his knowledge of the existence and location of potentially incriminating files of his

possession control and access to the encrypted portions of the drives and of his capability to decrypt the

filesrdquo Id at 1346 The court concluded that such a requirement is analogous to requiring production of a

combination and that such a production involves implied factual statements that could potentially

incriminate Id

By being ordered to produce his fingerprint however Diamond was not required to disclose any

knowledge he might have or to speak his guilt See Doe 487 US at 211 108 S Ct at 2348 The district

courtrsquos order is therefore distinguishable from requiring a defendant to decrypt a hard drive or produce a

combination See eg In re Grand Jury

670 F3d at 1346 United States v Kirschner 823 F Supp 2d 665 669 (ED Mich 2010) (holding that

requiring a defendant to provide computer password violates the Fifth

Amendment) Those requirements involve a level of knowledge and mental capacity that is not present in

ordering Diamond to place his fingerprint on his cellphone Instead the task that Diamond was compelled

to performmdashto provide his fingerprintmdashis no more testimonial than furnishing a blood sample providing

handwriting or voice exemplars standing in a lineup or wearing particular clothing See Doe 487 US at

210 108 S Ct at 2347-48

Diamond argues however that the district courtrsquos order effectively required him to communicate

ldquothat he had exclusive use of the phone containing incriminating informationrdquo This does not overcome the

fact that such a requirement is not testimonial In addition Diamond provides no support for the assertion

211

that only his fingerprint would unlock the cellphone or that his provision of a fingerprint would

communicate his exclusive use of the cellphone

Diamond also argues that he ldquowas required to identify for the police which of his fingerprints

would open the phonerdquo and that this requirement compelled a testimonial communication This argument

however mischaracterizes the district courtrsquos order The district courtrsquos February 11 order compelled

Diamond to ldquoprovide a fingerprint or thumbprint as deemed necessary by the Chaska Police Department to

unlock his seized cell phonerdquo At the April 3 contempt hearing the district court referred to Diamond

providing his ldquothumbprintrdquo The prosecutor noted that they were ldquonot sure if itrsquos an index finger or a

thumbrdquo The district court answered ldquoTake whatever samples you needrdquo Diamond then asked the

detectives which finger they wanted and they answered ldquoThe one that unlocks

itrdquo

It is clear that the district court permitted the state to take samples of all of Diamondrsquos fingerprints and

thumbprints The district court did not ask Diamond whether his prints would unlock the cellphone or

which print would unlock it nor did the district court compel Diamond to disclose that information There

is no indication that Diamond would have been asked to do more had none of his fingerprints unlocked the

cellphone Diamond himself asked which finger the detectives wanted when he was ready to comply with

the order and the detectives answered his question Diamond did not object then nor did he bring an

additional motion to suppress the evidence based on the exchange that he

initiated

In sum because the order compelling Diamond to produce his fingerprint to unlock the cellphone

did not require a testimonial communication we hold that the order did not violate Diamondrsquos Fifth

Amendment privilege against compelled self-incrimination581

III The record contains sufficient evidence to support Diamondrsquos convictions

Diamond argues that his convictions must be reversed because the statersquos circumstantial evidence does not

exclude the rational hypothesis that Diamond merely committed the crime of transferring stolen property

When evaluating the sufficiency of circumstantial evidence the reviewing court uses a two-step analysis

State v Silvernail 831 NW2d 594 598 (Minn 2013) ldquoThe first step is to identify the circumstances

provedrdquo Id ldquoIn identifying the circumstances proved we defer to the juryrsquos acceptance of the proof of

these circumstances and rejection of evidence in the record that conflicted with the circumstances proved

by the [s]taterdquo Id at 598-99 (quotation omitted) The reviewing court ldquoconstrue[s] conflicting evidence

in the light most favorable to the verdict and assume[s] that the jury believed the [s]tatersquos witnesses and

disbelieved the defense witnessesrdquo Id at 599 (quotation omitted) ldquoThe second step is to determine

581 We express no opinion regarding whether in a given case a defendant may be

compelled to produce a cellphone password consistent with the Fifth Amendment

212

whether the circumstances proved are consistent with guilt and inconsistent with any rational hypothesis

except that of guiltrdquo Id (quotation omitted)

Here Diamond was convicted of second-degree burglary misdemeanor theft and fourth-degree criminal

damage to property A person is guilty of second-degree burglary if the person enters a dwelling without

consent and with the intent to commit a crime Minn Stat sect 609582 subd 2(a) (2014) A person is guilty

of theft if the person ldquointentionally and without claim of right takes movable property of another without

the otherrsquos consent and with intent to deprive the owner permanently of possession of the propertyrdquo Minn

Stat sect 60952 subd 2(a)(1) (2014) A person is guilty of fourth-degree criminal damage to property if the

person intentionally causes damage to anotherrsquos physical property without the other personrsquos consent

Minn Stat sect 609595 subd 3 (2014)

The circumstances proved support the juryrsquos conclusion that Diamond committed these crimes On October

30 2014 MH returned home after running errands and discovered that someone had kicked in her garagersquos

side-entry door and had stolen jewelry and a number of other items Police recovered an envelope in MHrsquos

driveway that had SWrsquos name written on it SW testified that this envelope was in her car the last time

she saw it SW also testified that she believed she was working on the day of the burglary and that she

sometimes let Diamond use her car when she was working Diamondrsquos cellphone pinged off cell towers

near MHrsquos residence on the day of the burglary SW also testified that on the day of the burglary

Diamond gave her MHrsquos stolen jewelry and the two of them traveled to the Shakopee pawn shop where

she sold the jewelry Finally Detective Nelson testified regarding consistencies between the tread of

Diamondrsquos shoes and the shoeprints on MHrsquos garagersquos side-entry door

Diamond argues that certain circumstances do not exclude the possibility that he did not commit the crimes

at issue This argument is unconvincing Diamond considers the individual circumstances proved in

isolation But the evidence as a whole firmly supports the juryrsquos conclusion that Diamond kicked down

MHrsquos garagersquos side-entry door entered her dwelling without consent and with the intent to commit a

crime and stole MHrsquos property Together the circumstances proved are inconsistent with any other

rational hypothesis Therefore we conclude that the record contained sufficient evidence to support the

juryrsquos conclusion that Diamond committed the offenses of second-degree burglary misdemeanor theft and

fourth-degree criminal damage to property

D E C I S I O N

The district court did not err in denying Diamondrsquos suppression motion because the temporary seizure of

his property was justified by exigent circumstances and therefore did not violate the Fourth Amendment

The district court did not violate Diamondrsquos Fifth Amendment privilege against self-incrimination by

ordering him to provide his fingerprint so police could search his cellphone because such an order does not

require a testimonial communication Finally the record contains sufficient evidence to support the juryrsquos

conclusion that Diamond committed second-degree burglary misdemeanor theft and fourth-degree

criminal damage to property

Affirmed

213

Anexo III ndash Caso Paytsar Bkhchadzhyan

NO LA081589

SUPERIOR COURT OF CALIFORNIA COUNTY OF LOS ANGELES

PAGE NO 1

THE PEOPLE OF THE STATE OF CALIFORNIA vs CURRENT DATE 050316 DEFENDANT 01

PAYTSAR BKHCHADZHYAN

LAW ENFORCEMENT AGENCY EFFECTING ARREST CHP - WEST VALLEY

STATION

BAIL APPEARANCE AMOUNT DATE RECEIPT OR SURETY COMPANY REGISTER

DATE OF BAIL POSTED BOND NO NUMBER 090915 $5000000 082515

AS50K60527 ALLEGHENY CASUALTY

CASE FILED ON 081815 COMPLAINT FILED DECLARED OR SWORN TO CHARGING DEFENDANT WITH

HAVING COMMITTED ON OR ABOUT 112714 IN THE COUNTY OF LOS ANGELES THE

FOLLOWING OFFENSE(S) OF

COUNT 01 5305(A) pc FEL

COUNT 02 487 (A) pc FEL

COUNT 03 529(A) (3) pc FEL

COUNT 04 484E(D) pc FEL

COUNT 05 484E(D) pc FEL

COUNT 06 484E(D) pc FEL

COUNT 07 4841(C)

pc FEL NEXT

SCHEDULED EVENT ARREST WARRANT TO ISSUE

081815 ARREST WARRANT IN THE AMOUNT OF $25000000 BY

ORDER OF JUDGE JOSEPH A BRANDOLINO ISSUED (081815)

ON 082115 AT 800 AM

NEXT SCHEDULED EVENT

082115 830 AM ARRAIGNMENT DIST VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 100

ON 082115 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 100

CASE CALLED FOR ARRAIGNMENT

PARTIES JOHN REID (JUDGE) U-CHIN JANG (CLERK)

HILDA GUTIERREZ (REP) LOU ANN CLEMENS (DA)

DEFENDANT IS PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY A BOYADZHYAN PRIVATE

COUNSEL COURT ORDERS AND FINDINGS

214

-THE COURT ORDERS THE DEFENDANT TO APPEAR ON THE NEXT

COURT DATE THE MATTER IS CONTINUED TO SEPTEMBER 9 2015 IN

DEPARTMENT 100 FOR EARLY DISPOSITION HEARING

A PENAL CODE SECTION 1275 HOLD IS PLACED ON THE

DEFENDANT BAIL SET AT $50000

WAIVES STATUTORY TIME

NEXT SCHEDULED EVENT

090915 830 AM DISPOSITIONDIST VAN NUYS COURTHOUSE DEPT

100

082115 ARREST WARRANT IN THE AMOUNT OF $25000000 RECALLED

(082415)

CUSTODY STATUS REMANDED TO CUSTODY

ON 082415 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 100

CASE CALLED FOR FURTHER PROCEEDINGS

PARTIES JOHN REID (JUDGE) U-CHIN JANG (CLERK)

HILDA GUTIERREZ (REP) LOU ANN CLEMENS (DA)

DEFENDANT IS NOT PRESENT IN COURT BUT REPRESENTED BY GEORGE MGDESYAN

PRIVATE COUNSEL

THE MATTER TS PLACED ON CALENDAR ON BEHALF OF THE

DEFENDANT THE DISTRICT ATTORNEY STIPULATES TO LIFT THE

1275PC HOLD ON THE

DEFENDANT

NEXT SCHEDULED EVENT

DISPOSITION

ON 090915 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 100

CASE CALLED FOR DISPOSITION

PARTIES LELAND B HARRIS (JUDGE) U-CHIN JANG (CLERK)

HILDA GUTIERREZ (REP) LOU ANN CLEMENS (DA)

DEFENDANT IS PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY GEORGE MGDESYAN

PRIVATE COUNSEL

DEFENDANT WAIVES ARRAIGNMENT READING OF COMPLAINT AND STATEMENT OF

CONSTITUTIONAL AND STATUTORY RIGHTS

DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO COUNT 01 530 5(A) PC

DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO COUNT 02 487(A) PC

DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO

COUNT 05

484E(D)

pc

215

DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO COUNT 03 (3)

PC DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO COUNT 04

484E(D) pc

COURT ORDERS AND FINDINGS

-THE COURT ORDERS THE DEFENDANT TO APPEAR ON THE NEXT COURT DATE

DEFENDANT DENIES ANY AND ALL ALLEGATIONS AND

PRIOR CONVICTIONS PRELIMINARY HEARING SETTING

IS SET FOR 9-29-15 AT 830 AM IN DEPARTMENT 112 AS

ZERO OF 10

THE HELD TO ANSWER DEPARTMENT IS NW F

WAIVES STATUTORY TIME

NEXT SCHEDULED EVENT

092915 830 AM PRELIM SETTINGRESETTING DIST VAN NUYS

COURTHOUSE DEPT 112 DAY 00 OF 10

090915 BAIL TO STAND AS50K60527

CUSTODY STATUS BAIL TO STAND

ON 092915 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 112

CASE CALLED FOR PRELIM SETTINGRESETTING

PARTIES KAREN J NUDELL (JUDGE) LYNNE GARCIA (CLERK)

TROYETTE SCOTT (REP) MICHAEL J MORSE (DA)

DEFENDANT IS PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY GEORGE MGDESYAN

PRIVATE COUNSEL

THIS MATTER IS CONTINUED FOR PRELIMINARY HEARING

SETTING TO DATE AND TIME INDICATED BELOW COURT

ORDERS AND FINDINGS

-THE COURT ORDERS THE DEFENDANT TO APPEAR ON THE NEXT COURT DATE

WAIVES STATUTORY TIME

NEXT SCHEDULED EVENT

102815 830 AM PRELIM SETTINGRESETTING DIST VAN NUYS

COURTHOUSE DEPT 112

DAY 00 OF 10

092915 BAIL TO STAND AS50K60527

CUSTODY STATUS BAIL TO STAND

DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO

COUNT 06

484E(D)

pc

DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO

COUNT 07

4841(C) pc

216

ON 102815 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 112

CASE CALLED FOR PRELIM SETTINGRESETTING

PARTIES MARTIN L HERSCOVITZ (JUDGE) LYNNE GARCIA (CLERK)

TROYETTE SCOTT (REP) MELANY AVANESSIANS (DA)

DEFENDANT IS PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY GEORGE MGDESYAN

PRIVATE COUNSEL

ATTY LANCE ROSENBERG APPEARING

THIS MATTER IS CONTINUED FOR PRELIMINARY

HEARING SETTING TO DATE AND TIME INDICATED

BELOW COURT ORDERS AND FINDINGS

-THE COURT ORDERS THE DEFENDANT TO APPEAR ON THE NEXT COURT DATE

WAIVES STATUTORY TIME

NEXT SCHEDULED EVENT

120915 830 AM PRELIM SETTINGRESETTING DIST VAN NUYS

COURTHOUSE DEPT

112

DAY OO OF 30

102815 BAIL TO STAND AS50K60527

CUSTODY STATUS BAIL TO STAND

ON 120915 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 112

CASE CALLED FOR PRELIM SETTINGRESETTING

PARTIES KAREN J NUDELL (JUDGE) LYNNE GARCIA (CLERK)

TROYETTE SCOTT (REP) MELANY AVANESSIANS (DA)

DEFENDANT IS PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY GEORGE MGDESYAN

PRIVATE COUNSEL

DEFENDANT ADVISED OF AND PERSONALLY AND EXPLICITLY WAIVES THE FOLLOWING

RIGHTS bull WRITTEN ADVISEMENT OF RIGHTS AND WAIVERS FILED INCORPORATED BY

REFERENCE HEREIN

JURY TRIAL OR COURT TRIAL AND PRELIMINARY HEARING

CONFRONTATION AND CROSS-EXAMINATION OF WITNESSES

SUBPOENA OF WITNESSES INTO COURT TO TESTIFY IN YOUR

DEFENSE AGAINST SELF-INCRIMINATION

DEFENDANT ADVISED OF THE FOLLOWING

THE NATURE OF THE CHARGES AGAINST HIM THE ELEMENTS OF THE OFFENSE IN THE

COMPLAINT AND POSSIBLE DEFENSES TO SUCH CHARGES

THE POSSIBLE CONSEQUENCES OF A PLEA OF GUILTY OR NOLO

CONTENDERE INCLUDING THE MAXIMUM PENALTY AND

ADMINISTRATIVE SANCTIONS AND THE POSSIBLE LEGAL EFFECTS

217

AND MAXIMUM PENALTIES INCIDENT TO SUBSEQUENT

CONVICTIONS FOR THE

SAME OR SIMILAR OFFENSES

THE EFFECTS OF PROBATION

IF YOU ARE NOT A CITIZEN YOU ARE HEREBY ADVISED THAT A CONVICTION OF

THE OFFENSE FOR WHICH YOU HAVE BEEN CHARGED WILL HAVE THE

CONSEQUENCES OF DEPORTATION EXCLUSION FROM ADMISSION TO THE

UNITED STATES OR DENIAL OF NATURALIZATION PURSUANT TO THE LAWS OF

THE UNITED STATES

THE COURT FINDS THAT EACH SUCH WAIVER IS KNOWINGLY UNDERSTANDINGLY AND

EXPLICITLY MADE COUNSEL JOINS IN THE WAIVERS

THE DEFENDANT PERSONALLY WITHDRAWS PLEA OF NOT GUILTY TO COUNT 01 AND

PLEADS NOLO CONTENDERE WITH THE APPROVAL OF THE COURT TO A VIOLATION OF

SECTION

530 5(A) pc IN COUNT 01 THE COURT FINDS THE DEFENDANT GUILTY

COUNT (01) DISPOSITION CONVICTED COURT ORDERS AND FINDINGS

-THE COURT ORDERS THE DEFENDANT TO APPEAR ON THE NEXT COURT DATE

COURT FINDS THAT THERE IS A FACTUAL BASIS FOR DEFENDANTS PLEA

AND COURT ACCEPTS PLEA

SENTENCING CONTINUED IN DEPT 112 TO 1-25-16

NEXT SCHEDULED EVENT

012516 830 AM PROBATION AND SENTENCE HEARING DIST VAN NUYS COURTHOUSE

DEPT 112

120915 BAIL TO STAND AS501lt60527

CUSTODY STATUS BAIL TO STAND

ON 012516 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 112

CASE CALLED FOR PROBATION AND SENTENCE HEARING

PARTIES KAREN J NUDELL (JUDGE) LYNNE GARCIA (CLERK)

TROYETTE SCOTT (REP) JESSICA M BALADY (DA)

DEFENDANT PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY GEORGE MGDESYAN PRIVATE

COUNSEL

ATTY CHRISTINA SARKISS APPEARING

SENTENCING CONTINUED IN DEPT 112 TO 2-25-16

COURT ORDERS AND FINDINGS

-THE COURT ORDERS THE DEFENDANT TO APPEAR ON THE NEXT COURT

DATE NEXT SCHEDULED EVENT

022516 830 AM PROBATION AND SENTENCE HEARING DIST VAN NUYS COURTHOUSE

DEPT 112

012516 BAIL TO STAND AS501lt60527

CUSTODY STATUS BAIL TO STAND

218

ON 022516 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 112

CASE CALLED FOR PROBATION AND SENTENCE HEARING

PARTIES KAREN J NUDELL (JUDGE) LYNNE GARCIA (CLERK)

TROYETTE SCOTT (REP) STACEY SOLOMONS (DA)

DEFENDANT IS PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY ANNA OSIPOV PRIVATE

COUNSEL DEFENDANT WAIVES ARRAIGNMENT FOR JUDGMENT AND STATES THERE

IS NO LEGAL CAUSE WHY SENTENCE SHOULD NOT BE PRONOUNCED THE COURT

ORDERED THE FOLLOWING JUDGMENT

AS TO COUNT (01)

COURT ORDERS PROBATION DENIED

SERVE 2 YEARS IN COUNTY JAIL PURSUANT TO pc 1170(H) (1) AND (H) (2)

COURT SELECTS THE MID TERM OF 2 YEARS AS TO COUNT 01

DEFENDANT GIVEN TOTAL CREDIT FOR 10 DAYS IN CUSTODY 5 DAYS ACTUAL

CUSTODY AND 5 DAYS GOOD TIMEWORK TIME

FORTHWITH

PLUS $4000 COURT OPERATIONS ASSESSMENT (PURSUANT TO 1465 8(A) (1) P c )

$3000 CRIMINAL CONVICTION ASSESSMENT (PURSUANT TO 70373

GC)

$1000 CRIME PREVENTION FINE (PURSUANT TO 12025 PC)

COMMIT

MENT

ISSUED

TOTAL

DUE

$8000 IN

ADDITIO

N -THE DEFENDANT IS TO PAY A RESTITUTION FINE PURSUANT TO SECTION

120246) PENAL CODE IN THE AMOUNT OF $300

COURT ORDERS AND FINDINGS

-PURSUANT TO PC SECTION 296 THE DEFENDANT IS ORDERED TO PROVIDE

BUCCAL SWAB SAMPLES A RIGHT THUMB PRINT A FULL PALM PRINT

IMPRESSION OF EACH HAND ANY BLOOD SPECIMENS OR OTHER

BIOLOGICAL SAMPLES AS REQUIRED BY THIS SECTION FOR LAW

ENFORCEMENT IDENTIFICATION

HARVEY WAIVER TAKEN

COUNT (01) DISPOSITION

CONVICTED REMAINING COUNTS

DISMISSED COUNT (02) DISMISSED DUE TO PLEA

NEGOTIATION

219

COUNT (03) DISMISSED DUE TO PLEA

NEGOTIATION

COUNT (04) DISMISSED DUE TO PLEA

NEGOTIATION

COUNT (05) DISMISSED DUE TO PLEA

NEGOTIATION

COUNT (06) DISMISSED DUE TO PLEA NEGOTIATION

COUNT (07) DISMISSED DUE TO PLEA NEGOTIATION

DMV ABSTRACT NOT

REQUIRED NEXT

SCHEDULED EVENT

PROCEEDINGS TERMINATED

022516 EXONERATED AS50K60527

CUSTODY STATUS BAIL EXONERATED

ON 022916 AT 900 AM

COUNTY JAIL ABSTRACT PACKET COMPLETED AND FORWARDED TO COUNTY

JAIL VIA SHERIFFS TRANSPORT ABSTRACT COMPLETED BY A BERGIN

030416 ARREST DISPOSITION REPORT SENT VIA FILE TRANSFER TO

DEPARTMENT OF

J USTICE

220

221

Anexo IV ndash Mandado Caso Paytsar Bkhchadzhyan

222

223

224

225

Anexo V ndash Memorandum do Caso de 9 de Maio de 2016

226

227

228

229

230

231

232

233

234

235

IacuteNDICE

INTRODUCcedilAtildeO 15

CAPIacuteTULO I ndash O PROBLEMA DA DESENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES NO

ORDENAMENTO JURIacuteDICO NORTE-AMERICANO 19

1 O problema da desencriptaccedilatildeo de smartphones na jurisprudecircncia norte-americana

19

11 Caso Commonwealth of Virginia v David Charles Baust 20

12 Caso State of Minnesota v Matthew Vaughn Diamond 22

13 Caso Paytsar Bkhchadzhyan 24

14 Mandado de 9 de Maio de 2016 25

15 Conclusotildees intermeacutedias 27

2 O problema da desencriptaccedilatildeo de smartphones na Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos

da Ameacuterica 28

21 A Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica e a

necessidade de desencriptaccedilatildeo de smartphones com o auxiacutelio do arguido 28

211 Requisitos da Quinta Emenda 28

2111 Coacccedilatildeo (compulsion) 30

2112 Incriminaccedilatildeo (incrimination) 30

2113 Declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo (testimonycommunication) 31

212 Limites da Quinta Emenda 36

2121 Conclusatildeo inevitaacutevel (foregone conclusion) 37

2122 Imunidade (immunity) 39

3 Conclusotildees intermeacutedias 40

CAPIacuteTULO II ndash O ACESSO E A APREENSAtildeO DE DADOS ARMAZENADOS EM

SMARTPHONES NO PROCESSO PENAL PORTUGUEcircS 43

1 Os smartphones e a prova digital 43

2 A Lei do Cibercrime 46

3 A relaccedilatildeo entre a Lei do Cibercrime e o Coacutedigo de Processo Penal 56

4 Conclusotildees intermeacutedias 56

CAPIacuteTULO III ndash A ENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES 59

1 A sociedade na era digital e a crescente necessidade de encriptar 59

2 Encriptaccedilatildeo de smartphones 61

21 Noccedilatildeo 61

22 Funcionalidades 62

23 Meacutetodos de encriptaccedilatildeo de smartphones 64

231 Palavra-passe 65

236

232 Biometria 68

3 Conclusotildees intermeacutedias 76

CAPIacuteTULO IV ndash A DESENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES PARA OBTENCcedilAtildeO

DE PROVA E A SUA ARTICULACcedilAtildeO COM O PRINCIacutePIO DA NAtildeO-

AUTOINCRIMINACcedilAtildeO 79

1 Colocaccedilatildeo do problema 79

2 O princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare 81

21 Consagraccedilatildeo 83

22 Fundamentos juriacutedicos 87

23 Limitaccedilotildees 89

3 A sujeiccedilatildeo a periacutecias exames e diligecircncias de prova e a sua articulaccedilatildeo com o

princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare 91

4 Criteacuterios para a determinaccedilatildeo de violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum

accusare 96

41 Criteacuterio da dependecircncia e independecircncia da vontade do arguido 96

42 Criteacuterio da conduta activa e toleracircncia passiva 103

43 Criteacuterio da ponderaccedilatildeo de bens 107

431 A distinccedilatildeo entre normas-regras e normas-princiacutepios 107

432 A ponderaccedilatildeo enquanto criteacuterio de resoluccedilatildeo de conflitos entre direitos

fundamentais 109

433 Os limites aos limites dos direitos fundamentais 111

4331 Exigecircncia de lei formal 113

4332 Necessidade de salvaguarda de outro direito ou interesse

constitucionalmente protegido 115

4333 Princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo 116

4334 Garantia do conteuacutedo essencial 120

4335 Requisitos formais generalidade abstracccedilatildeo e natildeo retroactividade 122

434 Criacuteticas ao criteacuterio de ponderaccedilatildeo de bens 124

5 Aplicabilidade do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare na desencriptaccedilatildeo de

smartphones para obtenccedilatildeo de prova em processo penal 129

51 Desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe 130

52 Desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do

arguido 137

6 Conclusotildees intermeacutedias 150

CAPIacuteTULO V ndash A RECOLHA DE PROVAS EM VIOLACcedilAtildeO DO PRINCIacutePIO DE

NAtildeO-AUTOINCRIMINACcedilAtildeO 155

1 As proibiccedilotildees de prova 156

237

11 A distinccedilatildeo entre proibiccedilotildees de produccedilatildeo de prova e proibiccedilotildees de valoraccedilatildeo

de prova 156

12 O regime legal das proibiccedilotildees de prova 157

13 A invalidade do acto processual 160

14 O efeito-agrave-distacircncia das proibiccedilotildees de prova 161

2 Consequecircncias da recolha de prova em violaccedilatildeo do princiacutepio de natildeo-

autoincriminaccedilatildeo 164

CONCLUSOtildeES GERAIS 169

BIBLIOGRAFIA 173

ANEXOS 199

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