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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA CAMILA DA SILVA PORTELA ENTRE A CRUZ E O FUZIL: uma análise das ações do clero católico no período da ditadura militar no Maranhão São Luís 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

CAMILA DA SILVA PORTELA

ENTRE A CRUZ E O FUZIL: uma análise das ações do clero católico no período da ditadura militar no Maranhão

São Luís 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

CAMILA DA SILVA PORTELA

Entre a cruz e o fuzil: uma análise das ações do clero católico no período da ditadura civil-militar no Maranhão

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Maranhão para obtenção do título de Mestre em História. Orientador: Prof. Dr. Lyndon de Araújo Santos

São Luís 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

CAMILA DA SILVA PORTELA

Entre a cruz e o fuzil: uma análise das ações do clero católico no período da ditadura civil-militar no Maranhão

Aprovada em: _____/_____/_____

BANCA DE DEFESA

________________________________________ Prof. Dr. Lyndon de Araújo Santos

Programa de Pós-Graduação em História - UFMA (Orientador)

_______________________________________ Profª. Drª. Regina Helena Martins de Faria

Programa de Pós-Graduação em História - UFMA (Interno ao Programa)

_______________________________________ Profª. Drª. Jessie Jane Vieira de Sousa

Programa de Pós-Graduação em História Social - UFRJ (Externo ao Programa)

_______________________________________ Prof. Dr. Alírio Cardoso

Programa de Pós-Graduação em História Social - UFMA (Suplente)

São Luís 2015

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PORTELA, Camila da Silva. Entre a cruz e o fuzil: análise das ações do clero católico no período da ditadura civil-militar no Maranhão. / Camila da Silva Portela. – 2015. XX f. Impresso por computador (fotocópia) Orientador: Lyndon de Araújo Santos Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Maranhão, Programa de Pós-graduação em História, 2015. PALAVRAS CHAVES – INDEXAÇÃO

CDU

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer a várias pessoas que contribuíram, direta ou indiretamente,

para a construção deste trabalho. Primeiramente à minha família, que mesmo contribuindo de

uma forma torta, representa a base da minha formação. À minha madrinha Ivoneide (in

memorian) que está comigo sempre, me mostrando o melhor caminho a seguir.

As minhas primas Raiama Portela e Larissa Portela que estão comigo sempre e,

principalmente, me reequilibrando, nas situações mais estressantes. Aos meus amigos, em

especial, Pedro Neto e Ana Claudia que souberam compreender as minhas ausências durante

esse período.

Ao Programa de Pós Graduação em História, nas pessoas dos professores Alírio

Cardoso, Maria Isabel Barboza, João Batista Bitencourt e Antonia Mota, pelas disciplinas

ministradas que tiveram expressiva contribuição na elaboração do trabalho. Aos secretários

pela disponibilidade em ajudar nos assuntos burocráticos.

Ao meu orientador, prof. Dr. Lyndon de Araújo Santos, pelos oito anos de

orientação, e mesmo estando distante nesse último ano, permaneceu bastante atencioso com a

minha pesquisa.

À prof. Dr. Jessie Jane, por ter aceitado o convite de vim ao Maranhão para

contribuir com minha pesquisa, através da participação na minha banca de defesa.

À prof. Dr. Regina Faria que está presente na minha caminhada, desde o curso de

graduação, e esteve muito mais participativa ao longo do mestrado, através da ajuda desde o

projeto a dissertação. Agradeço a sua atenção e carinho na leitura dos meus textos. Muito

Obrigada!

Aos meus amigos de turma, em especial Pyetra, Rafael, André, Raissa, Antonio

Marcos, Leina e Pedro pelas discussões e trocas intelectuais ao longo desses dois anos.

Agradeço também a amizade de vocês nesse período e as levarei para a vida.

À Família CPT, ou seja, aos que fizeram o projeto de recuperação do acervo da

Comissão Pastoral da Terra se torna realidade, em especial os professores Marcelo Carneiro e

Wagner Cabral, por confiarem a mim a responsabilidade de conduzir a recuperação do acervo

e Maria Aparecida, Evandro e, principalmente Rodrigo Cutrim, que me ajudou desde o

começo e em todos os momentos se esforçou para a realização positiva de todas as etapas do

projeto. Agradeço também aos coordenadores da CPT/MA pela confiança de abrirem as

portas da instituição para o projeto e, em especial Antonia Calixto.

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Ao GPHR, em especial ao professor Adroaldo Almeida, Wheriston Neres e Elba

Mota, nos debates sobre o tema.

Aos padres entrevistados, Marcos Passerini, Mario Aldighiere, João Maria Van

Damme e Adalberto Abílio, pela atenção e paciência.

Ao Arquivo Público, nas pessoas de Dona Helena Espínola, Dona Lourdes e Dona

Lúcia, pela ajuda e acesso ao acervo da DOPS/MA.

À Idene Fontinelle pela troca de fontes e pela paixão por Viana.

Meu agradecimento imenso à Thiago Lima, meu companheiro, meu amigo, meu

braço direito, meu amor! Quem me acode e me acolhe nos momentos mais diversos da vida,

quem está comigo a maior parte do tempo, com quem todas as minhas alegrias e

preocupações. A quem eu devo minha felicidade, pois ao lado dele a sinto com exata

plenitude.

À Deus, pois sem ele nada seria possível.

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À Guido Casullo, Hélio Campos, Eider Furtado (in memorian). À

Antonio Di Foggia, Mario Aldighieri e Marcos Passerini

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(Henfil, setembro de 1980).

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RESUMO

Na segunda metade do século XX, a Igreja Católica reuniu-se para elaborar um novo concílio na tentativa de atualizar a instituição frente aos novos problemas do mundo. Desse concílio surgiram novas ideias e propostas de ação da Igreja, dentre as quais se destacaram a preocupação com as questões sociais e um discurso politizado de interferência no mundo. No Brasil, esse momento coincidiu com o início da Ditadura Militar, após o golpe civil-militar em 1964, caracterizada pela repressão aos movimentos sociais e pela perseguição política. Nesse contexto de oposição entre as políticas de Estado e os ideais católicos, parcela do clero passou a ser investigada sob a lógica da Segurança Nacional que previa combater os inimigos esquerditas da nação. Este trabalho tem como objetivo analisar, a partir do acervo da Delegacia de Ordem Política e Social do Maranhão (DOPS/MA), especificamente as séries documentais intituladas Entidades Religiosas e Subversão, como a Igreja Católica era observada uma das principais preocupações dos militares. Destaca-se nessa documentação as investigações e repressões ao clero progressista, como eram conhecidos os clérigos envolvidos em questões sociais, como disputas por terra e moradia, ou que possuíam um discurso politizado de críticas ao governo. Palavras-Chave: Espionagem, Igreja Católica, Progressismo.

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ABSTRACT

In the second half of the twentieth century, the Catholic Church intends to draw up a new council in an attempt to update the institution in front of the contemporary world's problems. From this council came new ideas and action proposals, among which highlighted the concern for social issues and politicized discourse of interference in the world. In Brazil, this time coincided with the beginning of the military dictatorship, after the civil-military coup in 1964, characterized by repression of social movements and political persecution. In this context of opposition between state policies and catholics ideals, some clergy started being investigated under the logic of National Security which provided combat against leftlist as enemies of the nation. This work aims to analyze the collection of the Bureau of Political and Social Order of Maranhão (DOPS/MA), specifically the documentary series entitled Religious Entities and Subversion, as the Catholic Church was observed a major concern of the military. It is noteworthy that documentation investigations and repressions to progressive clergy as they were known clerics involved in social issues, such as disputes over land and housing, or who had a politicized speech critical of the government. Key-Words: Espionage, Catholic Church, Progressivism.

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Lista de siglas

ABIN – Agência Nacional de Inteligência

ACB – Ação Católica Brasileira

AI – Ato Institucional

AP – Ação Popular

APEM – Arquivo Público do Estado do Maranhão

ASI – Assessoria Especial de Segurança e Informação

CEB’s – Comunidades Eclesiais de Base

CETER – Companhia Estadual de Terras

CIE – Centro de Informação do Exército

CGT – Comando Geral dos Trabalhadores

CMP – Comando Militar do Planalto

CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

CNV – Comissão Nacional da Verdade

COLINA – Comando de Libertação Nacional

COMARCO – Companhia Maranhense de Colonização

COTERMA – Companhia de Terras do Maranhão

CPT – Comissão Pastoral da Terra

DOPS – Delegacia de Ordem Política e Social

DOPS/MA – Delegacia de Ordem Política Social do Maranhão

ESG – Escola Superior de Guerra

FASE – Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional

FUMA – Fundação Universidade do Maranhão

GETAT – Grupo Executivo das Terras do Araguaia

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INCRA – Instituto de Colonização e Reforma Agrária

JAC – Juventude Agrária Católica

JOC – Juventude Operária Católica

JUC – Juventude Universitária Católica

LSN – Lei de Segurança Nacional

ME – Movimento Estudantil

MEB – Movimento de Educação de Base

MIRA – Movimento Intermunicipal Rural Arquidiocesano

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OEA – Organização dos Estados Americanos

PROMORAR – Programa de Erradicação de Favelas

PUA – Pacto de Unidade e Ação

REMAR – Rádio Educadora do Maranhão

SEDOC – Serviço de Documentação

SERNAT – Secretária de Recursos Naturais, Tecnologia e Meio Ambiente

SiSNI/SNI – Sistema Nacional de Informação

SUCAM – Superintendência de Campanhas de Saúde Pública

SURPLAN – Superintendência de Planejamento

TFP – Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade.

UFMA – Universidade Federal do Maranhão

UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro

UNE – União Nacional dos Estudantes

Var – Palmares – Vanguarda Armada Revolucionária - Palmares

VPR – Vanguarda Popular Revolucionária

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Classificação dos Arquivos da DOPS/MA. 33 Quadro 2 - Classificação dos Informes por veracidade. 37 Quadro 3 - Quantitativo da Documentação por ano – Séries Entidades Religiosas e Subversão (Década de 1960).

42

Quadro 4 - Quantitativo da Documentação por ano – Série Entidades Religiosas (Décadas de 1970 e 1980).

43

Quadro 5 - Quantitativo da Documentação por ano - Série Subversão (Décadas de 1970 e 1980).

45

LISTA DE MAPAS

Mapa 1 - Áreas de ocupação conflituosa com envolvimento de padres em São Luís. 103 Mapa 2 – Divisão do Maranhão por dioceses e prelazias. 115 Mapa 3 - Municípios maranhenses em que ocorreram conflitos com envolvimento de clérigos.

116

Mapa 4 – Concentração de vítimas fatais de conflitos agrários (1985-1996). 122

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Pinduca no Caribe. 26 Figura 2 - Informe sobre o Tricentenário da Arquidiocese. 38 Figura 3 - Destaque do Informe para os nomes de pe. Xavier Gilles, pe. Roberto Joseph e pe. Marcos Passerini.

39

Figura 4 - Ficha nominal do padre Mario Aldighieri (DOPS/MA). 41 Figura 5 - Operação Axixá (1972). 46 Figura 6 - Formação da moral social e da opinião pública brasileira. 50 Figura 7 - Preconceito Racial (Fradim nº 16, ano - 1977). 51 Figura 8 - Jornal Pequeno, 31 de janeiro de 1978. 53 Figura 9 - Jornal Pequeno, 14 de fevereiro de 1978. 54 Figura 10 - Censura, Moral e Bons Costumes - Fradim nº 29 ano 1980. 55 Figura 11 - Fatores que influem na formação da moral social e da opinião pública brasileira.

56

Figura 12 - Detalhe da Informação: Padres Esquerditas no Maranhão. 57 Figura 13 - Ficha de Identificação do Padre José Antonio de Magalhães Monteiro. 58 Figura 14 - Ficha do Padre Xavier Gilles de Maupeou D’Ableiges. 59 Figura 15 - Informação sobre Pe. Xavier Gilles de 1975. 61 Figura 16 – Charge sobre as Reformas de Base (MOTTA, 2002, p. 135). 66 Figura 17 - Jornal do Maranhão (5 e 6 de janeiro de 1964). 68 Figura 18 - Manchete do Jornal do Maranhão (19 de janeiro de 1964). 68 Figura 19 – Charge do jornal Tempos Novos (junho de 1983). 83 Figura 20 - Capa do boletim 25 de Março. 84 Figura 21 – Capa do boletim A caminho da libertação nº 10. 86 Figura 22 - Folheto elaborado pela CPT/MA. 88 Figura 23 - Imagens retratando o tratamento do poder público com o trabalhador. 89 Figura 24 - Passeata pela Paz . 96 Figura 25 - Crescimento Populacional de São Luís. 101 Figura 26 - Construção das casas no Parque Timbiras com palha e madeira. 104 Figura 27 - Despejo dos moradores: ao fundo encontra-se pe. Jean Marie com uma criança no colo.

104

Figura 28 - Vila Menino Jesus de Praga. 106 Figura 29 - A Caminho: Boletim paroquial elaborado pela Milícia da Imaculada. 107 Figura 30 - Ação da Polícia Militar no despejo da Floresta. 108 Figura 31 - Ação da Polícia Militar no despejo da Floresta. 109 Figura 32 – Charge sobre a expulsão do Padre Marcos Passerini 111 Figura 33 - Relâmpago: folheto apreendido na missa pela morte de Antonio Rocha. 117 Figura 34 - Frente da cartilha Quebra Quebra da Faisa. 126 Figura 35 – Verso da cartilha Quebra Quebra da Faisa. 126 Figura 36 - Ficha de Dom Hélio Campos, frente. 128 Figura 37 - Ficha de Dom Hélio Campos, verso. 128 Figura 38 - Dom Adalberto recebe a medalha de O Pacificador do General Campelo.

130

Figura 39 - Carta do Bispo solicitando a saída do leigo Maurizio Gamba em 22/04/1976.

131

Figura 40 - Ficha de Mons. Eider Furtado, frente. 133 Figura 41 - Ficha de Mons. Eider Furtado, verso. 133 Figura 42 – Capa da cartilha O Pacificador da baixada. 134

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Figura 43 - Padre Eider, ao fundo, preso por desacato em 23/05/1980. 135 Figura 44 – Capa da cartilha D. Cruzeiros S/A. 136 Figura 45 - Mortos em conflitos agrários - 1964-2000 138 Figura 46 - Avião após pouso de emergência. 141

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LISTA DE ANEXOS Anexo 01- Cartilha da TFP. 158 Anexo 02 – Exemplo de clipping. 159 Anexo 03 – Relatório sobre a Operação Axixá. 160 Anexo 04 – Informação: Formação da moral social e da opinião pública brasileira. 163 Anexo 05 – Lista nominal de clérigos encontrados no acervo. 167 Anexo 06 – Capa do livro Catecismo Anticomunista, de Dom Geraldo Sigaud. 170 Anexo 07 – Capo do jornal Tempos Novos, nº 1. 171 Anexo 08 – Verso da revista 25 de março. 172 Anexo 09 – Capa do boletim paroquial de Chapadinha nº 10 e nº 17. 173 Anexo 10 – Capa da Cartilha Política à Luz do Evangelho. 175 Anexo 11 – Relatório: Bando Armado na MA-74. 176 Anexo 12 – Nota de repúdio do arcebispo à violência em Coroatá. 178 Anexo 13 – Relatório sobre foco de “subversão” em Imperatriz. 180 Anexo 14 – Relatório sobre o Quebra-Quebra na Faisa (feito por Jan Zuffellato). 182 Anexo 15 – Carta de despedida dos padres ao povo da diocese de Santa Luzia. 185 Anexo 16 – Comunicado de expulsão de pe. Mario Aldighieri e de Maurizio Gamba. 187 Anexo 17 – Relatório enviado por Dom Adalberto à DOPS/MA. 188 Anexo 18 – Suspensão das funções religiosas de mons. Eider Furtado. 192 Anexo 19 – Notícia sobre a excomunhão de mons. Eider Furtado. 193 Anexo 20 – Relatório sobre movimentação na casa paroquial em Turiaçu. 194 Anexo 21 – Lista de clérigos citados e as informações. 195

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SUMÁRIO

Lista de Siglas ..................................................................................................................... 10

Lista de Quadros . ............................................................................................................... 12

Lista de Mapas .................................................................................................................... 12

Lista de Figuras ................................................................................................................... 13

Lista de Anexos ................................................................................................................... 15

INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 17

1. O Acervo da Delegacia de Ordem Política e Social do Maranhão sob a ótica da subversão católica ...............................................................................................................

31

2. A subversão católica no Maranhão ................................................................................. 64

2.1 O novo jeito de ser Igreja ........................................................................................ 75

2.1.1 Os Sermões de esclarecimentos políticos ...................................................... 76

2.1.2 As Publicações de conscientização política .................................................. 81

2.1.3 A Rádio Educadora: a subversão pelas ondas do rádio ................................ 92

2.1.4 As Mobilizações sociais ................................................................................ 94

3. Paz social pela justiça social: a luta pelo acesso à terra e moradia no Maranhão ........ 99

3.1 São Luís: onde nasce e cresce a violência ............................................................... 101

3.1.1 Agitação leva três padres à cadeia ................................................................. 103

3.1.2 Massacre e pressões no despejo do Vinhais .................................................. 105

3.1.3 Padres são presos no despejo da Floresta ...................................................... 107

3.1.4 Despejo no Tirirical e a expulsão de padre Marcos Passserini .................... 110

3.2 Ainda e sempre o problema fundiário ...................................................................... 111

3.2.1 Diocese de Coroatá: padres com características subversivas ....................... 116

3.2.2 Armas e leigos na Diocese de Bacabal .......................................................... 118

3.2.3 Diocese de Carolina e o Bico do Papagaio .................................................... 121

3.2.4 Diocese de Grajaú: quebra quebra da Faisa .................................................. 124

3.2.5 O Bispo pacificador da Diocese de Viana ..................................................... 127

3.2.6 Dom Guido e Antonio di Foggia na Prelazia de Cândido Mendes .............. 139

3.2.5 Diocese de Brejo e mons. Hélio Maranhão ................................................... 142

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 146

REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 150

ANEXOS.............................................................................................................................. 157

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17 INTRODUÇÃO

Esta dissertação é resultado de uma caminhada acadêmica que se iniciou na

graduação com a participação nas atividades do Grupo de Pesquisa História e Religião,

coordenado pelo Prof. Dr. Lyndon de Araújo Santos, no qual me interessei pelo tema religião

e política, especificamente no período da segunda metade do século XX.

Propus abordar a relação entre a Ditadura Militar e a Igreja Católica, a partir das

análises da documentação da extinta Delegacia de Ordem Política-Social do Maranhão

(DOPS/MA), que se encontra no Arquivo Público do Estado do Maranhão (APEM). A

documentação utilizada como fonte são as séries documentais Entidades Religiosas e

Subversão, organizadas com o auxílio do Projeto Memórias Reveladas do Arquivo Nacional1.

A pesquisa buscou compreender a ação de religiosos católicos durante a ditadura,

através das informações produzidas pelos órgãos de vigilância. O objetivo central foi entender

como as ações de bispos, padres, freiras e leigos católicos entraram em conflito com os ideais

militares desse período. Esse cenário de divergência era composto, de um lado, pelo Estado

militarizado – que se sustentava na repressão aos movimentos sociais e políticos contra a

subversão da ordem – e de outro, indivíduos envolvidos por um corpo de ideias religiosas

baseadas no Concílio Vaticano II (1962 – 1965)2, que davam visibilidade à função social da

Igreja.

No início das pesquisas no APEM consultei a documentação da Arquidiocese na

intenção de encontrar registros produzidos pela Igreja Católica no período da ditadura. Esta

documentação, mesmo em pouca quantidade no recorte temporal da pesquisa, foi importante

para a as análises na construção da narrativa. Trata-se, em grande parte, de correspondência

enviada para o Vaticano pelo Núncio Apostólico, discorrendo sobre a situação da Igreja no

Maranhão, como a falta de padres, a situação agrária do estado e os conflitos internos entre

religiosos.

Indagando sobre a possibilidade de encontrar a documentação dessa instituição

religiosa no século XX e falando sobre o interesse de pesquisa para a então diretora do APEM

recebi a informação de que os documentos da DOPS/MA já estavam ali depositados, mas

ainda não haviam passado pelo processo de higienização e organização, muito embora o

1 O Centro de Referência das Lutas Políticas no Brasil – Memórias Reveladas foi implantado no Arquivo Nacional em, 13 de maio de 2009, através da portaria nº 204 do Ministério da Casa Civil, com o objetivo de reunir informações sobre momentos da história política recente do país. 2 Entre os anos de 1962 a 1965, a Igreja Católica Romana se reuniu no Vaticano para a realização de um novo concílio, que teve como objetivo atualizar a Igreja Católica ao mundo moderno.

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18 levantamento do conteúdo dos documentos já estivesse sendo feito e que havia uma série

específica sobre religião. Iniciei uma leitura prévia dos documentos, sem a possibilidade de

transcrição ou de digitalização, pois ainda não haviam sido liberados para a pesquisa, sabendo

que em breve todo o acervo documental seria recolhido para ser higienizado e

recondicionado, o que aconteceu pouco tempo depois.

Neste período em que não pude realizar a pesquisa documental me dediquei à

análise da bibliografia sobre o tema, buscando compreender melhor a situação sociopolítica

do país e a relação entre o Estado e a Igreja àquela época. Para o trabalho monográfico ainda

realizei um levantamento da documentação, a partir do qual propus um projeto de pesquisa

para o Mestrado em História Social da UFMA.

No curso de mestrado tentei situar a pesquisa dentro de um espaço de produção

historiográfica a partir de reflexões teóricas e metodológicas, que consideram o contexto de

disputa pela memória em que não só os autores, mas também os atores sociais expressam e

defendem os seus pontos de vista. Os relatórios de polícia são exemplos de registro de fatos

condicionados pela ótica da instituição e de quem os escreve.

O documento não é portador da verdade, mas tão somente um olhar daquele que

vê algo ou ouviu falar sobre algo. Registros diferentes, no caso de jornais, podem conter

narrativas diferentes, cabendo ao historiador ter cuidado ao lidar com essas versões sobre os

fatos. No debate sobre história e memória, alguns cuidados devem ser tomados, pois a

memória deve ser pensada como “pontos de interseção de várias séries ou correntes mentais

aproximadas pelas relações sociais” (ALBUQUERQUE JR., 2007, p. 200).

O historiador conta uma história, narra; apenas não inventando os dados de suas histórias. Consultando arquivos, compila uma série de textos, leituras e imagens deixadas pelas gerações passadas, que, no entanto, são reescritos e revistos a partir dos problemas do presente e de novos pressupostos, o que termina transformando tais documentações em monumentos esculpidos pelo próprio historiador, ou seja, o dado não é o dado, mas recriado pelo especialista em História. O que se chama de evidência é fruto das perguntas que se fazem ao documento e ao fato de que, ao serem problematizados pelo historiador, transformam-se, em larga medida, em sua criação (ALBUQUERQUE JR., 2007, p. 62-63).

O historiador não deve ser o juiz do passado, pois está envolvido por outras teias

discursivas e disputas de poder do seu tempo (correntes historiográficas, ideologias e espaços

acadêmicos, por exemplo) e em nome da cientificidade tenta exaustivamente não aparecer

como crítico dos fatos, mas, sim, das fontes e das formas como o fato foi narrado.

Carlo Ginzburg em seus estudos sobre a inquisição mostra como é possível

trabalhar com essas narrativas, entendendo as versões sobre os fatos a partir de sua relação

com determinado contexto social. Ginzburg deixa claro que o seu interesse não é em nenhum

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19 momento atestar a veracidade dos processos inquisitoriais e se de fato as acusações de

bruxaria eram práticas de uma cultura religiosa distinta do catolicismo. Tal como Ginzburg,

não me interessavam averiguar se de fato os padres tinham armas escondidas nos subsolos das

igrejas, mas entender o significado da acusação das armas escondidas dentro do contexto do

Regime Militar.

Para o historiador italiano, o importante é tentar entender dois elementos

entrelaçados nos documentos. O primeiro é a estrutura dos processos inquisitoriais (no caso

da minha pesquisa, a construção da informação) e o segundo é a constituição cultural daquilo

que foi chamado de bruxaria/feitiçaria (na minha pesquisa, subversão). Ao entender estes dois

elementos é possível decifrar a linguagem dos acusadores e lógica de funcionamento das

instituições.

A pesquisa nos arquivos da DOPS/MA possibilitou entender o que era

conceituado como subversão católica, ou seja, quais ações de clérigos eram consideradas

perigosas para o Estado. E foi a partir do entendimento das bases ideológicas e das estruturas

de funcionamento dos órgãos de informação que se tornou possível compreender quais foram

os elementos discursivos presentes na construção da subversão.

O historiador coleta versões ou detalhes nas várias versões a que tem acesso, para

poder elaborar uma narrativa. Resultante de um longo esforço de interpretações das fontes,

essa nova narrativa é consciente das restrições institucionais e das subjetividades inscritas nos

documentos.

Dessa forma é possível ao historiador construir novas versões (narrativas com um

ponto de vista diferenciado em relação aos documentos ou a outras interpretações desses

documentos) com base nas pistas que coletou. É a partir das pesquisas que os historiadores

podem confrontar as diversas versões sobre o golpe civil militar de 1964. As novas

interpretações sobre os eventos são decorrentes das questões que surgem para atender a

demandas do presente.

Trata-se de uma dimensão em que passado e presente se encontram numa interação que vai muito além de uma mera relação interpretativa a posteriori (seja de natureza realista-objetiva, seja de natureza poético-subjetiva); é uma dimensão onde predomina um “nexo interno” (Ranke) peculiar entre passado e presente, no qual ambos são elementos cruciais. Aqui, o passado está vivo por causa do seu significado histórico para os projetos de futuro do presente; e o presente, por sua vez, está vivo por que a apropriação cognitiva do passado resulta numa interpretação histórica da emergência do presente (RÜSEN In SALOMON, 2011, p. 270).

As respostas para as perguntas para quê lembrar o passado? e/ou porque é

importante escrever sobre determinado fato?, no caso específico dessa pesquisa, não dizem

respeito unicamente às novas perspectivas de análises do próprio saber historiográfico ou em

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20 novos objetos construídos pelos historiadores, mas também acompanham questões sociais

relevantes como a abertura de arquivos, a atuação da Comissão Nacional da Verdade (CNV)3

e de entidades ligadas à perspectiva dos Direitos Humanos.

O trauma social causado pela atuação da polícia política gerou indagações cujas

respostas não estavam mais articuladas com as necessidades presentes de compreensão do

passado. Os termos terrorista, subversivo e comunista – utilizados largamente na

documentação dos órgãos de informação – passaram a ser questionados no momento em que

figuras, como padres católicos, estavam sendo acusadas de representarem perigo para o

Estado.

Damos conta que a História não está a serviço da memória, de sua salvação, mas está, sim, a serviço do esquecimento. Ela está sempre pronta a desmanchar uma imagem do passado que já tenha sido produzida, institucionalizada, cristalizada. Inventado, a partir do presente, o passado só adquire sentido na relação com este presente que passa, portanto, ele enuncia já a sua morte prematura (ALBUQUERQUE JR., 2007, p. 61).

O movimento de 1964 foi definido pelos militares e por parcela da sociedade da

época como uma Revolução, com o objetivo de salvar o Brasil do perigo comunista. Essa

interpretação foi reproduzida por diversos autores, partilhando da versão militar muito

divulgada pelos órgãos de governo. Em jornais da época, o que aparecia como Golpe era um

movimento que estaria sendo arquitetado por Jango, e a Revolução era a intervenção feita

pelos militares, como podemos perceber na obra Documentos Históricos Brasileiros,

produzido pelo Ministério da Educação e Cultura, em 1976:

A Revolução de 1964 foi um movimento civil, pelo profundo apoio recebido sobretudo da classe média e, em sua ação, militar. A inflação e o consequente aumento do custo de vida, a pressão dos grupos de extrema esquerda (partidos e sindicatos) para uma revolução socialista, o constante desassossego da população ante a radicalização dos ânimos, a falta de fórmulas políticas capazes de salvar o País do caos, que já existia, devido a fraqueza do governo e à indefinição de seus objetivos, todos estes fatos provocaram um movimento popular. Essa mobilização do povo contra a degradante situação econômica e a falta de opções políticas facilitou a tarefa das Forças Armadas, depondo o governo e iniciando um processo revolucionário (GASMAN, 1976, p. 248).

Em contraponto à versão oficial, surgiram novas interpretações dos fatos em torno

do movimento de 1964. Essas interpretações são oriundas de novas investigações, das pistas

documentais e da memória daqueles que viveram o período. Jorge Ferreira, por exemplo,

desconstrói a versão romântica do golpe como salvação e aponta para um movimento,

3 A Comissão Nacional da Verdade foi criada pela Lei nº 12528/2011 e instituída em 16 de maio de 2012. A CNV tem por finalidade apurar graves violações de Direitos Humanos ocorridas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988. Os relatórios conclusivos da comissão foram publicados em dezembro de 2014 e encontram-se disponíveis em http://www.cnv.gov.br/index.php.

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21 inicialmente sem rumo, cego em relação ao seu futuro e com foco na deposição de João

Goulart.

A derrubada de Goulart da presidência e o colapso da democracia no Brasil repercutiram entre os grupos nacionalistas e reformistas como grande surpresa. No entanto, para todos os protagonistas dos conflitos daquela época, como as esquerdas, a direita civil e os próprios militares, o golpe surgiu como uma grande incógnita. Como alguns depoimentos confirmaram, não havia um projeto a favor de algo, mas contra. A questão imediata era depor Goulart e, depois, fazer uma “limpeza” política. Somente adiante e com difíceis entendimentos entre facções das Forças Armadas, surgiria um “ideário” do regime dos militares. Segundo algumas versões, Goulart inicialmente imaginou que a intervenção militar repetiria as anteriores, como em 1945: o presidente é deposto, conhece o exílio dentro do território nacional e depois a vida política do país retoma os caminhos normais. O governo trabalhista, a sociedade e mesmo os patrocinadores da derrocada da democracia não perceberam que, em abril de 1964, ocorrera um novo tipo de golpe (FERREIRA e DELGADO, 2008, p. 401, grifo meu).

Ao coletar as pistas presentes em várias fontes ou versões, o trabalho do

historiador é análogo ao do detetive (GINZBURG, 1989), no entanto o trato com as

informações é diferenciado, pois o historiador não está preocupado unicamente em construir

uma narrativa encadeada e linear do fato.

Mesmo que o historiador não possa deixar de se referir, explícita ou implicitamente, a séries de fenômenos comparáveis, a sua estratégia cognoscitiva assim como os seus códigos expressivos permanecem intrinsecamente individualizantes (mesmo que o indivíduo seja talvez um grupo social ou uma sociedade inteira). Nesse sentido, o historiador é comparável ao médico, que utiliza os quadros nosográficos para analisar o mal específico de cada doente. E, como o do médico, o conhecimento histórico é indireto, indiciário, conjetural (GINZBURG, 1989, p. 157).

As preocupações do historiador estão para além da solução de um problema – ou

de um crime – pois a sua versão não se pretende como definitiva, tendo consciência dos

limites de seu discurso. A quebra do monopólio do poder narrativo dos militares não significa

que a sua versão não seja mais aceita ou esteja em processo de substituição. As novas versões

implicam em um choque de interesses institucionais e são representativos da disputa pela

legitimidade da fala. Nesse caso o historiador assemelha-se ao catador de sucata

(GAGNEBIN, 2006, p. 54), que seleciona os seus materiais em busca de um novo sentido

para aquilo que aparentemente não possui importância. No caso da versão dos militares

retoma-se aqui a antiga noção de história dos vencedores x história dos vencidos sob a ótica

do poder de lembrar, narrar essa lembrança e torná-la crível.

O historiador ao voltar a sua análise para a sucata, ou seja, aquelas informações

dispensadas por aquele que impõe uma versão ou menosprezadas por determinada fonte,

possibilita a criação de um novo entendimento sobre o passado.

Esse narrador sucateiro [...] não tem por alvo recolher os grandes feitos. Deve muito mais apanhar aquilo que é deixado de lado como algo que não tem significação, algo que parece não ter nem importância nem sentido, algo com que a história oficial não

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sabe nem o que fazer. [...] o narrador e o historiador deveriam transmitir o que a tradição, oficial ou dominante, justamente não recorda. Essa tarefa paradoxal consiste, então, na transmissão do inenarrável, numa fidelidade ao passado e aos mortos, mesmo – principalmente – quando não conhecemos nem seu nome nem seu sentido (GAGNEBIN, 2006, p. 54).

As pesquisas contemporâneas sobre o Regime Militar brasileiro buscam fontes

que anos atrás não tinham importância para a construção da narrativa histórica. Bilhetes

trocados entre militantes comunistas, correspondências entre clérigos, impressos distribuídos

em missas, relatórios de sindicatos, além de documentos oficiais produzidos pelos agentes de

informação são cruzados para a construção de uma narrativa articulada por outro olhar de

pesquisa. As mutabilidades dos sentidos desses documentos estão relacionadas com as

perguntas que o presente faz sobre seus personagens.

Além da memória escrita, o uso de registros orais passou a ocupar lugar de

extrema importância para as pesquisas sobre períodos de repressão e violência. No Brasil, o

projeto “Marcas da Memória: história oral da anistia no Brasil” coordenado pela Profª. Dra.

Maria Paula Nascimento Araújo (UFRJ) tem como objetivo construir um acervo de

depoimentos de pessoas que de alguma forma tiveram participação, direta ou indiretamente,

no processo de Anistia4.

O uso da História Oral como metodologia tem contribuído muito para o trabalho do historiador do tempo presente. Desde a década de 1980, sobretudo nos trabalhos que abordam os anos das ditaduras militares na América do Sul, os depoimentos e testemunhos de ex-mlitantes políticos revelaram-se uma das fontes preferenciais para os historiadores. Estes depoimentos nos permitem compreender a construção das estratégias de ação e das representações de grupos ou indivíduos em diferentes contextos. Portanto, os testemunhos podem servir como matéria-prima para a compreensão dos usos políticos do passado. Assim sendo, a memória é, para o historiador, ao mesmo tempo fonte e objeto de estudo (ARAÚJO e SILVA In: ARAÚJO [et. al.] 2012, p. 269-270).

Pode-se considerar que, devido aos movimentos como o dos Mortos e

desaparecidos políticos no Brasil, e às atividades desenvolvidas pela Comissão de Direitos

Humanos em busca de respostas sobre o paradeiro de militantes desaparecidos entre os anos

de 64/85, é que uma nova narrativa histórica sobre o Regime esteja sendo feita a partir dos

vencidos, dos torturados, dos exilados e de todos aqueles que tiveram a sua

lembrança/narrativa suprimida por força de uma narrativa que se sobrepôs às demais, pelo

poder que a ela estava ligado.

4 Segundo Thomas Skidmore a anistia foi “questão vital para que o Brasil abandonasse o regime autoritário e reintegrasse na sociedade e na política os milhares de exilados políticos que tinham fugido do país ou sido perseguidos no exterior desde 1964. [...] Foram beneficiados com a medida todos os presos ou exilados por crimes políticos desde 2 de setembro de 1961. Ficaram excluídos os culpados por ‘atos de terrorismo’ e de resistência armada ao governo, os quais foram reduzidos a apenas uns pouco quando da aplicação da lei. A anistia também reestabelecia os direitos políticos daqueles que os haviam perdido nos termos dos atos institucionais” (2004, p. 422-423).

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Como exemplo já citado aqui, ao relativizar ou buscar entender o que era e quem

eram considerados terroristas, subversivos e comunistas, é possível descobrir um universo

mais complexo de sujeitos e práticas que essas expressões, da forma que eram utilizadas pela

narrativa oficial (e dos oficiais), não dão conta, por serem apresentadas de forma pronta e

definitiva.

A relação entre história e histórias de vida é uma das bases da História Oral. A análise dos depoimentos nos permite construir um personagem a partir de uma subjetividade inserida num tempo histórico (ARAÚJO e SILVA In: ARAÚJO [et. al.], 2012, p. 271).

Buscando aquilo que foi dispensado como não importante, é que podemos

construir novas versões, pois “fato e documento histórico demonstram nossa visão atual do

passado, num diálogo entre a visão contemporânea e as fontes pretéritas” (KARNAL;

TATSCH In: PINSKY; LUCA, 2011, p. 13). Assim não é possível crer que a história irá

redimir pessoas com a imprevisibilidade da ação dos agentes sociais atuais, e as novas

perspectivas de pesquisa para os historiadores é que irão determinar as novas histórias.

Essa nova construção de versões está relacionada às novas interpretações, mas

também aos arquivos considerados confidenciais e secretos que estão em processo de

liberação. No caso desta pesquisa isso é muito claro, pois a documentação utilizada foi

recentemente aberta para os pesquisadores. Os arquivos da repressão foram produzidos pelos

órgãos de informação e de segurança do Estado, acerca das ações que julgavam ameaçar a

segurança nacional.

Os arquivos de repressão se compõem de registros elaborados ou incorporados a partir da ação policial cotidiana (fichas pessoais, depoimentos, prontuários, dossiês, relatórios, informações, ordens de busca e prisão etc.), mas também de documentos roubados (livros, publicações, correspondências pessoais, documentos de organizações etc.), ou de declarações tomadas em interrogatórios que desrespeitavam tanto os códigos penais (duração do interrogatório, horário em que eram feitos, presença de testemunhas etc.) quanto os Direitos Humanos (torturas físicas e psicológicas) (BAUER; GERTZ In: PINSKY; LUCA, 2011, p. 117).

Segundo Nilson Borges, no Brasil, as Forças Armadas, seguindo a risca as normas

da Doutrina de Segurança Nacional, colocaram-se ao lado da burguesia, “manobrando a

sociedade civil, através da censura, da repressão e do terrorismo estatal” (BORGES In:

FERREIRA; DELGADO, 2007, p. 21). Logo, a manutenção da ordem militar deu-se através

da violência institucionalizada contra os que discordavam do processo político iniciado em

1964.

A elaboração de uma representação negativa dos grupos e ideias de oposição ao

regime militar foi uma tentativa de justificar o exercício da violência por parte do Estado, a

partir da criação de um ou vários inimigos da nação. A repressão poderia ser exercida, nesse

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24 caso, em nome da defesa nacional, e a segurança de todos deveria ser feita com base no

combate daqueles que representavam a insegurança.

Segundo Hannah Arendt (2010), nesses casos não havia necessariamente uma

disputa de poder, já que um grupo se prevalecia sobre outro por meios violentos e o que

levaria a sua degradação e não à sua legitimidade. Joseph Comblin afirma que a ideia de

segurança nacional é uma forma de exercício de poder do Estado contra algo que considera

perigoso e que viria a sofrer as sanções políticas (COMBLIN In ALMEIDA, 2007, p. 180).

Aqui se tem, em conjunto com a ideia de violência, as noções de segurança/insegurança, que

também eram relativas, pois a doutrina e as leis de segurança nacional representavam, para

uns, a segurança e, para outros, a insegurança e a violência.

Quando nos voltamos para a relação entre o Estado e a Igreja Católica no Brasil

conseguimos perceber dois poderes com representatividade significativa na sociedade e cada

um, à sua maneira, emitiu protestos contra o outro. Um dos pontos centrais que forjaram os

choques entre ambas – a ser trabalhado mais adiante – é o fato de que a Doutrina Social

Católica da segunda metade do século XX defendia que os indivíduos, principalmente os mais

pobres, tinham direitos que lhes eram garantidos por serem considerados sagrados. Era da

Bíblia que clérigos e leigos tiravam os exemplos para basear as suas ações para agir social e

politicamente em busca de direitos, justamente quando os Governos Militares estavam

suprimindo direitos, minando formas de organização e ação social além de considerar tais

formas de pensar como influências do comunismo.

Havia um teor político nas reflexões dessa Igreja Católica pós-Teologia da

Libertação5. A necessidade de interferência na sociedade por meio de uma reflexão teológica

passava necessariamente pela reflexão política, uma vez que via na organização de grupos

sociais a saída para conseguir melhoria nas condições de vida. Nesses casos não é raro

observar no discurso católico alusões às noções de condição de classe, luta, exploração, entre

outras expressões que não faziam parte da gramática do catolicismo até então.

Dom Hélder Câmara pode ser citado como um dos expoentes brasileiros da defesa

dessa interferência religiosa em questões sociais, demonstrando uma postura de reflexão não

só espiritual voltada para o evangelho, mas também para uma missão social que, segundo ele,

não está fora dos desígnios divinos para a Igreja e seus membros. Em sua obra O deserto é

fértil, D. Hélder fala sobre as contradições do mundo, geradoras de violências.

Um pouco por toda parte, não falta, sobretudo entre os jovens, quem chegue à conclusão de que, para corrigir as injustiças, o único recurso válido é levantar os

5 Teologia com base em uma reinterpretação antropológica da fé crista com base em questões sociais.

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injustiçados, os oprimidos, preparando-os à abrir, pela força, caminho para a justiça e dias melhores. Também não falta quem, desejando de verdade um mundo mais justo e mais humano, não creia na força e na violência armada como solução. Mesmo sem apelar para motivos religiosos ou ideológicos, os que se decidem a usar a não-violência ativa [...] tentam demonstrar que, hoje, a complexos poderosos dominando a Terra e partindo para as estrelas: alianças de poderio econômico, poderio político, poderio tecnológico e poderio militar. Como esperar vencer pelas armas os Senhores do Mundo, que têm, a seu lado, fabricantes de armas e promotores de guerras? (CÂMARA, 1976, p. 4).

Essa nova postura expôs clérigos e leigos à ação repressiva dos militares que

buscavam evitar e reprimir quaisquer tentativas de conscientização coletiva. As reflexões de

D. Hélder são exemplos dessas várias formas de manifestação, que setores da Igreja Católica

se utilizavam e que foram entendidas como perigosas pelos militares.

Em nenhum momento trata-se de descaracterizar o sentido político dessas ações

ou esvaziar a intenção de conscientização propostas pelos religiosos. As cartilhas destacam-se

como veículo de conscientização política e foram utilizadas largamente para tratar de diversos

assuntos. Problemas de terra, pobreza, educação, saneamento básico, direitos humanos,

corrupção foram alguns dos temas abordados e poderiam conter imagens, depoimentos, em

formato de histórias em quadrinhos ou em cordel.

Tais publicações foram recolhidas pelos agentes de informação para investigarem

seus autores e a possível repercussão negativa e de enfrentamento ao Regime. As ideias

religiosas produziam focos de resistência à tentativa de dominação. Os militares e agentes

ligados ao Regime reconheciam não só o poder de influência da Igreja, mas também o alcance

que suas mensagens poderiam ter. A eficácia dos sermões e publicações preocupavam as

autoridades. Por estarem difundindo ideias que iam de encontro às verdades construídas pelos

governantes, padres e leigos foram investigados, perseguidos, presos e mortos.

Nos arquivos das delegacias e órgãos de informação não é difícil encontrar nomes

de clérigos e religiosos ligados a Igreja Católica envolvidos em investigações policiais. Nos

documentos da Delegacia de Ordem Política e Social do Maranhão há uma série documental

exclusiva para movimentos religiosos – boa parte dela referentes ao catolicismo, muito

embora documentos com este assunto estejam presentes em outras séries. Com base nas

pesquisas desenvolvidas é possível afirmar que os militares possuíam uma linha de

investigação particular ou exclusiva para esse catolicismo que representava um perigo

significativo à legitimidade do regime militar.

Cientes da amplitude e eficácia do discurso religioso e de toda a proposta de

sociedade trazida pelos movimentos católicos do séc. XX, os militares alertavam nos seus

discursos de proteção à nação para o perigo que essa reflexão cristã poderia causar na

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26 sociedade. Porém, o regime militar não buscava desligar a Igreja de sua relação com a

sociedade, mas condicionar sua ação religiosa aos interesses da Revolução de 1964, ou seja, a

Igreja não deveria se envolver em política.

Segundo Yves Michaud (1989), a insegurança é um sentimento que suprime a

normalidade do cotidiano, ou seja, permite que ações consideradas violentas ou mesmo

consideradas negativas possam acontecer. No caso da América Latina, o comunismo foi eleito

como inimigo do Estado e vários estereótipos e representações negativas foram construídas

sobre ele, encurralando as tentativas de mobilização da sociedade e de resistência às ditaduras.

A figura abaixo serve para ilustrar esse ideário, e foi extraída do semanário

católico – Jornal do Maranhão, de 05 e 06 de janeiro de 1964. Ela estava inserida em uma

série de tiras, contando as aventuras de Pinduca no Caribe, e nos mostra de maneira negativa

aspectos do regime comunista de Cuba.

Figura 1 – Pinduca no Caribe (Jornal do Maranhão, 05 e 06 de janeiro de 1964).

Nos documentos sobre o Regime Militar no Brasil, as ações violentas do Estado

são classificadas como defesa da segurança nacional. São versões oficiais sobre o que as

Forças Armadas consideravam como perigoso à nação e, consequentemente, definições

daquilo que consideravam como atos violentos praticados contra o Estado.

[...] é preciso contar com as mentiras e as omissões dos documentos: ‘o próprio documento tende a ocultar os traços rebeldes. Os documentos históricos mais detalhados e mais volumosos vêm das deliberações dos tribunais, das chefaturas de polícia, das unidades militares ou de outras repartições governamentais que trabalham para prender e punir os adversários. Por isso mesmo os documentos sustentam as opiniões daqueles que detêm o poder. Todo contestatório que escapa da prisão também escapa da história’. Ao adversário pode ser atribuída mais violência do que a que ele cometeu realmente (MICHAUD, 1989, p. 18).

A versão dos militares conta uma história vista de cima e contribui para a

descaracterização do papel dos que fracassaram em conflitos para a mudança dessa estrutura

social ou das relações de poder, relegando-os ao lugar do crime, da ameaça e da violência, de

forma geral. Os registros sobre tais disputas, em sua maioria, vão contar a versão daqueles

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27 que conseguiram se sobrepor aos demais, destinando, aos que perderam, uma espécie de

limbo memorial em que suas narrativas vão ser tomadas dentro da perspectiva do mal, do

criminoso e do violento.

No entanto, ao perceber novos referenciais narrativos, a história vista de baixo vai

dá-se conta de uma nova perspectiva de trabalho, valorizando as diversas “economias morais”

que permitem considerar a violência, relativizando-a, dedicando especial atenção não

exclusivamente à sua definição, mas quem a define. Em outras palavras, ao perceber ou dar

voz à outras narrativas não oficiais, o historiador permite refletir a partir de novos pontos de

vista.

A pesquisa buscou compreender as ações dos religiosos, que estavam sendo

consideradas subversivas, por meio dos relatórios policiais, ao mesmo tempo em que busca

compreender a produção desses documentos a partir do funcionamento da Ditadura Militar e,

principalmente, dos seus órgãos de informação.

Ao conhecer-se a origem e a função de determinado relatório torna-se possível

entender o discurso que legitima não só a investigação, mas as ações policiais contra aqueles

que eram acusados de subversão.

É necessário desmistificar a documentação desses regimes naquilo que diz respeito à metodologia repressiva. Raramente um documento demonstrará, de forma explícita, práticas como o sequestro como forma de detenção; a tortura física e psicológica como fonte de informação e punição; e mortes e desaparecimento como política de extermínio. Assim, torna-se imprescindível estar atento as sutilezas que essas fontes possuem, e às evidências que trazem subentendidas (BAUER; GERTZ In: PINSKY; LUCA, 2011, p. 190).

Boa parte desses documentos envolvendo religiosos trata de questões relativas a

problemas agrários, como invasão de terras, expulsão de lavradores e grilagem, os quais, em

geral, ameaçavam a vida do pequeno produtor, que sem possibilidades de produção se

submetia à exploração dos grandes latifundiários ou organizava-se para lutar por melhores

condições de vida e meios de produção, estimulado pelos sermões dos padres.

A situação agrária do Maranhão motivou a atuação de muitos religiosos católicos.

Na maior parte dos conflitos agrários, os religiosos aparecem em defesa dos lavradores, indo

responder juntamente com eles acusações e as vezes sendo presos. As denúncias contra tais

arbitrariedades aumentaram após a criação da Comissão Pastoral da Terra6 (CPT).

A atividade dos religiosos foi vigiada de perto pelos agentes da DOPS, que

elaboraram relatórios levando em consideração o perigo existente em tais organizações sociais

e no trabalho de conscientização por parte dos agentes da CPT. Em trabalho de organização

6 Entidade ligada a Igreja Católica, criada no Maranhão em 1976.

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28 do arquivo da referida comissão foi possível identificar uma série de documentos relativos aos

problemas de terra tratados em relatórios policiais, subsidiando com mais detalhes o

desenrolar dos fatos em um determinado acontecimento e compreendendo melhor a atividade

dos envolvidos nas questões.

Os anexos de relatórios da DOPS (cartilhas, recortes de jornais, boletins pastorais,

mapas, e outros documentos) indicavam para outros fundos documentais que precisariam ser

explorados. Desse acesso aos arquivos da CPT, através do projeto de extensão: Digitalização

e publicação do acervo sobre conflitos agrários da Comissão Pastoral da Terra – Maranhão

(1976-2012)7, facilitou o contato com uma série de documentações produzidas por esse órgão.

Desse acervo serão utilizados os recortes de jornais e informativos elaborados por agentes

pastorais, relacionados com questões agrárias no estado.

O cruzamento de informações com o acervo documental da CPT foi realizado

com base nos relatórios de conflitos de terra no Estado, recortes de jornais, informativos de

paróquias, correspondências entre clérigos e pessoas envolvidos em tais questões, encontrados

tanto no acervo da comissão como na DOPS/MA. Várias cópias desses documentos foram

apreendidas pelos militares, mas utilizadas de acordo com os seus referenciais burocráticos e

ideológicos.

Houve a impossibilidade de acesso à documentação da Arquidiocese, referente ao

período estudado, pois a que está no APEM é muito limitada. Logo, para compreender o que

chamo aqui de postura da Igreja Católica no Maranhão em relação à Ditadura será utilizado

com fonte de informação o Jornal do Maranhão, semanário católico publicado pela

Arquidiocese do Maranhão.

É necessário frisar aqui que muitas vezes os mesmos documentos encontrados em

contextos distintos apresentaram possibilidades de leituras diferentes, pois os relatórios e

depoimentos que os acompanhavam traziam interpretações diferentes, mostrando o choque de

interesses entre os dois lados dos conflitos e também dentro das próprias instituições.

Alguns religiosos estavam em defesa de ideais também defendidos pelos

Militares. Foi o caso dos integrantes da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e

Propriedade (TFP), católica e anticomunista, que costumava entrar em conflito com a

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em questões ideológicas. Assim, os

bispos e padres que não concordavam com a postura social e política daqueles orientados pelo

7 Coordenado pelos prof. Dr. Marcelo Sampaio Carneiro (UFMA) e prof. Ms. Wagner Cabral da Costa (UFMA).

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29 Concílio Vaticano II e pela Teologia da Libertação, criticavam e combatiam as atividades de

clérigos com posturas mais radicais. (Anexo 01)

Ao longo da análise dos documentos, além das informações sobre a Igreja

Católica, na documentação da DOPS/MA encontrei alguns documentos sobre a atuação de

partidos que se encontravam na clandestinidade, práticas terroristas que deveriam ser

identificadas, subversivos de outros países que estariam chegando ao Brasil, siglas adotadas

por organizações subversivas, estratégias populares de guerra na cidade, entre outras.

No que se refere a movimentos sociais encontrei também manifestações grevistas

de motoristas do transporte coletivo, motoristas de táxi, funcionários de emissora de rádio, de

funcionários públicos e greve geral. A situação do menor abandonado e os choques entre

policiais militares e civis também foram registrados por essa delegacia. Denúncias sobre

questões agrárias, violência no campo e na cidade devido à ocupações de terras, ameaça de

morte, prisões arbitrárias em todo o estado tomaram parte nos relatórios dos agentes da

DOPS/MA.

Muito embora não seja o foco direto da pesquisa, metodologicamente esses

registros podem ser utilizados como fonte de informações complementares, para entender o

que era considerado subversão, ou seja, o que buscavam e como trabalhavam os agentes de

informação. Por contemplar uma ampla série documental, apenas parte dessa documentação

será analisada no trabalho.

Durante o trabalho de pesquisa busquei contato com alguns padres para esclarecer

dúvidas e todos se dispuseram a falar sobre esse período e sobre os fatos relatados na

documentação. Não utilizei nenhum sistema de questionários ou perguntas fixas e me detive a

perguntar detalhes sobre alguns fatos após apresentar as informações presentes na

documentação. Como nem todas as entrevistas foram gravadas e transcritas utilizarei

informações apenas daquelas que foram registradas com o consentimento dos respectivos

entrevistados.

As tirinhas e charges presentes no decorrer dos capítulos não são tomadas como

objeto de reflexão, mas como ilustrações que foram utilizadas à época como mecanismos de

conscientização política, utilizadas principalmente em locais em que o público, aos quais as

publicações eram destinadas, possuía um baixo nível de leitura e alfabetização.

O primeiro capítulo da dissertação será uma apresentação das fontes analisadas.

Tem como objetivo mostrar a trajetória desta documentação desde sua chegada ao arquivo, os

projetos de restauração e digitalização que foram feitos para o melhoramento do acervo, assim

como os meios pelos quais ela foi liberada para os pesquisadores.

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30

Os demais capítulos foram produzidos a partir de uma tipologia dos casos de

subversão do clero católico, constatados nas séries analisadas. O segundo capítulo aborda os

casos ocorridos, principalmente em São Luís, classificados, por mim, como formas de

conscientização política e mobilizações apoiadas ou realizadas pelo clero.

No terceiro capítulo serão analisados problemas de moradia e ocupação de terra,

ocorridos em São Luís e no interior do Estado. A análise partirá do processo de ocupação de

terra a partir da década de 1960, das políticas agrárias do estado e o envolvimento da Igreja

nessas questões.

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31 1. O ACERVO DA DELEGACIA DE ORDEM POLÍTICA E SOCIAL DO MARANHÃO SOB A ÓTICA DA SUBVERSÃO CATÓLICA.

Entendendo a necessidade de apresentar o corpus documental trabalhado, este

primeiro capítulo abordará de maneira geral algumas características dos documentos, além de

expor como as informações foram trabalhadas, levando em consideração o contexto e os

objetivos propostos.

Para tanto foram utilizadas como fontes as informações, informes, pedidos de

busca, relatórios, radiogramas, encaminhamentos, ofícios e recortes de jornais,

produzidos por agentes de informação, encontrados no acervo da DOPS/MA (Delegacia de

Ordem e Política Social do Maranhão8) custodiados no Arquivo Público do Estado do

Maranhão (APEM), como também documentos produzidos por religiosos católicos durante o

período, tais como correspondências, cartilhas e folhetos, também encontrados na

documentação da DOPS.

Essa documentação foi recentemente organizada por meio do projeto de criação

do Centro de Referência das Lutas Políticas no Brasil – Memórias Reveladas. A ideia

desse projeto surgiu no V Fórum Social Mundial, ocorrido em Porto Alegre, em 2005, quando

foi discutida a importância de tais arquivos no Brasil e seu papel na garantia dos direitos

humanos.

Tendo em vista a desarticulação dos regimes autoritários da América Latina, na

década de 1980, e a transição para regimes democráticos, a busca pelos arquivos e a crescente

articulação e mobilizações da sociedade civil a procura de informações consideradas sigilosas

fez dos arquivos dos órgãos de informação (DOPS, DOI-CODI, SNI) e dos Ministérios da

Marinha, Exército e Aeronáutica e Batalhões do Exército, fontes singulares sobre as

atividades repressivas naquele período. (SILVA, 2008)

As informações contidas nestes acervos demonstram práticas que foram usadas no exercício das atividades repressivas. Nos tempos atuais, servem como instrumento essencial para o fortalecimento de novas relações sociais e consequentemente, para a consolidação do processo democrático. A divulgação dos arquivos da repressão tem uma inegável ressonância social e política, o que aumenta sobremaneira as responsabilidades das instituições arquivistas de guarda como o Arquivo Nacional, na gestão e na preservação adequada de tais conjuntos (SILVA, 2008, p. 15).

O primeiro passo do projeto Memórias Reveladas foi a organização de um grupo

de trabalho que elaboraria as diretrizes para a construção do centro, conforme a portaria da

8 No Maranhão, a documentação faz referência à Delegacia e não à Departamento, como em outros estados. Por essa razão o tratamento com “a”, “da” e “na”, no decorrer do texto.

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32 Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República nº 21, de 21 de fevereiro de

2005. Porém, um marco na história documental brasileira aceleraria esse projeto: no final

desse mesmo ano, em 21 de dezembro, o fundo documental que estava sobre a custódia da

ABIN (Agência Brasileira de Inteligência) foi entregue ao Arquivo Nacional. Eram

documentos originários

[...] dos extintos Serviços Nacional de Informação – SNI (1964-1990), da Comissão Geral de investigação – CGI (1964-1979) e do Conselho de Segurança Nacional – CSN (1964-1980), com documentos textuais, impressos, processos, microfilmes, microfichas, fotografias, mapas, plantas e desenhos correspondentes e aproximadamente 9.926.000 páginas de textos (SILVA, 2008, p.17).

Somente em 2007, o projeto de construção do Centro de Referência ganhou força,

através da parceria do Arquivo Nacional e da Casa Civil da Presidência da República, que

determinaram que a equipe propusesse as estratégias para sua consolidação. As estratégias

foram para a melhoria da infraestrutura da informação no Arquivo Nacional, ou seja,

levantamento de documentos, desenvolvimento de um banco de dados, preservação e

digitalização dos arquivos e criação de um portal do Centro. Sua criação tinha como objetivo

principal a garantia dos direitos humanos através da valorização da memória.

Em 2009, através da Portaria nº 204 da então ministra Chefe da Casa Civil, Dilma

Rousseff, o Centro de Referência das Lutas Políticas no Brasil – Memórias Reveladas foi

criado. O artigo primeiro da portaria explicitava que o centro objetiva tornar-se um

[...] espaço de convergência e difusão de documentos ou informações produzidos ou acumulados sobre o regime político que vigorou no período de 1º de abril de 1964 a 15 de março de 1985, bem como pólo incentivador e dinâmico de estudos, pesquisas e reflexões sobre o tema (SILVA, 2008, p. 20).

De acordo com as etapas do referido projeto, esses documentos seriam

digitalizados para integrarem uma rede de pesquisa, sob a administração do Arquivo

Nacional, objetivando que o Centro se tornasse um meio difusor das informações contidas nos

documentos referentes às lutas políticas nas décadas de 1960 a 1980, onde fossem

disponibilizadas fontes para a realização de pesquisas e possíveis reflexões sobre o período.

No Maranhão, o projeto foi elaborado e executado pela historiadora Maria Helena

Espínola. O período de execução teve início em novembro de 2008 e findou em junho de

2009, com a participação de quatro estagiários. A coordenadora do projeto no APEM já havia

tido contato com a documentação desde 1991, quando esses documentos chegaram ao

Arquivo, vindos da Secretaria de Segurança Pública do Maranhão. Em 1992, dera-se início a

um processo superficial de higienização, a partir do qual se realizou uma catalogação prévia,

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33 muito embora os documentos tenham permanecido nos ficheiros de ferro originais,

ocasionando manchas de ferrugem.

Antes do projeto Memórias Reveladas, essa documentação estava disponível para

consulta pública, mas com uma série de restrições. Em meados de 2008, ao iniciar as

pesquisas, ainda durante o curso de graduação, tive acesso a alguns documentos da

DOPS/MA. Após preencher um questionário contendo as informações sobre a pesquisa que

realizava, pude ler alguns relatórios e fichas, mas sem permissão para transcrição ou

digitalização.

Ainda assim foi possível identificar alguns nomes e o contexto abordado nos

documentos. Logo em seguida o acesso foi restringido, pela diretoria do APEM, para a

execução do projeto Memórias Reveladas. Ao final, a documentação foi higienizada em sua

totalidade, retirada dos ficheiros de ferro e colocada em maços de papéis. Alguns documentos

foram restaurados, tendo sido feita uma catalogação mais precisa.

No entanto, a digitalização não foi realizada com sucesso, pois, devido a falta de

recursos financeiros suficientes para esta etapa, grande parte dos documentos não chegou a

ser digitalizada. Com o encerramento do projeto, a documentação foi novamente

disponibilizada ao público e liberada para a pesquisa sem as restrições anteriores.

A documentação da DOPS no Maranhão possui 13 séries, contendo um grande

volume documental que vai do ano de 1964 a 1990. Como se observa na tabela abaixo:

Quadro 1 - Classificação dos Arquivos da DOPS/MA

Séries Nº de maços

Subversão (cód. 07) 393

Estudantes (cód. 06) 38

Ministérios (cód. 05) 231

Entidades Religiosas (cód. 12) 13

Atividades Políticas (cód. 09) 85

Documentos diversos (cód. 03) 47

Sindicatos (cód. 10) 219

Documentos expedidos (cód. 13) 75

Documentos recebidos (cód. 14) 82

Atestado de ideologia política 94

Recortes de jornais 81

Documentos avulsos 10

Fonte: APEM/MA

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A quantidade de documentos existentes nos maços varia de 01 a 500 e os assuntos

discorrem sobre diversos assuntos relacionados à violação da Lei de Segurança Nacional e

crimes comuns, de âmbito local e nacional. Após a análise da documentação pude perceber

que os assuntos não obedecem, obrigatoriamente, às referências de suas séries. Por essa razão

a pesquisa se estendeu para a série Subversão, pois muitos assuntos que se relacionam à Igreja

Católica estão distribuídos nas doze séries.

Ao todo foram trabalhadas as séries Subversão e Entidades Religiosas. A série de

documentos intitulada Entidades Religiosas é composta por 13 maços, dispostos nas caixas de

números 72 e 73, datados dos anos de 1971 a 1984 e classificados, pela DOPS/MA, com o

código 12 (Igrejas). A série Subversão é composta por 393 maços datados de 1967 a 1990

(ano em que foi extinta a delegacia), dispostos nas caixas de número 1 a 37 e classificados

com o código 7 (Subversão).

Os milhares de papéis sigilosos que a comunidade de informações fazia circular internamente tinham como público ela própria, claro está, mas também informavam autoridades militares (e civis) que não a integravam diretamente. Tais informações não se constituíam em um amontoado caótico de folhas dispersas abordando temas fragmentados, por vezes de maneira ridícula e sempre mobilizando um certo jargão. Configuravam, isto sim, uma rede intertextual produtora de eficazes efeitos de sentido e de convicção (FICO, 2001, p. 21).

Os arquivos da DOPS/MA podem ser classificados como arquivos de polícia, ou

seja, são “relativos à ação repressora do estado, em que as mais diversas contravenções são

enquadradas, com indivíduos capturados, julgados e presos” (BACELLAR In PINSKY, 2008,

p.31). Caracterizam-se pela sua variedade, devido ao grau de detalhamento que possibilita

uma reflexão sobre os costumes e perfis sociais dos recortes temporais determinados. Na

República, o acervo dos órgãos de segurança e informação são os que causam mais

curiosidade, pois eles revelam os:

[...] bastidores da ação repressiva do Estado contra grupos ou pessoas considerados perigosos, subversivos. O denso material, constituído de fichas de arquivo e de prontuário por indivíduos ou por pessoa jurídica [...] tem permitido a análise histórica sob os mais variados enfoques (BACELLAR In PINSKY, 2008, p.31).

A função principal da DOPS era garantir a manutenção da ordem social. A polícia

política combatia uma classe dita perigosa, apontando o que era indesejável para a sociedade.

O sistema de informação funcionou como base na manutenção da segurança do país. A partir

das informações colhidas pelo Sistema Nacional de Informação (SNI), os aparelhos de

repressão tomariam a posição adequada para as possíveis ameaças. Porém, é necessário frisar

que o SNI exercia “ação normativa, doutrinária e de direção, não lhe cabendo aprovar ou

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35 fiscalizar suas ações (FICO, 2001, p.81)”. Seus chefes coordenavam as informações em todo

o território.

Muitas dessas informações eram fidedignas, porém, Carlos Fico afirma que

muitas delas eram possivelmente falsas. Como o regime se posicionava rigidamente em

relação aos inimigos da Revolução de 64, possibilitava que algum desafeto de agentes de

informação fosse investigado pelos órgãos de segurança, impossibilitando a ascensão

funcional desse indivíduo (FICO In: FERREIRA; DELGADO, 2007).

Outra questão muito importante é que esses órgãos não atuavam somente no

território nacional, pois interagiam com outros países da América Latina e também com os

Estados Unidos obtendo informações internacionais. É o caso de um pedido de busca de 1976

sobre o treinamento de guerrilheiros em Angola, de fichas de cubanos na década de 1970 e de

um pedido de busca sobre a presença de norte-coreanos no Brasil, no ano de 1975.

A vigilância e a preocupação em combater os subversivos possuíam uma lógica de

funcionamento que é anterior ao golpe civil-militar em 1964. A Escola Superior de Guerra

(ESG) fundada em 1949, pela Lei nº 785/49, foi uma das instituições responsáveis pela

criação das concepções com as quais o Regime trabalhava. A ESG foi muito significativa para

a construção da postura de defesa nacional como uma estratégia a ser levada a cabo pelos

governantes. É da mesma escola o projeto político de transformar o Brasil em potência

mundial tão divulgado pelas Forças Armadas na Revolução de 1964.

A Doutrina de Segurança Nacional serviu de parâmetro para a organização da

Defesa da Nação e defendia a manutenção de uma ordem social e de um Estado forte,

centralizado no poder militar. Após o advento da ditadura, essa doutrina passou a ser uma

orientação política oficial do Estado (MARQUES, 2001).

A doutrina de segurança nacional é uma extraordinária simplificação do homem e dos problemas humanos. [...] é uma manifestação de uma ideologia que repousa sobre uma concepção de guerra permanente e total entre o comunismo e os países ocidentais (BORGES In: FERREIRA; DELGADO, 2007, p. 24).

A partir desse ideário de segurança, em que alguém ou alguma instituição deveria

proteger o país do perigo comunista, os militares entraram em cena construindo todo o aparato

de segurança necessário para evitar que o “mal” adentrasse às fronteiras brasileiras. O General

Golbery do Couto e Silva foi uma das figuras mais importantes, senão a mais destacada, na

criação desses aparatos de segurança e informação dos governos militares.

Em 13 de junho de 1964, em menos de dois meses após o golpe, foi aprovada a

criação do SNI, através da Lei nº 4341, cuja finalidade principal, definida no art. 2, era

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36 “superintender e coordenar, em todo o território nacional, as atividades de informação e

contra-informação, em particular as que interessarem à Segurança Nacional”.

Ao longo da leitura da documentação observou-se que os militares e civis

integrados aos órgãos de segurança e informação eram uma mão de obra especializada. Esses

órgãos estavam interligados de tal forma que uma informação poderia percorrer todo o

território nacional. Isso explica a existência de documentos oriundos de diversos estados do

país no arquivo da DOPS/MA. Pode-se dizer que

[...] essa documentação é a materialização da desconfiança de uma parte da sociedade brasileira sobre outra. É sinal das contradições sociais. E por resultar de um processo conflituoso, possibilita a um só tempo a verificação das motivações que levaram à ação repressiva e ao posicionamento dos setores sociais investigados, exprimindo as convicções de ambos os lados (SOUZA, 2009, p. 66).

As informações eram geradas a partir de um informe, que levantava uma suspeita,

um “dado bruto” e de extrema relevância para a lógica do sistema. Isso resultava num

processo de análise minuciosa dos informes, e esses eram classificados segundo sua

presumida veracidade, indicada por uma numeração de 1 a 6, e sua presumida fidedignidade,

indicada pelas letras de A a F (FICO, 2001).

Segundo Adyr Fiúza de Castro:

Há seis níveis de fontes e seis graus de veracidade do informe: A, B, C, D, E, F e 1, 2, 3, 4, 5, 6. Um informe A1 é um informe de uma fonte sempre idônea e com grande probabilidade de verdade. Então, guarda-se e classifica-se: A-1. Se o informe é F-6, significa que não se pode saber a idoneidade da fonte, pode ser um maluco qualquer, e a probabilidade de ser verídico é muito reduzida. Mas tem-se que arquivá-lo. Se formos fuçar os arquivos dos órgãos de informação, vamos encontrar informações extremamente falsas, mas que foram arquivadas porque não podiam ser jogadas fora. Não se pode. Quem tem autoridade? A cada dez anos é nomeado uma comissão que determina quais documentos devem ser incinerados e é feito uma ata. [...]. O grosso caía no C. Quer dizer, fonte razoavelmente idônea e o informe tem possibilidades de ser verídico. O trabalho do analista é juntar tudo numa pasta ou, agora, num computador, e quando lhe pedem informação a respeito de um fato ou de uma pessoa, ele faz uma analise de tudo aquilo que tem e elabora a sua informação. Para aquele escalão, é uma informação. O que ele dá ao chefe daquele escalão é o máximo que pode alcançar de precisão (CASTRO In: D’ARAUJO; SOARES; CASTRO, 1994 p. 47, grifo meu).

Segundo Marionilde Magalhães (1997), informantes classificados de A a C eram

do próprio Exército, oficiais treinados para se infiltrar em diversos locais com a finalidade de

produzir informações para serem entregues à polícia.

Os informantes D, E e F não pertenciam formalmente ao sistema, mas suas informações contribuíam para que a repressão preventiva fosse praticada. Muitos membros deste segmento eram recrutados pelos poderes oficiais entre os quadros do funcionalismo público. [...] Tratava-se, de uma certa maneira, de um clientelismo às avessas: se o funcionário não cooperasse, poderia perder alguns benefícios inerentes à sua função, ou pior, tornar-se, ele mesmo, um suspeito. Um outro grupo era composto por membros de entidades e associações da própria sociedade civil, comprometidos com ideologias conservadoras e radicalmente

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anticomunistas, como por exemplo, a Tradição, Família e Propriedade - TFP - grupo ligado à ala ultraconservadora da Igreja Católica, o Comando Geral Democrático e o Comando de Caça aos Comunistas. Prestavam informações espontaneamente, como uma forma de colaboração ao regime. Ao mesmo tempo, sentiam-se representados por aquele governo, como se fossem o partido da situação (MAGALHÃES, 1997)9.

Os informes não eram assinados, fato este que impossibilita a identificação do

informante e sua origem, se fazia parte das Forças Armadas ou se eram colaboradores civis,

fatores que interferiam diretamente na classificação da informação. O quadro abaixo classifica

os informes encontrados na documentação analisada (séries Subversão e Entidades

Religiosas) a partir do critério de confiabilidade.

Quadro 2 Classificação dos Informes por veracidade10. Ano A1 A2 B2 B3 E3 1971 - - 1 - - 1973 - 1 - - - 1977 4 1 - - - 1978 - 2 - - - 1979 2 1 2 - - 1980 1 - 4 1 1 1981 2 - 1 - - 1982 5 2 - - - 1983 12 1 - - - 1984 6 2 2 - - 1985 2 1 1 - -

Fonte: Levantamento da Documentação da DOPS/MA (PORTELA, 2012).

A classificação em termos da confiabilidade faz parte dos mecanismos de

elaboração da informação e a preocupação dos militares antes de atuarem contra a subversão.

Sobre a elaboração das informações, Carlos Fico afirma que:

[...] devia observar alguns princípios básicos: objetividade, oportunidade, segurança, clareza, simplicidade, imparcialidade e outros. Porém, na maioria das vezes, a informação constituía-se num texto bastante subjetivo, vazado no obscuro jargão da comunidade e inteiramente parcial (FICO, 2001, p.97, grifo meu).

Os documentos que foram analisados possuem, em sua maioria, grau elevado de

fidedignidade, ou seja, de fontes confiáveis e seguras, provavelmente de agentes da própria

delegacia, infiltrados no meio social com a finalidade de obter informações e repassá-las aos

órgãos de governo competentes.

Existem na documentação muitas referências de informações elaboradas pela

Assessoria Especial de Segurança e Informação (ASI) da, à época, Fundação Universidade do

9 Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-01881997000200011 (acessado em 12/06/2012). 10 Os informes possuem esse tipo de classificação, nem todos os informes dos dossiês pesquisados estão classificados. Foram encontrados 15 informes sem classificação dos anos de 1972/1973/1975 a 1981/1983.

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38 Maranhão (FUMA)11, tanto informando sobre eventos e fatos de dentro da Universidade,

como de outras instituições, como foi o caso da cobertura na comemoração do Tricentenário

da Arquidiocese (Figura 2) de São Luís, em 1977. Isso confirma o que Ricardo Pereira (2006,

p.35) observou.

Era uma regra comum: todos os órgãos de repressão possuíam um setor de informações, com os seus devidos informantes. Em geral, mandavam relatórios de reuniões, assembleias ou encontros citando o nome dos que faziam intervenções, seguido das suas respectivas falas, destacando os aspectos que, de acordo com a Lei de Segurança Nacional, os pudessem incriminar. Ademais, havia o deslocamento de militares para a convivência direta em lugares marcados pela intensificação dos conflitos.

Entre os anexos desse informe estavam a degravação12 da homília de Dom Hélder

Câmara – a única encontrada na documentação analisada –, e uma lista de nomes dos

indivíduos presentes, entre eles religiosos com registro negativo, como os padres Xavier

Gilles de Maupeou d’Ableiges, Roberto Joseph Camile Etave e Marcos Passerini (Figura 2).

Figura 2 – Informe sobre o Tricentenário da Arquidiocese. (DOPS/MA. Informe nº 0365. 09/09/1977. cx. 72, maço 2).

11 Hoje Universidade Federal do Maranhão. 12 Transcrição de áudio feito pela polícia.

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Figura 3 - Destaque do Informe para os nomes dos padres Xavier Gilles, Roberto Joseph e Marcos Passerini.

Dos informes bem avaliados eram gerados pedidos de busca, onde o agente

descrevia o fato conhecido e solicitava mais informações. Para a averiguação das suspeitas era

necessário recurso para custeio de despesas de locomoção e hospedagem do contingente

responsável pela investigação. No entanto, nas séries pesquisadas, nem todos os pedidos de

busca desencadeavam investigações, mesmo aqueles oriundos de informes classificados como

A1.

Provavelmente os custos operacionais também determinavam quais pedidos de

busca teriam prosseguimento. Em ofício de 1977, o delegado da DOPS/MA solicitava à

Secretaria de Segurança Pública melhores condições de trabalho, consideradas precárias até

então.

Quanto às necessidades prementes desta Especializada, informo que precisamos de melhores instalações, já tendo ficado acertado de que esta DOPS passaria a funcionar no local onde funcionava o Escritorio da CINORTE, afim de que houvesse melhores condições de funcionamento, já que os atuais são a título precário. Necessitamos ainda de material de equipamento, cujo assunto também já vinha sendo observado pela administração que passamos a enumerar: 1- Gravador próprio para gravação à distancia. 2- Aparelho próprio para comunicação à distancia (Interfone) 3- Gravador lento, próprio para disgravar. 4- Trituradora de papéis. 5- Máquina especial fotográfica própria para fotografias camufladas. 6- Acessórios p/ gravação pelo telefone. 7- Telefone externo (Direto). Acreditamos que, atentidas estas necessidades, estará sendo dada grande contribuição a este Setor, tão importante para a Segurança Pública. Sem mais para o momento, reitero a V. Exa. Protestos de elevada estima e distinta consideração. Dr. Francisco Florismar de Almeida Delegado da DOPS/MA

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(DOPS/MA. Ofício 0142. 03/11/1977. cx. 8, maço 93, sic).

As solicitações indicam para fatores que poderiam influenciar na condução de

investigações. Além das dificuldades materiais principalmente no interior do Estado, devido

às dificuldades de deslocamento, sobre as quais fala Marcelo Carneiro em suas pesquisas

acerca das ocupações de terras no centro-oeste do Maranhão.

Como o informante registra essas estradas são abertas no início dos anos 1970, momento em que as empresas agropecuárias estão se apropriando das terras devolutas em Santa Luzia. Por outro lado, a presença de posseiros na área [...] é anterior aos anos 1970 e refere-se a um período em que a região ainda não estava cortada por rodovias – a MA-074 [atual BR-222] foi iniciada em 1969 – quando o Rio Pindaré era o meio por excelência da entrada dos posseiros (CARNEIRO, 2013, p. 91-92).

Carlos Fico destacou que as despesas com as diligências investigativas custavam,

em 1970, em média 760 cruzeiros (FICO, 2001, p. 98). No entanto, não foi possível encontrar,

nos documentos pesquisados, referências a valores das operações realizadas pela DOPS/MA.

Ainda assim é possível ter ideia das dificuldades em conduzir investigações em regiões de

difícil acesso – como, por exemplo, as que foram e ainda são palcos de conflitos pela posse da

terra.

Esta pode ser tomada como uma justificativa para a descontinuidade da ordem

normal13 de elaboração da informação, dos dossiês específicos de cada caso e, também, pelo

grande número de correspondência (ofício, radiograma, relatório, telegrama, etc.) enviadas do

interior do estado para a DOPS/MA, com a suspeita de atividades subversivas.

No ofício, anexado ao documento intitulado “Resumo das atividades diárias –

retrospecto do ano de 1977” de 21 de dezembro de 1977, o delegado Francisco Florismar de

Almeida relata algumas dessas dificuldades.

Este Órgão tem procurado, dentro de suas limitações, acompanhar, mesmo precariamente, algumas vezes, todos os movimentos realizados no Estado. O Intercâmbio com outros Órgãos de Segurança tem sido de vital importância para o nosso trabalho. As condições materiais e humanas limitam por vezes o trabalho da Delegacia. Os movimentos surgidos nesta Capital e que dizem respeito diretamente a este Orgão vêm sendo controlados e acompanhados de perto (DOPS/MA. Ofício 0142. 03/11/1977. cx. 8, maço 93, grifo meu, sic).

As atividades desenvolvidas pela DOPS/MA estavam listadas em documentos

interno do órgão:

1- Manter o Secretário da Segurança e o Diretor do Departamento de Segurança Pública informados sobre tudo que se relacionar com a Ordem Política e Social. 2- Empregar os meios policiais colocados à disposição para reprimir e controlar todas as atividades que visem a perturbação da Ordem Política e Social. [...]

13 Informe – pedido de busca – informação.

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4- Determinar a abertura de Inquérito concernente a crimes contra a Ordem Política ou Social e contra a Segurança Nacional, bem como sobre crimes de natureza comum, cuja apuração lhe foi atribuída, por delegação expressa da autoridade superior. 5- Organizar e manter serviços de Informação, Vigilancia e Investigações especializadas do ponto de vista politico e social, coordenando suas atividades. 6- Manter e conservar serviços de fichários e arquivos relativos e antecedentes políticos e sociais de nacionais e estrangeiros em condição de prestar, sempre que solicitadas, informações que careçam as autoridades competentes [...] (DOPS/MA. Ofício 0142. 03/11/1977. cx. 8, maço 93, sic).

O documento possui, no total, onze itens, indicando grande número de atribuições

da DOPS/MA. Ainda era de responsabilidade dessa instituição a emissão de Certidões

Negativas de Ideologia Política, necessárias ao indivíduo que fosse assumir empregos

públicos e, em alguns casos, até no setor privado. A existência dos arquivos de informação foi

importante para a construção de uma rede de informação sobre os elementos considerados

subversivos no território nacional.

O controle desse arquivo era feito através das fichas nominais de identificação

(Figura 6), contendo a localização das informações coletadas de determinados indivíduos.

Esse trabalho minucioso de catalogação facilitava a localização da informação sobre as

pessoas e a construção de perfis políticos e sociais, além da tentativa de controle social

através de uma vigilância ampla.

Figura 4 – Ficha nominal do padre Mario Aldighieri (DOPS/MA).

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Toda informação produzida pelo SNI e pelas DOPS tinha um caráter confidencial.

Até mesmo os clippings14, produzidos com notícias de periódicos com grande circulação,

eram carimbados como “Reservado”, “Secreto” ou “Confidencial”, quando anexados à

documentação desses órgãos. Essa era uma das formas pelas quais os militares buscavam

manter sigilo sobre as suas suspeitas e operações. A manutenção do sigilo levou o SNI

estabelecer normas para tal atividade.

Para melhor visualizar e compreender a lógica classificatória das tipologias

descritas anteriormente foi elaborado um mapeamento de toda a documentação pesquisada,

mas que não está arquivada segundo essa tipologia. O quadro abaixo é relativo à década de

1960, período com menor quantidade de documentos, sobre o tema, nas duas séries estudadas.

Quadro 3 – Quantitativo da Documentação por ano – Séries Entidades Religiosas e Subversão

(Década de 1960)

Ano

Tipo

1967

1969

Pedido de busca - 2

Informação 1 -

Termo de declaração - 1

Relatório - 1

Ofício - 5

Fonte: Levantamento da Documentação da DOPS/MA. (PORTELA, 2012)

No quadro seguinte está presente a divisão da documentação da série Entidades

Religiosas com a sua respectiva quantidade referente às décadas de 1970 e 1980, sob a ótica

das atividades dos clérigos.

14 Recortes de jornais referentes a um determinado assunto suspeito colados em papel com a data e o local de onde ele foi retirado. São intitulados de Seção de Informação. (Anexo 2)

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Quadro 4 – Quantitativo da Documentação por ano – Série Entidades Religiosas (Décadas de 1970 e 1980)

Ano Tipo

1971

1972

1973

1974

1975

1976

1977

1978

1979

1980

1981

1982

1983

1984

Informe - - 2 - - - 7 3 1 4 - - 4 -

Pedido de busca - 1 1 1 - 4 2 - 2 - 1 - 1 -

Informação 2 4 - 3 3 3 - - 3 - 1 - - -

Clipping - - - - - 1 - - 1 11 22 14 - 4

Termo de declaração - - - - - - - - - - - - - -

Relatório - 1 - 2 2 - - 1 3 9 - - - -

Encaminhamento - 1 - 1 3 1 4 - 4 2 1 9 - -

Oficio - - 1 2 1 - - - 1 1 - 1 - -

Informativo - - - - 1 13 4 1 5 2 5 8 - -

Telegrama/ Radiograma

- - - - - - - - 1 6 1 - - -

Fonte: Levantamento da Documentação da DOPS/MA. (PORTELA, 2012)

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É necessário frisar que na série Subversão foram localizados alguns Termos

de Declaração que não estão presentes na série Entidades Religiosas. Os termos são

transcrições dos depoimentos de pessoas que foram presas ou detidas e passaram por

interrogatórios. Estes documentos contêm informações necessárias às autoridades

policiais para prosseguirem investigações ou operações.

Dos termos de declaração encontrados apenas um é relativo a clérigos

católicos, muito embora seja conhecida a prisão de vários deles. Um padre entrevistado

informou que, ao ser detido para averiguações, constatou a existência de dossiês com

relatórios e fotos sobre as suas ações consideradas subversivas. É provável que estes

documentos referidos pelo padre e os termos de declaração estejam em outro fundo

documental, provavelmente nos arquivos da Polícia Federal.

O quadro abaixo apresenta a divisão da documentação da série Subversão,

referente às décadas de 1970 e 1980, com a quantidade de documentos em cada um dos

tipos especificados.

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45

Quadro 5 – Quantitativo da Documentação por ano - Série Subversão (Décadas de 1970 e 1980)

Ano Tipo

1970

1971

1972

1973

1974

1975

1976

1977

1978

1979

1980

1981

1982

1983

1984

1985

Informe - 1 1 - - 1 2 - 3 6 4 5 8 9 10 1

Pedido de busca 1 7 2 1 2 3 3 4 2 1 - 2 2 - 2 1

Informação - 2 2 - 6 12 4 4 4 9 3 - - 1 1 -

Clipping - - - 1 - - 1 1 7 10 9 50 67 3 - -

Termo de declaração - - 4 - - - - - - - 1 4 6 - - -

Relatório - 1 4 - 2 5 4 4 5 2 10 6 3 3 1 -

Encaminhamento - - 1 - - 1 5 4 2 6 - - 4 - - -

Oficio - 1 2 4 5 8 2 2 2 - 3 4 1 - - -

Informativo - - 1 - - 1 - 1 4 9 3 - 6 1 - -

Telegrama/

Radiograma

- - - - - - - 1 - - 1 1 - - - -

Fonte: Levantamento da Documentação da DOPS/MA. (PORTELA, 2012).

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Há uma grande variedade de assuntos registrados por essa delegacia, que vai

desde suspeitas de ações subversivas à suspeitas de crimes contra a moral e os bons

costumes. A documentação não informa se os mandatos de prisões foram cumpridos ou

se houve tortura, mas trás indícios de que certas ações desse tipo foram executadas.

Como exemplo de ações de combate à subversão, destaco uma informação

datada de 2 de maio de 1972, intitulada “Operação Axixá” (Figura 7), com um relatório

anexado com os resultados da operação (Anexo 3). A curiosidade de entender o nome

Axixá presente no documento – nome de um município na região norte do Maranhão,

próximo à ilha de São Luís – me levou a detalhes importantes da investigação daquilo

que viria a ser conhecido na história do Brasil, como Guerrilha do Araguaia.

Figura 5 - Operação Axixá (1972). (DOPS/MA. Informação nº 111. 17/05/1972. cx 5, maço 62.)

O objetivo desta ação militar, cujo relatório foi assinado pelo ten. cel.

Arnaldo Bastos de Carvalho Braga15, era “reconhecer e levantar dados sôbre a presença

15 Chefe da Agência do Centro de Informação do Exército (CIE) no Distrito Federal. Militar importante na desarticulação da Guerrilha do Araguaia.

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de elementos subversivos em Imperatriz – Açailândia – Axixá de GO – S. Felix – Itaúba

– [ilegível] – km 1700 – Centro do Gavião – Lagôa Verde – S. Sebastião e Buriti”

(DOPS/MA. Relatório. 20/03/1972, cx. 24, maço 306, sic). Apesar de trechos do

documento estarem apagados, o início de algumas linhas corresponde com trechos da

ficha de Ana Francisca Gomes dos Santos, encontrada no acervo, que era apontada

como esposa de Joacir dos Santos e pertencente a VAR-Palmares16, organização de

esquerda que, segundo investigações do Exército, no ano anterior17, estava atuando

subversivamente no eixo Belém-Goiás.

Apesar do objetivo da operação ter sido a busca de elementos subversivos,

as conclusões do relatório indicam um clima de tensão entre grileiros e 400 posseiros.

Segundo o documento, havia 95 posseiros armados, o que prenunciava o “surgimento

de ocorrência mais séria”, sendo considerada como situação crítica. O relatório é

concluído com a indicação da necessidade de medidas para resolver o problema:

O grande problema existente na região é do luta entre posseiros e grileiros. Caso não sejam tomadas medidas corajosas e urgentes pelo Gôverno Federal para solver tão grave problema social, ocorrências mais sérias poderão advir, particularmente se a situação for encarada estritamente no plano policial-militar (DOPS/MA. Relatório 02/03/1972. cx. 5, maço 62 – grifo meu, sic).

No documento, o ten.cel. Arnaldo Braga chamou a atenção para os conflitos

na região ocasionados pela ocupação irregular da terra. Como lembrou Victor Asselin

(2009), a criação da Delegacia de Terras em Imperatriz, em 1968, e a Lei de Terras nº

2949/1969, do Estado do Maranhão, facilitaram ainda mais a atuação da grilagem em

16 VAR-Palmares – organização de esquerdas, do ano de 1969. Foi a arregimentação de militantes da Colina, VPR e de outras organizações esquerdistas que haviam sido sufocadas pela repressão. Era bastante numerosa e possuía núcleos em vários estados. Uma das ações mais conhecidas dessa organização foi o assalto à casa do ex-governador de São Paulo, Adhemar de Barros, que lhes rendeu cerca de 2,5 milhões de dólares. Porém, os ideais do grupo estavam divididos, uns pretendiam a conjugação das ações armadas junto com o trabalho ideológico com os trabalhadores e outra parte queria direcionar as forças para a implantação da guerrilha rural. Coube a essa organização, a responsabilidade pelo sequestro dos embaixadores suíço e alemão, em 1970, e a liberdade de 110 presos políticos. Em 1971, ela encerrou suas atividades, por ser também sufocada pela repressão (RIDENTI In FERREIRA e REIS, 2007). 17 Operação Mesopotâmia – realizada entre os dias 2 a 12 de agosto de 1971, nos estados do Maranhão (Imperatriz, Porto Franco e Buritis) e Goiás (Tocantinópolis e São Sebastião – hoje municípios do Tocantins), onde agentes do Exército interrogaram suspeitos sobre a presença de integrantes de, pelo menos, duas organizações clandestinas, a Var-Palmares e o PRT, oriundo da Ação Popular. Esses militantes compraram fazendas na região, instalaram postos de saúde e farmácias nessa localidade, gerando uma rede de colaboração entre guerrilheiros e moradores. Segundo Antonio Bandeira, chefe da operação, essa região era vista como um terreno propício para o desenvolvimento da guerrilha, pois a imagem do governo era muito negativa, pelas cobranças de impostos, por tomar as terras dos posseiros, pela concentração de riquezas nas mãos de poucos e devido a chegada de migrantes que fugiam da seca do Nordeste que agravou a miséria. A operação resultou na prisão de vários lavradores e na morte de Epaminondas Gomes de Oliveira. (SILVA e MORAES, 2001).

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decorrência da especulação para a ocupação das terras por grandes projetos agrários,

situação esta que aumentou as tensões das quais falou o tenente, alertando para a

necessidade de solucionar o que chamou de problema social e não de subversão.

Muito embora parecesse que o tenente concebia uma distinção entre

subversão e problemas sociais ambos estavam relacionados, como apontou o relatório

da Operação Mesopotâmia, realizada em 1971 na mesma região, e que foi citado pelo

tenente Arnaldo Braga, em seu relatório cerca de um ano depois. Em ambas as

operações, a organização VAR-Palmares aparece como eixo central das ações

esquerdistas, como mostra a citação.

Na Operação Mesopotâmia, 11 agentes do Exército vasculharam Imperatriz, Porto Franco e Buritis no Maranhão. Em Goiás, avançaram sobre Tocantinópolis e São Sebastião [...]. Prenderam suspeitos e arrancaram confissões sobre a presença de integrantes de organizações clandestinas. Para treinar guerrilheiros, a VAR-Palmares comprou fazendas na região. As investigações mostravam que a organização planejava engajar moradores. Uma rede de colaboradores se espalhava pelos dois lados do rio Tocantins. O general Antônio Bandeira chefiou a operação montada com homens do CMP e do CIE. Na conclusão do relatório, o comandante considerou a área investigada propícia à instalação de campos de treinamento para guerrilheiros. Uma área que atualmente constitui terreno fértil para a semeadura da subversão, definiu. Conflito entre grileiros, posseiros e garimpeiros geravam violência em uma terra com pouca presença do Estado (SILVA e MORAES, 2011, p. 24-25).

Um ano depois da Operação Mesopotâmia a questão continuou como objeto

de preocupação para os que comandavam operações contra terroristas e subversivos na

região Amazônica. Pela proximidade entre guerrilheiros e moradores haveria uma

facilidade de mobilização para uma guerrilha rural. A partir dos relatórios dos

comandantes, a ação do Estado na solução dos problemas sociais facilitaria a

desarticulação do apoio aos guerrilheiros evitando o uso generalizado do aparato

policial e militar, a ser destinado unicamente ao combate à subversão.

Essas são as primeiras ações de investigação que viriam a culminar nas

operações de ataque aos esquerdistas. A ausência de políticas públicas para solução dos

problemas sociais foi a porta de entrada para os guerrilheiros na região do Araguaia.

Algo semelhante ocorreu com clérigos considerados subversivos, ao tentarem mobilizar

a sociedade chamando atenção para as causas políticas da pobreza, desemprego,

carestia, má distribuição de terra, dentre outras questões.

Outra característica da ação dos militares – além da investigação às

suspeitas de subversão – estava na preocupação com os formadores de opinião e com as

ideias e práticas que fossem ofensivas a ordem, a moral e os bons costumes. Os

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militares estavam constantemente atentos àquilo que consideravam como influência

negativa. Em boa parte dos casos, a subversão partia de um indivíduo cujos ideais ou

práticas poderiam prejudicar a ordem e os costumes. O golpe foi empreendido em

defesa dessa concepção de sociedade, segundo Daniel Aarão:

É inegável que o golpe militar e civil foi empreendido sob bandeiras defensivas. Não para constituir um novo regime. O que a maioria desejava era salvar a democracia, a família, o direito, a lei, a Constituição, enfim, os fundamentos do que se considerava uma civilização ocidental e cristã. [...]. Nessa tendência, apareciam igualmente outros setores, com identidade própria, que poderiam ser denominados conservadores-arcaicos, nostálgicos de um Brasil rural idealizado, de vocação agrária. Apegados a valores morais de uma outra época, não raro partidários de um clericalismo ultramontano posavam de defensores da família e da Igreja Católica (REIS FILHO, 2014, p. 48-49).

Os militares estavam cientes que os meios de comunicação influenciavam

na formação da opinião pública, razão pela qual vigiaram e censuraram jornais,

programas de televisão, rádios, cinemas, músicas, peças teatrais e outras formas de

divulgar opiniões sobre o Regime. Entre os itens que preocupavam os militares

estavam:

a) Fatos que podem resultar em desvirtuamento dos valores morais, cristãos

e democráticos; afrouxamento dos laços de família; favorecimento de

preconceitos raciais e religiosos.

b) Papel exercido pelos meios de comunicação social em oposição ou apoio

ao governo.

c) Interferência alienígena (estrangeira) na opinião pública nacional.

d) Caracterização de grupos manipuladores dos meios de comunicação

social, em especial aqueles contrários ao governo.

e) Papel da juventude no engajamento ou alheamento do povo.

f) Participação da classe empresarial, das lideranças trabalhistas e

entidades religiosas no apoio ou oposição ao governo.

g) Repercussão da opinião pública acerca dos planos governamentais.

Segundo o Pedido de Busca nº 402, de 12 de agosto de 1974, o SNI pediu à

10ª Região Militar (MA, CE, PI) informações sobre a “FORMAÇÃO DA MORAL

SOCIAL E DA OPINIÃO PÚBLICA BRASILEIRA” (Figura 8). A resposta da

DOPS/MA foi redigida em menos de um mês, no dia 4 de setembro de 1974. Nos anos

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de 197518, 1979 e 1980 foram elaborados documentos semelhantes como resposta a

pedidos de busca da mesma natureza. É provável que essas averiguações fossem feitas

anualmente, pois em 1975 o agente de informação apenas confirmou dados da

informação do ano anterior, porém nas séries pesquisados foram localizados cinco

respostas desse tipo.

Figura 6 Formação da moral social e da opinião pública brasileira.

(Pedido de Busca nº 402. 12/07/1974. cx. 14, maço 175).

Entre os elementos que eram considerados como desvirtuadores dos valores

cristãos e democráticos estavam o cinema, a televisão e os jornais impressos. Segundo a

DOPS/MA, uma das causas para este problema estava na exibição de filmes com cenas

de violência, terror, crime e sexo, em sua maioria inapropriados para menores de 18

anos, segundo um agente de informação. Nos meses de abril a julho de 1974, foram

exibidos 45 filmes de violência e 21 filmes de sexo em cinemas locais.

Em 1975 tais preocupações permaneciam, como informa o documento, do

qual transcrevo um trecho:

Destacamos, aqui, a apresentação, do Cinema de arte, pelo cinema Roxi, todas as sextas-feiras, o que, na realidade, não passa, como outros filmes, de exibição que explora a violência, sexo, terror e crime. Tais filmes, são frequentemente assistidos por menores de 18 anos, embora proibidos para tal faixa etária (DOPS/MA. Informação nº 514/75. 01/09/1975. cx. 14, maço 175).

A exibição de conteúdo inapropriado não se restringia ao cinema, o

documento também faz referência ao que era televisionado e, neste caso, não eram

considerados apenas os filmes que poderiam influenciar negativamente a população, 18 Neste ano foram elaboradas duas respostas pela DOPS/MA.

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mas também as novelas, como “Escalada19”, que, segundo o agente de informação,

estava sendo uma das responsáveis pelo “afrouxamento dos laços de família”,

“desajustes no seio da família”, crescimentos do número de casos de “infidelidade

conjugal”, “sedução” e da defesa do divórcio (Anexo 4).

Para a DOPS/MA, a programação de filmes e novelas, considerados

inadequados, era uma das causas para a delinquência juvenil, abandono dos lares pelos

jovens e também pela revolta dos filhos “que consideram seus pais como ‘quadrados’”.

Segundo um agente de informação são esses fatos que “exercem bastante, influência,

principalmente, na parte mais inculta da população” (DOPS/MA. Informação nº 514/75.

01/09/1975. cx. 14, maço 175).

Em nenhum dessas informações foram mencionadas ocorrências de

preconceito religioso e do racismo, mesmo sabendo que o Movimento Negro surgiu na

década de 1970 com o objetivo de denunciar as relações raciais desiguais no país.

Muitos de seus membros já tinham experiência política nas esquerdas e seguiam

orientação marxista (BARRETO, In FERREIRA E REIS, 2007).

A proposta do movimento negro era denunciar o preconceito racial na

tentativa de engendrar formas de combatê-lo, principalmente a partir da percepção e

conscientização de que uma série de práticas era racista. Na charge abaixo, o cartunista

Henfil mostrou, a partir de seus personagens, que este era um problema corrente na

sociedade brasileira.

Figura 7 - Preconceito Racial (Fradim nº 16, ano – 1977)

19 Novela Escalada, escrita por Lauro Cézar Muniz e exibida pela Rede Globo, em 1975, no horário das 20hs, abordava temas como divórcio, vingança e a construção de Brasília. Por imposição da censura o nome do ex-presidente Juscelino Kubitschek não poderia ser mencionado por nenhum personagem e a cena da leitura da carta-testamento de Getúlio Vargas foi vetada pela censura. (www.memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/novelas/escalada.htm).

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Os jornais impressos, por sua vez, eram criticados pela cobertura do

cotidiano da violência no Estado. A DOPS/MA afirmou, em 1975, que a “Imprensa

prefere ficar do lado do marginal contra a Segurança Pública e contra os próprias

solicitações de populares, como é o caso do Jornal Pequeno” (DOPS/MA. Informação

nº 514/75. 01/09/1975. cx. 14, maço 175, sic). Já em 1979, um agente chega a culpar a

imprensa pelo aumento da violência.

A Imprensa tem explorado bastante os casos policiais, dando destaque especial aos criminosos e seus crimes, servindo assim de estimulo aos marginais que gostam de ver seus nomes e fotos nos jornais (DOPS/MA. Informação nº 252/79. 18/10/1979, cx. 8, maço 97).

No Maranhão, os periódicos estavam no centro do problema de

desvirtuamento da moral e dos bons costumes, sendo muito mais criticados pelo seu

envolvimento em assuntos políticos, como aponta um agente de informação, em 1974.

Atualmente, porém, a imprensa rádio e televisão locais divulgam noticias que são publicadas no sul do país. Convém observar, que certo jornal da cidade de Imperatriz “O Progresso” tem efetuado críticas à atuação da Companhia Maranhense de Colonização (COMARCO), na região de Buriticupu, município de Santa Luzia, nesse Estado, onde essa Empresa é autorizada pelo INCRA, para venda de terras (DOPS/MA, Informação nº 69/74. 04/09/1974. cx. 14, maço 175).

No ano de 1975, as críticas de um agente de informação são mais

contundentes aos jornais, afirmando que tratavam as ações do governo de forma mais

recorrente.

O papel exercido pelos meios de comunicação Social, em oposição ou apoio aos planos governamentais, observamos a luta pela chamada “DISTENÇÃO20” e pela “LIBERDADE DE IMPRENSA”. [...] Convém ainda mencionar o caso do jornalista Valdo Melo, em que, maliciosamente, foram denunciadas violências policiais, por partes do sargento PM SILVA21, o que, na realidade não aconteceu. [...] Destacamos ainda a noticia dada pelo jornal “O IMPARCIAL” sobre sequestro, o que, na realidade, os fatos narrados pelo diário noticioso não contém a verdade e, acima de tudo, talvez maliciosamente, o jornalista coloca em choque a DOPS e a POLICIA FEDERAL. O JORNAL PEQUENO, em nota dada, coloca em total descrédito a Segurança do Estado. Aliás, é costume deste matutino atacar órgãos governamentais ou dar noticias infundadas (DOPS/MA. Informação 514/75. 01/09/1975, cx. 14, maço 175 – grifo meu).

20 Distensão lenta, gradual e segura foi o projeto de Geisel e Golbery, nos anos de 1974 a 1979, para a constitucionalização do país. Segundo Francisco Silva, “tratava-se, em verdade, de realizar a volta organizada aos quartéis, enquanto o regime ainda tinha prestígio e alguma força criativa” (SILVA In FERREIRA e DELGADO, 2007, p. 262). 21 O nome do sargento PM Silva foi encontrado na lista de militares torturadores matriculados na Escola das Américas. Essa instituição era um centro de treinamento de tortura, mantido pelos Estados Unidos no Panamá. Segundo Elio Gaspari, passaram por essa entidade vários oficiais brasileiros da Marinha, Exército e policiais militares, e que “de um a cada dez oficiais mandados ao Panamá pela Ditadura fora ou viria a ser nominalmente acusado de tortura ou morte de presos” (GASPARI, 2002, p. 305).

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Embora houvesse uma tentativa de controle sobre as publicações dos órgãos

de imprensa, o que o documento deixa entrever é que não havia uma limitação total às

publicações, podendo os jornais publicar matérias consideradas inadequadas. Para não

falar de uma censura total ou de uma liberdade de imprensa é prudente falar de uma

constante tensão entre a imprensa e os órgãos de vigilância, como foi possível perceber

na análise do maço 142C da caixa 12, da série Subversão.

Em 1978, o Jornal Pequeno publicou, no dia 31 de janeiro, a matéria

intitulada Organização do crime em pleno interior maranhense (figura 10), em que a

FASE (Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional) era acusada de

organizar posseiros para a invasão de terras, cometendo crimes contra a propriedade

privada. O diretor nacional da FASE enviou ofício ao diretor do jornal pedindo

esclarecimentos sobre as origens das informações que geraram a referida matéria,

classificando-a como ofensiva e difamatória.

Figura 8 – Jornal Pequeno, 31 de janeiro de 1978.

Em resposta, o diretor do Jornal Pequeno disse que as informações foram

enviadas por cel. Antônio Alves Gondin, chefe do Setor de Comunicações da Secretaria

de Segurança Pública, considerado “uma fonte de alta responsabilidade e se não

divulgada, o Jornal poderia até responder por crime de omissão” (DOPS/MA. Ofício.

13/02/1978 cx. 12, maço 142C).

No dia 14 de fevereiro do mesmo ano, o jornal publicou uma carta de

contestação escrita pela FASE (figura 11). Posteriormente, em nota, reafirmou a

credibilidade depositada no chefe do setor de comunicações.

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Figura 9 – Jornal Pequeno, 14 de fevereiro de 1978.

Não há como negar a tentativa de controle sobre a imprensa, pois, desde

1967, a Lei de Imprensa de nº 5.25022 estabelecia que o governo poderia exercer

censura sob os jornais ou periódicos, algo que viria acontecer com maior intensidade

após o AI-5 (1968).

Mantendo uma continuidade, a censura no pós-1968, também nesse momento, esteve dividida em duas instâncias: uma se aplicava à diversão, outra à imprensa. Ambas com cunho político, contudo a primeira encoberta nas preocupações com a “moral e bons costumes” [...]. Censurar portanto é um ato político em qualquer esfera ou instante de sua utilização. Com graus de ingerência maiores ou menores, esse ponto é fundamental para compreender os mecanismos estabelecidos no pós-AI-5 (KUSHNIR, 2004, p. 105-106).

No caso citado acima é possível falar de censura, mas não da presença de

um censor dentro do jornal controlando a publicação de matérias, e sim de uma

submissão do diretor do jornal ao poder exercido pelo chefe do Departamento de

Comunicações da Secretaria de Segurança Pública, como uma espécie de autocensura.

22 Art. 1º. § 2º O disposto neste artigo não se aplica a espetáculos e diversões públicas, que ficarão sujeitos à censura, na forma da lei, nem na vigência do estado de sítio, quando o Govêrno poderá exercer a censura sôbre os jornais ou periódicos e emprêsas de radiodifusão e agências noticiosas nas matérias atinentes aos motivos que o determinaram, como também em relação aos executores daquela medida. KUSHNIR (2004) afirma que “mesmo não havendo um decreto oficial de estado de sítio [...] a ausência de um pleno estado de direito vivido permitiu que tudo que o parágrafo 2º estabelecia ocorresse. Assim, para muitos juristas, o AI-5 foi uma decretação não-oficial de estado de sítio.”

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A pressão sobre os donos de jornais era muito grande e, além da presença policial na equipe de redação, da substituição do espaço do editorial – lugar onde a equipe de redação opina sobre as questões do momento – por charges e da guinada à direita, o tabloide adotou a censura interna e autocensura (KUSHNIR In REIS [et.al.], 2004, p. 258).

Figura 10 - Censura, Moral e Bons Costumes - Fradim nº 29; ano 1980.

Na figura acima, o cartunista Henfil, sob a ótica do humor, tratou da censura

às publicações que atentavam contra a moral e os bons costumes. Essa vigilância sobre

os jornais não excluía a possibilidade da subversão por meio de matérias de teor crítico,

pois em 1979, em nova informação sobre os FATORES QUE INFLUEM NA

FORMAÇÃO DA MORAL SOCIAL E OPINIÃO PÚBLICA, um agente de

informação reafirmou a existência de elementos subversivos infiltrados nos jornais que,

desde 1975, publicavam matérias com teor crítico que desagradava aos militares, dentro

da distensão e do retorno à liberdade de imprensa, citada anteriormente. Isso reflete o

processo de abertura política proposta pelo general Ernesto Geisel, em 1974.

O projeto de abertura representava uma volta ao Estado de Direito, a reconstitucionalização do regime, mas não exatamente a redemocratização do país. Ao contrário de outros processos de abertura, no Brasil os militares liberalizantes não contaram com o apoio da oposição – pelo menos da chamada oposição autêntica – na sua luta pela reconstitucionalização. Em suas origens, o alcance e o ritmo da abertura ficavam muito aquém do que a oposição desejava. Dessa forma, para os principais formuladores do projeto de abertura, a oposição seria um estorvo aos seus objetivos, obrigando-os a manobrar gradualmente, num permanente stop-and-go, entre os bolsões de resistência à mudança no interior dos quartéis – radicais, porém sinceros, no dizer do próprio Geisel – e a oposição, desejosa de imprimir um ritmo mais acelerado e uma maior amplitude ao processo de abertura (SILVA In FERREIRA e DELGADO, 2007, p. 263).

Assim como os jornais foram investigados sobre a influência que exerciam

na população, lideranças trabalhistas e entidades religiosas também foram investigadas,

com o objetivo de identificar pontos críticos na aceitação do modelo de governo

proposto pelos militares.

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56

Basta lembrar que, em 1974, ao criticar o papel dos jornais, um agente de

informação chamou atenção para os conflitos na região de Santa Luzia. Como será

analisado nos próximos capítulos, os conflitos de terra no Estado do Maranhão eram

mediados por clérigos. Bispos e padres eram vistos como opositores aos planos de

governo, como é possível observar num registro de 1974:

Convém ressaltar, porém, a oposição feita pelo clero progressista que procuram embaraçar os planos do governo, tentando influenciar a juventude e os trabalhadores rurais, estimulando a desobediência às autoridades e o desrespeito às propriedades privadas, como acontece na área da Diocese de Viana, especialmente em Santa Luzia (DOPS/MA. Informação 069/74. 04/09/1974, cx. 14, maço 175).

Em 1975, as observações sobre o clero permanecem, porém chama atenção

as mudanças nas acusações. Em 1979 e 1980, o clero é apontado como um dos

principais focos de movimentos contestatório. Numa informação de 18 de outubro de

1979 (Figura 13), a “Igreja” é apontada como cabeça dos movimentos de esquerda no

estado do Maranhão, nas pessoas de “Dom João da Motta e Albuquerque, pe. Claudio

Roy, pe. Jocy Neves Rodrigues, pe. Joseph Jules Rejean Racine, pe. Gerard Chambrou,

pe. Jean Marie Maurice Lecornú, pe. Marcos Passerini e vigários de Cândido Mendes,

Balsas, Arari, Turiaçu, Matinha, Coroatá, entre outros23” (DOPS/MA. Informação

252/79, cx. 08, maço 97). Estes são o os primeiros nomes da lista de esquerdistas no

Maranhão (Figura 14).

Figura 11 – Fatores que influem na formação da moral social e da opinião pública brasileira.

(DOPS/MA. Informação 0252. 18/10/1979, cx 8, maço 97).

23 Bispo de Cândido Mendes (Dom Guido Casullo); Bispo de Balsas (Dom Reno Carlosi); Pároco de Arari (pe. Clodomir Brand e Silva); pároco de Turiaçu (pe. Antonio Di Foggia).

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Figura 12 - Detalhe da Informação: Padres Esquerditas no Maranhão.

A postura progressista desses religiosos voltada para as questões sociais não

estava circunscrita ao período da Ditadura Militar. A forte influência de bispos

progressistas na criação da CNBB, em 1952, indicou para uma orientação política de

parte da Igreja. A figura de D. Hélder, nos primeiros momentos da CNBB, definiu um

caráter mais social a essa instituição.

Durante o primeiro decênio da existência da CNBB (1952-1962), a liderança da organização eclesiástica coube ao secretário executivo Dom Helder Câmara. Houve, então, um deslocamento significativo com relação ao enfoque anterior: em primeiro lugar, a Igreja passou a debruçar-se cada vez mais sobre a realidade brasileira, procurando analisar melhor os problemas sociais, detectando suas causas e conseqüências; em segundo lugar, realizou um esforço significativo para adequar melhor a própria instituição aos novos tempos, a fim de poder continuar a exercer influência sobre a mesma sociedade. Simultaneamente, dispôs-se a colaborar de forma mais específica em projetos de interesse social, destinados a proporcionar maior bem-estar à população, sobretudo aos segmentos mais carentes e necessitados. Em síntese, a instituição católica mostrou-se mais sensível às transformações sociais, procurando paulatinamente assumir uma atitude de serviço em beneficio do próprio povo (AZZI e GRIJP, 2008, p. 620-621).

O Concílio Vaticano II deslocara ainda mais setores do catolicismo

brasileiro para a preocupação com as questões sociais. Entre 1962 a 1965, a Igreja

Católica se reuniu no Vaticano para a elaboração de um novo concílio, que teve como

objetivo atualizar a Igreja Católica ao mundo moderno (DELUMEAU, 2000).

A mudança na Igreja internacional legitimou as inovações no Brasil e estimulou outras. O Concílio Vaticano II (Vaticano II) reuniu em Roma, de 1962-1965, mas de 2 mil bispos e centenas de teólogos de todas as partes do mundo. Eles reformularam a doutrina e as estruturas, numa tentativa de tirar o catolicismo do mal-estar em que se encontrava desde o fim da Segunda Guerra Mundial, e torná-lo relevante a um mundo moderno em rápida transformação. O Vaticano II foi, sem dúvida, a mais ampla reforma da história da Igreja. Aprovou novidades como a missa em línguas nacionais (em vez do tradicional latim) e uma ênfase maior nos leigos como “o povo de Deus”, uma tendência compartilhada pela ACB24. Embora dominado por

24 ACB – Ação Católica Brasileira.

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europeus, o Vaticano II assimilou muitas ideias da América Latina graças à pressão dos bastidores de dom Hélder e dom Manoel Larraín, do Chile. Por sua vez, a ênfase do Concílio na justiça social e nos direitos humanos impeliu os teólogos, o clero e as freiras da América Latina a se aprofundarem no trabalho com a maioria empobrecida. Significativamente, o Vaticano II enfatizou o diálogo dentro da instituição e com outras fés e filosofia (SERBIN, 2001, p. 99).

O Vaticano II codificou uma doutrina religiosa que, quando colocada frente

à realidade latino-americana, possibilitou a reflexão sobre as questões sociais, atenta à

pobreza e às desigualdades econômicas, e com um discurso político de

responsabilização dos governantes. Para os militares, como foi exposto acima, criticar o

regime político e os planos de governo era visto como indício de oposição e de

subversão, por essa razão a preocupação do governo com a Igreja Católica e a tentativa

de frear as ações de padres e bispos que, após 1964, passaram a figurar nos órgãos de

informação como comunistas e esquerdistas.

Nas séries pesquisadas foram localizadas 22 fichas com registros das

atividades de padres e bispos. Estes prontuários policiais continham alguns dados

biográficos e destaques para as acusações e processos contra o fichado. As fichas abaixo

correspondem a dois padres que foram acusados de serem subversivos por causa de suas

atividades no interior do Maranhão.

Figura 13 - Ficha de Identificação do Padre José Antonio de Magalhães Monteiro (DOPS/MA. Ficha. cx. 13, maço 154).

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Figura 14 - Ficha do Padre Xavier Gilles de Maupeou D’Ableiges (DOPS/MA. Ficha. cx. 13, maço 154).

.

Os padres fichados25 foram indiciados na Lei de Segurança Nacional (LSN)

nº898/69. Entre as acusações estavam:

1. Art. 23. Tentar subverter a ordem ou estrutura político social vigente no Brasil, com o fim de estabelecer ditadura de classe, de partido político, de grupo ou indivíduo (pena: reclusão, de 8 a 20 anos). 2. Art. 25. Praticar atos destinados a provocar guerra revolucionária ou subversiva (pena: reclusão, de 5 a 15 anos). 3. Art. 39. Incitar: I – a guerra ou subversão da ordem político social; V – a paralisação de serviços públicos, ou atividades essenciais. 4. Art. 45. Fazer propaganda subversiva: I – utilizando-se de quaisquer meios de comunicação social, tais como jornais, revistas, periódicos, livros, boletins, panfletos, radio, televisão, cinema, teatro e congêneres, como veículos de propaganda de guerra psicológica adversa ou de guerra revolucionária ou subversiva; II – aliciando pessoas nos locais de trabalho ou ensino.

Com base nas fichas acima (Figura 15 e 16), o inquérito sobre o caso foi

aberto no dia 4 de agosto de 1970. Segundo Dom Xavier, em entrevista26, o padre

Monteiro foi preso cerca de dois dias antes dele, período em que foi submetido à tortura.

Dom Xavier: Eu não fui torturado. Mas o padre Monteiro foi torturado, sim. Vi tudo logo depois, as marcas, as escoriações e, principalmente, o laudo

25 Nas figuras não foram utilizados os versos das fichas, que contém apenas a informação sobre a absolvição das acusações. 26 Entrevista concedida ao jornal O Estado do Maranhão no dia 16 de junho de 1999, um dia após a nomeação do ex-delegado da polícia federal, João Batista Campelo ao cargo de comandante da Polícia Federal, pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. João Batista Campelo foi delegado da Polícia Federal, no Maranhão, e foi acusado de ter participado das sessões de tortura contra o padre Antonio Monteiro, quando esse foi preso em Urbanos Santos, sob suspeita de subversão.

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tanto dos médicos do Estado como do médico do arcebispado, que era o padre João Mohana. [...] O padre Monteiro foi preso 48horas antes de mim. Foi trazido para São Luís, interrogado e torturado. [...] Quando me entreguei, fui acompanhado à polícia pelo arcebispo dom Mota. Ele, como já sabia das torturas ao padre Monteiro, disse à polícia que estava entregando o padre Xavier em bom estado físico e mental. Então, o delegado Campelo perguntou: “O que o senhor está querendo dizer?”. E dom Mota respondeu: “O senhor sabe muito bem o que estou querendo dizer” (Entrevista de Dom Xavier ao jornal O Estado do Maranhão, 16/06/1999).

Ambos os padres foram acusados de atividades subversivas, por conta de

suas ações de conscientização e denúncia de injustiças junto aos lavradores nos

municípios de Urbano Santos e o povoado de São Benedito do Rio Preto. Entre essas

ações, dentro das paróquias, estava a organização de comunidades eclesiais de base

(CEB’s) e atuação junto aos sindicatos rurais. Também foram acusados de invadirem a

delegacia da cidade de Urbano Santos, apoiados por lavradores (DOPS/MA. Pedido de

Busca nº 02/70. 1970, cx. 32, maço 365), razão pela qual foram incurso no inciso V do

art. 39 da LSN (paralisação de serviços públicos).

Segundo Informação datada de 4 de março de 1975 (Figura 17), os clérigos

incitavam camponeses a invadirem terras, além de terem sido encontrados em posse de

“vários impressos subversivos” e de receberem “mensalmente revistas comunistas”

(Informação nº 060/75 .04/03/1975, cx.13, maço 152).

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Figura 15 - Informação sobre Pe. Xavier Gilles de 1975. (Informação nº 060/75, 04/03/1975, cx. 13, maço. 152)

Somando-se às acusações, pesava também o fato de Dom Xavier ter sido

soldado do exército francês e ter lutado na guerra da Argélia27 (Informação nº 060/75,

04/03/1975, cx. 13, maço. 152). Ainda segundo o bispo, à época de sua prisão, a Polícia

Federal o acusou de ter participado da guerrilha com a Frente de Libertação Nacional da

Argélia.

Sobre o Padre Monteiro pesava a sua articulação com a Ação Popular (AP),

sua proximidade com um de seus líderes, Manoel da Conceição, e também com a

guerrilha do Araguaia, conforme entrevista dada a um jornalista em Alagoas, em 2011.

Monteiro: eu tinha amigos na AP. Minha articulação era com o pessoal de AP que tinha ligação com a guerrilha do Araguaia. Na época eu não tinha

27 A Guerra de Independência da Argélia (1954-1962) foi um conflito organizado por grupos contra o governo colonial francês.

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conhecimento disso, mas depois eu soube que eles me consideravam uma referência, que justificava a ação guerrilheira deles. [...] Depois da prisão eu não tive coragem de ficar no Maranhão. Tinha uns amigos na Polícia Federal que me disseram que eles me pegariam ainda (entrevista de Antonio Monteiro ao Repórter Alagoano, 09/11/2011).

Pela LSN tudo isto confirmava as acusações de praticarem atos destinados a

provocar guerra revolucionária ou subversiva. Provavelmente, devido à conjunção de

todos esses fatores, os militares acreditavam ter em mãos subversivos que

representavam um grande risco, o que teria levado ao encaminhamento dos processos

para a 1ª Região Militar, no Rio de Janeiro, e não para a 10ª Região Militar Fortaleza –

CE, da qual o Maranhão fazia parte.

Estes casos são apenas dois dos que envolvem padres e religiosos existentes

na documentação trabalhada, pois é longa a lista28 dos clérigos suspeitos de subversão,

que possuem ficha prontuário na DOPS/MA. São eles:

- Dom Antonio Batista Fragoso

- Dom Candido Padim

- Dom David Picão

- Dom Estevão Cardoso de Avelar

- Dom Hélio Campos

- Dom Pedro Casaldáliga

- Dom Xavier Gilles Maupeou d’Ableiges (à época padre)

- Pe. Alberto Carbone

- Pe. Alfredo da Costa e Silva*

- Pe. Gerard Dupont

- Pe. Jean Marie Maurice Lecornu (Conhecido como padre João de Fátima Maranhão)

- Pe. José Antonio de Magalhães Monteiro

- Pe. José Manuel de Macedo Costa

- Pe. Joseph Comblin

- Pe. Mario Aldighieri

- Pe. Michel Candas

- Mons. Eider Furtado da Silva

- Mons. Hélio Maranhão

28 Os nomes marcados com asterisco provavelmente não estão corretos. Muitas vezes as informações passadas à DOPS/MA não eram oriundas de investigações detalhadas e os nomes apareciam errados, incompletos ou com sobrenome trocado, razão pela qual, na ficha do padre José Monteiro aparece “Xavier” em seu sobrenome.

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- Pe. Renzo Dine*

- Pe. Rogério Dubois

Registram-se ainda a presença das fichas de Dom Helder Câmara e de Frei

Tito de Alencar nos arquivos locais. Novamente é importante ressaltar que estas fichas

estão presentes nas duas séries analisadas e que, nestas séries, foi possível ainda

localizar referências a 79 clérigos (Anexo 05), que também foram citados em

investigações por desenvolverem atividades ligadas à Igreja.

O objetivo desse capítulo, ao abordar a documentação trabalhada, foi,

sobretudo, apresentar um panorama de seu conteúdo e deixar clara a origem das

informações. Privilegiei aqui apresentar ideias gerais sobre o contexto social e político

que será trabalhado detalhadamente conforme forem abordados os casos de subversão

católica no Maranhão.

Nos próximos capítulos optei por um recorte tipológico, ao tratar de forma

diferenciada os casos ocorridos na capital e nas cidades no interior do Estado,

possibilitando, assim, a abordagem dos vários contextos de atuação dos agentes de

informação e dos clérigos católicos. Nestes capítulos reaparecerão vários dos nomes

citados anteriormente, que por vezes se repetirão em situações distintas.

Os acusados de subversão figuravam nas disputas e tensões relativas a

problemas agrários (grilagem, invasões e expulsões, perseguições e assassinatos) e a

problemas mais gerais que afligiam e ainda afligem as populações pobres não só nas

áreas rurais, mas também nas cidades, nos casos de ocupações de diversos bairros, as

conhecidas “invasões”.

Na tentativa de interferir na realidade e ao atribuir aos governantes a

responsabilidade por situações consideradas injustas, padres e bispos passaram a ser

considerados opositores esquerdistas, acusados de divulgar ideário comunista e contra o

regime, sendo assim classificados em comunistas, terroristas e subversivos.

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2. A SUBVERSÃO CATÓLICA NO MARANHÃO.

No sábado, 21 de agosto de 1961, o então presidente Jânio Quadros

condecorou o ministro cubano e revolucionário Ernesto Che Guevara com a Grã Cruz

da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul29. Che Guevara teria vindo em uma visita de

agradecimento ao reconhecimento dado pelo Brasil à postura revolucionária de Cuba.

Este episódio reforçou a imagem de proximidade com o socialismo, atribuída à política

do presidente Jânio Quadros e seu vice João Goulart, que na ocasião encontrava-se em

visita à República Popular da China, governada pelo líder comunista Mao Tse Tung.

É justamente nesse período de extrema tensão que o governo brasileiro assumiu a posição de não mais se alinhar automaticamente aos Estados Unidos, defendendo sua independência para manter relações diplomáticas e comerciais com qualquer país que fosse de seu interesse, entre eles os de regimes comunistas. Assim, no governo de Jânio Quadros o Itamaraty dedicou especial atenção às relações com os novos países africanos, às nações comunistas do Leste Europeu, à União Soviética, à China e à Cuba. Nesse contexto, o Brasil havia recusado apoio aos Estados Unidos para a expulsão de Cuba da Organização dos Estados Americanos (OEA) e Jânio Quadros condecorou com a Ordem do Cruzeiro do Sul ninguém menos que o líder revolucionário Che Guevara (FERREIRA; GOMES, 2014, p. 22).

O receio das elites políticas, traduzido nas matérias de jornais, girava em

torno dessa aproximação com o comunismo e de eventuais acordos internacionais com

China, Cuba e Rússia. Medo agravado pelo encontro entre um dos principais líderes da

Revolução Cubana (1959) e o presidente brasileiro, que em seu discurso oficial afirmou:

Ministro Guevara: v. exa. manifestou em varias oportunidades o desejo de estreitar relações economicas e culturais com o governo e povo brasileiros. Esse é o nosso proposito tambem. E é a deliberação que assumimos no contato com o governo e o povo cubanos. E para manifestar a v. exa., ao governo de Cuba e ao povo cubano, nosso apreço, nosso respeito, entregamos a v. exa. esta alta condecoração do povo e governo brasileiros (Folha de São Paulo, 20/08/1961, sic).

Algumas matérias tentaram diminuir o significado da condecoração, como

as do jornal Correio da Manhã, mas não o impacto disso no cenário político nacional.

Para o Jornal do Brasil, a farda de Guevara envergara-se perante o peso de tal

condecoração fazendo entender que o líder cubano não era digno de tal consideração

(Jornal do Brasil, 20/08/1961), que em síntese significava a materialização de um

acordo tácito entre Brasil e Cuba.

29 A Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul é “destinada a galardoar as pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras que se tenham tornado dignos do reconhecimento da Nação Brasileira” (Decreto nº 14.265, de 14 de dezembro de 1943) e, portanto, um dos maiores símbolos de reconhecimento nacional à personalidades estrangeiras.

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Presidente e vice-presidente apertavam, quase que simultaneamente, as

mãos de líderes comunistas, eventos que soaram como sinal de alerta. Cinco dias

depois, Jânio renunciava alegando não conseguir governar da forma que gostaria, para

conduzir o Brasil “pelo caminho da verdadeira libertação política e econômica, o

único que possibilitará o progresso efetivo e a justiça social, a que tem direito o seu

generoso povo” (Jornal do Brasil, 25/08/1961 – grifo meu).

É provável que as “forças terríveis” de oposição ao seu governo tenham

entendido certas expressões e palavras de sua carta de renúncia como o veredito do

processo de transformação comunista, interrompido com a sua saída e com a posse de

João Goulart. Porém, sobre o vice-presidente pairavam acusações de uma proximidade

ao comunismo, desde sua atuação como Ministro do Trabalho de Getúlio Vargas (1953-

54), por sua postura de “diálogos e negociações com o movimento sindical”

(FERREIRA; GOMES, 2014, p. 27).

A posse de João Goulart, no dia 7 de setembro de 1961, foi garantida pelo

Congresso, através da implementação de um Regime Parlamentarista, em que os

poderes do executivo federal foram limitados. Dessa forma, acreditava-se que o

presidente não tomaria decisões unilaterais, como a realização de acordos políticos e

econômicos com países comunistas, sem que essas medidas passassem pelo primeiro-

ministro ligado diretamente ao Congresso.

Para os historiadores Jorge Ferreira e Ângela de Castro Gomes (2014), o

Regime Parlamentarista foi um episódio confuso da história política brasileira. Seu

intrincado funcionamento indicou para uma instabilidade política acerca de quem

conduziria o país após a renúncia de Jânio: se os militares que o pressionaram a sair ou

se o vice-presidente. O certo é que Jango assumiu sob forte pressão por parte dos

ministros militares e com um dúbio apoio do Congresso, que via na posse do vice-

presidente a manutenção da sua própria existência enquanto instituição.

A adoção do parlamentarismo foi uma solução de circunstância política, embora houvesse parlamentarista entre os políticos brasileiros e existisse, de fato, uma emenda com essa proposta no Congresso. Considerando-se o momento de sua adoção, pode-se dizer que o novo regime angariava muito mais descontentes dos que defensores, todos os presidenciáveis ao pleito de 1965, como Juscelino Kubitschek, do PSD, e Carlos Lacerda e Magalhães Pinto, da UDN, desejavam o seu fim (FERREIRA; GOMES, 2014, p. 103).

No entanto, as referidas eleições presidenciais de 1965 não ocorreram,

devido a uma intervenção civil-militar que depôs Jango, em 31 de março de 1964. A

justificativa para esse movimento foi que poderes constitucionais e princípios básicos da

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nação foram ameaçados pelas ações políticas do presidente. Os militares se atribuíram a

tarefa de atuar em nome da “manutenção da ordem social, [do] respeito à hierarquia e

[do] controle do comunismo” (FAUSTO, 2009, p. 461).

A propaganda anticomunista, sustentada pelos Estados Unidos e seus

aliados, proporcionava ainda mais instabilidades políticas no país, pois as ações de

Jânio e Jango foram interpretadas como um risco iminente de o Brasil ser uma nova

Cuba. O mundo estava dividido entre o bloco de países capitalistas, liderado pelos

Estados Unidos, e o bloco socialista, sob o comando da União Soviética. (MOTTA,

2002).

Durante a Guerra Fria, período marcado pela bipolarização mundial, o

Brasil aliou-se política e economicamente ao bloco capitalista. Porém, essa opção direta

aos Estados Unidos não excluiu, do cenário político e social nacional, expressões dessa

polarização mundial. Na outra mão do apoio político, dado aos norte americanos,

estavam os diálogos com os países comunistas, o reconhecimento ao regime castrista e

as propostas pelas reformas de base30.

Figura 16 – Charge sobre as Reformas de Base (MOTTA, 2002, p. 135).

Em treze de março de 1964, João Goulart em cima de um palanque na Praça

da Central do Brasil31, no Rio de Janeiro, discursou sobre a importância e necessidade

da implantação das reformas de base. Dentre as reformas propostas por Jango, a que

30 As reformas de base propostas por João Goulart reuniam uma série de iniciativas, como reforma bancária, fiscal, urbana, administrativa, universitária e agrária. Essas propostas de maior intervenção na economia e na sociedade soavam aos ouvidos dos grupos conservadores, como propostas de caráter comunista. 31 O comício da Central do Brasil foi realizado no dia 13 de março de 1964, no Rio de Janeiro, teve como objetivo pressionar o Congresso para a aprovação das reformas de base, propostas por Jango. Segundo Daniel Aarão, “cerca de 300 mil pessoas aplaudiram discursos com ânimo ofensivo. Esboçava-se uma reforma revolucionária.” (REIS, 2014, p. 82).

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mais assustava as elites era a reforma agrária e constitucional. Segundo Thomas

Skidmore, no comício:

[...] Jango começou por agradecer aos sindicatos que “mobilizaram” seus associados para “tão entusiástica e calorosa manifestação”. E prosseguiu agora atacando os que “exploram os sentimentos cristãos do povo, na mistificação de um anticomunismo”. Depois, Jango passou imediatamente ao assunto principal de seu discurso – a necessidade de reforma agrária: “Não receio ser chamado de subversivo pelo fato de proclamar a necessidade de revisão da constituição que não atende mais aos anseios do povo. Essa constituição é antiquadra, porque legaliza uma estrutura socioeconômica já superada, injusta e desumana”. Invocou a autoridade do Papa João XIII e do general MacArthur em apoio a idéia de uma reorganização completa da estrutura rural agrária que tão necessária também se fazia para “aumentar e melhorar o mercado interno32” (SKIDMORE, 2007, p.349, sic).

Em seu discurso, Jango chamou a atenção para a exploração do sentimento

católico no combate ao comunismo, pois movimentos vinham surgindo condenando sua

inclinação às questões sociais. O apelo do presidente era no sentido de desarticular o

discurso de comunização das medidas políticas que buscava implementar.

Àqueles que reclamam do Presidente de República uma palavra tranquilizadora para a Nação, o que posso dizer-lhes é que só conquistaremos a paz social pela justiça social. Perdem seu tempo os que temem que o governo passe a empreender uma ação subversiva na defesa de interesses políticos ou pessoais; como perdem igualmente o seu tempo os que esperam deste governo uma ação repressiva dirigida contra os interesses do povo. Ação repressiva, povo carioca, é a que o governo está praticando e vai amplia-la cada vez mais e mais implacavelmente, assim na Guanabara como em outros estados contra aqueles que especulam com as dificuldades do povo, contra os que exploram o povo e que sonegam gêneros alimentícios e jogam com seus preços (Discurso de João Goulart no comício da Central do Brasil33, 1964 – grifo meu).

Uma das principais bases de sustentação do anticomunismo foi a Igreja

Católica, que já mostrava desagrado desde a Revolução Russa em 1917 e que manteve,

no Brasil, apoio direto as medidas que visavam interromper o “perigo vermelho”.

Em 1930 os prelados apoiam a revolução liderada por Vargas quando se certificam que ela não trás no seu bojo um projeto comunista. Da mesma forma apoiam o Estado Novo por seu caráter anticomunista. Em abril de 1947, no governo Dutra, o Partido Comunista é colocado fora da lei. Os cardeais de São Paulo e Rio de Janeiro manifestam o seu apoio à medida. Dois anos depois, o cardeal Dom Jaime Câmara, voltou a denunciar que o comunismo se escondia em instituições aparentemente inócuas, acrescentando não ter sido pequena “a contribuição, lenta, mas constante, do comunismo ateu, para desorganização das famílias, a decadência dos costumes, o nível cada vez mais baixo da moral”. Também o golpe de 1964 foi saudado como uma vitória contra o comunismo (AZZI, 2008, p. 352).

32 O papa ao qual a citação se refere pode ser João XXIII (idealizador do Concílio Vaticano II) ou Leão XIII (idealizador da Rerum Novarum), e não João XIII (pontífice entre os anos de 965 – 972 d.C). 33 Extraído de: http://www.ebc.com.br/cidadania/2014/03/discurso-de-jango-na-central-do-brasil-em-1964. Consultado em 29 de outubro de 2014.

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O argumento religioso dessa articulação política surtiu um grande efeito,

que ia desde as publicações de panfletos e charges34 (Figura 19) até demonstrações

públicas, como a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, uma clara resposta ao

Comício da Central do Brasil, em 1964.

Figura 17 - Jornal do Maranhão (5 e 6 de janeiro de 1964).

No Maranhão, o periódico católico, Jornal do Maranhão, noticiou um alerta

à sociedade sobre o perigo da infiltração bolchevique em movimentos aparentemente

inócuos. Segundo os bispos, na matéria abaixo, o comunismo era um perigo “não só

pela profissão de ateísmo, mas pelo projeto de subversão da ordem social” (AZZI;

GRIJP, 2008, p. 352) (Figura 20).

Figura 18 – Manchete do Jornal do Maranhão (19 de janeiro de 1964)

Não foram poucas as demonstrações católicas de anticomunismo antes e

depois do golpe de 1964. A TFP, uma das principais idealizadora e divulgadora do

anticomunismo católico, produziu com base nessa ideologia, livros, textos e cartilhas de

orientação e defesa contra essa ameaça. Foi esse movimento, de inspiração católica, que

organizou, em março do mesmo ano, as Marchas da Família em várias capitais

brasileiras. Em dezenove de março de 1964, reuniram-se na Praça da Sé, em São Paulo,

34 Para mais ver MOTTA, 2002.

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cerca de quinhentos mil cristãos, em um protesto contra os projetos reformistas de João

Goulart. Carlos Fico destacou o discurso do senador padre Calazans que resumiu a

proposta do movimento:

Hoje é o dia de são José, padroeiro da família, o nosso padroeiro. Fidel Castro é o padroeiro de Brizola. É o padroeiro dos comunistas. Nós somos o povo. Não somos do comício da Guanabara. Aqui estão mais de quinhentos mil pessoas para dizer ao presidente da República que o Brasil quer a democracia e não o tiranismo vermelho aqui está a resposta ao plebiscito da Guanabara: não! não! não! (FICO, 2014, p. 62).

Foi esse movimento católico de cunho contrário ao comunismo que apoiou

o golpe civil-militar em 1964. A CNBB lançou uma nota de alívio em que louvou a

ação dos militares como salvadora da nação35. O Jornal do Maranhão, na edição do dia

5 de abril de 1964, publicou a nota intitulada A grande vítima, sobre a queda de Goulart.

Depois do próprio Brasil, a grande vítima do triste episódio causado por líderes comunistas e que envolveu de angústia, na semana passada, tôda a Nação, a grande vítima é sem dúvida o Sr. João Goulart. Não se compreende por que apenas o ex-presidente ficava alheio à trama que era armada atrás dos bastidores das mesmas instituições que êle patrocinava. Ali se urdiam a traição e o golpe, a serem desferidos no momento oportuno contra ele mesmo. O mais elementar observador percebia que o Sr. João Goulart vinha alimentando uma hidra perigosa e insaciável que o devoraria mais tarde, quando abrigava e protegia o CGT, PUA, UNE etc. Hoje está êle foragido da Pátria, sentindo na carne o remorso de não ter agido com segurança e por consciência, mas atendendo a insinuações de assessores inescrupulosos que antes queria ver a sua ruína que a sua ascensão. Que fique a lição para o seu sucessor. O Brasil que viver em liberdade. Vamos reformar... para melhor (Jornal do Maranhão, 05/04/1964, sic - grifo meu).

O jornal católico não descartou a necessidade de reformas no Brasil, mas

condenava que fossem conduzidas pelos comunistas, que arquitetavam um golpe nos

bastidores do governo de Jango. Nesse contexto de um iminente “golpe comunista” foi

construído a ideia de que a tomada de poder pelos militares se constituiu como uma

Revolução e que era, sobretudo, um contra golpe.

Todo esse movimento teve um caráter civil-militar, embora o golpe tenha sido deflagrado por militares. É difícil precisar até que ponto os golpistas estavam certos quanto às reais possibilidades de um golpe de esquerda. Entre os teóricos marxistas, há quem defenda que as ameaças eram efetivas. O que se sabe é que o golpe foi dado sob o pretexto de ‘salvar’ o país da subversão, do comunismo, da corrupção e do populismo; de combater a ‘crise moral’ que assolava o país, em nome da ‘democracia’ e da civilização ocidental cristã (GOMES, 2014, p. 42).

35 “Atendendo à geral e ansiosa expectativa do povo brasileiro, que via a marcha acelerada do comunismo para a conquista do poder, as Forças Armadas acudiram em tempo e evitaram que se consumasse a implantação do regime bolchevista em nossa terra. Ao rendermos graças a Deus, que atendeu às orações de milhares de brasileiros e nos livrou do perigo comunista, agradecemos aos militares que, com grave risco de suas vidas, se levantaram em nome dos supremos interesses da nação” (BRUNEAU, 1974, p. 214 apud GOMES, 2014, p. 43).

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Foi nessa batalha ideológica que os militares assumiram o papel de Hércules

para derrotar a hidra comunista36. Salvar a nação significava, assim como no mito,

cortar e cuidar para que não mais crescessem elementos comunistas no país. A Doutrina

de Segurança Nacional e os órgãos de segurança e informação assumiram a difícil tarefa

de Hércules no combate a subversão que, tal como as cabeças da hidra, continuava a

crescer no país, exigindo dos militares a permanência no poder e o incremento nos

mecanismos de combate.

Em nota na edição do dia três de maio de 1964, intitulada O Ato

Institucional da Revolução Brasileira, o Jornal do Maranhão explica o primeiro Ato

Institucional37 justificando a tomada de medidas que, aparentemente, poderiam ser

vistas como contrárias à proposta dos militares de defender a democracia. Diz:

Muitas pessoas que, às vêzes de boa fé, simpatizavam com o regime pró-totalitário derrotado no Brasil, e mesmo alguns democratas autênticos, têm dúvidas sôbre se o Ato Institucoinal (sic) baixado pela revolução vitoriosa pode considerar-se democrático. [...] Mas se é certo de que acima da lei positiva existe uma lei natural, inscrita por Deus na consciência humana, deduz-se a perfeita liceidade de uma modificação da norma constitucional de um país, desde que tal modificação não conduza ao totalitarismo ou seja exigida por circunstâncias excepcionais. [...] Sem os dispositivos de defesa e segurança contidos nesse Ato, dificilmente poderia o povo brasileiro livrar-se do montão de resíduos totalitários deixados por tôda a parte, e ao mesmo tempo punir os responsáveis pela onda espantosa de imoralidade e corrupção que pouco a pouco vai sendo revelada nas sindicâncias em realização em todos os setores da administração do país. [...] Seria uma injustiça contra 75 milhões de brasileiros se tais criminosos ficassem sem punição imediata [...]. O Ato Institucional é mesmo gesto de legítima defesa de um povo traído e espoliado por agentes a sôldo de outros países e se constitui uma descontinuidade no plano da lei positiva, tendo por fundamento a própria lei natural e as regras autênticas da moral política (Jornal do Maranhão, 03/05/1964, sic).

Os mecanismos de defesa criados pelos militares, contra o comunismo,

foram elencados no jornal católico como necessários para o sucesso da revolução, pois

nele estavam os meios de punir seus responsáveis. Na nota acima o jornal tentou

tranquilizar seus leitores sobre a constitucionalidade do ato e principalmente sobre a

legitimidade do movimento de 1964.

No entanto, o apoio ao golpe não foi unânime entre o clero. Vários deles

elaboraram críticas pontuais às marchas, sob a justificativa de que o “estabelecimento

36 Capa do livro Catecismo Anticomunista de Dom Geraldo de Proença Sigaud, S.V. D (1960) (Anexo 6). 37 Os atos institucionais foram medidas que ampliaram o poder do executivo deslocando das outras esferas de poder a autoridade para condução da administração do país. “O Ato Institucional surpreendeu os que haviam apoiado a intervenção dos militares por acreditarem que sua intenção era restaurar a democracia” (ALVES, 2005, p. 1965).

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da ordem não poderia desconsiderar o direito de defesa dos acusados, nem justificar atos

de violência e arbitrariedade” (GOMES, 2014, p. 44). Os redatores de notas e artigos do

jornal do Maranhão tinham consciência dos excessos praticados pelos militares na tarefa

de derrotar a hidra comunista, como destaca trecho do artigo Revolução, sim, de 19 de

abril de 1964.

NÃO QUEREMOS – e não podemos – endossar excessos que estejam sendo praticados, ainda que naturais no rescaldo de tôdas as revoluções promovidas pela fragilidade humana, mas não podemos, também, traiçoeiramente, invalidar todo processo revolucionário que não deve ser confundido com alguns abusos condenáveis e corrigíveis. Essa desculpa de lamentar excessos agora está sendo, aliás, indevidamente utilizada justamente por aqueles que não tiveram uma palavra sequer de condenação ao maior excesso que estava sendo preparado para o Brasil [...] (Jornal do Maranhão, 19/04/1964, sic).

É importante destacar a consciência dos excessos no contexto imediato ao

golpe, demonstrando que os redatores do jornal católico tinham uma avaliação crítica do

“governo revolucionário” e que não estavam dando apoio incondicional, pois o que

estava em jogo era o objetivo maior de livrar o Brasil do comunismo. No entanto, a

continuidade dos ditos excessos (prisões, denúncia de tortura, perseguições políticas,

cassação de mandatos políticos, etc.) e, principalmente, a prática destes contra religiosos

vai ser um dos fatores de mudança do apoio católico ao regime.

Já no dia 11 de outubro de 1964, o jornal do Maranhão através do artigo de

Dom Jaime de Barros Câmara, já explicava que militantes da Ação Católica e alguns

clérigos estavam sendo “detidos para averiguação” por suas posturas comunistas, mas

que a relação, entre a Igreja e a Revolução, continuava respeitosa. Na medida em que os

órgãos de informação e segurança se aperfeiçoavam e ampliavam suas atividades,

ampliava-se também, as características do perfil do subversivo. Da mesma forma que as

propostas das reformas de base foram entendidas como ameaça comunista antes do

golpe, após 1964, o discurso católico sobre a problemática social levou clérigos a

figurarem entre os elementos subversivos.

O objetivo não é criar um marco temporal a partir do qual se possa dizer que

a Igreja mudou radicalmente de postura, mas mostrar a complexidade do

posicionamento e das falas de clérigos que, após 1964, teriam seus nomes contidos nas

fichas dos DOPS. A reflexão proposta não pretende diminuir a importância das

constituições conciliares, mas mostrar que existiam movimentos católicos, como o

Movimento de Educação de Base (MEB), a Juventude Operária Católica (JOC) e a

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Juventude Universitária Católica (JUC)38, com ações semelhantes às que seriam

propostas pelo Vaticano II.

A esquerda católica de 1960 será a primeira manifestação, no Brasil e mais tarde no resto da América Latina, do que se poderia chamar cristianismo da libertação, que é bem anterior – e bem mais amplo em suas manifestações – à teologia do mesmo nome. Trata-se de um conjunto de reflexões e práticas que questionam a injustiça social, e se traduzem no compromisso de cristãos [...] com a luta pela emancipação dos pobres. A questão da pobreza é, tradicionalmente, uma preocupação fundamental para a Igreja Católica; mas o enfoque agora muda de forma radical: já não se trata de considerar o pobre como objeto de ajuda, proteção ou caridade, mas como sujeito histórico, como ator da sua própria libertação (LÖWY In FERREIRA; REIS, 2007, p. 306).

O Concílio Vaticano II39, através da encíclica Gaudium et spes (Alegria e

esperança), promulgada em 1965, estabeleceu as formas como a Igreja deveria dialogar

com o mundo contemporâneo, acordando questões como a “dignidade da pessoa

humana”, a “condição do homem”, o “desenvolvimento econômico”, a “promoção da

paz” e sobre a vida da “comunidade política” sendo o texto mais longo do Concílio.

Estabelecia que, diante as transformações do mundo, “a Igreja católica pretendia daí em

diante estabelecer o diálogo com ele sobre todas as grandes questões em que entra em

jogo o destino dos homens” (DELUMEAU, 2000, p. 279).

É certo que as coisas terrenas e as que, na condição humana, transcendem esse mundo, se encontram intimamente ligadas; a própria Igreja usa das coisas temporais à medida em que a sua missão o exige. [...] sempre lhe deve ser permitido pregar com verdadeira liberdade a fé; ensinar a sua doutrina acerca da sociedade; exercer sem entraves a própria emissão entre os homens; e pronunciar o seu juízo moral também acerca das realidades políticas, sempre que os direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas o exigirem e utilizando todos e só aqueles meios que são conformes com o evangelho e, segundo a variedade dos tempos e circunstâncias, são para o bem de todos (Gaudium es spes In Documentos do Concílio Ecumênico Vaticano II, 1965 [1997], p. 640).

Com o concílio, a Igreja Católica coloca-se a missão de se pronunciar sobre

as questões políticas e, sempre que necessário, interferir nas questões que envolvem

38 Fundado em 1961, o Movimento de Educação de Base (MEB) é um organismo ligado à CNBB com o objetivo de proporcionar educação e mobilização popular no norte e nordeste do país. (http://www.meb.org.br/- acessado em 03/12/2014). Fundada em 1923 pelo padre José Cardijn, a JOC tinha como objetivo a cristianização do operariado “era politicamente moderada raramente se envolvendo em movimentos populares e mais ligadas às atividades sociais dos jovens e à vida sacramenta da Igreja” (MAINWARING apud AZZI, 2008 p. 112). A Juventude Universitária Católica foi assim denominada após a criação da Ação Católica em 1935, com participação na política estudantil, embora em uma ação conservadora “na medida em que os membros da JUC se envolviam com as questões políticas, começavam sentir a tensão entre a fidelidade à tensão eclesiástica e o seu compromisso com os problemas brasileiros” (AZZI, 2008 p. 260). A Ação Popular foi criada a partir de membros dissidentes da JUC. 39 Segundo João XXIII seria: “fazer passar uma corrente de ar fresco” na Igreja e “sacudir a poeira imperial” que a recobria. Ele atribuiu dois objetivos ao concílio: adaptar a Igreja romana ao mundo de hoje – o aggiornamento – e abrir o caminho para a reconstituição da unidade cristã. (DELUMEAU, 2000, p. 273)

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aquilo que considera como direitos fundamentais do homem. A publicação dos

documentos do concílio se deu justamente no momento de profundas mudanças

políticas no Brasil. As diretrizes propostas vão sustentar, a partir de então, as ações dos

clérigos no cenário social e acirrar ainda mais as divergências entre os modelos de igreja

e de sociedade pensados por diferentes setores do clero católico.

A Conferência Episcopal latino-americana, em Medellín, no ano de 1968,

teve como objetivo interpretar as conclusões conciliares, a partir da realidade da

América Latina. Nela os bispos “clamavam por justiça social e condenavam o

subdesenvolvimento e a violência na América Latina” (SERBIN, 2001, p. 98), além de

possuir um discurso radical com relação à exploração das classes populares. Orientava

as transformações sociais defendendo o acesso dos trabalhadores aos bens e meios de

produção, os direitos de organização trabalhista e propunha uma reforma política que

possibilitasse maior participação popular nas questões públicas.

Desejamos afirmar que é indispensável a formação da consciência social e a percepção realista dos problemas da comunidade e das estruturas sociais. Devemos despertar a consciência social e hábitos comunitários em todos os meios e grupos profissionais, quer no que se refere ao diálogo e à vivência comunitária dentro do mesmo grupo, quer no que se refere as suas relações com grupos sociais maiores (operários, camponeses, profissionais liberais, clero, religiosos, funcionários etc.). A tarefa de conscientizar e educar socialmente deverá ser parte integrante dos planos de Pastoral de Conjunto, em seus diversos níveis. (Conclusões da Conferência de Medellín 1968 [1998], p. 55-56 – grifo meu).

Por sua abrangência mais específica, a conferência já dialogava diretamente

com os problemas sociais brasileiros, definindo de forma pontual suas ações pastorais e

construindo uma reflexão mais direcionada aos aspectos considerados como de cunho

político, como a formação de sindicatos, direitos políticos e acesso a informação e

liberdade de expressão.

Estas reflexões são necessárias para entender por que alguns clérigos

encabeçavam as listas de subversivos investigados pelos órgãos de informação. Se o

objetivo da pesquisa fosse entender o porquê da Igreja ter se tornado foco de subversão

no período do regime militar no Maranhão, parte dele já teria sido respondida com a

observação das propostas do Vaticano II, da conferência episcopal e do que ficou

conhecido como novo jeito de ser igreja.

No entanto, sendo esta apenas uma das perguntas iniciais da pesquisa, torna-

se necessário ir além do conhecimento das propostas desses eventos para tentar

compreender as ações de parte do clero que por ela se orientavam. Tomarei isto, que era

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considerado subversão, como interpretações e materialização dessas mesmas propostas,

mas tendo como pano de fundo o contexto social político e econômico.

Destaca-se que, nesse mesmo período, há um aumento do número de padres

estrangeiros, convocados para suprir a demanda de agentes religiosos as dioceses e

paróquias, como aponta Wheriston Neris.

Tendo chegado ao Brasil principalmente a partir da década de 1960, quando a crise de vocações locais atingia o nível mais crítico, rapidamente os missionários estrangeiros foram se impondo nessa periferia do espaço católico como as principais lideranças de movimentos e organismos de renovação pastoral e conciliar da Igreja Católica, especialmente no espaço rural maranhense. Por razões que vêm sendo explicadas, este fenômeno ligou a trajetória desses religiosos a eventos e mobilizações diversos, a organismos de portes distintos, de duração variável e de abrangência heterogênea. Nessas condições, a politização religiosa pôde se realizar segundo diversas modalidades: de maneira individual, no quadro de uma prática ou questão específica de natureza política ou social; entre pares, nos grupos constituídos sobre essa base, porém, ela se deu de maneira mais frequente através do engajamento no seio de uma daquelas organizações conciliares e militantes especializadas na defesa de uma causa que não era ligada estritamente ao exercício profissional, como visto no capítulo anterior (NERIS, 2014, p. 234-235).

Esses clérigos denominados Fidei Donum (missionários ligados a dioceses

estrangeiras) foram responsáveis pela difusão de um discurso religioso politizado,

voltado para as causas sociais, para um engajamento maior em movimentos sociais e

por fim para um enfrentamento das autoridades consideradas responsáveis pela solução

dos problemas vividos pelas camadas mais pobres da população.

Jânio Quadros já falava em libertação política em 1961 que, pelo contexto,

deve ter sido entendida como aproximação com o comunismo ou implementação de

uma revolução brasileira nos moldes de Cuba. Essa pode ser uma das razões pelas quais

a palavra libertação era preocupante aos órgãos de informação e segurança. No discurso

de Jango, na Central do Brasil, foram utilizadas as expressões paz social e justiça

social, que também fizeram parte da gramática de reivindicações dos padres e vistas

como palavras de ordem política relacionada com os ideais comunistas. Assim como

Jango, os padres também tentaram desconectar essas propostas dos ideais comunistas.

É com esta parte do clero católico, que em seus sermões, discursos e ações

buscava por em prática as novas diretrizes da Igreja, que os militares estavam

preocupados e é sobre eles que grande quantidade de documentos foram produzidos

pelos órgãos de informação local. Alguns sacerdotes tiveram apenas seu nome citados

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na documentação e outros acabam sendo alvo de investigações e averiguações40. Outros

acumularam em torno do seu nome um volume maior de documentos, tornando mais

trabalhosa a tarefa de mapear os eventos que os colocaram na lista de subversivos.

Para mapear e melhor apresentar a ação dos clérigos no Maranhão, foi

elaborado um quadro informativo contendo as principais informações sobre cada um

dos documentos encontrados. A partir desse processo de fichamento foi possível

reclassificar toda a documentação analisada e novamente reagrupá-la em uma tipologia

classificatória41.

No decorrer deste e do próximo capítulo serão trabalhados alguns casos, de

acordo com esta tipologia, a saber: sermões e publicações de esclarecimentos

políticos incluindo aí a programação da Rádio Educadora, as mobilizações e

manifestações de reivindicação, com informações sobre passeatas, e caminhadas

promovidas por clérigos. Devido o grande volume de documentos que podem ser

encaixados na tipologia lutas por acesso a terra e a moradia serão analisados os

problemas de grilagem, ocupações urbanas e a violência no campo.

2.1. O novo jeito de ser Igreja.

O novo jeito de ser da Igreja pode ser caracterizado como um corpo de

ideias e práticas forjadas na segunda metade do século XX, que concebia uma função

social para a Igreja Católica. É caracterizado como uma reflexão religiosa e espiritual

acerca de questões sociais e políticas. A Teologia da Libertação foi uma das expressões

teóricas mais significativas dessa concepção social da Igreja e pregava “a transformação

social como salvação” (SERBIN, 2001, p. 107).

É aqui que surge a segunda estratégia na relação fé-pobreza, aquela libertadora. Ela parte do bloco histórico dos pobres e oprimidos. Confia na força histórica e transformadora deles, nos seus movimentos, organizações e lutas. Conta com aliados de outras classes sociais que podem fazer corpo com eles e buscar uma libertação não somente para si próprios mas de todo o conjunto da sociedade. A Igreja com sua opção preferencial pelos pobres contra a pobreza pretende ser uma aliada poderosa da causa do oprimido. Nesta perspectiva o pobre não significa apenas aquele que não tem, mas aquele que também tem, que constitui o agente principal ao lado de outros na

40 Alguns nomes são apenas citados em listas ou aparecem como suspeitos. Alguns não possuem fichas ou foram alvos de maiores investigações por parte da polícia. Um dos padres entrevistados identificou alguns nomes de padres, que não participavam ativamente de nenhum tipo de movimento considerado subversivo pelos militares, mas que eram arrolados nas investigações por conta de estarem presentes em alguma missa ou evento vigiado. 41 Agradeço ao prof. Ms.Wagner Cabral que, durante as atividades de supervisão do estágio docência, ajudou na elaboração dessa tipologia, a partir da análise do quadro de casos de subversão católica.

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construção de uma convivência mais geradora de vida e de felicidade coletiva (BOFF, 1986, p. 19).

Esse modelo de Igreja assumiu uma ação orientada para questões vistas

antes como de domínio exclusivo da política, principalmente os clérigos que

trabalhavam mais próximos aos problemas sociais, como a pobreza, a exclusão e a

exploração. Nos tópicos seguintes serão analisados eventos característicos desse novo

modelo de igreja, a aproximação com assuntos de caráter político e a sua consequente

investigação pelos militares.

2.1.1 Os sermões de esclarecimentos políticos.

No corpus documental analisado, um dos atos de maior repercussão da

defesa do novo jeito de ser igreja e da crítica à perseguição que os clérigos vinham

sofrendo por defender tais ideias foi a Comemoração do Tricentenário da Arquidiocese

de São Luís, em 1977. Estiveram presentes nesse evento Dom Cândido Padin (à época

bispo de Bauru/SP) e Dom Hélder Câmara (à época arcebispo de Olinda e Recife/PE).

O evento foi realizado no seminário de Santo Antônio, no centro de São Luís, durante o

mês de agosto.

Os registros encontrados na DOPS foram feitos pela Assessoria de

Segurança e Informação42 (ASI) da Fundação Universidade do Maranhão (FUMA), que

entre suas funções estava encaminhar à Divisão de Segurança e Informação do

Ministério da Educação (MEC) informações sobre as universidades federais. A UFMA

foi fundada em 1953 a partir da Faculdade de Filosofia de São Luís do Maranhão, da

Academia Maranhense de Letras e da Arquidiocese do Maranhão, a qual manteve

presença ativa nos quadros administrativos da instituição.

A presença da ASI/FUMA na cobertura investigativa do evento deveu-se à

relação entre a igreja e a universidade, pela presença de diversos servidores, entre eles

padre Jocy Neves Rodrigues e padre Sidney Castelo Branco Furtado, professores do

42 A partir de 1970, o governo criou órgãos de informação dentro das universidades, as Assessorias Especiais de Segurança e Informações (Aesis ou ASIs), que fariam parte da vida acadêmica nos anos seguintes. Na lógica dos responsáveis pela área de segurança e repressão, o expurgo de professores e estudantes inconvenientes deveria ser seguido de constante vigilância para impedir o “retorno” das ameaças. Daí a ideia de criar assessorias de informação dentro das instituições de ensino superior: elas seriam um “braço” do Sistema Nacional de Informação (Sisni); funcionariam como uma espécie de correia de transmissão, fazendo chegar determinações e pressões políticas provenientes dos escalões superiores; e, ao mesmo tempo, vigiariam a comunidade universitária e os próprios dirigentes, nem sempre fieis aos desígnios do regime militar (MOTTA, 2014, p. 193).

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curso de letras e sociologia, respectivamente, e pelo fato das ASIs serem órgãos ligados

ao SNI.

Segundo as investigações foram registradas três palestras de Dom Cândido

Padin, dos dias três a cinco de agosto de 1977, intituladas A Igreja no mundo de hoje, A

Igreja na promoção dos direitos humanos e A problemática social. Estas expressões

fazem referência direta ao Vaticano II e a Conferência de Medellín, por serem tópicos

específicos dos documentos lançados por esses eventos. As palestras possuíam um tom

de crítica ao governo, denunciando o desrespeito aos direitos humanos, a desigualdade

social, o descaso com a educação e o crescimento econômico que não privilegiava os

que ganhavam o salário mínimo, tendo pontuado ainda os problemas agrários e

indígenas.

Nas duas primeiras palestras um dos tópicos abordados foi a crítica à

política econômica do Estado. A fala do Bispo de Bauru, segundo relatou o agente de

informação, foi composta dos seguintes trechos:

O governo, nestes últimos 10 anos, preocupou-se no aceleramento da economia nacional, aumentando seu produto interno bruto, mas, em consequência, o salário do trabalhador é cada vez mais insuficiente, e, (num tom de ironia disse) o homem não é importante no contexto nacional. [...] A Igreja deve interferir nos Problemas Sociais porque o Evangelho prega o bem comum do homem e diz ‘ a Profissão deve ser vista para o bem do outro e não para o seu próprio’. [...] A Igreja através da CNBB tem tentado fazer algumas coisas mas é tolhida porque logo surgem problemas – trata-se de assuntos políticos – e a Igreja não pode participar. Perguntou: ‘porque a Igreja não pode participar se é em benefício da sociedade? (DOPS/MA. Informe nº 04/77. 23/08/1977, cx. 72, maço 2).

Ao final da década de 1970, o Brasil passava por uma transformação

política com os governos linha-dura que duraria até às primeiras medidas de abertura

propostas por Geisel. Nesse momento, a Igreja foi vítima de violência direta, de onde

se destacam entre tantos casos o assassinato do padre Rodolfo Lunkenbein na região

Amazônica e o sequestro e espancamento do bispo de Nova Iguaçu, dom Adriano

Hypolito. Segundo Thomas Skidmore, “a violência ajudava a unir os bispos em torno de

uma dura posição antigoverno” (SKIDMORE, 2004, p. 361), ou seja, fortalecendo os

discursos e ações em defesa sociedade civil.

O peso da opinião episcopal pendeu também para os “progressistas” na medida em que os prelados examinavam detidamente as políticas sócio-econômicas dos sucessivos governos militares. O censo de 1970 apontara aumento da desigualdade de renda, sendo conhecidos numerosos estudos [...] mostrando a enorme necessidade de mais investimentos em saúde, educação, saneamento e habitação (SKIDMORE, 2004, 361).

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Os indicadores sociais do Brasil, e em especifico do Maranhão, o aumento

da violência do Estado e a violação dos direitos humanos eram situações que estavam

em desacordo com a opção feita pela Igreja nos anos de 1960. É com o Vaticano II que

são reafirmadas a luta contra as injustiças, a defesa dos que não tinham voz para

protestar e também as denúncias de violência nesse período, assunto da última palestra

ministrada por Dom Cândido.

O bispo começou fazendo referência à fuga dos judeus do Egito como

resposta à liberdade vigiada vivida nos tempos do AI-5, momento em que a população

brasileira ficou impedida de realizar manifestações. Depois fez uma longa apresentação

da Jornada Internacional, proposta criada por ele para receber denúncias de violência e

de desrespeito aos direitos humanos, como também, um mecanismo de manifestação da

população. O agente de informação destacou ainda que o clérigo em sua fala frisou que

somente através da união os apelos poderiam ser ouvidos.

Deve-se anunciar um plano de salvação (através da Igreja) exigindo que a ordem social seja restabelecida e que se respeitem os Direitos Humanos porque injustiças permanentes geram problemas sociais sérios; é necessário que sejam feitas denúncias, não individuais, mas, sob a forma de grupos; que as denúncias sejam levadas ao Congresso mesmo sabendo-se (em tom irônico) que o Congresso não está decidindo, coisa alguma (DOPS/MA. Informe nº 04/77. 23/08/1977, cx. 72, maço 2).

Ainda sobre o tema violação dos direitos humanos, o arcebispo de

Olinda/Recife, D. Hélder deu continuidade ao ciclo de palestras no evento. No dia 25 de

agosto de 1977, seu sermão foi ouvido por cerca de mil pessoas presentes na Igreja de

Santo Antônio (centro da cidade de São Luís). Consta no informe que, dentre os

presentes estavam alguns deputados do MDB, servidores da universidade, tendo como

figura central a assessora do reitor, Edmar Bastos Ferreira e uma estudante que chamou

a atenção do agente, chamada Maria Ignez Guimarães Martins. Além de padres com

“registros negativos”: Xavier Gilles, Roberto Etave e Marcos Passerini.

No relatório consta a degravação completa do sermão de D. Hélder. Em

toda a documentação pesquisada não foi localizada nenhuma outra referência clara a

gravações e transcrições (degravação). Esta ação incomum pode ter relação com o

destaque que a figura do Arcebispo tinha a nível nacional e pela atenção especial que

deveria ser dada aos seus pronunciamentos públicos, para os órgãos de informação.

Através da transcrição foi possível elencar os pontos centrais de sua fala, de onde se

destacam as críticas à situação social da maioria da população brasileira e a defesa aos

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direitos humanos. Ao longo do sermão D. Hélder reafirmou as decisões conciliares,

diretamente.

O Arcebispo começou o sermão lembrando a missão de Jesus em levar a

boa nova aos pobres, libertar os cativos e fazer os cegos enxergarem, deixando claro que

isso não seria possível sem a união de todo o “povo de Deus”. Retomando aos

princípios fundamentais da Teologia da Libertação, ou seja, unir-se para libertar-se,

Leonardo Boff, anos mais tarde, escreveria sobre a Teologia da Libertação a partir dessa

mesma perspectiva. Segundo o teólogo:

A vontade de participação do povo, a organização e todo o trabalho de base deve visar a prática de transformação. Por isso se deriva a importância dos primeiros passos e da caminhada a partir dos problemas concretos que martirizam a vida do povo. Importa compreender que os pequenos problemas são manifestações dos grandes problemas da estrutura da sociedade. [...] Devemos enfrentar os problemas concretos. É a partir dele que o sistema é compreendido e também enfrentado com alternativas. [...] As reformas devem apontar para uma sociedade alternativa; elas podem conter a libertação em curso. A libertação acontece sempre que as relações interpessoais e sociais se reorganizam dentro de outro princípio: não de exploração, mas de colaboração. Sem a valorização das pequenas lutas e dos passos humildes do povo não se chega nunca ao grande processo. É aprendendo a caminhar que se pode postular uma corrida. (BOFF, 1986, p. 127 - 128).

As palavras do teólogo e do arcebispo fazem referência à política global

adotada pelo Brasil, após o golpe de 1964. Ambos os discursos criticaram o liberalismo

econômico dos Estados Unidos que, para eles, era a causa da opressão do povo. E, como

veremos adiante, esse pensamento foi manifestado por outros religiosos e de variadas

formas, fator esse de registro pela DOPS/MA.

D. Hélder analisou o papel dos clérigos e leigos nesse processo de libertação

e disse que suas ações são elogiadas quando são participativos nas construções de casas,

no trato com pessoas doentes, mas consideradas subversivas quando denunciam as

injustiças. Segundo Kenneth Serbin:

O Exército, cada vez mais, via a Igreja como um ninho de subversão, especialmente os setores radicais que se opunham ao governo. As suspeitas dos militares começaram já em 1960, quando o general Castello Branco advertiu dom Hélder de que a Igreja estava “abandonando demais a sua função religiosa e exagerando a intervenção em assuntos pertencentes ao Estado”. [...] descrevia os progressistas como “bactérias que, se ignoradas, muito mais mal poderiam nos fazer”. Não esqueçam que os padres têm muito mais contato com o povo, particularmente o povo pobre [...] esses indivíduos traíram a Revolução, e estão traindo. Eles hoje estão trabalhando para a oposição, não tanto para essa que fala o Congresso e na imprensa, mas para os que queriam em 64 comunizar o Brasil (SERBIN, 2001, p. 107).

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Em seu sermão o arcebispo criticou as acusações de subversão buscando

justificar a ação da Igreja, dizendo:

Quando uma religiosa [...] cuida dos pobres [...] essa religiosa é uma santa! Mas aí de quem tiver a audácia de falar em Direitos Humanos! Imediatamente é um subversivo e um comunista! Meus irmãos, aqui está um apêlo que eu faço. Vamos nos unir, para dizer juntos. Que isso não tem nada de comunismo! Não vamos fazer propaganda do comunismo, chamando de comunismo todo grito pela justiça; tôda a defesa dos Direitos Humanos! Isso é fazer o jogo do comunismo! É fazer propaganda do comunismo! Vamos dizer que isso é Evangelho! Vamos dizer que isso é Política! [...] Se Política é preocupação com os bens comuns, preocuparmos com o bem comum é uma obrigação nossa. É uma obrigação Evangélica (Degravação da homilia de dom Hélder Câmara, 25/07/1977. cx. 72; maço 2, sic).

D. Hélder defendeu as novas doutrinas, a inserção da Igreja nos problemas

sociais e, assim como D. Cândido Padin, lembrou que sem justiça não haveria salvação,

que economia, sociedade e política também eram questões a serem trabalhadas pela

Igreja, e que essa função social não deveria ser taxada de comunismo pelos militares.

Abordar política em sermões, como os bispos acima fizeram era visto com

desconfiança pelos órgãos de informação e segurança, ainda que os clérigos

destacassem que seus discursos não eram necessariamente políticos e não faziam

referência nenhuma ao comunismo.

No entanto, não era assim em todos os casos. Em 01/08/1983, no município

de Timon, sudeste do Maranhão, o padre Marques proferiu um exaltado sermão sobre a

situação vivida pelos moradores da cidade, que segundo um agente de informação:

[o] sacerdote, através de seu sermão limitou-se apenas a criticar a atual política do governo federal, citando o Presidente Figueiredo e os Ministros da área econômica como principais responsáveis pelo caos econômico do país. Ainda fez severas críticas à classe pobre, especialmente os lavradores, taxando-os até de monstros em virtude de continuarem votando em candidatos do PDS, o qual permanece no poder desde 1964, e até agora não resolveu nenhum problema da nação, especialmente deles lavradores, que ainda continuam mais pobres e oprimidos. Nessa oportunidade comentou o que ocorreu na Rússia Comunista ainda no ano de 1917, quando o poder estava entregue à pobreza e elites sociais. Foi aí então, continuou o sacerdote, que as classes obreiras resolveram tomar conta do poder através de uma revolução, os quais ainda se encontram no poder (lavradores e operários). Discorreu da mesma forma com relação à Cuba, onde também o poder estava entregue a militares corruptos e ou elites sociais, entretanto, hoje, está nas mãos dos trabalhadores. Lamentou profundamente que nossos lavradores ainda não estivessem conscientizados politicamente, pois, se assim não ocorressem, o poder não mais continuaria nas mãos do PDS. (DOPS/MA. Informe nº 026/83. 01/08/1983. cx. 72, maço 3).

Os sermões eram espaços privilegiados de divulgação de ideias e de

conscientização política. Em uma época de repressão aos subversivos e censura às

publicações, os padres possuíam certa liberdade para abordar certos temas. Liberdade

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essa garantida não só pela posição de destaque da Igreja na sociedade, mas pela forma

como essas falas eram caracterizadas pelos próprios clérigos.

2.1.2 Publicações de conscientização política.

Além dos sermões e dos diálogos entre clérigos e fiéis, foi encontrado na

documentação uma quantidade de publicações de esclarecimento político, econômico e

social, que eram distribuídas em diversas oportunidades, como nas missas e em

encontros das comunidades de base. A DOPS/MA realizava uma intensa vigilância

sobre as atividades do clero católico maranhense na busca por qualquer sinal de

atividades subversivas e teve o cuidado em investigar as informações veiculadas nesses

impressos.

Papéis pessoais foram apreendidos, jornais e publicações da Igreja foram analisados, procurou-se descobrir o conteúdo de encontros da Igreja, as pregações dos padres foram observadas, boletins de paróquias foram lidos e os movimentos do clero e dos bispos foram seguidos (SERBIN, 2001, p. 114).

Essas publicações de cunho político se tornaram mais significativas, a partir

da década de 1980, quando houve a suspensão do AI-5 (1978) e o retorno das eleições

diretas para alguns cargos eletivos. A abertura política, “abriu novas possibilidades

legais para a organização de bases, e o movimento popular viria a desempenhar papel

decisivo no processo político” (ALVES, 2005, p. 274). A Igreja vinha sendo a porta-voz

dos movimentos e lutas sociais e até então, possuía posição de destaque na elaboração

dos discursos contestatórios devido à convergência de diversos atores políticos. Os

materiais publicados foram fundamentais para o processo de esclarecimento político,

divulgação de críticas, denúncias e para a articulação do enfrentamento dos problemas

sociais.

Em 1978, foi apreendido pela DOPS/MA o Boletim da Comissão Pastoral

da Terra (CPT43), no informe ao qual está anexado, o agente de informação diz que o

boletim estava sendo distribuído em todo o estado através da Igreja e sendo bem

recebidos no meio rural, onde eram lidos pelos dirigentes dos sindicatos. E caracterizou

a produção como “um instrumento de motivação para uma tomada de posição”

(DOPS/MA. Informe 0330/78. 06/11/1978. cx. 72, maço 8).

43 Fundada em 1975, a Comissão Pastoral da Terra, teve sua regional maranhense instalada em 1976. “Surgiu como um órgão ligado à CNBB capaz de interligar e dinamizar a ação da Igreja no campo” (COSTA, 1994, p. 14). Instituição autônoma, tendo diretoria formada a partir de assembleias particulares.

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A historiadora Maria Helena Moreira Alves (2005) analisou que nesse

período muitos movimentos de base ligados a Igreja passam a se aliar com o novo

movimento sindical. No Maranhão isso também ocorreu nas eleições sindicais, onde a

Igreja apoiou chapas de lideranças de comunidades de base, para defender os

trabalhadores rurais. Em 1980, nas eleições para o sindicato de trabalhadores rurais de

Santa Luzia, dois candidatos disputavam a presidência, sendo um deles apoiado pela

FASE, “um centro de estudos católico progressista e de oposição ao regime” (SERBIN,

2001, p. 323). Segundo o relatório, a FASE:

[...] não poupou esforços para propagandear o nome de Nonatinho como é mais conhecido. Os integrantes da FASE foram em todos os lugares da sede conclamar os lavradores a dar seu voto em favor de Nonatinho (DOPS/MA. Relatório. 05/11/1980. cx. 12, maço 142C).

A experiência das publicações foi largamente utilizada. Seria necessário um

esforço à parte para conseguir mapear todas as publicações entre cartilhas, boletins,

apostilas, folhetos e panfletos, sem que isso represente a completude do que foi

produzido. Com a instalação da CPT no estado, o volume de impressos de

conscientização e de denúncia aumentou. A atividade pastoral articulada com as CEB’s

favoreceu a produção desse material, sendo que boa parte encontra-se arquivado na sede

comissão.

Nas séries documentais estudadas, encontrou-se um grande número de

impressos apreendidos pela polícia e agentes de informação, no entanto, bem menor do

que está arquivado na CPT. Isso significa que a polícia não conseguia controlar a

reprodução desse tipo de material, apesar dos esforços em manter sob vigilância a

circulação de informações sobre conscientização política, como o caso da apreensão do

mimeógrafo da paróquia de Santa Luzia, em 1975. Segundo Florismar Almeida,

delegado da DOPS/MA:

A atividade dos padres é feita através de sermões, panfletos, denúncias e reuniões de comunidades, onde atacam as autoridades, a COMARCO e os proprietários de terra. Recentemente, porém, foi tomado dos mesmos um mimeografo, que servia para a confecção de panfletos por autoridade policial de Buriticupu. Concitam sempre os trabalhadores a não fazerem acôrdo com os proprietários de terras, alegando que a terra é dos trabalhadores e que os primeiros são ladrões e outros qualificativos. Os ataques são mais severos quando participam das missas pessoas da COMARCO, autoridades e pessoas que tem qualquer ligação com a atividade rural (DOPS/MA. Relatório. 12/08/1975 cx. 11, maço 142, sic).

De todo o material impresso apreendido e arquivado na documentação

estudada, será dado destaque a alguns, como forma de exemplificar aquilo que estava

preocupando os governos militares. Como dito, não seria possível no espaço da

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dissertação analisar todos os impressos apreendidos, sob o risco de tornar a análise

repetitiva e deixar de lado outros elementos da ação de clérigos.

Destaco a produção do jornal Tempos Novos (1983), editado inicialmente

pelo padre Marcos Passerini na prelazia de Cândido Mendes (hoje diocese de Zé Doca)

e, posteriormente, transferido para São Luís, sob a responsabilidade do jornalista

Francisco Gonçalves. O periódico abordava, principalmente, os problemas agrários e

seu conteúdo dividia-se, basicamente, entre textos de denúncias e de esclarecimentos

políticos, a partir de uma linguagem religiosa. Questionários eram enviados aos

trabalhadores como forma de direcionar as denúncias, abordar melhor os problemas

vivenciados no campo e ampliar sua abrangência.

Figura 19 – Charge do jornal Tempos Novos de junho de 1983.

Apesar de suas características, há apenas o registro da apreensão do

primeiro número do jornal (Anexo 07), nas duas séries pesquisadas44. A condição de sua

apreensão também merece destaque, pois foi durante a visita de Luís Carlos Prestes ao

Maranhão, em junho de 1983. Na ocasião, o jornal poderia estar sendo vendido ou

distribuído aproveitando o ciclo de palestras ministrado pelo líder comunista, no

auditório do antigo Colégio Marista, no centro da cidade de São Luís.

É possível que em 1983, devido ao processo de abertura política, o jornal

não estivesse no centro das preocupações policiais, muito embora sua atuação, no

44 É possível que nas demais séries possam ser encontrados registros da apreensão de outros números do periódico. No entanto, é necessário ratificar que o jornal era ligado à órgãos da Igreja Católica, como a CPT, o CIMI e a FASE, que também foram investigados pela DOPS/MA.

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interior do estado, funcionasse da mesma forma dos sermões dos padres, das reuniões

das CEB’s, das cartilhas de esclarecimentos, dentre outros que estiveram na mira de

investigação da DOPS/MA, no mesmo período.

Durante sua trajetória eclesiástica no Maranhão, padre Marcos Passerini45

esteve envolvido em diversas mobilizações em torno dos problemas sociais, como

movimentos de ocupações urbanas, na articulação com o movimento estudantil, através

da Pastoral da Juventude e na defesa dos menores abandonado na cidade de São Luís.

Nesse período elaborou o boletim 25 de Março, cujo subtítulo era: DEDICADO AOS

“MAIORES” DA CIDADE DE SÃO LUÍS.

Nesta publicação, o padre dedicou especial atenção à problemática das

crianças e adolescentes moradores de rua, abordando o tema do ponto de vista da falta

ou dá má execução de políticas públicas (Anexo 08). Para representar o enfoque do

menor de idade, o símbolo do informativo era uma boneca de brinquedo, com o rosto

sombreado e com aparência desgastada.

Segundo o próprio padre, ao ser detido para prestar esclarecimentos sobre o

seu suposto envolvimento na Passeata pela Paz, em 1978, foi indagado pelo delegado da

Polícia Federal sobre a utilização do rosto de Lênin como símbolo da publicação, e

respondeu que se tratava apenas do rosto de uma boneca e não de qualquer mensagem

comunista subliminar (Figura 22).

Figura 20 - Capa do boletim 25 de Março

Nas séries pesquisadas encontram-se quatro números de boletins que foram

apreendidos. Dois deles como anexos do dossiê do caso da expulsão do padre Marcos

45 Para mais informações sobre a sua trajetória ver NERIS, 2014, p. 315-324.

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Passerini, da Arquidiocese de São Luís46. Os outros dois exemplares, dos anos de 1979

e 1982, são anexos de informes sobre movimento de agitação, ou seja, movimento de

grupos politicamente engajados ligados ou articulados a Igreja. O boletim serviu de

veículo para a divulgação do discurso desses grupos, razão de sua apreensão.

Em novembro de 1975, por ordem do superintendente da Polícia Federal no

Maranhão, foi enviado ao município de Santa Luzia, o agente de polícia Valacir

Marques Gonçalves para “observar as atividades do clero daquela localidade e suas

possíveis ligações a movimentos subversivos” (DOPS/MA. Informação s/n. 10/11/1975.

Cx. 73, maço 12). Essa diligência teve origem na prisão de dois lavradores no povoado

de Brejo dos Caboclos, área da COMARCO47 por estarem distribuindo o boletim

paroquial A Caminho da Libertação, que segundo a DOPS/MA era considerado

subversivo.

A prisão dos lavradores e apreensão do boletim teria alertado a

superintendência para influência dos padres da diocese de Viana na articulação e

“incitação” dos lavradores contra a COMARCO. Nessa diligência o agente da Polícia

Federal pôde comprovar a suspeita das atividades e apontou a inoperância das

autoridades locais48 diante do movimento subversivo da região.

Segundo consegui apurar, o padre mais audocioso, nos pronunciamentos é o Afonso de Caro – ausente na oportunidade – o mesmo critica abertamente a situação vigente e segundo várias pessoas, que ouvem seus sermões o mesmo pouco fala em religião, quase que só se refere a problemas políticos e sociais. Naquela paróquia é editada uma publicação denominada “A CAMINHO DA LIBERTAÇÃO”, referida publicação é afixada em quadro mural à entrada da igreja e distribuída a varias pessoas da cidade entre as quais o prefeito José Nazário e o Delegado de Polícia Local, 2º Sgt. Ferreira, da PM/MA. Senhor Superintendente, quero alertar a V. Sa., da ignorância e falta de preparo das autoridades locais para combater tal estado de coisas. O Prefeito e o Delegado embora bem intencionados, não possuem a mínima condição, principalmente intelectual, para compreender o sentido do movimento deflagrado por aqueles religiosos, sendo que estes, chegam ao ponto de entregar em mãos daquelas autoridades as suas publicações, cuja edição de nº 10 foi a mim entregue pelo próprio delegado que informou, tê-la há dias em seu poder, sem contudo, ao menos dar-se ao trabalho de ler o teor dos assuntos ali discutidos (DOPS/MA. Informação. 10/11/1975. cx. 73. maço 12, sic).

46 A expulsão do padre Marcos Passerini deveu-se a diversos fatores relacionados com a sua atividade pastoral de enfrentamento político a foram detalhados por NERIS (2014, p. 321-323). 47 Companhia criada em 1971 para administrar o processo de venda das terras devolutas do estado. 48 Um padre, em entrevista, relatou que uma irmã norte americana destinada trabalhar no interior do Maranhão solicitou de sua congregação que enviasse uma edição do Grundrisse de Karl Marx. Para facilitar a sua entrada no país, pediu que a capa do livro fosse trocada pela capa da bíblia. Ao receber o livro no interior, foi questionada pelo delegado do que se tratava. A irmã disse que ele poderia verificar que era a bíblia, só que em inglês. A autoridade policial averiguou o livro de Marx e, não tendo entendido o que estava escrito, entregou de volta à religiosa confirmando que se tratava apenas da bíblia.

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Na diligência o agente da Polícia Federal apreendeu outros números do

boletim, que abordavam a situação agrária, orientações de conscientização para os

animadores das comunidades eclesiais de base, reflexões bíblicas e avisos em geral da

diocese. O boletim era elaborado pela equipe pastoral sob a responsabilidade do pároco,

padre Mario Aldiglieri, que foi chamado a prestar esclarecimentos na DOPS/MA sobre

a capa da edição de nº 10 (figura 23), que representava a ideia de libertação através da

imagem de um pé cujas correntes foram quebradas.

Figura 21 – Capa do boletim A Caminho da Libertação nº 10.

No interrogatório, estiveram presentes o bispo da diocese de Viana, Dom

Adalberto Abílio de Paula e Silva e o padre Mario Aldiglieri e que teria ocorrido o

seguinte diálogo:

O Bispo com padre no DOPS de São Luís por esclarecimentos. O Bispo é bem conhecido. ‘Um dos nossos’ diz o responsável ao prefeito de Viana que entra naquele momento. O Boletim, segundo o Dops, seria subversivo porque a palavra ‘libertação’ é ambígua e algum desenho (correntes quebradas) induz o povo a revolta.

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Padre – A questão é que o Sargento Monteiro gosta de criar caso com a paróquia, foi ele, no passado, que roubou o mimeografo que nunca foi devolvido. Bispo – Roubar não é a palavra exata. Padre – É. Entrar pela janela, sem apresentar ordem de prisão do objeto, é roubar. Dops – O Sr. Sabe que no Brasil tem um Govêrno autoritário; como estrangeiro ou o aceita, ou podemos expulsá-lo. Padre – Sei disso. Bispo – Não se preocupem, d’agora em diante avisaremos os senhores de tudo o que se passar na área de Santa Luzia. O boletim sairá sem a palavra ‘libertação’ e só com problemas de Igreja49 (sic).

O bispo, ao ter afirmado que passaria a informar sobre os acontecimentos na

diocese, estava respondendo a documento do agente de informação, em que constava a

reclamação da inoperância das autoridades locais em perceber o movimento de caráter

subversivo. O padre Mario Aldiglieri acabou sendo expulso da diocese um ano depois

desse fato.

A palavra libertação era recorrente nas reflexões religiosas e foram

largamente usadas nas publicações, geralmente, acompanhadas das imagens de

correntes quebradas. No folheto distribuído pela CPT/MA e apreendido pela

DOPS/MA, em junho de 1980, isso se repete (Figura 24). O folheto consistia em uma

denúncia de tortura contra um lavrador do município de São Mateus. Segundo as

informações a prisão deveu-se ao fato do lavrador Raimundo Rosa ter espantado um

boi, de propriedade de Vitorino de Assunção, que estava destruindo sua roça. No final

do folheto conclamava os lavradores a se unir, assim como Karl Marx fez no Manifesto

do Partido Comunista.

49 Extraído de O Evangelho Segundo Viana. Escrito no fim da década de 1970 relatando as transformações vividas pela diocese de Viana após a morte de Dom Hélio Campos (1975) e a posse de Dom Adalberto Silva.

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Figura 22 - Folheto elaborado pela CPT/MA.

Há uma diferença nos impressos no que tange o público para o qual eram

destinados. As cartilhas e boletins destinados aos agentes pastorais e animadores de

comunidades possuíam um conteúdo textual mais formal, enquanto aquelas destinadas à

população fazem uso de um número maior de imagens e de uma linguagem mais

popular, com versos, rimas e piadas, destinadas à leitura coletiva e que facilitava a

difusão das ideias e mensagens.

Esse era o caso dos boletins da paróquia de Chapadinha (Anexo 09), da

diocese de Brejo, no leste maranhense. Imagens e textos curtos eram utilizados para

transmitir de forma objetiva as mensagens e abordavam certas questões de forma mais

simples e até em tom de humor. As denúncias e reflexões teológicas dividiam espaços

com tiras humorísticas de conscientização.

Dentre as frases de humor destaco: “Pato mela o bico no tempo do melão;

deputado adula o pobre no tempo de eleição” e “Quem rouba pouco é ladrão, quem

rouba muito é barão”, retiradas da edição de nº 10 do boletim.

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Figura 23 - Imagens retratando o tratamento do poder público com o trabalhador. (DOPS/MA. Boletim Paroquial de Chapadinha. 30/03/1982. cx. 10, maço 145)

O padre Manoel Neves, pároco responsável pelo boletim, realizou intenso

trabalho no intuito de criar e fortalecer as comunidades eclesiais de base, que serviram

como espaços de apoio aos trabalhadores rurais na defesa contra os grandes

proprietários de terra. Devido a sua atividade, foi considerado pela polícia militar como

um dos padres de maior atividade política, de acordo com o informe nº 013 de 1982.

1. Continua em pleno desenvolvimento as atividades desencadeadas ostensivamente pelo CLERO PROGRESSITA, em diversos municípios desse estado. 2. Nos últimos meses, após levantamentos feitos por esta AGÊNCIA DE INFORMAÇÕES (AI), foram LISTADOS, como municípios mais QUENTES p/ uso desse proselitismo, TURIAÇU e CHAPADINHA, respectivamente. 3. Em ambos os municípios, as COMUNIDADES ECLESIAIS DE BASE (CEBS), aumentaram assustadoramente, inclusive atingido p/ extensão, o meio rural d/ áreas em tela. 4. Em TURIAÇU/MA o Pe. italiano ANTONIO DE FOGGIA, possui uma liderança incrível, manipulando como entende e quer, centenas de INOCENTES ÚTEIS (IU) sempre contra o regime e/ou autoridade constituídas. 5. Em CHAPADINHA/MA, os clérigos MANOEL NEVES e CASIMIRO, ambos portugueses, com vivência e curso em MOÇAMBIQUE, atuam em 70 (setenta) CEBs, aproximadamente, inclusive selecionando os orientadores e animadores dos referidos grupos. 6. Também no movimento sindical rural, a presença dos religiosos inseridos no item supracitado, se faz presente, podendo chegar a influir n/ eleições do SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS (STR) de CHAPADINHA, com apoio total a uma chapa por eles formada, portanto, a chapa adversária, orientada pela FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES DA AGRICULTURA DO ESTADO DO MARANHÃO (FETAEMA). [...] (DOPS/MA. Informe nº 013/82. 22/03/1982 cx 25; maço 327).

Segundo Ivo Lesbaupin, “outra iniciativa a assinalar é a elaboração de

cartilhas de formação política em linguagem popular. Elas são feitas geralmente por

ocasião das eleições, como uma forma de preparação” (LESBAUPIN In ASSIS;

RODRIGUES, 2013, p. 31). Como exemplo desse tipo de publicação voltada para os

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agentes pastorais estavam a Cartilha Política á Luz do Evangelho, produzida em

ocasião das eleições de 1982, pela prelazia de Balsas e os artigos de conscientização

política, escritos pelo arcebispo de São Luís, Dom João José da Motta e Albuquerque.

A cartilha política de Balsas, elaborada sob a responsabilidade de Dom Rino

Carlesi, foi apreendida em outubro de 1981 (Anexo 10). Em 52 páginas, seu objetivo

principal era esclarecer a comunidade católica sobre “a situação política atual e suas

consequências na vida do povo”, defendendo a ideia de que a Igreja é também uma

instituição responsável pela formação de uma consciência crítica da sociedade. O Bispo

explicou que:

Este caderno sobre política quer ser um passo, mais firme na longa caminhada de todos aqueles que sabem que a conscientização pode agir como elemento libertador do povo fraco e pobre do Maranhão e do Brasil. É papel da Igreja, formar as consciências dos homens. A consciência de que fé, religião e vida concreta estão muito ligadas. [...] Faz parte da missão da Igreja, denunciar as injustiças e os erros que estão atrapalhando a vida do povo. Uma sociedade que está tão cheia de injustiças como a nossa precisa ser transformada, precisa ser mudada, para ser uma sociedade de amor e de igualdade, como Cristo pregou. E é papel de todo cristão participar na construção dessa nova sociedade. A Igreja denuncia os sinais de pecado político: [...] o orgulho de um governo que não aceita críticas. Por isso, quando a Igreja fala em defesa do povo, ela age como o lavrador preocupado com a sua roça, ela não está se metendo em política, mas cumprindo o seu dever de ajudar os cristãos a encontrarem o caminho da libertação (DOPS/MA. Cartilha Política à Luz do Evangelho. 01/10/1981. cx 72, maço 3).

Ao longo dos seus doze capítulos, o conteúdo é estruturado em tópicos que

abordam questões concernentes à ação pastoral católica, explicando o que era voto

consciente, partido político, reforma política, bom político, reforçando o “poder do povo

organizado” através das comunidades eclesiais de base e estabelecendo diretrizes para

os agentes pastorais de acordo com a Teologia da Libertação.

Devemos dizer que o discurso religioso é adequado para motivar a exigência de uma interpretação da realidade que mostre a verdade desta realidade, em vez de favorecer sua ocultação. O sentido de justiça, de disponibilidade, de compromisso e de disposição de luta gerados pela reflexão religiosa requerem uma análise que tenha em vista a eficácia libertadora. Por isso, nos grupos e cursinho, fazem-se análises da realidade das classes no país e na região, das ideologias que estão por detrás dos diversos partidos, dentre estes dos que são aliados na luta, etc. A fé incorpora uma visão de clareza política, porque fé aqui significa fundamentalmente uma prática ou “uma concepção ativa do mundo” (Gramsci). Aqui, a religião se apresenta não como obstáculo à transformação do mundo (visão marxista), mas como fator de mobilização popular em vista da libertação (BOFF, 1986, p. 99).

A cartilha foi reproduzida a nível nacional através da Revista Eclesiástica

Brasileira e do Serviço de Documentação da CNBB (SEDOC) em dezembro de 1981,

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tendo sido reimpressa em 1982. A reprodução do material mostra a importância de suas

análises e mensagens para o contexto vivido pela sociedade brasileira na época.

Também em 1982, nas Igrejas Católicas da capital maranhense, foram

distribuídos dez artigos50 entre os meses de setembro e novembro, de autoria do

arcebispo D. Motta e intitulados:

1) Para uma conscientização política; 2) Porque tratas assim meu povo (não recolhido pela DOSP/MA); 3) O erro da partilha fez o povo, um povo errante; 4) Mas a luta vem e passa não desanime, não; 5) Dar o anel para não perder o dedo; 6) Vi a aflição do meu povo; 7) (Título desconhecido e não recolhido pela DOPS/MA); 8) Ídolos de sua invenção; meras obras de artistas; 9) De cabo a rabo; 10) Novo céu...nova terra;

D. Motta inicia a série de artigos afirmando que é papel da Igreja

“questionar aspectos éticos de um sistema político, denunciar o pecado social, e alertar

contra o perigo de um sistema pecaminoso se constituir a razão de ser do Estado”,

quando na verdade a sua razão de ser deveria ser a promoção do bem comum, algo que

não estava ocorrendo quando os homens estavam divididos entre “o pequeno grupo dos

que tem tudo; e a grande massa dos que perdem cada dia o pouco que tem” e que os

seus artigos tem como objetivo conscientizar as pessoas dessa situação no sentido de

melhor orientar o voto.

Esse é um exemplo da ideia central de todos os artigos, que possuíam uma

crítica ao regime militar. Pacto entre a burguesia internacional e nacional, entrega das

riquezas do país, aumento da dívida externa, déficit de moradia e desemprego foram

alguns dos tópicos abordados pelo bispo para mostrar a situação do país que poderia ser

mudada mediante o voto, a constante conscientização política e a luta do povo em busca

do bem comum.

O resultado das urnas não se consolidará sem a luta contra a injustiça social, que não é apenas uma causa da violência, mas é principalmente a forma mais perversa de violência, comprometendo a convivência democrática, pelo escândalo das mordomias e da corrupção da minoria à custa dos sofrimentos e humilhação da grande maioria (Ídolos de sua invenção; meras obras de artistas. DOPS/MA. Encaminhamento. 03/11/1982. cx 72, maço 2).

50 O segundo artigo não foi apreendido, mas o título foi identificado através dos recortes de jornal arquivado pela DOPS/MA em um dos maços. O sétimo artigo também não foi apreendido, e não há na delegacia nenhum registro sobre o seu título.

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Em seu último artigo, D. Motta fala especificamente sobre a necessidade do

voto consciente e do risco da venda do voto. Orientou ainda os eleitores a votar em um

partido com as seguintes características:

- que dê chances ao povo de participar nas decisões do país, do Estado e do município. - que defenda os direitos de todos, especialmente dos mais pobres. - que vise a mudança social e não a própria manutenção no poder ou a pura conquista de poder - que lute pela independência econômica do país (Novo céu... nova terra; DOPS/MA. Encaminhamento 17/11/1981, cx 72, maço 2).

Dom Motta afirmou em entrevista ao jornal O Imparcial, publicada no dia

12/10/1982 que tinha a intenção de escrever um décimo primeiro artigo, intitulado

Como votar. No entanto, havia desistido devido a repercussão do material entre os

partidos políticos que estavam se utilizando deles em suas campanhas políticas.

Segundo o bispo, a Igreja não tinha partido nem candidato e sua intenção era

conscientizar os fiéis que compareciam às missas dominicais.

A preocupação do Arcebispo com a utilização de seus artigos para fins

políticos partidários demonstrou a significativa difusão dessas publicações. Tanto os

artigos quanto as cartilhas, folhetos e boletins circulavam em um público maior, que não

se restringiram apenas aos católicos assíduos às missas, grupos pastorais e comunidades

de base.

2.1.3 A Rádio Educadora: a subversão pelas ondas do rádio.

Outro veículo de comunicação usado pelo clero e investigado pela

DOPS/MA foi a Rádio Educadora do Maranhão (REMAR). Fundada por Dom Motta,

mas idealizada por Dom José Medeiros Delgado, teve sua primeira transmissão em doze

de junho de 1966. Tinha como principal objetivo “levar a cultura popular e a educação,

de forma mais rápida as mais distantes localidades do Maranhão, principalmente à zona

rural51”, possuindo a mesma definição do jornal Tempos Novos: um porta-voz dos sem

voz.

A partir das pesquisas realizadas, a rádio esteve sendo investigada pelos

militares desde 1968, quando foi punida com a suspensão de sua transmissão por oito

dias. A determinação partiu da Polícia Federal do Estado, que considerou subversiva a

leitura de um texto, que em seu conteúdo questionava a independência do Brasil,

51 Histórico da rádio, extraído de http://educadora560.com.br/historia/ , consultado em 29/11/2014.

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levando em consideração os problemas de desnutrição, índices de mortalidade,

exploração dos trabalhadores. Dizia ainda:

A verdade (...) é bem clara, mas também é dura: o Brasil continua sendo explorado por outros países e por alguns brasileiros traidores e inimigos de sua pátria... Cabe a nós brasileiros (...), porque amamos a nossa terra, torná-la independente (PRANDINI [et. al.], 1986, p. 36-37).

A Educadora conseguia fazer um papel de comunicação entre capital e

interior e vice-versa, por meio de programação construída com informações vindas de

clérigos de diversos municípios. O tom de denúncia era característico de alguns

programas ao longo da história da emissora católica, principalmente os que foram

comandados por pessoas já fichadas pela DOPS/MA, como Pe. Eider Furtado, Pe.

Marco Passerini e o estudante Juarêz Medeiros Filho, à época líder do diretório central

dos estudantes da UFMA.

Se a Igreja, e, consequentemente, a rádio mantinham em seus quadros de

funcionários pessoas consideradas subversivas, era preciso então manter vigilância

sobre a divulgação de suas ideias, razão pela qual foram elaborados diversos pedidos de

busca sobre a Rádio Educadora.

Em atendimento ao pedido de busca nº 068 supra citado este OI tem a informar o seguinte: a) a igreja tem encontrado como meio de comunicação na escrita jornais de maneira geral. Não especificamente feito materia pelos religiosos, mais sim, feito reportagens pelos órgãos da impressa escrita, entretanto, são feitas reportagens de maneira capciosa pelos padres, evitando desta maneira, comprometê-los diretamente juntamente às autoridades. Os meios mais comuns para divulgação e infiltração da igreja nas diversas camadas sociais são: folhetos e impressos em gráficas da própria igreja, como a igreja São João Batista e a igreja da SÉ. b) Na imprensa falada a igreja católica conta em nosso estado com a sua própria Emissora de Rádio (Rádio Educadora do Maranhão) sendo desta maneira muito fácil qualquer comunicação para os mesmos além de contarem com um programa especial na citada emissora no horário das oito da manhã à nove, programa este comandando pelo ex presidente do DCE/UFMA, Juarez Medeiros Filho e tendo como diretriz criticar o governo e o regime (DOPS/MA. Informação nº 0119/80. 01/08/1980. cx. 13, maço 160, sic).

Para os órgãos de informação, a rádio era ao mesmo tempo um ponto de

convergência e de difusão da subversão. Padre Eider em seu programa, que foi ao ar nos

anos de 1969 e 1970, já destacava a contribuição da rádio no “amadurecimento do

povo” através das informações divulgadas52. Em 1982, um panfleto de programação

informava o poder de alcance em setenta e um municípios maranhenses.

52 As falas de Padre Eider foram publicadas no livro “Comentários Semanais” (2013), de sua autoria.

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Em um momento de escassos meios de comunicação e censura, a Rádio

Educadora conseguiu ser um dos poucos canais de comunicação com o interior do

estado, transmitindo em sua programação informações com teor crítico as políticas

públicas e discursos de conscientização política.

2.1.4 Mobilizações sociais.

A “escalada da repressão” (FICO, 2007, p. 169) e a violência policial

institucionalizada pelos AIs são temas bastante trabalhados por pesquisadores do

período ditatorial iniciado em 1964. Sobre isso Carlos Fico afirma:

Um enunciado histórico sobre o regime militar bastante aceito destaca o endurecimento da repressão após o AI-5 (dezembro de 1968). Ele é verdadeiro, [...], mas de algum modo encobre o fato de que, desde o início, o regime foi extremamente rigoroso com seus “inimigos”, praticando muitas prisões arbitrárias e tortura no Nordeste, por exemplo, logo após o golpe (FICO In FERREIRA; DELGADO, 2007, p. 181-182).

Segundo Benedito Buzar (1998), apesar de não ter havido manifestações de

oposição ao Golpe em São Luís, as tropas do 24º Batalhão de Caçadores foram

deslocadas para as áreas mais movimentadas da cidade, tendo sido proibidas, via

decreto do Secretário de Segurança, passeatas, reuniões ou comícios (BUZAR, 1998, p.

442-443). Estas medidas teriam sido suficientes para evitar que os protestos de qualquer

natureza se desenvolvessem nos momentos subsequentes aos 31 de março de 1964.

Tendo em vista a suspensão dos diretos políticos e a perseguição aos

suspeitos de subversão, muitos grupos acabaram se organizando contra a intervenção

militar e tornaram-se alvo de perseguição e repressão, práticas que se agravaram

conforme os militares mantiveram-se no poder. Em 1965, o artigo 16 do Ato

Institucional nº 2 proibia manifestações de natureza política, indicando que o

cerceamento de liberdades seria mantido enquanto os militares estivessem no comando

do país. No ano de 1968, essa proibição foi reforçada pelo AI-5.

Com o início do processo de distensão proposto pelo presidente Ernesto

Geisel, em 1974, os movimentos sociais ganharam força devido a articulação com os:

[...] setores de elite das oposições (a CNBB, a OAB, a ABI e os grupos organizados no MDB). Eles ampliaram o espaço político, enfrentando o Estado a partir de suas posições de autoridade na sociedade civil e questionando a legitimidade que o Estado de Segurança Nacional tentava assumir (ALVES, 2005, p. 273-274).

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Em São Luís registram-se algumas manifestações no final da década de

1970, período de início da abertura política com a revogação do AI-5 por Geisel. Alguns

sacerdotes se envolveram nesses atos públicos de cunho político como Dom João José

da Motta, padre Marcos Passerini e padre Mario Paloni. As passeatas permitem

compreender como as mudanças propostas pelo regime afetaram o cenário político

social local nesse período, que corresponde a um momento de definição ideológica dos

movimentos sociais (BORGES, 2008).

As mobilizações [...] podem ser o embrião de futuros movimentos sociais, que, porém, não se esgotam simplesmente com o atendimento de suas reivindicações. Podem aliviar as tensões, amenizando os problemas, mas permanece a questão do fundo. (SANTOS, 2008, p. 121).

Entre os movimentos mais expressivos registrados pela DOPS/MA e que

contaram com a participação de religiosos, estão a Caminhada pela Paz (1978) e a

Caminhada de fiéis da Igreja da Cohama (1983)53.

A Caminhada pela Paz, ocorrida em 27 de agosto de 1978, é um episódio bem representativo da disposição dos estudantes de não limitarem sua ação ao espaço universitário das articulações entre a fé católica e a atividade política no âmbito do ME. É reveladora também do grande potencial de arbítrio, e mesmo de violência, que os órgãos de segurança pública reservavam aos chamados “provocadores” (BORGES, 2008, p. 52).

Segundo seus organizadores, o ato tinha como objetivo prestar uma

homenagem ao falecido papa Paulo VI, conhecido como Peregrino da Paz. A passeata

saiu do Campus da UFMA com destino à Igreja da Sé, onde seria ministrada, pelo padre

Sydney Castelo Branco, uma palestra intitulada Vida e obra do Papa Paulo VI. No

entanto, os órgãos de segurança bloquearam a passagem na altura da Barragem do

Bacanga, única via de acesso ao centro da cidade.

O evento foi largamente noticiado pela imprensa, devido ao aparato policial

utilizado, como fuzis, metralhadoras, bombas de gás lacrimogêneo, além do grande

contingente policial, número muito superior à quantidade de manifestantes, que segundo

Marcos Passerini não chegava a trinta, como é possível perceber na imagem abaixo

(Figura 26).

53 Foram registrados também mobilizações contra a carestia e em defesa dos Direitos Humanos, porém sem o destaque dado pela DOPS/MA para a ação de padres nessas movimentações, mesmo sabendo que a luta pelos direitos humanos foi encabeçada pela Arquidiocese de São Luís.

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Figura 24 - Passeata pela Paz (O Imparcial 27/08/1978).

O padre Marcos Passerini, em entrevista54, informou ainda que havia, na

passeata uma intenção de testar o aparato repressivo, pois não tinham ideia de como a

polícia agiria nesse tipo de situação, e que ficou espantado com a quantidade de

armamento presente. Depois de dispersada, o padre foi detido juntamente com outros

três religiosos55 sendo levados à Polícia Federal para prestar esclarecimentos, quando

foi interrogado sobre ter pedido aos demais estudantes que fugissem do local, pois eles

(padres) assumiriam a responsabilidade.

Outro detalhe importante relatado pelo clérigo foi o fato de ter sido a ele

apresentado um dossiê contendo inúmeras fotografias sobre as suas ações na paróquia

de São João Batista, no centro de São Luís. O dossiê teria confirmado suas suspeitas de

que um dos integrantes das reuniões, que ocorriam na igreja, era informante da polícia

federal e que após essa data essa pessoa não retomou suas atividades na paróquia.

Interessante ângulo de observação da politicamente despretensiosa Caminhada pela Paz é indicado na própria denominação do evento, que enaltece não o papa, mas a paz, em um momento em que, no Brasil, o Estado patrocinava guerra aos seus opositores. Isso reforça a ideia de uma articulação entre fé e política, no movimento estudantil da época. Articulação em um duplo sentido: católicos abraçavam questões e movimentos políticos

54 Entrevista concedida no dia 7 de agosto de 2014. 55 Além do Pe. Marco Passerini, foram presos também os padres Regian Pacini, Fernando Levecque e o seminarista Luís Alberto (BORGES, 2008, p.53).

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ao mesmo tempo em que influenciavam estes últimos com ideias religiosas. Assim, se em situação ideal, poderíamos supor que o teor das lutas políticas fosse elaborado por organizações ou organizações ou grupos de esquerda como os partidos, as motivações religiosas inscritas na Caminhada pela Paz indicam que a situação que se tem aqui apresenta nuanças diferentes. (BORGES, 2008, p. 53).

Outro movimento religioso investigado pelos agentes de informação foi a

procissão realizada na paróquia Menino Jesus de Praga, no bairro da Cohama, pelo

pároco Mario Paloni. Segundo a DOPS/MA, o padre vinha “realizando um intenso

trabalho de doutrinação esquerdista junto à comunidade”. Na missa, um agente de

informação observou que em volta do altar se encontravam jovens segurando cartazes

com “palavras de ordem tais como: A Fome, Injustiça Social, Salários de Fome,

Favelados” (DOPS/MA. Informe nº 127/83. 29/07/193. cx. 72, maço 2).

Após a missa, o padre e os grupos de jovens saíram em procissão pelas ruas

do bairro distribuindo o panfleto “Cantos para a Via Sacra”, que segundo o agente,

enfocavam “conhecidas mensagens do clero “progressista”, tais como: “Povos tão

sofridos”; “Desperta o coração de quem não acordou”; “Quebra as cadeias da miséria e

opressão”; e “Famintos e injustiçados” (DOPS/MA. Informe nº 127/83. 29/07/193. cx.

72, maço 2). Junto a esse informe, está anexado o folheto de músicas, apreendido pelo

agente de informação do Exército. A partir desse documento foi possível identificar que

os cartazes e mensagens na ocasião diziam respeito a Campanha da Fraternidade, de

1983, tinha como tema e lema Fraternidade e Violência: Fraternidade, sim! Violência,

não!.

Não foi a primeira vez que o nome do padre constou nos documentos da

DOPS/MA, pois em 1982 foi detido em ação de despejo de uma ocupação em um

terreno na região de sua paróquia. Meses antes da apreensão dos panfletos e da

caminhada, a Capitania dos Portos do Maranhão, solicitou à DOPS/MA, através de um

pedido de busca, o detalhamento das atividades do padre na referida paróquia e

confirmações da seguinte informação:

b) Sabe-se que o epigrafado vem realizando um intenso trabalho de doutrinação esquerdista junto à comunidade local inclusive alterando a liturgia das missas com palavras de ordem/contestatórias, e modificando os textos dos cânticos religiosos (DOPS/MA. Pedido de busca nº 004/83. 30/05/1983. cx 72, maço, 2).

No mesmo documento constava a determinação, manuscrita, de que fosse

destacado um agente para fazer um levantamento aprofundado sobre as atividades do

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padre. Em resposta, através do Informe, de 16 de junho de 1983, o agente de informação

não confirmou os dados informados no pedido de busca. E acrescentou:

Quanto ao trabalho de base desenvolvido pelo “PADRE MARIO PALONI”, é um dos melhores de acordo com levantamento feito por este OI, junto à comunidade que frequenta a paroquia “MENINO JESUS DE PRAGA” no bairro da COHAMA (DOPS/MA. Informe 0042/83. 16/06/1983. cx. 72, maço 2; grifo meu, sic).

Embora o padre Mario Paloni tivesse sido registrado como esquerdista nos

órgãos de informação, o agente da DOPS/MA não confirmou os indícios de subversão

em suas atividades. É provável que ao ter buscado as informações junto à comunidade

paroquial, não tenha recebido nenhum depoimento que confirmasse que o clérigo

desenvolvesse atividades políticas na paróquia.

O desencontro nas informações sobre as atividades do padre indica para as

diferentes formas de interpretação das definições de subversão dos órgãos de

informação e segurança. O que os agentes anteriores ao pedido de busca citado

consideravam como indício de esquerdismo, para a comunidade paroquiana poderia ser

apenas assuntos referentes a campanha da fraternidade ou sermões das missas.

Os padres, considerados subversivos pelo regime, se utilizavam dessa

tentativa de ressignificar seus discursos para afastar-se de uma definição de política, que

sugeria um exercício de poder em rivalidade ao Estado. O que buscavam ratificar em

seus discursos é que não faziam política, ao passo que tinham como missão buscar o

bem comum (a paz, o respeito aos direitos humanos, a dignidade, a liberdade, etc.),

muito embora fosse essa também a definição que muitos utilizavam para política.

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3. PAZ SOCIAL PELA JUSTIÇA SOCIAL: A LUTA PELO ACESSO À TERRA E À MORADIA NO MARANHÃO.

A Igreja Católica, como asseverado anteriormente, foi um dos veículos mais

importantes de conscientização política no período do Regime Militar. Porém, a ação

dos diversos padres não se restringiu aos sermões e às publicações. Pode-se observar, na

documentação da DOPS/MA, uma série de eventos em que os clérigos estiveram

inseridos em conflitos, inclusive, tendo chegado ao enfrentamento com autoridades e

proprietários.

Como afirmado anteriormente, após o Vaticano II, a Igreja Católica se

colocou como tarefa religiosa a tentativa de resolver os problemas sociais, entre eles o

acesso à terra.

Os bens da terra e sua destinação a todos os homens. 69. Deus destinou a terra com tudo que ela contém para uso de todos os homens e povos; de modo que os bens criados devem chegar equitativamente às mãos de todos, segundo a justiça, secundada pela caridade. Sejam quais forem as formas de propriedade, conforme as legitimas instituições dos povos e segundo as diferentes e mutáveis circunstâncias, deve-se sempre atender a este destino universal dos bens. Por essa razão, o homem que usa desses bens, não deve considerar as coisas exteriores que legitimamente possui só como próprias, mas também como comuns, no sentido de que possam beneficiar não só a si mas também os outros. Além disso, todos tem o direito de ter uma parte de bens suficientes para si e suas famílias. Assim pensaram os Padres e Doutores da Igreja, ensinando que os homens tem obrigação de auxiliar os pobres e auxiliar os pobres e não apenas com os bens supérfluos. Aquele, porém, que se encontra em extrema necessidade tem direito a tomar, os bens dos outros, e o que necessita. Sendo tão numerosos os que no mundo padecem fome, o sagrado Concílio insiste em todos os indivíduos e autoridades, para que, recordados daquela palavra dos Padres: “alimenta o que padece fome, porque, se não o alimentares, o matas”, repartam realmente usem os seus bens, cada um segundo os próprios recursos, procurando sobretudo prover esses indivíduos e povos daqueles auxílios que lhes permitam ajudar-se e desenvolver-se a si mesmo (Gaudium et Spes In Documentos do Concílio Ecumênico Vaticano II, 1965 [1997], p. 628-629, grifo meu).

A proposta do Concílio Vaticano II ia de encontro à situação vivida no

estado, onde o acesso a terra transformou-se em objeto de disputa e um sério problema

social e político. As determinações do concílio ajudaram a acirrar as tensões, na medida

em que muitas delas foram mediadas por padres inspirados em ideias como as

destacadas na citação acima.

Em 1978, foi publicado pelos bispos do Maranhão uma carta pastoral

intitulada A problemática do homem do campo. Fruto das comemorações do aniversário

do Tricentenário da Arquidiocese do Maranhão, a publicação continha orientações e

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análises sobre a missão evangelizadora no meio rural. O problema agrário vinha se

agravando paulatinamente no estado. Segundo Carolina Clemens:

O governador José Sarney objetivou a integração das terras do Estado no mercado, isso quer dizer, abriu as terras para compra e venda. A maioria das terras do Estado eram devolutas. Deveriam ser privatizadas. O segundo objetivo de Sarney foi a objetivação da agricultura. As terras não deveriam ficar ociosas. Em seu governo, serão realizadas as condições prévias para alcançar esses objetivos. Em 1970 o dr. Pedro Neiva de Santana foi apontado Governador. Ele se tornou herdeiro e executor do “testamento” de José Sarney. [...] as terras públicas foram adquiridas por pessoas e companhias privadas de maneira ilegal sem descriminação, sem reconhecimento dos direitos legais de posse dos que já moravam na terra. Aconteceram assassinatos e perseguições por pistoleiros dos grileiros [...]. Governador do Estado de 1975 a 1978 foi o sr. Nunes Freire. [...] Recusou-se a legalizar as terras griladas e se opôs à entrega de terras a grupos de fora do Estado. Por isso, quase que as sua administração sofreu uma intervenção federal. O grupo de Sarney abriu uma forte campanha contra o governador que foi obrigado a abrir mão. Mas exigiu dos grileiros, para regularização das terras o pagamento ao Estado [...]. Em 1978 João Castelo foi nomeado Governador do Maranhão. [...]. Durante o governo João Castelo a economia maranhense foi entregue ao grande capital multinacional. Ele fez do Maranhão o corredor de exportação de minério e de produtos agrícolas, especialmente da soja. A decisão de implantar os projetos, inclusive da base espacial em Alcântara, foi tomada pelo governo federal, mas o governador João Castelo, contra todo um protesto popular, endividando o estado com empréstimos do interior, viabilizou a infraestrutura para atrair os mesmos para o estado. Os problemas sociais se agravaram. A expropriação e expulsão de posseiros prosseguiu com maior violência e repressão (CLEMENS, s/d, p. 19-20).

Entre os documentos estudados, foram registradas algumas situações

relacionadas com o acesso a terra, tomada aqui não somente como sinônimo dos

conflitos ocorridos nas zonas rurais, mas nas ocupações urbanas na capital do estado,

conhecidas como invasões. Pelo interesse da DOPS/MA em registrar e identificar esses

problemas, parte significativa da documentação versa sobre esse tema, destacado na

pesquisa como mais uma tipologia a ser analisada.

Para facilitar o entendimento, esses casos foram divididos entre as

ocupações ocorridas em São Luís, área da Arquidiocese, e no interior do estado,

território dividido eclesialmente em dioceses. É necessário ratificar que alguns desses

episódios foram investigados de perto pelos agentes de informação, sobre os quais

foram elaborados relatórios e informes. Outros foram apenas registrados a partir de

recortes de jornais, que, arquivados, poderiam servir como base para futuras

investigações, subsídio para responder pedidos de busca ou como provas do

envolvimento dos padres já fichados em assuntos políticos.

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3.1 São Luís: onde nasce e cresce a violência (Folha do Maranhão, 28/02/1982).

Um dos problemas da cidade de São Luís, na segunda metade do século XX,

foi a questão da habitação. O crescimento populacional da cidade de São Luís

possibilitou observar o êxodo rural para a capital, ainda que, o estado do Maranhão

tivesse, nas décadas de 1970 e 1980, a maioria da população morando nas áreas rurais

(Figura 27).

Figura 25 - Crescimento Populacional de São Luís (Gistelink, 1988).

Segundo Frans Gistelink:

O fluxo migratório do campo em direção às cidades é irreversível e quase incontrolável. Vários fatores contribuíram para isso: a problemática fundiária, a reforma agrária pouco efetiva, a industrialização, a atração da vida na cidade [...]. O IBGE identificou no Maranhão, em 1970, uma população de 3.081.000 habitantes, 75% dos quais na zona rural. Dez anos depois, registrou-se uma população de 4.200.000 e uma queda significativa para 68% na área rural; 32% já habitavam os centros urbanos. Atualmente, o mesmo IBGE calcula que a população do estado seja de 5.000.000, dos quais 36% concentrados na cidade (GISTELINK, 1988, p. 32-33).

Sem recursos suficientes para adquirir terrenos ou casas para habitar, a

migração desta população com destino à capital terminava em áreas não urbanizadas da

cidade, fenômeno que ficou conhecido como invasões. Somam-se ainda as difíceis

condições de vida desta população, marcada pelo desemprego, empregos temporários e

empregos de baixa remuneração.

A caracterização desse fenômeno como invasões, decorre da noção de

ilegalidade com a qual foram tratadas as diversas ocupações, inclusive pelo próprio

poder público, inábil em proporcionar melhores perspectivas de urbanização que

contemplassem e beneficiassem essa população, e não só os projetos que previam a

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instalação de grandes indústrias e dos projetos de habitação com financiamento público,

como aponta Jesus Marmanillo Pereira:

Nesse sentido, pode-se apontar, por um lado, uma perspectiva de modernização da capital, defendida por alguns dirigentes políticos e que era pautada na ideia de que havia a necessidade de construção de uma infra-estrutura para o recebimento de indústrias e para a implementação de programas de habitação definidos pelo governo federal. [...] Por outro lado, há uma concepção de planejamento que se apresentava como centrada na ideia de que seria necessário considerar as aspirações e desejos dos milhares de habitantes que enxergavam São Luís como lugar em que teriam acesso a serviços como educação, saúde e também oportunidades de emprego. Essa ideia de cidade enquanto possibilidade de melhores condições de vida esteve relacionada diretamente a um aumento populacional e, conseqüentemente, ao maior número de construções no processo de expansão urbana, já que muitas das famílias que vinham para São Luís alojavam-se em terrenos vazios próximos ao centro da cidade (PEREIRA, 2011, p. 46, sic).

As ocupações não estavam restritas apenas às proximidades do centro da

cidade, pois também ocorreram próximas a conjuntos habitacionais em processo de

construção, e às áreas industriais, onde essa parte da população poderia ter facilidade de

conseguir trabalhado. Em algum desses processos de disputa territorial, padres

apareceram como mediadores, em defesa dos ocupantes, em via de serem expulsos.

As desocupações eram feitas, geralmente pela polícia ou por empresas de

segurança privada. Vários padres foram detidos por estarem à frente do processo de

resistência às expulsões que eram conduzidas, geralmente, de forma violenta. Aos serem

levados à DOPS/MA, eram acusados de estarem incitando os ocupantes a resistir às

desocupações. Serão analisados quatro casos de processos de desocupação nos quais

padres tomaram parte ou estiveram presentes, a saber: Parque Timbira, Vila Menino

Jesus de Praga, Tirirical e Floresta, áreas indicadas no mapa abaixo.

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Mapa 1 – Áreas de ocupação conflituosa com envolvimento de padres em São Luís

3.1.1 Agitação leva três padres à cadeia (Jornal O Estado, 11/07/1981).

Em 10 de julho de 1981, os padres Jean Marie Van Damme56, Guido Van

Damme e Mark Fillet57 foram presos sob a acusação de estarem insuflando um grupo de

ocupantes a resistir ao despejo no Parque Timbiras realizado pela polícia militar. O

processo de ocupação nessa área teve início em maio do mesmo ano, quando um grupo

de 50 famílias começou a se instalar próxima à Reserva Florestal do Sacavém,

pertencente ao Parque Estadual do Bacanga.

56 De origem Belga, padre Jean Marie Van Damme, veio para São Luís em 1975, atendendo a um pedido do arcebispo de São Luís que solicitava professores para o Seminário de Santo Antônio. Ao chegar à capital maranhense o padre (que teve seu nome aportuguesado para João Maria) logo se engajou nas atividades das comunidades eclesiais de base na área do bairro do Anjo da Guarda. (Para mais ver MACHADO, 2012, p. 117 a 123). 57 Foram detidos também: Clara Van Damme (irmã dos padres belgas) e Francisco das Chagas Pereira que acompanhavam os padres.

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Figura 26 - Construção das casas no Parque Timbiras com palha e madeira (Jornal O Imparcial, 11/07/1981).

A reserva estava sob responsabilidade da SERNAT (Secretaria de Recursos

Naturais, Tecnologia e Meio Ambiente), que tomou a iniciativa de entrar em contato

com os recém instalados, no dia 02 de julho, solicitando a desocupação da área em 48h.

A determinação não foi cumprida pelos ocupantes dando início ao processo de expulsão

no dia 08 de julho.

O jornal O Estado (11/07/1981) relatou que, na segunda ação de despejo, os

funcionários da secretaria teriam sidos recebidos de forma hostil pelos ocupantes

(Figura 29) que se encontravam armados de paus e facões e teriam sofrido ameaças de

linchamento, razão pela qual a polícia militar teria sido acionada. Destaca-se que entre

os recortes de jornal, arquivados na DOPS/MA, não há registro de resistência à primeira

ação de despejo.

Figura 27 - Despejo dos moradores. Em destaque Pe. Jean Marie com uma criança no colo.

(Jornal O Imparcial, 11/07/1981).

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É provável que a “recepção hostil” na ocasião da segunda ação de despejo

tenha sido atribuída à influência dos referidos padres (ausentes na primeira ação de

despejo), que no momento encontravam-se na área e que foram detidos e levados para a

DOPS/MA.

Na Dops, os três padres, a irmã deles e Francisco, foram interrogados e disseram que não estavam instigando ninguém, porém seus atos foram comprovados. Apurou a Dops que eles, desde cedo, estavam no local da invasão e mandavam que ninguém se conformasse com aquela situação que construíssem novamente suas casas e que enfrentassem quem quer que fosse. Aos poucos, aquelas pessoas humildes foram se aproximando e foram na conversa dos padres (Jornal O Estado 11/07/1981. cx. 5 maço 65B).

Ressalta-se que, em nota lançada no dia 13/07/1981, D. Motta afirmou que:

[...] o padre João Maria Van Damme estava fazendo um giro na cidade, para mostrar a seus visitantes a capitação do Maranhão. Os visitantes são o irmão dele Guido Van Damme, a irmã Clara Van Damme e o amigo Mark Fillet, todos de nacionalidade belga, vindo a poucos dias, sem conhecimento da língua portuguesa, em visita particular ao irmão e amigo. O grupo estava acompanhado pelo jovem Francisco das Chagas Pereira. [...] Pelas 11:00 ao chegarem ao Parque Timbiras, onde nesses dias houve o conflito pela ocupação do solo urbano (a “Invasão” e o despejo, largamente comentando pela imprensa local) os visitantes, ao entrar na área de conflito tiveram livre acesso e não foram impedidos por ninguém. Ao saírem da área pelas 11:45 estas seis pessoas foram detidas pela polícia e lavadas (sic) de “camburão” ao DOPS. [...] Sabemos que há exploração nessas “invasões”. Também verificamos que há muitas famílias nesta cidade sem casa própria, morando de aluguel ou em submoradias. O pobre não encontra terreno para levantar a sua casa; os pobres, muitas vezes, são julgados e tratados como miseráveis, ladrões e etc.; a presença da Igreja, especialmente dos padres, junto ao povo sofrido é julgada como subversiva, insufladora [...] será que nós, como pastores e com povo cristão, nos questionamos bastante à luz do Evangelho sobre essa situação gritante que uma grande parte do nosso povo está sofrendo? (Jornal O Imparcial, 14/07/1981, cx. 5, maço 65B).

A nota do arcebispo foi ao mesmo tempo uma reação à prisão dos padres e

uma justificativa da presença legítima de religiosos nas áreas de ocupação. A ação de

despejo se prolongou até o dia 16 do mesmo mês, quando os últimos casebres foram

derrubados, após quatro operações conduzidas pela Polícia Militar e por funcionários da

SERNAT.

3.1.2 Massacre e prisões no despejo dos Vinhais (Jornal Folha do Maranhão, 19/02/1982).

Embora a versão dada pelo arcebispo D. Motta, no caso da prisão do Pe.

Jean Marie na ocupação do Parque Timbira, tenha sido a de que o clérigo apenas estava

“no lugar errado e na hora errada”, alguns padres desenvolviam trabalhos pastorais em

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diversos bairros e ocupações na cidade, como o caso do padre Mario Paloni no bairro da

Cohama.

O Informe nº 0032/82, de 19/02/1982, alertava as autoridades da DOPS/MA

que a comunidade da Vila Menino Jesus de Praga estava se organizando, através de um

abaixo assinado, para impedir que funcionários da SURPLAN (Superintendência

Planejamento), órgão da prefeitura de São Luís, continuassem com a prática de despejos

na área.

Figura 28 - Vila Menino Jesus de Praga (Jornal O Estado 27/03/1982).

O agente de informações destacou que:

3- À frente do abaixo assinado e dos moradores da “VILA BOM JESUS DE PRAGA”, está o padre “MARIO PALONI”, da paróquia do Conjunto Habitacional do Maranhão – “COHAMA” e um advogado contratado pelos invasores, de nome desconhecido. (DOPS/MA. Informe nº 0032/82. 19/02/1982. cx 5, maço 65B).

Segundo relatório da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São

Luís do Maranhão (1983), a referida comunidade possuía um bom nível de organização,

contando com associação de moradores e assistência de um advogado que buscou

legalizar a situação dos ocupantes, que vinham sofrendo diversas tentativas de despejo

que não contavam com mandado judicial e eram marcadas por violência, conforme

detalhou o jornal Folha do Maranhão, de 19/02/1982.

A Bandeira brasileira rasgada em tiras, sob os gritos de “isso não serve para nada!”, um velho de 70 anos espancado, seis pessoas presas, inclusive o padre Mario Paloni, da COHAMA, um motorista de um jipe dos capangas tentando atropelar uma criança de seis anos e 150 casas derrubadas foi o resultado de uma nova investida da Polícia Militar e de funcionários da SURPLAN na Vila Menino Jesus de Praga, às duas horas da tarde de ontem. [...] Dona Maria do Rosário, ao ver os jagunços derrubando sua casa gritou: “Eu não posso sair daqui, pois não tenho para onde ir”. A resposta que ela teve: “Pegue suas coisas e se mude para a casa do Padre” (DOPS/MA. Folha do Maranhão. 19/02/1982. cx 5, maço 65B).

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Esse é um relato de apenas uma das nove ações de despejo conduzidas na

comunidade, que, além da assistência judicial, contava também com a constante

presença do padre Mario Paloni. Tido como um dos responsáveis direto pela

organização e resistência dos moradores da Vila, o clérigo desenvolvia intenso trabalho

pastoral (Figura 31), conforme informado no capítulo anterior.

Figura 29 - A Caminho: Boletim paroquial elaborado pela Milícia da Imaculada.

(DOPS/MA. Encaminhamento. 05/10/1982. cx. 5, maço 65B).

3.1.3 Padres são presos no despejo da Floresta (O Imparcial, 19/05/1982).

A ocupação da Floresta deu-se em uma área destinada a implantação do

projeto PROMORAR (Programa de Erradicação de Favela), caso amplamente

documentado pela DOPS/MA. No informe do dia 28 de maio de 1982, o agente de

informação registrou a prisão de quatro padres envolvidos na resistência à uma das

ações de despejo executada pela SURPLAN.

1- Foi realizado às 7:00hs do dia 28.05.1982 a derrubada de casebres na Invasão Floresta por funcionários da Secretaria de Urbanismo e Planejamento (SURPLAN). 2- À frente dos invasores da Floresta estavam o deputado HAROLDO PIRES DE SABÓIA, líder do PMDB, e os padres XAVIER GILLSS DE MAUPEAU D’ABICIOSS, Presidente da Comissão de Justiça e Paz, BRAULIO A’RES, JALDEMIR VITÓRIO e ANTONIO BARÊNIO e uma advogada não identificada por essa OI. 3- Por ocasião da derrubada dos casebres foram detidos pela Polícia Militar os padres referenciados acima no item (2), por orientarem os invasores a não saírem de suas casas, alegando que se as terras não tinham dono, era de quem quizesse e qualquer um podia fazer casa e morar (DOPS. Informe nº 0120/83. 28/08/1983, cx. 30, maço 351, sic).

Este caso em particular chama atenção não só pela quantidade de padres que

foram detidos, mas pelo registro minucioso feito pelos agentes de informação. Dentre os

documentos arquivados encontra-se o registro de todos os que deram entrada na

DOPS/MA por ocasião do conflito do despejo. Os padres Antonio Baroni e Bráulio

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Ayres foram detidos sob a acusação de resistir às demolições e os padres Xavier

Maupeau e Jaldemir Vitório ficaram à disposição da DOPS, sob a acusação de estarem

incitando os moradores a permanecer no local.

Figura 30 - Ação da Polícia Militar no despejo da Floresta (Jornal O Imparcial, 29/05/1982).

A presença dos padres nas ocupações era fundamental na tentativa de evitar

não só a violência policial por ocasião do despejo, mas o próprio despejo em si. Nessas

ocasiões, os clérigos tomavam a dianteira na resistência tentando evitar a ação policial,

motivo pelo qual eram reprimidos. Muito embora tenha sido citado na documentação, o

referido deputado não foi preso, provavelmente por não ter tentado obstar a ação

policial da mesma forma que os padres, que também se utilizavam do expediente de

hinos e orações em meio à tensão.

Além disso, a informação de que os padres eram responsáveis por difundir a

ideia de que a ocupação era legítima foi reiterada nos Termos de Declaração. Esse

discurso ligado às determinações do Concílio foi um dos motivos de acirramento das

disputas pela ocupação do solo urbano, tendo virado palavra de ordem nos processos de

resistência aos despejos (PEREIRA, 2011, p. 69).

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Figura 31 - Ação da Polícia Militar no despejo da Floresta (Jornal O Imparcial 29/05/1982).

Destaco também o Termo de Declaração do padre Bráulio Ayres, o único

encontrado no corpus documental pesquisado, em que reafirma a defesa das ocupações

do solo urbano e critica a violência policial nos despejos realizados. Nesse documento

está transcrito o depoimento do padre.

Na qualidade de vigário tem o objetivo de assistir essa porção do povo de Deus a si confiada pela igreja; que fiel ao compromisso da igreja junto aos pobres, ensinar a justiça e a concórdia; que diante dessa situação de ocupação da área, a sua preocupação é de encontrar saídas humanas de acordo com as lesis, digo, leis vigentes; que entre os ocupantes não cria um clima de revolta e não busca solução através da violência; que já procurou por via legal uma solução mais justa que não seja a repressiva, que está assistindo; que educar o povo que os seus direitos fundamentais devem ser respeitados é um dos seus objetivos; que diante de tal situação acha que o povo deve se reunir para discutir e reivindicar os seus direitos e deveres; que acha que o povo deve ser atendido e assistido pelos órgãos competentes, os quais não devem orientar derrubadas de casas habitadas e sim procurar maneiras de solucionar a moradia dessas pessoas, remanejando para outro local que lhe dê segurança, que acha que as autoridades devam procurar entender a sua boa vontade de construir um mundo melhor que se contrapõe a qualquer atitude que viole os direitos fundamentais do homem e fere a dignidade dos filhos de Deus. (DOPS/MA. Termo de Declaração de José Bráulio Sousa Ayres. 28/05/1982. cx 30, maço 351, sic).

O arcebispo lançou uma nota de repúdio da mesma forma como havia feito

por ocasião da prisão do padre Mario Paloni. Nesta nota, com críticas mais

contundentes à ação do poder público do que a anterior, D. Motta fez referência ao fato

de que a Igreja local estaria sofrendo tais repressões por sua opção preferencial pelos

pobres na defesa dos invasores. Disse ainda que “os verdadeiros invasores que se

apropriam do solo urbano são aqueles que objetivam a mera especulação e o

enriquecimento fácil” (Igreja condena prisão de padres, jornal O Imparcial 08/06/1982.

DOPS/MA. cx. 72, maço 2).

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3.1.4 Despejo do Tirirical e a expulsão do padre Marcos Passerini.

A ocupação no Tirirical teve início nos últimos anos da década de 1970,

quando cerca de 30 famílias começaram a se estabelecer no local, próximo à área do

aeroporto. No início do ano de 1981 o suposto dono do terreno contratou jagunços para

forçar a saída das famílias do local. A liderança da comunidade, conhecida como

“Bacabal”, que teria descoberto a irregularidade da escritura do terreno junto à

SURPLAN.

Bacabal teria procurado a Rádio Educadora para divulgar a situação, quando

encontrou com o padre Marcos Passerini que se dispôs a ajudá-lo. Ao utilizar a rádio

como veículo de denúncia sobre a situação na área e ir ao local com certa frequência, o

padre acabou se tornado uma espécie de porta-voz das famílias, na tentativa de resolver

o problema junto às autoridades.

Devido à pressão do suposto proprietário algumas famílias se retiraram do

local, mas outras permaneceram sob a vigilância e ameaças dos jagunços. Em uma de

suas idas à área da ocupação, o padre presenciou a derrubada de um dos casebres,

ocasião em que foi agredido pelos jagunços com socos e panadas de facão58, ao tentar

impedir o ato. (Jornal Pequeno, 23/04/1981).

Em sua nota de repúdio, D. Motta criticou a ação dos jagunços, e

solidarizou-se com o padre Marcos e moradores. A diferença, nesse caso, foi que a ação

de despejo não foi executada pela polícia, mas de forma particular, esse tipo de

violência era comum nas disputas por terra no Maranhão. Na medida em que o poder

público sofria pressão dos proprietários, a ação de jagunços e pistoleiros ganhava força

na resolução de problemas do tipo.

As atividades pastorais de padre Marcos, como observado no capítulo

anterior, possuíam um direcionamento voltado para a crítica ao poder público,

responsabilizado pela não solução dos problemas sociais. Sua postura combativa e de

enfrentamento preocupava tanto as autoridades quanto os setores mais conservadores da

Igreja, que após todo o seu trabalho de conscientização e mobilização decidiu por sua

expulsão da arquidiocese em setembro de 1981.

58 “Panadas de facão” é uma expressão popular para caracterizar os golpes dados com a lateral do facão, que embora não sejam mortais podem causar contusões e ferimentos.

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Figura 32 – Charge sobre a expulsão de Marcos Passerini (Jornal de Hoje, 01/09/1981).

O episódio da expulsão do padre foi resultado da crescente pressão sofrida

pela Igreja, como mostra a charge acima (Figura 34). Embora suas atividades não

diferissem dos demais clérigos engajados em certas causas sociais, Pe. Marcos causou

certo desequilíbrio nas relações de força entre diversos setores da sociedade em um

momento de fortes tensões sociais e políticas.

Em entrevista o padre reconheceu que, após refletir sobre esses episódios,

demonstrou desrespeito a autoridade do arcebispo por diversas vezes. Deixando a

arquidiocese e os problemas da cidade, Pe. Marcos foi acolhido na prelazia de Cândido

Mendes, região oeste do Maranhão, onde se viu novamente cercado pelos problemas de

ocupação do solo, dessa vez no interior do estado. Embora a situação agrária também

fosse crítica, sua atuação como editor do jornal Tempos Novos afastou o seu nome das

notícias e dos órgãos de informação.

3.2 Ainda e sempre o problema fundiário.

A partir da década de 1970, o norte do Brasil passou a ser inserido no ciclo

de desenvolvimento nacional, por meio de incentivos dados ao governo para os que

estivessem dispostos a investir na região. A política de integração nacional proposta

pelos militares após o golpe de 1964 consistia em interligar norte e sul, e com relação à

região amazônica, consistia em ocupar gradativamente seus espaços vazios. A abertura

de estradas como a Transamazônica, o asfaltamento de algumas rodovias já existentes, o

incentivo fiscal e os programas de colonização de terras devolutas geraram o aumento

da especulação nas terras do Maranhão, Pará e Goiás. (SKIDMORE, 2004).

Seguiram para o Norte os goianos do sul, os mineiros, os fazendeiros paulistas e os chamados “gaúchos”, tanto do Rio Grande do Sul como do

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Paraná e, a partir da década e 1970 as empresas vinculadas a bancos e grupos multinacionais, buscando terras para pecuária e agricultura, exploração vegetal e mineral, ou assegurando espaço para remessas de investimentos arrancados do Imposto de Renda e para futura especulação. E, quando não havia caminhos para se chegar a essas novas fronteiras, estradas foram rasgadas com o sacrifício de muitos posseiros e índios, os que se colocaram no caminho, foram expulsos ou esmagados com a invasão desenfreada do capital e da força do Sul, chegou, como seu melhor instrumento de domínio a grilagem, que se tornará o meio privilegiado de incorporação ao capitalismo, das terras chamadas “livres” (ASSELIN, 2009, p. 29).

O Estatuto da Terra do Maranhão, instituído pela lei 2.979 de 1969, no

governo de José Sarney, facilitou a venda das terras devolutas do estado. Com preços

reduzidos, grupos organizados em sociedade anônima podiam adquirir sem licitação até

três mil hectares (COSTA, 1994). Esse período foi marcado pela criação da

“infraestrutura, que permitiu a atração dos capitais sulistas e estrangeiros” (ASSELIN,

2009, p.152) e a institucionalização da grilagem de terras no estado, consequência da

especulação financeira na região amazônica.

A COMARCO foi criada em 1971, no governo de Pedro Neiva de Santana

(1971-1975) e a ela foi incorporado mais de dois milhões de hectares de terras devolutas

distribuídas em diversos municípios no centro oeste do Maranhão. Da área reservada à

companhia, a maior parcela foi destinada aos grupos econômicos já estabelecidos na

região, restando uma pequena quantidade para os pequenos produtores.

A COMARCO tinha por objetivo a formação de núcleos de pequenos produtores independentes na sua área de atuação, contudo, a realidade se revelou outra pois “as precárias condições dos camponeses do projeto tornaram os mesmos uma excelente reserva de força de trabalho barata para o capital dos grande projetos. Assim, é no projeto da COMARCO que o verdadeiro sentido na colonização dirigida que envolve pequenos produtores se manifesta de forma mais evidente, ou melhor, mais descarada”. Desse modo, a atuação da COMARCO foi pautada pela venda ilegal de terras a grupos empresariais de fora do estado, vendas que foram efetuadas sem levar em conta os lavradores já residentes nas áreas, os quais passam a ser sistematicamente expulsos de suas terras e transformados em trabalhadores assalariados (COSTA, 1994, p. 29).

A condução do processo de colonização pela companhia acabou

beneficiando a concentração de terras. Além da falta de transparência nos

procedimentos adotados e das acusações de corrupção59, as vendas foram realizadas sem

o levantamento topográfico das áreas, desconsiderando a existência de moradores, que

eventualmente identificados pela própria Companhia poderiam gerar processos

indenizatórios. No entanto, em alguns casos a desocupação ficou a cargo dos

compradores, gerando conflitos. 59 Na DOPS/MA foram registrados casos de cheques falsos, beneficiamentos e fraudes nas vendas de terras.

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O aumento da grilagem e a atuação da COMARCO foram dois elementos da

condução do processo de ocupação das áreas livres, que paradoxalmente resultou na

desocupação por parte dos pequenos lavradores, que foram penalizados com a perda das

áreas de produção e submetidos a processos violentos de expulsão.

A atuação da Igreja Católica, no meio rural maranhense, se deu desde a

década de 1950, com a Cooperativa Banco Rural do Maranhão60, Movimento

Intermunicipal Rural Arquidiocesano (MIRA61), a Juventude Agrária Católica (JAC) e o

MEB. Com reformulação proposta pelo Concílio Vaticano II e o consequente

fortalecimento do progressismo católico e da atuação das CEB’s, a atuação dos

religiosos ganhou força no interior do estado. Segundo Wagner Cabral:

No início da década de 70, a Igreja Progressista estava suficientemente implantada no campo maranhense para desenvolver ações de solidariedade aos camponeses, ao mesmo tempo em que procurava sensibilizar as autoridades para o quadro dramático vivenciado por eles. A cúpula eclesiástica, numa atitude de denúncia, produziu o documento “Advertência dos Bispos da Província Eclesiástica do Maranhão (Carta ao Presidente do Incra)”, de agosto de 1973, em que alerta para “o clima de insegurança, medo e opressão em que se encontra o nosso homem do campo”, bem como as consequências da implantação dos grandes projetos agropecuários para os camponeses (COSTA, 1994, p. 20).

Os diversos conflitos agrários da década de 1970 e 1980 giravam em torno

de:

[...] ações fraudulentas para usurpação de terras alheias, o recrutamento ilegal de trabalhadores rurais para os serviços de desmatamento para os projetos agropecuários, as cobranças ilegais do foro e das chamadas “rendas”, as invasões das roças pelo gado, os roubos de animais, os espancamentos de trabalhados por pistoleiros em vias públicas, as operações que pressionam os pequenos produtores agrícolas à invasão de terras indígenas, as prisões arbitrárias de dirigentes sindicais e as ações de autodefesa dos trabalhadores. Abrange os métodos de adulteração de documento para forjar títulos de propriedades, as formas de expulsar os trabalhadores rurais de suas terras e as demais arbitrariedades praticadas contra os lavradores, que violam seus direitos de cidadão (ALMEIDA, 1982, p. 7).

A DOPS/MA registrou e investigou uma série de conflitos. Em alguns casos

a investigação partia de denúncia feita pelos proprietários, grileiros ou autoridades

locais de que, entre os moradores de determinada área, havia elementos subversivos. O

60 “Com a finalidade de realizar empréstimos às Cooperativas Agrícolas existentes e aos pequenos proprietários a Arquidiocese fundou a Cooperativa Banco Rural do Maranhão. [...] Os incentivos creditícios propiciados por esses estabelecimentos possibilitavam à Igreja atuar numa área de financiamento da produção que, inclusive, apresentava-se como problemática para os próprios órgãos públicos. A ação da Igreja na esfera do crédito transcorria sem qualquer subordinação ou ingerência governamental” (ALMEIDA, 1982, p. 47). 61 “Encarregado de instituir e formar equipes no interior com base nos princípios do cooperativismo foi criado pela Arquidiocese em 1952 [...] esse movimento realiava um trabalho de extensão ruralista junto aos pequenos proprietários, foreiros, meeiros e posseiros” (ALMEIDA, 1982, p. 47).

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alarme dado à polícia acelerava o envio de diligências para averiguações, que por vezes

relatavam a existência de focos de subversão ou verificavam que as acusações eram

espécies de pretexto para uma ação policial mais rápida.

Relatório sobre a MA-74 (Santa Luzia – Açailândia) – Município de Imperatriz Cumprindo determinação de Sua Exª. o General Div. OSCAR JANSEN BARROSO, Cmt da 10ª RM, desloquei-me de São Luís para Imperatriz para acompanhar o Inquérito instaurado pela DOPS/MA para apurar atividades de bandos armados atuantes na MA-74 (açailândia – Santa Luzia). Açailândia vinha, por muito tempo, sendo dada como local de alta subversão, segundo informes dados pelo Capitão PM CARLOS DANIEL BRAGA E SILVA, delegado de polícia e denúncias que vinham sendo dadas por fazendeiros da referida área. Houve informe até que os subversivos teriam declarado estarem a espera do primeiro funcionário do INCRA, que lá tentasse entrar, para matar. [...] Após a operação levada a efeito pelo Capitão DANIEL, na MA-74 e tendo em vista que os 7 (sete) presos trazidos para o DOPS/MA não nos pareceu tratar-se de subversão. Começamos assim a desconfiar que se tratasse de posseiros que inadvertidamente estivesse sendo usado pela subversão. [...] Para dirimir dúvidas eu, Dr. CARTÁGENES e Dr. JOSÉ REINALDO, Delegado do INCRA no Maranhão, entramos na MA-74 no dia 21 de julho passado constatando, de imediato, tratar-se de uma manobra dos grileiros, em combinação com a Polícia, para sustentar uma suposta subversão com a finalidade, única, de atrair as autoridades do exército contra aquela gente e assim estaria conseguido o êxodo por parte dos posseiros e a grilagem se instalaria definitivamente (DOPS/MA. Relatório, 04/07/1974, cx. 14, maço 168, sic).

Tendo ido ao local em que estaria instalado o “bando armado”, o oficial do

exército pôde concluir que o problema na região não se tratava de subversão, mas de

uma situação construída pelos grileiros e com a participação das autoridades locais

(Anexo 11). No entanto, não eram todos os agentes que conduziam as investigações

dessa mesma forma. Em alguns casos, os destacamentos enviados para averiguar as

informações e denúncias se restringiam a coletar informações nas sedes dos municípios,

contatando a polícia e políticos locais, que muitas vezes estavam envolvidos nos

esquemas de grilagem e de onde partiam as denúncias.

Em outros casos, a investigação identificava que os focos de subversão eram

encabeçados pelos clérigos católicos que, envolvidos nos conflitos pela terra, eram

acusados de disseminar ideias esquerdistas, incitar os lavradores a ocuparem as

propriedades alheias e a se rebelar contra as autoridades locais. Conforme a divisão da

província eclesiástica do Maranhão à época (Mapa 2), foram registrados casos de

subversão em quase todas as prelazias e dioceses62.

62 A diocese de Caxias e Balsas tiveram casos de subversão já analisados no segundo capítulo sobre os sermões e publicações de conscientização política.

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Mapa 2 - Divisão do Maranhão por dioceses e prelazias (CLEMENS, s/d, p.7)

Dessas dioceses foram destacados casos de acusação de subversão ligados a

problemas agrários, que serão apresentados de maneira específica nos próximos tópicos.

Abaixo segue um mapa que permite localizar os municípios onde houve ações de

padres, auxiliando na localização espacial dos conflitos.

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Mapa 3 – Municípios maranhenses em que ocorreram conflitos com envolvimento de clérigos.

3.2.1 Diocese de Coroatá: padre com características subversivos.

Segundo relatório da DOPS/MA, do dia 16/05/1978, no povoado de Lagoa,

município de Timbiras, pertencente à diocese de Coroatá, o episódio que levou à morte

de Antônio Batista da Rocha começou com a morte de uma vaca que teria invadido e

destruído a roça de seu pai, em março do mesmo ano. O proprietário do animal teve a

indenização negada pelo sindicato dos trabalhadores rurais, o que motivou a denúncia

na delegacia e a intimação de Marcos Rocha, o dono da roça, para prestar

esclarecimentos.

Durante a condução do senhor Marcos, que foi acompanhado por dois

policiais armados de fuzis e cerca de trinta moradores do povoado, houve uma confusão

em frente ao sindicato quando os policiais efetuaram disparos atingindo fatalmente

Antônio Batista e ferindo outros três lavradores.

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A morte do jovem lavrador e catequista da Igreja motivou o envolvimento

do padre Roberto Koquel de Coroatá63, que organizou uma série de protestos. Segundo

a Informação nº 001/78 de 03/04/1978, foram distribuídos folhetos “com caracteres

subversivos” (Figura 35), realizada missa com a presença do arcebispo de São Luís e

marcada uma passeata da Igreja até o local do assassinato. Ainda segundo o agente de

informação, todas essas manifestações tinham como objetivo colocar o povo contra a

polícia.

Figura 33 - Relâmpago: folheto apreendido na missa pela morte de Antonio Rocha.

Nesse período as passeatas ainda estavam proibidas e a alegação do agente

de informação poderia justificar qualquer ação proibitiva ou punitiva e que

provavelmente teriam levado à invasão da Igreja de Coroatá, paróquia sob a

responsabilidade do padre Roberto. Segundo Wagner Cabral:

Por sua atuação em defesa dos lavradores, o padre Roberto (Coroatá) foi acusado de “comunista” pelo prefeito de Timbiras. A CPT-MA denunciou a invasão da igreja de Coroatá por policiais. O Arcebispo de São Luís, D. Mota, deslocou-se para a área conflagrada, prestando solidariedade aos lavradores. (COSTA, 1994, p. 44-45).

63 À época o município de Timbiras não possuía padre fixo, sendo as missas celebradas por padres de Coroatá.

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Os protestos causaram agitação no município de Timbiras o que teria levado

o prefeito a acusar o padre de comunista (COSTA, 1994, p 44). Nas conclusões do

relatório, após o inquérito policial, a morte do lavrador foi atribuída à imprudência do

sindicato e toda a agitação posterior foi atribuída ao insuflamento da população causado

pelo padre. Segundo o periódico O Jornal, de 28 de março de 1978, a morte teria sido

responsabilidade da imperícia do delegado (substituído após o ocorrido), que ordenou

aos policiais que disparassem contra o grupo de lavradores no momento da confusão.

O apelo religioso das manifestações, através da nota de repúdio do

arcebispo (Anexo 12) e dos impressos, foi reforçado pelo fato da morte ter acontecido

no último dia do feriado religioso da páscoa e por Antônio Batista ter sido catequista da

Igreja local, portanto um leigo com papel de liderança e provavelmente responsável pela

articulação das ações pastorais de uma paróquia que não contava com padre fixo.

3.2.2 Armas e leigos na Diocese de Bacabal

Na Diocese de Bacabal, região central do Maranhão o progressismo católico

esteve presente no conflito entre lavradores e pecuaristas e teve lugar na cidade de

Esperantinópolis. A organização e conscientização dos lavradores foram atribuídas ao

padre Raimundo Jorge Melo, pelo diretor da 3ª zona de segurança do estado, que em

relatório do dia 25 de outubro de 1978 descreveu em nove pontos as atividades do padre

que considerava perigosas.

Ao fim do mesmo relatório, solicitou à DOPS/MA que enviasse um agente

ao local para investigar a situação por ele descrita no documento, do qual destaquei os

seguintes trechos:

1) O vigário da Paróquia Rev. Padre Raimundo Jorge de Melo, de comum acordo com o presidente do Sindicato Rural, sr. Raimundo David Filho, vem fazendo nos povoados do município, constantes reuniões com lavradores apregoando a invasão às terras, a reunião armada no menor espaço de tempo possível, enfrentar a Polícia, enfim, tomar posição diante de qualquer eventualidade; [...] 3) No povoado S. Roberto, a insinuação foi feita de maneira diferente. Os lavradores foram convocados para cada um fazer ACHA de lenha, e, no final da reza, foi feita a demonstração. O Pe. Raimundo Jorge de Melo mandava que os lavradores quebrassem a estaca no joelho e como é natural não havia nenhuma possibilidade, isto é, não havia força física suficiente, em seguida as pequenas estacas eram colocadas em só mote, digo, em só monte, e ateado fogo, tendo havido explicação por parte do sacerdote que ninguém era mais forte que o fogo, assim seriam os presentes se a todo instante estivessem unidos para a luta; [...]

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5) As pessoas que ouvimos são unanimes que o Pe. já escondeu naquela pacata cidade uma subversiva fugitiva da rança cerca de um ano atraz, cujo nome seria PAULETE ou PAULLETE, e somente com a intervenção do Bispo da Diocese que na época era de Grajaú a mesma fora afastada do Convento; 6) Agora surgiu outra mulher no Convento, seu nome é dado como Maria Alba Melo, procedente da Bahia, fazendo as vezes de enfermeira, percorrendo semanalmente o município, propagando a subversão com seus ensinamentos, fazendo sermões, fazendo reuniões secretas com lavradores, ensinando métodos de defesa, cânticos da terra, enfim, criando novos adeptos do comunismo internacional, que tanto mal tem causado à humanidade; [...] 8) A maior demonstração da existência de subversão no município de Esperantinópolis, foi quando das recentes reuniões nos povoados de São Roberto e São Raimundo em menos de 24 horas o vereador de nome Claudionor, convocou cerca de 80 (oitenta) lavradores todos devidamente armados para impedir uma estrada que o pecuarista Antonio Marinho desejava fazer de sua fazenda para a estrada que interliga os povoados de S. Roberto e São Raimundo, tudo do mesmo município, cujo estrada não causará nenhum dano a terceira. 9) Quem como eu, conheceu a cidade de Esperantinópolis, nos idos anos de 1959, quando o catolicismo era dirigido pelos frades franciscanos (capuchinhos) Frei Semião e Raimundo, reconhecia um povo ordeiro feliz, pois a Igreja realizava naquela época um trabalho realmente cristão, sem ódio e vingança, hoje, a religião foi transformada naquela cidade. (DOPS/MA. Relatório. 25/10/1978, cx. 19, maço 224, sic).

O problema não seria exclusivo do padre Raimundo, pois, como afirmou no

relatório era uma mudança da religião católica que atingia padres e freiras, que

precisariam voltar décadas atrás para evitar que a pregação de ódio, vingança e luta

armada fosse mecanismo de disseminação do comunismo internacional.

O diretor solicitou ainda que o agente enviado procurasse se informar

juntamente com os pecuaristas sobre a situação das invasões de terra, da organização

dos lavradores e das atividades subversivas do padre. Os referidos pecuaristas

provavelmente só reforçariam as informações, pois a elaboração do relatório partiu da

denúncia de um deles à autoridade de segurança.

Três anos mais tarde, da cidade de Lago da Pedra, pertencente a mesma

diocese, partiu um telegrama enviado pelo presidente do sindicato dos trabalhadores

rurais, Romão Martins Chaves, ao secretário de segurança, comunicando um tumulto

promovido pelos padres Heriberto Hembecki e Godofredo Bauerdick que estavam

estimulando os lavradores a invadirem uma fazenda no povoado de Alto Alegre, o que

gerou uma investigação das ações dos clérigos na região.

No relato do Promotor de Justiça da Comarca de Vitorino Freire, que se

dizia “imbuindo do espírito patriótico de que é possuidor” pedia providências à

DOPS/MA “para coibir abusos de direito e extinguir a subversão da ordem, a

semeadura de células da discórdia, do abuso no exercício de função, de determinados

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setores da Igreja Católica” (DOPS/MA. Ofício do Promotor de Justiça. 07/12/1981 cx 1,

maço 7).

O promotor se referia ao conflito de lavradores na fazenda Lago Preto

Alcobaça, na qual um grupo de lavradores liderados pelo catequista de nome Abel

Bezerra da Silva teria impedido o serviço de roça e reforço da cerca da fazenda por

meio da queima de estacas e sementes além de disparos de armas de fogo que alvejaram

três trabalhadores.

A autoridade judicial coloca a responsabilidade do fato no discurso religioso

dos clérigos, que segundo ele:

[...] já há muitos anos veem desenvolvendo uma campanha de desconscientização do povo que trabalha na lavoura nestes municípios, acenando-lhes com coisas que lhes não poderão dar-lhes, tal seja, a distribuição de terra dos agropecuaristas nestas cidades sediados, causando aos incautos lavradores uma revolta permanente, ódio e desagregação e, aos pecuaristas, sobresalto e uma situação de insegurança quanto ao futuro de seus pertences, sendo consequência da insana maneira de agir dos religiosos para que se faça uma acurada ideia do que é perniciosa, inquietante, desagregadora, a situação hora vivida, tais religiosos manipulam secretamente com alguns líderes dos povoados da região, a quem chamam de CATEQUISTAS, atribuindo-lhes cargos relevantes, dando-lhes liberdade de ação nos povoados, dizendo-lhes que só estão sujeitos aos atendimentos de suas autoridades [...] sempre arrebanhando novos adeptos à causa da Igreja (DOPS/MA. Ofício do Promotor de Justiça. 07/12/1981 cx 1, maço 7, sic).

Sobre Frei Godofredo ainda pesou as acusações de “possuir uma estação de

rádio comunicação na Igreja local, ou na sua residência, e outra na sede da Congregação

Religiosa a que pertence”, assim como guardar armamento “no subterrâneo do prédio da

mesma congregação”. (DOPS/MA. Informe nº 06/80. 11/02/1980. cx. 72, maço 6). Por

conta da classificação do documento (E3), é provável que a DOPS/MA não tenha dado

prosseguimento às investigações, mesmo sendo acusações graves.

Em ambos os conflitos relatados acima se destaca a presença e atividade dos

catequistas como articuladores das atividades pastorais. Após o Vaticano II, os leigos

assumiram um papel importante nas comunidades onde não havia padre ou sua presença

era esporádica.

Mas os leigos são chamados de modo especial a tornar presente e operante a Igreja naqueles lugares e circunstâncias, onde ela só por meio deles pode vira ser sal da terra. Assim todo o leigo, por virtude dos dons que recebeu, é testemunha e ao mesmo tempo instrumento vivo da missão da própria Igreja “segundo a medida do dom de Cristo”. [...] Os leigos podem ser chamados de diversos modos a uma colaboração mais imediata com o apostolado da hierarquia à semelhança daqueles homens e mulheres que ajudavam o apostolo Paulo na evangelização, trabalhando muito no Senhor (Lumen Gentium In Documentos do Concílio Ecumênico Vaticano II, 1964 [1997], p. 151).

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Os leigos não eram unicamente auxiliares dos padres por ocasião de missas.

Constituíram-se como verdadeiras lideranças religiosas, desenvolvendo trabalho de

evangelização, que também consistiam em conscientização das comunidades sobre os

problemas vividos e as formas de mudá-los de acordo com as diretrizes do novo jeito de

ser igreja. Nas conferências episcopais de Medellín e Puebla o papel religioso do leigo

é reafirmado como peça fundamental da Igreja e sua presença inclusive nas áreas mais

afastadas das paróquias compensava, em certa medida, a ausência dos padres.

3.2.3 Diocese de Carolina e o Bico do Papagaio.

A Diocese de Carolina abrangia64 uma grande área na fronteira com os

estados de Goiás e Pará. Nela estava inserida a região conhecida como Bico do

Papagaio65, que na segunda metade do século XX ficou conhecida pela concentração de

conflitos agrários marcados pela extrema violência e pelos maiores índices de morte no

Brasil (Mapa 4).

Para essa região convergiu uma série de projetos voltados para o aumento

das possibilidades de investimento e crescimento econômico da região amazônica como

a Rodovia Transamazônica, a Rodovia Belém-Brasília e a Estrada de Ferro Carajás, que

contribuíram para o aumento da especulação fundiária e para os problemas de grilagem,

conforme explicado no início do capítulo.

64 A diocese de Carolina foi dividida em 1987, dando origem à Diocese de Imperatriz. 65 Referência ao formato geográfico da região.

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Mapa 4 – Concentração de vítimas fatais de conflitos agrários (1985-1996). (OLIVEIRA, 2001, p. 193)

A região era muito extensa e pouco povoada pelos moradores que migraram

em direção à Amazônia devido à abertura de estradas e fuga da seca no nordeste. A

ocupação pelos grandes projetos de desenvolvimento e pelo latifúndio ocorreu a partir

da década de 1960, quando em algumas áreas já estavam estabelecidos os antigos

moradores. Segundo Victor Asselin, a grilagem acompanhou todo esse movimento

migratório:

[...] [a] história de Imperatriz se caracterizou por um impulso mais acentuado da “interiorização”, tanto na parte Oeste, em direção à Marabá, quanto para o lado de Açailândia-Santa Luzia. A diferença que se estabelece é que, na direção oeste foram os anos de conflito com grileiros poderosos, pois a área já tinha sido aberta pelos moradores locais, enquanto que na direção de Santa Luzia eram terras novas prosseguindo as aberturas de roças por lavradores. “Atrás da pobreza seguindo o rumo, vêm os grileiros”, como diz o morador da área (ASSELIN, 2009, p.36).

O conflito entre esses três tipos de ocupação não era desconhecido dos

órgãos de segurança na região. Em 18 de dezembro de 1976 o delegado da 7ª zona de

segurança do estado enviou à DOPS/MA um relatório comunicando o conflito entre

posseiros e latifundiários no povoado de São Pedro da Água Branca pertencente ao

município de Imperatriz. O latifundiário Jackson Martins, ao tentar cercar propriedade

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por ele adquirida, entrou em choque com os lavradores da área, que informaram habitar

lá desde 1971.

Novamente observa-se que as demarcações e vendas não levaram em

consideração a possibilidade de haver moradores, que eram forçados a deixar suas casas

e roças. Os que se recusavam eram ameaçados, sofriam atentados, tinham roças e casas

queimadas. Em alguns casos proprietários se utilizaram da força policial para expulsar

os moradores que resistiam, como ocorreu no exemplo acima citado.

A resistência dos lavradores era sustentada tanto pelo sindicato dos

trabalhadores rurais quanto pelos padres.

Os movimentos contrários, a não deixarem os supostos proprietários cercarem suas áreas [...] recebiam apoio do padre da Vila Rondon, José Fontenele, de origem italiana e do Sindicato Rural, que tem como presidente o Sr. Gerson, residente no lugar Curvelandia, próximo a São Pedro, sendo que, atualmente a assistência eclesiástica, vem sendo dada pelo Frei Rogério, da paróquia de Coquelandia deste município (DOPS/MA. Relatório. 18/12/1976, cx. 36, maço 388, grifo meu, sic).

A linguagem do relatório é sintomática das diferentes formas de interpretar

os conflitos agrários. A expressão supostos proprietários demonstrou possível ciência

do problema da grilagem ou das formas ilegais de obtenção de terras. Por sua vez, a

expressão assistência eclesiástica é bem diferente de agitadores, subversivos,

esquerditas entre outras já citadas como formas que os agentes dos órgãos de

informação e segurança se utilizavam para caracterizar o clero progressista, como é

possível observar no Ofício nº 189 de 01/08/1969 sobre as investigações nos municípios

de Imperatriz, Carolina e Montes Altos e nos povoados de Açailândia, Itinga,

Coquelândia, Cocalinho e Santa Maria (Anexo 13).

O Diretor da DOPS/MA constatou a existência de elementos “anti-

revolucionários” que inflavam os lavradores contra os donos da terra e que:

[...] naquela REGIÃO existem raízes profundas de subversão da ordem, implantada ainda quando o Município de Imperatriz foi palco de grandes concentrações de agitadores no tempo, pelos conhecidos comunistas, PADRE LAGES, NEIVA MOREIRA, SÁLVIO DINO, JOÃO MENESES e tantos outros, punidos pela revolução (DOPS/MA. Ofício nº 189/69. 01/08/1969, cx. 33, maço 369, grifo meu).

Entre 1969, data do ofício acima citado, e 1976 a situação de conflitos

relativos aos problemas agrários permanecia sem mudanças para justificar as

interpretações diferenciadas. Neste período, a Guerrilha do Araguaia teve como

consequência um processo de militarização da área rural na tentativa de neutralizar os

focos de subversão e isso teria acirrado as tensões na medida em que os posseiros e seus

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apoiadores eram vistos como subversivos, situação também descrita no relatório de

1976, conforme segue abaixo.

Baseado no que tivemos a oportunidade de verificar “in loco”, o que acontece em São Pedro, é o mesmo que já vem acontecendo a muito tempo na região denominada Pindaré, no município de Santa Luzia e em outras Regiões do Tocantins, onde existe uma verdadeira guerra entre pequenos posseiros e supostos proprietários, os quais se utilizam de todos os meios, para dizerem-se donos da razão, invocando para isso a Lei de Segurança Nacional, principalmente os supostos proprietários que sempre em suas reclamações invocam referida Lei, para taxarem os posseiros de subversivos (DOPS/MA. Relatório. 18/12/1976, cx 36, maço 388).

A região abrangida pela Diocese de Carolina preocupava os militares,

temerosos de que situações como a da guerrilha voltassem a acontecer66, por conta da

dispersão dos guerrilheiros, da grande concentração de trabalhadores rurais insatisfeitos

e do trabalho de conscientização realizado pelos padres nas áreas rurais.

Muitos temiam que essa região empobrecida explodisse em uma revolução, como acontecera em Cuba em 1958. No final dos anos 50 e no começo dos 60, o Nordeste era também o coração do catolicismo progressista. (SERBIN, 2001, p. 147).

A fala dos diversos agentes de informação e autoridades ligadas aos órgãos

de segurança reproduz a preocupação em relação à junção de uma massa propícia a ser

influenciada com o clero progressista, conhecido pelos discursos de conscientização e

de resistência. Sobre esses últimos vai recair a responsabilidade por acirrar ainda mais

as tensões em áreas já caracterizadas por intenso conflito e pela violência das tentativas

de resolvê-lo, como a região da Diocese de Carolina e Viana, a ser tratada

posteriormente.

3.2.4 Diocese de Grajaú: o “quebra quebra da Faisa”.

No dia 6 de agosto de 1983, a Fazenda Agroindustrial Nossa Senhora de

Fátima67 (Faisa) foi tomada por um grupo de lavradores insatisfeitos com a construção

de um portão na entrada da fazenda, que proibia a entrada “de veículos desconhecidos e

caminhões com mudanças de colonos com pretensões de fixar residência na

66 A GETAT, Grupo Executivo das Terras do Araguaia e Tocantins, foi criada em 1980 devido a preocupação dos órgãos federais com o crescimento dos conflitos agrários no norte de Goiás, sul do Pará e oeste do Maranhão. “O GETAT representou a militarização da questão agrária no país, pois ele estava diretamente vinculado ao Conselho de Segurança Nacional e à Presidência da República” (COSTA, 1994, p. 43). 67 A fazenda era localizada na fronteira dos municípios de Arame, Buriticupu e Santa Luzia, razão pela qual aparece por diversas vezes nos documentos como pertencente a esses municípios.

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propriedade” (DOPS/MA. Informe nº049/83.16/08/1983. cx. 10, maço 138). Ainda no

informe, a invasão resultou na destruição de parte da fazenda.

[...] a FAISA é uma fazenda situada na área de colonização de Buriticupu. A COTERMA68 tinha vendido 24 mil ha à FAISA. Os limites foram traçados de avião e nos documentos não constava haver moradores, quando na região havia umas 1500 famílias, transação ilegal dos dois lados: como área de colonização não poderia ser vendida pela COTERMA; estando ocupada não podia ser comprada pela FAISA (CLEMENS, s/d, p. 46).

Segundo o agente de informação destacado para averiguações, foi

constatado que o movimento que culminou na invasão da fazenda teve como líderes os

padres italianos Luís Pirotta, Claudio Zanonni e Jan Zufellato, ambos da paróquia de

Arame, que “insuflaram os lavradores para invadirem as fazendas e suas instalações”

(DOPS/MA. Informe 066/83. 22/09/1983. cx.8, maço 96).

A instalação da referida fazenda trouxe, além da destruição de estradas que

ligavam os povoados, o cercamento de áreas utilizadas para produção e subsistência dos

lavradores que estavam sendo pressionados a deixarem suas casas e roças e migrarem

para a beira da estrada, conforme relatório de denúncia elaborado pelos padres

envolvidos no conflito (Anexo 14).

A ação dos padres italianos foi peça fundamental para a construção das

comunidades eclesiais de base na região (NERIS, 2014, p. 209). A participação dos

lavradores nas CEB’s fortaleceu o movimento de resistência às injustiças sociais nas

quais estavam inseridos, pois esse movimento se constituía na:

A importância política e social das CEBS está na sua capacidade de despertar nas pessoas a consciência critica da condição de opressão e estimular o respeito próprio, a esperança e, em consequência, uma efetiva ação pela mudança. O papel conscientizador das CEBs contribuiu para significativo fortalecimento dos movimentos populares de base. Elas desempenharam duas importantes funções no movimento social global; estimular efetiva organização e inspirar profundo compromisso com a participação democrática interna, valorizando cada ser humano e ativando o seu potencial como agente da mudança histórica. Desse modo as comunidades de base são verdadeiras escolas de semeadura da participação democrática. A experiência de liderança coletiva e democrática nelas adquiridas é transmitida a movimentos sociais mais amplos pela atividade dos próprios membros das CEBs. (ALVES, 2005, p. 285-286).

Durante o regime militar, as CEB’s funcionaram como espaço de

politização, que por sua organização e sentido religioso não sofreram, no Maranhão,

investigações como outros grupos que tinham como pauta a discussão de questões

políticas e como agenda a resolução de problemas sociais. O “quebra quebra” da Faisa,

68 Companhia de terra do Maranhão (COTERMA), segundo Wagner Cabral (1994) “deveria tomar medidas visando a extinção completa dos processos de grilagem das terras de domínio do Estado, ou seja, providenciar a regularização e demarcação definitiva das áreas ocupadas pelo grande capital” (p.30).

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como ficou conhecido este episódio, foi considerado por Carolina Clemens como um

exemplo de organização e luta das CEB’s.

O plano do quebra quebra foi traçado com o acordo de todos. Era necessário dar fim a todas as máquinas da fazenda como forte protesto contra a invasão desumana e prepotente. [...] A turma foi à capela onde rezou mais de hora, lendo a bíblia e adquirindo força. [...] No momento da ação, dois gerentes e um pistoleiro foram detidos pela turma. Enquanto uns davam fim às maquinas houve aula de catequese para os três. As CEBs explicaram tim-tim por tim-tim como se deu a criação do mundo e qual o plano de Deus para as terras (CLEMENS, s/d, p. 48).

Após o “quebra quebra” os lavradores permaneceram na fazenda por cerca

de cinco dias, quando segundo o agente de informação, não foi visto nenhum dos

padres, que teriam fugido do local, ratificando a ideia desenvolvida pelos militares de

que os clérigos apenas incitavam os lavradores e os lançavam contra as autoridades e

proprietários, conforme visto nos casos já analisados.

Figura 34 – Frente da cartilha Quebra Quebra da Faisa.

Figura 35 - Verso da cartilha Quebra Quebra da Faisa.

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Para explicar o conflito, foi elaborada uma cartilha (Figura 36 e 37) com

versos contando a história da problemática e da violência com a qual o administrador da

fazenda, o senhor Ary, tratava os moradores, reforçando a ideia de união dos lavradores.

A cartilha foi apreendida em outra diligência realizada ao local do conflito, posterior ao

acontecido, e, além de narrar a história da mobilização vitoriosa, mostrou como a

organização do povo trazia benefícios como mostrado nas figuras acima. No fim, a

autora da cartilha deixa um recado em verso.

Se o lugar fosse ruim / ninguém nem ia ligar, Também ninguém tinha ido / sua cancela quebrar, Mas se você ainda botar / a nação torna a quebrar. Por isso lhe peço Ary / e lhe dou opinião, Não fecha a nossa estrada / sei que tem educação, Pois se a nação voltar / lá não fica nada não. (Cartilha Quebra Quebra da Faisa)

3.2.5 O Bispo Pacificador da Diocese de Viana.

O período entre os anos de 1975 a 1981 foi singular na história do

catolicismo maranhense. A nomeação de Adalberto Abílio Paulo e Silva para bispo de

Viana e suas medidas administrativas contrastaram com o trabalho pastoral que era

desenvolvido pelos clérigos na diocese, durante o episcopado de Dom Hélio Campos. A

expulsão de padres e freiras, a participação em interrogatórios policiais, a suspensão e

excomunhão de padres, a desarticulação das comunidades eclesiais de base e outras

posturas foram registradas em uma série de escritos sobre o caso como opostas ao

Concílio Vaticano II.

A diocese de Viana foi fundada no contexto do Concílio Vaticano II, através

da bula De Christi Fidelium, no dia 30 de outubro de 1962, pelo papa João XXIII e se

destacou desde o início como promotora da justiça social.

Desmembrado do território da Arquidiocese de São Luís, de que ficaria como sufragânea, o BISPADO DE VIANA abrange doze municípios da chamada Baixada Maranhense, numa extensão de 32.764 km², com uma população de 313.692 habitantes e com sua sede na antiga missão jesuíta de Maracu, erigida em vila, com o nome de Viana, a 8/9/1757. (MEIRELES, 1977, p. 349)

Dom Hamleto de Angelis, sagrado primeiro bispo da diocese em 1963, ficou

no cargo até 1967, tendo empreendido algumas reformas de infraestrutura no município

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sede, através de financiamentos nacionais e internacionais69. Dom Hamleto foi sucedido

por Dom Hélio Campos, vindo de Fortaleza, que consolidou as ações diocesanas

voltadas para as questões sociais. D. Hélio em suas primeiras visitas pastorais constatou

dois sérios problemas na diocese: a falta de estradas e as disputas agrárias geradas pelo

intenso processo de grilagem de terra na região, principalmente no município de Santa

Luzia70.

Figura 36 – Ficha de Dom Hélio Campos (Frente).

Figura 37 – Ficha de Dom Hélio Campos (Verso).

69 “Uma história a ser conhecida” – Mons. Eider Furtado da Silva, 1983. Caderno contendo cartas e documentos escritos e transcritos por mons. Eider relatando sua visão dos fatos sobre os bispos da diocese de Viana. 70 “O Evangelho segundo Viana”, s/d. Elaborado por vários autores, constitui-se de um relato sobre o bispado de Dom Hélio Campos e Dom Adalberto Silva, a partir da perspectiva de clérigos e leigos que foram expulsos da diocese depois de 1975.

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Nos primeiros anos de administração, D. Hélio se dedicou a montar uma

equipe de padres para trabalhar na diocese. É nesse momento que padre Eider Furtado,

um dos personagens de maior destaque na história da diocese, assumiu a coordenação

da pastoral rural e juntamente com o bispo tentaram amenizar e solucionar conflitos

entre posseiros e grileiros, a partir de uma série de denúncias, que levaram ambos a

serem fichados pelos órgãos de informação.

O município de Santa Luzia vem sendo palco de conflitos agrários desde a

década de 1960, que se intensificaram após a criação COMARCO. A crescente

violência nos processos de expulsão foi um dos fatores que levou a Igreja a entrar em

cena na defesa do trabalhador rural e de suas propriedades. Alguns padres que

compunham a diocese de Viana, durante os bispados de D. Hélio e Dom Adalberto,

foram fichados pela DOPS como agitadores populares, devido os seus sermões com

críticas às políticas do governo, às publicações consideradas subversivas e o trabalho

junto aos lavradores.

O pároco de Santa Luzia, padre Mario Aldighieri (proveniente da diocese de

Cremona, Itália), desenvolveu um intenso trabalho de apoio e conscientização dos

lavradores nessa região. Segundo dados contidos nos arquivos da DOPS/MA, a

Informação nº 01/74, do dia 18 de julho de 1974, intitulada “Silvano Rossi, Mario

Aldighieri” apresentava os seguintes dados:

Em atendimento à determinações legais, informamos a V. Sa. que chegou ao nosso conhecimento que em o município de Santa Luzia - MA, os padres Silvano Rossi, Mario Aldighieri, Afonso e outros, estão realizando intenso movimento subversivo no meio rural e procurando inclusive algumas vezes, influenciar no seio estudantil daquela localidade. A guisa de melhores detalhes, informamos que tais atividades se desenvolvem com maior repercussão na zona rural onde procuram agitar os trabalhadores por intermédio dos lideres sindicalistas. Os métodos utilizados, consistem: Em reuniões com os trabalhadores, distribuição de panfletos e pregações ideológicas vale ressaltar que ultimamente os agitadores procuram desacreditar juntos aos trabalhadores as autoridades, desprestigiando inclusive a empresa governamental de Colonização da Área, denominada COMARCO. Finalmente, cientificamos que o movimento em tela recebe a orientação do Bispo de Viana, D. Hélio Campos, o qual constantemente visita a área afetada (DOPS/MA. Informação nº 01/74. 18/07/1974. cx. 036, maço 388).

Dom Hélio Campos morreu em 1975, deixando uma diocese organizada em

torno do trabalho pastoral das CEB’s e com clérigos engajados nas lutas sociais. Para

substituí-lo, foi escolhido o frade Adalberto Abílio Paulo e Silva (OFM), diretor de

estudos do Seminário em Fortaleza (CE), de onde trouxe como padrinho de sua

sagração o comandante da 10ª Região Militar, o general Florismar Campelo. Também

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participaram da cerimônia o então governador Nunes Freire, o Núncio Apostólico

Carmine Rocco, o Arcebispo de São Luís, D. Motta, o presidente da CNBB, Dom

Aloísio Lorscheider, além dos bispos das demais dioceses do estado.

Para lá se deslocou grande contingente de moradores dos municípios

circunscritos pela diocese, que aproveitaram a reunião de autoridades para levarem

cartazes que diziam: “mesmo sem estradas, aqui estamos para saudar o nosso bispo”.

Ao término da cerimônia, o general Campelo dirigiu-se aos presentes e disse: “Qualquer

coisa procurem o bispo”, se referindo aos panfletos pregados nas portas das igrejas nos

municípios de Matinhas e Santa Luzia, que denunciavam a subversão de agentes

pastorais em todo o Brasil71. Posteriormente D. Adalberto foi nomeado como O

Pacificador (Figura 40), autoridade escolhida para “controlar o clero ativista”

(SERBIN, 2001).

Figura 38 – Dom Adalberto recebe a medalha de O Pacificador do General Campelo.

(Revista Recife, 20/11/1979)

Logo no mês de setembro de 1975, os primeiros conflitos internos começam

a aparecer. No povoado de Brejo dos Caboclos, área da COMARCO, no município de

Santa Luzia, dois lavradores foram presos e levados a DOPS sob a acusação de estarem

distribuindo material subversivo. Ao saber do fato, o pároco de Santa Luzia, padre

Mario Aldighieri, se dirigiu à Viana para falar com o Bispo, que lhe disse estar ciente

do assunto e lhe apresentou como justificativa para a prisão o boletim pastoral O 71 “O Evangelho segundo Viana”, s/d.

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Caminho da Libertação, já citado anteriormente. O padre foi levado à DOPS/MA para

prestar esclarecimentos, onde teria sido ameaçado de ser expulso do país, já que sua

condição de estrangeiro o colocava em uma situação delicada frente à Lei de Segurança

Nacional.

Padre Mario Aldighieri, e junto a ele o leigo Maurizio Gamba (Figura 41),

acabaram sendo expulsos da diocese em 1976, devido à publicação do documento

intitulado Violência policial contra pequenos posseiros – Santa Luzia/MA72, no qual as

equipes pastorais denunciaram um histórico de violência envolvendo o sargento Luís

Monteiro73 nos processo de expulsão de moradores das áreas da COMARCO. O

documento, que tornava públicas as ações violentas da polícia contra os lavradores, foi

levado ao conhecimento do bispo D. Adalberto, da CNBB e da Comissão Brasileira de

Justiça e Paz.

Figura 39 – Carta do Bispo solicitando a saída do leigo Maurizio Gamba em 22/04/1976.

72 Publicado na Revista da Sedoc nº 08, (1975, p. 204). 73 Conhecido pelo apelido de “Furrupa”, o sargento atuou como delegado de diversos municípios. Sua atuação nos conflitos agrários é relatada em diversos jornais em que se destacam a violência com a qual agia na expulsão dos lavradores.

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O bispo justificou a expulsão afirmando que o ambiente da diocese não era

propício para a realização de suas atividades devido às suas convicções e deu um prazo

de alguns meses para que ambos encontrassem outra diocese. Antes de sua saída, o

padre escreveu uma carta de despedida aos fiéis de Santa Luzia (Anexo 15) e nela fez

várias acusações ao bispo, criticando a tentativa de desarticulação das pastorais74

desenvolvidas por D. Hélio. A publicação dessa carta fez com que D. Adalberto

revogasse o prazo, solicitando que o padre se retirasse da diocese imediatamente

(Anexo 16). Nessa carta disse:

[...] levantar calunia em meio ao nosso Povo bom e simples – vingar-se do Bispo, lançando esse mesmo Povo contra ele. [...] Por isso, peço-lhes, em nome da coerência e em nome da dignidade de homens que agem em consequência de seus atos e de suas atitudes tomadas com o devido amadurecimento: DEIXEM IMEDIATAMENTE A PARÓQUIA DE SANTA LUZIA E A DIOCESE DE VIANA! (DOPS/MA. caixa 73; dossiê 10).

Essa decisão teve repercussão internacional já que ambos eram padres Fidei

Donum, ligados à diocese de Cremona, na Itália, a qual tinha convênios financeiros com

a diocese de Viana. Após comunicado sobre a expulsão, o bispo italiano, Giuseppe

Amari, pediu para D. Adalberto reconsiderar a decisão ao que foi atendido

positivamente, dizendo que se colocava a disposição para conversar com os religiosos a

fim de resolverem os problemas, mesmo não sendo de índole retroceder sobre decisões

tomadas75. A conversa com o bispo não inverteu a situação, padre Mario foi afastado da

diocese para a prelazia de Cândido Mendes, voltando em Viana apenas em datas

especiais.

Outro personagem envolvido em problemas na diocese foi Mons. Eider

Furtado. As primeiras referências ao seu nome na documentação da DOPS/MA são de

1971, quando escreveu um relatório para o deputado José Brandão falando sobre

tensões existentes entre proprietário de terras e posseiros na localidade denominada São

João (Figuras 42 e 43). Seu nome passou a ser mais recorrente nos documentos policiais

a partir de 1980, período que corresponde ao momento de maiores choques entre ele e o

bispo.

74 As ameaças de expulsão e pressões diversas por parte do bispo motivaram a saída de 14 padres e 33 freiras da diocese. Um leigo foi expulso (Maurizio Gamba) e outros dois proibidos de exercer qualquer função pastoral. Por conta da saída de clérigos e leigos as pastorais foram reformuladas e as comunidades eclesiais de base foram desarticuladas, perdendo sua força organizacional junto aos lavradores. 75 Carta ao Bispo de Cremona, 3 de junho de 1976, cx. 73, maço 10.

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Figura 40 – Ficha de Mons. Eider Furtado (Frente)

Figura 41 – Ficha de Mons. Eider Furtado (Verso).

O objetivo do bispo na diocese era “limpá-la”76 da ação pastoral subversiva

desenvolvida pelos padres progressistas com o argumento de que não suportava mais as

campanhas difamatórias promovidas por esses, e acusava mons. Eider de ser o líder

desse movimento. Entre as publicações feitas por mons. Eider estão as cartilhas O

Pacificador da Baixada e Dom Cruzeiros S/A, que correspondem a denúncias graves

contra o bispo. Ambos foram escritos pelo poeta popular J. Cantídio Júnior sob a

responsabilidade de mons. Eider Furtado77.

A publicação das cartilhas acirrou as perseguições políticas que se iniciaram

no ano anterior, quando o bispo enviou, no dia 03 de fevereiro de 1979, um extenso

relatório à DOPS/MA (Anexo 17) comunicando que havia sido insultado por um “grupo

76 Entrevista concedida à Revista Veja, 02/12/1981. 77 Muito embora o poeta fosse o autor das estrofes que compunham ambas as publicações, Mons. Eider assumia a responsabilidade por mandar reproduzi-las e por ratificá-las como parte de suas críticas.

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dissidente e rebelde” cujo objetivo de “perseguição ao bispo e de continuidade de uma

ideologia (Teologia da Libertação) de sabor evidentemente marxista” (DOPS/MA.

Relatório. cx. 073; dossiê, 010). Neste relatório, além das acusações aos padres, D.

Adalberto redigiu uma lista delatando o endereço de todos os seus “perseguidores

marxistas”.

Na capa da cartilha O Pacificador da Baixada (Figura 44), o bispo é

representado por um lobo faminto, com a boca cheia de água, garras grandes e vestido

em uma pele de ovelha. O lobo/bispo encontra-se pisando em um cajado e com uma

placa certificando que era legitimado pela Nunciatura, e afirmava: “O negócio é se

vestir de ovelha”. O conteúdo, em forma de versos, traz uma série de denúncias contra

D. Adalberto, acusado de torturador, invasor, espião, fiel à ditadura, entre outros.

Figura 42 – Capa da cartilha O Pacificador da Baixada.

No dia 25 de maio de 1980, D. Adalberto enviou ao governador do

Maranhão, João Castelo, um radiograma comunicando que a denúncia e as

investigações que estavam ocorrendo em Viana contra Mons. Eider eram decorrentes

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dessa publicação, considerada difamatória e cujas acusações não condiziam com a

atitude de um clérigo. Segundo o bispo, a atitude do padre o colocava na situação de um

cidadão comum, passível de ser investigado pela polícia. Em outras palavras, Dom

Adalberto justificava à João Castelo a prisão do padre, ocorrida dois dias antes, em

decorrência da publicação da cartilha acima.

Figura 43 – Padre Eider (ao fundo), preso por desacato em 23/05/1980. (SILVA, 2013)

Na capa da cartilha Dom Cruzeiros S/A (Figura 45), o bispo aparece pisando

em um homem amarrado e descalço, representando o povo. Em uma das mãos segura o

cajado e em outra segura um porrete com um prego na ponta. Sua batina continha

diversas insígnias militares, sua medalha de Pacificador e um bolso cheio de dinheiro.

Mons. Eider aumentou a relação das denúncias contra o bispo, detalhando desta vez o

empreendedorismo com o capital da diocese, por isso a menção de uma empresa (Dom

Cruzeiros Sociedade Anônima).

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Figura 44 – Capa da cartilha D. Cruzeiros S/A.

É preciso diferenciar o conteúdo das cartilhas e o resultado da publicação de

ambas. Em O Pacificado da Baixada, Eider assumiu a responsabilidade de uma série de

acusações de caráter político resultando em sua prisão. Em Dom Cruzeiros S/A as

acusações referem-se a transgressões de caráter religioso o que teria levado o bispo a

suspender as funções religiosas do padre (Anexo 18), o que não foi obedecido por

Eider.

Ainda assim Mons. Eider continuou a exercer algumas funções pastorais

como a que desenvolvia junto a Comissão Pastoral da Terra (CPT). Aparentemente, o

padre não reconhecia autoridade no bispo para impedi-lo de suas atividades, no entanto,

afastado da Igreja passou a não receber as remunerações enquanto clérigo, o que

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dificultou o seu sustento e o levou a entrar com um processo trabalhista contra a

diocese, na pessoa do bispo.

Ao solicitar 24 meses de salário retido e duas férias vencidas, mons. Eider

infringiu o código canônico que proibia que um clérigo entrasse com uma ação cível

contra seu superior, razão pela qual foi excomungado pelo bispo (Anexo 19). Logo após

a audiência, no dia 03 de maio de 1982, Dom Adalberto se dirigiu a imprensa e

apresentou o documento de excomunhão, a sucessão de fatos leva a crer que o

documento já estava pronto e que a suspensão da excomunhão dependia da retratação

por parte do padre.

Em suas memórias Monsenhor Eider tentou reescrever a história ou

inscrever nela elementos por seu ponto de vista, fornecendo mais detalhes para

compreensão das tensões na relação entre ele e o bispo. O padre destacou que junto com

a excomunhão veio o exílio em sua própria casa, período em que um bom número de

fiéis passou a não mais procurá-lo e em que muitos seminaristas foram proibidos de

falar com ele, aumentando ainda mais o seu isolamento.

Porém, após a excomunhão, o bispo tentou acordos como a proposta que o

padre fosse trabalhar com Dom Hélder Câmara em Recife, ou em João Pessoa com

Dom José Maria Pires, ambas negadas. Como Mons. Eider não saiu da diocese propôs

que assumisse alguma diocese, mas sem seguir o trabalho pastoral de seu antecessor,

essa proposta também foi negada. Alguns anos depois Eider recebeu um comunicado do

bispo, de que havia sido suspensa a excomunhão.

Esse episódio demonstra a complexa situação que o clero progressista se

encontrava no Maranhão. Mesmo respaldados pelo Concílio Vaticano II, alguns clérigos

colocaram a si próprios e as comunidades das quais eram líderes em situações críticas.

Com o crescimento da violência no campo, a organização dos trabalhadores rurais e a

luta pelos direitos fundamentais eram extremamente perigosas (figura 47). Ciente desse

perigo crescente, a cúpula da Igreja viu na substituição do bispado de Viana a

possibilidade de diminuir o risco por meio da desarticulação dessa “pastoral de

enfrentamento” na tentativa de evitar ainda mais violência que invariavelmente

penalizada o lavrador.

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Figura 45 - Mortos em conflito no campo – 1964-2000 (OLIVEIRA, 2001, p. 191).

A escolha de D. Adalberto para bispo de Viana funcionou na desarticulação

das pastorais, mas acabou por evidenciar uma série de contradições da instituição por

conta de um exercício de poder que desestabilizou ainda mais a Igreja na diocese. Dom

Adalberto não só reformulou as práticas pastorais como também se utilizou de um

modus operandi semelhante aos dos órgãos de informação e segurança, algo combatido

pela Igreja.

Além de taxar os padres subordinados a ele de subversivos e delatá-los à

DOPS/MA, D. Adalberto, por ocasião da CPI da Terra em 198078 propôs que os

conflitos de terra na região fossem resolvidos com base no AI-5. Embora o bispo tenha

explicado que a proposta tinha como base a busca de uma solução enérgica para um

problema crítico, que prejudicava principalmente os pequenos produtores, sua

proposição foi recebida com estranheza, até pelo relator da própria CPI. Não ficou claro,

na fala do clérigo, como a medida seria implementada e como iria combater a grilagem,

na medida em que poderia funcionar como mais um instrumento repressivo nas mãos

dos proprietários na expulsão dos lavradores, isso quando o AI-5 já havia sido revogado

pelos militares.

78 A CPI instaurada tinha por finalidade investigar as atividades ligadas ao sistema fundiário em todo o território nacional e, em especial, quanto aos casos de compra e venda de terra por particulares, grilagem, ações demarcatórios e procedimentos exigidos pelos notários públicos para o registro de títulos de posse, escrituras públicas e particulares e outros documentos pertinente, nas respectivas jurisdições legais. (PRANDINI, 1987, p.141).

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O caso de Viana, envolvendo Dom Adalberto e Monsenhor Eider nos leva a

refletir sobre a interface entre religião e política mediada pela disputa de poder entre

dois modelos clericais distintos. O bispo considerado conservador agiu no sentido de

desarticular as bases do modelo ao qual se opôs e se utilizou de mecanismos políticos

para mediar o conflito religioso.

Em um primeiro momento Dom Adalberto expulsou da diocese uma série

de clérigos e leigos sob a justificativa dessa incompatibilidade de pastorais. Não tendo

conseguido desarticular a ação progressista, que se manteve por meio de religiosos que

permaneceram na diocese, o Bispo passou a agir de forma política denunciando os

mesmos não mais a partir de um julgamento religioso, mas acusando-os diretamente de

subversivos.

A reação de Mons. Eider, com as publicações das cartilhas, acirrou ainda

mais as tensões e mostrou como o bispo conduzia as disputas de poder tanto pelo lado

religioso (afastamento e excomunhão) quanto pelo lado político (denúncias à polícia,

comunicados ao governador e prisões) e que a distinção entre essas duas esferas era

tênue tanto na ótica da ação dos padres progressistas quanto na ótica da ação de um

bispo conservador.

3.2.6 Dom Guido e Antonio Di Foggia na Prelazia de Cândido Mendes.

A prelazia de Cândido Mendes79, localizada no noroeste do Maranhão,

fronteira com as dioceses de Viana e Carolina e com o estado do Pará. Em um resumo

de acontecimentos de vários municípios do Maranhão, enviado à DOPS/MA no dia 06

de maio de 1980, um agente de informação registrou para o município de Turiaçu80, as

seguintes informações:

O padre ANTONIO DI FOGGIA, apoiado inclusive financeiramente pelo prefeito, como também pelo atual Juiz de Direito e Promotora de Justiça, promove a luta em favor dos trabalhadores rurais contra possíveis donos de Terras. Padre ANTONIO promove encontros pastorais, combate o regime e o governo usando, inclusive panfletos, que distribui abertamente ao povo. Consta, segundo insistentes informes, até mesmo por pessoas idoneas, de que existe arregimentação de armas, que, segundo nos parece, ainda não foi constatado por agentes de Segurança. O certo é que o movimento de resistencia nos parece muito bem organizado (DOPS/MA, Informação 073/80, cx. 5, maço 65, sic).

79 Hoje Diocese de Zé Doca. 80 O município de Turiaçu fazia parte da Diocese de Cândido Mendes, mas hoje faz parte da Diocese de Pinheiro.

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Em outros documentos da DOPS/MA, do ano de 1982 e 1983, o nome do

padre Antonio di Foggia aparece associado ao do bispo prelado, Dom Guido Maria

Casullo, ambos sendo acusados de estarem incentivando os lavradores por meio de

críticas ao regime. Anos antes, o pároco e o prelado foram responsáveis pela

organização da luta contra as expulsões e violências sofridas pelos lavradores na

prelazia.

No mesmo período da informação citada acima, foi apreendida pela

DOPS/MA uma cartilha chamada A Verdade, que estava sendo distribuída na diocese e

versava sobre agressões sofridas por Dom Guido na ocasião da prisão de sete

lavradores. Segundo o texto da cartilha, logo após o delegado de Turiaçu ter mandado

prender lavradores, o bispo se deslocou para a delegacia, a fim de prestar solidariedade

aos presos, quando foi informado que não poderiam ficar ali, pois havia uma lei que

proibia prisão voluntária.

Diante da insistência do bispo, o delegado foi chamado e pediu que o

mesmo se retirasse. Diante de nova negativa, a autoridade policial ordenou que os

soldados retirassem o clérigo do recinto de qualquer forma, conforme a narrativa

abaixo.

Todos pra fora! Saiam, saiam daqui! Eu vou meter o pau nessa tal de comunidade insubordinada, que esse pe. está apoiando! As mulheres deixaram no chão as panelas e pratos com a janta e saíram na rua, enquanto chegavam as irmãs Marcela e Tereza. – O que vem fazer essa dona freira aqui? Gritou o delegado. – Eu queria falar com o Bispo! respondeu a irmã Marcela. – Fala, fala com ele pra ver se a senhora convence ele de sair daqui, e, dirigindo-se ao Bispo, continuou: - Senhor Bispo, o senhor não sai mesmo? – Não saio não! Se a prisão é injusta e ilegal para os lavradores, será injusta e ilegal também para mim. E o delegado: - O senhor não sabe que aqui quem manda sou eu? Você não obedece autoridade? Dom Guido respondeu: - Eu também sou autoridade e o senhor não me respeitou, marcou um encontro para resolver o caso e não cumpriu. O delegado, perdendo o controle de se mesmo, gritou aos soldados: - Peguem as armas! Os soldados foram os fuzis. O delegado continua a gritar: - Levem esse Bispo! Tirem, tirem esse bispo daqui e botem para fora! Botem para rua padre e freiras. Se alguém se mexer, podem queimar; se o padre se mover, atirem nele! Padres e freiras saíram da delegacia debaixo de ameaças dos fuzis apontados contra eles, e ficaram na rua. O Delegado, dirigindo-se para os soldados gritou: - Arrastem o bispo, carreguem a ele pra fora, mesmo sentado no mocho! Os soldados se aproximaram do bispo, mas não tiveram a coragem de executar a ordem. Aí o delegado, fora de si, gritou: - Atirem nele! E, tirando com força o fuzil da mão do soldado, manivelou-o e o apontou na direção do bispo: - Como é, senhor Bispo, o sr. Não sai mesmo? E Dom Guido: - Pai nosso que estás nos céus... E o delegado: - É na igreja que o senhor tem que rezar. Você é autoridade na igreja e não aqui: e agora está invadindo a delegacia! E Dom Guido continuando a rezar: - seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu... – O Delegado não sabia mais o que fazia e o que dizia, parecia um louco! Gritou: - Você que bancar de vítima?

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[...] gritou mais uma vez: - O senhor vai sair daqui na marra. Aqui quem manda sou eu! E dirigindo-se para os soldados: - Peguem ele pela perna e arrastem para fora (DOPS/MA, A verdade, cx. 37, maço 392, sic).

Na cartilha, elaborado pelas testemunhas da prisão, chama atenção uma

denúncia de que o delegado teria feito alterações nos depoimentos dos lavradores. Ao

explicarem a morte da búfala, razão da prisão, o delegado interferiu no depoimento

dizendo que matar por necessidade seria a mesma coisa que por legítima defesa, para

fazer constar na documentação oficial que a ação dos lavradores não foi em legítima

defesa.

Dois anos antes, em meio a disputa pelas terras do povoado Brito de Mutá,

os proprietários de terra e o delegado moveram uma ação contra o padre Antonio Di

Foggia, acusando-os de invasores de terra e articuladores de uma república comunista.

Nesse mesmo ano, um fazendeiro invadiu a igreja durante uma missa e atirou contra

padre Antonio, acontecimento este que levou o arcebispo à Turiaçu, onde realizou uma

vigília de apoio ao padre o aos lavradores. Em seu retorno à São Luís, o monomotor que

transportava o arcebispo sofreu uma pane, forçando um pouso de emergência a cem

quilômetros de Turiaçu (Figura 48).

Figura 46 – Avião após pouso de emergência.

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Em nota publicada no Jornal Estado do Maranhão, do dia 11 de outubro de

1978, o bispo disse que estava revoltado com a falta de punição para esses tipos de

crimes, pois, mesmo havendo denúncias por parte de dom Guido, nada aconteceu com o

fazendeiro. Na mesma nota, Dom Motta não descartou a possibilidade de sabotagem da

aeronave por conta de insatisfações que o seu apoio aos lavradores teria causado na

região.

No acervo pesquisado não foi encontrado registro sobre o incidente com o

arcebispo. Porém as informações sobre o comportamento dito subversivo do Pe.

Antonio di Foggia, se repetem em relatórios que destacavam a grande proximidade e

liderança junto aos lavradores e as consequentes acusações de inculcar nos mesmos a

subversão (Anexo 20).

Observa-se aqui uma característica muito presente nas avaliações da comunidade de informação de maneira geral. O clero é sempre visto como manipulador das populações rurais e indígenas. Os camponeses e os índios, sempre considerados ineptos, estariam sendo incitados a questionar a ordem estabelecida e estimulados à insubordinação. Para a espionagem, esses grupos jamais seriam capazes desses atos de contestação sem a interferência de ‘agitadores’, entre os quais sobressaíam os religiosos (GOMES, 2014, p. 180).

No Maranhão, os agentes de informação classificavam constantemente os

lavradores de seres humanos inócuos e incapazes de mobilização. Os militares temiam a

influência dos religiosos no meio rural, alertando a possibilidade de insurreições rurais,

já que ex-padres, como Alípio de Freitas e Antonio Monteiro, foram inspirações para

muitos guerrilheiros no Araguaia.

3.2.7 Diocese de Brejo e Mons. Hélio Maranhão.

O município de Tutóia se localiza no litoral leste do estado e faz parte da

diocese de Brejo. Os documentos mais antigos sobre ações dos clérigos no Maranhão,

encontrados no corpus documental analisado, são sobre o pároco desse município. Em

uma informação de 14 de julho de 1969, o coordenador da DOPS/MA81, informou ao

comandante da Polícia Federal suas suspeitas sobre o padre Hélio Maranhão, pároco de

Tutóia. A informação foi constituída de um alfabeto de denúncias sobre as atividades

do religioso. Segundo o diretor da DOPS/MA, Antônio Alves Gondim, o religioso

possuía um discurso contrário ao regime, quando afirmou que:

81 Nessa época denominada de Divisão de Ordem Política e Social.

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a) Que na área sobre nossa responsabilidade, no tocante da Segurança Nacional, muito tem nos preocupado, os acontecimentos do Município de Tutoia, sob a orientação de Padre HÉLIO NAVA MARANHÃO, no que diz respeito a sua conduta, exercendo a mais ostensiva atividade contrária ao REGIME naquele setor; [...] f) Que instituído pelo Padre HÉLIO MARANHÃO, os chamados “RETIROS POPULARES”. Criou um grupo de PREGADORES em 7 Povoados. Tudo isso com instruções especiais no sentido de divergir dos sãos princípios, norteadores da Revolução. Porque êle não acredita NELA; [...] s) Que o já mencionado Padre HÉLIO, profliga abertamente e sem reservas o Ato Institucional nº5, preparando uma tal de “REFORMA”, disvirtuando assim, a verdadeira finalidade da DEMOCRACIA, escudado na Revolução de 31 de março de 1964, que vêio salvar o País das garras dos máos brasileiros; (DOPS/MA. Informação nº 169/69, cx. 33, maço 369, sic).

A postura adotada por Mons. Hélio Maranhão, quando esteve à frente da

paróquia de Tutóia, foi marcada pela crítica ao regime, levando os militares a acirrar a

vigilância sobre o clérigo. Na concepção da Lei de Segurança Nacional, um padre que

se mostrasse esquerdista, não era visto como padre, mas, como um esquerdista

(GASPARI, 2002, p. 249). Isso confirma as acusações feitas ao padre por um fazendeiro

da região junto à DOPS/MA, em 1979. Após apresentar diversos atestados ideológicos

de todas as instituições em que trabalhou, foi inocentado da acusação.

Segundo o coronel, o discurso do padre era ameaçador pela sua aceitação

nos meios rurais. Mais uma vez os clérigos são vistos, pelos militares, como

insufladores das massas e que estariam usando sua influência no meio rural para

propagar a ideologia comunista. O coronel Gondim afirmou que:

c) Que pela sua palavra fluente, insinuante e inflamada, nos meios rurais – nos sindicatos e até mesmo usando a Igreja de Deus, tem mudado a estrutura da religião católica, com promessas claras de transformação, o que de fato vem ganhando terreno naquêle longínquo RINCÃO MARANHENSE, senhor absoluto da situação; [...] v) 1º Tema: “UNIÃO DE CLASSES”. Todos unidos contra os donos de terras, latifundiários. A terra é de Deus. Se um não tem força para tomá-la, mas, 10, 20 e 40, unidos lutarão pelo seu direito. Se um morrer, os outros devem rasgar a camisa do morto, fazer uma bandeira, suja de sangue, passando adiante sem chorar o morto. 2º Tema: Pescadores contra Patrões: Os pescadores devem lutar contra os patrões. Não vendendo o peixe para êles e nem trabalhando para os mesmos. Frizou o Padre no seu discurso que ninguém deve ter mêdo de ninguém, principalmente de 4 soldados ou capangas do Governo. [...] 4º Tema: “Religião”. Dizia êle: A Igreja errou enganando o Povo. Mas os Padres agora estão acordado e acordando os outros. Não vamos esperar vida bôa no outro mundo, que não existe. Temos que gozar é aqui mesmo. Não existe outro Céu e nem outro Deus, de cabeça e barbar brancas. Tudo isso é mito e o que diz a Bíblia é sentido figurado. O Céu que temos que gozar é aqui. E se vocês perderem, não há outro. Então vamos lutar unidos homens e mulheres, para construir êste Céu (DOPS/MA. Informação 169/69. cx. 33, maço 369, sic).

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As colocações do padre, através do relato do militar, estão bem encaixadas

às resoluções do Concílio e à Teologia da Libertação, como sua ação em Tutóia através

da fundação e articulação das Comunidades Eclesiais de Base. Mons. Hélio Maranhão

defende a tese de que as CEB’s foram criadas por ele, a partir do treinamento de

pregadores naquele município. Segundo ele:

Reuni os homens e chamei o pe. Jocy e pe Manuel de Jesus Soares. Este era assistente nacional da Juventude Operaria Católica (JOC). Ele também era muito bom. [...] E com este pessoal fizemos uma semana de estudo sobre a figura do padre. Os 116 aprenderam que é o padre na comunidade. Depois fizemos um curso de bíblia. Mandei chamar uma professora inglesa, que por um mês ajudou o pessoal a conhecer a bíblia. Depois dei a ele um livro de cantos e enviei-os nos povoados. Em pouco tempo surgiram 52 comunidades. Em seguida fizemos um curso sobre a liturgia. Repare que cada comunidade tinha que ter: um pregador, um professor, uma enfermeira, um conjunto musical e um conselho local. Esse era o projeto. Foi assim que nasceram as CEBs em Tutóia e depois se espalharam pelo Maranhão, pelo Nordeste e depois pelo Brasil. Não há nenhuma experiência desse tipo (como a de Tutóia) e nenhum documento da época que fale das CEBs, antes do relatório de Meruoca, na diocese de Sobral no Ceará onde eu fui pregar, (de 21 a 24 de novembro de 1966), dois anos depois de iniciada a experiência pastoral em Tutóia. Repito, havia vários padres que trabalhavam com o social, mas não havia CEBs. Só depois da experiência pastoral de Tutóia é que começaram a surgir CEBs na diocese de Brejo, em Barreirinhas, em Urbanos Santos, em São Benedito, em Chapadinha e em outras paróquias. Eu, com a permissão do meu bispo as visitava todas independentemente do vigário de cada paróquia. Graças as visitas pessoais e a vários encontros as CEBs começaram a se reunir por áreas e regiões. (LO MONACO, 2004, p. 94).

Em 1980, foi criada a Companhia Estadual de Terras (CETER), que

segundo Wagner Cabral tinha como objetivo “incrementar e dinamizar as ações dos

órgãos estaduais no que concerne a questão de terra” (COSTA, 1994, p. 31), e teve

como primeiro presidente o mons. Hélio. Tinha como missão a pacificação do campo,

através de uma arregimentação das várias instituições envolvidas na problemática

agrária. O governador à época, João Castelo, o escolheu por considerá-lo:

Homem profundamente identificado com os problemas das comunidades de base da Igreja. Sua missão é levar o diálogo às partes conflitantes, coordenar e manipular os instrumentos legais e administrativos disponíveis, a fim de que a Comissão Estadual da Terra corporifique a presença pacificadora do governador do Estado no meio rural maranhense (COSTA, 1994, p. 32).

Dado início aos trabalhos na CETER, mons. Hélio buscou cooptar as

entidades que trabalhavam a questão agrária para debater soluções para os problemas

fundiários. As únicas entidades que não contribuíram com a CETER foram a CPT e a

FASE, que permaneceram com sua filosofia de forte oposição ao latifúndio, apoio aos

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lavradores e à luta pela reforma agrária, pois, como afirma Wagner Cabral, a intenção

da CETER era:

[...] neutralizar a atuação destas entidades, aliando-as à sua linha política. A CETER não conseguiu manipular muita destas entidades, entre elas a CPT/MA, porque negaram comparecer à reunião. Gravíssimo no entanto, é que a CETER conseguiu prender em suas malhas a diretoria da FETAEMA (COSTA, 1994, p. 33).

As críticas sobre o trabalho do monsenhor começaram a aparecer logo nos

primeiros meses de sua gestão. A partir de um Relatório, de 1980, sobre a situação

fundiária do povoado de Unha de Gato, município de Lago da Pedra, as denúncias de

cobrança de foro por pistoleiro não foram confirmadas pelo agente de informação, tendo

o mesmo enviado o caso à CETER. Afirmou ainda que na região as tensões eram

geradas por “membros do clero que formularam a denúncia, em criar junto às

autoridades uma ideia falsa da real situação da área” (DOPS/MA, Relatório, cx. 3, maço

25). A CETER lançou nota sobre o caso nos jornais no dia 27 de junho de 1980,

afirmando que não existia perigo de derramamento de sangue no povoado.

Na época, o bispo da diocese de Bacabal era Dom Pascásio Rettler, que

proibiu a entrada do presidente da CETER no território da diocese. Em nota, ao Diário

do Povo, afirmou que quando esteve em Paulo Ramos, o presidente da comissão tentou

convencer os lavradores a se transferir para outra área abandonando as suas terras.

Diante dessa postura o bispo afirmou que a CETER não estaria “beneficiando os

lavradores” e sim criando “uma dicotomia no trabalho da Igreja entre os lavradores”.

Afirmou ainda que continuaria a contribuir com os trabalhos da CPT.

A através do envolvimento de um monsenhor como presidente desse organismo, tenta-se aliar a Igreja e sua missão pastoral aos interesses dos grandes capitalistas... O monsenhor Hélio Maranhão emprestou a sua voz ao governo do Estado para abafar o grito do camponês (COSTA, 1994, p. 33).

A posição adotada por clérigos da Igreja Católica nesse momento de

“interlúdio espartano” (CNBB, 2003) causou insatisfações que se mostraram nas ações

do estado. A escolha de Dom Adalberto como bispo de Viana, de monsenhor Hélio

Maranhão para a CETER, a expulsão dos padres franceses no interior do Pará, a morte

de padre Henrique em Olinda, a tortura de padre Antonio Monteiro em São Luís, entre

outras inúmeras ações conjuntas entre autoridades militares com o Núncio e a CNBB

foram tentativas incipientes de reação a essa opção preferencial pelos pobres adotada

por parte do clero católico nesse período.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A abertura dos arquivos sobre o período da Ditadura Militar no Brasil

(1964-1985) possibilitou o crescimento tanto do número de trabalhos sobre essa

temática quanto das informações sobre eventos e fatos já analisados por autores desde o

fim da ditadura. As diversas formas de resistência aos governos militares, registradas

pelos órgãos de informação e segurança, passam a ter destaque nas narrativas sobre os

eventos que marcaram o estado de exceção na história recente do Brasil. As análises

desenvolvidas aqui são experiências primeiras de estudo sobre a ação do clero

progressista tendo como base essa documentação recém-liberada cujas características

foram trabalhadas especificamente no primeiro capítulo.

Nesse cotidiano de repressão e violência, o clero progressista encabeçou as

listas dos subversivos locais, motivo pelo qual sempre havia um agente de informação

inserido nas missas, reuniões e mobilizações. Boa parte dos informes trabalhados era

classificada como A-1, ou seja, de alta confiabilidade para o sistema de informação e de

segurança.

O clero progressista esteve entre as principais preocupações dos órgãos de

informação no Maranhão. Essa constatação não se deve somente a existência de uma

série documental intitulada Entidades Religiosas (na qual a maior parte dos documentos

versa sobre a Igreja Católica), mas pela intensa investigação às atividades da Igreja que

foram trabalhadas no segundo e no terceiro capítulo.

Independente do meio utilizado pelos clérigos para a divulgação de ideias

religiosas politizadas (como a Teologia da Libertação), a lógica era suspeitar de tudo

aquilo que pudesse vir a ser mecanismo de difusão das ideias comunistas e de críticas ao

regime, razão pela qual sermões foram gravados, publicações foram apreendidas,

manifestações abordadas e padres foram detidos para esclarecimentos, casos que foram

analisados no segundo capítulo.

Entre as atividades do clero progressista destaca-se o envolvimento nas

questões relativas aos conflitos agrários no interior do estado (capítulo 3), nos quais os

clérigos assumiram o papel de defensores dos lavradores nas disputas pela posse da

terra contra os grandes proprietários, muitos dos quais as haviam adquirido de forma

fraudulenta.

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Durante o período da Ditadura, o Maranhão foi palco de intensos e violentos

conflitos na área rural e os militares temiam que o discurso de conscientização e o apoio

dado pelos clérigos viessem a fortalecer um ideal de resistência política e formatassem

guerrilhas rurais. As formas de atuação dos clérigos nesses conflitos podem ser situadas

no campo da conscientização, da denúncia e do enfrentamento. Na tentativa de proteger

os lavradores, eleitos pela opção preferencial pelos pobres, o clero progressista acabou

por reforçar as tensões existentes, na medida em que entrou em choque com os

proprietários e grileiros, que tinham como seus aliados o poder econômico além do

suporte da parcela conservadora da própria Igreja.

Cientes do desnivelamento de forças, a luta empreendida por padres, bispos

e leigos era uma situação em que se buscava “apagar fogo com balde de gasolina82”. As

possibilidades de resistência contra as expulsões contavam, assim, apenas com o poder

de organização e articulação dos próprios lavradores beneficiados com o trabalho

pastoral dos clérigos e da organização das comunidades eclesiais de base nos locais

onde a presença do catolicismo não contava com igrejas ou a presença fixa do padre.

Todos esses esforços não foram suficientes para conseguir solucionar o

problema, que estava além das possibilidades da própria instituição católica. No

entanto, a presença dos padres nas comunidades serviu minimamente como escudos ou

como centralizadores das perseguições empreendidas tanto pelo poder público como por

particulares e talvez tenha evitado que o número de mortes e despejos tivessem sido

maiores.

Mesmo com o fim da Ditadura, alguns padres citados nos capítulos

anteriores continuavam sendo alvos de investigações da DOPS/MA, pois mantiveram

com suas atividades pastorais no campo. Em 1985 a CPT lançou o livro Conflitos no

Campo Brasil83, em que são sistematizados os dados sobre os conflitos nas regiões

rurais do país. Do primeiro número deste livro destaca-se uma lista de nomes de pessoas

que foram ameaçadas de morte no Maranhão, constando nelas os nomes de Dom

Pascácio Retller, Frei Lucas e Frei Heriberto da diocese de Bacabal; Padre Luís Pirotta,

Padre Jan Zufellato e Padre Cláudio Zanonni, da paróquia de Arame, diocese de Grajaú

e o Padre Antonio di Foggia, da paróquia de Turiaçu, diocese de Cândido Mendes. Os

82 Em entrevista, o padre Marcos Passerini utilizou essa expressão ao falar da situação na qual se encontravam os padres engajados nas lutas sociais no Maranhão. 83 Todas as edições estão disponíveis para download no site da comissão pastoral da terra: http://www.cptnacional.org.br/index.php/publicacoes/conflitos-no-campo-brasil acessado em 20/12/2014.

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clérigos continuavam envolvidos nos conflitos agrários, inseridos entre proprietários,

grileiros e lavradores (Anexo 21).

Os proprietários, fossem do interior ou da capital, conseguiram que os

mecanismos de repressão à subversão e ao comunismo servissem muito bem aos

interesses desses proprietários, seja por utilizá-lo diretamente – como nos casos em que

acusavam os lavradores de “bandos armados” e padres de comunistas ou quando a

própria polícia fazia o papel de “jagunços” (ASSELIN, 2009) – ou indiretamente,

quando a violência estatal acabava dando margem para a ação de empresas de segurança

particulares nas expulsões urbanas e para a ação de pistoleiros no interior.

Em 1980, o responsável pela Segurança Pública do Estado convocou a

Igreja, nas pessoas do Arcebispo D. Motta e dos padres Xavier Maupeau, Sidney

Castelo Branco, Marcelo Pepin, Paulo Sampaio e Claudio Roy, para uma reunião, com

o objetivo de dialogar sobre as ações excessivas de parte do clero, foi afirmativo ao

colocar essas atividades clericais como um assunto fora do contexto.

O agente de informação que elaborou o documento disse ter “sentido” que

D. Motta apoiava irrestritamente os padres em seu “radicalismo na defesa das teses”

sociais. Essa reunião foi posposta para reestabelecer novas posturas de ambos os lados,

que não aconteceu, pois como se viu ao longo dos capítulos, a violência policial e as

ações “radicais” de ambos sem estenderam.

As investigações policiais permitiram conhecer um pouco desse novo jeito

de ser Igreja no Maranhão, quando a instituição católica era um dos poucos ambientes

em que se falava e se fazia política com críticas ao regime ditatorial. Isso não impediu,

no entanto, que não sofressem sanções por essa opção, ainda que, alguns afirmassem

não “estar fazendo política” e sim buscando o bem comum, a justiça social e paz social.

Com a abertura política e o fim da ditadura em 1985 os movimentos sociais

articulados com a Igreja, passaram a ganhar independência, não só em termos de

discurso quanto em termos de espaço. Os grupos que precisavam dos salões paroquiais

e da liderança dos clérigos para fazer ressoar suas reivindicações (BORGES, 2008)

rearticulam-se em torno de novas agendas e expedientes, como o caso da Sociedade

Maranhense de Direitos Humanos (1979) e da criação local do Partido dos

Trabalhadores – PT (1980).

A Conferência de Puebla, em 1979, foi marcada por duas posturas

divergentes na tentativa de redefinição do papel da Igreja na América Latina. Uma

ligada ao progressismo do Vaticano II e de Medellín, que acabou perdendo espaço para

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outra, de cunho mais conservador, voltada para a espiritualidade e por discussão de

temas relativos à fé e dogmas cristãos.

A abertura política, o fortalecimento dos movimentos sociais, a criação dos

partidos políticos, o fortalecimentos dos sindicatos, o fortalecimento do

conservadorismo após Puebla e o fim da ditadura representaram eventos que fizeram

com que o clero ressignificasse a sua agenda de reivindicações, pulverizando em

diversas frentes e pastorais ações que antes estavam articuladas em torno de objetivos

bem específicos.

Os progressistas, além de sofrerem repressão por parte do Estado, eram

pressionados dentro da instituição religiosa com a oposição do clero conservador que

buscavam ressiginifcar o discurso e a função social da Igreja, defendido pelos

progressistas. Os conservadores ganharam força junto à Santa Sé e aos poucos

conseguiram desarticular as pastorais desenvolvidas pelo clero progressista, ficando o

discurso politizado e de interferência social em segundo plano.

Concomitantemente ao enfraquecimento das pastorais desenvolvidas pelo

clero progressista é o crescimento vertiginoso da violência no campo após 1981. Nesse

período, os assassinatos na região amazônica representam cerca de metade do total de

mortes a cada ano (Figura 47). Talvez seja precipitado afirmar que a desarticulação das

atividades dos padres que serviam de escudo e incentivo aos lavradores seja uma das

causas do aumento da violência, mas acredito que não seja apenas uma coincidência, o

que transforma essa reflexão em uma possibilidade investigativa para pesquisas futuras.

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_______________. Diálogos na Sombra: bispos e militares, tortura e justiça social na ditadura. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

SILVA, Eider Furtado da. Comentários Semanais. São Luís: edições AVL, 2013.

SILVA, Eumano e MORAIS, Taís. Operação Araguaia: os arquivos secretos da guerrilha. São Paulo: Geração Editorial, 2011.

SILVA, Jaime Antunes da. O Centro de Referência das Lutas Políticas no Brasil ()1964-1985). Acervo: revista do Arquivo Nacional – v. 21 n. 2 (jul./dez. 2008). – Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2008.

SILVA, Wellington Teodoro da. Revolução, Tradição e religião: o catolicismo nas veredas da política – O jornal Brasil, Urgente – 1963/64. Curitiba: Ed. CRV, 2011.

SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Castelo a Tancredo (1964-1985). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004.

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SOUZA, Admar Mendes. Estado e igreja Católica: o movimento social do cristianismo de libertação sob vigilância o DOPS/SP (1954-1974). Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade de São Paulo, para obtenção do Grau de Doutor em História Social, 2009.

STEDILE, João Pedro (org). A questão Agrária no Brasil – o debate na esquerda (1960-1980). São Paulo: Expressão Popular, 2005.

THOMPSON, E. P. Costumes em comum. São Paulo: Companhia das letras, 1998.

ZANOTTO, Gizele. TFP – Tradição, Família e Propriedade: as idiossincrasias de um movimento católico no Brasil (1960-1995). Passo Fundo: Méritos, 2012.

Fontes consultadas:

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Conclusões da Conferência de Medellín (1968). São Paulo: Paulinas, 1998.

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“Uma história a ser conhecida” – Mons. Eider Furtado da Silva, 1983. Caderno contendo cartas e documentos escritos e transcritos por mons. Eider relatando sua visão dos fatos sobre os bispos da diocese de Viana.

“O Evangelho segundo Viana”, s/d. Elaborado por vários autores, constitui-se de um relato sobre o bispado de Dom Hélio Campos e Dom Adalberto Silva, a partir da perspectiva de clérigos e leigos que foram expulsos da diocese depois de 1975.

“DOM CRUZEIROS S/A” – J. Cântidio e Monsenhor Eider Furtado.

- Leis

Decreto lei nº 14265 de dezembro de 1943 – regulamento inicial da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul.

Lei nº4341/64 – Lei de criação do Sistema Nacional de Informação.

Lei nº785/49 – Lei de criação da Escola Superior de Guerra.

Lei nº5250/67 – Lei de Imprensa.

Lei nº898/69 – Lei de Segurança Nacional de 1969.

Lei nº2979/69 – Estatuto das terras no Maranhão.

Ato Institucional nº 1, 2, 5.

- Arquivo

DOPS/MA. Série Entidades Religiosas. Caixas 72 e 73.

DOPS/MA. Série Subversão. Caixas 1 a 37.

DOPS/MA. Série Documentos Avulsos. Caixa 149.

Recortes de Jornais da CPT/MA. Caixas 1978, 1979 e 1980.

- Periódicos

Folha de São Paulo (1961).

Jornal do Brasil (1961).

Jornal do Maranhão (1964).

Jornal Correio da Manhã (1961)

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ANEXOS

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Anexo 01- Cartilha da TFP.

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Anexo 02 – Exemplo de clipping.

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Anexo 03 – Relatório sobre a Operação Axixá.

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Anexo 04 – Informação: Formação da moral social e da opinião pública brasileira.

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Anexo 05 – Lista nominal de clérigos encontrados no acervo.

Nº Bispos, padres e frades

1 Dom João José da Mota e Albuquerque

2 Dom Paulo Pontes

3 Dom Rino Carlesi

4 Dom Pascásio Rettler

5 Dom Hélio Campos

6 Dom Adalberto Paulo da Silva

7 Dom Marcelino

8 Dom Reinaldo Puender

9 Dom Guido

10 Dom Xavier Mapeau

11 Pe. Afonso de Caro

12 Pe. Albert

13 Pe. Alípio Cristiano de Freitas

14 Frei Amadeu

15 Pe. Américo

16 Pe. Antonio Baroni

17 Pe. Antonio di Foggia

18 Pe. José Antônio Monteiro

19 Pe. Antônio Remédio Fernando

20 Pe. Arnaldo Peternazzi

21 Pe. Bráulio Ayres

22 Pe. Carlos Ubbliali

23 Pe. Casimiro dos Anjos

24 Pe. Claude Roy

25 Pe. Claudio

26 Pe. Claudio Bergamaschi

27 Frei Claudio Zanonne

28 Pe. Clodomir Brand

29 Pe. Darcy

30 Pe. Edmundo

31 Mons. Eider Furtado da Silva

32 Frei Epitânio Taioli

33 Pe. Fabio

34 Pe. Franco Senna

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35 Frei Godofredo de Bauerdicki

36 Mons. Hélio Maranhão

37 Frei Henrique

38 Frei Heriberto Hembecki

39 Pe. Ivo Nicolau

40 Pe. Jaldemir Vitório

41 Pe. Jacinto

42 Frei Jan Zuffellatto

43 Pe. Jean Marie Maurice Lecornú

44 Pe. Jean Marie Van Damme

45 Pe. João

46 Pe. João Tavares

47 Pe. José de Ribamar Moraes

48 Pe. José Fontinelle

49 Pe. José Maria

50 Pe. João Rodrigues de Sousa

51 Pe. Klausse/Nicolau

52 Pe. Luís

53 Pe. Luís Lamamié de Clairac

54 Frei Luís Pirotta

55 Pe. Manuel dos Santos Neves

56 Pe. Marcelo Pepin

57 Pe. Marcos Passerini

58 Pe. Mario Aldighieri

59 Pe. Mario Paloni

60 Pe. Marques

61 Pe. Michel Cantas

62 Pe. Nicolas

63 Pe. Odilo Erhardt

64 Frei Pascolotto

65 Pe. Paulo Sampaio

66 Pe. Rejean

67 Pe. Renzo Dine

68 Pe. Sebastião Raimundo Oliveira Sousa

69 Pe. Raimundo Jorge de Melo

70 Pe. Roberto Etavi

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71 Pe. Roberto Koquel

72 Frei Rogério Beltrame

73 Pe. Rogério Dubois/ Roger Sant Dubois

74 Pe. Sérgio

75 Pe. Sidney Branco

76 Pe. Silvano Rossi

77 Frei Tadeu

78 Pe. Victor Asselin

79 Pe. Wilson Cordeiro

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Anexo 06 – Capa do livro Catecismo Anticomunista, de Dom Geraldo Sigaud.

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Anexo 07 – Capo do jornal Tempos Novos, nº 1.

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Anexo 08 – Verso da revista 25 de março.

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Anexo 09 – Capa do boletim paroquial de Chapadinha nº 10 e nº 17.

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Anexo 10 – Capa da Cartilha Política à Luz do Evangelho.

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Anexo 11 – Relatório: Bando Armado na MA-74.

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Anexo 12 – Nota de repúdio do arcebispo à violência em Coroatá.

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Anexo 13 – Relatório sobre foco de “subversão” em Imperatriz.

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Anexo 14 – Relatório sobre o Quebra-Quebra na Faisa (feito por Jan Zuffellato).

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Anexo 15 – Carta de despedida dos padres ao povo da diocese de Santa Luzia.

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Anexo 16 – Comunicado de expulsão de pe. Mario Aldighieri e de Maurizio Gamba.

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Anexo 17 – Relatório enviado por Dom Adalberto à DOPS/MA.

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Anexo 18 – Suspensão das funções religiosas de mons. Eider Furtado.

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Anexo 19 – Noticia sobre a excomunhão de mons. Eider Furtado.

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Anexo 20 – Relatório sobre movimentação na casa paroquial em Turiaçu.

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Anexo 21 – Lista de clérigos citados e as informações

Nº Religiosos Assunto/acusações Ano Local 1 Dom Pascásio Rettler Envolvimento em conflito agrário.

Acusado de clero progressista 1980-1981 Bacabal/MA

2 Dom Hélio Campos Envolvimento em conflito agrário; Acusado de ações e pregações

subversivas; agitador popular; clero progressista.

1971-1975

Viana/MA

3 Dom Adalberto Paulo da Silva

Clero conservador; colaborador com os órgãos de informação.

1976-1980

Viana/MA

4 Dom Reinaldo Puender Envolvimento em conflito agrário. 1979 Coroatá/MA 5 Dom Guido Maria

Casullo Envolvimento em conflito agrário;

Acusado de ações e pregações subversivas; ameaça de morte; clero

progressista.

1980-1983 Cândido Mendes/MA

6 Dom Xavier Envolvimento em conflito agrário; Acusado de invasão à delegacia;

agitador popular; clero progressista.

1970-1983 Urbano Santos/MA São Luís/MA

7 Pe. Afonso de Caro Envolvimento em conflito agrário; Acusado de ações e pregações

subversivas; agitador popular; clero progressista; produção de material

subversivo.

1974-1975 Santa Luzia/MA

8 Pe. Alípio Cristiano de Freitas

Acusado de aliciar lavradores para a guerrilha.

1971-1981 Gurupi/TO São Luís/MA

Tocantinópolis/TO 9 Frei Amadeu Acusado de pregação subversiva. 1977 Alto Alegre/MA 10 Pe. Américo Acusado de ser comunista. 1983 Santa Quiteria/MA 11 Pe. Antonio di Foggia Envolvimento em conflito agrário;

Acusado de ações e pregações subversivas; ameaça de morte; clero

progressista.

1980-1983 Turiaçu/MA

12 Pe. Antônio Monteiro Envolvimento em conflito agrário; Acusado de invasão à delegacia;

agitador popular; clero progressista.

1970 Urbano Santos/MA

13 Pe. Antônio Remédio Fernando

Acusado de pregação subversiva. 1984 Vargem Grande/MA

14 Pe. Arnaldo Peternazzi Acusado de ações subversivas; clero progressista.

1975-1976 Santa Luzia/MA

15 Pe. Carlos Ubbliali Envolvimento em conflito agrário; Acusado de ações e pregações

subversivas; agitador popular; clero progressista.

1979 Viana/MA

16 Pe. Casimiro dos Anjos Envolvimento em conflito agrário; acusado de ações e pregações

subversivas; agitador popular; clero progressista; produção de material

subversivo.

1982 Chapadinha/MA

17 Pe. Claudio Bergamaschi

Envolvimento em conflito agrário; Acusado de ações e pregações

subversivas; agitador popular; clero progressista.

1979-1984 Viana/MA

18 Frei Claudio Zanonne Envolvimento em conflito agrário; acusador de ações subversivas;

agitador popular; clero progressista.

1983 Grajaú/MA

19 Pe. Darcy Citado no protesto contra a Getat 1981 Imperatriz/MA 20 Pe. Edmundo Pregação subversiva 1969 Cururupu/MA 21 Mons. Eider Furtado da Envolvimento em conflito agrário; 1973-1980 Viana/MA

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Silva Acusado de ações e pregações subversivas; agitador popular; clero progressista; produção de material

subversivo.

22 Frei Godofredo de Bauerdicki

Envolvimento em conflito agrário; acusado de ações e pregações

subversivas; agitador popular; clero progressista; produção de material subversivo; controle da estação de

rádio; esconde armamento.

1980-1984 Lago da Pedra/MA

23 Mons. Hélio Maranhão Ações subversivas; agitador popular; pregação subversiva; Presidente da

CETER.

1967-1979 Tutóia/MA

24 Frei Henrique Citado no protesto contra a Getat 1981 Imperatriz/MA 25 Frei Heriberto

Hembecki Envolvimento em conflito agrário;

acusado de ações e pregações subversivas; agitador popular; clero progressista; produção de material subversivo; controle da estação de

rádio; esconde armamento.

1980-1982 Esperantinópolis/MA Lago da Pedra/MA Vitorino Freire/MA

26 Pe. Ivo Nicolau Clero conservador; colaborador com os órgãos de informação.

1979-1980 Viana/MA

27 Pe. Jacinto Citado no protesto contra a Getat 1981 Imperatriz/MA 28 Frei Jan Zuffellatto Envolvimento em conflito agrário;

Acusado de ações e pregações subversivas; agitador popular; clero

progressista.

1983-1984 Santa Luzia/MA Grajaú/MA

29 Pe. João Acusado de ações subversivas. 1972 Amarante/MA 30 Pe. João Tavares Acusado de pregação subversiva 1976 Paraibano/MA 31 Pe. José Fontinelle Envolvimento em conflito agrário 1977 Imperatriz/MA 32 Pe. Klausse/Nicolau Envolvimento em conflito agrário 1981 Lago da Pedra/MA 33 Pe. Luís Acusado de pregação subversiva 1976 Paraibano/MA 34 Frei Luís Pirotta Envolvimento em conflito agrário;

ações subversivas; agitador popular; clero progressista.

1983

Grajaú/MA Santa Luzia/MA

35 Pe. Manuel dos Santos Neves

Envolvimento em conflito agrário; acusado de ações e pregações

subversivas; agitador popular; clero progressista; produção de material

subversivo.

1979-1982 Chapadinha/MA

36 Pe. Mario Aldighieri Envolvimento em conflito agrário; Acusado de ações e pregações

subversivas; agitador popular; clero progressista; produção de material

subversivo.

1974-1979 Santa Luzia/MA

37 Pe. Marques Acusado de pregação subversiva 1983 Timon/MA 38 Pe. Nicolas Citado no protesto contra a Getat 1981 Imperatriz/MA 39 Frei Pascolotto Citado no protesto contra a Getat 1981 Imperatriz/MA 40 Pe. Raimundo Jorge de

Melo Envolvimento em conflito agrário;

acusado de ações subversivas. 1978-1980 Esperantinópolis/MA

41 Pe. Roberto Koquel Acusado de pregação subversiva 1977 Timbiras/MA 42 Frei Rogério Envolvimento em conflito agrário 1977 Imperatriz/MA 43 Pe. Sérgio Acusado de agitador popular 1979 Arari/MA 44 Pe. Silvano Rossi Envolvimento em conflito agrário;

Acusado de ações e pregações subversivas; agitador popular; clero progressista; produção de material

subversivo.

1974-1975 Santa Luzia/MA

45 Frei Tadeu Acusado de agitador popular 1984 Porto Franco/MA

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46 Pe. Victor Asselin Envolvimento em conflito agrário. 1977-1984 Viana/MA São Luís/MA

47 Pe. Wilson Cordeiro Envolvimento em conflito agrário; Acusado de ações e pregações

subversivas; agitador popular; clero progressista; produção de material

subversivo.

1979-1980 Viana/MA