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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS ANA KELY LIMA NOBRE ESTUDO SOBRE A COBERTURA JORNALÍSTICA EM RELAÇÃO AOS CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS NO MARANHÃO SÃO LUÍS MA 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA

CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

ANA KELY LIMA NOBRE

ESTUDO SOBRE A COBERTURA JORNALÍSTICA EM RELAÇÃO AOS

CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS NO MARANHÃO

SÃO LUÍS – MA

2016

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ANA KELY LIMA NOBRE

ESTUDO SOBRE A COBERTURA JORNALÍSTICA EM RELAÇÃO AOS

CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS NO MARANHÃO

Monografia apresentada ao curso de Ciências

Sociais da Universidade Federal do Maranhão

– UFMA como requisito parcial para obtenção

do grau de Bacharelado em Ciências Sociais.

Orientador: Prof. Dr. Horácio Antunes de

Sant‟Ana Júnior

SÃO LUÍS – MA

2016

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Nobre, Ana Kely Lima.

Estudo sobre a cobertura jornalística em relação aos conflitos

socioambientais no Maranhão / Ana Kely Lima Nobre ._ São Luís, 2016.

82f.

Orientador: Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior.

Monografia (Graduação) – Universidade Federal do Maranhão, Curso de

Ciências Sociais, 2016.

1.Conflitos socioambientais – Jornalismo maranhense – Desenvolvimento.

I. Título.

CDU 3 : 070 (812.1)

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ANA KELY LIMA NOBRE

ESTUDO SOBRE A COBERTURA JORNALÍSTICA EM RELAÇÃO AOS

CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS NO MARANHÃO

Monografia apresentada ao Curso de Ciências

Sociais da Universidade Federal do Maranhão

– UFMA como requisito parcial para obtenção

do grau de Bacharelado em Ciências Sociais.

Orientador: Prof. Dr. Horácio Antunes de

Sant‟Ana Júnior.

Aprovada em __/__/__

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________________

Prof. Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior

Doutor em Ciências Humanas (Sociologia)

UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO

_____________________________________________________

Prof. Igor Gastal Grill

Doutor em Ciência Política

UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO

_____________________________________________________

Prof. Bartolomeu Rodrigues Mendonça

Mestre em Sustentabilidade de Ecossistemas pela Universidade Federal do Maranhão

UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO

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AGRADECIMENTOS

A minha trajetória até a presente escrita monográfica foi repleta de pessoas que me deram

apoio e ajuda nos trabalhos acadêmicos e na vida. Dizem que nada nessa vida acontece por

acaso, os amigos que fiz nesse percurso são a prova disso. Como a memória não é das

melhores, peço perdão àqueles que eu esquecer de mencionar diretamente aqui.

À Deus, primeiramente, pela benção da vida e da família maravilhosa que tenho.

Aos meus pais, Maria das Dores e José Ruberval, que não medem esforços para a minha

felicidade e alcance dos meus sonhos e objetivos. À minha irmã que além de tudo, é

companheira nos debates políticos.

Ao meu queridíssimo orientador, professor e amigo a quem tenho o maior orgulho e me

espelho como profissional. Sempre tão acolhedor e disponível para nos ajudar nas

dificuldades.

Ao GEDMMA, que me deu diretrizes e estímulo para seguir no curso. Tenho a maior

admiração por todos que participam desse grupo. Aos professores coordenadores, Bartô,

Madian, Élio, Cíndia, Samarone. Os amigos, todos com um coração gigante e empenhados

numa luta comum, Ecy, Jadeilson, Magno, Majú, Manoel, Sávio, Tay, Darlan, Arnaldo e

tantos outros que o compõem.

Tay, obrigada pela imensa ajuda e paciência na construção dessa monografia.

Aos meus amigos que considero como irmãos, Sarah, Rony e Hailton. Compartilhando

momentos de alegria e de felicidade desde o início do curso. Dandara e David, pessoas que

quero sempre ao meu lado.

Àqueles amigos do estágio na Cáritas, Ricarte, Lena e Lú, com quem obtive conhecimentos

valiosos.

Aos entrevistados, França e Bruno, pela disponibilidade.

Aos excelentes professores do curso.

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Quem visita um dos prestigiosos vinhedos de Bordeaux, na França, antes de passar pela

adega adentra em uma larga alameda que abre de cada lado para as longas fileiras de

videiras. O que impressiona não é o vinhedo, mas as opulentas roseiras que enfeitam o

caminho, plantadas no início de cada fileira. Na primeira, o visitante fica inebriado pelas

cores e pelo perfume dessas rosas e disposto a louvar o proprietário do château, pelo bom

gosto... até ser informado de que essas delicadas roseiras são prosaicamente um dispositivo

destinado a prevenir as doenças da vinha. Serão atacados em primeiro lugar, sinalizando

que a doença está atingindo a vinha e que está na hora de tratá-la. Adeus, rosas, não são

vocês que fazem a fortuna do barão de Rotschild. Jean Pierre Leroy

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RESUMO

Este estudo objetiva compreender os aspectos que envolvem a divulgação de notícias dos

casos de conflitos socioambientais no Maranhão a partir da análise de três jornais do estado:

dois deles de maior circulação, O Estado do Maranhão e Jornal Pequeno, e um deles de

imprensa alternativa, Jornal Vias de Fato. Nesse processo, busco relacionar as notícias

coletadas com o contexto local que tem como uma das características a constituição de

conglomerados de comunicação para a manutenção de interesses políticos e econômicos, o

que consequentemente, reflete no conteúdo, forma e enquadramento das notícias. Para que a

pesquisa fosse possível, realizei entrevistas com moradores de comunidades tradicionais e/ou

em situações de conflito; levantamento de notícias nos jornais supracitados (nos anos de 2014

a 2015) e revisão bibliográfica da literatura correspondente. Observei que há condicionantes

presentes no conteúdo das notícias e na estruturação dos jornais que reafirmam um discurso

desenvolvimentista propagandeado pelo governo do estado e que a divulgação dos casos de

conflitos socioambientais nos jornais de maior circulação são poucas e se constituem como

temas transversais, o que revela uma ocultação sobre essa questão determinada, em alguns

casos, por interesses de agentes com percepções distintas em relação ao uso do território e da

natureza e em outros, devido ao imediatismo do funcionamento interno da imprensa.

Palavras-chave: Conflitos Socioambientais. Jornalismo Maranhense. Desenvolvimento.

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ABSTRACT

This paper aims to provide understanding of the aspects that involves the dissemination of

news about environmental conflicts in Maranhão from the analysis of three locals

newspapers: two of them figure among the most popular journals of the State, O Estado do

Maranhão and Jornal Pequeno, the last one of them is an alternative media source, Jornal Vias

de Fato. In the process, it is seeked to relate the news colected with the local context that has

as one of its characteristics the constitution of media conglomerates to maintain political and

economical interests, which consequently is reflected in the content, form and framing of the

news. In order to become the research possible, interviews were conducted with residents of

traditionals communities and in conflict situations; also, a survey of the news on the

newspapers mentioned above (between 2014 and 2015) and a revision of correspondent

literature. I was noticed that restrictions are constantly present in the news content and

structure, which reinforce a developmental speech disseminated by the state government, in

addition, the disclosure of the environmental conflicts in majors newspapers are few and

constitute itself as secundary themes, revelating an occultation on this particular matter, in

some cases, by the interests of the agents with different perceptions regarding the use of the

territory and nature, and in others due to the immediacy of the inner work of the press.

Key Words: Environmental Conflicts. Local Media. Development.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Quadros

Quadro 1: Critérios Substantivos .............................................................................................. 20

Quadro 2: Critérios contextuais ................................................................................................ 21

Quadro 3: Levantamento de conflitos socioambientais feita a partir dos jornais ..................... 31

Quadro 4: Manchetes do Jornal Pequeno ................................................................................. 66

Quadro 5: Manchetes do jornal O Estado do Maranhão .......................................................... 66

Quadro 6: Manchetes do jornal Vias de Fato ........................................................................... 67

Figuras

Figura 1: Primeira edição do jornal O Estado do Maranhão – 01 de maio de 1973................. 37

Figura 2: Notícia do jornal O Estado do Maranhão, publicada em 22/03/2014 ....................... 38

Figura 3: Notícia do jornal O Estado do Maranhão divulgada em 13/04/2014 ........................ 39

Figura 4: Notícia divulgada no jornal O Estado do Maranhão, publicada em 20/08/2014 ...... 40

Figura 5: Capas do jornal O Estado do Maranhão nos anos de 2014 e 2015 ........................... 42

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1: Jornal O Estado do Maranhão – notícias 2014 ........................................................ 44

Gráfico 2: Jornal O Estado do Maranhão – notícias 2015 ........................................................ 45

Gráfico 3: Jornal Pequeno – notícias 2014 ............................................................................... 50

Gráfico 4: Jornal Pequeno – notícias 2015 ............................................................................... 51

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CIMI – Conselho Indigenista Missionário

CNDA - Conselho Nacional de Defesa Ambiental

CPT – Comissão Pastoral da Terra

DPE - Defensoria Pública do Estado

EIA - Estudo de Impacto Ambiental

EMAP - Empresa Maranhense de Administração Portuária

FIDH - Federação Internacional de Direitos Humanos

FIOCRUZ - Fundação Osvaldo Cruz

FNDC - Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação

GEDMMA – Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente

IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

MPF – Ministério Público Federal

MST - Movimento dos trabalhadores Sem Terra

ONU - Organização das Nações Unidas

RESEX – Reserva Extrativista

RJT – Rede Justiça nos Trilhos

SEMA - Secretaria Estadual do Meio Ambiente

SIFEMA - Sindicato das Indústrias de Ferro Gusa no Maranhão

SMDH - Sociedade Maranhense de Direitos Humanos

TJMA - Tribunal de Justiça do Maranhão

TSE - Tribunal Superior Eleitoral

UEMA – Universidade Estadual do Maranhão

UFMA - Universidade Federal do Maranhão

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 6

2. REFLEXÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS ......................................................... 12

2.1 Teorias de comunicação e sociologia do jornalismo .......................................................... 12

2.2 Comunicação alternativa .................................................................................................... 22

2.3 Campo ambiental em debate............................................................................................... 24

3. ABORDAGEM DOS CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS NA COBERTURA

JORNALÍSTICA .................................................................................................................... 34

3.1 Análise das notícias no jornal O Estado do Maranhão ....................................................... 34

3.2 Análise das notícias no Jornal Pequeno .............................................................................. 48

3.3 Diálogos .............................................................................................................................. 54

3.4 Jornal vias de fato: vozes sufocadas ................................................................................... 56

4. UM ESTUDO DE CASO SOBRE O CAJUEIRO ........................................................... 63

5. CONCLUSÃO ..................................................................................................................... 71

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 73

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1 INTRODUÇÃO

“A imprensa é, a um só tempo, objeto e sujeito da história brasileira”

(MARTINS; LUCA, 2015: 8).

Esta monografia é resultado de três anos de pesquisa no Grupo de Estudos:

Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA), ligado ao Departamento de

Sociologia e Antropologia (DESOC) e ao Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais

(PPGCSoc) desta universidade. A temática Estudo sobre a cobertura jornalística em relação

aos conflitos socioambientais no Maranhão é fruto do projeto de pesquisa do Programa

Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) intitulado Levantamento de conflitos

socioambientais no Maranhão, nos anos 2013, 2014 e 2015, que deu origem a três relatórios1.

A referida pesquisa me proporcionou uma experiência bastante significativa na

temática de conflitos socioambientais, principalmente no que se refere ao caso da Reserva

Extrativista de Tauá-Mirim2 que é percebida como tendo um grande potencial natural e

geográfico ambicionado por grandes empreendimentos nacionais e internacionais. A

participação semanal nos estudos dirigidos com o grupo de pesquisa, as reuniões, oficinas,

seminários e encontros realizados com distintos agentes, instituições e organizações sociais

diretamente ou indiretamente ligados aos conflitos estudados, bem como a frequência em

audiências públicas, me renderam um conjunto de materiais e embasamento necessários para

a reflexão sobre o discurso desenvolvimentista3 disseminado pelo Estado no intuito de

1 Os relatórios dos bolsistas de iniciação científica do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio

Ambiente – GEDMMA, estão disponíveis na página www.gedmma.ufma.br 2 Segundo consta no livro Ecos dos Conflitos Socioambientais: a Resex de Tauá-Mirim, “no processo de

implantação da Reserva Extrativista de Tauá-Mirim, na Ilha de São Luís-MA, percebe-se um conflito ambiental

de grandes proporções, no qual estão envolvidos interesses múltiplos, uma vez que a área na qual se pretende

implantar a referida Unidade de Conservação tem sido, por um lado, pleiteada por empreendedores privados e

pelo próprio governo para a instalação de projetos de desenvolvimento e, por outro, tem sido reivindicada pelos

segmentos sociais que há anos vivem na localidade e querem ter seus direitos reconhecidos, lutando pela

instalação de uma Reserva Extrativista na localidade” (SANT‟ANA JÚNIOR et al., 2009, p. 95). É importante

mencionar que, apesar da resistência do Estado em não consolidar a Resex, no dia 17 de maio de 2015, em uma

Assembleia bastante representativa da diversidade do povo maranhense, as comunidades da Reserva, numa

mostra histórica de autonomia, declararam criada a Reserva Extrativista na Ilha de São Luís. 3 Refiro-me ao discurso pleiteado pelo governo do Maranhão no sentido de desenvolver economicamente o

Estado a partir da implantação do Programa Grande Carajás pelo governo federal no final da década de 1970.

Programa que se estendeu ao sudeste do estado do Pará, oeste do Maranhão e norte de Tocantins, com o objetivo

principal de garantir a exploração e comercialização das gigantescas jazidas de minério de ferro localizadas na

Serra de Carajás, no Pará, o que levou o estado a implantar a infraestrutura necessária para que pudesse ser feita

a exploração e o escoamento da produção mineral, além de outras produções, assim como os de outros estados

vizinhos. Apesar de ter sido extinto oficialmente em 1991, pelo então presidente Fernando Collor, as

consequências do Programa continuam atuando expressivamente na Amazônia oriental brasileira, conforme será

explicado mais detalhadamente no segundo capítulo deste trabalho.

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legitimar as ações de governo e, sobretudo, de grandes empreendimentos instalados ou em

vias de instalação no Maranhão que geram grandes impactos ao meio ambiente e às

populações que residem nas áreas de interesse dos mesmos.

Ao fazer um levantamento de notícias sobre os conflitos socioambientais nos

principais jornais do estado, nos meios alternativos de divulgação midiática e

acompanhamento dos processos jurídicos nas páginas eletrônicas dos ministérios públicos

estadual e federal para a alimentação do banco de dados do grupo de pesquisa supracitado,

percebi que as divulgações nos jornais de maior circulação são poucas, quando comparadas à

realidade de inúmeros conflitos constatados através de pesquisas acadêmicas,

acompanhamento de movimentos/organizações sociais e denúncias feitas pelas próprias

comunidades afetadas4. No entanto, há nas fontes alternativas uma constante veiculação de

notícias que identificam inúmeros casos de violação dos direitos humanos, desrespeito aos

povos indígenas, quilombolas e às populações tradicionais, degradação ambiental e disputas

por territórios ligados principalmente aos programas e projetos desenvolvimentistas do

Maranhão. Tendo em vista que geralmente os jornais alternativos apresentam limitações tais

como o número de impressos serem significativamente menores que os jornais tradicionais

devido ao pouco capital financeiro e, consequentemente, a sua distribuição ser em menor

escala, uma grande parcela da população não obtém acesso a assuntos que não são pautados

pela grande mídia. Mesmo na atual dinâmica virtual de disseminação de informações através

de blogs e redes sociais, ainda enfrentamos a problemática da exclusão digital.

Portanto, a partir dessas análises e do contexto de concentração de posse e concessão

dos meios de comunicação no Estado, podemos nos questionar sobre as diferentes relações de

interesses políticos, econômicos e sociais imbricados no processo de construção das notícias

sobre conflitos socioambientais.

Ao considerar a influência que os meios de comunicação de massa exercem nas

relações sociais contemporâneas, na formação de opinião sobre os diversos assuntos que nos

cercam e, sobretudo nas práticas políticas, percebemos numa análise mais restrita, feita a

partir de estudos sobre os referidos conflitos a partir de fontes jornalísticas, que há

condicionantes presentes no processo de construção das notícias que reafirmam um discurso

desenvolvimentista propagandeado pelo governo desde o final da década de 1970, com a

4 Nesta pesquisa e em vários trabalhos aqui apresentados, ao me referir às localidades estudadas e citadas, utilizo

a categoria comunidade, em uma apropriação da forma como os moradores referem-se a si mesmos enquanto

grupo social. Segundo Sant‟Ana Júnior et al., (2009), o uso intensivo da categoria comunidade pelos moradores

tem uma relação direta com a forte presença da Igreja Católica e de suas Comunidades Eclesiais de Base na

região estudada.

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implantação do Programa Grande Carajás. Nesse caso, a preocupação decorre do fato de que

nos principais jornais do Maranhão, a divulgação dos casos de conflitos gerados pela

instalação de grandes empreendimentos no estado tendem a minimizar os impactos causados

por estes, nos revelando uma possível ocultação sobre essa questão determinada por interesses

diversos de agentes com percepções distintas em relação ao uso de determinado território e da

natureza. Por outro lado, os meios de comunicações “alternativos” referenciados por Grinberg

(1987) como uma opção frente ao discurso “dominante”, servem de parâmetro para nos

situarmos frente a essa situação que é muito mais complexa do que é divulgado nos veículos

tradicionais, visto que pautam temas que não tem espaço na grande mídia maranhense e

privilegiando as vozes sufocadas num contexto em que os principais meios de comunicação

são ferramentas mediadoras para a manutenção do poder político, o que, consequentemente,

reflete no conteúdo, forma e enquadramento das notícias.

Dessa forma, a questão que investigo consiste em tentar entender como o jornalismo,

sendo uma ferramenta de poder capaz de atribuir novos significados à natureza em favor da

industrialização, se constitui como um serviço público ou como um mero negócio quando

oculta, minimiza e ressignifica os impactos causados por setores produtivos degradadores do

meio ambiente. Além disso, quais os sentidos que as notícias podem conferir à realidade

social que se apresenta? Tentarei responder a essas perguntas de modo a revelar a tensão

permanente e antagônica entre o interesse de mercado e o interesse das comunidades quanto

ao que é publicado no Jornal O Estado do Maranhão, Jornal Pequeno e Vias de Fato,

evidenciando as características que levam um acontecimento se transformar em notícia ou

não, considerando os pressupostos particulares de cada veículo. O recorte temporal desse

estudo compreende os anos de 2014 e 2015, período em que houve a transição do governo

Roseana Sarney para o de Flávio Dino. Explicarei essa demarcação temporal com mais

detalhes nos próximos capítulos. Entendi também ser necessário apresentar um estudo de caso

para tratar mais detidamente as questões que proponho a analisar, relacionando as notícias

divulgadas sobre o Cajueiro com o risco iminente de deslocamento compulsório dessa

comunidade.

A escolha deste objeto de estudo se deve ao fato de ter percebido nos jornais de maior

circulação uma tendência a reproduzir uma perspectiva de desenvolvimento atrelada

exclusivamente ao crescimento econômico e, de certa forma, invisibilizando ou tratando de

forma transversal os impactos socioambientais decorrentes principalmente dos grandes

empreendimentos que se apresentam com a promessa de geração de empregos, capacitação e

assistência às comunidades. Esse discurso é comumente acompanhado de uma atribuição de

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responsabilidade ecológica a esses modos de produção que são altamente degradantes. Dessa

forma, a aceitação tanto dos grupos que serão ou são impactados quanto de uma parcela da

sociedade alheia a esses acontecimentos, é um dos fatores de maior importância para que tais

empreendimentos sejam consubstanciados e, portanto, exige a construção de uma imagem

positiva para evitar possíveis resistências quanto a sua instalação. Segundo Traquina (2005),

com a legitimidade da teoria democrática, os jornalistas poderiam expressar as diferentes

vozes no interior da sociedade que deveriam ser tidas em conta pelos governos e, como

vigilantes do poder político, poderiam proteger os cidadãos contra os abusos dos governantes.

Por isso, tendem a ser percebidos pela sociedade como fontes legítimas e mediadoras para a

consolidação da opinião pública através das quais as informações seriam absorvidas pela

maioria da população como sendo o discurso verdadeiro e inconteste.

Nesse contexto, a capacidade que os meios de comunicação possuem de enfatizar

algum tema e torná-lo centro de discussões no espaço público revela a sua importância no

cenário contemporâneo à medida que agendam temas de conversações que passam a fazer

parte do cotidiano dos indivíduos e aproximá-los de uma realidade que pode ser distante da

sua. Portanto, esse estudo é pertinente à medida que abre espaço para o debate sobre o poder

que a mídia tem de construir modos de pensar e de agir no indivíduo e como isso implica na

vida em sociedade, ou seja, convém analisarmos e criticarmos a postura do objeto a que se

destina essa responsabilidade social. Do ponto de vista prático e da problemática em questão,

essa crítica reflete nas ações de agentes, grupos e segmentos da sociedade que resistem aos

impactos socioambientais gerados pelos grandes empreendimentos e lutam por direitos

territoriais, culturais e sociais para que haja uma permanente reprodução das suas identidades

e do seu modo de viver. A elucidação dessas questões pode contribuir de um lado, para o

estabelecimento de um novo olhar acerca das questões que perpassam o campo ambiental para

uma parte da sociedade que está alheia a esses conflitos e, por outro lado, o entendimento de

que a divulgação das notícias sobre essa problemática em maiores dimensões fomentam na

população anseios por maiores esclarecimentos e consequentemente motivam a formação de

grupos de resistência e de movimentos sociais que lutam pelos seus direitos e fazem

contraponto aos modelos de exploração econômica da natureza.

Para que a pesquisa fosse possível, realizei trabalho de campo para entrevistas com

moradores de comunidades impactadas por grandes empreendimentos; observações sobre a

estruturação dos jornais e posicionamento dos moradores quanto à divulgação dos conflitos

existentes; experiência do Seminário Internacional Carajás 30 anos e o levantamento das

notícias sobre conflitos socioambientais no Maranhão contidas no banco de dados do

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GEDMMA. A revisão bibliográfica e a fundamentação teórica contemplam as discussões

sobre o campo jornalístico, as noticias e seus efeitos (TRAQUINA, 2005, 2008; WOLF),

relações da mídia com a política e o meio ambiente (BOURDIEU, 1997, 1998; COUTO,

2009; ASSIS, 2005); comunicação alternativa (GRINBERG, 1987; POSSEBON, 2011);

sociologia do jornalismo (NEVEU, 2006; CHAMPAGNE, 2012); ideologia do progresso, o

imaginário social em relação à natureza e às representações sociais (ASSIS, 2005); relação do

neodesenvolvimentismo, desenvolvimento e conflitos socioambientais (ZHOURI,

LASCHEFSKI, 2005, 2010; LISBOA, 2014; ACSELRAD, 2004), desenvolvimento

sustentável (MUNIZ, SANT‟ANA JÚNIOR, 2009); noções de saber local, relação entre

povos e grupos sociais tradicionais e território (ACSELRAD, 2010); a ambientalização dos

conflitos sociais (LEITE LOPES, 2004) e a Resex de Tauá-Mirim (MIRANDA, 2009). A

organização dos dados foi feita através de gráficos, quadros e pela seleção de notícias usadas

como exemplos descritivos de análise. Realizei entrevistas com moradores de áreas

impactadas pelos grandes empreendimentos: Bruno Alves Fernandes, de Arari e membro da

Rede Justiça nos Trilhos e Francivânia Alves Fernandes, do Taim e membro do curso de

educação ambiental do GEDMMA.

Estruturalmente, esta monografia está dividida em cinco capítulos: Introdução;

Reflexões Teórico-Metodológicas; A cobertura jornalística em relação aos conflitos

socioambientais no Maranhão; Um estudo de caso sobre Cajueiro e Conclusão.

Na introdução, apresento um panorama geral da monografia, o caminho traçado para a

delimitação do meu objeto, metodologia e algumas categorias utilizadas. O primeiro capítulo

é destinado a fazer uma discussão teórico-metodológica dos conceitos estudados, focando na

relação entre jornalismo e meio ambiente, está dividido em: Teorias de comunicação e

sociologia do jornalismo (confrontando o processo que leva um acontecimento a se

transformar em notícia e as imbricações econômicas, sociais e políticas derivadas deste),

Comunicação alternativa (delimitação do conceito e prática distintiva), Campo ambiental em

debate (apresentando a problemática dos conflitos socioambientais e colocando em questão o

papel da mídia no trato destes). No próximo capítulo – A cobertura jornalística em relação

aos conflitos socioambientais no maranhão (onde faço minhas considerações a partir do

conteúdo e histórico institucional dos jornais analisados), está dividido em quatro tópicos:

Análise das notícias nos jornais O Estado do Maranhão; Análise das notícias no Jornal

Pequeno (jornais de maior circulação do estado); Diálogos (traço a importância da opinião

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pública5 através das entrevistas realizadas) e Jornal Vias de Fato: vozes sufocadas

(contextualizando o surgimento e sua estrutura com as temáticas que não são abordadas nos

jornais tradicionais, destacando a importância desse tipo de fonte alternativa como ferramenta

de resistência). No quarto capítulo, Um estudo de caso sobre o Cajueiro (percebi a

necessidade de fazer um estudo comparativo do que é publicado sobre os conflitos existentes

nessa comunidade com o contexto de mobilização e aspectos políticos e ambientais que a

cercam). Por fim, as Considerações Finais (onde elenco os possíveis desdobramentos).

5 No caso de análise da opinião pública procurei especificar os canais através de entrevistas com pessoas das

comunidades impactadas.

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2 REFLEXÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS

Ao estudar a produção das notícias sobre conflitos socioambientais divulgadas nos

jornais maranhenses, busco entender o motivo que leva à pouca veiculação no que diz respeito

a essa temática e até mesmo à supressão ou destaque no conteúdo de características

importantes do acontecimento tais como, ocultação ou minimização dos impactos ambientais

e sociais, omissão dos nomes dos agentes e empresas responsáveis pelos conflitos, destaque

na notícia para fontes oficiais em detrimento dos relatos dos próprios moradores das

comunidades, as chamadas e títulos que geralmente apontam para a resolução e negociação

dos conflitos no âmbito da esfera jurídica e a tendência em enfatizar a importância que as

empresas potencialmente degradadoras do meio ambiente têm para a economia do estado.

Diante disso e da necessidade de ampliar o debate sobre o meio ambiente como uma fonte de

recursos naturais esgotáveis e, portanto, incompatível com as justificativas que “reforçam o

caráter predatório do sistema produtivo” segundo sinaliza Furtado (1974), fiz essa pesquisa a

fim de expor a forma como o discurso desenvolvimentista está presente nos conteúdos dos

principais jornais do estado do Maranhão e também para servir como uma ferramenta de

resistência para as comunidades que podem e devem exigir que suas demandas sejam

noticiadas de forma pertinente, para que outras pessoas possam compreender a gravidade

desses conflitos.

A pesquisa foi executada a partir de um diálogo entre teorias de comunicação social,

sociologia do jornalismo e dos debates acerca do campo ambiental, discutindo os principais

conceitos e categorias dessas áreas para associá-las com o conteúdo dos jornais e tentar

responder às questões propostas. Para melhor elucidar este capítulo, o dividi em três tópicos:

o primeiro elenca as teorias da comunicação necessárias para o entendimento desse estudo e

foca nas análises sobre o jornalismo, empresas de comunicação, fontes informativas e o

público, nos levando a uma reflexão sobre o poder dos jornalistas e dos meios de

comunicação, bem como o seu modo de operar; o segundo tópico sublinha o surgimento dos

jornais alternativos e sua importância para determinados grupos sociais e para a

democratização da informação; no último tópico, há uma contextualização dos debates que

ocorrem do campo ambiental no âmbito da mídia com a problemática existente no Maranhão.

2.1 Teorias de comunicação e sociologia do jornalismo

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13

O campo da comunicação social compreende um conjunto de teorias confusas segundo

os próprios estudiosos dessa área. No entanto, não interessa a esse estudo fazer uma

reconstituição histórica ou descrever minuciosamente esse quadro complexo de teorias, mas,

por outro lado, é necessário pontuá-las para entender como se articulam entre si.

Primeiramente, é importante evidenciar que este é um objeto em constante transformação ao

passo que acompanha as inovações tecnológicas do seu tempo. A era das redes digitais

propicia consequências inimagináveis para a transmissão das informações, a começar pela

rapidez em seu deslocamento e, nessas condições, Lima (2001) destaca três dessas

consequências: a) a concentração da propriedade da mídia, fato que alterou radicalmente a

política do setor e provocou um processo de oligopolização, ou seja, o controle do setor de

telecomunicações por um número ínfimo de empresas; b) a velha mídia – imprensa, cinema,

rádio e tv aberta – em detrimento com a nova mídia – computadores multimídia, bancos de

dados portáteis etc. – que amplia o número de alternativas ao espectador e acelera a tendência

de fragmentação (segmentação de audiência por ofertas de conteúdo direcionado) da mídia

impressa; c) um novo setor integrado que engloba as telecomunicações, a comunicação de

massa e a informática que abre espaço para novas formas de interatividade. Ademais,

continua ele, “outra decorrência é aquela ligada ao fato de que todas as teorias das

comunicações necessariamente contêm, implícita ou explicitamente, uma teoria social”. Esta

afirmação é sustentada pelo pressuposto de que “as relações comunicativas definem e

constroem o social, ajudam a constituir o político, medeiam as relações econômicas

produtivas, definem a própria tecnologia e dominam o cultural” (HALL Apud LIMA, 2001:

31). Estas colocações são para mencionar a necessidade de reformulações teóricas nesse

campo que acompanhem o seu contexto social. Por enquanto, continuaremos com as reflexões

já existentes. Lima (2001) nos apresenta os modelos teóricos identificados como manipulação,

que coloca o indivíduo como facilmente vulnerável aos meios de comunicação; persuasão,

onde as comunicações não são mais definidas como instrumento de manipulação, mas de

convencimento ou influência, modelo que aparece no contexto de redemocratização do

processo político no Brasil e a mídia tinha grande importância, sobretudo como construtora da

realidade pública; na função, as comunicações são adotadas como um sistema, um todo

integrado; o modelo de informação se preocupa com a eficácia da transmissão das mensagens;

linguagem, que trata fundamentalmente da questão da significação, dos sentidos e dos

diferentes modos de fazê-lo, modelo que se diferenciou pela prevalência de uma “cultura

contextualizada”; modelo da mercadoria, que tratou tanto de questões conceituais (código,

linguagem, mensagem, socialização, massa, público, sociedade de massa, cultura de massa)

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14

como sociológicas (efeitos da propaganda, opinião pública, integração) e ainda questões de

análise (conteúdo versus estrutura, meios e mensagem), no contexto de um Brasil autoritário

dos anos 1970; no modelo de cultura, busca-se a compreensão das representações e práticas

culturais que expressam os valores e significados construídos na relação entre a mídia e as

demais instituições; o modelo da comunicação como diálogo foi elaborado por Paulo Freire e

retoma um lugar importante nas teorias das comunicações com as potencialidades abertas

pelas novas tecnologias interativas.

Visto isso, a abordagem que pretendo utilizar na análise das notícias mostra as formas

de escrita jornalística como resultados de uma série de fatores interdependentes que

compreendem questões centrais das teorias de comunicação tais como as pressões impostas

pela própria profissão do jornalista, as formas organizacionais das empresas que são

vinculados, uma ordem de discurso específica e a dimensão do poder próprio desse campo.

Para começar, Traquina (2005: 22) nos responde à pergunta sobre o que é jornalismo dizendo

que,

É uma atividade criativa restringida pela tirania do tempo, dos formatos, e das

hierarquias superiores, possivelmente do próprio dono da empresa. E os jornalistas

não são apenas trabalhadores contratados, mas membros de uma comunidade

profissional que há mais de 150 anos de luta está empenhada na sua

profissionalização com o objetivo de conquistar maior independência e um melhor

estatuto social.

Em outras palavras, é uma profissão com liberdades reais, mas altamente condicionada

pelas horas de fechamento, pelas práticas restritas ao fator tempo, pelas hierarquias superiores

da empresa, pelos imperativos do jornalismo como um negócio, pela competitividade e pela

própria concorrência dos agentes internos. Por outro lado, por possuir uma “autonomia

relativa” tem poder, bem como os seus profissionais. Nesse sentido, não tem como

compreender porque as notícias são construídas, sem compreender a cultura profissional da

comunidade jornalística (TRAQUINA, 2005).

A preferência pelo conceito de “campo jornalístico” neste trabalho se deve ao fato de

entender a existência de um “campo” em consonância com Bourdieu (apud TRAQUINA,

2005: 27) que implica a existência de um número ilimitado de jogadores ou agentes sociais

que se mobilizam para suas estratégias de comunicação; como um prêmio (notícias) que esses

agentes disputam; como um grupo especializado que reivindica um monopólio de saberes

especializados sobre o que é notícia e sua construção. Traquina (2005) destaca três polos

desse campo: o polo ideológico, que define o jornalismo como um serviço público; o polo

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político que, eventualmente, perdeu forças para o polo econômico, ao passo que as notícias se

transformaram em produto de um mercado crescente para o desenvolvimento de empresas

altamente lucrativas. Nessa mesma linha de pensamento, uma definição importante é que as

notícias são uma construção social que contribuem ativamente na construção da realidade.

Ao fazer um recuo histórico sobre o desenvolvimento da imprensa, percebemos a sua

relação com o crescimento da industrialização e, concomitantemente, o aparecimento da

publicidade como uma nova forma de financiamento, fator bastante significativo para a sua

despolitização que, por sua vez, desencadeou o jornalismo que se apresenta como

privilegiando os fatos e não a opinião. Isto permitiria uma conquista de maior independência.

É necessário destacar aqui o advento da imprensa como “o quarto poder”6 que foi

impulsionada pelas teorias democráticas do século XIX e, particularmente, pelas ideias de

utilitaristas ingleses, também, do século XIX. Nesse contexto, a imprensa encontrou fortes

argumentos para conceber a opinião pública como um importante instrumento de controle

social e assim consolidando a legitimidade jornalística. Traquina (2005:48) escreve,

Com a legitimidade da teoria democrática, os jornalistas podiam salientar o seu

duplo papel: como porta-vozes da opinião pública, dando expressão às diferentes

vozes no interior da sociedade que deveriam ser tidas em conta pelos governos, e

como vigilantes do poder político que protege os cidadãos contra os abusos

(históricos) dos governantes.

Nesse papel de “vigilantes”, na teoria democrática, há um esboço do tipo ideal dos

membros desta comunidade interpretativa como sendo pessoas comprometidas com os valores

da profissão e que agem de forma desinteressada e sempre servindo à opinião pública e contra

o poder repressivo. Essa constelação de valores implica a) a liberdade, que diz respeito à luta

pela autonomia e independência dos profissionais em relação a outros agentes sociais e que

lhes confere credibilidade; b) objetividade, que nasceu da necessidade de interpretar o mundo

complexo a partir de procedimentos que lhes protegeriam de eventuais críticas ao seu trabalho

tais como, apresentar os dois lados da questão, apresentação de provas auxiliares e uso

judicioso das aspas como forma de prova suplementar ao inserir a opinião de alguém, a

estruturação da informação, ou seja, a escolha entre os fatos mais importantes ou interessantes

e, nesse caso, o jornalista pode afirmar que foi atrás das coisas mais materiais se responder à

formula familiar de que a notícia se preocupa: “quem”, “o quê”, o “quando”, o “onde”, o

6 Conforme encontramos em Traquina (2005), “no novo enquadramento da democracia, com o princípio de

“poder controla poder” (power checks power), a imprensa (os media) seria o “quarto” poder em relação aos

outros três: o poder executivo, o legislativo e o judicial.

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“porquê” e o “como”. Em outras palavras, é a objetividade que traça os métodos que o

jornalista deve seguir.

Erik Neveu (2006) nos alerta quanto ao fato de termos uma imprensa livre, mas que

não garante “mecanicamente um igual acesso ao debate público de todos os pontos de vista,

de todos os componentes da sociedade”. Fator preponderante observado nos estudos sobre

conflitos socioambientais no Maranhão e que eventualmente reflete a pouca divulgação de

notícias sobre essa temática nos veículos de maior circulação do estado, mas que será

demonstrado mais detalhadamente no próximo capítulo e nas falas dos entrevistados. Dessa

forma, Bourdieu (1998:95) tenta mostrar “como o campo jornalístico produz e impõe uma

visão inteiramente particular do campo político, que encontra seu princípio na estrutura do

campo jornalístico e nos interesses específicos dos jornalistas que aí vão se engendrando” e

faz críticas à intenção democrática de informar dos jornalistas ao pontuar a preferência destes

para o enfrentamento das pessoas ao invés do confronto entre seus argumentos colocando em

questão o “objetivismo” tão primado dos especialistas desse campo. E reforça que estão mais

interessados pelo jogo e pelos jogadores do que por aquilo que está em jogo, mais pelo efeito

político dos discursos do que por seu conteúdo, o que provoca uma ruptura com o ponto de

vista do público, ou ao menos parte dele. A esses efeitos, somam-se os da concorrência no

interior do campo, onde há uma tendência em privilegiar sem discussão a informação. Ainda

segundo Bourdieu (1998:113), a mídia é, no conjunto, um fator de despolitização, que age

prioritariamente sobre as frações menos politizadas do público. De acordo com ele,

A imprensa, o jornalismo escrito, tem uma posição estratégica. Ela pode oscilar para

o lado das forças do mercado [...] se submetendo a seus temas, seus personagens,

seu estilo etc. Mas a imprensa pode também, em vez de servir como repetidora da

televisão, trabalhar para difundir armas de defesa. Costumo dizer que uma das

funções da sociologia é ensinar uma espécie de judô simbólico contra as formas

modernas de opressão simbólica. A imprensa escrita deveria estar na linha de frente

neste combate contra a descerebração. E se me dirijo a jornalistas, não é, como se

vê, para denunciá-los, condená-los, culpá-los, mas, ao contrário, para convocá-los

para um combate comum, chegando assim à definição ideal da sua profissão, como

condição indispensável do exercício da democracia.

Mas, afinal, qual o papel do jornalismo na sociedade? Porque as notícias são como

são? Traquina (2005) tenta responder a essas questões através de algumas teorias7 do

jornalismo. Primeiramente, a teoria do espelho, oferecida pela própria ideologia profissional

7 Segundo Traquina (2005: 146), “o termo “teoria” é discutível, porque pode também significar aqui somente

uma explicação interessante e plausível, e não um conjunto elaborado e interligado de princípios e proposições.

De notar também que essas teorias não se excluem mutuamente, ou seja, não são puras ou necessariamente

independentes umas das outras.”.

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dos jornalistas, diz que as notícias são como são porque a realidade assim as determina. Nessa

teoria, os jornalistas tem o papel de observador e relator honesto dos acontecimentos, sem

emitir opiniões pessoais. Na teoria da ação pessoal ou teoria do “gatekeeper”8, uma das mais

persistentes, o processo de informação é concebido como uma série de escolhas às quais o

jornalista vai escolher determinada notícia ou não. Essa teoria analisa as notícias apenas a

partir de quem as produz: o jornalista, e ignora os aspectos organizacionais desse campo. A

teoria organizacional dá ênfase ao processo em que é sublinhada uma cultura organizacional e

não uma cultura profissional, tais como, a autoridade institucional e as sanções, os

sentimentos de obrigação e de estima para com os superiores, as aspirações de mobilidade, a

ausência de grupos de lealdade em conflito, o prazer da atividade e as notícias como valor. As

teorias de ação política debruçam-se sobre as implicações políticas e sociais da atividade

jornalística, o papel social das notícias e a capacidade do quarto poder em responder às

expectativas da teoria democrática, noutras palavras, as notícias servem os interesses políticos

de agentes sociais específicos. As teorias construcionistas concebem as notícias como uma

construção e elenca fatores que argumentam seu posicionamento, tais como a impossibilidade

de estabelecer uma distinção radical entre a realidade e os media noticiosos que devem refletir

essa realidade, a neutralidade da linguagem e a estruturação dos media noticiosos quanto à

representação dos diversos acontecimentos a partir de fatores pertinentes aos aspectos

organizativos do trabalho, limitações orçamentais e imprevisibilidade dos acontecimentos.

Discorda que as atitudes políticas dos jornalistas seja um fator determinante na construção das

notícias e mesmo afirmando que estas são construções, não implica dizer que são ficção. A

teoria estruturalista reconhece a “autonomia relativa” dos jornalistas em relação a um controle

econômico direto e seus autores defendem as notícias como um produto social resultante da

organização burocrática, estrutura dos valores-notícia e o próprio momento de construção da

notícia. Na teoria interacionista as notícias são o resultado de um processo de percepção,

seleção e transformação de um acontecimento em notícia dependente do fator tempo, pois o

jornalismo é uma atividade prática orientada para cumprir as horas de fechamento.

Visto as teorias jornalísticas e em consonância com estas, Wolf (apud Traquina

2005:190) “destaca que a rede de fontes que os órgãos de informação estabelecem como

instrumento essencial para o seu funcionamento reflete, por um lado, a estrutura social e de

poder existente e, por outro, organiza-se a partir das exigências dos procedimentos

8 Em Traquina (2005: 150), “gatekeeper refere-se à pessoa que toma uma decisão numa sequência de decisões;

foi introduzido pelo psicólogo Kurt Lewin num artigo, publicado em 1947, sobre as decisões domésticas

relativas à aquisição de alimentos para a casa.”.

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produtivos”. Nesse ponto, destacam-se dois fatores de escolha das fontes: a) a autoridade da

fonte, onde os jornalistas dão uma maior importância para fontes oficiais e que ocupam

posições institucionais de autoridade devido ao critério de confiança das pessoas; b) a

produtividade que está ligada à credibilidade dessas fontes, ou seja, associada principalmente

ao fornecimento de materiais suficientes para fazer a notícia e dessa forma, poupando tempo

dos jornalistas. A importância desses critérios e do fator tempo, de certa forma, responde à

pergunta sobre o porquê da preferência de algumas fontes e outras não, pois esta questão está

estreitamente ligada à eficácia, estabilidade no trabalho e autoridade que valida a notícia.

Desse modo, podemos dizer que, para que outras vozes, leia-se fontes, sejam ouvidas,

precisam ter uma dinâmica própria para chamar a atenção dos jornalistas.

Antes de atentar aos critérios de noticiabilidade, é necessário pontuar alguns conceitos

para compreender as notícias (TRAQUINA, 2008): a) o poder do jornalismo definido por

alguns estudiosos e introduzido a partir do conceito de agendamento (MCCOMBS; SHAW,

1972), sugere que, em investigações mais recentes, os media não apenas nos dizem no que

pensar, mas também em como pensar nisso e, consequentemente, o que pensar; b) a notícia

como construção refere-se aos efeitos dos media à “redescoberta do poder do jornalismo não

só para selecionar os acontecimentos. noticiáveis, mas também para enquadrar9 estes

acontecimentos”, definindo o jornalista como um “contador de estórias” no sentido de definir

as notícias como narrativas, embora não sejam fictícias e, nesse ponto, faz uma crítica à teoria

do espelho; a cultura jornalística é constituída como “uma constelação de crenças, mitos,

valores, símbolos e representações” que marcam a produção das notícias e formam a

“comunidade interpretativa”, com seu próprio modo de agir e de ver o mundo; o imediatismo

é condicionado pelo fator tempo e por isso, definido como um conceito que “decorre entre o

acontecimento e o momento em que a notícia é transmitida, dando existência a esse

acontecimento” e se exprime como eixo central desse campo devido às horas de fechamento

das empresas jornalísticas; o “ser profissional” se constitui na competência em saber

administrar esse tempo imposto pela rotinização do seu trabalho e que implica em reconhecer

os acontecimentos a partir dos seus critérios de noticiabilidade, os procedimentos que

orientam na recolha de dados, conhecimento das regras acerca das fontes de notícias e o saber

de estruturação da notícia mobilizando a linguagem jornalística; a “maneira de agir” que se

9 Em Traquina (2008:16) a definição do conceito de enquadramento utilizado aqui foi inicialmente utilizado por

Goffman (1975:10-11) como “uma ideia organizadora central para dar sentido a acontecimentos relevantes e

sugerir o que é um tema”. Para Gitlin (1980:7), “os enquadramentos dos media são padrões persistentes de

cognição, interpretação e apresentação, de seleção, ênfase e exclusão, pelos quais os symboll-handlers organizam

rotineiramente o discurso, quer verbal quer visual”.

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19

refere ao modo pragmático próprio desses agentes especializados atribuídos ao valor do

imediatismo.

Definidos os principais conceitos e formas de organização da cultura jornalística se faz

necessário também destacar os valores-notícia considerados pela ótica10

da cultura jornalística

como potencialmente noticiáveis. Tento sistematizá-los nos quadros abaixo, conforme Wolf

(1987), que apontou a presença desses valores no processo de seleção dos acontecimentos e

de construção da notícia, os quais estão divididos entre: “a) critérios substantivos que dizem

respeito à avaliação direta do acontecimento em termos da sua importância e b) os critérios

contextuais que dizem respeito ao contexto de produção da notícia” (TRAQUINA, 2008:78).

10

Para Bourdieu (1997: 12), “os jornalistas têm os seus óculos particulares através dos quais vêem certas coisas

e não outras, e vêem de uma certa maneira as coisas que vêem. Operam uma seleção e uma construção daquilo

que é selecionado (sublinhado acrescentado)” Citado por Traquina (2008: 77).

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Quadro 1: Critérios Substantivos

CRITÉRIOS SUBSTANTIVOS

VALORES -

NOTÍCIA DE

SELEÇÃO

IMPORTÂNCIA

Morte Um dos valores fundamentais para esta comunidade interpretativa, visto que se

inclui na lista das melhores “estórias”.

Notoriedade

Refere-se aos agentes ou instituições sociais que protagonizam o acontecimento.

Quanto maior o grau de hierarquia destes, maior o seu valor como notícia.

Geralmente, pessoas de elite.

Proximidade Dependendo da proximidade do acontecimento, o estabelecimento da notícia só

será viável se o caso for de extrema urgência ou de grande gravidade.

Relevância Responde à preocupação de informar ao público sobre acontecimentos importantes

que tem um impacto sobre a vida das pessoas.

Novidade Denota a importância da “primeira vez” nos acontecimentos jornalísticos.

Tempo

A demarcação da temporalidade serve como justificativa para assuntos novos, em

outras palavras, um tema que teve grande impacto na comunidade jornalística

serve de parâmetro para a publicação de outras notícias acerca do mesmo tema.

Notabilidade Esse valor nos alerta para a forma como o campo jornalístico está mais virado à

cobertura de acontecimentos e não problemáticas.

Inesperado Aquele que surpreende tanto a comunidade jornalística quanto o público.

Conflito Reflete a violência física ou simbólica, ao desvio da norma, sobretudo quanto se

trata de políticos.

Infração O crime, por exemplo. Quanto maior a violência do crime, maior a sua

noticiabilidade.

Escândalo Está associado ao valor da infração. Está mais associado ao mito do jornalista

como “vigia” das instituições democráticas.

Fonte: Traquina (2005)

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Quadro 2: Critérios contextuais CRITÉRIOS CONTEXTUAIS

VALORES-NOTÍCIA DE

SELEÇÃO

IMPORTÂNCIA

Disponibilidade

Facilidade que a empresa jornalística tem para fazer a cobertura do

acontecimento (meios disponíveis), principalmente levando em consideração o

fator de relevância do acontecimento.

Equilíbrio Relacionada à quantidade de vezes que a notícia já foi publicada em um curto

período de tempo.

Visualidade Considera os elementos visuais (fotos, filme), sobretudo no jornalismo

televisivo.

Concorrência A disputa pelo “furo de notícia”.

Dia noticioso

Há dias ricos em acontecimentos com valor-noticia e dias pobres. Acontece que

nos dias pobres de valor-notícia, acontecimentos de “pouca importância” podem

se destacar nas capas dos jornais.

Fonte: Traquina (2005)

No artigo “A visão mediática” publicado por Patrick Champagne em Bourdieu (2012),

Champagne faz um alerta quanto ao modo como a mídia focalizava os problemas sociais nas

grandes cidades. Segundo ele, há um tratamento deformado dos acontecimentos com vistas a

suprir interesses comerciais rentáveis e do próprio setor, o que consequentemente vai produzir

uma imagem de determinados grupos sociais igualmente distorcida. Por outro lado, a maneira

sistemática de agir dos jornalistas, fornece a esses grupos sociais elementos que lhes dizem

como fazer para chamar a atenção desses meios. Ainda segundo Champagne (2012: 75),

A mídia doravante faz parte integrante da realidade ou, se se preferir, produz efeitos

de realidade criando uma visão mediática da realidade que contribui para criar a

realidade que ela pretende descrever. Sobretudo as desgraças e as reivindicações

devem exprimir-se midiaticamente para vir a ter uma existência publicamente

reconhecida e ser, de uma maneira ou de outra, “levada em conta” pelo poder

público.

Dessa forma, percebemos a força que a expressão midiática tem para levantar questões

que serão inseridas no debate público e na hierarquia de problemáticas das instituições

governistas. Conhecer o modus operandi das empresas de comunicação, especialmente o

processo de construção das notícias nos veículos jornalísticos, é imprescindível para entender

como os inúmeros conflitos socioambientais existentes são ocultados por manchetes

sensacionalistas que interessam a grupos sociais bem específicos.

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2.2 Comunicação alternativa

No contexto em que a grande mídia opera com a construção de notícias por meio de

uma estrutura organizacional pressionada pelo poder político e econômico e por valores-

notícia baseados principalmente na “objetividade” e no “imediatismo”, os meios alternativos

de comunicação se tornam ferramentas importantes para tornar visível a demanda e a

problemática de grupos sociais que não são pautadas pelos jornais de maior circulação. Para

esta reflexão, uso como referencial o conceito de Grinberg (1987) que situa o alternativo

como uma “opção frente ao discurso dominante” 11

e destaco o contexto em que ele surge até

os desdobramentos atuais e a sua importância para a construção de uma comunicação mais

plural num cenário de intensas disputas políticas, econômicas e sociais, como são os casos de

conflitos socioambientais no Maranhão.

Os meios alternativos surgem a partir de práticas sociais que necessitam divulgar suas

mensagens segundo concepções diferentes das difundidas pelos meios dominantes, sempre

com o propósito de modificação da realidade, e que “ostenta uma diferença qualitativa” frente

ao discurso da grande imprensa (GRINBERG, 1987). No Brasil, no período do pré-golpe de

1964, setores da sociedade civil tais como ativistas de partidos políticos, intelectuais de

esquerda e classe jornalística fizeram frente ao Estado opressor em meio ao debate sobre a

concentração de terra, direitos trabalhistas, reforma agrária, organização dos trabalhadores

rurais e urbanos que clamavam por reformas de bases. Nesse contexto, é fundamental destacar

a aliança dos empresários e da classe média com o regime militar devido ao benefício

concedido a eles pela política desenvolvimentista em curso, com investimentos, sobretudo, no

setor de siderurgia e comunicações. Esse momento foi estratégico para os empresários

conquistarem o monopólio do mercado das comunicações e estabelecer segundo Cardoso

(2012:18-19),

A tensão permanente e antagônica entre o interesse de mercado e o interesse

público, prevalecendo sempre na história da imprensa brasileira a supremacia do

primeiro sobre o segundo, aprofundando-se as contradições frente aos princípios do

direito à informação, a liberdade de expressão e o interesse da sociedade. E ainda as

relações estreitas dos empresários de comunicação com o campo político,

aproximando-se ou distanciando-se dos grupos que estão no poder de acordo com as

conveniências, num autêntico fisiologismo mercantil na grande imprensa.

11

Nesse conceito utilizado pelo autor, ele se refere inicialmente aos meios alternativos como a “opção frente aos

grupos que usufruem, em proveito de setores privilegiados (econômicos e/ou políticos), a propriedade e/ou

controle dos meios de informação (GRINBERG, 1987: 21).

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No entanto, depois veio a censura institucionalizada pelo AI-512

, e a grande imprensa

se omitiu e conspirou contra a democracia brasileira forjando fatos, dados e informações de

mortes, sequestros, desrespeito à dignidade humana e sempre trazendo à tona notícias sobre o

progresso econômico do país, o que fez eclodir os tabloides configurados como alternativos.

Consoante ao contexto da ditadura, uma das principais características dos alternativos é o seu

confronto com a ideologia capitalista e que se torna um problema diante do cenário atual de

monopólio dos meios de comunicação por grandes empresários. Foram justamente os

militantes políticos, intelectuais de esquerda e os jornalistas que se opuseram ao regime

opressor da ditadura militar e o contexto em que se encontravam que deram origem a este tipo

de mídia, de modo que perdura na contemporaneidade a sua natureza contestatória em relação

tanto ao Estado quanto ao empresariado e instituições conservadoras (CARDOSO, 2012).

Atualmente há uma discussão pública sobre a necessidade da democratização dos

meios de comunicação no sentido de descentralizar o poder dos meios tradicionais de

comunicação, bem como o marco regulatório da mídia13

que não é bem visto pelos

empresários que detêm esse poder e políticos e se favorecem dele14

, mas que não objetiva

restringir a liberdade de imprensa da mídia e sim ampliar a participação da sociedade civil e

acesso a informações e notícias de qualidade. O embate se dá em torno dos que são contrários

ao marco regulatório, com a justificativa de que o mesmo irá ferir a liberdade de imprensa

defendida no artigo 220 da Constituição Federal, e aqueles que são a favor e desconsideram

essa justificativa com o argumento que a Constituição Federal proíbe o oligopólio dos meios

de comunicação.

12

Decorre dos atos golpe militar de 1964 com “fundamentos e propósitos que visavam a dar ao País um regime

que, atendendo às exigências de um sistema jurídico e político, assegurasse autêntica ordem democrática,

baseada na liberdade, no respeito à dignidade da pessoa humana, no combate à subversão e às ideologias

contrárias às tradições de nosso povo, na luta contra a corrupção.” disponível em: <www2.planalto.gov.br/>,

acesso em 20/03/2016. 13

Segundo o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), “Há pelo menos quatro razões

que justificam um novo marco regulatório para as comunicações no Brasil. Uma delas é a ausência de

pluralidade e diversidade na mídia atual, que esvazia a dimensão pública dos meios de comunicação e exige

medidas afirmativas para ser contraposta. Outra é que a legislação brasileira no setor das comunicações é arcaica

e defasada, não está adequada aos padrões internacionais de liberdade de expressão e não contempla questões

atuais, como as inovações tecnológicas e a convergência de mídias. Além disso, a legislação é fragmentada,

multifacetada, composta por várias leis que não dialogam umas com as outras e não guardam coerência entre

elas. Por fim, a Constituição Federal de 1988 continua carecendo da regulamentação da maioria dos artigos

dedicados à comunicação (220, 221 e 223), deixando temas importantes como a restrição aos monopólios e

oligopólios e a regionalização da produção sem nenhuma referência legal, mesmo após 23 anos de aprovação.

Impera, portanto, um cenário de ausência de regulação, o que só dificulta o exercício de liberdade de expressão

do conjunto da população.” disponível em: < www.fndc.org.br >, acesso em 20/03/2016.

14

Para mais esclarecimentos sobre Estado, mídia e oligarquia, ver Couto (2009).

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24

O conteúdo dos meios de comunicação alternativa difere principalmente no seu

discurso que, ao contrário dos meios de comunicação de massa, busca problematizar a

representação construída a partir de um tipo de inserção no mundo.

Dessa forma, partindo do pressuposto que “para a construção de uma sociedade

democrática é imprescindível o direito à informação e que este direito implica acesso à

diversidade de pensamento e também a possibilidade de gestão e produção de meios de

comunicação”, além do fato de que a ótica capitalista dos meios tradicionais de comunicação

“influencia de diferentes maneiras as leituras de mundo e as práticas políticas das

sociedades”, Possebon (2011: 2) nos propõe a refletir sobre jornalismo como um instrumento

de cidadania, concedendo voz aos que comumente não são considerados como fontes oficiais

e ratificando que a demanda pela qualidade dos jornais é crescente quando a sociedade é

portadora de direitos de cidadania e do acesso a uma maior diversidade de informações.

Importante lembrar também que, apesar de ser um meio que não se estende a todas as

camadas da população e de seu alcance ser bastante restrito, os meios alternativos tiveram

uma importância bastante significativa para abalar as forças da ditadura.

Diante dessas considerações, optei por utilizar o Jornal Vias de Fato como

representante dos meios alternativos no Maranhão para situar a sua importância para as

comunidades impactadas por grandes empreendimentos e entender a sua demanda pela

presença da mídia, principalmente, nos momentos de maior intensificação dos conflitos pois,

conforme apresentado nos resultados dos relatórios da bolsa de pesquisa (NOBRE, 2015,

2015), houve um aumento no número de manifestações15

das comunidades tradicionais,

indígenas e quilombolas reivindicando os seus direitos para atrair a atenção da mídia e,

consequentemente do poder público para as suas demandas e que, geralmente, só era

noticiado através de blogs e do jornal mencionado acima. Porém, não deixa de ser uma lógica

válida, conforme reafirma Mota (1987:47-49 apud POSSEBON, 2011:8),

Estes meios de comunicação cumprem duas funções junto aos movimentos sociais:

primeiro a de colaboração da mobilização e da organização, conscientizando os

movimentos sobre a importância de determinada luta e em segundo a de

potencialização, com o alcance de novos públicos, buscando repercussão junto à

sociedade civil.

2.3 Campo ambiental em debate

15

Refiro-me às paralisações das BR nos grandes centros urbanos, fechamento da Estrada de Ferro Carajás e ato

político em frente aos órgãos públicos.

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25

Atualmente, presenciamos as consequências das ações devastadoras oriundas da

degradação ambiental. O aquecimento da temperatura global se tornou nos últimos anos uma

das maiores preocupações no mundo e, com isso, mobiliza estudiosos, órgãos

governamentais, movimentos sociais e sociedade em geral a buscarem uma solução para que

esse problema não comprometa a vida das futuras gerações e do planeta. A institucionalização

dessa temática propiciou um clima de intensas discussões no âmbito dos recursos naturais

finitos, o que deu inicio a uma série de conferências na esfera da Organização das Nações

Unidas (ONU) para contemplar debates e acordos a cerca da necessidade de preservação e

melhoria do ambiente humano, desenvolvimento sustentável, estabelecimento de metas para a

redução das emissões de gases de efeito estufa e realização de projetos para a conservação da

diversidade biológica. Merece destaque a Conferência das Nações Unidas para o Meio

Ambiente Humano, mais conhecida como Conferência de Estocolmo, em 1972; a Conferência

das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, também denominada Rio-92,

realizada no Rio de Janeiro, em 1992, a abertura para assinaturas do Protocolo de Kyoto, no

Japão, em 1997, a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, conhecida como

Rio+10, realizada em Johanesburgo, na África do Sul, em 2002, e a Conferência das Nações

Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, Rio+20, realizada no Rio de Janeiro, em 2012.

No entanto, a noção de desenvolvimento sustentável adquire concepções distintas no que diz

respeito à formulação de políticas públicas de exploração da natureza, e prevalece a visão

hegemônica de sustentabilidade, que permitiria a conciliação entre os interesses econômicos,

ecológicos e sociais, sustentada pelo Relatório Brundtland16

que considera possível

compatibilizar desenvolvimento com preservação dos recursos e equilíbrios naturais. Nesse

sentido, Carneiro (2014) nos propõe a pensar essa noção a partir das relações de produção

capitalistas e seus impactos sobre as condições naturais apontando que a subordinação da vida

social a esse sistema de produção com necessidade de um volume sempre crescente de

mercadorias supõe um suprimento infinito de recursos naturais e de equilíbrio dos processos

ameaçados por essa produção. Nessa mesma lógica, há uma “adoção de estratégias de

racionalização para a redistribuição espacial das atividades produtivas de forma a maximizar

o aproveitamento das oportunidades de redução de custos” (CARNEIRO, 2014: 37). Dessa

forma, as atividades de alto impacto ambiental passam a se concentrar nos países pobres e

16

Relatório apresentado pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente, em 1987, composta por 21 países-

membros da ONU e presidido pela Senhora Gro Harlem Brundtland (Primeira Ministra da Noruega). Essa

Comissão propôs que o desenvolvimento econômico fosse integrado à questão ambiental, o que permitiria surgir,

assim, uma nova fórmula denominada desenvolvimento sustentável, a qual definiu „desenvolvimento

sustentável‟ como aquele que atende às necessidades dos presentes sem comprometer as necessidades das

gerações futuras. (MUNIZ; SANT‟ANA JÚNIOR, 2009:261).

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26

com populações de baixa renda que não possuem recursos econômicos e políticos para fazer

frente a esse processo. Sendo assim,

Estruturalmente incapaz de pensar as determinações da forma mercadoria das quais

emerge, a ideologia do desenvolvimento sustentável silencia a respeito do que se

desenvolve, tornando-se assim a doxa da questão ambiental, sendo assimilável para

quase todos os agentes envolvidos nas disputas pelos usos das condições naturais

possibilitando um sem-número de apropriações, de acordo com os diferentes

interesses e concepções em questão (CARNEIRO, 2014:41).

Outro fator preponderante nesse debate se refere à adoção de uma política

conservadora de ajuste econômico que tem conduzido meio ambiente e justiça social como

“barreiras ao desenvolvimento” no qual os problemas socioambientais são meros problemas

técnicos e administrativos passíveis de compensações, visão que é contraposta por Zhouri,

Laschefski e Pereira (2014) por entenderem que os conflitos ambientais extrapolam as

tentativas técnica e gerencial proposta por essa visão hegemônica de desenvolvimento

sustentável visto que a natureza foi convertida em uma simples variável a ser “manejada” para

não impedir o “desenvolvimento”17

. Decorre daí que projetos industriais tais como

siderúrgicas, mineração, monoculturas de soja e eucalipto, hidrelétricas são geradores de

injustiças ambientais na medida em que impõem riscos às camadas mais vulneráveis da

sociedade. Nesse sentido, a dinâmica de resistência que se coloca diante desses fatores

“merece ser questionada quanto à natureza das classes sociais e dos conflitos fundamentais

formados frente ao controle do sistema histórico de ação e de dominação social do espaço”

(ZHOURI, LASCHEFSKI E PEREIRA, 2014: 19), além de trazer à tona o discurso de

participação nas decisões sobre uso e ocupação do solo privilegiando segmentos restritos da

sociedade em razão do “jogo de forças” nos domínios econômicos, políticos e sociais. Assim

sendo, os múltiplos significados da noção de desenvolvimento a partir de uma lógica de

exploração da natureza são mais bem entendidos a partir do conceito bourdiano de campo, ao

empreender que as disputas internas referentes às relações de força e de poder dentro do

campo ambiental nos lega a possibilidade de compreender o posicionamento assumido pelos

atores de acordo com o lugar que cada um ocupa nessa estrutura (ASSIS, 2005), tais como

17

Para uma leitura crítica de desenvolvimento, ver Esteva (2000: 59-83). Para ele, essa palavra denota um

sentido evolucionista de que estamos progredindo porque estamos avançando segundo uma lei necessária e

inevitável. Metáfora que “deu hegemonia global a uma genealogia da história puramente ocidental, roubando de

povos com culturas diferentes a oportunidade de definir as formas de sua vida social” e que acaba se reduzindo

ao conceito de crescimento econômico.

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27

intelectuais, empresas, movimentos sociais, a mídia etc.18

. Essa é umas das questões-chave

que trabalho nesse estudo e que implica no levantamento de conflitos socioambientais no

Maranhão, visto que o discurso desenvolvimentista está imbricado em interesses políticos que

compreendem tanto o campo jornalístico quanto o campo ambiental.

Como já mencionei anteriormente, realizei pesquisas para a alimentação do banco de

dados do GEDMMA sobre o levantamento de conflitos socioambientais decorrentes da

crescente implantação de projetos de desenvolvimento, de políticas públicas e de atividades

econômicas social e ambientalmente degradadoras no estado do Maranhão. Os registros das

notícias eram feitos através de jornais impressos e páginas eletrônicas que tratavam

especificamente do assunto19

, buscando identificar os tipos de projetos de desenvolvimento e

as consequências socioambientais a partir de suas implantações. Dessa forma, percebemos

que os mesmos provocam grandes impactos negativos nos grupos sociais que residem ou

atuam na mesma área em que buscam se instalar, por dependerem dos recursos naturais lá

existentes, visto que são uma das principais fontes de sobrevivência para suas famílias. Outro

problema gerado por esses projetos é que os moradores atingidos muitas vezes são obrigados

a deixar suas moradias por ocupar lugares almejados por tais empreendimentos. Mas, muitos

deles, diante dessas situações, se mobilizam e formam movimentos de resistência para não

saírem do local ou contra impactos ambientais e sociais de atividades econômicas que lhes

são alheias, caracterizando, como muitos autores denominam, conflitos sociais que, em

algumas vezes, se realizam como conflitos ambientais. Dessa forma, podem ser

caracterizados, conforme Leite Lopes (2004) como “conflitos socioambientais”.

Mediante tais situações, tendo em vista que as diferentes concepções em relação ao

meio ambiente dos agentes e grupos sociais cujos interesses se confrontam, segundo Acselrad

(2004), são derivadas dos sentidos distintos que possuem em relação à natureza,

18

Segundo Bourdieu (1983:130), “(...) não existem instâncias que legitimam as instâncias de legitimidade; as

reivindicações de legitimidade tiram sua legitimidade da força relativa dos grupos cujos interesses elas

exprimem: à medida que a própria definição dos critérios de julgamento e dos princípios de hierarquização estão

em jogo na luta (...).” 19

As páginas eletrônicas analisadas eram: Rede Justiça nos Trilhos que é uma rede de articulação, mobilização e

resistência aos impactos sociais e ambientais causados pela Vale – uma das maiores mineradoras do mundo – ao

longo da Estrada de Ferro Carajás no Maranhão, tem relações com vários grupos atingidos bem como

associações e entidades que defendem os direitos humanos, sociais, econômicos, culturais e ambientais; Fórum

Carajás é “uma articulação de entidades do Maranhão, Tocantins e Pará cuja missão é acompanhar e monitorar

os impactos socioambientais dos grandes projetos”; Territórios Livres do Baixo Parnaíba é um blog destinado a

relatar a experiência dos colaboradores do mesmo nos locais impactados por grandes empreendimentos; e nas

páginas eletrônicas dos Ministérios Públicos Estadual e Federal na busca de processos em andamentos nos

devidos setores.

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Os objetos que constituem o “ambiente” não são redutíveis a meras quantidades de

matéria e energia, pois eles são culturais e históricos: os rios para as comunidades

indígenas não apresentam o mesmo sentido que para as empresas geradoras de

hidroeletricidade; a diversidade biológica cultivada pelos pequenos produtores não

traduz a mesma lógica que a biodiversidade valorizada pelos capitais

biotecnológicos etc. (ACSELRAD, 2004, p. 07).

Diante de tal consideração, podemos perceber, explicitamente, que são os diferentes

usos do meio ambiente que se relacionam diretamente com as diferentes concepções da

relação homem e natureza. Além disso, observa-se que, dentre esses conflitos, os grupos

sociais locais lutam pela sua área de moradia e uso por questão de sobrevivência, pois são

fundamentais para poder garantir o sustento de suas famílias. E, como o que está em questão é

a natureza, ela é o cerne dos conflitos, de modo que Acselrad considera, “que no processo de

sua reprodução as sociedades se confrontem a diferentes projetos de uso e significação de

seus recursos ambientais. Ou seja, o uso destes recursos é como sublinhava Georgescu-

Roegen, sujeito a conflitos entre distintos projetos, sentidos e fins” (ACSELRAD, 2004, p.

08). Em outras palavras, podemos dizer que todas essas situações se configuram como um

conflito ambiental. Conforme Acselrad afirma:

Os conflitos ambientais são, portanto, aqueles envolvendo grupos sociais com

modos diferentes de apropriação, uso e significação do território, tendo origem

quando pelo menos um dos grupos tem a continuidade das formas sociais de

apropriação do meio que desenvolvem ameaçadas por impactos indesejáveis –

transmitidos pelo solo, água, ar ou sistemas vivos – decorrentes do exercício das

práticas de outros grupos (ACSELRAD, 2004: 26).

Consoante Acserald (2004: 18), os conflitos ambientais gerados por disputa de

“apropriação do mundo material”, podem ocorrer tanto por controle do território, ou seja,

“pelo acesso e uso dos recursos naturais decorrente da dificuldade de se definir a propriedade

sobre os recursos”, assim como, atrelados a essa questão, outras práticas sociais podem

causar, também, “impactos indesejáveis” ao meio ambiente, o que gera “conflitos por

distribuição de externalidade”20

, isto é, conflitos em que “o desenvolvimento de uma

atividade comprometa a possibilidade de outras práticas se manterem” (ACSELRAD, 2004:

25), este se daria pelos efeitos causados pelas práticas sociais.

Dentre os grandes projetos no Maranhão, podemos destacar a atuação do Programa

Grande Carajás, instalado pelo governo federal em 1980, no sudeste do estado do Pará, no

20

Na ciência econômica, externalidade pode ser definida como aqueles fatores que não entram no cálculo do

processo produtivo, como, por exemplo, os efluentes líquidos e gasosos de um empreendimento industrial ou

fertilizantes e herbicidas que atingem cursos d‟agua em função de sua utilização na agricultura, fazendo com que

os ganhos do processo produtivo sejam mantidos privadamente, pelos empreendedores, e seus custos ambientais

sejam socializados (MARTÍNEZ ALIER, 2007).

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oeste do Maranhão e no norte de Tocantins21

, com o objetivo principal de garantir a

exploração e comercialização das gigantescas jazidas de minério de ferro localizas na Serra de

Carajás, no Pará, além de procurar dinamizar a economia da Amazônia oriental, incentivando

outras atividades econômicas, o que levou o estado a implantar a infraestrutura para que

pudesse ser feita a exploração e o escoamento da produção mineral, agropecuária, florestal

dos referidos, assim como de outros estados vizinhos. Compôs esse Programa a construção da

Estrada de Ferro Carajás (EFC), do complexo portuário de São Luís, da Hidrelétrica de

Tucuruí e de um vasto conjunto de estradas de rodagem22

. Mais recentemente, se articulam a

esse conjunto de empreendimentos de infraestrutura, a Hidrelétrica de Estreito e a

Termelétrica do Porto do Itaqui, entre outros.

Em decorrência dessas implantações que partiram de iniciativas governamentais e

privadas, surgiram consequências socioambientais que atingiram diretamente o modo de vida

de populações locais nas áreas envolvidas.

Com base na Constituição Federal de 1988, na legislação ambiental brasileira e na

legislação referente a direitos territoriais de quilombolas e indígenas, muitos destes povos e

grupos sociais reivindicam seus direitos, intensificando conflitos socioambientais. Conflitos

estes que são baseados no confronto a um modelo neodesenvolvimentista que, mesmo

incorporando noções como “desenvolvimento sustentável, sustentabilidade, responsabilidade

social e ambiental”, causa grandes impactos socioambientais. Nos resultados desse

levantamento, observei que são poucas as notícias veiculadas quando comparadas à realidade

de conflitos socioambientais no Maranhão, constatada através de inúmeras pesquisas

acadêmicas e investigações de jornalistas em websites que tratam desta temática em

específico. Apesar disso, no ano de 2015 houve um gradativo aumento da veiculação desse

tipo de notícias, sendo que algumas delas difundidas por mais de uma fonte. No entanto, há

uma diferenciação que deve ser destacada: a maioria das notícias divulgadas sobre esses

conflitos são encontradas em fontes que tratam especificamente da temática, ou seja, a

divulgação destes, feitas nos jornais ou telejornais de grande circulação no Estado ainda é

pouca e requer uma maior expressividade e representatividade por parte dos jornais que

abrangem um maior número populacional. Outro fator importante percebido durante as

análises das notícias foi que nesse período em questão houve um maior envolvimento por

parte dos órgãos públicos como o Ministério Público Federal e Estadual no que se refere ao

21

À época, ainda era norte de Goiás, pois a divisão dos dois estados somente ocorreu em 1988. 22

Apesar de ter sido extinto oficialmente em 1991, pelo então presidente Fernando Collor, as consequências do

Programa continuam atuando expressivamente na Amazônia oriental brasileira.

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cumprimento de normas ambientais vigentes e à aplicação de penalidades às empresas

poluidoras, inclusive, penas que se estenderam ao próprio Estado. Nota-se também, em alguns

casos, notícias que não apresentam um melhor detalhamento dos fatos podendo interferir de

maneira errônea na conclusão do público. Observei, também, que a população atingida tem

reivindicado com maior frequência seus direitos diante dos órgãos públicos. Diante disso, é

notório perceber a incidência do maior número de divulgação nos principais jornais locais e

pelas páginas eletrônicas que tratam acerca dessas questões. Com isso, pressupõe-se que essas

divulgações são motivadas devido a maior procura por parte da população atingida em

reivindicar seus direitos. Logo abaixo, fiz um quadro ilustrativo do mapeamento realizado nos

anos de 2014 e 2015 através das notícias tanto dos jornais de maior circulação quanto das

fontes alternativas e sites específicos.

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Quadro 3: Levantamento de conflitos socioambientais feita a partir das noticias levantadas

para o banco de dados do GEDMMA CONFLITOS AGENTES ENVOLVIDOS REGIÃO/MUNICÍPIO

Poluição ambiental, deslocamento

compulsório, danos à saúde e

interferência no modo de vida local

Comunidade Piquiá de Baixo;

Siderúrgica Gusa Nordeste; Vale.

Açailândia (Oeste Maranhense)

Luta de resistência por permanência

na moradia

Comunidades tradicionais; Alcoa. Zona Rural de São Luís (Norte

Maranhense)

Intimidação aos moradores por

milícia armada, impactos

ambientais, sociais, derrubada de

casas sem ordem judicial, ameaça à

Reserva Extrativista de Tauá-Mirim

Comunidade Cajueiro; WPR

engenharia

Zona Rural II de São Luís (Norte

Maranhense)

Alagamento de casas e piora na

qualidade de vida

Moradores; Via expressa Aglomeração Urbana de São Luís (Norte

Maranhense)

Revisão do processo de

licenciamento ambiental

Ministério Público; Alumar São Luís (Norte Maranhense)

Danos ao meio ambiente e a saúde

da população

Ministério Público Federal;

IBAMA; Porto do Itaqui

São Luís (Norte Maranhense)

Desocupação de área de mangue Prefeitura de São Luís; moradores São Luís (Norte Maranhense)

Invasão de terras indígenas,

desmatamento e extração ilegal de

madeira e assassinato

Madeireiros; indígenas Terras indígenas Cumarú e Carú, Santa

Luzia do Paruá, Centro do Guilherme

(Oeste Maranhense) e Grajaú (Centro

Maranhense)

Impactos ambientais ao leito do Rio

Munim, em áreas de preservação

ambiental e danos à saúde dos

moradores

Moradores; Magropel Presidente Juscelino (Norte Maranhense)

Inviabilidade técnica, ambiental e

econômica

Ministério Público Federal; Usina

Hidrelétrica de Estreito

Estreito (Sul Maranhense)

Regularização de terras, violação

dos direitos humanos, impactos

socioambientais devido à Estrada de

Ferro Carajás

Quilombolas; Vale e outras

mineradoras

Itapecurú-Mirim, Santa Rita, Rosário,

Anajatuba (Norte Maranhense)

Danos sociais, econômicos,

impactos ambientais, deslocamentos

compulsórios

Comunidades; Refinaria Petrobrás Bacabeira (Norte Maranhense)

Risco ambiental, descumprimento

do Termo de Ajuste de Conduta

(TAC), interferência no modo de

vida local e danos à saúde

Moradores; Complexo termelétrico

Eneva

Santo Antônio dos Lopes (Centro

Maranhense)

Regularização de terras, impactos

socioambientais

Índios; Quilombolas; INCRA Baixada Maranhense; Codó, Parnarama

(Leste), Santa Inês (Oeste), Pirapemas

(Norte)

Falta construir viadutos, rachaduras

nas casas e assaltos devido à espera

da passagem do trem

Moradores; Suzano Povoado João Lisboa – Imperatriz (Oeste

Maranhense)

Fonte: Sistematização feita pela autora

Com base nos resultados apresentados acima, entendi que embora os resultados sejam

parciais, devido ao andamento das pesquisas em constante processo, os conflitos continuam e

está sendo dada continuidade ao levantamento e mapeamento de conflitos já existentes. A

cada etapa de pesquisa, o banco de dados se mostra como uma ferramenta necessária para a

divulgação dos conflitos. Esses conflitos muitas vezes não são divulgados de forma coerente

ou até mesmo se tornam invisíveis para alguns meios midiáticos, até mesmo por conta de

alguns apresentarem nas suas características empresariais e organizacionais condicionantes

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que favorecem interesses políticos e/ou econômicos que se sobressaem aos interesses dos

cidadãos, que vêm constantemente os seus direitos garantidos pela Constituição feridos de

forma arbitrária e, geralmente, não contam com a ajuda do Estado. Para Zhouri e Samora

(2014: 169), “o mapeamento dessas lutas apresenta a afirmação de sujeitos que, longe de se

constituírem como vítimas, nomeiam-se como protagonistas de suas histórias, as quais se

constroem, em grande medida, vinculadas às formas de ser-fazer territorializadas e à

resistência aos processos expropriadores”. A importância do mapeamento dos conflitos

ambientais para a dinâmica de visibilidade dos mesmos vem sendo colocadas em prática em

outros estados, tais como: “O mapa dos conflitos ambientais do Rio de Janeiro”, lançado em

2004 e divulgado por meio de um CD-ROM e o “Mapa das Injustiças e da Saúde do Brasil”,

desenvolvido pela FASE e pela Fiocruz. Essa prática tem como objetivo “dar visibilidade e

apoiar a luta de inúmeras pessoas e grupos atingidos em seus territórios por projetos e

políticas baseadas numa visão de desenvolvimento considerada insustentável e prejudicial à

saúde por tais populações, bem como movimentos sociais e ambientalistas parceiros”

(http://www.conflitoambiental.icict.fiocruz.br/).

As mobilizações observadas se devem, conforme os noticiários indicam, à população

agir em defesa de seus direitos, principalmente as comunidades atingidas, aquelas que são

diretamente impactadas por tais empreendimentos, os quais tiram dos moradores locais os

seus meios de sobrevivência, os recursos naturais utilizados pelos grupos sociais, além de

desconsiderar a questão de identidade local. Consequentemente, mobilizam-se como forma de

resistência aos empreendimentos econômicos que estão instalados, em processo de

implantação ou em via de instalação no estado. No processo, o trabalho continua sendo

desenvolvido buscando notícias nos principais jornais impressos e/ou páginas eletrônicas.

Como veremos adiante, essas mobilizações possuem um objetivo bem específico que é

o de chamar a atenção da mídia, da sociedade alheia a certos acontecimentos e,

consequentemente, dos governantes, dado a importância que os meios de comunicação de

massa desempenham papel primordial como principais fontes de informação para uma

expressiva camada da população e contribuem significativamente para a pauta de discussão

pública como sublinha Oliveira (2011, disponível em: <www.jornalismoambiental.org.br/>

Acesso em: 22/03/2016), “pode-se inferir que a influência dos meios de comunicação tem o

poder de levar a humanidade a tomar conhecimento dos problemas sócio-ambientais e a

procurar rediscutir os seus modelos de desenvolvimento e de atuação no meio ambiente.” Por

meio dos jornais, a questão ambiental tem chegado ao conhecimento de segmentos sociais que

antes não tinham contato com o tema, até mesmo pela forma restrita com que era tratado, pois

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circulavam apenas nos espaços acadêmicos ou seminários e publicações especializadas. No

entanto, acrescenta:

A atuação da mídia enquanto construtora do conhecimento e sua interface com a

educação ambiental, não vem acompanhando as reais necessidades da sociedade e

do meio ambiente. O seu interesse voltado para os assuntos ambientais é

invariavelmente determinado por circunstâncias trágicas: vazamentos de óleo,

enchentes, estiagens, queimadas, furacões e terremotos são o que merecem lugar de

destaque nos noticiários. O que de certa forma é correto. Mas ainda falta-lhe

perceber a urgência de abrir espaço para novas pautas que cumpram o objetivo de

tratar da problemática sócio-ambiental de maneira interdisciplinar. O que

presenciamos é uma cobertura viciada numa ética que não é a do cuidado (BOFF,

1999), nem a da responsabilidade (CAVALCANTI, 2006).

Nesse ponto, questiona-se a função social da mídia à medida que necessita abordar de

uma forma mais problemática a questão ambiental refletindo interesses coletivos sendo que,

para haver maior pressão social e política em torno do tema, é necessário garantir, através da

mídia, uma informação mais consistente ao público.

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3 ABORDAGEM DOS CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS NA COBERTURA

JORNALÍSTICA

Este tópico é destinado às análises das notícias levantadas nos jornais O Estado do

Maranhão e Jornal Pequeno, veículos de grande circulação no estado, e do Jornal Vias de

Fato, canal alternativo de informações. A escolha do recorte temporal que compreende os

anos de 2014 e 2015 foi definida por ser um período de transição do governo Roseana Sarney,

que fechou um ciclo mais de meio século com pouca ou quase nenhuma alternância de grupos

políticos no governo estadual, para o de Flávio Dino. Essa definição tem sua importância à

medida que o Jornal Pequeno adota uma postura antissarneysta e dessa forma, nos lega a

possibilidade de observar comparativamente os seus conteúdos em relação aos sentidos

atribuídos nas notícias à política de ambos os governos. Ademais, busco pontuar as

características organizacionais e de poder que são próprias a esse campo, ressaltando o tipo de

debate que é levado ao espaço público a partir das informações divulgadas e focalizando na

problemática dos conflitos socioambientais.

No que diz respeito ao Jornal Vias de Fato, destaco sua importância como ferramenta

de visibilidade para grupos e problemas sociais que não têm espaço na grande mídia, tal como

as comunidades impactadas por grandes empreendimentos. Nesse sentido, coloco em questão

a necessidade da democratização dos meios de comunicação que implique na diversidade de

pensamentos.

Para facilitar o entendimento das análises do conteúdo, observei os quatro conflitos

que tiveram mais destaque nesse período em questão (o conflito no território Awá, na

comunidade Piquiá de Baixo, dos quilombolas ao longo da Estrada de Ferro Carajás e a

tentativa de construção da Refinaria Premium I em Bacabeira) e busquei nas notícias dos três

jornais para verificar os elementos considerados no campo jornalístico para que um

acontecimento se torne notícia, a sua relação com o discurso político do governo estadual. Ao

final do capítulo, faço uma conexão entre o que foi constado nas notícias com as entrevistas

feitas com moradores de locais ameaçados para identificar a importância que a mídia tem para

eles em seus contextos sociais.

3.1 Análise das notícias no jornal O Estado do Maranhão

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35

Segundo consta no histórico da sua página institucional na internet23

, o jornal O

Estado do Maranhão foi fundado em 1º de maio de 1959, então com o nome de O Dia, pelo

empresário e político Alberto Aboud, com uma proposta inicial de ser "um órgão a serviço da

verdade" conforme afirma texto publicado em sua primeira edição. No entanto, só recebeu

esse nome quando o governador José Sarney e o poeta Bandeira Tribuzi, assumiram o

comando do periódico. Atualmente é “composto por mais de 35 profissionais em sua equipe,

entre repórteres, editores, colunistas, redatores e revisores e dispõe de 28 estações de trabalho,

além de ter periodicidade diária e formato standart”. Tem como redator, Clóvis Cabalau.

Atribui para si as características de ser um “jornal que valoriza seu leitor e seus anunciantes”

e de “liderança incontestável”, apresentando dentre todos os jornais com circulação diária na

Grande São Luís, 64,34% de penetração máxima entre os leitores com nível superior

completo. Acompanhando o ciclo de modernização dos veículos midiáticos, possui também

assinatura digital através da qual podemos ter acesso ao conteúdo do jornal impresso -

ferramenta pela qual fiz a presente pesquisa. Por fazer parte do Sistema Mirante de

Comunicações, de propriedade da família Sarney, opera dentro do regime de propriedade

cruzada24

.

O jornal possui regularmente 18 cadernos que vão de aspectos da nossa cidade à

(sic) notícias do Brasil e do mundo, citarei os que considero mais importantes:

Primeiro caderno – inicia com a página do jornal onde estão as chamadas das

principais notícias do Maranhão, Brasil e do mundo; Caderno Cidades – mostra tudo

o que acontece nas ruas, nos bairros e nas comunidades em formato dinâmico e

editorial; Alternativo - movimenta a cena cultural do Maranhão mostrando

entretenimento, shows, cinema, teatro, exposições, festas, noite, sociedade e etc.,

com periodicidade de terça a domingo; O mundo – traz as principais notícias

internacionais estão na editoria O Mundo; O País, com as notícias do Brasil e

também possui periodicidade diária; Política – mostra o cenário político do Brasil e

do mundo; Polícia - os destaques policiais do dia; Economia - o cenário e as análises

da economia brasileira e internacional; Portos – com os serviços e notícias que

movimentam o dia-a-dia dos portos e terminais hidroviários do Maranhão. PORTOS

é um importante diferencial, já que São Luís possui o 2º maior complexo portuário

do país. Possui periodicidade de terça a sábado; Vida - espaço diário de variedades,

com os mais diversos temas: moda, design, tecnologia, bem-estar, saúde e tudo o

que faz a diferença e seja útil para viver melhor. Periodicidade de terça a sábado;

Geral - notícias locais e nacionais são os destaques nesta editoria; Classificadão - o

maior caderno de classificados do Maranhão oferece os mais variados formatos de

anúncios que destacam ainda mais o produto no mercado, trazendo resultados que

parecem mágica. Com formato tabloide; Na Mira - suplemento jovem que traz

novidades, a agenda do fim de semana, além de matérias e temas que interessam ao

jovem. Todos os cadernos que não especificam a periodicidade, é porque são diárias

(sic) (IMIRANTE, 2016).

23

Disponível em <http://imirante.com/oestadoma/> Acesso em 19 de março de 2016. 24

Segundo Cardoso (2012: 38), o regime de propriedade cruzada é “quando um mesmo grupo, dono ou empresa

são detentores da concessão e posse de diferentes tipos de mídia simultaneamente.”.

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36

No que vislumbra o comprometimento do jornal mencionado com as questões

políticas, Couto (2009) sublinhou em seu trabalho a estratégia política desse grupo dominante

na política do Maranhão de utilizar os meios de comunicação como instrumento de

manutenção de poder, centrada, sobretudo, no seu maior expoente, José Sarney. Fator que

pode ser percebido no contexto de produção do filme “Maranhão 66”25

, encomendado por

Sarney à época de sua posse como governador do estado, em 1966, com a expectativa de

destacar as belezas do Maranhão e divulgar suas ideias e reforço da sua influência política

também no cinema. O anúncio de um “Maranhão Novo”26

denotava o projeto de

desenvolvimento em contraposição ao atraso deixado pelos seus antecessores vitorinistas27

e

como continuação do legado, Roseana Sarney Murad, filha de José Sarney – que assumiu o

cargo de governadora, por dois mandatos entre 1995 e 2002, e por mais dois mandatos, a

partir 2009, no lugar de Jackson Lago que foi cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE),

até 2014 – continuou promovendo os discursos de progresso e desenvolvimento destacados no

impresso da família. Segundo Reis (2012:75),

No cenário político cada vez mais dominado pela eficiência da publicidade, Roseana

tenta simular um Maranhão imerso em vertiginoso surto de crescimento, a partir dos

investimentos federais alardeados com bastante estardalhaço. A euforia que nestas

circunstâncias costuma tomar conta de círculos empresariais, políticos, donos de

construtoras, lobistas e intermediadores de todo tipo (e de todo preço), além da

imprensa publicitária, com as promessas de redenção econômica e social, não

esconde a antiga concepção de desenvolvimento predatório, pouco preocupado com

as populações, os impactos ambientais, o destino das cidades. Tudo se dilui em

números e projeções espetaculares.

Nesse sentido, observamos certa exaltação por parte deste jornal aos grandes

empreendimentos instalados ou em vias de instalação no Maranhão, desde a época de sua

primeira edição com o nome já trocado para O Estado do Maranhão. Na primeira manchete de

destaque: “Siderurgia em São Luis: indústria pesada virá para Itaqui”.

25

Maranhão 66 é um filme em forma de documentário produzido por Glauber Rocha, um dos integrantes mais

importantes do cinema novo na década de 1960. De acordo com as críticas, ao invés de filmar uma celebração

vitoriosa, Glauber mostrou em sua obra um prenúncio do que viriam a ser os próximos anos de governo do então

eleito. Ao inserir imagens da miséria no Maranhão deixada pelo governo anterior em contraste com o discurso de

desenvolvimento do governador José Sarney, levanta um questionamento para a posterioridade sobre as

mudanças prometidas naquele momento e o que tinha sido feito de fato para mudar a realidade social durante o

seu período de governo. 26

Slogan do programa de governo do então governador José Sarney. 27

Vitorinistas é como eram denominados os partidários de Vitorino Freire, principal líder político do Maranhão

antes da ascensão de José Sarney.

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37

Figura 1: Primeira edição do jornal O Estado do Maranhão – 01 de maio de 197328

Fonte: Costa (2008).

Assim como relatado no capítulo anterior, o mesmo discurso desenvolvimentista

adotado pelos militares que preconizavam grandeza e prosperidade que nunca se efetivaram

significativamente na vida da maioria da população maranhense (CARDOSO, 2012) e que

atualmente ainda é adotado com muita frequência na construção das notícias do jornal,

principalmente quando se trata dos grandes empreendimentos instalados no Maranhão.

Destaco três notícias que exemplificam essa afirmação e aproveito para destacar os valores-

notícias presentes nestas:

1) No dia 22 de março de 2014, publicada no caderno de política e com o título

“Deputado destaca importância da Suzano”, o Deputado Carlinhos Amorim (PDT) na tribuna

da Assembléia Legislativa fala sobre a inauguração da Fábrica de Celulose da Suzano em

Imperatriz que contou com a presença da presidenta, governadora, prefeitos, ministros,

deputados e lideranças políticas de todo o estado. Ressalta ainda o investimento bilionário e a

geração de empregos e capacitação para os maranhenses. Em sua fala, diz que “O Maranhão

ganha com o megaempreendimento, que gerou preocupações ambientais, porque foi edificada

às margens do rio Tocantins”. No entanto, em momento algum da notícia é colocado sobre os

impactos ambientais resultantes desse empreendimento. Ao contrário, ressalta-se apenas a sua

28

Figura retirada do artigo “As origens do jornal O Estado do Maranhão” em Costa (2008).

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38

importância econômica em termos financeiros. Nesse caso, podemos perceber facilmente os

critérios adotados na construção da notícia: a referência aos agentes políticos que

protagonizam o acontecimento, a importância da grandiosidade do que é relatado que promete

impactar a vida das pessoas, a facilidade da cobertura pela empresa jornalística por se tratar

de um lugar de “bom” acesso, o destaque frequente que a construção de grandes

empreendimentos geram como temática e a não problematização do acontecimento remetem

aos valores-notícias de notoriedade, relevância, disponibilidade, tempo e notabilidade,

respectivamente.

Figura 2: Notícia do jornal O Estado do Maranhão, publicada em 22/03/2014

Fonte: Jornal O Estado do Maranhão

2) No dia 13 de março de 2014, publicada no caderno Cidades e com o título “Projetos

contribuem com melhoria da qualidade de vida em municípios”, a notícia descreve a execução

de projetos em comunidades situadas na área de interferência direta das obras de expansão de

capacidade logística da Vale e que beneficiam milhares de pessoas, característica fundamental

para empresas de grande porte que querem se destacar no mercado atualmente, pois remete a

uma preocupação social nas áreas em que estão presentes e que favorece a certificação

ambiental29

, com vistas a garantir uma boa imagem ao consumidor. No conteúdo dessa

29

Segundo o Conselho Nacional de Defesa Ambiental (CNDA) no que se refere às certificações ambientais, “A

ecoetiqueta normalmente é apresentada em forma de selo, que colado nos produtos ou agregados à marca da

empresa, indica que ela e/ou seus produtos ou serviços não prejudicam a vida, não degradam o planeta e são

aprovados pela população. Sendo uma forma de comunicação visual para divulgar para o mundo e para os

consumidores, a participação da empresa e das suas marcas no processo de desenvolvimento sustentável. Serve

para conquistar novos mercados, para incrementar vendas e para educar a população sobre processos produtivos

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39

notícia, intriga os detalhes, onde se destacam mais cinco projetos, todos citados com os seus

objetivos e que por sua vez nos denota a facilidade que a empresa jornalística tem de obter

meios de informação com uma fonte confiável que apresenta dados pontuais sobre o

acontecimento. O valor-notícia principal: disponibilidade.

Figura 3: Notícia do jornal O Estado do Maranhão divulgada em 13/04/2014

Fonte: Jornal O Estado do Maranhão.

3) No dia 29 de agosto de 2014, no caderno Portos e com o título “Empresas instaladas

na zona portuária de São Luís divulgam atividades sociais”, discorre sobre o seminário que

avaliou projetos sociais da termelétrica Itaqui e Ibama, também realizados nas áreas

impactadas pelos empreendimentos industriais. Nesse evento, a administração do Porto do

Itaqui lançou livro com diagnóstico da área Itaqui-Bacanga. O seminário foi promovido pela

Eneva e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O

evento, ainda conforme a notícia, é uma medida de compensação exigida pelo licenciamento

ambiental conduzido pelo Ibama que, segundo o presidente do Itaqui, Júlio Cézar Marcante,

“é uma oportunidade especial para discutir as ações socioambientais pelo Itaqui”. A notícia

ainda ressalta as ações desenvolvidas pela Eneva e os avanços com a obtenção do Selo de

Agricultura Familiar. A sua formatação é bastante extensa e possui caráter bem descritivo

envolvendo as ações positivas dos empreendimentos e finalizando com as medidas de

sustentabilidade adotadas por estes. Os critérios de noticiabilidade que se destacam são

benéficos para o planeta conduzindo-a para a aquisição de produtos e serviços amigáveis.”

(http://www.cnda.org.br/html/certificacoes.asp).

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justamente os de notoriedade, disponibilidade, relevância e visualidade. Este último aspecto

pode ser observado na figura abaixo onde uma imagem aérea da área industrial (denotando

grandeza e riqueza) é colocada junto ao enunciado e, desse modo, estrategicamente discursiva

para a consolidação do imaginário social quanto à ressignificação da natureza.

Figura 4: Notícia divulgada no jornal O Estado do Maranhão, publicada em 20/08/2014

Fonte: Jornal O Estado do Maranhão.

Desse modo, ocorre que a percepção de que algumas notícias são divulgadas como

uma espécie de publicidade positiva de determinadas empresas com finalidade de visibilizar

projetos políticos de governo, o que se relaciona com a afirmação de Assis (2005:50-51), que

Compreende a publicidade como receptáculo dos discursos que circulam no interior

do campo ambiental (...) que extrapola o texto propriamente dito e se conecta com

outras esferas da vida social distribuindo novos sentidos, atualizações e ocultações

que influenciam a constituição dos imaginários sociais.

No caso da estruturação das notícias nos jornais, ganham destaque para as manchetes

de capa os acontecimentos que são considerados mais importantes ao conhecimento dos

leitores. Neste jornal em questão, selecionei capas dos anos de 2014 e 2015 que têm como

principais notícias a construção, expansão e investimentos de grandes empreendimentos

industriais e do agronegócio, todos eles atrelados a um discurso de progresso e

desenvolvimento para o Maranhão. É importante notar que estes são, ao mesmo tempo, os

principais agentes causadores de conflitos socioambientais no Maranhão. No que se refere à

construção da Refinaria Premium, houve uma grande divulgação sobre a sua instalação e a

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geração de empregos prometidas. Era tida como uma das grandes contribuições do governo

Roseana Sarney para o estado. No entanto, a partir do momento que foi cancelada ganhou

apenas as noticias do Jornal Pequeno, obtendo em suas manchetes um “atestado de

incompetência” do governo a que fazia oposição. Embora nenhum destes dois jornais tenha

tratado sobre os conflitos gerados do processo inicial de implantação da Refinaria, uso esse

exemplo para destacar o discurso desenvolvimentista empregado, a ocultação dos problemas

socioambientais oriundos desse empreendimento e as “lógicas faccionais preponderantes”30

.

Segue abaixo as capas selecionadas:

30

Este termo é utilizado por Grill e Reis (2012: 495) quando afirmam que, nesse caso, há “uma configuração em

que os meios midiáticos estão enredados na engrenagem de lutas políticas e são mesmo peças importantes de

demonstração e mensuração de forças”.

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42

Figura 5: Capas do jornal O Estado do Maranhão nos anos de 2014 e 2015

Fonte: Jornal O Estado do Maranhão.

Um exemplo contrário ao que foi abordado na notícia mencionada acima sobre o

seminário que avaliou projetos sociais da termelétrica Itaqui e Ibama, se refere ao Seminário

Internacional Carajás 30 anos, que aconteceu em São Luís, no período de 05 a 09 de maio de

2014, após quatro etapas preparatórias em Imperatriz, Santa Inês, Marabá e Belém. O evento

foi organizado por movimentos sociais e comunitários, sindicatos e pastorais, grupos de

estudos e pesquisas de universidades do Maranhão e Pará, além de contar com a colaboração

de várias entidades de outras regiões do país e do mundo. Com o objetivo de discutir e avaliar

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43

os inúmeros impactos sociais, econômicos, culturais e ambientais causados após 30 anos de

mineração, siderurgia e projetos de “desenvolvimento regional” implementados a partir do

Programa Grande Carajás, o seminário teve participação de professores, pesquisadores,

estudantes, militantes sociais, lideranças comunitárias, assessores e especialistas na questão

dos movimentos socioambientais da Amazônia, do Brasil e de outros países da América

Latina, da Europa e da África31

. Durante a organização deste evento, do qual fiz parte, foram

enviados convites para os meios de comunicação locais explicitando do que se tratava e

relatando a importância sobre o que iria ser abordado, mas nenhum dos jornais de maior

circulação compareceram ao evento. Apenas no penúltimo dia do seminário, quando um

grupo de participantes do seminário, alguns membros do Greenpeace e moradores das

comunidades impactadas pela Vale, resolveram, de última hora, fazer um protesto em frente à

empresa e, por isso, chamaram a atenção da mídia no local. Com isso, foi divulgado no dia

seguinte no jornal O Estado do Maranhão uma notícia intitulada “Entidades denunciam os

impactos causados pelo Programa Grande Carajás”. Nesta contem o posicionamento tanto

daqueles que estavam manifestando quanto da empresa.

A ausência da mídia de massa foi um dos fatos expostos pelo jornal Vias de Fato na

época, que por sua vez, publicou um relato de um dos representantes do seminário, Ricarte

Almeida – secretário executivo da Cáritas Regional Maranhão – que questionou em sua rede

social sobre essa questão:

É impressionante como a grande imprensa maranhense ignora um evento

internacional que envolve quatro continentes, mais de dez países, quatro

universidades públicas brasileiras, mais de mil participantes de vários estados

brasileiros e estrangeiros, debatedores, estudiosos e pesquisadores nacionais e

internacionais debatendo questões de amplo interesse público; com lançamentos de

livros, apresentações artísticas e culturais, mostras de vídeo, exposições, feiras etc.

Será que tudo isso não é de interesse da notícia? não gera informação? O povo não

precisa saber do que está acontecendo? O rádio, a televisão não são concessões

públicas? Apenas uma TV pública (TV Assembléia) e uma privada (TV Guará)

fizeram cobertura do Seminário Carajás 30 anos, no seu primeiro dia. Quem

determina a censura a um evento como esse? O que faz o veículo da notícia (e o

jornalista) abrir(em) mão de um fato jornalístico de tamanho interesse público? Isso

não gera constrangimento nas redações, nos autoproclamados "profissionais da

notícia"? Gente, convenhamos! Onde nós estamos? Proponho, sinceramente, um

novo debate para sociedade: Já passou da hora de se debater a democratização dos

meios de comunicação! (Do Facebook de Ricarte Almeida em Jornal Vias de Fato).

31

Ver este texto de apresentação e outras informações, tais como cartas de apoio, encaminhamentos e trabalhos

no site do seminário http://www.seminariocarajas30anos.org.

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44

Este evento inclusive foi uma das principais experiências que motivaram a realização

deste trabalho. Responder aos questionamentos feitos acima não é tarefa fácil, pois envolve

uma complexidade que atualmente é discutida tanto no campo jornalístico quando no campo

ambiental, embora haja respostas categóricas nos bastidores daqueles que estão mais

envolvidos com essa temática dos conflitos.

Conforme apontam os gráficos abaixo sobre as notícias levantadas no O Estado do

Maranhão, foram 11 notícias publicadas no ano de 2014 e 17 notícias no ano de 2015. Os

conflitos abordados se referem àqueles entre comunidades indígenas e empresas (madeireiras

e mineradoras), comunidades tradicionais, quilombolas e moradores com empresas (Vale,

Eletronorte, WPR, Eneva, Suzano, Itaqui). É importante ressaltar que algumas notícias sobre

um mesmo conflito aparecem mais de duas vezes no decorrer das pesquisas, o que reduz a

cobertura realizada em termos de alcance territorial em que essa problemática está inserida.

Gráfico 1: Jornal O Estado do Maranhão – notícias 2014

Fonte: Sistematização feita pela autora.

0

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Qu

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Jornal O Estado do Maranhão - 2014

Número de Manchetes

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Gráfico 2: Jornal O Estado do Maranhão – notícias 2015

Fonte: Sistematização feita pela autora.

A seleção das notícias decorre dos conflitos mais destacados no período de recorte dessa

pesquisa. No caso do O Estado do Maranhão, foram três notícias escolhidas, devido ao fato de

que não houve nenhuma mencionando a Refinaria de Bacabeira. Na sistematização, vou

dividi-las por local, data e resumo (consta de trechos pontuais da notícia) para uma melhor

visualização e contextualização dos fatos.

1) Local: Médio Gurupi e Alto Caru

Data: 07/01/2014

Resumo: Forças nacionais iniciam operação para desocupar área dos Awá no

Maranhão. Território indígena está ocupado ilegalmente por agricultores e empresas e

por isso, forças nacionais de segurança iniciaram operação ontem para notificar

moradores não índios que vivem no Território indígena Awá-Guajá, no Maranhão, e

pedir sua saída voluntária da área protegida em até 40 dias, em cumprimento à decisão

judicial expedida em dezembro. O objetivo da Justiça é conter o desmatamento na

região, que segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) já afetou 34%

do território indígena, com perímetro de 1.700 km² (área pouco maior que o território

da cidade de São Paulo), e ameaça a proteção da etnia, considerada por organizações

ambientais como uma das mais ameaçadas. Segundo Sarah Shenker, pesquisadora e

porta-voz da organização não-governamental Survival International, que já trabalha há

2 2 2

3

1

4

2

1

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Março Abril Maio Agosto Setembro Outubro Novembro Dezembro

Qu

anti

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e

Mês

Jornal O Estado do Maranhão - 2015

Número de Manchetes

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mais de quatro décadas com campanhas que pedem a proteção desta etnia, a operação

é "o grande momento para o qual os Awá têm lutado há tempos".

2) Local: Açailândia

Data: 14/03/2014

Resumo: Realocação da família Piquiá de Baixo. Até agora somente as siderúrgicas

contribuíram com as despesas do processo de mudança da comunidade do município

de Açailândia. O processo de realocação das cerca de 300 famílias moradoras de

Pequiá de Baixo, bairro de Açailândia, na Região Tocantina, coordenado pelo

Ministério Público do Estado do Maranhão (MPMA), recebeu novo apoio das

siderúrgicas de ferro-gusa. As siderúrgicas em reunião com a Associação de

Moradores do Pequiá de Baixo e representantes da Prefeitura de Açailândia

concordaram em ampliar sua doação ao processo assumindo o custo complementar da

desapropriação do terreno, que vinha sendo entrave no andamento do processo de

realocação. História - A comunidade de Piquiá de Baixo, desde a chegada da indústria

siderúrgica, em 1987, é afetadas pelas atividades das cinco usinas que atuam ao longo

da BR-222, instaladas nas proximidades das casas dos moradores. A poluição é tão

severa que a maioria dos moradores conhece alguém ou tem um familiar que já morreu

com problemas de saúde ligados à poluição. Ao longo dos anos, o Ministério Público

tem atuado para mediar uma solução para os problemas. Em 2010, por exemplo, o MP

organizou uma audiência pública na Câmara de Vereadores de Açailândia para discutir

os problemas da população.

3) Local: Ao longo da Estrada de Ferro Carajás

Data: 05/05/2015

Resumo: Quilombolas denunciam Vale por violação dos direitos humanos.

Representantes de comunidades quilombolas do Maranhão estiveram presentes na

assembleia dos acionistas da Vale, em abril, no Rio de Janeiro, com outros grupos

atingidos pelas operações da mineradora Vale S.A. Participaram pessoas do Rio de

Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais. A assembleia, que acontece anualmente reúne

os investidores da empresa. Desde 2010, representantes de comunidades, de entidades

e movimentos sociais passaram a comprar ações da empresa para denunciar os

impactos que sofrem. Na reunião, que é a mais importante para a Vale S.A, cada

representante tem direito de voz e voto. Os quilombolas denunciaram os impactos

provocados pela mineradora, muitos decorrentes da duplicação da Estrada de Ferro

Carajás (EFC). No ano passado, a ferrovia foi interditada durante cinco dias pelos

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povos remanescentes de antigos quilombos no Maranhão, que denunciaram os

retrocessos do projeto. Atuação sustentável da mineradora nos territórios. A Vale, em

resposta às denúncias diz que respeita o direito de manifestação, mas esclarece que

mantém diálogo constante com as comunidades, procurando ouvir suas reivindicações

e buscar alternativas em conjunto. O processo de diálogo social tem sido estratégico

para fortalecer o relacionamento da Vale com as comunidades. Dentre as iniciativas

realizadas, destaca-se a elaboração de Planos de Relacionamento e Investimento

Social com comunidades.

As notícias apresentadas aqui podem ser vistas na íntegra em anexo. Nos três

exemplos mencionados podem-se perceber facilmente os valores-noticia de seleção do campo

jornalístico: Primeiramente, a objetividade que responde à fórmula com que a notícia se

preocupa “quem”, “o que”, “quando”, “onde”, “como” e “porque”, embora nem sempre esses

critérios sejam sinônimo de uma notícia que disponha do levantamento de fatos necessários ao

entendimento do público para a realidade social exposta; o uso judicioso das aspas para se

referir à fala dos agentes presentes no acontecimento. É importante ressaltar que nesse caso

em especial, raramente o espaço de “fala” é aberto às comunidades ou populações impactadas,

pois há uma preferência em citar o que os estudiosos do jornalismo chamam de “fontes

oficiais”, ou seja, dos dados institucionais (MPF, ICMBio, IBAMA etc) e agentes que lhes

garantem uma melhor produtividade quanto à obtenção da coleta de documentos para

legitimar a notícia, tais como representantes das empresas ou de organizações sociais que

ajudam a promover a defesa dos territórios em questão; a alta hierarquia dos agentes e

instituições que protagonizam os acontecimentos, o primeiro exemplo por se tratar dos Awá, a

“tribo”32

mais ameaçada do mundo em extinção, a comunidade Piquiá de Baixo que,

recentemente, recebeu atenção em eventos internacionais, e a intensa mobilização dos

quilombolas ao longo da Estrada de Ferro Carajás.

Apesar dos exemplos acima terem ganhado uma maior visibilidade e em alguns casos,

terem sido problematizados, não houve o mesmo trato em relação às outras notícias

levantadas. Nos conflitos entre indígenas e madeireiros, os fatos que respondem aos critérios

de seleção dos jornalistas são aqueles relatados pelo MPF ou então em situações consideradas

de urgência, como em setembro de 2014, quando índios da Terra Indígena Alto Turiaçú no

Centro do Guilherme, prenderam madeireiros que agiam irregularmente em suas terras e

atearam fogo em seus transportes. O objetivo era conter o desmatamento em virtude da

32

Na antropologia é usada a expressão genérica “povos indígenas”, por se referir a grupos humanos espalhados

por todo o mundo, e que são bastante diferentes entre si.

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48

inoperância do poder público para fiscalizar seus territórios. Nesse caso, o conflito foi

divulgado nacionalmente, sobretudo pelo impacto das fotos em que alguns madeireiros

apareciam sem roupas, devido à ação dos índios. No segundo semestre de 2015, os crescentes

incêndios na área indígena Araribóia, chamaram a atenção das manchetes devido à ação de

diferentes etnias em combater os incêndios florestais numa área bastante extensa. A suspeita

dos índios era de incêndios criminosos devido à represália aos madeireiros. A operação de

combate foi considerada pelo Ibama como o maior trabalho da história de controle de chamas

no país em uma área de proteção ambiental. Cerca de 12 mil índios da etnia Guajajara e 80 da

Awá-Guajá vivem na reserva Araribóia, uma das mais importantes do país.

No segundo exemplo, conforme a notícia indica, desde 1987, a comunidade Piquiá de

Baixo é afetada pelas atividades do polo petroquímico, mas apenas recentemente, com a

realocação das famílias e com a denúncia de instituições de pesquisas com grande importância

no país, como a Fiocruz, que a grave situação dessa comunidade começou a ser divulgada nos

jornais do estado. Notei esse fato a partir da frequência de notícias publicadas desde então,

focalizando nos entraves da nova área que iria ser destinada às famílias impactadas. Embora

haja no conteúdo um destaque para os impactos ambientais e sociais, fato é que a divulgação

só ganhou as mídias no momento inicial do processo de reassentamento que já vinha se

delongando há mais de vinte anos e depois de intensas mobilizações por parte da comunidade

e organizações sociais. No ano de 2015, as pautas que seguem a respeito dessa realidade,

colocam em questão: as violações denunciadas em importantes sessões de debate na Suíça e

nos Estados Unidos promovidas pelo Conselho de Direitos Humanos da Organização das

Nações Unidas (ONU); as ações sociais desenvolvidas pela Vale nesse setor; e a oficialização

da doação do terreno para o reassentamento. Das seis notícias levantadas sobre Piquiá de

Baixo, nenhuma apresentou fala dos moradores.

Os conflitos entre quilombolas e a Vale tiveram uma menor cobertura durante os dois

anos referentes a esta pesquisa, tendo um total de duas notícias divulgadas em 2014 e 2015.

Ambas em formas de denúncias ao governo federal a partir de manifestações na Estrada de

Ferro Carajás e de mobilizações conjuntas com organizações que representam as comunidades

afetadas.

3.2 Análise das notícias no Jornal Pequeno

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49

Segundo consta em sua página institucional, o Jornal Pequeno foi lançado em 29 de

maio de 1951 pelo jornalista José de Ribamar Bógea, num momento em que os veículos de

imprensa do Estado estavam de certa forma, todos ligados a um grupo político. Portanto,

surgiu na condição de ser o único órgão de imprensa apartidário que propunha os propósitos

políticos vigentes na época, no caso, o vitorinismo. Caracteriza-se como representante dos

anseios e da vontade popular. No entanto, ao apoiar a candidatura do então jovem político

José Sarney contradiz aos seus anseios iniciais, seguindo a linha editorial de fazer oposição ao

grupo político dominante – postura contraditória que segue o impresso até hoje, mesmo que

posteriormente tenha percebido que José Sarney não atenderia às promessas de campanha.

Desde então, adotou uma postura antissarneysta. Em entrevista feita pelo Nossa Imprensa33

, o

jornalista Lourival Bórgea declarou que não havia ódio pela família Sarney, mas sim um

sentimento de indignação devido ao poder político acumulado ao longo dos anos e nada ter

feito pelos pobres no Maranhão. Quando questionado sobre a politização do Jornal Pequeno

(JP) e sua possível descaracterização como veículo de informação, respondeu:

É uma politização necessária para um estado com certas peculiaridades como o

Maranhão, onde um grupo detentor de uma mídia muito poderosa impõe ao povo

uma comunicação deturpada, dissimulada. Alguém tem que, digamos, “abrir os

olhos” da população, e esse papel o Jornal Pequeno tem procurado fazer ao longo

dos anos (...) O grupo que dominou o Maranhão durante todos esses anos e que foi

apeado do poder 40 anos é especialista em criar climas para conseguir seus objetivos

inconfessáveis. Dentro desse contexto, a politização do JP, o nosso envolvimento no

processo político é necessário.

Conforme aponta a página eletrônica do JP, na última década a credibilidade do

impresso migrou para a internet e alcançou mais de 5 milhões de visualizações em 2013, mas

lá também podemos ter acesso ao impresso, aberto para quem tem assinatura digital. O portal

é uma grande vitrine publicitária e tem dentre seus anunciantes nomes de peso como a Vale,

Grupo Mateus, Suzano Papel e Celulose, Governo do Maranhão e Prefeitura de São Luís. Seu

conteúdo é dividido em quatro sessões: geral, entretenimento, esporte, tecnologia e alguns

blogs que falam de temas variados. Nesse sentido, nos interessa aqui o segmento “geral”

(estado, internacional, nacional, saúde, plantão, polícia, política, motores e JP tabloide),

campo específico no qual encontramos a temática discutida neste trabalho. No que se refere às

notícias levantadas deste impresso, demonstradas nos gráficos abaixo, em 2014 foram

encontradas 15 notícias sobre conflitos socioambientais no Maranhão. Em 2015, só foi

possível fazer o levantamento do primeiro semestre e, nesse período, 13 notícias foram

33

Publicada no site http://www.portalaz.com.br/noticias/maranhao no ano de 2008.

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50

identificadas. Comparando com o jornal anterior, notei que não há uma diferença significativa

quanto à divulgação dos conflitos. No geral, os assuntos abordados e o discurso foram os

mesmos.

Gráfico 3: Jornal Pequeno – notícias 2014

Fonte: Sistematização feita pela autora.

Gráfico 4: Jornal Pequeno – notícias 2015

Fonte: Sistematização feita pela autora.

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Jornal Pequeno - 2014

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Jornal Pequeno - 2015

Número de Manchetes

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A sistematização para as análises do conteúdo deste jornal será realizada igualmente à

do jornal O Estado do Maranhão:

1) Local: Açailândia

Data: 18/03/2014

Resumo: Audiência discute cumprimento de TAC sobre Piquiá de Baixo. Em reunião

realizada na semana passada, envolvendo a 2ª Promotoria de Justiça de Açailândia, o

Sindicato das Indústrias de Ferro Gusa do Estado do Maranhão (Sifema), o Município

de Açailândia e a Associação de Moradores do Piquiá, foi discutida a fase de

implementação de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), assinado em maio

de 2011, que previa a desapropriação de um terreno para abrigar as famílias afetadas

pelos impactos ambientais provocados pelas siderúrgicas. Na última reunião, o

Sindicato das Indústrias de Ferro Gusa do Estado do Maranhão se comprometeu a

repassar, como doação à Prefeitura de Açailândia, até 7 de abril, o valor complementar

de R$ 720.495,78. Os recursos serão destinados exclusivamente à complementação do

valor desapropriatório. Participaram da audiência o promotor de Justiça Leonardo

Rodrigues Tupinambá, o procurador-geral do Município, Idelmar Mendes de Sousa, o

presidente do Sifema, Cláudio Azevedo, o presidente da Associação de Moradores do

Pequiá, Edvard Dantas Cardeal, e os advogados representantes das partes. (Ascom /

MPMA).

2) Local: Médio Gurupi e Alto Carú

Data: 05/01/2015

Resumo: Awá-guajás estabelecem contato com índios isolados de reserva maranhense.

Após décadas resistindo ao contato com outras pessoas, inclusive de sua própria etnia,

três índios awá-guajás que viviam isolados no interior da Terra Indígena Caru, na

região oeste do Maranhão, aceitaram a aproximação de outros awá-guajás e seguiram

com eles até aldeias onde vivem índios há tempos habituados ao contato com não

índios. O fato é tão incomum que a Funai interrompeu as férias do responsável pela

Coordenação-Geral de Índios Isolados e Recém-Contatados, Carlos Travassos, para

que ele viajasse de Brasília para o Maranhão. Uma servidora da coordenadoria

regional da fundação, que também estava de férias, teve que voltar ao trabalho e foi

enviada à reserva indígena na segunda-feira (29) a fim de verificar a situação da

jovem. Daniel e Rosana acreditam que a curiosidade natural dos awá-guajás não

explicaria que qualquer índio isolado deixasse sua comunidade e se aproximasse

sozinho de outro grupo. Para ambos, a degradação florestal causada pela ação de

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madeireiros e a consequente desorganização da coesão interna dos agrupamentos

indígenas podem ajudar a entender o desfecho do encontro do dia 28.

3) Local: Bacabeira

Data: 09/02/2014

Resumo: Petrobrás cancela refinaria premium e cidade lida com perdas e frustrações.

Após o cancelamento da construção da Refinaria Premium I da Petrobras em

Bacabeira (MA), quem apostou no empreendimento agora lida com a decepção e

contabiliza prejuízos. O anúncio feito em 2010 movimentou os últimos cinco anos da

pequena cidade no norte do estado, que viu no projeto uma oportunidade única de

desenvolvimento econômico e industrial. Cerca de 25 mil empregos diretos e indiretos

seriam criados no estado com a construção da refinaria. O investimento da Petrobras

nesse empreendimento e outro similar no Ceará consumiu R$ 2,7 bilhões. Governo e

prefeitura lamentam fim de investimentos – O governo do estado diz que está pronto

“para dialogar com a Petrobras para a retomada de investimentos no Maranhão, sendo

sanados os erros técnicos do projeto original, que não são de responsabilidade do povo

maranhense”.

4) Local: Ao longo da Estrada de Ferro Carajás

Data: 11/06/2015

Resumo: Indígenas e quilombolas acampados no INCRA fazem greve de fome.

Deitados no chão, 26 dos 120 membros de comunidades quilombolas, indígenas e

camponesas acampados no prédio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma

Agrária (Incra), no Anil, em São Luís, iniciaram ontem (10) uma greve de fome. Eles

estão no local há quatro dias, e protestam contra omissões e falta de atitude do órgão

federal com relação a problemas enfrentados pelos povos. Os quilombolas – da

Baixada Maranhense, Codó, Santa Inês, Pirapemas e Parnarama –, por exemplo,

pedem um posicionamento do órgão sobre a contratação pelo governo federal de 29

laudos antropológicos nas regiões onde habitam. Destes, uma empresa assumiu 25,

mas “não deu conta da tarefa”. Dos quatro que restaram, apenas um foi aprovado. E,

por fim, as comunidades camponesas – de Timbiras e Aldeias Altas – pedem uma

vistoria permanente do Incra em seus locais de habitação, uma vez que seus membros

vivem sob constante ameaça por parte de empresários interessados nessas áreas.

No primeiro exemplo, o foco da notícia recai sobre o cumprimento do Termo de

Ajustamento de Conduta (TAC) para a realocação das famílias afetadas pelos impactos

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ambientais provocados pelas siderúrgicas. Nesse sentido, podemos inferir uma postura

discursiva do conteúdo que reduz os impactos ambientais e sociais causados a uma simples

negociação de compensação, considerando que em nenhum momento da notícia houve,

mesmo que superficialmente, uma discussão sobre o processo histórico dessa comunidade à

medida que sofreram principalmente com problemas de saúde decorrentes da poluição das

indústrias. Não apresenta conjecturas que permitam ao leitor uma análise mais abrangente

sobre o caso e tampouco fatores que motivem o questionamento da postura desses

empreendimentos e dos órgãos públicos quanto ao descaso com a população. É importante

destacar que a fonte da notícia é da assessoria de comunicação do MPF, mostrando mais uma

vez que a escolha das fontes decorre principalmente da “credibilidade” e comodidade que

oferece aos fatos noticiados. Esta foi a única divulgação sobre o caso no presente jornal.

No segundo exemplo, assim como no jornal o Estado do Maranhão, o conflito no

território Awá mereceu uma notícia extensa destacando “falas” de representantes dos órgãos

ambientais e pesquisadores da área. No entanto, outra vez a fonte é secundária, e no caso, da

Agência Brasil. As outras notícias referentes aos conflitos entre indígenas e madeireiros

envolvem denúncias no MPF e de líderes que se reportam à Funai para relatar casos de

ameaças de jagunços e ocupação de madeireiros em seus territórios. Em outros casos, os

acontecimentos tiveram visibilidade nacional e situações de morte, como do líder indígena

assassinado em Santa Luzia do Paruá, em abril de 2015, em função do qual a Comissão

Pastoral da Terra (CPT) se manifestou classificando o crime como sendo motivado por

conflitos de extração ilegal de madeira em terras indígenas. Foi aberto inquérito para a

investigação do caso.

No terceiro exemplo mencionado, a notícia foi extraída do G1, sobre o cancelamento

da Refinaria Premium. Aponta para o discurso desenvolvimentista característico das

promessas políticas tanto do governo Sarney quanto do Flávio Dino. Apresenta várias “falas”

de moradores e outras pessoas atraídas pelas promessas de emprego do investimento, assim

como de representantes de instituições públicas do estado, governo e prefeitura. As outras

notícias sobre o mesmo assunto tratam de uma audiência popular, resultado de uma ação

popular questionando a suspensão do empreendimento. Em uma delas, destaca o relato de

uma moradora que relembra o discurso de Roseana Sarney em 2010, quando prometeu pagar

uma bolsa de 500 reais e dar uma casa nova às famílias que moravam no terreno onde seria

instalada a Refinaria. Promessa que não foi concretizada anos depois, restando apenas um

cenário de miséria e um “boom” populacional nas cidades do entorno. De um modo geral,

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esse acontecimento nas manchetes pretende repassar aos leitores a atuação política desastrosa

do governo anterior.

O quarto exemplo nos mostra que as reivindicações dos quilombolas só se tornam

“noticiosas” quando decorre de mobilizações planejadas com o intuito de chamar a atenção

das autoridades governamentais para a resolução dos seus problemas. No Maranhão o

processo de regularização fundiária implica em diversos conflitos socioambientais não só com

quilombolas, mas com índios, comunidades tradicionais e demais populações localizadas em

áreas de interesse dos empreendimentos.

3.3 Diálogos

As análises acima nos mostram os critérios de seleção utilizados no campo

jornalístico, tais como dos valores-notícia do inesperado e da novidade como ocorreu com os

Awá que viviam isolados de contato com a sociedade envolvente e ganhou visibilidade tanto

nacional quanto local devido ao contato recente deles com outros grupos indígenas, fator

bastante explorado nas manchetes das notícias. No entanto, se levarmos em consideração a

causa que levou esse acontecimento, podemos perceber que a situação é bem mais complexa

do que o que é divulgado. Há um intenso conflito nas áreas indígenas devido à ação ilegal de

madeireiros em seus territórios que perduram há anos no Estado. Porém, esses casos só são

levados ao público através da mídia quando a situação chega ao seu limite, como foi o caso do

contato dos Awá, que segundo fontes de órgãos ambientais, não acontecia há décadas, ou

então no caso dos indígenas de Araribóia que tiveram que se mobilizar para conter o

desmatamento e o grave incêndio ocorrido recentemente em seu território – outro caso que

também ganhou repercussão nacional – e também em casos de morte, como do líder indígena

e ambientalista. Outro fator interessante a observarmos provém do sentido atribuído na forma

como são construídas as notícias. Mesmo nas raras vezes em que o conteúdo é um pouco mais

explicativo em relação ao contexto histórico e social do acontecimento, há sempre uma ideia

central de que, embora as empresas ambientalmente degradadoras provoquem grandes

impactos ao meio ambiente e à população, a mediação dos conflitos está sendo feita através

das instituições competentes, empresas e participação popular para que não haja prejudicados.

Não se considera, por exemplo, os efeitos em longo prazo que esses impactos irão resultar não

só em grupos que são atingidos diretamente por eles, mas num nível macro, numa cidade

inteira, estados ou mesmo no mundo.

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Por ser uma importante fonte de informação e de ter o poder de colocar em suas pautas

o que vai ser discutido pela sociedade, o jornalismo tem a obrigação de esclarecer os fatos que

divulga e mais importante do que isso, colocar dados e argumentações que abram espaço para

a reflexão do leitor e não o deixar condicionado a uma conjectura que só admite uma

interpretação. Percebi que o fator tempo, tão caro aos jornalistas e às empresas que fazem

parte, não é motivo primordial para que uma notícia seja dada de forma muito limitada e

fragmentada de modo que não exprima a clareza que determinados acontecimentos exigem.

Não à toa que cresceu o número de mobilizações e manifestações feitas para chamar a atenção

da mídia e consequentemente do governo. A importância que o jornalismo tem para mostrar

realidades que muitas vezes são desconhecidas para uma grande parte da população reflete

nas ações de alguns grupos e no pensamento de moradores dos locais impactados. Como é o

caso da Francivânia, moradora do Taim34

que, quando perguntei em entrevista sobre a atuação

da mídia no caso dos jornais, por exemplo, em relação aos conflitos, aos impactos que eles

sofrem nas comunidades e em diversos movimentos ou situações que participam, como nas

manifestações e audiências públicas, respondeu que “acho muito fraca. Inclusive, às vezes

quando aparece uma mídia, ainda fala tudo errado. Sinceramente, acho que eles tão fazendo

isso mais porque esses jornais ficam tudo de „panelinha‟ com o governo, com o município”

(entrevista realizada em 02/03/2016) e acrescentou com um relato sobre um acidente que

aconteceu recentemente na fábrica de cimento Votorantim do qual ela foi informada por

outras pessoas que estavam na área sobre a morte de uma pessoa. Naquele momento, uma

repórter havia ligado para ela pedindo uma entrevista, mas falou que muitas vezes o próprio

chefe de redação não deixava publicar sobre determinados assuntos. Mas ao final, a

reportagem não foi feita porque chegaram (os repórteres) na fábrica e estava tudo fechado.

Também não houve interesse no relato das pessoas que presenciaram o acontecimento.

Situação que mostra o constrangimento que alguns jornalistas passam por estarem atrelados à

organização das empresas de comunicação com interesses próprios e que não se encaixam

com os deveres jornalísticos. Em virtude disso, é significativa a fala da Francivânia quando

diz:

Acho que um repórter pode ajudar muitas pessoas, um escritor de redação pode

ajudar muitas pessoas (...) vejo assim a ansiedade e a vontade que eles (os

jornalistas) têm de escrever e publicar, mas pena que tem um interruptor ali

(entrevista realizada em 02/03/2016).

34

Comunidade pertencente à área proposta para a criação da Reserva Extrativista de Tauá-Mirim, no município

de São Luís - MA.

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Há uma tendência em confiar nesses meios de comunicação como um instrumento que

leva a outras pessoas realidades que lhes são alheias, principalmente por parte dos moradores

de comunidades impactadas, além de ser um fator motivacional para estes, que passam por

um processo bastante cansativo de resistência para a manutenção do seu modo de vida,

conforme podemos observar na fala de Bruno – morador de Arari e integrante da Rede Justiça

nos Trilhos:

Aqui em Arari que é composto por uma grande quantidade de comunidades, a gente

quase que não vê a mídia tocando em algum assunto que falem dos problemas da

própria mineradora Vale (...) Acredito também, dentro da sociedade... ela conhecer

um pouco mais da realidade dessas comunidades, as comunidades teriam mais força.

Por exemplo, as comunidades teriam mais assistência do que elas não têm no

momento. A gente tira por Piquiá de Baixo, né? A gente hoje já consegue ver

alguma visibilidade nos meios de comunicação... Piquiá de Baixo, através dessa

visibilidade, conseguiram o reassentamento e acredito que conseguiram ter maior

força. Se as comunidades aqui de Arari tivessem uma maior visibilidade nessa

problemática do arroz, dos impactos da mineradora, do entupimento dos igarapés, de

atrapalhar a ida e vinda das pessoas... acredito que as pessoas seriam mais assistidas

tanto pelo governo quanto pelo judiciário e etc. (...) A gente vê o contrário, as

comunidades sofrem e não tem nenhuma visibilidade. Já os grandes

empreendimentos tem uma visibilidade enorme. Então... para uma sociedade em

geral, eles não conseguem enxergar realmente qual o projeto dessas grandes

mineradoras e do agronegócio. Se as comunidades tivessem maior apoio e maior

visibilidade, elas poderiam trazer a sua problemática de uma forma onde todos

poderiam ajudar ou ter um conhecimento da realidade (entrevista realizada em

02/03/2016).

Como mencionei em tópicos anteriores, o discurso desenvolvimentista propagado por

estes jornais de maior circulação no Estado, mesmo que às vezes inconscientemente através

de publicidade – que é um importante recurso econômico de manutenção das empresas que

fazem parte – ou mesmo como percebi em várias notícias, a exaltação dos esforços da

empresa em mediar os conflitos existentes, ocultam o que seria o cerne dessa questão: as

causas desses conflitos. Como disse Bourdieu (1998: 95), estão mais interessados pelo jogo e

pelos jogadores do que por aquilo que está em jogo. Esse cenário nos revela a importância dos

meios de comunicação alternativa para a divulgação desses casos diante da construção de uma

realidade bastante fragmentada pela mídia tradicional.

3.4 Jornal vias de fato: vozes sufocadas

O jornal Vias de Fato é um grupo articulado que trabalha com mídia alternativa e teve

seu processo de planejamento e mobilização iniciado em 2006 com o movimento popular

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“Vale Protestar” 35

. Somente em 2009, nasceu o jornal impresso e em 2010 também foi criado

o espaço na internet. Segunda consta em sua página eletrônica, se caracteriza como “um

instrumento de informação, de organização e de colaboração para a luta social”, realçando seu

compromisso com a “defesa dos direitos humanos, com a preservação do meio ambiente e da

cultura, com a agenda dos movimentos sociais e das organizações de cunho popular” 36

. O

Jornal não tem expediente e não é formado apenas por jornalistas. O trabalho segue com a

colaboração de agentes permanentes e externos entre os quais figuram também universitários,

professores acadêmicos, administrador, artistas etc. Na página de apresentação são citados

alguns destes, os quais compõem o núcleo de coordenação, tais como Altemar Moraes, Alice

Pires, Emilio Azevedo e César Teixeira.

É estruturado em doze páginas, tamanho tablóide, que circula mensalmente no

Maranhão. Tem posicionamento político assumidamente de esquerda. Há sempre uma

entrevista especial que ocupa três páginas, além de outras com opiniões, reportagens especiais

e artigos que aprofundam as problemáticas tratadas no jornal. Conta ainda em seu editorial

algumas características de revista “por conta da ditadura de informação que existe no

Maranhão” e fatos inéditos “envolvendo conflitos de terra, questão indígena, meio ambiente e

etc., mesmo sem nenhuma obsessão (ou compromisso) com o chamado furo de reportagem”

(Disponível em < http://www.viasdefato.jor.br > Acesso em: 20/03/2016. Dos temas

abordados, o mais frequente se refere aos conflitos sobre a disputa pela posse de terra - a luta

pelos direitos de populações tradicionais que dependem dela para viver. Fator que se justifica

pela concentração de terra no estado ocasionada pelo agronegócio e latifúndios37

. Em

entrevista, Emílio Azevedo, coordenador editorial do impresso, explica a perspectiva que

orientou o nascimento deste jornal:

35

Segundo Cardoso (2012: 45), o Vale Protestar foi um movimento social que teve como objetivo provocar o

debate público sobre alternância de poder no Maranhão, tendo como alvo o discurso direto contra a Oligarquia

Sarney. Foram realizadas diversas apresentações mesclando teatro e música, além de manifestações públicas.

Recebeu a adesão de estudantes, movimentos sociais, lideranças populares e políticos de esquerda. Tem esse

nome devido ao contraponto em relação ao „Vale Festejar” – circuito junino fora de época promovido pela

Associação dos Amigos do Bom Menino das Mercês, ligado à fundação José Sarney e tendo como principais

patrocinadores a empresa de mineração Vale S.A. e o Sistema Mirante de Comunicação. “O espetáculo,

intitulado O Batizado do Boi de Taipa, reunia ingredientes do auto do bumba-meu-boi do Maranhão e do Teatro

do Oprimido de Augusto Boal. Era uma sátira ao uso compulsório da estética popular pelo grupo Sarney para

fins de propaganda política”. 36

Disponível em < http://www.viasdefato.jor.br > Acesso em: 20/03/2016 37

Os dados do IBGE de 2006 apontam que, de um total de 12.991.448 hectares de terras ocupadas no Maranhão,

34,79 % desta área é ocupada por 91,31% de estabelecimentos da agricultura familiar; enquanto que 65,21% da

área é ocupada por 8,69% de estabelecimentos não familiares (agronegócio, latifúndios). Segundo o

levantamento feito no caderno de conflitos da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em 2014, são 123 conflitos por

terra no Maranhão envolvendo posseiros, quilombolas, indígenas, sem terra, ribeirinhos, assentados,

quebradeiras de coco babaçu e pescadores. Nesse quadro são 9803 famílias afetadas.

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Por que não dizer que as situações enfrentadas pelos povos indígenas nesse estado,

não é uma situação de guerra contra os madeireiros; ou ainda a situação dos

quilombolas na luta pelo direito de posse de seus territórios? Nós escrevemos sobre

esses temas, sobre esses conflitos existentes no Maranhão que a mídia conservadora

esconde, e esconde porque comercialmente não são importantes. Mas, para nós é

importante politicamente e jornalisticamente. O desafio é articular esses temas, as

necessidades da base da pirâmide e mexer com as estruturas. Ainda que essas

populações não leiam o jornal porque é denso ou porque não tem acesso, mas eles

vão se reconhecer nele, porque o que eles vivem está posto lá, e está sendo dito lá

(AZEVEDO, 2012:50 apud CARDOSO, 2012).

Na análise das notícias deste impresso, observei características predominantes que

permitem ao leitor o acompanhamento dos assuntos tratados a partir da monitoração do

andamento de processos no MPF, resolução ou intensificação de conflitos, divulgação de

notas de grupos específicos, destaque para os protestos, links para acesso a vídeos com

documentários, participação em eventos e o destaque para as chamadas das notícias em forma

de denúncias diretas que sugerem o questionamento por parte do público-leitor, já presente no

título. Embora a maioria das notícias sejam extensas comparadas aos jornais tradicionais,

trazem consigo uma problematização, por vezes, minuciosa dos temas abordados. Dentre as

fontes de reprodução das notícias estão: Fórum Carajás, Justiça nos Trilhos, MPF, Combate

Racismo Ambiental, Instituto Humanitas Unisinos, Conselho Indigenista Missionário (CIMI),

Movimento Sem Terra (MST), Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH),

Ascom/OAB-MA, CPT, Defensoria Pública do Estado (DPE), Brasil de Fato, Anistia,

Agência Brasil, Blog do Pedrosa e Territórios Livres do Baixo Parnaíba.

A minha intenção ao falar da importância do Jornal Vias de Fato para a divulgação dos

conflitos socioambientais no Maranhão não é no sentido de compará-lo em números de

notícias publicadas em relação aos jornais O Estado do Maranhão e Jornal Pequeno – até

porque como vimos anteriormente, estes têm uma estrutura organizacional diferente assim

como os aspectos ideológicos, políticos e econômicos que os orientam – mas de ressaltar a

qualidade dessas notícias à medida que os acontecimentos tratados nesse estudo exigem

informações bem fundamentadas e posicionamentos distintos aos do discurso hegemônico de

progresso para uma reflexão da realidade maranhense que não seja baseada em notícias muito

fragmentadas. Portanto, não irei repetir as notícias sistematicamente como fiz com a análise

dos outros dois jornais, até para não ficar repetitivo, mas busco destacar os aspectos dos

conflitos citados nos dois primeiros tópicos deste capítulo que não foram mencionados ou

“apropriadamente” divulgados no Jornal Pequeno e O Estado do Maranhão.

Antes de adentrar aos acontecimentos selecionados para a análise, ressalto a cobertura

jornalística feita pelo Vias de Fato no Seminário Carajás desde as etapas preparatórias, como

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forma de publicizar o evento, até a etapa final que aconteceu em São Luís, mostrando

exposições fotográficas, resultados de pesquisas acadêmicas, soltando notas sobre grupos

sociais que participavam, criticando a imprensa maranhense por ter ignorado o evento e,

sobretudo, levantando questionamentos imprescindíveis ao campo ambiental, como por

exemplo, “O que significou para a região e a quem beneficiou o Programa Grande Carajás 30

anos depois de sua implantação na região amazônica?”. Pontuou também sobre relatos

bastante significativos durante as apresentações do seminário, tais como o de Paulo Adário, da

campanha da Amazônia no Greenpeace, que falou sobre a ausência de compromisso das

guseiras38

maranhenses e relembrou um episódio ocorrido em 2012 quando esta organização

esteve presente em São Luís para fazer uma avaliação crítica dos processos desencadeados

por esses investimentos. Disse:

Faz dois anos que estivemos aqui e faz exatos dois anos que sentamos para

conversar com as empresas pela primeira vez. Em agosto de 2012, a indústria de

ferro gusa do Estado do Maranhão assinou um compromisso público com critérios

mínimos de controle de desmatamento e de respeito às leis trabalhistas. Até agora

nada foi feito (Vias de Fato, 07/05/2014).

Em suma, foram noticiados os temas debatidos entre pesquisadores, estudantes,

lideranças de movimentos e entidades sociais, dando voz a grupos que são ocultados pela

grande mídia, no sentido de não terem um espaço para firmarem seus posicionamentos na

conjuntura em que vivem.

No que se refere aos conflitos entre indígenas e madeireiros, antes do episódio do

contato entre os Awá, já vinha sendo noticiado constantemente neste jornal sobre as invasões

e agressões violentas que os índios vinham sofrendo devido à extração ilegal de madeira em

seus territórios, motivo que os obrigou a realizar ações de monitoramento e vigilância em suas

áreas. Dentre as informações que registrei e que não foram divulgadas na mídia tradicional é

que muitas vezes as pessoas ficam com medo de registrar Boletim de Ocorrência na Delegacia

porque suspeitam de envolvimento entre policiais e madeireiros. A denúncia que parte das

notícias ressalta o fato de que nenhum órgão público tem tomado as providencias cabíveis

para garantir a integridade física e moral dos indígenas. Com a instalação de grandes

empreendimentos os indígenas tiveram seus modos de vida alterados e, segundo relata Rosana

Diniz - líder do CIMI – numa notícia de maio de 2014, “é preciso explicitar que os povos

indígenas não estabelecem relação nenhuma com os empreendimentos. O que acontece é a

38

Usinas siderúrgicas que produzem o ferro gusa ou ferro em pelotas, que é a primeira e mais degradante

ambientalmente etapa para a transformação do minério de ferro em aço.

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60

imposição de um projeto de forma totalmente impositiva e assimétrica, em que só resta aos

indígenas resistir” (publicada em 09/05/2014). O grande número de notícias registradas sobre

esse conflito se diferencia em relação ao JP e O Estado do Maranhão, principalmente por

estendê-los a diferentes municípios Maranhenses e não se limita apenas aos momentos em que

há manifestações.

As notícias referentes à Piquiá de Baixo cobrem diversos fatores que envolvem esse

conflito, tais como sua inclusão no “Mapa de Conflitos Ambientais no Brasil” realizados pela

Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), destacando relatórios feitos por biólogos na empresa Gusa

Nordeste, detectando irregularidades e desrespeito ao meio ambiente, além de relatório da

Federação Internacional de Direitos Humanos (FIDH), divulgado em 2011. Nesse sentido,

também critica o modelo de desenvolvimento atual mostrando a sua gravidade quanto às

situações de injustiça ambiental; divulga nota da Associação Comunitária dos Moradores de

Piquiá na qual aponta para os acordos não cumpridos pelo Sindicato das Indústrias de Ferro

Gusa no Maranhão (SIFEMA) em benefício da comunidade. Esse protesto foi seguido por um

ato que bloqueou por trinta horas seguidas a entrada de três siderúrgicas do pólo industrial de

Piquiá. A consequência disso foi uma nova negociação feita pela SIFEMA no MPF. Esta

notícia, publicada em abril de 2014, finaliza com o seguinte apelo: “alguém diga ao SIFEMA

que existem outros valores além do lucro: o respeito dos acordos assinados, a honra da

palavra dada, a sinceridade e a confiança”; há também publicações de vídeo-documentários,

um deles intitulado “Pulmões de aço” que nasceu da iniciativa dos missionários combonianos

realizado em multirão, envolvendo vários protagonistas da sociedade civil brasileira e italiana.

O vídeo mostra o impacto na vida de homens, mulheres, crianças e a poluição ambiental

causada por enormes complexos siderúrgicos. Também são inseridas fontes extras com sites e

relatórios sobre a situação de Piquiá; as outras notícias que seguem a partir do segundo

semestre de 2014 até todo o ano de 2015 têm manchetes referentes ao processo de

reassentamento e processos jurídicos: “Piquiá de Baixo: caixa econômica avalia o terreno da

comunidade”, “RJT e Associação dos Moradores de Piquiá de Baixo pedem apoio da OAB-

MA em processo de reassentamento”, “Moradores de Piquiá de Baixo firmam mais um passo

ao reassentamento” “TJ-MA decide sobre poluição de siderúrgica em Piquiá de Baixo”,

“Empresa siderúrgica é responsável por poluição em Piquiá de Baixo” e “Violações em Piquiá

de Baixo já são objeto de questionamento na ONU”. Nesse caso, podemos destacar três

pontos: a crítica a um desenvolvimento que contrapõe o discurso hegemônico mostrando

outra face do “progresso‟ tão aclamado pela grande mídia, a apresentação de fontes extras

para informações mais incisivas a cerca do assunto e uma sequência de notícias falando sobre

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os acordos não cumpridos das siderúrgicas e da morosidade no processo de reassentamento

que só ocorreu depois de muita mobilização, sofrimento e importantes articulações jurídicas

da comunidade. Nesse último ponto, percebemos as diferentes atribuições de sentidos

adotadas pelos jornais. Enquanto que no Jornal Pequeno e O Estado do Maranhão há uma

tendência a focalizar no compromisso social das siderúrgicas com as comunidades,

divulgando apenas notícias de momentos estratégicos em que esses empreendimentos estão

em situações que passam uma “boa imagem” ao público, o Vias de fato, a partir de uma

sequência de notícias sobre o processo de reassentamento, nos mostra o contrário, um total

desinteresse dessas empresas em cumprir acordos. Dentre as principais denúncias dos

moradores de Piquiá de Baixo publicadas nesse impresso, estão aquelas referentes aos

problemas de saúde provocados pela poluição:

Os moradores alegam que diariamente a fábrica expele poluentes que prejudicam os

moradores do entorno. Os poluentes provocam dores de cabeça, dores de garganta,

sinusite, coceira no corpo, alergias e calor excessivo. Denunciam também que a

siderúrgica frequentemente expele um gás pelas chaminés do forno, causando

“tonturas, náuseas, ardência nos olhos e dores de cabeça. (Vias de Fato, publicada

em 25/02/2015).

A respeito dos conflitos entre quilombolas e Vale, as notícias ressaltam as diversas

manifestações que ocorrem nesses dois anos e ações do MPF para coibir a prática de

mineração em áreas quilombolas, além de cobrar providência desta empresa para garantir a

travessia das comunidades tradicionais que vivem ao longo da Estrada de Ferro Carajás. Os

protestos cobram a regularização de territórios e denunciam as políticas de

desenvolvimentistas do Estado, responsável pela opressão, abandono dos quilombolas e dos

problemas acentuados na região pelo latifúndio, infraestrutura férrea e agronegócio. A

ausência do INCRA diante dessas reivindicações é o principal motivo que desencadeia as

manifestações, bem como atos extremos, a exemplo das greves de fomes realizadas em 2014 e

em 2015.

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4 UM ESTUDO DE CASO SOBRE O CAJUEIRO

Neste capítulo faço uma breve discussão sobre os graves conflitos territoriais e

ambientais constatados a partir do licenciamento ambiental de um terminal portuário na área

do Parnauaçu, Comunidade do Cajueiro, sudoeste da Ilha do Maranhão, em São Luís. Desse

modo, é necessário discutir um aspecto importante que envolve esse conflito, a Reserva

Extrativista (Resex)39

de Tauá-Mirim. Feitas as devidas considerações, busco relacionar o

contexto de mobilização da comunidade e outros agentes com o que foi publicado a seu

respeito.

A implantação da Resex de Tauá-Mirim é pleiteada, oficialmente, desde 2003 pelas

comunidades tradicionais, no entanto, sua demanda surge ainda na década de 1990 como

forma de solução tanto para reverter impactos socioculturais, ambientais e econômicos

advindos da instalação de grandes empreendimentos privados e governamentais quanto para

buscar uma estabilização da situação com a possibilidade de conciliar a permanência da

população na região e preservação dos recursos utilizados. A região na qual se pretende

implantar a Reserva está localizada em uma área no sudeste do município de São Luís, é

voltada para a Baia de São Marcos, integrante do golfão Maranhense. Segundo Miranda

(2009: 95),

Esta área, conforme “Laudo Sócio-Econômico e Biológico para criação da Reserva

Extrativista” elaborado pelo IBAMA/CNPT-MA (2006), é considerada prioritária

para conservação da biodiversidade de espécies marinhas (como o peixe-boi, o

guaiamum, o cação-bicuda, o mero, espécies ameaçadas de extinção) e abrange os

povoados de Panauaçú, Cajueiro, Porto Grande, Vila Maranhão, Limoeiro, Rio dos

Cachorros, Taim e a Ilha de Tauá-Mirim, que abriga os povoados do Portinho,

Embaubal, Jacamim, Amapá e Tauá-Mirim) (...) foram encontrados importantes

ecossistemas na área proposta para a criação da RESEX, dentre os quais merece

destaque os manguezais40

.

O problema é que o Estado, por meio de suas ações, tem priorizado os interesses

econômicos em detrimento da qualidade de vida, mesmo com todos os estudos produzidos

favoráveis à consolidação da RESEX, o que evidencia a necessidade de rediscutir seu papel

39

A Reserva Extrativista é uma das modalidades de Unidades de Conservação que tem o seu conceito normativo

definido no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SUNUC), regulado pela Lei 9.985/2000, que em seu

artigo 18 preceitua que “Reserva Extrativista é uma área utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja

subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de

animais de pequeno porte, e tem como objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populações,

e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade”. 40

O ecossistema manguezal é protegido legalmente tanto pela Constituição Federal quanto por normas diversas a

nível federal e estadual. A constituição do Maranhão, por exemplo, em seu (art. 241, IV, “a”), defende de forma

explícita as áreas de manguezais, considerando-as como áreas de preservação permanente que deverão ser

protegidas pelo Estado e pelos municípios. (MIRANDA, 2009: 96).

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no incentivo às práticas produtivas não degradantes e no reconhecimento e respeito dos

diferentes modos de vida das populações que contribuem para a sustentabilidade local.

Nessa conjuntura está inserida a comunidade de Cajueiro que vem discutindo desde o

segundo semestre de 2014 os impactos da tentativa de implantação, na área, de um complexo

portuário pela empresa WPR. Nesse sentido, foi realizada em outubro desse mesmo ano uma

Audiência Popular na Associação dos Moradores do Cajueiro em parceria com movimentos

sociais, estudantes, pesquisadores, advogados, religiosos, outros segmentos da sociedade e

entidades preocupados com a situação de risco ambiental e desapropriação que vinha sendo

desenhada a partir desse projeto advindo de interesses do governo estadual e empresarial.

Dentre a discussões, podemos citar a truculência, ameaça e intimidade da empresa clandestina

de segurança contratada pela WPR, além da coação para a venda de imóveis na região. Essa

audiência foi realizada como resposta da comunidade e de várias instituições presentes à

forma de atuação da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (SEMA) no processo de

licenciamento ambiental, sem a transparência esperada por um órgão público dessa

envergadura. Um exemplo disso foi a tentativa de realização de uma audiência pública

promovida pela mesma na Vila Maranhão, que não foi devidamente divulgada nas

comunidades do entorno e nem observados os prazos para que o Estudo de Impacto

Ambiental (EIA) fosse devidamente consultado pelos interessados, numa suposta tentativa de

aceleração do processo. Concomitante à Audiência Popular, foi realizada outra audiência

pública no Comando Geral da Polícia Militar não respeitando mais uma vez os prazos e,

segundo interpretação da comunidade, com o claro objetivo de intimidar e impedir a efetiva

participação dos reais interessados no assunto.

Na audiência popular, estiveram presentes pelo Ministério Público do Estado do

Maranhão, o promotor agrário Haroldo Brito; pela Delegacia Agrária, o delegado

Carlos Augusto; pela Defensoria Pública, o defensor Alberto Tavares, do Núcleo

Regularização Agrária da Defensoria; pela Secretaria Municipal de Urbanismo,

órgão da Prefeitura de São Luís, o superintendente da área de Terras, Habitação e

Regularização Fundiária, Anderson Lindoso; Saulo Arcangeli, da Central Sindical e

Popular, CSP-Conlutas; Rafael Silva, da Assessoria Jurídica da Comissão Pastoral

da Terra, CPT; Padre Clemir, da Coordenação da CPT no Maranhão; professores,

pesquisadores e estudantes da Universidade Federal do Maranhão, membros do

Grupo de Pesquisa: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente, GEDMMA;

Saulo Costa, também da CPT; o deputado estadual Bira do Pindaré (PSB),

presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do

Maranhão; a representação do Gabinete da Vereadora Rose Sales (PCdoB), da

Comissão de Regularização Fundiária da Câmara de Vereadores de São Luís;

Congregação Irmãs de Notre Dame de Namur, representadas pela Irmã Ane;

moradores das áreas vizinhas, que também sofrerão impactos caso esse projeto seja

aprovado pelo governo do Estado, entre estes: Rosana e Maria do Socorro, do Taim;

Maria Máxima Pires, do Rio dos Cachorros; Dona Maria, da Camboa dos Frades,

além do grande número de moradores do Cajueiro que lotou a sede e o entorno da

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Associação de Moradores, que foi a instituição que convocou a Audiência, na pessoa

do Senhor Davi. (Informação disponível em: http://cajueiroresiste.blogspot.com.br/.

Acesso em: 02/01/2016).

Os representantes que compunham a mesa ratificaram os indícios de prática de

improbidade administrativa e de prática de crime por parte da empresa, o crescimento de

conflitos envolvendo posse de terras no Maranhão, a criminalização da conduta dos posseiros

e nunca dos proprietários e apontamentos bastante relevantes sobre os Estudos de Impactos

Ambientais (EIA-RIMA) feitos pela WPR. Neste último ponto foram destacados os termos de

compensação inviáveis empoderados por um discurso desenvolvimentista e a falta de

detalhamento nas peças que tratam da emissão de poluentes, que por sua vez, não demonstram

impactos da preparação da área, como o risco à reprodução dos peixes que pode ser

drasticamente afetada com a dragagem do mar na região. Também foi tratado sobre a questão

fundiária da área. A título de responsabilidade pelo drama vivido pelos moradores, acredita-se

que a empresa Suzano Papel e Celulose esteja vinculada à WPR, mas não assume seu

posicionamento devido ao conflito gerado e à preservação da sua imagem no mercado

internacional. Esta suspeita se deve ao fato de que, em 2011, o Governo do Estado do

Maranhão emitiu decreto de desapropriação da área em favor da Suzano que tinha o interesse

na construção de um porto. Porém, esse projeto não foi adiante e, em 2014, surge a em

empresa WPR, subsidiária da gigante do mercado construção civil paulista WTorre S.A,,

como agente da construção do terminal portuário na praia de Parnauaçu, no Cajueiro. Outro

fator levantado pelos presentes foi a importância de resistência da comunidade que pressiona

pelos seus direitos. A comunidade do Cajueiro é de fundamental importância, pois está

localizada nas proximidades da RESEX de Tauá-Mirim e tem uma de suas localidades, a praia

de Parnauaçu no interior do perímetro da RESEX.

Desde 2007, a Reserva de Tauá-Mirim teve seus estudos concluídos e os mesmos

indicaram a sua viabilidade. No entanto, seu projeto de criação aguarda apenas a anuência do

Governo do Estado do Maranhão para que seja implementada pelo Governo Federal. A sua

criação é estratégica para a proteção de uma grande área de preservação ambiental no Estado

e para a perpetuação do modo de vida das populações tradicionais locais que são formadas por

pescadores e agricultores41

.

41

O termo “povos e comunidades tradicionais” foi legalmente definido pelo Decreto nº 6.040 de 07 de fevereiro

de 2007, que estabeleceu em seu art. 3º, um conceito normativo a cerca dessas populações: “grupos

culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social,

que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa,

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Os quadros abaixo mostram as manchetes das notícias e a data em que foram

publicadas nos jornais analisados neste trabalho. Para uma melhor visualização dessa

conjuntura e a partir do que foi proposto para este trabalho, busco sistematizar as notícias

divulgadas nos jornais de maior circulação e na imprensa alternativa com os fatos

mencionados acima. Ressalto que, apesar de ter situado esses fatos mais detidamente ao ano

de 2014, o Jornal Vias de Fato acompanhou esse processo e apresenta um panorama geral do

que aconteceu no ano de 2015. Portanto, utilizarei a mesma metodologia do capítulo anterior

para analisar as notícias divulgadas sobre a comunidade do Cajueiro, nesse caso, separando-as

pelos títulos das manchetes e pelo jornal.

Quadro 4: Manchetes do Jornal Pequeno

Manchetes – Jornal Pequeno Data de Publicação

“Moradores se manifestam contra presença de

empresas no Cajueiro”

24/07/2014

“Mantido decreto que autoriza desapropriação de

área para construção de porto pela Suzano”

15/08/2014

“Moradores do Cajueiro bloqueiam BR-135 para

protestar contra milícia”

15/10/2014

“Moradores se acorrentam em escola para evitar

realização de audiência”

17/10/2014

“DPE garante uso definitivo da terra e de recursos

naturais pela comunidade”

05/05/2015

Fonte: sistematização feita pela autora

Quadro 5: Manchetes do jornal O Estado do Maranhão

Manchetes - O Estado do Maranhão Data de Publicação

“Judiciário decide a favor de porto da Suzano na

Ilha”

15/08/2014

Fonte: sistematização feita pela autora

ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição

(MIRANDA, 2009: 93).

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Quadro 6: Manchetes do jornal Vias de Fato

Manchetes – Jornal Vias de Fato Data de Publicação

“Comunidade Cajueiro protesta contra milícia e

bloqueia BR-135”

14/08/2014

“Defensoria garante uso da terra e de recursos

naturais pela comunidade do Cajueiro”

23/08/2014

“A comunidade do Cajueiro está ameaçada!” 28/08/2014

“Veja íntegra da decisão que suspendeu

licenciamento atropelado pretendido por WPR e

Sema!”

06/09/2014

“Pela criação da reserva extrativista de Tauá-

Mirim”

20/11/2014

“Comunidade Cajueiro interdita BR-135” 23/12/2014

“Nota pública – empresa destrói casas da

comunidade Cajueiro no Maranhão”

26/12/2014

“Urgente! No apagar das luzes, governo anterior

tenta entregar o Cajueiro para WPR”

06/01/2015

“Desapropriação do Cajueiro” 12/01/2015

“TAUÁ MIRIM - Suspenso o uso e ocupação do

solo para implantação de terminal portuário da

WPR”

17/03/2015

“DPE garante uso definitivo da terra e de recursos

naturais pela comunidade do Cajueiro”

07/05/2015

“Polícia impede protesto da comunidade cajueiro

contra o governo do estado”

05/11/2015

Fonte: sistematização feita pela autora

No Jornal Pequeno foram divulgadas quatro notícias no período de setembro ao final

do ano de 2014 referentes ao contexto de mobilização dos moradores da comunidade e de

medidas jurídicas no âmbito do conflito. No ano de 2015, apenas uma notícia foi divulgada. A

seguir, o resumo das notícias levantadas:

1) Moradores se manifestam contra presença de empresas no Cajueiro. A manifestação

dos moradores contra a presença de empresas no Cajueiro onde denunciavam as

atitudes ilegais por parte das empresas J.M Engenharia e da Urbaniza no Cajueiro. O

presidente da União dos Moradores do Cajueiro, David de Jesus, falou sobre a

derrubada de casas não indenizadas pelos empreendedores que pretendem construir o

Porto. Como resposta, a J.M Engenharia, que procurou a redação do jornal, afirmou

ser proprietária da área em questão e que este serviço é realizado com a devida

permissão dos populares e frisou que o trabalho é acompanhado pela Promotoria

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Especializada em Conflitos Agrários. Nega qualquer espécie de intimidação,

destacando que os trabalhos são feitos dentro da legalidade.

2) Mantido decreto que autoriza desapropriação de área para construção de porto pela

Suzano. O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA) foi

desfavorável, por maioria de votos, a um mandado de segurança que pedia a anulação

de decreto da governadora Roseana Sarney, que autorizou a desapropriação de área

para construção de terminal portuário a ser explorado pela Suzano Papel e Celulose,

em São Luís. O desembargador, seguido por unanimidade, concluiu que os

impetrantes não juntaram nenhum documento comprobatório, nem título de

propriedade: apenas certidão do registro imobiliário, onde consta a cadeia sucessória

de área das terras, que integraria o terreno a ser ocupado.

3) Moradores do Cajueiro bloqueiam BR-135 para protestar contra milícia. A

comunidade alega que está sofrendo ameaças por parte de funcionários de uma

empresa de vigilância chamada WPR. O conteúdo da notícia apresenta informações do

padre Clemir Batista (membro da CPT), no qual explica os impactos causados por

uma possível construção do Porto naquela área. Nesse evento foram presos pela

Polícia Rodoviária Federal quatro pessoas (seguranças) com cassetetes e armas

brancas.

4) Moradores se acorrentam em escola para evitar realização de audiência sobre o

Terminal Portuário de São Luís. Quatro pessoas se acorrentaram na entrada da escola

para evitar a realização da audiência. Os acorrentados (moradores das comunidades

que iriam ser impactadas) alegam serem contra a construção do porto por retirarem

famílias que vivem há anos lá, sobrevivendo da pesca e da agricultura.

5) DPE garante uso definitivo da terra e de recursos naturais pela comunidade. A

Defensoria Pública do Estado (DPE), por meio do Núcleo de Moradia e Defesa

Fundiária, obteve sentença que determina a abstenção, por parte da empresa WPR São

Luís Gestão de Portos, de atos que impeçam a realização de plantações, de

construções, do extrativismo e da pesca pela comunidade do Cajueiro, situada na

região da Vila Maranhão, na capital. A decisão é fruto de medida cautelar preparatória

de ação civil pública movida pela DPE contra o Estado do Maranhão e a WPR São

Luís Gestão de Portos, que pretende instalar no local um terminal portuário e vinha

proibindo, através de uma empresa de segurança, a comunidade de utilizar o seu

território, inclusive impedindo o acesso às praias de Cajueiro e Parnauaçu.

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O jornal O Estado do Maranhão publicou apenas uma notícia com a manchete

“Judiciário decide a favor de porto da Suzano na Ilha”, praticamente a mesma notícia

divulgada pelo JP, mas acrescentando informações sobre o Terminal, falando sobre os planos

de expansão do Porto do Itaqui pela Empresa Maranhense de Administração Portuária

(Emap), nos quais consta o projeto de um terminal de celulose com estrutura de recebimento,

armazenagem e expedição, prevendo um berço (o futuro berço 99, no cais sul) com

capacidade para movimentar até 1,5 milhão de tons/ano. A estimativa é que todo o projeto,

incluindo o berço, esteiras e terminal resultem em investimento na ordem de R$ 640 milhões.

No que se refere ao Jornal Vias de Fato, mencionarei apenas algumas notícias do ano

de 2015 que não foram divulgadas pela grande mídia:

1) TAUÁ MIRIM - Suspenso o uso e ocupação do solo para implantação de terminal

portuário da WPR. De acordo com o defensor Alberto Guilherme Tavares, titular do

Núcleo de Moradia da DPE, a certidão emitida em favor da empresa portuária viola a

Lei Municipal 3.253/92, que dispõe sobre a ordenação jurídico-urbanística da capital

maranhense, dividindo o município em zonas e disciplinando o uso e ocupação do

solo. Ainda de acordo com o documento, dentre as atividades admitidas para a Zona

Industrial em questão não está inserida a atividade portuária, ressaltando que tal

atividade desenvolvida no local atualmente se deu anteriormente à vigência da lei,

sendo, portanto, na época admitida. A decisão emitida pelo secretário municipal da

Semurh, Diogo Diniz Lima, em caráter liminar, informa que analisará com maior

profundidade a tese esboçada pela Defensoria, considerando a possibilidade de dano

irreparável ou indução de outros órgãos ao licenciamento que pode ser posteriormente

questionado com eventual cassação da certidão de compatibilidade.

2) Polícia impede protesto da comunidade cajueiro contra o governo do estado. Na

manhã desta quinta-feira, dia 05/11, os moradores do Cajueiro realizariam novos

protestos contra a decisão da SEMA de validar a Licença Prévia e retomar o processo

de licenciamento – ilegal – do retroporto da WPR, que pretende se instalar na

Comunidade. Mas foram surpreendidos com 6 carros da Polícia Militar que desde a

madrugada já os esperavam na BR-135 e impediram a comunidade de realizar a

manifestação. Isso só demonstra como há um verdadeiro monitoramento do governo

as ações dos Movimentos Sociais. Agora há pouco chegou no local mais duas viaturas

da Polícia Federal. A nota enviada pela Comunidade, fala sobre reuniões que

aconteceram ainda em 2014 antes da posse do governador eleito, Flávio Dino, com o

futuro secretário da Articulação Política do novo governo, senhor Márcio Jerry, disse

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ao Cajueiro e demais comunidades ameaçadas pelo projeto de construção do

megaporto da WPR na área, que direitos seriam respeitados; que não haveria

“assimetria de tratamento”; que o diálogo seria a marca, e que nenhum secretário faria

nada que não estivesse em consonância com o governador, cuja última palavra daria

em cada decisão, já que a responsabilidade era dele, por ter sido ele o eleito pelo povo.

Há poucos dias, apareceu no jornal O Estado do Maranhão um aviso de Requerimento

de Licença Ambiental de Instalação feito pela WPR à SEMA (Secretaria Estadual de

Meio Ambiente). Ora, para se requerer a LICENÇA DE INSTALAÇÃO, é preciso já

ter a LICENÇA PRÉVIA – LP (que havia sido suspensa, mas não cancelada). E esta

LP, ao contrário do que a lei determina, nunca fora publicada. Pior: a SEMA nem

sequer fornece vista e cópia do processo de licenciamento aos interessados. E o faz

porque está ciente de que a WPR não possui a certidão de uso e ocupação do solo,

requisito básico para o projeto, e sabe que, sob o caso, pairam graves suspeitas de

grilagem, que estão sendo investigadas.

A análise das notícias sobre o Cajueiro mais uma vez reforça os critérios de publicação

utilizados pelo jornalismo tradicional e as caraterísticas de denúncia do impresso alternativo.

No Jornal Pequeno, por exemplo, só houve uma sequência incisiva de notícias sobre a

comunidade porque houve fontes que facilitaram a construção da notícia com o fornecimento

de dados sobre o acontecimento. No jornal o Estado do Maranhão, apenas foi dada a notícia

sobre a decisão do judiciário a favor do Porto, fator que se inclina aos seus interesses. No seu

conteúdo, ainda destacou as vantagens produtivas do terminal portuário, fato que não causa

estranheza, tendo em vista que neste jornal tem um caderno especificamente para tratar de

assuntos sobre Portos no Maranhão. O Jornal Vias de Fato vem acompanhando todo o

processo com notícias extensas sobre o caso, realçando os agentes envolvidos e

problematizando o caso, além de elencar links que levam a notícias mais detalhadas sobre o

caso. No que se refere ao posicionamento do governo, apesar de ter mudado de gestão com

uma promessa de ser “aberto ao diálogo”, assim como o governo anterior, mantém-se em

silêncio quanto à comunidade do Cajueiro e, consequentemente, à Reserva Extrativista de

Tauá-Mirim.

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5. CONCLUSÃO

No início deste trabalho formulei duas perguntas para tentar respondê-las ao final das

análises propostas: o jornalismo se constitui como um serviço público ou como um mero

negócio quando oculta, minimiza ou ressignifica os impactos causados por grandes

empreendimentos degradadores do meio ambiente? Quais os sentidos que as notícias podem

conferir à realidade social que se apresenta? Considerando que as empresas jornalísticas que

compõem a grande mídia possuem uma estrutura organizacional que muitas vezes restringe o

trabalho do jornalista que nelas trabalham através do fator tempo, das horas de fechamento,

imediatismo e dos constantes constrangimentos impostos pela condição de hierarquia

estabelecida dentro dessas empresas, é importante separar o jornalista da instituição para

termos uma visão mais clara quanto à construção das notícias. Nem sempre um acontecimento

registrado por um jornalista vai ser noticiado pelo veículo de comunicação devido às

condições de percepção ou interesses do editor-chefe, por exemplo. Ou então, é noticiado de

forma muito fragmentada de maneira a atribuir os sentidos que se espera serem capturados da

mesma forma pelo leitor. Tal como percebi na veiculação de notícias dos jornais de maior

circulação no Maranhão, o discurso desenvolvimentista próprio aos donos destes e aos seus

interesses políticos, quando relacionado às informações referentes aos conflitos

socioambientais, na maioria dos casos, trata-os de forma transversal no conteúdo de modo a

realçar a importância dos grandes empreendimentos para o crescimento econômico do Estado.

Nesse campo ambiental, os conflitos são colocados de modo a serem problemas passíveis de

compensações e projetos sociais que são amplamente noticiados nesses meios, portanto,

minimizando os seus impactos, sobretudo, aos diferentes modos de vida locais. Nos casos que

compreendem a ação ilegal de madeireiros em territórios indígenas e quilombolas, os

acontecimentos só se transformam em notícia quando evidenciados por mortes ou situações

de desastres, valores importantes no critério de seleção, mas que revela apenas o lado

concorrencial do campo jornalístico, do “furo de reportagem” e, por conseguinte, a disposição

em não investigar causas.

Os dados citados sobre o número de notícias divulgadas no Jornal Pequeno e O Estado

do Maranhão, podem aparentar um serviço à sociedade ao publicizar os conflitos que muitas

vezes são alheios à maioria da população. No entanto, a cobertura territorial dos conflitos que

é alcançada pelas notícias levantadas é um número irrelevante comparado à realidade do

Estado nesse aspecto. Por outro lado, os acontecimentos que são noticiados não possibilitam

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ao leitor uma reflexão mais aprofundada quanto a essa problemática e muito menos condições

de fazer com que a sociedade cobre de maneira eficaz o Estado e as empresas ambientalmente

degradadoras para que adotem uma postura de responsabilidade social e ambiental. Ao

contrário, a exaltação ao desenvolvimento que acompanha esses grandes empreendimentos é

adotada como estratégia política pelo próprio governo através dos meios de comunicação.

Como o lucro que as empresas jornalísticas precisam para manter a sua estrutura que vem da

publicidade oriunda principalmente dos grandes empreendimentos instalados no Estado, ou

mesmo da própria prefeitura e do governo, como é o caso do Jornal Pequeno atualmente, não

é de interesse dessas empresas que a imagem de seus principais fornecedores seja negativa.

Ou então de contrariar interesses inerentes ao próprio jornal, como O Estado do Maranhão

que desde os seus se constitui como mediação de promoção política.

Por isso, a importância dos impressos alternativos, pois envolvem uma pluraridade de

vozes que não tem espaço na mídia tradicional e informa de maneira a levantar

questionamentos, se tornando uma importante ferramenta política para grupos sociais

invisibilizados. No contexto maranhense que tem como uma de suas principais características

a concentração dos meios de comunicação pelo grupo que controla um dos jornais de maior

circulação do Estado, está imbricado uma restrição ao debate público à medida que há uma

monopolização da informação. Mesmo que o Jornal Vias de Fato seja distribuído em espaços

muito específicos, é uma opção que destoa da mídia tradicional ao tratar sobre diferentes

modos de vida em relação ao uso da natureza e luta pela preservação do meio ambiente, tais

como as comunidades tradicionais, povos indígenas e quilombolas. Se os meios de

comunicação nos dizem no que pensar através das frequentes pautas do que os jornalistas

consideram como temas importantes para o conhecimento do público em geral, nesse caso, é

importante que saibamos as causas dos numerosos conflitos socioambientais existentes no

Estado para que parte da população que desconhece esses problemas se mobilize junto

àqueles diretamente impactados e também pressionem os órgãos públicos para soluções

efetivas.

Durante as pesquisas percebi lacunas que não foram possíveis de ser preenchidas neste

trabalho, tais como a investigação do funcionamento interno destes jornais em suas rotinas e

entrevistas com profissionais da área para saber se outro aspecto que implica na fragmentação

ou pouca divulgação das notícias dos jornais tradicionais em relação ao campo ambiental se

refere à dificuldade de tratar assuntos tão específicos como os conflitos socioambientais que

exigem um conhecimento também específico em seu campo. Estudos futuros poderão se

debruçar sobre esses desafios.

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