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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO JOSIANE BROLO ROHDEN A REINVENÇÃO DA ESCOLA: HISTÓRIA, MEMÓRIAS E PRÁTICAS EDUCATIVAS NO PERÍODO COLONIZATÓRIO DE SINOP MT (1973-1979) CUIABÁ MT 2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

JOSIANE BROLO ROHDEN

A REINVENÇÃO DA ESCOLA:

HISTÓRIA, MEMÓRIAS E PRÁTICAS EDUCATIVAS NO PERÍODO

COLONIZATÓRIO DE SINOP – MT (1973-1979)

CUIABÁ – MT

2012

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JOSIANE BROLO ROHDEN

A Reinvenção da Escola HISTÓRIA, MEMÓRIAS E PRÁTICAS EDUCATIVAS NO PERÍODO

COLONIZATÓRIO DE SINOP – MT (1973-1979)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Educação no Instituto de Educação da Universidade Federal de Mato

Grosso como requisito para obtenção do título de Mestre em

Educação na área de Concentração História da Educação e

Memória, Linha de Pesquisa Cultura, Memória e Teorias em

Educação.

Orientadora: Profª. Drª. Elizabeth Figueiredo de Sá

CUIABÁ – MT

2012

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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO PRÓ-REITORIA DE ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO Avenida Fernando Corrêa da Costa, 2367 - Boa Esperança - Cep: 78060900 -CUIABA/MT Tel : 3615-8431/3615-8429 - Email : [email protected]

FOLHA DE APROVAÇÃO

TÍTULO : "A Reinvenção da escola: História, Memórias e Práticas Educativas no período

Colonizatório de Sinop-MT (1973-1979)"

AUTORA : Mestranda Josiane Brolo Rohden

Dissertação defendida e aprovada em 14/12/2012.

Composição da Banca Examinadora:

______________________________________________________________________________

___________

Presidente Banca / Orientadora Doutora Elizabeth Figueiredo de Sá Instituição : Examinadora Interna Doutora Márcia Dos Santos Ferreira Instituição : UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO Examinadora Externa Doutora Vera Lúcia Gaspar da Silva Instituição : UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA Examinadora Suplente Doutora Elizabeth Madureira Siqueira Instituição : UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

CUIABÁ,14/12/2012.

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Aos meus dois amores:

Rômulo e Matheus:

Não há poemas, nem poesias, Não há canções ou composições,

Que possam expressar em palavras, O que sinto por vocês dois!

Obrigada por compreender as minhas tantas ausências,

pelo apoio constante, por serem meus

fieis companheiros no decorrer de todo este trabalho.

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AGRADECIMENTOS

Nestes quase dois anos de estudos, é chegada a hora de não apenas agradecer, como

também lembrar e destacar pessoas que compartilharam seus saberes comigo, assim como

estiveram ao meu lado participando ao longo de todo percurso do Mestrado, incentivando-me,

acreditando em mim, talvez muito mais que eu mesma. Por isso, a elas, quero deixar a minha

singela gratidão. Este trabalho é feito de muitas vozes e mãos. Não o fiz sozinha, apenas sou parte

inconclusa da produção. Por essa razão, torna-se difícil encontrar palavras para expressar meus

agradecimentos. Por isso, como não poderia ser diferente, deixo a poesia falar por mim:

É fácil trocar as palavras,

Difícil é interpretar os

silêncios!

É fácil caminhar lado a lado,

Difícil é saber como se

encontrar!

É fácil beijar o rosto,

Difícil é chegar ao coração!

É fácil apertar as mãos,

Difícil é reter o calor!

É fácil sentir o amor,

Difícil é conter sua torrente!

Como é por dentro outra

pessoa?

Quem é que o saberá sonhar?

A alma de outrem é outro

universo

Com que não há comunicação

possível,

Com que não há verdadeiro

entendimento.

Nada sabemos da alma

Senão da nossa;

As dos outros são olhares,

São gestos, são palavras,

Com a suposição

De qualquer semelhança no

fundo.

Fernando Pessoa

Diria também que é fácil dizer Obrigado; o difícil é conseguir que o agradecimento toque a

alma daqueles a quem somos tão gratos e da maneira que gostaríamos, afinal, como disse o poeta:

“Nada sabemos da alma, senão da nossa”. Sendo assim, da minha forma, do meu jeito, na

simplicidade da minha alma, insisto em dizer a todos vocês: Obrigada!

À minha querida orientadora e amiga Elizabeth Figueiredo de Sá, que me acolheu no meu

processo de “migração” para a História da Educação, me apontando caminhos, possibilitando que

meu trabalho se tornasse cada vez mais rico com o seu olhar, estimulando minhas produções

científicas, incentivando-me nessa caminhada, sempre generosa, compreensiva e atenta nas mais

diversas ocasiões. Um encontro valioso que a vida me presenteou – Obrigada por tudo!

Ao querido e admirável professor-amigo Silas Borges Monteiro, que primeiramente

oportunizou meu ingresso no Mestrado e a quem sou grata por ter aprendido com ele muitas coisas,

dentre elas, numa perspectiva filosófica, “pensar menos e sentir mais”.

A todos os professores do Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGE e que

fizeram parte da minha formação, grandes mestres com quem tive a honra de aprender: Dr. Edson

Caetano, Dra. Andreia Dalcin, Dr. Walter Gomide, Dra. Maria da Anunciação Pinheiro Barros

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Neta, Dr. Nicanor Palhares Sá, Dra. Ozerina Victor de Oliveira, Dra. Rute Cristina Domingos da

Palma, Dr. Silas Borges Monteiro, Dra. Elizabeth Figueiredo de Sá. A todos vocês, obrigado por

superarem minhas expectativas – que eram muitas – e me revirarem do avesso!

À Vera Lúcia Gaspar da Silva, Márcia dos Santos Ferreira, Elizabeth Madureira Siqueira,

pelas preciosas contribuições no momento da qualificação e por aceitarem o convite de fazer parte

dessa minha história.

Sou muito grata também a Claudevânia Barbon Anderle, pelo desafio de apresentar esta

história a partir do seu olhar artístico, deixando marcas no trabalho com suas belas obras de arte

que ‘embelezaram’ cada capítulo e trouxeram a possibilidade da Arte também narrar uma história.

Aos professores Edson Antônio de Souza, Fiorelo Picoli e Vitale Joanoni Neto, por terem

me disponibilizado materiais e também pelas ricas contribuições historiográficas.

A todos os colegas do Grupo de Estudo em História da Educação e Memória (GEM), pelas

muitas contribuições e por terem me recebido como membro do Grupo, com muita gentileza,

solidariedade.

Ao meu esposo Rômulo Rohden, meu filho Matheus Ricardo, minhas irmãs Juliana e

Franciane, e a todos os familiares, pelo incentivo e pela compreensão nos momentos de ausência

durante essa trajetória que exigiu muito de mim, motivo pelo qual precisei me fazer ausente tantas

vezes.

Ao meu saudoso pai Nelsi Brolo (in memorian), por inúmeras vezes ter me dito, quando

criança, que sentia muito orgulho do meu gosto pelos estudos. Palavras simples, presentes ainda na

memória, e que fizeram e me fazem não desistir de querer aprender sempre mais.

À minha mãe Terezinha Brolo, que, mesmo contrariada, porém, muito compreensiva,

permitiu que eu fizesse as refeições sempre à companhia de um livro, durante a minha infância e

adolescência. Além disso, agradeço-lhe por ter me alfabetizado aos cinco anos de idade por meio

de gibis, mesmo não tendo formação ou habilitação para tal. Foi assim que aprendi com ela as

primeiras letras e o salutar hábito da leitura.

À minha amiga-irmã Alessandra Abdala, a quem me falta palavras para agradecer.

Obrigada por compartilhar comigo cada momento do Mestrado, por tantas vezes ter me acolhido

em sua casa e com sua família, por ser mais um presente que a vida me reservou. Ganhei uma

amiga e, de brinde, mais uma família, bem grande por sinal.

Aos grandes companheiros e companheiras de conversas, aprendizagens, trocas e risadas:

Jorge Paredes, Isaias Xavier, Neide Tarsila da Costa, Catiane Peron, Ilza Polini, Rosimeire

Vilarinho e a todos os amigos que tive a honra de conhecer/conviver no decorrer do processo do

Mestrado.

À Iria Loch Rohden e Irenite de Cezaro Chimiti, por terem gentilmente assumido meu

papel de mãe, nas muitas vezes em que estive distante.

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Ao querido professor Josivaldo Constantino dos Santos, orientador da graduação e grande

incentivador para que eu investisse na carreira acadêmica. Obrigada pelas dicas, pelas conversas

sobre Michel de Certeau, pelas longas caminhadas produtivas, nas quais sempre aprendi algo,

especialmente de “ser um poeta da escola”.

À CAPES, que através da concessão da Bolsa de Demanda Social garantiu o suporte

financeiro necessário para o desenvolvimento da pesquisa.

Aos colegas do Projeto Escrileituras CAPES/OBEDUC/INEP – Núcleo UFMT, o qual

participei como membro durante o primeiro ano de mestrado como bolsista. Grupo o qual me

oportunizou perceber a escola como lugar de saber e poder, mas também como um lugar dinâmico,

repleto de texturas, de cheiros, sabores, rizomas, de dores e amores, composto por muitos traços,

por muitas fugas, por muitas cores.

A todos os professores, funcionários do Programa, frisando aqui as dedicadas: Marisa C.

Voltarelli, Luiza Teixeira, Delma Pereira e a atenciosa coordenadora Tânia Lima Beraldo.

Obrigada pela paciência!

A todos aqueles que me receberam nas Escolas Estaduais Nilza de Oliveira Pipino e N. Sra.

do Perpétuo Socorro, na Colonizadora Sinop e no Patrimônio Histórico de Sinop, que me

auxiliaram no encontro com as fontes depositadas nos arquivos públicos.

Em especial, a Terezinha Vandresen Pissinati Guerra, Maria Lúcia de Araújo Bráz, Anízia

Mendes Gobbo, Maria Augusta de Paula, Carla Sprizão Ponce, Dayse Maria Vieira Bérgamo, Soeli

Siaska da Silva, coautoras desta pesquisa, cujas vozes ecoam por todo trabalho.

Sobretudo a Deus, que me concedeu paciência, discernimento, força e coragem para seguir

em frente nos muitos momentos difíceis e principalmente por ter me presenteado com uma vida

que estimula o intenso desejo inacabado de aprender!

Recebam todos a minha gratidão e, que ela, de alguma forma possa lhes tocar a

alma.

Muito Obrigada!

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Que a importância de uma coisa,

não se mede com fita métrica, nem com balanças, nem barômetros etc.

Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento

que a coisa produza em nós.

Manoel de Barros

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RESUMO

ROHDEN, Josiane Brolo. A Reinvenção da Escola: História, Memórias e Práticas

educativas no período colonizatório de Sinop-MT (1973-1979). 2012. 196 p. Instituto de

Educação. Universidade Federal de Mato Grosso.

A presente pesquisa tem como objeto de estudo a cultura escolar produzida pela

Escola Estadual Nilza de Oliveira Pipino, localizada na cidade de Sinop, estado de Mato

Grosso, lócus desta investigação, eleita como objeto de estudo por ser a primeira escola

instituída nesta localidade durante o processo de colonização da cidade. Representa o

início da implantação de um sistema educacional em um descampado da Floresta

Amazônica e que, portanto, mais que cumprir suas funções educacionais, essa escola e a

educação de forma geral representavam, naquele contexto histórico, instrumento

fundamental para a construção de uma cidade vocacionada para a fixação dos migrantes.

Toma-se, como ponto de referência nessa investigação, os anos de 1973 a 1979. A escolha

e a delimitação do recorte cronológico deve-se ao fato de que a educação, assim como a

cidade de Sinop foram instituídas no ano de 1973 e, ao final da mesma década, em 1979,

ocorreria a emancipação política da cidade, havendo com isso mudanças significativas no

cenário político-social da cidade. No movimento de colonização, milhares de pessoas

deixaram sua terra natal, principalmente oriundas da região sul do país, para ocupar o

espaço em estudo. Dessa forma, fazer um inventário das práticas escolares, dos valores, da

conduta e normas a ser seguidas, dos conteúdos a serem ensinados constitui um campo de

trabalho interessante, pois permite, além de compreender o cotidiano do espaço escolar em

estudo, também discutir as tradições, os costumes trazidos pelos migrantes e que seriam

mantidos e repassados pela escola, além de possibilitar uma discussão re-significando a

história da primeira instituição. Dentre os objetivos da pesquisa, destaca-se a necessidade

de contribuir para compreender como foi organizado o sistema educacional do primeiro

estabelecimento escolar durante o período delimitado e o que ali deveria ser ensinado,

discutindo seus valores e normas, necessários para garantir o processo de escolarização,

inferindo sobre os costumes, práticas, tradições culturais mantidas e repassadas pela escola,

sobretudo, pretende-se destacar as artes de fazer a partir principalmente das concepções de

Michel de Certeau, desde a iniciativa da ‘construção’ da escola pelos próprios migrantes,

como também no que se refere à dinâmica criadora, inventiva e astuciosa daqueles que

participaram do seu cotidiano escolar. Para a construção do objeto e desenvolvimento da

pesquisa, apropriamos de documentos escolares, cadernos de alunos e professores, diários

de classe e fotografias, adquiridos não apenas no espaço escolar, mas também em acervos

particulares e públicos. Ainda na perspectiva da História Oral, entrevistas foram realizadas

com ex-professores e alunos a fim de ‘ouvir’ as vozes daqueles que não tiveram sua

história registrada. A pesquisa sugere discutir o quanto a escola se configura enquanto

lugar de produção de uma cultura específica, em que frequentemente são criadas

estratégias modeladoras e táticas de subversão, além do quanto as relações de poder se

revelam no interior das instituições escolares, enquanto espaço em que se determinam as

relações sociais, ao mesmo tempo em que se constitui como difusora de saberes e

conhecimento.

Palavras-chaves: História da Educação. Colonização. Cultura Escolar. Mato Grosso.

Sinop-MT.

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ABSTRACT

ROHDEN, Josiane Brolo. The reinvention of the school: history, memories and

educational practices in the colonization period of Sinop-MT (1973-1979), 2012. 196

pages. Instituto de Educação. Universidade Federal de Mato Grosso.

This research has as object of study the school culture produced by the Nilza de

Oliveira Pipino State School, located in Sinop, Mato Grosso, locus of this research, elected

as an object of study for being the first school established at this location during the

colonization process of the city. It represents the beginning of an educational system in an

Amazon rainforest wilderness and therefore more than fulfill their educational functions,

this school and education generally represented in that historical context, a fundamental

instrument for the construction of a city dedicated to the establishment of migrants. Take

as a point of reference in this investigation, the years from 1973 to 1979. The choice and

delimitation of chronological cut-off is due to the fact that education, as well as the city of

Sinop were instituted in the year 1973 and, at the end of the same decade, in 1979, would

the political emancipation of the city and with it significant changes in the socio-political

scene of the city. In the colonization movement, thousands of people left their homeland,

mainly from the southern region of the country, to occupy the space under study. In this

way, do an inventory of school practices, values, and standards of conduct to be followed,

the content to be taught is an interesting work because it allows, in addition to understand

the daily life of school space, also discuss the traditions, the customs brought by migrants

and that would be maintained and passed on by the school, besides enabling a discussion

re-meaning the story of the first institution. One of the goals of the research, emphasizes

the need to understand how it was organized the first school's education system during the

period enclosed and that there should be taught, discussing their values and standards

needed to ensure the process of schooling, inferring on the customs, practices, cultural

traditions maintained and passed on by the school, in particular, it is intended to highlight

the arts of making mainly from Michel de Certeau conceptions, since the initiative of the '

construction ' of the school by the migrants, but also as regards the creative, inventive and

astute dynamic, of those who participated in their daily lives in the school. For the

construction and development of research, it was appropriated school documents,

schedules of students and teachers, class diaries and photographs which were acquired not

only in school, but also in private and public collections. Still in the context of Oral History

interviews were conducted with former professors and students to ' hear ' the voices of

those who have not had their recorded history. This research suggests discussing how the

school is configured as a place of production of a particular culture, in that they are often

created shaping strategies and tactics of subversion, and how power relations are revealed

within the educational institutions, as an area in which determine social relationships,

while at the same time constitutes as broadcast knowledge.

Key words: Education History. Colonization. School Culture. Mato Grosso. Sinop-MT.

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LISTA DE FIGURAS E QUADROS

Figuras

Figura 1- Fundação de Sinop, em 14 de setembro de 1974 ................................................36

Figura 2- As primeiras riquezas agrícolas de Sinop apresentadas pelas propagandas.........38

Figura 3- Ruas de Sinop no dia de sua fundação, em 14 de setembro de 1974...................42

Figura 4- Vista aérea da BR-163, que liga Cuiabá a Santarém, 1972 .................................47

Figura 5- Índios Panará na ponte construída para a transposição do Rio Peixoto de

Azevedo – BR-163...............................................................................................................48

Figura 6- Acampamento da empresa colonizadora para abertura de Sinop, 1973 ..............56

Figura 7- Abertura de Sinop pela Colonizadora Sinop, 1972..............................................59

Figura 8- Início dos trabalhos da abertura de Sinop, 1972 ..................................................60

Figura 9- Banda da Polícia Militar de Cuiabá, 1974............................................................65

Figura 10- Missa de fundação de Sinop, 1974.....................................................................66

Figura 11- Almoço de celebração da Fundação, 1974 ........................................................66

Figura 12- Matéria de veiculação nacional sobre Sinop, 2010.. .........................................68

Figura 13- Vista área de Sinop, 2010...................................................................................68

Figura 14- Família em Sinop, 1973......................................................................................71

Figura 15- Mudança de uma família de agricultores chegando a Sinop, 1973....................73

Figura 16- Moradias de famílias em barracões de lona, 1973 .............................................75

Figura 17- Alunos, pais e professores em frente a escola em Sinop, extensão da Escola N.

Sra. do Perpétuo Socorro de Vera-MT, 1975.......................................................................85

Figura 18- Sala de Aula construída pelos migrantes, 1973..................................................91

Figura 19- Desfile cívico em comemoração à fundação de Sinop, 1974.............................97

Figura 20- Escola da comunidade Nanci, 1979...................................................................99

Figura 21- Aluna da Escola Estadual dos índios Koiupanká, 2007...................................102

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Figura 22- Salas de aula construídas em substituição à primeira, erguida pelos migrantes,

1974....................................................................................................................................105

Figura 23- Vista aproximada das salas construídas pela colonizadora, 1978....................112

Figura 24- Pelotão das alunas uniformizadas, com vestimenta característica do sul do país,

1978....................................................................................................................................115

Figura 25- Alunos em recepção a Júlio César Magalhães no Dia do Trabalho, 1977.......120

Figura 26- Caderno da 1ª série, 1977. ...............................................................................128

Figura 27- Caderno da 2ª série, 1978. ...............................................................................129

Figura 28- Caderno da 3ª série, 1979. ...............................................................................129

Figura 29- Caderno da 3ª série, 1979. ...............................................................................130

Figura 30- Caderno de planejamento da professora para o Ensino Religioso da 2ª série,

1976....................................................................................................................................133

Figura 31- Carta do colonizador Ênio Pipino à Irmã Edita, 1978 .....................................137

Figura 32- 1ª Parte da correspondência enviada pelo colonizador ao secretário de educação

estadual, 1978 ....................................................................................................................138

Figura 33- 2ª Parte da correspondência enviada pelo colonizador ao secretário de educação

estadual, 1978 ....................................................................................................................139

Figura 34- Fanfarra da Escola Nilza de Oliveira Pipino, 1978 .........................................142

Figura 35- Alunos da Escola em comemoração ao Dia dos Soldados, em 25 de agosto de

1979 ...................................................................................................................................145

Figura 36- Alunos representando a cultura do sul do país em desfile cívico

14/09/1978..........................................................................................................................146

Figura 37- Alunos da pré-escola em homenagens a Sinop, 1977. ....................................149

Figura 38- Fanfarra da escola em desfile cívico, em 7 de setembro de 1976....................151

Figura 39- Trabalhos de ornamentação de rua feitos pelos alunos da escola em celebração à

Corpus Christi,1979...........................................................................................................152

Figura 40- Recepção ao colonizador Ênio Pipino em visita a escola, 1978.......................154

Figura 41- Alunos em frente a escola, 1979. .....................................................................159

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Figura 42- Crianças da Pré-Escola brincando no pátio da escola,

1977....................................................................................................................................168

Figura 43- Criança brincando de fazer bolinhas de sabão em cima de toras de madeira,

1977....................................................................................................................................172

Figura 44- Localização de Sinop em relação a Cuiabá – 500 km......................................196

Figura 45- Vista aérea do Parque Florestal da cidade de Sinop, 2010...............................197

Figura 46- Área de visitação da represa no Parque Florestal da cidade de Sinop, 2010....197

Quadros

Quadro 1. Organização curricular de 1ª a 4ª séries do 1° grau...........................................126

Quadro 2. Organização curricular de 5ª a 8ª séries do 1° grau...........................................127

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BASA Banco da Amazônia S.A.

CODEMAT Companhia de Desenvolvimento de Mato Grosso

INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

INTERMAT Instituto de Terras de Mato Grosso

PIN Programa de Integração Nacional

SUDAM Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia

SUDECO Superintendência para o Desenvolvimento do Centro-

Oeste

POLAMAZÔNIA Programa de Polos Agropecuários e Agrominerais da

Amazônia

PRODOESTE Programa de Desenvolvimento da Região Centro-Oeste

POLOCENTRO Programa de Desenvolvimento dos Cerrados

PROTERRA

SINOP

COBAL

SUCAM

SAQ

FUNDEB

Programa de Redistribuição de Terras

Sociedade Imobiliária do Noroeste do Paraná

Companhia Brasileira de Alimentos

Superintendência de Combate à Malária

Sinop Agroquímica

Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação

Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação

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SUMÁRIO

UM INÍCIO.........................................................................................................................18

Os contornos da pesquisa.....................................................................................................18

SINOP: UMA CIDADE-SEMENTE DO GRANDE BRASIL

AMAZÔNICO....................................................................................................................35

1.1.“Cidade Esperança” ......................................................................................................36

1.2. A colonização como prova de brasilidade.....................................................................41

1.3. A missão de construir uma cidade.................................................................................56

1.4. “Vamos embora para o Mato Grosso!” ............................................................ ...........70

SE NÃO HÁ ESCOLA, QUE INVENTEMOS UMA.....................................................84

2.1. Das artes de fazer: a reinvenção da escola...................................................................85

2.2. “Se tem material, vamos fazer uma escola!” ................................................................91

2.3. Dos primeiros tempos: da ‘escola dos migrantes’ a ‘escola-galinheiro’.....................105

A ESCOLA, MESMO DAQUELE JEITO, ERA NOSSA! ERA TUDO!.................119

3.1. Organização e funcionamento da escola: ‘era tudo muito técnico e abstrato’ ...........120

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3.2. Tramas do real: rezava-se muito e cantava-se com amor, com patriotismo

mesmo!..................................................................................................................................141

3.3 Memórias de um cotidiano: lá vem seu Juca, da perna torta, dançando valsa, com a

Maricota! .....................................................................................................................................159

REFLEXÕES FINAIS.............................................................................................................175

Apenas uma versão....................................................................................................................175

Versos Finais: Escola Reinventada .........................................................................................185

REFERÊNCIAS...............................................................................................................186

ANEXOS...........................................................................................................................195

Anexo 1- Mapa de localização do Município de Sinop no estado de Mato Grosso..........196

Anexo 2-Imagens do Parque Florestal de Sinop................................................................197

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UM INÍCIO

Os contornos da pesquisa...

Porque a vida, a vida, a vida,

a vida só é possível

reinventada.

Cecília Meireles

É com a sabedoria dos versos da poetiza que me lanço nesta pesquisa para

apresentar minhas reflexões sobre a matéria da vida. Quiçá, seria mais propício dizer

‘vidas’- vidas que se aventuraram a migrar para um local desconhecido em meio à Floresta

Amazônica; vidas que em busca de um futuro mais promissor se submeteram às

dificuldades e perigos; vidas que, no desejo de educar seus filhos, tiveram de ‘reinventar a

escola’; vidas recriadas, arquitetadas num cotidiano de uma história singular incluídas num

sonho coletivo – reinvenções da vida que dão o sentido ao ato de viver, como sugere

Cecília Meireles.

As vidas que me unem ao presente trabalho são as dos professores, alunos e de

todos aqueles que compunham o cenário escolar que escolhi ‘aventurar-me’ a pesquisar. O

espaço que elegi para falar dessas vidas é a Escola Estadual Nilza de Oliveira Pipino, a

primeira instituição escolar da cidade de Sinop, localizada ao norte de Mato Grosso e o

tempo privilegiado foi a década de 70 do século passado – início de tudo, período

colonizatório.

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São as personagens inseridas nesse tempo-espaço, que possuem em comum um

passado coletivo e ao mesmo tempo singular, que convidei a caminhar comigo durante

todo o percurso da pesquisa-história.

Vidas que, ao ‘reinventar’ os modos de viver, aprenderam a ser o que não se era: “o

filho, que levava jeito com a mecânica dos carros, passou a ser o mecânico da cidade; a

mãe, que levava jeito com os curativos, passou a ser a enfermeira; o pai, que levava jeito

com a argamassa era o mestre construtor; a filha, que sabia ler e escrever, era a professora”

(TOMÉ, 2009, p. 32).

Assim, ‘reinventar’ uma sociedade a partir da intervenção do homem sobre a natureza,

durante a construção de uma cidade, de uma vida social e, em conjunto, a construção de

um sistema educacional em meio a um descampado da Floresta Amazônica, era o que

cabia às vidas que emoldurarão os contornos deste trabalho.

Com isso, faz-se necessário mencionar que a delimitação do período em estudo – entre

os anos de 1973 a 1979, deve-se ao fato de que a cidade de Sinop, bem como o início do

processo de escolarização foram instituídos no ano de 1973 e, ao final da mesma década,

no ano de 1979, ocorreram mudanças significativas no cenário político-social da cidade,

devido a sua emancipação política, visto que até então pertencera ao município de Chapada

dos Guimarães. Esse evento modificou as características do período inicial da colonização,

bem como ocasionou mudanças no cenário educacional.

Estudar a origem de um sistema educacional implementado em pleno processo de

colonização de uma cidade foi o principal desafio da pesquisa, uma vez que a educação

nesse contexto se apresentava indissociável dos reflexos do processo colonizatório. Mais

que debruçar sobre uma história educacional, era preciso compreendê-la também no

cenário do movimento migratório engendrado no interior do processo de colonização no

norte de Mato Grosso.

Faz-se necessário pontuar que o termo colonização desloca nosso olhar a um passado

distante, já que no Brasil a colonização dirigida teve início por volta de 1750, com a

chegada de famílias de açorianos que se fixaram na região de Santa Catarina e Rio Grande

do Sul e, posteriormente, com a vinda da família real para o Brasil, em 1808, essa

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questão tornou-se mais acentuada, permitindo o acesso à propriedade fundiária a

estrangeiros1:

Diante do modelo fundiário baseado nos grandes latifúndios

baseados na mão-de-obra escrava, o governo imperial viu a necessidade

de implantação de pequenas propriedades com o intuito de serem estas

terras subsidiárias à grande propriedade e não concorrer com a mesma.

O objetivo era criar uma camada social intermediária que figurasse

entre o latifundiário e o escravo. A Coroa Portuguesa viu no processo

imigratório a possibilidade de execução desta política fundiária, ou seja,

além de estabelecer território, o imigrante ocupava a pequena

propriedade criando condições para o surgimento da classe média e

desempenhando papel relevante na vida econômica e social do país.

(ROCHA, 2006, p. 19).

Ainda segundo a autora, após a proclamação da Independência, em 1822, o governo

brasileiro interessou-se em construir núcleos demográficos na região sul do país, com

a doação de terras e subsídios diversos aos colonos imigrantes, com predominância

alemã e italiana. Posteriormente, em 1824, ocorreu uma retomada da política de

imigração que privilegiou a ocupação de terras devolutas, principalmente no sul, onde a

pequena propriedade familiar era tomada como modelar nesse processo: “É preciso não

perder de vista que o objetivo da política de imigração era de fixar povoamento e

território e, talvez, por isso que tenha ocorrido uma associação, quase que

naturalizada, entre imigração e colonização” (ROCHA, 2006, p. 18).

Contudo, na história mais recente do país, de acordo com os estudos de Rocha

(2006) é a partir de 1930 que se pode considerar, no interior da política de colonização

brasileira, o início de um marco mais efetivo no que se refere ao processo colonizatório

interno, pois, se até esse período estimulava-se a imigração europeia para fins de

colonização, o governo de Getúlio Vargas a partir de então, com maior efetividade na

década de 1940, conduziu uma política de colonização orientada para as migrações

internas. Desta forma,

Com o slogan “Marcha para Oeste”, a ditadura Vargas incentivou a

migração interna para o Centro-Oeste brasileiro com a venda ou

doação de terrenos dos núcleos coloniais nacionais com a intenção de

colonizar os vazios demográficos. O Estado brasileiro assumiu a

orientação das correntes migratórias vinculando migração com

colonização cabendo à empresas oficiais ou privadas a organização

1 Cf. Rocha, (2006, p. 19).

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dos núcleos coloniais, muito embora, essa regulamentação não

impedisse o movimento migratório espontâneo. É importante

destacar que por trás desta política de colonização está a principal

estratégia do governo Vargas, o de enfrentar os problemas agrários e as

consequentes tensões e lutas sociais no campo. (ROCHA, 2006, p. 22)

No entanto, como explica Oliveira (2009, p. 32), no período do Regime Militar

brasileiro, o Estado deu ênfase à colonização dirigida, tomou para si essa responsabilidade,

até o momento em que conseguiu criar condições para a expansão do capital e sua

acumulação na fronteira. A partir de então, os governos geral e estadual estimularam a

colonização particular, transformando parte do controle social do processo à iniciativa de

cunho privado.

É neste contexto que se insere a colonização no norte de Mato Grosso, atendendo as

estratégias governamentais, em especial o processo colonizatório privado da cidade de

Sinop-MT.

No cenário deste processo de colonização que a presente pesquisa se situa, tendo como

objeto de estudo a implantação e funcionamento da primeira escola de Sinop, a ‘Escola

Nilza de Oliveira Pipino’, constituída por um movimento de criação, pelas astúcias e artes

de fazer (CERTEAU, 1998) dos primeiros migrantes que, ao se depararem com a ausência

da educação no novo local que residiriam com suas famílias, se uniram e se organizaram

para ‘fazer’ a escola.

Tendo como objetivos analisar o processo inicial da escola no cenário da colonização,

sobre a produção da cultura escolar produzida pela Instituição em investigação, assim

como sobre as estratégias e táticas existentes na dinâmica do cotidiano escolar, alguns

questionamentos nortearam a pesquisa, dentre eles destaco: Como se constituiu no

contexto da colonização a primeira escola de Sinop? Que conhecimentos, normas, valores,

tradições culturais eram necessários ser mantidos e transmitidos pela escola? Como se dava

a organização e o funcionamento interno da escola? Que práticas educativas enfatizavam

as estratégias de poder e que tipo de táticas ocasionavam supostos modos de subversão?

Assim, para a construção da temática investigada: A Reinvenção da Escola e sua

delimitação: história, memórias e práticas educativas no período colonizatório de Sinop,

intentou-se contribuir para os estudos sobre o processo inicial da formação de um sistema

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educacional que se instaurou na cidade em construção, de forma a enfatizar as artes de

fazer que culminaram na edificação da escola. A proposta é a de colaborar para uma

discussão da instituição escolar no interior do processo de colonização, oferecendo

vestígios sobre o que deveria ser ensinado pela instituição e, dessa forma, sugerir uma

análise sobre o processo inicial de escolarização, direcionando um olhar privilegiado para

o estudo da cultura escolar produzida no interior do estabelecimento escolar, objeto desta

investigação.

Nesse sentido, a temática de uma pesquisa historiográfica sobre cultura escolar insere-

se na perspectiva da Nova História Cultural - NHC, que aponta para uma história que se

detém nas particularidades e nas culturas.

Assim, num paralelo entre cultura e história, está a Nova História Cultural. De acordo

com Peter Burker (2005, p. 07) a “história cultural [...] foi redescoberta nos anos 1970 [...].

Desde então vem desfrutando de uma renovação, sobretudo no mundo acadêmico.” O autor

citado constata que houve uma redefinição nos estudos históricos e nas abordagens e

discussões teóricas, quando ocorreu a ascensão da História Cultural, por conta de uma

‘virada cultural’, na qual pesquisas de cunho econômico, político e social se aproximavam

de termos e análises culturais. Esta nova abordagem da história revia antigas questões sob

novas denominações, como “cultura da pobreza,” “cultura do medo”, “cultura das armas,”

entre outras.

Em relação à discussão sobre cultura escolar, pode-se inferir que frequentemente os

estudos realizados apresentam tal concepção relacionada a um espaço destinado para a

difusão do conhecimento e de valores transmitidos em um determinado tempo.

Nas palavras de Julia (2001, p. 10), poder-se-ia descrever a cultura escolar como “[...]

um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um

conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação

desses comportamentos”.

Também, com Faria Filho (2007, p. 195) é possível ampliar a discussão, quando o

autor explica que a cultura escolar pode ser entendida como:

[...] a forma como em uma situação histórica concreta e particular são

articuladas e representadas, pelos sujeitos escolares, as dimensões

espaços temporais do fenômeno educativo escolar, os conhecimentos, as

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sensibilidades e os valores a serem transmitidos e materialidade e os

métodos escolares.

Ainda de acordo com o primeiro autor (1996), a cultura escolar não se articula em

torno do conhecimento, mas da possibilidade de construção de uma instituição que esteve

constantemente ligada a um projeto político e à noção de progresso2. Estudar a cultura

escolar é, portanto, “estudar os processos e produtos das práticas escolares, isto é, práticas

que permitem a transmissão de conhecimentos e a imposição de condutas circunscritas à

escola” (PESSANHA, et al., 2003, p. 3).

Entretanto, a intenção investigativa não foi tomar a cultura escolar como um conceito

previamente definido, mas apontar algumas perspectivas que direcionassem para uma

maior apreensão da categoria em estudo, mesmo porque,

[...] uma definição puramente gnosiológica, pode levar-nos ao equívoco

de, na prática da pesquisa, não conseguir discernir justamente aquilo que

se faz, do meu ponto de vista, a riqueza e a pluralidade das culturas

escolares, que são justamente os sentidos e os significados experienciados

e compartilhados. (FARIA FILHO, 2007, p. 197)

Assim, o exame da história da cultura escolar baseia-se, como qualquer história

cultural, na história de três artefatos indissociáveis: “os objetos em sua materialidade, as

práticas e as configurações dos dispositivos e das suas variações” (PESSANHA, et al.,

2003, p.3). Os artefatos podem ser recuperados apenas quando se encontra com as fontes

primárias. Com isso, para investigar a cultura escolar é necessário “analisar o conjunto das

normas e práticas definidoras dos conhecimentos que aquela sociedade desejava que

fossem ensinados, e os valores e comportamentos a serem impostos” (Ibidem p. 4).

Desta forma, o primeiro desafio para a discussão dos questionamentos que envolviam o

objeto investigado e das novas indagações que surgiram no decorrer da pesquisa em

relação às práticas produzidas pela escola em investigação, foi o de ‘adentrar’ no interior

da mesma, pois, como explica Sanfelice (2007), “no interior das instituições há um quebra-

cabeça a ser decifrado.” Com isso,

Os caminhos para adentrar-se numa instituição são inúmeros. Há, como

em edifícios, subterrâneos, alicerces, portões, portas, janelas, sótãos,

telhados, chaminés... O desafio é entrar na instituição. É pouco relevante,

parece-me, o caminho a ser escolhido. Posso chegar à instituição pela

2 Cf. Julia (2001)

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legislação educacional, pelo seu currículo, pelo seu quadro de alunos,

pela sua proposta pedagógica, pela sua cultura manifesta, pelos seus

trabalhos escolares, pela arquitetura do prédio, pelos professores que dela

participaram, pelos ex-alunos, pelo mobiliário, pelas memórias, pela

historiografia preexistente ou por arquivos e fontes múltiplas (escritas,

orais, imagens, sons e outras). O que me dá o passaporte de ingresso é o

conjunto de fontes que levanto, critico e seleciono, e nenhum tipo de

fonte deve ser interditado. (SANFELICE, 2007, p. 77)

A partir desta discussão, é pertinente ainda a inferência do autor quando menciona

que “não há instituição escolar ou educativa que não mereça ser objeto de pesquisa

histórica” (SANFELICE, 2007, p. 79).

Foram diversos os caminhos que possibilitaram revisitar, conhecer a história dessa

instituição, bem como verificar e entender suas práticas e a dinâmica do cotidiano da

escola em estudo, encontrados nas fontes historiográficas disponíveis tanto no espaço

escolar quanto em arquivos públicos e acervos particulares. Além disso, relatos orais de

ex-professores e alunos que vivenciaram tal experiência foram apropriados.

O encontro com as fontes possibilitou compreender que:

[...] explicar as maneiras diferenciadas de produção da escola é

inventariar e conhecer as práticas dos atores que participaram dessa

produção, o que não é, sem dúvida, uma atividade das mais fáceis. O que

se pratica no cotidiano, o que se consome nele e o que nele se vive são

questões que somente dizem respeito às dimensões próprias dessa

particularidade. Nele, o sujeito se produz e, ao mesmo tempo, é por ele

produzido. Nele, também, se dá a pluralidade, a complexidade e a

irredutibilidade da realidade concreta. Não é somente o lugar no qual se

dá a repetição e a reprodução da vida social, mas, também, o lugar onde

se cria, onde os usos são praticados de maneira particularizada pelo

sujeito, como nos jogos lance a lance, em que cada ocasião tem a sua

importância, dado o seu aspecto singular. (GONÇALVES, 2004, p. 13)

Deste modo, para discutir as práticas, as artes de fazer dos sujeitos que compunham

a escola e o cotidiano da história da educação que se propôs investigar, os trabalhos

partiram do pressuposto de que “não há instituição sem história e não há história sem

sentido. O desafio é trazer à luz esse sentido [...]” (SANFELICE, 2007, p. 79) Um desafio

que se fez permanente em toda trajetória da pesquisa e que ainda se impõe, é literalmente

‘trazer à luz esse sentido’ para a escrita dessa história específica.

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Ao pensar em pesquisa pode-se dizer que é possível, concomitantemente, pensar

em caminhos, em travessias. Não em qualquer caminho, que traria em si a certeza do ponto

de chegada, nem tampouco que poderia ser delineado com a precisão de um mapa, uma

vez que se faz necessário “[...] redimensionar e reposicionar todo o espaço de investigação

intelectual, [...], sem andaimes seguros, sem certezas” (COSTA, 2005, p. 212). Mas, num

caminho aventuroso, longínquo, pedregoso, labiríntico, feito de “bifurcações, crises,

surpresas, acasos, desvios, atalhos” (BEDIN, 2006, p. 22). Uma travessia na qual a única

certeza existente era a de que se tratava de um caminho constituído por trilhas

montanhosas, onde havia e ainda há muito a se percorrer, tendo a convicção simples de que

“a cabeça pensa a partir de onde os pés pisam” (BOFF, 1998a, p. 9) e que, desse modo,

enquanto pesquisadora, teria necessariamente de ser uma ‘exploradora’ audaciosa e curiosa

das terras onde pisaria, trazendo comigo não a aspiração pela descoberta de uma ‘verdade’,

mas tão simplesmente a finalidade de tornar apreensível a realidade pesquisada.

Nesse caminho, mais que andar por ele, era preciso “percorrer o seu contorno”

(BALANDIER 1997, p. 168) para, então, compreender que “uma verdadeira viagem de

descobrimento não é a de encontrar novas terras, mas de ter um novo olhar” (PROUST

apud BEDIN, 2006, p. 22). Desta forma, o interessante da investigação foi construído

durante o percurso, nos contorno da pesquisa, uma vez que, como diria o poeta João

Guimarães Rosa (1994), “o real não está nem na saída, nem na chegada: ele se dispõe pra

gente é no meio da travessia”.

Como explicam Nosella e Buffa (2009, p. 56), “um objeto de pesquisa nunca é

dado; é construído. Ou seja, não é um pacote fechado que o pesquisador abre e investiga. É

um conjunto de possibilidades que o pesquisador percebe e desenvolve, construindo,

assim, aos poucos o seu objeto de pesquisa”.

Com isso, podemos ampliar a discussão em relação à metodologia da pesquisa em

educação: mesmo que o pesquisador tenha um plano a seguir, um trajeto metodológico

delineado, novos caminhos se entrecruzam, escolhas são refeitas, fontes repensadas e

desafios inesperados vão surgindo no decorrer do percurso. E assim foram também os

contornos do presente estudo: repletos de angústias, dúvidas, anseios, de pensar e repensar

fontes, de cruzamento de antigos e novos caminhos para que, então, o real se dispusesse no

meio da travessia!

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Nessa medida, os contornos dos caminhos que me levaram a revisitar a primeira

escola de Sinop e, com ela, investigar sua história, recuperando memórias e práticas,

configurou-se a partir da perspectiva da pesquisa qualitativa de gênero historiográfico que,

conforme Lang (2005) aponta direções e encaminha possíveis explicações para os

fenômenos sociais em estudo.

Da mesma forma entende-se, com Corsetti (2006), que o debate historiográfico na

perspectiva da pesquisa qualitativa tem desdobramentos significativos para a pesquisa

educacional, uma vez que o significado da educação está intimamente entrelaçado ao

da História. Diante de tal concepção, Saviani (1998, p. 12) acrescenta que:

[...] no âmbito da investigação histórico-educativa essa implicação é

duplamente reforçada: do ponto de vista do objeto, em razão da

determinação histórica que se exerce sobre o fenômeno educativo; e

do ponto de vista do enfoque, dado que pesquisar em história da educação

é investigar o objeto educação sob a perspectiva histórica.

Com Certeau (1982, p.14-15) entende-se que pesquisar a educação dentro de uma

abordagem historiográfica, é preocupar-se com a articulação da realidade investigada e a

escrita que se fará da história, para lhe dar o aspecto de criação e não mais de mera leitura,

uma vez que o passado não pode ser apreendido plenamente, delimitando os limites do

método historiográfico e o lugar de onde o historiador fala.

Assim, a Historiografia, como explica Certeau (Ibidem, p. 6), “quer dizer ‘história’

e ‘escrita’ traz inscrito no próprio nome o paradoxo – e quase o oximoron – do

relacionamento de dois termos antinômicos: o real e o discurso. Ela tem a tarefa de

articulá-los e, onde este laço não é pensável, fazer como se os articulasse”.

Na perspectiva de Certeau (Ibidem, p. 56), “a pesquisa historiográfica se refere à

combinação de um lugar social, de práticas científicas e de uma escrita.” Com isso, “o real

que se inscreve no discurso historiográfico provém das determinações de um lugar”

(Ibidem, p.11). Pode-se afirmar que “em história, todo sistema de pensamento está referido

a ‘lugares’ sociais, econômicos, culturais” (Ibidem, p. 55).

Contudo, perceber a história como uma operação constituiu, sobretudo,

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[...] tentar, de maneira necessariamente limitada, compreendê-la como

a relação entre um lugar (um recrutamento, um meio, uma profissão,

etc.), procedimentos de análise (uma disciplina) e a construção de um

texto (uma literatura). É admitir que ela faz parte da "realidade" da

qual trata, e que essa realidade pode ser apropriada "enquanto atividade

humana", “enquanto prática”. (CERTEAU, 1982, p. 56)

Desse modo, levando-se em consideração que toda pesquisa historiográfica se

entrelaça com um lugar de produção socioeconômico, político e cultural, Certeau (1982, p.

56) orienta que é em função do lugar que se instauram os métodos, que se delineia uma

topografia de interesses, organizados a partir dos documentos e das questões que lhes serão

propostas. Assim, destacar o lugar de onde o historiador fala, constitui tarefa primordial

numa pesquisa de caráter historiográfico.

Contudo, no que se refere ao trabalho com as fontes, nos apoiamos ainda nos

ensinamentos de Certeau (1982, p. 81), para quem “[...] na história tudo começa com o

gesto de separar, reunir, transformar em documentos certos objetos distribuídos de outra

maneira. Esta nova distribuição cultural é o primeiro trabalho”.

Assim, o primeiro trabalho não se deu apenas no plano teórico-metodológico da

história oficial, ou seja, exclusivamente baseado nas fontes oficiais escritas, mas se buscou

incorporar a ideia de que a “História se faz a partir de qualquer traço ou vestígio deixado

pelas sociedades passadas e presentes e que, em muitos casos, as fontes oficiais são

insuficientes para compreender aspectos fundamentais” (CORSETTI, 2006, p. 35).

Na intencionalidade de problematizar essas fontes para se ‘fazer história’, partimos

do pensamento de que “o estabelecimento das fontes [...] é o princípio de uma

redistribuição epistemológica dos momentos da pesquisa científica” (CERTEAU, 1982, p.

77). Ainda, Julia (2001) contribuiu de maneira peculiar para que fosse possível pensar o

tratamento das fontes no exercício da análise da cultura escolar, quando nos explica:

[...] recontextualizar as fontes das quais podemos dispor, estar

conscientes de que a grande inércia que percebemos em um nível global

pode estar acompanhada de mudanças muito pequenas que

insensivelmente transformam o interior do sistema; convém ainda não

nos deixarmos enganar inteiramente pelas fontes, mais frequentemente

normativas, que lemos. (JULIA, 2001, p. 15)

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Nesse sentido, visitei, como pesquisadora-historiadora, alguns acervos que

contribuíram para recontextualizar as memórias e práticas cotidianas da Escola Nilza de

Oliveira Pipino, primeira escola de Sinop, da Escola “N. Sra. do Perpétuo Socorro”, na

cidade de Vera (que inicialmente “acolheu” os primeiros alunos sinopenses como extensão

escolar de Sinop), o Patrimônio Histórico de Sinop, popularmente conhecido como Casa da

Cultura, a Colonizadora Sinop, além de acervos particulares de pessoas que vivenciaram

essa história.

Para a construção do objeto e desenvolvimento da pesquisa, voltamos para as fontes

encontradas nos locais citados, com especial interesse pela documentação escolar:

cadernos e trabalhos de alunos, diários de classe, cadernos de professores, além de fontes

iconográficas que ilustraram o processo de colonização, assim como retrataram o cotidiano

da escola.

Os documentos orais contribuíram muito para a elaboração do texto, tendo sido

construídos “no momento da entrevista, no diálogo estabelecido entre entrevistado e

entrevistador. Para tal, é o produto da interação destes dois sujeitos que emerge como

conteúdo a ser, posteriormente, analisado pelo historiador” (VIDAL, 1990, p. 80). Com

isso, optamos pelos procedimentos da história oral, não com a pretensão de sua utilização

como mera transmissão fatos, uma vez que “[...] nelas ficam impressas as marcas do

narrador como os vestígios das mãos do oleiro no vaso de argila” (BENJAMIN, 1987,

p.211), mas com elas, poder verificar as marcas do invisível, deixadas na história pelos

homens comuns..

Nessa produção, entre aquele que conta e aquele que ouve, a subjetividade do

pesquisador se apresenta em evidência no momento da escrita historiográfica, pois “o

narrador retira da experiência o que ele conta: sua própria experiência ou a relatada pelos

outros. E incorpora as coisas narradas à experiência de seus ouvintes” (BENJAMIN, 1987,

p. 201). Assim, são inevitáveis os traços do pesquisador ao narrar os relatos históricos que

ouviu, o que, de certa forma, descaracteriza uma posição positivista e tradicional de se

fazer história.

Lang (2005), enfatiza que a história oral tem a especificidade de compreender

também uma postura, na medida em que seu objetivo não se limita à ampliação de

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conhecimentos sobre o passado recente, mas visa conhecê-lo através das pessoas que o

viveram, captada no diálogo entre o pesquisador e o narrador.

Os relatos orais, de acordo com Thompson (1998), podem preencher as lacunas

deixadas pelas fontes tradicionais, uma vez que a história oral é algo tão grandioso que

suas implicações transbordam da história para outras áreas de atuação humana.

Importou-me assim, como sugere Benjamin (1987), atribuir a relevância da

narração como possibilidade de preservar a memória daqueles que não tiveram destaque

nos manuais da história oficial; de conservar seus testemunhos e depoimentos, construindo

uma nova história.

Foram colhidas entrevistas na perspectiva da história oral, tendo por base um

roteiro apenas com indicações, utilizado quando necessário, tendo em vista a forma de

narrativa que se pretendeu obter de alguns ex-professores e alunos, que fizeram parte

daquele contexto histórico da escola. Foram entrevistados 4 ex-professores e 3 ex-alunos,

além delas utilizei-me de outras narrativas transcritas, na íntegra, de ex-professores e

alunos, as quais compõem o trabalho acadêmico de Janice Cássia Lando (2002).

A escolha dos entrevistados se deu de forma não aleatória, uma vez que a pretensão

era a de adotar como critério inicial o período de chegada à cidade de Sinop – entre 1973 e

1979. Os recursos para a escolha dos entrevistados puderam ser feitos através de

indicações de pessoas conhecedoras da história local, a partir de produções bibliográficas

que apresentam nomes de pessoas que vivenciaram a mesma trajetória, além do método

conhecido na história oral como ‘sistema de rede’, onde um entrevistado indica outro. Faz-

se necessário mencionar que os colaboradores foram entrevistados em suas próprias

residências, para que pudessem se sentir mais confortáveis em ambientes conhecidos e,

assim, melhor refletir sobre suas lembranças, memórias e histórias.

Junto aos entrevistados se buscou obter documentos pessoais que pudessem se

revelar explicativos, bem como fotos, cadernos, livros, entre outros documentos, uma vez

que estes e outros materiais “consistem em poderoso elemento desencadeador do processo

de rememoração, além das possibilidades de análises que oferecem” (LANG, 2005, p.

145).

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Contudo, os relatos orais foram utilizados como documentos historicamente

produzidos pelos sujeitos envolvidos na ação, uma vez que as entrevistas foram gravadas e

transcritas, pois na história oral são esses os procedimentos utilizados para documentar as

narrativas.

Finalmente, considerando também que a história oral, assim como qualquer outro

documento histórico, não recupera o passado, mas tem como possibilidade “apresentá-lo

em um discurso que seja inteligível” (SCHNAPPER, apud VIDAL, 1990, p. 82), entende-

se então, que o discurso é responsável por apresentar em sua escrita uma “prática social.”

Como Certeau (1982, p. 90) reitera: “a escrita historiográfica [...], é ela própria é uma

prática social que confere ao seu leitor um lugar bem determinado, redistribuindo o espaço

das referências simbólicas e impondo, assim, uma ‘lição’; ela é didática e

magisterial”.

A partir de tais intencionalidades e da responsabilidade de produzir um discurso

voltado para a prática social, é que me fiz ‘pesquisadora-caminhante,’ disposta a aprender,

a conhecer, caminhar e ‘percorrer o contorno’ desta operação historiográfica.

Assim, para a produção da escrita da história, a presente dissertação está organizada

em três capítulos.

Em Sinop: uma cidade-semente do grande Brasil Amazônico, intento esboçar uma

contextualização do lócus da pesquisa, de modo a fazer alguns apontamentos sobre o

movimento de integração da Amazônia, desde a política lançada por Getúlio Vargas, na

década de 40, como também das estratégias políticas adotadas por ocasião da divisão do

estado de Mato Grosso, intimamente ligadas ao processo de colonização do norte de Mato

Grosso. Nesse capítulo, além de discutir algumas das políticas públicas que influenciaram

a colonização da ‘nova fronteira agrícola do país’, busco apresentar a questão da ‘missão’

da colonização que recaía sobre os ombros dos brasileiros, levando milhares de pessoas a

se deslocar de seus lugares de origem para recomeçar a vida em Sinop, tecendo, também,

algumas considerações sobre os interesses políticos e econômicos que estavam por trás das

propagandas e discursos ufanistas que envolveram todo o processo de integração do ‘novo’

território que seria ocupado principalmente por migrantes sulistas.

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Ainda nesse item, proponho apresentar algumas considerações sobre o cotidiano

difícil que a população local se deparou naquele momento inicial de construção da cidade,

histórias que não são narradas pela história oficial, uma vez que esta apenas enaltece a

história dos vencedores, onde a imagem do progresso se sobrepõe à história dos tempos

difíceis da vida cotidiana de homens comuns. Com isso, pretendeu-se fazer fulgurar a ‘voz’

dos silenciados, em desafiar as representações da história vulgarmente aceita e

estabelecida, propondo, como já orientava Benjamin (1987), uma história escovada a

contrapelo3.

No segundo capítulo, Se não há escola, que inventemos uma!, procuro

fundamentar, primeiramente, a opção pelo título, ‘a reinvenção da escola’, embasada nos

trabalhos de Michel de Certeau, especialmente em A invenção do cotidiano, discutindo as

astúcias, táticas e artes de fazer dos migrantes que se viram obrigados a criar uma escola,

uma vez que ao chegar a Sinop a escola não existia. Também, apresento considerações

sobre os primeiros tempos da ‘escola dos migrantes’ à ‘escola-galinheiro’ (assim chamada

informalmente pela população devido ao seu formato de sua construção). Intento propor

uma discussão historiográfica sobre os ‘prédios’ escolares – o espaço e o tempo escolar,

sobre os materiais dos alunos e professores, como se constituía o trabalho dos professores

que aprendiam, a seu modo, o exercício da docência, assim como são destacadas as

dificuldades iniciais que cominavam com o contexto social daquele momento histórico.

Almejo discutir o movimento de criação da escola, seu processo de construção, de

criação humana, de intervenções do homem sobre a natureza por um viés culturalista da

história, levando em consideração a negligência do Estado para com a educação naquele

momento fundador, o interesse na fixação dos migrantes naquele espaço específico, assim

como as consequências ambientais que, apesar de não ser o foco direto da pesquisa, não

poderiam deixar de ser mencionadas.

Discutir a história da educação a partir de uma perspectiva culturalista impõe

compreender que:

3 Benjamin (1982, p. 204) apela para que fulgure outra história, impulsionando a “escovar a história a

contrapelo” de modo que se desafie as representações da história usualmente contada e estabelecida

pela narrativa histórica da história oficial.

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Os culturalistas, [...] seduzidos e aprisionados pelas interessantes e

variadas formas de viver dos homens, comprazem-se na descrição

delas. Para eles, todas as formas culturais são equivalentes, pois o

que importa não é o seu significado histórico, mas unicamente seu

significado de distinção e identidade social. Por exemplo, tanto a

fotografia de alunos descalços de uma escola profissional, como a

de uma aluna de grupo escolar, vestida de azul e branco, numa

escrivaninha, tendo ao lado o globo terrestre, suscitam o mesmo

encantamento, nenhuma indignação. O pesquisador culturalista não

destaca a desigualdade social e escolar expressas nessas imagens, a

ele interessa tão somente o processo de identificação social.

(NOSELLA; BUFFA, 2004, p. 74)

Com isso, intento destacar, neste segundo capítulo, que a comunidade recém-

chegada à cidade teve um papel efetivo na construção e ‘reinvenção’ da escola, pois seria

usual que o Estado assumisse a responsabilidade da escolarização, uma vez que a área já

havia sido ‘limpa’ pelos integrantes da frente de expansão. Entretanto, a escola era apenas

uma de tantas outras ‘promessas’, obrigando que os próprios migrantes assumissem

inicialmente tal responsabilidade, ‘reinventando’ a escola a partir daquilo que tinham em

mente, aos moldes de uma educação com características da cultura sulista, em um território

completamente diferente em plena selva amazônica.

Nesse sentido, ao refletir primeiramente sobre esta construção social, ao me

debruçar sobre a história de Sinop, me aproximo do sentido que a educação produziu para

a cidade - o início de um sistema educacional que pudesse atender as crianças que

chegavam com suas famílias naquele espaço durante o processo migratório, os desafios e

dificuldades de homens e mulheres na construção da estrutura física da escola destinada

aos seus filhos, bem como suas adequações e ‘reinvenções’ na constituição do quadro

docente condizente com a situação imposta pela realidade. “A educação a serviço da

sociedade como instrumento na construção de uma cidade” (TOMÉ, 2009, p. 10) é o que

esta pesquisa intenta enfatizar em suas discussões.

Em A Escola, mesmo daquele jeito, era nossa, era tudo!, busquei direcionar um

olhar mais particular para a instituição escolar, as práticas, ações e o cotidiano, de forma a

abrir a ‘caixa preta’ (JULIA, 2001) da escola, a fim de contribuir para com uma discussão

sobre o que devia ser ensinado durante o processo inicial da escolarização, de forma a

buscar tecer uma discussão sobre a dinâmica escolar daquele cotidiano.

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A partir das discussões que a presente pesquisa, percebe-se a contribuição para com

a história da educação, tanto na esfera regional quanto nacional, uma vez que a

historiografia brasileira que trata dos movimentos migratórios concentra seus estudos na

região sul do país, os quais, de acordo com Oliveira (2009), destacam as escolas formadas

por imigrantes italianos, poloneses, alemães e outros, evidenciando, portanto, a carência de

trabalhos no país que contemplem a educação durante o processo de avanço da fronteira

agrícola em meio ao período da ditadura militar brasileira.

Além disso, nas palavras de Oliveira (2009), a educação em Mato Grosso, posterior

aos anos 60 do século passado, configura-se ainda como objeto de um pequeno número de

pesquisas. Os estudos sobre a educação mato-grossense limitam-se à primeira República,

estendendo-se, em alguns casos, no máximo à década de 60, como reforça Sá (2005, p.

122): “a produção de Mato Grosso que concentra suas pesquisas no século XIX até meados

do século XX, tende a ampliar seus estudos até os anos de 1960”.

Na perspectiva da presente dissertação, enquanto realizado por mim e

intrinsecamente ligada à minha vivência, ao lugar de onde falo como pesquisadora,

(emprestando-me como historiadora), da minha prática cotidiana de filha de migrantes

sulistas chegados nesta região na década de 80, ainda durante o processo de colonização.

Portanto, a autora vivenciou muito esse processo, daí minha aproximação particular com o

tema. Compartilho com Oliveira (2009. p. 31), que “investigar sobre migração e

escolarização em regiões de colonização recente, é encontrar-me nas fontes”.

A presente investigação, que tem como perspectiva o estudo da cultura escolar, nos

permite compreender o quanto a escola se configura enquanto lugar de produção de uma

cultura específica, em que frequentemente são criadas estratégias modeladoras e táticas de

subversão, enfocando também o quanto as relações de poder se revelam no interior das

instituições escolares, enquanto espaço em que se determinam as relações sociais, ao

mesmo tempo em que se constitui como difusora de saberes e conhecimentos.

Contudo, pretende-se falar de história da educação fazendo uma aproximação com a

poesia e a arte, apoiando-se no que Walter Benjamim (1987) enfatizava em suas obras em

relação ao conhecimento técnico, científico não ser algo fragmentado e absoluto, porém,

um entrelace das áreas do conhecimento com o espírito artístico e poético da vida.

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Corroboro com Santos (2011, p. 11) quando diz crer na possibilidade de “fazer ciência

com poesia, com suavidade, com leveza, sem perder o rigor e a seriedade”. De acordo com

o autor:

É possível fazer ciência com palavras que, geralmente, não habitam o

vocabulário da ciência. É possível fazer ciência quando se trata os

sujeitos da pesquisa como gente-flor e não como meros objetos de um

olhar distanciado, longínquo. É possível fazer ciência quando o

pesquisador se reveste das qualidades do “boticário” que capta a

fragrância de suas flores, as transforma em essência, mas não as

fragmenta. (SANTOS, 2011, p. 11).

Nesse sentido, houve a preocupação e o cuidado para que tal entrelaçamento da

história e poesia não revestisse o texto de visão ‘romântica’, isto é, procurou-se discutir os

acontecimentos, sem perder a abordagem científica, sem deixar de apresentar com

criticidade as ações que envolveram a educação na escola escolhida e na época em estudo,

a fim de possibilitar que o trabalho possa deixar marcas que incluam uma teoria da

memória e da experiência, sem a pretensão de oferecer uma mera descrição do passado,

mas fazendo “emergir as esperanças não realizadas desse passado, inscrever em nosso

presente seu apelo por um futuro diferente”. (GAGNEBIN, 1982, p. 67)

Finalmente, pode-se inferir que Invenção, Criação, Artes de fazer, que se tornam de

novo ‘Reinvenção’ são palavras que movem a busca de sentidos desta pesquisa, a qual é

enfatizada nos versos iniciais do trabalho, retirados do poema de Cecília Meireles, poetiza

a qual peço licença para destacar seus versos na narração inicial desta história, afinal como

ela mesma insiste em nos dizer, e, que vale a pena reforçar: “a vida só é possível

reinventada”.

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CAPÍTULO I

Sinop: uma cidade-semente do “grande Brasil Amazônico”

Sinop nascendo para o Progresso. Claudevânia B. Anderle. Acrílico sobre tela painel, 80X60,

2012

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1.1 “Cidade Esperança”4

Figura 1- Fundação de Sinop em 14 de setembro de 1974

Fonte: Colonizadora Sinop

O tempo que eu hei sonhado

Quantos anos foi de vida!

Ah, quanto do meu passado

Foi só a vida mentida

De um futuro imaginado!

(...)

Leve som das águas lentas,

Gulosas da margem ida,

Que lembranças sonolentas

De esperanças nevoentas!

Que sonhos o sonho e a vida!

(Fernando Pessoa, O Andaime, 1931)

4 Este título faz uma associação ao depoimento da professora Maria Lúcia Braz, em 08/12/2011, ao se referir

à expectativa de vir morar em um lugar desconhecido. Também faz uma analogia às fontes iconográficas que

trazem imagens das muitas faixas espalhadas pelas ruas de Sinop no dia de sua fundação, em 1974,

estampando frases de incentivo, de esperança, de fé e força, além de enfatizar o orgulho em ‘ocupar’ as

fronteiras, por ‘amor à Pátria’.

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Nos diversos depoimentos colhidos ao longo desta pesquisa, se fôssemos escolher

uma nomenclatura para definir a cidade de Sinop durante o processo de colonização seria,

sem dúvida, ‘Cidade Esperança’. A esperança que moveu centenas de pessoas a deixar

seu lugar de origem, seus familiares, seu pedaço de terra, a escola dos seus filhos para vir

em busca de um futuro mais promissor, um mundo de terras férteis, de clima bom. Um

lugar onde as mensagens de ‘aqui residem fé, otimismo, esperança e trabalho’ propagavam

por todos os cantos, fazendo emergir a esperança de um futuro, de uma vida melhor. Um

futuro onde colonos poderiam continuar a “dar estudo” aos seus filhos, “em uma escola

igualzinha àquela que eles tinham no Sul” (GUERRA, Depoimento 25/01/2012).

Esperanças de (re)construir sonhos, de (re)construir vidas... como nos versos iniciais do

poeta Que sonhos! O sonho e a vida!

Esperança! ‘Esperanças nevoentas... de um futuro imaginado’, ainda como

completam os versos da poesia inicial. Esperança que impregnava as entrelinhas das

propagandas feitas para atrair pessoas para um descampado da Floresta Amazônica, para

um mundo desconhecido em meio aos perigos da selva, à falta de assistência médica,

social, enfim, era ela - a esperança que fazia vibrar o sonho de encontrar naquele espaço o

local livre de geada, o lugar onde tudo que plantasse se poderia colher. O lugar onde os

migrantes não seriam apenas trabalhadores, mas poderiam ser proprietários de terras. O

espaço sem sofrimentos – o sonhado Eldorado estaria na Gleba Celeste5, a terra em que

brotava “o grande Brasil Amazônico.6” E, isso era muito bem frisado nas propagandas

veiculadas todas as manhãs nas rádios das cidades, principalmente das sulistas, as quais

traziam mensagens como: “Eis que na rodovia Cuiabá-Santarém, surge a Gleba Celeste!

Terra livre de geada, própria para o plantio do arroz, para o plantio do café, onde tudo que

se planta colhe” (BRAZ, Depoimento 08/12/2011).

5 Projeto foi implantado pela Colonizadora Sinop, de propriedade do Sr. Ênio Pipino e João Pedro Moreira de

Carvalho, os quais adquiriram uma área de 645.000 hectares de terras, onde seriam projetadas as cidades de

Vera, Santa Carmem, Sinop e Cláudia - cidades que formariam na chamada “Gleba Celeste.”

De acordo com Souza (2006, p. 128), a Gleba Celeste ocupava terras situadas entre os Meridianos 55º. e

56º. de longitude oeste, sendo cortada ao norte pelo paralelo 12º. de latitude sul, limitada ao sul pela rodovia

MT-225. Localizada à margem direita do Rio Teles Pires - formador do Rio Tapajós (Bacia Amazônica) e à

esquerda do Rio Tartaruga, pertencente à Bacia do Rio Xingu. 6 Palavras deixadas e assinadas pelo ministro da Agricultura do Governo Ernesto Geisel, Alysson Paulinelli,

no livro de visitas da Escola Perpétuo Socorro, em visita à Gleba Celeste, em 1975. (Fonte: Escola Estadual

N. Sra. do Perpétuo Socorro, 2012).

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Figura 2- As primeiras riquezas agrícolas de Sinop apresentadas pelas propagandas

Fonte: Santos, 2011 – Raízes de Sinop

De acordo com Souza (2006, p. 22), o êxito do processo de colonização na década

de 70, na região norte de Mato Grosso, deu-se, dentre outras estratégias, também a partir

de discursos ufanistas promovidos principalmente nos estados do sul do país, “onde

desenvolveram-se programas de divulgação, incentivando e mobilizando as pessoas para

que viessem para Mato Grosso, projetando o mito da terra boa que tudo produz. Só faltava

a mão do trabalhador (sulista, paranaense), trazendo toda uma tradição de trabalho no

campo”.

O que se consolidava nas propagandas idealizadas era os mitos da terra farta, do

progresso, discursos pontuados e honrados no trabalho, na família, na pátria, na esperança

e no futuro promissor. “Era uma terra de sonho de toda gente, onde se poderia até enricar,

seria só ter força de vontade, fé em Deus e mãos à obra, mãe, pai, filho, que todas as

dificuldades seriam superadas”. (GUIMARÃES NETO, 2002, p. 29, Grifo da autora).

Como sugere Oliveira (1983, p. 74), a nova fronteira surgia como “esperança viva

ao camponês de poder continuar trabalhando e vivendo a terra, isto é, a esperança vem na

frente”.

Em relação ao conceito de fronteira, compreende-se com Martins (1997, p. 13) que

ela, de maneira alguma, se reduz apenas a fronteira geográfica, mas se configura de

diferentes formas. Ela é fronteira de múltiplos aspectos: “fronteira da civilização

(demarcada pela barbárie que nela se oculta), fronteira espacial, fronteira de culturas e

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visões de mundo, fronteira de etnias, fronteira da história e da historicidade do

homem. E, sobretudo, fronteira do humano.” Em relação à história do recente

deslocamento da fronteira, entendemos, com o mesmo autor (MARTINS, 1996, p. 26), que

“é uma história de destruição. Mas, é também uma história de resistência, de revolta, de

protesto, de sonho e de esperança”.

Como assinala Martins (1996), na América Latina a última grande fronteira é a

Amazônia, em peculiar a Amazônia brasileira. Segundo o autor, desde o início da

conquista foi ela objeto de diferentes movimentos de penetração: na caça e escravização do

índio, na busca e coleta das plantas conhecidas como “drogas do sertão”, na coleta do látex

e da castanha. Entretanto, foi a partir do golpe de 1964 e do estabelecimento da ditadura

militar, que a Amazônia transformou-se num imenso cenário de ocupação territorial

massiva, violenta e rápida, processo que continuou, ainda que atenuado, com a

reinstauração do regime político civil e democrático, em 1985.

Martins (1996) ainda pontua que a história contemporânea da fronteira brasileira é a

história das lutas étnicas e sociais, uma vez que, entre 1968 e 1987, diferentes tribos

indígenas da Amazônia sofreram pelo menos 92 ataques organizados, principalmente por

grandes proprietários de terra, com a participação de seus pistoleiros armados. No entanto,

diferentes nações indígenas realizaram pelo menos 165 ataques a grandes fazendas e a

alguns povoados, entre 1968 e 1990, usando, muitas vezes, armas primitivas, como

bordunas e arco e flecha. Nessas lutas foram verificadas mortes de ambos os lados,

verdadeiros massacres.

Para tanto, o mesmo autor destaca que o que havia de mais relevante para

caracterizar e definir a fronteira no Brasil era, justamente, a situação de conflito social,

aspecto mais negligenciado entre os pesquisadores que têm tentado conceituá-la. Para

Martins (1996), nesse conflito a fronteira é:

[...] essencialmente o lugar da alteridade. É isso o que faz dela uma

realidade singular. À primeira vista é o lugar do encontro dos que por

diferentes razões são diferentes entre si, como os índios de um lado e os

civilizados de outro; como os grandes proprietários de terra, de um lado,

e os camponeses pobres, de outro. Mas, o conflito faz com que a fronteira

seja essencialmente, a um só tempo, um lugar de descoberta do outro e de

desencontro. Não só o desencontro e o conflito decorrentes das diferentes

concepções de vida e visões de mundo de cada um desses grupos

humanos. O desencontro na fronteira é o desencontro de temporalidades

históricas, pois cada um desses grupos está situado diversamente no

tempo da História. Por isso, a fronteira tem sido cenário de encontros

extremamente similares aos de Colombo com os índios da América: as

narrativas das testemunhas de hoje, cinco séculos depois, nos falam das

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mesmas recíprocas visões e concepções do outro. A fronteira só deixa de

existir quando o conflito desaparece, quando os tempos se fundem,

quando a alteridade original e mortal dá lugar à alteridade política,

quando o outro se torna a parte antagônica do nós. Quando a História

passa a ser a nossa História, a História da nossa diversidade e pluralidade,

e nós já não somos nós mesmos porque somos antropofagicamente nós e

o outro que devoramos e nos devorou. (MARTINS, 1996, p.27)

Por isso, a questão que pretende desconstruir os discursos sobre o mito do

progresso, assinalado nas propagandas que idealizavam o novo ‘Eldorado’, é, como sugere

Barrozo (1992), sinônimo de pesquisa da questão da fronteira. Este autor permite-nos

refletir que no momento em que ‘aquele’ lugar ideal não existindo, surge como

consequência o discurso do progresso para justificar as promessas que haviam sido feitas.

Assim, o lugar ideal é uma construção imaginária e abstrata, relacionada intimamente com

questões de fronteira.

Como, sugere Guimarães Neto (2002, p. 149), os discursos do progresso “era uma

marca indelével, presente em todos os lugares por onde se passava, direcionando condutas

humanas, projetando a esperança no amanhã, refazendo a todo o momento o mito do

possível".

De acordo com Certeau (1998), faz-se necessário desconstruí-los, permitindo neles

perceber as marcas do invisível, das práticas rotineiras, das artes de fazer, privilegiando um

olhar para o anônimo e o cotidiano, “onde zooms destacam detalhes metonímicos – partes

tomadas pelo todo”. (CERTEAU, 1998, p. 57)

E ainda, não apenas conhecer tais práticas, mas, problematizar como elas foram

manuseadas e alteradas, por aqueles que não as produziram, possibilitando, dessa forma,

dar visibilidade à compreensão do modo como os migrantes incorporaram, transformaram

ou resistiram às estratégias e ordens estabelecidas que lhes foram impostas e fabricadas.

Assim,

[...] a presença e a circulação de uma representação, ensinada como o

código da promoção socioeconômica (por pregadores, por educadores ou

porvulgarizadores) não indica, de modo algum, o que ela é para seus

usuários. É ainda necessário analisar a sua manipulação pelos praticantes

que não a fabricaram. (CERTEAU, 1998, p. 41)

Os conceitos de estratégia e tática, tomados de Michel de Certeau (1998, p. 99),

serão discutidos com maior intensidade no decorrer desta pesquisa, visto sua relevância

para com todo o estudo, uma vez que, na ótica desse autor, a estratégia propõe uma ação

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que presume a existência de um lugar próprio, “como algo próprio a ser a base de onde se

podem gerir as relações com uma exterioridade de alvos ou ameaças”.

Nesse contexto, Certeau (1998, p. 100) explica que as estratégias exprimem um

direcionamento ao que é exterior a este lugar próprio. Contudo, ao que chama de tática,

esta leva à expressão de uma interioridade, uma vez que se define como:

[...] a ação calculada que é determinada pela ausência de um próprio.

Então nenhuma delimitação de fora lhe fornece a condição de autonomia.

A tática não tem por lugar senão o do outro. E por isso deve jogar com o

terreno que lhe é imposto tal como o organiza a lei de uma força estranha.

A distinção entre os dois conceitos se expõe principalmente no modo de

intervenção que se pode executar. Enquanto as estratégias são as formas capazes de

produzir e impor, as táticas só admitem utilizar, manipular e transformar algo; são como:

[...] trilhas heterogêneas aos sistemas onde se infiltram e onde esboçam

astúcias de interesses e desejos diferentes. “Elas circulam, vão e vem,

saem da linha e derivam num relevo imposto, ondulações espumantes de

um mar que se insinua entre os rochedos e os dédalos de uma ordem

estabelecida”. (CERTEAU, 1998, p. 97)

No entanto, para tecer uma discussão de como as práticas foram incorporadas,

como as ações do “cotidiano” e de como as artes de fazer daqueles que vivenciaram essa

história se ajustaram a determinados saberes de poder e estratégia, assim como o que

levou centenas e milhares de famílias a se deslocar para a cidade de Sinop, lócus desta

pesquisa, se faz necessário situar o processo histórico marcado pelas políticas que

favoreceram a ocupação e a expansão da fronteira Amazônica, à qual Sinop está

diretamente ligada, assim como é relevante fazer uma breve contextualização do momento

político que o país vivia - sob a égide do governo militar.

1.2. A Colonização como prova de Brasilidade7

7 Este subtítulo é inspirado nas mensagens estampadas em faixas no dia de sua fundação de Sinop, em 14 de

setembro de 1974.

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Figura 3- Ruas de Sinop no dia de sua fundação em 14 de setembro de 1974.

Fonte: Colonizadora Sinop, 2011

Se me perguntarem o que é a minha pátria direi:

Não sei. De fato, não sei

Como, por que e quando a minha pátria

Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água

Que elaboram e liquefazem a minha mágoa

Em longas lágrimas amargas.

(...)

Pátria minha... A minha pátria não é florão, nem ostenta

Lábaro não; a minha pátria é desolação

De caminhos, a minha pátria é terra sedenta

E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular

Que bebe nuvem, come terra

E urina mar.

(Vinícius de Moraes, Pátria minha, 1949)

Conquistar e ocupar a região Amazônica na década de 1970 era uma “questão de

Estado”, desde a Era Vargas8, através principalmente da política ‘Marcha para Oeste,

9’

tinha-se como proposta promover o desenvolvimento e o progresso do país. Getúlio

8 A era Vargas é assim conhecida pelo fato do Presidente Getúlio Dorneles Vargas ter governado o país entre

os anos de 1930 a 1945 e posteriormente retornado em um segundo mandato (1950-1954). 9 A Marcha para Oeste foi uma política do governo de Vargas, nascida em 1943 e que incentiva a migração

para a região central do Brasil, na perspectiva de ocupar os “espaços vazios, garantindo a segurança das

fronteiras e gerando riquezas.

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enfatizava em poucas palavras o sentido de sua concepção sobre o movimento que criara:

“O verdadeiro sentido de brasilidade é a Marcha para Oeste” (VARGAS, 1943).

Como explica Siqueira, Costa e Carvalho (1990, p. 255):

O projeto getulista impunha o estabelecimento de trabalhadores

‘civilizados’, ou seja, desejosos de progredirem. Para isso deveriam

trabalhar de maneira produtiva, ordeira e sem conflitos. Os colonos

preferidos foram os migrantes da região Sul do Brasil, pois possuíam de

acordo com a visão reformista de Vargas, uma mentalidade empresarial,

europeia e, sobretudo, porque estes migrantes, além da experiência que

possuíam no trato com a terra, traziam, quase sempre, um pecúlio que os

auxiliariam na organização inicial do empreendimento.

Com isso, Vargas, “jogando o peso de tal missão nos ombros dos trabalhadores [...],

convocava a nação a participar do esforço heroico da conquista da Amazônia -

ressuscitando-se o ‘espírito do bandeirante’ no corpo do trabalhador brasileiro”

(GUIMARÃES NETO, 2002, p. 49).

Visava-se com tal política a apropriação física e o controle populacional da região

de fronteira10

. Era necessário ‘povoar’ a ‘imensidão verde’, considerada demograficamente

como ‘espaço vazio’ do Brasil, ou seja, desconsiderando qualquer forma de vida na região,

a exemplo da presença de índios, seringueiros e caboclos que habitavam até então o

território mato-grossense. De acordo com Tomé (2005, p. 5), “povoar e ocupar o território

eram questões de soberania da aurora República. Mas, para isso se concretizar, era

necessário atrair os nascentes cidadãos republicanos e democráticos para os distantes lados

deste berço esplêndido Brasil”.

Barrozo (2008) explica que, entre os objetivos explícitos da Marcha para o Oeste,

podem-se destacar a ocupação dos ‘espaços vazios’ do Centro-Oeste e da Amazônia

Meridional, a produção para o mercado nacional e o esvaziamento dos centros urbanos

com maior densidade demográfica, especialmente os localizados no litoral brasileiro.

Dessa forma, analisando-se a história da dinâmica da ocupação Amazônica, pode-se

verificar a possibilidade de pensar as fases11

de sua ocupação, marcadas por momentos

históricos distintos, porém sincrônicos. Contudo, vamos nos ater mais especificamente no

10

Revisão e resumo histórico sobre o século XX na Região Amazônica, a partir das obras de Souza (2006);

Picoli (2005); Tomé (2006; 2009), Barroso (2008). 11

De acordo com Picoli (2005), a ocupação do território amazônico teve início no século XVI, sem, no

entanto, apossar efetivamente da região, sendo uma descoberta espanhola e uma conquista portuguesa, no

intuito de aproveitar o grande potencial de recursos florestais e minerais.

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período que consideramos de maior relevância, a fim de se compreender a trajetória da

migração para a região em análise.

Conforme Picoli (2005, p. 56), dentre as principais fases de ocupação da Amazônia,

destaca-se o período da mineração do ouro, desencadeando um movimento acentuado de

ocupação devido às descobertas auríferas; o tempo do extrativismo, principalmente do

látex, cujo produto passou a projetar a Amazônia brasileira12

ao mercado mundial, no

momento conhecido como ciclo da borracha13

, tendo este um contínuo aumento desde

1827 e estendendo-se significativamente até 191214

. Outra fase refere-se ao governo

anteriormente citado, de Getúlio Vargas, com o projeto que viria a transformar a Amazônia

numa grande fronteira agrícola. É no contexto dessa movimentação que se insere o

percurso da colonização da região norte de Mato Grosso, em especial da cidade de Sinop,

durante a década de 1970, com o objetivo de ampliar a compreensão do lócus da

investigação, para, posteriormente, tecer um debate sobre a educação no espaço-tempo

escolhido dos anos de 1970.

De acordo com as análises de Souza (2006), a partir da Revolução de 1930 teve

início no país o início um movimento de interiorização, o qual propunha expandir a

fronteira econômica para as regiões menos desenvolvidas, devido principalmente à

modernização do latifúndio e ao grande índice de desemprego ocasionado pela crise

econômica dos anos 30. Com isso, o Governo Federal estimulou a migração objetivando a

ocupação dos espaços demográficos delimitados do Centro-Oeste até a Amazônia. A partir

de então, na década de 1940, com a Marcha para o Oeste, implementada por Getúlio

Vargas, o movimento de interiorização do país, tornou-se mais efetivo, de modo a

ocasionar transformações significativas na sociedade brasileira, principalmente devido à

expansão e modernização fundiária. Mato Grosso foi influenciado pelas políticas de

ocupação, se transformando, então, numa grande fronteira agrícola, passível de receber

parte da população excedente de outras regiões do país, expulsa pela economia rural.

12

Os nove estados que compõem a Amazônia brasileira são: Acre, Rondônia, Amazonas, Pará, Mato Grosso,

Roraima, Amapá, Tocantins, e Maranhão (PICOLI, 2005, p. 17) 13

Segundo Picoli (2005), o Ciclo da Borracha foi um período da história econômica do Brasil marcado pela

grande atividade da extração do látex da borracha nos seringais da Amazônia, cuja produção se voltou para

exportação. Essa atividade atingiu seu apogeu na primeira década do século XX, quando o Brasil era o maior

produtor mundial do látex, responsável por 26% do valor das exportações nacionais. 14

No mais acentuado período extrativista, “a selva Amazônica é invadida por legiões de brasileiros do

Nordeste, flagelados da seca (FERREIRA, 1980, p.34). De acordo com Picoli (2005), foram trezentos a

quinhentos mil nordestinos para a Amazônia como mão de obra extrativista.

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Os motivos que levariam esse excedente a migrar para Mato Grosso, foram

similares, relacionados ao cultivo agrícola, como explica Barroso (2008), no Rio Grande

do Sul, por exemplo, particularmente em áreas de colonização com imigrantes italianos e

alemães, onde os problemas principais eram o minifúndio e o esgotamento da fertilidade

do solo. Para modernizar a agricultura na região, o governo propôs a saída de milhares de

agricultores, oferecendo-lhes lotes de 100 a 200 hectares, disponíveis nos estados de Mato

Grosso e no território federal de Rondônia. Ainda, de acordo com as análises do autor, com

a partida desses minifundiários as pequenas propriedades foram reagrupadas, viabilizando

a mecanização, uma das condições para a modernização das culturas de trigo e soja. Já no

Paraná, explica o mesmo autor, o problema foi a superprodução do café, cujos preços

estavam caindo no mercado internacional devido ser a oferta superior à demanda. Desta

forma, em meados de 1970, aproveitando uma geada excepcional ali ocorrida e que

danificou uma percentagem muito alta dos cafezais, o governo federal exigiu a erradicação

de milhões de cafeeiros. Com isso, os pequenos proprietários, que complementavam a

renda familiar trabalhando nas fazendas de café, assim como os arrendatários e

trabalhadores das fazendas foram obrigados a se deslocar ou para as cidades do sul ou para

a nova fronteira agrícola aberta em Mato Grosso e Rondônia.

Contudo, a política de interiorização implantada desde a ‘Era Vargas’, cujo maior

intuito era integrar a Amazônia à economia nacional, na expectativa de “impulsionar a

ocupação econômica do território, abrindo fronteiras econômicas e povoando o interior do

país” (DOURADO, 2007, p. 34), foi posteriormente ampliada por Juscelino Kubitschek

que também enfatizou a importância da ocupação territorial, efetivando o processo com a

construção de Brasília, em 195915

, em meio ao cerrado do Centro-Oeste. Além disso, faz-

se necessário pontuar o investimento de seu governo na construção de rodovias inter-

regionais16

e em políticas que favoreciam o desenvolvimento industrial.

Como explica com Barrozo (2008), no final da década de 50 e início dos anos 60, a

construção e posterior transferência da capital federal para Brasília, pelo presidente

Juscelino Kubitscheck de Oliveira, contribuiu para o deslocamento de um grande

contingente populacional para o Oeste do Brasil. Após a conclusão das principais obras

públicas em Brasília, grande parte dos trabalhadores foi dispensada. Assim, milhares

desses trabalhadores seguiram para o Norte, pela rodovia Belém-Brasília, onde foram

15

De acordo com Lobo (1999, p. 707), “Brasília, construída por Juscelino Kubitschek, só se consolidou no

governo Médici, mas o fluxo de migrantes para o Oeste não se interrompeu”. 16

Cf. Barrozo, 1992, p. 7.

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ocupando terras devolutas e/ou desocupadas nos estados de Goiás e do Pará. Os migrantes

pobres foram seguidos por fazendeiros e madeireiros. E foi essa rodovia, aberta durante o

governo Kubitscheck, assim como as vias que ligam Brasília ao Nordeste os elementos

facilitadores do processo migratório rumo ao Brasil Central e à Amazônia.

Ao longo das décadas de 1960 e 1970, ainda segundo Barrozo (2008), o

Departamento de Terras e Colonização (DTC), a Companhia de Desenvolvimento de Mato

Grosso (CODEMAT) e o Instituto de Terras de Mato Grosso (INTERMAT) efetivaram

projetos de colonização e assentamento. Muitos deles situados, sobretudo, no vale do

Guaporé, Jaurú e na Baixada Cuiabana se restringiram à distribuição de lotes. Sem poder

contar com uma infraestrutura adequada, uma política de crédito e de assistência técnica,

os assentados, com o tempo, foram abandonando os lotes, que passaram a ser explorados

tendo por base a agricultura mecanizada e pastagens. Com isso, na década de 1970 foram

implantados em Mato Grosso grandes projetos de colonização privada, nos quais

predominavam agricultores originários do sul do Brasil. Dentre eles destacam-se os

projetos de Canarana, na região do Araguaia; o de Sinop, na rodovia Cuiabá-Santarém, e o

de Alta Floresta, no vale do rio Teles Pires.

Diante de tais eventos, pode-se inferir que, entre os anos de 1946 a 1964, se

consolidou uma política de interiorização, de valorização da Amazônia e que, a partir de

1964, passou a inserir uma política de maior impacto à integração nacional (1964-1984)17

,

reforçada pelos governos militares, quando foram criadas condições básicas de

infraestrutura. Como exemplo é possível citar a instituição de projetos

desenvolvimentistas, como o Plano de Integração Nacional (PIN) que permitiu a

construção das rodovias Cuiabá-Santarém, a Perimetral Norte, a Transamazônica, além do

oferecimento de grandes incentivos fiscais à indústria e à agricultura, viabilizando “a

continuidade do processo de ocupação das terras e a expansão da agricultura em

Mato Grosso, estreitando as ligações deste Estados com os demais estados da Federação”.

(SOUZA, 2006, p. 40).

De acordo com Souza (2006), a rodovia Cuiabá-Santarém18

, conhecida como

Rodovia de Integração Nacional, tinha por objetivo agregar esse extenso espaço territorial

17

Conforme Picoli (2005, p. 46), pode-se resumir as estratégias do Estado brasileiro para a ocupação da

Amazônia nas últimas décadas, elencando quatro períodos: de 1946-1964: política de valorização da

Amazônia; de 1964-1984: política de integração nacional; 1985 a 1994: política de integração com ressalvas

ambientais; a partir de 1995: política de globalização da Amazônia. 18

Rodovia que corta a cidade de Sinop e que possibilitou o processo de colonização.

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às demais regiões do país. A partir de sua existência, estimulou-se o desenvolvimento

econômico e permitiu-se que, ao longo de seu trajeto, se instalassem fazendas, surgissem

cidades, o que redundou numa intensificação do processo migratório rumo ao estado de

Mato Grosso, estimulando a expansão da produção agrícola e pecuária Segundo o mesmo

autor, a construção da rodovia era a ‘garantia’ para o escoamento da produção.

Guimarães Neto (2002) enfatiza que a importância de se ressaltar que, desde o

início dos projetos de colonização na parte norte de Mato Grosso, a Cuiabá-Santarém (BR-

163) veio sendo defendida como verdadeiro ‘corredor de exportação’. E pontua que:

E assim as cidades foram recebendo toda ordem de estímulos para

transformarem-se rapidamente em centros de desenvolvimento

econômico e político. [...] o que importava realmente era fazer do norte

de Mato Grosso um novo norte do Paraná. Isto é, enfatizava-se a

necessidade de criar mecanismos que fossem capazes de acelerar o

crescimento das cidade e garantir, como resultado, a utilização eficiente

de modernas tecnologias para que um ‘grande salto’ pudesse ser dado.

(GUIMARÃES NETO, 2002, p. 151)

Figura 4- Vista aérea da BR 163, que liga Cuiabá-Santarém, 1972

Fonte: Santos, 2011

Entretanto, conforme os estudos de Souza (2006), durante o processo de expansão

da fronteira, ocorreu a destruição de matas e cerrados, a expulsão de populações indígenas

que viviam na região, como as nações Kayabi e Panará, que foram levadas para o Parque

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Nacional do Xingu, pelos irmãos Cláudio e Orlando Villas Bôas, durante a Expedição

Roncador- Xingu (SANTOS, 2006, p. 48).

Todavia, pode-se inferir que nem mesmo esse Parque foi respeitado, como explica

Siqueira, Costa e Carvalho (1990, p. 258):

[...] no momento em que os interesses [...] soaram houve na esfera

nacional uma campanha para que fosse encontrada, no Brasil, uma outra

área para a qual se pudesse transferir estes índios, de preferência que a

mesma se situasse fora dos limites de Mato Grosso. Argumentava-se na

ocasião, que os territórios federais seriam os mais indicados para a

transferência deles. Ao final, o Parque Nacional do Xingu sofreu um

retalhamento: foram vendidas a particulares, extensas áreas indígenas.

Figura 5- Índios Panarás na ponte construída para a transposição do Rio Peixoto de Azevedo

BR 163

Fonte: SANTOS, 2011

Barrozo (1992, p. 45) explica que na Amazônia mato-grossense, acima do paralelo

1619

, havia imensas áreas devolutas e com rarefeita população composta por Caboclos,

índios, garimpeiros, seringueiros, caçadores, pequenos agricultores. A terra para essa

população tinha muito mais que valor comercial, mas era território de trabalho e não de

especulação, para ganhar dinheiro, mas sim para produzir alimentos.

O autor ainda reforça que no discurso do governo a região era um ‘vazio

demográfico’, entretanto, ali habitava e trabalhava uma população nativa que foi expulsa,

19

Segundo Barrozo (1992, p. 45), o paralelo 16 de latitude sul definia a fronteira entre a parte de Mato

Grosso incluída na Amazônia Legal até a divisão do Estado. Após a divisão em duas unidades, todo estado de

Mato Grosso foi incluído na Amazônia Legal.

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expropriada, ou seja, não computadas no momento da migração no mapa repassado aos

empresários que se estabeleceram na região e até mesmo para muitos órgãos

governamentais. Segundo o autor, no caso das populações indígenas, muitas foram

dizimadas e tomadas suas terras. Houve um processo de expropriação.

Em resumo, a partir de 1964 os governos militares, visando integrar a Amazônia à

economia nacional, sob o lema de “integrar para não entregar”20

, e com o intuito de atenuar

a crise na economia rural que se acentuava principalmente na região sul e resolver o

problema da grande seca do Nordeste, em 1970, para não ter de se responsabilizar com

uma possível reforma agrária, voltam-se para a ampliação de políticas públicas que

pudessem concretizar o processo de ocupação territorial, contudo, sob os mesmos

discursos dos governos anteriores que propagavam a ideia de povoar os espaços vazios,

proteger e proporcionar a segurança nacional e, finalmente, promover as novas fronteiras

agrícolas como os locais propícios para um futuro mais promissor. Contudo, como

discutido anteriormente, as vidas daqueles que habitavam a região foram desrespeitadas.

Os espaços estavam vazios de produção, mas já estavam ocupados por outros agentes,

como explicam Carvalho; Costa; Siqueira (1990, p. 259):

Ocupar os ‘espaços vazios’ existentes na região Amazônica seria uma

boa solução para minimizar os sérios conflitos urbanos e rurais que

explodiam em diferentes pontos do território nacional. Como sabemos, os

espaços estavam vazios, pois neles nada se produzia, porém eles já

possuíam donos.

Entretanto, em nome do ‘progresso’, de acordo com Souza (2006), para efetivar e

acelerar o processo de ocupação da fronteira os militares acrescentaram algumas medidas e

estratégias à Marcha para Oeste, como programas de políticas públicas que tinham como

objetivo principal promover o desenvolvimento da região Centro-Norte do Brasil através

de incentivos fiscais, políticas de créditos, subsídios de infraestrutura que favoreciam as

elites nacional e internacional.

20

De acordo com Boni (2010, p. 9), “integrar” em tese, seria fixar o trabalhador em espaços considerados

“vazios”. A iniciativa pretendia povoar o interior e tornar estes espaços produtivos para impulsionar a

economia do mercado. Com isto, a expectativa era que o Brasil conquistasse maior autonomia econômica e

não dependesse totalmente do mercado externo”. Os slogans “integrar para não entregar” juntamente com

“uma terra sem homens para homens sem terra” foram cunhados e propagados durante o governo

militar brasileiro, tendo à frente o presidente Médici.

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Para tal finalidade, foram criados órgãos específicos coordenadores da instalação e

implantação de projetos que visavam a expansão da região, dentre eles: Superintendência

para o Desenvolvimento do Centro-Oeste (SUDECO), Superintendência para o

Desenvolvimento da Amazônia (SUDAN), Banco de Crédito da Amazônia, (BASA),

Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e por outros órgãos

liderados pelo Governo Federal, que incentivavam a aquisição de terras, promovendo o

deslocamento de grande número de trabalhadores migrantes. “Estes migrantes foram

atraídos pela propaganda de terras férteis, de incentivos fiscais e financeiros, justificada

pela suposta necessidade de levar “os homens sem-terra para as terras sem homens21

"

(SOUZA, 2006, p. 48).

De acordo com Barrozo (2008, p. 19), tais políticas visavam viabilizar a ocupação

produtiva e a integração da Amazônia e do Centro-Oeste ao restante do Brasil: “A

concepção do governo era que a Amazônia era desabitada, sendo considerada pelo governo

como um “vazio demográfico”, onde pouco se produzia além de não estar integrada ao

Brasil”.

O autor ainda explica que a SUDAM e o BASA, através de incentivos fiscais e

crédito subsidiado, ofereceram vantagens irrecusáveis para os empresários do sul-sudeste

se instalarem na Amazônia. Nas palavras do autor, “centenas de empresas, atraídas pelos

“incentivos fiscais”, pelas terras abundantes e de baixo custo, e pelo crédito farto e barato,

apresentaram projetos à SUDAM, dos quais muitos foram aprovados”. (BARROSO, 2008,

p. 20).

Ainda nas palavras de João Carlos Barrozo (2008, p. 22), “apenas dois anos depois

da criação do INCRA, o Governo Federal permitiu à iniciativa privada ‘complementar a

ação do INCRA, desenvolvendo projetos de colonização privada na Amazônia”. Em Mato

Grosso, em poucos anos, as empresas de colonização privada se apossaram de milhões de

hectares de terras devolutas. Embora planejada pelo governo federal e ainda que o

território dispusesse de milhões de hectares de terras devolutas, a (re) ocupação de Mato

Grosso, através da colonização foi executada predominantemente por empresas de

colonização privada22

.

Nesse sentido, pode-se inferir a partir das considerações feitas que:

21

Slogan utilizado pelo governo Médici para atrair migrantes para ocupar as terras da região Centro-Oeste do

país e, desse modo, atenuar os conflitos existentes nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste, causados pela

economia rural. 22

Cf. Barrozo, 2008.

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O Estado de forma ditatorial e repressivo orienta a ocupação da nova

fronteira com a finalidade de minimizar os problemas sociais das demais

regiões do Brasil. Este utiliza como estratégia a ocupação da última23

fronteira expansionista do Brasil. (PICOLI, 2005, p. 64)

Guimarães Neto (2002, p. 52) salienta ainda que:

O governo militar nesta perspectiva, se apresenta como o guia maior dos

“modernos bandeirantes” para a efetiva incorporação da Amazônia ao

território nacional, na realização de um “Brasil Grande”. A “vocação de

grandeza”, estigmatizada no governo Médici, “o compromisso com o

desenvolvimento”, a “missão nacional” da qual estava imbuído o regime

militar, exigia, afinal, que todo cidadão assumisse a sua “brasilidade”.

No entanto, as extensas terras da Amazônia deveriam, de acordo com o discurso

oficial vigente, assim como as políticas públicas implantadas para tal atender os pequenos

agricultores do sul, excedentes populacionais daquela região expulsos pela modernização

dos latifúndios, nas décadas de 60 e 70, e os flagelados da grande seca do Nordeste, de

1970, Porém, o INCRA, responsável pela reforma agrária no Brasil, ‘abandonou’ a ideia

inicial do projeto de ocupação das terras pelos pequenos proprietários, concedendo grandes

proporções a grandes empresas nacionais e internacionais, que passaram a investir na

região através de projetos colonizadores, industriais, agropecuários e de mineração. Nesse

contexto, Ianni (1979) explica que a ocupação da fronteira por parte de colonizadoras,

setores madeireiros, empresas mineradoras e agropecuárias caracteriza-se por um

movimento de uma “Contrarreforma agrária”.

Assim, com a inserção das estratégias de incentivo à ocupação da fronteira, o

Governo Federal, através de seus órgãos responsáveis, ofereceram as condições e os

incentivos possíveis para a consolidação do processo de colonização para empresas

privadas, visando, dessa forma, apenas a expansão econômica da região, ou seja,

O projeto de colonização da última fronteira brasileira elaborado pela

ditadura militar, não teve como objetivo assistir o caboclo da região, os

problemas da seca do Nordeste, os problemas sociais do Sul do País,

muito menos beneficiar a grande maioria da população brasileira (...).

Este projeto foi elaborado para beneficiar as grandes empresas nacionais

23

De acordo com Martins (1997) e Picoli (2005), a Amazônia, principalmente a faixa integrante do território

brasileiro, se caracteriza como a última grande fronteira da América Latina.

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e internacionais. Nasceu com a finalidade de colocar os produtos da

Amazônia no mercado mundial e, por intermédio dos militares

internacionalizar a região com a expansão de grandes conglomerados

capitalistas. (PICOLI, 2005, p. 52)

Guimarães Neto (2002, p. 88) explica que, sob o discurso da necessidade de

“ocupação nacional do espaço amazônico, o empresariado iria apropriar-se de grandes

extensões de terras, assim como usufruir dos benefícios financeiros”. Com isso, a

estratégia política para o controle das terras favorecia nitidamente a colonização particular,

incumbida de “desenvolver a região”. No âmbito dessa política, as regras estavam dadas: a

colonização não deveria limitar-se à ação governamental.

Outra questão que nos parece estar intimamente ligada ao processo de colonização

do norte de Mato Grosso, visto estar relacionada à divisão do Estado, ocorrida no ano de

1977 e efetivada somente em 197924

, pelos fortes indícios de que a cisão territorial atendia

às estratégias do regime militar, de integrar a Amazônia à economia nacional e ‘ocupar’ os

espaços considerados demograficamente ‘vazios’, sendo então, previamente ‘pensada’ nos

anos que sucederam sua divisão oficial, pelo Governo Militar.

Segundo Araújo (2012, p. 124), o jornal Diário de Cuiabá, de 08/05/1977, publicou

um editorial no qual assegurava que “Enquanto estava tudo decidido na esfera federal, o

governador Garcia Neto fazia o povo acreditar na luta que o governo do Estado estaria

travando”. A edição ainda salientava que o governador do estado, Garcia Neto, já sabia da

divisão e teria feito promessas ilusórias ao povo cuiabano, para se transformar no baluarte

do antidivisionismo e o maior líder político do norte pós-divisão. Dessa forma, com essa

postura, teria proibido discussões sobre a divisão e dificultado a formulação de argumentos

contrários.

O principal argumento utilizado para a divisão de Mato Grosso foi a dificuldade em

desenvolver a região diante de sua grande extensão e diversidade. De acordo com Araújo

(2007, p.125):

O norte era visto como vazio demográfico, por seus baixos índices

populacionais, e já vinha recebendo incentivos da Sudam (Pin,

Polamazônia e Proterra), por compor a denominada Amazônia Legal,

acima do paralelo 16. O sul, por seu turno, já estava incorporado ao

Centro-Sul e obteve a colaboração de programas como o Polocentro

24

A assinatura do Decreto que estabeleceu a divisão aconteceu em 11 de outubro de 1977. No entanto, a

criação do novo Estado ocorreu, efetivamente, em 1º de janeiro de 1979. Foi o presidente Ernesto Geisel

quem decidiu pela divisão e assinou a Lei Complementar número 31.

Fonte: http://www.mt.gov.br/index2.php?sid=92

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(Cerrados) e Prodegran (Grande Dourados) e o Prodoeste, que incluía

áreas não alcançadas pela Amazônia Legal, como o sul de Goiás e Mato

Grosso, e o entorno de Brasília . A especialização das políticas regionais

de desenvolvimento tinha por objetivo, portanto, instrumentalizar melhor

a rearticulação do espaço mato-grossense ao grande capital industrial

monopolista, instalado na região Sudeste.

Barrozo (2008) nos ajuda a ampliar a discussão, ao explicar que havia por parte dos

militares uma preocupação de ordem estratégica na extensa fronteira da Amazônia com os

países vizinhos e territórios coloniais (Guianas). E que até o final da década de 1960 e

início de 1970, a economia da Amazônia continuava sendo predominantemente

extrativista, razão pela qual precisava ser transformada. Assim, entre os objetivos do plano

para ocupar a região podem ser explicitados: a formação de grupos populacionais estáveis,

tendentes a um processo de autossustentação; a adoção de uma política imigratória para a

região, com aproveitamento de excedentes populacionais internos e contingentes externos

selecionados; a fixação de populações regionais, especialmente no que concerne às zonas

de fronteira; a adoção de políticas de estímulos fiscais e de crédito.

Bittar (2012, p. 9) expõe, de forma peculiar, que a divisão do Estado estava

diretamente articulada aos interesses geopolíticos da ditadura militar, assim como às

estratégias políticas que viriam atender a mais um grupo que apoiaria o regime,

fortalecendo-o. Importa ouvi-la:

[...] de cima para baixo, sem consulta às duas populações interessadas –

do norte e do sul – dividiu Mato Grosso. Para o regime militar,

tratava-se de impulsionar o desenvolvimento e a ocupação territorial,

guarnecendo as fronteiras que o estado mantinha com o Paraguai e a

Bolívia. Mas havia também uma razão política: ao criar uma nova

unidade federativa no sul, a ditadura premiava um forte grupo político

que a apoiava, passando a contar com mais uma unidade federativa em

sua base de sustentação. Assim, a divisão de Mato Grosso, em 1977, só

foi possível graças a uma conjuntura que articulou o regionalismo à

geopolítica do regime autoritário. Decidida nos gabinetes da ditadura, a

divisão surpreendeu a todos e nunca se poderá dizer que foi um desejo da

maioria.

Contudo, a história da cidade de Sinop encontra-se nesse processo de ‘ocupação’ do

norte mato-grossense nas décadas finais do século XX, liderada por uma colonização

particular, em parceria com o Governo Federal. Nesse sentido, a década de 70 foi, de modo

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peculiar, muito relevante para Mato Grosso, um momento em que ele foi dividido em

grandes-pequenos territórios e os mesmos disponibilizados às empresas colonizadoras25

.

De acordo com Tomé (2006), a parceria entre governo e empresas já havia

acontecido ainda durante o governo Vargas, visando equilibrar o crescimento populacional

nos grandes centros urbanos no Brasil. Desse modo, em um país com tantos espaços

geográficos ainda ‘não ocupados’, principalmente no interior Centro-Oeste, e com uma

concentração humana essencialmente litorânea Centro-Leste, estimularam-se ações

empresariais de colonização em direção ao interior desconhecido.

É nesse cenário que nos deparamos com a colonizadora Sociedade Imobiliária do

Noroeste do Paraná (SINOP), de propriedade de Ênio Pipino e João Pedro Moreira de

Carvalho, empresários experientes em colonização no noroeste do Paraná, que,

vislumbrando a possibilidade de adquirir grandes proporções de terras em solo mato-

grossense, obtiveram uma extensa área denominada posteriormente de Gleba Celeste, onde

seria, então, iniciado um novo projeto de colonização.

É interessante pontuar que o ‘colonizador’ Ênio Pipino, filho de imigrantes italianos

chegados ao Brasil no final do século XIX, apesar de residir, quando adulto, no estado do

Paraná e ter uma grande experiência naquela região em ‘construir cidades’, era de origem

paulista, o que nos faz propor uma analogia aos bandeirantes do Brasil colonial do século

XVII e XVIII, como explica Guimarães Neto (2002, p. 84) “os empresários paulistas e o

capital estrangeiro foram, efetivamente, os eleitos pelo regime militar para reencarnar o

autêntico espírito ‘bandeirante’ – conhecedor e explorador dos sertões - , com o fim de

levar adiante os projetos de colonização privada”.

Contudo, o espírito do ‘moderno bandeirante’ paulista, desbravador e corajoso,

precisava da força de trabalho daquele que tinha tradição no campo, os sulistas, na sua

maioria descendente de europeus e com experiência na agricultura, eram, como já

mencionado, os que melhor atenderiam ao perfil para tal ‘missão’, na concepção

governamental. Barrozo (2008) afirma que o governo preferia ocupar a Amazônia com

agricultores do sul, que tivessem “vocação para a agricultura” e que melhor atendessem às

suas expectativas. Assim, os nordestinos, por exemplo, foram assentados em projetos do

INCRA, ao longo da rodovia Transamazônica, quase todos no trecho da estrada entre

Marabá e Itaituba e no território federal de Rondônia, entre Vilhena e Ji-Paraná.

Sobre isso, Guimarães Neto (2002, p. 107), também pondera que:

25

Cf. Tomé (2006).

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55

[...] o ‘colono do Paraná’ oferecia as condições ideais para as empresas

colonizadoras: um agricultor habilitado, conhecedor do plantio de

lavouras perenes, em que tal conhecimento é profundamente valorizado e

constitui parte de sua vida; um agricultor que passou pela ‘escola do

Paraná’, dono de um saber sobre a experiência viva de uma fronteira

agrícola; e, ainda um agricultor empobrecido, mas pequeno proprietário,

o qual podia vender sua pequena terra e investir nos lotes que a

colonizadora colocava à venda. (Grifos da autora).

Em resumo, pode-se dizer que “Sinop é um exemplo de colonização numa área de

fronteira de ocupação recente da Amazônia, estabelecida sob o manto do autoritarismo

militar e da expansão do capitalismo hegemônico no Centro-Sul do país” (SOUZA, 2006,

p. 194). Uma colonização seletiva, repleta de estratégias para atender um projeto maior do

regime militar.

Em referência ao subtítulo desta sessão e a partir das discussões apresentadas sobre

as políticas que favoreceram a ocupação territorial da Amazônia, em especial a

colonização do norte de Mato Grosso, a cidade de Sinop, naquele contexto o Brasil,

realmente não pedia, não esperava – ordenava!, cabendo aos migrantes, homens corajosos,

desbravadores por amor à família, a Deus e à Pátria, obedecer. Era preciso construir o

“grande Brasil amazônico,” era preciso expandir as fronteiras do país...

Sob esse discurso, a colonização se revestia, então, do manto da brasilidade,

servindo à “Pátria amada” através de um “povo heroico” que assumia em si a busca de

“conquistar, com o braço forte,26

” com otimismo, fé e trabalho, um Brasil ainda pouco

habitado, mesmo que para isso tivesse de enfrentar situações de miséria, doença, como

malária e outras, e falta de assistência básica para sobrevivência. Além disso, não se pode

negar, mesmo que tais questões não sejam tratadas com maior amplitude nesta pesquisa,

a existência em Mato Grosso de diversos problemas inerentes ao processo colonizatório,

como “o desrespeito às terras indígenas, a devastação ambiental e o efeito predatório

dos garimpos. Estes aspectos constituem elementos importantes que estão relacionados ao

processo de ocupação e expansão da fronteira agrícola no Estado do Mato Grosso”.

(CUNHA, 2006, p. 90).

Contudo, mais uma “cidade-semente”, precisava ser plantada no ‘grande Brasil

Amazônico’ e Sinop, assim como tantas outras cidades, precisava ‘nascer’!

26

As palavras entre aspas são referentes à letra do Hino Nacional brasileiro.

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56

Começava-se, então, uma saga de luta, trabalho e amor à Pátria – a mesma Pátria

que “não seria nenhum florão, nem ostentaria Lábaro não”; como diria o poeta dos versos

desta sessão, mas que permitiria cair sobre a face de muitos dos seus filhos “longas

lágrimas amargas”, provindas de muitas dores, de “muitas mágoas”.

1.3. A missão de construir uma cidade

Figura 6- Acampamento da Empresa Colonizadora para abertura de Sinop, 1973.

Fonte: Patrimônio Histórico de Sinop, 2011.

Conto com que todo este progresso,

que derruba o onde eu fui (se ainda levo),

Faça mais fácil o mão-a-mão

De mão a mão distribuir o pão

e que tua gente volte ao “bom-dia”

de quando lá toda se sabia.

(João Cabral de Melo Neto, A escola das facas, 1975)

A partir da contextualização feita anteriormente sobre a ocupação territorial da

Amazônia, nos deparamos com um jornal da época, Folha de Londrina, publicado em

06/11/1974, na cidade de Londrina, estado do Paraná, que trazia como título de capa:

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57

“Gleba Celeste: um passo de conquista na Amazônia”. Dentre algumas informações que

esse periódico oferecia aos seus leitores, elencamos algumas que consideramos de maior

relevância para confirmarmos as discussões anteriores:

A integração da Amazônia na dinâmica brasileira está hoje

colocada em termos de imperativo exigido pela consciência nacional e

estimulada pelos interesses dos poderes públicos. A partir deste consenso

impôs-se sempre a busca de fórmulas para atingir-se o objetivo daquela

vastidão. No imenso esforço, procurou-se observar a liberdade da

iniciativa pioneira apoiada por forte complexo de estímulos gerados pelo

Governo Federal, através da construção de infra-estrutura de obras e de

serviços, que já estão se constituindo – em garantias do êxito dessa

dominação territorial.

O decreto estadual do Governo de Mato Grosso, nº 2320, de 20 de

Janeiro de 1956, permitiu a SINOP S.A. adquirir de particulares 369 mil

e 17 hectares em região de florestas do norte mato-grossense. Um pedaço

de papel, com timbre oficial, significava convite à colonizadora para

participar de excitante empreitada. Começou assim a história do maior

empreendimento já visto na imensidão do universo amazônico. (...) A

partir desta verdade, a Sinop27

começou a sentir que na presença do

Governo Federal com obras como a Rodovia Cuiabá-Santarém, a tarefa

que se impunha abria uma clareira de perspectivas animadoras para os

seus propósitos.

No feixe de alternativas de colonização, a Sinop S.A. entendeu

como válida a opção de desenvolver projetos de colonização ao longo

daquela rodovia. Com sua experiência, conhecimento da terra e dos

múltiplos valores que deveriam ser tabulados para que houvesse sucesso-

igual a tantos outros – nesse empreendimento a que se lançava, adquiriu

extensão territorial nas proximidades do quilômetro 500 da Cuiabá-

Santarém.

Dando nome de Gleba Celeste àquela área, cuidou desde logo de

elaborar e apresentar ao Incra um projeto específico de Colonização (...)

que haveria de permitir o acesso a propriedade por parte de pessoas de

pequenas posses, ou então de grandes empresários. (FOLHA DE

LONDRINA, 06/11/1974, p.1-3).

Com essas informações, as discussões anteriormente pontuadas, no que diz respeito

a reocupação28

do território amazônico onde se localiza a Gleba Celeste - tratava-se de

uma parceria firmada entre colonizadora privada e governo federal, sendo este responsável

pelas políticas de incentivos ficais e por oferecer subsídios de infraestrutura básica às

empresas interessadas na colonização da nova fronteira.

27

Empresa Sinop S.A. 28

O uso do prefixo “re” se faz necessário para esclarecer que, antes do processo migratório “oficial”, a região

era habitada por índios, posseiros e seringueiros. De acordo com Souza (2006), essa região era habitada por

índios Kayabi, habitantes da margem direita do rio Teles Pires, entre o Verde e o do Peixe. Os Kayabi foram

transferidos para o Parque Nacional do Xingu pelos irmãos Villas Bôas, auxiliados por seringueiros e

posseiros.

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Quanto ao conceito de colonização, pode-se dizer que o mesmo possui diferentes

definições, porém, no período do regime militar foi caracterizado por:

[...] toda atividade oficial ou particular destinada a dar acesso à

propriedade da terra e a promover seu aproveitamento econômico,

mediante o exercício de atividades agrícolas, pecuárias e agroindustriais,

através da divisão em lotes ou parcelas, dimensionadas de acordo com

as regiões definidas na regulamentação do Estatuto da Terra, ou através

de cooperativas de produção nela previstos. (BECKER; MACHADO;

MIRANDA, 1990a, p. 65)

Como já pontuado, o processo de ocupação dessa região foi seletivo, o governo

federal tinha preferência pelo sulista devido à tradição de trabalho e o conhecimento que

tinham no cultivo da terra. De acordo com Arruda (1997, p. 36, grifo do autor):

Os empresários do Centro-Sul [...] foram efetivamente os escolhidos pelo

regime militar para reencarnar o espírito bandeirante, conhecedor e

explorador dos sertões, a fim de levar adiante o projeto de colonização

privada, ressuscitando dessa forma o projeto que tinha o propósito de

ocupar e desenvolver os “espaços vazios” da Amazônia, como pontos

avançados de desenvolvimento econômico e social, irradiando progresso

para a região.

Segundo Souza (2006, p. 112), “as terras da Gleba Celeste foram compradas pela

Sinop Terras S.A. em 1971, ano em que o INCRA aprovou o projeto”. De acordo com

Moreno (199b, p. 19, grifo do autor), as terras foram compradas de terceiros, pois o

governo de Mato Grosso já as havia “vendido”, e a atuação do órgão oficial de colonização

foi, por isso, muito restrita.

Desse modo, em 1972 foram iniciados os trabalhos da Colonizadora Sinop S.A para

a abertura de núcleos urbanos da Gleba Celeste, Assim, o processo de ocupação territorial

oficial ocorrido em Sinop, que à época integrava o município de Chapada dos Guimarães,

refere-se a uma colonização particular, a qual obedecia a normas fixadas pelo poder

público de acordo com a legislação que lhe era conferida. Clairay29

(1999, apud SOUZA,

2006, p. 106) explica que:

29

CLAIRAY, M. Transformações dos espaços naturais versus os espaços antrópicos: exemplos de Mato

Grosso/Brasil, 1999. In: ROSA, Deocleciano Bittencourt. (Org.). Um estudo geoambiental comparativo das

características morfoestruturais e morfoescultu-rais nas áreas das bacias do Alto Rio Paraguai e do Rio

Teles Pires no Estado de Mato Grosso. Relatório Bibliográfico - Projeto de Pesquisa. FAPEMAT, CNPq-

UFMT, Cuiabá/MT, 2000, p. 13.

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59

A colonização particular se realiza por intermédio de pessoa física ou

jurídica, incluindo-se cooperativas de colonização, registradas como

empresas de colonização no INCRA e que apresentem projetos para

tanto. (...) A colonização pressupõe a criação de uma infra-estrutura

agrária, da qual o “Núcleo de Colonização” é a unidade fundamental para

o estabelecimento de agricultura, caracterizada por um conjunto de

lotes rurais e urbanos, integrados por uma sede administrativa,

serviços técnicos e comunitários (Decreto n. 59. 428, de 27/9/66. art.

8º).

Aos olhos dos que se deparam à primeira vista com essa história, parece algo

‘fabuloso’, que somente aos homens ‘bravos’, ‘desbravadores’ esta ‘missão’ poderia caber,

afinal, abrir picadas em plena selva Amazônica para construir uma30

cidade era desafio

para verdadeiros ‘patriotas’, que sob o lema de “integrar para não entregar”, se

predispunham a colonizar e povoar aquela região...

Figura 7- Abertura de Sinop, pela Colonizadora Sinop. 1972

Fonte: Colonizadora Sinop.

As fontes iconográficas nos evidenciam os trabalhos iniciais de abertura da cidade

e, com ela, a derrubada de matas, destruição das florestas, os muitos povos indígenas que

deixaram de existir, que não foram levados em consideração e que não faziam parte da

história oficial – o progresso acima de tudo! E o triunfo da ‘conquista’ de tais terras, o

30

Uso a maneira singular para se referir à cidade de Sinop, porém, o projeto da Colonizadora fora “abrir”

quatro cidades: Vera, Santa Carmem, Cláudia e Sinop.

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crescimento acelerado de um progresso avassalador, é a história que se é contada e

ensinada em nossas escolas, reproduzida de geração a geração, muito semelhante à

associação possível se compararmos à história oficial da colonização do Brasil desde a sua

‘descoberta’.

Figura 8- Início dos trabalhos da Abertura de Sinop, 1972

Fonte: Colonizadora Sinop S/A, 2011

Peripolli (2002) orienta que o discurso de progresso era comum ao momento

histórico que o país vivenciava, de um tempo em que se discorria muito sobre civismo,

patriotismo, ordem, progresso:

Que civismo? Que patriotismo? Que ordem? Que progresso? Falsos

conceitos, enganosos, pois milhares de pessoas foram arrancadas de sua

terra natal e levadas por falsas propagandas de uma vida melhor, sonho

de todo migrante, a uma região quase inabitável encontrando ainda mais

pobreza; período em que se falava em respeito às autoridades, que em

outras palavras significava a obediência cega, a submissão, pois as

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decisões vinham de cima e não podiam ser questionadas. Não fugimos

aos apelos de “amor à pátria.” Que pátria? A pátria só aceitava quem a

amava a maneira dos militares? (“Brasil, ame-o ou deixe-o”). Apelo

enganoso, falso, uma vez que o país estava entregue aos interesses

internacionais (PERIPOLLI, 2002, p.118).

Faz-se necessário pontuar que, para que a missão de ‘construir uma cidade’ pudesse

ser concretizada, a Gleba já havia sido ‘aberta’ e ‘limpa’ pela frente de expansão, isto é,

“uma frente humana que foi desbravando e reconhecendo a região antes da chegada do

grande capital”. (SIQUEIRA; COSTA; CARVALHO, 1990, p. 262). Essa frente,

previamente fez o trabalho de preparar a terra para torna-la propícia à colonização,

eliminando aqueles que não eram ‘desejados’ naquele lugar, para que, então, os ‘espaços

vazios’ fossem ocupados pela frente pioneira, ou seja, pelo próprio processo colonizatório,

que transferiria grande contingente populacional, vindo de outras unidades federativas em

direção às terras preparadas anteriormente pelas frentes de expansão.

Com referência aos conceitos de frente de expansão e frente pioneira, para uma

melhor compreensão, lanço mão de José de Souza Martins (1975):

[...] frente de expansão expressa a concepção de ocupação do espaço de

quem tem como referência as populações indígenas; frente pioneira não

leva em conta os índios e tem como referência o empresário, o

fazendeiro, o comerciante e o pequeno agricultor moderno e

empreendedor [...].Frente de expansão’ é justamente o uso privado das

terras devolutas, em que estas não assumem a equivalência de

mercadoria. Por isso a figura central da frente de expansão é a do

ocupante ou posseiro. (Martins, 1975, p. 152)

O ponto chave da implantação da frente pioneira é a apropriação privada

da terra. Na frente pioneira a terra não é ocupada, é comprada. Desse

modo, a renda da terra se impõe como mediação entre o homem e a

sociedade [...] (Martins, 1975, p. 47).

Martins (1996), em outro trabalho, discutindo a questão da controvérsia sobre o

tempo histórico da frente de expansão e da frente pioneira, enfatiza que:

A distinção entre frente pioneira e frente de expansão é, na melhor das

hipóteses, um instrumento auxiliar na descrição e compreensão dos fatos

e acontecimentos da fronteira. É um instrumento útil quando as duas

concepções são trabalhadas na sua unidade, quando destaca a

temporalidade própria da situação de cada grupo social da fronteira e

permite estudar a sua diversidade histórica não só como diversidade

estrutural de categorias sociais, mas também como diversidade social

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62

relativa aos diferentes modos e tempos de sua participação na História.

(MARTINS, 1996, p. 32)

João Mariano de Oliveira (1983), ao fazer um estudo sobre a pequena produção em

Mato Grosso, tendo como enfoque, o caso de Sinop, enfatizou que, se de um lado Mato

Grosso, com a política instaurada em 1964, surge como uma nova fronteira, não importava

que seus ‘desbravadores’ não fossem apenas empresários, fazendeiros, o que importava e

que também era fundamental, que essa frente pioneira fosse composta também por

pequenos produtores, proprietários privados ou não, uma vez que os ‘maiores’ precisavam

do trabalho dos ‘pequenos’. Porém, o autor enfatizou que, para o pequeno produtor

proprietário, que também comprava a terra, o sentido era outro:

Ele compra a terra com o objetivo de poder reproduzir-se como

camponês, com a esperança de que seus filhos possam um dia vir a ser

donos do chão do qual sai o suprimento de suas necessidades básicas, isto

é, tem sempre esperança de não ser um homem sem terra, no futuro.

(OLIVEIRA, 1983, p. 64).

Contudo, a partir abertura prévia de clareiras na grande floresta, com a demarcação

e traçado da cidade de Sinop, com tudo previamente planejado e estudado para o êxito da

empreitada de colonizar a Gleba Celeste, a empresa colonizadora, em 1972, colocou à

venda loteamentos da Gleba Celeste, primeiramente em Vera, Sinop e, posteriormente,

onde seriam instaladas as cidades de Santa Carmem e Cláudia.

Sinop recebeu esse nome em homenagem à empresa colonizadora. Como já dito,

em 1972, com as primeiras ruas abertas, era necessário começar a povoar aquele espaço. O

povoamento de Sinop se fez através da propaganda nas cidades da região norte e noroeste

do Paraná, originária da Colonizadora. Nas zonas rurais sulistas, onde pequenos

proprietários não conseguiam mais se manter, principalmente diante da modernização dos

grandes latifúndios, foi oferecida a proposta de troca de suas pequenas propriedades por

grandes proporções de terra, o que se apresentava, sem dúvida, fascinante e irrecusável.

De acordo com Peripolli (2002, p. 107), “a terra era vendida sob forma de pequenas

propriedades pelo preço à vista e/ou financiada pelo Banco do Brasil, num prazo que ia de

seis meses a dois anos”.

A terra da região norte de Mato Grosso era anunciada pelas propagandas como

adequada à cultura agrícola, sendo que o sonho de melhorar as condições de vida era

garantido. A esperança de encontrar em Sinop o ‘lugar ideal’ se consolidava na aquisição

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63

de maior extensão possível de terra ofertadas pela empresa colonizadora. “Mais do que

uma promessa de riqueza, a propaganda da colonização significava àquelas famílias a fuga

da pobreza e da miséria em suas regiões de origem”. (LORD, 2011, p. 179). Nas

lembranças da Profª. Maria Lúcia Braz é possível perceber o quanto os pequenos

proprietários, ou mesmo os colonos31

trabalhadores se vislumbraram com a ideia de trocar

o que tinham por algo muito maior, que poderia gerar lucro certo:

Meu pai ficou entusiasmado com uma mata desta, para quem desbravou o

Paraná, quem chegou ao Paraná na época do mato, ficou todo

entusiasmado, por que lá ele não tinha a terra dele, lá a terra era muito

cara, lá ele abria a terra para os outros. Imagina, ele vendeu uma casinha

lá e comprou 50 alqueires aqui. Era um sonho! (BRAZ, depoimento

08/12/2012)

Diante disto, iludidos por um futuro promissor, por um desejo de conquista de

terras extensas e produtivas na região norte de Mato Grosso, os migrantes iniciaram sua

trajetória em busca daquilo que poderia finalmente ser a ‘Terra Prometida’. Picoli (2010),

metaforizando a busca pela terra sonhada, fez uma analogia da terra ao mel e do silêncio

ao sangue. Importa ouvi-lo:

A procura do “mel” é o objetivo de todos os migrantes, entretanto,

poucos conseguem alcançá-lo, uma vez que é um fruto enigmático. Por

outro lado, o sangue representa os silenciados, os que não conseguiram

vencer por meio do projeto de colonização [...] da Amazônia. Aqueles

que de certa maneira foram derrotados, calados, [...] no entanto, também

tem sua história, mas uma versão diferente, uma fábula raramente

contada pelos vencedores. (PICOLI, 2010, p. 37)

Contudo, o êxito desse processo deveu-se à parceria dos incentivos propostos pelo

governo federal, como também pelas experiências na colonização de várias32

cidades no

estado do Paraná que a Colonizadora Sinop adquirira em décadas anteriores, o que facilitou

certamente os procedimentos de atração e fixação do migrante sulista em solo mato-

grossense. Os empresários sabiam lidar com as estratégias de atração dos migrantes,

impulsionando, desta forma, colonos sem expectativa de melhores condições de vida na

região de origem a migrarem para a área a ser colonizada através, principalmente, de uma

propaganda massificante e enganosa. O ‘comendador’ Ênio Pipino, como era chamado,

31

O conceito de colono refere-se aos “agricultores que migraram para “regiões de fronteira” com o objetivo

de conquistar um pedaço de terra e se reproduzir enquanto categoria social” (ZART, 1998, p. 11). 32

A empresa Sinop S.A. havia colonizado, no estado do Paraná, as cidades de Terra Rica, Iporã, Formosa do

Oeste, Ubiratã, entre outras, nas décadas de 50 e 60.

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64

era também conhecido como “Semeador de Cidades” (SANTOS, 2011), por sua

experiência e por ser um empreendedor ‘visionário’ na conquista de novas terras. Sendo,

portanto, um homem que realmente sabia como lidar com os migrantes. Conhecia as

formas e estratégias de como convencê-los a povoar as cidades colonizadas por sua

empresa. Como relata o Prof. José Roveri (depoimento apud LANDO, 2002):

O pior era que as pessoas não percebiam que era uma empresa privada

que estava ganhando dinheiro com isso. [...] Alguns percebiam, e os que

percebiam sofriam muito com isso; os que não percebiam iam na

ideologia de que era um herói33

realmente, que era uma pessoa dotada

de um espírito altruísta muito grande que vinha lá para salvar as pessoas,

que tirava pessoas da fome do sul do país para trazê-los ao eldorado, na

verdade não era nada disso... Não era nada disso. Tiravam-se as pessoas

de um celeiro, dum lugar que tinha uma produção fantástica: como é o

Paraná, o norte, o noroeste, o sudoeste do Paraná, o Rio Grande do Sul,

Santa Catarina; com uma propaganda muito bem engendrada, muito bem

feita, levava-se... vendia-se pedaços de terra para essas pessoas em

Sinop, e quando lá chegavam e tentavam empregar os mesmos métodos

de cultivo do sul, a decepção era terrível, porque em Sinop a terra sem

adubo não dava nada, absolutamente nada34

.

Desse modo, com a intensa propaganda, Sinop foi atraindo centenas de pessoas que

vendiam os poucos bens e posses, adquiridos no lugar onde residiam, e embarcavam

“literalmente em uma viagem onde a maior bagagem era a família e a esperança”. (LORD,

2011, p. 179)

Com o traçado privilegiado da BR-163, que corta a cidade, Sinop se tornou polo da

Gleba Celeste, apresentando crescimento populacional contínuo e elevado. Migrantes

chegavam todos os dias e, sem ter onde morar, permaneciam em barracas de lona até a

madeira ser cortada e construída sua casa.

Havia muito trabalho pela frente, a colonizadora tinha muito a construir e durante

esse momento inicial ficou acampada num barracão, com mais de trezentos homens

trazidos para trabalhar na construção da cidade, máquinas e equipamentos necessários para

a construção da área urbana e rural. Era preciso “erguer” casas, igreja, escola, banco,

correio, pequenos salões comerciais para atender a população que chegava. Ruas e

avenidas em construção - era um verdadeiro ‘canteiro de obras’, e, mais do que isso, era a

‘colonização como missão’ o que cabia àqueles homens.

33

Referindo-se ao colonizador Ênio Pipino. 34

Depoimento do ex-professor José Roveri, concedido a Lando (2002).

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65

Em pouco tempo a cidade já poderia ser inaugurada. Assim, em 14 de setembro de

1974 Sinop foi oficialmente fundada.

Para manter as tradições, “repetindo o ritual do processo de ocupação do território

brasileiro, a fundação da cidade foi marcada pela celebração da primeira missa” (SOUZA,

2006, p. 20). Houve no dia um desfile cívico na principal avenida de chão batido, onde

todos os alunos da Gleba Celeste, impecavelmente uniformizados, com vestimenta

providenciada pela colonizadora, trazida diretamente da cidade de Maringá-PR,

marcharam ao som da banda da Polícia Militar de Cuiabá para recepcionar as autoridades

presentes, em frente ao palanque oficial. Os colonizadores Ênio Pipino e João Pedro

Moreira de Carvalho e o representante governo federal, Rangel Reis, ministro do interior.

Dando sequência ao ritual, foi servido “o almoço de confraternização, graciosamente

oferecido pela Colonizadora SINOP – o peão e o diretor sentados lado a lado, davam-se as

mãos e saudavam-se, o sorriso dos vencedores, a igualdade aparente entre as diferenças já-

dadas”. (TOMÉ, 2006, p. 20).

Figura 9- Banda da Polícia Militar de Cuiabá, 1974

Fonte: Colonizadora Sinop, 2012

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Figura 10 - Missa de Fundação de Sinop, 1974

Fonte: Colonizadora Sinop, 2012

Figura 11- Almoço de celebração da Fundação, 1974

Fonte: Colonizadora Sinop, 2012

Nas palavras da Profa. Terezinha Pissinati Guerra: “Depois da fundação, Sinop

explodiu” (GUERRA, depoimento 25/01/2012), e, realmente, famílias chegavam todos os

dias atraídos pelas propagandas, ou porque ficavam sabendo, por parentes ou amigos, que

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naquele lugar um futuro próspero lhes era garantido – “meu pai, ouvindo falar que aqui

ganhava-se muito dinheiro, que era muito bom e tal, que a terra era promissora, decidiu:

vamos arrumar as malas e ir para lá!” (PONCE, depoimento 23/01/2012).

Desse modo, o crescimento acelerado e as dificuldades presentes em Sinop,

principalmente pela distância da Capital e do município de Chapada dos Guimarães, à qual

Sinop pertencia, fizeram germinar as primeiras discussões sobre sua possível emancipação

política. Assim, em 29 de junho de 1976, Sinop foi elevada à categoria de Distrito, pelo

então Governador Garcia Neto, através da Lei 3.754, de 29/06/76, passando seus cidadãos

a exercer o direito de escolher os representantes legislativos do município (SANTOS,

2011).

Contudo, em 17 de dezembro de 1979, pela Lei Estadual 4.156, assinada pelo

Governador Frederico Campos, a cidade obteve sua emancipação política, deixando de

pertencer ao Município de Chapada dos Guimarães, que englobaria as localidades de

Santa Carmem, Vera, Cláudia e também Marcelândia (SANTOS, 2011).

Todavia, no discurso oficial sobre os primeiros anos de colonização, todos os fatos

“são como flores”. Histórias gloriosas, triunfantes perpassam décadas, ensinando às novas

gerações que o progresso do presente se deveu tão somente ao ‘espírito bandeirante’ dos

homens do passado, à visão empreendedora dos ‘colonizadores e desbravadores’.

Meios de comunicação em geral, poderes públicos e ainda a própria empresa

colonizadora apresentam Sinop sob os slogans: “a capital do Nortão”, “a futura metrópole

do norte de Mato Grosso”, “uma promessa que já se tornou realidade,” “a cidade do

hoje,”35

entre outras qualificações. Enchendo de orgulho seus cidadãos, difundindo uma

ideia de cidade sem problemas, nem diferenças sociais ou miséria, mantedora dos bons

costumes e tradições sulistas, onde a ‘riqueza’ é usufruída por ‘todos’, porém somente o

branco é o cidadão que aparece.

Essa é a imagem de Sinop propagada no passado que perpetuada no presente – uma

cidade projetada, com largas avenidas, onde os belos edifícios e modernas construções

arquitetônicas expressam uma cidade ‘rica’. O discurso de um futuro promissor, como

anunciado no passado, é ainda garantido para todos aqueles que chegam no presente.

35

Títulos atribuídos a Sinop e divulgados em revistas, jornais e outros meios de comunicação de veiculação

regional, nacional, assim como em alguns casos internacionais.

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68

Figura 12- Matéria de veiculação nacional sobre Sinop

Fonte: Revista Veja, Edição n º 2180 de 01/09/2010

Figura 13- Vista área de Sinop, 2010.

Fonte: http://www.visitesinop.com.br

Neste sentido, a história de Sinop estampada ainda hoje é a do discurso oficial,

“cidade menina que em breve se tornará metrópole”36

tem por base a trajetória dos

vencedores, daqueles que tiveram sucesso, cujos filhos mais tarde se tornariam os

“doutores” da cidade - a história contada é a dos “atores de nome próprio e de brasões

36

Revista Notícia do Estado de Mato Grosso. Porto Alegre: PRC LTDA, Ed. 106, Ano XVII, out, 2011.

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sociais” e não dos “figurantes, da multidão de heróis quantificados que perdem nomes e

rostos tornando-se a linguagem móvel de cálculos e racionalidades que não pertencem a

ninguém” (CERTEAU, 1998, p. 57-58).

Nessa medida, a história dos tempos difíceis é silenciada, fazendo com que na

memória dos próprios migrantes a ‘alegria’ do crescimento da cidade seja maior do que o

sofrimento que eles próprios passaram.

Nos diversos relatos orais percebeu-se que a lembrança dos ‘tempos difíceis’ está

‘escondida’, a memória parece perder-se em relação aos momentos de dificuldades,

incertezas ou frustrações, – “Viemos com tanta vontade de trabalhar, de mudar de vida,

que nada daquilo me assustou, não tenho lembranças ruins”. (GOBBO, depoimento

14/01/2012). Diante disso, pode-se inferir que:

O suporte material das lembranças da chegada não mais existe, a imagem

da cidade, sob o impacto da velocidade das realizações materiais,

substituiu a paisagem que ali haviam encontrado. A “nova terra” não

mais se interessa pelo sofrimento passado, a história presente é a do

triunfo. Ela vem celebrada pelo fervor do progresso. (GUIMARÃES

NETO, 2002, p. 81)

Habitualmente, as situações difíceis ou as condições desfavoráveis e adversas que

foram enfrentadas ficam aquém da memória com o passar dos anos, porém, não são

completamente apagadas, mas reaparecem com saudosismo e até mesmo são lembradas

como marcas de superação, com alegria e bom humor. Isso foi percebido no decorrer do

processo de entrevistas – o esquecimento, como sugere Le Goff (1996), é um dos diversos

“mecanismos de manipulação da memória coletiva”. Assim, diante de uma ideologia que

atenda aos interesses de certos grupos, “essa ferramenta é eficaz a partir do momento que

ameniza os tempos de dificuldades e privações e conserva na memória a lembrança de

conquista de superação”. (BONI, 2010, p. 16).

Nessa direção, Guimarães Neto (2002, p. 163, grifos da autora) enfatiza que as

lembranças dos migrantes, seus desejos e esperanças, medos, revoltas, enfim, as suas

experiências, foram sendo pisoteadas pela marcha do progresso:

O sonho da terra prometida teve seus fragmentos transpostos para um

tempo indefinido, para algum canto de um tempo sem fim. Destituíram os

referenciais que marcaram os “tempos difíceis e instituíram os sinais

codificados de uma história linear, em que cada acontecimento passado é

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demonstrativo de uma só trajetória: a construção da cidade pelas

aquisições contínuas do progresso.

Com isso, a outra história, a da ‘colonização como missão’ aparece sempre mais

forte e absoluta, impedindo as lembranças da história dos migrantes, como explica

Marilena Chauí (1983, p.19), “as lembranças pessoais e grupais são invadidas por outra

história”, ou seja, “por uma outra memória que rouba das primeiras o sentido, a

transparência e a verdade”.

A memória, então, “designa um ponto de resistência, uma coragem e uma

possibilidade única de redimir o passado, trazer alguma esperança e acordar vozes que uma

história triunfante esmagou”. (GUIMARÃES NETO, 2002, p. 163).

Do lado oficial, para o Estado e para o colonizador, permanece na imagem do

passado, aquilo que caracterizou o início do progresso. Do lado dos migrantes, o

crescimento da cidade leva ao esquecimento “das feridas passadas, que restam apenas

como cicatrizes, sulcos na terra, por onde desabrocham, ou abortam as luzes do progresso”.

(GUIMARÃES NETO 2002, p. 81). Um progresso, que, como temia e já previa o poeta,

derrubou o onde se ia, e fez, com que toda aquela gente desde então, não mais voltasse ao

“bom-dia” de cada dia.

1.4. “Vamos embora para o Mato Grosso!37

37

Depoimento Ponce, 2012.

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71

Figura 14 - Família em Sinop, 1973

Fonte: Colonizadora Sinop, 2011

Plantemos a roça.

Lavremos a gleba.

Cuidemos do ninho,

do gado e da tulha.

Fartura teremos

e donos de sítio

felizes seremos.

(Cora Coralina, O cântico da Terra, 2004)

Discutiremos neste item a realidade com que os migrantes se depararam e seu

reflexo diante do sonho que haviam projetado. Tal discussão se faz importante, pois

pretende analisar os reflexos que o cotidiano daquela sociedade teve sobre a escola, sobre a

educação dos filhos dos migrantes, sobre as astúcias, as artes de fazer, a invenção e

reinvenção de táticas fabricadas por aqueles sujeitos que buscavam transformar, aos seus

modos, as estratégias que lhes eram impostas, ou seja, a ordem efetiva das coisas.

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Assim, pôde-se compreender, a partir do diálogo com fontes escritas e orais, assim

como na revisão bibliográfica, que no decorrer dos primeiros anos de colonização, entre

1972 a 1979, os migrantes passaram por muitas situações difíceis, muitos momentos

conflituosos. Trata-se de histórias que não são contadas pela versão oficial, veiculadas nos

materiais didáticos distribuídos e trabalhados nas escolas. Muita informação é omitida,

inclusive histórias que custaram vidas. Entretanto, como nos ensina Certeau (1998, p. 77),

“a vida não se reduz àquilo que se vê”, deste modo, o presente item tem como intuito

propor algumas discussões sobre aquilo que ‘não se vê’ e que ‘não se fala’ em relação à

vida cotidiana dos homens comuns inseridos no tempo-espaço desta pesquisa. Como

menciona Assis (2002, p. 14), “é a vida constituindo-se num outro lugar”.

A imagem ilustrativa da sessão nos faz refletir um pouco sobre as condições que

viviam muitas das famílias migrantes: as crianças descalças, vestidas com roupas

praticamente iguais, feitas de um mesmo tecido. O pai, como chefe da família, era o

modelo de trabalho e coragem para os filhos; a mãe, protetora e companheira, era o

exemplo de fé e perseverança naquele lugar ‘desconhecido’. Dentre as muitas famílias

migrantes no período investigado, a história se repete como a da fotografia: uma jornada

longa, dias de sofrimento na estrada para chegar até o local escolhido para o ‘recomeço’ da

vida; as moradias precárias – barracos de lona, ou casinhas simples de madeira muitas

vezes doada pela própria colonizadora; a falta de alimentos, obrigando-se a “comer, no

café da manhã, no almoço e no jantar, o milho trazido do Paraná, socado com açúcar, pois

era a única coisa que tinham”38

, além dos perigos e doenças às quais estavam expostos ao

meio da floresta. Detalhes invisíveis, que não se contam, mas que se revelam na escrita

desta história.

A começar, pela longa viagem que as famílias precisavam fazer para chegar a

Sinop. A maioria utilizava como meio de transporte o caminhão, como relata o migrante:

“levei oito dias pra vim de Cuiabá com caminhão, (...) era fila de caminhão de 40, 50

caminhões encalhados na BR-163 (MODANESE, depoimento apud LANDO, 2002).

Além da família, traziam os poucos móveis, roupas, mantimentos e, quando

possível, animais domésticos, especialmente aqueles que poderiam garantir-lhes a

sobrevivência, como vacas e galinhas. A viagem levava mais de uma semana e era

desgastante. O cansaço da travessia era adicionado aos receios frente às situações que

podiam encontrar frente ao novo, ao desconhecido. A bagagem principal era, sem dúvida, a

38

Cf. Braz, depoimento em 08/12/2011.

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fé e a esperança de encontrar naquela desconhecida região a concretização de um sonho, de

uma utopia projetada.

Figura 15- Mudança de uma família de agricultores chegando em Sinop, 1973

Fonte: Patrimônio Histórico de Sinop

Somente em 197639

a empresa de transportes Expresso Maringá passou a fazer o

trajeto Cascavel-Sinop. Assim, muitas famílias que não tinham recursos para vir de

caminhão optavam por fazer a viagem de ônibus, para diminuir os custos da mudança –

“aquele ônibus vinha carregado de galinhas, de tudo que é trem que tinha dentro,

então, era aquela loucura”. (SÃO JOSÉ, depoimento apud LANDO, 2002)

Quando os migrantes chegavam à cidade, após longa e exaustiva viagem,

geralmente não tinham onde morar, sendo necessário se instalar debaixo de barracões de

lona ou se instalar na casa de algum parente ou amigo próximo, até que a madeira fosse

cortada e a casa erguida. Porém, isso não acontecia rapidamente. Muitas vezes duravam

meses ou, em alguns casos, demoravam de dois a três anos, dependendo das condições

financeiras da família para a aquisição da madeira, ou para o pagamento da mão de obra,

apesar de que, na maioria das vezes, o pai, na condição do homem da família, construía a

39

Cf. Souza (2006)

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74

moradia, aprendendo as funções de carpinteiro. Contudo, nas narrativas, as condições de

moradia se repetem:

Eu tinha só cinco anos... nós fomos morar na serraria quando chegamos

aqui, a serraria era coberta com lona, tudo bem simples.... tinha um

barracão ao lado que era coberto com Eternit e era de madeira, foi ali que

colocamos a mudança e ficamos naquele barracão até construir a casa.

(PONCE, depoimento 21/01/ 2012)

Fizeram barracos de lona para as três famílias e para mais uma irmã

casada que veio junto, então eram quatro famílias, morando junto, se

instalaram debaixo daqueles barracos por que o financiamento só saía

depois de uma etapa de mata derrubada [...] era preciso derrubar o mato

com machado para cumprir o tanto de alqueires para poder sair o

primeiro financiamento para a aquisição da terra, para então começar a

plantar [...] (BRAZ, depoimento 08/12/ 2011)

Chegamos aqui, nossa casa não estava pronta, tivemos de deixar nossas

coisas na casa do senhor Plínio Calegaro, não tinha nem água... só poço,

tinha de tirar água com o balde puxar com as mãos... água do poço.

(GOBBO, depoimento 14/01/ 2012)

Entretanto, o momento da chegada representava o tempo de maiores sacrifícios,

porém,

[...] sabiam que para fazer parte de uma obra “daquela grandeza” teriam

que enfrentar as adversidades que a floresta oferecia, as doenças e a

fome. Haviam se despojado de tudo e, quando identificavam o fim da

jornada, colocavam toda a sua determinação em ficar e trabalhar...

trabalhar com muita fé. (GUIMARÃES NETO, 2002, p. 72, grifo da

autora)

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Figura 16- Moradias de Famílias em Barracões de Lona, 1973

Fonte: Colonizadora Sinop, 2011

Outra dificuldade encontrada pelos migrantes estava em relação aos meios de

comunicação. Com exceção da Rádio Nacional de Brasília, não havia outro meio de se

atualizar sobre os acontecimentos nacionais e internacionais, conforme lembra a Profa.

Maria Lúcia Braz: “a gente ficava desinformada da notícias do mundo, só tinha a rádio

Nacional de Brasília, não tinha televisão, jornal, não tinha nada...ficávamos completamente

fora do mundo”.

Segundo Souza (2006, p. 156), o desafio de adaptação ao novo ambiente norte

mato-grossense era grande: após longa viagem até a nova fronteira, a ocupação da área

comprada da empresa colonizadora, as primeiras matas derrubadas, começavam a surgir as

primeiras decepções pelas dívidas contraídas no processo de produção agrícola, saudade

dos parentes, excessivo calor, falta de conforto. Esse cenário provocava situações

conflituosas e duvidosas em relação ao novo lugar escolhido para viver. Entretanto, “o

intenso trabalho foi a maneira encontrada pelos colonos para esquecerem o sul”.

Em relação ao termo ‘saudade’, a antropóloga Gláucia de Oliveira Assis (2002), ao

analisar a experiência de emigração de brasileiros para os Estados Unidos, especialmente a

partir da década de 1980, diz que caracteriza-se por uma expressão que define um estado

d’alma e um sentimento de dor, de angústia, de nostalgia provocado pela distância, pela

ausência, pelo desejo de estar num outro tempo e lugar.

Desta forma, as palavras recorrentes nos depoimentos oferecidos, as quais se

associam à saudade, expressam-se em: familiares, terra fértil, as condições de vida que

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tinha no sul, a alimentação, o clima, os amigos, a esperança de reencontro com aqueles que

ficaram.

A autora ainda explica que falar da saudade traz o apelo de não ser esquecido e

que descrever esse sentimento é demonstrar que o tempo não passou para aqueles que

ficaram. Dessa forma, o estranhamento e talvez um certo vazio acontecem quando

aquele que migra percebe que os seus próprios sentimentos vão se modificando com o

passar do tempo.

Em relação a essa discussão, Guimarães Neto (2002, p. 65) considera que “os

colonos quando venderam o pouco que tinham, ou simplesmente largaram para trás

coisas que possuíam, lá deixaram partes de si mesmos. As poucas que vinham consigo

eram como lembranças soltas, ou talvez, trapos de lembranças!”

Muitos migrantes, atraídos por uma propaganda ilusória e por um sonho comum,

vinham em busca daquilo que seria a Terra Prometida, juntavam o que era possível trazer

na bagagem, vendiam o que tinham no sul e, com suas famílias, diziam: “Vamos embora

para o Mato Grosso, para ter uma vida melhor!” (PONCE depoimento 21/01/2012).

Ao chegar naquele local desconhecido, era necessário não apenas reaprender a

viver diante das novas circunstâncias da realidade encontrada, mas também aprender a

conviver com os sentimentos de saudade, de recordações de familiares, enfim, com os

“trapos de lembranças”.

Ainda, como mostram os estudos de Tomé (2006, p. 26) e também a partir dos

depoimentos orais de colaboradores desta pesquisa, a sobrevivência no início de

colonização foi seletiva: alguns tiveram de perder suas vidas, outros de sair ou deixar de

comer para que membros da família ou amigos sobrevivessem. Para fazer as derrubadas,

“muitos corriam risco de vida, alguns até morriam embaixo de árvores, outros se

machucavam, quebravam uma perna, [...] às vezes quando a gente lembra assim, até se

emociona”. (SILVA, depoimento apud LANDO, 2002).

As condições mínimas para sobrevivência não foram iguais para todos. A pouca

comida que chegava nas localidades era distribuída entre todos. A venda dos produtos

alimentícios muitas vezes era racionada ou eram eles contados por família, além de serem

muito caros para a época, uma vez que pequenas mercearias locais elevavam os preços

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devido à sua escassez. A opção era, então, esperar pelas mercadorias trazidas pelos

famosos aviões búfalos40

, distribuídas no armazém da COBAL41

:

E, nós por exemplo, pobres, nós tínhamos direito de uma lata de

azeite, um quilo de farinha de trigo, um quilo de feijão, um

macarrão, tudo um quilo, dava mais ou menos uns doze quilos, mais ou

menos, que podia levar; mais nada! (...) eles te pediam: quem tu era?

quem era teus filhos? Faziam um tipo de cadastro, pra você não mandar

um filho logo depois ou a mulher pra pegar mais. Mas, cada dia eu

chegava em casa e os filhos pediam: ‘pai, eu quero pão’. Mas não tinha

farinha pra fazer. (MODANESE, depoimento apud LANDO, 2002)

Também a madeira cortada deveria servir a todos na construção das casas. As

famílias ajudavam-se mutuamente, tanto de forma material como de forma a compartilhar

com os momentos difíceis. Deste modo, “os poucos recursos, assim como as poucas

facilidades eram motivo de solidariedade entre todos” (TOMÉ, 2006 p. 26).

Nesse contexto, percebe-se nas narrativas o clima de solidariedade entre as

famílias, a receptividade que existia nos primeiros anos de colonização. As pessoas se

reuniam para conversar, para fazer troca de mercadorias, para fazer ‘novenas’42

, para

combinar os trabalhos da igreja, da escola, ou simplesmente para verificar se alguém da

comunidade precisava de algo:

Na cidade era uma cordialidade, uma união, um ajudava o outro. O padre

da época era o Pe. João Salarini. Quando chegava uma família nova ele

vinha falar: olha chegou família tal, vocês já foram visitar? Este era o

papel dele na sociedade de Sinop, ele procurava saber o que a família

estava precisando e ia atrás. Ele ia por estes matos e trazia caju, manga

para as crianças. (GOBBO, depoimento 14/01/2012).

Todos se ajudavam. Como todo mundo se conhecia, era fácil ficar

sabendo quando alguém precisava de ajuda. Era um clima muito bom de

união, dá saudades. (GUERRA, depoimento 25/01/2012).

40

Aviões da Força Aérea Brasileira – FAB. 41

Companhia Brasileira de Alimentos implantada em Sinop em 1975. 42

Termo Religioso para se referir ao período de devoção e oração pública ou particular com a duração de

nove dias. É empregada no catolicismo como um período no qual se obtêm graças especiais. Origina-se do

fato de os apóstolos terem-se reunido para rezar durante os nove dias entre a Ascensão e Pentecostes. Fonte:

http://www.dicio.com.br

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Com referência, Vitale Joanoni Neto (2012) explica que nas áreas de fronteira a

comunidade de vizinhança foi a forma de organização mais comum entre as pessoas,

fossem pequenos proprietários, posseiros ou colonos:

Foi a reprodução em micro escala, da instância pública. A comunidade é

a tutora do bem comum, através dela direcionam-se os esforços coletivos

para a construção e manutenção de escolas, igrejas, lazer, garantias de

direitos frente ao Estado ou a outros interesses exteriores ao grupo. As

regras de convivência podem variar de acordo com as exigências e os

contextos dados pela situação do grupo, mas de modo geral, o trabalho

em mutirão, o cuidado e a educação dos filhos, o zelo e respeito para com

as famílias, estão presentes nestes grupos como tarefas de todos.

(JOANONI NETO, 2012, p. 8).

O que influenciou seu surgimento foi “a extrema carência daquelas pessoas, a

ausência do poder público e a proximidade física, mas esses fatores não são fixos”. No

caso de Sinop, assim como o da cidade de Juína, citado por Joanoni Neto:

[...] o poder público estava presente, mesmo que precariamente, por meio

da empresa colonizadora, ligada ao governo estadual. As distâncias entre

as pessoas, por vezes resultavam em empecilhos para a agregação. Nesse

momento a Igreja Católica se colocou como elo oferecendo o pretexto

para a constituição dos grupos. As rezas foram inicialmente usadas para a

sua formação, daí seguia-se o trabalho em mutirão para a construção de

escolas, o lazer, a convivência. (JOANONI NETO, 2012, p. 8).

Contudo, outro ponto ‘esquecido’ de ser contado pela história oficial se dá em

relação aos problemas de saúde que a população enfrentava. A falta de água tratada, a

escassez de alimentos, os períodos de estiagem, de poeira, os longos períodos chuvosos, a

ausência de saneamento básico, picadas de insetos ou de animais peçonhentos, os acidentes

na mata, dentre outros, ocasionaram diversos problemas de saúde, sendo esses tratados de

forma precária devido à falta de subsídio que pudessem atender a saúde da população de

forma digna. O hospital mais próximo se localizava na cidade de Vera, a 80 quilômetros de

distância, porém, os casos mais graves somente poderiam ser atendidos na capital, Cuiabá,

a 500 quilômetros de distância (Anexo 1), sendo que, muitos casos graves não se

conseguiam chegar a tempo, devido à distância, como também pelas condições

intransitáveis da estrada, principalmente no período chuvoso, levando a pessoa doente a

óbito a meio caminho.

A incidência da malária também foi significativa, pelo número acentuado de casos,

por ser doença endêmica na região, fazendo muitas vítimas fatais, o que obrigou o governo

federal a instalar na cidade, em 1974, um posto da Superintendência de Combate à Malária

– SUCAM, que ficou em funcionamento até a década de 1980 (SANTOS, 2011).

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Diante das circunstâncias apresentadas que dificilmente são contadas pela história

oficial, pois o discurso do Progresso se sobrepõe às histórias dos silenciados, daqueles que,

como discutido, enfrentaram fome, perigo, doença, ou daqueles que não suportaram a vida

em Sinop no período inicial, retornando de ‘cabeça baixa’ e como derrotados, de volta para

sua terra natal.

Os migrantes que não conseguiram se adaptar ou que não conseguiram se manter às

novas formas de sobrevivência eram desqualificados pelo discurso oficial, pois nada

poderia atrapalhar o interesse de mostrar a todos o êxito da colonização. Picoli (2005, p.

75), em relação a esta discussão nos diz que:

[...] os colonos fracassados voltavam estrategicamente, no ponto de vista

do Estado [...] como derrotados, incompetentes e sem vontade de

trabalhar. Assim, a história que deveria ser contada à população era a de

sucesso daqueles que ascenderam econômica, política e socialmente. Não

pode ser contada a história dos demais, daqueles que foram calados [...],

ou até mesmo de milhares de trabalhadores e suas famílias que perderam

suas vidas e não estão na história oficial.

Além disso, muitos colonos que haviam adquirido terras com financiamento do

Banco do Brasil não conseguiram saldar suas dívidas devido aos altos juros, às decepções

das colheitas, aos baixos preços dos produtos no mercado, não restando alternativa a não

ser passar suas terras adiante para aqueles que detinham maiores bens, partindo, então,

outra vez em busca de um novo ‘lugar ideal’, deixando Sinop e indo em direção aos

estados Rondônia, Acre, Amazonas, ou mesmo voltando para o lugar de origem, sob o

‘estigma’ de incompetentes e fracassados. Assim, “a modernização da agricultura no sul

do país já havia expulsado esses agricultores e o aceno de um futuro melhor que lhes fôra

dado pelos projetos de colonização, no Mato Grosso deixava-os novamente na estrada, sem

rumo”. (PERIPOLLI, 2002, p. 108).

Contudo, o objetivo da colonização esteve desde o início ligado ao cultivo do café,

que na época era o principal produto de exportação do Paraná, de onde precedia a sede da

colonizadora, porém, a iniciativa não deu resultado, levando muitos colonos à falência,

quando as plantações foram totalmente erradicadas devido à baixa produtividade, às terras

pobres, às doenças e ao clima adverso (PERIPOLLI, 2002), como recordam a Profa.

Terezinha Pissinati Guerra e o Prof. José Roveri:

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[...] nas propagandas tudo dava...o meu sogro plantou milho e morreu

tudo! O pasto morria tudo [...], a única coisa que deu no início foi um

pouco de café, mas logo depois não dava mais, depois a mandioca que

até fizeram o negócio da agroquímica, mas não deu nada...então, como

não dava nada a agricultura, foi onde o povo partiu para as

madeireiras...tinha muita floresta, a madeira tinha preço, tinha saída,

exportação... assim, todo mundo partiu para a madeira...grandes

madeireiros hoje chegaram aqui sem nada! Como muitos não podiam

voltar, ou trabalhava com a madeira ou voltava, mas era difícil para

voltar, [...] foi muito difícil! (GUERRA, depoimento 25/01/2012)

Tinha um café perto do cemitério, chamado café do seu Germino, onde a

colonizadora pagava pra que ele adubasse aquilo, de uma maneira

assim... exageradamente, tinha meio metro de serragem enterrada,

esterco de [...] natureza, pra que o café crescesse. Primeira coisa que se

fazia ao chegar o incauto comprador de terra era leva-lo ao café do

Sr. Germino, pra mostrar que aquilo era uma maravilha, e filmava-se,

tirava-se fotos, colocava em jornal, em televisão, uma propaganda

massificante, terrivelmente massificante, de modo que as pessoas

achavam que estava aqui realmente... é... a terra abençoada por Deus, né?

E a nível de fertilidade do solo não era nada disso. A dificuldade

naquela época era terrível, era inimaginável. (ROVERI, depoimento

apud LANDO, 2002)

Os colonos, desiludidos com a inviabilidade da lavoura, já não se sentiam

propensos a plantar e muitos deles desistiram, deixaram seus sonhos agrícolas para trás e

buscaram outras alternativas, vendendo sua força de trabalho no setor madeireiro de Sinop

e da região (SOUZA, 2006).

Assim, a tentativa frustrada na década de 1970, em terras do norte de Mato Grosso

fez com que muitas pessoas que não tinham condições de voltar para seu lugar de origem,

ou mesmo tentar a vida em outro Estado, passassem a trabalhar com a madeira,

significando assim, uma nova chance de, naquele momento, continuar a viver em Sinop. A

cidade foi então, “ocupada rapidamente por serrarias que foram sendo montadas. O que fez

da região um grande polo econômico, tendo como base da sua economia, a indústria

madeireira”. (PERIPOLLI, 2002, p. 107).

Vale ressaltar que, como explica Pereira (2007, p. 29), “essa caracterização

extrativista de madeira é um marco presente em nosso país, pois o Brasil tem a sua

história colonial marcada por grande extração de pau-brasil”. A autora ainda pontua

que “atualmente, essa atividade é representada pela retirada de outras espécies

reivindicadas pelo mercado, como mogno, cedro, peroba, angelim”. Contudo, “essas

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ações contribuem com a descaracterização ambiental, gerando riquezas momentâneas

com grandes prejuízos futuros”.

Souza (2006) explica que muitas madeireiras se implantaram na região para atender

ao ideário militar de colonização e ocupação ao longo das rodovias federais recém-

implantadas, incentivando a ‘ocupação’ da terra e a exploração da madeira

disponíveis naquelas áreas. Desse modo, a indústria madeireira se firmou como polo

econômico da cidade a partir de 1980.

No processo produtivo de sua extração, a família foi o centro estratégico da

colonização norte mato-grossense. Como relata Lord (2011), o homem assumia o papel

principal na oferta da mão de obra, sendo obreiro e produtor da transformação e domínio

humano sobre a natureza local. A mulher ocupava o espaço do lar, cabendo-lhe o cuidado

com os filhos e a proteção e alimentação do marido, que acordava cedo para enfrentar a

derrubada da mata. Assim, o migrante que veio para o norte de Mato Grosso com o

objetivo e o sonho de melhorar a vida através da agricultura, precisou aprender a lidar com

o trabalho de extração da madeira, “ou trabalhava com a madeira, ou voltava” como nos

lembra a Profa. Terezinha Pissinatti Guerra (depoimento 25/01/2012).

Nas palavras de Ivelise Cardoso Pereira (2007, p. 37):

O caminhar, o tempo, a extração da madeira, a forma como Sinop se

constitui, transforma o espaço da floresta, e as grandes árvores

tombam como tombam sonhos, histórias, vidas. A floresta ganha um

novo pulsar, uma forma diferente de viver e progredir. Homens e

mulheres redirecionam o caminhar da floresta.

E, nas recordações do ex-professor José Roveri43

, naquele cenário os migrantes

eram movidos simultaneamente por sentimentos de esperança e desesperança:

Então, curiosamente, era uma cidade de muita esperança e de muita

desesperança, que vivia de momentos de injeção de ânimo do

colonizador, de autoridades que lá vinham, prometiam (...). Mas havia

uma desesperança muito grande, aí de vez em quando; quando a coisa

estava muito brava, vinha o colonizador, dava uma injeção de ânimo.

“Não, vocês se acalmem, que daqui uns tempos vai vir, que mês que

vem eu vou trazer ministro, vou trazer presidente da república”. Então

lá se torcia pra tudo: torcia pra chegar uma televisão; torcia pra ter água

encanada; torcia pra ter energia; torcia pra ter a ponte do Teles Pires;

torcia pra um dia ter asfalto; torcia pra vir mais uma serraria, pra

dar emprego; torcia pra descobrir uma variedade de semente que

produzisse, (...). E, vivia-se de novas injeções psicológicas, o povo

precisava ser constantemente alimentado por uma nova, uma nova

43

Cf. Depoimento concedido a Lando (2002).

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ideia que viesse salvá-los de uma situação difícil. (ROVERI,

depoimento apud LANDO, 2002).

Em resumo, de acordo com Joanoni Neto (2012, p. 6), essa migração para o Centro-

Oeste foi, para muitos lavradores, uma peregrinação em busca da terra prometida, isto é, da

solução para seus problemas. “Sua chegada ao novo destino foi o ingresso ao lugar do

sonho, da utopia, constituído dos anseios que carregavam: possuir a terra, trabalhar para si,

fugir da proletarização, mas a propaganda que afirmava serem esses os locais onde a

concretização desse sonho seria possível”.

Há ainda que se referenciar as questões ligadas à educação, sendo esta, na visão dos

migrantes, o principal pilar do ‘futuro promissor’ a ser oferecido a seus filhos naquele

lugar desconhecido. Para tanto, quando chegaram em Sinop existia somente a promessa do

colonizador sobre a escola. Tiveram, assim, que construí-la com as próprias mãos e entre

eles mesmos decidir inicialmente sobre o direcionamento da escola. Entretanto,

abordaremos com maior ênfase esse assunto mais adiante, pois trata-se do momento em

que entra em cena a escola e com ela seus atores: alunos e professores, temática que desejo

pesquisar, como ‘colcha de retalhos’ que pretendo tecer através de um emaranhado de fios

guardados, esquecidos, em um tempo-espaço da história da cidade de Sinop.

Desse modo, frustrações, incertezas, desencontros e outros tantos sentimentos e

experiências marcaram o cotidiano daqueles homens comuns, ordinários44

. O confronto

com o desconhecido e estratégias que lhes foram fabricadas, fez com que aos seus modos

incorporassem práticas, manipulassem táticas, transformassem o meio, se adaptassem à

realidade, culminando, muitas vezes, na criação de novas regras, de novos meios de

convivência com o outro, de novas maneiras que possibilitassem a sobrevivência a partir

de uma perspectiva comum e coletiva.

Entende-se, assim, que “algo essencial se joga nesta historicidade cotidiana,

indissociável da existência dos sujeitos que são os atores e autores de operações

conjunturais”. (CERTEAU, 1998, p. 82)

Nesse sentido, Certeau (1998, p. 38) elucida que a base da vida cotidiana não está

na individualidade, mas sim no convívio social, nas regras e práticas sociais. O importante

nesse caso está nas relações sociais em si e não apenas na soma de individualidades. “A

44

O Termo ordinário se refere, para Certeau, ao homem comum.

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questão tratada se refere a modos de operação ou esquemas de ação e não diretamente ao

sujeito que é o seu autor ou seu veículo”.

Desse modo, “[...] num processo de colonização supõe-se um desejo e uma

esperança. O desejo é socialmente produzido e a esperança é posta à prova dia a dia [...]

(SANTOS, 1993, p. 200). Tal afirmação nos faz refletir sobre os desejos projetados e

socialmente produzidos diante da realidade vivenciada por aqueles migrantes que

reproduziram a vida cotidiana na qual estavam inseridos.

Seus desejos eram simples e as esperanças grandes. Desejavam algo comum, num

contexto social em construção - um pedaço de terra, poder plantar e poder colher. E, assim

seguiam, mesmo diante das adversidades - recriavam os modos de viver na tentativa de

escapar das teias da conformação, da ordem estabelecida. Inventavam, transformavam a

realidade pela via das artes de fazer. Seus sonhos não eram o somatório de sonhos

individuais, mas constantemente refeitos em meio às relações sociais no convívio com o

outro. Desejavam não muita coisa: manter a família, dar de comer aos filhos, e “quem

sabe” ser “dono da terra” ou, tão somente, plantar a roça, lavrar a gleba, cuidar do ninho

[...] ter muita fartura, ser dono de sítios, ser simplesmente felizes45

. E, assim, continuar

vivendo - na invenção e reinvenção do cotidiano.

45

Cf. Versos de Coralina (2004)

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CAPÍTULO II

Se não há escola, que inventemos uma!

Escola dos Migrantes. Claudevânia B. Anderle. Acrílico sobre tela painel, 80X60, 2012.

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2.1 Das artes de fazer: A Reinvenção da Escola

Figura 17- Alunos, pais e professores em frente à escola em Sinop,

extensão da Escola N. Sra. do Perpétuo Socorro de Vera-MT, 1975

Fonte: Colonizadora Sinop

Vou criar o que me aconteceu. Só porque viver não é

relatável. Viver não é vivível. Terei que criar sobre a

vida. E sem mentir. Criar sim, mentir não. Criar não é

imaginação, é correr o grande risco de se ter a

realidade.

(Clarice Linspector, em A paixão segundo G.H, 1964)

A palavra ‘reinvenção’, aqui adotada, não pretende ser uma maneira ‘romântica’ ou

quiçá meramente poética para mencionar a escola, objeto da presente pesquisa. A

reinvenção é pensada como sinônimo de criação, revelando a capacidade inventiva do

homem sobre seu meio, suas artes de fazer.

‘Reinvenção’ deriva da palavra ‘invenção’ e, essa, em seu sentido etimológico, tem

origem do latim, invenire, que significa ‘conhecer’; ‘obter’, ‘adquirir’; ‘encontrar’, ‘vir

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sobre alguma coisa’ (no sentido de que a invenção não vem do acaso, mas é como um

inédito que sobrevém de coisas que ali estavam ou restavam)46

.

Em consulta a um dicionário filosófico, encontramos a seguinte definição para a

palavra invenção:

INVENÇÃO: "Inventar alguma coisa" - Tradicionalmente, a capacidade

inventiva denomina-se gênio (v.). Os problemas relativos à Invenção

assumem aspectos diferentes nos vários campos: na lógica, têm sido

por vezes debatidos a propósito da tópica ou da intuição; na arte, a

propósito do gênio. (ABBAGNANO, 2007, p. 584)

Todavia, não se tem como pretensão definir esse conceito em único sentido, mesmo

porque nos apoiamos nas discussões pós-modernas47

que destinam um ‘novo’ olhar sobre

as questões definidoras dos conceitos com exatidão, considerando a polissemia das

palavras, a binaridade conceitual, a instabilidade da linguagem, a multiplicidade de

sentidos que um determinado signo pode conter. Ocorre, de acordo com Silva (2000), que

a linguagem, como sistema de significação é, ela própria, uma estrutura instável. É

precisamente isso que teóricos pós-estruturalistas, como Jacques Derrida (1930-2004),

orientam em suas obras – “A linguagem vacila”. Na ótica da filosofia proposta pelo autor,

pode-se dizer que o signo não é uma presença, ou seja, a coisa ou o conceito não estão

presentes no signo48

, ou ainda, como alerta o filósofo Gilles Deleuze49

, “as palavras nos

escapam”, afinal, “não dominamos com o olhar o uso de nossas palavras”.

(BOUVERESSE, 1971, apud CERTEAU, 1998, p. 69)50

. Nesse sentido, pode-se inferir em

relação à linguagem que:

[...] raras vezes a realidade da linguagem foi tão rigorosamente levada à

sério, isto é, o fato de ela definir a nossa historicidade, de nos superar e

envolver sob o modo ordinário, que nenhum discurso pode portanto “sair

46

Cf. MARTINEZ; CECCIN, (2011). 47

Nomenclatura primeiramente utilizada por Lyotard (1993; 2002) e Peters (2000). A pós-modernidade é

entendida neste contexto não como um “novo” tempo que surge porque o outro anterior se findou, mas como

um novo ‘olhar’, um novo ‘questionamento’ sobre a realidade que sempre nos foi posta. Para a história, a

pós-modernidade “trouxe questionamentos sobre a validade do método histórico, sobre os limites entre a

verdade e a ficção e reconduziu para o centro dos debates a questão da escrita da história”. (MASSARÃO,

1999). 48

Cf. SILVA, 2000 49

DELEUZE, 1988. 50

BOUVERESSE, Jacques. La parole matheureuse – Langage ordinaire et philosophie. Paris: Minuit, 1971,

p. 9.

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dela” e colocar-se à distância para observá-la e dizer seu sentido.

(CERTEAU, 1998, p. 69)

Desse modo, se as palavras e seus sentidos já não admitem na contemporaneidade

definições fixas, ou seja, se eles ‘nos escapam’, se ‘não os dominamos com nosso olhar’,

elejamos então, na presente pesquisa-história, uma ‘didática da invenção’51

para pensarmos

o sentido de ‘reinventar’, de fazer e refazer o cotidiano a partir das necessidades humanas,

ou ainda, a partir das bricolagens, astúcias humanas de produzir e recriar a partir de um

produto que lhes fôra imposto, Certeau (1998) nos alerta que, a partir da inventividade

criadora que não apenas imagina, mas que ao imaginar, ao inventar, se busca correr o

grande risco de se ter a realidade. Com isso, peço licença à poetiza dos versos

introdutórios, para acrescentar que o risco corrido não se limita a ter apenas a realidade,

arriscando dizer que ‘criar é correr o risco de reinventar tal realidade!’ Realidade que

ousaremos chamar de lugar e espaço.

É esse assunto que desejamos neste momento discutir a partir do olhar que Certeau

direciona para o que considera lugar/espaço. Para ele, há uma dinâmica entre espaço e

lugar, declarando lugar como uma configuração instantânea de posição, sugerindo uma

indicação de estabilidade, sendo concebido o espaço como o lugar praticado,

havendo continuamente interatividade entre os dois termos52

. “Habitantes a todo

instante transformam lugares em espaços e espaços em lugares”. (MORAES, 2011, p.

49). Contudo, mesmo existindo essa influência de um sobre o outro, Certeau (1998) coloca

uma distinção entre espaço e lugar:

Um lugar é uma ordem (seja qual for) segundo a qual se distribuem

elementos nas relações de coexistência. Aí se acha, portanto, excluída

a possibilidade, para duas coisas, de ocuparem o mesmo lugar. Aí

impera a lei do ‘próprio’: os elementos considerados se acham uns ao

lado dos outros, cada um situado num lugar ‘próprio’ e distinto

que o define. [...] O espaço é o cruzamento de móveis. É de certo

modo animado pelo conjunto dos movimentos que aí se desdobram.

Espaço é o efeito produzido pelas operações que o orientam, o

circunstanciam, o temporalizam e o levam a funcionar em

unidade polivalente de programas conflituais ou de proximidades

contratuais. (CERTEAU, 1998, p. 201-202)

51

Manoel de Barros, poeta mato-grossense, com sua didática da invenção nos orienta a ‘desaprender’ as

coisas que aprendemos como únicas, como verdades absolutas. O poeta nos ajuda a repensar através de sua

poesia que desobedece à ordem estabelecida, que na medida em que os saberes modernos não são suficientes

ao homem, este precisa (re)inventar, ludibriar a realidade e criar versos que alarguem seu mundo, numa clara

tentativa de dar sentido a sua existência. 52

Cf. MORAES, 2011.

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Nesse contexto, pode-se finalmente inferir que, para Certeau (1998), tanto as

noções de lugar (espaço próprio), como de espaço (lugar praticado) participam de um

mesmo processo. “Um lugar é, portanto, uma configuração de posição; ao mesmo

tempo, esse lugar, espaço ocupado, carrega consigo as relações entre os indivíduos que

ali convivem, fazendo dele um lugar praticado”. (MORAES, 2011, p. 50).

Desta maneira, neste ‘lugar que ao mesmo tempo é espaço’- a cidade de Sinop-MT,

é possível perceber o quanto as práticas cotidianas do homem ordinário estavam e se

faziam presentes, o quanto as relações entre os homens, seus encontros e trocas,

transformavam a todo instante seus espaços ocupados em lugares praticados e vice-versa.

A isso, que chamaremos aqui de cultura, nomearemos também de uma “incessante

aventura de invenção e reinvenção da qual somos ao mesmo tempo herdeiros e

propagadores”. (GIL, 2009, p.1).

Todavia, a palavra cultura caracteriza-se como um termo polissêmico, complexo,

uma vez que vem sofrendo modificações de utilização em diversos sentidos, pelas mais

variadas áreas do conhecimento. Além de polissêmica, cultura é também polifônica, pois,

ao se falar dela, diversas vozes são trazidas ao debate, ecos da antropologia, da sociologia,

da história ressoam entre si, convergindo na incompletude, na inexatidão de atribuir a ela

significados.

Nesse sentido, retornando à ideia de que não se pretende na investigação definir

conceitos em sua rigidez, ressalto as palavras de Morin (2003, p. 75) em relação a esta

palavra:

Cultura: falsa evidência, palavra que parece uma, estável, firme, e, no

entanto é a palavra armadilha, vazia, sonífera, minada, dúbia, traiçoeira.

Palavra mito que tem a pretensão de conter em si a completa salvação:

verdade, sabedoria, liberdade, criatividade [...]

Contudo, entende-se que em qualquer trabalho de pesquisa acadêmica o

posicionamento teórico e sua fundamentação são de extrema relevância, uma vez que o

pesquisador precisa saber dizer do objeto que pesquisa para melhor se posicionar frente aos

questionamentos que surgem no decorrer do processo investigativo. Desta forma, busco em

Certeau (1995; 1998) algumas considerações para discutir esta ‘palavra armadilha’, a qual

se atende por ‘cultura’.

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Certeau (1995; 1998) entende a cultura como prática das pessoas comuns, modos

de fazer que, majoritárias na vida social, não aparecem muitas vezes senão a título de

resistência ou inércia em relação ao desenvolvimento da produção sociocultural. Para este

autor, a cultura é um processo coletivo e incessante de produção de significados que

configura as relações sociais, que ‘dá forma’ à experiência social.

Tal discussão nos faz chegar ao ponto que intencionamos abordar: a cultura como

processo coletivo de produção, de construção, de astúcias e táticas humanas de ‘invenção’.

A cultura, como “um modo próprio de sentir, pensar, ser, interagir, atribuir valor e

comunicar”. (GIL, 2009). Como “um conjunto de símbolos, criações, sonhos. Vários

modos, na verdade, sempre interligados, sempre inacabados, sempre imperfeitos. E, até o

fim dos tempos, em permanente processo de invenção e reinvenção”. (Ibidem, p.1).

Assim, a cultura que destacamos neste trabalho, sob a ótica de um ‘processo

permanente de invenção e reinvenção’, é diametralmente oposta ao que sempre nos foi

posto por uma ordem estabelecida, também em meio às minúsculas situações do cotidiano,

nas entrelinhas da vida comum, rompendo, desta forma, com o mundo tranquilo das

certezas que desde sempre nos foram impostas por uma ordem cuja ‘cultura’ seria apenas

‘uma’ – àquela conferida por um lugar de poder.

Nossa intenção é destacar as ‘maneiras de fazer cotidianas’ das massas anônimas.

Do ‘minúsculo’, do ‘banal cotidiano’ vivido pelos sem nomes, pelos homens comuns. “Do

mundo diário – mundo de profusão de gentes, falas, gestos, movimentos, coisas – que

abriga táticas do fazer, invenções anônimas, desvios da norma, do instituído, embora sem

confronto, mas não menos instituintes”. (SOUZA FILHO, 2009, p. 3)

Enfatizamos nesta pesquisa-história as artes de fazer dos migrantes que chegaram

em Sinop durante o processo inicial de colonização da cidade, mais precisamente entre os

anos de 1973 e 1979.

Dentre as artes de fazer que “constituem as mil práticas pelas quais usuários se

reapropriam do espaço organizado pelas técnicas da produção sociocultural” (CERTEAU,

1998, p. 41), elencamos uma em particular diante daquela sociedade que se formava – das

‘artes de fazer uma escola’ ou seja, a ‘reinvenção da escola’. A fotografia que ilustra o

início deste item nos mostra alguns pais, alunos e professores, aparentemente ‘felizes’, em

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frente uma pequena escola. É provável que um pouco da alegria daquelas pessoas comuns

estampadas na imagem se dava, dentre outros fatores, também pela conquista da presença

de uma escola naquele lugar, uma vez que a maioria dos migrantes veio para Sinop com a

certeza de que encontrariam escola para seus filhos, conforme anunciavam as propagandas

que lhes atraíram, e que ao contrário, quando no local chegaram, a educação era apenas

mais uma promessa, assim como tantas outras. A fotografia apresenta a alegria da

conquista da escola, que não se deu tão facilmente – precisou ser conquistada, precisou ser

inventada pelos próprios migrantes a partir das suas artes de fazer.

O que se configurou naquele momento inicial de construção de uma cidade, é que

sem a ‘Terra Prometida’, como observado no capítulo anterior, e sem a ‘escola’ para os

filhos, chegara o momento de, entre os próprios migrantes, tomar decisões – sair dos seus

espaços e jogar com suas astúcias sutis, com seus golpes e táticas de resistências no

campo do outro - no lugar da ordem e, desta forma, transformar e reinventar a vida diária

a partir das ações próprias dos que conseguem, mesmo estando dentro de um

espaço normatizado, driblar a vigilância53

.

“Se não há escola, que inventemos uma” (GUERRA, depoimento 25/01/2012),

diziam os migrantes que se juntaram em regime de mutirão para erguer a primeira unidade

escolar local. E, dessa forma, a partir de ações próprias, uma pequena sala de aula foi

edificada para atender aos filhos daqueles homens ordinários que tinham em comum o

sonho de um futuro próspero - da conquista da terra - que significava uma vida melhor para

a família e, dar escola aos filhos constituía a possibilidade de um ‘destino’ mais promissor,

com oportunidades melhores das que os pais tiveram no passado.

Neste cenário, as artes de fazer uma escola, ou a reinvenção dela - a qual tomamos

aqui como ação-criação dos migrantes não conformados com a ausência da escola –

prometida, mas não cumprida pela colonizadora, se constitui em assunto que desejamos

discutir, temática que aspiramos delinear, pois,

Saberes e artes de fazer que irritam e estimulam a domesticação,

mas também anunciam e apelam à criação engenhosa, dando

esperanças de que, nos interstícios dos códigos impostos, toda uma

série de táticas subterrâneas possa dar vida a ações sem autores e sujeitos

sem nome, demolindo as verdades de discursos morais, políticos e

53

Cf. CERTEAU, 1998.

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tecnocráticos que intentam fabricar o conformismo. (SOUZA FILHO,

2009, p. 6).

Assim, frente a um lugar que intentava estabelecer o conformismo, foi necessária a

criação engenhosa, a que cria sobre a vida, que não é imaginação, mas que se busca o

grande risco de se ter a realidade – tê-la e reinventá-la.

2.2 A reinvenção da escola: “se tem material, vamos fazer uma

escola!54

Figura 18 - Sala de Aula construída pelos migrantes em 1973

55

Fonte: Patrimônio Histórico de Sinop, 2011

A escola da Mestra Silvina...

Tão pobre ela. Tão pobre a escola...

Sua pobreza encerrava uma luz que ninguém via.

Tantos anos já corridos...

Tantas voltas deu-me a vida...

(...)

54

Palavras dos migrantes ao responsável pela colonizadora que doaria a madeira para construir a escola

(Depoimento da Ex-professora Terezinha Pissinati em 25/01/2012) 55

Esta foto foi tirada alguns anos após a fundação de Sinop, quando a pequena sala de aula já havia deixado

de ser o ‘prédio’ da escola.

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Toda pobreza da minha velha escola

se impõe

(...)

Estão presentes nos seus bancos

seus livros desusados, suas lousas que ninguém mais vê,

meus colegas relembrados.

(Cora Coralina, Mestre Silvina, 2004)

Nos versos de Cora Coralina, encontramos semelhanças entre a ‘escola da Mestra

Silvina’ com a da escola que propomos investigar. Tão pobre a escola que sua pobreza

encerrava uma luz que ninguém via. Todavia, mesmo frente a um percurso marcado por

tantas deficiências e dificuldades diante da pobreza de sua estrutura física e materiais,

trata-se de uma escola ‘especial’ – “A escola, era tudo, era um lugar especial” (BRAZ,

depoimento 08/12/2011). Digo especial, a partir das narrativas, que oportunizaram

perceber nas falas de ex-professores, de ex-alunos e de pessoas comuns, recordações de

uma escola, cuja história continua presente na memória daqueles que a vivenciaram - uma

história singular, construída em coletivo, a partir das relações de troca, encontros e de

criação conjunta frente ao desejo de se ter uma escola. Trata-se de uma história, cujas

lembranças, como diria a poetiza, ainda se faz presente nos seus bancos, nos seus livros

desusados, nas suas lousas que ninguém mais vê, nos inúmeros colegas relembrados.

A escola, que nos dispusemos discutir, é também ‘especial’ porque, como já dito, é

resultado das astúcias humanas, das táticas que os primeiros migrantes lançaram mão para

impor o desejo coletivo de se ter uma escola diante de uma sociedade em construção. Em

consequência, a primeira escola partiu de um movimento próprio realizado num espaço

onde as ações se desdobravam, onde criação e invenção eram nomes próprios, vistos pela

ótica das artes de fazer.

Assim, é a partir desse movimento de transformação, de criação, de invenção do

cotidiano que destinaremos nosso olhar para discutir a instituição da educação nos anos

iniciais do processo de colonização da cidade de Sinop.

Como apresentado no capítulo anterior, a maioria dos migrantes chegada a Sinop

era oriunda do sul do país e os colonizadores sabiam que os migrantes sulistas tinham na

educação um referencial, “que a escola fazia parte da sua cultura, que ‘mandar’ os filhos

para a escola era uma obrigação da família, e, portanto, caberia aos pais fazê-lo”

(PERIPOLLI, 2002, p. 121). Nas palavras da ex-professora Anísia Mendes Gobbo

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(depoimento 14/01/2012), “mesmo os pais vindo para aquele fim de mundo, [...] eles

queriam ver seus filhos estudando [...] a educação era o futuro”.

Utilizando-se da representação da educação para aquelas pessoas, a empresa

colonizadora anunciara em suas propagandas, além da terra farta, “que tudo dava56

”,

também a promessa de escola aos filhos:

O Seu Ênio, quando recebia as pessoas na Colonizadora para comprar

terras, ele fazia propagandas, [...], ele falava muito sobre educação, sobre

a escola. Para seu Ênio a escola era tudo, então ele incentivava muito as

pessoas que vinham aqui, ele falava: “Não, pode vir, seu filho vai ter

escola, vai estudar.” Ele prometia muito escola, então o pai já vinha

ciente de que o filho não ia ficar sem estudar. (GOBBO, depoimento

14/01/2012)

Contudo, mais uma vez as ‘promessas eram muitas’, mas a realidade encontrada era

outra. Muitos dos migrantes, na certeza de que haveria escola para seus filhos em Sinop, a

partir do que lhes fora prometido, esperaram chegar o mês de julho de 1973, para se

deslocar de suas cidades de origem, a fim de não prejudicar os estudos de seus filhos, visto

que aquele mês seria destinado às férias escolares, e, então, quando chegassem em Sinop,

apenas dariam continuidade aos estudos:

A colonizadora havia prometido para os pais que teria escola a partir de

julho de 1973, então muitos pais deixaram para vir para Sinop neste mês,

porque então, já teria escola. Mas, chegaram aqui e não tinha escola. A

colonizadora prometeu que haveria, mas a escola mais perto era em Vera.

(GUERRA, depoimento 25/01/2012)

Quando os migrantes chegaram na ‘cidade’, tudo estava em construção, era um

espaço conformado num verdadeiro ‘campo de obras’ – tudo estava por fazer, inclusive a

escola. A instituição escolar mais próxima, como pontuado no depoimento acima, se

localizava na cidade de Vera, distante 80 quilômetros de Sinop, cuja única estrada de

acesso não era pavimentada, ficando intransitável no período chuvoso, ou seja, naquele

restante de ano, provavelmente, não haveria possibilidades de que seus filhos pudessem dar

continuidade aos estudos.

56

Palavras utilizadas pela professora Terezinha Pissinati ao se referir, em seu depoimento, às propagandas

feitas pela colonizadora em relação à promessa da terra fértil.

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Foi então, que fugindo das teias da conformidade, os migrantes se organizaram

para ‘fazer a escola’ e reinventar, ao seu modo, o início de um ‘sistema escolar’ em meio

àquele campo aberto na floresta Amazônica ainda pouco habitado.

Organizados, os migrantes solicitaram à colonizadora, que lhes havia feito tantas

promessas, a construção de uma escola, considerando que não tinham acesso ao governo

estadual, e o poder municipal se localizava em Chapada dos Guimarães, também distante

500 km, cuja rodovia BR-163, que ligava as cidades na época, também sem pavimentação

asfáltica, dificultava demasiadamente o trânsito, além disso, a ausência de meios de

comunicação impossibilitava qualquer contato.

Nas recordações da professora Terezinha Pissinati Guerra (depoimento

25/01/2012), “os pais começaram a pressionar a colonizadora, os próprios migrantes

começaram a correr atrás, eles diziam: ‘vamos fazer a escola’, ‘quem faz o quê’, ‘quem vai

dar aula’, ‘precisamos arrumar professor’”.

Insistindo no sonho de construir a escola, os migrantes recorreram à colonizadora

que lhes forneceu os materiais para a edificação de uma sala de aula. De acordo com os

depoimentos, a colonizadora propôs uma troca – forneceria a madeira, telhas Eternit e

outros materiais, enquanto aos pais-migrantes caberia a mão de obra.

Não houve outra opção, “se não há escola, que inventemos uma! Pois, se tem

material, vamos fazer uma escola” (GUERRA, depoimento 25/01/2012), diziam os

migrantes. Assim, em regime de mutirão,

[...] juntaram-se uma turma de homens, [...] uma turma de gente, e ali

construíram a escola, poucos dias e a escola estava de pé, só que não

tinha cimento para fazer o piso, então ficou na terra mesmo, piso de chão

batido como alguns falam, se molhava - virava barro, aquele barro

branco, grudento; se deixava seco - era aquela poeira. As carteiras

foram feitas de tábua bruta, daquelas de sentar de dois, tudo foram os pais

que fizeram. Lembro que eram muito pesadas, não tinha como tirar do

lugar. E foi assim que tudo começou. (GUERRA, depoimento

25/01/2012)

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A pequena sala de aula – ‘a escola dos migrantes57

’, construída para atender as

crianças do povoado, ilustrada no início desta sessão, era “como uma casa de madeira, com

quatro janelas, uma porta e só... não tinha mais nada”. (GUERRA, depoimento

25/01/2012). Assim que ficou pronta, além de funcionar como escola, “passou a funcionar

como igreja, como salão de encontros, reuniões, para tudo servia o mesmo prédio”

(ibidem).

Sobre essa primeira sala, a Revista Sinop – Edição Histórica, publicada em 1994,

trouxe a informação de que:

Era uma simples sala de aula, construída em madeira, utilizada também

para reuniões comunitárias e eventos religiosos. Todo material para a

construção da sala, inclusive o terreno foi doado pela colonizadora Sinop,

mas a construção foi feita em regime de mutirão pelos pais dos alunos

que eram coordenados pelo pioneiro Braz Claro dos Anjos. (REVISTA

SINOP, 1994, p. 44)

Com a sala de aula construída, era preciso encontrar alguém que pudesse ‘ensinar’

as crianças. Mais uma vez os migrantes se organizaram e era preciso escolher os mais

instruídos para tal exercício. Nas lembranças da primeira professora, Terezinha Pissinati,

ao recordar de quando a procuraram para ser a professora, a mesma diz que aceitou tal

pedido devido à insistência dos pais. A professora mencionada tinha estudado até a sexta

série, no Paraná, não tendo tido qualquer experiência no magistério, mas as crianças

precisavam estudar, foi então que decidiu ajudar, se tornando a professora da ‘escola dos

migrantes’. Foi contratada para tal função pela empresa colonizadora.

Além disso, a ‘professora dos migrantes’ desempenhava outras atividades além de

exercer a docência, pois trabalhava na escola como faxineira e merendeira, o que

certamente a sobrecarregava: “Nos primeiros tempos, naquela primeira salinha era só eu:

fazia merenda, limpava a escola, fazia as matrículas, dava aula, era só eu aqui!”

(GUERRA, depoimento 25/01/2012).

Contudo, mesmo diante das dificuldades, tanto a professora como algumas mães de

alunos sentiam a preocupação de ‘formalizar’ a educação da pequena escola. Assim, para

que atividade escolar fosse institucionalizada, a ‘professora’, com auxílio da colonizadora

se dirigiram à cidade de Vera-MT, onde já funcionava, na Gleba Celeste, a Escola

57

Este termo foi o modo que encontrei para me referir à pequena sala de aula construída pelos migrantes.

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Estadual N. Sra. do Perpétuo Socorro, a fim de solicitar que a pequena sala de aula de

Sinop pudesse ser uma extensão da referida escola. Assim, com a solicitação formal junto à

Delegacia de Educação e Cultura do Estado de Mato Grosso, a pequena sala de aula foi

autorizada a funcionar como extensão da escola supracitada.

Saviani (2007) explica que, para satisfazer necessidades humanas, as instituições

são criadas como unidades de ação e que se constituem como um sistema de práticas com

seus agentes e com os meios e instrumentos por eles operados, tendo em vista as

finalidades por elas perseguidas. Contudo, esse processo de atendimento às necessidades

do homem primeiramente acontece de forma espontânea, não se distinguido os elementos

constitutivo, mas, a partir de certo estágio de desenvolvimento, exige-se a intervenção

deliberada, identificando-se as características específicas que diferenciam a atividade

realizada pela instituição das demais, às quais se encontrava ligada: “É a partir daí que

determinada atividade se institucionaliza, isto é, cria-se uma instituição que fica

encarregada de realizá-la. (SAVIANI, 2007, p. 5)

Assim, para atender suas necessidades, parte dos próprios migrantes a iniciativa de

criar uma instituição e, num segundo momento, entre os mesmos se percebe a exigência de

uma intervenção determinada, o que ocasiona a reivindicação por uma escola

‘institucionalizada’, uma vez que pretendiam não apenas ‘dar escola’ aos filhos, sendo

preciso que a escola ‘existisse’ legalmente. A pequena ‘escola dos migrantes’ ficou, deste

modo e desde seu início, vinculada à Escola de Vera, o que foi constatado pela

documentação encontrada da Escola Sinop, como livros de matrícula, diários de classe, ata

de resultados finais de exame, dentre outros, estar a mesma vinculada à Escola Estadual N.

Sra. do Perpétuo Socorro.

No entanto, em Sinop os migrantes chamavam informalmente a pequena sala de

aula por eles construída de Grupo Escolar Sinop, como foi constado nos depoimentos e nas

fontes encontradas, provavelmente por razão de que muitos dos migrantes tiveram tido

acesso a um Grupo Escolar ou simplesmente por se referir ao modelo de escola que eles

tinham presente em sua memória, já que esse termo já não mais era usado na década de

1970. A fotografia a seguir refere-se ao dia da Fundação de Sinop, 14 de setembro de

1974, quando os alunos da escola de Sinop representavam a extensão da Escola Estadual

N. Sra. do Perpétuo Socorro.

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Figura 19- Desfile cívico em comemoração à fundação de Sinop, 1974.

Fonte: Santos, 2011.

Contudo, há que se destacar o quanto o estado e o governo federal foram

negligentes para com a situação educacional durante o processo inicial de colonização no

norte mato-grossense. Percebeu-se, durante a investigação que, para que o processo de

ocupação da ‘nova’ fronteira se consolidasse, o Estado não poupou políticas públicas que

viabilizasse infraestrutura necessária, além da oferta dos incentivos fiscais e políticas de

crédito que estimulasse parte elite nacional e internacional a investir na região Centro-

Norte do país. Entretanto, o setor educacional não recebeu igual importância.

A promessa de ‘escola’ veiculada pelas propagandas da colonizadora sempre esteve

presente, mesmo por que a educação fazia parte do projeto colonizador, pois ia de encontro

aos interesse de manter e fixar o migrante naquelas terras, ou seja, a educação estava

certamente “a serviço da sociedade como instrumento na construção de uma cidade”

(TOMÉ, 2009, p. 10).

Pôde-se perceber que, posteriormente, a iniciativa dos migrantes de construir com

as próprias mãos a pequena sala de aula, contou com uma parceria entre colonizadora e

governo de Mato Grosso. Este último se fez presente quando ao autorizar o funcionamento

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de qualquer nova ‘escola’ que pudesse atender crianças das novas comunidades rurais que

surgiam a cada dia em Sinop, todas elas, assim como a ‘escola dos migrantes’, eram

pertencentes à escola do estado na Gleba Celeste, até 1976, a Escola N. Sra. do Perpétuo

Socorro da cidade de Vera.

Nos depoimentos, pode-se observar nitidamente isso:

Em março de19 75 o Osvaldo Sobrinho era secretário de educação, ele

veio para cá com duas técnicas para orientar todo o trabalho da região, aí

fomos todos para um encontro em Vera, e, ele falou com estas palavras,

“onde tiver dois ou três alunos e puder fazer uma escola de pau-a-pique

eu autorizo o funcionamento e contrato o professor” ele falou assim para

todos os pais, imagina a cidade estava começando, todos os pais se

sentiram seguros. (Depoimento Braz, em 08/12/2011)

Um ex-aluno descreveu a escola que estudou quando chegou em Sinop, uma escola

de comunidade rural no ano de 1976:

[...] a escola que eu estudei quando nós chegamos aqui, em outubro de

1976, praticamente no quarto bimestre, era um galpão, feito de pau a

pique, coberto de tabuinhas, e era uma sala só para atender as quatro

turmas: primeira, segunda, terceira e quarta série; era um professor só,

também. Então, aí depois, com o passar dos anos, depois, os pais se

reuniram com a colonizadora, com o prefeito na época, que nem

prefeito aqui não existia, tinha um administrador [...]. para construir

uma escola na comunidade. Daí foi construído, foi através da

colonizadora, que foi construída a escola, que até hoje ela tem o mesmo

nome, [...] a Escola Roberta [...]. E professor nós só tínhamos um

naquela época. Ele morava longe da escola, ele vinha a pé para a escola.

Ele morava a uns cinco quilômetros da escola [...], nós estudávamos a

tarde. E ele não era um professor formado, ele estudava na época,

ele fazia a oitava série. (SILVA, depoimento apud LANDO, 2002)

Desse modo, a preocupação não estava relacionada à qualidade do ensino,

tampouco à formação docente ou à aprendizagem dos alunos. Do que se pode inferir que o

importante era cumprir a promessa de ‘dar escola’ aos filhos daqueles migrantes, em

qualquer que fosse o espaço, mesmo que para isso não contassem com profissionais

habilitados. Assim, a cada nova comunidade que surgia, cujos alunos não pudessem

frequentar a sala de aula construída na cidade, devido à distância, improvisava-se um

espaço e escolhiam-se ‘os mais instruídos’ para exercer a docência. “E assim era: onde

tivesse 6, 7 alunos, misturava tudo e dava aula aonde fosse, podia ser na própria casa do

professor, já contratava o mais instruído, e funcionava ali uma escola”. (BRAZ,

depoimento 08/11/2011)

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Nas recordações da Professora Maria Augusta de Paula:

Com o fluxo de pessoas, devido o processo de colonização, vinha muita

gente todos os dias. E, para o S. Ênio era obrigatório, não podia ninguém

ficar fora da escola, pois era um comprometimento dele - como ele ia

vender as áreas, estabelecer o povo aqui e não oferecer a escola? Então,

se não tivesse escola para os filhos o povo não ficava. Na época isto tudo

era prometido, tinha que ‘dar escola’ porque senão como este povo iria

vir e não ter escola, e, o comércio do seu Ênio dependia disto. Também,

como ele vendia os lotes não só na cidade, como também fora, na área

rural, muita gente comprava estes lotes e ia para o sítio, as comunidades

iam se formando e com elas várias escolinhas iam se formando, porque

não podia deixar ninguém sem estudar, porque senão tivesse escola o

povo não ficava. (PAULA, depoimento 02/02/2012)

A imagem a seguir é ilustrativa de uma das tantas escolas de comunidades rurais ou

de madeireiras, que funcionava na casa do professor contratado e escolhido entre os mais

instruídos da comunidade para exercer a docência:

Figura 20- Escola da comunidade Nanci, 1979

Fonte: Acervo Particular Prof. Maria Lúcia Braz

Faz-se necessário mencionar que a legislação educacional da época, Lei Federal n.º

5.692/71, trazia logo no artigo 2°, a seguinte definição:

Art. 2º O ensino de 1º e 2º graus será ministrado em estabelecimentos

criados ou reorganizados sob critérios que assegurem a plena

utilização dos seus recursos materiais e humanos, sem duplicação de

meios para fins idênticos ou equivalentes.

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Com referência à formação dos professores, a mesma Lei menciona, especialmente

em seus Artigos 29° e 30° que:

Art. 29. A formação de professores e especialistas para o ensino de 1º e 2º

graus será feita em níveis que se elevem progressivamente,

ajustando-se as diferenças culturais de cada região do País, e com

orientação que atenda aos objetivos específicos de cada grau, às

características das disciplinas, áreas de estudo ou atividades e às fases

de desenvolvimento dos educandos.

Art. 30. Exigir-se-á como formação mínima para o exercício do

magistério: a) no ensino de 1º grau, da 1ª à 4ª séries, habilitação

específica de 2º grau; b) no ensino de 1º grau, da 1ª à 8ª séries,

habilitação específica de grau superior, ao nível de graduação,

representada por licenciatura de 1° grau, obtida em curso de curta

duração; c) em todo o ensino de 1º e 2º graus, habilitação específica

obtida em curso superior de graduação correspondente a licenciatura

plena.

Entretanto, a mesma legislação faz uma ressalva no Art. 77, parágrafo único:

Parágrafo único. Onde e quando persistir a falta real de professores, após

a aplicação dos critérios estabelecidos neste artigo, poderão ainda

lecionar: a) no ensino de 1º grau, até a 6ª série, candidatos que hajam

concluído a 8ª série e venham a ser preparados em cursos intensivos;

b) no ensino de 1º grau, até a 5ª série, candidatos habilitados em exames

de capacitação regulados, nos vários sistemas, pelos respectivos

Conselhos de Educação;

Contudo, naquele momento de ‘construção’ da cidade de Sinop, a “escola dos

migrantes” assim como as escolas das comunidades rurais que surgiam diuturnamente, não

obedeciam as prescrições higiênicas previstas em Lei, como também, no que se refere à

formação docente, porque principalmente nos dois primeiros anos do processo colonizador

(1973-1974) não havia pessoas licenciadas para tal atividade, o que veio ocorrer apenas a

partir de 1975, quando que a colonizadora começou a trazer professores com as

habilitações exigidas pelo preceito legal. Naquele momento inicial o importante para o

êxito do projeto de colonização era fixar o migrante que chegava com sua família e, este,

de acordo com os depoimentos obtidos, não permaneceria se não houvesse escola para os

filhos. Os migrantes, principalmente os sulistas, concebiam a educação formal como sendo

responsável pelo futuro de seus filhos, visto que a mesma representava a oportunidade que

muitos deles não haviam tido, mas que os filhos teriam garantido um futuro promissor com

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a formação escolar. Portanto, sem escola, a permanência daqueles que vieram para

construir com seu trabalho corria perigo.

Essa breve avaliação se fez importante para apresentar quais interesses estavam

intrínsecos à educação naquele momento inicial: em meio a tantas dificuldades de

sobrevivência em um lugar desconhecido, expostos aos perigos da floresta, à falta de

infraestrutura, adicionados à saudade dos amigos, parentes e da própria terra natal, a

possibilidade de os migrantes retornarem para seus lugares de origem era grande. Nessa

medida, a escola, assim como a igreja serviu como instrumento que alimentava o sonho

daquelas pessoas: a escola representava o sonho de um futuro melhor aos filhos e a igreja

era o lugar da fé, o lugar de conforto e renovação da esperança daquelas pessoas para que

tivessem ‘força’ para permanecer naquele local.

Contudo, a não fixação do migrante colocava em risco não só projeto de

colonização, que almejava êxito do seu ‘negócio’, mas também a política do Governo

Federal, que tencionava, sobretudo, agregar os espaços amazônicos à economia nacional,

assim como, com ele, oferecer alternativa para vazão dos problemas e conflitos sociais

ocorridos no Sul e no Nordeste do país. Nesse cenário, a escola era um forte componente

na fixação dos colonos, migrantes trabalhadores, mesmo que esta fosse de ‘pau-a-pique.’

E, assim, eram erguidas pequenas escolas em torno da cidade de Sinop – partidas das

iniciativas dos migrantes e, uma vez autorizadas e feitas as contratações, o apoio do

governo estadual com a colonizadora, cenário que permaneceu até 197658

, todas vinculadas

à Escola N. Sra. do Perpétuo Socorro e institucionalizadas.

Dessa forma, unidades escolares eram criadas a cada comunidade rural que surgia

na cidade, cenário que, infelizmente, ainda não foi superado em muitos espaços no país,

em pleno século XXI: locais improvisados, estruturas precárias, falta de merenda escolar,

de materiais, entre outros problemas, como nos mostram os trechos de matérias

jornalísticas de vinculação nacional, produzidas recentemente em diferentes estados

federativos:

Inhapi, Alagoas:

Alunos da 1ª à 4ª séries dividem o mesmo espaço - e que espaço!

Nenhuma autoridade apareceu na escola estadual dos índios koiupanká.

58

A partir de 1976, a escola em Sinop foi oficialmente instituída enquanto instituição estadual.

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“Não, ninguém procurou”, diz a professora Maria de Lurdes dos Santos.

Este ano, Inhapi recebeu do Fundeb, o Fundo da Educação Básica,

exatamente R$ 3.178.887,00. Em nota, a Secretaria Estadual de Educação

informou que já foram abertos processos para reforma e ampliação das

escolas, e construção de novos prédios. Enquanto isso não acontece, a

aluna Valdirene da Conceição vai continuar sonhando: “Uma escola

espaçosa que tenha a parte da 1ª série, da 2ª , da 3ª e 4ª série,

(Fonte: Site Fantástico, 2007. Edição do dia 18/11/2007)

Figura 21- Aluna da Escola Estadual dos índios Koiupanká

Fonte: Site Fantástico, 2007. Edição do dia 18/11/2007

Caxias, Maranhão:

Em Caxias, alunos têm aulas embaixo de uma mangueira, onde as

mangas servem de merenda escolar. Ainda em Caxias: uma escola

municipal que não pode funcionar à noite, por falta de energia elétrica.

Nós encontramos a professora dando aula no quintal da casa de uma

aluna. “O jeito da gente é estudar assim, não tem como estar lá no escuro,

a gente não enxerga de noite”, queixa-se a aluna Elisângela Conceição. A

energia elétrica está a apenas 50 metros da escola.

Fonte: Site Fantástico, 2007. Edição do dia 18/11/2007

http://fantastico.globo.com/Jornalismo/FANT/0,MUL697894-

15605,00.html

Distrito de Pedra Miúda, Município de Capoeiras, Pernambuco:

A única escola do distrito de Pedra Miúda está sem telhado. A professora

tinha 19 alunos. Parte da turma arranjou vaga numa escola, distante dez

quilômetros. Para não deixar as outras crianças fora da escola, a

professora decidiu dar aulas no município vizinho. Para chegar à escola

de Bezerros, são dois quilômetros à pé. Só que no meio do caminho fica a

barragem do rio Ipojuca. É sobre a murada da represa, alagada, que a

professora e oito crianças atravessam todos os dias. “Tem que prender os

pés na barragem para não escorregar”, disse um aluno. Cinco alunos da

professora estão sem aulas porque os pais não permitem que elas

atravessem o rio.

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Fonte: Site Jornal Hoje, edição do dia 31/05/2005

http://g1.globo.com/jornalhoje/0,,MUL1148233-16022,00-

CONDICOES+PRECARIAS.html

No entanto, tais apontamentos servem para evidenciar o descaso, as desigualdades

que estão a exigir uma discussão mais aguçada sobre políticas públicas educacionais, o que

não será refletido neste trabalho, por estar delimitado aos estudos da cultura escolar da

primeira instituição educacional de Sinop, eleita como objeto da presente pesquisa.

Todavia, não poderíamos deixar de mencionar sobre a formação dessas outras escolas que

surgiam em comunidades distantes da cidade, as quais estavam todas vinculadas à ‘escola

dos migrantes’, e que também integraram a história que emolduram o recorte cronológico

em estudo.

Entretanto, é interessante perceber que na história da educação a questão da

precariedade material da escola, vem há muito tempo sendo tema de discussão. Faria Filho

e Vidal (2000) nos ajudam a compreender que a realidade material da escola brasileira já

era ainda tema de debate no século XIX. Os autores pontuam que na década de 1870, os

diagnósticos elaborados por diferentes profissionais que atuavam na escola ou na

administração dos serviços da instrução ou ainda políticos, eram unânimes em afirmar a

precariedade dos espaços ocupados pelas escolas, sobretudo as públicas, defendendo a

urgência de se construir espaços específicos para a realização da educação primária.

Assim, os autores nos informam que, na forma de denúncia, circulavam nos jornais

matérias que caracterizavam o ensino primário por sua precariedade, citando, para isso, um

editorial de A Província de São Paulo de 1876:

Como o professor é pobre e escasso o ordenado, instala a escola numa

saleta qualquer, contando que seja barata e lhe não absorva o ordenado. A

título de mobília procura dois ou três bancos de pau, uma cadeira para si,

uma mesa onde ao menos possa encostar os cotovelos e tomar notas, um

pote e uma caneca, e aí temos armado o alcatifado palacete da instrução.

Agrupam-se aí dentro 20, 30 ou 40 crianças, tendo por único horizonte as

frestas sombrias de uma rótula e durante quatro ou cinco horas diárias

martirizam os ouvidos e as cordas vocais da laringe em insólito berreiro,

respirando ar viciado e poeira, arruinando a saúde, cansando a

inteligência, matando a vontade de aprender, a natural curiosidade infantil

e a paciência [...]. O resultado é tornar-se a escola o mau sonho das

crianças. (A PROVÍNCIA DE SÃO PAULO, 13/01/1876, apud FARIA

FILHO; VIDAL, 2000, p. 23)

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Vários aspectos usados pelos críticos à escola oitocentista resumiam-se nos

escassos salários dos professores, na falta de prédios apropriados ao ensino, na pobreza

material e metodológica das aulas e na ausência de observância às prescrições higiênicas.

No entanto, esse cruzamento entre o passado e o presente do que se refere à questão

infraestrutural da escola, permite-nos perceber o quanto ainda é instigante tal situação –

foram e ainda são as muitas ‘reinvenções’ de escolas Brasil, até se conseguir minimamente

acesso à educação.

As muitas escolas das comunidades rurais que surgiam em Sinop, ao arremedo da

‘escola dos migrantes’, eram a cada dia reinventadas: com alunos das mais diferentes

idades e séries ocupando um único espaço, com professora que ‘aprendera’ a ‘ensinar’,

com seus pais que viam na profissão a oportunidade do futuro melhor para seus filhos, com

seus materiais improvisados, como cadernos inventados de papel de embrulho, enfim, com

suas marcas tatuadas num passado não tão distante. A ‘escola dos migrantes” mesmo com

o descaso do estado e com tantas dificuldades, e após tantos anos já corridos, tantas voltas

que deu a vida, mesmo e ainda assim, toda pobreza daquela velha escola ainda se impõe59

.

Impõe-se através de uma história singular e única que se materializa numa história maior,

universal.

Nessa ótica, a história ‘micro’ que estamos discutindo se reflete numa história

‘macro’, universal, todavia, não na perspectiva de progresso, de absoluto, narrada pelo

discurso habitual dos “vencedores”, como nos ensina Walter Benjamin em suas teses

críticas, mas pensada pela sua origem60

, com uma certa embriaguez61

que possibilite

entendê-la a partir dos inúmeros significados de se ver/conceber o mundo, uma vez que

para este autor não é preciso se pensar “para além do mundo”, como propõe a Filosofia,

mas, entender que o mundo que se procura é a entrelinha da própria vida cotidiana, e é este

cotidiano de uma ‘escola reinventada’ pelas mãos dos próprios migrantes, pelas vias das

artes de fazer, que nos propomos a narrar.

59

Cf. versos de Coralina (2004) 60

A origem, na concepção de Benjamin (1987), é profundamente histórica, uma vez que a restauração da

origem não pode cumprir-se através de um suposto retorno às fontes, mas, pelo estabelecimento de uma nova

ligação entre o passado e o presente. 61

Benjamin utiliza o termo embriaguez, no texto O Surrealismo: o último instantâneo da inteligência

europeia (1987), no sentido de encorajamento que o ser humano precisa entender, ver o mundo livre de

amarras que nos são impostas pela sociedade em geral.

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2.3. “Só tinha giz e quadro62

”: da “escola dos migrantes” a “escola-

galinheiro”63

Figura 22 - Salas de aula construídas em substituição à primeira sala de aula feita pelos migrantes,

1974

Fonte: Patrimônio Histórico de Sinop. 2011.

Minha escola primária...

Escola antiga da antiga mestra.

Repartida em dois períodos

para a mesma meninada

(...)

A casa da escola inda é a mesma.

- Quanta saudade quando passo ali!

Rua Direita, nº 13.

Porta da rua pesada,

Escorada com a mesma pedra

da nossa infância.

Porta do meio, sempre fechada.

Corredor de lajes

E um cheirinho de rabugem

62

Subtítulo baseado nas palavras da professora Terezinha Pissinati (Depoimento 25/01/2012) 63

Maneira com que todos se dirigiam à escola construída pela colonizadora em 1974, devido ao formato de

suas paredes semelhantes a um galinheiro.

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Dos cachorros de Samélia.

(...)

À direita – sala de aulas.

Janelas de rótulas

Mesorra escura

Toda manchada de tinta

das escritas.

(Cora Coralina, Mestra Silvina, 2004)

Nos fragmentos do poema de Cora Coralina é possível perceber que a poetiza, ao

recordar de sua escola, prende-se em detalhar espaço e tempo escolar por ela

experienciados.

Os versos permitem-nos associar às recordações de ex-professores e alunos que

vivenciaram a escola a qual me propus investigar, uma vez que em todas as narrativas

pode-se observar a descrição precisa dos espaços e da organização do tempo escolar,

entrelaçados às lembranças dos trabalhos escolares, dos nomes dos colegas, enfim, do

cotidiano escolar. Como no poema de Coralina, “as marcas espaciais e temporais da

memória ressurgem inscrevendo as experiências escolares da infância entre as horas do

relógio e as paredes da casa”. (FARIA FILHO; VIDAL, 2000, p. 19)

Viñao Frago e Escolano (2001) explicam que qualquer atividade humana precisa de

um espaço e de um tempo determinado e que, portanto, isso também acontece com a

educação, que possui uma dimensão espacial onde espaço e tempo constituem a atividade

educativa.

No entanto, os autores acrescentam que:

A ocupação do espaço, sua utilização, supõe sua constituição como lugar:

O ‘salto qualitativo’ que leva do espaço ao lugar é, pois, uma construção.

O espaço se projeta ou se imagina: o lugar se constrói. Constrói-se ‘a

partir do fluir da vida’ e a partir do espaço como suporte; o espaço,

portanto, está sempre disponível e disposto para converter-se em lugar,

para ser construído. [...] A escola, pois, enquanto instituição, ocupa um

espaço e um lugar. Um espaço projetado ou não para tal uso, mas dado

que está ali, e, um lugar por ser um espaço ocupado e utilizado. (VIÑAO

FRAGO; ESCOLANO, 2001, p. 61-62)

Um lugar que para Certeau (1998) é transformado a todo instante em espaços

praticados e vice-versa, um lugar que sugere um jogo, uma dinâmica onde seus

‘habitantes’ transformam, criam e recriam os seus modos de viver.

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Faria Filho e Vidal (2000), ao analisar os tempos e espaços escolares no processo

de institucionalização da escola primária no Brasil, reportam-se às contribuições de

Agustín Escolano (1998)64

, o qual entende que nem o espaço e nem o tempo escolar são

dimensões neutras do ensino, simples esquemas formais ou estruturas vazias da educação.

Oposto a isso, afirma que operam como uma espécie de discurso que institui, em sua

materialidade, um sistema de valores, um conjunto de aprendizagens sensoriais e motoras e

uma semiologia que recobre símbolos estéticos, culturais e ideológicos:

O espaço comunica; mostra, a quem sabe ler o emprego que o ser

humano faz dele mesmo. Um emprego que varia em cada cultura; que é

um produto cultural específico, que diz respeito não só às relações

interpessoais – distâncias, território pessoal, contatos, comunicação,

conflitos de poder -, mas também à liturgia dos objetos e dos corpos –

localização e posturas – à sua hierarquia e relações. (VIÑAO FRAGO;

ESCOLANO, 2001, p. 64).

Contudo, reforçando essa análise com Sá (2007) é possível destacar, no que se

refere ao tempo e espaço escolar, que eles estão intimamente relacionados à construção da

identidade dos alunos:

Os calendários, horários e a ordem espacial das instituições permanecem

espelhados nos trabalhos e nos dias das crianças e dos professores, assim

como boa parte dos parâmetros que delimitam a cultura da escola e as

relações desta com a comunidade em que se insere. (SÁ, 2007, p. 131)

Nesse momento pretende-se discutir sobre os aspectos iniciais da organização do

tempo e do espaço escolar, essa operação ‘discursiva’ relacionada à distribuição e

utilização que eles são capazes de instituir em sua materialidade, uma vez que nos detemos

de narrativas que demonstram o quanto pedagogicamente, “tanto o espaço quanto o tempo

escolar ensinam, permitindo a interiorização de comportamentos e de representações

sociais”. (FARIA FILHO; VIDAL, 2000, p. 20).

Assim, voltando ao enfoque da organização inicial do tempo e espaço escolar,

destacamos que a ‘escola dos migrantes’ entrou em funcionamento no dia 5 de setembro de

1973 e as aulas permaneceram ali até o final do primeiro semestre de 1974.

64

ESCOLANO, Agustin. Arquitetura como programa. Espaço-escola e currículo. In: ESCOLANO, A.;

VIÑAO FRAGO. A. Currículo, espaço e subjetividade. A arquitetura como programa. Editora. Tradução

Alfredo Veiga-Neto. Rio de Janeiro: DP&A, 1998.

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Nas recordações de ex-professores e alunos sobre esse espaço escolar, destacamos

alguns depoimentos que revelam detalhes daquele primeiro momento da escola, que se

assemelham às particularidades destacadas nos versos de Coralina:

[...] a escola ficava ali na Rua das Aroeiras, na esquina [...] onde hoje é a

casa do Toninho do Machado [...], era ali que funcionava a escola.

(GUERRA, depoimento 25/01/2012)

Não tinha nenhum conforto, era tudo adaptado [...], a própria professora

que fazia o lanche com ajuda de algumas mães, era uma casa, construída

tudo improvisado, não tinha piso, era chão batido. Lembro que as

carteiras da sala eram aquelas de sentar em dois, eram pesadas, foram os

pais que fizeram, senão, não teríamos onde sentar. (SILVA, depoimento

07/02/2012)

A escola, uma pequena casa, como já dito, fora improvisada pelos próprios

migrantes, o que nos possibilita discutir que, desde o século XVIII, não é novidade para a

instituição escolar no Brasil improvisar salas de aula. Como reforçam Faria Filho e Vidal

(2000, p. 21),

O período colonial legou-nos um número muito reduzido de escolas

régias ou de cadeiras públicas de primeiras letras, constituídas, sobretudo,

a partir da segunda metade do século XVIII. Com professores

reconhecidos ou nomeados como tais pelos órgãos de governos

responsáveis pela instrução, essas escolas funcionavam em espaços

improvisados, como igrejas, sacristias, dependências das Câmaras

Municipais, salas de entrada de lojas maçônicas, prédios comerciais, ou

na própria residência dos mestres65

.

Dessa forma, a ‘improvisação’ da educação parece não ter sido superada no

decorrer dos séculos, uma vez que ainda hoje, em muitos lugares, ainda se improvisam

escolas e professores. Contudo, tal crítica nos obrigaria a rever muitas outras questões

político-sociais, mas apenas faço para destacar as muitas falhas na educação que persistem

ao longo da história, assim como o descaso para com que a educação de Sinop desde os

primeiros anos de colonização, precisando ser ‘improvisada’ pelos migrantes preocupados

para com a educação de seus filhos.

Entretanto, centremos a discussão nos detalhes que conseguimos perceber em

relação à organização da escola, do início do processo de escolarização em Sinop.

65

Faria Filho e Vidal, para tal explanação, citam Barbanti, 1977, e Hilsdorf, 1986.

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Em relação aos materiais, inicialmente foram doados pela colonizadora: “só tinha

giz e quadro” (GUERRA, depoimento 25/01/2012) e, os alunos recebiam apenas os

básicos, como caderno, lápis e borracha: “Se precisava fazer um cartaz, não tinha material,

às vezes tinha papel de embrulho, mas até este era difícil de conseguir naquele começo”.

(GUERRA, depoimento, em 25/01/2012).

Contudo, a Escola de Vera, N. Sra. do Perpétuo Socorro, que a sala de Sinop estava

vinculada, era dirigida por irmãs católicas da congregação Santo Nome de Maria, vindas

da Alemanha, após a Segunda Guerra Mundial, para a cidade de Maringá-PR, e

posteriormente convidadas e trazidas pelo colonizador Ênio Pipino para direcionar os

trabalhos educacionais e sociais da Gleba Celeste.

De acordo com depoimentos, as irmãs providenciavam tudo o que estivesse ao seu

alcance. Traziam de Maringá, do Colégio Santo Inácio, materiais, como livros, cartilhas,

giz, cadernos, entre outros, que pudessem dar o apoio básico à primeira professora:

O que vinha para nós era de Maringá, o que as irmãs usavam lá no

Colégio Santo Inácio, era mandado para cá. Aí, quando o Seu Ênio vinha

com o avião, então as irmãs de lá mandavam as coisas pra cá. Então o

material que a gente tinha era este – primeiro vinha pra Vera e então eles

mandavam um pouquinho pra cá, e a gente se via com este material.

(GUERRA, depoimento 25/01/ 2012).

Nós tínhamos o básico de tudo, não tinha nenhuma diversidade – era o

lápis, a borracha e o caderno. Alguma coisa era comprada, mas a maioria

era doada, vinha da Alemanha, que as irmãs conseguiam e traziam para

cá. (SILVA, depoimento 07/02/ 2012).

Há que se referenciar ainda que a pequena sala de aula em Sinop, durante todo seu

tempo de seu funcionamento (de setembro de 1973 a julho de 1974), trabalhava em regime

de classe multisseriada, onde os alunos de 1ª a 4ª séries estudavam todos juntos na mesma

classe e regidos pela mesma professora.

As disciplinas trabalhadas nesse regime se dividiam em: Comunicação e Expressão,

Matemática e Ciências, Integração Social, com mais exigência para com o ensino da leitura

e do cálculo. Para a organização das disciplinas, era utilizado o mesmo quadro de horários,

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grade curricular e calendário letivo da Escola N. Sra. do Perpétuo Socorro, elaborados

pelas irmãs66

.

Assim, desde o início do processo de escolarização de Sinop, houve a preocupação

de se organizar o tempo escolar. De acordo com Sá (2007, p. 143):

Essa preocupação com o tempo e a sua utilização, escolar ou não, está no

cerne da modernidade, e não poderia deixar de ser um aspecto central no

interior dos processos de escolarização, onde as crianças precisam

aprender a ler e a entender o sistema de relógios e calendários.

Contudo, a opção pelo ensino em classe multisseriada deu-se para que, naquele

momento inicial, todas as crianças da comunidade tivessem acesso à escola, No início, com

poucos alunos, funcionava apenas no período matutino, mas logo, com o aumento diário da

demanda, outra turma fora formada no período vespertino, visto que a sala de aula era

muito pequena para abrigar muitos alunos. Contudo, o trabalho em regime multisseriado

não foi uma experiência fácil, nas recordações da primeira professora:

As turmas eram misturadas - as quatro turmas juntas, eu tinha que dar

aula para quatro turmas, aí eu pensava: “nossa, eu nunca dei aula antes e

dar aula para quatro turmas em uma só sala”. [...] as crianças eram muito

curiosas, às vezes você estava dando um conteúdo para a 3ª e para a 4ª, os

alunos da 1 ª e da 2ª ficavam perguntando: “por que isto? Por que

aquilo?” Então, tinha que falar: “olha, você cuida da sua parte, que agora

é a parte dos outros, você vai chegar lá daqui mais uns anos” [...]. Tinha

que passar matéria para a primeira série, depois para a segunda, depois

para a terceira e por último para a quarta série.

[...]

A gente não tinha uma biblioteca, não tinha nada. Então, você muitas

vezes perdia horas sem saber por onde começar. Lembro-me que eu

falava: e amanhã o quê que eu vou dar? O quê eu vou fazer? Você

não podia pegar a matéria de 2ª série para dar numa 3ª, [...] você tinha

que ver o quê ia dar, e não tinha de onde tirar, as vezes você trabalhava

até altas horas da noite para preparar, as vezes tirando da própria

cabeça, lembrando daquilo que você aprendeu no passado, pra poder

ter alguma coisa pra trabalhar com o aluno, então, não era fácil não! (GUERRA, depoimento, 25/01/2012)

Nesse contexto, tais particularidades comprometiam o processo de ensino-

aprendizagem. Além da precariedade da estrutura física da escola, as dificuldades

relacionadas à falta de material, além do agravante de contar com alunos de diferentes

66

Cf. GUERRA, depoimento 25/01/2012.

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idades e diferentes níveis de aprendizagem reunidos em uma só classe, caracterizaram as

primeiras escolas de Sinop.

Contudo, em julho de 1974, devido à migração acentuada com aumento do número

de alunos, a colonizadora, com a finalidade de cumprir com a promessa de ‘dar’ escola aos

filhos dos migrantes e visando manter o êxito do projeto de colonização, construiu três

novas salas de aulas, transferindo duas das irmãs católicas, de Vera para Sinop, para atuar

junto às escolas.

Assim, a pequena sala de aula, a originária ‘escola dos migrantes’, deixou de

funcionar, sendo, então, os trabalhos desenvolvidos no ‘novo prédio’ a partir de julho de

1974, porém, mantendo-se enquanto extensão da Escola N. Sra. do Perpétuo Socorro, sob o

regime de classes seriadas, de 1ª a 6ª série, contando com o trabalho mais efetivo da

congregação cristã.

De acordo com os depoimentos colhidos, a ‘nova’ escola, apresentava um design

arquitetônico diferente – era de madeira, suas paredes feitas de ripas, guardando espaço

entre as mesmas para a entrada da luz do sol e para arejar, já que não havia energia elétrica

e o calor no período de seca intensa tornava difícil a adaptação daqueles que vinham do

sul, acostumados com um clima mais fresco.

Por seu formato ‘diferente’, à nova sede da escola ficou conhecida como ‘escola-

galinheiro’, de acordo com lembranças de ex-professoras e alunos:

A escola era um modelo inclinada e na frente e atrás eram feitas com

aquelas ripas que pareciam mesmo um galinheiro! (BRAZ, depoimento,

08/12/2011)

Eram umas salinhas que o povo chamava de ‘galinheiro’ por que as

paredes eram de ripas, distantes umas das outras. (GUERRA,

depoimento 25/01/2012)

Era salinhas de madeira que a Irmã Edita chamava de galinheiro e aí

pegou, todo mundo chamava de escola galinheiro, foi construída pela

colonizadora. (DE PAULA, depoimento 02/02/2012)

A escola daqui era naquele formato engraçado, com aqueles pilares

vermelhos, pintada toda de azul, era muito limpa, não tinha uma sujeira

se quer! (BÉRGAMO, depoimento 17/01/2012)

A fotografia a seguir estampa os detalhes da escola chamada informalmente de

‘galinheiro’:

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112

Figura 23 - Vista aproximada das salas construídas pela Colonizadora, 1978

Fonte: Patrimônio Histórico de Sinop, 2011

O problema da nova construção ocorria no período chuvoso, quando durante seis

meses as chuvas são intensas. Conforme os entrevistados, as salas ficavam alagadas devido

aos espaços deixados entre as ‘ripas’ que compunham a parte dianteira e traseira das salas

de aula:

Acho que foi construída daquele jeito para passar a luz do sol, para arejar

e para iluminar, mas, por causa daqueles espaços entre as ripas, quando

chovia molhava tudo e eram seis meses só de chuva, imagina como era,

tinha que encaixar os alunos tudo num canto só, para não molhar eles.

(BRAZ, depoimento 08/12/2011)

Contudo, entendemos com Sá (2007, p. 131) que:

A arquitetura se apresenta enquanto modo de representação das intenções

culturais que a ela mesma subjazem. Os lugares construídos alicerçaram

os tempos educativos, isto é, os ritmos que regularam a dinâmica da

escola e os comportamentos das pessoas que protagonizaram as

experiências de escolarização.

O processo de migração da cidade, após a fundação em 1974, foi intenso. O número

de famílias que chegava todos os dias era grande e, com elas, novos alunos requeriam lugar

na escola da cidade.

Assim, gradualmente, de 1975 até 1979, foram sendo construídas mais salas de

aulas no mesmo estilo das outras três. O total de salas chegou a sete, além daquelas

improvisadas na igreja, visando atender a todos os alunos:

[...] uma vez nós não tínhamos salas suficientes para atender todos os

alunos, nós atendemos, acho que mais de um ano, [...] no barracão da

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igreja Santo Antônio [...]. Então eram umas mesas improvisadas com

banquinhos, aí uma vez nós levamos o Osvaldo Sobrinho lá pra

ver a realidade, ele viu. Aí, nós tínhamos instruído alguns alunos já para

fazerem o pedido pra ele, das carteiras, que ele estava vendo a situação, e

na ocasião os alunos então fizeram o pedido, e tal. E ele mandou depois

as carteiras, então nós ganhamos as carteiras, eu sei que funcionou um

bom tempo, afinal nós não tínhamos um local para atender, sei que não

ficava criança de fora, sem estudo não. (SÃO JOSÉ, depoimento apud

LANDO, 2002)

Além disso, a ‘escola-galinheiro’ passou a funcionar em três períodos, sendo um

deles chamado de intermediário, entre o período matutino e vespertino, uma vez que a

noite não era possível seu funcionamento devido à ausência de energia elétrica:

[...] por muitos anos a gente tinha o período assim: das 6 :30 às 10:30, das

10:30 às 14:30 que era o intermediário, depois das 14:30 até 18:30...por

que a demanda era muito grande e a noite não tinha energia

elétrica...sempre foi um crescimento acelerado, até me assusta! Me parece

que Sinop não nasceu, ela explodiu! (BRAZ, depoimento 08/11/2011)

Como já dito, observou-se que desde a pequena ‘escola dos migrantes’ sempre se

teve uma preocupação com a organização do tempo e espaço escolar, com o currículo, com

o que seria importante ensinar, com o que era necessário manter em relação aos costumes e

valores trazidos da cultura sulista, sendo que esta, desde os primórdios da colonização

sofrera influências culturais alemãs, italianas, polonesas, entre outras culturas europeias, e

que no cenário mato-grossense, certamente sofreria alterações.

Em referência à organização do tempo escolar, corroboro com as concepções de

Faria Filho e Vidal (2000, p. 33) ao explicar que:

A distribuição do tempo escolar em aulas, períodos, anos e cursos indica

também uma concepção sucessiva e parcelada do ensino. Segmentados,

os conhecimentos se acumulam, sem necessariamente se relacionar. O

tempo escolar se associa às horas em que se permanece na escola,

contabilizadas em sinetas, recreios, cadernos, da mesma maneira que nos

ponteiros do relógio. O que se faz durante esse tempo é o objeto em

disputa. Como se gasta ou usa o tempo de estada no espaço escolar é o

que cada vez mais se põe em xeque à medida que se alteram as demandas

sociais.

Em relação às influências culturais, mais especificamente na educação de Sinop,

desde seu início foi marcante a influência das irmãs católicas que, como já dito, eram de

origem alemã, vindas do estado do Paraná. De acordo com os documentos escolares

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encontrados, como diários de classe, fotografias, calendário escolar, além dos próprios

depoimentos colhidos, é possível compreender a influência dos trabalhos das irmãs na

inculcação de normas, valores e juízos sob a ótica da cultura a qual faziam parte,

fundamentados pelos os princípios educacionais europeus e cristãos, que determinavam

todas as decisões desde a ‘escola dos migrantes’ à ‘escola galinheiro’.

Entretanto, a manutenção desses costumes e normas trazidos de outro local se

realizava em um espaço muito diferente, uma vez que a realidade vivenciada pelos alunos

naquele momento era outra: em meio a um descampado da Floresta Amazônica, uma ‘casa

estranha’ de madeira que não tinha forma de escola e onde faltava praticamente tudo, ainda

assim eram mantidos os costumes do Colégio de Maringá de onde as freiras advieram.

Essas religiosas se responsabilizavam desde a escolha de materiais a serem utilizados pelo

professor, planejamentos de aulas e até a definição do uniforme escolar, feito com um

tecido de tergal, considerado ‘quente’ para ser usado na região norte mato-grossense,

recordado por uma ex-aluna:

[...] era camisa branca, saia azul com duas pregas na frente e duas atrás.

Aquelas pregas tinham de ser frisadas, ‘aí’ de você se chegasse na escola

sem as pregas frisadas! [...] era de tergal, imagina aquele tecido no calor

de Mato Grosso! Era por que era coisa que se usava lá no Sul. Nós

usávamos também meia ¾ e conga ou 'kichute' azul, todos iguaizinhos!

(BÉRGAMO, Depoimento 17/01/ 2012)

De acordo com a fonte iconográfica de um desfile cívico em que os alunos

tradicionalmente participavam, é possível constatar o relatado:

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Figura 24- Pelotão das alunas uniformizadas, com uniforme característico do Sul do país, 1978

Fonte: Santos, 2011

Tais particularidades culturais nos permite fazer uma análise de que não era

‘qualquer’ escola que fôra prometida àquela gente, mais do que isto, a intenção era

reproduzir uma escola ‘igual’ à do Paraná67

, reconhecida por seu ensino, sua rigorosidade

na cobrança do aprendido, mesmo porque a possibilidade de fixação do migrante-

trabalhador fosse maior, além disso, o colonizador se utilizava da escola como proposta de

atrair os migrantes, assim, nada mais atraente do oferecer uma com as características de

uma escola que no sul, que era particular e muito bem reconhecida. Porém, muitos

daqueles migrantes não teriam condições de pagar e, ali naquele ‘Eldorado’, a colonizadora

oferecia-lhes de ‘graça’. Assim, não só o sonho da terra alimentava a esperança dos

migrantes, mas o sonho de uma escola de qualidade que, no sul, eles não teriam condições

de manter seus filhos, mas, naquele novo espaço ela representava mais um ‘sonho’ que se

concretizaria.

67

O Colégio Santo Inácio tem sua origem no Brasil da década de 50, quando os padres jesuítas que se

instalaram na cidade de Maringá-PR, trouxeram as Irmãs Missionárias do Santo Nome de Maria, sediadas até

então na Alemanha, para atender as necessidades da comunidade. O colégio Santo Inácio tem como

mantenedora a Sociedade Cultural Santo Inácio, constituída pelos membros da Congregação das Irmãs

Missionárias do Santo Nome de Maria. A congregação foi fundada na Alemanha pelo bispo de Osnabruck,

D. Wilhelm Berning, em 25 de março de 1920, com a finalidade de preservar e propagar a fé católica no

norte da Alemanha e além fronteira. O serviço de evangelização se estendeu por cidades da Alemanha,

Suécia, Paraguai e Brasil. Fonte: http://www.colegiosantoinacio.com.br.

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Nesse sentido, uma escola semelhante à escola do Sul, com as características de um

ensino ‘rigoroso’, ‘tradicional’ e fundamentado numa filosofia cristã, garantiria a

‘qualidade’ da educação, mesmo em meio à floresta:

A colonizadora tinha apoio da Alemanha. O pessoal da Alemanha

mandava materiais para Maringá no Colégio Santo Inácio e a D. Nilza

trazia de avião para cá. O planejamento das aulas as irmãs seguiam mais

ou menos o do colégio Santo Inácio. Elas davam tudo pronto no começo

por que tinha professor que não tinha formação nenhuma, então para ficar

tudo igual elas entregavam tudo pronto. (BRAZ, depoimento 08/11/2011)

As irmãs traziam muita coisa da escola de Maringá, praticamente tudo

que tinha mesmo sendo pouco, era de Maringá. Tudo que era trabalhado

era baseado nos livros que as irmãs traziam de lá, ai tinha a parte de

geografia do estado que era daqui de Mato Grosso. [...] Era uma escola

muito exigente: tinha reunião todo final de mês, a gente tinha de prestar

contas para as irmãs, tinha que explicar o porquê das notas dos alunos e

os alunos tinham que ter as notas para passar de ano, não tinha conversa,

senão não passava mesmo! [...] O Colégio Santo Inácio de Maringá era

um colégio bem puxado. Como as irmãs vieram de lá, trouxeram muito

materiais, como elas davam aula lá, elas queriam que a gente ensinasse

meio parecido aqui. (GUERRA, depoimento 25/11/2012)

A opção encontrada pela professora no início e, posteriormente, pelos novos

professores que chegavam à cidade, era seguir os livros didáticos, as cartilhas, os

planejamentos elaborados pelas irmãs católicas, assim como as orientações pedagógicas

concedidas pelas mesmas, o que, de certa forma, impunha um currículo deslocado da vida

e da cultura local, visto que os materiais, os conteúdos trabalhados, assim como os

costumes, eram inspirados no modelo da escola do Paraná.

Para tanto, fundamentamo-nos na ótica de Certeau (1998), para quem não se pode

deduzir diretamente sobre o uso dos produtos que são fabricados e impostos por um lugar,

mas o modo com que eles e suas práticas são incorporados por aqueles que não as

produziram, que transformam aos seus modos as ordens estabelecidas. Tomou-se o

cuidado para perscrutar nos depoimentos obtidos, na materialidade das fontes, aquilo que

não se foi percebido, visto que, por mais que se intentasse implantar um sistema

educacional culturalmente paranaense isso era ‘escapável’ à ordem, primeiro porque

pessoas de outras regiões do país começavam a migrar para Sinop, como do sudeste e

nordeste, e também pelo fato de que a realidade mato-grossense era completamente

diferente. Nas palavras das primeiras professoras, é possível verificar alguns detalhes que

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nos fazem entender que era preciso incorporar a nova realidade à vida dos alunos, mesmo

sendo impostas outras escolhas na esfera do ensinar:

Eu fazia perguntas para eles do tipo: Qual o seu estado? Em que cidade

você mora? Qual é a capital do estado? Que país você mora? A capital do

país, o nome da cidade, o nome do prefeito- que não tinha, porque era em

Chapada e ninguém o conhecia, daí então, pedia quem era o dono da

colonizadora? Quem é o comandante da cidade? Porque daí eles

aprendiam que o dono da colonizadora era o seu Ênio e o que comandava

a cidade era S. Ulrich68

, assim era feito os estudos sociais, mas mais

regional. (GUERRA, depoimento 25/01/2012)

Eu tinha que associar a realidade do que a gente estava vivendo com as

minhas aulas, então a minha metodologia era adaptada assim: para

ensinar uma letra eu associava a mata, a floresta, o rio. Então, eu fiz meu

método! Eu associava à nossa realidade, não tinha outro jeito, por que

senão era difícil para ensinar. (BRAZ, depoimento 08/11/2011)

Com o passar do tempo, particularmente a partir de 1976, quando a escola torna-se

oficialmente uma escola estadual, muitas características começaram a ser modificadas.

Novos professores com formação para o exercício da docência integraram o corpo docente,

novos alunos começam a chegar de outras regiões, porém, o trabalho dirigido pelas irmãs

ainda impunha.

A escola começou a ter maior influência na organização do espaço e do tempo

escolar mato-grossense. Os livros, cartilhas, os materiais básicos para o trabalho docente

começaram a ser enviados pela administração estadual, assim como as carteiras

individualizadas. Mesmo continuando no mesmo espaço arquitetônico até o final da década

que estamos investigando, assim como sob o mesmo direcionamento pedagógico das

irmãs, um trabalho mais efetivo entre colonizadora, igreja e estado começou a ser feito nas

escolas, até então centralizado pela igreja e a colonizadora.

Neste sentido, ao analisar o processo de escolarização durante o período de

colonização de Sinop, torna possível identificar e interrogar sobre as mudanças e

permanências que envolveram o processo escolar, contribuindo, assim, “para descobrirmos

infinitas possibilidades de viver e, dentro da vida, formas infinitas de fazer a e do fazer-se

da escola e de seus sujeitos”. (FARIA FILHO; VIDAL, 2000, p. 21).

68

O Sr. Ulrich Grabert foi o topógrafo responsável por demarcar o projeto de colonização da Gleba Celeste

em 1971 e, posteriormente, responsável pela equipe de trabalho que abriria as áreas onde seriam implantadas

as cidades do projeto colonizador.

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Finalmente, de acordo com as análises de Viñao Frago e Escolano (2001, p. 63),

pode-se considerar que:

São muitas as influências e entrecruzamentos entre o espaço e tempo.

Mas ao menos em relação ao passado, não captamos a duração em si

mesma; podemos medi-la, segmentá-la, mas carecemos de memória

acerca da duração. O que recordamos são espaços que levam dentro de si,

comprimido, um tempo. Nesse sentido a noção de tempo, da duração, nos

chega através da recordação de espaços diversos ou de fixações diferentes

de um mesmo espaço. De espaços materiais visualizáveis. O

conhecimento de si mesmo, a história interior, a memória em suma, é um

depósito de imagens. De imagens que, para nós, foram, alguma vez e

durante algum tempo, lugares. Lugares nos quais algo de nós ali ficou e

que, portanto, nos pertencem; que são, portanto, nossa história.

Desse modo, as marcas deixadas pela organização escolar através dos espaços e

tempos, se apresentam na presente pesquisa nos detalhes micros, nas percepções

encontradas sejam nos documentos escolares ou nas ‘entrelinhas’ das fotografias, ou ainda

nas recordações dos ‘depósitos de imagens’ de alunos e professores que vivenciaram tal

história. Para eles, a imagem do presente se sobrepõe à história de dificuldades do passado,

atenuando as lembranças ruins, ou qualquer adversidade que tenham experimentado. Os

relatos ‘saudosistas’ dos sujeitos dessa história constituem tramas de boas recordações, da

escola da meninada, escorada com a mesma pedra daquela infância, possibilitando ainda

sentir um cheirinho de rabugem69

, e fazendo sentir saudades toda vez que um deles passa

ali!

Entretanto, não poderíamos reduzir a presente investigação em uma simples

narrativa saudosista ou ‘romantizada’ da história, daí a importância de estarmos

apresentando a ‘outra’ versão da história, aquela cuja experiência foi vivida pelos heróis

sem nome, e que, por conseguinte, se mostram por vestígios deixados por uma história-

acontecimento significada pelos sujeitos que a construíram, que com suas artes a fizeram

acontecer, e que, apesar de no presente estes já não mais perceberem as dificuldades, os

tempos sofridos história e suas marcas ainda são perceptíveis, passíveis de discussão,

estando ainda toda manchada de tinta das escritas.

69

Cora Coralina, ao dizer do que sente sobre sua escola primária, se recorda até mesmo do cheiro de

rabugem dos cachorros dos colegas, ou seja, rabugem como uma doença similar à sarna, que a poetiza

relembra com boas recordações, nos mostrando que a imagem do presente atenua as difíceis situações do

passado.

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119

CAPÍTULO III

A escola mesmo daquele jeito, era nossa! Era tudo! 70

Escola Galinheiro – Nilza de Oliveira Pipino. Claudevânia B. Anderle. Acrílico sobre tela painel,

80X60, 2012

70

Depoimento Ponce, 2012.

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120

3.1. Organização e funcionamento da Escola: ‘era tudo muito técnico e

abstrato’71

Figura 25 - Alunos em recepção a Júlio César Magalhães, no Dia do Trabalho, 1977.

Fonte: Acervo Particular Maria Lúcia Braz, 2011

Tal como a chuva caída

Fecunda a terra, no estio,

Para fecundar a vida

O trabalho se inventou.

Feliz quem pode, orgulhoso,

Dizer: “Nunca fui vadio:

E, se hoje sou venturoso,

Devo ao trabalho o que sou!”

É preciso, desde a infância,

Ir preparando o futuro;

Para chegar à abundância,

É preciso trabalhar(....)

(Olavo Bilac, O Trabalho em Poesias, 1888)

71

BÉRGAMO, Depoimento 17/01/2012.

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Os versos da poesia de Bilac expõem objetivismo e racionalismo, traços

característicos do Parnasianismo72

. O tom imperativo do poeta faz alusão de que é pelo

trabalho que alguém se torna o que se é e, por isso, é preciso que seja ensinado desde a

infância, para ir preparando o futuro, e, então se chegar à abundância.

A poesia, apesar de ter sido escrita no final do século XIX, pode ser trazida à

discussão para que possamos também pensar a escola de Sinop, na década de 1970 do

século XX, devido à educação se voltar para o trabalho, para a qualificação técnica, para a

formação dos cidadãos aos moldes do Estado, imperando no interior da escola a ordem, o

civismo, o silêncio, a obediência, a disciplina, a preparação para o trabalho.

Desta forma, para a análise da organização e funcionamento da escola em estudo,

cujas maiores intenções podem ser expressas pela poesia de Bilac, a formação para o

trabalho, voltamos para uma discussão das características que predominavam na Educação

da década estudada, de modo a tecer uma reconstituição de uma história em sua

especificidade, em trazer a cena um projeto diferente de escola que conviveu numa mesma

temporalidade Brasil afora73

com outros projetos de escola pública, o que possibilita, desta

forma, a emergência de se pensar cada Instituição Escolar na sua singularidade, na

intimidade de cada história.

Assim, neste momento, este trabalho sugere uma discussão sobre o discurso

nacional no que se refere ao contexto educacional na tentativa de romper com a ideia de se

ter “diferentes projetos de escolarização ancorados num discurso nacional que insiste em

homogeneizar, seja nas estatísticas, seja nas propostas pedagógicas” (SILVA, 2012, p. 2),

uma vez que pretende-se enfatizar a singularidade da Instituição em estudo, o que nos

permite contrapor ao discurso da existência de uma escola brasileira ‘única’, afinal, “hoje,

não é possível mantermo-nos encerrados no interior de uma visão unificada,

uniformizadora, do ensino e da pedagogia. Precisamos de abrir a escola (as escolas) a

uma diversidade de práticas e de realidades” (NÓVOA, 2012, p.13).

72

Foi um movimento essencialmente poético que reagiu contra os abusos sentimentais do Romantismo.

Teve início na França, em 1866, com a publicação de O Parnaso, que fazia referência a uma montanha

existente na Grécia onde, segundo a lenda, moravam o deus Apolo (da luz e das artes) e as musas

inspiradoras das artes. No Brasil surgiu no fim do século XIX, quando da publicação de Fanfarras,

de Teófilo Otoni. Os principais autores do movimento foram Olavo Bilac, Alberto de Oliveira e

Raimundo Correia. Fonte: http://nelsonsouzza.blogspot.com.br/2010/11/um-poeta-olavo-bilac.html. 73

Cf. Silva (2012).

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122

Contudo, faz-se necessário discutir o contexto histórico que o país vivia na década

de 1970 assim como o discurso pedagógico oficial, para que possamos aguçar a questão

proposta. De acordo com Germano (2011, p. 160), nesta década o clima em que o país

vivia se caracterizava, ao mesmo tempo, “por uma combinação de medo da repressão do

Estado e de euforia em decorrência do crescimento econômico”. (grifos do autor).

Dessa forma, no que se refere à educação, de acordo com o discurso nacional era

preciso, adequar a escola para esses fins – era necessário instrumentalizar, preparar desde a

infância os cidadãos para que se tornassem futuros trabalhadores habilitados a receber um

país em acelerado crescimento econômico/industrial que dependeria de muita ‘mão de

obra’.

Mesmo porque, naquele momento, a política educacional, segundo Germano

(2011), estava incompatível com a ideia de “Brasil-potência”, de acordo com o próprio

ministro da educação da época, Jarbas Passarinho, visto que em 1971, quase 30% das

crianças de 7 a 14 anos não tinham acesso à escola; a evasão e a repetência assumiam

dimensões alarmantes: para cada mil crianças que entravam na 1ª série do primário, em

1961, menos da metade (446) chegava à 2ª série e somente 56 ingressavam no ensino

superior; em 1972, a taxa de perdas era da ordem de 76%, só no primário. Dessa forma, o

Brasil ficava atrás de países como a República da África Central, Congo, Gabão, Mali, sem

contar a ‘distância’ de países como a União Soviética, os Estados Unidos, Canadá, entre

outros.

Segundo Germano (2011), tratava-se de um quadro que não poderia continuar, pois,

à medida que o sistema escolar se expandia os empregadores tendiam a exigir uma

elevação dos requisitos educacionais da força de trabalho e, nas palavras de Passarinho

(1985, apud Germano 2011, p. 168), “era um dever de Estado, a democratização do ensino

era um duplo imperativo: um imperativo ético e um imperativo político”.

De acordo com Chaddad (2010), em virtude da expansão da economia monopolista

americana para o mundo e, especificamente, para a política externa do Brasil, exigia-se

transformações no âmbito da política educacional, o que implicaria em mudança na

legislação que regularia o setor. A partir dessas transformações ocorridas no âmbito da

política educacional, buscou-se a criação de uma mão de obra técnica que suprissem o

mercado de trabalho nas áreas industriais em expansão.

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123

Com isso, a chamada Reforma do Ensino de 1º e de 2º graus, oficialmente

denominada de Lei Federal n.º 5.692/71, foi fruto das reformas que marcaram as

décadas de 1960 e 1970, período do regime militar. Ocorreu a criação de convênios

de cooperação e apoio técnico entre o Ministério da Educação e Cultura do Brasil e a

Agency for International Development dos Estados Unidos, identificados pelas siglas

MEC-USAID.

De acordo com Mimesse (2008), tanto a Reforma Universitária, ou Lei Federal de

n. 5.540/68, e a Reforma do Ensino de 1º e de 2º graus foram produzidas em decorrência

desses convênios de cooperação, que tinham a pretensão de reorganizar e desenvolver o

sistema educacional brasileiro de tal modo que ele fosse adequado ao modelo de

modernização das indústrias, que requeriam mão de obra barata com um mínimo de

qualificação. Dessa forma, instituíram o ensino profissional obrigatório nas séries do

ensino médio, criaram as Licenciaturas Curtas e inseriram, obrigatoriamente, novas

matérias nas grades curriculares das séries do 1º e do 2º grau.

Germano (2011, p. 180) explica que a Lei 5.692/71, ao ser sancionada, assumia

uma configuração radical com a relação à preparação para o trabalho, visto sua

consonância com as necessidades do mercado. Para tanto, o Artigo 5°, parágrafo 2°, alínea

a, referente à formação especial prevista pelo currículo, “terá o objetivo de sondagem de

aptidões e iniciação para o trabalho, no ensino de 1° grau, e de habilitação profissional, no

ensino de 2° grau”.

Segundo Saviani (2001) o governo militar não intencionou criar uma nova Lei

de Ensino, mas apenas ajustar a que estava em vigor – Lei nº 4.024/61. Dentro desse

enfoque, foram elaboradas as reformas do ensino superior – Lei nº 5.540/68 – e dos

ensinos: primário e médio – Lei nº 5.692/71. Nesse período, inaugura-se a fase tecnicista

da educação, combinando com a política desenvolvimentista adotada pelo Brasil – a

qual, se constituía dependente da economia externa.

Assim, os reflexos de uma sociedade que necessitava de uma educação que fosse

consoante com o momento político que o país vivia, resultaram nas Reformas

Educacionais do ensino primário e secundário, cujo principal objetivo formar ‘cidadãos’

aos padrões do governo vigente e trabalhadores qualificados, uma vez que o ensino deveria

estar totalmente voltado para o tecnicismo.

É possível perceber logo no objetivo geral do ensino de 1º e 2º graus, da Lei

5.692/71, que a educação se fundamentava nacionalmente naquele momento histórico em:

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Art. 1º - (...) proporcionar ao educando a função necessária ao

desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de auto–

realização, qualificação para o trabalho e preparo consciente da

cidadania.

Acredito ser relevante trazer à leitura, uma entrevista concedida ao Jornal da

Unicamp de agosto de 2006, pelo educador José Claudinei Lombardi, na ocasião

Coordenador-executivo do HISTEDBR – Grupo de Estudos e Pesquisas História,

Sociedade e Educação no Brasil, onde o mesmo tece algumas críticas sobre o velho

discurso que rege a história da educação brasileira. Dentre algumas concepções do

educador, elenco alguns trechos da entrevista que considero de maior relevância para a

discussão pontuada, em relação ao discurso nacional homogeneizador de conceber uma

escola única, voltada para solucionar todos os problemas da sociedade:

O discurso da educação como panaceia para todos os males é muito

antigo. Ele nasceu com a sociedade capitalista, como parte de um

discurso ideológico produzido para atribuir à escola um papel central no

cuidado com a infância, com a transmissão dos saberes considerados

socialmente relevantes, com a formação do cidadão e com a qualificação

do trabalhador. Apareceu já com essa característica geral, abstrata, a-

histórica, como se essa escola sempre tivesse existido, cumprindo um

papel central no desenvolvimento e na vida dos indivíduos. No Brasil isso

não foi diferente, pois desde o Império esse repetitivo discurso de que “a

educação é fundamental para ...” sempre esteve presente, sendo acionado

para justificar a diferença de desenvolvimento econômico e social, em

comparação com os chamados países desenvolvidos.

[...]ele, (o discurso), muda na aparência, mas permanece a mesma coisa

na essência, obedecendo aos preceitos liberais. A educação é colocada

como fundamental para o desenvolvimento econômico e social – tanto do

indivíduo, como da sociedade; se isto não ocorre, a culpa ou a

responsabilidade recai sobre a escola, sobre o currículo, sobre os métodos

pedagógicos, sobre os professores ou sobre os indivíduos que não

souberam aproveitar as oportunidades abertas pela educação. De um

ponto de vista histórico, trata-se de um discurso reincidente, presente em

praticamente todas as justificativas das reformas educacionais brasileiras.

[...] Ele, (o discurso), é sempre reducionista. Reduz todas as mazelas a

um único “remédio” – a educação – o que é absolutamente equivocado.

Sabemos muito bem que a educação não tem todo esse poder de

determinar os rumos da sociedade. Reduz tudo a um aspecto,

ideologicamente escamoteando que sem uma profunda transformação

econômica, política e social, pouco avançaremos na resolução dos graves

problemas gestados pelo próprio desenvolvimento da sociedade burguesa

– como a miséria, as guerras, a destruição do meio ambiente, o

desemprego estrutural e outros.

Como não interessa desvelar as bases estruturais que provocam os

desequilíbrios sociais, a culpabilidade acaba recaindo sobre a própria

sociedade, entendida como somatório dos indivíduos que a compõe. A

educação aparece, assim, nos mais diferentes momentos históricos, como

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a principal possibilidade de promover uma reforma moral e intelectual

dos homens. Qual o instrumento usado pelos jesuítas para civilizar os

nativos das terras recém-descobertas? Por Pombal para implementar o

desenvolvimento liberal necessário a Portugal? Qual o remédio apontado

pelo imperador para os males que afligiam a recém-independente nação

brasileira? Ainda hoje o discurso é que só a educação possibilita um

choque de desenvolvimento ao Brasil. Sob formas e aparentes discursos

diferenciados, historicamente a educação é que tem sido apontada como a

solução salvadora para os males da sociedade (JORNAL DA UNICAMP,

p. 4-5, 2006).

Contudo, a máxima adotada neste trabalho é de que cada Instituição Escolar é

única, singular, e, portanto merecedora de ser objeto de estudo74

, o que desta forma, propõe

romper com os discursos nacionais que generalizam a escola brasileira, sem levar em

consideração a forma como historicamente se constituiu e se constitui diuturnamente cada

uma delas. É certo de que a Lei em vigor na década estudada pretendeu constituir de modo

generalizador a organização e o funcionamento das escolas, porém, os impactos, a forma

como cada escola lidou com a Reforma de Ensino só é possível de análise mediante à

estudos particularizados de cada uma, o que nos impede de tecer uma discussão que ajude

a “implodir a ideia de existência de uma escola brasileira” (SILVA, 2012, p. 2) – única e

redentora de todas as soluções para os problemas político-sociais, mesmo porque, “no

Brasil nunca se conseguiu oferecer à população uma escola ‘única’. As disparidades são

marcantes e cada vez mais precisam ser evidenciadas para que possamos superar o vício de

falar de um modelo de escola para tratar de modelos de escola que coexistem (SILVA,

2012, p.4), há, como nos alerta Nóvoa (2012, p.16) “a necessidade de abrir as escolas à

diferença, a uma pluralidade de pontos de vista e de projectos educativos, rompendo

com a indesejável uniformização que tem marcado a sua vida há mais de cem anos”.

Com isto, corroboro com Souza (2008), quando nos chama a atenção sobre o fato

de que as mudanças na organização do trabalho escolar costumavam ocorrer de modo lento

e imperceptível e somente a história das instituições pode revelar os desafios, os

enfrentamentos do cotidiano nas mudanças ocorridas, além disso, a forma como os

produtos fabricados foram incorporados pelos sujeitos, muitas vezes não nos são

perceptíveis ao ‘olhar’ como alerta Certeau (1998), e, por isto, cada escola revela um

cotidiano diferente, cada cotidiano composto por sujeitos diferentes, e por ser diferente,

são merecedores de um estudo particular, que não o reduza a um único discurso.

74

Cf. Sanfelice (2007).

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Para tanto, sem a pretensão de reduzir esta pesquisa em conformidade com um

discurso pedagógico legitimador e generalizador, nos manteremos a analisar como estava

organizada e de que modo funcionava a escola em estudo, mantendo nosso olhar para o

cotidiano desta escola - seu cotidiano e suas reinvenções.

De acordo com as fontes compulsadas na Escola, a exemplo das grades curriculares

referentes ao período em análise, pôde-se constatar que o conteúdo foi dividido em quatro

partes: a primeira correspondia a um núcleo comum, a segunda abrangia as matérias

obrigatórias constantes no art. 7º da Lei 5692/7175

; a terceira era formada pela parte

diversificada e a última constituída das matérias destinadas às habilitações profissionais do

Ensino de 2º grau.

O núcleo comum era composto de três disciplinas com suas respectivas

particularizações: Comunicação e Expressão (Língua Portuguesa), Estudos Sociais

(Geografia e História e Organização Social e Política do Brasil), Ciências (Matemática e

Ciências Físicas e Biológicas).

Na Escola em investigação, encontramos fontes76

que nos informam sobre sua

organização e funcionamento. No primeiro ano (1973-1974) fazia-se necessário pontuar

novamente que a pequena escola, a ‘escola dos migrantes’, funcionava em regime

multisseriado, de agosto 1974 a 1979, passando a trabalhar em regime seriado. Contudo, a

organização curricular do 1º Grau, dava-se da seguinte maneira:

Quadro 1. Organização Curricular de 1ª a 4ª séries do 1° Grau

Fonte: Escola Nilza de Oliveira Pipino, 2011

1ª a 4ª séries do 1º Grau

Comunicação e Expressão

Iniciação à Ciência

Integração Social/Estudos Sociais

75

O artigo 7° da Lei em discussão traz a seguinte menção: Art. 7º Será obrigatória a inclusão de Educação

Moral e Cívica, Educação Física, Educação Artística e Programa de Saúde nos currículos plenos dos

estabelecimentos de 1º e 2º graus, observado, quanto à primeira, o disposto no Decreto-lei no 869, de 12 de

setembro de 1969. Parágrafo único. O ensino religioso, de matrícula facultativa constituirá disciplina dos

horários normais dos estabelecimentos oficiais de 1º e 2º graus. 76

Grades curriculares, atas de resultados finais, cronograma de aulas, encontrados na Escola N. Sra. do

Perpétuo Socorro na cidade de Vera e na Escola Nilza de Oliveira Pipino, em Sinop.

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Quadro 2. Organização Curricular de 5ª a 8ª séries do 1° Grau

Fonte: Escola Nilza de Oliveira Pipino, 2011

5ª a 8ª séries do 1º Grau

Núcleo Comum: Artigo 7º: Formação Especial:

Comunicação e Expressão

Ciência

Estudos Sociais

Educação Moral e Cívica

Educação Física

Educação Artística

Programa de Saúde

Ensino Religioso

Língua Estrangeira: Inglês

Práticas Agrícolas

Práticas Industriais

Práticas de Comércio

Práticas Integradas do Lar

Quanto ao 2º Grau, que funcionou após 1978 com autorização de funcionamento no

Diário Oficial somente em janeiro de 1979, estava organizado de acordo com as

Habilitações Específicas em Comércio, Magistério e Química, sendo estes compostos pelo

núcleo comum, disciplinas obrigatórias previstas pelo art. 7º, e das disciplinas mínimas a

serem exercidas na atividade profissional.

Na escola em análise é possível perceber um ensino voltado para a prática da

repetição, para a técnica da memorização e para o silêncio. Além disso, “os conteúdos

privilegiavam o sentimento de amor e respeito para com o próximo, ressaltando o modo de

agir e tratá-lo com civilidade, preparando a criança para a vida individual e coletiva”. (SÁ,

2007, p. 168).

Nas séries iniciais, da 1ª a 4ª série do 1º grau foi possível verificar que as

atividades trabalhadas eram compostas principalmente por ‘leituras silenciosas’, cópias,

ditados, tabuadas, as chamadas contas matemáticas de ‘arme e efetue’, entre outros

exercícios mecânicos onde o aluno escrevia, inúmeras vezes, letras, sílabas, palavras ou

números, conforme recordado em alguns depoimentos:

Tinha muito ditado e cópia, se resumia muito em quadro e caderno então

era copiar, copiar! Lembro nos ditados que se a gente errava alguma

palavra, tinha de escrever ela inúmeras vezes, e, se durante a reescrita

você errasse de novo, você escreveria tudo de novo muitas vezes [...].

Também tinha que saber a tabuada ‘salteada’ , era um sofrimento, eu

tremia! Você não sabia se você tremia por que estava com medo ou se era

porque não sabia mesmo. (BÉRGAMO, depoimento 17/01/2012).

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As crianças precisavam aprender escrever, copiar das duas formas da

letra de ‘forma’ e a outra cursiva, eles primeiro aprendiam as vogais o A,

E, I, O, U, depois o alfabeto. Eles tinham que saber ler o que eles

estavam escrevendo: TATÁ, TATU, BOLA, BEBÊ, etc. Primeiro tudo

com letras minúscula para depois aprender em letras maiúsculas...para

então depois aprender ler no livro. Na primeira série era cartilha que

vinha de Maringá no começo e depois o Estado mandava para Vera e de

lá vinha um tanto para cá. (GUERRA, depoimento 25/01/2012).

No que se refere aos cadernos de uma aluna77

da época, constatamos as práticas

narradas pelos sujeitos da pesquisa, a fim de fazer uma reflexão diante da bibliografia

estudada, no que se refere ao um ensino repetitivo, instrumental e mecânico:

Figura 26- Caderno da 1ª Série, 1977.

Fonte: Acervo Particular Carla Sprizão Ponce

77

Cadernos de diferentes séries cursadas pela aluna Carla Sprizão Ponce. Fonte: Acervo Particular Ponce,

2012.

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Figura 27- Caderno da 2ª Série, 1978.

Fonte: Acervo Particular Carla Sprizão Ponce

Figura 28- Caderno da 3ª Série, 1979.

Fonte: Acervo Particular Carla Sprizão Ponce

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Figura 29- Caderno da 3ª Série, 1979.

Fonte: Acervo Particular Carla Sprizão Ponce

Outra prática comum na 1ª série do 1º grau era a cobrança da Leitura. Todos os

alunos, ao final do ano letivo, eram submetidos aos exames de leitura, os quais as irmãs

chamavam aluno por aluno para ler em voz alta. Segundo depoimentos, os alunos que

obtivessem nota satisfatória em outras matérias, mas que não conseguissem sucesso no

teste de leitura não seria aprovado para a série seguinte. Algumas narrativas interessantes

dizem por elas mesmas:

Na 1ª série, no 4º bimestre a criança tinha que ler, tinha exame de leitura,

se não soubesse não passava de ano! Não tinha conversa! (GUERRA,

depoimento 25/01/2012).

No teste da leitura era uma expectativa. Era uma tensão, era como um

vestibular hoje, por que não era a professora que te acompanhou o ano

todo que pedia para você ler, eram as irmãs que tomavam. (SILVA,

depoimento 07/02/2012).

Além dos testes de leituras que as irmãs católicas faziam ano final do ano letivo,

outros exames também eram aplicados no decorrer do ano letivo. A partir da 2ª série do 1º

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grau, por exemplo, testes de tabuadas eram exigidos com rigor e de forma muito abstrata, o

que se consolidava um ensino pouco efetivo:

Não tinham nada de concreto, nada que facilitasse a aprendizagem. Em

matemática, desenhava-se bolinha, pauzinho na folha para dividir, mas na

cabeça de uma criança era difícil fazer isto, era tudo muito abstrato! Eu

tinha de aprender tudo na decoreba mesmo. Eu olhava o amigo que era

bom em matemática fazer os exercícios, aí eu decorava todo o exercício

na minha cabeça, então, quando eu tinha de ir para a lousa eu ficava

torcendo para ser aquele exercício que eu havia decorado, para colocar

todos os números certinhos, no lugar certinho, como eu havia decorado.

Mas nem sabia o que aquilo significava! (BÉRGAMO, depoimento

17/01/ 2012)

Assim, percebemos que as ações voltadas para a prática de leitura ‘das palavras’,

para a escrita, como também os cálculos eram mais exigidos no interior da sala de aula,

desde os anos iniciais da escolarização, o que demonstra a supremacia da Língua

Portuguesa e da Matemática no interior desta Instituição.

O núcleo comum, segundo exemplos apresentados nos cadernos e nas narrativas

comentadas, naquele contexto histórico, simplificava o currículo da escolarização básica,

oferecendo o mínimo necessário para que os sujeitos se adequassem à formação técnica,

exigidas pelo mercado de trabalho.

Além das disciplinas do núcleo comum, cujos objetivos implícitos era

instrumentalizar o cidadão, as matérias obrigatórias previstas pelo Art. 7º da Lei em

discussão, a partir da 5ª série, como a Educação Moral e Cívica, Educação Física,

Educação Artística, Programa de Saúde e Ensino Religioso, estavam voltados para a

transmissão de valores e juízos morais, para o civismo e “para a inculcação da ideologia

política do regime militar” (SOUZA, 2008, p. 272), além de ser uma forma de introduzir

com essas disciplinas a “ideologia de segurança nacional”. (GERMANO, 2011, p. 168)

Desse modo, constatamos nos diários de classe e em caderno de planejamento de

uma professora, que estas matérias fixadas pelo Art. 7º se ligavam entre si no que diz

respeito ao cultivo das boas maneiras, ao amor ao próximo e à Pátria, à devoção à Igreja

Católica.

Também nos depoimentos colhidos, referentes ao que era ensinado, é possível

pontuar que as aulas de Educação Artísticas, por exemplo, além de trabalhos manuais,

como bordar e tricotar, as aulas também ensinavam técnicas de desenho que ilustrariam a

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rua para a celebração de Corpus Christi, para os ensaios de desfiles cívicos ou para

apresentações de jograis, músicas, poesias que elevassem a Pátria, ou expressassem

orgulho, agradecimento na recepção de alguma autoridade, especialmente quando se

tratava do colonizador Ênio Pipino, que costumava visitar a escola quando estava em

Sinop.

Outros vestígios encontrados se referem às aulas de Ensino Religioso, que na Lei

em vigor fixava matrícula facultativa que constituía de disciplina dos horários normais dos

estabelecimentos oficiais de 1º e 2º graus78

. No entanto, a grande maioria dos migrantes

professava a religião Católica, então, acreditamos que praticamente todos os alunos,

durante o período investigado, provavelmente participavam das aulas. Alguns depoimentos

fazem menção ao respeito à opção religiosa, contudo, nos registros de matrícula e nas atas

de resultados finais de exame, que tivemos acesso, não constatamos a existência de alunos

que não participaram das aulas, os registros não trazem qualquer informação.

O Ensino Religioso era constituído da catequese oferecida na Igreja Católica, mas

as aulas aconteciam dentro da escola, segundo as narrativas, primeiro porque eram as irmãs

que ministravam tais aulas, depois, pelo fato de as crianças da escola serem as mesmas que

frequentariam a catequese, além do agravante da Igreja não dispor, até então, de espaço

físico. Assim, a catequese acontecia durante as aulas do Ensino Religioso e por isso seguia

seu trabalho conforme o calendário da Igreja em Campanhas, como as da Fraternidade,

Missionárias, além de missas semanais realizadas na própria escola ou fora dela, quando os

alunos saíam todos juntos e iam caminhando até a igreja para participar do evento.

Uma das fontes encontradas nesta pesquisa refere-se a um caderno de planejamento

de uma professora da disciplina de Ensino Religioso, correspondente à 2° série do 1° grau.

Ali, as atividades elaboradas se destinam a ‘moldar’ o comportamento da criança,

transmitir valores e juízos religiosos, além de tarefas que buscavam fazer com que o aluno

‘decorasse’ orações e cânticos religiosos, copiasse orações e passagens bíblicas, dentre

outras atividades de memorização. Das aulas planejadas destacamos uma em particular, a

qual tinha como objetivo trabalhar de forma ‘harmoniosa’, que convinha com os ideais da

cristãos, através da convivência com o outro na escola, o compromisso em ‘imitar’ Jesus

Cristo no que se refere ao comportamento escolar, com professores e colegas:

78

Cf. Art. 7 da Lei 5692/71.

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Figura 30- Caderno de Planejamento da Professora para o Ensino Religioso da 2ª série, 1976

Fonte: Patrimônio Histórico de Sinop, 2011

Ainda, em relação ao que foi tratado, existem alguns relatos interessantes que se

fazem necessários pontuar:

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A catequese era na escola, era a mesma disciplina de ensino religioso, se

tinha alguém de outra religião não era obrigatório, mas para nós que

éramos católicos tínhamos que fazer todos os sacramentos. E, era parte do

ensino religioso a participação na comunidade, participar da missa, tudo

que acontecia na cidade a escola sempre estava lá. A gente participava

junto com a igreja, tinha essa ligação. Tinha missa semanal na escola, às

vezes o padre ia fazer confissão na escola. (SILVA, depoimento 07/02/

2012)

Íamos à missa toda a semana. Cada professor juntava sua turma, colocava

em fila, ficava um olhando para a cabeça do outro e saíamos da escola

para ir à missa. Mas eu adorava, era um momento de sair da escola! Eu

adorava o externo, mas era tudo robozinhos. (BÉRGAMO, depoimento

17/01/2012)

Ao relacionar o cotidiano da escola em investigação no que se refere à influência da

Igreja em consonância com o Estado, Germano (2011), nos esclarece que a experiência

militar, a exemplo do aprendizado da ‘arte da guerra’, incorpora uma fundamentação cristã

na defesa de uma profissionalização. Assim, intelectuais militares e eclesiásticos unem-se

em torno dos mesmos propósitos. Germano, cita o parecer n. 45/1972 (apud Germano,

2011, p. 180-181), escrito pelo Padre José Vieira, membro do Conselho Federal de

Educação, desde 1962 e integrante do Grupo de Trabalho da Lei 5692/71, quando faz

referência à nova Lei:

A nova Lei tem, pois, na insistência por uma educação mais técnica, uma

das suas notas dominantes. Significa esta premissa ruptura com as

tradições educacionais cristãs do Brasil? Uma antinomia, entre tecnologia

e humanismo? Reduz o sentido formador e a substância espiritualista do

trabalho do educador? Tende a fazer do aluno peça de uma máquina

maior a serviço do desenvolvimento) tomado apenas em sentido material)

do País? Apresso-me a responder que não. [...] O mal-entendido é julgar

que o cristianismo se oponha à educação tecnológica, como se ela fosse

uma espécie de paganismo, em contraposição com a cultura clássica, que

seria a cristã [...]

Para Germano (2011), ficam claras as justificativas de ordem moral com base na

preservação dos valores cristãos, sob um discurso legitimador do Estado e uma educação

que superasse as desigualdades sociais.

Contudo, retornando às práticas investigadas na Escola em estudo, em relação às

que envolviam o cuidado com o corpo, com a Higiene, além dos valores familiares e

sociais que exaltassem o regime militar, eram relembrados cotidianamente, seja nas aulas

específicas de Programa de Saúde, Educação Física, Educação Moral e Cívica ou nos

momentos anteriores à entrada para a sala de aula, nos quais as irmãs, principalmente a

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Irmã Edita, diretora da escola, que fazia questão de reunir todos os alunos em fila para,

após cantar o hino e fazer a oração diária, pronunciavam discursos que faziam alusões aos

valores, normas e juízos que eram necessários ser mantidos na escola, na família e na

sociedade.

Quanto às disciplinas que compunham a parte da Formação Especial, ministrada a

partir da 5ª série, eram divididas em Práticas Agrícolas, Práticas Industriais, Práticas de

Comércio e Práticas Integradas do Lar, onde os alunos eram instruídos a lidar com o

trabalho, aprendendo técnicas de plantio, colheita, economia doméstica rural, organização

industrial, contabilidade e, no caso das meninas, Práticas do Lar: cuidados com a casa,

pregar botões, bordar e cozinhar. Como recorda uma ex-aluna, “aprendíamos a bordar, a

costurar e a cozinhar, e lembro também que aprendíamos sobre o plantio. Graças à escola,

eu aprendi pregar botão, a fazer uma barra na calça!” (BÉRGAMO, depoimento

17/01/2012).

Um ponto interessante que a investigação nos apresentou foi quanto à interferência

não somente da Igreja, como também da colonizadora, como já dito, principalmente no que

se refere às decisões educacionais. Vários ofícios dirigidos à Delegacia Estadual de

Educação de Mato Grosso, foram emitidos pelo próprio colonizador, Sr. Ênio Pipino. Em

um deles em especial, o colonizador solicitava à implantação de um curso técnico, com

habilitação em Análises Químicas, em 1978, pois, estrategicamente, na década de 1980,

um novo empreendimento da Colonizadora Sinop viria a se concretizar: a Sinop

Agroquímica (SAQ).

De acordo com Oliveira (1983), a Sinop Agroquímica tratava de uma indústria que

se destinava diretamente à produção de álcool anidro proveniente da mandioca. Segundo o

autor, a opção da Colonizadora Sinop pela implantação da indústria de álcool de mandioca

se deveu ao fato de ser um produto pouco exigente em termos de solo e clima. O início da

construção da SAQ data de 1975, quando começaram os trabalhos de reunir forças,

tecnologia e recursos financeiros para concretização do empreendimento. O objetivo da

SAQ era promover a industrialização dos produtos agrícolas para atender não somente o

mercado local, como também os mais distantes.

Nesse sentido, era viável para o êxito do projeto contar com mão de obra

qualificada, habilitando os próprios alunos para, posteriormente, trabalhar na empresa.

O curso de Habilitação Básica em Química iria funcionar junto ao Centro

Educacional de Sinop (Escola Nilza de Oliveira Pipino, já elevada 2° Grau e contando com

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quadra poliesportiva) justificada pelo colonizador como a ‘necessidade’ de formar mão de

obra qualificada na própria região e que daria abertura aos ‘quadros humanos’ existentes a

perspectiva de contar com um ensino qualificado e mais ‘aprimorado’.

Assim, no ano de 1979 a solicitação do colonizador foi atendia, pelo então

Secretário de Educação do Estado, Salomão Baruki, iniciando com as ofertas do Ensino de

2° Grau em Sinop, através dos cursos com habilitação em Comércio, Magistério e

Química, como já pontuado.

As cartas a seguir se referem à notificação que o colonizador Ênio Pipino fez à Irmã

Edita, responsável pela educação de Sinop e da Gleba Celeste, anunciando sua solicitação

ao Secretário de Educação sobre o curso de Habilitação Básica em Química, o qual

atenderia às expectativas do seu novo empreendimento na cidade: a Sinop Agroquímica79

:

79

De acordo com Pereira (2007), com a crise do álcool, na década de 1980, os planos da Sinop

Agroquímica, cuja pretensão era produzir 50 milhões de litros de álcool por ano, foram obstaculado.

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Figura 31- Carta do Colonizador Ênio Pipino à Irmã Edita, 1978

Fonte: Escola Estadual Nilza de Oliveira Pipino, 2011

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138

Figura 32- 1ª Parte da correspondência enviada pelo Colonizador ao Secretário de Educação do

estado, 1978

Fonte: Escola Estadual Nilza de Oliveira Pipino, 2011

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Figura 33 - 2ª Parte da correspondência enviada pelo Colonizador ao Secretário de Educação do

estado, 1978

Fonte: Escola Estadual Nilza de Oliveira Pipino, 2011

De acordo com Oliveira (1983), o discurso oficial do colonizador sobre a criação da

SAQ era “uma resposta do espírito de iniciativa de nossa gente no sentido de que o país

possa continuar na sua luta para superar nossas carências de energia carburante. E, para

efetivação desse empreendimento, precisamos agradecer aos Ministros da Indústria e

Comércio, Presidente do Banco do Brasil e Superintendente da SUDAM” (O

SINOPEANO, 1979, apud OLIVEIRA, 1983).

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Outro fato instigante é que a empresa colonizadora, após a instituição da escola em

Sinop, utilizou da própria educação em suas propagandas para continuar a atrair migrantes.

Nos versos escritos por Ênio Pipino, em uma revista encomendada pela colonizadora e

divulgada principalmente na região Sul, a escola servia de instrumento que envolvia e

seduzia o migrante a deixar sua terra de origem e vir em busca de um futuro promissor,

além de relacioná-la ao progresso ‘célere’ da Gleba Celeste. Nas palavras do colonizador:

A Gleba Celeste era um mundo verde, dormindo, na solidão da

Amazônia. Transformamos o seu rosto, abrindo clareiras e picadas na

mata virgem.

E nasceram os primeiros povoados, esperançosas cidades de hoje,

crianças ainda, mas correndo, céleres, para o progresso.

E lavradores enfeitaram de roças novas as terras.

E templos de fé passaram a glorificar a Deus.

E o comércio se tornou forte e a indústria já anuncia rolos de fumaça nas

chaminés e gritos de sirenes acordando a distância.

E neste novo mundo, esperançoso e feliz, crianças aprendem as suas

primeiras letras e os jovens conquistam bancos colegiais.

Como é bom alargar fronteiras de nossa Pátria!

Como é dadivoso o ideal que se enfeita de realizações!

Agora, a Gleba Celeste acena para o Brasil como novo mundo de

riquezas e civilização - prêmio maior ao nosso ideal de plantar cidades,

vendo a terra abrir-se em floradas e anunciar milagres da colheita.

(UM PASSO DA CONQUISTA DA AMAZÔNIA, 1979)

Nesse sentido, percebeu-se que a educação em Sinop, com a constante influência da

colonizadora, buscava aos seus modos, de alguma forma, atender os propósitos nacionais

de uma política social fundamentada pela ideologia tecnicista, para a formação para o

trabalho, com o objetivo de ‘educar’ mentes e corpos que fossem viáveis às expectativas

do Estado. Com isso, torna-se evidente que a seleção e a produção do conhecimento

sempre estiveram repletas de intencionalidades e de algum modo intimamente ligadas à

necessidades e interesses “políticos80

.

Com os versos de Olavo Bilac, trazidos no início, nos permite pensar sobre as

estratégias dos que ocupavam um lugar próprio – era necessário ‘treinar’,

instrumentalizar, aqueles que na escola estavam na categoria dos ‘sem vozes’, dos homens

comuns, para que eles se tornassem trabalhadores, conscientes de que para fecundar a

vida - o trabalho se inventou. E, que portanto, sendo trabalhador servil, obediente à Pátria

80

Cf. Godson, 2008.

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e a Deus, poderiam trazer o pão de cada dia para mesa de suas famílias. Podendo, no

futuro, mostrar aos filhos feliz e orgulhoso que a vadiagem nunca ali habitou, e, então ,

poder dizer venturoso: Devo ao trabalho aquilo que sou!

Contudo, como estes modelos fabricados para os ‘sem vozes’ foram incorporados,

devemos refletir, na perspectiva da cultura escolar, como “apropriação criativa de

modelos, baseada na relação entre determinantes sociais e históricas e as urgências

próprias da organização e do funcionamento dos escolares” (VIDAL, 2005, p. 19), o que

discutiremos com mais amplitude no último item desse capítulo, partindo do pressuposto

de que:

Conhecer as táticas de apropriação implica conhecer também as

estratégias de imposição, isso pelo fato de que, para se saber o que é

apropriado pelos sujeitos escolares, é preciso saber antes o que será

prescrito nas normas que regerão as difusões e circulações das

imposições que serão postas pelos sistemas de normatização e de

regulamentação dessas práticas.

(GONÇALVES, 2004, p. 17).

3.2. Tramas do Real: Rezava-se muito e cantava-se com amor, com

patriotismo mesmo!81

81

Depoimento Gobbo, em 14/01/2012.

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142

Figura 34- Fanfarra da Escola Nilza de Oliveira Pipino, 1978

Fonte: Colonizadora Sinop, 2011

Ama, com fé e orgulho, a terra em que nasceste!

Criança! não verás nenhum país como este!

Olha que céu! que mar! que rios! que floresta!

A Natureza, aqui, perpetuamente em festa,

É um seio de mãe a transbordar carinhos.

Vê que vida há no chão! vê que vida há nos ninhos,

Que se balançam no ar, entre os ramos inquietos!

Vê que luz, que calor, que multidão de insetos!

Vê que grande extensão de matas, onde impera

Fecunda e luminosa, a eterna primavera!

Boa terra! jamais negou a quem trabalha

O pão que mata a fome, o teto que agasalha...

Quem com seu suor a fecunda e umedece,

Vê pago o seu esforço, e é feliz, e enriquece!

Criança! não verás país nenhum como este:

Imita na grandeza a terra em que nasceste!

(Olavo Bilac, A Pátria- Poesias Infantis, 1888)

Novamente a poesia de Olavo Bilac parece expressar de forma sucinta as ações

sutilmente praticadas e produzidas pela educação de Sinop durante o processo de

colonização e construção da cidade, desde a pequena sala de aula improvisada pelos

migrantes à escola institucionalizada. Desta, vez, tomamos a poesia A Pátria, pensada para

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ensinar à criança os valores patrióticos, o amor à nação, o valor do trabalho, a imitação da

grandeza da terra natal.

Dessa forma, naquele contexto era preciso ensinar àquelas crianças a servir à Pátria

e à Igreja, com amor, fé e orgulho, desde a tenra idade. As ações de uma sociedade civil

obediente, desbravadora, de um povo heroico o brado retumbante82

, refletiam no interior

da escola investigada.

Entre aquilo que era ensinado e trabalhado na unidade escolar, previsto pelo

currículo, estavam as práticas que docilmente apareciam sob a forma de festividades,

cultos religiosos e rituais cívico-patrióticos que se inseriam por meio de culto à bandeira,

desfiles cívicos, canto do Hino Nacional, oração pela Pátria, declamações de poesias

relacionados ao país, além de comemorações aos heróis consagrados pela história oficial

ou que simbolizavam os ‘verdadeiros’ patriotas da Nação.

De acordo com Sá (2007, p. 168), “através das festas cívicas, pretendia-se formar

cidadãos patriotas, utilizando-se de recursos mais informais e agradáveis que envolviam

todos os alunos e famílias, não restringindo-se a uma mera preparação intelectual”.

Assim, é relevante enfatizar que se tratava de uma década onde o regime militar

instaurava conceitos que buscavam promover o civismo e o patriotismo na tentativa de

mobilizar o povo brasileiro, de fazer com que o pensamento de ‘amor à Pátria’, de

obediência, de ordem e progresso atenuassem as imagens de torturas, de censura, enfim, de

conflitos políticos e sociais.

Desta forma, a importância para que esses rituais tomassem forma através dos atos

cívicos, festas e comemorações onde fosse possível visualizar os feitos de grandes heróis

constituíam formas que o poder utilizava para que a ordem social fosse mantida. E a

escola, nesse cenário, era local propício para se cultivar os valores determinados pela elite

que governava o país.

No calendário escolar de Sinop, durante o período delimitado, percebe-se que além

dos dias letivos, do calendário de provas e reuniões pedagógicas ocorriam os feriados em

consonância com as comemorações sacras da Igreja Católica, assim como os dias

destinados a demonstrar o respeito e a gratidão à Pátria.

82

Palavras inspiradas na letra do Hino Nacional Brasileiro.

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Entre as datas em questão, podemos destacar conforme os calendários e registros de

atividades escolares83

, a seguinte relação das festividades e cultos cívicos que eram

trabalhados:

Março/Abril – Semana Santa/Sexta-feira Santa/Páscoa

Março- Início da Campanha da Fraternidade

19 de Abril- Dia do Índio

21 de Abril – Dia de Tiradentes

22 de Abril – Descobrimento do Brasil

1 de Maio – Dia do Trabalho

2º Domingo de Maio – Dia das Mães

13 de Maio – Abolição da Escravatura

Maio ou Junho – Corpus Christi

13 de Junho – Dia do Padroeiro da Cidade Sto. Antônio

2º Domingo de Agosto – Dia dos Pais

25 de Agosto – Dia do Soldado

01 de Setembro- Início da Semana da Pátria

07 de Setembro – Dia da Pátria

14 de Setembro – Aniversário de Fundação de Sinop

12 de Outubro – Dia de Nossa Senhora Aparecida, Dia das

Crianças

15 de Outubro – Dia do Professor

02 de Novembro – Feriado - Dia dos Finados

15 de Novembro – Proclamação da República

19 de Novembro – Dia da Bandeira84

Tais festividades eram trabalhadas na escola com muito fervor e contava com a

participação de todos os alunos, professores e funcionários. De acordo com os relatos orais

obtidos na pesquisa, eram planejados com muita antecedência, ensaiados com os alunos

para que tudo saísse conforme planejado.

Além disto, a cidade toda esperava por esses momentos. A população parava para

assistir os desfiles cívicos, assim como as festividades patrióticas e religiosas. Era um

orgulho para aquele povo ver seus filhos marchando devidamente uniformizados nos

desfiles cívicos ou fazendo parte da fanfarra da escola, ou hasteando as bandeiras,

cantando em alto e bom som o Hino Nacional; era compensador ver seus filhos

declamando poesias que exaltassem a Pátria e o novo lugar onde residiam, mesmo que isso

acontecesse em meio à selva amazônica. Entretanto, provavelmente as pessoas não viam

83

Foram analisados calendários letivos, diários de classe, fontes iconográficas encontrados na Escola

investigada durante o período delimitado, além de narrativas colhidas de ex-professores e alunos da época. 84

Fonte: Arquivo da Escola Estadual Nilza de Oliveira Pipino, 2011.

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pela ótica de uma selva, mas quiçá se tornasse menos doloroso para elas assumir a visão do

poeta e pensar pela ótica de que se tratava apenas de uma grande extensão de matas, onde

imperava, fecunda e luminosa a eterna primavera!

Ainda, as datas aos heróis nacionais eram comemoradas na própria escola,

incorporando poesias, músicas, dramatizações, e em algumas vezes, quando possível,

através das vestimentas representativas de soldados, índios ou trabalhadores que saiam às

ruas segurando nas mãos bandeirinhas do Brasil, para que a população local pudesse

contemplar os trabalhos realizados. Além disso, quando possível, ‘vestiam’ os alunos com

trajes sulistas nas apresentações culturais e desfiles cívicos, a fim de recordar e manter as

origens culturais dos migrados. O interessante é que, mesmo que a família não tivesse

condições de adquirir as roupas para os desfiles, as Irmãs ‘davam um jeito’ com a ajuda da

colonizadora que fazia as doações necessárias, tudo para que ‘aparentemente’ mostrasse

uma imagem esteticamente padronizada e perfeita. As fontes iconográficas analisadas

colaboram com um melhor entendimento de tais colocações:

Figura 35-Alunos da Escola em comemoração ao dia dos Soldados em 25 de Agosto de

1979

Fonte: Acervo Particular Professora Maria Lúcia Braz, 2011

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Figura 36- Alunos representando a cultura do Sul do País- Desfile Cívico 14/09/1978.

Fonte: Colonizadora Sinop, 2011.

A ‘reinvenção da escola’ e daquela comunidade de forma geral se dava por ser o

universo cultural o mesmo trazido por aqueles migrantes, porém, geograficamente em

outro lugar, ou seja, os padrões culturais e sociais migrados se projetavam com força,

reinventando valores culturais e sociais como uma estratégia de (re) territorialização.

Como explica Borges (2000, p. 58),

Quando não há, nos espaços de chegada dos migrantes, lugares possíveis

para ancoramento, as referências e os locais de origem continuam a

representar a fonte estruturante de identidades, mediante um resgate

constante dos lugares do passado. Temos aí a perspectiva de vidas

com significados que podem acabar permanecendo no tempo perdido

das lembranças, nos “lugares de memória” distantes de novos sentidos.

Nas recordações do ex-professor José Roveri (depoimento apud LANDO, 2002), no

que se refere ao ‘ancoramento’ cultural sulista no solo mato-grossense, o mesmo diz:

[...] um fato que agora me lembro, e que chamava a atenção, quando

vinha uma autoridade educacional de Cuiabá, que chegava, que entrava

na sala de aula, levava um choque! Porque só via cabecinha branca,

loirinhos. Era uma realidade diferente do Mato Grosso, não era Mato

Grosso mesmo falando a verdade, territorialmente era, mas

culturalmente não era, as pessoas muito diferentes dos habitantes de

Cuiabá, então levava-se um choque e perguntava-se: “Quem é do

Paraná?” Erguia 70%... “Quem é de Palotina?” “Quem é de

Marechal Candido Rondon?” “Quem é de Medianeira85

?”... Aí quase

85

Nomes de cidades do estado do Paraná.

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levantava todo mundo, é incrível a quantidade de pessoas que foram pra

lá, [...].

De acordo com os geógrafos Gerd Kohlhepp e Markus Blumenschein (2000), a

formação de uma “diáspora sulista” no Centro-Oeste brasileiro destacou-se também em

diferenças socioculturais em relação à população tradicional, observadas até mesmo nos

chapadões além dos limites do Centro-Oeste. Essas diferenças manifestam-se em conflitos

culturais com uma respectiva ‘exibicionista’ da própria identidade regional (população

tradicional versus “gaúcha”, ou seja, “sulista”) Os autores ainda pontuam que os sulistas

também trouxeram, com a migração, seus costumes e tradições, como a difusão de CTGs

(Centros de Tradições Gaúchas), igrejas luteranas, emissoras de rádio e programas de

televisão locais com música gaúcha para o Centro-Oeste do Brasil.

No período cronológico em estudo, (e, ainda nos dias de hoje), era e é ainda muito

forte a presença cultural sulista. Nos diários de classe encontrados na escola investigada

não se encontrou qualquer registro de aula ou alguma atividade que apresentasse aos

alunos costumes e tradições mato-grossenses. Dificilmente algum aluno da época (e talvez

muitos ainda hoje!) sabia dizer o que era ‘siriri’86

, ‘cururu’87

, ou tenha visto uma ‘viola de

coxo’, ou mesmo ouvido falar de uma comida chamada ‘maria isabel88

’, as lembranças que

ainda traziam na memória e que faziam sentir saudades, naquele momento inicial, no

‘novo’ e ‘desconhecido’ lugar não mais ter, era de poder comer ‘cuca com churrasco’, pão

com chimia89

, ouvir e dançar música gaúcha, e ver seus pais, logo ao amanhecer, tomar o

chimarrão antes de ir para a ‘lida’.

No entanto, com o passar do tempo os migrantes sulistas ‘reinventando’ o Sul em

outro lugar, foram formando grupos, efetivando costumes, como a criação de um CTG na

cidade, tornando a erva-mate mais acessível e mesmo os ‘não sulistas’ que iam chegando,

foram aprendendo a ‘prosear’ em companhia do chimarrão, em pleno calor de Mato

Grosso.

86

Dança típica Mato Grosso, o siriri é dançado por homens, mulheres e crianças. Possui uma coreografia em

roda ou fileiras formada por pares que se movimentam ao som da viola de cocho, mocho e ganzá. 87

Outra dança folclórica do Estado, executado especialmente por homens, que dançam e cantam em louvor

aos santos de devoção, citando passagens da Bíblia, saudando pessoas da comunidade ou fazendo referência

aos acontecimentos políticos. 88

Prato típico da culinária mato-grossense, cujos principais ingredientes são arroz e carne seca. 89

No Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e no Paraná é comum se chamar a geleia de passar no pão, de

chimia. O termo vem da palavra alemão schmier e o doce foi trazido para o Brasil pelos imigrantes,

popularizando-se devido à sua boa aceitação.

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Na dissertação de mestrado intitulada “Em qualquer chão, sempre gaúcho”, de

Betty Nogueira Rocha (2006), cujo lócus de investigação foi a cidade de Lucas do Rio

Verde, cidade próxima a Sinop, também de colonização sulista ‘recente’, ao questionar

uma estudante, natural de Mato Grosso, mas residente desde que nasceu nesse meio

cultural sulista, sobre o que ela se considerava ser ‘mais mato-grossense ou mais gaúcha’, é

interessante a resposta concedida à autora:

Mais gaúcha, porque pra mim a cultura de Mato Grosso é de

Cuiabá porque é que mais a gente tem acesso, então eu sei que tem o

chanchado, aquelas dança do... sabe...o peixe essas coisas, mas se você

me perguntar eu não sei. Agora do sul eu sei. Se você me perguntar eu sei

que a Guerra dos Farrapos durou 10 anos, eu sei quem foi o

primeiro autor do tradicionalismo, eu sei sabe...tudo isso. Então eu

acho que me considero mais gaúcha pelo fato de eu saber mais coisas,

porque se eu soubesse mais coisas daqui eu acho que eu iria me

considerar mais mato-grossense, entendeu?”(COLUSSI, depoimento

apud ROCHA, 2006)

Contudo, o trabalho em cultivar as tradições sulistas, assim como o orgulho, amor e

a gratidão à Pátria e àquela pequena ‘vila sulista’ em construção, era feito de acordo com

os relatos orais, principalmente na Igreja, local onde todo povoado se encontrava, e

também na escola, local de formação dos ‘futuros’ cidadãos, que deveriam, assim como

seus pais, reconhecer que “quem com seu suor fecunda a terra e umedece, vê pago o seu

esforço, e é feliz, e enriquece!”

As dramatizações, jograis, poesias declamados pelos alunos procuravam

constantemente enaltecer a Pátria e a própria cidade em construção, uma maneira de

conformar os alunos a se adaptar à nova escola, em meio àquela floresta – uma realidade

muito diferente das escolas sulistas a que estes frequentaram antes de migrar com suas

famílias para aquela região até então desconhecida. Dessa forma, era preciso que aquelas

crianças se acostumassem, se conformassem aos novos modos de vida; era preciso que elas

percebessem que a natureza, ali, perpetuamente em festa, era um seio de mãe a

transbordar carinho.

Nesse contexto, durante os vários relatos sobre as poesias, jograis, músicas ou

dramatizações encenadas na escola e reproduzidas pelos alunos, elencamos uma em

especial, que consideramos interessante para a análise em questão. Trata-se de um jogral

apresentado diversas vezes pela pré-escola, a partir de 1977, em ocasiões ‘especiais’,

principalmente para recepcionar alguma autoridade em visita à cidade. No jogral, as

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crianças seguravam letras para formar um acróstico que correspondia ao nome da cidade e

com a inicial de cada letra, um verso era declamado:

Símbolo de esperança!

Inspiração para os poetas!

Namorada de todos os visitantes!

Oásis para os deserdados!

Promessa para um futuro brilhante!(BRAZ, depoimento, 2011)

Ao final, “cantavam uma musiquinha que era parte do primeiro hino de Sinop,

antes do hino oficial, que foi composto por uma das Irmãs: ‘A ti Sinop, meiga e gentil,

nosso pleito, nossa ovação. Tu és semente de mil progressos, és futuro da nação’” (BRAZ,

depoimento, em 08/12/ 2011).

A fonte iconográfica a seguir está relacionada à atividade mencionada, exibida

pelos alunos da pré-escola, em constantes homenagens apresentadas à sociedade e às

autoridades que se faziam presentes em ocasiões políticas, como, por exemplo, as variadas

inaugurações que aconteciam regularmente na cidade em construção.

Figura 37- Alunos da Pré-Escola em homenagens à Sinop, 1977.

Fonte: Patrimônio Histórico de Sinop, 2011.

Outra prática frequente diz respeito ao hasteamento da bandeira e o canto do Hino

Nacional, apresentados com muita frequência, sendo nos primeiros anos quase que

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diariamente. De acordo com os depoimentos, depois dos rituais tradicionais de formar fila,

tomar distância, se pôr em posição de sentido, fazia-se uma espécie de “revezamento” de

hinos, um dia cantava-se o Hino Nacional, no outro o Hino à Bandeira, ou o Hino de Mato

Grosso, ou o Hino de Sinop.

Os alunos precisavam saber todos os hinos, cantar com muita entonação,

demonstrando o amor e o respeito à Pátria:

O hino?! Cantava-se com maior orgulho, as crianças sabiam de cor [...] e,

cantavam com empolgação, [...] eles cantavam com amor, com

patriotismo, com orgulho mesmo! (GOBBO, depoimento 14/01/2012).

Eu lembro que as irmãs insistiam mais em cima dos hinos, todos os

hinos: o hino nacional, por exemplo, era perfeito: todos os tons, tudo! O

nível, a tonalidade de voz! Era um momento que a gente tinha que se

reunir na frente da escola, todas as turmas, a gente formava filas e antes

de entrar para a sala [...] cantávamos todos os hinos: nacional, da

bandeira [...] nós repetíamos inúmeras vezes até cantar certo, lembro que

se alguém cantava alguma palavra errada tinha de repetir todo hino de

novo, e, não importava se estava muito sol, não interessava - você tinha

de estar na fila, bonitinho, tomado a distância, na sua posição, do menor

para o maior [...] e, cantando. [...]Ninguém queria errar para não ter que

cantar de novo [...].Não tinha aparelho de som, era na voz das irmãs, elas

cantavam e a gente tinha de acompanhar [...] então pensa: se errar –

cantar tudo de novo! (BÉRGAMO, depoimento 17/01/2012).

De acordo com as análises de Souza (2008), o cultivo dos valores cívico-patrióticos

foi reforçado, nas escolas públicas e privadas nos anos 70, em concordância com a

ideologia do regime militar. “Práticas de hasteamento da bandeira e canto do Hino

Nacional nas escolas foram revalorizadas. Os desfiles cívicos foram enaltecidos e

incentivados pelos poderes públicos de grande visibilidade social”. (SOUZA, 2008, p. 282)

Há que se referenciar também que em muitas escolas esse foi um período de

“intensa mobilização dos alunos em torno das fanfarras e bandas marciais, competições

esportivas [...]. Nas solenidades e comemorações cívicas era exigido o comparecimento de

todos os professores, alunos e funcionários da escola”. (SOUZA, 2008, p. 282)

De acordo com as narrativas, podemos reforçar as análises da autora supracitada:

Quanto aos desfiles cívicos, era tudo muito bem feito, naquela época,

nada se fazia mal feito com os alunos, não tinha esta história de faltar

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alunos. Toda vez que tinha um evento maior, os alunos tinham de

desfilar, marchando, atrás da fanfarra [...] todos participavam, as irmãs

sempre direcionava, a sociedade em peso prestigiava (GOBBO,

depoimento 14/01/2012).

[...] quando chegava os dias dos desfiles já estava tudo pronto, nós já

estávamos lá na fila, tudo durinhos como uns robozinhos, cantando

afinadamente, [...] íamos para a rua, todos na sua posição, tomava

distância, marchávamos no ritmo certo, com o uniforme impecável

naquela poeira, a estrada era fofa, chegava afundar, lembro que quando

virava uma curva tinha que ir tudo no mesmo compasso, parecia uma

escola de samba (BÉRGAMO, depoimento 17/01/2012).

Figura 38- Fanfarra da Escola em Desfile Cívico de 7 de Setembro de 1976

Fonte: Colonizadora Sinop, 2011

Ainda podem ser destacadas as festividades da escola investigada em consonância

com as comemorações de cunho religioso, aliás, torna-se relevante salientar que o

calendário letivo seguia o calendário da Igreja Católica e, desta forma, os cultos e rituais

ligados à campanha da Fraternidade, aos dias Santos, às homenagens ao dia de Corpus

Christi eram também trabalhados na escola:

Dia de Corpus Christi? Estava todo mundo lá para enfeitar a rua. Cada

turma tinha seu pedaço na rua para enfeitar (GOBBO, depoimento

14/01/2012).

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Tínhamos que enfeitar as ruas para Corpus Christi, era feito com o

mesmo amor que tínhamos pela escola, era muito bonito. Só tinha a igreja

Santo Antônio. A Irmã determinava o pedaço que cada classe iria enfeitar

e todo mundo ia, tudo bonitinho... tudo certinho [...] todo mundo ia

participar, até os pais compareciam para ajudar! (BRAZ, depoimento

08/12/2012).

Tinha também o trabalho na escola com a Campanha da Fraternidade.

Além de trabalhar a campanha da Fraternidade na sala de aula, a gente

ainda recolhia ajuda junto às crianças. Além da Campanha da

Fraternidade tínhamos em outubro a Campanha Missionária, era um meio

de ensinar a criança a ser solidária, a fazer sacrifícios, ensinar a reduzir o

lanche, colocar aqueles centavinhos [...] para ajudar o próximo (Braz,

depoimento 08/12/2012).

Figura 39- Trabalhos nas ruas feitos pelos alunos da Escola em celebração à Corpus Christi, 1979

Fonte: Acervo Particular Maria Lúcia Braz, 2011

Faz-se necessário mencionar que tanto a escola quanto a igreja eram os pilares

que fortaleciam a permanência dos migrantes naquele solo. Deste modo, Joanoni Neto

(2012), explica que a Igreja Católica teve um papel fundamental no processo

colonizatório, estendendo sua presença por Mato Grosso, de acordo com o surgimento

de novas cidades e a fixação de milhares de pessoas naqueles locais. O autor revela-nos

que:

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153

A fé acompanhou os lavradores em sua migração. As empresas

colonizadoras e o governo fizeram farta propaganda da Amazônia, como

sendo região de terra em abundância, fértil, sem geadas (um problema

gravíssimo para os colonos do sul). Essa propaganda somou-se à imagem

da floresta amazônica, gravada no senso comum, como sendo o eldorado,

terra de belezas e de fartura, distante e inóspita. Essas características

somadas, mundo distante e ao mesmo tempo terra de fartura, facilitaram a

conexão entre a paisagem e o sagrado. A santidade natural-mágica

incorporada pela floresta amazônica e a crença do indivíduo culminaram

por fixar nela um poder santificador e de atração sobre o crente, levando-

o a peregrinar em busca da redenção o que o levou a recriá-la com outro

significado, ou seja, esse espaço deixou de ser um local concretamente

existente e passou ser outro, ligado a valores imateriais presentes no

imaginário daquela pessoa (JOANONI NETO, 2012, p.5).

Nesse sentido, o papel desenvolvido pela Igreja Católica na escola de Sinop, na

figura das Irmãs, foi, sobretudo, o de transmitir, através da fé, valores morais e

religiosos, um ‘conforto’ para aquelas crianças que naquele local desconhecido

chegavam, assim como enaltecer a figura do colonizador como um ‘herói’, responsável

pelo futuro promissor daquelas famílias. Se na Igreja o padre, por meio de suas

homilias, transmitia a mensagem de fé, perseverança aos pais e de exaltação ao

colonizador, na escola tal mensagem era reforçada, aos filhos, pelas freiras.

Como relata o professor José Roveri (depoimento apud LANDO, 2002):

[...] no início do ensino em Sinop, era uma influência, [...] fortíssima,

determinante da igreja católica [...], e aí quem é que conseguia dar aula,

praticamente: era quem era amigo do padre, quem era muito amigo das

freiras, quem ia na missa todo domingo, enfim, era a pessoa tida certinha

para aquela realidade, naquele momento da vida de Sinop.

Ainda, em outro momento o mesmo professor salienta:

[...] o padre era empregado do colonizador Ênio Pipino, na verdade

acho que até era mesmo, porque ele andava com o carro da

colonizadora. Quando o colonizador chegava à Sinop de avião, e ia

assistir a missa, se colocava o casal de colonizadores, que hoje já

falecidos, né? E não vai aqui nenhum demérito a eles, simplesmente é a

constatação de uma realidade. Se colocavam os dois na frente, marido e

mulher, e o sermão da igreja, o sermão evangélico, era totalmente

dirigido a tecer elogios [copiásticos] ao casal como sendo pessoas

heroicas, quase uma divindade mesmo. E, a escola ia nesta esteira

também; colocava os alunos, coitados dos alunos, crianças ainda, no sol

quente, duas três horas perfilados, esperando a divindade chegar de avião,

para que fosse ovacionada. [...] pra que fosse cantados hinos previamente

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preparados, de elogios, e, também o hino de Sinop, faz uma referência a

isso, “Ênio Pipino, novo heroico, bandeirante”. Então, e as crianças

tinham o Ênio Pipino como Deus realmente, um Deus que chegava de

avião e quatro, cinco, meia dúzia de horas depois ia embora também de

avião, e deixava os simples mortais lá, entregues a uma sorte terrível na

época. (ROVERI, depoimento apud LANDO, 2002)

Figura 40- Recepção ao colonizador Ênio Pipino em visita à escola, 1978

Fonte: Santos, 2011

Nos estudos de Kreutz (2000) sobre as escolas comunitárias de imigrantes no

Brasil, em particular a dos imigrantes vindos da Alemanha, o autor relata que o Projeto de

restauração religiosa, a partir de 1864, teve fortes repercussões entre os imigrantes

católicos no Brasil, podendo se perceber claramente nessa dinâmica toda a tensão entre

ideário liberal e restauração religiosa, especialmente por parte da Igreja Católica, que foi

recebendo expressivo número de religiosos e religiosas provenientes diretamente da tensão

ideológica na Europa.

De acordo com o autor (2000 p.165), vários fatores contribuíram para a vinda de

religiosos para o Brasil, dentre eles podem- se realçar especialmente:

a) a presença dos imigrantes no Brasil, o que motivou as ordens religiosas

dos respectivos países a assistirem a seus emigrados;

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b) os problemas entre Estado e Igreja em países europeus (Kulturkampf),

perda dos Estados Pontifícios, disputa sobre o direito à educação e

outros), levando muitas congregações e ordens religiosas a procurarem

países com melhores condições de expansão;

c) a expulsão de ordens e congregações de alguns países europeus,

motivando a vinda de religiosos/as de grande liderança, sendo-lhes

confiada especialmente a pastoral junto aos imigrantes. Todo um

conjunto de congregações masculinas e femininas, vindas no período e

marcadas pelas fortes tensões entre Igreja e Estado, dedicou-se ao projeto

de Restauração (Romanização) da Igreja no Brasil.

Nesse contexto, nos deparamos, em Sinop, com o trabalho desenvolvido pelas

religiosas da Congregação Santo Nome de Maria. Em levantamento feito sobre essa

congregação e como as religiosas chegaram à cidade, nos deparamos com a questão dos

conflitos existentes nos países europeus com o Estado, apontados por Kreutz (2000), pós-

Primeira Guerra Mundial. Em pesquisa sobre a congregação em questão, verificamos que a

das Irmãs Missionárias do Santo Nome de Maria foi fundada em 25 de março de 1920,

pelo Arcebispo Dom Wilhelm Berning, bispo de Osnabrück, Alemanha.

Dom Wilhelm, frente à difícil situação social e religiosa após a Primeira Guerra

Mundial, sentia a necessidade da presença de Irmãs em sua Diocese para auxiliar os

sacerdotes na pastoral paroquial; dedicar-se às crianças, aos doentes e aqueles em perigo

ou extraviados, testemunhar e anunciar o evangelho na diáspora e nas missões90

. Nesse

período, entre 1912 e 1914, ao eclodir a guerra em 1914, um grupo de religiosas

alemãs encontrava-se no noviciado das Irmãs Missionárias Maristas, em Lyon, França, e

tiveram que retornar à Alemanha. Sem qualquer expectativa de retorno, o grupo decidiu

buscar orientação do Bispo Diocesano de Osnabrück, D. Berning, que formou com o

grupo uma nova congregação. E assim, em 25 de março de 1920 nasceu a nova

Congregação Santo Nome de Maria, inspirada por uma orientação missionária-mariana

para colaborar na conservação e propagação da fé católica nos territórios da diáspora da

Diocese e também em missões estrangeiras.

As seis primeiras Irmãs Missionárias do Santo Nome de Maria chegaram ao Brasil

no dia 12 de julho de 1956, pós-Segunda Guerra Mundial, para cumprir com as ‘missões

estrangeiras’ e, certamente, a buscar, em países com melhores condições de expansão, o

fortalecimento da Congregação, tendo em vista ainda o conflito entre Igreja e Estado

europeu.

90

Fonte: http://www.pbmariamissionaria.com.br/historico.html, acesso em 12/10/2012.

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Desta forma, a Congregação foi convidada ao trabalho missionário no Brasil pelos

padres jesuítas que trabalhavam na Paróquia São José Operário, em Maringá, no Paraná.

As Irmãs fixaram residência na Paróquia São José Operário, tendo como objetivo principal

o trabalho pastoral paroquial, enfermagem e educação91

.

Assim, na década de 1950, quando os padres jesuítas se instalaram na cidade de

Maringá, convidaram as Irmãs Missionárias do Santo Nome de Maria, sediadas até então

na Alemanha, para atender as necessidades da comunidade. A princípio, iniciaram com um

‘Jardim de Infância’, numa casa pobre e pequena, ao lado de sua residência. No ano de

1957, o Jardim de Infância oficializou-se como ‘Escola Paroquial Santo Inácio’, entidade

para educar e realizar um processo de evangelização cristã92

.

Nesse cenário, nos deparamos com o colégio Santo Inácio de Maringá, de onde

algumas das religiosas vieram para Sinop, a convite do colonizador Ênio Pipino, na década

de 1970. Em carta concedida a um historiador local, em 1999, a irmã Edita, diretora das

escolas da gleba, escreveu alguns apontamentos sobre sua biografia e dos trabalhos

realizados em Sinop e na gleba. Destaco alguns trechos da carta que considero de maior

relevância para enfatizarmos o início da história da educação em Sinop, dita por quem

efetivamente direcionava todos os trabalhos:

Meu nome é Marta Magdalena Gawel (Irmã Edita), sou irmã

missionária do Santo Nome de Maria, nasci em 23/07/1925 em

Schomberg, Kreis Beuthen, Alemanha. Minha Terra- Natal pertence hoje

à Polônia, pois na Unificação da Alemanha, o Chanceler Kohl disse que

nunca vai reclamar a terra de Oder/ Neisse.

Cheguei à Gleba, à Mato Grosso em março de 1974. [...] cheguei

ao Brasil em 1959. [...] No começo, Sinop era ligado à Escola de Vera, a

Escola do Perpétuo Socorro. [...] Não tínhamos muitos professores e os

professores antigos [...], ainda hoje lembram dos cursos que dei nas

férias, para que os professores ao menos dominassem a matéria que

estavam dando aos alunos.

[...] em Sinop o que a escola promovia era apreciado. Só tinha a

Escola e a Igreja, que se preocupava com a cultura. [...].

Gostei de trabalhar em Sinop, na Gleba, sobretudo do povo, dos

alunos que eram carentes, mas sempre prestes em aceitar. [...] No tempo

pioneiro um conhecia ao outro e valorizava o que a Escola e a Igreja

promoviam.

(Carta escrita pela Irmã Edita, em 1999, antes do seu retorno à

Alemanha)

Fonte: Patrimônio Histórico de Sinop, 2011

91

Fonte: http://crbmaringa.blogspot.com.br/2011/10/congregacao-das-irmas-missionarias-do.html, acesso em

12/10/2012 92

Fonte: http://www.colegiosantoinacio.com.br/institucional.php?cat=2, acesso em 12/10/2012

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Na carta, a religiosa não apresenta muitos detalhes sobre as dificuldades, sobre a

precariedade material da escola, talvez pelo fato de ter sido escrita muitos anos depois do

período dos acontecimentos que investigamos e sabemos ser a memória refém do tempo

presente. No entanto, diante dos depoimentos obtidos dos atores, percebeu-se que de forma

unânime não foram poupados elogios ao trabalho desenvolvido pelas irmãs católicas, elas

faziam tudo o que precisasse, “eram bastante enérgicas para os alunos, mas no fundo

tinham o coração muito bom, além disto eram muito competentes”. (BRÁZ, depoimento

08/12/2011)

Diante das questões apresentadas, pode-se inferir que a história da educação em

Sinop, fazia parte, obviamente, de um projeto maior que era o da colonização, porém

também de um projeto da Igreja Católica em sua expansão territorial no país.

E o cenário colonizatório do norte de Mato Grosso era propício para tal ação de

expansão da Igreja, pois,

Para o fiel, o sagrado é bastante real e não exige provas para ser crível.

Os migrantes que reocuparam o norte de Mato Grosso acreditaram

encontrar ali a redenção material e espiritual e isso lhes deu forças para

suportarem as dificuldades. Os momentos ruins vividos no início da

estada nos locais de chegada foram sublimados. A memória guardou

apenas as boas lembranças, ou as guardou como se fossem boas.

(JOANONI NETO, 2012, p.6).

Contudo, retornando à discussão sobre os valores morais e cívicos marcados pelas

festividades, pelos rituais religiosos e patrióticos realizados na escola, podem ser

destacados os princípios do amor ao trabalho, da obediência à Pátria. Além do tradicional

culto à bandeira, ao canto dos hinos, às homenagens aos heróis nacionais, à oração,

também se consolidava em um dispositivo de inculcação de valores morais. Entre as

orações do cotidiano da escola pesquisada, além do Pai Nosso, Ave Maria, entre outras,

destacamos a Oração pelo Brasil, a qual ‘rogava’ pela ‘ordem’ e pelo ‘silêncio’ da Pátria:

Oh, Deus onipotente,

Princípio e fim de todas as coisas,

Infundi em nós brasileiros,

O amor ao estudo e ao trabalho,

Para que façamos da nossa Pátria,

Uma terra de paz, de ordem e de grandeza,

Velai Senhor pelos destinos do Brasil! (PONCE, depoimento

23/01/2012).

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Desse modo, é possível inferir que, na instituição estudada, a educação era vista,

como um fator de transformação e de conformação social. Era necessário que ela

inculcasse normas, princípios e valores nos alunos, a fim de discipliná-los, ajustando-os ao

mundo do trabalho e ao modelo de sociedade que se pretendia construir – visando a ordem

e o progresso nacional.

O caráter tecnicista do ensino se misturava aos aspectos dos princípios religiosos,

os quais demonstravam a preocupação com a disciplina e a formação moral, bastante

presente na concepção de educação voltada para a formação cristã, cujo eixo norteador era

“formar o cidadão via conhecimentos científicos e valores morais e cívicos, de sorte que

todos fossem instrumentalizados e imbuídos de amor à Pátria”. (SÁ, 2010, p. 224)

Com isso, as práticas cívico-patrióticas em voga na escola “atendiam assim, a

múltiplos propósitos: fosse a perpetuação da memória histórica nacional, a exibição das

virtudes morais e cívicas inscritas na obra formativa escolar, a ação educadora da escola

para o conjunto da sociedade”. (SOUZA, 2000, p. 116)

Sobretudo, concordamos com Souza (2000) quando nos explica que “civismo,

patriotismo, nacionalização” eram os ideais que expressavam as tentativas inolvidáveis,

porém nem sempre bem sucedidas, de se transformar a escola em agência de civilização

das massas.

Em resumo, as práticas mencionadas e a cultura produzida pela escola se voltam

para o que Julia (2001) define como um conjunto de normas que determinam

conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, um conjunto de práticas que permite a

transmissão desses conhecimentos e a incorporação de comportamentos.

Um conjunto de práticas, normas, conhecimentos e condutas, aparentemente

‘normais’, porém repletas de intencionalidade, de estratégias que buscavam moldar a

criança para que, futuramente, assim como seus pais, se comportassem de forma a provar o

sentimento de brasilidade, o temor a Deus e à Pátria, a fim de que futuro novas missões

pela Nação pudessem recair também sobre seus ombros. Por isso a importância da

orientação que compõe os versos do poeta, a qual associa à história das práticas da escola

em questão, e que vale à pena recordar: Ama, com fé e orgulho, a terra em que nasceste!

Criança! Não verás nenhum país como este! Imita na grandeza a terra em que nasceste!

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3.3. Memórias de um cotidiano: “Lá vem Seu Juca, da perna torta,

dançando valsa, com a Maricota!”

Figura 41- Alunos em frente à escola, 1979.

Fonte: Santos, 2011.

Deito-me ao comprido na erva.

E esqueço do quanto me ensinaram.

O que me ensinaram nunca me deu mais calor nem mais frio,

O que me disseram que havia nunca me alterou a forma de uma coisa.

O que me aprenderam a ver nunca tocou nos meus olhos.

O que me apontaram nunca estava ali: estava ali só o que ali estava.

(Alberto Caeiro, Heterônimo de Fernando Pessoa, 2006)

A partir das discussões que pontuamos até o momento, reconhecendo as estratégias

de imposição e a lógica do jogo vindo de um lugar, assim como as relações de poder que

se configuravam no contexto da escola em análise, partimos do pressuposto de que, sendo

a escola um lugar de produção de uma cultura específica, onde ressoavam as mais

diferentes experiências cotidianas, havia algo no cotidiano dela que constituía de maneira

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singular a experiência da escolarização de cada sujeito, mesmo diante dos discursos

ordenadores e reguladores daqueles que detinham o poder, da imposição do silêncio, do

controle da disciplina, do aprendizado dos conteúdos difundidos na escola, dentre outras

ações que constituíam o conjunto de práticas intencionalizadas por um lugar próprio.

A partir desse olhar, reconhecemos na cultura escolar produzida pelos sujeitos da

instituição a possibilidade de concebermos a história de um cotidiano marcado pela

criação, invenção e reinvenção daquilo que os sujeitos faziam com os produtos que lhes

eram fabricados. As estratégias de práticas intencionais estavam em conflito com as

táticas de subversão e a escola, bem ou mal, lidava com este processo de tensão, pois não

conseguia manter rigorosamente tudo à maneira que lhe convinha, fazendo-se presentes as

práticas desviantes que fugiam, escapavam às normas e, muitas vezes, talvez na maioria

delas, não eram percebidas, ou simplesmente eram vistas como banais, rotineiras, sem

‘periculosidade’.

Assim, a escola se configurava como um lugar praticado onde:

[...] práticas foram inventadas, ou reinventadas, gerando não somente

as ações passivas de reprodução das imposições formais dos

regulamentos e programas prescritos, mas, sobretudo, desenvolvendo

uma relação complexa de astúcias com tais imposições, com tramas de

sociabilidades entre os atores e seus pares e com outros sujeitos

implicados nas relações mais extensas, seja no seio familiar,

comunitário ou outros. Relações amplas de negociações, de

conflitos, de burlas, de transgressões, de criação e de resistência,

que fazem parte do constituir-se da escola no período que está sendo

estudado. (GONÇALVES, 2004, p. 13)

O Estado, a Igreja, a Colonizadora acreditavam que a escola era o cenário ideal para

a formação da massa, aliás, concepção que ainda circula na educação do nosso país nos

dias atuais. Como já dito, a concepção de que um modelo arquitetônico é capaz de manter

o controle, disciplinamento e a ordem entre os sujeitos, mesmo porque “o espaço escolar é

um elemento curricular que proporciona a aprendizagem de um conjunto de valores,

normas e estímulos que não são determinados pelo currículo formal, mas que fazem parte

de uma forma silenciosa de ensino”(SÁ, 2007, p 132), portanto, “o espaço escolar não é

neutro, sempre educa”. (VIÑAO FRAGO; ESCOLANO, 2001, p. 75).

A tal modelo arquitetônico Michel Foucault (2009) chama de ‘panóptico’ na sua

obra Vigiar e Punir, visto constituir-se em local onde todos os controlados e vigiados são

sujeitados ao disciplinamento dos corpos, afinal, como ironiza o próprio autor: “Um corpo

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disciplinado é a base de um gesto eficiente [...] a disciplina define cada uma das relações

que o corpo deve manter com o objeto que manipula”. (2009, p. 147).

Para Viñao Frago e Escolano (2001), uma determinada leitura da citada obra

caracteriza a escola, sobretudo, enquanto um espaço limitado, fechado, junto a outras

instituições disciplinares de dominação e controle, como por exemplo quartéis, hospitais,

cárceres, entretanto, para os dois autores essa concepção por si só é insuficiente, pois não

contempla as diferentes funções que o espaço escolar desempenha ou deveria

desempenhar, pois a escola é um espaço demarcado, porém a análise dele enquanto lugar

só é possível a partir da consideração histórica daquelas camadas ou elementos que o

configuram e definem.

Para tanto, o ‘panóptico’ que se intentava impor à escola em estudo não contava

que teria de lidar com a maneira incisiva da cultura como criação, com as práticas

diferenciadas de apropriação desses modelos, os quais resistiam sutilmente,

‘dobravam-se sem quebrar’93

e, que então, reinventavam aos seus modos o sentido de

estar naquele meio – dito por Certeau (1998), podem ser explicadas enquanto táticas,

encontradas por aqueles sujeitos para serem usadas como suas armas de combate – a

arte do fraco, que “fingia obediência aos poderes estratégicos, mas não se

iniciava uma guerra explícita contra esses”. (AZEVEDO; ARAÚJO, 2011, p. 483)

Desse modo, se restringíssemos o presente trabalho numa análise das práticas de

poder que aconteciam no interior da escola, poderíamos resumir que um dia rotineiro no

seu cotidiano era marcado frequentemente pelas mesmas práticas, por um trabalho rígido

desenvolvido pelas irmãs católicas em concordância com a metodologia tradicional, de

cunho moralista, patriótico e técnico, reflexo externo vindo do momento em que o país

vivia:

Como as irmãs eram de tradição alemã, (...) elas tinham muito daquela

coisa de trabalhar o patriotismo dos alunos, de cantar o hino nacional, a

criança tinha de saber cantar todos os hinos: nacional, da bandeira, enfim,

todos! E fazer filas para entrar na sala, tomar distância, ficar retos, isto

sempre foi muito exigido, desde 73. As irmãs exigiam muita disciplina,

tinha que ter disciplina. Elas não aceitavam nenhum tipo de indisciplina,

de forma alguma. Elas colocavam ordem: ou você é aluno e se comporta

ou chamava os pais na escola. (GUERRA, depoimento 25/01/2012)

Assim, de acordo com o depoimento e a partir das outras declarações semelhantes,

um dia na escola era regido pela exigência de extrema disciplina, desde a entrada para a

93

Cf. Azevedo; Araújo, 2011.

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sala, quando os alunos se organizavam em filas, tomavam distância, ficavam em posição

de sentido para, então, rezar, hastear a bandeira nacional e cantar os hinos, ouvir os

chamados ‘sermões’ da irmã diretora, rigidez que se mantinha até a saída da escola. A

entrada na escola somente era permitida se o aluno estivesse impecavelmente

uniformizados, com a camisa branca estampando no bolso o brasão da escola “trazido do

Paraná, só para pregar no bolso da camisa” (BÉRGAMO, depoimento 17/01/ 2012), e as

meninas de saia de pregas e meias ¾ brancas e os meninos de calça, todos calçados com o

chamado kichute azul.

Durante a aula, o silêncio tomava conta da escola: “ninguém desobedecia, ninguém

falava nada, era um silêncio total, a gente ouvia só o barulho dos sapos na época da chuva,

porque as crianças era todas quietinhas”. (BÉRGAMO, depoimento 17/01/2012)

A organização do espaço na sala de aula, como ensino de caráter tradicional era

também em filas, “as filas deviam ser muito retas, [...] sempre eram organizadas por ordem

de tamanho: do menor para o maior, aí ficavam sempre aquelas filas do mesmo tamanho,

organizadas, arrumadinhas, [...] não podia ficar virando para trás para ficar conversando ou

olhando para os lados. Era ali: a lousa e muito silêncio! Era um comportamento total!”

(PONCE, depoimento 23/01/2012).

Devido à metodologia tradicional que se consolidava em sala de aula, percebemos,

a partir das fontes analisadas e dos depoimentos colhidos, que, aparentemente, os alunos

eram obedientes e servis, mesmo porque a sociedade se comportava dessa forma, refletindo

diretamente no contexto escolar.

Outra prática constatada pelas estratégias de poder verificadas pela pesquisa é a

questão dos castigos que nos depoimentos de ex-alunos, eles aparecem, seja sob forma

física ou psicológica, chegando a casos extremos na expulsão do aluno, entretanto, este

último era muito raro, primeiramente porque os alunos tinham muito receio dos

professores, das irmãs e dos pais, mas também pelo fato de que se deixassem de frequentar

a escola não teriam para onde se transferir: a escola era única, local de encontro com os

amigos para conversar e brincar, mesmo que fosse por alguns minutos durante o momento

do recreio.

Por outro lado, um repensar sobre todo esse panóptico criado para disciplinar e

formar os cidadãos aos moldes que se eram exigidos, é possível perceber as marcas de um

cotidiano onde os ‘supostos assujeitados’ refaziam, recriavam o lugar em momentos

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passados imperceptíveis, como já mencionado, em simples situações consideradas banais,

ordinárias.

Em depoimento citado, onde a aluna com dificuldades em matemática olhava

escondido o exercício do colega que ‘era bom’ nessa matéria e então decorava número por

número, vírgula por vírgula antes de ir ao ‘quadro-negro’ para fazer o exercício na frente

de toda a classe, e, com êxito, saia contente por ter conseguido, mesmo que tivesse

‘colado’ do colega, mesmo sob toda a vigilância do professor.

Tantas outras histórias que burlavam a ordem estabelecida compunham o cotidiano

da escola, dentre muitas, elencamos algumas que consideramos interessantes, para

perceber como as táticas moviam os sujeitos nas suas artes de fazer, ambíguas, sem

localização própria, surgidas das contingências da situação, de modo a aproveitar as

brechas do sistema, foram improvisadas, fruto da “inteligibilidade criada no aqui e

agora, exigindo inteligência viva, parecendo desprezar modelos

preestabelecidos, estando constantemente apreendendo a situação e agindo sobre ela

improvisando saídas94

:

[...] como o uniforme era muito cobrado, aquela camisa de tergal branca,

saia azul com duas pregas na frente e duas atrás. Aquelas pregas tinham

de ser frisadas, ‘aí’ de você se chegasse na escola sem as pregas frisadas!

Quando você sentava, as pregas saiam, as irmãs chamavam atenção [...].

Quando a irmã passava todos ficavam retos, já olhava para a saia para

arrumar a prega, se a prega estivesse desarrumada, tentava rapidamente

esconder para ela não ver. Então, era difícil elas conseguir controlar todas

as pregas! [...]

Nos desfiles chegavam pessoas passar mal, desmaiavam, não interessava

se estava sol ou não. As irmãs sempre orientavam para você tomar café

em casa e tal, mas imagina: os homens95

lá demoravam a chegar, o voo

era aquela coisa: ficávamos horas, horas, no sol, na poeira, [...] tinha que

aguentar, era uma prova de resistência... mas valia ponto, ninguém ia para

ver a autoridade, ou para agradar alguém, a gente ia mesmo pelos pontos,

ai todo mundo ia, era coisa bem significativa na nota, as vezes a pessoa

precisava de um pontinho - imagina eu! Eu queria desfilar todo dia!

(BÉRGAMO, depoimento 17/01/ 2012)

Devido tanta imposição de disciplina, tinha muita gente que tinha muito

medo das irmãs, principalmente os meninos que faziam muita bagunça.

Tinha uns que levavam reguada das professoras, mas não adiantava.

94

Cf. Azevedo; Araújo 2011. 95

Referência às autoridades que vinham de avião a Sinop, em ocasiões especiais e que os alunos precisavam

fazer a recepção com desfiles, apresentações.

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Ficavam de castigo no milho, tinha que colocar o joelho em cima do

milho e não adiantava [...]

Lembro que certa vez, uma menina levou um puxão de orelha, a

professora puxou e disse: “copia, tá todo mundo fazendo!” E ela não

copiava, ficava para lá e para cá. Aí, ela não queria fazer e mostrou a

língua para a professora, a professora pegou na orelha dela e puxou, ela

abriu a boca e gritou: vou contar para a minha mãe, foi um fuzuê na sala,

porque os pais já não toleravam mais, este comportamento do professor

poder ter autoridade para bater. (PONCE, depoimento 23/11/2012)

Eu lembro que eu gostava muito de ler gibi. Minhas tias, meu pai traziam

pra gente ler. Aí a gente trocava muito gibi na escola embora fosse

proibido pelas irmãs. (BÉRGAMO, depoimento 17/01/2012)

A brincadeira do elástico era a preferida, mas teve uma época que as

irmãs proibiram porque diziam que era perigoso, mas sempre alguém

dava um jeito de levar. Também jogávamos bola apesar das irmãs não

gostarem muito para não entrar na sala suados, mas a gente brincava por

mais que fosse pouco tempo, aproveitava aquele tempinho para brincar.

A gente construía brinquedos, fazia bola de meia para arremessar no

palhaço, era sempre a criatividade da gente, porque não tinha outras

coisas. (SILVA, depoimento 07/02/ 2012).

Em declaração interessante em relação à cobrança das professoras, no que se refere

ao capricho nos cadernos e livros, uma ex-aluna diz:

Elas exigiam muito na questão do capricho, para não fazer orelha no livro

ou no caderno. Eu lembro que elas orientavam para passar até ferro. Elas

falavam muito: cuidem do caderno, cuidem dos livros. Eu lembro que na

1ª série nós tivemos a cartilha e depois no segundo semestre nós tínhamos

o livro-texto, para retirar este livro texto tinha que entregar a cartilha, ai

eu lembro que na minha cartilha tinha uma folha que eu tinha rabiscado,

no dia da entrega, eu fiquei morrendo de medo, de vergonha que ela não

fosse me entregar o livro-texto porque eu não cuidei bem. A pessoa, não

lembro se era a diretora, mas a responsável em recolher a cartilha, quando

eu entreguei ela folhou, página por página para ver se eu tinha cuidado ou

não. Ai ela fez uma cara de quem não gostou, me deu uma olhada, fiquei

numa expectativa, mas daí ela me deu. (PONCE, depoimento

23/01/2012)

Esse fato, mesmo que ‘aparentemente’ insignificante, nos faz perceber um desejo,

mesmo que inconsciente da criança, de mostrar que teria ‘forças’ para ‘afrontar’ o lugar de

poder, porém de uma forma sutil, aparentemente ‘inocente’, conforme sua mobilidade

tática, mas com intencionalidade de deixar marcas de sua autoria, de sua existência diante

daquele lugar. Como nos explica Certeau (1998, p. 94), “uma criança ainda rabisca e suja

o livro escolar; mesmo que receba um castigo por este crime, a criança ganha um espaço,

assina aí sua existência de autor”.

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Assim, a partir dos exemplos citados e de muitos outros que dispomos em nossas

fontes, entendemos que associar as contribuições de Certeau (1998) para conhecer as

relações e as práticas no espaço escolar “nos permite ver a escola em toda a sua

complexidade, e não como simples reprodutora de imposições e regras dos sistemas de

ensino e do sistema social mais amplo”. (MONTEIRO, CANEN, FONTOURA, 2010,

p. 4).

Nesses exemplos percebemos que existia, sim, o ‘receio’ da punição, mas em

contrapartida se revelava o jogo, que vencia o medo e encontrava nas ‘falhas’ que iam

abrindo brechas na vigilância do poder, promovendo “mobilidade, mas numa docilidade

aos azares do tempo, para captar, no vôo, as possibilidades oferecidas por um instante”

(CERTEAU, 1998, p. 100) as astúcias, golpes, artes de fazer se faziam presentes, em micro

detalhes. Como diria Certeau (1998, p. 101), “Aí vai caçar. Cria ali surpresas. Consegue

estar onde ninguém espera. É astúcia”.

Para o mesmo autor, toda atividade humana pode ser considerada cultural, desde

que a prática tenha significado para quem a realiza. Assim, não apenas nos depoimentos

dos alunos, mas também dos próprios professores percebemos as ‘fugas’, as diferentes

tentativas de lidar para se ajustarem às políticas que lhes eram impostas, indo, dessa forma,

reorganizando o cotidiano de suas práticas:

Imagina, aquele lugar diferente, aquelas cartilhas diferentes, alunos

diferentes a cada dia, eu precisava ser artista mesmo! Não tinha material,

o estado não mandava, eu tinha que usar era a criatividade. Eu tinha que

encontrar uma maneira de ensinar aqueles conteúdos, então eu tentava

associar a realidade do que a gente estava vivendo com as minhas aulas,

então a minha metodologia era adaptada assim: para ensinar uma letra eu

associava a mata, a floresta, os rios, os macacos, até o avião que vinha

aqui. [...] Quando o estado começou a mandar cartilha, era eles que

escolhiam, a gente não podia escolher com o que queria trabalhar, então

eu fazia assim: as minhas aulas eu fazia sempre como uma história, eram

como novelas, todo dia um capítulo porque daí o aluno tinha interesse em

vir para a escola e saber o que ia acontecer com o personagem que eu

inventava, mexia com a curiosidade deles. [...] As provas vinham prontas.

Eram as irmãs que elaboravam, a gente corrigia, mas tinha um modelo

com os valores para as correções de cada questão. Não podia deixar os

alunos usar borracha no dia da prova. A primeira série não podia usar a

borracha. Sabe por quê? Por que elas ficavam desconfiadas que algum

professor mudasse a resposta do aluno ou falasse que estava errado e

ensinasse o certo. Eu achava um absurdo, meus alunos da primeira série

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do jeito que fez tinha que deixar. Era ordem da irmã Edita. Parecia um

concurso, que não podia errar...Isto foi por uns dois anos, acho que até

77, aí começamos a reclamar [...] e isto foi mudando, mas quem pegou

estes primeiros anos, passou por uma escola da vida [...]

A irmã Edita dava um visto no plano diário de cada professor, quando ela

estava em outra cidade, a irmã Lídia dava o visto no plano de cada um,

era muita exigência mesmo! Elas queriam ver se estava dentro daquilo

que compunha o planejamento anual. Mesmo porque eram elas que

elaboravam tudo, até as provas, por isso a gente tinha que dar conta

daquele planejamento porque eram elas que elaboravam as provas. Era

uma maneira delas cobrar do professor trabalhar bem e de cumprir todo

planejamento. Não era nada didático, mas como tinha professores de

todos os níveis, então elas precisavam manter um controle. (BRAZ,

depoimento 08/12/ 2011).

Às vezes eu pensava se precisava tudo aquilo, se tudo aquilo não era

muito rigoroso, mas o que eu podia fazer se eu também recebia ordens!

(PAULA, depoimento 02/02/ 2012).

Pelos pequenos exemplos, ditos por ex-professoras, é interessante “perceber que as

posições de ‘forte’ e ‘fraco’ podem mudar constantemente, sendo, por exemplo, um

professor ‘forte’ frente ao aluno, mas ‘ fraco’ diante da gestão ou ao sistema de ensino”.

(MONTEIRO, CANEN, FONTOURA, 2010, p. 4 - Grifos das autoras).

Nesse contexto, compartilhamos das ideias de Julia (2001, p. 10), quando nos diz

que:

[...] normas e práticas não podem ser analisadas sem se levar em conta o

corpo profissional dos agentes que são chamados a obedecer a essas

ordens e, portanto, a utilizar dispositivos pedagógicos encarregados de

facilitar sua aplicação, a saber os professores primários e os demais

professores.

Outra questão observada, era a auto-organização dos próprios alunos nos momentos

que não estavam sob vigilância, trazendo novamente Julia (2001, p. 10) para o debate, “por

cultura escolar é conveniente compreender também, quando é possível as culturas infantis

(no sentido antropológico do termo) que se desenvolvem nos pátios de recreio e o

afastamento que apresentam em relação às culturas familiares”, por isso, é possível inferir

que a cultura produzida na família e na sociedade se difere daquela produzida na escola,

pelo fato de haver ideias, símbolos, valores que lhes são próprios:

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O horário do recreio era o horário de brincar e de comer o lanche. Não

era recreio dirigido, então a gente aproveitava para brincar bastante, de

correr, mas a irmã não gostava muito porque suava, mas o pátio era

grande, ela nem via. Também gostávamos de brincar de 3 mocinhas da

Europa: lembro-me ainda hoje: Somos 3 mocinhas da cidade, O que

vieram fazer? Muitas coisas! Então faz para nós ver! Então isto era o que

mais nós gostávamos de fazer! [...] Brincávamos muito de roda: de

Terezinha de Jesus, passava o recreio rodando, tinha aquela cantiga: A

menina que tá na roda: A menina que tá na roda, é uma gata espichada,

tem a boca de jacaré e a saia remendada! Depois, trocava, ia outra criança

no meio. Fazíamos muita brincadeira de roda, eram momentos

maravilhosos! (PONCE, depoimento 23/01/2012)

No recreio a gente brincava muito de pega-pega, [...] brincadeiras antigas.

Lembro das cantigas: Tenho 7 namorados, mocinhas da cidade, marcha

soldado, ciranda-cirandinha, Terezinha de Jesus, aquela que falava poesia

no meio da roda, gato-rato. Era a escola toda numa roda só brincando de

gato-rato, ou todas as meninas brincando de ciranda-cirandinha.

(BERGAMO, depoimento 17/01/2012)

É interessante relacionar que enquanto professores e direção da escola buscavam

encontrar formas de devolver a harmonia facilitadora e ‘apaziguadora’ da ordem,

os alunos pareciam compreender (e assim se organizavam!)96

que silêncio e barulho

conviviam juntos, ordem e desordem não se excluíam,97

trazendo outras possibilidades de

mover-se no mesmo espaço, tornando aquele lugar, de fato, num lugar praticado.

“O recreio que parecia ser o fim do trabalho pedagógico [...] era o inicio da

auto-organização” (ALBUQUERQUE, 2006, p. 41) daquelas crianças e jovens, “era o

início da negociação de regras em torno de um objetivo comum, era o início de uma

convivência social qualitativamente superior” (Ibidem) daquela imposta em sala de aula.

96

Cf. Albuquerque, 2006. 97

Cf. Morin, 2004.

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Figura 42- Crianças da Pré-Escola brincando no pátio da escola, 1977

Fonte: Acervo Particular Maria Lúcia Braz

Com bolas de meias, latas de óleo e tacos de madeiras para jogar bets98

, elásticos e

qualquer outro artefato que pudesse virar brinquedo, aquelas crianças reinventavam jogos e

brincadeiras. E, assim, jogavam com as possibilidades; enquanto a ordem via apenas do

alto do seu panóptico a disciplina e o silêncio, as crianças utilizavam-se do que lhes era

oferecido para recriar a seu modo, o próprio espaço na escola, o que lhes garantiam a

possibilidade de ocupação em terras alheais e, portanto, nos momentos de conflito e de

combate, as suas vozes se faziam ouvir pelas artes de fazer. Nas palavras de Certeau: “Eles

metaforizavam a ordem dominante: faziam-na funcionar em outro registro.

Permaneciam outros, no interior do sistema que assimilavam e que os assimilava

exteriormente. Modificavam-no sem deixá-lo”. (1998, p. 95).

Com isso, se fazia uma cultura criada e recriada no espaço escolar, entre trocas,

encontros, situações conflituosas, práticas desviantes, não planejadas e muitas vezes

ignoradas, onde imperava o silêncio, mas também sutilmente ressoavam as vozes que

98

O jogo de Bets ou Tacos é um esporte de rua, que descende do "cricket" britânico. O objetivo principal do

jogo é rebater a bola lançada pelo jogador adversário, sendo que durante o tempo em que este corre atrás da

bola, a dupla que rebateu deve cruzar os bets, também chamados de tacos ou remos, no centro do campo,

fazendo, assim, dois pontos cada vez que cruzam os tacos.

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cantavam juntas: “Lá vem seu Juca-caca, da perna torta-tata, dançando valsa – sa, sa, com

a Maricota-ta ta”. (PONCE, depoimento 23/11/2012).

O momento em que aqueles alunos se viam livres da vigilância era o espaço onde

conseguiam recriar, “negociar e lutar por sua felicidade, pelos seus desejos, se

apropriando de cada fenda, de cada canto, de cada brecha, se esgueirando,

escorregando, deslizando”. (ALBUQUERQUE, 2006, p. 40). Cada um, à sua maneira,

exercia como ninguém suas artes de se fazer sujeito, cada qual com a singularidade que lhe

era própria e, isso, “sem sair do lugar onde tem (tinha)99

que viver e que impõe (impunha)

uma lei, ele aí instaura (instaurava) pluralidade e criatividade. Por uma arte de

intermediação ele tira (tirava) daí efeitos imprevistos”. (CERTEAU, 1998, p. 93)

Nesse contexto, corroboro das ideias de Azevedo e Araújo (2011, p. 481), quando

explicam que:

O ser humano comum é capaz de inventar táticas buscando escapar

das teias da conformação, mesmo enredados no poder do

inconsciente – como um “lugar” em nós mesmos que não temos

domínio – e no poder das ideologias dominantes – que nos forçam a

pensar como pensamos e agir como agimos – os seres humanos

ordinários são capazes de criar e recriar maneiras de viver sonhos e

realidades indo além da submissão pela via da arte do fazer.

Contudo, redes de vigilância não faltavam na instituição, entretanto, o que me

chamou atenção é que os sujeitos que colaboraram com a pesquisa, compartilham da ideia

de que, mesmo diante de tanto rigor e tanto disciplinamento, a escola se tornava um lugar

de lazer, o espaço de encontrar os amigos, visto que na cidade era a única coisa que existia:

Para mim naquela época tudo era festa, era criança, não entendia aquelas

práticas, hoje eu vejo diferente, mas na infância, a escola era uma festa!

(BÉRGAMO, depoimento 17/01/2012).

O que mais me lembro da escola era as brincadeiras no recreio, os

professores, eu gostava muito da escola, não tinha outro lazer, era como

se a escola fosse o lugar de lazer, mesmo com todos estas características

da época de imposição, de tradicionalismo, de silêncio, de total

disciplina, mesmo diante de tudo isto ainda era uma delícia ir para a

escola porque em casa a gente não tinha nada, [...] a escola mesmo

daquele jeito, com tantos defeitos, era nossa, era a tudo! (PONCE,

depoimento 23/01/ 2012).

99

As palavras entre parênteses foram adicionadas por mim, pelo fato de a concordância do verbo no passado,

tempo em que discorro sobre as minhas reflexões.

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Diante disso, se faz relevante a reflexão de que redes de vigilância não faltavam na

Instituição, precários eram os materiais, a estrutura física, porém a vigilância jamais deixou

de existir. No lugar da ordem, o fazer de seus sujeitos era visto como obediência e

servilidade, mas na visão daqueles que realizavam esses fazeres, na verdade, o faziam até

onde lhes interessava, caso contrário, formas de escapar e de burlar o sistema eram

encontrados e, então, facilmente aqueles fazeres eram esfacelados. “Uma arte

surpreendente, onde obrigados a fazer o que não queriam, faziam desfazendo-o”.

(ALBULQUERQUE, 2006, p. 43)

Como reforçado por Certeau (1998, p. 41):

Se é verdade que por toda parte se estende e se precisa a rede da

“vigilância”, mais urgente ainda é descobrir como é que uma

sociedade inteira não se reduz a ela: que procedimentos populares

(também “minúsculos” e cotidianos) jogam com os mecanismos da

disciplina e não se conformam com ela a não ser para alterá-los; enfim

que “maneiras de fazer” formam a contrapartida, do lado dos

consumidores (ou ‘dominados’?), dos processos mudos que organizam

a ordenação sócio-política”.

Finalmente, se a escola focava na ordem e disciplina, por outro lado seus atores

buscavam criar, recriar os modos de se viver naquele espaço. Assim, ao direcionarmos um

olhar para a cultura escolar no interior de sua prática, nos lançamos a uma possível

compreensão da experiência concreta da vida da escola. Sendo essa experiência

compartilhada entre todos que compunham a instituição em investigação, mas

diferenciando-se na maneira como cada um incorporou tal experiência.

Contudo, há que se referenciar que as mil práticas de fazer (CERTEAU, 1998) não

se restringiam aos alunos circunscritos ao espaço escolar, mas se estendia ao ‘privado’, de

seus lares, sob outra espécie de ‘vigilância’, no caso, a família. Havia sob ‘normas e

regras’ vindas de um lugar, o espaço de fazer, os modos de proceder da criatividade

cotidiana, as burlas, as fugas, onde as múltiplas invenções e criações davam espaço para

uma infância constantemente reinventada, uma verdadeira arte de fazer e de ser criança.

A mata, por exemplo, era irresistível aos olhos de uma criança, um mundo que se

desvelava cheio de surpresas, de imaginação, um espaço ideal para a inventividade. Apesar

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de ser ‘interditada’ devido aos perigos, as táticas “aproveitavam ‘ocasiões’ sem a

necessidade para estocar benefícios, aumentavam a propriedade e previam saídas”.100

Nas

recordações da infância de ex-alunas pode-se perceber o ‘mundo’ que a criança constrói

para si, a partir do simples, do banal, do cotidiano:

Eu não entrava na mata, tinha medo e minha mãe não deixava. Mas, uma

vez entrei na mata com meus primos, só um pouquinho, mas este pouco

nós chegamos a nos perder, quando você está na mata você não tem

noção de direção, era uma mata muito alta, fechada! (PONCE,

depoimento 23/01/2012)

[...] onde eu morava quando cheguei à Sinop, atrás da casa era tudo mato.

Era um mato que já estava aberto, por que eles estavam abrindo para

construir. [...] eu era muito criança, achava lindo aquela natureza! Tive

oportunidade de viver uma infância em meio à natureza, tive toda esta

liberdade de mexer com barro, tomar banho de chuva, subir em árvore - a

coisa mais fácil era achar uma árvore com cipó, era puro Tarzan mesmo!

Passar com cipó pelas poças d’água grandes, que agora vejo que não

eram tão grandes, mas quando crianças pareciam rios, imaginava maior

ainda. (BÉRGAMO, depoimento 17/01/2012).

Nas sábias palavras de Walter Benjamin (2009, p.104):

As crianças formam o seu próprio mundo de coisas, um pequeno mundo

inserido no grande. Dever-se-ia ter sempre em vista as normas desse

pequeno mundo quando se deseja criar premeditadamente para crianças e

não se prefere deixar que a própria atividade – com tudo aquilo que é nela

requisito e instrumento – encontre por si mesma o caminho até elas.

Diante disso, entende-se, com o filósofo, o quanto a escola e a sociedade, seja no

passado ou no presente, deve ser repensada sob formas de atuar com este ‘pequeno

mundo’. Mundo onde as coisas são vistas pela ótica da criação, da vida em constante

movimento, para que, então, se possa evitar que as coisas ensinadas não perdessem o

encantamento, para que o aprender não se restringisse a moldar o corpo e a mente e,

consequentemente, para que o processo de escolarização não se tornasse empobrecido,

como nos versos do poeta mato-grossense Manoel de Barros, em sua Didática da

Invenção:

O rio que fazia uma volta atrás de nossa casa

era a imagem de um vidro mole que fazia uma

volta atrás de casa.

100

Cf. Certeau (1998, p. 100)

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Passou um homem depois e disse: Essa volta

que o rio faz por trás de sua casa se chama

enseada.

Não era mais a imagem de uma cobra de vidro

que fazia uma volta atrás de casa.

Era uma enseada.

Acho que o nome empobreceu a imagem.

(BARROS, 2008, p. 45)

Figura 43- Criança brincando de fazer bolinhas de sabão em cima de toras de madeira, próximo à

mata, 1977

Fonte: Acervo Particular Carla Sprizão Ponce, 2012

Entretanto, aquela ‘imensidão verde’ da floresta, atualmente, já não existe mais,

quando se descobriu que mata era sinônimo de riqueza, a imagem ficou empobrecida,

parafraseando os versos do poeta. Pereira (2007, p. 30) nos fala que hoje “é uma região

comprometida ambientalmente, embora no passado apresentasse uma mata exuberante,

com uma vegetação composta de árvores de grande porte, que se enfileiravam entremeadas

de cipós e gramíneas, local de abrigo de inúmeras espécies”.

A autora ainda pontua tratar de uma área que fez e faz parte da Amazônia Legal e

que, por isso, constitui espaço ambicionado por várias nações, por representar patrimônio

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de vida. “No imaginário que se constrói, tendo como exemplo o fragmento urbano do

Parque Florestal de Sinop101

(ANEXO 2), percebe-se ainda a presença de matas, com

árvores imensas e sinuosos riachos, e tem-se a sensação de estar no coração de Sinop, antes

do caminhar humano”. (PEREIRA, 2007, p. 30)

Naquela gleba, para aquelas crianças, a floresta era só uma mata cheia de diversão,

a serraria do pai local de brincar nas ‘montanhas’ que o pó de cerra formava, a madeira

cerrada era motivo de ‘achar o tesouro perdido’, no caso o tesouro era apenas uma tábua,

mas não qualquer uma, a melhor de todas, para brincar de pular tábua, bem alto; quanto

mais alto melhor, os tocos de madeira se transformavam em grandes cidades, os

brinquedos eram inventados e por isso tinham grande valor, era a própria imaginação a

empresa fabricante e a escola era propícia para que, em casa, a criança pudesse brincar de

faz de conta. Desse modo, “[...] a ação de criar e recriar nasce dos nossos desejos e muda a

face do mundo”. (AZEVEDO; ARAÚJO, 2011, p. 8)

Mundo plural daquelas crianças, espaço onde criar, inventar e reinventar eram

verbos conjugados nas práticas de fazer. Espaço tomado pela imaginação, que docilmente

sabia lidar com qualquer estratégia de lugar, “[...] jeitos de artistas [...]. “Corre, corre o

furão: mil maneiras de ‘fazer com’”. (CERTEAU, 1998, p. 91):

Imagina chegar aqui e morar numa casa de madeira que lá de onde eu

vim não existia, num lugar cheio de barro, sem asfalto, poder andar a

vontade na rua, se sujar, era a maior festa! Brincava de pedalar no barro,

de pega-pega, de esconde-esconde, de cipó! [...] lembro-me de ter de

aprender sob a luz do lampião, [...] adorava pular tábua: quanto mais alto,

melhor [...] tinha as tábuas especiais, os toquinhos, reunia todo mundo

para pular tábua, corria, brincava mesmo, espaço não faltava, brincava de

casinha, apesar de não ter as coisas nós inventávamos, só tinha uma

boneca que havia trazido junto, a bicicleta era para cinco usar, cinco mais

os amigos. [...] brincávamos um monte! Era diversão intensa na selva!

(BÉRGAMO, depoimento 17/01/2012).

[...] os nossos brinquedos, eram tudo nós que criávamos. Nós tínhamos

algumas bonecas que trouxemos lá do Paraná, aqui tudo era muito caro e

também nem tinha. No começo então nós tínhamos os brinquedos do

Paraná, mas com o tempo estes brinquedos foram estragando, ficando

velhos, então nós inventávamos, pegávamos toquinhos da serraria,

montava casinha, cidadezinha, eu gostava de brincar de carrinho. Eu

gostava de andar de bicicleta, [...] só tinha uma para eu e minha irmã,

então a gente brincava, se revezava, brincava de pó de serra, hoje a gente

101

O Parque Florestal de Sinop é uma das áreas ambientalmente preservadas e localizado dentro da cidade,

previsto no projeto de colonização.

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sabe do perigo do pó de serra mas, na época, nem pensávamos. Também

brincávamos de escolinha, tinha uma lousa pequenininha, minha irmã era

professora, eu era aluna e tinha mais um monte de alunos invisíveis. Aí

minha irmã reproduzia muito bem as professoras, ela dizia: Silêeeencio!

Ela imitava as professoras - uma coisa legal quando nós brincávamos de

escolinha: antes de entrar para a sala fictícia nós tínhamos que formar a

fila, igual na escola de verdade, formar fila, tomar distância, ficar em

posição de sentido, mas só tinha eu na fila, o resto era tudo invisível, mas

a minha irmã ficava gritando: “arruma esta fila, que esta fila está torta”...

“enquanto não endireitar a fila ninguém entra”, mas só tinha eu na fila!

(PONCE, depoimento 23/01/2012).

Nesse sentido, a escola, a infância e a pequena cidade que se formava deixavam

marcas de invenção e reinvenção do cotidiano. A sobrevivência pedia isso! Homens,

mulheres e crianças produziam, aos seus modos, uma história com significados próprios,

deixando inscritas no passado marcas de uma história-arte.

Contudo, o que se intentou nesta investigação foi contribuir para “compreender a

escola com base em seu funcionamento interno e nas práticas que disseminou com o intuito

de responder às demandas do fazer ordinário da classe, isto é, do trabalho cotidiano em

sala de aula, e da relação que estabelecia com a sociedade na qual estava inserida”.

(VIDAL, 2005, p. 166)

Muito embora a escola estivesse voltada para a transmissão de saberes, de juízos,

valores e normas a inculcar, para a manutenção da ordem, para a imposição do silêncio e

da disciplina, não saberemos o que essa experiência causou em cada um dos sujeitos que

dela e nela participaram. Cada aluno, cada professor, cada pessoa que vivenciou aquele

cotidiano, sabe apenas falar por si, somente ela sabe dizer que ensinamentos lhe foram

úteis e os que nunca lhe serviram.

Podem ainda, simplesmente, assim como o poeta do início, terem se esquecido do

quanto lhes ensinaram, pois talvez aquilo tudo nunca lhes causara mais calor nem mais

frio, ou ainda, muito do que lhes haviam dito nunca alterara a forma de uma coisa. Ou

simplesmente pelo simples fato de que o quê lhes aprenderam a ver nunca lhes tocaram os olhos.

Talvez, aquilo tudo que rigorosamente, ordenadamente lhes apontaram nunca estava ali: estava ali

só o que ali estava102

102

Cf. versos de Pessoa (2006, p. 130)

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REFLEXÕES FINAIS

Apenas uma Versão...

Tudo que não invento é falso.

Manoel de Barros

À primeira vista, iniciar uma reflexão final com tal epígrafe poderia levar o leitor a

ter a impressão de que tudo o que foi tratado nesta dissertação seja apenas uma invenção da

autora, uma simples história-ficção. Contudo, declaro que realmente trata-se de uma

pesquisa-invenção. Entretanto, uma invenção não no sentido de escrever uma história com

falsos vestígios ou algo parecido, visto que não teria tal desrespeito a todos que

contribuíram para com o trabalho, para com o leitor e para com a própria pesquisa

acadêmica, que exige rigor e seriedade. A palavra ‘invenção’ assume, aqui, como em todo

decorrer do trabalho, o sinônimo de criação e das artes de fazer do humano.

Parafraseando Manoel de Barros, tenho a convicção de que tudo o que não crio, que

não deixo as minhas marcas no fazer, o que, portanto, não ‘invento’ e que não tem

significado pessoal, é superficial e falso – “Eu me interrogo sobre o que fabrico, pois o

‘sentido’ ali está, escondido no gesto, no ato de escrever”. (CERTEAU, 1998, p. 298- grifo

do autor).

A minha preocupação principal durante toda a escrita da história foi esta: conseguir,

mesmo que minimamente, tomada por uma perspectiva culturalista, escrever uma versão

da história que atribuísse a ela uma história significada pelos sujeitos que a produziram,

uma história em que o fazer humano fosse enfatizado, uma história que direcionasse seu

olhar para as coisas minúsculas, cotidianas, consideradas banais para a história oficial, mas

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repleta de sentidos, valores, alegrias e dores dos ‘heróis sem nomes’ que não tiveram seus

rostos mostrados pela história vista de cima. E por isso, uma história-inventada, história-

arte, história-criação, sem compromisso de apresentar uma verdade única, absoluta, a qual

a modernidade sempre exigiu dentro de uma perspectiva positivista, até então revestida por

uma totalidade inquestionável no ‘enquadrar’ da pesquisa científica, mas de fazer uma

história repleta de vestígios, traços, linhas e marcas de uma produção humana, criada e

recriada a golpes sutis, dentro de um jogo astucioso, de estratégias versus táticas, de lugar

versus espaço, onde um incorpora o outro, numa dinâmica transformada em prática, em

ação, em artes de fazer. Mesmo porque, esta é uma das premissas da Nova História

Cultural:

[...] no campo da História Cultural, o historiador sabe que a sua

narrativa pode relatar o que ocorreu um dia, mas que esse mesmo fato

pode ser objeto de múltiplas versões. A rigor, ele deve ter em mente

que a verdade deve comparecer no seu trabalho de escrita da História

como um horizonte a alcançar, mesmo sabendo que ele não será

jamais constituído por uma verdade única ou absoluta. O mais certo seria

afirmar que a História estabelece regimes de verdade, e não certezas

absolutas (PESAVENTO, 2005, p. 51).

Neste momento, de volta ao começo, relembro cada fase da pesquisa, me parecia

tudo tão distante, um caminho tão longo até chegar a estas reflexões finais (se assim se as

pode chamar) – um processo literalmente gestacional: com direito a mudanças de humores,

hormônios à flor da pele, cansaço, angústias, dores, noites sem dormir, mas também

alegrias, momentos prazerosos – prazer em perceber cada parte do trabalho ganhando

forma, sendo nutrido pelas múltiplas possibilidades de se tornar mais ‘forte’ a cada dia,

para que no futuro, com novos estudos, segmentos de novas pesquisas, venha, então,

tornar-se um ‘adulto’. Concordo com as palavras de Albuquerque (2006, p. 27), quanto ao

processo de pesquisa quando nos diz:

Processo de gestação, onde se sente o desconforto de se estar crescendo

demais dentro de um espaço seguro e acolhedor onde nos encontramos

protegidos, mas onde o tempo implacável não nos permite mais viver. De

onde saltamos para o desconhecido novo mundo, cheio de palavras

misteriosas e silêncios assustadores. Onde a vida recomeça de outra

maneira.

Contudo, acredito se fazer necessário ainda dizer, o que esta pesquisa, enquanto

realizada por mim, contribuiu para ressignificar o meu olhar para com a história da

educação: a ‘minha história’ com a ‘história’, foi particularmente um processo de

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migração neste trabalho - me senti migrante em diferentes aspectos: primeiramente, pelo

fato de ser também migrante do Sul para a Gleba Celeste, na década de 1980, e por isso

sentir os reflexos de muitas das histórias que ouvi, na minha própria história. Além disso, o

desafio de ser migrante na história da educação, vinda de outro campo de trabalho, senti no

‘meio do caminho’ a trajetória de ‘ser migrante’, adaptando-me às novas leituras e

métodos, reinventando-me como historiadora da educação, tarefa difícil, uma espécie de

arqueologia combinada com sociologia, antropologia, filosofia, enfim, tarefa plural, onde

ecos de diversas áreas do conhecimento se entrecruzaram no desafio de trazer à luz um

discurso compreensível sobre um ‘morto’ (CERTEAU, 1982), versão de uma reconstrução

do passado sob a dimensão de refletir este passado a partir do presente – “O tempo é o

senhor da História e, por isso, o conceito-chave do ofício do historiador. Conhecer e

compreender os traços de cada época, talvez seja um dos seus maiores desafios, e o seu

tempo, por excelência, é o passado, embora não deva se desobrigar de entender o

presente”. (BITTAR, 2012, p. 7).

História. Tempo. Passado. Migração. Colonização. Educação. Um conjunto de

palavras que exigiram rigor, compromisso para mapear, em meio às muitas peças de um

quebra-cabeça, a escrita desta história. Neste universo onde o historiador junta as peças

para apresentar uma versão compreensível da realidade pesquisada, aprendi nesse meu

‘processo migratório’ (o que para um historiador pode ser óbvio) que deveria adotar novas

posturas diante do que para mim naquele momento era novo: como, por exemplo, que

deveria olhar para uma fonte escrita não mais como um mero papel antigo, com marcas

amareladas do tempo, mas como vestígios de produção humana; percebi ainda que

precisava ver nas fotografias mais do que simples imagens, mas registro de vidas que, de

certa forma, pareciam ainda pulsar e que queriam me dizer algo, sobretudo diante das

fontes orais, quando aprendi que deveria ‘sentir’ as vozes daqueles que vivenciaram tal

experiência. Digo sentir, pois, mais do que ‘ouvir’, senti no olhar de cada colaborador, no

gesto encenado a cada conversa, na expressão de cada face, nas lágrimas e risos de cada

lembrança o quanto o documento oral é rico aliado para o entendimento da história, tem

um valor muito significativo, talvez pelo simples fato de ser construído em conjunto: no

momento da entrevista, entre aquele que conta e aquele que ouve, para que depois possa

ser narrado por este último, deixando à mostra sua subjetividade na própria autoria, o que

me fez ser tomada por curiosidade e certa emoção, que me permitiram “ler a história

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passada, revisando-a, passando-a a limpo e reescrevendo-a”. (ALBUQUERQUE, 2006, p.

27)

Assim, na tentativa de ‘delinear’ um caminho para percorrer o seu contorno optei

por iniciar com uma contextualização histórica do lócus da investigação, bem como do

processo de migração. A partir do referencial teórico adotado, das fontes encontradas, dos

relatos dos migrantes entrevistados, percorri um caminho (não linear e tampouco tranquilo,

como dito no início!) que possibilitasse o entendimento desta história como

‘acontecimento’ narrado pelos sujeitos que a produziram.

Assim, quanto aos movimentos deste estudo, pode-se dizer que o projeto de

colonização de Sinop fazia parte de um projeto maior, promovido pelo Estado, sob um

discurso legitimador de ocupar os espaços considerados ‘vazios’ demográficos na

Amazônia, fortalecer a segurança nacional e resolver conflitos em alguns estados

federativos, devido principalmente à modernização latifundiária.

Sob esse discurso, o governo militar, a partir de 1964, utilizou estratégias políticas,

criando órgãos responsáveis para tal favorecimento do projeto, beneficiou empresários

com incentivos fiscais, forneceu ampla infraestrutura, como a construção de rodovias

federais, favoreceu empresas privadas a assumir projetos de colonização, uma vez que em

décadas anteriores tentativas frustradas de colonização estatal haviam sido realizadas.

Além disso, com uma forte ideologia, alimentava o processo de migração como prova de

brasilidade, marcada por uma intensa propaganda que ‘mitificava’ a Amazônia e a ‘nova

fronteira agrícola’ como um novo ‘Eldorado’, a verdadeira ‘Canaã’ – Terra do sonho de

toda gente!

Nesse cenário, a Empresa Colonizadora Sinop adquiriu uma extensa área de terra

ao Norte de Mato Grosso, onde daria início ao projeto colonizatório da Gleba Celeste, da

qual nasceriam quatro cidades: Vera, Sinop, Carmem e Cláudia.

O processo dos trabalhos da Colonizadora Sinop teve início, primeiramente, na

cidade de Vera e, em 1973, em Sinop, datando sua fundação em 1974.

No projeto colonizador de Sinop, assim como de toda Gleba Celeste, foi utilizada

marcante propaganda nos estados do Sul do Brasil e em algumas cidades de São Paulo. As

propagandas eram ambiciosas, provocavam sonhos, desejos de um futuro mais promissor:

promessa de terra fértil, de um clima bom e sem geadas, promessa de um lugar ideal onde

o colono sulista poderia sonhar em um dia tornar-se grande fazendeiro e seus filhos teriam

um futuro melhor que aquele que os pais tiveram no passado. Promessas, sonhos,

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esperanças, ilusões atraíram milhares de migrantes, principalmente sulistas, em especial do

estado do Paraná, a ingressar numa ‘aventura’ rumo à ‘Selva Amazônica’ em busca de um

‘mundo novo’, da ‘Terra Prometida’.

Mal sabiam os migrantes o que lhes esperava. Desilusões, frustrações, sofrimento,

doenças, miséria, saudade dos que ficaram e muito, muito trabalho para fazer: uma cidade

precisava ser construída, tudo estava por ser feito e cabia ao suor daqueles trabalhadores tal

projeto – “A propaganda garantia terras férteis, falava das possibilidades de progresso e

lucros. O que a propaganda não falava era que a região estava, em alguns casos, mal

cortada por “picadões”, trilhas nas quais só se passava a pé, sem nenhuma estrutura de

apoio aos colonos como postos de saúde, escolas para as crianças, estradas para o

escoamento da produção”. (JOANONI NETO, 2012, p. 2).

A terra era diferente das propagandas veiculadas no Sul, não era fértil e precisava

de estudos, investimentos, para que pudesse dar frutos. Muitos não resistiram, retornaram

para seus locais de origem ou para outros locais, porém ‘rotulados’ de fracassados, e os

que ficaram, na sua grande maioria, passaram a aprender a lidar com a madeira, uma vez

que a região era composta por milhares de espécies de árvores de grande valor comercial.

Entretanto, o que me instigou ao analisar as memórias dos migrantes que entrevistei

nesta pesquisa e ao ter contato com outras entrevistas já realizadas, é o quanto a imagem

do presente se sobrepõem às dificuldades e aos sofrimentos do passado, fazendo com que

os momentos vividos e superados influenciem hoje no progresso da cidade, reforçando

sobretudo, não a saga, as lutas, mas sim a ‘vitória’. Como nos diz Joanoni Neto (2012, p.

3), “a memória é refém do tempo presente. Os sucessos ou insucessos alcançados nessas

novas terras, as percepções e questionamentos sobre a experiência vivida, influenciam na

presentificação da memória, na sublimação ou destaque dos momentos vividos”. Como

diria Certeau (1998, p. 162), “Como os pássaros que só põem seus ovos no ninho de outras

espécies, a memória produz num lugar que não lhe é próprio”.

Contudo, os migrantes quando chegaram a Sinop, além da promessa da ‘terra

ideal’, contavam também com a promessa de escola para os filhos, uma vez, que tinham na

educação escolar a ferramenta que garantiria um futuro melhor para seus filhos. E os

colonizadores, cientes dessa convicção dos migrantes, não poupavam garantias de

educação naquele ‘novo’ território, isso na propaganda veiculada.

Entretanto, a educação naquele momento inicial não recebera os mesmos

investimentos e incentivos, tampouco a mesma ‘atenção’ recebida do Estado pelo processo

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de integração à ‘nova’ fronteira. Apesar de a escola ter sido uma promessa para atrair os

migrantes, quando estes chegaram ela não existia sendo que a mais próxima estava

localizada a 80 km de distância, e para se chegar até ela enfrentava-se estrada sem

pavimentação, o que ocasionava perigos na época da poeira103

e tornava-se intransitável na

época chuvosa.

Dessa forma, inconformados com tal situação, partiu dos próprios migrantes a

iniciativa de juntar-se e construir a escola, assim como decidir os primeiros rumos que a

educação de seus filhos receberia, escolhendo dentre eles ‘os mais instruídos’ para exercer

a docência na pequena Escola Sinop, inicialmente extensão da Escola Estadual N. Sra. do

Perpétuo Socorro, de Vera-MT.

Numa pequena ‘sala’ de madeira, que parecia mais um casebre, com estrutura

material precária, onde o chão era a própria terra, as primeiras crianças que chegaram a

Sinop estudavam todas reunidas sob o regime multisseriado, sob a orientação da

‘professora dos migrantes’, que mesmo não tendo habilitação para exercer a docência, se

sentiu no desejo de ‘ajudar’ aquelas crianças que não teriam onde continuar seus estudos.

A ‘saleta’ de madeira, cujos materiais para sua construção foram doados pela colonizadora,

fora improvisada pelos migrantes, que fugindo das teias da conformação, não suportaram a

ideia da propaganda falsa da escola, pois seus filhos tinham de alguma forma que estudar.

Assim, a sala improvisada da Escola Sinop (chamada informalmente pelos

migrantes de Grupo Escolar Sinop), pertencia à Escola Estadual N. Sra. do Perpétuo

Socorro, que tinham Irmãs católicas trazidas do Paraná pelo colonizador para direcionar os

trabalhos sociais e educacionais. Dessa forma, a Escola Sinop sendo uma extensão da

escola de Vera, desde seu início também foi direcionada pelos trabalhos cristãos

desenvolvidos pelas Irmãs da Congregação Santo Nome de Maria.

Nesse contexto, a Igreja Católica, juntamente com a colonizadora, desenvolvem na

escola um trabalho conjunto, onde a religião, a obediência, o silêncio, a idolatria à Pátria

constituíam as bases que fundamentavam os princípios educacionais.

Com a demanda de migrantes que chegavam todos os dias, a pequena sala não era

suficiente para atender aos alunos; assim, em 1974, ano da fundação de Sinop, a

colonizadora construiu três salas de aula, com um design diferente, vista por muitos como

103

O clima ao Norte de Mato Grosso é dividido em dois momentos: seco e chuvoso, a “estação seca” é

conhecida popularmente como ‘época da poeira’, devido ao grande período de estiagem, provocando muito

pó e baixa umidade do ar, a ‘estação seca’ que ocorre entre final do mês de abril estendendo-se até início de

outubro.

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bonitas e ao mesmo tempo engraçadas, pois popularmente foram apelidadas de ‘escola

galinheiro’, devido ao formato similar. Nesse processo, onde famílias chegavam todos os

dias, a escola foi crescendo, os professores foram chegando em Sinop (muitos deles

convidados pelo próprio colonizador).

Contudo, em 1976 a Escola Sinop tornou-se oficialmente Escola Estadual de 1°

Grau Nilza de Oliveira Pipino, nome escolhido pelas próprias professoras da época para

homenagear a esposa do colonizador, que “muito ajudava a escola em tudo que esta

precisasse104

”. Nesse momento, Mato Grosso começava a ter uma relação mais efetiva na

escola em estudo, contando ainda com a influência direta da colonizadora e da Igreja

católica, através dos trabalhos desenvolvidos pelas Irmãs.

Durante o período cronológico em estudo, pôde-se verificar que a organização e o

funcionamento da escola em questão tinha como critério seguir os preceitos da educação

estabelecida pela Lei Federal 5.692/71, a qual definia um ensino técnico e mecanicista,

visando a preparação do cidadão para o trabalho e em consonância com os interesses do

Estado militar, instaurando naquele contexto histórico uma educação moldada às

perspectivas do novo cenário urbano-industrial que se constituía no país.

Dessa forma, na documentação encontrada, nos diversos depoimentos orais

coletados e nas fontes iconográficas foi possível perceber as marcas de um ensino onde as

atividades estimulavam a memorização e a repetição, onde o silêncio predominava na sala

de aula, onde a Pátria era exaltada todos os dias na tentativa de ‘docilizar’ mentes e corpos,

uma educação embasada na religião, cujos princípios inculcavam valores e juízos morais,

enaltecendo com ‘glórias’ a ‘nova’ cidade, com o intuito de apresentar na fé o refúgio de

consolação e a esperança de dias melhores.

Há ainda que se destacar a predominação da cultura e das tradições sulistas, que nos

primeiros anos de colonização emergiram com muita força, não considerada como mera

reprodução, mas uma ‘reinvenção’ de tudo aquilo que os migrantes tinham por definidos

no Sul, ‘reinventados’ aos seus modos em outro lugar, totalmente diferente, mas que não

deixavam de ser refeitos, na maioria das vezes, sem os mesmos materiais, sob ‘outras’

aparências, mas com valores que resignificavam os valores identitários daquelas pessoas,

daqueles alunos, daquela escola, reforçando os costumes - a produção cultural de um Sul

‘reinventado’ no Norte de Mato Grosso.

104

Cf. depoimentos obtidos nesta pesquisa.

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Contudo, ao que se refere ao ‘panóptico’ instituído na escola para controlar,

disciplinar, silenciar - “uma prática panóptica a partir de um lugar de onde a vista

transforma as forças estranhas em objetos que se podem observar e medir, controlar,

portanto, e ‘incluir’ na sua visão” (CERTEAU, 1998, p. 100), havia também, na dinâmica

da sala de aula, uma produção cultural específica, onde os ‘fracos’ jogavam sutilmente

com os ‘fortes’, sem entrar em confronto direto, sem ser necessária a imposição dos

‘fracos’, mas aos seus modos, aos seus jeitos de fazer e com suas mobilidades táticas

fazendo aparecer suas artes de fazer, conseguiam estar onde ninguém esperava105

,

mobilizando as estratégias do forte, fazendo daquele lugar um espaço, tornando-o, então,

um lugar praticado - lugar que movia-se, lugar que se escondia e aparentemente dominado,

porém conquistado, recriado e transformado em espaço no mundo106

daqueles que nele

habitavam.

Propomos um olhar para esse lugar: escola, como espaço onde uma produção

cultural específica era criada, recriada, reinventada, em que habitualmente nessa dinâmica,

nesse jogo de ‘fortes e fracos’ instituíam-se estratégias modeladoras e táticas de subversão.

Nesse cenário, as relações de poder se revelavam no interior daquela instituição escolar,

enquanto lugar-espaço onde foram estabelecidas relações sociais e concomitantemente se

difundiam saberes e conhecimento. Contudo, utilizando-me das conclusões de Gonçalves

(2004, p. 13), foi neste contexto dentro do período estudado que:

[...] essa realidade, que essas práticas foram inventadas, ou

reinventadas, gerando não somente as ações passivas de reprodução das

imposições formais dos regulamentos e programas prescritos, mas,

sobretudo, desenvolvendo uma relação complexa de astúcias com tais

imposições, com tramas de sociabilidades entre os atores e seus pares e

com outros sujeitos implicados nas relações mais extensas, seja no

seio familiar, comunitário ou outros. Relações amplas de

negociações, de conflitos, de burlas, de transgressões, de criação e

de resistência, que fazem parte do constituir-se da escola.

Diante disso, acredito que com a presente pesquisa ter contribuído para propor uma

discussão sobre como foi instaurado o sistema educacional de Sinop, assim como

apresentar as práticas, normas, o que se era preciso ensinar, que valores, juízos inculcar no

processo de escolarização naquele contexto histórico escolar. Além disso, me propus a

travar uma discussão a partir das concepções de Michel de Certeau, que promovesse uma

105

Cf. Certeau (1998, p. 101) 106

Cf. Albuquerque, 2006.

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reflexão sobre as apropriações feitas pelos sujeitos no cotidiano da escola e com isso

produzir uma história das memórias e práticas escolares, ou seja, conhecer e refletir sobre a

produção da cultura escolar.

O conceito de cultura escolar adotado na pesquisa, apoiado na ótica de Julia (2001),

pressupôs conhecer a escola no seu cotidiano interno, um olhar para seu interior, ou seja,

‘compreender o que ocorria naquele espaço particular’. (JULIA, 2001, p.13).

Contudo, a ‘escola reinventada’ a que propus direcionar o meu olhar, deixaram

naquelas paredes marcas escritas da sua história, e, mesmo que aqueles ‘prédios’ hoje

foram substituídos e, portanto, já não existem mais, ainda perdura em outro espaço uma

escola que, assim como tantas outras em nosso país, é cotidianamente ‘reinventada’,

vivamente inserida na história, produtora de cultura, de fazer humano diante da ‘ordem

efetiva das coisas’ (CERTEAU, 1998).

Com a presente pesquisa acredito que talvez tenha assumido, assim como muitos

outros trabalhos, ‘um risco’ de contrapor ao discurso acadêmico tradicional, creio que

influenciada por Michel de Certeau, utilizando das minhas táticas para ‘fugir’ dos padrões

estabelecidos de uma linguagem tão técnica, estrutural que há muito tempo ainda resiste na

academia. Busquei encontrar na arte e na poesia possibilidades de união com a história

(área já tão múltipla do conhecimento), para que, assim, ‘escapasse’ de apresentar sua

escrita por um caminho uno, absoluto, mas que possibilitasse ao próprio leitor refletir sobre

ela, sobre os efeitos que ela pode fabricar em cada um, na tentativa de, desta forma,

construir novos olhares sobre a história da educação, em especial a história educacional

que esta investigação se dirigiu, de modo a “mergulhar em uma infinidade de cores e tons

que eram imperceptíveis à distância, impostos pela forma de se entender e de se fazer

ciência” (ALBUQUERQUE, 2006, p. 26), movida por esta razão que entendo e denomino

como sendo “apenas uma versão”.

Para tanto, minha tentativa de unir traços de arte e poesia com a história foi o de

fazer emergir uma linguagem diferenciada, múltipla, e de, assim como Santos (2011), agir

como uma pesquisadora que também sente, que também sonha, afinal,

Poetas sonham palavras, o pesquisador também pode sonhar suas

palavras, sonhar com a linguagem com as quais irá se colocar diante dos

sujeitos de sua pesquisa. Essa preocupação com as palavras, com a

linguagem, remete a uma relação diferenciada entre pesquisador e

pesquisado; uma relação que transcende à concepção dualista sujeito e

objeto. (SANTOS, 2011, p. 10).

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Contudo, assim como Oliveira (1983, p.139), “creio ter deixado de forma modesta,

a contribuição que pretendia”, entretanto, ainda não como trabalho finalizado, mas

composto por muitos espaços, por reticências a requerem mais aprofundamento, mais

pesquisa – “Meus limites não foram superados, acredito que mudaram de lugar”. (Ibidem).

Com isso, faço minhas as palavras de Albuquerque (2006, p. 27):

Volto-me para a história passada sem, no entanto, desabitá-la. Ela segue

em mim como um livro que não se encerra na última linha, não se decifra

na primeira leitura. Uma história que cada vez que escrevo e leio,

conto e reconto, ganha novos significados, uma história que

reconstruo, de memória em memória, de lembrança em lembrança.

Nessa história há ainda muito por se dizer, por se contar. Há muita coisa para se

pensar, para se discutir, para que se possa contribuir ainda mais no presente e no futuro a

partir do passado. A sensação é de não querer colocar um ponto final, mas apenas deixar

um degrau que, então, se houver de alguma forma um desejo da autora a ser deixado neste

degrau, gostaria apenas que toda essa história pudesse ser vista pela ótica das artes de

fazer, para que sua importância não possa, como dito pelo poeta do início desta pesquisa:

“ser medida com fita métrica, nem com balanças, nem com barômetros etc.. Mas que sua

importância e seus significados possam ser medidos pelo encantamento que a história

possa de alguma maneira ter produzido em cada um de nós”.

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VERSOS FINAIS

E, tudo começou ali,

Na salinha de chão batido.

Uma escola em meio à floresta

Que se via tudo pelas frestas

Construída pelos migrantes

Era o orgulho da cidade

O sonho de um futuro brilhante

Para as crianças, para a sociedade

Escola-vigilante

Alunos- astuciosos

Que juntos viviam

Um cotidiano fascinante

Escola Reinventada

A cada dia, a cada hora

Obediência e silêncio

Era o que a escola determinava

Mas havia também outro lado,

O da criatividade que imperava

Onde os alunos cantavam cirandas

E brincadeira-inventada não faltava

Era assim o cotidiano

Da pequena sala da floresta

Visto pela criança da janela

Tudo como uma grande festa.

Josiane Brolo Rohden, Sinop-MT, 2012.

Escola Reinventada

Sala de Aula construída pelos migrantes em 1973

Fonte: Patrimônio Histórico de Sinop, 2011

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Depoimentos:

BÉRGAMO, Dayse Maria Vieira. Entrevista concedida no dia 17/01/2012, em Sinop-MT.

Entrevistadora: Josiane Brolo Rohden.

BRAZ, Maria Lúcia de Araújo. Entrevista concedida no dia 08/12/2011, em Sinop-MT.

Entrevistadora: Josiane Brolo Rohden

GOBBO, Anízia Mendes. Entrevista concedida no dia 14/01/2012, em Sinop-MT.

Entrevistadora: Josiane Brolo Rohden.

GUERRA, Terezinha Vandresen Pissinati. Entrevista concedida no dia 25/01/2012, em

Sinop-MT. Entrevistadora: Josiane Brolo Rohden.

PAULA, Maria Augusta de. Entrevista concedida no dia 02/02/2012, em Sinop-MT.

Entrevistadora: Josiane Brolo Rohden

PONCE, Carla Sprizão. Entrevista concedida no dia 23/01/2012, em Sinop-MT.

Entrevistadora: Josiane Brolo Rohden

SILVA, Soeli Siaska da. Entrevista concedida no dia 07/02/2012, em Sinop-MT.

Entrevistadora: Josiane Brolo Rohden

BRUN, Marisa Lucia, Entrevista concedida no ano de 2002, em Sinop-MT.

Entrevistadora: Janice Cássia Lando

MODANESE, Reinaldo Domingos, Entrevista concedida no ano de 2002, em Sinop-MT.

Entrevistadora: Janice Cássia Lando

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ROVERI, José. Entrevista concedida no ano de 2002 em Sinop-MT. Entrevistadora: Janice

Cássia Lando

SÃO JOSÉ, Maria Augusta Paula. Entrevista concedida no ano de 2002, em Sinop-MT.

Entrevistadora: Janice Cássia Lando

SILVA José Carlos da, Entrevista concedida no ano de 2002, em Sinop-MT.

Entrevistadora: Janice Cássia Lando

Documentais

Arquivo Público: Escola Estadual Nilza de Oliveira Pipino, 2011.

Arquivo Público: Escola Estadual N. Sra. do Perpétuo Socorro, 2012.

Arquivo Público: Patrimônio Histórico de Sinop, 2011.

Acervo Particular: Colonizadora Sinop, 2011

Acervo Particular: Maria Lúcia Braz, 2011.

Acervo Particular: Carla Sprizão Ponce, 2012.

Iconográficos

ANDERLE, Claudevânia B. Sinop nascendo para o Progresso. 2012. Acrílico sobre tela painel,

80x60.

ANDERLE, Claudevânia B. Escola dos Migrantes. 2012. Acrílico sobre tela painel, 80x60.

ANDERLE, Claudevânia B. Escola Galinheiro – Nilza de Oliveira Pipino. 2012. Acrílico sobre

tela painel, 80x60.

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ANEXOS

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Anexo 1- Mapa de localização do Município de Sinop no Estado de Mato Grosso

Figura 44- Localização de Sinop em relação à Capital Cuiabá – 500 km

Fonte: www.visitesinop.com.br

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Anexo 2- Imagens do Parque Florestal de Sinop

Figura 45– Vista aérea do Parque Florestal da cidade de Sinop, 2010

Fonte: www.visitesinop.com.br

Figura 46 – Área de visitação da represa no Parque Florestal da cidade de Sinop, 2010.

Fonte: www.visitesinop.com.br