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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Salvador - BA 2013
PROAÇÃO FORMANDO PROFESSORES EM ATUAÇÃO:
ENTRECURRÍCULO, EXPERIÊNCIA E METAFORMAÇÃO COMO
REFERÊNCIAS PARA UMA HERMENÊUTICA NO CAMPO DA
FORMAÇÃO
Alba Lúcia Gonçalves Orientador: Prof. Dr. Roberto Sidnei Macedo
ALBA LÚCIA GONÇALVES
PROAÇÃO FORMANDO PROFESSORES EM ATUAÇÃO:
ENTRECURRÍCULO, EXPERIÊNCIA E METAFORMAÇÃO COMO
REFERÊNCIAS PARA UMA HERMENÊUTICA NO CAMPO DA
FORMAÇÃO
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Bahia – UFBA como requisito final para a obtenção do título de Doutora em Educação.
Orientação: Prof. Dr. Roberto Sidnei
Macedo
UFBA Salvador - BA, abril de 2013
G624 Gonçalves, Alba Lúcia. Proação formando professores em atuação: entrecurrículo, experiência e metaformação como referências para uma hermenêutica no campo da formação./ Alba Lúcia Gonçalves. – Salvador, 2013. 137 f.; Il. Orientador: Roberto Sidnei Macedo.
Tese (doutorado) – Universidade Federal da Bahia. Instituto de Letras. Pós-graduação em Educação. 2013.
1. Formação de Professores 2. Formação Docente 3. Experiência – Professores 4. Teoria e prática I. Macedo, Roberto Sidnei
II. Titulo III. Subtítulo.
CDU 371
FOLHA DE APROVAÇÃO
PROAÇÃO FORMANDO PROFESSORES EM ATUAÇÃO:
ENTRECURRÍCULO, EXPERIÊNCIA E METAFORMAÇÃO COMO REFERÊNCIAS PARA UMA HERMENÊUTICA NO CAMPO DA FORMAÇÃO
Doutoranda: Alba Lúcia Gonçalves Orientador: Prof. Dr. Roberto Sidnei Macedo Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal da Bahia – UFBA, como requisito final para a obtenção do título de Doutora em Educação.
Banca de defesa: _____________________________________________________ Prof. Dr. Roberto Sidnei Macedo Orientador _____________________________________________________ Prof. Dr. André Luiz Brito Nascimento UEFS _____________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Denise Guerra UFBA _____________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Isaura Santana Fontes UNEB ______________________________________________________ Profª. Dr.ª Leila Pio Mororó PPGEd/UESB ______________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Maria Roseli Gomes Brito de Sá PPGE/UFBA
QUADRO DE SIGLAS AFS - Atividades de Formação em Serviço
ANFOPE - Associação Nacional pela Formação de Professores
ANPED - Associação Nacional de Pesquisa em Educação
CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CONSEPE - Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão
DCIE - Departamento de Ciências da Educação
LDBEN - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC - Ministério da Educação
NTS - Núcleos Temáticos
PARFOR - Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica
PROAÇÃO - Programa de Formação de Professores em Exercício na
Educação Básica
PROGRAD – Pró-Reitoria de Graduação
TCC – Trabalho de Conclusão de Curso
TCM - Trabalho de Conclusão de Módulo
UESB - Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
UEFS - Universidade Estadual de Feira de Santana
UESC - Universidade Estadual de Santa Cruz
UFBA - Universidade Federal da Bahia
UNEB - Universidade Estadual da Bahia
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a Berenice e Clara, por terem
me aprofundado nos papéis mais importantes da vida: ser
MÃE e ser FILHA. A dor e a beleza de ser mãe e filha são
marcantes em minha formação. OBRIGADA.
AGRADECIMENTOS
Quero expressar a minha gratidão e o meu reconhecimento às pessoas cuja
contribuição tornou decisiva a realização deste trabalho. Alguns na condição de
coautoria
Aos professores-alunos que compuseram as turmas do PROAÇÃO, pela
convivência, discussões e reflexões responsáveis pela construção dessa pesquisa.
Aos atores sociais Ana Dalva, Kátia, Tatiana, Janacira, Gilmara, Damasceno, Antonio,
Diva, Geórgia, Magda, Eliene, Rosineide, Núbia, Anaiara e Lidiane, colaboradores dessa
investigação, protagonistas das ricas narrativas de seus currículos em atos
formativos. Para vocês, meu carinho e admiração.
A Roberto Sidnei Macedo, pela orientação tão recheada de carinho e reflexões.
Às amigas Leila e Raimunda, pela leitura, críticas e sugestões tão necessárias a
este texto final.
As professoras Maria Elizabete e Eronilda pelas valiosas e incansáveis
contribuições
A Genebaldo, Gleydson, Licínia e Soraia, por terem estado tão disponíveis nos
momentos em que precisei.
Aos professores Álamo Pimentel, Roseli Sá, Denise Guerra, Leila Mororó, pela
participação na banca de qualificação, momento fundamental para que eu me
encontrasse na pesquisa.
Aos companheiros do FORMACCE/FACED, por se constituírem em um
espaço formativo na minha itinerância.
Outras pessoas foram importantes, por preservarem meu tempo,
compreendendo minha ausência, mas reclamando minha presença.
Meus irmãos Albenice e Carlinhos, por compreenderem o significado da família e
preservarem a nossa.
Aos cunhados Gilmar e Viveca, por terem complementado nossa família com
alegria e maturidade
À Rafaella, Isis, Murilo e Mariana por viverem a vida em toda sua beleza e
responsabilidade. Sigam em frente.
Às minhas pequenas Júlia Veloso, Laís, Natália, Amanda e Alice, por entreterem Clara
enquanto eu me concentrava nas palavras.
Às companheiras de doutorado, hoje amigas, pela cooperação, apoio, carinho
e, em especial, a Ana Verena Paim, Ednalma, Maria Claudia e Marina, por me receberem e
minimizarem as dificuldades impostas pela vida em alguns momentos tristes e
difíceis.
Obrigada!
RESUMO
Essa tese se insere no campo das pesquisas sobre a formação de professores, precisamente a formação de professores em atuação. Teve como movimento central a compreensão do processo formativo vivido por um grupo de professores da Educação Básica, tomando como ponto de partida o espaço ocupado por suas experiências. Tomei como inspiração teórica estudos a respeito de formação e experiência, dentre eles, os realizados por Roberto Macedo, Gaston Pineau e Christine Josso, e os estudos específicos da formação de professores realizados por Helena Freitas, Graça Mizukami e Leila Mororó. A pesquisa esteve assentada nos princípios da etnometodologia e de seu encontro com a multirreferencialidade. Utilizei como dispositivos para a busca de informações o questionário, para levantar informações acerca do perfil desses professores-alunos, a entrevista, para levantar opiniões e impressões a respeito do vivido no curso e na Instituição, e o grupo focal, para o aprofundamento com o coletivo das ideias levantadas a respeito da formação dos atores sociais participantes dessa pesquisa. Participaram da pesquisa 15 professores-alunos egressos do curso de Formação Inicial de Professores em atuação, oferecido pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). No movimento de análise das informações, foi possível perceber a necessidade de a Instituição definir seu projeto institucional de formação, desenvolver ações mais significativas para assegurar o acesso, a permanência e as condições objetivas para que esse público possa compreender e assumir sua formação como um direito. A disciplina Estágio Supervisionado constituiu-se em um dispositivo importante na formação desses professores-alunos, pois assegurou a compreensão do seu processo formativo e o lugar da experiência nesse processo, bem como da relação teoria e prática, enquanto discussões fundantes para gerar um movimento de práxis e, assim, também novas necessidades de aprendizagem.
Palavras-chave: Formação. Experiência. Teoria e prática.
ABSTRACT
This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who are currently working. Its central objective was to understand the formation process lived by a group of Basic Education teachers and its starting point was based on their experiences. As theoretical inspiration, we adopted studies on formation and experiences, among them, those by Roberto Macedo, Gaston Pineau and Christine Josso, as well as specific studies on teacher formation carried out by Helena Freitas, Graça Mizukami and Leila Mororó. The research stands on ethnomethodology principles and its characteristics of multi referentiality. Questionnaires were used to collect information on the profile of these learner teachers; interviews were used to collect opinions and impressions concerning what they live in the course and in the institution; and focal group for a deeper collective view about the ideas on the professional formation of these social actors engaged in this research. This study included 15 learner teachers from the Teaching Initial Formation course offered by the State University in Santa Cruz (UESC) for those who are already working. By analyzing the information, it was possible to realize that the institution must set its institutional formation project, develop more meaningful actions to assure their access, their staying and objective conditions so that they understand, and face their formation as a right. The discipline Supervised Internship is an important device for these learner teachers‟ professional development, once it enables them to understand their formation process and where their experience fits in the process, as well as the relation between practice and theory as basic discussion for a movement of praxis and, thus, bring along new learning necessities.
Keywords: Formation. Experiences. Theory and practice.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 13
METODOLOGIA 21
1.1 CIÊNCIA E PESQUISA: MINHAS OPÇÕES 22
1.2 DISPOSITIVOS DE CONVERSA 28
1.2.1 O questionário 28
A) Os atores sociais participantes dos questionários 29
1.2.2 As entrevistas 30
A) Os atores sociais participantes das entrevistas 30
1.2.3 O grupo focal 32
A) Os atores sociais participantes do grupo focal 33
B) Os temas geradores do grupo focal 34
1.3 A ORGANIZAÇÃO DAS INFORMAÇÕES 35
1.4 A ANÁLISE 36
O CONCEITO DE FORMAÇÃO E O PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO DA FORMAÇÃO NO
CONTEXTO DE TRABALHO 39
CAPÍTULO 2 39
2.1 A FORMAÇÃO: NOÇÕES 42
2.2 A TEORIA TRIPOLAR DA FORMAÇÃO 46
2.3 A FORMAÇÃO E O MUNDO DO TRABALHO 49
2.4 A FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL: TRILHAS E ITINERÂNCIAS 52
2.5 FORMAÇÃO DE PROFESSORES E O SUJEITO DA FORMAÇÃO 57
O PROAÇÃO E A FORMAÇÃO ANUNCIADA DE PROFESSORES 61
CAPÍTULO 3 61
3.1 POLÍTICAS INSTITUÍDAS PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM ATUAÇÃO 62
3.2 O PROAÇÃO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM ATUAÇÃO NA UESC 67
3.2.1 Trajetória histórica 68
3.2.2 O PROAÇÃO na Sede em ação 69
3.2.3 A proposta curricular do curso 71
3.2.3.1 Os núcleos temáticos 72
3.2.3.2 A organização curricular 73
3.2.4 A estrutura física e logística 75
3.2.5. Os professores-alunos, seus sonhos e realidades 76
CAPÍTULO 4 81
A EXPERIÊNCIA: CONCEITOS E ITINERÂNCIAS 81
4.1 O CONCEITO DE EXPERIÊNCIA 83
4.2 O SABER DA EXPERIÊNCIA E O SABER DA PRÁTICA 87
4.3 A EXPERIÊNCIA NO SUJEITO E O SUJEITO DA EXPERIÊNCIA 89
4.4 A EXPERIÊNCIA COMO DISPOSITIVO FORMATIVO DO CURSO 93
4.4.1 A negação da experiência 94
4.4.2 A escuta da experiência 95
4.4.3 A reflexão sobre a experiência 96
4.5. A EXPERIÊNCIA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES 98
TEORIA E PRÁTICA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM ATUAÇÃO: UM DIÁLOGO
NECESSÁRIO 101
CAPÍTULO 5 101
5.1. A PRÁTICA E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES 103
5.2 A TEORIA 107
5.3 O DIÁLOGO ENTRE TEORIA E PRÁTICA 108
5.3.1 Movimento formativo dos professores-alunos: relação teoria e prática 111
5.3.2 O papel dos professores formadores no debate sobre teoria e prática 113
5.3.3 O papel da disciplina Estágio Supervisionado e a relação teoria e prática 117
CONSIDERAÇÕES FINAIS 123
REFERÊNCIAS 130
13
INTRODUÇÃO
14
Pesquisar a formação de professores em atuação é pesquisar
a minha própria formação.
Alba Lúcia, 2013
A partir da aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei n.°
9.394/96, observou-se no Brasil o crescimento de cursos de formação de
professores em nível superior, não só em quantidade, mas, também, na
diversificação de modalidades de oferta. Dentre essas modalidades emergentes
destacarei a formação inicial em atuação, a qual tem apontado formas diferenciadas
de estruturação da Educação Superior como, por exemplo, os programas especiais
destinados aos profissionais do magistério que já atuam nas redes públicas de
educação e que não têm formação em nível superior, ou estão atuando em áreas do
conhecimento diferentes daquelas para as quais foram formados, isto é,estão em
desvio de função.
Aproximadamente por seis anos trabalhei em um desses programas
especiais, denominado por “Curso de Formação de Professores para a Educação
Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental – PROAÇÃO”, desenvolvido pela
Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). Convivi com os alunos e seu
processo formativo durante todo o curso e, nessa caminhada, cada vez mais, fui
sendo implicada com/e nesse movimento. Nesta minha trajetória como professora
formadora, algumas inquietações foram se fazendo presentes no meu dia a dia, a tal
ponto que posso afirmar que minha formação acadêmica, ao longo dessa
convivência, foi-se refinando e assumindo um caráter formativo implicado com a
formação do outro e com a minha própria formação.
Na convivência com esses professores me percebi e, lançando mão das
lembranças, fui refazendo os caminhos trilhados na minha própria formação. Nossas
histórias, apesar de terem começado em épocas diferentes, trazem marcas bem
semelhantes.
Durante o período em que trabalhei no curso, incomodaram-me as histórias
de vida desses atores sociais e a responsabilidade assumida ao aceitar esse
trabalho. Minha formação para esse e nesse trabalho se deu na atuação e na busca
15
da experiência vivida como professora da Educação Básica, militante da escola
pública e formadora de professores.
As questões, as dúvidas e as certezas, presentes nesse trabalho, foram
construídas na transformação da vivência em experiência, pois ao estabelecer uma
relação de alteridade com essas histórias, fui alterando meu olhar a respeito da
formação e dos sujeitos da formação, refazendo minhas trilhas formativas. Eu faço,
portanto, parte do contexto da pesquisa aqui relatada. Tenho e assumo minhas
implicações enquanto escolha e vontade política para instituir, por meio dessa
pesquisa, o debate acerca da formação, trazendo ao cenário aqueles que viveram a
experiência formativa possível no/e durante o curso pesquisado. Entendo que essa
não é e jamais poderia ser, a única compreensão existente a respeito do fenômeno
estudado, mas afirmo e assumo que essa é uma compreensão. E, assim, o meu
compromisso passou a ser o de apresentar um ponto de vista a mais a respeito da
temática.
Imersa nessas reflexões surgiu esse trabalho de pesquisa, cuja pretensão é
desenvolver um estudo acerca da formação de professores. Para isso, tomei como
objeto de análise a experiência vivida por professores-alunos1 durante o curso de
formação em atuação, o Programa PROAÇÃO, buscando, através da constituição
do diálogo, construir uma compreensão mais aprofundada a respeito da formação de
professores.
Após essa decisão, outras se fizeram necessárias, uma delas foi o cuidado de
não cair na “sobreimplicação” que, segundo Macedo (2012), favorece o ativismo e,
às vezes, a militância cega e digressiva que, no fazer da pesquisa, leva para
caminhos que significam “não-pesquisa”. Minha pretensão foi buscar cotidianamente
um certo distanciamento, colocando minhas implicações em questão para, assim,
chegar à reflexão necessária que possibilite a aproximação da essência da
pesquisa.
Neste sentido, foi necessária uma discussão teórica com autores que têm
desenvolvido estudos acerca da formação, de um modo geral, e da formação de
professores em atuação profissional, de maneira especifica, para, então, entender o
lugar dessas pesquisas e suas relações com a produção do conhecimento a respeito
dos professores da Educação Básica.
1 Nesse texto denomino de professor-aluno os professores da Educação Básica que assumem o
papel de aluno no Curso de Formação Inicial de Professores em Atuação (N.A.).
16
Centrei a pesquisa empírica no entendimento do lugar das experiências
individuais e coletivas dos sujeitos nos processos formativos vivenciados no
PROAÇÃO, pois acredito que a discussão sobre a formação de professor passa,
necessariamente, por seu desenvolvimento pessoal e profissional, o que, de certa
forma, me obrigou a explicitar melhor esses conceitos.
Partindo do pressuposto de que o desenvolvimento pessoal só é possível
quando os seres humanos desenvolvem a capacidade de reflexão sobre a
complexidade da vida, ou seja, quando, cotidianamente, nos preparamos para os
desafios da nossa própria existência, tanto individual quanto coletiva, uma proposta
de formação de professores que tenha como intencionalidade a formação desse ser
humano precisa privilegiar as itinerâncias de aprendizagens nas quais os
professores possam desenvolver a capacidade de análise e de tomar decisões,
interiorizando conhecimentos, aprendendo a lidar com situações complexas e
controversas da própria vida. Isto significa vivenciar um processo formativo
experiencial.
Esse movimento formativo só acontece quando os atores sociais estão e são
implicados, ou seja, quando os sentidos individuais são negociados entre eles, pois
esta é a condição essencial para a construção de novas implicações. Neste sentido,
a experiência individual e coletiva precisa fazer parte das propostas de formação de
professores como uma referência que, sendo essencial, é eleita como formativa.
Essa experiência, quando tensionada, alimenta a reflexão acerca da formação e cria
sua identidade.
Essas reflexões impuseram a necessidade de uma discussão mais
aprofundada a respeito do termo experiência. Para tanto, inicialmente tomo Larrosa
(2002), referencial importante para a pesquisa, que afirma ser a experiência aquilo
que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca, não o que se passa, não o que
acontece, ou o que se toca. Da mesma forma, Walter Benjamin (1994) observa a
pobreza de experiências que caracteriza o nosso mundo, onde se passaram e
passam tantas coisas, mas a experiência é cada vez mais rara.
A partir dessas perspectivas, não há como confundir a experiência com a
informação. O excesso de informação acaba por não deixar lugar para a
experiência, ela é quase o contrário da experiência, quase uma antiexperiência. Por
outro lado, a experiência, para tornar-se um elemento importante, tanto na formação
pessoal quanto na profissional do sujeito, precisa ser refletida, tensionada,
17
explicitada, e a falta de informação pode comprometer esse debate e essa reflexão.
O desafio é trazer informações que se constituam dispositivos necessários ao
debate da/e na experiência para que essa seja formativa.
A formação, sob essa ótica, terá que ser crítica/intercrítica, pois, nesse
movimento formativo a crítica não se reduz a uma postura que busca enxergar as
“impurezas” de tal realidade, para, a partir daí, estabelecer verdades a seu respeito.
Uma postura formativa será sempre um movimento intercrítico, conforme já
explicitado por Macedo (2010), que busca se aproximar das compreensões que
foram ou são possíveis de serem construídas naqueles contexto, espaço, cenário e,
neste movimento interpretativo, vão-se construindo as compreensões necessárias e
possíveis.
No caso específico da formação, aos professores terão que ser asseguradas
as condições necessárias para que sejam capazes de fazer a crítica numa postura
intercrítica, isto é, se responsabilizando pelo seu próprio processo construtivo em
relação ao outro, ao saber, à formação.
Este trabalho, portanto, não se constitui em uma comparação entre o
anunciado, proposto no curso, e o vivido, mas pretende ser um estudo interpretativo
das ações assumidas pelos professores-alunos a fim de instituir os seus processos
formativos no referido curso.
Sendo assim, a pesquisa realizada teve como movimentos centrais: 1) a
compreensão, por parte dos professores-alunos do PROAÇÃO, sobre as
aprendizagens adquiridas por eles no referido curso; 2) a relação dessas
aprendizagens com o processo formativo vivido por esses atores sociais no curso; 3)
o lugar ocupado por suas experiências individuais e coletivas nos atos de currículo,
(MACEDO,2013) do referido curso, ficando clara a necessidade de aproximação da
experiência, desses atores, para que entender suas aprendizagens.
É possível afirmar que, atualmente, existe uma aparente certeza de que o
curso em nível superior é a única possibilidade de formação inicial para os
professores. Os programas especiais de formação inicial destinados a cumprir esta
meta, são encarados, muitas vezes, com certo “deslumbramento”. Isso pela crença
de que as instituições de educação superior, ao se aproximarem da Educação
Básica, permitindo a presença da experiência do docente no desenvolvimento dos
currículos, melhoram a formação dos professores e, em consequência, possibilitam
uma melhor qualidade para esse nível educacional.
18
Diante destas defesas, questiono: Essas experiências são, realmente,
contempladas no currículo do curso? Qual tem sido o debate formativo acerca
dessas experiências? Quais são os debates acerca do mundo do trabalho desses
sujeitos e seus espaços formativos nas itinerâncias de suas vidas profissionais?
Movida por essas inquietações senti a necessidade de compreender tal
proposta, no sentido de identificar as possibilidades de instigar esses
professores(as) que estão na posição de alunos(as) e, portanto, inseridos no mundo
do trabalho, para novas necessidades de aprendizagem. A revalorização e a
redescoberta do potencial formativo das situações de trabalho podem propiciar tanto
a produção de estratégias, dispositivos e práticas de formação que valorizem
fortemente a aprendizagem, pela via experiencial, quanto o entendimento do papel
central de cada sujeito num processo de autoconstrução, como pessoa e como
profissional.
Partindo dessas razões, propus investigar o processo formativo vivido pelos
professores-alunos no curso/programa de formação de professores desenvolvido na
Universidade Estadual de Santa Cruz, o PROAÇÃO, tomando como ponto de partida
o espaço ocupado pela experiência desses atores sociais.
Outras questões inquietaram-me; elas dizem respeito à compreensão que
esses professores-alunos tinham das aprendizagens adquiridas por eles no curso, e
que relação estabeleciam com o trabalho pedagógico desenvolvido, tanto na sala de
aula como na escola.
Como professora do curso observei que o mesmo provocou algumas
mudanças nos professores-alunos. Essas mudanças, tal como foram explicitadas na
tese de doutorado de Mororó (2005), consistiram em melhorar a autoestima do
sujeito, sua relação com o estudo e transformações na forma de condução do
ensino.
Desta forma, o objetivo geral desta pesquisa foi definido a partir da
necessidade de compreender de forma contextual e relacional o movimento
formativo dos professore-alunos do PROAÇÂO, identificando possíveis mediações
estabelecidas com a experiência dos formandos no seu desenvolvimento pessoal e
profissional.
Para tanto, foi preciso realizar um estudo teórico sobre o conceito de
formação, identificando suas implicações na formação em atuação dos professores;
problematizar a formação de professores, discutindo o espaço que a experiência dos
19
diversos atores sociais ocupou em seus processos formativos, e discutir o
movimento de construção da relação teoria e prática a partir da experiência dos
professores-alunos.
Nesse esforço de compreensão do vivido, um movimento relevante foi o da
reflexão refinada e crítica por parte desses professores-alunos, tanto no nível
individual quanto no coletivo, sobre a sua formação, entendendo-a como "um
acontecimento encarnado, implicado e relevante" (MACEDO, 2010, p. 30). Portanto,
uma necessidade identificada desde o início da pesquisa foi a de captar como os
professores-alunos avaliavam a sua própria formação (metaformação)2 e como
relacionavam sua formação com o mundo do trabalho docente (entrecurrículo)3. Meu
desafio foi aproximar-me da experiência desses atores para entender suas
aprendizagens através da escuta sensível de questões que, ao longo da pesquisa,
foram se apresentando como significativas para o seu processo formativo.
Outra decisão inevitável foi em relação à metodologia da pesquisa a ser
utilizada. Dentre os vários caminhos, e esses não foram aleatórios, surgiram
necessidades da própria pesquisa, a qual entende os atores sociais não apenas
como fornecedores de informações e sim como protagonistas do vivido e realizado
em seus processos formativos, sendo, portanto, coautores, logo, os instituintes
ordinários de suas realidades, (MACEDO, 2012). Isso fez com que, desde o início da
pesquisa, apresentasse as minhas inquietações ao grupo e, conjuntamente,
definíssemos, depois de muito estudo o caminho a seguir.
A etnometodologia se constituiu a eleita. Isso por ser ela uma teoria voltada à
compreensão da ordem social a partir da valorização das ações cotidianas. O meu
desejo era compreender o processo de formação desses protagonistas por meio da
escuta respeitosa de seus relatos.
Desta forma, o trabalho com entrevistas individuais se constituiu no espaço
narrativo de suas percepções e implicações, e o grupo focal em lócus do debate
acerca dessas percepções. Daí cheguei a uma reflexão coletiva acerca do vivido e
de suas marcas individuais e coletivas na formação desses homens e mulheres,
professores da Educação Básica.
2 Compreensão de que os atores sociais vão construindo em suas itinerâncias a respeito da sua própria formação (N.A.). 3 São conhecimentos tidos como não oficiais, institucionais, mas que estão presentes nas itinerâncias de formação descritos pelos sujeitos em formação (N.A.).
20
Para entender melhor a organicidade deste estudo, observo que ele foi
estruturado da seguinte maneira: o primeiro capítulo apresenta o desenvolvimento
da pesquisa, sua metodologia e os processos de coleta de informações realizados,
bem como os procedimentos adotados na organização e análise dessas
informações. No segundo capítulo discuti teoricamente os conceitos de formação e
suas implicações na formulação das propostas de cursos para a formação dos
professores. O terceiro capítulo apresenta o Programa PROAÇÃO, Curso de
Formação em Atuação de Professores para Educação Infantil e Anos Iniciais do
Ensino Fundamental, ofertado pela Universidade Estadual de Santa Cruz,
procurando identificar o cenário político do debate a respeito da formação de
professores em atuação, as razões que levaram a universidade a ofertar esse curso,
e como o construiu e o constituiu no seu dia a dia,tendo em vista a formação de
professores que já estavam em atuação. No quarto capítulo, as vozes dos atores
sociais (os professores-alunos), por meio de suas narrativas, proporcionam uma
compreensão do lugar da experiência em sua formação. Para tanto, tomo como eixo
de discussão as reflexões teóricas a respeito da experiência. No quinto capítulo
discuto a visão dos atores sociais a respeito da relação teoria e prática,
evidenciando o movimento de compreensão desses sujeitos sobre esse debate e o
seu impacto na formação de professores que já estão em atuação. Por fim, as
considerações finais apresentam reflexões a respeito da formação de professores
em atuação, tomando, para tanto, as categorias de tempo, currículo e os próprios
sujeitos professores-alunos e o professor formador.
Acredito que experiências de formação de professores em atuação precisam
ser tensionadas, discutidas e analisadas para que, possam, realmente, produzir um
debate a respeito das possibilidades de se constituírem dispositivos de formação e
desenvolvimento pessoal e profissional de seus professores-alunos; como também
na produção coletiva de novas possibilidades teórico-metodológicas de pesquisa na
área de formação de professores.
21
METODOLOGIA
22
1. METODOLOGIA
As conversas mexeram comigo, comecei a reviver alguns
momentos e perceber como eles foram importantes pra mim; o
engraçado era que eu não achava que você estivesse me fazendo
perguntas para depois analisar minhas respostas. Era um papo... um
dialogo entre eu, você e o curso. Depois vieram as reuniões em
grupo. Encontrar meus colegas e reviver juntos aqueles momentos
foi demais. Eu no início me perguntava sobre o que vamos
conversar, já falei tudo. Mas, a cada reunião, eu saía em parafuso.
Continuava pensando nas discussões, nas falas das colegas, elas
traziam informações que eu nunca tinha parado para pensar. Isso foi
forte.
Magda, 20114
1.1 Ciência e pesquisa: minhas opções
Buscando delimitar a minha postura teórico-metodológica de investigação,
parti de alguns pressupostos sobre os quais enxerguei a pesquisa qualitativa
ancorada nos princípios da etnometodologia como sendo a postura teórica que
melhor se adéqua ao objeto de estudo que investigo, pois, esse, ao mesmo tempo
em que está inserido em uma realidade histórica e multirreferenciada, também
consiste em “uma interpretação singular” dessa mesma realidade, deixando à
mostra essa natureza multirreferenciada da realidade e as suas contradições.
Apoiada nos estudos de Macedo (2006), concordo com a sua defesa da
etnometodologia enquanto orientação teórica fundante. Desta forma, minha opção
pela etnometodologia se deu por acreditar que este procedimento me possibilitaria
uma melhor compreensão do processo formativo dos professores-alunos, haja vista
o trabalho voltado para os microcontextos de formação vividos por eles no interior do
curso, por meio das aulas dos professores, das reuniões de estudos, das atividades
de formação em serviço, entre outras vivências ocorridas no cotidiano dos estudos,
como as conversas com os autores estudados, com os docentes e entre eles, como
forma de apreender o que se passa nos “entrelugares” do dia a dia da formação
desses professores-alunos.
4 Magda, participante dessa pesquisa
23
Com esse entendimento busquei empreender uma leitura plural acerca da
formação dos professores, observando como esses homens e mulheres construíram
e (re)construíram a sua história e o seu processo formativo. No primeiro momento
deste texto apresento uma breve reflexão teórica sobre a abordagem
etnometodológica, focalizando como esse conhecimento possibilita a compreensão
do movimento formativo dos professores, nosso objeto de pesquisa.
Estudos apontam que a teoria da etnometodologia surgiu como uma corrente
da sociologia americana nos anos 1960, nos Estados Unidos, e, posteriormente,
difundiu-se na Europa, particularmente nas universidades inglesas e alemãs. A obra
de Harold Garfinkel, Stuties in Ethnomethodolgy,1967,é considerada o marco inicial
desta corrente. Essa publicação provocou discussões e reviravoltas acadêmicas,
tanto na América do Norte como na Europa, pois rompeu efetivamente com a
sociologia tradicional. Neste texto ele revela que, ao deixar a Universidade de Ohio,
em 1954, havia trabalhado na análise das fitas gravadas durante as deliberações de
um tribunal do júri, e que, dessa forma, ele pôde descrever os procedimentos
adotados pelos jurados em seus etnométodos. No dizer de Macedo (2009), estas
maneiras de ser, as formas e o jeito como os atores sociais compreendem,
mobilizam e implementam suas ações, interpretando-as e descrevendo-as para
todos os fins práticos, fundamentam o estudo da etnometodologia.
Posso afirmar que a etnometodologia se fundamenta no estudo do raciocínio
prático do cotidiano, buscando evidências para reconstruir uma explicação da
realidade observada. Na concepção de Coulon (1995, p. 15), “trata-se da análise
das maneiras habituais de proceder, mobilizadas pelos atores sociais comuns a fim
de realizar suas ações habituais”. Portanto, o objetivo da etnometodologia é a busca
empírica dos métodos que constituem o conjunto dos etnométodos que os
indivíduos utilizam para comunicar-se, tomar decisões, raciocinar, isto é, o conjunto
de procedimentos que são usados para produzir e reconhecer o seu mundo, de
forma que se saiba como eles constroem as suas atividades no cotidiano.
Os trabalhos de Macedo (2009), Coulon (1995) e Garfinkel (2005) me
permitem entender que a etnometodologia não pode ser considerada
exclusivamente como uma metodologia ou mesmo como um método de pesquisa.
Ela se destaca por ser uma teoria social voltada para a compreensão da ordem
social, a partir da valorização das ações cotidianas dos atores envolvidos nos
processos sociais. Daí se poder falar de pesquisa inspirada na etnometodologia.
24
Neste sentido, ela é uma perspectiva de pesquisa, uma nova postura intelectual
(COULON, 1995, p. 7).
Nesta direção, a valorização do ator social tem uma relevância fundamental
dentro da etnometodologia. Garfinkel (2005) atende às necessidades de muitos
pesquisadores que não se interessam pelas teorias positivistas, que dão ênfase às
pesquisas quantitativas e aos conhecimentos científicos, desprezando todo O
conhecimento popular. Macedo (2009, p. 68) afirma que, para Garfinkel, “[...] o ator
social não é um idiota cultural”. Ele tem, portanto, seus valores e conhecimentos que
não podem e nem devem ser desprezados pelas ciências. Santos (2008, p. 111)
sustenta essa nossa posição quando diz que “é fundamental transformar ausências
em presenças reconhecendo nas práticas cotidianas inovações emancipatórias”.
Macedo (2009) assinala que etnometodologia e educação fundem-se num
encontro tão seminal quanto urgente, face à inércia compreensiva fundada pelas
análises “duras”. Tomando o viés interpretacionista, os etnometodólogos
interessados no fenômeno da Educação buscam o traching dos etnométodos
pedagógicos, isto é, uma pista através da qual tentam compreender uma situação
dada, bem como praticam a filature, ou seja, o esforço de penetrar
compreensivamente no ponto de vista do ator pedagógico, nas suas definições das
situações, tendo como orientação forte o fato de que a construção do mundo social
pelos membros é metódica, apoia-se em recursos culturais partilhados, que
permitem não somente o construir, mas, também, o reconhecer.
Penso que os atores sociais criam seus etnométodos para comunicar-se,
tomar decisões e reconhecer o seu mundo nas ações do cotidiano. Enfim, eles
sistematizam, teorizam e produzem descritores da realidade vivida.
O autor esclarece que o objetivo da etnometodologia é a busca empírica dos
métodos ou procedimentos, entendidos como as realizações práticas que os
indivíduos utilizam para dar sentido e, ao mesmo tempo, construir suas ações, seus
etnométodos, produzindo, assim, os fatos sociais. Também acrescenta que foi a
partir da introdução da etnometodologia no âmbito das pesquisas que se ampliaram
os pensamentos sociais e se inverteram as posições na busca pela compreensão do
objeto de estudo. Este posicionamento possibilita a interlocução com a abordagem
multirreferencial, que admite a busca pela compreensão do objeto-pesquisa por
meio da observação, da escuta, do entendimento, da procura, da implicação, da
incorporação do sujeito e da história do sujeito com a realidade investigada. É,
25
portanto, aqui que me incluo como professora pesquisadora do contexto pesquisado,
já que, como pesquisadora da área de formação, vivencio, experiencio e, quando
pesquiso e reflito sobre a sua formação com os professores, pesquiso a minha
própria formação.
Correia (2006) corrobora com essa ideia afirmando que, nesse aspecto,
reside uma interrelação da concepção teórica da etnometodologia com a abordagem
multirreferencial, já que ambas procuram ultrapassar os limites de uma disciplina
única, de uma teoria, e buscam, no pensar diferente das disciplinas, dos
procedimentos, das teorias, das concepções, a compreensão do objeto estudado. É
uma ampliação de olhares epistemológicos.
Essa ampliação de olhares para a leitura do objeto, proposta por Ardoíno
(1998), pode se constituir na articulação e no diálogo entre a multirreferencialidade e
a etnometodologia. Segundo Coulan (1995), as duas noções podem dialogar na
prática concreta da pesquisa e não apenas em debates teóricos, como se poderia
pensar inicialmente.
Minha escolha pela multirreferencialidade se deu pelo fato desta abordagem
utilizar a “interpretação/compreensão/explicação, rompendo com a expectativa
construída ao longo da história das ciências macrossociais, da explicação assentada
na análise lapidante” (MACEDO, 1999, p. 58). Meu movimento foi na direção,
sempre, da compreensão do processo formativo dos professores-alunos no curso de
formação de professores em atuação. Essa compreensão foi pela escuta atenta
desses atores sociais e, sendo assim, eles são coautores desta pesquisa e não
apenas informantes.
Minha postura ética foi no sentido de promover, por meio da pesquisa, uma
discussão implicada acerca da formação inicial de professores em atuação. Um dos
primeiros desafios foi romper com julgamentos já estabelecidos entre o bem e o mal,
o certo e o errado, com aqueles que acreditam e se apaixonam por esses tipos de
cursos e com aqueles que rejeitam totalmente essa modalidade de formação de
professores. Sendo assim, não foi minha intenção ficar presa a apenas uma teoria,
pois acredito que nenhuma delas, isoladamente, poderia dar conta de compreender
o objeto estudado, sendo necessário pluralizar os olhares epistemológicos.
Nessa perspectiva, o encontro com a multirreferencialidade foi fundante na
construção desse trabalho. Macedo (2000) foi o primeiro brasileiro que uniu a
etnometodologia e a abordagem multirreferencial na construção e apresentação de
26
sua tese “A etnopesquisa crítica e multirreferencial nas ciências humanas e na
educação”. Em seu trabalho procurou organizar e sistematizar a pesquisa, fazendo o
papel de sujeito que observa e de sujeito observador. O movimento vivido por esse
pesquisador se deu ao procurar romper com as concepções tradicionais de se fazer
pesquisa, as quais enaltecem o método, a objetividade, a quantificação e a
obsessão pelo medir, buscando expandir o presente no sentido de valorizar a
inesgotável experiência social no mundo de hoje em nossas escolas.
O autor ainda evidencia a construção do sentido do objeto estudado, levando
em conta a subjetividade. Há, logicamente, um esforço para examinar o sentido do
lugar ocupado pelo prático pesquisador, como assinala, buscando compreender
suas ações e os significados a elas ligados. As posições teóricas assumidas trazem
as discussões, fazendo um entrelaçamento das correntes adotadas por Coulan
(1995), Ardoíno (1998) e seus colaboradores.
Ele nos esclarece que o conceito de multirreferencialidade é
inicialmente forjado pelo trabalho de reflexão crítica sobre a
pretensão purista de uma única ciência da educação. Foi com
Jacques Ardoíno, no seio dos debates do Departamento de Ciências
da Educação da Universidade de Paris Vincennes à Saint-Denis,
inspirado nos movimentos emancipacionistas dessa Universidade
desde a sua fundação a partir dos movimentos de maio de 1968 em
Paris, que a perspectiva multirreferencial vai afirmar a emergência
impura, paradoxal e mestiça das ciências da educação (MACEDO,
1999, p 123, grifos do autor).
A discussão da abordagem multirreferencial no âmbito da Educação vem
romper com pressupostos teóricos positivistas a respeito dessa área. De acordo com
Ardoíno (1998), o surgimento dessa abordagem no contexto educacional está ligado
ao reconhecimento da complexidade e da heterogeneidade no processo educativo.
Os estudos que tenho realizado acerca dessa abordagem mostram que ela está
aberta à complexidade da realidade e à interiorização significante do sujeito
observador, e que não é fechada em si, mas está aberta às contribuições advindas
das pesquisas e dos estudos, outra característica próxima da etnometodologia.
Outra inspiração na compreensão da multirreferencialidade veio do Morin
(2000, p. 48), quando afirmou que "só podemos entrar na problemática da
complexidade se entrarmos na da simplicidade, porque a simplicidade não é tão
27
simples quanto parece”. Pensar, portanto, a formação de professores em atuação
pode parecer simples para quem tem um olhar simplificador, mas, sei, ou passei a
saber durante o desenvolvimento dessa pesquisa, que construir uma compreensão
acerca da formação dos atores sociais participantes do curso foi um ato complexo e
difícil.
Entendo que a abordagem multirreferencial assume a hipótese da
complexidade, uma vez que propõe uma leitura plural de seus objetos, numa
perspectiva teórica e prática, sob os diferentes pontos de vista, reconhecendo a
heterogeneidade no campo das Ciências Humanas e das Ciências da Sociedade.
A opção pela multirreferencialidade deu-se por entender que a discussão por
ela implementada sobre a heterogeneidade, como o cerne da construção do
conhecimento, constitui-se em um caminho possível para a compreensão do
processo formativo de homens e mulheres que, implicados na sua própria formação,
foram à universidade fazer um curso de graduação e produziram conhecimento a
respeito de si e do seu trabalho.
A ampliação de olhares para a leitura desse objeto, a formação de
professores só foi possível por meio da articulação e do diálogo entre a
multirreferencialidade e a etnometodologia.
Nesse processo compreendi que tanto os resultados como a minha
interpretação a respeito deles não podem ser considerados como únicos. O
processo investigativo vivenciado por mim estabeleceu uma relação entre sujeitos,
uma relação dialógica, na qual o pesquisador e os pesquisados formaram partes
integrantes da pesquisa e nela se ressignificaram e alcançaram a compreensão
possível (MACEDO, 2009).
Tal pensamento se consolidou pelo fato de os atores sociais participantes
dessa pesquisa não terem sido considerados idiotas culturais e sim aprendentes e
ensinantes, numa ambiência de formação. Minha intenção não foi vê-los como
meros informantes, mas, como autores que se autorizam nas narrativas a expressar
sua experiência formativa vivida no referido curso (MACEDO, 2009).
Em relação ao tratamento dado às narrativas, meu papel foi o de interpretar
as diversas falas desses atores sociais e produzir este texto como registro científico
do conhecimento construído e expresso a respeito de sua formação e dessa
formação no curso que participaram na condição de aluno. Meu desejo foi assumir o
28
papel do etnógrafo de campo (CLIFFORD, 1998), ou seja, aquele que descreve e,
também, vivencia a cultura do outro.
Na segunda parte desse texto apresento uma descrição da materialização da
pesquisa de campo.
1.2 Dispositivos de conversa
A busca de informações, constituiu-se no resultado da minha aproximação
com esses atores sociais, no esforço de compreender os etnométodos construídos
e produzidos por eles durante a realização do curso. Neste sentido, me apropriar do
conceito dos instrumentos como dispositivos provocadores do diálogo tornou-se
essencial para a compreensão acerca da formação desses professores-alunos.
Sendo assim, utilizei como dispositivos para alimentar o debate e assim
chegar às informações o questionário, a entrevista e o grupo focal. Essas
escolhas se deram pelo fato deles possibilitarem uma escuta sensível das histórias e
itinerâncias formativas dos diversos atores sociais participantes da pesquisa. Dessa
forma, com esforço interpretativo pude compreender, de forma contextual e
relacional, os limites e as possibilidades apresentadas pelo curso de formação de
professores da Universidade Estadual de Santa Cruz e como ele se constituiu em
um espaço formativo para os educadores da Educação Básica que se dirigiram a
essa Instituição na crença de que ali se tornariam melhores professores(as).
As informações dos atores sociais ecoaram via subjetividade, através da
observação. Entendo que mesmo não tendo sido um dispositivo eleito, ela esteve
presente em toda a minha trajetória no campo, por meio do olhar atento aos gestos,
falas, movimentos corporais e outros que expressavam as ações e as reações dos
atores sociais.
1.2.1 O questionário
A pesquisa teve início com a aplicação do questionário (ANEXO I). De inicio
não era minha intenção utilizar esse dispositivo, mas, em função do curso estar
sendo finalizado e da minha necessidade de obter algumas informações que me
29
ajudariam na organização da pesquisa, o apliquei. Elaborei esse instrumento com
questões abertas e fechadas que continham dois tipos de informações: os dados
pessoais e os dados profissionais. Neste mesmo questionário os atores sociais
expressaram seu desejo e sua disponibilidade para participar da pesquisa na fase
das entrevistas.
A aplicação desse dispositivo se deu na última semana de aula do curso, no
mês de fevereiro de 2010, quando os docentes me cederam um horário e
apresentei a proposta da pesquisa, explicando e pontuando o surgimento dela como
uma demanda manifestada por eles durante as aulas ministradas por mim, no caso,
as disciplinas Currículo e Estágio Supervisionado. Essa conversa inicial com a turma
acabou por se prolongar, converteu-se em um debate a respeito do objeto da
pesquisa, suas questões e implicações na e para a formação de professores.
Após este momento, os professores-alunos receberam o questionário e
ficaram à vontade para respondê-lo ou não. Dos 153 professores-alunos, 115
responderam ao questionário, correspondendo a 65% dos presentes no encontro.
Essas informações foram organizadas e me permitiram ter um perfil introdutório
acerca dos atores sociais, e selecionar os que participariam da etapa seguinte da
pesquisa.
A) Os atores sociais participantes dos questionários
Os professores-alunos residiam em dez municípios, todos com histórias e
expectativas diferentes, com serviços prestados na regência de classe há um
tempo entre 5 e 20 anos, e trabalhando em um regime de 40 horas semanais.
Era um público formado, majoritariamente, por mulheres, 95%, dos quais 55%
reconheciam-se negras e cuja idade variava entre trinta e cinquenta anos.
Casadas ou com outra forma de união, 55%, delas dividiam seu tempo entre a
casa, os filhos e uma jornada de trabalho de 40 horas semanais. 30%, delas
tinham outra atividade de trabalho, o que ampliava sua jornada de trabalho
extracasa em, aproximadamente, 60 horas semanais.
Com relação à formação inicial, os dados da pesquisa mostraram que 70%
já tinham participado de exame vestibular em outra modalidade de estudo, 99%
30
não tinham curso superior e apenas 1% era portadora de diploma de Educação
Superior.
1.2.2 As entrevistas
Outro dispositivo utilizado foi a entrevista (ANEXO II). Essa escolha se deu
em razão desse recurso possibilitar ao pesquisador um diálogo individual com cada
ator social participante da pesquisa, permitindo uma maior proximidade com o ator
social. Isso me possibilitou rever conceitos já estabelecidos. Esta interação foi
importante porque esses atores sociais possuíam um conhecimento experiencial
acerca do fenômeno estudado: a formação de professores em atuação. Tal fato
promoveu uma revisão e, até mesmo, a alteração de alguns conceitos já definidos.
Nas falas e entrefalas que moveram nosso diálogo foi possível esse movimento.
Durante a realização das entrevistas busquei sempre reconstruir os processos
interativos que produziram a construção dos diversos pontos de vista desses
sujeitos a respeito do processo formativo vivido por eles no curso. Participaram das
entrevistas quinze professores-alunos.
A) Os atores sociais participantes das entrevistas
Os atores sociais participantes da pesquisa na fase das entrevistas (aqueles
que apontaram no questionário o desejo de participar delas) eram oriundos de vários
municípios. Tal fato nos impôs a necessidade de definir qual o município que
participaria dessa etapa da pesquisa. Escolhi o município de Itabuna pela facilidade
de acesso para os atores sociais. Para selecionar os quinze professores-alunos que
participariam da fase de entrevistas escolhi aqueles que demonstraram mais desejo
de trazer para a pesquisa os relatos acerca de sua experiência formativa.
Outros momentos paralelos à seleção foram o da definição de um roteiro para
alimentar nosso diálogo com os atores sociais e a preocupação de que este não
tomasse uma única direção. A ideia era a de ter uma conversa cuidadosa a respeito
da participação desses atores sociais no curso. No roteiro previ dois encontros com
cada entrevistado. No primeiro momento buscaria conhecer um pouco da história de
vida dos atores sociais, sua trajetória familiar e profissional e sua estadia na UESC.
31
No segundo momento, teria uma conversa acerca do curso propriamente dito. De
posse do roteiro, e com essa preocupação, organizei minha ida a campo.
Passei a fazer os contatos por e-mail e telefone, convidando-os para essa
conversa. Eram quinze professores da rede municipal de Itabuna que trabalhavam
em instituições diferentes e, por conseguinte, em locais também diferentes. Minha
preocupação era a de que cada participante indicasse o local mais apropriado para a
realização das entrevistas. A consulta foi feita, e no final utilizei os espaços das
unidades escolares, da Casa do Educador e a residência de duas entrevistadas.
Durante a realização das entrevistas foi possível observar e conviver com o
cuidado, a receptividade, a cordialidade e a alegria de cada ator social em participar
dessa pesquisa. Eles estavam abertos e confiantes. Esse comportamento foi
imprescindível para criar uma ambiência descontraída, mas tendo o cuidado de não
perder o rigor necessário nessa etapa da pesquisa (MACEDO, 2009).
As entrevista aconteciam com um intervalo de tempo de três dias entre elas,
e isso alterava a rotina de trabalho desses professores mas, ao mesmo tempo,
refrescava a memória deles em relação à materialidade do curso.
As professoras e os professores participantes da pesquisa optaram por ser
identificados no corpo do texto por seus nomes verdadeiros, fato que, para o estudo,
foi muito importante, pois acreditamos que “o sujeito encarnado" participa de uma
dinâmica criativa de si mesmo e do mundo com que ele está em permanente
intercâmbio” (NAJMANOVICH, 2001, p. 23). Ao trabalhar com o princípio de que o
outro é um sujeito ativo, participante da ação, o seu nome marca a sua participação,
enquanto ser social e profissional, com uma história própria. Vale a pena destacar
que, ao questionar a possibilidade de utilizar seus nomes verídicos, uma das
professoras me disse que não via motivos para não ser identificada, já que assume
o que fala e faz, é um sujeito de seu tempo.
As entrevistas individuais foram realizadas no período entre abril e agosto de
2011. No período de setembro a outubro realizei a transcrição das entrevistas e me
concentrei na leitura das informações para encontrar, nas narrativas, os aspectos
anunciadores do movimento formativo vivido por eles no curso. Ao mesmo tempo em
que buscava pontos comuns nas falas, também via seus pontos singulares.
Esse movimento me permitiu encontrar conflitos vividos por eles no
desenvolvimento do curso, os quais se tornaram temas para o debate no grupo
focal.
32
1.2.3 O grupo focal
Para a realização do grupo focal (ANEXO III) reuni um conjunto de dez ex-
professores-alunos do curso, selecionados por meio de “convites com
disponibilidade espontânea” entre os quinze que haviam participado das entrevistas
individuais, para conversarmos a respeito de quatro temáticas que se evidenciaram
nas entrevistas individuais, a saber: a relação teoria e prática na formação de
professores em atuação, a relação de pertencimento junto à instituição formadora, o
lugar das experiências pessoais e profissionais no curso e a relação entre a
formação e a atividade profissional exercida agora. Minha ambição foi aprofundar o
debate para compreender o processo formativo desses professores-alunos no curso.
Neste sentido, como aconselha Gatti (2005), procurei criar as condições para
que cada participante do grupo se situasse, explicitasse seu ponto de vista, fizesse
as análises que julgasse necessárias e abrisse perspectivas diante da temática
sobre a qual estávamos conversando coletivamente. Enfim, meu desafio foi criar
condições para que o debate mais geral a respeito da formação de professores
acontecesse, e que, nesse cenário, os participantes do grupo pudessem, realmente,
emitir seu juízo de valor a respeito das questões anunciadas nas entrevistas
individuais sobre a participação deles no curso.
Realizei uma primeira reunião com todos os participantes das entrevistas
individuais, para tomar as decisões coletivamente a respeito da próxima etapa da
pesquisa. No dia 9 de novembro de 2011, compareceram dez professores. As
pessoas foram chegando e conversando entre si, tentando saber como tinham sido
as entrevistas individuais e quais as expectativas para a continuidade da pesquisa.
Todos e todas estavam empolgados e querendo saber das novidades. Após a
recepção individual a cada ator social, sentamos à mesa e começamos nossa
reunião. Expliquei que o encontro tinha dois objetivos, um era construirmos os
próximos passos da pesquisa e organizarmos a agenda de encontros, e o segundo
era entregar a cada um a transcrição das entrevistas individuais para que eles
fizessem a leitura e, se assim desejassem, acrescentassem ou retirassem alguma
informação dada nas entrevistas. Neste momento entreguei as cópias das
transcrições das entrevistas para cada ator social, que realizou a leitura,
imediatamente. Como estavam muito animados com a leitura, parei a nossa
33
conversa. Este momento foi muito rico, pois, na medida em que realizavam as
leituras, eles mesmos iam fazendo comentários e acrescentando mais informações.
Começamos então o planejamento da próxima etapa da pesquisa. Fiz uma
breve apresentação a respeito do grupo focal e esclareci as funções das pessoas
que trabalhariam nas reuniões: os membros do grupo, o animador, o narrador, (que
ao longo do debate fará as anotações) e, por fim, a assistente que filmará os
encontros. Ainda defini os atores sociais que participariam dessa etapa da pesquisa
e como havia ali dez deles, e todos demonstraram desejo de participar dos
encontros, formamos o grupo com esses debatedores. Outra definição foi a respeito
da periodicidade das reuniões. Ficaram agendados encontros semanais, às quartas-
feiras, no final da tarde. Todos os presentes preferiram que os encontros seguintes
ocorressem naquele local onde nos encontrávamos. Em relação ao tempo de
duração das reuniões, o grupo concordou que cada encontro aconteceria em uma
hora e trinta minutos, mais ou menos.
As reuniões do grupo focal foram filmadas, e após a conclusão dos encontros,
entreguei a mídia com a filmagem para que eles assistissem e acompanhassem a
fidedignidade das transcrições.
A) Os atores sociais participantes do grupo focal
Realizei quatro reuniões com os participantes do grupo focal. Na primeira,
compareceram José Gomes, Magda, Tatiana, Roseneide, Ana Dalva, Lidiane e
Janacira. Faltaram à reunião Adivanildes, que estava doente, Gilmara, que teve um
compromisso urgente, e Geórgia, que não justificou sua ausência. No início fiquei
apreensiva e com medo de que os atores sociais não viessem, mas, aos poucos,
eles foram chegando, sentando, conversando entre si para se descontrair.
No começo do trabalho apresentei ao grupo a equipe de trabalho composta
por eles, por mim e mais duas pessoas: a professora Licínia, que desempenharia o
papel de narradora, e a professora Soraya, que faria as filmagens dos encontros.
Em seguida, resumidamente, explanei a respeito da técnica de grupo focal e me
coloquei à disposição para as perguntas que fossem necessárias. Eles acharam que
a ideia era boa, pois lhes possibilitaria conhecer a opinião uns dos outros, ficando à
34
vontade, já que se conheciam há tanto tempo como colegas, tanto da rede municipal
de Educação quanto do curso.
O ambiente escolhido para as reuniões foi organizado com bastante cuidado.
Havia uma mesa grande com cadeiras suficientes para todos(as); cada um tinha um
crachá com seu nome bem visível, papel e lápis para quem quisesse fazer
anotações. Foram providenciados café, água, suco e biscoitos para o lanche.
Na segunda reunião estiveram presentes os/as professores(as) Janacira,
Diva, Tatiana, Ana Dalva, Magda, José, Lidiane e Roseneide, oito dos dez
participantes. Gilmara e Geórgia não puderam vir e justificaram suas ausências.
Todos os professores-alunos compareceram à terceira reunião.
Na quarta e última reunião estiveram presentes Magda, Tatiana, Ana Dalva,
Diva, Roseneide e Lidiane, seis participantes, o número mínimo que tínhamos
estabelecido para que os eventos pudessem acontecer. No final dessa reunião
tomamos decisões a respeito da continuidade do trabalho, e nosso acordo foi o de
apresentar minhas análises para o grupo e promover um debate final a respeito dos
resultados da pesquisa.
As reuniões aconteceram obedecendo ao cronograma estabelecido na
reunião de planejamento ocorrida no dia 9 de novembro de 2011.
B) Os temas geradores do grupo focal
Comecei a nossa reunião apresentando a questão a ser debatida, “Qual é o
lugar da teoria na formação de professores em atuação”? Pontuei que este tema
surgiu a partir das entrevistas individuais, e que, respaldada pela literatura a respeito
da formação de professores e pelas próprias falas deles, foi eleito.
Após a pergunta percebi que eles pararam um pouco, como se estivessem
respirando fundo e buscando as lembranças do curso para se situarem. Em seguida
Ana Dalva começou a falar.
No início estavam meio constrangidos e se comportavam como se estivessem
falando para mim, mas, aos poucos, as tensões foram cedendo lugar à
descontração e o debate aconteceu com certa tranquilidade. O tempo passou, não
percebi. No final da reunião eles/elas falaram sobre as impressões iniciais, o medo,
a vergonha, a incerteza e, como, no debate, na medida em que iam sendo
tomados(as) pela temática, foram se afastando desses sentimentos.
35
Na segunda reunião o debate foi a respeito do sentimento de pertencimento
deles com relação à Universidade. Comecei a reunião, pois já tinha o número
suficiente de participantes e a questão foi “Ter entrado para a Universidade por meio
do PROAÇÃO fez com que você se sentisse pertencente ao quadro de alunos da
Universidade?” Eles narraram seus sentimentos, discordaram do posicionamento
uns dos outros e foram apresentando seus argumentos, foram conversando
naturalmente e, assim, o debate fluiu.
Na terceira reunião a temática discutida foi a respeito da experiência. Nas
entrevistas individuais todos eles afirmaram que a experiência profissional havia
entrado no curso, mas eles não tinham muita clareza a respeito do lugar que ela
tinha ocupado na formação. As leituras das entrevistas apontaram a necessidade de
uma discussão mais profunda a respeito do próprio conceito de experiência, para,
então, compreendermos o seu lugar na formação de professores em atuação. A
conversa se deu a partir da seguinte questão: “Por que a experiência de vocês
entrou para o currículo do curso?”.
Na quarta e última reunião, com a presença reduzida dos professores-alunos,
nossa conversa foi a respeito de como se sentiam naquele dia, tanto nas atividades
profissionais quanto na vida pessoal, pois queria compreender o impacto da
formação na vida desses atores sociais. A questão foi: “O que vocês estão fazendo
hoje e quais as implicações de vocês nesse fazer?”
1.3 A organização das informações
As informações foram organizadas durante a realização da pesquisa em três
tempos: o do questionário, o das entrevistas e o do grupo focal. As informações
coletadas através do questionário foram agrupadas em três temas: dados pessoais,
dados profissionais e continuidade da pesquisa. Esse perfil dos atores sociais foi
complementado com as entrevistas individuais.
Em seguida organizei as informações contidas nas entrevistas. Como as
narrativas eram muito amplas, fiz o exercício de separá-las e agrupá-las por
temática. Esse movimento só foi possível após várias e exaustivas leituras. Foi com
elas que enxerguei as temáticas maiores que continham as narrativas.
36
Para chegar às temáticas, primeiramente reafirmei a questão da minha
pesquisa e os objetivos, a partir daí fui realizando as leituras e, ao mesmo tempo,
destacando as falas mais presentes nos diálogos. Como resultado, encontrei as
categorias: o sujeito da experiência, as condições objetivas da formação de
professores em atuação e o curso como espaço formativo.
Após a organização dessas informações foi possível voltar à literatura acerca
da formação de professores em atuação e, então, organizar a realização do grupo
focal. As informações coletadas nas reuniões do grupo me permitiram acompanhar o
aprofundamento e a clareza com que os professores-alunos foram construindo a
analise a respeito da sua formação, como, também, definir as categorias empíricas
dessa análise.
1.4 A análise
Cabe ressaltar que minha pretensão com esta tese é trazer a compreensão
do processo de formação vivido por um grupo de professores e, sendo assim, utilizei
as narrativas como espaços de descrição das suas vivências no curso, pois acredito
que esses relatos constituem-se, até certo ponto, na própria história desses sujeitos
e da sua formação. Neste sentido, meu foco não é chegar a resultados ou a
compreensões já fixadas a respeito da formação de professores em atuação, e sim
trazer à tona, por meio da voz desses atores, uma nova compreensão desse
processo.
Nesse movimento realizei a análise das informações, entendendo que esta
esteve presente em toda a pesquisa, e que este movimento interpretativo permitiu a
construção dessa tese como um produto final aberto. Produto porque ela traz como
já afirmei, uma compreensão a respeito do fenômeno estudado, e aberto porque
logicamente essa não é a única compreensão a respeito desse fenômeno. Tal
postura impôs a necessidade de estar atenta ao exame detalhado das informações
coletadas pelos diversos atores sociais participantes da pesquisa, condição
necessária para que pudesse entender suas relações com as questões e objetivos já
definidos e, a partir desse exercício, avaliar a relevância dessas informações para o
desenvolvimento do estudo a respeito dos limites e das possibilidades do curso,
37
frequentado por esses atores sociais, ter se constituído em um espaço formativo
para os professores que já estão em atuação.
Outro esforço foi no sentido de enxergar as informações que iam além do
previsto e que se constituíam em um conhecimento indispensável para que pudesse
me aproximar do fenômeno estudado, pois, como afirma Macedo (2006, p. 209),
O pesquisador postula que a significação real e profunda do
material analisado reside além do que é expresso. Trata-se de
descobrir o sentido velado, em opacidade, das palavras, das frases e
das imagens que constituem o material analisado.
Este movimento foi positivo e me permitiu selecionar as informações
consideradas essenciais ao diálogo entre teoria e empiria, a respeito da formação de
professores em atuação e, assim, definir as categorias que utilizei nessa análise.
Macedo (2009, 2006) afirma que o movimento de análise começa com o
exame atento e extremamente detalhado das informações coletadas no campo de
pesquisa. Essa tarefa foi exercida com rigor. As falas dos professores-alunos foram
registradas por meio de gravador de áudio e filmagens, que foram transcritas na
íntegra e, em seguida, entregues a esses atores sociais para que as conferissem.
Após o aval deles realizei a leitura totalizante e exaustiva dessas informações e fiz o
confronto dessas informações com a questão da pesquisa e seus objetivos. Neste
movimento fui indagando-me sobre a relevância das informações coletadas e
separando as informações consideradas relevantes para a análise. Selecionei as
partes da descrição consideradas essenciais para a compreensão do processo
formativo vivido pelos atores sociais no curso.
Enxerguei como necessária uma busca histórica a respeito da formação de
professores. Precisava situar, historicamente, o momento em que surge a formação
de professores em atuação, no Brasil, e como, os elementos apresentados por
esses atores sociais se constituem demandas para se pensar a formação de
professores em atuação; outra necessidade foi compreender como se
estabeleceram as condições objetivas para que eles participassem do curso.
Esses estudos me permitiram entrar no contexto para construir uma
“triangulação ampliada” (MACEDO, 2009) necessária, a princípio, à compreensão e
discussão das informações e, mais adiante, a própria formação de professores em
atuação.
38
Após realização desses estudos, foi possível encontrar, nessas unidades de
significação, as chamadas categorias empíricas, e realizar a interpretação
compreensiva desse objeto de pesquisa, a saber: a formação de professores. Nos
próximos capítulos estarei registrando o movimento da análise.
39
CAPÍTULO 2
O CONCEITO DE FORMAÇÃO E O
PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO DA
FORMAÇÃO NO CONTEXTO DE TRABALHO
40
2. CONCEITO DE FORMAÇÃO E O PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO DA
FORMAÇÃO NO CONTEXTO DE TRABALHO
Eu sou uma pessoa em constante formação, tanto nas questões pedagógicas como na vida pessoal. Sempre quero me envolver mais com as questões da educação, aí eu percebo que eu tenho que estudar mais, que eu tenho que ler mais, que eu preciso saber mais....
Tatiana, 20115
A nossa condição humana nos caracteriza como seres inacabados, com
capacidade de criar e, consequentemente, sempre buscar algo. É a inquietude, a
curiosidade e a insatisfação que alimentam e estimulam o ser humano para novas
conquistas cotidianas, como tenho constatado ao longo da história. Essa história é
escrita e modificada, a cada segundo, por determinações culturais, sociais,
econômicas e outras. Essas mudanças impõem novas necessidades e entre elas
cito a formação humana. Estas reflexões me impõem a necessidade de buscar
estudos que me permitam uma compreensão a respeito do termo formação.
O termo formação, etimologicamente, vem do latim formare, que significa dar
forma, colocar-se em formação e ir-se desenvolvendo. A formação, o ato ou modo
de formar-se, como pontua o Aurélio([20--]), significa dar forma a algo; ter a forma;
por em ordem; fabricar; tomar forma, educar. Percebo um elemento comum às
várias acepções dessa palavra, a ideia do tornar-se.
Como pode ser notado, não existe, etimologicamente, um conceito único e
fechado de formação. Este seria, a meu ver, um termo polissêmico, isto é, com
muitos sentidos. Nos estudos de Macedo (2012, 2009), Dominicê (2012) e Pinau
(2003), dentre outros, percebi o uso do termo formação em três sentidos: como
lapidação do ser humano, como a busca incessante da perfeição e como
capacidade de transformar em experiência significativa os acontecimentos
cotidianos.
No sentido lapidação do ser humano, a formação é a purificação, o
melhoramento visando ao ideal já existente. O produto final já existe e está pré-
5 Tatiana, participante dessa pesquisa
41
determinado. Na formação de professores, por exemplo, ela deve acontecer para
que se chegue ao “professor perfeito”, isto é, à apropriação de um conjunto de
comportamentos e habilidades que o caracterizam.
A formação como a busca incessante da perfeição – Bildung – não se refere,
aqui, a um simples desenvolvimento de aptidões e faculdades do herói; ela refere-se
a um processo de construção e realização de um Eu em ascensão, esforçando-se
em adquirir consciência do mundo e de apreendê-lo em sua essência, no esforço de
desvendar o porquê e para quê a vida. Nesse movimento ressalta-se o processo
como sendo formativo e, sendo assim, a formação de professores é um exemplo.
Mesmo tendo um ideal definido, a formação se dará no processo de aproximação do
sujeito com esse ideal, pois essa aproximação é singular para cada sujeito. Neste
movimento é que se constrói a formação.
Por fim, a formação como a capacidade de transformar em experiência
significativa os acontecimentos cotidianos sofridos no horizonte de um projeto
pessoal e coletivo é algo que se processa, é uma atitude ou uma função que se
cultiva e pode, eventualmente, desenvolver-se. A formação pode ser concebida
como uma atividade através da qual se busca, com o outro, as condições para que
um saber recebido do exterior, logo interiorizado, possa ser superado e
exteriorizado, de novo, de forma enriquecida, pelo significado de uma nova
atividade.
Esse sentido permite entender que, na formação, tanto inicial como
continuada, os professores se formam, conhecendo-se a si mesmos. Não se
transformando em outros, em sujeitos ideais, mas revelam-se no que se é. Trata-se,
pois, de um processo (ato) eminentemente revolucionário. (CARVALHO,2008).
Essas considerações a respeito da palavra formação motivaram-me a
aprofundar os estudos sobre esse conceito. A princípio busquei construir sua
evolução histórica para, em seguida, apresentar uma discussão acerca da teoria
tripolar da formação elaborada por Gaston Pineau e, posteriormente, uma discussão
a respeito da formação de professores.
42
2.1 A formação: noções
O primeiro teórico a realizar estudos sobre o termo “formação” foi Platão, para
esse filósofo da Grécia Antiga, a educação consistia em um conjunto de
mandamentos e preceitos morais (regras e normas de conduta social) e de
conhecimentos profissionais (as regras e artes dos ofícios, chamadas de techne
pelos gregos). A formação consistia, portanto, na lapidação interior do ser humano,
tendo em vista a forma ideal.
Diferentes autores apontam que o termo formação constituiu-se como a busca
de uma imagem ou forma (Bild, eidos) interior ideal ou arquetípica, claramente
definida por cada cultura, relacionando a formação com a atitude interior do ser
humano.
Gaston Pineau (1988) afirma que o termo formação surgiu na língua francesa,
antes do termo “educação”, entre os séculos XII e XIV, e que desde o século XIX as
acepções deste termo são muito amplas.
Cristine Josso (2010), sistematizando as definições atuais do conceito de
formação, afirma que os diversos autores que refletiram sobre ele concordam com a
ideia de que o aprendiz desempenha um papel decisivo em sua formação, e que
esses processos formativos emergem de três perspectivas ou ênfases gerais: 1) as
que pontuam a ação educativa, a aprendizagem de competências e os
conhecimentos, e dão pouca atenção ao processo formativo do sujeito; 2) as que
vão além da questão do processo de aprendizagem e tratam o conceito de formação
como um processo de mudança; 3) aquelas que tratam o conceito de formação
como um projeto de produção de vida com seu sentido.
Couceiro (2001) citando GOGUELIN, lembra que o campo semântico de
“formar” constrói uma constelação original, praticamente independente da de
“ensinar”. Formar evoca uma intervenção profunda e global que arrasta/provoca um
desenvolvimento do sujeito nos domínios intelectual, físico e, ou moral, bem como,
uma mudança nas estruturas que correspondem a estes domínios, de tal modo que
esse desenvolvimento não é um mero acréscimo colado à estrutura já existente,
mas integrado em novas estruturas. Para esse autor, o conceito de formar aponta
para finalidades que “não se esgotam nem na aquisição de saberes, nem no
incremento de competências técnicas e profissionais, nem mesmo no mero
desenvolvimento das potencialidades da pessoa” (COUCEIRO, 2001, p. 15-16), mas
43
que a formação constitui-se através da globalidade da sua existência e de sua
inserção nas diferentes esferas da vida. Nessa direção, Pineau (1988) afirma que
formação é uma intervenção muito completa, muito profunda e muito global, na qual
o ser e a forma são indissociáveis.
O sentido da formação resgatado por esses autores contemporâneos remete-
me, de novo, ao conceito platônico de formação e ao conceito medieval alemão de
Bildung, retomados pelos romantismos germânico e geral apresentados a seguir.
Gadamer (1999) encontra a origem da palavra Bildung na mística medieval.
Segundo ele, o termo continua presente, ao longo dos séculos, percebido por ele
inclusive na mística barroca. No século XVIII, Herder a contextualiza quando a
vincula ao conceito de cultura. Para ele, a formação é mais elevada e interior, é o
modo de perceber que procede do conhecimento e do sentimento de toda a vida
espiritual e ética que enriquecem a sensibilidade e o caráter.
A origem na mística medieval dá à noção de Bildung uma grande densidade
filosófica, e esta equivale a imitação. No contexto espiritual é que ela encontra sua
primeira inscrição, pois a Bildung está no centro da teoria da imagem de Deus. Ela
designa o movimento pelo qual o cristão dá uma forma à sua alma, esforçando-se
para nela imprimir Deus.
Para Sommerman (2003), foi a partir dessa origem místico-filosófica que o
conceito de Bildung chegou aos pensadores alemães do fim do século XVIII:
pensadores como Lessing, Herder, Humbolt, Schiller e outros que o transformaram,
mas sem tirar dele essa dimensão de interioridade e profundidade. Voltaram, de
algum modo, ao conceito platônico e pré-cristão de formação, e, assim, o
universalizaram, dando-lhe uma dimensão transcultural. Wilhelm Von Humboldt
(1767–1835), filósofo e educador alemão, foi considerado o grande teórico da
Bildung, mas pode ser afirmado que Herder, ao combater o racionalismo iluminista,
fez com que o conceito de formação (Bildung) se tornasse o pensamento maior do
século XVIII, nos diz Sommerman.
Ainda para este autor (2003) foi Kant (1724–1804) que, ao resgatar o ideal
pedagógico grego e reconhecer que o ser humano era o único ser vivo que poderia
e precisava ser educado, dividiu esse processo em quatro etapas: cuidado,
disciplina, instrução e formação. O cuidado refere-se às atenções que devem ser
dadas ao recém-nascido (alimentação, higiene e amor). A disciplina é tratada como
um processo de transformação do lado selvagem ou animal em humano, conduzindo
44
a criança a fazer uso da razão, a adquirir o autocontrole e seguir as normas sociais
consideradas corretas. A instrução corresponde à educação básica, através da qual
são transmitidas as técnicas e práticas que possibilitarão à pessoa se mover no
contexto histórico-social em que está inserida. A última etapa, a da formação,
corresponde ao ensinamento Kantiano que trata do processo de “moldagem” através
do qual o educador procurará desenvolver no educando um “padrão de excelência”,
ou seja, uma consciência moral, calcada na razão e na justiça.
Como pode ser visto, o conceito de Bildung, para Kant, não tem uma acepção
tão forte como teve o de formação para Platão e para os místicos alemães do século
XIII, que forjaram o termo Bildung, e para vários outros autores do romantismo, uma
vez que, para eles o termo se apoia numa cosmologia, numa antropologia e,
consequentemente, numa epistemologia menos amplas ou menos
multidimensionais.
Os ideais suscitados por esse conceito de formação inspirou um “novo”
gênero literário: o Bildungsroman, o romance de formação. O romance Wilhelm
Meister6, de Goethe, é um exemplo paradigmático desse gênero literário. Segundo
Bárbara Freitag (2001, p. 85),
A Bildung não se refere aqui a um simples desenvolvimento
de aptidões e faculdades do herói; a formação refere-se a um
processo de construção e realização de um Eu em ascensão,
esforçando-se em adquirir consciência do mundo e de apreendê-lo
em sua essência. Em outras palavras, trata-se da busca incansável
do homem pela proximidade com o seu Criador, no esforço de
desvendar o porquê e para que da vida.
Veja o quão próxima essa noção de Bildung está dos romances de formação
do século XVIII, e também da concepção platônica de formação do ser humano em
direção à união com a sua forma arquetípica. Essa mímesis, essa imitatio, para a
qual o Bildungsroman serve de suporte, é análoga àquela da formação grega antiga,
mítica e mística, através das quais se buscava imitar os heróis arquetípicos para
chegar ao mundo totalmente dominado pela virtude e pelo bem – o mundo dos
deuses, aquele das formações heróicas, dos iniciados, vividos pelos membros das
6 O romance é dividido em oito livros, dos quais cinco remetem a uma peça teatral (Theatralische
Sendung). Essa remessa teatral surgiu entre 1777 e 1786, mas apenas vinte anos depois foi publicado como romance.
45
cavalarias do Ocidente e do Oriente, daqueles que tomam a obra do monge alemão
Tomás de Kempis, século XV, Imitação de Cristo, como exemplo. Há, em todas elas,
um modelo, um herói que venceu as provas, que atravessou os níveis de realidade e
de percepção perdidos pela humanidade “comum”, que reencontrou a estatura do
homem perfeito (ou é a encarnação do homem perfeito, como no caso de Cristo) e
pôde entrar de novo no Paraíso, cujo caminho, portanto, deve ser imitado pelo
nobre, pelo cavaleiro, pelo monge ou pelo artesão.
Essas breves considerações a respeito da formação me permite ver, por um
lado, a profundidade do processo formativo que pode ser estimulado pelo conceito
de formação, que abarca diferentes níveis do sujeito e, por outro, perceber as
consequências inadequadas dos processos formativos que se apoiam em conceitos
de formação demasiadamente estreitos e reducionistas, ou que remetem a modelos
ou ideais a serem imitados. Tal fato tem sido constatado, por exemplo, nas políticas
de formação de professores, na qual se percebe claramente a presença de uma
formação apoiada apenas na instrução, no ensino e nas ideologias reducionistas.
Sommerman (2003) afirma que Max Horkheimer critica a Bildung, enquanto
formação da personalidade voltada para a interiorização afirmando que esta
formação repele o vínculo com a civilização, o social, e reforça o individualismo. E
que Horkheimer postula um caminho contrário ao da Bildung, pois não nos tornamos
cultos, formados, apenas pelo que fazemos de nós mesmos, e sim pela dedicação à
coisa, seja no trabalho intelectual, seja na práxis consciente de si mesma, de modo
que a formação de si só ocorreria, de fato, pelo outro, seja este outro uma coisa, um
indivíduo ou a sociedade.
Historicamente, como vimos, o conceito de formação como busca de uma
imagem ou forma (Bild, eidos) interior ideal ou arquetípica, claramente definida por
cada cultura, está mais relacionada com a dimensão interior. Vejo que a
profundidade da dimensão interior do ser humano foi se modificando, ao longo da
história, conforme a concepção cosmológica e antropológica de cada cultura e de
cada pensador. Portanto, o conceito de formação de Paidéia e de Bildung é tanto
mais forte quanto mais se apoia em cosmologias e antropologias estruturadas em
níveis ontologicamente cada vez mais altos e psicologicamente mais profundos.
Acredito que uma cosmologia e uma antropologia materialistas darão lugar a
um conceito de formação advindo de uma cosmologia e uma antropologia
tradicionais ou platônicas. Num extremo, umas irão colocar o foco da formação na
46
profissão, se o homem for visto como reduzido à sua dimensão física; no outro
extremo, se o ser humano for visto como composto de múltiplos níveis,
correspondentes a múltiplos níveis do cosmo, o foco da formação será sua
formação/transformação profunda e global, que o levará à união com sua forma
arquetípica. Para umas, a utilidade da lapidação ou da disciplina da formação é
exterior; para outras sua utilidade é a forma interior ideal, a beleza interior
decorrente dessa lapidação.
Nesse sentido, os diferentes polos do processo formativo definidos por
Gaston Pineau (1988), como auto, hetero e ecoformação, ajudam-me a perceber os
diferentes níveis de formação e a entender que quanto mais níveis cada um desses
três polos forem incluídos na formação do sujeito, mais profundo e amplo será o
resultado e menos riscos haverá, de um lado, de hipertrofia do individualismo e de
egocentrismo, e de outro, de empobrecimento da dimensão interior do sujeito, com
seu consequente aprisionamento a ideologias e a visões reducionistas da realidade.
2.2 A teoria tripolar da formação
Na caminhada pela trilha da formação, me deparei com a necessidade de
uma nova parada, dessa vez para compreender a teoria tripolar da formação. Um
autor que me inspirou foi Gaston Pineau (1988) que, influenciado pelos três mestres
fundamentais na Educação, a própria pessoa, os outros e as coisas, conforme
definidos por Rousseau (1712-1778), construiu estudos acerca da teoria tripolar da
formação. É explorando a metodologia das histórias de vida e as diversas
formulações que os sujeitos dão para seus trajetos de formação que Pineau
identificou os três movimentos que interferem na formação: personalização,
socialização e ecologização. Essa percepção o levou a criar os conceitos de auto,
hetero e ecoformação.
Observo que os estudos de Pineau não priorizam nenhum dos três polos, mas
os coloca em ação estudando a complexidade de sua interação ao longo de toda a
sua vida. Contudo, ele observa que os prefixos auto, hetero e eco indicam que cada
uma dessas polaridades da formação é extremamente complexa. Por exemplo, uma
pessoa cuja formação é tão original que a torna incompreensível para os outros é
um sinal claro de que o polo da autoformação prevaleceu excessivamente sobre os
47
outros dois polos. Outra pessoa cuja formação a torna semelhante a uma multidão
de outras pessoas é indicação de que houve um predomínio excessivo da
heteroformação, que impediu a emergência de qualquer forma singular.
Ainda de acordo com o autor, entre a ação dos outros (heteroformação) e a
do meio ambiente (ecoformação) parece existir, ligada as duas e dependente delas,
uma terceira força formadora que é a do eu (autoformação). Essa terceira força é
que toma o decurso da vida mais complexo e cria um campo dialético de tensões
rebelde a toda simplificação unidimensional.
O termo “autoformação” apareceu antes dos outros dois, catalisando as
pesquisas sobre “a autonomização dos atores pela apropriação de seu poder de
formação” (PINEAU, 1988, p. 66), personalizando, individualizando e subjetivando a
formação. A autoformação é, portanto, essa apropriação, por parte do sujeito, da
condução de sua própria formação.
A autoformação simboliza a tomada de consciência do sujeito sobre o seu
próprio funcionamento, ou seja, é a tomada de consciência e retroação de si sobre si
e sobre as integrações com os meios social e físico. Trata-se de um processo
paradoxal que se alimenta de suas dependências. Ela é constituída pela tomada de
consciência e de retroação sobre as influências heteroformativas e ecoformativas.
Sendo assim, a autoformação ultrapassa, integrando os limites da educação,
entendida como transmissão que gera aquisição de saberes e de comportamentos.
O termo heteroformação designa o polo social da formação, e refere-se aos
outros, que se apropriam da ação educativa/formativa da pessoa. O processo de
formação conduzido pelo polo hetero inclui a educação, as influências sociais
herdadas da família, do meio social e da cultura, as ações de formação inicial e
continuada etc. A heteroformação é definida e hierarquizada de maneira heterônima
pelo meio ambiente cultural.
Já o termo ecoformação é a dimensão formativa do meio ambiente material,
que é mais discreta e silenciosa do que as outras duas. A formação conduzida pelo
polo eco se compõe das influências físicas, climáticas e das interações físico-
corporais que dão forma à pessoa. Ela inclui a dimensão simbólica. O meio
ambiente físico com todas as suas variedades, produz uma forte influência sobre as
culturas humanas, bem como sobre o imaginário pessoal, que organiza o sentido
dado à experiência vivida.
48
A heteroformação e a ecoformação simbolizam as tomadas de consciência e
as retroações da pessoa sobre as influências físicas e sociais recebidas na interação
com os elementos formadores do meio ambiente físico ou social. A autoformação é
compreendida, por mim, como sendo um movimento no qual o formador forma a si
próprio através de uma reflexão sobre suas itinerâncias de aprendizagens pessoais
e profissionais, constituindo-se, portanto, num processo interno.
Para Josso (2004), esses processos de formação dão-se a conhecer, do
ponto de vista do aprendente, através de interações com outras subjetividades, ou
seja, numa aprendizagem experiencial por meio da qual a formação se daria a
conhecer.
Neste sentido, o conceito de formação se enriquece com práticas biográficas,
ao longo das quais esse objeto é pensado tanto como uma história singular, quanto
como a manifestação de um ser humano que objetiva as suas capacidades, isto é, a
produção de si mesmo.
Formar-se é integrar-se numa prática, no saber-fazer e nos conhecimentos,
na pluralidade da própria vida. Aprender designa, mais especificamente, o próprio
processo de integração.
Esse movimento será o aprender pela e com a experiência, o que implica na
capacidade de resolver problemas quais ainda não conhecemos soluções teóricas.
Josso (2004) nomeia esse movimento como aprendizagem experiencial, uma
capacidade de resolver problemas, mas acompanhada de uma formulação teórica
e/ou de simbolização a respeito tanto do problema quanto do processo de sua
resolução.
Ainda pensando neste movimento, Cunha (2006) traz a ideia de que a
formação centrada no trabalho, como estratégia formativa é, basicamente, composta
de três elementos principais: fazer coincidir o trabalho/formação no
espaço/tempo/pessoas, fazendo que o trabalho permita aprender a aprender com a
experiência, instituindo um processo de aprendizagem permanente; organizar a
formação por meio de projetos de ação para responder aos problemas identificados
no contexto; abandonar a ideia de transferência da formação segundo uma lógica de
aplicação, instrumentalização, escolarizada.
Cunha (2006), tratando especificamente da formação de professores, traz à
pauta o debate acerca da possibilidade dessa formação se constituir numa
comunidade profissional de aprendizagem marcada por uma cultura colaborativa. A
49
ênfase da formação deixa de ser colocada em de cada professor individualmente e
passa a ser coletiva, um movimento capaz de gerar a heteroformação para que seja
estabelecida uma relação com a autoformação de cada professor.
2.3 A formação e o mundo do trabalho
O debate sobre a formação tem sua origem desde a época em que a
educação de uma pessoa começa a ser considerada um bem de utilidade pública,
um instrumento para o desenvolvimento econômico dos povos. Surge aí o problema
da adaptação do sistema educativo, sobretudo nos seus caminhos em busca da
profissionalização e do mundo do trabalho.
A inevitável rapidez das mudanças nas tecnologias de produção abala o
mundo do trabalho, implicando sempre na construção de um processo de adaptação
e incerteza permanente.
Assim sendo, a heteroformação acompanha todo o processo formativo de um
sujeito, desde a fase de diagnóstico das necessidades de formação até a maneira
de tratar essas necessidades, passando pelos lugares, tempos e modos de ação
formativa.
A relação entre educação e trabalho, nesse contexto, altera e acaba gerando
uma dessincronização entre formação e trabalho, impondo a necessidade de
enfrentarmos três problemas ou objetivos: o diagnóstico, a aquisição e a certificação.
Correia (1997), alerta para o fato de que quem se aventura na pesquisa a
respeito das relações entre formação e trabalho terá que tomar precauções quanto a
sua abordagem, pois esta nunca será axiologicamente neutra, pois a escolha será
sempre ética, cívica e politicamente estruturada. O pesquisador deverá estar
consciente da necessidade de valorizar as valências críticas dos “decursos
científicos” para não cair na armadilha de trocar uma normatividade por outra.
Neste sentido, a compreensão da historicidade dos problemas e dos
instrumentos cognitivos acionados na sua definição é um recurso suplementar de
gestão desta tendência. Precisa-se estar sempre consciente da importância de
introduzir uma dimensão prospectiva, que permita a reabilitação analítica dos
fenômenos perturbadores, e encará-los como fatos portadores de verdade. E, por
fim, é preciso precaver contra as tendências, que procuram encontrar uma
50
consistência teórica e epistemológica, num esforço reflexivo que, por se apoiar numa
diversidade de contribuições e tendências, e por visar apenas uma aproximação
progressiva os fenômenos que toma como objeto, deverá ser interpretado no
registro da bricolage.
Para Canário (1997), a articulação entre a formação e os contextos de
trabalho representa, hoje, uma problemática central na formação de professores,
tanto no nível da formação profissional inicial quanto o da escolaridade básica, onde
a relação com o mundo do trabalho aparece como uma dimensão fundamental na
perspectiva de uma educação para a cidadania. Neste sentido, podemos perceber a
relevância desta pesquisa quanto ao que Canário (1997) aponta como a direção da
expansão quantitativa de cursos e a difusão das práticas de formação; à construção
de novas maneiras de pensar e agir no campo da formação profissional contínua,
que aparece estreitamente associada a novas maneiras de organizar os processos
de trabalho; ao papel e à importância, cada vez mais decisivos, atribuídos ao fator
humano na vida das organizações de trabalho que tornam, dificilmente, dissociáveis
as capacidades individuais e as de mudanças coletiva das organizações e da sua
cultura. A formação tende a articular-se com a produção de mudanças de natureza
organizacional. Não mais a formação para a mudança, e sim a formação na
mudança, aquela que devolve a ação interativa dos atores em contextos, o principal
protagonismo.
A relação entre formação e trabalho, segundo Correia (1997), tem sido
pautada pela existência de um desconhecimento instituído por parte de cada um dos
mundos das lógicas que estruturam o outro. Para esse autor, a dicotomia das
relações entre formação e trabalho já não pode, como no capitalismo liberal, ser
considerada como dicotomia entre dois mundos incomunicáveis, mas, como, “a
separação temporal de dois mundos intercomunicáveis” (CORREIA, 1997, p. 21), a
sequência educação-trabalho.
Esta cisão gerou dois domínios distintos: o da educação popular de jovens e
adultos, preocupada com o desenvolvimento dos cidadãos, (o primeiro); o domínio
da formação e da promoção profissional, em que o trabalho, embora esteja
presente, não é conceitualizado como um espaço social susceptível de vir a ser
transformado, o (segundo).
Correia (1997) alerta para a importância atribuída às formações adaptativas,
terapêuticas e ortopédicas, que se propõem, também, a transformar os indivíduos,
51
mas adotam a mudança como eixo privilegiado de referência para essa
transformação. A lógica destas formações se organiza em torno dos seguintes
pressupostos:
a) a mudança é, fundamentalmente, uma mudança técnica, cuja formação
intervém a posteriori, isto é, contribui apenas para o restabelecimento do equilíbrio
dos sistemas, assegurando a adaptação técnica e, eventualmente, a adaptação
psicológica dos indivíduos no novo contexto;
b) a mudança, para ser eficaz, tem de se apoiar numa segmentação social
acrescida entre os conceptores e os executantes;
c) a formação visa apenas produzir qualificações novas ou substituir aquelas
que se mostram obsoletas.
A aceitação desses pressupostos tem contribuído decisivamente para que o
campo da formação assuma um currículo que tem como ponto de referência a
identificação prévia das carências de formação adaptativas. Neste sentido, o campo
da formação passou a ser dirigido a indivíduos carentes e tendencialmente
desadaptados, e não a indivíduos experientes e agentes de mudança. Sendo assim,
a formação deixa de ser um direito para, na melhor das hipóteses, se transformar
num dever ou, na pior das hipóteses, em maldição e suplício.
A relação entre formação e trabalho coincide com a institucionalização do
capitalismo desorganizado na sequência do reconhecimento do caráter estrutural da
crise do fordismo, na transformação do círculo virtuoso fordista em um círculo
vicioso. Diante do exposto, Correia (1997, p. 23) afirma que:
Submetido a um conjunto de solicitações sociais contraditórias, o
campo da formação tem vindo a deslocar-se do seu papel tradicional
de instância de produção de qualificação individual, para
desempenhar um papel cada vez mais relevante como instância de
regulação social intervindo ao nível da empresa e da gestão global
da sociedade.
Para esse autor, o campo da formação ainda é tendencialmente tributário de
discursos teóricos e epistemológicos, normativos, gestionários e funcionalistas. Mas,
também entendo que a formação encarada como dispositivo deve ser susceptível de
modificar o sentido da evolução em que se inscreve, de gerar novas coerências e
que não pode ser deduzido a partir de uma lei determinista.
52
Segundo Dujo (2003), o que se está pedindo da Educação, e muito
concretamente do sistema educativo, é que recupere uma visão mais global e mais
social dos processos de produção e da vida, uma lógica apoiada nos modos de ação
que tem lugar no mundo da vida e do trabalho. Trata-se mais concretamente de uma
mutação pedagógica que põe uma ênfase maior na capacidade de atualização,
adaptação e uso de conhecimentos, procedimentos e comportamentos, que na mera
aquisição dos mesmos de acordo com um status diferente do indivíduo enquanto
cidadão, produtor congruente com as mudanças econômicas, tecnológicas e sociais
do nosso tempo. Tal realidade deslocaria a lógica da formação como adaptativa do
sujeito ao mundo do trabalho, para a de espaço de estabelecimento de relações
densas e diversificadas nos contextos de trabalho; não exclusivamente com
competências cognitivas dos seus destinatários individuais, mas com o que Josso
(2004) chama de formação experiencial.
Essa possibilidade formativa, a meu ver, corroboraria a superação das lógicas
“disciplinares” da especialização em benefício das lógicas “transversais”. Nesse
contexto se poderia, sim, pensar a formação de professores.
Essas reflexões me incomodam e levam a pensar se o PROAÇÃO sozinho
seria capaz de “formar” os professores. Isso porque há que se considerar suas
instituições, as políticas educacionais, os conflitos etc. Esses terão que estar na
mudança para se constituírem, junto com o curso, em dispositivos formativos para
esses professores. A lógica não pode ser a d que os professores devem se formar
para mudar a realidade da Educação, pois essa formação não existe, está no vazio.
2.4 A formação de professores no Brasil: trilhas e itinerâncias
A partir das reflexões construídas acerca da formação, numa caminhada
originada no estudo epistemológico do termo, passando por sua construção
histórica, sua polaridade e relação com o mundo do trabalho, discutirei, a seguir, as
tendências político-pedagógicas da formação de professores. Meu objetivo com
estes estudos foi analisar como, historicamente, as discussões a respeito do assunto
foram se delineando no Brasil a partir da década de 1970. A escolha de iniciar estas
53
reflexões a partir dessa década se deu em razão de ser esse o período em que
começou a se travar o debate mais denso a esse respeito.
Segundo Candau (1982), na década de 1970, a maioria dos estudos sobre
formação de professores privilegiava a dimensão técnica, a partir da influência da
psicologia comportamental e da tecnologia educacional. Assim sendo, a grande
preocupação, no que se refere à formação de professores era a instrumentalização
técnica. Concordando com esse posicionamento, Feldens (1984, p. 17) afirma que
nesta época havia um caráter funcionalista de educação na qual a "experimentação,
racionalização, exatidão e planejamento tornaram-se questões fundantes na
formação de professores".
A partir da segunda metade da década de 1970 inicia-se um movimento de
oposição e rejeição aos enfoques técnico e funcionalista então predominantes.
Segundo Candau (1982), essa movimentação ocorreu por influência de estudos de
caráter filosófico e sociológico sobre o papel da Educação, em que ela passa a ser
vista como uma prática social em íntima conexão com o sistema político e
econômico vigente. Feldens (1984) ratifica que essas teorias consideravam a escola
como reprodutora das relações sociais. Essa discussão chega ao campo
educacional influenciando a formação de professores por meio da literatura e das
próprias instituições formadoras.
Nos últimos anos da década de1970, começa a aparecer um novo paradigma,
influenciado pelos estudos marxistas, que considera a relação que se estabelece
entre os determinantes históricos, políticos, sociais e a Educação
Esses estudos, na década de 1980, já apresentam uma forte crítica à forma
neutra, isolada e desvinculada de aspectos político-sociais que vem fundamentando
a formação de professores. Essa discussão ganha força e espaço no Brasil entre os
educadores e estudiosos do campo educacional, acalorando o debate. Esse
movimento passa a privilegiar dois princípios, o do caráter político da prática
pedagógica e do compromisso do educador com as classes populares. Esses
princípios expressam o próprio movimento, da sociedade brasileira, de superação do
autoritarismo implantado a partir de 1964 e da procura por caminhos que levem à
redemocratização do país.
Entendo que não se trata de trocar uma concepção de formação por outra e
sim compreender que o movimento de formação de professores pode estar aliado,
sempre, ao debate sobre as necessidades da educação. Neste sentido, o debate da
54
época era sobre a função mediadora da educação como prática social global. Nesta
direção, Pereira (2006, p. 27) ressalta o caráter político da prática pedagógica
dizendo que
[...] a importância do professor em seu processo de formação é
conscientizar-se da função da escola na transformação da realidade
social dos seus alunos e ter clareza da necessidade da prática
educativa estar associada a uma prática social mais global.
Nessa dimensão, o fundamental era formar o educador, enfatizando o caráter
político da formação desse profissional. Na segunda metade dos anos 1980 o
debate presente foi a respeito da competência técnica versus compromisso político.
Esse debate, um dos mais polêmicos do período, foi travado por meio das teses de
doutorado dos professores Paolo Nosela e Guiomar Namo de Melo, ambos
orientados pelo professor Dermeval Saviani.
Nesse contexto surgem os estudos do professor Miguel Arroyo,
principalmente o texto "Quem de-forma o profissional do ensino", publicado em
1985, que trazem para o centro da discussão o ser professor, enquanto coletividade
e singularidade, fazendo a denúncia do processo de (de)formação do professor
brasileiro, destacando a desvalorização do seu trabalho, as condições objetivas de
trabalho e a própria condição de vida desses profissionais, inclusive os baixos
salários que recebem. O autor critica a ênfase dada à formação como maneira de
garantir a qualidade do ensino, sem ao menos mencionar os processos
"deformadores" e "desqualificadores" aos quais os profissionais estão submetidos.
Não se discutem nos cursos de formação de professores, suas condições de
trabalho e sua própria profissionalização.
Outra discussão relevante diz respeito à relação teoria e prática na formação
do professor, recorrente até os dias de hoje. Na década de 1980, uma grande
influência nesse debate foi o trabalho de Vázquez, de 1977, "Filosofia da Práxis".
Além dele as autoras Candau e Lelis (1983), ao realizarem estudos referentes à
relação teoria e prática, perceberam que a forma como isso tem ocorrido é sempre
por meio da separação entre esses elementos. Eles, às vezes, podem ser
considerados componentes isolados e mesmo opostos ou, conforme outros pontos
de vista, polos separados, mas não opostos. As autoras ainda afirmam que essa
55
maneira dicotômica e hierarquizada de separar teoria e prática se relaciona, em
última instância, com a perspectiva positivista de conceber o mundo.
Segundo Pereira (2006), no início dos anos 1990 as mudanças ocorridas no
cenário internacional influenciaram o pensamento educacional e, mais
especificamente, a questão da formação de professores. Novos paradigmas surgem,
voltando-se crescentemente para a compreensão dos aspectos microssociais,
destacando e focalizando o papel do agente-sujeito. Neste contexto, privilegia-se a
formação do professor pesquisador, ou seja, ressalta-se a importância da formação
do profissional reflexivo, aquele que pensa-na-ação, cuja atividade profissional se
alia à atividade de pesquisa. Neste sentido, novos debates se impõem, dentre eles o
sobre a relação ensino-pesquisa na formação de professores.
Vários autores defendem a formação do professor pesquisador, podendo ser
destacadas as contribuições de Donald Schön (1992), que afirma que o profissional
que "reflete na ação" torna-se um pesquisador no contexto prático. Nessa direção,
as autoras Ludke e André (1986) defendem a ideia de que a pesquisa não se realiza
em uma estratosfera situada acima da esfera de atividades comuns e correntes da
vida do ser humano. Soares (1993) destaca a necessária interação, na formação do
professor, entre a produção do conhecimento (pesquisa) e a socialização do
conhecimento (ensino). Essa interação, quando refletida e tensionada, produz um
novo conhecimento a respeito da prática.
Uma das marcas dos anos 1990 foi o crescimento dos estudos acerca do
cotidiano escolar, nos quais estão explícitos os saberes escolares, saber docente e
formação prática do professor. Esses estudos voltaram-se para as análises sobre o
saber docente, e se direcionam para o estudo dos processos através dos quais se
desenvolve a formação prática do professor durante o desempenho de sua atividade
profissional. Eles buscam compreender como, no cotidiano da escola, no dia a dia
de sua atividade, o professor vai adquirindo um saber sobre sua profissão. Nesta
direção o trabalho de Tardif (2002, p. 228) esclarece que esses saberes
[...] formam um conjunto de representações a partir das quais os(as)
professores(as) interpretam, compreendem e orientam sua profissão
e sua prática cotidiana em todas as suas dimensões. Eles
constituem, poder-se-ia dizer, a cultura docente em ação.
56
Essa tendência considera a atuação do professor uma questão central e
passa a valorizar os processos de formação que asseguram a “voz ao professor”,
buscando identificar os seus saberes, a construção de sua identidade profissional e
a constituição de sua profissionalização. Nesta direção Nóvoa (1992) enfatiza o
quanto o modo de vida pessoal interfere na prática profissional. Para ele, esse
movimento surgiu "[...] num universo pedagógico, numa amálgama de vontades de
produzir outro tipo de conhecimento, mais próximo das realidades educativas e do
cotidiano dos professores” (1992, p.16).
Esses estudos me levam ao encontro de duas “compreensões” até então
pouco divulgadas pela academia. A primeira reconhece que o trabalho do professor
tem uma especificidade que não pode ser reduzida à sua função técnica e
funcionalista. Como afirma Perrenoud (1993, p. 25), ensinar é fabricar
artesanalmente os saberes, tornando-os ensináveis, exercitáveis e passíveis de
avaliação no quadro de uma turma, de um ano, de uma comunicação e um lugar.
Fica claro, para mim, que o profissional que produz esse conhecimento é o professor
que, no seu dia a dia, vai produzindo esses saberes.
A segunda compreensão é a percepção do sujeito professor enquanto ator
social que, na medida em que vai construindo um conhecimento a respeito do seu
trabalho, vai desenvolvendo a capacidade de se ver diante do mundo e tenta, no seu
tempo-espaço, reconfigurar sua própria existência.
Estas constatações me desafiaram a pensar que os processos formativos
precisam considerar a prática pedagógica como lócus de construção/desconstrução
de saberes profissionais, e na qualidade dos conhecimentos, atitudes e práticas que
vêm sendo trabalhados nos cursos de formação inicial. Não basta considerar que os
professores “sabem alguma coisa”, é preciso ir adiante, procurando conhecer o que
eles já sabem, para então estabelecer uma relação com os seus saberes, e a
influência de diferentes fatores presentes na sua formação.
Percebi que, a partir da década de 1990, estudiosos brasileiros têm
desenvolvido pesquisas a respeito de temas relacionados à pratica docente, ao
processo ensino-aprendizagem e à relação teoria e prática no cotidiano escolar.
Neste movimento vou me aproximando da ideia de que os professores
produzem saberes em suas práticas baseados em suas experiências e nos
contextos em que atuam.
57
2.5 Formação de professores e o sujeito da formação
Os estudos e as pesquisas realizados por Dominicé (2012, 1988), Freire
(1996), Honoré (1980), Josso (2010, 2004), Macedo (2011, 2010), Nóvoa (1992) e
outros marcam um novo movimento de compreensão a respeito da formação de
professores, trazendo para o centro do debate o sujeito da formação como
protagonista desse processo. Nesses estudos, tornam-se fundantes a discussão a
respeito da condição de autoria/autorização/alteridade e formação/atos de
currículo/experiência. Isso significa trazer a voz dos professores para a centralidade
da sua formação. Implica no reconhecimento da condição de autoria desse sujeito
que, ao representar seu papel, vai colocando nele suas implicações, marcas,
trajetórias e compreensões ele vai se instituindo e, assim, assumindo sua condição
de autoria e alteridade, e nesse movimento, o seu processo formativo vai se
constituindo.
Sendo assim, constata-se, no processo formativo do professor, esse
movimento de alteridade no qual as potencialidades e as necessidades formativas
desses atores sociais são desveladas. Nesse sentido, a formação estará se
configurando nas suas várias dimensões política, ética, estética, cultural e
pedagógica, tornando-se, efetivamente, um ato de currículo, estando presente a
existência e a autoria do sujeito em formação (MACEDO, 2011; PAIN; CARMO,
2012).
Nessa direção, Nóvoa (2001) afirma que a formação é algo que pertence ao
próprio sujeito e se inscreve em um processo de ser (sua vida, experiências, marcas
etc.) e ir sendo (seus projetos, ideias de futuro etc.)
Estudiosos implicados com a formação de professores vêm desenvolvendo
pesquisas que consideram o profissional da educação como um sujeito em formação
permanente, que busca suas referências nos saberes profissionais e nas
experiências construídas em suas vivências pessoais e no trabalho. Esse processo
formativo “[...] não se dá em um vazio histórico e social, mas sim através de atores
sociais e individuais complexos, determinados e determinantes, portanto, instituintes,
ao mesmo tempo” (BARBOSA, 2004, p. 76).
Esse novo olhar leva em consideração o caráter subjetivo e dinâmico das
compreensões construídas pelo sujeito em seus itinerários e as imbricações do
currículo em ato neste processo formativo. Nessa dinâmica, a abordagem
58
multirreferencial constitui-se numa inspiração para se pensar um currículo em ato,
pois envolve conceitos como complexidade, mediação, implicação, imaginário,
escuta-sensível e pesquisa. Portanto, um educador que forma-se em processo, na
perspectiva da complexidade, sob a ótica multirreferencial, é capaz de
[...] reinventar sua própria prática, abrindo para fluxos de interações e
informações com outros profissionais, professores e alunos; criando,
inovando, estimulando e vivenciando novas propostas e projetos
coletivos e integrados, sem fronteiras (KENSKI ,2004, p. 103).
Logo, é impossível pensar formação fora do currículo e pensar currículo fora
da formação. Eles estão e são implicados. O conceito de currículo assumido por mim
é o de um artefato cultural pensado por alguém ou por um coletivo de atores/autores
situado no mundo e que se apresenta sob um formato organizativo que se consolida
e ganha vida na medida em que os atos vividos pelos seus protagonistas são eleitos
como conhecimentos relacionados com a sua formação. Por isso, o currículo é um
texto em constante escrita, tomado como um “dispositivo formativo” (MACEDO,
2011, p.44). Nesta concepção, os atos dos sujeitos em formação vão potencializar
um currículo dinâmico, vivo, próximo e possível de ser vivenciado pelos seus
protagonistas.
O termo ato, nos estudos de Bakhtin, segundo Sobral (2009), significa o
mostrar-se diante do outro, como alguém que assume necessariamente a
responsabilidade por aquilo que fala/faz e, nesse plano, o sujeito assina aquilo que
diz/faz. Embora todo ato seja social, assim sendo, repetível, ele é individual,
irrepetível, porque nunca ocorre da mesma maneira que outros atos. Cada sujeito
realiza o mesmo de “outra” maneira, ao seu jeito, sem que isso deixe de se alterar
no contato com o outro.
Não existem, portanto, atos isolados nem atos abstratos, assim como não
existem atos pelos quais o sujeito possa não se responsabilizar, ainda que lhe seja
dado justificar-se por seus atos e justificar também os seus atos. O próprio ato de
pensar de si para si é um compromisso com as circunstancias do sujeito e da
situação concreta em que os dois interagem.
Macedo (2011), inspirando-se nos estudos de Bakhtin sobre o conceito de
ato, desenvolve essa ideia no campo do currículo. O autor considera que os atos
59
dos sujeitos em formação vão potencializar um currículo dinâmico, vivo, próximo e
possível de ser vivenciado pelos seus protagonistas. Esta visão é o que Macedo
(2011) denomina de “atos de currículo”, ou seja, as atividades que se organizam
intencionalmente e que são materializadas ao longo de um curso visando ao debate
formativo a respeito da experiência individual de cada aluno, como, também, a
experiência coletiva construída no debate entre a formação acadêmica e sua relação
com o mundo, o mundo do trabalho e as histórias dos sujeitos da formação.
Macedo (2011) continua afirmando que os atos de currículo vinculados à
formação são, ao mesmo tempo, maneiras de resolução epistemológica para
compreendermos a relação profundamente implicada entre currículo e formação,
como também uma forma de “empoderar” o processo de democratização do
currículo, uma experiência que pode ser singularizada e um bem comum
socialmente referenciado.
Percebi serem os atos de currículo ações humanas que expressam, de
alguma maneira, concepções, posições e intenções. Neste sentido, não há como
separar e, tão pouco, compreender o ato fora do sujeito, nem sua concretude no agir
fora de uma situação histórica e social. Posso então, afirmar que os atos de currículo
são singulares e irrepetíveis.
Nessa perspectiva, é importante que um programa de formação de
professores em atuação assuma essas implicações para que possa se constituir em
um espaço capaz de compreender a formação como fenômeno interno, próprio do
sujeito, que está intimamente relacionado a ele, e das relações que estabelece com
seu entorno, seu contexto, seu mundo (MACEDO, 2010).
Essas reflexões me remetem à necessidade de olhar de forma refinada e
sensível os cursos de formação de professores de maneira geral e, mais
especificamente, os cursos pensados e organizados para os professores que já
estão em atuação.
Diante do exposto, esclareço que este trabalho situa-se nesta perspectiva, e
meu movimento está direcionado aos estudos acerca da formação de professores
que tomam como eixo a existência desses atores sociais. O que me move é a
necessidade de compreender os processos formativos vividos pelos professores-
alunos que estão em formação e, para tanto, me debruço sobre a realidade da
Universidade Estadual de Santa Cruz. Minha vontade é ultrapassar o debate acerca
da validade ou não desses cursos e buscar, por meio da escuta daqueles que
60
viveram seu processo formativo neste formato de curso, a compreensão dos limites
e das possibilidades na formação de professores em atuação.
61
CAPÍTULO 3
O PROAÇÃO E A FORMAÇÃO
ANUNCIADA DE PROFESSORES
62
3. O PROAÇÃO E A FORMAÇÃO ANUNCIADA DE PROFESSORES
Estar na UESC foi a realização de um sonho já adormecido.
Damasceno, 20117
Minha pretensão, é apresentar uma discussão a respeito das políticas
públicas para formação de professores, aproximando-me desse cenário e nele
inserir o PROAÇÂO, o seu surgimento e sua implementação na Universidade
Estadual de Santa Cruz. Também trago as narrativas de seus professores-alunos
para, nesse movimento, construir uma compreensão a respeito dos processos
formativos desses atores sociais, o que será indispensável.
3.1 Políticas instituídas para a formação de professores em atuação
A partir dos anos de 1990 a política de formação de professores cresceu
muito no Brasil, e as universidades, como instituições de produção do saber,
precisaram assumir em seu interior (Faculdades/Centro e Departamentos de
Educação), a organização e realização dos programas/cursos de formação de
professores em atuação.
No Estado da Bahia, desde 1998, foram implantados programas de
formação inicial de professores em atuação diferenciados nas cinco universidades
públicas: Rede UNEB 2000, na Universidade Estadual da Bahia (UNEB); Rede
UEFS, criado pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS); PROAÇÃO,
gerado pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC); um curso de formação
de professores das séries iniciais foi organizado pela Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia (UESB). Observo que a Universidade Federal da Bahia (UFBA)
instituiu o Programa de Formação Continuada dos Professores do Município de
Irecê-Bahia, conhecido como Projeto Irecê, resultante de uma parceria entre a
FACED/UFBA e a Prefeitura do Município de Irecê, Bahia.
Esses programas/cursos destinavam-se aos professores que atuavam na
Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental e ainda não possuíam
7 Damasceno, participante dessa pesquisa.
63
formação em nível superior, ou a formação que possuíam não correspondia à área
especifica onde estavam atuando.
A intenção desses programas/cursos de formação de professores em
atuação das universidades públicas da Bahia era o de oferecer turmas especiais,
dentro e fora de seus campi, em caráter provisório e emergencial, aos professores
que estavam atuando nas redes públicas, na Educação Infantil e nos anos iniciais do
Ensino Fundamental. Segundo Gatti (2003), a necessidade de oferecer aos
professores em atuação uma qualificação compatível com as exigências sociais e
profissionais para o seu nível era premente.
Durante a década de 1990 muitos estudiosos, dentre eles Brezezinsk (1996),
Ludke (1994) e Pimenta (1994), apontavam para a necessidade de políticas públicas
de formação para os professores que considerassem as questões curriculares e as
condições objetivas de trabalho. A Associação Nacional pela Formação de
Profissionais da Educação (ANFOPE) e a Associação Nacional de Pesquisa e Pós-
Graduação em Educação (ANPED) tiveram papéis decisivos na luta pelo
estabelecimento da política nacional para a formação de professores, discutindo a
responsabilidade do Estado no que diz respeito à formação dos professores
brasileiros. Além disso, alternativas foram instituídas para essa formação e
ampliadas em várias instituições públicas de ensino superior das diversas regiões
brasileiras.
Foi a partir de 2009 que o governo brasileiro assumiu a formação inicial em
atuação dos professores. O Ministério da Educação (MEC), por meio do Decreto n.°
6.755, de 29 de janeiro de 2009, instituiu a Política Nacional de Formação dos
Profissionais do Magistério da Educação Básica e disciplinou a atuação da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) na
promoção de programas de formação inicial e continuada, dando origem ao Plano
Nacional de Formação de Professores da Educação Básica – PARFOR. A intenção
era formar, até 2014, 330 mil professores, que atuavam na Educação Básica e que
ainda não eram graduados. De acordo com o Educacenso 2007, cerca de 600 mil
professores em atuação na Educação Básica pública ainda não possuíam
graduação ou atuavam em áreas diferentes das licenciaturas em que se graduaram.
Mororó (2011), pesquisadora das políticas públicas de formação de
professores no Estado da Bahia, afirma que a criação de tal política, alvo de
reivindicações do movimento nacional pela formação de professores, significa um
64
avanço, pois tenta formular uma política global capaz de contribuir para extinguir as
desigualdades existentes, a partir do estabelecimento dos seguintes princípios:
O reconhecimento da formação de professores como um
compromisso público de Estado para assegurar o direito a uma
educação de qualidade, através de regime de colaboração entre a
união, os estados e os municípios, revertendo para a federação a
obrigatoriedade de financiar essa formação em instituições públicas,
o estabelecimento da modalidade presencial de formação e a
superação da noção da docência como mero „ofício‟ pela noção de
„profissão‟, como o próprio título do documento apresenta
(MORORÓ, 2011, p. 33-34,).
A Política Nacional de Formação de Professores, ao criar o PARFOR,
estabelece que sua execução seja em regime de colaboração entre a CAPES/MEC,
as Secretarias de Educação dos estados e dos municípios e as instituições públicas
e comunitárias de educação superior. O PARFOR tem como objetivo assegurar a
formação exigida na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) por
meio da oferta de cursos de graduação, gratuitamente, aos professores que já
atuam nas escolas públicas, mas sem formação superior, ou atuantes em disciplina
diversa daquela de sua habilitação.
A iniciativa de criação do PARFOR parte do pressuposto de que, ao longo
do curso de formação, os professores-alunos podem ressignificar o trabalho que
desenvolvem em suas escolas, fundamentar e refinar suas práticas, para melhorar
os índices de desempenho das escolas de Educação Básica. O documento que
normatiza o plano traz como princípios fundantes alguns temas que se constituíram
debates importantes nas últimas décadas.
O Decreto n.° 6.755/09 traz, em seu art. 2° os princípios que abordam o
compromisso com uma formação docente e o direito à educação de qualidade –
construída em bases sólidas, científicas e técnicas – por parte das crianças, jovens e
adultos. Dentre esses princípios destaco abaixo os incisos que se referem à
qualidade da formação e sua articulação com a vida dos sujeitos que dela
participam.
IV – a garantia de padrão de qualidade dos cursos de formação de docentes ofertados pelas instituições formadoras nas modalidades presencial e à distância;
65
V – a articulação entre a teoria e a prática no processo de formação docente, fundada no domínio de conhecimentos científicos e didáticos, contemplando a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão;
VI – o reconhecimento da escola e demais instituições de educação básica como espaços necessários à formação inicial dos profissionais do magistério;
VII – a importância do projeto formativo nas instituições de ensino superior que reflita a especificidade da formação docente, assegurando organicidade ao trabalho das diferentes unidades que concorrem para essa formação e garantindo sólida base teórica e interdisciplinar;
VIII – a importância do docente no processo educativo da escola e de sua valorização profissional, traduzida em políticas permanentes de estímulo à profissionalização, à jornada única, à progressão na carreira, à formação continuada, à dedicação exclusiva ao magistério, à melhoria das condições de remuneração e à garantia de condições dignas de trabalho;
IX – a equidade no acesso à formação inicial e continuada, buscando a redução das desigualdades sociais e regionais;
X – a articulação entre formação inicial e formação continuada, bem como entre os diferentes níveis e modalidades de ensino;
XI – a formação continuada entendida como componente essencial da profissionalização docente, devendo integrar-se ao cotidiano da escola e considerar os diferentes saberes e a experiência docente; (BRASIL, 2009).
No inciso V observo o reconhecimento da articulação entre a teoria e a prática
fundada no domínio dos conhecimentos científicos e didáticos, contemplando a
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Constata-se que há uma
compreensão da formação enquanto processo contínuo que se articula à vida
profissional do sujeito e, nesse movimento, são criadas novas possibilidades de
aprendizagem para esses professores. Os conhecimentos acerca da articulação
entre a teoria e a prática só serão possíveis por meio da unidade entre esses dois
elementos. Isso não significa a perda da sua especificidade e sim a compreensão de
que o ato pedagógico, para ser refletido, debatido e tensionado, precisa ser visto na
sua totalidade.
Outro princípio presente no texto é o da articulação entre formação inicial e
formação continuada, um desafio importante para as instituições de Educação
Superior, visto que, ao assumir a formação inicial dos professores em atuação, é
66
preciso estabelecer a proximidade e o distanciamento necessários entre estas duas
modalidades formativas. A aproximação ocorre quando se busca as experiências já
construídas pelo sujeito e os contextos geradores dessas experiências. Quanto ao
distanciamento, este se faz necessário para que possamos gerar as
problematizações essenciais ao debate e à reflexão, ou seja, à formação
experiencial.
No último princípio em destaque, os diferentes saberes e a experiência
docente dos formandos, observo que há o reconhecimento de que o professor, ao
longo da sua atuação profissional, foi adquirindo um conhecimento no cotidiano do
seu trabalho e nessa trajetória foi construindo sua experiência docente, que se
constituirá em dispositivo formativo a partir do momento em que é compreendido
como ato de currículo (MACED0, 2011).
Pelo que percebo, essa legislação abre espaço para a compreensão da
formação enquanto processo contínuo, uma vez que coloca a integração das
demandas formativas no cotidiano da escola, considerando os saberes e as
experiências docentes como campo de uma formação continuada. Entender a
construção de saberes docentes, sua atualização e o teor experiencial da formação
pessoal/profissional dos sujeitos da educação são possibilidades de práticas
formativas que podem se definir diante desse panorama.
A partir dessas diretrizes existe uma responsabilidade posta para as
universidades públicas deste País, a de assumir essa formação dos professores. Ao
assumi-la, essas instituições precisam, até mesmo para atender ao exposto no
Decreto n.° 6755/09, definir de maneira coletiva, seu projeto institucional. Um desafio
presente, neste movimento, é a superação da ideia de programa isolado e, portanto,
solitário, para a construção de uma política institucional mais ampla, tanto para os
futuros professores quanto para os que estão em atuação (MORORÓ, 2011).
Outro desafio é trazer o sujeito em formação para a centralidade do currículo
dessas propostas, pois esses alunos são sujeitos que já trazem, na sua história, as
marcas e os dilemas de sua totalidade como ser humano:
O professor é um sujeito que deve estar aberto a um mundo que não
se reduz ao aqui e agora, portador de desejos e movido por esses
desejos; um ser social, que nasce e cresce em uma família, ocupa
67
uma posição em um espaço social (filho/filha, pai/mãe,
marido/mulher, tio/tia, primo/prima, sobrinho/sobrinha, irmão/irmã) e
na escola pode ser professor/professora, gestor/gestora etc.; um ser
singular, com uma história, capaz de interpretar o mundo, dá sentido
a esse mundo, à posição que ocupa, bem como às suas relações e à
maneira como constrói novas relações (COUTO, 2012, p. 9).
A partir da compreensão historicamente constituída acerca da formação de
professores no Brasil, e da consciência de que cada professor é sempre individual e
coletivo, uma categoria e um conjunto, é que lanço a possibilidade de pensar a
formação de educadores com outro olhar, para problematizar a tendência à
homogeneização do sujeito e de sua formação e, assim, provocar possíveis
deslocamentos e rupturas que levem a possíveis (re)direcionamentos no (re)pensar
o sujeito-professor. Isso concordando com Nóvoa (2002) quando afirma que “o
campo da formação de formadores não pode limitar-se apenas às dimensões
técnicas e tecnológicas e necessita de uma compreensão mais profunda dos
processos através dos quais as pessoas se formam” (NÓVOA, 2002, p. 11).
Neste sentido, entendo a relevância de trabalhos que buscam compreender o
lugar das experiências e dos saberes dos diversos sujeitos no seu processo
formativo nos cursos de formação de professores.
3.2 O PROAÇÃO e a formação de professores em atuação na UESC
O PROAÇÃO surgiu nesse cenário de políticas públicas de formação de
professores. A Instituição procurou seguir as determinações legais quanto à
formação dos educadores, mais precisamente a LDBEN (Lei de Diretrizes e Bases
da Educação, n.° 9.394/96) e, posteriormente, o Decreto n.° 6.755/09, os quais
motivaram o acesso de professores que atuam na Educação Básica à Educação
Superior. Essas motivações atingiram principalmente os professores dos anos
iniciais do Ensino Fundamental, uma vez que eles atuavam na profissão apenas
com a formação do Normal Médio. Essa exigência acabou instituindo uma demanda
formativa diferenciada para os cursos de licenciatura, especialmente Pedagogia.
Essa nova realidade gerou dois tipos de curso nas instituições de Educação
Superior (IES): o curso de formação inicial de professores em atuação e o curso de
formação inicial de professores.
68
Tomei como referência, para as nossas reflexões, o curso de pedagogia da
UESC, o PROAÇÃO. Ele se constituiu parte de um programa institucional
denominado Programa de Formação de Professores em Atuação na Educação
Básica, da Universidade Estadual de Santa Cruz, aprovado pelo Conselho Superior
de Ensino, Pesquisa e Extensão (CONSEPE) em 22 de julho de 1999, e funcionou
até março de 20108. Esse programa ficou diretamente subordinado à Reitoria, que
indicou a Pró-Reitoria de Graduação (PROGRAD) como responsável pela
elaboração e coordenação geral da proposta.
3.2.1 Trajetória histórica
Inicialmente houve uma forte resistência por parte dos docentes da UESC à
política de criação desses cursos. Entendia-se que o caminho mais adequado seria
a ampliação dos cursos já existentes, ao invés de criar cursos “temporários”. Essa
posição de resistência acabou por definir a pouca participação dos departamentos e
colegiados nas discussões e na elaboração do referido curso.
Mesmo diante das insatisfações, a PROGRAD argumentava a urgência da
criação de tais cursos e continuou o processo de elaboração da proposta. Justificava
que a Bahia era um dos estados brasileiros com maior indicador de professores, nas
redes de ensino estadual e municipal, não graduados, sendo que cerca de 96%
deles atuavam na Educação Infantil e nos primeiros anos do Ensino Fundamental.
Outra alegação apresentada era de que o curso poderia constituir-se em um
dispositivo para a revisão das práticas dos cursos de licenciatura, ora em vigência
na Instituição, em especial as do curso de Pedagogia.
A partir dessas justificativas iniciou-se o trabalho e, aos poucos, a Comissão
foi sendo ampliada; novos professores passaram a compor a equipe para a
elaboração da proposta.
Nesse cenário, alguns municípios procuram a UESC externando seu desejo
de criar cursos de formação de professores em atuação em seus municípios e/ou
participando de cursos ofertados na própria Instituição. Diante dessa demanda a
UESC reuniu os municípios do seu entorno para apresentar a proposta de curso de
licenciatura plena em Pedagogia, curso de Formação de Professores para a
Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental, fora de sede. A primeira
8 A partir dessa data o PROAÇÃO foi substituído pelo PARFOR (N.A).
69
oferta atendeu aos municípios de Santa Luzia, Jussari, Pau Brasil, Arataca e
Camacã. O curso teve como sede a cidade de Camacã, por apresentar melhor
estrutura, com matrícula de 150 alunos. Outro município também contemplado foi
Porto Seguro, atendendo 50 alunos. Esses cursos foram financiados pelas
prefeituras municipais participantes de um consórcio.
A demanda potencializada pelos dispositivos da LDB para a formação de
professores era crescente e, sendo assim, os municípios próximos do campus
começaram a pressionar a UESC para ofertar novos cursos de formação. Atendendo
a essas solicitações, a Universidade criou uma comissão com representantes da
Reitoria/PROGRAD, do Departamento de Ciências da Educação (DCIE) e das
Secretarias Municipais de Educação para que, a partir da proposta já existente,
fosse reelaborada a proposta do curso de Pedagogia na Sede. As várias reuniões
realizadas pela comissão levaram à proposta final de curso, que foi aprovada pelo
CONSEPE na reunião realizada em 20 de dezembro de 2002. Em seguida
organizou-se o consórcio entre a Universidade Estadual de Santa Cruz e catorze
municípios da área de influência da UESC. O curso teve suas atividades iniciadas
em maio de 2003. Em sua primeira oferta atendeu a uma demanda de 200 alunos.
Vale ressaltar que essa primeira oferta, na sede, ocorreu após três anos da
aprovação do curso fora de sede. Este espaço de tempo foi rico em experiências e
os docentes da Universidade, agora na condição de professores formadores, foram
assumindo sua condição de autoria e alteridade na materialização do trabalho e,
assim, construindo uma nova compreensão a respeito tanto da formação de
professores em atuação como também do impacto dessa formação na vida desses
sujeitos. No que pesem essas vivências e aprendizagens acerca do processo
formativo, ainda continuavam as críticas e resistências a essas políticas públicas
para formação de professores.
3.2.2 O PROAÇÃO na Sede em ação
O debate sobre a formação de professores continuava, sendo tema central
nas conferências e nos seminários sobre Educação, mantendo, assim, a motivação
para a procura de cursos em nível superior pelos professores da Educação Básica.
Nessa conjuntura, a UESC viu-se na obrigação de continuar ofertando novas
turmas.
70
Em setembro de 2006 foi criada a segunda turma do PROAÇÃO, na Sede,
ofertando 200 novas vagas para atender à demanda apresentada por dez
municípios. O processo de implantação do referido curso seguiu a mesma
tramitação da primeira turma: elaboração de um projeto; apresentação e discussão
do projeto com os representantes dos municípios envolvidos, e no CONSEPE, onde
foi aprovado.
Para a efetivação do curso, um novo convênio foi estabelecido pela UESC e
as prefeituras municipais: a de Aiquara, com 4 vagas; Barro Preto, 15 vagas;
Canavieiras, 31 vagas; Ibicaraí, 5 vagas; Ilhéus, 40 vagas; Itabuna, 40 vagas;
Itacaré, 25 vagas; Itajuípe, 15 vagas; Una, 15 vagas e Uruçuca, 10 vagas. Esse
convênio contemplava as questões de gestão financeira (pagamento de ajuda de
custo aos professores da rede, pagamento de pró-labore para os professores
formadores, a equipe técnico-administrativa e os professores substitutos dos
cursistas); administrativa (dispensa dos professores para frequentarem as aulas na
UESC); atendimento aos professores-alunos (colocar um professor da rede para
fazer a mediação entre a UESC, as Secretarias de Educação e os professores-
alunos).
No convênio estava estabelecido o custo aluno, que foi calculado com base
no valor estabelecido a partir de uma planilha na qual se previam todas as
despesas: pagamento de pró-labore, compra de equipamentos, aquisição de
materiais de consumo e manutenção. A soma dessas despesas resultou no valor
total do curso, calculado pelo número de alunos. A partir daí cada prefeitura decidia
quantas vagas poderia assegurar para seu município. O que resultou em um número
diferente de professores-alunos estudando na UESC por município. Esta época foi
anterior à da criação do Decreto n.° 6.755/09, quando o governo federal passou a
assumir o custo financeiro da formação dos professores da Educação Básica,
conforme citado no início deste capítulo.
O processo seletivo para essa turma do PROAÇÃO na Sede foi publicado em
edital específico, que estabelecia os critérios para inscrição dos professores da rede.
Segundo esses critérios, as vagas seriam destinadas aos docentes que estivessem
na efetiva regência de classe e pertencessem ao quadro permanente das
prefeituras. Foram inscritos 670 professores. A aprovação foi classificatória, por
município, e de acordo com as vagas definidas pelo convênio.
71
Após a matrícula dos 200 alunas(os) aprovadas(os), as turmas foram
distribuídas em quatro salas, sendo duas para as turmas do diurno e outras duas
para o noturno. Todos os alunos(as) eram professoras(es) em efetiva regência de
classe, condição básica para a realização do curso. Esses alunos não tinham
redução da carga horária de trabalho e as prefeituras assumiram, apenas, a
substituição dos professores-alunos na semana em que eles realizavam os estudos
na UESC. Essa segunda turma concluiu seus estudos em março de 2010.
3.2.3 A proposta curricular do curso
O objetivo do PROAÇÃO consistia em formar os professores que já atuavam
como docentes na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Para tanto, almejava-se que o Curso fosse capaz de
[...] proporcionar condições para que os profissionais possam atuar
com competência na Educação Infantil e anos iniciais do Ensino
Fundamental, tendo a docência como base obrigatória de sua
formação e identidade profissional; preparar profissionais
capacitados para a elaboração de projetos que envolvam
experiências educacionais escolares e não escolares; refletir e
intervir, para a melhoria do sistema educacional e a qualidade de
vida, atentando para as especificidades regionais; reconhecer o
professor/aluno como ser de experiências e vivências múltiplas:
emocionais, cognitivas, religiosas, políticas e culturais; relacionar
teoria-prática, tendo como referência a ação pedagógica cotidiana e
preparar profissionais para pesquisar e intervir na própria escola
(UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ, 2007, p. 19 -20).
A proposta curricular do curso buscava superar a visão de currículo tradicional
ou tecnicista e, à luz das teorias progressistas, defendia a formação de um
profissional capaz de atender às demandas educacionais caracterizadas nos
espaços escolares e não escolares que respondem pela Educação Infantil e anos
iniciais do Ensino Fundamental. Seu texto apresenta como princípios norteadores da
formação desses professores, os defendidos pela ANFOPE, a saber: a valorização
do trabalho pedagógico; sólida formação teórica; pesquisa como forma de
conhecimento e de intervenção na realidade escolar; trabalho coletivo/partilhado;
trabalho interdisciplinar e relação teoria-prática. Consta no projeto que foi a partir
desses princípios que se propôs
72
[...] um currículo voltado para a formação do profissional da
educação que compreenda o fenômeno educativo, a escola e a
sociedade com toda a sua dinamicidade, adquirindo de modo crítico
e reflexivo a capacidade de elaborar e reelaborar conhecimentos que
lhe permitam atuações mais articuladas e efetivas, nos vários e
diferentes espaços e contextos educacionais, de modo a considerar
enquanto conseqüência de um movimento social maior, os
problemas específicos das respectivas localidades (UNIVERSIDADE
ESTADUAL DE SANTA CRUZ, 2007, p. 21).
A proposta curricular apresentava quatro princípios orientadores: primeiro a
compreensão do conhecimento como produto da construção histórica do ser
humano que, nas suas interações, o constrói e o reconstrói, conforme suas
necessidades. O segundo era a compreensão das características da sociedade
atual, multifacetada, plural e complexa, exigindo ações voltadas para uma melhor
qualidade de vida, inclusão e justiça social. O terceiro é a formação do professor
pesquisador e interventor da própria prática, orientando ações diretamente
relacionadas ao seu fazer no cotidiano das relações que se estabelecem no interior
dos espaços de atuação, compreendendo a pesquisa como fio condutor e elemento
aglutinador dos demais componentes curriculares, e constituindo-se em elemento
articulador entre a teoria e a prática. Por fim, o quarto princípio, que é a
compreensão da práxis (reflexão-ação-reflexão) pedagógica sob a perspectiva
teórica e prática do fazer docente (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ,
2010).
O curso foi ofertado nos turnos diurno e noturno, estruturado em três anos e
em nove módulos que tinham a duração de quatro meses cada. Os estudos foram
organizados e concebidos como Núcleos Temáticos (NTs), e pretendiam assegurar
um trabalho pedagógico interdisciplinar e compartilhado. As temáticas de estudo
foram definidas a partir de conhecimentos considerados essenciais para a formação
de um professor reflexivo e pesquisador. A partir desses NTs, surgiram as
disciplinas, os minicursos e as oficinas.
3.2.3.1 Os núcleos temáticos
No primeiro módulo, “A construção do eu”, foram discutidos os aspectos
pessoais. Os professores-alunos, durante o módulo, tiveram a oportunidade de
resgatar/escrever memórias e histórias de suas vidas (nascimento, relações
73
familiares, infância, adolescência e a vida adulta), com a finalidade de reconstituir
sua história pessoal.
No segundo módulo, “Como me tornei professor/a”, a finalidade foi o
reencontro do professor-aluno com o seu curso de magistério, em um esforço para
compreender o início de sua formação profissional.
No terceiro módulo, “O conhecimento”, o objetivo era que o professor-aluno
compreendesse o conhecimento como essencial à profissão de professor,
concebendo-o como o objeto do trabalho docente, refletindo sobre os
conhecimentos já construídos e aqueles a serem construídos.
“Relação teoria e prática” foi o tema do quarto módulo. Nele buscava-se uma
atitude reflexiva sobre a prática, um encontro com o fazer pedagógico, percepção da
interdependência entre teoria e prática, a presença dessa relação na sala de aula e
no espaço escolar; reflexões acerca de como se desenvolvem a docência e o saber
fazer.
No quinto módulo, “Escola como espaço de aprendizagem”, a expectativa
era a de que os professores-alunos compreendessem que a escola é um espaço de
aprendizagem colaborativo para todos os atores sociais que a compõem. Essas
aprendizagens se materializam por meio de diferentes espaços e relações.
O sexto módulo tinha como tema “Sequências didáticas diálogo e saberes”. A
pretensão era de que os professores-alunos compreendessem que o trabalho
pedagógico é um campo-espaço de diálogo entre os saberes dos professores e dos
alunos.
O sétimo módulo, “Projeto de Ensino”, teve por objetivo que os professores-
alunos entendessem o projeto de ensino nas dimensões construção, intervenção,
elaboração, aplicação e avaliação, a partir dos princípios da interdisciplinaridade.
Com o tema “Reencontro do EU pessoal e profissional”, os oitavo e nono
módulos, que tiveram por base o movimento ação-reflexão-ação, buscava-se
analisar as práticas do sujeito professor e as marcas da vida profissional na
construção da sua humanidade.
3.2.3.2 A organização curricular
O PROAÇÃO foi concebido com uma carga horária de 3.200 horas,
distribuídas entre conteúdos curriculares de natureza científico-cultural (2.235
74
horas); trabalho de conclusão de curso (TCC) (180 horas); estágio curricular
supervisionado (345 horas); seminários temáticos (340 horas) e as atividades
acadêmico-cientifico-culturais (100 horas).
A carga horária total do curso foi organizada com atividades presenciais e não
presenciais. As atividades presenciais ocorriam no campus da Universidade, com
uma semana de aula por mês, no turno diurno, e duas semanas por mês, no
noturno. As atividades não presenciais, chamadas atividades de formação em
serviço, constituíram-se a diferença curricular entre esse curso e os cursos
regulares. Essas atividades consistiam na realização de trabalhos de pesquisa e na
intervenção dos professores-alunos durante as aulas e na escola como um todo.
Elas eram sistematizadas, planejadas, orientadas pelo professor de estágio a partir
das temáticas de cada módulo. Essas atividades eram oficializadas junto à
coordenação do curso, que encaminhava as solicitações para as Secretarias de
Educação dos municípios, através do professor articulador9, que deveria
providenciar as condições necessárias para execução do trabalho proposto.
Cabe destacar que o movimento de articulação entre as diferentes disciplinas
que compunham o núcleo temático a ser trabalhado, em cada módulo, era
potencializado pela disciplina Estágio. Ela possuía um papel estratégico, pois além
de estar presente em todos os módulos, desenvolvia, no início de cada módulo,
junto com a coordenação, um trabalho de articulação com os novos professores
formadores, apresentando a dinâmica do curso e as especificidades do currículo,
constituindo-se em um fórum de debates e reflexões sobre o currículo do curso.
A disciplina Estágio tinha como campo de trabalho a experiência dos
professores-alunos. Os docentes dessa disciplina se mantiveram durante todo o
curso acompanhando 25 alunos, distribuídos por município. Os encontros
presenciais eram mensais, com carga horária de 10 horas aula.
Cabia, ainda, ao professor de Estágio acompanhar a aprendizagem dos
alunos. A cada módulo concluído, realizava-se um trabalho interdisciplinar a partir
das experiências e aprendizagens construídas pelos professores-alunos, no
movimento formativo vivido durante a realização dos estudos do módulo. Essas
9 O professor articulador tinha formação em curso de licenciatura, era indicado pela Secretaria de
Educação de cada município, e cumpria o papel de articulação entre a SEC e a UESC. Mensalmente, após cada semana de aula, em reunião, tomava conhecimento das atividades desenvolvidas e da formação em serviço para fazer o acompanhamento dos professores- alunos do curso. Esse profissional participava das atividades de encerramento de cada módulo, dos minicursos e das oficinas, se assim desejasse.
75
aprendizagens eram sistematizadas por sala e, ao final, acontecia um seminário
integrador envolvendo as quatro turmas e os docentes das disciplinas daquele
módulo.
Os relatos contendo o movimento de realização das atividades de formação
em serviço davam origem ao conteúdo estudado nas aulas da disciplina Estágio,
que se organizava para ampliar e aprofundar o conhecimento acerca do vivido por
esses professores-alunos.
3.2.4 A estrutura física e logística
A UESC manteve duas salas de aulas reservadas para o curso, criou um
laboratório de informática, disponibilizou sala para o colegiado, um secretário e um
assistente administrativo. Foi explicado, aos professores-alunos, que o acesso à
biblioteca e ao restaurante universitário era um direito deles. Para integrar os
professores-alunos e dar-lhes uma noção da estrutura organizacional e física da
UESC, foi desenvolvido o projeto “Conhecendo a UESC”. Os professores-alunos
reconhecem que essa atividade os ajudou no trânsito pela Instituição, mas não o
suficiente para se sentirem alunos “reais” da UESC, pois traziam as marcas de
serem alunos de um projeto e não “os alunos” da UESC. A narrativa de Kátia (2011)
mostra essa sensação:
A gente, às vezes, falava que não se achava pertencente, realmente,
à UESC. Era como se a UESC tivesse cedido seu espaço físico para
o PROAÇÃO,mas o PROAÇÃO e a UESC não eram a mesma coisa.
Era meio esquisito.
Com relação aos acordos financeiros, esses foram sofríveis. O curso foi
interrompido duas vezes, uma por dois meses e outra por quatro meses. A
suspensão das atividades, que quase inviabilizou a realização do curso de
Pedagogia, deu-se em razão do atraso nos pagamentos do pró-labore aos
professores formadores e a equipe técnica. Essa foi uma responsabilidade assumida
pelos municípios que não foi devidamente cumprida. A alternativa encontrada foi os
professores-alunos se organizarem e passarem a cobrar e acompanhar a efetivação
dos pagamentos. Essa situação acabou trazendo para eles a responsabilidade
financeira por sua formação.
76
3.2.5. Os professores-alunos, seus sonhos e realidades
A política de formação gerou uma expectativa no imaginário dos professores.
Nesse cenário de discussões, as redes municipais de ensino começaram a divulgar
um possível convênio entre o município e a UESC para a formação dos professores.
Foram várias as reuniões, seguidas de discussão com a categoria, e nesse
movimento os "sonhos silenciados" foram tomando espaço, aquilo que era um sonho
distante tornava-se uma possibilidade, finalmente a realização.
Era um sonho estar ali, eu achei um privilégio. Eu não tive que ir pra
uma faculdade particular; eu não tive que ir para um curso a
distância, e ainda, estava na UESC. Mesmo com todas as
dificuldades eu me sentia muito feliz de estar ali, naquele lugar. Eu
sempre comento com as pessoas que a UESC é outro universo, é
uma cidade, que temos acesso a muita coisa, é só você querer, você
buscar. Talvez eu não tenha tido o tempo suficiente para usufruir
todos os benefícios que ela pode me dar. Não tive a oportunidade de
fazer meu curso na época certa. Estar na UESC foi a realização de
um sonho. Espero que meus filhos possam estudar na UESC,
também (Janacira, 2011).
Embora esse relato seja de Janacira, essa fala é comum aos quinze atores
sociais entrevistados. Todos acalentaram o sonho de estar na UESC, como seu
aluno.
Esses alunos confessaram que estar na UESC era motivo de orgulho e de
alegria, porque estavam finalmente frequentando uma universidade referência, na
condição de aluno. Mas era, também, um peso, representado pelo aumento da
carga horária de trabalho, dentro e fora da Instituição.Para os professores-alunos
era um sonho realizado.
Mas descobriram que este lugar tem seus problemas: a infraestrutura, a
organização, as relações pessoais e de adaptação. Os sonhos foram abalados.
Compreenderam que o “mundo” e o lugar UESC têm problemas como quaisquer
outros. Questionam-se: - Quais seriam nossos lugares e espaços nesse contexto?
Nas suas narrativas percebi que um dos espaços significativos para eles
foram as salas de aulas destinadas ao curso, lugares de refúgio e reclusão. Esses
espaços, segundo os depoimentos, tornaram-se os lugares de estudo, de
alimentação, do lazer, do descanso etc. Os professores-alunos do turno diurno
77
“enclausuravam-se” das 7h30min às 17h30min nesse espaço, isolando-se do
convívio universitário no primeiro momento.
Aos poucos esse isolamento foi sendo rompido. Os mais de 200 professores
da rede básica de educação dos 10 municípios, pessoas e realidades diferentes,
constituíram-se um grupo com características e implicações próprias às suas lutas e
jeito de ser e ver os fatos, às pessoas e à própria Instituição. Esse processo de
convivência universitária, segundo os depoimentos, foi aos poucos se ampliando
pelas discussões e reflexões nas aulas e pelas atividades de formação em serviço.
Minimizado o impacto inicial de adaptação a esta realidade, os professores-
alunos mantinham a confiança na Instituição formadora. Eles afirmaram, em
momentos diferenciados, que a formação acadêmica, quando realizada pela UESC,
difere das demais instituições de educação superior,haja vista as informações que
circulam a respeito da qualidade formadora da UESC.
Os professores-alunos, ao darem continuidade aos seus discursos, trouxeram
as tensões presentes no seu processo formativo.
Eu assumia o ônus de pagar a alguém para ficar na minha sala de
aula, enquanto estava no PROAÇÃO e, assim, aconteceu. Durante
todo curso eu paguei uma pessoa, do meu próprio bolso, para ficar
lá, enquanto estava na UESC. Os trinta e três reais [que recebia de
ajuda de custo] se transformaram em nada. [...] Só no ultimo ano foi
que eu encontrei uma pessoa fixa, que ficou durante todo o período
do meu afastamento. E foi bom, porque eu estava com uma turma de
alfabetização e o trabalho ficava quebrado, na sala com as crianças,
pois era divido entre diferentes pessoas. No primeiro ano foi difícil, eu
tive umas quatro ou cinco pessoas que me substituíram. A direção da
escola, no último ano, aceitou que eu colocasse uma professora que
não era da rede. A Secretaria de Educação só queria alguém que
fosse da Rede, mas estava difícil conseguir (GILMARA, 2011).
Em relação a um professor substituto para assumir minha classe,
não houve. Havia um acordo entre a Secretaria de Educação e a
UESC. No caso especifico do meu município, somente as cinco
primeiras classificadas teriam direito a um professor substituto e,eu,
que fiquei em segundo lugar, achei que teria esse direito respeitado.
Mas na semana de começar o curso eles fizeram uma reunião e
falaram que a prefeitura não tinha verba para isso, e que cada um
procurasse alguém para substituir, pagar ou fazer um acordo com a
escola. Primeiramente falaram que nós pagássemos. Depois houve
alguns problemas e algumas conversas, eles pediram que
fizéssemos um acordo com a escola. Eu, nesse momento, decidi não
78
fazer um acordo com a escola e não deixar os meninos sem aula. Eu
pagava todos os meses do meu bolso uma pessoa para me
substituir. Eu passei os quatro anos pagando essa pessoa, exceto
nas férias. Nesse período, eu fazia os cursos de extensão para
completar a carga horária do curso. Eu fazia nas férias, para não ter
que estar pagando uma pessoa para me substituir nos períodos de
cursos de extensão que complementavam nossa carga horária. Mas,
o resto do curso eu paguei todos os meses. A prefeitura
disponibilizava trinta e três reais, que era uma ajuda de custo. Esse
dinheiro não dava para pagar nem as xerox, imagine um substituto
(JANACIRA, 2011).
Outros professores organizavam sua saída com a escola e essa ia
encontrando os substitutos.
Eu não tive substituição nenhuma. As vagas do meu município
seriam para o turno noturno. A prefeitura fez um acordo conosco, os
cinco primeiros colocados no processo seletivo fariam no turno de
trabalho e a prefeitura ia assumir o pagamento de um substituto. Eu
fui a décima segunda colocada. Mas, como a quinta colocada
preferiu fazer em turno oposto ao trabalho, porque ela não queria
deixar seus alunos com uma substituta, pois tinha crianças com
atendimento especial, ela trocou comigo, eu que tinha sido a décima
segunda colocada passei para o quinto lugar, ela ficou em décimo
segundo. Nessa situação eu poderia fazer meu curso diurnamente, e
ter direito a um professor substituto. E aí, do dia para a noite, a
prefeitura voltou atrás, e não pagaria mais um substituto prometido. E
aí, para eu frequentar as aulas teria que pedir à diretora da escola.
Então, você perde o seu direito e passa a depender da boa vontade
de alguém. A diretora teve que concordar. Como eu morava em
Buerarema e trabalhava 40 horas, em outro município, e tinha uma
filha pequena, se eu fosse para a turma do noturno ficaria quinze
dias sem vê-la. Eu teria que ir da escola para UESC e voltar para
Buerarema muito tarde, chegando por volta da meia-noite. Então, a
diretora terminou atendendo à minha solicitação. Aí está o favor.
Porque eu não poderia estar de dia, era um favor que a escola
estava me fazendo. Com o decorrer do curso, diante das explicações
da coordenação, fui percebendo: “Poxa, não foi favor”. Eu poderia
estudar no meu horário de trabalho e a prefeitura teria que por um
professor substituto. Era o meu direito que virou um favor (LIDIANE,
2011).
79
Aqui na escola os alunos sempre ficavam com alguém; com a
secretária, a coordenadora, a diretora ou a auxiliar de secretaria e
assim por diante... Era difícil porque era eu e Rose (outra colega que
também estava no PROAÇÃO). Eram duas turmas de Educação
Infantil, duas turmas do Ciclo da Infância, eram crianças pequenas e,
muitas vezes, juntavam as turmas, pois, as pessoas que assumiam a
sala, às vezes, precisavam sair para ir à prefeitura ou, então,
estarem nos seus lugares de trabalho. Era complicado, pois eram
duas turmas pela manhã e duas pela tarde. Sempre juntavam as
turmas da tarde, porque a maioria dos funcionários trabalhava só
pela manhã e a diretora nunca queria que liberasse os alunos, eram
muitos dias sem aulas. Se bem que no meu caso, eu estudava à
noite e, sendo assim, só faltava para participar dos seminários, das
oficinas e dos trabalhos de conclusão do módulo (ELIANE, 2011).
Meus alunos ficavam com um colega meu. Ele era professor. Só que
ele estava afastado de sala de aula. Ele estava na secretaria da
escola. Mas, quando eu me afastava, por um período de uma
semana, a cada mês, ele se disponibilizava, não precisei pagar. A
prefeitura queria que a gente pagasse uma pessoa para ficar no
nosso lugar. Mas, acho que ele via a luta da gente, então falava que
não precisaria pagar nada a ele. Agora, eu deixava todas as
atividades prontas, deixava tudo prontinho, só pra ele ficar, só pra ele
tomar conta. Às vezes, ele não conseguia fazer todas as atividades e
quando eu voltava retomava essas atividades (KÁTIA, 2011).
Estes depoimentos mostram que as Secretarias Municipais de Educação
não assumiram a responsabilidade pela substituição dos professores durante os
encontros na UESC. Cada professor-aluno foi encontrando alternativas para
assegurar a sua permanência no curso e o cumprimento dos dias letivos para seus
alunos.
Esta realidade provocou impactos importantes, de diferentes ordens, na vida
dos professores-alunos. No âmbito das Secretarias de Educação houve
descumprimento do pacto firmado, no que diz respeito à substituição dos
professores. Esse comportamento gerou prejuízo financeiro e emocional para os
professores-alunos e comprometeu o atendimento pedagógico dos alunos. Cada um
tornou-se responsável por sua frequência no curso, gerando um desgaste
emocional, físico e financeiro para eles.
80
Esses fatos mostram que embora as Secretarias de Educação tenham
procurado a UESC para externar e se comprometer com as condições mínimas para
que seus professores participassem do curso, na prática isso não ocorreu. Isso
demonstra a inconstância no atendimento às crianças. Essas ficavam sem o seu
professor e sem um substituto no período de encontros presenciais. Os substitutos
arranjados eram pessoas, na maioria das vezes, sem a formação adequada. Não
faziam o planejamento das aulas para aquele período, em conjunto com o professor
que se afastava. Essa situação tanto prejudicava os professores-alunos em seu
processo de formação, quanto os alunos da Educação Básica que não tinham
assegurado o seu direito a um atendimento escolar com qualidade.
A forma encontrada pelos professores-alunos para que pudessem dar conta
do acúmulo de atividades foi o envolvimento de suas famílias que assumiram muitas
tarefas que antes eram responsabilidade delas. A professora-aluna Kátia (2011)
afirmou: “Antes eu arrumava o guarda roupa da minha filha pequena toda semana,
mas agora é meu marido quem faz esse trabalho”. Núbia que tinha dois filhos bem
pequenos, mudou-se para perto da mãe, pois não tinha como pagar uma empregada
e a mãe se disponibilizou a ajudá-la. A família também se mobilizava para ajudar no
cumprimento das tarefas da Universidade. Uma das entrevistadas nos falou:
Minha filha mais velha via tanto a minha aflição que, quando, eu
chegava em casa e deixava a atividade de formação em serviço em
cima da mesa, ela pegava e ia para o computador procurar leituras
adicionais sobre aqueles temas. Isto foi muito bom para ela,
desconfio que ela ficou meio apaixonada pela carreira de docente
(GILMARA, 2011).
81
CAPÍTULO 4
A EXPERIÊNCIA: CONCEITOS E
ITINERÂNCIAS
82
4. EXPERIÊNCIA: CONCEITOS E ITINERÂNCIAS
Todos nós somos compostos de nossas experiências, somos
um tiquinho de cada experiência que nós vivemos. Então, ninguém
trata de nenhum tipo de formação sem levar em conta a experiência
da pessoa. No nosso caso, era nossa formação profissional, não há
como você não levar em consideração a experiência.
Lidiane, 201110
Ao me debruçar sobre os relatos para compreender a formação de
professores em atuação, parti do pressuposto de que a experiência trazida pelos
docentes (tanto de sua vida profissional quanto de sua vida pessoal) deveria ter um
espaço de destaque neste estudo. Neste sentido, o desafio foi pensar a formação
desses professores a partir da experiência e do significado que teve no seu
processo formativo.
Durante as entrevistas individuais com os professores-alunos pesquisados, a
todo momento eles se reportavam às suas experiências. A professora-aluna Gilmara
exemplifica bem esses momentos. Expressou que, ao entrar no Curso de
Pedagogia, ofertado por meio do Programa PROAÇÂO, a sua experiência também
entrou, pois ela, a experiência, faz parte da sua vida e, sendo assim, não tem como
ficar de fora; essa não depende dos professores formadores ou da proposta
curricular do curso, ela é própria do sujeito. O diferencial, segundo esta professora-
aluna, é o que se faz no processo formativo com a experiência. Esse depoimento
confirma a ideia inicial de que os professores-alunos têm clareza do que é a
experiência e o lugar que ela ocupa na vida humana.
Ratificando o pensamento da professora-aluna Gilmara, os estudos de Josso
(2004) e Macedo (2010), dentre outros estudiosos, que apontam que uma das
maneiras de entender a formação de professores é pensá-la a partir da conexão
entre a prática e a teoria, ou seja, pensar a formação a partir da experiência e do
10
Lidiane, participante dessa pesquisa.
83
seu significado. Nesse cenário, esse movimento precisa ser considerado nos
currículos dos cursos por meio do reconhecimento de que os professores-alunos são
sujeitos de subjetividades e constroem o seu conhecimento de forma intersubjetiva,
trazendo para as aulas suas experiências para serem tematizadas, refletidas e
reconfiguradas no movimento formativo entre professores-alunos e professores
formadores. Neste sentido, os cursos de formação de professores em atuação
deveriam considerar a experiência individual e coletiva que os sujeitos trazem do
mundo do trabalho para a centralidade dos currículos dos cursos.
A partir dessas reflexões, elegi a experiência como um potente dispositivo
para construir a reflexão acerca do movimento formativo vivido por esses atores
sociais no curso investigado. Esta se constituiu, portanto, numa categoria de análise
nesta aventura que é o estudo da formação de professores em atuação.
Iniciei os estudos lançando mão das ideias de alguns teóricos que, implicados
com esse debate, têm realizado reflexões a esse respeito, buscando encontrar uma
inspiração, mas nada que substituísse ou direcionasse as falas dos atores sociais
que constroem conosco este estudo. O lugar de tal inspiração é o do movimento,
das tensões e das implicações que vão tomando forma e me levando para essa
compreensão de que a experiência, enquanto fenômeno, é ao mesmo tempo uma
construção interna e completa do sujeito e, também, uma construção social com e a
partir das vivências desse sujeito da experiência
4.1 O conceito de experiência
O termo experiência deriva do Latim experientia, do verbo experiri, que
significa “fazer ensaio”. A origem etimológica é grega, e significa prova. Os estudos
de Pineau e Courtois (1991 apud CAVACO, C.,2009) descrevem que a experiência é
entendida como um contato direto, como um reencontro, como um choque de
identidades e de realidades, como um estado que altera os estados anteriores. Ela é
constituída de uma espécie de copresença, de correferência, de convivência.
(PINEAU; COURTOIS, 1991 apud CAVACO, C., 2009).
Neste sentido, Josso (2004) nos esclarece que todas as experiências são
vivências, mas nem todas as vivências tornam-se experiências. A experiência é
produzida por uma vivência que escolhemos ou aceitamos como fonte de
84
aprendizagem. As vivências constituem o tecido do nosso quotidiano, Mas, nem
sempre elas ficam em nossa memória ou propiciam uma ocasião de aprender.
Seguindo essa linha de pensamento, é possível afirmar que o desafio das situações
educativas se encontra na imaginação de formas de aprendizagem que vão
surpreendendo o aprendizado. Estas formas oferecem uma oportunidade de
transformar a vivência proposta em experiência analisada, no decorrer da situação
educativa.
Nessa direção, Pineau e Courtois (1991 apud CAVACO, C., 2009) apontam
que o conceito de experiência é impreciso, é aberto, porque engloba a amplitude dos
elementos que lhe são inerentes. Afirmam, ainda, que a experiência apresenta um
caráter dinâmico; ela é questionada e alterada em função das novas situações
vivenciais. Isso permite a evolução do indivíduo e dá origem a um processo de
formação ao longo da vida. Esses autores explicitam que a experiência assume dois
sentidos: um de orientação para o futuro e outro voltado para ações passadas.
No primeiro sentido, a experiência é uma tentativa, um ensaio, um pôr à
prova, cujo resultado se pode esperar, mas tem sempre algo de imprevisível. A
experiência é entendida como uma “confrontação com qualquer coisa nova para a
pessoa, como ruptura no curso habitual das coisas” (CAVACO, C., 2009, p. 222). No
segundo sentido, a prova tem lugar e o sujeito obtém experiência nessa questão,
tornando-se um perito, alguém que adquiriu conhecimento num determinado
domínio. A experiência é compreendida como algo “já constituído, estabilizado,
imobilizado, estruturado como quadro de pensamento e de ação” (CAVACO, C.,
2009, p. 222). A experiência incorpora uma dimensão de processo, no primeiro
sentido, e expressa uma dimensão de resultado, no segundo sentido.
Continuam os autores afirmando que a experiência, enquanto processo,
corresponde a um conjunto de condições, de situações, de acontecimentos que se
sucedem numa certa ordem. É esse processo que permite construir a experiência
como um produto. Tal experiência enquanto produto corresponde ao conjunto de
modos de ser, de pensar e de fazer. Nesse sentido, a experiência não é linear na
progressão, nem biunívoca no sentido. Ela pode resultar de uma situação pontual e
muito breve ou de um acontecimento dilatado no tempo. Assim, uma mesma
situação não origina necessariamente o mesmo resultado em pessoas diferentes.
Podemos dizer que a experiência resulta da influência recíproca das condições
objetivas dos contextos e das condições subjetivas e quem a vive.
85
Outra contribuição importante sobre o conceito de experiência são os estudos
de Jorge Larrosa (2002), John Dewey (1980) e François Dubet (1994). Esses
autores formularam conceitos teóricos que, embora andem por caminhos diferentes,
compreendem a experiência como um processo que envolve a interação do sujeito
que vivencia essa experiência, e não um fenômeno construído naturalmente.
Dewey (1980) afirma ser a experiência uma ação constante no sujeito em
razão de sua interação com as condições que o cercam, enquanto processo de vida.
Para Dubet (1994), as formas sociais de construção da realidade fazem com que a
experiência não seja considerada uma forma passiva de incorporação do mundo
através das sensações e emoções, mas uma maneira de construir o próprio mundo.
Larrosa (2002) chama a atenção para o fato de que, muitas vezes, a
experiência é confundida com trabalho. Ele alerta para o fato de que a experiência
se torna cada vez mais infrequente por conta do excesso de trabalho. Isso é
consequência do ritmo de vida do sujeito moderno, que está sempre achando que
pode realizar tudo o que lhe é proposto. Destaca que o sujeito moderno deseja
produzir, modificar ou regular algo, e com isso investe toda a sua existência em
fazer coisas. Essa movimentação pode afastar o sujeito da experiência e transformá-
lo em um tarefeiro.
O autor entende que a experiência é a possibilidade de que algo aconteça ou
toque o sujeito e, para que isso ocorra, é preciso parar para refletir com calma,
sobretudo, parar para sentir. Quando se fala de experiência é preciso falar do sujeito
da experiência que, na verdade, é um lugar que possibilita que algo aconteça. Esse
sujeito deve obter uma passividade e, acima de tudo, uma disponibilidade
fundamental, por isso é um ser passional. Outro componente fundamental que o
caracteriza é a sua capacidade de transformação. Ao contrário, um sujeito definido
por seu poder, seu saber, forte e inatingível, é um sujeito incapaz de experiência.
John Dewey (1980) entende a experiência como uma ação constante no
sujeito em razão de sua interação com as condições que o cercam, enquanto
processo de vida. No entanto, ressalta que frequentemente as coisas são
experienciadas, porém são incompletas. Para obter uma experiência se faz
necessário que o material experenciado siga o seu caminho até a completude.
Quando Dewey (1980) afirma que uma experiência se integra a outras, ele
expõe uma ideia de continuum e de interação das vivências em um rol de
conhecimentos e sentidos que são construídos ininterruptamente. Para esse
86
pensador, existe, portanto, um “continuum experiencial” em que uma experiência é
completa e, ao mesmo tempo, distinta das anteriores, porque as atualizou, e conta
com novas experiências que ocorrerão, porque elas nunca se repetem na íntegra.
O autor (1980) ainda afirma que a experiência é dinâmica, gerando produtos
provisórios, os quais vão sempre fomentando novas experiências em um processo
de atualização que, por sua vez, constitui-se em novos movimentos experienciais.
Percebe-se, então, que os princípios de interação e continuidade em sua
indissociabilidade constituem-se elementos presentes na experiência. Destaca que
toda a experiência decorre da interação entre o sujeito e algo do mundo vivido. A
sua percepção só ocorre se a ação e sua consequência estiverem juntas. E diz:
Um homem faz algo; levanta uma pedra, por exemplo. Em
consequência padece, sofre alguma coisa: o peso, a resistência, a
textura da superfície da coisa levantada. As propriedades assim
sofridas determinam o agir subsequente (DEWEY, 1980, p.95).
Na caminhada para compreensão da experiência e de sua força na formação
do sujeito, recorri a François Dubet (1994), pois este afirma que o conceito de
experiência tem sido utilizado para designar as lógicas de ação presentes na
experiência escolar dos diversos segmentos sociais. Esse autor, reconhecendo a
ambiguidade que pode haver nessa noção de experiência, faz referência a dois
fenômenos contraditórios. O primeiro é que ela pode ser considerada como "uma
maneira de sentir, de ser invadido por um estado emocional, suficientemente forte
para que o ator deixe de ser livre, descobrindo uma subjetividade pessoal" (DUBET,
1994, p. 94). Esta representação do que é “vivido” pelo sujeito é ambivalente. No
entanto, ela aparece como individual manifestação do ser único e da sua história
particular e, tomando outro viés, pode ser considerada como a recobertura da
consciência individual pela sociedade.
O segundo fenômeno é que a experiência é tida como “uma atividade
cognitiva, é uma maneira de construir o real e, sobretudo, de o “verificar”, de
experimentá-lo. A experiência constrói os fenômenos a partir das categorias do
entendimento, ou seja, razão" (DUBET, 1994, p. 95). Para o autor, essas categorias
são sociais, isto é, são formas de construção da realidade. Isso faz com que a
experiência não seja considerada uma forma passiva de incorporação do mundo
através das sensações e emoções, mas uma maneira de construir o mundo.
87
Segundo o autor, a experiência só existe aos olhos do individuo na medida
em que é reconhecida, partilhada e confirmada pelos outros. A experiência social é
crítica, pois os indivíduos estão constantemente justificando as suas ações,
explicando o que fazem e porque o fazem. Nestas situações eles se distanciam de
suas experiências e julgam-na a partir de normas mais ou menos latentes,
mobilizadas para o caso. Uma sociologia da experiência requer que cada indivíduo
seja considerado “como um intelectual, como um ator capaz de dominar
conscientemente, pelos menos em certa medida, a sua relação com o mundo”
(DUBET, 1994, p.107).
Para Carmen Cavaco (2009), a experiência é analisada numa relação
dialética entre processo e produto, e assumida como algo não linear, que pode ser
associado a um percurso labiríntico, pois há percurso com continuidade que dá
origem a processos e a resultados, mas, também há vias sem saída e outras,
passíveis de serem percorridas, que não são ensaiadas. Estas últimas ficam latentes
e podem emergir a qualquer momento, dependendo do contexto e das condições
subjetivas de cada sujeito. Neste sentido, entendo que a experiência não pode ser
descrita e analisada por meio de referenciais de sequência linear, tendo em vista
que ela apresenta um caráter dinâmico, é questionada e alterada em função das
novas situações vivenciais, o que permite a evolução do indivíduo, e dá origem a um
processo de formação ao longo da vida e do tempo. Jobert (1991, p.75) ratifica esse
posicionamento quando afirma que a experiência é construída ao longo do tempo,
de forma individual e coletiva, “na intimidade das pessoas, no seu corpo, na sua
inteligência, no seu imaginário, na sua sensibilidade.” Enfim, posso depreender
desses estudos que não é tarefa fácil apresentar um conceito de experiência que
possa reunir as suas diferentes dimensões.
4.2 O saber da experiência e o saber da prática
Tomando as referências apresentadas anteriormente, percebi o quanto é
fundamental a incorporação do conceito de experiência para o desenvolvimento do
currículo nos cursos de formação de professores em atuação. Ao examinar a
proposta curricular do PROAÇÃO, meu objeto de pesquisa, observo que as ações
desenvolvidas tinham como referência a experiência dos professores-alunos. Esse
88
conceito foi o eixo norteador das ações pedagógicas desenvolvidas no curso que, a
partir da sua interação com a prática, processavam mudanças marcadas tanto por
fatores individuais quanto coletivos.
Nessa concepção, fica demonstrado que a experiência dos professores se
constrói no decorrer da profissão, através das ações e decisões pedagógicas
tomadas diante de determinadas situações, nas interações com os pares, a partir
dos contextos em que estão inseridos, constituindo-se um saber. Um saber oriundo
do cotidiano prático e do meio vivenciado pelo professor-aluno que apresenta uma
natureza dinâmica e interativa.
Larrosa (2002) coloca que o saber da experiência funda uma ordem
epistemológica e uma ordem ética, provenientes do saber e da práxis dos sujeitos.
Para ele, esse saber é distinto do saber científico e do saber da informação, como
se diferencia de uma práxis limitada pela técnica e pelo trabalho. Para esse autor, o
saber da experiência se dá na mediação entre o conhecimento e a vida humana; é
um saber de existência.
O saber da experiência tem a ver com a elaboração do sentido ou do
sem-sentido do que nos acontece, trata-se de um saber finito, ligado
à existência de um indivíduo ou de uma comunidade humana
particular. Ou, de um modo ainda mais explícito, trata-se de um
saber que revela ao homem concreto e singular, entendido individual
ou coletivamente, o sentido ou o sem-sentido de sua própria
existência, de sua própria finitude. Por isso, o saber da experiência é
um saber particular, subjetivo, relativo, contingente, pessoal. [...] A
primeira nota sobre o saber da experiência sublinha, então, sua
qualidade existencial, isto é, sua relação com a existência, com a
vida singular e concreta de um existente singular e concreto. A
experiência e o saber que dela derivam são o que nos permite
apropriar-nos de nossa própria vida (LARROSA, 2002, p. 27).
Os saberes das experiências são, portanto, saberes polilógicos que traduzem
as inferências da história de vida dos sujeitos em suas dimensões pessoais, em
suas relações com a educação formal, em sua personalidade e em sua formação
profissional. Eles se entalham como um repertório de atuação do educador e
traduzem as experiências formativas do ethos do sujeito em ação, ou seja, em
práxis. Assim sendo, se atualizam, a partir das múltiplas referências que se
enviesam, na itinerância formativa do ser e refletem desse modo as atualizações de
existências singulares.
89
Então, o saber da experiência requer um pensamento complexo, aqui
concebido como saberes das experiências, em sua pluralidade, tanto se referindo à
diversidade de saberes, como à gama de experiências formativas que os compõem;
tanto em sua gênese criativa, quanto em suas atualizações contínuas; são saberes
de experiências diversas e coexistentes na construção dos repertórios de atuação
dos educadores, em suas práxis.
Diante dessas colocações, os saberes experienciais não podem ser
entendidos como saberes cumulativos que são copiados e repetidos rotineiramente
por anos e anos de docência de cada professor. Os saberes experienciais partem da
experiência como intermediária entre o conhecimento e a vida humana.
4.3 A experiência no sujeito e o sujeito da experiência
Para encontrar e compreender o lugar ocupado pelas experiências dos
professores-alunos em seus processos formativos fui a campo para, por meio das
entrevistas individuais e do debate nos grupos focais11, travar diálogos com os
professores-alunos sobre: o conceito de experiência e do sujeito dessa experiência e
a experiência como dispositivo de formação durante o curso. As entrevistas e os
grupos focais deram voz aos professores-alunos por meio das narrativas e foi
possível ter visibilidade de suas práticas, o que possibilitou uma compreensão dos
seus processos formativos. Em um movimento respeitoso, levantei questões que me
impulsionaram para novas necessidades de debate e aprofundamento do diálogo, a
fim de encontrar as marcas deixadas pelo curso na formação desses professores, no
tocante ao uso das suas experiências no currículo do curso.
Nas analises das entrevistas individuais encontrei um conceito de experiência
muito ligado ao fazer docente. Os professores-alunos relatavam que existiam
momentos, durante o curso, em que podiam falar a respeito do trabalho
desenvolvido na escola. Neles, eles iam falando, falando, relatando tudo o que
viviam, sem filtrar o que era mais significativo para aquele momento. Contavam os
“causos” e alguns colegas, que sempre tinham algo para narrar, chegavam a ser
apelidados de: "Zé Falante", "Maria um Causo Só", entre outros.
11 Tal como está especificado no capítulo 1 deste trabalho (N.A.).
90
Estas falas despertaram a minha atenção porque constatei que mesmo os
professores-alunos não verbalizando um conceito de experiência, eles já
desconfiavam que nem tudo que era narrado em sala poderia ser considerado como
experiência, pois não tinham as marcas da diversidade de saberes construídos nas
suas práxis pedagógicas. Os estudos de Josso (2009) me ajudaram a compreender
a diferença e a relação entre vivência e experiência, ao afirmar que toda experiência
contém uma vivência, mas que nem toda vivência resulta necessariamente em uma
experiência. Segundo a autora (2009, p.136),
As vivências constituem o tecido do nosso quotidiano. Nem sempre
estas vivências ficam na nossa memória ou propiciam uma ocasião
de aprender qualquer coisa recente que vai ficar, enquanto recurso
novo, daqui para frente [...] para perceber que a experiência é
produzida por uma vivência que escolhemos ou aceitamos como
fonte de aprendizagem particular ou formação de vida. Isto significa
que temos de fazer um trabalho de reflexões sobre o que foi
vivenciado e nomear o que foi aprendido. Todas as experiências são
vivências, mas nem todas as vivências tornam-se experiências. É por
isso que o desafio das situações educativas se encontra na
imaginação de formas de aprendizagem que vão surpreendendo o
aprendizado. Estas formas oferecem uma oportunidade de
transformar a vivência proposta em experiência analisada, no
decorrer da situação educativa.
A realização de uma sessão do grupo focal a respeito dessa temática foi
indispensável para que, no debate com seus pares, os professores-alunos
pudessem aprofundar a discussão e, assim, chegar a um conceito mais elaborado
sobre o termo experiência. Nessas discussões não levavam conceitos teóricos para
serem analisados, o que existia era o debate, a discussão e reflexão, o diálogo
fundado em nossas vivências. E nesse movimento eles iam refazendo suas ideias
com e a partir das falas e da análise dos exemplos trazidos para o debate.
Comecei o debate a respeito da experiência utilizando a seguinte questão
provocadora: Até que ponto a experiência de vocês entrou para o currículo do
curso? Esta provocação tinha a finalidade de promover uma certa descontração e
assegurar o debate. Os primeiros minutos foram de silêncio, os atores sociais
pareciam voltar no tempo, viajando até o curso, rememorando as lembranças. Logo
em seguida me perguntam se tinha como, em um curso de formação de professores
em atuação, deixar de fora a experiência. Silenciei. Eles começaram a debater.
91
A primeira a falar foi Tatiana, que afirmou:
Por ser um curso específico para professores que já estão trabalhando, não tem jeito, não há como esquecer a nossa experiência, mesmo se a gente não quisesse, as nossas experiências estariam lá. E todos que estavam lá não iam deixar de socializar a experiência que cada um tem, porque estava no currículo de cada um, mesmo que fosse oculto (2011).
O debate foi se constituindo primeiro por falas individuais e, aos poucos, com
falas entrecruzadas. Todos queriam falar, complementar a fala do colega,
acrescentar mais informações, e fomos ouvindo, gravando e pensando. No início do
debate os professores-alunos traziam a ideia de que a experiência era sinônimo da
prática. Para eles, experiência e prática tinham o mesmo significado. Nos trinta
primeiros minutos essa marca foi se constituindo, aí lancei outra questão: O que é
experiência?
A primeira a apresentar o conceito foi Diva, com a espontaneidade que lhe é
peculiar: “É viver, ralar, é sofrer, é ficar feliz, tudo isso é experiência. É tudo o que a
gente vive de verdade” (2011).
Magda, uma das mais atentas à discussão, afirma que:
Experiência é saber fazer alguma coisa que você se propõe fazer. Experiência é saber-fazer; você tem um período fazendo aquela coisa e você aprende a fazer, pode estar certa, pode casar com as teorias ou não. Minha experiência me proporcionou isso. Sei, por exemplo, como trabalhar com crianças de creche, de um ano e meio a três anos, isso é uma experiência minha, foi o tempo que me proporcionou esse aprendizado de trabalhar com esse grupo, com essa faixa-etária. Se ele está coerente com o que as teorias dizem, não sei, pode não estar, mas eu sei fazer aquilo que eu estou me propondo a fazer, dentro do que eu compreendo (2011).
Em seguida, Tatiana, uma boa ouvinte, complementa o pensamento da
colega: “É porque eu já vivenciei, já passei por aquele processo, então, eu tenho
experiência naquilo” (2011).
Respondendo, Lidiane, aquela que está sempre preocupada com a sua
formação, se posiciona da seguinte maneira:
Quando você tem a experiência, ainda que você não se dê conta, você já sabe como é. É capaz de escolher: „Isso aí eu já vivi, eu não quero mais. Eu já passei por isso, não deu certo, aí eu vou por outro caminho. Eu já vivi‟. Então, experiência para mim é uma vivência refletida (2011).
92
A discussão foi alimentada com a intervenção de José, o tímido, o único
homem do grupo, que afirmou: “Experiência é você estar, no seu dia a dia, em sua
sala de aula, revendo a sua prática, fazendo uma reflexão, se está certo ou não,
porque você tem que fazer o seu trabalho (2011).
Diva retorna ao debate complementando seu pensamento anterior, dizendo
que:
Eu vejo a experiência como uma situação meio abstrata, porque, realmente, você a sente. Foi como eu coloquei. É viver de verdade, porque se você tem uma experiência e você passa superficialmente por aquela coisa que você está vivendo, não se torna uma experiência, torna-se uma passagem ali [...]. Mas, quando você realmente se envolve, você tem sentimento envolvido naquilo, tem toda uma dedicação, aí se torna uma experiência, porque, mesmo sendo uma situação negativa, você diz: „Valeu à pena!‟ (2011, grifo da autora).
Constatei que para conceituar experiência os atores sociais consideraram sua
própria experiência como lócus de construção desse conceito.
As narrativas me mostraram que os professores-alunos compreendem o
conceito a partir das suas próprias vivências, leituras e reflexões. Os conceitos
apresentados trazem marcas discutidas por teóricos que têm se debruçado sobre o
tema, em todas as falas está presente a necessidade de reflexão, movimento que,
segundo Josso (2004 e 2009), é necessário para que a vivência se transforme em
uma experiência. Outra marca das narrativas diz respeito ao fato de que a
experiência produz uma aprendizagem e, aí, é possível enxergar a contribuição de
Larrosa (2002), quando afirma que o saber da experiência é um saber particular,
subjetivo, relativo, contingente e pessoal.
Percebi que os alunos têm uma compreensão acerca da experiência,
contudo, ela se apresenta difusa, como sinônimo de prática, conforme demonstram
as narrativas acima. Para problematizar esses dois conceitos, prática e experiência,
lancei uma segunda questão sobre a relação entre prática e experiência. A
discussão tomou um novo fôlego e as narrativas continuaram.
Gilmara, politicamente definida, diz:
Eu, realmente, acho que experiência é tudo que te marca, que dentro de você gera um sentimento. Então, assim... no universo de uma sala de aula, a gente vê muitas crianças, dessas, algumas acrescentarão experiências à sua vida de forma marcante, outras marcam, mas é algo que você viveu superficialmente. A experiência
93
é aquilo que resulta da vivência; daquilo que você viveu; daquilo que você apurou; daquilo que ficou com você e que o tempo lapida, mas, não apaga (2011).
Diva intervém buscando a centralidade da discussão. “Entendo que a
experiência lhe deixa íntima da prática; elas têm uma relação assim... quase que
conjugal” (2011).
Gilmara retoma a fala:
Eu ia dizer que uma dá suporte à outra, a experiência dá suporte à prática, não é? A experiência lhe deixa... Mas a colega foi assim, mais profunda na questão, que é isso mesmo, é quase um casamento, uma relação conjugal (2011).
Lidiane na mesma linha de pensamento completa: “A experiência garante a
prática” (2011). E Magda sintetiza o pensamento do grupo:
Prática e experiência têm uma relação que é de completude, elas se completam; elas precisam uma da outra, não existe experiência sem a prática, pois, eu sinto e penso sobre aquilo que faço (2011).
Percebi que os atores sociais, no transcorrer da discussão, foram
aprofundando o debate acerca da experiência e da prática. E, nesse movimento, foi
possível ampliar os conceitos, deixando claro que a prática é o fazer, é a ação. A
relação desses elementos de forma refletida constitui-se em experiência.
Esse instante de aprofundamento e reflexões sobre os conceitos debatidos
veio comprovar o que já havia intuído a respeito da pesquisa formativa. Os atores
sociais deixaram de ser meros informantes e assumiram o papel de protagonistas do
seu conhecimento, criando tensões, concordando, discordando e revisitando
conceitos e práticas vivenciadas no curso de formação de professores.
4.4 A experiência como dispositivo formativo do curso
Nos diálogos com os atores sociais a respeito das suas experiências no
desenvolvimento do curso, materializado tanto nas disciplinas como nas atividades
interdisciplinares (minicursos, oficinas, seminários), eles apontaram que a maioria
dos professores formadores sempre começava as aulas levantando os relatos de
situações vivenciadas no cotidiano da sala de aula dos professores-alunos.
Afirmavam que as narrativas compartilhadas seriam significativas para enriquecer o
94
processo formativo. Declararam, ainda, que a articulação da experiência nas
variadas ações desenvolvidas era realizada em alguns momentos timidamente, em
outros, intensamente, e, às vezes, de forma concomitante.
Nessa perspectiva, os depoimentos dos professores-alunos foram
delineando-se e definindo o lugar que suas experiências ocuparam no processo
formativo vivenciado, apresentando-se sob três perspectivas: a negação da
experiência, a escuta da experiência e a reflexão sobre a experiência.
4.4.1 A negação da experiência
Segundo as narrativas apresentadas pelos professores-alunos, a negação da
experiência esteve presente no desenvolvimento do curso. Esta conduta foi
marcante nos atos dos professores formadores que se limitavam a ministrar as aulas
programadas sem estabelecer a escuta e o debate sobre as experiências.
Justificavam ser essa atitude consequência da escassez de tempo, e que os
cursistas precisariam ter conhecimentos teóricos para, em outro momento,
estabelecer as articulações entre as experiências do mundo do trabalho e o
conhecimento adquirido na aula. Essa realidade pode ser constatada nos
depoimentos que seguem:
Eu sei que era importante a gente falar a respeito do nosso trabalho,
mas, você sabe, o tempo era pouco e se ficássemos falando,
falando, alguns professores achavam que ia faltar tempo para
estudar o conteúdo e que a gente poderia pensar a respeito da
prática depois, em grupo (não sei quando) ou em casa. Mas, como
íamos encontrar tempo para conversar? (GEÓRGIA, 2011).
Algumas disciplinas ficavam apenas no conhecimento teórico. Os
professores pareciam que nem sabiam que, nós, já éramos
professores. Uma disciplina que caracterizou muito bem isso foi a
Sociologia, que ficou com a gente em dois módulos, um como
Sociologia e o outro como Sociologia da Educação. Nessas duas
disciplinas a professora trouxe, basicamente, a teoria para gente. Ela
veio somente dos teóricos e não da escola [suas práticas
pedagógicas] para a universidade ou do casamento das duas. Aí veio
da disciplina mesmo. Então, a professora estava lá; ela era muito boa
por sinal, tudo muito proveitoso, mas, em relação à nossa
experiência não havia o debate. Isso não foi em alguns momentos
não; todas as aulas eram assim. Vinham as informações e a gente ia
recebendo essas informações da professora (MAGDA, 2011).
95
Diante das narrativas apresentadas verifiquei que a bagagem experiencial
trazida por esse público não tinha um lugar nessas aulas. A experiência era
silenciada, sufocada. Com essa conduta perde-se a presença do grupo e o fomento
de reflexões coletivas, tempo em que cada sujeito se vê individual e coletivamente.
No entender de Larrosa (2002), esta postura assumida por alguns professores, de
silenciar a experiência dos sujeitos, constitui-se, até certo ponto, em uma
antiexperiência.
4.4.2 A escuta da experiência
De acordo com esta visão, constatei que os professores formadores criavam
espaço, no tempo das aulas, para a escuta de experiências dos professores-alunos.
Eles motivavam os professores-alunos a trazer os seus relatos de experiências a
respeito do fazer cotidiano. Entretanto, não eram criadas situações que
provocassem uma reflexão a respeito das práticas e dos saberes utilizados por eles
no desenvolvimento do trabalho docente nas salas de aulas. As narrativas
registradas mostram a vivência com essa conduta:
Eu sempre percebi que pelo menos a maioria dos professores tinha a
preocupação em saber sobre as nossas experiências na sala de
aula. Eles valorizavam muito nosso trabalho, pois elogiavam nossa
conduta e, às vezes, até as usava como exemplo nas aulas. Era
muito fácil, a gente relatava e o professor estava sempre aguçando
essa troca entre nós mesmos. Eu acho que eles recebiam de nós
uma diversidade de informações que acrescentava algo a eles,
também. Então, a gente era sempre instigada a falar (ANA DALVA,
2011).
Eu percebia que nossos relatos eram como algo que fazia parte da
dinâmica do curso, porque eram vários professores que nos pediam
para fazê-los. Era muito bom; a gente ficava conhecendo muito o
trabalho dos nossos colegas e eles o nosso (TATIANA, 2011).
A maioria dos professores gostava de ouvir nossas experiências. Às
vezes alguns colegas se prolongavam muito contando “causos” da
sala de aula ou, mesmo, da comunidade onde a escola estava
inserida. O problema era que ficava muito cansativo e, quando eles
terminavam de falar não dava mais tempo para o debate e no dia
seguinte já tínhamos outra atividade para fazer. Eu me perguntava se
não era melhor o professor ter determinado o tempo das falas para
que pudéssemos discutir o conteúdo delas (ANAIARA,2011).
96
Levando em consideração esses depoimentos, percebi que a experiência
tinha um lugar no curso, mas a dúvida é: até que ponto ela se tornava formativa,
uma vez que os depoentes não mencionam reflexões e tensões presentes nas
experiências narradas. Com esta preocupação busquei fundamentos em Josso
(2004), quando afirma que é possível aprender pela experiência e que esta se torna
formativa pela percepção de como essa formação se processa. Nessa direção, a
autora (2004) chama a atenção para o fato de que a experiência precisa ser uma
ação refletida, sob pena de transformar-se em uma antiaprendizagem.
4.4.3 A reflexão sobre a experiência
Este procedimento de “reflexão da experiência” durante o processo formativo
dos professores-alunos se fez presente no desenvolvimento do curso. A escuta das
experiências individuais e coletivas envolvia tensões necessárias à reflexão das
experiências relatadas. O debate se instalava de forma tematizada sobre os diversos
conhecimentos dos quais o professor-aluno lançava mão para lidar com as questões
impostas pela prática docente. Essa discussão era planejada e sistematizada,
constituindo-se no movimento necessário à formação experiencial dos sujeitos em
formação. Essa formação Josso (2004) define como a atividade consciente de um
sujeito que efetua uma aprendizagem imprevista ou voluntária em termos de
competências existenciais (somáticas, afetivas e de consciência, instrumentais ou
pragmáticas, explicativas ou compreensivas, na ocasião de um acontecimento, de
uma situação, de uma atividade que coloca o aprendente em interação consigo
próprio, com os outros, com o meio natural ou com as coisas que o rodeiam.
Nessa linha de raciocínio, Pineau (2003) afirma que a formação experiencial é
uma atitude por contato direto, mas refletido. Para Cavaco (2009) é a descoberta
progressiva, por parte de um sujeito (individual ou coletivo), da sua capacidade de
pensar e de produzir a realidade a partir de cada experiência, capitalizando, de um
modo singular, as potencialidades heurísticas das situações nas quais se inscreve a
sua identidade.
Neste sentido, pode-se afirmar que a experiência formadora tem como
centralidade o processo de aprendizagem experiencial, articulado em nível
hierárquico, que envolve: o saber-fazer, os conhecimentos, a funcionalidade e a
significação, as técnicas e os valores, em um espaço-tempo, e a oportunidade de
97
uma presença, para si e para a situação, por meio da mobilização de uma
pluralidade de registros.
Nos depoimentos dos professores-alunos são percebidos ações
desenvolvidas por alguns docentes do curso que caminharam nesta direção, de
modo particular nas disciplinas Estágio Supervisionado, Fundamentos da
Alfabetização e nos trabalhos de conclusão de módulo (TCM). Veja algumas falas e
observações constatadas: “Nossos relatos não serviam apenas para alguns
desabafos. Eles davam vida às aulas” (ANA DALVA, 2011)
Nossas vivências eram muito confusas em relação à alfabetização. A
professora da disciplina Alfabetização pediu que a gente falasse
sobre nosso trabalho. Ela queria saber como a gente alfabetizava.
Falamos bastante e ela foi anotando, depois, selecionou várias
atividades, leituras, vídeos e outras coisas para a gente comparar o
nosso trabalho com aqueles relatos e, a partir daí, rediscutir e
apresentar algumas reflexões a respeito do que fazíamos [...] Então,
partiu muito da nossa prática e houve o retorno à nossa prática.
Aplicava-se as atividades da disciplina Alfabetização em nossas
salas de aulas e, depois, retomava-se os resultados das práticas
para as análises. Durante as apresentações, a professora formadora
nos questionava para esclarecer essas práticas. Foram momentos de
reflexão a respeito do nosso trabalho, da nossa experiência e da
nossa prática em sala de aula, refletindo nosso fazer pedagógico, ou
seja, a nossa experiência (LIDIANE, 2011).
A disciplina Estágio Supervisionado tinha claramente essa intenção,
essa dimensão, esse olhar mais holístico, voltado para a gente e
para nossa experiência. Em outras disciplinas esse debate era mais
tímido. Porém, não dava para apresentar um seminário sobre a
alfabetização, por exemplo, sem trazer à tona nossa própria
experiência, enquanto alfabetizadora. Poderia, até, não ser uma ação
intencional, mas, pelo fato de a experiência fazer parte da nossa vida
e do nosso fazer, ela estava presente nos nossos atos. As docentes
da disciplina Estágio foram muito enfáticas. A professora Yasmine,
mais ainda, porque ela valorizava demais as nossas experiências.
Acho que a vertente da nossa formação no curso era essa
(TATIANA, 2011).
Uma atividade importante presente no curso e apontada pelos professores-
alunos como um espaço de reflexão da experiência foi a dos trabalhos de conclusão
de módulo (TCM), que eram realizados ao final de cada módulo de estudos. Essas
atividades eram organizadas em grupos pequenos sob a orientação de um professor
98
do curso. Os professores-alunos escolhiam a temática para análise e após estudos
individuais, constituía-se em uma aprendizagem coletiva, refletida e tornada
consciente através de descobertas sucessivas, mesmo de forma sofrida, que eram
significativas para a sua formação. Em seguida eram socializadas com todos os
professores-alunos através de um seminário.
Esses depoimentos sinalizam que a reflexão intencional sobre a experiência
era uma marca da disciplina Estágio Supervisionado. Havia uma mediação que
assegurava o debate acerca dos conhecimentos presentes nas falas, extraindo-se
deles o próprio processo formativo. A fala de Lidiane anuncia a preocupação no
sentido de compreender a dimensão da experiência e possibilitar uma aprendizagem
a partir dela:
A experiência requer tempo. Não existe experiência sem um tempo.
Eu nunca vou dizer que a professora que eu sou hoje é a mesma
professora que eu era há 10 anos. Porque a experiência vai lhe
enriquecendo, vai lhe melhorando. A experiência permite você avaliar
o que você é, o que você faz e o que você precisa melhorar. Então,
só o tempo com a experiência lhe garante melhoria, lhe garante
aprendizado (2011).
4.5. A experiência na formação de professores
A minha itinerância literária em busca de uma compreensão mais elaborada
do processo formativo dos professores em atuação me levou a revisitar estudos que
permitissem compreender a formação experiencial, pois, esta, parece ser um
possível caminho para a formação desses professores. Josso (2004) defende que a
formação é experiencial, sendo esta um conceito multidimensional a partir do qual
surgem várias definições que, de algum modo, se complementam. Para a autora
(1991, p. 198), a formação experiencial
[...] designa a atividade consciente de um sujeito que efetua uma
aprendizagem imprevista ou voluntária em termos de competências
existenciais (somáticas, afetivas e de consciência), instrumentais ou
pragmáticas, explicativas ou compreensivas na ocasião de um
acontecimento, de uma situação, de uma atividade que coloca o
aprendente em interação consigo próprio, os outros, o meio natural
ou as coisas que o rodeiam.
99
Para Pineau, (1989 apud CAVACO, C., 2009), a formação experiencial é uma
formação por contato direto, mas refletido, ou seja é no exercício de reflexão que o
processo formativo vai se constituindo.
Para Roelens (1991, p. 220)
É a descoberta progressiva por um sujeito (individual ou coletivo) da
sua capacidade de pensar e de produzir a realidade a partir de cada
experiência, capitalizando, de um modo singular, as potencialidades
heurísticas das situações onde se inscreve a sua identidade.
Nessas três definições, algumas ideias lhes são transversais: o papel ativo
que o sujeito assume e a sua capacidade de experimentar e de refletir sobre as
situações e acontecimentos que ocorrem no seu dia a dia; e o fato de a formação
experiencial ocorrer através de um contato direto entre o sujeito e o objeto, o que
origina, normalmente, uma ação, e resulta num saber real com aplicação prática na
vida desse aprendiz. Quando falo de formação experiencial tenho, subjacente, o
pressuposto básico de que se aprende através da experiência.
Diante desses fundamentos, uma questão me intrigava: Como articular a
formação a partir dessa experiência? Os caminhos que percorri foram sinalizados
pelos próprios atores sociais. Eles anunciavam, através do diálogo, a necessidade
de se trabalhar, no curso, as suas experiências. Na escuta desses atores sociais foi
possível me aproximar do processo formativo vivido por eles.
Os professores, algumas vezes, iam puxando os conteúdos
presentes nos nossos relatos para o debate. Quando os docentes
promoviam o debate acerca das experiências relatadas era melhor,
pois, aí, tanto os colegas davam suas opiniões como os professores
formadores também e, assim, eles ainda podiam ir mostrando os
saberes que utilizamos na construção daquela experiência, essa aula
também se tornava uma nova experiência (LIDIANE,2011).
Eu acredito que era uma intenção do curso promover esse encontro
da experiência que a gente tinha com o debate teórico acerca daquilo
que acreditávamos. A gente achava que a nossa própria experiência
ensinava, mas, na hora de arrumar isso, de compreender melhor o
nosso trabalho, tivemos que buscar os teóricos. Isso foi feito no
curso, acho que esse foi o grande acréscimo do curso, porque a
gente já tinha uma caminhada (GILMARA, 2011).
100
Esses e outros relatos mostram que os professores-alunos entendiam que a
formação está ligada à experiência. Esse movimento formativo só é possível quando
existe o reconhecimento de que a experiência traz em si conhecimentos que
precisam ser debatidos e articulados com o pensar do sujeito em formação. Eles
mostram que no movimento formativo é necessária a presença do professor
formador fomentando esse debate e acrescentando novas necessidades de
aprendizagem para os sujeitos. Esse movimento, anunciado por essas narrativas,
vai ao encontro da formação experiencial, pois essa não se limita ao vivido e à
experiência, ela supõe uma atividade intelectual intensa a fim de confrontar essa
experiência, integrá-la e dar-lhe sentido.
Posso afirmar, corroborando a ideia de Josso (2004, p. 123), que “a formação
não é senão experiencial”, porque lhes são inerentes a atribuição de sentido e a
reflexão sobre o vivido, e isso exige a apropriação das situações por parte do sujeito:
a experiência é condição necessária para que ocorra formação.
No próximo capítulo vou apresentar uma discussão a respeito da relação
teoria e prática e do lugar ocupado por essa relação no processo formativo vivido
por esses atores sociais.
101
TEORIA E PRÁTICA NA FORMAÇÃO
DE PROFESSORES EM ATUAÇÃO: UM
DIÁLOGO NECESSÁRIO
CAPÍTULO 5
102
5.TEORIA E PRÁTICA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM ATUAÇÃO: UM
DIÁLOGO NECESSÁRIO
A atividade teórica por si só não leva à transformação da
realidade; não se objetiva e não se materializa, não sendo, pois,
práxis. Por outro lado, a prática também não fala por si mesma, ou
seja, teoria e prática são indissociáveis como práxis.
Adolfo Sánchez Vázquez, 2007
Uma discussão sobre os modelos de formação de professores com o
propósito de compreender o lugar da relação teoria e prática no processo formativo
dos professores, é indispensável. Interessa-me saber como esse debate foi se
configurando ao longo do tempo e como se materializou no curso de formação de
professores em atuação do programa PROAÇÃO.
Inicialmente apresentarei algumas reflexões a respeito dos termos prática e
teoria, em seguida, um debate a respeito dessa relação, tomando uma visão de
unidade, e no diálogo com os atores sociais participantes dessa pesquisa, irei
desvelando o processo formativo vivido por eles. Espero, nesse movimento,
encontrar o lugar ocupado por esse debate na formação desses professores-alunos.
Durante os diálogos mantidos com os atores sociais, o debate sobre a relação
teoria e prática foi se configurando. Nas entrevistas individuais essa temática
emergiu naturalmente, e a necessidade de reapresentá-la em uma das sessões do
grupo focal surgiu.
Durante o debate o meu desejo era me aproximar da compreensão que os
professores-alunos tinham sobre essa relação; encontrar o lugar desse debate na
materialização do curso; saber como a relação teoria e prática foi se constituindo e,
também compreendê-los em suas práticas pedagógicas, já vivenciadas, e
analisadas durante o curso.
Minha aspiração não foi fixar lugares e sim me aproximar, por meio da leitura,
das narrativas dos atores sociais e das compreensões que esses possuem a
respeito da relação teoria e prática na sua formação. Meu desejo foi desvelar essas
103
compreensões inspirada nesses depoimentos e nos escritos acadêmicos. A partir
daí foi possível travar um diálogo que viesse a contribuir para a formação de
professores em atuação.
A compreensão dessas verdades é refletida a partir de uma teoria. Os
estudos de Kinchoeloe (1997) me respaldam quando explica que a teoria não é
apenas uma explicação do mundo, mas uma explicação da nossa relação com o
mundo. Uma leitura mais ampliada desse posicionamento me permite compreender
que a escolha do caminho teórico é uma opção entre várias outras. Escolhi não
aquele que apenas possibilita caminhar, mas aquele, que me leva aonde preciso
chegar. Isso implica em dizer que caminho com as minhas crenças, objetividades,
subjetividades, enfim, ando como sou em minha totalidade.
Acredito que, em qualquer escolha teórica, para compreender a relação
teoria e prática, não se pode desconsiderar que elas traduzem uma relação da
sociedade com o mundo do trabalho e, nesse sentido, existe o esforço para separar
trabalho intelectual de trabalho manual e, consequentemente, vivenciar as tentativas
de separação entre teoria e prática (CANDAU; LELIS, 1983). Nesse trabalho minha
intenção é buscar a unidade entre teoria e prática, sem, com isso, negar as
especificidades tanto da teoria quanto da prática.
5.1. A prática e a formação de professores
As pesquisas na área de formação de professores vêm anunciando o
crescimento de estudos investigativos a respeito da prática docente. Reconheço que
esse movimento representa um avanço, considerando-se que o professor deixa de
desempenhar o papel de mero aplicador de teorias e passa a assumir o status de
quem, também, produz conhecimentos. Em outras palavras, é a compreensão de
que a prática cotidiana é um lugar de construção dos saberes da docência.
A prática, em qualquer campo, indica atividade. No campo educacional a
essência da prática, ou seja, da atividade do professor, é o ensino–aprendizagem.
Essa atividade é sistemática e acadêmica porque envolve modos de proceder,
objetivos, finalidades e conhecimentos. Esses aspectos são determinados em razão
de uma realidade histórico-cultural da própria atividade docente, que é constituída e
constituinte das relações sociais, sendo uma atividade intencional, portanto, teórica
104
(de conhecimento e intencionalidade), e uma atividade prática (de intervenção e
transformação). Desta forma, o trabalho docente é uma atividade teórica e prática
que o profissional da educação realiza no processo ensino–aprendizagem.
No movimento de pensar a relação teoria e prática senti a necessidade de
realizar um percurso histórico do lugar da prática na formação de professores. Isso
me permite pensar a prática no que era, no que é e no que poderá ser (COUTO,
2011, p. 50).
Os professores convivem, ainda hoje, com três modelos teóricos de formação,
e, consequentemente, três modos de olhar a prática, a saber: o modelo positivista,
pautado na racionalidade técnica; a epistemologia da prática, que enfatiza a reflexão
a respeito da prática; a racionalidade crítica, que traz a compreensão da prática
inserida no contexto social.
Na racionalidade técnica, a prática constitui-se no instrumento de aplicação
da teoria a partir de uma perspectiva utilitarista. O professor reproduz modelos, ele é
um ser passivo, não define, não avalia, apenas aplica técnicas já pré-estabelecidas.
Contudo, não se pode negar que esses espaços se constituam num local de
contradição entre o elaborado e o vivido no interior das salas de aula.
Outro modelo presente na formação de professores é o da epistemologia da
prática que, ancorado na racionalidade prática, vai se constituindo como modelo
alternativo da formação, tendo como princípio básico a reflexão. Este modelo surgiu
pela crítica à racionalidade técnica que, por si, não dá conta dos problemas
vivenciados pelos professores no cotidiano das escolas. Essa habilidade de resolver
problemas no cotidiano assenta-se na confluência entre o conhecimento e a técnica,
a qual Tardif (2002) nomeou como “conhecimento prático”.
Tardif (2002, p. 255) conceitua a epistemologia da prática como o “estudo do
conjunto dos saberes utilizados realmente pelos profissionais em seu espaço de
trabalho cotidiano para desempenhar todas as suas tarefas”. Por saberes
compreende-se os hábitos, atitudes, conhecimentos, competências, habilidades.
Esta definição propõe a epistemologia da prática profissional enquanto campo
de investigação, cuja ideia é a de construir um objeto de estudo (saberes docentes);
um compromisso em favor de certas posturas teóricas e metodológicas. Logo, a
epistemologia da prática tem a finalidade profícua de revelar os saberes, conhecer
sua natureza, compreender como esses saberes estão integrados concretamente
nas tarefas dos profissionais, como são incorporados nas atividades do trabalho
105
docente e qual o papel que desempenham no processo de trabalho de identidade
profissional.
Como campo de pesquisa, a epistemologia da prática pode evidenciar, por
exemplo, o paradigma epistemológico no qual os professores fundam seu trabalho e,
por extensão, a racionalidade pedagógica de suas ações educativas.
Schön (2000) entende epistemologia da prática como um modelo explicativo
de formação para o trabalho profissional. Esse autor afirma que é na reflexão
baseada nos problemas que surgem na prática cotidiana dos profissionais, que se
produz uma base epistemológica. Neste sentido, a epistemologia da prática pode ser
entendida como um campo teórico-metodológico que procura explicar o modelo em
que se situam as práticas, bem como os saberes e os sentidos por ela produzidos,
ou seja, a racionalidade em que estão apoiadas. Neste caso, o profissional é um
sujeito epistêmico que estabelece ”uma conversação reflexiva de um investigador
com a sua atuação” (SCHÖN, 2000, p. 69).
Esta postura reflexiva, apresentada por Schön no campo de estudos sobre a
epistemologia da prática docente, pode contribuir para a constituição da
profissionalização no sentido de autenticar os saberes da profissão, legitimando-a.
Na área da Educação, por exemplo, a composição do movimento de
profissionalização da docência passa por questionamentos no sentido de constituir-
se como profissão, a partir da legitimação de seus conhecimentos e de suas
competências.
Estas competências, estão condicionadas ao desenvolvimento do saber
oriundo da experiência, fundado em uma prática ética. Significa que a competência
do trabalho pedagógico é indissociável da evolução do saber ensinar, na perspectiva
da emancipação dos sujeitos aprendizes. Neste caso, se a profissionalidade docente
envolve a produção de saberes, sua dominação e socialização, a ética profissional,
enquanto campo teórico-metodológico, colabora para que a profissão dos
professores possa tornar-se autônoma.
Estas reflexões permitem-me entender que a epistemologia da prática pode
ser apreendida como um campo teórico-metodológico que procura caracterizar e
compreender o modelo em que se situam as práticas. Saliento, contudo, que a
questão principal não é ampliar a prática em detrimento da teoria ou vice-versa, mas
adotar uma nova forma de pensar e produzir conhecimento no interior dos cursos de
formação.
106
Outro modelo presente na literatura, que busca situar a prática, é a
epistemologia emancipatória ou crítica. Estudar a prática nesta perspectiva exige o
reconhecimento da complexidade que tal conceito envolve. Segundo Morin (1998, p.
176), a complexidade pode ser entendida como "aquilo que tenta conceber uma
articulação entre a identidade e a diferença." Nesse horizonte, um estudo que
pretenda se aproximar desse modelo precisa, a meu ver, movimentar-se na busca
do protagonista da prática e dos processos que ele mesmo constrói, estabelecendo
as relações necessárias à dinâmica de construção da sua própria identidade.
Nesse movimento é preciso superar a lógica instrumental, presente nos
modelos, e avançar para estudos que apresentem o interesse emancipatório,
visando à libertação e à autonomia do ser humano a fim de alcançar um
conhecimento que permita, numa postura intercrítica, avaliar as
condições/determinações sociais, culturais e políticas em que são produzidas as
práticas.
Paulo Freire (1921-1997) constituiu-se em uma referência, para o estudo, as
ações e as práticas emancipatórias. Seus escritos e sua prática de vida trouxeram
uma contribuição significativa ao "olhar" emancipatório da e na prática. O seu
método do "diálogo de levantamento de problemas" contribuiu tanto para interpretar
a realidade, como para, no diálogo crítico, dar condições de se tomar novas
decisões. Neste sentido, Pereira (2002) mostra que essa tomada de decisão se
constrói a partir de três necessidades. A primeira é o reconhecimento do ensino e da
aprendizagem como veículos para a promoção de uma maior igualdade,
humanidade e justiça social na sala de aula, na escola e na sociedade. A segunda,
por conceber a Educação como expressão de um ativismo político e a sala de aula
como um local de possibilidades, permite ao professor construir modos coletivos
para ir além dos limites, transgredindo os modelos sociais vigentes. Por fim, a
terceira, que é a necessidade de desnudar, interromper e interpretar as
desigualdades dentro da sociedade e, principalmente, facilitar o processo de
transformação social.
Essas breves reflexões evidenciam que a prática não pode ser reduzida ao
controle técnico. Sendo assim, na formação de professores em atuação, não se
pode olhá-la como sendo certa ou errada, pois o conhecimento dos professores não
pode ser visto como um conjunto de técnicas ou mesmo como um kit de ações para
a produção da aprendizagem dos alunos, mas como um processo formativo que
107
exige do sujeito que ensina uma reflexão ancorada na transformação do indivíduo e
da sociedade.
Considerando os estudos já realizados a respeito da prática, entendo que
esta pode significar ruptura e reflexão, como também alienação, quando vista
apenas como uma ferramenta para assegurar o conservadorismo.
5.2 A teoria
Eu não vejo a teoria como certificação do que está certo. Eu
não vejo a teoria como forma de saber se o que estamos fazendo na
prática, está certo. Não me conformo que seja apenas isso.
Magda (2011)12
A discussão sobre o tema teoria foi muito presente tanto nas entrevistas
individuais quanto nas sessões do grupo focal. Busquei compreender o seu lugar na
formação desses homens e mulheres, professores da Educação Básica no Curso de
Formação de Professores em Atuação (PROAÇÃO).
As reflexões que tenho realizado sobre a teoria me permitem compreendê-la
como a organização das representações que o ser humano vai construindo sobre os
objetos e os fenômenos presentes em sua existência, isso em sua relação consigo
mesmo, com o outro e com o mundo.
Esse conceito traz algumas ideias básicas, a de que a teoria “vai se
constituindo na vida”, na existência do sujeito. Logo, não é possível concebê-la
como um produto final, fechado, para ser generalizado e assimilado por todos. Fica
claro, pelo menos para mim, que a teoria, sendo construída pelo ser humano, com e
a partir das suas experiências, estará sempre em movimento.
Outra ideia refere-se ao “o esforço do sujeito na construção da teoria”. Isso
implica, a meu ver, na plenitude do vivido, ou seja, na proximidade com esse vivido,
sendo tomado pelas diversas situações e encarnando nelas, ou seja, sendo inteiro.
Macedo (2010) afirma que esse é um processo erótico por trazer o prazer pleno no
vivido. Esse movimento, ao mesmo tempo em que exige do sujeito certa
passividade, dar-lhe-á a capacidade de mobilidade para que, no esforço humano,
possa compreender esse vivido.
12
Magda, participante dessa pesquisa.
108
Acarreta, também, tornar necessário o estranhamento ao vivido para que ele
incomode e gere a indispensabilidade da reflexão, a qual se constitui na articulação
constante entre o vivido, os sentidos e os significados que são atribuídas a essa
experiência. Nesse processo tenso e tensionado, a teoria vai se construindo. Não é
que a teoria surja de forma espontaneista, e sim que ela seja o resultado de um
exercício muitas vezes duro e sofrível de um sujeito que reflete sobre si, os objetos e
os fenômenos.
Nesse sentido, Gamboa (2003, p. 125) afirma que
Não é possível conceber a teoria separada da prática. É a relação com a prática que inaugura a existência de uma teoria; não pode existir uma teoria solta. Ela existe como teoria de uma prática. A prática existe.
Assim, compreendo a prática como o vivido, e a teoria como o exercício de
compreensão desse vivido, ou seja, a organização das representações elaboradas a
respeito desse vivido. Sendo assim, a teoria passa a ser vista como um
conhecimento elaborado por um sujeito partícipe de um determinado contexto
histórico-social e, portanto, com suas implicações e suas próprias experiências.
Essas reflexões acerca da teoria trazem o sujeito que age, pensa, analisa,
reflete a respeito do seu cotidiano e, nesse movimento, vai criando novas formas de
existência, isto é, a práxis vai surgindo como movimento em que o ser humano vai
se apropriando da sua condição humana. Esse momento de produção é o que
Vázquez (2007, p. 265) conceituou como práxis criadora.
Neste sentido, além de concordar com Magda, enxergo como um possível
lugar da teoria, na formação de professores em exercício, o espaço de reflexão do
vivido, no esforço de compreensão desse vivido, abrangendo tanto as práticas como
os sujeitos e os contextos geradores.
5.3 O diálogo entre teoria e prática
Ao longo dos estudos realizados a respeito da relação teoria e prática fui
defrontando-me com duas visões. Uma, a dicotômica, que compreende a prática, de
um lado, e a teoria, de outro. Isso significa que existem os que pensam e aqueles
que apenas realizam, como se isso fosse possível nas atividades laborais do ser
humano. Nessa visão dicotômica, a relação teoria e prática será sempre de oposição
109
e, nessa condição, a teoria é sempre posta numa posição infinitamente superior à da
prática, podendo até derivar dela, mas, nunca, ter igual importância.
Outro desdobramento da visão dicotômica é a da relação de justaposição
entre teoria e prática. Compreende-se que a teoria já não é autossuficiente, ou pura
abstração, isolada e antagônica à prática, mas são justapostas, onde a teoria
comanda a prática, que, por sua vez, não cria, não concebe, apenas realiza a
prática, e nessa visão aplica os conhecimentos que a teoria elabora.
A outra visão se apresenta como unidade onde teoria e prática são dois
componentes indissolúveis na vida humana. O diálogo entre teoria e prática só
poderá ser construído a partir dessa visão de unidade. Minha análise vai nesta
direção, a de que teoria e prática são dois elementos que, mesmo tendo suas
especificidades, mantêm entre si uma relação indissolúvel.
Meu desafio consistiu em compreender o diálogo travado na literatura e nas
narrativas dos nossos atores sociais a respeito dessa unidade. Os relatos foram
desvelando essa relação ao longo da formação dos professores-alunos. Esta visão
de unidade expressa a síntese superadora da dicotomia entre teoria e prática, sendo
condição fundamental para a busca de alternativas na formação de professores em
atuação.
A escolha da visão de unidade me liberta de um pensamento marcado por
"armadilhas" que ora privilegiam e enfatizam a formação essencialmente teórica,
estimulando o contato com os autores considerados clássicos, sem se preocupar em
modificar ou fornecer instrumentos para a intervenção na prática educacional, e em
outros momentos enfatizam uma formação prática, admitindo-se que esta tem sua
lógica própria, que independe da teoria. Neste caso, a prática é esvaziada da teoria,
daí observa-se uma ênfase nas disciplinas instrumentais, sem a preocupação com
sua articulação com as disciplinas consideradas teóricas, segundo Candau e Lelis
(1983)
Teoria e prática são dois componentes indissolúveis da “práxis” definida como
atividade teórico-prática. Em outras palavras, tem um lado ideal, o teórico, e um lado
material, a prática propriamente dita. Entretanto, essa separação ocorre,
artificialmente, através de um processo de abstração. Essa relação não é direta nem
imediata, ela se realiza através de um processo complexo, no qual, algumas vezes,
se passa da prática à teoria, e outras, desta à prática (VÁZQUEZ, 2007).
110
Os estudos atuais acerca da formação de professores em atuação no Brasil
mostram que esta ainda traz as marcas da racionalidade técnica. Compreendem
que, mesmo sendo concebida politicamente a partir desse paradigma, é possível
encontrar espaços de contradição nessa realidade e, assim, fazer o anúncio do
modelo da emancipação e daautonomia discutido por Paulo Freire em toda a sua
obra e vida.
Nessa perspectiva, o olhar a respeito da prática não poderá ser reduzido ao
cumprimento de um conjunto de procedimentos técnicos e metódicos de
transmissão de conhecimentos distantes da realidade e da possibilidade de
mudança dessa realidade.
A racionalidade emancipatória, segundo Giroux (1986), realiza a crítica àquilo
que é restrito e opressor, mas apoia a ação orientada para a liberdade e o bem-estar
individual e social. A racionalidade emancipatória investe na prática da reflexão e,
consequentemente, na prática da autorreflexão de forma consciente e crítica,
compreendendo esse movimento como uma ação social por estar dentro de um
determinado contexto e política, por exigir uma tomada de posicionamento por parte
dos formadores, sejam esses os docentes da Universidade e/ou os alunos que, em
nesse caso, já são docentes da Educação Básica.
Concordo com Freire (1996) quando afirma ser necessário e urgente que o
professor assimile os princípios que orientam a atividade docente em direção à
autonomia, condição essencial para a formação de um profissional autônomo, que,
compreendendo seu papel, possa atuar de maneira mais efetiva rumo à liberdade.
Essa formação anunciada só será possível por meio da reflexão acerca da
prática, sendo essa compreendida como uma prática social educativa, ou seja, numa
visão ampliada de Educação e de sua relação com o mundo. Segundo Pimenta e
Gredin (2005), a Educação não só retrata e reproduz a sociedade, ela também
projeta a sociedade desejada.
Nesse modelo de racionalidade, a relação teoria e prática deverá ser vista no
movimento triplo apresentado por Schön (1992): reflexão na ação, reflexão sobre a
ação e reflexão sobre a reflexão na ação. Esses movimentos exigem a atividade de
reflexão e também de crítica, se constituindo, assim, na formação de um professor
reflexivo e crítico. Ao trazer a categoria crítica estou dando um passo à frente em
relação ao conceito de professor reflexivo e me aproximando de um ser humano
autônomo: o professor. Tal postura gera a compreensão de que a formação pessoal
111
e profissional caracteriza-se como um continuum, envolvendo as experiências de
formação inicial e continuada e, também, as experiências da/na atuação profissional.
5.3.1 Movimento formativo dos professores-alunos: relação teoria e prática
Aqui trago à tona a discussão sobre a relação teoria e prática vivida pelos
professores-alunos em seus processos formativos. E em seguida, apresentarei os
argumentos utilizados por eles para transformar esse diálogo em um dispositivo
formativo.
A análise das informações mostra a dinamicidade da formação construída a
partir do curso de graduação, sob o olhar dos professores-alunos. Percebi que eles,
ao apresentarem suas narrativas a respeito desse processo vão reelaborando novas
compreensões. Essas reflexões permitem fazer uma retomada do vivido e, no
debate com seus pares, reorganizar sua trajetória a partir de um ato reflexivo sobre
a relação teoria e prática no curso e na vida de cada um. Esse movimento tem uma
relação com a ação dos professores formadores e as disciplinas que compõem o
currículo do curso.
As narrativas revelaram que, no início do curso, os professores-alunos
acreditavam estar levando sua prática para o curso a fim de que a academia, por
meio dos professores formadores, se responsabilizasse pela teoria, proporcionando,
assim, o encontro teoria e prática. Nessa relação haveria o confronto com a sua
prática e novos caminhos seriam mostrados para, finalmente, ocorrer a mudança na
prática pedagógica desenvolvida nas salas de aula. É o que confessa a professora-
aluna Ana Dalva:
Quando eu fui para a UESC, achei que iria aprender todas as teorias
e, aí, sim, eu poderia mudar minha prática. Eu era professora da
Educação de Jovens e Adultos e achava que a teoria ia me ensinar a
ser uma professora melhor, eu pensava assim. O curso mostrava
sempre a necessidade de buscar os conhecimentos teóricos. O curso
mostrava muito isso. Que o conhecimento teórico serviria para que
as coisas não ficassem soltas, simplesmente no que eu acho e no
que eu penso, [mas,] que tinha alguém, algum autor, que afirmaria
como eu deveria pensar e como deveria caminhar. Achava que isso
ia ajudar na minha prática (2011).
112
O pensamento dessa professora-aluna mostra que o debate acadêmico
acerca da relação teoria e prática, numa visão de unidade, não havia ainda chegado
a eles. O curioso é que a maioria já participava de momentos de formação
continuada oferecida pela rede municipal de ensino. Eles tinham uma vivência
profissional de mais de cinco anos na docência e, mesmo assim, ainda traziam a
marca da dicotomia nessa relação. Este pode ser o anúncio da distância entre o
conhecimento produzido acerca dessa relação e a forma como esse conhecimento
tem chegado aos educadores da Educação Básica.
Além do exposto, a situação indica a necessidade das agências formadoras
elegerem essa “crença” como tema a ser debatido, refletido na formação dos
professores em atuação. As narrativas apresentadas mostram que, quando
colocados frente a essa discussão, os professores-alunos foram adquirindo
informações e ações que lhes possibilitaram compreender a relação teoria e prática
numa visão de unidade.
Vejamos:
Eles trabalhavam, sim, o que acontecia. As atividades sempre eram
direcionadas para a nossa prática, então, todas as nossas atividades
eram direcionadas para o que a gente fazia em sala de aula, eles
queriam saber como a gente estava trabalhando na sala de aula, se
estava de acordo com a teoria que a gente via na Universidade
(KÁTIA, 2011).
Então, diziam: "Olha, você fez, saiu dessa maneira, mas é preciso, é
necessário que você retorne com essa mesma atividade, em outro
momento, agora, seguindo tais passos". Aí, dava até um roteiro pra
que a gente pudesse seguir, dava um texto primeiro, pra gente ler,
fazer uma reflexão, ver o que alguns estudiosos falavam daquela
prática, de como trabalhar daquela forma. Isso acontecia. Aconteceu
muito (DAMASCENO, 2011, grifo nosso).
Os professores-alunos trazem essas narrativas como sendo um pensamento
inicial a respeito dessa relação e, durante o curso, com as mediações dos
professores formadores, no convívio com os colegas, nas leituras realizadas e,
principalmente, na disciplina Estágio, foram se distanciando desse primeiro
pensamento, foram compreendendo que a prática envolve tomada de decisões,
escolhas e, mesmo que, naquele momento, se eles não tivessem tanta clareza,
percebiam que nesse movimento de pensar a prática estava presente a teoria.
113
Embora todos os professores que estavam conosco soubessem do
programa, sabiam que éramos professores que já atuavam, mas,
ainda assim, no início do curso havia alguns que nos tratavam como
se a gente não conhecesse as teorias, não tivesse conhecimento
teórico. Mas, eu fui me distanciando desse pensamento, porque no
decorrer das aulas, quando a gente começava a discutir, os
professores iam percebendo isso... A partir de um bom tempo, eu
comecei a perceber que aí, eu não tinha só a prática mais... Eu era a
teoria e prática e o professor era teoria e prática também (MAGDA,
2011).
Talvez faltasse uma teorização a respeito da prática docente, pois esta não se
constitui em um exercício intelectual desligado da prática, e sim um processo de
abstrações ancorado em problemáticas geradas na análise e na reflexão de
situações reais que surgem no movimento de compreensão da prática, ou seja, o
esforço de pensar a prática, pensar os sujeitos da prática e os contextos vivenciados
no exercício dessa mesma prática. Sendo assim, vamo-nos libertando de temas
alheios à realidade e criando novas necessidades de reflexão e crítica, condições
indispensáveis para o processo de formação.
5.3.2 O papel dos professores formadores no debate sobre teoria e prática
Nesse movimento, outro aspecto importante apontado pelos atores sociais
nas discussões do grupo focal foi o papel desempenhado pelo professor formador
para fomentar o debate e a reflexão a respeito do lugar da relação teoria e prática no
conhecimento profissional. A narrativa de Lidiane mostra a necessidade de se
promover no curso reflexões que produzissem um debate mais aprofundado a esse
respeito. Ela sinaliza que os professores-alunos já traziam um conhecimento a
respeito de suas práticas e já percebiam a teoria presente nessas práticas, então, o
debate precisaria ser mais denso.
Eu entendi, por vezes, que alguns professores ficavam confusos a
respeito do seu papel, ou melhor, do seu trabalho com a gente. As
suas aulas não tinham tanto sucesso, suas teorias não nos serviam.
A gente não se via ali naquelas aulas, era como se a gente estivesse
ali para cumprir um papel burocrático. Elas já têm teoria, mas
precisam passar por esse sistema, por essa etapa pra consolidar a
teoria e a prática que elas já têm. Eu penso que, no contexto do
curso, alguns professores nos entendiam como profissionais que já
114
tinham a teoria e a prática, e que estávamos ali só para cumprir uma
formalidade. Outros professores entendiam que a gente já tinha
teoria, mas que nós poderíamos ter teorias mais avançadas. E esses
nos fizeram avançar no processo de compreensão a respeito da
relação teoria e prática. Eles achavam que, como nós tínhamos um
conhecimento tanto da teoria como da prática, a gente poderia
crescer mais. Então, eles poderiam tirar mais de nós, nos fazer
avançar. Esses professores fizeram a diferença, era isso que
queríamos (LIDIANE, 2011).
Nesses momentos nos defrontamos com uma questão a nosso ver
significativa sobre a formação do formador. Segundo depoimentos dos
alunos/professores, alguns docentes do curso acreditavam que, sendo esses alunos
já professores e muitos com uma vasta experiência, não tinham mais o que aprender
e, assim, o curso e o estar na Universidade era apenas para se cumprir uma
burocracia para emissão da certificação.
Aí o professor ficava falando: „E aí, mas quem é que fundamenta
essa prática?‟ A prática na formação fez um diferencial porque como
Lidiane falou, a gente ficava muito exigente; porque parecia que o
professor lá na frente não sabia relacionar a teoria que ensinava com
a nossa prática. Parecia que o professor que estava ali na frente, não
todos, mas, em algumas situações, pareciam não saber o que
estavam falando. E parece que a gente, pela ousadia e pela
experiência, queria mais do professor (MAGDA, 2011, grifo da
autora).
Tal fato nos chama atenção para a formação dos formadores, em sua maioria,
formados na lógica da racionalidade técnica, a qual, segundo Korthagen (2009), traz
a ideia da teoria para a prática numa abordagem dedutiva, cuja característica
fundamental é deixar que o formador decida o que é importante para que os futuros
professores aprendam, ou seja, a preocupação básica é a apresentação, aos futuros
professores, das teorias educativas "úteis", com o objetivo de serem aplicadas na
sua prática pedagógica.
Nesta direção, Mizukami (2005) traz uma significativa colaboração ao
estabelecer o debate a respeito da formação dos formadores. Afirma ela que:
Mesmo fundamentados em literatura recente que tem discutido e
explicado processos de aprendizagem da docência, deparamo-nos
com um quadro peculiar nas agências formadoras. Os formadores de
115
professores, com formação e atuação próprias da concepção de
processos formativos orientados pelo paradigma da racionalidade
técnica, são os mesmos que irão oportunizar processos formativos
sob uma nova visão. Se, por um lado, os formadores percebem os
limites e dificuldades do paradigma da racionalidade técnica e
procuram superá-los pela adoção de um novo paradigma por outro,
eles têm toda uma formação e prática pedagógica que lhes garante
autonomia e segurança no desenvolvimento de suas atividades, o
que lhes dificulta aderir integralmente à nova concepção, assim como
operacionalizar de forma pertinente seus cursos / disciplinas a partir
de uma nova forma de compreender e de interferir em processos
formativos da docência (MIZUKAMI, 2005, p. 7).
Este problema não pode ser minimizado: a formação dos formadores. Como
avançar na formação de professores da Educação Básica que já estão em atuação,
se os seus formadores estão presos aos paradigmas da racionalidade técnica? Um
provável caminho seria se debruçar sobre o seu próprio processo de formação, e na
interação com a realidade trazida pelos professores-alunos, criar possibilidades para
que esses docentes entrem em formação na atuação da sua função de formar
outros professores.
Essa possibilidade poderá criar ações individuais e pontuais, mas isso não
resolve o problema da formação dos formadores, porém potencializará o debate a
esse respeito. Essas situações corroboram a defesa de alguns estudiosos a respeito
da necessidade das instituições formadoras construírem seus projetos de formação
de professores de forma democrática e em sintonia com as escolas de Educação
Básica.
Conforme os relatos dos atores sociais, os professores formadores que se
mantiveram presos ao paradigma da racionalidade técnica, quando se depararam
com professores-alunos que já estão na docência e trazem os saberes construídos a
respeito do seu trabalho, e nesse movimento vão compreendendo e visualizando o
lugar da teoria e da relação teoria e prática na sua formação, sentem-se
encurralados e passam ver o curso apenas como o cumprimento de uma exigência
burocrática para a certificação. Quando isso acontece professores formadores e
professores-alunos se distanciam da formação para atuarem apenas na certificação.
No entanto a realidade é dinâmica e as pessoas não ficam apenas em um
lugar, mas se movem, desafiadas pelas necessidades de construir novos
116
conhecimentos com e a partir das problematizações trazidas pelos professores-
alunos e as geradas no diálogo com as teorias ensinadas e aprendidas.
Confirmando esse entendimento, uma professora-aluna chega a expressar
que uma professora formadora, que deu aulas em duas disciplinas, no final já
conseguia demonstrar interesse e segurança nas suas reflexões e, portanto, já
fomentava o debate, rompendo o distanciamento inicial e estabelecendo uma
relação formativa com o curso.
Esse debate não pode ser excluído das políticas públicas governamentais,
das instituições formadoras e das escolas de Educação Básica. Esse diálogo torna-
se fundante para constituição de espaços formativos para todos os atores sociais
participantes desse processo.
As narrativas apresentadas neste texto mostram que chega um momento em
que os professores-alunos percebem que, na formação, eles precisam ir além de um
olhar a respeito da relação teoria e prática, a partir das situações visíveis do ensino
e da aprendizagem, como revela a fala da professora-aluna Lidiane: "eles poderiam
tirar mais de nós, nos fazer avançar. Esses professores fizeram a diferença. Era isso
que queríamos [...]” (2011).
Esses depoimentos anunciam o rompimento com a crença inicial que só se
aprende teoria na universidade, para compreender que a prática, em si, já contém
uma teoria. A partir desses debates o conflito se instalou e os professores-alunos
sentiram a necessidade de definir mais claramente o que estavam fazendo na
Universidade.
Esse novo conflito vivido por eles instala novas necessidades formativas. Não
lhes serve mais um estudo teórico que não seja capaz de avançar na compreensão
mais ampliada do trabalho, da Educação e da sociedade, a ser desenvolvido por
eles nas escolas, bem como das implicações políticas, éticas e pedagógicas que
envolvem tal postura.
Esse movimento traz a necessidade da reflexão crítica para que a prática seja
compreendida como uma prática social e educativa, conforme o anunciado por
Pimenta e Gredin (2005), pois a Educação não só retrata e reproduz a sociedade,
como também projeta uma sociedade desejada, movimento possível pela práxis.
A práxis é uma prática que se faz pela atividade humana de transformação da
natureza e da sociedade, consolidando-se, assim, em uma atitude humana diante do
mundo, da sociedade e do próprio ser humano. Entendo que a práxis é desejada e
117
necessária por contribuir para a emancipação dos sujeitos e por anunciar a
possibilidade de uma nova ordem social. Sendo assim, a relação teoria e prática não
poderá ser vista e tomada como categoria de formação apenas pela reflexão das
situações recortadas de ensino e aprendizagem, mas como uma ação maior,
contextualizada, sobre o que é a própria formação do sujeito.
Quando os professores-alunos trazem, em suas narrativas, a necessidade de
ampliação e aprofundamento desse diálogo, acredito que esses acabam por colocar
em xeque a própria Universidade, que precisa dizer qual é o seu projeto de
formação e em que bases ele está assentado. Nesse movimento é possível
enfrentar os limites de um curso de formação inicial para professores em atuação e
suas implicações na formação dos professores formadores para, nesse processo,
tentar criar novas possibilidades formativas, tanto para os professores-alunos como
para os professores formadores. Isso é assegurar que novas práxis possam ser
constituídas.
5.3.3 O papel da disciplina Estágio Supervisionado e a relação teoria e prática
As narrativas apresentadas mostram o papel que a disciplina Estágio
Supervisionado desempenhou na articulação do currículo como ato. Para os
professores-alunos, a disciplina possibilitou a reflexão acerca do vivido e gerou
novos conhecimentos que permitiram a ampliação da compreensão acerca da
relação teoria e prática na formação de professores em atuação. E, nesse cenário,
entraram suas próprias histórias de vida e suas relações com o trabalho
desenvolvido, chegando-se a eles próprios e, por extensão, ao seu trabalho docente
e à relação teoria e prática.
A disciplina Estágio Supervisionado ocupava um espaço central no curso,
com uma carga horária de 400 horas, distribuídas em nove módulos, e proporcionou,
aos professores-alunos, a possibilidade de debater a respeito de sua própria
constituição como sujeito/autor de sua história pessoal e profissional. Sua ementa
manifesta esse movimento:
Dimensões teórico-metodológicas do Estágio Supervisionado,
Estágio como espaço de formação, o sujeito dessa formação.
Elaboração, aplicação e avaliação de projetos de ação e de
intervenção. Ação. Planejamento e execução de projeto
118
interdisciplinar. (Re)construção dos saberes e fazeres docentes
(UNIVERSIDADE ESTADUAL SANTA CRUZ, 2007).
O enunciado desta ementa traz no bojo o papel da disciplina enquanto
articuladora do processo formativo dos sujeitos. Ela realiza ações práticas que
permitem, por meio da reflexão, a compreensão necessária para a construção da
identidade desses atores sociais.
A disciplina Estágio Supervisionado perpassava todo o currículo, ou seja,
esteve presente desde o primeiro módulo, e cada docente trabalhava com uma
média de 25 alunos. Um fato importe a destacar foi o processo de escolha desses
docentes realizado a partir de critérios profissionais, tais como: serem docentes da
Universidade, ter uma relação com a escola de Educação Básica; ter disponibilidade
de tempo para replanejar ações e estudos, conforme as necessidades
apresentadas, capacidade de problematizar os conhecimentos já naturalizados,
fazer o acompanhamento do seu grupo de professores-alunos e, por fim, criar um
clima favorável à formação desses profissionais.
A disciplina foi organizada por meio das atividades de formação em serviço
(AFS), conforme descrevo no terceiro capítulo desta tese. Os professores
formadores buscaram ter uma atitude investigativa, conforme orienta Mizukami
(2005). O movimento básico e fundante foi o processo contínuo e sistemático em
que os professores-alunos e os professores formadores questionavam suas próprias
posições e as dos colegas, desvelando não o dito, mas o vivido no interior das salas
de aula em que esses professores-alunos eram os docentes. Esse movimento criou
situações formativas que possibilitaram, ao longo da itinerância profissional e
pessoal, a construção de uma atitude investigativa.
Os professores-alunos, em suas narrativas, destacam esse movimento de
reflexão como motor da compreensão acerca da teoria e prática na formação;
Eu acredito que a teoria e a prática caminham juntas, têm que estar
concomitante, as duas. E, assim, nós chegamos na universidade não
vazias de conhecimentos teóricos, até pela caminhada que todos nós
já tínhamos. Mas os novos conhecimentos que adquirimos veio
desconstruir algumas coisas e fortalecer outras. Eu acho que o
melhor de tudo foi a percepção que nós passamos a ter quando
estávamos lá na prática, na nossa sala de aula. A gente se
preocupava em enxergar mais coisas a respeito daquele
conhecimento. Isso eu vejo como positivo, para mim a relação teoria-
119
prática é isso. A disciplina Estágio Supervisionado foi fundamental
para que eu chegasse a essa compreensão (TATIANA, 2011).
No estágio era recorrente o pedido para desenvolvermos uma
atividade com nossa turma. A gente desenvolvia o trabalho e relatava
para o grupo na aula seguinte. A professora selecionava alguns
elementos desses relatos e os apresentava ao grupo para o debate.
Às vezes discordávamos, o que era muito bom, porque para
defender nosso ponto de vista estudávamos ainda mais, [risos] e
replanejávamos nossa próxima ação. Na próxima aula continuava o
debate e os estudos de textos, filmes e outras coisas. Em Estágio
nós vivenciamos muito isso. Eu acho que foi a disciplina que mais
nos deu retorno (LIDIANE, 2011).
As nossas práticas eram valorizadas. Com os nossos relatos
fazíamos a ponte entre o que estávamos estudando na UESC, a
realidade da nossa sala de aula e ainda as experiências de colegas
de outros municípios. Era como se uma voz complementasse a
outra. Eu sentia a riqueza naquilo que a gente contava nos nossos
relatos. Tinham poucos professores-alunos que estavam começando
o ensino na rede. A maioria já tinha dez, quinze e vinte anos, então,
isso tornava riquíssimo o trabalho a ser construído naquele
momento. Tinha também as experiências de outros municípios. Na
disciplina Estágio havia esse debate (ANA DALVA, 2011).
A leitura e a análise das narrativas demonstram o papel que a disciplina
desempenhou enquanto espaço de investigação. Ela fazia a reflexão do movimento
de compreensão dos atores sociais da relação teoria e prática. É isso que afirma a
professora-aluna Janacira: “No estágio tinha as atividades de formação em serviço,
era como se o estágio entrasse em nossa sala de aula e nossa sala de aula na
UESC. Era complicado, às vezes dava um nó na cabeça” (2011).
Compreendendo que o processo formativo estabelecia uma relação de mão
dupla entre professor-aluno e professor formador, então, para instigar mais o debate,
senti a necessidade de lançar uma nova provocação, a questão dos
desdobramentos políticos e sociais na prática educativa como elemento de
emancipação humana, considerando que a disciplina tinha o eixo da formação de
professores em atuação, a práxis pedagógica, e que isso implicava no conhecimento
do objeto, no estabelecimento de finalidades e na intervenção do objeto para que a
realidade fosse transformada enquanto realidade social.
Ao me debruçar sobre essas reflexões, dois estudiosos me inspiraram:
Pimenta (1997), por ter a coragem de afirmar que a atividade docente é sempre
120
práxis, uma vez que esta ação envolve necessariamente o estabelecimento de uma
intencionalidade, que dirige e dá sentido à ação. E Freire (1996, p. 32), por afirmar
que
[…] faz parte da natureza da prática docente a indagação, a busca, a
pesquisa. O que se precisa é que, em sua formação permanente, o
professor se perceba e se assuma como sujeito em formação e
sujeito formador.
Movida por essas inquietações e implicações trouxe uma questão para
continuar fomentando o debate e a reflexão do grupo. Perguntei aos professores-
alunos se eles achavam que o debate em pauta sobre a relação teoria e prática era
um objetivo do curso.
Essas indagações provocaram inquietação, o grupo parou, respirou fundo,
como se estivesse se transportando para as aulas e, então, começou a falar bem
baixo. Nesse momento tive a sensação que eles estivessem pensando alto... foi
bonito e inspirativo.
Acho que era um desejo, mas não uma prática, se fosse uma
intenção, os docentes teriam esse debate mais amadurecido nos
seus posicionamentos. Era um desejo porque a coordenação do
curso sempre falava isso e os professores de Estágio também. Para
eles, os docentes de estágio, esse debate estava acontecendo em
todas as disciplinas [...] mas não era bem assim (LIDIANE, 2011).
Eu acho que existiam docentes do curso que participavam das
reuniões promovidas pela coordenação e que se envolviam mais
com a gente, também tinham aqueles que não se limitavam a ouvir
nossos relatos, mas que buscavam neles elementos para promover o
debate sobre nosso trabalho. Mas também tinha aqueles que
ensinavam as teorias que não entendíamos nada, o vocabulário era
muito distante da nossa linguagem, ficávamos sentados ouvindo...
ouvindo... e nada (MAGDA, 2011).
Mesmo que não fosse a intenção do curso esse debate, ele acabava
acontecendo, porque a gente forçava a barra. Às vezes o docente
não participava. O debate ficava entre nós mesmos e os textos que
líamos, o docente apenas ouvia (JANACIRA, 2011).
Mas também não era o tempo todo assim! Não existia um docente
que nunca dialogasse com a gente, o que eu percebia era que
alguns podiam falar pouco porque não conheciam nosso trabalho.
121
Outros não acreditavam que nossa realidade era assim (ANA
DALVA, 2011).
Perceber, compreender e trazer o processo formativo vivido por esses atores
sociais exigiu sensibilidade por parte do professor formador. Um deles diz respeito
ao desejo e à intencionalidade de se trazer um debate mais denso a respeito da
relação teoria e prática na formação desses atores sociais. Isso só foi possível
porque um grupo de professores formadores se permitiu avançar no debate, mesmo
que esse movimento lhes tirasse a aparente zona de conforto estabelecida pela
racionalidade técnica que reduz a formação à apropriação de um conjunto de
técnicas utilizadas na prática docente.
Esses debates trazem, em sua essência, a formação, pois nesses momentos
tem-se a presença dos argumentos utilizados pelos formandos e formadores a
respeito da questão debatida, como também os percursos e as itinerâncias desses
sujeitos na construção dos seus posicionamentos. Acredito que mais valioso não é a
mudança/troca de um argumento por outro e, sim, o processo de elaboração que,
mesmo sendo individual, traz as marcas do outro (heteroformação) e da ambiência
(ecoformação).
Compreende-se que esses debates devam ser respeitosos quanto às ideias
dos sujeitos em formação, não pode ser a defesa do individual e sim do que foi
compreendido e tido como mais uma possibilidade de entendimento do mundo.
Esses momentos serão de práxis e, portanto, formativos para formandos e
formadores.
Outra questão posta pelas narrativas diz respeito à necessidade do professor
formador pensar, a formação de professores em atuação, durante o processo.
Existe, portanto, a necessidade de pensar o trabalho continuamente. Nesse aspecto
é que os professores-alunos expõem a diferença na atuação dos professores
formadores, tanto aqueles que se permitiam entrar em formação, quanto aqueles
que não se envolviam. Ana Dalva fala: "o que eu percebia era que alguns podiam
falar pouco porque não conheciam nosso trabalho. Outros não acreditavam que
nossa realidade era assim" (2011). Fica claro que a formação exige implicação, ou
seja, o estar comprometido com sua formação e a formação do outro. Nesse caso,
envolvido com o curso e a formação de seus alunos.
122
Outro problema presente nas narrativas era que os docentes que trabalhavam
no curso precisavam aproximar mais das experiências dos professores-alunos.
Assim, podiam provocar/promover um debate reflexivo sobre a prática pedagógica e
seus desdobramentos para e na formação desses sujeitos. Portanto, os professores-
alunos e os professores formadores estariam mutuamente se formando.
O espaço eleito como fórum desses debates, exemplificado anteriormente, foi
o das reuniões de coordenação do curso, que se constituíram espaços formativos de
envolvimento e participação de docentes e representantes dos professores-alunos.
Elas se constituíram em lugares político-pedagógicos para o debate das múltiplas
questões que surgiam e precisavam de soluções.
A formação dos professores formadores e professores-alunos, embora
apresente marcas diferenciadas pelas itinerâncias e formas de implicação vividas
por esses atores sociais, traz uma necessidade comum, ou seja, a de que eles se
debrucem para compreender a formação do outro e possam, desta forma, se formar.
Encerro esse capítulo pensando que esse movimento formativo anunciado só
é possível pela práxis. As ações anunciam uma transformação compreendida pela
ideia de “trans” que evoca não apenas a passagem de uma situação para outra e,
sim, os processos vividos pelo sujeito na (trans)formação da vida em existência.
123
CONSIDERAÇÕES FINAIS
124
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Um saber que só vê sua finalidade não consegue perceber
que tudo o que se quer do final está justamente no meio do caminho
[…]
Evandro Ghedin e Maria Amélia Santoro Franco
Ao tomar como foco de investigação os processos formativos dos professores
da Educação Básica, esta pesquisa se insere no campo dos estudos que têm
ganhado visibilidade entre as pesquisas educacionais, por trazerem a necessidade
de buscar, no cotidiano desses processos, um conhecimento a respeito de seus
protagonistas, das aprendizagens realizadas e seus desdobramentos na vida dos
sujeitos. Estudos como este têm sido fundamentais para construir uma nova lógica a
respeito do trabalho docente e do papel do professor na reorganização das relações
de trabalho. Sendo assim, ao buscar compreender, de forma contextual e relacional,
o movimento formativo dos professores/alunos que frequentaram o curso de
formação de professores em atuação, procuramos identificar, nessa formação as
mediações estabelecidas com a experiência desses atores sociais.
A opção metodológica me permitiu uma aproximação maior e mais
significativa com os protagonistas sociais e, por conseguinte, com suas impressões
e implicações com a sua formação. Meu desafio foi captar o movimento formador
desses professores/alunos por meio das entrevistas individuais e das sessões de
grupo focal realizadas com o coletivo desses atores sociais.
Meu compromisso não é apresentar resultados fechados e, portanto,
inquestionáveis. Acredito que os resultados estão na leitura desses escritos que
vamos realizar com nossas implicações e inspirações, mas reconheço que esse
conhecimento construído por nós, na condição de pesquisadora, constituiu-se em
um produto aberto, cujo legado está no compromisso político e ético de apresentar
os resultados encontrados por nós, com as implicações e limitações inerentes a
quem a apresenta e a quem os interpreta.
125
Na organização do currículo do curso foi possível estabelecer o dialogo entre
formação inicial em atuação e formação continuada. Isso possibilitou a criação de
um espaço formativo. Esse diálogo foi essencial para estabelecer uma relação com
a vida e o trabalho dos professores/alunos e assim assegurar a voz e a autoria a
esses protagonistas. Nas discussões ocorreu também o estranhamento desse vivido
para se estabelecer o epochê necessário às análises e reflexões sobre as situações.
Nos estudos que realizei sobre formação ficou clara, para mim, a necessidade
de pensar a formação de professores a partir de um conceito mais amplo desse
termo. Foi possível perceber que o movimento formativo vivido pelos atores sociais
oscilou entre dois conceitos: um mais ampliado, presente nas discussões
fomentadas por alguns professores formadores, principalmente os da disciplina
Estágio, que viam a formação como uma atividade pela qual se busca, com o outro,
as condições para que o saber recebido do exterior seja internalizado para ser
transformado em um novo saber, chegando a uma nova forma, enriquecida, com
significado para uma nova atividade. O outro conceito, velado, entende a formação
como a aprendizagem de um conjunto de saberes formulado tendo em vista a
preparação técnica do professor/aluno para a atuação profissional. Percebi que,
nesse embate e vivência, os professores/alunos foram (re)elaborando o seu próprio
processo formativo.
Os estudos apontaram que na relação formação e trabalho, esta não pode ser
compreendida apenas como um espaço para o levantamento das possíveis
carências profissionais, mas sim um local que propicia experiências formativas.
Pareceu que essa relação ficou um pouco difusa e diluída. As discussões abordaram
mais questões referentes a fazer melhor o trabalho pedagógico e menos a
reelaboração das bases conceituais e práticas do trabalho enquanto categoria mais
ampla.
A formação se deu no tempo do trabalhador e não na extensão do tempo para
o trabalhador. Eles tiveram que negociar esse tempo com as escolas e a
Universidade. As narrativas apontaram que faltava tempo... tempo para o estudo,
tempo para frequentar a biblioteca, tempo para estar na Universidade por inteiro,
tempo para transformar informação em experiência. Isso deu origem à aplicação de
estratégias de sobrevivência durante a realização do curso, como, por exemplo, a
mobilização das famílias e a reorganização das escolas. Ficou claro que, para
assegurar a estadia desses professores/alunos no curso, as dificuldades que iam
126
surgindo se transformavam em desafios a serem encarados, perseguidos e, por fim.
resolvidos por eles próprios. O problema foi que, nesse percurso, a Instituição se
afastou de algumas das suas responsabilidades e os sujeitos da formação passaram
a assumir encargos que não lhes cabiam. Como, por exemplo, o não cumprimento
pelas prefeituras dos encargos financeiros, a não contratação de professores
substitutos e também a não frequência dos professores formadores nas reuniões de
planejamento e acompanhamento do curso. Tal postura não possibilitou as
condições necessárias para que esses professores/alunos seguissem o caminho
formativo planejado no início do processo.
O estudo evidenciou que os professores/alunos viveram momentos
significativos. Primeiro, no movimento de compreensão do que era a experiência. O
debate ocorrido no grupo focal foi decisivo para que eles, por meio das reflexões
acerca de suas próprias narrativas, fossem se afastando da compreensão inicial da
experiência como vivência e percebessem que toda experiência contém uma
vivência que escolhemos ou aceitamos como fonte de aprendizagem. Isso implica
na interação que o sujeito precisa estabelecer com esse vivido para que se torne
uma experiência. Ao realizar essas reflexões, foi possível perceber que, na
formação, os professores/alunos passaram a perceber a experiência como a
centralidade da discussão destinada a ampliar a compreensão de que as suas
vivências cotidianas poderiam ser transformadas em experiência refletida. Nesse
processo de análise e desvelamento da experiência, os atores sociais foram
constituindo sua formação
À medida que os professores-alunos foram desenvolvendo essas reflexões,
outras foram se estabelecendo, em razão da necessidade de compreender o lugar
que a experiência ocupava no processo formativo vivenciado no curso; mesmo
considerando que este não era o meu objetivo, não foi possível negá-las. Os
professores-alunos conviveram, durante o curso, com situações de silenciar a
experiência, de escutar a experiência e refletir sobre a experiência. Compreendo que
esse movimento deixou claro qual o papel que cada professor formador ocupou
dentro do curso. No processo de compreensão a respeito da relação teoria e prática,
vi que os professores-alunos, no início da formação, concebiam essa relação a partir
de uma visão dicotômica, marcada pela separação desses elementos. Entendiam
que possuíam a prática e, na Universidade, seria realizado o encontro da teoria com
127
a prática com a finalidade de modificar a prática docente vivenciada por eles em
seus espaços de trabalho.
Conforme o curso foi avançando e os estudos foram sendo aprofundados e,
gradualmente, incorporados outros conhecimentos de natureza teórica, esses
professores-alunos começaram a perceber que a sua prática continha alguns
elementos teóricos, e iam se distanciando da visão dicotômica e se aproximando da
visão de unidade dessa relação.
Esses acontecimentos geraram um movimento de tensão, exigindo que os
professores-alunos buscassem novas compreensões a respeito da relação teoria e
prática, agora não mais para entender recortes de situações de ensino, mas para
compreender a prática docente como uma prática social. As implicações dessa nova
visão passaram a exigir novas posturas, novos estudos e novas reflexões, tanto para
os professores-alunos como para os professores formadores.
Partindo dessas reflexões, procurei considerar a importância do papel dos
professores formadores, visto serem esses os responsáveis diretos pela mediação
pedagógica, gerando, assim, o conflito e a necessidade de novos estudos. Ficou
reconhecido, no olhar dos atores sociais, que os professores de estágio tiveram uma
atuação decisiva para que se distanciassem da compreensão difusa que tinham a
respeito da relação teoria e prática e entendessem a prática educativa como uma
prática social. Essa dinâmica propiciou reflexões e análises necessárias ao conflito
para que esses protagonistas buscassem novos estudos, novos debates.
Nesse movimento de práxis foi possível perceber, por meio dos depoimentos,
que os protagonistas apresentavam um novo olhar a respeito da prática educativa.
Eles já traziam para os debates uma consciência política e ética em relação ao seu
trabalho, uma visão mais crítica acerca dos conhecimentos que estavam
trabalhando com seus alunos e verbalizavam as implicações políticas e sociais do
seu próprio trabalho. Isso sinalizava a compreensão da prática docente a partir de
suas implicações sociais.
Nesse contexto, a disciplina Estágio Supervisionado como eixo articulador do
currículo, teve um papel importante na formação desses professores-alunos. Ela foi
concebida para ser o ponto de convergência, além de dialogar com as outras
disciplinas para replanejar ações formativas que permitissem aos sujeitos ter uma
prática, conforme o anunciado por Freire (1996), dentro de uma dimensão histórica,
emancipatória do sujeito. Nesse processo, outra função dessa disciplina era fazer o
128
acompanhamento e a avaliação do seu grupo de professores-alunos, numa postura
formativa que buscasse compreender as impressões que eram possíveis de ser
construídas naquele contexto, espaço e cenário. Ao assumir esse lugar essa
disciplina constituiu-se em um espaço formativo.
Essas, portanto, poderiam ser as conclusões que arrolaria. Entretanto, para
finalizar este trabalho, penso ser importante defender três ideias fundamentais para
a construção do sentido dessa investigação.
A primeira delas diz respeito ao caráter formativo da pesquisa. Ao finalizar
essa investigação, reconheço que os estudos e as mediações realizadas por meio
dos dispositivos usados para estabelecer os diálogos com os atores sociais,
constituíram-se em um espaço político e ético de escuta sensível, o que nos levou a
perceber que a dinâmica da pesquisa, em si mesma, constituiu-se um espaço
formativo, possibilitando aos atores sociais não apenas a narração dos fatos já
vividos, mas também a reflexão a respeito do vivido. Esta postura e dinâmica
permitiram que eles (re)elaborassem sua compreensão da formação. Não apenas
aquela construída durante o curso, mas também a vivida no momento atual.
Nos encontros, tanto individuais como coletivos, existia a autoria do sujeito, a
narração do vivido, sua problematização e suas impressões estavam ali. Eles não
eram apenas informantes, e sim protagonistas, nessa caminhada. Sua voz estava ali
e se misturava a outras para se construir uma compreensão a respeito do vivido no
curso. Esse processo resultou em uma nova formação para esses atores sociais,
tencionando suas experiências.
A segunda ideia que defendo é a de que o alcance da formação não estava
propriamente no curso, e sim nas estratégias que, durante o processo formativo,
foram se constituindo para assegurar essa formação. As narrativas dos professores-
alunos mostraram que as estratégias se forjaram em duas esferas: uma na própria
vivência do/e no curso e, outra, na dinâmica da vida pessoal e profissional. Na
primeira delas, a reunião sob um mesmo contexto de uma diversidade de
professores-alunos com histórias e experiências diferentes, por si só, já oportunizou
uma formação a todos que dele participavam. Na segunda esfera, a mobilização das
famílias, das escolas, dos professores formadores e dos próprios professores-alunos
para assegurar a frequência e o desempenho no curso também gerou novas
aprendizagens e novas transformações. Essas estratégias foram geradas pelo curso
e esse foi o seu alcance formativo.
129
Finalmente, a terceira ideia defendida é a de que, apesar do aparente
antagonismo existente entre a formação inicial em atuação desejada para impactar
na melhoria do desempenho da educação básica e a busca (nessa formação) da
compreensão dos processos de aprendizagem dos professores envolvidos, apesar
de distintos, são movimentos que se complementam. De acordo com Pineau (2003),
toda formação terá sempre a capacidade de transformar em experiência significativa
os acontecimentos cotidianos sofridos no horizonte de um projeto pessoal e coletivo.
Neste caso, a formação é algo que se processa, é uma atitude ou uma função que
se cultiva e pode eventualmente desenvolver-se.
Reafirmo, assim, a partir das três ideias acima apresentadas, a intenção deste
trabalho: a de se constituir como um registro reflexivo acerca do movimento
formativo de homens e mulheres, reconhecendo que o outro, por ser humano,
sempre terá o direito à formação.
130
REFERÊNCIAS
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LISTA DE ANEXOS
ANEXO I - Questionário
ANEXO II - Roteiro das entrevistas
ANEXO III - Temáticas para o grupo focal