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11 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO SÓCIO ECONÔMICO DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL JOANA DEMOLINER SAÚDE E POBREZA NA PRODUÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL: CONCEPÇÃO, INTERFACE E FORMAS DE ENFRENTAMENTO FLORIANÓPOLIS 2005.2

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO SCIO ECONMICO

DEPARTAMENTO DE SERVIO SOCIAL JOANA DEMOLINER

SADE E POBREZA NA PRODUO DO SERVIO SOCIAL: CONCEPO, INTERFACE E FORMAS DE ENFRENTAMENTO

FLORIANPOLIS

2005.2

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JOANA DEMOLINER

SADE E POBREZA NA PRODUO DO SERVIO SOCIAL: CONCEPO, INTERFACE E FORMAS DE ENFRENTAMENTO

Trabalho de Concluso de Curso, apresentado ao Departamento de Servio Social da Universidade Federal de Santa Catarina para a obteno do ttulo de Bacharel em Servio Social. Orientadora: Rosana de Carvalho Martinelli Freitas

FLORIANPOLIS 2005.2

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JOANA DEMOLINER

SADE E POBREZA NA PRODUO DO SERVIO SOCIAL: CONCEPO, INTERFACE E FORMAS DE ENFRENTAMENTO

Trabalho de Concluso de Curso aprovado como requisito parcial para obteno do ttulo de Bacharel no Curso de Servio Social, do Departamento de Servio Social, do Centro Scio Econmico, da Universidade Federal de Santa Catarina.

________________________________ Orientador

________________________________ 1 Examinador

_________________________________ 2 Examinador

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Dedico este trabalho aos meus pais Joo e Arlete por todo amor que me foi dado.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais pela dedicao, amor, carinho que sempre me foi dado, pela oportunidade e pelo incentivo a formao acadmica... Ao meu irmo Andr.

Ao meu namorado Andr, que foi muito importante nesta etapa de concluso do curso, pela sua presena na minha vida e tudo o que isto representa de bom.

A minha orientadora Rosana de Carvalho Martinelli Freitas, que tornou possvel a

realizao deste trabalho, e que muito contribuiu para meu aprendizado neste final de formao acadmica.

Em especial as minhas amigas Daniela e Aline, que durante toda minha formao

acadmica estiveram do meu lado. A toda minha famlia que sempre incentivou e valorizou direta ou indiretamente minha

formao acadmica. As amigas que fiz neste perodo e que contriburam inmeras vezes e de formas

diferentes em minha vida acadmica. Em especial a Vileide.

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Houvesse essa justia, e nem um s ser humano mais morreria de fome ou de tantas doenas que so curveis para uns, mas no para outros. Houvesse essa justia, e a existncia no seria, para mais de metade da humanidade, a condenao terrvel que objetivamente tem sido. Tenho dito que para essa justia dispomos j de um cdigo de aplicao prtica ao alcance de qualquer compreenso, e que esse cdigo se encontra consignado desde h cinqenta anos na declarao Universal dos Direitos Humanos... E tambm tenho dito que a Declarao Universal dos Direitos Humanos... Poderia substituir com vantagem, no que respeita a retido de princpios e clareza de objetivos, os programas de todos os partidos polticos do orbe.

Jos Saramago

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RESUMO

Este trabalho um estudo sobre a relao pobreza / sade. Realizou-se uma pesquisa bibliogrfica, desenvolvida a partir da anlise de contedo de artigos cientficos publicados na Revista Servio Social e Sociedade, no perodo de 1988 a 2005, que possuam em seus ttulos as palavras sade e/ou pobreza. As categorias analisadas nos artigos foram relao estabelecida entre pobreza/sade (doena), suas concepes e formas de enfrentamento. Pretende-se com o trabalho contribuir para que no fazer profissional dos Assistentes Sociais, a reflexo a cerca do binmio sade/pobreza esteja mais presente, juntamente com a garantia de direitos. Espera-se tambm que o trabalho suscite em acadmicos de Servio Social, assistentes sociais, e profissionais de reas afins, uma maior reflexo a cerca da pobreza, e as formas de enfrentamento. Palavras-chaves: sade/doena, pobreza, formas de enfrentamento.

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ABSTRACT This work is a study on the relation poverty/ health. A bibliographical research was become fullfilled, developed from the analysis of scientific article content published in the Magazine Social Service and Society, in the period of 1988 the 2005, that the words had in its headings health and/or poverty. The categories analyzed in articles had been the relation established between poverty/health (illness), its conceptions, implications and forms of confrontation. It is intended with the work to contribute so that in making professional of the Social Assistants, the reflection about the binmio (interface) health/poverty is more present, together with the guarantee of rights. One also expects that the work excites in academics of Social Service, social assistants, e professional of similar areas, a bigger reflection about the poverty, e the confrontation forms. Key-words: healthillness, poverty, confrontation forms.

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LISTA DE SIGLAS

Associao Brasileira de Ps Graduao em Sade Coletiva (ABRASCO) Aes Integradas de Sade (AIS) Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) Centro Brasileiro de Estudos em Sade (CEBES) Comisso Econmica para a Amrica Latina (CEPAL) Conselho Nacional de Sade (CNS) Conselho de Administrao da Sade e da Previdncia Social (CONASP) Doena Sexualmente Transmissvel (DST) Fundo Monetrio Internacional (FMI) Instituto Nacional de Previdncia Social (INPS) Lei Orgnica da Sade (LOS) Ministrio da Previdncia e Assistncia Social (MPAS) Norma Operacional Bsica (NOB) Programa Nacional de Aes Scio-Educativas e Culturais para as Populaes Carentes Urbanas (PRODASEC) Sistema Unificado e Descentralizado de Sade (SUDS) Sistema Nacional de Assistncia Mdica da Previdncia Social (SINPAS) Sistema nico de Sade (SUS)

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SUMRIO

INTRODUO .................................................................................................................. 11 1 A SADE NO BRASIL .............................................................................................. 13 1.1 Trajetria da sade brasileira .................................................................................... 13 1.2 O Sistema nico de Sade: implantao e desafios ................................................. 19 2 A RELAO ENTRE POBREZA, SADE E DOENA ....................................... 28 2.1 A pobreza como expresso da questo social: o debate contemporneo ................ 28 2.2 O binmio sade-pobreza............................................................................................ 34 3 A INFLUNCIA DA CONDIO DE POBREZA NA SADE DA

POPULAO ............................................................................................................... 38 3.1 Procedimentos de pesquisa ......................................................................................... 38 3.2 As concepes e a interface entre pobreza/sade, e as formas de enfrentamento .. 39 3.3 O Assistente Social como profissional de sade e sua presena no combate pobreza e a garantia do direito sade ..................................................................... 51 CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................. 57 REFERNCIAS .................................................................................................................. 60 APNDICE A - Levantamento de edies de revistas Servio Social e Sociedade que abordam as temticas de pobreza e sade, entre 1988 e 2005................................. 65

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INTRODUO

No Brasil, a sade sempre foi compreendida e centrada no fator biolgico, entretanto o

processo sade/doena revela fundamentalmente o seu carter social, ou seja, a sade depende

de boas condies de moradia, alimentao suficiente, condies de trabalho adequadas e

condies ambientais saudveis. Nesta perspectiva, em 1986 a VIII Conferncia Nacional de

Sade ampliou o conceito de sade.

Assim, a sade foi vinculada no s s polticas sociais e econmicas do pas, mas

tambm ao direito de acesso as aes e servios destinados promoo, recuperao e

proteo do cidado, e, para ocorrer a reduo dos riscos de doena, necessrio assegurar o

exerccio dos direitos sociais ao bem estar fsico, mental e social.

Conforme observado atravs da experincia de estgio no Hospital Universitrio (HU)

Professor Polydoro Ernani de So Tiago da Universidade Federal de Santa Catarina, a pobreza

- neste caso caracterizada pela falta de condies mnimas de sobrevivncia - mais

precisamente suas repercusses na vida das pessoas configuram-se como uma das principais

causas de internaes no Setor de Pediatria do HU, e diante do fato de que apesar de uma

atuao comprometida com os usurios , que recebe todos os atendimentos necessrios sua

reabilitao e recuperao, h uma certa dificuldade de se exercer uma prtica atuante com a

questo da pobreza no setor. Deste modo, resolveu-se buscar em produes tericas do

Servio Social, se existem reflexes acerca da interface entre pobreza e sade, suas

concepes, e formas de enfrentamento.

Foi realizada um pesquisa exploratria de delineamento bibliogrfico, desenvolvida a

partir da anlise de contedo de artigos cientficos publicados na Revista Servio Social e

Sociedade, no perodo de 1988 a 2005, que abordam a temtica sade e pobreza.

A revista foi escolhida por ser esta uma revista de publicao de referncia para os

profissionais do Servio Social no Brasil. O perodo escolhido se deve ao fato de que foi a

partir de 1988, data da Constituio Federal, que a sade passou a ser compreendida de uma

forma mais abrangente.

Diante do fato de que o Servio Social se particulariza nas relaes sociais de produo

e reproduo da vida social como uma profisso interventiva no mbito da questo social,

almeja-se com este estudo contribuir para que no fazer profissional dos Assistentes Sociais, a

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reflexo a cerca da interface sade/pobreza esteja mais presente, juntamente com a garantia de

direitos, bem como se anseia que o trabalho desperte em acadmicos de Servio Social,

assistentes sociais, e profissionais de reas afins, uma maior reflexo a cerca da pobreza, e as

formas de enfrentamento.

No primeiro captulo faz-se um resgate da sade no Brasil, mostrando como se

configurou o direito a Sade, at a promulgao da Constituio de 1988, e como a Poltica de

Sade vem sendo implementada, bem como uma anlise sobre a implantao do Sistema

nico de Sade (SUS), e sobre a atual situao da sade no Brasil.

No segundo captulo aborda-se a pobreza enquanto expresso da questo social, e sua

relao com o processo de sade/doena. Apresenta-se um resgate das vrias concepes de

pobreza, seus indicadores, bem como, de estudos existentes que abordam esta temtica.

No terceiro apresenta-se a pesquisa bibliogrfica, desenvolvida a partir da anlise de

contedo de artigos cientficos publicados na Revista Servio Social e Sociedade, no perodo

de 1988 a 2005, que abordam a temtica sade e pobreza. Explicitando assim, a relao entre

pobreza/sade, suas concepes e formas de enfrentamento presentes nesta literatura.

Ao final, so apresentadas as consideraes deste estudo, que exprimem a

compreenso que se alcanou sobre o tema.

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1 A SADE NO BRASIL

Neste captulo, resgata-se o processo histrico da sade no Brasil, mostrando como se

configurou o direito a Sade, at a promulgao da Constituio de 1988, e como aps este

perodo a questo da sade vem sendo trabalhada.

Ser apresentado o processo de implantao do SUS, bem como a atual situao da

sade no Brasil.

1.1 Trajetria da sade brasileira

No sculo XX, as polticas de sade no Brasil preocuparam-se com a economia e no

com a sade da populao. Primeiramente, exercia-se uma poltica de saneamento dos espaos

de circulao de mercadorias exportveis e o controle ou a erradicao de doenas que

tivessem possibilidades de prejudicar as exportaes, visto que a economia brasileira at a

metade deste sculo, era agroexportadora. Com isso configurou-se o Sanitarismo

Campanhista, que se estendeu do inicio do sculo XIX at 1965.

O modelo de ateno sade, adotado no Brasil at a dcada de 70, mostrava-se

oneroso, excludente, reducionista e simplificado, conseqncia da excessiva centralizao

poltica e econmica, e por ser o estado o articulador de polticas compensatrias. De acordo

com Mendes (1999, p.26), o termo polticas compensatrias empregado como formas

alternativas encontradas pelo Estado para resolver a contradio que existe entre as exigncias

poltico-ideolgicas de expanso das polticas sociais e o incremento de seus custos num

quadro de crise fiscal.

Neste contexto, em 1966, foi criado o Instituto Nacional de Previdncia Social (INPS),

que passou a ter responsabilidade pela assistncia mdica de seus beneficirios.

No perodo de 1968 a 1975, generalizou-se a demanda social por consultas mdicas como respostas s graves condies de sade; o elogio da medicina como sinnimo de cura e de restabelecimento da sade individual e coletiva; a construo ou reformas de inmera clnicas e hospitais privados, com financiamento da Previdncia Social; a multiplicao de faculdades particulares de medicina por todo o pas; a organizao e a complementao da poltica de convnios entre o INPS e os hospitais clnicos e empresas de

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prestao de servios mdicos em detrimento dos recursos j parcos tradicionalmente destinados aos servios pblicos. (LUZ, 1995, p.205).

Com o fim do modelo econmico agroexportador, e com o incio da industrializao,

iniciou-se um movimento de proteo aos trabalhadores. Era o modelo mdico-assistencial-

privatista, que surgiu em 1975, regido pela Lei 6.229, que em 1977 se integrou ao Sistema

Nacional de Assistncia Mdica da Previdncia Social (SINPAS).

Ainda no final da dcada de 70, tal modelo esgotou-se, devido a uma crise fiscal do

Estado, com fortes repercusses na Previdncia Social, por apresentar inadequaes

realidade sanitria nacional. Deste modo, tornou-se imprescindvel uma mudana neste

modelo mdico-assistencial-privatista.

Foi nesse contexto, que paralelamente comearam a surgir dentro das instituies

acadmicas, trabalhos de medicina comunitria dando incio ao movimento contra-

hegemnico da sade que, nos anos 80, veio a ser a denominada reforma sanitria brasileira.

Gradativamente, foram surgindo por todo pas, movimentos de trabalhadores de sade,

lideranas populares e sindicais, que se uniram ao movimento sanitrio na luta pela melhoria

da qualidade de vida da populao, via polticas sociais e de sade. Esses movimentos

mostraram as falhas do modelo mdico-assistencial-privatista e apontaram para um novo

modelo de ateno populao.

Tal processo tomou fora e obteve uma dimenso poltica ideolgica, o que

possibilitou a criao do Centro Brasileiro de Estudos em Sade (CEBES) em 1976, e a

criao da Associao Brasileira de Ps Graduao em Sade Coletiva (ABRASCO) em 1979,

que por meio de simpsios, debates, reunies, sistematizaram uma proposta alternativa ao

modelo mdico-assistencial-privatista.

O movimento tinha como objetivos, conceber a sade como resultado das condies de

alimentao, habitao, educao, renda, meio ambiente, trabalho, lazer; efetivar a sade

como um direito do Cidado e dever do Estado; e estabelecer a implantao de um Sistema

nico de Sade que teria como princpios a universalidade, integralidade das aes,

descentralizao e participao da populao.

A Reforma Sanitria pode ser conceituada como um processo modernizador e democrtico de transformao nos mbitos poltico-jurdico, poltico-institucional e poltico-operativo, para dar conta da sade dos cidados, entendida como um direito universal e suportada por um Sistema nico de

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Sade, constitudo sob regulao do Estado, que objetive a eficincia, eficcia, equidade e que se construa permanentemente atravs do incremento de sua base social, da ampliao da conscincia sanitria dos cidados, da implantao de um outro paradigma assistencial do desenvolvimento de uma nova tica profissional e da criao de mecanismos de gesto e controle populares sobre o sistema. (MENDES, 1999, p.42).

Segundo Ometto, Furtuoso, e Silva (1995) a economia brasileira na dcada de 80

atravessou uma das mais graves crises de sua histria, a qual resultou na estagnao do

Produto Interno Bruto e em taxas de inflao sem precedentes. Apesar desse quadro

econmico crtico os indicadores sociais apresentaram evoluo positiva. Diagnosticaram que,

embora as famlias brasileiras adotassem como estratgia para o enfrentamento desta crise a

super utilizao da fora-de-trabalho familiar no mercado de trabalho, a evoluo da renda e

da pobreza nesse perodo foi desfavorvel. Concluiu-se que a ampliao dos dispndios e

transformao das formas de implementao das polticas pblicas nas reas de sade e

nutrio so fatores decisivos no desempenho dos indicadores sociais..

A anlise do comportamento das taxas de mortalidade infantil e da esperana de vida

ao nascer do brasileiro ao longo dos ltimos sessenta anos, conclui que a "dcada perdida" no

aspecto social foi a de sessenta e no a de oitenta, como poder-se-ia supor pela observao da

renda e da pobreza.

A Tabela abaixo mostra a taxa de mortalidade1 infantil no Brasil e grandes regies no

perodo de 1930/1980.

Tabela 1 Taxa de mortalidade infantil, segundo as grandes regies, 1930 - 1980. Grandes Regies 1930/40 1940/50 1950/60 1960/70 1970/80 Brasil 158,27 144,73 118,13 116,94 87,88 Norte 168,42 151,70 117,14 111,39 72,31 Nordeste 178,71 176,34 154,94 151,18 121,36 Sudeste 152,82 132,62 99,97 100,24 74,50 Sul 127,37 114,31 86,88 87,19 61,80 Centro-Oeste 134,81 123,56 102,17 103,90 70,32 Fonte: IBGE

1 Os dados de mortalidade proporcionam elementos de suma importncia no conhecimento dos nveis de sade da populao, alem de fornecerem subsdios para o planejamento das aes polticas de ateno sade dos distintos segmentos populacionais.

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A comparao entre esses dados, com os da tabela a seguir, referentes mortalidade

infantil no Brasil e em So Paulo, nos anos oitenta, comprova que a evoluo favorvel desses

indicadores s se interrompe nos anos sessenta.

Tabela 2 Taxa de mortalidade infantil. Brasil e estado de So Paulo, 1980-1989.

Ano Brasil So Paulo 1980 75,0 51,2 1981 68,4 49,3 1982 64,5 47,9 1983 66,7 42,3 1984 65,9 44,9 1985 58,1 36,4 1986 53,2 36,2 1987 51,0 33,7 1988 47,5 33,9 1989 45,0 30,9

Fonte: IBGE, SEADE.

No que se refere s polticas de sade na dcada de 1980, mais precisamente em 1981

foi criado o Conselho de Administrao da Sade e da Previdncia Social (CONASP). Este

que visava reduo de gastos, especialmente na rea hospitalar, e a construo de um plano

de reorientao da Assistncia Mdica no mbito da Previdncia Social. Nesse mesmo

perodo, foram implementadas as Aes Integradas de Sade (AIS) que pretendiam garantir o

repasse de verbas para a sade, mediante a identificao e negociao dos servios prestados

pela Unio, Estados e Municpios.

Em 1985, a eleio de Tancredo Neves para Presidente da Repblica e seu inesperado

falecimento, resultou na posse do vice-presidente Jos Sarney que, em 1986, lanou o plano

Cruzado.

Assim, segundo Mendes (1995), esses fatos fizeram insurgir no campo da sade novos

sujeitos sociais, com interesses e vises de mundo diferentes, que permitiram moldar o projeto

sanitrio brasileiro, juntamente com os prprios usurios, que se mostravam insatisfeitos com

a ineficincia do sistema. O novo modelo de sade seria construdo sob responsabilidade do

Estado, mediante implementao de polticas sociais de sade. Pensar num novo caminho para

garantir a sade significou pensar a redemocratizao do pas e a constituio de um sistema

de sade inclusivo.

http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89101995000500011&lng=pt&nrm=iso#tabela6#tabela6

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Em 1986, a VIII Confederao Nacional de Sade, suscitou dois processos: um que

previa a implantao do Sistema Unificado e Descentralizado de Sade (SUDS), e outro que

pretendia a aprovao do captulo da sade na nova Constituio Federal, tendo como

princpio fundamental a sade como direito de todos e dever do Estado.

Com o fim da Conferncia, o conceito de sade foi modificado e com novos

paradigmas a sade passou a ser compreendida como:

Resultado das condies de alimentao, habitao, educao, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse de terra e acesso a todos os servios de sade indiscriminadamente. (MINAYO, 1986, p.28).

A sade, ento, foi vinculada no s as polticas sociais e econmicas do pas, mas

tambm ao direito de acesso as aes e servios destinados promoo, recuperao e

proteo do cidado, visto que o termo sade denota ausncia de doena, e, para haver

reduo dos riscos de doena, preciso assegurar os direitos sociais ao bem estar fsico,

mental e social.

O SUDS foi regulamentado, visando solucionar problemas financeiros entre os

Ministrios de Sade e o da Previdncia e Assistncia Social (MPAS), reestruturar as

atribuies dos governos federal, estaduais e municipais, assegurando a abertura das unidades

assistenciais para elaborao de seus prprios programas e oramentos, conforme suas

necessidades locais. Assim, colocou-se um fim s AIS, que segundo Mendes (1993) no

conseguiram atingir seus objetivos de superar o carter de poltica social compensatria e

constituir-se numa estratgia de mudana do Sistema Nacional de Sade.

Na prtica, a implantao do SUDS gerou polmica, pois foram mantidos mecanismos de controle centralizados que favoreceram a manipulao poltica e a reproduo da lgica privatizante. Assim, o SUDS no alterou o modelo assistencial vigente, persistindo a desigualdade de acesso aos servios, a baixa resolutividade e produtividade dos recursos, a estrutura inadequada de financiamento do setor e a ausncia de integralidade das aes. (COELHO, E.B.S.; WESTRUPP, M.H.B.; VERDI, M., p.11)

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A partir da VIII Conferncia Nacional de Sade, garantiu-se tambm a estruturao de

um novo sistema de sade, cujos princpios fundantes, foram inscritos na Constituio Federal

de 1988. Segundo Vasconcelos:

Assim, figuram na Constituio a universalidade, equidade, uniformidade e equivalncia, irredutibilidade dos valores dos benefcios, gesto democrtica, descentralizada e participativa, como princpios e objetivos da Seguridade Social, garantindo seu carter pblico e de responsabilidade do Estado. (VASCONCELOS, 2002, p.77).

Com a nova Constituio Federal a sade foi includa dentro do captulo da Seguridade

Social. De acordo com o artigo 194 da Constituio Federal de 1988 (p. 115), a Seguridade

Social compreende um conjunto integrado de aes com iniciativas dos Poderes Pblicos e

da Sociedade destinadas a assegurar os direitos relativos sade, previdncia e assistncia

social.

Os fundamentos do SUS foram regulamentados na Lei Orgnica de Sade (LOS). A

proposta do SUS implica na municipalizao de um modelo assistencial baseado na

integralidade, equidade, universalidade, participao popular e a descentralizao poltico-

administrativa.

Na base do processo de criao do SUS encontram-se: o conceito ampliado de sade, a

necessidade de criar polticas pblicas para promov-la, o imperativo da participao social na

construo do sistema e das polticas de sade e a impossibilidade do setor sanitrio responder

sozinho transformao dos determinantes e condicionantes para garantir opes saudveis

para a populao. Nesse sentido, o SUS, como poltica do Estado brasileiro pela melhoria da

qualidade de vida e pela afirmao do direito vida e sade, dialoga com as reflexes e os

movimentos no mbito da promoo da sade.

A promoo da sade, como uma das estratgias de produo de sade, ou seja,como um

modo de pensar e de operar articulado s demais polticas e tecnologias desenvolvidas no sistema

de sade brasileiro, contribui na construo de aes que possibilitam responder s necessidades

sociais em sade.

A LOS, aprovada em 1990, o conjunto das leis 8.080 e 8.142 editadas para dar

cumprimento ao mandamento constitucional de disciplinar legalmente proteo e a defesa da

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sade. Nessas leis esto expressas as conquistas e os princpios da Reforma Sanitria que

foram incorporados Carta Magna.

Somente trs anos aps a LOS que os critrios para o repasse de recursos do governo

federal para estados e municpios foram sistematizados (Norma Operacional Bsica do SUS

NOB-93 , anexa Portaria do Ministrio da Sade n. 545, de 20.maio.1993). A NOB-93

entrou em vigor em 1994, estabelecendo responsabilidades, requisitos e prerrogativas para a

gesto local (estados e municpios) do SUS.

1.2 O Sistema nico de Sade: implantao e desafios

De acordo com a LOS, o SUS pode ser definido como o conjunto de aes e servios

prestados por rgos e instituies pblicas Federais, Estaduais e Municipais e

complementarmente pela iniciativa privada, que interagem para um fim comum. nico por

seguir a mesma doutrina e os mesmos princpios em todo o territrio brasileiro.

O SUS pode ser entendido tambm como uma nova formulao poltica e organizacional para o reordenamento dos servios e das aes de sade, formulao essa estabelecida pela Constituio de 1988 e posteriormente pelas leis que a regulamentam. O SUS no o sucessor do SUDS ou do INAMPS. , portanto, um novo sistema de sade, ou melhor, um novo sistema em processo de construo. (ALMEIDA; CHIORD; ZIONI, 1995, p.34).

A garantia da sade, proposta pelo SUS, implica em assegurar o acesso universal e

igualitrio dos cidados aos servios de sade, ser equnime na distribuio de recursos,

obedecendo as diretrizes de descentralizao, com atendimento integral que contemple

atividades preventivas e assistenciais, e participao da comunidade, bem como a formulao

de polticas sociais e econmicas que operem na reduo dos riscos de adoecer.

Segundo Ministrio da Sade, em documento preliminar para discusso da Poltica

Nacional de Promoo da Sade, a integralidade, deve ser entendida como um processo que

implica para alm da articulao e sintonia entre as estratgias de produo da sade, a ampliao

da escuta dos trabalhadores e servios de sade na relao com os usurios, individual e

coletivamente, de modo a deslocar a ateno da perspectiva estrita do seu adoecimento e dos seus

sintomas para o acolhimento de sua histria, de suas condies de vida e de suas necessidades em

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sade, respeitando e considerando suas especificidades e suas potencialidades na construo dos

projetos e da organizao do trabalho sanitrio.

As aes e servios de sade no SUS dividem-se em trs nveis de ateno, de acordo

com a complexidade das situaes de sade.

O nvel primrio comporta atividades de preveno, promoo, proteo e recuperao

da sade. Os estabelecimentos deste nvel de ateno so as Unidades Bsicas de Sade e os

hospitais locais. Sua gerncia exclusivamente municipal.

O nvel secundrio de ateno sade caracteriza-se por desenvolver, alem das

atividades do nvel primrio, as atividades assistenciais e mais algumas especialidades

mdicas, nas modalidades de ateno ambulatorial, internao, urgncia e reabilitao. As

policlnicas, hospitais especializados e laboratrios compem o conjunto de estabelecimentos

deste nvel, que tem gerncia municipal.

O nvel tercirio alm de desenvolver as atividades dos nveis primrio e secundrio

realiza atendimento nas especialidades que demandam tecnologia de alto custo e profissionais

altamente especializados em todas as modalidades. Caracteriza-se pela maior capacidade

resolutiva dos casos mais complexos do sistema, nas modalidades de atendimento

ambulatorial, internao, urgncia e reabilitao. Os estabelecimentos neste nvel so as

policlnicas de referncia regional, hospitais especializados, hospitais universitrios,

laboratrios regionais e centrais, e hemocentros. A gerncia neste nvel estadual.

No SUS a estratgia de promoo da sade retomada como uma possibilidade de enfocar os aspectos que determinam o processo sade-adoecimento em nosso pas como, por exemplo: violncia, desemprego, subemprego, falta de saneamento bsico, habitao inadequada e/ou ausente, dificuldade de acesso educao, fome, urbanizao desordenada, qualidade do ar e da gua ameaada, deteriorada; e potencializar formas mais amplas de intervir em sade. (MINISTRIO DA SADE, 2005, p.7).

Costa (2002), aponta que um dos grandes desafios do SUS foi o de superar a

contradio entre a descentralizao da gesto do sistema de sade e a arrecadao

centralizada dos recursos da seguridade social na Unio.

A forma encontrada para vencer este desafio foi, a partir da Norma Operacional Bsica (NOB) 01/93, criar instncias deliberativas, as comisses intergestores nacional e estaduais, que so responsveis pela

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negociao da descentralizao, incluindo a partilha dos recursos financeiros da assistncia sade. (COSTA, 2002, p.53).

A NOB-93 regulamenta o processo de descentralizao da gesto dos servios e aes

no mbito do Sistema nico de Sade e estabelece os mecanismos de financiamento das aes

de sade, em particular da assistncia hospitalar e ambulatorial, e as diretrizes para os

investimentos no setor.

[...] a descentralizao uma forma de organizao que d aos municpios o poder de administrar os servios de sade locais. Isto faz com que o sistema de sade se torne mais eficiente porque fica mais fcil resolver os problemas de sade da populao quando as solues podem ser tomadas no prprio local onde o problema identificado. (SANTA CATARINA, 2003, p.10).

A descentralizao permite a participao da populao nos Conselhos de Sade, em

nvel nacional, estadual e municipal, reforando assim, aes de controle sobre as polticas a

serem desenvolvidas. por meio dos conselhos de sade que a populao participa na

definio, articulao do SUS.

A poltica de descentralizao do SUS foi alterada no incio de 1998, quando o

governo Fernando Henrique Cardoso implementou uma nova Norma Operacional Bsica, a

NOB-96, revendo o processo de municipalizao. A NOB-96 promoveu o fortalecimento do

papel dos estados na coordenao dos programas vinculados ao SUS, revertendo o poder de

gesto concedido aos municpios pela NOB-93. Tambm reorganizou o sistema, de modo a

priorizar a ateno bsica sade.

Se do lado da receita no tem havido incremento, a utilizao dos recursos com a descentralizao parece apontar uma perspectiva animadora, em particular com a proposta da nova NOB/96, que repassa fundo a fundo pelo menos os recursos para a assistncia bsica e aponta para a programao e controle mais efetivo dos gastos do setor, ao mesmo tempo em que possibilita que reas como o controle de endemias, saneamento bsico e vigilncia sanitria, entre outras, possam ter seus recursos transferidos fundo a fundo em funo de critrios tcnicos, evitando as costumeiras ingerncias polticas existentes nas relaes conveniais entre os poderes pblicos das diferentes esferas de governo. (COSTA, 2002, p.57).

32

Quanto ao financiamento do SUS, pode-se afirmar que os servios oferecidos so

custeados com recursos pblicos, onde o Governo arrecada do povo impostos e contribuies

que so destinados Seguridade Social, ou seja, seus recursos tambm fazem parte do

oramento da seguridade social. O financiamento do SUS tripartite: recursos do oramento

da seguridade social no mbito federal e recursos dos oramentos fiscais de estados e

municpios. Segundo Costa (2002), a Unio destina muito pouco recurso de seu oramento

fiscal para a rea de sade.

Os recursos so administrados pelo Fundo Nacional de Sade (FNS) e fiscalizados por

um rgo colegiado, o Conselho Nacional de Sade (CNS), do qual participam representantes

do governo, usurios, profissionais de sade e prestadores de servios. Cada Estado e

municpio dever gerir os recursos recebidos, devendo os municpios prestar contas da

aplicao aos estados e estes Unio.

A forma de repasse financeiro depende da habilitao de cada um dos municpios que,

a partir da NOB-96, dividiu-se em: gesto plena da ateno bsica e gesto plena do sistema

municipal de sade. Na gesto plena da ateno bsica o municpio recebe diretamente o

recurso correspondente ateno bsica, agora per capita e no mais por produo de servios.

As aes de sade de mdia e alta complexidade e as internaes hospitalares continuam a

serem pagas por procedimento, como ocorre hoje. Na gesto plena do sistema municipal de

sade o municpio recebe todo o recurso financeiro do teto, que agora inclu, alm da

assistncia as aes de vigilncia sanitria e controle de doenas transmissveis, e passa a

pagar os prestadores de servios de sade, como j ocorre na gesto semiplena.

Mesmo assegurados em lei, os princpios e diretrizes do SUS enfrentam impasses quanto aos seus fins e meios, especialmente no tocante ao seu financiamento (no s do custeio, mas, principalmente, o no-investimento na expanso da rede de servios) e acesso aos seus servios cada vez mais desfinanciados e sucateados. (VASCONCELOS, 2002, p.79).

Segundo Costa (2000, p.41):

[...] a atual organizao do sistema de sade, ao tempo em que atende algumas reivindicaes histricas do movimento sanitrio, de que so

33

exemplos universalizao, a descentralizao e a incorporao de alguns mecanismos de participao da comunidade, no supera as condies existentes, dentre os quais constam a excluso, a precariedade dos recursos, a igualdade e a qualidade quanto ao atendimento, a burocratizao e a nfase na assistncia mdica curativa.

Ainda no que se refere s avaliaes realizadas sobre o SUS reitera-se a anlise

realizada por Oliveira (1991, p.75).

O Sistema de Sade brasileiro tem-se mostrado por demais incompetente no trato das questes relativas ao setor, tanto externamente, porque no consegue dar conta satisfatoriamente dos problemas de sade pblica na sua totalidade ou parcialidade. E internamente, porque no consegue se adequar a realidades locais porque no possui dotao financeira suficiente para desenvolver programas de sade especficos; porque no existe um servio de acompanhamento, avaliao e controle das aes; pelo sucateamento dos equipamentos; pelo baixo nvel de informao e participao da populao; pelo prprio gerenciamento da poltica de recursos humanos para a rea, e outros porqus [...].

Vasconcelos (2002), Costa (2000) e Oliveira (2001) ao analisarem o sistema de sade

brasileiro, possuem posies e idias em comum, ambos apontam o problema do

financiamento do sistema, com a conseqente precarizao dos servios oferecidos.

Segundo, Mendes (1999), o que acontece que os sistemas de sade, fortemente

influenciados pelo modelo mdico hegemnico, tm sido altamente ineficientes, ao

concentrarem seus gastos em procedimentos custosos e de baixo impacto sobre a sade.

Na situao atual do SUS, os usurios, a princpio, contam com o acesso universal aos

servios de sade, mas no com a qualidade dos servios prestados. Ento, faz-se necessrio

segundo Vasconcelos (2002, p.80) uma reformulao objetivando a busca de qualidade dos

servios de sade como direito universal.

Alm disso, a falta de profissionais com uma formao terico-prtica, tica e poltica

de qualidade, dificulta ainda mais uma defesa eficiente da sade pblica e do projeto de

Reforma Sanitria.

H de se ressaltar que apesar de todos os aspectos legais em relao ao SUS, a situao

est precria, pois o processo de funcionamento do mesmo apresenta-se ligado aos interesses

das polticas de ajuste neoliberal, como a concentrao de poder de alguns grupos da

34

sociedade, extenses dos controles da burocracia e privatizaes dos servios pblicos de

sade.

Neste cenrio, em que a lgica neoliberal impera, deve-se atentar ao corporativismo

empresarial e profissional. As corporaes empresariais, expressas na indstria da sade,

os produtores de insumos, especialmente equipamentos biomdicos e medicamentos, e os

prestadores, administradores e seguradores de sade, tendem a pressionar o sistema para obter

mais lucros, independentemente das necessidades sociais de sade. (MENDES, 1999, p.25).

A crise econmica que atinge a sade, assim como a seguridade social segue os

princpios dos organismos financeiros como: Fundo Monetrio Internacional (FMI), Banco

Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Comisso Econmica para a Amrica Latina

(CEPAL). Estes que incentivam a substituio de sistemas pblicos por sistemas privados,

procurando demonstrar assim, que os sistemas pblicos de benefcios fracassaram.

Cabe, ento, concluir que, nos anos 80, o modelo mdico-assistencial-privatista foi substitudo por um projeto neoliberal de sade, ainda que, como projeto contra-hegemnico, conformasse o iderio da reforma sanitria e que boa parte de sua doutrina fosse incorporada ao arcabouo jurdico da legislao constitucional e infraconstitucional. (MENDES, 1993, p.79).

A dinmica das polticas de sade, ao longo da dcada de 1980 e 1990, permitiu

crescente grau de universalizao at sua consolidao na Constituio de 1988, garantindo-se

a sade como direito de todos e dever do Estado. Porm, esta universalizao se deu de forma

excludente, discriminatria, com distribuio seletiva de servios de sade para diferentes

cidadanias e fixada na ateno mdica. Um sistema de doena perversamente sem equidade e

socialmente injusto.

Segundo Martins (2004, p.43) o processo de universalizao caracterizado como

excludente, pois os vrios setores sociais incluindo a sade, passam a sofrer racionamento de

gastos, desta forma a sade privada passa a ter uma maior clientela, que procuram o acesso

que no encontram no SUS.

A estruturao do SUS procurou ampliar os nveis de responsabilidade da gesto local

e regional para solucionar, simultaneamente, questes referentes melhora da eficcia do

gasto pblico e ampliao do acesso aos servios.

35

A implantao do SUS, segundo Viana, Heimann e Dias (2002) teve como principal

justificativa necessidade de melhorar a oferta de servios, os indicadores de sade e as

condies de acesso, contribuindo para elevar a qualidade de vida da populao brasileira,

porm, conforme as autoras afirmam passados mais de dez anos aps o incio desse processo,

verifica-se que o Brasil ainda apresenta padres de morbidade e mortalidade precrios.

A anlise dos principais indicadores de sade revela que ocorreram avanos significativos nesta rea ao longo dos anos recentes. Apesar dessas melhorias, o quadro ainda no completamente satisfatrio quando inserido na perspectiva das desigualdades regionais. Problemas que antes eram comuns a todas as regies comearam a perder relativa importncia nas reas mais desenvolvidas do Pas, mantendo-se, no entanto, naqueles espaos geogrficos onde o quadro de carncias sociais mais significativo. (IBGE, 2003, p.6).

Tabela 3 Taxa de mortalidade infantil (por mil). Brasil e grandes regies 1991, 1996 e 1998.

Regio 1991 1996 1998 Brasil 45,2 37,5 33,1 Norte 42,3 36,1 34,6 Nordeste 71,2 60,4 53,5 Sudeste 31,6 25,8 22,1 Sul 25,9 22,8 18,7 Centro-Oeste 29,7 25,8 25,5

Fonte: IBGE

Ao analisar a taxa de mortalidade infantil no Brasil e grandes regies, percebe-se uma

consistente tendncia reduo da mortalidade infantil em todas as regies brasileiras, que

reflete a melhoria nas condies de vida, o declnio da fecundidade e o efeito de intervenes

pblicas nas reas de sade, saneamento e educao, entre outros aspectos. Ainda assim, os

valores mdios continuam elevados, sobretudo nas regies Nordeste e Norte.

A estrutura de morbidade e o perfil de mortalidade sofreram substanciais

transformaes. As principais causas de morte, segundo Mdici (2004) antes centradas nas

chamadas doenas transmissveis, hoje, com a urbanizao acelerada, encontram-se entre as

enfermidades crnico-degenerativas (problemas cardiovasculares e neoplasias) e nas causas

externas, como os acidentes e homicdios, ambos provocados em grande parte pelo cotidiano

das grandes cidades.

36

Isto no significa que as enfermidades transmissveis tenham desaparecido. Elas

continuam existindo, ainda que concentradas em determinados bolses de pobreza rural e, em

grande medida, associadas aos fluxos migratrios, notadamente nas regies Nordeste, Norte e

Centro-oeste. O Nordeste, por exemplo, ainda apresenta altas taxas de mortalidade infantil,

sobretudo em funo do baixo estado nutricional de boa parte de crianas e recm-nascidos. O

retorno de endemias antes erradicadas, como a clera, e o surgimento de novas, como a Aids,

marcam novas caractersticas de nosso perfil de doenas, exigindo novas formas de ao

preventiva do governo.

As desigualdades em sade referem-se s diferenas, em um sentido descritivo, nos nveis de sade entre grupos socioeconmicos distintos. Os padres diferenciados de morbidade e mortalidade em grupos populacionais so determinados por mltiplos aspectos: distribuio desigual dos fatores de exposio e do acesso a bens e servios de sade, fragilidade das estruturas sociais de apoio sade e insuficincia de investimento em polticas sociais, especialmente em sociedades com grande nvel de concentrao de renda e baixo nvel de coeso social. Os determinantes demogrficos e aqueles relacionados ao ambiente construdo e ao hiper-adensamento populacional podem, ainda, agregar novos contornos desigualdade em sade nas populaes urbanas. (DUARTE, E. C. et al., 2002, p.14).

A realidade sanitria brasileira revela padres que mesclam distintas etapas do

processo de transio epidemiolgica, combinando a presena de doenas verificadas em

sociedades pr-industriais, industriais e ps-industriais. Em parte, essa realidade resultante

da permanncia de problemas de cobertura assistencial, financiamento setorial, resolutividade

sistmica e eqidade no acesso e na utilizao dos servios.

A melhoria das condies de sade dos brasileiros requer ainda a mudana do modelo de ateno sade, priorizando a preveno e a promoo mas garantindo-se a integralidade e a intersetorialidade, construindo um sistema eficiente, moderno, acolhedor e humanizado, onde as aes estejam condicionadas ao compromisso com a qualidade de vida, dos indivduos, da comunidade e do meio ambiente. (CHIORO; SCAFF, p.22).

O processo de implementao do SUS, no pas, deve ainda percorrer um longo

caminho para diminuio das iniqidades na sade, e possibilitar, desse modo, a diminuio

das desigualdades sociais.

37

No esforo por garantir os princpios do SUS e a constante melhoria dos servios por ele prestados e por melhorar a qualidade de vida de sujeitos e coletividades entendesse que urgente superar a cultura administrativa fragmentada e desfocada dos interesses e necessidades da sociedade, evitando o desperdcio de recursos pblicos, reduzindo a superposio de aes e, conseqentemente, aumentando a eficincia e a efetividade das polticas pblicas existentes. (MINISTRIO DA SADE, 2005, p.12).

Dessa forma, imprescindvel que as organizaes da sociedade civil se fortaleam, para que

seus segmentos tenham fora e representatividade nos espaos institucionais a fim de defender

o SUS e um Estado descentralizado e democratizado para enfrentar as causas e conseqncias

das desigualdades sociais gerados tambm pelo sistema neoliberal.

38

2. A RELAO ENTRE POBREZA, SADE E DOENA.

Assim como bem-estar significa mais do que riqueza, pobreza significa mais do que

renda insuficiente para cobrir as necessidades mnimas de uma famlia. Sinais de que as

necessidades bsicas no esto sendo atendidas como sade frgil, baixa escolaridade,

discriminao e marginalidade tambm so indicadores de pobreza.

Segundo San (2003) devemos ter conscincia de que a caracterstica mais marcante de

nossa civilizao, num tempo em que ela se globaliza em torno da aspirao a uma

prosperidade sem precedentes, a persistncia e at mesmo o agravamento da pobreza. O fato

opressivo: a pobreza afeta metade da populao do mundo e vem se alastrando.

Este captulo discorrer sobre a pobreza enquanto expresso da questo social, e sua

relao com o processo de sade/doena. Procura-se neste captulo fazer um resgate das vrias

concepes de pobreza, seus indicadores, bem como, de estudos e temas de debate existentes

quando se aborda esta temtica.

2.1 A pobreza como expresso da questo social: o debate contemporneo

Desde o princpio do capitalismo a pobreza foi estigmatizada como uma situao

degradante, um fenmeno que afetava certos indivduos que no desejavam ou no estavam

em condies de integrar-se ao mercado de trabalho capitalista, sendo por isso, considerada

como uma doena vergonhosa. (GERMANO, 1998, p.30).

Romo (1993) discorre sobre o problema da conceituao da pobreza, para ele poucos

conceitos so to difceis de se definir como o de pobreza.

Deve ela ser definida em termos absolutos ou relativos? Deve ser considerada como juzo de valor? para ser estudada apenas do ponto de vista econmico ou os aspectos no-econmicos tambm precisam ser explicados? A pobreza deve ser compreendida em relao estrutura scio-poltica da sociedade de que faz parte ou vista independentemente dessa estrutura? Estas questes e muitas outras poderiam ser lembradas ilustram a complexidade de que est imbudo o conceito de pobreza. (ROMO, 1993, p.6).

Freitas (2004, p.38) resgata as vrias concepes de pobreza e entre elas faz aluso a

Escola da Cultura da Pobreza, que:

39

(...) aponta a emergncia de certos traos de personalidade como reao a um estado de privao, traos esses que se perpetuam mediante o processo de socializao s geraes subseqentes, persistindo mesmo depois de alteraes objetivas nas circunstncias econmicas e sociais. Considera-se que esse fato cria um circulo vicioso da pobreza, supostamente mais difcil de vencer do que a prpria penria econmica. O principal terico da cultura da pobreza Oscar Lewis e Snchez.

Segundo Lewis (1965, apud GERMANO, 1998) a cultura da pobreza caracterizada

por uma falta de participao e integrao efetiva dos pobres nas instituies sociais mais

abrangentes da sociedade inclusiva; um mnimo de organizaes que transcende o nvel da

famlia nuclear ou extensa; no plano das relaes familiares, os principais traos seriam a

ausncia da infncia enquanto um estgio prolongado e protegido do ciclo de vida, iniciao

sexual precoce, unies livres ou casamentos consensuais, uma incidncia relativamente alta de

abandono das esposas e filhos; no mbito do individuo os principais traos so um forte

sentimento de marginalidade, de desamparo, de dependncia e inferioridade.

Fanfani (1991, apud GERMANO, 1998), aproximadamente trs dcadas aps as

publicaes de Lewis, identificou nos Estados Unidos duas maneiras de conceituar e abordar a

pobreza: a abordagem culturalista e a situacionista. Para a abordagem culturalista, a condio

de pobre resulta do fato de compartilharem um conjunto de atitudes e valores comuns que os

distinguem do resto da populao. Ento, o que define a pobreza a existncia de uma

cultura dos pobres, caracterizada pela passividade, fatalismo, irracionalismo, desinteresse

pelo trabalho, pelos valores familiares, inconstncia e orientao centrada no presente. Sendo

estes elementos a causa principal da pobreza e no a falta de renda ou de bem-estar.

No entanto, para Abranches, Santos e Coimbra (1987, p.16), o mito da cultura dos

pobres, desfaz-se, sempre, na dura frieza das evidncias empricas e histricas.

No melhoram porque as oportunidades para faz-lo so menos acessveis a eles pobres, e porque no lhes sobra tempo e espao para acumular, ainda que gratuitamente, os recursos necessrios para alcanar melhores condies de vida. Para sobreviver, consomem, mais horas trabalhando ou em busca de qualquer trabalho, horas que so subtradas educao, busca de melhores opes de trabalho e renda, aos cuidados com a sade, ao exerccio da criatividade, ao poltica e ao lazer. Forados a tal sobrecarga, e de tantos modos desgastante, para a qual mobilizam toda a famlia os adultos ntegros, os invlidos, os velhos e as crianas so impotentes diante das

40

imposies da necessidade, que lhes retiram toda liberdade: no deixam escolha. (ABRANCHES; SANTOS; COIMBRA, 1987, p. 17).

Para os autores ser pobre significa consumir todas as energias disponveis na luta

contra a morte; no poder cuidar sequer da mnima persistncia fsica, material.

Para o aporte situacionista, a pobreza encarada como um fenmeno individual, onde

no se tm pobreza e sim pobres, pessoas que no esto aptas para integrar-se ao mercado de

trabalho. Tal concepo individualista da pobreza pode ser considerada, conforme afirma

Germano (1998), reflexo da estigmatizao da pobreza que surgiu com o capitalismo.

Freitas (2004) discorda desta denominao, para a autora o que existe so pessoas em

situao de pobreza, ou seja, a situao no algo interno ao ser, mas decorrente de fatores

econmicos, sociais, polticos e culturais.

Mata (1979) identificou duas formas de conceituar a pobreza: a pobreza absoluta e a

pobreza relativa. A pobreza absoluta diz respeito noo de mnimo necessrio subsistncia

de uma famlia e consta de uma dieta bsica, acrescida de outros gastos indispensveis, tais

como sade, transporte e vesturio. O conceito de pobreza relativa considera explicitamente o

padro de vida atingido pela sociedade, implicando portanto grande semelhana entre este

conceito e o de desigualdade.

Para Pereira (1996, p.60) a pobreza absoluta constitui-se numa categoria analtica que

legitima, estimula e perpetua aes emergenciais ou de pronto atendimento, diferentemente da

noo de pobreza relativa ou de desigualdade social, que requer estudos e pesquisas para

informar as aes assistenciais, assim como planejamento, sistematicidade, continuidade e

previsibilidade na proviso de benefcios, servios e direitos.

Segundo Towsend (1970, apud FREITAS, 2004, p.45), a pobreza relativa est

relacionada ao padro de vida, s atividades e aos costumes observados em cada sociedade.

Assim, as famlias ou indivduos pobres so aqueles que vivem abaixo de um nvel mnimo

de participao ou de emprego desse bens, servios ou costumes.

J para San (2003, p.27):

Quando a pobreza definida em termos relativos, ela, imediatamente, passa a ser infindvel e incurvel. Somos forados, simultaneamente, a tolerar indefinidamente sua existncia e a esgotar, em vo, incontveis recursos na tentativa de minor-la. Esse enfoque relativista em nada resulta, alm de

41

determinar uma linha arbitrria para a definio da pobreza, a ser adotada como um horizonte artificial.

A pobreza, segundo Germano (1998), atualmente considerada pelos crticos da

sociedade como um conjunto de massas exploradas, escrias da sociedade da abundncia,

expresso de desigualdade social, como fato inerente ao capitalismo, como indivduo excludo

do processo de produo, como condio humilhante portadora de estigma.

No Brasil, as representaes sobre a pobreza, especialmente no espao urbano,

apresentam pontos de convergncia com relao s imagens que, em geral, vm sendo

produzidas pelas vises dominantes no capitalismo e ao mesmo tempo tm igualmente, as

marcas especficas da evoluo histrica do pas. (GERMANO, 1998, p.32).

Conforme Valladares (1995), no Brasil a conceituao da pobreza percorre uma

trajetria que vai da condio de vadio, na virada do sculo, para o de excludo, nos anos 90.

De acordo com a referida autora o pobre era identificado, no fim do sculo XIX, como

vadio, que se recusava a vender a sua fora de trabalho no mercado capitalista. Sua imagem

era associada ociosidade, vagabundagem, etc., a condio de pertencente a classes

perigosas, cuja insero no tecido urbano se localizava no cortio.

Outro perodo estudado por Valladares (1995) foi das dcadas 50 e 60. Perodo em que

o processo de urbanizao havia de intensificado, atravs do desenvolvimento do capitalismo,

que ampliou o mercado de trabalho, mas ao mesmo tempo, marginalizou amplos segmentos da

populao. Deste modo, a definio de pobreza como recusa ao mercado de trabalho, e dos

pobres como vadios foi substituda por uma conceituao econmica, onde a pobreza seria

resultado de determinantes externos ao indivduo, uma deficincia do mercado que tendia a

incorporar mal os trabalhadores pobres, formando uma populao subempregada, cujo lugar

ocupado na cidade era a favela.

A partir dos anos 60, um outro termo foi introduzido para caracterizar os pobres,

populao de baixa renda. Nesse caso, pobreza identificada com insuficincia de renda e

como sinnimo de carncia, que definida como situao em que o atendimento das

necessidades biolgicas e sociais do indivduo ou das suas famlias est abaixo de um patamar

mnimo (VALLADARES, 1995, p.5).

Segundo Valladares (1995, p.2) nas dcadas de 70, 80 e 90, ocorreu o apogeu e a crise

do modelo de desenvolvimento adotado, a expanso progressiva da chamada economia

42

informal em paralelo a um processo acelerado de concentrao de renda e de desigualdades

sociais. A partir de ento, o discurso econmico ganhou novas formas.

Com relao aos vrios tipos de insero no mercado de trabalho passam a ser

consideradas categorias de trabalho (trabalhador do setor informal, trabalhador por conta

prpria, trabalhador assalariado, trabalhadores pobres). Desta forma, o trabalhador e o pobre

j no se encontram mais to distantes e opostos. Isto ocorre devido degradao salarial

ocorrida no perodo, em um contexto em que o trabalhador pobre, viu-se cada vez mais

forado a buscar estratgias de sobrevivncia, que envolviam uma sobrecarga de trabalho,

alem de levar a mulheres, crianas em idade escolar e aposentados a trabalhar informalmente.

Uma outra mudana no tocante ao entendimento do que seria o papel social e poltico

dos pobres urbanos, observa-se nos anos 80, a periferizao, que segundo Valladares (1995)

constitui uma nova territorialidade da pobreza, a periferia. Assim, o pobre passa a ser

sinnimo de morador de periferia, este que por sua vez tambm passa a figurar como ator

social que se incorpora s lutas pela democratizao do pas, pela conquista da cidadania e dos

direitos sociais. Falava-se, ento, na fora da periferia. (GERMANO, 1998, p.34).

Na dcada de 1990 modifica-se, novamente, o discurso sobre a pobreza, que passa a

ser tratada como excluso social. A excluso , por conseguinte, a condio social da

pobreza.

Configura-se, assim, uma situao cujos caminhos percorridos conhecem uma trajetria que, nas palavras de Viviane Forrester (1997:17), compreende o deslocamento de levas de homens da explorao excluso, da excluso eliminao. De igual modo, firma-se, em um novo contexto, a viso que identifica os pobres como classes perigosas. A pobreza, escreve Takeuti (1993:52), suscita compaixo e complacncia, mas ela tambm associada sujeira, a fedor, a feira, a grosseria, a negligncia, a incultura, a violncia, (...) e a morte. Em decorrncia, as polticas sociais focalizadas na pobreza, em geral, so estigmatizantes, pois, medida que delimitam quem o assistido, induzem ao sentimento de vergonha de quem recebe a ajuda que, dessa forma, passa a se reconhecer como algum que se situa na escala da degradao sendo portador, assim, da condio humilhante e do sentimento de inferioridade. (GERMANO, 1998, p.35).

Para Abranches; Santos; e Coimbra (1987) atualmente no Brasil convivem duas formas

de pobreza. Sendo uma de natureza estrutural, mais arraigada e persistente, associada ao

desdobramento histrico de nosso padro de desenvolvimento; e outra, a pobreza cclica, que

43

se agravou com a crise de desemprego, a queda da renda, sua concentrao crescente e

acelerao inflacionria.

Os Indicadores e Dados Bsicos do Brasil (IDB 2004 BRASIL), partem do principio

que a proporo de pobres um indicador socioeconmico, calculado pelo percentual da

populao residente com renda familiar mensal per capita de at meio salrio mnimo, em

determinado espao geogrfico, no ano considerado.

Tabela 5

Percentual da populao em estado de pobreza, no Brasil e grandes regies. Regio 1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003

Brasil 38,5 38,2 29,4 28,5 28,9 27,9 29,2 29,0 30,0 31,1

Norte 46,3 44,4 33,2 33,7 35,0 35,2 35,6 34,9 37,9 39,3

Nordeste 59,3 60,6 51,8 50,9 52,8 50,4 51,7 50,9 52,7 54,1

Sudeste 26,8 27,1 17,4 16,6 16,2 15,9 17,0 17,8 18,7 19,8

Sul 29,8 26,8 20,8 19,7 20,1 19,5 20,9 19,1 18,9 18,6

Centro-Oeste 37,8 33,9 26,3 25,4 23,1 22,2 25,0 24,6 25,2 26,5

Fonte: IBGE/ Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios PNDA

Segundo Salama (1999), Destremau (1999) o Brasil um pas de carter

particularmente desigual, marcado por uma pobreza, cuja extenso e profundidade

permanecem muito grandes, apesar de seu alto grau de industrializao. Estas caractersticas

tm razes antigas. A colonizao, a submisso das populaes indgenas, as formas tomadas

pela imigrao, voluntria e involuntrias (escravido), explicam, em grande parte, tanto as

desigualdades quanto a pobreza. A longa crise inflacionista dos anos 80 est na origem do

aumento das desigualdades e da pobreza. A abertura da economia e a liberalizao dos

mercados suscitam evolues contrastadas: pobreza e desigualdades diminuem, estabilizam-se

e depois tendem a crescer; elas continuam significativas no norte e no nordeste do pas, mas

desde 1996 aumentam sensivelmente em certas regies, como podemos observar na tabela

acima.

Henriques (2003, p.63) afirma que a pobreza a questo mais urgente que o Brasil

necessita enfrentar: Temos cerca de 55 milhes de brasileiros pobres, dos quais 24 milhes

44

esto na condio de extrema pobreza. Simplesmente 31% da populao, um patamar

estarrecedor, alm de desnecessrio, dada a riqueza do pas.

Alm disso, deve-se observar que essa proporo de pobres pertence a um pas cuja

renda per capita no permite consider-lo pobre. Cerca de 77% da populao mundial vive

em pases com renda per capita inferior brasileira. O Brasil encontra-se, portanto, no mais

rico do mundo. (HENRIQUES, 2003, p. 63).

Cerca de 64% da renda total do pas controlada pelos 20% mais ricos da populao,

enquanto que os 20% mais pobres sobrevivem com 2,5% dela. (SILVA, 2003, p.57).

Em vista do atual quadro de pobreza e desigualdade no pas, ressalta-se a importncia

de que esta temtica necessita ser alvo de discusses mais freqentes, de modo que se torne

um debate de toda sociedade.

2.2 O binmio sade-pobreza

notria a centralidade que o conceito "pobreza" passou a assumir desde incio dos

anos 1990, sobretudo em funo de sua ampla utilizao, tanto em relatrios de organismos

internacionais quanto em documentos de formulao e avaliao de polticas pblicas.

Para realizar uma comparao, entre os estudos que existem sobre sade, pobreza, e

sobre a relao entre sade/pobreza, realizou-se uma pesquisa2 no site Scielo3.

Sobre o tema sade foram encontrados 7480 registros, que abordavam o tema de

diversas formas como: sade do trabalhador, polticas de sade, SUS, doenas sexualmente

transmissveis (DST), sade pblica, aspectos biolgicos e cientficos da sade, nutrio e

sade, e etc.

Quanto ao tem pobreza, foram encontrados apenas 45 registros, revelando a falta de

estudos presentes sobre o tema, e demonstrando tambm, a disparidade entre um tema e outro,

que muito tem a ver. Os trabalhos encontrados confirmam a anlise de Freitas (2004). A

autora afirma a existncia de estudos que analisam a pobreza de diferentes formas: de acordo

com as faixas etrias crianas, jovens, adultos e idosos; pela relao entre pobreza e gnero;

a partir de um recorte geogrfico rural ou urbano; pela forma como esta se manifesta em

2 A pesquisa foi realizada no dia 1 de maro de 2006. 3 O Scielo um site de navegao da Internet que contm artigos cientficos de diversas revistas.

45

diferentes regies do pas; sobre a pobreza junto a determinados segmentos da populao; pela

relao entre as polticas sociais e seus impactos sobre a pobreza: previdncia, trabalho e

renda, assistncia social, sade.

Sobre a relao entre sade e pobreza foram encontrados apenas 13 artigos. Estes que

apontam para as diferentes formas que a pobreza se expressa na sade das pessoas:

homicdios, alcoolismo, tuberculose, DST, obesidade, hipertenso e dengue.

Sobre a relao estabelecida entre a relao entre sade/doena e pobreza, Pereira

(2003), afirma que os problemas de sade, vistos do ngulo da Medicina Social (o que

significa dizer do ngulo scio-econmico), implicam num estudo das enfermidades tendo em

conta a populao, os grupos que a compem, o sistema econmico e social.

No se trata de estudar apenas a histria natural da enfermidade num indivduo, como faz o clnico, mas ter em conta os diferentes riscos a que esto expostos os vrios grupos constitutivos da sociedade e por qu. A interpretao desses porqus exige que nos voltemos para as relaes entre o meio ambiente e o homem, o meio e o agente e, sobretudo, para as relaes entre os homens (o ambiente scio-econmico-poltico-cultural). Um dos principais aspectos desse ltimo ambiente decorre da diferente distribuio da riqueza entre os vrios grupos, diferenas estas que esto ligadas propriedade e no-propriedade, ao assalariamento, ocupao, possibilidade maior ou menor de conquistar prestgio e poder. Outros aspectos derivados seriam hbitos, costumes, situao de moradia, tipo de trabalho, lugar de residncia, tipo e qualidade de alimentao etc. (PEREIRA, 2003, p.191).

Por esta lgica quando verificamos alguma relao significativa entre aspectos scio-

econmicos e a incidncia-prevalncia de uma enfermidade ou mortalidade por ela, temos que

alterar os aspectos desse meio que esto contribuindo para o aumento dessas taxas. A

dificuldade est em que, para alterar as influncias scio-culturais, econmicas etc. defronta-se

com fortes resistncias, sobretudo de natureza poltica e econmica, alm de barreiras

propriamente sociais e culturais. Aos mdicos, individualmente e mesmo como classe, no

cabe a tarefa de realizar mudanas societrias. Mas como grupo cnscio de fatores

extramdicos que esto afetando a sade da populao, ou parte dela, pode caber, pelo menos,

a responsabilidade cientfica e social de chamar a ateno para tais fatores.

Embora, a medicina tenha avanado, admitindo teoricamente a sade com

determinantes econmicos, sociais, culturais e polticos, a prtica mdica ainda restrita

assistncia da doena. Desta forma, como afirma Malheiros [19??] restringindo a sade

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assistncia mdica na doena, os demais profissionais que acompanham a prtica mdica

vem tambm seu objetivo ser desfigurado. No caso do Servio Social exerce-se apenas uma

prtica assistencial.

Martin (1998, apud PEREIRA, 2003, p.193) elencou alguns fatores sociais que podem

freqentemente relacionar-se com as enfermidades que assolam a populao. Alguns deles

dizem respeito a caractersticas culturais de grupos raciais, nacionais, religiosos e outros,

como hbitos alimentares, educao, condio social dos sexos e dos diferentes grupos etrios

etc. preciso dizer, porm, que muitos fatores que parecem estar relacionados a certos

aspectos scio-biolgicos, podem derivar do fato de que o grupo discriminado social,

econmica, poltica e culturalmente pela sociedade inclusiva, como ocorre freqentemente

com os negros em quase todos os pases onde originalmente foram escravos, com certas

nacionalidades e povos em pases para onde migraram e exercem ocupaes de baixo

prestgio. Nestes casos, a caracterstica que poderia ser tomada como causa , na verdade, um

efeito, como o caso do baixo nvel educacional e ocupacional encontradio entre muitos

grupos discriminados.

Outros fatores sociais freqentemente relacionados ao fenmeno sade-doena so

ocupao, renda, escolaridade, hbitos de lazer etc., os quais, como os anteriores, dependem

de como est estruturada a sociedade e a economia. Os mais significativos no entanto so os

relacionados distribuio da renda, dos meios de produo e trabalho existentes, da

correlao de foras sciopolticas, da poltica econmica posta em prtica, das relaes

(sobretudo econmicas) com o exterior, de processos socioeconmicos.

O estabelecimento dessas relaes entre caractersticas sociais, econmicas, culturais,

etc. e sade e enfermidade, conforme afirma Pereira (2003) induz ao conceito de enfermidade

social. Deste modo pode-se dizer que toda enfermidade um fenmeno social porque tem

componentes sociais que a originam, e conseqncias para a sociedade.

Segundo o autor pode-se observar que quaisquer melhorias nas condies gerais de

vida fazem com que caiam os ndices de morbidade e mortalidade, sobretudo entre as crianas,

mais suscetveis do que os adultos jovens desnutrio e subnutrio.

Alguns trabalhos mostraram, por exemplo, como a queda dos nveis de salrio mnimo acompanhada por um avano da mortalidade infantil. A desnutrio, decorrente fundamentalmente de como se estruturou o sistema scio-poltico-

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econmico entre ns, tornou-se fenmeno to comum, em certas camadas da populao brasileira, que anormal encontrar-se nelas crianas sem nenhum grau de desnutrio. (PEREIRA, 2003, p.105).

O quadro da relao entre doena e misria agravado pelo fato de que, nos lugares

onde moram pessoas pobres, normalmente no so encontrados servios razoveis de

saneamento nem de assistncia mdica. As casas so pequenas e insalubres. O trabalho a que

as pessoas se dedicam aumenta o risco que correm de se adoentarem. Isto faz com que se

ampliem as diferenas no potencial das enfermidades. maior a incidncia e prevalncia de

doenas infecciosas agudas nesses meios. evidente que a contnua exposio a condies de

vida insalubres, sob quaisquer pontos de vista que examinemos a questo, mina a resistncia

das pessoas. A debilidade decorrente pode torn-las suscetveis a outras enfermidades alm

daquela que as acometeu, abrindo tambm caminho para variadas complicaes. Enfim, os

pobres alm de estarem muito mais expostos doena, tm muito menos acesso aos benefcios

da Medicina.

Outro fator limitante, em termos de sade, para as camadas de baixa renda

representado pela impossibilidade de adquirir medicamentos caros ou simplesmente adquiri-

los. Tambm o conhecimento dessas pessoas sobre o processo sade-doena costuma ser

precrio. Ora, sabidamente, algum que tenha melhor conhecimento das enfermidades, tem

maiores possibilidades, em igualdade de condies scio-econmicas, de procurar assistncia

mdica no estgio inicial da doena. Em termos de populao, esse conhecimento de

primordial importncia. De fato, o desconhecimento do modo de atuar da enfermidade e dos

efeitos que causa torna mais difcil a essa populao, inclusive, melhor utilizar os servios

mdicos disponveis.

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3 A INFLUNCIA DA CONDIO DE POBREZA NA SADE DA POPULAO

3.1 Procedimentos de Pesquisa

Segundo Gil (1995, p.43), pesquisa pode ser definida como o processo formal e

sistemtico de desenvolvimento do mtodo cientifico, com o objetivo fundamental de

descobrir respostas para problemas mediante o emprego de procedimentos cientficos.

Assim, a pesquisa social pode ser explicada como o processo, que por meio da

metodologia cientifica, permite novos conhecimentos da realidade social.

A presente pesquisa exploratria, pois tem como objetivo desenvolver conceitos e

idias, pretendendo formular problemas e hiptese mais precisos a cerca da temtica, para

estudos posteriores.

Quanto ao delineamento da pesquisa, uma pesquisa bibliogrfica, desenvolvida a

partir da anlise de contedo de artigos cientficos publicados na Revista Servio Social e

Sociedade, no perodo de 1988 a 2005, que abordem a temtica sade e pobreza. Foram

selecionados para anlise 15 artigos (APNDICE A) que possuam em seus ttulos as palavras

sade e/ou pobreza.

Segundo Pereira (1998, p.105), a anlise de contedo tem a funo de enriquecer a

pesquisa exploratria aumentando a possibilidade de descoberta; bem como, visa a verificao

de hipteses, e intenciona transformar fenmenos registrados em bruto em dados que

possam ser tratados cientificamente, a fim de que o conhecimento sobre o objeto possa ser

construdo.

A anlise de contedo, assim como a pesquisa social, desenvolve-se, grosso modo, em trs momentos, a saber, a pr-anlise, a explorao do material e o tratamento dos resultados e das interpretaes. A tcnica pode enriquecer a pesquisa nas trs fases referidas.

As categorias a serem analisadas nos artigos so: a interface estabelecida entre

pobreza/sade (doena), suas concepes, e formas de enfrentamento.

A escolha da revista se justifica por ser esta uma revista de publicao de referncia

para os profissionais do Servio Social no Brasil. O perodo escolhido se deve ao fato de que

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foi a partir de 1988, data da Constituio Federal, que a sade passou a ser compreendida de

uma forma mais abrangente, como resultante das condies de alimentao, habitao,

educao, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e

posse de terra e acesso a servios de sade.

3.2 As concepes e a interface entre pobreza/sade, e as formas de enfrentamento

A pesquisa, propriamente dita implicou na anlise de 15 artigos. Destes 8 abordam a

temtica pobreza, e 7 abordam a temtica sade, entre estes ltimos apenas 2 trazem uma

concepo de sade. Entre os autores que trazem uma concepo de sade Costa (2000)

afirma que a sade resultante das condies de vida econmicas, sociais e culturais,

Camilo (1999) na mesma vertente afirma que a partir da Constituio Federal de 1988 o

processo sade/doena passa a ser considerado a partir das determinaes econmicas, sociais,

prevendo o acesso universal e igualitrio s aes e servios de sade. Alm disso, quatro

artigos no explicitaram a concepo de sade, mas trabalham com o conceito proposto pela

reforma sanitria e definido na Constituio Federal de 1988, partindo do princpio de que este

conceito de amplo conhecimento. E, ainda, Quirino e Leite (2003) com uma viso

reducionista tratam a questo da sade, apenas como o fato de no estar doente.

Ao se trabalhar um texto com conceitos implcitos e subentendidos, emite-se para um

conhecimento sobre os mesmos, situao que deveria ser evitada, pois o artigo da Revista tem

se constitudo em fonte de consulta por professores e acadmicos, e mesmo parte do contedo

de muitas disciplinas e produes do curso de Servio Social.

Quanto categoria conceito de pobreza apenas um dos oito artigos que tratam de

pobreza, no trabalha com este conceito. A importncia de se conceitualizar a pobreza pode

ser explicada por Oyen (1992) citada por Freitas (2004, p.18), a pobreza apresenta-se como

propriedade emocional e ideolgica de muitos grupos (polticos, mdia, pesquisadores,

religiosos), porque as pessoas atuam como se fizessem parte de um vocabulrio compartilhado

quando, na verdade, no o so.

Para Pino (1989) a pobreza apontada como um problema que sempre existiu, mas que

com o capitalismo e a urbanizao, ganhou um novo significado que a burguesia percebeu

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como um problema social, pois a pobreza constitua um componente da condio operria, e

por representar um fator de desestabilidade da ordem econmico-social burguesa.

Nogueira (1991) faz uma reflexo acerca do aspecto conceitual da pobreza, a partir da

sua representao na literatura existente.

A autora afirma que a pobreza vem, ao longo de sculos, sendo marcada pela

intensidade e extenso de sua emergncia, sobretudo nos pases de capitalismo tardio, no

obstante as polticas de bem-estar ou assistenciais implementadas pelo Estado, visando seu

combate.

A pobreza apresenta caractersticas fenomenicamente ambguas: ao mesmo tempo em que tem estimulado a intensificao do uso de mecanismos estatais para seu enfrentamento, tem, tambm, intensificado seu estado de deteriorao e ampliado seu contingente populacional. (NOGUEIRA, 1991, p.102).

Nogueira (1991) aponta ainda como sendo um problema o fato de que a maioria dos

conceitos privilegiam indicadores econmicos na demarcao dos limites da pobreza, e

acabam no mensurando as necessidades no satisfeitas nem outros padres que possam ser

necessrios para um nvel de sobrevivncia mais satisfatrio. Encobrindo, assim, outros

atributos e situaes que podem ser fundamentais numa caracterizao da pobreza.

A autora tambm ressalta a contribuio de Pe. Fernando Bastos de vila (1981, p.6-7

apud NOGUEIRA, 1991, p.105), que aponta para 3 conceitos o de pobreza, indigncia e

misria.

Pobreza um estado habitual de privao de bens suprfluos, carncia de bens necessrios condio e desempenho social e estrita suficincia dos bens necessrios subsistncia. Indigncia um estado habitual de privao de bens suprfluos e dos bens necessrios condio social e insuficincia dos bens necessrios vida. Misria um estado habitual de carncia tanto dos bens suprfluos e necessrios condio social, quanto de bens necessrios vida.

Bastos de vila (1981), tambm ressalta que, comum em vez de se falar em pobreza,

falar em populao menos favorecida, e em povos em via de desenvolvimento, como se a

pobreza, a indigncia e a misria fossem vias para alguma coisa.

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Para Nogueira (1991) a definio da pobreza deve ir alm de pesquisas estatsticas,

pois a pobreza no apenas uma categoria econmica, mas tambm uma categoria poltica.

A autora aponta como sendo muito importante a contribuio de Aldaza Sposati, que

em seu livro Vida Urbana e Gesto da Pobreza, afirma que a pobreza se expressa no s pela

impossibilidade de suprir as condies mnimas de sobrevivncia, mas tambm pela frustrao

de expectativas pela falta de acesso a certos privilgios que o modelo de produo de bens

especiais geraram na populao.

Dando relevncia a dimenso no econmica de pobreza, aponta-se o estudo de Demo

(1988), em que ele concebe a pobreza enquanto privao de cidadania, ou seja, pobre

tambm a pessoa que vive em estado de manipulao, ou destituda da conscincia de sua

opresso, ou coibida de se organizar em defesa de seus direitos. (DEMO, 1988, p.7). Assim,

pobreza no s fome, mas degradao, subservincia e humilhao.

Nogueira (1991, p.111) afirma que o caminho percorrido, para a apreenso do nvel

conceitual da pobreza, mostrou nos ser a mesma um fenmeno social, historicamente

determinado pelos componentes econmico e poltico.

Carvalho (1994) no artigo Assistncia Social: uma poltica pblica convocada e

moldada para constituir-se em governo paralelo da pobreza afirma que so muitas

representaes sobre a pobreza que reivindicam intervenes diversas. Ela apontada como

sinnimo de instabilidade poltica; causa da criminalidade e aumento da violncia; caminho do

trafico de drogas e da economia submersa; no s resultante mas culpada pelo agravamento da

recesso; ameaa ao sistema produtor de mercadorias; um fenmeno impossvel de erradicar.

Essas representaes acabam naturalizando a pobreza, como se os pobres fossem presena

natural e insuprimvel, mas desqualificada da sociedade humana e, para estes, impossvel um

tratamento igualitrio e eqitativo. Produzindo, assim, a indiferena que valiza qualquer

proposta poltica de controle, disciplinamento dos pobres e minimizao de suas mazelas.

A autora apresenta a pobreza como um fenmeno heterogneo, multiforme,

multidimensional, que atinge no apenas as clssicas camadas da populao aprisionadas no

circulo cumulativo de insuficincia/ausncia de rendimentos, subnutrio, habitaes

degradadas, analfabetismo; atinge tambm outros segmentos da populao, como jovens

desempregados, idosos, migrantes, mesmo que nutridos e com escolaridade bsica.

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A pobreza concebida no apenas como ausncia ou precariedade de rendimentos,

mas tambm ausncia ou precariedade de usufruto de bens e servios scio-urbanos bsicos

(educao, sade, habitao, cultura, saneamento, etc.). tambm ausncia de poder.

A pobreza , um fenmeno estrutural que tende, na atual crise, a se expandir e se agudizar,

tanto no Terceiro quanto no Primeiro Mundo.

Outro autor que resgata algumas concepes presentes na literatura Germano (1998,

p. 30).

Desde o incio do capitalismo, portanto, o estigma da vagabundagem e da pobreza como situao degradante, notadamente do ponto de vista moral, faz parte do iderio acerca dos pobres. Nesse sentido, a pobreza freqentemente considerada como sendo composta por grupos perigosos, o que induz as doutrinas da caridade e dividi-los em pobres meritrios e indignos.

A pobreza era vista, portanto, como um fenmeno que afetava certos indivduos que

no desejavam ou no estavam em condies de integrar-se ao mercado de trabalho capitalista,

sendo, por isso, considerada como uma doena vergonhosa. Outras interpretaes existem,

como, por exemplo, dos economistas ingleses dos sculos XVIII e XIX (Smith, Ricardo,

Malthus, Marx), que consideravam a pobreza como um preo a pagar pela evoluo social ou,

como assinala Marx, como um sintoma da ineficincia do capitalismo, ou seja, como algo

inerente a esse modo de produo.

Germano cita tambm Fanfani (1991) que identificou dois aportes que embasam, por

exemplo, os programas de luta contra a pobreza nos Estados Unidos: a abordagem

culturalista e a alternativa denominada situacionista. Para o aporte culturalista, a

condio de pobre resulta do fato de eles compartilharem de um conjunto de atitudes e

valores comuns que os distinguem do resto da populao. De acordo com essa viso, o que

define a pobreza a existncia de uma cultura dos pobres que se caracteriza pela

passividade, fatalismo, irracionalismo, desinteresse pelo trabalho, pelos valores familiares,

inconstncia e orientao centrada no presente. Isto constitui a causa principal da pobreza e

no falta de renda ou de bem-estar.

Para o aporte situacionista no existiria uma cultura dos pobres. Desse modo, suas

condutas, como pobres, no estariam orientadas por uma srie de valores internos. Elas seriam

53

resultado de um calculo, de uma deliberao, portanto, de uma resposta racional, que os

sujeitos fariam entre as alternativas de ao que lhes so oferecidas pelo lugar que ocupam na

sociedade.

Esses enfoques iludem, evidentemente, uma explicao estrutural do fenmeno da

pobreza, a qual encarada como um fenmeno individual. Assim, para essas vises, no

existiria pobreza, porm exclusivamente pobres. Trata-se de uma condio que decorreria de

uma essncia, expressa por atitudes e valores ou pelo emprego de clculo racional.

Germano ressalta que a pobreza tem sido vista pelos crticos da sociedade como um

conjunto de massas exploradas, escrias da sociedade da abundancia, expresso de

desigualdade social, como fato inerente ao capitalismo, como individuo excludo do processo

de produo, como condio humilhante portadora de estigma, existindo ainda aqueles, como

Fanon, que acreditam no carter revolucionrio dos condenados da terra.

Sposatti (2000) no artigo Pobreza e cidadania no Brasil contemporneo afirma que

impossvel na nossa realidade discutir pobreza fora dos marcos da desigualdade social, visto

que esta caracterstica predominante no pas. E traz em seu artigo conceitos de Martins (apud

SPOSATTI, 2000, p.54):

Linha de indigncia a linha da fome, isto , valor da renda mensal que cada pessoa necessita para alimentar-se, com base no mnimo calrico imprescindvel para a sobrevivncia. Linha de pobreza isto , o mnimo imprescindvel para a alimentao e todas as outras necessidades pessoais bsicas.

Soto (2003) a partir de uma abordagem marxista considera que a pobreza se explica

entendendo a sociedade como um todo. Compreender a pobreza exige conhecer as condies

materiais de existncia dos homens, definindo os mesmos no como espectadores de sua

histria e sim como autores e atores de seu prprio drama.

Comprender la conceptualizacin de pobreza elaborada em la obra marxiana exige comprender ls leyes generales sobre ls que se asienta el rgimen de acumulacin capitalista. La ley absoluta de este sistema de produccin de plusvala, la obtencin de ganncia. Junto com el aumento Del capital, aumenta tambin la masa de pobres trabajadores, [...].(SOTO, 2003, p.11).

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Deste modo, a pobreza do trabalhador se constitui conseqncia e condio necessria

para a existncia do regime capitalista. A pobreza, ento pode ser entendida como base e fonte

da sociedade capitalista, base determinante do processo de acumulao capitalista, estado de

necessidade e situao de privao (necessidades bsicas insatisfeitas).

O conceito de pobreza na teoria marxiana, diz respeito ao estado de privao dos

membros da classe trabalhadora a partir da constatao da insatisfao das necessidades

bsicas e ao mesmo tempo a define como um trmino relacional (termo) que d conta dos

nveis antagnicos de desigualdade presentes (inerentes) a dinmica da sociedade burguesa.

Alayn (2004), em Pobreza, derechos humanos y poltica social introduz um novo

conceito, afirmando que a pobreza a violao mais flagrante dos direitos humanos.

Atravs da anlise percebeu-se que so poucas as produes que analisam

estruturalmente a pobreza, suas causas e formas de enfrentamento. A leitura dos artigos suscita

questionar: o que fazer para a ampliao de uma concepo que efetivamente instrumentalize

os profissionais a terem uma posio mais qualificada em uma perspectiva interdisciplinar e

interinstitucional?

Sobre a interface entre sade/pobreza, dos 15 artigos, quatro fazem esta reflexo e um

artigo apesar de no trazer esta interface relaciona os movimentos sociais e a questo da sade,

comprovando que existem estudos acerca da relao da sade com outras questes sociais.

Trata-se do estudo de Ribeiro (1989) sobre um movimento popular por melhores condies de

sade.

Pino (1989) estabelece esta relao quando afirma que a pobreza e a misria tm como

conseqncias seqelas no campo da sade, da alimentao, da habitao e da educao, que

se alastram no corpo social como uma gangrena desagregadora dos seus tecidos, alcanando

propores inimaginveis mesmo naquela poca.

Misoczky (1997), tambm reflete esta interface entre sade e pobreza quando fala que

as polticas nacionais de sade planejadas para a populao como um todo no podem

pretender preocupar-se da mesma forma com a sade de todos, pois o impacto mais

importante sobre a sade/doena carregado pelos grupos mais vulnerveis da sociedade, ou

seja, a populao pobre.

Nesta mesma lgica Camilo (1999, p.152) discorre:

55

Ao mesmo tempo em que o sculo XXI acena como uma esperana de um mundo melhor, com a revoluo trazida pela informtica, pela gentica, pela engenharia molecular, velhos desafios ainda percorrem a vida em sociedade, como o fantasma do desemprego, a fome, a violncia que perpassa o cotidiano. Estes problemas tm relao direta com o processo sade/doena de uma populao.

Ainda, Costa (2000) traa esta relao, na medida que aborda a necessidade do sistema

de sade articular-se com outras polticas que influenciam nas condies de vida da

populao.

O conjunto das mudanas implementadas pelo SUS no superou o modelo mdico-hegemnico, uma vez que, para tanto, o sistema de sade deveria articular suas aes com as demais polticas sociais que intervm nas condies de vida da populao, como o caso da habitao, do saneamento, das condies de trabalho, da educao. Essa capacidade de articulao que permitiria a identificao e a produo de informaes acerca da relao entre as condies de vida e de trabalho e o tipo de doena que estas produzem. Ou seja, recolocaria a sade como problemtica coletiva e participe do conjunto das condies de vida, superando a sua histrica organicidade com as doenas.

Deve-se ressaltar a falta de reflexo acerca da interface entre sade/pobreza. Apesar de

muitos textos estarem baseados em um conceito amplo de sade.

Quanto categoria formas de enfrentamento dos 15 artigos analisados oito apontaram

para diferentes formas combate pobreza.

Pino (1989) realizou um resgate das formas de interveno, enfrentamento da pobreza,

desde as primeiras legislaes sobre a pobreza no sculo XII, que mais do que eliminar a

pobreza visavam eliminar ou confinar os pobres.

O autor faz uma crtica a todas instituies de confinamento dos sculos XVII e XVIII.

O mesmo afirma que todas eram formadas por um conjunto heterogneo de pessoas, de

diferente idade e sexo e das mais variadas procedncias e condies pessoais. Mas era comum

que todas tratavam dos segmentos mais pobres da sociedade. Essas instituies constituam

uma resposta da nova sociedade burguesa em formao aos problemas socioeconmicos

gerados pelo processo de industrializao: flutuao do mercado de trabalho, necessidade de

mo-de-obra ociosa para controlar os preos e os lucros, perigos sociais do desemprego e da

misria e a necessidade de implantar uma nova tica de trabalho que garantisse a produo.

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Pino (1989, p.150) trabalha em seu artigo, tambm, as prticas de internao, uma das

modalidades da poltica de confinamento das classes populares, que visavam isolar no corpo

social aqueles que, em razo da sua condio de classe, constituem um elemento estranho e

desestabilizador da ordem social burguesa; procuravam limitar os espaos de liberdade, de

circulao e de ao dos indesejados; buscavam moldar os indivduos das zonas de alto risco

segundo um modelo de cidado criado pela burguesia.

O objetivo declarado das instituies de internao ou do zoneamento urbano, dito de

educao e reintegrao social ou de assistncia pblica, no contribui aquisio e ao

exerccio da cidadania objetivo da luta das classes populares mas transformao desses

indivduos em sujeitos soci