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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
RENATA BITTENCOURT
UM DÂNDI NEGRO:
O RETRATO DE ARTHUR TIMÓTHEO DA COSTA
DE CARLOS CHAMBELLAND
CAMPINAS
2015
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Tese de Doutorado, composta pelos
Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 06/12/2015,
considerou a candidata Renata Bittencourt aprovada.
Profa. Dra. Maraliz de Castro Vieira Christo
Prof. Dr. Marcelo Mattos Araújo
Prof. Dr. Martinho Alves da Costa Junior
Profa. Dra. Fernanda Pitta
Profa. Dra. Josianne Francia Cerasoli
A ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no
proceso de vida acadêmica da aluna.
Dedico este trabalho às minhas figuras negras primordiais: Giselda, Jurandyr, Claudia, Lucas e Arthur. A Ederaldo Nascimento, pelo empurrão decisivo. Em especial ao Prof. Dr. Jorge Coli, que nos ensina a ver com nossos próprios olhos.
[Digite aqui]
Resumo
Esta tese tem por tema a obra Retrato de Arthur Timótheo da Costa realizada por Carlos
Chambelland, que apresenta o pintor negro como um dândi. A pesquisa investiga o
dandismo e busca outros exemplos de representação do dândi na história da arte.
Estabelece comparações entre a obra e os autorretratos de Timótheo, identificando os
diferentes aspectos de construção de identidade que pautam o olhar dos dois artistas.
Investiga o contexto artístico cultural da passagem do século XIX para o XX, adotando
Gonzaga Duque e João do Rio como figuras referenciais, ambos identificados com o
dandismo, tanto o crítico como o escritor. Busca ainda analisar aspectos da
representação de homens brasileiros de descendência africana na pintura, adotando
obras de Belmiro de Almeida e Rodolpho Bernardelli como exemplos. Por fim, abre
espaço para a pintura de artistas nascidos nos EUA como James MacNeill Whistler, citado
por Chambelland em seu retrato, e Henry Ossawa Tanner, dentre outros retratistas
identificados com uma pintura de inclinação realista, difundida à época.
Palavras Chave:
1. Arthur Timótheo da Costa
2. Carlos Chambelland
3. Artes – Brasil
4. Pintura – Retrato
5. História da Arte
[Digite aqui]
Abstract
The subject of this thesis is the Portrait of Arthur Timótheo da Costa painted by
Carlos Chambelland, which features the black painter as a dandy. The research
investigates dandyism, and seeks other examples of the representation of dandies in art
history. Comparisons will be drawn between the work and the self-portraits of Timótheo,
identifying the different aspects of identity construction that guide the gaze of the two
artists. The research also investigates the artistic cultural context of the late nineteenth
century and beginning of the twentieth, adopting Gonzaga Duque and João do Rio as
reference figures, being both identified with dandyism. We will also analyze aspects of the
representation of Brazilian men of African descent in painting, adopting Belmiro de
Almeida and Rodolpho Bernardelli works as examples. Finally artists born in the US such
as James MacNeill Whistler, quoted by Chambelland in his portrait and also Henry
Ossawa Tanner, among other portraitists identified with a realistic painting.
Key words:
1. Arthur Timótheo da Costa
2. Carlos Chambelland
3. Arts - Brazil
4. Painting - Portrait
5. History of Art
[Digite aqui]
Sumário
Introdução 10
1. Os autorretratos de Arthur Timótheo da Costa 20
2. Imagens de dândis em retratos dos séculos XVIII, XIX e XX 42
2.1. A moda masculina e o dândi 44
2.2. O dândi negro primordial – um breve comentário 53
2.3. Dândis artistas: Degas e Manet 57
2.4. Os dândis de Jacques-Émile Blanche 68
3. Dândis e boêmios da Primeira República 79
3.1. O Dandismo de João do Rio e de Baudelaire 79
3.2. A boemia e a representação do artista 103
4. Carlos Chambelland e Arthur Timótheo da Costa: talentos prometedores
116
4.1. Fim de Jogo e os interesses de Carlos Chambelland 121
4.2. Antes do Aleluia de Arthur Timótheo da Costa 142
4.3. Ambiente de renovação 148
5. A imagem do negro na arte brasileira: exemplos referenciais 161
5.1. O retrato de André Rebouças de Rodolpho Bernardelli 164
5.2. O Príncipe Obá de Belmiro de Almeida 175
6. Whistler e Tanner: americanos na Europa 192
7. Conclusão 213
8. Bibliografia 219
[Digite aqui]
Anexo I – 1900 e a presença do retrato americano na França da Belle Époque
230
Anexo II - A American Negro Exhibit da Exposição Universal de 1900 247
Caderno de imagens 257
10
Introdução
Figura 1 Carlos Chambelland Retrato de Artur Timóteo da Costa, 1909 Óleo sobre tela, 74 x 102 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro
A passagem do século XIX para o XX foi um tempo farto em ambiguidades.
Paris se oferecia como o microcosmo de um mundo novo, impulsionado por mudanças
profundas nos modos de produção e convivência. As perspectivas trazidas pela ciência,
tecnologia e cultura, se evidenciavam na vida na cidade, validando a euforia daqueles
que apostavam no Homem e no seu potencial, visto como ilimitado. O Rio de Janeiro teve
sua inserção na Belle Époque, descrita por Sevcenko como tendo sido compulsória1, em
processo que se sobrepôs ao advento da ord10 em republicana com seus conflitos e
reformas. A tropical metrópole carioca nutriu sonhos de progresso enquanto buscava um
molde de cidade para viabilizar seus ideais modernos de civilização. A modernização do
Rio pregava o redesenho da paisagem e a sofisticação dos costumes, materializados por
1 Sevcenko, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República. Vol.
3. Brasiliense, 1983. P.36.
11
meio de dinâmicas excludentes mantendo à margem os habitantes da miséria, que os
avanços não souberam erradicar.
Ao mesmo tempo, o caráter transitório, expresso na arte e na moda, e
apontado por Baudelaire como campo de manifestação da beleza na modernidade, se
traduzia em consumo e em critérios de gosto passageiros. No avesso do otimismo
modernizante, as Flores do Mal. O Belo e o Mal combinados na manifestação da vida
moderna, lugar e tempo em que avançar é também fazer ruir.
Quando Carlos Chambelland2 executa, em 1909, o retrato do pintor Arthur
Timótheo da Costa3 [figura 1], o espírito decadentista traduzia na literatura as desilusões
da época. O pintor escolhe estabelecer os contornos da identidade de seu retratado a
partir da figura de um dândi, o mesmo que atravessa as páginas de Às avessas,
personificado em Des Esseintes, de Joris-Karl Huysmans4. A fortuna do protagonista do
romance não o conforta de sua decepção com o progresso e, tampouco, o faz imune ao
tédio que o impulsiona na direção de experiências sensoriais e estéticas que apenas
sublinham a falta de perspectivas pessoais e seu viver desconectado das relações
afetivas e da sociedade burguesa5.
2 Carlos Chambelland nasceu no Rio de Janeiro em 1884 e desenvolveu carreira atuando como pintor e
professor de desenho e pintura. Conhecido por seus retratos, desenvolveu uma produção marcada por seu
interesses naturalistas. Sua formação nas artes se deu na ENBA onde foi aluno de Rodolpho Amoedo e
Henrique Bernardelli. Parte para Paris em 19078como resultado do prêmio de viagem concedido pela
Escola pela tela Final de Jogo em 1907, permanecendo até 1910. Retorna à Europa em 1911 para participar
da decoração do Pavilhão do Brasil na Exposição Internacional de Turim. A fase posterior ao seu retorno
é marcada pela investigação de costumes, cenas e personagens de Pernambuco, onde permanece por três
anos, estado que o artista elege como exemplo de um caráter autenticamente brasileiro preservado. Entre
1946 e 1950 atua como docente da Escola Nacional de Belas Artes. Carlos Chambelland morre no Rio de
Janeiro em 1950.
3 Arthur Timótheo da Costa nasce no Rio de Janeiro em 1884. Atua sobretudo como pintor e cenógrafo,
tendo desenvolvido sua formação na Escola Nacional de Belas Artes após um período de vinculação à Casa da Moeda, onde é aprendiz de desenho e impressão de moedas e selos. É aluno de Amoedo, Henrique Bernardelli e Bérard, além de discípulo do cenógrafo Oreste Coliva. Recebe o prêmio de viagem em 1907, e durante seus dois anos em Paris se interessa por procedimentos impressionistas e a exploração de efeitos de luz e cor. Após um breve regresso ao Brasil, participa em Turim da Exposição Internacional. De volta ao Brasil desenvolve uma carreira onde a pintura de paisagem tem peso importante. É membro fundador da Sociedade Brasileira de Belas Artes. Morre em 1921 no Hospital dos Alienados do Rio de Janeiro 4 Huysmans, Joris-Karl. Às avessas. Companhia das Letras/Penguin, 2011. 5 Com este romance o autor rompe com a estrutura naturalista tradicional, mas preserva certo parentesco
com esta tendência por meio das descrições minuciosas que caracterizam o universo habitado pelo personagem. Ver CATHARINA, Pedro Paulo Garcia Ferreira. Quadros literários fin-de-siècle: um estudo de" ̀As avessas", de Joris-Karl Huysmans. 7letras, Rio de Janeiro, 2005.
12
O dândi habita como sujeito privilegiado a sociedade fin de siécle,
contemplando, com olhar melancólico, o futuro interrompido e o horizonte histórico
fechado sobre si mesmo. É o homem capaz de inventar a si mesmo, especialmente em
tempos de transição, a ponto de tornar-se, ele mesmo, uma obra de arte. Pretende situar-
se à margem, ou acima, das convenções sociais, enquanto busca controlar as
percepções que outros deitam sobre si. É crítico voraz dos valores burgueses, apesar de
transitar entre a elite econômica e intelectual. Capaz de sentir-se em casa em qualquer
lugar, possui a liberdade de percorrer incógnito e observador tanto dos bulevares quanto
das vielas. , Um dândi negro brasileiro pode ser o indivíduo que desenha seu destino,
neutralizando as imposições do meio ao educar seus sentidos.
Esta pesquisa busca identificar os elementos sobrepostos neste retrato, em
que, certamente a verossimilhança convive com uma identidade projetada, levantando
indagações sobre as possibilidades de conciliar imagens construídas de homem, negro,
dândi e artista brasileiro, considerando o contexto histórico de produção da obra e as
tradições e tendências artísticas com as quais dialoga.
O retrato está integrado à exposição de longa duração do acervo do Museu
Nacional de Belas Artes. Mas foi por ocasião da exposição 30 Mestres da Pintura no
Brasil, realizada no Museu de Arte de São Paulo, com curadoria de Luiz Marques, que
tive um encontro com a obra, encantador na medida da motivação para o
desenvolvimento desta pesquisa. Marques faz um comentário ao mencionar o nome de
Chambelland, indicado como uma presença talvez incerta6 naquela antologia que
considerou estreita da pintura no Brasil. A ressalva nos ajuda a localizar o status do pintor
na história da arte brasileira, possivelmente não tão conhecido ou prestigiado como outros
nomes ativos no mesmo período e aponta para a necessidade de maiores investigações
sobre sua trajetória e obra, considerando-se a escassez de fontes bibliográficas analíticas
a seu respeito. O acervo do MNBA mantém algumas transcrições descritivas de
exposições com a participação do artista, nas quais se destaca uma retrospectiva ocorrida
no Rio de Janeiro, em 1950.
6 MARQUES, Luiz (org.). 30 Mestres da Pintura no Brasil. São Paulo: MASP / Rio de Janeiro: MNBA, 2001
(Catálogo de exposição). p. 40.
13
Emanoel Araújo, ao escrever no catálogo da exposição João e Arthur Timótheo
da Costa7: os dois irmãos pré-modernistas brasileiros, realizada no Museu Afro Brasil8,
menciona o fato de uma relevante fatia da produção de Timótheo estar no mercado de
arte ou em coleções particulares. Se por um lado podemos hoje considerar a produção
de Arthur como já dentro do campo semântico do modernismo, o título reforça o apontado
por Gilda de Mello e Souza que considera ser Arthur um precursor do Modernismo no
país9, atribuindo essa percepção à pintura A Forja, em que pinceladas aparentes são
usadas na representação do trabalho industrial. José Roberto Teixeira Leite já afirma em
Pintores negros do oitocentos10 que o artista foi um elo entre a arte brasileira do
Oitocentos e um novo tipo de sensibilidade que só iria cristalizar-se em definitivo a partir
da Semana de Arte Moderna de 192211, ano de sua morte precoce aos 41 anos no
Hospital dos Alienados do Rio de Janeiro. No momento, o pesquisador da Unicamp Kleber
Amâncio desenvolve uma pesquisa de doutorado sobre Arthur Timótheo que certamente
jogará nova luz sobre sua trajetória.
Chambelland nos entrega um homem elegante. Arthur é apresentado como um
homem dignificado pelas suas roupas, confortável dentro delas e no ambiente em que se
encontra. A atmosfera de quase penumbra é austera e elegante. A ambientação permite
supor que se trata do interior de um café parisiense, hipótese sugerida também pelo fato
de que ambos estudavam na França quando da execução da pintura. Destaca o brilho do
cabo da bengala encaixado ao braço e sobreposto aos tons de preto temperado com
marrom do terno. Faz luzir o couro dos sapatos e coloca em evidência o branco das
pequenas faixas visíveis de punho, criando eco ao metálico da bengala. Despe uma das
7 Vale ressaltar a importância da atuação de Emanoel Araújo como diretor da Pinacoteca do Estado de São
Paulo e como fundador e diretor do Museu Afro Brasil, que resultou na incorporação de obras de uma
diversidade de artistas relacionadas à cultura afro-brasileira pela autoria e/ou temática, a acervos públicos
contribuindo com a formação de público e a produção acadêmica. Esforços dessa natureza caracterizam a
trajetória de Araújo, curador, colecionador, sendo um marco importante A mão afro-brasileira: significado
da contribuição artística e histórica, projeto de 1987 com exposição e catálogo, com nova edição revista e
ampliada em 2010.
9 SOUZA, Gilda de Mello e Souza. Pintura brasileira contemporânea: os precursores. O Baile das Quatro
Artes. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1980. p. 223-247. 10 LEITE, José Roberto Teixeira. Pintores negros do oitocentos. São Paulo: MWM-IFK, 1988. p. 215 – 241. 11 Idem, p.215.
14
mãos de sua luva, enquanto a outra apoia o par e o rosto em atitude pensativa e confiante.
Apesar de estar em ambiente interno, o retratado não se despe de seu chapéu, mantém
calçada uma das mãos, e não apoia sua bengala no utensílio que vemos no chão. Mantém
junto do retratado esses atributos de distinção e elegância recorrentes na representação
do dândi o que evidencia a intenção de agregar essa identidade à figura de Timótheo
Esta pesquisa investiga esta pintura de retrato em busca de aspectos da
identidade do retratado, da intencionalidade do retratista, e do que ela espelha, refrata ou
adapta dos valores da época marcada por transformações sociais, culturais e artísticas.
Conhecemos três autorretratos de Arthur Timótheo, todas imagens bastante
distintas da criada por Chambelland. O Capítulo I é dedicado à análise dessas obras
incorporadas, hoje, aos acervos da Pinacoteca do Estado de São Paulo, ao Museu
Nacional de Belas Artes e ao Museu Afro, buscando reconhecer o que informam as
representações que o artista faz de si. Para tanto, são analisadas as citações que ele
incorpora nessas obras, tais como as que nos apontam para sua admiração por Edgar
Degas, enquanto o pintor francês será estudado com interesse especial por suas
pesquisas formais baseadas em investigações sobre Rembrandt, bem como pela
observação de modos de representação que estabelecem dândi e artista como
complementares. Igualmente a admiração de Timótheo por Rubens e pelo próprio
Rembrandt será abordada. Neste sentido as obras de Theodore Reff e Carol Armstrong
sobre Degas, e de Simon Schama sobre Rembrandt são instrumentais, assim como os
textos produzidos a propósito da exposição Rebels and martyrs: The image of the artist
in the Nineteenth Century da National Gallery de Londres. Operações de citação são
comentadas para ajudar a contextualizar a incorporação de elementos da tradição
efetuadas por Timótheo, sendo exemplos os autorretratos de Sir Joshua Reynolds.
O Capítulo II aborda retratos de indivíduos apresentados como dândis
encontrados na obra de pintores referenciais como Degas, Manet e Jacques-Emile
Blanche, no intuito de evidenciar pontos de contato entre as obras desses pintores e a
pintura pesquisada. As ideias de Duranty e o realismo de interesse Joseph White de
Degas recebem atenção especial por apontar para vetores de afinidade com
Chambelland, como poderá ser observado no Capítulo V.
No processo de desenvolvimento desta pesquisa foram localizadas fotografias
em que Arthur Timótheo, seu irmão João Timótheo, Carlos e Rodolpho Chambelland,
bem como outros artistas ativos no período figuram em vestimentas e ambientes que nos
15
permitem identificá-los ora como dândis, ora como boêmios. Essas identidades serão
investigadas considerando seus sentidos no Capítulo IV. Os escritos de Charles
Baudelaire e João do Rio são adotados como dândis referenciais, cujos escritos e atuação
são capazes de definir o significado primordial do dandismo, e a sensibilidade libertária
da boemia do Brasil da Primeira República, período contextualizado com a ajuda de
autores como José Murilo de Carvalho, Nicolau Sevcenko e Jeffrey Needell. A crítica
produzida a partir das obras de João do Rio é exemplificada, em especial, por Orna Levin,
e Jerrold Seigel que exploram seu relacionamento com a tendência literária do
Decadentismo, importante para a compreensão do ambiente artístico do período, e por
sua obra lançar luz sobre os ambientes cultural e urbano do Rio de Janeiro em que
circulavam Carlos Chambelland e Arthur Timótheo.
Baudelaire surge na pesquisa como pensador sobre o período que nos provê
com interessantes reflexões acerca do dandismo e também do gênero do retrato. Para
ele o retrato é um gênero de aparência modesta, que demanda inteligência, obediência e
intuição para enxergar o que se dá a ver e ao mesmo tempo intuir o que se oculta,
podendo resultar, dessa forma, em uma obra que denomina biografia dramatizada.
Nada, se quisermos examinar bem a coisa, é indiferente num retrato. O gesto, a
expressão, a indumentária, o próprio cenário, tudo deve contribuir para representar
um caráter12
Baudelaire defendia que um dândi deveria sentir-se em casa em qualquer lugar
em que estivesse.
Estar fora de casa, e contudo sentir-se em casa onde quer que se encontre; ver o
mundo, estar no centro do mundo e permanecer oculto ao mundo, eis alguns dos
pequenos prazeres desses espíritos independentes, apaixonados imparciais, que
a linguagem não pode definir senão toscamente. O observador é um príncipe que
frui por toda parte do fato de estar incógnito. 13
Talvez Arthur Timótheo, na representação que lhe faz Carlos Chambelland,
possa ser visto como esse dândi descrito por Baudelaire, um homem no mundo, longe de
casa, imerso no fugidio da cidade de Paris, anônimo, sobretudo capaz de reinventar sua
12 BAUDELAIRE, Charles. A modernidade de Baudelaire: textos inéditos selecionados por Teixeira
Coelho. Rio de Janeiro. Paz e terra, 1988. P. 121-122. 13 BAUDELAIRE, Charles. Sobre a Modernidade. São Paulo: Paz e Terra, 1996. p.22.
16
identidade. Ou ainda o Arthur Timótheo dândi pode ser o artista conectado ao seu tempo.
Para Coli:
Há uma dualidade em Baudelaire. Por um lado, a recusa violenta do progresso, do
mundo moderno banalizador, corruptor do espírito, daí seu horror pela fotografia,
vista por ele apenas como um modo mecânico de reproduzir a imagem do mundo.
Mas, por outro, ele cultiva a ideia de que o artista moderno está ancorado no
presente, aprisionado pelo presente, e não pode escapar dele. O presente é uma
prisão, e o poeta, o rei de um país chuvoso, do qual não pode fugir.14
A elegância escolhida para o retratado pode ser, antes de tudo, evidência da
superioridade de espírito, e não mera expressão de vaidade ou amor excessivo pela
indumentária. Essa condição de dândi seja emancipatória, permitindo ao artista negro
brasileiro, assumir a posição de observador dessa cidade moderna que se abria diante
de seus olhos e lhe permitisse assumir identidades outras, distantes das impostas a um
homem marcado pela cor de sua pele em uma sociedade que tinha a abolição da
escravidão ainda como fato recente. A leitura de Baudelaire será acompanhada pela
investigação ampliada sobre significados vinculados ao vestir masculino e sobre o dândi
como parâmetro de representação, considerando a importância do vestuário de padrão
burguês para sinalização de posição e mobilidade social.
O Capítulo V busca apresentar a recepção encontrada por Carlos Chambelland e
Arthur Timótheo da Costa no período próximo à confecção do retrato e documentada em
periódicos. No catálogo da exposição 30 Mestres, na seção de texto denominada Paris
for fora e por dentro: o urbano, o ambiente, o humor, o spleen15, Marques analisa aspectos
do período situado entre 1876 e 1915. Ali o autor comenta a geração de 1850 e elenca
os nomes de Rodolpho Amoedo, Almeida Jr., Belmiro de Almeida, Pedro Weingärtner e
Henrique Bernardelli, mestres de Chambelland e Timótheo. Aponta as mudanças
operadas no campo artístico por essa geração elencando: a superação do universo
hierárquico dos gêneros, o desarme da gestualidade teatral e da retórica compositiva
acadêmicas, a celebração da vida cotidiana e da variedade sociológica dos tipos
populares, o culto do anonimato da metrópole, a admiração pela sensualidade dos nus e
14 COLI, Jorge. Consciência e heroísmo no mundo moderno. In: NOVAES, Adauto et al. (Org.). Poetas que
pensaram o mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p. 296. 12 MARQUES, Luiz (org.)., op. cit.., p 39-41.
17
pelo ateliê como metáfora do artista e objeto de uma pintura sem tema. Menciona em
especial o fascínio pelo requinte egocêntrico ou pela apatia do dândi. Em seguida, na
seção O último naturalismo, a atmosfera, certos ecos do impressionismo (1880 – 1930)11,
aborda Chambelland afirmando que suas obras conservam com enorme sabor (...), os
últimos desdobramentos da crônica naturalista da vida e da paisagem urbana cariocas do
início do século. Distingue o pintor do grupo em que constam ainda Giovanni Castagneto,
Antonio Parreiras, Eliseu Visconti, Gustavo Dall’Ara, Eugênio Latour e Mario Navarro da
Costa, afirmando durante suas estadas em Paris, Nápoles ou Veneza, estes se sentem
atraídos pelos já velhos legados simbolista e impressionista11. Chambelland antes mesmo
de sua ida a Paris indica, ainda segundo Marques, sua indiferença quanto a essas
tendências, em benefício de um último naturalismo16. Este capítulo abordará o sentido de
renovação herdado pela geração de Chambelland e o interesse do pintor pelas
tendências naturalistas
As obras que possibilitaram o recebimento do prêmio de viagem de 1907 pelos
dois artistas são adotadas como ponto de partida: Fim de Jogo, de Carlos Chambelland,
e Antes do Aleluia de Arthur Timótheo. Ambas são reveladoras de interesses individuais
e questões relevantes do contexto artístico, interessado em tendências realistas e
naturalistas que pudessem dar cor às perspectivas científicas em disseminação e a busca
de uma arte de identidade brasileira, que prescindisse do imaginário indianista. O próprio
Chambelland narra seus interesses em entrevista concedida a Angyone Costa nos anos
1920. Lilia Schwarcz contribui com a compreensão das ideias que articulavam ciência e
raça, cuja apropriação pela arte se torna evidente pela reflexão de Jorge Coli e Edward
Lucie-Smith acerca da produção que se convencionou denominar naturalista.
Gonzaga Duque, crítico, jornalista e ficcionista, ligado ao Simbolismo, era além
de tudo desejoso de ser ele mesmo um dândi, capaz de personificar o projeto estético de
uma geração que, a princípio, aposta nas promessas de modernidade da República.
Aborda quase sempre de maneira elogiosa Chambelland e Timótheo. Duque defende
uma arte afinada com o debate europeu acerca das estéticas modernas, assumindo
postura crítica com relação ao gosto acadêmico, adotando um posicionamento contrário
à adoção de uma identidade exótica para definir os contornos de uma arte nacional.
Gonzaga Duque deseja uma arte intelectualizada que vá além da imitação para
15Idem
18
concretizar uma ideia estética. Nesse sentido, elogia a obra de Rodolpho Amoedo, uma
figura central no período de formação de Arthur Timótheo e Carlos Chambelland. Ligado
ao Partido Abolicionista, é admirador de José do Patrocínio e acredita que a escravidão
e a exploração da metrópole tenham resultado em estagnação para o país.
Sua visão evolui para um entendimento de que a arte brasileira deveria refletir
sobre as especificidades nacionais, sendo ao mesmo tempo universal. Essas questões
da pauta do crítico estariam na ordem do dia para Chambelland, o que nos ajuda a
compreender a escolha da figura cosmopolita do dândi. Por ter produzido seus textos
entre 1888 e 1911, Gonzaga Duque situa-se em posição de especial interesse para esta
pesquisa, podendo facilitar a compreensão acerca da sensibilidade cambiante do período
em que Chambelland e Timótheo fizeram sua transição de estudantes a profissionais.
Este capítulo evidencia que o período de formação dos dois artistas, ocorre
após a transformação da Academia em Escola Nacional de Belas Artes, com a
consequente modernização de seus métodos e princípios. Rodolpho Amoedo, Henrique
Bernardelli e Rodolpho Bernardelli são protagonistas neste processo e mestres de Arthur
Timótheo e de Chambelland.
O Capítulo VI traz pinturas que dão visualidade a versões opoentes de dândis
negros. Os retratos individuais de negros realizados no Brasil que nos chegam do século
XIX e também daquele início de século XX são pouco numerosos, fazendo com que a
característica de exceção de nosso retrato provoque uma reflexão sobre questões de
etnicidade ou raça. Representam afinidade do artista com o pensamento abolicionista da
época ao mesmo tempo em que contrariam o pressuposto das incapacidades inatas
atribuídas aos negros. O retrato de André Rebouças, de Rodolpho Bernardelli, revela o
alinhamento do artista com o movimento abolicionista. Maria Alice Rezende de Carvalho
e Sydney Santos ajudam a compreender o personagem histórico, enquanto Maria do
Carmo Couto da Silva trata da trajetória de Rodolpho. Também a escultura que retrata o
Maestro Joseph White é abordada, inclinando à interpretação que alinha as intenções do
artista por uma defesa do potencial dos indivíduos de pele negra de performarem em uma
sociedade que se apoiava em argumentos cientificistas para lhes negar a cidadania. As
duas obras de Belmiro de Almeida que representam D. Obá II constroem uma imagem
ridicularizante para o personagem pesquisado por Eduardo Silva, adotando uma
abordagem caricatural para retratar um homem atacado pelos periódicos e adorado por
19
descendentes de africanos residentes no Rio de Janeiro. Abre-se, então, espaço para um
paralelo com as considerações de Richard Powell sobre o dandismo negro nos EUA.
A fim de melhor situar a citação de Carlos Chambelland que nos remete ao
Arranjo em cinza e preto no. 1, de James McNeill Whistler, artista americano de destacada
atuação na Europa da segunda metade do século XIX, será abordada a importância da
arte americana no cenário francês. O Capítulo VII trata da obra seminal de Whistler, e
também da de Henry Ossawa Tanner, artista negro radicado na França, que também
adota elementos do vocabulário de Whistler em suas obras. A Exposição Universal de
1900 é exemplar para caracterizar um momento de visibilidade dos artistas americanos,
em especial a dos residentes em Paris, a intencionalidade dos EUA em projetar uma
imagem mais nítida no cenário artístico francês, e a exposição Negro Exhibit, vista aqui
como indicador de um interesse e uma nova sensibilidade internacional para a
observação da imagem do negro em diferentes aspectos. A Exposição, com destaque
para a retratística americana, e a Negro Exhibit serão abordadas respectivamente nos
anexos I e II.
20
1. Os autorretratos de Arthur Timótheo da Costa
Quando Peter Paul Rubens faz seu estudos a partir da cabeça de um homem
negro [figura 3], parece estar procurando algo mais do que apenas expressões e poses
para personagens de suas pinturas. Temos a impressão de que ele está à procura de
soluções para a representação da pele negra e experimenta marrons, dos avermelhados
aos amarelados, para criar superfícies e volumes. Talvez tenha sido este, também, o
exercício de Arthur Timótheo ao copiar Rubens [figura 2]. Ambos parecem desejar
encontrar modos de pintar um rosto negro em seu relacionamento com a luz e com a
sombra, e suas variações tonais. Sabemos ser uma prática comum de Rubens a
realização de estudos de cabeça, alguns a partir de observação direta, mantidos em seu
estúdio para eventual incorporação em suas pinturas, sendo Balthazar, o rei mago mouro,
a personagem de origem africana mais frequente tanto em suas obras como nas pinturas
do Renascimento e do Barroco. A variedade de ângulos facilitava a retomada das figuras
estudadas para utilização nas pinturas.
Encontramos o rosto representado por Rubens em algumas de suas obras, e
um exemplo é a inserção de sua versão mais sorridente como uma das personagens na
Adoração dos Magos, de Mechelen [figura 6]. Na obra, a cor da pele parece ser um dado
relevante não somente para o mouro, de quem vemos apenas a cabeça, mas também
pelas diferenças entre a face rosada, exposta ao sol das figuras de armadura à direita, e
a alvura luminosa do rosto da virgem à esquerda. O mesmo homem negro aparece em
um retrato melancólico, hoje na Hyde Collection, mas que não está conectado a outras
obras do pintor.
Hoje, o estudo de múltiplos rostos é uma das mais populares obras figuras do
Museu Real de Belas Artes da Bélgica, talvez por apresentar uma figura humana de modo
direto, e não a pretexto de uma narrativa, talvez pela própria maestria demonstrada em
sua execução, ou ainda por apresentar um homem de origem africana, pouco frequente
na arte, tido como exótico por muitos. O Getty mantém uma versão, possivelmente de um
artista de seu ateliê
21
Figura 2 Estudos de cabeça, segundo Peter Paul Rubens, s.d. Arthur Timótheo da Costa Óleo sobre tela, 30 x 36 cm Museu Afro, São Paulo
Figura 3 Quatro Estudos da cabeça de um mouro, 1615 Peter Paul Rubens Óleo sobre tela, 51 x 66 cm Musées Royaux des Beaux-Arts de Belgique, Bruxelas
Figura 4 Cabeça de um negro, 1620 Peter Paul Rubens Óleo sobre painel de madeira, 45,7 x 36,8 cm The Hyde Collection, Glens Falls
22
Figura 5 Atelier de Peter Paul Rubens Quatro estudos de cabeça masculina, ca. 1617 – 1620 Óleo sobre painel de madeira, 25.4 x 67.9 cm The J. Paul Getty Museum, Los Angeles
Figura 6 Retábulo da Adoração dos Magos, 1617 Peter Paul Rubens Óleo sobre painel, 318 x 276 cm Igreja de São João [Sint-Jankerk], Mechelen
[figura 5], demonstrando o interesse em explorar as especificidades de representação da
pele escura, e que se apresenta menos obediente ao original do que a cópia de Timótheo,
e também menor dramaticidade pela escolha em horizontalizar a disposição das cabeças.
Iniciamos este texto sobre os autorretratos de Timótheo por este diálogo que o
pintor estabelece com Rubens, por nos trazer, de certo modo, seu interesse por uma arte
que o refletisse. Timótheo se interessa pela obra de Rubens, em que o rosto negro
assume um protagonismo que alcança a ubiquidade. Afinal, Timótheo era um pintor em
23
busca de modos de representar um homem negro, olhando para a tradição da história da
arte e ao mesmo tempo para o espelho. Em um dos primeiros autorretratos da história da
arte, aquele de Albrecht Düre aos 28 anos, o pintor inseriu uma inscrição na qual lemos
Eu me pintei em minhas cores verdadeiras. O pintor anuncia algo único que diferenciaria
autorretratos de retratos. Se por um lado não parece haver fundamento em afirmar que
os autorretratos seriam portadores de maior potencial para desvelar alguma dimensão
verdadeira e fundamental do sujeito representado, por outro podem nos ajudar a criar
hipóteses que descortinem elementos constitutivos de sua autopercepção, bem como de
suas aspirações relacionadas à sua imagem projetada para a percepção de terceiros.
Vamos analisar os autorretratos de Arthur Timótheo, investigando de que modo tocam
obras referenciais, indagando o que sugerem sobre as intenções do artista vinculadas à
construção de sua imagem. Cabe, como provocação, a frase de Rousseau:
Estou persuadido de que se está pintado de modo excelente quando alguém pinta
a si mesmo, mesmo quando o retrato não apresenta grande semelhança17.
São três os autorretratos conhecidos de Arthur Timótheo, todos incorporados
a acervos museais brasileiros. Ao contrário da imagem que lhe faz Chambelland, Arthur
se apresenta nessas pinturas acompanhado dos atributos de seu ofício. Na obra da
Pinacoteca, datada de 1908 [figura 14], portanto um ano antes da pintura de
Chambelland, Arthur aparece segurando seus pincéis junto ao rosto. Na pintura do MNBA
[figura 7], realizada onze anos depois, vemos além dos pincéis uma palheta em que se
percebem tintas de cores quentes e o pintor trajando um avental e uma boina. Ele se
mostra em trajes semelhantes na obra do acervo do Museu Afro [figura 9], que apresenta
aparência inacabada. O artista faz aqui uma escolha dupla: escolhe a identificação de
sua profissão e, como veremos, incorpora citações que o aproximam de artistas que
certamente admirava.
O retrato do MNBA parece se relacionar de maneira especial com um
autorretrato de Rembrandt van Rijn da Frick Collection [figura 8]. Não há evidencias de
que Arthur tenha visto esta ou outras obras de Rembrandt especificamente, mas para
além das semelhanças evidentes que iremos abordar, o artista, assim como Rubens,
parecia oferecer indicativos que poderiam ser processados em sua obra na busca por
uma renovação pictórica. A escolha de um tom amarelado para o avental, que é branco
16 CLARK, Timothy J. Gross David with the Swoln Cheek: An Essay on Self-Portraiture. Rediscovering History: Culture, Politics, and the Psyche, p. 243-307, 1994. P. 243.
24
Figura 7 Autorretrato, 1919 Arthur Timótheo da Costa Óleo sobre tela, 86 x 79 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro
25
Figura 8 Autorretrato, 1658 Rembrandt van Rijn Óleo sobre tela, 133,7 x 103,8 cm Frick Collection, New York
26
Figura 9 Autorretrato, s.d. Arthur Timótheo da Costa Óleo sobre tela, Museu Afro Brasil, São Paulo
27
na obra do Museu Afro, ecoa a massa amarela que envolve o corpo de
Rembrandt. O posicionamento de braços e mãos apresenta similaridades em ambas as
obras. A mão direita de Arthur se ocupa de pincéis, e se projeta para frente e para baixo.
Em Rembrandt, a projeção é mais frontal. A mão esquerda de Arthur apoia a palheta,
deixando o polegar em posição equivalente ao da mão de Rembrandt que segura um
tento como se fosse um cetro. A situação de evidência das mãos propiciada pelo
posicionamento e pelos atributos, reforçam a importância desses instrumentos de
trabalho dos artistas. Rembrandt envolve o corpo com uma faixa vermelha, cor que surge
em Arthur na gravata acetinada. Ambos têm o pescoço envolto em tecido branco, que em
Arthur está na forma de uma gola alta de camisa. Rembrandt aparece com a cabeça
coberta por uma boina de artista escura, criando uma sombra que chega à linha dos olhos.
Mais uma vez encontramos semelhanças, sendo a boina de Arthur na cor bege. O rosto
de cinquenta e dois anos do holandês, que enfrentava uma fase de dificuldades
financeiras após conhecer grande sucesso e prosperidade, contribui com a gravidade das
feições, ainda não tão severas para o Timótheo de trinta e sete. Em ambas, um ar altivo
que em Rembrandt flerta com um sentido de nobreza.
Ao realizar este retrato, Timótheo se situa como pertencente a uma história,
reverencia um mestre da tradição e, ao mesmo tempo, afirma seu valor artístico. Para
Miceli:
O que está em jogo é o sentido atribuído e perpetrado pelo artista ao expressar
uma definição compacta aliando uma fisionomia, aquela modelada na tela, a uma
significação simbólica, que tanto pode ser uma pretensão política, uma qualificação
institucional, uma afirmação de prestígio, uma filiação doutrinária ou confessional,
uma habilitação erótica ou mundana, ou quaisquer misturas desses investimentos
sociais18.
Essa operação de citação em autorretratos encontra em Sir Joshua Reynolds
um antecedente importante, sendo um exemplo uma pintura de 1780 que também tem
Rembrandt como referencial [figura 10]. O desejo de Reynolds de ver a imagem do artista
elevada a outro patamar se evidenciou em sua atuação como primeiro presidente da
18MICELI, Sergio. 1996. Imagens Negociadas. Retratos da Elite Brasileira (1920-40). São Paulo:
Companhia das Letras. p.64.
28
Royal Academy, onde defendia em seus discursos a importância da cópia das obras de
grandes artistas do passado. Neste, que é um de seus vinte autorretratos, o artista está
no ápice de sua carreira. Reynolds desejava elevar o status do gênero do retrato e
buscava referências na antiguidade e nos mestres da tradição19.
Encontramos sua figura ladeada por um busto de Michelangelo, artista a quem
dedicava sua mais alta admiração. O busto representado, na verdade, fazia parte de seu
acervo pessoal. Mas há ainda maiores paralelos existentes entre a pintura e os
autorretratos de Rembrandt, bem como é possível reconhecer semelhanças com a obra
Aristóteles com um busto de Homero [figura 12], também de autoria do holandês, e à
época disponível para sua observação em Londres. Adota a vestimenta de um Doutor de
Direito Civil para reforçar o prestígio acadêmico das artes, que não tinha um costume
oficial, criando um retrato que comunica prestígio e autoridade.
As citações ajudam a estabelecer a dimensão de importância que o artista
atribui a si próprio, e como sua relação com uma linhagem histórica da pintura. A
admiração por Rembrandt é ainda mais evidente no retrato da Tate Britain [figura 11].
Enquanto em Rembrandt o autorretrato é também ferramenta de investigação subjetiva,
Reynolds prioriza seu potencial de projeção de uma imagem pessoal de poder. Também
Whistler se inspira em Rembrandt para realizar Arranjo em Cinza: Retrato do Pintor [figura
13], testemunho da grande admiração que nutria pelo holandês.
Em seu retrato de 1908, Arthur Timótheo se apresenta com o rosto na
penumbra. Uma mancha de luz incide sobre sua cabeça, iluminando uma porção de sua
testa, e também a mão que segura a palheta aparece especialmente iluminada. O olhar
é intenso e dirigido ao observador. Há semelhanças entre a pintura e a imagem que nos
traz uma fotografia [figura 15] assinalada como sendo de seu período parisiense, portanto
próxima, em data, do retrato. O posicionamento do corpo, as golas da casaca e da camisa
se assemelham, assim como a gravata de laço, com visível padrão petits pois na
fotografia. Na foto, a luz incide sobre o lado esquerdo de Arthur, deixando visível todo seu
rosto, e o enquadramento um pouco mais aberto do que o da pintura permite ver os braços
cruzados sobre o corpo, a textura do cabelo, penteado para trás e as pregas da
19 STURGIS, Alexander. Rebels and martyrs: The image of the artist in the Nineteenth Century. Yale
University Press, 2006.
29
vestimenta folgada. A comparação reforça a hipótese de intencionalidade do artista em
suas escolhas pela luminosidade que adota para o retrato.
Figura 10 Sir Joshua Reynolds Autorretrato de Sir Joshua Reynolds, 1780 Óleo sobre painel, 127 x 106 cm Royal Academy, Londres
Figura 11 Sir Joshua Reynolds Autorretrato, c. 1775 Óleo sobre tela, 73,7 x 61 cm Tate Britain, Londres
Figura 12 Rembrandt van Rijn Aristóteles com um busto de Homero Óleo sobre tela, 143,5 x 136,5 cm Metropolitan Museum, Nova York
28
Figura 13 Arranjo em Cinza, Retrato do Pintor1872 James McNeill Whistler Óleo sobre tela, 74.9 x 53.3 cm Detroit Institute of Arts, Detroit
A mão que aparece à nossa direita exibe um anel na fotografia, e na pintura
suporta palheta e pincéis, apresentados junto ao rosto. O homem da fotografia parece
mais jovial do que figura na pintura. Talvez Timótheo quisesse criar um retrato
representativo de uma identidade como artista que se beneficiaria de uma aparência mais
madura ou severa. Anos depois, em 1916, Henrique Bernardelli explora os efeitos de luz
sobre seu rosto em um retrato similar na presença de um foco luminoso sobre o topo da
cabeça [figura 16], enquanto o restante da face está sombreada.
29
Figura 14 Arthur Timótheo da Costa Autorretrato, 1908 Óleo sobre tela, 41 x 33 cm Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo
30
Figura 15 Autor desconhecido Retrato de Arthur Timótheo, 1908-09 Fotografia, 21,5 x 15 cm Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro
31
[Digite aqui]
Figura 16 Autorretrato de Henrique Bernardelli, 1916 Henrique Bernardelli Óleo sobre madeira, 24 x 18 cm Coleção particular, São Paulo
Figura 17 Autorretrato, 1855-56 Edgar Degas Óleo sobre papel, aplicado a tela, 40,6 x 34,3 cm Metropolitan Museum, Nova York
32
[Digite aqui]
Figura 18 Autorretrato, 1857-58 Edgar Degas Óleo sobre papel montado sobre tela, 26 x 19,1 cm Clark Art Institute, Williamstown
33
Figura 19 Autorretrato, 1628 Rembrandt Harmenz van Rijn Óleo sobre madeira, 22,6 x 18,7 cm Rijksmuseum, Amsterdam
Figura 20 Autorretrato, 1629 Rembrandt Harmenz van Rijn Óleo sobre madeira, 15,6 x 12,7 cm Alte Pinakothek, Munique
34
Figura 21 Autorretrato, 1863 Edgar Degas Óleo sobre tela, 92,1 x 69 cm Museu Calouste Gulbenkian, Lisboa
Figura 22
35
No autorretrato de 1908 [figura 14], Arthur parece interessado em Degas, mas
aquele que constrói sua autoimagem em diálogo com Rembrandt. Quando observamos
os autorretratos do Metropolitan e da Clark, realizados entre 1855 e 1858, vemos o Degas
que acabara de desistir da École des Beaux-Arts, prestes a partir para a Itália. O francês
experimenta o efeito de luzes e sombras sobre o rosto, como Rembrandt já havia feito
[figuras 19 e 20]. Na obra do Clark Institute [figura 18] o chapéu parece fazer as vezes
dos cabelos de Rembrandt nos autorretratos em que ele também investiga contrastes
marcados sobrepostos às suas feições, chegando a quase encobri-las, além de
experimentar o cabo do pincel para criar os cachos delicados de cabelos. O
enquadramento próximo e o meio perfil são características comum a estas obras juvenis
de Degas e Rembrandt e encontram similaridades com a escolha de Timótheo, em que
os pintores dirigem um olhar direto ao observador, ou antes, a eles mesmos. Há em
Rembrandt uma maior imediatez, em especial na obra de Munique em que a boca aberta
e a sugestão de movimento diferem da solidez de pose e expressão que encontramos em
Degas e Timótheo. As palavras de Degas são claras:
Quando estávamos começando, Fantin, Whistler, e eu, nós estávamos no mesmo
caminho, a estrada da Holanda.20
A admiração se traduziu nos retratos e interiores burgueses construídos com
sobriedade que constituíram um realismo avançado encontrado nas obras de Fantin-
Latour, Whistler e Degas no final da década de 1850, inspiradas nas cenas da vida
ordenada da classe média holandesa.
Schama trata das múltiplas personas reconhecíveis nos retratos de Rembrandt
que o possibilitavam ser qualquer homem21. Ao mesmo tempo em que cria versões de si
como mendigo ou nobre, opta, nos exemplos destacados, por ocultar-se ao cobrir os
olhos por sombras. Para o autor, as sombras sobre os olhos ou um lado da face estariam
vinculadas à melancolia, tendo Rembrandt desejado criar para si imagens de gênio
melancólico, fosse este de fato o temperamento do pintor ou não. Schama compara essas
obras ao mencionado autorretrato de Albrecht Dürer, de 1500 [figura 23], exemplo de icon
vera ou imagem verdadeira, associada à miraculosa aparição do rosto de Cristo sobre
tecidos que o tocaram. Em Rembrandt a imagem é construída a partir das relações de
20 Paul Poujaud, carta a Marcel Guérin, 11 de julho de 1936, Cartas, p. 256. In Reff, Theodore. Degas: the
artist's mind. Metropolitan Museum of Art, 1976. p.26. 21 Schama, Simon, and Rembrandt Harmenszoon van Rijn. Rembrandt's eyes. New York: Alfred A. Knopf,
1999. p. 295-300.
36
claro-escuro imaginadas, criando um jogo de mostra-esconde que resulta na valorização
do olhar semioculto.
Para T.J. Clark, a sombra se relaciona com a interioridade do retratado.
Usando o retrato de Rembrandt, de Kassel, Staatliche Gemäldegalerie como exemplo,
afirma
(...) the look of the painter in a self-portrait [should] be given an “inside”. The face
that stares back at us has to be lent a quality of interiority somehow, ideally of a
deeper sort than a mere portrait can manage. It is not enough to have the face just
blankly be the information in the mirror. (...) A large part of self-portraiture’s best
efforts therefore go to conjuring up a dimension in which the surface of the face,
and particularly the eyes, can register as something to be looked through or behind.
The face has to be robbed of its first self-evidence, and one way of doing that is to
put it partly or wholly in shadow, with the shade maybe falling most deeply across
the eyes. The shadow is a metaphor for “inside”.22
Figura 23 Autorretrato Albrecht Dürer, 1500 Óleo sobre painel de madeira, 66,3 c 49 cm Alte Pinakothek, Munique
22 Clark, Timothy J. “Gross David with the Swoln Cheek: An Essay on Self-Portraiture.” In Roth, Michael S.,
ed. Rediscovering history: Culture, politics, and the psyche. Stanford University Press, 1994. P.283
37
Nas obras de Degas e de Timótheo, o rosto velado adquire uma aura de
mistério, embora o ocultamento não se dê na mesma medida que em Rembrandt. Outro
artista que parece utilizar recursos semelhantes é Édouard Vuillard [figura 24] em um
autorretrato de 1889. Também o retrato de Bracet feito por Timótheo [figura 25] faz o rosto
emergir das trevas, repetindo o jogo de claro e escuro. No retrato de Chambelland Arthur
também está envolvido em sombras. Em 1900 Freud havia publicado A interpretação dos
sonhos, obra que inaugura a psicanálise. Obras como Às avessas de Joris-Karl
Huysmans e em certa medida Mocidade Morta de Gonzaga Duque se dedicam a
exploração da interioridade de seus protagonistas, que podemos associar ao uso de
contrastes na pintura.
Figura 24 Autorretrato, 1889 Edouard Vuillard Óleo sobre tela, 22,2 x 17,4 cm National Gallery of Art, Washington, D.C.
38
Figura 25 Retrato de A. Bracet, s.d. Arthur Timótheo da Costa Óleo sobre tela, x cm Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo
Figura 26 João Timótheo da Costa, 1908 Rodolpho Amoedo Óleo sobre painel, 49,5 x 29,7 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro
39
Contrapor os autorretratos de Arthur Timótheo com a obra de Chambelland evidencia
uma dupla representação que apresenta o artista e o dândi como personagens
complementares. O mesmo ocorre se consideramos o autorretrato de Degas em que se
representa com seus atributos de artista e seu último autorretrato [figura 21], parte do
acervo da Gulbenkian , no qual o francês aparece como o polido flâneur que acena para
o observador com sua cartola, enquanto segura suas luvas. O pintor alterna sua
representação entre duplos: o pintor e o cavalheiro23. Amoedo parece querer conciliar
essas duas personagens na pintura que faz de João Timótheo [figura 26].
Figura 27 James Abbott McNeill Whistler, 1885 William Merritt Chase Óleo sobre tela, 188.3 x 92.1 cm Metropolitan Museum, Nova York
23 ARMSTRONG, Carol M. Odd man out: readings of the work and reputation of Edgar Degas. University of
Chicago Press, 1991. p.229-231.
40
Figura 28 Marrom e ouro, 1885 James Abbott McNeill Whistler Óleo sobre tela, 51,5 x 95,8 cm Hunterian Museum, Glasgow
Figura 29 Retrato de Whistler de chapéu, 1857-59 James Abbott McNeill Whistler Óleo sobre tela, 46,3 x 38,1 cm Freer Gallery, Washington D.C.
Essa dinâmica de contrastes é encontrada também em Whistler, cujos retratos se
alternam entre imagens que exibem atributos do dândi, do artista e do boêmio. Isso é
41
atestado pela comparação entre: seu primeiro autorretrato [figura 29], datado do final da
década de 1850 de inspiração holandesa e que o apresenta como o artista boêmio; a obra,
que vimos, de 1872, em que está acompanhado dos atributos do pintor; a imagem esguia
que o exibe de corpo inteiro contra um fundo neutro, em pose elegante que cita o Valladolid
de Velasquez [figura 28]; e também a imagem que lhe faz William Merritt Chase [figura 27]
inspirado pelos retratos do colega americano.
42
2. Imagens de dândi em retratos dos séculos XVIII, XIX e XX
O vestuário de Arthur Timótheo da Costa é um elemento que parece ter recebido
enorme atenção de Carlos Chambelland. A imagem de elegância criada a partir do preto
das roupas, da presença do chapéu e da bengala, elementos combinados para situar este
homem em uma época e em uma situação social. Cabe-nos investigar onde se quer situar
esse homem, com que padrões e imagens se quer dialogar. Podemos tentar compreender
o que ordenava os padrões de vestimentas masculina no século XIX, o que se evidencia
em obras correlatas, e que identidade social se busca projetar para Timótheo considerando
que moda não é um simples inventário de imagens, mas um espelho do articulado
entrelaçamento de fenômenos socioeconômicos, políticos e de costumes que caracterizam
determinada época.24
Chambelland destaca o brilho do cabo da bengala encaixado ao braço e
sobreposto ao preto absoluto do terno, e também faz luzir o couro dos sapatos. Põe em
evidência o branco das pequenas faixas visíveis de punho, criando eco ao metálico da
bengala. Despe uma das mãos de sua luva, enquanto a outra apoia o par e o rosto em
atitude pensativa e confiante. Apesar de estar em ambiente interno, o retratado não se
despe de seu chapéu, mantém calçada uma das mãos, e não apoia sua bengala no utensílio
que vemos no chão. Mantém junto do retratado esses atributos de distinção e elegância
recorrentes na representação do dândi o que evidencia a intenção de agregar essa
identidade à figura de Timótheo. Cabe investigar a moda masculina, sua evolução ao longo
do século XIX e a constituição da estética dândi, o que faremos antes de introduzir retratos
que sigam este padrão de representação.
As imagens de dândi criadas por Girodet, Edgar Degas, Henri Fantin-Latour,
Édouard Manet e Aubrey Vincent Beardsley serão investigadas como antecedentes por
suas similaridades temáticas e formais, bem como pelas peculiaridades das soluções
dotadas por cada artista.
Dois exemplos brasileiros de representação de dândis negros trazem luz sobre
o contexto brasileiro. Veremos o dândi André Rebouças no retrato de Rodolpho Bernardelli,
24 CALANCA, Daniela. História social da moda. São Paulo: Editora Senac, 2008. p.27.
43
obra de exceção na retratística brasileira pela representação individual de homem negro.
Em seguida, analisaremos as pinturas de Dom Obá, de Belmiro de Almeida, que apresenta
a figura do dândi negro em viés irônico. As reflexões de Richard J. Powell sobre a imagem
fotográfica de um dândi negro nas ruas de Paris e a figura do Dandy Jim nos oferecem um
paralelo interessante que aproxima os contextos francês, americano e brasileiro.
44
2.1. A moda masculina e o dândi
Boucher25 adota o recorte temporal entre 1869 e 1914 para abordar a passagem
do século XIX para o XX, assinalando que o período apresenta duas questões
fundamentais: a evolução do traje de tipo europeu nos países do antigo e do Novo Mundo
e a predominância da criação francesa sobre esse desenvolvimento. Dessa forma, a
expansão comercial e industrial de países europeus e também dos Estados Unidos difundiu
para colônias ou países de influência costumes gerados inicialmente na França, mesmo
que com variados processos de adaptação.
No Brasil, as influências da moda europeia eram notadamente presentes, mas a
realidade da escravidão, e de sua herança no período imediatamente posterior à
emancipação, se tornava visível nas diferentes soluções de vestuário exibidas por negros
e brancos, por exemplo, nas ruas de cidades brasileiras na passagem do século XIX para
o século XX.
Gilberto Freire diferencia os "modos de homem" e as modas de mulher,
atribuindo aos gestos e hábitos masculinos um importante papel responsável por evidenciar
lugares sociais distintos. Freyre nos lembra como a ocupação da cidade por indivíduos de
diferentes classes e heranças podia ser lida e interpretada a partir de sinais visuais
impressos no corpo e nas roupas. (...) só aos negros de pé no chão – grandes pés, chatos
e esparramados, alguns de dedos torrados pelo ainhum, outros roídos de aristim ou
inchados de bicho – como aos próprios caixeiros de chinelo de tapete e cabelo cortado à
escovinha e até aos portugueses gordos de tamanco e cara raspada estavam fechados
aqueles jardins e passeios chamados públicos, aquelas calçadas de ruas nobres, por onde
os homens de posição, senhores de barba fechada ou de suíças, de botinas de bico fino,
de cartola, de gravata, ostentavam todas estas insígnias de raça superior, de classe
dominadora (...)26
As roupas usadas pelos negros escravos envolvidos no trabalho rural, e também
pelos negros de ganho, se diferenciavam pelos materiais, sendo comum o uso do algodão
em camisas e calças de corte simples, sem a estrutura de alfaiataria comum às roupas dos
25 Boucher, François. História do vestuário no Ocidente. São Paulo. Cosac Naify. 2010. 26 Freyre, Gilberto. Modos de Homem & Modas de Mulher. Rio de Janeiro, Ed. Record, 1997, p. 81.
45
homens brancos. Outros que desempenhavam funções dentro das casas grandes ou, por
vezes, atuavam em residências urbanas, recebiam roupas mais elaboradas por haver uma
associação mais direta entre sua imagem e a posição social dos donos da casa. Alguns
recebiam joias cujo uso denotava as posses de seus senhores. Mas mesmo o escravo do
campo já deveria, por meio de suas roupas, diferenciar-se do negro recém- desembarcado,
que independente de seus costumes de origem, era exibido nu nos mercados de escravos,
que ao receber suas roupas se civilizava por ação de seus donos, conquistando também
conformidade mínima aos padrões de moralidade.
Gilberto Freire fala sobre a adoção das cores escuras também no Brasil a partir
dos anos de 1830
(...) O que interessa assinalar é a penetração no Brasil do século XIX – o primeiro
século de vida e de cultura nacionalmente brasileiras – pelas modas de mulher
vindas da França e de homem, vindas da Grã-Bretanha. Foi uma penetração
grandemente reorientadora de gostos brasileiros no setor do trajo, a começar por
uma reorientação em preferências de cor que se refletiram num Brasil recém saído
da condição colonial. Condição de um quase isolamento do Brasil, de Europas, que
não fosse a metropolitanamente portuguesa, e de ligações noutras partes do mundo,
limitadas a Orientes e Áfricas relacionados direta ou indiretamente com Portugal. A
abertura dos portos brasileiros a europeus não lusitanos trouxe subitamente ao Brasil
– uma revolução para cultura brasileira – impactos europeizantes que, a aspectos
políticos, econômicos, tecnológicos, juntou o de gostos europeus por cores de
inspiração como que austeramente industriais, carboníferas, neotecnológicas e, até,
positivistas e – no sentido lato da palavra – antirromânticas. Inspiração
marcadamente britânica a que se juntou a francesa. A adoção de pretos, pardos,
cinzentos em artigos de vestuário masculino com transbordamento sobre o feminino,
acentue-se que foi um desses impactos europeizantes, como que, de certo modo,
antibrasileiros, sobre um Brasil em grande parte situado em ambiente tropical.27
Para a Profa. Gilda de Mello e Souza, o uso preto teria se iniciado um pouco
mais à frente.. Ela identifica ainda a separação ocorrida no século XIX no que se refere ao
uso da cor pelos diferentes gêneros, o que faz com que o preto seja adotado pelos homens
de modo preponderante.
27 Idem, p. 133.
46
A moda do preto só começará em 1840 mais ou menos, devido a Bulwer Lytton e
aos escritores românticos. Ela vai alastrar-se mesmo pela gravata e o homem se
cobrirá de luto (...).28
E ainda
Eis em traços rápidos um apanhado da moda no século XIX. Mais do que nas épocas
anteriores, ela afastou o grupo feminino do masculino, conferindo a cada um uma
forma diferente, um conjunto diverso de tecidos e de cores, restrito para o homem,
abundante para a mulher, exilando o primeiro numa existência sombria em que a
beleza está ausente, enquanto afoga a segunda em fofos e laçarotes.29
Para Barthes os objetos de moda podem ser investidos de significado pelos
usuários ou pelos textos de moda que dão a eles a vida de um sinal; podem também retirar
deles esta vida, de modo que o significado é como uma graça recebida pelo objeto.30 Na
moda, portanto, os significados seriam evanescentes, permitindo que alguém esteja ou não
na moda, e fazendo com que estas possibilidades se transformem no tempo e de acordo
com contextos específicos. Os significados das roupas são construídos sobre elas, a partir
de escolhas de quem confecciona as peças e também de quem as usa.
Tudo na linguagem é um sinal, nada é inerte; tudo emite significado, nada o recebe.
No código vestuário, a inércia é o estado original (...) uma saia existe sem significado,
antes de significar; o significado que recebe é ao mesmo tempo encantador e
evanescente. 31
Para Perrot:
Vestuário, assim como a linguagem, sempre ocorre em algum lugar, em um espaço
geográfico e social. Em sua forma cor, material, construção e função – e por causa
do comportamento que sugere – roupas apresentam sinais óbvios, marcas
atenuadas ou traços residuais de embates, contatos entre culturas, empréstimos,
28 Souza, Gilda de Mello e. O espírito das roupas. Companhia das Letras, São Paulo, 1996, p. 69 29 Idem 30 BARTHES, Roland. O sistema da moda. Edições 70. 1999. 31 Idem, p.64-65.
47
intercâmbios entre regiões econômicas ou áreas culturais assim como entre grupos
de uma mesma sociedade.32
O século XIX viu grandes modificações na cultura e nos costumes. Segundo
Perrot, nesse período o triunfo da burguesia espalhou seu vestuário através de classes e
oceanos na medida em que a classe média progressivamente impôs sua ordem econômica,
política e moral, e junto a isso, seu sistema de vestir com suas implicações morais e
ideológicas33. Essa burguesia desenvolveu um sistema baseado na aparência, que
apresentava certa complexidade ao estabelecer diferenças entre elite e classe média, mas
também estabelecia estratégias para que a classe média se distanciasse dos
trabalhadores.
No caso do vestuário masculino do século XIX muitas das formas perduraram
por longos períodos de tempo. O preto e os tons escuros de cores como o azul, o cinza e
o verde, seriam o melhor exemplo dessa permanência. A burguesia, após dar fim ao
absolutismo, rejeita o uso da cor característica do vestuário exuberante da aristocracia. A
extinção da cor seria um sinal político de que uma nova ordem social havia chegado.
Também sinalizava o estabelecimento de uma nova ética baseada na vontade,
autonegação, parcimônia e mérito. Essa estética austera atravessou incólume todo o século
XIX, sendo notável nas roupas de adultos e crianças. A respeitabilidade burguesa teria de
ser acompanhada de uma imagem que combinasse dignidade e rigor expressando uma
nova moralidade e a glorificação do homem comum. Desse modo, foram revistos o uso de
joias, os materiais como renda e brocados, os ornamentos como as grandes fivelas
brilhantes dos sapatos de salto e os laços nas jaquetas, bem como os acessórios, tais como
caixas de rapé.
Vale lembrar que, na maior parte do século XVII, o artifício era um dado
considerado necessário para a interação social civilizada, amaciando a aspereza dos
gestos e atenuando as ações instintivas. A vida social era vista como devendo obedecer a
dinâmicas teatrais. Nesse sentido, a peruca, importante no vestuário masculino entre 1660
32PERROT, Philippe. Fashioning the bourgeoisie: a history of clothing in the nineteenth century. Princeton
University Press, 1994. p.7
33 . Idem
48
e 1810, evidenciava a artificialidade da persona pública e ajudava a construir a imagem de
compostura e respeitabilidade desejável. 34
Para Harvey, a emergência do simples e, em seguida, da cor preta no vestuário
teria obedecido a um processo complexo com origem na Inglaterra, não na França.
O estilo simples tem suas origens menos num suposto nivelamento social do que
nas necessidades práticas da pequena nobreza inglesa, que viajava não em carruagens,
mas a cavalo. Em relação ao negro, a primeira peça de roupa masculina a escurecer não
foi a casaca da burguesia democrática, mas, sim, o smoking usado pela alta sociedade.35
Uma referência interessante que ilustra as extravagâncias do século XVIII é o
londrino Macaroni Club, constituído na década de 1770, onde um grupo da elite inglesa
habituado a viagens pelo continente se reunia exibindo roupas justas confeccionadas em
tecidos finos, altas ou longas perucas com rabo de cavalo dobrado ao meio, pequenos
chapéus adornados com penas, espadas e bengalas decoradas. Precursores do dândi, na
verdade os macaroni poderiam ter diferentes origens sociais, tendo sido nascidos na elite
ou ascendidos como burgueses. Um macaroni [figuras 30 e 31] não é nascido como tal,
mas feito. Sua opção pela excentricidade é um emblema do indivíduo self-made.
De fato a figura do macaroni se tornou um catalisador do debate sobre como os
Britânicos poderiam responder ao canto da sereia do consumo do luxo, do individualismo e
da sofisticação cultural sem exceder as fronteiras regulares da moda. O nome do clube se
relacionava ao tipo de pasta trazido de suas estadas na Itália e identificava inicialmente os
indivíduos que se situavam fora dos padrões convencionais da moda, mas depois passou
a identificá-los para assinalar seus excessos, representados em caricaturas que os
caracterizavam como figuras decadentes. Pode-se pensar nos macaroni como
predecessores do dândi, assim como os Beaux, os Bucks, os Exwuisites, Fops e Lions.
Além desses ingleses, na França eram chamados Muscadins, os Incroyables e Les Lions,
todos dedicados a impressionar, causar choque por meio de seus estilos nada
convencionais e, via de regra, acompanhados de estética e comportamento de sexualidade
ambígua.
34 STEELE, Valerie. The social and political significance of Macaroni fashion. Costume, v. 19, n. 1.1985. p.
103 35Harvey, John. Homens de preto. UNESP, 2003. p.36.
49
Figura 30 Lord, 177336 Anônimo [inglês] Gravura sobre papel, 183 x 103 mm British Museum, Londres
Figura 31 The Walebone Mac, 1772 Matthew Darly Gravura sobre papel, 176 x 125 mm British Museum, Londres
Na primeira metade do século XIX, a admiração pelo requinte aristocrático pode
permanecer como o avesso de um desejo evidenciado nos forros de pele, cetim ou seda
nos coletes, peças quase invisíveis, feitos de tecidos vistosos. Também nos acessórios de
seda como luvas, gravatas e chapéus. Merece destaque o corte das peças, com talhe rente
ao corpo, ou apresentando detalhes como a cauda dos casacos, criando silhuetas
específicas e desenhadas. Os punhos e golas de branco imaculado e severamente
engomados surgem como indicadores de elegância, mas, também, como certo afastamento
do trabalho braçal. A elegância se desenhava entre o comedimento expresso no conjunto
e um tipo de gasto mais generoso concentrado em peças que privilegiavam a forma em
detrimento da função, e que funcionavam para estabelecer o sentido de distinção. Assim
se buscava o resultado de uma sofisticação pautada pela ética do trabalho, em
contraposição à vida de lazeres associada à aristocracia. Da mesma maneira, se
modificaram os gestos na passagem do setecentos para o oitocentos, tornando-se mais
contidos e naturais.
Para além das mudanças de gosto, o século XIX viu surgir mudanças nos modos
de produção e consumo de roupas. As butiques de moda se disseminam e as lojas de
36 A standing man (Viscount Grandison, later Earl
of Jersey) striking a pose with arms outstreched,
hat in one hand; a plate from “The Macaroni and Theatrical Magazine”, February 1773, p. 193.
50
departamento, se consolidam como modelo a partir da década de 1870, primeiro nos EUA
e depois na Europa, sendo que em Paris são notáveis os nomes Printemps, Galeries
Lafayette, Le Louvre e Le Bom Marché inauguradas no final dos 1800s. O modelo se
baseava na redução de lucro por peça para que ele fosse gerado pela rotatividade dos
estoques e o ganho em escala possibilitado pelo uso de máquinas de costura que
aceleraram os tempos de confecção das peças e viabilizaram a reprodutibilidade. O
pressuposto, portanto, era o da produção em massa de peças iguais que permitiam a um
conjunto amplo de indivíduos se aproximar de seus grupos de referência e se uniformizar
em seus grupos de pertencimento. A perfeição de fatura buscado pelos alfaiates se tornou
impossível quando as peças eram adquiridas prontas para o uso. Vale assinalar que o
acesso propiciado estava pautado pela imitação de modelos da elite em versões de menor
custo37.
Para Baudrillard, assim como a revolução burguesa não trouxe poder político de
modo homogêneo para as diferentes classes sociais, também a revolução industrial não
trouxe igualdade para os indivíduos com relação aos objetos.38 Se antes da produção
industrial os objetos se apresentavam vinculados aos seus usos e as necessidades
vinculadas à sua criação, na era industrial essa vinculação se perde uma vez que as
estruturas econômicas assumem papel preponderante. O sistema dos objetos sobrepõe
sua lógica às necessidades, impondo uma coerência que adquire o poder de moldar uma
civilização.
A indústria da roupa pronta teria o papel de disponibilizar bens, mas também
uma missão civilizadora, de aprimorar a moral das massas, que podem, então, modificar
seus padrões de vestuário, o que é causa e consequência de seu ganho de autoestima. A
roupa funcionaria, assim, como um elemento de integração social acompanhado da adoção
de valores tais como sobriedade e higiene. O visual ordenado também estaria associado à
possibilidade de conquistas materiais e a valorização da constituição de família. Como se
pode depreender por um comentador da época, a mudança de vestuário poderia ser o fato
simbólico gerador, passível de motivar a constituição a posteriori do arcabouço de valores.
[...] todo trabalhador pode estar apropriadamente vestido; durante suas horas de
lazer, a sobrecasaca pode substituir o avental, e em ocasiões solenes ele veste um
terno preto sem sacrifício financeiro. O aparente vício do luxo é realmente bom. O
37 BARBUY, Heloísa. A cidade-exposição: comércio e cosmopolitismo em São Paulo, 1860-1914. Edusp,
2006. 38 BAUDRILLARD, Jean. O Sistema dos Objetos. São Paulo, Perspectiva. 1997.p. 86
51
trabalhador se comportará de acordo com o que veste; ele vai ao café, lê, evita o
cabaré, e abandona o dormitório comum por um quarto apenas seu, assim que pode.
Ele sonha com mobília assim que adquire um guarda-roupa, e com uma família uma
vez que a mobília está disposta em seu sótão. Para ele, a limpeza e o conforto são
o começo da moralidade...”39
Pode-se refletir sobre a afirmação da Condessa de Bassanville que declara que
“roupas são para o corpo o que a educação é para o corpo.40 Autora de um dos manuais
de etiqueta produzidos no século XIX, a condessa traduz nessa frase a necessidade de
uma postura de conformidade que deve ser adotada por quem pretende ser aceito
socialmente por determinados círculos sociais. Também as mulheres funcionavam como
sinal de distinção uma vez que suas roupas acomodavam uma variedade de elementos
decorativos, cores, detalhes, além das joias. A elegância de uma mulher poderia ser
indicativa da posição social de seu pai, marido ou mesmo amante. Portanto, para as
mulheres não se aplicaram as mesmas regras de modéstia e comedimento.
A padronização industrial fez com que os detalhes assumissem maior
importância como elementos que permitiam distinguir indivíduos em função de seu status
social e econômico. Modos e gestos ganham nuances que pedem do observador o
conhecimento de códigos sutis, uma vez que origem, títulos e nascimento não mais
estabeleciam com clareza as posições sociais. Também no mundo do trabalho se
estabeleceram padrões reconhecíveis. Assim como os trabalhadores das fábricas
utilizavam aventais, profissionais como contadores e advogados adotaram a combinação
de calça, paletó e gravata. O terno, essa invenção inglesa, foi amplamente adotado em
outros países, a princípio na Europa e depois estabelecendo uma influência mais
abrangente.
As classes altas não mais tinham seus territórios exclusivos nos palácios, nos
cassinos ou nas praias, tendo havido, portanto, uma aproximação na convivência entre
indivíduos de estratos que antes não compartilhavam espaços de circulação ou lazer. A
qualidade de confecção de um terno poderia, então, ser identificada pelo olho instruído,
como sinal de pertencimento a determinado grupo privilegiado. Também a etiqueta, as boas
39 Lemann, De l´Industrie dês vêtements, p. 34-35. In Idem Perrot, Philippe. Fashioning the bourgeoisie: a
history of clothing in the nineteenth century. Princeton University Press, 1994. p. .74 40 de BASSANVILLE, Countess Anaïs. La Science du monde. Politesse, usages, bien-être. 1859. p.87.
52
maneiras, permitiam, assim como o modo de falar, identificar quem estava habilitado à
convivência em um determinado círculo.
53
2.2. O dândi negro primordial – um breve comentário
Mesmo com as distâncias temporais e as distinções estilísticas que separam a obra
brasileira do retrato de Jean-Baptiste Belley [figura 30], este é um antecedente que também
concilia dimensões biográfica, simbólica e histórico-política, além de nos apresentar a figura
de um dândi nos padrões do século XVIII.
O uniforme de representante do povo veste Jean-Baptiste Belley com as cores da
revolução em tonalidades pálidas. O pintor detém-se ao trançar voltas de tecido acetinado
pela cintura e a envolver de brancura sedosa o pescoço. O lenço plastrom, típico elemento
da estética dândi, coloca em evidência o rosto contemplativo do homem grisalho exibido
em três quartos, com seus lábios grossos, testa alta e nariz largo. A elegância está também
no amarelo da calça que repete a gola interna, levantada junto ao pescoço, e no dourado
dos botões da casaca justa que modela os músculos do braço. Uma das mãos segura um
chapéu, que pende no canto inferior da tela, em contraponto à escultura, trazendo
ornamentação de tecidos e plumas que ecoa o tema tricolor. Embora o dandismo seja
reconhecível na incorporação de elementos de vestuário herdados de Brummel, os brincos,
comuns na representação de africanos e descendentes nascidos na Europa ou nas
Américas, acentuam sua identidade de estrangeiro.
Jean-Baptiste Belley nasceu no Senegal e cedo foi vendido como escravo na colônia
francesa de Santo Domingo, atual Haiti, conseguindo anos depois comprar sua liberdade.
Participou da Revolução Americana de 1779, ao lado de outros homens negros livres de
cor. Foi eleito como representante da colônia na Assembléia Nacional Francesa. Assumiu
a tarefa de defender o princípio republicano da igualdade entre os indivíduos residentes nas
colônias e os da metrópole, enfrentando franca oposição daqueles indispostos a perder
poder na mais valiosa possessão francesa.
54
Figura 30 Jean-Baptiste Belley, 1797 Anne-Louis Girodet-Trioson (1767–1824) Óleo sobre tela 159.1 x 111 cm Musée national des châteaux de Versailles et de Trianon, Versailles
55
Figura 31 Mungo Macaroni, 1772 Artista desconhecido, publicado por M. Darly Gravura sobre papel Yale Center for British Art, New Haven
56
Em 1797, ano em que Girodet realiza a pintura, Belley já concluiu seu mandato como
deputado. O pintor insere no fundo da tela, colunas de fumaça, em alusão aos conflitos da
revolução de 1791. O pintor faz, desse modo, referência aos combates testemunhados pelo
militar, apesar de preferir fazer predominar um tom pacificador para representar o homem
conhecido como Mars Belley, em alusão ao deus da guerra por sua bravura em combate.
A revolução em Santo Domingo teve caráter único no mundo por ter sido feita por africanos
e descendentes e dando origem posteriormente ao Haiti, primeiro país fundado por ex-
escravos e seus descendentes fora da África.
Belley apoia o braço na base que suporta o busto de mámore branco do filósofo
François Raynal que defendeu a emancipação gradual dos escravos. As cabeças de Raynal
e Belley, situadas à mesma altura na tela, estão voltadas para direções opostas. Os de
Belley parecem se dirigir ao futuro, cujas promissoras possibilidades ele ajudara a construir.
Vale lembrar que o dândi negro não é uma figura inaugurada pelo retrato de Belley,
sendo Julius Soubise [figura 31]. Nascido no Caribe, Soubise, escravo levado à Inglaterra
quando criança, onde sob a proteção de uma duquesa foi instruído sobre os hábitos
sofisticados da nobreza, exemplificados em suas habilidades como cavaleiro e esgrimista,
que contribuíram com sua notoriedade. Soubise era produto da convergência de fatores
históricos específicos dentre os quais se destacam a espetacularização dos chamados
escravos de prestígio e o crescimento da comunidade negra na Inglaterra.41
41 MILLER, Monica L. Slaves to Fashion: Black Dandyism and the Styling of Black Diasporic Identity. Duke
University Press, 2010.
57
2.3. Dândis artistas: Degas e Manet
Encontramos a figura do dândi na representação de artistas durante o século
XIX e início do XIX tanto nos retratos como nos autorretratos. Edgar Degas [figura 32] nos
fornece um exemplo em seu último autorretrato, obra da Fundação Gulbenkian, no qual
aparece a meio corpo, de casaca, colete, gravata de laço, empunhando uma cartola e que
segura com a mão descalçada que segura uma de suas luvas, à maneira do Timótheo
representado por Chambelland. Degas demarca o fundo com a ajuda de verticais e o divide
entre uma área vermelha, que diferencia um espaço interno, e uma abertura para uma vista
externa, remetendo assim à tradição renascentista do retrato. Vislumbramos terra e céu
cinzento definidos em grandes pinceladas. A expressão do rosto de trinta anos, como em
tantos outros autorretratos do artista, é de quase indiferença, e o olhar dirigido ao
observador é complementado pelo gesto de saudação que faz com a cartola, enquanto
guarda os dedos da outra mão elegantemente no bolso. Este retrato também exibe a
desenvoltura social produto de suas origens, enquanto o alinha com o protótipo do dândi,
um tanto entediado, um pouco alheio, mas pronto a participar de conversas nas quais caiba
a manifestação de suas opiniões precisas e críticas.
À semelhança do retrato de Ticiano [figura 34], Degas insere luvas nas mãos da
figura. Do italiano tido como “pintor dos príncipes”, Degas parece adotar também o
relaxamento e da figura, que não perde por isso em elegância em nenhuma das pinturas.
Na verdade a pose de Ticiano é citada por Degas no retrato que faz de seu avô Rene Hilaire
De Gas [figura 33], em obra que evidencia a linhagem burguesa do artista, filho de um
banqueiro Degas, como o amigo Manet, fazia parte da elite francesa.
Também o retratado veneziano acompanhava as modas de seu tempo, o que é
evidenciado pela execução cuidadosa do penteado, as joias de ouro, os delicados
acabamentos da camisa e as luvas. Degas exibe um acessório de ouro junto ao colete e
nos mostra a delicadeza do botão na camisa branca engomada. A minúcia que dedica à
fatura das mãos e mesmo à definição dos traços do rosto, pálido na testa e rosados nas
bochechas, não aplica ao braço que aparece à nossa direita, definido em traços soltos,
contra o fundo.
58
Figura 32 Autorretrato, 1863 Edgar Degas Óleo sobre tela, 92,1 x 69 cm Museu Calouste Gulbenkian, Lisboa
Figura 33 Hilaire De Gas, 1857 Edgar Degas Óleo sobre tela, 53 x 41 cm Musée D´Orsay, Paris
59
Figura 34 Retrato de homem, chamado homem com luvas, c. 1520 Tiziano Vecellio, dito Ticiano Óleo sobre tela, 100 x 89 cm Louvre, Paris
Em ambas, os gestos e a postura e o vestuário são os dados indicativos da
identidade dos retratados, em obras em que não há a presença de objetos ou elementos
decorativos que funcionem como atributos complementares. O retrato psicológico de
Ticiano nos induz a contemplar a melancolia do olhar do jovem refinado, assim como Degas
nos faz inquirir sua expressão quase enigmática, que dá uma medida contida à saudação
amistosa.
A frase de Degas a seguir, parte de seus diários, escrita três anos após a
realização da obra, é indicadora de seus interesses em apresentar seus retratados em
situações e poses habituais, buscando a melhor tradução de sua identidade a partir do rosto
e também do corpo: faire des portraits des gens dans des atitudes familière et typiques,
surtout donner à leur figure les mêmes choix d’expression qu’on donne à leur corps42. House
42 HOUSE, John. Toward a “modern” Lavater? Degas and Manet. In Percival, Melissa, and Graeme
Tytler. Physiognomy in Profile: Lavater's Impact on European Culture. University of Delaware Press, 2005. p.180-197
60
destaca outro trecho do diário do artista em que trata dos estudos de cabeça criados para
exemplificar uma determinada emoção:
Faire de la tête d’expression (style d’académie) une étude du sentiment moderne –
c’est du Lavater, mais du Lavater plus relatif, en quelque sorte – avec symboles
d’acessoire quelquefois43.
O autor argumenta que ainda que o Essai sur la physiognomonie de Lavater não
tivesse uma circulação tão ampla e acessível, a disseminação de textos sobre fisiognomia,
citando o autor eram bastante disseminados na segunda metade do século XIX. Não é
difícil imaginar o interesse, ou pelo menos curiosidade, de um pintor com grandes
habilidades para o retrato pela fisiognomia e seus objetivos em conhecer o caráter dos
indivíduos a partir de traços exteriores e movimentos. Lavater indica, ainda, as
possibilidades de obter informações pela observação de roupas, moradias e mobiliário.
Essa perspectiva ambientalista pressupunha a atenção aos hábitos, às ocupações e se
aplicava as teorias de Hippolyte Taine relacionadas à raça e ao meio, que seriam fatores
determinantes do comportamento.
Degas integrava-se o grupo que orbitava ao redor de Edouard Manet, do qual fazia
parte também Edmond Duranty, estudioso das teorias fisionômicas, e teórico do Realismo.
Duranty escreveu sobre a necessidade de apresentar os indivíduos em suas casas, na rua,
em suas situações sociais. Para ele, corpo e todos os tipos de gestos podem expressar
status, temperamento e a época corrente, sendo as pessoas indissociáveis de seu entorno.
Defende ainda que uma profissão e circunstâncias têm efeito sobre sua fisionomia. Apesar
de reconhecer a importância de Lavater, reconhece que a fisionomia pode reduzir o olhar
a estereótipos e induzir ao erro quem pretende conhecer um homem pela mera análise de
seus traços faciais.
Para House, a tradição renascentista do retrato que coloca enfatiza os marcadores
externos de status, surge revisada e representada por acessórios que se combinam ao
rosto para constituir a caracterização, nos fazendo pensar sobre o cenário e acessórios
mobilizados ao redor de Timótheo. Degas e Duranty acreditavam ser possível traduzir
assim o caráter único de um indivíduo e, ao mesmo tempo, explicitar que tipo de pessoa é.
O retrato de M. Louis-François Bertin é um exemplo de apresentação de uma personalidade
43 Idem p.180.
61
que traduz simultaneamente uma verdade de caráter mais geral, uma vez que é visto como
a imagem do burguês típico, e veremos como Chambelland realiza o retrato de Oliveira
Lima com resultados similares.
O retrato que Manet faz de Zola [figura 35] chega a ser criticado por dar igual
importância aos acessórios e ao rosto, apesar das obras do pintor, e também de Degas,
dedicarem grande importância aos traços faciais. Um exemplo é o retrato de Duranty feito
por Degas [figura 37], em que os livros e o gesto indicativo de atividade intelectual não
traem a atenção dada ao rosto, evidenciado pelo estudo o Metropolitan [figura 38].
No pastel Fisionomias Criminais [figura 39] Degas mostra jovens acusados de três
assassinatos brutais que resultou em um julgamento amplamente divulgado pelos jornais.
O artista escolhe o perfil para que o observador identifique com facilidade em Émilie Abadie,
um dos acusados que tinha apenas dezenove anos, a testa baixa, a cabeça grande, o
queixo forte e os lábios cheios, traços relacionadas pelas teorias da época como as que
revelavam as características atávicas de criminosos, características ausentes no segundo
acusado, Pierre Gille, de dezessete anos, que, se não portava as mesmas feições, deveria
creditar sua criminalidade à forças externas a seu ambiente.
Degas, assim como Duranty, desejava atualizar Lavater, buscando na observação
moderna insights para o realismo de suas obras. Já foi apontado que personagens de
Degas, tais como cantoras de cabaré, prostitutas e bailarinas exibem o queixo recuado ou
o nariz proeminente, associados à pequena inteligência, sensualidade e fraqueza, aí
incluído o bronze da pequena bailarina de quatorze anos44. Esse conjunto de obras pode
ser visto como um retrato cru da sociedade francesa, vista a partir de ângulos, os menos
favoráveis. Nesse sentido há paralelos entre os interesses de Degas e as vertentes da
pintura brasileira de inclinações naturalistas/realistas, como veremos.
44 DRUICK, D e ZEGERS, P. Scientific Realism: 1873 – 1881. In BOGGS, Jean Sutherland. Portraits by
Degas. No. 2. Univ of California Press, 1962. p.197-211
62
Figura 35 Edouard Manet Emile Zola, 1868 Óleo sobre tela, 146.5 x 114 cm Musée d'Orsay, Paris
63
Figura 36 Edgar Degas Retratos na Bolsa de Valores, 1878-1879 Óleo sobre tela, 100 x 82 cm Musée d’Orsay, Paris
Figura 37
Edgar Degas Retrato de Edmond Duranty, 1879 Pastel e tempera, 100 x 100 cm Burrell collection, Glasgow
Figura 38 Edgar Degas Retrato de Edmond Duranty, 1879 Carvão sobre papel, 30,8 x 47,2 cm Metropolitan Museum, Nova York
Seu autorretrato pode ser visto como uma representação dos costumes de um grupo
social, representativo de sua época. Degas parece olhar para o burguês entre a admiração
e a ironia, apresentando-se para o escrutínio de outros. Da mesma maneira em que ao
executar os retratos na Bolsa de Valores [figura 36] alia à representação da elegância dos
homens e da vivacidade do ambiente, figuras grotescas para registrar sua aversão a esse
aspecto do mundo burguês. Como um dândi que se preza Degas se imagina a transitar
com autonomia em meio à elite, como observador que não se contamina ou se deixa conter
pelas convenções sociais regradoras.
Se por um lado a pose de Arthur remete diretamente à Whistler, parece ser o
interesse de Chambelland por estas tendências realistas/naturalistas observáveis em
64
Degas que orienta a busca de soluções para execução de sua pintura, tanto no caso de
nosso retrato como em outras obras, como veremos mais adiante.
Figura 39 Edgar Degas Fisionomias criminais, 1881 Pastel, 48 x 63 cm Coleção particular
O autorretrato de Degas se aproxima em sua representação de elegância às
imagens de dândi que Henri Fantin-Latour cria no retrato de Édouard Manet [figura 40],
portanto apresentando mais um artista dândi, e no retrato de Manet, de Antonin Proust.
Henri Fantin-Latour pinta o retrato de Manet quando o nome do pintor já era bem conhecido
no cenário francês. Fantin escolhe mostrar Manet como o artista dândi, flâneur,
representado contra um fundo neutro, replicando o que vemos em obras do próprio Manet,
produto de sua admiração por Velazquez a quem denominava “o pintor dos pintores”. Essa
representação parece ter causado surpresa pelo que depreendemos da leitura das
palavras de crítico anônimo sobre suas impressões ao ver a obra:
65
O Sr. Fantin-La Tour está mostrando um retrato muito distinto do... Sr. Manet... o
criador de Olympia. Eis então! Esse homem jovem, correto, bem enluvado, que
alguém poderia imaginar ser membro do contexto das corridas de cavalo, é na
verdade o pintor do gato negro, cuja fama se espalhou em uma onda de ridos, e
quem alguém poderia ter imaginado como um estudante de arte de cabelos longos45
O homem elegante não corresponde às expectativas desse observador que tinha
em mente uma imagem mais boêmia para o artista rebelde, autor da Olympia, que se exibe
junto ao seu gato, encontrando recepção intensa e negativa no Salão de 1865. A obra é
exibida no Salão de 1867, ano da morte de Baudelaire, amigo com quem conviveu
proximamente. É também ano em que Manet reúne mais de cinquenta de seus trabalhos
em um pavilhão que constrói, com seu próprio dinheiro, próximo à entrada principal da
Exposição Universal, com o objetivo de atrair um público para sua arte. Realiza assim uma
exposição apartada do Salão, que já o havia rejeitado, e exibe de modo independente
Déjeuner sur l’herbe, entre outras obras .
A imagem faz jus ao homem sofisticado e elegante, filho de um oficial do
Ministério da Justiça da França, o juiz em posição de maior evidência no país, que podia
transitar confortavelmente entre a burguesia aristocrática. Sua postura de não
conformidade está contida de modo mais sutil e intelectualizado na imagem de dândi
flâneur, o artista que observa com distanciamento o movimento da vida moderna. Fantin
escreve uma mensagem junto à assinatura, dedicando à obra ao amigo Manet. Dessa
forma, declara sua afinidade ao artista controverso que, apesar de naquele ano ter se
recusado a submeter qualquer pintura ao Salão, acaba estando de certa forma presente
por meio de seu retrato. Neste mesmo ano, Émile Zola havia afirmado que o futuro seria de
Manet, e antecipou que Déjeuner um dia faria parte do acervo do Louvre, o que veio a
ocorrer cerca de setenta anos depois. Uma exposição, em 2011, do Museu D’Orsay
denominada Manet, o homem que inventou a Modernidade, testemunha a importância do
pintor na arte de seu tempo e na que veio a seguir.
45 In STURGIS, Alexander. Rebels and martyrs: The image of the artist in the Nineteenth Century. Yale
University Press, 2006. p.120.
66
Figura 40 Retrato de Manet, 1867 Henri Fantin-Latour Óleo sobre tela, 117,5 X 90 CM The Art Institute of Chicago, Chicago
Figura 41 Retrato de Antonin Proust, 1880 Édouard Manet’s óleo sobre tela, 129,5 x 50,9 cm Toledo Museum of Art, Toledo
67
O retrato que Manet faz de seu amigo de infância Antonin Proust [figura 41] traz
marcantes similaridades com a obra de Fantin-Latour. Ambos estudaram juntos no atelier
de Couture, mas Proust seguiu carreira como jornalista e crítico, atuando também no campo
político. Foi eleito ao Parlamento e, posteriormente, chegou a ocupar brevemente a cadeira
de Ministro de Belas Artes, período em que nomeou Manet como Cavaleiro da Legião de
Honra. Proust também veio a escrever uma biografia de Manet. O retrato é indicador das
afinidades de gosto e maneiras existentes entre os dois amigos e, possivelmente, a
apreciação de Manet pelo retrato que lhe fez Fantin-Latour. Antonin posou por diversas
vezes e Manet recomeçou a obra por mais de vinte vezes, quando finalmente conseguiu
realizar uma versão quase integralmente durante um encontro, ao surgir o retrato quase de
uma vez. A obra foi enviada ao Salão de 1880 onde recebeu críticas mistas, sendo as
negativas dirigidas a uma percepção de que a execução seria crua, sem apuro no
acabamento.
Essas duas obras, das décadas de 1860 e 1880, traduzem uma perspectiva
de representação masculina da segunda metade do século XIX, que reforça imagens de
superioridade aristocrática do dândi em apresentação impecável.
68
2.4.. Os dândis Jacques-Émile Blanche
A identidade dândi se define, em muitos sentidos, por ambiguidades. A
aparência sofisticada e a violência de seu wit, sua natureza aristocrática e a crítica às
convenções, são exemplos. Mas também a estética por vezes feminilizante faz parte da
construção de imagens sexualmente ambíguas.
Figura 42 Um Dândi desmaiando, 1818 Isaac Cruikshank Gravura sobre papel Chazen Museum of Art, University of Wiscosin-Madison
Um exemplo dessa conotação em nota cômica é a gravura Um dândi
desmaiando [figura 42] de um dos irmãos Cruikshank que dedicaram muitas de suas
caricaturas à critica ao dandismo inglês do início do século XIX. O grupo ocupa um box de
ópera e vemos através da cortina um castrato cantando no palco. Os que acodem o homem
que desmaia, tomado de emoções provocadas pela performance, dizem frases dramáticas
69
como estou tão assustado que mal posso parar em pé, enquanto um eles segura um frasco
de água de colônia na tentativa de trazê-lo de volta aos sentidos. Toda a cena remete à
feminilidade, seja pela referência ao excesso de acessórios indicados pelos chapéus e
echarpes sobre o sofá e no chão, seja pelas reações e gestos, ou pela própria alusão ao
cantor eunuco. A imagem traduz a percepção do dândi como o homem cultivado, de
performance exagerada, mas também faz referência ao desejo homossexual e a uma
sexualidade vista como transgressora.
Oscar Wilde seria o exemplo mais óbvio do dândi homossexual, assim como
João do Rio no Brasil. Mas também Whistler, que ridicularizava Wilde quando a sua
homossexualidade tornou-se pública, pode ser visto segundo esta perspectiva da
sexualidade ambígua. Neste trecho vamos analisar os retratos masculinos de Jacques-
Émile Blanche, que conviveu com Wilde e Whistler, e traz em suas obras a marca dessa
ambiguidade. Seus retratos se aproximam em suas soluções compositivas da pintura de
Chambelland, por vezes pelo posicionamento do corpo ou das mãos, mas, sobretudo, pela
elegância das personagens.
Esse retratista francês, filho de um conhecido médico, recebeu pouca educação
formal no campo das artes, tendo sido em certa medida um autodidata. Foi um atento
observador das obras de Manet, James Tissot e John Singer Sargent, além de ter convivido
proximamente com Degas, Renoir, Giovani Boldini, Marcel Proust e James Joyce. Seu
relacionamento com os círculos londrinos foram constantes a partir da metade da década
de 1880, cultivado por viagens anuais e registrado nos retratos que realizou de intelectuais
e artistas residentes na cidade. Além de suas participações em Salões parisienses entre
1882 e 1889 e na Société Nationale des Beaux-Arts, contribuiu na organização do Salon
des Indépendants na Galerie Georges Petit, em 1884.
Esses círculos sociais, profissionais e afetivos estão registrados nos muitos
retratos que realizou de escritores e artistas e nos relatos de suas memórias. Também a
pintura André Gide e seus amigos no Café Mourisco da Exposição Universal de 1900 [figura
55], exemplificam à maneira de Fantin-Latour antes dele e Timótheo em Alguns colegas, o
sentido agregador dos encontros entre artistas. O retrato individual que faz de Gide [figura
56] repete o chapéu mole do artista boêmio e o coloca em pose similar à de Arthur na obra
de Chambelland.
70
A cidade de Dieppe na Normandia, próxima da qual Blanche possuía uma
residência, funcionou como um ponto de encontro entre artistas franceses e ingleses nas
décadas de 1880 e 1890. Ali Blanche retratou o escritor Aubrey Vincent Beardsley [figura
43], em seu habitual costume cinza, sentado e visto a meio corpo, levemente voltado para
a esquerda do observador. Blanche faz uma imagem de delicadezas que se repetem nos
traços do rosto, na pequena boca desenhada, nas mãos pequenas que terminam em dedos
finos que seguram com leveza a bengala com detalhe metálico. Uma flor rosa na lapela
acentua a suavidade da imagem, assim como a linha que divide o penteado ao meio, e
depois segue alinhada aos botões do colete. As peças de roupa se interligam pela
uniformidade de tons. Ao fundo, uma paisagem bastante abstrata apoia a parte inferior do
corpo em manchas marrons, que se mesclam na parte superior a tons acinzentados e
verdes.
Blanche realizou um retrato do dândi exemplar, símbolo do esteta aristocrático e
escritor diletante, o Conde Robert de Montesquiou-Fezensac [figura 46], que lhe foi
apresentado por Whistler, que foi, por um período, importante mecenas para o artista. A
imagem concentra a atenção nos bigodes encerados portados por muitos dândis, em um
enquadramento que privilegia a cabeça. O pintor italiano Boldini, seu amigo, retratou o
conde em uma obra que guarda semelhanças com o retrato de Beardsley nas escolhas
cromáticas [figura 47], na posição do corpo e também da bengala, que aparece como um
cetro nas mãos do escritor, talvez por ironia do pintor, que se descrevia como o soberano
das coisas transitórias. Montesquiou também é retratado por Whistler na obra Arranjo em
Preto e Dourado: Conde Robert de Montesquiou-Fezensac [figuras 45]. A atmosfera de
penumbra e o uso dos punhos e luvas como pontos de luz são alguns dos elementos de
identificação entre a obra e o retrato de Arthur.
O pintor inglês Charles Conder [figura 50] também era dos artistas que
compartilhou estadas com Blanche em Dieppe. Retratado em sua casa londrina por
Blanche, aparece emoldurado pelo amarelo das paredes e pelo floral dos estofamentos,
representados de modo ligeiro. Sentado, segura o braço da cadeira, cruza as pernas e dá
o perfil agudo ao observador. Vemos ainda frações de quadros suspensos na parede,
embora não seja possível identificar o que representam. O rosto traz as sobrancelhas
erguidas, o olhar distante, talvez marcado por certa indiferença. Os cabelos passam em
comprimento as orelhas e estão levemente desalinhados, ajudando a compor a espontânea
elegância da obra. O terno marrom é acompanhado por um colete bege, uma gravata
71
Figura 43 Aubrey Vincent Beardsley, 1895 Jacques-Émile Blanche Óleo sobre tela, 92,6 x 73,7 cm National Portrait Gallery, Londres
Figura 44 Sir Coleridge Kennard sentado no sofá, ou o Retrato de Dorian Gray, 1904 Jacques-Émile Blanche Óleo sobre tela, , 117 x 95 cm Coleção particular
72
clássica e uma camisa branca de gola engomada, indicador de aprumo, que repete o
branco dos punhos da camisa entrevistos sob o paletó.
Um de seus retratos mais conhecidos é o de Marcel Proust [figura 48] que o
mostra aos vinte e um anos. O jovem dândi é apresentado frontalmente, quase como uma
figura hierática, vestido de preto diante de um fundo de tons semelhantes. A síntese do
pintor faz com que a palidez da pele fique contida pela oval que delineia o rosto, o que faz
de modo parecido no retrato de Jean Cocteau [figura 49], os tons claros se repetem na
camisa e na gravata em uma representação estática e contundente.
Os tons escuros da composição encontram seu oposto no retrato de Harry Melvill
[figura 51], no qual o pintor repete a pose de corpo sentado e orientado à direita do
retratado, com as pernas cruzadas. O olhar tranquilo de Melvill parece nos engajar em um
diálogo, enquanto as mãos aguardam um gesto. Aqui as pinceladas, pouco visíveis no
retrato de Proust, parecem criar texturas no tecido da vestimenta clara e informal,
arrematada por uma gravata borboleta de seda estampada. Melvill era um ator que teve um
breve envolvimento com Oscar Wilde no final da década de 188046. A semelhança da pose,
favorita do pintor e similar também nos retratos de Granville-Barker, e Beerbohm, tem na
figura de Georges Porto-Riche o acréscimo da posição da mão que sustenta o rosto, como
em nosso retrato,
O retrato de Sir Coleridge Kennard [figura 44] apresenta um homem refinado
de beleza delicada. A obra foi encomendada pela mãe de Kennard, Sra. Carew, amiga de
Oscar Wilde, que, aliás, encomendou o monumento funerário sobre o túmulo de Wilde no
Père Lachaise. A obra desagradou a encomendante por ser abertamente alusiva à
homossexualidade de seu filho. Kennard concordou que a obra fosse exposta desde que
seu nome não fosse revelado. Por isso, o retrato foi exibido com o título Retrato de Dorian
Gray, sendo o nome da personagem de Wilde um código para homossexualidade em
determinados círculos47.
46 McKENNA, Neil. The secret life of Oscar Wilde. Basic Books, 2006. P.129-130. 47 EVANGELISTA, Stefano, ed. The Reception of Oscar Wilde in Europe. Bloomsbury Publishing, 2010. P.84.
73
Figura 45 Arranjo em Preto e Dourado: Conde Robert de Montesquiou-Fezensac, 1891-1892 James McNeill Whistler Óleo sobre tela, 208,6 x 91,8 cm Frick Collection, Nova York
74
Figura 46 Robert de Montesquiou Jacques-Émile Blanche Óleo sobre tela, 78 x 54 cm Coleção particular
Figura 47 O Conde Montesquiou, 1897 Giovanni Boldini Óleo sobre tela, 116 x 82,5 cm Musée d´Orsay, Paris
75
75
Figura 48 Retrato de Marcel Proust, 1892 Jacques-Émile Blanche Óleo sobre tela, 73,5 x 60,5 cm Musée d`Orsay, Paris
Figura 49 Jean Cocteau,1913 Jacques-Émile Blanche Óleo sobre tela, 205 x 111 cm Musée des Beaux Arts, Grenoble
Figura 50 Retrato de Charles Conder, 1904 Jacques-Émile Blanche Óleo sobre tela, 110,8 x 86,4 cm Tate Gallery, Londres
76
Figura 51 Retrato de Harry Melvill, 1904 Jacques-Émile Blanche Óleo sobre tela, 99,1 x 79,4 cm University of Oxford Collection, Oxford
Figura 52 Sir Max Beerbohm, 1903 Jacques-Émile Blanche Óleo sobre tela, 100.8 cm 82.1 cm Ashmolean Museum - University of Oxford
77
Figura 53 Harley Granville-Barker, 1930 Jacques-Émile Blanche Óleo sobre tela, 103.8 106.4 cm National Portrait Gallery - London
Figura 54 Retrato de Georges Porto-Rich Jacques-Émile Blanche, 1889 Óleo sobre tela, 100 x 65 cm Coleção particular
78
Figura 55 André Gide e seus amigos no Café Mourisco da Exposição Universal de 1900, 1901 Jacques-Emile Blanche Óleo sobre tela, 156 x 220 cm Museu de Belas Artes de Rouen, Rouen
Figura 56 Jacques-Emile-Blanche Retrato de André Gide, , 1912 Óleo sobre tela, Musée des Beaux-Arts de Rouen, Rouen
79
3. Dândis e boêmios da Primeira República
3.1. O Dandismo de João do Rio e de Baudelaire
o dandismo é um sol poente; como o astro que declina,
é magnífico, sem calor e cheio de melancolia48
Quando James Tissot realiza O Círculo da Rua Royale [figura 57] para retratar
os membros de um seleto clube masculino, a França está prestes a deixar o Segundo
Império (1852 – 1870). Não por acaso essa obra, que revela extremo cuidado com a
representação do vestuário de cada um dos elegantes homens presentes, foi realizada
por um filho de comerciante de roupas e chapéus. O último à direita é Charles Haas, que
veio a ser a inspiração de Marcel Proust para sua personagem Swann. Cartolas,
bengalas, gravatas, sapatos brilhantes e o branco das camisas revelam o status social do
grupo que reúne marqueses, condes, um barão e também um príncipe. O relaxamento é
composto e as posturas sugerem gestos polidos e elegantes.
A Paris visitada por Carlos Chambelland e Arthur Timótheo da Costa é a da
França da Terceira República (1870 – 1940); portanto, não é a mesma habitada pelo
Tissot do Circle, mas uma cidade que testemunhou o colapso do Segundo Império,
assistiu à emergência de um sentido de unificação das províncias constituintes da nação,
acompanhou o movimento expansionista francês por meio da incorporação de colônias
na Ásia e na África, assim como testemunhou os setenta e dois dias da experiência da
Comuna de Paris, em 1871. Essa era a Paris do Le Bon Marché e seus departamentos
dedicados ao consumo e da promessa de felicidade das senhoras.
48 BAUDELAIRE, Charles. O pintor da vida moderna. Autêntica. São Paulo. 2010.
80
Figura 57 James Tissot O círculo da Rua Royal, 1868 Óleo sobre tela, 174,5 x 280 cm Musée d'Orsay, Paris
O redesenho do espaço urbano comandado pelo Barão Haussmann foi
concluído em 1870 após quase vinte anos de empreitada, apresentando a nova face
geometrizante e simétrica da cidade traçada em amplos bulevares, praças, obras de
saneamento e parques renovados. Essa nova cidade que se modernizava buscando uma
nova personalidade arquitetônica, abraçou os subúrbios, agora arrondissements, queria
apagar os problemas de saúde de impacto coletivo e abrir caminho para o fluxo crescente
provocado pelas transformações trazidas pela época. Era também a cidade que já desde
a metade do século XIX havia desenvolvido uma cultura de boemia, onde estudantes
sonhavam ser artistas e escritores.
A indústria avançou provocando fluxos migratórios e a massificação
impactou o modo de vida. Ainda assim, o dândi persistia. Surgido originalmente como
uma movimentação da aristocracia francesa para reafirmar sua proeminência tradicional,
encontra outros sentidos no final do século. O habitante da cidade agora enfrenta a
multidão e naquele contexto o dandismo poderia ser visto como negação da
padronização. Marcar a diferença é o reverso da massificação, e o dandismo
81
representava uma forma radical de rejeição a todo tipo de uniformização. O dândi
preserva sua individualidade usando a máscara da indiferença. Ele cultiva o gosto do
disfarce e da ilusão, daí sua preocupação com detalhes da indumentária, como luvas,
chapéus, bengalas, echarpes, etc, marcas de distinção que evidenciam sua natureza
distinta e especial. O dandismo, por vezes, também lança mão do celibato ou da vida
sexual libertária, além da ociosidade, como mecanismos de resistência à moral da família
burguesa. O dandismo ao estetizar o comportamento, aproxima-se do ideal da arte pela
arte.
Figura 58 Salão de 1914 Edgar Parreiras, Moysés da Silva, Miguel Capllandi, Antonio Mattos, Pedro Bruno, Guttmann Bicho, Arthur Timótheo, J. B. Bordon, Aníbal Mattos, Adalberto Mattos e Jorge Lubre. Álbum de fotografias de artistas brasileiros e estrangeiros. Acervo da Biblioteca Nacional.
Observando uma foto que registra artistas presentes no Salão de 1914, no Rio
de Janeiro [figura 58], podemos supor que esses homens nasceram em berços distintos
daqueles que marcaram as origens dos dândis representados por Tissot. No entanto, algo
os faz semelhantes: um desejo de elegância, expresso nos trajes e na altivez. Este é
outro dandismo, não o aristocrático, mas aquele que permite aos homens inventarem a
82
si mesmos e a moldarem suas próprias imagens, independentemente de suas classes de
origem ou condição de nascimento.
Vale lembrar que quando Beau Brummel, o dândi prototípico, ouve de um
cavalheiro a afirmação de que se pudesse vetaria a presença de todos os vendedores e
criados que se introduzem na boa sociedade, ele responde placidamente que seu pai foi
um empregado muito bem qualificado e manteve sua posição por toda a vida49,e que,
portanto, ele mesmo tinha uma origem sem traço da aristocracia ou nobreza. O dândi,
que dizia ao príncipe regente o que vestir, era o símbolo de uma elegância moderna
disponível àqueles desprovidos de sangue azul. Seu pai havia sido uma espécie de
funcionário público, secretário de um lord e seu avô, um alfaiate, confeiteiro ou criado.
Sua resposta traduz seu entendimento de que seu pai não se arvorou a ocupar posições
sociais que não a sua. O próprio Brummel, no entanto, não apenas circulava entre a
nobreza, mas também era seguido pela aristocracia que reconhecia valor em seu gosto
um padrão a ser imitado, apesar de sua origem social. O dândi traduziria a possibilidade
do uso da vestimenta como manifestação de respeito próprio, invenção e cultivo de si,
que qualquer um pode alcançar.
Charles Baudelaire afirma que o dandismo seria uma espécie de religião
dedicada a acabar com o trivial que existe no mundo, sendo o dândi aquele que teria um
espírito aristocrata, distinto em natureza da burguesia com seus valores preponderantes.
Ele vincula o dandismo a épocas em que ocorrem transições sociais, heroico, porém
decadente, que engaja homens sem vínculos de classe e que poderiam estabelecer uma
aristocracia nova e diferente.
O dandismo não é sequer, como parecem acreditar muitas pessoas pouco
sensatas, um amor desmesurado pela indumentária e pela elegância física. Para
o perfeito dândi essas coisas são apenas um símbolo da superioridade
aristocrática de seu espírito. Por isso, a seus olhos ávidos antes de tudo por
distinção, a perfeição da indumentária consiste na simplicidade absoluta, o que é,
efetivamente, a melhor maneira de se distinguir. Que é, pois, essa paixão que,
transformada em doutrina, conquistou adeptos dominadores, essa instituição sem
leis escritas, que formou uma casta tão altiva? É antes de tudo a necessidade
49 HARVEY, John. Homens de preto. UNESP, 2003. p.38.
83
ardente de alcançar uma originalidade dentro dos limites exteriores das
conveniências(...) É o prazer de provocar admiração e a satisfação orgulhosa de
jamais ficar admirado.50
Em Flores do mal, responde à transitoriedade com uma melancolia consciente da
perda irrecuperável do passado. O poeta trata do lugar do artista em uma sociedade
burguesa obcecada pelo progresso, e o dândi se apresenta como alguém capaz de
transitar nesse contexto, ao mesmo tempo em que se constitui como indivíduo refratário
às convenções que regem a vida urbana burguesa.
Na fotografia, Timótheo aparece entre seus pares, em um grupo no qual podemos
identificar interessantes variações do figurino da época. Nas cabeças, todas cobertas,
encontramos dois chapéus de palhinha de tipo boater, diversos modelos de feltro como o
trilby de Adalberto Mattos ou o coco usado por Arthur, Parreiras e Bordon51. Apenas
Aníbal Mattos exibe uma cartola, que se faz acompanhar de colete claro e gravata ascot,
criando um conjunto que se destaca pela formalidade. Arthur opta pelo mesmo modelo
de gravata que arremata com um alfinete. Há outras de laço, borboleta e clássica que
imaginamos em diferentes cores ou tons, sugeridos pelas variações que vemos em sépia.
Algumas calças apresentam risca de giz, como a de Timótheo, outras são lisas, e surgem
acompanhadas por paletós de abotoamento simples ou duplo, ou casacas como os
modelos de Pedro Bruno, Jorge e Arthur. Coletes curtos e lenços de bolso complementam
o vestuário, assim como as bengalas portadas por três dos retratados, o brilho nos
sapatos, e também a polaina de Antonino Mattos.
Arthur Timótheo ocupa com sua baixa estatura uma posição central no
grupo, e vemos sua baixa estatura em meio às poses que oscilam entre medidas de maior
ou menor descontração e espontaneidade. Parreiras dá as costas ao fotógrafo, optando
por se apresentar em meio a uma espontânea interlocução com Moysés da Silva,
enquanto Guttmann Bicho cruza os braços ao segurar um cigarro. Pedro Bruno compõe
sua pose com ajuda da bengala, enquanto Aníbal Mattos parece convicto de sua
50 BAUDELAIRE, Charles. Sobre a modernidade. Paz e Terra, 1996. p. 48. 51 Tratando sobre a moda entre 1868 e 1914, Boucher descreve os tipos de chapéu presentes na moda
criada em Paris e difundida pela Europa e pelas Américas. A cartola ou chapéu haut-de-forme é considerado um acessório da elite até meados da segunda década do século XX. O chapéu coco, conhecido também como cape é usado no dia a dia, e nunca em situações formais. Os chapéus de feltro flexiveis são ainda mais informais em seu uso, portados pela manhã e em viagens, e cotava com número menor de adeptos. Os chapéus de palha tem uso amplo, sendo o panama mais comum durante viagens. In BOUCHER, François. História do vestuário no ocidente. São Paulo: Cosac Naify, 2010. P.394
84
elegância que não dispensa um anel no dedo mindinho e uma corrente atravessando o
peito, que pode pela ponta sustentar um relógio ou um monóculo à maneira do
personagem de João do Rio, Barão Belfort.
A foto que exibe um grupo do Salão do ano anterior [figura 59] traz muitas
semelhanças. Arthur ensaia sua pose apoiado a uma bengala, sem, no entanto, exibir a
convicção de seu irmão João. Carlos Chambelland aparece bem ao seu lado, enquanto
Rodolpho Chambelland ladeia João. Alguns nomes se repetem em ambas as fotos, porém
na mais recente o conjunto de poses parece mais expressivo, talvez mais intencional;
certamente, o grupo se apresenta mais aprumado e elegante.
Nas fotografias em que figuram nossos dândis, vive-se a belle-époque do Rio
de Janeiro reformado que desejava ser europeizado e civilizado, fascinado com a Europa,
envergonhado do Brasil, em particular do Brasil pobre e do Brasil negro52. Esse Rio
reinventado pela República tornava ainda mais marcada a segmentação social, fazendo
com que diferentes setores ficassem separados espacialmente na trama da cidade. As
personagens que vemos na foto são transeuntes de uma cidade que submetida ao que
se denominou “Regeneração”, ou popularmente “Bota-abaixo” devido às demolições
levadas a cabo para criar uma paisagem urbana condizente com o projeto de uma
imaginada civilização, expressa em uma vida cosmopolita incompatível com a herança
colonial.
O Brasil entrou – e já era tempo – em fase de restauração do trabalho. A higiene,
a beleza, a arte, o “conforto” já encontraram quem lhes abrisse as portas dessa
terra, de onde andavam banidos por um decreto da Indiferença e da Ignomínia
coligadas. O Rio de Janeiro, principalmente, vai passar e já está passando por uma
transformação radical. A velha cidade, feia e suja, tem os seus dias contados53.
A empolgação do comentário de Olavo Bilac traduz as elevadas expectativas
quanto à transfiguração do país, melhor expressa em sua capital que aspirava tornar-se
um moderno centro urbano, apagando o estilo de vida da colônia e a cidade velha.
52 CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que näo foi. Companhia
das Letras, 1999. P.41. 53 BILAC, Olavo. Crônica, RK, janeiro de 1904. In SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões
sociais e criação cultural na Primeira República. Vol. 3. Brasiliense, 1983. P. 42.
85
Figura 59 Salão de 1913 Archimedes Silva, Guttmann Bicho, Adalberto Mattos, Arthur Timótheo, Carlos Chambelland, Moreira Junior, Christophe, João Timótheo, Rodolpho Chambelland, Alvim Menge, Arnaldo de Carvalho, Nicolina Vaz de Assis, Rodolfo Pinto do Couto e Navarro da Costa. Álbum de fotografias de artistas brasileiros e estrangeiros. Acervo da Biblioteca Nacional.
Para Sevcenko, mais do que o espaço público a transformação era de mentalidade
e de modo de vida sendo quatro os princípios fundamentais que regeram essa
metamorfose:
1. A condenação dos hábitos e costumes ligados à sociedade tradicional;
2. A negação dos elementos de cultura popular que pudessem macular a imagem
civilizada da sociedade dominante;
3. Uma política de expulsão dos grupos populares da área central da cidade,
destinada ao desfrute das camadas aburguesadas;
4. O desenvolvimento de um cosmopolitismo agressivo, identificado com a vida
parisiense.54
54 SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República.
Vol. 3. Brasiliense, 1983. P. 43.
86
A nova identidade desejada era cosmopolita, demandava novos padrões de
consumo, novos espaços urbanos e uma imagem social em que a herança afro-brasileira
dos habitantes recebesse novos significados.
A belle-époque se inicia em 1898 com o a gestão de Campos Sales que cria
condições para que os interesses das elites regionais agroexportadoras se estabeleçam
novamente, e o começo de um período de estabilidade após as jornadas revolucionárias.
Neste novo clima surgem as possibilidades para que a cidade seja palco de uma a vida
urbana elegante. Para Needell, duas permanências são especialmente notáveis em meio
às mudanças trazidas por esse momento de transição entre séculos: o controle exercido
pela elite e sua expressão sociocultural, gerando o que ele denomina de sentimento de
continuidade aristocrática. O autor fala sobre estruturas duradouras, adaptadas a
circunstâncias instáveis: locais exclusivos para articulações e alianças, valores que se
mantêm em meio a mudanças sociais, econômicas e políticas.55
Vale lembrar que as reformas tinham como objetivo o afrancesamento da
cidade para que ela pudesse ser, também, um portão de entrada capaz de impressionar
capitalistas, projetando uma imagem europeia que os convencesse de seu caráter
civilizado. Vias amplas e longas como a Nova Avenida Central, as praças e jardins eram
o símbolo dessas ambições, acompanhadas por novos padrões de consumo de produtos
importados, obras de saneamento da cidade, bem como a disseminação de edifícios de
arquitetura monumental. Essas fantasias civilizatórias carregavam em si a condenação
de elementos identificados como brasileiros.
Abraçar a Civilização significava deixar para trás aquilo que muitos na elite carioca
viam como um passado colonial atrasado, e condenar os aspectos raciais e
culturais da realidade carioca que a elite associava àquele passado.56
O Carnaval, herança do Brasil africano, por exemplo, causava vergonha à elite,
que imaginava poder eliminá-lo assim como apagava as ruas estreitas e as vielas
escuras.
José Murilo de Carvalho ao escrever Os Bestializados57, escolhe como
subtítulo O Rio de Janeiro e a República que não foi. A nova República imaginou uma
55 NEEDELL, Jeffrey D. Belle époque tropical: sociedade e cultura de elite no Rio de Janeiro na virada do
século. Companhia das letras, 1993. 56 Idem. p.70. 57 Carvalho, José Murilo de. "Os bestializados." São Paulo: Companhia das Letras (1987): 160.
87
cidade ideal para ser sua capital, sem desejar, no entanto, vê-la povoada por cidadãos.
O autor se pergunta ao longo da obra por que o projeto republicano inviabilizou a
consolidação da cidadania.
O Estado aparece como algo a que se recorre, como algo necessário e útil, mas
que permanece fora do controle, externo ao cidadão. Ele não é visto como produto
de concerto político, pelo menos não de um concerto em que se inclua a
população. É uma visão antes de súdito que de cidadão, de quem se coloca como
objeto da ação do estado e não de quem se julga no direito de a influenciar.58
João do Rio talvez seja o escritor que com maior colorido nos apresenta os
contornos desse momento habitado pelos artistas de nossas fotografias, as chaves de
compreensão do universo dandista brasileiro, sendo ele mesmo um dândi. Em sua
diversidade de vestimentas, os grupos de nossas fotos parecem saídos de um de seus
textos:
A rua fatalmente cria o seu tipo urbano como a estrada criou o tipo social. Todos
nós conhecemos o tipo do rapaz do largo do Machado: cabelo à americana, roupas
amplas à inglesa, lencinho minúsculo no punho largo, bengala de volta, pretensões
às línguas estrangeiras, calças dobradas como Eduardo VII e toda a snobopolis do
universo. Esse mesmo rapaz, dadas idênticas posições, é no largo do Estácio
inteiramente diverso. As botas são de bico fino, os fatos em geral justos, o lenço
no bolso de dentro do casaco, o cabelo à meia cabeleira com muito óleo. Se formos
ao largo do Depósito, esse mesmo rapaz usará lenço de seda preta, forro na gola
do paletó, casaquinho curto e calças obedecendo ao molde corrente na navegação
aérea - calças a balão.
Esses três rapazes da mesma idade, filhos da mesma gente honrada, às vezes até
parentes, não há escolas, não há contactos passageiros, não há academias que
lhes transformem o gosto por certa cor de gravatas, a maneira de comer, as
expressões, as ideias - porque cada rua tem um stock especial de expressões, de
ideias e de gostos.(...)
Oh! Sim, a rua faz o indivíduo, nós bem o sentimos59
58 Idem,146-147. 59 Extraído de João do Rio, A Rua, publicada na Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro em 29/10/1905, IN.:
RIO, João do. A alma encantadora das ruas. Org. Raúl Antelo. São Paulo: Cia. das Letras, 1997. Col. Retratos do Brasil. p. 66 - 68
88
Seu modo de percorrer, observar e interpretar a cidade é moderno, como o flanar
descrito por Baudelaire, e revela as ambiguidades produzidas pela reforma inspirada em
Haussmann e iniciada por Pereira Passos, em 1904. O Rio de Janeiro se constituía,
então, em um cenário para a encenação da modernidade:
(...) João do Rio enfoca as transformações da cidade diante do script por meio do
qual a sociedade imaginava absorver as representações do moderno e do
cosmopolita na percepção do espaço urbano decidido de forma cênica ou teatral.60
Da mesma maneira, João do Rio manipulava sua própria imagem. Mais do que
admirador de Oscar Wilde, João do Rio foi seu tradutor na edição brasileira de O Retrato
de Dorian Gray, obra lançada em 1923, na qual figura um protagonista dândi, e para o
cronista o melhor livro de ficção já escrito. Também os modos de trajar de Wilde foram
admirados e adotados por escritores do início do século XX. Além do próprio João,
Guilherme de Almeida, Elísio de Carvalho e Olavo Bilac são exemplos do que Gentil de
Faria chama de epidemia de dandies. O autor destaca uma passagem de uma dedicatória
de livro escrita por Elísio de Carvalho, em que descreve João do Rio wildezando a figura
do brasileiro:
A Paulo Barreto, o artista bizarro, atormentado e cintilante, admirável como
Jean Lorrain e paradoxal como Oscar Wilde, seus mestres, voluptuoso, requintado,
perturbante e decadente, nostálgico como um lírio e impulsivo como um bárbaro,
ao mesmo tempo místico como Verlaine e pagão como D´Annunzio, a imaginação
fulgurante ávida sempre das sensações do raro e do imprevisto, que se tornou o
historiógrafo estranho da alma encantadora das ruas, e melancólico analista da
escola dos vícios, o psicólogo sutil, e às vezes cruel, das religiões, das crenças e
dos cultos de nossa cidade, o cronista elegante, e o mais singular, das luxúrias,
das perversões, das vesânicas, das sensualidades, das bizarias inconfessáveis e
das grotescas vaidades da nossa gente.61
60 BOUÇAS, Edmundo. João do Rio – atuações do Corpo-viajante. Lumina – Facom/UFJF – v.4, n.1, p.45-
56, jan./jul. 2001 – www.facom.ufjf.br. 61 FARIA, Gentil Luiz de. A presença de Oscar Wilde na" belle époque" literária brasileira. Editora Pannartz,
1988. P. 184.
89
Em outro momento, Elísio compara João do Rio a um dândi afirmando que o
escritor levaria a vida requintada narrada na crônica parisiense, além de reproduzir, a
elegância, o ceticismo do dândi enfastiado da época e do meio em que vive.62
Esse tédio também é encontrado em Baudelaire, para quem o dândi é uma
figura melancólica da Modernidade. As promessas da razão não resultaram no mundo
utópico imaginado, e a falência da Revolução se deu como consumada, após a derrota
da comuna em 1848. Aos olhos de um morador de Paris na segunda metade do século
XX, a cidade era cenário para o circular anônimo pelos bulevares e novas formas de
consumo. A modernidade seria caracterizada por uma transitoriedade em que grande
beleza pode ser encontrada, mas ao mesmo tempo sua obra aponta para o sentido de
decadência que também é seu produto.
Essa sensibilidade que vai marcar a produção decadentista francesa também pode
ser observada no Brasil. Levin explicita a relação existente entre o dandismo de João do
Rio e o Decadentismo:
O decadentismo, sugerindo ao poeta o uso de temas mórbidos e perversos, ao
lado do dandismo, pelo qual se destaca a independência dos sentimentos,
equivalem a duas faces de uma mesma moeda, já que ambos permitem ao escritor
extrair da artificialização dos procedimentos um sentido místico.63
O Decadentismo traz em seu bojo certa melancolia e Chambelland escolhe uma
pose sugestiva da representação de disposições melancolicas para a imagem de Arthur
Timótheo como dândi. A mão que apoia o rosto tem seu antecedente mais conhecido na
gravura Melencolia I, de Dürer [figura 60]. No Renascimento, a melancolia presente nos
indivíduos dominados pelo humor corporal da bile negra, produzida pelo baço, e por
Saturno.64 É vista como afecção dos espíritos excepcionais, podendo se manifestar de
62 CARVALHO, Elysio de. As modernas correntes estéticas na literatura brasileira. RJ: Garnier, 1907. P.84 63 LEVIN, Orna Messer. As figurações do Dândi: um estudo sobre a obra de João do Rio. Editora da
Unicamp. SP, 1996. p.66. 64 A predominância de cada humor resultaria em diferentes temperamentos e tipos psicológicos, além de
se relacionar a planetas, sendo Saturno, ou Cronos, o regente dos humores melancólicos caracterizados pela falta de desejo e ânimo entristecido. O melancólico deve lutar contra males a que estaria mais propenso, como a loucura e a preguiça. Essa teoria humoral que surge com Hipócrates é renovada na Idade Média e no Renascimento, transformando-se na época moderna em uma concepção da melancolia como perturbação mecânico-nervosa-psíquica caracterizada pelo desinteresse pelo mundo externo.
90
três diferentes maneira: a melancolia imaginativa, representada na gravura e que seria
própria dos artistas; a que se concentra na razão típica dos filósofos e cientistas; e a que
se concentra na mente e que se relaciona aos que investigam a lei divina e o caminho de
salvação da alma.65 A imagem da gravura seria, então, um retrato do temperamento de
Dürer como artista, de modo específico, e símbolo da condição intelectual do artista, em
geral. A cabeça do melancólico precisa ser apoiada mediante o peso das reflexões sobre
a vida.
Freud, em Luto e Melancolia, distingue dois tipos de melancolia. Uma seria positiva
e traria em si a possibilidade de cura mediante a passagem do tempo, e poderia ser fruto,
por exemplo, de uma perda significativa que gerou a condição de enlutamento. A negativa
teria um caráter de maior permanência, estando vinculada a uma sensação de vazio
desconectada de qualquer evento específico. Walter Benjamin, que se definia como
saturnino, identifica em Charles Baudelaire uma transposição de sua melancolia para
suas obras, em uma forma de duelo criador.66
Baudelaire escolhe o título O Spleen de Paris para um de seus livros, o que sugere
o sentido de melancolia, o mal daquele século, provocado pelo temperamento do
indivíduo ou pela vida nas cidades modernas. Spleen, originalmente baço em inglês,
designa a dor melancólica do artista, herói privado e moderno, que busca autonomia.
Esse spleen é antes a apatia do homem impotente diante da limitação de açãoo do
homem contra a realidade de um mundo exterior em declínio.
Para Chateaubriand, a melancolia do dândi possui uma dimensão existencial
e ao descrevê-lo diz que deveria ter “olhar profundo, sublime, perdido, fatal, lábios
contraídos por desdém à espécie humana, coração entediado, byroniano, afogado no
desgosto e no mistério do ser”.67 O retrato de Whistler feito por Paul Cesar ecoa a pose
e a adota como emblema do dândi [figura 61].
O dândi é uma personagem típica da literatura decadente68 e com frequência é na
história o elemento de passado duvidoso, homem sem ocupação, que aconselha outras
65 LAGES, Susana Kampff. Walter Benjamin: tradução e melancolia. EdUSP, 2002. P.42. 66 BENJAMIN. Walter. Charles Baudelaire um lírico no auge do capitalism. 1. Ed. São Paulo: Brasileinse,
1989. – (Obras Escolhidas III; v.3). 67 BOUCHER, François. História do vestuário no ocidente. São Paulo: Cosac Naify, 2010. P.334. 68 Adotamos aqui a perspectiva que concebe Simbolismo e Decadentismo como tendências integradas,
surgidas quase ao mesmo tempo, sendo o Decadentismo um pouco anterior. Faria acredita que a
91
personagens, responsável por induzir outros a ações de valor moral duvidoso, ou é o que
serve de exemplo quanto aos modos de comportamento social, as boas maneiras. Acima
de tudo, é o frasista de impacto.69
Figura 60 Melencolia I, 1514 Albrecht Dürer Gravura, 24 x 18,5 cm Metropolitan Museum, Nova York
separação diiculta a classificação de obras e cita como exemplo o caso de Baudelaire, que pode ser visto como decadente, como classificado por Gautier, ou como primeiro escritor do simbolismo. Ver Faria p. 67. 69 Amâncio, protagonista maranhense do romance Casa de Pensão (1884), é um dos primeiros dândis da
literatura brasileira. O alfinete de esmeralda na camisa, os sapatos de verniz brilhante, bem como as joias chamativas como o anel de brilhante um grosso cordão de ouro, davam conta de sua elegância. Entre o tédio e o devaneio, deitava-se na rede, punha-se a sonhar com miragens parisienses, e com fantasias amorosas e a escrever poesias inspiradas por Byron.
92
Figura 61 Retrato de Whistler, 1897 Paul Cesar Helleu Gravura sobre papel, 33,5 x 25,3 cm Freer Gallery, Washington D.C.
A flânerie de João do Rio não é exclusivamente a da elite pela Rua do Ouvidor,
e, em suas palavras, combina flanar com vadiar, o que faz com que suas obras criem a
sensação de transparência para a convivência de dois mundos. A metrópole paradoxal
fazia conviver a cópia do modelo europeu e o que permaneceu impresso na trama da
cidade de sua herança de desigualdades e precariedades, dimensão que as demolições
não alcançaram. O cronista percorre as áreas menos nobres da cidade, regiões tidas
como perigosas ou como espaço para o que se considerava perverso ou imoral. É
exemplo a narrativa desenvolvida pelo autor, homossexual, acerca dos encontros entre
homens nos parques do Rio de Janeiro, espaços que denominava “guardiões da
sensualidade.” A ambiguidade sexual e a natureza transgressora dos costumes
tradicionalmente associadas à figura do dândi se encaixava em João do Rio, que na
leitura conservadora da época era visto por alguns como um depravado moral. Em suas
93
estadas na França encontrava ambientes em que podia com maior desenvoltura se
envolver em relacionamentos, sem o ônus dos insultos de que era alvo no Brasil.70
Ao mesmo tempo em que também trazia em sua obra indicadores da
admiração por Paris que marcou a virada do século, João do Rio apontava a tendência
do brasileiro em imitar padrões importados, enquanto questionava quando o brasileiro
viria a descobrir seu próprio país. Em uma crônica de 1916, portanto próxima em data à
fotografia de nossos artistas, João escreve que o Brasil seria o país da imitação. Indaga-
se sobre o que restaria do velho Rio antigo, tão característico. Lamenta que a cidade se
desvencilhe de suas tradições:
De súbito, da noite para o dia, compreendeu que era preciso ser tal qual Buenos
Aires, que é o esforço despedaçante de ser Paris, e ruíram casas e estalaram
igrejas, e desapareceram ruas e até ao mar se pôs barreiras. Desse escombro
surgiu a urbs conforme a civilização, como ao carioca bem carioca, surgia da
cabeça aos pés o reflexo cinematográfico do homem das outras cidades. Foi como
nas mágicas, quando há mutação para a apoteose. Vamos tomar café? Oh! filho,
não é civilizado! Vamos antes ao chá! E tal qual o homem, a cidade desdobrou
avenidas, adaptou nomes estrangeiros, comeu à francesa, viveu à francesa71
Nesse sentido, deseja que o homem do Rio possa enxergar o Rio, e não
primeiro moldá-lo para depois nele existir. Para João do Rio, há interesse naquela
paisagem e nos contrastes, em um modo de pensar semelhante ao de Baudelaire,
quando este estabelece uma distinção entre a dimensão eterna e a transitória de todas
as formas de beleza, que sempre se combinariam para constituir a modernidade. Não
haveria, portanto, uma beleza absoluta e eterna em sua natureza, sendo preciso observar
os elementos particulares e passageiros, bem como sua relação com as emoções.72
70 GREEN, James Naylor, Cristina Fino, and Cássio Arantes Leite. Além do carnaval: a homossexualidade
masculina no Brasil do século XX. Unesp, 1999. 71 RIO, João do. (2009). O velho mercado, in Cinematógrafo: crônicas cariocas. Rio de Janeiro: ABL.
(Coleção Afrânio Peixoto; p. 154. Disponível em:http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=11457&sid=729. 72 O autor também trata do tema em Sobre a Modernidade: “O belo é constituído por um elemento eterno,
invariável, cuja quantidade é excessivamente difícil determinar, e de um elemento relativo, circunstancial, que será, se quisermos, sucessiva ou combinadamente, a época, a moda, a moral, a paixão. Sem esse segundo elemento, que é como o invólucro aprazível, palpitante, ape- [página 10] ritivo do divino manjar, o primeiro elemento seria indigerível, inapreciável, não adaptado e não apropriado à natureza humana. Desafio qualquer pessoa a descobrir qualquer exemplo de beleza que não contenha esses dois elementos.” In Baudelaire, Charles. Sobre a modernidade. Paz e Terra, 1997. p. 10.
94
Nessa perspectiva, o pintor deve ser o filósofo e flâneur que observa o mundo ao seu
redor, pintor do circunstancial e de tudo o que este sugere de eterno. A modernidade
residiria, por isso, no efêmero que se combina ao imutável para constituir a arte. O escritor
francês convida seus leitores a se indagar sobre a beleza daquele contexto, relacionada
às emoções novas pertencentes àquele tempo, e que devem ser encontradas por artistas
que se aventurem a ir além dos temas oficiais impostos por suas encomendas. É nos
temas privados que o heroísmo pode de fato ser encontrado na vida da cidade, na
atmosfera que ele descreve como maravilhosa e que envolve a todos, mesmo que as
pessoas nem sempre se deem conta disso. Afinal, para Baudelaire:
O prazer que obtemos com a representação do presente deve-se não apenas à
beleza de que ele pode estar revestido, mas também à sua qualidade essencial de
presente.73
João do Rio reconhece a afirmação de que haveria uma similaridade entre
todas as cidades modernas.
O progresso, a higiene, o confortável nivelam almas, gostos, costumes, a
civilização é a igualdade [...] as damas ocidentais usam os mesmos chapéus, os
mesmos tecidos, o mesmo andar, assim como dois homens bem vestidos hão de
fatalmente ter o mesmo feitio da gola do casaco e do chapéu74
O Brasil é um país intensivo no acompanhamento...
- Porquê?
- Porque é o país da imitação.
- Não exageres.
- Não há terra igual. Podes tomar as adaptações que são a origem da Moda
transitória nas capitais civilizadas, podes pegar dos negros do interior da África,
que imitam os brancos das expedições. Diante do brasileiro, ficam todos longe.
Neste país não há nada original. E quando há, imediatamente deixa de ser, pela
fúria da imitação. 75
73Baudelaire, Charles. Sobre a modernidade. Paz e Terra, 1997. p. 8. 74 Rio, João do. (2009). O velho mercado, in Cinematógrafo: crônicas cariocas. Rio de Janeiro: ABL.
(Coleção Afrânio Peixoto; pp. 153. Disponível em: http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=11457&sid=729. 75 Peixoto, N. A. (2001). Crônicas Efêmeras. João do Rio na Revista da Semana. São Paulo: Ateliê Editorial.
p.113.
95
O autor se reconhece como imitador, e afirma: O figurino é a observação
contemporânea. Eles existem e se multiplicam no gênero chic parisien. Todas as modas
fáceis pegam – o chapéu panamá, o romance naturalista, os vestidos sans dessous, o
analfabetismo. Tudo é cada vez mais figurino. João aborda hábitos de vestuário em
ascendente sofisticação da elite carioca e como a moda denota a posição social dos
indivíduos. Sua matriz é antes Oscar Wilde do que o Baudelaire de O Pintor da Vida
Moderna, que provavelmente não havia lido76, embora ambos apontem para elementos
constitutivos do que se denominou Modernidade.
Para Baudelaire, é na moda, transitória por natureza, que a ideia que o homem
tem do belo imprime-se em todo o seu vestuário, torna-se sua roupa. O autor trata da
vestimenta do herói moderno, o homem de seu tempo sofrido, que veste sobrecasaca
preta, símbolo de um luto eterno. Ele descreve uma procissão de agentes funerários
mudos no amor, na política, em suma, burgueses mudos, em referência a que o escritor
relaciona a cor predominante das roupas masculinas à obsessão de seu tempo com a
morte, e faz com que essas roupas sejam as adequadas e necessárias ao seu tempo.
Esta indumentária possuiria uma beleza política e também uma beleza poética por ser
expressão da sociedade igualitária que se buscou e que se demonstra na diferenças
mínimas no corte das roupas e também na uniformidade dos tons de preto, branco e
cinza.
João do Rio reconhece que seu dandismo tem matriz em outra parte, e quando
adquire consciência dessa dinâmica de cópia de preferências e gestos se denomina a
imitação de moléstia moral do século. Percebe como algo unifica o gosto dos indivíduos
nas metrópoles em uma “espécie de cooperativa de atitudes alheias”, vendo a si mesmo
como um snob entre outros tantos dos ambientes em que circulava.
Segurando a bengala com o cartão para baixo, o tub no alto da cabeça, a luva, o
gesto exatamente como qualquer outra pessoa em evidência desde o rei da
Inglaterra ao menino Brulé do Athnée, eu caminhava como o gordalhudo príncipe
Orloll, crispava o beiço num sorriso de desprezo americano, e ia por ali, como toda
76 BRANDÃO, Gilda Vilela. João do Rio: o homus cinematographicus. Revista Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro: UERJ, n. 20-21, 2007. P.196
96
gente chic, espécie de cooperativa de atitudes alheias, atacado da grande e
fundamental doença: a fúria imitativa, a macaquice universal
(...)
É a imitação consecutiva e permanente, a macaquice desesperada mas como que
regularizada no próprio desespero, que faz a moda, a transformação uniforme das
populações no uso dos chapéus, no corte dos vestidos, é a mesma imitação que
faz nos quartéis a mudança de fardamento, cria opiniões e tendências, põe em
foco certos tipos, inventa certas maneiras de estar e pensar, é a mesma lei que
rege o snobismo e guia de fato a terra – é a lei do figurinismo 77
Para João do Rio, o snob lamenta sua nacionalidade ao mesmo tempo em que
não pode assumir outra para definir uma identidade mais valorosa: imitam, mas não
podem se transformar naquele a quem imitam. Ele afirma o ridículo do esnobe, sendo sua
maior vulgarodade sua vergonha de ser brasileiro.78
João do Rio aborda a imitação do estrangeiro, e trata sobre as experiências do
homem que viaja. O que nos faz pensar sobre as expectativas e vivências dos artistas
premiados com períodos de permanência na Europa. A desterritorialização seria uma
marca de modernidade, propiciadora de um viver desconectado da própria língua,
circulando como homem superior, cosmopolita e civilizado.79
Em João do Rio, encontramos o flâneur que, segundo Antelo, é a nêmesis do
burguês: o contrário do burguês não é o proletário e sim o boêmio.80 Já o dândi:
produz constantemente sua segregação. Ele, cujo ideal social é a esterilidade,
gera, sem parar, traços que o distingam equidistante do pobre e do rico.81
Daí o desprezo pela classe média:
Nas sociedades organizadas há uma classe realmente sem interesse: a média, a
que está respeitando o código e trapaceando, gritando pelos seus direitos,
77 RIO, João do. Psicologia Urbana. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1911. p.69.
78 GOMES, Renato Cordeiro. João do Rio: vielas do vício, ruas da graça. Rio de Janeiro: Relume Dumará,
1996, p. 224. 79 ANTELO, Raúl. João do Rio: o dândi e a especulação. Livrarias Taurus-Timbre Editores, 1989. P.82-83. 80 Idem, p.14. 81 Idem, p.74
97
protestando contra os impostos e carestia da vida, os desperdícios de dinheiros
públicos e tendo medo aos ladrões. Não haveria forças que me fizessem prestar
atenção a um homem que tem ordenado, almoça e janta à hora fixa, fala mal da
vizinhança, lê os jornais da oposição e protesta contra tudo.82
João do Rio demonstrou, em seus textos, sua posição favorável à
modernização e dedica um olhar crítico à adoção de padrões importados e a negação do
que reconhecia como brasileiro. Atacava, portanto, a burguesia, grupo que constituía seus
leitores, sendo que suas críticas se dirigiam também às suas limitadas capacidades de
apreensão. Em seu discurso de ingresso na Academia Brasileira de Letras, aponta para
as limitações do público para o relacionamento com a arte elevada. Afirma que “as
pequenas inteligências” não se elevam às altitudes de compreensão necessárias para
alcançar o sublime, o que é apresentado pelos gênios, neste mundo que não é divino
para todos só porque nem todos o podem ver. Para a maioria faltaria pureza, e, portanto,
a sina do artista seria não se deixar dominar pela massa, cabendo a ele ignorar a opinião
dos incultos e seguir em sua missão de revelar a verdade.83
O dandismo seria um modo de cultura que se caracteriza por dinâmicas de
oposição que contrapõem a frivolidade à seriedade, a toalete ao culto do belo, e idealismo
contra pragmatismo. Busca antes impor a norma ao invés de segui-la, pautado pelo gosto
e não pelo dever. O dândi apela ao frívolo para se opor ao sério e aos valores do
progresso; luta contra o pragmatismo, defendendo o idealismo; despreza a cultura,
cultivando a agudeza.
Essa ideia de insubmissão permeia também a obra Mocidade Morta, de
Gonzaga Duque. Para Levin, os artistas do romance que se reúnem nos cafés e
tabacarias da cidade, apesar de verem frustrada sua ambição de realizar uma exposição,
evidenciam uma identidade idealista para o artista que desvincula sua ocupação do
82 RIO, João do. Crônicas e frases de Godofredo de Alencar. Lisboa: Bertrand, 1920.
p.125-126 83 Estão nestas palavras a arte e a razão dos grandes poetas – caminhos da perfeição, auroras das almas.
As pequenas inteligências, porém, não ascendem jamais a tais altitudes de compreensão. Escapa-lhes sempre a aptidão para o “sublime” das pedras iluminadas, ignoram a dor profunda que a história pré-natal das grandes obras mostra nos ideais e nos sentimentos que os gênios vão adivinhando, neste mundo que não é divino para todos só porque nem todos o podem ver. E principalmente por falta de pureza para admirar aqueles que são os decifradores da perplexidade da natureza, donos das chaves do entendimento, dos sentidos, encaminhadores dos humanos no desejo do Além que é a verdade... texto na íntegra disponível em http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=8407&sid=261
98
convívio social, inscrevendo sua existência num horizonte superior, onde ele figura acima
do mundo burguês.84 Para a autora, a arte se configuraria em uma criação sagrada
alcançável apenas pelos espíritos sensíveis, os artistas em sua natureza elevada e
destinados a um papel iluminador. Mas esse distanciamento do leitor consistiria em um
afastamento apenas simbólico com a burguesia:
Balzac, Baudelaire, Barbey e outros modelos de irreverência intelectual do século
XIX frequentaram os salões da sociedade como quem participa de uma tribo que
se veste extravagantemente, tem costumes próprios e cultiva um gosto particular
pela decoração. (...) Falsearam a ruptura com burguesia através do estilo de vida
adotado e da constituição de um público de especialistas.85
No texto O Pintor da Vida Moderna, Baudelaire apresenta Monsieur G,
modelado a partir do artista Constantin Guys pintor, aquarelista e ilustrador conhecido
pelas cenas urbanas, dos parisienses elegantes, e também das prostitutas. O texto escrito
em 1859 foi publicado originalmente no Le Figaro apenas em 1863, ano do Salon de
Refuses, e depois integrado na coletânea intitulada L´art romantique.
O heroísmo que o autor atribui ao seu artista ideal relaciona-se à atitude de
questionamento aos valores institucionais da academia. O autor afirma que essa
personagem que percorre a cidade em busca da “modernidade”, deve extrair da moda
qualquer elemento que permita destilar o eterno do transitório86, associando sua
imaginação para que possa ir além da mera representação fiel da realidade imediata.
Nesse sentido, diferencia-se do flâneur realista, a quem faltaria uma natureza filosófica.
Baudelaire afirma que desejaria chamar G. de dândi, termo que ele acredita
se prestar a descrever o indivíduo que possui a compreensão sutil de todo mecanismo
moral deste mundo, mas ao artista faltaria a insensibilidade do dândi, substituída por uma
personalidade de natureza apaixonada. G. também não seria possuidor do tédio possuído
ou desejado pelo dândi.
A atitude moderna do francês se estabelece na incorporação da dimensão da
experiência sensível do artista ao domínio da arte, deixando em segundo plano a
84 LEVIN, Orna. As figurações do dândi: um estudo sobre a obra de João do Rio. Centro de Memoria
Unicamp, 1996. P. 68. 85 Idem, p. 71. 86 BAUDELAIRE, Charles. Sobre a modernidade. Paz e Terra, 1997. p. 24.
99
valorização das tradições do passado e entendendo que essa experiência se efetiva em
uma interação com a materialidade do mundo. Quando escreve em 1846 sobre o Salon
daquele ano, apresenta sua visão sobre o herói da vida moderna, e a necessidade de
criar novas tradições, assumindo desapego com relação ao passado. Defende que não
se deve idealizar o passado, mas sim reconhecer que cada época tem suas formas de
beleza, sendo, portanto, fundamental que seus contemporâneos possam reconhecer
quais seriam as de seu tempo.
As aquarelas de Guy denunciam seu poder de observação da moda como se
constituiu em seu tempo, registrando silhuetas e detalhes em voga, à semelhança dos
textos de Baudelaire, dedicados à celebração poética de personagens retiradas de cenas
das ruas. Dias sugere a comparação entre a pintura Na Rua, de Guys [figura 62], ao A
Uma Passante, de Flores do Mal.87 De fato, tanto na pintura como no poema, a atenção
recai sobre as figuras femininas, suas silhuetas, gestos, enquanto são observadas em
movimento no espaço da cidade.
VIII - A uma Passante
A rua em derredor era um ruído incomum,
Longa, magra, de luto e na dor majestosa,
Uma mulher passou e com a mão faustosa
Erguendo, balançando o festão e o debrum;
Nobre e ágil, tendo a perna assim de estátua exata.
Eu bebia perdido em minha crispação
No seu olhar, céu que germina o furacão,
A doçura que se embala e o frenesi que mata
Um relâmpago, e após a noite! - Aérea beldade,
E cujo olhar me fez renascer de repente,
Só te verei um dia e já na eternidade?
Bem longe, tarde, além, jamais provavelmente!
Não sabes aonde vou, eu não sei aonde vais,
Tu que eu teria amado - e o sabias demais!88
87 DIAS, Elaine. Charles Baudelaire e Constantin Guys - Arte e Moda no Século XIX. 19&20, Rio de Janeiro,
v. V, n. 4, out./dez. 2010. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/arte decorativa/baud_guys_ed.htm>. 88 BAUDELAIRE, Charles. As Flores do Mal (1857). SP: Circulo do Livro, 1995.
100
Figura 62 Constantin Guys Na rua, c. 1860 Óleo sobre tela,. 0.24 x 0.325 Musée d'Orsay, Paris
O artista dândi pode representar cenas do mundo burguês, como fez João do
Rio ou Belmiro de Almeida em Arrufos. Sua sofisticação lhe permite o ingresso nessas
esferas, ao mesmo tempo em que se posiciona como o mediador entre o público e este
mundo rarefeito, dissimulando o efeito de encantamento que este exerce sobre si sob a
máscara do dândi sagaz, crítico. Sua elegância não é equivalente à das mulheres
adornadas dos salões. Traduz uma artificialidade que é a mesma que transformou a
paisagem do Rio de Janeiro, mas aplicada ao corpo, sendo o figurino, uma forma de
superação do atraso brasileiro.
O refinamento e a exclusividade de que o dândi se cerca oferecem o contraponto
às condições de atraso cultural vivido no Brasil. Com o dândi a literatura (...) inventa
101
para si uma atmosfera elevada, tendo por parâmetro o ambiente requintado da
sociedade burguesa89.
Para Balzac, o dandismo estaria relacionado à vida elegante, e o autor divide
os homens em três tipos, ou classes, fazendo-as corresponder ao que chama de fórmulas
de existência distintas. O homem que trabalha é o da vida ocupada; o homem que pensa
é o da vida de artista e o homem que não faz nada, aquele da vida elegante.
O que ocupa as mãos é comparável a máquinas a vapor, este homem-
instrumento não é merecedor de admiração, mas sim de pena por ser uma espécie de
zero social. Pedreiros, soldados, agricultores, varejistas e escriturários, todos vulgares
em alguma medida. Também os médicos e advogados e o notário, embora um pouco
acima na escala social seriam também aparelhos, embora mais aperfeiçoados, mas suas
agendas e afazeres impedem que desenvolvam a esfera do pensamento. Nos limites da
vida ocupada estão os novos-ricos portadores de títulos de nobreza.
O homem habituado ao trabalho não seria capaz de compreender a vida
elegante. O artista seria o único a contrariar essa afirmação uma vez que seu trabalho
depende de ociosidade. Veste o que deseja, sejam trajes operários ou um fraque da
moda, e pode ter ou não dinheiro, não importa. Sua elegância é reflexo de sua grandeza
e não lhe pode ser imposta e a vida elegante é o modo perfeito em que a vida material é
revestida de nobreza, graça e gosto, em que se manifesta a ciência das maneiras,
adequada para um mundo onde as diferenças são menos marcantes o que faz com que
o saber viver, boas maneiras, elegância natural e educação podem resultar em uma
superioridade moral.
Interessante que Chambelland situe Arthur Timótheo como o artista
relacionado ao mundo interior e das ideias, um homem negro nascido em um país em
que a cor da pele por séculos esteve associada ao trabalho, quase sempre pesado e
obrigatório. O dândi de Chambelland é aquele que pode inventar a si próprio apesar da
pele, apesar de sua nação, apesar das promessas da República. Pode se dedicar a arte
ou ao ócio, pode, em sua elegância melancólica, contestar os valores burgueses, pode,
89 Apud. LEVIN, Orna. As figurações do dândi: um estudo sobre a obra de João do Rio. Centro de Memoria
Unicamp, 1996. P. 72.
102
como os personagens de Gonzaga Duque sonhar com novos cenários artísticos,
sobretudo pode ser livre.
103
3.2. A boemia e a representação do artista
Figura 63
Arthur Timótheo e Helios Seelinger no atelier deste em Paris. Álbum de fotografias de
artistas brasileiros e estrangeiros. Acervo da Biblioteca Nacional.
Se nas fotografias que vimos encontramos uma profusão de dândis, temos agora
um exemplo em que figura um outro tipo de personagem, comum na representação de
artistas: o boêmio. Arthur Timótheo aparece no atelier de Helios Seelinger, em Paris
[figura 63], ambos sentados no chão, diante de dois copos apoiados sobre um banquinho
dobrável e de uma garrafa sobre o chão. Segundo a legenda encontrada no álbum, tomam
uma droga qualquer. Seelinger tem um cigarro pendendo da boca, leva o que parece ser
uma boina sobre a cabeça, veste camisa, gravata de laço e colete, sem paletó. Arthur
segura um cachimbo com a mão esquerda, veste calças claras, camisa sem gravata ou
104
paletó, e um tipo de chapéu utilizado por artistas, trabalhadores e indivíduos das classes
altas em momentos de lazer.90
A cena sugere uma informalidade, uma medida de camaradagem jovial, e certa
precariedade, adequada para a vida prototípica do estúdio do artista pobre, que vive à
margem dos confortos burgueses. Também sugere estudo e composição de uma cena,
a fim de apresentar aos artistas segundo os padrões de representação do boêmio, um
dos mais característicos e familiares tipos artísticos do século XIX e do início do XX. Um
exemplo de representação de artista como boêmio é a pintura Interior de Atelier, de
Octave Tassaert [figura 64]. Amuado no chão a personagem conta apenas com a
companhia de um gato, enquanto cozinha batatas. No chão, a maleta que guarda paleta
e pincéis, guarda também um cachimbo.
Figura 64 Interior de Atelier, 1845
90 Este modelo de chapéu é conhecido como newsboy cap, gatsby ou baker boy.
105
Octave Tassaert Öleo sobre tela, 46 x 38 cm Musée du Louvre, Paris
A fotografia em que figuram Seelinger e Arthur Timótheo difere em quase tudo da
que nos apresenta Rodolpho Chambelland, feita por ocasião da exposição de Turim.
Rodolpho aparece em uma fotografia que o mostra montado em uma escada diante do
que é possivelmente a obra que realizou para Turim [figura 65], que hoje está
desaparecida. De avental, gravata de laço, segurando uma imensa palheta, surge no alto
reforçando a percepção do observador sobre a dimensão da pintura que realiza,
empreitada desafiadora que encara cercado de seus instrumentos.
Figura 65 Rodolpho Chambelland pintando painel, hoje desaparecido
Não é como boêmio que Chambelland escolhe apresentar Arthur, e também
não é como este escolhe se dar a ver em seus autorretratos, como veremos. Os retratos
que realiza de artistas em seus ateliês diferem das escolhas feitas pelo artista para
representar a si próprio. No retrato de Eduardo de Sá [figura 68], assim como em duas
106
outras obras, uma de 1910 que ilustra um atelier francês [figura 67], e outra de 1918
[figura 66] em que um artista realiza uma obra similar ao retrato que lhe faz Chambelland,
nos são mostrados espaços de trabalho em plano mais aberto, onde vemos cavaletes,
tinas, escadas, nem sempre dispostos do modo mais ordenado. Parece ser valorizado
aqui o artista em ação, já que duas das personagens estão a pintar, e a terceira exibe um
objeto de seu uso. Nesses casos, é uma dimensão mais terrena dos artistas que se dá a
ver, o que contrasta com a visão mais simbólica ou idealizada das obras em que se
retrata.
Figura 66 No ateliê, 1918 Arthur Timótheo da Costa Óleo sobre tela, 158 x 195 cm Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo
Depois da estada em Paris, Arthur Timótheo da Costa e Carlos Chambelland
compartilham mais uma experiência no exterior ao participarem da ornamentação do
pavilhão do Brasil na Exposição Internacional de Turim, em 1911, a convite do governo
brasileiro. Nessa empreitada, de que participam também seus irmãos Rodolfo
107
Chambelland e João Timótheo da Costa, bem como Oscar Pereira da Silva91, Manoel
Madruga, Lucílio de Albuquerque, Eugênio Latour, Eduardo Sá e Carlos Oswald.
Figura 67 Pintor no atelier, Paris, França, 1910 Arthur Timótheo da Costa Óleo sobre tela, 36 x 55,30 cm Acervo Instituto Cultural Sérgio Fadel, Rio de Janeiro
91 TARASANTCHI, Ruth. Exposição Turim 1911: Vestígios de uma Exposiçào Universal realizada na
Pinacoteca do Estado de São Paulo. 2014. O catálogo comenta a participaçào dos artistas brasileiros, identificando algumas das obras realizadas para a Exposição. A autora comenta a ausência de vestígios e evidências mais detalhadas que permitam um resgate mais completo do evento.
108
Figura 68 Retrato do escultor Eduardo Sá, 1910 Arthur Timótheo da Costa Óleo sobre tela, 176 x 106 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro
Figura 69
Arthur Timótheo em seu atelier, Rio de Janeiro, 1913. Álbum de fotografias de artistas
brasileiros e estrangeiros. Folha no. 125. Acervo da Biblioteca Nacional.
O quarteto Chambelland/Timótheo da Costa chega a Paris em 1910 como
contratados do governo brasileiro.92 Na fotografia de Arthur Timótheo feita em Turim [figura
69], no atelier que compartilhava com colegas também responsáveis pela decoração do
pavilhão brasileiro, as obras operam como atributos centrais do artista que aparece de pé,
em pose de certa informalidade apesar do chapéu sobre a cabeça e da vestimenta que
conta com colete e paletó, ao invés do avental de trabalho. Arthur Timótheo está à vontade
em meio às pinturas, pequenas e grandes, que cobrem as paredes de alto a baixo.
Chambelland afirma que nesta viagem passou quase todo o tempo na Itália, mas que esteve na Bélgica e na França. Talvez Timótheo tenha sido companheiro nesta viagem a outros países, o que sugere ter sido nesta
ocasião que Arthur teve a oportunidade de realizar a cópia do estudo das cabeças de Rubens.92
109
Escrevendo sob a perspectiva da história social da arte Arnold Hauser apresenta
sua visão sobre o dandismo. Para o autor, o dândi é o intelectual burguês removido de sua
classe social original e movido para outra superior. Hauser define o boêmio, por contraste,
como o artista que afundou no proletariado. No primeiro, encontraríamos elegância e
extravagância, enquanto no último, a depravação da vida boêmia, mas ambos se
contrapondo à trivialidade da vida burguesa. O dândi personifica as virtudes cavalheirescas
possíveis no tempo presente, nunca age com vulgaridade ou sobressalto, sendo “a última
revelação de heroísmo em uma era de decadência, um ocaso, um último e radiante raio de
orgulho humano”. 93
O boêmio parece ser uma figura complementar ao dândi e ao flâneur. Pode-se
defini-lo suas diferenças, sua dedicação à vida noturna dos cabarés, cafés teatros, nem
sempre elegantes, ou podemos entender a boemia como um aspecto da vida do dândi. O
termo Boêmio tem dupla significação e está ligado aos originários da Boêmia na República
Tcheca, local que se imaginava ser a origem dos ciganos que habitavam diferentes partes
da Europa. É a partir de um entendimento dos deslocamentos constantes, desapego
desses grupos a locais de moradia, que se derivou um segundo sentido vinculado ao
questionamento de valores burgueses e um certo desenraizamento social.
Na primeira metade do século XIX, Henry Murger, autor alemão que se
naturalizou francês, escreveu um romance em que buscou criar um retrato da vida boêmia
de Paris, em especial da vida artística. Suas personagens são um pintor, um escritor, um
músico e um filósofo, todos de poucos recursos financeiros, irmanados pelas dificuldades
e prazeres da vida parisiense. Buscam a arte pela arte, mesmo que o custo seja próximo à
uma vida de miséria e à margem do sistema. Para o autor, sua riqueza são a coragem e a
esperança. Seu estilo de vida depende da agitação da cidade, em especial do Quartier Latin
com seu ritmo e possibilidades de convivência e circulação.
A boemia de Murger surgiu no contexto das Revoluções de 1848, na França,
quando uma insurreição derrubou a monarquia trazendo a Segunda República. Para
Nunes, o desafio ao poder burguês tinha origem no proletariado e influência do socialismo,
e constituía uma dinâmica a um tempo herdeira da Revolução Francesa, embora frustrada
com ela. Foram os ideais de Liberdade, Fraternidade e Igualdade que estabeleceram a
burguesia como classe dominante, sem que houvesse o cumprimento das promessas
93HAUSER, Arnold, The Social History of Art, vol. 4, Routledge & Kegan Paul, Londres, 1962. P. 191
110
feitas. Por isso, se justificava a oposição dos boêmios, agora artistas dependentes do
mercado, sem a segurança oferecida anteriormente pelos mecenas do Antigo Regime, e
inseridos na dinâmica de uma sociedade em processo de industrialização, que privilegia
lucro. Para além disso, o próprio termo “burguês” não estava ainda consolidado e a
oposição ao “boêmio ajudou a definir ambos.
[Boêmia] foi a apropriação dos estilos de vida marginais pelos burgueses jovens e
não tão jovens, para a dramatização da ambivalência em relação às suas próprias
identidades e destinos sociais (...). As pessoas eram ou não boêmias dependendo
da intensidade na qual partes de suas vidas dramatizavam essas tensões e conflitos
para elas próprias e para os outros, tornando-os visíveis e exigindo que fossem
confrontados.94
Logo, os boêmios seriam também burgueses, ainda que caracterizados por
certo nomadismo, comportamento sexual liberal, hábitos noturnos, vida profissional
irregular, bebida e drogas. Esse conjunto de premissas caracterizou um fenômeno social
observável em diferentes países e períodos históricos.
Para Nunes, a constituição de uma cultura boêmia no Rio de Janeiro se
relaciona às transformações políticas e sociais observadas no final do século XIX que
incluem a Abolição da Escravatura e a Proclamação da República.
Para Aluízio Azevedo os boêmios:
Eram indivíduos sem caráter próprio, e sem o mais ligeiro traço original por onde
pudessem ser distinguidos. Todo o cabedal das suas habilitações consistia em
saberem fumar, beber, jogar e femear como ninguém. Para não dizerem vagabundos
e filantes, intitulavam-se boêmios, profanando esse poético nome tão sagrado no
meio artístico pela revolta do talento incompreendido ou ainda não vitorioso.
Boêmios! Como se fosse possível conceber a ideia de boêmia sem a ideia de
sacrifício e de pungente esforço na conquista do ideal e do belo.95
94 SEIGEL, Jerrold. Bohemian Paris: Culture, politics, and the boundaries of bourgeois life, 1830-1930. JHU
Press, 1999. p. 19-20. 95AZEVEDO, Aluísio. Boêmios. O Mequetrefe. Rio de Janeiro. 1878. P. 07. Apud. MERIAN, J. Y. Aluísio
Azevedo. Vida e obra (1857 – 1913). Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1998. Merian, Jean Yvès. p.460.
111
Para Aluísio, não é correto desvincular a dimensão criativa da vida quando se
quer caracterizar o boêmio legitimo, mesmo que expresse o desejo de rompimento com as
convenções.
Por isso, não é contraditório encontrar Gonzaga Duque como um dos
personagens, da pintura Bohemia, de Helios Seelinger [figura 70], em que aparece no
ambiente, animado por música, dança e pela interlocução com artistas e intelectuais. Estão
na cena também Fiúza Guimarães, João do Rio, Rodolpho Chambelland, Luiz Edmund.96
Cardoso identifica: o próprio Seelinger, os pintores Fiúza Guimarães, Heitor Malagutti, João
Timótheo da Costa, Lucílio de Albuquerque e Rodolpho Chambelland, os escritores e
jornalistas Gonzaga Duque, João do Rio e Luiz Edmundo, os ilustradores Calixto Cordeiro
e Raul Pederneiras e o maestro Araújo Vianna.97
A obra propiciou a Seelinger, à época com vinte e cinco anos, o prêmio de viagem
ao estrangeiro, e lhe deu a oportunidade de representar um ambiente que conhecia bem,
notório boêmio que era. A atmosfera é de escuridão, e a luz, produzida por uma lamparina,
está posta junto aos homens que falam, bebem e cantam. Vislumbramos, ainda com
alguma definição, um homem sentado no chão com seu instrumento e identificamos
silhuetas que sugerem que a noite está movimentada no estabelecimento. Contra a luz da
janela uma figura de braço erguido dança, possivelmente observada pelos homens de
chapéu ao fundo. Sobre a mesa e nas mãos, xícaras e taças se acumulam acusando a
passagem de tempo dos convivas naquele local. Talvez sejam copos de água uma vez que
Luiz Edmundo descreve a preferência de seus contemporâneos por vinhos portugueses e
cerveja, descrevendo como as mesas ficavam cheias de copos de água e xícaras de café,
símbolo da falta de dinheiro dos artistas frequentadores.
Em torno de uma mesa, reúnem-se doze rapazes: grandes cabeleiras, grandes
chapéus de sábados, grandes pince-nez de tartaruga, grandes e sonoras frases...
Falam, alegremente, agitam-se, discutem. Sobre o mármore da mesa olha-se o que
se vê? Dois cafés pequenos e dez copos d’água!...98
96 EDMUNDO, Luiz. O Rio de janeiro do meu tempo. Senado Federal. 2003. p.20. Disponível em
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/sf000059.pdf 97 CARDOSO, Rafael. Boêmia inspiração. Revista de História. Disponível em
http://www.revistadehistoria.com.br/secao/perspectiva/boemia-inspiracao 98 EDMUNDO, Luiz. O Rio de janeiro do meu tempo. Senado Federal. 2003. P.20. Disponível em
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/sf000059.pdf p. 346
112
Figura 70 Bohemia, 1903 Helios Seelinger Óleo sobre tela, 103 x 189.5 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro
Conta como anedota que, certa vez, um grupo de quinze amigos fez uma “vaca”
para pagar por duas garrafas de vinho do porto no Café Paris, para beber em homenagem
a Rodolpho Chambelland. No entanto os funcionários da casa ouviram o pedido, mas
ignoraram repetidamente. As garrafas nunca chegaram à mesa visto que o grupo,
conhecido do garçom por seus pedidos modestos, não convenceu ter o dinheiro necessário
para honrar o pedido. Animado por um repertório que incluía modinhas e maxixes, um
cardápio em que figurava um famoso porco assado, além de fazer figura um papagaio vivo
junto à porta a saudar os passantes com impropriedades das mais chocantes99. O amor
ao carnaval era comum aos boêmios frequentadores do Papagaio,
Arthur Timótheo exibe a obra O Dia Seguinte, no Salão de 1913 [figura 71]. Trata-
se de uma cena do avesso do carnaval, na qual um folião castigado pela folia mal consegue
manter-se em pé. Rodolpho Chambelland expõe Baile à Fantasia [figura 72] de tema
semelhante, que é a sensação do Salão. Traz um pierrô que em tudo se assemelha ao
protagonista de Timótheo, como se sua obra o representasse em momento anterior. Ambas
são testemunho do interesse dos artistas boêmios pela grande festa popular.
Essa convivência boêmia aproximava artistas reconhecidos de jovens iniciantes,
ilustradores de críticos influentes. Um exemplo é o Café Papagaio, frequentado por
Amoedo, Gonzaga Duque e Rodolpho Chambelland. Para Lins Gonzaga Duque concilia
duas imagens: a que reflete a intimidade burguesa de Arrufos e a da boemia dos cafés e
do carnaval.
99 Idem
113
Figura 71 O Dia Seguinte, 1913 Arthur Timótheo Óleo sobre tela Coleção particular
Figura 72 Baile à fantasia, 1913 Rodolpho Chambelland Óleo sobre tela, 149 x 209 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro
114
Para Bourdieu, o boêmio se aproxima dos pobres e à vida marginal, e ao mesmo
tempo da vida aristocrata:
O estilo de vida boêmio, que sem dúvida trouxe uma contribuição importante à
invenção do estilo vida de artista, com a fantasia, o trocadilho, a blague, as canções,
a bebida e o amor sob todas as suas formas, elaborou-se tanto contra a existência
bem-comportada dos pintores e dos escultores oficiais quanto contra as rotinas da
vida burguesa. Fazer da arte de viver uma das belas-artes é predispô-la a entrar na
literatura; mas a invenção da personagem literária da boemia não é um simples fato
de literatura: de Murger e Champfleury a Balzac e ao Flaubert de A Educação
Sentimental, os romancistas contribuem grandemente para o reconhecimento
público da nova entidade social, especialmente ao inventar e difundir a própria noção
de boemia, e para a construção de sua identidade, de seus valores, de suas normas
e de seus mitos.100
A obra O Grupo do Leão,101 do português Bordalo Pinheiro [figura 73], é um
exemplo interessante na temática. Pintada para uma cervejaria, a Leão de Ouro, enobrece
a vida boêmia até pela escala de suas dimensões, eternizando o grupo de artistas
naturalistas que se reuniram no estabelecimento ao longo da década de 1880.
Aqui se combinam as representações do boêmio e do dândi uma vez que o
artista se apresenta como este último, sendo o único a portar uma cartola. O universo
burguês e o da boemia se relacionam por oposição e atração. Essa relação é exemplar das
proposições da modernidade e seu apreço pela liberdade do indivíduo. O boêmio recusa
as regras e valores burgueses, o que ilustra a obra de Henry Murger Scéne de la vie
bohéme na qual os jovens artistas contestam as convenções sociais e enfrentam a miséria
e o isolamento, produtos de sua condição marginal.
Portanto, dândi e boêmio podem coexistir na construção da imagem de artistas.
Timótheo transita nesses aspectos de identidade, que em comum apresentam o
anticonformismo. Podemos, também, constatar que Chambelland e Timótheo são
participantes de grupos de artistas que cultuam aspectos da cultura carioca condenados
100 BOURDIEU, Pierre. As Regras da Arte. Gênese e estrutura do campo literário. São Paulo: Cia das Letras,
1996. p.72. 101
Da esquerda para a direita, Henrique Pinto, sentado; Ribeiro Cristino; José Malhoa; João Vaz; Alberto de
Oliveira; Silva Porto, ao centro, no lugar do chefe de escola; António Ramalho; Manuel Fidalgo, o empregado de mesa; Moura Girão; Rafael Bordalo Pinheiro, logo abaixo do irmão; Columbano, de cartola; António Monteiro, o proprietário da cervejaria; Cipriano Martins e, sentado de mão apoiada na cintura, Rodrigues Vieira..
115
pelo projeto de modernização, visto que a vida boêmia na cidade está relacionada ao
samba, ao carnaval e aos ambientes desordenados dos bares e ruas. O dandismo possível
no Rio de Janeiro é aquele que concilia refinamento e apreço pelo avesso da cidade e sua
cultura, que aceita a convivência nos salões da elite e nos cafés, ou seja, aquele que
incorpora a síntese vivida por João do Rio. A contraposição das imagens fotográficas de
Arthur Timótheo nos sugere que sua vivência pressupunha trânsitos diversos e identidades
múltiplas, em sintonia com a sensibilidade de seu tempo.
Figura 73 O grupo do Leão, 1885 Columbano Bordalo Pinheiro Óleo sobre tela, 201 x0376 cm Museu do Chiado, Lisboa
116
4. Carlos Chambelland e Arthur Timóteo da Costa: talentos prometedores
Carlos e Arthur recebem reconhecimento como alunos e são notados pela crítica
desde cedo. Já em 1906 a crítica afirma que Arthur Timótheo possui “mais talento do que
idade”.102 Chambelland recebe uma menção honrosa de primeiro grau na Exposição Geral
de Belas Artes de 1903 e a medalha de prata na edição de 1906. Sobre Chambelland lemos
em publicação de 1906 que o jovem artista de origem francesa “é inteligente, e tem boas
qualidades de cor. Está destinado a pisar o trilho brilhante por onde enveredou o irmão”.103
Em retrospecto de 1912, um jornal lembra que Arthur “estreou ruidosamente para o grande
público com um magnífico estudo de costumes intitulado "Cabeça de preto", exposto no
Salon de 1906”. 104 São dois talentos promissores como assinala a crítica do período e, em
1905, um periódico destaca a “habilidade prometedora” expressa nas obras apresentadas
pelos jovens artistas.105
Timótheo e Chambelland tiveram experiências pessoais, acadêmicas e
profissionais em comum, tanto no Brasil como no exterior. Podemos também imaginar que
o retrato de Timótheo fez parte do salon de pintura de Chambelland de dezembro de 1909,
na Associação dos Empregados do Commercio, para o qual foi convidado o presidente da
República. Ali o artista exibiria cerca de setenta telas, produzidas no período em que foi
pensionista do Estado na Europa.
Ambos foram alunos da Escola Nacional de Belas Artes, sendo o ingresso de
Carlos Chambelland em 1901, posterior ao de Timóteo em 1894. Sabemos que o irmão de
Carlos, o também artista Rodolfo Chambelland, havia compartilhado com Arthur sua
primeira experiência de formação como aprendiz nos cursos de gravura e desenho de
moedas e selos na Casa da Moeda do Rio de Janeiro, sob o apadrinhamento do diretor da
instituição Ennes de Souza. Segundo João Timótheo da Costa, irmão de Arthur e que
também teve passagem pela Casa, Ennes manteve a remuneração de Arthur mesmo após
102O. N. O "Salão de 1906". Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 9 set. 1906, p. 5. 103NOTAS DE ARTE. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 23 set. 1906, p. 4. 104ALVES, Gonçalo. Notas do “Salon” - Os irmãos Timotheo da Costa. A Noite, Rio de Janeiro, 30 set. 1912,
p. 1. 105V. V. O SALÃO. O Paiz, Rio de Janeiro, 9 set. 1905, p.2.
117
seu ingresso na Escola Nacional de Belas Artes, garantindo meios de sobrevivência ao
estudante. No relato de Chambelland sobre sua formação artística, o artista aborda seus
esforços para conciliar os estudos na Escola Nacional de Belas Artes com a necessidade
de manter um trabalho que lhe provesse sustento e destaca a atenção especial que
Henrique Bernardelli lhe dedicou, facilitando sua permanência na Escola por meio de uma
flexibilização de horários.
Essa convivência entre jovens da mesma geração ligados por laços familiares e
de amizade, permite que imaginemos que talvez Carlos e Arthur já se conhecessem antes
de seu ingresso na ENBA onde frequentaram aulas de mestres como Henrique Bernardelli,
Zeferino da Costa e Rodolfo Amoedo.
Figura 74
Arthur Timótheo, Adalberto Mattos, Carlos Chambelland e Carlos Oswald no atelier de
gravura de Carlos Oswald, Rio de Janeiro, 1914. Álbum de fotografias de artistas brasileiros
e estrangeiros. Acervo da Biblioteca Nacional
Nestes anos de formação, Chambelland e Timótheo da Costa são notados por
Gonzaga Duque que os classifica como talentosas promessas da pintura. As opiniões deste
que foi o crítico brasileiro de maior destaque no século XIX merecem destaque nesse
apanhado sobre a recepção inicial das obras dos artistas pesquisados.
118
Gonzaga Duque fez parte de uma geração artística contestadora que não se
deixou dominar pelo spleen, manifesto em suas obras, e que segundo Andrade Muricy se
empenhou apaixonadamente nas campanhas pela República e pela Abolição.
Quase todos eram anticlericais e maçons. Essas as preocupações dominantes da
época. E foram participantes decididos. O destino da pátria, da raça, da sociedade
encontrou neles observadores, reformadores e apóstolos. Vemo-los fundar clubes e
jornais políticos, discursar em praça pública e escrever.106
O romance simbolista Mocidade Morta que Gonzaga Duque publica em 1900,
nos desperta especial interesse por abordar uma geração de artistas que não encontra os
caminhos para materializar os ideais a que almeja. O autor apresenta a partir da figura do
protagonista Camilo Prado, seu duplo, as ambições do antiacademicismo. As ideias
relacionadas a um modernismo desejado são validadas pelo grupo que rodeia Camilo, os
Insubmissos, mobilizados pela possível realização conjunta de uma exposição, iniciativa
que se provará frustrada, e pelo sonho de ver o Rio se tornar semelhante a Paris: Terra
prometida dos gozos, opulenta e risonha quermesse de encantos107.
Camilo é um filho bastardo que graças as oportunidades de formação e
educação dos sentidos, escapa de um destino trágico que vai de encontro aos demais
membros de sua família, condenados ao mundo pacato e bovino das pessoas comuns,
apesar de permanecer vinculado à dolorida condição de artista. Essa perspectiva
naturalista é a mesma que atribui ao meio a responsabilidade pelo fracasso do grupo de
artistas, que toma consciência de que o próprio meio, ou sistema cultural precisa ser
mudado.
Camilo é crítico com relação ao que descreve como a contagiosa estupidez do
nosso meio social108. O personagem admira Manet e o frescor da pintura feita ao ar livre,
reconhecível em tantas paisagens de Arthur Timótheo da Costa e outros de sua geração.
Parece interessante relacionar os aspectos valorizados por Duque ao descrever os artistas
que representa em seu romance, e sua admiração por Chambelland e Arthur Timótheo.
Gonzaga classifica Chambelland como sendo talhado para ser um grande artista, e nomeia
as habilidades que reconhece: talento e ousadia. Em uma crônica de 1906, utilizando os
106 MURICY, Andrade. Panorama do movimento simbolista brasileiro. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 1987. 2
v. P. 42. 107 DUQUE, Gonzaga. Mocidade morta. São Paulo: Três, 1973. 50. 108 Idem, p.55.
119
recursos do gênero, o crítico trava uma conversa informal, provavelmente imaginária, com
uma personagem de tipo popular, um ilustre amigo Polycarpo todo dominical numa fatiota
cinzenta, enfeitando a sua lapela com um ramalhete de hortênsias, de fronte de
achavascado brutamontes, vendedor de flores. Duque afirma que Chambelland é um belo
artista que vem chegando. Polycarpo, então, o questiona sobre o que considera ser um
modo desajeitado de duas das figuras que aparecem na pintura Olhos Curiosos [figura 75],
exposta no Salão daquele ano. Duque concorda, mas elogia o frescor da representação do
ambiente marítimo e das demais figuras e conclui que atribuiria ao artista a medalha de
ouro. No mesmo texto, as referências a Arthur o qualificam como audacioso, capaz de
colocar “uma nota de rebeldia nesse meio”.109
Figura 75 Carlos Chambelland Olhos Curiosos, 1906 Óleo sobre tela, 102 x 150 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro
Em outro texto, publicado na Revista Kosmos, Gonzaga Duque aponta as qualidades
que reconhece em Arthur Timótheo, que situa como sendo discípulo de Bernardelli,
destacando sua audácia, talento e habilidades. O autor adota a perspectiva do público para
narrar uma cena que se passa na Exposição de 1907 ao descrever um diálogo com um
senhor visitante. É na imaginação deste que se conectam elementos narrativos que ele
depreende em três pinturas. Duas delas são justamente as obras que provocam a atribuição
do prêmio de viagem a Arthur Timótheo e Carlos Chambelland, respectivamente Antes do
Aleluia e Final de Jogo.110Com certa medida de humor, o autor faz com que figuras de Antes
da Aleluia, de Timótheo, disparem o desenrolar de ações, que se desenvolvem de modo
109DUQUE, Gonzaga. O Salão de 1906. Kósmos, Rio de Janeiro, out. 1906, n/p. 110 A medalha de segunda classe (prata) foi atribuída a Arthur, sendo que o júri responsável por avaliar as
pinturas apresentadas na Exposição propôs que a administração da Escola Nacional de Belas Artes pleiteasse junto ao Ministro do Interior a possibilidade de reverter o prêmio de viagem não aproveitado por Arthur Timótheo da Costa na exposição anterior quando exibiu Livre de Preconceitos.
120
conflituoso na tela Final de Jogo, tendo, em seguida, um triste desfecho na pintura Epílogo,
de Francisco Mannas, que retrata um velho mendigo.
121
4.1. Fim de Jogo e os interesses de Carlos Chambelland
O ano de 1907 é um marco importante para os dois artistas por marcar o
recebimento do Prêmio de Viagem ao Exterior da 14ª. Exposição Geral de Belas Artes. Em
1908, os dois jovens artistas estão juntos em Paris, onde permanecem por cerca de dois
anos. É durante este período de viagem à França que o Retrato, de Arthur Timóteo da
Costa, é realizado. Os Prêmios de Viagem eram uma importante tradição instituída,
inicialmente, pela Academia Imperial, em 1845, durante a gestão de Félix-Émile Taunay.
Desde então esse sistema de concessão de bolsas aos alunos que obtinham o maior
destaque, resultava em uma certa permeabilidade da instituição para as questões que a
cada época surgiam no contexto europeu. Os contemplados deveriam cumprir certas
obrigações como a produção de cópias e também obras originais para avaliação de seus
professores. Gonzaga Duque escreve sobre a perspectiva da viagem apresentada aos dois
artistas:
É uma banda talentosa, nova, vibratilisada, que se levanta e por ahi vem, caminho
da gloria, sobre sinuosidade de fatigas, a desentorpecer os nervos perros e exaustos
de nós outros, que nos vamos, no escambro da idade, consumidos do tédio pela
costumaria emotiva de uma repetida e esfaldada arte que se debate na últimas
energias (...) E ali estão os dois triunphadores dos cursos da Escola nesse anno
fértil, que são Carlos Chambelland e Arthur Timótheo, rapazes em plena mocidade,
confiados nos seus talentos e sentindo, no romper da vida, o clarão de um diamante
celeste, como uma madrugada nupcial de junho, ailuminar-lhes a alma em que há o
frescor das primeiras horas e aroma da Primavera. Elles conquistaram o premio do
seu inteligente e perseverante labor e foram para as longínquas terras da Arte e do
Luxo, em camaradagem de ilusões e esperanças, aprender o que fizeram os
mestres, procurar-lhes o segredo de suas tintas e do seu desenho que deram alma,
através dos séculos, á obra imperecível das suas emoções.111
Considerar as pinturas Antes da Aleluia, de Arthur, e Fim de Jogo [figura 76], de
111DUQUE, Gonzaga. Contemporaneos: pintores e esculptores. Typografia Benedicto de Souza, 1929. p.
165. P. 208-210
122
Chambelland, bem como as críticas que provocaram, nos sinalizam sobre os caminhos da
arte daqueles dias. Podemos reconhecer também em Fim de Jogo o germe de interesses
de Chambelland que evoluem em sua trajetória, como veremos a seguir.
Ao tratar do Salão de 1907, Gonzaga Duque classifica o retrato feito por
Chambelland de Mariano Filho como sendo superior à obra Fim do Jogo, que critica: como
assunto pitoresco, está a lembrar livro de moral, talvez seja um ponto de estética positivista.
Figura 76 Fim de Jogo, 1907 Carlos Chambelland Óleo sobre tela, 102 x 150 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro
A contextualização da obra Final de Jogo, de Chambelland, depende da
consideração de algumas questões importantes para o período. Desde a década de 1870,
a intelectualidade brasileira havia adotado pressupostos cientificistas para explicar a
realidade brasileira, suas mazelas e atrasos. O Darwinismo Social parecia propício em sua
transposição dos resultados de investigação científica sobre a natureza para a análise de
questões sociais e diferenças raciais. Também Hippolyte Taine trazia pelo naturalismo
determinista as questões resultantes da interação entre raça, meio e momento. Assim:
123
Isso a que se chama raça são as disposições inatas e hereditárias que o
homem porta consigo ao nascer, e que ordinariamente são conjugadas às diferenças
manifestadas no temperamento e na estrutura do corpo. Elas variam de acordo com
os povos
Constatada a estrutura interior de uma raça, deve-se considerar o meio
em que ela vive. Cedo o clima produziu seu efeito [...]. Cedo as circunstâncias
políticas trabalharam [...]. Cedo, enfim, as condições sociais imprimiram sua marca
Quando o caráter nacional e as circunstâncias ambientais operam, não
operam sobre uma tábua rasa, mas sobre uma tábua onde impressões estão já
marcadas. Se se toma a tábua num momento ou em outro, a impressão é diferente;
e isso basta para que o efeito total seja diferente.112
Figura 77 Carlos Chambelland, 1913. Álbum de fotografias de artistas brasileiros e estrangeiros. Acervo da Biblioteca Nacional
A raça estaria, portanto, relacionada a pré-disposições, o meio seria a expressão
da influência do clima, das circunstâncias políticas e as condições sociais. Já o momento
estaria relacionado à operação da raça e do meio em dado contexto. No entanto, para
alguns intelectuais atuantes nesse final do século XIX, como Jean-Baptiste Lamarck, o meio
seria o agente modelador das raças já que meio e ambiente teriam influência sobre
características hereditárias.
112 Apud SOUZA, Nabil Araújo de. O advento da moderna crítica literária na França no século XIX: de Mme.
de Staël a Gustave Lanson. Caligrama – Revista de Estudos Românicos, Belo Horizonte, Faculdade de Letras/UFMG, v. 11, p. 201-221, dez. 2006. p. 211
124
As teorias raciais chegam tardiamente ao Brasil e encontram seu período de
maior influência no período entre 1870 e 1930, demostrando preocupações sobre a questão
da mestiçagem no país. Schwarcz cita o naturalista Gustave Aimard que faz referência ao
que descreve como fenômeno único, o do cruzamento das raças em solo brasileiro, que faz
com que os filhos do solo sejam mestiços.113 A mesma autora lembra as palavras de Louis
Agassiz no final da década de 1868:
...que qualquer um que duvide dos males da mistura de raças, e inclua por mal-
entendida filantropia, a botar abaixo todas as barreiras que as separam, venha ao
Brasil. Não poderá negar a deterioração decorrente da amálgama das raças mais
geral aqui do que em qualquer outro país do mundo, e que vai apagando
rapidamente as melhores qualidades do branco, do negro e do índio deixando um
tipo indefinido, híbrido, deficiente em energia física e mental.114
Além da energia deficitária, também as pulsões violentas seriam marca do povo
desta terra segundo o Conde Arthur de Gobineau que percebe a população como sendo
totalmente mulata, viciada no sangue, no espírito e assustadoramente feia.
A visão de que a miscigenação, representada pelos tipos regionais, colocaria em
risco o projeto civilizatório brasileiro, encontra lugar nas representações artísticas. O que
Coli denomina como sendo a violência dos indivíduos a quem se atribui falta de sofisticação
mental ajuda a entender a obra Fim de Jogo, com a qual Chambelland recebe seu prêmio
da Escola. A obra antecipa a orientação naturalista de sua produção, mesmo que depois a
violência não se faça mais evidente. Para Jorge Coli, o final do século XIX carrega o que
ele denomina de um clima naturalista, que adentra o século XX. O exótico passa a se
circunscrever em esferas próximas e tipos populares que são os protagonistas de cenas
dramáticas e brutais, visíveis também no teatro e na ópera.115 Exemplo desse naturalismo
na pintura é, para o autor, a obra Fim de Romance [figura 78], de Antonio Parreiras, de
113 Schwarcz faz referência ao o naturalista Gustave Aimard, viajante francês que esteve no Brasil em 1887
que afirma: J'ai remarque un fait singulier que je n 'ai observé qu 'au au Brésil: c 'est le changement que s 'est opéré dans la population par les croisement des races, ils sont les fils du sol". SCHWARCZ, Lilia Moritz. Espetáculo da miscigenação. Estud. av., São Paulo , v. 8, n. 20, Apr. 1994 . 114 Apud SCHWARCZ, Lilia Moritz. Espetáculo da miscigenação. Estud. av., São Paulo , v. 8, n.
20, Apr. 1994 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141994000100017&lng=en&nrm=iso>. access on 03 Feb. 2014. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40141994000100017. 115COLI, Jorge. A violência e o caipira. In: Estudos Históricos, Arte e História, n.30, 2002.
125
1912, que apresenta certo parentesco, para além do título, com Fim de Jogo, de
Chambelland, na qual se reconhece um confronto retratado em chave de dramaticidade
quase cinematográfica.116
Ambas retratam conflitos masculinos, em momentos distintos. Em Parreiras, a
ação já se esgotou deixando o perdedor ao solo, ainda armado, mas já inofensivo, inerte.
A pintura apresenta um homem que deveria ser um dos vértices de um triângulo amoroso
levado a enfrentar um confronto provocado pela defesa da honra de um indivíduo traído,
que faz justiça com as próprias mãos. Ninguém para testemunhar, socorrer ou lamentar o
corpo que atravessa o caminho, apenas seu cavalo.
Na pintura de Chambelland, também há no chão o corpo de um homem ferido,
socorrido por alguém que apela pela trégua. Outros atores se agitam contribuindo com a
tensão evidente na cena: um tenta segurar o agressor que tenta avançar, possivelmente
armado com uma faca, outro levanta uma cadeira para impedir que um novo golpe seja
desferido.
Se em Parreiras a paisagem é serena e luminosa, em Chambelland o ambiente
simples do bar é terroso como as personagens. No primeiro, a diagonal que atravessa a
tela é a da estrada que passa pelo corpo, enquanto em Chambelland ela acomoda a tensão
entre o homem que ataca e o que se encontra no solo, mediados pelo braço elevado da
figura de camisa branca que deseja impedir o pior. Cadeiras e objetos se espalham pelo
chão como resultado da briga, que no momento escolhido pelo pintor, ainda não encontrou
seu desfecho final. Por trás dessas representações de violência consumada ou em erupção
está a preocupação com a viabilidade de um projeto de nação ameaçado pela mestiçagem,
que levaria à degeneração.
Em Fim de Jogo estão anunciadas questões que acompanham Chambelland por
sua carreira. Na década de 1910, Chambelland que passa a residir em Pernambuco, local
que inspira suas obras sertanejas que buscam evidenciar características que considerava
fundamentais da cultura nacional por meio de representações relacionadas ao sertão
nordestino.117 Quando perguntado sobre as tendências da pintura no Brasil, Chambelland
responde:
116MARQUES, Luiz (org.). 30 Mestres da Pintura no Brasil. São Paulo: MASP / Rio de
Janeiro: MNBA, 2001 (Catálogo de exposição). p. 40-41. 117VALLE, Arthur Gomes. A imagem do sertanejo nas pinturas de Carlos Chambelland. In: SIMPÓSIO
NACIONAL DE HISTÓRIA, 24., 2007, São Leopoldo, RS. Anais do XXIV Simpósio Nacional de História – História e multidisciplinaridade: territórios e deslocamentos. São Leopoldo: Unisinos, 2007. CD-ROM.
126
Figura 78 Antônio Parreiras Fim de Romance , 1912 óleo sobre tela, 97 x 185 cm Acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo
Devem ser peculiares ao nosso povo, à nossa inclinação nativista, á nossa
natureza. Para pintarmos á maneira da Europa, com a technica da Europa, as
scenas da Europa, não vale a pena trabalhar. Na Europa, tudo está feito em obras
primas.118
O artista descreve as diferenças das paisagens europeias e brasileiras, que
pedem nova technica, nova maneira, novos processos pincturaes capazes de trazer para a
pintura brasileira os traços que reconhecia como típicos e diferenciadores da arte de países
como a Holanda, a Itália ou a França. Para desenvolver essa nova perspectiva artística
Chambelland acreditava que seria importante iniciar por estudar o povo buscando suas
características regionais concebidos por ele como sendo originais e não maculados por
influências estrangeiras. Para o pintor a região norte do país teria recebido em menor
medida essas marcas.
118 COSTA, Angyone. A inquietação das abelhas (O que dizem nossos pintores, escultores, arquitetos e
gravadores, sobre as artes plásticas no Brasil). Rio de Janeiro: Pimenta de Mello & Cia, 1927. Disponível no site: http://www.dezenovevinte.net/artigos_imprensa/artigos_ac.htm
127
Figura 79 [detalhe figura 78]
Em Pernambuco, Carlos encontra o que interpreta como uma característica de
pureza nas tradições e costumes, e descreve a sua estada de três anos, entre 1912 e 1915,
como os melhores de sua vida.
Diz-nos Chambelland sobre ser um artista brasileiro:
a orientação do pintor brasileiro, que pense comigo, nesse ponto, tem de ser a
procura do convívio com agente do Norte, onde senti – eu que sou carioca, aqui sempre
vivi, e só sai duas vezes para a Europa – o verdadeiro espírito da nacionalidade, o orgulho
de aqui ter nascido.
Ou ainda sobre o Rio de Janeiro e a região sul do país que teriam sido muito
trabalhados pela influência estrangeira: o cosmopolitismo absorveu-nos tanto, que hoje,
somente no norte, se nos depara, em sua pureza inicial, o sentimento da pátria aferrado a
tradição, aos costumes, à vibração da alma do povo 119.
Essas afirmações do artista que datam de uma entrevista concedida ao
jornalista Angyone Costa no final dos anos 1920 revelam a escolha da figura do homem do
campo como alternativa ao índio como figura emblemática de representação da nação que
relaciona essa perspectiva a heranças italianas e alemãs do final do século XIX. O interesse
brasileiro pelo tema ganhou maior ênfase nos anos 1880 pelos pincéis de Almeida Junior,
Henrique Bernardelli, Pedro Weingartner e Modesto Brocos nos quais se identificam os
tipos caipira e caboclo.
A tela As Comungantes [figura 80], de Chambelland, traz em seu bojo uma
perspectiva sobre a inocência que se expressa em valores e práticas religiosos tradicionais
e regionais e mais capazes de traduzir a verdadeira natureza do país na visão do pintor.
Seu antecedente mais óbvio é La Communiante, de Lepage [figura 82]. Um crítico comenta
119Idem
128
a obra ao escrever sobre o Salão de 1923, mencionando a superstição ingênua que traduz:
Chambelland mandou As comungantes. Não é um interior de capela, como a
esplêndida tela de Carlos Reis, mas criaturinhas que vão à comunhão.
Aí estão, na auréola espiritual que lhes envolve as cabecinhas, todo o sentimento
religioso, a superstição ingênua e doce que o pincel não vinca em traços rudes
de preocupação interior, mas que deixam adivinhar120.
A pintura se insere na estética que se convencionou chamar de Naturalista, ou
denominar como pintura narrativa, expressão usada na obra Work and Struggle,121 de
Edward Lucie-Smith e Celestine Dars. O livro apresenta uma obra de temática chamada
Dedicated to the Virgin122, de Henri Guinier [figura 81].123 A expressão narrative painting
surge no texto como uma denominação unificadora para artistas atuando entre 1870 e
1914. Suas obras se caracterizam por contar uma história, apresentando cenas da vida
contemporânea ao artista. Essa vertente, também denominada Naturalista, se definiu,
segundo os autores, por oposição ao Simbolismo, sendo o primeiro frequentemente
associado a um papel conservador e o segundo a um marcado por uma certa radicalidade,
ambas vinculações redutoras. Essa dicotomia não encontraria fundamentos sólidos e o
sentido revolucionário buscado no Naturalismo residiria em seu distanciamento de
simbolismos, estilizações e distorções, e no enfoque da vida das classes trabalhadoras
mostrada em cenas de gênero. O texto destaca, ainda, a proximidade entre Naturalismo e
Impressionismo, este produto daquele e diferente dele por sua expectativa por uma arte
quase científica e sua abordagem intelectualizada e conceitual de seus temas. O livro,
publicado em 1977, tinha a grande preocupação de enfatizar a importância que o estilo
conhecido como Naturalista obteve em sua época, por meio de um resgate considerado
necessário em vista da desvalorização e desconhecimento progressivos observados ao
longo do século XX.
O autor destaca ainda as considerações de J. K. Huysmans, autor de A Rebours,
que defende uma pintura que mesmo correndo o risco de ser chamada de comum, busque
120 ARTES E ARTISTAS. BELAS ARTES - O Salão de 1923. O Paiz, Rio de Janeiro, 30 ago. 1923, p.2. 121 LUCIE-SMITH, Edward, and Celestine Dars. Work and struggle: the painter as witness 1870-1914.
Paddington Press, 1977. 122 O título da obra no acervo do Musée dês Beaux-Arts de Lille é Dimanche, Enfants de Marie. 123 Henri Jules Guinier, aluno da Julian onde estudou com Jules Lefebvre e Benjamin Constant. A casa que
possuía na Bretanha fez daquele cenário uma fonte de inspiração para o registro de costumes locais.
129
refletir a realidade sem adoçá-la. Também o crítico Gustave Geffroy, defensor dos
Impressionistas, é citado ao comentar obras em exibição na Exposição Universal de 1900
e defender uma missão social para o artista que deveria atuar como observador da vida ao
seu redor:
Eu acredito que artistas são destinados, mais do que nunca antes, a exercitar uma
influência sobre os destinos da massa. A arte demonstra o que a vida é. Penetra a
vida, a resume, faz com que seja compreendida, e terá um papel mais importante do
que qualquer um supôs na transformação social do futuro. O que quero dizer com
isso, é claro, é arte em sua completude, arte misturada com a existência, com o
trabalho manual e também o trabalho da mente, com o lazer do indivíduo e as
manifestações da existência nacional (...) 124
Figura 80 Comungantes, s.d. Carlos Chambelland Óleo sobre tela, 80 x 90 cm
124 Apud Lucie-Smith, Edward, and Celestine Dars. Work and struggle: the painter as witness 1870-1914.
Paddington Press, 1977. p. 36.
130
Figura 81 Un dimanche, enfants de Marie, 1898 Henri Jules Guinier Óleo sobre tela, 200 x 283 cm Palais des Beaux-Arts de Lille, Lille
Figura 82 La Communiante, 1875 Jules Bastien-Lepage Óleo sobre tela, 53 x 37 cm Musée des Beaux-Arts Tournai, Tournai
Figura 83 Volta do Trabalho, s.d. Carlos Chambelland Óleo sobre tela, 95 x 150 cm Coleção particular
Figura 84 Devant la grande mer, côte basque Henri-Paul Royer Óleo sobre tela, 113 x 162 cm Coleção particular
132
Figura 85 Vieux paysan breton tenant son chapeau devant lui, s.d. Henri Jules Guinier Desenho sobre papel, 43 x 32 cm Musée du Louvre, Paris
Geffroy defende uma arte que pudesse tratar das transformações trazidas pela
industrialização, ou do cotidiano das classes trabalhadoras, e se refere ao que chama de
interesse apaixonado dos artistas pela vida das massas, reconhecível nas obras dos
Salões. No caso da abordagem da realidade rural, observável também em Chambelland, a
nostalgia prepondera, talvez por haver o reconhecimento das constantes mudanças que
afetavam os modos de vida tradicionais. A Bretanha foi retratada por artistas, franceses ou
não, interessados nos costumes exóticos para a maior parte de seus públicos, sendo
Guinier um exemplo, assim como Henri Royer, e também o português José Júlio de Souza
Pinto.
133
Apesar de o Naturalismo ser um fenômeno internacional por excelência125, o
conteúdo nacionalista das pinturas é frequente:
Assim como escritores e músicos do período, os artistas não poderiam permanecer
sem serem afetados pela busca por origens nacionais que estava em toda parte ao
seu redor. Este era um dos temas artísticos e também políticos do período que
antecedeu a Primeira Guerra Mundial126
Se para o pintor de história isso significava a busca por incidentes referenciais, para
aquele voltado à vida cotidiana, isso significava buscar o que quer que fosse mais “típico”,
o que melhor expressasse o caráter da nação a quem dedicava lealdade..
Nesse sentido, a obra Volta do Trabalho [figura 83] oferece a celebração do
trabalhador brasileiro de mangas arregaçadas após um dia de esforços. Vemos homens
com suas enxadas e apetrechos, com os gestos indicativos dos costumes como o cigarro
enrolado que pende das bocas, além do modo de carregar objetos sobre a cabeça ou os
ombros. Coli retoma Gilda de Mello e Souza ao abordar O derrubador brasileiro, de Almeida
Jr, quando ela afirma:
E nosso, sobretudo, o jeito de o homem se apoiar no instrumento, sentar-se, segurar
o cigarro entre os dedos, manifestar no corpo largado a impressão de força cansada,
a que Cândido Portinari parece não ter sido insensível.l127
Coli comenta ao lembrar que, no caso de O derrubador brasileiro, quadro e modelo
são italianos, chamando a atenção para o sentido de construção do que se atribui como
valor de nacionalidade
Este "é nosso" mostra os poderes construtores, dentro de uma cultura, dos
processos de ficções aos quais se dá o nome de identidade.
As marcas do rosto, testemunho dos anos passados, do sol e da carga, equivalem
aos vincos na face do idoso do desenho de Guinier [figura 85], que parece, como a pintura,
feito sob o sol. Os tons amaciados de Volta ao Trabalho e Comungantes se assemelham
125 Idem, p.53. 126 127 SOUZA, Gilda de Mello e. Pintura Brasileira contemporânea: os precusores." Discurso 5.5 (1974): 119.
134
aos de Devant la grande mer, côte basque, de Henri Royer [figura 84], artista que foi
professor de Rodolpho Chambelland, Georgina de Albuquerque e Lucílio de Albuquerque.
Em suas obras, dedicadas à espiritualidade popular ou ao mundo do trabalho, aplica um
cromatismo que parece herdeiro de Puvis de Chavannes, mestre de Chambelland.
Já em uma pintura como Jovem com frutas [figura 86], de 1927, temos o que
Angyone possivelmente descreveria como a representação do que Chambelland buscava,
em sua opinião, conciliar com sua arte:
do typo brasileiro, a vida brasileira, nas suas manifestações de intimidade, no seu
ambiente peculiar, nos pequenos nadas da vida do povo, que infundem uma
característica pessoas à nossa gente128
Também um diplomata Pernambucano é alvo da admiração de Chambelland. Em
1913, o pintor realiza o retrato de Manuel de Oliveira Lima129 [figura 87] como uma figura
corpulenta que ocupa quase a totalidade da tela, estabelecendo uma presença à altura do
apelido Dom Quixote Gordo atribuído por Gilberto Freyre, que com ele estudou. Uma de
suas mãos grandes segura o volume que lê o homem culto e viajado.
128 APUD Angyone p.141 129 Nascido em 1867 Lima estudou em Lisboa letras, filosofia, direito e diplomacia, e a serviço do Itamaraty viajou por Berlim, Londres, Tóquio, Caracas, Bruxelas, Washington e Estocolmo. Atuou como jornalista, historiador e patrono das artes. Fez parte do grupo fundador da Academia Brasileira de Letras, mas viu frustradas suas ambições de constituir em Londres uma biblioteca com 8 mil títulos sobre o Brasil. O desenvolvimento de sua carreira foi prejudicada pelos desentendimentos com o Barão do Rio Branco e por sua simpatia pela questão da restauração monárquica, demonstrada em uma ocasião por sua recusa de recepcionar o marechal Hermes da Fonseca que visitou Bruxelas durante o período de Oliveira Lima como embaixador na Bélgica. A oposição dos republicanos o levou a solicitar sua aposentadoria, que ocorre no ano da execução do retrato, seguida por um período de docência em Washington D.C., onde constituiu na Universidade Católica da América uma biblioteca de 40 mil volumes que posteriormente se tornou a Biblioteca Oliveira Lima. Não surpreende, portanto, que Carlos Chambelland quisesse retratar em pleno ato de leitura um homem conhecido pelos livros que colecionou e pelos que escreveu. Além de livros, Oliveira Lima agrupou também centenas de pinturas, desenhos, gravuras e esculturas em uma coleção que incluía duas obras de Chambelland. Também obras tais como pinturas relacionadas à histórica de Pernambuco como uma paisagem de Franz Post, obras de artistas atuantes no contexto recifense como Telles Jr, Álvaro de Oliveira Amorim, Bibiano Silva e Balthasar da Câmara, bem como telas de Antonio Parreiras.
135
Figura 86 Jovem com frutas, 1927 Carlos Chambelland Óleo sobre tela, 72,5 x 59 cm Coleção particular
136
Figura 87 Retrato de Oliveira Lima lendo, 1913130 Carlos Chambelland
Figura 88 Caricatura de Oliveira Lima na edição de 2 de julho de 1910 da revista Careta
130 Não foi possível localizar a pintura ou obter informações complementares
137
Um crítico escreve no Jornal do Commercio sobre as obras de Chambelland
expostas no Salão de 1913, em que constava, além do retrato de Oliveira Lima, a pintura
La dame au gant. Elogia a atual geração com destaque para Carlos Chambelland, Rodolpho
Chambelland, figuras salientes e apreciadas, que estariam a firmar sua individualidade
artística:
Como pintura propriamente dita, não são mal feitos; mas, como retrato, o
do Sr. Dr. Oliveira Lima é manqué. É um tanto caricatural e ninguém, que o
olhar, fará a menor ideia do retratado (...) Quem diante daquele retrato em que as
exuberâncias físicas do ilustre acadêmico estão pintadas com tamanho realismo,
saberá reconhecer o escritor vigoroso, erudito e original, o conferencista vivo,
expressivo e fino? Falta ao retrato o caráter do modelo. Demais, pelo modo como
está pintada a mão trai-se o auxílio da fotografia.
A observação de uma caricatura do Jornal A Careta de 1910 nos faz tender
à concordância com o jornalista. No entanto, nos interessa mais destacar ao aludido
realismo atribuído à pintura, que parece ser mais indicativo dos verdadeiros interesses do
pintor. Laudelino Freire afirma que o retrato é de uma naturalidade inexcedível, e prossegue
desculpando de antemão o que olhares críticos poderiam identificar nele, uma vez que o
artista obteve no resultado uma representação verdadeira, real:
Pode ser que a posição de intimidade em que foi apanhado o original se
preste a qualquer observação procedente; mas o que é fora de dúvida é que a arte
deve ser sempre verdadeira e sincera; e ninguém dirá que aquele retrato não seja
a expressão real e exata do ilustrado escritor brasileiro.
Chambelland parece querer mostrar Oliveira Lima como leitor, presença
forte, mas também como burguês. O retrato de Louis-François Bertin, de Ingres [figura 90],
é o modelo primeiro do burguês cuja imponência se traduz no porte. Mas o exemplo de
Gozando os rendimentos, de José Malhoa [figura 89] é mais próximo no tempo, e traduz
melhor as afinidades realistas/naturalistas que aproximam os dois pintores, um brasileiro e
outro português. Malhoa cria uma cena em que um burguês bem alimentado desfruta da
paisagem urbana. Sentado à sombra das árvores, tendo os telhados vermelhos do casario
ao fundo, o homem de olhar absorto apoiou o jornal e o chapéu sobre o banco, enquanto
138
repousa envolto pela luz do final de tarde. A grossa corrente de ouro se apoia na barriga
proeminente, visível sobre o braço apoiado na bengala. O desejo de objetividade já residia
na obra de Ingres, que observou o retratado enquanto ele conversava. Quando a imagem
do Mr. Bertin foi exibida, a filha do retratado disse que seu pai, um lorde, havia sido
transformado em um fazendeiro gordo. Manet o descreveu como o Buda da burguesia, bem
de vida e triunfante.
Voltando ao Salão de 1907, temos oportunidade de observar comentários da
crítica sobre a produção de retratos, que podem ser elucidativos acerca dos que figuram
Oliveira Lima ou Timótheo.
É com grande contrariedade que, ao escrever sobre o Salão de 1907, o crítico
G. De O. ataca o que chama de monomania contagiosa e terrível, se referindo à presença
numerosa de retratos em exibição. Comenta sobre os artistas que se dedicavam ao retrato,
afirmando que até então, gozavam de prestígio restrito:
De um tempo para cá, quase todos os nossos artistas têm-se entregue à esse gênero
da pintura – até então privilégio de meia dúzia de artífices, ávidos de proventos muito
mais que de nome.
Diz que a invasão dessas obras, que somaram vinte e oito no Salão daquele
ano, vão enxovalhando o campo da pintura, uma vez que os bons exemplos são raros.
Menciona a título de exemplo, que naquele ano Bernardelli apresentou cinco retratos e
Carlos Oswald outros dois. Segue, ainda, avaliando os retratos expostos por Carlos
Chambelland e Arthur Timótheo da Costa.
Classifica como bem feita a obra de Timótheo, em que Paulo Barreto aparece de
monóculo e charuto fumegante131, sendo que a pose adotada, escolha indicada como feliz,
seria mérito e proposta do retratado e não ideia do artista. No entanto, critica a falta de
exatidão dos traços, que não reproduzem de maneira característica as feições de João do
Rio, que poderia ser confundido com outra pessoa. Timótheo teria se interessado mais pela
fatura do que pelo sujeito.
131 Obra não localizada.
139
Figura 89 Gozando os rendimentos, 1893 José Malhoa Óleo sobre painel de madeira, 26,5 x 46 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro
Figura 90 Retrato de Louis-François Bertin, 1832 Jean-Auguste-Dominique Ingres Óleo sobre tela, 116 x 95 cm Museu do Louvre, Paris
Já o retrato que Carlos Chambelland faz de José Mariano Filho [figura 91] seria
menos pretensioso, sem possuir o que chama de febre da originalidade, o que lhe
140
possibilitou obter melhor semelhança e resultado do que o de Timótheo, agradando assim
ao encomendante. Também Rodolpho Chambelland retratou Mariano em 1902, em obra
que lembra pela pose os retratos de Carlos Chambelland, de Arthur Timótheo, e de certo
modo também o de C.P [figura 92].
Interessante constatar por meio dessas passagens do Correio da Manhã, a
disseminação do retrato no período, e também a valorização da verossimilhança como
parâmetro para avaliação das obras. Observamos ainda a atenção dedicada tanto a Carlos
quanto a Arthur, jovens que manifestam talento, o que se aponta repetidamente, que deverá
ser aprimorado.
Figura 91 Retrato do Dr. José Marianno Filho, 1912 Rodolpho Chambelland Óleo sobre tela
Figura 92 Retrato do Sr. C.P. Carlos Chambelland Óleo sobre tela,
Na Kosmos,132 Gonzaga Duque elogia Carlos Chambelland lembrando ser o
terceiro ano consecutivo em que admira seus trabalhos. O retrato de Mariano Filho133 é
elogiado: Só a maneira por que o Sr. Chambelland modelou a cabeça do retratado
recomendalo-ia como uma das pouquíssimas melhores obras da presente exposição. Ali
há trabalhos de mestres que estão muito abaixo da execução deste retrato. Critica algumas
escolhas como o fundo cinza, a roupa azul e a mesa forrada de verde que teriam alterado
a cor originalmente rosada do rosto de Mariano. Isso afetou, segundo o crítico, a
132 Setembro de 1907 133 José Marianno carneiro da Cunha Filho, nasceu em Pernambuco. Formado em medicina, nunca clinicou,
seguindo estudos sobre arquitetura e urbanismo que resultaram em uma atuação profissional reconhecida. Foi crítico das artes, da arquitetura e do urbanismo do Rio de Janeiro no século XIX e início do século XX, propagador da ideia de uma arquitetura “tradicional”. MINGORANCE, Wilson Ricardo. Leituras de José Marianno Filho sobre a arte, a arquitetura e a cidade do século XIX no Brasil. 19&20, Rio de Janeiro, v. VIII, n. 1, jan./jun. 2013.
141
semelhança, sem no entanto comprometê-la já que a execução da cabeça e do olhar seriam
reais.
142
4.2. Antes do Aleluia de Arthur Timótheo da Costa
Em um texto, publicado na Revista Kosmos, Gonzaga Duque aponta as qualidades
que reconhece em Athur Timótheo, que situa como discípulo de Bernardelli, destacando
sua audácia, talento e habilidades. O autor adota a perspectiva do público para narrar uma
cena imaginária que se passaria na Exposição de 1907. É na imaginação de um visitante
que se conectam elementos narrativos que ele observa em três pinturas. Duas delas são
justamente as obras que provocam a atribuição do prêmio de viagem a Arthur Timótheo e
Carlos Chambelland, respectivamente Antes do Aleluia [figura 93] e Final de Jogo.
Figura 93 Arthur Timótheo da Costa Antes do Aleluia, 1907 Óleo sobre tela, 185,4 x 215,5 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro
Com certa medida de humor o autor faz com que figuras de Antes da Aleluia de
Timótheo disparem o desenrolar de ações, que se desenvolvem de modo conflituoso na
143
tela Final de Jogo, tendo em seguida um triste desfecho na pintura Epílogo de Francisco
Mannas, que retrata um velho mendigo.
E quem está talhado para ser um grande artista é o seu discípulo, o Sr. Arthur
Timótheo da Costa, que de dia a dia nos demonstra o seu ardente talento e sua
larga habilidade de compositor. Antes d’Aleluia (pintado a tinta matte, por
processo igual aquele com que o Sr. Bernadelli pintou as decorações de
Beneficência Portugueza, e que, por aí foi chamado encalca) é uma tela
movimentada, de muitos agrupamentos e infelizmente não terminada. O que
está feito, porém basta para nos dizer do valor desse moço artista, extremamente
simpático por sua audácia e grandemente hábil. Enquanto eu contemplava esse
quadro [Antes do Aleluia], entusiasmado com o seu
autor, um sujeito insinuante se me aproxima e mui amável entreteve
conversação comigo, apesar da minha aversão a palestras com estranhos.
Ele – É o primeiro ato ou se quiser a primeira cena...
Eu – Não o compreendo, senhor. De que se trata?
Ele – Do quadro que o senhor contempla. Eu também o admiro. Está
bem feito.
Eu – Mas, porque me fala em primeiro ato?
Ele – Porque, realmente o é.
Eu – Como?
Ele – O senhor vê aquela rapariguita que ali está encostada ao
muro...Repare-a. Repare, depois, naquele velho barbaça; depois naquele sujeito
que finge escolher manjericões ou arrudas... para beliscar a pequena...
Eu – O sr. Inverte as cousas... Não é esse o pensamento do artista.
Ele – Perdão. Queira ter a bondade de me acompanhar. Aquele
malandrim seduziu a rapariga. Sim, seduziu-
a, e por causa desse desaforo veio o segundo ato, que é aquele que ali está
(apontou para o final de jogo do Sr. Chambelland [Final de Jogo]. Foi um sarilho.
O pai e o irmão mais velho da rapariga
e os amigos do sedutor, com o próprio sedutor à frente, encontraram-se
numa hospedaria de má nota e foi aquilo que o senhor está vendo: cacetadas,
rasteiras, facadas... Depois, o final, é aquele: (Apontou-me o Epílogo do Sr.
144
Manna.) É aquele, o terceiro ato. O velho coitado, quis defender a honra da
pequena e mandaram-no para o Necrotério.
Eu - (boquiaberto)... Mas... o senhor é extraordinário!!...134
Se o texto nos esclarece sobre a percepção da época a respeito de Timótheo,
também nos fala de uma perspectiva, em relação às obras, que utiliza o humor para
defender uma necessária conexão entre o tema e o cotidiano. A teatralidade imaginada que
conecta diferentes pinturas nos revela um observador que prefere obras conectadas ao
tempo presente e que valoriza o naturalismo cotejado por pintores desde a geração anterior.
As cenas representadas são descritas pelo visitante, talvez imaginário como Polycarpo,
como “verdadeiras” o suficiente para que seus elementos significantes tivessem vida para
além das fronteiras das molduras que individualizam cada tela.
Nos comentários tecidos sobre a mesma exposição de 1907, no Jornal do
Commercio,135 encontramos um contraponto no que se refere à avaliação da obra de
Timótheo, mas também considerações que parecem reforçar a perspectiva da crítica de
Gonzaga Duque. Antes da Aleluia é criticado por não estar à altura das expectativas
daqueles que apreciaram o “adiantamento técnico” evidente na “brilhante exibição do jovem
artista” no ano anterior. A obra é vista, ainda assim, como merecedora de aplausos pelo
esforço do pintor que responde ao desafio de dar especial atenção ao tratamento artístico
dedicado à execução da obra, uma vez que o autor da crítica considera que nas pinturas
de gênero as questões técnicas têm mais importância do que o assunto, pelo menos ao
olhar iniciado. Ele invoca o escritor, jornalista, crítico francês Edmond François Valentin
About ao dizer que:
...o autor de um quadro de gênero tem de agradar ao público dos domingos, isto é,
ao público composto do vulgo profano, que se satisfaz com a ideia dramática mais
ou menos claramente representada - e o público das sextas-feiras, que no seu tempo
era o dia destinado nas exposições às visitas dos espíritos mais educados e mais
críticos, os quais olham mais para o saber que o artista revela, para o modo como o
quadro é composto e pintado, e para a execução dos detalhes.
134 DUQUE, Gonzaga. Contemporâneos. Rio de Janeiro : Typ. Benedicto de Souza, 1929, p. 165-166 135 Notas de Arte. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 8 ser.1907, p.4.
145
Entre nós o público de quase todos os dias é composto destes últimos, porque o
comum do público raramente frequenta as exposições de arte. De modo que o artista
que expõe é geralmente só julgado pelos seus pares.136.
O tema da celebração do Sábado de Aleluia é de caráter popular. Timótheo
escolhe representar o movimento da rua no momento anterior ao início da missa, ao invés
de ilustrar o rito e o que se passa dentro da igreja. O Sábado Santo, antecede a Páscoa e
encerra as limitações do jejum da Quaresma. Marca o desnudamento dos altares e a
retomada da celebração da Eucaristia e dos demais sacramentos interrompidos pela Sexta-
feira da Paixão, que assinala a morte de Cristo. É também quando ocorre a Malhação de
Judas. Os fiéis buscam as igrejas, neste dia, portando vasilhames para receber água benta
e alecrim para benzer suas casas e soltam fogos em sinal de comemoração. É a típica
movimentação relacionada a esta data que vemos na tela.
Para o crítico do Jornal do Commercio, o tema não justifica as grandes
dimensões da tela, mas essa escolha do pintor revela a intencionalidade do pintor em dar
destaque a uma cena que trata de costumes populares. O artigo ataca, ainda, a imobilidade
das figuras e o desequilíbrio da composição, mas fazendo ressalvas ao fundo da pintura,
que o jornalista afirma ter sido realizado com sucesso.
Quanto ao ponto de vista de Gonzaga Duque não há dúvidas de sua
reprovação à representação de temas religiosos:
Os assuntos sagrados, os assuntos bíblicos, tratados por todos os artistas do
Renascimento e pela maior parte dos artistas dos tempos modernos, nada oferecem
de novo além da maior ou menor habilidade na maneira de compor. Como
concepção são ingratos. Por conseguinte não há que esperar maravilhas sob este
ponto de vista.137
O debate é claro e a defesa de Duque parece alinhada à abordagem adotada
por Timótheo, mais interessada no trânsito dos habitantes, na movimentação humana,
apresentada de modo vívido ao observador da pintura.
Silva afirma que a tendência naturalista observada nas obras de Rodolpho
Bernardelli, mestre de Timótheo, apresenta parentesco com o verismo sociale italiano da
década de 1880. Nessa forma particular de Realismo além da busca de conexão com temas
136NOTAS DE ARTE. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 8 set. 1907, p. 4. 137DUQUE, Gonzaga. Impressões de um amador. Belo Horizonte. UFMG. 2001. p. 130.
146
cotidianos e com a vida contemporânea, “a preocupação social é declarada em termos de
um maior compromisso com a denúncia e revolta social ou dissimulada em uma resignação
inspirada na doutrina cristã, na invocação da compaixão e da fraternidade em Cristo como
única solução admissível para o problema”.138. Segundo Migliaccio, “a imagem religiosa
tramitava mensagens políticas e sociais de grande atualidade: os profetas e mártires do
passado aludiam aos eventos contemporâneos.”139.
Vale retomar a obra Cristo em Cafarnaum ou Cristo e a mulher adúltera [figura
94], também de tema religioso de Amoedo, em busca de semelhanças e contrastes na
comparação com o quadro de Timótheo. Essa obra de Amoedo seria, segundo Gonzaga
Duque, uma obrigação acadêmica a ser cumprida em função do término de seu pensionato.
Ele afirma que o “assunto, como se compreende, estava deslocado do tempo e em
contradição com a natureza do artista.”140 O crítico sugere um distanciamento do artista dos
temas privilegiados pela academia. Não é este, portanto, o Amoedo da predileção de
Gonzaga Duque, mas sim aquele mais afinado com o gosto burguês e afastado dos temas
históricos e religiosos e envolvido na produção de retratos, cenas cotidianas e nus, porque
teriam maior consonância com os desejos de renovação acadêmica e artística que
culminariam na Escola Nacional de Belas Artes com seus novos métodos.
Amoedo não realizou nenhuma cena de batalha e apenas três obras de
temática indianista; suas telas religiosas respondem tanto às expectativas acadêmicas
quanto aos anseios do público brasileiro, nesse sentido semelhante ao europeu, ainda
apreciador dessa temática. No entanto, a ressalva de Gonzaga Duque talvez nos auxilie a
compreender as escolhas de Timótheo para a realização de sua obra que busca contornos
mais realistas ao optar por uma encenação de caráter cotidiano.
Diz ainda Gonzaga Duque sobre a obra:
E também por uma composição grandemente inculcativa foi que Arthur Timótheo
obteve o prêmio de viagem. Alleluia tal era o seu título. Tela vasta, de proporções
maiores do que é comum ás forças de um aluno, pintada a tinta matte, e embora
138 DA SILVA, Maria do Carmo Couto. "A obra Cristo e a mulher adultera e a formação italiana do escultor
Rodolfo Bernardelli." (2005). p.5-6. 139 MIGLIACCIO, Luciano. O século XIX. In: BRASIL + 500 Mostra do Redescobrimento: arte do século XIX.
São Paulo: Fundação Bienal, 2000. p.183. 140 DUQUE, Gonzaga. A Arte Brasileira / Luiz Gonzaga Duque Estrada; introdução e notas de Tadeu Chiarelli.
Campinas: Mercado das Letras, 1995. p.17.
147
inacabada, a sua importância se impunha pelas dificuldades audaciosamente
procuradas.141
Figura 94 Rodolfo Amoedo Jesus Cristo em Cafarnaum (estudo), 1885 Óleo sobre tela, 63 x 79 cm Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo
141 DUQUE, Gonzaga. Contemporâneos. Rio de Janeiro : Typ. Benedicto de Souza, 1929, p. 166
148
4.3. Ambiente de renovação
Carlos Chambelland e Arthur Timótheo tiveram seu período de formação em uma
época de mudanças que gerou a Escola Nacional de Belas Artes. Este capítulo se dedica
a analisar o ambiente artístico em que se inserem nossos artistas, reconhecendo elementos
que nos ajudam a contextualizar a obra de Chambelland, a reflexão sobre o negro no campo
artístico, e abordagens sobre sua imagem na pintura. Foram adotados como pontos de
referência: Rodolpho Amoedo, importante para compreender a modernização da educação
artística que impactou os artistas de uma geração e Gonzaga Duque e seus
questionamentos sobre o que desejava ver em uma arte que pudesse ser concebida como
nacional.
Os alunos da geração de Carlos e Arthur puderam contar com uma educação
que reconhecia a existência de um novo gosto que ia além da abordagem de temas
sagrados e da criação de figuras míticas representativas da identidade nacional, inserindo
cenas mais afeitas ao paladar burguês, tais como pinturas de gênero, retratos e paisagens.
Rodolpho Amoedo foi uma figura de proa. A tela Estudo de Mulher, de Amoedo, que
integrou a Exposição Geral de 1884, exemplifica seu desejo de afastamento do modo de
tratamento dedicado ao tema do nu com suas vinculações mitológicas, indigenistas e
históricas, causando espécie ao inserir uma mulher despida em uma ambiente burguês,
emolduradapor um fundo ornamental resolvido em traços soltos e abstratos e cercada por
peles e tecidos que acentuam a sensualidade da obra.
Sobre Amoedo, Acquarone afirma que diante deste nome devem descobrir-se
todos os que estudam pintura no Brasil. [...] Sua obra vigorosa de desenho e opulenta de
cor garante-lhe sem contestação um dos primeiros lugares na arte nacional142.Quando do
ingresso de Chambelland e Timótheo da Costa, Rodolfo Amoedo já se encontra no cargo
de vice-diretor da ENBA. Mas vale lembrar que havia bem pouco tempo, entre as décadas
de 1880 e 1890, a instituição havia atravessado uma crise que definiu sua passagem de
Academia Imperial para Escola Nacional de Belas Artes. Havia falta de professores,
insatisfação com as premissas do ensino estabelecidas, percebidas naquele momento
tanto por mestres e alunos, como presas ao passado e carentes de renovação. Um embate
142ACQUARONE, Francisco. História da Arte no Brasil. Rio de Janeiro: Oscar Mano & Cia Editores, 1939. p.
206
149
opôs dois grupos denominados “modernos” e “positivistas”, cada um defendendo visões
contrastantes sobre os modelos de ensino artístico que deveriam vigorar. Atuante junto aos
“modernos”, Rodolfo defende a renovação dos métodos a partir do que havia observado na
Académie Julian. Durante sua estada em Paris entre 1879 e 1887 Amoedo frequentou a
École dês Beaux-Arts de Paris e também foi aluno de Alexandre Cabanel e Puvis de
Chavannes. Logo após seu retorno ao Brasil, é nomeado professor honorário da AIBA.
É por meio de uma comparação com Amoedo que o crítico Gonçalo Alves situa
a importância de Carlos Chambelland, e também de seu irmão, em um texto de 1921:
Os irmãos Chambelland, Carlos e Rodolpho representam exatamente na moderna
geração artística o mesmo papel que Rodolpho Amoedo tão brilhantemente
representou na história da arte nacional.
Discípulos ambos do glorioso e incomparável que tão alto levantou o prestigio da
arte nacional, os dois Chambellands com ele sentiram e aprenderam aquela superior
e nobre maneira de interpretar com tanto encanto a natureza e as coisas.143
O sistema francês de ensino artístico se dividia entre a École dês Beaux-Arts, a
Academie dês Beaux-Arts e os ateliês particulares. Nestes últimos, os alunos aprendiam
técnicas básicas de pintura e escultura e eram preparados para os exames de admissão
da École onde o ensino priorizava o desenho e a teoria clássica bem como a organização
de concursos. Ficava a cargo da Academia a organização do Salon e do Prêmio de Roma.
Também ficava a cargo da Academie a seleção de professores para a École.144 Já no Brasil
uma única instituição concentrava diferentes papéis e a diversidade artística oferecida pelos
ateliês privados franceses, não encontrava paralelo aqui.
Ao lado de Eliseu Visconti, França Júnior, Henrique Bernardelli, Rodolfo
Bernardelli e Zeferino da Costa, Amoedo defende que a Escola deve passar por mudanças.
Acredita ser necessária a manutenção continuada dos concursos para prêmio de viagem,
que não apresentava a regularidade desejada. Os membros do grupo constituem em 1888
o Ateliê Livre no Largo do São Francisco com o apoio de, entre outros, José do Patrocínio,
e organizam um Salon des Indépendants. A proclamação da República abre espaço para
o reconhecimento do grupo que passa a ocupar a diretoria da escola, tendo então a
143 ALVES, Gonçalo. Notas do “Salon”. OS DOIS CHAMBELLANDS. A Noite, Rio de Janeiro, 28 set. 1912,
p. 1. 144PEREIRA, Sônia Gomes. A sincronia entre valores tradicionais e modernos na Academia Imperial de Belas
Artes: os envios de Rodolfo Amoedo.Artcultura, v. 12, n. 20, 2010.
150
possibilidade de modificar seus métodos. Amoedo introduz as técnicas de encáustica e
afresco, inspirado pelos ateliês renascentistas. Aponta a necessidade dos estudos sobre o
uso da cor como elemento construtivo central, no que se revela a influência de Chavannes,
e reflete sobre seu uso a partir das questões científicas que informaram impressionistas e
o divisionismo de Seurat. Propõe ainda novas perspectivas sobre os estudos de modelo e
anatomia.145
A ação renovadora de Amoedo se conecta ao seu interesse por vertentes
realistas e simbolistas do modernismo que afasta o tratamento idealizado predominante no
meio acadêmico até então, mas o artista não condena as tradições românticas e
neoclássicas que aprendeu de professores como Victor Meirelles e Zeferino da Costa. Dá
a seus temas um tratamento que privilegia a objetividade, verista. Para Chiarelli, o
falecimento de Amoedo marca o encerramento de uma fase da arte brasileira:
A morte de Amoedo anuncia o início do fim da arte do século XIX; começa a ser
definitivamente sepultada uma arte baseada no culto ao bom desenho, à captação objetiva
(porém não naturalista) da forma, ao rigor da composição".146
As reformas realizadas na escola se espelhavam em parte nas mudanças
implementadas na École de Beaux Arts na década de 1870 quando, se introduziram cursos
de artes decorativas como Cours de dessin ornamentel e Cours supérieur d’art décoratif.
Também no Brasil havia uma preocupação com o preparo dos alunos para o
desenvolvimento de projetos de monumentos, decoração de edifícios públicos e para uma
atuação que articulasse arte e indústria. A própria reforma urbanística do Rio de Janeiro,
objeto de estudo desde 1874 e implementado nos na primeira década de 1900, motivou
encomendas de decoração de prédios públicos. Dazzi afirma sobre a Reforma da Escola
Nacional de Belas Artes:
[...] a intenção da Reforma de 1890 não era a de implementar um ensino técnico na
Escola Nacional de Belas Artes, mas preparar melhor os artistas para serem
idealizadores, dessinateurs, atuando nas artes industriais, a fim de melhor darem
conta das grandes encomendas de decoração em prédios públicos e terem os
145 Sobre a reforma DAZZI, Camila. “Por em prática e Reforma da antiga Academia”: a concepção e a
implementação da reforma que instituiu a Escola Nacional de Belas Artes em 1890. Rio de Janeiro: UFRJ, 2011. Tese (Doutorado em História da Arte), PPGAV, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011. 146CHIARELLI, Tadeu. Rodolfo Amoedo. In: _______. Arte internacional brasileira. São Paulo: Lemos, 1999.
p. 154-156.
151
conhecimentos necessários para a atuação nas escolas. Portanto, não havia conflito
entre arte, arte decorativa e artes industriais. O papel da Escola Nacional de Belas
Artes estava muito bem estabelecido: era o de uma escola de artes preparatória;
preparatória não só para formar grandes artistas, mas professores e, possivelmente,
artistas que atuariam realizando projetos para indústrias, supervisionando seus
operários etc.147
Figura 95 Carlos Chambelland Nu, 1927 Óleo sobre tela, 40 x 80 cm Coleção particular
Figura 96 Rodolfo Amoedo Estudo de Mulher, 1884 óleo sobre tela, 150,5 x 200 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro
147 Dazzi, Camila. A reforma da École des Beaux-Arts de Paris e a reforma da Academia de Belas Artes do
Rio de Janeiro: algumas aproximações. In: Cultura Visual, n. 19, julho/2013, Salvador: EDUFBA, p. 78.
152
Figura 97 Arthur Timótheo da Costa No Atelier de Lucílio, 1910148
Óleo sobre tela, 25.8 41.3 cm Museu Antonio Parreiras
Figura 98 No Atelier, s.d. Rodolfo Amoedo
Óleo sobre tela, 48 x 64,5 cm Coleção Particular
Esse artista capaz de participar da mudança de perfil da cidade e com ela
dialogar, estava familiarizado com as reformas de Paris e a nova sensibilidade do viver
urbano.
Para Migliaccio, Amoedo foi para seus discípulos o exemplo do que um artista
moderno deveria ser. Mas mais do que isso foi o primeiro dos dândis149. É como dândi que
Amoedo escolhe representar Gonzaga Duque, criando uma imagem semelhante à da
personagem masculina de Arrufos, de Belmiro de Almeida [figura 99], que se acredita
também ter sido concebido à semelhança do crítico. O retrato estreito reforça o longilíneo
do retratado esbelto, de dedos longos a segurar uma fina bengala. Duque se destaca do
148"Ao A.gºcollega / A.Parreiras off. o / Arttimotteo /Paris 910" c.s.e. 2 carimbos
circulares do MAP e carimbo oval com as inscrições: "FABRIQUE de (...) / (...) / G.BURGUES / PARIS / 19, Rue de M(...)" e "13" v. 149MIGLIACCIO, Luciano. Rodolfo Amoedo. O mestre, deveríamos acrescentar. 19&20, Rio de Janeiro, v. II,
n. 2, abr. 2007. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/artistas/ra_migliaccio.htm>.
153
fundo avermelhado pelo contorno da poltrona coberta por um tecido brilhante e pelo
recortado do penteado lustroso. Tudo se combina para sugerir refinamento, erudição e
elegância que o retratado desejava imprimir na percepção de seus interlocutores.
Também Eliseu escolhe o dândi para seu retrato de Duque [figura 101], no qual
o encontramos mais velho, com a cabeça coberta por um chapéu marrom no tom do paletó
risca de giz, gravata em tom vivo, olhar absorto e cigarro na mão. As representações
denunciam um homem preocupado com sua aparência, e revelam um intelectual buscando
aqui paralelos e conexões com Paris e seus bulevares.
Antonio Dimas vê em Duque um apelo a um descritivismo que adere aos objetos
analisados. Segundo o autor:
quando se abre a oportunidade do rigor judicativo, o crítico esgueira-se ora pela
condescendência, ora pela ironia. Ironia que, por exemplo, subsestima a
intelectualidade burguesa do momento, como se dela ele não fizesse parte, e que, no
fundo, implica sentimento de auto desenraizamento, de desajustamento ao meio
ambiente. 150
O exemplo escolhido para ilustrar o argumento é uma passagem em que
Gonzaga Duque usa a expressão bugres de cartola para designar a maioria sabichona do
nosso meio intelectual. Também a introdução da personagem fictícia Policarpo ajuda a
criar um descolamento que faz com que comentários críticos ou irônicos sejam vocalizados
pela personagem, não pelo escritor. Talvez seja aí que Gonzaga se revele mais dândi, ao
criar uma identidade ambígua que se distancia da burguesia sem com ela romper.
Duque se empenhou na disseminação de estéticas como o Simbolismo, o
Decadentismo e o Art Noveau, em uma época que priorizava o Realismo e o Naturalismo,
tendências mais alinhadas ao Cientificismo dominante, e sua aposta no progresso material
prometido pelo capitalismo industrial.
O romance Mocidade Morta, de Gonzaga Duque, apresenta jovens idealistas
que desejam ver uma nova escola de artes plásticas, sem empreender ações efetivas para
este fim. O spleen faz das aspirações desses artistas, desejos imobilizadores e covardes.
O artifício expresso no estudo do dândi sobre sua apresentação deve ser
observado no caso de nosso retrato. Mais ainda, se imaginamos que Timótheo não era
150 DIMAS, Antonio. Tempos eufóricos:(análise da revista Kosmos, 1904-1909). Vol. 88. Editora Atica, 1983.
P. 127.
154
verdadeiramente um dândi, a pintura pode ser vista como uma construção artificial que faz
do retratado um produto artificial do artista, e o encaixa na identidade de artista criador de
seu mundo imaginado.
Duque parece atento, como os homens de seu tempo, às questões relacionadas
à presença negra no país e aponta os vínculos entre este segmento da população e a
produção artística, tida como atividade menor.
As profissões letradas transbordam assustadoramente, enquanto as profissões
diretamente produtoras passam às mãos dos estrangeiros que, enriquecidos,
constituem−se conforme os seus interesses pessoais em força motriz dessa política.
Ora, sendo as profissões letradas as que maior interesse despertam no brasileiro, é
claro que a arte, considerada até há pouco tempo um desprezível ofício de negros e
mulatos, medrada em país onde não estão ainda desenvolvidos o luxo e o
bom−gosto, ficasse destinada às classes pobres, aquelas que não podiam educar
convenientemente seus filhos para fazê−los entrar nas Academias.151
No entanto, Lins destaca que para Gonzaga Duque a representação do negro,
assim como a do índio, deve evitar o exótico e sua identificação como “réu político”, para
garantir a busca de uma arte cosmopolita de caráter universal.
Luiz Gonzaga Duque Estrada não é produto de um meio social privilegiado. Filho de
pai sueco que nunca conheceu, carregou o nome de família da mãe. Nascido no Rio de
Janeiro e sem ter obtido uma formação que lhe oferecesse diplomas, inicia a carreira como
pintor e crítico de A Semana, em 1875, publicando em 1888 seu primeiro livro.
Gonzaga Duque diverge de uma visão negativa dos trópicos. Vê a negatividade na
forma de colonização, e nos negros e mestiços, a vitalidade. (...) Todavia, como não
é naturalista, acredita na independência do meio pela força do espírito e da reflexão.
O simbolismo apresenta uma crítica a esse veio grave, naturalista e cientificista, em
que raça e natureza dão fundamentos objetivos e imparciais ao estudo da literatura
ou da arte.152
151DUQUE, Luiz Gonzaga. Revoluções Brasileiras. Rio de Janeiro, Tip. do Jornal do Comércio, 1898. p.243 152 LINs, Vera. "Novos Pierrôs, velhos saltimbancos." Curitiba: Secretaria de Cultura do Paraná (1998). p.33.
155
Figura 99 Belmiro de Almeida Arrufos, 1887 Óleo sobre tela, 89,1 x 116,1 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro
Figura 100 Rodolfo Amoedo Retrato de Gonzaga Duque , 1888 óleo sobre tela, 50 x 40 cm Coleção Jones Bergamin
156
Figura 101 Eliseu Visconti Retrato de Gonzaga Duque, 1908 Óleo sobre tela, 92 x 51 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro
Duque inicia seu livro Revoluções Brasileiras abordando a revolta dos negros de
Palmares, destacando seu protagonista: Zumbi. Parte dessa história não oficial, sinalizando
seu desejo utópico de ver a constituição de uma república libertária.153 Observa a violenta
repressão exercida contra o negro como um dos obstáculos à constituição de uma nação
capaz de avanços, tendo sido a escravidão o maior deles, seguido pela “politicagem”.
Cultiva uma visão nacionalista, à sua maneira, vinculada a um pensamento nacional e não
à tematização do negro e do índio.
153 Idem
157
Falta-lhe o cunho, a marca nacional? Mas, senhores, a arte de um povo não resulta
da vontade de um grupo nem de uma tentativa de uma escola. (...) Mas, se o povo
se afirma por uma clara, definida aspiração nacional, se os fatores de sua formação
lhe transmitiam intensamente o seu sentir, o seu modo de ser; se a sua expressão
depende de uma só língua, embora adaptada e corrompida, este povo vai ter,
indubitavelmente a sua arte. Esperamos, pois, por esse dia próximo, em que a arte
característica, verdadeiramente brasileira, surgirá dessa natureza admirável, desta
luz de ouro, dess´alma popular feita com a nostalgia do índio, a infalibilidade animal
do africano e a alma lírica do português marujo e êxul. 154
Duque convida os artistas a produzirem inspirados pelo que encontram ao seu redor,
pelo que encontram de específico em sua terra. Embora aluda a uma visão estereotipada
das raças, os convida a romper com as imagens simbólicas da identidade nacional. O
romance Mocidade Morta atesta a desilusão do autor com as possibilidades de encontrar
novas saídas para a questão do nacionalismo. As personagens vagam e veem frustradas
suas ambições profissionais, abandonam suas premissas de rebeldia ou encontram a
doença e a morte. Segundo Vermeersch:
O problema do nacionalismo na arte ficou sem solução, para Gonzaga Duque, como
atesta seu romance Mocidade Morta, publicado em 1899. (...) [o autor] fala da
extrema decepção e da compreensão de que seria impossível criar uma arte
moderna num país em que a maior parte das pessoas não sabia sequer os
rudimentos da leitura e da escrita.155
Em Arte Brasileira, Duque estaria alinhado com os temas dos “Novos liberais”,
intelectuais tais como André Rebouças, Joaquim Nabuco e também com o grupo dos
“Positivistas abolicionistas”, no qual figurariam Silvio Romero e Tobias Barreto.156 Gonzaga
esteve relacionado ao Partido Abolicionista e fez parte do círculo de José do Patrocínio.
Os males de uma modernização tardia e incipiente eram obstáculos intransponíveis
à criação de uma tradição artística própria, de debates profundos e duradouros. O
154 Esse texto trata de um discurso pronunciado na Exposição Nacional de 1908 na seção Belas Artes, reunido
em Contemporâneos, apud, p. 247-255, edição de 1929. 155 VERMEERSCH, Paula. Por uma arte brasileira? A pintura acadêmica no final do Segundo Reinado e a
crítica de Gonzaga. Duque. Rotunda. Agosto 2003. CEPAB-IA Unicamp. p. 22. 156 ALONSO, Angela. Ideias em Movimento: A geração 1870 na crise do Brasil-Império. São Paulo. Paz e
Terra. 2002. p. 47-48
158
que seria um desacerto na verdade é uma espécie de sonho utópico, de profissão
de fé, como os textos panfletários de José do Patrocínio. O sonho do jovem crítico
naufraga diante da mudança do regime e da continuidade das instituições sociais,
mas, para a construção de uma História da pintura no Brasil, é imprescindível saber
que houve um momento de propostas novas e arrojadas, ainda que contraditórias, e
irrealizáveis.157
Gonzaga Duque busca em Arte Brasileira descrever três períodos organizadores
para classificar a história da arte no Brasil: Manifestação com início em 1695, estendendo-
se até a chegada da Missão Francesa em 1816; a fase Movimento que vai de 1831, quando
Jean Baptiste Debret deixa o Brasil retornando à França, até o final da Guerra do Paraguai
em 1870; e o período que denomina Progresso, de 1870 até 1888, quando o autor publica
o livro.
Duque caracteriza o período Progresso como aquele em que os artistas são mais
numerosos, a produção mais volumosa e o ensino mais estruturado. Para o autor, mesmo
nessa última fase não seria possível afirmar a existência de uma produção coesa a ponto
de constituir uma “escola brasileira”, e sim um conjunto de indivíduos que produzem sem a
vinculação inequívoca a uma tradição. Segundo Chiarelli, a etapa denominada
Progresso indicava um ensino acadêmico estabilizado, um número maior de artistas em
atividade e uma produção mais numerosa, mas nada além disso uma vez que, nada
distinguia os artistas desse período de seus incaracterísticos antecessores.158
Os textos de Gonzaga Duque manifestam o desejo de ver obras figurativas
despidas da idealização que reconhecia em alguns acadêmicos. Duque elogia a
verossimilhança naturalista das obras que mais se encaixam em suas preferências.
Condena em Aurélio de Figueiredo a fantasia da tela Redenção do Amazonas, apontando
em tom crítico tanta riqueza de estofos, colunas de mármore, e tapetes e flores e
amphoras159. Por contraste, elogia em uma exposição de Modesto Brocos a realidade
adorável de uma reprodução fidelíssima no retrato do Barão Homem de Mello, de Auguste
157 Apud. VERMEERSCH, Paula. Por uma arte brasileira? A pintura acadêmica no final do Segundo Reinado
e a crítica de Gonzaga. Duque. Rotunda. Agosto 2003. CEPAB-IA Unicamp. p. 23-24 158 DUQUE-ESTRADA, L.G. Arte brasileira. Introdução e notas de Tadeu Chiarelli. Campinas: Mercado de
letras, 1995, p.30. 159DUQUE, Gonzaga. Contemporâneos: pintores e esculptores). Rio de Janeiro, RJ : TypografiaBenedicto de
Souza, 1929. p. 86.
159
Petit que teria mantido da cabeça todo o relevo do desenho, acusando bem a anatomia,
minudeando os característicos da velhice. Epiderme, espessura de cabellos, vida
physionômica, constituem um conjunto de attendido trabalho que honra o artista160.
Despreza o desejo da pintura histórica de reconstituir épocas e também as alegorias
nacionalistas, elegendo Puvis de Chavannes como modelo de artista bem sucedido no
tratamento de seus temas, com ênfase em seu caráter simbólico161.
Gonzaga Duque vê no artista português José Vital Branco Malhoa, habilidades
capazes de manter vivas as figuras nos quadros. Em um texto escrito a propósito de uma
exposição do artista no gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro, Duque reconhece
o Naturalismo como tendência artística do pintor, a quem atribui habilidades intuitivas e às
suas obras características de espontaneidade. O crítico é atraído pelo modo como o pintor
é atraído pelo vulgar da vida, no que encontra similaridades com a pintura de costumes
holandesa. Valoriza o afeto pelos humildes, pelo seu amor à vida rústica e, sobretudo, pela
capacidade de representar o que ele [o artista] viu e o que verdadeiramente existe162.
Para Coli, Duque é a primeira presença forte da história da arte no país, por
condenar a produção nacional como ultrapassada e desejar uma renovação baseada em
uma autenticidade nacional.
Seu desejo é, portanto, o de uma arte que ultrapasse os temas e que encontre, ao
mesmo tempo, uma forma moderna e brasileira. Essa obra sem dúvida anunciou as
posturas modernistas que surgiram no século XX.163
O interesse pela vida do presente, herdada de Baudelaire e vivaz em João do
Rio, aparece entremeada às ideias de Gonzaga e visível nas obras dos artistas que
parecem sintonizados com as ideias do critico, interessado, sobretudo, em ver renovado o
sentido de identidade na arte nacional. Por essas razões, o dândi de Chambelland talvez
seja um retrato de artista como aquele idealizado por Duque, capaz de trazer o moderno, o
novo. Por outro lado, talvez o pintor representado na penumbra, se assemelhe de algum
160 Idem, p. 146. 161 Lins, Vera. Gonzaga Duque: crítica e utopia na virada do século. No. 25. Fundação Casa de Rui Barbosa,
1996. p.12. 162 Duque, Gonzaga. Graves & Frívolo: por assuntos de arte. Fundação Casa de Rui Barbosa, 1997. p. 41-
46 163 COLI, Jorge. "Fabricação e promoção da brasilidade: arte e questões nacionais." Perspective. La revue
de l’INHA (2014).
160
modo às personagens de Mocidade Morta, incapaz de materializar o que preconizam em
suas ideias e sonhos.
161
5. A imagem do homem negro na arte brasileira: exemplos referenciais
A reflexão sobre a imagem do negro na arte brasileira do século XIX e início do
XX, arrasta para o debate o reconhecimento de presenças esparsas e de representações
delimitadas por padrões recorrentes. Os retratos individuais são raros na pintura, enquanto
são numerosas as imagens vinculadas ao trabalho164 e à identificação étnica nas imagens
de artistas viajantes e nas cartes de visites.
Cada imagem é uma equação na qual operações de soma e subtração resultam
visíveis, em maior ou menor medida, as intenções do sujeito e as do fotógrafo, operando
em um gradiente de possibilidades de escolha por parte do retratado, capazes de impactar
a imagem resultante. Da pose às roupas, uma combinação de atributos e atitudes denuncia
a situação social do fotografado, por vezes reduzido a um tipo, marcado por um ofício, uma
ocupação. Maria Hirzman, ao estudar as imagens produzidas por Christiano Jr., afirma não
serem fotos de cidadãos, mas também não são apenas de categorias, estando entre o tipo
e o indivíduo.165
Nos retratos voluntários, a fotografia oferecia ao próprio indivíduo e aos outros,
a comprovação de uma identidade que acolhia outros signos que não aqueles da
subalternidade escrava. A imagem podia ser percebida como prova de seu status e
testemunha de uma operação de mobilidade social. Mais do que isso, é atestado de sua
humanidade avalizada pelos sinais de distinção e postura, em um ambiente pródigo em
estratégias de apagamento da dignidade daqueles a quem se impôs a situação de
escravidão.
Coli afirma que a celebração do indígena como força suprema e entidade
ancestral incidia sobre um outro aspecto (...): ela bloqueava a incorporação do negro pela
cultura local. Também por isso o Retrato do Marinheiro Simão [figura 102]surge como
exceção, identificada por Luciano Migliaccio como o primeiro retrato heroico de um afro-
164 KOSSOY, Boris. O olhar europeu: o negro na iconografia brasileira do século XIX. São Paulo: Edusp,
1994. 165 HIRZMAN, Maria Lafayette Aureliano. Entre o tipo e o sujeito: os retratos de escravos de Christiano Jr.
Diss. Universidade de São Paulo.
162
Brasileiro166, sendo importantes as pesquisas desenvolvidas por Nara Petean Marino167 e
Daryle Williams.168
Figura 102 Retrato do intrépido marinheiro Simão, carvoeiro do vapor Pernambucana,1814 José Correia de Lima Óleo sobre tela, 92,5 x 72,3 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro
166 MIGLIACCIO, Luciano. "O século XIX." Mostra do Redescobrimento: O Século XIX (2000). 167 MARINO, Nara Petean. "O ‘RETRATO DO INTRÉPIDO MARINHEIRO SIMÃO’E AS POSSIBILIDADES
DE REPRESENTAÇÃO DO NEGRO NA ARTE DO SÉCULO XIX." 168 WILLIAMS, Daryle. The Luso-Atlantic at the end of the slave trade. In Lugo-Ortiz, Agnes, and Angela
Rosenthal. Slave Portraiture in the Atlantic World. Cambridge University Press, 2013. p.405 – 431.
163
No contexto desta pesquisa nos interessam exemplos de pinturas de retrato nas
quais as personagens sejam homens negros, representados como dândis, em obras
produzidas por artistas relacionados, temporal ou artisticamente, aos pintores investigados.
Por essa razão, foram escolhidas as pinturas que estudaremos a seguir: O retrato de André
Rebouças, de Rodolpho Bernardelli, e os de Dom Obá, de Belmiro de Almeida.
164
5.1. O retrato de André Rebouças de Rodolpho Bernardelli
Figura 103 Rodolpho Bernardelli Retrato de André Pinto Rebouças Óleo sobre tela Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro
Rodolpho Bernadelli é o autor do retrato de André Pinto Rebouças [figura 103],
uma das poucas pinturas que realizou em sua carreira artística. Em 1886, Joaquim Nabuco
e André Rebouças têm um encontro significativo. Em uma conversa, em Petrópolis,
discutem a ideia de Nabuco de Carvalho de que a fabricação de um projeto nacional estaria
relacionado à construção de biografias exemplares. Ambos decidem transformar o diário
de Nabuco em autobiografia, vista como ferramenta na luta abolicionista169. Rebouças
relata em seu diário o momento em que Nabuco apresenta a ideia de criar um relato
autobiográfico que relacione sua história pessoal à difusão do movimento abolicionista.
Rebouças já havia escrito uma biografia de seu pai que incluía seus principais discursos
parlamentares. A sugestão de Nabuco em transformar seus registros diários de natureza
íntima em uma agenda de mudanças nacionais, fez com que ambos considerassem que
169 de CARVALHO, Maria Alice Rezende. O quinto século: André Rebouças e a construção do Brasil. Editora
Revan, 1998. p.133.
165
suas trajetórias fossem cada vez mais pautadas pela necessidade de exemplaridade. Os
esforços autobiográficos de ambos, portanto, surgem como narrativa moralizante, heroica
e exemplar para um projeto de construção da nação.
A exemplaridade tinha sentidos adicionais no caso de Rebouças, sendo descrito
por Spitzer170 como um caso bem sucedido de assimilação, obtida por meio da
miscigenação e do estudo. André, que se autodenominava mulato, era uma exceção em
seu meio. Educado dentro de padrões da burguesia, é formado para um estilo de vida que
incorpora um padrão de aparência de matriz europeia, assim como outros costumes
apreciados por esse grupo social. Spitzer descreve a aparência de Rebouças como sendo
pautada pela distinção e pela ordem, embora seus tecidos pesados não fossem adequadas
ao clima tropical. Os cabelos eram cortados muito curtos e repartidos do lado de acordo
com a moda europeia de então, desacentuando consciente ou inconscientemente a sua
textura e o encaracolado – traços físicos ligados à raça171. Rebouças era um dândi,
apaixonado por ópera, que assistiu na Itália aos ensaios de O Guarani, de Carlos Gomes,
de cujo filho era padrinho.
O relato do amigo Visconde de Taunay comprova a inserção de Rebouças no
meio social da elite carioca, embora com limitações, impostas por razão da cor de sua pele:
Dizíamos, porém, que neste período de 1870 a 1880 comparecia ele [Rebouças]
a todas as festas e cerimônias da capital fluminense, muito brilhante, então. Dava
em casa frequentes reuniões e até bailes, a que acudia a gente mais fina e
aristocrática do Rio de Janeiro, muito embora todas as prevenções da cor, que
Rebouças buscava suplantar e vencer. 172
170 SPITZER, Leo. Assimilação, marginalidade e identidade: os dois mundos de André Rebouças, Cornelius
May e Stephans Zweig. Estudos Afro-Asiáticos, Rio de Janeiro, n. 3, p. 35-62, 1980. 171 Idem, p. 40. 172 CARVALHO, Maria Alice Rezende de. O quinto século: André Rebouças e a construção do Brasil. Editora
Revan, 1998. p.64.
166
Figura 104 Antônio Pereira Rebouças, pai de André Rebouças
Figura 105 Os irmãos Antônio e André Rebouças
167
Figura 106 Retrato de André Rebouças
Antônio Pereira Rebouças, pai de André [figura 104], o precede com uma
trajetória profissional de destaque no Império. Inicia seus estudos em direito como
autodidata e adquire o direito de advogar por outorga do Parlamento. Foi advogado do
Conselho de Estado, mas teve sua atuação de maior destaque como representante da
Bahia na Câmara dos Deputados, onde obteve dois mandatos. Apresentou projeto pela
proibição da importação de africanos antecipando as preocupações que marcariam a
atuação abolicionista de seu filho. Foi deputado provincial da Bahia, secretário de governo
de Sergipe e conselheiro do imperador D. Pedro Também os tios de André, José e Manoel
Maurício, alcançaram posições de destaque apesar da origem pobre de seus avós, o
negociante português Gaspar Pereira Rebouças e da liberta Rita Basília dos Santos. José
foi violinista e compositor, tendo a música o levado a Bolonha e Paris. Manoel estudou na
França onde se tornou bacharel em ciências e doutor em medicina, tendo ocupado cadeiras
na Escola de Medicina da Bahia quando de seu retorno ao Brasil. Recebeu a comenda de
Cavaleiro da Ordem do Cruzeiro por sua contribuição nas epidemias de febre amarela e
cólera.
168
Portanto, é em meio a uma família mestiça, que havia conseguido notável
medida de inserção social, que nasce André Rebouças em Cachoeira no Recôncavo
Baiano em 1838173.
No Rio de Janeiro, onde chegou com sua família em 1846, optou por seguir uma
carreira técnica, estudando engenharia na Escola Militar de São Francisco, antiga Escola
Militar Imperial e seguiu com sua formação na Escola Militar e de Aplicação na Praia
Vermelha onde se formou engenheiro militar e, posteriormente, buscou aperfeiçoamento
na Inglaterra lá permanecendo entre 1861 e 1862, integrando a Comissão Especial
Brasileira para a Exposição Internacional de Londres em 1862.
A viagem a princípio seria custeada pelo governo, como prêmio aos melhores
alunos, sendo este o caso de André e de seu irmão Antônio, também educando da
instituição. No entanto, houve uma recusa da Escola que Rebouças atribui ser motivada
por preconceito e a viagem acabou sendo custeada por seu pai.174
A vivência europeia o habilitou ao engajamento em diversos projetos de
modernização do país quando do seu retorno, que visavam, por exemplo, a reformas
portuárias e de saneamento, e estudos para construção de ferrovias. Também influenciou
seus posicionamentos nessas empreitadas sua admiração pelo modelo liberal americano.
Idealizava a possível emergência de self-made-men locais aptos a construir uma sociedade
baseada no valor dos indivíduos175.
Se por um lado a presença de negros com certas posses e educação formal
superior não era uma impossibilidade no Segundo Reinado, o perfil profissional do
engenheiro aliado à atuação contestadora de Rebouças deveria gerar estranhamento.176
Sua atuação junto a Joaquim Nabuco constituiu uma importante frente de
abolicionismo sobretudo a partir da década de 1880, tendo produzido grande quantidade
de textos para a imprensa, ajudando na divulgação de ideias de defesa do trabalho livre.
Para ele, apenas a educação seria a base de transformação da lavoura escravagista em
indústria agrícola progressista. Nesse sentido, suas ideias eram convergentes às de
Joaquim Nabuco, que afirma:
173 SANTOS, Sydney M.G dos. André Rebouças e seu tempo. Selbstverl., 1985. 174 REBOUÇAS, André. Diário e notas autobiográficas. Livraria José Olympio Editora, 1938. 175 É possível afirmar que em suas ideias encontramos semelhanças com o pensamento de intelectuais
negros americanos como W. E. Dubois e Booker T. Washington, que estudaremos mais adiante. 176 TRINDADE, Alexandro Dantas. André Rebouças: da engenharia civil à engenharia social. Diss.
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, 2004. p. 50.
169
Necessitamos de instrução e capital. E como não é possível construir escolas,
comprar livros e pagar mestres sem capital, é preciso resolver simultaneamente o
problema do capital e o problema da instrução: não se pode ensinar a ler quem tem
fome! É preciso capital para instrução, e capital para a indústria. É preciso dar
simultaneamente ao povo – instrução e trabalho. Dar instrução aos brasileiros para
que eles conheçam perfeitamente toda a extensão de seus direitos e de seus
deveres: dar‐ lhes trabalho para que eles possam ser realmente livres e
independentes! Repitamos: é necessário, é urgente, é indispensável educar esta
nação para a agricultura, para o comércio, para o trabalho em uma só palavra! Deve
ser esse o principal escopo de todo esse Império.177
Nabuco dedicava grande admiração a Rebouças, como a denunciam estas
palavras:
Matemático e astrônomo, botânico e geólogo, industrial e moralista, higienista e
filantropo, poeta e filósofo. Rebouças foi talvez dos homens nascidos no Brasil o
único universal pelo espírito e pelo coração... Pelo espírito teremos tido alguns, pelo
coração outros; mas somente ele foi capaz de refletir em si e ao mesmo tempo a
universalidade dos conhecimentos e a dos sentimentos humanos. 178
Monarquista, Rebouças acompanhou a família imperial ao exílio e acreditava
que a Proclamação da República havia sido motivada pelas oligarquias rurais receosas de
ver o modelo latifundiário em risco no pós-abolição. Acreditava que o processo abolicionista
não chegou a se completar pela ausência de reformas necessárias à democratização rural.
Dantas debate as ideias de Spitzer, segundo quem Rebouças teria ao longo da vida
buscado estratégias de “assimilação, branqueamento ou mesmo ´europeização´”,
buscando uma identificação com os intelectuais brasileiros e a sociedade da Corte. No
entanto, o pensamento de Rebouças era antioligárquico e acreditava que uma força
contrária a esses grupos poderia ser oferecida pela monarquia.
Rebouças atuou como professor suplente de arquitetura na Escola Nacional
de Belas Artes, em um período de dificuldades para o preenchimento da vaga de titular. A
permanência no curso na Escola, bem como no Instituto Politécnico, foi alvo de polêmicas
177 REBOUÇAS, André. Agricultura nacional. Estudos econômicos, propaganda abolicionista e democrática.
Set. de 1874 a set. de 1883. A J, Lamourex & Co. , 2ª Ed., fac‐ simile. Fundação Joaquim Nabuco, Massangana, Recife, 1988. p.284. 178 Apud SANTOS, Sydney M.G dos. André Rebouças e seu tempo. Selbstverl., 1985. p.449.
170
e da intervenção decisiva de Amoedo e Bernardelli, o que indica convivência e afinidades
entre o retratado e o artista autor da pintura.
Em 1884, o arquiteto alemão Luiz Schneider encaminhou ao Instituto Politécnico
Brasileiro o pedido de extinção do ensino de arquitetura da Academia carioca. O
fechamento do curso de arquitetura só não se concretizou pela intervenção dos professores
Rodolpho Bernardelli e Rodolpho Amoedo que elaboraram uma reforma que mantinha o
curso, garantindo assim uma sobrevida do ensino que formava arquitetos no âmbito da
Escola.
A permanência do ensino de arquitetura como parte integrante das belas
artes constituiu-se numa vitória parcial, que iria necessitar para sua consolidação que fosse
contratado um professor para a cátedra principal do curso - Desenho de Arquitetura,
Trabalhos Práticos e Projetos - sem titular desde 1888, quando se afastou por
aposentadoria o professor Francisco Bethencourt da Silva, discípulo de Grandjean de
Montigny. Sem titular e praticamente sem alunos, as aulas de arquitetura contavam com
dois professores suplentes - ironicamente, dois engenheiros: André Pinto Rebouças,
professor da Escola Politécnica e Adolfo Del Vecchio.179
Portanto, é a partir de obras de um mestre de Chambelland e Timótheo que
encontramos exemplos de retratos de homem negro realizados no Brasil. As obras parecem
ser reveladoras das afinidades políticas do pintor com um pensamento renovador
reconhecido desde seu retorno da Itália. A destacada atenção dada ao artista por Ângelo
Agostini na Revista Illustrada ajudou a formar a opinião do público para o aspecto renovador
que se imprimia em suas obras. Vale lembrar a orientação abolicionista e republicana do
periódico180.
Já a partir da década de 1870, vemos a presença de um pensamento
progressista no Brasil que, segundo Bosi, defende o trabalho livre e a indústria, e para quem
imagens de identidade nacional não mais poderiam depender do vocabulário indianista.181
As obras de Bernardelli estariam em sintonia com esse contexto e suas obras apresentarão,
179UZEDA, Helena Cunha de. O Curso de Arquitetura da Escola Nacional de Belas Artes e processo de
modernização do centro da cidade do Rio de Janeiro no início do século XX. 19&20, Rio de Janeiro, v. V, n. 1, jan. 2010. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/arte decorativa/ad_huzeda.htm>. 180 CHIARELLI, Tadeu. Arte internacional brasileira. São Paulo: Lemos, 1999. Entre Almeida Junior e Picasso.
p.42-43 e SILVA, Maria do Carmo Couto da. "A obra Cristo e a mulher adultera e a formação italiana do escultor Rodolfo Bernardelli." (2005). p.5. 181 BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
171
mesmo que de forma sutil, essa conexão, apesar da crítica da época manter seu foco mais
sobre seus méritos técnicos.182Talvez seja útil imaginar que é na perspectiva de conciliação
do interesse do artista em se conectar com as ideias progressistas da época e as questões
prementes de seu tempo e de seu país que ele escolhe realizar os retratos de Rebouças e
de White. Ambos são exemplos de profissionais destacados em seus ofícios, com
possibilidades de circulação no ambiente da corte, onde certamente eram exceção
enquanto homens negros. Exemplos de inteligência musical, técnica e política,
desmentiam, a partir de seu próprio sucesso, as teses de inferioridade da raça,
materializando as possibilidades de avanço do indivíduo negro na sociedade, quando
suspensos os entraves impostos pela escravidão.
Para Joaquim Nabuco, o Brasil só poderia conceber seu futuro a partir da
eliminação da escravidão e da reconciliação das classes, processo possível, sobretudo,
porque, ao contrário dos EUA, não haveria aqui um preconceito de natureza intransponível.
Nesse sentido, White e Rebouças seriam também exemplos de inserção e convivência
integrada na sociedade branca.
A escravidão, por felicidade nossa, não azedou nunca a alma do escravo contra o
senhor – falando coletivamente – nem criou entre as duas raças o ódio recíproco
que existe naturalmente entre opressores e oprimidos. Por esse motivo, o contato
entre elas sempre foi isento de asperezas, fora da escravidão, e o homem de cor
achou todas as avenidas abertas diante de si.183
Contrariando as visões que articulavam raça e meio como determinantes no
destino de uma nação, Nabuco vinculará a situação desprivilegiada do negro à escravidão
e sua herança, causa principal de todos os nossos vícios, defeitos, perigos e fraquezas
nacionais,184 bem como das precariedade material e fragilidade moral vividos pelos negros
no país. Segundo Vieira, Nabuco contrariava a visão de intelectuais como Sílvio Romero
para quem seria possível explicar as mazelas brasileiras pela “incapacidade relativa” das
raças residentes no país, combinadas ao calor e às características naturais da terra.
Nabuco acreditava no progresso histórico dos povos. Para Vieira, Nabuco desconfia tanto
182 SILVA, Maria do Carmo Couto da. "A obra Cristo e a mulher adúltera e a formação italiana do escultor
Rodolfo Bernardelli." (2005). p.18 183 NABUCO, Joaquim. O Abolicionismo. Prefácio de Leonardo Dantas Silva. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1999. p.173 184Idem, p.166.
172
em relação ao “canto da sereia das ideias dominantes” – as explicações cientificistas –,
como também – e aqui está o oxigênio das suas ideias – se nega a transigir com os
intelectuais da sua geração e com aqueles que são os membros da sua classe social185.
Rebouças desmente a tese das incapacidades inatas, provando que, em liberdade, o negro
pode construir caminhos.
Adotando uma espécie de “imperialismo interno,” o país passava de a visualizar
diferenças sociais a partir de variações raciais. Os mesmos modelos que explicavam o
atraso brasileiro em relação ao mundo ocidental passavam a justificar novas formas de
inferioridade. Negros, africanos, trabalhadores, escravos e ex-escravos – classes perigosas
a partir de então – nas palavras de Silvio Romero transformavam-se em objetos de sciencia
186
Rodolpho Bernardelli, contemporâneo de Amoedo, e ativo no contexto de
busca de renovação da Academia, como já mencionado, é o autor de uma obra peculiar,
que vale a pena destacar por representar um homem negro, e que parece apresentar
sintonia com as expectativas de Duque sobre o tratamento de tema dessa natureza. O
busto de José Silvestre White Laffite (1836-1918) [figura 107], conhecido anteriormente
como Retrato de Negro [figura 108] é um retrato do compositor e violonista nascido em
Cuba, que desfrutou de reputação internacional187. Premiado quando aluno no
Conservatório de Paris, onde depois veio a lecionar, José Silvestre viajou pelas Américas
e também pela Europa para apresentações nas quais o repertório incluía composições
suas. Como exemplo, podemos mencionar suas duas apresentações como solista
convidado da New York Phillarmonic entre 1875 e 1876188. Entre 1877 e 1889, residiu no
Brasil, tendo atuado como diretor do Conservatório Imperial do Rio de Janeiro, compositor
da corte de D. Pedro II e professor de música dos filhos do imperador.
Importante registrar que o pai de Rodolpho e Henrique Bernardelli era o
violonista Oscar Bernardelli que atuou ao lado de sua mãe, primeira bailarina do
185 VIEIRA, A. M. T. (2013). Joaquim Nabuco e o “canto da sereia das ideias dominantes”. Navegações:
Revista de Cultura e Literaturas de Língua Portuguesa, 6(1), p. 120. 186 SCHWARCZ, L.M. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e a questão racial no Brasil 1870-1930.
São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p.28 187 Sobre o retrato ver comentário em SILVA, Maria do Carmo Couto da. Rodolfo Bernardelli, escultor
moderno: análise da produção artística e de sua atuação entre a Monarquia e a República. Campinas, SP: [s. n.]. Tese de Doutorado em História da Arte, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas/UNICAMP, 2011. Disponível em: http://www. bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=000785279. Acesso em 15 maio 2012. p.180 188WRIGHT, Josephine. Violinist José White in Paris, 1855-1875. Black Music ResearchJournal , Vol. 10, No.
2 (Autumn, 1990) ,Universityof Illinois Press. p. 213-232
173
Conservatório de Milão, como preceptor das princesas Isabel e Leopoldina no período de
1865 a 1876, período de sua infância e juventude. Rodolpho também era musicista e
chegou a atuar como músico de orquestra ao lado do irmão Henrique, entre 1870 e 1876.
É possível supor que o maestro White fosse do círculo de relacionamento da família
Bernardelli.
Figura 107 Fotografia do Maestro White
Figura 108 Rodolpho Bernardelli Busto do Maestro White, 1886 Bronze, 41 x 48 x 26 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro
174
Podemos considerar a escultura O Negro Horácio, de Louis Rochet,189 como um
antecessor da obra de Bernardelli, em que pese a personagem ter um perfil distinto. Rochet
realiza um retrato do escravo brasileiro Horácio, que trabalhava para comerciantes
franceses no país. O busto hoje está em poder do Museu do Homem de Paris e data de
1856 quando o artista está no Rio de Janeiro com a atribuição da estátua equestre do
imperador D. Pedro I, instalada em 1862, no local atualmente denominado como Praça
Tiradentes, no Rio de Janeiro. Sabe-se que Horácio nasceu na então denominada Guiné,
hoje Angola, e tem 40 anos quando da realização da escultura, que não fazia parte de sua
encomenda oficial. É o olhar de estrangeiro que se detém na personagem em meio a uma
cidade de grande população escrava, o que certamente causou forte impressão a um
francês pautado por uma cultura que projetava sobre si ideais de liberdade.
Essa obra nos interessa também pelo fato do irmão do escultor, Charles
Rochet, desenvolver pesquisas em que trata de antropologia e arte que buscavam
correspondência entre o tipo fundamental constituído de acordo com as proporções
adotadas pelos gregos e indivíduos de diferentes povos. Sua pesquisa antropométrica
surge embasada por sua produção artística e, também, a de seu irmão, sendo exemplos
os bustos de índio criadas por Louis Rochet no Brasil. Os Rochet nos ajudam a situar a
frenologia como ingrediente na reflexão da segunda metade do século XIX entre franceses
e brasileiros. Esse interesse científico fez com que a obra fosse ora identificada em função
do indivíduo retratado, ora como tipo reconhecível. Ainda hoje, o acervo o denomina de
estudo antropológico afastando a identidade do retratado como dado central. De todo modo,
a obra não carrega sentido alegórico, estando circunscrita ao que se denominou escultura
etnográfica produzida na Europa a partir da metade do século XIX. As obras de Cordier são
representativas dessa vertente que se diferenciava da escultura de tipo científica dos
naturalistas, menos interessados nas especificidades das expressões de individualidade.
189KNAUSS, Paulo. Jogo de olhares: índios e negros na escultura do século XIX entre a França e o
Brasil. História (São Paulo), v. 32, n. 1, p. 122-143, 2013. 143.
175
5.2. O Príncipe Obá de Belmiro de Almeida
Um desejo de humor parece se insinuar nas pinturas de Belmiro de Almeida que
retratam o Príncipe Obá [figuras 111 e 112]. Isso por si só não causa surpresa se
consideramos que Belmiro atuou como caricaturista em revistas como O Malho e a
Comédia Popular, além de ter sido fundador dos periódicos Rataplan e João Minhoca, entre
1886 e 1901. Foi ainda um dos criadores do Salão dos Humoristas, em 1914. Gonzaga
Duque comenta sobre o artista, que qualificou como inovador:
… um mineiro que possui a verve, a sagacidade de um parisiense bulevardeiro. Na
rua, de pé sobre a soleira da porta, no Café Inglês ou na Casa Havanesa, o seu tipo
pequeno, forte, buliçoso, destaca-se na multidão. Quando solteiro foi um boêmio
desregrado, um perfeito tipo à Murger. Entre camaradas, na rua do Ouvidor, com o
narizinho arrebitado e atrevido farejando os pacatos burgueses para lhes agarrar o
ridículo, tinha na cabeça um cento de assuntos para pintar e em casa um cento de
quadros para concluir.190
Também Gilda de Mello e Souza destaca a irreverência de Belmiro:
(...) o exercício cotidiano da sátira lhe [tinha] aguçado o senso de observação,
alertando-o para o ridículo das pessoas e das situações e minado o
convencionalismo da formação acadêmica.191
Carlos Rubens destaca seu talento de humorista, traduzido também em sua
personalidade:
Ouvi-lo era um encanto, tanto maior quanto a verve ele misturava a ironia e a
maledicência que não contunde, nem destrói. (...) Espectador alegre, só lhe
interessava o aspecto cômico da existência. E dele se aproveitava para o humor, a
190 DUQUE, G. A arte brasileira. Campinas: Mercado das Letras, 1995. p. 209. 191 SOUZA, Gilda de Mello e Souza. Pintura brasileira contemporânea: os precursores. O Baile das Quatro
Artes. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1980. P. 241-244.
176
ironia e a graça. Enveredou, por isso, pelo mundo álacre da caricatura. Com êxito.
(...) E todos riam ao riso e à mordicidade belmiresca.
(...) Quando se traçar a crônica da caricatura nacional, certamente Belmiro terá sua
página destacada. Ele foi dos maiores. Dos mais notáveis humoristas do lápis que
já teve o país.192
Figura 109 Retrato de Belmiro de Almeida, Rio 1912
192 RUBENS, Carlos. Belmiro de Almeida. In: Bellas Artes. No. 19-20 (Ano II). Rio de Janeiro, Setembro –
Agosto, 1936, p.05. In FERRARO, Juliana Ricarte. "O João Minhoca conta o Rio de Janeiro." p.35.
177
Sua ironia é aparente em telas como Arrufos e Os Descobridores, mas em
medida de maior sutileza do que a utilizada ao retratar o poeta Alberto Oliveira [figura 110]
com braços alongados à semelhança da caricatura que lhe faziam.
Figura 110 O Poeta Alberto de Oliveira, s.d. Belmiro de Almeida Óleo sobre madeira
Museu de arte de São Paulo, São Paulo
Belmiro faz duas pinturas, talvez estudos, adotando Obá como tema. Em uma
delas adota um fundo neutro, enquanto na outra versão o coloca como alguém que caminha
no ambiente urbano, talvez a personagem passeie pela alameda de um jardim. Em ambas,
ele veste casaca, colete branco, bengala, luvas, cartola e uma capa apoiada no braço.
Vemos, ainda, a camisa branca, uma corrente dourada sobre o ventre e um detalhe na
lapela que pode ser uma condecoração. Na versão do Museu Afro, leva um guarda-chuva
aberto atrás da cabeça, que reforça a sombra que toma a área do rosto. A outra pintura
exibe o guarda-chuva fechado apoiado no ombro. Apesar do rosto e do corpo estarem
expostos ao sol, o rosto permanece sem traços distintivos, definido por uma espécie de
mancha que se estende na direção do peito devido ao desenho da barba. A versão em que
o guarda-chuva está fechado faz ver, embora sem muita definição, um monóculo junto ao
olho. Em ambas, os sapatos são exageradamente grandes, mas nesta há maiores
definições de contornos da figura, sendo as mãos um exemplo da soltura dada ao
tratamento na versão do Museu.
178
Figura 111 Príncipe Obá, 1886 Belmiro de Almeida Óleo sobre madeira, 24 x 15 cm Museu Afro Brasil, São Paulo
Belmiro ridicularizava a figura do Príncipe Obá, personagem conhecida das ruas
do Rio e dos periódicos fluminenses, como comprova a nota do Rataplan, semanário
humorístico fundado pelo pintor. Ali lê-se piada que leva a assinatura de Tinoquinho:
As grandes potências europeias convencidas de que não encontram na Europa um
príncipe para a Bulgária, resolveram aproveitar algum dos muitos que há no Rio de
Janeiro.
Por enquanto o que tem mais probabilidade é o Obá II193
193 Rataplan, No. 3. Anno I. P.3. Disponível em http://memoria.bn.br/pdf/758116/per758116_1886_00003.pdf
179
Figura 112 Dom Obá II D’África, 1887 Belmiro de Almeida Óleo sobre madeira, 24 x 15 cm Coleção particular
Silva aborda a dualidade que fez de Obá uma personagem querida das classes
populares e ao mesmo tempo ridicularizada pela elite do Rio de Janeiro. Conhecido como
Dom Obá194 II, ou Príncipe Obá, Cândido da Fonseca Galvão era um homem negro
nascido livre em cerca de 1845 em Vila dos Lençóis no sertão da Bahia, filho de africanos
forros.195 Seu avô era Alafin Abiodun, unificador do império de Oyo, hoje incorporado à
Nigéria. Portanto, era príncipe por direito de sangue. Abiodun teve um reinado marcado por
grande prosperidade, e era visto como um homem sábio e poderoso com centenas de
esposas e mais de 600 filhos, segundo o relato da tradição. Pelo menos um de seus filhos,
o pai de Cândido, foi levado à Bahia quando tráfico humano, que aprisionou um imenso
número de iorubas, substituiu o poderio do império. Seu pai, Benvindo Fonseca Galvão de
194 Obá quer dizer rei, em iorubá. 195 SILVA, Eduardo. Dom Obá II d’África, o Príncipe do povo. São Paulo, Companhia das Letras, 1997
180
nação ioruba, adotou o sobrenome de seu ex-senhor, possivelmente, comprando sua
alforria por meio da cotização de membros de sua comunidade.
Muito conhecido no Rio de Janeiro, graduou-se alferes do Exército brasileiro,
oficial honorário por bravura, por sua participação voluntária na Guerra do Paraguai, de
onde retornou em 1866 para residir no Rio de Janeiro, com um ferimento em uma das mãos.
Sabe-se, no entanto, que Cândido foi demitido por mau comportamento, em pese ter sido
inocentado por dois conselhos de guerra, o que deixa dúvidas sobre a realidade de sua
atuação.196 Talvez porque o imperador desejasse demonstrar sua gratidão aos “voluntários
da pátria” que possibilitaram a vitória no conflito, em especial os negros que tiveram
participação crucial, Obá, monarquista ferrenho, tinha com ele uma relação especial, além
do acesso às sessões públicas concedidas por D. Pedro II, sendo, de certa forma, um
protegido. Recebeu, enquanto durou a monarquia, uma doação que utilizava para suas
despesas e, também, para ajudar membros da comunidade negra. Defendia a abolição, a
necessidade de melhorias nas condições de vida do povo negro, além de dar
encaminhamento nas diversas esferas da burocracia e do poder a questões de pessoas
comuns, o que lhe garantia prestígio na pequena África, região próxima ao Paço de São
Cristóvão, que agregava mais de 74 mil africanos livres e escravos, na segunda metade do
século XIX. Sua influência ficou comprometida com o advento da República, quando todos
os voluntários perderam as honras e o direito de usar farda e de serem tratados como
militares. Silva o descreve como um líder popular afro-brasileiro que veio a falecer em 1890.
Homem alto, com cerca de dois metros de altura, tinha uma postura imponente
e modos dignos de seu status real. Em ocasiões especiais utilizava com imponência seu
uniforme de alferes com suas dragonas douradas e espada à cintura. Ou se compunha com
elegância com peças de origem europeia como casacas, coletes, luvas, cartolas, bem como
guarda-chuva, bengala e pince-nez de ouro [figura 114]. Também agregava elementos de
inspiração em costumes africanos como penas. Escrevia com frequência em periódicos
publicando artigos pagos, subsidiados com ajuda de negros escravos, livres e libertos, nos
quais defendia que as raças seriam iguais, que o valor dos indivíduos não estava na cor da
pele e, sim, no mérito de cada indivíduo.
196 KRAAY, Hendrik. Os companheiros de Dom Obá: os zuavos baianos e outras companhias negras na
Guerra do Paraguai. Afro-Ásia [online]. 2012, n.46 [cited 2015-07-18], p. 121-161 .
181
Figura 113 A quitandeira-grevista recorre à ajuda de Dom Obá II D’África, o Príncipe do Povo
Seus artigos eram acompanhados por um retrato oficial em que aparece fardado
e acompanhado de insígnias de orixás [figura 115]. A associação da farda com o sinal de
Ogum à sua direita reforça a identidade guerreira e assinala a entidade que lhe proveu
proteção durante a guerra. A coroa, à esquerda, o identifica como monarquista.
Figura 114 Cândido da Fonseca em farda do Exército brasileiro197
197 LAGO, Bia Corrêa do; Corrêa do Lago, Pedro. Coleção Princesa Isabel: Fotografia do século XIX. Rio
de Janeiro: Capivara, 2008.
182
Figura 115 Retrato oficial de Dom Obá
Também era bastante atacado nas páginas dos jornais, que o acusavam de
embriaguez, elencavam as ocasiões em que pernoitava nas instalações da polícia, além de
trazerem narrativas de casos mais graves como a ocasião em que foi acusado de arrombar
a porta de uma residência para violentar uma jovem. Também é possível encontrar
anúncios de fantasias de carnaval baseadas no príncipe, identificada como uma figura
ridícula, risível. Silva afirma que a elite o percebia como uma figura folclórica, ao contrário
do povo que o reverenciava como um príncipe real.
A obra de Belmiro se assemelha à fotografia abordada por Richard J. Powell em
artigo198 que analisa aspectos do dandismo entre homens de origem africana. A imagem
[figura 116], datada de 1927 e publicada no Chicago Defender, mostra um homem vestido
com uma jaqueta de abotoamento duplo, calças de boca larga, capa curta sobre os ombros,
chapéu coco, ou Derby, luvas brancas, um lenço que pende do bolso e uma bengala
ornamentada. A foto foi tirada na Champs-Élysées, em Paris, e o homem é identificado
como Boisey Johnson of Georgia.. O autor comenta a ousadia do homem, notável mesmo
para a Paris da era do jazz, e coloca questões sobre suas motivações, e, ainda, se apenas
sua vestimenta justifica a atenção que parece receber dos transeuntes.
198 POWELL, Richard. "Sartor Africanus." Dandies: Fashion and Finesse in Art and Culture (2001): 217-42.
183
Figura 116 Strutting’ his onions199 Anônimo, fotografia extraída do Chicago Defender, 4 de junho 1927 Perkins Library, Duke University
Powell faz com que a imagem seja acompanhada por uma citação tirada de uma
edição de 1932 da La Revue du Monde Noir, um periódico literário publicado em Paris nos
anos de 1930:
Why does the sight os a Negro dressed in European fashion provoque the laugh of
the White man is the question which Bergson asked himself in his study on Laughter.
Because the White man thinks the Negro is disguised, is his answer.
À revista interessava tratar com ironia o comentário do filósofo Henri Bergson
que evidenciava a percepção de que brancos e negros se definem fundamentalmente como
opostos, fazendo com que a ideia de ter homens negros em trajes europeus, portanto,
disfarçados na visão do filósofo, seja absurda, incompreensível e risível.
A tradição dos menestréis negros americanos que atravessou o século XX
tem origem em percepções semelhantes. O autor aponta que, embora essas personagens
tenham sido bastante estudadas, os dândis negros do século dezenove receberam menos
atenção. Eles seriam trabalhadores, por vezes vinculados a serviços domésticos,
199 A expressão Strutting’ his onions pode ser entendida como a descrição de alguém que anda
pomposamente, de modo afetado ou empertigado. Seria a ação de adotar um determinado comportamento para impressionar a outros.
184
frequentemente ridicularizados por periódicos americanos. O negro dândi inspirou a criação
de personagens na cultura popular, tanto na música, como no teatro, em que são comuns
as denominações Dandy Jim e Zip Coon.
Figura 117 Dandy Jim from Carolina, 1843 George Endicott Litografia Perkins Library, Duke University, Durham
Para o autor, o Dandy Jim da gravura de 1843 [figura 117], com seu colete, corrente
de ouro, roupas justas, peito estufado e nádegas proeminentes, gesticulando para sua
própria imagem elegante em um ambiente paramentado, exemplifica a visibilidade e
indiscrição que seriam seus dois pecados. O dândi negro em sua aparência ousada
transgride as posições demarcadas pelas expectativas brancas. Ao mesmo tempo, ativistas
negros como Frederick Douglass [figura 118] adotavam a estética do dândi para reforçar
sua presença e suas palavras contra a escravidão e a violência contra o negro. Douglass,
um orador notável, de entonação dramática, foi retratado diversas vezes em fotografias,
pinturas, assim como sua imagem circulou também por meio de gravuras. Alto, de traços
185
marcantes, descrito como tendo um porte, postura e voz marcadamente grave, que o faziam
uma presença impactante, Douglass vestia roupas elegantes, compostas com cuidadosa
combinação de coletes e gravatas. Sua aparência, comentada pelos observadores da
época, era parte importante de sua mensagem.
Figura 118 Frederick Douglass, 1847 – 52 Samuel J. Miller Daguerreotipo, 14 x 10,6 cm The Art Institute of Chicago, Chicago
No entanto, enquanto o dândi branco é descrito como a figura de encanto, que
se constrói a partir de uma sensibilidade criativa e artística, apesar de seus excessos, o
dândi negro é visto como alvo de ridicularização. O dândi branco pode ser o escandaloso,
o aristocrata ocioso, o esteta, e o negro tende a ser visto como o patético ou o cômico. O
próprio fato de Boisey Johnson ser retratado em Paris é testemunho da busca de homens
e mulheres negras por metrópoles onde houvesse maiores possibilidades de expressão,
sem a negação de sua presença cultural. Nova York e Chicago, nos Estados Unidos,
186
também foram cidades que abriram espaço para a construção de identidades mais
diversas, manifestas muitas vezes no vestuário, nos gestos, ou seja, por meio do corpo.
Stuart Hall destaca a importância do corpo como capital cultural:
I ask if you note how, within the black repertoire, style – which mainstream cultural
critics often believe to bem ere husk, the wrapping, the sugar coating on the pill – has
become itself the subject of what is going on... think of how these cultures hav used
the body – as if it was, and often was, the only cultural capital we had. We have
worked on ourselves as the canvases of representation.200
O dândi, discreto ou exibido usa seu estilo, por meio de seu corpo, como dado
de distinção, mesmo quando os privilégios de nascimento, patrimônio e posição social não
a garantam. Nesse sentido, o dandismo se presta à redefinição de identidades dos
descendentes de africanos que tiveram suas experiências negadas e sua história apagada
ou menosprezada. Quando o dândi surge racializado como negro, não está em jogo apenas
a obsessão pela auto moldagem ordenada pelo gosto e materializado no corpo, mas
também se estabelece um jogo com as hierarquias sociais.201
Interessante pensar como poderia um dândi negro ser percebido no Rio de
Janeiro do início do século XX, em uma cidade onde os limites à cidadania dos africanos e
seus descendentes, se traduzia também nas limitações de circulação nos espaços públicos.
Não podemos esquecer que Arthur Timótheo da Costa nasce em 1882, livre em um país
ainda escravocrata, e mais do que isso, em um momento em que já se antecipava a
necessidade de abolir a escravidão fosse pela crescente ameaça das revoltas, pelas fugas
em massa de que são exemplos a formação de quilombos e as insurreições fomentadas
pelos haussás e nagôs residentes na Bahia, fosse pela pressão internacional. Todo o
sangue derramado na revolução de São Domingo, ocorrida em 1801, gerava o medo que
um Toussaint l´Ouverture materializasse uma vaga violenta, nos moldes do que ocorreu
naquela colônia em luta conduzida em nome dos princípios da Revolução Francesa.
200 MILLER, Monica L. Slaves to Fashion: Black Dandyism and the Styling of Black Diasporic Identity. Duke
University Press, 2010. P. 219. 201 Idem
187
Timótheo nasce um ano antes da publicação de O Abolicionismo pelo monarquista Joaquim
Nabuco202.
O tráfico havia sido proibido pela Lei Eusébio de Queiroz, em 1850, e a Lei Barão
do Rio Branco, ou Lei do Ventre Livre, já havia estabelecido, em 1871, a liberdade para
crianças nascidas de mãe escrava, além de reconhecer o direito do escravo ao pecúlio
próprio e estabelecer como seu direito a compra de sua liberdade. Esses avanços foram
respostas às reinvindicações dos escravos e geraram grandes embates no Parlamento.
Para Nabuco, essa lei foi “um passo gigante dado pelo país”, e o primeiro ato de legislação
humanitária da história brasileira, porém “imperfeita, incompleta, impolítica, injusta e até
absurda”.203 Tinha um sentido moral já que ninguém mais nasceria escravo, mas não
configurava solução. Afinal de contas, a civilização deveria repelir a escravidão, segundo
os pressupostos de Augusto Comte. O autor escreve que não acredita que antes de 1890
a abolição viria a ocorrer, expectativa negativa que, felizmente, os tempos que estavam por
vir contrariaram.
A abolição se anuncia na década de 1980 em parte em função do que Hebe
Mattos chama de “quebra da cumplicidade do conjunto da população livre com a
continuidade da escravidão”.204 Os debates crescentes nos jornais, e nas ruas, envolviam
os mulatos André Rebouças e José do Patrocínio e evidenciavam que abolição já estava
de uma forma ou de outra em processo. Os registros oficiais já indicam o impacto das
alforrias realizadas por escravos ou seus proprietários, indicando que se em 1872 havia
mais de 300 mil escravos no Rio de Janeiro, em 1885 o número se encontrava próximo de
160 mil, sendo que em 1872 73,75% da população negra do país era livre. Mas a
observação superficial desse dado pode ocultar que a libertação ocorria, segundo
Chalhoub, concomitantemente à continuidade da instituição da escravidão. O autor chama
atenção para a necessidade de considerar que em muitos casos há situações
intermediárias entre liberdade e escravidão. A dependência pessoal que ligava os
202SCHWARCZ, Lilia Moritz. Dos males da dádiva: sobre as ambiguidades no processo da Abolição
brasileira. Quase-cidadão: histórias e antropologias da pós-emancipação no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. FGV, p. 23-52, 2007. 203NABUCO, Joaquim. O Abolicionismo. São Paulo. Nova Fronteira. Publifolha. 2000. p. 51. 204MATTOS, Hebe Maria. A face negra da Abolição. Nossa História. Rio de Janeiro: Editora Vera Cruz, n° 19,
p. 344.
188
indivíduos a seus patrões e, dinâmicas paternalistas, assim como a possibilidade de
revogação de alforrias, seriam elementos a constituir essa liberdade de caráter precário.
Em 1888, a abolição é o fato a um tempo inevitável e surpreendente, e o Brasil,
apesar da oposição escravocrata, torna-se a última nação do Ocidente a abolir a
escravidão. Um enorme contingente viu seu estatuto mudar de um dia para o outro, sem
que se franqueasse acesso à instrução primária, cidadania política ou autorização para
criação de associações formais205.
Uma das questões que surgem relacionadas à presença de ex-escravos nas
cidades é a do negro associado ao ócio ou à vagabundagem do negro, produto de sua
emancipação das demandas do trabalho escravo. Surge a necessidade do
desenvolvimento de uma nova cultura em que seja estimulado no negro, talvez na
sociedade como um todo, o amor ao trabalho em contraposição à preguiça e à embriaguez.
O ócio, este vício antigo da humanidade, se previa como um grande problema que se
abateria sobre a população à medida que os negros se alforriassem, e seria importante
estabelecer coação policial para que sua liberdade não fosse colocada em função de um
vagar “sem destino útil e honesto”. Era, portanto, importante que esses homens se
constituíssem como úteis ao Estado, devendo ser as ruas controladas e a educação
oferecida para disciplinar os indivíduos em nome de uma nação que se desenharia melhor
no futuro.206 Não se poderia conceber, neste contexto, um flâneur negro a desfrutar das
ruas da cidade.
A virada do século XIX para o século XX foi o momento de implantação do
capitalismo no País, o que demandou a criação de um mercado de trabalho e a valorização
de ideais burgueses relacionados ao trabalho. Criou-se a oposição entre aquele trabalhador
e o vadio, este entendido como perigo à sociedade, sobre quem cabem ações de
cerceamento e controle. As palavras do deputado Mac-Dowell, ao tratar de projeto de lei de
conteúdo repressivo, é esclarecedora, ao tratar, no contexto pós abolição, da necessidade
de ordenamento da vida do liberto por meio do trabalho, disciplinando o que a natureza faz
manifestar no indivíduo por meio da disciplina.
205CHALHOUB, Sidney. Precariedade estrutural: o problema da liberdade no Brasil escravista (século
XIX). História Social, n. 19, p. 33-62, 2010. p.58. 206DE AZEVEDO, Celia M. Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das elites, século XIX.
Annablume, 1987.P. 41.
189
Votei pela utilidade do projeto, convencido, como todos estamos, de que hoje, mais
do que nunca, é preciso reprimir a vadiação, a mendicidade desnecessária, etc. [...]
Há o dever imperioso por parte do Estado de reprimir e opor o dique a todos os vícios
que o liberto trouxe de seu antigo estado, e que não podia o efeito miraculoso de
uma lei fazer desaparecer, porque a lei não pode de um momento para outro
transformar o que está na natureza.
[...] a lei produzirá os desejados efeitos compelindo-se a população ociosa ao
trabalho honesto, minorando-se o efeito desastroso que fatalmente se prevê como
consequência da libertação de uma massa enorme de escravos, atirada no meio da
sociedade civilizada, escravos sem estímulos para o bem, sem educação, sem os
sentimentos nobres que só pode adquirir uma população livre e finalmente será
regulada a educação de menores, que se tornarão instrumentos do trabalho
inteligente, cidadãos morigerados, [...] servindo de exemplo e edificação aos outros
da mesma classe social.207
O controle antes era exercido sobre os escravos nos espaços privados de
produção dos engenhos e fazendas. Com a libertação, novas formas devem surgir, agora
no espaço gerido pelo Estado. O negro que foge ao controle e à regra é o malandro ou
vadio, a quem a justiça deve impor a obediência à ordem social, definido por oposição à
figura do trabalhador.208 A vadiagem é criminalizada já que como diz Chalhoub “o trabalho
é a lei suprema da sociedade, a ociosidade é uma ameaça constante à ordem”, sendo o
ocioso aquele que não respeita a propriedade e recusa assumir as responsabilidades que
resultariam para o bem comum. Vale lembrar que também muitos negros entendiam a
liberdade como a possibilidade de não mais terem de trabalhar: ser livre do trabalho em vez
de ser livre para o trabalho, que seria uma forma disfarçada de escravidão. Ser livre para
alguns significava arcar com o ônus da denominação malandro.
A passagem de processo policial de Campinas de 1909 exemplifica como essas
concepções adentram o início do século XX.
207 Anais da Câmara dos Deputados, 1888, vol.7, PP-259-60. CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim:
o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da belle époque. 2. ed. Campinas: UNICAMP, 2001. 208Wermuth, Maiquel Ângelo Dezordi. "O RACISMO-BIOLOGISTA TUPINIQUIM E A CRIMINALIZAÇÃO DA
POBREZA: A IMPOSIÇÃO DO MEDO DO DIREITO PENAL COMO INSTRUMENTO DE BRASILEIRO."
190
Romeu do Nascimento, preto, com dezessete anos solteiro, nacional, empregado,
morador a rua Doutor Quirino número cento e oitenta e sete, sabendo ler e escrever.
Aos costumes disse nada. Prestou compromisso e disse: que há seis meses, mais
ou mesmos, conhece o acusado e nunca o viu trabalhar, pois o mesmo passa dias
consecutivos na venda onde o depoente é empregado, à Rua General carneiro
número setenta e três; que o acusado vive habitualmente embriagado; que
finalmente, ouviu dizer que o acusado é gatuno, e que por esse motivo tem tido
diversas entradas no xadrez da polícia. Nada mais disse.209
É importante destacar que a integração desejada era de grande dificuldade para
os negros a quem o processo de ressocialização não foi facilitado. Para Florestan
Fernandes, os negros ex-escravos em sua imensa maioria não possuíam condições
sociais, econômicas, políticas, culturais e mesmo psicológicas de integração, não possuíam
nem o treino técnico, nem a mentalidade, nem a autodisciplina do assalariado. Ao ver-se e
sentir-se livre, queria ser literalmente tratado como homem, ou seja, como “alguém que é
dono do seu nariz”. (...) Supunham que, se eram “livres”, podiam trabalhar como, quando e
onde preferissem.210 Mesmo os que se lançavam a enfrentar as dinâmicas competitivas,
via de regra, ficavam circunscritos às ocupações marginais do sistema capitalista.
Florestan, ao tratar da integração do negro, caracteriza os limites de universalização da
democracia na sociedade brasileira, em razão de um regime social marcado pela
segregação.211
Os negros e os mulatos se defrontavam, portanto, com uma situação típica de
desocupação disfarçada involuntária, apesar de o contexto econômico geral ser de “pleno
emprego”. Para contornar essa situação, tinham de tirar proveito de acomodações
econômicas que conduziam, inevitavelmente, a ajustamentos precários, insatisfatórios e
socialmente indesejáveis. A exploração permanente da companheira, o trabalho
209 TJC, Processo policial, contravenção do art 396 e 399 do código penal, Réu Firmino José Mattos, 12 de
agosto de 1909. Apud Amancio, Kleber Antonio de Oliveira. À procura da liberdade moral: a vida cotidiana dos ex-escravos e de seus descendentes no pós-abolição na Campinas das primeiras décadas do século XX. Diss. Universidade de São Paulo, 2010. p. 70. 210 FERNANDES, Florestan. O negro no mundo dos brancos. 2ª edição: São Paulo: Global, 2007 [1972]. p.
109 211MOTTA, Daniele Cordeiro. Desvendando mitos: as relações entre “raça” e classe na obra de Florestan
Fernandes. Dissertação de Mestrado, IFCH- Unicamp. Campinas- SP, 2012.
191
remunerado ocasional e a preferência pela comercialização do crime despontavam, via de
regra, como os ajustamentos viáveis de êxito mais fácil e marcante 212
Portanto, o dândi, personagem dos cafés, cujo trânsito pelo cenário urbano é
tão fundamental para a caracterização de sua identidade, quando negro, se enquadraria
como figura de exceção no Brasil. Por outro lado, a representação de negros no cenário
urbano faz parte da história da arte no país.
212 FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes: no limiar da nova era, Vol. II
Ed. São Paulo: Globo, 2008. (1ª Ed. 1965). p.186
192
6. Whistler e Tanner: americanos na Europa
Este capítulo é dedicado a dois artistas nascidos nos Estados Unidos. O primeiro
é James McNeill Whistler, autor do Arranjo em cinza e preto no. 1 [figura 119], obra à qual
o retrato de Arthur Timótheo se remete logo à primeira vista. O segundo é Henry Ossawa
Tanner, pintor negro com obras incorporadas a acervos pelo estado francês, e vive radicado
na França quando Timótheo e Chambelland estão em Paris. Herdeiro do realismo de
Eakins, incorpora citações à Whistler em suas obras, refletindo o interesse despertado por
este artista à época.
O retrato de Arthur Timótheo, apesar de ser o retrato de um artista feito por outro,
não exibe nenhum objeto ou atributo que indique este ofício. É a presença da obra que
pende da parede que, aliada à semelhança compositiva da pintura com o outro retrato da
mãe de James McNeill Whistler, evoca o universo artístico para dentro da tela. A citação
traduzida em elementos como a pose ou o quadro na parede reflete a perspectiva da época
sobre a apropriação de elementos que revela afinidade e admiração.
[...] a inovação, a especificidade do fazer não eram tidos então como valores tão
fundamentais como para o público de hoje. O que importava era dar conta de um
programa ambicioso: menos contava a novidade intelectual, do que a felicidade em
vencer os escolhos inerentes ao projeto. Nesse contexto, a citação e a referência ao
passado não são, de modo nenhum, pastiches originados pela falta de imaginação,
mas um modo de mostrar como aquele momento preexistente ressurge numa outra
inter-relação 213
Escolher este retrato de Whistler como referência significa reconhecer o auge de
suas habilidades em modular tonalidades adotando poucas cores. A solução compositiva
equilibrada pela organização da pintura com a ajuda de ortogonais é identificada por
Chambelland. No retrato de Timótheo vemos um porta-bengalas em que um ponto de luz,
criado pela presença de um elemento metálico, que ajuda a compor a diagonal que
atravessa a pintura, passando pelo brilho na ponta do sapato esquerdo e pelos punhos,
ajudando a colocar o rosto em evidência. Outras ortogonais ordenam a composição, como
213COLI, Jorge. (1997), A Batalha de Guararapes de Victor Meirelles e suas relações com a
pintura internacional. Campinas. Tese de Livre-Docência. IFCH, Unicamp. p. 9.
193
a linha que vai da borda superior do quadro até a aba do chapéu, ou a que alinha a base
do porta- bengalas com o início das franjas da poltrona.
Um pouco mais de trinta anos antes, Whistler concluiu suas conhecidas
composições em cinza e preto de números 1 e 2 em que exibe sua mãe e o filósofo escocês
da era vitoriana Thomas Carlyle, respectivamente. Carlyle encomendou seu retrato após
ver a severa imagem que o artista criou de sua mãe. Desprovida de veios emotivos e de
narrativa, a obra de Whistler foi batizada a partir de seus interesses sobre questões formais
da pintura, deixando em segundo plano questões como vínculos afetivos e validação de
notoriedade, tão caras a este gênero de representação.
O artista americano residiu por longos períodos na Europa se dividindo entre
Londres e Paris, tendo seu primeiro período de efetiva residência na capital francesa em
1855, quando aos vinte e um anos deixa os Estados Unidos em busca de uma vida boêmia,
e o segundo 1892. Whistler denominava seus trabalhos sinfonias, arranjos, harmonias e
noturnos mesmo podendo ser considerados excêntricos. Afirmava que se a música é a
poesia do som, a pintura seria a poesia da visão e os assuntos nada teriam a ver com a
harmonia de som ou cor. Desse modo, a arte poderia ser livre e autônoma, evitando
emoções que lhe são estrangeiras. Dentre estas ele enumera devoção, amor e patriotismo.
Sobre Arrangement in Grey and Black ele escreve em 1878:
O imitador é um tipo de criatura pobre. Se o homem que pinta apenas a árvore, ou
uma flor, ou outra superfície que ele vê diante de si fosse um artista, o rei dos artistas
seria o fotógrafo. O artista deve fazer algo além disto: na pintura do retrato, deve
colocar na tela algo mais do que o rosto que o modelo veste para aquele dia; deve,
em suma, pintar o homem, bem como suas características ; em um arranjo de cores
deve tratar uma flor como sua chave , e não como seu modelo.214
Para facilitar o relacionamento do público com a obra, a pintura ganhou uma
segunda denominação, sendo também conhecida como Retrato da Mãe do Artista. O rigor
aplicado por Whistler à pintura se traduz nos tons neutros empregados, no uso de linhas
que estruturam a obra já desde a parede, dos quadros e do desenho estabelecido pela
figura de perfil. O quadro quase foi rejeitado pela Royal Academy em Londres, mas
214The imitator is a poor kind of creature. If the man who paints only the tree, or flower, or other surface he
sees before him were an artist, the king of artists would be the photographer. It is for the artist to do something beyond this: in portrait painting to put on canvas something more than the face the model wears for that one day; to paint the man, in short, as well as his features; in arrangement of colours to treat a flower as his key, not as his model. WHISTLER,James Abbott McNeill, The Gentle Art of Making Enemies, 1892, p. 126-128
194
terminou por ser incorporado ao acervo do Musée Du Luxembourg, em 1891, o que
significava a intenção de incorporá-la ao Louvre, sendo hoje parte da coleção do Musée
D´Orsay.
Figura 119 James Abbott McNeill Whistler Arranjo em cinza e preto no. 1, 1871 Óleo sobre tela, 144 x 163 cm Musée d´Orsay, Paris
Carlyle era um viúvo de 78 anos quando posou para Whistler [figura 120] e,
segundo as passagens de seu diário no período, sente o peso da idade de modo acentuado.
Lamenta nas tristes páginas de seu diário escritas neste período o mundo sombrio, estéril,
desprovido de beleza e anárquico que observa.215 O homem de idade avançada que
denomina a vida de sombra caminhante e marcado por certa desilusão pode ter sido atraído
215 LORD, John. Beacon Lights of History, Vol. XIII: Great Writers. Cosimo. 1896. p. 240.
195
pela crueza cinzenta da imagem materna do pintor. Carlyle em seu livro Sartor Resartus,
ou o Alfaiate Remendado, tem uma passagem que define o que seria um dândi:
Figura 120 James Abbott McNeill Whistler Arranjo em cinza e preto no. 2, 1872-1873 Óleo sobre tela, 171 x 143,5 cm Kelvingrove Art Gallery and Museum, Glasgow
A obra foi adquirida diretamente do pintor, em 1891, para ser incorporada aos
acervos estatais escoceses, estando hoje em Glasgow.
Entre os três retratos há muitas semelhanças que vão do posicionamento dos
corpos aos quadros que reforçam a geometria desenhada na parede e o interesse de
ambos os artistas pela exploração de contrastes. Vale lembrar também uma obra de Arthur
Timótheo que parece ser inspirada em outra similar de Whistler, tendo o tema sofrido uma
certa aclimatação. Trata-se das obras Caipira pitando [figura 121] e Homem com cachimbo
[figura 122], respectivamente realizadas pelo brasileiro e pelo francês. O olhar
contemplativo que acompanha o ato de fumar, o chapéu que estabelece uma horizontal
sobre a fronte se assemelham na mesma medida em que os traços negroides e a incidência
196
de luz cálida e solar diferenciam a obra de Arthur da de Whistler, caracterizada por tons
cinzentos e terrosos interrompidos pelo vermelho do chapéu.
Figura 121 Caipira pitando, 1906 Artur Timótheo da Costa óleo sobre tela, 31 x 43 cm Coleção particular
Figura 122 James Abbott McNeill Whistler L'homme à la pipe, c. 1859 Óleo sobre tela, 41 x 33 cm Musée d'Orsay, Paris
Há diversos outros exemplos de pintores que escolheram o Arranjo em Cinza e
Preto, No. 1, de Whistler, como modelo para seus retratos, em especial retratos femininos.
Cecilia Beaux, artista de pai francês e mãe americana, retoma a maternidade em chave
mais afetiva do que na obra de Whistler na pintura Os Últimos Dias da Infância [figura 123],
que teve especial importância para alavancar sua carreira. Em Whistler, a relação mãe e
filho não é visível na pintura mas algo que é objeto de reflexão do observador. Beaux pode
ter visto a obra de Whistler na Exposição American Artists at Home and in Europe que
aconteceu na Pennsylvania Academy of the Fine Arts em 1881, local onde a artista estudou
e também lecionou.216 Vale dizer que a Academia era também uma instituição frequentada
por Tanner. Os modelos para a obra são sua irmã Etta e seu sobrinho Henry. O tratamento
adotado pela artista à pintura reflete sua formação realista e a influência de Thomas Eakins.
Mais do que influência podemos falar de afinidades, já que o retrato que Eakins faz em
1900 de Frank Jay St. John [figura 124] adota tratamento similar à parede na constituição
da sala em que predominam cores neutras, ambas apresentam os tapetes coloridos que
acrescentam calor ao ambiente, e inserem pinturas que aparecem parcialmente nas
216MERRILL, Linda, and James McNeill Whistler. After Whistler: the artist and his influence on American
painting. Yale University Press, 2003. P.138
197
paredes, se assemelhando ao modelo original. Na obra de Cecília, a criança está em uma
pose de relaxamento semelhante à Menininha no Sofá Azul, de Mary Cassat, que ocupa o
centro da pintura, veste roupas brancas que contrastam com o vestido negro da tia que a
tem ao colo.
Os retratos de Whistler tiveram tremenda influência sobre artistas europeus e
também americanos. Vale lembrar que centenas de artistas americanos passaram pela
França na segunda metade do século XIX. Estudando, visitando os Salons ou buscando
inserção profissional no mercado das artes, esses artistas também foram agentes de um
poderoso intercâmbio cultural que mudou a arte americana. Um momento pivotal desse
processo foi a Exposition Universelle de 1900, a que dedicaremos especial atenção no
Anexo I.
Destacamos aqui um exemplo de especial interesse: o Retrato da Mãe do Artista,
realizado por Henry Ossawa Tanner [figura 125]. O rosto negro aparece iluminado pela luz
suave que adentra a janela e repousa sobre a fronte da mulher, talvez aludindo à sua
inteligência. A cadeira de balanço, propícia para uma representação maternal confirma a
serenidade do momento contemplativo da mulher cuja presença ganha foco pela quase
total ausência de outros móveis ou elementos no ambiente. A mão apoia suave e
elegantemente o rosto que com expressão talvez cansada, serena ou mesmo esperançosa,
fita a janela. O vestido escuro de estampas pequenas desce pelas pernas formando pregas
suaves, contrastando com o chalé branco que se abre pelo chão em direção oposta. Os
punhos e uma faixa estreita na gola ecoam o tom claro e ajudam a destacar o leque. O
retrato permaneceu por longos períodos em poder do artista e de sua família. Boime
descreve o retrato em chave poética, comparando-o a uma flor de estufa:
She is distanced and rarefied in the empty space like a hothouse flower, consistent
with the fin-de siécle exoticism practiced by Whistler and Sargent217
Esse artista afro-americano adotou a França como país de residência,
encontrando reconhecimento e refúgio do preconceito de motivação racial que em sua visão
inibiam seu desenvolvimento artístico e humano na América. Em uma crítica de 1911
podemos ler que o artista fez de Paris seu lar onde many claim that he is the greatest artist
217 : BOIME, Albert. Henry Ossawa Tanner's subversion of genre.The Art Bulletin, v. 75, n. 3, p. 415-442,
1993. P. 426.
198
Figura 123 Cecilia Beaux [1855-1942] Les Derniers Jours d'Enfance, 1883-5 Óleo sobre tela, 116,2 x 137,2 cm Pennsylvania Academy of the Fine Arts, Philadelphia
Figura 124 Thomas Eakins Frank Jay St. John, 1900 Óleo sobre tela, 60.6 x 50.5 cm De Young Fine Arts Museum of San Francisco, São Francisco
199
Figura 125 Henry Ossawa Tanner Retrato da mãe do artista, 1897 Óleo sobre tela, 74,3 x 100,3 cm Philadelphia Museum of Art, Filadélfia that America has produced218, e acrescenta que ele deve ser reconhecido
independentemente de sua cor ou raça.
O pintor nascido em Pittsburgh, em 1859, de uma família de classe média, era
filho de um pastor negro, depois bispo, metodista, Benjamin Tucker Tanner, e sua esposa
Sarah Tanner. Sarah era filha de Charles Jefferson Miller, um mulato filho de um fazendeiro
da Virgínia. Nascida escrava, escapou de uma fazenda ainda criança pela Underground
Railroad. A Sociedade Abolicionista da Pennsylvania a encaminhou para uma família o que
possibilitou que ela permanecesse em liberdade e estudasse.
Henry Ossawa Tanner era um negro de pele clara, dado relevante em uma
sociedade na qual o tom de pele dava origem a estratificações de significado social. Seu
interesse pela carreira artística se manifestou, inicialmente, após a mudança da família para
a Pennsylvania, e contrariou as expectativas de seu pai [figura 127] que o queria seguindo
218 Idem, p.415
200
seus passos na vida religiosa. Sua formação inicial se deu Pennsylvania Academy of Fine
Arts, entre 1879 e 1885, onde foi aluno de Thomas Eakins, artista e educador que
transformou a escola em uma das mais importantes do país.
Eakins, o maior dos realistas americanos, tinha enorme interesse na observação
do mundo ao seu redor, em especial das figuras humanas: tipos populares, atletas, retratos
entre outros. Encontramos muitos de suas personagens no silêncio de ambientes escuros,
em especial nos retratos feitos a partir de 1887 quando o artista se dedicou à criação de
retratos sóbrios, que comunicam uma certa medida um isolamento. A convivência com
Eakins foi de grande influência para Tanner e o incitou à investigação de possibilidades
realistas para sua própria pintura.
O retrato de Tanner feito por Eakins [figura 126] é tocante ao mostrar o já bem
sucedido aluno em contemplativa introversão, e, assim, muito semelhante ao retrato que
Tanner faz de seu pai, naquele mesmo ano.
Em 1888, Henry abre uma galeria dedicada à fotografia, em Atlanta, o que
possivelmente resultou desse contato uma vez que Eakins era, além de pintor, também
fotógrafo. A empreitada não teve sucesso e a galeria encerrou atividades no ano seguinte.
Tanner parte em viagem por North Carolina onde a observação de habitantes negros deste
estado sulista o inspira a criar os estudos para A Aula de Banjo [figura 130], obra que
apresenta um parentesco com Negro Boy Dancing, de Thomas Eakins [figura 132]. O
relacionamento intergeracional entre indivíduos da comunidade negra americana é comum
a ambas.
Na aquarela de Eakins, realizada quinze anos antes, se vê na parede da sala simples
uma reprodução da famosa fotografia de Abraham Lincoln e seu filho Tad, aludindo à sua
situação de emancipado. Ambos os artistas estava em um ambiente marcado pela difusão
das ideias do Darwinismo Social para justificar o discurso da inferioridade dos negros.
Também o grande número de linchamentos contabilizados nas últimas décadas do século
XIX explicitavam a destituição de dimensões de cidadania da população negra, sobretudo
no sul dos EUA. Logo, essas obras trazem em seu bojo preocupações políticas de pintores
alinhados com um projeto de busca de uma América mais igualitária e sensível à
necessidade de uma percepção mais humana dos negros americanos.
Há nessas cenas de gênero, criadas em chave de afetiva sensibilidade, uma
contraposição a uma tradição de criação de obras cujos temas e personagens tendiam para
201
Figura 126 Thomas Eakins Portrait of Henry O. Tanner, 1897 Óleo sobre tela, 60,9 x 50,8 cm The Hyde Collection, Glen Falls
Figura 127 Henry Ossawa Tanner Bishop Benjamin Tucker Tanner, 1897 Óleo sobre tela The Baltimore Museum of Art, Baltimore
uma tipificação esquemática e, por vezes, estereotipada. Thomas Hovenden [figuras 128 e
129] é um exemplo da perspectiva condescendente que marca trabalhos destinados a um
público da classe média branca, apreciadora de pinturas nas quais negros surgem cordatos
e confortáveis em meio à precariedade de suas condições de vida. Professor de Tanner na
Pennsylvania Academy, o pintor apresenta o clichê do negro apreciador de melancia ou o
humor ingênuo e conformado.A personagem, em trapos, diante da meia furada, contrasta
com as imagens dignificantes criadas por Tanner, mais afinadas com o entendimento da
universalidade da experiência humana retratada a partir de pequenos momentos
mundanos. O sentido educativo que reconhecemos em algumas de suas pinturas se afinam
com sua admiração pelas ideias de Booker T. Washington e sua preocupação com a
educação dos negros para o trabalho, como meio para inserção social e econômica.
Figura 128 Thomas Hovenden Eu sabia que estava maduro, 1885 Óleo sobre tela, 55,7 x 40,3 cm Brooklyn Museum, Nova York
203
Figura 129 Thomas Hovenden Manhã de Domingo, (Interior Doméstico Negro), 1881 Óleo sobre tela, 46,4 x 39,4 cm Fine Arts Museums of San Francisco, São Francisco
Atuando como professor e produzindo retratos, Tanner consegue poupar o
suficiente para uma viagem a Paris, em 1891, para estudar na Académie Julian. Permanece
como aluno por cinco anos estudando com Jean-Paul Laurens e Jean Joseph Benjamin-
Constant. Com o tempo foi-se tornando conhecido por suas pinturas religiosas de caráter
etéreo e transcendente, que apresentam cenas que parecem suspensas no tempo. Seu
destino original era Roma passando por Paris, mas o que deveria ser uma breve passagem
se tornou seu local de permanência.
O que o seduziu nesse novo ambiente foi a possibilidade de um contexto em que
ser negro não significava enfrentar os obstáculos que lhe eram impingidos nos Estados
Unidos, e que impediam seu sucesso. O cosmopolitismo de Paris lhe abriu portas e a
possibilidade de construir uma identidade artística ampliada. Esse período provocou o
amadurecimento de seu estilo, o amadurecimento de seu olhar sobre Eakins, Caravaggio
e Rembrandt, bem como sua admiração pelos impressionistas, observações que
informaram sua produção artística.219
219 LEWIS, Samella S. African American art and artists. Univ of California Press, 2003.
204
Figura 130 Henry Ossawa Tanner A Aula de Banjo, 1893 Óleo sobre tela, 124,4 x 90,1 cm Hampton University Museum, Hampton
Figura 131 Henry Ossawa Tanner A Gratidão dos Pobres [The Thankful Poor] , 1894 Óleo sobre tela, 90,1 x 112,4 cm William H. and Camille O. Cosby
205
Figura 132 Thomas Eakins (1844–1916) Negro Boy Dancing, 1878 Aquarela sobre papel, 46 x 57.4 cm Metropolitan Museum of Art, Nova York
Sobre seu uso particular de tonalidades azuladas há uma passagem
interessante destacada por Boime e escrita pela poeta e crítica de arte de Illinois Eunice
Tietjens que escreve:
In raising the key He has, perhaps quite naturally, come more and more to use a cold
palette. This does not seem temperamentally suited for him. The cold end of the
spectrum, the violets, blues, and cold greens, belong naturally to the Anglo-Saxon
and correspond with a certain hardness of disposition and outlook. But the more
warm-blooded peoples, beginning with the Latins, are more at home in the warmer
tonalities220
Mesmo se considerando livre de preconceitos e admiradora do artista, Tietjens
assume que deve haver limites para as escolhas estéticas do pintor com base em seu
pertencimento a um determinado grupo racial. A resposta de Tanner refuta essa hipótese
e busca afirmar para si uma identidade mais ampla que não negue sua origem negra, mas
não a considere como único dado significante a justificar sua produção artística. Ele
questiona como os ¾ de “puro” sangue inglês e ¼ de “ puro” sangue negro devem ser
levados em conta em análises dessa natureza, afirmando que qualquer dessas parcelas
pode ser geradora do talento que ele por ventura possua. Diz, ainda, que a mentalidade
220 Apud Boime, Albert. "Henry Ossawa Tanner's subversion of genre." The Art Bulletin75.3 (1993): 415-442.
206
americana no que se refere às diferenças raciais o impeça de viver onde seu coração está.
Deseja ser identificado como negro, mas não julgado em função disso.
Sua permanência na França foi interrompida por uma viagem aos EUA em 1893.
Ao retornar a Paris em 1894 é chamado a participar do Salon, quando realiza A Gratidão
dos Pobres que retoma seu interesse por uma pintura observadora do cotidiano e da
realidade afro-americana, o que será menos frequente dali em diante. Os temas religiosos
passam a preponderar em sua produção, talvez por encontrarem maior receptividade das
instituições e do público.
A obra Daniel na Cova dos Leões [figura 133] marca seu primeiro momento de
reconhecimento no contexto dos Salões ao receber uma menção honrosa. Utiliza zonas de
luz e sombra, tons de azul, amarelo e verde em pinceladas soltas para traduzir uma
passagem do Antigo Testamento em que a personagem demonstra fortaleza espiritual
diante de seu encarceramento injusto. A obra A Ressurreição de Lázaro pertencente desde
1980 ao acervo do Museu d´Orsay foi adquirida pelo estado francês para o Museu de
Luxembourg em 1897, quando de sua exposição no Salon de La Société dês Artistes
Français daquele ano em que recebeu uma medalha de terceira classe.
Figura 133 Henry Ossawa Tanner [1859-1937] Daniel na Cova dos Leões, 1907-18 Óleo sobre papel montado sobre tela, 104,4 x 126,8 cm Los Angeles County Museum of Art, Los Angeles
207
O final dessa década marca o estabelecimento de sua reputação também nos
Estados Unidos, reforçada pela repercussão de um texto de Booker T. Washington, que o
havia visitado na França. Sua Anunciação exemplifica as obras de caráter Orientalista que
o artista criou após viagens ao Egito e à Palestina, entre 1897 e 1898, que incluíram uma
passagem pela Itália. As roupas se inspiram nessas investigações, que reforçam o sentido
de autenticidade da representação de uma Maria que aparece sem atributos de divindade.
Em 1899, a Pennsylvania Academy of Fine Arts lhe atribuiu seu primeiro prêmio concedido
por uma instituição americana e adquiriu uma obra sua.
O retrato de sua mãe surge, portanto, em um momento em que o artista pode
celebrar seu sucesso junto aos seus. Para isso, escolhe como modelo Whistler, um artista
referencial para os americanos atuantes na Europa naquele período, mesmo que ambos
fossem tão diferentes em seus temperamentos artísticos. Se a evocação é evidente na
pose ou no quadro que aparece na parede ao fundo, a expressão reflexiva parece dever
mais a seu aprendizado junto a Thomas Eakins. A atmosfera acolhedora e morna, produto
de seu uso de marrons avermelhados, se reforça pela presença do leque. A ambiência
criada pelo artista não poderia contrastar mais com os cinzas que envolvem o retrato do
Arranjo. Vale a observação de que essa obediência cromática pode ser encontrada no
retrato realizado por Hermann Dudley Murphy [figura 134], quando estudava com Tanner
na Julian, fazendo com o colega pareça estar na iminência de desaparecer em meio a uma
bruma de cinzas, em tratamento que aproxima a obra do autorretrato de Whistler, datado
de 1872 [figura 135]. O tratamento dado ao fundo e às escolhas cromáticas aproximam as
obras.
Também interessante é o retrato feito por Tanner de Booker T. Washington
[figura 136]. Encomendado em 1917 pela Iowa Federation of Colored Women’s Clubs como
homenagem póstuma, a obra parece querer traduzir a grandeza do homem pelo porte de
seu torso. O resultado é complementar aos retratos fotográficos de Booker T., tão
simbólicos da busca de construção da imagem do New Negro. Uma delas, em destaque ao
lado da imagem da pintura de Tanner, se assemelha em pose ao retrato de Arthur Timótheo.
Admiração de Tanner por Washington se relaciona com a afinidade que o pintor encontrava
nas ideias do intelectual, em especial após o retorno do artista aos EUA, momento em que
voltou perceber as limitações impostas pelo preconceito racial comum no período. Tanner
e Booker T. Também tiveram um encontro em Paris, que deu origem a um artigo publicado
pelo escritor.
Figura 134 Hermann Dudley Murphy Henry Ossawa Tanner, 1891-96 Óleo sobre tela, 73 x 50,2 cm The Art Institute of Chicago, Chicago
Figura 135 Arranjo em cinza: Retrato do pintor, 1872 James Abbot McNeill Whistler Óleo sobre tela, Detroit Institute of Arts, Detroit
209
Figura 136 Retrato de Booker T. Washington 1917
Henry O. Tanner Óleo sobre tela State Historical Society of Iowa, Des Moines
Figuras 137, 138, 139, 140221,
221 Fonte das imagens:
128 http://www.tuskegee.edu/about_us/legacy_of_leadership/booker_t_washington.aspx , 129, 130, 131 Library of Congress Prints and Photographs Division Washington, D.C.
210
É possível imaginar que poderia haver uma familiaridade de Chambelland e
Timótheo com a produção de Tanner. Não apenas porque ele estava em exposição no
Museu de Luxemburgo, mas também porque o Americano, Timótheo, Amoedo, bem como
Rodolpho Chambelland frequentaram a Academie Julian, porém em períodos diferentes.
Além disso, Visconti e Tanner foram contemporâneos de Tanner naquela academia222.
As ideias de Booker T. Washington eram conhecidas em determinados círculos
no Brasil. Vale lembrar que após o lançamento de seu livro Up from Slavery passou a ser
considerado o negro mais famoso do mundo. Gledhill223 aponta que o autor era conhecido
nos meios brasileiros. Washington foi convidado pelo então presidente Theodore Roosevelt
para um jantar na Casa Branca que provocou manifestações negativas por parte de radicais
do sul dos Estados Unidos. O fato repercutiu na imprensa brasileira, ajudando a tornar o
nome do escritor conhecido. Os jornais cariocas apresentaram resenhas de Up from
Slavery, em 1902 e 1903. O Correio da Manhã divulgou o seguinte texto, em 1903, no qual
se destaca a iniciativa de fundar uma universidade negra, e seu trabalho de elevação
material e moral da população negra:
Paris, 2 de outubro Encontra-se neste momento em Paris o negro mais inteligente
da América, o único negro, que o presidente Roosevelt admite no seu palácio. É o
famoso Booker Washington, o novo Messias preto. Este homem extraordinário, que
na mais tenra idade foi pobre, vivendo a vida mais miserável, é hoje um capitalista
riquíssimo e um grande filantropo. Graças a Booker os negros da América do Norte
vão ter as liberdades e as considerações, que nunca tiveram. Foi ele quem fundou a
Universidade para os negros, em que os professores são também homens de cor.
Os jornais tinham anunciado que Booker partira para a Europa a organizar um ensaio
de colonização no Soldão [Sudão] (...). Mas afirmou que a missão era sobretudo na
América. É ali que elle trabalha com sublime vontade para elevar moral e
materialmente o negro que os americanos tanto desprezam. Graças a Booker existe
já na livre América a Universidade negra de Tuskegee onde 1.400 pretos recebem
uma solida instrução que lhes é administrada por 100 professores também pretos. -
Os negros, diz Booker, devem ser um grande fator da vida americana. A União tem
222Ver SIMIONI, Ana Paula Cavalcanti. A viagem a Paris de artistas brasileiros no final do século XIX. Tempo
Social, revista de sociologia da USP, v. 17, n. 1, p. 344, 2005. 223 GLEDHILL, Sabrina. "EXPANDINDO AS MARGENS DO ATLÂNTICO NEGRO: LEITURAS SOBRE
BOOKER T. WASHINGTON NO BRASIL." Revista de História Comparada 7.2 (2013): 122-148.
211
necessidade do preto. É preciso que eles sejam excelentes trabalhadores manuais,
rivalizando com o branco no amor ao trabalho. Quando aparecerá no Brasil um outro
Booker para elevar o nível do negro e salvar aqueles que abolição da escravidão
lançou no vácuo, na incerteza...224
A autora elenca outros artigos, resenhas e notas acerca de Washington, com
menções a Du Bois em jornais do Rio de Janeiro nas décadas de 1900, 1910 e 1920, e
destaca, ainda, que, em 1916, Manuel Querino, intelectual afro-brasileiro baiano, declara
pelo americano. Querino pode ter lido resenhas de Up from Slavery em periódicos ou ter
tido acesso a uma tradução, o que importa é que o caso exemplifica uma possível
familiaridade e influência do autor dentre a intelectualidade negra para além do contexto da
capital.
Francisco225, ao escrever sobre o importante periódico negro O Clarim da
Alvorada afirma que a experiência dos negros norte-americanos inspirou a perspectiva do
jornal sobre o negro moderno. O autor estabelece que essa observação era mútua, o que
é demonstrado pelo artigo que Du Bois publica em resposta a outro escrito por Roosevelt
sobre as relações entre negros e brancos no Brasil, que o ex-presidente visitara em 1913.
Du Bois apresenta o Brasil como uma nação predominantemente negra, e discorda de
Roosevelt quando este afirma que apesar da miscigenação, o sangue do negro no Brasil
era considerado inferior. Baseado em João Batista Lacerda, diretor do Museu Nacional
brasileiro, argumenta sobre a participação do negro na história brasileira e acusa Roosevelt
de estimular o racismo e a segregação ao endossar a tese da inferioridade racial.
O intelectual, ao contra-argumentar Theodore Roosevelt, utilizou o padrão racial
brasileiro para refutar as teses de inferioridade da “raça negra”. O interesse de
William Du Bois na experiência negra brasileira revela o modo como imagens e
informações de experiências negras internacionais foram incorporadas ao discurso
de ativistas negros de diferentes contextos nacionais. Esse trânsito de impressos e
de ativistas em busca de outras experiências negras configurou um espaço amplo
de circulação de ideias e símbolos entre as populações de ascendência africana.226
224 Correio da Manhã [Rio] Segunda-feira, 26 de outubro de 1903, p. 3 225 Francisco, Flávio Thales Ribeiro. "Um olhar sobre a “América”: Experiências afro-americanas nas páginas
de O Clarim da Alvorada." Sankofa (São Paulo)1.2 (2008): 97-116. 226 Idem, p.97.
212
Há estudos recentes que enfatizam o relacionamento extra Estado-nação dos
movimentos abolicionistas227, que apontam para o fato de que desde cedo há uma
circulação ampla de informações e uma apreciação crítica das ideias circulantes. Tratam
dos vínculos estrangeiros, como, mas cabe a investigação futura de suas reverberações no
país.
227 ALONSO, Angela. O abolicionista cosmopolita: Joaquim Nabuco e a rede abolicionista
transnacional. Novos estud. - CEBRAP [online]. 2010, n.88 [cited 2015-07-21], p. 55-70
213
7. Conclusão
Carlos Chambelland e Arthur Timótheo da Costa, nascidos nos anos de 1880,
viveram as transformações de uma época de promessas fomentadas, e em certa medida
frustradas, pelo advento da abolição e pela Primeira República. Fizeram parte de uma
geração que vislumbrou a possibilidade de um amplo projeto de modernização para o
Brasil, para em seguida ver a perpetuação de poderes nas mãos de uma elite avessa a
ideia de tornar efetiva a participação social, pressuposto da ética republicana. Em 1909
Chambelland decide, em Paris, retratar Arthur Timótheo da Costa, pintor como ele, e negro
como tantos brasileiros. Faz um retrato que é um elogio, ainda que penumbroso, do
talentoso amigo, com quem compartilhava a aventura parisiense de seus anos de formação.
Projeta sobre o colega o que pode ter sido o seu ideal de artista, fazendo dele um dândi
circunspecto, de elegância à altura das ruas de Paris.
A pintura abre espaço para a possibilidade utópica de um descendente de africanos,
que por estar em território francês, põe sentir-se emancipado de fronteiras geográficas, ou
pelo menos distante do país que ainda tinha séculos de escravidão nos calcanhares. Ao
olhar o retrato podemos ver esse jovem negro, como o dândi definido por Baudelaire, que
poderia se sentir confortável em qualquer lugar e ser homem do mundo. Baudelaire foi
adotado como autor que estabelece um momento gerador da sensibilidade às questões
suscitadas pela modernidade, onde se insere o dandismo como resposta ao novo cenário
de relações sociais e também como o personagem afeito ao tempo presente, e produto
deste, como os artistas deveriam ser na visão do escritor. Chambelland parece sensível a
essa perspectiva ao negar ao Timótheo do retrato os atributos de pintor, e fazer dele
sobretudo um homem de sua época, utilizando o vestuário como marcador dessa
temporalidade.
O dândi é aquele com poder de moldar sua própria imagem, com autonomia quanto
à sua origem social, tendo o vestuário como ferramental que permite impactar a percepção
que se tem dele nos círculos que frequenta. Para Arthur, sua cor de pele é o indicador de
origem e status nas leituras estereotipadas que regiam, e de certo modo ainda regem, as
interações sociais no Brasil. A imagem de dândi portanto lhe serve como base de subversão
de projeção de lugar social, além de corresponder à intenção de identificação com seu
grupo de pertencimento, como denunciam as fotografias em que aparece acompanhado de
seus colegas artistas. Aliás artistas e críticos de uma geração antes da sua já viam neste
214
modo de apresentação como dândi, a expressão do desejo por uma sofisticação um tanto
alheia à realidade local, e marcadamente cosmopolita. Exemplos brasileiros e franceses
como os retratos de Gonzaga Duque, Manet e Degas são representativos, sendo que no
caso dos últimos é possível observar como o binômio artista dândi se estabeleceu como
uma convenção de representação.
O que vemos na pintura de Chambelland ou nas fotos de época, não traz imagens
de exagero, por vezes associado ao dandismo, quando a invenção de si mesmo, chega a
transformar um homem em sua própria obra de arte. Seria difícil sobrepor ao retrato as
vívidas imagens criadas por Huysmans para seu Jeans des Esseintes e seus excessos.
Podemos reter um pouco daquele personagem avesso aos valores burgueses, apesar de
possuir livre trânsito para transitar entre a elite. Uma certa medida dessa contestação tem
aderência para a representação de artistas, que como o dândi, pretende situar-se à
margem, ou acima, das convenções sociais. Um dândi negro brasileiro e artista pode ser o
indivíduo que desenha seu destino, neutralizando as imposições do meio ao educar seus
sentidos. de uma vida imune às seduções da vida burguesa e alinhado com os
pressupostos da modernidade que a virada de século trazia para a vida e para a arte.
Os autorretratos de Arthur Timótheo oferecem contrapontos interessantes à obra
de Chambelland. Foi possível investigar fontes visuais e simbólicas que informaram o pintor
nestas obras em que Arthur parece combater a ausência de retratos de negros na história
da arte, realizando três obras para celebrar sua imagem e seu ofício, criadas em
observação à autorrepresentação de grandes pintores da tradição, Rembrandt e Degas em
especial. Ao fazer isso ressignifica a imagem do negro no Brasil, marcada pela iconografia
anônima de escravos. Insere-se em uma história artística determinada pela ocorrência de
talentos, e abre espaço para a visibilidade de uma identidade negra individualizada e
autoconsciente.
Outro exemplo de retrato de homem negro, o de André Rebouças por Rodolpho
Bernardelli é trazido para o diálogo, exemplo de obra que quer dar visibilidade a tese,
cultivada pelo pensamento abolicionista da possibilidade de integração do negro à
sociedade, o que provaria ser falsa a teoria das incapacidades inatas atribuídas aos negros,
e verdadeiras as barreiras impostas pela escravidão e pelos limites estabelecidos aos
negros mesmo após a abolição. O busto do maestro Joseph White, do mesmo artista tem
origem na mesma pauta, e ambos são antecedentes importantes de representação
individual e positiva de homem negro, sendo Rebouças especialmente notável por trazer a
imagem de um homem descrito por seus contemporâneos como dândi. Rebouças, White e
215
Timótheo desmentem, a partir de seu sucesso, as teses de inferioridade da raça,
materializando as possibilidades de avanço do indivíduo negro na sociedade. O oposto
ocorre com o antidândi de Belmiro de Almeida em que a origem africana de D. Obá torna a
figura de dândi negro uma contradição em termos, resultando no ridículo e no grotesco.
A geração que antecede os irmãos Timótheo e Chambelland, aquela de
Rodolpho Amoedo, Henrique Bernardelli e Rodolpho Bernardelli já havia se debatido com
questões fundamentais, aprofundadas naquele início de século, tais como a superação da
hierarquia entre gêneros, da teatralidade cênica e da retórica acadêmica, buscando uma
arte conectada à vida cotidiana, ao homem anônimo inserido na metrópole, e à observação
do local. Carlos Chambelland se distancia de investigações impressionistas e simbolistas,
e se mostra interessado na observação do cenário brasileiro. Concilia o interesse
naturalista pela identificação do que é particular, local, com a representação do artista. Alia
o rosto de homem negro nativo de uma nação escravocrata até à véspera, e o dândi,
símbolo do egocentrismo esteta europeu. Esse dândi negro pode ser interpretado como a
manifestação da esperança por um Brasil capaz de redimir seu passado, onde uma
identidade brasileira moderna torna-se possível, assumindo a constituição plural de sua
população cultura, e apontando para um futuro onde os valores republicanos encontrassem
viabilidade. Por outro lado é possível pensar que a pintura representa, em sua penumbra,
o ocaso deste projeto, e a impossibilidade de atingí-lo pelas especificidades do contexto
local.
De todo modo o pintor parece alinhado com as reflexões propostas pelo principal
crítico de arte de sua época, Gonzaga Duque, que desejava ver no Brasil Duque defende
uma arte intelectualizada e afinada com o debate europeu acerca das estéticas modernas.
Crítico da escravidão, que seria raiz de diversos problemas nacionais, defende uma arte
que saiba ser simultaneamente nacional e universal, como parece ser o dândi negro de
Chambelland.
Neste campo ampliado de busca de referências cabe o interesse de
Chambelland por artistas americanos, em evidência em Paris sobretudo após a Exposição
Universal de 1900, em especial James MacNeill Whistler e realistas como Thomas Eakins.
Para além das afinidades estéticas, os Estados Unidos colocam em pauta a visualidade
negra como evidência e estratégia de transformação social. O pensamento de intelectuais
negros e o uso que fazem de imagens fotográficas de indivíduos e comunidades negras,
assim como o modo como exploram suas próprias imagens, impactaram a America e
também a capital francesa no período de permanência de Arthur e Carlos, por coincidência
216
marcado pela presença de Henry Ossawa Tanner, artista negro de sucesso que certamente
não passou despercebido pelos brasileiros. Esta triangulação Brasil, Estados Unidos via
França deverá ser foco de investigação futura.
A realidade do Rio de Janeiro, cidade de origem dos pintores, oferecia maior
dificuldades ao flanar de um homem negro, associado à vadiagem. O dândi é também
aquele que pode transitar e observar, percorrer incógnito e observador tanto bulevares
quanto vielas, como o fez o mulato, escritor e dândi João do Rio. A cidade contagiada por
um espírito de Belle Époque que desejava imprimir em seu mapa um desenho parisiense,
e nos costumes seus ideais modernos de civilização, não concebia a diversidade étnica da
população como ideal de fraternidade. Ser dândi é emancipador para um homem negro
oriundo daquela cidade, que pode ser então, assumir identidades outras, distantes das
impostas a um homem marcado pela cor de sua pele em uma sociedade que tinha a
abolição ainda como fato recente.
O retrato se diferencia das representações do negro feitas durante o século XIX
brasileiro, em especial por artistas estrangeiros e também nas cartes de visites, quando a
identidade era atribuída priorizando origem e ofício, mas interessados sobretudo em sua
suposta exoticidade. As feições e escarificações indicavam a origem de homens anônimos,
assim como os pés descalços lembravam que o corpo era posse de outrem. A pose
montada nos estúdios iluminados dos fotógrafos tentavam transformar a pessoa em objeto
disponível ao olhar curioso. No retrato o realismo de Chambelland está a serviço da
representação de um indivíduo específico que emerge do escuro da tela, mantendo algum
mistério ao não se revelar de modo evidente. A pose indica a dimensão interior do ser
pensante e criador: um artista. O negro usualmente associado à potência física e ao labor,
percebido como portador de capacidades mentais inferiores, aqui aparece definido pelo
ofício que é por definição una cosa mentale.
Chambelland executa a imagem individual de um homem negro que se insere como
uma cunha na história da arte brasileira, possibilitando leituras de diferentes dimensões
políticas. Interessante que ainda hoje o dando tenha significação no contexto da diáspora
negra. Um exemplo são os sapeurs228 do Congo que atualizam possibilidades de
Sapeurs ou Les Sapes, são membros da SAPE, acrônimo de Société des Ambianceurs et des Personnes Élégantes, organização ativa desde o início dos anos sessenta que designa um
217
apropriação e reinterpretação. A série The Sapeur, do fotógrafo Daniele Tamagni [figura
141], apresenta imagens das ruas Brazzaville, que provocam o impacto pelo colorido das
roupas, que a olhos acostumados com padrões ocidentais de vestimenta, se apresentam
extravagantes, e da desenvoltura das poses de homens apresentados em espaços do
distrito de Bacongo.
Figura 141 Willy Covari, da série The Sapeur, 2008 Daniele Tamagni Fotografia sobre papel, 26 x 35 cm
movimento popular, desenvolvido ao redor da música em Brazzaville, também forte em Kinshasa, e presente em cidades como Paris e Bruxelas por imigrantes da República do Congo228.
Performático e ostentador, o sapeur, pressupõe dinâmicas de validação social entre homens que
são desafiados em competições em que a dança e a aparência são os elementos centrais. Os
critérios incorporam a posse de peças de vestuário de grifes europeias, cuja aquisição por vezes
demanda a economia de anos, feita por indivíduos de reduzidas posses, habitantes de um dos
países com os indicadores mais elevados de pobreza da população da África. O homem que
detonou o início dessas práticas foi Andre Matsou, que retornou de uma viagem a Paris em 1922,
portando a vestimenta completa de um cavalheiro parisiense, causando um grande impacto e
inspirando outros a adotar esse padrão. O presidente Mobuto Seko proibiu o uso de roupas
ocidentais nas décadas de sessenta e setenta com o intuito de estimular práticas que denominou
de autênticas, vinculadas às tradições locais, chegando a impor a violência física contra os
desobedientes. Os sapeurs mantiveram suas práticas em atitude subversiva.
218
Se a imagem de Timótheo não carrega o excesso do sapeur, certamente, é
possível traçar paralelos com essa leitura pós-colonial da estética dândi, que transcende
limites estabelecidos pelo vestuário como atributo de posicionamento social, reelabora
padrões hegemônicos e cria novas articulações de poder pessoal e coletivo.
Finalmente, é importante afirmar que o processo propiciado por esta pesquisa
ofereceu a uma mulher negra uma superfície de espelhamento para a contemplação de
questões relacionadas à sua história pessoal e familiar. Despertou o desejo de saber mais,
olhar mais para si e para outros ao redor, e também, para aqueles situados em tempos e
espaços distantes, no intuito de compreender as paradoxais relações entre identidade e
alteridade que nos trazem especificidades ao mesmo tempo em que nos conectam a todos.
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NOTAS DE ARTE. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 8 set. 1907.
O Mequetrefe, 388, 10 out. 1885.
230
ANEXO I
O retrato americano na Exposição Universal de 1900
Paris recebeu o novo século com um evento marcante. A Exposition Universelle
de 1900 foi inaugurada em 14 de abril e se estendeu até novembro, mobilizando 50 milhões
de pessoas ao longo destes sete meses. Essa grande feira internacional foi a quinta
sediada em Paris e recebeu dez vezes mais público que a primeira, além de superar a
edição imediatamente anterior, que atraiu pouco mais de 32 milhões. Vale registrar que a
população da França não ultrapassava os 41 milhões em 1900. A primeira das grandes
feiras modernas foi a Crystal Palace Exhibition ocorrida em Londres, em 1851, para celebrar
a posição de liderança ocupada pela Grã Bretanha na era industrial, repetindo edições do
evento em 1874, 1884, 1887 e 1888. A Alemanha, a Bélgica e também os Estados Unidos
realizaram eventos deste feitio. Em 1876, houve a exposição da Filadélfia, a Centennial
International Exhibition, comemorando o centenário da declaração da independência
americana e em 1893 a Columbian World’s Fair de Chicago, celebrando a chegada de
Cristóvão Colombo ao Novo Mundo.
Com forte foco na celebração do progresso da indústria, as Exposições
Universais eram imbuídas de propósitos educativos capazes de apresentar modelos de
mundo materialmente apreensíveis que traduzissem os novos parâmetros ordenadores da
vida econômica e social. O Brasil participou de diversas Exposições na segunda metade do
século XIX, mais notadamente na de 1889, que comemorou o centenário da Revolução
Francesa. Com o apoio de D. Pedro II, uma delegação brasileira se integrou a essa
celebração da república com a ocupação de um pavilhão ao pé da recém-inaugurada Torre
Eiffel.
Apresentando o tema “O saldo de um século”, a Exposição de 1900 fez de Paris
um espaço cenográfico, em disposição que muito devia à lógica museológica, para
representação visual vivenciável por multidões. Ali se juntavam:
(...) representações das regiões em expansão (países europeus e Estados Unidos
emergentes), das regiões sob pleno regime colonial e das regiões distantes (do ponto de
vista imperialista), promissoras fontes de matérias-primas, como a América Latina. Uma
verdadeira representação do mundo, tal como concebido pela filosofia dominante.229
229 BARBUY, Heloisa. O Brasil vai a Paris em 1889: um lugar na Exposição Universal. An. mus. paul., São
Paulo , v. 4, n. 1, 1996.
231
Mais de quarenta países se apresentaram nos pavilhões dispostos ao longo do
Sena. Uma roda gigante, pisos rolantes, um trem elétrico, carros, motos, armas e imagens
de cinema. Tudo se combinava para anunciar uma era de poderio, evolução e conquistas
tecnológicas. Também a moda francesa, a seda japonesa, peças de design escandinavo,
e mesmo as delicadezas de Lalique traduziam o gosto, as tendências da época. A Gare
d’Orsay e o Métro iniciavam suas operações, sendo ainda a ocasião de inauguração da
Ponte Alexandre III e das galerias Grand e Petit Palhais.
Costurada nessa trama de maravilhas estavam as exposições de arte, que
recebiam atenção especial. Mais de 6.500 obras de mais de 3.000 artistas podiam ser
vistas, sendo um terço deles franceses. Além de uma mostra abrangente de arte francesa
cobrindo o período entre a Idade Média e o século XVIII de Watteau, havia a Centennale
exibindo trabalhos produzidos entre 1800 e 1889, e a Decennale focada na produção
contemporânea datada entre 1890 e 1900. Do total de artistas 251 eram americanos,
acompanhados, por exemplo, de 223 provenientes da Grã Bretanha, 157 do Japão e até
um representante da Nicarágua.
Naquela virada de século, um novo império surgia. Certamente, era isso que os
Estados Unidos desejavam comunicar ao mundo ao participar da Exposition de 1900.
Incorporando o que parecia o desejo de estabelecer seu país como portador de caminhos
renovadores e gloriosos para a civilização ocidental, a delegação americana foi responsável
por uma representação de sucesso em que a participação dos artistas objetivou disseminar
a ideia da América como produtora de uma arte autônoma e original, que se poderia
visualizar como uma “escola americana”, merecedora de atenção internacional.
A segunda metade do século XX vê o crescimento e a multiplicação das cidades
americanas, a ampliação do transporte ferroviário e hidroviário, e o desenvolvimento das
bases industriais do país movidas pela abundância de matérias-primas como o petróleo, o
ferro e o carvão e pela oferta de mão-de-obra barata imigrante. Nomes como do banqueiro
John Pierpont Morgan e dos industriais John Davidson Rockefeller e Andrew Carnegie se
tornam símbolos de um empreendedorismo agressivo e vitorioso que ampliava seu
potencial de competitividade por meio do investimento mobilizado pelas sociedades
anônimas. No campo agrícola observou-se uma concentração de terras nas mãos dos
fazendeiros mais capitalizados, com maiores possibilidades de investir em maquinário e
manter a produção em grande escala. Manter essa curva de crescimento com garantias
contra crises trazia à baila a possibilidade de desenvolvimento de mercados externos bem
como de outras fontes de matéria prima, possivelmente por valores competitivos, fazendo
232
com que as necessidades econômicas, neste momento final do século XIX, levassem a um
transbordamento do capitalismo americano para além de seu território nacional, fazendo
com que o país se percebesse como adversário à altura das grandes potências imperiais.
A guerra Hispano-Americana, em 1898, nos ajuda a compreender essa
movimentação na busca de estabelecer um novo lugar para os Estados Unidos no contexto
político global, consolidando sua posição hegemônica no hemisfério ocidental230. Com o
conflito, a Espanha perdeu o controle sobre o que restava de seu império: Cuba, Porto Rico,
Filipinas, Guam e outras ilhas. A decadência espanhola se evidencia com as vitórias da
marinha americana nas batalhas da Baía de Manila nas Filipinas e da Baía de Santiago,
em Cuba, possessões do outrora grandioso Império Espanhol no Novo Mundo. Esta
primeira guerra dos americanos fora do território continental e também primeira contra uma
nação europeia se desconsideramos a guerra de independência e os conflitos de 1812,
ambos com a Grã-Bretanha sua antiga metrópole. Neste momento de expansão econômica
americana, o embate com a Espanha vem esboçar a identidade da nação americana
relacionada ao poderio militar. Em Cuba, a mais rica das colônias, o estopim foi a rebelião
inspirada por José Martí, exilado em Nova York, alinhada ao Partido Revolucionário
Cubano, que encontrou eco na opinião pública americana, já propensa a imaginar a ilha
como extensão das terras americanas e inclinada a apoiar uma política externa mais
agressiva. Fácil, então, que se manifestasse o interesse pelo açúcar e pelo tabaco da ilha
caribenha, nomeado como desejo de proteger a população cubana do controle espanhol
por meio da anexação que se efetivou quando a ilha foi transformada em protetorado.
É nesse contexto histórico que os EUA debatem já em 1897 como querem se
ver representados na Exposição de 1900 ao lado de outras trinta nações convidadas. Já
em 1889 os americanos tiveram atuação de destaque amealhando mais medalhas do que
as outras nações convidadas, fazendo com que a crítica apontasse a falta de temas de
caráter nacional. Em 1893, a Exposição ocorre em Chicago, atraindo expatriados para a
celebração dos 400 anos da chegada de Colombo, dando espaço para que os críticos
americanos celebrassem a força da produção dos americanos, caracterizada por uma maior
autonomia com relação às influências francesas. É preciso, então, fazer com que 1900 seja
uma continuidade ampliada dessa autoafirmação, preocupação que ocupa um grupo de
230 PIGOZZI, Vinícius. A Construção do Império Americano: origens e a Guerra Hispano-Americana de
1898. Revista Perspectiva: reflexões sobre a temática internacional, n. 07.P. 30.
233
artistas nova-iorquinos que se reúnem para escolher um diretor de Belas Artes na Academia
Nacional de Design para que se dedique a essa empreitada, garantindo uma justa
participação dos artistas não residentes em Paris.231
A escolha de John Britton Cauldwell, herdeiro de uma fortuna gerada no
comércio de porcelana, conhecedor de arte e bem relacionado no governo inicia a
mobilização de uma equipe de profissionais familiarizada com os padrões dos Salons, e
apta a reunir artistas e obras capazes de causar o impacto desejado. Em 1899 se iniciam
viagens pelo país para a seleção das obras, majoritariamente pinturas dedicadas às
temáticas tidas como portadoras de um sentido americano autêntico, avaliadas no início de
1900 por júris estabelecidos em Nova York e Paris, constituídos por artistas tais como
Winslow Homer e William Merritt Chase nos EUA e John Singer Sargent, residente na Grã-
Bretanha, e John White Alexander, na França.
Um conjunto importante foi amealhado por um subcomitê dentre os acervos de
três importantes museus americanos e, também, junto a colecionadores particulares. Às
obras do Pennsylvania Academy of Fine Arts de Philadelphia, o Cincinnati Art Museum e o
Canergie Institute de Pittsburgh juntaram-se pinturas do próprio Andrew Carnegie, de
Montgomery Sears, dentre outros mecenas de renome.
O conjunto de obras selecionadas apresentava cerca de um quarto de artistas
residentes na França contra uma maioria de moradores nos EUA, embora os
deslocamentos pelo Atlântico deixassem esse critério um tanto fluido. Uma polêmica se
firmou ao redor da proporção resultante, com manifestações alinhadas tanto aos residentes
quanto aos expatriados.
O resultado da empreitada foi a inserção dos Estados Unidos em situação de
destaque na Exposição, presentes nos diferentes espaços do Champ-de-Mars e da
Esplanade de Invalides. Além disso, uma estátua de Washington foi instalada na cidade e
a própria Torre Eiffel, símbolo máximo das feiras, coberta com uma bandeira americana por
um período de horas.232 Talvez os franceses não tenham se dado conta àquela altura da
potência americana que ali se anunciava.
Se as paisagens produzidas pelos americanos participantes das Exposições
totalizavam cerca de um terço das submissões, o retrato, mesmo sendo um gênero com
231 JACQUET, Joseph, ed. Paris 1900: les artistes américains à l'Exposition Universelle; Musée Carnavalet.
Paris-Musées, 2001. P.21. 232 TRAVIS, Miles Everett. Mixed messages: Thomas Calloway and the" American Negro Exhibit" of 1900.
Diss. Montana State University-Bozeman, College of Letters & Science, 2004.
234
representação na casa dos vinte por cento, e, portanto, menos expressiva numericamente,
sempre despertou o interesse do público. A possibilidade de ver próximo à pintura um artista
ou uma personagem da vida política próximos a uma sua pintura era fator de atração, assim
como a possibilidade de verificar a habilidade dos pintores em produzir semelhanças. O
hábito burguês da encomenda de retratos era bastante comum e abria espaço para que
artistas desenvolvessem soluções plásticas com maior flexibilidade do que encontravam
nas demandas oficiais.
Fink aponta duas características do retrato parisiense do século XIX: penetração
psicológica e ensemble ou conjunto, entendido como a relação entre o setting e o sujeito
em um todo integral e unificado.233. Podemos traduzir setting por cenário, entorno ou
situação em que se encontra o representado. Essa busca de integração objetivava a criação
de imagens portadoras de vivacidade e expressão, em uma época em que o conhecimento
sobre a psicologia humana e o interesse pelas motivações da alma humana se difundiam,
motivando a realização de retratos em que a representação de indivíduos em contato com
seu mundo interior.
Dentre os expatriados, e presente como um dos valores máximos da Escola
Americana nas seis salas do edifício do Grand Palais que acomodou as obras dos Estados
Unidos, estava Whistler. Para a crítica o artista:
Domina a pintura do final do século com um daqueles indefiníveis condição de
gênio que não suportam comparação que não seja feita com eles próprios234
Reconhecido como um mestre americano de estatura mundial, sua arte, no
entanto, não era representativa de valores ou imagens da identidade americana, sendo
louvada pela sua singularidade e gênio. Vale lembrar que na Exposição de 1889 ele havia
preferido ver suas obras exibidas junto aos ingleses em espaço que lhe pareceu propício à
observação das pinturas, demonstrando desapego de identificações patrióticas. Sua
233 FINK, Lois Marie. American Art at the Nineteenth-Century Paris Salons. National museum of American art,
Smithsonian institution, 1990. p.238. 234 “Domine La peinture de la fin du siècle par um de ces indefinissables prestiges du génie que NE
supportent de comparaison qu´avec eux-mêmes”. In Jacquet, Joseph, ed. Paris 1900: les artistes américains à l'Exposition Universelle; Musée Carnavalet du 21 février-29 avril 2001;[L'Exposition" Paris 1900" est organisée par le Musée Carnavalet...]. Paris-Musées, 2001. p.35. Apud Camille Mauclair, “La Decennale étrangère”, La Grande revue de l´Exposition, supplément illustré de La Revue dês revues, 10 juillet 1900, p. 178.
235
permanência por longos períodos na Europa, sem retorno aos EUA, assinala seu sentido
pessoal de autonomia de identidade.
Pude localizar no acervo digital da Universidade de Glasgow uma carta de
Caldwell a Whistler em que ele agradece uma mensagem recebida pelo artista elogiando o
trabalho desempenhado “no interesse da Arte Americana”235, demonstrando que o artista
não era indiferente à iniciativa de busca de projeção para si e seus colegas.
Brown and Gold [figura 145], uma das obras integradas à exposição, foi inspirado
no retrato de Pablo Valladolid, de Velázquez [figura 146], cuja foto o artista mantinha em
seu atelier Do espanhol Whistler adota a pose, os tons escuros que constituem a figura, a
indefinição do fundo neutro, além de escolher fazer-se representar como o bufão retratado
por Velázquez. Valladolid era dos muitos “homens de prazer” que desempenhavam o papel
de entreter a corte por suas capacidades interpretativas ou artísticas, trejeitos ou
peculiaridades físicas. Neste retrato vemos uma mecha de cabelo branco e seu monóculo,
um leve ponto de cor oferecido pela pequena condecoração que exibe na lapela recebida
pela legião da Honra francesa.
Interessado, sobretudo, em uma arte desvinculada de narrativas e
detalhamentos descritivos, Whistler imprime em seu retrato o sentido direto encontrado em
Rembrandt em uma obra que a seu modo orquestra tons e formas para a constituição deste
seu último retrato. A Exposição de 1900 se realiza quando o artista tem 66 anos, portanto
três anos antes de sua morte.
Além da obra Madre Pérola e Prata: A Andalusa [figura 149], o artista esteve
presente também com a pintura Sinfonia em Branco, No. 2: A Pequena Menina Branca
[figura 147] que retoma o tema da Sinfonia em Branco, No. 1: A Menina de Branco, de 1862
[figura 148]. Ambas eram produzidas pela combinação de uma variação de pigmentos
brancos para a criação de formas e texturas. Se em Marrom e ouro a ausência de contrastes
cria uma imagem em tons escuros, aqui os pontos de cor não afetam a predominância do
branco de caráter abstratizante.
235http://www.whistler.arts.gla.ac.uk/correspondence/exhibit/display/?cid=4420&exhibid=PaExp-
1900&sort=2&rs=29
236
Figura 145 Marrom e ouro, c.1895–1900 James Abbott McNeill Whistler Óleo sobre tela, 95.8 x 51.5 cm Hunterian Art Gallery, University of Glasgow
Figura 146 Pablo de Valladolid, c. 1635 Diego Rodríguez de Silva y Velázquez Óleo sobre tela, 209 cm x 123 cm Museo Nacional del Prado
237
Figura 147 Sinfonia em branco, No. 2: a pequena garota branca, 1864 James Abbott McNeill Whistler Óleo sobre tela, 76.5 x 51.1 cm Tate Gallery, Londres
Figura 148 Sinfonia em branco, No. 2: a pequena menina branca, 1861-2 James Abbott McNeill Whistler Óleo sobre tela, 215 cm × 108 cm National Gallery of Art, Washington, D.C.
238
Figura 149 Madre Pérola e Prata: a Andaluza, 1888-1900 James McNeill Whistler Óleo sobre tela, 191.5 x 89.8 cm National Gallery of Art, Washington
O retrato da educadora e sufragista Martha Carey Thomas realizado por John
Singer Sargent [figura 150] foi exibido na Exposition de 1900. Martha foi presidente do Bryn
Mawr College na Pennsylvania, uma instituição de ensino superior dedicada à educação de
mulheres, a primeira a oferecer-lhes a possibilidade do doutorado. Tendo encontrado
barreiras para formação, Martha recebe de Bryn Mawr a homenagem na forma de um
retrato que a apresenta altiva, com olhar dirigido ao observador.
O rosto severo e iluminado se contrapõe ao negro do fundo e das roupas,
conjunto interrompido pelas mãos, sendo que a direita segura energicamente o braço da
cadeira, e pela diagonal de tecido que vai do pescoço ao canto inferior direito. O pintor
parece querer circunscrever a potencia de ação e a energia à esfera intelectual,
evidenciando qualidades intelectuais, habitualmente associadas aos homens, em evidente
contraste com outras representações femininas de sua autoria.
Nesse sentido, funciona como antítese do retrato de Madame Pierre Gautreau
[figura 151], obra do mesmo artista, em que vemos a sugestão de sensualidade na imagem
de uma mulher que poderia ser chamada à sua época de “beleza profissional” pelos seus
poderes de sedução. A obra foi apresentada em 1884 sem a identificação da modelo, não
fez parte da exposição de 1900 e é lembrada aqui apenas como contraponto.
A elegância da personagem é evidenciada pelo vestido de cintura extrema, no
tratamento nacarado dado à pele, na postura e nos gestos. O pintor dá tratamento sinuoso
aos contornos e apresenta o pescoço e ombros nus de forma achatada, sem a preocupação
239
com volumes que dedica à caracterização do retrato de Marta. A vestimenta, embora exiba
as habilidades do pintor no tratamento de suaves passagens de brilho, implica a
austeridade requerida pela posição da retratada, que nada tem de figura decorativa.
Madame é tão sensual quanto inacessível, uma vez que se exibe ao observador sem com
ele se engajar. A representação do rosto compreende a maquiagem e cria uma figura quase
estilizada apresentada em perfil total.
Figura 150 Miss M. Carey Thomas John Singer Sargent Óleo sobre tela, 96.5 x 147,3 cm Bryn Mawr College, Pensilvânia
Figura 151 Madame X (Madame Pierre Gautreau), 1883–84 John Singer Sargent Óleo sobre tela, 208.6 x 109.9 cm Metropolitan Museum, Nova York
Outra obra, não presente na exposição, mas interessante pela semelhança
compositiva com a obra pesquisada é o retrato do escritor Robert Louis Stevenson [figura
152]. A pintura utiliza pinceladas soltas para caracterizar as texturas do tapete e da cadeira
de vime. Marca o espaço por detrás do retratado com a presença de um móvel no qual
identificamos um friso que estabelece uma linha vertical, paralela a outra visível na parede
azul. Em meio aos reflexos na superfície da madeira, formas retangulares são sugeridas.
Além da expressão vivaz, o pintor busca sublinhar a identidade do retratado em suas formas
longilíneas, que as longas pernas e dedos afilados denunciam. O ambiente, a casa do autor
em Bournemouth, é mais iluminado do que no retrato de Arthur Timótheo. Mas de modo
semelhante ao do retrato de Chambelland, a linha diagonal da perna cruzada conduz o
olhar ao rosto.
Outro artista importante para o estudo do retrato americano do período é o pintor
residente da Philadelphia Thomas Eakins. Uma consulta ao texto do catálogo da Exposição
240
de 1900 revela sua importância na formação de artistas, uma vez que seu nome aparece
associado a outros seis pintores como tendo sido deles professor.236
Figura 152 Robert Louis Stevenson, 1887 John Singer Sargent Óleo sobre tela, 51 x 61,8 cm Metropolitan Museum of Art, Nova York
Uma das pinturas de Eakins a participar da mostra foi O Violoncelista237 [figura
153]. A pintura apresenta o musicista Rudolph Hennig, e recebeu uma menção honrosa na
Exposição. O retrato de seu pai, identificado no catálogo como Retrato de Benjamin Eakins
e denominado como The Writing Master pelo Metropolitan Museum [figura 154], onde se
encontra hoje. Benjamin Eakins trabalhava com caligrafia aplicada à produção de diplomas
e outros documentos, o que é representado nesta pintura de afetuosa homenagem. Em
236 Nas referências biográficas dos artistas George H. Bogert, Frank French, Albert D. Gihon, Sergeant
Kendall, Samuel Murray, F. T. Richards e H. O. Tanner, Eakins é indicado como mestre, conforme o Catalogue officiel illustré, exposition des beaux-arts, États-Unis d'Ameérique, Exposition universelle de Paris 1900. Disponível em http://archive.org/stream/catalogueofficie00unit/catalogueofficie00unit_djvu.txt 237 A pintura pertenceu a Pennsylvania Academy desde 1897, mas foi vendida junto a outras obras do pintor
para gerar receita suficiente para garantir a aquisição da pintura The Gross Clinic do mesmo pintor. http://www.nytimes.com/2008/04/24/arts/design/24gros.html?_r=0
241
comum, os dois retratos têm a presença de homens concentrados, dedicados, em
isolamento, a seus ofícios e instrumentos.
Também a obra Salutat [figura 155] fez parte da exposição, denotando o
interesse de Eakins em representar a atmosfera de ringue de luta, apresentado no momento
de interação de um lutador com sua plateia. A partir do final dos anos 1880, o foco do
artista recaiu sobre os retratos, mas temas esportivos já trabalhados pelo artista
anteriormente com os remadores, tiveram nova inserção em sua produção no final dos anos
1890, quando o pintor passou a frequentar lutas profissionais. Esses eventos permitiam a
este pesquisador de anatomia humana e do corpo em movimento, encontrar abordagens
de atualização de temas abordados por seu mestre Gêrome e suas representações de
gladiadores238. A atividade transgressora dava ao pintor a oportunidade de criar
representações de masculino contrastantes com seus retratos, mas sensíveis à presença
do homem comum.
Dois outros retratos do artista ajudam a localizar sua produção contemporânea
à Exposição, mesmo que por meio de obras não integrados a ela. O retrato de Leslie W.
Miller [figura 156], docente da School of Industrial Art in Philadelphia chama a atenção pela
informalidade, e talvez certo desalinho das roupas. O professor recebeu de presente a
pintura de que gostava muito, e que também foi bem apreciada pela crítica da época, mas
comentou estranhar o tratamento dado por Eakins à sua aparência, relevando por
reconhecer ser marca do autor.239 A obra faz parte de uma série de retratos de corpo
inteiro240, que apresentam uma espacialidade similar às obras de Whistler, ambos artistas
em diálogo com Diego Velázquez, ao optar por fundos neutros [figura 159], em alguns
casos sem assinalar as fronteiras entre piso e parede, ou as assinalando com certa
abstração, à semelhança do pintor espanhol. Eakins foi motivado a estudar Velázquez por
influência de dois de seus mestres, Jean Léon Gêrome e Léon Bonnat. Suas visitas a Madri
em 1869 e 1870 foram importantes para o estudo presencial de suas obras, que também
impactaram Édouard Manet antes dele. Vale lembrar que o Retrato de Théodore Duret, feito
238 É exemplo Ave Caesar! Morituri Te Salutant realizada em 1859 por Gêrome, hoje incorporada ao acervo
da Yale University Art Gallery, New Haven, 239 Palavras de Leslie W. Miller sobre a pintura: "But all that is part of the Eakins hallmark and of course it
cannot be spared. He was one of the great ones and I value the picture highly." In http://www.philamuseum.org/collections/permanent/44493.html 240 Fazem parte deste conjunto o Retrato de John McLure Hamilton, 1895, A Chamada do Diretor [The Dean's
Roll Call], 1899.
242
por Manet, em 1868 [figura 158], guarda parentesco com esta obra de Eakins, inclusive na
soltura da vestimenta do dândi, que Manet quis mostrar com elegância portando luvas,
bengala e chapéu. Ao contrário de Miller, neste caso, o retratado reconheceu na pintura a
representação de elegância, talvez aquém.
O retrato de Louis N. Kenton [figura 157] ganhou o título O Pensador quando de
sua incorporação ao acervo do Metropolitan,241 em 1917. Kenton era casado com a irmã de
Eakins este retrato expressivo busca fixar um estado reflexivo, com a cabeça baixa e mãos
nos bolsos, voltado ao seu mundo interior. O terno solto é acompanhado por uma camisa
branca de gola firme e um relógio pende do peito. Nesse ensemble o fundo neutro, a palheta
restrita e ausência de sentido decorativo, que como na obra analisada anteriormente, são
derivados de Velázquez, contribui para que a ênfase recaia na intensidade psicológica do
homem retratado, que parece alheio a tudo que . No catálogo do Metropolitan encontramos
um comentário sobre a recepção da obra, amplamente exibida, e percebida de modo geral
como um trabalho fora da corrente principal da moda. A falta dos elementos
ornamentais habituais era visto como uma deficiência, mas ainda assim vista como
merecedora de atenção242.
Para a crítica, a obra substituía a lisonja por um realismo que dava expressão
pictórica à individualidade do homem representado, despido de idealização. Um crítico
comentou que a naturalidade da pintura a que designa de matter-of-factness, aliado a uma
desconsideração pela elegância da linha, e também do caráter persuasivo da cor, poderia
resultar em feiura, mas atesta que o conjunto resulta em um extraordinário registro de um
indivíduo humano.243
241 Burke, Doreen Bolger. American Paintings in the Metropolitan Museum of Art: Vol. II: A Catalogue of Works
by Artists Born Between 1816 and 1845. Ed. Kathleen Luhrs. Metropolitan Museum of Art, 1980. p. 622. 242 Idem 243 Idsem, p. 624.
243
Figura 153 Thomas Eakins O violoncelista, 1897 Óleo sobre tela, 163.2 × 122.2 cm Coleção particular
Figura 154 Thomas Eakins The Writing Master, 1882 Óleo sobre tela, 76,2 x 87 cm Metropolitan Museum, Nova York
244
Figura 155 Thomas Eakins Salutat, 1898 Óleo sobre tela, 126,4 x 101,0 cm Addison Gallery of American Art, Andover
Figura 156 Thomas Eakins Retrato de Leslie W. Miller, 1901 Óleo sobre tela, 254,6 x 144,1 cm Philadelphia Museum of Art, Philadelphia
245
Figura 157 Thomas Eakins O pensador: Retrato de Louis N. Kenton, 1900 Óleo sobre tela, 208,3 x 106,7 Metropolitan Museum of Art, Nova York
Figura 158 Édouard Manet Retrato de Théodore Duret, 1868 Óleo sobre tela, 43 x 35 cm Petit Palais, Paris
246
Figura 159 James McNeill Whistler Arranjo em Cor de Pele e Preto: Retrato de Theodore Duret, 1883 Óleo sobre tela, 193,4 x 90.8 cm Metropolitan Museum of Art, Nova York
247
Anexo II
A American Negro Exhibit
Não podemos esquecer que a edição de 1900 da Exposition Universelle
compreendeu a realização da mostra “American Negro Exhibit”, que ocupou o Hall of Social
Economy. Já havia um histórico de mobilização e protestos de intelectuais negros quando
da realização das feiras internacionais na Filadélfia e em Chicago, que sentiam ser
necessária a participação de afro-americanos na organização dos eventos e apresentavam
críticas ao modo de representação dos negros no contexto daqueles eventos. Na mostra
de 1900 estavam expostos fotografias retratando afro-americanos em diferentes situações,
dados estatísticos examinando aspectos da vida de comunidades negras, centenas de
volumes de livros de autores negros, matérias produzidos por estudantes sobre cultura
negra, entre outros .
O principal responsável pelo conjunto era o advogado e educador Thomas J.
Calloway, que escreveu para mais de cem líderes, propondo a realização da mostra, que
ele imaginava, poderia modificar os correntes modos de representação do negro na cultura
americana, ao exibir instituições negras como escolas, igrejas, fazendas e também famílias.
A questão central formulada era: ˜Qual a situação do povo Afro-Americano enquanto
adentram o século XX? Outros dez questionamentos acerca da vida pós-emancipação
definiam os propósitos da mostra: a apresentação de aspectos da história dos negros, a
educação dos negros, os efeitos da educação sobre o analfabetismo, efeitos da educação
sobre o trabalho, efeitos da educação sobre a pobreza, o desenvolvimento mental do negro
evidenciado por livros e periódicos escritos e editados por negros, patentes registradas por
negros que demonstrem seu gênio mecânico, sua participação no desenvolvimento
industrial e comercial, o que o negro realiza para si por meio de suas igrejas, uma visão
geral das relações raciais nos EUA. 244
244 Sobre o tema da American Negro Exhibit Provenzo Jr, Eugene F. WEB DuBois's Exhibit of American
Negroes: African Americans at the Beginning of the Twentieth Century. Rowman & Littlefield, 2013 e Lewis, David Levering, and Deborah Willis. A Small Nation of People. HarperCollins, 2010.
248
Um dos pressupostos ordenadores da mostra era a perspectiva, defendida por
Booker T. Washington245 de que os avanços sociais e econômicos dos negros americanos
só poderia ser construída por meio da capacitação técnica para o trabalho.246 Na Negro
Exhibit essa perspectiva era exemplificada por fotografias que exibiam indivíduos negros
envolvidos com o trabalho agrícola, transformando ao longo do tempo sua situação de vida
agrária por meio de seus esforços, potencializados pela educação. Deste modo se
distanciavam das representações vinculadas ao Darwinismo Social, da produção ficcional
que abordava a vida nas plantations, das figuras dos menestréis com o rosto pintado de
negro e dos personagens do vaudeville.
As grandes feiras colocavam sua ênfase nas características raciais de africanos
e negros americanos, enquanto a Negro Exhibit buscava atribuir importância à sua
capacidade de trabalho. Washington oferecia aos brancos apreensivos com as crescentes
demandas dos negros por integração, a ideia de que brancos e negros poderiam ser como
os dedos de uma mesma mão, separados mas unidos no essencial.
Definindo os contornos do New Negro ou Novo Negro, um projeto de projeção
de ideias que combinavam a afirmação da capacidade intelectual dos negros, e também
das possibilidades de seu progresso. Booker T. explicita sua perspectiva no livro Um Novo
Negro para um Novo Século247, publicado em 1900, e ilustrado com um grande número de
retratos fotográficos de indivíduos de destaque, militares, médicos, editores, advogados,
empresários dentre outros, símbolo dos avanços obtidos pela população negra nos últimos
trinta anos. Como exemplos, exibimos as fotografias de John Mitchell, jornalista cuja foto
no livro se faz acompanhar pela legenda “O Editor Agressivo do Richmond Planet” e o
retrato do poeta Paul Laurence Dunbar, “Laureado da Raça Negra.248
245 Washington era reconhecido amplamente como importante líder e porta-voz da comunidade afro-
americana, tendo sido por diversas vezes a dialogar com os presidentes Theodore Roosevelt e William H. Taft. na Casa Branca sobre temas relacionados a questões políticas de interesse desse segmento da população. Sua autobiografia Up From Slavery foi um best seller e ele realizou séries de palestras pelos EUA e pela Europa, tendo sido recebido pela Rainha Victoria. 246 Um exemplo é o Hampton Normal and Industrial Institute fundado em 1868 pelo General Samuel
Armstrong com o intituito de educar negros do sul do país. Booker T. Washington, nascido escravo, frequentou a instituição na qual veio, depois, a trabalhar. Outra instituição de grande importância histórica é o Tuskegee Institute do Alabama, dirigido durante um período por Washington, que acreditava ser inútil protestar em busca da igualdade plena entre brancos e negros, e seria ideal buscar uma parceria que beneficiaria em maior medida os afro-americanos. Fotografias produzidas por este instituto fizeram parte da American Negro Exhibit. 247 WASHINGTON, Booker T., Norman Barton Wood, and Fannie Barrier Williams. A new Negro for a new
century. Arno Press, 1969. 248 As imagens estão disponíveis no acervo do Schomburg Center for Research in Black Culture, Manuscripts,
Archives and Rare Books Division, no endereço http://digitalcollections.nypl.org/collections/a-new-negro-for-a-new-century-an-accurate-and-up-to-date-record-of-the-upward#/?tab=about&scroll=0
249
Deborah Willis chama a atenção para a anotação que acompanha uma fotografia
que pertenceu aos acervos pessoais de Booker T. Washington, e que poderia ter sido feita
pelo próprio: Old and New at Utica Miss, October 6, 1900 [figura 160]. Um homem mais
jovem está de paletó e gravata enquanto outro, mais velho, posa sem gravata, com calças
enrugadas indicando ser um trabalhador. Para Willis a imagem somada à inscrição pode
ser vista como um exemplo das mudanças de percepção de afro-americanos. Seriam
representações visuais do “Old Negro“ e do ”New Negro.” A fotografia teve um importante
papel ao registrar e disseminar imagens alternativas que circulavam em jornais e livros
publicados pela comunidade negra ou eram posses queridas de famílias de classe média
ou média baixa. Sobre as fotografias exibidas na Exposition Willis afirma:
As fotografias da Exposition de Paris apresentavam uma comunidade afro americana
que era espiritual, social e economicamente diversa. Isto era uma noção radical para
a época, e quando você considera a longa e violenta história dos afro-americanos,
essa noção de self e valor próprio adquire um significado mais profundo. Olhar essas
representações do New Negro nos propicia um novo paradigma para explorar a
interpretação visual do Novo Negro como uma imagem autoconsciente/consciente
em termos de raça, e a importância da imagem fotográfica no estudo da elevação
racial.249
A exposição American Negro exibia um expressivo conjunto de imagens que
ilustrava a visão de outro grupo de intelectuais, capitaneados por W.E.B. Du Bois250. Du
Bois era professor de sociologia da Atlanta University, e agrupou 363 fotografias em álbuns
focados em retratos e cenas da vida negra no sul dos EUA. O álbum “Tipos de Negros
Americanos, que apresentavam o que ele chamava de “typical Negro faces” ou rostos
típicos de negros. Nos álbuns Geórgia, EUA (Types of Negroes, Geórgia, USA) e Vida
Negra na Geórgia, EUA (Negro Life in Geórgia, U.S.A.) as imagens mostradas buscavam
negar a imagem do negro como preguiçoso, empobrecido ou ignorante, substituindo-os por
representações de dignidade e realização. Para Du Bois, exibir rostos de afro-americanos,
alguns notáveis mas a maioria jovens, bem vestidos, uma ampla gama de tons de pele,
características faciais e estilos de penteado, poderia desafiar a visão caricatural dominante,
fazendo com que uma percepção generalizante de Negro fosse substituída pela observação
249LEWIS, David Levering, and Deborah Willis. A Small Nation of People. HarperCollins, 2010. Edição virtual 250 W.E.B. Du Bois frequentou as universidades Fisk e Harvard nos EUA, e também na Universidade de
Berlim tendo estudado história, economia e sociologia. Desenvolveu um estudo sobre a vida dos Negros na Filadélfia, considerada obra inaugural da sociologia urbana nos Estados Unidos, publicado em 1899.
250
de indivíduos com características distintas e particulares. Sua perspectiva diferia da de
Washington por não justificar o discurso conciliatório da acomodação. Sua perspectiva
empírica o motivou a apresentar também um conjunto de trezentas páginas de transcrições
de documentos legais da Geórgia como evidência das dinâmicas discriminatórias do
sistema legal na segunda metade do século XIX.
Figura 160 Velho e Novo em Utica, Mississipi, 6 de outubro, 1900
Figura 161 Estudantes da Roger Williams University, Nashville, Tennesse, 1899
251
Figura 162 Carpintaria da Claflin University, Orangeburg, South Carolina
Figura 163 Paul Laurence Dunbar
Figura 164 Orador e editor, Atlanta, Geórgia Coronel W.A. Pledger
252
Figura 165 Exposição American Negro251
A perspectiva de Du Bois diferia da de Washington por não acomodar um
discurso conciliatório e defender não ser suficiente a preocupação em garantir inserir aos
negros no mercado de trabalho. Para Washington, a evolução econômica poderia minimizar
ou neutralizar o preconceito, mas para Du Bois este existiria independentemente de
questões de classe ou nível educacional. Apesar dos diferentes pontos de vista, no
momento da Exposition de 1900 eles ainda não haviam se estabelecido como oponentes,
o que aconteceria anos depois. Sua perspectiva empírica o motivou a apresentar também
um conjunto de trezentas páginas de transcrições de documentos legais da Geórgia como
evidência das dinâmicas discriminatórias do sistema legal na segunda metade do século
XIX.
A exposição American Negroes recebeu o Grand Prix da Exposition, medalhas
de ouro, prata e bronze, assim como menções honrosas foram atribuídas aos
organizadores e instituições participantes, tendo sido dada a Du Bois uma medalha de ouro
pelo seu papel na concepção da exposição. As fotografias selecionadas por ele fazem hoje
parte do acervo da Biblioteca do Congresso Americano e podem ser consultadas
digitalmente252. A seleção incluída aqui privilegia os retratos masculinos dado o tema da
pesquisa. Via de regra, as fotos foram apresentadas sem identificação do nome dos
251 Imagem da Biblioteca do Congresso disponível no link http://memory.loc.gov/ammem/aap/aapint02.html 252 As imagens estão disponíveis no site da Library of Congress Prints and Photographs Division Washington,
D.C. no link http://www.loc.gov/pictures/resource/ppmsca.08772/?co=anedub
253
indivíduos, com legendas que indicam a pose tais como: Jovem afro-americano, retrato de
meio rosto voltado para a direita”. Em alguns casos, um mesmo indivíduo é apresentado
visto por dois ângulos diferentes. Em outros, diferentes indivíduos são apresentados diante
de um fundo comum em poses similares. Há ainda imagens de casas, fazendas ou igrejas,
vezes apresentadas como pano de fundo para famílias ou grupos, que também surgem
agrupados em imagens de times esportivos e grupos musicais. O desejo de Du Bois era
construir uma identidade
Figura 166 Homem afro-americano dando aula de piano para uma jovem mulher afro-americana
254
Figuras 167 - 172
de comunidade e se escorava na crença, comum à época, de que a fotografia poderia ser
portadora de verdade. Um retrato de Du Bois feito em Paris durante o período da exposição
[figura 173] faz pensar como sua imagem pessoal, e como veremos também a de Booker
T. Washington, faziam parte dessa construção de novos modelos de identidade negra.
Para Bieze, Washington e Du Bois, que eram parte de uma elite negra,
compartilhavam com brancos um gosto vitoriano similar253. Os modelos de sucesso
artístico eram os da América branca, fato que se modificou com o advento da Harlem
Renaissance uma geração após. Já os artistas atuantes nos primeiros anos da década de
1900 como Paul Laurence Dunbar, Charles Chesnutt e William A. Harper buscavam
aceitação de um público que incluísse negros e brancos. Esses artistas produziam imagens
romantizadas, que funcionavam como reação às representações presentes na cultura de
massa, que caracterizavam negros por meio de imagens estereotipadas.
253BIEZE, Michael. Booker T. Washington and the art of self-representation. Vol. 50. Peter Lang, 2008.
255
Figura 173 Du Bois em Paris, 1900
A principal mudança operada por esses artistas não dizia respeito aos temas
presentes na baixa cultura, muitos ecoavam assuntos presentes nos estereótipos
convencionais, mas sim ao tratamento dentro de estilos da alta cultura, demonstrando
habilidades técnicas equivalentes às dos artistas brancos, o que possibilitava a constituição
de novos significados. Nesse sentido, obras como Menino Negro Dançando, de Eakins, e
A Aula Lição de Banjo, do pintor negro Henry Ossawa Tanner, são exemplos de obras que
imprimem novos significados a temas de modo sensível no campo das pinturas de gênero.
Sobre esse importante artista, dedicaremos uma seção desta pesquisa mais adiante. A
obra Lição de Banjo “é convencional segundo diversos padrões do gosto branco, mas se
contrapõe a muitas imagens racistas de tocadores de banjo conhecidos por brancos por
meio da arte popular, de fotografias de jornal, ao mostrar a humanidade da transmissão de
256
conhecimento”254. Para o autor, esses tipos nostálgicos com dignidade por meio de uma
abordagem realista, possibilitando uma apropriação de tradições negras.
Du Bois reconhecia a importância da obra de Tanner dizendo ser ele a evidência
do destaque obtido pelos negros no campo das artes: “Basta que alguém apenas mencione
Henry O. Tanner cujas pinturas estão expostas nas grandes galerias do mundo, inclusive
Luxembourg”.255
254 Idem, p.103. 255 DUBOI, W.E. Burghardt. "The Negro in literature and art." The ANNALS of the American Academy of
Political and Social Science (1913): 233-237. p. 237.
257
Caderno de Imagens
Figura 1 Carlos Chambelland Retrato de Artur Timóteo da Costa, 1909 Óleo sobre tela, 74 x 102 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro
258
Figura 2 Estudos de cabeça, segundo Peter Paul Rubens, s.d. Arthur Timótheo da Costa Óleo sobre tela, 30 x 36 cm Museu Afro, São Paulo
259
Figura 3 Quatro Estudos da cabeça de um mouro, 1615 Peter Paul Rubens Óleo sobre tela, 51 x 66 cm Musées Royaux des Beaux-Arts de Belgique, Bruxelas
260
Figura 4 Cabeça de um negro, 1620 Peter Paul Rubens Óleo sobre painel de madeira, 45,7 x 36,8 cm The Hyde Collection, Glens Falls
261
Figura 5 Atelier de Peter Paul Rubens Quatro estudos de cabeça masculina, ca. 1617 – 1620 Óleo sobre painel de madeira, 25.4 x 67.9 cm The J. Paul Getty Museum, Los Angeles
262
Figura 6 Retábulo da Adoração dos Magos, 1617 Peter Paul Rubens Óleo sobre painel, 318 x 276 cm Igreja de São João [Sint-Jankerk], Mechelen
263
Figura 7 Autorretrato, 1919 Arthur Timótheo da Costa Óleo sobre tela, 86 x 79 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro
264
Figura 8 Autorretrato, 1658 Rembrandt van Rijn Óleo sobre tela, 133,7 x 103,8 cm
265
Figura 9 Autorretrato, s.d. Arthur Timótheo da Costa
266
Óleo sobre tela, Museu Afro Brasil, São Paulo
267
Figura 10 Sir Joshua Reynolds Autorretrato de Sir Joshua Reynolds, 1780 Óleo sobre painel, 127 x 106 cm Royal Academy, Londres
268
Figura 11 Sir Joshua Reynolds Autorretrato, c. 1775 Óleo sobre tela, 73,7 x 61 cm Tate Britain, Londres
269
Figura 12 Rembrandt van Rijn Aristóteles com um busto de Homero Óleo sobre tela, 143,5 x 136,5 cm Metropolitan Museum, Nova York
270
Figura 13 Arranjo em Cinza, Retrato do Pintor1872 James McNeill Whistler Óleo sobre tela, 74.9 x 53.3 cm Detroit Institute of Arts, Detroit
271
Figura 14 Arthur Timótheo da Costa Autorretrato, 1908 Óleo sobre tela, 41 x 33 cm Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo
272
Figura 15 Autor desconhecido Retrato de Arthur Timótheo, 1908-09 Fotografia, 21,5 x 15 cm Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro
273
Figura 16 Autorretrato de Henrique Bernardelli, 1916 Henrique Bernardelli Óleo sobre madeira, 24 x 18 cm Coleção particular, São Paulo
274
Figura 17 Autorretrato, 1855-56 Edgar Degas Óleo sobre papel, aplicado a tela, 40,6 x 34,3 cm Metropolitan Museum, Nova York
275
Figura 18 Autorretrato, 1857-58 Edgar Degas Óleo sobre papel montado sobre tela, 26 x 19,1 cm Clark Art Institute, Williamstown
276
Figura 19 Autorretrato, 1628 Rembrandt Harmenz van Rijn Óleo sobre madeira, 22,6 x 18,7 cm Rijksmuseum, Amsterdam
277
Figura 20 Autorretrato, 1629 Rembrandt Harmenz van Rijn Óleo sobre madeira, 15,6 x 12,7 cm Alte Pinakothek, Munique
278
Figura 21 Autorretrato, 1863 Edgar Degas Óleo sobre tela, 92,1 x 69 cm Museu Calouste Gulbenkian, Lisboa
279
Figura 22
280
Figura 23 Autorretrato Albrecht Dürer, 1500 Óleo sobre painel de madeira, 66,3 c 49 cm Alte Pinakothek, Munique
281
Figura 24 Autorretrato, 1889 Edouard Vuillard Óleo sobre tela, 22,2 x 17,4 cm National Gallery of Art, Washington, D.C.
282
Figura 25 Retrato de A. Bracet, s.d. Arthur Timótheo da Costa Óleo sobre tela, x cm Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo
283
Figura 26 João Timótheo da Costa, 1908 Rodolpho Amoedo Óleo sobre painel, 49,5 x 29,7 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro
284
Figura 27 James Abbott McNeill Whistler, 1885 William Merritt Chase Óleo sobre tela, 188.3 x 92.1 cm Metropolitan Museum, Nova York
285
Figura 28 Marrom e ouro, 1885 James Abbott McNeill Whistler Óleo sobre tela, 51,5 x 95,8 cm Hunterian Museum, Glasgow
286
Figura 29 Retrato de Whistler de chapéu, 1857-59 James Abbott McNeill Whistler Óleo sobre tela, 46,3 x 38,1 cm Freer Gallery, Washington D.C.
287
Figura 30 Lord, 1773 Anônimo [inglês] Gravura sobre papel, 183 x 103 mm British Museum, Londres
Figura 31 The Walebone Mac, 1772 Matthew Darly Gravura sobre papel, 176 x 125 mm British Museum, Londres
288
Figura 30 Jean-Baptiste Belley, 1797 Anne-Louis Girodet-Trioson (1767–1824) Óleo sobre tela 159.1 x 111 cm Musée national des châteaux de Versailles et de Trianon, Versailles
289
Figura 31 Mungo Macaroni, 1772 Artista desconhecido, publicado por M. Darly Gravura sobre papel Yale Center for British Art, New Haven
290
Figura 32 Autorretrato, 1863 Edgar Degas Óleo sobre tela, 92,1 x 69 cm Museu Calouste Gulbenkian, Lisboa
291
Figura 33 Hilaire De Gas, 1857 Edgar Degas Óleo sobre tela, 53 x 41 cm Musée D´Orsay, Paris
292
Figura 34 Retrato de homem, chamado homem com luvas, c. 1520 Tiziano Vecellio, dito Ticiano Óleo sobre tela, 100 x 89 cm Louvre, Paris
293
Figura 35 Edouard Manet Emile Zola, 1868 Óleo sobre tela, 146.5 x 114 cm Musée d'Orsay, Paris
294
Figura 36 Edgar Degas Retratos na Bolsa de Valores, 1878-1879 Óleo sobre tela, 100 x 82 cm Musée d’Orsay, Paris
295
Figura 37
Edgar Degas Retrato de Edmond Duranty, 1879 Pastel e tempera, 100 x 100 cm Burrell collection, Glasgow
296
Figura 38 Edgar Degas Retrato de Edmond Duranty, 1879 Carvão sobre papel, 30,8 x 47,2 cm Metropolitan Museum, Nova York
297
Figura 39 Edgar Degas Fisionomias criminais, 1881 Pastel, 48 x 63 cm Coleção particular
298
Figura 40 Retrato de Manet, 1867 Henri Fantin-Latour Óleo sobre tela, 117,5 X 90 CM The Art Institute of Chicago, Chicago
299
Figura 41 Retrato de Antonin Proust, 1880 Édouard Manet’s óleo sobre tela, 129,5 x 50,9 cm Toledo Museum of Art, Toledo
300
Figura 42 Um Dândi desmaiando, 1818 Isaac Cruikshank Gravura sobre papel Chazen Museum of Art, University of Wiscosin-Madison
301
Figura 43 Aubrey Vincent Beardsley, 1895 Jacques-Émile Blanche Óleo sobre tela, 92,6 x 73,7 cm National Portrait Gallery, Londres
302
Figura 44 Sir Coleridge Kennard sentado no sofá, ou o Retrato de Dorian Gray, 1904 Óleo sobre tela, , 117 x 95 cm Coleção particular
303
Figura 45 Arranjo em Preto e Dourado: Conde Robert de Montesquiou-Fezensac, 1891-1892 James McNeill Whistler Óleo sobre tela, 208,6 x 91,8 cm Frick Collection, Nova York
304
Figura 46 Robert de Montesquiou Jacques-Émile Blanche Óleo sobre tela, 78 x 54 cm Coleção particular
305
Figura 47 O Conde Montesquiou, 1897 Giovanni Boldini Óleo sobre tela, 116 x 82,5 cm Musée d´Orsay, Paris
Figura 48 Retrato de Marcel Proust, 1892 Jacques-Émile Blanche Óleo sobre tela, 73,5 x 60,5 cm Musée d`Orsay, Paris
306
Figura 49 Jean Cocteau,1913 Jacques-Émile Blanche Óleo sobre tela, 205 x 111 cm Musée des Beaux Arts, Grenoble
307
Figura 50 Retrato de Charles Conder, 1904 Jacques-Émile Blanche Óleo sobre tela, 110,8 x 86,4 cm Tate Gallery, Londres
308
Figura 52 Sir Max Beerbohm, 1903 Jacques-Émile Blanche Óleo sobre tela, 100.8 cm 82.1 cm Ashmolean Museum - University of Oxford
309
Figura 53 Harley Granville-Barker, 1930 Jacques-Émile Blanche Óleo sobre tela, 103.8 106.4 cm National Portrait Gallery - London
310
Figura 54 Retrato de Georges Porto-Rich Jacques-Émile Blanche, 1889 Óleo sobre tela, 100 x 65 cm Coleção particular
311
Figura 55 André Gide e seus amigos no Café Mourisco da Exposição Universal de 1900, 1901 Jacques-Emile Blanche Óleo sobre tela, 156 x 220 cm Museu de Belas Artes de Rouen, Rouen
Figura 56 Jacques-Emile-Blanche Retrato de André Gide, , 1912 Óleo sobre tela, Musée des Beaux-Arts de Rouen, Rouen
312
Figura 57 James Tissot O círculo da Rua Royal, 1868 Óleo sobre tela, 174,5 x 280 cm Musée d'Orsay, Paris
313
Figura 58 Salão de 1914
Edgar Parreiras,
Moysés da Silva,
Miguel
Capllandi, Antonio Mattos, Pedro Bruno, Guttmann Bicho, Arthur Timótheo, J. B. Bordon, Aníbal Mattos, Adalberto Mattos e Jorge Lubre. Álbum de fotografias de artistas brasileiros e estrangeiros. Acervo da Biblioteca Nacional.
314
Figura 59 Salão de 1913 Archimedes Silva, Guttmann Bicho, Adalberto Mattos, Arthur Timótheo, Carlos Chambelland, Moreira Junior, Christophe, João Timótheo, Rodolpho Chambelland, Alvim Menge, Arnaldo de Carvalho, Nicolina Vaz de Assis, Rodolfo Pinto do Couto e Navarro da Costa. Álbum de fotografias de artistas brasileiros e estrangeiros. Acervo da Biblioteca Nacional.
315
Figura 60 Melencolia I, 1514 Albrecht Dürer Gravura, 24 x 18,5 cm Metropolitan Museum, Nova York
316
Figura 61 Retrato de Whistler, 1897 Paul Cesar Helleu Gravura sobre papel, 33,5 x 25,3 cm Freer Gallery, Washington D.C.
317
Figura 62
Constantin Guys Na rua, c. 1860 Óleo sobre tela,. 0.24 x 0.325 Musée d'Orsay, Paris
318
Figura 63
Arthur Timótheo e Helios Seelinger no atelier deste em Paris. Álbum de fotografias de
artistas brasileiros e estrangeiros. Acervo da Biblioteca Nacional.
319
Figura 64 Interior de Atelier, 1845 Octave Tassaert Öleo sobre tela, 46 x 38 cm Musée du Louvre, Paris
320
Figura 65 Rodolpho Chambelland pintando painel, hoje desaparecido
321
Figura 66 No ateliê, 1918 Arthur Timótheo da Costa Óleo sobre tela, 158 x 195 cm Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo
322
Figura 67 Pintor no atelier, Paris, França, 1910 Arthur Timótheo da Costa Óleo sobre tela, 36 x 55,30 cm Acervo Instituto Cultural Sérgio Fadel, Rio de Janeiro
323
Figura 68 Retrato do escultor Eduardo Sá, 1910 Arthur Timótheo da Costa
324
Óleo sobre tela, 176 x 106 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro
Figura 69
Arthur Timótheo em seu atelier, Rio de Janeiro, 1913. Álbum de fotografias de artistas
brasileiros e estrangeiros. Folha no. 125. Acervo da Biblioteca Nacional.
325
Figura 70 Bohemia, 1903 Helios Seelinger Óleo sobre tela, 103 x 189.5 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro
326
Figura 71 O Dia Seguinte, 1913 Arthur Timótheo Óleo sobre tela Coleção particular
327
Figura 72 Baile à fantasia, 1913 Rodolpho Chambelland Óleo sobre tela, 149 x 209 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro
328
Figura 73 O grupo do Leão, 1885 Columbano Bordalo Pinheiro Óleo sobre tela, 201 x0376 cm Museu do Chiado, Lisboa
329
Figura 74
Arthur Timótheo, Adalberto Mattos, Carlos Chambelland e Carlos Oswald no atelier de
gravura de Carlos Oswald, Rio de Janeiro, 1914. Álbum de fotografias de artistas brasileiros
e estrangeiros. Acervo da Biblioteca Nacional.
Figura 75 Carlos Chambelland Olhos Curiosos, 1906
330
Óleo sobre tela, 102 x 150 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro
Figura 76 Fim de Jogo, 1907 Carlos Chamberland Óleo sobre tela, 102 x 150 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro
331
Figura 77 Carlos Chambelland, 1913. Álbum de fotografias de artistas brasileiros e estrangeiros. Acervo da Biblioteca Nacional
Figura 78 Antônio Parreiras Fim de Romance , 1912 Óleo sobre tela, 97 x 185 cm Acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo
Figura 79 Rodolfo Amoedo A narração de Filectas, 1887 Óleo sobre tela, 249 x 307 cm Museu nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro
332
Figura 80 Comungantes, s.d. Carlos Chambelland Óleo sobre tela, 80 x 90 cm
333
Figura 81 Un dimanche, enfants de Marie, 1898 Henri Jules Guinier Óleo sobre tela, 200 x 283 cm Palais des Beaux-Arts de Lille, Lille
334
Figura 82 La Communiante, 1875 Jules Bastien-Lepage Óleo sobre tela, 53 x 37 cm Musée des Beaux-Arts Tournai, Tournai
335
Figura 83 Volta do Trabalho, s.d. Carlos Chambelland Óleo sobre tela, 95 x 150 cm Coleção particular
336
Figura 84 Devant la grande mer, côte basque Henri-Paul Royer Óleo sobre tela, 113 x 162 cm Coleção particular
337
Figura 85 Vieux paysan breton tenant son chapeau devant lui, s.d. Henri Jules Guinier Desenho sobre papel, 43 x 32 cm Musée du Louvre, Paris
338
Figura 86 Jovem com frutas, 1927 Carlos Chambelland Óleo sobre tela, 72,5 x 59 cm Coleção particular
339
Figura 87 Retrato de Oliveira Lima lendo, 1913256
256 Não foi possível localizar a pintura ou obter informações complementares
340
Carlos Chambelland
Figura 88 Caricatura de Oliveira Lima na edição de 2 de julho de 1910 da revista Careta
Figura 89 Gozando os rendimentos, 1893 José Malhoa Óleo sobre painel de madeira, 26,5 x 46 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro
341
Figura 90 Retrato de Louis-François Bertin, 1832 Jean-Auguste-Dominique Ingres Óleo sobre tela, 116 x 95 cm Museu do Louvre, Paris
342
Figura 91 Retrato do Dr. José Marianno Filho, 1912 Rodolpho Chambelland Óleo sobre tela
Figura 92 Retrato do Sr. C.P. Carlos Chambelland Óleo sobre tela
343
Figura 93 Arthur Timótheo da Costa Antes do Aleluia, 1907 Óleo sobre tela, 185,4 x 215,5 cm
344
Figura 94 Rodolfo Amoedo Jesus Cristo em Cafarnaum (estudo), 1885 Óleo sobre tela, 63 x 79 cm Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo
345
Figura 95 Carlos Chambelland Nu, 1927 Óleo sobre tela, 40 x 80 cm Coleção particular
346
Figura 96 Rodolfo Amoedo Estudo de Mulher, 1884 óleo sobre tela, 150,5 x 200 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro
347
Figura 97 Arthur Timótheo da Costa No Atelier de Lucílio, 1910
Óleo sobre tela, 25.8 41.3 cm Museu Antonio Parreiras
348
Figura 98 Amoedo, Rodolfo No Atelier, s.d. Óleo sobre tela, 48 x 64,5 cm Coleção Particular
349
Figura 99 Belmiro de Almeida Arrufos, 1887 Óleo sobre tela, 89,1 x 116,1 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro
350
Figura 100 Rodolfo Amoedo Retrato de Gonzaga Duque , 1888 óleo sobre tela, 50 x 40 cm Coleção Jones Bergamin
351
Figura 101 Eliseu Visconti Retrato de Gonzaga Duque, 1908 Óleo sobre tela, 92 x 51 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro
352
Figura 102 Retrato do intrépido marinheiro Simão, carvoeiro do vapor Pernambucana,1814 José Correia de Lima Óleo sobre tela, 92,5 x 72,3 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro
353
Figura 103 Rodolpho Bernardelli Retrato de André Pinto Rebouças Óleo sobre tela Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro
354
Figura 104 Antônio Pereira Rebouças, pai de André Rebouças
355
Figura 105 Os irmãos Antônio e André Rebouças
356
Figura 106 Retrato de André Rebouças
357
Figura 107 Fotografia do Maestro White
Figura 108 Rodolpho Bernardelli Busto do Maestro White, 1886 Bronze, 41 x 48 x 26 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro
358
Figura 109 Retrato de Belmiro de Almeida, pintor, Rio 1912
359
Figura 110 O Poeta Alberto de Oliveira, s.d. Belmiro de Almeida Óleo sobre madeira
Museu de arte de São Paulo, São Paulo
360
Figura 111 Príncipe Obá, 1886 Belmiro de Almeida Óleo sobre madeira, 24 x 15 cm Museu Afro Brasil, São Paulo
361
Figura 112 Dom Obá II D’África, 1887 Belmiro de Almeida Óleo sobre madeira, 24 x 15 cm Coleção particular
362
Figura 113 A quitandeira-grevista recorre à ajuda de Dom Obá II D’África, o Príncipe do Povo
363
Figura 114 Cândido da Fonseca em farda do Exército brasileiro
364
Figura 115 Retrato oficial de Dom Obá
365
Figura 117 Dandy Jim from Carolina, 1843 George Endicott Litografia Perkins Library, Duke University, Durham
366
Figura 118 Frederick Douglass, 1847 – 52 Samuel J. Miller Daguerreotipo, 14 x 10,6 cm The Art Institute of Chicago, Chicago
367
Figura 119 James Abbott McNeill Whistler Arranjo em cinza e preto no. 1, 1871 Óleo sobre tela, 144 x 163 cm Musée d´Orsay, Paris
368
Figura 120 James Abbott McNeill Whistler Arranjo em cinza e preto no. 2, 1872-1873 Óleo sobre tela, 171 x 143,5 cm Kelvingrove Art Gallery and Museum, Glasgow
369
Figura 121 Caipira pitando, 1906 Artur Timótheo da Costa óleo sobre tela, 31 x 43 cm Coleção particular
370
Figura 122 James Abbott McNeill Whistler L'homme à la pipe, c. 1859 Óleo sobre tela, 41 x 33 cm Musée d'Orsay, Paris
371
Figura 123 Cecilia Beaux [1855-1942] Les Derniers Jours d'Enfance, 1883-5 Óleo sobre tela, 116,2 x 137,2 cm Pennsylvania Academy of the Fine Arts, Philadelphia
372
Figura 124 Thomas Eakins Frank Jay St. John, 1900 Óleo sobre tela, 60.6 x 50.5 cm De Young Fine Arts Museum of San Francisco, São Francisco
373
Figura 125 Henry Ossawa Tanner Retrato da mãe do artista, 1897 Óleo sobre tela, 74,3 x 100,3 cm Philadelphia Museum of Art, Filadélfia
374
Figura 126 Thomas Eakins Portrait of Henry O. Tanner, 1897 Óleo sobre tela, 60,9 x 50,8 cm The Hyde Collection, Glen Falls
375
Figura 127 Henry Ossawa Tanner Bishop Benjamin Tucker Tanner, 1897 Óleo sobre tela The Baltimore Museum of Art, Baltimore
376
Figura 128 Thomas Hovenden Eu sabia que estava maduro, 1885 Óleo sobre tela, 55,7 x 40,3 cm Brooklyn Museum, Nova York
377
Figura 129 Thomas Hovenden Manhã de Domingo, (Interior Doméstico Negro), 1881 Óleo sobre tela, 46,4 x 39,4 cm Fine Arts Museums of San Francisco, São Francisco
378
Figura 130 Henry Ossawa Tanner A Aula de Banjo, 1893 Óleo sobre tela, 124,4 x 90,1 cm Hampton University Museum, Hampton
379
Figura 131 Henry Ossawa Tanner A Gratidão dos Pobres [The Thankful Poor] , 1894 Óleo sobre tela, 90,1 x 112,4 cm William H. and Camille O. Cosby
380
Figura 132 Thomas Eakins (1844–1916) Negro Boy Dancing, 1878 Aquarela sobre papel, 46 x 57.4 cm Metropolitan Museum of Art, Nova York
381
Figura 133 Henry Ossawa Tanner [1859-1937] Daniel na Cova dos Leões, 1907-18 Óleo sobre papel montado sobre tela, 104,4 x 126,8 cm Los Angeles County Museum of Art, Los Angeles
382
Figura 134 Hermann Dudley Murphy Henry Ossawa Tanner, 1891-96 Óleo sobre tela, 73 x 50,2 cm The Art Institute of Chicago, Chicago
383
Figura 135 Arranjo em cinza: Retrato do pintor, 1872 James Abbot McNeill Whistler Óleo sobre tela, Detroit Institute of Arts, Detroit
384
Figura 136 Retrato de Booker T. Washington 1917
Henry O. Tanner Óleo sobre tela State Historical Society of Iowa, Des Moines
385
Figuras 137, 138 e 139
386
Figura 140
387
Figura 141 Willy Covari, da série The Sapeur, 2008 Daniele Tamagni Fotografia sobre papel, 26 x 35 cm
388
Figura 145 Marrom e ouro, c.1895–1900 James Abbott McNeill Whistler Óleo sobre tela, 95.8 x 51.5 cm Hunterian Art Gallery, University of Glasgow
Figura 146 Pablo de Valladolid, c. 1635 Diego Rodríguez de Silva y Velázquez Óleo sobre tela, 209 cm x 123 cm Museo Nacional del Prado
389
Figura 147 Sinfonia em branco, No. 2: a pequena garota branca, 1864 James Abbott McNeill Whistler Óleo sobre tela, 76.5 x 51.1 cm Tate Gallery, Londres
390
Figura 148 Sinfonia em branco, No. 2: a pequena menina branca, 1861-2 James Abbott McNeill Whistler Óleo sobre tela, 215 cm × 108 cm National Gallery of Art, Washington, D.C.
Figura 149 Madre Pérola e Prata: a Andaluza, 1888-1900 James McNeill Whistler Óleo sobre tela, 191.5 x 89.8 cm National Gallery of Art, Washington
391
Figura 150 Miss M. Carey Thomas John Singer Sargent Óleo sobre tela, 96.5 x 147,3 cm Bryn Mawr College, Pensilvânia
Figura 151 Madame X (Madame Pierre Gautreau), 1883–84 John Singer Sargent Óleo sobre tela, 208.6 x 109.9 cm Metropolitan Museum, Nova York
392
Figura 152 Robert Louis Stevenson, 1887 John Singer Sargent Óleo sobre tela, 51 x 61,8 cm Metropolitan Museum of Art, Nova York
393
Figura 153 Thomas Eakins O violoncelista, 1897 Óleo sobre tela, 163.2 × 122.2 cm Coleção particular
394
Figura 154 Thomas Eakins The Writing Master, 1882 Óleo sobre tela, 76,2 x 87 cm Metropolitan Museum, Nova York
Figura 155 Thomas Eakins Salutat, 1898 Óleo sobre tela, 126,4 x 101,0 cm Addison Gallery of American Art, Andover
395
Figura 156 Thomas Eakins Retrato de Leslie W. Miller, 1901 Óleo sobre tela, 254,6 x 144,1 cm Philadelphia Museum of Art, Philadelphia
Figura 157 Thomas Eakins O pensador: Retrato de Louis N. Kenton, 1900 Óleo sobre tela, 208,3 x 106,7 Metropolitan Museum of Art, Nova York
396
Figura 158 Édouard Manet Retrato de Théodore Duret, 1868 Óleo sobre tela, 43 x 35 cm Petit Palais, Paris
Figura 159 James McNeill Whistler Arranjo em Cor de Pele e Preto: Retrato de Theodore Duret, 1883 Óleo sobre tela, 193,4 x 90.8 cm Metropolitan Museum of Art, Nova York
397
Figura 160 Velho e Novo em Utica, Mississipi, 6 de outubro, 1900
398
Figura 161 Estudantes da Roger Williams University, Nashville, Tennesse, 1899
399
Figura 162 Carpintaria da Claflin University, Orangeburg, South Carolina
400
Figura 163 Paul Laurence Dunbar
401
Figura 164 Orador e editor, Atlanta, Geórgia
Figura 165 Exposição American Negro
Figura 166 Homem afro-americano dando aula de piano para uma jovem mulher afro-americana
Figuras 167- 168
Figuras 169-170
Figuras 171 - 172
Figura 173 Du Bois em Paris, 1900