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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS – GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
A INSPEÇÃO DO TRABALHO NO GOVERNO FHC - UMA ANÁLISE SOBRE A POLÍTICA DE FISCALIZAÇÃO DO
TRABALHO ANTONIA CELENE MIGUEL
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós - Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais.
Orientador: Prof. Dr. Eduardo Garuti Noronha
São Carlos
2004
Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da Biblioteca Comunitária da UFSCar
M636it
Miguel, Antonia Celene. A inspeção do trabalho no governo FHC: uma análise sobre a política de fiscalização do trabalho / Antonia Celene Miguel. -- São Carlos : UFSCar, 2006. 106 p. Dissertação (Mestrado) -- Universidade Federal de São Carlos, 2004. 1. Ciência política. 2. Políticas públicas. 3. Trabalho - inspeção. 4. Mercado de trabalho. I. Título. CDD: 320 (20a)
Aos meus pais, Maria Helena Miguel e Mateus Miguel Primo, pelo ensinamento sobre a amizade e o conhecimento.
AGRADECIMENTOS
A minha família, que mesmo distante sempre me deu apoio incondicional . Ao
Prof. Dr. Eduardo Noronha pela orientação e pela confiança. Ao Prof. Dr. Roberto Ramos da
UFRR,, que me apresentou a UFSCar e me incentivou a voar mais alto. A Dr.a . Lenita Turchi,
pesquisadora do IPEA, pelo auxilio durante a minha pesquisa em Brasília e por ter participado
da minha banca de defesa juntamente com o Prof. Dr Roberto Grun, ao qual agradeço também
pela participação na minha banca de qualificação.
Aos amigos, aos que estiveram mais próximos e aqueles que mesmo distante
torceram pela finalização desta etapa.: A Tatiana pelo apoio diário, paciência e por dividir
muitos problemas comigo. A Nivalda pela admiração e pelas discussões que me ajudaram a
organizar melhor minhas idéias. A Malu por acreditar que eu seria capaz de superar todas as
dificuldade e por ter realizado a minha inscrição na seleção de mestrado quando eu me
encontrava ausente de São Carlos. A Daniela, não só por também acreditar, mas por ter me
auxiliado na correção do meu texto de qualificação. A Cacá que me agüentou durante toda a
graduação e no primeiro ano de mestrado, e mesmo nos momentos de desentendimento a nossa
amizade falou mais alto. A Viviane pelas palavras de apoio e pelas alegres e inesquecíveis tardes
de muito café e pipoca. A Rose, amiga que no inicio do mestrado, me proporcionou momentos
de muito carinho e diversão junto aos seus familiares. A Fernanda, amiga que se fez presente
não só na graduação, mas ficará para toda vida., mesmo que os nossos encontros tenham se
tornados raros. Ao amigo Sávio por ter me ensinado o caminho do Sesc, onde as sessões de
cinema passaram a ser meu principal momento de lazer. A Raquel, solidária ao dedicar parte do
seu tempo as correções do texto final desta dissertação.
A todos do GT Trabalho ( Karen, Igor, Ana Paula, Natalia, Talita, Carina, Zé Elias e
Lígia) pela parceria e pela descontração que tornaram mais leve o árduo trabalho de pesquisa.
RESUMO ATRAVËS DA ANÄLISE DA POLITICA DE FISCALIZAÇÃO DO TRABALHO NO PERÍODO FHC, MOSTRAMOS QUE A INSPEÇÃO DO TRABALHO Ë UM ATOR IMPORTANTE PARA O ENTENDIMENTO DO MERCADO DE TRABALHO COMO UM ESPAÇO NORMATIVO. AS AÇÕES DA INSPEÇÃO DO TRABALHO EXPÕEM A PAUTA TRABALHISTA DELINEADA E DECIDIDA CONFORME A POLÍTICA TRABALHISTA APLICADA PELO MINISTËRIO DO TRABALHO A CADA GOVERNO. PALAVRAS CHAVES: CIÊNCIA POLÍTICA, POLÍTICAS PÚBLICAS, TRABALHO - INSPEÇÃO, MERCADO DE TRABALHO.
ABSTRACT
THROUGH THE ANALYSIS OF THE POLITICS OF FISCALIZATION OF THE IN THE PERIOD FHC, WE SHOW THAT THE LABOR INSPECTION IS AN IMPORTANT ACTOR FOR THE AGREEMENT OF THE LABOR MARKET AS A NORMATIVE SPACE. THE ACTIONS OF THE LABOR INSPECTION DISPLAY THE LABOURITE GUIDE LINES DELINEATED AND DECIDED ACCORDANT THE LABOURITE POLITICS APPLIED BY THE LABOR MINISTRY EACH GOVERNMENT. KEYSWORDS: POLITICAL SCIENCE, PUBLIC POLITICS, LABOR INSPECTION, LABOR MARKET.
SUMÁRIO
Introdução--------------------------------------------------------------------------------------------------08 1. Justificativa----------------------------------------------------------------------------------------------11 1.1 Metodologia--------------------------------------------------------------------------------------------18
2. A Inspeção do Trabalho no Brasil - Antecedentes Históricos---------------------------------22
3. A Inspeção do Trabalho - Problemas e Perspectivas Segundo a Doutrina Jurídica -----31 4. Organização e Rotina da Inspeção do Trabalho -------------------------------------------------40 4.1 A Carreira de Fiscal do Trabalho------------------------------------------------------------------42
4.2 Funções da Inspeção do Trabalho------------------------------------------------------------------44 4.3 As atividades dos Auditores Fiscais do Trabalho e o SFIT - Sistema Federal de Inspeção do Trabalho---------------------------------------------------------------------------------------49
5. A Inspeção do Trabalho no Governo FHC - Uma Nova Política de Fiscalização do Trabalho-----------------------------------------------------------------------------------------------------55
5.1 O Novo Perfil da Fiscalização do Trabalho-------------------------------------------------------58 5.2 O Papel da OIT na Nova Política de Fiscalização - Influências do Direito Internacional do Trabalho no Direito Trabalhista Brasileiro------------------------------------------------------62
5.3 A Fiscalização do Trabalho na Implementação de Novas Formas de Contratações-----73 5.4 A Política de Fiscalização do Trabalho no Debate sobre as Alterações Trabalhistas----79
6. Conclusões------------------------------------------------------------------------------------------------90 Referências Bibliográficas ----------------------------------------------------------------------------94
8
Introdução
Este estudo trata da Inspeção do Trabalho1 e o seu papel na implementação da
política do MTE – Ministério do Trabalho e Emprego. Enquanto órgão pertencente ao MTE, a
Inspeção do Trabalho não é apenas responsável pela fiscalização do cumprimento da legislação
trabalhista, mas pela aplicação de uma ação fiscal definida pelo próprio Ministério, o qual
define metas a serem atingidas acerca da fiscalização das leis trabalhistas, principalmente as
voltadas para a formalização dos contratos de trabalho. Portanto, esta pesquisa aborda a
Inspeção do Trabalho sob a perspectiva de que a ação da fiscalização é resultado antes de tudo
de decisões do MTE acerca das questões trabalhistas, tendo assim, impactos no mercado de
trabalho. Outro aspecto que permeia a ações da fiscalização é a influência do Direito
Internacional do Trabalho, representado pela OIT (Organização Internacional do Trabalho), a
qual tem sido uma importante parceira do MTE em diversos programas, principalmente
aqueles que implicam em demandas para a fiscalização. Nesta dissertação demonstramos que
as práticas desenvolvidas pela inspeção do trabalho condensam tanto as metas do MTE quanto
os objetivos da OIT, ou seja, a política nacional é influenciada pela política internacional.
A Inspeção do Trabalho no Brasil foi desenvolvida não só a partir do que
determina a CLT, mas também a partir de preceitos internacionais definidos pela OIT sobre a
estruturação e procedimentos da Inspeção do trabalho. Desde sua criação em 1944, a Inspeção
do Trabalho no Brasil priorizou ações punitivas, nas quais o auto de infração se constituiu
como principal instrumento para garantir o cumprimento das normas trabalhistas. Durante o
período do Governo FHC (1994 a 2002) começou a ser desenvolvido um projeto para mudar o
9
perfil da ação da fiscalização do trabalho, a qual passou ser muito mais orientadora que
punitiva. Essa prática se materializa na substituição do auto da infração pela possibilidade de
negociação de prazos para a regularização de possíveis ilícitos trabalhistas. No período FHC
também começou a ser desenvolvido o Sistema Federal de Inspeção do Trabalho, um
importante sistema para o acompanhamento das ações fiscais da Inspeção do Trabalho em todo
o país. O SFIT gerencia a produção fiscal possibilitando um conjunto de informações sobre as
empresas fiscalizadas. Tais informações são utilizadas para o planejamento do MTE e definição
de metas para a ação fiscal. Esse sistema interfere diretamente na ação da fiscalização do
trabalho, fazendo com que ela não se resuma apenas em fiscalizar irregularidades, mas ao
cumprimento de objetivos definidos pelo MTE, o qual, por sua vez, define quais os temas
prioritários a serem fiscalizados. O SFIT tem um papel administrativo dentro da nova
administração pública, tal como definida pelo ministro Bresser Pereira no período Fernando
Henrique Cardoso. Segundo Capella (2000:71), o período do governo Fernando Henrique
Cardoso foi marcado pela implementação de uma grande reforma no estado brasileiro que teve
como ponto central a reforma da administração pública brasileira, cujo objetivos se referiam “a
formulação de políticas para a reforma do estado, desenvolvimento institucional e capacitação
do servidor, reforma administrativa, modernização da gestão e promoção da qualidade no setor
público”.
A política de fiscalização do trabalho desenvolvida no período FHC reflete
aspectos dessa reforma administrativa através das mudanças realizadas neste sistema de
fiscalização, tendo como um dos objetivos tornar mais eficiente o seu papel fiscal,
1 Nesta pesquisa usaremos os termos inspeção do trabalho e fiscalização do trabalho como sinônimos, seguindo assim a forma como é utilizado estes termos tanto na área do direito do trabalho quanto entre os próprios agentes da fiscalização do trabalho.
10
principalmente ao que diz respeito ao aumento da arrecadação do FGTS. Portanto, a Inspeção
do Trabalho possui um papel também arrecadador para o Estado, além de garantir o
cumprimento das leis trabalhistas. Ademais desses dois aspectos claramente definidos, temos
que destacar o caráter político que norteia as ações da fiscalização do trabalho, ou seja,
seguindo uma linha institucional, argumentamos que as ações dessa fiscalização expõem uma
política de fiscalização definida pelo MTE, o qual tenta implementar através da ação da
inspeção, políticas para o mercado de trabalho definidas como prioritárias a cada governo.
Esta dissertação está dividida em 4 capítulos: 1. A Inspeção do Trabalho no
Brasil: antecedentes históricos; 2. Organização e Rotina da Inspeção do Trabalho; 3. A
Inspeção do Trabalho - problemas e perspectivas segundo a Doutrina Jurídica; 4. A Inspeção
do Trabalho no Governo FHC - uma nova política de fiscalização.
No primeiro capítulo apresentamos um histórico conciso do processo de criação
da Inspeção do Trabalho no Brasil e a formação do seu modelo de fiscalização. No segundo
mostramos como está organizada a inspeção do trabalho enquanto órgão governamental, sua
rotina e os principais aspectos que norteiam as suas ações. No terceiro capítulo destacamos os
problemas enfrentados pela Inspeção do Trabalho e as suas perspectivas segundo diferentes
autores da área jurídica. Este capítulo se justifica pelo fato da inspeção do trabalho ter sido até
então mencionada apenas na área da doutrina jurídica trabalhista, na qual, ainda que escassos,
encontramos autores que apontam as implicações das mudanças nas relações de trabalho e o
surgimento de novas modalidades de contratos na ação da fiscalização do trabalho. Entretanto,
na doutrina jurídica a preocupação com inspeção do trabalho esta estreitamente relacionada
com o papel que ela prestaria a aplicação do direito trabalhista. Dessa forma, para a Doutrina
Jurídica discutir a Inspeção é pensar sobre o próprio futuro do direito do trabalho. O quarto
capítulo trata da política de fiscalização do trabalho desenvolvida no governo FHC, o qual
11
apresenta uma importante inflexão na ação da inspeção do trabalho. Por conseguinte,
mostraremos a influência dos preceitos e dos programas da OIT nesse processo, o que expõe o
quanto esse organismo internacional influi no próprio direito do trabalho brasileiro.
Comentaremos ainda, como se dá a relação entre a política de fiscalização do trabalho e as
alterações trabalhistas realizadas durante o período FHC. Segundo Dari Krein, Marco Antonio
Oliveira, Cardoso Junior e Dedecca, algumas medidas relacionadas à legislação trabalhistas
tomadas neste período, acabaram enfraquecendo a atuação da inspeção do trabalho, mas cabe
analisarmos em quais aspectos essas medidas representaram mudanças nos procedimentos da
fiscalização do trabalho, bem como a relação de tais medidas com a nova política da
fiscalização implementada no período FHC. E, por fim, apresentamos uma conclusão das
principais questões abordas neste estudo tentando apontar se há ou não no atual governo uma
continuidade da política de fiscalização desenvolvida no período FHC, ao que refere aos
procedimentos e metas.
1. Justificativa
Do ponto de vista teórico, essa pesquisa deriva da tradição institucional e tenta
sanar uma grande falha na literatura brasileira que não percebe que a fiscalização do trabalho
expõe a pauta trabalhista, pois embora não tenha um papel direto na formulação de normas
trabalhistas, a Inspeção é responsável pela aplicação de políticas do MTE junto às relações
contratuais, se constituindo indiretamente num espaço normativo. Dessa forma, temos o
interesse de complementar os estudos sobre como se regulam os mercados via lei e sua
aplicação. Portanto, a presente análise se justifica primeiramente pela escassez de estudos
sobre a Inspeção do Trabalho e a sua relação com aplicação de normas trabalhistas, em especial
12
as que definem os contratos de trabalho. Segundo, por mostrar que a ação da fiscalização do
trabalho é segmentada por metas definidas pelo MTE, o qual tenta condensar através de
planejamento as demandas de interesse do próprio Ministério e as demandas das DRTES, tendo
como principal fonte de informação os dados contidos no SFIT - Sistema Federal de Inspeção
do Trabalho.
Mencionamos ainda que Programas do MTE incentivados pela OIT, tais como o
combate ao trabalho infantil e ao trabalho forçado, demonstram que os resultados da ação da
inspeção do trabalho, as metas do MTE e os objetivos da OIT definem os temas mais
importantes da serem fiscalizados e, por conseguinte a forma como o MTE tem poder de
seletivamente dizer aos atores do mercado quais os aspectos da CLT serão valorizados.
Embora, alguns autores como Marco Antônio Oliveira, Dari Krein, Dedecca e
Cardoso Júnior apresentem análises sobre o sistema de relações de trabalho no Brasil durante
o período FHC, essas análises não se aprofundam em instâncias que podem exprimir aspectos
importantes da política trabalhista desse governo, como as mudanças nos procedimentos da
fiscalização do trabalho e a forte influência da OIT. Nos estudos apresentados por esses
autores a inspeção do trabalho é citada apenas em relação à portaria n. 865, de 1995, a qual é
interpretada como uma das várias medidas tomadas no período FHC como tentativa de
flexibilizar a legislação trabalhista. Portanto, o estudo sobre a Inspeção do Trabalho
apresentado nesta dissertação vem abordar aspectos até então desconsiderados nos estudos
sobre relações de trabalho no Brasil.
Os estudos institucionais sobre mercado e mercado de trabalho em termos gerais
têm abordado os mercados, e em particular o mercado de trabalho, como um espaço
institucionalizado, em que normas e leis influenciam a ação do atores dentro desse espaço.
13
Dessa forma, tanto o mercado quanto o mercado de trabalho estariam sujeitos aos arranjos
institucionais e não apenas as leis de “livre mercado”. Karl Polanyi antecedeu tal afirmação em
sua obra “A Grande Transformação”, mostrando que a existência de um possível mercado auto
regulável exigiria uma dicotomia institucional da sociedade em esferas econômica e política.
Segundo Polanyi (1944), é impossível haver tal dicotomia, pois a idéia de livre mercado se
constitui numa falácia, e a ordem econômica é apenas uma função da sociedade na qual ela está
inserida. Dessa forma, o mercado seria mais um dos espaços da vida social. Robert Kuttner
(1998:26), reafirma o argumento de Polanyi: “mesmo numa economia capitalista, o mercado é
apenas um dos meios que a sociedade usa para tomar decisões, determinar merecimentos,
alocar recursos, manter o tecido social e conduzir as relações humanas”.
Segundo Boyer (1997), uma teoria mais cuidadosa sobre mercado pode verificar
que são inúmeros os recursos necessários para garantir a qualquer mercado um verdadeiro
equilíbrio. Portanto, mesmo que as maiorias dos economistas evoquem a imagem do livre
mercado, os mecanismos básicos que estruturam os mercados têm sido domesticados e
adaptados através de legislações, regulações e consentimentos coletivos. Boyer (1997), adverte
que não se deve confundir uma ideologia de livre mercado com a atual e limitada capacidade
dos mecanismos de mercado, os quais se encontram no meio de uma complexa mistura de
alternativas e de grandes modelos governamentais.
As análises institucionais são relevantes à medida que encaramos a Inspeção do
Trabalho como parte de uma instituição, o Estado, o qual, por sua vez, implementa políticas
direcionadas ao funcionamento do mercado e do próprio mercado de trabalho. Por conseguinte,
os governos federais através do MTE, tentam viabilizar no mercado de trabalho e nas relações
trabalhistas decisões tomadas no âmbito da política. Como sugere Robert Kutner (1998:111),
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“o mercado exige regras, essas regras são resultados de políticas, ou de decisões políticas de
cada governo”.
Segundo Mannrich (1991), a área jurídica define a Inspeção do Trabalho como
função do Estado, a qual tem por finalidade fiscalizar o cumprimento da legislação trabalhista,
garantindo um certo equilíbrio na relação contratual entre empregados e empregadores.
Consideramos que além de ter esse papel de tentar conciliar direitos trabalhistas e realidade
econômica, a Inspeção do Trabalho, uma vez parte do Estado, pode também ser percebida
como um dos meios que o poder executivo possui para atingir metas acerca do mercado de
trabalho e das relações de trabalho definidas a cada governo.
Para Solow (1990) apud Noronha (2000), a própria relação entre empregados e
empregadores pode ser melhor compreendida através da lei e da noção de justiça, que
introduzem limites nas relações contratuais, colocando limites ao funcionamento do cálculo
econômico. Dessa forma, os estudos que procuram se debruçar sobre a Inspeção do Trabalho
podem revelar como mecanismos institucionais podem impor limites na relação entre
empregados e empregadores.
David Marsden (1986) em sua obra The end of Economic Man? buscou mostrar
como as normas e as instituições podem influenciar no comportamento que seria esperado
como natural de empregados e empregadores. Marsden mostrou ainda, como os diferentes
segmentos da força de trabalho são afetados por instituições e aspectos normativos diferentes.
Clark Kerr (1994) afirma a herança deixada pela sócio-economia a idéia de que
os mercados de trabalho são ao mesmo tempo uma intuição econômica e social, não sendo
perfeitamente competitivos, se diferenciando por outros aspectos além dos salários, abrindo
espaço para a constituição de mercados internos. Portanto, para Kerr, os indivíduos não agem
totalmente objetivando a maximização de seus interesses, mas muitas vezes em prol da sua
satisfação, seja devido à impossibilidade de informações satisfatórias para a sua decisão, seja
pelos custos de obtê-la. Kerr coloca ainda que é preciso considerar as instituições, suas leis e
15
normas no espaço da economia do trabalho, bem como analisar as relações de trabalho como
sistemas a partir dos fundamentos microracionais, que podem oferecer melhores indícios do
comportamento dos atores.
Sendo assim, nos estudos sobre mercado de trabalho temos que considerar que
mesmo em ambientes vistos como puramente econômicos, existem instâncias que não podem
ser compreendidas apenas pelos possíveis mecanismos de “puro mercado”, que limitam a
compreensão da motivação dos atores, a qual não pode ser reduzida simplesmente a um
modelo mercadológico de relações humanas, em que a maximização dos interesses sejam
suficientes para explicar a relação dos atores com normas e regulações que permeiam os
mercados e em particular o mercado de trabalho.
Jon Elster (1989), acrescenta que existem normas sociais típicas das relações de
trabalho. Em seu estudo intitulado The Cement of Societ sobre as negociações coletivas na
Suécia, ele observa a complexidade da racionalidade individual, coletiva e de normas sociais
que estão envolvidas no processo de negociação. Para Elster, a visão meramente racional não
tem fornecido elementos suficientes para explicar a manutenção e o cumprimento das normas
sociais pelos indivíduos. A norma social, segundo o autor, pode estimular tanto os interesses
particulares, quanto os interesses coletivos. Portanto, a análise do papel das normas sociais nas
relações de trabalho pode explicar parte do comportamento de empregados e empregadores,
principalmente no que se refere aos contratos de trabalho e os acordos coletivos.
Podemos acrescentar ainda, os argumentos de Robert Kuttner sobre mercado de
trabalho.
“(...) o trabalho raramente se comporta como mercado spot, porque o ambiente de
trabalho não é apenas um mercado, mas uma organização social com uma certa lógica
institucional e imperativos institucionais.” (Robert Kuttner,1998: 101)
Noronha (1999), em seu estudo sobre “Mercados e Relações de Trabalho no
Brasil”, mostra que o mercado de trabalho pode se configurar em diferentes espaços
normativos. Segundo Noronha, o mercado de trabalho brasileiro é formado por três espaços
normativos: a legislação trabalhista, o contrato coletivo e as normas internas das empresas, os
16
quais, embora diferentes entre si, complementam um ao outro caracterizando um modelo
legislado de relações de trabalho. Esse estudo demonstra o quanto o mercado de trabalho é
institucionalizado e que é preciso considerar as várias estâncias que podem compor e
influenciar um arcabouço normativo das relações de trabalho, bem como o fato de que os
diferentes modelos de relações de trabalho podem ser melhor compreendidos mediante o a
análise do papel dos mecanismos de regulações.
José Márcio Camargo (1997), salienta que as instituições são importantes
determinantes do desempenho do mercado de trabalho, pois diminuem as incertezas e os custos
das transações, aumentam a remuneração de certas atividades e reduzem a de outras. Numa
economia que maximiza a riqueza, elas criam incentivos à atuação dos agentes econômicos e
afetam o comportamento do mercado de trabalho de muitas maneiras importantes. Para o autor,
analisar os incentivos criados pelas instituições do mercado de trabalho constitui um passo
importante para entender o comportamento desse mercado.
Edward Amadeo, no seu estudo sobre “Instituições e o Mercado de Trabalho no
Brasil”, chama a atenção para o estudo de espaços normativos como o Tribunal Superior do
Trabalho. Segundo Amadeo (1996), o TST exerce um importante papel no sistema de relações
de trabalho brasileiro, na solução de controvérsias acerca do cumprimento da lei, resolvendo
todas as disputas que envolvem o cumprimento dos contratos individuais e coletivos, bem
como são responsáveis pela arbitragem e julgamento das negociações coletivas.
Em sua pesquisa sobre o papel do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e da
doutrina jurídica na formulação de novos contratos de trabalho, Karen Artur (2004) mostra o
quanto o TST se constitui num espaço normativo importante na regulação do mercado de
trabalho brasileiro.
17
“Contribuindo para o estudo de processos decisórios e de argumentos de seus agentes, esta pesquisa mostra que o TST tem legitimado novas formas contratuais do trabalho, em que a terceirização é o exemplo mais notório, através da combinação de valores como eficiência e justiça.” (Karen Artur, 2004:13)
A autora acrescenta ainda, que as decisões dos ministros do TST têm uma
dimensão política considerável na análise do seu papel normatizador.
“A dimensão política de suas decisões aparece quando os ministros falam sobre a necessidade do direito do trabalho face à desigualdade de forças entre empregados e empregadores, quando admitem a participação de sindicatos e organizações empresariais em mudanças nas interpretações jurídicas, quando se colocam sobre a importância de que a jurisprudência se manifeste sobre relações de trabalho que não se encaixam mais nos conceitos clássicos do direito do trabalho, nos projetos que desenvolvem junto com outras instituições como o Ministério Público do Trabalho, o MTE e Emprego, a OIT pelo combate ao trabalho escravo.” (Karen Artur, 2004:62)
Portanto, o TST tem exercido um papel importante nas relações de trabalho no
Brasil, seja no que se refere a soluções de possíveis conflitos trabalhistas, seja como
implementador de novas formas de contratação, se constituindo assim um espaço normativo
importante para o entendimento da regulação e normatização do mercado de trabalho. Embora
não tenha um papel regulador como o TST, a Inspeção do Trabalho mostra o quanto são
complexos os espaços normativos no mercado de trabalho e das relações de trabalho no Brasil.
A inspeção do trabalho por ter a função de garantir a eficiência da aplicação das leis trabalhista
no mercado de trabalho, se torna um aspecto chave para se entender os aspectos políticos das
decisões do MTE e os seus impactos no mercado de trabalho. Nosso presente argumento é que
a Inspeção do Trabalho no Brasil expressa a pauta trabalhista, delimitada pelo MTE através da
elaboração de metas para o mercado de trabalho. O planejamento destas metas se configura em
uma política de fiscalização que tenta uniformizar ações fiscais em todo o país. Outro aspecto é
18
o papel da OIT na política da Inspeção do Trabalho, que mostra o quanto este órgão
internacional se faz presente no direito trabalhista brasileiro, principalmente nas metas do
MTE, que tenta conciliar a sua própria política com os compromissos assumidos com esta
agência internacional.
1.2 Metodologia e Atividades de Pesquisa
No intuito de realizar o presente trabalho, primeiramente fizemos um
levantamento bibliográfico sobre o tema, tanto na área do Direito do Trabalho, cujo referido
tema tem sido mais abordado, quanto na bibliografia econômica e sociológica sobre as relações
de trabalho no período FHC.
Consultamos e analisamos projetos e documentos, em especial as instruções
normativas do MTE referentes à atuação dos fiscais do trabalho. A análise das instruções
normativas se justifica também pelo fato das orientações gerais dos fiscais do trabalho estarem
subordinadas as decisões do MTE, que através das suas delegacias dão maior ou menor
importância a determinados temas ou setores de atividade.
Analisamos, ainda, convenções e recomendações da OIT - Organização
Internacional do Trabalho - relacionadas com a Inspeção do Trabalho; esta análise se justifica
principalmente pelas referências feitas sobre esses documentos nas instruções normativas
baixadas pelo MTE.
Realizamos entrevistas com fiscais do trabalho e com o chefe da fiscalização do
trabalho na Subdelegacia Regional do Trabalho em São Carlos. Em Brasília entrevistamos
técnicos, assessores e a própria Secretária de Inspeção do Trabalho.
Levantamento bibliográfico
Nessa etapa fizemos um apanhado de textos e artigos acadêmicos sobre a
Inspeção do Trabalho. Cabe salientar que essa bibliografia foi produzida pela área do direito do
trabalho, sendo que boa parte está voltada para a doutrina jurídica.
19
Fizemos um levantamento de artigos contidos em revistas jurídicas; para isso
fomos à biblioteca da Faculdade de Direito de São Carlos, onde encontramos diversas
publicações periódicas sobre o Direito do Trabalho.
Realizamos também uma busca de artigos nos sites voltados para a área jurídica.
Durante a pesquisa em Brasília coletamos também diversos materiais, como algumas cartilhas
do MTE, revistas e anais de congressos do SINAIT.
Levantamento de Documentação do MTE
Além do levantamento das instruções normativas baixadas pelo MTE durante o
governo Fernando Henrique Cardoso no período de 1994 a 2002, verificamos também o
regulamento da Inspeção do Trabalho de 1965 instituído pelo Decreto n. 55.841/65, o novo
regulamento da Inspeção do Trabalho de 2002 instituído através do Decreto n. 4.552/2002 e
bem como as portarias relacionadas a inspeção do trabalho expedidas entre1994 a 2002.
Os respectivos materiais foram pesquisados na internet, através do site do MTE -
o qual visitamos diariamente para nos mantermos atualizados quanto às informações que
pudessem interessar a nossa pesquisa. As convenções e recomendações da OIT foram obtidas
através do site www.ilo.org, mas boa parte desses documentos já se encontravam disponíveis
no próprio site do MTE.
Instruções Normativas Pesquisadas
• Procedimentos da Inspeção do Trabalho na área rural. MTE n. 01/1994;
• Normatização do sistema de aferição dos resultados da produção da atividade da fiscalização
do trabalho. (Secretaria de Fiscalização do Trabalho e Secretaria de Saúde e Segurança no
Trabalho) n. 08/1995;
• Normas de lavratura do auto da infração por empregado sem registro e a respectiva
comunicação para instauração do processo de anotação da CTPS. MTE n. 04/1996;
• Regras complementares aplicáveis à atuação, preparo e análise de processos. MTE n. 05/1996;
20
• A Fiscalização do Trabalho nas empresas de prestação de serviços a terceiros e empresas de
trabalho temporário. MTE n.03/1997;
• Nova redação dos itens 6,10 e 16, bem como os anexos I e II, da Instrução normativa
Intersecretarial n. 08, de 5 de maio 1995. MTE n.12/1999;
• Instituição de unidades especiais do trabalho portuário e aquaviário, bem como as respectivas
unidades regionais e dá outras providências. MTE n.14/1999;
• Procedimentos a serem adotados pelos Auditores Fiscais nas ações para erradicação do trabalho
infantil e proteção ao trabalhador adolescente. MTE 01/2000;
• Fiscalização dos depósitos do FGTS. MTE n.17/2000;
• Procedimentos de fiscalização das condições do trabalho, segurança e saúde de vida a bordo.
MTE n.19/2000;
• Procedimentos a serem adotados pela fiscalização do trabalho das pessoas portadoras de
deficiência. MTE n. 20/2001;
• Orienta os auditores - fiscais do trabalho e as chefias de fiscalização quanto ao procedimento a
ser adotado na realização das mesas de entendimento. MTE n.23/2001;
• Fiscalização do FGTS e Contribuições Sociais. MTE n.25 /2001;
• Orientação da fiscalização das condições de trabalho no âmbito dos programas de
aprendizagem. MTE n. 26/2001;
• Análise do requerimento de autorização de saque do FGTS de contas vinculadas em nome de
empregadores, individualizadas por empregados na condição de não optante. MTE n. 14/2002;
• Procedimentos de expedição de certidões e prestação de informações sobre processos
administrativos originários de ação fiscal e aprova modelos de certidões. MTE n. 27/2002;
• Procedimentos para apreensão e guarda de documentos, livros, materiais, equipamentos e
assemelhados por auditor fiscal do trabalho e aprova modelos de auto da apreensão, termo de
guarda e termo de devolução de objetos. MTE n .28/2002;
• Nova redação do item 6 da Instrução Normativa n. 08, de 15 de maio de 1995. Secretária de
Inspeção do Trabalho n. 33/2002;
• Nova redação do item 6, bem como o Anexo II, da Instrução Normativa Intersecretarial (
Secretária de Fiscalização do Trabalho e Secretária de Segurança e Saúde no Trabalho) n. 08,
de 15 de maio de 1995. Secretária de Inspeção do Trabalho n. 34/2002.
21
Portarias Analisadas
• Portaria nº 265, de 06 de junho de 2002 - Estabelece normas para a atuação dos Grupos; Especiais
de Fiscalização Móvel - GEFM e dá outras providências;
• Portaria nº 07, de 23 de março de 2000 - Cria Grupos Especiais de Combate ao Trabalhador;
Infantil e de Proteção ao Trabalhador Adolescente - GECTIPAS e define sua subordinação
finalidade, composição e atribuições;
• Portaria SIT nº 12, de 26 de junho de 2002 - Dispõe sobre a fixação de metas de arrecadação e
resultados da fiscalização do trabalho para exercício 2002;
Convenções, Recomendações e Declarações da OIT
• Convenção nº 81, de 1947 - Sobre a Inspeção do Trabalho na Indústria e no Comércio;
• Convenção nº 182 , de 1999 - Sobre a Proibição das Piores Formas de Trabalho Infantil e Ação
Imediata para a sua Eliminação;
• Convenção nº 29, de 1930 - sobre Trabalho Forçado;
• Convenção nº105, de 1957, sobre Abolição do Trabalho Forçado;
• Convenção n.129, de 1969, relativa a Inspeção do Trabalho na agricultura;
• Convenção n. 159 da OIT, sobre a reabilitação profissional e emprego de pessoas portadoras de
deficiência.
• Convenção n. 138 - Sobre idade mínima de Admissão ao Emprego
• Recomendação n.133, de 1969, relativa a Inspeção do Trabalho na agricultura;
• Recomendação n.81, de 1947, relativa a Inspeção do Trabalho na Indústria e no Comércio;
• Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho e seu Seguimento, de
1998.
22
2. A Inspeção do Trabalho no Brasil - Antecedentes Históricos
Nesse capítulo será apresentado um histórico conciso sobre a criação da Inspeção
do Trabalho no Brasil e a constituição do seu modelo de atuação a partir da CLT, da Convenção
nº 81 da OIT sobre a Inspeção do Trabalho na Indústria e no Comércio e do Regulamento da
Inspeção do Trabalho - RIT. Quando falamos em modelo da Inspeção do Trabalho nos referimos
tanto à estrutura organizacional desse sistema quanto à sua forma de atuação.
No Brasil, a primeira referência sobre Inspeção do Trabalho está no Dec. 1.313 de
17.1.1891. O Decreto instituía a fiscalização dos estabelecimentos fabris do Rio de Janeiro que
empregavam crianças menores de idade. Conforme Ribeiro Silva (2002), como a carta
constitucional de 1891 atribuía aos Estados a competência para legislar sobre o Direito do
Trabalho; o referido decreto ficou restrito apenas ao Rio de Janeiro, na época capital da
República, limitando, assim, a atuação da inspeção do trabalho.
Segundo Werneck Vianna apud Oliveira (2002), o texto do Decreto de 1891
determinava condições de higiene e jornada de trabalho dos menores, proibindo-os do exercício
de tarefas insalubres ou perigosas. Previa-se pesadas multas para os infratores, ao passo que
submetia o trabalho industrial à fiscalização de um inspetor geral subordinado ao Ministério do
Interior, que visitaria mensalmente cada estabelecimento e apresentaria um relatório sobre as
unidades fabris fiscalizadas. No entanto, apesar da sua publicação no Diário Oficial, esse decreto
jamais entrou em vigor.
23
De acordo com Júnior e Lopes (2000), o Decreto de 1891 tentava copiar a
chamada Lei de Pell criada na Europa em 1802, que reduzia a jornada do trabalho de menores
para 12 horas. Segundo Cabral e Costa (2002), em 1891 foi dado pela Constituição o direito
dos Estados da Federação legislarem sobre relações de trabalho e organizarem sistemas de
fiscalização.
Conforme Mannrich (1991), em 1904 o projeto nº 169, de autoria de Albuquerque
de Medeiros, relativo aos acidentes do trabalho, em seu art. 7o determinava: “O Ministério da
Indústria e Viação constituirá uma junta técnica que indicará quais os aparelhos de proteção
indispensável em cada gênero de indústria’. E o projeto n.º 273, de 1908, de autoria de Graccho
Cardoso, Sá Freire, Altino Arantes, Simeão Leal, também relativo a acidente do trabalho, em
seu art. 41, previa que “o governo criasse inspetores de trabalho que possam tornar efetivas nas
empresas e estabelecimento industriais as disposições desta Lei, fiscalizando a sua execução e
a dos regulamentos que decretar”.
Ainda, conforme Mannrich (1991), o art. 42 do referido projeto conferia aos
inspetores, vinculados ao Ministério da Indústria e Viação amplos poderes de ingresso nas
fábricas, podendo proceder a interrogatórios e examinar livros, bem como os aparelhos de
proteção. Por sua vez, o projeto de Adolpho Gordo, previa, em seu art. 26, multa por infração
ao disposto no Projeto sem fazer menção a Inspeção do Trabalho ou a quem fosse aplicá-la,
devendo-se, nos termos do art. 9o comunicar o acidente a autoridade policial. Esse projeto, após
aprovação no Senado, sofreu inúmeras modificações, resultando na lei nº 3.724, de 15.1.1919. ,
a qual não fazia referência nem a Inspeção do Trabalho e nem aos acidentes de trabalho. Sendo
assim, a questão social não passava, ainda, de “questão de polícia”.
24
Segundo Mannrich (1991), o Decreto n.º 3.550 de 1918, tinha como objetivo
criar o Departamento Nacional do Trabalho, vinculado ao Ministério da Agricultura, Indústria
e Comércio. Entretanto, como ainda cabia aos Estados legislar sobre trabalho, a criação desse
departamento só foi concretizado no governo Vargas.
De acordo com Cabral e Costa (2003), embora a OIT em 1919, por meio da
Recomendação nº 5 (Serviço Público de Higiene) já sugerisse a institucionalização da Inspeção
do Trabalho em todo os países membros, somente em 1931 surgiu no Brasil o Sistema
Nacional de Inspeção do Trabalho no interior do MTE, Indústria e Comércio.
Em 1921, a Inspeção do Trabalho foi criada apenas como extensão do Serviço de
Povoamento vinculada ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Em 1926, em
decorrência da reforma constitucional, foi repassada à União a competência para legislar sobre
relações de trabalho e sobre a Inspeção do Trabalho.
Através do Decreto n. 9.433 de 26 de novembro de 1930, foi criado o MTE,
Indústria e Comércio. Segundo declarações do seu então ministro Lindolfo Collor, o MTE
mostrava a intenção do governo Vargas em enquadrar juridicamente a questão social que
passava, agora, a ter lugar em um novo ramo do direito, situado entre o direito público e o
direito privado, que passaria a ser designado como direito coletivo, sindical, social ou do
trabalho. (Cf. Oliveira, 2002)
A criação do Ministério do Trabalho possibilitou em 1931, através do Decreto n.
19671-A de 04.04.31, a criação do Departamento Nacional do Trabalho que definia a
organização interna desse ministério. O Departamento seria um órgão central cujas atribuições
25
principais seriam a promoção de medidas de previdência social e a melhoria das condições
gerais do trabalho.
Através do Decreto n. 21.690, de 1.8.1932 foram criadas as Inspetorias Regionais
nos Estados da Federação através do. Essas Inspetorias tinham as atribuições do Departamento
Nacional do Trabalho, em especial, a fiscalização da aplicação das leis de proteção ao
trabalhador. Mais tarde, em 1940, o Decreto n.2.168, de 6.5.40, as transformou nas Delegacias
Regionais do Trabalho (DRTEs). Com a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) em 1943, a
Inspeção do Trabalho recebeu tratamento especifico no Titulo VII, denominado Processo de
Multas Administrativas, que dispõe nos seus artigos 626 a 634 sobre a Fiscalização do
Trabalho, determinando que o papel desta era fiscalizar o fiel cumprimento das normas de
proteção ao trabalho, empreendendo visitas aos locais de trabalho, instruindo os responsáveis
pelo cumprimento dessas normas, lavrando o auto de infração quando concluir irregularidades.
Em 1944 a carreira de inspetor do trabalho foi criada e respaldada na lei n. 6-479 de 9.4.44.
A CLT institucionalizou a Inspeção do Trabalho como uma atividade do Estado,
constituindo um certo rompimento com os princípios de não intervenção estatal nas relações
entre particulares, entre estas a relação entre empregado e empregador. Tais princípios,
segundo Mannrich (1991), estavam definidos tanto na Constituição do Império de 1824 quanto
na Constituição da República de 1891.
Em 1956 o Brasil ratificou a convenção n.º 81 da OIT (Organização Internacional
do Trabalho) sobre a Inspeção do Trabalho na Indústria e no Comércio. Embora para Mannrich
(1991) a ratificação dessa convenção seja considerada um dos fatores decisivos para a
26
implementação da Inspeção do Trabalho no Brasil, não se encontra na literatura maiores
justificativas sobre os impactos dessa convenção na Inspeção do Trabalho no Brasil.
Contudo, argumentamos que a importância da Convenção n.º 81 da OIT pode
estar vinculada a dois aspectos. Primeiro, o fato da convenção nº 81, de 1947 abarcar a
Inspeção do Trabalho na Indústria e no Comércio, fornecendo assim, um aparato constitucional
para tornar a Inspeção do Trabalho carreira típica do Estado, conforme procedimentos do
Direito Internacional. Em segundo lugar, o que está previsto na CLT sobre Inspeção do
Trabalho estar em conformidade com a convenção nº 81 da OIT.
Até o momento, a Convenção nº 81 da OIT sobre Inspeção do Trabalho na
Indústria e no Comércio continua sendo a principal referência do Direito Internacional sobre
Inspeção do Trabalho em conjunto com a convenção nº 129 de 1969, sobre a Inspeção do
Trabalho na Agricultura.
Em 1971 o Brasil fez a denúncia da Convenção nº 81 da OIT. Segundo Mannrich
(1991), o governo brasileiro fez essa denúncia por verificar problemas em dois dos seus
artigos, que imperrariam a sua própria aplicação. O primeiro artigo se referia ao estatuto
previsto ao pessoal da inspeção e o outro dizia respeito ao reembolso dos gastos feitos pelos
inspetores. Mannrich não aprofunda essa questão, mas segundo informações da assessoria da
Secretaria de Inspeção do Trabalho, durante o governo militar o sistema de Inspeção foi usado
como instrumento de repressão aos sindicatos. Contudo, caberia investigar os reais interesses
do governo militar para denunciar a Convenção n. º 81 da OIT, assim como investigar como foi
a Inspeção do Trabalho nesse momento. Não obstante, salientamos que se o intuito do governo
militar foi realmente se utilizar a Inspeção do Trabalho como instrumento de coerção aos
27
sindicatos e seus representantes faria sentido o interesse de não seguir a Convenção n. 81 da
OIT, visto que a referida Convenção prevê nos seus artigos 20 e 21 o envio obrigatório de
relatórios anuais sobre as atividades da Inspeção do Trabalho por parte dos países que a
ratificaram ao Diretor Geral da OIT num período que não excedesse três meses. Sendo assim,
se durante o período militar a Inspeção do Trabalho exercia atividades que iam contra o que
estava previsto no próprio Ordenamento Jurídico Internacional, era interessante não emitir
relatórios ao seu órgão representativo (OIT).
Apesar da denúncia da Convenção nº 81 da OIT, durante o período militar o
governo tomou medidas que estão presentes até hoje no sistema brasileiro de Inspeção do
Trabalho. A mais importante dessas medidas foi a criação do Regulamento da Inspeção do
Trabalho - RIT, sancionado através do Decreto n. 55.841, de 15.3.65. O RIT dispõe que,
“compete a Inspeção do Trabalho assegurar a aplicação das disposições legais e
regulamentares, das convenções internacionais ratificadas, dos atos e decisões das autoridades
competentes (portarias, instruções normativas, sentenças normativas etc.) e das convenções e
acordos coletivos de trabalho, referentes às condições de trabalho e à proteção dos
trabalhadores no exercício da profissão”. Portanto, o RIT efetiva a regulamentação da ação
fiscal, definindo a sua forma de organização e atuação, expressando em boa parte do seu texto,
a influência da convenção n.81 da OIT. Isso demonstra que apesar da denúncia da referida
convenção ter ocorrido cinco anos depois do sancionamento do RIT, os seus procedimentos já
faziam parte da estrutura da Inspeção do Trabalho no Brasil. O RIT englobou tanto o que já
estava previsto na CLT sobre a fiscalização do trabalho quanto o que estava previsto na
convenção n. 81 da OIT. A título de ilustração, o Art. 14 do RIT prevê que o “agente de
Inspeção do Trabalho, munido de credencial (...) tem direito de ingressar, livremente, sem
28
aviso prévio e em qualquer hora, em todos os locais de trabalho sujeitos a sua fiscalização, na
ocorrência da prestação de serviços regulados pela legislação”. O presente artigo está em
conformidade com o Art. 12 da convenção n. 81 da OIT, o qual estabelece que “os Inspetores
do Trabalho munidos de credenciais serão autorizados a penetrar livremente e sem aviso
prévio, a qualquer hora do dia e da noite, em qualquer estabelecimento submetido a inspeção.
Consequentemente, esses dois artigos estão em consonância com o Art. 630 da CLT, que
prevê no seu parágrafo 3: “O agente da Inspeção terá livre acesso a todas as dependências dos
estabelecimentos sujeitos ao regime da legislação trabalhista, sendo empresas, por seus
dirigentes ou prepostos, obrigadas a prestar-lhes os esclarecimentos necessários ao
desempenho de suas atribuições legais e a exibir-lhes, quando exigidos, quaisquer documentos
que digam respeito ao fiel cumprimento das normas de proteção ao trabalho”.
Esse é apenas um dos pontos em que a CLT, o RIT e a Convenção n. 81 tem em
comum; existem outros pontos de singularidades quanto ao papel da Inspeção do Trabalho, seu
objeto e a sua forma de atuação.
No final do período militar foi criado o Sistema Federal de Inspeção do Trabalho
como parte do Sistema Nacional de Proteção ao Trabalho instituído pela Portaria n. 3.194 de
14.12.81. Depois do período Militar ocorreram algumas iniciativas que visavam aprimorar a
estrutura da Inspeção do Trabalho quanto a sua organização e atuação. Algumas dessas
Iniciativas foi a criação do Programa de Desenvolvimento do Sistema Federal de Inspeção do
Trabalho através da Lei nº 7.855, de 24.10.89. Esse sistema teve como meta “promover e
desenvolver as atividades de inspeção das normas de proteção, segurança e medicina do
trabalho”. Segundo Mannrich (1991), seu intuito principal seria assegurar o reconhecimento do
vínculo empregatício do trabalhador e os direitos dele decorrentes. Visando à implementação
29
desse sistema, em 1989 foi traçado o plano geral da fiscalização com duas esferas de atuação: a
inspeção das normas trabalhistas, a cargo da Secretaria de Relações de Trabalho, e as ações
referentes a área de segurança e saúde do trabalhador, a cabo da Secretaria de Segurança e
Medicina do Trabalho. A meta principal desse Programa era modernizar e racionalizar as ações
da fiscalização dando-lhe maior agilidade e eficiência na busca de soluções para conflitos
trabalhistas decorrentes da planificação das ações tanto no nível nacional como regional e
local, desestimulando as ações isoladas e rotineiras e concentrando-se, principalmente, nas
áreas consideradas como geração de desequilíbrio (Cf. Costa Silva, 2000).
Cabe salientar que com a Constituição de 1988 um novo ator começa a fazer parte
do conjunto de instituições relacionadas a defesa dos direitos trabalhistas - o Ministério Público
do Trabalho. A sua criação vem contribuindo para que a ação da Inspeção do Trabalho se torne
mais efetiva, pois este novo órgão que tem como competência as questões referentes ao direito
coletivo dos trabalhadores, tem funcionado também como um órgão fiscalizador das ações da
Inspeção do Trabalho. Seria necessário investigar melhor a relação ente Inspeção do Trabalho e
o Ministério Público do Trabalho, tentando apontar as implicações na ação da Fiscalização do
Trabalho, bem como as atividades que estes desenvolvem em conjunto.
A convenção nº 81 da OIT denunciada pelo Brasil em 1971 só foi revigorada em
19872. O RIT expedido em 1965 só foi substituído por um novo Regulamento3 em 2002.
Contudo, o objetivo principal destinado a Inspeção do Trabalho contido no RIT de 1965
permaneceu inalterado no novo documento; as mudanças se resumiram em acréscimo de novos
2 A convenção n. 81 da OIT foi reratificada através do Decreto n. 95.461, de 11.12.87. 3 O novo RIT foi sancionado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso através do Decreto n. 4.552, de 27.12.02.
30
artigos e nova redação para artigos já existentes no regulamento.. A CLT sofreu algumas
alterações, principalmente em decorrência da Constituição de 1988 e da Lei n. 7.855, de
24.10.89., a qual alterou o Título VII da CLT que dispõe sobre a Inspeção do Trabalho4
Entretanto, mesmo sofrendo algumas modificações quanto a sua estrutura, a
Inspeção do Trabalho no Brasil teve seu modelo de atuação consolidado através da CLT, da
convenção nº 81 da OIT sobre a Inspeção do Trabalho na Indústria e no Comércio e do RIT.
Esses documentos tornaram-se as principais fontes de orientação da fiscalização do trabalho no
Brasil.
“A competência da Inspeção do Trabalho é ditada, particularmente, pela Convenção n. 81, ratificada pelo Brasil. Outra fonte é o Regulamento da Inspeção do Trabalho - RIT, instituído pelo Dec. N. 55.841, de 15.3.65, bem como a própria Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, entre outros instrumentos legais.” ( Mannrich, 1991:170)
A CLT, a convenção nº 81 da OIT e o RIT são as bases sobre as quais estruturou-
se o modelo brasileiro de Inspeção do Trabalho. A segmentação dessas três referências na
Inspeção do Trabalho pode ser observada não só na própria história da constituição desse
sistema como atividade estatal, mas em documentos do MTE referentes à Inspeção do
Trabalho, como portarias, decretos e instruções normativas.
4 A Lei n. 7.855, de 24.10.89 alterou no Título VII da CLT os parágrafos do Art. 627. sobre o critério de dupla visita nas empresas fiscalizadas e os parágrafos 3. e 6. do Art. 636. sobre o prazo dos recursos no caso de recebimento de notificação.
31
3. A Inspeção do Trabalho - Problemas e Perspectivas Segundo a Doutrina Jurídica
Neste item apresentamos um balanço parcial da literatura jurídica contemporânea
que trata da Inspeção do Trabalho. No geral, os argumentos aqui apresentados tratam das
implicações da globalização e das mudanças organizacionais do trabalho nesse sistema de
inspeção.
A inspeção do trabalho surge não só da necessidade do Estado de regular as
relações entre trabalhadores e empregadores, promovendo o controle das normas de proteção
no âmbito do trabalho, mas da tentativa de atingir uma ordem social justa. Com o surgimento
do Direito do Trabalho foi implementada por parte do Estado a adoção de medidas político
sociais com o objetivo de resguardar o trabalho humano e, assim, amenizar os problemas
sociais advindos do trabalho subordinado ( Conf. Mannrich,1991).
Segundo Cabral e Costa (2003), a inspeção do trabalho como atividade do Estado,
iniciou-se tendo função policial de verificação do cumprimento das normas de proteção do
trabalhador, sendo visto como órgão de reforma social. Depois predominou a função de
prevenção dos conflitos sobre a sanção ou repressão pelas infrações ocorridas, priorizando-se a
orientação dos atores sociais, mas mantendo-se a autoridade e a independência do inspetor.
De acordo com Mannrich (1991), a Inspeção do Trabalho possui um tríplice
vínculo jurídico - o empregado, o empregador e a sociedade. Nesse aspecto, Mannrich (1991),
enfatiza que a Inspeção do trabalho tem um papel integrador entre Estado e a vida social, pois o
32
empregado se encontra vinculado ao empregador pela própria natureza da relação contratual e
ambos se vinculam ao Estado à medida em que lhe impõe obrigações e dever de ordem
pública. A presença deste último justifica-se pelo interesse social no cumprimento das normas
trabalhistas, sendo uma função inalienável do Estado.
A Inspeção do Trabalho é encarada pela doutrina jurídica como um dos principais
mecanismos de intervenção do Estado nas relações de trabalho, ao mesmo tempo que promove
os princípios do Direito do Trabalho, como a justiça social e a proteção do trabalhador.
Segundo a própria doutrina, o fiscal do trabalho, por desempenhar as suas ações
onde nascem os conflitos e está em contato direto com os atores da relação, possui uma posição
privilegiada em relação ao demais operadores do Direito do Trabalho. Tendo a oportunidade de
analisar os conflitos trabalhistas em todos as suas vertentes, pode avaliar a melhor maneira de
dirrimí-los na vigência do contrato, evitando que chegue às vias judiciais.
Para Coelho (1997), o processo de globalização tende a produzir efeitos que
podem ameaçar a atuação da Inspeção do Trabalho. Para o autor, tal processo traz a
possibilidade de uma globalização jurídico - política que seria, segundo ele, o deslocamento da
capacidade de formulação, de definição e execução de políticas públicas antes radicadas no
Estado - Nação, para arenas transnacionais ou supra nacionais, decorrentes da globalização
econômica e seus efeitos sobre o alcance do poder soberano.
Coelho (1998) enfatiza que esse deslocamento resultaria no fenômeno da
soberania relativa, na qual o Estado - Nação entra em crise pela superação de suas fronteiras. O
Estado, uma vez em crise, a sua capacidade de formulação jurídica estaria ameaçada pela
transnational corporation.
33
Segundo Coelho (1998), a autonomia dos Estados - Nação estaria ameaçada por
grandes corporações econômicas que interfeririam na formulação de políticas sociais desses
Estados, principalmente as direcionadas às questões trabalhistas, com o objetivo de procurar a
competitividade.
Conforme o autor, mesmo quando a formação de blocos regionais5 tem a
preocupação de garantir as condições mínimas de proteção do trabalhador diante da
possibilidade de unificação ou regulamentação das questões laborais, a possibilidade de
consenso não é sempre possível. A exemplo do que acontece no Mercosul, onde apesar dos
quatro países membros (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai ) reconhecerem que é necessária
a intervenção do Estado nas relações de trabalho através da fiscalização do trabalho, falta
consenso entre esses países sobre a compatibilidade das normas de tutela trabalhista entre eles.
Segundo o autor, uma possibilidade de consenso resultaria na criação da Carta Social do
Mercosul, que poderia deter principalmente, a migração de mão de obra.
Para Coelho (1998), a redução do controle civil dos direitos trabalhistas, exercido
pelos sindicatos, vem dificultando a atuação da fiscalização, pois as entidades sindicais têm um
contato direto com a sociedade trabalhadora, podendo assim denunciar abusos das garantias
trabalhistas. Essa forma de controle civil faria parte do que, segundo Coelho (1998), Dal Rosso
define como inspeção social, que deveria existir concomitantemente com a Inspeção Estatal.
Coelho reconhece, que seria importante a vigilância civil em torno da inspeção do trabalho.
Contudo, para o autor, essa forma de controle se tornou inviável, no momento em que há um
grande contigente de trabalhadores desempregados, cuja principal preocupação vem sendo a
5 Conforme Coelho (1998), dentro da globalização atual, destaca-se a formação de blocos regionais. Atualmente ao lado da União Européia, perfilam-se o NAFTA, a Bacia do Pacifico e, em outra escala, o MERCOSUL, O Pacto Andino e o Mercado Comum Centro Americano (...) .
34
tentativa de garantir a sobrevivência, em detrimento da organização sindical como forma de
reforçar a garantia dos direitos mínimos de proteção ao trabalho.
Portanto, segundo o presente autor, cabe à inspeção do trabalho preocupar-se não
só com execução de normas, mas ocupar o lugar da inspeção civil realizada pelos sindicatos, que
ficará desarticulada devido a perda do poder da representação sindical, favorecida em grande
parte pela redução de empregados sindicalizados. Dessa forma, a Inspeção do Trabalho se
reafirmaria num contexto de globalização que põe em chegue não só a autonomia do Estado -
Nação, mas a promoção de uma sociedade com menos desequilíbrios sociais.
Contudo, Coelho não menciona qual seria o papel da OIT diante de uma
globalização político jurídica. Consideramos que não podemos falar de um processo dessa
dimensão e suas implicações nos direitos laborais em detrimento da autonomia dos Estados -
Nação, sem mencionar a influência que esse ordenamento jurídico internacional exerce na
estrutura jurídica dos países que seguem suas orientações.
Para os autores Junior e Lopes (2000), a inspeção do trabalho vive uma crise de
identidade promovida pelo esvaziamento da arena política do trabalho, devido ao fato da
inspeção do trabalho se legitimar e os seus atores expressarem sua identidade sob a dinâmica
dos conflitos em meio a um determinado ciclo de exploração. Tais conflitos seriam levados à
negociação e à barganha, gerando a instauração de normas. Esse processo se estenderia até que
um novo ciclo de exploração e precarização coloque a necessidade de um novo estágio de
negociação, compromisso e normatizacão. Segundo os autores, isso seria resultante do
processo de globalização que vem criando outros espaços políticos, como as da própria
competição, do meio ambiente e a do chamado terceiro setor, bem como o setor informal.
35
No entanto, para esse autores, as possibilidades de reenergização da dimensão
política da arena do trabalho e da Inspeção do trabalho pode estar embutida na própria
dinâmica da globalização. Nesse aspecto, os autores consideram que, ao mesmo tempo que há
a expansão do capital através de grandes corporações transnacionais, a sociedade tem exigido
e consolidado de forma prática o direito de controlar as atividades dessas grandes corporações,
que à medida que expandem o seu poderio evidenciam que não podem ter credibilidade ou
aceitação pública sem promover empregos e proteger o meio ambiente. Essa forma de controle
vai desde dos protestos, campanhas e boicotes da compra de produtos dessas grandes empresas,
até as certificações de qualidade do ISO ou as certificações do Greenpeace, que tornam esses
espaços susceptíveis de pressões sociais e políticas.
Para os autores, o mundo do trabalho por ocupar um campo de interface na
sociedade entre espaços de competição e do meio ambiente, oferece a possibilidade de se
instituir mecanismos reversores da mesma qualidade. Tais mecanismos seriam viabilizados
com a institucionalização de uma certificação para a qualidade nos ambientes do trabalho,
emitida por uma auditoria fiscal do trabalho delegada pelo Estado. Tal processo desencadearia
o que os autores chamam de uma cultura de Auditoria, instrumentalizada pela Certificação e
Acreditação Oficial, nos moldes do INMETRO, do Greenpeace e do próprio ISO, utilizando
assim, a mesma linguagem da globalização.
Através desse processo, a Inspeção do Trabalho assumiria definitivamente o seu
papel de auditoria fiscal do trabalho, e, ao invés de uma fiscalização de resultados estatísticos
ou de uma simples busca idealista e expectante de qualidade dos ambientes de trabalho, a
auditoria produz certificação de resultados sociais. Ao mesmo tempo, sinaliza-se para uma
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Inspeção do Trabalho solidária, multidisciplinar e em um espaço de legitimidade e sobretudo,
de dignidade.
Os autores acreditam que a Certificação insere um olhar mais qualitativo sobre o
mundo do trabalho, não sendo apenas um olhar técnico de um fiscal, isoladamente, mais um
olhar de toda a sociedade. E assim como em outros certificados de aceitação pública,
desdobram-se potenciais não só de reforço para a própria arena de competição, no caso de
certificações positivas , ou de pressão ou censura e até banimento, no caso de certificações
negativas, como por exemplo, a inelegibilidade de empresas para contratos de licitações
públicas. Neste caso, trata-se de mecanismo de repressão muito mais eficaz que um auto de
infração, que muitas vezes tem sua eficácia ameaçada pelos bloqueios de uma burocracia já
assoberbada pela flexibilização e instabilizada pelas fraturas da atual desregulamentação.
Nesse contexto, com a emergência do definitivo controle social sobre a inspeção do trabalho,
ultrapassa-se o estágio da cultura fiscal instrumentalizada por notificações e autos de infração
meramente reativos.
Para Silva, Morgado e Faria (2002), o desempenho das funções dos fiscais do
trabalho deve estar voltado para a gama de novas condições impostas às normas trabalhistas,
como as formas de trabalho à margem do contrato tradicional regido pela CLT e suas possíveis
deturpações, a garantia de direitos inderrogáveis dentro das negociações coletiva, o
seguimento de políticas publicas calcadas no interesse social, a realização de direitos humanos
e o próprio aumento de efetividade de sua atuação. Ainda conforme os autores, as normais
laborais são postadas sob uma nova perspectiva, de cunho e dimensões globais, influenciadas
por fatores externos - tais como economia, o mercado de trabalho e consumidor, as políticas
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públicas e a internacionalização do comércio, bem como às intrínsecas relações entre esses
fatores.
De acordo com os autores, já estaria ocorrendo no âmbito do MTE e Emprego,
principalmente na área de segurança e saúde, uma discussão sobre a possibilidade de
fiscalização do que seria considerado as condições mínimas de trabalho de formas de contrato
não regidos pela CLT.
Portanto, atributos como jornada, proteção a saúde, segurança do trabalhador e
discriminação no trabalho estariam sob alçada da fiscalização trabalhista, ainda que envolva
trabalho autônomo, empresário ou cooperados genuínos, ou em atividade informal ou
doméstica.
Os autores acreditam que iniciativas como, a criação dos “Grupos Especiais de
Combate ao Trabalho Infantil e Proteção ao Trabalhador Adolescente”, abrem um horizonte
inesgotável de novas atribuições para o fiscal do trabalho, enquanto agente público de
transformação social e cidadania. Entretanto, os autores ressaltam que, para a inspeção arcar
com as novas atribuições, tem que ser articuladas as suas competências com as do Ministério
Público do Trabalho e do Ministério Público Federal, além de buscar uma maior comunicação
com os Sindicatos e outras Organizações não Governamentais. Dessa forma, no atual
momento de transição em que passa o Direito do Trabalho, com o deslocamento do modelo
estatutário para um enfoque negocial, é de suma importância a valorização do fiscal do
trabalho.
Para Mannrich (1995), vivemos a era das grandes transformações da humanidade.
Seus reflexos nas relações trabalhistas levaram a revisão da noção de subordinação, emprego
típico, controle de empregado e outros conceitos clássicos, operando-se verdadeiro desmonte
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de todo o direito do trabalho. Em conseqüência, temos que nos atentar as questões da
flexibilização , terceirização e de teletrabalho, bem como a contratos precários e triangulares.
Mas as transformações, segundo o autor, atingem outras áreas, e outros neologismo que estão
na moda, como a palavra reengenharia, utilizada para indicar o abandono de velhos sistemas e
“começar tudo de novo”.
Mannrich (1995) comenta, que o processo de reengenharia atinge o inspetor do
trabalho de forma a redefinir o papel da inspeção. Em primeiro lugar comparece a ação
promocional, deixando a ação repressora em segundo plano. A sobrevivência da inspeção e do
inspetor do trabalho no novo milênio se conectam diretamente com esta capacidade de
permebialização e de comprometimento total com parceiros sociais. Trata-se portanto, da
capacidade de adaptação da inspeção do trabalho as mudanças, e não de sua extinção, pelo
menos enquanto houver trabalho subordinado.
Embora os autores acima abordem vários aspectos sobre a inspeção do trabalho e a
sua busca pela garantia dos direitos previstos na CLT, não há uma ênfase no papel que essa
inspeção tem na implementação da política do MTE, bem como o conflito da fiscalização em
meio à estrutura jurídica, a qual ela representa, e a realidade econômica com a qual se depara
no dia a dia da sua atividade. Mesmo não sendo a nossa preocupação nesta pesquisa analisar a
influência da doutrina na política do MTE e na própria ação da fiscalização, tais argumentos
servem para mostrar a falta de estudos que tratam da relação entre a inspeção e a política do
MTE na normatização do mercado de trabalho, ou seja, para a doutrina jurídica a inspeção do
trabalho tem apenas a função de garantir a aplicação do direito do trabalho.
39
Dessa forma, embora a Doutrina Jurídica reconheça que a inspeção trabalho pelo
caráter da sua função tenha um contato direto com os atores da relação contratual de trabalho,
podendo assim, vivenciar e avaliar os conflitos trabalhistas na busca pela melhor forma de
solucioná-los sem que precisem chegar as instancias judiciais, não percebe que este sistema de
inspeção tem um papel direto na implementação da política do MTE, buscando o cumprimento
de metas estabelecidas por esse ministério em conjunto com a Secretária de Inspeção do
Trabalho e suas respectivas Delegacias Regionais. Portanto, a busca pela garantia das leis
trabalhistas corresponde um processo no qual a ação da fiscalização do trabalho expõe um
misto da política do governo expressa pelo MTE com políticas locais expressas por cada DRT,
tendo em vista, ainda, atender objetivos da OIT.
40
4. Organização e Rotina da Inspeção do Trabalho
Este capítulo apresenta uma descrição de como funciona a estrutura
administrativa da Inspeção do Trabalho e como esta norteia a ação fiscal. Através dos
procedimentos adotados para a realização da ação da fiscalização do trabalho, podemos
observar um alto grau de padronização e formalização desse sistema, bem como os mecanismos
de controle de desempenho aplicados conforme o modelo gerencial implementado pela
reforma do estado promovida por Bresser Pereira no período FHC.
“A administração gerencial: a descentralização; a delegação e autoridade e
responsabilidade ao gestor público; o rígido controle sobre o desempenho, aferido mediante
indicadores acordados e definidos por contrato (...)” (Bresser Pereira, 1998:29)
A Inspeção do Trabalho no Brasil é um órgão pertencente ao MTE que esta
subordinado a este através da sua Secretária de Inspeção do Trabalho, que está organizada
atualmente em dois departamentos: o Departamento de Fiscalização do Trabalho, responsável
pela fiscalização da legislação trabalhista e o Departamento de Segurança e Saúde no Trabalho.
A SIT coordena as ações da fiscalização em âmbito nacional dando as diretrizes, as prioridades
e as metas a serem alcançadas. A Secretaria de Inspeção do Trabalho se encontra representada
em cada estado da confederação através das Delegacias Regionais do Trabalho (DRTEs), as
quais se dispõem em subdivisões denominadas Subdelegacias do Trabalho. Essas
subdelegacias estão alocadas em determinadas regiões dos Estados, principalmente as que são
consideradas mais produtivas ou que possuem grandes centros urbanos, como os estados de
São Paulo, Minas Gerais, Pará, Salvador entre outros. Atualmente existem 26 DRTEs e 110
subdelegacias distribuídas por regiões do país.
41
As Subdelegacias servem para realizar de forma descentralizada as ações
das DRTEs em cada uma das regiões especificas dos estados em que elas se encontram. As
DRTEs tem sede na capital de cada estado e são coordenadas pelo Delegado Regional do
Trabalho; tal cargo pode vir a ser preenchido tanto por um fiscal do trabalho ( profissional de
carreira) quanto por uma pessoa que não tenha necessariamente um histórico de participação na
fiscalização do trabalho, pois ambos os cargos pode ser preenchidos por pessoas indicadas pelo
próprio Ministro do Trabalho. O mesmo procedimento acontece com o cargo de Subdelegado
regional responsável pelas SDTEs
Em cada DRT tem um Delegado regional do trabalho, um chefe de
fiscalização, o qual pode ser indicado pelo Delegado; o mesmo ocorre nas SDTEs Dessa
forma, no âmbito das Delegacias Regionais do Trabalho e nas Subdelegacias Regionais, a
autoridade máxima é o delegado do trabalho ou o subdelegado do trabalho, depois o chefe de
fiscalização, o chefe de relações do trabalho, os fiscais do trabalho, engenheiros do trabalho e o
médico do trabalho. Os agentes de fiscalização estão lotados tanto nas DRTEs quanto nas
Subdelegacias. O número de agentes varia de acordo com a região; geralmente uma Sub
Delegacia possui no mínimo três fiscais da área de legislação trabalhista, um médico e um
engenheiro para fiscalização nas áreas de saúde e segurança do trabalho, e o pessoal da área
administrativa. Segundo dados do Sistema Federal de Inspeção do Trabalho, existem
atualmente 2.352 fiscais do trabalho.
42
4.1 A Carreira de Fiscal do Trabalho
De acordo com Nelson Mannrich (1991), a carreira de Inspetor do Trabalho
juntamente com a de Médico do Trabalho e Engenheiro de Segurança, surgiu em 1944 com o
Dec. N. 6.479, de 9.5.44, que obrigava seu ingresso através de concurso público. Segundo
informações do SINAIT (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do trabalho) até o concurso
para fiscal do trabalho ocorrido em 1984, só poderiam se candidatar ao cargo de fiscal do
trabalho pessoas formadas em Direito, Ciências Contábeis, Atuariais, Economia e
Administração.
Atualmente para os cargos de fiscal na área de legislação não é exigida formação
em Direito, podendo concorrer ao cargo todos os candidatos com curso superior em qualquer
área. Para as áreas de saúde e segurança do trabalho são exigidos candidatos com formação em
medicina e engenharia, com a comprovação de especialização com nível de pós-graduação.
Desde da criação do cargo de fiscal do trabalho, o mesmo não tinha um estatuto próprio como é
exigido pela Convenção nº 81 da OIT de 1947 - eram regidos pelo estatuto dos funcionários
públicos civis da União que, em conjunto com a lei n.5.645 de 10.12.70, implantou o plano de
classificação de cargos, comum aos demais servidores públicos. Em 2002, no governo FHC,
foi baixada a Lei n. 10.593 de 6.12.02, que unificou as carreiras dos fiscais do trabalho, dos
fiscais da receita federal e dos fiscais da previdência social. A partir dessa lei, esses cargos
passaram a ter um regimento especifico e todos os fiscais receberam a denominação de
Auditores Fiscais6 . Conforme Capella (2000), na reforma administrativa do Estado elaborada
6 Os fiscais do trabalho já passaram por uma mudança de nomenclatura anterior, como afirma Cabral e Costa (2003), a Lei n. 6986, de 13 de abril de 1982, passou-se de agente de inspeção do trabalho para fiscal do trabalho. Em 24 de dezembro de 1999, a Medida Provisória n.1915 -3 mudou-se a denominação de fiscal para auditor fiscal,
43
pelo governo FHC, houve o interesse de reestruturar carreiras e cargos, principalmente aqueles
de nível superior, associados ao desempenho da formulação, controle e avaliação de políticas
públicas.
Segundo as declarações do fiscal do trabalho Feliciano da Costa7 , a mudança de
denominação de auditor fiscal do trabalho não foi ainda absorvida pela sociedade, pois segundo
ele o termo fiscal ficou vinculado a uma inferência do estado nas relações de trabalho que nem
sempre é bem vinda, principalmente pela parte do empregador. “A mudança de nomenclatura
de fiscal do trabalho para auditor fiscal, ela não criou na sociedade, a sociedade não absorveu
(...), culturalmente não foi implantado, isso mudou na carreira, (...) isso é bom, mudar a
nomenclatura porque o termo fiscal as vezes não tem uma conotação muito positiva na
sociedade, o termo auditor é um pouco mais leve, um pouco mais gostoso. Mas na cultura, a
gente vai nas empresas, “ih! chegou o fiscal do trabalho”, apesar do carimbo, do papel
timbrado, tá lá auditor, mas na prática é que fiscal generalizou, é um termo genérico, a
sociedade já se acostumou tanto com isso (...), então ficou muito arraigado o termo fiscal, né.”
As declarações do fiscal do trabalho mostram como a denominação fiscal do
trabalho ficou vinculada a uma função estritamente punitiva, mas apesar de ainda ser vista
como tal, a nova denominação de auditor fiscal não se trata só de uma mudança de
nomenclatura, mas está relacionada ao novo papel da fiscalização do trabalho, muito mais
denominação mantida na medida provisória de 2002, a qual dispõe sobre a organização e carreiras das auditorias fiscais. 7 Feliciano da Costa é fiscal do trabalho na Subdelegacia do Trabalho de São Carlos.
44
orientadora, com a possibilidade de negociar prazos e mediar conflitos do que apenas aplicar
autos de infração - assunto abordado no capítulo seguinte sobre a fiscalização no período FHC.
4.2 Funções da Inspeção do Trabalho
A Inspeção do Trabalho no Brasil tem suas funções contidas na CLT e no RIT,
sendo complementadas em vários aspectos pela convenção n. 81 da OIT, de 1947.
Conforme art. 627 da CLT compete
“ ao fiscal do trabalho a verificação do cumprimento das normas de proteção de trabalho, a realização de assistência e as rescisões contratuais, lavratura de autuações as infrações trabalhistas, salvo quando da instauração de procedimento especial para ação fiscal, objetivando a orientação sobre o cumprimento das leis de proteção ao trabalho, bem como a prevenção e o saneamento de infrações a legislação mediante termo de compromisso”.
Segundo o Capítulo. I - Art. 1º do RIT,
“o Sistema Federal de Inspeção do Trabalho, a cargo do MTE e Previdência Social, sob a supervisão do Ministro de Estado, tem por finalidade assegurar, em todo o território nacional, a aplicação das disposições legais e regulamentares, incluindo as convenções internacionais ratificadas, dos atos e decisões das autoridades competentes e das convenções coletivas de trabalho, no que concerne á duração e às condições de trabalho bem como à proteção dos trabalhadores no exercício da profissão”.
Conforme o art. 18 do RIT, são funções dos fiscais do trabalho:
“Verificar o cumprimento das disposições legais e regulamentares, inclusive relacionadas a segurança e a saúde no trabalho, no âmbito das relações de trabalho e de emprego, em especial: os registros em carteira de trabalho e previdência social (CTPS), visando a redução dos índices
45
de informalidade. O recolhimento do fundo de garantia do tempo de serviço (FGTS), objetivando maximizar os índices de arrecadação; o cumprimento de acordos, convenções e contratos coletivos de trabalho celebrados entre empregados e empregadores; e o cumprimento dos acordos, tratados e convenções internacionais ratificados pelo Brasil. “
Existem quatro tipos de fiscalização conforme os preceitos do MTE, assim
definidos como: fiscalização dirigida, fiscalização indireta, fiscalização imediata e fiscalização
por denúncia. Esses tipos de fiscalização serão descritos conforme informações contidas na
Instrução Normativa N. 08, de 15 de maio de 1995.
A fiscalização dirigida é resultado de um prévio planejamento da Secretaria de
Inspeção do Trabalho, Secretaria de Segurança e Saúde e Delegacias Regionais do Trabalho) e
das DRTEs conforme a demanda de cada região e metas estabelecidas pelo MTE. O
planejamento para as ações fiscais, sempre que possível, é realizado com a participação das
entidades sindicais de trabalhadores, outros órgãos ou instituições. Desenvolvida
individualmente ou em grupo, a demanda para sua execução se dar mediante designação pela
autoridade competente, através de Ordem de Serviço, de um ou mais Agentes da Inspeção do
Trabalho. A Fiscalização indireta: resultante de programa especial de fiscalização, realizada
através de sistema de Notificações para a Apresentação de Documentos nas Delegacias
Regionais do Trabalho - DRT e suas unidades descentralizadas, demandando para a sua
execução a designação de Agentes da Inspeção do Trabalho pela autoridade competente,
através de Ordem de Serviço. Fiscalização Imediata: resultante da constatação das situações
previstas no artigo 8º, letra "r”, e no artigo 12, "caput" e § 3º, todos do RIT. Nessa forma de
fiscalização os agentes fiscais podem notificar os empregadores no sentido de que eliminem os
defeitos condenados, nas instalações ou nos métodos de trabalho do estabelecimento, e que
constituam perigo para a saúde ou para a segurança dos trabalhadores. Fiscalização por
46
denúncia: resultante de Ordem de Serviço - OS originada de denúncias que, pela urgência,
demandam execução prioritária, podendo ser desenvolvida individualmente ou em grupo.
Nas fiscalizações do tipo direta, indireta e por denúncia, o fiscal do trabalho
obtém uma ordem de serviço (O. S.) designada pelo chefe da fiscalização. Esta ordem de
serviço determina qual o tipo de empresa será fiscalizada e o que deve ser fiscalizado, ela
permite ainda que o fiscal do trabalho tenha a sua ação direcionada. A OS - Ordem de Serviço
aparece como o principal meio para que as chefias da fiscalização do trabalho tenham um
prévio controle das ações da fiscalização, pois é através dela que o fiscal do trabalho irá
preencher os relatórios sobre a sua atuação 8 .
Todavia, é permitido ao fiscal do trabalho a possibilidade de uma ação fiscal
imediata, ou seja, mesmo se o fiscal não dispor da ordem de serviço e surpreender alguma
infração grave da lei trabalhista, ele poderá imitir automaticamente o auto de infração e
posteriormente comunicar a ocorrência a sua chefia.
Além da fiscalização, os agentes de inspeção realizam outras atividades; Plantão:
atividade interna de fiscalização destinada, preferencialmente, ao alcance das metas
institucionais prioritárias, por meio de orientação ao público, instrução de processos de
anotação de Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS e assistência ao trabalhador,
assim como outras atividades inerentes à fiscalização, decorrentes de lei; Atividade especial:
resultante da designação, pelo Ministro de Estado do Trabalho e Emprego, Secretário -
Executivo do MTE ou Secretários da SEFIT/SSST, para o desenvolvimento de projetos
especiais, ou pelas chefias da área de fiscalização, para o desempenho de funções de
8 Como demonstra a Instrução Normativa de 19 de dezembro de 2003, sobre a aprovação dos modelos de Ordem de Serviço Administrativa - OSAD e o Relatório Especial - RE, que determina para fins de aferição do desempenho individual e institucional do Auditor Fiscal do Trabalho , as informações inseridas no Sistema federal de Inspeção do Trabalho - SFIT referentes ao Relatório especial - RE deverão ser precedidas de Ordem de Serviço Administrativa - OSDAD.
47
assessoramento, análise de processos, mediação em conflitos coletivos, atividades externas
atípicas ou participação em comissão de sindicância ou processo administrativo disciplinar.
Monitoria e treinamento: atividades de preparação, realização ou participação em
cursos de treinamentos promovidos, reconhecidos e aprovados pela SIT. Exercício de cargo em
comissão: investidura de cargo em comissão, função de confiança ou substituição desses cargos
(DAS/FG) e de assessoramento (DAS), observadas as determinações contidas no art. 4º, § 1º,
do Decreto n.º 706/92. Alguns desses cargos se referem as funções de Chefia que o fiscal do
trabalho pode vir a realizar através de nomeação pelo MTE. Os cargos de chefia que poderão
ser exercidos pelo fiscal do trabalho, são de Secretário de Inspeção do Trabalho, Delegado
Regional do Trabalho, Subdelegado do Trabalho, Chefe de Fiscalização, este último pode ser
indicado também pelo próprio Delegado ou Subdelegado.
Os tipos de fiscalização apresentam uma padronização da própria ação fiscal,
permitindo um controle quantitativo das atividades fiscais, bem como a avaliação do
desempenho individual de cada fiscal. Para que isso seja possível, cada tipo de fiscalização
corresponde a uma pontuação específica, através da qual o fiscal deve receber sua gratificação.
Conforme o artigo 15 da Medida Provisória n. 46, de 25 de junho de 2002 sobre remuneração
das carreiras vigente, “fica instituída a Gratificação de Desempenho de Atividade Tributária -
GDAT, devida aos integrantes da carreira auditoria da receita federal, carreira auditoria fiscal da
previdência social e carreira auditoria fiscal do trabalho, no percentual de até cinqüenta
porcento, incidente sobre o vencimento básico do servidor. A GDAT será atribuída em função
do alcance das metas de arrecadação fixadas e resultados de fiscalização, na forma estabelecida
em ato do Poder Executivo.”
48
Em maio de 1995, as Secretarias de Fiscalização do Trabalho e Segurança e
Saúde no Trabalho baixaram a Instrução Normativa n. 08, a qual previa a normalização do
sistema de aferição dos resultados da produção das ações da fiscalização do trabalho através do
estabelecimento de critérios uniformes. Assim, objetivam a compatibilização da produção
individual e global das categorias de servidores que compõem o Sistema Federal de Inspeção
do Trabalho e sobretudo a otimização dos resultados. Essa instrução estabeleceu que, para
atingir tal objetivo, as DRTEs devem encaminhar a Secretária de Inspeção do Trabalho no fim
de cada ano um planejamento anual das atividades da inspeção do trabalho. Existe um número
mínimo para que o fiscal do trabalho atinja a sua pontuação individual e assim possa receber
sua gratificação. Conforme o texto da instrução normativa n. 08, o fiscal do trabalho que não
receber um número suficiente de Ordens de Serviços ou tarefas em número suficiente para
atingir o total individual de pontos dentro de cada mês, deverá solicitar a sua chefia a porque
das fiscalizações federais, nos somos os únicos que efetivamente temos um sistema que não só
representa um banco de dados permanente, ele é interessante porque ele é alimentado a partir
da fonte mesmo e mensalmente, como também a gente tem efetivamente um controle de
desempenho através desse sistema, o que não acontece por exemplo com as fiscalizações da
receita e da previdência, eles tem sistemas, digamos, mais manuais de controle de desempenho”
complementação necessária.
49
4.3 As atividades dos Auditores Fiscais do Trabalho e o SFIT - Sistema Federal de
Inspeção do Trabalho
As três auditorias fiscais federais (Receita Federal, Previdência Social e
Trabalho) possuem sistemas de pontuação para aferir resultados. No entanto, somente o
MTE desenvolveu um sistema informatizado de controle das ações fiscais, como afirma a
Secretária de Inspeção do Trabalho Ruth Vilela, “a gente tem até assim, uma certa vaidade
em relação a ele, porque das fiscalizações federais, nos somos os únicos que efetivamente
temos um sistema que não só representa um banco de dados permanente, ele é interessante
porque ele é alimentado a partir da fonte mesmo e mensalmente, como também a gente tem
efetivamente um controle de desempenho através desse sistema, o que não acontece por
exemplo com as fiscalizações da receita e da previdência, eles tem sistemas, digamos,
mais manuais de controle de desempenho”.
O SFIT (Sistema Federal de Inspeção do Trabalho) desenvolvido pelo MTE desde
1995, trata-se de um sistema de gerenciamento das atividades fiscais, o qual tem como
objetivo principal de controlar a produção da ação fiscal, possibilitando assim a aferição dos
resultados da ação individual de cada agente para cálculo e pagamento de gratificação Como
afirma as declarações de Rogério Lopes, assessor técnico da SIT, “ele iniciou por isso porque
a gente tinha que fazer pontuação para ter direito a gratificação”. No entanto, esse sistema
gestor se tornou um importante banco de dados sobre a atuação fiscal do trabalho em todo o
Brasil”.
50
Ainda segundo informações de Rogério Lopes, através desse sistema pode-se
verificar quantas empresas foram autuadas, a natureza da atuação, quantos trabalhadores
irregulares, se foram regularizados ou não, o nome da empresa, endereço etc. Conforme
informações da SIT, o sistema gestor é alimentado pelos auditores fiscais do trabalho com as
informações das empresas fiscalizadas9 . Essas informações são inseridas no sistema através
9 Através dos seus relatórios individuais os fiscais do trabalho repassam para o SFIT as seguintes
informações: A) Caracterização da Empresa: CGC, localização ao nível de município, atividade econômica segundo
classificação Rais/Caged e IBGE, número de empregados, grau de risco da atividade exercida. B) Modalidade de Fiscalização: Dirigida, Direta, Indireta, Imediata, Denúncia C) Natureza da Autuação realizada: Irregularidades referentes à Registro em Carteira, Jornada, Descanso,
Salário, FGTS, Seguro Desemprego, Rais, Vale Transporte e outros. D) Resultados da Fiscalização: Regular, Registrado no Regulamentação, Irregular, Verificação de
Irregularidade Crônica sujeita à negociação coletiva, não inspecionado, não concluído.
Mediante o banco de dados do SFIT é possível obter várias informações sobre a ação da fiscalização do trabalho em todo o território nacional. Tais informações mostram a dimensão e a importância desse sistema. 1. Numero de Trabalhadores Alcançados pela Fiscalização, segundo CNAE Grupo19 por tamanho da empresa (0,5, 10,30, 100, 150, 200, 300,500, 1000, +1000) para Brasil, e demais Estados da federação – Períodos: 1998 e 2001
2. Numero de Trabalhadores Registrados pela Fiscalização, segundo CNAE Grupo19 por tamanho da empresa (0,5, 10,30, 100, 150, 200, 300,500, 1000, +1000) para Brasil e demais Estados da Federação Períodos: 1998 e 2001
3. Numero de Trabalhadores Irregulares, segundo CNAE Grupo19 por tamanho da empresa (0,5, 10,30, 100, 150, 200, 300,500, 1000, +1000) para Brasil, e Estados da Federação – Períodos: 1998 e 2001
4.Trabalhadores Menores encontrados no Total de Atividades Econômicas por Área Urbana/ Rural e Gênero para Brasil- Período 2001
5.Trabalhadores Menores encontrados segundo Atividade Econômica (Agricultura/Industria/ Comercio/ construção/ Hotéis/ restaurantes) por tamanho de estabelecimento para Brasil- 2001
6. Número de Empresas Fiscalizadas pela CNAE/ Grupo 19 ( desagregados pelas classes 19 10-0, 19.21-6, 19.29-1, 1931-3,1932-1, 1933-0,1939-9) para Brasil, – Períodos 1998 e 2001
7 Número de Empresas Regularizadas em Ação Fiscal segundo CNAE Grupo 19 ( se possível desagregados pelas classes 19 10-0, 19.21-6, 19.29-1, 1931-3,1932-1, 1933-0,1939-9) para Brasil, – Períodos 1998 e 2001
8 Número de Empresas Irregulares segundo CNAE Grupo19 ( se possível desagregados pelas classes 19 10-0, 19.21-6, 19.29-1, 1931-3,1932-1, 1933-0,1939-9) para Brasil, Períodos: 1998 e 2001
9. Número de Autuações segundo CNAE Grupo19 ( se possível desagregados pelas classes 19 10-0, 19.21-6, 19.29-1, 1931-3,1932-1, 1933-0,1939-9) para Brasil, – Períodos: 1998 e 2001
51
de dois tipos de relatório, um relatório de atividades internas e outro com as atividades
externas. No primeiro, o fiscal detalha se fez algum treinamento, se esta na chefia, se fez
plantão fiscal para atendimento ao público nas DRTEs ou SDTEs. O segundo relatório é o RE
- Relatório Especial, o qual se refere as ações de fiscalização nas empresas, esse relatório é
preenchido pelo fiscal a partir da OS (ordem de serviço), portanto ao abrir no sistema o RE, o
fiscal tem que colocar o número da sua OS, o nome da empresa que foi fiscalizada, endereço,
quantos empregados foram encontrados com irregularidades e se foram regularizados, cada
uma desses itens correspondem a um código dentro do sistema gestor. O fiscal coloca ainda os
atributos que foram fiscalizados, se foi salário, RAIS, seguro desemprego, descanso, jornada,
FGTS etc. Se a empresa for autuada, o fiscal tem que colocar a ementa da autuação, através
dessa ementa, se sabe qual o artigo da CLT ou da constituição que não esta sendo cumprida. Se
a empresa foi apenas notificada, ou seja, não foi autuada porque foi dado um prazo para se
regularizar, o fiscal tem como saber o histórico dessa empresa através do CGC, quantas
autuações já sofreu tanto na área da legislação quanto na área da segurança e saúde.
Segundo declarações da Secretária de Inspeção do Trabalho Ruth Vilela, o
embrião do que seria hoje o SFIT, surgiu na década de 80, durou alguns anos e depois o
contrato findou e por falta de recursos para continuar o contrato, o sistema foi desativado. E em
1995 ele foi reativado, agora sob a coordenação do SERPRO – Serviço Federal de
Processamento de Dados, responsável pelo acompanhamento e o aprimoramento desse sistema.
10. Tipo de Autuações Efetuadas (conforme lista artigos CLT) e Freqüência das mesmas, nas Empresas do Grupo 19 ( CNAE) para Brasil, períodos 1998 e 2001.
11.Tipo de Fiscalização/Freqüência (Imediata, Dirigida, indireta, Denúncia, Acidente de Trabalho) também grupo 19 Classificação CNAE para Brasil, ).
52
O que é entendido pela SIT como um primeiro modelo do que atualmente é o
SFIT, se refere a um sistema de fiscalização desenvolvido a partir de 1980 através das
Diretrizes Setoriais do Governo Federal. Segundo Mannrich (1991), a Diretriz n. XIV previa
que os “Serviços de Fiscalização do trabalho deverão ser organizados segundo modernos
critérios que possibilite a sua execução programada, devendo tais serviços como objetivos a
eficiência e produtividade”.
Conforme Mannrich (1991), tal sistema foi implantado primeiramente em Santa
Catarina e teve como objetivo básico dirigir a ação fiscal para os locais e atividades em que
fosse provável a existência de infrações, através da informática, racionalizando e
modernizando a política de fiscalização. Com a cooperação da Fundação de Amparo a
Pesquisa e Extensão Universitária - FAPEU da Universidade de Santa Catarina, foi
implantado esse sistema de fiscalização, com eleição de cinco atributos básicos para a
fiscalização; registro, repouso, jornada, remuneração e saúde, sendo mais tarde acrescentado o
FGTS, RAIS, seguro desemprego, vale transporte e outros. Padronizou-se a lavratura dos autos
de infração, com a formalização do ementário da fiscalização. Esta padronização dos autos de
infração tentava abranger todas as possibilidades de infrações, dando ao Agente Fiscal a
capacidade de transcrever, no auto da infração, a que se adapta a situação irregular, a
identificação da empresa infratora. Promovendo assim, a organização de um cadastro das
empresas infratoras, espécies de infração cometidas e eventuais reincidências.
No período FHC, o SFIT ressurge como um sistema estratégico para acompanhar
as ações da fiscalização do trabalho, definir e dimensionar as metas do MTE. Segundo Capella
(2000), o interesse de desenvolver sistemas informatizados foi algo essencial no modelo da
nova administração pública implementado pelo governo FHC.
53
“Os principais projetos desenvolvidos neste sentido são: planejamento estratégico
da informação, que pretende racionalizar o uso de equipamentos de informática e informação
(...).” (Capella, 2000:116)
A Secretária da Inspeção do trabalho Ruth Vilela declarou que o sistema, embora
seja encarado pelo pessoal da inspeção como um sistema que avalia o desempenho, não foi
criado apenas para funcionar como um banco de dados para o MTE, mas para prestar
informações a outros órgãos e instituições do governo, servindo como fonte de dados para
acompanhamento, planejamento e correção de ações e de metas. Segundo Ruth Vilela, no
governo Lula, o SFIT continua sendo estratégico para o planejamento e acompanhamento das
ações fiscais em todo Brasil, mas que agora o desafio e que ele deixe de ser meramente
quantitativo e tenha um caráter mais qualitativo sobre os resultados obtidos pela fiscalização do
trabalho.
O interesse de aferir resultados do desempenho da ação fiscal pode ser
interpretado como um dos resultados da revisão da política de remuneração ocorrida no
período FHC. Segundo Capella (2000), essa política remuneratória estava diretamente ligada
aos mecanismos de avaliação de desempenho, uma vez que o governo entende que os
servidores são estimulados por um sistema de incentivos que compreende objetivos claros,
aferição dos resultados e, principalmente, premiado em dinheiro pelo desempenho obtido. Para
isso, o governo criou um sistema de gratificação de desempenho, calculada com base no
resultado de avaliação individual, conduzida pelos chefes imediatos dos servidores (Conf.
Capella: 2000).
54
O SFIT permite o controle, mensuração de desempenho e avaliação da ação
fiscal, conforme as diretrizes da administração gerencial do Estado implementadas no governo
FHC.
“Para que se proceda ao controle dos resultados, descentralizantemente, em uma administração pública, é preciso que políticos e funcionários públicos mereçam pelo menos certo grau de confiança. Confiança limitada permanentemente controlada por resultados, mas ainda assim, suficiente para permitir a delegação, para que o gestor público possa ter liberdade de escolher os meios mais apropriados ao cumprimento das metas prefixadas.” ( Bresser Pereira, 1998:30)
Portanto, a necessidade de medir o desempenho da ação da fiscalização do
trabalho é realizada não só com o intuito de garantir o desenvolvimento das atividades fiscais,
mas com o objetivo de cumprir metas de fiscalização definidas pelo MTE, principalmente
através da fiscalização dirigida, a qual tenta alcançar objetivos previamente definidos via
planejamento. No entanto, todas as outras formas de fiscalização estão ligadas às metas do
MTE, mesmo que indiretamente. Sendo que todos os tipos de fiscalização tem sua produção
controlada e acompanhada através do SFIT, o qual representa claramente a necessidade de
garantir o controle da ação fiscal diante do novo papel da fiscalização do trabalho, de orientar e
negociar as melhores formas de solucionar as infrações trabalhistas.
55
5. A Inspeção do Trabalho no Governo FHC - Uma Nova Política de Fiscalização do Trabalho
A Inspeção do Trabalho no Brasil desde a sua institucionalização pelo Estado
esteve voltada para a fiscalização do trabalho subordinado, com vínculo empregatício, assim
definido como aquele contrato exercido de acordo com a CLT. Segundo Silva, Morgado e
Faria (2002), essa tendência se explica pela concepção de que a única forma de trabalho que
necessitaria de proteção legal e conseqüentemente de tutela estatal, seria o trabalho por conta
alheia. Essa concepção sobre relação de subordinação colocou a priori que atividades laborais
por conta própria, realizadas por trabalhador autônomo, por empresário, por cooperado
estariam, fora do âmbito do direito material e administrativo do trabalho.
A política de fiscalização desenvolvida durante o governo FHC continuou
mantendo o controle das normas de proteção. Contudo, neste período, outros temas ligados ao
trabalho passaram a compor as metas da política governamental nas relações de trabalho.
Segundo a Secretária de Inspeção do Trabalho Ruth Beatriz Vilela10 ,
“a partir de 1995, houve duas grandes novidades, sempre no sentido de tornar a Inspeção do Trabalho um instrumento com eficiência e maior eficácia partindo, inclusive, desses dois mundos que a gente lida: o mundo do trabalho escravo, ou seja, o mundo de práticas de idade média, e ao mesmo tempo aprender a lidar com esse novo cenário de economia globalizada e de todas essas formas atípicas de contratação, porque era um fenômeno que vinha assim, ocorrendo no mundo inteiro que até chegou aqui um pouco tardiamente.”
10 Ruth Beatriz Vilela, foi Secretária de Inspeção do Trabalho no governo FHC, no período de 1995 a 1998. Entrevista realizada em setembro de 2003 em Brasília.
56
A política de fiscalização do trabalho no período FHC teve dois grandes
objetivos: combater “velhos problemas”, como o trabalho escravo e o trabalho infantil, e o
desafio de manter as garantias de proteção ao trabalhador através do contrato formal de
trabalho ao mesmo tempo que tentou abarcar as contratações não previstas na CLT como forma
de aumentar a oferta de emprego. Alguns desses temas fizeram parte do conjunto de Metas do
programa desenvolvido pelo MTE, o Programa Trabalho Legal, o qual teve como principais
objetivos elevar o índice da formalização dos contratos de trabalho, a redução da inadimplência
do Fundo de Garantia, combate ao trabalho Infantil e trabalho Forçado, implementação de
mesas de Entendimento e agilização das análises de processos.
As metas são resultados de um planejamento do MTE em conjunto com a SIT e as
DRTES. Conforme declarações da Secretária de Inspeção do Trabalho Ruth Vilela, o
planejamento das ações fiscais é feito através de um estudo das médias anteriores obtidas nos
programas do MTE sob a coordenação da SIT.
“Por exemplo, no que se refere a arrecadação do FGTS em relação a cada DRT, o cálculo é feito com os dados locais de cada região através do PEA ( pessoas economicamente ativas) , número de empresas, número de fiscais do trabalhos e estatísticas de cada DRT.” (Ruth Vilela, Secretária da Inspeção do Trabalho)
Ruth Vilela declarou ainda que o planejamento para definição das metas é uma
via de mão dupla, pois, segundo ela, as chefias são periodicamente chamadas na SIT para
discutir a adaptação das possíveis metas de cada DRT com as metas da SIT e do próprio MTE.
Na definição das metas e levado em conta o número de denúncias feitas individualmente por
trabalhadores ou pelos sindicatos. Como afirma Marcelo Campos assessor da SIT,
57
“anualmente a SIT e as delegacias regionais do trabalho fazem um planejamento geral do que vai ser atendido, do que vai ser fiscalizado no ano. Obviamente compatibilizando com denuncias já recebidas e ainda não executadas e com abertura para serem incorporadas futuras denúncias na execução desse planejamento”.
No período FHC, o planejamento para definir as metas para a fiscalização é feito
principalmente a partir das informações obtidas através do SFIT (Sistema Gerenciamento
Federal da Inspeção do Trabalho), o qual contém os resultados das ações fiscais em todo o
país11 Dessa forma, a SIT tem como checar as demandas das DRTEs em relação o número de
denúncias sobre ilícitos trabalhistas, podendo cruzar os dados fornecidos por cada fiscal a partir
do seu relatório inserido no sistema com outros dados fornecidos pela RAIS/CAGED, Pesquisa
Nacional por Amostragem/ PNAD e Cadastro do FGTS da Caixa Econômica Federal.
O planejamento se refere à necessidade de se atingir metas de acordo com a
política definida pelo MTE. Ou seja, as metas mostram quais os aspectos das leis trabalhistas
serão valorizados pelo governo. Sendo assim, a Secretaria de Inspeção do Trabalho, tem o
objetivo de atingir metas nacionais e metas regionais, ambas definidas dentro das metas do
MTE. Dessa forma, a pontuação da ação fiscal individual de cada agente está ligada a metas
que a sua respectiva DRTE ou SDT terá que atingir. Portanto, a fiscalização do trabalho busca
não só atingir uma determinada pontuação, mas atingi-la dentro do que foi definido como
metas para as DRTEs no planejamento da SIT em conjunto com o MTE. Todo os
procedimentos para definição de metas pela SIT junto às DRTEs é um processo que tenta
adaptar as demandas de cada DRT apresentadas mediante estatísticas com o que foi definido
como prioridade pelo MTE de acordo com a política do governo.
11
58
Durante o período FHC, o número de trabalhadores registrados sob a ação fiscal se
manteve estável, mas nos últimos três anos de governo, esse número aumentou
significativamente, passando de uma média de 250.000 trabalhadores registrados por ano para
uma média de 500.000. Entre 1996 a 1999 foi um total 1.101.236 trabalhadores registrados
sob a ação fiscal, e entre os anos de 2000 e 2002 chegou a 1.597.255.
O governo Lula está dando continuidade a uma das principais metas da política
do MTE no período FHC, o aumento do número de trabalhadores alcançados pelos direitos
trabalhistas. Para aumentar o índice de trabalhadores formalizados, o atual governo lançou a
campanha carteira assinada, a ser desenvolvida pela fiscalização do trabalho, a qual obteve de
janeiro de 2003 a setembro de 2004, o total de 1.057.804 trabalhadores registrados. Deste total,
253.353 (23,95%) foram no setor agrícola e 240.803 (22,76%) no setor industrial.
5.1 O Novo Perfil da Fiscalização do Trabalho
Uma das grandes iniciativas do governo FHC na busca pela concretização
das suas principais metas para o mercado de trabalho foi o projeto de mudança de perfil da
Inspeção do Trabalho, elaborado pelo MTE em 1995. Essa, por sua vez, foi seguida por outras
medidas que caracterizaram a política de fiscalização do trabalho no período FHC.
No Brasil, a Inspeção do Trabalho desde a sua criação através da CLT em 1943,
vem desenvolvendo uma ação fiscal com ênfase na punição diante da constatação de
irregularidade nas questões do trabalho. A própria CLT no seu Art. 628 prevê que “toda
verificação em que o Auditor Fiscal do Trabalho concluir pela existência de violação de
59
preceito legal deve corresponder, sob pena de responsabilidade administrativa, a lavratura de
auto de infração”. A Inspeção do Trabalho desenvolveu uma atuação mais punitiva porque a
sua própria ação fiscal esteve segmentada pela busca do controle das normas de proteção do
trabalho, tendo como intuito coibir o trabalho sem carteira assinada como forma de combater o
uso da mão de obra informal. No projeto de mudança de perfil da Inspeção do Trabalho
promovido pelo MTE durante o período FHC, o principal objetivo era tornar a Inspeção do
Trabalho menos punitiva e mais educativa, tornando-a mais eficaz do ponto de vista social.
Vilma Dias (1996)12 argumenta que esse projeto foi colocado como uma das
necessidades num contexto de mudanças na legislação trabalhista. Segundo Vilma Dias, a
existência de um estatuto do trabalho (CLT) é mais um conjunto de leis formariam um
arcabouço legal asfixiante e rígido, aplicado de forma invariável e insensível a fatores que
vinham dificultando sobremaneira a sobrevivência de grande parte das empresas, em especial
de certos setores produtivos num mercado global altamente competitivo. Dessa forma, segundo
o MTE, “dentro da concepção do Direito do Trabalho como instrumento de promoção social, é
preciso repensar o papel da Inspeção do Trabalho. Seu perfil precipuamente punitivo e
repressor em face da constatação de irregularidades, não mais se coaduna com o novo espírito
do direito que ela visa garantir”.
Vilma Dias (1996) menciona duas Instruções Normativas como sendo algumas da
“medidas estratégicas” para dar suporte a esse projeto. A primeira seria a Instrução Normativa
12 Vilma Dias Bernardes Gil, é auditora fiscal da DRT de São Paulo e participou do projeto do MTE. como difusora regional.
60
n. 08 de 15 de maio de 199513 a qual estabelece uma nova forma de pontuação para o trabalho
da fiscalização com o objetivo de normalizar o sistema de aferição dos resultados da ação
fiscal.
No intuito de aferir os resultados da ação fiscal essa instrução estabelece uma
tabela de pontuação. Ou seja, todas as atividades que ficam a cargo da fiscalização do trabalho
equivale a uma quantidade de pontos específicos. No geral, essa pontuação abrange a
pontuação básica por estabelecimento fiscalizado, pontuação adicional por estabelecimento
fiscalizado e deslocamento na fiscalização rural e pontuação por turno trabalhado. Os fiscais do
trabalho devem emitir relatórios individuais sobre as empresas por eles fiscalizadas. As
informações são repassadas ao Sistema Gerencial da Inspeção Trabalho, cujo.sistema além de
ser uma fonte de dados da ação fiscal em todo o território nacional, serve para controlar de
forma quantitativa a ação da Inspeção do Trabalho.
Uma outra medida mencionada por Vilma Dias como estratégica para
implementar a mudança de perfil da fiscalização do trabalho é a Instrução Normativa
Intersecretarial14, que prevê a instauração de mesa de entendimento pelo Fiscal do Trabalho,
13 Instrução Normativa Intersecretarial ( Secretaria de Inspeção do Trabalho e Secretaria de Segurança e Saúde no Trabalho) n. 08/1995, em consonância com a convenção n. 81 da OIT sobre a Inspeção do Trabalho na Industria e no Comercio. Essa instrução visava “estabelecer critérios uniformes, objetivando a compatibilização da produção individual e global das categorias de servidores que integram o Sistema Federal de Inspeção do Trabalho ( artigo 1., inciso II, Lei numero 8.538/92) e, sobretudo, a otimização dos resultados. “Essa nova forma de pontuação fiscal, valorizando a ação centrada nas tratativas de regularização, além das referentes à definição e posicionamento legal da carreira ( única, integrando fiscais, médicos e engenheiros do trabalho e típica do Estado) considerando que se devem estabelecer critérios uniformes, objetivando a compatibilização da produção individual e global das categorias de servidores que integram o Sistema Federal de Inspeção do Trabalho ( artigo 1o , inciso II, Lei n. 8.538/92) e, sobretudo, a otimização de resultados”. 14 A Instrução Normativa sobre o procedimento da “mesa de entendimento” foi baixada pelas Secretária de Fiscalização do trabalho e a Secretaria de Segurança e Saúde no Trabalho - Substituta n. 23/2001 , tendo em vista o disposto no art. 17, item 2, da convenção n. 81 da Organização Internacional do Trabalho - OIT e o disposto no art. 8o , alínea “f”, do Regulamento da Inspeção do Trabalho -RIT, aprovado pelo Decreto n. 55.841, de 15 de março de 1965.
61
visando levar o empregador a sanear irregularidades de difícil solução durante a ação fiscal ou
pela Chefia da Fiscalização para atender o planejamento das ações fiscais. A mesa de
entendimento é definida como um instrumento da ação fiscal para obtenção da regularização de
infrações através do diálogo entre fiscalização e empregador, dando a este a possibilidade de
discutir as formas de prazos para correção de infrações verificadas durante a atuação fiscal.
Com o intuito de estimular o uso das mesas de entendimento pela fiscalização do trabalho, um
dos pontos trabalhados pelo MTE junto aos agentes de inspeção foi o desenvolvimento de
habilidades de negociação no intuito de resolver situações trabalhistas irregulares encontradas
nas empresas15
As duas instruções normativas apresentadas aqui mostram que se por um lado o
MTE tentou estimular a negociação entre fiscalização do trabalho e empregador como forma
de remediar o não cumprimento das leis trabalhistas através das mesas de entendimento, dando
ao fiscal do trabalho uma certa liberdade para buscar correção de irregularidades, o mesmo
desenvolveu um sistema de controle e avaliação da ação fiscal. O SFIT (Sistema Federal de
Inspeção do Trabalho.) vem desenvolvendo desde de 1996 um sistema gerencial de
acompanhamento e controle da atuação do fiscal do trabalho. Esse sistema permite ao MTE
acompanhar o cumprimento das suas metas definidas tanto em nível regional quanto nacional.
62
5.2 O Papel da OIT na Nova Política de Fiscalização: Influências do Direito Internacional
do Trabalho no Direito Trabalhista Brasileiro
A OIT é um dos principais parceiros do MTE na implementação do projeto de
mudança do perfil da fiscalização. Segundo Vilma Dias (1996), a OIT contribui com o projeto
através da promoção de seminários sobre temas de interesse da fiscalização como as
cooperativas de trabalho e a garantia dos patamares mínimos da legislação trabalhista.
A parceria entre a OIT e o MTE é dada em várias ações, como exemplo, dos 25
programas e 18 projetos da OIT desenvolvidos em cooperação com o Brasil a partir de 1997, o
MTE participou de dois projetos e de nove programas, incluindo os programas de erradicação
do trabalho escravo e do trabalho infantil. A OIT tem sido uma forte referência no direito do
trabalho no Brasil e na política do MTE. O próprio projeto que propõe a mudança de perfil da
fiscalização tem, mesmo que indiretamente, a inspiração na concepção da OIT sobre Inspeção
do Trabalho. Como afirma Vilma Dias, "a adoção de um novo perfil da Inspeção do Trabalho
propiciará o resgate de sua função institucionalmente e consagrada na Convenção 81 da OIT
restabelecendo, inclusive, a necessária sintonia entre a instituição e o Direito do Trabalho".
Por diferentes vias, os autores Mannrich, Costa Silva, Ribeiro Silva, Cabral e
Costa mencionam a influência dos preceitos da OIT na adoção de uma nova postura por parte
da fiscalização do trabalho.
“Para tornar efetivo o cumprimento de toda ordem jurídica trabalhista, inicialmente a punição foi mais utilizada. Não obstante isso, com a modernização desse instituto e com influência do Direito Internacional, passou-se a valorizar a função de orientação aos parceiros sociais Daí a afirmação de que cabe a inspeção velar pelo cumprimento das
15 O MTE lançou uma cartilha em 1996 intitulado de “Manual do Mediador” com o intuito de orientar os mediadores no processo de mediação e negociação como forma de solucionar conflitos trabalhistas.
63
normas, através, não só da punição, mas também, da orientação e assessoramento.” (Mannrich, 1991: 53)
“A referida convenção (convenção n.81, de 1947 da OIT) deixa patente que a inspeção do trabalho compete, além de assegurar a aplicação das disposições legais e convencionais relativas ao trabalho, informar e assessorar empregadores e trabalhadores quanto aos meios mais eficazes de observar as normas legais trabalhistas e levar ao conhecimento da autoridade competente as deficiências e os abusos que estão especificamente compreendidos no ordenamento jurídico positivo” (Ribeiro Silva, 2002:12 ).
“A partir da Convenção n. 81, referente a Inspeção Trabalho Urbano, de 1947 e a da Convenção n. 129 e Recomendação n. 133 sobre Inspeção do Trabalho na Agricultura, de 1969, foram estruturadas realmente as atividades de inspeção, evoluindo das funções de verificação do cumprimento das normas trabalhistas para uma postura de orientação e de prevenção dos conflitos surgidos dentro da relação capital e trabalho” (Costa Silva, 2000:137).
“A Convenção n. 129, da OIT, incluiu na competência da Inspeção a fiscalização de empresas agrícolas e de outras categorias de trabalhadores, como membros de cooperativas e arrendatários. Priorizou a prevenção em detrimento da sanção. Reforçou o principio da autoridade central da Inspeção para a criação e aplicação de uma política uniforme a ser aplicada no país (...) “ ( Cabral e Costa, 2003:20).
Além de influenciar o sistema brasileiro de fiscalização do trabalho, a OIT
também possui uma capacidade de gerar debates no Brasil e de servir como argumento
legitimador de discursos, tanto do governo, quanto de representações sindicais. Como afirma
Noronha (2000:110), “pelo número de convenções aprovadas, por sua capacidade de gerar
debate no Brasil e de servir como argumento legitimador de discursos, ora dos governos, ora
dos sindicalistas, as agências internacionais e particularmente a OIT, constituem-se como um
espaço normativo internacional ás vezes complementar, as vezes conflituoso com espaços
normativos nacionais, mas com grande influência indireta sobre o direito do trabalho no
Brasil”.
A Instrução Normativa que prevê a instauração da mesa de entendimento é um
exemplo claro não só da influência da OIT nos procedimentos do MTE, mas como os seus
ordenamentos servem para legitimar os discursos governamentais. A Convenção n.º 81, em
64
especial o seu art. 17, item 2 é citado como uma das referências em procedimento da mesa de
entendimento. Portanto, a adoção desse tipo de procedimento não é apenas uma medida do
governo para solucionar conflitos trabalhistas através da negociação, mas se trata de uma ação
esperada pela OIT como alternativa válida para Inspeção do Trabalho na resolução de
irregularidade nas relações de trabalho.
“os inspetores de trabalho terão a liberdade de fazer advertências ou de dar
conselhos, em vez de intentar ou recomendar ações.” ( art.17, item 2, da convenção n.81, de
1947 da OIT)
Segundo Ribeiro Silva (2002), a medida provisória n.1.879 –19, de 06.01.00, teve
a tentativa de enfatizar e de instigar o caráter instrutório da inspeção do trabalho, em
consonância com o disposto da convenção n.81 da OIT, instituiu procedimento especial para a
ação fiscal , objetivando a orientação sobre o cumprimento das leis de proteção ao trabalho,
bem como a prevenção e o saneamento de infrações a legislação, mediante termo de
compromisso, na forma disciplinada no regulamento da inspeção do trabalho. Ainda segundo
Ribeiro Silva, no mesmo sentido, a instrução normativa SIT/MTE n.23, de 23.05.01, instituiu o
procedimento das mesas de entendimento, que tem por finalidade compelir o empregador a
sanear irregularidades de difícil solução durante a ação fiscal, mediante assinatura de termo de
compromisso, que se dará após serem prestadas as devidas informações e conselhos técnicos
aos respectivos empregadores.
Apesar do item 2 do art. 17 da Convenção 81 não se referir diretamente a
procedimentos como a mesa de entendimento, ela menciona que a Inspeção do Trabalho
poderá fazer advertências ou aconselhar. No entanto, a mesa de entendimento vai além do
65
previsto na referida convenção, pois pretende ser um espaço de negociação entre o agente
fiscal e o empregador que praticou alguma irregularidade. Dessa forma, o MTE busca o
respaldo do Ordenamento Jurídico Internacional para validar boa parte das suas ações,
principalmente quando o que está previsto nesse ordenamento torna-se conveniente com os
seus objetivos.
Podemos observar esse aspecto em outras ações voltadas para a fiscalização do
trabalho desenvolvidas pelo MTE no governo FHC, como a ênfase dada as ações da
fiscalização do trabalho no meio rural e o combate ao trabalho infantil.
Além de tentar desenvolver uma postura mais educativa e orientadora, objetivando
o incentivo à formalização do contrato de trabalho, iniciativas do MTE favoreceram, a
ampliação da ação da fiscalização no meio rural a partir de 1994, quando o MTE baixou a
Instrução Intersecretarial com objetivo de orientar a fiscalização quanto ao procedimento a ser
adotado nos casos de trabalho forçado, aliciamento de mão-de-obra e apuração das denúncias
de situações que exponha a vida ou a saúde do trabalhador a perigo direto e iminente. Ainda
em 1994 foi firmado um termo de compromisso entre o MTE e outros ministérios, dentre eles o
Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Secretária de
Polícia Federal (SPF), com o objetivo de conciliar esforços na prevenção, na repressão e na
erradicação de práticas de trabalho forçado, de trabalho ilegal de crianças e adolescentes, de
crimes contra a organização do trabalho e de outras violências aos direitos à segurança e a
saúde dos trabalhadores, especialmente no ambiente rural.
66
O desenvolvimento da ação fiscal do MTE no âmbito rural diz respeito não só a
tentativa de estender aos trabalhadores rurais os direitos trabalhistas16 , mas combater o
trabalho escravo. Conforme relatório da OIT (2001) sobre trabalho forçado, desde os anos 90,
o governo brasileiro vem tomando diversas medidas para combater o trabalho forçado em
atividade agrícola e florestal da Amazônia e de outras regiões distantes. Iniciativas como o
Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado (GERTRAF) e o Grupo Especial de
Fiscalização Móvel17 têm sido estratégicos para o combate ao trabalho escravo no Brasil.
Apesar do Relatório da OIT se referir a criação do GERTRAF como iniciativa do governo
brasileiro, esse grupo de repressão ao trabalho forçado foi criado tendo em vista o
compromisso internacional que o Brasil assumiu junto a OIT desde de 1957 quando ratificou a
sua Convenção n. 29 sobre a supressão do trabalho forçado ou obrigatório. A referida
convenção prever que, “Todos os membros da Organização Internacional do Trabalho que
ratificaram a presente convenção se obrigam suprimir o emprego do trabalho forçado ou
obrigatório, sob todas as suas formas, no mais curto prazo possível” . O combate ao trabalho
forçado também é mencionado na Convenção n. 105 da OIT ratificada pelo Brasil em 1965.
Em 1998 a OIT elabora uma declaração sobre “Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho
e seu Seguimento, a qual tem entre os principais objetivos a eliminação de todas as formas de
trabalho forcado ou obrigatório e abolição efetiva do trabalho infantil. Segundo o relatório da
OIT, a referida declaração tem o objetivo de estimular os esforços desenvolvidos pelos
16 Os trabalhadores rurais só tiveram os seus direitos equiparados aos dos trabalhadores urbanos na Constituição de 1988. Os referidos direitos estão previstos no o seu art. 7. Caput II 17 Em 1995 em consonância com o previsto na Instrução Normativa Intersecretarial sobre a fiscalização do trabalho no meio rural, é criado o Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado - GERTRAF1, através do Decreto Presidencial n. 1.538/95. Esse grupo foi composto por vários Ministérios, entre estes o do Trabalho, o da Justiça e o da Agricultura e da Reforma Agrária. Sob a coordenação do MTE, o grupo tinha como finalidade coordenar e direcionar ações de combate aos ilícitos trabalhistas no meio rural e a repressão ao trabalho escravo. Ainda em 1995, foi criado o Grupo Especial de Fiscalização Móvel ( Portaria n. 550/95) com poder de atuação em todo território Nacional em situações em que haja denuncias de exploração do trabalho escravo e degradante.
67
membros da organização para promover os direitos fundamentais como, eliminação de todas
as formas de trabalho obrigatório e abolição efetiva do trabalho infantil.
Segundo a assessoria da SIT, foi no período Fernando Henrique Cardoso que o
governo brasileiro assumiu pela primeira vez a existência do trabalho escravo no país.
“O trabalho escravo nunca foi assumido pelo governo brasileiro como algo existente, isso só ocorreu no primeiro mandato do Fernando Henrique, quando em 1995, ele oficialmente assumiu que havia trabalho escravo no Brasil, e criou o GERTRAF” ( Marcelo Campos, assessor da Secretaria de Inspeção do Trabalho).
No Relatório da OIT18 sobre trabalho forçado é apontado que o governo brasileiro
criou o Grupo Especial de Fiscalização Móvel19 após constatar pressões políticas sobre equipes
locais de inspeção regional, as quais impediam de reagir adequadamente às denúncias. Essas
informações foram confirmadas pela assessoria da Secretaria de Inspeção do Trabalho, que deu
um exemplo concreto dessa situação mencionada pela OIT. Segundo a assessoria da Secretaria
de Inspeção Trabalho, os estados que apresentam maior incidência de trabalho escravo são
estados em que a chefia da Delegacia Regional esteve, ao longo dos anos, de certa forma
comprometida com latifundiários e que o Pará é um dos estados que possui um dos mais longos
históricos de permissividade por parte das DRTEs nas incidências de trabalho escravo.
“Foi criado aqui no âmbito do MTE, Grupo especial de Fiscalização móvel, que é coordenado aqui pela Secretaria de Inspeção do Trabalho. E pra quê foi criado este Grupo de Fiscalização móvel, ele foi criado a partir do pressuposto que havia e há trabalho escravo, e que era
18 Relatório Global do Seguimento da Declaração da OIT relativa a Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho. Secretaria Internacional do Trabalho, Genebra, 2001. 19 Segundo informações do MTE, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel conta com quatro coordenações regionais, todas sob o comando de Auditores Fiscais do Trabalho.
68
importante combate-lo, mas partia-se do pressuposto também que as DRTEs, pelas características do governo Fernando Henrique Cardoso, estavam todas comprometidas com o setor latifundiário e que exerciam pressão, inclusive, vamos dizer, bastante ostensivo sobre os auditores, para que eles não realizassem a fiscalização. Como naquele contexto não era possível substituir os delegados que o governo precisava daquela base de apoio. Então o que se resolveu fazer, esse Grupo Especial de Fiscalização Móvel centralizado aqui na Secretaria de Inspeção do Trabalho e ai quando chega alguma denúncia, por exemplo: trabalho escravo no sul do Pará, em vez dos auditores de Belém se deslocarem para lá enfrentando pressões, nos constituímos um grupo de fiscalização aqui composto por auditores de outros estados que não do Pará, procuradores do trabalho, policias federais e aí sob nossa coordenação eles se dirigiam a região da denúncia para fiscalizar” ( Marcelo Campos, assessor da Secretaria de Inspeção do Trabalho).
O papel que a Inspeção do Trabalho tem na garantia do combate ao trabalho
forçado no Brasil é reafirmado pelo relatório da OIT (2000: 117 e 118),
“Programas especiais, como os programas criados no âmbito federal no Brasil para tratar do trabalho forcado em zonas rurais e distantes, parecem ter rendido alguns resultados. O fortalecimento dos serviços de inspeção do trabalho pode, evidentemente, ser uma importante providência, e estratégias preventivas de inspeção do trabalho parecem muito promissoras no caso da eliminação do trabalho forçado. (...) o treinamento de inspetores do trabalho para estarem atentos a situações capazes de envolver trabalho forçado será também importante.”
Segundo dados da Secretaria de Inspeção do Trabalho, entre o ano de 1995 -
quando foi implantado o Grupo Especial de Fiscalização Móvel - e abril de 2002, houve um
total de 166 ações, com 1.093 estabelecimentos fiscalizados, 165.445 trabalhadores foram
69
alcançados, dos quais foram libertados 4.301 trabalhadores e efetuadas 19 prisões dos
responsáveis. Se incluídos os resultados obtidos até o primeiro semestre de 2004, o número de
trabalhadores libertados chega a quase 16 mil.
Para Campos (2000), embora a ações da fiscalização do trabalho no meio rural
tenha se tornado mais freqüentes a partir dos anos 90, o número de ações ainda é insignificante
se comparado ao número de ações realizadas na área urbana.
Segundo Santana (2003), a atenção especial que o MTE vem dando a área rural
se devem em parte ao objetivo de atingir a meta institucional do MTE de aumentar o numero
de trabalhadores registrados, o que reflete no aumento da arrecadação do FGTS. Ainda
segundo o autor, o MTE tinha o interesse de aumentar os números do FGTS, devido o fato
destes estarem apresentando déficit seguidamente e o índice de inadimplência se mostrava
bastante altos.
Ao verificarmos informações do MTE sobre os números do FGTS entre os anos
de 1996 a 2002, observamos que a arrecadação aumentou significativamente, principalmente o
total recolhido sob ação fiscal que em 1996 apresentava 228.404.462,40 de reais, chegou em
2002 com um valor de 960.569.409,70 de reais.
“ O aumento do número de registro de trabalhadores também é parte integrante da meta institucional do MTE e Emprego.. Desde de sua inserção como tal, os números de vínculos formais de emprego vem crescendo continuamente, o que se reflete em maior arrecadação do FGTS. Para êxito desta meta, o MTE deu atenção especial a área rural” ( Santana, 2003:158)
70
Durante o governo FHC foram baixadas pela SIT três instruções normativas sobre
a Fiscalização do FGTS no âmbito urbano como no rural, conforme o capítulo I da Instrução
Normativa n. 25 de 2001, “ Art. 2. Ë obrigatória a verificação de regularidade dos
recolhimentos do FGTS e das contribuições sociais em todas as ações fiscais, no meio urbano e
rural, no setor público e privado, atributos que deverão ser incluídos na Ordens de Serviço -
OS. Anterior as estas instruções, foi baixada em 1999, a Portaria n.380, que dispõe sobre o
Programa de Aumento da Arrecadação do FGTS.
Dessa forma, ao mesmo tempo que ampliou a ação fiscal na área rural, o MTE
não só vem tentando combater as incidências de trabalho escravo ou forçado, compromisso
assumido junto a OIT, mas compatibiliza o combate as formas de trabalho consideradas
degradantes com a formalização de trabalhadores rurais, ampliando assim o número de
trabalhadores formais, garantindo um aumento da arrecadação do FGTS.
Vale ressaltar, que o programa de combate o trabalho escravo a partir de 2003 ,
na gestão do governo Lula passou a ser um Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho
Escravo, no qual o Grupo Especial de Fiscalização Móvel continua sendo estratégico na
fiscalização em vários locais do país. Segundo dados da SIT, o Grupo Especial de Fiscalização
móvel retiraram nos últimos 21 meses do governo Lula, 6.965 trabalhadores que estavam
sendo mantidos em condições de escravidão. Sendo pagas verbas rescisórias, num total de R$
9.605.724,14. Os trabalhadores libertados também receberam seguro desemprego.
Outro tema definido pela OIT e que ganhou ênfase na ação da fiscalização no
período FHC é o combate ao trabalho infantil. Antes do governo FHC, em 1992 a própria OIT
implementou no Brasil o Programa Internacional de Erradicação ao Trabalho Infantil – IPEC.
71
O país foi o primeiro da América Latina a ser beneficiado pelo programa devido a quantidade
de denúncias por parte de organizações nacionais e do próprio governo. Contudo, segundo a
própria OIT, até então os resultados desse programa no Brasil não tinham sido satisfatórios. A
partir de 1996, o MTE iniciou ações como o criação do Programa de Erradicação do Trabalho
Infantil – PETI20 , que distribui bolsas para que crianças deixassem o trabalho e voltassem à
escola. O MTE, através da Portaria n.07 de 23 de março de 2000, criou Grupos Especiais de
Combate ao Trabalho Infantil e Proteção ao Trabalhador Adolescente - GECTIPA, formado no
âmbito de cada DRT, em todas as Unidades da Federação. Segundo informações de um
membro do IPEC, publicada na revista do SINAIT em setembro de 2002, antes de 1996 o
programa e ações do MTE eram isoladas e não tinham apoio político para fiscalizar o trabalho
infantil.
No intuito de estipular os procedimentos das ações fiscais no combate ao trabalho
infantil, o MTE baixou duas Instruções Normativas sobre os procedimentos a serem adotados
pela fiscalização nas ações para erradicação do trabalho infantil e proteção ao trabalhador
adolescente. Cabe salientar que em 2000 o Brasil ratificou duas Convenções da OIT sobre o
tema trabalho infantil: Convenção n. º 138 de 1973, sobre idade mínima de admissão no
emprego; e a Convenção nº. 182 de 1999, sobre a proibição das piores formas de trabalho
infantil e a ação imediata para a sua eliminação. Conforme declarações da ex. Secretária da
Inspeção do Trabalho Vera Olímpia Gonçalves, com a ratificação da em especial da convenção
182 da OIT, o Brasil assumiu o compromisso de direcionar esforços permanentes visando a
erradicação imediata das piores formas de trabalho infantil.
20 O PETI também prevê um conjunto de ações desenvolvidas diretamente pela inspeção do trabalho, como a fiscalização, o mapeamento dos focos de trabalho infantil, estudos e pesquisas sobre o tema e os seus impactos, bem
72
Silva, Morgado e Faria (2001), comentam que ações como a dos Grupos Especiais
de Combate ao Trabalho Infantil e Proteção ao Trabalhador Adolescente, mostram o apoio e o
desejo do MTE em estabelecer uma nova postura na fiscalização do trabalho, menos preso ao
seu campo tradicional de ação. Tais atribuições estão previstas na Instrução Normativa MTE
n.º. 01/2000, que aponta como dever do fiscal do trabalho tomar medidas imediatas
objetivando a proteção da criança e do adolescente encontrados trabalhando no setor informal,
em domicílios, em empresas familiares ou entidades assistências, ainda que inexistência do
vinculo empregatício.
O combate ao trabalho escravo e ao trabalho infantil mostra o quanto a
fiscalização do trabalho expressa a política do MTE, visto que cada compromisso desse
assumido pelo governo brasileiro junto a OIT se desdobrou em metas que devem ser cumpridas
em grande parte pelo Ministério Trabalho, o principal responsável para atender denúncias em
todo o país através do planejamento da sua Secretaria de Inspeção do Trabalho em conjunto
com as DRTEs. Todavia, a OIT não influencia apenas a escolha de temas a serem considerados
prioritários pelo MTE, mas mudanças nos procedimentos que norteiam a ação fiscal. O projeto
de mudança do perfil do fiscal do trabalho mostra que a OIT serve de respaldo para justificar a
adoção de uma nova postura do MTE na correção de irregularidades junto a relação contratual
de trabalho, pois a função de orientação e aconselhamento na busca pela melhor forma de
aplicar a lei estão previstos na convenção n.81 da OIT. Os temas combate ao trabalho escravo e
ao trabalho infantil, os quais apresentam uma combinação de metas do MTE com objetivos da
OIT, passaram a ser visto pela doutrina jurídica e pela própria fiscalização do trabalho como
como na edição e distribuição de publicações; na promoção de eventos para sensibilização da sociedade; e na realização de campanha nacional enfocando a importância do combate ao trabalho infantil.
73
novas atribuições para fiscalização do trabalho, diante da possibilidade de uma maior
flexibilização das relações de trabalho que poderia dificultar a inspeção a exercer a tarefa de
fazer cumprir os direitos trabalhistas. Portanto, os objetivos da OIT parecem condizentes com
os interesses da fiscalização do trabalho, principalmente a de se manter como o principal meio
que o Estado utiliza para controlar a aplicação das leis trabalhistas. Entretanto, o próprio MTE
ao promover os temas combate ao trabalho escravo e ao trabalho infantil fomentados pela OIT,
consegue sinalizar para a fiscalização do trabalho o interesse de garantir os patamares mínimos
dos direitos trabalhistas. A fiscalização do trabalho por sua vez, envoca a OIT como a
principal referência sobre a importância do seu papel na regulação das relações contratuais de
trabalho. Sendo assim, a OIT se torna um espaço de convergência dos interesses do MTE,
principalmente o de legitimar suas políticas para o mercado e a manutenção da inspeção do
trabalho como implementadora dessas políticas, bem como o próprio interesse da fiscalização
do trabalho de legitimar a função que lhe foi sugerida pela doutrina jurídica, a de verificar o
cumprimento das normas de proteção das relações de trabalho.
5.3 A Fiscalização do Trabalho na Implementação de Novas Formas de Contratações
O governo no âmbito do trabalho urbano tentou ampliar a oferta de emprego
através de medidas como o contrato temporário e a definição do trabalho terceirizado, assim
como o desafio de combater a formalidade mediante negociações de prazo para regularização
de contratos.
A Secretária de Inspeção Trabalho Ruth Vilela afirma que
“em 1995 na gestão do Ministro Paulo Paiva, houve a tentativa de garantia de emprego através dessas formas de contratação como o
74
contrato com prazo determinado e a tentativa de definição da chamada terceirização, quais os seus limites e de que forma ela poderia ocorrer .”
No que se refere à fiscalização dessas duas formas de contratação, o MTE baixou a
Instrução Normativa n. 03 de 1º de setembro de 1997, a qual dispõe sobre a fiscalização do
trabalho nas empresas de prestação de serviços a terceiros e empresas de trabalho temporário.
Entretanto, as inovações em matéria de contrato de trabalho foram desenvolvidas no âmbito
rural, onde o MTE através da Inspeção do Trabalho vem estimulando as contratações de
trabalhadores rurais através do chamado Consórcio de empregadores21 , que apresenta um
exemplo de como a fiscalização do trabalho vem colocando em prática o seu papel de
orientadora nas relações de trabalho.
Portanto, embora no período FHC, a fiscalização tenha se mostrado mais coerciva
no meio rural devido o interesse de coibir as ocorrências de trabalho escravo, o MTE buscou
formas alternativas de contratação de trabalhadores nesse setor editou em 1999 um manual
denominado "Condomínio de Empregadores: um novo modelo de contratação no meio rural".
Segundo o manual, “O Condomínio de Empregadores” (ou Consórcio de Empregadores ou
Registro de Empregadores em Nome Coletivo de Empregadores) pode ser definido como a
união de produtores rurais, pessoas físicas com a única finalidade de contratar, diretamente,
empregados rurais, sendo outorgados a um dos produtores poderes para contratar e gerir a mão
de obra a ser utilizada em suas propriedades.
21 O Condomínio de Empregadores foi inspirado no modelo francês denominado de Agrupamento de Empregadores instituído pela lei n.85 -772/85 e reestruturado em 1993. ( Cf. CAMPOS,2000) No modelo brasileiro o Condomínio de Empregadores diz respeito a união de produtores rurais, pessoas físicas, com única finalidade de contratar, diretamente, empregados rurais, sendo outorgados a um dos produtores poderes para contratar e gerir a mão de obra a ser utilizada em suas propriedades (...) Esse modelo de contratação não contraria o disposto no art. 3. Da Lei n. 5.889/73, que conceitua a figura do empregador rural. Irá configurar como empregador, não apenas uma pessoa física, mas sim um conjunto de pessoas físicas que celebram um pacto para fim de se utilizarem da mão de obra de cada empregado contratado pelo grupo, na medida de suas necessidades. ( Cf. Condomínio de Empregadores: um novo modelo de contratação no meio rural. Brasília: TEM, SIT, 200,p.17.
75
A experiência do uso de condomínios de empregadores na contratação de
trabalhadores no meio rural surgiu na cidade de Rolândia no estado do Paraná. Após ações do
Grupo Especial de Fiscalização Móvel e Ministério Público do Trabalho que constataram
contratações indevidas de trabalhadores por meio de falsas cooperativas, sugeriram a
possibilidade de contratação de trabalhadores tendo como contratante na relação de emprego a
chamada pluralidade de empregadores. ( Cf. Fonseca, 2001)
Segundo Campos (2202), a FAESP já havia tentado implementar esse tipo de
contratação no estado de São Paulo, mas sem sucesso devido a dificuldades de interpretação
restritiva assumida pela área previdenciária do governo. Segundo o autor, no Paraná a
pluralidade de empregadores conseguiu sobreviver judicialmente por meio do trabalho dos
advogados Mário Campos de Oliveira Júnior e Sérgio Roberto Giatti Rodrigues.
Conforme a cartilha do MTE sobre o condomínio de empregadores, o Diretor de
Arrecadação do INSS, Alberto Lazinho, permitiu a solução das questões até então
controvérsias sobre as alíquotas de acidentes, que poderiam dificultar a implantação desse tipo
de contratação em outros estados.
Após o MTE conhecer a experiência implantada no Paraná verificou que a mesma
era viável dentro dos preceitos da legislação trabalhista, satisfazendo as necessidades de
empregados e empregadores rurais2. Mesmo não estando previsto em lei, o Condomínio de
Empregadores foi implantado como forma viável de contratação por não contrariar o que prevê
a Lei n.º 5.889/73, que define a figura do empregador rural.
76
De acordo com CAMPOS (2000), o Condomínio de Empregadores demonstra que
a Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) tem buscado junto aos diversos segmentos do setor
rural adaptações criativas para viabilizar a contratação de trabalhadores rurais partindo da
observação de modelos de experiências existentes em outras realidades. Conforme o autor, a
própria Secretaria de Inspeção do Trabalho em 1998 realizou em Brasília um seminário sobre
relações de trabalho rural, em que foi apresentado a fiscalização do trabalho a experiência do
condomínio de empregadores desenvolvido no Paraná. Em 1999, a SIT enviou ao Paraná um
grupo de fiscais do trabalho para conhecer na prática esta experiência ao verificar que essa
forma de contratação satisfazia a necessidades de empregados e empregadores rurais, iniciou
através da SIT uma ampla divulgação nacional desse tipo de contratação.
Para o MTE, o consórcio de empregadores é viável porque consiste numa forma
contratação que favorece a formalização de trabalhadores, garantido a estes os direitos
trabalhistas, ao mesmo tempo que torna possível a diminuição dos encargos para quem
contrata. Como afirma o texto do manual sobre “condomínio de empregadores, “ uma outra
vantagem do Condomínio de Empregadores Rurais” para o produtor é a redução de custos com
a burocracia necessária a formalização do contrato, bem como a redução dos custos advindos
de toda contratação, relativos a pagamento de salários, recolhimentos legais, dispensas,
cumprimento de normas de segurança etc.” (Cartilha do MTE sobre Condomínio de
Empregadores, 2002:25)
Segundo dados da Secretária de Inspeção do trabalho - SIT, no ano de 2000 foram
reconduzidos para o setor formal da economia 22 mil trabalhadores pela via do consórcio de
empregadores rurais, fazendo com que boa parte do aumento do número de trabalhadores rurais
formais se dessem através da implementação do condomínio de empregadores.
77
A implementação dessa forma de contratação mostra o quanto a política do MTE e
a implementação de ações que viabilize o cumprimento das suas metas para o mercado de
trabalho, interfere na aplicação da lei trabalhista, visto que o condomínio de empregadores
surge como uma nova forma de contratação que, segundo alguns autores da área jurídica,
deveria se estender aos trabalhadores urbanos.
“O consórcio de empregadores se viabiliza, inclusive na atividade urbana. Imaginem-se, por exemplo, pequenos empreiteiros da construção civil, agrupando-se em consórcios para gerir equipes, alternando o trabalho de encanadores, eletricistas e pedreiros especializados, conforme a necessidade de cada empreiteiros”. (Fonseca, 2001:100)
Para o MTE o consórcio de empregadores também representa a tentativa de
desenvolver uma política trabalhista para o setor agrícola que possa viabilizar contratações
formais de trabalho com menos custos sem abrir mão das garantias trabalhistas, aumentando,
assim, o número de trabalhadores cobertos pela legislação trabalhista.
“O consórcio de empregadores representa uma etapa a mais no processo de busca de alternativas de contratação, que visa, principalmente, garantir o respeito aos direitos sociais, assegurando simultaneamente a racionalidade da produção e a afirmação de justa equidade das relações do trabalho e capital. (....) Vale notar que a organização do trabalho rural alcançada pela implantação do Condomínio tornará mais fácil a formulação de políticas compensatórias ao desemprego rural, alem de desempenhar um importante papel na definição de uma política agrícola mais contextualizada”. (texto extraído da cartilha do MTE sobre Consórcio de Empregadores)
A experiência com condomínio de empregadores manifesta o papel que o MTE
tem na formulação de políticas trabalhistas com impactos significativos no mercado de
trabalho, pois o condomínio traz uma forma alternativa de pensar a contratação formal. Fora
isso, a Inspeção do trabalho é colocada como a principal disseminadora e efetivadora da
realização desse novo tipo de contratação, “a Secretaria de Inspeção do trabalho inicia a
78
divulgação do modelo para todo o paíis (...), os agentes de inspeção do trabalho, em diferentes
oportunidades, foram provocados a discussão e ao debate acalorado, resultante em crescimento
da percepção do problema e da capacidade cognitiva de enfrentamento da realidade.” Como
forma de determinar procedimentos de fiscalização acerca da contratação de trabalhadores
através do Condomínio de Empregadores, o MTE baixou uma portaria MTE n. 1.964, de 1 de
dezembro de 1999. No seu art. 1. a referida portaria prevê que as Delegacias Regionais do
trabalho deverão dar ampla divulgação ao modelo de contratação rural denominado “Consorcio
de Empregadores Rurais”, estimulando, para tanto, o debate entre produtores e trabalhadores
rurais, pro meio de suas entidades associativas ou sindicais.”Como exemplo do que vem
ocorrendo no estado de Minas Gerais, onde vem sendo implementando a criação de
condomínios de empregadores através da sua Delegacia Regional do Trabalho, estimulada
segundo o MTE pelo seu delegado do trabalho Wellington Gaia, o qual já teria possibilitado a
criação de três condomínios de empregadores no estado.
O empenho do MTE para viabilizar esse novo tipo de contrato de trabalho está
relacionado com a possibilidade não só em apresentar alternativas de emprego que garantam o
cumprimento da legislação Trabalhistas, mas como estratégia para atingir metas, como o
aumento do número de trabalhadores formalizados e conseqüentemente garantir a arrecadação
do FGTS. Algo constatado na Portaria n.380 de 1999, a qual institui o Programa de Aumento
da Arrecadação do FGTS, sob responsabilidade da Secretaria de Fiscalização do Trabalho e do
MTE. Entretanto, em 1996 as Portarias n. 148 e n.1.061 baixadas pelo MTE já se referiam a
necessidade de corrigir aos baixos índices de recolhimento do FGTS.
Essa alternativa de contratação mostra o quanto as instituições, no caso o MTE,
influencia o próprio mercado de trabalho, pois a existência de novas formas de
79
contratação podem se configurar em mudanças nas relações de trabalho, repensando, assim, o
próprio contrato de trabalho celetista. Além disso, mostra a passagem da fiscalização punitiva
para uma ação fiscal mais orientadora, podendo, assim, não só negociar formas de
cumprimento da legislação trabalhista por parte dos infratores através de procedimentos, como
as mesas de entendimento, mas disseminar e incentivar novas formas de contratos de trabalho.
5.4 A Política de Fiscalização do Trabalho no Debate sobre as Alterações Trabalhistas
A política de fiscalização do trabalho no período FHC se configurou em meio ao
debate sobre a flexibilização e desregulamentação da legislação trabalhista, como forma de
combater o desemprego.
"Nos anos 90 não ocorreu nenhuma grande reforma trabalhistas, embora o Governo tenha implementado medidas voltadas para alteração do padrão de relações de trabalho, estimuladas pela propaganda como forma de melhorar as condições de trabalho e ampliar o volume de emprego.” (Pochmann,1999)
Segundo Oliveira (2002), no que se refere as questões trabalhistas, o governo
FHC foi marcado por iniciativas pontuais na legislação Trabalhistas, recorrendo a maioria das
vezes as medidas provisórias, decretos e portarias. Para o autor, tais iniciativas não chegaram a
alterar de maneira significativa os fundamentos da organização sindical, da negociação coletiva
ou da justiça do trabalho, mas revelaram uma tendência explicita a desregulamentação de
direitos sociais e ao aumento da flexibilidade das relações de trabalho.
80
Os autores, Cardoso Júnior, Marco Antônio Oliveira, Salvadori Dedecca e José
Dari Krein, ao comentarem a política trabalhista no período FHC, ressaltam que algumas das
medidas tomadas nesse governo favoreceram o enfraquecimento da fiscalização do trabalho.
Oliveira (2002) e Cardoso Junior (2001) afirmam que a Portaria n.º 86522 , de 14
de setembro de 1995, favoreceu o afrouxamento da fiscalização do trabalho. A discussão dos
autores sobre essa Portaria se referia ao seu art. 4., que determina "a incompatibilidade entre as
clausulas referentes ás condições de trabalho pactuadas em Convenção ou Acordo Coletivo e a
legislação ensejará apenas na denúncia à procuradoria Regional do Trabalho " .
Para os autores, o fato da Portaria n. 865 prever apenas a comunicação por parte
da fiscalização do trabalho a Procuradoria Regional do Trabalho os casos de incompatibilidade das
condições de trabalho acordadas através da Convenção e de acordos coletivos, significa substituir o
auto da infração que resultaria em multa por uma simples advertência, a qual segundo os autores não
garante a correção da irregularidade e sim incentiva o descumprimento dos direitos trabalhistas.
“A Portaria n. 865, sob o pretexto de “promover a negociação coletiva como forma de consolidar a modernização das relações de trabalho”, determinou que em caso de incompatibilidade entre a legislação e as clausulas sobre condições de trabalho pactuadas em convenções ou acordo coletivo o fiscal do trabalho deve comunicar a sua chefia imediata que o submeterá a consideração da autoridade regional, cabendo a esta encaminhar a denuncia a Procuradoria Regional do Trabalho. Isso enfraqueceu ainda mais os órgãos de fiscalização do trabalho e abriu espaço para a quebra de direitos por meio de negociação coletiva.”(Oliveira, 2002:292)
22 A Portaria 865/95 estabelece critérios de fiscalização de condições de trabalho constantes de Convenções ou Acordos Coletivos de Trabalho.
81
Para Cardoso Junior (2001), a Portaria nº .865 demonstra que nem todas as
medidas tomadas no governo FHC dispondo sobre a proteção social aos trabalhadores se
mostraram benéficas do ponto de vista do bem estar coletivo. “ Um exemplo disso se deu em
setembro de 1995, quando, em nome da negociação coletiva, houve um afrouxamento da
fiscalização do trabalho por meio da Portaria n.º 865. A Portaria instruiu os fiscais do trabalho
a apenas comunicarem ao Ministério Público os casos de incompatibilidade entre as condições
de trabalho pactuadas em convenção ou acordo coletivo e a legislação pertinente, ao invés de
multar a empresa, como mandava a prática anterior. (Cardoso Junior, 2001:52)
Para Oliveira e Cardoso Junior (2001), no intuito de incentivar a negociação
coletiva através de medidas como a Portaria n.º 865, o MTE promoveu tanto o
descumprimento das garantias trabalhistas quanto a redução do poder de fiscalização do
trabalho.
A ênfase na promoção do uso da Convenção Coletiva como forma de solucionar
possíveis conflitos trabalhistas foi algo presente na política trabalhista do Governo Fernando
Henrique Cardoso. Em 1996 o MTE lançou o “ Manual do Mediador” com o intuito de
“orientar o processo de mediação”. Nesse manual o então Secretário - Executivo Paulo Jobim
Filho, afirmou que
“Nos últimos anos, o Governo tem concentrado esforços na modernização dos institutos do direito e das práticas do trabalho, visando adequar as relações laborais às novas exigências de uma economia crescentemente globalizada e competitiva e, ao mesmo tempo, ampliar a participação social nos frutos do desenvolvimento. O traço dominante da política e das ações de governo nesse campo consiste prestigiar a negociação como via preferencial de soluções de conflito inerentes ao mundo do trabalho. Os resultados dessas iniciativas são amplamente perceptíveis nas mudanças da moldura legal e sobretudo, na notável
82
expansão do número de instrumentos de negociação coletiva firmados entre empregadores e trabalhadores.”
Segundo Oliveira (2002), a política trabalhista do governo FHC manteve como
principal preocupação a estabilidade econômica, vendendo a idéia de que a alteração na
legislação trabalhista promoveria o crescimento do mercado de trabalho. Além disso, procurou
estimular relações direta entre capital e trabalho descentralizando as negociações coletivas.
“Em todos os momentos, a pretexto de ajustar o mercado de trabalho os novos imperativos de produtividade e competitividade, tratou de reduzir a eficácia das normas de proteção individual ao trabalhador, voltando-se para as normas coletivas apenas com o propósito de restringir o alcance da atividade sindical, da negociação coletiva e do direito de greve.” (Oliveira, 2002:6)
Krein (2000), se refere a Portaria 865/95 como uma das medidas que afrouxou a
fiscalização dos acordos coletivos, além de permitir a negociação de direitos fixados na
legislação através de acordos e convenções. Para Krein, as propostas trabalhistas do governo
FHC, contribuíram para redefinir o papel do Estado nas questões trabalhistas, dando um maior
espaço para a livre negociação entre os atores sociais e flexibilizando as relações e o mercado
de trabalho.
A Portaria n. 865/95, embora seja interpretada como uma medida para estimular a
negociação coletiva, também demonstra que o MTE já tentava desenhar uma nova forma de
atuação para a fiscalização, centrada não mais na punição através dos autos de infração, mas
sim na orientação e na advertência. Uma das propostas que faziam parte do pacote de medidas
trabalhistas no inicio do segundo mandato do governo FHC - embora não tenha virado projeto
de lei e nem medida provisória - sugeria que “os fiscais do trabalho, ao invés de fazerem a
autuação ( multar) sobre desrespeito dos direitos trabalhistas, fariam uma “advertência”, como
uma suposta forma de alertar a empresa. Institui- se, assim, a figura da advertência em
83
substituiçãoà multa para infrações consideradas leves. Esta medida, proposta sob o argumento
da redução de custos das empresas, pode estimular a fraude, já que as soluções judiciais são
extremamente demoradas”. ( Krein, 1999:77)
Dedecca ressalta outras medidas tomadas no período FHC como enfraquecedoras
da fiscalização do trabalho.
“O MTE enfraqueceu duplamente suas funções fiscalizatórias. Em primeiro lugar, na medida que deixou de considerar relevante a sua função de fiscalização, deixando de investir na qualidade e tamanho de seus quadros de fiscais. Em segundo lugar, ao retirar a possibilidade da fiscalização de multar uma empresa, constatada a existência de vínculos empregaticios não regulamentados. Nessa situação, caso a empresa se comprometa a regulamentá-los imediatamente, nenhuma penalidade lhe é imposta. Nota - se, portanto, um certo abandono pelo Ministério de suas funções fiscalizadoras, as quais passaram ser consideradas de responsabilidade das partes que diretamente estabelecem o contrato de trabalho.” (Dedecca, 2001:17)
Primeiro, Dedecca se refere à falta da realização de concursos público para fiscais
do trabalho nos últimos dez anos, visto que o último concurso público ocorreu em 1993. Em
segundo lugar, a possibilidade dada pelo MTE a fiscalização do trabalho de instaurar as
chamadas mesas de entendimento com o objetivo de “compelir o empregador a sanear
irregularidades de difícil solução durante a ação fiscal ou pela chefia de fiscalização, para
tender planejamento das ações fiscais.” (Cf. art 1. da instrução normativa intersecretarial n.
23/2001 sobre a instauração de mesa de entendimento)
O procedimento de mesa de entendimento foi criado pelo MTE sob o argumento
de criar um ambiente negociador entre a fiscalização do trabalho e o empregador, tendo como
finalidade a formalização das irregularidades encontradas, bem como, a formalização de
84
possíveis contratações sem carteira assinada. Em nossa pesquisa detectamos argumentos que
apontam pelo menos dois problemas nessa forma de procedimento que podem dificultar a
correção efetiva de infrações, contribuindo para a permanência do descumprimento da lei por
parte dos empregadores submetidos a este recurso.
O primeiro problema seria a falta de participação da representação sindical na
mesa de entendimento. Embora esteja previsto na instrução normativa que disciplina a
formação da mesa de entendimento a participação de representação sindical na negociação, a
mesma só deverá ocorrer se a entidade for convidada pelo responsável pela mesa de
entendimento (auditor fiscal ou chefe de fiscalização). Porém, esse convite não é obrigatório;
somente as entidades sindicais rurais quando denunciantes são obrigatoriamente convidados a
participar da mesa de entendimento23.
Segundo as declarações de Marcelo Gonçalves Campos, assessor da Secretaria de
Inspeção do trabalho3 ,“ a mesa de entendimento tinha um outro caráter, que não tinha entidade
sindical presente na mesa de entendimento, poderia até ter, quando os sindicatos procuravam
as DRTES para fazer uma negociação , essa era fruto de um denúncia que o fiscal identificava
a irregularidade e propunha uma mesa de entendimento pra que aquilo fosse regularizado ao
longo de um tempo. E aí a presença da entidade sindical na mesa de entendimento ficava a
critério de quem estava organizando, do auditor, de convocar ou não, E ai o quê que acontece
normalmente, não vai se convocar. E aí você cria um ambiente na mesa de entendimento, um
23 Ver parágrafo único da Instrução Normativa Intersecretarial n. 23/2001.
85
espaço para todo tipo de composição não adequada obviamente e que caminha no sentido da
precarização".
Para ele, embora tenha se colocado na Instrução Normativa que o procedimento da
mesa de entendimento não poderá ser aplicado a todas as formas de ilícitos trabalhistas, houve
uma pressão por parte do MTE, tanto nacionalmente quanto regionalmente para se instaurar a
mesa de entendimento sempre que houvesse um problema de infração,mesmo que não fosse de
difícil solução de acordo com o previsto na Instrução Normativa24
O segundo problema apontado por Dedecca, se refere ao valor das multas a serem
aplicadas no caso de infração dos direitos trabalhistas. Esse valor não estaria compatível com o
grau de descumprimento da legislação25 ,o que favoreceria não só o não cumprimento da lei,
mas o não cumprimento dos termos firmados num processo de negociação nas mesas de
entendimento.
“De que adianta todo o esforço de se enfrentar um problema trabalhista, e de tentar regularizá-lo sob ameaça de iminente autuação, ou ainda, convocar - se a empresa para a realização de uma mesa de entendimento, se o sistema de imposição de multas é, muitas vezes, lento e ineficiente? Não se alumia, destarte, a circunstancia da impunidade para aquele que descumpre as regras trabalhistas? E o que dizer de quem simplesmente nem se dispõe a regularizar, já conhecedor da situação? O que motivara os atores dessa conjectura a manterem - se em
24 o entrevistador mencionou que esse estímulo do MTE ao uso da mesa de entendimento seria parte da política de flexibilização do governo FHC. Entretanto, no momento não temos indícios suficientes para comprovar as declarações do entrevistado. 25 4 . Sobre as multas administrativas o Ministério da Fazenda através da Portaria MF n. 248, de 03.08.00, determinou que as multas administrativas só deverão ser encaminhadas a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional para cobrança quando os débitos superarem R$ 250,00.
86
conformidade com a legislação do trabalho?” (Silva, Morgado e Faria,, 2000:57)
Segundo Mannrich (1995), o amplo descumprimento das normas trabalhistas se
deve em parte ao valor irrisório das multas. Isso poderia explicar o grande número de
trabalhadores sem registro formal em carteira, os excessos de jornada, o trabalho irregular de
crianças, a falta de recolhimento dos depósitos a favor do FGTS, além de graves abusos no
setor de saúde. Entretanto, o autor ressalta que o cumprimento ou não destas normas não se
vincula apenas ao valor em si das multas, mas, também, à importância que o Estado e os
parceiros sociais dão aos sistemas de fiscalização. Trata-se, ainda, de uma questão cultural,
afirma o autor.
No projeto para mudar o perfil da sua fiscalização, o MTE menciona que
promover mudanças no perfil da Inspeção do Trabalho seria mais uma das iniciativas do
governo para tornar a legislação mais flexível, juntamente com outras que já vinham
ocorrendo, como a contratação por prazo determinado e o banco de horas.
Como afirma Vilma Dias (1996) , “o governo assumiu o compromisso de
modernizar as relações entre capital e trabalho e tem buscado esse intento através de duas
grandes vertentes: reforma da legislação laboral e estímulo à negociação coletiva, prestigiando
o diálogo entre os atores sociais. Vários exemplos podem ser apontados que comprovam essa
assertiva bastando para tanto citar a possibilidade de contratação por prazo determinado para
além das situações previstas na CLT e também o chamado banco de horas - em ambas
situações, o legislador, ao modificar pontualmente a legislação, remete o interessado a busca
do entendimento com a entidade representativa da respectiva categoria profissional”.
87
Nesse trecho extraído do projeto de mudança do perfil da fiscalização, Vilma Dias
demonstra que para o MTE viabilizar contratações além do estipulado na legislação trabalhista,
sugere uma situação em que o empregador tem que negociar diretamente com as entidades
sindicais. Seguindo um discurso que aposta na negociação como forma de evitar ou solucionar
conflitos trabalhistas, Vilma Dias comenta que o MTE afirma que a nova postura do fiscal do
trabalho propiciará a solução de conflitos ainda no seu nascedouro, pois no Brasil é comum que
os trabalhadores façam reclamações trabalhistas geralmente quando já estão desempregados, o
que não significaria a inexistência do conflito antes da ruptura contratual. Diante dessa
realidade, segundo Vilma Dias, “é preciso que a Inspeção do Trabalho adote nova postura,
redirecionando seus esforços para a regularização das infrações. O foco hoje de trabalho
voltado para a punição, passa a centra-se na efetiva correção das irregularidades, utilizando
como instrumentos o dialogo, a orientação, a criatividade na busca de caminhos alternativos
para esse fim. Vilma Dias ressalta que o projeto de mudança de postura da fiscalização do
trabalho “só veio tornar institucional o que já vinha se realizando em muitos casos , por conta
da percepção inteligente de certos agentes quanto às mudanças que vem ocorrendo no mundo
do trabalho e, mais do que isso, na verdadeira situação em que se encontra boa parte do
empresariado brasileiro, sofrendo a mingua de uma abertura de mercado em sempre
adequadamente planejada”
As justificativas para mudar o perfil da fiscalização representam a tentativa de
instrumentalizar a sua ação de forma a alcançar as mudanças que vem ocorrendo no mercado
de trabalho, principalmente com o surgimento de novas práticas contratuais. Os agentes de
fiscalização, por estarem em contato direto com os atores sociais, conseguem perceber que nem
sempre a lei prevê ou oferece soluções viáveis para sanar as irregularidades, garantindo ao
88
trabalhador a continuidade no emprego. Dessa forma, os agentes de Inspeção do Trabalho
influencia de forma direita a aplicação da lei, independente das alterações que lhe são impostas.
No período FHC, as Instruções Normativas foram os meios mais utilizados para
oferecer à fiscalização do trabalho um conjunto de procedimentos para orientar e uniformizar a
sua ação. Durante os dois mandatos do governo FHC foram baixadas um total de 16 instruções
normativas, sendo 12 baixadas pela Secretaria de Inspeção do Trabalho, 1 pelo MTE e 3 pela
Secretaria de Inspeção do Trabalho conjuntamente com a Secretaria e Saúde do Trabalho.
As instruções baixadas durante o governo FHC tentaram abarcar a maioria dos
temas a serem fiscalizados pelo MTE, tais com, o depósito e requerimento de autorização do
saque do FGTS, anotação da CTPS, erradicação do trabalho infantil e proteção ao trabalhador
adolescente, o trabalho das pessoas portadoras de necessidades especiais, trabalho na área
rural, empresa de prestação de serviço a terceiros e empresas de trabalho temporário ,
condições de trabalho, segurança e saúde de vida abordo do trabalho aquaviário. Além disso, as
instruções ainda previam normas de como proceder na apreensão e guarda de documentos,
livros, materiais e equipamentos que pudessem servir de prova de infração, regras aplicáveis a
atuação e preparo e análise de processos e instrução que visasse normalizar o sistema de
aferição dos resultados da produção da fiscalização do trabalho e por último a instrução que
previa a instauração das mesa de entendimento por parte da fiscalização do trabalho.
Portanto, ao analisarmos os possíveis impactos que as alterações
trabalhistas realizadas no governo FHC possam ter causado na Fiscalização do trabalho, tem
que se levar em conta o papel das instruções normativas como forma de estabelecer
procedimentos para o dia a dia das atividades fiscais. Dessa forma, embora os autores Cardoso
89
Júnior, Marco Antônio Oliveira, Salvadori Dedecca e José Dari Krein. mencionem aspectos
que possam ter favorecido uma perda da capacidade de fiscalização do próprio MTE acerca das
infrações trabalhista, não levam em conta as atribuições contidas nas instruções normativas -
através das quais podemos melhor verificar a relação entre política de fiscalização desenvolvida
no governo FHC e as leis trabalhistas - pois o que observamos através da instruções normativas
é que boa parte desses documentos foram produzidos a partir do que já está previsto na CLT,
no Regulamento da Inspeção do Trabalho e nas convenções da OIT, em especial, a Convenção
nº 81 de 1947 sobre a Inspeção do Trabalho na Indústria e no Comércio. Dessa forma, durante
o governo FHC, a tentativa do MTE de ampliar o campo de atuação da fiscalização do trabalho,
foi realizada em grande parte dentro do que já existia em termos de direitos do trabalho e
direitos sociais. Como exemplo, podemos citar a intensificação da fiscalização do trabalho no
meio rural, a qual teve como uma das fontes de orientação o que está previsto na Constituição
de 1988, a equiparação dos direitos do trabalhador rural ao do trabalhador urbano.
90
6.Conclusões
Nesta dissertação procuramos desvendar se e de qual maneira a inspeção do
trabalho é capaz de afetar o mercado de trabalho e alterar a própria regulação dos mercados. Para
isso, mostramos que, no período do governo Fernando Henrique Cardoso, a inspeção do
trabalho sofre uma inflexão que alterou seus procedimentos de fiscalização, como o objetivo de
torná-la mais orientadora do que punitiva, viabilizando negociações de prazos para a correção do
não cumprimento da legislação trabalhista por parte dos empregadores, algo feito principalmente
através das mesas de entendimento. Outro ponto que demonstra um perfil da fiscalização do
trabalho mais voltada para a orientação, é o incentivo aos condomínios de empregadores como
alternativa a contratação de trabalhadores no meio rural, pois mediante a avaliação positiva da
Secretaria de Inspeção do Trabalho sobre a viabilidade dessa forma de contratação, o MTE
reconheceu o condomínio como algo válido para garantir a contratação formal de trabalhadores
rurais, aumentando assim o índice de trabalhadores formalizados no país, evitando a criação de
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cooperativas fraudulentas ou mesmo a incidência de trabalho escravo, bem como aumentar os
índices do FGTS.
Mostramos ainda, o papel da OIT na implementação do novo perfil da
fiscalização do trabalho. A OIT favoreceu a nova política da fiscalização do trabalho, não só
através do que já previa a sua principal convenção, n.81, de 1947 - sobre as atividade da
Inspeção do trabalho, na qual a prevenção e a orientação aparecem como procedimentos
possíveis para a fiscalização do trabalho na aplicação do cumprimento das garantias trabalhistas,
mas também através de dois grandes temas desenvolvidos pela OIT como essenciais para
garantir direitos fundamentais no trabalho: a erradicação e o combate ao trabalho infantil e ao
trabalho escravo. Esses temas se tornaram programas no governo FHC, fazendo parte das metas
do MTE, ou seja, temas da OIT podem influenciar da formulação da política nacional sobre o
mercado de trabalho. No âmbito da inspeção do trabalho o combate ao trabalho escravo e ao
trabalho infantil foram visto não só como metas a serem cumpridas, mas como novas atribuições
para a fiscalização do trabalho.
Verificamos também, que embora a ação da fiscalização do trabalho tenha obtido
mais autonomia no sentido de orientar e recomendar formas de cumprimento da lei, o governo
FHC desenvolveu um sistema de acompanhamento e controle das ações fiscais em todo o país, o
SFIT. Como vimos tal sistema reflete aspectos da reforma do estado no período FHC, pois
objetiva a garantia do cumprimento da metas definidas pelo MTE junto as SIT e as DRTES,
viabilizando assim a compatibilização das demandas da inspeção do trabalho com a política
trabalhista definida no período, bem como, sinalizar para o mercado de trabalho, quais os temas
dos direitos trabalhistas serão prioritários para o governo.
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Podemos observar através de instruções normativas e portarias, que o governo
FHC promoveu a nova política de fiscalização a partir do que já se encontra definido sobre a
inspeção do trabalho na CLT, na Convenção n. 81 da OIT e no RIT, os quais como
demonstramos, são as bases do Sistema Brasileiro de inspeção do trabalho. Sendo assim,
argumentar que possíveis medidas de flexibilização das leis trabalhistas no período FHC
interferiram diretamente na função fiscalizadora do MTE sem considerar as instâncias que
norteiam a ação da fiscalização do trabalho, é desconsiderar o papel da CLT, da Convenção n.81
e do RIT na definição de procedimentos da ação do fiscal do trabalho, bem como de que forma
tais referências se manifestam na própria política de fiscalização do MTE. Tal manifestação
pode ser observada no SFIT, cujo os procedimentos necessários para o gerenciamento da ação da
fiscalização do trabalho, são justificados com o que esta previsto tanto na CLT, na Convenção
n.81 e no RIT, as quais atribuem a União a competência de organizar, manter e executar a
inspeção do trabalho, dando assim, suporte para que o poder executivo através do MTE utilize de
recursos para melhor garantir a realização das atividade fiscais, controlando, avaliando e
medindo o desempenho da inspeção do trabalho.
Os temas trabalho escravo e trabalho infantil e o aumento do número de
trabalhadores formalizados, continuam fazendo parte das principais metas do poder executivo, o
governo Lula esta dando continuidade a política de fiscalização do trabalho desenvolvida no
governo FHC. Sendo que um desses temas ganhou mais ênfase, o trabalho escravo que antes era
um programa, agora no atual governo passou a ser um plano nacional de erradicação e combate
ao trabalho escravo. O aumento dos índices de trabalhadores rurais formalizados observados no
período FHC continua no atual governo, o que demonstra que a fiscalização do trabalho no meio
rural continua incentivando a criação de condomínio de empregadores como alternativa para
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contratação formal sem deixar de lado a fiscalização dos contratos de trabalho no meio urbano.
Realizando assim, ações fiscais mais orientadoras e normatizadoras das relações de trabalho,
conforme o novo perfil da inspeção do trabalho desenvolvido no governo FHC.
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