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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS RENATA BITTENCOURT UM DÂNDI NEGRO: O RETRATO DE ARTHUR TIMÓTHEO DA COSTA DE CARLOS CHAMBELLAND CAMPINAS 2015

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE … · 4 Huysmans, Joris-Karl. Às avessas. Companhia das Letras/Penguin, 2011. 5 Com este romance o autor rompe com a estrutura naturalista

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

RENATA BITTENCOURT

UM DÂNDI NEGRO:

O RETRATO DE ARTHUR TIMÓTHEO DA COSTA

DE CARLOS CHAMBELLAND

CAMPINAS

2015

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Tese de Doutorado, composta pelos

Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 06/12/2015,

considerou a candidata Renata Bittencourt aprovada.

Profa. Dra. Maraliz de Castro Vieira Christo

Prof. Dr. Marcelo Mattos Araújo

Prof. Dr. Martinho Alves da Costa Junior

Profa. Dra. Fernanda Pitta

Profa. Dra. Josianne Francia Cerasoli

A ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no

proceso de vida acadêmica da aluna.

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Dedico este trabalho às minhas figuras negras primordiais: Giselda, Jurandyr, Claudia, Lucas e Arthur. A Ederaldo Nascimento, pelo empurrão decisivo. Em especial ao Prof. Dr. Jorge Coli, que nos ensina a ver com nossos próprios olhos.

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Resumo

Esta tese tem por tema a obra Retrato de Arthur Timótheo da Costa realizada por Carlos

Chambelland, que apresenta o pintor negro como um dândi. A pesquisa investiga o

dandismo e busca outros exemplos de representação do dândi na história da arte.

Estabelece comparações entre a obra e os autorretratos de Timótheo, identificando os

diferentes aspectos de construção de identidade que pautam o olhar dos dois artistas.

Investiga o contexto artístico cultural da passagem do século XIX para o XX, adotando

Gonzaga Duque e João do Rio como figuras referenciais, ambos identificados com o

dandismo, tanto o crítico como o escritor. Busca ainda analisar aspectos da

representação de homens brasileiros de descendência africana na pintura, adotando

obras de Belmiro de Almeida e Rodolpho Bernardelli como exemplos. Por fim, abre

espaço para a pintura de artistas nascidos nos EUA como James MacNeill Whistler, citado

por Chambelland em seu retrato, e Henry Ossawa Tanner, dentre outros retratistas

identificados com uma pintura de inclinação realista, difundida à época.

Palavras Chave:

1. Arthur Timótheo da Costa

2. Carlos Chambelland

3. Artes – Brasil

4. Pintura – Retrato

5. História da Arte

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Abstract

The subject of this thesis is the Portrait of Arthur Timótheo da Costa painted by

Carlos Chambelland, which features the black painter as a dandy. The research

investigates dandyism, and seeks other examples of the representation of dandies in art

history. Comparisons will be drawn between the work and the self-portraits of Timótheo,

identifying the different aspects of identity construction that guide the gaze of the two

artists. The research also investigates the artistic cultural context of the late nineteenth

century and beginning of the twentieth, adopting Gonzaga Duque and João do Rio as

reference figures, being both identified with dandyism. We will also analyze aspects of the

representation of Brazilian men of African descent in painting, adopting Belmiro de

Almeida and Rodolpho Bernardelli works as examples. Finally artists born in the US such

as James MacNeill Whistler, quoted by Chambelland in his portrait and also Henry

Ossawa Tanner, among other portraitists identified with a realistic painting.

Key words:

1. Arthur Timótheo da Costa

2. Carlos Chambelland

3. Arts - Brazil

4. Painting - Portrait

5. History of Art

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Sumário

Introdução 10

1. Os autorretratos de Arthur Timótheo da Costa 20

2. Imagens de dândis em retratos dos séculos XVIII, XIX e XX 42

2.1. A moda masculina e o dândi 44

2.2. O dândi negro primordial – um breve comentário 53

2.3. Dândis artistas: Degas e Manet 57

2.4. Os dândis de Jacques-Émile Blanche 68

3. Dândis e boêmios da Primeira República 79

3.1. O Dandismo de João do Rio e de Baudelaire 79

3.2. A boemia e a representação do artista 103

4. Carlos Chambelland e Arthur Timótheo da Costa: talentos prometedores

116

4.1. Fim de Jogo e os interesses de Carlos Chambelland 121

4.2. Antes do Aleluia de Arthur Timótheo da Costa 142

4.3. Ambiente de renovação 148

5. A imagem do negro na arte brasileira: exemplos referenciais 161

5.1. O retrato de André Rebouças de Rodolpho Bernardelli 164

5.2. O Príncipe Obá de Belmiro de Almeida 175

6. Whistler e Tanner: americanos na Europa 192

7. Conclusão 213

8. Bibliografia 219

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Anexo I – 1900 e a presença do retrato americano na França da Belle Époque

230

Anexo II - A American Negro Exhibit da Exposição Universal de 1900 247

Caderno de imagens 257

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Introdução

Figura 1 Carlos Chambelland Retrato de Artur Timóteo da Costa, 1909 Óleo sobre tela, 74 x 102 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro

A passagem do século XIX para o XX foi um tempo farto em ambiguidades.

Paris se oferecia como o microcosmo de um mundo novo, impulsionado por mudanças

profundas nos modos de produção e convivência. As perspectivas trazidas pela ciência,

tecnologia e cultura, se evidenciavam na vida na cidade, validando a euforia daqueles

que apostavam no Homem e no seu potencial, visto como ilimitado. O Rio de Janeiro teve

sua inserção na Belle Époque, descrita por Sevcenko como tendo sido compulsória1, em

processo que se sobrepôs ao advento da ord10 em republicana com seus conflitos e

reformas. A tropical metrópole carioca nutriu sonhos de progresso enquanto buscava um

molde de cidade para viabilizar seus ideais modernos de civilização. A modernização do

Rio pregava o redesenho da paisagem e a sofisticação dos costumes, materializados por

1 Sevcenko, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República. Vol.

3. Brasiliense, 1983. P.36.

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meio de dinâmicas excludentes mantendo à margem os habitantes da miséria, que os

avanços não souberam erradicar.

Ao mesmo tempo, o caráter transitório, expresso na arte e na moda, e

apontado por Baudelaire como campo de manifestação da beleza na modernidade, se

traduzia em consumo e em critérios de gosto passageiros. No avesso do otimismo

modernizante, as Flores do Mal. O Belo e o Mal combinados na manifestação da vida

moderna, lugar e tempo em que avançar é também fazer ruir.

Quando Carlos Chambelland2 executa, em 1909, o retrato do pintor Arthur

Timótheo da Costa3 [figura 1], o espírito decadentista traduzia na literatura as desilusões

da época. O pintor escolhe estabelecer os contornos da identidade de seu retratado a

partir da figura de um dândi, o mesmo que atravessa as páginas de Às avessas,

personificado em Des Esseintes, de Joris-Karl Huysmans4. A fortuna do protagonista do

romance não o conforta de sua decepção com o progresso e, tampouco, o faz imune ao

tédio que o impulsiona na direção de experiências sensoriais e estéticas que apenas

sublinham a falta de perspectivas pessoais e seu viver desconectado das relações

afetivas e da sociedade burguesa5.

2 Carlos Chambelland nasceu no Rio de Janeiro em 1884 e desenvolveu carreira atuando como pintor e

professor de desenho e pintura. Conhecido por seus retratos, desenvolveu uma produção marcada por seu

interesses naturalistas. Sua formação nas artes se deu na ENBA onde foi aluno de Rodolpho Amoedo e

Henrique Bernardelli. Parte para Paris em 19078como resultado do prêmio de viagem concedido pela

Escola pela tela Final de Jogo em 1907, permanecendo até 1910. Retorna à Europa em 1911 para participar

da decoração do Pavilhão do Brasil na Exposição Internacional de Turim. A fase posterior ao seu retorno

é marcada pela investigação de costumes, cenas e personagens de Pernambuco, onde permanece por três

anos, estado que o artista elege como exemplo de um caráter autenticamente brasileiro preservado. Entre

1946 e 1950 atua como docente da Escola Nacional de Belas Artes. Carlos Chambelland morre no Rio de

Janeiro em 1950.

3 Arthur Timótheo da Costa nasce no Rio de Janeiro em 1884. Atua sobretudo como pintor e cenógrafo,

tendo desenvolvido sua formação na Escola Nacional de Belas Artes após um período de vinculação à Casa da Moeda, onde é aprendiz de desenho e impressão de moedas e selos. É aluno de Amoedo, Henrique Bernardelli e Bérard, além de discípulo do cenógrafo Oreste Coliva. Recebe o prêmio de viagem em 1907, e durante seus dois anos em Paris se interessa por procedimentos impressionistas e a exploração de efeitos de luz e cor. Após um breve regresso ao Brasil, participa em Turim da Exposição Internacional. De volta ao Brasil desenvolve uma carreira onde a pintura de paisagem tem peso importante. É membro fundador da Sociedade Brasileira de Belas Artes. Morre em 1921 no Hospital dos Alienados do Rio de Janeiro 4 Huysmans, Joris-Karl. Às avessas. Companhia das Letras/Penguin, 2011. 5 Com este romance o autor rompe com a estrutura naturalista tradicional, mas preserva certo parentesco

com esta tendência por meio das descrições minuciosas que caracterizam o universo habitado pelo personagem. Ver CATHARINA, Pedro Paulo Garcia Ferreira. Quadros literários fin-de-siècle: um estudo de" ̀As avessas", de Joris-Karl Huysmans. 7letras, Rio de Janeiro, 2005.

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O dândi habita como sujeito privilegiado a sociedade fin de siécle,

contemplando, com olhar melancólico, o futuro interrompido e o horizonte histórico

fechado sobre si mesmo. É o homem capaz de inventar a si mesmo, especialmente em

tempos de transição, a ponto de tornar-se, ele mesmo, uma obra de arte. Pretende situar-

se à margem, ou acima, das convenções sociais, enquanto busca controlar as

percepções que outros deitam sobre si. É crítico voraz dos valores burgueses, apesar de

transitar entre a elite econômica e intelectual. Capaz de sentir-se em casa em qualquer

lugar, possui a liberdade de percorrer incógnito e observador tanto dos bulevares quanto

das vielas. , Um dândi negro brasileiro pode ser o indivíduo que desenha seu destino,

neutralizando as imposições do meio ao educar seus sentidos.

Esta pesquisa busca identificar os elementos sobrepostos neste retrato, em

que, certamente a verossimilhança convive com uma identidade projetada, levantando

indagações sobre as possibilidades de conciliar imagens construídas de homem, negro,

dândi e artista brasileiro, considerando o contexto histórico de produção da obra e as

tradições e tendências artísticas com as quais dialoga.

O retrato está integrado à exposição de longa duração do acervo do Museu

Nacional de Belas Artes. Mas foi por ocasião da exposição 30 Mestres da Pintura no

Brasil, realizada no Museu de Arte de São Paulo, com curadoria de Luiz Marques, que

tive um encontro com a obra, encantador na medida da motivação para o

desenvolvimento desta pesquisa. Marques faz um comentário ao mencionar o nome de

Chambelland, indicado como uma presença talvez incerta6 naquela antologia que

considerou estreita da pintura no Brasil. A ressalva nos ajuda a localizar o status do pintor

na história da arte brasileira, possivelmente não tão conhecido ou prestigiado como outros

nomes ativos no mesmo período e aponta para a necessidade de maiores investigações

sobre sua trajetória e obra, considerando-se a escassez de fontes bibliográficas analíticas

a seu respeito. O acervo do MNBA mantém algumas transcrições descritivas de

exposições com a participação do artista, nas quais se destaca uma retrospectiva ocorrida

no Rio de Janeiro, em 1950.

6 MARQUES, Luiz (org.). 30 Mestres da Pintura no Brasil. São Paulo: MASP / Rio de Janeiro: MNBA, 2001

(Catálogo de exposição). p. 40.

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Emanoel Araújo, ao escrever no catálogo da exposição João e Arthur Timótheo

da Costa7: os dois irmãos pré-modernistas brasileiros, realizada no Museu Afro Brasil8,

menciona o fato de uma relevante fatia da produção de Timótheo estar no mercado de

arte ou em coleções particulares. Se por um lado podemos hoje considerar a produção

de Arthur como já dentro do campo semântico do modernismo, o título reforça o apontado

por Gilda de Mello e Souza que considera ser Arthur um precursor do Modernismo no

país9, atribuindo essa percepção à pintura A Forja, em que pinceladas aparentes são

usadas na representação do trabalho industrial. José Roberto Teixeira Leite já afirma em

Pintores negros do oitocentos10 que o artista foi um elo entre a arte brasileira do

Oitocentos e um novo tipo de sensibilidade que só iria cristalizar-se em definitivo a partir

da Semana de Arte Moderna de 192211, ano de sua morte precoce aos 41 anos no

Hospital dos Alienados do Rio de Janeiro. No momento, o pesquisador da Unicamp Kleber

Amâncio desenvolve uma pesquisa de doutorado sobre Arthur Timótheo que certamente

jogará nova luz sobre sua trajetória.

Chambelland nos entrega um homem elegante. Arthur é apresentado como um

homem dignificado pelas suas roupas, confortável dentro delas e no ambiente em que se

encontra. A atmosfera de quase penumbra é austera e elegante. A ambientação permite

supor que se trata do interior de um café parisiense, hipótese sugerida também pelo fato

de que ambos estudavam na França quando da execução da pintura. Destaca o brilho do

cabo da bengala encaixado ao braço e sobreposto aos tons de preto temperado com

marrom do terno. Faz luzir o couro dos sapatos e coloca em evidência o branco das

pequenas faixas visíveis de punho, criando eco ao metálico da bengala. Despe uma das

7 Vale ressaltar a importância da atuação de Emanoel Araújo como diretor da Pinacoteca do Estado de São

Paulo e como fundador e diretor do Museu Afro Brasil, que resultou na incorporação de obras de uma

diversidade de artistas relacionadas à cultura afro-brasileira pela autoria e/ou temática, a acervos públicos

contribuindo com a formação de público e a produção acadêmica. Esforços dessa natureza caracterizam a

trajetória de Araújo, curador, colecionador, sendo um marco importante A mão afro-brasileira: significado

da contribuição artística e histórica, projeto de 1987 com exposição e catálogo, com nova edição revista e

ampliada em 2010.

9 SOUZA, Gilda de Mello e Souza. Pintura brasileira contemporânea: os precursores. O Baile das Quatro

Artes. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1980. p. 223-247. 10 LEITE, José Roberto Teixeira. Pintores negros do oitocentos. São Paulo: MWM-IFK, 1988. p. 215 – 241. 11 Idem, p.215.

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mãos de sua luva, enquanto a outra apoia o par e o rosto em atitude pensativa e confiante.

Apesar de estar em ambiente interno, o retratado não se despe de seu chapéu, mantém

calçada uma das mãos, e não apoia sua bengala no utensílio que vemos no chão. Mantém

junto do retratado esses atributos de distinção e elegância recorrentes na representação

do dândi o que evidencia a intenção de agregar essa identidade à figura de Timótheo

Esta pesquisa investiga esta pintura de retrato em busca de aspectos da

identidade do retratado, da intencionalidade do retratista, e do que ela espelha, refrata ou

adapta dos valores da época marcada por transformações sociais, culturais e artísticas.

Conhecemos três autorretratos de Arthur Timótheo, todas imagens bastante

distintas da criada por Chambelland. O Capítulo I é dedicado à análise dessas obras

incorporadas, hoje, aos acervos da Pinacoteca do Estado de São Paulo, ao Museu

Nacional de Belas Artes e ao Museu Afro, buscando reconhecer o que informam as

representações que o artista faz de si. Para tanto, são analisadas as citações que ele

incorpora nessas obras, tais como as que nos apontam para sua admiração por Edgar

Degas, enquanto o pintor francês será estudado com interesse especial por suas

pesquisas formais baseadas em investigações sobre Rembrandt, bem como pela

observação de modos de representação que estabelecem dândi e artista como

complementares. Igualmente a admiração de Timótheo por Rubens e pelo próprio

Rembrandt será abordada. Neste sentido as obras de Theodore Reff e Carol Armstrong

sobre Degas, e de Simon Schama sobre Rembrandt são instrumentais, assim como os

textos produzidos a propósito da exposição Rebels and martyrs: The image of the artist

in the Nineteenth Century da National Gallery de Londres. Operações de citação são

comentadas para ajudar a contextualizar a incorporação de elementos da tradição

efetuadas por Timótheo, sendo exemplos os autorretratos de Sir Joshua Reynolds.

O Capítulo II aborda retratos de indivíduos apresentados como dândis

encontrados na obra de pintores referenciais como Degas, Manet e Jacques-Emile

Blanche, no intuito de evidenciar pontos de contato entre as obras desses pintores e a

pintura pesquisada. As ideias de Duranty e o realismo de interesse Joseph White de

Degas recebem atenção especial por apontar para vetores de afinidade com

Chambelland, como poderá ser observado no Capítulo V.

No processo de desenvolvimento desta pesquisa foram localizadas fotografias

em que Arthur Timótheo, seu irmão João Timótheo, Carlos e Rodolpho Chambelland,

bem como outros artistas ativos no período figuram em vestimentas e ambientes que nos

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permitem identificá-los ora como dândis, ora como boêmios. Essas identidades serão

investigadas considerando seus sentidos no Capítulo IV. Os escritos de Charles

Baudelaire e João do Rio são adotados como dândis referenciais, cujos escritos e atuação

são capazes de definir o significado primordial do dandismo, e a sensibilidade libertária

da boemia do Brasil da Primeira República, período contextualizado com a ajuda de

autores como José Murilo de Carvalho, Nicolau Sevcenko e Jeffrey Needell. A crítica

produzida a partir das obras de João do Rio é exemplificada, em especial, por Orna Levin,

e Jerrold Seigel que exploram seu relacionamento com a tendência literária do

Decadentismo, importante para a compreensão do ambiente artístico do período, e por

sua obra lançar luz sobre os ambientes cultural e urbano do Rio de Janeiro em que

circulavam Carlos Chambelland e Arthur Timótheo.

Baudelaire surge na pesquisa como pensador sobre o período que nos provê

com interessantes reflexões acerca do dandismo e também do gênero do retrato. Para

ele o retrato é um gênero de aparência modesta, que demanda inteligência, obediência e

intuição para enxergar o que se dá a ver e ao mesmo tempo intuir o que se oculta,

podendo resultar, dessa forma, em uma obra que denomina biografia dramatizada.

Nada, se quisermos examinar bem a coisa, é indiferente num retrato. O gesto, a

expressão, a indumentária, o próprio cenário, tudo deve contribuir para representar

um caráter12

Baudelaire defendia que um dândi deveria sentir-se em casa em qualquer lugar

em que estivesse.

Estar fora de casa, e contudo sentir-se em casa onde quer que se encontre; ver o

mundo, estar no centro do mundo e permanecer oculto ao mundo, eis alguns dos

pequenos prazeres desses espíritos independentes, apaixonados imparciais, que

a linguagem não pode definir senão toscamente. O observador é um príncipe que

frui por toda parte do fato de estar incógnito. 13

Talvez Arthur Timótheo, na representação que lhe faz Carlos Chambelland,

possa ser visto como esse dândi descrito por Baudelaire, um homem no mundo, longe de

casa, imerso no fugidio da cidade de Paris, anônimo, sobretudo capaz de reinventar sua

12 BAUDELAIRE, Charles. A modernidade de Baudelaire: textos inéditos selecionados por Teixeira

Coelho. Rio de Janeiro. Paz e terra, 1988. P. 121-122. 13 BAUDELAIRE, Charles. Sobre a Modernidade. São Paulo: Paz e Terra, 1996. p.22.

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identidade. Ou ainda o Arthur Timótheo dândi pode ser o artista conectado ao seu tempo.

Para Coli:

Há uma dualidade em Baudelaire. Por um lado, a recusa violenta do progresso, do

mundo moderno banalizador, corruptor do espírito, daí seu horror pela fotografia,

vista por ele apenas como um modo mecânico de reproduzir a imagem do mundo.

Mas, por outro, ele cultiva a ideia de que o artista moderno está ancorado no

presente, aprisionado pelo presente, e não pode escapar dele. O presente é uma

prisão, e o poeta, o rei de um país chuvoso, do qual não pode fugir.14

A elegância escolhida para o retratado pode ser, antes de tudo, evidência da

superioridade de espírito, e não mera expressão de vaidade ou amor excessivo pela

indumentária. Essa condição de dândi seja emancipatória, permitindo ao artista negro

brasileiro, assumir a posição de observador dessa cidade moderna que se abria diante

de seus olhos e lhe permitisse assumir identidades outras, distantes das impostas a um

homem marcado pela cor de sua pele em uma sociedade que tinha a abolição da

escravidão ainda como fato recente. A leitura de Baudelaire será acompanhada pela

investigação ampliada sobre significados vinculados ao vestir masculino e sobre o dândi

como parâmetro de representação, considerando a importância do vestuário de padrão

burguês para sinalização de posição e mobilidade social.

O Capítulo V busca apresentar a recepção encontrada por Carlos Chambelland e

Arthur Timótheo da Costa no período próximo à confecção do retrato e documentada em

periódicos. No catálogo da exposição 30 Mestres, na seção de texto denominada Paris

for fora e por dentro: o urbano, o ambiente, o humor, o spleen15, Marques analisa aspectos

do período situado entre 1876 e 1915. Ali o autor comenta a geração de 1850 e elenca

os nomes de Rodolpho Amoedo, Almeida Jr., Belmiro de Almeida, Pedro Weingärtner e

Henrique Bernardelli, mestres de Chambelland e Timótheo. Aponta as mudanças

operadas no campo artístico por essa geração elencando: a superação do universo

hierárquico dos gêneros, o desarme da gestualidade teatral e da retórica compositiva

acadêmicas, a celebração da vida cotidiana e da variedade sociológica dos tipos

populares, o culto do anonimato da metrópole, a admiração pela sensualidade dos nus e

14 COLI, Jorge. Consciência e heroísmo no mundo moderno. In: NOVAES, Adauto et al. (Org.). Poetas que

pensaram o mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p. 296. 12 MARQUES, Luiz (org.)., op. cit.., p 39-41.

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pelo ateliê como metáfora do artista e objeto de uma pintura sem tema. Menciona em

especial o fascínio pelo requinte egocêntrico ou pela apatia do dândi. Em seguida, na

seção O último naturalismo, a atmosfera, certos ecos do impressionismo (1880 – 1930)11,

aborda Chambelland afirmando que suas obras conservam com enorme sabor (...), os

últimos desdobramentos da crônica naturalista da vida e da paisagem urbana cariocas do

início do século. Distingue o pintor do grupo em que constam ainda Giovanni Castagneto,

Antonio Parreiras, Eliseu Visconti, Gustavo Dall’Ara, Eugênio Latour e Mario Navarro da

Costa, afirmando durante suas estadas em Paris, Nápoles ou Veneza, estes se sentem

atraídos pelos já velhos legados simbolista e impressionista11. Chambelland antes mesmo

de sua ida a Paris indica, ainda segundo Marques, sua indiferença quanto a essas

tendências, em benefício de um último naturalismo16. Este capítulo abordará o sentido de

renovação herdado pela geração de Chambelland e o interesse do pintor pelas

tendências naturalistas

As obras que possibilitaram o recebimento do prêmio de viagem de 1907 pelos

dois artistas são adotadas como ponto de partida: Fim de Jogo, de Carlos Chambelland,

e Antes do Aleluia de Arthur Timótheo. Ambas são reveladoras de interesses individuais

e questões relevantes do contexto artístico, interessado em tendências realistas e

naturalistas que pudessem dar cor às perspectivas científicas em disseminação e a busca

de uma arte de identidade brasileira, que prescindisse do imaginário indianista. O próprio

Chambelland narra seus interesses em entrevista concedida a Angyone Costa nos anos

1920. Lilia Schwarcz contribui com a compreensão das ideias que articulavam ciência e

raça, cuja apropriação pela arte se torna evidente pela reflexão de Jorge Coli e Edward

Lucie-Smith acerca da produção que se convencionou denominar naturalista.

Gonzaga Duque, crítico, jornalista e ficcionista, ligado ao Simbolismo, era além

de tudo desejoso de ser ele mesmo um dândi, capaz de personificar o projeto estético de

uma geração que, a princípio, aposta nas promessas de modernidade da República.

Aborda quase sempre de maneira elogiosa Chambelland e Timótheo. Duque defende

uma arte afinada com o debate europeu acerca das estéticas modernas, assumindo

postura crítica com relação ao gosto acadêmico, adotando um posicionamento contrário

à adoção de uma identidade exótica para definir os contornos de uma arte nacional.

Gonzaga Duque deseja uma arte intelectualizada que vá além da imitação para

15Idem

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concretizar uma ideia estética. Nesse sentido, elogia a obra de Rodolpho Amoedo, uma

figura central no período de formação de Arthur Timótheo e Carlos Chambelland. Ligado

ao Partido Abolicionista, é admirador de José do Patrocínio e acredita que a escravidão

e a exploração da metrópole tenham resultado em estagnação para o país.

Sua visão evolui para um entendimento de que a arte brasileira deveria refletir

sobre as especificidades nacionais, sendo ao mesmo tempo universal. Essas questões

da pauta do crítico estariam na ordem do dia para Chambelland, o que nos ajuda a

compreender a escolha da figura cosmopolita do dândi. Por ter produzido seus textos

entre 1888 e 1911, Gonzaga Duque situa-se em posição de especial interesse para esta

pesquisa, podendo facilitar a compreensão acerca da sensibilidade cambiante do período

em que Chambelland e Timótheo fizeram sua transição de estudantes a profissionais.

Este capítulo evidencia que o período de formação dos dois artistas, ocorre

após a transformação da Academia em Escola Nacional de Belas Artes, com a

consequente modernização de seus métodos e princípios. Rodolpho Amoedo, Henrique

Bernardelli e Rodolpho Bernardelli são protagonistas neste processo e mestres de Arthur

Timótheo e de Chambelland.

O Capítulo VI traz pinturas que dão visualidade a versões opoentes de dândis

negros. Os retratos individuais de negros realizados no Brasil que nos chegam do século

XIX e também daquele início de século XX são pouco numerosos, fazendo com que a

característica de exceção de nosso retrato provoque uma reflexão sobre questões de

etnicidade ou raça. Representam afinidade do artista com o pensamento abolicionista da

época ao mesmo tempo em que contrariam o pressuposto das incapacidades inatas

atribuídas aos negros. O retrato de André Rebouças, de Rodolpho Bernardelli, revela o

alinhamento do artista com o movimento abolicionista. Maria Alice Rezende de Carvalho

e Sydney Santos ajudam a compreender o personagem histórico, enquanto Maria do

Carmo Couto da Silva trata da trajetória de Rodolpho. Também a escultura que retrata o

Maestro Joseph White é abordada, inclinando à interpretação que alinha as intenções do

artista por uma defesa do potencial dos indivíduos de pele negra de performarem em uma

sociedade que se apoiava em argumentos cientificistas para lhes negar a cidadania. As

duas obras de Belmiro de Almeida que representam D. Obá II constroem uma imagem

ridicularizante para o personagem pesquisado por Eduardo Silva, adotando uma

abordagem caricatural para retratar um homem atacado pelos periódicos e adorado por

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descendentes de africanos residentes no Rio de Janeiro. Abre-se, então, espaço para um

paralelo com as considerações de Richard Powell sobre o dandismo negro nos EUA.

A fim de melhor situar a citação de Carlos Chambelland que nos remete ao

Arranjo em cinza e preto no. 1, de James McNeill Whistler, artista americano de destacada

atuação na Europa da segunda metade do século XIX, será abordada a importância da

arte americana no cenário francês. O Capítulo VII trata da obra seminal de Whistler, e

também da de Henry Ossawa Tanner, artista negro radicado na França, que também

adota elementos do vocabulário de Whistler em suas obras. A Exposição Universal de

1900 é exemplar para caracterizar um momento de visibilidade dos artistas americanos,

em especial a dos residentes em Paris, a intencionalidade dos EUA em projetar uma

imagem mais nítida no cenário artístico francês, e a exposição Negro Exhibit, vista aqui

como indicador de um interesse e uma nova sensibilidade internacional para a

observação da imagem do negro em diferentes aspectos. A Exposição, com destaque

para a retratística americana, e a Negro Exhibit serão abordadas respectivamente nos

anexos I e II.

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1. Os autorretratos de Arthur Timótheo da Costa

Quando Peter Paul Rubens faz seu estudos a partir da cabeça de um homem

negro [figura 3], parece estar procurando algo mais do que apenas expressões e poses

para personagens de suas pinturas. Temos a impressão de que ele está à procura de

soluções para a representação da pele negra e experimenta marrons, dos avermelhados

aos amarelados, para criar superfícies e volumes. Talvez tenha sido este, também, o

exercício de Arthur Timótheo ao copiar Rubens [figura 2]. Ambos parecem desejar

encontrar modos de pintar um rosto negro em seu relacionamento com a luz e com a

sombra, e suas variações tonais. Sabemos ser uma prática comum de Rubens a

realização de estudos de cabeça, alguns a partir de observação direta, mantidos em seu

estúdio para eventual incorporação em suas pinturas, sendo Balthazar, o rei mago mouro,

a personagem de origem africana mais frequente tanto em suas obras como nas pinturas

do Renascimento e do Barroco. A variedade de ângulos facilitava a retomada das figuras

estudadas para utilização nas pinturas.

Encontramos o rosto representado por Rubens em algumas de suas obras, e

um exemplo é a inserção de sua versão mais sorridente como uma das personagens na

Adoração dos Magos, de Mechelen [figura 6]. Na obra, a cor da pele parece ser um dado

relevante não somente para o mouro, de quem vemos apenas a cabeça, mas também

pelas diferenças entre a face rosada, exposta ao sol das figuras de armadura à direita, e

a alvura luminosa do rosto da virgem à esquerda. O mesmo homem negro aparece em

um retrato melancólico, hoje na Hyde Collection, mas que não está conectado a outras

obras do pintor.

Hoje, o estudo de múltiplos rostos é uma das mais populares obras figuras do

Museu Real de Belas Artes da Bélgica, talvez por apresentar uma figura humana de modo

direto, e não a pretexto de uma narrativa, talvez pela própria maestria demonstrada em

sua execução, ou ainda por apresentar um homem de origem africana, pouco frequente

na arte, tido como exótico por muitos. O Getty mantém uma versão, possivelmente de um

artista de seu ateliê

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Figura 2 Estudos de cabeça, segundo Peter Paul Rubens, s.d. Arthur Timótheo da Costa Óleo sobre tela, 30 x 36 cm Museu Afro, São Paulo

Figura 3 Quatro Estudos da cabeça de um mouro, 1615 Peter Paul Rubens Óleo sobre tela, 51 x 66 cm Musées Royaux des Beaux-Arts de Belgique, Bruxelas

Figura 4 Cabeça de um negro, 1620 Peter Paul Rubens Óleo sobre painel de madeira, 45,7 x 36,8 cm The Hyde Collection, Glens Falls

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Figura 5 Atelier de Peter Paul Rubens Quatro estudos de cabeça masculina, ca. 1617 – 1620 Óleo sobre painel de madeira, 25.4 x 67.9 cm The J. Paul Getty Museum, Los Angeles

Figura 6 Retábulo da Adoração dos Magos, 1617 Peter Paul Rubens Óleo sobre painel, 318 x 276 cm Igreja de São João [Sint-Jankerk], Mechelen

[figura 5], demonstrando o interesse em explorar as especificidades de representação da

pele escura, e que se apresenta menos obediente ao original do que a cópia de Timótheo,

e também menor dramaticidade pela escolha em horizontalizar a disposição das cabeças.

Iniciamos este texto sobre os autorretratos de Timótheo por este diálogo que o

pintor estabelece com Rubens, por nos trazer, de certo modo, seu interesse por uma arte

que o refletisse. Timótheo se interessa pela obra de Rubens, em que o rosto negro

assume um protagonismo que alcança a ubiquidade. Afinal, Timótheo era um pintor em

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busca de modos de representar um homem negro, olhando para a tradição da história da

arte e ao mesmo tempo para o espelho. Em um dos primeiros autorretratos da história da

arte, aquele de Albrecht Düre aos 28 anos, o pintor inseriu uma inscrição na qual lemos

Eu me pintei em minhas cores verdadeiras. O pintor anuncia algo único que diferenciaria

autorretratos de retratos. Se por um lado não parece haver fundamento em afirmar que

os autorretratos seriam portadores de maior potencial para desvelar alguma dimensão

verdadeira e fundamental do sujeito representado, por outro podem nos ajudar a criar

hipóteses que descortinem elementos constitutivos de sua autopercepção, bem como de

suas aspirações relacionadas à sua imagem projetada para a percepção de terceiros.

Vamos analisar os autorretratos de Arthur Timótheo, investigando de que modo tocam

obras referenciais, indagando o que sugerem sobre as intenções do artista vinculadas à

construção de sua imagem. Cabe, como provocação, a frase de Rousseau:

Estou persuadido de que se está pintado de modo excelente quando alguém pinta

a si mesmo, mesmo quando o retrato não apresenta grande semelhança17.

São três os autorretratos conhecidos de Arthur Timótheo, todos incorporados

a acervos museais brasileiros. Ao contrário da imagem que lhe faz Chambelland, Arthur

se apresenta nessas pinturas acompanhado dos atributos de seu ofício. Na obra da

Pinacoteca, datada de 1908 [figura 14], portanto um ano antes da pintura de

Chambelland, Arthur aparece segurando seus pincéis junto ao rosto. Na pintura do MNBA

[figura 7], realizada onze anos depois, vemos além dos pincéis uma palheta em que se

percebem tintas de cores quentes e o pintor trajando um avental e uma boina. Ele se

mostra em trajes semelhantes na obra do acervo do Museu Afro [figura 9], que apresenta

aparência inacabada. O artista faz aqui uma escolha dupla: escolhe a identificação de

sua profissão e, como veremos, incorpora citações que o aproximam de artistas que

certamente admirava.

O retrato do MNBA parece se relacionar de maneira especial com um

autorretrato de Rembrandt van Rijn da Frick Collection [figura 8]. Não há evidencias de

que Arthur tenha visto esta ou outras obras de Rembrandt especificamente, mas para

além das semelhanças evidentes que iremos abordar, o artista, assim como Rubens,

parecia oferecer indicativos que poderiam ser processados em sua obra na busca por

uma renovação pictórica. A escolha de um tom amarelado para o avental, que é branco

16 CLARK, Timothy J. Gross David with the Swoln Cheek: An Essay on Self-Portraiture. Rediscovering History: Culture, Politics, and the Psyche, p. 243-307, 1994. P. 243.

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Figura 7 Autorretrato, 1919 Arthur Timótheo da Costa Óleo sobre tela, 86 x 79 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro

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Figura 8 Autorretrato, 1658 Rembrandt van Rijn Óleo sobre tela, 133,7 x 103,8 cm Frick Collection, New York

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Figura 9 Autorretrato, s.d. Arthur Timótheo da Costa Óleo sobre tela, Museu Afro Brasil, São Paulo

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na obra do Museu Afro, ecoa a massa amarela que envolve o corpo de

Rembrandt. O posicionamento de braços e mãos apresenta similaridades em ambas as

obras. A mão direita de Arthur se ocupa de pincéis, e se projeta para frente e para baixo.

Em Rembrandt, a projeção é mais frontal. A mão esquerda de Arthur apoia a palheta,

deixando o polegar em posição equivalente ao da mão de Rembrandt que segura um

tento como se fosse um cetro. A situação de evidência das mãos propiciada pelo

posicionamento e pelos atributos, reforçam a importância desses instrumentos de

trabalho dos artistas. Rembrandt envolve o corpo com uma faixa vermelha, cor que surge

em Arthur na gravata acetinada. Ambos têm o pescoço envolto em tecido branco, que em

Arthur está na forma de uma gola alta de camisa. Rembrandt aparece com a cabeça

coberta por uma boina de artista escura, criando uma sombra que chega à linha dos olhos.

Mais uma vez encontramos semelhanças, sendo a boina de Arthur na cor bege. O rosto

de cinquenta e dois anos do holandês, que enfrentava uma fase de dificuldades

financeiras após conhecer grande sucesso e prosperidade, contribui com a gravidade das

feições, ainda não tão severas para o Timótheo de trinta e sete. Em ambas, um ar altivo

que em Rembrandt flerta com um sentido de nobreza.

Ao realizar este retrato, Timótheo se situa como pertencente a uma história,

reverencia um mestre da tradição e, ao mesmo tempo, afirma seu valor artístico. Para

Miceli:

O que está em jogo é o sentido atribuído e perpetrado pelo artista ao expressar

uma definição compacta aliando uma fisionomia, aquela modelada na tela, a uma

significação simbólica, que tanto pode ser uma pretensão política, uma qualificação

institucional, uma afirmação de prestígio, uma filiação doutrinária ou confessional,

uma habilitação erótica ou mundana, ou quaisquer misturas desses investimentos

sociais18.

Essa operação de citação em autorretratos encontra em Sir Joshua Reynolds

um antecedente importante, sendo um exemplo uma pintura de 1780 que também tem

Rembrandt como referencial [figura 10]. O desejo de Reynolds de ver a imagem do artista

elevada a outro patamar se evidenciou em sua atuação como primeiro presidente da

18MICELI, Sergio. 1996. Imagens Negociadas. Retratos da Elite Brasileira (1920-40). São Paulo:

Companhia das Letras. p.64.

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Royal Academy, onde defendia em seus discursos a importância da cópia das obras de

grandes artistas do passado. Neste, que é um de seus vinte autorretratos, o artista está

no ápice de sua carreira. Reynolds desejava elevar o status do gênero do retrato e

buscava referências na antiguidade e nos mestres da tradição19.

Encontramos sua figura ladeada por um busto de Michelangelo, artista a quem

dedicava sua mais alta admiração. O busto representado, na verdade, fazia parte de seu

acervo pessoal. Mas há ainda maiores paralelos existentes entre a pintura e os

autorretratos de Rembrandt, bem como é possível reconhecer semelhanças com a obra

Aristóteles com um busto de Homero [figura 12], também de autoria do holandês, e à

época disponível para sua observação em Londres. Adota a vestimenta de um Doutor de

Direito Civil para reforçar o prestígio acadêmico das artes, que não tinha um costume

oficial, criando um retrato que comunica prestígio e autoridade.

As citações ajudam a estabelecer a dimensão de importância que o artista

atribui a si próprio, e como sua relação com uma linhagem histórica da pintura. A

admiração por Rembrandt é ainda mais evidente no retrato da Tate Britain [figura 11].

Enquanto em Rembrandt o autorretrato é também ferramenta de investigação subjetiva,

Reynolds prioriza seu potencial de projeção de uma imagem pessoal de poder. Também

Whistler se inspira em Rembrandt para realizar Arranjo em Cinza: Retrato do Pintor [figura

13], testemunho da grande admiração que nutria pelo holandês.

Em seu retrato de 1908, Arthur Timótheo se apresenta com o rosto na

penumbra. Uma mancha de luz incide sobre sua cabeça, iluminando uma porção de sua

testa, e também a mão que segura a palheta aparece especialmente iluminada. O olhar

é intenso e dirigido ao observador. Há semelhanças entre a pintura e a imagem que nos

traz uma fotografia [figura 15] assinalada como sendo de seu período parisiense, portanto

próxima, em data, do retrato. O posicionamento do corpo, as golas da casaca e da camisa

se assemelham, assim como a gravata de laço, com visível padrão petits pois na

fotografia. Na foto, a luz incide sobre o lado esquerdo de Arthur, deixando visível todo seu

rosto, e o enquadramento um pouco mais aberto do que o da pintura permite ver os braços

cruzados sobre o corpo, a textura do cabelo, penteado para trás e as pregas da

19 STURGIS, Alexander. Rebels and martyrs: The image of the artist in the Nineteenth Century. Yale

University Press, 2006.

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vestimenta folgada. A comparação reforça a hipótese de intencionalidade do artista em

suas escolhas pela luminosidade que adota para o retrato.

Figura 10 Sir Joshua Reynolds Autorretrato de Sir Joshua Reynolds, 1780 Óleo sobre painel, 127 x 106 cm Royal Academy, Londres

Figura 11 Sir Joshua Reynolds Autorretrato, c. 1775 Óleo sobre tela, 73,7 x 61 cm Tate Britain, Londres

Figura 12 Rembrandt van Rijn Aristóteles com um busto de Homero Óleo sobre tela, 143,5 x 136,5 cm Metropolitan Museum, Nova York

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Figura 13 Arranjo em Cinza, Retrato do Pintor1872 James McNeill Whistler Óleo sobre tela, 74.9 x 53.3 cm Detroit Institute of Arts, Detroit

A mão que aparece à nossa direita exibe um anel na fotografia, e na pintura

suporta palheta e pincéis, apresentados junto ao rosto. O homem da fotografia parece

mais jovial do que figura na pintura. Talvez Timótheo quisesse criar um retrato

representativo de uma identidade como artista que se beneficiaria de uma aparência mais

madura ou severa. Anos depois, em 1916, Henrique Bernardelli explora os efeitos de luz

sobre seu rosto em um retrato similar na presença de um foco luminoso sobre o topo da

cabeça [figura 16], enquanto o restante da face está sombreada.

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Figura 14 Arthur Timótheo da Costa Autorretrato, 1908 Óleo sobre tela, 41 x 33 cm Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo

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Figura 15 Autor desconhecido Retrato de Arthur Timótheo, 1908-09 Fotografia, 21,5 x 15 cm Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro

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[Digite aqui]

Figura 16 Autorretrato de Henrique Bernardelli, 1916 Henrique Bernardelli Óleo sobre madeira, 24 x 18 cm Coleção particular, São Paulo

Figura 17 Autorretrato, 1855-56 Edgar Degas Óleo sobre papel, aplicado a tela, 40,6 x 34,3 cm Metropolitan Museum, Nova York

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[Digite aqui]

Figura 18 Autorretrato, 1857-58 Edgar Degas Óleo sobre papel montado sobre tela, 26 x 19,1 cm Clark Art Institute, Williamstown

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Figura 19 Autorretrato, 1628 Rembrandt Harmenz van Rijn Óleo sobre madeira, 22,6 x 18,7 cm Rijksmuseum, Amsterdam

Figura 20 Autorretrato, 1629 Rembrandt Harmenz van Rijn Óleo sobre madeira, 15,6 x 12,7 cm Alte Pinakothek, Munique

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Figura 21 Autorretrato, 1863 Edgar Degas Óleo sobre tela, 92,1 x 69 cm Museu Calouste Gulbenkian, Lisboa

Figura 22

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No autorretrato de 1908 [figura 14], Arthur parece interessado em Degas, mas

aquele que constrói sua autoimagem em diálogo com Rembrandt. Quando observamos

os autorretratos do Metropolitan e da Clark, realizados entre 1855 e 1858, vemos o Degas

que acabara de desistir da École des Beaux-Arts, prestes a partir para a Itália. O francês

experimenta o efeito de luzes e sombras sobre o rosto, como Rembrandt já havia feito

[figuras 19 e 20]. Na obra do Clark Institute [figura 18] o chapéu parece fazer as vezes

dos cabelos de Rembrandt nos autorretratos em que ele também investiga contrastes

marcados sobrepostos às suas feições, chegando a quase encobri-las, além de

experimentar o cabo do pincel para criar os cachos delicados de cabelos. O

enquadramento próximo e o meio perfil são características comum a estas obras juvenis

de Degas e Rembrandt e encontram similaridades com a escolha de Timótheo, em que

os pintores dirigem um olhar direto ao observador, ou antes, a eles mesmos. Há em

Rembrandt uma maior imediatez, em especial na obra de Munique em que a boca aberta

e a sugestão de movimento diferem da solidez de pose e expressão que encontramos em

Degas e Timótheo. As palavras de Degas são claras:

Quando estávamos começando, Fantin, Whistler, e eu, nós estávamos no mesmo

caminho, a estrada da Holanda.20

A admiração se traduziu nos retratos e interiores burgueses construídos com

sobriedade que constituíram um realismo avançado encontrado nas obras de Fantin-

Latour, Whistler e Degas no final da década de 1850, inspiradas nas cenas da vida

ordenada da classe média holandesa.

Schama trata das múltiplas personas reconhecíveis nos retratos de Rembrandt

que o possibilitavam ser qualquer homem21. Ao mesmo tempo em que cria versões de si

como mendigo ou nobre, opta, nos exemplos destacados, por ocultar-se ao cobrir os

olhos por sombras. Para o autor, as sombras sobre os olhos ou um lado da face estariam

vinculadas à melancolia, tendo Rembrandt desejado criar para si imagens de gênio

melancólico, fosse este de fato o temperamento do pintor ou não. Schama compara essas

obras ao mencionado autorretrato de Albrecht Dürer, de 1500 [figura 23], exemplo de icon

vera ou imagem verdadeira, associada à miraculosa aparição do rosto de Cristo sobre

tecidos que o tocaram. Em Rembrandt a imagem é construída a partir das relações de

20 Paul Poujaud, carta a Marcel Guérin, 11 de julho de 1936, Cartas, p. 256. In Reff, Theodore. Degas: the

artist's mind. Metropolitan Museum of Art, 1976. p.26. 21 Schama, Simon, and Rembrandt Harmenszoon van Rijn. Rembrandt's eyes. New York: Alfred A. Knopf,

1999. p. 295-300.

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claro-escuro imaginadas, criando um jogo de mostra-esconde que resulta na valorização

do olhar semioculto.

Para T.J. Clark, a sombra se relaciona com a interioridade do retratado.

Usando o retrato de Rembrandt, de Kassel, Staatliche Gemäldegalerie como exemplo,

afirma

(...) the look of the painter in a self-portrait [should] be given an “inside”. The face

that stares back at us has to be lent a quality of interiority somehow, ideally of a

deeper sort than a mere portrait can manage. It is not enough to have the face just

blankly be the information in the mirror. (...) A large part of self-portraiture’s best

efforts therefore go to conjuring up a dimension in which the surface of the face,

and particularly the eyes, can register as something to be looked through or behind.

The face has to be robbed of its first self-evidence, and one way of doing that is to

put it partly or wholly in shadow, with the shade maybe falling most deeply across

the eyes. The shadow is a metaphor for “inside”.22

Figura 23 Autorretrato Albrecht Dürer, 1500 Óleo sobre painel de madeira, 66,3 c 49 cm Alte Pinakothek, Munique

22 Clark, Timothy J. “Gross David with the Swoln Cheek: An Essay on Self-Portraiture.” In Roth, Michael S.,

ed. Rediscovering history: Culture, politics, and the psyche. Stanford University Press, 1994. P.283

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Nas obras de Degas e de Timótheo, o rosto velado adquire uma aura de

mistério, embora o ocultamento não se dê na mesma medida que em Rembrandt. Outro

artista que parece utilizar recursos semelhantes é Édouard Vuillard [figura 24] em um

autorretrato de 1889. Também o retrato de Bracet feito por Timótheo [figura 25] faz o rosto

emergir das trevas, repetindo o jogo de claro e escuro. No retrato de Chambelland Arthur

também está envolvido em sombras. Em 1900 Freud havia publicado A interpretação dos

sonhos, obra que inaugura a psicanálise. Obras como Às avessas de Joris-Karl

Huysmans e em certa medida Mocidade Morta de Gonzaga Duque se dedicam a

exploração da interioridade de seus protagonistas, que podemos associar ao uso de

contrastes na pintura.

Figura 24 Autorretrato, 1889 Edouard Vuillard Óleo sobre tela, 22,2 x 17,4 cm National Gallery of Art, Washington, D.C.

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Figura 25 Retrato de A. Bracet, s.d. Arthur Timótheo da Costa Óleo sobre tela, x cm Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo

Figura 26 João Timótheo da Costa, 1908 Rodolpho Amoedo Óleo sobre painel, 49,5 x 29,7 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro

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Contrapor os autorretratos de Arthur Timótheo com a obra de Chambelland evidencia

uma dupla representação que apresenta o artista e o dândi como personagens

complementares. O mesmo ocorre se consideramos o autorretrato de Degas em que se

representa com seus atributos de artista e seu último autorretrato [figura 21], parte do

acervo da Gulbenkian , no qual o francês aparece como o polido flâneur que acena para

o observador com sua cartola, enquanto segura suas luvas. O pintor alterna sua

representação entre duplos: o pintor e o cavalheiro23. Amoedo parece querer conciliar

essas duas personagens na pintura que faz de João Timótheo [figura 26].

Figura 27 James Abbott McNeill Whistler, 1885 William Merritt Chase Óleo sobre tela, 188.3 x 92.1 cm Metropolitan Museum, Nova York

23 ARMSTRONG, Carol M. Odd man out: readings of the work and reputation of Edgar Degas. University of

Chicago Press, 1991. p.229-231.

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Figura 28 Marrom e ouro, 1885 James Abbott McNeill Whistler Óleo sobre tela, 51,5 x 95,8 cm Hunterian Museum, Glasgow

Figura 29 Retrato de Whistler de chapéu, 1857-59 James Abbott McNeill Whistler Óleo sobre tela, 46,3 x 38,1 cm Freer Gallery, Washington D.C.

Essa dinâmica de contrastes é encontrada também em Whistler, cujos retratos se

alternam entre imagens que exibem atributos do dândi, do artista e do boêmio. Isso é

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atestado pela comparação entre: seu primeiro autorretrato [figura 29], datado do final da

década de 1850 de inspiração holandesa e que o apresenta como o artista boêmio; a obra,

que vimos, de 1872, em que está acompanhado dos atributos do pintor; a imagem esguia

que o exibe de corpo inteiro contra um fundo neutro, em pose elegante que cita o Valladolid

de Velasquez [figura 28]; e também a imagem que lhe faz William Merritt Chase [figura 27]

inspirado pelos retratos do colega americano.

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2. Imagens de dândi em retratos dos séculos XVIII, XIX e XX

O vestuário de Arthur Timótheo da Costa é um elemento que parece ter recebido

enorme atenção de Carlos Chambelland. A imagem de elegância criada a partir do preto

das roupas, da presença do chapéu e da bengala, elementos combinados para situar este

homem em uma época e em uma situação social. Cabe-nos investigar onde se quer situar

esse homem, com que padrões e imagens se quer dialogar. Podemos tentar compreender

o que ordenava os padrões de vestimentas masculina no século XIX, o que se evidencia

em obras correlatas, e que identidade social se busca projetar para Timótheo considerando

que moda não é um simples inventário de imagens, mas um espelho do articulado

entrelaçamento de fenômenos socioeconômicos, políticos e de costumes que caracterizam

determinada época.24

Chambelland destaca o brilho do cabo da bengala encaixado ao braço e

sobreposto ao preto absoluto do terno, e também faz luzir o couro dos sapatos. Põe em

evidência o branco das pequenas faixas visíveis de punho, criando eco ao metálico da

bengala. Despe uma das mãos de sua luva, enquanto a outra apoia o par e o rosto em

atitude pensativa e confiante. Apesar de estar em ambiente interno, o retratado não se

despe de seu chapéu, mantém calçada uma das mãos, e não apoia sua bengala no utensílio

que vemos no chão. Mantém junto do retratado esses atributos de distinção e elegância

recorrentes na representação do dândi o que evidencia a intenção de agregar essa

identidade à figura de Timótheo. Cabe investigar a moda masculina, sua evolução ao longo

do século XIX e a constituição da estética dândi, o que faremos antes de introduzir retratos

que sigam este padrão de representação.

As imagens de dândi criadas por Girodet, Edgar Degas, Henri Fantin-Latour,

Édouard Manet e Aubrey Vincent Beardsley serão investigadas como antecedentes por

suas similaridades temáticas e formais, bem como pelas peculiaridades das soluções

dotadas por cada artista.

Dois exemplos brasileiros de representação de dândis negros trazem luz sobre

o contexto brasileiro. Veremos o dândi André Rebouças no retrato de Rodolpho Bernardelli,

24 CALANCA, Daniela. História social da moda. São Paulo: Editora Senac, 2008. p.27.

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obra de exceção na retratística brasileira pela representação individual de homem negro.

Em seguida, analisaremos as pinturas de Dom Obá, de Belmiro de Almeida, que apresenta

a figura do dândi negro em viés irônico. As reflexões de Richard J. Powell sobre a imagem

fotográfica de um dândi negro nas ruas de Paris e a figura do Dandy Jim nos oferecem um

paralelo interessante que aproxima os contextos francês, americano e brasileiro.

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2.1. A moda masculina e o dândi

Boucher25 adota o recorte temporal entre 1869 e 1914 para abordar a passagem

do século XIX para o XX, assinalando que o período apresenta duas questões

fundamentais: a evolução do traje de tipo europeu nos países do antigo e do Novo Mundo

e a predominância da criação francesa sobre esse desenvolvimento. Dessa forma, a

expansão comercial e industrial de países europeus e também dos Estados Unidos difundiu

para colônias ou países de influência costumes gerados inicialmente na França, mesmo

que com variados processos de adaptação.

No Brasil, as influências da moda europeia eram notadamente presentes, mas a

realidade da escravidão, e de sua herança no período imediatamente posterior à

emancipação, se tornava visível nas diferentes soluções de vestuário exibidas por negros

e brancos, por exemplo, nas ruas de cidades brasileiras na passagem do século XIX para

o século XX.

Gilberto Freire diferencia os "modos de homem" e as modas de mulher,

atribuindo aos gestos e hábitos masculinos um importante papel responsável por evidenciar

lugares sociais distintos. Freyre nos lembra como a ocupação da cidade por indivíduos de

diferentes classes e heranças podia ser lida e interpretada a partir de sinais visuais

impressos no corpo e nas roupas. (...) só aos negros de pé no chão – grandes pés, chatos

e esparramados, alguns de dedos torrados pelo ainhum, outros roídos de aristim ou

inchados de bicho – como aos próprios caixeiros de chinelo de tapete e cabelo cortado à

escovinha e até aos portugueses gordos de tamanco e cara raspada estavam fechados

aqueles jardins e passeios chamados públicos, aquelas calçadas de ruas nobres, por onde

os homens de posição, senhores de barba fechada ou de suíças, de botinas de bico fino,

de cartola, de gravata, ostentavam todas estas insígnias de raça superior, de classe

dominadora (...)26

As roupas usadas pelos negros escravos envolvidos no trabalho rural, e também

pelos negros de ganho, se diferenciavam pelos materiais, sendo comum o uso do algodão

em camisas e calças de corte simples, sem a estrutura de alfaiataria comum às roupas dos

25 Boucher, François. História do vestuário no Ocidente. São Paulo. Cosac Naify. 2010. 26 Freyre, Gilberto. Modos de Homem & Modas de Mulher. Rio de Janeiro, Ed. Record, 1997, p. 81.

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homens brancos. Outros que desempenhavam funções dentro das casas grandes ou, por

vezes, atuavam em residências urbanas, recebiam roupas mais elaboradas por haver uma

associação mais direta entre sua imagem e a posição social dos donos da casa. Alguns

recebiam joias cujo uso denotava as posses de seus senhores. Mas mesmo o escravo do

campo já deveria, por meio de suas roupas, diferenciar-se do negro recém- desembarcado,

que independente de seus costumes de origem, era exibido nu nos mercados de escravos,

que ao receber suas roupas se civilizava por ação de seus donos, conquistando também

conformidade mínima aos padrões de moralidade.

Gilberto Freire fala sobre a adoção das cores escuras também no Brasil a partir

dos anos de 1830

(...) O que interessa assinalar é a penetração no Brasil do século XIX – o primeiro

século de vida e de cultura nacionalmente brasileiras – pelas modas de mulher

vindas da França e de homem, vindas da Grã-Bretanha. Foi uma penetração

grandemente reorientadora de gostos brasileiros no setor do trajo, a começar por

uma reorientação em preferências de cor que se refletiram num Brasil recém saído

da condição colonial. Condição de um quase isolamento do Brasil, de Europas, que

não fosse a metropolitanamente portuguesa, e de ligações noutras partes do mundo,

limitadas a Orientes e Áfricas relacionados direta ou indiretamente com Portugal. A

abertura dos portos brasileiros a europeus não lusitanos trouxe subitamente ao Brasil

– uma revolução para cultura brasileira – impactos europeizantes que, a aspectos

políticos, econômicos, tecnológicos, juntou o de gostos europeus por cores de

inspiração como que austeramente industriais, carboníferas, neotecnológicas e, até,

positivistas e – no sentido lato da palavra – antirromânticas. Inspiração

marcadamente britânica a que se juntou a francesa. A adoção de pretos, pardos,

cinzentos em artigos de vestuário masculino com transbordamento sobre o feminino,

acentue-se que foi um desses impactos europeizantes, como que, de certo modo,

antibrasileiros, sobre um Brasil em grande parte situado em ambiente tropical.27

Para a Profa. Gilda de Mello e Souza, o uso preto teria se iniciado um pouco

mais à frente.. Ela identifica ainda a separação ocorrida no século XIX no que se refere ao

uso da cor pelos diferentes gêneros, o que faz com que o preto seja adotado pelos homens

de modo preponderante.

27 Idem, p. 133.

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A moda do preto só começará em 1840 mais ou menos, devido a Bulwer Lytton e

aos escritores românticos. Ela vai alastrar-se mesmo pela gravata e o homem se

cobrirá de luto (...).28

E ainda

Eis em traços rápidos um apanhado da moda no século XIX. Mais do que nas épocas

anteriores, ela afastou o grupo feminino do masculino, conferindo a cada um uma

forma diferente, um conjunto diverso de tecidos e de cores, restrito para o homem,

abundante para a mulher, exilando o primeiro numa existência sombria em que a

beleza está ausente, enquanto afoga a segunda em fofos e laçarotes.29

Para Barthes os objetos de moda podem ser investidos de significado pelos

usuários ou pelos textos de moda que dão a eles a vida de um sinal; podem também retirar

deles esta vida, de modo que o significado é como uma graça recebida pelo objeto.30 Na

moda, portanto, os significados seriam evanescentes, permitindo que alguém esteja ou não

na moda, e fazendo com que estas possibilidades se transformem no tempo e de acordo

com contextos específicos. Os significados das roupas são construídos sobre elas, a partir

de escolhas de quem confecciona as peças e também de quem as usa.

Tudo na linguagem é um sinal, nada é inerte; tudo emite significado, nada o recebe.

No código vestuário, a inércia é o estado original (...) uma saia existe sem significado,

antes de significar; o significado que recebe é ao mesmo tempo encantador e

evanescente. 31

Para Perrot:

Vestuário, assim como a linguagem, sempre ocorre em algum lugar, em um espaço

geográfico e social. Em sua forma cor, material, construção e função – e por causa

do comportamento que sugere – roupas apresentam sinais óbvios, marcas

atenuadas ou traços residuais de embates, contatos entre culturas, empréstimos,

28 Souza, Gilda de Mello e. O espírito das roupas. Companhia das Letras, São Paulo, 1996, p. 69 29 Idem 30 BARTHES, Roland. O sistema da moda. Edições 70. 1999. 31 Idem, p.64-65.

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intercâmbios entre regiões econômicas ou áreas culturais assim como entre grupos

de uma mesma sociedade.32

O século XIX viu grandes modificações na cultura e nos costumes. Segundo

Perrot, nesse período o triunfo da burguesia espalhou seu vestuário através de classes e

oceanos na medida em que a classe média progressivamente impôs sua ordem econômica,

política e moral, e junto a isso, seu sistema de vestir com suas implicações morais e

ideológicas33. Essa burguesia desenvolveu um sistema baseado na aparência, que

apresentava certa complexidade ao estabelecer diferenças entre elite e classe média, mas

também estabelecia estratégias para que a classe média se distanciasse dos

trabalhadores.

No caso do vestuário masculino do século XIX muitas das formas perduraram

por longos períodos de tempo. O preto e os tons escuros de cores como o azul, o cinza e

o verde, seriam o melhor exemplo dessa permanência. A burguesia, após dar fim ao

absolutismo, rejeita o uso da cor característica do vestuário exuberante da aristocracia. A

extinção da cor seria um sinal político de que uma nova ordem social havia chegado.

Também sinalizava o estabelecimento de uma nova ética baseada na vontade,

autonegação, parcimônia e mérito. Essa estética austera atravessou incólume todo o século

XIX, sendo notável nas roupas de adultos e crianças. A respeitabilidade burguesa teria de

ser acompanhada de uma imagem que combinasse dignidade e rigor expressando uma

nova moralidade e a glorificação do homem comum. Desse modo, foram revistos o uso de

joias, os materiais como renda e brocados, os ornamentos como as grandes fivelas

brilhantes dos sapatos de salto e os laços nas jaquetas, bem como os acessórios, tais como

caixas de rapé.

Vale lembrar que, na maior parte do século XVII, o artifício era um dado

considerado necessário para a interação social civilizada, amaciando a aspereza dos

gestos e atenuando as ações instintivas. A vida social era vista como devendo obedecer a

dinâmicas teatrais. Nesse sentido, a peruca, importante no vestuário masculino entre 1660

32PERROT, Philippe. Fashioning the bourgeoisie: a history of clothing in the nineteenth century. Princeton

University Press, 1994. p.7

33 . Idem

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e 1810, evidenciava a artificialidade da persona pública e ajudava a construir a imagem de

compostura e respeitabilidade desejável. 34

Para Harvey, a emergência do simples e, em seguida, da cor preta no vestuário

teria obedecido a um processo complexo com origem na Inglaterra, não na França.

O estilo simples tem suas origens menos num suposto nivelamento social do que

nas necessidades práticas da pequena nobreza inglesa, que viajava não em carruagens,

mas a cavalo. Em relação ao negro, a primeira peça de roupa masculina a escurecer não

foi a casaca da burguesia democrática, mas, sim, o smoking usado pela alta sociedade.35

Uma referência interessante que ilustra as extravagâncias do século XVIII é o

londrino Macaroni Club, constituído na década de 1770, onde um grupo da elite inglesa

habituado a viagens pelo continente se reunia exibindo roupas justas confeccionadas em

tecidos finos, altas ou longas perucas com rabo de cavalo dobrado ao meio, pequenos

chapéus adornados com penas, espadas e bengalas decoradas. Precursores do dândi, na

verdade os macaroni poderiam ter diferentes origens sociais, tendo sido nascidos na elite

ou ascendidos como burgueses. Um macaroni [figuras 30 e 31] não é nascido como tal,

mas feito. Sua opção pela excentricidade é um emblema do indivíduo self-made.

De fato a figura do macaroni se tornou um catalisador do debate sobre como os

Britânicos poderiam responder ao canto da sereia do consumo do luxo, do individualismo e

da sofisticação cultural sem exceder as fronteiras regulares da moda. O nome do clube se

relacionava ao tipo de pasta trazido de suas estadas na Itália e identificava inicialmente os

indivíduos que se situavam fora dos padrões convencionais da moda, mas depois passou

a identificá-los para assinalar seus excessos, representados em caricaturas que os

caracterizavam como figuras decadentes. Pode-se pensar nos macaroni como

predecessores do dândi, assim como os Beaux, os Bucks, os Exwuisites, Fops e Lions.

Além desses ingleses, na França eram chamados Muscadins, os Incroyables e Les Lions,

todos dedicados a impressionar, causar choque por meio de seus estilos nada

convencionais e, via de regra, acompanhados de estética e comportamento de sexualidade

ambígua.

34 STEELE, Valerie. The social and political significance of Macaroni fashion. Costume, v. 19, n. 1.1985. p.

103 35Harvey, John. Homens de preto. UNESP, 2003. p.36.

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Figura 30 Lord, 177336 Anônimo [inglês] Gravura sobre papel, 183 x 103 mm British Museum, Londres

Figura 31 The Walebone Mac, 1772 Matthew Darly Gravura sobre papel, 176 x 125 mm British Museum, Londres

Na primeira metade do século XIX, a admiração pelo requinte aristocrático pode

permanecer como o avesso de um desejo evidenciado nos forros de pele, cetim ou seda

nos coletes, peças quase invisíveis, feitos de tecidos vistosos. Também nos acessórios de

seda como luvas, gravatas e chapéus. Merece destaque o corte das peças, com talhe rente

ao corpo, ou apresentando detalhes como a cauda dos casacos, criando silhuetas

específicas e desenhadas. Os punhos e golas de branco imaculado e severamente

engomados surgem como indicadores de elegância, mas, também, como certo afastamento

do trabalho braçal. A elegância se desenhava entre o comedimento expresso no conjunto

e um tipo de gasto mais generoso concentrado em peças que privilegiavam a forma em

detrimento da função, e que funcionavam para estabelecer o sentido de distinção. Assim

se buscava o resultado de uma sofisticação pautada pela ética do trabalho, em

contraposição à vida de lazeres associada à aristocracia. Da mesma maneira, se

modificaram os gestos na passagem do setecentos para o oitocentos, tornando-se mais

contidos e naturais.

Para além das mudanças de gosto, o século XIX viu surgir mudanças nos modos

de produção e consumo de roupas. As butiques de moda se disseminam e as lojas de

36 A standing man (Viscount Grandison, later Earl

of Jersey) striking a pose with arms outstreched,

hat in one hand; a plate from “The Macaroni and Theatrical Magazine”, February 1773, p. 193.

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departamento, se consolidam como modelo a partir da década de 1870, primeiro nos EUA

e depois na Europa, sendo que em Paris são notáveis os nomes Printemps, Galeries

Lafayette, Le Louvre e Le Bom Marché inauguradas no final dos 1800s. O modelo se

baseava na redução de lucro por peça para que ele fosse gerado pela rotatividade dos

estoques e o ganho em escala possibilitado pelo uso de máquinas de costura que

aceleraram os tempos de confecção das peças e viabilizaram a reprodutibilidade. O

pressuposto, portanto, era o da produção em massa de peças iguais que permitiam a um

conjunto amplo de indivíduos se aproximar de seus grupos de referência e se uniformizar

em seus grupos de pertencimento. A perfeição de fatura buscado pelos alfaiates se tornou

impossível quando as peças eram adquiridas prontas para o uso. Vale assinalar que o

acesso propiciado estava pautado pela imitação de modelos da elite em versões de menor

custo37.

Para Baudrillard, assim como a revolução burguesa não trouxe poder político de

modo homogêneo para as diferentes classes sociais, também a revolução industrial não

trouxe igualdade para os indivíduos com relação aos objetos.38 Se antes da produção

industrial os objetos se apresentavam vinculados aos seus usos e as necessidades

vinculadas à sua criação, na era industrial essa vinculação se perde uma vez que as

estruturas econômicas assumem papel preponderante. O sistema dos objetos sobrepõe

sua lógica às necessidades, impondo uma coerência que adquire o poder de moldar uma

civilização.

A indústria da roupa pronta teria o papel de disponibilizar bens, mas também

uma missão civilizadora, de aprimorar a moral das massas, que podem, então, modificar

seus padrões de vestuário, o que é causa e consequência de seu ganho de autoestima. A

roupa funcionaria, assim, como um elemento de integração social acompanhado da adoção

de valores tais como sobriedade e higiene. O visual ordenado também estaria associado à

possibilidade de conquistas materiais e a valorização da constituição de família. Como se

pode depreender por um comentador da época, a mudança de vestuário poderia ser o fato

simbólico gerador, passível de motivar a constituição a posteriori do arcabouço de valores.

[...] todo trabalhador pode estar apropriadamente vestido; durante suas horas de

lazer, a sobrecasaca pode substituir o avental, e em ocasiões solenes ele veste um

terno preto sem sacrifício financeiro. O aparente vício do luxo é realmente bom. O

37 BARBUY, Heloísa. A cidade-exposição: comércio e cosmopolitismo em São Paulo, 1860-1914. Edusp,

2006. 38 BAUDRILLARD, Jean. O Sistema dos Objetos. São Paulo, Perspectiva. 1997.p. 86

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trabalhador se comportará de acordo com o que veste; ele vai ao café, lê, evita o

cabaré, e abandona o dormitório comum por um quarto apenas seu, assim que pode.

Ele sonha com mobília assim que adquire um guarda-roupa, e com uma família uma

vez que a mobília está disposta em seu sótão. Para ele, a limpeza e o conforto são

o começo da moralidade...”39

Pode-se refletir sobre a afirmação da Condessa de Bassanville que declara que

“roupas são para o corpo o que a educação é para o corpo.40 Autora de um dos manuais

de etiqueta produzidos no século XIX, a condessa traduz nessa frase a necessidade de

uma postura de conformidade que deve ser adotada por quem pretende ser aceito

socialmente por determinados círculos sociais. Também as mulheres funcionavam como

sinal de distinção uma vez que suas roupas acomodavam uma variedade de elementos

decorativos, cores, detalhes, além das joias. A elegância de uma mulher poderia ser

indicativa da posição social de seu pai, marido ou mesmo amante. Portanto, para as

mulheres não se aplicaram as mesmas regras de modéstia e comedimento.

A padronização industrial fez com que os detalhes assumissem maior

importância como elementos que permitiam distinguir indivíduos em função de seu status

social e econômico. Modos e gestos ganham nuances que pedem do observador o

conhecimento de códigos sutis, uma vez que origem, títulos e nascimento não mais

estabeleciam com clareza as posições sociais. Também no mundo do trabalho se

estabeleceram padrões reconhecíveis. Assim como os trabalhadores das fábricas

utilizavam aventais, profissionais como contadores e advogados adotaram a combinação

de calça, paletó e gravata. O terno, essa invenção inglesa, foi amplamente adotado em

outros países, a princípio na Europa e depois estabelecendo uma influência mais

abrangente.

As classes altas não mais tinham seus territórios exclusivos nos palácios, nos

cassinos ou nas praias, tendo havido, portanto, uma aproximação na convivência entre

indivíduos de estratos que antes não compartilhavam espaços de circulação ou lazer. A

qualidade de confecção de um terno poderia, então, ser identificada pelo olho instruído,

como sinal de pertencimento a determinado grupo privilegiado. Também a etiqueta, as boas

39 Lemann, De l´Industrie dês vêtements, p. 34-35. In Idem Perrot, Philippe. Fashioning the bourgeoisie: a

history of clothing in the nineteenth century. Princeton University Press, 1994. p. .74 40 de BASSANVILLE, Countess Anaïs. La Science du monde. Politesse, usages, bien-être. 1859. p.87.

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maneiras, permitiam, assim como o modo de falar, identificar quem estava habilitado à

convivência em um determinado círculo.

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2.2. O dândi negro primordial – um breve comentário

Mesmo com as distâncias temporais e as distinções estilísticas que separam a obra

brasileira do retrato de Jean-Baptiste Belley [figura 30], este é um antecedente que também

concilia dimensões biográfica, simbólica e histórico-política, além de nos apresentar a figura

de um dândi nos padrões do século XVIII.

O uniforme de representante do povo veste Jean-Baptiste Belley com as cores da

revolução em tonalidades pálidas. O pintor detém-se ao trançar voltas de tecido acetinado

pela cintura e a envolver de brancura sedosa o pescoço. O lenço plastrom, típico elemento

da estética dândi, coloca em evidência o rosto contemplativo do homem grisalho exibido

em três quartos, com seus lábios grossos, testa alta e nariz largo. A elegância está também

no amarelo da calça que repete a gola interna, levantada junto ao pescoço, e no dourado

dos botões da casaca justa que modela os músculos do braço. Uma das mãos segura um

chapéu, que pende no canto inferior da tela, em contraponto à escultura, trazendo

ornamentação de tecidos e plumas que ecoa o tema tricolor. Embora o dandismo seja

reconhecível na incorporação de elementos de vestuário herdados de Brummel, os brincos,

comuns na representação de africanos e descendentes nascidos na Europa ou nas

Américas, acentuam sua identidade de estrangeiro.

Jean-Baptiste Belley nasceu no Senegal e cedo foi vendido como escravo na colônia

francesa de Santo Domingo, atual Haiti, conseguindo anos depois comprar sua liberdade.

Participou da Revolução Americana de 1779, ao lado de outros homens negros livres de

cor. Foi eleito como representante da colônia na Assembléia Nacional Francesa. Assumiu

a tarefa de defender o princípio republicano da igualdade entre os indivíduos residentes nas

colônias e os da metrópole, enfrentando franca oposição daqueles indispostos a perder

poder na mais valiosa possessão francesa.

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Figura 30 Jean-Baptiste Belley, 1797 Anne-Louis Girodet-Trioson (1767–1824) Óleo sobre tela 159.1 x 111 cm Musée national des châteaux de Versailles et de Trianon, Versailles

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Figura 31 Mungo Macaroni, 1772 Artista desconhecido, publicado por M. Darly Gravura sobre papel Yale Center for British Art, New Haven

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Em 1797, ano em que Girodet realiza a pintura, Belley já concluiu seu mandato como

deputado. O pintor insere no fundo da tela, colunas de fumaça, em alusão aos conflitos da

revolução de 1791. O pintor faz, desse modo, referência aos combates testemunhados pelo

militar, apesar de preferir fazer predominar um tom pacificador para representar o homem

conhecido como Mars Belley, em alusão ao deus da guerra por sua bravura em combate.

A revolução em Santo Domingo teve caráter único no mundo por ter sido feita por africanos

e descendentes e dando origem posteriormente ao Haiti, primeiro país fundado por ex-

escravos e seus descendentes fora da África.

Belley apoia o braço na base que suporta o busto de mámore branco do filósofo

François Raynal que defendeu a emancipação gradual dos escravos. As cabeças de Raynal

e Belley, situadas à mesma altura na tela, estão voltadas para direções opostas. Os de

Belley parecem se dirigir ao futuro, cujas promissoras possibilidades ele ajudara a construir.

Vale lembrar que o dândi negro não é uma figura inaugurada pelo retrato de Belley,

sendo Julius Soubise [figura 31]. Nascido no Caribe, Soubise, escravo levado à Inglaterra

quando criança, onde sob a proteção de uma duquesa foi instruído sobre os hábitos

sofisticados da nobreza, exemplificados em suas habilidades como cavaleiro e esgrimista,

que contribuíram com sua notoriedade. Soubise era produto da convergência de fatores

históricos específicos dentre os quais se destacam a espetacularização dos chamados

escravos de prestígio e o crescimento da comunidade negra na Inglaterra.41

41 MILLER, Monica L. Slaves to Fashion: Black Dandyism and the Styling of Black Diasporic Identity. Duke

University Press, 2010.

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2.3. Dândis artistas: Degas e Manet

Encontramos a figura do dândi na representação de artistas durante o século

XIX e início do XIX tanto nos retratos como nos autorretratos. Edgar Degas [figura 32] nos

fornece um exemplo em seu último autorretrato, obra da Fundação Gulbenkian, no qual

aparece a meio corpo, de casaca, colete, gravata de laço, empunhando uma cartola e que

segura com a mão descalçada que segura uma de suas luvas, à maneira do Timótheo

representado por Chambelland. Degas demarca o fundo com a ajuda de verticais e o divide

entre uma área vermelha, que diferencia um espaço interno, e uma abertura para uma vista

externa, remetendo assim à tradição renascentista do retrato. Vislumbramos terra e céu

cinzento definidos em grandes pinceladas. A expressão do rosto de trinta anos, como em

tantos outros autorretratos do artista, é de quase indiferença, e o olhar dirigido ao

observador é complementado pelo gesto de saudação que faz com a cartola, enquanto

guarda os dedos da outra mão elegantemente no bolso. Este retrato também exibe a

desenvoltura social produto de suas origens, enquanto o alinha com o protótipo do dândi,

um tanto entediado, um pouco alheio, mas pronto a participar de conversas nas quais caiba

a manifestação de suas opiniões precisas e críticas.

À semelhança do retrato de Ticiano [figura 34], Degas insere luvas nas mãos da

figura. Do italiano tido como “pintor dos príncipes”, Degas parece adotar também o

relaxamento e da figura, que não perde por isso em elegância em nenhuma das pinturas.

Na verdade a pose de Ticiano é citada por Degas no retrato que faz de seu avô Rene Hilaire

De Gas [figura 33], em obra que evidencia a linhagem burguesa do artista, filho de um

banqueiro Degas, como o amigo Manet, fazia parte da elite francesa.

Também o retratado veneziano acompanhava as modas de seu tempo, o que é

evidenciado pela execução cuidadosa do penteado, as joias de ouro, os delicados

acabamentos da camisa e as luvas. Degas exibe um acessório de ouro junto ao colete e

nos mostra a delicadeza do botão na camisa branca engomada. A minúcia que dedica à

fatura das mãos e mesmo à definição dos traços do rosto, pálido na testa e rosados nas

bochechas, não aplica ao braço que aparece à nossa direita, definido em traços soltos,

contra o fundo.

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Figura 32 Autorretrato, 1863 Edgar Degas Óleo sobre tela, 92,1 x 69 cm Museu Calouste Gulbenkian, Lisboa

Figura 33 Hilaire De Gas, 1857 Edgar Degas Óleo sobre tela, 53 x 41 cm Musée D´Orsay, Paris

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Figura 34 Retrato de homem, chamado homem com luvas, c. 1520 Tiziano Vecellio, dito Ticiano Óleo sobre tela, 100 x 89 cm Louvre, Paris

Em ambas, os gestos e a postura e o vestuário são os dados indicativos da

identidade dos retratados, em obras em que não há a presença de objetos ou elementos

decorativos que funcionem como atributos complementares. O retrato psicológico de

Ticiano nos induz a contemplar a melancolia do olhar do jovem refinado, assim como Degas

nos faz inquirir sua expressão quase enigmática, que dá uma medida contida à saudação

amistosa.

A frase de Degas a seguir, parte de seus diários, escrita três anos após a

realização da obra, é indicadora de seus interesses em apresentar seus retratados em

situações e poses habituais, buscando a melhor tradução de sua identidade a partir do rosto

e também do corpo: faire des portraits des gens dans des atitudes familière et typiques,

surtout donner à leur figure les mêmes choix d’expression qu’on donne à leur corps42. House

42 HOUSE, John. Toward a “modern” Lavater? Degas and Manet. In Percival, Melissa, and Graeme

Tytler. Physiognomy in Profile: Lavater's Impact on European Culture. University of Delaware Press, 2005. p.180-197

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destaca outro trecho do diário do artista em que trata dos estudos de cabeça criados para

exemplificar uma determinada emoção:

Faire de la tête d’expression (style d’académie) une étude du sentiment moderne –

c’est du Lavater, mais du Lavater plus relatif, en quelque sorte – avec symboles

d’acessoire quelquefois43.

O autor argumenta que ainda que o Essai sur la physiognomonie de Lavater não

tivesse uma circulação tão ampla e acessível, a disseminação de textos sobre fisiognomia,

citando o autor eram bastante disseminados na segunda metade do século XIX. Não é

difícil imaginar o interesse, ou pelo menos curiosidade, de um pintor com grandes

habilidades para o retrato pela fisiognomia e seus objetivos em conhecer o caráter dos

indivíduos a partir de traços exteriores e movimentos. Lavater indica, ainda, as

possibilidades de obter informações pela observação de roupas, moradias e mobiliário.

Essa perspectiva ambientalista pressupunha a atenção aos hábitos, às ocupações e se

aplicava as teorias de Hippolyte Taine relacionadas à raça e ao meio, que seriam fatores

determinantes do comportamento.

Degas integrava-se o grupo que orbitava ao redor de Edouard Manet, do qual fazia

parte também Edmond Duranty, estudioso das teorias fisionômicas, e teórico do Realismo.

Duranty escreveu sobre a necessidade de apresentar os indivíduos em suas casas, na rua,

em suas situações sociais. Para ele, corpo e todos os tipos de gestos podem expressar

status, temperamento e a época corrente, sendo as pessoas indissociáveis de seu entorno.

Defende ainda que uma profissão e circunstâncias têm efeito sobre sua fisionomia. Apesar

de reconhecer a importância de Lavater, reconhece que a fisionomia pode reduzir o olhar

a estereótipos e induzir ao erro quem pretende conhecer um homem pela mera análise de

seus traços faciais.

Para House, a tradição renascentista do retrato que coloca enfatiza os marcadores

externos de status, surge revisada e representada por acessórios que se combinam ao

rosto para constituir a caracterização, nos fazendo pensar sobre o cenário e acessórios

mobilizados ao redor de Timótheo. Degas e Duranty acreditavam ser possível traduzir

assim o caráter único de um indivíduo e, ao mesmo tempo, explicitar que tipo de pessoa é.

O retrato de M. Louis-François Bertin é um exemplo de apresentação de uma personalidade

43 Idem p.180.

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que traduz simultaneamente uma verdade de caráter mais geral, uma vez que é visto como

a imagem do burguês típico, e veremos como Chambelland realiza o retrato de Oliveira

Lima com resultados similares.

O retrato que Manet faz de Zola [figura 35] chega a ser criticado por dar igual

importância aos acessórios e ao rosto, apesar das obras do pintor, e também de Degas,

dedicarem grande importância aos traços faciais. Um exemplo é o retrato de Duranty feito

por Degas [figura 37], em que os livros e o gesto indicativo de atividade intelectual não

traem a atenção dada ao rosto, evidenciado pelo estudo o Metropolitan [figura 38].

No pastel Fisionomias Criminais [figura 39] Degas mostra jovens acusados de três

assassinatos brutais que resultou em um julgamento amplamente divulgado pelos jornais.

O artista escolhe o perfil para que o observador identifique com facilidade em Émilie Abadie,

um dos acusados que tinha apenas dezenove anos, a testa baixa, a cabeça grande, o

queixo forte e os lábios cheios, traços relacionadas pelas teorias da época como as que

revelavam as características atávicas de criminosos, características ausentes no segundo

acusado, Pierre Gille, de dezessete anos, que, se não portava as mesmas feições, deveria

creditar sua criminalidade à forças externas a seu ambiente.

Degas, assim como Duranty, desejava atualizar Lavater, buscando na observação

moderna insights para o realismo de suas obras. Já foi apontado que personagens de

Degas, tais como cantoras de cabaré, prostitutas e bailarinas exibem o queixo recuado ou

o nariz proeminente, associados à pequena inteligência, sensualidade e fraqueza, aí

incluído o bronze da pequena bailarina de quatorze anos44. Esse conjunto de obras pode

ser visto como um retrato cru da sociedade francesa, vista a partir de ângulos, os menos

favoráveis. Nesse sentido há paralelos entre os interesses de Degas e as vertentes da

pintura brasileira de inclinações naturalistas/realistas, como veremos.

44 DRUICK, D e ZEGERS, P. Scientific Realism: 1873 – 1881. In BOGGS, Jean Sutherland. Portraits by

Degas. No. 2. Univ of California Press, 1962. p.197-211

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Figura 35 Edouard Manet Emile Zola, 1868 Óleo sobre tela, 146.5 x 114 cm Musée d'Orsay, Paris

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Figura 36 Edgar Degas Retratos na Bolsa de Valores, 1878-1879 Óleo sobre tela, 100 x 82 cm Musée d’Orsay, Paris

Figura 37

Edgar Degas Retrato de Edmond Duranty, 1879 Pastel e tempera, 100 x 100 cm Burrell collection, Glasgow

Figura 38 Edgar Degas Retrato de Edmond Duranty, 1879 Carvão sobre papel, 30,8 x 47,2 cm Metropolitan Museum, Nova York

Seu autorretrato pode ser visto como uma representação dos costumes de um grupo

social, representativo de sua época. Degas parece olhar para o burguês entre a admiração

e a ironia, apresentando-se para o escrutínio de outros. Da mesma maneira em que ao

executar os retratos na Bolsa de Valores [figura 36] alia à representação da elegância dos

homens e da vivacidade do ambiente, figuras grotescas para registrar sua aversão a esse

aspecto do mundo burguês. Como um dândi que se preza Degas se imagina a transitar

com autonomia em meio à elite, como observador que não se contamina ou se deixa conter

pelas convenções sociais regradoras.

Se por um lado a pose de Arthur remete diretamente à Whistler, parece ser o

interesse de Chambelland por estas tendências realistas/naturalistas observáveis em

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Degas que orienta a busca de soluções para execução de sua pintura, tanto no caso de

nosso retrato como em outras obras, como veremos mais adiante.

Figura 39 Edgar Degas Fisionomias criminais, 1881 Pastel, 48 x 63 cm Coleção particular

O autorretrato de Degas se aproxima em sua representação de elegância às

imagens de dândi que Henri Fantin-Latour cria no retrato de Édouard Manet [figura 40],

portanto apresentando mais um artista dândi, e no retrato de Manet, de Antonin Proust.

Henri Fantin-Latour pinta o retrato de Manet quando o nome do pintor já era bem conhecido

no cenário francês. Fantin escolhe mostrar Manet como o artista dândi, flâneur,

representado contra um fundo neutro, replicando o que vemos em obras do próprio Manet,

produto de sua admiração por Velazquez a quem denominava “o pintor dos pintores”. Essa

representação parece ter causado surpresa pelo que depreendemos da leitura das

palavras de crítico anônimo sobre suas impressões ao ver a obra:

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O Sr. Fantin-La Tour está mostrando um retrato muito distinto do... Sr. Manet... o

criador de Olympia. Eis então! Esse homem jovem, correto, bem enluvado, que

alguém poderia imaginar ser membro do contexto das corridas de cavalo, é na

verdade o pintor do gato negro, cuja fama se espalhou em uma onda de ridos, e

quem alguém poderia ter imaginado como um estudante de arte de cabelos longos45

O homem elegante não corresponde às expectativas desse observador que tinha

em mente uma imagem mais boêmia para o artista rebelde, autor da Olympia, que se exibe

junto ao seu gato, encontrando recepção intensa e negativa no Salão de 1865. A obra é

exibida no Salão de 1867, ano da morte de Baudelaire, amigo com quem conviveu

proximamente. É também ano em que Manet reúne mais de cinquenta de seus trabalhos

em um pavilhão que constrói, com seu próprio dinheiro, próximo à entrada principal da

Exposição Universal, com o objetivo de atrair um público para sua arte. Realiza assim uma

exposição apartada do Salão, que já o havia rejeitado, e exibe de modo independente

Déjeuner sur l’herbe, entre outras obras .

A imagem faz jus ao homem sofisticado e elegante, filho de um oficial do

Ministério da Justiça da França, o juiz em posição de maior evidência no país, que podia

transitar confortavelmente entre a burguesia aristocrática. Sua postura de não

conformidade está contida de modo mais sutil e intelectualizado na imagem de dândi

flâneur, o artista que observa com distanciamento o movimento da vida moderna. Fantin

escreve uma mensagem junto à assinatura, dedicando à obra ao amigo Manet. Dessa

forma, declara sua afinidade ao artista controverso que, apesar de naquele ano ter se

recusado a submeter qualquer pintura ao Salão, acaba estando de certa forma presente

por meio de seu retrato. Neste mesmo ano, Émile Zola havia afirmado que o futuro seria de

Manet, e antecipou que Déjeuner um dia faria parte do acervo do Louvre, o que veio a

ocorrer cerca de setenta anos depois. Uma exposição, em 2011, do Museu D’Orsay

denominada Manet, o homem que inventou a Modernidade, testemunha a importância do

pintor na arte de seu tempo e na que veio a seguir.

45 In STURGIS, Alexander. Rebels and martyrs: The image of the artist in the Nineteenth Century. Yale

University Press, 2006. p.120.

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Figura 40 Retrato de Manet, 1867 Henri Fantin-Latour Óleo sobre tela, 117,5 X 90 CM The Art Institute of Chicago, Chicago

Figura 41 Retrato de Antonin Proust, 1880 Édouard Manet’s óleo sobre tela, 129,5 x 50,9 cm Toledo Museum of Art, Toledo

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O retrato que Manet faz de seu amigo de infância Antonin Proust [figura 41] traz

marcantes similaridades com a obra de Fantin-Latour. Ambos estudaram juntos no atelier

de Couture, mas Proust seguiu carreira como jornalista e crítico, atuando também no campo

político. Foi eleito ao Parlamento e, posteriormente, chegou a ocupar brevemente a cadeira

de Ministro de Belas Artes, período em que nomeou Manet como Cavaleiro da Legião de

Honra. Proust também veio a escrever uma biografia de Manet. O retrato é indicador das

afinidades de gosto e maneiras existentes entre os dois amigos e, possivelmente, a

apreciação de Manet pelo retrato que lhe fez Fantin-Latour. Antonin posou por diversas

vezes e Manet recomeçou a obra por mais de vinte vezes, quando finalmente conseguiu

realizar uma versão quase integralmente durante um encontro, ao surgir o retrato quase de

uma vez. A obra foi enviada ao Salão de 1880 onde recebeu críticas mistas, sendo as

negativas dirigidas a uma percepção de que a execução seria crua, sem apuro no

acabamento.

Essas duas obras, das décadas de 1860 e 1880, traduzem uma perspectiva

de representação masculina da segunda metade do século XIX, que reforça imagens de

superioridade aristocrática do dândi em apresentação impecável.

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2.4.. Os dândis Jacques-Émile Blanche

A identidade dândi se define, em muitos sentidos, por ambiguidades. A

aparência sofisticada e a violência de seu wit, sua natureza aristocrática e a crítica às

convenções, são exemplos. Mas também a estética por vezes feminilizante faz parte da

construção de imagens sexualmente ambíguas.

Figura 42 Um Dândi desmaiando, 1818 Isaac Cruikshank Gravura sobre papel Chazen Museum of Art, University of Wiscosin-Madison

Um exemplo dessa conotação em nota cômica é a gravura Um dândi

desmaiando [figura 42] de um dos irmãos Cruikshank que dedicaram muitas de suas

caricaturas à critica ao dandismo inglês do início do século XIX. O grupo ocupa um box de

ópera e vemos através da cortina um castrato cantando no palco. Os que acodem o homem

que desmaia, tomado de emoções provocadas pela performance, dizem frases dramáticas

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como estou tão assustado que mal posso parar em pé, enquanto um eles segura um frasco

de água de colônia na tentativa de trazê-lo de volta aos sentidos. Toda a cena remete à

feminilidade, seja pela referência ao excesso de acessórios indicados pelos chapéus e

echarpes sobre o sofá e no chão, seja pelas reações e gestos, ou pela própria alusão ao

cantor eunuco. A imagem traduz a percepção do dândi como o homem cultivado, de

performance exagerada, mas também faz referência ao desejo homossexual e a uma

sexualidade vista como transgressora.

Oscar Wilde seria o exemplo mais óbvio do dândi homossexual, assim como

João do Rio no Brasil. Mas também Whistler, que ridicularizava Wilde quando a sua

homossexualidade tornou-se pública, pode ser visto segundo esta perspectiva da

sexualidade ambígua. Neste trecho vamos analisar os retratos masculinos de Jacques-

Émile Blanche, que conviveu com Wilde e Whistler, e traz em suas obras a marca dessa

ambiguidade. Seus retratos se aproximam em suas soluções compositivas da pintura de

Chambelland, por vezes pelo posicionamento do corpo ou das mãos, mas, sobretudo, pela

elegância das personagens.

Esse retratista francês, filho de um conhecido médico, recebeu pouca educação

formal no campo das artes, tendo sido em certa medida um autodidata. Foi um atento

observador das obras de Manet, James Tissot e John Singer Sargent, além de ter convivido

proximamente com Degas, Renoir, Giovani Boldini, Marcel Proust e James Joyce. Seu

relacionamento com os círculos londrinos foram constantes a partir da metade da década

de 1880, cultivado por viagens anuais e registrado nos retratos que realizou de intelectuais

e artistas residentes na cidade. Além de suas participações em Salões parisienses entre

1882 e 1889 e na Société Nationale des Beaux-Arts, contribuiu na organização do Salon

des Indépendants na Galerie Georges Petit, em 1884.

Esses círculos sociais, profissionais e afetivos estão registrados nos muitos

retratos que realizou de escritores e artistas e nos relatos de suas memórias. Também a

pintura André Gide e seus amigos no Café Mourisco da Exposição Universal de 1900 [figura

55], exemplificam à maneira de Fantin-Latour antes dele e Timótheo em Alguns colegas, o

sentido agregador dos encontros entre artistas. O retrato individual que faz de Gide [figura

56] repete o chapéu mole do artista boêmio e o coloca em pose similar à de Arthur na obra

de Chambelland.

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A cidade de Dieppe na Normandia, próxima da qual Blanche possuía uma

residência, funcionou como um ponto de encontro entre artistas franceses e ingleses nas

décadas de 1880 e 1890. Ali Blanche retratou o escritor Aubrey Vincent Beardsley [figura

43], em seu habitual costume cinza, sentado e visto a meio corpo, levemente voltado para

a esquerda do observador. Blanche faz uma imagem de delicadezas que se repetem nos

traços do rosto, na pequena boca desenhada, nas mãos pequenas que terminam em dedos

finos que seguram com leveza a bengala com detalhe metálico. Uma flor rosa na lapela

acentua a suavidade da imagem, assim como a linha que divide o penteado ao meio, e

depois segue alinhada aos botões do colete. As peças de roupa se interligam pela

uniformidade de tons. Ao fundo, uma paisagem bastante abstrata apoia a parte inferior do

corpo em manchas marrons, que se mesclam na parte superior a tons acinzentados e

verdes.

Blanche realizou um retrato do dândi exemplar, símbolo do esteta aristocrático e

escritor diletante, o Conde Robert de Montesquiou-Fezensac [figura 46], que lhe foi

apresentado por Whistler, que foi, por um período, importante mecenas para o artista. A

imagem concentra a atenção nos bigodes encerados portados por muitos dândis, em um

enquadramento que privilegia a cabeça. O pintor italiano Boldini, seu amigo, retratou o

conde em uma obra que guarda semelhanças com o retrato de Beardsley nas escolhas

cromáticas [figura 47], na posição do corpo e também da bengala, que aparece como um

cetro nas mãos do escritor, talvez por ironia do pintor, que se descrevia como o soberano

das coisas transitórias. Montesquiou também é retratado por Whistler na obra Arranjo em

Preto e Dourado: Conde Robert de Montesquiou-Fezensac [figuras 45]. A atmosfera de

penumbra e o uso dos punhos e luvas como pontos de luz são alguns dos elementos de

identificação entre a obra e o retrato de Arthur.

O pintor inglês Charles Conder [figura 50] também era dos artistas que

compartilhou estadas com Blanche em Dieppe. Retratado em sua casa londrina por

Blanche, aparece emoldurado pelo amarelo das paredes e pelo floral dos estofamentos,

representados de modo ligeiro. Sentado, segura o braço da cadeira, cruza as pernas e dá

o perfil agudo ao observador. Vemos ainda frações de quadros suspensos na parede,

embora não seja possível identificar o que representam. O rosto traz as sobrancelhas

erguidas, o olhar distante, talvez marcado por certa indiferença. Os cabelos passam em

comprimento as orelhas e estão levemente desalinhados, ajudando a compor a espontânea

elegância da obra. O terno marrom é acompanhado por um colete bege, uma gravata

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Figura 43 Aubrey Vincent Beardsley, 1895 Jacques-Émile Blanche Óleo sobre tela, 92,6 x 73,7 cm National Portrait Gallery, Londres

Figura 44 Sir Coleridge Kennard sentado no sofá, ou o Retrato de Dorian Gray, 1904 Jacques-Émile Blanche Óleo sobre tela, , 117 x 95 cm Coleção particular

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clássica e uma camisa branca de gola engomada, indicador de aprumo, que repete o

branco dos punhos da camisa entrevistos sob o paletó.

Um de seus retratos mais conhecidos é o de Marcel Proust [figura 48] que o

mostra aos vinte e um anos. O jovem dândi é apresentado frontalmente, quase como uma

figura hierática, vestido de preto diante de um fundo de tons semelhantes. A síntese do

pintor faz com que a palidez da pele fique contida pela oval que delineia o rosto, o que faz

de modo parecido no retrato de Jean Cocteau [figura 49], os tons claros se repetem na

camisa e na gravata em uma representação estática e contundente.

Os tons escuros da composição encontram seu oposto no retrato de Harry Melvill

[figura 51], no qual o pintor repete a pose de corpo sentado e orientado à direita do

retratado, com as pernas cruzadas. O olhar tranquilo de Melvill parece nos engajar em um

diálogo, enquanto as mãos aguardam um gesto. Aqui as pinceladas, pouco visíveis no

retrato de Proust, parecem criar texturas no tecido da vestimenta clara e informal,

arrematada por uma gravata borboleta de seda estampada. Melvill era um ator que teve um

breve envolvimento com Oscar Wilde no final da década de 188046. A semelhança da pose,

favorita do pintor e similar também nos retratos de Granville-Barker, e Beerbohm, tem na

figura de Georges Porto-Riche o acréscimo da posição da mão que sustenta o rosto, como

em nosso retrato,

O retrato de Sir Coleridge Kennard [figura 44] apresenta um homem refinado

de beleza delicada. A obra foi encomendada pela mãe de Kennard, Sra. Carew, amiga de

Oscar Wilde, que, aliás, encomendou o monumento funerário sobre o túmulo de Wilde no

Père Lachaise. A obra desagradou a encomendante por ser abertamente alusiva à

homossexualidade de seu filho. Kennard concordou que a obra fosse exposta desde que

seu nome não fosse revelado. Por isso, o retrato foi exibido com o título Retrato de Dorian

Gray, sendo o nome da personagem de Wilde um código para homossexualidade em

determinados círculos47.

46 McKENNA, Neil. The secret life of Oscar Wilde. Basic Books, 2006. P.129-130. 47 EVANGELISTA, Stefano, ed. The Reception of Oscar Wilde in Europe. Bloomsbury Publishing, 2010. P.84.

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Figura 45 Arranjo em Preto e Dourado: Conde Robert de Montesquiou-Fezensac, 1891-1892 James McNeill Whistler Óleo sobre tela, 208,6 x 91,8 cm Frick Collection, Nova York

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Figura 46 Robert de Montesquiou Jacques-Émile Blanche Óleo sobre tela, 78 x 54 cm Coleção particular

Figura 47 O Conde Montesquiou, 1897 Giovanni Boldini Óleo sobre tela, 116 x 82,5 cm Musée d´Orsay, Paris

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Figura 48 Retrato de Marcel Proust, 1892 Jacques-Émile Blanche Óleo sobre tela, 73,5 x 60,5 cm Musée d`Orsay, Paris

Figura 49 Jean Cocteau,1913 Jacques-Émile Blanche Óleo sobre tela, 205 x 111 cm Musée des Beaux Arts, Grenoble

Figura 50 Retrato de Charles Conder, 1904 Jacques-Émile Blanche Óleo sobre tela, 110,8 x 86,4 cm Tate Gallery, Londres

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Figura 51 Retrato de Harry Melvill, 1904 Jacques-Émile Blanche Óleo sobre tela, 99,1 x 79,4 cm University of Oxford Collection, Oxford

Figura 52 Sir Max Beerbohm, 1903 Jacques-Émile Blanche Óleo sobre tela, 100.8 cm 82.1 cm Ashmolean Museum - University of Oxford

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Figura 53 Harley Granville-Barker, 1930 Jacques-Émile Blanche Óleo sobre tela, 103.8 106.4 cm National Portrait Gallery - London

Figura 54 Retrato de Georges Porto-Rich Jacques-Émile Blanche, 1889 Óleo sobre tela, 100 x 65 cm Coleção particular

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Figura 55 André Gide e seus amigos no Café Mourisco da Exposição Universal de 1900, 1901 Jacques-Emile Blanche Óleo sobre tela, 156 x 220 cm Museu de Belas Artes de Rouen, Rouen

Figura 56 Jacques-Emile-Blanche Retrato de André Gide, , 1912 Óleo sobre tela, Musée des Beaux-Arts de Rouen, Rouen

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3. Dândis e boêmios da Primeira República

3.1. O Dandismo de João do Rio e de Baudelaire

o dandismo é um sol poente; como o astro que declina,

é magnífico, sem calor e cheio de melancolia48

Quando James Tissot realiza O Círculo da Rua Royale [figura 57] para retratar

os membros de um seleto clube masculino, a França está prestes a deixar o Segundo

Império (1852 – 1870). Não por acaso essa obra, que revela extremo cuidado com a

representação do vestuário de cada um dos elegantes homens presentes, foi realizada

por um filho de comerciante de roupas e chapéus. O último à direita é Charles Haas, que

veio a ser a inspiração de Marcel Proust para sua personagem Swann. Cartolas,

bengalas, gravatas, sapatos brilhantes e o branco das camisas revelam o status social do

grupo que reúne marqueses, condes, um barão e também um príncipe. O relaxamento é

composto e as posturas sugerem gestos polidos e elegantes.

A Paris visitada por Carlos Chambelland e Arthur Timótheo da Costa é a da

França da Terceira República (1870 – 1940); portanto, não é a mesma habitada pelo

Tissot do Circle, mas uma cidade que testemunhou o colapso do Segundo Império,

assistiu à emergência de um sentido de unificação das províncias constituintes da nação,

acompanhou o movimento expansionista francês por meio da incorporação de colônias

na Ásia e na África, assim como testemunhou os setenta e dois dias da experiência da

Comuna de Paris, em 1871. Essa era a Paris do Le Bon Marché e seus departamentos

dedicados ao consumo e da promessa de felicidade das senhoras.

48 BAUDELAIRE, Charles. O pintor da vida moderna. Autêntica. São Paulo. 2010.

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Figura 57 James Tissot O círculo da Rua Royal, 1868 Óleo sobre tela, 174,5 x 280 cm Musée d'Orsay, Paris

O redesenho do espaço urbano comandado pelo Barão Haussmann foi

concluído em 1870 após quase vinte anos de empreitada, apresentando a nova face

geometrizante e simétrica da cidade traçada em amplos bulevares, praças, obras de

saneamento e parques renovados. Essa nova cidade que se modernizava buscando uma

nova personalidade arquitetônica, abraçou os subúrbios, agora arrondissements, queria

apagar os problemas de saúde de impacto coletivo e abrir caminho para o fluxo crescente

provocado pelas transformações trazidas pela época. Era também a cidade que já desde

a metade do século XIX havia desenvolvido uma cultura de boemia, onde estudantes

sonhavam ser artistas e escritores.

A indústria avançou provocando fluxos migratórios e a massificação

impactou o modo de vida. Ainda assim, o dândi persistia. Surgido originalmente como

uma movimentação da aristocracia francesa para reafirmar sua proeminência tradicional,

encontra outros sentidos no final do século. O habitante da cidade agora enfrenta a

multidão e naquele contexto o dandismo poderia ser visto como negação da

padronização. Marcar a diferença é o reverso da massificação, e o dandismo

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representava uma forma radical de rejeição a todo tipo de uniformização. O dândi

preserva sua individualidade usando a máscara da indiferença. Ele cultiva o gosto do

disfarce e da ilusão, daí sua preocupação com detalhes da indumentária, como luvas,

chapéus, bengalas, echarpes, etc, marcas de distinção que evidenciam sua natureza

distinta e especial. O dandismo, por vezes, também lança mão do celibato ou da vida

sexual libertária, além da ociosidade, como mecanismos de resistência à moral da família

burguesa. O dandismo ao estetizar o comportamento, aproxima-se do ideal da arte pela

arte.

Figura 58 Salão de 1914 Edgar Parreiras, Moysés da Silva, Miguel Capllandi, Antonio Mattos, Pedro Bruno, Guttmann Bicho, Arthur Timótheo, J. B. Bordon, Aníbal Mattos, Adalberto Mattos e Jorge Lubre. Álbum de fotografias de artistas brasileiros e estrangeiros. Acervo da Biblioteca Nacional.

Observando uma foto que registra artistas presentes no Salão de 1914, no Rio

de Janeiro [figura 58], podemos supor que esses homens nasceram em berços distintos

daqueles que marcaram as origens dos dândis representados por Tissot. No entanto, algo

os faz semelhantes: um desejo de elegância, expresso nos trajes e na altivez. Este é

outro dandismo, não o aristocrático, mas aquele que permite aos homens inventarem a

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si mesmos e a moldarem suas próprias imagens, independentemente de suas classes de

origem ou condição de nascimento.

Vale lembrar que quando Beau Brummel, o dândi prototípico, ouve de um

cavalheiro a afirmação de que se pudesse vetaria a presença de todos os vendedores e

criados que se introduzem na boa sociedade, ele responde placidamente que seu pai foi

um empregado muito bem qualificado e manteve sua posição por toda a vida49,e que,

portanto, ele mesmo tinha uma origem sem traço da aristocracia ou nobreza. O dândi,

que dizia ao príncipe regente o que vestir, era o símbolo de uma elegância moderna

disponível àqueles desprovidos de sangue azul. Seu pai havia sido uma espécie de

funcionário público, secretário de um lord e seu avô, um alfaiate, confeiteiro ou criado.

Sua resposta traduz seu entendimento de que seu pai não se arvorou a ocupar posições

sociais que não a sua. O próprio Brummel, no entanto, não apenas circulava entre a

nobreza, mas também era seguido pela aristocracia que reconhecia valor em seu gosto

um padrão a ser imitado, apesar de sua origem social. O dândi traduziria a possibilidade

do uso da vestimenta como manifestação de respeito próprio, invenção e cultivo de si,

que qualquer um pode alcançar.

Charles Baudelaire afirma que o dandismo seria uma espécie de religião

dedicada a acabar com o trivial que existe no mundo, sendo o dândi aquele que teria um

espírito aristocrata, distinto em natureza da burguesia com seus valores preponderantes.

Ele vincula o dandismo a épocas em que ocorrem transições sociais, heroico, porém

decadente, que engaja homens sem vínculos de classe e que poderiam estabelecer uma

aristocracia nova e diferente.

O dandismo não é sequer, como parecem acreditar muitas pessoas pouco

sensatas, um amor desmesurado pela indumentária e pela elegância física. Para

o perfeito dândi essas coisas são apenas um símbolo da superioridade

aristocrática de seu espírito. Por isso, a seus olhos ávidos antes de tudo por

distinção, a perfeição da indumentária consiste na simplicidade absoluta, o que é,

efetivamente, a melhor maneira de se distinguir. Que é, pois, essa paixão que,

transformada em doutrina, conquistou adeptos dominadores, essa instituição sem

leis escritas, que formou uma casta tão altiva? É antes de tudo a necessidade

49 HARVEY, John. Homens de preto. UNESP, 2003. p.38.

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ardente de alcançar uma originalidade dentro dos limites exteriores das

conveniências(...) É o prazer de provocar admiração e a satisfação orgulhosa de

jamais ficar admirado.50

Em Flores do mal, responde à transitoriedade com uma melancolia consciente da

perda irrecuperável do passado. O poeta trata do lugar do artista em uma sociedade

burguesa obcecada pelo progresso, e o dândi se apresenta como alguém capaz de

transitar nesse contexto, ao mesmo tempo em que se constitui como indivíduo refratário

às convenções que regem a vida urbana burguesa.

Na fotografia, Timótheo aparece entre seus pares, em um grupo no qual podemos

identificar interessantes variações do figurino da época. Nas cabeças, todas cobertas,

encontramos dois chapéus de palhinha de tipo boater, diversos modelos de feltro como o

trilby de Adalberto Mattos ou o coco usado por Arthur, Parreiras e Bordon51. Apenas

Aníbal Mattos exibe uma cartola, que se faz acompanhar de colete claro e gravata ascot,

criando um conjunto que se destaca pela formalidade. Arthur opta pelo mesmo modelo

de gravata que arremata com um alfinete. Há outras de laço, borboleta e clássica que

imaginamos em diferentes cores ou tons, sugeridos pelas variações que vemos em sépia.

Algumas calças apresentam risca de giz, como a de Timótheo, outras são lisas, e surgem

acompanhadas por paletós de abotoamento simples ou duplo, ou casacas como os

modelos de Pedro Bruno, Jorge e Arthur. Coletes curtos e lenços de bolso complementam

o vestuário, assim como as bengalas portadas por três dos retratados, o brilho nos

sapatos, e também a polaina de Antonino Mattos.

Arthur Timótheo ocupa com sua baixa estatura uma posição central no

grupo, e vemos sua baixa estatura em meio às poses que oscilam entre medidas de maior

ou menor descontração e espontaneidade. Parreiras dá as costas ao fotógrafo, optando

por se apresentar em meio a uma espontânea interlocução com Moysés da Silva,

enquanto Guttmann Bicho cruza os braços ao segurar um cigarro. Pedro Bruno compõe

sua pose com ajuda da bengala, enquanto Aníbal Mattos parece convicto de sua

50 BAUDELAIRE, Charles. Sobre a modernidade. Paz e Terra, 1996. p. 48. 51 Tratando sobre a moda entre 1868 e 1914, Boucher descreve os tipos de chapéu presentes na moda

criada em Paris e difundida pela Europa e pelas Américas. A cartola ou chapéu haut-de-forme é considerado um acessório da elite até meados da segunda década do século XX. O chapéu coco, conhecido também como cape é usado no dia a dia, e nunca em situações formais. Os chapéus de feltro flexiveis são ainda mais informais em seu uso, portados pela manhã e em viagens, e cotava com número menor de adeptos. Os chapéus de palha tem uso amplo, sendo o panama mais comum durante viagens. In BOUCHER, François. História do vestuário no ocidente. São Paulo: Cosac Naify, 2010. P.394

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elegância que não dispensa um anel no dedo mindinho e uma corrente atravessando o

peito, que pode pela ponta sustentar um relógio ou um monóculo à maneira do

personagem de João do Rio, Barão Belfort.

A foto que exibe um grupo do Salão do ano anterior [figura 59] traz muitas

semelhanças. Arthur ensaia sua pose apoiado a uma bengala, sem, no entanto, exibir a

convicção de seu irmão João. Carlos Chambelland aparece bem ao seu lado, enquanto

Rodolpho Chambelland ladeia João. Alguns nomes se repetem em ambas as fotos, porém

na mais recente o conjunto de poses parece mais expressivo, talvez mais intencional;

certamente, o grupo se apresenta mais aprumado e elegante.

Nas fotografias em que figuram nossos dândis, vive-se a belle-époque do Rio

de Janeiro reformado que desejava ser europeizado e civilizado, fascinado com a Europa,

envergonhado do Brasil, em particular do Brasil pobre e do Brasil negro52. Esse Rio

reinventado pela República tornava ainda mais marcada a segmentação social, fazendo

com que diferentes setores ficassem separados espacialmente na trama da cidade. As

personagens que vemos na foto são transeuntes de uma cidade que submetida ao que

se denominou “Regeneração”, ou popularmente “Bota-abaixo” devido às demolições

levadas a cabo para criar uma paisagem urbana condizente com o projeto de uma

imaginada civilização, expressa em uma vida cosmopolita incompatível com a herança

colonial.

O Brasil entrou – e já era tempo – em fase de restauração do trabalho. A higiene,

a beleza, a arte, o “conforto” já encontraram quem lhes abrisse as portas dessa

terra, de onde andavam banidos por um decreto da Indiferença e da Ignomínia

coligadas. O Rio de Janeiro, principalmente, vai passar e já está passando por uma

transformação radical. A velha cidade, feia e suja, tem os seus dias contados53.

A empolgação do comentário de Olavo Bilac traduz as elevadas expectativas

quanto à transfiguração do país, melhor expressa em sua capital que aspirava tornar-se

um moderno centro urbano, apagando o estilo de vida da colônia e a cidade velha.

52 CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que näo foi. Companhia

das Letras, 1999. P.41. 53 BILAC, Olavo. Crônica, RK, janeiro de 1904. In SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões

sociais e criação cultural na Primeira República. Vol. 3. Brasiliense, 1983. P. 42.

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Figura 59 Salão de 1913 Archimedes Silva, Guttmann Bicho, Adalberto Mattos, Arthur Timótheo, Carlos Chambelland, Moreira Junior, Christophe, João Timótheo, Rodolpho Chambelland, Alvim Menge, Arnaldo de Carvalho, Nicolina Vaz de Assis, Rodolfo Pinto do Couto e Navarro da Costa. Álbum de fotografias de artistas brasileiros e estrangeiros. Acervo da Biblioteca Nacional.

Para Sevcenko, mais do que o espaço público a transformação era de mentalidade

e de modo de vida sendo quatro os princípios fundamentais que regeram essa

metamorfose:

1. A condenação dos hábitos e costumes ligados à sociedade tradicional;

2. A negação dos elementos de cultura popular que pudessem macular a imagem

civilizada da sociedade dominante;

3. Uma política de expulsão dos grupos populares da área central da cidade,

destinada ao desfrute das camadas aburguesadas;

4. O desenvolvimento de um cosmopolitismo agressivo, identificado com a vida

parisiense.54

54 SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República.

Vol. 3. Brasiliense, 1983. P. 43.

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A nova identidade desejada era cosmopolita, demandava novos padrões de

consumo, novos espaços urbanos e uma imagem social em que a herança afro-brasileira

dos habitantes recebesse novos significados.

A belle-époque se inicia em 1898 com o a gestão de Campos Sales que cria

condições para que os interesses das elites regionais agroexportadoras se estabeleçam

novamente, e o começo de um período de estabilidade após as jornadas revolucionárias.

Neste novo clima surgem as possibilidades para que a cidade seja palco de uma a vida

urbana elegante. Para Needell, duas permanências são especialmente notáveis em meio

às mudanças trazidas por esse momento de transição entre séculos: o controle exercido

pela elite e sua expressão sociocultural, gerando o que ele denomina de sentimento de

continuidade aristocrática. O autor fala sobre estruturas duradouras, adaptadas a

circunstâncias instáveis: locais exclusivos para articulações e alianças, valores que se

mantêm em meio a mudanças sociais, econômicas e políticas.55

Vale lembrar que as reformas tinham como objetivo o afrancesamento da

cidade para que ela pudesse ser, também, um portão de entrada capaz de impressionar

capitalistas, projetando uma imagem europeia que os convencesse de seu caráter

civilizado. Vias amplas e longas como a Nova Avenida Central, as praças e jardins eram

o símbolo dessas ambições, acompanhadas por novos padrões de consumo de produtos

importados, obras de saneamento da cidade, bem como a disseminação de edifícios de

arquitetura monumental. Essas fantasias civilizatórias carregavam em si a condenação

de elementos identificados como brasileiros.

Abraçar a Civilização significava deixar para trás aquilo que muitos na elite carioca

viam como um passado colonial atrasado, e condenar os aspectos raciais e

culturais da realidade carioca que a elite associava àquele passado.56

O Carnaval, herança do Brasil africano, por exemplo, causava vergonha à elite,

que imaginava poder eliminá-lo assim como apagava as ruas estreitas e as vielas

escuras.

José Murilo de Carvalho ao escrever Os Bestializados57, escolhe como

subtítulo O Rio de Janeiro e a República que não foi. A nova República imaginou uma

55 NEEDELL, Jeffrey D. Belle époque tropical: sociedade e cultura de elite no Rio de Janeiro na virada do

século. Companhia das letras, 1993. 56 Idem. p.70. 57 Carvalho, José Murilo de. "Os bestializados." São Paulo: Companhia das Letras (1987): 160.

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cidade ideal para ser sua capital, sem desejar, no entanto, vê-la povoada por cidadãos.

O autor se pergunta ao longo da obra por que o projeto republicano inviabilizou a

consolidação da cidadania.

O Estado aparece como algo a que se recorre, como algo necessário e útil, mas

que permanece fora do controle, externo ao cidadão. Ele não é visto como produto

de concerto político, pelo menos não de um concerto em que se inclua a

população. É uma visão antes de súdito que de cidadão, de quem se coloca como

objeto da ação do estado e não de quem se julga no direito de a influenciar.58

João do Rio talvez seja o escritor que com maior colorido nos apresenta os

contornos desse momento habitado pelos artistas de nossas fotografias, as chaves de

compreensão do universo dandista brasileiro, sendo ele mesmo um dândi. Em sua

diversidade de vestimentas, os grupos de nossas fotos parecem saídos de um de seus

textos:

A rua fatalmente cria o seu tipo urbano como a estrada criou o tipo social. Todos

nós conhecemos o tipo do rapaz do largo do Machado: cabelo à americana, roupas

amplas à inglesa, lencinho minúsculo no punho largo, bengala de volta, pretensões

às línguas estrangeiras, calças dobradas como Eduardo VII e toda a snobopolis do

universo. Esse mesmo rapaz, dadas idênticas posições, é no largo do Estácio

inteiramente diverso. As botas são de bico fino, os fatos em geral justos, o lenço

no bolso de dentro do casaco, o cabelo à meia cabeleira com muito óleo. Se formos

ao largo do Depósito, esse mesmo rapaz usará lenço de seda preta, forro na gola

do paletó, casaquinho curto e calças obedecendo ao molde corrente na navegação

aérea - calças a balão.

Esses três rapazes da mesma idade, filhos da mesma gente honrada, às vezes até

parentes, não há escolas, não há contactos passageiros, não há academias que

lhes transformem o gosto por certa cor de gravatas, a maneira de comer, as

expressões, as ideias - porque cada rua tem um stock especial de expressões, de

ideias e de gostos.(...)

Oh! Sim, a rua faz o indivíduo, nós bem o sentimos59

58 Idem,146-147. 59 Extraído de João do Rio, A Rua, publicada na Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro em 29/10/1905, IN.:

RIO, João do. A alma encantadora das ruas. Org. Raúl Antelo. São Paulo: Cia. das Letras, 1997. Col. Retratos do Brasil. p. 66 - 68

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Seu modo de percorrer, observar e interpretar a cidade é moderno, como o flanar

descrito por Baudelaire, e revela as ambiguidades produzidas pela reforma inspirada em

Haussmann e iniciada por Pereira Passos, em 1904. O Rio de Janeiro se constituía,

então, em um cenário para a encenação da modernidade:

(...) João do Rio enfoca as transformações da cidade diante do script por meio do

qual a sociedade imaginava absorver as representações do moderno e do

cosmopolita na percepção do espaço urbano decidido de forma cênica ou teatral.60

Da mesma maneira, João do Rio manipulava sua própria imagem. Mais do que

admirador de Oscar Wilde, João do Rio foi seu tradutor na edição brasileira de O Retrato

de Dorian Gray, obra lançada em 1923, na qual figura um protagonista dândi, e para o

cronista o melhor livro de ficção já escrito. Também os modos de trajar de Wilde foram

admirados e adotados por escritores do início do século XX. Além do próprio João,

Guilherme de Almeida, Elísio de Carvalho e Olavo Bilac são exemplos do que Gentil de

Faria chama de epidemia de dandies. O autor destaca uma passagem de uma dedicatória

de livro escrita por Elísio de Carvalho, em que descreve João do Rio wildezando a figura

do brasileiro:

A Paulo Barreto, o artista bizarro, atormentado e cintilante, admirável como

Jean Lorrain e paradoxal como Oscar Wilde, seus mestres, voluptuoso, requintado,

perturbante e decadente, nostálgico como um lírio e impulsivo como um bárbaro,

ao mesmo tempo místico como Verlaine e pagão como D´Annunzio, a imaginação

fulgurante ávida sempre das sensações do raro e do imprevisto, que se tornou o

historiógrafo estranho da alma encantadora das ruas, e melancólico analista da

escola dos vícios, o psicólogo sutil, e às vezes cruel, das religiões, das crenças e

dos cultos de nossa cidade, o cronista elegante, e o mais singular, das luxúrias,

das perversões, das vesânicas, das sensualidades, das bizarias inconfessáveis e

das grotescas vaidades da nossa gente.61

60 BOUÇAS, Edmundo. João do Rio – atuações do Corpo-viajante. Lumina – Facom/UFJF – v.4, n.1, p.45-

56, jan./jul. 2001 – www.facom.ufjf.br. 61 FARIA, Gentil Luiz de. A presença de Oscar Wilde na" belle époque" literária brasileira. Editora Pannartz,

1988. P. 184.

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Em outro momento, Elísio compara João do Rio a um dândi afirmando que o

escritor levaria a vida requintada narrada na crônica parisiense, além de reproduzir, a

elegância, o ceticismo do dândi enfastiado da época e do meio em que vive.62

Esse tédio também é encontrado em Baudelaire, para quem o dândi é uma

figura melancólica da Modernidade. As promessas da razão não resultaram no mundo

utópico imaginado, e a falência da Revolução se deu como consumada, após a derrota

da comuna em 1848. Aos olhos de um morador de Paris na segunda metade do século

XX, a cidade era cenário para o circular anônimo pelos bulevares e novas formas de

consumo. A modernidade seria caracterizada por uma transitoriedade em que grande

beleza pode ser encontrada, mas ao mesmo tempo sua obra aponta para o sentido de

decadência que também é seu produto.

Essa sensibilidade que vai marcar a produção decadentista francesa também pode

ser observada no Brasil. Levin explicita a relação existente entre o dandismo de João do

Rio e o Decadentismo:

O decadentismo, sugerindo ao poeta o uso de temas mórbidos e perversos, ao

lado do dandismo, pelo qual se destaca a independência dos sentimentos,

equivalem a duas faces de uma mesma moeda, já que ambos permitem ao escritor

extrair da artificialização dos procedimentos um sentido místico.63

O Decadentismo traz em seu bojo certa melancolia e Chambelland escolhe uma

pose sugestiva da representação de disposições melancolicas para a imagem de Arthur

Timótheo como dândi. A mão que apoia o rosto tem seu antecedente mais conhecido na

gravura Melencolia I, de Dürer [figura 60]. No Renascimento, a melancolia presente nos

indivíduos dominados pelo humor corporal da bile negra, produzida pelo baço, e por

Saturno.64 É vista como afecção dos espíritos excepcionais, podendo se manifestar de

62 CARVALHO, Elysio de. As modernas correntes estéticas na literatura brasileira. RJ: Garnier, 1907. P.84 63 LEVIN, Orna Messer. As figurações do Dândi: um estudo sobre a obra de João do Rio. Editora da

Unicamp. SP, 1996. p.66. 64 A predominância de cada humor resultaria em diferentes temperamentos e tipos psicológicos, além de

se relacionar a planetas, sendo Saturno, ou Cronos, o regente dos humores melancólicos caracterizados pela falta de desejo e ânimo entristecido. O melancólico deve lutar contra males a que estaria mais propenso, como a loucura e a preguiça. Essa teoria humoral que surge com Hipócrates é renovada na Idade Média e no Renascimento, transformando-se na época moderna em uma concepção da melancolia como perturbação mecânico-nervosa-psíquica caracterizada pelo desinteresse pelo mundo externo.

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três diferentes maneira: a melancolia imaginativa, representada na gravura e que seria

própria dos artistas; a que se concentra na razão típica dos filósofos e cientistas; e a que

se concentra na mente e que se relaciona aos que investigam a lei divina e o caminho de

salvação da alma.65 A imagem da gravura seria, então, um retrato do temperamento de

Dürer como artista, de modo específico, e símbolo da condição intelectual do artista, em

geral. A cabeça do melancólico precisa ser apoiada mediante o peso das reflexões sobre

a vida.

Freud, em Luto e Melancolia, distingue dois tipos de melancolia. Uma seria positiva

e traria em si a possibilidade de cura mediante a passagem do tempo, e poderia ser fruto,

por exemplo, de uma perda significativa que gerou a condição de enlutamento. A negativa

teria um caráter de maior permanência, estando vinculada a uma sensação de vazio

desconectada de qualquer evento específico. Walter Benjamin, que se definia como

saturnino, identifica em Charles Baudelaire uma transposição de sua melancolia para

suas obras, em uma forma de duelo criador.66

Baudelaire escolhe o título O Spleen de Paris para um de seus livros, o que sugere

o sentido de melancolia, o mal daquele século, provocado pelo temperamento do

indivíduo ou pela vida nas cidades modernas. Spleen, originalmente baço em inglês,

designa a dor melancólica do artista, herói privado e moderno, que busca autonomia.

Esse spleen é antes a apatia do homem impotente diante da limitação de açãoo do

homem contra a realidade de um mundo exterior em declínio.

Para Chateaubriand, a melancolia do dândi possui uma dimensão existencial

e ao descrevê-lo diz que deveria ter “olhar profundo, sublime, perdido, fatal, lábios

contraídos por desdém à espécie humana, coração entediado, byroniano, afogado no

desgosto e no mistério do ser”.67 O retrato de Whistler feito por Paul Cesar ecoa a pose

e a adota como emblema do dândi [figura 61].

O dândi é uma personagem típica da literatura decadente68 e com frequência é na

história o elemento de passado duvidoso, homem sem ocupação, que aconselha outras

65 LAGES, Susana Kampff. Walter Benjamin: tradução e melancolia. EdUSP, 2002. P.42. 66 BENJAMIN. Walter. Charles Baudelaire um lírico no auge do capitalism. 1. Ed. São Paulo: Brasileinse,

1989. – (Obras Escolhidas III; v.3). 67 BOUCHER, François. História do vestuário no ocidente. São Paulo: Cosac Naify, 2010. P.334. 68 Adotamos aqui a perspectiva que concebe Simbolismo e Decadentismo como tendências integradas,

surgidas quase ao mesmo tempo, sendo o Decadentismo um pouco anterior. Faria acredita que a

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personagens, responsável por induzir outros a ações de valor moral duvidoso, ou é o que

serve de exemplo quanto aos modos de comportamento social, as boas maneiras. Acima

de tudo, é o frasista de impacto.69

Figura 60 Melencolia I, 1514 Albrecht Dürer Gravura, 24 x 18,5 cm Metropolitan Museum, Nova York

separação diiculta a classificação de obras e cita como exemplo o caso de Baudelaire, que pode ser visto como decadente, como classificado por Gautier, ou como primeiro escritor do simbolismo. Ver Faria p. 67. 69 Amâncio, protagonista maranhense do romance Casa de Pensão (1884), é um dos primeiros dândis da

literatura brasileira. O alfinete de esmeralda na camisa, os sapatos de verniz brilhante, bem como as joias chamativas como o anel de brilhante um grosso cordão de ouro, davam conta de sua elegância. Entre o tédio e o devaneio, deitava-se na rede, punha-se a sonhar com miragens parisienses, e com fantasias amorosas e a escrever poesias inspiradas por Byron.

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Figura 61 Retrato de Whistler, 1897 Paul Cesar Helleu Gravura sobre papel, 33,5 x 25,3 cm Freer Gallery, Washington D.C.

A flânerie de João do Rio não é exclusivamente a da elite pela Rua do Ouvidor,

e, em suas palavras, combina flanar com vadiar, o que faz com que suas obras criem a

sensação de transparência para a convivência de dois mundos. A metrópole paradoxal

fazia conviver a cópia do modelo europeu e o que permaneceu impresso na trama da

cidade de sua herança de desigualdades e precariedades, dimensão que as demolições

não alcançaram. O cronista percorre as áreas menos nobres da cidade, regiões tidas

como perigosas ou como espaço para o que se considerava perverso ou imoral. É

exemplo a narrativa desenvolvida pelo autor, homossexual, acerca dos encontros entre

homens nos parques do Rio de Janeiro, espaços que denominava “guardiões da

sensualidade.” A ambiguidade sexual e a natureza transgressora dos costumes

tradicionalmente associadas à figura do dândi se encaixava em João do Rio, que na

leitura conservadora da época era visto por alguns como um depravado moral. Em suas

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estadas na França encontrava ambientes em que podia com maior desenvoltura se

envolver em relacionamentos, sem o ônus dos insultos de que era alvo no Brasil.70

Ao mesmo tempo em que também trazia em sua obra indicadores da

admiração por Paris que marcou a virada do século, João do Rio apontava a tendência

do brasileiro em imitar padrões importados, enquanto questionava quando o brasileiro

viria a descobrir seu próprio país. Em uma crônica de 1916, portanto próxima em data à

fotografia de nossos artistas, João escreve que o Brasil seria o país da imitação. Indaga-

se sobre o que restaria do velho Rio antigo, tão característico. Lamenta que a cidade se

desvencilhe de suas tradições:

De súbito, da noite para o dia, compreendeu que era preciso ser tal qual Buenos

Aires, que é o esforço despedaçante de ser Paris, e ruíram casas e estalaram

igrejas, e desapareceram ruas e até ao mar se pôs barreiras. Desse escombro

surgiu a urbs conforme a civilização, como ao carioca bem carioca, surgia da

cabeça aos pés o reflexo cinematográfico do homem das outras cidades. Foi como

nas mágicas, quando há mutação para a apoteose. Vamos tomar café? Oh! filho,

não é civilizado! Vamos antes ao chá! E tal qual o homem, a cidade desdobrou

avenidas, adaptou nomes estrangeiros, comeu à francesa, viveu à francesa71

Nesse sentido, deseja que o homem do Rio possa enxergar o Rio, e não

primeiro moldá-lo para depois nele existir. Para João do Rio, há interesse naquela

paisagem e nos contrastes, em um modo de pensar semelhante ao de Baudelaire,

quando este estabelece uma distinção entre a dimensão eterna e a transitória de todas

as formas de beleza, que sempre se combinariam para constituir a modernidade. Não

haveria, portanto, uma beleza absoluta e eterna em sua natureza, sendo preciso observar

os elementos particulares e passageiros, bem como sua relação com as emoções.72

70 GREEN, James Naylor, Cristina Fino, and Cássio Arantes Leite. Além do carnaval: a homossexualidade

masculina no Brasil do século XX. Unesp, 1999. 71 RIO, João do. (2009). O velho mercado, in Cinematógrafo: crônicas cariocas. Rio de Janeiro: ABL.

(Coleção Afrânio Peixoto; p. 154. Disponível em:http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=11457&sid=729. 72 O autor também trata do tema em Sobre a Modernidade: “O belo é constituído por um elemento eterno,

invariável, cuja quantidade é excessivamente difícil determinar, e de um elemento relativo, circunstancial, que será, se quisermos, sucessiva ou combinadamente, a época, a moda, a moral, a paixão. Sem esse segundo elemento, que é como o invólucro aprazível, palpitante, ape- [página 10] ritivo do divino manjar, o primeiro elemento seria indigerível, inapreciável, não adaptado e não apropriado à natureza humana. Desafio qualquer pessoa a descobrir qualquer exemplo de beleza que não contenha esses dois elementos.” In Baudelaire, Charles. Sobre a modernidade. Paz e Terra, 1997. p. 10.

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Nessa perspectiva, o pintor deve ser o filósofo e flâneur que observa o mundo ao seu

redor, pintor do circunstancial e de tudo o que este sugere de eterno. A modernidade

residiria, por isso, no efêmero que se combina ao imutável para constituir a arte. O escritor

francês convida seus leitores a se indagar sobre a beleza daquele contexto, relacionada

às emoções novas pertencentes àquele tempo, e que devem ser encontradas por artistas

que se aventurem a ir além dos temas oficiais impostos por suas encomendas. É nos

temas privados que o heroísmo pode de fato ser encontrado na vida da cidade, na

atmosfera que ele descreve como maravilhosa e que envolve a todos, mesmo que as

pessoas nem sempre se deem conta disso. Afinal, para Baudelaire:

O prazer que obtemos com a representação do presente deve-se não apenas à

beleza de que ele pode estar revestido, mas também à sua qualidade essencial de

presente.73

João do Rio reconhece a afirmação de que haveria uma similaridade entre

todas as cidades modernas.

O progresso, a higiene, o confortável nivelam almas, gostos, costumes, a

civilização é a igualdade [...] as damas ocidentais usam os mesmos chapéus, os

mesmos tecidos, o mesmo andar, assim como dois homens bem vestidos hão de

fatalmente ter o mesmo feitio da gola do casaco e do chapéu74

O Brasil é um país intensivo no acompanhamento...

- Porquê?

- Porque é o país da imitação.

- Não exageres.

- Não há terra igual. Podes tomar as adaptações que são a origem da Moda

transitória nas capitais civilizadas, podes pegar dos negros do interior da África,

que imitam os brancos das expedições. Diante do brasileiro, ficam todos longe.

Neste país não há nada original. E quando há, imediatamente deixa de ser, pela

fúria da imitação. 75

73Baudelaire, Charles. Sobre a modernidade. Paz e Terra, 1997. p. 8. 74 Rio, João do. (2009). O velho mercado, in Cinematógrafo: crônicas cariocas. Rio de Janeiro: ABL.

(Coleção Afrânio Peixoto; pp. 153. Disponível em: http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=11457&sid=729. 75 Peixoto, N. A. (2001). Crônicas Efêmeras. João do Rio na Revista da Semana. São Paulo: Ateliê Editorial.

p.113.

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O autor se reconhece como imitador, e afirma: O figurino é a observação

contemporânea. Eles existem e se multiplicam no gênero chic parisien. Todas as modas

fáceis pegam – o chapéu panamá, o romance naturalista, os vestidos sans dessous, o

analfabetismo. Tudo é cada vez mais figurino. João aborda hábitos de vestuário em

ascendente sofisticação da elite carioca e como a moda denota a posição social dos

indivíduos. Sua matriz é antes Oscar Wilde do que o Baudelaire de O Pintor da Vida

Moderna, que provavelmente não havia lido76, embora ambos apontem para elementos

constitutivos do que se denominou Modernidade.

Para Baudelaire, é na moda, transitória por natureza, que a ideia que o homem

tem do belo imprime-se em todo o seu vestuário, torna-se sua roupa. O autor trata da

vestimenta do herói moderno, o homem de seu tempo sofrido, que veste sobrecasaca

preta, símbolo de um luto eterno. Ele descreve uma procissão de agentes funerários

mudos no amor, na política, em suma, burgueses mudos, em referência a que o escritor

relaciona a cor predominante das roupas masculinas à obsessão de seu tempo com a

morte, e faz com que essas roupas sejam as adequadas e necessárias ao seu tempo.

Esta indumentária possuiria uma beleza política e também uma beleza poética por ser

expressão da sociedade igualitária que se buscou e que se demonstra na diferenças

mínimas no corte das roupas e também na uniformidade dos tons de preto, branco e

cinza.

João do Rio reconhece que seu dandismo tem matriz em outra parte, e quando

adquire consciência dessa dinâmica de cópia de preferências e gestos se denomina a

imitação de moléstia moral do século. Percebe como algo unifica o gosto dos indivíduos

nas metrópoles em uma “espécie de cooperativa de atitudes alheias”, vendo a si mesmo

como um snob entre outros tantos dos ambientes em que circulava.

Segurando a bengala com o cartão para baixo, o tub no alto da cabeça, a luva, o

gesto exatamente como qualquer outra pessoa em evidência desde o rei da

Inglaterra ao menino Brulé do Athnée, eu caminhava como o gordalhudo príncipe

Orloll, crispava o beiço num sorriso de desprezo americano, e ia por ali, como toda

76 BRANDÃO, Gilda Vilela. João do Rio: o homus cinematographicus. Revista Rio de Janeiro. Rio de

Janeiro: UERJ, n. 20-21, 2007. P.196

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gente chic, espécie de cooperativa de atitudes alheias, atacado da grande e

fundamental doença: a fúria imitativa, a macaquice universal

(...)

É a imitação consecutiva e permanente, a macaquice desesperada mas como que

regularizada no próprio desespero, que faz a moda, a transformação uniforme das

populações no uso dos chapéus, no corte dos vestidos, é a mesma imitação que

faz nos quartéis a mudança de fardamento, cria opiniões e tendências, põe em

foco certos tipos, inventa certas maneiras de estar e pensar, é a mesma lei que

rege o snobismo e guia de fato a terra – é a lei do figurinismo 77

Para João do Rio, o snob lamenta sua nacionalidade ao mesmo tempo em que

não pode assumir outra para definir uma identidade mais valorosa: imitam, mas não

podem se transformar naquele a quem imitam. Ele afirma o ridículo do esnobe, sendo sua

maior vulgarodade sua vergonha de ser brasileiro.78

João do Rio aborda a imitação do estrangeiro, e trata sobre as experiências do

homem que viaja. O que nos faz pensar sobre as expectativas e vivências dos artistas

premiados com períodos de permanência na Europa. A desterritorialização seria uma

marca de modernidade, propiciadora de um viver desconectado da própria língua,

circulando como homem superior, cosmopolita e civilizado.79

Em João do Rio, encontramos o flâneur que, segundo Antelo, é a nêmesis do

burguês: o contrário do burguês não é o proletário e sim o boêmio.80 Já o dândi:

produz constantemente sua segregação. Ele, cujo ideal social é a esterilidade,

gera, sem parar, traços que o distingam equidistante do pobre e do rico.81

Daí o desprezo pela classe média:

Nas sociedades organizadas há uma classe realmente sem interesse: a média, a

que está respeitando o código e trapaceando, gritando pelos seus direitos,

77 RIO, João do. Psicologia Urbana. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1911. p.69.

78 GOMES, Renato Cordeiro. João do Rio: vielas do vício, ruas da graça. Rio de Janeiro: Relume Dumará,

1996, p. 224. 79 ANTELO, Raúl. João do Rio: o dândi e a especulação. Livrarias Taurus-Timbre Editores, 1989. P.82-83. 80 Idem, p.14. 81 Idem, p.74

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protestando contra os impostos e carestia da vida, os desperdícios de dinheiros

públicos e tendo medo aos ladrões. Não haveria forças que me fizessem prestar

atenção a um homem que tem ordenado, almoça e janta à hora fixa, fala mal da

vizinhança, lê os jornais da oposição e protesta contra tudo.82

João do Rio demonstrou, em seus textos, sua posição favorável à

modernização e dedica um olhar crítico à adoção de padrões importados e a negação do

que reconhecia como brasileiro. Atacava, portanto, a burguesia, grupo que constituía seus

leitores, sendo que suas críticas se dirigiam também às suas limitadas capacidades de

apreensão. Em seu discurso de ingresso na Academia Brasileira de Letras, aponta para

as limitações do público para o relacionamento com a arte elevada. Afirma que “as

pequenas inteligências” não se elevam às altitudes de compreensão necessárias para

alcançar o sublime, o que é apresentado pelos gênios, neste mundo que não é divino

para todos só porque nem todos o podem ver. Para a maioria faltaria pureza, e, portanto,

a sina do artista seria não se deixar dominar pela massa, cabendo a ele ignorar a opinião

dos incultos e seguir em sua missão de revelar a verdade.83

O dandismo seria um modo de cultura que se caracteriza por dinâmicas de

oposição que contrapõem a frivolidade à seriedade, a toalete ao culto do belo, e idealismo

contra pragmatismo. Busca antes impor a norma ao invés de segui-la, pautado pelo gosto

e não pelo dever. O dândi apela ao frívolo para se opor ao sério e aos valores do

progresso; luta contra o pragmatismo, defendendo o idealismo; despreza a cultura,

cultivando a agudeza.

Essa ideia de insubmissão permeia também a obra Mocidade Morta, de

Gonzaga Duque. Para Levin, os artistas do romance que se reúnem nos cafés e

tabacarias da cidade, apesar de verem frustrada sua ambição de realizar uma exposição,

evidenciam uma identidade idealista para o artista que desvincula sua ocupação do

82 RIO, João do. Crônicas e frases de Godofredo de Alencar. Lisboa: Bertrand, 1920.

p.125-126 83 Estão nestas palavras a arte e a razão dos grandes poetas – caminhos da perfeição, auroras das almas.

As pequenas inteligências, porém, não ascendem jamais a tais altitudes de compreensão. Escapa-lhes sempre a aptidão para o “sublime” das pedras iluminadas, ignoram a dor profunda que a história pré-natal das grandes obras mostra nos ideais e nos sentimentos que os gênios vão adivinhando, neste mundo que não é divino para todos só porque nem todos o podem ver. E principalmente por falta de pureza para admirar aqueles que são os decifradores da perplexidade da natureza, donos das chaves do entendimento, dos sentidos, encaminhadores dos humanos no desejo do Além que é a verdade... texto na íntegra disponível em http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=8407&sid=261

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convívio social, inscrevendo sua existência num horizonte superior, onde ele figura acima

do mundo burguês.84 Para a autora, a arte se configuraria em uma criação sagrada

alcançável apenas pelos espíritos sensíveis, os artistas em sua natureza elevada e

destinados a um papel iluminador. Mas esse distanciamento do leitor consistiria em um

afastamento apenas simbólico com a burguesia:

Balzac, Baudelaire, Barbey e outros modelos de irreverência intelectual do século

XIX frequentaram os salões da sociedade como quem participa de uma tribo que

se veste extravagantemente, tem costumes próprios e cultiva um gosto particular

pela decoração. (...) Falsearam a ruptura com burguesia através do estilo de vida

adotado e da constituição de um público de especialistas.85

No texto O Pintor da Vida Moderna, Baudelaire apresenta Monsieur G,

modelado a partir do artista Constantin Guys pintor, aquarelista e ilustrador conhecido

pelas cenas urbanas, dos parisienses elegantes, e também das prostitutas. O texto escrito

em 1859 foi publicado originalmente no Le Figaro apenas em 1863, ano do Salon de

Refuses, e depois integrado na coletânea intitulada L´art romantique.

O heroísmo que o autor atribui ao seu artista ideal relaciona-se à atitude de

questionamento aos valores institucionais da academia. O autor afirma que essa

personagem que percorre a cidade em busca da “modernidade”, deve extrair da moda

qualquer elemento que permita destilar o eterno do transitório86, associando sua

imaginação para que possa ir além da mera representação fiel da realidade imediata.

Nesse sentido, diferencia-se do flâneur realista, a quem faltaria uma natureza filosófica.

Baudelaire afirma que desejaria chamar G. de dândi, termo que ele acredita

se prestar a descrever o indivíduo que possui a compreensão sutil de todo mecanismo

moral deste mundo, mas ao artista faltaria a insensibilidade do dândi, substituída por uma

personalidade de natureza apaixonada. G. também não seria possuidor do tédio possuído

ou desejado pelo dândi.

A atitude moderna do francês se estabelece na incorporação da dimensão da

experiência sensível do artista ao domínio da arte, deixando em segundo plano a

84 LEVIN, Orna. As figurações do dândi: um estudo sobre a obra de João do Rio. Centro de Memoria

Unicamp, 1996. P. 68. 85 Idem, p. 71. 86 BAUDELAIRE, Charles. Sobre a modernidade. Paz e Terra, 1997. p. 24.

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valorização das tradições do passado e entendendo que essa experiência se efetiva em

uma interação com a materialidade do mundo. Quando escreve em 1846 sobre o Salon

daquele ano, apresenta sua visão sobre o herói da vida moderna, e a necessidade de

criar novas tradições, assumindo desapego com relação ao passado. Defende que não

se deve idealizar o passado, mas sim reconhecer que cada época tem suas formas de

beleza, sendo, portanto, fundamental que seus contemporâneos possam reconhecer

quais seriam as de seu tempo.

As aquarelas de Guy denunciam seu poder de observação da moda como se

constituiu em seu tempo, registrando silhuetas e detalhes em voga, à semelhança dos

textos de Baudelaire, dedicados à celebração poética de personagens retiradas de cenas

das ruas. Dias sugere a comparação entre a pintura Na Rua, de Guys [figura 62], ao A

Uma Passante, de Flores do Mal.87 De fato, tanto na pintura como no poema, a atenção

recai sobre as figuras femininas, suas silhuetas, gestos, enquanto são observadas em

movimento no espaço da cidade.

VIII - A uma Passante

A rua em derredor era um ruído incomum,

Longa, magra, de luto e na dor majestosa,

Uma mulher passou e com a mão faustosa

Erguendo, balançando o festão e o debrum;

Nobre e ágil, tendo a perna assim de estátua exata.

Eu bebia perdido em minha crispação

No seu olhar, céu que germina o furacão,

A doçura que se embala e o frenesi que mata

Um relâmpago, e após a noite! - Aérea beldade,

E cujo olhar me fez renascer de repente,

Só te verei um dia e já na eternidade?

Bem longe, tarde, além, jamais provavelmente!

Não sabes aonde vou, eu não sei aonde vais,

Tu que eu teria amado - e o sabias demais!88

87 DIAS, Elaine. Charles Baudelaire e Constantin Guys - Arte e Moda no Século XIX. 19&20, Rio de Janeiro,

v. V, n. 4, out./dez. 2010. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/arte decorativa/baud_guys_ed.htm>. 88 BAUDELAIRE, Charles. As Flores do Mal (1857). SP: Circulo do Livro, 1995.

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Figura 62 Constantin Guys Na rua, c. 1860 Óleo sobre tela,. 0.24 x 0.325 Musée d'Orsay, Paris

O artista dândi pode representar cenas do mundo burguês, como fez João do

Rio ou Belmiro de Almeida em Arrufos. Sua sofisticação lhe permite o ingresso nessas

esferas, ao mesmo tempo em que se posiciona como o mediador entre o público e este

mundo rarefeito, dissimulando o efeito de encantamento que este exerce sobre si sob a

máscara do dândi sagaz, crítico. Sua elegância não é equivalente à das mulheres

adornadas dos salões. Traduz uma artificialidade que é a mesma que transformou a

paisagem do Rio de Janeiro, mas aplicada ao corpo, sendo o figurino, uma forma de

superação do atraso brasileiro.

O refinamento e a exclusividade de que o dândi se cerca oferecem o contraponto

às condições de atraso cultural vivido no Brasil. Com o dândi a literatura (...) inventa

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para si uma atmosfera elevada, tendo por parâmetro o ambiente requintado da

sociedade burguesa89.

Para Balzac, o dandismo estaria relacionado à vida elegante, e o autor divide

os homens em três tipos, ou classes, fazendo-as corresponder ao que chama de fórmulas

de existência distintas. O homem que trabalha é o da vida ocupada; o homem que pensa

é o da vida de artista e o homem que não faz nada, aquele da vida elegante.

O que ocupa as mãos é comparável a máquinas a vapor, este homem-

instrumento não é merecedor de admiração, mas sim de pena por ser uma espécie de

zero social. Pedreiros, soldados, agricultores, varejistas e escriturários, todos vulgares

em alguma medida. Também os médicos e advogados e o notário, embora um pouco

acima na escala social seriam também aparelhos, embora mais aperfeiçoados, mas suas

agendas e afazeres impedem que desenvolvam a esfera do pensamento. Nos limites da

vida ocupada estão os novos-ricos portadores de títulos de nobreza.

O homem habituado ao trabalho não seria capaz de compreender a vida

elegante. O artista seria o único a contrariar essa afirmação uma vez que seu trabalho

depende de ociosidade. Veste o que deseja, sejam trajes operários ou um fraque da

moda, e pode ter ou não dinheiro, não importa. Sua elegância é reflexo de sua grandeza

e não lhe pode ser imposta e a vida elegante é o modo perfeito em que a vida material é

revestida de nobreza, graça e gosto, em que se manifesta a ciência das maneiras,

adequada para um mundo onde as diferenças são menos marcantes o que faz com que

o saber viver, boas maneiras, elegância natural e educação podem resultar em uma

superioridade moral.

Interessante que Chambelland situe Arthur Timótheo como o artista

relacionado ao mundo interior e das ideias, um homem negro nascido em um país em

que a cor da pele por séculos esteve associada ao trabalho, quase sempre pesado e

obrigatório. O dândi de Chambelland é aquele que pode inventar a si próprio apesar da

pele, apesar de sua nação, apesar das promessas da República. Pode se dedicar a arte

ou ao ócio, pode, em sua elegância melancólica, contestar os valores burgueses, pode,

89 Apud. LEVIN, Orna. As figurações do dândi: um estudo sobre a obra de João do Rio. Centro de Memoria

Unicamp, 1996. P. 72.

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como os personagens de Gonzaga Duque sonhar com novos cenários artísticos,

sobretudo pode ser livre.

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3.2. A boemia e a representação do artista

Figura 63

Arthur Timótheo e Helios Seelinger no atelier deste em Paris. Álbum de fotografias de

artistas brasileiros e estrangeiros. Acervo da Biblioteca Nacional.

Se nas fotografias que vimos encontramos uma profusão de dândis, temos agora

um exemplo em que figura um outro tipo de personagem, comum na representação de

artistas: o boêmio. Arthur Timótheo aparece no atelier de Helios Seelinger, em Paris

[figura 63], ambos sentados no chão, diante de dois copos apoiados sobre um banquinho

dobrável e de uma garrafa sobre o chão. Segundo a legenda encontrada no álbum, tomam

uma droga qualquer. Seelinger tem um cigarro pendendo da boca, leva o que parece ser

uma boina sobre a cabeça, veste camisa, gravata de laço e colete, sem paletó. Arthur

segura um cachimbo com a mão esquerda, veste calças claras, camisa sem gravata ou

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paletó, e um tipo de chapéu utilizado por artistas, trabalhadores e indivíduos das classes

altas em momentos de lazer.90

A cena sugere uma informalidade, uma medida de camaradagem jovial, e certa

precariedade, adequada para a vida prototípica do estúdio do artista pobre, que vive à

margem dos confortos burgueses. Também sugere estudo e composição de uma cena,

a fim de apresentar aos artistas segundo os padrões de representação do boêmio, um

dos mais característicos e familiares tipos artísticos do século XIX e do início do XX. Um

exemplo de representação de artista como boêmio é a pintura Interior de Atelier, de

Octave Tassaert [figura 64]. Amuado no chão a personagem conta apenas com a

companhia de um gato, enquanto cozinha batatas. No chão, a maleta que guarda paleta

e pincéis, guarda também um cachimbo.

Figura 64 Interior de Atelier, 1845

90 Este modelo de chapéu é conhecido como newsboy cap, gatsby ou baker boy.

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Octave Tassaert Öleo sobre tela, 46 x 38 cm Musée du Louvre, Paris

A fotografia em que figuram Seelinger e Arthur Timótheo difere em quase tudo da

que nos apresenta Rodolpho Chambelland, feita por ocasião da exposição de Turim.

Rodolpho aparece em uma fotografia que o mostra montado em uma escada diante do

que é possivelmente a obra que realizou para Turim [figura 65], que hoje está

desaparecida. De avental, gravata de laço, segurando uma imensa palheta, surge no alto

reforçando a percepção do observador sobre a dimensão da pintura que realiza,

empreitada desafiadora que encara cercado de seus instrumentos.

Figura 65 Rodolpho Chambelland pintando painel, hoje desaparecido

Não é como boêmio que Chambelland escolhe apresentar Arthur, e também

não é como este escolhe se dar a ver em seus autorretratos, como veremos. Os retratos

que realiza de artistas em seus ateliês diferem das escolhas feitas pelo artista para

representar a si próprio. No retrato de Eduardo de Sá [figura 68], assim como em duas

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outras obras, uma de 1910 que ilustra um atelier francês [figura 67], e outra de 1918

[figura 66] em que um artista realiza uma obra similar ao retrato que lhe faz Chambelland,

nos são mostrados espaços de trabalho em plano mais aberto, onde vemos cavaletes,

tinas, escadas, nem sempre dispostos do modo mais ordenado. Parece ser valorizado

aqui o artista em ação, já que duas das personagens estão a pintar, e a terceira exibe um

objeto de seu uso. Nesses casos, é uma dimensão mais terrena dos artistas que se dá a

ver, o que contrasta com a visão mais simbólica ou idealizada das obras em que se

retrata.

Figura 66 No ateliê, 1918 Arthur Timótheo da Costa Óleo sobre tela, 158 x 195 cm Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo

Depois da estada em Paris, Arthur Timótheo da Costa e Carlos Chambelland

compartilham mais uma experiência no exterior ao participarem da ornamentação do

pavilhão do Brasil na Exposição Internacional de Turim, em 1911, a convite do governo

brasileiro. Nessa empreitada, de que participam também seus irmãos Rodolfo

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Chambelland e João Timótheo da Costa, bem como Oscar Pereira da Silva91, Manoel

Madruga, Lucílio de Albuquerque, Eugênio Latour, Eduardo Sá e Carlos Oswald.

Figura 67 Pintor no atelier, Paris, França, 1910 Arthur Timótheo da Costa Óleo sobre tela, 36 x 55,30 cm Acervo Instituto Cultural Sérgio Fadel, Rio de Janeiro

91 TARASANTCHI, Ruth. Exposição Turim 1911: Vestígios de uma Exposiçào Universal realizada na

Pinacoteca do Estado de São Paulo. 2014. O catálogo comenta a participaçào dos artistas brasileiros, identificando algumas das obras realizadas para a Exposição. A autora comenta a ausência de vestígios e evidências mais detalhadas que permitam um resgate mais completo do evento.

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Figura 68 Retrato do escultor Eduardo Sá, 1910 Arthur Timótheo da Costa Óleo sobre tela, 176 x 106 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro

Figura 69

Arthur Timótheo em seu atelier, Rio de Janeiro, 1913. Álbum de fotografias de artistas

brasileiros e estrangeiros. Folha no. 125. Acervo da Biblioteca Nacional.

O quarteto Chambelland/Timótheo da Costa chega a Paris em 1910 como

contratados do governo brasileiro.92 Na fotografia de Arthur Timótheo feita em Turim [figura

69], no atelier que compartilhava com colegas também responsáveis pela decoração do

pavilhão brasileiro, as obras operam como atributos centrais do artista que aparece de pé,

em pose de certa informalidade apesar do chapéu sobre a cabeça e da vestimenta que

conta com colete e paletó, ao invés do avental de trabalho. Arthur Timótheo está à vontade

em meio às pinturas, pequenas e grandes, que cobrem as paredes de alto a baixo.

Chambelland afirma que nesta viagem passou quase todo o tempo na Itália, mas que esteve na Bélgica e na França. Talvez Timótheo tenha sido companheiro nesta viagem a outros países, o que sugere ter sido nesta

ocasião que Arthur teve a oportunidade de realizar a cópia do estudo das cabeças de Rubens.92

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Escrevendo sob a perspectiva da história social da arte Arnold Hauser apresenta

sua visão sobre o dandismo. Para o autor, o dândi é o intelectual burguês removido de sua

classe social original e movido para outra superior. Hauser define o boêmio, por contraste,

como o artista que afundou no proletariado. No primeiro, encontraríamos elegância e

extravagância, enquanto no último, a depravação da vida boêmia, mas ambos se

contrapondo à trivialidade da vida burguesa. O dândi personifica as virtudes cavalheirescas

possíveis no tempo presente, nunca age com vulgaridade ou sobressalto, sendo “a última

revelação de heroísmo em uma era de decadência, um ocaso, um último e radiante raio de

orgulho humano”. 93

O boêmio parece ser uma figura complementar ao dândi e ao flâneur. Pode-se

defini-lo suas diferenças, sua dedicação à vida noturna dos cabarés, cafés teatros, nem

sempre elegantes, ou podemos entender a boemia como um aspecto da vida do dândi. O

termo Boêmio tem dupla significação e está ligado aos originários da Boêmia na República

Tcheca, local que se imaginava ser a origem dos ciganos que habitavam diferentes partes

da Europa. É a partir de um entendimento dos deslocamentos constantes, desapego

desses grupos a locais de moradia, que se derivou um segundo sentido vinculado ao

questionamento de valores burgueses e um certo desenraizamento social.

Na primeira metade do século XIX, Henry Murger, autor alemão que se

naturalizou francês, escreveu um romance em que buscou criar um retrato da vida boêmia

de Paris, em especial da vida artística. Suas personagens são um pintor, um escritor, um

músico e um filósofo, todos de poucos recursos financeiros, irmanados pelas dificuldades

e prazeres da vida parisiense. Buscam a arte pela arte, mesmo que o custo seja próximo à

uma vida de miséria e à margem do sistema. Para o autor, sua riqueza são a coragem e a

esperança. Seu estilo de vida depende da agitação da cidade, em especial do Quartier Latin

com seu ritmo e possibilidades de convivência e circulação.

A boemia de Murger surgiu no contexto das Revoluções de 1848, na França,

quando uma insurreição derrubou a monarquia trazendo a Segunda República. Para

Nunes, o desafio ao poder burguês tinha origem no proletariado e influência do socialismo,

e constituía uma dinâmica a um tempo herdeira da Revolução Francesa, embora frustrada

com ela. Foram os ideais de Liberdade, Fraternidade e Igualdade que estabeleceram a

burguesia como classe dominante, sem que houvesse o cumprimento das promessas

93HAUSER, Arnold, The Social History of Art, vol. 4, Routledge & Kegan Paul, Londres, 1962. P. 191

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feitas. Por isso, se justificava a oposição dos boêmios, agora artistas dependentes do

mercado, sem a segurança oferecida anteriormente pelos mecenas do Antigo Regime, e

inseridos na dinâmica de uma sociedade em processo de industrialização, que privilegia

lucro. Para além disso, o próprio termo “burguês” não estava ainda consolidado e a

oposição ao “boêmio ajudou a definir ambos.

[Boêmia] foi a apropriação dos estilos de vida marginais pelos burgueses jovens e

não tão jovens, para a dramatização da ambivalência em relação às suas próprias

identidades e destinos sociais (...). As pessoas eram ou não boêmias dependendo

da intensidade na qual partes de suas vidas dramatizavam essas tensões e conflitos

para elas próprias e para os outros, tornando-os visíveis e exigindo que fossem

confrontados.94

Logo, os boêmios seriam também burgueses, ainda que caracterizados por

certo nomadismo, comportamento sexual liberal, hábitos noturnos, vida profissional

irregular, bebida e drogas. Esse conjunto de premissas caracterizou um fenômeno social

observável em diferentes países e períodos históricos.

Para Nunes, a constituição de uma cultura boêmia no Rio de Janeiro se

relaciona às transformações políticas e sociais observadas no final do século XIX que

incluem a Abolição da Escravatura e a Proclamação da República.

Para Aluízio Azevedo os boêmios:

Eram indivíduos sem caráter próprio, e sem o mais ligeiro traço original por onde

pudessem ser distinguidos. Todo o cabedal das suas habilitações consistia em

saberem fumar, beber, jogar e femear como ninguém. Para não dizerem vagabundos

e filantes, intitulavam-se boêmios, profanando esse poético nome tão sagrado no

meio artístico pela revolta do talento incompreendido ou ainda não vitorioso.

Boêmios! Como se fosse possível conceber a ideia de boêmia sem a ideia de

sacrifício e de pungente esforço na conquista do ideal e do belo.95

94 SEIGEL, Jerrold. Bohemian Paris: Culture, politics, and the boundaries of bourgeois life, 1830-1930. JHU

Press, 1999. p. 19-20. 95AZEVEDO, Aluísio. Boêmios. O Mequetrefe. Rio de Janeiro. 1878. P. 07. Apud. MERIAN, J. Y. Aluísio

Azevedo. Vida e obra (1857 – 1913). Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1998. Merian, Jean Yvès. p.460.

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Para Aluísio, não é correto desvincular a dimensão criativa da vida quando se

quer caracterizar o boêmio legitimo, mesmo que expresse o desejo de rompimento com as

convenções.

Por isso, não é contraditório encontrar Gonzaga Duque como um dos

personagens, da pintura Bohemia, de Helios Seelinger [figura 70], em que aparece no

ambiente, animado por música, dança e pela interlocução com artistas e intelectuais. Estão

na cena também Fiúza Guimarães, João do Rio, Rodolpho Chambelland, Luiz Edmund.96

Cardoso identifica: o próprio Seelinger, os pintores Fiúza Guimarães, Heitor Malagutti, João

Timótheo da Costa, Lucílio de Albuquerque e Rodolpho Chambelland, os escritores e

jornalistas Gonzaga Duque, João do Rio e Luiz Edmundo, os ilustradores Calixto Cordeiro

e Raul Pederneiras e o maestro Araújo Vianna.97

A obra propiciou a Seelinger, à época com vinte e cinco anos, o prêmio de viagem

ao estrangeiro, e lhe deu a oportunidade de representar um ambiente que conhecia bem,

notório boêmio que era. A atmosfera é de escuridão, e a luz, produzida por uma lamparina,

está posta junto aos homens que falam, bebem e cantam. Vislumbramos, ainda com

alguma definição, um homem sentado no chão com seu instrumento e identificamos

silhuetas que sugerem que a noite está movimentada no estabelecimento. Contra a luz da

janela uma figura de braço erguido dança, possivelmente observada pelos homens de

chapéu ao fundo. Sobre a mesa e nas mãos, xícaras e taças se acumulam acusando a

passagem de tempo dos convivas naquele local. Talvez sejam copos de água uma vez que

Luiz Edmundo descreve a preferência de seus contemporâneos por vinhos portugueses e

cerveja, descrevendo como as mesas ficavam cheias de copos de água e xícaras de café,

símbolo da falta de dinheiro dos artistas frequentadores.

Em torno de uma mesa, reúnem-se doze rapazes: grandes cabeleiras, grandes

chapéus de sábados, grandes pince-nez de tartaruga, grandes e sonoras frases...

Falam, alegremente, agitam-se, discutem. Sobre o mármore da mesa olha-se o que

se vê? Dois cafés pequenos e dez copos d’água!...98

96 EDMUNDO, Luiz. O Rio de janeiro do meu tempo. Senado Federal. 2003. p.20. Disponível em

http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/sf000059.pdf 97 CARDOSO, Rafael. Boêmia inspiração. Revista de História. Disponível em

http://www.revistadehistoria.com.br/secao/perspectiva/boemia-inspiracao 98 EDMUNDO, Luiz. O Rio de janeiro do meu tempo. Senado Federal. 2003. P.20. Disponível em

http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/sf000059.pdf p. 346

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Figura 70 Bohemia, 1903 Helios Seelinger Óleo sobre tela, 103 x 189.5 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro

Conta como anedota que, certa vez, um grupo de quinze amigos fez uma “vaca”

para pagar por duas garrafas de vinho do porto no Café Paris, para beber em homenagem

a Rodolpho Chambelland. No entanto os funcionários da casa ouviram o pedido, mas

ignoraram repetidamente. As garrafas nunca chegaram à mesa visto que o grupo,

conhecido do garçom por seus pedidos modestos, não convenceu ter o dinheiro necessário

para honrar o pedido. Animado por um repertório que incluía modinhas e maxixes, um

cardápio em que figurava um famoso porco assado, além de fazer figura um papagaio vivo

junto à porta a saudar os passantes com impropriedades das mais chocantes99. O amor

ao carnaval era comum aos boêmios frequentadores do Papagaio,

Arthur Timótheo exibe a obra O Dia Seguinte, no Salão de 1913 [figura 71]. Trata-

se de uma cena do avesso do carnaval, na qual um folião castigado pela folia mal consegue

manter-se em pé. Rodolpho Chambelland expõe Baile à Fantasia [figura 72] de tema

semelhante, que é a sensação do Salão. Traz um pierrô que em tudo se assemelha ao

protagonista de Timótheo, como se sua obra o representasse em momento anterior. Ambas

são testemunho do interesse dos artistas boêmios pela grande festa popular.

Essa convivência boêmia aproximava artistas reconhecidos de jovens iniciantes,

ilustradores de críticos influentes. Um exemplo é o Café Papagaio, frequentado por

Amoedo, Gonzaga Duque e Rodolpho Chambelland. Para Lins Gonzaga Duque concilia

duas imagens: a que reflete a intimidade burguesa de Arrufos e a da boemia dos cafés e

do carnaval.

99 Idem

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Figura 71 O Dia Seguinte, 1913 Arthur Timótheo Óleo sobre tela Coleção particular

Figura 72 Baile à fantasia, 1913 Rodolpho Chambelland Óleo sobre tela, 149 x 209 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro

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Para Bourdieu, o boêmio se aproxima dos pobres e à vida marginal, e ao mesmo

tempo da vida aristocrata:

O estilo de vida boêmio, que sem dúvida trouxe uma contribuição importante à

invenção do estilo vida de artista, com a fantasia, o trocadilho, a blague, as canções,

a bebida e o amor sob todas as suas formas, elaborou-se tanto contra a existência

bem-comportada dos pintores e dos escultores oficiais quanto contra as rotinas da

vida burguesa. Fazer da arte de viver uma das belas-artes é predispô-la a entrar na

literatura; mas a invenção da personagem literária da boemia não é um simples fato

de literatura: de Murger e Champfleury a Balzac e ao Flaubert de A Educação

Sentimental, os romancistas contribuem grandemente para o reconhecimento

público da nova entidade social, especialmente ao inventar e difundir a própria noção

de boemia, e para a construção de sua identidade, de seus valores, de suas normas

e de seus mitos.100

A obra O Grupo do Leão,101 do português Bordalo Pinheiro [figura 73], é um

exemplo interessante na temática. Pintada para uma cervejaria, a Leão de Ouro, enobrece

a vida boêmia até pela escala de suas dimensões, eternizando o grupo de artistas

naturalistas que se reuniram no estabelecimento ao longo da década de 1880.

Aqui se combinam as representações do boêmio e do dândi uma vez que o

artista se apresenta como este último, sendo o único a portar uma cartola. O universo

burguês e o da boemia se relacionam por oposição e atração. Essa relação é exemplar das

proposições da modernidade e seu apreço pela liberdade do indivíduo. O boêmio recusa

as regras e valores burgueses, o que ilustra a obra de Henry Murger Scéne de la vie

bohéme na qual os jovens artistas contestam as convenções sociais e enfrentam a miséria

e o isolamento, produtos de sua condição marginal.

Portanto, dândi e boêmio podem coexistir na construção da imagem de artistas.

Timótheo transita nesses aspectos de identidade, que em comum apresentam o

anticonformismo. Podemos, também, constatar que Chambelland e Timótheo são

participantes de grupos de artistas que cultuam aspectos da cultura carioca condenados

100 BOURDIEU, Pierre. As Regras da Arte. Gênese e estrutura do campo literário. São Paulo: Cia das Letras,

1996. p.72. 101

Da esquerda para a direita, Henrique Pinto, sentado; Ribeiro Cristino; José Malhoa; João Vaz; Alberto de

Oliveira; Silva Porto, ao centro, no lugar do chefe de escola; António Ramalho; Manuel Fidalgo, o empregado de mesa; Moura Girão; Rafael Bordalo Pinheiro, logo abaixo do irmão; Columbano, de cartola; António Monteiro, o proprietário da cervejaria; Cipriano Martins e, sentado de mão apoiada na cintura, Rodrigues Vieira..

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pelo projeto de modernização, visto que a vida boêmia na cidade está relacionada ao

samba, ao carnaval e aos ambientes desordenados dos bares e ruas. O dandismo possível

no Rio de Janeiro é aquele que concilia refinamento e apreço pelo avesso da cidade e sua

cultura, que aceita a convivência nos salões da elite e nos cafés, ou seja, aquele que

incorpora a síntese vivida por João do Rio. A contraposição das imagens fotográficas de

Arthur Timótheo nos sugere que sua vivência pressupunha trânsitos diversos e identidades

múltiplas, em sintonia com a sensibilidade de seu tempo.

Figura 73 O grupo do Leão, 1885 Columbano Bordalo Pinheiro Óleo sobre tela, 201 x0376 cm Museu do Chiado, Lisboa

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4. Carlos Chambelland e Arthur Timóteo da Costa: talentos prometedores

Carlos e Arthur recebem reconhecimento como alunos e são notados pela crítica

desde cedo. Já em 1906 a crítica afirma que Arthur Timótheo possui “mais talento do que

idade”.102 Chambelland recebe uma menção honrosa de primeiro grau na Exposição Geral

de Belas Artes de 1903 e a medalha de prata na edição de 1906. Sobre Chambelland lemos

em publicação de 1906 que o jovem artista de origem francesa “é inteligente, e tem boas

qualidades de cor. Está destinado a pisar o trilho brilhante por onde enveredou o irmão”.103

Em retrospecto de 1912, um jornal lembra que Arthur “estreou ruidosamente para o grande

público com um magnífico estudo de costumes intitulado "Cabeça de preto", exposto no

Salon de 1906”. 104 São dois talentos promissores como assinala a crítica do período e, em

1905, um periódico destaca a “habilidade prometedora” expressa nas obras apresentadas

pelos jovens artistas.105

Timótheo e Chambelland tiveram experiências pessoais, acadêmicas e

profissionais em comum, tanto no Brasil como no exterior. Podemos também imaginar que

o retrato de Timótheo fez parte do salon de pintura de Chambelland de dezembro de 1909,

na Associação dos Empregados do Commercio, para o qual foi convidado o presidente da

República. Ali o artista exibiria cerca de setenta telas, produzidas no período em que foi

pensionista do Estado na Europa.

Ambos foram alunos da Escola Nacional de Belas Artes, sendo o ingresso de

Carlos Chambelland em 1901, posterior ao de Timóteo em 1894. Sabemos que o irmão de

Carlos, o também artista Rodolfo Chambelland, havia compartilhado com Arthur sua

primeira experiência de formação como aprendiz nos cursos de gravura e desenho de

moedas e selos na Casa da Moeda do Rio de Janeiro, sob o apadrinhamento do diretor da

instituição Ennes de Souza. Segundo João Timótheo da Costa, irmão de Arthur e que

também teve passagem pela Casa, Ennes manteve a remuneração de Arthur mesmo após

102O. N. O "Salão de 1906". Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 9 set. 1906, p. 5. 103NOTAS DE ARTE. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 23 set. 1906, p. 4. 104ALVES, Gonçalo. Notas do “Salon” - Os irmãos Timotheo da Costa. A Noite, Rio de Janeiro, 30 set. 1912,

p. 1. 105V. V. O SALÃO. O Paiz, Rio de Janeiro, 9 set. 1905, p.2.

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seu ingresso na Escola Nacional de Belas Artes, garantindo meios de sobrevivência ao

estudante. No relato de Chambelland sobre sua formação artística, o artista aborda seus

esforços para conciliar os estudos na Escola Nacional de Belas Artes com a necessidade

de manter um trabalho que lhe provesse sustento e destaca a atenção especial que

Henrique Bernardelli lhe dedicou, facilitando sua permanência na Escola por meio de uma

flexibilização de horários.

Essa convivência entre jovens da mesma geração ligados por laços familiares e

de amizade, permite que imaginemos que talvez Carlos e Arthur já se conhecessem antes

de seu ingresso na ENBA onde frequentaram aulas de mestres como Henrique Bernardelli,

Zeferino da Costa e Rodolfo Amoedo.

Figura 74

Arthur Timótheo, Adalberto Mattos, Carlos Chambelland e Carlos Oswald no atelier de

gravura de Carlos Oswald, Rio de Janeiro, 1914. Álbum de fotografias de artistas brasileiros

e estrangeiros. Acervo da Biblioteca Nacional

Nestes anos de formação, Chambelland e Timótheo da Costa são notados por

Gonzaga Duque que os classifica como talentosas promessas da pintura. As opiniões deste

que foi o crítico brasileiro de maior destaque no século XIX merecem destaque nesse

apanhado sobre a recepção inicial das obras dos artistas pesquisados.

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Gonzaga Duque fez parte de uma geração artística contestadora que não se

deixou dominar pelo spleen, manifesto em suas obras, e que segundo Andrade Muricy se

empenhou apaixonadamente nas campanhas pela República e pela Abolição.

Quase todos eram anticlericais e maçons. Essas as preocupações dominantes da

época. E foram participantes decididos. O destino da pátria, da raça, da sociedade

encontrou neles observadores, reformadores e apóstolos. Vemo-los fundar clubes e

jornais políticos, discursar em praça pública e escrever.106

O romance simbolista Mocidade Morta que Gonzaga Duque publica em 1900,

nos desperta especial interesse por abordar uma geração de artistas que não encontra os

caminhos para materializar os ideais a que almeja. O autor apresenta a partir da figura do

protagonista Camilo Prado, seu duplo, as ambições do antiacademicismo. As ideias

relacionadas a um modernismo desejado são validadas pelo grupo que rodeia Camilo, os

Insubmissos, mobilizados pela possível realização conjunta de uma exposição, iniciativa

que se provará frustrada, e pelo sonho de ver o Rio se tornar semelhante a Paris: Terra

prometida dos gozos, opulenta e risonha quermesse de encantos107.

Camilo é um filho bastardo que graças as oportunidades de formação e

educação dos sentidos, escapa de um destino trágico que vai de encontro aos demais

membros de sua família, condenados ao mundo pacato e bovino das pessoas comuns,

apesar de permanecer vinculado à dolorida condição de artista. Essa perspectiva

naturalista é a mesma que atribui ao meio a responsabilidade pelo fracasso do grupo de

artistas, que toma consciência de que o próprio meio, ou sistema cultural precisa ser

mudado.

Camilo é crítico com relação ao que descreve como a contagiosa estupidez do

nosso meio social108. O personagem admira Manet e o frescor da pintura feita ao ar livre,

reconhecível em tantas paisagens de Arthur Timótheo da Costa e outros de sua geração.

Parece interessante relacionar os aspectos valorizados por Duque ao descrever os artistas

que representa em seu romance, e sua admiração por Chambelland e Arthur Timótheo.

Gonzaga classifica Chambelland como sendo talhado para ser um grande artista, e nomeia

as habilidades que reconhece: talento e ousadia. Em uma crônica de 1906, utilizando os

106 MURICY, Andrade. Panorama do movimento simbolista brasileiro. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 1987. 2

v. P. 42. 107 DUQUE, Gonzaga. Mocidade morta. São Paulo: Três, 1973. 50. 108 Idem, p.55.

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recursos do gênero, o crítico trava uma conversa informal, provavelmente imaginária, com

uma personagem de tipo popular, um ilustre amigo Polycarpo todo dominical numa fatiota

cinzenta, enfeitando a sua lapela com um ramalhete de hortênsias, de fronte de

achavascado brutamontes, vendedor de flores. Duque afirma que Chambelland é um belo

artista que vem chegando. Polycarpo, então, o questiona sobre o que considera ser um

modo desajeitado de duas das figuras que aparecem na pintura Olhos Curiosos [figura 75],

exposta no Salão daquele ano. Duque concorda, mas elogia o frescor da representação do

ambiente marítimo e das demais figuras e conclui que atribuiria ao artista a medalha de

ouro. No mesmo texto, as referências a Arthur o qualificam como audacioso, capaz de

colocar “uma nota de rebeldia nesse meio”.109

Figura 75 Carlos Chambelland Olhos Curiosos, 1906 Óleo sobre tela, 102 x 150 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro

Em outro texto, publicado na Revista Kosmos, Gonzaga Duque aponta as qualidades

que reconhece em Arthur Timótheo, que situa como sendo discípulo de Bernardelli,

destacando sua audácia, talento e habilidades. O autor adota a perspectiva do público para

narrar uma cena que se passa na Exposição de 1907 ao descrever um diálogo com um

senhor visitante. É na imaginação deste que se conectam elementos narrativos que ele

depreende em três pinturas. Duas delas são justamente as obras que provocam a atribuição

do prêmio de viagem a Arthur Timótheo e Carlos Chambelland, respectivamente Antes do

Aleluia e Final de Jogo.110Com certa medida de humor, o autor faz com que figuras de Antes

da Aleluia, de Timótheo, disparem o desenrolar de ações, que se desenvolvem de modo

109DUQUE, Gonzaga. O Salão de 1906. Kósmos, Rio de Janeiro, out. 1906, n/p. 110 A medalha de segunda classe (prata) foi atribuída a Arthur, sendo que o júri responsável por avaliar as

pinturas apresentadas na Exposição propôs que a administração da Escola Nacional de Belas Artes pleiteasse junto ao Ministro do Interior a possibilidade de reverter o prêmio de viagem não aproveitado por Arthur Timótheo da Costa na exposição anterior quando exibiu Livre de Preconceitos.

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conflituoso na tela Final de Jogo, tendo, em seguida, um triste desfecho na pintura Epílogo,

de Francisco Mannas, que retrata um velho mendigo.

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4.1. Fim de Jogo e os interesses de Carlos Chambelland

O ano de 1907 é um marco importante para os dois artistas por marcar o

recebimento do Prêmio de Viagem ao Exterior da 14ª. Exposição Geral de Belas Artes. Em

1908, os dois jovens artistas estão juntos em Paris, onde permanecem por cerca de dois

anos. É durante este período de viagem à França que o Retrato, de Arthur Timóteo da

Costa, é realizado. Os Prêmios de Viagem eram uma importante tradição instituída,

inicialmente, pela Academia Imperial, em 1845, durante a gestão de Félix-Émile Taunay.

Desde então esse sistema de concessão de bolsas aos alunos que obtinham o maior

destaque, resultava em uma certa permeabilidade da instituição para as questões que a

cada época surgiam no contexto europeu. Os contemplados deveriam cumprir certas

obrigações como a produção de cópias e também obras originais para avaliação de seus

professores. Gonzaga Duque escreve sobre a perspectiva da viagem apresentada aos dois

artistas:

É uma banda talentosa, nova, vibratilisada, que se levanta e por ahi vem, caminho

da gloria, sobre sinuosidade de fatigas, a desentorpecer os nervos perros e exaustos

de nós outros, que nos vamos, no escambro da idade, consumidos do tédio pela

costumaria emotiva de uma repetida e esfaldada arte que se debate na últimas

energias (...) E ali estão os dois triunphadores dos cursos da Escola nesse anno

fértil, que são Carlos Chambelland e Arthur Timótheo, rapazes em plena mocidade,

confiados nos seus talentos e sentindo, no romper da vida, o clarão de um diamante

celeste, como uma madrugada nupcial de junho, ailuminar-lhes a alma em que há o

frescor das primeiras horas e aroma da Primavera. Elles conquistaram o premio do

seu inteligente e perseverante labor e foram para as longínquas terras da Arte e do

Luxo, em camaradagem de ilusões e esperanças, aprender o que fizeram os

mestres, procurar-lhes o segredo de suas tintas e do seu desenho que deram alma,

através dos séculos, á obra imperecível das suas emoções.111

Considerar as pinturas Antes da Aleluia, de Arthur, e Fim de Jogo [figura 76], de

111DUQUE, Gonzaga. Contemporaneos: pintores e esculptores. Typografia Benedicto de Souza, 1929. p.

165. P. 208-210

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Chambelland, bem como as críticas que provocaram, nos sinalizam sobre os caminhos da

arte daqueles dias. Podemos reconhecer também em Fim de Jogo o germe de interesses

de Chambelland que evoluem em sua trajetória, como veremos a seguir.

Ao tratar do Salão de 1907, Gonzaga Duque classifica o retrato feito por

Chambelland de Mariano Filho como sendo superior à obra Fim do Jogo, que critica: como

assunto pitoresco, está a lembrar livro de moral, talvez seja um ponto de estética positivista.

Figura 76 Fim de Jogo, 1907 Carlos Chambelland Óleo sobre tela, 102 x 150 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro

A contextualização da obra Final de Jogo, de Chambelland, depende da

consideração de algumas questões importantes para o período. Desde a década de 1870,

a intelectualidade brasileira havia adotado pressupostos cientificistas para explicar a

realidade brasileira, suas mazelas e atrasos. O Darwinismo Social parecia propício em sua

transposição dos resultados de investigação científica sobre a natureza para a análise de

questões sociais e diferenças raciais. Também Hippolyte Taine trazia pelo naturalismo

determinista as questões resultantes da interação entre raça, meio e momento. Assim:

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Isso a que se chama raça são as disposições inatas e hereditárias que o

homem porta consigo ao nascer, e que ordinariamente são conjugadas às diferenças

manifestadas no temperamento e na estrutura do corpo. Elas variam de acordo com

os povos

Constatada a estrutura interior de uma raça, deve-se considerar o meio

em que ela vive. Cedo o clima produziu seu efeito [...]. Cedo as circunstâncias

políticas trabalharam [...]. Cedo, enfim, as condições sociais imprimiram sua marca

Quando o caráter nacional e as circunstâncias ambientais operam, não

operam sobre uma tábua rasa, mas sobre uma tábua onde impressões estão já

marcadas. Se se toma a tábua num momento ou em outro, a impressão é diferente;

e isso basta para que o efeito total seja diferente.112

Figura 77 Carlos Chambelland, 1913. Álbum de fotografias de artistas brasileiros e estrangeiros. Acervo da Biblioteca Nacional

A raça estaria, portanto, relacionada a pré-disposições, o meio seria a expressão

da influência do clima, das circunstâncias políticas e as condições sociais. Já o momento

estaria relacionado à operação da raça e do meio em dado contexto. No entanto, para

alguns intelectuais atuantes nesse final do século XIX, como Jean-Baptiste Lamarck, o meio

seria o agente modelador das raças já que meio e ambiente teriam influência sobre

características hereditárias.

112 Apud SOUZA, Nabil Araújo de. O advento da moderna crítica literária na França no século XIX: de Mme.

de Staël a Gustave Lanson. Caligrama – Revista de Estudos Românicos, Belo Horizonte, Faculdade de Letras/UFMG, v. 11, p. 201-221, dez. 2006. p. 211

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As teorias raciais chegam tardiamente ao Brasil e encontram seu período de

maior influência no período entre 1870 e 1930, demostrando preocupações sobre a questão

da mestiçagem no país. Schwarcz cita o naturalista Gustave Aimard que faz referência ao

que descreve como fenômeno único, o do cruzamento das raças em solo brasileiro, que faz

com que os filhos do solo sejam mestiços.113 A mesma autora lembra as palavras de Louis

Agassiz no final da década de 1868:

...que qualquer um que duvide dos males da mistura de raças, e inclua por mal-

entendida filantropia, a botar abaixo todas as barreiras que as separam, venha ao

Brasil. Não poderá negar a deterioração decorrente da amálgama das raças mais

geral aqui do que em qualquer outro país do mundo, e que vai apagando

rapidamente as melhores qualidades do branco, do negro e do índio deixando um

tipo indefinido, híbrido, deficiente em energia física e mental.114

Além da energia deficitária, também as pulsões violentas seriam marca do povo

desta terra segundo o Conde Arthur de Gobineau que percebe a população como sendo

totalmente mulata, viciada no sangue, no espírito e assustadoramente feia.

A visão de que a miscigenação, representada pelos tipos regionais, colocaria em

risco o projeto civilizatório brasileiro, encontra lugar nas representações artísticas. O que

Coli denomina como sendo a violência dos indivíduos a quem se atribui falta de sofisticação

mental ajuda a entender a obra Fim de Jogo, com a qual Chambelland recebe seu prêmio

da Escola. A obra antecipa a orientação naturalista de sua produção, mesmo que depois a

violência não se faça mais evidente. Para Jorge Coli, o final do século XIX carrega o que

ele denomina de um clima naturalista, que adentra o século XX. O exótico passa a se

circunscrever em esferas próximas e tipos populares que são os protagonistas de cenas

dramáticas e brutais, visíveis também no teatro e na ópera.115 Exemplo desse naturalismo

na pintura é, para o autor, a obra Fim de Romance [figura 78], de Antonio Parreiras, de

113 Schwarcz faz referência ao o naturalista Gustave Aimard, viajante francês que esteve no Brasil em 1887

que afirma: J'ai remarque un fait singulier que je n 'ai observé qu 'au au Brésil: c 'est le changement que s 'est opéré dans la population par les croisement des races, ils sont les fils du sol". SCHWARCZ, Lilia Moritz. Espetáculo da miscigenação. Estud. av., São Paulo , v. 8, n. 20, Apr. 1994 . 114 Apud SCHWARCZ, Lilia Moritz. Espetáculo da miscigenação. Estud. av., São Paulo , v. 8, n.

20, Apr. 1994 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141994000100017&lng=en&nrm=iso>. access on 03 Feb. 2014. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40141994000100017. 115COLI, Jorge. A violência e o caipira. In: Estudos Históricos, Arte e História, n.30, 2002.

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125

1912, que apresenta certo parentesco, para além do título, com Fim de Jogo, de

Chambelland, na qual se reconhece um confronto retratado em chave de dramaticidade

quase cinematográfica.116

Ambas retratam conflitos masculinos, em momentos distintos. Em Parreiras, a

ação já se esgotou deixando o perdedor ao solo, ainda armado, mas já inofensivo, inerte.

A pintura apresenta um homem que deveria ser um dos vértices de um triângulo amoroso

levado a enfrentar um confronto provocado pela defesa da honra de um indivíduo traído,

que faz justiça com as próprias mãos. Ninguém para testemunhar, socorrer ou lamentar o

corpo que atravessa o caminho, apenas seu cavalo.

Na pintura de Chambelland, também há no chão o corpo de um homem ferido,

socorrido por alguém que apela pela trégua. Outros atores se agitam contribuindo com a

tensão evidente na cena: um tenta segurar o agressor que tenta avançar, possivelmente

armado com uma faca, outro levanta uma cadeira para impedir que um novo golpe seja

desferido.

Se em Parreiras a paisagem é serena e luminosa, em Chambelland o ambiente

simples do bar é terroso como as personagens. No primeiro, a diagonal que atravessa a

tela é a da estrada que passa pelo corpo, enquanto em Chambelland ela acomoda a tensão

entre o homem que ataca e o que se encontra no solo, mediados pelo braço elevado da

figura de camisa branca que deseja impedir o pior. Cadeiras e objetos se espalham pelo

chão como resultado da briga, que no momento escolhido pelo pintor, ainda não encontrou

seu desfecho final. Por trás dessas representações de violência consumada ou em erupção

está a preocupação com a viabilidade de um projeto de nação ameaçado pela mestiçagem,

que levaria à degeneração.

Em Fim de Jogo estão anunciadas questões que acompanham Chambelland por

sua carreira. Na década de 1910, Chambelland que passa a residir em Pernambuco, local

que inspira suas obras sertanejas que buscam evidenciar características que considerava

fundamentais da cultura nacional por meio de representações relacionadas ao sertão

nordestino.117 Quando perguntado sobre as tendências da pintura no Brasil, Chambelland

responde:

116MARQUES, Luiz (org.). 30 Mestres da Pintura no Brasil. São Paulo: MASP / Rio de

Janeiro: MNBA, 2001 (Catálogo de exposição). p. 40-41. 117VALLE, Arthur Gomes. A imagem do sertanejo nas pinturas de Carlos Chambelland. In: SIMPÓSIO

NACIONAL DE HISTÓRIA, 24., 2007, São Leopoldo, RS. Anais do XXIV Simpósio Nacional de História – História e multidisciplinaridade: territórios e deslocamentos. São Leopoldo: Unisinos, 2007. CD-ROM.

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126

Figura 78 Antônio Parreiras Fim de Romance , 1912 óleo sobre tela, 97 x 185 cm Acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo

Devem ser peculiares ao nosso povo, à nossa inclinação nativista, á nossa

natureza. Para pintarmos á maneira da Europa, com a technica da Europa, as

scenas da Europa, não vale a pena trabalhar. Na Europa, tudo está feito em obras

primas.118

O artista descreve as diferenças das paisagens europeias e brasileiras, que

pedem nova technica, nova maneira, novos processos pincturaes capazes de trazer para a

pintura brasileira os traços que reconhecia como típicos e diferenciadores da arte de países

como a Holanda, a Itália ou a França. Para desenvolver essa nova perspectiva artística

Chambelland acreditava que seria importante iniciar por estudar o povo buscando suas

características regionais concebidos por ele como sendo originais e não maculados por

influências estrangeiras. Para o pintor a região norte do país teria recebido em menor

medida essas marcas.

118 COSTA, Angyone. A inquietação das abelhas (O que dizem nossos pintores, escultores, arquitetos e

gravadores, sobre as artes plásticas no Brasil). Rio de Janeiro: Pimenta de Mello & Cia, 1927. Disponível no site: http://www.dezenovevinte.net/artigos_imprensa/artigos_ac.htm

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Figura 79 [detalhe figura 78]

Em Pernambuco, Carlos encontra o que interpreta como uma característica de

pureza nas tradições e costumes, e descreve a sua estada de três anos, entre 1912 e 1915,

como os melhores de sua vida.

Diz-nos Chambelland sobre ser um artista brasileiro:

a orientação do pintor brasileiro, que pense comigo, nesse ponto, tem de ser a

procura do convívio com agente do Norte, onde senti – eu que sou carioca, aqui sempre

vivi, e só sai duas vezes para a Europa – o verdadeiro espírito da nacionalidade, o orgulho

de aqui ter nascido.

Ou ainda sobre o Rio de Janeiro e a região sul do país que teriam sido muito

trabalhados pela influência estrangeira: o cosmopolitismo absorveu-nos tanto, que hoje,

somente no norte, se nos depara, em sua pureza inicial, o sentimento da pátria aferrado a

tradição, aos costumes, à vibração da alma do povo 119.

Essas afirmações do artista que datam de uma entrevista concedida ao

jornalista Angyone Costa no final dos anos 1920 revelam a escolha da figura do homem do

campo como alternativa ao índio como figura emblemática de representação da nação que

relaciona essa perspectiva a heranças italianas e alemãs do final do século XIX. O interesse

brasileiro pelo tema ganhou maior ênfase nos anos 1880 pelos pincéis de Almeida Junior,

Henrique Bernardelli, Pedro Weingartner e Modesto Brocos nos quais se identificam os

tipos caipira e caboclo.

A tela As Comungantes [figura 80], de Chambelland, traz em seu bojo uma

perspectiva sobre a inocência que se expressa em valores e práticas religiosos tradicionais

e regionais e mais capazes de traduzir a verdadeira natureza do país na visão do pintor.

Seu antecedente mais óbvio é La Communiante, de Lepage [figura 82]. Um crítico comenta

119Idem

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a obra ao escrever sobre o Salão de 1923, mencionando a superstição ingênua que traduz:

Chambelland mandou As comungantes. Não é um interior de capela, como a

esplêndida tela de Carlos Reis, mas criaturinhas que vão à comunhão.

Aí estão, na auréola espiritual que lhes envolve as cabecinhas, todo o sentimento

religioso, a superstição ingênua e doce que o pincel não vinca em traços rudes

de preocupação interior, mas que deixam adivinhar120.

A pintura se insere na estética que se convencionou chamar de Naturalista, ou

denominar como pintura narrativa, expressão usada na obra Work and Struggle,121 de

Edward Lucie-Smith e Celestine Dars. O livro apresenta uma obra de temática chamada

Dedicated to the Virgin122, de Henri Guinier [figura 81].123 A expressão narrative painting

surge no texto como uma denominação unificadora para artistas atuando entre 1870 e

1914. Suas obras se caracterizam por contar uma história, apresentando cenas da vida

contemporânea ao artista. Essa vertente, também denominada Naturalista, se definiu,

segundo os autores, por oposição ao Simbolismo, sendo o primeiro frequentemente

associado a um papel conservador e o segundo a um marcado por uma certa radicalidade,

ambas vinculações redutoras. Essa dicotomia não encontraria fundamentos sólidos e o

sentido revolucionário buscado no Naturalismo residiria em seu distanciamento de

simbolismos, estilizações e distorções, e no enfoque da vida das classes trabalhadoras

mostrada em cenas de gênero. O texto destaca, ainda, a proximidade entre Naturalismo e

Impressionismo, este produto daquele e diferente dele por sua expectativa por uma arte

quase científica e sua abordagem intelectualizada e conceitual de seus temas. O livro,

publicado em 1977, tinha a grande preocupação de enfatizar a importância que o estilo

conhecido como Naturalista obteve em sua época, por meio de um resgate considerado

necessário em vista da desvalorização e desconhecimento progressivos observados ao

longo do século XX.

O autor destaca ainda as considerações de J. K. Huysmans, autor de A Rebours,

que defende uma pintura que mesmo correndo o risco de ser chamada de comum, busque

120 ARTES E ARTISTAS. BELAS ARTES - O Salão de 1923. O Paiz, Rio de Janeiro, 30 ago. 1923, p.2. 121 LUCIE-SMITH, Edward, and Celestine Dars. Work and struggle: the painter as witness 1870-1914.

Paddington Press, 1977. 122 O título da obra no acervo do Musée dês Beaux-Arts de Lille é Dimanche, Enfants de Marie. 123 Henri Jules Guinier, aluno da Julian onde estudou com Jules Lefebvre e Benjamin Constant. A casa que

possuía na Bretanha fez daquele cenário uma fonte de inspiração para o registro de costumes locais.

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refletir a realidade sem adoçá-la. Também o crítico Gustave Geffroy, defensor dos

Impressionistas, é citado ao comentar obras em exibição na Exposição Universal de 1900

e defender uma missão social para o artista que deveria atuar como observador da vida ao

seu redor:

Eu acredito que artistas são destinados, mais do que nunca antes, a exercitar uma

influência sobre os destinos da massa. A arte demonstra o que a vida é. Penetra a

vida, a resume, faz com que seja compreendida, e terá um papel mais importante do

que qualquer um supôs na transformação social do futuro. O que quero dizer com

isso, é claro, é arte em sua completude, arte misturada com a existência, com o

trabalho manual e também o trabalho da mente, com o lazer do indivíduo e as

manifestações da existência nacional (...) 124

Figura 80 Comungantes, s.d. Carlos Chambelland Óleo sobre tela, 80 x 90 cm

124 Apud Lucie-Smith, Edward, and Celestine Dars. Work and struggle: the painter as witness 1870-1914.

Paddington Press, 1977. p. 36.

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130

Figura 81 Un dimanche, enfants de Marie, 1898 Henri Jules Guinier Óleo sobre tela, 200 x 283 cm Palais des Beaux-Arts de Lille, Lille

Figura 82 La Communiante, 1875 Jules Bastien-Lepage Óleo sobre tela, 53 x 37 cm Musée des Beaux-Arts Tournai, Tournai

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Figura 83 Volta do Trabalho, s.d. Carlos Chambelland Óleo sobre tela, 95 x 150 cm Coleção particular

Figura 84 Devant la grande mer, côte basque Henri-Paul Royer Óleo sobre tela, 113 x 162 cm Coleção particular

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Figura 85 Vieux paysan breton tenant son chapeau devant lui, s.d. Henri Jules Guinier Desenho sobre papel, 43 x 32 cm Musée du Louvre, Paris

Geffroy defende uma arte que pudesse tratar das transformações trazidas pela

industrialização, ou do cotidiano das classes trabalhadoras, e se refere ao que chama de

interesse apaixonado dos artistas pela vida das massas, reconhecível nas obras dos

Salões. No caso da abordagem da realidade rural, observável também em Chambelland, a

nostalgia prepondera, talvez por haver o reconhecimento das constantes mudanças que

afetavam os modos de vida tradicionais. A Bretanha foi retratada por artistas, franceses ou

não, interessados nos costumes exóticos para a maior parte de seus públicos, sendo

Guinier um exemplo, assim como Henri Royer, e também o português José Júlio de Souza

Pinto.

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Apesar de o Naturalismo ser um fenômeno internacional por excelência125, o

conteúdo nacionalista das pinturas é frequente:

Assim como escritores e músicos do período, os artistas não poderiam permanecer

sem serem afetados pela busca por origens nacionais que estava em toda parte ao

seu redor. Este era um dos temas artísticos e também políticos do período que

antecedeu a Primeira Guerra Mundial126

Se para o pintor de história isso significava a busca por incidentes referenciais, para

aquele voltado à vida cotidiana, isso significava buscar o que quer que fosse mais “típico”,

o que melhor expressasse o caráter da nação a quem dedicava lealdade..

Nesse sentido, a obra Volta do Trabalho [figura 83] oferece a celebração do

trabalhador brasileiro de mangas arregaçadas após um dia de esforços. Vemos homens

com suas enxadas e apetrechos, com os gestos indicativos dos costumes como o cigarro

enrolado que pende das bocas, além do modo de carregar objetos sobre a cabeça ou os

ombros. Coli retoma Gilda de Mello e Souza ao abordar O derrubador brasileiro, de Almeida

Jr, quando ela afirma:

E nosso, sobretudo, o jeito de o homem se apoiar no instrumento, sentar-se, segurar

o cigarro entre os dedos, manifestar no corpo largado a impressão de força cansada,

a que Cândido Portinari parece não ter sido insensível.l127

Coli comenta ao lembrar que, no caso de O derrubador brasileiro, quadro e modelo

são italianos, chamando a atenção para o sentido de construção do que se atribui como

valor de nacionalidade

Este "é nosso" mostra os poderes construtores, dentro de uma cultura, dos

processos de ficções aos quais se dá o nome de identidade.

As marcas do rosto, testemunho dos anos passados, do sol e da carga, equivalem

aos vincos na face do idoso do desenho de Guinier [figura 85], que parece, como a pintura,

feito sob o sol. Os tons amaciados de Volta ao Trabalho e Comungantes se assemelham

125 Idem, p.53. 126 127 SOUZA, Gilda de Mello e. Pintura Brasileira contemporânea: os precusores." Discurso 5.5 (1974): 119.

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aos de Devant la grande mer, côte basque, de Henri Royer [figura 84], artista que foi

professor de Rodolpho Chambelland, Georgina de Albuquerque e Lucílio de Albuquerque.

Em suas obras, dedicadas à espiritualidade popular ou ao mundo do trabalho, aplica um

cromatismo que parece herdeiro de Puvis de Chavannes, mestre de Chambelland.

Já em uma pintura como Jovem com frutas [figura 86], de 1927, temos o que

Angyone possivelmente descreveria como a representação do que Chambelland buscava,

em sua opinião, conciliar com sua arte:

do typo brasileiro, a vida brasileira, nas suas manifestações de intimidade, no seu

ambiente peculiar, nos pequenos nadas da vida do povo, que infundem uma

característica pessoas à nossa gente128

Também um diplomata Pernambucano é alvo da admiração de Chambelland. Em

1913, o pintor realiza o retrato de Manuel de Oliveira Lima129 [figura 87] como uma figura

corpulenta que ocupa quase a totalidade da tela, estabelecendo uma presença à altura do

apelido Dom Quixote Gordo atribuído por Gilberto Freyre, que com ele estudou. Uma de

suas mãos grandes segura o volume que lê o homem culto e viajado.

128 APUD Angyone p.141 129 Nascido em 1867 Lima estudou em Lisboa letras, filosofia, direito e diplomacia, e a serviço do Itamaraty viajou por Berlim, Londres, Tóquio, Caracas, Bruxelas, Washington e Estocolmo. Atuou como jornalista, historiador e patrono das artes. Fez parte do grupo fundador da Academia Brasileira de Letras, mas viu frustradas suas ambições de constituir em Londres uma biblioteca com 8 mil títulos sobre o Brasil. O desenvolvimento de sua carreira foi prejudicada pelos desentendimentos com o Barão do Rio Branco e por sua simpatia pela questão da restauração monárquica, demonstrada em uma ocasião por sua recusa de recepcionar o marechal Hermes da Fonseca que visitou Bruxelas durante o período de Oliveira Lima como embaixador na Bélgica. A oposição dos republicanos o levou a solicitar sua aposentadoria, que ocorre no ano da execução do retrato, seguida por um período de docência em Washington D.C., onde constituiu na Universidade Católica da América uma biblioteca de 40 mil volumes que posteriormente se tornou a Biblioteca Oliveira Lima. Não surpreende, portanto, que Carlos Chambelland quisesse retratar em pleno ato de leitura um homem conhecido pelos livros que colecionou e pelos que escreveu. Além de livros, Oliveira Lima agrupou também centenas de pinturas, desenhos, gravuras e esculturas em uma coleção que incluía duas obras de Chambelland. Também obras tais como pinturas relacionadas à histórica de Pernambuco como uma paisagem de Franz Post, obras de artistas atuantes no contexto recifense como Telles Jr, Álvaro de Oliveira Amorim, Bibiano Silva e Balthasar da Câmara, bem como telas de Antonio Parreiras.

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Figura 86 Jovem com frutas, 1927 Carlos Chambelland Óleo sobre tela, 72,5 x 59 cm Coleção particular

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Figura 87 Retrato de Oliveira Lima lendo, 1913130 Carlos Chambelland

Figura 88 Caricatura de Oliveira Lima na edição de 2 de julho de 1910 da revista Careta

130 Não foi possível localizar a pintura ou obter informações complementares

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Um crítico escreve no Jornal do Commercio sobre as obras de Chambelland

expostas no Salão de 1913, em que constava, além do retrato de Oliveira Lima, a pintura

La dame au gant. Elogia a atual geração com destaque para Carlos Chambelland, Rodolpho

Chambelland, figuras salientes e apreciadas, que estariam a firmar sua individualidade

artística:

Como pintura propriamente dita, não são mal feitos; mas, como retrato, o

do Sr. Dr. Oliveira Lima é manqué. É um tanto caricatural e ninguém, que o

olhar, fará a menor ideia do retratado (...) Quem diante daquele retrato em que as

exuberâncias físicas do ilustre acadêmico estão pintadas com tamanho realismo,

saberá reconhecer o escritor vigoroso, erudito e original, o conferencista vivo,

expressivo e fino? Falta ao retrato o caráter do modelo. Demais, pelo modo como

está pintada a mão trai-se o auxílio da fotografia.

A observação de uma caricatura do Jornal A Careta de 1910 nos faz tender

à concordância com o jornalista. No entanto, nos interessa mais destacar ao aludido

realismo atribuído à pintura, que parece ser mais indicativo dos verdadeiros interesses do

pintor. Laudelino Freire afirma que o retrato é de uma naturalidade inexcedível, e prossegue

desculpando de antemão o que olhares críticos poderiam identificar nele, uma vez que o

artista obteve no resultado uma representação verdadeira, real:

Pode ser que a posição de intimidade em que foi apanhado o original se

preste a qualquer observação procedente; mas o que é fora de dúvida é que a arte

deve ser sempre verdadeira e sincera; e ninguém dirá que aquele retrato não seja

a expressão real e exata do ilustrado escritor brasileiro.

Chambelland parece querer mostrar Oliveira Lima como leitor, presença

forte, mas também como burguês. O retrato de Louis-François Bertin, de Ingres [figura 90],

é o modelo primeiro do burguês cuja imponência se traduz no porte. Mas o exemplo de

Gozando os rendimentos, de José Malhoa [figura 89] é mais próximo no tempo, e traduz

melhor as afinidades realistas/naturalistas que aproximam os dois pintores, um brasileiro e

outro português. Malhoa cria uma cena em que um burguês bem alimentado desfruta da

paisagem urbana. Sentado à sombra das árvores, tendo os telhados vermelhos do casario

ao fundo, o homem de olhar absorto apoiou o jornal e o chapéu sobre o banco, enquanto

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repousa envolto pela luz do final de tarde. A grossa corrente de ouro se apoia na barriga

proeminente, visível sobre o braço apoiado na bengala. O desejo de objetividade já residia

na obra de Ingres, que observou o retratado enquanto ele conversava. Quando a imagem

do Mr. Bertin foi exibida, a filha do retratado disse que seu pai, um lorde, havia sido

transformado em um fazendeiro gordo. Manet o descreveu como o Buda da burguesia, bem

de vida e triunfante.

Voltando ao Salão de 1907, temos oportunidade de observar comentários da

crítica sobre a produção de retratos, que podem ser elucidativos acerca dos que figuram

Oliveira Lima ou Timótheo.

É com grande contrariedade que, ao escrever sobre o Salão de 1907, o crítico

G. De O. ataca o que chama de monomania contagiosa e terrível, se referindo à presença

numerosa de retratos em exibição. Comenta sobre os artistas que se dedicavam ao retrato,

afirmando que até então, gozavam de prestígio restrito:

De um tempo para cá, quase todos os nossos artistas têm-se entregue à esse gênero

da pintura – até então privilégio de meia dúzia de artífices, ávidos de proventos muito

mais que de nome.

Diz que a invasão dessas obras, que somaram vinte e oito no Salão daquele

ano, vão enxovalhando o campo da pintura, uma vez que os bons exemplos são raros.

Menciona a título de exemplo, que naquele ano Bernardelli apresentou cinco retratos e

Carlos Oswald outros dois. Segue, ainda, avaliando os retratos expostos por Carlos

Chambelland e Arthur Timótheo da Costa.

Classifica como bem feita a obra de Timótheo, em que Paulo Barreto aparece de

monóculo e charuto fumegante131, sendo que a pose adotada, escolha indicada como feliz,

seria mérito e proposta do retratado e não ideia do artista. No entanto, critica a falta de

exatidão dos traços, que não reproduzem de maneira característica as feições de João do

Rio, que poderia ser confundido com outra pessoa. Timótheo teria se interessado mais pela

fatura do que pelo sujeito.

131 Obra não localizada.

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Figura 89 Gozando os rendimentos, 1893 José Malhoa Óleo sobre painel de madeira, 26,5 x 46 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro

Figura 90 Retrato de Louis-François Bertin, 1832 Jean-Auguste-Dominique Ingres Óleo sobre tela, 116 x 95 cm Museu do Louvre, Paris

Já o retrato que Carlos Chambelland faz de José Mariano Filho [figura 91] seria

menos pretensioso, sem possuir o que chama de febre da originalidade, o que lhe

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possibilitou obter melhor semelhança e resultado do que o de Timótheo, agradando assim

ao encomendante. Também Rodolpho Chambelland retratou Mariano em 1902, em obra

que lembra pela pose os retratos de Carlos Chambelland, de Arthur Timótheo, e de certo

modo também o de C.P [figura 92].

Interessante constatar por meio dessas passagens do Correio da Manhã, a

disseminação do retrato no período, e também a valorização da verossimilhança como

parâmetro para avaliação das obras. Observamos ainda a atenção dedicada tanto a Carlos

quanto a Arthur, jovens que manifestam talento, o que se aponta repetidamente, que deverá

ser aprimorado.

Figura 91 Retrato do Dr. José Marianno Filho, 1912 Rodolpho Chambelland Óleo sobre tela

Figura 92 Retrato do Sr. C.P. Carlos Chambelland Óleo sobre tela,

Na Kosmos,132 Gonzaga Duque elogia Carlos Chambelland lembrando ser o

terceiro ano consecutivo em que admira seus trabalhos. O retrato de Mariano Filho133 é

elogiado: Só a maneira por que o Sr. Chambelland modelou a cabeça do retratado

recomendalo-ia como uma das pouquíssimas melhores obras da presente exposição. Ali

há trabalhos de mestres que estão muito abaixo da execução deste retrato. Critica algumas

escolhas como o fundo cinza, a roupa azul e a mesa forrada de verde que teriam alterado

a cor originalmente rosada do rosto de Mariano. Isso afetou, segundo o crítico, a

132 Setembro de 1907 133 José Marianno carneiro da Cunha Filho, nasceu em Pernambuco. Formado em medicina, nunca clinicou,

seguindo estudos sobre arquitetura e urbanismo que resultaram em uma atuação profissional reconhecida. Foi crítico das artes, da arquitetura e do urbanismo do Rio de Janeiro no século XIX e início do século XX, propagador da ideia de uma arquitetura “tradicional”. MINGORANCE, Wilson Ricardo. Leituras de José Marianno Filho sobre a arte, a arquitetura e a cidade do século XIX no Brasil. 19&20, Rio de Janeiro, v. VIII, n. 1, jan./jun. 2013.

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semelhança, sem no entanto comprometê-la já que a execução da cabeça e do olhar seriam

reais.

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142

4.2. Antes do Aleluia de Arthur Timótheo da Costa

Em um texto, publicado na Revista Kosmos, Gonzaga Duque aponta as qualidades

que reconhece em Athur Timótheo, que situa como discípulo de Bernardelli, destacando

sua audácia, talento e habilidades. O autor adota a perspectiva do público para narrar uma

cena imaginária que se passaria na Exposição de 1907. É na imaginação de um visitante

que se conectam elementos narrativos que ele observa em três pinturas. Duas delas são

justamente as obras que provocam a atribuição do prêmio de viagem a Arthur Timótheo e

Carlos Chambelland, respectivamente Antes do Aleluia [figura 93] e Final de Jogo.

Figura 93 Arthur Timótheo da Costa Antes do Aleluia, 1907 Óleo sobre tela, 185,4 x 215,5 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro

Com certa medida de humor o autor faz com que figuras de Antes da Aleluia de

Timótheo disparem o desenrolar de ações, que se desenvolvem de modo conflituoso na

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tela Final de Jogo, tendo em seguida um triste desfecho na pintura Epílogo de Francisco

Mannas, que retrata um velho mendigo.

E quem está talhado para ser um grande artista é o seu discípulo, o Sr. Arthur

Timótheo da Costa, que de dia a dia nos demonstra o seu ardente talento e sua

larga habilidade de compositor. Antes d’Aleluia (pintado a tinta matte, por

processo igual aquele com que o Sr. Bernadelli pintou as decorações de

Beneficência Portugueza, e que, por aí foi chamado encalca) é uma tela

movimentada, de muitos agrupamentos e infelizmente não terminada. O que

está feito, porém basta para nos dizer do valor desse moço artista, extremamente

simpático por sua audácia e grandemente hábil. Enquanto eu contemplava esse

quadro [Antes do Aleluia], entusiasmado com o seu

autor, um sujeito insinuante se me aproxima e mui amável entreteve

conversação comigo, apesar da minha aversão a palestras com estranhos.

Ele – É o primeiro ato ou se quiser a primeira cena...

Eu – Não o compreendo, senhor. De que se trata?

Ele – Do quadro que o senhor contempla. Eu também o admiro. Está

bem feito.

Eu – Mas, porque me fala em primeiro ato?

Ele – Porque, realmente o é.

Eu – Como?

Ele – O senhor vê aquela rapariguita que ali está encostada ao

muro...Repare-a. Repare, depois, naquele velho barbaça; depois naquele sujeito

que finge escolher manjericões ou arrudas... para beliscar a pequena...

Eu – O sr. Inverte as cousas... Não é esse o pensamento do artista.

Ele – Perdão. Queira ter a bondade de me acompanhar. Aquele

malandrim seduziu a rapariga. Sim, seduziu-

a, e por causa desse desaforo veio o segundo ato, que é aquele que ali está

(apontou para o final de jogo do Sr. Chambelland [Final de Jogo]. Foi um sarilho.

O pai e o irmão mais velho da rapariga

e os amigos do sedutor, com o próprio sedutor à frente, encontraram-se

numa hospedaria de má nota e foi aquilo que o senhor está vendo: cacetadas,

rasteiras, facadas... Depois, o final, é aquele: (Apontou-me o Epílogo do Sr.

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Manna.) É aquele, o terceiro ato. O velho coitado, quis defender a honra da

pequena e mandaram-no para o Necrotério.

Eu - (boquiaberto)... Mas... o senhor é extraordinário!!...134

Se o texto nos esclarece sobre a percepção da época a respeito de Timótheo,

também nos fala de uma perspectiva, em relação às obras, que utiliza o humor para

defender uma necessária conexão entre o tema e o cotidiano. A teatralidade imaginada que

conecta diferentes pinturas nos revela um observador que prefere obras conectadas ao

tempo presente e que valoriza o naturalismo cotejado por pintores desde a geração anterior.

As cenas representadas são descritas pelo visitante, talvez imaginário como Polycarpo,

como “verdadeiras” o suficiente para que seus elementos significantes tivessem vida para

além das fronteiras das molduras que individualizam cada tela.

Nos comentários tecidos sobre a mesma exposição de 1907, no Jornal do

Commercio,135 encontramos um contraponto no que se refere à avaliação da obra de

Timótheo, mas também considerações que parecem reforçar a perspectiva da crítica de

Gonzaga Duque. Antes da Aleluia é criticado por não estar à altura das expectativas

daqueles que apreciaram o “adiantamento técnico” evidente na “brilhante exibição do jovem

artista” no ano anterior. A obra é vista, ainda assim, como merecedora de aplausos pelo

esforço do pintor que responde ao desafio de dar especial atenção ao tratamento artístico

dedicado à execução da obra, uma vez que o autor da crítica considera que nas pinturas

de gênero as questões técnicas têm mais importância do que o assunto, pelo menos ao

olhar iniciado. Ele invoca o escritor, jornalista, crítico francês Edmond François Valentin

About ao dizer que:

...o autor de um quadro de gênero tem de agradar ao público dos domingos, isto é,

ao público composto do vulgo profano, que se satisfaz com a ideia dramática mais

ou menos claramente representada - e o público das sextas-feiras, que no seu tempo

era o dia destinado nas exposições às visitas dos espíritos mais educados e mais

críticos, os quais olham mais para o saber que o artista revela, para o modo como o

quadro é composto e pintado, e para a execução dos detalhes.

134 DUQUE, Gonzaga. Contemporâneos. Rio de Janeiro : Typ. Benedicto de Souza, 1929, p. 165-166 135 Notas de Arte. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 8 ser.1907, p.4.

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Entre nós o público de quase todos os dias é composto destes últimos, porque o

comum do público raramente frequenta as exposições de arte. De modo que o artista

que expõe é geralmente só julgado pelos seus pares.136.

O tema da celebração do Sábado de Aleluia é de caráter popular. Timótheo

escolhe representar o movimento da rua no momento anterior ao início da missa, ao invés

de ilustrar o rito e o que se passa dentro da igreja. O Sábado Santo, antecede a Páscoa e

encerra as limitações do jejum da Quaresma. Marca o desnudamento dos altares e a

retomada da celebração da Eucaristia e dos demais sacramentos interrompidos pela Sexta-

feira da Paixão, que assinala a morte de Cristo. É também quando ocorre a Malhação de

Judas. Os fiéis buscam as igrejas, neste dia, portando vasilhames para receber água benta

e alecrim para benzer suas casas e soltam fogos em sinal de comemoração. É a típica

movimentação relacionada a esta data que vemos na tela.

Para o crítico do Jornal do Commercio, o tema não justifica as grandes

dimensões da tela, mas essa escolha do pintor revela a intencionalidade do pintor em dar

destaque a uma cena que trata de costumes populares. O artigo ataca, ainda, a imobilidade

das figuras e o desequilíbrio da composição, mas fazendo ressalvas ao fundo da pintura,

que o jornalista afirma ter sido realizado com sucesso.

Quanto ao ponto de vista de Gonzaga Duque não há dúvidas de sua

reprovação à representação de temas religiosos:

Os assuntos sagrados, os assuntos bíblicos, tratados por todos os artistas do

Renascimento e pela maior parte dos artistas dos tempos modernos, nada oferecem

de novo além da maior ou menor habilidade na maneira de compor. Como

concepção são ingratos. Por conseguinte não há que esperar maravilhas sob este

ponto de vista.137

O debate é claro e a defesa de Duque parece alinhada à abordagem adotada

por Timótheo, mais interessada no trânsito dos habitantes, na movimentação humana,

apresentada de modo vívido ao observador da pintura.

Silva afirma que a tendência naturalista observada nas obras de Rodolpho

Bernardelli, mestre de Timótheo, apresenta parentesco com o verismo sociale italiano da

década de 1880. Nessa forma particular de Realismo além da busca de conexão com temas

136NOTAS DE ARTE. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 8 set. 1907, p. 4. 137DUQUE, Gonzaga. Impressões de um amador. Belo Horizonte. UFMG. 2001. p. 130.

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cotidianos e com a vida contemporânea, “a preocupação social é declarada em termos de

um maior compromisso com a denúncia e revolta social ou dissimulada em uma resignação

inspirada na doutrina cristã, na invocação da compaixão e da fraternidade em Cristo como

única solução admissível para o problema”.138. Segundo Migliaccio, “a imagem religiosa

tramitava mensagens políticas e sociais de grande atualidade: os profetas e mártires do

passado aludiam aos eventos contemporâneos.”139.

Vale retomar a obra Cristo em Cafarnaum ou Cristo e a mulher adúltera [figura

94], também de tema religioso de Amoedo, em busca de semelhanças e contrastes na

comparação com o quadro de Timótheo. Essa obra de Amoedo seria, segundo Gonzaga

Duque, uma obrigação acadêmica a ser cumprida em função do término de seu pensionato.

Ele afirma que o “assunto, como se compreende, estava deslocado do tempo e em

contradição com a natureza do artista.”140 O crítico sugere um distanciamento do artista dos

temas privilegiados pela academia. Não é este, portanto, o Amoedo da predileção de

Gonzaga Duque, mas sim aquele mais afinado com o gosto burguês e afastado dos temas

históricos e religiosos e envolvido na produção de retratos, cenas cotidianas e nus, porque

teriam maior consonância com os desejos de renovação acadêmica e artística que

culminariam na Escola Nacional de Belas Artes com seus novos métodos.

Amoedo não realizou nenhuma cena de batalha e apenas três obras de

temática indianista; suas telas religiosas respondem tanto às expectativas acadêmicas

quanto aos anseios do público brasileiro, nesse sentido semelhante ao europeu, ainda

apreciador dessa temática. No entanto, a ressalva de Gonzaga Duque talvez nos auxilie a

compreender as escolhas de Timótheo para a realização de sua obra que busca contornos

mais realistas ao optar por uma encenação de caráter cotidiano.

Diz ainda Gonzaga Duque sobre a obra:

E também por uma composição grandemente inculcativa foi que Arthur Timótheo

obteve o prêmio de viagem. Alleluia tal era o seu título. Tela vasta, de proporções

maiores do que é comum ás forças de um aluno, pintada a tinta matte, e embora

138 DA SILVA, Maria do Carmo Couto. "A obra Cristo e a mulher adultera e a formação italiana do escultor

Rodolfo Bernardelli." (2005). p.5-6. 139 MIGLIACCIO, Luciano. O século XIX. In: BRASIL + 500 Mostra do Redescobrimento: arte do século XIX.

São Paulo: Fundação Bienal, 2000. p.183. 140 DUQUE, Gonzaga. A Arte Brasileira / Luiz Gonzaga Duque Estrada; introdução e notas de Tadeu Chiarelli.

Campinas: Mercado das Letras, 1995. p.17.

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inacabada, a sua importância se impunha pelas dificuldades audaciosamente

procuradas.141

Figura 94 Rodolfo Amoedo Jesus Cristo em Cafarnaum (estudo), 1885 Óleo sobre tela, 63 x 79 cm Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo

141 DUQUE, Gonzaga. Contemporâneos. Rio de Janeiro : Typ. Benedicto de Souza, 1929, p. 166

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4.3. Ambiente de renovação

Carlos Chambelland e Arthur Timótheo tiveram seu período de formação em uma

época de mudanças que gerou a Escola Nacional de Belas Artes. Este capítulo se dedica

a analisar o ambiente artístico em que se inserem nossos artistas, reconhecendo elementos

que nos ajudam a contextualizar a obra de Chambelland, a reflexão sobre o negro no campo

artístico, e abordagens sobre sua imagem na pintura. Foram adotados como pontos de

referência: Rodolpho Amoedo, importante para compreender a modernização da educação

artística que impactou os artistas de uma geração e Gonzaga Duque e seus

questionamentos sobre o que desejava ver em uma arte que pudesse ser concebida como

nacional.

Os alunos da geração de Carlos e Arthur puderam contar com uma educação

que reconhecia a existência de um novo gosto que ia além da abordagem de temas

sagrados e da criação de figuras míticas representativas da identidade nacional, inserindo

cenas mais afeitas ao paladar burguês, tais como pinturas de gênero, retratos e paisagens.

Rodolpho Amoedo foi uma figura de proa. A tela Estudo de Mulher, de Amoedo, que

integrou a Exposição Geral de 1884, exemplifica seu desejo de afastamento do modo de

tratamento dedicado ao tema do nu com suas vinculações mitológicas, indigenistas e

históricas, causando espécie ao inserir uma mulher despida em uma ambiente burguês,

emolduradapor um fundo ornamental resolvido em traços soltos e abstratos e cercada por

peles e tecidos que acentuam a sensualidade da obra.

Sobre Amoedo, Acquarone afirma que diante deste nome devem descobrir-se

todos os que estudam pintura no Brasil. [...] Sua obra vigorosa de desenho e opulenta de

cor garante-lhe sem contestação um dos primeiros lugares na arte nacional142.Quando do

ingresso de Chambelland e Timótheo da Costa, Rodolfo Amoedo já se encontra no cargo

de vice-diretor da ENBA. Mas vale lembrar que havia bem pouco tempo, entre as décadas

de 1880 e 1890, a instituição havia atravessado uma crise que definiu sua passagem de

Academia Imperial para Escola Nacional de Belas Artes. Havia falta de professores,

insatisfação com as premissas do ensino estabelecidas, percebidas naquele momento

tanto por mestres e alunos, como presas ao passado e carentes de renovação. Um embate

142ACQUARONE, Francisco. História da Arte no Brasil. Rio de Janeiro: Oscar Mano & Cia Editores, 1939. p.

206

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opôs dois grupos denominados “modernos” e “positivistas”, cada um defendendo visões

contrastantes sobre os modelos de ensino artístico que deveriam vigorar. Atuante junto aos

“modernos”, Rodolfo defende a renovação dos métodos a partir do que havia observado na

Académie Julian. Durante sua estada em Paris entre 1879 e 1887 Amoedo frequentou a

École dês Beaux-Arts de Paris e também foi aluno de Alexandre Cabanel e Puvis de

Chavannes. Logo após seu retorno ao Brasil, é nomeado professor honorário da AIBA.

É por meio de uma comparação com Amoedo que o crítico Gonçalo Alves situa

a importância de Carlos Chambelland, e também de seu irmão, em um texto de 1921:

Os irmãos Chambelland, Carlos e Rodolpho representam exatamente na moderna

geração artística o mesmo papel que Rodolpho Amoedo tão brilhantemente

representou na história da arte nacional.

Discípulos ambos do glorioso e incomparável que tão alto levantou o prestigio da

arte nacional, os dois Chambellands com ele sentiram e aprenderam aquela superior

e nobre maneira de interpretar com tanto encanto a natureza e as coisas.143

O sistema francês de ensino artístico se dividia entre a École dês Beaux-Arts, a

Academie dês Beaux-Arts e os ateliês particulares. Nestes últimos, os alunos aprendiam

técnicas básicas de pintura e escultura e eram preparados para os exames de admissão

da École onde o ensino priorizava o desenho e a teoria clássica bem como a organização

de concursos. Ficava a cargo da Academia a organização do Salon e do Prêmio de Roma.

Também ficava a cargo da Academie a seleção de professores para a École.144 Já no Brasil

uma única instituição concentrava diferentes papéis e a diversidade artística oferecida pelos

ateliês privados franceses, não encontrava paralelo aqui.

Ao lado de Eliseu Visconti, França Júnior, Henrique Bernardelli, Rodolfo

Bernardelli e Zeferino da Costa, Amoedo defende que a Escola deve passar por mudanças.

Acredita ser necessária a manutenção continuada dos concursos para prêmio de viagem,

que não apresentava a regularidade desejada. Os membros do grupo constituem em 1888

o Ateliê Livre no Largo do São Francisco com o apoio de, entre outros, José do Patrocínio,

e organizam um Salon des Indépendants. A proclamação da República abre espaço para

o reconhecimento do grupo que passa a ocupar a diretoria da escola, tendo então a

143 ALVES, Gonçalo. Notas do “Salon”. OS DOIS CHAMBELLANDS. A Noite, Rio de Janeiro, 28 set. 1912,

p. 1. 144PEREIRA, Sônia Gomes. A sincronia entre valores tradicionais e modernos na Academia Imperial de Belas

Artes: os envios de Rodolfo Amoedo.Artcultura, v. 12, n. 20, 2010.

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possibilidade de modificar seus métodos. Amoedo introduz as técnicas de encáustica e

afresco, inspirado pelos ateliês renascentistas. Aponta a necessidade dos estudos sobre o

uso da cor como elemento construtivo central, no que se revela a influência de Chavannes,

e reflete sobre seu uso a partir das questões científicas que informaram impressionistas e

o divisionismo de Seurat. Propõe ainda novas perspectivas sobre os estudos de modelo e

anatomia.145

A ação renovadora de Amoedo se conecta ao seu interesse por vertentes

realistas e simbolistas do modernismo que afasta o tratamento idealizado predominante no

meio acadêmico até então, mas o artista não condena as tradições românticas e

neoclássicas que aprendeu de professores como Victor Meirelles e Zeferino da Costa. Dá

a seus temas um tratamento que privilegia a objetividade, verista. Para Chiarelli, o

falecimento de Amoedo marca o encerramento de uma fase da arte brasileira:

A morte de Amoedo anuncia o início do fim da arte do século XIX; começa a ser

definitivamente sepultada uma arte baseada no culto ao bom desenho, à captação objetiva

(porém não naturalista) da forma, ao rigor da composição".146

As reformas realizadas na escola se espelhavam em parte nas mudanças

implementadas na École de Beaux Arts na década de 1870 quando, se introduziram cursos

de artes decorativas como Cours de dessin ornamentel e Cours supérieur d’art décoratif.

Também no Brasil havia uma preocupação com o preparo dos alunos para o

desenvolvimento de projetos de monumentos, decoração de edifícios públicos e para uma

atuação que articulasse arte e indústria. A própria reforma urbanística do Rio de Janeiro,

objeto de estudo desde 1874 e implementado nos na primeira década de 1900, motivou

encomendas de decoração de prédios públicos. Dazzi afirma sobre a Reforma da Escola

Nacional de Belas Artes:

[...] a intenção da Reforma de 1890 não era a de implementar um ensino técnico na

Escola Nacional de Belas Artes, mas preparar melhor os artistas para serem

idealizadores, dessinateurs, atuando nas artes industriais, a fim de melhor darem

conta das grandes encomendas de decoração em prédios públicos e terem os

145 Sobre a reforma DAZZI, Camila. “Por em prática e Reforma da antiga Academia”: a concepção e a

implementação da reforma que instituiu a Escola Nacional de Belas Artes em 1890. Rio de Janeiro: UFRJ, 2011. Tese (Doutorado em História da Arte), PPGAV, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011. 146CHIARELLI, Tadeu. Rodolfo Amoedo. In: _______. Arte internacional brasileira. São Paulo: Lemos, 1999.

p. 154-156.

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conhecimentos necessários para a atuação nas escolas. Portanto, não havia conflito

entre arte, arte decorativa e artes industriais. O papel da Escola Nacional de Belas

Artes estava muito bem estabelecido: era o de uma escola de artes preparatória;

preparatória não só para formar grandes artistas, mas professores e, possivelmente,

artistas que atuariam realizando projetos para indústrias, supervisionando seus

operários etc.147

Figura 95 Carlos Chambelland Nu, 1927 Óleo sobre tela, 40 x 80 cm Coleção particular

Figura 96 Rodolfo Amoedo Estudo de Mulher, 1884 óleo sobre tela, 150,5 x 200 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro

147 Dazzi, Camila. A reforma da École des Beaux-Arts de Paris e a reforma da Academia de Belas Artes do

Rio de Janeiro: algumas aproximações. In: Cultura Visual, n. 19, julho/2013, Salvador: EDUFBA, p. 78.

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Figura 97 Arthur Timótheo da Costa No Atelier de Lucílio, 1910148

Óleo sobre tela, 25.8 41.3 cm Museu Antonio Parreiras

Figura 98 No Atelier, s.d. Rodolfo Amoedo

Óleo sobre tela, 48 x 64,5 cm Coleção Particular

Esse artista capaz de participar da mudança de perfil da cidade e com ela

dialogar, estava familiarizado com as reformas de Paris e a nova sensibilidade do viver

urbano.

Para Migliaccio, Amoedo foi para seus discípulos o exemplo do que um artista

moderno deveria ser. Mas mais do que isso foi o primeiro dos dândis149. É como dândi que

Amoedo escolhe representar Gonzaga Duque, criando uma imagem semelhante à da

personagem masculina de Arrufos, de Belmiro de Almeida [figura 99], que se acredita

também ter sido concebido à semelhança do crítico. O retrato estreito reforça o longilíneo

do retratado esbelto, de dedos longos a segurar uma fina bengala. Duque se destaca do

148"Ao A.gºcollega / A.Parreiras off. o / Arttimotteo /Paris 910" c.s.e. 2 carimbos

circulares do MAP e carimbo oval com as inscrições: "FABRIQUE de (...) / (...) / G.BURGUES / PARIS / 19, Rue de M(...)" e "13" v. 149MIGLIACCIO, Luciano. Rodolfo Amoedo. O mestre, deveríamos acrescentar. 19&20, Rio de Janeiro, v. II,

n. 2, abr. 2007. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/artistas/ra_migliaccio.htm>.

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fundo avermelhado pelo contorno da poltrona coberta por um tecido brilhante e pelo

recortado do penteado lustroso. Tudo se combina para sugerir refinamento, erudição e

elegância que o retratado desejava imprimir na percepção de seus interlocutores.

Também Eliseu escolhe o dândi para seu retrato de Duque [figura 101], no qual

o encontramos mais velho, com a cabeça coberta por um chapéu marrom no tom do paletó

risca de giz, gravata em tom vivo, olhar absorto e cigarro na mão. As representações

denunciam um homem preocupado com sua aparência, e revelam um intelectual buscando

aqui paralelos e conexões com Paris e seus bulevares.

Antonio Dimas vê em Duque um apelo a um descritivismo que adere aos objetos

analisados. Segundo o autor:

quando se abre a oportunidade do rigor judicativo, o crítico esgueira-se ora pela

condescendência, ora pela ironia. Ironia que, por exemplo, subsestima a

intelectualidade burguesa do momento, como se dela ele não fizesse parte, e que, no

fundo, implica sentimento de auto desenraizamento, de desajustamento ao meio

ambiente. 150

O exemplo escolhido para ilustrar o argumento é uma passagem em que

Gonzaga Duque usa a expressão bugres de cartola para designar a maioria sabichona do

nosso meio intelectual. Também a introdução da personagem fictícia Policarpo ajuda a

criar um descolamento que faz com que comentários críticos ou irônicos sejam vocalizados

pela personagem, não pelo escritor. Talvez seja aí que Gonzaga se revele mais dândi, ao

criar uma identidade ambígua que se distancia da burguesia sem com ela romper.

Duque se empenhou na disseminação de estéticas como o Simbolismo, o

Decadentismo e o Art Noveau, em uma época que priorizava o Realismo e o Naturalismo,

tendências mais alinhadas ao Cientificismo dominante, e sua aposta no progresso material

prometido pelo capitalismo industrial.

O romance Mocidade Morta, de Gonzaga Duque, apresenta jovens idealistas

que desejam ver uma nova escola de artes plásticas, sem empreender ações efetivas para

este fim. O spleen faz das aspirações desses artistas, desejos imobilizadores e covardes.

O artifício expresso no estudo do dândi sobre sua apresentação deve ser

observado no caso de nosso retrato. Mais ainda, se imaginamos que Timótheo não era

150 DIMAS, Antonio. Tempos eufóricos:(análise da revista Kosmos, 1904-1909). Vol. 88. Editora Atica, 1983.

P. 127.

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verdadeiramente um dândi, a pintura pode ser vista como uma construção artificial que faz

do retratado um produto artificial do artista, e o encaixa na identidade de artista criador de

seu mundo imaginado.

Duque parece atento, como os homens de seu tempo, às questões relacionadas

à presença negra no país e aponta os vínculos entre este segmento da população e a

produção artística, tida como atividade menor.

As profissões letradas transbordam assustadoramente, enquanto as profissões

diretamente produtoras passam às mãos dos estrangeiros que, enriquecidos,

constituem−se conforme os seus interesses pessoais em força motriz dessa política.

Ora, sendo as profissões letradas as que maior interesse despertam no brasileiro, é

claro que a arte, considerada até há pouco tempo um desprezível ofício de negros e

mulatos, medrada em país onde não estão ainda desenvolvidos o luxo e o

bom−gosto, ficasse destinada às classes pobres, aquelas que não podiam educar

convenientemente seus filhos para fazê−los entrar nas Academias.151

No entanto, Lins destaca que para Gonzaga Duque a representação do negro,

assim como a do índio, deve evitar o exótico e sua identificação como “réu político”, para

garantir a busca de uma arte cosmopolita de caráter universal.

Luiz Gonzaga Duque Estrada não é produto de um meio social privilegiado. Filho de

pai sueco que nunca conheceu, carregou o nome de família da mãe. Nascido no Rio de

Janeiro e sem ter obtido uma formação que lhe oferecesse diplomas, inicia a carreira como

pintor e crítico de A Semana, em 1875, publicando em 1888 seu primeiro livro.

Gonzaga Duque diverge de uma visão negativa dos trópicos. Vê a negatividade na

forma de colonização, e nos negros e mestiços, a vitalidade. (...) Todavia, como não

é naturalista, acredita na independência do meio pela força do espírito e da reflexão.

O simbolismo apresenta uma crítica a esse veio grave, naturalista e cientificista, em

que raça e natureza dão fundamentos objetivos e imparciais ao estudo da literatura

ou da arte.152

151DUQUE, Luiz Gonzaga. Revoluções Brasileiras. Rio de Janeiro, Tip. do Jornal do Comércio, 1898. p.243 152 LINs, Vera. "Novos Pierrôs, velhos saltimbancos." Curitiba: Secretaria de Cultura do Paraná (1998). p.33.

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Figura 99 Belmiro de Almeida Arrufos, 1887 Óleo sobre tela, 89,1 x 116,1 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro

Figura 100 Rodolfo Amoedo Retrato de Gonzaga Duque , 1888 óleo sobre tela, 50 x 40 cm Coleção Jones Bergamin

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Figura 101 Eliseu Visconti Retrato de Gonzaga Duque, 1908 Óleo sobre tela, 92 x 51 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro

Duque inicia seu livro Revoluções Brasileiras abordando a revolta dos negros de

Palmares, destacando seu protagonista: Zumbi. Parte dessa história não oficial, sinalizando

seu desejo utópico de ver a constituição de uma república libertária.153 Observa a violenta

repressão exercida contra o negro como um dos obstáculos à constituição de uma nação

capaz de avanços, tendo sido a escravidão o maior deles, seguido pela “politicagem”.

Cultiva uma visão nacionalista, à sua maneira, vinculada a um pensamento nacional e não

à tematização do negro e do índio.

153 Idem

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157

Falta-lhe o cunho, a marca nacional? Mas, senhores, a arte de um povo não resulta

da vontade de um grupo nem de uma tentativa de uma escola. (...) Mas, se o povo

se afirma por uma clara, definida aspiração nacional, se os fatores de sua formação

lhe transmitiam intensamente o seu sentir, o seu modo de ser; se a sua expressão

depende de uma só língua, embora adaptada e corrompida, este povo vai ter,

indubitavelmente a sua arte. Esperamos, pois, por esse dia próximo, em que a arte

característica, verdadeiramente brasileira, surgirá dessa natureza admirável, desta

luz de ouro, dess´alma popular feita com a nostalgia do índio, a infalibilidade animal

do africano e a alma lírica do português marujo e êxul. 154

Duque convida os artistas a produzirem inspirados pelo que encontram ao seu redor,

pelo que encontram de específico em sua terra. Embora aluda a uma visão estereotipada

das raças, os convida a romper com as imagens simbólicas da identidade nacional. O

romance Mocidade Morta atesta a desilusão do autor com as possibilidades de encontrar

novas saídas para a questão do nacionalismo. As personagens vagam e veem frustradas

suas ambições profissionais, abandonam suas premissas de rebeldia ou encontram a

doença e a morte. Segundo Vermeersch:

O problema do nacionalismo na arte ficou sem solução, para Gonzaga Duque, como

atesta seu romance Mocidade Morta, publicado em 1899. (...) [o autor] fala da

extrema decepção e da compreensão de que seria impossível criar uma arte

moderna num país em que a maior parte das pessoas não sabia sequer os

rudimentos da leitura e da escrita.155

Em Arte Brasileira, Duque estaria alinhado com os temas dos “Novos liberais”,

intelectuais tais como André Rebouças, Joaquim Nabuco e também com o grupo dos

“Positivistas abolicionistas”, no qual figurariam Silvio Romero e Tobias Barreto.156 Gonzaga

esteve relacionado ao Partido Abolicionista e fez parte do círculo de José do Patrocínio.

Os males de uma modernização tardia e incipiente eram obstáculos intransponíveis

à criação de uma tradição artística própria, de debates profundos e duradouros. O

154 Esse texto trata de um discurso pronunciado na Exposição Nacional de 1908 na seção Belas Artes, reunido

em Contemporâneos, apud, p. 247-255, edição de 1929. 155 VERMEERSCH, Paula. Por uma arte brasileira? A pintura acadêmica no final do Segundo Reinado e a

crítica de Gonzaga. Duque. Rotunda. Agosto 2003. CEPAB-IA Unicamp. p. 22. 156 ALONSO, Angela. Ideias em Movimento: A geração 1870 na crise do Brasil-Império. São Paulo. Paz e

Terra. 2002. p. 47-48

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158

que seria um desacerto na verdade é uma espécie de sonho utópico, de profissão

de fé, como os textos panfletários de José do Patrocínio. O sonho do jovem crítico

naufraga diante da mudança do regime e da continuidade das instituições sociais,

mas, para a construção de uma História da pintura no Brasil, é imprescindível saber

que houve um momento de propostas novas e arrojadas, ainda que contraditórias, e

irrealizáveis.157

Gonzaga Duque busca em Arte Brasileira descrever três períodos organizadores

para classificar a história da arte no Brasil: Manifestação com início em 1695, estendendo-

se até a chegada da Missão Francesa em 1816; a fase Movimento que vai de 1831, quando

Jean Baptiste Debret deixa o Brasil retornando à França, até o final da Guerra do Paraguai

em 1870; e o período que denomina Progresso, de 1870 até 1888, quando o autor publica

o livro.

Duque caracteriza o período Progresso como aquele em que os artistas são mais

numerosos, a produção mais volumosa e o ensino mais estruturado. Para o autor, mesmo

nessa última fase não seria possível afirmar a existência de uma produção coesa a ponto

de constituir uma “escola brasileira”, e sim um conjunto de indivíduos que produzem sem a

vinculação inequívoca a uma tradição. Segundo Chiarelli, a etapa denominada

Progresso indicava um ensino acadêmico estabilizado, um número maior de artistas em

atividade e uma produção mais numerosa, mas nada além disso uma vez que, nada

distinguia os artistas desse período de seus incaracterísticos antecessores.158

Os textos de Gonzaga Duque manifestam o desejo de ver obras figurativas

despidas da idealização que reconhecia em alguns acadêmicos. Duque elogia a

verossimilhança naturalista das obras que mais se encaixam em suas preferências.

Condena em Aurélio de Figueiredo a fantasia da tela Redenção do Amazonas, apontando

em tom crítico tanta riqueza de estofos, colunas de mármore, e tapetes e flores e

amphoras159. Por contraste, elogia em uma exposição de Modesto Brocos a realidade

adorável de uma reprodução fidelíssima no retrato do Barão Homem de Mello, de Auguste

157 Apud. VERMEERSCH, Paula. Por uma arte brasileira? A pintura acadêmica no final do Segundo Reinado

e a crítica de Gonzaga. Duque. Rotunda. Agosto 2003. CEPAB-IA Unicamp. p. 23-24 158 DUQUE-ESTRADA, L.G. Arte brasileira. Introdução e notas de Tadeu Chiarelli. Campinas: Mercado de

letras, 1995, p.30. 159DUQUE, Gonzaga. Contemporâneos: pintores e esculptores). Rio de Janeiro, RJ : TypografiaBenedicto de

Souza, 1929. p. 86.

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159

Petit que teria mantido da cabeça todo o relevo do desenho, acusando bem a anatomia,

minudeando os característicos da velhice. Epiderme, espessura de cabellos, vida

physionômica, constituem um conjunto de attendido trabalho que honra o artista160.

Despreza o desejo da pintura histórica de reconstituir épocas e também as alegorias

nacionalistas, elegendo Puvis de Chavannes como modelo de artista bem sucedido no

tratamento de seus temas, com ênfase em seu caráter simbólico161.

Gonzaga Duque vê no artista português José Vital Branco Malhoa, habilidades

capazes de manter vivas as figuras nos quadros. Em um texto escrito a propósito de uma

exposição do artista no gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro, Duque reconhece

o Naturalismo como tendência artística do pintor, a quem atribui habilidades intuitivas e às

suas obras características de espontaneidade. O crítico é atraído pelo modo como o pintor

é atraído pelo vulgar da vida, no que encontra similaridades com a pintura de costumes

holandesa. Valoriza o afeto pelos humildes, pelo seu amor à vida rústica e, sobretudo, pela

capacidade de representar o que ele [o artista] viu e o que verdadeiramente existe162.

Para Coli, Duque é a primeira presença forte da história da arte no país, por

condenar a produção nacional como ultrapassada e desejar uma renovação baseada em

uma autenticidade nacional.

Seu desejo é, portanto, o de uma arte que ultrapasse os temas e que encontre, ao

mesmo tempo, uma forma moderna e brasileira. Essa obra sem dúvida anunciou as

posturas modernistas que surgiram no século XX.163

O interesse pela vida do presente, herdada de Baudelaire e vivaz em João do

Rio, aparece entremeada às ideias de Gonzaga e visível nas obras dos artistas que

parecem sintonizados com as ideias do critico, interessado, sobretudo, em ver renovado o

sentido de identidade na arte nacional. Por essas razões, o dândi de Chambelland talvez

seja um retrato de artista como aquele idealizado por Duque, capaz de trazer o moderno, o

novo. Por outro lado, talvez o pintor representado na penumbra, se assemelhe de algum

160 Idem, p. 146. 161 Lins, Vera. Gonzaga Duque: crítica e utopia na virada do século. No. 25. Fundação Casa de Rui Barbosa,

1996. p.12. 162 Duque, Gonzaga. Graves & Frívolo: por assuntos de arte. Fundação Casa de Rui Barbosa, 1997. p. 41-

46 163 COLI, Jorge. "Fabricação e promoção da brasilidade: arte e questões nacionais." Perspective. La revue

de l’INHA (2014).

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modo às personagens de Mocidade Morta, incapaz de materializar o que preconizam em

suas ideias e sonhos.

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161

5. A imagem do homem negro na arte brasileira: exemplos referenciais

A reflexão sobre a imagem do negro na arte brasileira do século XIX e início do

XX, arrasta para o debate o reconhecimento de presenças esparsas e de representações

delimitadas por padrões recorrentes. Os retratos individuais são raros na pintura, enquanto

são numerosas as imagens vinculadas ao trabalho164 e à identificação étnica nas imagens

de artistas viajantes e nas cartes de visites.

Cada imagem é uma equação na qual operações de soma e subtração resultam

visíveis, em maior ou menor medida, as intenções do sujeito e as do fotógrafo, operando

em um gradiente de possibilidades de escolha por parte do retratado, capazes de impactar

a imagem resultante. Da pose às roupas, uma combinação de atributos e atitudes denuncia

a situação social do fotografado, por vezes reduzido a um tipo, marcado por um ofício, uma

ocupação. Maria Hirzman, ao estudar as imagens produzidas por Christiano Jr., afirma não

serem fotos de cidadãos, mas também não são apenas de categorias, estando entre o tipo

e o indivíduo.165

Nos retratos voluntários, a fotografia oferecia ao próprio indivíduo e aos outros,

a comprovação de uma identidade que acolhia outros signos que não aqueles da

subalternidade escrava. A imagem podia ser percebida como prova de seu status e

testemunha de uma operação de mobilidade social. Mais do que isso, é atestado de sua

humanidade avalizada pelos sinais de distinção e postura, em um ambiente pródigo em

estratégias de apagamento da dignidade daqueles a quem se impôs a situação de

escravidão.

Coli afirma que a celebração do indígena como força suprema e entidade

ancestral incidia sobre um outro aspecto (...): ela bloqueava a incorporação do negro pela

cultura local. Também por isso o Retrato do Marinheiro Simão [figura 102]surge como

exceção, identificada por Luciano Migliaccio como o primeiro retrato heroico de um afro-

164 KOSSOY, Boris. O olhar europeu: o negro na iconografia brasileira do século XIX. São Paulo: Edusp,

1994. 165 HIRZMAN, Maria Lafayette Aureliano. Entre o tipo e o sujeito: os retratos de escravos de Christiano Jr.

Diss. Universidade de São Paulo.

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162

Brasileiro166, sendo importantes as pesquisas desenvolvidas por Nara Petean Marino167 e

Daryle Williams.168

Figura 102 Retrato do intrépido marinheiro Simão, carvoeiro do vapor Pernambucana,1814 José Correia de Lima Óleo sobre tela, 92,5 x 72,3 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro

166 MIGLIACCIO, Luciano. "O século XIX." Mostra do Redescobrimento: O Século XIX (2000). 167 MARINO, Nara Petean. "O ‘RETRATO DO INTRÉPIDO MARINHEIRO SIMÃO’E AS POSSIBILIDADES

DE REPRESENTAÇÃO DO NEGRO NA ARTE DO SÉCULO XIX." 168 WILLIAMS, Daryle. The Luso-Atlantic at the end of the slave trade. In Lugo-Ortiz, Agnes, and Angela

Rosenthal. Slave Portraiture in the Atlantic World. Cambridge University Press, 2013. p.405 – 431.

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163

No contexto desta pesquisa nos interessam exemplos de pinturas de retrato nas

quais as personagens sejam homens negros, representados como dândis, em obras

produzidas por artistas relacionados, temporal ou artisticamente, aos pintores investigados.

Por essa razão, foram escolhidas as pinturas que estudaremos a seguir: O retrato de André

Rebouças, de Rodolpho Bernardelli, e os de Dom Obá, de Belmiro de Almeida.

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164

5.1. O retrato de André Rebouças de Rodolpho Bernardelli

Figura 103 Rodolpho Bernardelli Retrato de André Pinto Rebouças Óleo sobre tela Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro

Rodolpho Bernadelli é o autor do retrato de André Pinto Rebouças [figura 103],

uma das poucas pinturas que realizou em sua carreira artística. Em 1886, Joaquim Nabuco

e André Rebouças têm um encontro significativo. Em uma conversa, em Petrópolis,

discutem a ideia de Nabuco de Carvalho de que a fabricação de um projeto nacional estaria

relacionado à construção de biografias exemplares. Ambos decidem transformar o diário

de Nabuco em autobiografia, vista como ferramenta na luta abolicionista169. Rebouças

relata em seu diário o momento em que Nabuco apresenta a ideia de criar um relato

autobiográfico que relacione sua história pessoal à difusão do movimento abolicionista.

Rebouças já havia escrito uma biografia de seu pai que incluía seus principais discursos

parlamentares. A sugestão de Nabuco em transformar seus registros diários de natureza

íntima em uma agenda de mudanças nacionais, fez com que ambos considerassem que

169 de CARVALHO, Maria Alice Rezende. O quinto século: André Rebouças e a construção do Brasil. Editora

Revan, 1998. p.133.

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suas trajetórias fossem cada vez mais pautadas pela necessidade de exemplaridade. Os

esforços autobiográficos de ambos, portanto, surgem como narrativa moralizante, heroica

e exemplar para um projeto de construção da nação.

A exemplaridade tinha sentidos adicionais no caso de Rebouças, sendo descrito

por Spitzer170 como um caso bem sucedido de assimilação, obtida por meio da

miscigenação e do estudo. André, que se autodenominava mulato, era uma exceção em

seu meio. Educado dentro de padrões da burguesia, é formado para um estilo de vida que

incorpora um padrão de aparência de matriz europeia, assim como outros costumes

apreciados por esse grupo social. Spitzer descreve a aparência de Rebouças como sendo

pautada pela distinção e pela ordem, embora seus tecidos pesados não fossem adequadas

ao clima tropical. Os cabelos eram cortados muito curtos e repartidos do lado de acordo

com a moda europeia de então, desacentuando consciente ou inconscientemente a sua

textura e o encaracolado – traços físicos ligados à raça171. Rebouças era um dândi,

apaixonado por ópera, que assistiu na Itália aos ensaios de O Guarani, de Carlos Gomes,

de cujo filho era padrinho.

O relato do amigo Visconde de Taunay comprova a inserção de Rebouças no

meio social da elite carioca, embora com limitações, impostas por razão da cor de sua pele:

Dizíamos, porém, que neste período de 1870 a 1880 comparecia ele [Rebouças]

a todas as festas e cerimônias da capital fluminense, muito brilhante, então. Dava

em casa frequentes reuniões e até bailes, a que acudia a gente mais fina e

aristocrática do Rio de Janeiro, muito embora todas as prevenções da cor, que

Rebouças buscava suplantar e vencer. 172

170 SPITZER, Leo. Assimilação, marginalidade e identidade: os dois mundos de André Rebouças, Cornelius

May e Stephans Zweig. Estudos Afro-Asiáticos, Rio de Janeiro, n. 3, p. 35-62, 1980. 171 Idem, p. 40. 172 CARVALHO, Maria Alice Rezende de. O quinto século: André Rebouças e a construção do Brasil. Editora

Revan, 1998. p.64.

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Figura 104 Antônio Pereira Rebouças, pai de André Rebouças

Figura 105 Os irmãos Antônio e André Rebouças

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Figura 106 Retrato de André Rebouças

Antônio Pereira Rebouças, pai de André [figura 104], o precede com uma

trajetória profissional de destaque no Império. Inicia seus estudos em direito como

autodidata e adquire o direito de advogar por outorga do Parlamento. Foi advogado do

Conselho de Estado, mas teve sua atuação de maior destaque como representante da

Bahia na Câmara dos Deputados, onde obteve dois mandatos. Apresentou projeto pela

proibição da importação de africanos antecipando as preocupações que marcariam a

atuação abolicionista de seu filho. Foi deputado provincial da Bahia, secretário de governo

de Sergipe e conselheiro do imperador D. Pedro Também os tios de André, José e Manoel

Maurício, alcançaram posições de destaque apesar da origem pobre de seus avós, o

negociante português Gaspar Pereira Rebouças e da liberta Rita Basília dos Santos. José

foi violinista e compositor, tendo a música o levado a Bolonha e Paris. Manoel estudou na

França onde se tornou bacharel em ciências e doutor em medicina, tendo ocupado cadeiras

na Escola de Medicina da Bahia quando de seu retorno ao Brasil. Recebeu a comenda de

Cavaleiro da Ordem do Cruzeiro por sua contribuição nas epidemias de febre amarela e

cólera.

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Portanto, é em meio a uma família mestiça, que havia conseguido notável

medida de inserção social, que nasce André Rebouças em Cachoeira no Recôncavo

Baiano em 1838173.

No Rio de Janeiro, onde chegou com sua família em 1846, optou por seguir uma

carreira técnica, estudando engenharia na Escola Militar de São Francisco, antiga Escola

Militar Imperial e seguiu com sua formação na Escola Militar e de Aplicação na Praia

Vermelha onde se formou engenheiro militar e, posteriormente, buscou aperfeiçoamento

na Inglaterra lá permanecendo entre 1861 e 1862, integrando a Comissão Especial

Brasileira para a Exposição Internacional de Londres em 1862.

A viagem a princípio seria custeada pelo governo, como prêmio aos melhores

alunos, sendo este o caso de André e de seu irmão Antônio, também educando da

instituição. No entanto, houve uma recusa da Escola que Rebouças atribui ser motivada

por preconceito e a viagem acabou sendo custeada por seu pai.174

A vivência europeia o habilitou ao engajamento em diversos projetos de

modernização do país quando do seu retorno, que visavam, por exemplo, a reformas

portuárias e de saneamento, e estudos para construção de ferrovias. Também influenciou

seus posicionamentos nessas empreitadas sua admiração pelo modelo liberal americano.

Idealizava a possível emergência de self-made-men locais aptos a construir uma sociedade

baseada no valor dos indivíduos175.

Se por um lado a presença de negros com certas posses e educação formal

superior não era uma impossibilidade no Segundo Reinado, o perfil profissional do

engenheiro aliado à atuação contestadora de Rebouças deveria gerar estranhamento.176

Sua atuação junto a Joaquim Nabuco constituiu uma importante frente de

abolicionismo sobretudo a partir da década de 1880, tendo produzido grande quantidade

de textos para a imprensa, ajudando na divulgação de ideias de defesa do trabalho livre.

Para ele, apenas a educação seria a base de transformação da lavoura escravagista em

indústria agrícola progressista. Nesse sentido, suas ideias eram convergentes às de

Joaquim Nabuco, que afirma:

173 SANTOS, Sydney M.G dos. André Rebouças e seu tempo. Selbstverl., 1985. 174 REBOUÇAS, André. Diário e notas autobiográficas. Livraria José Olympio Editora, 1938. 175 É possível afirmar que em suas ideias encontramos semelhanças com o pensamento de intelectuais

negros americanos como W. E. Dubois e Booker T. Washington, que estudaremos mais adiante. 176 TRINDADE, Alexandro Dantas. André Rebouças: da engenharia civil à engenharia social. Diss.

Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, 2004. p. 50.

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169

Necessitamos de instrução e capital. E como não é possível construir escolas,

comprar livros e pagar mestres sem capital, é preciso resolver simultaneamente o

problema do capital e o problema da instrução: não se pode ensinar a ler quem tem

fome! É preciso capital para instrução, e capital para a indústria. É preciso dar

simultaneamente ao povo – instrução e trabalho. Dar instrução aos brasileiros para

que eles conheçam perfeitamente toda a extensão de seus direitos e de seus

deveres: dar‐ lhes trabalho para que eles possam ser realmente livres e

independentes! Repitamos: é necessário, é urgente, é indispensável educar esta

nação para a agricultura, para o comércio, para o trabalho em uma só palavra! Deve

ser esse o principal escopo de todo esse Império.177

Nabuco dedicava grande admiração a Rebouças, como a denunciam estas

palavras:

Matemático e astrônomo, botânico e geólogo, industrial e moralista, higienista e

filantropo, poeta e filósofo. Rebouças foi talvez dos homens nascidos no Brasil o

único universal pelo espírito e pelo coração... Pelo espírito teremos tido alguns, pelo

coração outros; mas somente ele foi capaz de refletir em si e ao mesmo tempo a

universalidade dos conhecimentos e a dos sentimentos humanos. 178

Monarquista, Rebouças acompanhou a família imperial ao exílio e acreditava

que a Proclamação da República havia sido motivada pelas oligarquias rurais receosas de

ver o modelo latifundiário em risco no pós-abolição. Acreditava que o processo abolicionista

não chegou a se completar pela ausência de reformas necessárias à democratização rural.

Dantas debate as ideias de Spitzer, segundo quem Rebouças teria ao longo da vida

buscado estratégias de “assimilação, branqueamento ou mesmo ´europeização´”,

buscando uma identificação com os intelectuais brasileiros e a sociedade da Corte. No

entanto, o pensamento de Rebouças era antioligárquico e acreditava que uma força

contrária a esses grupos poderia ser oferecida pela monarquia.

Rebouças atuou como professor suplente de arquitetura na Escola Nacional

de Belas Artes, em um período de dificuldades para o preenchimento da vaga de titular. A

permanência no curso na Escola, bem como no Instituto Politécnico, foi alvo de polêmicas

177 REBOUÇAS, André. Agricultura nacional. Estudos econômicos, propaganda abolicionista e democrática.

Set. de 1874 a set. de 1883. A J, Lamourex & Co. , 2ª Ed., fac‐ simile. Fundação Joaquim Nabuco, Massangana, Recife, 1988. p.284. 178 Apud SANTOS, Sydney M.G dos. André Rebouças e seu tempo. Selbstverl., 1985. p.449.

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170

e da intervenção decisiva de Amoedo e Bernardelli, o que indica convivência e afinidades

entre o retratado e o artista autor da pintura.

Em 1884, o arquiteto alemão Luiz Schneider encaminhou ao Instituto Politécnico

Brasileiro o pedido de extinção do ensino de arquitetura da Academia carioca. O

fechamento do curso de arquitetura só não se concretizou pela intervenção dos professores

Rodolpho Bernardelli e Rodolpho Amoedo que elaboraram uma reforma que mantinha o

curso, garantindo assim uma sobrevida do ensino que formava arquitetos no âmbito da

Escola.

A permanência do ensino de arquitetura como parte integrante das belas

artes constituiu-se numa vitória parcial, que iria necessitar para sua consolidação que fosse

contratado um professor para a cátedra principal do curso - Desenho de Arquitetura,

Trabalhos Práticos e Projetos - sem titular desde 1888, quando se afastou por

aposentadoria o professor Francisco Bethencourt da Silva, discípulo de Grandjean de

Montigny. Sem titular e praticamente sem alunos, as aulas de arquitetura contavam com

dois professores suplentes - ironicamente, dois engenheiros: André Pinto Rebouças,

professor da Escola Politécnica e Adolfo Del Vecchio.179

Portanto, é a partir de obras de um mestre de Chambelland e Timótheo que

encontramos exemplos de retratos de homem negro realizados no Brasil. As obras parecem

ser reveladoras das afinidades políticas do pintor com um pensamento renovador

reconhecido desde seu retorno da Itália. A destacada atenção dada ao artista por Ângelo

Agostini na Revista Illustrada ajudou a formar a opinião do público para o aspecto renovador

que se imprimia em suas obras. Vale lembrar a orientação abolicionista e republicana do

periódico180.

Já a partir da década de 1870, vemos a presença de um pensamento

progressista no Brasil que, segundo Bosi, defende o trabalho livre e a indústria, e para quem

imagens de identidade nacional não mais poderiam depender do vocabulário indianista.181

As obras de Bernardelli estariam em sintonia com esse contexto e suas obras apresentarão,

179UZEDA, Helena Cunha de. O Curso de Arquitetura da Escola Nacional de Belas Artes e processo de

modernização do centro da cidade do Rio de Janeiro no início do século XX. 19&20, Rio de Janeiro, v. V, n. 1, jan. 2010. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/arte decorativa/ad_huzeda.htm>. 180 CHIARELLI, Tadeu. Arte internacional brasileira. São Paulo: Lemos, 1999. Entre Almeida Junior e Picasso.

p.42-43 e SILVA, Maria do Carmo Couto da. "A obra Cristo e a mulher adultera e a formação italiana do escultor Rodolfo Bernardelli." (2005). p.5. 181 BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

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171

mesmo que de forma sutil, essa conexão, apesar da crítica da época manter seu foco mais

sobre seus méritos técnicos.182Talvez seja útil imaginar que é na perspectiva de conciliação

do interesse do artista em se conectar com as ideias progressistas da época e as questões

prementes de seu tempo e de seu país que ele escolhe realizar os retratos de Rebouças e

de White. Ambos são exemplos de profissionais destacados em seus ofícios, com

possibilidades de circulação no ambiente da corte, onde certamente eram exceção

enquanto homens negros. Exemplos de inteligência musical, técnica e política,

desmentiam, a partir de seu próprio sucesso, as teses de inferioridade da raça,

materializando as possibilidades de avanço do indivíduo negro na sociedade, quando

suspensos os entraves impostos pela escravidão.

Para Joaquim Nabuco, o Brasil só poderia conceber seu futuro a partir da

eliminação da escravidão e da reconciliação das classes, processo possível, sobretudo,

porque, ao contrário dos EUA, não haveria aqui um preconceito de natureza intransponível.

Nesse sentido, White e Rebouças seriam também exemplos de inserção e convivência

integrada na sociedade branca.

A escravidão, por felicidade nossa, não azedou nunca a alma do escravo contra o

senhor – falando coletivamente – nem criou entre as duas raças o ódio recíproco

que existe naturalmente entre opressores e oprimidos. Por esse motivo, o contato

entre elas sempre foi isento de asperezas, fora da escravidão, e o homem de cor

achou todas as avenidas abertas diante de si.183

Contrariando as visões que articulavam raça e meio como determinantes no

destino de uma nação, Nabuco vinculará a situação desprivilegiada do negro à escravidão

e sua herança, causa principal de todos os nossos vícios, defeitos, perigos e fraquezas

nacionais,184 bem como das precariedade material e fragilidade moral vividos pelos negros

no país. Segundo Vieira, Nabuco contrariava a visão de intelectuais como Sílvio Romero

para quem seria possível explicar as mazelas brasileiras pela “incapacidade relativa” das

raças residentes no país, combinadas ao calor e às características naturais da terra.

Nabuco acreditava no progresso histórico dos povos. Para Vieira, Nabuco desconfia tanto

182 SILVA, Maria do Carmo Couto da. "A obra Cristo e a mulher adúltera e a formação italiana do escultor

Rodolfo Bernardelli." (2005). p.18 183 NABUCO, Joaquim. O Abolicionismo. Prefácio de Leonardo Dantas Silva. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,

1999. p.173 184Idem, p.166.

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em relação ao “canto da sereia das ideias dominantes” – as explicações cientificistas –,

como também – e aqui está o oxigênio das suas ideias – se nega a transigir com os

intelectuais da sua geração e com aqueles que são os membros da sua classe social185.

Rebouças desmente a tese das incapacidades inatas, provando que, em liberdade, o negro

pode construir caminhos.

Adotando uma espécie de “imperialismo interno,” o país passava de a visualizar

diferenças sociais a partir de variações raciais. Os mesmos modelos que explicavam o

atraso brasileiro em relação ao mundo ocidental passavam a justificar novas formas de

inferioridade. Negros, africanos, trabalhadores, escravos e ex-escravos – classes perigosas

a partir de então – nas palavras de Silvio Romero transformavam-se em objetos de sciencia

186

Rodolpho Bernardelli, contemporâneo de Amoedo, e ativo no contexto de

busca de renovação da Academia, como já mencionado, é o autor de uma obra peculiar,

que vale a pena destacar por representar um homem negro, e que parece apresentar

sintonia com as expectativas de Duque sobre o tratamento de tema dessa natureza. O

busto de José Silvestre White Laffite (1836-1918) [figura 107], conhecido anteriormente

como Retrato de Negro [figura 108] é um retrato do compositor e violonista nascido em

Cuba, que desfrutou de reputação internacional187. Premiado quando aluno no

Conservatório de Paris, onde depois veio a lecionar, José Silvestre viajou pelas Américas

e também pela Europa para apresentações nas quais o repertório incluía composições

suas. Como exemplo, podemos mencionar suas duas apresentações como solista

convidado da New York Phillarmonic entre 1875 e 1876188. Entre 1877 e 1889, residiu no

Brasil, tendo atuado como diretor do Conservatório Imperial do Rio de Janeiro, compositor

da corte de D. Pedro II e professor de música dos filhos do imperador.

Importante registrar que o pai de Rodolpho e Henrique Bernardelli era o

violonista Oscar Bernardelli que atuou ao lado de sua mãe, primeira bailarina do

185 VIEIRA, A. M. T. (2013). Joaquim Nabuco e o “canto da sereia das ideias dominantes”. Navegações:

Revista de Cultura e Literaturas de Língua Portuguesa, 6(1), p. 120. 186 SCHWARCZ, L.M. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e a questão racial no Brasil 1870-1930.

São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p.28 187 Sobre o retrato ver comentário em SILVA, Maria do Carmo Couto da. Rodolfo Bernardelli, escultor

moderno: análise da produção artística e de sua atuação entre a Monarquia e a República. Campinas, SP: [s. n.]. Tese de Doutorado em História da Arte, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas/UNICAMP, 2011. Disponível em: http://www. bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=000785279. Acesso em 15 maio 2012. p.180 188WRIGHT, Josephine. Violinist José White in Paris, 1855-1875. Black Music ResearchJournal , Vol. 10, No.

2 (Autumn, 1990) ,Universityof Illinois Press. p. 213-232

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173

Conservatório de Milão, como preceptor das princesas Isabel e Leopoldina no período de

1865 a 1876, período de sua infância e juventude. Rodolpho também era musicista e

chegou a atuar como músico de orquestra ao lado do irmão Henrique, entre 1870 e 1876.

É possível supor que o maestro White fosse do círculo de relacionamento da família

Bernardelli.

Figura 107 Fotografia do Maestro White

Figura 108 Rodolpho Bernardelli Busto do Maestro White, 1886 Bronze, 41 x 48 x 26 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro

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Podemos considerar a escultura O Negro Horácio, de Louis Rochet,189 como um

antecessor da obra de Bernardelli, em que pese a personagem ter um perfil distinto. Rochet

realiza um retrato do escravo brasileiro Horácio, que trabalhava para comerciantes

franceses no país. O busto hoje está em poder do Museu do Homem de Paris e data de

1856 quando o artista está no Rio de Janeiro com a atribuição da estátua equestre do

imperador D. Pedro I, instalada em 1862, no local atualmente denominado como Praça

Tiradentes, no Rio de Janeiro. Sabe-se que Horácio nasceu na então denominada Guiné,

hoje Angola, e tem 40 anos quando da realização da escultura, que não fazia parte de sua

encomenda oficial. É o olhar de estrangeiro que se detém na personagem em meio a uma

cidade de grande população escrava, o que certamente causou forte impressão a um

francês pautado por uma cultura que projetava sobre si ideais de liberdade.

Essa obra nos interessa também pelo fato do irmão do escultor, Charles

Rochet, desenvolver pesquisas em que trata de antropologia e arte que buscavam

correspondência entre o tipo fundamental constituído de acordo com as proporções

adotadas pelos gregos e indivíduos de diferentes povos. Sua pesquisa antropométrica

surge embasada por sua produção artística e, também, a de seu irmão, sendo exemplos

os bustos de índio criadas por Louis Rochet no Brasil. Os Rochet nos ajudam a situar a

frenologia como ingrediente na reflexão da segunda metade do século XIX entre franceses

e brasileiros. Esse interesse científico fez com que a obra fosse ora identificada em função

do indivíduo retratado, ora como tipo reconhecível. Ainda hoje, o acervo o denomina de

estudo antropológico afastando a identidade do retratado como dado central. De todo modo,

a obra não carrega sentido alegórico, estando circunscrita ao que se denominou escultura

etnográfica produzida na Europa a partir da metade do século XIX. As obras de Cordier são

representativas dessa vertente que se diferenciava da escultura de tipo científica dos

naturalistas, menos interessados nas especificidades das expressões de individualidade.

189KNAUSS, Paulo. Jogo de olhares: índios e negros na escultura do século XIX entre a França e o

Brasil. História (São Paulo), v. 32, n. 1, p. 122-143, 2013. 143.

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5.2. O Príncipe Obá de Belmiro de Almeida

Um desejo de humor parece se insinuar nas pinturas de Belmiro de Almeida que

retratam o Príncipe Obá [figuras 111 e 112]. Isso por si só não causa surpresa se

consideramos que Belmiro atuou como caricaturista em revistas como O Malho e a

Comédia Popular, além de ter sido fundador dos periódicos Rataplan e João Minhoca, entre

1886 e 1901. Foi ainda um dos criadores do Salão dos Humoristas, em 1914. Gonzaga

Duque comenta sobre o artista, que qualificou como inovador:

… um mineiro que possui a verve, a sagacidade de um parisiense bulevardeiro. Na

rua, de pé sobre a soleira da porta, no Café Inglês ou na Casa Havanesa, o seu tipo

pequeno, forte, buliçoso, destaca-se na multidão. Quando solteiro foi um boêmio

desregrado, um perfeito tipo à Murger. Entre camaradas, na rua do Ouvidor, com o

narizinho arrebitado e atrevido farejando os pacatos burgueses para lhes agarrar o

ridículo, tinha na cabeça um cento de assuntos para pintar e em casa um cento de

quadros para concluir.190

Também Gilda de Mello e Souza destaca a irreverência de Belmiro:

(...) o exercício cotidiano da sátira lhe [tinha] aguçado o senso de observação,

alertando-o para o ridículo das pessoas e das situações e minado o

convencionalismo da formação acadêmica.191

Carlos Rubens destaca seu talento de humorista, traduzido também em sua

personalidade:

Ouvi-lo era um encanto, tanto maior quanto a verve ele misturava a ironia e a

maledicência que não contunde, nem destrói. (...) Espectador alegre, só lhe

interessava o aspecto cômico da existência. E dele se aproveitava para o humor, a

190 DUQUE, G. A arte brasileira. Campinas: Mercado das Letras, 1995. p. 209. 191 SOUZA, Gilda de Mello e Souza. Pintura brasileira contemporânea: os precursores. O Baile das Quatro

Artes. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1980. P. 241-244.

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ironia e a graça. Enveredou, por isso, pelo mundo álacre da caricatura. Com êxito.

(...) E todos riam ao riso e à mordicidade belmiresca.

(...) Quando se traçar a crônica da caricatura nacional, certamente Belmiro terá sua

página destacada. Ele foi dos maiores. Dos mais notáveis humoristas do lápis que

já teve o país.192

Figura 109 Retrato de Belmiro de Almeida, Rio 1912

192 RUBENS, Carlos. Belmiro de Almeida. In: Bellas Artes. No. 19-20 (Ano II). Rio de Janeiro, Setembro –

Agosto, 1936, p.05. In FERRARO, Juliana Ricarte. "O João Minhoca conta o Rio de Janeiro." p.35.

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Sua ironia é aparente em telas como Arrufos e Os Descobridores, mas em

medida de maior sutileza do que a utilizada ao retratar o poeta Alberto Oliveira [figura 110]

com braços alongados à semelhança da caricatura que lhe faziam.

Figura 110 O Poeta Alberto de Oliveira, s.d. Belmiro de Almeida Óleo sobre madeira

Museu de arte de São Paulo, São Paulo

Belmiro faz duas pinturas, talvez estudos, adotando Obá como tema. Em uma

delas adota um fundo neutro, enquanto na outra versão o coloca como alguém que caminha

no ambiente urbano, talvez a personagem passeie pela alameda de um jardim. Em ambas,

ele veste casaca, colete branco, bengala, luvas, cartola e uma capa apoiada no braço.

Vemos, ainda, a camisa branca, uma corrente dourada sobre o ventre e um detalhe na

lapela que pode ser uma condecoração. Na versão do Museu Afro, leva um guarda-chuva

aberto atrás da cabeça, que reforça a sombra que toma a área do rosto. A outra pintura

exibe o guarda-chuva fechado apoiado no ombro. Apesar do rosto e do corpo estarem

expostos ao sol, o rosto permanece sem traços distintivos, definido por uma espécie de

mancha que se estende na direção do peito devido ao desenho da barba. A versão em que

o guarda-chuva está fechado faz ver, embora sem muita definição, um monóculo junto ao

olho. Em ambas, os sapatos são exageradamente grandes, mas nesta há maiores

definições de contornos da figura, sendo as mãos um exemplo da soltura dada ao

tratamento na versão do Museu.

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Figura 111 Príncipe Obá, 1886 Belmiro de Almeida Óleo sobre madeira, 24 x 15 cm Museu Afro Brasil, São Paulo

Belmiro ridicularizava a figura do Príncipe Obá, personagem conhecida das ruas

do Rio e dos periódicos fluminenses, como comprova a nota do Rataplan, semanário

humorístico fundado pelo pintor. Ali lê-se piada que leva a assinatura de Tinoquinho:

As grandes potências europeias convencidas de que não encontram na Europa um

príncipe para a Bulgária, resolveram aproveitar algum dos muitos que há no Rio de

Janeiro.

Por enquanto o que tem mais probabilidade é o Obá II193

193 Rataplan, No. 3. Anno I. P.3. Disponível em http://memoria.bn.br/pdf/758116/per758116_1886_00003.pdf

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Figura 112 Dom Obá II D’África, 1887 Belmiro de Almeida Óleo sobre madeira, 24 x 15 cm Coleção particular

Silva aborda a dualidade que fez de Obá uma personagem querida das classes

populares e ao mesmo tempo ridicularizada pela elite do Rio de Janeiro. Conhecido como

Dom Obá194 II, ou Príncipe Obá, Cândido da Fonseca Galvão era um homem negro

nascido livre em cerca de 1845 em Vila dos Lençóis no sertão da Bahia, filho de africanos

forros.195 Seu avô era Alafin Abiodun, unificador do império de Oyo, hoje incorporado à

Nigéria. Portanto, era príncipe por direito de sangue. Abiodun teve um reinado marcado por

grande prosperidade, e era visto como um homem sábio e poderoso com centenas de

esposas e mais de 600 filhos, segundo o relato da tradição. Pelo menos um de seus filhos,

o pai de Cândido, foi levado à Bahia quando tráfico humano, que aprisionou um imenso

número de iorubas, substituiu o poderio do império. Seu pai, Benvindo Fonseca Galvão de

194 Obá quer dizer rei, em iorubá. 195 SILVA, Eduardo. Dom Obá II d’África, o Príncipe do povo. São Paulo, Companhia das Letras, 1997

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nação ioruba, adotou o sobrenome de seu ex-senhor, possivelmente, comprando sua

alforria por meio da cotização de membros de sua comunidade.

Muito conhecido no Rio de Janeiro, graduou-se alferes do Exército brasileiro,

oficial honorário por bravura, por sua participação voluntária na Guerra do Paraguai, de

onde retornou em 1866 para residir no Rio de Janeiro, com um ferimento em uma das mãos.

Sabe-se, no entanto, que Cândido foi demitido por mau comportamento, em pese ter sido

inocentado por dois conselhos de guerra, o que deixa dúvidas sobre a realidade de sua

atuação.196 Talvez porque o imperador desejasse demonstrar sua gratidão aos “voluntários

da pátria” que possibilitaram a vitória no conflito, em especial os negros que tiveram

participação crucial, Obá, monarquista ferrenho, tinha com ele uma relação especial, além

do acesso às sessões públicas concedidas por D. Pedro II, sendo, de certa forma, um

protegido. Recebeu, enquanto durou a monarquia, uma doação que utilizava para suas

despesas e, também, para ajudar membros da comunidade negra. Defendia a abolição, a

necessidade de melhorias nas condições de vida do povo negro, além de dar

encaminhamento nas diversas esferas da burocracia e do poder a questões de pessoas

comuns, o que lhe garantia prestígio na pequena África, região próxima ao Paço de São

Cristóvão, que agregava mais de 74 mil africanos livres e escravos, na segunda metade do

século XIX. Sua influência ficou comprometida com o advento da República, quando todos

os voluntários perderam as honras e o direito de usar farda e de serem tratados como

militares. Silva o descreve como um líder popular afro-brasileiro que veio a falecer em 1890.

Homem alto, com cerca de dois metros de altura, tinha uma postura imponente

e modos dignos de seu status real. Em ocasiões especiais utilizava com imponência seu

uniforme de alferes com suas dragonas douradas e espada à cintura. Ou se compunha com

elegância com peças de origem europeia como casacas, coletes, luvas, cartolas, bem como

guarda-chuva, bengala e pince-nez de ouro [figura 114]. Também agregava elementos de

inspiração em costumes africanos como penas. Escrevia com frequência em periódicos

publicando artigos pagos, subsidiados com ajuda de negros escravos, livres e libertos, nos

quais defendia que as raças seriam iguais, que o valor dos indivíduos não estava na cor da

pele e, sim, no mérito de cada indivíduo.

196 KRAAY, Hendrik. Os companheiros de Dom Obá: os zuavos baianos e outras companhias negras na

Guerra do Paraguai. Afro-Ásia [online]. 2012, n.46 [cited 2015-07-18], p. 121-161 .

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Figura 113 A quitandeira-grevista recorre à ajuda de Dom Obá II D’África, o Príncipe do Povo

Seus artigos eram acompanhados por um retrato oficial em que aparece fardado

e acompanhado de insígnias de orixás [figura 115]. A associação da farda com o sinal de

Ogum à sua direita reforça a identidade guerreira e assinala a entidade que lhe proveu

proteção durante a guerra. A coroa, à esquerda, o identifica como monarquista.

Figura 114 Cândido da Fonseca em farda do Exército brasileiro197

197 LAGO, Bia Corrêa do; Corrêa do Lago, Pedro. Coleção Princesa Isabel: Fotografia do século XIX. Rio

de Janeiro: Capivara, 2008.

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182

Figura 115 Retrato oficial de Dom Obá

Também era bastante atacado nas páginas dos jornais, que o acusavam de

embriaguez, elencavam as ocasiões em que pernoitava nas instalações da polícia, além de

trazerem narrativas de casos mais graves como a ocasião em que foi acusado de arrombar

a porta de uma residência para violentar uma jovem. Também é possível encontrar

anúncios de fantasias de carnaval baseadas no príncipe, identificada como uma figura

ridícula, risível. Silva afirma que a elite o percebia como uma figura folclórica, ao contrário

do povo que o reverenciava como um príncipe real.

A obra de Belmiro se assemelha à fotografia abordada por Richard J. Powell em

artigo198 que analisa aspectos do dandismo entre homens de origem africana. A imagem

[figura 116], datada de 1927 e publicada no Chicago Defender, mostra um homem vestido

com uma jaqueta de abotoamento duplo, calças de boca larga, capa curta sobre os ombros,

chapéu coco, ou Derby, luvas brancas, um lenço que pende do bolso e uma bengala

ornamentada. A foto foi tirada na Champs-Élysées, em Paris, e o homem é identificado

como Boisey Johnson of Georgia.. O autor comenta a ousadia do homem, notável mesmo

para a Paris da era do jazz, e coloca questões sobre suas motivações, e, ainda, se apenas

sua vestimenta justifica a atenção que parece receber dos transeuntes.

198 POWELL, Richard. "Sartor Africanus." Dandies: Fashion and Finesse in Art and Culture (2001): 217-42.

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183

Figura 116 Strutting’ his onions199 Anônimo, fotografia extraída do Chicago Defender, 4 de junho 1927 Perkins Library, Duke University

Powell faz com que a imagem seja acompanhada por uma citação tirada de uma

edição de 1932 da La Revue du Monde Noir, um periódico literário publicado em Paris nos

anos de 1930:

Why does the sight os a Negro dressed in European fashion provoque the laugh of

the White man is the question which Bergson asked himself in his study on Laughter.

Because the White man thinks the Negro is disguised, is his answer.

À revista interessava tratar com ironia o comentário do filósofo Henri Bergson

que evidenciava a percepção de que brancos e negros se definem fundamentalmente como

opostos, fazendo com que a ideia de ter homens negros em trajes europeus, portanto,

disfarçados na visão do filósofo, seja absurda, incompreensível e risível.

A tradição dos menestréis negros americanos que atravessou o século XX

tem origem em percepções semelhantes. O autor aponta que, embora essas personagens

tenham sido bastante estudadas, os dândis negros do século dezenove receberam menos

atenção. Eles seriam trabalhadores, por vezes vinculados a serviços domésticos,

199 A expressão Strutting’ his onions pode ser entendida como a descrição de alguém que anda

pomposamente, de modo afetado ou empertigado. Seria a ação de adotar um determinado comportamento para impressionar a outros.

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frequentemente ridicularizados por periódicos americanos. O negro dândi inspirou a criação

de personagens na cultura popular, tanto na música, como no teatro, em que são comuns

as denominações Dandy Jim e Zip Coon.

Figura 117 Dandy Jim from Carolina, 1843 George Endicott Litografia Perkins Library, Duke University, Durham

Para o autor, o Dandy Jim da gravura de 1843 [figura 117], com seu colete, corrente

de ouro, roupas justas, peito estufado e nádegas proeminentes, gesticulando para sua

própria imagem elegante em um ambiente paramentado, exemplifica a visibilidade e

indiscrição que seriam seus dois pecados. O dândi negro em sua aparência ousada

transgride as posições demarcadas pelas expectativas brancas. Ao mesmo tempo, ativistas

negros como Frederick Douglass [figura 118] adotavam a estética do dândi para reforçar

sua presença e suas palavras contra a escravidão e a violência contra o negro. Douglass,

um orador notável, de entonação dramática, foi retratado diversas vezes em fotografias,

pinturas, assim como sua imagem circulou também por meio de gravuras. Alto, de traços

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marcantes, descrito como tendo um porte, postura e voz marcadamente grave, que o faziam

uma presença impactante, Douglass vestia roupas elegantes, compostas com cuidadosa

combinação de coletes e gravatas. Sua aparência, comentada pelos observadores da

época, era parte importante de sua mensagem.

Figura 118 Frederick Douglass, 1847 – 52 Samuel J. Miller Daguerreotipo, 14 x 10,6 cm The Art Institute of Chicago, Chicago

No entanto, enquanto o dândi branco é descrito como a figura de encanto, que

se constrói a partir de uma sensibilidade criativa e artística, apesar de seus excessos, o

dândi negro é visto como alvo de ridicularização. O dândi branco pode ser o escandaloso,

o aristocrata ocioso, o esteta, e o negro tende a ser visto como o patético ou o cômico. O

próprio fato de Boisey Johnson ser retratado em Paris é testemunho da busca de homens

e mulheres negras por metrópoles onde houvesse maiores possibilidades de expressão,

sem a negação de sua presença cultural. Nova York e Chicago, nos Estados Unidos,

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também foram cidades que abriram espaço para a construção de identidades mais

diversas, manifestas muitas vezes no vestuário, nos gestos, ou seja, por meio do corpo.

Stuart Hall destaca a importância do corpo como capital cultural:

I ask if you note how, within the black repertoire, style – which mainstream cultural

critics often believe to bem ere husk, the wrapping, the sugar coating on the pill – has

become itself the subject of what is going on... think of how these cultures hav used

the body – as if it was, and often was, the only cultural capital we had. We have

worked on ourselves as the canvases of representation.200

O dândi, discreto ou exibido usa seu estilo, por meio de seu corpo, como dado

de distinção, mesmo quando os privilégios de nascimento, patrimônio e posição social não

a garantam. Nesse sentido, o dandismo se presta à redefinição de identidades dos

descendentes de africanos que tiveram suas experiências negadas e sua história apagada

ou menosprezada. Quando o dândi surge racializado como negro, não está em jogo apenas

a obsessão pela auto moldagem ordenada pelo gosto e materializado no corpo, mas

também se estabelece um jogo com as hierarquias sociais.201

Interessante pensar como poderia um dândi negro ser percebido no Rio de

Janeiro do início do século XX, em uma cidade onde os limites à cidadania dos africanos e

seus descendentes, se traduzia também nas limitações de circulação nos espaços públicos.

Não podemos esquecer que Arthur Timótheo da Costa nasce em 1882, livre em um país

ainda escravocrata, e mais do que isso, em um momento em que já se antecipava a

necessidade de abolir a escravidão fosse pela crescente ameaça das revoltas, pelas fugas

em massa de que são exemplos a formação de quilombos e as insurreições fomentadas

pelos haussás e nagôs residentes na Bahia, fosse pela pressão internacional. Todo o

sangue derramado na revolução de São Domingo, ocorrida em 1801, gerava o medo que

um Toussaint l´Ouverture materializasse uma vaga violenta, nos moldes do que ocorreu

naquela colônia em luta conduzida em nome dos princípios da Revolução Francesa.

200 MILLER, Monica L. Slaves to Fashion: Black Dandyism and the Styling of Black Diasporic Identity. Duke

University Press, 2010. P. 219. 201 Idem

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187

Timótheo nasce um ano antes da publicação de O Abolicionismo pelo monarquista Joaquim

Nabuco202.

O tráfico havia sido proibido pela Lei Eusébio de Queiroz, em 1850, e a Lei Barão

do Rio Branco, ou Lei do Ventre Livre, já havia estabelecido, em 1871, a liberdade para

crianças nascidas de mãe escrava, além de reconhecer o direito do escravo ao pecúlio

próprio e estabelecer como seu direito a compra de sua liberdade. Esses avanços foram

respostas às reinvindicações dos escravos e geraram grandes embates no Parlamento.

Para Nabuco, essa lei foi “um passo gigante dado pelo país”, e o primeiro ato de legislação

humanitária da história brasileira, porém “imperfeita, incompleta, impolítica, injusta e até

absurda”.203 Tinha um sentido moral já que ninguém mais nasceria escravo, mas não

configurava solução. Afinal de contas, a civilização deveria repelir a escravidão, segundo

os pressupostos de Augusto Comte. O autor escreve que não acredita que antes de 1890

a abolição viria a ocorrer, expectativa negativa que, felizmente, os tempos que estavam por

vir contrariaram.

A abolição se anuncia na década de 1980 em parte em função do que Hebe

Mattos chama de “quebra da cumplicidade do conjunto da população livre com a

continuidade da escravidão”.204 Os debates crescentes nos jornais, e nas ruas, envolviam

os mulatos André Rebouças e José do Patrocínio e evidenciavam que abolição já estava

de uma forma ou de outra em processo. Os registros oficiais já indicam o impacto das

alforrias realizadas por escravos ou seus proprietários, indicando que se em 1872 havia

mais de 300 mil escravos no Rio de Janeiro, em 1885 o número se encontrava próximo de

160 mil, sendo que em 1872 73,75% da população negra do país era livre. Mas a

observação superficial desse dado pode ocultar que a libertação ocorria, segundo

Chalhoub, concomitantemente à continuidade da instituição da escravidão. O autor chama

atenção para a necessidade de considerar que em muitos casos há situações

intermediárias entre liberdade e escravidão. A dependência pessoal que ligava os

202SCHWARCZ, Lilia Moritz. Dos males da dádiva: sobre as ambiguidades no processo da Abolição

brasileira. Quase-cidadão: histórias e antropologias da pós-emancipação no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. FGV, p. 23-52, 2007. 203NABUCO, Joaquim. O Abolicionismo. São Paulo. Nova Fronteira. Publifolha. 2000. p. 51. 204MATTOS, Hebe Maria. A face negra da Abolição. Nossa História. Rio de Janeiro: Editora Vera Cruz, n° 19,

p. 344.

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indivíduos a seus patrões e, dinâmicas paternalistas, assim como a possibilidade de

revogação de alforrias, seriam elementos a constituir essa liberdade de caráter precário.

Em 1888, a abolição é o fato a um tempo inevitável e surpreendente, e o Brasil,

apesar da oposição escravocrata, torna-se a última nação do Ocidente a abolir a

escravidão. Um enorme contingente viu seu estatuto mudar de um dia para o outro, sem

que se franqueasse acesso à instrução primária, cidadania política ou autorização para

criação de associações formais205.

Uma das questões que surgem relacionadas à presença de ex-escravos nas

cidades é a do negro associado ao ócio ou à vagabundagem do negro, produto de sua

emancipação das demandas do trabalho escravo. Surge a necessidade do

desenvolvimento de uma nova cultura em que seja estimulado no negro, talvez na

sociedade como um todo, o amor ao trabalho em contraposição à preguiça e à embriaguez.

O ócio, este vício antigo da humanidade, se previa como um grande problema que se

abateria sobre a população à medida que os negros se alforriassem, e seria importante

estabelecer coação policial para que sua liberdade não fosse colocada em função de um

vagar “sem destino útil e honesto”. Era, portanto, importante que esses homens se

constituíssem como úteis ao Estado, devendo ser as ruas controladas e a educação

oferecida para disciplinar os indivíduos em nome de uma nação que se desenharia melhor

no futuro.206 Não se poderia conceber, neste contexto, um flâneur negro a desfrutar das

ruas da cidade.

A virada do século XIX para o século XX foi o momento de implantação do

capitalismo no País, o que demandou a criação de um mercado de trabalho e a valorização

de ideais burgueses relacionados ao trabalho. Criou-se a oposição entre aquele trabalhador

e o vadio, este entendido como perigo à sociedade, sobre quem cabem ações de

cerceamento e controle. As palavras do deputado Mac-Dowell, ao tratar de projeto de lei de

conteúdo repressivo, é esclarecedora, ao tratar, no contexto pós abolição, da necessidade

de ordenamento da vida do liberto por meio do trabalho, disciplinando o que a natureza faz

manifestar no indivíduo por meio da disciplina.

205CHALHOUB, Sidney. Precariedade estrutural: o problema da liberdade no Brasil escravista (século

XIX). História Social, n. 19, p. 33-62, 2010. p.58. 206DE AZEVEDO, Celia M. Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das elites, século XIX.

Annablume, 1987.P. 41.

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Votei pela utilidade do projeto, convencido, como todos estamos, de que hoje, mais

do que nunca, é preciso reprimir a vadiação, a mendicidade desnecessária, etc. [...]

Há o dever imperioso por parte do Estado de reprimir e opor o dique a todos os vícios

que o liberto trouxe de seu antigo estado, e que não podia o efeito miraculoso de

uma lei fazer desaparecer, porque a lei não pode de um momento para outro

transformar o que está na natureza.

[...] a lei produzirá os desejados efeitos compelindo-se a população ociosa ao

trabalho honesto, minorando-se o efeito desastroso que fatalmente se prevê como

consequência da libertação de uma massa enorme de escravos, atirada no meio da

sociedade civilizada, escravos sem estímulos para o bem, sem educação, sem os

sentimentos nobres que só pode adquirir uma população livre e finalmente será

regulada a educação de menores, que se tornarão instrumentos do trabalho

inteligente, cidadãos morigerados, [...] servindo de exemplo e edificação aos outros

da mesma classe social.207

O controle antes era exercido sobre os escravos nos espaços privados de

produção dos engenhos e fazendas. Com a libertação, novas formas devem surgir, agora

no espaço gerido pelo Estado. O negro que foge ao controle e à regra é o malandro ou

vadio, a quem a justiça deve impor a obediência à ordem social, definido por oposição à

figura do trabalhador.208 A vadiagem é criminalizada já que como diz Chalhoub “o trabalho

é a lei suprema da sociedade, a ociosidade é uma ameaça constante à ordem”, sendo o

ocioso aquele que não respeita a propriedade e recusa assumir as responsabilidades que

resultariam para o bem comum. Vale lembrar que também muitos negros entendiam a

liberdade como a possibilidade de não mais terem de trabalhar: ser livre do trabalho em vez

de ser livre para o trabalho, que seria uma forma disfarçada de escravidão. Ser livre para

alguns significava arcar com o ônus da denominação malandro.

A passagem de processo policial de Campinas de 1909 exemplifica como essas

concepções adentram o início do século XX.

207 Anais da Câmara dos Deputados, 1888, vol.7, PP-259-60. CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim:

o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da belle époque. 2. ed. Campinas: UNICAMP, 2001. 208Wermuth, Maiquel Ângelo Dezordi. "O RACISMO-BIOLOGISTA TUPINIQUIM E A CRIMINALIZAÇÃO DA

POBREZA: A IMPOSIÇÃO DO MEDO DO DIREITO PENAL COMO INSTRUMENTO DE BRASILEIRO."

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Romeu do Nascimento, preto, com dezessete anos solteiro, nacional, empregado,

morador a rua Doutor Quirino número cento e oitenta e sete, sabendo ler e escrever.

Aos costumes disse nada. Prestou compromisso e disse: que há seis meses, mais

ou mesmos, conhece o acusado e nunca o viu trabalhar, pois o mesmo passa dias

consecutivos na venda onde o depoente é empregado, à Rua General carneiro

número setenta e três; que o acusado vive habitualmente embriagado; que

finalmente, ouviu dizer que o acusado é gatuno, e que por esse motivo tem tido

diversas entradas no xadrez da polícia. Nada mais disse.209

É importante destacar que a integração desejada era de grande dificuldade para

os negros a quem o processo de ressocialização não foi facilitado. Para Florestan

Fernandes, os negros ex-escravos em sua imensa maioria não possuíam condições

sociais, econômicas, políticas, culturais e mesmo psicológicas de integração, não possuíam

nem o treino técnico, nem a mentalidade, nem a autodisciplina do assalariado. Ao ver-se e

sentir-se livre, queria ser literalmente tratado como homem, ou seja, como “alguém que é

dono do seu nariz”. (...) Supunham que, se eram “livres”, podiam trabalhar como, quando e

onde preferissem.210 Mesmo os que se lançavam a enfrentar as dinâmicas competitivas,

via de regra, ficavam circunscritos às ocupações marginais do sistema capitalista.

Florestan, ao tratar da integração do negro, caracteriza os limites de universalização da

democracia na sociedade brasileira, em razão de um regime social marcado pela

segregação.211

Os negros e os mulatos se defrontavam, portanto, com uma situação típica de

desocupação disfarçada involuntária, apesar de o contexto econômico geral ser de “pleno

emprego”. Para contornar essa situação, tinham de tirar proveito de acomodações

econômicas que conduziam, inevitavelmente, a ajustamentos precários, insatisfatórios e

socialmente indesejáveis. A exploração permanente da companheira, o trabalho

209 TJC, Processo policial, contravenção do art 396 e 399 do código penal, Réu Firmino José Mattos, 12 de

agosto de 1909. Apud Amancio, Kleber Antonio de Oliveira. À procura da liberdade moral: a vida cotidiana dos ex-escravos e de seus descendentes no pós-abolição na Campinas das primeiras décadas do século XX. Diss. Universidade de São Paulo, 2010. p. 70. 210 FERNANDES, Florestan. O negro no mundo dos brancos. 2ª edição: São Paulo: Global, 2007 [1972]. p.

109 211MOTTA, Daniele Cordeiro. Desvendando mitos: as relações entre “raça” e classe na obra de Florestan

Fernandes. Dissertação de Mestrado, IFCH- Unicamp. Campinas- SP, 2012.

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remunerado ocasional e a preferência pela comercialização do crime despontavam, via de

regra, como os ajustamentos viáveis de êxito mais fácil e marcante 212

Portanto, o dândi, personagem dos cafés, cujo trânsito pelo cenário urbano é

tão fundamental para a caracterização de sua identidade, quando negro, se enquadraria

como figura de exceção no Brasil. Por outro lado, a representação de negros no cenário

urbano faz parte da história da arte no país.

212 FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes: no limiar da nova era, Vol. II

Ed. São Paulo: Globo, 2008. (1ª Ed. 1965). p.186

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6. Whistler e Tanner: americanos na Europa

Este capítulo é dedicado a dois artistas nascidos nos Estados Unidos. O primeiro

é James McNeill Whistler, autor do Arranjo em cinza e preto no. 1 [figura 119], obra à qual

o retrato de Arthur Timótheo se remete logo à primeira vista. O segundo é Henry Ossawa

Tanner, pintor negro com obras incorporadas a acervos pelo estado francês, e vive radicado

na França quando Timótheo e Chambelland estão em Paris. Herdeiro do realismo de

Eakins, incorpora citações à Whistler em suas obras, refletindo o interesse despertado por

este artista à época.

O retrato de Arthur Timótheo, apesar de ser o retrato de um artista feito por outro,

não exibe nenhum objeto ou atributo que indique este ofício. É a presença da obra que

pende da parede que, aliada à semelhança compositiva da pintura com o outro retrato da

mãe de James McNeill Whistler, evoca o universo artístico para dentro da tela. A citação

traduzida em elementos como a pose ou o quadro na parede reflete a perspectiva da época

sobre a apropriação de elementos que revela afinidade e admiração.

[...] a inovação, a especificidade do fazer não eram tidos então como valores tão

fundamentais como para o público de hoje. O que importava era dar conta de um

programa ambicioso: menos contava a novidade intelectual, do que a felicidade em

vencer os escolhos inerentes ao projeto. Nesse contexto, a citação e a referência ao

passado não são, de modo nenhum, pastiches originados pela falta de imaginação,

mas um modo de mostrar como aquele momento preexistente ressurge numa outra

inter-relação 213

Escolher este retrato de Whistler como referência significa reconhecer o auge de

suas habilidades em modular tonalidades adotando poucas cores. A solução compositiva

equilibrada pela organização da pintura com a ajuda de ortogonais é identificada por

Chambelland. No retrato de Timótheo vemos um porta-bengalas em que um ponto de luz,

criado pela presença de um elemento metálico, que ajuda a compor a diagonal que

atravessa a pintura, passando pelo brilho na ponta do sapato esquerdo e pelos punhos,

ajudando a colocar o rosto em evidência. Outras ortogonais ordenam a composição, como

213COLI, Jorge. (1997), A Batalha de Guararapes de Victor Meirelles e suas relações com a

pintura internacional. Campinas. Tese de Livre-Docência. IFCH, Unicamp. p. 9.

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a linha que vai da borda superior do quadro até a aba do chapéu, ou a que alinha a base

do porta- bengalas com o início das franjas da poltrona.

Um pouco mais de trinta anos antes, Whistler concluiu suas conhecidas

composições em cinza e preto de números 1 e 2 em que exibe sua mãe e o filósofo escocês

da era vitoriana Thomas Carlyle, respectivamente. Carlyle encomendou seu retrato após

ver a severa imagem que o artista criou de sua mãe. Desprovida de veios emotivos e de

narrativa, a obra de Whistler foi batizada a partir de seus interesses sobre questões formais

da pintura, deixando em segundo plano questões como vínculos afetivos e validação de

notoriedade, tão caras a este gênero de representação.

O artista americano residiu por longos períodos na Europa se dividindo entre

Londres e Paris, tendo seu primeiro período de efetiva residência na capital francesa em

1855, quando aos vinte e um anos deixa os Estados Unidos em busca de uma vida boêmia,

e o segundo 1892. Whistler denominava seus trabalhos sinfonias, arranjos, harmonias e

noturnos mesmo podendo ser considerados excêntricos. Afirmava que se a música é a

poesia do som, a pintura seria a poesia da visão e os assuntos nada teriam a ver com a

harmonia de som ou cor. Desse modo, a arte poderia ser livre e autônoma, evitando

emoções que lhe são estrangeiras. Dentre estas ele enumera devoção, amor e patriotismo.

Sobre Arrangement in Grey and Black ele escreve em 1878:

O imitador é um tipo de criatura pobre. Se o homem que pinta apenas a árvore, ou

uma flor, ou outra superfície que ele vê diante de si fosse um artista, o rei dos artistas

seria o fotógrafo. O artista deve fazer algo além disto: na pintura do retrato, deve

colocar na tela algo mais do que o rosto que o modelo veste para aquele dia; deve,

em suma, pintar o homem, bem como suas características ; em um arranjo de cores

deve tratar uma flor como sua chave , e não como seu modelo.214

Para facilitar o relacionamento do público com a obra, a pintura ganhou uma

segunda denominação, sendo também conhecida como Retrato da Mãe do Artista. O rigor

aplicado por Whistler à pintura se traduz nos tons neutros empregados, no uso de linhas

que estruturam a obra já desde a parede, dos quadros e do desenho estabelecido pela

figura de perfil. O quadro quase foi rejeitado pela Royal Academy em Londres, mas

214The imitator is a poor kind of creature. If the man who paints only the tree, or flower, or other surface he

sees before him were an artist, the king of artists would be the photographer. It is for the artist to do something beyond this: in portrait painting to put on canvas something more than the face the model wears for that one day; to paint the man, in short, as well as his features; in arrangement of colours to treat a flower as his key, not as his model. WHISTLER,James Abbott McNeill, The Gentle Art of Making Enemies, 1892, p. 126-128

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terminou por ser incorporado ao acervo do Musée Du Luxembourg, em 1891, o que

significava a intenção de incorporá-la ao Louvre, sendo hoje parte da coleção do Musée

D´Orsay.

Figura 119 James Abbott McNeill Whistler Arranjo em cinza e preto no. 1, 1871 Óleo sobre tela, 144 x 163 cm Musée d´Orsay, Paris

Carlyle era um viúvo de 78 anos quando posou para Whistler [figura 120] e,

segundo as passagens de seu diário no período, sente o peso da idade de modo acentuado.

Lamenta nas tristes páginas de seu diário escritas neste período o mundo sombrio, estéril,

desprovido de beleza e anárquico que observa.215 O homem de idade avançada que

denomina a vida de sombra caminhante e marcado por certa desilusão pode ter sido atraído

215 LORD, John. Beacon Lights of History, Vol. XIII: Great Writers. Cosimo. 1896. p. 240.

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pela crueza cinzenta da imagem materna do pintor. Carlyle em seu livro Sartor Resartus,

ou o Alfaiate Remendado, tem uma passagem que define o que seria um dândi:

Figura 120 James Abbott McNeill Whistler Arranjo em cinza e preto no. 2, 1872-1873 Óleo sobre tela, 171 x 143,5 cm Kelvingrove Art Gallery and Museum, Glasgow

A obra foi adquirida diretamente do pintor, em 1891, para ser incorporada aos

acervos estatais escoceses, estando hoje em Glasgow.

Entre os três retratos há muitas semelhanças que vão do posicionamento dos

corpos aos quadros que reforçam a geometria desenhada na parede e o interesse de

ambos os artistas pela exploração de contrastes. Vale lembrar também uma obra de Arthur

Timótheo que parece ser inspirada em outra similar de Whistler, tendo o tema sofrido uma

certa aclimatação. Trata-se das obras Caipira pitando [figura 121] e Homem com cachimbo

[figura 122], respectivamente realizadas pelo brasileiro e pelo francês. O olhar

contemplativo que acompanha o ato de fumar, o chapéu que estabelece uma horizontal

sobre a fronte se assemelham na mesma medida em que os traços negroides e a incidência

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de luz cálida e solar diferenciam a obra de Arthur da de Whistler, caracterizada por tons

cinzentos e terrosos interrompidos pelo vermelho do chapéu.

Figura 121 Caipira pitando, 1906 Artur Timótheo da Costa óleo sobre tela, 31 x 43 cm Coleção particular

Figura 122 James Abbott McNeill Whistler L'homme à la pipe, c. 1859 Óleo sobre tela, 41 x 33 cm Musée d'Orsay, Paris

Há diversos outros exemplos de pintores que escolheram o Arranjo em Cinza e

Preto, No. 1, de Whistler, como modelo para seus retratos, em especial retratos femininos.

Cecilia Beaux, artista de pai francês e mãe americana, retoma a maternidade em chave

mais afetiva do que na obra de Whistler na pintura Os Últimos Dias da Infância [figura 123],

que teve especial importância para alavancar sua carreira. Em Whistler, a relação mãe e

filho não é visível na pintura mas algo que é objeto de reflexão do observador. Beaux pode

ter visto a obra de Whistler na Exposição American Artists at Home and in Europe que

aconteceu na Pennsylvania Academy of the Fine Arts em 1881, local onde a artista estudou

e também lecionou.216 Vale dizer que a Academia era também uma instituição frequentada

por Tanner. Os modelos para a obra são sua irmã Etta e seu sobrinho Henry. O tratamento

adotado pela artista à pintura reflete sua formação realista e a influência de Thomas Eakins.

Mais do que influência podemos falar de afinidades, já que o retrato que Eakins faz em

1900 de Frank Jay St. John [figura 124] adota tratamento similar à parede na constituição

da sala em que predominam cores neutras, ambas apresentam os tapetes coloridos que

acrescentam calor ao ambiente, e inserem pinturas que aparecem parcialmente nas

216MERRILL, Linda, and James McNeill Whistler. After Whistler: the artist and his influence on American

painting. Yale University Press, 2003. P.138

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paredes, se assemelhando ao modelo original. Na obra de Cecília, a criança está em uma

pose de relaxamento semelhante à Menininha no Sofá Azul, de Mary Cassat, que ocupa o

centro da pintura, veste roupas brancas que contrastam com o vestido negro da tia que a

tem ao colo.

Os retratos de Whistler tiveram tremenda influência sobre artistas europeus e

também americanos. Vale lembrar que centenas de artistas americanos passaram pela

França na segunda metade do século XIX. Estudando, visitando os Salons ou buscando

inserção profissional no mercado das artes, esses artistas também foram agentes de um

poderoso intercâmbio cultural que mudou a arte americana. Um momento pivotal desse

processo foi a Exposition Universelle de 1900, a que dedicaremos especial atenção no

Anexo I.

Destacamos aqui um exemplo de especial interesse: o Retrato da Mãe do Artista,

realizado por Henry Ossawa Tanner [figura 125]. O rosto negro aparece iluminado pela luz

suave que adentra a janela e repousa sobre a fronte da mulher, talvez aludindo à sua

inteligência. A cadeira de balanço, propícia para uma representação maternal confirma a

serenidade do momento contemplativo da mulher cuja presença ganha foco pela quase

total ausência de outros móveis ou elementos no ambiente. A mão apoia suave e

elegantemente o rosto que com expressão talvez cansada, serena ou mesmo esperançosa,

fita a janela. O vestido escuro de estampas pequenas desce pelas pernas formando pregas

suaves, contrastando com o chalé branco que se abre pelo chão em direção oposta. Os

punhos e uma faixa estreita na gola ecoam o tom claro e ajudam a destacar o leque. O

retrato permaneceu por longos períodos em poder do artista e de sua família. Boime

descreve o retrato em chave poética, comparando-o a uma flor de estufa:

She is distanced and rarefied in the empty space like a hothouse flower, consistent

with the fin-de siécle exoticism practiced by Whistler and Sargent217

Esse artista afro-americano adotou a França como país de residência,

encontrando reconhecimento e refúgio do preconceito de motivação racial que em sua visão

inibiam seu desenvolvimento artístico e humano na América. Em uma crítica de 1911

podemos ler que o artista fez de Paris seu lar onde many claim that he is the greatest artist

217 : BOIME, Albert. Henry Ossawa Tanner's subversion of genre.The Art Bulletin, v. 75, n. 3, p. 415-442,

1993. P. 426.

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Figura 123 Cecilia Beaux [1855-1942] Les Derniers Jours d'Enfance, 1883-5 Óleo sobre tela, 116,2 x 137,2 cm Pennsylvania Academy of the Fine Arts, Philadelphia

Figura 124 Thomas Eakins Frank Jay St. John, 1900 Óleo sobre tela, 60.6 x 50.5 cm De Young Fine Arts Museum of San Francisco, São Francisco

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Figura 125 Henry Ossawa Tanner Retrato da mãe do artista, 1897 Óleo sobre tela, 74,3 x 100,3 cm Philadelphia Museum of Art, Filadélfia that America has produced218, e acrescenta que ele deve ser reconhecido

independentemente de sua cor ou raça.

O pintor nascido em Pittsburgh, em 1859, de uma família de classe média, era

filho de um pastor negro, depois bispo, metodista, Benjamin Tucker Tanner, e sua esposa

Sarah Tanner. Sarah era filha de Charles Jefferson Miller, um mulato filho de um fazendeiro

da Virgínia. Nascida escrava, escapou de uma fazenda ainda criança pela Underground

Railroad. A Sociedade Abolicionista da Pennsylvania a encaminhou para uma família o que

possibilitou que ela permanecesse em liberdade e estudasse.

Henry Ossawa Tanner era um negro de pele clara, dado relevante em uma

sociedade na qual o tom de pele dava origem a estratificações de significado social. Seu

interesse pela carreira artística se manifestou, inicialmente, após a mudança da família para

a Pennsylvania, e contrariou as expectativas de seu pai [figura 127] que o queria seguindo

218 Idem, p.415

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seus passos na vida religiosa. Sua formação inicial se deu Pennsylvania Academy of Fine

Arts, entre 1879 e 1885, onde foi aluno de Thomas Eakins, artista e educador que

transformou a escola em uma das mais importantes do país.

Eakins, o maior dos realistas americanos, tinha enorme interesse na observação

do mundo ao seu redor, em especial das figuras humanas: tipos populares, atletas, retratos

entre outros. Encontramos muitos de suas personagens no silêncio de ambientes escuros,

em especial nos retratos feitos a partir de 1887 quando o artista se dedicou à criação de

retratos sóbrios, que comunicam uma certa medida um isolamento. A convivência com

Eakins foi de grande influência para Tanner e o incitou à investigação de possibilidades

realistas para sua própria pintura.

O retrato de Tanner feito por Eakins [figura 126] é tocante ao mostrar o já bem

sucedido aluno em contemplativa introversão, e, assim, muito semelhante ao retrato que

Tanner faz de seu pai, naquele mesmo ano.

Em 1888, Henry abre uma galeria dedicada à fotografia, em Atlanta, o que

possivelmente resultou desse contato uma vez que Eakins era, além de pintor, também

fotógrafo. A empreitada não teve sucesso e a galeria encerrou atividades no ano seguinte.

Tanner parte em viagem por North Carolina onde a observação de habitantes negros deste

estado sulista o inspira a criar os estudos para A Aula de Banjo [figura 130], obra que

apresenta um parentesco com Negro Boy Dancing, de Thomas Eakins [figura 132]. O

relacionamento intergeracional entre indivíduos da comunidade negra americana é comum

a ambas.

Na aquarela de Eakins, realizada quinze anos antes, se vê na parede da sala simples

uma reprodução da famosa fotografia de Abraham Lincoln e seu filho Tad, aludindo à sua

situação de emancipado. Ambos os artistas estava em um ambiente marcado pela difusão

das ideias do Darwinismo Social para justificar o discurso da inferioridade dos negros.

Também o grande número de linchamentos contabilizados nas últimas décadas do século

XIX explicitavam a destituição de dimensões de cidadania da população negra, sobretudo

no sul dos EUA. Logo, essas obras trazem em seu bojo preocupações políticas de pintores

alinhados com um projeto de busca de uma América mais igualitária e sensível à

necessidade de uma percepção mais humana dos negros americanos.

Há nessas cenas de gênero, criadas em chave de afetiva sensibilidade, uma

contraposição a uma tradição de criação de obras cujos temas e personagens tendiam para

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Figura 126 Thomas Eakins Portrait of Henry O. Tanner, 1897 Óleo sobre tela, 60,9 x 50,8 cm The Hyde Collection, Glen Falls

Figura 127 Henry Ossawa Tanner Bishop Benjamin Tucker Tanner, 1897 Óleo sobre tela The Baltimore Museum of Art, Baltimore

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uma tipificação esquemática e, por vezes, estereotipada. Thomas Hovenden [figuras 128 e

129] é um exemplo da perspectiva condescendente que marca trabalhos destinados a um

público da classe média branca, apreciadora de pinturas nas quais negros surgem cordatos

e confortáveis em meio à precariedade de suas condições de vida. Professor de Tanner na

Pennsylvania Academy, o pintor apresenta o clichê do negro apreciador de melancia ou o

humor ingênuo e conformado.A personagem, em trapos, diante da meia furada, contrasta

com as imagens dignificantes criadas por Tanner, mais afinadas com o entendimento da

universalidade da experiência humana retratada a partir de pequenos momentos

mundanos. O sentido educativo que reconhecemos em algumas de suas pinturas se afinam

com sua admiração pelas ideias de Booker T. Washington e sua preocupação com a

educação dos negros para o trabalho, como meio para inserção social e econômica.

Figura 128 Thomas Hovenden Eu sabia que estava maduro, 1885 Óleo sobre tela, 55,7 x 40,3 cm Brooklyn Museum, Nova York

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Figura 129 Thomas Hovenden Manhã de Domingo, (Interior Doméstico Negro), 1881 Óleo sobre tela, 46,4 x 39,4 cm Fine Arts Museums of San Francisco, São Francisco

Atuando como professor e produzindo retratos, Tanner consegue poupar o

suficiente para uma viagem a Paris, em 1891, para estudar na Académie Julian. Permanece

como aluno por cinco anos estudando com Jean-Paul Laurens e Jean Joseph Benjamin-

Constant. Com o tempo foi-se tornando conhecido por suas pinturas religiosas de caráter

etéreo e transcendente, que apresentam cenas que parecem suspensas no tempo. Seu

destino original era Roma passando por Paris, mas o que deveria ser uma breve passagem

se tornou seu local de permanência.

O que o seduziu nesse novo ambiente foi a possibilidade de um contexto em que

ser negro não significava enfrentar os obstáculos que lhe eram impingidos nos Estados

Unidos, e que impediam seu sucesso. O cosmopolitismo de Paris lhe abriu portas e a

possibilidade de construir uma identidade artística ampliada. Esse período provocou o

amadurecimento de seu estilo, o amadurecimento de seu olhar sobre Eakins, Caravaggio

e Rembrandt, bem como sua admiração pelos impressionistas, observações que

informaram sua produção artística.219

219 LEWIS, Samella S. African American art and artists. Univ of California Press, 2003.

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204

Figura 130 Henry Ossawa Tanner A Aula de Banjo, 1893 Óleo sobre tela, 124,4 x 90,1 cm Hampton University Museum, Hampton

Figura 131 Henry Ossawa Tanner A Gratidão dos Pobres [The Thankful Poor] , 1894 Óleo sobre tela, 90,1 x 112,4 cm William H. and Camille O. Cosby

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Figura 132 Thomas Eakins (1844–1916) Negro Boy Dancing, 1878 Aquarela sobre papel, 46 x 57.4 cm Metropolitan Museum of Art, Nova York

Sobre seu uso particular de tonalidades azuladas há uma passagem

interessante destacada por Boime e escrita pela poeta e crítica de arte de Illinois Eunice

Tietjens que escreve:

In raising the key He has, perhaps quite naturally, come more and more to use a cold

palette. This does not seem temperamentally suited for him. The cold end of the

spectrum, the violets, blues, and cold greens, belong naturally to the Anglo-Saxon

and correspond with a certain hardness of disposition and outlook. But the more

warm-blooded peoples, beginning with the Latins, are more at home in the warmer

tonalities220

Mesmo se considerando livre de preconceitos e admiradora do artista, Tietjens

assume que deve haver limites para as escolhas estéticas do pintor com base em seu

pertencimento a um determinado grupo racial. A resposta de Tanner refuta essa hipótese

e busca afirmar para si uma identidade mais ampla que não negue sua origem negra, mas

não a considere como único dado significante a justificar sua produção artística. Ele

questiona como os ¾ de “puro” sangue inglês e ¼ de “ puro” sangue negro devem ser

levados em conta em análises dessa natureza, afirmando que qualquer dessas parcelas

pode ser geradora do talento que ele por ventura possua. Diz, ainda, que a mentalidade

220 Apud Boime, Albert. "Henry Ossawa Tanner's subversion of genre." The Art Bulletin75.3 (1993): 415-442.

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americana no que se refere às diferenças raciais o impeça de viver onde seu coração está.

Deseja ser identificado como negro, mas não julgado em função disso.

Sua permanência na França foi interrompida por uma viagem aos EUA em 1893.

Ao retornar a Paris em 1894 é chamado a participar do Salon, quando realiza A Gratidão

dos Pobres que retoma seu interesse por uma pintura observadora do cotidiano e da

realidade afro-americana, o que será menos frequente dali em diante. Os temas religiosos

passam a preponderar em sua produção, talvez por encontrarem maior receptividade das

instituições e do público.

A obra Daniel na Cova dos Leões [figura 133] marca seu primeiro momento de

reconhecimento no contexto dos Salões ao receber uma menção honrosa. Utiliza zonas de

luz e sombra, tons de azul, amarelo e verde em pinceladas soltas para traduzir uma

passagem do Antigo Testamento em que a personagem demonstra fortaleza espiritual

diante de seu encarceramento injusto. A obra A Ressurreição de Lázaro pertencente desde

1980 ao acervo do Museu d´Orsay foi adquirida pelo estado francês para o Museu de

Luxembourg em 1897, quando de sua exposição no Salon de La Société dês Artistes

Français daquele ano em que recebeu uma medalha de terceira classe.

Figura 133 Henry Ossawa Tanner [1859-1937] Daniel na Cova dos Leões, 1907-18 Óleo sobre papel montado sobre tela, 104,4 x 126,8 cm Los Angeles County Museum of Art, Los Angeles

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O final dessa década marca o estabelecimento de sua reputação também nos

Estados Unidos, reforçada pela repercussão de um texto de Booker T. Washington, que o

havia visitado na França. Sua Anunciação exemplifica as obras de caráter Orientalista que

o artista criou após viagens ao Egito e à Palestina, entre 1897 e 1898, que incluíram uma

passagem pela Itália. As roupas se inspiram nessas investigações, que reforçam o sentido

de autenticidade da representação de uma Maria que aparece sem atributos de divindade.

Em 1899, a Pennsylvania Academy of Fine Arts lhe atribuiu seu primeiro prêmio concedido

por uma instituição americana e adquiriu uma obra sua.

O retrato de sua mãe surge, portanto, em um momento em que o artista pode

celebrar seu sucesso junto aos seus. Para isso, escolhe como modelo Whistler, um artista

referencial para os americanos atuantes na Europa naquele período, mesmo que ambos

fossem tão diferentes em seus temperamentos artísticos. Se a evocação é evidente na

pose ou no quadro que aparece na parede ao fundo, a expressão reflexiva parece dever

mais a seu aprendizado junto a Thomas Eakins. A atmosfera acolhedora e morna, produto

de seu uso de marrons avermelhados, se reforça pela presença do leque. A ambiência

criada pelo artista não poderia contrastar mais com os cinzas que envolvem o retrato do

Arranjo. Vale a observação de que essa obediência cromática pode ser encontrada no

retrato realizado por Hermann Dudley Murphy [figura 134], quando estudava com Tanner

na Julian, fazendo com o colega pareça estar na iminência de desaparecer em meio a uma

bruma de cinzas, em tratamento que aproxima a obra do autorretrato de Whistler, datado

de 1872 [figura 135]. O tratamento dado ao fundo e às escolhas cromáticas aproximam as

obras.

Também interessante é o retrato feito por Tanner de Booker T. Washington

[figura 136]. Encomendado em 1917 pela Iowa Federation of Colored Women’s Clubs como

homenagem póstuma, a obra parece querer traduzir a grandeza do homem pelo porte de

seu torso. O resultado é complementar aos retratos fotográficos de Booker T., tão

simbólicos da busca de construção da imagem do New Negro. Uma delas, em destaque ao

lado da imagem da pintura de Tanner, se assemelha em pose ao retrato de Arthur Timótheo.

Admiração de Tanner por Washington se relaciona com a afinidade que o pintor encontrava

nas ideias do intelectual, em especial após o retorno do artista aos EUA, momento em que

voltou perceber as limitações impostas pelo preconceito racial comum no período. Tanner

e Booker T. Também tiveram um encontro em Paris, que deu origem a um artigo publicado

pelo escritor.

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Figura 134 Hermann Dudley Murphy Henry Ossawa Tanner, 1891-96 Óleo sobre tela, 73 x 50,2 cm The Art Institute of Chicago, Chicago

Figura 135 Arranjo em cinza: Retrato do pintor, 1872 James Abbot McNeill Whistler Óleo sobre tela, Detroit Institute of Arts, Detroit

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Figura 136 Retrato de Booker T. Washington 1917

Henry O. Tanner Óleo sobre tela State Historical Society of Iowa, Des Moines

Figuras 137, 138, 139, 140221,

221 Fonte das imagens:

128 http://www.tuskegee.edu/about_us/legacy_of_leadership/booker_t_washington.aspx , 129, 130, 131 Library of Congress Prints and Photographs Division Washington, D.C.

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É possível imaginar que poderia haver uma familiaridade de Chambelland e

Timótheo com a produção de Tanner. Não apenas porque ele estava em exposição no

Museu de Luxemburgo, mas também porque o Americano, Timótheo, Amoedo, bem como

Rodolpho Chambelland frequentaram a Academie Julian, porém em períodos diferentes.

Além disso, Visconti e Tanner foram contemporâneos de Tanner naquela academia222.

As ideias de Booker T. Washington eram conhecidas em determinados círculos

no Brasil. Vale lembrar que após o lançamento de seu livro Up from Slavery passou a ser

considerado o negro mais famoso do mundo. Gledhill223 aponta que o autor era conhecido

nos meios brasileiros. Washington foi convidado pelo então presidente Theodore Roosevelt

para um jantar na Casa Branca que provocou manifestações negativas por parte de radicais

do sul dos Estados Unidos. O fato repercutiu na imprensa brasileira, ajudando a tornar o

nome do escritor conhecido. Os jornais cariocas apresentaram resenhas de Up from

Slavery, em 1902 e 1903. O Correio da Manhã divulgou o seguinte texto, em 1903, no qual

se destaca a iniciativa de fundar uma universidade negra, e seu trabalho de elevação

material e moral da população negra:

Paris, 2 de outubro Encontra-se neste momento em Paris o negro mais inteligente

da América, o único negro, que o presidente Roosevelt admite no seu palácio. É o

famoso Booker Washington, o novo Messias preto. Este homem extraordinário, que

na mais tenra idade foi pobre, vivendo a vida mais miserável, é hoje um capitalista

riquíssimo e um grande filantropo. Graças a Booker os negros da América do Norte

vão ter as liberdades e as considerações, que nunca tiveram. Foi ele quem fundou a

Universidade para os negros, em que os professores são também homens de cor.

Os jornais tinham anunciado que Booker partira para a Europa a organizar um ensaio

de colonização no Soldão [Sudão] (...). Mas afirmou que a missão era sobretudo na

América. É ali que elle trabalha com sublime vontade para elevar moral e

materialmente o negro que os americanos tanto desprezam. Graças a Booker existe

já na livre América a Universidade negra de Tuskegee onde 1.400 pretos recebem

uma solida instrução que lhes é administrada por 100 professores também pretos. -

Os negros, diz Booker, devem ser um grande fator da vida americana. A União tem

222Ver SIMIONI, Ana Paula Cavalcanti. A viagem a Paris de artistas brasileiros no final do século XIX. Tempo

Social, revista de sociologia da USP, v. 17, n. 1, p. 344, 2005. 223 GLEDHILL, Sabrina. "EXPANDINDO AS MARGENS DO ATLÂNTICO NEGRO: LEITURAS SOBRE

BOOKER T. WASHINGTON NO BRASIL." Revista de História Comparada 7.2 (2013): 122-148.

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necessidade do preto. É preciso que eles sejam excelentes trabalhadores manuais,

rivalizando com o branco no amor ao trabalho. Quando aparecerá no Brasil um outro

Booker para elevar o nível do negro e salvar aqueles que abolição da escravidão

lançou no vácuo, na incerteza...224

A autora elenca outros artigos, resenhas e notas acerca de Washington, com

menções a Du Bois em jornais do Rio de Janeiro nas décadas de 1900, 1910 e 1920, e

destaca, ainda, que, em 1916, Manuel Querino, intelectual afro-brasileiro baiano, declara

pelo americano. Querino pode ter lido resenhas de Up from Slavery em periódicos ou ter

tido acesso a uma tradução, o que importa é que o caso exemplifica uma possível

familiaridade e influência do autor dentre a intelectualidade negra para além do contexto da

capital.

Francisco225, ao escrever sobre o importante periódico negro O Clarim da

Alvorada afirma que a experiência dos negros norte-americanos inspirou a perspectiva do

jornal sobre o negro moderno. O autor estabelece que essa observação era mútua, o que

é demonstrado pelo artigo que Du Bois publica em resposta a outro escrito por Roosevelt

sobre as relações entre negros e brancos no Brasil, que o ex-presidente visitara em 1913.

Du Bois apresenta o Brasil como uma nação predominantemente negra, e discorda de

Roosevelt quando este afirma que apesar da miscigenação, o sangue do negro no Brasil

era considerado inferior. Baseado em João Batista Lacerda, diretor do Museu Nacional

brasileiro, argumenta sobre a participação do negro na história brasileira e acusa Roosevelt

de estimular o racismo e a segregação ao endossar a tese da inferioridade racial.

O intelectual, ao contra-argumentar Theodore Roosevelt, utilizou o padrão racial

brasileiro para refutar as teses de inferioridade da “raça negra”. O interesse de

William Du Bois na experiência negra brasileira revela o modo como imagens e

informações de experiências negras internacionais foram incorporadas ao discurso

de ativistas negros de diferentes contextos nacionais. Esse trânsito de impressos e

de ativistas em busca de outras experiências negras configurou um espaço amplo

de circulação de ideias e símbolos entre as populações de ascendência africana.226

224 Correio da Manhã [Rio] Segunda-feira, 26 de outubro de 1903, p. 3 225 Francisco, Flávio Thales Ribeiro. "Um olhar sobre a “América”: Experiências afro-americanas nas páginas

de O Clarim da Alvorada." Sankofa (São Paulo)1.2 (2008): 97-116. 226 Idem, p.97.

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Há estudos recentes que enfatizam o relacionamento extra Estado-nação dos

movimentos abolicionistas227, que apontam para o fato de que desde cedo há uma

circulação ampla de informações e uma apreciação crítica das ideias circulantes. Tratam

dos vínculos estrangeiros, como, mas cabe a investigação futura de suas reverberações no

país.

227 ALONSO, Angela. O abolicionista cosmopolita: Joaquim Nabuco e a rede abolicionista

transnacional. Novos estud. - CEBRAP [online]. 2010, n.88 [cited 2015-07-21], p. 55-70

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7. Conclusão

Carlos Chambelland e Arthur Timótheo da Costa, nascidos nos anos de 1880,

viveram as transformações de uma época de promessas fomentadas, e em certa medida

frustradas, pelo advento da abolição e pela Primeira República. Fizeram parte de uma

geração que vislumbrou a possibilidade de um amplo projeto de modernização para o

Brasil, para em seguida ver a perpetuação de poderes nas mãos de uma elite avessa a

ideia de tornar efetiva a participação social, pressuposto da ética republicana. Em 1909

Chambelland decide, em Paris, retratar Arthur Timótheo da Costa, pintor como ele, e negro

como tantos brasileiros. Faz um retrato que é um elogio, ainda que penumbroso, do

talentoso amigo, com quem compartilhava a aventura parisiense de seus anos de formação.

Projeta sobre o colega o que pode ter sido o seu ideal de artista, fazendo dele um dândi

circunspecto, de elegância à altura das ruas de Paris.

A pintura abre espaço para a possibilidade utópica de um descendente de africanos,

que por estar em território francês, põe sentir-se emancipado de fronteiras geográficas, ou

pelo menos distante do país que ainda tinha séculos de escravidão nos calcanhares. Ao

olhar o retrato podemos ver esse jovem negro, como o dândi definido por Baudelaire, que

poderia se sentir confortável em qualquer lugar e ser homem do mundo. Baudelaire foi

adotado como autor que estabelece um momento gerador da sensibilidade às questões

suscitadas pela modernidade, onde se insere o dandismo como resposta ao novo cenário

de relações sociais e também como o personagem afeito ao tempo presente, e produto

deste, como os artistas deveriam ser na visão do escritor. Chambelland parece sensível a

essa perspectiva ao negar ao Timótheo do retrato os atributos de pintor, e fazer dele

sobretudo um homem de sua época, utilizando o vestuário como marcador dessa

temporalidade.

O dândi é aquele com poder de moldar sua própria imagem, com autonomia quanto

à sua origem social, tendo o vestuário como ferramental que permite impactar a percepção

que se tem dele nos círculos que frequenta. Para Arthur, sua cor de pele é o indicador de

origem e status nas leituras estereotipadas que regiam, e de certo modo ainda regem, as

interações sociais no Brasil. A imagem de dândi portanto lhe serve como base de subversão

de projeção de lugar social, além de corresponder à intenção de identificação com seu

grupo de pertencimento, como denunciam as fotografias em que aparece acompanhado de

seus colegas artistas. Aliás artistas e críticos de uma geração antes da sua já viam neste

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modo de apresentação como dândi, a expressão do desejo por uma sofisticação um tanto

alheia à realidade local, e marcadamente cosmopolita. Exemplos brasileiros e franceses

como os retratos de Gonzaga Duque, Manet e Degas são representativos, sendo que no

caso dos últimos é possível observar como o binômio artista dândi se estabeleceu como

uma convenção de representação.

O que vemos na pintura de Chambelland ou nas fotos de época, não traz imagens

de exagero, por vezes associado ao dandismo, quando a invenção de si mesmo, chega a

transformar um homem em sua própria obra de arte. Seria difícil sobrepor ao retrato as

vívidas imagens criadas por Huysmans para seu Jeans des Esseintes e seus excessos.

Podemos reter um pouco daquele personagem avesso aos valores burgueses, apesar de

possuir livre trânsito para transitar entre a elite. Uma certa medida dessa contestação tem

aderência para a representação de artistas, que como o dândi, pretende situar-se à

margem, ou acima, das convenções sociais. Um dândi negro brasileiro e artista pode ser o

indivíduo que desenha seu destino, neutralizando as imposições do meio ao educar seus

sentidos. de uma vida imune às seduções da vida burguesa e alinhado com os

pressupostos da modernidade que a virada de século trazia para a vida e para a arte.

Os autorretratos de Arthur Timótheo oferecem contrapontos interessantes à obra

de Chambelland. Foi possível investigar fontes visuais e simbólicas que informaram o pintor

nestas obras em que Arthur parece combater a ausência de retratos de negros na história

da arte, realizando três obras para celebrar sua imagem e seu ofício, criadas em

observação à autorrepresentação de grandes pintores da tradição, Rembrandt e Degas em

especial. Ao fazer isso ressignifica a imagem do negro no Brasil, marcada pela iconografia

anônima de escravos. Insere-se em uma história artística determinada pela ocorrência de

talentos, e abre espaço para a visibilidade de uma identidade negra individualizada e

autoconsciente.

Outro exemplo de retrato de homem negro, o de André Rebouças por Rodolpho

Bernardelli é trazido para o diálogo, exemplo de obra que quer dar visibilidade a tese,

cultivada pelo pensamento abolicionista da possibilidade de integração do negro à

sociedade, o que provaria ser falsa a teoria das incapacidades inatas atribuídas aos negros,

e verdadeiras as barreiras impostas pela escravidão e pelos limites estabelecidos aos

negros mesmo após a abolição. O busto do maestro Joseph White, do mesmo artista tem

origem na mesma pauta, e ambos são antecedentes importantes de representação

individual e positiva de homem negro, sendo Rebouças especialmente notável por trazer a

imagem de um homem descrito por seus contemporâneos como dândi. Rebouças, White e

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Timótheo desmentem, a partir de seu sucesso, as teses de inferioridade da raça,

materializando as possibilidades de avanço do indivíduo negro na sociedade. O oposto

ocorre com o antidândi de Belmiro de Almeida em que a origem africana de D. Obá torna a

figura de dândi negro uma contradição em termos, resultando no ridículo e no grotesco.

A geração que antecede os irmãos Timótheo e Chambelland, aquela de

Rodolpho Amoedo, Henrique Bernardelli e Rodolpho Bernardelli já havia se debatido com

questões fundamentais, aprofundadas naquele início de século, tais como a superação da

hierarquia entre gêneros, da teatralidade cênica e da retórica acadêmica, buscando uma

arte conectada à vida cotidiana, ao homem anônimo inserido na metrópole, e à observação

do local. Carlos Chambelland se distancia de investigações impressionistas e simbolistas,

e se mostra interessado na observação do cenário brasileiro. Concilia o interesse

naturalista pela identificação do que é particular, local, com a representação do artista. Alia

o rosto de homem negro nativo de uma nação escravocrata até à véspera, e o dândi,

símbolo do egocentrismo esteta europeu. Esse dândi negro pode ser interpretado como a

manifestação da esperança por um Brasil capaz de redimir seu passado, onde uma

identidade brasileira moderna torna-se possível, assumindo a constituição plural de sua

população cultura, e apontando para um futuro onde os valores republicanos encontrassem

viabilidade. Por outro lado é possível pensar que a pintura representa, em sua penumbra,

o ocaso deste projeto, e a impossibilidade de atingí-lo pelas especificidades do contexto

local.

De todo modo o pintor parece alinhado com as reflexões propostas pelo principal

crítico de arte de sua época, Gonzaga Duque, que desejava ver no Brasil Duque defende

uma arte intelectualizada e afinada com o debate europeu acerca das estéticas modernas.

Crítico da escravidão, que seria raiz de diversos problemas nacionais, defende uma arte

que saiba ser simultaneamente nacional e universal, como parece ser o dândi negro de

Chambelland.

Neste campo ampliado de busca de referências cabe o interesse de

Chambelland por artistas americanos, em evidência em Paris sobretudo após a Exposição

Universal de 1900, em especial James MacNeill Whistler e realistas como Thomas Eakins.

Para além das afinidades estéticas, os Estados Unidos colocam em pauta a visualidade

negra como evidência e estratégia de transformação social. O pensamento de intelectuais

negros e o uso que fazem de imagens fotográficas de indivíduos e comunidades negras,

assim como o modo como exploram suas próprias imagens, impactaram a America e

também a capital francesa no período de permanência de Arthur e Carlos, por coincidência

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marcado pela presença de Henry Ossawa Tanner, artista negro de sucesso que certamente

não passou despercebido pelos brasileiros. Esta triangulação Brasil, Estados Unidos via

França deverá ser foco de investigação futura.

A realidade do Rio de Janeiro, cidade de origem dos pintores, oferecia maior

dificuldades ao flanar de um homem negro, associado à vadiagem. O dândi é também

aquele que pode transitar e observar, percorrer incógnito e observador tanto bulevares

quanto vielas, como o fez o mulato, escritor e dândi João do Rio. A cidade contagiada por

um espírito de Belle Époque que desejava imprimir em seu mapa um desenho parisiense,

e nos costumes seus ideais modernos de civilização, não concebia a diversidade étnica da

população como ideal de fraternidade. Ser dândi é emancipador para um homem negro

oriundo daquela cidade, que pode ser então, assumir identidades outras, distantes das

impostas a um homem marcado pela cor de sua pele em uma sociedade que tinha a

abolição ainda como fato recente.

O retrato se diferencia das representações do negro feitas durante o século XIX

brasileiro, em especial por artistas estrangeiros e também nas cartes de visites, quando a

identidade era atribuída priorizando origem e ofício, mas interessados sobretudo em sua

suposta exoticidade. As feições e escarificações indicavam a origem de homens anônimos,

assim como os pés descalços lembravam que o corpo era posse de outrem. A pose

montada nos estúdios iluminados dos fotógrafos tentavam transformar a pessoa em objeto

disponível ao olhar curioso. No retrato o realismo de Chambelland está a serviço da

representação de um indivíduo específico que emerge do escuro da tela, mantendo algum

mistério ao não se revelar de modo evidente. A pose indica a dimensão interior do ser

pensante e criador: um artista. O negro usualmente associado à potência física e ao labor,

percebido como portador de capacidades mentais inferiores, aqui aparece definido pelo

ofício que é por definição una cosa mentale.

Chambelland executa a imagem individual de um homem negro que se insere como

uma cunha na história da arte brasileira, possibilitando leituras de diferentes dimensões

políticas. Interessante que ainda hoje o dando tenha significação no contexto da diáspora

negra. Um exemplo são os sapeurs228 do Congo que atualizam possibilidades de

Sapeurs ou Les Sapes, são membros da SAPE, acrônimo de Société des Ambianceurs et des Personnes Élégantes, organização ativa desde o início dos anos sessenta que designa um

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apropriação e reinterpretação. A série The Sapeur, do fotógrafo Daniele Tamagni [figura

141], apresenta imagens das ruas Brazzaville, que provocam o impacto pelo colorido das

roupas, que a olhos acostumados com padrões ocidentais de vestimenta, se apresentam

extravagantes, e da desenvoltura das poses de homens apresentados em espaços do

distrito de Bacongo.

Figura 141 Willy Covari, da série The Sapeur, 2008 Daniele Tamagni Fotografia sobre papel, 26 x 35 cm

movimento popular, desenvolvido ao redor da música em Brazzaville, também forte em Kinshasa, e presente em cidades como Paris e Bruxelas por imigrantes da República do Congo228.

Performático e ostentador, o sapeur, pressupõe dinâmicas de validação social entre homens que

são desafiados em competições em que a dança e a aparência são os elementos centrais. Os

critérios incorporam a posse de peças de vestuário de grifes europeias, cuja aquisição por vezes

demanda a economia de anos, feita por indivíduos de reduzidas posses, habitantes de um dos

países com os indicadores mais elevados de pobreza da população da África. O homem que

detonou o início dessas práticas foi Andre Matsou, que retornou de uma viagem a Paris em 1922,

portando a vestimenta completa de um cavalheiro parisiense, causando um grande impacto e

inspirando outros a adotar esse padrão. O presidente Mobuto Seko proibiu o uso de roupas

ocidentais nas décadas de sessenta e setenta com o intuito de estimular práticas que denominou

de autênticas, vinculadas às tradições locais, chegando a impor a violência física contra os

desobedientes. Os sapeurs mantiveram suas práticas em atitude subversiva.

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Se a imagem de Timótheo não carrega o excesso do sapeur, certamente, é

possível traçar paralelos com essa leitura pós-colonial da estética dândi, que transcende

limites estabelecidos pelo vestuário como atributo de posicionamento social, reelabora

padrões hegemônicos e cria novas articulações de poder pessoal e coletivo.

Finalmente, é importante afirmar que o processo propiciado por esta pesquisa

ofereceu a uma mulher negra uma superfície de espelhamento para a contemplação de

questões relacionadas à sua história pessoal e familiar. Despertou o desejo de saber mais,

olhar mais para si e para outros ao redor, e também, para aqueles situados em tempos e

espaços distantes, no intuito de compreender as paradoxais relações entre identidade e

alteridade que nos trazem especificidades ao mesmo tempo em que nos conectam a todos.

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8. Bibliografia

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230

ANEXO I

O retrato americano na Exposição Universal de 1900

Paris recebeu o novo século com um evento marcante. A Exposition Universelle

de 1900 foi inaugurada em 14 de abril e se estendeu até novembro, mobilizando 50 milhões

de pessoas ao longo destes sete meses. Essa grande feira internacional foi a quinta

sediada em Paris e recebeu dez vezes mais público que a primeira, além de superar a

edição imediatamente anterior, que atraiu pouco mais de 32 milhões. Vale registrar que a

população da França não ultrapassava os 41 milhões em 1900. A primeira das grandes

feiras modernas foi a Crystal Palace Exhibition ocorrida em Londres, em 1851, para celebrar

a posição de liderança ocupada pela Grã Bretanha na era industrial, repetindo edições do

evento em 1874, 1884, 1887 e 1888. A Alemanha, a Bélgica e também os Estados Unidos

realizaram eventos deste feitio. Em 1876, houve a exposição da Filadélfia, a Centennial

International Exhibition, comemorando o centenário da declaração da independência

americana e em 1893 a Columbian World’s Fair de Chicago, celebrando a chegada de

Cristóvão Colombo ao Novo Mundo.

Com forte foco na celebração do progresso da indústria, as Exposições

Universais eram imbuídas de propósitos educativos capazes de apresentar modelos de

mundo materialmente apreensíveis que traduzissem os novos parâmetros ordenadores da

vida econômica e social. O Brasil participou de diversas Exposições na segunda metade do

século XIX, mais notadamente na de 1889, que comemorou o centenário da Revolução

Francesa. Com o apoio de D. Pedro II, uma delegação brasileira se integrou a essa

celebração da república com a ocupação de um pavilhão ao pé da recém-inaugurada Torre

Eiffel.

Apresentando o tema “O saldo de um século”, a Exposição de 1900 fez de Paris

um espaço cenográfico, em disposição que muito devia à lógica museológica, para

representação visual vivenciável por multidões. Ali se juntavam:

(...) representações das regiões em expansão (países europeus e Estados Unidos

emergentes), das regiões sob pleno regime colonial e das regiões distantes (do ponto de

vista imperialista), promissoras fontes de matérias-primas, como a América Latina. Uma

verdadeira representação do mundo, tal como concebido pela filosofia dominante.229

229 BARBUY, Heloisa. O Brasil vai a Paris em 1889: um lugar na Exposição Universal. An. mus. paul., São

Paulo , v. 4, n. 1, 1996.

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Mais de quarenta países se apresentaram nos pavilhões dispostos ao longo do

Sena. Uma roda gigante, pisos rolantes, um trem elétrico, carros, motos, armas e imagens

de cinema. Tudo se combinava para anunciar uma era de poderio, evolução e conquistas

tecnológicas. Também a moda francesa, a seda japonesa, peças de design escandinavo,

e mesmo as delicadezas de Lalique traduziam o gosto, as tendências da época. A Gare

d’Orsay e o Métro iniciavam suas operações, sendo ainda a ocasião de inauguração da

Ponte Alexandre III e das galerias Grand e Petit Palhais.

Costurada nessa trama de maravilhas estavam as exposições de arte, que

recebiam atenção especial. Mais de 6.500 obras de mais de 3.000 artistas podiam ser

vistas, sendo um terço deles franceses. Além de uma mostra abrangente de arte francesa

cobrindo o período entre a Idade Média e o século XVIII de Watteau, havia a Centennale

exibindo trabalhos produzidos entre 1800 e 1889, e a Decennale focada na produção

contemporânea datada entre 1890 e 1900. Do total de artistas 251 eram americanos,

acompanhados, por exemplo, de 223 provenientes da Grã Bretanha, 157 do Japão e até

um representante da Nicarágua.

Naquela virada de século, um novo império surgia. Certamente, era isso que os

Estados Unidos desejavam comunicar ao mundo ao participar da Exposition de 1900.

Incorporando o que parecia o desejo de estabelecer seu país como portador de caminhos

renovadores e gloriosos para a civilização ocidental, a delegação americana foi responsável

por uma representação de sucesso em que a participação dos artistas objetivou disseminar

a ideia da América como produtora de uma arte autônoma e original, que se poderia

visualizar como uma “escola americana”, merecedora de atenção internacional.

A segunda metade do século XX vê o crescimento e a multiplicação das cidades

americanas, a ampliação do transporte ferroviário e hidroviário, e o desenvolvimento das

bases industriais do país movidas pela abundância de matérias-primas como o petróleo, o

ferro e o carvão e pela oferta de mão-de-obra barata imigrante. Nomes como do banqueiro

John Pierpont Morgan e dos industriais John Davidson Rockefeller e Andrew Carnegie se

tornam símbolos de um empreendedorismo agressivo e vitorioso que ampliava seu

potencial de competitividade por meio do investimento mobilizado pelas sociedades

anônimas. No campo agrícola observou-se uma concentração de terras nas mãos dos

fazendeiros mais capitalizados, com maiores possibilidades de investir em maquinário e

manter a produção em grande escala. Manter essa curva de crescimento com garantias

contra crises trazia à baila a possibilidade de desenvolvimento de mercados externos bem

como de outras fontes de matéria prima, possivelmente por valores competitivos, fazendo

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com que as necessidades econômicas, neste momento final do século XIX, levassem a um

transbordamento do capitalismo americano para além de seu território nacional, fazendo

com que o país se percebesse como adversário à altura das grandes potências imperiais.

A guerra Hispano-Americana, em 1898, nos ajuda a compreender essa

movimentação na busca de estabelecer um novo lugar para os Estados Unidos no contexto

político global, consolidando sua posição hegemônica no hemisfério ocidental230. Com o

conflito, a Espanha perdeu o controle sobre o que restava de seu império: Cuba, Porto Rico,

Filipinas, Guam e outras ilhas. A decadência espanhola se evidencia com as vitórias da

marinha americana nas batalhas da Baía de Manila nas Filipinas e da Baía de Santiago,

em Cuba, possessões do outrora grandioso Império Espanhol no Novo Mundo. Esta

primeira guerra dos americanos fora do território continental e também primeira contra uma

nação europeia se desconsideramos a guerra de independência e os conflitos de 1812,

ambos com a Grã-Bretanha sua antiga metrópole. Neste momento de expansão econômica

americana, o embate com a Espanha vem esboçar a identidade da nação americana

relacionada ao poderio militar. Em Cuba, a mais rica das colônias, o estopim foi a rebelião

inspirada por José Martí, exilado em Nova York, alinhada ao Partido Revolucionário

Cubano, que encontrou eco na opinião pública americana, já propensa a imaginar a ilha

como extensão das terras americanas e inclinada a apoiar uma política externa mais

agressiva. Fácil, então, que se manifestasse o interesse pelo açúcar e pelo tabaco da ilha

caribenha, nomeado como desejo de proteger a população cubana do controle espanhol

por meio da anexação que se efetivou quando a ilha foi transformada em protetorado.

É nesse contexto histórico que os EUA debatem já em 1897 como querem se

ver representados na Exposição de 1900 ao lado de outras trinta nações convidadas. Já

em 1889 os americanos tiveram atuação de destaque amealhando mais medalhas do que

as outras nações convidadas, fazendo com que a crítica apontasse a falta de temas de

caráter nacional. Em 1893, a Exposição ocorre em Chicago, atraindo expatriados para a

celebração dos 400 anos da chegada de Colombo, dando espaço para que os críticos

americanos celebrassem a força da produção dos americanos, caracterizada por uma maior

autonomia com relação às influências francesas. É preciso, então, fazer com que 1900 seja

uma continuidade ampliada dessa autoafirmação, preocupação que ocupa um grupo de

230 PIGOZZI, Vinícius. A Construção do Império Americano: origens e a Guerra Hispano-Americana de

1898. Revista Perspectiva: reflexões sobre a temática internacional, n. 07.P. 30.

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artistas nova-iorquinos que se reúnem para escolher um diretor de Belas Artes na Academia

Nacional de Design para que se dedique a essa empreitada, garantindo uma justa

participação dos artistas não residentes em Paris.231

A escolha de John Britton Cauldwell, herdeiro de uma fortuna gerada no

comércio de porcelana, conhecedor de arte e bem relacionado no governo inicia a

mobilização de uma equipe de profissionais familiarizada com os padrões dos Salons, e

apta a reunir artistas e obras capazes de causar o impacto desejado. Em 1899 se iniciam

viagens pelo país para a seleção das obras, majoritariamente pinturas dedicadas às

temáticas tidas como portadoras de um sentido americano autêntico, avaliadas no início de

1900 por júris estabelecidos em Nova York e Paris, constituídos por artistas tais como

Winslow Homer e William Merritt Chase nos EUA e John Singer Sargent, residente na Grã-

Bretanha, e John White Alexander, na França.

Um conjunto importante foi amealhado por um subcomitê dentre os acervos de

três importantes museus americanos e, também, junto a colecionadores particulares. Às

obras do Pennsylvania Academy of Fine Arts de Philadelphia, o Cincinnati Art Museum e o

Canergie Institute de Pittsburgh juntaram-se pinturas do próprio Andrew Carnegie, de

Montgomery Sears, dentre outros mecenas de renome.

O conjunto de obras selecionadas apresentava cerca de um quarto de artistas

residentes na França contra uma maioria de moradores nos EUA, embora os

deslocamentos pelo Atlântico deixassem esse critério um tanto fluido. Uma polêmica se

firmou ao redor da proporção resultante, com manifestações alinhadas tanto aos residentes

quanto aos expatriados.

O resultado da empreitada foi a inserção dos Estados Unidos em situação de

destaque na Exposição, presentes nos diferentes espaços do Champ-de-Mars e da

Esplanade de Invalides. Além disso, uma estátua de Washington foi instalada na cidade e

a própria Torre Eiffel, símbolo máximo das feiras, coberta com uma bandeira americana por

um período de horas.232 Talvez os franceses não tenham se dado conta àquela altura da

potência americana que ali se anunciava.

Se as paisagens produzidas pelos americanos participantes das Exposições

totalizavam cerca de um terço das submissões, o retrato, mesmo sendo um gênero com

231 JACQUET, Joseph, ed. Paris 1900: les artistes américains à l'Exposition Universelle; Musée Carnavalet.

Paris-Musées, 2001. P.21. 232 TRAVIS, Miles Everett. Mixed messages: Thomas Calloway and the" American Negro Exhibit" of 1900.

Diss. Montana State University-Bozeman, College of Letters & Science, 2004.

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representação na casa dos vinte por cento, e, portanto, menos expressiva numericamente,

sempre despertou o interesse do público. A possibilidade de ver próximo à pintura um artista

ou uma personagem da vida política próximos a uma sua pintura era fator de atração, assim

como a possibilidade de verificar a habilidade dos pintores em produzir semelhanças. O

hábito burguês da encomenda de retratos era bastante comum e abria espaço para que

artistas desenvolvessem soluções plásticas com maior flexibilidade do que encontravam

nas demandas oficiais.

Fink aponta duas características do retrato parisiense do século XIX: penetração

psicológica e ensemble ou conjunto, entendido como a relação entre o setting e o sujeito

em um todo integral e unificado.233. Podemos traduzir setting por cenário, entorno ou

situação em que se encontra o representado. Essa busca de integração objetivava a criação

de imagens portadoras de vivacidade e expressão, em uma época em que o conhecimento

sobre a psicologia humana e o interesse pelas motivações da alma humana se difundiam,

motivando a realização de retratos em que a representação de indivíduos em contato com

seu mundo interior.

Dentre os expatriados, e presente como um dos valores máximos da Escola

Americana nas seis salas do edifício do Grand Palais que acomodou as obras dos Estados

Unidos, estava Whistler. Para a crítica o artista:

Domina a pintura do final do século com um daqueles indefiníveis condição de

gênio que não suportam comparação que não seja feita com eles próprios234

Reconhecido como um mestre americano de estatura mundial, sua arte, no

entanto, não era representativa de valores ou imagens da identidade americana, sendo

louvada pela sua singularidade e gênio. Vale lembrar que na Exposição de 1889 ele havia

preferido ver suas obras exibidas junto aos ingleses em espaço que lhe pareceu propício à

observação das pinturas, demonstrando desapego de identificações patrióticas. Sua

233 FINK, Lois Marie. American Art at the Nineteenth-Century Paris Salons. National museum of American art,

Smithsonian institution, 1990. p.238. 234 “Domine La peinture de la fin du siècle par um de ces indefinissables prestiges du génie que NE

supportent de comparaison qu´avec eux-mêmes”. In Jacquet, Joseph, ed. Paris 1900: les artistes américains à l'Exposition Universelle; Musée Carnavalet du 21 février-29 avril 2001;[L'Exposition" Paris 1900" est organisée par le Musée Carnavalet...]. Paris-Musées, 2001. p.35. Apud Camille Mauclair, “La Decennale étrangère”, La Grande revue de l´Exposition, supplément illustré de La Revue dês revues, 10 juillet 1900, p. 178.

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permanência por longos períodos na Europa, sem retorno aos EUA, assinala seu sentido

pessoal de autonomia de identidade.

Pude localizar no acervo digital da Universidade de Glasgow uma carta de

Caldwell a Whistler em que ele agradece uma mensagem recebida pelo artista elogiando o

trabalho desempenhado “no interesse da Arte Americana”235, demonstrando que o artista

não era indiferente à iniciativa de busca de projeção para si e seus colegas.

Brown and Gold [figura 145], uma das obras integradas à exposição, foi inspirado

no retrato de Pablo Valladolid, de Velázquez [figura 146], cuja foto o artista mantinha em

seu atelier Do espanhol Whistler adota a pose, os tons escuros que constituem a figura, a

indefinição do fundo neutro, além de escolher fazer-se representar como o bufão retratado

por Velázquez. Valladolid era dos muitos “homens de prazer” que desempenhavam o papel

de entreter a corte por suas capacidades interpretativas ou artísticas, trejeitos ou

peculiaridades físicas. Neste retrato vemos uma mecha de cabelo branco e seu monóculo,

um leve ponto de cor oferecido pela pequena condecoração que exibe na lapela recebida

pela legião da Honra francesa.

Interessado, sobretudo, em uma arte desvinculada de narrativas e

detalhamentos descritivos, Whistler imprime em seu retrato o sentido direto encontrado em

Rembrandt em uma obra que a seu modo orquestra tons e formas para a constituição deste

seu último retrato. A Exposição de 1900 se realiza quando o artista tem 66 anos, portanto

três anos antes de sua morte.

Além da obra Madre Pérola e Prata: A Andalusa [figura 149], o artista esteve

presente também com a pintura Sinfonia em Branco, No. 2: A Pequena Menina Branca

[figura 147] que retoma o tema da Sinfonia em Branco, No. 1: A Menina de Branco, de 1862

[figura 148]. Ambas eram produzidas pela combinação de uma variação de pigmentos

brancos para a criação de formas e texturas. Se em Marrom e ouro a ausência de contrastes

cria uma imagem em tons escuros, aqui os pontos de cor não afetam a predominância do

branco de caráter abstratizante.

235http://www.whistler.arts.gla.ac.uk/correspondence/exhibit/display/?cid=4420&exhibid=PaExp-

1900&sort=2&rs=29

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Figura 145 Marrom e ouro, c.1895–1900 James Abbott McNeill Whistler Óleo sobre tela, 95.8 x 51.5 cm Hunterian Art Gallery, University of Glasgow

Figura 146 Pablo de Valladolid, c. 1635 Diego Rodríguez de Silva y Velázquez Óleo sobre tela, 209 cm x 123 cm Museo Nacional del Prado

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Figura 147 Sinfonia em branco, No. 2: a pequena garota branca, 1864 James Abbott McNeill Whistler Óleo sobre tela, 76.5 x 51.1 cm Tate Gallery, Londres

Figura 148 Sinfonia em branco, No. 2: a pequena menina branca, 1861-2 James Abbott McNeill Whistler Óleo sobre tela, 215 cm × 108 cm National Gallery of Art, Washington, D.C.

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Figura 149 Madre Pérola e Prata: a Andaluza, 1888-1900 James McNeill Whistler Óleo sobre tela, 191.5 x 89.8 cm National Gallery of Art, Washington

O retrato da educadora e sufragista Martha Carey Thomas realizado por John

Singer Sargent [figura 150] foi exibido na Exposition de 1900. Martha foi presidente do Bryn

Mawr College na Pennsylvania, uma instituição de ensino superior dedicada à educação de

mulheres, a primeira a oferecer-lhes a possibilidade do doutorado. Tendo encontrado

barreiras para formação, Martha recebe de Bryn Mawr a homenagem na forma de um

retrato que a apresenta altiva, com olhar dirigido ao observador.

O rosto severo e iluminado se contrapõe ao negro do fundo e das roupas,

conjunto interrompido pelas mãos, sendo que a direita segura energicamente o braço da

cadeira, e pela diagonal de tecido que vai do pescoço ao canto inferior direito. O pintor

parece querer circunscrever a potencia de ação e a energia à esfera intelectual,

evidenciando qualidades intelectuais, habitualmente associadas aos homens, em evidente

contraste com outras representações femininas de sua autoria.

Nesse sentido, funciona como antítese do retrato de Madame Pierre Gautreau

[figura 151], obra do mesmo artista, em que vemos a sugestão de sensualidade na imagem

de uma mulher que poderia ser chamada à sua época de “beleza profissional” pelos seus

poderes de sedução. A obra foi apresentada em 1884 sem a identificação da modelo, não

fez parte da exposição de 1900 e é lembrada aqui apenas como contraponto.

A elegância da personagem é evidenciada pelo vestido de cintura extrema, no

tratamento nacarado dado à pele, na postura e nos gestos. O pintor dá tratamento sinuoso

aos contornos e apresenta o pescoço e ombros nus de forma achatada, sem a preocupação

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com volumes que dedica à caracterização do retrato de Marta. A vestimenta, embora exiba

as habilidades do pintor no tratamento de suaves passagens de brilho, implica a

austeridade requerida pela posição da retratada, que nada tem de figura decorativa.

Madame é tão sensual quanto inacessível, uma vez que se exibe ao observador sem com

ele se engajar. A representação do rosto compreende a maquiagem e cria uma figura quase

estilizada apresentada em perfil total.

Figura 150 Miss M. Carey Thomas John Singer Sargent Óleo sobre tela, 96.5 x 147,3 cm Bryn Mawr College, Pensilvânia

Figura 151 Madame X (Madame Pierre Gautreau), 1883–84 John Singer Sargent Óleo sobre tela, 208.6 x 109.9 cm Metropolitan Museum, Nova York

Outra obra, não presente na exposição, mas interessante pela semelhança

compositiva com a obra pesquisada é o retrato do escritor Robert Louis Stevenson [figura

152]. A pintura utiliza pinceladas soltas para caracterizar as texturas do tapete e da cadeira

de vime. Marca o espaço por detrás do retratado com a presença de um móvel no qual

identificamos um friso que estabelece uma linha vertical, paralela a outra visível na parede

azul. Em meio aos reflexos na superfície da madeira, formas retangulares são sugeridas.

Além da expressão vivaz, o pintor busca sublinhar a identidade do retratado em suas formas

longilíneas, que as longas pernas e dedos afilados denunciam. O ambiente, a casa do autor

em Bournemouth, é mais iluminado do que no retrato de Arthur Timótheo. Mas de modo

semelhante ao do retrato de Chambelland, a linha diagonal da perna cruzada conduz o

olhar ao rosto.

Outro artista importante para o estudo do retrato americano do período é o pintor

residente da Philadelphia Thomas Eakins. Uma consulta ao texto do catálogo da Exposição

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de 1900 revela sua importância na formação de artistas, uma vez que seu nome aparece

associado a outros seis pintores como tendo sido deles professor.236

Figura 152 Robert Louis Stevenson, 1887 John Singer Sargent Óleo sobre tela, 51 x 61,8 cm Metropolitan Museum of Art, Nova York

Uma das pinturas de Eakins a participar da mostra foi O Violoncelista237 [figura

153]. A pintura apresenta o musicista Rudolph Hennig, e recebeu uma menção honrosa na

Exposição. O retrato de seu pai, identificado no catálogo como Retrato de Benjamin Eakins

e denominado como The Writing Master pelo Metropolitan Museum [figura 154], onde se

encontra hoje. Benjamin Eakins trabalhava com caligrafia aplicada à produção de diplomas

e outros documentos, o que é representado nesta pintura de afetuosa homenagem. Em

236 Nas referências biográficas dos artistas George H. Bogert, Frank French, Albert D. Gihon, Sergeant

Kendall, Samuel Murray, F. T. Richards e H. O. Tanner, Eakins é indicado como mestre, conforme o Catalogue officiel illustré, exposition des beaux-arts, États-Unis d'Ameérique, Exposition universelle de Paris 1900. Disponível em http://archive.org/stream/catalogueofficie00unit/catalogueofficie00unit_djvu.txt 237 A pintura pertenceu a Pennsylvania Academy desde 1897, mas foi vendida junto a outras obras do pintor

para gerar receita suficiente para garantir a aquisição da pintura The Gross Clinic do mesmo pintor. http://www.nytimes.com/2008/04/24/arts/design/24gros.html?_r=0

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comum, os dois retratos têm a presença de homens concentrados, dedicados, em

isolamento, a seus ofícios e instrumentos.

Também a obra Salutat [figura 155] fez parte da exposição, denotando o

interesse de Eakins em representar a atmosfera de ringue de luta, apresentado no momento

de interação de um lutador com sua plateia. A partir do final dos anos 1880, o foco do

artista recaiu sobre os retratos, mas temas esportivos já trabalhados pelo artista

anteriormente com os remadores, tiveram nova inserção em sua produção no final dos anos

1890, quando o pintor passou a frequentar lutas profissionais. Esses eventos permitiam a

este pesquisador de anatomia humana e do corpo em movimento, encontrar abordagens

de atualização de temas abordados por seu mestre Gêrome e suas representações de

gladiadores238. A atividade transgressora dava ao pintor a oportunidade de criar

representações de masculino contrastantes com seus retratos, mas sensíveis à presença

do homem comum.

Dois outros retratos do artista ajudam a localizar sua produção contemporânea

à Exposição, mesmo que por meio de obras não integrados a ela. O retrato de Leslie W.

Miller [figura 156], docente da School of Industrial Art in Philadelphia chama a atenção pela

informalidade, e talvez certo desalinho das roupas. O professor recebeu de presente a

pintura de que gostava muito, e que também foi bem apreciada pela crítica da época, mas

comentou estranhar o tratamento dado por Eakins à sua aparência, relevando por

reconhecer ser marca do autor.239 A obra faz parte de uma série de retratos de corpo

inteiro240, que apresentam uma espacialidade similar às obras de Whistler, ambos artistas

em diálogo com Diego Velázquez, ao optar por fundos neutros [figura 159], em alguns

casos sem assinalar as fronteiras entre piso e parede, ou as assinalando com certa

abstração, à semelhança do pintor espanhol. Eakins foi motivado a estudar Velázquez por

influência de dois de seus mestres, Jean Léon Gêrome e Léon Bonnat. Suas visitas a Madri

em 1869 e 1870 foram importantes para o estudo presencial de suas obras, que também

impactaram Édouard Manet antes dele. Vale lembrar que o Retrato de Théodore Duret, feito

238 É exemplo Ave Caesar! Morituri Te Salutant realizada em 1859 por Gêrome, hoje incorporada ao acervo

da Yale University Art Gallery, New Haven, 239 Palavras de Leslie W. Miller sobre a pintura: "But all that is part of the Eakins hallmark and of course it

cannot be spared. He was one of the great ones and I value the picture highly." In http://www.philamuseum.org/collections/permanent/44493.html 240 Fazem parte deste conjunto o Retrato de John McLure Hamilton, 1895, A Chamada do Diretor [The Dean's

Roll Call], 1899.

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242

por Manet, em 1868 [figura 158], guarda parentesco com esta obra de Eakins, inclusive na

soltura da vestimenta do dândi, que Manet quis mostrar com elegância portando luvas,

bengala e chapéu. Ao contrário de Miller, neste caso, o retratado reconheceu na pintura a

representação de elegância, talvez aquém.

O retrato de Louis N. Kenton [figura 157] ganhou o título O Pensador quando de

sua incorporação ao acervo do Metropolitan,241 em 1917. Kenton era casado com a irmã de

Eakins este retrato expressivo busca fixar um estado reflexivo, com a cabeça baixa e mãos

nos bolsos, voltado ao seu mundo interior. O terno solto é acompanhado por uma camisa

branca de gola firme e um relógio pende do peito. Nesse ensemble o fundo neutro, a palheta

restrita e ausência de sentido decorativo, que como na obra analisada anteriormente, são

derivados de Velázquez, contribui para que a ênfase recaia na intensidade psicológica do

homem retratado, que parece alheio a tudo que . No catálogo do Metropolitan encontramos

um comentário sobre a recepção da obra, amplamente exibida, e percebida de modo geral

como um trabalho fora da corrente principal da moda. A falta dos elementos

ornamentais habituais era visto como uma deficiência, mas ainda assim vista como

merecedora de atenção242.

Para a crítica, a obra substituía a lisonja por um realismo que dava expressão

pictórica à individualidade do homem representado, despido de idealização. Um crítico

comentou que a naturalidade da pintura a que designa de matter-of-factness, aliado a uma

desconsideração pela elegância da linha, e também do caráter persuasivo da cor, poderia

resultar em feiura, mas atesta que o conjunto resulta em um extraordinário registro de um

indivíduo humano.243

241 Burke, Doreen Bolger. American Paintings in the Metropolitan Museum of Art: Vol. II: A Catalogue of Works

by Artists Born Between 1816 and 1845. Ed. Kathleen Luhrs. Metropolitan Museum of Art, 1980. p. 622. 242 Idem 243 Idsem, p. 624.

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243

Figura 153 Thomas Eakins O violoncelista, 1897 Óleo sobre tela, 163.2 × 122.2 cm Coleção particular

Figura 154 Thomas Eakins The Writing Master, 1882 Óleo sobre tela, 76,2 x 87 cm Metropolitan Museum, Nova York

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244

Figura 155 Thomas Eakins Salutat, 1898 Óleo sobre tela, 126,4 x 101,0 cm Addison Gallery of American Art, Andover

Figura 156 Thomas Eakins Retrato de Leslie W. Miller, 1901 Óleo sobre tela, 254,6 x 144,1 cm Philadelphia Museum of Art, Philadelphia

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245

Figura 157 Thomas Eakins O pensador: Retrato de Louis N. Kenton, 1900 Óleo sobre tela, 208,3 x 106,7 Metropolitan Museum of Art, Nova York

Figura 158 Édouard Manet Retrato de Théodore Duret, 1868 Óleo sobre tela, 43 x 35 cm Petit Palais, Paris

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246

Figura 159 James McNeill Whistler Arranjo em Cor de Pele e Preto: Retrato de Theodore Duret, 1883 Óleo sobre tela, 193,4 x 90.8 cm Metropolitan Museum of Art, Nova York

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247

Anexo II

A American Negro Exhibit

Não podemos esquecer que a edição de 1900 da Exposition Universelle

compreendeu a realização da mostra “American Negro Exhibit”, que ocupou o Hall of Social

Economy. Já havia um histórico de mobilização e protestos de intelectuais negros quando

da realização das feiras internacionais na Filadélfia e em Chicago, que sentiam ser

necessária a participação de afro-americanos na organização dos eventos e apresentavam

críticas ao modo de representação dos negros no contexto daqueles eventos. Na mostra

de 1900 estavam expostos fotografias retratando afro-americanos em diferentes situações,

dados estatísticos examinando aspectos da vida de comunidades negras, centenas de

volumes de livros de autores negros, matérias produzidos por estudantes sobre cultura

negra, entre outros .

O principal responsável pelo conjunto era o advogado e educador Thomas J.

Calloway, que escreveu para mais de cem líderes, propondo a realização da mostra, que

ele imaginava, poderia modificar os correntes modos de representação do negro na cultura

americana, ao exibir instituições negras como escolas, igrejas, fazendas e também famílias.

A questão central formulada era: ˜Qual a situação do povo Afro-Americano enquanto

adentram o século XX? Outros dez questionamentos acerca da vida pós-emancipação

definiam os propósitos da mostra: a apresentação de aspectos da história dos negros, a

educação dos negros, os efeitos da educação sobre o analfabetismo, efeitos da educação

sobre o trabalho, efeitos da educação sobre a pobreza, o desenvolvimento mental do negro

evidenciado por livros e periódicos escritos e editados por negros, patentes registradas por

negros que demonstrem seu gênio mecânico, sua participação no desenvolvimento

industrial e comercial, o que o negro realiza para si por meio de suas igrejas, uma visão

geral das relações raciais nos EUA. 244

244 Sobre o tema da American Negro Exhibit Provenzo Jr, Eugene F. WEB DuBois's Exhibit of American

Negroes: African Americans at the Beginning of the Twentieth Century. Rowman & Littlefield, 2013 e Lewis, David Levering, and Deborah Willis. A Small Nation of People. HarperCollins, 2010.

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248

Um dos pressupostos ordenadores da mostra era a perspectiva, defendida por

Booker T. Washington245 de que os avanços sociais e econômicos dos negros americanos

só poderia ser construída por meio da capacitação técnica para o trabalho.246 Na Negro

Exhibit essa perspectiva era exemplificada por fotografias que exibiam indivíduos negros

envolvidos com o trabalho agrícola, transformando ao longo do tempo sua situação de vida

agrária por meio de seus esforços, potencializados pela educação. Deste modo se

distanciavam das representações vinculadas ao Darwinismo Social, da produção ficcional

que abordava a vida nas plantations, das figuras dos menestréis com o rosto pintado de

negro e dos personagens do vaudeville.

As grandes feiras colocavam sua ênfase nas características raciais de africanos

e negros americanos, enquanto a Negro Exhibit buscava atribuir importância à sua

capacidade de trabalho. Washington oferecia aos brancos apreensivos com as crescentes

demandas dos negros por integração, a ideia de que brancos e negros poderiam ser como

os dedos de uma mesma mão, separados mas unidos no essencial.

Definindo os contornos do New Negro ou Novo Negro, um projeto de projeção

de ideias que combinavam a afirmação da capacidade intelectual dos negros, e também

das possibilidades de seu progresso. Booker T. explicita sua perspectiva no livro Um Novo

Negro para um Novo Século247, publicado em 1900, e ilustrado com um grande número de

retratos fotográficos de indivíduos de destaque, militares, médicos, editores, advogados,

empresários dentre outros, símbolo dos avanços obtidos pela população negra nos últimos

trinta anos. Como exemplos, exibimos as fotografias de John Mitchell, jornalista cuja foto

no livro se faz acompanhar pela legenda “O Editor Agressivo do Richmond Planet” e o

retrato do poeta Paul Laurence Dunbar, “Laureado da Raça Negra.248

245 Washington era reconhecido amplamente como importante líder e porta-voz da comunidade afro-

americana, tendo sido por diversas vezes a dialogar com os presidentes Theodore Roosevelt e William H. Taft. na Casa Branca sobre temas relacionados a questões políticas de interesse desse segmento da população. Sua autobiografia Up From Slavery foi um best seller e ele realizou séries de palestras pelos EUA e pela Europa, tendo sido recebido pela Rainha Victoria. 246 Um exemplo é o Hampton Normal and Industrial Institute fundado em 1868 pelo General Samuel

Armstrong com o intituito de educar negros do sul do país. Booker T. Washington, nascido escravo, frequentou a instituição na qual veio, depois, a trabalhar. Outra instituição de grande importância histórica é o Tuskegee Institute do Alabama, dirigido durante um período por Washington, que acreditava ser inútil protestar em busca da igualdade plena entre brancos e negros, e seria ideal buscar uma parceria que beneficiaria em maior medida os afro-americanos. Fotografias produzidas por este instituto fizeram parte da American Negro Exhibit. 247 WASHINGTON, Booker T., Norman Barton Wood, and Fannie Barrier Williams. A new Negro for a new

century. Arno Press, 1969. 248 As imagens estão disponíveis no acervo do Schomburg Center for Research in Black Culture, Manuscripts,

Archives and Rare Books Division, no endereço http://digitalcollections.nypl.org/collections/a-new-negro-for-a-new-century-an-accurate-and-up-to-date-record-of-the-upward#/?tab=about&scroll=0

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249

Deborah Willis chama a atenção para a anotação que acompanha uma fotografia

que pertenceu aos acervos pessoais de Booker T. Washington, e que poderia ter sido feita

pelo próprio: Old and New at Utica Miss, October 6, 1900 [figura 160]. Um homem mais

jovem está de paletó e gravata enquanto outro, mais velho, posa sem gravata, com calças

enrugadas indicando ser um trabalhador. Para Willis a imagem somada à inscrição pode

ser vista como um exemplo das mudanças de percepção de afro-americanos. Seriam

representações visuais do “Old Negro“ e do ”New Negro.” A fotografia teve um importante

papel ao registrar e disseminar imagens alternativas que circulavam em jornais e livros

publicados pela comunidade negra ou eram posses queridas de famílias de classe média

ou média baixa. Sobre as fotografias exibidas na Exposition Willis afirma:

As fotografias da Exposition de Paris apresentavam uma comunidade afro americana

que era espiritual, social e economicamente diversa. Isto era uma noção radical para

a época, e quando você considera a longa e violenta história dos afro-americanos,

essa noção de self e valor próprio adquire um significado mais profundo. Olhar essas

representações do New Negro nos propicia um novo paradigma para explorar a

interpretação visual do Novo Negro como uma imagem autoconsciente/consciente

em termos de raça, e a importância da imagem fotográfica no estudo da elevação

racial.249

A exposição American Negro exibia um expressivo conjunto de imagens que

ilustrava a visão de outro grupo de intelectuais, capitaneados por W.E.B. Du Bois250. Du

Bois era professor de sociologia da Atlanta University, e agrupou 363 fotografias em álbuns

focados em retratos e cenas da vida negra no sul dos EUA. O álbum “Tipos de Negros

Americanos, que apresentavam o que ele chamava de “typical Negro faces” ou rostos

típicos de negros. Nos álbuns Geórgia, EUA (Types of Negroes, Geórgia, USA) e Vida

Negra na Geórgia, EUA (Negro Life in Geórgia, U.S.A.) as imagens mostradas buscavam

negar a imagem do negro como preguiçoso, empobrecido ou ignorante, substituindo-os por

representações de dignidade e realização. Para Du Bois, exibir rostos de afro-americanos,

alguns notáveis mas a maioria jovens, bem vestidos, uma ampla gama de tons de pele,

características faciais e estilos de penteado, poderia desafiar a visão caricatural dominante,

fazendo com que uma percepção generalizante de Negro fosse substituída pela observação

249LEWIS, David Levering, and Deborah Willis. A Small Nation of People. HarperCollins, 2010. Edição virtual 250 W.E.B. Du Bois frequentou as universidades Fisk e Harvard nos EUA, e também na Universidade de

Berlim tendo estudado história, economia e sociologia. Desenvolveu um estudo sobre a vida dos Negros na Filadélfia, considerada obra inaugural da sociologia urbana nos Estados Unidos, publicado em 1899.

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de indivíduos com características distintas e particulares. Sua perspectiva diferia da de

Washington por não justificar o discurso conciliatório da acomodação. Sua perspectiva

empírica o motivou a apresentar também um conjunto de trezentas páginas de transcrições

de documentos legais da Geórgia como evidência das dinâmicas discriminatórias do

sistema legal na segunda metade do século XIX.

Figura 160 Velho e Novo em Utica, Mississipi, 6 de outubro, 1900

Figura 161 Estudantes da Roger Williams University, Nashville, Tennesse, 1899

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Figura 162 Carpintaria da Claflin University, Orangeburg, South Carolina

Figura 163 Paul Laurence Dunbar

Figura 164 Orador e editor, Atlanta, Geórgia Coronel W.A. Pledger

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Figura 165 Exposição American Negro251

A perspectiva de Du Bois diferia da de Washington por não acomodar um

discurso conciliatório e defender não ser suficiente a preocupação em garantir inserir aos

negros no mercado de trabalho. Para Washington, a evolução econômica poderia minimizar

ou neutralizar o preconceito, mas para Du Bois este existiria independentemente de

questões de classe ou nível educacional. Apesar dos diferentes pontos de vista, no

momento da Exposition de 1900 eles ainda não haviam se estabelecido como oponentes,

o que aconteceria anos depois. Sua perspectiva empírica o motivou a apresentar também

um conjunto de trezentas páginas de transcrições de documentos legais da Geórgia como

evidência das dinâmicas discriminatórias do sistema legal na segunda metade do século

XIX.

A exposição American Negroes recebeu o Grand Prix da Exposition, medalhas

de ouro, prata e bronze, assim como menções honrosas foram atribuídas aos

organizadores e instituições participantes, tendo sido dada a Du Bois uma medalha de ouro

pelo seu papel na concepção da exposição. As fotografias selecionadas por ele fazem hoje

parte do acervo da Biblioteca do Congresso Americano e podem ser consultadas

digitalmente252. A seleção incluída aqui privilegia os retratos masculinos dado o tema da

pesquisa. Via de regra, as fotos foram apresentadas sem identificação do nome dos

251 Imagem da Biblioteca do Congresso disponível no link http://memory.loc.gov/ammem/aap/aapint02.html 252 As imagens estão disponíveis no site da Library of Congress Prints and Photographs Division Washington,

D.C. no link http://www.loc.gov/pictures/resource/ppmsca.08772/?co=anedub

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indivíduos, com legendas que indicam a pose tais como: Jovem afro-americano, retrato de

meio rosto voltado para a direita”. Em alguns casos, um mesmo indivíduo é apresentado

visto por dois ângulos diferentes. Em outros, diferentes indivíduos são apresentados diante

de um fundo comum em poses similares. Há ainda imagens de casas, fazendas ou igrejas,

vezes apresentadas como pano de fundo para famílias ou grupos, que também surgem

agrupados em imagens de times esportivos e grupos musicais. O desejo de Du Bois era

construir uma identidade

Figura 166 Homem afro-americano dando aula de piano para uma jovem mulher afro-americana

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Figuras 167 - 172

de comunidade e se escorava na crença, comum à época, de que a fotografia poderia ser

portadora de verdade. Um retrato de Du Bois feito em Paris durante o período da exposição

[figura 173] faz pensar como sua imagem pessoal, e como veremos também a de Booker

T. Washington, faziam parte dessa construção de novos modelos de identidade negra.

Para Bieze, Washington e Du Bois, que eram parte de uma elite negra,

compartilhavam com brancos um gosto vitoriano similar253. Os modelos de sucesso

artístico eram os da América branca, fato que se modificou com o advento da Harlem

Renaissance uma geração após. Já os artistas atuantes nos primeiros anos da década de

1900 como Paul Laurence Dunbar, Charles Chesnutt e William A. Harper buscavam

aceitação de um público que incluísse negros e brancos. Esses artistas produziam imagens

romantizadas, que funcionavam como reação às representações presentes na cultura de

massa, que caracterizavam negros por meio de imagens estereotipadas.

253BIEZE, Michael. Booker T. Washington and the art of self-representation. Vol. 50. Peter Lang, 2008.

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Figura 173 Du Bois em Paris, 1900

A principal mudança operada por esses artistas não dizia respeito aos temas

presentes na baixa cultura, muitos ecoavam assuntos presentes nos estereótipos

convencionais, mas sim ao tratamento dentro de estilos da alta cultura, demonstrando

habilidades técnicas equivalentes às dos artistas brancos, o que possibilitava a constituição

de novos significados. Nesse sentido, obras como Menino Negro Dançando, de Eakins, e

A Aula Lição de Banjo, do pintor negro Henry Ossawa Tanner, são exemplos de obras que

imprimem novos significados a temas de modo sensível no campo das pinturas de gênero.

Sobre esse importante artista, dedicaremos uma seção desta pesquisa mais adiante. A

obra Lição de Banjo “é convencional segundo diversos padrões do gosto branco, mas se

contrapõe a muitas imagens racistas de tocadores de banjo conhecidos por brancos por

meio da arte popular, de fotografias de jornal, ao mostrar a humanidade da transmissão de

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conhecimento”254. Para o autor, esses tipos nostálgicos com dignidade por meio de uma

abordagem realista, possibilitando uma apropriação de tradições negras.

Du Bois reconhecia a importância da obra de Tanner dizendo ser ele a evidência

do destaque obtido pelos negros no campo das artes: “Basta que alguém apenas mencione

Henry O. Tanner cujas pinturas estão expostas nas grandes galerias do mundo, inclusive

Luxembourg”.255

254 Idem, p.103. 255 DUBOI, W.E. Burghardt. "The Negro in literature and art." The ANNALS of the American Academy of

Political and Social Science (1913): 233-237. p. 237.

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Caderno de Imagens

Figura 1 Carlos Chambelland Retrato de Artur Timóteo da Costa, 1909 Óleo sobre tela, 74 x 102 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro

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Figura 2 Estudos de cabeça, segundo Peter Paul Rubens, s.d. Arthur Timótheo da Costa Óleo sobre tela, 30 x 36 cm Museu Afro, São Paulo

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Figura 3 Quatro Estudos da cabeça de um mouro, 1615 Peter Paul Rubens Óleo sobre tela, 51 x 66 cm Musées Royaux des Beaux-Arts de Belgique, Bruxelas

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Figura 4 Cabeça de um negro, 1620 Peter Paul Rubens Óleo sobre painel de madeira, 45,7 x 36,8 cm The Hyde Collection, Glens Falls

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Figura 5 Atelier de Peter Paul Rubens Quatro estudos de cabeça masculina, ca. 1617 – 1620 Óleo sobre painel de madeira, 25.4 x 67.9 cm The J. Paul Getty Museum, Los Angeles

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Figura 6 Retábulo da Adoração dos Magos, 1617 Peter Paul Rubens Óleo sobre painel, 318 x 276 cm Igreja de São João [Sint-Jankerk], Mechelen

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Figura 7 Autorretrato, 1919 Arthur Timótheo da Costa Óleo sobre tela, 86 x 79 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro

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Figura 8 Autorretrato, 1658 Rembrandt van Rijn Óleo sobre tela, 133,7 x 103,8 cm

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Figura 9 Autorretrato, s.d. Arthur Timótheo da Costa

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Óleo sobre tela, Museu Afro Brasil, São Paulo

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Figura 10 Sir Joshua Reynolds Autorretrato de Sir Joshua Reynolds, 1780 Óleo sobre painel, 127 x 106 cm Royal Academy, Londres

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Figura 11 Sir Joshua Reynolds Autorretrato, c. 1775 Óleo sobre tela, 73,7 x 61 cm Tate Britain, Londres

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Figura 12 Rembrandt van Rijn Aristóteles com um busto de Homero Óleo sobre tela, 143,5 x 136,5 cm Metropolitan Museum, Nova York

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Figura 13 Arranjo em Cinza, Retrato do Pintor1872 James McNeill Whistler Óleo sobre tela, 74.9 x 53.3 cm Detroit Institute of Arts, Detroit

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Figura 14 Arthur Timótheo da Costa Autorretrato, 1908 Óleo sobre tela, 41 x 33 cm Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo

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Figura 15 Autor desconhecido Retrato de Arthur Timótheo, 1908-09 Fotografia, 21,5 x 15 cm Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro

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Figura 16 Autorretrato de Henrique Bernardelli, 1916 Henrique Bernardelli Óleo sobre madeira, 24 x 18 cm Coleção particular, São Paulo

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Figura 17 Autorretrato, 1855-56 Edgar Degas Óleo sobre papel, aplicado a tela, 40,6 x 34,3 cm Metropolitan Museum, Nova York

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Figura 18 Autorretrato, 1857-58 Edgar Degas Óleo sobre papel montado sobre tela, 26 x 19,1 cm Clark Art Institute, Williamstown

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Figura 19 Autorretrato, 1628 Rembrandt Harmenz van Rijn Óleo sobre madeira, 22,6 x 18,7 cm Rijksmuseum, Amsterdam

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Figura 20 Autorretrato, 1629 Rembrandt Harmenz van Rijn Óleo sobre madeira, 15,6 x 12,7 cm Alte Pinakothek, Munique

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Figura 21 Autorretrato, 1863 Edgar Degas Óleo sobre tela, 92,1 x 69 cm Museu Calouste Gulbenkian, Lisboa

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Figura 22

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Figura 23 Autorretrato Albrecht Dürer, 1500 Óleo sobre painel de madeira, 66,3 c 49 cm Alte Pinakothek, Munique

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Figura 24 Autorretrato, 1889 Edouard Vuillard Óleo sobre tela, 22,2 x 17,4 cm National Gallery of Art, Washington, D.C.

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Figura 25 Retrato de A. Bracet, s.d. Arthur Timótheo da Costa Óleo sobre tela, x cm Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo

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Figura 26 João Timótheo da Costa, 1908 Rodolpho Amoedo Óleo sobre painel, 49,5 x 29,7 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro

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Figura 27 James Abbott McNeill Whistler, 1885 William Merritt Chase Óleo sobre tela, 188.3 x 92.1 cm Metropolitan Museum, Nova York

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Figura 28 Marrom e ouro, 1885 James Abbott McNeill Whistler Óleo sobre tela, 51,5 x 95,8 cm Hunterian Museum, Glasgow

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Figura 29 Retrato de Whistler de chapéu, 1857-59 James Abbott McNeill Whistler Óleo sobre tela, 46,3 x 38,1 cm Freer Gallery, Washington D.C.

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Figura 30 Lord, 1773 Anônimo [inglês] Gravura sobre papel, 183 x 103 mm British Museum, Londres

Figura 31 The Walebone Mac, 1772 Matthew Darly Gravura sobre papel, 176 x 125 mm British Museum, Londres

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Figura 30 Jean-Baptiste Belley, 1797 Anne-Louis Girodet-Trioson (1767–1824) Óleo sobre tela 159.1 x 111 cm Musée national des châteaux de Versailles et de Trianon, Versailles

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Figura 31 Mungo Macaroni, 1772 Artista desconhecido, publicado por M. Darly Gravura sobre papel Yale Center for British Art, New Haven

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Figura 32 Autorretrato, 1863 Edgar Degas Óleo sobre tela, 92,1 x 69 cm Museu Calouste Gulbenkian, Lisboa

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Figura 33 Hilaire De Gas, 1857 Edgar Degas Óleo sobre tela, 53 x 41 cm Musée D´Orsay, Paris

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Figura 34 Retrato de homem, chamado homem com luvas, c. 1520 Tiziano Vecellio, dito Ticiano Óleo sobre tela, 100 x 89 cm Louvre, Paris

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Figura 35 Edouard Manet Emile Zola, 1868 Óleo sobre tela, 146.5 x 114 cm Musée d'Orsay, Paris

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Figura 36 Edgar Degas Retratos na Bolsa de Valores, 1878-1879 Óleo sobre tela, 100 x 82 cm Musée d’Orsay, Paris

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Figura 37

Edgar Degas Retrato de Edmond Duranty, 1879 Pastel e tempera, 100 x 100 cm Burrell collection, Glasgow

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Figura 38 Edgar Degas Retrato de Edmond Duranty, 1879 Carvão sobre papel, 30,8 x 47,2 cm Metropolitan Museum, Nova York

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Figura 39 Edgar Degas Fisionomias criminais, 1881 Pastel, 48 x 63 cm Coleção particular

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Figura 40 Retrato de Manet, 1867 Henri Fantin-Latour Óleo sobre tela, 117,5 X 90 CM The Art Institute of Chicago, Chicago

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Figura 41 Retrato de Antonin Proust, 1880 Édouard Manet’s óleo sobre tela, 129,5 x 50,9 cm Toledo Museum of Art, Toledo

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Figura 42 Um Dândi desmaiando, 1818 Isaac Cruikshank Gravura sobre papel Chazen Museum of Art, University of Wiscosin-Madison

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Figura 43 Aubrey Vincent Beardsley, 1895 Jacques-Émile Blanche Óleo sobre tela, 92,6 x 73,7 cm National Portrait Gallery, Londres

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Figura 44 Sir Coleridge Kennard sentado no sofá, ou o Retrato de Dorian Gray, 1904 Óleo sobre tela, , 117 x 95 cm Coleção particular

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Figura 45 Arranjo em Preto e Dourado: Conde Robert de Montesquiou-Fezensac, 1891-1892 James McNeill Whistler Óleo sobre tela, 208,6 x 91,8 cm Frick Collection, Nova York

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Figura 46 Robert de Montesquiou Jacques-Émile Blanche Óleo sobre tela, 78 x 54 cm Coleção particular

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Figura 47 O Conde Montesquiou, 1897 Giovanni Boldini Óleo sobre tela, 116 x 82,5 cm Musée d´Orsay, Paris

Figura 48 Retrato de Marcel Proust, 1892 Jacques-Émile Blanche Óleo sobre tela, 73,5 x 60,5 cm Musée d`Orsay, Paris

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Figura 49 Jean Cocteau,1913 Jacques-Émile Blanche Óleo sobre tela, 205 x 111 cm Musée des Beaux Arts, Grenoble

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Figura 50 Retrato de Charles Conder, 1904 Jacques-Émile Blanche Óleo sobre tela, 110,8 x 86,4 cm Tate Gallery, Londres

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Figura 52 Sir Max Beerbohm, 1903 Jacques-Émile Blanche Óleo sobre tela, 100.8 cm 82.1 cm Ashmolean Museum - University of Oxford

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Figura 53 Harley Granville-Barker, 1930 Jacques-Émile Blanche Óleo sobre tela, 103.8 106.4 cm National Portrait Gallery - London

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Figura 54 Retrato de Georges Porto-Rich Jacques-Émile Blanche, 1889 Óleo sobre tela, 100 x 65 cm Coleção particular

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Figura 55 André Gide e seus amigos no Café Mourisco da Exposição Universal de 1900, 1901 Jacques-Emile Blanche Óleo sobre tela, 156 x 220 cm Museu de Belas Artes de Rouen, Rouen

Figura 56 Jacques-Emile-Blanche Retrato de André Gide, , 1912 Óleo sobre tela, Musée des Beaux-Arts de Rouen, Rouen

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Figura 57 James Tissot O círculo da Rua Royal, 1868 Óleo sobre tela, 174,5 x 280 cm Musée d'Orsay, Paris

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Figura 58 Salão de 1914

Edgar Parreiras,

Moysés da Silva,

Miguel

Capllandi, Antonio Mattos, Pedro Bruno, Guttmann Bicho, Arthur Timótheo, J. B. Bordon, Aníbal Mattos, Adalberto Mattos e Jorge Lubre. Álbum de fotografias de artistas brasileiros e estrangeiros. Acervo da Biblioteca Nacional.

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Figura 59 Salão de 1913 Archimedes Silva, Guttmann Bicho, Adalberto Mattos, Arthur Timótheo, Carlos Chambelland, Moreira Junior, Christophe, João Timótheo, Rodolpho Chambelland, Alvim Menge, Arnaldo de Carvalho, Nicolina Vaz de Assis, Rodolfo Pinto do Couto e Navarro da Costa. Álbum de fotografias de artistas brasileiros e estrangeiros. Acervo da Biblioteca Nacional.

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Figura 60 Melencolia I, 1514 Albrecht Dürer Gravura, 24 x 18,5 cm Metropolitan Museum, Nova York

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Figura 61 Retrato de Whistler, 1897 Paul Cesar Helleu Gravura sobre papel, 33,5 x 25,3 cm Freer Gallery, Washington D.C.

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Figura 62

Constantin Guys Na rua, c. 1860 Óleo sobre tela,. 0.24 x 0.325 Musée d'Orsay, Paris

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Figura 63

Arthur Timótheo e Helios Seelinger no atelier deste em Paris. Álbum de fotografias de

artistas brasileiros e estrangeiros. Acervo da Biblioteca Nacional.

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Figura 64 Interior de Atelier, 1845 Octave Tassaert Öleo sobre tela, 46 x 38 cm Musée du Louvre, Paris

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Figura 65 Rodolpho Chambelland pintando painel, hoje desaparecido

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Figura 66 No ateliê, 1918 Arthur Timótheo da Costa Óleo sobre tela, 158 x 195 cm Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo

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Figura 67 Pintor no atelier, Paris, França, 1910 Arthur Timótheo da Costa Óleo sobre tela, 36 x 55,30 cm Acervo Instituto Cultural Sérgio Fadel, Rio de Janeiro

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Figura 68 Retrato do escultor Eduardo Sá, 1910 Arthur Timótheo da Costa

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Óleo sobre tela, 176 x 106 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro

Figura 69

Arthur Timótheo em seu atelier, Rio de Janeiro, 1913. Álbum de fotografias de artistas

brasileiros e estrangeiros. Folha no. 125. Acervo da Biblioteca Nacional.

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Figura 70 Bohemia, 1903 Helios Seelinger Óleo sobre tela, 103 x 189.5 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro

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Figura 71 O Dia Seguinte, 1913 Arthur Timótheo Óleo sobre tela Coleção particular

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Figura 72 Baile à fantasia, 1913 Rodolpho Chambelland Óleo sobre tela, 149 x 209 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro

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Figura 73 O grupo do Leão, 1885 Columbano Bordalo Pinheiro Óleo sobre tela, 201 x0376 cm Museu do Chiado, Lisboa

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Figura 74

Arthur Timótheo, Adalberto Mattos, Carlos Chambelland e Carlos Oswald no atelier de

gravura de Carlos Oswald, Rio de Janeiro, 1914. Álbum de fotografias de artistas brasileiros

e estrangeiros. Acervo da Biblioteca Nacional.

Figura 75 Carlos Chambelland Olhos Curiosos, 1906

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Óleo sobre tela, 102 x 150 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro

Figura 76 Fim de Jogo, 1907 Carlos Chamberland Óleo sobre tela, 102 x 150 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro

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Figura 77 Carlos Chambelland, 1913. Álbum de fotografias de artistas brasileiros e estrangeiros. Acervo da Biblioteca Nacional

Figura 78 Antônio Parreiras Fim de Romance , 1912 Óleo sobre tela, 97 x 185 cm Acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo

Figura 79 Rodolfo Amoedo A narração de Filectas, 1887 Óleo sobre tela, 249 x 307 cm Museu nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro

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Figura 80 Comungantes, s.d. Carlos Chambelland Óleo sobre tela, 80 x 90 cm

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Figura 81 Un dimanche, enfants de Marie, 1898 Henri Jules Guinier Óleo sobre tela, 200 x 283 cm Palais des Beaux-Arts de Lille, Lille

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Figura 82 La Communiante, 1875 Jules Bastien-Lepage Óleo sobre tela, 53 x 37 cm Musée des Beaux-Arts Tournai, Tournai

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Figura 83 Volta do Trabalho, s.d. Carlos Chambelland Óleo sobre tela, 95 x 150 cm Coleção particular

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Figura 84 Devant la grande mer, côte basque Henri-Paul Royer Óleo sobre tela, 113 x 162 cm Coleção particular

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Figura 85 Vieux paysan breton tenant son chapeau devant lui, s.d. Henri Jules Guinier Desenho sobre papel, 43 x 32 cm Musée du Louvre, Paris

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Figura 86 Jovem com frutas, 1927 Carlos Chambelland Óleo sobre tela, 72,5 x 59 cm Coleção particular

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339

Figura 87 Retrato de Oliveira Lima lendo, 1913256

256 Não foi possível localizar a pintura ou obter informações complementares

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Carlos Chambelland

Figura 88 Caricatura de Oliveira Lima na edição de 2 de julho de 1910 da revista Careta

Figura 89 Gozando os rendimentos, 1893 José Malhoa Óleo sobre painel de madeira, 26,5 x 46 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro

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Figura 90 Retrato de Louis-François Bertin, 1832 Jean-Auguste-Dominique Ingres Óleo sobre tela, 116 x 95 cm Museu do Louvre, Paris

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Figura 91 Retrato do Dr. José Marianno Filho, 1912 Rodolpho Chambelland Óleo sobre tela

Figura 92 Retrato do Sr. C.P. Carlos Chambelland Óleo sobre tela

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Figura 93 Arthur Timótheo da Costa Antes do Aleluia, 1907 Óleo sobre tela, 185,4 x 215,5 cm

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Figura 94 Rodolfo Amoedo Jesus Cristo em Cafarnaum (estudo), 1885 Óleo sobre tela, 63 x 79 cm Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo

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Figura 95 Carlos Chambelland Nu, 1927 Óleo sobre tela, 40 x 80 cm Coleção particular

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Figura 96 Rodolfo Amoedo Estudo de Mulher, 1884 óleo sobre tela, 150,5 x 200 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro

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Figura 97 Arthur Timótheo da Costa No Atelier de Lucílio, 1910

Óleo sobre tela, 25.8 41.3 cm Museu Antonio Parreiras

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348

Figura 98 Amoedo, Rodolfo No Atelier, s.d. Óleo sobre tela, 48 x 64,5 cm Coleção Particular

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349

Figura 99 Belmiro de Almeida Arrufos, 1887 Óleo sobre tela, 89,1 x 116,1 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro

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Figura 100 Rodolfo Amoedo Retrato de Gonzaga Duque , 1888 óleo sobre tela, 50 x 40 cm Coleção Jones Bergamin

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351

Figura 101 Eliseu Visconti Retrato de Gonzaga Duque, 1908 Óleo sobre tela, 92 x 51 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro

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Figura 102 Retrato do intrépido marinheiro Simão, carvoeiro do vapor Pernambucana,1814 José Correia de Lima Óleo sobre tela, 92,5 x 72,3 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro

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Figura 103 Rodolpho Bernardelli Retrato de André Pinto Rebouças Óleo sobre tela Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro

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Figura 104 Antônio Pereira Rebouças, pai de André Rebouças

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Figura 105 Os irmãos Antônio e André Rebouças

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Figura 106 Retrato de André Rebouças

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Figura 107 Fotografia do Maestro White

Figura 108 Rodolpho Bernardelli Busto do Maestro White, 1886 Bronze, 41 x 48 x 26 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro

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Figura 109 Retrato de Belmiro de Almeida, pintor, Rio 1912

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Figura 110 O Poeta Alberto de Oliveira, s.d. Belmiro de Almeida Óleo sobre madeira

Museu de arte de São Paulo, São Paulo

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Figura 111 Príncipe Obá, 1886 Belmiro de Almeida Óleo sobre madeira, 24 x 15 cm Museu Afro Brasil, São Paulo

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Figura 112 Dom Obá II D’África, 1887 Belmiro de Almeida Óleo sobre madeira, 24 x 15 cm Coleção particular

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Figura 113 A quitandeira-grevista recorre à ajuda de Dom Obá II D’África, o Príncipe do Povo

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Figura 114 Cândido da Fonseca em farda do Exército brasileiro

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Figura 115 Retrato oficial de Dom Obá

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Figura 117 Dandy Jim from Carolina, 1843 George Endicott Litografia Perkins Library, Duke University, Durham

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Figura 118 Frederick Douglass, 1847 – 52 Samuel J. Miller Daguerreotipo, 14 x 10,6 cm The Art Institute of Chicago, Chicago

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Figura 119 James Abbott McNeill Whistler Arranjo em cinza e preto no. 1, 1871 Óleo sobre tela, 144 x 163 cm Musée d´Orsay, Paris

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Figura 120 James Abbott McNeill Whistler Arranjo em cinza e preto no. 2, 1872-1873 Óleo sobre tela, 171 x 143,5 cm Kelvingrove Art Gallery and Museum, Glasgow

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Figura 121 Caipira pitando, 1906 Artur Timótheo da Costa óleo sobre tela, 31 x 43 cm Coleção particular

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Figura 122 James Abbott McNeill Whistler L'homme à la pipe, c. 1859 Óleo sobre tela, 41 x 33 cm Musée d'Orsay, Paris

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Figura 123 Cecilia Beaux [1855-1942] Les Derniers Jours d'Enfance, 1883-5 Óleo sobre tela, 116,2 x 137,2 cm Pennsylvania Academy of the Fine Arts, Philadelphia

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Figura 124 Thomas Eakins Frank Jay St. John, 1900 Óleo sobre tela, 60.6 x 50.5 cm De Young Fine Arts Museum of San Francisco, São Francisco

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Figura 125 Henry Ossawa Tanner Retrato da mãe do artista, 1897 Óleo sobre tela, 74,3 x 100,3 cm Philadelphia Museum of Art, Filadélfia

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Figura 126 Thomas Eakins Portrait of Henry O. Tanner, 1897 Óleo sobre tela, 60,9 x 50,8 cm The Hyde Collection, Glen Falls

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Figura 127 Henry Ossawa Tanner Bishop Benjamin Tucker Tanner, 1897 Óleo sobre tela The Baltimore Museum of Art, Baltimore

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Figura 128 Thomas Hovenden Eu sabia que estava maduro, 1885 Óleo sobre tela, 55,7 x 40,3 cm Brooklyn Museum, Nova York

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Figura 129 Thomas Hovenden Manhã de Domingo, (Interior Doméstico Negro), 1881 Óleo sobre tela, 46,4 x 39,4 cm Fine Arts Museums of San Francisco, São Francisco

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Figura 130 Henry Ossawa Tanner A Aula de Banjo, 1893 Óleo sobre tela, 124,4 x 90,1 cm Hampton University Museum, Hampton

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Figura 131 Henry Ossawa Tanner A Gratidão dos Pobres [The Thankful Poor] , 1894 Óleo sobre tela, 90,1 x 112,4 cm William H. and Camille O. Cosby

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Figura 132 Thomas Eakins (1844–1916) Negro Boy Dancing, 1878 Aquarela sobre papel, 46 x 57.4 cm Metropolitan Museum of Art, Nova York

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Figura 133 Henry Ossawa Tanner [1859-1937] Daniel na Cova dos Leões, 1907-18 Óleo sobre papel montado sobre tela, 104,4 x 126,8 cm Los Angeles County Museum of Art, Los Angeles

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Figura 134 Hermann Dudley Murphy Henry Ossawa Tanner, 1891-96 Óleo sobre tela, 73 x 50,2 cm The Art Institute of Chicago, Chicago

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Figura 135 Arranjo em cinza: Retrato do pintor, 1872 James Abbot McNeill Whistler Óleo sobre tela, Detroit Institute of Arts, Detroit

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Figura 136 Retrato de Booker T. Washington 1917

Henry O. Tanner Óleo sobre tela State Historical Society of Iowa, Des Moines

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Figuras 137, 138 e 139

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Figura 140

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Figura 141 Willy Covari, da série The Sapeur, 2008 Daniele Tamagni Fotografia sobre papel, 26 x 35 cm

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Figura 145 Marrom e ouro, c.1895–1900 James Abbott McNeill Whistler Óleo sobre tela, 95.8 x 51.5 cm Hunterian Art Gallery, University of Glasgow

Figura 146 Pablo de Valladolid, c. 1635 Diego Rodríguez de Silva y Velázquez Óleo sobre tela, 209 cm x 123 cm Museo Nacional del Prado

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Figura 147 Sinfonia em branco, No. 2: a pequena garota branca, 1864 James Abbott McNeill Whistler Óleo sobre tela, 76.5 x 51.1 cm Tate Gallery, Londres

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Figura 148 Sinfonia em branco, No. 2: a pequena menina branca, 1861-2 James Abbott McNeill Whistler Óleo sobre tela, 215 cm × 108 cm National Gallery of Art, Washington, D.C.

Figura 149 Madre Pérola e Prata: a Andaluza, 1888-1900 James McNeill Whistler Óleo sobre tela, 191.5 x 89.8 cm National Gallery of Art, Washington

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Figura 150 Miss M. Carey Thomas John Singer Sargent Óleo sobre tela, 96.5 x 147,3 cm Bryn Mawr College, Pensilvânia

Figura 151 Madame X (Madame Pierre Gautreau), 1883–84 John Singer Sargent Óleo sobre tela, 208.6 x 109.9 cm Metropolitan Museum, Nova York

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Figura 152 Robert Louis Stevenson, 1887 John Singer Sargent Óleo sobre tela, 51 x 61,8 cm Metropolitan Museum of Art, Nova York

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Figura 153 Thomas Eakins O violoncelista, 1897 Óleo sobre tela, 163.2 × 122.2 cm Coleção particular

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Figura 154 Thomas Eakins The Writing Master, 1882 Óleo sobre tela, 76,2 x 87 cm Metropolitan Museum, Nova York

Figura 155 Thomas Eakins Salutat, 1898 Óleo sobre tela, 126,4 x 101,0 cm Addison Gallery of American Art, Andover

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Figura 156 Thomas Eakins Retrato de Leslie W. Miller, 1901 Óleo sobre tela, 254,6 x 144,1 cm Philadelphia Museum of Art, Philadelphia

Figura 157 Thomas Eakins O pensador: Retrato de Louis N. Kenton, 1900 Óleo sobre tela, 208,3 x 106,7 Metropolitan Museum of Art, Nova York

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Figura 158 Édouard Manet Retrato de Théodore Duret, 1868 Óleo sobre tela, 43 x 35 cm Petit Palais, Paris

Figura 159 James McNeill Whistler Arranjo em Cor de Pele e Preto: Retrato de Theodore Duret, 1883 Óleo sobre tela, 193,4 x 90.8 cm Metropolitan Museum of Art, Nova York

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Figura 160 Velho e Novo em Utica, Mississipi, 6 de outubro, 1900

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Figura 161 Estudantes da Roger Williams University, Nashville, Tennesse, 1899

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Figura 162 Carpintaria da Claflin University, Orangeburg, South Carolina

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Figura 163 Paul Laurence Dunbar

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Figura 164 Orador e editor, Atlanta, Geórgia

Figura 165 Exposição American Negro

Figura 166 Homem afro-americano dando aula de piano para uma jovem mulher afro-americana

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Figuras 167- 168

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Figuras 169-170

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Figuras 171 - 172

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Figura 173 Du Bois em Paris, 1900