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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS - MG
Instituto de Ciências da Natureza
Curso de Geografia – Bacharelado
SAULO DE PAULA PINTO E SOUZA
AS TRANSFORMAÇOES SOCIOESPACIAIS NA REGIÃO
DO BARREIRO: A METROPOLIZAÇÃO NA PERIFERIA
DE BELO HORIZONTE.
Alfenas - MG
2013
SAULO DE PAULA PINTO E SOUZA
AS TRANSFORMAÇOES SOCIOESPACIAIS NA REGIÃO
DO BARREIRO: A METROPOLIZAÇÃO NA PERIFERIA
DE BELO HORIZONTE.
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentada como parte dos requisitos para
obtenção do título de Bacharel em
Geografia pelo Instituto de Ciências da
Natureza da Universidade Federal de
Alfenas- MG, sob orientação do Prof. Dr.
Evânio dos Santos Branquinho.
Alfenas – MG
2013
SAULO DE PAULA PINTO E SOUZA
AS TRANSFORMAÇOES SOCIOESPACIAIS NA REGIÃO
DO BARREIRO: A METROPOLIZAÇÃO NA PERIFERIA
DE BELO HORIZONTE.
A banca examinadora abaixo assinada
aprova o Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado como parte dos requisitos para
aprovação na disciplina de Trabalho de
conclusão de curso II e obtenção do título
de bacharel em Geografia pela
Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL
– MG)
Prof. Dr. Evânio dos Santos Branquinho Assinatura:
Instituição: Universidade Federal de Alfenas
Prof.ª Assinatura:
Instituição:
Prof. Assinatura:
Instituição:
Dedicatória
Agradecimentos
Epígrafe.
Resumo
Palavras-chave:
“resumo informativo: Informa ao leitor finalidades, metodologia, resultados e
conclusões do documento, de tal forma que este possa, inclusive, dispensar a consulta ao original”.
Abstract
Key-words:
Lista de Figuras
Figura 1 – .....................................................................................................13
Figura 2 – ........................23
Figura 3 – ..............................................25
Figura 4 – ...........................................................27
Figura 5 – .....................................................31
Figura 6 – ....................................36
Figura 7 – .................................40
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ………………………………………………………………………. 12
2. CAPÍTULO 1: A ABORDAGEM DO ESPAÇO E TEMPO ................................ 16
3. CAPÍTULO 2: A produção do espaço e a Geografia ............................................. 17
4. CAPÍTULO 3: A produção do Espaço do Barreiro .............................................. 22
3.1: O INÍCIO DO ROMPIMENTO COM O RURAL ..............................................
3.2:
5. CAPÍTULO 4: COLOCAÇÔES SOBRE A PERIFERIZAÇÂO DO BARREIRO .....
6. CONSIDERAÇOES FINAIS ................................................................................
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ........................................................................
10
1 – INTRODUÇÃO
Este trabalho tem a proposta de estudar a urbanização da região do Barreiro, Belo
Horizonte, a partir do espaço geográfico, objeto da Geografia. Claval (2010, p.8), coloca que
essa ciência está presente nas práticas, nas habilidades, nos conhecimentos e cultura, que
todos sempre mobilizamos em nossa vida cotidiana. Sendo a Geografia desde o início,
construída de práticas, ou seja, habilidades indispensáveis para a vida dos indivíduos e dos
grupos, ela resulta da experiência que temos do mundo. Portanto, a Geografia é praticada por
todos nós, de variadas maneiras, desde a antiguidade aos dias de hoje, nos meio rurais e
urbanizados. Ao vivenciar experiências nos lugares, transformando e interagindo com os
variados ambientes estamos, estamos realizando atos próprios da Geografia. Ela está assim,
relacionada à vida dos seres no planeta, em sua relação com o meio ambiente, relação prática
e também de formulações teóricas e que hoje está relacionada à apropriação do espaço pelos
indivíduos e pelo capital, em suas variadas inter-relações.
Nesta definição estariam incluídos todos os seres da terra e os espaços físicos nos
quais vivem. Acreditamos que ao se localizar, encontrar água e alimentos, construir
ambientes, deslocar, viver em comunidades, relacionar com o que outras espécies, ou seja, do
relacionamento com o espaço, produzimos o que somos hoje e formatamos o que seremos no
porvir. Muitos dos aprendizados do homem derivam dos relacionamentos com outras espécies
e o meio ambiente. Uma geografia para compreender o mundo e assim sermos compreendidos
nesse, para nos comportar e agir, tomar posição e postura para ação, dar base para a
transformação, essa é a base da geografia que precisa ser revelada, entendendo a nossa
posição para assim podermos efetuar transformações, em benefício da perpetuação da vida.
No entanto, buscamos compreender, através da ciência, a relação da sociedade com o espaço
geográfico, com o espaço produzido e em continuo processo de transformação.
Nossa análise parte de um espaço já transformado, a sociedade foi se reedificando,
tornou-se mais complexa desde o inicio do povoamento do planeta e, neste desenvolvimento
surgiram as ciências. Foi necessário tornar a geografia, o estudo do espaço em uma ciência,
isto é, estabeleceram regras, normas, linguagens e universidades para realizar este saber dos
seres, de uma maneira que fosse valorizada, diante de sociedade que exigia pesquisas
verdadeiramente cientificas. Nesta busca, utilizou-se de variados métodos e técnicas de
abordagem para compreensão e definição do objeto de seu estudo.
Diante disso, nosso objetivo foi realizar uma análise da urbanização do Barreiro, a
11
partir da produção do espaço, entender como ele foi produzido ou reproduzido historicamente.
Para isso buscamos por meio desta pesquisa, inicialmente, entender em que consiste o
conceito de produção e como ocorre a produção do espaço e assim entender como ele é
abordado pela Geografia. Para cumprir este objetivo, buscamos estudar a produção do espaço
do Barreiro, como este espaço e as relações sociais transformaram esta região, para poder
fazer uma reflexão sobre o momento atual da região.
Assim como encontramos na teoria, buscamos entender a sociedade como uma
totalidade, e por isso as mudanças trazidas pela modernização, irá, em lugares e momentos
diferentes, resultar em particularidades, revelando as contradições da reprodução. Reprodução
esta, que vai além dos meios de produção, a reprodução do espaço inteiro, da própria
sociedade, o espaço observado como desenvolvimento de uma atividade social: tese esta que
sustenta a pesquisa. Nossa análise então parte do fato de a espacialização do processo social
da modernidade, que paulatinamente transforma os lugares, integrando regiões em um modo
de vida urbano e resultando na metropolização, processo pelo qual a cidade, ao se
Imagem 1: Mapa de Belo Horizonte com a região do Barreiro em destaque. Fonte: http://portalpbh-
hm.pbh.gov.br
12
desenvolver, transforma se em uma metrópole.
A metrópole é caracterizada pela sua capacidade de centralizar grande diversidade de
usos, agentes, atividades, na tentativa de integrar a sociedade a um todo homogeneizado, apto
a atender às necessidades produtivas e o consumo. Através de um modo de produção
dominante, generalizado com a difusão da industrialização, distribuído por diversos lugares
do planeta, advem em uma tentativa de uniformidade de organização.
Ela se apresenta como centro aglutinante de um lugar, a tentativa de congregar
esforços e recursos e suprir novas necessidades surgidas. Ocasionalmente, investimentos
públicos e privados em infraestrutura, educação, saúde, lazer, etc. são atraídos, justificados
pela necessidade de melhorias para a população. Motivos que fazem Belo Horizonte ir além
da própria cidade, apresentando-se também como uma metrópole, isto pode ser percebido
pelo cotidiano dos moradores, pelo trabalho, formas de socialização, circulação pelos seus
bairros e ruas, pela maneira de utilizar dos serviços e seus espaços, o que faz muitas
atividades situadas e realizadas nesta influenciem e repercutem em outras espacialidades.
As relações sociais capitalistas contemporâneas influenciam diretamente a
configuração e organização espacial brasileira, decorrentes das práticas econômicas pré-
existentes. Fatores estes que seguem impulsionando o desenvolvimento das metrópoles e,
consequentemente, a hierarquização das cidades. A Capital Mineira foi planejada, em um
contexto capitalista, por isso a história da produção de espaço é relacionada desde o passado
por movimentos de luta pelo direito de uso do espaço social e urbano, pois ela foi marcada
pela especulação imobiliária e segregação.
A Cidade foi planejada nos fins do século XIX com intuito de ser o centro
administrativo do Estado, idealizada em um contexto de mudanças de ideais, no qual ocorria a
ruptura de um passado colonial e imperial rumo ao progresso e à ordem, almejando a
modernização mineira. Um projeto que recebeu investimentos da elite, no que é chamado de
modernização conservadora, esteve associado à instituição da República do Brasil. Podemos
dizer que a partir da década de 1940, assim como o mundo, as estratégias políticas mudavam,
e a ainda jovem Capital das Minas Gerais, inicia um crescimento urbano expressivo, induzido
principalmente pela industrialização, que se consolidaria nas décadas seguintes. A partir disso
compreendemos que as novas transformações, que são resultados dessas primeiras, estão
relacionadas à inserção e constituição da sociedade urbana. Isto é, o desenvolvimento de Belo
Horizonte, esta relacionado a difusão do Estado Nacional e a divisão internacional do
trabalho, em uma relação de dominação pela manutenção do poder e modo de produção
capitalista, como fundamentos da reprodução social.
13
O presente trabalho se desenvolve a partir de estudos sobre como estas
transformações se deram no Barreiro, região suburbana da cidade, que se constituiu como um
dos principais subcentros da metrópole. Foi importante o conhecimento dos principais fatores
que na produção de seu espaço, lhe deram as características que serviram de base para sua
modernização: o espaço carrega traços do passado, que ajudam a esclarecer o sentido de
progresso que a cidade assume. Buscamos olhar para os momentos em que agentes
transformadores surgiram pela cidade, influenciando em mudanças nas relações sociais e
espaciais, buscando perceber: por quê? para quem? ou em beneficio de quem? Ocorreram
estratégias que possibilitaram o crescimento de uma metrópole em meio à cidade. Assim
intentamos entender como se relaciona a produção em escala ampliada, através dos processos
econômico e sociais em que a metrópole se torna evidente e justificada, pois permite enquanto
grande centro econômico, maior poder de articulação, inclusive com o capital internacional, e
passa assim comandar e influenciar um espaço maior por meio da hierarquização e estratégias
classe produtora e muitas vezes por meio de empresas transnacionais, com ou sem o apoio do
Estado ou Federação.
Tomamos o Barreiro como área de estudo para, além de compreender a metamorfose
da cidade que se transforma em metrópole e poder realizar tal análise pela perspectiva do
subúrbio. Por meio disso, o processo em que aos poucos, rompeu as continuidades históricas e
tornou esta região um fragmento da metrópole mesmo possuindo uma funcionalidade propria.
O subúrbio do passado foi polarizado pela metrópole, pelas mudanças em sua infraestrutura
tornou-se periferia desta. Mas neste caso uma periferia que não é homogênea, pois traz
consigo a centralidade e assume uma articulação dentro da metrópole. Mesmo sendo um
fragmento em relação a uma unidade maior, a região do Barreiro entretanto também é
homogeneizada e hierarquizada, em escala menor.
14
O subúrbio se justifica nesta pesquisa sobre a tese de Martins (1992, p. 16), onde ele é
um posto privilegiado para observação e estudo das transformações da cidade e da formação
das classes sociais. Das particularidades da industrialização, em um país marcado pela
herança da escravidão, e ocorreu muitas vezes a transição do senhor de escravo a empresário
industrial. Estas que são particularidades que foram fundamentais para realização da
industrialização e refletiram na produção do espaço urbano de nossas metrópoles.
As transformações sociais, econômicas e políticas redefiniram a cidade e
suas circunvizinhanças, fizeram do subúrbio rural invadido pela cultura
metropolitana um subúrbio industrial invasor e portador da incultura das
concepções métricas da fabrica e sua lógica linear pobre, opressiva e
disciplinadora (MARTINS, 1992, p. 16).
Segundo o autor um novo modo de ver precisa ser incorporado, talvez ai esteja a
dificuldade dos pesquisadores em incorporar as mudanças que emergem do subúrbio. Este, no
entanto “oferece uma perspectiva que não pode ser desdenhada na correta recuperação e
reconstituição da história social da cidade”.
Pois, esse modo de ver não é reconhecível à primeira vista, além, de parecer
pobre, desvinculado, sem sentido. O sentido parece estar unicamente na
Imagem 2: As principais vias sobrepostas na divisão das antigas fazendas, Barreiro , Pião e Jatobá.
Fonte: Historia dos Bairros (2006) Arquivo público da Cidade de Belo Horizonte.
15
centralidade do urbano e suas tradições. Como se a indústria não tivesse
revolucionado a existência da cidade, invertido seus horizontes, subvertido
seus conteúdos de suas formas espaciais, arquitetônicas e sociais
(MARTINS, 1992, p. 16).
No entanto, é importante considerar que, atualmente diante destas questões, o subúrbio
de hoje passa do modelo industrial. A reprodução das relações sociais se caracteriza como
urbanas, resultado da industrialização e urbanização, atualmente no Barreiro as
transformações, que diz vir-se de fora, do centro, fazem parte de um todo, a metrópole e sua
periferia são parte da modernização da sociedade. E, como o processo anterior, este também
gera particularidades.
A metodologia deste trabalho consistiu em realizar estudos e revisão bibliográfica de
livros, teses, artigos, textos, documentos, mapas sobre Belo Horizonte e Barreiro, apresentem
formas de compreensão dos processos de urbanização e análise da modernização e produção
social do espaço como método de abordagem para compreender os processos que levam a
cidade à constituição de metrópole e como se dá a metropolização, assim obter embasamento
para elaboração teórico-metodológica condizente ao tema do trabalho. O estudo teve como
foco a produção do espaço para entender as transformações da região de estudo, sua formação
e transformação socioespacial.
A partir da primeira etapa, realizamos trabalhos de campo, percebendo transformações
na paisagem e realizamos entrevistas com os moradores. Procuramos somente os antigos,
utilizando de métodos e critérios qualitativos, colhemos relatos de vida de pessoas que
viveram em tempos passados, onde elas puderam expressar como perceberam a produção do
espaço da região, pontuando no tempo as mudanças que entendiam como fundamentais para o
processo de modernização. Através das entrevistas buscamos abranger nossa percepção sobre
a evolução urbana da cidade, por meio destes que vivenciaram as mudanças, desta maneira
eles contribuíram muito para compreensão do processo e enriquecimento do trabalho. Sobre
esta perspectiva realizamos treze entrevistas, dando liberdade para exposição da trajetória no
Barreiro, procurando saber o motivo delas viverem na região.
16
CAPÍTULO 1: Materialismo Histórico e Geográfico
Nosso primeiro capítulo tem por objetivo compreender a produção através do
materialismo histórico e o movimento dialético da história. Entender a relação do homem com
a natureza através do trabalho. Assim como deixar claro que é através da produção do espaço
que produzimos a sociedade. Para adiante colocar como o espaço entrou nesta discussão,
principalmente a partir de Henri Lefebvre, e assim compreender como a geografia absorveu o
marxismo e a produção do espaço. Passado por isso, poderemos realizar uma pesquisa em
geografia sobre a produção do espaço do Barreiro, dentro da urbanização de Belo Horizonte.
Trataremos inicialmente de como compreendemos o processo histórico, o que é
importante para justificativa das periodizações que foram realizadas na análise de nosso
objeto e a maneira como analisamos as transformações do Barreiro no devir do tempo através
da Geografia. Para isto, optamos iniciar por nossa compreensão sobre materialismo histórico,
pois assim acreditamos que alcançaremos um método de abordagem que abranja a
complexidade do contexto atual. Buscamos assim expor a questão da reprodução, e o
entendimento da sociedade como uma totalidade, que incorpora, mas não restringe ao
âmbito da produção estrito termo.
Em Quaini (1979) encontramos uma discussão sobre o materialismo histórico e a
dimensão espacial. Ele argumenta que esta não é sacrificada pela dimensão temporal, e sim
representa uma componente que não pode ser suprimida do original historicismo de Marx,
que nasce da crítica radical da concepção idealista da história. Argumentando que
O materialismo histórico constitui-se, portanto, como anti-filosofia, como
resolução dos problemas especulativos em fatos empíricos, como resolução
da filosofia da história e da filosofia da natureza na história natural e
humana. Ele instaura uma nova relação entre natureza e homem (QUAINI
1979 p. 43).
Em Lefebvre (2011, p. 62) outra afirmação importante colocada sobre o materialismo
histórico, relativa à sociedade e à sociologia: “Sociologicamente falando, somente existem
indivíduos humanos e seus relacionamentos. A sociedade como entidade de caráter geral, não
possui qualquer espécie de existência fora dos indivíduos que a compõem.”
A partir destas premissas e considerando que o materialismo histórico foi elaborado
por Marx e Engels em um período em que o mundo passava por grandes transformações
17
sociais, neste contexto se consolidavam e se desenvolviam a sociedade moderna e o Estado
burguês. Em termos rigorosos, a sociedade moderna inicia-se com o regime absolutista, e o
Estado burguês inicia-se com as revoluções Inglesa e Francesa. Marx escreve frente ao
momento em que as contradições do regime burguês começaram a ficar mais aparentes,
quando a burguesia se consolidava, de fato, enquanto classe dominante e não precisava mais
das classes subalternas para fazer frente à nobreza que havia perdido poder, a colocação de
Gorender (2007, p. xxxviii) é então pertinente:
O novo materialismo de Marx e Engels é crítico e revolucionário. Da
filosofia de Hegel extraiu seu núcleo racional- a dialética. Nos quadros do
sistema hegeliano, a dialética se submetia a mistificações especulativas. Na
concepção materialista, identificou-se ao devenir real da natureza e da
história. Perdeu o caráter especulativo, desfez-se das construções arbitrárias
requeridas pela cosmovisão idealista. Em vez disso, converteu-se em método
de pensar o real, pois adequado ao real. Severa disciplina do pensar que
objetiva reproduzir conceitualmente o real na totalidade inacabada dos seus
elementos e processos.
A partir destas colocações, parte-se de que a filosofia de Hegel foi importante para o
materialismo histórico, no entanto, nesta filosofia, o Estado era a forma perfeita da razão,
chamado forma absoluta, propiciando que a sociedade civil se desenvolvesse
harmonicamente. Desta forma, Hegel vê o movimento da história a partir do movimento do
espírito, de uma racionalidade superior, referindo-se à soma de todas as manifestações
humanas. Nesta, o indivíduo era a parte orgânica de uma comunidade, a razão ou o espírito do
mundo, um elemento místico e só se tornavam possíveis na interação das pessoas, estando o
indivíduo em um meio histórico e não estabelecendo uma relação livre deste tempo.
Sobre os relacionamentos humanos com base no marxismo, Lefebvre (2011, p. 63)
argumenta que “os relacionamentos que o ser humano necessariamente trava, porque não se
pode isolar, constituem o ser social de cada indivíduo; é o ser social que determina a
consciência, e não a consciência que determina o ser social.”
Dizer que Marx e Engels foram materialistas é portanto compreender que eles partiram
da filosofia de Hegel se distanciando da noção de espírito universal e da simples interpretação
do mundo. Eles queriam mudar o mundo, tinham um objetivo prático e político. Assim, as
condições materiais de vida numa sociedade determinavam a consciência assim como eram
decisivas para a evolução da história. Nesse sentido, as condições materiais determinavam
também as condições espirituais.
18
Marx e Engels iniciaram então a reelaboração da dialética hegeliana, que resultou na
integração do princípio da dialética no materialismo e a reconstrução deste como
materialismo dialético. Eles criticavam os hegelianos, pois acreditavam que não se pode
desconsiderar a importância da base material e a organização para a existência social. Como
eles argumentam:
Ao contrário da filosofia alemã, que desce do céu para a terra, aqui é da terra
que se sobe ao céu. Em outras palavras, não partimos do que os homens
dizem, imaginam e representam, tampouco do que eles são nas palavras, no
pensamento, na imaginação e na representação dos outros, para depois se
chegar aos homens de carne e osso; mas partimos dos homens em sua
atividade real, é a partir de seu processo de vida real que representamos
também o desenvolvimento dos reflexos e das repercussões ideológicas
desse processo vital.
Gorender (2007, p. XXIV)1 esclarece a questão do que se compreende a história a
partir do materialismo:
O ponto de partida da história não pode ser a Idéia, nem qualquer conceito.
Marx contrapôs esta tese afirmando que a essência do homem é o conjunto
das relações sociais. “A humanização do ser biológico especifico só se dá
dentro da sociedade pela sociedade”. Assim o materialismo histórico se
funda desta premissa, neste fato concreto. “premissa de que parte a ciência
positiva da história são os indivíduos humanos reais, sua ação e condições
reais de vida. Premissa à qual se chega por via empírica, dispensando
filtragens filosofantes. A premissa de toda história humana é a existência de
indivíduos humanos viventes.” Os indivíduos humanos é que produzem seus
meios de vida, condicionados por sua organização corpórea e associados em
agrupamentos. O que são coincide com sua produção, com o que e o modo
que produzem. O que os indivíduos são depende, portanto, das condições
materiais de sua produção
Compreendemos então que, para o materialismo histórico, as condições materiais
sustentam as ideias da sociedade. As condições materiais estão compostas por três camadas:
condições naturais de produção, isto é os recursos naturais; as forças de produção de uma
sociedade, seriam ferramentas e os meios de produção; e a posse e divisão do trabalho, ou seja
as relações de produção. Lefebvre (2011, p. 66) coloca que “Os relacionamentos e produção
revelam assim a análise de três fatores ou elementos: as condições naturais, as técnicas a
organização e divisão do trabalho social. Os três elementos vão constituir o que o marxismo
chama de forças produtivas.”
1 Na introdução de A Ideologia Alemã, 2007, 3° ed. Martins fontes encontra-se um ensaio sobre Materialismo
Histórico assinado por este autor.
19
Enfatizando também que “as forças produtivas e o modo de produção não podem
separar. Historicamente, são forças produtivas que determinam o modo de produção: assim, as
maquinas e ferramentas (técnica) e a divisão do trabalho se encontram indissoluvelmente
ligadas” (LEFEBVRE 2011, p. 70).
Neste sentido, o meio é fundamental para entender como os homens estão vivendo. No
materialismo histórico surge uma categoria fundamental, o modo de produção, o modo de
vida das pessoas, na medida em que a atividade humana prática, ativa em relação ao meio
conforma nossas necessidades, a conexão que vamos ter uns com os outros: o que produzem e
o modo que produzem, depende das condições materiais. Desta maneira cabe a argumentação
de Lefebvre (2011, p. 63).
Em sua ação, ao modificar a natureza do mundo que o cerca, o indivíduo
sofre influência de condições que não criou em absoluto: a própria natureza
que encontrou ao seu redor, sua própria natureza individual, os outros seres
humanos que o cercam, as modalidades já constituídas da atividade humana,
tradições, utensílios, divisão e organização do trabalho etc.
Assim, a partir das colocações de Gorender (2007), é compreensível que o pressuposto
principal dos homens tal qual eles existem é a sua organização social, vivendo dentro de suas
condições materiais sendo necessário cumprir tarefas básicas para continuar existindo. Os
homens produzem as formas que vão sanar suas necessidades fundamentais concomitante à
continuidade de suas vidas. Por isso, Marx e Engels destacam a atividade humana ou trabalho.
Atividade produtiva ou trabalho é uma relação ativa com o meio, no intuito de sanar
necessidades básicas. Assim, a relação homem natureza compreende-se como trabalho,
estando a consciência relacionada à atividade produtiva
Marx e Engels se interessaram pelo que realmente acontece com o homem quando ele
trabalha, compreendendo que, quando o homem altera a natureza, ele mesmo se altera. Ou
seja, quando o homem trabalha, ele interfere na natureza e deixa suas marcas nela e também
em sua consciência, estando o conhecimento relacionado ao seu trabalho. Diante disso, Marx
e Engels (2007 p. 10) colocam o seguinte.
A primeira condição de toda a história humana é naturalmente, a existência
de seres humanos vivos. A primeira situação a constatar é, portanto, a
constituição corporal desses indivíduos e as relações que ela gera entre eles e
o restante da natureza. Não podemos, naturalmente, fazer aqui um estudo
mais profundo da própria constituição física do homem, nem das condições
naturais, que os homens encontraram já prontas, condições geológicas,
orográficas, hidrográficas, climáticas e outras. Toda historiografia deve
20
partir dessas bases naturais e de sua transformação pela ação dos homens, no
curso da história.2
Lefebvre (2011, p. 65) explica que, assim, existem relacionamentos fundamentais e
que os relacionamentos fundamentais para a sociedade são os relacionamentos com a
natureza. Não porque ele permaneça um ser da natureza, mas, ao contrário, por que luta contra
ela, luta no sentido de arrancar da natureza através do trabalho os elementos que necessita
para superar uma condição puramente animal. Más a natureza não deixa de ser o substrato da
vida humana, a base para a constituição de seu corpo e sua mente. É com este olhar que
trataremos a relação da sociedade com o espaço. Gorender (2007, p. XXV) abrange esta
discussão:
A satisfação das necessidades elementares cria necessidades novas e a
criação de necessidades novas constitui o primeiro ato da história. Em cada
momento dado, os homens utilizam as forças produtivas de que dispõem e
organizam formas de intercâmbio correspondentes. Intercâmbio ou comércio
(no sentido lato de relacionamento) é a tradução da palavra alemã Verkehr,
que Marx e Engels empregam em A Ideologia Alemã. Mais tarde, com o
refinamento da terminologia marxiana, formas de intercâmbio
(Verkehrformen) será substituído por relações de produção
(Produktionverhaltnisse).
A partir de Lefebvre (2011, p. 65), sobre o materialismo histórico e as relações
fundamentais podemos compreender melhor os levantamentos anteriores.
As relações fundamentais de toda sociedade humana são, portanto, as
relações de produção. Para atingir a estrutura essencial de uma sociedade, a
análise deve descartar as aparências ideológicas... ela deve alcançar, sob essa
superfície, os relacionamentos de produção, isto é, os relacionamentos
fundamentais dos homens com a natureza e dos homens uns com os outros
durante o trabalho.
Compreendemos então que as relações materiais, econômicas e sociais de uma
sociedade são chamadas no materialismo histórico de base dessa sociedade. Enquanto o modo
de pensar e as instituições políticas; suas leis e sua religião e moral; arte e ciência, são por ele
chamados de superestrutura. Sobre superestrutura Lefebvre (2011, p. 74) coloca que o
“conjunto das instituições e das ideias resultantes dos eventos e das iniciativas individuais (as
ações dos indivíduos que agem e pensam) dentro do esquema de uma estrutura social
determinada, foi denominado por Marx de superestrutura dessa sociedade”.
2 Vide Quaini (1979, p. 42) sobre em que consiste natureza no Marxismo.
21
Ainda a partir de Lefebvre (2011, p. 74-75) compreende-se que a superestrutura
comporta: as instituições jurídicas e políticas, as ideologias, os fetiches ideológicos etc. ao
mesmo tempo em que é a expressão do modo de produção. Deste modo, três elementos: base,
modo de produção e superestrutura são elementos distintos entre si, porém interligados, isto é
encontram-se tanto em interação como em conflitos incessantes. Cada um mesmo sendo
distintos, estaria no mesmo plano que os outros. Desses aspectos ou elementos, um é o mais
essencial, sendo a própria razão do processo do devir. Trata-se do relacionamento do homem
com a natureza, o grau de sua potência para agir sobre ela, isto é, o desenvolvimento das
forças produtivas. O modo de produção não é senão o modo de organização, em um momento
dado, das forças de produção. A superestrutura elabora, codifica ou transpõe os
relacionamentos humanos para um modo de produção determinado.
A partir dos pressupostos, entendemos que as condições materiais sustentam os
pensamentos e ideias de uma sociedade, podendo dizer que a superestrutura de uma sociedade
é o reflexo de sua base material. Porém deve-se notar que a base e a superestrutura de uma
sociedade se condicionam reciprocamente, existe uma interação entre a base e a
superestrutura de uma sociedade e existe também uma tensão, e isto é o que chamamos de
materialismo dialético.
Retomando o que dissemos sobre Hegel e Estado absoluto, sendo a forma pura da
razão em sua visão mística, e sobre a crítica colocada por Marx, procurando superá-lo,
podemos completar nosso raciocínio afirmando que o Estado enquanto superestrutura não
explica sociedade civil, a sociedade civil forma o Estado. Sobre isso Gorender (2007, p xxvi)
A história é, em primeiro lugar, a história da sociedade civil, não a história
do Estado. As formas de intercâmbio a princípio se apresentam como
condições da produção material. Mais tarde, convertem-se em travas desta
produção. A forma de intercâmbio existente é substituída por outra nova, de
acordo com as forças produtivas desenvolvidas. Em cada fase, as condições
de intercâmbio correspondem ao desenvolvimento simultâneo das forças
produtivas. A história se apresenta assim como sucessão de formas de
intercâmbio e de modos de produção. Estava aí delineada já a lei da
correspondência necessária entre as forças produtivas e as relações de
produção, axial na concepção do materialismo histórico.3
3 Vide intercambio em a Ideologia Alemâ, 2007, p. 108. Ed. Martins fontes ou Grundisse 2011, p. 39-61, Ed.
Boitempo.
22
Para esclarecer o que são as forças produtivas, e compreender que ela
representa a base sobre a qual se estabelecem as relações de produção, e entender o
movimento destas na historia, apoiaremos em Lefebvre (2011, p. 76), este coloca que,
As forças produtivas, em cada momento de seu crescimento, fornecem a
base sobre a qual se estabelecem os relacionamentos de produção e se
elabora a superestrutura. Tão logo as forças produtivas dão um salto a frente,
o modo de produção correspondente é ultrapassado. Desaparece então
naturalmente? Sim, mas ao mesmo tempo não. Sim em um sentido: ele
ingressa então, necessariamente, por meio de um processo objetivo e natural,
escapando às consequências e as vontades, em seu declínio e crise final.
Todavia, não, porque a superestrutura e a ideologia mostram então sua
relativa independência. Na medida em que os indivíduos esses agentes
pensantes que pertencem às classes dominantes tomam consciência do
processo, eles passam a lutar contra ele: retardam-no, interrompem seu
movimento, mantêm um modo de produção desvalorizado, com todas as
superestruturas. Por que meios? Através da ideologia, que mostra então a sua
função real: dissimular sob as aparências, mascarar o essencial do processo
histórico, dissimular as contradições e redescobrir as soluções, isto é, a
superação do modo de produção existente sob o véu de falsas soluções.
(LEFEBVRE, 2008, p. 76)
Podemos proceder, a partir da compreensão de que, para o materialismo histórico, o
modo de produção numa sociedade, sua relação com o meio a partir do trabalho, condiciona
também as relações políticas e ideológicas que encontramos nela, relações estas que vão criar
dependência de intercambio, assim como estão predispostas a mudanças. Conforme colocam
Marx e Engels (2007, p. 23):
Produzir a vida, tanto a sua própria vida pelo trabalho, quanto a dos outros
pela procriação, nos aparece portanto, a partir de agora, como uma dupla
relação: por um lado como uma relação natural, por outro como uma relação
social - social no sentido em que se estende com isso a ação conjugada de
vários indivíduos, sejam quais forem suas condições, forma e objetivos.
Disso decorre que um modo de produção ou um estágio industrial
determinados estão constantemente ligados a um modo de cooperação ou a
um estádio social determinados, e que esse modo de cooperação é, ele
próprio, uma “força produtiva"; decorre igualmente que a massa das forças
produtivas acessíveis aos homens determina o estado social, e que se deve
por conseguinte estudar e elaborar incessantemente a "história dos homens"
em conexão com a história da indústria e das trocas...Manifesta-se portanto,
de início, uma dependência material dos homens entre si, condicionada pelas
necessidades e pelo modo de produção, e que é tão antiga como os próprios
homens – dependência que assume constantemente novas formas e apresenta
uma história (...)
A partir dos pressupostos sobre o materialismo e com apoio em Gorender (2007)
podemos dizer que o movimento da história pode ser sintetizado: Os elementos da base
compõem a força produtiva da sociedade e as condições que eles vão produzir, assim quando
23
se chega a um limite mudam-se as relações de produção, que são íntimas à produção. Sendo o
movimento da história, então, o movimento das forças produtivas e das relações de produção.
Isto seria a síntese do movimento da história, ao chegar em um limite elas transformam-se.
Desta maneira explica-se a mudança da idade média para o capitalismo: modificaram-se o
modo de produção e as relações desencadeando este movimento da história.
Tentamos mostrar a partir do marxismo e do materialismo histórico, o movimento da
historia de um ponto de vista dialético, essencial para nossa analise do Barreiro, para tanto é
necessário perceber estas influencias no desenvolvimento do pensamento geográfico, para
tanto Carlos (2007), é bastante esclarecedora, quanto a herança deixada por essa reflexão,
sendo o pensamento do espaço enquanto produção/produto da ação da sociedade.
A noção de produção tal qual proposta por Marx aponta, por sua vez, para a
reprodução e evidencia a perspectiva de compreensão de uma totalidade que
não se restringe ao plano do econômico, mas abre-se para o entendimento da
sociedade em seu movimento mais amplo, o que pressupõe uma totalidade
mais ampla e muda os termos da análise espacial. Noção ampla envolve a
produção e suas relações mais abrangentes, e significa, neste contexto, o que
se passa fora da esfera específica da produção de mercadorias, e do mundo
do trabalho (sem, todavia, deixar de incorporá-lo) para estender-se ao plano
do habitar, ao lazer, à vida privada, guardando o sentido do dinamismo das
necessidades e dos desejos que marcam a reprodução da sociedade. Neste
sentido, a noção de reprodução abre como perspectiva analítica o
desvendamento de uma realidade em constituição (CARLOS, 2007, p. 4)
A partir de Carlos (2007) compreende-se o espaço sendo ao mesmo tempo uma noção
abstrata e concreta, a sua produção social revela o plano da prática sócio-espacial. A noção de
produção se vincula à produção da humanidade e diz respeito às condições de vida em
sociedade. Em um processo que se revela “em diferentes escalas tendo, hoje, sua base
definida/limitada e potencializada pelo processo de mundialização.” O caminho por ela
apontado sinaliza ultrapassar a dimensão ontológica do espaço voltando o conhecimento para
a “produção/reprodução do espaço enquanto nível da realidade, num movimento que articula
passado, presente e futuro,” no sentido de elucidar os vários momentos da produção.
Moreira (2004) em sua análise sobre a ontologia a partir do marxismo faz colocações
pertinentes, enquanto a produção do próprio homem, para nossa pesquisa é interessante, pois
trata da historia social, e analisaremos como o movimento da história além de reestruturar o
espaço muda a vida dos seres humanos, ocorrendo muitas vezes por intermédio do Estado
com suas estratégias.
24
Por fim, o caráter de salto ontológico. O homem socializa-se, socializando a
natureza mesmo que diferenciadamente (diga-se, de passagem, que a
socialização é um processo inerentemente presente à natureza; não é só o
homem que metabolicamente muda e dá uma forma de face nova ao
conteúdo natural das coisas da natureza, não só ele introduz produz trabalho,
mas somente ele dispõe da capacidade de fazer a história natural mudar de
qualidade e tornar-se uma história social da natureza). E, então, de realizar o
salto ontológico do ser natural no ser social, mudando a relação de essência e
existência sua e das próprias formas da natureza. (MOREIRA, 2004, p.33)
Procuraremos a importância desses pressupostos na teoria espacial, no próximo
capítulo discutiremos como o materialismo histórico influenciou a análise espacial e assim a
pesquisa em geografia.
CAPÍTULO 2: A produção do espaço e o espaço geográfico.
Buscamos no primeiro capítulo o que o marxismo tem a oferecer para a Geografia,
assim como ao movimento da história e justificar o uso do método dialético. A partir de agora
buscamos relacionar as categorias e conceitos do materialismo histórico com a análise
geográfica. Em Moreira (2004) encontramos uma comparação da utilização das categorias,
natureza, trabalho e homem, entre o Marxismo e a Geografia. Além disso, o autor analisa
como esta foi absorvendo as categorias de acordo com suas escolas. É interessante a reflexão,
assim como as colocações, sobre como abordagem marxismo influenciou a Geografia. Dois
trechos esclarecem quanto às categorias:
Já no conceito do homem, se para os marxistas há nítida clareza conceptiva
já a partir da sua condição de sujeito e objeto da sua própria história, num
processo auto-poiético, para os geógrafos o homem é uma categoria de
concepção plural e vaga - indo desde o homem-habitante ao homem-
população, sendo a mais vaga talvez dentre o universo dos conceitos-chave
com que seu pensamento opera em sua busca da compreensão do mundo.”
(MOREIRA, 2004, p.23)
Na geografia, a relação homem-meio é um movimento entendido como a
busca da satisfação das necessidades materiais de subsistência, e que é
também o termo da - sua realização. No marxismo, é ela um processo que
inicia-se no plano da consciência da condição material da existência humana
e culmina na realização do homem, sua hominização, como um ser
plenamente efetivado. E é aqui que se coloca o debate do tema da alienação
do homem na história (não somente na moderna sociedade capitalista). Um
tema que se explicita e se resolve ontologicamente. (MOREIRA, 2004 p. 29-
30)
25
O artigo de Moreira (2004) não se resume em comparações, existe um sentido em
evidenciar as diferenças. O autor vai além, para ele se tratando da condição geográfica da
existência humana, o olhar marxista é que deve afeiçoar-se ao arsenal categorial, conceitual e
linguístico da geografia. Não fazer de Marx um geógrafo, ou esperar ver-se uma geografia nos
escritos de Marx, e sim olhar pelos olhos de um referencial marxista com as formas e
categorias da geografia. O olhar do marxismo emprestaria o foco para uma olhar que se
movimente pelo campo dos conteúdos que remetem ao mundo e ao conceito de estar-no-
mundo do marxismo (MOREIRA, 2004, p.31)
Moreira (2004, p.31) discute quanto à formação de conceitos e o papel do marxismo
na elucidação das possibilidades destes na geografia. E o modo possível de produzir-se um
conceito dialético substantivando o método da geografia referenciado num modo de relação
que vai do marxismo à geografia, mas sem que precisem dissolver-se reciprocamente um e\no
outro, o olhar de ambos assimilados e ao mesmo tempo mantidos. O trecho a seguir esclarece.
Cada ponto da superfície da Terra, assim como cada fenômeno ou cada coisa
ou objeto, reúne singularidades e universalidades com outros pontos. A
questão resume-se à evidencialidade da particularidade nos espaços
geográficos. Como procedê-la? O marxismo responde com a síntese triádica
do singular-universal-particular que é próprio do enfoque dialético. Enfoque
característico do marxismo aplica-se igualmente à geografia. Uma vez
localizados e distribuídos, e assim definidos para o fim da focação das
singularidades, os objetos da paisagem são comparados, em benefício da
universalidade. Isola-se em cada um deles o que têm em comum,
dispensando-se neste momento o que cada qual tem de específico. A reunião
dos traços comuns leva à universalidade. Produzida a universalidade, volta-
se aos aspectos específicos dos objetos individuais, de modo a isolar-se
agora o que é peculiar, produzindo-se assim a singularidade. A
conjuminação da universalidade e da singularidade no objeto leva à
particularidade, entendida como a síntese dialética do universal e do
singular, e assim como unidade contraditória. (MOREIRA, 2004, p. 31)
Este ponto é a chave para a questão da utilização do materialismo histórico no
trabalho, tratando-se de analisar a sociedade como uma totalidade, em um movimento
dialético, que através da reprodução dela mesma, produz uma universalidade, uma tentativa,
vista como possível, de homogeneização do modo de vida urbano. Por meio da simbiose
industrialização-urbanização. E que, ao alcançar uma região, em um espaço tempo, vai
resultar em uma particularidade, pois o processo é dinâmico e gradual, assim, aos poucos vai
transformando a sociedade, transformando os seres.
26
Moreira (2004) após discutir o marxismo na geografia utiliza-se do conceito de
Geograficidade, sendo este, o ser-estar espacial do ente. “É o estado ontológico do ser no
tempo-espaço”, assim “o modo de expressão dessa essência metabólica - a hominização do
homem pelo homem através do trabalho - em formas espaciais concretas de existência, algo
que difere em nos diferentes recortes de território da superfície terrestre. É o ser em sua
totalidade geográfica concreta.” A geograficidade extrapola o sentido puro do contexto,
centrando seu conteúdo no sentido da existência ou do contexto (espacial) da existência.
Sendo esta uma leitura influenciada pelo pensamento marxista no pensamento geográfico.
As exposições anteriores buscaram elucidar, a maneira que a geografia compreende a
vida em sociedade por meio da dialética. A partir disso, podemos discutir sobre a produção do
espaço e modernização. Desta forma, buscaremos uma linha de raciocínio que traga o espaço
para o eixo central da análise social. Buscamos analisar a produção do espaço, entendendo
como as estratégias dos agentes sociais influenciaram, no sentido de abranger e permear a
produção e reprodução das relações de produção na história.
Lefebvre (2008, p. 36-57) “Trata da problemática do espaço.” Más o espaço vivido,
vinculado à prática social. Assim o autor parte de questões como: “Qual é o estatuto teórico
da noção de espaço? Qual a relação entre espaço mental e espaço social, isto é, entre o espaço
da representação e a representação do espaço?” (p.40) Sendo o “Espaço mental – percebido,
concebido e representado. E o Espaço social – construído, produzido, projetado, portanto,
notadamente espaço urbano.” Assim levanta outras questões: qual a inserção do espaço na
prática social, econômica política, industrial ou urbana? Onde e quando a concepção de
espaço atua? Quando ele se mostra eficaz e em quais limites?
O autor realizando estes levantamentos, também alguns outros, levanta hipóteses sobre
estas questões, na segunda delas, o espaço, “resulta do trabalho e da divisão do trabalho; a
esse título, ele é o lugar geral dos objetos produzidos, o conjunto das coisas que o ocupam e
de seus subconjuntos, efetuado, objetivado, portanto ‘funcional’” (LEFEBVRE, 2008, p. 44).
Avançando para a hipótese seguinte, é colocado que o espaço, seria um intermediário, ou seja,
“um modo, um meio e uma mediação” nesta hipótese ele seria um instrumento político
intencionalmente manipulado, um poder de uma classe dominante. “Nesta hipótese, a
representação sempre serviria a uma estratégia... projetada” (LEFEBVRE, 2008, p. 45).
Assim o espaço é ao mesmo tempo funcional e instrumental, vincula-se à
reprodução da força de trabalho pelo consumo. Pode-se dizer que ele é o
meio e o modo, ao mesmo tempo, de uma organização do consumo no
quadro da sociedade neocapitalista, isto é, da sociedade burocrática do
27
consumo dirigido. Em verdade, a aparente finalidade da sociedade, o
consumo, se define pela reprodução da força de trabalho, ou seja, das
condições do trabalho produtivo (LEFEBVRE, 2008, p. 46).
. As objeções sobre estas hipóteses, colocadas pelo autor, são muito importantes, pois
evidenciam os problemas deste tipo de raciocínio, pois esta vinculação do espaço à produção
“abrange somente a reprodução dos meios de produção, dos quais faz parte a força de
trabalho” serviria então somente ao capitalismo concorrencial. O mais importante é que ele
avança o raciocínio, pois o modo de produção capitalista passa a reproduzir as relações de
produção, que não coincide mais com a reprodução dos meios de produção; ela se efetua
através da cotidianidade, lazeres e cultura, das escolas e universidades, das extensões e
proliferações da cidade antiga, ou seja, através do espaço inteiro. A partir disso é exposta a
quarta hipótese (LEFEBVRE, 2008, p. 48).
O espaço estaria essencialmente ligado à reprodução das relações sociais de
produção. Noutras palavras, essa teoria envolve a terceira hipótese levando a
análise mais longe, modificando-a um pouco...Trata-se da produção no
sentido amplo: produção das relações sociais e re-reprodução de
determinadas relações. É nesse sentido que o espaço inteiro torna-se lugar
dessa reprodução, aí incluídos o espaço urbano, os espaços de lazeres, os
espaços ditos educativos e os da cotidianidade (LEFEBVRE, 2008, p.48-49).
A partir destas hipóteses o autor procura mostrar que o espaço inteiro torna-se o lugar
da reprodução das relações de produção. Os valores de uso entraram no valor de troca. Para
assim colocar, “a produção do espaço”, referindo-se ao conjunto da sociedade. Vendo no
espaço o desenvolvimento de uma atividade social. Não como um dado a priori, seja do
pensamento (Kant), seja do mundo (positivismo). De fato toda sociedade produz seu espaço
(LEFEBVRE, 2008, p. 55).
O espaço mental e social é um espaço especifico, portanto, qualificado,
mesmo se não percebido como tal. É uma modalidade da produção numa
sociedade determinada, no seio da qual contradições e conflitos se
manifestam. Existem, portanto, contradições do espaço, mesmo se
dissimuladas ou mascaradas (...) As contradições do espaço não advém de
sua forma racional, tal como ela se revela nas matemáticas. Elas advêm do
conteúdo prático e social e, especificamente do conteúdo capitalista. Com
efeito, o espaço da sociedade capitalista pretende-se racional quando, na
prática, é comercializado, despedaçado, vendido em parcelas. Assim ele é
simultaneamente global e pulverizado (LEFEBVRE, 2008, p.57).
Diante destas colocações Lefebvre (2008, p. 57) expos que a classe dominante
(burguesia) dispõe de um duplo poder sobre o espaço, pela propriedade privada que se
28
generaliza por todo espaço, com exceção das coletividades e do Estado e pela globalidade, a
estratégia, pela ação do próprio Estado. Existindo conflito entre estes aspectos e notadamente
entre o espaço abstrato e (concebido ou conceitual, global e estratégico) e o espaço imediato,
percebido, vivido despedaçado e vendido. Sendo que no plano institucional aparece entre os
planos de ordenamento e os projetos dos mercadores do espaço.
As colocações de Lefebvre (2008, p.57- 63) também são relevante em nossa pesquisa,
neste o autor propõe perceber como os processos globais modelaram o espaço urbano, ou seja,
a transformação que ocorre na cidade histórica, pelas continuidades e descontinuidades, que
resultam na produção do urbano, “produzir neste sentido é criar”
A cidade se transforma não apenas em razão de “processos globais”
relativamente contínuos (tais como o crescimento da produção material no
decorrer das épocas, com suas consequências nas trocas, ou o
desenvolvimento da racionalidade) como também em função de
modificações profundas no modo de produção, nas relações “cidade-campo”,
nas relações de classe e de propriedade. O trabalho correto consiste aqui em
ir dos conhecimentos mais gerais aos conhecimentos que dizem respeito aos
processos e às descontinuidades históricas, à sua projeção ou refração na
cidade, e inversamente, dos conhecimentos particulares e específicos
referentes à realidade urbana para o seu contexto global (LEFEBVRE, 2008,
p. 58-59).
As descontinuidades, entretanto, remetem tanto as formações urbanas, quanto entre as
relações sociais, entre as relações imediatas dos indivíduos e grupos. Evidenciando o
movimento dialético nas metamorfoses da cidade e do urbano, e nas relações de continuidade
e descontinuidade. “No curso do desenvolvimento, formas transformaram-se em funções e
entraram em estruturas que as retomam e as transformam.” (LEFEBVRE, 2008, p. 60). A
cidade passou por períodos críticos, desestruturações e reestruturações se sucederam no tempo
e espaço, traduzidas para a pratica, por isso ele enfatiza a importância do contexto dos
períodos.
Diante isso, Lefebvre (2008, p. 62) faz uma definição de cidade, “projeção da
sociedade sobre um local, isto é, não apenas sobre o lugar sensível como também sobre o
plano especifico, percebido e concebido pelo pensamento, que determina a cidade e o
urbano”. Sendo que, “o que se projeta não é apenas uma ordem distante, uma globalidade
social, um modo de produção, um código geral, é também um tempo, ou vários tempos,
ritmos”. Como ele coloca, estas definições precisam e exigem complementos, ela deixa de
lado diferenças atuais, entre os tipos de cidades resultantes da história. Esta definição, no
entanto não excluí outras, assim atualmente a cidade moderna, tornando, ou agrupando,
centros de decisão, intensifica e organiza a exploração de toda sociedade. “Isto é dizer que ela
29
não é um lugar passivo da produção ou da concentração dos capitais, mas sim que o urbano
intervém como tal na produção (nos meios de produção)”.
O que o autor propõe é que o urbano é novo, foi produzido, uma criação, a sociedade
urbana, o local onde se deram estas transformações foi na cidade, mas a cidade histórica
porém, foi implodida e explodida através da urbanização da sociedade industrializada.
Estamos então, de acordo com Lefebvre, diante da sociedade urbana, a dificuldade em
enxergar se encontra nas continuidades e descontinuidades, pois delas ocorrem o ponto cego,
isto é, a dificuldade de enxergar o novo.
Para o próprio Marx, a industrialização trazia em si mesma sua finalidade,
seu sentido. Fato que provocou a seguir a dissociação do pensamento
marxista em economia e filosofia. Marx não mostrou (em sua época não
podia faze-lo) que a urbanização e o urbano contém o sentido da
industrialização. Ele não viu que a produção industrial implicava a
urbanização da sociedade, e que o domínio das potencialidades da indústria
exigia conhecimentos específicos concernentes à urbanização. A produção
industrial, após um certo crescimento, produz a urbanização; fornece as
condições desta e lhe abre possibilidades. (LEFEBVRE, 2008, p. 85).
Expostas as preposições sobre o materialismo e a produção do espaço, e da
industrialização e urbanização, analisaremos como estas influenciam a abordagem do espaço
geográfico, inicialmente a partir de Carlos (2007), e suas colocações sobre a produção, na
maioria dos casos a produção imita e simula uma realidade já existente. A relação produção-
reprodução-repetição pesa sobre a prática social, esboçando-se um conflito entre a
produtividade (repetitiva) e a criatividade. O conceito de reprodução renovado e estendido,
ganha papel importante na teoria espacial.
Na realidade atual revela metamorfoses sinalizando a necessidade de
desvendamento do conteúdo e sentido destas transformações que são
consequências da realização do capitalismo no plano mundial, como
momento da reprodução da sociedade, saída da história da industrialização
que permitiu ao mesmo tempo o desenvolvimento do mundo da mercadoria,
a generalização do valor de troca, o desenvolvimento das comunicações, a
expansão da informação, a redefinição das relações entre os lugares, bem
como da divisão do trabalho no seio da sociedade. A extensão do capitalismo
no espaço, ele próprio tornado mercadoria, faz da produção do espaço um
pressuposto, condição e produto da reprodução social no mundo moderno;
elemento definidor dos conteúdos da prática sócio-espacial, modificando as
relações espaço-tempo da vida social, redefinindo antigas contradições e
produzindo novas (CARLOS, 2007 p.5)
Santos (2004), ao dizer que no decorrer do tempo as mudanças na produção do espaço
transformam a sociedade. Coloca que é através do espaço que “a história se torna ela própria
30
estrutura, estruturada em formas. E tais formas, como formas-conteúdo, influenciam o curso
da história, pois elas participam da dialética global da sociedade” (SANTOS, 2004, p. 189).
Para realizar a leitura do espaço, foi muito importante perceber as continuidades e
descontinuidades na história, em uma visão retrospectiva das metamorfoses da paisagem.
Buscar o movimento dialético do urbano, considerando as especificidades do lugar. Neste
contexto o termo produção abrange o assunto, de maneira eficiente e não fracionada,
retomando as relações sociais e expondo suas contradições.
A partir de Lefebvre (1976 apud BRANQUINHO, 2001) entendemos então que a
“reprodução do espaço ocorre reproduzindo os conflitos sociais e contradições. Em um
movimento de reprodução onde destacam-se três tendências simultâneas e inter-relacionadas:
a homogeneização, a fragmentação e a hierarquização do espaço.” Estas tendências serão
fundamentais para nossa tese, elas contribuíram para analisarmos como as estruturas, que se
materializaram no Barreiro no devir da história, ora remetem a universalidade, no sentido de
homogeneizar e ora, as continuidades permanecem, formando particularidades. A urbanização
introduz ao espaço urbano um processo de homogeneização, vamos entende-la como, o
adensamento de estruturas que contribuam para permear o modo de vida capitalista. Então
podemos dizer que os problemas gerados pela simbiose urbanização e industrialização irão
fazer parte da reprodução da sociedade na modernidade. O que nos evidencia as
consequências deste modelo social, com primazia do urbano, que produz uma centralidade,
que no território ocasiona o processo de hierarquização, a partir de seus centros. A indústria
quando se instala também exerce centralidade.
Compreende-se por fragmentação hierarquização e homogeneização a partir das
colocações de Lefebvre (1976 apud BRANQUINHO, 2001) que o “processo de
homogeneização (domínio da lei e da ordem estabelecidas; da racionalidade tecnológica e
burocrática)” do espaço decorre, por um lado, de sua transformação em mercadoria (apesar de
suas especificidades), assumindo, de acordo com suas particularidades naturais e de
localização, um determinado valor de troca, que se sobrepõe ao uso. Por outro lado, a
homogeneização também ocorre no âmbito político, principalmente pela atuação do Estado
através dos planejamentos, que impõem projetos (espaço abstrato) que desconsideram as
particularidades sócio-espaciais, apoiados em discursos desenvolvimentistas e de redução dos
desequilíbrios sócio-econômicos. [p. 14].
31
A fragmentação (no seio da homogeneização) do espaço no capitalismo ocorre por
diversas vias: através do parcelamento da terra para sua venda, gerando assim segregação
sócio-espacial, em função da desigual apropriação da riqueza e, consequentemente, do
espaço; pela especialização das atividades e dos espaços (divisão social e espacial do
trabalho); pela formação de guetos; e diversas separações, segregações: o público e o privado,
o concebido e o vivido, natureza e técnica, estrangeiros e nativos etc. E através da ciência,
como visto anteriormente, por meio de suas disciplinas especializadas que recortam o
conhecimento e o próprio espaço.
A hierarquização do espaço ocorre de múltiplas maneiras: na esfera do poder do
Estado, com a criação de várias instituições público-administrativas; pelo poder econômico,
com os espaços de atuação das empresas privadas, que podem ir do âmbito local ao mundial;
pela formação de uma rede urbana e as áreas de influências das grandes cidades; a hierarquia
se estende também: aos automóveis, às vestimentas, às edificações, ao saber etc. [p. 15].
Para Lencioni (2006, p. 48) o processo de urbanização passa por metamorfose, trata-se
de desenvolver condições metropolitanas que são imprescindíveis para a reprodução do
capital, subvertendo toda a lógica urbana herdada e negando a cidade. O processo de
metropolização dos espaços implica, portanto, um território no qual os fluxos de pessoas, de
mercadorias ou de informações são múltiplos, intensos e permanentes, a concentração das
condições gerais necessárias as particulares condições da reprodução do capital nos dias
atuais. Assim ao tratar da metrópole há uma relação com a cidade enquanto a metropolização
remete as transformações na produção do espaço e metamorfose da paisagem, neste processo
a periferia entra numa forma de reprodução, e desse modo estabelecendo uma lógica da
metrópole.
O urbano é concebido como se tudo que se tem pudesse se aproximar e, assim, ele é
percebido. A cidade atrai para si tudo que nasce da natureza e do trabalho e cria uma situação,
a situação urbana, onde as coisas diferentes advêm umas das outras e não existem
separadamente, é o ponto de encontro. Também é justaposição e superposições, acúmulo de
redes, ora em função do território, ora indústria, ora ainda em função de outros centros no
tecido urbano. Podemos dizer que a centralidade está ligada á capacidade de aglomeração.
O urbano não produz à maneira da agricultura e da indústria. Entretanto, como ato
que reúne e distribui, ele cria. Assim como antigamente a manufatura converteu-se
em força produtiva e em categoria econômica apenas por reunir os trabalhos e
ferramentas (técnicas) antes dispersos. É assim que o fenômeno urbano contém uma
práxis (prática urbana). Sua forma, enquanto tal, manifesta-se irredutível às outras
32
formas (não isomorfa outras formas e estruturas). Não obstante, ela as retoma; as
transforma (LEFEBVRE, 2008, p. 155).
De acordo com Carlos (2008), na metrópole as formas urbanas se recriam
constantemente, ganhando sempre novos sentidos, o que implica diretamente transformações
no uso dos lugares. Assim, as marcas do rápido processo de transformação que vivemos hoje,
em meio à constituição do processo de mundialização da sociedade, estão impressas, tanto na
paisagem como na consciência do habitante. Compreende-se que o urbano ocorre de forma
acelerada nas cidades brasileiras, sua centralidade atraiu contingentes de trabalhadores em
busca de oportunidades, como reflexo, presenciamos a intensa hierarquização e a
suburbanização, assim como a reprodução das contradições; as características não são
homogêneas e nem todos são beneficiados pela vida na cidade. A falta de estrutura, para
atender a demanda do crescimento, levou parte da sociedade a passar por necessidades, muitas
vezes levadas a viver em habitações precárias, em locais desvalorizados.
Por mais que este processo seja perceptível no Barreiro, a sua passagem de rural a
urbano ocorre gradualmente, acompanhando a urbanização e industrialização de Belo
Horizonte, desta maneira aos poucos a região vai tomando este sentido, desta maneira
recentemente ocorre o adensamento destas características. Os investimentos, a construção de
shoppings, hipermercados, que reforçam a centralização, causam transformações na
morfologia do bairro e transforma o cotidiano dos moradores, Seabra (2003) sobre esse tipo
de transformações coloca que:
São inscrições espaciais estratégicas que, se vistas da formação e desenvolvimento
do bairro, dir-se-ia que vêm de fora; mas na metrópole, não existe o fora e o dentro.
Por isso há que se compreendê-las como pertencentes à realidade desta época,
marcada, sobretudo, por grande mobilidade e superposições das práticas. Por mais
abstrata que seja a reprodução do espaço, a dominação política e o processo de
valorização os revelam como processos práticos. Assim, de um ponto de vista da
lógica econômica, toda a abstração do valor se realiza como abstração concreta. E,
do ponto de vista da dominação política, configuram-se os territórios de uso
(SEABRA, 2003, p. 62).
Portanto, “o bairro é um fenômeno da vida traduzindo uma especialidade especifica”
(SEABRA, 2003 pag.35), e todo investimento público dirigido a esse lugar da metrópole vai
aumentar o preço do solo urbano; todo melhoramento numa área pobre faz dela o teatro de
conflito de interesses de classes tanto sociais quanto econômicas e, vão atrair outras
atividades, que interferirão nos espaços, levando a transformações significativas na vida dos
moradores. Para Seabra (2003, p. 8):
A urbanização, generalizando-se como modo de vida. É expressão
quantitativa de uma racionalidade técnica que segue avançando sobre
33
momentos e circunstâncias da historia urbana pregressa e apresenta uma
figuração disforme porque tem aparência de caos. Mas o progresso técnico,
traduzindo-se como força produtiva social, sob as circunstancias do
movimento da reprodução capitalista da riqueza, é que explica a figuração da
forma urbana.
A partir do próximo capítulo, trataremos da urbanização do Barreiro, buscando
percebe-la a partir deste modo de abordagem, assim posteriormente poderemos analisar as
transformações recentes.
Capitulo 3 – A produção do espaço do Barreiro
Belo Horizonte passou por alterações em sua paisagem e dinâmica espacial desde a
concepção de seu plano, assim como se alteraram as escalas de distância e proximidade,
mudaram-se os padrões de mobilidade e acesso aos espaços urbanos e serviços. Nosso
objetivo por meio deste capítulo é entender a História do Barreiro a partir da produção do
espaço e assim compreender o desenvolvimento do subúrbio de Belo Horizonte. A
transformação da cidade em metrópole e do subúrbio em periferia, para isto realizamos três
recortes espaço-temporais, as ideias expostas devem ser compreendidas como uma
combinação dos referenciais teóricos e entrevistas dos moradores, elas foram determinantes
para compreensão do processo.
Nosso diálogo priorizou como os fatos se constituem, e não somente os fatos em si.
Tentando compreender a produção do espaço a partir do movimento da história, para isso a
definição das escalas de tempo e espaço requerem uma clara delimitação de um recorte.
Buscaremos a articulação entre os períodos, continuidades e descontinuidades históricas,
analisando a relação entre o que está fixo ou em movimento em cada momento e lugar.
Trataremos inicialmente do rural, mais precisamente, do fim deste, e assim o processo de
industrialização e urbanização e seu resultado nesta região, a transformação do subúrbio em
metrópole, e assim se hoje podemos dizer se há predomínio da sociedade urbana.
34
Buscamos nas entrevistas aprofundar nossa relação sujeito-objeto. Utilizando na
pesquisa o método dialético, entendemos que o sujeito é pertencente ao objeto, os relatos de
vida serviram principalmente para ampliar nossa percepção sobre a produção do espaço. Isto
no sentido que buscamos através dos antigos moradores, enxergar o que de fato eles
apontavam como as mudanças mais significativas, que acreditavam ter influenciado na
constituição da região. O que eles acreditaram ter impulsionado a transformação da
sociabilidade do lugar.
Desta maneira acreditamos que fugimos do risco de tomar o discurso do objeto, pois
partimos de uma diversidade maior de proposições, assim como de visões de mundo, culturas,
opiniões e subjetividade, que contribuíram para a pesquisa quanto ao desenvolvimento de
nosso raciocínio e embasamento teórico. Buscamos ler as transformações cotidianas com
base nas trajetórias urbanas dos moradores, estes que no curso de sua vida atravessam espaços
sociais, e por meio de suas memórias podemos perceber as mudanças nos referenciais, antes
uma ponte, mata ou brejo, no decorrer do discurso se transforma em Shopping, comércios
mais conhecidos, indústrias entre outros, desta maneira podemos evidenciar as tramas sociais
que configuram este espaço urbano.
Pela fala dos entrevistados, podemos perceber como gradualmente o espaço foi
produzido, como as mudanças foram permeando pelo Barreiro, o entorno das estações
ferroviárias, a chegada de colonos, as indústrias, o surgimento do comercio. Assim como as
mudanças de acesso aos bairros que compõe a região, a separação que surge entre eles, que
era mais perceptível, pois as divisões eram nítidas entre os aglomerados, os primeiros
loteamentos. Isso é importante, pois mostra que mesmo dentro do subúrbio, que se
transformou em periferia existem diferenças, há uma centralidade dentro desta. Na periferia
de Belo Horizonte, no Barreiro ainda podemos apontar uma periferia em relação ao seu
centro.
As entrevistas contribuíram muito para perceber como as pessoas de uma mesma
região percebem o espaço e suas transformações, cada um sente as mudanças de uma maneira,
o conjunto dessas relações é o mais interessam, as opiniões sobre cada acontecimento ou
mudança vão implicar em leituras diferentes, o que às vezes é bem visto por um não é por
outros. Tudo isso percebido pelos movimentos diários, pelo dia-a-dia, o cotidiano, ao se
dirigir ao local de estudo ou trabalho, a maneira em que se dirigia e se chegava até os locais
de interesse, outros já percebiam pelas brincadeiras onde o ambiente era explorado, também
35
pelo trabalho nas hortas, ocorria algumas vezes pelas festas da juventude, ou frequentando
bares e botecos. Alguns moradores atravessaram estes recortes históricos que realizamos,
assim na sua historia de vida a vivencia com o espaço se alterava, inicialmente pelas
brincadeiras, nas saídas da juventude, ou pelas discotecas que surgiam no fim dos anos 70, e
ora pelo trabalho.
A relação da teoria e prática permite que, por meio da primeira analisar o que
implicaram no desenvolvimento desta região, enquanto a segunda evidencia as
transformações de dentro do Barreiro, por quem percebeu as transformações da paisagem.
Muitas vezes os moradores ainda não tinham a compreensão do que implicaria este conjunto
de transformações, assim, foi necessário buscar um contexto histórico mais próximo, local,
neste caso as estratégias políticas não ficam muito evidentes. Era necessário um tempo para
perceber que o modo de vida estava mudando, como a região estava mais inserida nas
relações sociais modernas, também pelo desenvolvimento da metrópole.
A tese de Aguiar (2006, p.36), trata de maneira muito interessante, a história do
subúrbio de Belo Horizonte, a Cidade de Minas, como era chamada no plano de construção da
nova capital, foi concebida para integrar e polarizar, politicamente e economicamente o
Estado. Marcada por uma modernização conservadora, um processo dirigido e orientado por
um projeto político ou uma estratégia definida cuja formulação e execução dependem de
articulação dos setores das elites tradicionais. Assim ocorreram dois empreendimentos para
modernização, sendo um urbano e industrial e o outro em moldes agrários, que incluía o
estabelecimento da zona colonial nos subúrbios da nova capital segundo uma estratégia de
diversificação econômica. Endente-se que o contexto era de uma estagnação da economia
mineira, uma desarticulação territorial do estado e dissociação entre poder político e
econômico nos primeiros anos de república no Brasil, que contribuíram para a mudança da
Capital, um projeto político que buscava reordenar o estado e permitir o desenvolvimento
econômico (AGUIAR, 2006, p.36)
Portanto para Aguiar (2006, p. 59) a construção de uma nova cidade deve ser
compreendida como iniciativas que, através do progresso material, buscavam transformar a
sociedade e promover o progresso moral. As elites agrárias e industriais trabalharam no
intuito de desenvolver o Estado e construir uma sociedade moderna, em ideais positivistas,
sendo influenciados pela instituição da república e legalmente o fim escravidão. Este
raciocínio é importante para vermos como as estratégias podem influenciar a sociedade, e
36
perceber como as decisões sobre uma perspectiva capitalista, assim como urbana e industrial
estavam se fortalecendo no Brasil.
Se partirmos do primeiro registro sobre a história do Barreiro, podemos citar a compra
da Fazenda Barreiro, em 1855, esta a principio se estendia por uma grande área, antes mesmo
da construção da Capital de Minas,
O Coronel Damazo da Costa Pacheco, em observância ao disposto no Artigo
noventa e hum, do regulamento numero mil trezentos e dezoito de trinta e
hum de janeiro de mil oito centos e sincoenta e quatro declara que possue
neste Districto e Freguezia do Curral de El Rey hua fazenda de cultura
denominada – o Barreiro – cujas terras dividem com as Fazendas do Jatubá,
Cercado, Olaria e Cachoerinha, as quaes terras levarão quatro centos e
cincoenta alqueires de planta, inclusive cultura, e campos. (SOUZA, 1986)
As fazendas citadas no trecho acima e compõem a região do Barreiro, são a base
inicial para o desenvolvimento da região, de acordo com Souza (1986) “As fazendas ai
mencionadas – “Olaria”. “Cachoeirinha” e “Jatobá”- pertenciam, respectivamente, a Manoel
Teixeira Camargos, Joaquim Candido e Manoel Dias da Silva.” A fazenda Barreiro no entanto
foi desenvolvida por muitos anos por Dãmaso da Costa Pacheco, “cuja propriedade passou
depois para o Major Candido José dos Santos Brochado” (SOUZA, 1986, p.6).
No Barreiro existia uma sociedade tradicional de base agrária, com a presença de
fazendas, ocorria produção com mão de obra escrava. O contexto começa a se transformar
com a construção da capital, e implantação das colônias, muitos imigrantes vieram para a
região.
Logo, à época da construção da nova capital Belo Horizonte, por iniciativa
do chefe da Comissão Construtora o engenheiro Aarão Reis, o Governo do
Estado comprou a Fazenda Barreiro, com a intenção de usar as águas dos
córregos Capão da Posse, Clemente e Antônio Francisco para o
abastecimento da nova população (SOUZA, 1986).
A região do Barreiro se encontrava distante da nova cidade, ainda não justificava ser
urbanizada, por isso Aarão Reis teria considerado a Fazenda Barreiro adequada a um
assentamento rural. Além disso, ao tomar a forma de um núcleo colonial, esse assentamento
permaneceria ainda por alguns anos sob o controle do Estado, o que não aconteceria se as
áreas não diretamente comprometidas com a preservação dos mananciais do Barreiro fossem
loteadas e vendidas a particulares.” (AGUIAR, 2006, p.236)
37
Outras áreas suburbanas e rurais foram ocupadas concomitantemente à
construção da cidade e ao assentamento da população na zona central. Em
1894, a primeira leva de imigrantes italianos foi alojada na fazenda Barreiro,
onde deveria ser criado um núcleo agrícola. Em 1897 o local foi
desapropriado pela Comissão Construtora, em função da existência de
mananciais usados no abastecimento de água. Contava, então, com 185
moradores, a maioria Italianos. (FJP, 1996, p. 36).
Aguiar (2006) coloca que a colônia Barreiro não alcançou prosperidade, assim
mudaram-se os planos sobre esta, um pouco mais tarde, em 1907, foi criada a colônia Vargem
Grande na região. Assim, as primeiras famílias de imigrantes estavam no Barreiro no período
em que se construía a capital, ou até mesmo antes, posteriormente com a nova Colônia, novos
imigrantes chegaram à região.
A fazenda Barreiro, assim, foi dividida, resultando na Fazenda do Pião e Barreiro, no
período da construção de Belo Horizonte, a Fazenda do Pião havia sido criada, esta
permaneceu com seus proprietários, a família Brochado, vivendo na região com seus
empregados e escravos, predominava uma vida tranquila, típica de interior. Era muito comum
que junto à construção de uma estação de trem, fossem construídas para os trabalhadores da
Estrada de Ferro, casas para os ferroviários próximas as linhas e as estações. No caso do
Barreiro, as moradias feitas ali passaram a ser conhecidas como bairro Ferrugem, assim a
região da Fazenda do Pião possuía seu primeiro bairro.
Ocorreu um fato que influenciaria a ocupação da área, a família Gatti comprou uma
parte da Fazenda do Pião, criando ali uma pedreira e uma cerâmica, para a produção de telhas
e tijolos. Em torno dessas surgiu uma ocupação. Vivendo os trabalhadores daquela indústria,
além desses havia os primeiros ferroviários. Foi assim que gradualmente se instalaram as
primeiras indústrias e moradias, por outro lado, permaneciam as terras dos colonos com sua
produção de base rural. Assim estava iniciando a urbanização e industrialização do Barreiro.
A região se relacionava com Contagem, sua ocupação também esteve relacionada com a
criação de varias fabricas nessa cidade vizinha, muito próxima deste.
Quem vê essa época nem imagina como que era, tinha mata fechada, brejo,
meu pai trabalhou na cerâmica dos Gatti, tirava o barro ali perto do Habbibs,
a olaria deles, e a cerâmica era na Afonso Vaz de Melo, naqueles shopping
de camelô que tem hoje, eles estão dentro de onde era a cerâmica deles, a
estrada passava ali, onde hoje é a avenida. Ficava entre a linha e a avenida,
tinha também a Olaria dos Alemão, ali perto do clube Colina, que eu me
lembro (Antônio).
38
Para Aguiar (2006 p.153) a concepção do espaço urbano, esta desde os primórdios
relacionados pela atribuição do valor monetário à propriedade privada. A partir do século
XIX, a terra passa a ter valor monetário devido a propriedade privada, Belo Horizonte foi
concebida neste contexto, também por isso, sua historia é marcada pela especulação
imobiliária. A chegada do imigrante, como um trabalhador assalariado, foi um dos fatores
essenciais para a transformação do modo de produção e relações sociais na região. Vejamos
esta relação com base em dados, referentes a Belo Horizonte,
Em relação a sua configuração espacial, era a seguinte distribuição as
população em 1912: de um total de 38.822 habitantes, 12.033 situavam-se na
área urbana(32%), 14.842 habitavam a área suburbana(38%) e 11.947 a área
rural(30%). Quase 70%da população se encontrava fora da área central. Os
principais bairros periféricos eram General Carneiro, Marzagão,
Calafate...Jatoba, Barreiro, Taquaril. (FJP, 1996, p. 60)
Os dados estão distribuídos dessa maneira por que a cidade de Belo Horizonte,
dividida em três zonas: urbana, suburbana e rural. Se considerarmos, o sucesso de um projeto
político que demarcava para Minas o espaço urbano da nova ordem, a delimitação, marcada
na ideia de um anel definido pela Avenida do Contorno se justificava para separar a área
urbana da suburbana, como sendo necessária para o recolhimento de impostos. Divisão esta
que no processo de metropolização da cidade se perde, além da área suburbana ter sido
ocupada muito mais rápido.
No âmbito do rural, podemos citar Lefebvre (2008, p. 73), “Quanto ao campo, é este
um lugar de produção e de obras. A produção agrícola faz nascer produtos; a paisagem é uma
obra. Esta obra emerge de uma terra lentamente modelada, originalmente ligada aos grupos
que a ocupam através de uma recíproca sacralização(...)” Em um período em que as
realizações sociais, através do trabalho e o produto gerado, tinham sentido. Abordaremos
como esta relação começa a ser rompida com a construção da Capital e as mudanças em seu
entorno.
.
3.1 O início do rompimento do Rural.
O estudo de Langenbuch (1976) sobre a estruturação da grande São Paulo foi
importante para compreensão produção do espaço, trazendo levantamentos, ele traz questões
39
do ponto de vista funcional, sobre mudanças nos arredores, que precedem a metropolização,
isto é, ainda não encerram fenômenos de expansão metropolitana, mas estabelecem
importantes e decisivas diretrizes que condicionarão este processo, quer em seus primórdios
quer em seu desenvolvimento posterior. Não deixando de considerar as particularidades de
Belo Horizonte, as questões propostas elucidaram quanto a mudanças que ocorreram no
Barreiro, que foram influenciadas e também influenciaram a constituição da cidade.
Para Langenbuch (1976, p.78), os subúrbios se caracterizavam por “propriedades e
estamentos rurais, com presença de cinturão de chácaras, residências, frutas, pesca, e pela
beleza paisagística.” No Barreiro, havia muitas nascentes, ribeirões, oferta de peixes, ainda a
beleza da serra. Os relatos e a memória em varias vezes remetem a beleza e riqueza natural da
região. Tanto que havia fazendas de campo que atraíram personalidades históricas para a
região. Assim como foi construída a Casa dos Governadores, para passeios em finais de
semana.
Como o crescimento da cidade corresponde a uma série de transformações nos
arredores, inicialmente ligados a modificação do sistema de transporte, por outro lado este
crescimento se acha intimamente associado à evolução da cidade, processo ao qual em geral
se subordina. Sendo uma transição gradual, no período suburbano as mudanças que mais
influenciam foram a implantação de núcleos coloniais, a ferrovia e olarias. O que são
compreendidas como as primeiras tentativas, sérias e conscientes, de intensificar o
povoamento e produção agrícola nos arredores da cidade. Uma iniciativa oficial. As ferrovias
provocaram uma valorização das faixas de terra por elas percorridas em detrimento daquelas
que ladeavam estradas de tropa. Assim, os estabelecimentos e os aglomerados que
encerravam a função de prestação de serviços à circulação, foram influenciados pela mudança
do meio de transporte e também pela mudança de itinerários, ou seja, pelas formas de
acessibilidade.
Inicialmente a questão da modernização agrária foi mais influente na região do
Barreiro, Aguiar (2006) cita que, entre as principais estratégias definidas para uma
modernização da agricultura estava à criação de colônias agrárias. Tais colônias surgiram com
os objetivos de prosseguir o projeto de imigração, colonização e povoamento, sendo formas
de atrair imigrantes europeus para núcleos coloniais mineiros, assim induzir a renovação de
práticas agrícolas, consolidar a policultura, abastecer gêneros a nova cidade, servir de reserva
estável de mão de obra para prosseguir na construção da Capital, além de realizar a transição
40
do trabalho escravo para o livre. Estes eram reforço para o objetivo central, uma estratégia de
diversificação econômica e povoamento do território que acabou por caracterizar as ações do
estado na primeira década de republica.
Especificamente, a colonização dos arredores da Cidade de Minas era
mostrada por Carlos Prestes como integrada a um projeto de colonização do
estado que buscava modernizar a agricultura, promover o desenvolvimento
regional e regenerar a sociedade através do trabalho e da migração europeia.
(AGUIAR, 2006, p. 248).
Desta maneira, Aguiar (2006, p. 222) expõe que o governo mineiro buscou promover a
modernização regional a partir de uma estratégia de diversificação econômica, levando
adiante três iniciativas definidas como serviços extraordinários: a subvenção de estradas de
ferro, construção da Nova Capital e iniciativas de modernização agrária, centradas na
promoção da migração estrangeira e na fixação de imigrantes europeus e pequenos
agricultores brasileiros em colônias distribuídas pelo estado. Sendo que a rede ferroviária.
Durante a década de 10, a rede ferroviária no município seguiu
preferencialmente o eixo leste/oeste, com grande parte do percurso
aproveitando a topografia favorável do vale do ribeirão Arrudas. Segue o
discurso na direção oeste seguiu a expansão com a construção da variante de
bitola larga da EFCB que permitia ligar a capital ao Rio de Janeiro, foram
construídas as vias e suas respectivas estações no trecho pertencente a Belo
Horizonte: Gameleira, Jatobá e Barreiro em 1917.”(FJP, 1996, p. 67).
Imagem 3: Parte da Planta de Belo Horizonte datada de 1926. Fonte: Panorama, 1997.
41
Percebemos que as estratégias estão relacionadas ao crescimento da cidade e a uma
série de transformações em seus arredores, ocorria a expansão da linha férrea as modificações
do sistema de transporte como parte do processo inicial que estrutura e precede a
metropolização. Assim as estações ferroviárias que foram estabelecidas nos arredores da
cidade se constituíram em pontos de convergência de produtos e pessoas das áreas
circunvizinhas. Isso conferia ao local das estações a oportunidade e possibilidade de assumir
uma modesta função regional.
Era possível que além da função comercial abrigaram função industrial, com
beneficiamento e transformação matérias primas extrativas produzidas na
redondeza. A Ferrovia funciona como instrumento de reorganização,
significa o colapso do antigo sistema de transporte e das atividades a ele
relacionadas. Influenciando o desenvolvimento do povoado estação.
(Langenbuch 1978, p. 104)
Aguiar (2006, p. 178) atenta para a diferenciação, o que podemos chamar também de
hierarquização, o arranjo espacial da zona suburbana projetava setores diferenciados, com
áreas potencialmente mais ou menos adensadas, e estabelecia com clareza os eixos de
articulação da nova cidade com seus arredores. No Barreiro existiram inicialmente com
função industrial algumas Olarias, ainda permaneceram funções rurais, uma configuração que
evidenciaram que a região é dotada de certa funcionalidade e apresenta-se como unidade
individualizada dentro da cidade.
Domingos Gatti criou no barreiro de Baixo, em período que se seguiu a
revolução de 1930, uma olaria que se constituiu na primeira indústria da
região, abrindo mercado de trabalho como fator de desenvolvimento.
(SOUZA, 1986)
Esse conjunto de mudanças é o que compreendemos como o inicio do rompimento
com o modo de vida rural, devido à ferrovia, a centralidade e o adensamento populacional que
o povoado começa a desenvolver, antes que mudanças mais significativas se consolidassem.
Pela estratégia do Governo a Ferrovia alcança a região, e ao mesmo tempo os primeiros
agentes começas a atuar, como em 1917 ocorreu a expansão da linha férrea para a região
Oeste de Belo Horizonte, com a consequente criação das estações de trem do Jatobá e
Barreiro, também da Gameleira e do Calafate. No Barreiro, a Estação Ferroviária foi instalada
nas terras da Fazenda do Pião, no “Barreiro de Baixo”. Também ocorreu a Construção da
residência de descanso dos Presidentes da Província, mais tarde denominada “Palácio dos
Governadores”, no, hoje, bairro Flávio Marques Lisboa, ou “Barreiro de Cima”, para falarmos
da maneira em que era conhecido pela população da época.
42
Os primeiros serviços de ônibus de Belo Horizonte, ocorrem na década se 1920 e a
partir disso a urbanização na região suburbana se desenvolve, também, por meio da criação
das primeiras vilas operárias. No Barreiro, em 1928, Domingos Gatti, realiza além da compra,
o loteamento de parte das terras da Fazenda do Pião a região também recebeu a Olaria e a
Cerâmica da Família. Em 1940 ocorria a ampliação da Avenida Amazonas até a Gameleira. E
assim no ano seguinte a criação da Cidade Industrial de Belo Horizonte, que hoje pertencente
a Contagem. Estas são mudanças perceptíveis aos moradores e são importantes para alguns de
nossos entrevistados, dois diretamente ligados a expansão ferroviária, vindos de fora e
estabelecendo o primeiro contato com a região.
O primeiro relato que traz lembranças das reminiscências rurais foram do B. chegou
ao Barreiro em 1942, como agente administrativo do Ministério dos Transportes, tem boas
lembranças daquele tempo, foram necessários novos agentes ferroviários na região, por esse
motivo veio morar na região em que trabalhou por 38 anos, formou família, e comprou a casa
em que viveu durante este período, se recorda das transformações ao arredor das primeiras
casas construídas no “Barreiro de Baixo” que estava próximo da estação.
Daqui eu avistava o trem chegando, até ele chegar à estação do Barreiro,
havia um grande laranjal na fazenda do Pião, daqui até lá, seguindo para
onde é o viaduto hoje. Eu pude ocupar uma das duzentas casas que
construíram aqui, escolhi esta, foi minha Senhora plantou esta parreira.
Quando anunciou que vinha uma companhia importante para o Barreiro e
que viriam estrangeiros pra cá, o Sinfrônio Brochado tinha vendido a
fazenda, eles ainda continuaram morando lá, até que eles chegaram. A sede
da Mannesmann no Brasil foi na casa da Fazenda dele, ai ele foi pro Rio.
Quando voltou, já estavam arrancando todo laranjal dele. E daqui para o
Barreiro de Cima era onde fornecia verduras para Belo Horizonte, mais se
for conta a historia do Barreiro ele não começa ai não. Começa com a
Ferrovia lá em Lafaiete. (Bruno.)
Em 1942 houve necessidade de ferroviários para a região, havia sido criada no ano
anterior a cidade Industrial, os planos para a região Oeste estavam começando a mudar, o
entrevistado diz ter sido anunciado que uma grande companhia viria para o Barreiro, seria
mais de uma década depois sua inauguração, mais a semente da mudança estava plantada, e
podiam também perceber as mudanças pela cidade. A partir da fala dos entrevistados
percebemos a primeira divisão que ocorreu no Barreiro, que serve também para evidenciar o
poder de transformação da ferrovia e da indústria, pois elas iriam mudar a configuração da
região, assim como o acesso, elas influenciaram o desenvolvimento futuro.
Quando cheguei aqui, pra vir pro Barreiro, vinha pela Teresa Cristina até na
Betânia, passava onde tem hoje o Hospital Julia Kubitschek, atravessava
pelo Barreiro de cima, aqui só tinha a estação, cinco casas de ferroviários, a
43
casa dos Gatti e a fazenda, ai fizeram duzentas casas, uma delas é essa aqui,
que eu comprei. O Barreiro de Cima que era mais importante, tanto que o
Juscelino fez o Júlia Kubitschek lá. Caetano Pirri também fez o Cristo, fez
abençoando as terras dele, e assim o Barreiro, fez de costas pra BH, deu um
problema isso! Más lá que era conhecido, era o Barreiro de Cima. Ai depois
com a Mannesman mudou tudo, tudo isso aqui, também começou a ter um
comercio lá embaixo na estação, más não tinha esse viaduto, esse viaduto foi
ontem, é novo, nem esse e nem o da Gameleira. (Bruno.)
As lembranças da senhora Odette remetem também a este período, tanto ela como B.
vieram pelo mesmo motivo para o Barreiro, porém, o seu pai veio trabalhar na ferrovia, assim,
quando ela tinha sete anos chegou ao Barreiro, também em 1942. A sua história é interessante
pois cresceu no Barreiro, e mudou-se para uma chácara após o seu casamento, localizada as
regiões que se desenvolveria o bairro Tirol. Quando começam a aumentar os loteamentos e
surgem a separação por bairros. Assim eles perceberam as mudanças que gradualmente
aconteciam nessa época, o Barreiro dividido em dois, de cima e de baixo, e a estação ferrovia
como atração.
Eu fui criada no barreiro e vim pro Tirol depois que casei, nasci em
Brumadinho e vim pro Barreiro com sete anos, fui criada aqui, nessa época
só tinha umas 27 casas, tinha a cerâmica dos Gatti, fazia telha, fazia
tijolinho, era ali onde hoje é a igreja Universal. Meu pai era ferroviário, a
gente morava lá onde eu nasci por isso, no município de Brumadinho, ele foi
transferido pra cá, lá não tinha escola pra gente, minha infância foi boa, meu
pai era nervoso mais ele tinha razão, a gente obedecia, e graças a Deus
venceu bem. Com 19 anos casei, e vim pra cá, e to aqui até hoje, no Tirol,
aqui a estrada era de chão, tinha esse Sitiozinho. Do outro lado, ali no
Lindéia tinha uma mata fechada, no bairro Amazonas era tudo mata, no
Barreiro tinha os Brochado, que tinha o laranjal e os Cardoso no Barreiro de
cima. (Odette.)
Já Antônio, metalúrgico aposentado, nasceu e cresceu na região, a família possuía
terras, onde plantavam hortaliças para vender no mercado em Belo Horizonte, se lembra de
quando criança, a inauguração da Mannesmann, mais tarde trabalhou lá, assim como os
irmãos e parte da família, ele por 25 anos ate se aposentar. Em sua fala podemos perceber que
sua lembrança de acesso à região do Barreiro já se remete a entrada pelo Barreiro de Baixo,
seguia em direção a Contagem até a Avenida Amazonas, que antes ainda não havia sido
estendida até a Cidade Industrial de Contagem.
Eu nasci e cresci aqui na Região do Barreiro, sou do Tirol, na pedra
fundamental da Mannesmann eu estudava no Barreiro, o presidente que veio
foi o Vargas, a professora levou a agente lá pra recebê-lo, deu uma
bandeirinha pra casa um dos colegas. Era tudo muito difícil nessa época, nos
éramos 11 irmãos, não tinha luz elétrica, estudar era muito difícil, eu fiz até
44
o quarto ano, foi quando estava trabalhando na Mannesmann eu estudei um
pouco mais a noite, assim pude subir de cargo. Hoje aqui é uma cidade, um
bairro muito equipado, naquela época não tinha nada, poucas casas que
tinham aqui. Nosso terreno era ali perto de onde tem o Conjunto João Paulo,
morávamos ali, tinha a casa da minha avó e umas cinco ou seis casas, tinha
muita hortaliça, fomos criados com horta, tinham os empregados, era muita
mesmo que produzia, por isso na minha juventude eu trabalhei muito, tudo
era levado para o mercado, três caminhões por semana. Pra ir para lá, descia
pela Bráulio, não tinha a Tereza Cristina aqui no bairro ainda, tinha o
córrego, seguia a Afonso Vaz de melo, ai atravessava a estrada de ferro, saia
na Tito Fugêncio, e ia, tudo estrada de cascalho, muita poeira. (Antônio)
O rompimento com o rural se fortalece a partir dos anos 40, com a atração de
Indústrias para Minas Gerais, em 1947 aumenta a autonomia de Belo Horizonte, com isso a
cidade passou a ter uma Câmara Municipal e prefeito eleito. No ano seguinte, ocorreu a
aprovação de lei que regulamentava a criação de conjuntos de residências e a Criação das
cidades satélites do Barreiro, Cidade Industrial, Pampulha e Venda Nova. Assim em 1950
ocorreu a aprovação de loteamentos no Barreiro, nos atuais bairros Barreiro de Baixo e Vila
Santa Margarida (ACAP-BH, 2006).
Este conjunto de mudanças serviram para determinar o fim do nosso primeiro período,
principalmente porque “em fevereiro de 1952, é lançada pedra fundamental da Companhia
Siderúrgica Mannesmann, com a usina do Barreiro, em Belo Horizonte, um conjunto de
mudanças iria tornar a região um subúrbio industrial”. (SOUZA, 1986 )
Dentre estas mudanças, ocorreu em 1948, a criação, do projeto Cidade-Satélite4 do
Barreiro. Também, foram cedidos 200 lotes para construir as casas dos funcionários da central
do Brasil, que tiveram condições, com pagamento, de morar em casa própria, a Mannesmann
encontrou, no decorrer da construção da usina, grandes problemas. Não havia uma
infraestrutura de serviços, sistema de abastecimento de água e energia, muito menos um
sistema viário condizente. Nas proximidades da usina, apenas um núcleo com um pequeno
povoado ao redor de uma estação ferroviária, com cerca de 400 habitantes, era o que
caracterizava a região do Barreiro. Configuração que vai mudar repentinamente
Em 1960 o Barreiro já conta com 15 mil habitantes. A Mannesmann ocupa,
nessa época, 3000 empregados. As ruas são providas de iluminação e as
empresas de ônibus ampliam sua rede. O comércio e as profissões liberais se
estabelecem crescentemente. Em 1966 o Barreiro já conta com mais de 60
4 Muitas vezes o termo em questão é associado estreitamente aos subúrbios com grande grau de auto-suficiência
e de integração funcional, construído pelo poder publico em torno de algumas capitais europeias
(LONGEBUCH, 1976, p. 236).
45
mil habitantes, quadriplicando-se, pois em seis anos, a sua população.
(Souza, 1986, p. 60-61)
O que buscamos foi mostrar como as estratégias foram fundamentais para a
transformação. Houve interesse de alguns para que a região se desenvolvesse, desde aqueles
que inicialmente implantaram equipamentos, gerando empregos, ou os que criaram
loteamentos para desenvolver a região, devido à ocorrência de fatores propícios, acarretando
aos poucos para que o modelo vigente fosse rompido. E assim influenciaram, no sentido de
atrair coisas maiores, que vão realmente transformar, junto a isso um apoio político. Uma
região até então pouco povoada tornou-se uma cidade-satélite. Posteriormente houve a
chegada de uma grande indústria. Sutilmente as particularidades surgiam em meio às
modernizações. Assim como não podemos colocar o peso dos fins sobre um único fator, não
podemos descartar certas influências, “Em agosto de 1954 a usina foi festivamente inaugurada
pelo presidente Getulio Vargas e pelo então governador do estado Juscelino Kubitschek”
(SOUZA, 1986).
Mas qual era o interesse de Belo Horizonte na região? Por que, mesmo sendo um lugar
considerado afastado, na época, o Barreiro era tão importante para a cidade? A relevância da
região estava ligada a presença de muitos cursos d’água. Eles eram vários. O Córrego do
Barreiro, com a nascente localizada na Serra do José Vieira, passava por grande parte da
antiga Fazenda do Barreiro. Em suas margens foi construída uma estrada, que hoje
corresponde a Avenida Olinto Meirelles. A intenção do prefeito, com a a criação da cidade
satélite significou o inicio das maiores mudança apara a área. Surgiram as industrias e a
região passou a ser mais povoada, ruas começaram a ser construídas. A partir de então os
bairros como conhecemos hoje apareceram.
Os tempos rurais do Barreiro, contudo, não desapareceram de uma hora para a outra,
alguns bairros ainda eram ocupados por plantações. Principalmente os bairros cortados por
cursos d’água. O Pongelupe e Solar são exemplos de locais que mantiveram o cultivo de
gêneros agrícolas e atualmente existem parques ecológicos e por isso as nascentes de alguns
dos importantes córregos continuam preservadas. Veremos no período seguinte como até o
fim dos anos 1970 havia ainda reminiscências dos tempos rurais e os principais motivos de
seu rompimento.
46
3.2 Mudanças no Brasil, uma nova estratégia para a industrialização
de Minas Gerais, a reestruturação de Belo Horizonte e o novo Barreiro.
A partir dos anos 50, mesmo que predominasse um universo rural no Barreiro, o
mundo se transformava, e com ele as estratégias políticas no Brasil. Viviam-se o pós-guerra,
grande parte da Europa foi reconstruída, muitas indústrias pesadas reorganizaram a produção.
Havia o interesse em novos mercados a serem explorados, ampliar os consumidores. Assim
como a influencia Norte Americana crescia no contexto da guerra fria, o capitalismo
disputava a sua hegemonia, e se consolidava entre os Estados Nacionais. A divisão
internacional do trabalhão mudava de contexto, muitas indústrias pesadas mudavam sua
produção, isso tudo levou a grandes intervenções no espaço, a região Sudeste do Brasil neste
período foi bastante dinamizada, as mudanças na circulação e meio de transporte foram
muitas e estão presentes até o presente. Contudo, por mais que na cidade prevalecesse o
intercambio entre os moradores característicos do período anterior, o desenvolvimento
urbano, o resultado da centralidade exercida pela indústria, iria consequentemente romper
com este modo de vida. Não de imediato, um processo gradativo, iniciavam as transformações
políticas, sociais e culturais, que acabaram por mudar as relações sociais.
Rompeu-se a estrutura urbana até então prevalecente e desencadeou-se a
metropolização. A capital entrou no processo de industrialização, em consonância
com o restante do país. São desse período os investimentos em infraestrutura para
viabilizar o binômio energia e transporte. Com a criação das centrais elétricas de
Minas Gerais (Cemig), em 1952, implantou-se o plano de eletrificação do estado.
Consolidou-se a Cidade industrial Juventino Dias em Contagem, o complexo lazer,
alem da instalação das áreas industriais de Santa Lucia e Barreiro (FJP, 1996, p.
154).5
De acordo com Martins (1992, p. 8), este processo levou a redefinição das relações
entre cidade e seu subúrbio, sobretudo com a industrialização, produzindo uma verdadeira
alienação do morador enquanto relação com sua cidade. “No centro a alienação de um saber
sem raiz, de uma cultura sem base de sustentação, de um divórcio profundo entre concebido e
vivido.” Assim como, no subúrbio ocorreu uma alienação do vinculo do trabalhador com sua
cidade, uma alienação particular foi expressa na “relação entre esse trabalhador e seu produto,
5 “A mannesmann foi a primeira empresa alemã que ainda com o país destruído pelas bombas e sob legislação
especial dos aliados – se decidiu por um grande investimento no Brasil. Em 31 de maio de 1952 foi lançada a
pedra fundamental da Usina Barreiro” (SOUZA 1986).
47
inclusive o espaço produzido a partir do seu lugar de trabalho. Foi outro modo de viver na
cidade, no seu subúrbio empobrecido de vinculo com a História, pobreza que é a face urbana
e espacial da alienação do morador-trabalhador”. O processo de metropolização, que Belo
Horizonte passava neste período resultaria na alienação do cidadão, este é o processo em que
transformou o espaço social da cidade em metrópole, e o subúrbio em periferia, processo que
vem expandindo pelos arredores, constituindo a Região metropolitana, paulatinamente.
O Barreiro passaria pelas suas maiores transformações neste período, quanto a
intensidade do processo. A partir de Fjp (1996, p. 154) compreende-se que a atividade
industrial influenciou a intensificação dos fluxos migratórios, Belo Horizonte experimentava
altas taxas de crescimento demográfico, por isso a mancha urbana avançava em direção a
região metropolitana, para todas as todas as direções e principalmente no sentido onde a
topografia era mais favorável, também por isso o eixo oeste e norte passava por maiores
crescimentos, o que era resultado também da força indutora da cidade industrial e da
Pampulha, sendo as avenidas Amazonas e Antonio Carlos o suporte destas.
Neste período se consolidava a oligopolização da economia, sustentada pelo Estado,
com seu fortalecimento durante o regime militar. Em Minas gerais ocorreu a intensa
industrialização por meio de incentivos fiscais, abrindo aos investimentos
estrangeiros para se colocar em situação privilegiada com outras regiões, iniciava
uma disputa entre regiões por investimentos. A indústria localizou-se na região
metropolitana6, e o avanço da mancha urbana na zona oeste de belo horizonte esta
ligada ao ocupação industrial na área, com a instalação da Regap, Fiat, FMB e
Krupp em Betim, alem de contagem ter o parque renovado com a criação do centro
Industrial de contagem. Toda essa região tinha como acesso a avenida Amazonas, já
em processo de saturação. (FJP, 1996, p.230).
Desta forma, a década de 50 foi marcada elo incio de mudanças significativas na
urbanização de Belo Horizonte, por exemplo, “a Cidade Industrial ainda tinha seus arredores
bastante desocupados, embora já se vislumbrasse uma conurbação7 no sentido oeste, em
direção a Contagem.” (fJP, 1996, p. 98). Uma das principias causas das transformações nestes
setores da cidade eram a ferrovia, ela teve a capacidade de atrair “o desenvolvimento de um
grande setor industrial-popular na direção oeste. O setor industrial-ferroviário alterou a
estrutura inicial de Belo Horizonte, provocando inclusive o desenvolvimento e a constituição
de novos subcentros populares.” (VILLAÇA, 2001, p. 130). Estas transformações são
6 “Áreas onde diversas cidades interagem com grande frequência e intensidade, a partir de uma interdependência
funcional baseada na unidade das infraestruturas urbanas e nas possibilidades que esse fato acarreta para a
divisão interna do trabalho bem mais acentuada que em outras áreas” (SANTOS, 2008, p. 75).
7 “ocorre quando uma cidade passa a absorver núcleos urbanos localizados à sua volta e passa a desenvolver com
ela intensa vinculação socioeconômica” (VILLAÇA, 2002, p. 51).
48
induzidas pelas transformações por todo país, portanto daremos ênfase as mudanças internas
da metrópole que se constituia.
Entre 1940 e 1980, dá-se a verdadeira inversão quanto ao lugar da residência
da população brasileira. Há meio século atrás (1940), a taxa de urbanização
era de 26,35%, em 1980 alcança 68,86%. Nesses quarenta anos, triplica a
população total no Brasil, ao passo que a população urbana se multiplica por
sete vezes e meia (SANTOS, 1991, p.31).
Nesse período ocorreu o crescimento dos subcentros, ela se dinamizava para atender
as necessidade surgidas com o aumento dos moradores, e assim do mercado consumidor, o
que implicou na necessidade de residências, o espaço urbano passaria por grandes mudanças
por isso, o acesso a moradia alcançado pela compra, enquanto valor da terra, tornava-se
valorizado, o morador visto como consumidos de parte do espaço social, fez que diversos
tipos de moradias fossem ofertados no mercado imobiliário. Assim, o Barreiro recebeu
muitos conjuntos a partir desse período. “Programas habitacionais seguiram a tendência do
mercado. Alguns conjuntos se concentraram na periferia. Assentavam-se exclusivamente em
função do preço do terreno, nas frentes de expansão dos loteamentos populares, quase sempre
em direção aos vazios rurais.” Para a região Oeste, e muito disso no Barreiro, atraiu diversas
classes de moradores, consolidando uma periferia bem muita diversa quanto a produção do
Imagem 4: Parte da Planta de Belo Horizonte datada de 1953. Fonte: Panorama, 1997.
49
espaço e classe social. “Construindo mais uma força de segregação, desagregação e dispersão
urbana. A região atraia diversas classes, devido ao preço, assim como proporcionou um novo
padrão de assentamentos de classe media, na região metropolitana, como Eldorado,
Contagem, Betim, Ibirité e Barreiro, considerando a região oeste. Ao mesmo tempo, nestas
regiões se formavam áreas extremamente carentes, principalmente nas proximidades das
indústrias”. (FJP, 1996, p. 230) Muitos dos Bairros desenvolvidos a partir desse período na
Região do Barreiro, surgiram de loteamnetos de terras por parte de Colonos e também de
parcerias dos agentes com o Estado, foi um peroido marcado pela concepção de Conjuntos
Habitacionais.
A Mannesmann, por isso, entrou em contado com cooperativas habitacionais
para a construção de residências destinadas aos empregados, apoiando-os
financeiramente através do sistema financeiro habitacional e estimulando a
participação naquelas cooperativas. Muitos empregados puderam adquirir
casa própria com a ajuda da Fundação Mannesmann e da Cooperativa de
Crédito da Mannesmann – COSIMA. Em 1954 surgem as primeiras ruas
asfaltadas e são construídas igrejas e escolas, em 1955 o primeiro ginásio
com nove classes (SOUZA 1986).
Como um subcentro tradicional, o Barreiro, passava por muitas transformações,
atendia principalmente aos moradores da região, isto se relaciona ao acesso a estação
ferroviária, os serviços que surgiram em seu entorno, que, gradualmente atraia outros, criando
novas necessidades, com a industrialização estes pequenos serviços locais passam a se
dinamizar, estabelecendo intercambio com o centro principal como com outros subcentros.
NO fim dos anos 50 ocorriam obras de modernização de Belo Horizonte por todas as áreas, as
Imagem 4: Barreiro 1949. Fonte: ACAP-BH, !996
50
vias estavam sendo estendida, reestruturadas e algumas foram construídas, como por exemplo
em 1957, ocorriam a realização de obras de construção do Anel Rodoviário, na região do
Barreiro foram aprovados loteamentos como no Tirol e Bairro das Indústrias. E também, em
1960, o Hospital Júlia Kubitschek foi inaugurado, sendo este o mais antigo do Barreiro,
localizado no atual bairro Flávio Marques Lisboa. Eram mudanças gradativas, permaneciam
algumas funcionalidades rurais, porém estavam sofrendo transformação, novos tipos de
emprego estavam surgindo, por exemplo, o caso de A., em que na infância prestava serviços
rurais com a família.
Eu fichei na Mannesmann em 62, ai que consegui a luz rural, ainda consegui
como rural nessa época, comprei o material tudo, eles fizeram a instalação,
ai foi uma maravilha, mais isso eu estava com uns 22 ou 23 anos, foi porque
eu tinha fichado na Mannesmann, mais chuveiro, televisão não tinha ainda,
tinha que puxar a água, fazer uma cisterna, tudo era difícil naquela época.
Assim com 25 anos de serviço, me aposentei, em 87. (A.)
Na região oeste surgiam variados subúrbios com estas características, que se
consolidavam como subcentros, alguns mais tarde passariam a cumprir funções especificas,
por exemplo, autopeças, saúde, ou comércios em geral. E por isso é interessante como a
periferia que estava surgindo passa a dinamizar as relações pela cidade, pois ele se comunica
com o centro e com o restante do subúrbio, e muitas vezes com cidades da região
metropolitana que seguiam o processo de metropolização. Cada uma dessas centralidades que
se desenvolviam, às vezes por realizar uma função especifica, ou pela variedade de serviços,
passariam a estabelecer uma relação com o restante, isso dependeria da função e capacidade
de aglutinar e da acessibilidade dos moradores. No Barreiro foi assim, existe um intercambio
com o centro principal, e com outros que se desenvolveram no mesmo período, ele passava a
atrair funcionários para suas indústrias e fabricas. Esse processo resulta no deslocamento
cotidiano maciço em direção aos locais de trabalho e moradia. Isto também transformou os
transportes coletivos, os moradores, uma visão de quem via de dentro da região as mudanças,
percebiam estas transformações, eles sentiam a necessidade da região se desenvolver diante as
mudanças que ocorreram nesse período.
Começou a lotear o bairro Tirol, onde passa a Antonio Eustaquio Piazza, daí
pra cá foi melhorando, ai começou a vender lote, o pai da minha esposa
mesmo comprou um lote, foi aumentando a população, as vendas, começou
a vir ônibus, a lotação. Ia e voltava pro barreiro a pé, nem ônibus tinha,
começou a vir ônibus de Sarzedo e Ibirité, passava três vezes por dia, de
manha, meio dia e seis da tardem três viagens, dai já passou a entrar empresa
51
de ônibus que fazia do centro até o Jatobá, falava que era os ônibus dos
Japonês, ai passou a melhorar. (Antônio.)
De acordo com Langenbuch (1976), à medida que se verifica a expansão urbana e
suburbana da metrópole, “o meio rural retrocede em seus arredores, comportando o
deslocamento de atividades e formas de uso do solo e paisagens de cunho não urbano.” A
necessidade da produção rural aumenta devido crescimento populacional, mas o campo
passava por transformações em seu modo de produção, outro resultado da industrialização,
por isso nas áreas urbanas ocorre a diminuição áreas plantio, assim como áreas de criação,
fruticultura e recreação campestre. “Cidade anexa territorialmente núcleos suburbanos.” O
relato de Odette, mostra um lado deste processo, os motivos que levaram ao fim de sua
produção rural estão relacionados a esse processo, o crescimento acelerado e desordenado na
região do Barreiro gerou um grande problema nos córregos que de acordo com os planos
passados do Estado seriam preservados na região, a qualidade da água não era boa para
irrigação, por mais que existisse uma fonte em suas terras, outros fatores intensificavam o
problema, como a impermeabilização do solo devido a construção do Conjunto Túnel de
Ibirité, também a divisão dos lotes para os herdeiros. Sendo este apenas um caso dentro de
uma grande região.
Os maiores subúrbios cresceram, como Barreiro e Eldorado, tornam-se mais
autossuficientes em matéria de serviços e equipamento comercial, normalmente num
subúrbio, “a parte mais próxima da estação se estrutura em importante centro comercial, onde
são cada vez mais numerosas as lojas, escritórios, consultórios, bancos e escolas.
Intensificam-se as relações entre subúrbios e bairros periféricos que estruturam como
subcentros, e que não são atingíveis pela ferrovia correspondente.” È chegado o momento em
que a ferrovia sozinha não consegue acompanhar o ritmo do desenvolvimento suburbano por
ela gerado, muitos ônibus surgiram inicialmente para complementar os serviços destas, porem
é chegado o momento “que o desenvolvimento suburbano passa a ser apoiado na circulação
rodoviária, ocorre o desenvolvimento ao longo das rodovias, e os ônibus que ligam os centros
dos subúrbios-estação à cidade assumem um importante papel no transporte, interessando às
áreas intermediarias.” Neste período na região metropolitana de Belo Horizonte, as principais
estradas municipais e estaduais foram paulatinamente asfaltadas, e muitas das autoestradas
foram implantadas e passam desempenhar um papel na metropolização desta. Como Rodovia
Fernão Dias, que constituiu um importante eixo de expansão para São Paulo, para região
52
Oeste, muitas indústrias foram implantadas na região pois com a industrialização o
intercambio com São Paulo se intensificava, assim como nas saídas para Brasília, Vitória, Rio
De Janeiro, fortalecido, pelas vias de expansão regional e local. Muitas destas foram
estratégias dos militares para integração do território nacional, Belo Horizonte se consolida
com centro importante neste contexto, pois interliga diversas Regiões do país
(LANGENBUCH, 1976, p. 196).
Do ponto de vista estrutural da constituição da metrópole quanto as mudanças no
sistema de transporte, “as autoestradas surgiram tendo em vista o trafego extra-regional, elas
passam também a permitir um trafego rápido e intenso – vantagem não proporcionada pelas
vias comuns, de um modo geral, elas impulsionaram e orientam a expansão metropolitana.”
Desta forma estas proporcionavam que novas oportunidades de desenvolvimento aos centros
urbanos preexistentes, principalmente pela melhoria das condições de comunicação e
acessibilidade com a metrópole. “Atraindo indústrias e favorecendo o surgimento de núcleos
residenciais em suas margens. Elas passaram a desempenhar com relação às indústrias o papel
de fator locacional anteriormente desempenhado pelas ferrovias.” Desta maneira, estas
autoestradas para Belo Horizonte, relacionadas a estrutura dos transportes no Brasil, e sua
interligação com portos, aeroportos, que ganham importância maior a partir daí, dão as
indústrias condições de fácil intercâmbio, asseguram as relações extrametropolitanas
(LANGENBUCH, 1976).
Entretanto a ferrovia continua a gerar novos subúrbios, e os que já haviam surgido se
desenvolvem, o sistema rodoviário, em alguns aspectos rompe com o modelo anterior, seriam
necessárias mudanças naquele sistema, ocorreu também fechamento ou perda de importância
de muitas ferrovias, muitas vezes passando a atender apenas alguns setores da produção, o
transporte ferroviário para passageiros por exemple a partir de Belo Horizonte nos dias de
hoje, em comunicação com demais regiões metropolitanas, existe somente para Vitória. Os
subúrbios já existentes crescem e expandem também quantitativamente. A circulação
rodoviária aumenta. Do ponto de vista funcional estas são as principais mudanças, o Barreiro
está localizado, entre, as auto estradas que ligam Belo Horizonte ao Rio de Janeiro e São
Paulo, um de seus Limites é o Anel Rodoviário, este inicia na saída para o Rio, é o limite leste
do Barreiro em quase toda sua extensão, até o inicio da Avenida Amazonas, já na cidade
Industrial de Contagem, sendo saída para o Sul de Minas e estado de São Paulo. Também
interliga a outras auto estradas, permitindo acesso ao norte de Minas e Brasília pela 040, e sair
para o leste do estado pela saída de Vitória, incluindo as ligações regionais a partir destes
53
acesso principais. Qaunto a transito local, o Barreiro esta próximo a Ibirité, Sarzedo, Mario
Campos, Brumadinho, Contagem, Betim. E por isso havia necessidade de um transporte
publico que comunicasse com estas localidades, assim com outros bairros e subcentros, a
região tornava-se mais dinâmica, assim mais particularidades vão surgir.
Sendo o Barreiro um lugar com características rurais, vida provinciana, a chegada de
grandes indústrias pode significar sua transformação. De acordo com Martins (1992), romper
com o equilíbrio da estrutura estabilizada, dando inicio a novas relações que poderão
predominar futuramente. O subúrbio que inicialmente vai se configurar, com a chegada do
complexo industrial, é uma mescla de formas econômicas e sociais, entre as já existentes e o
novo. Cria-se uma centralidade com a nova economia industrial e a chagada do operário, e
assim o trabalho livre é disseminado. A vivencia com o Bairro começa a mudar.
Por ai, em 75 entrei no SENAI da Mannesmann, antes estudava no
Domiciano Vieira. Na região nada que tinha hoje existia naquela época, era
bem rural, como se fosse bem interior mesmo, era como se morasse numa
cidadezinha do interior. Um registro de desenvolvimento do lugar era um
EPA, um Banco Rural, o Banco Mercantil, dois hospitais, não eram três,
Santa Lucia, Santa Rita e São Paulo. O clube Comercial que era o point da
galera, do campo de futebol, com time que disputava Copa Inconfidência,
tinha também as matinês, com banda, a juventude da época curtia o final de
semana era lá. (Cleiton)
A grande indústria, a Mannesmann neste caso, necessitava de muita mão de obra,
ofertando bons empregos e promovendo cursos para adaptação empregados ao modo de
trabalhar, tudo isso em relação ao modo rural, de fato, a competição do campo com uma
multinacional deste porte é desigual, os benefícios, também do ponto de vista financeiro, eram
muitos, os moradores se sentiam atraídos diante as ofertas e oportunidades surgidas, as
consequências disso, não poderiam ser percebidas de imediato, e também, existiram
benefícios para a população diante o novo modo de vida que se estabelecia.
Quem trabalhava na Mannesmann era grande, bem visto, podia comprar
fiado, naquela época, hoje não é a mesma coisa não, mais ela foi muito boa
pra gente, descontava em folha, comprava umas coisas, geladeira, maquina
lavar, punhado de coisa, ela tinha convenio com a loja, o valor era
descontado em folha, tinha a COSIMA, pra emprestar dinheiro, só que eles
não cobravam juros, pegava dois mil e pagava dois mil, era uma empresa
boa, quando era mais alemã no inicio. Deu emprego pra muita gente, muita
gente fichou lá, só lá de casa foram quatro pessoas, e teve meus primos
também, deu muito emprego aqui, na época foi bom. O forte aqui era
plantação, estava acabando as lavouras, ia começando a população. A água
não servia mais também cuidar das plantações, vem geração nova querendo
54
emprego, todo mundo pode fichar na Mannesmann, tinha também plano de
saúde (Antônio).
De acordo com Martins (1992, p.8) o subúrbio era um componente rural do urbano,
“integrado por uma economia agrícola e artesanal de ciclo curto e imediatamente dependente
do comprador urbano.” E passa a ser invadido pela cultura metropolitana, o operário que se
instalava nesse novo lugar, “trazia consigo o germe das mudanças históricas e anunciava uma
nova modalidade de relacionamento social, a do contrato, um novo modo de acumulação de
riqueza, o lucro,” O trabalho passa a se baseado na produção fabril, o que traz mudanças para
o modo de vida e sociabilidade com a vizinhança, os moradores antigos passam a sofrer
estranhamento da paisagem, e perda dos referenciais, as atividades realizadas mudavam, por
exemplo, ocorre a perda do rio, a morte deste, tudo se transforma em um período curto de
tempo, com a chegada de novos moradores do subúrbio e os novos fundamentos da vida
social.
Esse córrego aqui, já peguei tanta traíra, tinha bastante água por aqui, dava
aqueles poço grande, acabou tudo, hoje é puro esgoto, a diversão nossa era
pescar, turminha ia bater uma bola, não existia televisão, as vezes tinha as
festas da igreja, nem radio, era difícil, o primeiro rádio eu lembro, quadrado
á bateria, não tinha luz ainda, meu irmão comprou, ele ia vender as coisas no
mercado, ai tinha contato com essas coisas, no dia que ele instalou aquele
radio foi a maior festa, de noite juntava a turma e fica escutando, que coisa
boa, era uma novidade, uma alegria. (Antônio)
A distribuição territorial da indústria e a mescla de formas econômicas e sociais
arcaicas com o novo modo de produzir da fabrica deram a nossa industrialização um caráter
historicamente peculiar, também diverso do modelo europeu. Além da forma de trabalho na
indústria a relação com o entorno também é transformada. Muitas novidades surgiam,
tecnologias, que mudavam a relação cotidiana, em casa e no serviço. Alem disso o subúrbio,
era um local de trabalho e moradia, muitos passavam o dia no serviço chegando em casa de
noite, esta relação de trabalho mediado pela mercadoria e dinheiro transforma também as
relações em casa. Da mesma maneira que com o tempo o trabalho dentro da industria vai
sofrer mudanças, a fala de A. mostra como no período de 25 anos ele pode perceber as
mudanças internas.
55
O pior lá dentro era que não tinha tecnologia nenhuma, hoje é tudo no
computador, antes era na base do muque, fazia força, ta louco, pesado
demais o serviço. Por exemplo, laminava material, barrinhas de aço de três
polegadas, ai saia da laminação, passava na serra, depois o processo vai pra
outro sala, fazer limpeza de superfície, passa no ácido, tinha uma ponte,
chamava pinguela, ai o pessoal procurava uma trinca, não pode fazer a peça
com a trinca, tinha que ser esmerilado se não aparecia depois, ai tinha um
jerico, um tratorzinho, punha nele, levava até as banca, descarregava tudo na
mão, uns duzentos quilo pra jogar nas bancas. Ai foi ampliando, veio ponte
rolante, quando sai tinha evoluído muito, tinha o escritório de programação,
maquinas de escrever, calculadora, depois que entrou o computador. Antes o
que quinze faziam ficou pra dois com o computador, vê como melhorou,
dois fazem agora. Hoje quando estão laminando, o cara fica lá de cima, ele
controla tudo, evoluiu muito mesmo (Antônio.)
Para Martins (1992) a relação do trabalho assalariado e a desvinculação com o espaço,
este como lugar da especulação e não da criação, outro mais como consumidor que cidadão.
“Resulta em uma sociedade sem tradição, o operário vê a classe mais não o subúrbio, o
trabalho não se identifica com o espaço, não cria vínculos, a relação sujeito-espaço esta
desvinculada.” È neste sentido que a cidade perde o sentido de obra, transforma-se em
produto, gerando valor pela terra, ocorreu a fragmentação da organização social anterior, em
que tudo tinha sentido, enquanto produção rural e valor de uso da cidade, o trabalho perde o
significado para o dinheiro e assim se perde o processo de criação, desta forma a
“fragmentação do individuo, em sua alienação do espaço, este como produto não cria
identificação. È a estratégia da reprodução, e com ela o esquecimento, a cidade como produto
é a vida e o espaço sem referencia, o esquecimento.”
Os novos moradores do Barreiro, chegam em um período de transição, ao mesmo
tempo em que trabalhavam nas industrias ou nos serviços na região, eles ainda tem contato
com um modo de vida rural, que permanece n região, percebe-se a ligação com o lugar
principalmente pelas atividades fora do trabalho, na festa, sociabilidade, nas trocas comerciais
ainda realiadas com caderneta, pelo consumo de produtos não industrializados, entretanto,
gradualmente esta desvinculação do morador com o espaço ocorre. Nos tempos recentes,
quando Belo Horizonte se consolida como uma metrópole, e o subúrbio como periferia, se
estabelece este rompimento. Alguns de nossos entrevistados vêm deste período, chegaram
nestes anos no Barreiro, por eles poderemos perceber o vinculo que foi criado ainda no
subúrbio, mesmo em transformação.
Quando nos referimos a este processo como metropolização, é no sentido de que
estamos lidando com as transformações do espaço, da metamorfose de sua paisagem, que
estão sendo impressas no espaço características metropolitanas. Este processo também produz
56
centralidades que marcam no espaço um processo de hierarquização alem de tender a
homogeneização. A partir da transformação do Barreiro percebemos como a inserção na
metrópole ocasiona a transformação deste num fragmento da metrópole, tendo suas
características cada vez mais esvaziadas de sentidos e significados. Desse modo, podemos
dizer que ele entra na reprodução da metrópole, e os problemas que acontecem pela
urbanização, passam a fazer parte da reprodução da sociedade, também na região. As falas de
Ronaldo que por muitos anos foi professor e ocupa cargos políticos em Belo horizonte
mostram bem as mudanças na região que são resultados desse processo.
Eu cheguei nos anos 70, vim para fazer cientifico e estudar, quando cheguei
o Barreiro não tinha tanta evolução, prosperidade, era um bairro que vivia
em função da Mannesmann, grande parte dos moradores trabalhavam lá. Por
isso ficou uma área isolada do resto da cidade, as pessoas falavam que iam
em BH, como se o barreiro não fosse BH. Quando eu cheguei entrava pelo
Santa Margarida, onde tinha uma linha de trem, ainda não tinha o Viaduto,
por isso, muitas vezes tinha manobra de trens, a gente ficava preso do lado
de lá. Essa era a entrada pro bairro. Aqui na Sinfrônio Brochado nessa época
os menino jogavam bola, tudo se voltava mais pra baixo, lá pela Visconde de
Ibituruna e Afonso Vaz de Melo, próximo a entrada ao Bairro. Assim o
Barreiro foi crescendo, pela própria estrutura, e também por ter a
Mannesmann (Ronaldo).
Estas transformações ocorridas podem trazer ao antigo morador o sentimento de perda,
a vida passa a ser efêmera e dinâmica. A fragmentação do espaço passa ao plano da
sociedade, haverá uma transformação do espaço habitado, ou seja, a fragmentação do lugar,
da vizinhança, das trocas comerciais, estranhamento entre os seus moradores, uma vez que há
a perda de referências. Assim como Ronaldo, o segundo entrevistado que veio para o Barreiro
nesta região, tem memórias da sua primeira impressão da paisagem do lugar.
Vou começar a falar desde o inicio, quando eu vim pra cá. Eu vim em 1972.
Tem 40 anos que estou no Barreiro, vim da Lagoinha, meu pai trabalhava na
Mennesmann, então é um motivo que me trouxe para cá. Então o primeiro
contato que tive com o Barreiro e que esta na minha lembrança é o seguinte:
Moravamos longe, a gente veio, pegou o ônibus, paramos perto da
Mannesmann, lembro que tinha um campo perto da Olinto Meirelles, eu era
o menino que carregava o saco do futebol, com camisas e tal. Quando desci
do ônibus, olhei vi o Cristo do Milionários, e tinha uma linhazinha vermelha
ate chegar ao Cristo, ou seja, não tinha nada onde hoje é o milionários, me
falaram: - olha o Cristo, e me lembro disso, lembrança mais distante do
barreiro. Então um pouco depois eu vim morar na rua Vila da Barra, atrás do
clube Comercial, perto daquela rua que vai para o Teixeira dias, não era nada
do que é hoje, era uma rua de terra batida, sem calcamento, para chegar, se
não me falha a memória moramos até em 1975. (Cleiton)
57
A metropolização não se dá por completo, ocorre como um processo de modernização
incompleta, por que permanecem as continuidades dos períodos anteriores, houve a
introdução do moderno, mas sem que essa modernidade fosse homogênea. O subúrbio e seus
bairros são exemplos desse processo, estão sendo descaracterizada para atender a acumulação
do capital, nossa modernização é dependente, ocupamos um lugar na Divisão Internacional do
Trabalho, isto é, necessitamos de intercâmbio com outros lugares originando uma
dependência na sociedade. Depois de expostas a primeira impressão deste entrevistado que
por anos também trabalhou na Mannesmann e foi professor em colégios do Barreiro, podemos
perceber as mudanças na paisagem da região.
O mais importante é pontuar isso, quando cheguei em 72, que tenho
lembrança de muito jovem, mais a partir de 78, mais maduro, já passa a
observar mais as coisas, uma lembrança que tenho é essa, dessa função
política que o barreiro começa a ter a partir dos anos 80 para Belo Horizonte,
é por ai que o barreiro começa a ter uma presença mais contundente no
cenário da história de Belo horizonte. Não mais como uma região rural, de
colônia agrícola, etc. más como um bairro prospero no que diz respeito ao
processo econômico, sobretudo comercial, indústrial, e muito em função do
momento histórico. Ai tem é claro, a importância dessa gestão do Álvaro
Antonio e trás com eles outros, o Ronaldo Gontijo é fruto desse processo,
que joga o barreiro no cenário de Belo Horizonte, a ponto de hoje ser o
segundo centro, com duzentos e tantos mil habitantes (Cleiton).
De acordo com Seabra (2006), e as mudanças percebidas no Barreiro, compreendemos
que a chegada das indústrias transformaram a paisagem da região, e também o modo de vida
de bairro, pois a partir disso, traz para o lugar a lógica do trabalho, e o tempo do relógio,
Imagem 5: Barreiro, Av. Olinto Meireles, 1972. Fonte: ACAP-BH, 1996
58
sendo que estes não estavam presentes no cotidiano da população, o aumento da população,
contrapõe o modo de vida rural, ocorrer a introdução dc um cotidiano programado, e passa a
predominar sobre o rural o modo de ritmo de vida metropolitano. Sendo transformações no
tempo, e desta forma a lógica do trabalho é introduzida nos bairros, esse período transformou
a configuração sociespacial, levando uma forte periferização do lugar, um modo de vida
urbano, longe do centro, ao mesmo tempo possuidor de centralidade, em que a reprodução das
contradições ocorrem, constituindo um eixo favorável ao comercio e consumo, com valor da
terra especulado, em contraste com regiões de ocupação, loteamentos sem infraestrutura e
cojuntos habitacionais, onde a questão do tempo de deslocamento vai ser fator importante no
relacionamento com a metrópole.
Quando fui trabalhar na Mannesnmann era muito valorizado, se perguntasse
aqui o que você quer ser quando crescer, seu sonho, uma realização? Pra
quem morava na região era trabalhar lá. Era assim, você trabalha na
Mannesman? Poxa!!. Era tudo de bom. Viam com bom olhos. É uma
multinacional que esta crescendo e transformando o entorno dela em sua
função. Eu me lembro de quando entrei, e nos 12 anos que fiquei lá,
trabalhavam 12 mil ou 13 mil pessoas, é uma cidade lá dentro, toda essa
gente, que em sua maioria, penso eu se estabeleceu aqui, é que fez a região
se tornar o bairro que se tornou, não só na questão industrial, que hoje já é de
menor dimensão, eu penso que as relações comercias, serviços cresceram,
muita gente nem mora aqui e tira aqui seu sustento, mais não há como
dissociar o crescimento, a historia do barreiro com a da Mannesman foi
paralelo. quando sai em 87, uma coisa que é legal pontuar, é que vivíamos
um processo de transformação no mundo inteiro nas questões técnicas, e que
lá na Mannesmann se traduzia como um novo processo de produção na
indústria, e tem que atender uma nova normatização, que em linhas gerais se
chamava ISO 9000. Estava o mundo inteiro passando por um processo de
normatização nova, e dentro da Mannemann havia um dialogo diferente, que
exigia uma postura diferente de mim, e isso sai do trabalho e chega a casa,
nos finais dos anos 80 tem essa mudança interna, essa nova visão interna,
que vai resultar um novo dialogo com o seu entorno, e isso também
influencia no crescimento do bairro, nesses 20 anos se parece uma cidade, é
isso que contribui, esse elemento, ingrediente, que vai detonar esse processo
novo, de desenvolvimento muito acelerado no bairro, mudança na estrutura
social, na estrutura educacional. (Cleiton)
Assim como o funcionamento interno das industrializa mudava, a relação com o
entorno e com o modo de vida acompanhava o processo, a partir da análise do Barreiro,
buscamos mostrar que a produção da cidade capitalista está inserida num contexto onde ela se
torna uma mercadoria e que a partir disso se fragmenta, a propriedade privada é vendida e
ocupada em pedaços, lotes, com diferença de valores devido a proximidade de serviços e
distancia do centro, até mesmo dentro da periferia. Os agentes do mercado imobiliário tem em
59
mãos a terra urbana, e com ela trabalham para produzir espaços ou valorizar regiões. Muitas
vezes excluindo uma grande parcela da população que procura propriedades de baixo valor,
principalmente nas periferias, com isso muitas vezes a qualidade de vida é transformada, tanto
dos antigos moradores do subúrbio, tanto para aqueles que moram em regiões precárias,
percebe-se a perda do valor de uso da cidade, as atividades rotineiras, como pesca, espaços
para campos de futebol, vão diminnuindo em meio a procura de áreas de valorização paços
para a renda dos agentes imobiliários, a beleza paisagística perdeu muito de seu valor, a
maioria dos lazeres nos dias atuais envolvem o uso do dinheiro, mesmo que não seja de forma
direta, o que esta relacionado com a perda da qualidade de vida dos moradores na região..
O barreiro dos anos 80 pra cá teve um expansão muito grande, construção e
expansão de casas populares, muito no governo Ferrara, o que trouxe muita
gente e atrapalhou muito a qualidade de vida nossa, fizeram muitas casas
sem infraestrutura. Então os novos governos começaram a enfrentar isso,
essa situação para dar melhor qualidade de vida para a população do
Barreiro, a drenagem, por exemplo, era muito falha, era o principal problema
quando cheguei aqui, hoje já não é tanto, a rede de esgoto, infraestrutura,
pare elétrica, telefonia, tudo de melhor qualidade, e tem sua independência
quase que política. (Ronaldo)
De acordo com Lefebvre (VER URB p. 39) o estudo da geografia permite analisar a
gênese da produção do espaço a partir do presente e a partir disso, apontar ou entrever por
meio do retorno sobre o atual as possibilidades futuras, perceber resultados do passado, da
urbanização e industrialização, hoje o urbano revela o industrial, a problemática neste espaço,
sendo considerado o motor das transformações na sociedade como um todo. Cada modo de
produção produz um espaço. A industrialização é vista como o indutor dessas transformações.
Anterior à industrialização, tínhamos a cidade e seu valor de uso, com a introdução de novos
modelos econômicos há cada vez o valor de troca, ou seja, o espaço assim dentro do
capitalismo aparece como mercadoria.
Quando tratamos do rural e do subúrbio, remetemos a um modo de vida pautado numa
prática social que se caracteriza por uma vida de relações espontâneas, imediatas, tendo a
família e vizinhança como a base do bairro. Com a metropolização elas são desagregadas,
permanecendo apenas no imaginário da população mais antiga esse modo de vida. Este
aprofundamento das relações capitalistas ocasiona cada vez mais na perda dos referenciais. O
espaço e tempo social como produtos. Assim perceberemos as mudanças no espaço, pois se as
relações de produção mudam, também mudando o espaço produzido por este, diante este
60
raciocínio de Lefebvre, as transformações recentes do Barreiro são relacionadas a
possibilidade da sociedade urbana, seria uma terceira reestruturação da região em um século,
que ocorre gradualmente, na medida em que grandes obrar para modernização ocorrem,
induzido principalmente pela metropolização de Belo Horizonte.
No exercício de perceber, para quem? Para que? Ou beneficio de quem? O espaço do
subúrbio de Belo Horizonte foi produzido, percebemos o crescimento do valor de troca, a
busca de lucros, assim como a necessidade de hierarquização da metrópole, influenciando
regiões mais distantes, como a concentração capital por empresas privadas que encontram no
Estado apoio para instalação na região. E como consequência do processo, a partir da análise
do Barreiro temos a segregação, perda referências e qualidade de vida baixa devido aos
problemas sociais, desemprego, queda de qualidade na educação e saúde.
Eu me lembro de observar e ver que estava verticalizando, foi aquele prédio
que hoje é o “balança mais não cai”, ao lado da Mansur imobiliária, onde
tinha o EPA, na outra esquina, olhei e vi que o barreiro estava crescendo pra
cima. Ate os anos 80, era comum ainda ver muito lote vago no centro do
barreiro, o barreiro era uma mistura de rural, com uma coisa que vai mudar,
cada hora abria um trem, tinha a venda de comprar com a caderneta, e tinha
o EPA, eram muito espaçadas as coisas pelo bairro. O primeiro EPA, era
perto do Via Shopping, perto de onde é aquelas lojas de moveis, onde hoje
tem um negocio de moda, cabeleireiro, era bem ali. O supermercado EPA foi
um dos primeiros a chegarem, era grande devido as proporções, pra hoje não
seria nada, chegaram primeiro os pequenos shoppings, mais não pegaram
muito, City Mall, o próprio Via Shopping demorou, mais a estação alavanca
lá, pois transita muita gente, hoje já existe lojas grandes de conveniência.
(Cleiton)
No fim deste período, podemos falar de rompimento definitivamente com o rural nesta
região, a partir dos anos 1990, as mudanças com alimentação, vestuário, transportes, uso do
automóvel, produtos industrializados, a mudança no tipo de empregos oferecidos devido as
mudança do modo de produção e relações sociais, e também o planejamento estratégico que
acompanha o capitalismo flexível e desenvolvimento do setor terciário e as alianças público
privadas serão o suficientes para sustentar esta afirmação, por isso no ultimo capitulo
buscaremos mostrar. A partir das memórias do passado que permanecem nos antigos
moradores que vão se perdendo na medida em que chegam novas estruturas e moradores. As
mudanças nas estratégias dos agentes em parceria com o Estado estão levando a
transformação na região. Gradualmente, da mesma maneira que as anteriores começaram, aos
poucos até se consolidarem, analisaremos assim o período de transição, e não podemos
61
afirmar, por enquanto, que este processo se consolidou, mais a analise do espaço, como foi
colocado nos pressupostos, permite enxergamos as tendências das mudanças, o sentido em
que elas tomam.
CAPÍTULO 4: O barreiro como parte da metrópole.
62
A tese de Lefebvre (1974) trata como o modo de produção induz a relações sociais e
também com o espaço e o tempo; sendo esta a maneira de sua realização em existência
concreta. Desta maneira o modo de produção projeta essas relações sobre o espaço e age
sobre elas, por mais que não hajam correspondências predefinidas entre as relações sociais e
espaciais. Inicialmente o modo de produção se apropria dos espaços existentes, como nos
transportes, onde nenhum meio de transporte desapareceu inteiramente e, no entanto, para se
permear, passa a produzir seus próprios espaços, como as ferrovias, rodovias e aeroportos.
Contudo, um novo espaço se constitui no século XX, em escala mundial e sua produção é
contínua, apropriando-se do espaço preexistente para alcançar os seus fins; levando a
transformações lentas, penetrando aos poucos em uma espacialidade consolidada que se vai
resignificando. È desta maneira que a sociedade urbana se apropria da cidade, e faz dela um
espaço seu.
A partir de Villaça, entendemos que “a urbanização é uma força produtiva social
desenvolvida através das aglomerações socialmente produzidas como condição para o
desenvolvimento da cooperação, também no nível social.” (Villaça, 2001 p. 77). Sendo as
forças produtivas fruto do trabalho, a mudança do modo de produção e das relações sociais,
implicam na mudança da relação da sociedade com o espaço produzido que vai ser
transformado, “como acontece com todos os produtos do trabalho, o capitalismo faz o
possível para transformar esse produto do trabalho em mercadoria.” (Villaça, 2001 p. 72)
Entretanto, de acordo com Freitas et al (2006), “o traço da produção do espaço urbano
numa cidade tornada metrópole é a produção e circulação de mercadorias,” mesmo quando
alguma “obra” ou programa governamental surge em nome do “interesse público”. Belo
Horizonte é reconhecida no país por ser uma metrópole de força econômica, social e política,
apesar de nesta permanecerem varias regiões com infraestrutura insuficiente, sem serviços
básicos necessários. “Mas vemos que o “caos” não significa “desordem”, pois os resultados
das atividades econômicas localizadas no município conferem a Belo Horizonte lugar
destacado na produção de mercadorias no Brasil (é o 5º município em Produto Interno Bruto
entre os mais de 5 mil do país)” (FREITAS et al, 2006).
E tal produção não se resume apenas ao ajuntamento de condições para a
maior produtividade do trabalho à venda segundo as exigências das
empresas (a fim de maiores lucros para essas) e dos governos (para manter
as contas “equilibradas” entre gastos e receitas). Aí já surgiu o “setor de
urbanização”, pois desde a definição das formas dos loteamentos, do sistema
viário e de abastecimento de energia elétrica, água, o escoamento de esgoto,
tudo já está financiado pelas somas de dinheiro privado e público
(principalmente os impostos e títulos das dívidas dos governos) e requer
63
agora os lucros, o famoso “retorno dos investimentos”. Percebemos então a
simbiose empresa-Estado-empresa no desenvolvimento brasileiro como
das mais favoráveis aos donos e gestores dos meios de produção (as
máquinas, fábricas, equipamentos etc.). Isso só é conseguido quando há uma
idéia geral de que o único modo de toda gente alcançar a prosperidade é por
meio do crescimento cada vez maior da fabricação de coisas e invenção dos
modelos de vida que integram a “cidade” (FREITAS et al, 2006).
Nos anos 1990, o Barreiro havia se consolidado como um subcentro, com altas taxas
de crescimento populacional e o papel importante desempenhado na Região metropolitana de
Belo Horizonte levaram a diversos problemas. Diante disso são importantes as colocações de
dos autores citados acima, sobre a periferização: “não é um conjunto de erros ou
insuficiências da produção do espaço (a “falta” ou a “insuficiência” ou ainda os “erros” do
planejamento), mas é elemento indispensável na sustentação e até no crescimento da
metrópole para os privilégios atuais serem mantidos.” Assim, é por meio da burocracia, e das
normas do privilegio que as desigualdades são mantidas, “quem já está beneficiado chegou
aos lugares e condições atuais por causa do favorecimento pelas instâncias de Estado”. Os
autores colocam que os resultados da produção na cidade não aparecem de forma igualitária
para todos, pois surgem os problemas provocados pela própria dinâmica da produção. A
hierarquização irá influenciar na produção desse espaço. A periferia tem um atraso em relação
ao centro; gradualmente as modernidades chegam para a população, como mercadoria a ser
consumida, mas, quase sempre neste sentido do centro para o subúrbio.
As melhorias na habitação, no trabalho ou em qualquer outro aspecto na
vida, ou seja, as normas prevalecentes na Grande BH significaram
facilidades só para algumas famílias ou grupos. Além disso, quase sempre
quando aparecem as reclamações de quem não foi beneficiado ou que foi até
prejudicado, as respostas são de que não se pode impedir ou atrasar as
inovações das condições de vida, ou ainda que receberão tal melhoria. Esse
discurso se amplia e é visto como o mais representativo dos anseios pela
melhoria da vida, pois uma vez que se progrediu com tais “obras” e serviços,
mesmo que proveitosos apenas para uma parte de quem habita a cidade,
retirá-los significa excluir quem já está beneficiado. Daí a imagem de um
sentido único da produção na cidade (as suas “partes”) e da cidade como um
todo. A crença em uma forma exclusiva do crescimento da riqueza é a
condição para a legitimidade da expansão rumo à metrópole (a expansão da
área urbana com os loteamentos, a ampliação e sofisticação das vias e dos
equipamentos, o aumento dos esforços e custos para manter e para crescer
mais ainda). A metrópole fica cada vez maior e mais sofisticada, o que
dificulta o entendimento dos processos particulares e do processo geral, a
metropolização. Envolve cada vez mais atividades, lugares e relações
localizados em municípios próximos com outros fazeres no estado, país,
continente, mundo. (Villaça ,2001 p. 72).
64
Compreendermos que o espaço urbano é produzido, gerando valor, como mercadoria,
Villaça (2001), faz colocações sobre o valor, sendo este produzido pelo trabalho social
dispendido na produção de algo socialmente útil, produzindo dois valores a se considerar, o
dos produtos em si e o valor produzido pela aglomeração. Analisado desta forma a localização
se apresenta como valor de uso da terra, valor de uso dos lotes, ruas, praças, da própria
cidade, este valor no mercado imobiliário e financeiro se traduz em altos preços da terra.
Desta forma entende-se que “o valor do espaço envolve valor da força produtiva representada
pela e oriunda da aglomeração.” Assim fica claro como as estações de trem que surgiram no
Barreiro, pela sua capacidade de atrais aglomeração de pessoas, devido à necessidade de uma
grande parcela da população utilizar seus serviços, desencadeou o desenvolvimento de seu
entorno, e que com as mudanças estruturais da região, como foi trabalhado em nossas
periodizações, passou por uma desvalorização devido a diminuição da circulação, com a
mudança dos transportes e a com a construção do Viaduto, “o rio Arrudas e a linha férrea
isolavam a região. A Mannesmann ofereceu uma área para a construção de um viaduto sobre
os obstáculos de modo que o centro do Barreiro pudesse ser ligado à cidade industrial e aos
demais bairros ” (SOUZA 1986, p.61), além de obras viárias que vieram para dinamizar a
região. Por exemplo, em 2013, depois de muitos anos de negociações entre as prefeituras de
Belo Horizonte e Contagem, Mannesmann e a população afetada pelas obras, a avenida
Tereza Cristina foi interligada, integrando diretamente, através de uma via o Barreiro ao
Centro de Belo Horizonte, a primeira ligação entre duas centralidades de grande porte dentro
da metrópole só foi estabelecido recentemente. Processo pelo qual toda cidade está sujeita, em
diferentes aspectos.
Mas desde a instauração do chamado período “neoliberal” (iniciado
abertamente em 1990, com o governo Collor de Mello), cresce o número de
pessoas e entidades que contornam os privilégios com atitudes de socorro
aos mais pobres (os chamados “desvalidos” ou “excluídos”). Quando isso é
feito sem se questionar as regras da produção do espaço urbano, vemos a
ingenuidade e o voluntarismo que mantêm os atendidos como dependentes
de outrem, seja pessoas, sejam instituições particulares, seja o próprio
Estado. Fica evidente a confluência dos interesses dos governantes e
empresários na metrópole, definindo um rumo cada vez mais mercantil e
financista para a vida que acontece por aqui. (Freitas et AL, 2006).
65
A partir desses pressupostos entendemos as colocações de Villaça sobre “o impulso
que leva a produção de shoppings centers, hipermercados e cidades novas é a tentativa do
capital de produzir e transformar as localizações em mercadorias” (Villaça, 2001, p. 72), ou
seja, para criar um ponto, “ponto como fruto do trabalho resultante da produção do espaço”
(Villaça, 2001, p. 73), é necessário que se produza um local com capacidade de gerar valor de
aglomeração, isso, no sentido de que “a capacidade de aglomerar não é um dado da natureza,
não é uma “propriedade”; é um valor de uso produzido”. (Villaça, 2001, p. 73). Por exemplo,
a Estação do Barreiro, foi um empreendimento recente que chama a atenção pela estratégia de
aproveitar da circulação diária de pessoas, ou seja, capacidade de aglomerar. A concentração
do transporte em um único local, permite que em seu entorno, pela dinamicidade de serviços e
usos, fortaleça o desenvolvimento da Avenida Afonso Vaz de Melo, onde está localizada,
assim como a região como um todo. Nesta foram instalados um segundo viaduto com acesso à
av. Tereza Cristina, um Hipermercado, a PUC Minas, o segundo restaurante popular de Belo
Horizonte, um batalhão da polícia, assim como outras universidades que se utilizam de
espaços comuns a outros estabelecimentos, no próprio Shopping e no Hipermercado.
No sentido do Via shopping foi onde demorou mais pra ir o comercio,
inicialmente ele foi subindo para a Sinfrônio Brochado, que só tinha
residência, e bares com sinuca. Ou tava de um lado ou do outro, bar da cada
Imagem 6: Barreiro, ao fundo o Viaduto e a Mannesmann. Saulo de Paula Pinto e Souza/ 2013
66
lado. Mais no barreiro de cima num tinha nada. E hoje olhamos pra trás e
vimos porque falavam que era longe, era a pé que se ia, cavalo. Muitas
entregas de mercado, construção tudo feito à carroça. Isso nos anos 70. (...)
Mais recente eu vejo como mudanças, coisas da modernidade, é o Via
Shopping, as universidades, a PUC e as que vieram junto com ela. E pelo
que representa no cenário mineiro e no Brasil, estou na expectativa é o
metrô, é uma coisa que coloca cada vez mais. Eu acho que isso na verdade,
eu acho que esta acontecendo é que esta chegando uma hora, que não vão se
saber onde é Barreiro e onde é Belo Horizonte. Tudo uma coisa só, assim
como São Paulo, que é isso, a impressão que passa pra gente, vamos entrar
numa estação, desce em outra, e elas se parecem, parece que se foi de lugar
nenhum pra nada, tudo parecido (Cleiton)
Entretanto, é importante colocar que “segundo o capital especifico, cada terreno
particular permite maior ou menor valorização pelo acesso que a sua localização propicia aos
efeitos uteis de aglomeração” (Villaça p. 74). Um plano político para os transportes públicos
de Belo Horizonte, reestabeleceu estações pelas principais subáreas da metrópole, a partir
destas os ônibus partem para as demais áreas, rompendo com o antigo sistema de atendimento
por bairros da cidade até centro. Com isso ocorreu o início da implantação do BHBUS, com a
inauguração da Estação Diamante, no bairro Vila Pinho (1997), e posteriormente, com a
Imagem 7: Ferrovia com o Barreiro no Fundo, PUC Minas em destaque. Saulo de Paula Pinto e Souza/2013
67
inauguração da Estação Barreiro (2002), que já evidencia as estratégias de valorização, já que
esta se localiza em uma região mais favorecida da região do Barreiro, mais próxima ao
minicentro comercial desta.
A valorização da terra urbana, a partir de investimentos e estratégias para implantar
equipamentos, assim como melhoramentos em infraestrutura em um lugar, pode causar
estranhamento para moradores que o vivenciam cotidianamente. Muitas vezes as instalações
se justificam para trazer melhorias para uma região e no caso do Barreiro as mudanças são
perceptíveis. Elas fortaleceram a centralidade, mudaram o fluxo e acesso à região, e assim
causaram aglomeração; neste caso podemos perceber como estas estratégias políticas e
econômicas, acabaram por levar à valorização da terra como mercadoria, e assim produzindo
as contradições na região, e transformando a sociabilidade dos moradores.
Em 1960 eu vim pro Barreiro, o motivo foi meu pai ter arrumado emprego
na Mannnsesmann, eu tinha uns 16 anos nessa época, pontos de encontro
eram a igreja, moradores se encontravam lá, no campo onde hoje é o Via
Brasil, e o cinema, Entre o barreiro de baixo e de cima havia um mato, onde
hoje é o Santa Helena isso dividia os dois, as estradas eram de terra, não é
igual hoje que é tudo junto. Plantações, hortaliças tinha muito ainda nessa
época, sítios, a Olaria onde hoje é o Via Shopping, o comercial que já era
como hoje. O Via Brasil foi construído onde era o campo gramado do
Barreiro. (...) Onde é aquele córrego canalizado na Tereza Cristina, onde tem
inundação agora, era água limpa, eu tinha um amigo que pegava traíra com
garrucha de dois canos, difícil acreditarem, era uma figura lendária, (...) As
indústrias atraíram muita gente pra região, a cidade industrial não tinha tanta
indústria, no Itaú Shopping tinha uma fabrica de cimento, causava uma
poluição, ai desativaram, não sei pra onde ela foi. (...) A região se
configurava aqui em pequenos núcleos, todos interligados com estrada de
terra, a Mannesmann planejou uma ampliação aqui na região mais sua
ampliação ficou inviável devido a urbanização no entorno, no meio do
centro urbano, por isso estão indo para Jeseaba, foram fazer a ampliação la,
o terreno aqui foi devolvido pro governo, esta sendo dividido em glebas, e
vão instalar varias coisas, bombeiro etc. (E.)
Diante de tantas mudanças, grande quantidade de investimentos em infraestrutura,
melhoramentos nos transportes e vias de acesso, atração de empreendimentos; que são
justificados como necessários para melhorias e desenvolvimento da região, esta realmente tem
carências em diversos setores. Acabam, em função de estratégias para gerar lucro para uma
pequena parcela, que se beneficiam da valorização da terra. São mudanças do ponto de vista
funcional que terminam por transformar o espaço social e o uso da cidade por parte de muitos
moradores, da mesma maneira que ocorreram no passado.Percebemos as contradições e queda
da qualidade de vida no passado, quando trabalhamos nos períodos anteriores, e é importante
68
perceber as novas mudanças que gradualmente estão alterando as configurações da região,
para assim perceber qual papel a região poderá desempenhar no futuro de Belo Horizonte.
“Seja no espaço intra-urbano seja no regional, a estrutura espacial advém das transformações
dos pontos: seus atributos, valores e preços, seus usos, os quais decorrem, em última
instancia, da melhoria de acessibilidade.” (Villaça, 2001, p. 79).
Quando mudamos para cá, eu sabia das da existência, mais não vivenciava
porque vivia na Lagoinha, eram as brincadeiras de rua, ir pro campinho,
finca, bolinha gude, arco, fazia parte do nosso dia a dia, de adolescência e
infância, ate o fim dos anos 70, carrinho de rolimã também, soltava
papagaio, o Barreiro mesmo em desenvolvimento era propicio pra isso,
ainda tinha esse espaço, hoje alem da tecnologia, inexiste isso, a criançada
não conhece isso, devido aos avanços e também por ter perdido esse espaço,
são as melhores lembranças da minha infância, eu morava no atila de Paiva,
com 15, 16 anos, mais lá a gente tinha a turma, e era praticamente todo dia,
mesmo depois de estar fazendo Senai, eu ia pra rua, ainda dava tempo de
jogar uma bolinha no campo, ou ficava na calcada conversando e hoje
perdeu isso, se existe em algum lugar ta bem longe de nós aqui (Cleiton).
Através dos diversos pressupostos estudados e analisados, buscamos esclarecer que a
modernização pode ser vista como estratégia para valorização imobiliária, onde a terra se
transforma em mercadoria e o cidadão passa a cumprir papel de simples consumidor na
sociedade urbana. Por tudo isso, podemos perceber a perda dos referenciais sociais e do
sentimento de nostalgia de quem viveu em outras épocas na região, percebendo que os
moradores antigos sentem falta dos momentos lúdicos da vida, dos relacionamentos familiares
que estabeleciam entre a vizinhança, que não condiz mais com a manutenção atual da
Imagens 8 e 9: Estação Barreiro e obras no entorno; Viaduto de acesso a Tereza Cristina construído
junto a Estação. Saulo de Paula Pinto e Souza 2013.
69
metrópole. Isso foi se perdendo no tempo e o depoimento abaixo mostra isso de forma
inequívoca.
A vontade de mudar é por isso, to querendo calma, um lugar mais
devagarzinho e aqui não é isso mais, bom de conversar isso é pra ver, eu
quero resgatar isso que perdi do Barreiro, ta tudo muito acelerado, se
observar em função de formatação do mundo, não estamos muito pra trás das
grandes cidades, mais se paga um preço por isso, um preço que não estou a
afim de pagar, eu prefiro o barreiro antigo, era melhor de viver. (...) o que eu
vivi aqui não existe mais, se é bom ou ruim? Em algumas situações é
melhor, no passado tivemos problemas de saúde, dificuldade com energia, de
locomoção, então isso é inegável que melhorou. Mais o mundo que se tornou
assim, posso dizer que foi delicioso de morar, sobre esse aspecto de
qualidade de vida, o Barreiro de hortas, sítios, fazendas, casas pareciam
pequenas chácaras, o barreiro que se criava galinhas, esse dos anos 70. Mas
que acompanhou as transformações do mundo, antes se comprava a galinha
pra matar em casa e hoje congelada. Nesse processo coisas se perderam no
tempo, e eu ,acho que a gente perdeu muito, me recordo como se fosse hoje,
chegava por volta de seis cinco horas, você ia se acostumando, que a noite
era silencio, as vezes um ônibus passando, passarinhos, era esse o barulho,
agora essa agitação, é o preço que se paga pelo progresso, é um preço alto,
preço que te faz mal. A gente não tinha esse stress que tem hoje, perdia se
tempo no gargalo do trem, ou descia e ia a pé as vezes dormia dentro do
ônibus esperando, hoje tem mais opções de via, e o problema parece ser dez
vezes maior. Isso nos impõe um dialogo com a modernidade, as pessoas
querem entender por que estão nervosas, em depressão, olha nosso ritmo de
vida. O barreiro é bem essa transformação de mundo que passamos, é o
resultado de um processo acelerado (Cleiton).
6 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir de nossa proposta inicial, a geografia como maneira compreender o mundo
para entender nossa posição no mundo como base para transformação em beneficio da
perpetuação da vida com qualidade, procuramos entender a produção do espaço a partir do
Barreiro e assim a reprodução das relações sociais, abrangendo a transformação do cotidiano
dos moradores. Por meio dos relatos procuramos perceber as transformações que o a região
passou desde o plano da Nova Capital, compreendendo assim a transformação da cidade em
metrópole e do subúrbio em periferia, que se fragmenta em relação a metrópole.
Desta maneira percebemos as mudanças quanto ao modo de vida em dois períodos,
rural e industrial, para entender o as transformações que ocorrem nos dias de hoje, a partir de
Lefebvre compreendemos que cada modo de produção produz um espaço, e assim sociedades,
70
neste sentido o modelo atual revela os problemas anteriores, assim como o estudo do presente,
pelas relações cotidianas pode ainda ser revelador das tendências. Por meio dessa abordagem
realizamos uma pesquisa em Geografia, utilizando do espaço como categoria de análise.
O processo de modernização se revelou como forma de manutenção do poder e do
modo de produção capitalista. Enquanto esta se realiza de maneira desigual, envolvendo a
apropriação do valor de uso social em mercadoria, principalmente em relação ao espaço
social. Este passa na metrópole, passa a ser consumido como toda mercadoria realizada
através do trabalho. Em um país como o Brasil, com grande desigualdade social, e péssima
distribuição de renda, apenas uma pequena parcela da população abastada usufrui sem
problemas dos “benefícios” do progresso. Entendemos nosso papel desempenhado na divisão
internacional do trabalho enquanto país subdesenvolvido e as consequências que isso gera
para nossa população, percebendo as desigualdades cotidianamente.
A tese de Aguiar (2006) foi fundamental para a compreensão da estruturação dos
subúrbios de Belo Horizonte, os primeiros planos do Governo para consolidação da Cidade
estão muito bem trabalhados, houve a intenção de desenvolvimento e modernização do estado
por meio da produção de um espaço concebido em duas formas, um empreendimento de
cunho urbanizador e industrializador e outro agrário da zona colonial da Cidade de Minas,
configurado por um projeto de modernização agrícola. Este segundo foi implantado e tinha a
intenção clara de povoar os subúrbios da nova capital. A criação da zona colonial “procurou
responder de modo simultâneo três objetivos: povoar sistematicamente os arredores da cidade
de Minas, com uma população produtiva e ordeira, assegurando o controle do espaço pelo
poder público, e contribuindo para o desenvolvimento e da região e do estado em bases
agrárias” (p. 243).
O avança do processo de industrialização e urbanização a partir dos anos 50 deu uma
nova dinâmica para a região, surgiram novas estratégias do Estado almejando o progresso
material para desenvolvimento da cidade. O Brasil passou por uma grande taxa de
crescimento demográfico nas áreas urbanas, crescimento acelerado e desordenado, mercado
pela segregação sócio-espacial da população, remodelando e reestruturando o espaço no
contexto que as metrópoles se constituíam. Nestas, as contradições do capitalismo foram
reproduzidas, ficando presentes no dia-a-dia de quem vivência a periferia. Estas contradições,
reproduzidas no espaço social serviram de análise, elas podem ser percebidas no estudo da
produção do espaço, e na destruição dos referenciais e características históricas da sociedade.
71
Além do problema encontrado por quem se sentia atraído pela oferta de empregos e baixo
preço dos lotes, problemas que acentuaram com as mudanças na escala de produção industrial
que ocorreram principalmente após o capitalismo monopolista, concomitantemente com a
queda das condições básicas de vida da população, saúde, emprego, habitação, alimentação. O
capitalismo tomou mais espaço nas relações sociais com o rompimento das relações
imediatas, de circulo curto, vizinhança, o intercambio mediado por dinheiro predomina assim
como tipo de produtos oferecidos, a partir da compra do imóvel (terreno ou casa), quem
habita o sonhado “pedaço de chão pra viver” passa a ser tratado como “consumidor” e não
como “cidadão”.
Entendemos que a modernização de Belo Horizonte, sua metropolização, pode ser
entendida como a reestruturação de processo materiais, relacionado á introdução de indústrias.
O que permitiu a transformação do espaço da cidade a partir da práxis urbana que também
impôs uma nova forma de consumo para a população, culminando nos processos de
homogeneização, fragmentação e hierarquização da metrópole.
Perceber que os a modernização afetaram a vida social da população e suas relações, o
novo modo de vida urbano introduzido pela metrópole causou transformações gradativas pela
cidade, rompendo assim as relações e introduzindo novos referenciais mudanças na paisagem,
denotando no lugar uma nova configuração socioespacial.
A periferia estando inseridas na lógica da metrópole, trazem ainda, no caso do
Barreiro, resquícios da sua história, pela população que vivenciou tempos passados, no espaço
podemos as percebemos pela toponímia, os bairros, ruas e praças que fazem referencia aos
colonos, primeiros colonizadores da região. A realidade atual demonstra uma grande
desigualdade socioespacial. Os moradores reconhecem a periferia, ela esta presente no
cotidiano e imaginário da população, percebe-se pela preocupação com a violência, o caos do
transito, a infraestrutura precárias que ainda fazem parte da realidade, a precariedade na
educação e na saúde. Esses fatores contribuem revelam como se estabelece uma “exclusão”
social como resultado do processo de metropolização.
Porem, com análise do presente percebemos a grande quantidade de obras para
modernização da população e também sua consequência, resultando em valorização da terra e
especulação, se a tendência permear pelos próximos anos, o Barreiro vai ter melhores
condições de infra estrutura, não podemos afirmar se estes benefícios são ara os consumidores
que residem, ou viveram os períodos passados, a valorização da região leva a maiores custos
para manutenção do modo de vida, muitos desses moradores podem acabar por encontrar
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melhores condições em lugares distantes. Atraindo para a região novas moradores, restam
reflexões se o vinculo com o espaço será estabelecido, se de alguma forma a população que
irá viver ou usufruir desta região terá condições de resgatar o prazer de viver este espaço, de
grande beleza, que se encontra degradado pela produção social de um espaço pensado como
mercadoria dentro do modelo capitalista, onde são necessárias mudanças pois, como
consumidores que perderam o direito á cidade, a mercadoria se encontra altamente valorizada
diante a qualidade oferecida.
7- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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