209
UESC Universidade Estadual de Santa Cruz Programa Regional de Pós-graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente Mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente REVELANDO A MARAMBAIA: UMA PRÁTICA PARTICIPATIVA DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL COM PEQUENOS PRODUTORES RURAIS NA APA COSTA DE ITACARÉ – SERRA GRANDE JÚLIA MARIA SANTANA SALOMÃO ILHÉUS, BAHIA 2001

Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

  • Upload
    lamtram

  • View
    228

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

UESC

Universidade Estadual de Santa Cruz Programa Regional de Pós-graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente

Mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente

REVELANDO A MARAMBAIA: UMA PRÁTICA PARTICIPATIVA DE EDUCAÇÃO

AMBIENTAL COM PEQUENOS PRODUTORES RURAIS NA APA COSTA DE ITACARÉ – SERRA GRANDE

JÚLIA MARIA SANTANA SALOMÃO

ILHÉUS, BAHIA

2001

Page 2: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

JÚLIA MARIA SANTANA SALOMÃO

REVELANDO A MARAMBAIA: UMA PRÁTICA PARTICIPATIVA DE EDUCAÇÃO

AMBIENTAL COM PEQUENOS PRODUTORES RURAIS NA APA COSTA DE ITACARÉ – SERRA GRANDE

Dissertação apresentada ao Programa Regional de Pós-graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente, Sub-programa Universidade Estadual de Santa Cruz, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente. Sub-área de concentração: Planejamento e Gestão Ambiental no Trópico Úmido

Orientadora: Profa. Dra. Denise César Homem d'El-Rey

ILHÉUS, BAHIA 2001

Page 3: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

MAPA 3 - ASSENTAMENTO MARAMBAIA: ZONEAMENTO CONFORME O PLANO DE MANEJO DA APA

Page 4: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

QUADRO 5 - IDENTIFICAÇÃO DE PROBLEMAS PELA COMUNIDADE DO ASSENTAMENTO MARAMBAIA PROBLEMAS CAUSAS SOLUÇÕES RESPONSÁVEIS Débito com o BNB

- Empréstimo para a plantação do coco

- Anistia do débito pelo INCRA; - Elaboração de Laudo Técnico para subsidiar a solicitação da Associação dos Parceleiros de Anistia do débito.

Associação dos Parceleiros da Marambaia; INCRA; BNB; CEPLAC; EBDA; COOTEBA/LUMIAR; EMBRAPA; UESC

Falta de Incentivo Agrícola para a sobrevivência da comunidade

- Ausência de um projeto de desenvolvimento para os pequenos produtores rurais - Ausência de assistência técnica - Falta de insumos agrícolas (adubo, sementes) - Falta de equipamentos agrícolas (arado, trator)

- Elaboração de projetos de cultivos agrícolas além da plantação de mandioca (feijão, pupunha, milho, amendoim, soja) - Produção de adubo orgânico - Criatório de animais de pequeno porte (peixe, galinha, codorna, porco, etc) -Hortas comunitárias e individuais - Eletrificação Rural - Ampliação do Viveiro de Mudas de espécies nativas, ornamentais e medicinais - Irrigação - Ecoturismo

Associação dos Parceleiros da Maramabaia; UESC; Grupos Ambientalistas (a exemplo do Jupará); IESB; CEPLAC; COELBA; BAHIAPESCA; BAHIATURSA/SUDETUR

Lixo - Destinação final do lixo da cidade de Itacaré (lixão a céu aberto) em lotes de parceleiros da Maramabaia pela Prefeitura Municipal.

- Contatar a Prefeitura para a suspensão da atividade - Elaboração de projetos de reaproveitamento de cascas de frutas, verduras, restos de alimentos para a compostagem e aplicação nas roças; fabricação de adubo orgânico e alimentação alternativa - Limpeza em forma de mutirão da área comunitária do assentamento e esclarecimento da disposição do lixo nos lotes dos parceleiros

Associação dos Parceleiros da Marambaia; Prefeitura Municipal de Itacaré; CEPLAC – EMARC; Grupos Ambientalistas; IESB/Programa de Educação Ambiental e Ecoturismo CRA; Voluntários

Falta de Incentivo à cultura local

- Falta de recursos financeiros - Falta de Instalações Físicas

- Construção de um espaço para funcionamento da Oficina Artesanal; - Definição de um Ponto de Comercialização dos produtos produzidos na Maramabaia (vassoura, xaxim com casca de coco, doces caseiros, farinha, beiju, artesanto de conchas e de casca de coco, etc)

Associação dos Parceleiros da Marambaia; CONTUR – Conselho de Turismo de Itacaré; CAR; BNB; Prefeitura Municipal; IESB

Page 5: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

1

1. INTRODUÇÃO

Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta pela sobrevivência por uma

comunidade rural – Assentamento de Reforma Agrária “Marambaia”, inserida na Área de

Proteção Ambiental – APA Costa de Itacaré-Serra Grande, no Estado da Bahia, cujo sistema

de trabalho predominante é a agricultura de subsistência familiar.

A pesquisa teve a intenção de compreender como os pequenos produtores rurais

(assentados) da Marambaia se relacionam com o meio ambiente, como percebem as

condições de uma Unidade de Conservação (APA) em seu ambiente de vida e de orientar a

busca de soluções para a melhoria da sua qualidade de vida.

O interesse pelo tema surgiu da experiência como socióloga, no exercício da prática

profissional no Centro de Recursos Ambientais – CRA, cujas funções são desenvolvidas na

APA Costa de Itacaré – Serra Grande, voltadas principalmente para ações de Educação

Ambiental, envolvendo diversos segmentos sociais na área de abrangência da APA. Das

preocupações surgidas sobre a necessidade de estimular a participação e mobilização das

comunidades para uma efetiva gestão participativa, consideramos relevante a realização de

uma pesquisa junto a um grupo localizado na APA, tendo como estudo de caso um

Assentamento de Reforma Agrária, situado próximo à cidade de Itacaré e que se insere na

referida APA.

Para tanto, optou-se pela adoção da pesquisa-ação, entendida como uma estratégia

metodológica da pesquisa social, pois, além da participação dos pesquisadores, condição

fundamental de investigação, quando os “pesquisadores não querem limitar suas

investigações aos aspectos acadêmicos e burocráticos da maioria das pesquisas

convencionais”, conforme colocado por THIOLLENT, 1995, buscou-se não apenas uma

intervenção conjunta na área, através de levantamento de dados, ou de relatórios destinados a

arquivo, mas, de uma relação de diálogo entre o pesquisador (saber científico) e os

pesquisados (saber popular) em todo processo da produção de um novo conhecimento, a

partir da prática coletiva e da aproximação da teoria e a prática.

Page 6: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

2

Consideramos que a pesquisa-ação se constitui, também, em uma das estratégias de

Educação Ambiental nos assentamentos de reforma agrária, pois, consiste em gerar na

comunidade um processo de auto-diagnóstico e de auto-transformação, com vistas não

somente a conscientização dos seus problemas, e do conhecimento de suas causas, mas do

levantamento de propostas e soluções para as necessárias mudanças.

Na aplicação desta metodologia de pesquisa-ação, a pesquisadora e os pesquisados

(assentados) exercem relevante papel enquanto seres ativos e participantes no processo de

mudança de percepção e na atitude dos assentados perante seus problemas ambientais, que de

certa forma influenciam nas suas condições de sobrevivência.

Por outro lado, a opção pela abordagem participativa permitirá o aumento de poder da

comunidade, uma espécie de empoderamento, através de um trabalho coletivo que se

constitui em grande parte das iniciativas, objetivos e interesses definidos pelos sujeitos

envolvidos no processo, bem como da sua competência e de reconhecimento, com direito à

voz, pelos representantes do poder no processo de tomada de decisões em relação às políticas

públicas relacionadas à conservação ambiental.

Através do aprendizado da relação entre o saber científico e o conhecimento empírico

que a pesquisa-ação estabelece, tornam-se capazes de não apenas discernir os reais objetivos

locais daqueles derivados da “falsa consciência” dos problemas e das suas soluções, como

também relacioná-los com os objetivos globais.

A presente pesquisa reflete a articulação entre o aprofundamento teórico adquirido

durante todo o curso de mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente e as

experiências práticas vivenciadas junto à comunidade rural da Marambaia.

Os objetivos propostos no Projeto de Dissertação foram: a) identificar o entendimento

dos sujeitos (pequenos produtores rurais) quanto ao seu papel na relação homem-natureza,

voltado para a minimização do processo de degradação dos recursos naturais no

Assentamento Marambaia; b) co-diagnosticar ambiente de vida in situ; c) definir ações

relacionadas aos problemas ambientais de sua comunidade que suscitem transformação; d)

compartilhar abordagens metodológicas participativas com os pequenos produtores rurais do

assentamento Marambaia, potencializando o saber popular e sua capacidade de ação, com

Page 7: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

3

vistas ao desenvolvimento de atividades alternativas e sustentáveis para a melhoria do seu

ambiente de vida; e) perceber o impacto do processo educativo nas mudanças de

compreensão dos problemas socio ambientais.

Para alcançar os objetivos pretendidos, elaboramos algumas questões que nortearam a

prática de Educação Ambiental na comunidade, quais sejam:

• Quais os aspectos sociais, econômicos e culturais da comunidade relacionados ao

ambiente de vida local?

• Como buscar soluções para a problemática do ambiente de vida tão dinâmica e

complexa aparentemente distanciada do cotidiano das pessoas?

• Como facilitar a percepção da situação de degradação da qualidade de vida e

possíveis alternativas de interações harmônicas entre a ação humana e o ambiente

vivido?

• Como conciliar a conservação dos recursos naturais e o desenvolvimento de

alternativas sustentáveis que garantam a geração de renda aos pequenos produtores

rurais do assentamento Marambaia?

• De que formas pode ser estimulada a participação e mobilização da comunidade em

torno da melhoria socio ambiental?

• De que forma a Educação Ambiental se constitui uma estratégia para viabilizar o

desenvolvimento sustentável nos assentamentos de reforma agrária?

Estas indagações são respondidas ao longo de todo o trabalho desenvolvido,

especialmente nos Capítulos “Conhecendo a Marambaia” e “Enfrentando dificuldades e

conquistando sonhos: uma prática participativa com pequenos produtores rurais".

Em que pese os requisitos de tempo exigidos pela metodologia de pesquisa-ação

escolhida, a viabilidade de se atingir os objetivos e as questões formuladas foi garantida pela

Page 8: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

4

dedicação integral ao trabalho, durante oito meses de convívio intenso, investigando,

observando, agindo e participando do cotidiano da comunidade.

Esta dissertação compreende cinco capítulos. O primeiro capítulo diz respeito aos

desafios para o desenvolvimento sustentável na agricultura de pequenos produtores rurais, a

partir: de uma análise de pontos polêmicos explicitados por alguns autores sobre

Ecodesenvolvimento e Desenvolvimento Sustentável; da relação Meio Ambiente e Reforma

Agrária, envolvendo correlações de força entre as atuais condições de vida dos assentados e a

necessidade do exercício da cidadania na luta pela melhoria da qualidade de vida, no

cotidiano de um assentamento rural.

O segundo capítulo aborda as bases filosóficas e teóricas da Educação Ambiental,

desde o histórico da trajetória da Educação Ambiental no mundo ao seu desdobramento no

Brasil; o papel dos movimentos sociais rurais e dos movimentos ambientalistas na busca pela

cidadania e pelo direito à vida; a importância da Educação Ambiental como instrumento de

cidadania; e a metodologia da pesquisa-ação como uma estratégia de educação ambiental nos

assentamentos de reforma agrária.

O terceiro capítulo refere-se à caracterização do ambiente de vida da Marambaia,

considerando que o conhecimento do ambiente natural e do ambiente construído do

assentamento Marambaia, bem como da sua inserção no Zoneamento Econômico e Ecológico

da APA, como sendo de fundamental importância para o contexto da investigação. Encerra a

visualização dos possíveis impactos sobre os modos de vida local e a necessidade de

envolvimento e incorporação do saber popular nos Planos de Manejo e na Gestão da APA,

como condição essencial para que este tipo de planejamento transforme-se em um real

instrumento de gestão do espaço e dos recursos naturais.

O quarto capítulo compreende a aplicação da metodologia utilizada, ou seja, a

pesquisa-ação, apresentando a prática participativa desenvolvida com os pequenos produtores

rurais da Marambaia, tendo como eixo a reflexão-ação entre os sujeitos envolvidos na

problemática em questão. A opção pela metodologia participativa está pautada em trabalho

específico para camadas populares, desenvolvido pelo Grupo de Estudos em Educação

Ambiental (GEA) da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, explicitado no artigo

“Uma Proposta Metodológica para Pesquisa em Educação Ambiental”, de ANDRADE e

Page 9: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

5

LOUREIRO e HOMEM d´El REY, 1993. O trabalho para fins de sistematização das

informações e organização do conhecimento apresenta uma organização básica para uma

ação prática e de pesquisa, adaptadas para a execução desta investigação A proposta

metodológica compreendeu seis fases que se interligam, estando muito mais vinculadas ao

próprio enfoque do que à cronologia, conforme comprovado por ANDRADE, 1993, em sua

pesquisa de Dissertação de Mestrado. A metodologia proposta deve ser entendida não como

uma seqüência rígida de procedimentos, mas como uma prática social. A prática social

vivenciada pelos sujeitos (pesquisadora e pesquisados), possibilitou mudanças nas

percepções dos parceleiros sobre os problemas socio ambientais da comunidade e na

necessidade do fortalecimento das ações comunitárias para a busca de alternativas

sustentáveis de transformação da realidade. As ações desenvolvidas foram consideradas

operacionalmente adequadas e viáveis, contribuindo para a conscientização, mobilização e

organização da comunidade, no sentido da melhoria do seu ambiente de vida. A aplicação da

Educação Ambiental conforme os pressupostos estabelecidos constitui um grande desafio.

Porém, enfrentando as dificuldades e conquistando sonhos, foi possível concretizar a prática

participativa com os pequenos produtores rurais da Marambaia, contribuindo, assim, para o

processo de construção da cidadania.

O quinto capítulo aborda as considerações finais da investigação, versando sobre uma

síntese dos principais aspectos identificados durante toda a trajetória desse estudo, que se

constituem em pontos de partida para a elaboração de projetos voltados para a agroecologia,

o turismo rural e ecológico, dentre outros, visando o planejamento integrado de

desenvolvimento sustentável na comunidade. Os resultados desta investigação apontam

diversos elementos que devem ser levados em consideração para se garantir uma proposta de

Educação Ambiental, através da prática participativa nos assentamentos de reforma agrária e

que, favorecendo a construção da cidadania, contribuam para a transformação do ambiente de

vida das comunidades rurais.

No conjunto, as abordagens resultam em uma contribuição para o conhecimento e a

prática de Educação Ambiental, aqui representados pelos pequenos produtores rurais do

Assentamento Marambaia, servindo como experiência para outros estudos e trabalhos de

caráter educativo e participativo. Como optou-se por uma vertente de trabalho mais baseada

numa vivência prática do que em questões teóricas, talvez haja uma lacuna a ser superada

para um maior aprofundamento de integração entre a teoria e a prática.

Page 10: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

6

Finalmente, esta dissertação apresenta-se não como um produto acabado, mas como

um ponto de partida ao debate e às discussões em torno da luta pela sobrevivência enfrentada

pelas comunidades rurais no seu ambiente de vida, onde a questão da sustentabilidade

ambiental x reforma agrária remete ao fato de que a participação dos pequenos produtores

rurais na conservação ambiental, nestes novos tempos, não deve se restringir à proibição de

desmatamento e de uso inadequado do solo, mas, sobretudo, à orientação e mobilização

coletiva para o uso de alternativas de manejo sustentável e de produção e renda, no sentido de

minimizar as pressões sociais sobre o uso dos recursos naturais e garantir a melhoria do seu

ambiente de vida.

Page 11: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

7

CAPÍTULO 1. DESAFIOS PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NA

AGRICULTURA DE PEQUENOS PRODUTORES RURAIS

“Reconectar-se com a teia da vida significa

construir, nutrir e educar comunidades

sustentáveis, nas quais podemos satisfazer

nossas aspirações e nossas necessidades sem

diminuir as chances das gerações futuras”.

F. Capra (1997)

A visão que tem acompanhado o homem ao longo do tempo é de que a natureza é

sempre pródiga e duradoura e que os recursos naturais são infinitos. Assim, ao longo do seu

processo histórico e civilizatório o homem vem cada vez mais vivendo num ambiente de vida

degradado e exaurido.

Com o objetivo de gerar riquezas, vem transformando florestas em campos

improdutivos, formando verdadeiros desertos, poluindo e degradando os recursos hídricos e

costeiros, extinguindo centenas de espécies animais e vegetais, destruindo e modificando o

ambiente, muitas vezes de forma irreversível.

Esta visão tem contribuído para que se perca a noção de harmonia e o olhar do ser

humano não é de ver a natureza como parte integrante de sua sobrevivência e evolução.

A análise da depredação e conservação dos recursos naturais requer a conjugação de

diversos “olhares” sobre a problemática ambiental, que nos dará a visão de conjunto, a visão

sistêmica da nossa realidade.

DUBOS, 1972, nos alerta para a necessidade da interrelação entre as ciências

ambientais e sociais, quando diz:

Page 12: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

8

“Tanto para as ciências relativas ao meio Ambiente quanto para as ciências sociais é imperiosa a necessidade de desenvolver métodos para o estudo de sistemas dinâmicos, porque os padrões das reações biológicas e psíquicas do homem se modificam tão rapidamente quanto os padrões sociais. Os sistemas ambientais não se desenvolvem ou funcionam no vácuo social. Podem atingir seus objetivos – melhorar a saúde e proporcionar felicidade – somente se forem adequados às necessidades e aos recursos da comunidade, bem como às condições especiais criadas pelo Meio Ambiente como um todo”.

A necessidade de interferir nestas relações torna-se explícita a partir do momento em

que se percebe que as transformações a partir da ação do homem sobre a natureza implicam

em prejuízos não só ao meio ambiente, mas, sobretudo ao ser humano.

1.1. ECODESENVOLVIMENTO E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

A relação entre desenvolvimento e meio ambiente constitui-se numa preocupação em

nível mundial. Exemplo disso é o documento intitulado “Nosso Futuro Comum”, 1988,

elaborado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, da Organização

das Nações Unidas – ONU, que propõe novas estratégias para a conservação do meio

ambiente e para o desenvolvimento. O documento aponta para a necessidade do

Desenvolvimento Sustentável, promovendo um processo de mudanças políticas na

exploração dos recursos naturais, na direção dos investimentos, na orientação do progresso

tecnológico e na modificação das instituições para adequá-las às necessidades presentes e

futuras.

Por outro lado, assinala que os órgãos econômicos devem ser responsáveis por suas

ações, zelar pelo meio ambiente afetado por suas decisões e fazer frente aos efeitos de um

desenvolvimento equivocado. Assinala, ainda, que a ineficiente ação administrativa no trato

da questão ambiental, está propiciando o surgimento de uma série de acontecimentos que

nada mais são do que a resposta da natureza a tantos desmandos cometidos ao ambiente, a

partir, sobretudo, da Revolução Industrial.

A definição das bases de sustentação de um possível estilo de desenvolvimento que

garanta a conservação do meio ambiente e a melhoria da qualidade de vida, vem sendo

discutida há alguns anos, tendo como marco o ano de 1972, a partir da I Conferência das

Nações Unidas sobre o Ambiente Humano. Nesta Conferência, os 113 países participantes se

Page 13: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

9

comprometeram a implementar ações de controle ambiental e de conscientização da

população, visando a melhoria da qualidade ambiental e da vida humana.

Após 20 anos, em 1992, realizou-se a II Conferência Mundial sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento, quando se reafirmou o conceito de desenvolvimento sustentável, definido

pelo Relatório Brundtand como:

“Aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades”.

O conceito de desenvolvimento sustentável se faz presente em todos os fóruns de

debates, documentos oficiais e publicações científicas, termo este que foi legitimado e

absorvido pela comunidade ambientalista após a Conferência da Rio-92. Porém julga-se que

houve uma evolução do conceito do Ecodesenvolvimento para o Desenvolvimento

Sustentável e que, portanto, as duas expressões poderiam ser consideradas e utilizadas como

sinônimos.

LAYRARGUES, 1977, contesta esta afirmativa e procura desmistificar o debate sobre

os estilos de desenvolvimento promovendo uma análise comparativa entre os princípios do

Ecodesenvolvimento e o do Desenvolvimento Sustentável, onde se percebe as diferenças

entre ambas.

Segundo o autor, o conceito de Ecodesenvolvimento, lançado por Maurice Strong em

junho de 1973, consistia na definição de um estilo de desenvolvimento adaptado às áreas

rurais do Terceiro Mundo, baseado na utilização criteriosa dos recursos locais, sem

comprometer o esgotamento da natureza, pois nestes locais ainda havia a possibilidade de tais

sociedades não se engajarem na ilusão do crescimento mimético (imitação do

desenvolvimento Norte-americano).

Na década de 80, o economista Ignacy Sachs citado por LEYRARGUES, 1997,

apropriando-se do termo Ecodesenvolvimento, o desenvolve conceitualmente, criando um

quadro de estratégias para o ecodesenvolvimento, partindo da premissa de que este modelo se

baseia em três princípios: eficiência econômica, justiça social e prudência ecológica. O

conceito de Ecodesenvolvimento “a satisfação das necessidades futuras” deve ser garantida,

Page 14: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

10

isto é, deve haver uma solidariedade diacrônica sem que, no entanto, se comprometa a

solidariedade sincrônica (que ocorre ao mesmo tempo) com a geração presente, já por demais

sacrificada pelas disparidades sociais da atualidade.

Para tornar este conceito operacional, destaca a necessidade de:

• Amplo conhecimento das culturas e dos ecossistemas, sobretudo em como as pessoas

se relacionam com o ambiente e como elas enfrentam seus dilemas cotidianos;

• Envolvimento dos cidadãos no planejamento das estratégias, pois eles são os maiores

conhecedores da realidade local.

Esclarece Sachs, In: LAYRARGUES, 1997, que o “ecodesenvolvimento é um estilo de

desenvolvimento que, em cada ecoregião, insiste nas soluções específicas de seus problemas

particulares, levando em conta os dados ecológicos, da mesma forma que os culturais, as

necessidades imediatas como também aquelas a longo prazo... Em vez de atribuir um espaço

excessivo à ajuda externa, dá um voto de confiança à capacidade das sociedades humanas

de identificar os seus problemas e de lhes dar soluções originais, ainda que se inspirando em

experiências alheias”. (p. 7)

Seguindo o raciocínio de Sachs, o autor acima citado, diz que devemos, então, para

implementar uma estratégia de desenvolvimento comprometida com a prudência ecológica e

justiça social “impor-nos voluntariamente um teto do consumo material, procurando

gratificação em esferas não-materiais da nossa vida e desse enfatizando a dimensão cultural

da natureza humana, ou ficaremos presos na corrida acelerada da aquisição de um número

cada vez maior de bens”. (p. 8)

Com relação ao conceito de Desenvolvimento Sustentável, o autor apresenta um relato

histórico, onde assinala que a Assembléia Geral da ONU, de 1983, criou a Comissão Mundial

sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, presidida por Gro Harlem Brundtland, cujo

relatório intitulado Nosso Futuro Comum tinha como objetivo:

• Propor estratégias ambientais de longo prazo para se obter um desenvolvimento

sustentável por volta do ano 2000 e daí em diante;

Page 15: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

11

• recomendar maneiras para que as preocupações com o meio ambiente se traduza em

maior cooperação entre os países em desenvolvimento e entre países em estágios

diferentes de desenvolvimento econômico e social e leve à consecução de objetivos

comuns e interligados que considerem as inter-relações de pessoas, recursos, meio

ambiente e desenvolvimento.

A premissa básica definida pela Comissão Brundtland é de que, independente da

existência de atores sociais implicados na responsabilidade da degradação ambiental, a busca

de soluções seria uma tarefa comum à toda humanidade; ou seja, a partir da já consolidada

constatação de que o planeta é um só e finito, existiriam preocupações e desafios comuns à

humanidade, que demandariam esforços também comuns a todos.

O autor afirma que “na tentativa de generalizar os fatos, esta premissa omite um

contexto histórico e cria o ‘homem abstrato’. Em consequência, retira o componente

ideológico da questão ambiental, que passa a ser considerada com uma certa dose de

ingenuidade e descompromissso, frente à falta de visibilidade do procedimento histórico que

gerou a crise ambiental. (LAYRARGUES, 1997)

O destaque do Relatório é sem dúvida a elaboração de um novo conceito. O autor

considera que “O conceito de desenvolvimento sustentável tem, é claro, limites – não limites

absolutos, mas limitações impostas pelo estágio atual da tecnologia e da organização social,

no tocante aos recursos ambientais, e pela capacidade da biosfera de absorver os efeitos da

atividade humana”.

Para a Comissão Mundial, a pobreza generalizada já não é inevitável. A pobreza não é

apenas um mal em si mesma, mas para haver um desenvolvimento sustentável é preciso

atender às necessidades básicas de todos e dar a todos a oportunidade de realizar suas

aspirações de uma vida melhor.

O Relatório Brundtland dá uma ênfase especial às conseqüências da pobreza sobre o meio

ambiente, quando afirma:

Page 16: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

12

“a pobreza é uma das principais causas e um dos principais efeitos dos problemas ambientais no mundo. Portanto, é inútil tentar abordar esses problemas sem uma perspectiva mais ampla, que englobe os fatores subjacentes à pobreza mundial e à desigualdade internacional”.

Tal idéia é rebatida por LAYRARGUES, 1997, ao considerar que a partir dessa

posição ocorre uma “intensa propaganda em torno do círculo vicioso da pobreza, com o

propósito de justificar a necessidade da continuidade do crescimento econômico e omitir o

peso da responsabilidade ambiental do consumo excessivo do Norte, a poluição da riqueza”.

Além disso, o autor verifica que esta idéia sugere a crença de que o crescimento

econômico pode continuar indefinidamente no mesmo ritmo, desde que ocorram mudanças

tecnológicas no sentido de tornar, sobretudo os insumos energéticos mais econômicos e

eficientes.

No entanto, diz o autor, que “por mais que as tecnologias modernas se adequem a

esta premissa, permanece a dúvida da possibilidade em ocorrer mudanças sociais e culturais

que acompanhem voluntariamente estas transformações, uma vez que uma das

características da sociedade industrial de consumo é justamente o desperdício”. (op. cit.).

Prosseguindo nas diferenças conceituais e ideológicas entre os dois conceitos, o autor,

diz:

• “Enquanto o Ecodesenvolvimento postula com relação à justiça social que seria necessário estabelecer um teto de consumo, com um nivelamento médio entre o Primeiro e o Terceiro Mundo, o Desenvolvimento Sustentável afirma que seria necessário estabelecer um piso de consumo, omitindo o peso da responsabilidade da poluição da riqueza.

• Enquanto o Ecodesenvolvimento reforça o perigo da crença ilimitada na tecnologia moderna e prioriza a criação de tecnologias endógenas, o Desenvolvimento Sustentável continua acreditando firmemente no potencial da tecnologia moderna e ainda propõe a transferência de tecnologia como critério de “ajuda” ao Terceiro Mundo.

• Enquanto o Ecodesenvolvimento coloca limites à livre atuação do mercado, o Desenvolvimento Sustentável afirma que a solução da crise ambiental virá com a instalação do mercado local na economia das sociedades modernas”. (p. 10)

O autor, após definir as principais diferenças entre os conceitos diz que “o

desenvolvimento sustentável assume claramente a postura de um projeto ecológico

Page 17: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

13

neoliberal, que sob o signo da reforma, produz a ilusão de vivermos um tempo de mudanças,

na aparente certeza de se tratar de um processo gradual que desembocará na

sustentabilidade sócio-ambiental”. (LAYRARGUES, 1997)

Reservadas as diferenças ideológicas e conceituais existentes entre o conceito de

Ecodesenvolvimento e Desenvolvimento Sustentável, para efeito desta pesquisa utilizaremos

o termo “Desenvolvimento Sustentável”, pois compreendemos que este vem sendo

popularizado a partir, sobretudo, da Rio-92, ganhando espaço nas discussões, debates e

estudos promovidos pelos diversos setores sociais.

Como diz SACHS, 2000, “Quer seja denominado ecodesenvolvimento ou

desenvolvimento sustentável, a abordagem fundamentada na harmonização de objetivos

sociais, ambientais e econômicos não se alterou desde o encontro de Estocolmo até as

conferências do Rio de Janeiro, e acredito que ainda é válida, na recomendação dos oito

critérios distintos de sustentabilidade parcial. (p. 54)

Os oito critérios de sustentabilidade citado por SACHS, 2000 são: Critério social, Critério

Cultural, Critério Ecológico, Critério Ambiental, Critério Econômico, Critério de Política

Nacional e Critério de Política Internacional.

O desafio do “Desenvolvimento Sustentável” nos países do “Terceiro Mundo” é uma

preocupação que está expressa no Relatório da Comissão de Desenvolvimento e Meio

Ambiente da América Latina e Caribe, elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento – PNUD e o Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, com a

colaboração da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe – CEPAL e do

programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA. O Relatório intitulado

“Nossa Própria Agenda”, 1990, enfatiza que:

“Em países como os nossos, onde a pobreza está estruturalmente ligada à escassez, um aspecto fundamental do desenvolvimento sustentável é a satisfação das necessidades básicas da população, sobretudo dos grupos de baixa renda. Ao contrário do que ocorre nas nações ricas, em nosso caso é conveniente, do ponto de vista ambiental, dar preferência a certos tipos de consumo. A satisfação das necessidades básicas, sobretudo alimentares, exige que demos atenção prioritária à formulação de políticas agrícolas que garantam um abastecimento adequado. Outras prioridades essenciais para o desenvolvimento sustentável na região são as políticas relativas à saúde, educação moradia, água potável, esgotos e coleta e eliminação de resíduos”. (p. 115)

Page 18: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

14

Alerta, ainda, o Relatório que “tampouco será possível o desenvolvimento sustentável

sem uma verdadeira democracia. Se não conseguirmos desenvolver um tipo de democracia

que possibilite maior participação da sociedade e se não conseguirmos modernizar a

estrutura obsoleta de nossos governos a fim de torná-los mais eficientes, será impossível

remover os entraves ao desenvolvimento viável em termos econômicos, sociais e

ecológicos”. (p. 116)

A Comissão da América Latina e Caribe entende o desenvolvimento sustentável

como:

“um processo de mudança social em que a exploração dos recursos, as opções de investimento, o progresso tecnológico e as reformas institucionais se realizam de maneira coordenada, ampliando as atuais e futuras possibilidades de satisfazer as necessidades e aspirações humanas”.

Para tanto, considera que o grande desafio para o desenvolvimento sustentável é

definir o conceito “de qualidade de vida para nós mesmos, baseado sobretudo em tecnologias

que sejam compatíveis com nossos ecossistemas e condições sócio-culturais, que satisfaçam

as necessidades de nosso povo”. (NOSSA PRÓPRIA AGENDA, 1990).

Em se falando de qualidade de vida e meio ambiente, COIMBRA, 1985, apresenta

uma definição descritiva de qualidade de vida, entendendo que “à medida que o Homem

opera mudanças sobre a Natureza, ele é simultaneamente modificado por ela. Por

conseguinte, cada um dos termos dessa relação tem sua participação peculiar nos

procedimentos de que resultarão os índices de qualidade de vida”. Desse modo, qualidade de

vida para o autor é:

“a somatória de todos os fatores positivos, ou ao menos de parte significativa dos mesmos, que determinado meio reúne para a vida humana em conseqüência da integração Sociedade-Meio Ambiente, e que atinge a vida como fato biológico, de modo a atender às suas necessidades somáticas e psíquicas, assegurando índices adequados ao nível qualitativo da vida que leva e do meio que a envolve”.

A melhoria da qualidade de vida é uma meta a ser alcançada com o desenvolvimento

sustentável e para seu alcance nos países da América Latina e Caribe, a Comissão estabelece

as diretrizes necessárias para a formulação das estratégias, quais sejam:

- erradicação da pobreza

- uso sustentado dos recursos naturais

Page 19: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

15

- zoneamento agroecológico

- desenvolvimento tecnológico compatível com a realidade social e natural

- uma nova estratégia econômico-social

- organização e mobilização social

- reforma governamental.

Ao propor estas diretrizes, a Comissão para a América Latina e Caribe, reconhece que se

deve atacar simultaneamente todas as faces do problema, isto é, as diretrizes da estratégia são

interrelacionadas e se reforçam mutuamente.

Por exemplo, coloca a Comissão, que “Será extremamente difícil, racionalizar a gestão

dos recursos enquanto a maioria da população continuar vivendo em condições de pobreza

extrema. Por outro lado, para corrigir tal situação será preciso adotar novas estratégias

econômico-sociais que também afetarão a maneira pela qual utilizamos os nossos recursos.

Analogamente, na batalha contra a pobreza teremos de organizar e mobilizar a sociedade para

atingir esta meta. Igualmente importantes será, é claro as reformas para democratizar os

governos”. (NOSSA PRÓPRIA AGENDA, 1990).

Assim, conforme análise da Comissão, enquanto quase metade da população continuar

vivendo em estado de extrema pobreza, não haverá o desenvolvimento sustentável na

América Latina e Caribe. Reconhece que o desenvolvimento humano e a utilização racional

dos recursos naturais se constituem no ponto central da estratégia para a viabilização do

desenvolvimento sustentável. O combate a pobreza como ponto focal deve ser um “legítimo

objetivo nacional tanto do estado quanto para a sociedade de um modo geral”. (op. cit.)

Com relação ao desenvolvimento humano, a estratégia definida para a eliminação da

pobreza está pautada em dois componentes, o econômico e o social.

O componente econômico de combate a pobreza, segundo o Relatório da Comissão,

envolve medidas para que alcance os seguintes objetivos :

• recuperar o crescimento econômico.

Page 20: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

16

• priorizar e reestruturar os recursos e atividades no interesses dos pobres e proteger as necessidades básicas dos grupos economicamente vulneráveis em benefício do crescimento econômico.

• reestruturar o setor produtivo para ajudar a gerar a renda e emprego e a aumentar a produção de pequena escala, sobretudo dos pequenos agricultores e empresários engajados em atividades industriais e de serviços no setor informal,

• aumentar a equidade e a eficiência da estrutura social reformulando os gastos públicos, a fim de dar prioridade aos serviços básicos que custam pouco e têm forte efeito multiplicador”. (op.cit).

Já o componente social, envolve os seguintes aspectos:

• a redistribuição da renda através da prestação de serviços eficientes à população de baixa renda (saúde, educação e sistema previdenciário capaz de proteger todos os segmentos da população em casos de desemprego, invalidez, aposentadoria, acidentes, etc.)

• na área sanitária, desenvolver programas de medicina preventiva e de primeiros socorros, juntamente com organizações comunitárias entre os segmentos de baixa renda.

• o aumento do nível de renda das populações desprivilegiadas passa pela ampliação do sistema de ensino para atender a toda a população, pela criação de programas de formação profissional para aumentar a produção e a produtividade, bem como de programas de educação ambiental.

• a necessidade de melhorar as condições das áreas residenciais de baixa renda. (op.cit.)

Nos termos do Relatório da comissão, a utilização racional dos recursos naturais

constitui-se em uma estratégia para superar a estagnação. Contudo, consta do Relatório que

“a relação entre a sociedade e a natureza é tão complexa que, além dos fatores que

influenciam direta ou indiretamente a maneira como são utilizados os recursos naturais, a

degradação desses recursos reflete realidades econômicas e sociais que não podem ser

ignoradas”. (op. cit.).

Dentre as atividades produtivas na batalha contra a pobreza, para melhorar a qualidade

de vida da população e atingir o desenvolvimento sustentável, o Relatório aponta “a

agricultura e a pecuária”, pois são estas atividades que mais causam danos ecológicos na

região. Aponta que atualmente as maiores ameaças aos nossos principais ecossistemas são: o

desmatamento para aumentar as áreas cultivadas ou extrair madeira; a erosão do solo e a

diminuição da fertilidade causada por técnicas de cultivo inadequadas; a poluição das águas

pelo agrotóxicos; a desertificação progressiva das terras mais áridas, causada pelo pastoreio

excessivo e técnicas impróprias de plantio e a salinização do solo nas zonas de irrigação”.

Page 21: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

17

Para tanto, recomenda como estratégias: aumento da produtividade agrícola, introdução

de técnicas ecológicas prudentes na agricultura e coerência com outras políticas de

desenvolvimento.

Cabe mencionar que, com relação à formulação e implementação de políticas

econômicas, é importante, no Relatório, a modificação do papel do Estado para que se

possibilite o desenvolvimento sustentável na agricultura, ressaltando-se atenção especial à

necessidade de distribuição eqüitativa dos meios de produção e dos produtos agrícolas. Sob

este aspecto, reconhece a importância das políticas de reforma agrária para prover terra e

assistência técnica a todos os agricultores.

Evidentemente, a concentração de grandes propriedades rurais nos países da América

Latina e Caribe e, no Brasil, é reconhecidamente alta. Porém, mesmo em países “onde houver

distribuição de terras, os agricultores não têm influência sobre os preços, os insumos e a

tecnologia, nem acesso aos mercados”. Reconhece o Relatório que “certos programas de

distribuição de terras até mesmo estimulam a destruição das florestas”. (op. cit.).

Em se tratando de reforma agrária, o Relatório reconhecendo as dificuldades para a

utilização sustentável dos recursos naturais nestas áreas, aponta que “a reforma agrária pode

adaptar-se às características específicas de cada ecossistema, à atual ou futura organização

social ou às necessidades e aspirações dos beneficiários. Para tanto, recomenda que os

governos assumam a tarefa de promover os projetos de desenvolvimento sustentável através

de cooperativas ou empreendimentos agrícolas que utilizem tecnologias compatíveis com os

ecossistemas e os métodos de cultivo. (op. cit.)

Neste particular, cabe mencionar a Agenda 21, documento aprovado pela RIO-92, que

estabelece um pacto pela mudança de estilo de desenvolvimento global para o século XXI.

A Agenda 21 brasileira selecionou seis áreas temáticas de problemática sócio-ambiental,

a saber: agricultura sustentável, cidades sustentáveis, infra-estrutura regional, gestão dos

recursos naturais, redução das desigualdades sociais e ciência e tecnologia para o

desenvolvimento sustentável.

Page 22: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

18

Estes temas, a partir dos debates realizados com diversos segmentos sociais de todas

regiões do Brasil, resultaram em documentos específicos onde estão expressas as principais

estratégias concebidas em nível nacional. Aprofundando a participação da sociedade na

elaboração da Agenda 21 brasileira, estão sendo realizadas reuniões regionais pautadas nestes

documentos preliminares para o aperfeiçoamento da mesma.

Destacando o documento “Agricultura Sustentável”, um dos temas de interesse desta

pesquisa, apresentamos as principais estratégias definidas para o domínio da Mata Atlântica e

das florestas e campos meridionais, que, em virtude do contexto desta investigação estão

situados em áreas remanescentes de Mata Atlântica do Sul da Bahia, onde se localiza o

Assentamento de Reforma Agrária “Marambaia”, por sua vez inserido na APA Costa de

Itacaré – Serra Grande.

Segundo o documento intitulado “Agricultura Sustentável”, a proposta estratégica

definida para Mata Atlântica, florestas e campos meridionais está baseada no

“estabelecimento de pactos territoriais orientados para a promoção da agricultura sustentável,

tendo como princípio a criação ou o fortalecimento de mecanismos participativos de

planejamento e de gestão ambiental, tendo como unidade preferencial as bacias

hidrográficas”. (Agricultura sustentável, MMA, 2000).

As estratégias gerais devem ser confrontadas com as características socio ambientais de

cada agroecossistema que exigem soluções específicas definidas localmente.

A Agenda 21 brasileira entende o pacto territorial para a agricultura sustentável, como

uma articulação de esforços em áreas de interesses comum (saúde, educação, conservação

ambiental) e do estabelecimento de compromissos com ações coletivas.

Segundo o documento, “em 1997, das cerca de 14 milhões de pessoas residentes no meio

rural, 4 milhões exercem atividades não agrícolas tais como, prestação de serviços, com

destaque para empregos domésticos, serviços sociais, ensino de primeiro grau, comércio de

mercadorias, indústria de transformação e da construção civil”. (op. cit.).

A partir da análise sobre as experiências já existentes na região da Mata Atlântica e das

Florestas e Campos Meridionais, que se basearam nos mecanismos de participação da

Page 23: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

19

sociedade nas discussões e na execução de políticas públicas, o documento destaca as

criações dos Comitês de Gestão de Microbacias Hidrográficas, em torno das quais, os

agricultores da Região Sul, se organizaram, mudaram suas condutas produtivas e também

receberam recursos públicos subsidiados. O fato resultou em mudança nos problemas

ambientais da região, a exemplo de erosão dos solos e o despejo nos rios dos dejetos de

animais. Os estados mencionados, onde se consolidaram estas experiências de sucesso foram

Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

O documento aponta, também, as experiências de articulação entre órgãos

governamentais, agricultores, sindicatos e ONG´s que foram desenvolvidas em Minas Gerais,

no processo de criação do Parque Nacional da Serra do Brigadeiro, onde o zoneamento prevê

a permanência de milhares de moradores no entorno do parque e a conservação dos recursos

naturais. Além da experiência em São Paulo, de instalação de vinte comitês de bacias

hidrográficas com o envolvimento do governo e da sociedade civil na gestão dos recursos

hídricos e nos caminhos para o desenvolvimento local. (op. cit.).

Com base nestas experiências, recomenda a necessidade de se fortalecer e disseminar

estas experiências por outras regiões do país. Porém, coloca que o foco das intervenções deve

ser o envolvimento dos agricultores, pois sua participação em todas as etapas de

planejamento é que vai garantir a sustentabilidade agrícola.

Convém ressaltar uma indicação feita pelo documento, com relação à viabilização do

desenvolvimento sustentável no meio rural:

“Diante dos desafios que a transição a uma agricultura sustentável abrange, a Agenda 21 brasileira considera fundamental que todas as instâncias de formação – o ensino formal, a capacitação profissional e a assistência técnica – sejam permeadas pelos princípios da educação ambiental, nas mais variadas implicações práticas atreladas a este conceito”.

Porém, alerta o documento para o fato de que “a participação ativa das organizações

sociais do campo – diretamente atrelador ao fortalecimento da agricultura familiar – não é,

por certo, o único ingrediente ao desenvolvimento de pactos territoriais voltados à

agricultura sustentável”.

Page 24: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

20

Há que se investir também na geração de novos conhecimentos e novas tecnologias

voltadas para a sustentabilidade da agricultura, onde as áreas de reforma agrária também

devem ser contempladas, tendo como princípio a participação dos assentados (pequenos

produtores rurais) em todo o processo.

Na tentativa de colocar em prática o conceito de desenvolvimento sustentável no meio

rural, algumas iniciativas vêm sendo implementadas. Dentre estas, destaca-se a do

Movimento Sindical de Trabalhadores Rurais, que através da Confederação Nacional dos

Trabalhadores na Agricultura – CONTAG, em seu Programa de Formação de Dirigentes e

Técnicos em Desenvolvimento Local baseado na Agricultura Familiar (1977), demonstra o

interesse do movimento em estabelecer um processo interativo com os demais setores da

sociedade para juntos construírem um projeto que assegure o bem-estar coletivo, ou seja, o

Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável. Reconhece a executiva da

CONTAG que “para a implantação, avanço e consolidação desse projeto é fundamental

estabelecer um amplo processo de alianças, buscando o apoio dos demais movimentos e

organizações da sociedade civil, técnicos e intelectuais”.

Para tanto, define o desenvolvimento sustentável como:

“Um processo de mudança e elevação das oportunidades sociais que compatibilize o crescimento econômico, a conservação dos recursos naturais e a igualdade social”.

Considera, ainda, que “o grande desafio colocado para administrações

comprometidas com a melhoria das condições de vida da população e com a democratização

do governo, e para os movimentos sociais, é o de garantir a construção de políticas públicas

de desenvolvimento que consigam articular o projeto local com o projeto global. Mas que,

sobretudo garantam processos participativos com democracia, transparência e controle

social, equidade e redistribuição, eficácia e eficiência”. (CONTAG, 1997).

Portanto, este novo projeto de desenvolvimento sustentável no meio rural deverá

garantir a ampliação da cidadania e da organização social, a sustentabilidade dos recursos e

da vida, através da geração de emprego e renda. Pois, como expressa a CONTAG, 1997,

“Sem a ampliação das oportunidades de renda no meio rural, qualquer proposta de

desenvolvimento sustentável global estará fadada ao fracasso”.

Page 25: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

21

Compreende a CONTAG, 1997, que a Reforma Agrária constitui em uma das “vigas-

mestras” para que sejam alcançados os objetivos do Projeto Alternativo de Desenvolvimento

Rural Sustentável, pois “desprezar o campo, sonegar-lhe políticas públicas adequadas ao seu

progresso significa perenizar os cinturões de miséria que hoje envolvem os centros urbanos e

impactam de forma nefasta no exercício da cidadania, tanto daqueles que vivem no campo

quanto dos que moram nas cidades”.

1.2. MEIO AMBIENTE E REFORMA AGRÁRIA

A utilização dos recursos naturais para atividades econômicas na agricultura tem sido

objeto de avaliação permanente das entidades civis quanto aos efeitos danosos, por vezes

irreversíveis ao meio ambiente e, conseqüentemente ao ser humano. Rios e riachos são

assoreados em conseqüência dos desmatamentos das matas ciliares; áreas extensas planas e

de encostas são degradadas com os desmatamentos da mata nativa para a implantação de

atividades agrícolas e de pecuária.

A reforma agrária hoje no Brasil é acusada como um dos “vilões” da degradação

ambiental. É certo que não se pode aceitar tal acusação com a ênfase que a ela tem sido

atribuída, contudo, é preciso analisar o nível de preocupação que os responsáveis pela

implantação dos projetos de reforma agrária tem dispensado às questões ambientais. Por

outro lado, deve-se também analisar os riscos ambientais da agricultura que são provocados

não só pelos pequenos produtores rurais, mas sobretudo, pelos grandes proprietários de terra.

Como bem enfatiza TREVIZAN, 2000, ao considerar “que grandes e pequenos

produtores representam igualmente riscos ambientais, por razões diferentes”.

Os riscos ambientais, apontados pelo autor, ocorrem pelos seguintes fatores:

- “Desejo de acumular rapidamente; - Necessidade de sobrevivência; - Desconhecimento das reações que os componentes ambientais desenvolvem, em

função da interação que estabelecem entre si (Inclui-se o elemento humano como um dos componentes ambientais)”. (op. cit.)

Page 26: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

22

Estes fatores influem de maneira diversa no uso da terra. De um lado, os grandes

produtores com a utilização da tecnologia convencional, através da mecanização e do uso

abusivo de agrotóxicos que garanta a acumulação de capital em curto espaço de tempo,

promovem a degradação do solo e o desmatamento em larga escala. De outro, os pequenos

produtores que promovem a degradação em virtude da má combinação de cultivos e do

manejo inadequado do solo. (TREVIZAN, 2000).

O autor, fazendo uma comparação entre os dois tipos de agressão ambiental provocada

pelos grandes e pequenos produtores rurais, conclui que:

“Infelizmente, sistemas de cultivos com intensa mecanização, do plantio à colheita, próprios de sistemas capitalizados, dificultam a opção por sistemas que combinem uso intenso do solo com sustentabilidade do mesmo. Assim, o uso intensivo de recursos, prática comum dos pequenos produtores, não representa, necessariamente, maior risco ambiental; ao contrário pode tornar-se um mecanismo de maior conservação. Exige-se, porém, investimento em pesquisa adequada às necessidades dos pequenos produtores e viabilizar a eles acesso à informação”. (op.cit.).

Porém, consideramos importante não só possibilitar o acesso à informação aos

pequenos produtores rurais (assentados), mas envolvê-los em todo processo de pesquisa para

que as alternativas sustentáveis na agricultura familiar estejam embasadas também no seu

saber empírico, ou seja, estabelecer uma relação dialógica entre os técnicos e os assentados,

onde os técnicos assumam o papel de assessores-comunicadores, facilitadores. Para isso,

torna-se importante fortalecer os já existentes sistemas alternativos de formação e reeducação

de técnicos para o trabalho em áreas de assentamento de reforma agrária, desenvolvidos pelos

movimentos sociais rurais, ONG´s e outras instituições civis.

Na Bahia, dados estatísticos estimam que são mais de 300 mil hectares de terra já em

uso por pequenos produtores em áreas de reforma agrária.

Técnicas adequadas de manejo do solo, definição de áreas de reserva florestal,

manutenção das matas ciliares, florestamento e reflorestamento, notadamente com espécies

nativas, recuperação de áreas degradadas são algumas atitudes que podem ser tomadas

visando a compatibilização da conservação ambiental e a produção agrícola em áreas de

reforma agrária. Porém, a experiência tem demonstrado o contrário. Só ultimamente é que se

observa uma tímida preocupação do INCRA (órgão responsável pela implantação da reforma

Page 27: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

23

agrária no Brasil) em inserir a questão ambiental no processo de desapropriação de áreas

agrícolas para o assentamento.

Compreende-se a dificuldade de em geral adotar medidas preventivas, uma vez que os

assentamentos muitas vezes se efetivam antes da emissão de posse com a utilização da área

pelos ocupantes, bem como, a maioria das áreas destinadas à Reforma Agrária sofrem

degradação pela ação criminosa dos que detinham as propriedades da terra antes e durante o

processo desapropriatório.

Ocorre, também, que na tentativa de se tornar considerada “propriedade produtiva” e.

dessa maneira não se configurar como passível de desapropriação para efeitos de reforma

agrária, têm ocorridos desmatamentos em extensas áreas provocados pelos grandes

proprietários.

Entretanto, a Constituição Federal de 1988, ao fixar norma a respeito da função social

da propriedade, no seu art. 186 afirma que esta função é evocada, quando, entre outros

requisitos seja observado o “aproveitamento racional e adequado e, a utilização adequada

dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente”.

A preocupação com a proteção ambiental nos programas de reforma agrária remonta o

Estatuto da Terra (Lei nº 4.504 de 30/11/64), que afirma que uma propriedade desempenha

sua função, entre outras questões, quando “assegura a conservação dos recursos naturais”

(inciso c, parágrafo 1º, art. 2º), e ainda estabelece que a desapropriação por interesse social

tem por fim, também, “efetuar obras de renovação, melhoria e valorização dos recursos

naturais” (inciso F, art. 18). O Estatuto da Terra ainda condiciona que nas propriedades

desapropriadas deve-se destinar áreas para reflorestamento ou para a conservação de reservas

florestais, assim como preservar ecossistemas considerados de preservação permanente como

as encostas íngremes, as matas ciliares, as nascentes de rios, etc.

Porém, por falta de orientação técnica por parte dos órgãos competentes, os

assentados pela necessidade de sobrevivência desencadeiam um processo de degradação dos

recursos naturais disponíveis. Em algumas situações a ocupação se dá em encostas íngremes

com plantio de culturas com pequena capacidade de proteção do solo, a exemplo da

mandioca, com o uso frequente de queimadas.

Page 28: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

24

FLECK, 1986, observa que “Os assentamentos, ressalvadas situações específicas de

solo, clima. Condições de produção agrícola, organização dos trabalhadores rurais,

situações dos governos estaduais, etc., têm em comum, com raríssimas exceções, condições

precárias em relação: a) à localização em terras de baixa fertilidade; b) ao atendimento

precário por parte dos governos estaduais e federal no que tange às condições gerais para

seu desenvolvimento, como infra-estrutura básica para a produção agrícola e condições

gerais de saúde, habitação, educação, lazer, etc. É como dizem os próprios assentados:

‘Parece que fazem tudo para não dar certo’.”

Tendo este referencial, citamos TREVIZAN, 2000, onde analisa que para se

dimensionar os riscos ambientais em assentamentos de reforma agrária, deve-se levar em

consideração diversas questões para se definir as condições possíveis de degradação ou

conservação ambiental, considerando a diferença no processo de ocupação a partir da ação do

Movimento organizado e a ação de pequenos produtores de forma individualizada e

desorganizada.

Para tanto, propõe o autor:

a) “Uma análise dos riscos decorrentes do Movimento propriamente dito - deve-se considerar a filosofia

e ideais que orientam o Movimento e a concepção da relação homem – natureza nele existentes; b) Uma análise das características específicas do assentamento – é importante considerar, além dos

projetos, as características físicas (topografia, solo), características históricas do mesmo, o processo de tomada de decisão dentro do assentamento e os projetos propostos para o assentamento;

c) Uma análise dos riscos devidos às características pessoais dos assentados, independente do

movimento – identificar as condições sociais de cada assentamento (nível de escolaridade, procedência rural/urbana, experiência profissional do assentado e as relações institucionais do assentado). (op. cit.)

TREVIZAN e ALGER, 2000, a partir do estudo de casos desenvolvidos em

assentamentos de sem-terra, no sul da Bahia, estabelecem uma comparação entre os grupos

de assentados vinculados ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra – MST com os

grupos de assentados denominados independentes, concluindo “que os grupos desvinculados

de movimentos organizados estão mais expostos a riscos de degradação do seu

ecossistema”.

Page 29: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

25

Desse modo, afirmam que “os movimentos sociais de luta pela terra desempenham, na

verdade, importante papel para a sustentabilidade de um ecossistema, particularmente no

que se refere aos aspectos sociais, econômicos e naturais, representando substancial

contribuição para a sociedade”. (op. cit.).

Portanto, como diz GEHLEN, 1986, o assentamento de reforma agrária “é a escola em

que todos participam. Ela vitaliza as relações sociais, de trabalho, de lazer, de troca, etc.

Constitui-se num espaço de (re) unificação do saber experimental (prática) com o saber

elaborado, técnico-científico (teórico). Cria as condições para uma relação fértil, geradora de

um saber renovado e de novas relações, articulando e cimentando a união que se materializa

em formas específicas de organização”.

Sendo uma “escola”, os desafios colocados para a viabilização do desenvolvimento

sustentável nos assentamentos de reforma agrária passa também pela compreensão dos

diversos aspectos que interferem na relação meio ambiente – reforma agrária que

compreende a dimensão ética, social, econômica, política, cultural, físico-natural, enfim, uma

análise holística da realidade.

No entanto, não basta somente conhecer e compreender, é necessário também querer

fazer, ou seja, reconhecer os problemas e promover as mudanças em benefício dos

assentados, buscando a participação e o aumento do nível de organização das pessoas

envolvidas no processo, para que elas mesmas promovam as transformações necessárias. É

um processo de “auto-conhecimento, auto-organização e auto-transformação”, garantindo a

autonomia dos sujeitos.

Compreendendo a idéia de “holos” (KOESTLES, 1978), in SANTOURIS (1991),

HOMEM D´EL REY, 1996, afirma:

“O homem é um ser vivo da natureza, parte do “holos” – cada todo da natureza; um todo feito de suas partes, ainda que ele mesmo seja parte de um todo maior, que por sua cultura estabelece relações interdependentes em todas as suas atividades e com isso constrói seu ambiente de vida”.

A participação dos pequenos produtores rurais (assentados) assume um caráter de

resgate da cidadania, onde o empoderamento dos assentados constitui uma condição essencial

Page 30: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

26

para que a sua voz seja ouvida e reconhecida pelos técnicos e pelos representantes do

governo no processo de tomada de decisões em relação às políticas públicas voltadas para a

sustentabilidade sócio-ambiental. E sem sombra de dúvida, propostas dos movimentos sociais

rurais e dos assentados para isto não faltam.

O fortalecimento das ações comunitárias dos pequenos produtores rurais (assentados)

é uma das garantias também para que eles superem o anacronismo das relações sócio-

ambientais de produção agrária vigentes.

O sucesso de viabilização do desenvolvimento sustentável em assentamentos de

reforma agrária do ponto de vista dos interesses populares está condicionado à participação

enquanto conquista de espaço e poder. (GEHLEN, 1986).

E esta participação deve se dá dentro de um movimento social ou nas formas de

organizações coletivas (Associações, Cooperativas, etc), de um projeto sócio-político como

estratégia de um projeto alternativo que garanta a autonomia de decisão dos assentados com

relação à construção de um novo projeto para o campo e em áreas de reforma agrária, que

tenha como modelo a agricultura familiar sustentável.

Para a construção desse novo projeto de agricultura familiar sustentável, vários

desafios precisam ser superados desde os desafios exógenos até os desafios endógenos que

influem no ambiente de vida das comunidades de pequenos produtores rurais.

Conforme aponta a CONTAG, 1997, ao analisar o modelo de desenvolvimento rural

no Brasil que de 1950 a 1980 modernizou a agricultura com grandes complexos agro-

industriais, através de créditos subsidiado realizou-se grandes investimentos baseados em

novas tecnologias (mecanização e uso abusivo de agrotóxicos – insumos químicos).

Com este modelo a maioria da agricultura familiar foi excluída deste

“desenvolvimento”, passando a liberar mão-de-obra para garantir o fortalecimento das

agroindústrias. Este modelo também contribuiu para a expulsão do homem do campo para a

cidade, aumentando o estado de pobreza e miséria enfrentada nos centros urbanos.

Page 31: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

27

Com a globalização no início dos anos 90, o Brasil participando deste processo,

coloca suas políticas públicas, especialmente a econômica, como instrumento de garantia de

concentração e internacionalização de capitais, tendo como conseqüência o desemprego e a

exclusão sócio-econômica da maioria da população. Conforme a CONTAG, 1997, “no meio

rural, isto vem ocorrendo nos últimos 30 anos, com o aprofundamento do processo de

exploração dos agricultores familiares, pelas péssimas condições de vida e de trabalho dos

assalariados rurais e pela marginalização dos trabalhadores rurais sem terra”.

Aponta, ainda, a CONTAG, 1997, que um dos fatores que agrava a situação “é a

redução dos instrumentos da política agrícola com a desestruturação e sucateamento dos

serviços públicos de assistência técnica, de pesquisa, de financiamento, de formação

profissional, de armazenamento e de comercialização”, o que constitui um grande entrave ao

desenvolvimento da agricultura.

Além disso, coloca que o projeto neoliberal brasileiro se consolida a partir de uma

reforma administrativa que diminui os investimentos públicos nos setores sociais e

econômicos, iniciando uma série de privatizações das empresas nacionais.

Com relação a importância econômica e social da agricultura familiar, o documento

da CONTAG, 1997, afirma que “a agricultura familiar é um setor estratégico para a

manutenção e recuperação do emprego, para a redistribuição da renda, para a garantia da

soberania alimentar do país e para a construção do desenvolvimento sustentável”.

Como dissemos anteriormente, propostas dos movimentos sociais rurais não faltam, e

o projeto de “Desenvolvimento Local Sustentável baseado na Agricultura Familiar –

Construindo um Projeto Alternativo”, elaborado pela CONTAG e pelas suas Federações

Estaduais é um exemplo disso.

Portanto, não colocando em dúvida a capacidade dos trabalhadores rurais em

viabilizar o desenvolvimento sustentável nos assentamentos de reforma agrária,

consideramos que para tal é imprescindível que os governos invertam o foco de intervenção

de suas políticas públicas sociais e econômicas e respondam as reais necessidades e

interesses da maioria da população, onde os processos de desenvolvimento devem ser

Page 32: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

28

orientados por diretrizes comuns, mas adequadas às realidades específicas do meio ambiente

e da sociedade em cada local, conforme pondera o documento da CONTAG, 1997.

O documento ainda recomenda que o “objetivo central de um projeto de

desenvolvimento é a ampliação das oportunidades de ocupação que gerem renda no meio

rural. Como um modelo baseado na agricultura familiar deve buscar seu fortalecimento pelas

políticas agrícola, social e econômica e sua ampliação pela política de reforma agrária”.

Portanto, este novo projeto de desenvolvimento, pautado na sustentabilidade sócio-

ambiental deve ser articulado com todos os segmentos da sociedade e para isto é necessário

que as organizações urbanas e rurais constituam alianças (parcerias) em todos os níveis para a

construção conjunta e integrada de um projeto global, pois a participação popular é um

instrumento essencial de decisão dos caminhos e das prioridades do desenvolvimento.

Page 33: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

29

CAPÍTULO 2. EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO ESTRATÉGIA PAR

VIABILIZAR O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NOS ASSENTAMENTOS

DE REFORMA AGRÁRIA

“O desafio da educação ambiental é sair da

ingenuidade e do conservadorismo (biológico e

político) a que se viu confinada e propor

alternativas sociais, considerando a

complexidade das relações humanas e

ambientais”.

Marcos Reigota (1995)

A Educação Ambiental assim colocada se configura numa perspectiva de educação

para a cidadania, pois busca romper com o individualismo e com a indiferença, enaltecendo o

espírito coletivo e comunitário no processo educativo, mostrando o quanto se entrelaça com

os valores sociais que almejam a dignidade humana e o respeito à vida. (HERCULANO,

1995).

REIGOTA, 1995, ao abordar alguns elementos de reflexão para a prática de Educação

Ambiental dentro de um contexto social, político e ecológico, considera que:

“A educação ambiental tem contribuído para uma profunda discussão sobre a educação contemporânea em geral, já que as concepções vigentes não dão conta da complexidade do cotidiano em que vivemos neste final de século”.

Por outro lado, DIAS, 1999, considera que o grande desafio colocado para a

promoção do Desenvolvimento Sustentável, é:

“saltar da utopia para assumir o papel de estratégia para a sobrevivência da espécie humana e a EA (Educação Ambiental) passa a representar um importante componente dessa estratégia em busca de um novo paradigma, de um novo estilo de vida...”, ...”O direito à informação e o acesso às tecnologias capazes de viabilizar o desenvolvimento sustentável constituem, assim, um dos pilares desse processo de formação de uma nova consciência em nível planetário, sem perder a ótica local, regional e nacional. O desafio da EA, neste particular, é o de criar as bases para a compreensão holística da realidade”.

Page 34: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

30

Neste capítulo, buscaremos apresentar as bases filosóficas e teóricas da Educação

Ambiental, traçando os caminhos da Educação Ambiental no mundo e no Brasil, o papel dos

movimentos sociais rurais e ecológicos na busca da cidadania e pelo direito à vida, os

pressupostos e objetivos da educação Ambiental como instrumento de cidadania e de

viabilização do desenvolvimento sustentável e a importância da metodologia da pesquisa-

ação como estratégia para a prática participativa em Educação Ambiental nos assentamentos

de reforma agrária.

2.1. CAMINHOS DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO MUNDO E SEUS REFLEXOS NO

BRASIL

Para o entendimento da relação entre a Educação Ambiental e a construção da

cidadania torna-se essencial a descrição da sua trajetória a partir da abordagem dos diversos

eventos técnicos e políticos internacionais realizados, no sentido de compreender o seu

desdobramento no Brasil.

A expressão Educação Ambiental foi colocada pela primeira vez, em 1965, na Grã-

Bretanha, na Conferência de Keele, a qual recomendou que a educação ambiental fosse

incluída no processo educativo dos cidadãos.

Em 1968, surge a idéia de fundar uma sociedade para a Educação Ambiental durante

a Conferência sobre Educação, em Leichester, Grã-Bretanha. Porém, a primeira lei sobre

Educação Ambiental foi aprovada pelos Estados Unidos em 1970.

Por ocasião da Reunião Internacional promovida pela União Internacional para a

Conservação da Natureza, em Paris, em 1970, ficou definido que a Educação Ambiental:

“É um processo que consiste em reconhecer e aclarar conceitos com o objetivo de fornecer aptidões e atitudes necessárias para compreender e apreciar as inter-relações entre o homem, sua cultura, seu meio biofísico. Ela compreende também a prática na tomada de decisões e na elaboração de um código de comportamento acerca das questões relacionadas com a qualidade do meio ambiente”.

A década de 70 se constituiu num marco histórico das preocupações mundiais

relacionadas com as questões ambientais e a sobrevivência da espécie humana. Dentro dessas

preocupações a Educação Ambiental surge como um novo paradigma, fundamentado na

Page 35: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

31

visão holística – “compreensão de que a totalidade é mais do que as partes somadas, é o

conjunto destas em suas relações dinâmicas e dialéticas”. (LOUREIRO, 2000)

Neste novo paradigma, a Educação Ambiental envolve a percepção integral da

realidade reforçando a idéia de que não é possível compreender as relações dos homens com

a natureza sem estudar e aprofundar os condicionamentos históricos e sócio-culturais a que

estão submetidas as suas formas de pensar e agir. Das relações do homem/natureza é que se

constitui o mundo humano, o mundo da história, da cultura. Este mundo, contudo, está em

permanente movimento.

Portanto, a questão ambiental não pode ser entendida apenas através dos recursos

naturais que compõem o ambiente, mas, também das sociedades humanas que a partir das

relações sociais nele interage modificando-o conforme suas necessidades.

Desse modo, entende-se que o problema ambiental á antes de tudo um problema

humano, onde não é possível estudar os ecossistemas desconsiderando a relação

homem/natureza.

A Educação Ambiental objetiva modificar as relações entre o homem e a natureza

como garantia da melhoria da qualidade de vida. A necessidade de interferir nessas relações

torna-se explícita a partir do momento em que se percebe que as modificações a partir da

ação do homem implicam em prejuízos à natureza e também à vida.

Ao longo do seu processo civilizatório o ser humano foi se distanciando da natureza

encarando-a não mais como um todo em equilíbrio, mas como uma gama de recursos

disponíveis capazes de serem transformados em bens consumíveis. No entanto, observou-se

que este modelo de desenvolvimento pautado na exaustão dos recursos naturais não era

sustentável, conforme indicava o Relatório “Os limites do Crescimento” publicado pelo

Clube de Roma, em 1969, no qual as previsões sobre o futuro do planeta eram catastróficas,

considerando o ritmo e as formas como estavam sendo gerenciados os recursos ambientais.

A repercussão do relatório culminou com a realização da I Conferência das Nações

Unidas sobre o Ambiente Humano, realizada em Estocolmo na Suécia, em 1972, onde dentre

as recomendações se destaca uma que estabelece às nações “a necessidade de ser

Page 36: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

32

implementada uma educação de caráter interdisciplinar, voltada para os problemas atuais e

urgentes e que prepare as populações para viverem e se desenvolverem em um mundo

interdependente e em harmonia com as leis da natureza”.

A partir desta Conferência a Educação Ambiental passou a ser considerada como uma

estratégia relevante na formação de novos valores e comportamentos. Em sua declaração de

princípios, expressa a convicção de que as gerações presentes e futuras tenham reconhecido o

direito fundamental à vida num ambiente sadio. O princípio 19 explicita:

“É indispensável um trabalho de educação em questões ambientais dirigido às gerações jovens como aos adultos, e que preste a devida atenção ao setor da população menos privilegiada, para ampliar as bases de uma opinião bem informada e de uma conduta dos indivíduos, das empresas e da coletividade, inspirada no sentido de sua responsabilidade quanto à proteção e melhoramento do meio em toda sua dimensão humana”.

Portanto, surgiu da tomada de consciência em nível mundial de que a dimensão das

atividades predatórias na utilização dos recursos ambientais provoca uma série de

conseqüências desastrosas colocando em risco a sobrevivência da humanidade.

Com esta preocupação as discussões em relação ao caráter da Educação Ambiental

passaram a ser desencadeadas e no seminário realizado em Tammi, em 1974, concluiu-se que

a Educação Ambiental “permite alcançar os objetivos de proteção ambiental e que não se

trata de um ramo da ciência ou uma matéria de estudos separada, senão o marco de uma

educação integral permanente”. (MMA, Educação Ambiental - Curso Básico à Distância,

2000).

Entre 1973 e 1975, a UNESCO e o PNUMA promoveram diversos seminários,

destacando-se o Seminário Internacional de Educação Ambiental que resultou na Carta de

Belgrado, em 1975. Este documento recomendou a “necessidade de uma nova ética global,

capaz de promover a erradicação da pobreza, da fome, do analfabetismo, da poluição, da

exploração e da dominação humana”. Este documento indo mais além coloca que as nações

ricas não devem persistir na busca do progresso material às custas da exclusão social de parte

da população mundial (terceiro mundo), mas redirecionar as formas de desenvolvimento

colocando o conhecimento científico e tecnológico acumulado em benefício de toda a

humanidade.

Page 37: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

33

A realização em 1977, da I Conferência Intergovernamental sobre Educação

Ambiental, convocada pela UNESCO e PNUMA, em Tbilisi – Geórgia, tornou-se um marco

histórico dos processos educativos em relação ao ambiente. Nesta Conferência definiu-se o

conceito de Educação Ambiental, os objetivos, funções estratégicas e os pressupostos de

ação. Compreendeu o meio ambiente “não somente como o meio físico, mas, também, o meio

social e cultural, e relaciona os problemas ambientais com os modelos de desenvolvimento

adotados pelo homem”. Enfatizou, ainda, que a Educação Ambiental “deve preparar o

indivíduo mediante a compreensão dos principais problemas do mundo contemporâneo,

possibilitando-lhe conhecimentos técnicos e as qualidades necessárias para desempenhar

uma função produtiva com vistas a melhorar a vida e proteger o meio ambiente

considerando os valores éticos”.

A Conferência de Tbilisi definiu a Educação Ambiental como:

“Uma dimensão dada ao conteúdo e à prática de educação, orientada para a resolução dos problemas concretos do ambiente, através de enfoques interdisciplinares e de uma participação ativa e responsável de cada indivíduo e da coletividade”.

Postula, Tbilisi, que as diretrizes da Educação Ambiental devem “levar em conta a

totalidade do ambiente, ser contínua e permanente, adotar perspectiva interdisciplinar e

fomentar a participação do aluno na organização de suas próprias experiências e

oportunidade para tomar decisões”.

Destas diretrizes quatro conceitos se delineiam: Totalidade do ambiente, processo

contínuo e permanente, interdisciplinaridade e participação. HOMEM D´EL REY, 1977,

assinala que “compreender a realidade e atuar sobre ela, com ela, é a essência da prática,

do fazer da Educação Ambiental que se apóia nesses quatro grandes pressupostos”. Afirma

ainda, que “estes quatro conceitos têm sido utilizados sem uma compreensão muito clara e

objetiva do seu significado”.

Porém ressalva que “Se a EA é um processo de auto-conhecimento e auto-

transformação do ser humano, seu caráter contínuo e, permanente é inquestionável, porque

a vida é dinâmica em sua rede de relações nos diferentes nichos ecológicos que compõem a

natureza”.

Page 38: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

34

A Educação Ambiental coloca-se então, como um elemento importante no

desenvolvimento sustentável não como mais um conteúdo programático de capacitação de

recursos humanos, mas, sobretudo como uma atitude de vida.

Com o objetivo de fortalecer as orientações formuladas na Conferência de Tbilisi,

realizou-se em 1987 a Conferência de Moscou, onde foi formulado um plano de ação para a

década de 90, estabelecendo-se como prioridades:

a) Desenvolvimento de um modelo curricular;

b) Intercâmbio de informações sobre o desenvolvimento de currículo;

c) Desenvolvimento de novos recursos instrucionais;

d) Promoção de avaliações de currículos;

e) Capacitar docentes e licenciados em EA;

f) Capacitar alunos de cursos profissionalizantes;

g) Melhorar a qualidade das mensagens ambientais veiculadas pela mídia ao grande

público;

h) Criar um banco de programas audiovisuais;

i) Desenvolver museus interativos;

j) Capacitar especialistas ambientais através de pesquisa;

k) Utilizar unidades de conservação ambiental na capacitação regional de especialistas;

l) Promover a consultoria interinstitucional em âmbito internacional;

m) Informar sobre a legislação ambiental. (PEDRINI, s. d.).

Em 1992, após 20 anos da I Conferência Internacional, realizou-se a II Conferência

Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, quando se reafirmou o conceito de

desenvolvimento sustentável, definido pelo relatório Brundtland como “aquele que atende às

necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras

atenderem as suas próprias necessidades”.

Como resultado desta Conferência se destaca a Agenda 21 que em suas resoluções

considera as questões educacionais como fundamentais para a conservação dos recursos

naturais e a adoção de uma nova ética ambiental do desenvolvimento. Em seu capítulo 36.1,

expressa que:

Page 39: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

35

“O ensino, o aumento da consciência pública e o treinamento estão vinculados virtualmente a todas as áreas do programa da Agenda 21 e ainda mais próximas das que se referem à satisfação básica, fortalecimento institucional e técnico, dados e informações, ciência e papel dos principais grupos. A Declaração e as recomendações da Conferência Intergovernamental de Tbilisi sobre Educação Ambiental, organizada pela UNESCO e PNUMA, celebrada em 1977, ofereceram os princípios fundamentais para as propostas deste documento”.

A educação para o desenvolvimento sustentável contida na Agenda 21 se baseia na

“conscientização, entendida como compreensão das relações entre sociedades humanas e a

natureza, entre meio ambiente e desenvolvimento, entre níveis globais e locais; no

comportamento, visto como desenvolvimento de atitudes menos predatórias e de habilidades

técnicas e científicas orientadas para a sustentabilidade”. (MMA, 2000)

A Agenda 21 define como áreas prioritárias para a Educação Ambiental:

• A reorientação da educação na direção do desenvolvimento sustentável, onde

caracteriza a importância da educação escolar básica como condição para o

desenvolvimento econômico e social e a conservação do meio ambiente;

• A ampliação da conscientização pública, que compreende as ações destinadas às

comunidades urbanas e rurais, visando sensibilizá-las sobre os problemas ambientais

e de desenvolvimento, criando canais de participação na busca de soluções urgentes e

atribuindo responsabilidade pessoal e coletiva em relação ao meio ambiente;

• Incentivo ao treinamento, destinado a formação e a capacitação de recursos humanos

para atuarem na conservação do meio ambiente e como agentes do desenvolvimento

sustentável, inclusive em relação a implementação das prioridades anteriores.

Portanto, a difusão, a adoção e a adaptação pelos diversos setores sociais das propostas da

Agenda 21 contendo as orientações e recomendações do Seminário Internacional sobre

Educação Ambiental ocorrida em Belgrado, em 1975 e a Conferência Intergovernamental

sobre Educação Ambiental ocorrida em Tbilisi, em 1977 constitui-se num caminho a ser

seguido rumo ao desenvolvimento sustentável.

Page 40: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

36

A Agenda 21, conforme DIAS, 1999, é “um Plano de ação para a humanidade, que

nomeia o Desenvolvimento Sustentável como uma estratégia de sobrevivência e a Educação

Ambiental como um instrumento crítico para a sua promoção”.

Paralelamente à realização oficial da II Conferência Mundial, outro evento organizado

pelas ONGs, denominado Fórum Global – Fórum Internacional de Organizações Não-

Governamentais e Movimentos Sociais, discutia as questões ambientais, onde aprovou-se o

Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global,

comprometendo os signatários “com o processo educativo transformador através de

envolvimento pessoal, de nossas comunidades e nações para criar sociedades sustentáveis e

equitativas’.

No Tratado, as ONG´s consideram que a Educação Ambiental para uma sustentabilidade

eqüitativa é um processo de aprendizagem permanente, baseado no respeito a todas as formas

de vida. Tal educação afirma valores e ações que contribuem para a transformação humana e

social e para a preservação ecológica. Ela estimula a formação de sociedades socialmente

justas e ecologicamente equilibradas, que conservam entre si relação de interdependência e

diversidade. Isto requer responsabilidade individual e coletiva em nível local, nacional e

planetário. (Tratado de EA para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global).

Como se vê, esse Tratado traz ao bojo da discussão questões fundamentais que o

diferenciam das práticas desenvolvidas pelos governos, tecendo críticas ao estilo de

desenvolvimento vigente:

“Consideramos que a preparação para as mudanças necessárias depende da compreensão coletiva da natureza sistêmica das crises que ameaçam o planeta. As causas primárias de problemas como o aumento da pobreza, da degradação humana e ambiental e da violência podem ser identificadas no modelo de civilização dominante, que se baseia em superprodução e superconsumo para uns e em subconsumo e falta de condições para produzir por parte da grande maioria”. (Tratado de EA para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global).

Por outro lado, indica a necessidade da participação comunitária na construção do seu

futuro, planejando e implementando suas próprias alternativas, colocando a educação

ambiental como uma estratégia na conquista de melhorias da qualidade de vida e de tomada

de consciência pessoal e coletiva que assegure a harmonia entre os seres humanos e desses

com outras formas de vida.

Page 41: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

37

Em seus princípios da Educação para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade

Global considera que a educação ambiental deve tratar as questões globais, suas causas e

inter-relações a partir de uma perspectiva sistêmica em seu contexto histórico-social, ou seja,

a partir da realidade local, relacionando os aspectos primordiais ao desenvolvimento e ao

meio ambiente.

Dentre as diretrizes explicitadas pelo Tratado, merece destacar a importância de se

fortalecer as organizações e movimentos sociais como espaços privilegiados para o exercício

da cidadania e melhoria da qualidade de vida e do ambiente.

Após dez anos de realizada a Conferência de Tbilisi, a UNESCO e o Governo da

Grécia promoveram em 1997, em Tesslonica, a Conferência Internacional sobre Ambiente e

Sociedade: Educação e Conscientização Pública da Sustentabilidade, congregando

representantes de organizações governamentais, não governamentais e sociedade civil

reafirmando a importância da Educação Ambiental e a conscientização pública para se atingir

os objetivos do desenvolvimento sustentável.

Esta Conferência indica a necessidade de se reorientar a educação ambiental para a

sustentabilidade em todos os níveis de ensino e que todas as áreas do conhecimento devem

focalizar seus interesses para o desenvolvimento sustentável e o ambiente, numa abordagem

holística interdisciplinar.

À luz dos diversos eventos técnicos e políticos de Educação Ambiental realizados

internacionalmente, percebe-se que a evolução da educação ambiental acompanha o

aprofundamento do conceito de meio ambiente, que antes se restringia aos aspectos naturais

e, que, ao longo do processo foi se modificando, ampliando e compreendendo a estreita

relação entre o homem e a natureza, a sociedade e o ambiente.

A especificidade da educação ambiental em relação a outras formas de educação

consiste no fato de que ela tem um enfoque voltado para a solução dos problemas ambientais,

um enfoque educativo interdisciplinar, uma integração da educação com a comunidade e uma

educação sistemática, participativa e permanente voltada para o futuro.

Page 42: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

38

A EA assume, então, um caráter estratégico na formação da cidadania,

compreendendo-se que a percepção dos indivíduos em relação ao seu ambiente seja ele

natural ou socialmente construído, significa entender estes indivíduos com identidade

histórica e social. Através da interdisciplinaridade a educação ambiental fundamenta o

processo educativo, visando a formação integral do cidadão para encontrar soluções coletivas

aos graves problemas ambientais.

Portanto, a educação ambiental torna-se um instrumento imprescindível para a

construção da sociedade sustentável e democrática, entendida segundo VIEZZER e

OVALLES, 1995, como “uma sociedade baseada na solidariedade, afetividade e

cooperação, visando a justa distribuição de seus frutos entre todos”.

No Brasil, a questão ambiental vem adquirindo importância nos últimos anos,

principalmente com o surgimento dos movimentos sociais ambientalistas, passando a

merecer atenção no quadro das políticas públicas.

Durante as últimas décadas a Educação Ambiental vem se destacando como um

instrumento fundamental de mobilização e participação da sociedade em ações planejadas e

efetivas que visam a tomada de consciência das causas e consequências da problemática

ambiental.

A origem da Educação Ambiental no Brasil segundo REIGOTA, 1995, remonta a

segunda metade dos anos 70, num contexto social, cultural, político e ecológico de

reorganização dos movimentos sociais contra o aparato repressivo militar. Neste contexto, de

redemocratização do país, o autor situa o surgimento do pensamento ecologista brasileiro

contemporâneo, onde alguns profissionais e intelectuais contribuíram na discussão da questão

ambiental e da necessidade da Educação Ambiental, “com muita dificuldade, mas também

com muita determinação, essa nova geração de profissionais, influenciada pelos

precursores, foi conquistando espaços nos meios de comunicação de massa, nas escolas,

universidades, nos movimentos sociais, etc. sempre colocando a problemática ecológica em

geral e a educação ambiental em particular nos debates políticos e acadêmicos e nas

atividades pedagógicas cotidianas”.

Page 43: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

39

A inclusão de um capítulo específico sobre o meio ambiente na Constituição Federal

Brasileira, se destaca como um novo direito social e do resultado do aumento da informação

ambiental dos cidadãos e na definição do uso dos recursos naturais em atendimento aos seus

reais interesses e necessidades.

A Constituição Federal, 1988, ao dedicar um dos seus capítulos à questão ambiental

coloca novos desafios políticos e organizacionais à administração pública e à sociedade.

Essas competências passam a ser responsabilidade da União, dos Estados, dos Municípios e

de toda a coletividade.

No capítulo VI do Meio Ambiente, a Constituição Federal, no seu art. 225, reza:

“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder pública e a coletividade o dever de defende-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Em seu parágrafo I, expressa:

“Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe-se ao Poder Público: Promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente.

A compreensão deste capítulo da Constituição nos remete ao conceito de cidadania

política e participação. O primeiro conceito é compreendido como o conjunto de direitos e

deveres do cidadão para o exercício da soberania sobre o território de sua nacionalidade. O

conceito de participação, segundo LOUREIRO, 1992, “é igualdade de poder no processo,

respeito pelas experiências acumuladas por cada indivíduo e construção coletiva em busca

da cidadania plena”. Portanto, a cidadania é conquista da participação. Como sujeitos

sociais devemos entender que a conquista dos direitos se dá com participação e consciência

crítica.

Para exercer a cidadania a partir deste dispositivo é necessário compreender que o art.

225 explicita a obrigatoriedade do Estado em promover a conscientização pública para a

proteção ambiental e estabelecer programas sistemáticos de educação ambiental em todos os

níveis de ensino e nos meios de comunicação de massa. Salienta-se que, a defesa do meio

ambiente é, também, de co-responsabilidade de todos os cidadãos.

Page 44: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

40

É neste contexto, que no processo educativo as decisões políticas resultantes da

participação popular, dos conflitos de interesses e das demandas sociais devem levar ao

compromisso de todos os segmentos sociais na compatibilização entre o desenvolvimento e o

meio ambiente.

Porém, em que pese o texto constitucional incumbir ao poder público a promoção da

Educação Ambiental, verifica-se que muito pouco tem sido feito para a concretização desse

dispositivo. Como bem observa LOUREIRO, 2000, “a escassez de recursos para investir na

formação de quadros, na capacitação em Educação Ambiental e em sua viabilização nas

diversas instâncias do aparato público, reflete a falta de disposição política para

transformar o que existe institucionalmente”.

Porém, reconhecendo que a Educação Ambiental não estava sendo devidamente

aplicada como política pública, o governo federal instituiu os seguintes programas:

a) Programa Nacional de Educação Ambiental – PRONEA

O Ministério da Educação e do desporto – MEC e o Ministério do Meio Ambiente,

dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal – MMA, com a interveniência do Ministério da

Ciência e Tecnologia – MCT, formularam, em 1994, o Programa Nacional de Educação

Ambiental – PRONEA, na tentativa de cumprir mandato constitucional estabelecido no art.

225 daquele instituto legal, bem como os compromissos internacionais assumidos pelo país.

O PRONEA foi elaborado contemplando sete linhas de ação com objetivos e ações

estratégicas próprias a cada uma delas, procurando, assim, determinar subsídios políticos para

que outras instâncias da administração pública possam adequar seus programas de governo,

buscando o desenvolvimento da EA no Brasil. Propõe, ainda, diretrizes para viabilizar ações

em nível da sociedade civil como um todo. As linhas de ação definidas referem-se: 1)

Educação Ambiental através do ensino formal – capacitar o sistema de educação formal,

supletivo e profissionalizante em todos os níveis e modalidades de ensino; 2) Educação no

processo de gestão ambiental – orientar os gestores públicos e privados para que incorporem

a gestão ambiental em suas atividades; 3) Realização de campanhas específicas de Educação

Ambiental para usuários de recursos naturais – conscientizar os usuários dos recursos

naturais para a utilização responsável dos recursos, garantindo-lhes sustentabilidade e

Page 45: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

41

promoção da qualidade de vida; 4) Cooperação com os que atuam nos meios de comunicação

e com os comunicadores sociais – viabilizar aos que atuam nos meios de comunicação as

condições adequadas para que contribuam na formação da consciência ambiental; 5)

Articulação e integração das comunidades em favor da educação Ambiental – mobilizar

iniciativas comunitárias adequadas à sustentabilidade; 6) Articulação intra e interinstitucional

– promover e apoiar a cooperação e o intercâmbio interinstitucional no campo da Educação

Ambiental; 7) Criação de uma rede de centros especializados em Educação Ambiental,

integrando universidades, escolas profissionais, centros de documentação em todos os

estados da Federação – viabilizar o aprofundamento de aspectos conceituais e metodológicos

da Educação Ambiental, desenvolver materiais didáticos, armazenar e difundir informações.

(LOUREIRO, 2000).

b) Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs

O Ministério da Educação e do Desporto – MEC, em 1997, formulou os Parâmetros

Curriculares Nacionais – PCN´s, referentes às quatro primeiras séries da Educação

Fundamental, através da inserção da questão ambiental como tema transversal, objetivando

apontar metas de qualidade que ajudem o aluno a enfrentar o mundo atual como cidadão

consciente, participativo, reflexivo e autônomo, conhecedor de seus direitos e deveres.

Recomenda que na seleção de conteúdos presentes no documento, os educadores deverão

considerar sua natureza interligada às outras áreas do currículo e a necessidade de serem

tratados de modo integrado, não só entre si, mas entre eles e o contexto histórico e social em

que as escolas estão inseridas. Com relação aos conteúdos de meio ambiente para os 1º e 2º

ciclos, a questão ambiental deve centrar-se no desenvolvimento de valores, atitudes e

posturas éticas e no domínio de procedimentos mais do que na aprendizagem de conceitos.

Pois os vários conceitos que o professor se baseará para tratar de assuntos ambientais

pertencem às áreas disciplinares. Mais do que um elenco de conteúdos, a temática ambiental

consiste em oferecer aos alunos instrumentos que lhes possibilitem posicionar-se em relação

às questões ambientais. Os conteúdos foram reunidos em três blocos gerais: Os ciclos da

natureza, Sociedade e Meio ambiente, Manejo e Conservação Ambiental. O MEC recomenda

aos educadores que na elaboração e execução de um projeto educativo, o tema meio ambiente

deve trazer uma visão ampla que envolva não só os elementos naturais do meio ambiente,

mas também os elementos construídos e todos os aspectos sociais envolvidos na questão

ambiental.

Page 46: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

42

c) Lei nº 9795/99 – Política Nacional de Educação Ambiental, decretada pelo

Congresso Nacional, em 28 de abril de 1999.

Em seu art. 1º define a Educação Ambiental:

“Entende-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida”.

Em seu art. 2º considera que “A Educação Ambiental é um componente permanente

da educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada em todos os níveis e

modalidades do processo educativo, em caráter formal e não-formal”.

Com a promulgação desta Lei, a Educação Ambiental se constitui em um instrumento

educativo na busca do desenvolvimento sustentável, definindo seu caráter interdisciplinar e

transversal, bem como a co-responsabilidade da sociedade na sua promoção, e inclusive,

respeitando as diretrizes e os pressupostos da Conferência de Tbilisi. Destaca em seu art. 4º

que “a Educação Ambiental é um processo educativo participativo, democrático, humanista,

que aborda o ambiente em sua totalidade e que associa ética-trabalho-educação, visando a

sustentabilidade”. Conforme PEDRINI, s.d.,“o importante a destacar é que esta é a

primeira lei na América Latina que torna oficial a Educação Ambiental como um

instrumento educativo para a busca de padrões sustentáveis de sociedade”.

PEDRINI, (s.d.), ao analisar a trajetória da Educação Ambiental, principalmente

quanto aos trabalhos realizados no Brasil, tece alguns comentários e preocupações relativos

aos discursos oficiais e a prática. Indica a necessidade de se reverter a prática de trabalho

pontual e desacompanhada de reflexão e seu registro.

Por outro lado, HOMEM D´ EL REY, 1996, coloca algumas questões importantes

sobre a prática em Educação Ambiental:

“Projetos de pesquisa de EA em sua maioria, limitam-se às informações, sem investir no que interferem no processo educativo. Como vivenciar os pressupostos da EA com paradigmas de Ciências que negam a abordagem de totalidade e a subjetividade no processo de conhecimento da realidade?

Page 47: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

43

Na tentativa de contribuir na análise do processo de efetivação da Educação

Ambiental no Brasil, HOMEM D´ El REY, 1996, ressalta que “a dificuldade na

concretização da teoria da EA na prática é que as propostas estão desvinculadas do

ambiente de vida das pessoas. Para quem vive em favela e precisa morar nas encostas é

abstrato dizer-lhe que as chuvas podem causar deslizamento de terra, derrubar sua casa,

causando prejuízo e morte. Para quem vive a cidadania da sobrevivência o concreto é o aqui

e o agora, é o hoje; o risco de amanhã é distante, abstrato”.

Portanto, torna-se necessária uma educação que questione as “velhas fórmulas de

vida”, ou seja, uma educação holística que proponha a busca de ações concretas para

transformar nossa casa, nossa rua, nosso bairro, nossas comunidades, sejam elas no campo,

na fábrica, na escola, no escritório. (VIEZZER e OVALLES, 1995).

REIGOTA, 1995, ao analisar os princípios da Educação Ambiental alerta para a

necessidade de tornar claro qual é o papel político da educação ambiental, que segundo o

autor “representa ao mesmo tempo uma crítica e uma alternativa aos processos pedagógicos

conservadores. Mas a sua crítica/alternativa não se limita ao espaço educativo. Elas se

ampliam ao modelo econômico, social e cultural vigente, assim como às formas de se fazer

política, ciência e arte, sem esquecer ainda que ela pretende influir no cotidiano, propondo

relações sociais e afetivas baseadas na ética, na justiça e na sustentabilidade”.

Desse modo, a Educação Ambiental deve ter como base referencial uma nova

concepção ética, reforçando o elo de solidariedade entre os homens pela mudança de

comportamento nos padrões de produção e consumo e nos modos de vida, ou seja, uma

postura ética de transformação da sociedade. O enfoque crítico e o espírito criativo que a

caracteriza são indispensáveis para a tomada de consciência sobre a problemática sócio-

ambiental e suas soluções, conforme aponta GUERRA, 2000.

Assim, deve cada vez mais reforçar a organização da sociedade em todos os níveis,

redirecionando a integração do homem com o seu ambiente, no sentido de estabelecer novos

estilos de desenvolvimento que assegurem a melhoria da qualidade de vida e a satisfação das

reais necessidades da população.

Page 48: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

44

2.2. PAPEL DOS MOVIMENTOS SOCIAIS E MOVIMENTOS ECOLÓGICOS NA

BUSCA PELA CIDADANIA E PELO DIREITO À VIDA

A formação histórica, social e política da sociedade brasileira se efetivaram através de

mecanismos que negaram a esmagadora maioria da população o direito de exercer sua

cidadania – participar nas decisões, O que predominou foi a subordinação, a não participação

na solução dos problemas enfrentados.

Apesar da marca dominadora nas relações de poder estabelecidas com a população, diversas

lutas são empreendidas por distintos segmentos sociais, no sentido de modificar estas

relações, seja no plano político, econômico, social e ambiental, resgatando o conceito de

cidadania como condição essencial de expressão do desejo de participar e decidir.

A compreensão desse desejo fica clara ao se analisar o ideal básico que substancia o agir dos

Novos Movimentos Sociais - NMS, conforme aponta SCHERER-WARREN, (1993, p-54):

“O sentimento de uma tripla exclusão relativa – econômica, política, cultural/ideológica – sempre presente na história brasileira, mas que se acentua consideravelmente durante os anos mais duros do regime militar, está no bojo dos movimentos que vão se organizando. Assim, defende-se o direito de participar do consumo de bens e equipamentos coletivos, através dos Movimentos sociais Urbanos; o direito a permanecer na moradia e na terra ocupada, pelo Movimento dos Favelados; o direito à terra para o trabalho, pelo Movimento dos Sem Terra ou de preservar as terras produtivas, pelo Movimento das Barragens; o direito a não serem discriminados culturalmente, pelos Movimentos Éticos e assim por diante. Mas o relevante é que nestes movimentos defende-se também o direito de participar de decisões que afetam o destino de seus membros e o respeito por suas formas culturais. Portanto, o sentimento de exclusão relativa, ou a consciência da carência relativa, conduz às reivindicações, as quais são assumidas como um direito”.

Desse modo, os movimento sociais através de suas lutas empreendidas buscam

redefinir a cidadania, apontando novas formas de relações sociais, negando a forma

autoritária assumida historicamente pelo Estado. Para tanto, vêm definindo estratégias de

atuação alicerçadas em uma prática política e social renovada, a partir de princípios

defendidos pelos educadores populares, precisamente vinculados à FASE, “... essa cidadania

coletiva e orgânica das massas pressupõe a conquista de um direito essencial (que deve ser

inalienável) pelos movimentos populares: o direito de conquistar (e gerir) direitos”.

(SCHERER-WARREN, 1993).

Page 49: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

45

Conceituando o movimento social, TREVIZAN, 2000, afirma que “Todo movimento

social é uma forma de comportamento coletivo, embora nem todo comportamento coletivo

constitua um movimento social. Nesta categoria incluem-se aqueles comportamentos que

buscam mudanças radicais ou reformistas, podendo apresentar vários níveis de

organização”. A partir desta conceituação, o autor considera que “por sua organização e

objetivos, o movimento de luta pela terra apresenta todas as características de um

movimento social”.

Para garantir a conquista destes direitos, a participação comunitária torna-se essencial

como forma de luta e de modo de vida. Como exemplo, pode-se citar o Movimento dos Sem

Terra - MST que estabeleceu uma nova forma coletiva de exercer a cidadania que é “o

coletivismo enquanto forma de organização social, reivindicando a posse coletiva da terra

através da Reforma Agrária”. (SCHERRER-WARREN, 1993).

Para efeito dessa análise será dado destaque aos movimentos sociais relacionados às

questões rurais e ambientais, que segundo SHERER-WARREN, 1993, se enquadram nos

denominados Novos Movimentos Sociais – NMS, “que almejam atuar no sentido de

estabelecer um novo equilíbrio de forças entre Estado (aqui entendido como o campo da

política institucional: do governo, dos partidos e dos aparelhos burocráticos de dominação)

e sociedade civil (campo da organização social que se realiza a partir das classes sociais ou

de todas as outras espécies de agrupamentos sociais fora do Estado enquanto aparelho),

bem como no interior da própria sociedade civil nas relações de força entre dominantes e

dominados, entre subordinantes e subordinados”.

a) Movimentos Sociais Rurais

Os movimentos sociais rurais estiveram presentes em toda a história da formação da

sociedade brasileira.

Traçando uma trajetória dos movimentos sociais rurais no Brasil, a estudiosa do assunto,

SCHERER-WARREN, 1993, dá uma excelente contribuição histórica a este rico processo de

luta pela conquista da cidadania e pelo direito à vida. Com base no estudo realizado pela

autora, consideramos relevante destacar os principais acontecimentos históricos ocorridos no

meio rural no decorrer da formação social brasileira.

Page 50: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

46

a) Século XVII – movimentos com orientação separatista para a libertação dos escravos.

Os quilombos nordestinos possibilitaram a fuga dos negros submetidos à opressão da força

de trabalho escravo e a restauração da cultura de um povo. O quilombo dos Palmares cujo

líder Zumbi tornou-se o símbolo da resistência contra a discriminação dos negros no Brasil.

b) Século XVIII e início do século XIX – são palco dos movimentos nativistas

(Cabanagem, Balaiada, Farroupilha, Praieira) que contavam principalmente com a

participação de proprietários rurais. Opunham-se à centralidade do poder político e

econômico das elites portuguesas e seguiam orientações separatistas.

c) 2ª metade do século XIX e 1ª metade do século XX – O messianismo e o banditismo

social às vezes expressando-se como duas faces de um mesmo movimento, ocuparam o

cenário da história do Brasil, destacando-se as revoltas de Canudos, Juazeiro, Muckers,

Contestado e o Cangaço. Tratavam de manifestações e lutas que, diante das más condições de

vida dos camponeses tentavam estabelecer uma nova ordem social, tendo freqüentemente a

estrutura social do passado como referência.

d) No século XX, a partir da década de 40 – as lutas pela posse e uso da terra se

multiplicam. Inicialmente ocorrem os movimentos dos posseiros entre os quais se destacou o

Levante de Trombas e Formoso, no interior de Goiás (1948-60) que contou com a mediação

do PCB que pretendia disseminar o movimento em vista da realização de uma reforma

agrária radial.

Segundo a autora, a partir da década de 50 a luta pela terra começa a ultrapassar o nível das

ações localizadas e a empreender articulações regionais de alcance nacional. “A I

Conferência Nacional dos Trabalhadores Agrícolas é realizada em São Paulo, em 1953, e no

ano seguinte, durante a II Conferência é criada a União dos Lavradores e Trabalhadores

Agrícolas do Brasil – ULTAB, que inicia a luta nacional por uma reforma agrária ampla,

contando com o apoio do PCB”. (WARRWN-SCHERER, 1993)

Continuando sua análise, a autora documenta que as Ligas Camponesas sob a

liderança de Francisco Julião vêm engrossar esta luta a partir do Nordeste e o Movimento dos

Agricultores Sem Terra – MASTER com Brizola a partir do RGS (1960).

Page 51: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

47

A Igreja Católica entra em cena e passa a organizar os camponeses através dos

sindicatos rurais. Os sindicatos de trabalhadores rurais se multiplicam por todo país, passando

a ser legalizados pelo Estado e, unificando-se em 1963, através da Confederação Nacional

dos Trabalhadores Rurais – CONTAG.

As lutas contra as más condições de vida e pela restauração social ainda que de um

passado idealizado como nos movimentos messiânicos, dão lugar às lutas pela manutenção

da condição de camponês. Ou seja, pela posse e uso adequado da terra.

Todas esta lutas têm, pois, como referencial fundamental a própria sobrevivência do

grupo social.

Após o Golpe Militar de 1964, há um período em que apenas o sindicalismo rural

(trabalhador e patronal) continua se disseminando pelos municípios brasileiros, porém com

características cada vez mais assistencialistas. A repressão militar sob a forma de ameaça não

permite e formação de outros movimentos sociais no campo até a 2ª metade da década de 70.

A partir do final da década de 70, verifica-se um grande crescimento do número de

organizações e manifestações no campo. Dentre estas, destacam-se os acampamentos e

assentamentos dos Sem-Terra que lutam por uma reforma agrária imediata.

A autora apresenta exemplos de movimentos que lutam pela manutenção de suas

terras e que são os que mais têm aproximação com os movimentos ecológicos e de defesa do

meio ambiente, quais sejam: a) Movimentos dos camponeses atingidos por barragens; b)

Movimentos dos indígenas; c) Movimento dos seringueiros. Porém, reconhece que a

problemática ambiental só muito recentemente começa a penetrar a área de estudo dos

movimentos sociais rurais.

Dos estudos elaborados sobre os movimentos sociais rurais e a questão ambiental,

destacamos a contribuição de TREVIZAN, 2000, que ao analisar a relação entre degradação

ambiental, grandes proprietários rurais e pequenos produtores rurais familiares, afirma que

“o pressuposto de que pequenos produtores representam maior ameaça ao ambiente devido

ao uso de sistemas intensivos de plantios não pode ser mantido”.

Page 52: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

48

Isto porque, conforme o autor, “nas suas diferenças em se relacionar com os recursos

naturais, tanto as classes privilegiadas quanto as desfavorecidas atuam no processo de

deterioração do meio, embora ajam por razões também diferentes. As primeiras

desequilibram o meio ambiente devido ao seu elevado consumo, especialmente dos recursos

energéticos, ou pela avidez em acumular, no menor tempo possível, um maior volume de

capital. Os mais desfavorecidos da sociedade degradam os recursos naturais devido à luta

desesperada pela sobrevivência”. (TREVIZAN, 2000).

A luta pela sobrevivência das camadas populares assume, portanto, uma dimensão

existencial. É uma forma de luta pela solução dos problemas mais emergentes, aqueles que

afetam, cotidianamente, a qualidade de vida dos cidadãos, sejam eles do campo ou da cidade.

TREVIZAN e ALGER, 2000, em seu artigo sobre “Os Movimentos Sociais de Luta

pela Terra e a Sustentabilidade”, publicado nos Anais do XXXVIII Congresso Brasileiro de

Economia e Sociologia Rural, analisam que “à medida em que os movimentos sociais de luta

pela terra se organizam e se estruturam, vão também ultrapassando a simples meta de

conquista pela terra, e passam a lutar por direitos, a elaborar novos sonhos de vida e definir

estratégias para a conquista dos mesmos”, isto é, lutam pela garantia do exercício da

cidadania.

O Assentamento de Reforma Agrária da Marambaia, no Sul da Bahia, contexto desta

investigação, é desvinculado tanto do Movimento dos Sem Terra – MST, quanto do

Movimento de Luta pela Terra – MLT. Porém, está vinculado a outras instituições. Os

assentados participam do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itacaré, e mantém vínculos

com a Federação dos Trabalhadores Rurais na Agricultura – FETAG, através da sua forma de

organização, a Associação dos Parceleiros da Marambaia.

Na época da conquista da terra (1983/86), os trabalhadores rurais (em torno de 100)

com pouca capacidade de organização, tiveram o apoio do Sindicato de Trabalhadores Rurais

de Itacaré, de membros do PCdoB e de parlamentares da oposição (PMDB), segundo

informações das lideranças comunitárias da Marambaia. O INCRA procedeu a

desapropriação da área emitindo a posse aos 32 assentados em 1986, prestando assistência

técnico-social, contando com a orientação técnica nos projetos agrícolas da CEPLAC de

1987 a 1993. A partir deste ano, o INCRA contratou a equipe técnica da Cooperativa de

Page 53: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

49

Trabalho do Estado da Bahia – COOTEBA, vinculada ao Programa Nacional de Reforma

Agrária – Projeto LUMIAR, cujo contrato foi encerrado no início do ano 2000.

Durante o desenvolvimento desta pesquisa (junho a fevereiro de 2000), os assentados

não tiveram assistência técnica de nenhum órgão governamental ligado à agricultura. No

entanto, estando situados na Área de Proteção Ambiental – APA Costa de Itacaré – Serra

Grande, o Instituto de Estudos Sócio-Ambientais do Sul da Bahia - IESB, uma Organização

Não Governamental – ONG, contando com o aporte financeiro da Fundação pela

Biodiversidade – FUNBIO / Fundação FORD, vem desenvolvendo no assentamento, a partir

de outubro de 2000, o projeto “Comunidades Rurais e Florestas da APA”, construindo um

modelo de desenvolvimento sustentável, na linha da capacitação em assuntos ligados à

agroecologia, cuja experiência está relatada no capítulo “Conhecendo a Marambaia”.

Desse modo, o estudo de casos desenvolvido por TREVIZAN e ALGER, 2000, nos oito

assentamentos estudados no sul da Bahia, nos forneceu elementos para uma maior

compreensão sobre a sustentabilidade no Assentamento Marambaia, e da necessidade do

desenvolvimento de práticas educativas participativas com os assentados como estratégia de

fortalecimento das ações comunitárias na busca da concretização dos seus sonhos, das suas

aspirações, da sua cidadania.

b) Movimentos Ambientalistas

Em se tratando de luta ambiental, o processo de conscientização sobre os problemas

ambientais, no Brasil, é recente. O surgimento do movimento social ecológico na América

Latina se dá na década de 70, em Porto Alegre – Brasil, com a fundação da Associação

Gaúcha de Proteção do Ambiente Natural - AGAPAN, em 1971, encabeçado pelo Eng.

Agrônomo José Lutzenberger, tendo como principal questão a denúncia do uso abusivo de

agrotóxicos e outras formas de poluição do solo, do ar e dos recursos hídricos, colocando a

ecologia como ciência da sobrevivência e difundindo uma nova moral ecológica (VIOLA,

1990).

Analisando o movimento ambientalista, VIOLA e LEIS, (1998), dizem que inicialmente

este movimento foi de caráter bissetorial, composto por intelectuais da classe média com

baixa participação e representação na sociedade, cuja característica principal foi a denúncia

Page 54: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

50

dos danos cometidos ao meio ambiente. Com o aumento da preocupação pública com a

problemática ambiental, o movimento ecológico a partir da década de 80, transforma-se em

um “movimento multissetorial”, composto por oito setores, desde o ambientalismo stricto

sensu ao ambientalismo dos educadores”.

A década de 90, representa um novo estágio do ambientalismo brasileiro em virtude da

preparação da Rio-92, quando foram discutidas questões relacionadas a compatibilização

entre o desenvolvimento econômico e a proteção ambiental.

Neste evento, o movimento ambientalista reuniu-se de forma paralela ao evento oficial e

aprovaram 36 tratados, dentre os quais se destaca o Tratado de Educação Ambiental para

Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, iniciando-se um processo de pensar a

educação de forma holística e a partir da vida.

Segundo FERREIRA, 1996, a RIO-92, tanto na sua preparação como na sua realização

“gerou um diálogo intenso e duradouro entre militantes verdes de todo o mundo e outros

movimentos sociais, de natureza cultural, corporativa, religiosa, trabalhista, étnica, de

gênero”.

Ainda, conforme a autora, “o engajamento nesse processo pode ser traduzido como a

expressão de um novo projeto social, que ultrapassa os limites setoriais, para a construção de

um espaço comum de luta, no qual a qualidade ambiental não é mais uma causa em si, mas

um componente de um compromisso mais amplo com o futuro e com a sustentabilidade”.

VIOLA e LEIS (1998), estudiosos do movimento ambientalista brasileiro, consideram

que após a Rio-92, o movimento vem atravessando uma fase de “desorientação”, a partir,

sobretudo dos seguintes aspectos:

- “carência de uma agenda estruturada e concreta da questão da sustentabilidade para a sociedade brasileira; - falta de elementos teóricos e analíticos a respeito de como construir-se uma coalizão sócio-política sustentabilista no Brasil (que defina quais são os atores favoráveis, quais os atores abertamente contrários, quais os elementos programáticos a serem negociados, quais os atores mais inclinados a serem persuadidos e que atualmente encontram-se num campo neutro, e qual o timing do processo; - bases organizativas ainda precárias com tendência a sobredimensionar as superestruturas; - comunicação ainda parcial e deficitária intersetores (do ambientalismo);

Page 55: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

51

- produção limitada e baixa circulação da informação”...

Porém, apontam para a necessidade do movimento ambientalista procurar saídas para

o impasse atual do movimento, na linha de assumir as questões acima colocadas, tornando

suas propostas mais realistas e concretas, menos utópicas e radicais. (VIOLA e LEIS,1998).

Por outro lado, colocam também que o movimento deve estabelecer uma atuação

voltada para as políticas públicas que viabilize a sustentabilidade ambiental, incluindo em

suas preocupações a: política agrária, política industrial, política energética, política de

ciência e tecnologia, política financeira.

Em que pese a análise crítica feita por VIOLA e LEIS (1998), visando uma maior

estruturação dos movimentos ecológicos no Brasil e envolvimento da população na luta

ambiental, há que se reconhecer o relevante papel de grupo de pressão exercido por estes

movimentos às agressões cometidas ao ambiente, principalmente por parte dos setores

produtivos.

Ao lado dos movimentos ambientalistas, surgem as Organizações Não

Governamentais – ONG´s, compostas na sua maioria por profissionais das mais diversas

áreas do conhecimento, que vêm realizando estudos técnicos voltados para a questão

ambiental, notadamente na linha da biodiversidade. Estas ONG´s também prestam orientação

técnica aos diversos grupos populares e executam projetos de Educação Ambiental para a

Cidadania, objetivando o aumento da conscientização ambiental das populações.

Enfim, tanto os movimentos sociais rurais, quanto os movimentos ambientalistas e

ONG´s desempenham um papel significativo na sociedade brasileira, o de colocar-se ao lado

das camadas populares na busca do exercício da cidadania e pelo direito à vida, preenchendo

como afirma TREVIZAN e ALGER, 2000, “uma lacuna que o Estado não consegue (ou não

interessa) atender”.

Conforme HABERMAS, 1990, citado por FERREIRA, 1996; “o fato dos movimentos

sociais contemporâneos assumirem traços culturais altamente inovadores não é mero acaso.

Sua razão de ser é a ameaça a identidades coletivas bem demarcadas. Embora, na maioria das

vezes, tais identidades permaneçam vinculadas a particularismos e especificidades

Page 56: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

52

excessivas, estas são obrigadas a cotidianamente incorporar, em si mesmas, o conteúdo

normativo da modernidade... se o estado nacional democrático era até então a única

possibilidade de formação de identidades que fogem a especificidades, aquele capaz de unir o

particular ao universal, a alternativa dos movimentos sociais com o mesmo papel, pode ser

muito mais eficaz à auto-organização e emancipação da sociedade”

2.3. OS PRESSUPOSTOS DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E SUA IMPORTÂNCIA

COMO INSTRUMENTO DE CIDADANIA

A Educação Ambiental deve ser entendida a partir de alguns pressupostos que devem

nortear toda a ação concreta em busca de uma real participação da comunidade em torno das

questões ligadas ao seu ambiente de vida.

Reportamos aqui, a uma afirmativa de FREIRE, 1997, que diz::

“Um esforço de educação, compreendida em sua perspectiva verdadeira não é outra senão a de humanizar o homem na ação consciente que este deve fazer para transformar o mundo”.

À luz desta reflexão, que a primeira vista parece filosófica, é que o autor ressalta que

devemos iniciar as preocupações com o conhecimento da dimensão humana e das diferentes

formas como o homem conhece as suas relações com o mundo e a natureza.

Desse modo, parece inadiável, que a questão ambiental deve ser entendida como a

história das relações, entre o homem e a natureza, tendo o homem como o centro da

discussão.

...”não o homem abstrato, mas o homem concreto, que não existe senão na realidade concreta que o condiciona... Conhecer não é o ato através do qual um sujeito transformado em objeto, recebe dócil e passivamente os conteúdos que os outros lhe impõe. O conhecimento, pelo contrário, exige uma presença curiosa do sujeito em face do mundo. Requer sua ação transformadora sobre a realidade”... (FREIRE, 1977)

Portanto, qualquer tentativa que pretenda a participação comunitária para a

conservação ambiental, envolve a problemática das relações dos homens e o mundo e das

relações com outros homens, no sentido de possibilitar o aprofundamento da tomada de

consciência da realidade em que se situam. E, esta realidade, só pode ser entendida em sua

Page 57: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

53

totalidade, ou seja, a partir da interrelação existente entre a natureza e os aspectos políticos,

sociais, econômicos e culturais, com que se defronta o ser humano.

Para se falar em educação ambiental, é preciso ter claro qual a definição de educação

e de educação ambiental? Quais os conceitos implícitos no processo de educação ambiental?

Quais as características de educação ambiental?

SEARA, 1992, analisando a amplitude da educação ambiental, compreende a

educação como:

“A educação, entendida como processo pedagógico que orienta o indivíduo na expressão de suas potencialidades, conjuga uma série de meios e métodos para desenvolver no educando, sobretudo sua capacidade crítica, seu espírito de iniciativa e seu senso de responsabilidade”.

A partir desse conceito de educação, o autor considera que os objetivos da educação

ambiental são o de “formar uma cidadania com visão objetiva do funcionamento da

sociedade, motivada para a vida coletiva e consciente de que a qualidade de vida das

gerações futuras depende das escolhas que o cidadão fizer em sua própria vida”.

Diante da complexidade que permeia a questão ambiental, compreendendo uma

infinidade de relações físicas, químicas, biológicas, econômicas, políticas, sociais, culturais

que interferem na natureza, sobretudo a partir da ação do homem, a educação ambiental não

deve se transformar em “panacéia para todos os problemas, risco que se corre nestes tempos

em que a preocupação com o meio ambiente se tornou muito aguda e generalizada”.

(SEARA, 1992).

Portanto, as características de um trabalho de educação ambiental devem estas

consubstanciadas numa perspectiva crítica, contextualizada e transformadora, propiciando o

caráter formativo e não só informativo da Educação, bem como uma prática voltada para as

diferentes realidades de vida, conforme propõe ANDRADE, 1993, em sua Dissertação de

Mestrado.

Sendo o tema gerador da educação ambiental o “ambiente”, consideramos importante

definir o seu conceito. Para tal, utilizamos o entendimento expresso na Apostilla “Viva a

Page 58: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

54

Floresta Viva”, elaborada pelo Instituto de Pesquisa e Educação Ambiental – LARUS,

patrocinada pelo Governo de Santa Catarina, que para conceituá-lo parte da idéia de que “a

questão ambiental é a contradição entre o estilo dos atuais modelos de desenvolvimento e

sua sustentação. Este estilo é marcado pela concentração de riquezas e a geração de

pobreza na sociedade e pela poluição e degradação da natureza. Hoje, temos claro que nem

a sociedade resiste à tanta pobreza, nem a Biosfera à tamanha degradação”. Desse modo, o

conceito de ambiente fundamenta-se em que:

“A Biosfera possui apenas duas organizações fundamentais: os ecossistemas da natureza e os sistemas culturais das sociedades humanas. Cada uma delas se comporta de modo diferente. Assim, o ambiente é o resultado das relações entre estas duas organizações. É o resultado das relações entre a sociedade e a natureza.”.

O conceito de educação ambiental adotado nesta pesquisa se pauta nos princípios

definidos pela Conferência de Tbilisi, 1977 que definiu a Educação Ambiental como:

“Uma dimensão dada ao conteúdo e à prática de educação, orientada para a resolução dos problemas concretos do ambiente, através de enfoques interdisciplinares e de uma participação ativa e responsável de cada indivíduo e da coletividade”.

Com estas definições, os pressupostos básicos que norteiam a prática de Educação

Ambiental desenvolvida por esta pesquisadora com os pequenos produtores rurais da

Marambaia, estão fundamentados em ANDRADE e LOUREIRO, In HOMEM D´EL REY,

1993, onde recomendam “a necessidade de repensarmos as nossas relações na natureza,

nossas propostas de vida e sua ética, é que, na Educação Ambiental, propomos alguns eixos

centrais, que são pronunciados por todos, porém pouco compreendidos na origem, tornando-

se “chavões” de discurso que só colaboram para que ela se transforme em uma prática

social limitada, isolada, sem atender aos interesses e necessidades do povo na busca de uma

outra qualidade de vida”.

Os pressupostos da Educação Ambiental, definidos pelos autores estão baseados nas

postulações da Conferência de Tbilisi, 1977, e que foram adotados pela pesquisadora, são:

• Unidade Ecológica – baseada na Hipótese Gaia “consiste na percepção das relações

existentes no planeta como uma teia, em que qualquer alteração local tem efeitos

globais”... “A percepção da Unidade Ecológica, portanto, corresponde a uma visão

Page 59: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

55

holística, que ressaltamos, não deixa de comportar a dialética”...(ANDRADE,

1993).

O paradigma holístico se contrapõe à visão fragmentada do paradigma cartesiano

ainda existente em nossa cultura. O “Holos” significa que “cada parte é um todo”, a

compreensão do conceito de totalidade – holismo (compreensão da realidade que

articula o todo nas partes e as partes no todo, pois vê tudo como um processo

dinâmico, diverso e uno), nos remete ao conceito de interdisciplinaridade, que

possibilita a integração das diversas áreas do conhecimento, a partir da construção de

um novo conhecimento, sem que nenhum abandone ou negue a sua especificidade.

• Interdisciplinaridade – A temática ambiental envolve a interação dos fatores, físicos,

biológicos, sociais, políticos, econômicos, culturais. Portanto, a abordagem

interdisciplinar possibilita a adoção de estratégias para a formação integral do cidadão

na busca de soluções coletivas aos graves problemas socio ambientais. A

interdisciplinaridade propicia a participação de todos os envolvidos no processo

educativo, pois estabelece o diálogo com outro saber, num exercício de pensar e

construir coletivamente um novo saber.

• Participação – Constitui-se na condição essencial para o exercício da cidadania, pois

reconhece a voz competente no outro, não apenas para opinar ou responder

questionários para subsídios dos técnicos em suas pesquisas, mas, sobretudo para

decidir junto sobre o que fazer, como fazer e quando fazer, como bem orienta

HOMEM D´EL REY, 1996. Numa prática de Educação Ambiental, o pressuposto

participativo é imprescindível pois, “a participação é um direito inalienável da

pessoa na tomada daquelas decisões que afetam seu destino, na busca do

desenvolvimento pleno do indivíduo encarado não como elemento isolado, mas como

membro de um corpo social”. (BORDENAVE, 1987).

• Processo contínuo e permanente – Sendo a Educação Ambiental um processo, que

ocorre durante todos os momentos e em todos os espaços sociais, o seu caráter

permanente e contínuo é inquestionável, conforme expressa HOMEM D´EL REY, 1996,

Page 60: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

56

pois segundo a autora, a Educação Ambiental, “é um processo de auto-conhecimento e

auto-transformação do ser humano”.

Os quatro pressupostos teóricos acima referidos aliados à necessidade da prática de

Educação Ambiental se voltar para a realidade concreta na busca da resolução dos problemas

vivenciados pela comunidade envolvida no processo, consubstanciam o papel da Educação

Ambiental na construção da cidadania em busca de um ambiente digno de se viver.

A partir dos pressupostos que servem como princípios básicos ao trabalho educativo na

área ambiental, SEARA, 1997, considera importante destacar os objetivos da EA para a

concepção e a execução dos programas de EA, quais sejam:

Conscientização: ajudar os indivíduos e os grupos sociais a tomarem consciência de

como o ambiente global e local interage com suas atuações cotidianas. Desta forma amplia-se

o nível cognitivo dos indivíduos e grupos sociais, facilitando o processo de conscientização

deles sobre o meio ambiente e seus problemas.

Conhecimentos: ajudá-los a compreender o ambiente global, a multiplicidade de relações

que existe entre os elementos que o constituem, o homem inclusive, a responsabilidade e o

papel crítico reservado a ele. É preciso despertar o sentimento e a emoção das pessoas frente

às questões sócio-ambientais.

Atitudes: levá-los a desenvolver valores sociais, sentimentos de interesse pelo ambiente e

motivação forte para tomar parte na tarefa de conservá-lo e melhorá-lo.

Competências: desenvolver entre eles competência específica que tornem operativos os

conhecimentos e as atitudes adequadas através das ações concretas sobre o ambiente.

LOUREIRO, 1992, em sua Dissertação de Mestrado, afirma que a “Educação Ambiental

é um processo educativo, de formação da cidadania que visa a Qualidade de Vida dos

envolvidos. Assim a especificidade da Educação Ambiental é trazer para a Educação o

respeito à Vida como seu eixo central, promovendo a superação da dicotomia sociedade-

natureza em um processo crítico de construção da cidadania”.

Page 61: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

57

O processo crítico de construção da cidadania, segundo o autor, passa pela adoção da

interdisciplinaridade na prática educativa, pois “é uma resposta clara contra essa sociedade

injusta em sua estrutura e que aliena o homem de si e em suas relações, que produz o

individualismo exacerbado e limita o lado criativo e coletivo de todos nós”. (LOUREIRO,

1992).

Em um trabalho junto às camadas populares, LOUREIRO, 1992, observa que um dos

“primeiros elementos a se aflorar é a arrogância das classes dominantes que ao impor seu

projeto de exclusão social, levou as classes populares a uma luta perversa pela

sobrevivência. Esse processo induziu os moradores de áreas carentes a uma postura dúbia:

há momentos de profundo individualismo, valendo de tudo para se conseguir concretizar um

objetivo, simultaneamente ao desejo de organização comunitária como caminho reconhecido

para se melhorar as condições de vida”.

Portanto, os desafios a serem enfrentados numa prática participativa de educação

ambiental com pequenos produtores rurais (excluídos socialmente) são muitos. E uma das

maiores dificuldades é como confrontar a teoria com a prática da Educação Ambiental, pois

observamos que a maioria das propostas educativas junto às camadas populares está

desvinculada do ambiente de vida das pessoas, dos reais interesses e necessidades da

população.

Neste contexto de luta pela sobrevivência vivenciada pelos pequenos produtores rurais de

um assentamento de reforma agrária (Marambaia), consideramos importante ressaltar o

ensinamento fornecido por HOMEM D´EL REY, 1996, quando afirma:

“Por isso dizemos que vivenciar a EA exige uma pedagogia diferente da utilizada na escola. Essa pedagogia diferente, capacitadora, nós do GEA (Grupo de Estudos em Educação Ambiental – UFRJ) chamamos de ‘pedagogia de desafios’, porque trabalhar a EA contextualizada, participativa, capacitadora, conseqüentemente, emancipatória, é atuar no confronto da correlação de forças que interagem na problemática de vida das pessoas”.

Portanto, avançar neste processo de construção de uma educação ambiental popular, ou

melhor, utilizar a “pedagogia dos desafios”, exige a adoção de modelos metodológicos que

respondam aos desafios da sobrevivência. Várias são as metodologias existentes no campo

científico, porém concordamos com LOUREIRO, 1992, de que “as metodologias

Page 62: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

58

participativas são as mais adequadas para a construção do conhecimento através da práxis

social e da aproximação teórica e prática”. Por ser um desafio, devemos enfrentá-lo.

2.4. A PESQUISA-AÇÃO COMO ESTRATÉGIA DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL NOS

ASSENTAMENTOS DE REFORMA AGRÁRIA

Lutar pela sobrevivência e conquistar sonhos de uma vida melhor são os desafios

colocados aos assentados de reforma agrária, que vivem numa sociedade onde a exclusão

social é uma tônica do estilo de desenvolvimento adotado no país.

Em se tratando de uma comunidade rural, onde os seus mais elementares direitos não

estão garantidos, falar da problemática ambiental parece ser a primeira vista uma questão

distante do seu cotidiano de vida. Isto é um grande desafio, porém não devemos utilizar o

argumento de que não estando resolvidas as condições sociais mínimas das pessoas, qualquer

proposta de Educação Ambiental está fadada ao fracasso. Por que afinal, o que é educação?

E, por conseguinte, o que é a educação ambiental?

FREIRE, 1993, expoente da educação popular, nos ensina que:

“Não haveria educação se o homem fosse um ser acabado. O homem pergunta-se: quem sou?, de onde venho? Onde posso estar? O homem pode refletir sobre si mesmo e colocar-se num determinado momento, numa certa realidade: é um ser na busca constante de ser mais e, como pode fazer esta auto-reflexão, pode descobrir-se como um ser inacabado, que está em constante busca. Eis aqui a raiz da educação”.

Em se tratando de educação ambiental, cabe aqui mencionar VIEZZER e OVALLES,

1995, que afirmam “a educação popular ambiental se baseia na premissa de que é na

reflexão sobre a ação individual e coletiva em relação ao meio ambiente que se dá o

processo de aprendizagem. ‘A beleza de ser um eterno aprendiz’, na expressão de

Gonzaguinha, adequa-se particularmente à educação ambiental. Porque a relação dos seres

humanos com o meio ambiente nunca é um assunto acabado. ‘É a vida’.

Portanto, o que vai garantir o sucesso ou não de um trabalho educativo ambiental

popular é o “olhar sobre a realidade”, no caso o ambiente de vida dos assentados. Este

enxergar o ambiente precisa segundo HOMEM D´EL REY, 1997 “ser com os olhos de todos

Page 63: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

59

os sujeitos e para todos os lados. As prioridades precisam ser definidas em conjunto e a

responsabilidade da implementação do processo, compartilhada por todos”.

TREVIZAN, 2000, afirma que “o discurso da biodiversidade, da sustentabilidade

ambiental para futuras gerações, do mau cheiro, etc., pode ser convincente num contexto de

classe média e alta, de bem alimentados e despreocupados com o agora. Mas, num ambiente

social de fome, miséria e desespero pela sobrevivência, tal discurso não ecoa ou provoca

indignação”.

Concordamos com o autor, pois algumas propostas de educação ambiental se pautam

no discurso, na teoria, numa visão fragmentada do ambiente, ou seja, prioriza o aspecto

natural, desvinculada da realidade social e cultural. Além de algumas propostas serem

impostas, numa postura de que a verdade científica é a única, sendo a comunidade um mero

objeto de pesquisa. Uma educação ambiental pautada nesta prática, aí sim, “não ecoa” ou

“provoca indignação”.

Contudo, existem experiências de educação ambiental no Brasil, realizadas em

contextos onde a comunidade, mesmo em estado de precárias condições de vida, deu um

salto qualitativo e coletivamente conseguiu resolver os problemas vivenciados. É bem

verdade, que a maioria dessas experiências foram desenvolvidas em áreas urbanas (favelas,

bairros populares, morros, etc.,). Porém algumas também se realizaram em áreas rurais

(seringueiros, áreas de inundações por Barragens, etc.).

Parece que o diferencial está no tipo de metodologia adotada, na postura e no

compromisso do profissional e nos objetivos pretendidos das propostas de educação

ambiental popular.

Os métodos de educação popular, tão bem desenvolvidos por Paulo Freire e por

diversos movimentos sociais no campo e na cidade, podem ser adotados em uma prática de

educação ambiental, pois preconiza a formação de cidadãos críticos e conscientes no seu

papel de transformar a realidade. Se a realidade socio ambiental é de fome e de miséria, a

deterioração do ambiente se dá em virtude do uso dos recursos naturais pela comunidade para

responder as suas necessidades imediatas de sobrevivência. Portanto, uma proposta de

Page 64: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

60

educação ambiental de caráter popular e de ação política deve se adequar e esta realidade e

não desvinculada dela.

Desse modo, a opção pela pesquisa-ação se baseia em THIOLLENT, 1995, que a

entende como “uma estratégia metodológica de pesquisa social, onde a participação dos

pesquisadores é explicitada dentro da situação de investigação e quando os pesquisadores

não querem limitar suas investigações aos aspectos acadêmicos e burocráticos da maioria

das pesquisas convencionais”.

Estas modalidades de pesquisas participativas têm como premissa básica facilitar às

pessoas os meios para que possam conduzir mais livremente as transformações que se fazem

necessárias a um processo educativo.

A ação transformadora da realidade é uma premissa básica da pesquisa-ação que

segundo THIOLLENT, 1985 “tem sido concebida principalmente como metodologia de

articulação do conhecer e do agir (no sentido de ação social, ação comunicativa, ação

pedagógica). De modo geral o agir remete a uma transformação de conteúdo social,

valorativamente orientada no contexto da sociedade. Paralelamente ao agir existe o fazer

que corresponde a uma ação transformadora de conteúdo técnico delimitado”.

Porém, vale mencionar que as metodologias participativas são bastante criticadas no

meio acadêmico e científico, pois muitas vezes “são confundidas com ativismo político,

espontaneísmo e populismo, que desencadeiam um processo anti-científico, e

inevitavelmente fogem ao saber e às categorias analíticas indispensáveis”. (ANDRADE, et al,

1994).

Entretanto, pesquisadores como Michel Thiollent, Carlos Rodrigues Brandão, João B.

Pinto, Pedro Demo e outros vêm desenvolvendo pesquisas sociais com base na metodologia

participativa, dando significativas contribuições ao meio científico, “tornando a modalidade

importante opção metodológica nas áreas humanas e sociais e, especificamente, em educação

voltada para as classes populares”. (LOUREIRO, 1992).

Vencido este preconceito “academicista”, reafirma-se a necessidade de dizer que

“podemos optar por instrumentos de pesquisa não aceitos pela maioria dos pesquisadores de

Page 65: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

61

rígida formação à moda antiga, sem por isso abandonar a preocupação científica”, como

bem coloca THIOLLENT, 1985.

Isto porque uma pesquisa-ação não se constitui apenas pela ação e participação, mas

também produz conhecimentos, vivencia experiências, contribui nos debates e discussões

sobre a temática abordada. (THIOLLENT, 1985).

Desse modo, consideramos que a pesquisa-ação se constitui em uma das estratégias

de educação ambiental nos assentamentos de reforma agrária, pois consiste em gerar na

comunidade um processo de auto-diagnóstico e de auto-transformação, com vistas não só a

conscientização dos seus problemas, mas que também conheçam as causas e proponham

soluções para as necessárias mudanças.

Na aplicação desta metodologia de pesquisa-ação os pesquisadores e pesquisados

(assentados) exercem relevante papel enquanto seres ativos e participantes no processo de

mudança de percepção e na atitude dos assentados perante seus problemas ambientais, que de

certa forma influenciam nas suas condições de sobrevivência.

Por mais difícil que seja colocar a temática ambiental no âmbito das discussões do

ambiente de vida dos assentados, vale a pena tentar. Por que só no enfrentamento dos

problemas é que juntos encontraremos as saídas, os caminhos para a sustentabilidade socio

ambiental. Assim, a educação ambiental de caráter popular pode ser um “instrumento crítico”

de viabilização do desenvolvimento sustentável nos assentamentos de reforma agrária.

Page 66: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

62

CAPÍTULO 3. CONHECENDO A MARAMBAIA

“O desenvolvimento de uma consciência crítica que

permite ao homem transformar a realidade se faz cada

vez mais urgente. Na medida em que os homens,

dentro de sua sociedade, vão respondendo aos desafios

do mundo, vão temporalizando os espaços geográficos

e vão fazendo história pela sua própria atividade

criadora”.

Paulo Freire (1983)

A escolha da comunidade rural estudada incidiu sobre uma área de reforma agrária

denominada Marambaia, localizada a 6 Km da cidade de Itacaré, no entroncamento da BA –

001 da estrada Ilhéus-Itacaré e da BA-654 da estrada Ubaitaba-Itacaré, no Litoral Sul da

Bahia, uma das poucas regiões do Brasil onde se encontram ainda significativos

remanescentes da Mata Atlântica.

A Mata Atlântica do Sul da Bahia vem sendo estudada por pesquisadores nacionais e

internacionais, em virtude do alto grau de biodiversidade verificada na região, principalmente

na zona cacaueira, conforme aponta ARAÚJO, et al, 1998 “A região sul da Bahia, mais

especificamente entre os rios Jequitinhonha e Contas, conserva a parcela mais significativa

deste Bioma no Nordeste do Brasil, apresentando uma grande riqueza de espécies da fauna e

flora, sendo considerada por diversos estudiosos como um dos principais centros de

endemismo da Mata Atlântica”.

MENEZES et al, 1992, aponta que o sul da Bahia, “comparado com outras regiões da

costa brasileira, destaca-se por abrigar importantes remanescentes da floresta tropical úmida

conhecida como Mata Atlântica. A região caracteriza-se por apresentar um alto grau de

endemismo florístico e faunístico, o que lhe confere destaque especial nas preocupações

mundiais com a preservação da biodiversidade”.

Page 67: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

63

Neste contexto de florestas remanescentes da Mata Atlântica, foi implantado em

1986, pelo MIRAD/INCRA, o Assentamento da Marambaia, através do Decreto nº 9.319 de

29/08/86, com emissão de posse expedida em 07/10/86, composto inicialmente por 32

famílias, com área total de 809,57 hectares, sendo 25 hectares a área média por parcela e 7

hectares a área comunitária.

O recente documento elaborado pela Prefeitura Municipal de Itacaré “Agricultura de

Itacaré: uma proposição 2001-2004 (Versão Preliminar), analisa a situação da agricultura no

município e aponta que depois de mais de 300 anos de exploração dos recursos naturais da

Região Cacaueira da Bahia, o município atravessa uma profunda crise econômica e social

decorrentes da crise da monocultura do cacau repercutindo de forma dramática na massa de

trabalhadores rurais desempregados acarretando sérias limitações no sistema produtivo local

com desdobramentos negativos para o conjunto da sociedade. Para efeito de planejamento, o

espaço físico de Itacaré composto de 739 Km2 foi dividido em três sub-áreas: Sub-área 1

(faixa interiorana); Sub-área 2 (faixa central) e Sub-área 3 (faixa litorânea).

Conforme o documento, a comunidade rural da Marambaia está situada na Sub-área 3

(faixa litorânea), onde estão concentrados os melhores atrativos naturais de Itacaré: praias

paradisíacas emolduradas por um relevo destacado, onde se verifica a ocorrência de

remanescentes da Mata Atlântica, a zona estuarina do Rio de Contas, a foz do Rio Jeribucaçu

e a foz do Rio Tijuípe com trechos de manguezais que reúnem uma rica diversidade

biológica. Portanto, neste espaço aplica-se o conceito de desenvolvimento sustentável. Por

isso, aponta o documento que ao se estabelecer as políticas de governo municipal para a

agricultura deve-se cuidar dessa faixa litorânea para não subordinar a dimensão ambiental ao

livre arbítrio dos fluxos econômicos e do mercado.

Porém, o documento alerta para o fato de que nessa área residem exemplos gritantes

de “domínio da natureza”, de forma equivocada, através da derrubada intensa e

indiscriminada dos maciços florestais da Mata Atlântica para a implantação das comunidades

rurais da Marambaia (1986) e Camboinha, bem como da Matinha e da Mata Grande.

Seguindo-se um processo predatório que ameaça a integridade das populações locais, o que

exige medidas preventivas com o objetivo de se estabelecer um pacto social ambiental

envolvendo os agentes sociais, econômicos e políticos na busca de um novo marco para o

mercado e para o meio ambiente.

Page 68: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

64

A Marambaia, a partir de 1993, assim como outros aglomerados humanos existentes

no eixo de Itacaré e Serra Grande, passou a integrar-se aos domínios da Área de Proteção

Ambiental - APA Costa de Itacaré-Serra Grande, criada pelo Governo do Estado da Bahia

através do Decreto nº 2.186 de 07/06/93, cujo Plano de Manejo foi aprovado pelo Conselho

Estadual de Meio Ambiente – CEPRAM, Resolução nº 1.334 de 19/12/96 e pelas Câmaras de

Vereadores, Leis nº 175/96 (Uruçuca) e nº 118/97 (Itacaré). O Plano de Manejo da APA é

composto por três componentes: Diagnóstico Ambiental, Zoneamento Ecológico e

Econômico e Plano de Gestão.

A administração da APA inicialmente foi exercida pela Secretaria da Cultura e

Turismo, através da Coordenação de Desenvolvimento do Turismo - CODETUR e, com o

Decreto Estadual nº 7527/99 a gestão de 23 APAs estaduais passou para a competência do

Centro de Recursos Ambientais – CRA, órgão executor da Política Estadual de Meio

Ambiente do Estado da Bahia.

3.1. Caracterizando o ambiente natural e o ambiente construído

Para a caracterização do ambiente foram utilizadas as informações sobre os aspectos

físico-naturais descritos no Diagnóstico Ambiental da APA que compõe o Plano de Manejo,

1998 e que de uma maneira geral incidem na Marambaia. As informações referentes às

condições de vida (educação, saúde, moradia, saneamento) foram coletadas através de

entrevistas realizadas junto às lideranças locais e de consulta a dados secundários a exemplo

do Plano de Desenvolvimento Sustentável - Marambaia elaborado pela COOTEBA-

LUMIAR, 2000 e do Projeto Comunidades Rurais e Florestas da APA Itacaré – Serra Grande

do IESB/FUNBIO, 2000.

3.1.1. O ambiente natural

A vegetação predominante na microrregião de Itacaré, que também está representada

no Assentamento da Marambaia é a Mata Atlântica Ombrófila Densa, constituída por uma

formação vegetal de folhagem sempre verde, sem resistência a seca. Apresenta-se como

vegetação secundária em três estágios: inicial, médio e avançado de regeneração.

Page 69: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

65

No estágio inicial, a vegetação permeia de forma irregular o assentamento alternando

com outras vegetações no estágio médio e avançado.

No estágio médio, a vegetação arbórea e/ou arbustiva predomina sobre os extratos

herbáceos, podendo constituir extrato de diferentes alturas.

No estágio avançado apresenta fisionomia arbórea dominante sobre os demais

extratos.

No assentamento, os recursos florestais são naturais e manejados. Nas formações

florestais as matas remanescentes são compostas por capoeiras finas e grossas e árvores de

grande porte. Espécies raras e endêmicas da Mata Atlântica existentes na APA, também se

fazem representar na Marambaia como: cedro, embaúba, ipê, jacarandá-da-baía, jequitibá,

gindiba, sapucaia, jatobá, maçaranduba, matataúba, pau pombo, piqui, piaçava, sucupira,

angelim, imbirussu, passuaré, aderno, condurú, mussitaíba. Encontram-se também na

Marambaia muitas orquídeas, bromélias, cipós.

Figuras 1 e 2 - Árvores e cipós no Lote do parceleiro Beca

Nas áreas manejadas o solo é ocupado por pequenas pastagens e por cultivos agrícolas

como o urucum, piaçava, dendê, coco-da-baía, mandioca, laranja, abacaxi, cultivadas de

forma individualizada em virtude do assentamento ter sido parcelado em 32 lotes. Estudos

realizados pelo COOTEBA/LUMIAR, 2000, apontam que os cultivos financiados ocupam

menos de 1/3 das áreas agricultáveis, conforme quadros abaixo:

Page 70: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

66

QUADRO 1 - TIPOS DE CULTIVOS AGRÍCOLAS

CULTIVOS FONTE DE FINANCIAMENTO

Nº DE PLANTAS

ÁREA PLANTADA

PRODUÇÃO ANUAL

Coco Programa da Terra -BNB 12.306 82 ha 146 frutos/ha

Dendê Programa da Terra –BNB 476 04 ha -----------

Cravo Programa da Terra –BNB 67 01 ha -----------

Guaraná Programa da Terra –BNB 115 01 ha -----------

Café Programa da Terra –BNB 57 01 ha -----------

Urucum Programa da Terra –BNB 3.140 05 ha 05 kg/ha

Abacaxi Recurso próprio 2.470 02 ha -----------

Laranja Recurso próprio 318 01 ha -----------

Piaçava Recurso próprio 2.247 12 ha -----------

Mandioca Proagri/BNB ---------- 99 ha 08 sc/farinha/ha

TOTAL -------- ---------- 208 ha ---------- FONTE: COOTEBA/LUMIAR, 2000

Ainda, segundo a COOTEBA/LUMIAR, 2000, a ocupação do solo no contexto geral

do Assentamento apresenta o seguinte quadro:

QUADRO 2 - OCUPAÇÃO DO SOLO

ATIVIDADES ÁREA/HA

Pastagem Natural 35,00 ha

Pastagem Artificial 24,00 ha

Reserva Legal * 149,57 ha

Reserva Permanente * 100,00 ha

Infra-estrutura 23,00 ha

Área Inutilizável 5,00 ha

Área s/ utilização 265,00 ha

Área cultivada 208,00 ha

TOTAL 809,57 ha FONTE: COOTEBA/LUMIAR, 2000

* As áreas referentes a reserva legal e permanente foram estimadas da diferença das demais áreas.

Page 71: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

67

Da área total do assentamento que corresponde a 809,57 hectares, verifica-se que

208,00 hectares estão ocupados por cultivos agrícolas, predominando o cultivo da mandioca

que ocupa 99,0 hectares e o coco com 82,0 hectares. (COOTEBA/LUMIAR, 2000).

Segundo o Plano de Manejo da APA esta unidade de conservação é caracterizada pelo

alto grau de biodiversidade. Estudo realizado sobre a fauna detectou a ocorrência de 211

espécies de vertebrados, dentre estes, representados com maior diversidade a avifauna com

122 espécies, seguido dos répteis, mamíferos e anfíbios com 48, 37 e 5 espécies

respectivamente. A fauna tem importância fundamental na sobrevivência dos ecossistemas

devido às inter-relações biológicas. Entre 50% a 90% das espécies arbóreas e arbustivas são

visitadas por dispersores de semente, correspondendo a 80 % da fauna de aves e mamíferos.

(BAHIATURSA, 1998).

Com relação à fauna existente na Marambaia, os parceleiros informam que “tem

diversos animais na área como a cutia, mico, ouriço, tatu, caititu, paca, preguiça, papa mel,

tamanduá, teiú, sariguê, raposa, cobras (pico de jaca, jaracussú, surucucu, pingo de ouro,

coral), pássaros (jacu, pássaro preto, chororó, juruti). Porém fazem a ressalva de que

“depois do asfaltamento da estrada (BA 001), alguns bichos desapareceram, tem caçadores

que vêm de fora para caçar na área, principalmente a araponga. Esses caçadores moram no

Capitão e vêm caçar na Marambaia”.

Os tipos de relevos da microrregião são: a) área de baixa vulnerabilidade à erosão,

correspondente aos topos conservados dos tabuleiros; b) área de moderada vulnerabilidade,

predominante em toda microrregião e correspondem aos interflúvios abaulados com

declividade em tono de 15%; c) área de alta vulnerabilidade correspondente às planíceis

marinhas e fluviais e às vertentes íngremes e d) área de vulnerabilidade crítica,

correspondente aos terrenos lamosos de alta impermeabilidade. Na área do assentamento

predomina o relevo de tabuleiro apresentando morros com ondulações média e forte que são

separados por vales.

O clima predominante é o Tropical Úmido, sem estação seca acentuada e temperatura

média anual entre 210 C e 250 C. A precipitação pluviométrica é de regime regular, com mais

abundância entre os meses de outubro e dezembro e uma pluviosidade de 1.750 mm a 2.000

Page 72: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

68

mm anuais. Os ventos predominam na direção sudeste, com uma velocidade entre 0,93 m/s e

1,37 m/s. A incidência solar média anual indica 6,7 horas/dia.

Os materiais que originaram os solos da microrregião são formados por sedimentos da

formação barreira, de rochas ácidas, de sedimentos de origem marinha e de materiais

oluviocoluvionares.

A área do assentamento apresenta diversas classes de solos: Latossolo amarelo;

Podzol mais hidromórficos; Latossolo vermelho-amarelo; Cascalhento distrófico a moderado;

Areia quartzosa distrófica e Latossolo vermelho-amarelo distróficos. Na sua maior parte (80

%), o solo corresponde ao Solo Laterita (cascalho), que flora a 20 cm da superfície da terra.

A classe de solo predominante é o Latossolo Vermelho Amarelo cascalhento distrófico, de

baixíssima sustentabilidade à agricultura tradicional. A análise química, coletada em áreas do

assentamento, pela COOTEBA/LUMIAR em 1999, constatou acidez elevada com PH de 3,5

a 4,5.

Os principais cursos d´agua que banham a microrregião são: Rio de Contas, Riacho

das Piabas, Rio Canoeiro, Rio da Ribeira Grande, Riacho Três Irmãs e o Rio Jeribucaçu que

atravessa o Assentamento Marambaia e que contribui para o abastecimento da cidade de

Itacaré. No assentamento existem muitas nascentes como a do rio Canoeiro, localizado

próximo às margens da BA 001 Ilhéus-Itacaré e da área comunitária do assentamento e

córregos Dos Netos e Duas Irmãs.

Figura 3 - Rio Jeribucaçu

Page 73: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

69

3.1.2 O ambiente construído

A Marambaia como já mencionado, é um assentamento de reforma agrária, decretado

pelo INCRA com emissão de posse expedido em 1986, para assentar 32 famílias, tendo cada

parcela, a área média de 25 hectares, onde pelo projeto do assentamento ficou condicionado

que cada área destinasse 20% demarcados como reserva legal, atendendo ao Código Florestal

Lei Federal nº 4.771/65. A área comunitária corresponde a 7,0 hectares, onde existem os

seguintes equipamentos: o Centro Comunitário José Carlos Arruti Reis com três salas onde

são realizadas as reuniões, as festas, os eventos e, também, duas salas de aulas improvisadas,

a Casa de Farinha Comunitária construída através do convênio INCRA/CAR, um Posto

Telefônico, um Bar/Mercearia, um Viveiro de Mudas Comunitário, uma Igreja Adventista.

Encontra-se em fase de conclusão a construção de outra Casa de Farinha.

A organização social da comunidade é exercida através da Associação dos Parceleiros

da Marambaia, fundada desde a emissão de posse pelo INCRA. Os 32 associados

representam as famílias assentadas que se reúnem mensalmente na segunda-feira de cada

mês, onde são discutidas coletivamente todas as questões referentes ao assentamento.

Figuras 4, 5 e 6 – Reunião da Associação dos Parceleiros da Marambaia

Page 74: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

70

A Marambaia constitui-se em um espaço geográfico e social onde vivem

aproximadamente 250 pessoas, entre homens, mulheres, jovens e crianças. Nos 32 lotes

distribuídos em 809,5 hectares há aqueles cujos lotes se situam próximos à área comunitária

entre as margens das estradas BA-001e BA-654 e a maioria distante do eixo da estrada, o que

dificulta o acesso dos parceleiros aos serviços públicos.

O depoimento de uma parceleira mostra quem são seus moradores:

“Inicialmente eram 32 famílias, onde 3 são mulheres. Hoje já estamos chegando a mais de 250 pessoas, mais de 50 mulheres e mais ou menos 100 crianças, que vem lutando no mesmo chão, sofrendo sem colégio, falta de iniciativa do governo.” (D.Otília Nogueira - parceleira)

Todas as famílias têm o perfil de trabalhador rural, que com o desemprego ocasionado

pela crise da lavoura cacaueira, partiram na busca de terra para trabalhar. Antes do processo

de ocupação da área viviam como empregados nas fazendas de cacau em Itacaré e em

cidades circunvizinhas.

Hoje, esses pequenos produtores rurais vivem em condições precárias de vida, sem

assistência técnica, sem apoio à saúde, à educação, ao saneamento – água encanada e esgotos

domésticos, sem energia elétrica, apesar da rede elétrica atravessar a área comunitária do

assentamento. Enfim, com baixos níveis de bem-estar social e excluídos do processo sócio-

econômico.

No assentamento as duas salas improvisadas pela Associação dos Parceleiros atendem

em torno de 76 alunos de 1ª a 4ª séries do ensino fundamental contando com a ajuda da

Prefeitura de Itacaré que disponibilizou duas professoras para o ensino. Os alunos não

recebem a merenda escolar que aliado à dificuldade de deslocamento das crianças dos seus

lotes para a área comunitária constituem-se nos principais fatores da evasão escolar, além da

utilização da mão-de-obra infantil nos trabalhos agrícolas e, principalmente na fabricação da

farinha. No período noturno, através do Programa de Alfabetização Solidária, iniciou-se a

alfabetização de adultos com baixa freqüência dos parceleiros em virtude da distância que

existe entre o local de moradia (lotes) e o Centro Comunitário. O nível de escolaridade é

baixo entre os assentados e nenhum deles tem 2o grau, mesmo que incompleto. A maioria

Page 75: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

71

aprendeu a ler e a escrever de forma autodidata, pois não tiveram oportunidade de freqüentar

a escola, fato comum no meio rural.

Figura 7 – Sede do Centro Comunitário Figura 8 - Jovens da Marambaia em

intervalo entre aulas, no Centro Comunitário

QUADRO 3 - ESCOLARIDADE

SEXO ALFABETIZADO 1º GRAU FAIXA

ETÁRIA Masc. Fem. Total Sim Não Incom. Comp.0 a 6 anos 07 21 28 10 18 - -

7 a 13 anos 21 26 47 45 02 - -

13 a 17 anos 28 21 49 43 03 01 02

17 a 50 anos 31 29 60 44 11 02 03

> 51 anos 15 11 26 14 12 - -

TOTAL 102 108 210 156 46 03 05 FONTE: COOTEBA / LUMIAR, janeiro de 2000

O quadro acima indica a distribuição populacional do assentamento, estimada em

aproximadamente 210 pessoas residentes, das quais 102 são do sexo masculino e 108 do sexo

feminino. Estima-se que existam 80 crianças e 50 jovens que auxiliam os pais nas atividades

laborativas. Esse segmento populacional não tem opções na área de trabalhos alternativos que

busque integrar o ensino à iniciação profissional. As opções de lazer são poucas,

restringindo-se ao banho no rio e à pesca.

Page 76: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

72

As moradias em sua maioria são de taipas e tábuas com cobertura de telhas ou

amianto, apenas as edificações da área comunitária são construídas de alvenaria. Os cômodos

das casas são pequenos, constituídos de uma sala e dois quartos e uma cozinha, geralmente

do lado de fora da casa e o fogão é à lenha na maioria das casas e as necessidades fisiológicas

“são feitas no mato”. A maioria das moradias não possui sanitários.

Figuras 9 e 10 – Moradias dos parceleiros da Marambaia

A água é adquirida através do deslocamento dos parceleiros aos rios e córregos

(fontes) próximos aos lotes, muitas vezes distando um quilômetro da casa. Nos rios e

córregos lavam, tomam banho e pegam a água de beber, sem nenhum tratamento para o

consumo humano.

Figura 11 – Rio Jeribucaçu e seus usos pela comunidade

A ausência de saneamento na área constitui-se um fator agravante para a saúde de

seus moradores, contribuindo para a precariedade das condições de vida dos habitantes da

Marambaia. O problema de saúde é sempre enfocado dentro da necessidade do serviço de

saúde e não da necessidade do estado de saúde. Ainda é muito marcante a idéia de saúde

como algo biológico. No final dos anos setenta o conceito de saúde foi sendo revisto,

Page 77: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

73

trabalhado e ampliado para algo que se relacione à qualidade de vida, apesar de a OMS ter

afirmado desde 1946, que "saúde é um completo bem estar físico, mental e social e não

apenas ausência de doença e incapacidades". Com essa compreensão, observa-se uma

estreita relação entre saúde e saneamento ambiental, entendido como um conjunto de ações

que tendem a conservar e melhorar as condições do ambiente em benefício da saúde.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde - OMS, a precariedade dos serviços

de saneamento básico no Brasil é hoje responsável por cerca de 80% das doenças que

atingem a população e algo em torno de 65% das internações hospitalares.

O lixo doméstico é jogado a céu aberto nos fundos das casas e na maioria das vezes

queimados, possibilitando a contaminação do lençol freático, dos rios e dos córregos, que

aliado à falta de esgotamento sanitário, têm se constituído em uma ameaça à saúde dos seus

moradores.

Para agravar a situação a administração municipal há quatro anos vem utilizando

áreas dos lotes dos parceleiros situados no Km 4 para a destinação final do lixo da cidade, o

que vem causando revolta na comunidade, pois segundo depoimento de D. Otília “nós

pedimos que a Prefeitura jogasse o sargaço da praia nas roças porque servia como

adubação e não todo o lixo da cidade, o chorume vai para o água do riacho que chega na

presa onde todo mundo usa misturado com lixo de hospital. Peço as autoridades competentes

uma providência quanto a isso, a construção de um Aterro Sanitário em Itacaré”.

Figura 1 – Destinação Final do lixo da cidade de Itacaré em áreas de parceleiros

Page 78: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

74

O assentamento não dispõe de serviços de saúde, tendo seus moradores que se

deslocar 6 km, de ônibus, bicicletas, carroças ou até mesmo a pé, para o Hospital e Centro de

Saúde de Itacaré e em casos mais graves aos serviços de saúde das cidades de Ilhéus e

Itabuna. “Nós que somo da área rural, trabalhador, além do trabalho arde ainda a caminhada à cidade em busca de médico e às vezes volta sem ser atendido. È muito difícil”. (Sr. Juraci – Parceleiro).

Estudo realizado pela COOTEBA/LUMIAR, 2000, destacou que no assentamento não

há registro de epidemias e doenças crônicas que causassem morte na comunidade local.

Porém, notificou a existência de doenças infecto-contagiosas e outras doenças em pessoas

acima de 40 anos de idade em decorrência dos esforços físicos no trabalho rural e a falta de

assistência médica. Registrou-se a ocorrência de anemia, deficiência visual, hipertensão,

diabetes, tuberculose, doença mental, problemas na coluna, hérnias de disco, diarréias,

doenças respiratórias e de pele.

Parte das famílias costuma realizar exames de rotina quando solicitados, mas também

utilizam com muita freqüência os remédios caseiros, conforme depoimentos:

“Esta planta se chama gelol. A gente prepara no álcool para dá massagem nas dores e as dores desaparecem, nas circulações das veias, das varizes e desaparecem tudo logo passando o gelol com álcool nas pernas. Essa planta aqui é o elixir paregó que serve para ressecamento ”. (Beca)

“Temos plantas medicinais para o intestino, febre, problema de pele, o que temo é planta medicinal”. (Otília)

O sistema de trabalho é a agricultura familiar, cuja principal atividade econômica de

subsistência da comunidade é o cultivo da mandioca que se baseia no método tradicional de

corte e queima da floresta e da capoeira representando uma ameaça à conservação das

florestas de suas propriedades e das áreas vizinhas pelos riscos de queimada, prática

culturalmente utilizada pelos parceleiros. Atualmente, o Plano de Manejo da APA e as

legislações federal e estadual de meio ambiente fazem restrições e até proibições quanto ao

uso da terra da forma como tradicionalmente os parceleiros fazem para o cultivo da

mandioca.

Page 79: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

75

Figura 13 - Roça de mandioca em Lote de Parceleiro da Marambaia

A farinha é a principal fonte de renda da maior parte das famílias assentada

beneficiada de forma comunitária na Casa de Farinha (Farinheira). Cada família contribui

com 10% para a manutenção da Farinheira em regime de arrendamento. A casa de Farinha é

também utilizada por produtores rurais da Camboinhas, Taboquinhas e Uruçuca que pagam

15% da renda gerada pela venda da farinha à Associação dos Parceleiros da Marambaia. Eles

trazem a mandioca descascada e utilizam os equipamentos da casa de Farinha. Porém, a

situação vem se agravando, causando um estado de desânimo na comunidade, conforme

expressa o responsável pela Casa de Farinha:

“A nossa produção na farinheira reduziu muito. Antes, alguns anos e meses atrás, a produção seria de 18, 19 a 20 sacos de farinha que a Associação disputava de renda. Hoje, por motivos de não poder mais desmatar, a renda reduziu para 8 sacos, demonstrando a situação nossa de como estamos vivendo aqui por motivo de também existir essa lei de preservação que nós somos de acordo. Não podemos destruir esse ambiente, esse verde que é muito lindo, Por esse motivo que a situação está sendo caótica”. (Juraci).

Como a produção agrícola do lote não dá sustentação econômica alguns moradores

sobrevivem de outras fontes de renda como aposentadorias, atividades de pedreiros,

carpinteiros, ambulantes, artesãos, carroceiros.

“Eu trabalho, vou para a feira sobreviver. Seu Indalício está sendo carroceiro para ter sobrevivência. Eu vou para Ubaitaba para ganhar R$10,00 por dia para poder ter sobrevivência. Nós temos urucum, pinha, banana, mandioca, temos tudo, mas não dá sobrevivência”. (Beca)

Page 80: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

76

Figuras 14, 15 e 16 – Casa de Farinha Comunitária

No assentamento não existe um sistema de criação coletiva de animais, mas criatórios

de pequeno porte (domésticos) em fundos de quintal, a exemplo de galinhas, porcos, patos,

para o consumo familiar.

Os meios de transportes utilizados pelos parceleiros são: ônibus, caminhão, bicicleta

ou conforme as condições econômicas à caminhada até o centro da cidade.

Em seus momentos de descanso os parceleiros costumam pescar, brincar, prosear,

freqüentar a Igreja Adventista – a maioria é evangélica. Segundo depoimento “antigamente

tinham muitas festas, principalmente do São João, no Natal, Reis. Hoje, a Marambaia não

faz mais festas, talvez pelo fato de ter muitos evangélicos. E esse fato tem enfraquecido as

festas tradicionais no assentamento. A tradição cultural da Marambaia é a do Bicho Peludo

que hoje chamamos de Bicho da Mata Atlântica”.

Page 81: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

77

Figuras 17 e 18 - Peça musical “O Bicho da Mata Atlântica”

O artesanato é uma atividade desenvolvida na Marambaia de forma individual.

Recentemente com a formação do “Grupo Alegria – Artesanato da Terra” composto por

mulheres, homens e jovens, a atividade vem sendo realizada de forma coletiva através do

reaproveitamento da casca de coco para a fabricação de vasos, flores e xaxins; coco seco para

fabricação de farinheiras, açucareiros, cinzeiros, etc; conchas para arranjos; cipós para cestos,

que estão sendo comercializados na Feira de Artesanato de Itacaré, nas lojas e numa Barraca

Artesanal “Mico Leão”, no Lote 18 da Marambaia, próximo às margens da BA – 001.

Figuras 19, 20 e 21 – Grupo Alegria – Artesanato da Terra

Page 82: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

78

Cabe mencionar que o assentamento está localizado próximo à cidade de Itacaré, cuja

principal atividade econômica é o turismo, onde se encontram ambientes de alto valor cênico

(falésias rochosas, associadas a remanescentes de Mata Atlântica, planície costeira com

restinga), oferecendo potencialidades para o desenvolvimento do turismo sustentado de alto

padrão qualitativo, que conforme o entendimento da BAHIATURSA, 1998, “são

estratégicos para a inserção do Estado da Bahia no mercado turístico internacional”.

A comunidade absorvendo a idéia do turismo como estratégia de desenvolvimento

para o município e estando numa localização privilegiada, próxima à entrada da cidade,

considera que uma das soluções para melhorar o atual quadro sócio-econômico das famílias

assentadas é criar alternativas econômicas que atendam a demanda do ecoturismo, a exemplo

de: a) fabricação de peças artesanais com o reaproveitamento de recursos naturais

encontradas nas roças: raízes, sementes, frutos e fibras vegetais, tronco e galhos de árvores

mortas; b) implantação de Trilhas Ecológicas nas roças; c) comercialização de sub-produtos

da farinha de mandioca. Para tanto, estão se mobilizando para a criação de um Centro

Cultural e Artesanal na área comunitária da Marambaia, resgatando e conservando a cultura

local.

3.2. Inserindo a Marambaia na APA Costa de Itacaré – Serra Grande

A Área de Proteção Ambiental – APA é uma categoria de Unidade de Conservação do

Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC, definida pela Lei Federal nº 6.902

de 27/04/81 e Lei Nº 9,985, DE 18/07/2000 que regulamenta o art. 225, Parágrafo 1º, incisos

I, II, III e IV da Constituição Federal , onde se busca conciliar os interesses ambientais com o

desenvolvimento econômico. É a gestão do território com base em suas características

ambientais a partir das quais se estabelecem normas de convívio entre o ecossistema natural e

o meio antrópico.

A nova lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC estabeleceu

que a Área de Proteção Ambiental – APA enquadra-se no grupo das Unidades de Uso

Sustentável, definindo-a como “uma área em geral extensa, com um certo grau de ocupação

humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente

importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas, e tem como

Page 83: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

79

objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e

assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais.”

O objetivo primordial de uma APA é proteger os atributos determinantes à sua

instituição, e através de sua manutenção e recuperação, promover a diversidade dos

ambientes para a melhoria da qualidade de vida das populações humanas, que deixa de ser

apenas a conseqüência das medidas de proteção ao meio ambiente para se tornar um objetivo

a ser alcançado. (SMA: IBAMA, 1996).

A APA abriga uma região costeira de relevante importância ecológica para a

preservação ambiental, com relevo de falésias e planícies costeiras, associada à vegetação de

Mata Atlântica e restinga; conjunto de praias de formação singular; manguezais; matas

ciliares e bolsões de desova de tartarugas marinhas nas praias de Barra do Sargi e de Pé de

Serra. (Plano de Manejo, 1998)

Estão incluídos na APA o povoado de Serra Grande, município de Uruçuca, a área

urbana e a orla sul de Itacaré. Esses municípios têm respectivamente população de 23.164 e

15.970 habitantes (Anuário Estatístico da Bahia, 1998), sobrevivendo, basicamente de

atividades agrícolas de pequena produção, pesca artesanal, atividades madeireiras, pequeno

comércio e atividades ligadas ao turismo.

Conforme o Plano de Manejo encontram-se na APA os seguintes ecossistemas: Mata

Atlântica, Restinga e Manguezais.

Como elementos integrantes das áreas antropizadas têm-se: a) Áreas agrícolas –

culturas importantes como as de cacau, dendê, coco, piaçava, cana-de-açúcar, banana e

culturas de subsistência, substituindo áreas de Mata Atlântica; b) Pastagens – se distribuem

de maneira descontínua permeadas por outros cultivos de natureza agrícola ou de Mata

Atlântica; c) Atividades de silvicultura – reflorestamento com seringueira e o pinheiro

utilizado para fins comerciais; d)Exploração madeireira de caráter extrativista.

A APA apresenta forte atuação antrópica com vários núcleos urbanos, loteamentos,

sítios e chácaras de veraneio. As áreas com ocupação humana situam-se no povoado de Serra

Page 84: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

80

Grande, no município de Uruçuca e nas proximidades da cidade de Itacaré, apesar de

ocorrerem também de forma dispersa por toda a região.

Segundo o IESB/FUNBIO, 2000, a APA Itacaré / Serra Grande possui duas realidades

fundiárias: a) a existência de comunidades de pequenos produtores rurais praticando

queimadas, corte de madeiras e caça, e vivendo sob condições de vida precárias, o que

ameaça a sustentabilidade social e ambiental desta área protegida; b) a existência de médias e

grandes fazendas adquiridas por empresários, nos últimos cinco anos, com o intuito de

preservação e/ou para um futuro uso turístico, seja para si ou para a implantação de hotéis

fazenda.

Neste contexto, conforme já foi mencionado, situa-se a comunidade rural da

Marambaia, cujo processo de ocupação se deu em áreas remanescentes de Mata Atlântica

original, com solos de tabuleiros de baixíssima fertilidade que segundo estudiosos do assunto

são desaconselháveis para culturas de subsistência, o que atesta depoimentos de membros da

comunidade como o da antiga líder comunitária, D. Otília:

“Pensava que aqui era uma maravilha pra gente sobreviver, mas a terra não ajuda... o solo embaixo é só pedra... o que temos é terra com muita pedra, cascalho... a terra é de péssimo nive. Não vou dizer que é ruim, pois foi esta que Deus nos deu e seja bem vinda porque nela temos o maior amor, nela estamos vivendo e os nossos filhos criando”...

Corroborando com o pensamento de D. Otília, o presidente da Associação dos

Parceleiros da Marambaia, Sr. Petronílio, diz que:

“A terra é fraca, só dá roça quando bota fogo. A terra nova dá muito abóbora, banana da terra, dá muita fartura, mas depois de três anos em diante a terra começa a esfracassar e não dá mais nada a não ser com adubo e a vida fica um pouco pecuária (precária) porque a terra não é boa e nós estamos respeitando a lei do meio ambiente”.

Recente estudo elaborado pelo IESB – Projeto FUNBIO, 2000, confirma a

constatação empírica dos parceleiros, ao assinalar “que os solos das áreas das comunidades rurais, a

exemplo da Marambaia, apresentam baixa fertilidade e a grande maioria possui espessas camadas de laterita.

A classe de solo predominante é o Latossolo Vermelho Amarelo cascalhento distrófico, de baixíssima

sustentabilidade à agricultura tradicional”.

Page 85: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

81

3.2.1. Zoneamento Econômico e Ecológico da APA e a inserção da Marambaia

O Zoneamento contempla 17 zonas, com diretrizes de planejamento específicas para cada

uma delas, articuladas no projeto de desenvolvimento concebido para esta Unidade de

Conservação. Estas zonas estão inseridas em três categorias:

• Categoria de Preservação – engloba áreas de alta fragilidade ambiental, onde a

presença humana deve ser inibida, minimizada ou adequada ao uso preservacionista;

• Categoria de Conservação – engloba áreas onde as atividades humanas devem se

desenvolver com muito controle, devido à fragilidade ecológica ou presença de

ecossistemas protegidos pela legislação ambiental;

• Categoria de Uso sustentável – engloba áreas de ambientes ainda preservados e em

estágios de antropização com vocações e tendências econômicas.

Para efeito deste estudo julgou-se oportuno situar os limites da área do Assentamento no

Zoneamento Ecológico e Econômico da APA, com o intuito de verificar em quais zonas está

inserida a área da Marambaia e, a partir da ação desenvolvida, dar conhecimento aos

parceleiros sobre os parâmetros de proteção ambiental e o uso indicado de manejo de suas

terras, preocupação esta que não foi levada em conta quando da criação da APA. Isto se deve

ao fato da percepção que os parceleiros têm da presença da APA em suas áreas, como bem

expressa o presidente da Associação dos Parceleiros da Marambaia:

“Acho que deveria antes de decretar a lei da APA, deveria sentar com as pessoas para discutir alternativas de vida do homem do campo. O pessoal da Marambaia não foi ouvido antes do decreto de criação da APA. Acho que a APA até o momento só trouxe proibição e nada de positivo. É importante, mas a lei dos homens pensou no verde, mas não pensou na vida dos homens da roça”. (Sr. Petronílio Valverde)

Em virtude da ausência de participação da comunidade no processo de criação da

APA, esta Unidade de Conservação representa para os parceleiros da Marambaia uma

mudança ao seu modo de vida, mas ao mesmo tempo compreendem a importância da

preservação do meio ambiente, conforme depoimento abaixo:

“A gente temos sofrido muito, Já trabalhamos, já devastamos muito a mata, já plantamos muita mandioca e não temos tido renda. A renda da mandioca é passageira. Mas hoje esta mata se tornou Mata Atlântica. E uma Mata Atlântica é proibido fazer desmatamento, é proibido fazer queimada. Por isso que estamos atrás de fazer outro tipo de desenvolvimento”. (Petronílio – Pres. Associação)

Page 86: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

82

Isto se deve ao fato de que ao longo do tempo as Unidades de Conservação em nível

nacional e estadual foram sendo criadas e administradas sem considerar os interesses e

necessidades dos atores sociais e, diante das restrições estabelecidas legalmente, estes atores

sempre se posicionaram contrários, ocorrendo ao mesmo tempo uma desintegração social das

comunidades e uma descaracterização dos ecossistemas.

FERREIRA, 1996, em sua Tese de Doutorado aponta que “Em algumas

oportunidades, estes instrumentos de planejamento criam uma base institucional mínima para

a compatibilização do desenvolvimento regional com as demandas sociais por conservação

dos sistemas florestais nacionais... mas, na maior parte das vezes, os moradores e o poder

local das regiões transformadas em unidades de conservação são praticamente colocados a

margem deste processo, o que inviabiliza a construção de um espaço público legítimo para a

atuação dos esferas competentes do estado”.

Porém, o SNUC confere a APA como “Unidade de Uso Sustentável” ao lado da

Reserva Extrativista um importante papel na busca de novos caminhos tanto de integração

com as populações locais, como de técnicas de manejo dos recursos naturais. Isto porque

essas populações possuem conhecimentos gerados pela prática que devem ser resgatados e

respeitados em virtude da sua relevância para a conservação ambiental, pois se constituem

em interlocutores no processo de construção de técnicas de manejo sustentáveis, conforme

enfatiza LEROY, 1997:

“Se um modelo de agricultura sustentável para um país tropical está em gestação, ele deve se basear e produzir, tanto no plano agronômico, quanto no de gestão, através de uma combinação de tradição e de inovação, de saber adquirido pela experiência e de saber técnico-científico”.

Desse modo, o estabelecimento de uma Área de Proteção Ambiental – APA, em um

determinado território deve levar em consideração a participação dos diversos atores sociais

como condição essencial da gestão para a sustentabilidade.

A área da Marambaia, no Zoneamento Ecológico e Econômico da APA, está inserida

nas seguintes zonas: ZAF – Zona Agro-florestal (Categoria de Conservação), ZAG – Zona da

Agricultura (Categoria de Uso sustentável), ZPR – Zona de Proteção Rigorosa (Categoria de

Page 87: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

83

Preservação), ZUD – Zona de Uso Diversificado (Categoria de Uso sustentável), NUA –

Núcleo Urbano de Apoio (Categoria de Uso sustentável), ZT1 - Zona Turística I, conforme

quadro abaixo:

Pelo zoneamento, a maioria da área da Marambaia (85,2%) está inserida nas

categorias de Conservação e Uso Sustentável, ou seja, 52,2% na Zona Agroflorestal – ZAF e

33,0% na Zona de Agricultura - ZAG, conforme Quadro 4.

Assim, pelo Plano de Manejo, estão enquadradas na categoria de Conservação as

áreas onde as atividades humanas devem se desenvolver com muito controle, devido à

fragilidade ecológica ou presença de ecossistemas protegidos pela legislação ambiental,

compreendendo fazendas de cacau, com predominância dos sistemas agroflorestais

conhecidos como “cabruca”, remanescentes de formações florestais, descontínuas e esparsas,

nascentes e córregos, ecossistemas estuarinos, áreas úmidas, vegetação de restinga arbustiva

e herbácea associada com coqueirais, praias, encostas e falésias. Na categoria de Uso

Sustentável enquadram-se as áreas com a presença de ambientes ainda preservados e em

diversos estágios de antropização, onde estão presentes fazendas de cacau no sistema

“cabruca”, remanescentes de formações florestais descontínuas e esparsas, nascentes e

córregos, áreas úmidas, vegetação de restinga arbustiva e herbácea, associada com coqueiral,

áreas cultivadas com frutíferas diversas, áreas rurais antropizadas, pastagens, pomares,

núcleos urbanos.

QUADRO 4 – MARAMBAIA NAS CATEGORIAS DO ZONEAMENTO DA

APA ZONEAMENTO CATEGORIA PERCENTUAL

ZTI – Zona Turística I Uso Sustentável 0,6

ZAF – Zona Agroflorestal Conservação 52,2

ZAG – Zona de Agricultura Uso Sustentável 33,0

ZPR – Zona de Proteção

Rigorosa

Preservação 7,5

ZUD – Zona de Uso

Diversificado

Uso Sustentável 3,1

NUA – Núcleo Urbano de Apoio Uso Sustentável 3,6

TOTAL 100,0

Fonte, IESB, 2000

Page 88: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

84

Portanto, os assentados da Marambaia a partir dos parâmetros estabelecidos de proteção e

uso indicado no Plano de Manejo da APA, podem compatibilizar a conservação dos recursos

naturais existentes na área com atividades econômicas sustentáveis, conforme indicado no

Zoneamento Ecológico e Econômico da APA (ver Anexo III), a exemplo de: a) cultivos

típicos dos sistemas agroflorestais; b) cultivos agrícolas de subsistência com técnicas

alternativas apropriadas aos ambientes tropicais, sem o uso intensivo de agrotóxicos e

fertilizantes; c) beneficiamento agrícola; d) apicultura; e) piscicultura, uso partoril em regime

de semiconfinamento; f) turismo ecológico com trilhas e infraestrutura de apoio; g) comércio

e serviços diversos; h) Implementação de cultivos agrícolas convencionais e formadores de

estrato arbustivo e arbóreo, priorizando-se as frutíferas e j) Exploração econômica da mata,

com base no Plano de Manejo Florestal devidamente aprovado pelo órgão competente.

Assim, para a mudança das práticas tradicionais de uso da terra para a agricultura em

práticas baseadas na sustentabilidade ambiental, os assentados precisam de orientação técnica

e informações sobre as alternativas de manejo sustentáveis.

O Programa de Desenvolvimento do Turismo do Estado da Bahia – PRODETUR,

objetivando assegurar o desenvolvimento do turismo com base na sustentabilidade ambiental,

definiu pela criação de oito Áreas de Proteção Ambiental – APAs nas Zonas Turísticas, que

na sua maioria estão localizadas na faixa litorânea do Estado da Bahia. Dentre estas, destaca-

se a APA Costa de Itacaré – Serra Grande, que juntamente com a APA Lagoa Encantada

integra a Zona Turística Costa do Cacau instituída pela BAHIATURSA.

A APA Costa de Itacaré – Serra Grande situa-se ao Norte da Costa do Cacau,

aproximadamente a 30 Km de Ilhéus, ocupando uma faixa litorânea de 28 Km de extensão,

totalizando uma área de 14.925 hectares, envolvendo parte dos municípios de Uruçuca e

Itacaré. Limita-se ao Norte, pela foz do Rio de Contas, no município de Itacaré; ao Sul, pelo

Riacho Sargi, no município de Uruçuca; a Oeste, numa linha eqüidistante a 6 Km da linha de

preamar e à Leste pelo Oceano Atlântico, conforme mapas 1, 2 e 3 a seguir:

Page 89: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

85

MAPA 1 – LOCALIZAÇÃO DA APA NO ESTADO DA BAHIA

Page 90: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

86

MAPA 2 – LOCALIZAÇÃO DO ASSENTAMENTO NO ZONEAMENTO DA APA

N

2 0 2 4

Kilometros

Assentamento MarambaiaLocalização de acordo com as Zonas de Manejo

14°30' 14°30'

14°20' 14°20'

39°5'

39°5'

39°00'

39°00'-39

-39

Assentamento Marambaia

Estadas

Rios

Rio de Contas

Oceano Atlântico

Zoneamento

NUA

NUC

ZAF

ZAG

ZEP

ZOC

ZOM

ZOR

ZPP

ZPR

ZPV

ZPVS

ZT1

ZT2

ZTE

ZUD

ZVT

NAO IDENTIFICADA

LEGENDAS

Itacaré

Rio de Contas

BA 0

01

BA 0

01

OceanoAtlântico

AssentamentoMarambaia

SerraGrande

Rio Can

deeir

o

Rio Jeribucassú

Rio

Capit

ão

Rio Tiju

ípe

Rio Tiju

ipinh

o

Fonte : Plano de Manejo da APA Costa de Itacaré-Serra Grande (Bahiatursa-CRA, 1998)

Page 91: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

87

Page 92: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

88

3.3 Experiências de integração ao Plano de Manejo da APA: Projetos desenvolvidos pelo Poder Público e por ONG´s

3.3.1. Experiência do Poder Público

O Estado da Bahia, através do Centro de Recursos Ambientais – CRA, vem

administrando a partir de 1999, vinte e três (23) APAs, cuja experiência foi analisada em

estudo elaborado por MURICY, 1999, intitulado “APA – Gestão do Território com base em

suas características ambientais”, tendo como base o papel do poder público e das

comunidades na busca de alternativas que conciliem proteção ambiental e atividades

antrópicas. Segundo a autora, estas 23 APAs estaduais são representativas dos biomas Mata

Atlântica, Caatinga e Cerrado, numa área de aproximadamente 1.900.000 hectares,

correspondentes a 3 % do território do Estado, onde se está iniciando uma experiência de

gestão ambiental participativa, envolvendo o Estado, os governos municipais e as

comunidades locais. Dentre as estratégias de ação que norteiam a gestão das APAs apontadas

no estudo, merece destaque aquelas que dizem respeito ao estímulo da participação da

comunidade:

• Consolidação das APAs através da definição clara dos critérios e elementos de

manejo, baseados no conhecimento das características locais;

• Divulgação da APA na finalidade de instrumento de gestão, através dos meios de

comunicação, para sedimentar, junto às comunidades envolvidas, o conceito de

desenvolvimento aliado à proteção do ambiente;

• Educação Ambiental voltada para as questões enfrentadas pela comunidade no que se

refere aos impactos ambientais das suas atividades produtivas e desenvolvimento de

novas alternativas de produção, emprego e renda;

• Planejamento sócio-econômico, já que a manutenção de áreas protegidas envolve

obrigatoriamente o combate à pobreza para mitigar as pressões sociais sobre o solo e

o uso dos recursos. A comunidade não poderá preservar as suas riquezas naturais na

ausência de alternativas de produção e renda;

O instrumento de gestão adotado pelo CRA pretende “por em prática os conceitos atuais

de desenvolvimento sustentável, descentralização das ações ambientais, gestão integrada e

participação da comunidade”. (MURICY, 1999).

Page 93: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

89

Desse modo, além das atividades de fiscalização, licenciamento e educação ambiental, a

Administração da APA Costa de Itacaré – Serra Grande, vem estabelecendo articulações com

os diversos setores sociais, no intuito de se atingir um maior nível de participação e co-

responsabilidade por parte da comunidade, poderes públicos municipais, estaduais e federais,

universidade, ONG´s, setor privado e entidades civis na gestão da APA.

Exemplo disso é a formação do Conselho Gestor da APA, criado em maio de 2000,

envolvendo vinte membros dos diversos setores sociais de Itacaré e Serra Grande (Uruçuca),

assim representados: Administrador da APA (Centro de Recursos Ambientais - CRA);

Prefeitura Municipal de Itacaré; Prefeitura Municipal de Uruçuca; Conselho Municipal de

Turismo de Itacaré; Conselho Municipal de Turismo de Uruçuca; Companhia de

Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia – CONDER; Superintendência de

Desenvolvimento do Turismo – SUDETUR; Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos

Recursos Renováveis – IBAMA; 4 representantes da sociedade civil de Itacaré; 4

representantes da sociedade civil de Serra Grande; Instituto de Estudos Sócio-Ambientais do

Sul da Bahia – IESB; 1 Organização Não Governamental atuante na APA; 1 representante da

Câmara de Vereadores de Itacaré e 1 representante da Câmara de Vereadores de Uruçuca.

Vale mencionar, que um dos membros da sociedade civil de Itacaré é o Sindicato de

Trabalhadores Rurais – STR, cujo representante é antiga líder comunitária do Assentamento

Marambaia, que se faz presente em todas as reuniões opinando sobre os diversos aspectos

que envolvem não só o meio rural (local), como também aqueles que afetam a qualidade

sócio-ambiental de um modo global.

O Estatuto aprovado em seu art. 2º define como objetivos:

a) Fortalecer institucionalmente a gestão da APA;

b) Apreciar propostas de obras que alterem as características atuais da APA;

c) Assessorar tecnicamente a análise de questões ambientais relevantes para a

comunidade;

d) Indicar fatos ou infrações que agridam o ambiente da APA;

e) Emitir propostas para a solução de problemas ambientais da APA;

f) Apreciar propostas de alteração do zoneamento econômico-ecológico da APA;

Page 94: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

90

g) Propor planos, programas, projetos e ações à órgãos públicos e instituições públicas

ou privadas com o objetivo de garantir a conservação e/ou melhoria ambiental da

APA;

h) Acompanhar o desenvolvimento dos planos, programas, projetos e ações propostos;

i) Fortalecer o processo de conscientização, mobilização e participação dos diversos

segmentos sociais das comunidades envolvidas;

j) Democratizar as informações referentes à gestão da APA;

k) Criar um fundo para captação de recursos para a gestão da APA;

l) Fomentar, fortalecer e credenciar pessoas ou grupos voluntários de defesa ambiental;

m) Incentivar projetos sócio-econômicos que sejam compatíveis com o Plano de Manejo

da APA.

O Conselho se reúne mensalmente de forma ordinária e julgando relevante a abordagem

de um algum tema, seus membros são convocados para uma reunião extraordinária.

As reuniões do conselho são abertas a todos os interessados de Itacaré e Serra Grande

(Uruçuca), que neste um ano de existência vem se tornando uma referência de discussão

sobre os diversos aspectos ambientais que envolvem a APA. Além dos membros

permanentes, o conselho tem estruturado a formação de Grupos de Trabalhos Temáticos,

abertos a qualquer pessoa interessada, com a função de participar das reuniões, assessorar

tecnicamente a análise de questões sócio-ambientais relevantes para a comunidade, indicar

fatos ou infrações que agridam o ambiente da APA e emitir propostas para a solução de

problemas da APA.

Este Conselho Gestor da APA Costa de Itacaré – Serra Grande é uma experiência

pioneira no Estado da Bahia, constituindo-se em um canal de participação da sociedade na

gestão de uma unidade de conservação. A Bahia, com este conselho funcionando e

comprovado na prática, assume a dianteira em mais esta iniciativa, construindo, assim, um

instrumento de gestão democrático e adaptado à realidade socio ambiental.

Page 95: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

91

3.3.2. Experiência de ONG´s

Visando cumprir os objetivos de gestão participativa da APA, em 1998, o Governo do

Estado da Bahia através da BAHIATURSA/SUDETUR estabeleceu parceria com o Instituto

de Estudos Sócio-Ambientais do Sul da Bahia – IESB, Organização Não Governamental –

ONG, para o desenvolvimento do Programa de Educação Ambiental e Ecoturismo – PEAE.

Como um dos produtos do Programa é o trabalho educativo junto às comunidades

rurais, o IESB, através do PEAE da APA Itacaré / Serra Grande realizou nos meses de

setembro e outubro de 1999, junto à comunidade rural da Marambaia um Diagnóstico Rural

Participativo – DRP. Com a realização deste diagnóstico foram detectados diversos

problemas vivenciados pela comunidade que comprometem a sustentação das famílias nas

propriedades e a conservação das florestas das mesmas.

A partir desta constatação o IESB a pedido dos parceleiros implantou o Viveiro

Comunitário de Produção de Mudas Nativas, que representa uma oportunidade de geração de

renda na comunidade, como bem observa José Martins - um dos parceleiros responsável pelo

viveiro: “O viveiro de mudas surgiu em 1999, através da APA, bem orientado por Salvador Ribeiro, de fazer mudas. E através dessas mudas podemos ganhar um dinheirinho. Estamos continuando a fazer o viveiro para ganhar um dinheirinho. Temos muitas mudas como imbirussú, cedro, nós temos várias espécies de mudas”.

Ainda com base neste diagnóstico, o IESB com o aporte financeiro do Fundo

Brasileiro para a Biodiversidade - FUNBIO e da Fundação FORD, vem executando a partir

de outubro de 2000, o Projeto “Gestão participativa de recursos naturais e florestas –

Construindo um modelo de desenvolvimento sustentável das comunidades rurais de Itacaré –

Serra Grande”. Dentre estas comunidades vem sendo contemplada pelo projeto a comunidade

rural da Marambaia.

O projeto tem como objetivos: a) melhorar as condições de vida das comunidades

rurais da APA Itacaré / Serra Grande concomitantemente com a conservação das florestas e

dos recursos naturais das propriedades; b) organizar as comunidades, de forma participativa;

c) empreender inovações tecnológicas no sistema de produção e novos procedimentos de

comercialização; d) melhorar a renda e a qualidade de vida das famílias produtoras; e)

ampliar o valor local pelas florestas e recursos naturais comunitários; f) transferir esta

Page 96: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

92

experiência para outras comunidades rurais do Sul da Bahia; g) implementar o

monitoramento ambiental nas propriedades rurais da APA e no interior do Parque do

Conduru.

No momento vêm sendo realizadas atividades de capacitação da comunidade através

de cursos de produção de mudas florestais e de implantação de viveiros de mudas individuais

tanto de espécies nativas, como medicinais e ornamentais, buscando outras alternativas

econômicas para a comunidade.

Além disso, o Projeto vem assessorando a comunidade na implantação de Trilhas

Ecológicas nos lotes dos parceleiros da Marambaia, a exemplo da “Trilha Janela da Gindiba”,

inaugurada em 28.12.00, que foi implantada com os objetivos de aumentar a renda de um

pequeno agricultor; ampliar a oferta de produtos ecoturísticos; conservar a Mata Atlântica e

promover a Educação Ambiental, conforme depoimento abaixo:

“Moro aqui há 16 anos, o projeto que nós temos para desenvolver é de falar na trilha de cada árvore que tem para o turista, que planta é aquela se é imbelão, se é cocó. Todas as ramagens, os cipós, os imbelão”. (Beca – parceleiro da Marambaia, que implantou a Trilha Janela da Gindiba em seu lote).

Vale salientar que a comunidade rural da Marambaia vem buscando estabelecer

parcerias com Órgãos Governamentais e Organizações Não Governamentais- ONG´s na

busca de melhoria da qualidade de vida, conforme depoimento prestado por antiga líder

comunitária:

“Sempre lutamos com a enxada e a terra...é muito importante essa preservação pra ver se a gente sobrevive disso que a gente tem aqui, nossa riqueza natural, isso aqui é um paraíso, é uma maravilha...nós tamos bem localizado a 6 Km da cidade de Itacaré que tem muitas praias bonitas e a Mata Atlântica dentro dela. A Marambaia é uma parte da Mata Atlântica. Por isso estamos querendo uma melhor vida para nossos filhos e para o nosso povo.” (Otília Nogueira)

Consideramos que o conhecimento do ambiente natural e do ambiente construído do

assentamento Marambaia, bem como da sua inserção no zoneamento da APA é de

fundamental importância, pois permite visualizar o contexto da investigação, os possíveis

impactos sobre os modos de vida local e a necessidade de envolvimento e incorporação do

saber popular nos planos de manejo como condição essencial para que este tipo de

Page 97: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

93

planejamento transforme-se em um real instrumento de gestão do espaço e dos recursos

naturais.

Assim sendo, uma prática participativa com a comunidade da Marambaia, implica em

conhecer a realidade cotidiana de vida e compreendê-la, bem como conhecer seu ambiente de

vida, no sentido de buscar de forma compartilhada (saber popular x saber técnico) as

soluções e decisões para uma nova relação entre o homem e a natureza.

Page 98: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

94

CAPÍTULO 4. ENFRENTANDO DIFICULDADES E CONQUISTANDO SONHOS:

UMA PRÁTICA PARTICIPATIVA COM A COMUNIDADE DA MARAMBAIA

“O elemento popular ´sente´, mas nem sempre

compreende ou sabe; o elemento intelectual `sabe´,

mas nem sempre compreende, ou sobretudo,

`sente´(...) o erro do intelectual consiste em crer que

ele pode saber sem compreender, e, sobretudo, sem

sentir e se apaixonar (não somente pelo saber, mas

pelo objeto do saber) (...)”

Gramsci (1978)

Esta pesquisa tem a intenção de compreender como os pequenos produtores rurais de

um assentamento de reforma agrária (Fazenda Marambaia), localizado na APA Costa de

Itacaré-Serra Grande se relacionam com o meio ambiente e como eles percebem as

influências de uma Unidade de Conservação em seu ambiente de vida e quais as soluções

encontradas para a melhoria da sua qualidade de vida, no sentido de compatibilizar a

conservação ambiental e as atividades produtivas.

Para efeito dos resultados esperados em uma pesquisa junto aos assentamentos de

reforma agrária, consideramos que a opção pela pesquisa-ação é a mais adequada, entendida

por THIOLLENT, 1985, como:

“Um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou problema estão envolvidos de modo cooperativo e participativo”.

Entende THIOLLENT, 1985, que a pesquisa-ação é uma estratégia metodológica da

pesquisa social, onde a participação dos pesquisadores é explicitada dentro da situação de

investigação e quando os pesquisadores não querem limitar suas investigações aos aspectos

acadêmicos e burocráticos da maioria das pesquisas convencionais. Portanto, não se trata de

Page 99: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

95

um simples levantamento de dados ou de relatórios a serem arquivados posteriormente. Mas,

de uma relação dialógica entre o pesquisador (saber científico) e os pesquisados (saber

popular) em todo processo da pesquisa.

PINTO, 1986 apresenta alguns pressupostos e exigências da metodologia da pesquisa-

ação que em seu conjunto podem diferenciar a metodologia da pesquisa-ação de outras

abordagens e modalidades de pesquisa participativa, dando-lhe um sentido próprio:

- “A Pesquisa-Ação não é neutra. Requer dos que a praticam um compromisso claro com as classes dominadas e exploradas da sociedade em que vive; - É uma opção epistemológica e metodológica; - Não deve ser entendida como uma lógica acabada, um método completo, e ainda menos com um receituário: é uma prática social, constituída por outras práticas (prática científica e prática pedagógica); - Enquanto prática coletiva ela busca a produção coletiva de conhecimentos para uso coletivo; - Enquanto prática pedagógica ela é uma aprendizagem que busca integrar o potencial de conhecimento e criatividade da cultura popular com conhecimento científico; - Enquanto prática política, a estratégia central e a participação na produção de conhecimentos, na organização e articulação de grupos, na ação coletiva, conscientemente concertada; - Embora seu ponto de partida seja a realidade específica dos grupos, seu conhecimento requer a ampliação e superação, através do desvelamento de suas relações com o contexto sócio-econômico e político da sociedade global e com a própria história. Para isso, é essencial a teoria, como iluminadora da prática; - Enquanto prática científica, embora não seja seu objetivo mais importante, a pesquisa-ação pode contribuir para o formulação e crítica de teorias, para a invenção de novas técnicas de pesquisa e instrumentos de análise e, sobretudo para a compreensão daquilo que é relevante para a transformação da sociedade”.

Por outro lado, LOUREIRO, 1992 destaca que a metodologia participativa é a mais

propícia para um trabalho de Educação Ambiental, pois “a metodologia participativa

engloba inúmeras tendências e estilos participativos: pesquisa-ação, pesquisa participante,

investigação-ação, entre outras. Contudo, o que é central é que todas têm como eixo uma

proposta de transformação a partir da realidade vivenciada e de construção no processo,

sendo forte a crítica aos modelos tradicionais e seu uso como instrumento de dominação e

manutenção do sistema

A metodologia adotada para responder às questões levantadas nesta dissertação e

cumprir os objetivos pretendidos está pautada no trabalho desenvolvido junto às camadas

populares pelo Grupo de Estudos em Educação Ambiental (GEA) da Universidade Federal

do Rio de Janeiro – UFRJ, explicitado no artigo “Uma Proposta Metodológica para Pesquisa

Page 100: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

96

em Educação Ambiental” – ANDRADE e LOUREIRO e HOMEM d´El REY, 1993, que

para fins de sistematização das informações e organização do conhecimento apresenta uma

organização básica para uma ação prática e de pesquisa, que foram adaptadas para a execução

desta investigação.

A proposta metodológica compreendeu seis fases e apesar disso, estas se sobrepõem e

estão muito mais vinculadas ao próprio enfoque do que à cronologia, conforme comprovado

por ANDRADE, 1993, em sua pesquisa de Dissertação de Mestrado.

A organização básica parte do pressuposto de que se entende a metodologia proposta

não como uma seqüência rígida de procedimentos, mas como uma prática social. Em sua

vertente educativa a proposta compreende a seguinte estruturação:

1ª FASE: CONHECIMENTO DA REALIDADE DA COMUNIDADE ENVOLVIDA

• Inserção do Pesquisador

• Revelando a história de ocupação

2ª FASE: REARTICULAÇÃO DA PRÁTICA DE PESQUISA À TEORIA EM

EDUCAÇÃO AMBIENTAL

3ª FASE: DIAGNÓSTICO DO AMBIENTE DE VIDA

4ª FASE: PLANEJAMENTO E IMPLEMENTAÇÃO DAS AÇÕES

5ª FASE: AVALIAÇÃO DAS PRÁTICAS EDUCATIVAS VIVENCIADAS

6ª FASE: SOCIALIZAÇÃO DOS RESULTADOS DA PESQUISA

4.1. PESQUISANDO E AGINDO

A primeira fase da investigação que corresponde ao processo de inserção do

pesquisador e o conhecimento da realidade do Assentamento Marambaia teve início em

Page 101: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

97

junho de 2000 e, se consolidou a partir do I Seminário da Marambaia – Reforma Agrária,

Turismo e Meio Ambiente, promovido pela Associação dos Parceleiros da Marambaia.

4.1.1 – CONHECENDO A REALIDADE DA COMUNIDADE ENVOLVIDA

a) Inserção do pesquisador

A inserção na comunidade da Marambaia constitui-se na parte inicial do processo de

pesquisa, pois possibilita a integração do pesquisador com o grupo local e o conhecimento da

realidade em seus múltiplos aspectos para a realização dos objetivos pretendidos. É o ponto

de partida e dele depende o desenrolar de toda a pesquisa. É o momento onde se estabelece o

compromisso entre sujeito-sujeito, do momento de convivência e do estabelecimento de laços

orgânicos com a comunidade de forma participativa. (LOUREIRO, 1992)

Destaca-se que é nesta fase que se estabelece uma relação não só intelectual, mas,

sobretudo afetiva, onde a confiança mútua e afinidade são condição necessária para a

aceitação da pesquisa pela comunidade.

A inserção é uma condição prévia indispensável para o desenrolar de toda as fases da

pesquisa, entendida por BOFF, 1986:

“Quando se fala em inserção, entende-se por esse conceito uma presença ou contacto físico com o universo popular. Trata-se aí de participar concretamente da vida do povo, de conviver com ele, de estabelecer com ele um laço orgânico”.

Para que a inserção se constituísse em um “ponto de arranque” da pesquisa, algumas

dificuldades tiveram de ser superadas para que os objetivos da investigação se

concretizassem. A presença da pesquisadora no Assentamento da Marambaia iniciou-se em

junho de 2000, em virtude da função profissional exercida pela pesquisadora em atividades

de Educação Ambiental, no Centro de Recursos Ambientais – CRA, órgão gestor da APA

Costa de Itacaré – Serra Grande. Os primeiros contatos foram estabelecidos com os

parceleiros na Casa de Farinha Comunitária para sondar os principais problemas existentes na

comunidade e observamos que a nossa presença gerava desconfianças, principalmente pelo

silêncio às nossas perguntas.

Page 102: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

98

Com relação ao silêncio das camadas populares frente à presença de um agente

externo em sua comunidade, este se dá em virtude da postura de alguns técnicos de se

considerarem “donos da palavra” e, portanto, detentores do saber e do poder, como enfatiza

ADORNO et al, 1997, “Na nossa sociedade, é mais ou menos difundido e aceito pelo senso

comum, a relação existente entre o possuir conhecimento, o saber algo e o poder...Este

poder, diferentemente do poder político, ou do poder do Estado, embora na maior parte das

vezes o legitime, coloca-se na esfera do cotidiano, na esfera das relações entre as pessoas e

as instituições...”

Percebendo esta dificuldade, procuramos verificar quais os motivos da resistência inicial,

que em termos gerais foram:

a) Por se tratar de um assentamento de reforma agrária cuja história de luta foi marcada

por perseguições e discriminações e por experiências negativas e desgastantes com

alguns profissionais que deram assistência técnica ao assentamento, consideramos

natural que a presença de qualquer agente externo fosse visto com desconfianças;

b) Sendo identificada pela comunidade como técnica do CRA, cuja ação de fiscalização

é uma atribuição e como a APA se constitui para eles em uma intervenção do estado

em sua área (relação de poder), pois no processo de criação dessa Unidade de

Conservação não se discutiu os seus interesses e necessidades, remetem à APA a

responsabilidade da atual condição de precariedade de vida, pois não podem desmatar

e queimar a terra para a implantação das roças de mandioca, que se constitui na

principal atividade econômica do assentamento, a nossa presença, portanto, foi

considerada uma ameaça.

Na verdade, a “desconfiança” dos parceleiros e a “ameaça” que um agente externo

poderia representar na comunidade, refletiu a estratégia do silêncio inicial adotada pela

comunidade como uma forma de contrapor à prática de imposição tanto da Estado quanto de

profissionais que se consideram detentores do saber e do poder dominantes sobre as camadas

populares.

Page 103: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

99

Neste sentido, remetemos à citação de GRAMSCI, 1978, expressa no início do capítulo,

referente ao problema da relação entre saber, sentir e compreender, ou seja, “em crer que o

intelectual pode ser verdadeiro intelectual se distingue e está separado do povo-nação, se não

sente as paixões elementares do povo, compreendendo-as, explicando-as e justificando-as em

uma situação histórica determinada, unindo-as dialeticamente às leis da história... “

(GRAMSCI, 1978).

Portanto, a inserção do pesquisador numa pesquisa-ação é a de participar da vida da

comunidade estabelecendo com ela os laços de afinidade, tornando-se um “intelectual

orgânico” e não uma presença física marcada pelo autoritarismo e imposição do seu “saber” e

“poder”. Esta postura técnica de respeito ao saber popular, das suas aspirações de vida, dos

seus mitos e utopias é uma condição essencial para que a comunidade se torne uma aliada

forte na conservação dos recursos naturais.

Leonardo Boff, 2000, em Saber Cuidar: Ética do Humano – Compaixão pela terra,

evidencia que o dado originário em um trabalho com o povo, não é o “logos” (razão e as

estruturas de compreensão):

“mas o pathos, o sentimento, a capacidade de simpatia e empatia, a dedicação, o cuidado e a comunhão com o diferente. Tudo começa com o sentimento. É o sentimento que nos faz sensíveis ao que está à nossa volta, que nos faz gostar ou desgostar. É o sentimento que nos une às coisas e nos envolve com as pessoas. É o sentimento que produz encantamento face à grandeza dos céus, suscita veneração diante da complexidade da Mãe-Terra”...

Diante destes fatos, optamos por uma estratégia de aproximação inicial com antiga

líder comunitária da Marambaia (D. Otília) e com o presidente da Associação dos Parceleiros

da Marambaia (Sr. Petronílio) para apresentar as intenções do estudo e verificar a

possibilidade da realização do mesmo nesta comunidade. O presidente considerou

interessante a proposta e sugeriu que em Reunião Ordinária da Associação expuséssemos os

objetivos da pesquisa para todos os parceleiros.

Na 1ª segunda-feira do mês de julho de 2000 fomos convidados pelo presidente da

Associação para expor o projeto de pesquisa. Após discussões sobre o estudo com os

participantes da reunião, tivemos a autorização e a aceitação do grupo para o

desenvolvimento do trabalho.

Page 104: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

100

Com isto começamos o processo de integração com a comunidade através de visitas

periódicas à área, conversas informais com as pessoas e aos poucos fomos estabelecendo os

vínculos de confiança, principalmente com os parceleiros que trabalham na Casa de Farinha,

com a antiga líder comunitária e com o presidente da Associação. Assim, fomos participando

do seu dia-a-dia e estreitando o contato com a comunidade, sempre respeitando sua cultura e

sua forma de organização popular, muitas vezes, reforçando-os. Foi sendo então, quebrado o

“gelo” inicial e se fortalecendo o elo de coesão e amizade entre as partes, o que permitiu a

compreensão dos vários aspectos que envolvem a presença de um agente externo à vida

cotidiana da comunidade.

A importância de se estabelecer vínculos afetivos e compromissos entre os técnicos e

a população garantirá a fluidez da prática educativa. Remetemos a Paulo Freire, que diz:

Nutre-se de amor, de humanidade, de esperança. De fé, de confiança. Por isso somente o diálogo comunica. E quando os dois pólos do diálogo se ligam assim, com amor, com esperança, com fé no próximo, se fazem críticos na procura de algo e se produz uma relação de “empatia” entre ambos. Só ali há comunicação. ´O diálogo é, portanto, o caminho indispensável´, diz Jaspers, “não somente nas questões vitais para nossa ordem política, mas em todos os sentidos da nossa existência”. (FREIRE, 1983).

O diálogo, portanto, é a base de toda comunicação e da participação. BOFF, 1986

recomenda que “na educação dialógica ou dialogal, o agente e o povo refletem juntos,

coletivamente, sobre os problemas comuns. Já que se trata de questões que tocam a todos,

todos têm coisas a dizer e comunicar. Trata-se, pois, de fazer sempre uma reflexão coletiva,

uma discussão participada por todos”.

Paralelamente à inserção começamos a conhecer as percepções dos parceleiros sobre

seu ambiente de vida e sobre algumas ações possíveis a serem realizadas.

Para tanto, adotamos um procedimento técnico denominado “estratégia do silêncio”

que foi aplicado por ADORNO et al, 1997, junto a um grupo de mulheres de Itapecerica da

Serra, em São Paulo, através da pesquisa participante realizada pela Faculdade de Saúde

Pública no Centro de Saúde Salvador Leone.

A “estratégia do silêncio”, adotada pelos pesquisadores da Faculdade de Saúde

Pública, consistia em iniciar a reunião com uma declaração sucinta de seu objetivo –

Page 105: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

101

preparação conjunta da pesquisa – seguindo-se a apresentação dos componentes do grupo,

após o que não se diria mais nada, aguardando-se os movimentos dos representantes da

comunidade. A ansiedade assim criada pela ausência da palavra do “líder natural” poderia

permitir o questionamento da relação entre o conhecimento e o poder. (ADORNO, et al,

1997).

A adoção desta estratégia, permitiu problematizar a questão da fala em geral e

resgatar a especificidade da fala do dominado, superando-se (a nível superficial, é claro) a

relação vivida pelo dominado em termos de falar “mal” / não falar – pensar “mal” / não

pensar”. (op.cit.).

Baseada nesta estratégia adotamos uma atitude de ouvir e auscultar o que a

comunidade tinha para dizer, estimulando-a a falar sobre a sua vida, seus problemas, suas

angústias, seus desafios, ou seja, partindo sempre da realidade concreta tal como a

comunidade a vive e sente.

Fomos, portanto, estabelecendo uma prática dialógica e participativa e, neste processo

de aprendizagem, de repasse de informações, fomos aprendendo com eles e modificando na

prática algumas concepções que no plano teórico pareciam corretas. Isto é, fomos

construindo práticas e conhecimentos, vivenciando processos e sentindo suas preocupações e

suas estratégias de sobrevivência na área.

O fato de os parceleiros (apáticos, descrentes, desunidos) sentindo-se ameaçados pela

APA (CRA) e outras instituições em sua sobrevivência, principalmente pela autoridade da

legislação ambiental, receberem o apoio de uma profissional do CRA, que aluna do Mestrado

realizava seus estudos de pesquisa no local, adotando como estratégia uma aproximação que

“rompesse o silêncio”, o colocar-se como um facilitador, disposto a compreendê-los em suas

necessidades, conhecer sua história de vida e conquistas, seus anseios, suas utopias,

comprometendo-se a ajudá-los na construção de um mundo melhor, porque os estimulava a

buscar a força da luta, nas próprias crises (débito com o BNB) que se instalaram na

comunidade, constituía em um espaço promissor de formação de vínculos afetivos e de

solidariedade entre técnico e população, segundo o propugnado por GRAMSCI, 1978 (no

início deste capítulo), a relevância do confronto entre os saberes técnico e popular, para a

Page 106: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

102

geração de um novo saber que se solidifica nos processos educativos e nas relações de

respeito mútuo.

Uma das estratégias utilizadas pela comunidade para a melhoria da qualidade de vida

foi a realização do I Seminário da Marambaia, tendo como temas a Reforma Agrária, o

Turismo e o Meio Ambiente. Para tanto, a Associação dos Parceleiros da Marambaia

contando com o Grupo de Apoio à Presidência realizou em 11 de agosto de 2000 o referido

evento, objetivando discutir e buscar coletivamente soluções aos problemas enfrentados, a

exemplo da titulação da terra, créditos agrícolas, habitação, saúde, educação, uso da terra,

ecoturismo e conservação ambiental.

A solicitação por parte do Grupo de Apoio a esta pesquisadora representa a evidência

do reconhecimento técnico e da confiança, resultante dos vínculos afetivos e competência

para a busca de soluções; Este fato significou para a autora que estava aceita pela

comunidade e que poderia dar início às primeiras ações de sua investigação, trocando idéias

com eles sobre a pesquisa e como viabilizá-la. Prestamos, então, colaboração técnica aos

promotores do evento o que fortaleceu ainda mais a nossa inserção na comunidade. (ver

Recorte do Jornal da APA, anexo II).

Figuras 22 e 23 - I Seminário da Marambaia “Reforma Agrária, Turismo e o Meio Ambiente”

(11.08.2000)

Para a realização do evento a Associação fez articulações com os técnicos dos órgãos

governamentais que atuam na área; INCRA, CRA, CONDER, CEPLAC, Prefeitura

Page 107: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

103

Municipal de Itacaré e técnicos de Organizações Não Governamentais – ONG´s: IESB,

FETAG, COOTEBA/LUMIAR.

Na abertura do evento as palavras do presidente da Associação demonstram o

interesse da comunidade em estabelecer parcerias com todos aqueles que possam ajudá-los na

busca de alternativas viáveis para o enfrentamento das atuais condições de vida em que se

encontram.

“Antes a Marambaia era melhor. O que queremos é a tecnologia. Nós sabemos trabalhar, mas não conhecemos o que a terra pode nos dar. Nós não demo retorno à terra pois estamos sem condições de trabalhar. Nós queremos que os técnicos tragam a solução. Não temos assistência técnica e nem temos condições financeiras. Estamos inadimplentes com o BNB. Vem agora a Lei da APA para conservar o ambiente, as matas, o verde e não temos condições de usar a terra. Temos lutado muito, mas temo esperança. Estamos fazendo este seminário com as autoridades do governo e dos chefes políticos esperando que as nossas condições sejam resolvidas.” (Sr. Petronílio – Pres. Associação).

Dando continuidade ao que esperavam do seminário, a coordenadora do Grupo de

Apoio à Presidência, disse:

“A Marambaia representa a área pioneira de reforma agrária aqui no município e nessa região. No início éramos um grande grupo e bastante jovem onde foram selecionadas 32 famílias numa área de 800 hectares, lá se vão 15 anos. Sempre enfrentamos dificuldades e todo tipo de incompreensão, às vezes do governo, às vezes da própria sociedade. Hoje, mais velhos estamos diante de novos desafios – defender a permanência dos nossos filhos na nossa terra, lutar pelo direito de continuar existindo como cidadãos, aqui, no lugar escolhido para nossa morada e convivência.” (D. Otília – antiga líder comunitária).

Antes de iniciar as palestras dos técnicos, foram apresentadas pela Associação as

questões que gostariam que fossem discutidas pelos participantes, quais sejam:

“Nós atravessamos uma fase de dificuldade ou melhor mais uma e tentamos ordenar algumas questões para apreciação nesse seminário, a exemplo de :

• Tratamento especial no endividamento dos nossos parceleiros com o BNB, e de todas as demais áreas aqui representadas;

• Liberação de documentos pendentes; • Alternativas para convivência da reforma agrária com o meio ambiente; • Infra-estrutura para a criação de animais de pequeno porte; • Formação de viveiros para produção de mudas florestais, ornamentais, de fruteiras e de espécies de

valor medicinal; • Criação de estrutura para produção de adubo orgânico e ração; • Incentivos para recuperação de áreas degradadas; • Criação de uma oficina de artesanato; • Estrutura para o aproveitamento de frutas e verduras; • Meios para exploração dos recursos hídricos e outros potenciais da nossa área; • Apoio técnico para organização da agrovila;

Page 108: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

104

• Apoio técnico para formação de trilhas e demais roteiros para o ecoturismo; • Apoio para a saúde, educação, água, saneamento e urbanização do núcleo comunitário.”

A realização deste Seminário surtiu um efeito positivo na comunidade, pois mesmo

estando com a auto-estima baixa em virtude do débito com o BNB, do sentimento de

abandono em que se encontravam e das desconfianças com relação aos técnicos, tiveram a

competência de delinear a possibilidade de estabelecer parcerias para a execução de alguns

projetos que respondam aos seus interesses e necessidades. Desse modo, consideramos

importante destacar as principais colocações apresentadas pelos técnicos, ou seja, os

compromissos assumidos entre os possíveis aliados (atores sociais) e os encaminhamentos

efetivados após o Seminário:

a) Com relação ao turismo, o representante da ILHÉUSTUR fez a seguinte proposta: A cidade de Itacaré tem um diferencial na Costa do Cacau, pois a região detém a Mata Atlântica que é um produto turístico, fácil de vender. Como trabalhar uma área de assentamento de reforma agrária para o turismo? Esse é um grande desafio. A Marambaia deve se organizar para se integrar ao turismo de Itacaré. Para isso deve definir pelo turismo rural e ecológico, desenvolver o artesanato, o folclore, conservar os recursos naturais existentes, ou seja, montar um projeto que possa atrair turistas para a área.

A possibilidade de elaboração de um projeto voltado para o ecoturismo constitui-se

em um desafio para a comunidade, pois não detém a devida capacitação para tal. Porém,

conhecendo as potencialidades dos recursos naturais existentes na área têm a intenção de

divulgar as matas, fazer trilhas, divulgar as plantas, as muitas madeiras e árvores de copas

bonitas. Estamos querendo fazer outro tipo de desenvolvimento, o desenvolvimento que

queremos é o desenvolvimento turístico. Nós precisamos de conhecimento, de pessoas que

venham aqui nos informar a gente se identificar melhor”. (Sr. Petronílio – Pres. da

Associação).

Com essa preocupação a comunidade coloca-se aberta a um novo tipo de trabalho

onde o estabelecimento de alianças mútuas pode resultar em uma efetiva operacionalização

de seus sonhos.

b) Com relação à questão urbana, o representante da CONDER - Companhia de

Desenvolvimento Urbano, apresentou o tipo de intervenção do órgão na área:

A cidade de Itacaré por sua topografia e limites geográficos tem como vetor de crescimento a área em direção ao núcleo da Marambaia. A CONDER fez um levantamento topográfico

Page 109: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

105

do Núcleo da Marambaia para montar estudo de disciplinamento da ocupação, desde quando na área está previsto o “Portal da Cidade”. Encontra-se em fase de estudo a possibilidade da CONDER realizar o projeto da agrovila, estabelecendo o núcleo urbano do assentamento.

A comunidade concordou que a Marambaia seja o “Portal da Cidade”, porém os

parceleiros exigiram que a Associação seja a entidade responsável pelo gerenciamento do

Portal da Cidade que prevê o estacionamento dos ônibus, as lojas de artesanato, a lanchonete,

etc. Para tanto, solicitam a capacitação para que possam gerir com eficiência a atividade. O

compromisso de realização do projeto de “agrovila” pela CONDER está sendo concretizado

com a participação dos parceleiros, dos técnicos da CONDER e do CRA onde foram

discutidos conjuntamente os parâmetros de ocupação e uso definidos no zoneamento e no

Plano de Manejo da APA. O projeto encontra-se em fase final de elaboração, onde está

sendo discutido o Termo de Compromisso com os parceleiros, o INCRA, a CONDER e o

CRA. Finalizado, a Associação irá buscar o apoio dos poderes públicos para a execução do

Projeto.

c) Com relação ao meio ambiente, a representante do CRA e administradora da APA

Costa de Itacaré – Serra Grande, disse:

As ações do CRA compreendem a fiscalização, o licenciamento e a gestão participativa da APA. Para esta gestão é necessário o envolvimento de todos os atores sociais inseridos na APA e para isso a comunidade deve ver a APA como um aliado, pois esta unidade de conservação compatibiliza a conservação ambiental com as atividades produtivas. Portanto, qualquer intervenção do órgão na área será discutida com a comunidade na tentativa de buscar alternativas que melhorem as atuais condições de vida.

A postura dos técnicos do CRA tem sido de buscar o envolvimento dos parceleiros em

todas as atividades do órgão na área. Prestando esclarecimentos, discutindo os problemas,

facilitando as articulações entre os órgãos públicos e ONG´s, com o objetivo de garantir a

participação da comunidade na gestão da APA.

d) Com relação à assistência técnica, o técnico da CEPLAC fez as seguintes

considerações:

A CEPLAC prestou assistência técnica ao assentamento de 1987 a 1993, quando a CEPLAC se retirou da área em virtude da contratação pelo INCRA da equipe da COOTEBA/LUMIAR, vinculada ao Programa Nacional de Reforma Agrária. Participamos da implantação do assentamento e detectamos que a área tem limitações de solo e na época dificuldade de acesso para escoamento da produção. Com o asfaltamento da estrada BA-

Page 110: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

106

001 esta dificuldade foi superada, permanecendo a limitação do solo. A CEPLAC implantou o projeto do coco. O pequeno produtor tinha que trabalhar com quatro culturas: cravo, café, coco e pastagem. A CEPLAC está aberta para a possibilidade de prestar assistência técnica ao assentamento. Para isso a Associação deve formalizar a solicitação à diretoria da CEPLAC.

Reconhece o técnico da CEPLAC que os projetos agrícolas implantados com o

assessoramento técnico do órgão não surtiram os resultados esperados, em virtude das

condições do solo da área. Porém, colocou que o órgão está disponível para voltar a prestar

assistência técnica aos parceleiros, em outro patamar, os seja, efetivamente implantar na

prática as orientações de alternativas técnicas de manejo do solo, que garanta a

sustentabilidade das famílias e do ambiente.

e) Com relação ao desenvolvimento sustentável, o diretor do IESB, apresentou os

projetos desenvolvidos na área:

O IESB através do Programa de Educação Ambiental e Ecoturismo vem desenvolvendo um trabalho na área a partir da realização do Diagnóstico Rápido Participativo – DRP, onde foi implantado o Viveiro de Mudas Comunitário com a produção de 3.000 mudas que serão compradas pelo Hotel Transamérica. Encaminhamos um projeto que foi aprovado pela FUNBIO e Fundação FORD para a execução de alternativas econômicas para as comunidades rurais da APA, estando contempladas as comunidades da Camboinhas e Marambaia. A aplicação dos recursos será discutida com as comunidades a partir dos seus interesses e necessidades.

O compromisso assumido pelo IESB está sendo colocado em prática através do

projeto “Comunidades rurais e florestas da APA Itacaré – Serra Grande”, cuja experiência foi

relatada no capítulo anterior.

f) Com relação ao endividamento dos parceleiros da Marambaia, o representante do

INCRA, informou:

O objetivo do INCRA é auto-gestão da comunidade que traga a melhoria da qualidade de vida. As famílias já estão tituladas e a Marambaia está preste de ser emancipada. A Associação dos Parceleiros e a FETAG solicitam o perdão da dívida com o BNB, peço que essas entidades façam uma exposição de motivo ao INCRA solicitando o perdão da dívida para que possamos negociar com o Banco. Estão previstos pelo INCRA a implantação de um Poço Artesiano através do convênio celebrado entre o INCRA e a CDA e de uma Barragem, fruto do convênio entre o INCRA e a CAR. A previsão é de que estes projetos sejam iniciados nos meses de setembro/outubro. Neste momento entrego ao presidente da Associação cópias dos convênios celebrados.

Page 111: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

107

O INCRA colocou-se como aliado dos parceleiros para as negociações junto ao BNB

de anistia do débito. Os estudos técnicos para a elaboração do projeto de construção da

Barragem estão sendo providenciados pela CAR em articulação com o CRA para o devido

licenciamento da obra.

Após as palestras, a representante da Federação dos Trabalhadores na Agricultura-

FETAG, ressaltou a importância da organização e da união dos assentados da Marambaia

para a melhoria das suas condições de vida e disse que os projetos apresentados pelos

técnicos do governo são fruto da luta dos parceleiros, ratificando que a Associação deve ser

ouvida em qualquer projeto de intervenção na área.

Ao final do evento foi apresentada a peça folclórica da Marambaia “O Bicho da Mata

Atlântica”, que consiste em uma encenação com expressão corporal e musical.

O sucesso alcançado com a realização do Seminário iniciou o processo de elevação da

auto-estima da comunidade e da necessidade de fortalecimento dos sentimentos de união e

organização entre os parceleiros.

Assim, o conhecimento da realidade vivenciada na comunidade aprofundou-se cada

vez mais e, conjuntamente estabelecemos um calendário de reuniões para a definição de um

plano de ação, visando as possíveis soluções aos problemas detectados pela comunidade.

Ao lado disso, procuramos conhecer o processo de ocupação da área, através de

registros da Associação, dos projetos elaborados pelos órgãos e entidades civis e entrevistas

informais com lideranças locais, aprofundando o resgate histórico do assentamento

Marambaia.

b) Revelando a história de ocupação

A história do assentamento da Marambaia está relacionada ao direito à vida (trabalho

na terra) e à dignidade (exercício da cidadania), reivindicados pelos movimentos rurais,

especialmente pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG e,

na Bahia, pela Federação dos Trabalhadores na Agricultura – FETAG, e partidos políticos de

oposição que empunhavam a bandeira de luta “Reforma Agrária Já!”.

Page 112: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

108

“Normalmente, durante e após o processo de conquista da terra, algum órgão é designado para a implantação do assentamento... Entretanto dos anos 79 até meados de 1985, quando não se falava muito em reforma agrária ou esta apenas aparecia em algum programa dos partidos de esquerda, e com o Governo brasileiro de certa forma “cansado” com os sucessivos fracassos da colonização da Amazônia, o tratamento dado por estes órgãos aos assentamentos era de completo descaso para “ver no que é que dava”.” (FLECK, 1986, p.53)

A luta pela conquista da terra (Fazenda Marambaia) inicia-se em 1983, tendo como

protagonistas desta história, de um lado 45 famílias de trabalhadores rurais da região que

reivindicavam uma parcela de terra para trabalhar e de outro, o dono da Fazenda, “um gringo

que vivia em Itacaré da exploração de madeira” .

No intuito de conhecer o processo de ocupação da área nada melhor do que ouvir os

próprios protagonistas desta história. Para tanto destacamos os depoimentos de antiga líder

comunitária e do atual presidente da Associação dos Parceleiros da Marambaia, participantes

do processo de ocupação da terra:

“Eu sou Otília e com outras pessoas Brás, Cláudio, Arlito, Sebastião, Raimundo de Bajé, Severo, Bonfim, Antoniozinho, Idalício, Sebastião de Antoniozinho, Crispinho, estavam conversando no Km 15 de Itacaré, quando chegou o gringo Sr. Radin para dizer que queira utilizar a terra de forma produtiva para impedir a reforma agrária. Nos pediu para fazer roça na mata. Fizemos uma reunião e pedi que aguardassem a minha ida a Salvador para pegar informações sobre a área. Em Salvador, fui à FETAG e consegui uma passagem para Brasília e chegando lá procurei o presidente do INCRA, o Sr. Paulo Iakota. Fui à Câmara de Deputados e conversei com o deputado Elquisson Soares e pedi informações e soube que a área tinha 18 anos sem pagar ao INCRA e então pedi o confisco da terra, dizendo que em Itacaré a cidade não oferecia condições de vidas aos nativos e que os proprietários só faziam tirar madeira do mato. Voltei para Itacaré e junto com os meus amigos ocupamos a área e botamos roça. Depois disso o gringo pediu as roças mandando que nós assinasse um contrato. Mas, nos não assinamos. Para mostrar que sua terra era produtiva, o gringo encaminhou um relatório para o INCRA dizendo que tinha 50 hectares de cacau, 50 hectares de seringa, 150 hectares de pasto e 50 vacas. O INCRA mandou técnicos à área e só encontrou resquícios de serraria e áreas queimadas. O gringo então pegou a área e deu de meia a Luís Mendes para que ele tirasse a gente de lá. Luís Mendes pegou a polícia, a justiça, colocou pistoleiros na área, e nós resistimos. Neste conflito tivemos perdas de pessoas, como a morte de Deraldo, Evangelista ficou inválido, Manuel recebeu tiros, mas está vivo, Marcos foi cortado à facão, eu fui agredida por um delegado, 11 soldados e 12 pistoleiros com oito dias de parida e nesta luta toda saiu a desapropriação da área pelo INCRA em 1986. Ocupamos em 1983 e lutamos durante três anos. Nesses três anos dormimos no mato com os filhos, com medo dos pistoleiros, dormia entrincheirados, passamos fome, não tinha o que vestir, a sandália era amarrada de cordão. Tudo isso para ter o direito do pedaço de terra que é a nossa vida”. (D. Otília – antiga líder comunitária)

Este depoimento retrata a situação de conflito de classes pela posse de terra que ao

longo dos anos vem ocorrendo no Brasil. De um lado, os setores oligárquico-latifundiários,

Page 113: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

109

em que a terra significa o espaço de poder, cuja apropriação segundo GEHLEN, 1986 “é a

materialização ou personificação desse poder. Por isso a desapropriação (ou liberação

dessas terras de seu controle) significa também a expropriação de seu poder, a eliminação

deles como classe social. Por isso sua determinação de usar armas e violência contra quem

os ameaça”. De outro, os agricultores sem terra, que lutam pela conquista da cidadania e por

um espaço onde possam trabalhar e viver, isto é, a luta pelo direito a terra é uma luta pela

dignidade (cidadania) e pelo direito à vida, onde dela possam tirar o sustento (sobrevivência)

de suas famílias.

“Eu sou Petronílio presidente da Associação dos Parceleiros da Marambaia e em 1981, 82, existia uma crise muito forte aqui em Itacaré para a gente comprar uma verdura, carne de porco. Um dia o Sr. Adelino na reunião do Sindicato disse: oi gente, surgiu uma fazenda em Itacaré, a Fazenda Marambaia, ela tem 914 hectares. Quem quiser arrumar um pedaço de terra é só dar uma assinatura e nós vai fazer um levantamento e levar para o INCRA desapropriar a fazenda e assentar as famílias. O sindicato conseguiu 150 assinaturas. O presidente fez um levantamento e mandou para o INCRA. Nós esperamos um ano e meio e D. Otília não tinha ainda chegado em Itacaré. O Sr. Adelino disse que chegou uma mulher de reforma agrária que é D. Otília e ela conhece o que é reforma agrária e é capaz de vocês tomar essa terra da mão do homem. O dono só vinha desmatar, tirar a madeira e voltar para o estrangeiro. Ele morava na Suíça e assim a gente encostamos em D. Otília e em 1983 foi uma batalha muito grande, mas também o INCRA nos deu cobertura e em 1986 o INCRA veio e desapropriou aqui a Marambaia e fez o assentamento de 32 famílias porque o tamanho da área não dava para as 45 famílias e assim nós tivemos uma vida muito importante. Criamos a feira de Itacaré, exportamos muita farinha daqui para Ilhéus e Itabuna. Também não existia ainda a APA, não existia ainda a proibição de trabalhar na Mata Atlântica. A gente tava trabalhando mas tava fazendo o desmatamento, mas não conhecia que existia essa proibição. Aí nós começamos a parar para obedecer a lei e aí começou a fraqueza, a gente foi diminuindo, acabando as forças, a renda”. (Sr. Petronílio – Pres. da Associação)

Um aspecto relevante deste depoimento diz respeito às legislações ambientais que

proíbem o desmatamento a exemplo da Lei Federal nº 4.771, de 15/09/65 “Código Florestal”

e o Decreto nº 750, de 10/02/93, “que dispõe sobre o corte, a exploração e a supressão de

vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração da Mata Atlântica”.

Para os assentados estas leis e a Lei de criação da APA proíbem, mas não oferecem

alternativas para a sobrevivência. Conservar o verde ainda que às custas da vida dos homens

é uma concepção que, hoje, vem se modificando a partir da proposta de desenvolvimento

sustentável. A categoria de Unidade de Conservação denominada APA, “convive com a

propriedade privada e sua gestão objetiva conciliar interesses econômicos e ambientais,

partindo assim para a prática do desenvolvimento sustentável. Configura uma unidade de

conservação em situação mais complexa, por admitir a ocupação e uso controlado, sendo

Page 114: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

110

necessário conciliar as suas funções produtivas e sociais com a proteção ambiental, sem

ferir o direito de propriedade nem as leis de proteção ambiental”. (MURICY, 1999).

Portanto, há que ser estabelecida uma relação dialógica entre os poderes públicos e a

comunidade, onde a consideração desta questão meio ambiente x reforma agrária remete ao

fato de que a participação dos pequenos produtores rurais na conservação ambiental, nestes

novos tempos, não é somente de serem proibidos de desmatar, mas, sobretudo, de serem

orientados para o uso de alternativas de manejo sustentável do solo e de alternativas de

produção e renda, no sentido de minimizar as pressões sociais sobre o uso dos recursos

naturais e garantir a melhoria da qualidade de vida.

Com a desapropriação pelo INCRA, em 1986, as 32 famílias das quais três eram

mulheres, organizaram-se e criaram a Associação dos Parceleiros da Marambaia que passou a

ter representação e legitimidade da comunidade perante os órgãos públicos, entidades civis e

à sociedade. Por duas gestões D. Otília presidiu a Associação, sendo sucedida por Zenaide,

Valdomiro, Genivaldo e atualmente Sr. Petronílio.

Com a estruturação de sua forma de organização, os parceleiros através da Associação

foram contemplados por vários projetos de investimento na área, com o objetivo de garantir a

sobrevivência das famílias assentadas. Porém, estes projetos não tiveram uma devida

orientação técnica e insumos agrícolas necessários o que ocasionou o fracasso de alguns

deles, refletindo a atual situação de precariedade de vida no assentamento.

Em 1988, através do DESENBANCO ocorreu o primeiro financiamento para

implantação do coco da baía e mandioca, os parceleiros cumpriram todas etapas previstas no

financiamento: implantação das culturas, colheita e pagamento dos débitos. O Presidente da

Associação diz: “O INCRA abriu crédito pelo PROCERA para produção de 1 hectare de coco, ½ hectare de cravo, ½ hectare de dendê e ½ hectare de café para cada família. Das 25 hectares de cada lote, 20% é para cultivo e 5% reserva florestal, essa foi a orientação do INCRA.” (Sr. Petronílio – Pres. da Associação).

Em 1993, a CEPLAC, órgão responsável pela assistência técnica ao assentamento

elaborou projetos financiados pelo Programa da Terra envolvendo investimento e custeio

agrícola, objetivando a continuidade dos trabalhos de manutenção do coco da baia e

Page 115: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

111

implantação de novas culturas: cravo, dendê, café, sendo que apenas 28 assentados

contraíram o empréstimo de até 13.298 URV´s (R$3.191,52). COOTEBA/LUMIAR.

“Em 1996 tivemos o crédito PROCERA e o agente financiador foi o BNB para plantação de coco que foi dividido em duas parcelas. Esta dívida não foi liquidada. Para o plantio do coco tivemos a assistência técnica da CEPLAC, sendo 2% de contrapartida de cada projeto. No início dois técnicos da CEPLAC deram assistência técnica semanalmente. Faziam reunião para explicar o projeto, mas teoricamente e depois as pessoas seguiam as explicações nas roças. O pessoal seguia ao pé da risca as formas de plantio, mas não obtinha resultados, porque não tiveram assistência técnica na prática”. (Sr. Genivaldo – Vice-presidente do STR de Itacaré).

De um modo geral a relação entre o agente técnico e o agente popular nos projetos de

financiamento no assentamento se expressou pela imposição do “saber” e da “verdade” do

técnico que transmitia os conhecimentos teoricamente sem o rebatimento na prática, sem o

confronto com o saber do fazer popular. Evidentemente, este encontro de saberes não

ocorreu, dificultando ou até mesmo não se efetivando os objetivos propostos nos projetos. A

postura dos técnicos foi de endoutrinamento, como diz BOFF, 1986, “É, portanto, uma

forma autoritária de educação, pois supõe que uma parte saiba, fale e ensine e a outra

ignore, escute e aprenda”.

Em virtude da incapacidade financeira para o pagamento da dívida junto ao Banco do

Nordeste – BNB, em 1998, a Associação dos Parceleiros da Marambaia encaminhou ofício

ao INCRA comunicando e justificando a falta de produtividade do plantio do coco e,

conseqüentemente a falta de recursos dos parceleiros para o pagamento da dívida contraída.

A Comissão Estadual do PROCERA/LUMIAR então solicitou que a CEPLAC

elaborasse um Laudo Técnico da real situação do projeto implantado pelo órgão no

assentamento.

“Sem nenhum respaldo por parte da CEPLAC, muito menos alternativa para solucionar os problemas, a Equipe Técnica BahiaSul/COOTEBA com o apoio da comunidade interviu no sentido de conduzir as atividades de campo onde foi elaborado um Laudo Técnico caracterizando a situação correspondente”. (COOTEBA/LUMIAR, 2000).

Em 1998, a comunidade passou a ter a assistência técnica da equipe

BahiaSul/COOTEBA, vinculada ao Programa LUMIAR/INCRA, que direcionou suas

atividades na preservação e manutenção das culturas existentes, nas atividades sociais, na

Page 116: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

112

capacitação e organização da Associação e na inserção do assentamento no contexto

mercadológico.

Em abril de 1999, com o respaldo da resolução nº 2564/98, o INCRA conseguiu a

prorrogação do saldo devedor do assentamento Marambaia contemplando as 32 famílias

assentadas.

Em junho de 1999, a Cooperativa de Trabalho do Estado da Bahia –

COOTEBA/LUMIAR, vinculado ao Programa Nacional de reforma Agrária emitiu o Laudo

Técnico retratando a atual situação técnica e econômica do assentamento baseando-se no

projeto de Investimento Agrícola implantado no ano de 1996, implantado pela CEPLAC.

O Laudo faz uma análise técnica das características do solo, onde predomina o laterita

(cascalho) com 20 cm de profundidade da superfície do solo o que dificulta o

desenvolvimento radicular da planta (coco). O laudo técnico constatou que a falta do preparo

do solo e a má qualidade da muda tem sido o que mais comprometeu o desenvolvimento da

cultura e a sua capacidade de pagamento. Com as mudas sem certificação e contaminadas por

doenças (Podridão Parda) e helmintosporiose, os assentados obtiveram perda de 20% de suas

plantas. Além disso, no assentamento ainda não há uma estrutura de escoamento nem de

beneficiamento da produção.

A conclusão do Laudo Técnico elaborado pelo COOTEBA/LUMIAR afirma que,

“entendemos que os assentados e assentadas do Projeto Marambaia encontram-se

prejudicados, uma que, em virtude dos erros consecutivos cometidos pela CEPLAC, estes se

encontram com incapacidade para pagamento, ainda que prorrogado, do crédito

PROCERA/INVESTIMENTO, o que impossibilita, a obtenção de novos créditos e o

conseqüente desenvolvimento econômico e social da área. Solicitamos, pois que a Comissão

Estadual do PROCERA/LUMIAR seja sensível à questão exposta e que envie uma sub-

comissão para junto com a equipe técnica e os assentados chegarmos à alguma solução

viável e alentadora neste importante projeto de assentamento”.

Com base neste laudo, a dívida foi prorrogada por mais dois anos, estando previsto o

vencimento em abril de 2001. Aproximando-se a data para o pagamento da dívida e cientes

da incapacidade de saldá-la, os assentados solicitam do INCRA a anistia do débito junto ao

Page 117: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

113

BNB, “mas precisamos do laudo da CEPLAC, EBDA, BNB, INCRA, COOTEBA/LUMIAR,

EMBRAPA, UESC. Com base nestes laudos se for favorável a Marambaia quem vai pagar o

débito é uma comissão de fundo do INCRA”. Para isso a Associação está articulando a vinda

dos técnicos à área para que conhecendo a realidade tenham condições de subsidiar o INCRA

para o pedido de anistia do débito.

O débito ao BNB constitui-se no maior problema para a comunidade, pois os

parceleiros estão preocupados em perder as suas terras para o banco. Entendem que “o

primeiro passo para o pessoal se equilibrar e andar de acordo com a APA é a anistia do

débito, a partir daí vamos tomar novo rumo, não queremos desmatar, estamos querendo um

meio para garantir a sobrevivência na área”. (Sr. Genivaldo – Vice Presidente do STR de

Itacaré).

Atualmente, com a suspensão do Projeto COOTEBA/LUMIAR na área, a

comunidade encontra-se sem assistência técnica de qualquer órgão público. Porém merece

ser destacado o importante trabalho que vem sendo realizado pelo IESB – Projeto

FUNBIO/FORD, uma Organização Não Governamental-ONG, cujo objetivo é conciliar a

melhoria da qualidade de vida das comunidades rurais, concomitantemente com a

conservação dos recursos naturais e remanescentes da Mata Atlântica.

“Eu vejo o projeto do IESB com bons olhos, porque tem que se começar lá de baixo para chegar no estágio maior. Não se pode realizar o sonho de uma só vez. Tem que começar aos pouquinhos”. (Sr. Genivaldo – Vice Pres. do STR de Itacaré).

Diante da falta de assistência técnica governamental e sentindo-se excluídos do

processo de desenvolvimento, os parceleiros da Marambaia acreditam que a “a união e a

parceria” garantirão uma melhoria das atuais condições de vida, como coloca o presidente da

Associação:

“Nós queremos cumprir a lei da APA, só que nós não temos condições para sobreviver e para cumprir essa lei para conservar o meio ambiente. Ai, nós queremos o que? Juntamente com as autoridades competentes informações, como nós vamos fazer para melhorar as condições aqui na Marambaia. Nós queremos divulgar as cachoeiras, divulgar nossas riquezas. Com a ajuda primeiro de Deus, dos técnicos, dos estudantes da UESC. É isso que nós estamos precisando, da ajuda de técnicos para nosso desenvolvimento. Nós precisamos de pessoas que venham aqui nos informar a gente se identificar melhor... É preciso também a nossa união trabalhando todo mundo junto... a gente tem que ter fé, tomar mais conhecimento, criar coragem pra gente desenvolver... O desenvolvimento agora

Page 118: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

114

é o turismo e o trabalho turístico tem que vim assim de uma forma divulgando qualquer coisa de bom que nós tiver aqui...” (Sr. Petronílio Valverde)

Na verdade, o depoimento é um testemunho da indiferença dos órgãos públicos frente

às dificuldades dos parceleiros, que sem assistência (orientação) técnica só encontra na força

de sua união a estratégia para conquistar seus projetos. É interessante observar que a situação

de crise está gerando a ousadia para que eles possam vencer e desenvolver sua comunidade e,

nesta caminhada buscam alianças com os “´técnicos”, que detendo o conhecimento possam

ajudá-los na elaboração e concretização dos seus sonhos de uma vida melhor.

4.1.2 - REARTICULANDO A PRÁTICA DE PESQUISA À TEORIA EM

EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Para o aprofundamento do estudo em questão, paralelamente ao conhecimento da

realidade vivenciada, realizamos uma revisão de literatura com o objetivo de obter uma maior

consistência teórica que respaldasse a prática e sistematizasse a construção do conhecimento.

Para tanto, desenvolvemos uma pesquisa bibliográfica sobre os temas referentes a Educação

Ambiental, Movimentos Sociais Rurais e Ecológicos, Reforma Agrária, Desenvolvimento

Sustentável e Cidadania, que possibilitou a formação do quadro teórico que embasa esta

investigação. A formação de um corpo teórico consistente e que seja comprovada na prática

foi possível a partir da reflexão de confronto entre a revisão teórica, o conhecimento da

realidade vivenciada e a experiência prática da pesquisadora.

É importante assinalar o caráter de prática social que tem a metodologia de pesquisa-

ação, no qual a produção de conhecimentos, orientados pela teoria, se conjuga a uma prática

educativa mediante a qual se busca a transformação, em primeiro lugar, da própria

consciência da realidade e, em seguida da própria realidade dos sujeitos do processo.

(PINTO, 1986).

Nesta fase de rearticulação da prática de pesquisa à teoria procuramos compreender os

raciocínios dos sujeitos (parceleiros) e confrontá-los com os raciocínios teóricos, pois a

comparação dos dois tipos de raciocínios constitui uma importante fonte de informação para

se detectar até que ponto existe uma real intercompreensão, a possibilidade de diálogo e de

transformações nos modos de pensar sobre determinados problemas. Além disso, é possível

Page 119: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

115

avaliar diversos graus de aproximação ou de adequação dos conhecimentos em questão.

(THIOLLENT, 1985).

Esta adequação dos conhecimentos foi possível através da relação dialógica

estabelecida, onde os parceleiros a partir do senso popular tiveram voz reconhecida e o

pesquisador a partir do conhecimento de diversos elementos de teorias e experiências

anteriormente adquiridas teve condições para a concretização dos conhecimentos teóricos,

obtida de modo participativo na relação entre o pesquisador e os participantes.

As premissas básicas de sustentação da pesquisa estão fundamentadas na pesquisa-

ação como prática social com o propósito de ao mesmo tempo ter um caráter aplicado e

educativo, não buscando apenas conhecer ou compreender as relações existentes, mas

transformá-la com base em conhecimentos relevantes para a definição de ações. (PINTO,

1986).

PINTO, 1986, ainda aponta que, “este tipo de pesquisa por ser participativa tem um

caráter novo e inovador desta prática, na medida em que o conhecimento científico se

produz na própria ação e ao mesmo tempo contribui para ela”.

Segundo o autor, a metodologia da pesquisa-ação como prática social ressalta a

necessidade da síntese, da unidade do diverso, ou seja, a prática social tem como fim a

transformação da sociedade e essa transformação só pode se dar como prática política que

busque unificar a prática científica e a pedagógica em um só objetivo. É a tomada de

consciência dos interesses objetivos e da organização na ação.

A aplicação deste tipo de pesquisa social a uma prática de Educação Ambiental,

objeto desta investigação, está respaldada nos princípios da participação e na visão holística e

interdisciplinar do ambiente.

A participação aqui entendida se baseia na igualdade de poderes que não é outra senão

o respeito mútuo, a solidariedade e a compreensão entre o saber científico e o saber popular,

num processo de vivência conjunta e participativa como garantia do exercício da plena

cidadania. (HOMEM D´EL REY, et al, 1991).

Page 120: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

116

Esta capacidade de reflexão – ação sobre a problemática ambiental é condição

essencial para que os envolvidos no processo assumam compromissos de mudanças,

conforme afirma Paulo Freire:

Não é possível um compromisso autêntico se, àquele que se julga comprometido, a realidade se apresenta como algo dado, estático e imutável. Se este olha e percebe a realidade enclausurada em departamentos estanques. Se não a vê e não a capta como uma totalidade, cujas partes se encontram em permanente interação. Daí sua ação não poder incidir sobre as partes isoladas, pensando que assim transforma a realidade, mas sobre a totalidade. É transformando a totalidade que se transformam as partes e não o contrário. (FREIRE, 1983).

Portanto, a visão holística e interdisciplinar colocada ao relacionamento do homem

com a natureza tem como pressuposto a inter-relação entre as partes, envolvendo todos os

aspectos que compõem o ambiente (econômicos, políticos, sociais, ecológicos, científicos,

éticos e políticos), através da adoção de uma visão crítica das questões que afetam a

qualidade de vida das comunidades e a ação participativa na busca de soluções. (DIAS,

1999).

4.1.3 - DIAGNOSTICANDO O AMBIENTE DE VIDA

O diagnóstico do ambiente de vida foi sendo realizado com os parceleiros desde o

momento da inserção do pesquisador na comunidade. Nesta fase de diagnóstico foram

adotados alguns procedimentos metodológicos para a identificação das expectativas, dos

problemas enfrentados, das características da comunidade, no intuito de sistematizar as

informações referentes à percepção e compreensão da comunidade sobre a situação ambiental

do assentamento e as propostas de soluções.

O processo de diagnóstico envolveu a combinação de diversas técnicas empregadas

em pesquisas qualitativas, tendo como base a participação dos sujeitos (parceleiros),

propiciando a oportunidade de se colocarem enquanto indivíduos e coletivamente diante dos

problemas detectados para uma ação de transformação.

Com a finalidade de coletar maiores informações, dar maior consistência ao

diagnóstico e à percepção pelos parceleiros e o que isto representa para a comunidade,

utilizamos a observação participante e a entrevista não-diretiva, conforme estabelecido por

HOMEM D´EL REY et al, 1990.

Page 121: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

117

Segundos os autores, a observação participante pode ser entendida como um primeiro

passo de envolvimento do pesquisador nas situações reais e interferências nos processos

sociais locais.

Conforme MEDEIROS (1885) citado por HOMEM D´EL-REY et al, 1990, é na

relação entre sujeitos, dentro do contexto natural da comunidade, que o pesquisador coleta

dados. Assim, ele é parte do cenário sob observação, ao mesmo tempo modificando e sendo

modificado por este contexto.

A entrevista não diretiva possibilita uma maior abertura e liberdade, pois o

entrevistado fica mais à vontade para se expressar, proporcionando o aprofundamento

qualitativo da pesquisa. Ela não pode ser entendida como algo vago, porque há uma

problematização e um fio condutor que permeia todo o processo.

Os dois procedimentos técnicos foram utilizados em reuniões e debates coletivos,

aplicando-se diversas atividades estimuladoras de práticas participativas como visitas à

campo, trabalhos de grupos, buscando incrementar os conhecimentos das características,

causas e atores sociais envolvidos nos aspectos ambientais, estimulando uma prática geradora

de mudanças na percepção e atitudes da comunidade, sendo todas as informações registradas

em caderno de campo.

O tratamento das informações coletadas foi feito a partir da definição de análise de

conteúdos baseando-se nos princípios expostos por MINAYO (1989), citada por HOMEM

D´EL REY, 1990, pois estes princípios buscam “desvendar os sentidos de um texto ou

depoimento, que muitas vezes não estão em primeiro plano e que são compostos por aspectos

extradiscursivos que constituem o espaço cultural, social, político e econômico em se

inserem”.

Estes momentos se constituíram num grande desafio, pois nem sempre o

entendimento do pesquisador sobre os problemas ambientais coincide com a visão destes

problemas por parte da comunidade. O interesse inicial demonstrado pela comunidade se

referiu aos aspectos específicos do seu dia-a-dia, o que a princípio pode denotar uma certa

“despreocupação” dos parceleiros com temas relativos ao meio ambiente, apesar de em todas

Page 122: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

118

as reuniões se colocarem preocupados com a interferência da “Lei da APA” sobre a sua

sobrevivência enquanto pequenos produtores rurais.

“O INCRA nos assentou aqui nessa terra para sobreviver fazendo plantio de subsistência... e para nós sobreviver aqui dentro nessa área e viver alegre, nós tem que ter uma renda, fazer um trabalho para alcançar algumas renda para nossas famílias viver aqui. Porque de outra maneira nós não temo como sobreviver porque não se trabalha. Tem que conservar agora a terra, conservar o verde, conservar nossas águas, conservar as nossas matas. Isso para um trabalhador rural que está acostumado a ferir a terra para sobreviver dela , temos grande dificuldades de sobreviver.” (Sr. Petronílio – Pres. da Associação)

Este depoimento revelou que o maior problema ambiental percebido pela comunidade

está relacionado com a conservação ambiental, representada pela APA na qual o

assentamento está inserido e a sobrevivência deles na terra onde escolheram para viver e que

dela dependem para a sua existência.

Como expressa ANDRADE, 1993 “A visão holística é que permite a realização de um

diagnóstico através de variáveis em todos os aspectos. Parte-se de uma visão local que é

transferida para uma visão global, do todo, ou seja, da percepção de que aqueles problemas

locais estão relacionados a problemas muito mais amplos”.

Na metodologia participativa o pesquisador deve socializar seus conhecimentos e não

impô-los à comunidade. Esta prática, portanto tem um caráter político na medida em que

propicia a igualdade de poder tanto nas discussões quanto nas decisões. Os conhecimentos

técnico-científicos têm o mesmo valor que os conhecimentos da vivência prática da

comunidade, onde se respeita a sua cultura, os seus interesses e necessidades.

O diagnóstico feito previamente através das observações do pesquisador não diferiu

em muito do diagnóstico que foi construído com a participação direta dos parceleiros. Há que

se registrar, porém, que durante a realização do diagnóstico houve uma certa predominância

das idéias esboçadas pelas lideranças em detrimento de uma participação mais ampla dos

envolvidos no processo.

Para a definição dos problemas entendidos como “situações objetivas reconhecidas

pelos indivíduos como fonte de agravos ou de infelicidade” aplicou-se o método Delbecq-

Van de Ven que foi adaptado e simplificado em virtude da especificidade das situações em

Page 123: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

119

estudo, permitindo o desvelamento dos principais problemas percebidos pelos parceleiros

sobre o seu ambiente de vida.

Na aplicação deste método optou-se pela realização de reuniões coletivas para a

discussão dos problemas ambientais existentes na comunidade, onde a pesquisadora assumiu

o papel de coordenador (animador) do grupo explicando a dinâmica que seria utilizada.

O método Delbecq-Van de Ven, segundo CANDEIAS (1984) “como indicador de

tipo subjetivo, utilizado para diagnóstico social, fundamenta-se na utilização de grupos

nominais”. Este método foi adaptado pela pesquisadora pois os parceleiros preferiram

trabalhar inicialmente em um só grupo.

Portanto, conforme o método Delbecq-Van de Ven, as etapas do trabalho consistiram em:

a) Formação do Grupo – O grupo foi organizado a partir de uma reunião com a

Associação dos Parceleiros da Marambaia para discussão do assunto referente à

inadimplência deles com o BNB. Os participantes por sua própria opção não foram

divididos em grupos de discussão, preferiram trabalhar em um só grupo, pois

consideraram que assim teriam maior rendimento “estamos acostumados em

trabalhar todos juntos”.

b) Formulação da pergunta ao grupo - Em virtude do baixo nível de escolaridade dos

participantes, as perguntas foram formuladas oralmente, sendo discutidas cada uma

individualmente, a saber:

- Quais os principais problemas ambientais da Marambaia?

- Quais as causas desses problemas?

- Que soluções apresentam para resolver os problemas?

- Identifiquem os responsáveis para a solução dos problemas.

c) Identificação dos problemas - A partir das perguntas formuladas o grupo teve um

tempo para reflexão onde as respostas de cada membro do grupo por pergunta

formulada, foram sendo registradas em quadro de giz e papel metro, sem ordem de

prioridade. Ou seja, identificação dos problemas mais relevantes que exigiam

Page 124: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

120

mudanças urgentes. Neste etapa, cada membro participa de forma igualitária não

havendo discussão a respeito do significado de cada uma das respostas.

d) Apresentação das respostas e esclarecimento a respeito do significado das respostas –

Nesta etapa são elucidadas as dúvidas, promovendo-se discussões a respeito do que se

pretende dizer com cada uma das respostas, sua lógica e importância. CANDEIAS,

1984, sugere que estas discussões devem-se referir apenas a esclarecimentos e nunca

a argumentações.

d) Priorização dos problemas mais relevantes – A partir da listagem original das

respostas que foram registradas em quadro de giz e papel metro, solicitou-se que cada

participante selecionasse os cinco problemas mais importantes.

f) Discussão e definição das prioridades para se começar os trabalhos – Esta etapa foi

adaptada do método definido por CANDEIAS, 1984, que sugere o voto e discussão

preliminar do voto das prioridades do grupo. Trabalhamos na linha de buscar o consenso

do grupo, a partir do qual os participantes consideraram como prioritários os seguintes

problemas:

• O débito com o BNB contraído em 1996 para o cultivo de coco;

• A falta de incentivo agrícola para a sobrevivência da comunidade;

• O lixo causado pela destinação final (lixão) no Km4 em lotes de parceleiros da

Marambaia;

• A falta de incentivo à cultura local.

Nas reuniões realizadas para a identificação dos problemas esteve presente uma média de

vinte parceleiros, entre homens, mulheres e jovens (filhos de parceleiros). O Quadro 5 mostra

o resultado das problematizações discutidas e as soluções propostas para as necessárias

mudanças.

Page 125: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

121

Page 126: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

122

Os problemas considerados prioritários pela comunidade e suas soluções podem ser agrupados

em dois blocos:

a) As condições gerais para o desenvolvimento da comunidade (sobrevivência) a partir da

falta de infra-estrutura básica para a produção agrícola e condições gerais de saúde,

habitação, educação (ausência de políticas públicas);

b) A viabilidade das propostas de soluções dos problemas necessita de articulações,

ampliando-se assim a prática educativa, que envolve diversos setores: Organização local

(Associação dos Parceleiros da Marambaia); poderes públicos municipais, estaduais e

federais; Organizações Não Governamentais – ONG´s; Entidades Civis; Grupos

Ambientalistas, que de imediato tornam-se difíceis de serem atendidas no âmbito de

nossas possibilidades de orientação e disponibilidade de tempo para o estudo.

Analisando os problemas detectados pelos parceleiros na Marambaia, a princípio estes

problemas parecem não ter um caráter ambiental, mas quando eles afirmam que o débito com o

BNB e a falta de incentivo agrícola para a sobrevivência são os mais importantes problemas

ambientais da comunidade, raciocinam numa perspectiva ambiental, pois a terra é de baixa

fertilidade e o manejo do solo é inadequado, o que agrava as atuais condições de vida, aliada a

falta de políticas públicas: ausência do governo para as áreas de assentamento de reforma

agrária.

Justificam os parceleiros que a inadimplência junto ao BNB está relacionada à falta de

orientação, como diz o Presidente da Associação, “a assistência técnica foi só de teoria, as

mudas de coco estavam doentes, falta de insumos e equipamentos agrícolas”, enfim:

“Aqui o coco não dá produção, a terra não ajuda, tem muito cascalho, é assim a luta nossa, quando tira a terra fica as pedra. O dia que faz mais vende, o dia que faz meno se veve. A gente veve lutando, não tem de onde tirar a renda”. (D. DINA – parceleira)

A luta pela sobrevivência assume, portanto, uma dimensão ambiental que envolve

aspectos políticos, econômicos, sociais, culturais, éticos, ou seja, os problemas ambientais são

Page 127: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

123

frutos das contradições inerentes ao processo do modelo de desenvolvimento capitalista adotado

no país e, especialmente da política de implantação da reforma agrária, que tem se caracterizada

pela luta do homem do campo pela posse de terra e muito pouco por iniciativas governamentais.

A complexidade dos problemas detectados que envolvem os aspectos sociais,

econômicos, políticos e culturais para a compreensão básica do meio ambiente em sua totalidade

reforçou a necessidade de um enfoque crítico acerca da realidade vivida pela comunidade, no

intuito de se desenvolver um pensamento crítico acerca da sua problemática. Segundo

GUERRA, 2000, “quando há responsabilidade crítica, os indivíduos passam a adquirir um

compromisso permanente de melhorar o meio humano e a qualidade vida. Conseqüentemente,

desenvolvem-se atitudes favoráveis à resolução dos problemas emergentes”.

A Educação Ambiental apresenta-se então como uma estratégia de viabilização de

propostas sustentáveis, pois preconiza a formação de cidadãos críticos e conscientes, capazes

para decidir e atuar na busca da transformação do seu ambiente de vida. Para tanto, as

metodologias participativas em programas de Educação Ambiental proporciona a integração

direta e ativa dos indivíduos no planejamento das ações e/ou atividades educativas a serem

desempenhadas, propiciando um comprometimento maior das pessoas durante a implementação

do programa. (GUERRA, 2000).

Segundo ANDRADE e LOUREIRO e HOMEM D´EL REY (1994), “O processo

educativo ambiental não subestima a cultura popular, ao contrário, estimula a participação

democrática de todos os estratos da sociedade. Ao desenvolver-se construindo um novo saber,

resultante do confronto entre o conhecimento científico e o popular, enfatizando a necessidade

da co-responsabilidade de todos na construção de um mundo novo”.

O levantamento dos problemas ambientais foi o passo inicial para a formulação do plano

de ação que foi construído coletivamente, onde o pesquisador assumiu o papel de facilitador das

discussões e os parceleiros os atores do processo. Neste processo, a autonomia da comunidade

foi garantida, na tentativa de evitar o assistencialismo e o paternalismo ainda predominantes nos

trabalhos dos técnicos em comunidades populares.

Page 128: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

124

HERCULANO, 1995, dá uma contribuição aos educadores ambientais quando assinala

que “educar não é adestrar tecnicamente cada indivíduo, mas formar pessoas, de acordo com

valores, idéias e ideais que brotam da vida espiritual de uma coletividade, isto é, consiste em

formar membros de uma comunidade, que a ela darão sustento e perenidade”.

Portanto, a base de sustentação da práxis social está fundamentada na participação efetiva

dos maiores interessados, no caso os parceleiros da Marambaia que “sentem na pele e na

barriga” o preço da exclusão social.

Assim, respeitando a sabedoria popular e incentivando a discussão coletiva dos

problemas estabeleceu-se um aprendizado sobre as metas (O que fazer?), as atividades (Como

fazer?), os responsáveis (Quem vai fazer?), a participação (Como se organizar? e Como

mobilizar?). Questões estas que nortearam a elaboração do planejamento da ação.

Como diz STROCH, (s.d.) “Os métodos de pesquisa participativa das ciências sociais

propõem que o investigador veja o mundo estudado através dos olhos dos atores sociais que o

integram, e dos significados que estes atribuem às situações sobre as quais agem”.

Portanto, o planejamento foi sendo construído de forma interativa onde se buscaram

soluções compartilhadas, através da construção coletiva de conhecimentos e vivências, com

vistas ao enfrentamento dos desafios para tentar por em prática os princípios do desenvolvimento

sustentável.

4.1.4 - PLANEJANDO E IMPLEMENTANDO AS AÇÕES

a) Planejamento das ações

Respeitando o nível de mobilização dos parceleiros e de suas lideranças, bem como as

experiências vivenciadas pela comunidade na procura de uma melhoria de vida, como

articulações com órgãos públicos e ONG´s para a execução de projetos, prosseguimos na

metodologia participativa de envolvimento dos sujeitos, utilizando-se de reuniões coletivas para

Page 129: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

125

o detalhamento do plano a partir das ações e soluções de cada problema identificado. Através do

planejamento e implementação das ações estimulamos os parceleiros a partir da elevação de sua

auto-estima.

HOMEM d´El Rey, 1994, considera que:

“o planejar da ação educativa na situação ambiental compreende a determinação dos objetivos que estejam relacionados ao que se pretende alcançar da problemática diagnosticada, da seleção de conteúdos e mensagens e de estratégias educativas”.

Neste sentido, para a elaboração do plano de ação foram realizadas reuniões coletivas

onde os parceleiros, através da metodologia participativa adotada no processo educativo tiveram

espaço para se manifestar e priorizar os problemas mais emergentes para se iniciar o trabalho.

Ao problemas definidos prioritários definidos por eles foram: débito com o BNB e falta de

incentivo agrícola para a sobrevivência da comunidade, tendo como critério a urgência e a

necessidade de mudanças. O Quadro 6 indica o Plano de Ação elaborado pela comunidade.

Page 130: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

126

QUADRO 6 - PLANO DE AÇÃO DA MARAMABAIA

PROBLEMA O QUE FAZER? COMO FAZER? QUEM VAI FAZER?

1. Débito com o BNB 1.1 - Realização de

Mutirão para a

limpeza dos

coqueiros nas roças

dos parceleiros, nas

2as e 3 as feiras. Esta

ação foi denominada

de “Mutirão da

Anistia”.

- Estabelecer um rodízio

entre os parceleiros para

a limpeza dos coqueiros,

iniciando-se com os 12

presentes e mobilizar os

outros parceleiros

interessados nesta ação.

- Formar uma comissão

para junto com a

Associação conseguir os

laudos técnicos,

colocando-se como

voluntários da ação D.

Otília, Sr. Beca, Sr.

Nivaldo, Sr. Petronílio.

Associação dos Parceleiros da

Marambaia.

Comissão de mobilização e articulação

composto pelos 4 parceleiros.voluntários.

Todos os parceleiros interessados.

2. Falta de Incentivo

agrícola para a

sobrevivência da

comunidade

2.1 - Implantar o

desenvolvimento

turístico (Ecoturismo)

em áreas adequadas

da Marambaia

- Realização de palestras

sobre Ecoturismo.

- Identificação de áreas

adequadas nos lotes dos

parceleiros interessados.

- Visitas em trilhas

existentes em Itacaré:

Trilha Interpretativa

Alto da Esperança na

Camboinha; Fazenda

Villas de São José.

- Visita ao Centro

Artesanal de Ilhéus.

- Articulação com o

IESB/PEAE para

capacitação e execução

Associação dos Parceleiros da

Marambaia

IESB/PEAE

BAHIATURSA / SUDETUR

ILHÉUSTUR

Page 131: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

127

2.2 - Implantar hortas

comunitárias e

individuais na linha

da agricultura natural

2.3 - Implantar

projetos comunitários

de criatórios coletivos

de peixes e animais

de pequeno porte.

2.4 - Dar

continuidade ao

projeto de Viveiros de

Mudas Florestais,

implantado pelo IESB

e parceleiros.

2.5 - Realizar um

Vídeo sobre a vida da

Marambaia (sua

gente, suas riquezas

naturais) para mostrar

ao mundo o que

somos e o que

queremos.

das trilhas nos lotes dos

parceleiros

- Visitas a experiências

de agricultura natural a

exemplo do Pólo

Agrícola de Cruz das

Almas.

- Capacitação e

elaboração de projetos

de viabilidade

- Estabelecimento de

parcerias com o

Governo do Estado

(BAHIAPESCA, CAR)

e CEPLAC

- Articulação com o

IESB/Projeto FUNBIO

para a capacitação e

implantação dos viveiros

nos lotes dos parceleiros

interessados

- Discussão prévia com

os parceleiros para a

elaboração do roteiro e

execução do vídeo.

Associação dos Parceleiros da

Marambaia

IESB / Projeto FUNBIO

Assoc. dos Parceleiros da Marambaia

CEPLAC, CAR, BAHIAPESCA e

empresários da região

Assoc. dos Parceleiros da Marambaia

IESB/Projeto FUNBIO

Associação dos parceleiros da

Marambaia

Associação dos Parceleiros da

Marambaia

UESC

CRA

Page 132: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

128

O Plano de Ação na verdade serviu de bússola (instrumento meio) para a realização de

atividades para a solução dos problemas detectados. Para a sua viabilidade consideramos que o

plano teria ações a curto, a médio e longo prazo.

Por isso duas ações em virtude de diversos fatores como, disponibilidade de tempo dos

parceleiros para as articulações com os órgãos públicos e entidades civis, desestímulo de alguns

parceleiros, falta de recursos financeiros, entre outros, deveriam ser implementadas,

posteriormente, quais sejam: a) Implantar hortas comunitárias e individuais na linha da

agricultura natural e b) Implantar projetos comunitários de criatórios coletivos de peixes e de

animais de pequeno porte.

Trabalhamos, portanto, na perspectiva de realizar ações de curto prazo como: a) mutirões

de limpeza dos coqueiros, b) implantação de ecoturismo em áreas adequadas na Marambaia, c)

reforço para a continuidade ao projeto de viveiros de mudas florestais desenvolvido pelo

IESB/FUNBIO e d) realização de um vídeo sobre a Marambaia. Com relação às outras ações

mencionadas acima definimos a necessidade de se trabalhar em busca de alianças com

instituições governamentais e não governamentais.

Esta fase consistiu na escolha dos procedimentos técnicos adequados para se alcançar os

objetivos pretendidos pela investigação. As estratégias planejadas se basearam na metodologia

definida por ANDRADE e LOUREIRO e HOMEM D´EL REY, 1993 no artigo “Uma Proposta

Metodológica para Pesquisa em Educação Ambiental, que são agrupadas em três categorias:

• Comunicação – produção e difusão dos conhecimentos na comunidade a partir da

realização de um vídeo sobre a Marambaia;

• Organização – formação de grupos de articulação para a viabilização de ações conjuntas

como comissões de trabalho, mutirões;

• Capacitação – treinamento na prática dos parceleiros envolvidos nas ações, através de

palestras, cursos.

Page 133: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

129

b) Implementação das ações educativas

O planejamento elaborado pelos parceleiros com a pesquisadora requereu a construção de

novos paradigmas a partir do resgate do saber empírico que foi reconhecido pela pesquisadora,

direcionando os objetivos explicitados pelos sujeitos da ação para a viabilidade de mudanças no

seio da comunidade.

Dada a riqueza do processo de implementação do plano elaborado e dos desafios

enfrentados, torna-se interessante descrever os caminhos percorridos pelos parceleiros para a

efetivação das ações e das mudanças ocorridas.

1- Mutirão de limpeza dos coqueiros

O mutirão é uma prática de organização e mobilização utilizada pela comunidade da

Marambaia desde a época da luta pela conquista da terra. Sendo o débito com o BNB um

problema que aflige a todos os parceleiros, deixando-os com a auto-estima baixa e preocupados

“em perder a terra para o Banco” que com muito sacrifício foi conquistada, encontraram no

mutirão de limpeza dos coqueiros uma estratégia de mobilização e de união em torno de um

objetivo comum: a anistia do débito. Para que os laudos técnicos confirmem a inviabilidade do

projeto implantado pela CEPLAC e de mostrar na prática que não desviaram o dinheiro,

estabeleceram um cronograma de limpeza que foi iniciado no mês de setembro e concluído em

dezembro de 2000. Inicialmente foram envolvidos 12 parceleiros, sendo agregados outros no

decorrer do processo.

O mutirão é uma prática comumente utilizada pelos grupos populares e, particularmente, na

comunidade da Marambaia. BOFF, 1986 diz:

“Em termos das etapas da caminhada, a experiência mostra que um grupo vai normalmente das tarefas de nível comunitário (entreajuda), passando pelas lutas de bairro (melhorias), chegando às do sindicato até à questão do sistema político global”.

Page 134: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

130

Ainda, segundo o autor, existem vários tipos de ação concreta para se organizar um

trabalho junto a uma determinada comunidade e o mutirão se constitui em um tipo de ação

autônoma do povo.

Portanto, trabalhando em mutirão, como estratégia de organização que se deu a partir da

“entreajuda” dos parceleiros interessados, resgataram a auto-estima e o espírito de luta,

acreditando em “dar a volta por cima” aos problemas existentes na comunidade. Este fato

refletiu-se no comportamento dos parceleiros que passaram a ter maior confiança no seu poder

de transformação, como bem expressa D. Otília em entrevista concedida ao Jornal da APA, nº

15, (em anexo) durante um mutirão:

“Todo mundo trabalhando esta terra, fazendo mutirões e, principalmente, não desperdiçando mais nada, acredito que possamos “dar a volta por cima”. Agora nós temos que lutar com a união e com a parceria. Enquanto não temos isso, é como “molhar em ferro frio”. Temos que educar o povo, porque aqui só pensam em mandioca, mas com instrução podemos aproveitar melhor a mandioca: das cascas fazer adubo, fazer ração, da tapioca transformá-la em bolachinha de goma, em beiju e tantas outras coisas...Mas para isso precisamos voltar a aprender, porque aqui todos nascemos no pé-da-enxada e agora já temos a certeza de que só plantando mandioca nunca vamos sair do buraco em que nos encontramos”. (Maiores detalhes da entrevista no recorte do Jornal da APA, anexo).

Figuras 24 e 25 - Mutirão de Limpeza dos coqueiros

A avaliação dos trabalhos de mutirão foi sendo realizada no decorrer dos trabalhos a

partir da observação e conversas informais realizadas nos momentos de descanso. De um modo

geral, os parceleiros consideraram que a estratégia adotada foi bastante positiva. Em reunião

Page 135: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

131

informal realizada durante o horário de descanso em um mutirão registramos impressões de

alguns parceleiros que falaram:

“O trabalho é ótimo. Por enquanto estamos com a área de Dadu, Petronílio, Francisco. Cada dia apronta a área de um. São dois mutirões por semana. O mutirão está desenvolvendo. Praticamente com o mutirão atingimos o nosso objetivo. Que nessa fase é a anistia do débito com o BNB. Antes o EBDA deu um laudo técnico com base nas visitas técnicas feitas nas áreas que estavam sujas, sem roçagem. Agora estamos fazendo a limpeza dos coqueiros, retirando os capins”. (Sr. Beca – parceleiro)

A fala deste parceleiro revela a forma como se organizaram para a realização da atividade

demonstrando que essa é uma prática que faz parte do seu dia-a-dia organizativo.

“O mutirão já era uma atividade realizada pelos parceleiros. A forma do mutirão é: se o camarada tem um serviço para fazer ele tem a ajuda de todos e termina o serviço e o parcelerio tem condições de sobreviver. Por exemplo, o IBAMA passou pelo local e viu o trabalho de mutirão. Se o parceleiro tivesse sozinho, talvez, o IBAMA parasse para saber o que estava sendo feito na roça”. (Sr. Nivaldo – parceleiro)

Revela o parceleiro que o mutirão como atividade coletiva apresenta um poder de força e

de união.

O mutirão deve ir avante, porque está dando resultado. A todo fim que a gente queira com o mutirão temos resultado. Dois tição não pode dar labareda, quando ajunta quatro tição ou mais, a labareda acende, desenvolve e cozinha a comida. Isso é o nosso dito sobre o mutirão na Marambaia. Agora todos estão sem dinheiro e o mutirão é uma forma de organizar o trabalho para poder sobreviver. Antes quando tinha dinheiro, cada um fazia seu serviço sozinho. Agora é diferente. (Sr. Edvaldo – parceleiro)

É muito importante iniciar-se o processo pedagógico a partir das experiências vividas

pelos parceleiros. O mutirão do ponto de vista educativo, mobiliza, organiza e tem um objetivo

comunitário (coletivo). Estabelece relações de ajuda, fomenta a formação de vínculos e fortalece

o poder criativo da comunidade, porque ela aprende a resolver seus problemas com o que ela

própria tem disponível, no caso, a força de trabalho e a conquista do primeiro passo para a

solução de um problema maior: a dívida do BNB.

Com os mutirões realizados, a Associação pretende articular-se com os órgãos públicos,

ONG´s, universidade para que sejam emitidos laudos técnicos que embasem a solicitação ao

INCRA para a anistia do débito com o BNB.

Page 136: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

132

Esta primeira iniciativa da comunidade revela a compreensão de que é necessário cuidar,

apresentar-se “limpo”, “claro”, para oferecer-se ao julgamento dos técnicos, por exemplo, como

comprovar que a terra é imprópria se o terreno está sujo e ela não se desnuda para revelar-se

como ela é de fato: de pedras e cascalhos. É possível cultivar o coqueiro nessa terra, como fazê-

lo? Mostram, portanto, aos técnicos a necessidade de orientação e assistência não só teórica, mas

principalmente na prática.

2. Implantação do desenvolvimento turístico (Ecoturismo) em áreas adequadas da

Marambaia

Esta ação utilizou como estratégias a capacitação e o fortalecimento da organização

comunitária. Estando o assentamento da Marambaia inserido no município de Itacaré cuja

principal atividade econômica é o turismo e diante das limitações e potencialidades de usos

previstos no Zoneamento Ecológico Econômico da APA, a comunidade na tentativa de se

adequar a “este novo sistema”, considera que um dos caminhos para a sua sustentabilidade na

área é a implantação de “Trilhas Ecológicas” nas roças consideradas adequadas para esta

atividade.

“O desenvolvimento que queremos é o desenvolvimento turístico. Como a gente fazer esse desenvolvimento turístico? Nós temos a intenção de divulgar nossas matas, fazendo trilhas, divulgar as plantas, as bromélias, as muitas madeiras bonitas, muitas madeiras de copas bonita...”. “O pessoal do INCRA quer fazer um projeto de 15 Km de trilhas. Só que nós não temos o conhecimento. Nós não conhecemos como fazer as trilhas. Nós precisamos da ajuda dos técnicos. Hoje para se ter um trabalho, nós seguindo a orientação técnica agente faz dentro das normas, nós fazemos tudo bem organizado”. (Sr. Petronílio – Presid. da Associação)

Na verdade, este depoimento do Presidente da Associação revela uma mudança de

pensamento (antes se sentia revoltado, com baixa estima e tinha uma incompreensão da

conservação do ambiente) para o reacender da chama da luta por um ambiente de vida melhor

conservado e o uso dessa natureza para dar conhecimento ao outro (dividir com o outro) e daí,

conseguir seu sustento. Além disso, o reconhecimento de suas limitações (não saber técnico) e

“gritar” por parcerias (adquirir saber técnico) e construir utopias, transformando a sua vida,

conquistando seu auto-desenvolvimento, respeitando a “lei dos homens” (IBMA, CRA/APA) e

da natureza.

Page 137: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

133

Com este pensamento se organizaram e solicitaram uma palestra sobre o ecoturismo que

foi realizada com a nossa articulação no dia 04.10.00 tendo como facilitador o Sr. Cláudio Lôpo

(atual Secretário de Turismo, Meio Ambiente e Agricultura da Prefeitura de Itacaré) que possui e

opera a Trilha Interpretativa Alto da Esperança, localizada na Camboinha, área de reforma

agrária implantada pelo Governo do Estado - CAR/CORA, cuja experiência foi repassada para

os parceleiros participantes da reunião de trabalho.

O facilitador definiu o ecoturismo como uma atividade turística de mínimo impacto e que

se dá de forma sustentável. Para a execução desta vertente turística na comunidade é necessário

identificar suas potencialidades de atrativos naturais e alternativas de conservação da mata.

Após discussões sobre o assunto, o facilitador fez um desenho no chão e pediu aos

participantes que analisassem e mostrassem o que enxergavam além do quadrado, ou seja,

procurou ampliar o horizonte de vida deles, enxergar o futuro a partir das potencialidades

existentes na Marambaia.

Figuras 26 e 27 – Capacitação em Ecoturismo

Como resultado foi definido pelos parceleiros um plano de execução das trilhas ecológicas a

partir das potencialidades existentes da Marambaia, levando em conta:

• A localização do Assentamento (proximidade da cidade de Itacaré e da Estrada Parque);

Page 138: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

134

• Os recursos naturais (remanescentes de Mata Atlântica, cachoeiras, rios e riachos,

variedade de pássaros e outros animais da fauna regional, plantações de fruteiras, plantas

medicinais e ornamentais);

• A Casa de Farinha Comunitária (conhecimento dos aspectos da cultura local – processo

de fabricação da farinha e venda de produtos originados da mandioca);

• O Viveiro de Mudas Florestais (vendas de diversas mudas nativas);

• Artesanato local (vassouras de piaçava, vasos e flores de casca de coco, conchas e cestos

de cipó).

QUADRO 7 - PLANO DE EXECUÇÃO PARA O ECOTURISMO

SERVIÇOS EXISTENTES VENDA DE PRODUTOS

Casa de Farinha (turista observar como se

faz a farinha e produtos derivados dela)

Venda da farinha, beiju, tapioca, bolos,

biscoitos, etc

Trilhas Ecológicas (Sr. Beca em fase de

execução) e (D. Otília e Sr. Antônio,

Nivaldo a ser realizada)

Mudas de espécies nativas, ornamentais e

medicinais

Água de coco

Artesanatos da terra e vassouras de piaçava

Viveiro de Mudas Mudas de espécies nativas

No final ficou definido a necessidade de criação de Grupos de Trabalho para a limpeza da

área comunitária, artesanato e serviços de comercialização dos produtos.

Foi criado um Grupo de Artesanato intitulado “Alegria” composto por 14 pessoas cujas

atividades serão detalhadas posteriormente.

Com relação às Trilhas Rurais Ecológicas, ficou definido pelos parceleiros que as trilhas

serão implantadas de forma individual nos lotes que apresentam potencialidades para o

ecoturismo. Desse modo, o Sr. Beca, antigo parceleiro, interessado em implantar uma trilha no

seu lote articulou-se com o Eng. Florestal Salvador Ribeiro, coordenador do Projeto

Page 139: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

135

FUNBIO/IESB – Comunidades Rurais e Florestas da Área de Proteção Ambiental Itacaré/Serra

Grande, para orientação técnica e capacitação.

Com este assessoramento foi inaugurada a 1ª trilha ecológica do Assentamento

Marambaia, no dia 28.12.00, com os objetivos de “aumentar a renda de um pequeno produtor,

ampliar a oferta de produtos ecoturísticos, conservar a Mata Atlântica e promover a Educação

Ambiental”.

Sob o patrocínio do FUNBIO – Fundo Brasileiro para a Biodiversidade e Fundação

FORD e com a execução do IESB – Instituto de Estudos Sócio-Ambientais do Sul da Bahia, a

“Trilha Janela da Gindiba”, “foi desenhada para mostrar aos visitantes as mais belas e

importantes espécies florestais da Mata Atlântica do Sul da Bahia. Ao longo do trajeto será

possível observar árvores centenárias, tais como: Angelim pedra, a sapucaia, o conduru, a

gindiba, o pequi, a juerana prego, a maçaranduba, a caneleira, a sucupira, o pau de óleo e outras.

Além das árvores encontraremos os cipós gigantes, as várias espécies de bromélias e as

palmeiras anãs”. (Convite de Inauguração da Trilha).

“Moro aqui há 16 anos, o projeto que temos para desenvolver é de falar na trilha de cada árvore que tem para o turista, que planta é aquela, se é imbelão, se é cocó. Todas as ramagens, os cipós, os imbelão”. (Sr. Beca – parceleiro e dono da Trilha “Janela da Gindiba”).

A fala do Sr. Beca mostra o reconhecimento que tem do seu saber em relação à natureza e

que poderá ser socializado pelos visitantes. Ele se coloca como Guia de sua Trilha.

Esta iniciativa apesar de ser de caráter individual demonstra um avanço de organização

quando todos aceitaram e aplaudiram a “Trilha Janela da Gindiba” no lote de um parceleiro,

porque significava um primeiro passo para o projeto de turismo que traria melhoria para todos.

Page 140: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

136

Figuras 28 e 29 - Trilha Ecológica “Janela da Gindiba” (Lote parceleiro Beca)

Esta iniciativa é mais um passo à frente na busca de alternativas sustentáveis aos

pequenos produtores rurais da Marambaia. Encontra-se em fase de execução pelo

IESB/FUNBIO o projeto da trilha conjugada nos lotes de D. Otília e Sr. Antônio.

É uma experiência que merece ser registrada, pois pode servir de modelo demonstrativo

de geração de renda aos pequenos produtores rurais da Marambaia e região. Porém, ao lado das

atividades individuais, faz-se necessário buscar alternativas comunitárias que reforcem a

organização coletiva dos parceleiros.

Vale ressaltar que percorrendo o caminho do ecoturismo, estimulamos o resgate da

prática artesanal na área e, em dezembro/00, foi formado o Grupo Alegria – Artesanato da Terra,

composto de 14 pessoas, entre crianças, jovens, homens e mulheres. O Grupo pretende vender os

produtos artesanais confeccionados, bem como doces caseiros aos turistas que vêm à cidade de

Itacaré.

O artesanato é outra ação comunitária a ser fortalecida, pois a iniciativa partiu deles

próprios, na busca do desenvolvimento sustentável.

Page 141: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

137

“Nós temos o pensamento de fazer um projeto de artesanato para o desenvolvimento de nossa comunidade. Temos interesse em fazer outros projetos porque os companheiros estão parados”. (Sr. Petronílio - Pres. da Associação dos Parceleiros da Marambaia)

Figura 30 - Recursos naturais das roças utilizados para a confecção das peças artesanais

Figura 31 – Peças artesanais fabricadas pelo Grupo Alegria de Artesanato

Page 142: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

138

Assim, passo a passo, vão sendo colocadas, em prática, as idéias e concretizados sonhos

que, mesmo diante de tantas dificuldades, os parceleiros mostram-se confiantes e capazes de

fazer e decidir os seus destinos.

3. Viveiros de Mudas Florestais

Em 1999, o IESB através do Programa de Educação Ambiental e Ecoturismo – PEAE,

realizou um Diagnóstico Rápido Participativo - DRP na Marambaia, onde se percebeu que a

situação da comunidade era insustentável: falta de recursos para investimento na área agrícola,

degradação dos recursos naturais, fragilidade da organização comunitária, conflitos de

lideranças, parceleiros interessados em resolver problemas individuais e não coletivos, etc. Com

esta análise da realidade, surgiu a idéia do cultivo de um Viveiro de Mudas Comunitário em

virtude da possibilidade de mercado na região (o Hotel Transamérica e empreendimentos

hoteleiros de Itacaré) para a compra das mudas. Inicialmente 10 parceleiros se uniram para

administrar o viveiro, hoje participam 8 parceleiros.

Reforçamos o trabalho do IESB junto aos parceleiros discutindo a importância da

parceria para a concretização de alternativas sustentáveis de geração de renda para a

comunidade. Esta ação utilizou a estratégia de organização e capacitação da comunidade.

“O viveiro de mudas surgiu em 1999, através da APA, bem orientado por Salvador, de fazer mudas. E através dessas mudas podemos ganhar um dinheirinho... Aqui no viveiro de mudas da Marambaia qualquer pessoa que quiser comprar mudas pode procurar a gente, Juraci, Zé Martim que nós temos mudas para vender”. (José Martins - filho de parceleiro)

Com o início do Projeto do IESB/FUNBIO/Fundação FORD - Comunidades Rurais e

Florestas da Área de Proteção Ambiental Itacaré/Serra Grande, em novembro de 2000, a

comunidade da Marambaia é contemplada e citada no projeto como uma experiência

consolidada:

“Já experimentamos atividades comunitárias em Marambaia, seja com o Diagnóstico Rural

preliminar, seja com um desdobramento do mesmo que foi a produção em mutirão de mudas de

essências nativas. Quatro mil mudas foram produzidas no verão de 2000, resultando em uma

Page 143: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

139

receita aproximada de 3 mil reais. Apenas parte desta receita foi efetivada até abril de 2000,

mas já existem potenciais consumidores para o restante das mudas.” (Projeto

IESB/FUNBIO/FORD, 2000).

Figuras 32 e 33 - Viveiro de Mudas Comunitário

Uma das vertentes do Projeto é a Implantação de viveiros comunitários para a produção

de mudas de espécies nativas, ornamentais e frutíferas que foi fundamentado por estudos prévios

elaborados pela equipe do IESB que “mostram que se uma família produzisse e vendesse 200

mudas de espécies nativas por mês a preço de mercado teria um rendimento de R$ 150,00 quase

o dobro da renda média atual das comunidades. Para esta produção seria necessário apenas 2

horas de trabalho/homem/dia, sendo que este trabalho pode ser facilmente executado pelas

mulheres e adolescentes, valorizando o papel destes grupos na comunidade. A experiência com

viveiro de mudas comunitário no assentamento Marambaia teve ampla aceitação e a empolgação

da comunidade está sendo grande”. (IESB/FUNBIO, 2000).

Com estes dados e com o incentivo da pesquisadora, os parceleiros consideram

importante a continuidade do Viveiro de Mudas Comunitário. Porém, existindo ainda algumas

resistências ao trabalho associativo, a pedido deles estão sendo implantados viveiros individuais

de mudas florestais, ornamentais e medicinais.

Page 144: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

140

Para tanto, em 18 de outubro de 2000, no Centro Comunitário da Marambaia, a equipe do

IESB realizou uma capacitação das comunidades rurais com o I Curso de Produção de Mudas

Florestais, envolvendo os pequenos produtores rurais interessados da Camboinhas e Marambaia.

Estando a pesquisadora participando da capacitação, observamos que durante o curso os

participantes demonstraram interesse pelo tema, participaram das discussões, repassaram

informações sobre o seu saber prático e com relação a Marambaia apresentaram a proposta de

implantação de um Biofertilizante Coletivo para os viveiros, onde a partir do conhecimento da

técnica vivenciada coletivamente, cada parceleiro poderá fazer o seu particular para uso nas suas

roças.

Figuras 34 e 35 - Capacitação em Produção de Mudas (Projeto IESB/FUNBIO)

Vale salientar que no processo educativo o engajamento de ONG´s no desenvolvimento

comunitário com propostas viáveis, a partir do universo vivido pela população é de fundamental

importância. O IESB/FUNBIO vem cumprindo esse papel, por ter o projeto “Comunidade Rurais

e Florestas” um caráter de educação ambiental, sua estratégia apóia-se na capacitação de ensinar

a fazer, discutindo todas as etapas. No caso do IESB, um vínculo de parceria já se formou com

os parceleiros da Marambaia. Outras propostas, portanto, devem ser fortalecidas pelo CRA –

órgão gestor da APA e pela UESC.

Page 145: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

141

4. Vídeo “REVELANDO A MARAMBAIA”

A idéia de se fazer um vídeo sobre as condições sócio-ambientais da Marambaia surgiu

dos próprios parceleiros. Para eles, o vídeo representa um recurso para a revelação da sua

história, de como vive sua gente, de suas riquezas naturais e potencialidades para o ecoturismo,

da sua cultura e quais os caminhos encontrados para a sua sustentabilidade. Com este

sentimento, realizamos uma reunião onde planejamos e discutimos com os parceleiros a

elaboração do vídeo.

A comunicação como estratégia educativa é de fundamental importância e o vídeo

constitui-se num importante veículo de mobilização e de conscientização da comunidade. Neste

sentido, promovemos um encontro com as lideranças comunitárias para se discutir o roteiro

preliminar, onde foram estabelecidos os principais aspectos que deveriam ser enfocados e os

locais aonde gostariam que fossem feitas as imagens. O vídeo, portanto, foi sendo construído

pelos próprios atores sociais (parceleiros da Marambaia). É um produto também feito por eles,

onde o papel da pesquisadora foi o de facilitar o processo de sua construção.

Paralelamente a estas discussões a pesquisadora exerceu o papel de articuladora para a

concretização do sonho. Apresentada a proposta à Coordenação do Mestrado de

Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente foram providenciadas as condições objetivas para

a viabilização do trabalho. A Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC disponibilizou

profissionais de comunicação, os equipamentos de filmagem e o recurso financeiro para a sua

edição. O Centro de Recursos Ambientais – CRA forneceu o apoio logístico. Assim, foi possível

concretizar o sonho de “mostrar para o mundo nossa situação de vida e o que precisamos para

melhorar”. (D. Otília – parceleira).

Page 146: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

142

Figuras 36 e 37 - Filmagem do Vídeo “Revelando a Marambaia”

Garantida a produção do vídeo pela UESC, realizamos a partir do roteiro preliminar

definido com os parceleiros, as filmagens. Durante três dias, participando do processo, todos nós,

a pesquisadora, os parceleiros, os cinegrafistas e o diretor do vídeo visitamos e filmamos a área

comunitária, algumas roças, as cachoeiras, as trilhas, as nascentes, rios e ribeirões realizando

entrevistas com os parceleiros e colhendo depoimentos.

Como todo o processo de execução do vídeo foi discutido com a comunidade realizamos

uma reunião para a apresentação das filmagens realizadas, com o intuito de mostrar e debater

com os parceleiros as principais imagens e os depoimentos que deveriam compor a edição final.

A partir daí, a equipe técnica de produção providenciou os ajustes técnicos, a trilha sonora e

outros efeitos utilizados em um documentário.

Este vídeo, então, passa a integrar a pesquisa, cuja elaboração e execução constituiu-se

em uma prática educativa, servindo inclusive como instrumento de avaliação das ações

desenvolvidas com a comunidade.

Page 147: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

143

Figuras 38 e 39 - Reunião para discussão das imagens para a edição do Vídeo

A Associação dos Parceleiros da Marambaia pretende divulgar o vídeo junto aos órgãos

públicos, ONG´S, Universidades, junto às autoridades competentes e aos técnicos para possíveis

negociações de financiamento para os projetos já existentes e dos outros que pretendem

desenvolver para a melhoria da qualidade de vida.

Por isso considerou importante dizer no vídeo o que está fazendo para mudar as suas

condições precárias de vida: Trilhando caminhos para a sustentabilidade, precisam de orientação

técnica, de capacitação e de recursos financeiros, verdadeiros canais abertos e dispostos a um

novo tipo de trabalho.

Como disse um parceleiro:

“para amanhã não ter que passar isso aqui para alguém que vai

explorar o que precisamos. O que queremos é ter sobrevivência para

continuar aqui”. (Sr. Beca – parceleiro).

Os caminhos para a sustentabilidade encontrados pela comunidade e revelados no vídeo são

os seguintes:

Page 148: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

144

Figura 40 - PRODUÇÃO DE MUDAS (florestais, ornamentais e medicinais)

Viveiro de Mudas (Lote 18 de Sra. Otília)- Projeto IESB/FUNBIO

Figura 41 e 42- EXTRAÇÃO DE PIAÇAVA e FABRICAÇÃO DE VASSOURAS

Fabricação de vassouras (Parceleiro Nivaldo)

Page 149: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

145

Figura 43 - ADUBO ORGÂNICO (BIOFERTILIZANTE) - Lote 18 (Projeto

IESB/FUNBIO)

Biofertilizante

Figura 44 - ARTESANATO

Page 150: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

146

Figura 45 - TRILHAS ECOLÓGICAS (Cipós e árvores da Trilha Janela da

Gindiba)

O vídeo “Revelando a Marambaia” serve como material educativo, exercendo um papel de

mobilização muito grande na comunidade. Ele estimula e incentiva a participação e discussão

dos temas revelados no vídeo como a qualidade de vida, a sobrevivência da comunidade, as

riquezas naturais, os caminhos (pistas) encontradas para a sustentabilidade socio ambiental,

favorecendo a tomada de consciência dos indivíduos frente ao seu ambiente de vida, conforme

indicado por CARVALHO e VIEZZER, 1991, “A comunicação como processo social consiste em

processos de emissão/recepção de mensagens, através de determinados meios, para a reunião de pessoas ou grupos

que visam atingir determinados fins”.

Page 151: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

147

Figura 46 - Lançamento do vídeo no Centro Comunitário da Marambaia (16.02.2001)

A pesquisadora apresentou e, em seguida, entregou o vídeo à Associação dos Parceleiros

da Marambaia, em evento de lançamento realizado no dia 16 de fevereiro de 2001, ocasião em

que foi reafirmada pela comunidade a necessidade de união e de parceria para o

desenvolvimento da Marambaia.

Figuras 47 – Apresentação do Vídeo pela pesquisadora

Page 152: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

148

Figura 48 - Participação da comunidade no lançamento do vídeo

4.1.5 - AVALIANDO AS PRÁTICAS EDUCATIVAS VIVENCIADAS

Esta fase permeou todas as etapas da metodologia, no sentido de acompanhar o

desenvolvimento das ações, momento em que foram identificados os possíveis desvios para as

devidas correções. Para tanto, utilizaram-se reuniões, observações, conversas informais e o

próprio vídeo “Revelando a Marambaia”.

O planejamento e a implementação das ações constituíram-se em etapas fundamentais

ocasião em que os parceleiros participantes foram aos poucos compreendendo a necessidade de

ir além dos problemas, apontando meios que viabilizassem a solução dos mesmos. A

metodologia participativa utilizada possibilitou à comunidade a oportunidade de analisar as

situações com que se confrontam, sistematizando seus conhecimentos e criando instrumentos de

mudanças.

A partir das atividades desenvolvidas, os parceleiros se sentiram fortalecidos e

resgataram o espírito de luta e de mobilização para a solução dos seus problemas. A articulação

feita pela comunidade para a realização do I Seminário da Marambaia, envolvendo os órgãos

Page 153: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

149

públicos, entidades civis, ONG´s e técnicos é um exemplo de que só com a organização, a união

e a parceria será possível superar as dificuldades enfrentadas no seu cotidiano de vida.

A idéia de que a área de conservação ambiental, identificada por eles como APA é a

responsável pela atual situação de pobreza em que vivem foi sendo aos poucos modificada,

apesar da resistência e descrença de alguns parceleiros de que os projetos implantados como

trilhas ecológicas, viveiros de mudas atendem às suas necessidades de sobrevivência na área.

Mesmo avaliando as ações durante o desenvolvimento das mesmas, consideramos

importante realizar uma reunião de avaliação geral dos trabalhos desenvolvidos, onde constatada

a baixa escolaridade dos participantes, aplicamos uma dinâmica que facilitasse a descontração e

integração do grupo, permitindo que todos presentes se colocassem e expressassem seus

pensamentos. Nesta reunião, não houve uma presença significativa de toda a comunidade, mas

de pelo menos 10 lideranças comunitárias.

A dinâmica das máscaras quebra a inibição e garante um maior envolvimento do grupo.

Para tanto, animamos o grupo com perguntas de como se sentiam antes e depois dos trabalhos.

Distribuímos papel e lápis de hidrocor para que todos fizessem um desenho representando seus

sentimentos. Depois, cada um colocava o papel no rosto como uma máscara e falavam o

significado do desenho. Perguntados sobre como se sentiam antes dos trabalhos realizados?

responderam:

Dina – Não me sentia bem mal.

Otília – Triste, chorando e procurando uma solução.

Cláudio – Triste

Dadu – Não me sentia bem.

Chico – Não me sentia bem.

Domingos – Não me sentia bem, por ser proibido de trabalhar, o governo proibiu com a Lei da

APA, mas deveria apresentar um projeto de sobrevivência antes de decretar a APA.

Henrique – Não me sentia bem, entristecido com o débito para pagar.

Beca – Com muita preocupação.

Page 154: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

150

Petronílio – Zangado. Eu não estava alegre, porque não me conformo com passar fome, nem

chamar a terra comadre. Disse Deus: Maldita seja a terra.

Figura 49 – Avaliação com máscaras (antes do trabalho educativo)

Os sentimentos dos parceleiros, antes dos trabalhos educativos implementados na

comunidade, eram de apatia, de descrença e de desconfiança, denotando o estado de espírito

existente entre eles, ou seja, a baixa estima, a desesperança que os incapacitava de enxergar as

possíveis soluções aos seus problemas. Não por acaso recomenda DIAS, 1999, que, “para se

abordar a temática ambiental, além das informações essenciais para a compreensão do seu

metabolismo e das suas ameaças e alternativas de soluções, precisamos trabalhar com a

sensibilidade das pessoas, se se pretende ser eficiente”. (Grifo nosso).

Trabalhar com as emoções, portanto, foi uma estratégia educativa que permitiu uma

mudança de espírito, ou seja, elevação da auto-estima. Estas mudanças podem ser verificadas a

partir das respostas com relação a como se sentiam depois dos trabalhos desenvolvidos:

Dina – Estou no fiel da balança, esperando que Deus abençoe e que tudo corra bem para nós.

Otília – Sentada com a mão no queixo esperando um novo horizonte, em que o governo desfaça

a burrada que fez antes e criando um projeto na Marambaia que funcione e salve nossa

situação.

Henrique – Me sinto bem melhor.

Domingos – Me sinto feliz em saber que tenho condições de ter a minha casa.

Page 155: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

151

Emília – Está quase tudo igual como era antes.

Beca – Eu me sinto bem com a direção da APA e a incentivação de Julia.

Dadu – Me sentido alegre e firme.

Petronílio – Eu tenho uma esperança agora com o incentivo do IESB e de D. Julia que vêm

dando ajuda e ciência de como trabalhar trazendo algumas explicação como desenvolver.

Espero melhorar com o viveiro de patioba.

Cláudio – Me sinto mais livre. Como um pássaro.

Chico – Me sentindo melhor. Espero que o governo abra uma solução para melhorar.

Figuras 50, 51 – Avaliação com máscaras (painéis com desenhos)

Figura 52 e 53 - Antes e depois do trabalhos educativos

Page 156: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

152

Além desta avaliação geral, utilizamos o vídeo “Revelando a Marambaia”, como instrumento

de avaliação, pois a partir, também, da análise dos depoimentos coletados durante as filmagens,

consideramos que a prática educativa vivenciada possibilitou as seguintes mudanças no seio da

comunidade:

• Mudanças de percepção com relação à presença da Área de Proteção Ambiental –

APA na Marambaia e da importância da conservação dos seus recursos naturais

como garantia para a melhoria do seu ambiente de vida:

Inicialmente, a visão da comunidade era de que a APA e as leis de preservação ambiental,

representada para eles, pelo CRA e o IBAMA, são os grandes responsáveis pela “situação

caótica” em que se encontram. Com as informações que foram sendo repassadas durante as

reuniões, seminários, encontros e palestras os parceleiros começaram a ampliar seus

conhecimentos, incorporando alguns conceitos ambientais e aplicando na prática a relação entre

a questão ambiental e os aspectos sociais, econômicos e políticos.

“Nós paramos para obedecer a lei da APA, para obedecer a lei do meio ambiente, de conservar o meio ambiente. Nós então entramos num novo sistema”. (Sr. Petronílio – Pres. da Associação). “Nós queremos cumprir a lei da APA, só que nós não temos condições para sobreviver”. (Petronílio) “Esta árvore é uma passuaré, ela cresce mais do que essa aí, por este motivo deve ser preservada, porque preservamos o futuro de nossos filhos, quem sabe dos nossos netos”. (Sr. Juraci – Responsável pela Casa de Farinha Comunitária).

“Aqui tem muitas árvores maravilhosas: imbirussú, passuaré, maçaranduba, sucupira, aderno, sapucaia, são madeiras de lei e outras que eu não sei o nome, conduru, faveco, madeiras importantes e que tem muito valor na nossa comunidade”. (Petronílio)

“Este é o nosso pensamento, de fazer os trabalhos, divulgar as nossas cachoeiras, levar o pessoal para dentro das matas, lá dentro das roças, das matas, juntamente com o filme para mostrar quantas madeiras bonitas nós temos. Na nossa região tem muitos lajedos, pedras bonitas que precisam ser divulgadas. Temos nascentes aqui do rio Canoeiro, a nascente das Duas Irmãs. Tudo isso são lugares que a gente acha que é grandes riquezas”. (Petronílio).

Page 157: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

153

Estes depoimentos demonstram o reconhecimento por parte dos parceleiros da

importância de se preservar e conservar o ambiente como garantia de sua sobrevivência e do

futuro dos seus filhos.

“Nós agora acabamos de filmar a cachoeira. E vocês tão vendo quantas coisas bonitas belas nós temos aqui. Temos aqui mais de 50 bromélias, várias orquídeas, cachoeiras, madeiras, trilhas, rios, árvores gigantescas. Aqui é uma maravilha. Só está faltando um empurrãozinho, uma ajuda, alguém que se interesse, que nos ajude para ver se a gente cresce um pouco aqui.” (D. Otilia) “Aqui nós temos muitas plantas ornamentais, muitas ervas medicinais para fazer mudas e vender dizendo como fazer o remédio, o banho”. (D. Otília)

A fala de D. Otília mostra o conhecimento que tem das potencialidades naturais,

existentes na área, e que além de atrativos para os visitantes, servem, ao mesmo tempo, à

contribuição de capacitação e de apoio técnico para o desenvolvimento do ecoturismo.

“Eu quando via uma árvore cair eu quase caia com ela pois achava um absurdo a gente derrubar para sobreviver, mas a gente era forçado a derrubar, até o INCRA nos forçava, pois quem mais derrubasse menos pagava. É muito importante essa preservação pra ver se a gente sobrevive disso que a gente tem aqui, nossa riqueza natural”. (D. Otília)

Isto demonstra a relação existente entre preservação e luta pela sobrevivência. Eles

adotavam a política do órgão responsável pela implantação da reforma agrária, que não inseria

em seus projetos a conservação ambiental. Agora reconhecem a necessidade da conservação

ambiental para se alcançar melhoria de vida.

“Aqui nos lotes de alguns parceleiros são jogados o lixo da cidade. Lá embaixo é um rio onde o pessoal da Marambaia pega sua água para beber. Eles vão esparramando o lixo não só aqui, mas em vários pontos da Marambaia. Esse problema não é nosso, esse problema é da cidade. Em Itacaré não se tem um Aterro Sanitário”. (D. Otília)

Este depoimento resume a revolta da comunidade com o desrespeito do governo em

relação ao ambiente das populações pobres.

“Praticamente nós devemos preservar isso aqui, não desmatar mais, pois a preservação é uma coisa importante. Eu desmatei, pois não sabia o que era a desmatação, Mas, hoje que tenho o conhecimento não entro na floresta nem para tirar uma vara”. (Sr. Beca) “Este é rio Jeribucaçu e este rio ajuda o abastecimento de água da cidade de Itacaré... as casas de roça são afastadas dele e as fezes não são jogadas nele. É um rio muito importante. A gente

Page 158: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

154

tem preocupação para preservar ele, pois hoje é difícil ter água limpa no nosso planeta”. (D. Otília)

“A nossa intenção é não devastar a floresta. Hoje, sabemos que a floresta traz vida, água, oxigene, sem oxigene não podemos sobreviver”. (Sr. Beca).

Os depoimentos acima indicam que, apesar de toda a dificuldade enfrentada no processo

de discussão sobre a inserção da APA no seu ambiente de vida, ocorreram alguns avanços no

nível de consciência ambiental de parte considerável da comunidade, pois antes, a palavra

“ambiente” não tinha significado prático, a problemática local de luta pela sobrevivência não era

relacionada com a questão ambiental, conforme explicita ANDRADE,1993:

“Para uma população tão marcada pela situação sócio-econômica difícil, desenvolver a Educação Ambiental sem abordar ou mesmo promover melhorias das condições de vida é o mesmo que não dizer nada”.

Propiciamos uma troca de conhecimentos sobre a importância da APA e de como

poderiam continuar na área desenvolvendo alternativas sustentáveis de uso da terra. Para tanto,

mostramos que conforme o Zoneamento Econômico e Ecológico, onde estão inseridas as áreas

da Maramabaia, são indicados os usos permitidos em cada zona. A área da Marambaia, em sua

maioria, está inserida nas categorias de uso sustentável e de conservação, permitindo o

desenvolvimento de atividades que utilizem o manejo sustentável, a exemplo de alternativas

agroflorestais. (ver Capítulo 2).

Com estas orientações vislumbraram que a APA não representava um entrave ao

desenvolvimento da comunidade, mas sim uma perspectiva de com ela propor um novo tipo de

trabalho para a melhoria das suas condições de vida.

Portanto, as mudanças ocorridas na percepção dos parceleiros podem ser visualizadas na

ação concreta, pois como diz BOFF, 1986, “querer fazer mais que o possível é como querer ‘dar

o passo maior que a perna’. É queimar as etapas”. Isto é, no processo educativo deve-se valorizar

cada passo dado pela comunidade, o importante é começar e todo começo é como uma semente,

que precisa ser cuidada e acompanhada em sua evolução. Uma comunidade cresce a partir dos

problemas que sente e que tem possibilidade de solucionar.

Page 159: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

155

• Mudanças de comportamento e elevação da auto-estima para a execução de

projetos alternativos e sustentáveis

No início da nossa inserção na área percebemos um desânimo na comunidade para a

realização do trabalho, estavam desacreditados na sua capacidade de mudar e muitas vezes

diziam “que já estavam cansados de lutar pela terra, que já estavam velhos, que eram

discriminados e perseguidos pelo governo e pela sociedade, que já não tinham mais forças para

trabalhar”. No entanto, com as dinâmicas realizadas nas reuniões foram estimulados a

participar, a decidir e verificaram que a sua voz era reconhecida. Com isso, os horizontes se

abriram e se sentiram prestigiados e prontos para o início de uma ação transformadora da sua

realidade.

“É preciso ter fé, criar mais coragem para a gente desenvolver, porque sabemos que aqui não tem mais nada pra lutar em roça. O desenvolvimento agora é turístico. (Petronílio) “A minha esperança é que ainda haja um projeto aqui na Marambaia para nossa sobrevivência. O ganho está escasso. Começamos com o viveiro”. (Petronílio)

Estas falas revelam a mudança de comportamento com relação às atuais condições de

vida na Marambaia. A elevação da auto-estima fica evidenciada com as palavras de fé, coragem

e esperança de um novo tipo de trabalho que garanta a sustentabilidade das famílias dos

parceleiros.

“A piaçava deve ser cortada de 2 em 2 anos. Tem que ter muito cuidado. Tem que puxar de baixo para cima. Se a pessoa tira ligeiro mata a piaçava. .. o que mata é a pressa. A piaçava é nativa. É uma das fonte de renda que pode acontecer aqui mais tarde. Se tirar com cuidado é uma fonte de renda na comunidade”. (Petronílio). “Eu faço vassouras de piaçava para sobreviver da arte do artesanato. Assim como eu aprendi do meu pai, posso ensinar para as crianças e eles podem começar aprendendo e trabalhando. Graças a Deus não fico sem o meu trocado, vendo por R$1,00 ou R$2,00. Faço para a Prefeitura, para os mercados. Assim como eu aprendi pode chegar ao ponto de deixar algumas pessoas da comunidade sabendo fazer a vassoura”. (Sr. Nivaldo)

Ao ensinar como deve ser feito o extrativismo da piaçava nas roças, e a fabricação de

vassouras de piaçava, vislumbra-se a possibilidade da profissionalização da nova geração pela

própria comunidade.

Page 160: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

156

“Isto aqui é a casca de coco para fazer artesanato. A gente queremos fazer viveiro para fazer mudas ornamentais e ervas medicinais”. (D. Otília) “Nós temos a intenção de divulgar nossas matas, fazendo trilhas, divulgar as plantas, as bromélias, as muitas madeiras bonitas, fazer o desenvolvimento turístico”. (Sr. Petronílio) “Através dessas mudas é o meio de ganhar um dinheirinho”. (Sr. José Martins) “Este biofertilizante é para dar cobertura ao viveiro. Colocamos matéria orgânica que tem nas roças, sal, calcário e leite, depois esperamos ficar podre para usar como adubo nas mudas e nas roças”. (D. Otília)

Com estes depoimentos ficam demonstradas as mudanças do estado psicológico dos

parceleiros que no início da prática educativa era de apatia e de desesperança na sua capacidade

de busca de uma vida melhor. FREIRE, 1983, ao analisar o inacabamento do ser humano

considera que o homem está em constante busca e uma educação sem esperança não é educação.

Assim, ao nos colocarmos ao seu lado estimulando-os a buscar na sua história de luta, na sua

resistência frente aos desafios, no espírito guerreiro da comunidade a força para continuar

buscando melhorias de vida, foram aos poucos se fortalecendo como pessoa e como grupo.

Como disse uma parceleira “a nuvem negra deve ser substituída por uma nova luz”.

• Mudanças para o fortalecimento das ações comunitárias e a busca de parcerias

Durante o processo de planejamento e implementação das ações observou-se uma certa

fragilidade nas formas de organização e administração, principalmente da Associação, causando

dificuldades para a ação comunitária, a exemplo de conflitos de interesse entre os parceleiros,

disputa de poder das lideranças, falta de conhecimento do processo associativo e baixo nível de

mobilização e participação da comunidade. Porém, à medida que as atividades foram sendo

desenvolvidas o espírito coletivo foi se fortalecendo, gerando o resgate da união e da luta como

condição básica para a concretização dos objetivos da comunidade.

“Nós temos riquezas, com nossa união podemos fazer poços, artesianos, pois temos muitos olhos d´agua, na minha terra tem muitas águas, até mineral para a gente vender”. (Petronílio)

Page 161: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

157

“Nós temos que lutar com a união e com a parceria para fazer nossos criatórios de galinhas e de porcos e melhorar os plantios, poderíamos plantar cupuaçu, pupunha, açaí e a jaqueira”. (D. Otília) “O que queremos é a parceria pois a união nós já temos aqui, agora o que está faltando é a parceria”. (D. Otília) “Chamei o IESB, Dr, Rui, o pessoal do Boto Negro para virem aqui para fazer um trabalho para desenvolver a Marambaia”. (Sr. Petronílio) “Estamos procurando parceria, ajuda do INCRA, dos empresários que tem mais condições que a gente, ajuda dos órgãos que tem mais condições que a gente. Queremos criar também animais de pequeno porte, criar peixe, criar coisa que a gente possa comer e sobreviver, turismo, mercado, barraca de beira de estrada, criar três mini indústria para aproveitar as frutas. Criar adobo orgânico, húmus de minhoca, fazer a nossa ração sem química e sem agrotóxico”. (D. Otília)

Em que pese uma certa “desestruturação” da comunidade em ações comunitárias, a

palavra de ordem da Marambaia é “União e Parceria”. Com este lema a comunidade vem

buscando aliados tanto de órgãos públicos municipais, estaduais e federais, quanto de ONG´s.

Por isso a prática participativa desenvolvida na comunidade culminou em um plano de ação que

orienta e alimenta a esperança da caminhada para a concretização dos seus sonhos, de suas

utopias, como bem enfatiza BOFF, 1986 “à condição que seja uma viagem ao futuro a partir do

presente e em função dele, o sonho utópico dá saúde e vigor à prática”.

Entendemos que uma comunidade para avançar necessita unir forças não só dentro dela, mas

também é preciso se unir a outras forças fora dela. Com esta compreensão estimulamos e

reforçamos a Associação da Marambaia como entidade legítima dos interesses da comunidade.

Com a Associação e demais parceleiros foram sendo possível para a comunidade a efetivação de

parcerias e vínculos com o IESB/FUNBIO, através do projeto “Comunidades Rurais e Florestas”

(viveiro de mudas e trilhas ecológicas) com o CRA e a CONDER que elaborou o projeto da

“Agrovila” e necessita para a sua efetivação de negociação com o INCRA e a Prefeitura

Municipal de Itacaré. Além da formação do Grupo de Artesanato que conta com 14 pessoas da

comunidade.

Page 162: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

158

• Mudanças em busca de capacitação e orientação técnica

Um dos problemas para a operacionalização dos projetos na comunidade é a falta de

capacitação e orientação técnica voltadas para a substituição dos métodos tradicionais de cultivo

para métodos alternativos que garantam a sustentabilidade da comunidade.

“Nós não temos experiências em turismo, pois somo trabalhador rural, sempre lutamos com a enxada e a terra”. (D. Otília) “Para cumprir essa lei para conservar o meio ambiente nós precisamos de conhecimento, precisamos de pessoas que venham aqui nos informar a gente se identificar melhor”. (Petronílio) “Se nós não tiver informação. Tiver ajuda das pessoas, dos próprios turistas, dos técnicos dos órgãos, nós não temos grande esperança. Nós queremos sobrevier aqui com o turismo”. (Petronílio) “Só sabemos trabalhar, plantar mandioca, só sabemos cultivar a terra, nós não conhece o turismo. Mas nós sabemos que o desenvolvimento é o turismo. O trabalhador rural não sabe fazer o trabalho turístico. Aí, precisamos de orientação das pessoas competentes que já conhece o que é o turismo para nós poder alcançar um projeto de subsistência para nós poder sobreviver e fazer o turismo mais adequado”. (Petronílio) “Temos plantas medicinais para o intestino, febre, problema de pele, o que temos é planta medicinal. O que está faltando é incentivo, assistência técnica, pessoas que queira juntar com a gente para nos ajudar”. (D. Otília)

Estes depoimentos apresentam o reconhecimento por parte dos parceleiros do saber

técnico e da necessidade de orientação técnica.

Estas pistas identificadas pela comunidade precisam ser operacionalizadas. Todavia algumas

capacitações através de cursos vêm sendo desenvolvidas pela Prefeitura Municipal de Itacaré,

através da Secretaria de Meio Ambiente, Turismo e Agricultura, a exemplo do Curso de

Piscicultura realizada pela administração municipal e UESC. Além de cursos voltados para

atividades agroflorestais desenvolvidos pelo IESB/FUNBIO.

• Mudanças de uma relação de subserviência para uma relação emancipatória entre

os parceleiros com os órgãos públicos e ONG´s.

Page 163: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

159

Fortalecidos enquanto grupo e expressando o que desejam e esperam dos poderes públicos e

das ONG´s, a Associação dos Parceleiros da Marambaia com a ajuda da pesquisadora elaborou

um plano de ação onde foi considerada a necessidade do apoio técnico e político para o

desenvolvimento da comunidade a partir de:

• Anistia do débito com o BNB

• Projeto de criatório de animais de pequeno porte (galinhas, porcos, patos, etc.)

• Projeto de piscicultura

• Eletrificação Rural

• Projeto de Apicultura

• Engarrafamento de água mineral existente na área da Marambaia

• Um Posto Médico

• Um Prédio Escolar

• Suspensão do lixão da cidade no Km 4 e nas áreas dos parceleiros da Marambaia

• Cursos de Adubo Orgânico para uso nas roças e a implantação de um Biofertilizante

comunitário

• Mini indústria de doces caseiros, vinhos e licores;

• Uma Panificadora Comunitária;

• Mini indústria de ração animal

• Um Centro Comercial e Artesanal

• Uma mini usina de reaproveitamento e reciclagem de lixo

• Execução do Projeto da “Agrovila” na área (local previsto pelo INCRA para o núcleo

urbano) elaborado pela CONDER para melhorar as condições de moradia.

Prosseguindo o processo de avaliação das práticas educativas vivenciadas pela comunidade

realizamos um encontro com o Grupo de Articulação e Mobilização criado para dar apoio à

Associação, onde foram formuladas perguntas para reflexão que foram incorporadas ao Plano de

Ação da Associação para negociação e alianças com outras instituições, conforme quadros 8, 9 e

10 a seguir:

Page 164: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

160

QUADRO 8 - O QUE ACHAMOS IMPORTANTE NOS TRABALHOS O que achamos mais importante nos trabalhos realizados?

- Mutirão de Limpeza dos coqueiros nas roças da maioria dos parcelerios, resgatando a nossa auto-estima e a

nossa organização de foram coletiva, com a finalidade de obter laudos técnicos e a anistia do débito com o

BNB;

- Realização de um Vídeo sobre a Marambaia, onde definimos o roteiro e os aspectos da nossa história, da

nossa gente e a sobrevivência na área e os nossos sonhos.

- Articulações com o CRA e a CONDER para o apoio à Agrovila (Loteamento). A CONDER elaborou o

Projeto da Agrovila e encontra-se em fase de discussão com o INCRA para a execução;

-Execução das Trilhas Ecológicas em lotes dos parceleiros Sr. Gilberto (Beca) e de D. Otília e Antônio, com a

colaboração do técnico Salvador Ribeiro do IESB. A Trilha “Janela da Gindiba” do parceleiro Beca foi

inaugurada em 28.12.00 e as outras encontram-se em fase de conclusão;

-Projeto para a construção pela CAR da Barragem para abastecimento de água da comunidade;

- Elaboração de um livro de Literatura de Cordel de autoria de D. Otília Nogueira sobre a Vida do Projeto

Marambaia e A Natureza editados pela UESC / EDITUS;

- Palestra sobre Potencialidades do Ecoturismo na Marambaia, sendo o facilitador o Sr. Cláudio Lôpo que

opera uma Trilha Ecológica na Camboinhas;

- Ampliação do Viveiro de Mudas, através do Projeto do IESB/FUNBIO.

Page 165: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

161

QUADRO 9 - O QUE ESPERAMOS

O que esperamos?

1. Desenvolvimento da nossa comunidade através de:

- Anistia do débito com o BNB;

- Criatório de animais de pequeno porte: peixes, galinhas, porcos, etc;

- Eletrificação Rural;

- Apicultura;

- Engarrafamento de água mineral existente na área da Marambaia.

2. Um Posto Médico

3. Um Prédio Escolar

4. Suspensão do lixão da cidade no Km 4 nas áreas de parceleiros da Marambaia, pela Prefeitura de Itacaré.

QUADRO 10 - O QUE PRETENDEMOS FAZER

O que pretendemos fazer?

1. Cursos de adubo orgânico para uso nas nossas roças e a implantação de uma mini indústria;

2. Mini indústria de doces caseiros, vinhos e licores;

3. Uma Panificadora Comunitária;

4. Mini indústria de ração animal;

5. Mini indústria para fabricação dos sub produtos da mandioca, além da farinha: beiju, biscoitos, tapioca,

etc;

6. Um Centro Comercial e Artesanal;

7. Uma mini usina de reaproveitamento e reciclagem de lixo;

8. Execução do Projeto da “Agrovila” para melhorar as nossas condições de moradia.

Page 166: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

162

Em síntese, de um modo geral, avaliamos que a prática vivenciada possibilitou

significativas mudanças nas percepções dos parceleiros sobre os problemas ambientais da

comunidade e no fortalecimento das ações comunitárias para a busca de alternativas de

transformação da realidade. As ações desenvolvidas foram consideradas adequadas e viáveis

operacionalmente, contribuindo para a conscientização, mobilização e organização da

comunidade no sentido da melhoria do seu ambiente de vida. Assim, contribuiu também para o

processo de construção da cidadania.

Alguns passos na direção da possível sustentabilidade sócio-ambiental da Marambaia e

adequação ao Plano de Manejo da APA vêm sendo dados pela comunidade, tanto em nível

individual, quanto em nível coletivo. As alternativas sustentáveis apontadas e que no momento

foram possíveis de ser iniciadas pela comunidade são: a) as trilhas ecológicas, b) o artesanato da

terra, c) o reforço ao viveiro de mudas comunitário e o incentivo aos viveiros individuais, d) a

possibilidade de extração “equilibrada” da piaçava, e) a fabricação de vassouras que vem sendo

feita de forma individual pode ser reforçada em nível comunitário e f) o incentivo ao

biofertilizante comunitário. Outras alternativas apontadas pela comunidade e que estão expressas

no quadro “o que esperamos e o que pretendemos fazer”, ainda não foram desencadeadas.

Page 167: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

163

4.1.6 – SOCIALIZANDO OS RESULTADOS DA INVESTIGAÇÃO

Concluídos os trabalhos da investigação, consideramos importante socializar os

resultados parciais junto aos participantes da ação social educativa discutindo os principais

aspectos abordados, no intuito de permitir uma “visão de conjunto” que não seria possível ao

nível da coleta e da execução das práticas vivenciadas, como bem explicita THIOLLENT, 1985,

“Trata-se de fazer conhecer os resultados de uma pesquisa que, por vez, poderá gerar reações e

contribuir para a dinâmica da tomada de consciência e, eventualmente, sugerir o início de mais

um ciclo de ação e de investigação”.

Os resultados preliminares desta investigação foram apresentados de forma externa, na

Mesa Redonda “A prática de educação Ambiental com Comunidades Populares”, na Disciplina:

Educação Ambiental da Turma III do Mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente

da UESC.

Retornamos os resultados da investigação à comunidade, através de um Seminário de

Socialização durante qual foi lançado o “Revelando a Marambaia”. Em forma de painéis

apresentamos de forma sintética as informações parciais coletadas e discutidas com a

comunidade.

O sonho do vídeo foi concretizado no dia 16.02.2001, onde foi lançado no Centro

Comunitário da Marambaia, em Itacaré, contando com a presença do Presidente da Associação

dos Parceleiros da Marambaia – Sr. Petronílio Valverde, de famílias dos parceleiros (crianças,

jovens, mulheres e homens), do Vice- Prefeito de Itacaré – Dr. Edgar Reis, de Secretários

Municipais de Itacaré – Cláudio Lôpo e Roberto Setúbal, da Pró Reitora de Extensão da UESC –

Profª. Jane Voisin, da Administradora da APA Leila Muricy, do Diretor Técnico do IESB – Rui

Rocha, do Coordenador do projeto IESB/FUNBIO “Comunidades Rurais e Florestas da APA” -

Salvador Ribeiro e Valéria, de representantes do SEBRAE e de trabalhadores rurais de Itacaré,

demonstrando a capacidade dos parceleiros em aglutinar parcerias para a concretização dos seus

projetos de vida.

Page 168: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

164

Na ocasião foi inaugurada a Barraca do Grupo Alegria – Artesanato da Terra, composto

por 14 pessoas (jovens, mulheres e homens) da Marambaia, sob a coordenação da D. Otília, com

a exposição de peças artesanais confeccionadas a partir do reaproveitamento dos recursos

naturais encontrados nas roças (sementes, raízes, tronco e galhos de árvores mortas, frutos e

fibras vegetais). De forma organizada surgem com bastante criatividade os produtos artesanais

como: bolsas, maquetes, cortinas, animais, copos, etc., que são comercializados na Marambaia e

na cidade de Itacaré.

Ao final do evento nos colocamos enquanto pesquisadora e agradecemos a participação

da comunidade no desenvolvimento de todas as etapas da pesquisa dizendo que os parceleiros da

Marambaia são co-autores não só do Vídeo, mas também da pesquisa “Revelando a Marambaia:

uma prática participativa de Educação Ambiental com pequenos produtores rurais na APA Costa

de Itacaré – Serra Grande”. Aprendemos que além da “razão e da compreensão” existe a

emoção, o sentimento, o cuidado, o respeito, a dedicação, a comunhão, a empatia, a

solidariedade que nos une às coisas e às pessoas e que são importantes para a viabilização da

sustentabilidade sócio ambiental e da conservação do planeta “Terra”. Vocês, num momento de

crise revelaram que são capazes de enfrentar desafios e conquistar sonhos de caráter individual e

coletivo. Estamos, portanto, eu e minha Prof.ª Orientadora – Denise d´El Rey, a UESC, o CRA e

demais aliados ao lado de vocês na construção da cidadania, na busca da melhoria da qualidade

de vida e na conservação do seu ambiente de vida. Somos, portanto, seus parceiros e confiamos

na união de vocês e no fortalecimento das ações educativas e comunitárias na Marambaia, como

condição essencial para a gestão participativa da APA Itacaré – Serra Grande.

Durante o lançamento do Vídeo, a comunidade expressou o desejo de mostrar as suas

condições de vida junto à emissora de televisão local. Para concretizar o solicitado mais uma vez

agimos como facilitadora do processo e, entramos em contato com o Setor de Jornalismo da TV

Santa Cruz (Rede Globo) que, além de se mostrar bastante interessado no assunto em pauta,

realizou uma reportagem na comunidade que foi “ao ar” no dia 21.02.2001 em rede regional e

estadual nos programas “Bahia Meio Dia” e “BA TV” e no dia 18.02.01 no programa BAHIA

RURAL.

Page 169: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

165

Assim, proporcionamos a produção de um “vídeo” que além de servir como material

educativo na comunidade, pode ser utilizado junto às emissoras de televisão em programas

educativos em nível regional, estadual e quiçá nacional.

Portanto, parece-nos que, na medida do possível, retornamos as informações entre os

participantes que dialogaram, participaram e agiram em todo o processo de investigação,

fortalecendo a tomada de consciência da comunidade rural da Maramabaia.

Figuras 54, 55 e 56 – Seminário de Socialização dos resultados da investigação

Page 170: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

166

Figuras 57, 58 e 59 - Inauguração da Barraca do Grupo Alegria – Artesanato Da Terra”

Vice Prefeito de Itacaré, Sr. Edgar Reis e Assessor da Prefeitura e Ex-Prefeito, Sr. Roberto

Setúbal inaugurando a Barraca de Artesanato

Page 171: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

167

Figuras 60 e 61 - Filmagem da Tv Santa Cruz (Rede Globo) na Marambaia (18.02.2001)

Repórter entrevistando o Pres. da Associação da Marambaia – Sr. Petronílio

Filmagem da TV Santa Cruz com as crianças da Marambaia

Page 172: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

168

CAPÍTULO 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS OU UM PONTO DE PARTIDA?

Tendo em vista as avaliações sobre a prática participativa desenvolvida com a

comunidade rural da Marambaia, consideramos que a investigação cumpriu os objetivos

pretendidos, cujos resultados podem ser aproveitados em outras experiências, principalmente

junto às comunidades populares que estão inseridas em Áreas de Proteção Ambiental.

Uma das maiores dificuldades enfrentadas no decorrer do estudo foi a de se promover a

participação e estimular a mobilização, pois muitos fatores contribuem para isso, a exemplo de:

a) experiências técnicas negativas anteriores com propostas de trabalho desvinculadas da

realidade concreta e feitas de “cima para baixo”, b) a seleção de prioridades em nível individual

ocasionada pelo próprio processo de exclusão social, onde as necessidades básicas ainda não

estão satisfeitas, acarretando uma certa acomodação para os trabalhos comunitários, c) conflitos

de interesse e de poder entre as lideranças comunitárias, enfraquecendo muitas vezes a

organização dos trabalhos.

Todavia, fomos conjuntamente enfrentando os desafios, conforme pode ser observado no

capítulo 4 e, concretizando a prática participativa, através das reuniões coletivas e de lideranças,

entrevistas não diretivas, conversas informais, capacitações em cursos, envolvimento com o dia-

a-dia da comunidade, inclusive dando lugar para a efetivação das contribuições individuais e

coletivas.

Nas reuniões as falas e idéias dos participantes eram todas aproveitadas, tentando sempre

se chegar a propostas consensuais entre o grupo. Nas entrevistas não diretivas e nas conversas

informais, as questões eram colocadas a partir dos próprios depoimentos dos entrevistados que

foram considerados na íntegra para efeito de análise, de coleta de dados e produção do

conhecimento.

Page 173: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

169

O envolvimento (inserção) da pesquisadora no dia-a-dia da comunidade proporcionou

uma visão contextualizada da realidade do ambiente de vida, com o que foi possível

compreender e incorporar as contribuições individuais e coletivas da comunidade, seus mitos,

suas crenças e suas utopias, enfim seu engajamento no processo participativo e educativo.

Um aspecto relevante na prática vivenciada foi o seu caráter educativo transformador,

onde coletivamente fomos capacitando e aprendendo, investigando e agindo durante todo o

processo. Em todos os momentos da prática buscávamos construir um novo conhecimento, a

partir da troca de informações e de integração entre a pesquisadora e pesquisados, entre as

pessoas, técnicos e instituições que atuam na comunidade.

Entendendo que a educação é um processo de longo prazo e de caráter permanente,

consideramos que em pouco tempo (oito meses) de vivência com a comunidade, pudemos obter

avanços significativos, constituindo-se, portanto a investigação em um ponto de partida para

futuros estudos para a pretendida sustentabilidade sócio-ambiental do assentamento de reforma

agrária da Marambaia.

Em se falando de processo educativo como práxis social, consideramos que a Educação

Ambiental foi desenvolvida, pois sempre se procurou a conscientização dos problemas

ambientais e a viabilidade de possíveis soluções, através da mobilização e participação da

comunidade para o enfrentamento das dificuldades e a conquista dos seus sonhos.

Um dos mais graves problemas da exclusão social está relacionada à falta de informação

e orientação técnica que, segundo ANDRADE, 1993, em sua tese de dissertação de Mestrado,

afirma “a falta de informação propicia a concentração de poder por parte das classes dominantes

que, por deterem os conhecimentos construídos na sociedade como um todo, inclusive entre as

classes populares, mantém a estrutura social injusta em que vivemos”. Entendemos que na

prática pudemos caminhar com pequenos passos para a superação desta lacuna.

Page 174: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

170

Consideramos, ainda, que como resultado do processo de Educação Ambiental

possibilitamos a instrumentalização da comunidade para o enfrentamento das lutas pelas

transformações das atuais condições sociais e econômicas, que sabemos, fogem ao controle da

comunidade, pois é papel do Estado ou da sociedade como um todo e que não é cumprido para

as camadas populares. A Educação Ambiental por si só não resolverá os graves problemas de

exclusão social, mas a sua aplicação segundo os pressupostos propugnados nesta pesquisa se

constitui em um desafio. E, sendo desafio, sua concretização proporcionará a construção da

cidadania, conforme explicitado por LEONARDI, 1997:

“A educação ambiental como formação da cidadania ou como exercício de cidadania tem a ver, portanto, com uma nova maneira de encarar a relação homem/natureza. O conceito de natureza passou a incluir os seres humanos que são, em essência, seres sociais e históricos, e o conceito de homem passou a incluir a natureza biofísica. É por isso que se fala atualmente na necessidade de construir uma nova relação homem/natureza, ou até um novo contrato entre os dois, já que, na verdade, ambos pertencem a uma mesma entidade ontológica”.

A metodologia escolhida, ou seja, a pesquisa-ação de fato constitui em uma estratégia de

educação ambiental, pois consiste em gerar na comunidade um processo de auto-diagnóstico e

auto-transformação, com vistas não só a conscientização dos seus problemas, mas que também

conheçam as causas e proponham soluções para as necessárias mudanças.

Na aplicação desta metodologia de pesquisa-ação os pesquisadores e pesquisados

(assentados) exerceram relevante papel enquanto seres ativos e participantes no processo de

mudança de percepção e na atitude dos assentados perante seus problemas sócio-ambientais, que

de certa forma influenciam nas suas atuais condições de sobrevivência.

Por mais difícil que seja colocar a temática ambiental no âmbito das discussões do

ambiente de vida dos assentados, vale a pena tentar. Por que só no enfrentamento dos problemas

é que juntos encontraremos as saídas, os caminhos para a sustentabilidade sócio-ambiental.

Assim, a educação ambiental de caráter popular pode ser um “instrumento crítico” de

viabilização do desenvolvimento sustentável nos assentamentos de reforma agrária. Portanto,

esta metodologia pode ser reaplicada em novos trabalhos, a partir de uma adaptação de acordo

com a realidade e necessidades específicas de cada comunidade.

Page 175: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

171

Optamos por um trabalho pautado na prática contextualizada de Educação Ambiental

participativa, o que talvez no decorrer do mesmo tenhamos cometido falhas e deixado lacunas na

articulação entre a teoria e a prática. Esperamos que outros trabalhos venham suprir o necessário

aprofundamento teórico, respaldando esta experiência.

Com este estudo não pretendemos aprofundar todos os aspectos que envolvem a questão

ambiental e, especificamente a Educação Ambiental como instrumento de cidadania, ou seja, a

interdependência entre os fatores políticos, sociais, culturais, biológicos, econômicos, éticos, que

conforme LIMA, 1994 “constituem o objeto de estudo da Ecologia Humana”, nem tampouco

solucionar todas as demandas sociais na luta pela sobrevivência e as conseqüências decorrentes

da pobreza e da miséria existentes na comunidade rural da Marambaia, que sabemos está

relacionada com o modelo excludente, concentrador de terra e de renda adotado pelo país.

Com esta investigação foi possível articular e concretizar pequenos passos, através de

uma prática educativa e participativa onde se esboçou um plano de ação construído com a

comunidade em que estão expressos os caminhos rumo à sustentabilidade sócio-ambiental na

Marambaia. Nele, estão colocadas as necessidades e aspirações da comunidade, que no seu

imaginário popular garantirão a melhoria da qualidade de vida. A comunidade traçou os

caminhos para o seu desenvolvimento. Porém como eles mesmos colocam necessitam de

“informações e de orientações técnicas para este novo desenvolvimento”, precisam de “união e

de parceria”.

Conforme BOFF, 1986:

“O importante é que qualquer ação se mantenha orientada na direção de seu objetivo final. Mas orientada dialeticamente, como um caminho de montanha que, apesar de todas as suas voltas (táticas), vai fundamentalmente (estratégia) para o cume (objetivo). Ou como o rio, que contornando montanhas ou saltando em cachoeira (tática) segue firme (estratégia) na direção do mar (meta final)”.

Desse modo, ainda o autor diz, que o “que interessa não é o passo como tal, mas sua

orientação, isto é, sua articulação com o projeto global da ação. A relação é, pois, entre uma

Page 176: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

172

instância real e uma instância de representação (um projeto, um horizonte, etc). Donde a

importância do ideológico (teoria e projeto) para o prático”. (op. cit.)

Consideramos que este novo desenvolvimento pretendido pela comunidade passa pela

articulação e aglutinação de diversos setores e instâncias que podem e devem promover os

interesses da sociedade, ou seja, os governos em todas as suas esferas, as ONG´s, as associações,

sindicatos, federações e confederações dos trabalhadores rurais, os movimentos ecológicos,

universidades, entidades profissionais, etc. Para a comunidade avançar na construção do projeto

de melhoria do seu ambiente de vida deve buscar aliados dentro de si e somar com outros aliados

fora dela.

Como mencionado neste estudo, propostas dos trabalhadores rurais não faltam, o que

falta é a vontade política de concretizá-las.

Neste aspecto, julgamos relevante propor com base no Projeto Alternativo de

Desenvolvimento Rural Sustentável baseado na Agricultura Familiar propugnado pela

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG, e nas iniciativas e

experiências de alternativas sustentáveis existentes na comunidade, a elaboração de um Plano

Integrado de Desenvolvimento Local Sustentável da Marambaia, envolvendo uma equipe

interinstitucional e interdisciplinar. Inicialmente deverão ser articulados os órgãos

governamentais que atuam na área (INCRA, Prefeitura Municipal de Itacaré, CRA, CONDER,

CAR, EBDA, CEPLAC, EMBRAPA, BAHIAPESCA), as ONG´s (IESB), a universidade

(UESC), SEBRAE, etc, pois como afirma LEROY, 1997, “essas complexas dinâmicas na busca

de um desenvolvimento sustentável exigem parcerias entre vários setores. A qualificação das

organizações sociais pode ser facilitada pelo suporte de aparelhos técnicos governamentais e

pela participação ativa da academia cumprindo a sua função social”.

Nesta linha de pensamento, podemos destacar que a partir dos resultados preliminares

desta pesquisa apresentados durante o Seminário de socialização dos resultados da investigação e

Lançamento do vídeo “Revelando a Marambaia”, a Pró Reitoria de Extensão da UESC definiu a

comunidade rural da Marambaia como um dos projetos de extensão universitária a ser elaborado

Page 177: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

173

para o Programa de Apoio e Desenvolvimento de Comunidades – Programa Universidade

Solidária, Módulo Regional 2001, Edital nº 3 – SESU/MEC – UNISOL, que tem como objetivo

o financiamento de projetos de formação e capacitação de recursos humanos, cooperativismo e

associativismo, buscando a geração de emprego e renda. Para tanto, em reunião realizada com a

comunidade e esta pesquisadora, a Pró Reitoria de Extensão e o Núcleo de Turismo da UESC, a

partir do diagnóstico do ambiente de vida realizado por esta pesquisa-ação, definiram pela

elaboração de um projeto de desenvolvimento pautado no turismo rural-ecológico tendo como

vertente o reforço às atividades de artesanato e de trilha ecológica já em curso na comunidade.

Este projeto irá concorrer com outros em nível nacional, que sendo aprovado, irá fortalecer as

ações comunitárias através da capacitação de membros da comunidade, cumprindo a UESC o

seu papel social de pesquisa e extensão universitária.

Ainda com base nesta pesquisa-ação recomendamos que o Centro de Recursos

Ambientais – CRA, como órgão gestor da APA Costa de Itacaré-Serra Grande, deverá; a)

promover a articulação interinstitucional, envolvendo organizações governamentais e não

governamentais, visando ao desenvolvimento de ações conjuntas que permitam acompanhar e

fortalecer a educação ambiental no âmbito das comunidades inseridas na APA e, no caso

específico da Marambaia, b) fomentar e estimular a efetivação de projetos sócio-ambientais,

buscando alternativas de emprego e renda na comunidade, c) fomentar o fortalecimento das

ações comunitárias a partir de trabalhos educativos voltados para a realidade concreta que

respondam as questões enfrentadas pela comunidade.

Por último, consideramos que esta investigação a partir da prática participativa de

Educação Ambiental com os pequenos produtores rurais da APA Itacaré – Serra Grande pode

dar contribuições à tão almejada gestão ambiental, constituindo-se, então, em um ponto de

partida para a continuidade do trabalho que teve conquistas parciais, mas fundamentais para a

conscientização da comunidade e construção da cidadania. É um ponto de partida também para a

elaboração e execução do Plano Integrado acima mencionado.

Page 178: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

174

Aprendemos a enfrentar as dificuldades com a “Pedagogia dos Desafios” defendida pela

minha orientadora Profª Denise Homem d´El-Rey e com esta pesquisa vivenciada com a

comunidade da Marambaia, estamos tentando esboçar a “Pedagogia do Cuidado”.

Esta pedagogia tem como princípio uma nova ética do humano e compaixão pela terra,

propugnado por Leonardo Boff, 2000, que enfatiza:

“Quando falamos de ethos queremos expressar o conjunto de valores, princípios e inspirações que dão origem a atos e atitudes (as várias morais) que conformarão o habitat comum e a nova sociedade nascente. É urgente um novo ethos de cuidado, de sinergia, de re-ligação, de benevolência, de paz perene para com a Terra, para com a vida, para com a sociedade e para com o destino das pessoas, especialmente das grandes maiorias empobrecidas e condenadas da Terra”.

A “Pedagogia do Cuidado”, enquanto práxis social e educativa, portanto, deve resgatar a

natureza do cuidado essencial nos seres humanos, que com certeza não é a razão “analítica e

objetivista”, mas sim, o sentimento, o envolvimento, o afeto e a capacidade de expressar as

emoções. Ou seja, construir um novo mundo pautado nos laços afetivos, valorizando as pessoas,

preocupando-nos com elas, ou seja, colocar o cuidado como uma atitude de vida, de desvelo e de

preocupação com os seres humanos e com os outros seres vivos e com o planeta Terra. Assim,

nos revelamos, nos damos a conhecer e mostramos a nossa capacidade de amar. Como diz,

Humberto Maturana, citado por BOFF, 2000, “o que é especialmente humano no amor não é o

amor, mas o que fazemos no amor enquanto humanos...; é a nossa maneira particular de

vivermos juntos como seres sociais na linguagem...; sem amor nós não somos seres sociais”.

A vida, portanto, “é a essência do ser vivo, uma unidade auto-poiética, que significa ser

capaz de auto-produção, auto-manutenção, auto-organização e auto-transformação em um

sistema dinâmico e interdependente com todo seu ecossistema. (HOMEM D´EL-REY, 2000).

O surgimento dessa nova pedagogia do cuidado deve está alicerçada em pressupostos

teóricos que foram resumidos por HOMEM D´EL-REY, 2000, e que, consideramos relevantes

destacar: “subjetividade no processo de conhecimento da realidade; conceito de totalidade

reforçando a interdependência entre o indivíduo e o coletivo; existência de uma área interface

entre todas as áreas de conhecimento; a participação é uma necessidade biológica; reforço do

Page 179: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

175

caráter político da educação para autonomia do sujeito; reconhecimento da dimensão afetiva no

processo de transformação; reconhecimento da emoção no processo de tomar decisões; uso do

saber para fomentar alianças e parcerias e relações entre sujeitos baseadas na ética e

solidariedade”.

Finalmente, consideramos que alçando vôos, retomando o sentido da transcendência,

ousando reconquistar o prazer e a emoção que se tem através da harmonia obtida pelo amor,

reencontrando a essência da natureza humana através do cuidado, daremos um grande passo para

a construção de uma vida digna e solidária na Terra.

Page 180: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

176

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ADORNO et al. O conhecimento e o poder: de quem é a palavra. Relato de uma experiência

de pesquisa participante. Re. Saúde Pública, São Paulo, 21 (5): 405-412, 1997.

ANDRADE e LOUREIO e HOMEM D´EL REY. A Educação Ambiental nos diferentes

espaços pedagógicos. (s.d.), (mimeo).

________________________________________. Uma proposta metodológica para pesquisa

em Educação Ambiental. 1991. (mimeo).

ANDRADE, L. C.. Educação Ambiental e Construção da Cidadania – Uma prática com

Classes Populares. Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Educação da

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1983.

ARAÚJO, Marcelo et al. A Mata Atlântica do Sul da Bahia. In: A Mata Atlântica do Sul da

Bahia: situação atual, ações e perspectivas, Caderno nº 8, Série Cadernos da Reserva da

Biosfera, Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, São Paulo, 1998.

DEMO, Pedro. Política Social, Educação e Cidadania. Campinas, SP: Papirus, 1994. (Coleção

magistério, formação e trabalho pedagógico).

BOFF, Clodovis. Como trabalhar com o povo. 6ª ed., Rio de Janeiro: Vozes, 1986.

BOFF, Leonardo. Saber Cuidar: Ética do humano – Compaixão pela Terra. 6ª ed., Rio de

Janeiro: Vozes, 2000.

BORDENAVE, J. E. O que é participação? São Paulo: Brasiliense, 1983.

BRANDÃO et al. A questão política da Educação Popular. 6ª ed., São Paulo: Brasiliense,

1986.

BRANDÂO, C. R. O trabalho de saber: cultura camponesa e escola rural. São Paulo: FTD,

1990.

BRASIL. Decreto-Lei nº 9795 de 27/04/1999 – Educação Ambiental, Política Nacional de

Educação Ambiental. Diário Oficial, Imprensa Nacional, Brasília, DF.

BRASIL. Decreto-Lei nº 9.985 de 18/07/2000. Sistema Nacional de Unidades de

Conservação. Diário Oficial, Imprensa Nacional, Brasília, DF.

BRASIL. MMA/IBAMA. Agricultura Sustentável. Maria do Carlo Lima Bezerra e José Eli da

Veiga (coord.). Brasília: Consórcio Museu Emílio Goeldi, 2000.

BRASIL. MEC/MMA/MCT. Programa Nacional de Educação Ambiental. Brasília, 1994.

Page 181: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

177

BRASIL. MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais: Temas Transversais. Brasília, 1998.

CANDEIAS, N. M. F. Diagnóstico social: Método Delbecq-Van de Vem e método do

contínuo. Apostila da Disciplina Educação em Saúde, Departamento de Prática de Saúde

Pública, FSP/USP, 1984.

CAPRA, F. Uma nova compreensão científica dos sistemas vivos: A Teia da Vida. 9ª ed. São

Paulo: Cultrix, 1997 (436 p.)

CARVALHO, J. C. R. de e VIEZZER, Moema. Comunicação Ambiental e Participação. In

UNIAMBINTE, Boletim da comissão Interinstitucional sobre meio Ambiente e Educação

Universitária, p.7-17. 1991.

COIMBRA, José de Ávila Aguiar. O outro lado do meio ambiente. São Paulo: CETESB, 1985.

COMISSÃO DE DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE DA AMÉRICA LATINA E

CARIBE. 1990. Nossa própria Agenda. BID.

COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. 1988. Nosso

Futuro Comum. Rio de Janeiro: FGV.

CONTAG. Programa de Formação de Dirigentes e Técnicos em Desenvolvimento Local

Sustentável com base na Agricultura Familiar. Convênio

MTb/SEFOR/CODEFAT/CONTAG. Brasília, 1997.

COOTEBA – COOPERATIVA DE TRABALHO DO ESTADO DA BAHIA. Plano de

Desenvolvimento Sustentável – Projeto de Assentamento Marambaia. Projeto

LUMIAR. Itacaré, 2000.

DIAS, G. F.. Elementos para capacitação em educação ambiental. Ilhéus: Editus, 1999.

___________. Educação Ambiental; Princípios e Práticas. 2ª ed. São Paulo: Gaia, 1993.

DIEGUES, Antônio Carlos. O nosso lugar virou parque: estudo sócio-ambiental do Saco de

Mamanguá – Parati/Rio de Janeiro. São Paulo: NUPAUB/USP, 1994.

DUBOS, J. R. O homem e seu meio ambiente: adaptações e interações, In: A humanização do

meio ambiente. São Paulo: Cultrix, 1972.

FERREIRA, Lúcia da Costa. A floresta intransitiva: conflitos e negociações na Mata

Atlântica. Tese de Doutorado apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da

Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 1996.

Page 182: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

178

FLECK, Luis Fernando. Considerações sobre a participação dos trabalhadores nos

assentamentos. In Contexto e Educação. Ijuí, UNIJUÌ/Pró-Reitoria de Pesquisa e

Extensão, p.53-55, 1986.

FREIRE, Paulo. Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.

_____________. Educação e Mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.

_____________. Pedagogia da Autonomia - Saberes necessários à prática educativa. 12ª ed.

São Paulo: Paz e Terra, 1999.

GEHLEN, Ivaldo. A participação nos assentamentos de trabalhadores rurais. In Contexto e

Educação. Ijuí, UNIJUÌ/Pró-Reitoria de Pesquisa e Extensão, p.56-60, 1986.

GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira, 1978.

GUERRA, M. F. Educação Ambiental. In: Informe Agropecuário, Belo Horizonte. V.21, n.202,

p. 54-56, jan/fev, 2000.

HERCULANO, S. A consciência da solidariedade. In Revista Educador a Ambiental, ano 2, nº

8, 1985.

HOMEM D´EL REY, D. C. Educação Ambiental: Teoria e Prática. Conferência apresentada

no Seminário de Educação Ambiental: Educação Ambiental e a Nova Ordem Mundial,

promovido pelo Grupo de Estudos em Educação Ambiental – GEA/UFRJ. Rio de Janeiro,

1996 (mimeo).

_________________________. Educação Ambiental: A busca de Novos Paradigmas.

Conferência apresentada no 7º Congresso de Ecologia do Nordeste – Mata Atlântica –

UESC. Ilhéus, 1997 (mimeo).

_________________________. Paradigmas de educação em saúde. In: Ágere: Revista de

Educação e Cultura. Salvador, v.2, p. 53-60, 2000.

IBAMA / SECRETARIA DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO.

Regulamentação da APA Cananéia-Iguape-Peruíbe: plano de gestão – unidade de

gestão / ZEE preliminar. São Paulo: SMA; IBAMA, 1996.

LEIS, H. R. e D´AMATO J. L. O ambientalismo como movimento vital: análise de suas

dimensões histórica, ética e vivencial. In: Clóvis Cavalcante (org.) Desenvolvimento e

Natureza: Estudos para uma sociedade sustentável. São Paulo: Cortez, p.77-103, 1995. L

Page 183: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

179

LEONARDI, M. L. A. A educação ambiental como um dos instrumentos de superação da

insustentabilidade da sociedade atual. In: Clovis Cavalcanti (org.). São Paulo: Cortez, p.

391-408, 1997.

LEROY, Jean-Pierre. Da Comunidade Local às Dinâmicas Microrregionais na Busca do

Desenvolvimento Sustentável. In: Revista Proposta, nº 71, FASE: Rio de Janeiro, p. 17-

25, 1997.

LIMA, Maria José Araújo. Ecologia Humana: realidade e pesquisa. Rio de Janeiro: Vozes,

1984.

LOUREIRO, C. F. B. Reflexões sobre os conceitos de Ecocidadania e consciência ecológica.

In: Educação Ambiental, desafio do século: um apelo ético, Speranza França da Mata et al

(orgs.). Rio de Janeiro Terceiro Milênio, p. 119-124, 1998.

LOUREIRO, C. F. B. Educação Ambiental e Classes Populares: Teoria e Prática de uma

Pesquisa participativa. Rio de Janeiro, Dissertação de Mestrado em Educação / PUC-RJ,

1992.

LOUREIRO, C. F. B. Ética e Cidadania: Conceitos básicos para a transversalidade em

Educação Ambiental. In: Educação Ambiental: Transversalidade em questão. Rio de

Janeiro: MZ Editora, p. 72-81, 2000.

MANFREDI, S. M. A educação popular no Brasil: uma releitura a partir de Antonio

Gramsci. In: Carlos Rodrigues Brandão (org.). A questão política da educação popular.

São Paulo: Brasiliense, p. 40-61, 1986.

MATA, Speranza (org.). Educação Ambiental: Transversalidade em questão. Rio de Janeiro:

MZ Editora, 2000.

MARTINS, L.C. Aspectos sociais e antropológicos do desenvolvimento sustentável: o caso

do acampamento de trabalhadores rurais sem terra de Água Fria – Goiás. In

Tendências da educação ambiental brasileira / Fernando Oliveira Noal, Marcos Reigota,

Valdo Hermes de Lima Barcelos (orgs.). Santa Cruz do Sul: EDUNISC, p.145-163, 1998.

MENEZES, Max et al. Programa para o Desenvolvimento Ambiental da Região da Mata

Atlântica do Sudeste da Bahia. MARA/CEPLAC/CEPEC. Ilhéus, 1992 (mimeo).

MINAYO, M. C. de S. O desafio do conhecimento metodológico de Pesquisa Social

(qualitativa) em Saúde. Rio de janeiro: ENSP/FIOCRUZ, Tese de Doutorado, 1989.

Page 184: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

180

MINC, C. Reconquista da Terra – Estatuto da Terra, Lutas no Campo e Reforma Agrária.

Rios de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985.

MORIN, Edgar. Saberes Globais e Saberes Locais: o olhar transdisciplinar. Rio de Janeiro:

Garamond, 2000.

MURICY, Teresa. APA – gestão do território com base em suas características ambientais.

1999, (mimeo).

PEDRINI, A. de G. & PAULA, J. C. de. Educação Ambiental: uma visão. In PEDRINI, A. De

G. (org.). Educação Ambiental: Reflexões e Práticas Contemporâneas. Rio de Janeiro:

Vozes, (s. d.)

PINTO, João Bosco G. A pesquisa-ação como prática social. In Contexto e Educação. Ijuí,

UNIJUÌ/Pró-Reitoria de Pesquisa e Extensão, p. 27-46, 1986.

REIGOTA, Marcos. Meio Ambiente e Representação Social. São Paulo: Cortez, 1995.

SACHS, Ignacy. Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável. Org. Paula Yone Stroh. Rio

de Janeiro: Garamond, 2000.

SALOMÃO-PEREIRA, J. M. Participação Comunitária no processo de Avaliação de

Impacto Ambiental: Algumas reflexões. Monografia de Pós-graduação Lato sensu em

Planejamento e Administração em Recursos Ambientais. UCSal/BA, 1989.

SCHERER-WARREN, Ilse. Redes de Movimentos Sociais. São Paulo: Loyola, 1993.

SEARA, G. Apontamentos de Introdução à Educação Ambiental, Revista

Ambiente/CETESB, 1994.

STROCH, Paula Yone. As Ciências Sociais na interdisciplinaridade do planejamento

ambiental para o desenvolvimento sustentável. In: A importância da pesquisa social no

planejamento ambiental e algumas orientações metodológicas para a pesquisa. P. 276-292,

(s.d.).

THIOLLENT, Michel. Metodologia da Pesquisa-Ação. São Paulo: Cortez, 1985.

TREVIZAN, Salvador D. P. Sociedade-Natureza: Uma concreta e necessária integração. Rio

de Janeiro: Papel Virtual, 2000.

TREVIZAN, Salvador D. P. e ALGER, Keith. Movimentos Sociais de Luta pela Terra e a

Sustentabilidade. In: Anais do XXXVII Congresso Brasileiro de Economia e Sociologia

Rural. Rio de Janeiro, 2000.

Page 185: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

181

VIEZZER, Moema e OVALLES, Omar. Manual Latino-Americano de Educ-ação Ambiental.

São Paulo: Gaia, 1994.

VIOLA, J. E. A degradação sócio-ambiental e a emergência dos movimentos ecológicos na

América Latina. In: LARANJEIRAS, Sônia (org). Classes e Movimentos Sociais na

América Latina. São Paulo: Editora Hucitec, 1990. p. 197-219

VIOLA J. E. e LEIS, R. H. O ambientalismo multissetorial no Brasil para além da Rio-92: O

desafio de uma estratégia globalista viável. In: VIOLA, J. E. (org.). Meio Ambiente,

desenvolvimento e cidadania: desafios para as ciências sociais. São Paulo: Cortez, 1998. p.

134-160.

Page 186: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

182

ANEXOS

Page 187: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

183

ANEXO I

Page 188: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

184

ANEXO II

Page 189: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

185

ANEXO III

ZONEMENTO ECONÔMICO E ECOLÓGICO DA APA E A INSERÇÃO DA MARAMBAIA

Zoneamento Econômico e

Ecológico

Proteção Ambiental Uso Indicado

ZAF – Zona Agro-florestal

Preservar remanescentes florestais. Manutenção integral da cobertura florestal remanescente e redução da atividade antrópica, buscando-se o manejo sustentado dos ecossistemas existentes. Apoio técnico para implantação e manutenção dos sistemas agroflorestais, e incremento de alternativas tecnológicas, evitando a substituição por cultivos convencionais ou pastagens. Identificação dos remanescentes florestais pelos proprietários rurais, podendo estas áreas serem transformadas em RPPN – Reserva Particular do patrimônio Natural. Parcelamento do solo só através de lotes rurais conforme módulo rural do INCRA.

Implantação de cultivos econômicos típicos dos sistemas agroflorestais. Implementação de cultivos agrícolas convencionais e formadores de estrato arbustivo e arbóreo, priorizando-se as frutíferas.

ZAG – Zona de Agricultura

Preservar remanescentes florestais. Manutenção e recuperação das áreas protegidas pela legislação, degradas ou em processo de degradação. Revegetação das áreas livres e comuns do lote ou gleba. O parcelamento mínimo do solo só será permitido para finalidade rural, conforme módulo mínimo do INCRA

Silvicultura ou cultivos econômicos típicos dos sistemas agroflorestais, priorizando-se as espécies arbóreas perenes. Cultivos agrícolas de subsistência, através de técnicas alternativas apropriadas aos ambientes tropicais, sem o uso intenso de agrotóxicos e fertilizantes. Beneficiamento agrícola. Apicultura. Piscicultura. Uso pastorial, em regime de semiconfinamento.

Page 190: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

186

ZPR - Zona de Proteção Rigorosa

Proibição completa da eliminação das formações florestais remanescentes, preservação desses remanescentes ou recuperação das áreas degradas, buscando-se alternativas viáveis para a exploração econômica da floresta. As áreas íntegras poderão ser transformadas em RPPN. A assistência técnica, por parte dos organismos competentes, para projetos de manejo dos remanescentes florestais também será um mecanismo protetor do ambiente dessa zona.

Exploração econômica da mata, com base no Plano de Manejo Florestal devidamente aprovado pelo órgão competente. Inserção em projetos produtivos dos sistemas agroflorestais. Apicultura. Turismo ecológico, com trilhas e infra estrutura de apoio.

ZUD – Zona de Uso Diversificado

Preservar remanescentes florestais. Manutenção e recuperação das áreas protegidas pela legislação, degradadas ou em processo de degradação. Revegetação das áreas livres e comuns do lote ou gleba.

Agropastoril, priorizando-se os cultivos agrícolas, com utilização de espécies arbóreas perenes e o semiconfinamento, na atividade pastoril. Comércio e serviços diversos. Atividades de infra estrutura e apoio ao desenvolvimento dos projetos turísticos existentes para a APA.

NUA – Núcleo Urbano de Apoio

Preservar remanescentes florestais. Revegetação das áreas livres e comuns do lote ou gleba. Manutenção e recuperação das áreas protegidas pela legislação, degradadas ou em processo de degradação. Cadastramento e regularização dos loteamentos existentes. Lote mínimo de 300,00 m2 Gabarito máximo de 2 pavimentos ou altura de 7,5m a, com telhado com inclinação máxima de 30%.

Conservação da cobertura florestal. Implantação de cultivos econômicos típicos dos sistemas agro-florestais. Uso agropastoril. Priorizando-se cultivos agrícolas com utilização de espécies arbóreas perenes e semiconfinamento na atividade pastoril Uso residencial unifamiliar, plurifamiliar, turismo. Serviço de alimentação, comércio e serviços. Atividades de infra estrutura e apoio ao desenvolvimento dos projetos turísticos Transformação de remanescentes florestais em Reserva Particular do patrimônio natural – RPPN.

Page 191: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

187

ZT1 – Zona Turística I

Índice de permeabilidade de 60% e taxa de ocupação de 30%. Taxa de ocupação para comércio, turismo e serviço de alimentação poderá se estender até 70%, com índice de permeabilidade mínima de 30%. Arborização com espécies nativas, na proporção de 01 árvore para cada 50 m2 de área impermeável. Solução para saneamento básico, sistema viário e energia elétrica. Elaboração de estudos prévios na utilização de áreas úmidas. Preservar remanescentes florestais. Unidade territorial mínima de parcelamento, por Resort, de 30 ha. Densidade máxima de 30 leitos/ha de área antropizada. Gabarito máximo de 2 pavimentos ou 7,50m com telhado de inclinação mínima de 30%. Solução para saneamento básico, sistema viário e energia elétrica. Projeto de arborização priorizando as espécies nativas. Manutenção e recuperação das áreas protegidas pela legislação, degradadas ou em processo de degradação. Revegetação das áreas livres e comuns do lote ou gleba.

Empreendimentos turísticos de baixa densidade e infra-estrutura de apoio para empreendimentos hoteleiros localizados na ZT II; Estruturas de apoio a atividades esportivas, educativas e culturais; Trilhas ecológicas; Camping; Uso agropastoril, priorizando-se, no cultivo, as espécies perenes e no pastorial o semiconfinamento; Campo de pouso, subordinado à realização de estudo prévio específico; Projetos de manejo produtivo assistidos tecnicamente por organismos competentes; e Atividades educativas e culturais.

FONTE: BAHIATURSA, 1998

Page 192: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

188

ANEXO IV

CAPA DO VÍDEO "REVELANDO A MARAMBAIA"

Page 193: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

189

FICHA TÉCNICA DO VÍDEO “REVELANDO A MARAMBAIA"

FICHA TÉCNICA

Promoção: UESC/Mestrado de Desenv. Regional e Meio ambiente

Associação dos Parceleiros da Marambaia

Coordenação: Júlia Salomão – Pesquisadora

Denise Cesar Homem d´El-Rey – Profª Orientadora

Roteiro: Julia Salomão, Paulo Paiva e parceleiros da Marambaia

Direção: Paulo Paiva

Cinegrafia: Paulo Paiva e Paulo Celso de Souza Brito(UESC)

Edição: Paulo Roberto Santos - Vídeo Life Produções Ltda

Músicas: Marcus Viana (Jardins de Shiva) e Vangelis (Conquista do Paraíso)

AGRADECIMENTOS

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ – UESC

Magª Reitora Prof.ª Renée Albagli Nogueira

Profº Max de Menezes - Coordenador do Mestrado

CENTRO DE RECURSOS AMBIENTAIS – CRA

Dr. Fausto Antônio Azevedo - Diretor Geral

Eng. Leíla Muricy Torres - Administradora da APA Costa de Itacaré-Serra Grande

Page 194: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

Dedico este estudo:

A Carlos Gregório e Larissa, meus filhos, pelo

amor, pela força e alegria de viver. Com eles

aprendo a ter cuidado e carinho com todos as

pessoas, aprendo a alimentar o sonho de um planeta

saudável e de uma sociedade digna, fraterna e

solidária – uma sociedade sustentável.

Ao meu pai, Antônio Salomão (in memoriam) pela

bondade e ternura. Ao meu irmão Cláudio (in

memoriam) pela coragem. A minha mãe Celina,

pelo espírito guerreiro e forte. Aos meus irmãos

Antoninho, Dudu, Irany e famílias pelo incentivo e

solidariedade em todos os momentos de minha

existência.

Aos meus antepassados, rogando a Deus que

alcancem a salvação no Mundo Espiritual.

A todas as famílias da Marambaia pela resistência e

pelo espírito de luta que os tornam vitoriosos na

terra que escolheram para trabalhar e viver

I

Page 195: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

GRATIDÃO

A DEUS pela existência de toda vida. Ao mestre, Meishu Sama, que baseado na trilogia

Verdade, Bem e Belo, criou uma filosofia própria de reencontro dos homens com as leis da

natureza, visando uma melhoria geral na qualidade de vida da humanidade. A luz divina

canalizada pelo JOHREI iluminou todos os passos deste estudo.

A minha orientadora, Profª Denise C. H. d´El Rey, a minha especial gratidão, pois com

sua confiança, presteza, força, determinação e inspiração poética elevou o meu espírito e deu-

me coragem para enfrentar todos os desafios da pesquisa, ao dizer: “... Você que

corre...sofre...sonha... levante os olhos, alce vôos além da esperança e aprenda a conhecer a

emoção de ouvir o seu coração”.

Ao Prof. Max de Menezes, coordenador do Mestrado, que com sua dedicação e confiança

oportunizou o desenvolvimento das ações de pesquisa.

A todos os professores que ao repassarem os seus conhecimentos proporcionaram o meu

aperfeiçoamento profissional, científico e pessoal.

A todos os meus colegas do mestrado que ajudaram com suas observações no meu

crescimento relacional.

A Mônica Maia, secretária do Curso de Mestrado pelo empenho e cuidado com todos.

A Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC por ter-me propiciado a oportunidade de

realizar o Mestrado e pelo apoio na promoção do vídeo “Revelando a Marambaia”.

A EDITUS/UESC, pela edição da Literatura de Cordel elaborada por D. Otília Nogueira -

líder comunitária da Marambaia.

II

Page 196: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

Aos meus colegas do CRA, em especial:

- Dr. Fausto Azevedo – Diretor Geral, pelo incentivo e determinação em formar um

quadro de pessoal especializado e competente para o enfrentamento da problemática

ambiental no Estado da Bahia.

- Leíla Muricy Torres – Adm. da APA Costa de Itacaré – Serra Grande, colega e amiga,

que não mediu esforços em apoiar todas as etapas da pesquisa e incentivar o estudo.

- Lúcia Cardoso, colega e grande amiga que sempre confiou na minha capacidade

profissional e que em momentos difíceis de minha vida esteve sempre pronta para

ajudar.

- Teresa Muricy, a quem reconheço o espírito de liderança e que deposita em mim a

confiança para a concretização dos trabalhos sócio-ambientais.

Ao IESB, Rui Rocha, Salvador Ribeiro, Oscar Artaza, Ana Paranhos pelo apoio e

colaboração ao estudo. A Marcelo Araújo, especial gratidão, pela dedicação na elaboração

dos Mapas e na preocupação em me fornecer bibliografia para o enriquecimento teórico da

pesquisa.

A Paulo Paiva, colega de Mestrado, pela dedicação nas filmagens e direção do vídeo

“Revelando a Marambaia”, meus sinceros agradecimentos, que com carinho estendo,

também, para Paulo Celso Brito, técnico da ASCOM/UESC.

A Emiliano, pelo estímulo e pela amizade, transmitindo-me sempre energias positivas.

A todos os meus amigos e amigas, a minha gratidão fraterna.

III

Page 197: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

“A gente quer do bom e do melhor...

A gente quer carinho e atenção...

A gente quer é ter muita saúde...

A gente quer viver a liberdade...

A gente quer é ser cidadão

E a cada momento de felicidade,

Dizer declarações de amor à vida...”

(Gonzaguinha)

IV

Page 198: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

SUMÁRIO Página

LISTA DE SIGLAS ........................................................................................... VII

LISTA DE FIGURAS ........................................................................................ VIII

LISTA DE QUADROS ...................................................................................... X

LISTA DE MAPAS ............................................................................................ XI

LISTA DE ANEXOS .......................................................................................... XII

RESUMO ............................................................................................................ XIII

ABSTRACT ....................................................................................................... XV

INTRODUÇÃO ................................................................................................... 1

CAPÍTULO 1 – Desafios para o desenvolvimento sustentável na

agricultura de pequenos produtores rurais....................................................... 7

1.1 – Ecodesenvolvimento e Desenvolvimento Sustentável .. 8

1.2 – Meio ambiente e Reforma Agrária ................................. 21

CAPÍTULO 2 – Educação ambiental como estratégia para viabilizar o

desenvolvimento sustentável nos assentamentos de reforma agrária............. 29

2.1 – Caminhos da Educação Ambiental no mundo e seus

reflexos no Brasil .................................................................. 30

2.2 – Papel dos movimentos sociais e dos movimentos ecológicos

na busca pela cidadania e pelo direito à vida ........................ 44

2.3 – Os pressupostos da educação ambiental e sua importância

como instrumento de cidadania ............................................. 52

2.4 – A pesquisa-ação como estratégia de educação ambiental

nos assentamentos de reforma agrária ................................... 58

CAPÍTULO 3 – Conhecendo a Marambaia ...................................................... 62

3.1 – Caracterizando o ambiente natural e ambiente construído ... 64

3.1.1 – O ambiente natural ................................................... 64

3.1.2 – O ambiente construído.............................................. 69

3.2 – Inserindo a Marambaia na APA Costa de

Itacaré – Serra Grande .......................................................... 78

V

Page 199: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

3.2.1 – Zoneamento Econômico e Ecológico da

APA Costa de Itacaré – Serra Grande e a

inserção da Marambaia ........................... 81

3.3. Experiências de integração ao Plano de Manejo da APA:

Projetos desenvolvidos pelo poder público e ONG´s........... 88

3.3.1 – Experiências do poder público.......................... 88

3.3.2 – Experiências de ONG´s .................................... 91

CAPÍTULO 4 – Enfrentando dificuldades e conquistando sonhos:

uma prática participativa com a comunidade

da Marambaia ......................................................................... 94

4.1 – Pesquisando e agindo ........................................................ 96

4.1.1 – Conhecendo a realidade da comunidade envolvida 97

4.1.2 – Rearticulando a prática de pesquisa à teoria

de Educação Ambiental .......................................... 114

4.1.3 – Diagnosticando o ambiente de vida ........................ 116

4.1.4 – Planejando e implementando as ações .................... 124

4.1.5 – Avaliando as práticas educativas vivenciadas ......... 148

4.1.6 – Socializando os resultados da investigação ............. 163

CAPÍTULO 5 – Considerações Finais ou um Ponto de Partida? .................... 168

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................... 176

ANEXOS ............................................................................................................... 182

VI

Page 200: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

LISTA DE SIGLAS

APA – Área de Proteção Ambiental

BNB – Banco do Nordeste

CRA – Centro de Recursos Ambientais

CAR – Companhia de Desenvolvimento Rural

CEPRAM – Conselho Estadual de Meio Ambiente

CEPLAC – Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira

CODETUR – Coordenação de Desenvolvimento do Turismo

COOTEBA/LUMIAR – Cooperativa de Trabalho do Estado da Bahia

CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura

DRP – Diagnóstico Rural Participativo

EA – Educação Ambiental

EBDA – Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola

EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agrícola

FETAG-Ba – Federação dos Trabalhadores na Agricultura da Bahia

FUNBIO – Fundação para a Biodiversidade

GEA – Grupo de Estudos de Educação Ambiental da UFRJ

IBAMA – Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

IESB – Instituto de Estudos Sócio-Ambientais do Sul da Bahia

INCRA – Instituto de Colonização e Reforma Agrária

MMA – Ministério do Meio Ambiente

MIRAD – Ministério de Reforma Agrária

ONG´s – Organizações Não Governamentais

PRONEA – Programa Nacional de Educação Ambiental

PCN´s – Parâmetros Curriculares Nacionais

PEAE – Programa de Educação Ambiental e Ecoturismo da APA Itacaré-Serra Grande

PROCERA – Programa de Custeio para a Reforma Agrária

SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação

UESC – Universidade Estadual de Santa Cruz

UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro

ZEE – Zoneamento Econômico e Ecológico

VII

Page 201: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

LISTA DE FIGURAS

FIGURAS Página

1 e 2. Árvores e cipós da Marambaia no lote do parceleiro Beca ............................ 65

3. Rio Jeribucaçu ...................................................................................................... 68

4, 5 e 6. Reunião da Associação dos Parceleiros da Marambaia ............................. 69

7 e 8. Sede do Centro Comunitário e Jovens da Marambaia .................................. 71

9 e 10. Moradias dos Parceleiros da Marambaia ..................................................... 72

11. Rio Jeribucaçu e seus usos pela comunidade ................................................... 72

12. Destinação Final do lixo da cidade de Itacaré em áreas da Marambaia ............ 73

13. Roça de mandioca em lote de parceleiro da Marambaia ................................... 75

14, 15 e 16. Casa de Farinha Comunitária ............................................................... 76

17 e 18. Peça musical “O bicho da Mata Atlântica” ................................................ 77

19, 20 e 21. Grupo Alegria – Artesanato da Terra ................................................... 77

22 e 23. I Seminário da Marambaia – Reforma Agrária, Turismo e Meio Ambiente 102

24 e 25. Mutirão de Limpeza dos coqueiros ............................................................. 130

26 e 27. Capacitação em Ecoturismo ........................................................................ 133

28 e 29. Trilha Ecológica “Janela da Gindiba” (lote do parceleiro Beca)................. 136

30. Recursos Naturais das roças utilizados para a confecção dos artesanatos .......... 137

31. Peças artesanais fabricadas pelo Grupo Alegria ................................................. 137

32 e 33. Viveiro de Mudas Comunitário.................................................................... 139

34 e 35. Capacitação em Produção de Mudas Florestais (Projeto IESB/FUNBIO)... 140

36 e 37. Filmagem do Vídeo “Revelando a Marambaia” ......................................... 142

38 e 39. Reunião para discussão das imagens para a edição do Vídeo ..................... 143

40. Produção de Mudas (florestais, ornamentais e medicinais) ................................ 144

41 e 42. Extração de Piaçava e fabricação de vassouras ........................................... 144

43. Adubo Orgânico .................................................................................................. 145

44. Artesanato ............................................................................................................ 145

45. Trilhas Ecológicas (cipós e árvores da Trilha Janela da Gindiba) ...................... 146

46. Lançamento do Vídeo "Revelando a Marambaia" .............................................. 147

VIII

Page 202: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

47. Apresentação do Vídeo pela pesquisadora ......................................................... 147

48. Participação da comunidade no lançamento do vídeo ........................................ 148

49. Avaliação com máscaras (antes dos trabalhos educativos) ................................ 150

50 e 51. Avaliação com máscaras (painéis com desenhos) ..................................... 151

52 e 53. Painéis de desenhos antes e depois dos trabalhos educativos ................... 151

54, 55 e 56. Seminário de Socialização dos resultados da investigação ................. 165

57, 58 e 59. Inauguração da Barraca do Grupo Alegria – Artesanato da Terra ...... 166

60 e 61. Filmagem da TV Santa Cruz (Rede Globo) na Marambaia (18.02.2001) 167

IX

Page 203: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

LISTA DE QUADROS

QUADROS Página

1. Tipos de cultivos agrícolas da Marambaia .................................................... 66

2. Ocupação do solo .......................................................................................... 66

3. Escolaridade .................................................................................................. 71

4. Marambaia nas categorias do Zoneamento da APA ..................................... 83

5. Identificação dos Problemas ......................................................................... 121

6. Plano de Ação da Marambaia ....................................................................... 126

7. Plano de Execução para o Ecoturismo ......................................................... 134

8. O que achamos mais importante nos trabalhos ............................................ 160

9. O que esperamos .......................................................................................... 161

10. O que pretendemos fazer ........................................................................... 161

X

Page 204: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

LISTA DE MAPAS

MAPAS Página

1. MAPA DE LOCALIZAÇÃO DA APA NO ESTADO DA BAHIA .................... 84

2. MAPA DE LOCALIZAÇÃO DO ASSENTAMENTO MARAMBAIA

NO ZONEAMENTO DA APA ........................................................................... 85

3. ASSENTAMENTO MARAMBAIA: ZONEAMENTO CONFORME O PLANO

DE MANEJO DA APA ......................................................................................... 87

XI

Page 205: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

LISTA DE ANEXOS

ANEXOS Página

ANEXO I – ROTEIRO DE ENTREVISTA ............................................................ 183

ANEXO II– RECORTES DO JORNAL DA APA - Vol. I, Ano II - nº 15, set. 2000 184

1. GENTE DA APA – ENTREVISTA D. OTÍLIA NOGUEIRA

2. INFORMES – SEMINÁRIO DA MARAMABAIA

RECORTES DO JORNAL DA APA - Vol. I, Ano II - nº 19, fev. 2001

3. VÍDEO "REVELANDO A MARAMBAIA"-Artigo de Julia Salomão

ANEXO III – ZONEAMENTO ECONÔMICO E ECOLÓGICO DA APA E A

INSERÇÃO DA MARAMBAIA........................................................ 185

ANEXO IV - CAPA DO VÍDEO "REVELANDO A MARAMBAIA" ................. 188

- FICHA TÉCNICA DO VÍDEO ........................................................ 189

XII

Page 206: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

RESUMO

SALOMÃO, Júlia Maria Santana, Universidade Estadual de Santa Cruz, maio de 2001.

Revelando a Marambaia: uma prática participativa de Educação Ambiental com

pequenos produtores rurais na APA Costa de Itacaré - Serra Grande. Professora

Orientadora: Denise César Homem d´El-Rey

A intenção do presente estudo foi a de compreender como os pequenos produtores

rurais de um assentamento de reforma agrária, localizado na APA Costa de Itacaré-Serra

Grande, no Estado da Bahia, se relacionam com o meio ambiente e como percebem as

influências de uma Unidade de Conservação em seu ambiente de vida e quais as soluções

encontradas para a melhoria da qualidade de vida, no sentido de compatibilizar a conservação

ambiental e a sobrevivência. Para efeito dos resultados esperados na pesquisa junto ao

assentamento de reforma agrária - Marambaia, optamos por um trabalho pautado na prática

contextualizada de Educação Ambiental participativa, adotando a estratégia metodológica da

pesquisa-ação, pois permite a ação e solução de problemas coletivos e no qual os

pesquisadores e os participantes representativos da situação estão envolvidos de modo

cooperativo e participativo. A análise contextualizada do ambiente natural e do ambiente

construído do assentamento Marambaia, bem como da sua inserção no zoneamento da APA é

de fundamental importância, pois, permite visualizar o contexto da investigação, os possíveis

impactos sobre os modos de vida local e a necessidade de envolvimento e incorporação do

saber popular nos Planos de Manejo como condição essencial para que este tipo de

planejamento transforme-se em um real instrumento de gestão do espaço e dos recursos

naturais. Com esta investigação foi possível articular e elaborar um plano de ação que serviu

de bússola para a concretização de pequenos passos (caminhos) rumo à sustentabilidade da

Marambaia. Como resultado do processo de Educação Ambiental possibilitamos, ainda, a

instrumentalização da comunidade para o enfrentamento das lutas pelas transformações das

atuais condições sociais e econômicas que sabemos, fogem ao controle da comunidade, pois

é papel do Estado ou da sociedade como um todo e que não é cumprido para as camadas

populares. Por último, consideramos que esta pesquisa, a partir da prática de Educação

Ambiental com os pequenos produtores rurais da APA Itacaré – Serra Grande, pode dar

XIII

Page 207: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

contribuições significativas à tão almejada gestão ambiental participativa, constituindo-se,

então, em um ponto de partida para a continuidade do trabalho que teve conquistas parciais,

mas, fundamentais para a conscientização da comunidade e para a construção da cidadania. É

um ponto de partida, também, para a elaboração e execução de um possível Plano Integrado

de Desenvolvimento Sustentável da Marambaia, envolvendo a articulação e aglutinação de

diversos setores e instâncias que podem e devem promover os interesses da sociedade, ou

seja, os governos em todas as suas esferas, as ONG´s, as associações, os sindicatos, as

federações e confederações dos trabalhadores rurais, os movimentos ecológicos, as

universidades, as entidades profissionais. Para a comunidade, avançar na construção do

projeto de melhoria do seu ambiente de vida implica unir forças coletivas dentro de si e

somar outras forças fora dela, para que seja garantida a concretização da sustentabilidade

socio ambiental do Assentamento Marambaia.

XIV

Page 208: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

ABSTRACT

SALOMÃO, Júlia Maria Santana, Universidade Estadual de Santa Cruz, may of 2001.

Revealing the Marambaia: a participative experience on environmental education with

small rural producers inside the Environmental Protection Area of Itacaré Cost - Serra

Grande. Adviser: Denise César Homem d´El-Rey

The aim of the present study was to understand how small rural producers of a land

reform settlement, located in APA (Environmental Protection Area) Itacaré Cost - Serra

Grande has its relationship with the environment and how they percieve the influences of a

Unit of Conservation in its life environment and which solutions they found to improve the

quality of life, in order to compatibilisize the environmental conservation and their survival.

Waiting for better results in the research in the land reform settlement - Marambaia, we

opted for a work ruled by the practice contextualized of Participating Enviromental

Education, adopting the methodological strategy of the research-action, because it allows the

action and solution of collective problems and in which the researchers and the representative

participants of the situation are involved in a cooperative and participative way. The

contextualized analysis of the natural environment and of the constructed environment of the

Marambaia Settlement, as well as its insertion in the APA zonning is of fundamental

importance, because it allows to visualize the context of the investigation, the possible

impacts on the local life manners and the necessity of involvement and incorporation of the

popular knowledge in the Plans of Handling as essential condition so that this type of

planning becomes a real instrument of administration of the space and the natural resources.

With this investigation it was possible to articulate and to elaborate an action plan that served

as compass for the materialization of small steps heading for the Marambaias’s

sustainability. As a result of the Environmental Education process we facilitated the

community's instrumentalization for the confrontalization of the fights for transformations of

the current socials and economicals conditions, that we know, scape from the community's

control, because it is a state role or society role as a whole and that is not executed for the

popular layers. Last, we consider that this research starting from the Environmental

Education practice with APA Itacaré - Serra Grande with small rural producers can give

significant contributions to the longed Participative Environmental Administration, being

XV

Page 209: Universidade Estadual de Santa CruzƒO, Júlia Mª... · Esta dissertação apresenta os desafios enfrentados na luta ... e na Gestão da APA, como condição essencial para que este

XVI

constituted, then, in a starting point for the continuity of the work that had partial conquests,

but fundamental for the comunity’s consciousness and for the construction of the citizenship.

It is a starting point, also, for the elaboration and execution of a possible Integrated Plan of

Sustainability Development of Marambaia, that goes through the articulation and

agglutination of several sections and instances that can and they should promote the society’s

interests, that is to say, the governments in tis whole spheres, ONG´s, associations, unions,

federations and the rural workers' confederations, the ecological movements, universities,

professional entities. For the community to move forward in construction the project of

improvement of its life environment, it should join collective forces inside of itself and add

out with other forces outside, so it can be guaranteed the materialization of Marambaia's

Settlement.